Na Linha de Frente: - Front Line Defenders
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>:<br />
Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil,<br />
1997 - 2001
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Índice 1<br />
Apresentação: <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 2<br />
In Memoriam 3<br />
Lista <strong>de</strong> siglas 4<br />
Agra<strong>de</strong>cimentos 5<br />
1. Resumo Executivo e Recomendações 6<br />
2. Apresentação do problema 13<br />
2.1 Definindo os Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos 13<br />
2.2 Defesa dos Direitos Humanos no Brasil: O Contexto 14<br />
2.3 Contexto Histórico 15<br />
2.4 Vestígios da Ditadura Militar: Espionagem do governo sobre os<br />
cidadãos<br />
2.5 O Brasil e a Proteção Internacional dos Direitos humanos 17<br />
2.6 O Brasil e os Mecanismos Especiais da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos das <strong>Na</strong>ções Unidas<br />
2.7 O status legal da Defesa dos Direitos Humanos 20<br />
2.8 A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monitorar os direitos humanos 21<br />
2.9 Impunida<strong>de</strong> 22<br />
3. A Defesa dos Direitos Humanos no Brasil Rural: intensificação <strong>de</strong><br />
Conflitos e Ataques Direcionados<br />
4. A Defesa dos Direitos Humanos no Brasil Urbano: luta contra violência<br />
da polícia, crime organizado e corrupção<br />
5. A Defesa do Meio Ambiente: Conflitos, Interesses Po<strong>de</strong>resos e Violência 87<br />
6. Em Defesa dos Direitos Indígenas: a luta pelo reconhecimento das terras<br />
e práticas tradicionais<br />
7. Em Defesa dos Direitos Trabalhistas no Brasil Urbano: investigações<br />
sobre corrupção levam à violência<br />
8. Representantes Eleitos e a Defesa dos Direitos Humanos: as autorida<strong>de</strong>s<br />
não estão imunes à violência<br />
Anexo I: Declaração sobre o Direito e o Dever dos Indivíduos, Grupos e<br />
Instituições em Promover e Proteger os Direitos Humanos e as<br />
Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais Universalmente Reconhecidas<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 2<br />
15<br />
19<br />
24<br />
55<br />
97<br />
103<br />
109<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Anexo II: Ficha para registro <strong>de</strong> violações contra <strong>de</strong>fensores dos direitos<br />
humanos<br />
Apresentação<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong><br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> é uma organização não governamental internacional para a proteção dos<br />
<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. A <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, imparcial e está sediada na<br />
Irlanda. Fundada em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2001, em Dublin, a <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> foi criada como<br />
resultado direto da Conferência <strong>de</strong> Paris, em 1998 e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver um órgão cujas<br />
ativida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>legações fossem dirigidas especialmente para os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos<br />
humanos.<br />
O que é um <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> direitos humanos? Um <strong>de</strong>fensor dos direitos humanos é uma pessoa<br />
que trabalha, <strong>de</strong> forma pacífica, por qualquer dos direitos consagrados na Declaração<br />
Universal dos Direitos Humanos. A <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> apóia estes indivíduos em suas ativida<strong>de</strong>s, e<br />
tenta assegurar que nenhum dano físico ou mental resulte <strong>de</strong> seu trabalho pelos direitos<br />
humanos.<br />
O foco principal da <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> é a proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos em risco,<br />
temporário ou permanente, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho em favor <strong>de</strong> seus concidadãos. A <strong>Front</strong><br />
<strong>Line</strong> promove a conscientização sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim<br />
como outras relevantes normas internacionalmente reconhecidas.<br />
O alicerce <strong>de</strong> <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> é a indivisibilida<strong>de</strong> e inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> todos os direitos humanos<br />
– civis, culturais, econômicos, políticos e sociais.<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global<br />
Fundado em 1999, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global é <strong>de</strong>dicado à promoção da justiça social e dos<br />
direitos humanos no Brasil, através <strong>de</strong> pesquisa, rigorosa documentação e da elaboração <strong>de</strong><br />
relatórios sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. O Centro <strong>de</strong> Justiça Global tem seu<br />
trabalho baseado no uso dos mecanismos internacionais <strong>de</strong> proteção dos direitos humanos. O<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global é peticionário <strong>de</strong> vários casos frente ao sistema interamericano <strong>de</strong><br />
proteção dos direitos humanos da Organização dos Estados Americanos, e encaminhou cerca<br />
<strong>de</strong> quarenta <strong>de</strong>núncias aos mecanismos especiais das <strong>Na</strong>ções Unidas. O Centro <strong>de</strong> Justiça<br />
Global apóia e incentiva o a utilização <strong>de</strong> mecanismos internacionais através <strong>de</strong> cursos<br />
intensivos, treinamentos in loco e ações conjuntas em nível internacional com as ONGs<br />
brasileiras.<br />
Um ponto chave do trabalho do Centro <strong>de</strong> Justiça Global tem sido a proteção dos <strong>de</strong>fensores<br />
dos direitos humanos. Des<strong>de</strong> a criação do cargo <strong>de</strong> Representante Especial da ONU sobre os<br />
Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos na sessão <strong>de</strong> março-abril <strong>de</strong> 2000 da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos das <strong>Na</strong>ções Unidas (na qual o Centro <strong>de</strong> Justiça Global participou), temos<br />
trabalhado com a atual Representante Especial, Hina Jilani, fornecendo informações sobre<br />
casos individuais <strong>de</strong> abusos cometidos contra <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos, assim como<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 3<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
sobre o contexto no qual estas violações ocorreram. Este relatório preten<strong>de</strong> fornecer à<br />
Representante Especial, assim como à comunida<strong>de</strong> internacional como um todo, uma visão<br />
abrangente dos complexos riscos <strong>de</strong>safios que enfrentam os <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos<br />
no Brasil.<br />
Outras publicações, assim como as petições internacionais encaminhadas pelo Centro <strong>de</strong><br />
Justiça Global e informações adicionais sobre nosso trabalho estão disponíveis, em inglês e<br />
português, no site, www.global.org.br<br />
In Memoriam<br />
A <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e o Centro <strong>de</strong> Justiça Global gostariam <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar este relatório a todos aqueles<br />
que <strong>de</strong>ram suas vidas lutando para que outros pu<strong>de</strong>ssem usufruir os direitos consagrados na<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em particular, gostaríamos <strong>de</strong> homenagear<br />
aqueles que foram assassinados em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos, como<br />
registrado neste relatório e apresentado na tabela abaixo.<br />
LISTA PARCIAL DOS DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS ASSASSINADOS NO BRASIL, 1997 - 2001<br />
Guaraci Novaes Barbosa Rio <strong>de</strong> Janeiro Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1997<br />
Fulgêncio Manoel da Silva Pernambuco Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1997<br />
Onalício Araújo Barros Pará Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1998<br />
Valentim da Silva Serra Pará Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1998<br />
Cícero Lucas <strong>de</strong> La Pena Pernambuco Vereador 1998<br />
Eucli<strong>de</strong>s Francisco <strong>de</strong> Paulo Paraná Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1999<br />
Maria Nivanei<strong>de</strong> Santos Costa Sergipe Ativista dos direitos da criança 1999<br />
Luiz Carlos da Silva Pernambuco Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 1999<br />
Carlos Magno <strong>Na</strong>zareth Cerqueira Rio <strong>de</strong> Janeiro Delegado <strong>de</strong> Polícia aposentado 1999<br />
Edma Valadão Rio <strong>de</strong> Janeiro Lí<strong>de</strong>r sindical 1999<br />
Marcos Valadão Rio <strong>de</strong> Janeiro Lí<strong>de</strong>r sindical 1999<br />
João Elízio Lima Pessoa Goiás Lí<strong>de</strong>r sindical 2000<br />
Sebastião Maia Pará Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 2000<br />
Manoel Maria <strong>de</strong> Souza Costa São Paulo Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 2000<br />
José Dutra da Costa Pará Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 2000<br />
Darlan Pereira da Silva Mato Grosso Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 2000<br />
João Dantas <strong>de</strong> Brito RG do Norte Ambientalista 2001<br />
A<strong>de</strong>mir Alfeu Fe<strong>de</strong>ricci Pará Ambientalista 2001<br />
Aldamir Carlos dos Santos Rio <strong>de</strong> Janeiro Lí<strong>de</strong>r sindical 2001<br />
Carlos Gato Sergipe Vereador 2001<br />
José Pinheiro <strong>de</strong> Lima, esposa e<br />
filho<br />
Pará Lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais 2001<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 4
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
LISTA DE SIGLAS<br />
APAVV Associação dos Parentes e Amigos das Vítimas <strong>de</strong> Violência<br />
CNA Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional da Agricultura<br />
CPI Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito<br />
CPT Comissão Pastoral da Terra<br />
CUT Central Única dos Trabalhadores<br />
CEDECA Centro <strong>de</strong> Defesa da Criança e do Adolescente<br />
DRACO Delegacia <strong>de</strong> Repressão ao Crime Organizado<br />
FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor<br />
FETAGRI Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores da Agricultura<br />
FENAJ Fe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Jornalistas<br />
FUNAI Fundação <strong>Na</strong>cional do Índio<br />
GTNM Grupo Tortura Nunca Mais<br />
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos <strong>Na</strong>turais Renováveis<br />
INCRA Instituto <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária<br />
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra<br />
MNMMR Movimento nacional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua<br />
MNDH Movimento <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
OAB Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil<br />
PT Partido dos Trabalhadores<br />
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira<br />
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais<br />
STD Sindicato dos Trabalhadores Domésticos<br />
SRP Sindicato Rural Patronal<br />
SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia<br />
UDR União Democrática Ruralista<br />
UDPR União <strong>de</strong> Defesa das Proprieda<strong>de</strong>s Rurais<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 5
Agra<strong>de</strong>cimentos<br />
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Este relatório é resultado do esforço conjunto da equipe <strong>de</strong> trabalho e estagiários do Centro <strong>de</strong><br />
Justiça Global, com o apoio e cooperação da <strong>Front</strong> <strong>Line</strong>. Os relatórios <strong>de</strong> ocorrências foram<br />
investigados e transcritos por uma equipe supervisionada por nossa coor<strong>de</strong>nadora jurídica,<br />
Andressa Caldas, e nossa diretora <strong>de</strong> pesquisa e comunicação, Sandra Carvalho. A equipe <strong>de</strong><br />
pesquisa inclui <strong>Na</strong><strong>de</strong>jda Marques (economista, consultora), Leandro Franklin Gorsdorf<br />
(advogado, trainee), Flávia Helena <strong>de</strong> Lima (advogada, trainee), Inácio Sodré Rodrigues<br />
(advogado, trainee), Richard Hanson (estagiário), Benjamin Lessing (estagiário) e Ehren Park<br />
(estagiário). Hanson, Lessing e Park revisaram e traduziram o resumo dos casos; Lessing<br />
coor<strong>de</strong>nou essas revisões e traduções. A professora Cecília Coimbra escreveu a seção sobre os<br />
vestígios da ditadura militar com a assistência <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> <strong>Na</strong><strong>de</strong>jda Marques. James Louis<br />
Cavallaro, diretor executivo da Justiça Global, escreveu todas as outras seções analíticas e <strong>de</strong><br />
conjuntura, inclusive a introdução, o sumário e as recomendações, e editou todo o relatório.<br />
Em especial, agra<strong>de</strong>cemos ao <strong>de</strong>putado Nelson Pellegrino, da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
da Câmara dos Deputados, assim como a Márcio M. Araújo, Secretário Executivo da<br />
Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara e sua <strong>de</strong>dicada equipe, por sua cooperação,<br />
fornecimento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos materiais utilizados durante o processo <strong>de</strong> pesquisa. O<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global também gostaria <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer a todos aqueles que forneceram<br />
informações para este relatório e respon<strong>de</strong>ram a nossas solicitações <strong>de</strong> entrevista, sejam eles<br />
<strong>de</strong>fensores dos direitos humanos, organizações não governamentais ou autorida<strong>de</strong>s públicas.<br />
Gostaríamos também <strong>de</strong> expressar nosso apreço à Fundação Ford por seu apoio a essa<br />
publicação.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 6
1. Resumo Executivo<br />
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
A <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos no Brasil é uma tarefa perigosa. Em quase todo contexto em<br />
que os <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos atuam – seja em conflitos rurais, na luta contra a<br />
brutalida<strong>de</strong> da polícia urbana e a violência do crime organizado, na <strong>de</strong>fesa do meio ambiente e<br />
dos povos indígenas ou em comissões parlamentares <strong>de</strong> direitos humanos – eles enfrentam<br />
assédios, intimidações por processos judiciais sem justificativa, ameaças <strong>de</strong> morte, agressões<br />
físicas e até mesmo assassinatos. Este relatório analisa cinqüenta e sete inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
violência e abuso contra <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos – <strong>de</strong>zenove casos <strong>de</strong> homicídio,<br />
causadores <strong>de</strong> vinte e três mortes, e outros trinta e oito inci<strong>de</strong>ntes, incluindo tentativa <strong>de</strong><br />
homicídio, ameaças <strong>de</strong> morte e outras formas <strong>de</strong> abuso – nos últimos cinco anos. Estes não<br />
foram os únicos casos durante este período, mas representam uma amostragem <strong>de</strong> uma<br />
tendência nacional assustadora. Os números são impressionantes: vinte e três mortes, trinta e<br />
duas ameaças <strong>de</strong> morte, quatro tentativas <strong>de</strong> homicídio, quatro processos judiciais sem<br />
justificativa, quatro espancamentos, um seqüestro, um <strong>de</strong>saparecimento e duas <strong>de</strong>tenções<br />
injustificada.<br />
Este relatório busca lançar luzes sobre uma série <strong>de</strong> aspectos da <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos<br />
no Brasil que merecem atenção. Em primeiro lugar, os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos no<br />
Brasil compõem um grupo bastante variado. Ainda que a maioria pertença a algum grupo<br />
organizado da socieda<strong>de</strong> civil, como organizações não governamentais movimentos sociais ou<br />
sindicatos, muitos <strong>de</strong>fensores são autorida<strong>de</strong>s públicas, promotores ou parlamentares. O que<br />
eles têm em comum é o seu trabalho em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um ou mais direitos consagrados na<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em segundo lugar, ainda que se consi<strong>de</strong>re que<br />
as autorida<strong>de</strong>s públicas, promotores e parlamentares, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus cargos, po<strong>de</strong>riam<br />
gozar <strong>de</strong> uma proteção adicional em relação aos membros dos grupos da socieda<strong>de</strong> civil,<br />
mesmo essas autorida<strong>de</strong>s públicas não estão imunes a agressões.<br />
Este relatório busca <strong>de</strong>monstrar os riscos e perigos da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos no Brasil ao<br />
analisar casos <strong>de</strong> abuso e intimidação que afetam os <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos no<br />
Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997, bem como a resposta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s públicas frente a estes inci<strong>de</strong>ntes. O<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global optou por limitar este relatório a casos ocorridos nos últimos cinco<br />
anos <strong>de</strong>vido à existência <strong>de</strong>, literalmente, centenas <strong>de</strong> casos na última década. A partir do<br />
universo <strong>de</strong> todos os casos, nós buscamos nos concentrar em: 1) tipos <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> maior<br />
gravida<strong>de</strong>; 2) casos <strong>de</strong> violação que melhor representavam e ilustravam as dificulda<strong>de</strong>s<br />
enfrentadas pelos <strong>de</strong>fensores; 3) casos que representavam a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contextos na qual<br />
os <strong>de</strong>fensores enfrentam riscos no Brasil; 4) casos que <strong>de</strong>monstram a diversida<strong>de</strong> regional <strong>de</strong><br />
violações; 5) casos que estivessem bem documentados e 6) casos conhecidos pelas<br />
autorida<strong>de</strong>s. Infelizmente, fomos forçados a eliminar vários casos por falta <strong>de</strong> informações<br />
corroborativas. Neste sentido, embora o relatório inclua vinte e três mortes, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
ameaças <strong>de</strong> morte e outros tipos <strong>de</strong> abusos, estes casos são apenas uma amostra das muitas<br />
violações enfrentadas pelos <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos no Brasil.<br />
Como o relatório <strong>de</strong>monstra, o maior número <strong>de</strong> casos registrados refere-se a conflitos rurais,<br />
num total <strong>de</strong> vinte e um inci<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>z dos quais fatais, causando um total <strong>de</strong> treze vítimas.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 7
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Devido ao quadro <strong>de</strong> violência que tem caracterizado as disputas por terra no Brasil, isso não<br />
<strong>de</strong>veria causar surpresa. Os casos documentados nesse estudo representam apenas uma fração<br />
do número <strong>de</strong> assassinatos cometidos em conflitos rurais nos últimos cinco anos. No contexto<br />
rural, os casos que <strong>de</strong>stacamos são limitados a lí<strong>de</strong>res e ativistas <strong>de</strong> direitos, isto é, aqueles<br />
que <strong>de</strong>dicaram suas vidas à <strong>de</strong>fesa dos direitos <strong>de</strong> outros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> estarem ou<br />
não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo seu próprio direito <strong>de</strong> acesso à terra.<br />
Embora tenhamos i<strong>de</strong>ntificado que o setor rural é o mais violento para os <strong>de</strong>fensores, cada<br />
uma das áreas aqui examinadas constituiu sérias ameaças à vida e à integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong><br />
alguns ativistas. Por exemplo, nos <strong>de</strong>zesseis inci<strong>de</strong>ntes envolvendo a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos no<br />
contexto urbano, três casos foram registrados com três vítimas fatais. Dos cinco casos<br />
envolvendo ativistas do meio ambiente, dois foram homicídios, causando duas vítimas.<br />
Quatro inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> abusos e ameaças contra ativistas indígenas foram relatados. O relatório<br />
ilustra ainda cinco inci<strong>de</strong>ntes atingindo ativistas dos direitos trabalhistas urbanos; três <strong>de</strong>les<br />
foram assassinatos, num total <strong>de</strong> quatro vítimas. Finalmente, dos seis inci<strong>de</strong>ntes envolvendo<br />
parlamentares, relatamos um homicídio, com uma vítima.<br />
O problema tem claramente uma abrangência nacional, como este relatório testemunha,<br />
registrando inci<strong>de</strong>ntes em <strong>de</strong>zoito das vinte e sete unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rativas do Brasil (vinte e seis<br />
estados e o distrito fe<strong>de</strong>ral). O número <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes documentados por estado, em or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong>crescente, segue: Rio <strong>de</strong> Janeiro (10); Pará (7); Bahia, Mato Grosso, Paraná, Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte e São Paulo (4); Espírito Santo, Pernambuco e Sergipe (3); Goiás e Tocantins (2); Acre,<br />
Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (1).<br />
Este relatório traz uma série <strong>de</strong> recomendações que optamos por apresentar bem no início,<br />
porque nossa meta é garantir não apenas o reconhecimento das graves circunstâncias em que<br />
muitos ativistas <strong>de</strong> direitos atuam no Brasil, mas também pressionar as autorida<strong>de</strong>s brasileiras<br />
a garantir total respeito e proteção aos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos.<br />
Recomendações<br />
O Centro <strong>de</strong> Justiça Global e <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> instam o Governo do Brasil a tomar as seguintes 1<br />
medidas para ajudar a garantir a integrida<strong>de</strong> física daqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos<br />
humanos no Brasil, assim como para garantir que aqueles que ameaçam, intimidam, abusam<br />
ou assediam esses <strong>de</strong>fensores sejam responsabilizados judicialmente.<br />
1. Garantir a aplicação dos princípios na Declaração das <strong>Na</strong>ções Unidas sobre<br />
Defensores dos Direitos Humanos<br />
A Declaração das <strong>Na</strong>ções Unidas sobre Direitos e Responsabilida<strong>de</strong>s dos Indivíduos, Grupos<br />
e Órgãos da Socieda<strong>de</strong> para Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberda<strong>de</strong>s<br />
Individuais Universalmente Reconhecidos, adotada pela Assembléia Geral das <strong>Na</strong>ções Unidas<br />
em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 (e incluída como Apêndice 1 neste relatório) contém princípios<br />
vitais concernentes à proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. O governo brasileiro <strong>de</strong>ve<br />
tomar medidas para garantir que os princípios contidos na Declaração das <strong>Na</strong>ções Unidas<br />
1 Muitos dos elementos <strong>de</strong>stas recomendações foram extraídos <strong>de</strong> relatórios publicados pela Anistia Internacional e Human<br />
Rights Watch.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 8
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
sobre Direitos e Responsabilida<strong>de</strong>s dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Socieda<strong>de</strong> para<br />
Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberda<strong>de</strong>s Individuais Universalmente<br />
Reconhecidos sejam inteiramente incorporados às leis nacionais e mecanismos legais.<br />
Autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os níveis <strong>de</strong> governo <strong>de</strong>vem explicitamente se comprometer a promover<br />
o respeito pelos direitos humanos, e pela proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
2. Reconhecer a supervisão dos órgãos internacionais <strong>de</strong> direitos humanos<br />
Uma maneira crítica <strong>de</strong> fornecer aos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos as condições necessárias<br />
para exercer sua função vital é através do reconhecimento e participação integrais do governo<br />
brasileiro nos mecanismos internacionais para a proteção dos direitos humanos. A<br />
participação engajada nestes mecanismos envia uma clara mensagem à socieda<strong>de</strong> nacional <strong>de</strong><br />
que a <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos é uma ativida<strong>de</strong> social legítima e importante.<br />
a. Participar inteiramente no sistema interamericano<br />
Infelizmente, a participação do Brasil no sistema interamericano <strong>de</strong> direitos humanos tem sido<br />
limitada, particularmente em termos <strong>de</strong> reconhecimento dos prazos e recomendações lançados<br />
pela Comissão Interamericana. Nós solicitamos ao governo brasileiro que respeite os prazos<br />
impostos pela Comissão e que implemente as recomendações já impostas pela Comissão,<br />
assim como aquelas a serem lançadas em casos futuros. Em particular, nós instamos o<br />
governo a prestar particular atenção às medidas cautelares da Comissão Interamericana<br />
(muitas das quais dizem respeito à proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos), visto que<br />
estes são por natureza assuntos urgentes.<br />
b. Reconhecer a jurisdição dos Comitês Convencionais das <strong>Na</strong>ções Unidas<br />
Embora o Brasil tenha ratificado os seis principais tratados <strong>de</strong> direitos humanos (veja abaixo),<br />
ao tempo <strong>de</strong>ste relatório não havia ainda reconhecido a jurisdição <strong>de</strong> nenhum dos quatro<br />
comitês com autorida<strong>de</strong> para receber e processar queixas contra o Brasil. Nós recomendamos<br />
ao governo brasileiro que reconheça a jurisdição <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> queixas do Comitê <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos, do Comitê Contra a Tortura, do Comitê <strong>de</strong> Eliminação <strong>de</strong> Todas as<br />
Formas <strong>de</strong> Discriminação Racial e do Comitê <strong>de</strong> Eliminação <strong>de</strong> Todas as Formas <strong>de</strong><br />
Discriminação Contra as Mulheres.<br />
c. Apoiar mecanismos específicos para a proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos<br />
em nível internacional<br />
O governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve garantir total apoio aos mecanismos <strong>de</strong> proteção dos direitos humanos<br />
e às iniciativas das <strong>Na</strong>ções Unidas e do sistema interamericano <strong>de</strong> direitos humanos,<br />
inclusive relatores especiais, que apoiam os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos e seu trabalho.<br />
Além disso, o governo <strong>de</strong>ve apoiar o estabelecimento do cargo <strong>de</strong> Relator Especial sobre<br />
Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos na Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos.<br />
d. Convidar a Representante Especial da ONU sobre os Defensores <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos para visitar o Brasil<br />
Justiça Global e <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> apoiam a disposição do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> cooperar com os<br />
Mecanismos Especiais das <strong>Na</strong>ções Unidas, inclusive o convite geral que o governo esten<strong>de</strong>u a<br />
todos os relatores, representantes e grupos <strong>de</strong> trabalho especiais. Neste espírito, solicitamos ao<br />
governo que marque uma visita ao Brasil da Representante Especial da ONU sobre os<br />
Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos, Hina Jilani, assim que sua agenda o permita.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 9
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
3. Investigar completamente abusos cometidos contra <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos<br />
Autorida<strong>de</strong>s dos níveis estadual e fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>vem garantir que investigações completas e<br />
imparciais sejam conduzidas em todos os casos <strong>de</strong> violações dos direitos humanos,<br />
particularmente naqueles dirigidos aos <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos; que os responsáveis<br />
sejam levados à justiça e que as vítimas e/ou seus parentes providos da <strong>de</strong>vida reparação. É<br />
óbvio que aqueles que supervisionam tais investigações <strong>de</strong>vem ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e aqueles<br />
implicados em ataques a <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos não <strong>de</strong>vem ter qualquer autorida<strong>de</strong><br />
sobre tais investigações. O resultado <strong>de</strong> tais investigações <strong>de</strong>ve ser público.<br />
4. Investigar abusos policiais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
Dado que uma parcela significativa dos casos <strong>de</strong> abusos e ameaças sofridos pelos <strong>de</strong>fensores<br />
dos direitos humanos envolve ao menos a suspeita <strong>de</strong> participação da polícia, meios efetivos e<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> investigar alegações <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r policial são vitais para qualquer<br />
programa abrangente <strong>de</strong> proteção dos direitos dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. A este<br />
respeito, apoiamos as medidas a seguir para garantir que a polícia seja investigada <strong>de</strong> uma<br />
maneira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte:<br />
a. Investigações pelos Ministérios Públicos<br />
Os Ministérios Públicos em nível estadual e fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>vem investigar rotineiramente<br />
alegações verossímeis <strong>de</strong> violência policial sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da polícia para tomar os<br />
<strong>de</strong>poimentos das testemunhas, visitar o local do crime ou fornecer outro suporte técnico. Isto<br />
é particularmente urgente nos casos em que a violência alegada envolve um <strong>de</strong>fensor dos<br />
direitos que enfrenta ameaças <strong>de</strong>vido a seu trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> abusos policiais.<br />
Embora a Constituição (artigo 129(7)) assegure a jurisdição do Ministério Público sobre<br />
abusos policiais, na vasta maioria dos estados esta cláusula constitucional é raramente<br />
invocada.<br />
b. Criar investigadores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes nos Ministérios Públicos<br />
As autorida<strong>de</strong>s brasileiras <strong>de</strong>vem elaborar e regulamentar a criação <strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> investigação<br />
<strong>de</strong>ntro dos Ministérios Públicos estaduais e fe<strong>de</strong>rais. Estes órgãos <strong>de</strong>vem estar autorizados a<br />
requerer judicialmente documentos, intimar testemunhas e investigar repartições públicas,<br />
inclusive <strong>de</strong>legacias e outros centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, para conduzir investigações completas e<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />
c. Facilitar relatos <strong>de</strong> abuso<br />
Todos aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos humanos, assim como todos os que tiveram direitos<br />
humanos violados, <strong>de</strong>vem ter acesso a um procedimento efetivo para apresentação das<br />
queixas sem medo <strong>de</strong> represálias. Tais queixas <strong>de</strong>veriam ser automaticamente levadas às<br />
divisões <strong>de</strong> direitos humanos dos Ministérios Públicos estaduais e fe<strong>de</strong>rais (a ser criado on<strong>de</strong><br />
ainda não existe).<br />
5. Fe<strong>de</strong>ralizar crimes <strong>de</strong> direitos humanos<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em janeiro <strong>de</strong> 2002, o governo fe<strong>de</strong>ral editou uma medida provisória autorizando a Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral a investigar abusos <strong>de</strong> direitos humanos cometidos nos estados. O conteúdo <strong>de</strong>sta<br />
medida permite uma interpretação que autorize a Polícia Fe<strong>de</strong>ral a investigar quase todos os<br />
tipos <strong>de</strong> violações <strong>de</strong> direitos humanos, na medida em que o governo fe<strong>de</strong>ral é em última<br />
instância responsável por assegurar e respeitar todos os direitos garantidos em todos os<br />
tratados <strong>de</strong> direitos humanos. É muito cedo para prever como isso será interpretado na prática.<br />
Mesmo se interpretada extensivamente, a medida não fala da competência <strong>de</strong> promotores e<br />
tribunais fe<strong>de</strong>rais sobre tais ofensas.<br />
Devido à responsabilida<strong>de</strong> do governo fe<strong>de</strong>ral frente à comunida<strong>de</strong> internacional, nós<br />
solicitamos ao governo brasileiro que aprove legislação garantindo a competência <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais (polícia, promotores e o judiciário) sobre abusos <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
Esta legislação precisará <strong>de</strong>finir crimes particulares contra os direitos humanos sobre os quais<br />
a jurisdição é automática, ou fornecer uma legislação secundária ou regulamentação<br />
<strong>de</strong>terminada por um órgão fe<strong>de</strong>ral como o Conselho <strong>de</strong> Defesa dos Direitos da Pessoa<br />
Humana (CDDPH).<br />
Qualquer que seja a fórmula escolhida, assassinatos, ameaças e outras formas <strong>de</strong> intimidação<br />
contra os <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos <strong>de</strong>veriam ser inclusas, pelo menos em teoria, na<br />
forma <strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ralização escolhida.<br />
6. Criar e reforçar ouvidorias através do país<br />
Todos os estados <strong>de</strong>vem criar ouvidorias inteiramente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. O mandato, os recursos<br />
e a autonomia das ouvidorias já existentes <strong>de</strong>vem ser reforçados para garantir a credibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stas instituições e sua supervisão nas <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violação. Os ouvidores <strong>de</strong>vem ser<br />
autorizados a examinar integralmente cada queixa, assim como submeter propostas <strong>de</strong><br />
representação aos promotores. Além disso, os ouvidores <strong>de</strong>vem ter o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> requisitar<br />
judicialmente pessoas e documentos (ou seja, ter o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tomar testemunhos sob pena <strong>de</strong><br />
perjúrio e requerer documentos sob pena <strong>de</strong> omissão <strong>de</strong> provas). Finalmente, as autorida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>vem garantir a integrida<strong>de</strong> física e a segurança dos ouvidores e suas equipes.<br />
7. Proteger vítimas e testemunhas<br />
Medidas urgentes precisam ser tomadas para garantir proteção a<strong>de</strong>quada aos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos, vítimas e testemunhas que não possam ser incluídos nos programas <strong>de</strong><br />
proteção às testemunhas já existentes em vários estados e em nível fe<strong>de</strong>ral. Nos casos em que<br />
as pessoas participaram <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> proteção às testemunhas, sua segurança foi<br />
assegurada, permitindo assim o sucesso <strong>de</strong> processos contra sérias violações <strong>de</strong> direitos<br />
humanos. Todos os estados <strong>de</strong>vem ter programas <strong>de</strong> proteção às testemunhas, com recursos<br />
para levar em frente sua vital missão institucional.<br />
8. Refrear processos <strong>de</strong> difamação sem fundamento<br />
As autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem tomar ações disciplinares contra agentes do estado que movem<br />
processos legais <strong>de</strong>snecessárias contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. As autorida<strong>de</strong>s<br />
brasileiras <strong>de</strong>vem assegurar que os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos tenham igual acesso à lei e<br />
que as investigações e processos judiciais contra eles sejam conduzidos <strong>de</strong> acordo com os<br />
padrões internacionais <strong>de</strong> julgamentos imparciais. Acusações criminais politicamente<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
motivadas contra <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos comprometidos com trabalhos legais em<br />
direitos humanos <strong>de</strong>vem ser encerrados e o acusado <strong>de</strong>ve ser legalmente informado do<br />
término das investigações. Investigações e acusações sem fundamento, movidas por alegação<br />
<strong>de</strong> difamação, <strong>de</strong>vem ser arquivadas; as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem tomar medidas para retificar<br />
publicamente a reputação dos envolvidos e os responsáveis por tais processos sem<br />
fundamento <strong>de</strong>vem ser submetidos a uma ação disciplinar.<br />
9. Modificar a legislação penal acerca <strong>de</strong> difamação<br />
O código penal brasileiro permite o processo por injúria, calúnia e difamação como ofensas<br />
criminais. Como <strong>de</strong>monstraremos neste relatório, processos nessas circunstâncias têm sido<br />
usados como uma maneira adicional <strong>de</strong> silenciar <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos quando eles<br />
<strong>de</strong>nunciam elementos corruptos e po<strong>de</strong>rosos da socieda<strong>de</strong> brasileira. Justiça Global e <strong>Front</strong><br />
<strong>Line</strong> solicitam à Câmara dos Deputados que elimine os crimes por injúria, calúnia e<br />
difamação, ou, como alternativa, que crie uma exceção para os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos<br />
humanos. A difamação <strong>de</strong>veria ser tratada <strong>de</strong>ntro da esfera cível, ao invés <strong>de</strong> ser tratada como<br />
um crime. Como a Anistia recomendou, os governos <strong>de</strong>veriam “assegurar que as leis<br />
criminais <strong>de</strong> difamação não sejam utilizadas para reprimir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão ou para<br />
intimidar <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos com o fim <strong>de</strong> silenciá-los, ou para proteger <strong>de</strong><br />
processos aqueles implicados em violações dos direitos humanos, acabando com as leis<br />
criminais <strong>de</strong> difamação em nível estadual e fe<strong>de</strong>ral e substituindo-as, quando necessário, por<br />
leis civis <strong>de</strong> difamação apropriadas”. 2<br />
10. Adotar programas integrados para a proteção dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos<br />
O governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolver programas integrados que incluam medidas preventivas,<br />
tais como: investigações criminais completas sobre ataques e ameaças contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos; ampla divulgação dos princípios da Declaração sobre Defensores <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos das <strong>Na</strong>ções Unidas; educação para os agentes públicos estaduais sobre o<br />
direito dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos <strong>de</strong> levar em frente suas ativida<strong>de</strong>s legítimas, assim<br />
como medidas <strong>de</strong> segurança como programas <strong>de</strong> proteção às testemunhas, tratados acima,<br />
para ajudar os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos e suas famílias com providências imediatas <strong>de</strong><br />
segurança. Estes programas <strong>de</strong>vem assegurar que todas as medidas para proteger os<br />
<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos sejam adotadas <strong>de</strong> acordo com os <strong>de</strong>sejos da pessoa que<br />
recebe a proteção.<br />
11. Desmontar sistemas <strong>de</strong> vigilância da socieda<strong>de</strong> civil e dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos<br />
Como revelado no meio do ano <strong>de</strong> 2001 e discutido abaixo, agências do exército brasileiro<br />
continuam a manter forças <strong>de</strong>dicadas à espionagem <strong>de</strong> movimentos sociais e grupos <strong>de</strong><br />
direitos humanos. Nós requeremos ao governo brasileiro que <strong>de</strong>smonte todos os sistemas <strong>de</strong><br />
espionagem, civis ou militares, em nível fe<strong>de</strong>ral e estadual, das ativida<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos. Além disso, as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem tomar medidas apropriadas para<br />
investigar integralmente relatos passados sobre espionagem, com vistas a acabar com todas as<br />
suas formas, legais ou ilegais, <strong>de</strong> vigilância telefônica ou eletrônica.<br />
12. Fornecer total acesso aos arquivos <strong>de</strong> espionagem<br />
O governo brasileiro precisa assegurar a abertura imediata e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos arquivos <strong>de</strong><br />
inteligência mantidos por forças <strong>de</strong> segurança estaduais e fe<strong>de</strong>rais, ou outras instituições<br />
2 Anistia Internacional, Mexico: Daring to raise their voices (Relatório n o AMR 41/04/2001), 2001.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
oficiais, para garantir que casos passados <strong>de</strong> espionagem ilegítima sobre <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos sejam inteiramente esclarecidos, e que os responsáveis por tais casos sejam<br />
i<strong>de</strong>ntificados e processados judicialmente. Trabalhando conjuntamente com <strong>de</strong>fensores dos<br />
direitos humanos, as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem estabelecer mecanismos apropriados para tornar<br />
conhecidos os resultados <strong>de</strong>ssa revisão e assegurar que tais abusos não sejam repetidos no<br />
futuro.<br />
13. Fornecer uma base legal a<strong>de</strong>quada para <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos<br />
As autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais competentes <strong>de</strong>vem se reunir com membros das organizações não<br />
governamentais <strong>de</strong> direitos humanos para <strong>de</strong>bater a criação <strong>de</strong> uma estrutura apropriada para<br />
permitir o completo reconhecimento das organizações não governamentais <strong>de</strong>ntro das<br />
estruturas existentes que reconhecem associações sociais sem fins lucrativos. A legislação<br />
concernente aos grupos <strong>de</strong> direitos humanos, se criada, <strong>de</strong>veria garantir, entre outros direitos,<br />
acesso a recursos públicos para os grupos <strong>de</strong> direitos registrados.<br />
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2. Apresentação do problema<br />
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Este relatório procura fornecer uma visão, ainda que parcial, das difíceis realida<strong>de</strong>s da <strong>de</strong>fesa<br />
dos direitos humanos no Brasil. Para tanto, buscou-se fornecer informações do contexto geral<br />
no qual ativistas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m direitos no Brasil, assim como contextos específicos nos quais os<br />
abusos têm ocorrido com maior freqüência 3 . O relatório documenta cinqüenta e seis<br />
inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> várias formas <strong>de</strong> violação dos direitos humanos às quais têm sido submetidos<br />
aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m esses direitos nos últimos cinco anos. O resumo dos casos apresentam<br />
não só as violações mas também a resposta – ou o fracasso do governo em respon<strong>de</strong>r<br />
a<strong>de</strong>quadamente – tanto as ameaças <strong>de</strong> violência como as violações consumadas.<br />
É necessário enfatizar aqui que este relatório não procura ser exaustivo, mas ao invés disso<br />
representa um esforço <strong>de</strong> boa fé em pesquisar uma amostra significativa dos tipos <strong>de</strong> abuso<br />
dirigidos a <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos em vários contextos em todo Brasil. Tendo em<br />
vista este fim, nós procuramos incluir casos <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> abuso (homicídios, ameaças<br />
<strong>de</strong> morte, ações judiciais injusticadas), <strong>de</strong> diferentes contextos (conflitos rurais por posse <strong>de</strong><br />
terra, investigações urbanas da polícia, etc.) envolvendo diferentes tipos <strong>de</strong> vítimas<br />
(<strong>de</strong>fensores dos direitos humanos <strong>de</strong> ONGs, organizações populares, grupos <strong>de</strong> direitos<br />
indígenas, ambientalistas, etc.) nas várias regiões do Brasil. Os casos selecionados, com<br />
poucas exceções, eram conhecidos pelas autorida<strong>de</strong>s. Assim sendo, a impunida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificada<br />
e documentada na vasta maioria dos casos é o fator mais preocupante.<br />
2.1 Definindo os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos<br />
As <strong>Na</strong>ções Unidas têm manifestado em termos exatos que o trabalho dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos é <strong>de</strong> importância crucial para a promoção dos direitos humanos através do<br />
mundo e, por esta razão, estes <strong>de</strong>fensores merecem proteção especial. A Assembléia Geral das<br />
<strong>Na</strong>ções Unidas, na Resolução 53/144, aprovou a Declaração dos Direitos e Responsabilida<strong>de</strong>s<br />
dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Socieda<strong>de</strong> para Promover e Proteger os Direitos<br />
Humanos e Liberda<strong>de</strong>s Individuais Universalmente Reconhecidos em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998,<br />
véspera do qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A<br />
Resolução 2000/61 da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos das <strong>Na</strong>ções Unidas, aprovada em abril<br />
<strong>de</strong> 2000, estabeleceu o mandato <strong>de</strong> Representante Especial da Secretaria Geral sobre os<br />
Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos.<br />
Ainda que estes documentos enfatizem o papel fundamental dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos<br />
humanos e criem meios <strong>de</strong> assegurar que os governos respeitem e protejam seu trabalho, estas<br />
Resoluções não <strong>de</strong>finem exatamente quem é o <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> direitos humanos. De forma<br />
similar, Hina Jilani, Representante Especial da ONU sobre os Defensores <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos, nomeada em <strong>de</strong>corrência da Resolução 2000/61 da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos, em seu relatório inicial sobre a situação dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos<br />
3 Vale lembrar que a intenção original <strong>de</strong>sta publicação original foi fornecer subsídios sobre os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos<br />
humanos no Brasil para um público não nacional. Neste sentido, muitas informações que constam neste relatório são<br />
imprescindíveis para a comunida<strong>de</strong> internacional, ainda que quase redundantes para o leitor brasileiro.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
submetido à Assembléia Geral da ONU em 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, optou por não<br />
estabelecer uma <strong>de</strong>finição estática do <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> direitos humanos. 4<br />
A <strong>Front</strong> <strong>Line</strong> trabalha com a seguinte <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um <strong>de</strong>fensor dos direitos humanos:<br />
“Um <strong>de</strong>fensor dos Direitos humanos é uma pessoa que trabalha, <strong>de</strong><br />
forma pacífica, por qualquer dos direitos consagrados na<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos.”<br />
Esta <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> fato abrange aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m uma ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos,<br />
incluindo não somente os direitos humanos civis e políticos, mas também os direitos<br />
econômicos, sociais e culturais. Neste relatório, a Justiça Global enfatizou os assassinatos,<br />
ameaças <strong>de</strong> morte, espancamentos, processos judiciais sem fundamento e outros meios <strong>de</strong><br />
intimidação dirigidos a <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos, conforme acima <strong>de</strong>finido, como<br />
resultado <strong>de</strong> seu trabalho na <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos. O relatório também <strong>de</strong>staca casos<br />
<strong>de</strong> violações sofridas por aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m direitos ambientais e o direito à terra. Embora<br />
este último direito não esteja explicitado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, um<br />
consenso crescente entre juristas internacionais <strong>de</strong> direitos humanos afirma que o direito à<br />
terra para agricultura <strong>de</strong> subsistência encontra-se implicitamente no direito à moradia e no<br />
direito à alimentação. De qualquer forma, os <strong>de</strong>fensores cujo trabalho se concentra no direito<br />
à terra inevitavelmente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m outros direitos básicos dos sem terra, como o direito à vida,<br />
à integrida<strong>de</strong> física e a um <strong>de</strong>vido processo legal, entre outros.<br />
Assim, mesmo iniciando com uma ampla <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos, nós<br />
limitamos os casos documentados àqueles nos quais as evidências <strong>de</strong>monstram um claro<br />
vínculo entre o assassinato, ameaça <strong>de</strong> morte ou outra intimidação sofrida pela pessoa e sua<br />
<strong>de</strong>fesa dos direitos protegidos pela Declaração Universal. Como resultado, casos nos quais a<br />
violação sofrida não é dirigida diretamente à vítima em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
direitos (como um dano adquirido durante uma manifestação pública) não estão incluídos (a<br />
menos que a manifestação em si seja vista como uma <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos).<br />
2.2 Defesa dos direitos humanos no Brasil: o contexto<br />
Em nenhum lugar, a <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos é uma tarefa fácil. No Brasil, aqueles que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos humanos nos contextos urbano e rural enfrentam intensos <strong>de</strong>safios<br />
agravados pelos altos níveis <strong>de</strong> violência. Em particular, no Brasil urbano, as taxas crescentes<br />
<strong>de</strong> crimes nas últimas duas décadas levaram ao <strong>de</strong>scontentamento popular com a ineficiência<br />
da polícia e do sistema judiciário, e também com os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos, que são<br />
freqüentemente vistos como <strong>de</strong>fensores dos interesses <strong>de</strong> criminosos e <strong>de</strong> suspeitos. No Brasil<br />
rural, nos últimos anos, movimentos sociais organizados, em particular o Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), têm pressionado as autorida<strong>de</strong>s a acelerar o processo<br />
<strong>de</strong> reforma agrária, que é extremamente necessário <strong>de</strong>vido à distribuição historicamente<br />
<strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> terra (e <strong>de</strong> riquezas) do país. Aqueles que se opõem ao Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas exigências têm procurado <strong>de</strong>slegitimar a <strong>de</strong>fesa da<br />
reforma agrária e da justiça no campo ao caracterizar o MST e seus <strong>de</strong>fensores como radicais<br />
violentos. Táticas similares têm sido usadas pelos oponentes dos direitos indígenas e<br />
4 Veja A/56/341, 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 15
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
ambientais como um meio <strong>de</strong> minar a promoção <strong>de</strong>sses direitos e o trabalho daqueles que os<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m. Ainda que o Brasil não imponha restrições formais à <strong>de</strong>fesa dos direitos, os<br />
<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos com freqüência trabalham em ambientes e condições<br />
extremamente hostis. Além disso, como explicaremos abaixo, documentos tornados públicos<br />
em 2001 <strong>de</strong>monstram que agências <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> informações secretas nas forças armadas<br />
continuam a monitorar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos e movimentos sociais,<br />
<strong>de</strong>pois da transição para um governo civil.<br />
2.3 O contexto histórico<br />
Em 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964, um golpe militar pôs fim ao governo civil do presi<strong>de</strong>nte João<br />
Goulart e às campanhas <strong>de</strong> reforma social que ele havia começado. Embora os militares<br />
tenham suspendido os direitos políticos <strong>de</strong> muitos, os primeiros anos da ditadura não foram<br />
marcados por massivas violações dos direitos. De fato, foi após a adoção do Ato Institucional<br />
n o 5 em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968 (que forneceu às autorida<strong>de</strong>s militares vários po<strong>de</strong>res e restringiu<br />
severamente os direitos individuais) que se iniciou o pior período da repressão. Durante os<br />
últimos anos da década <strong>de</strong> 60 e maior parte da década <strong>de</strong> 70, as violações <strong>de</strong> direitos se<br />
intensificaram e incluíram todas as piores formas características das ditaduras do cone sul:<br />
tortura, <strong>de</strong>saparecimento forçado, prisões e assassinatos políticos, assim como outros graves,<br />
embora menos violentos, abusos (censura, restrições à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> associação,<br />
etc.).<br />
No final da década <strong>de</strong> 70, os piores abusos diminuíram significativamente; os militares<br />
haviam eliminado (brutalmente) a vasta maioria dos grupos que <strong>de</strong>fendiam ou praticavam a<br />
oposição armada, e haviam também reprimido violentamente outras formas <strong>de</strong> oposição. Uma<br />
abertura gradual começou neste período, levando à Lei <strong>de</strong> Anistia <strong>de</strong> 1979, que "perdoou" os<br />
responsáveis por abusos <strong>de</strong> direito politicamente motivados e permitiu o retorno <strong>de</strong> exilados<br />
políticos.<br />
A abertura política continuou no começo da década <strong>de</strong> 80, levando ao registro <strong>de</strong> partidos<br />
políticos e à eleição para governadores <strong>de</strong> estado em 1982. Em 1985, através <strong>de</strong> um processo<br />
<strong>de</strong> eleição indireta, Tancredo Neves foi escolhido para ser o primeiro presi<strong>de</strong>nte civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
golpe <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> 1964. Pouco tempo antes <strong>de</strong> assumir o posto, Neves ficou seriamente<br />
doente – morrendo alguns meses <strong>de</strong>pois – levando o vice-presi<strong>de</strong>nte José Sarney a assumir o<br />
cargo. O período <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> Sarney (1985-1989) culminou com a adoção da Constituição<br />
<strong>de</strong> 1988 e eleições presi<strong>de</strong>nciais e legislativas em 1989.<br />
2.4 Vestígios da ditadura militar brasileira: vigilância do governo sobre cidadãos<br />
Embora a eleição <strong>de</strong> Tancredo Neves e a posse do presi<strong>de</strong>nte civil José Sarney tenham<br />
oficialmente posto fim a duas décadas <strong>de</strong> ditadura militar no Brasil, certos vestígios do regime<br />
repressivo militar persistem até hoje. Em particular, a tortura 5 e a espionagem (o eufemismo<br />
usado por aqueles envolvidos nesta ativida<strong>de</strong> é “serviço <strong>de</strong> informações”) estão entre os mais<br />
perniciosos. 6<br />
5 O então Relator Especial da ONU sobre Tortura, sr. Nigel Rodley, após uma missão <strong>de</strong> três semanas ao Brasil em 2000,<br />
concluiu em um relatório lançado em abril <strong>de</strong> 2001 que a tortura no Brasil é sistemática e largamente difundida.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em junho <strong>de</strong> 2001, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral e a Polícia Fe<strong>de</strong>ral, revelaram documentos<br />
que <strong>de</strong>monstraram a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas práticas no Brasil. Por solicitação da Procuradoria<br />
Geral da República do Rio <strong>de</strong> Janeiro – através <strong>de</strong> petição feita pelo Grupo Tortura Nunca<br />
Mais/RJ (GTNM) e outras entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direitos humanos -- autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais revelaram<br />
evidências <strong>de</strong> uma operação secreta <strong>de</strong> espionagem mantida pelo governo em uma base<br />
militar em Marabá, no estado do Pará. As forças armadas brasileiras disfarçaram a base como<br />
uma falsa estação <strong>de</strong> notícias, e agentes secretos do exército se faziam passar por jornalistas<br />
para colher informações sobre moradores do local. Outros documentos revelaram operações<br />
similares nas quais o exército usou escritórios secretos para monitorar a área. 7<br />
Marabá é uma das 29 seções <strong>de</strong>stinadas a operações secretas <strong>de</strong> informações mantidas pelas<br />
Forças Armadas em todo o país. Uma portaria <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1995 (Portaria No. 081-<br />
RESERVADA), criou sete Companhias <strong>de</strong> Inteligência (Cias Intlg) e 22 Grupos Destacados,<br />
subordinados a sete Comandos Militares Regionais, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monitorar entida<strong>de</strong>s<br />
livres e legais em pleno governo dos presi<strong>de</strong>ntes Itamar Franco e Fernado Henrique Cardoso.<br />
As Companhias substituíram as SSOp (Subseções <strong>de</strong> Operações, braços operacionais da área<br />
<strong>de</strong> Inteligência) e praticamente repetem sua estrutura, que, por sua vez, havia sido herdada<br />
dos DOI-CODI (Destacamento <strong>de</strong> Operações e Informações <strong>de</strong> Defesa Interna), órgãos <strong>de</strong><br />
informação e repressão do regime militar. São cerca <strong>de</strong> 541 agentes, em sua maioria cabos e<br />
sargentos.<br />
O teor dos documentos <strong>de</strong>scobertos pela Procuradoria Geral da República foi revelado ao<br />
público em uma série <strong>de</strong> reportagens publicadas pela Folha <strong>de</strong> S. Paulo em agosto <strong>de</strong> 2001.<br />
Uma fonte do governo mencionada nesta reportagem revelou que o exército conduziu suas<br />
operações secretas para monitorar “forças adversas”, que na ampla <strong>de</strong>finição do exército<br />
abrangeriam movimentos populares e ONGs que segundo as forças armadas “provocam<br />
reflexos negativos para a segurança nacional” 8 . A <strong>de</strong>finição continua equiparando os<br />
movimentos sociais ao crime organizado e ao narcotráfico. Além disso, o exército prevê ainda<br />
a realização <strong>de</strong> “atos <strong>de</strong> sabotagem” contra as instalações <strong>de</strong>ssas organizações inclusive<br />
através do uso <strong>de</strong> armamentos, munição e o recrutamento <strong>de</strong> informantes (re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informações). 9<br />
Entre os grupos sob espionagem secreta do exército estavam o Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem Terra (MST), o Movimento <strong>de</strong> Luta pela Terra (MLT), o Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Brasileiros, o Movimento Muda Brasil dos Trabalhadores Rurais Sem<br />
Terra (MMBTRST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Comitê Rio Maria, o Greenpeace,<br />
Fédération Internationale <strong>de</strong>s Ligues <strong>de</strong> Droits <strong>de</strong> l’Homme (FIDH) e a Human Rights Watch.<br />
Os documentos revelados <strong>de</strong>screviam as seguintes operações especiais:<br />
6 Oficialmente, o Serviço <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Informações (SNI) foi extinto durante a primeira administração do presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique Cardoso.<br />
7 O Ministério Público e a Polícia Fe<strong>de</strong>ral também investigaram as circunstâncias envolvendo o massacre do Araguaia<br />
(Guerrilha do Araguaia), uma remota região amazônica no sul do estado do Pará, no qual as forças armadas mataram 58<br />
membros do Partido Comunista Brasileiro e uma dúzia <strong>de</strong> moradores do local entre 1972 e 1974, sem <strong>de</strong>ixar evidências do<br />
local on<strong>de</strong> estão os corpos das vítimas. De acordo com repórteres do Jornal do Brasil, “os documentos mostram que<br />
houve 92 mortes”. Ver Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, Dos filhos <strong>de</strong>ste solo: mortos e <strong>de</strong>saparecidos políticos<br />
durante a ditadura militar: a responsabilida<strong>de</strong> do Estado (São Paulo: Editora Perseu Abramo e Boitempo Editorial),<br />
1999, p. 170.<br />
8 Reportagens da Folha <strong>de</strong> S. paulo, <strong>de</strong> 2 a 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001.<br />
9 I<strong>de</strong>m<br />
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“Operação Pescado” (1998) - Envolvia espionagem sobre o MST usando verbas públicas<br />
ocultas, <strong>de</strong> duração in<strong>de</strong>terminada. Sua justificativa estava fundada no qualificação que o<br />
Exército atribuiu ao MST como sendo uma força revolucionária. Seu prosseguimento <strong>de</strong><br />
forma in<strong>de</strong>terminada era <strong>de</strong>fendido como fundamental para a garantia da lei e da or<strong>de</strong>m, pois<br />
o MST tinha como “objetivo <strong>de</strong>finido tumultuar a or<strong>de</strong>m vigente e comprometer a confiança<br />
nas instituições e no regime atual do governo”.<br />
Operação “Tempesta<strong>de</strong>” (2000) – Também espionava a atuação do MST. Seu objetivo era o<br />
<strong>de</strong> “levantar a localização e a data <strong>de</strong> invasões, manifestações e ocupações” do Movimento<br />
dos Trabalhadores Sem-Terra.<br />
“Operação Poseidon” (1999) – Com o pretexto <strong>de</strong> proteger os interesses soberanos da nação<br />
na região amazônica, o Exército espionava ONGs, sobretudo <strong>de</strong>dicadas a preservação do meio<br />
ambiente e a questão indígena, monitorando inclusive a origem <strong>de</strong> dinheiro que as<br />
sustentavam. Previa também o acompanhamento dos dirigentes das ONGs, juizes,<br />
parlamentares simpatizantes e grupos nacionais e internacionais que apoiassem essas<br />
entida<strong>de</strong>s. Essa operação durou um ano e foi retomada em seguida com o nome <strong>de</strong> “Gavião”.<br />
Os documentos revelados em 2001 também continham uma tabela <strong>de</strong> preços usada por<br />
matadores <strong>de</strong> aluguel (pistoleiros) operando no norte do Brasil, on<strong>de</strong> consta que “a morte <strong>de</strong><br />
um trabalhador rural po<strong>de</strong> não valer mais do que uma dose <strong>de</strong> cachaça”. 10 “Se o trabalhador<br />
for ligado ao MST, o custo costuma ser <strong>de</strong> R$5.000,00.” De acordo com a lista, a vida <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>legado da Polícia Fe<strong>de</strong>ral valia R$15.000,00, e a <strong>de</strong> um funcionário do Instituto Brasileiro<br />
do Meio Ambiente e dos Recursos <strong>Na</strong>turais Renováveis (IBAMA), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> seu cargo,<br />
po<strong>de</strong>ria chegar a R$10.000,00. “Carros e motos” po<strong>de</strong>riam representar “parte do pagamento”<br />
para um assassinato. Os documentos também davam os preços para o assassinato <strong>de</strong><br />
comerciantes, vereadores e proprietários <strong>de</strong> terras, variando <strong>de</strong> R$5.000,00 a R$10.000,00.<br />
Estes documentos <strong>de</strong>monstram a permanência <strong>de</strong> práticas autoritárias do aparelho repressivo<br />
que continuaram agindo impunemente após a transição <strong>de</strong> um regime autoritário para um<br />
regime civil. Enquanto acreditava-se que o advento da <strong>de</strong>mocracia supostamente havia<br />
eliminado a espionagem do estado sobre seus próprios cidadãos, fica claro que certos<br />
vestígios <strong>de</strong>stas práticas ditatoriais permaneceram.<br />
A natureza dos grupos consi<strong>de</strong>rados suspeitos – movimentos sociais <strong>de</strong>dicados à reforma<br />
agrária e ONGs <strong>de</strong> direitos humanos, indígenas e ambientais – <strong>de</strong>monstra, no mínimo, a<br />
convergência <strong>de</strong> interesses da elite rural e dos serviços militares <strong>de</strong> inteligência no Brasil.<br />
Apesar da con<strong>de</strong>nação formal <strong>de</strong> práticas autoritárias e dos avanços legislativos - como a<br />
classificação <strong>de</strong> tortura como um crime em 1997, e a aprovação da Lei 9.140/95, sobre<br />
assassinatos e <strong>de</strong>saparecimentos politicamente motivados -, 11 o uso <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
inteligência militares para minar o trabalho da socieda<strong>de</strong> civil revela a fragilida<strong>de</strong> da<br />
<strong>de</strong>mocracia brasileira.<br />
10 Ibid.<br />
11 A partir da década <strong>de</strong> 80, as forças armadas adquiriram a reputação <strong>de</strong> “guardiões” da or<strong>de</strong>m contra a violência urbana. A<br />
“Operação Rio 1”, na qual as forças armadas ocuparam o Rio <strong>de</strong> Janeiro por vários meses sob o pretexto <strong>de</strong> garantir a<br />
segurança pública, foi um dos mais violentos episódios <strong>de</strong>sta campanha. Ver Cecília Coimbra, Operação Rio: o mito das<br />
classes perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos da segurança pública, (Niterói:<br />
Oficina do Autor r Intertexto), 2001.<br />
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2.5 O Brasil e a proteção internacional aos direitos humanos<br />
Outra conseqüência do extenso período <strong>de</strong> governo militar no Brasil tem sido um significante<br />
atraso e resistência continuada tanto à ratificação <strong>de</strong> normas internacionais <strong>de</strong> direitos<br />
humanos, como à aceitação da competência ou <strong>de</strong> órgãos internacionais <strong>de</strong> supervisão. 12<br />
Quase duas décadas <strong>de</strong>pois da transição para um governo <strong>de</strong>mocrático, o Brasil continua<br />
aquém <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> seus vizinhos latino-americanos a este respeito.<br />
Antes <strong>de</strong> sua transição para um governo <strong>de</strong>mocrático, o Brasil ratificou apenas um dos seis<br />
principais tratados <strong>de</strong> direitos humanos: a Convenção Internacional para a Eliminação <strong>de</strong><br />
todas as Formas <strong>de</strong> Discriminação Racial (International Convention on the Elimination of All<br />
Forms of Racial Discrimination – CERD), em 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1968. 13 A próxima ratificação<br />
<strong>de</strong> tratado, a Convenção Internacional para a Eliminação <strong>de</strong> Todas as formas <strong>de</strong><br />
Discriminação Contra a Mulher (International Convention on the Elimination of All Forms of<br />
Discrimination Against Women, CEDAW), ocorreu em 1984, durante o período <strong>de</strong> transição<br />
gradual para um regime civil. Além <strong>de</strong>stas duas exceções, todas as outras ratificações <strong>de</strong><br />
importantes tratados <strong>de</strong> direitos humanos nas <strong>Na</strong>ções Unidas e nos sistemas Interamericanos<br />
ocorreram após a transição para um governo civil. Assim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1988, ano da nova<br />
Constituição <strong>de</strong>mocrática, o Brasil ratificou:<br />
- a Convenção Interamericana para a Prevenção e Punição da Tortura (20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1989);<br />
- a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, CAT<br />
(28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1989);<br />
- a Convenção sobre os Direitos da Criança (24 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1990);<br />
- o Pacto Internacional <strong>de</strong> Direitos Civis e Políticos 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992);<br />
- o Pacto Internacional <strong>de</strong> Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992);<br />
- a Convenção americana <strong>de</strong> Direitos Humanos (25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1992);<br />
- a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulheres<br />
(27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1995);<br />
- o Protocolo para a Convenção Americana para a Abolição da Pena <strong>de</strong> Morte (13 <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> 1996);<br />
- o Protocolo para a Convenção Americana <strong>de</strong> Direitos Econômicos, Sociais e Culturais<br />
(Protocolo <strong>de</strong> San Salvador) (21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1996).<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988 representou – e continua a representar – um significativo avanço em<br />
termos legais, e em particular em termos do reconhecimento formal <strong>de</strong> instrumentos<br />
internacionais <strong>de</strong> direitos humanos. Embora nem todos os juristas brasileiros concor<strong>de</strong>m,<br />
muitos estudiosos acadêmicos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que as normas estabelecidas em tratados <strong>de</strong> direitos<br />
12 Para os governantes militares brasileiros, direitos humanos, tratados <strong>de</strong> direitos humanos e supervisão internacional eram<br />
ameaças in<strong>de</strong>sejáveis para a or<strong>de</strong>m social que eles buscavam impor no país. De qualquer forma, os elementos mais<br />
extremos no governo militar gradualmente ce<strong>de</strong>ram espaço àqueles dispostos a aceitar um governo <strong>de</strong>mocrático. No<br />
entanto, embora uma transição gradual tenha permitido eleições governamentais em nível estadual em 1982, somente em<br />
1989 os brasileiros pu<strong>de</strong>ram votar em uma eleição presi<strong>de</strong>ncial, algo que não acontecia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1960.<br />
13 Esta exceção necessita ser entendida no contexto em que ocorreu. Primeiro, em 1968, ano em que o Brasil ratificou a<br />
CERD, o mito <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia racial continuava a ser o discurso dominante na socieda<strong>de</strong> brasileira, mesmo entre<br />
acadêmicos. Segundo, em termos relativos, o Brasil podia consi<strong>de</strong>rar-se numa boa posição em termos <strong>de</strong> sua situação<br />
racial, <strong>de</strong>vido à persistência da discriminação aberta nos Estados Unidos, para não mencionar os regimes abertamente<br />
racistas na África do Sul e na Rodésia.<br />
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humanos assinados pelo Brasil integram automaticamente a legislação nacional e po<strong>de</strong>m ser<br />
invocadas nas cortes brasileiras. 14<br />
Apesar <strong>de</strong>sse reconhecimento formal, um lapso significativo tem permanecido entre o<br />
reconhecimento legal das normas internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e sua implementação na<br />
prática. Além da existência continuada <strong>de</strong> severos abusos <strong>de</strong> direitos humanos, as normas <strong>de</strong><br />
direitos humanos internacionais incorporadas às leis brasileiras raramente têm sido aplicadas<br />
pelos tribunais brasileiros ou citadas por legisladores e representantes do executivo em notas<br />
escritas, por exemplo. Em nível internacional, a participação do Brasil nas estruturas criadas<br />
pelos tratados internacionais <strong>de</strong> direitos humanos tem sido extremamente limitada.<br />
Uma importante razão para a não participação do Brasil nas estruturas internacionais <strong>de</strong><br />
proteção dos direitos humanos tem sido a posição excessivamente cautelosa do Itamaraty<br />
quanto ao reconhecimento da jurisdição obrigatória dos órgãos <strong>de</strong> supervisão internacionais.<br />
Dos seis tratados principais, apenas dois não fornecem agora petições para indivíduos ou<br />
grupos <strong>de</strong>clararem violação <strong>de</strong> um ou mais dos direitos consi<strong>de</strong>rados sagrados pelo tratado. O<br />
Acordo Internacional <strong>de</strong> Direitos Civis e Políticos, através <strong>de</strong> seu Primeiro Protocolo<br />
Opcional, permite tais petições individuais. Tal também acontece com a CERD, no artigo 14,<br />
e a CAT, no artigo 22. Um protocolo mais recente da CEDAW, que entrou em vigor em 22 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, permite o direito <strong>de</strong> petições individuais para o Comitê CEDAW.<br />
Infelizmente, até esta data o governo brasileiro não reconheceu a competência <strong>de</strong> nenhum<br />
<strong>de</strong>stes órgãos para receber e processar queixas individuais, uma pré - condição para acesso<br />
individual. 15<br />
É necessário notar que estes órgãos cumprem uma segunda função <strong>de</strong> supervisão vital, além<br />
da recepção e processamento <strong>de</strong> petições individuais contra aqueles estados que reconhecem<br />
sua jurisdição. Este segundo tipo <strong>de</strong> supervisão envolve a revisão dos relatórios periódicos<br />
dos estados, submetidos a estar <strong>de</strong> acordo com os termos dos tratados principais. Aqui<br />
também o Brasil tem mantido um registro pobre. A submissão <strong>de</strong> relatórios <strong>de</strong>ntro do prazo,<br />
ou mesmo fora <strong>de</strong>le, tem sido uma exceção, não a regra. Esta falta <strong>de</strong> colaboração tem<br />
também contribuído para a falência geral da socieda<strong>de</strong> civil brasileira em fazer uso dos<br />
mecanismos baseados em tratados. 16<br />
2.6 O Brasil e os mecanismos especiais da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos das <strong>Na</strong>ções<br />
Unidas<br />
14 Para mais <strong>de</strong>talhes sobre a incorporação <strong>de</strong> normas contidas em tratados internacionais <strong>de</strong> direitos humanos às leis<br />
brasileira, ver Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional (São Paulo: Max Limonad),<br />
1996<br />
15 Em 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, o Brasil assinou o Protocolo Opcional da CEDAW, e ainda não ratificou tal instrumento.<br />
16 Novamente, como com os mecanismos <strong>de</strong> queixas individuais do sistema Interamericano e os mecanismos especiais das<br />
<strong>Na</strong>ções Unidas, a socieda<strong>de</strong> civil brasileira tem começado a fazer maior uso da função dos relatórios periódicos dos<br />
Comitês baseados em tratados. Neste processo, a socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> submeter relatórios paralelos, alternativos. Em maio <strong>de</strong><br />
2000, uma coalizão <strong>de</strong> grupos civis da socieda<strong>de</strong> brasileira submeteu um relatório alternativo ao Comitê Internacional <strong>de</strong><br />
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Justiça Global participou na submissão <strong>de</strong>ste relatório, ajudando a organizar<br />
encontros, e fornecendo tradução durante encontros oficiais. Em maio <strong>de</strong> 2001, grupos civis da socieda<strong>de</strong> brasileira<br />
redigiram um relatório alternativo para o Comitê Contra Tortura. Justiça Global participou na redação e <strong>de</strong>fesa do<br />
relatório frente ao Comitê.<br />
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Apesar da falência do Brasil em reconhecer a função <strong>de</strong> supervisão dos órgãos convencionais<br />
das <strong>Na</strong>ções Unidas, nos últimos anos o governo tem <strong>de</strong>monstrado uma disposição crescente<br />
<strong>de</strong> cooperar com os mecanismos especiais da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos das <strong>Na</strong>ções<br />
Unidas. Um importante exemplo recente envolveu a visita do Relator Especial da ONU sobre<br />
Tortura, Sir Nigel Rodley, ao Brasil entre agosto e setembro <strong>de</strong> 2000. Baseado nesta visita,<br />
Sir Nigel escreveu um amplo relatório sobre tortura no Brasil, lançado em abril <strong>de</strong> 2001. O<br />
severo relatório do Relator Especial conclui: “Tortura e formas similares <strong>de</strong> tratamento cruel<br />
estão distribuídos numa base ampla e sistemática na maior parte do país visitada pelo Relator<br />
Especial e, assim como sugerem testemunhos <strong>de</strong> fonte segura apresentados ao Relator<br />
Especial, na maior parte do restante do país”. Somado a estas conclusões, o relatório incluiu<br />
348 casos <strong>de</strong> tortura sobre os quais o Relator Especial colheu informações durante sua visita.<br />
Apenas um mês mais tar<strong>de</strong>, o Comitê Contra Tortura (Committee Against Torture, CAT)<br />
reviu a submissão do Brasil conforme a Convenção durante suas sessões em maio. Pela<br />
primeira vez, grupos da socieda<strong>de</strong> civil brasileira acompanharam as sessões do Comitê das<br />
<strong>Na</strong>ções Unidas sobre a revisão <strong>de</strong> uma submissão <strong>de</strong> seu governo. Uma coalizão <strong>de</strong> ONGs<br />
brasileiras, incluindo o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, submeteu um relatório paralelo, participou<br />
em um encontro especial entre membros do Comitê CAT e a socieda<strong>de</strong> civil e acompanhou as<br />
sessões. A conclusão do CAT enfatizou muitos dos mesmos pontos <strong>de</strong>stacados pelo Relator<br />
Especial, Sir Nigel Rodley, inclusive a natureza recorrente <strong>de</strong> tortura e impunida<strong>de</strong>, condições<br />
precarias <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção e a falta <strong>de</strong> mecanismos a<strong>de</strong>quados para permitir aos <strong>de</strong>tentos que<br />
registrem queixas.<br />
Durante as sessões do CAT, o governo brasileiro informou ao Comitê que estava preparando<br />
uma campanha nacional contra tortura. De fato, em novembro o governo fe<strong>de</strong>ral lançou uma<br />
campanha, que consistia primeiramente em linhas telefônicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia controladas por<br />
organizações não governamentais em vários estados, assim como uma série <strong>de</strong> propagandas<br />
na televisão buscando aumentar a consciência sobre o problema da tortura. Embora<br />
ina<strong>de</strong>quada em si mesma para respon<strong>de</strong>r ao problema da tortura, a campanha representa um<br />
importante reconhecimento do governo da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações concentradas para abolir este<br />
horrendo e ainda rotineiro abuso <strong>de</strong> direitos. A campanha também <strong>de</strong>monstra o impacto<br />
importante que a supervisão internacional po<strong>de</strong> ter na formulação <strong>de</strong> políticas nacionais no<br />
Brasil.<br />
Em março <strong>de</strong> 2002, o Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, Jean Zeigler,<br />
visitou o Brasil. Embora o governo brasileiro tenha convidado a Relatora Especial da ONU<br />
sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias, ou Arbitrárias, Asma Jahangir, a visitar o país em<br />
2002, uma data para a visita ainda não havia sido estabelecida quando este relatório foi<br />
finalizado.<br />
2.7 O status legal da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos no Brasil<br />
O governo brasileiro não impõe restrições formais ao direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos humanos.<br />
Mesmo assim, como analisamos acima na seção 2.4, sobre os vestígios da ditadura militar,<br />
forças <strong>de</strong> espionagem continuam a controlar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> direitos e outros<br />
movimentos sociais.<br />
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De qualquer forma, a falta <strong>de</strong> restrições por si só não é suficiente para explicar o contexto<br />
legal da proteção <strong>de</strong> direitos. As leis brasileiras não estabelecem normas específicas<br />
concernentes à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos. Ao invés disso o regime legal concernente ao trabalho dos<br />
<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos consiste na regulação das ativida<strong>de</strong>s individuais que<br />
constituem a promoção e <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos. Assim, para enten<strong>de</strong>r a estrutura legal<br />
em que os direitos humanos são <strong>de</strong>fendidos no Brasil, é necessário se referir à legislação<br />
concernente ao acesso à informação e as repartições públicas (como <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia e<br />
centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção), liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, etc. A Constituição<br />
brasileira assegura o direito à informação (Artigo 5 (XIV)) em termos gerais e garante a<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão: “é livre a expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística, científica e <strong>de</strong><br />
comunicação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> censura ou licença”. 17<br />
Uma medida legal que constitui um sério obstáculo à <strong>de</strong>fesa dos direitos merece ser<br />
mencionada aqui. As leis brasileiras fornecem proteção da honra individual através da<br />
criminalização do discurso ofensivo. O Código Penal Brasileiro prevê o processo criminal por<br />
calúnia, difamação e injúria. Cidadãos que acreditam que sua honra foi ofendida po<strong>de</strong>m<br />
registrar representações no Ministério Público ou com a polícia local alegando o<br />
cometimento <strong>de</strong> um ou mais <strong>de</strong>stes três crimes por uma pessoa em particular. O crime <strong>de</strong><br />
calúnia envolve a falsa atribuição <strong>de</strong> comportamento criminoso a uma pessoa. O crime <strong>de</strong><br />
difamação consiste em atribuir a uma pessoa um ato consi<strong>de</strong>rado moralmente ofensivo. O<br />
crime <strong>de</strong> injúria é <strong>de</strong>finido como atos (geralmente na comunicação falada ou escrita, embora<br />
gestos possam constituir tais atos) que ofen<strong>de</strong>m o <strong>de</strong>coro ou dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa.<br />
Calúnia po<strong>de</strong> ser punida com um tempo <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> seis meses a dois anos, difamação com<br />
uma pena <strong>de</strong> três meses a um ano <strong>de</strong> prisão e injúria po<strong>de</strong> ser punida com uma pena <strong>de</strong> um a<br />
seis meses <strong>de</strong> prisão. 18 As sentenças po<strong>de</strong>m ser acrescentadas em um terço se a parte ofendida<br />
é um funcionário público, ou quando a ofensa é cometida em um lugar público. A sentença<br />
po<strong>de</strong> ser dobrada quando a ofensa é cometida em troca <strong>de</strong> pagamento. Enquanto os primeiros<br />
dois crimes geralmente permitem uma <strong>de</strong>fesa completa quando a acusação não é falsa, o<br />
último crime, injúria, não permite esta exceção. 19<br />
A proteção legal da honra, em si, não constitui necessariamente um problema para a <strong>de</strong>fesa<br />
dos direitos. No entanto, esta proteção aliada aos altos níveis <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violadores <strong>de</strong><br />
direitos cria uma combinação perigosa. Primeiro, porque o sistema legal freqüentemente falha<br />
em investigar, processar e punir aqueles responsáveis por graves abusos, os violadores <strong>de</strong><br />
direitos humanos freqüentemente permanecem sem punição por anos (ou para sempre) <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> cometerem seus crimes. Como resultado, a atribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> por um abuso <strong>de</strong><br />
direitos (atos geralmente classificados como criminais ou ofensivos) a uma pessoa que não foi<br />
con<strong>de</strong>nada por tal crime será geralmente consi<strong>de</strong>rada como legalmente falsa. Assim a<br />
impunida<strong>de</strong> largamente difundida dos ofensores <strong>de</strong> direitos humanos no Brasil, combinada à<br />
lei criminal que protege a honra, citada acima, criam uma po<strong>de</strong>rosa arma que po<strong>de</strong> ser usada<br />
para intimidar os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos: processo por difamação. Como este<br />
relatório <strong>de</strong>monstra, este artifício legal é usado com freqüência como um meio <strong>de</strong> repressão<br />
ou intimidação contra aqueles que <strong>de</strong>nunciam abusos <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
17 Ver a Constituição do Brasil, art. 5 (IX), 1988.<br />
18 Ver o Código Penal Brasileiro, arts. 138 a 145.<br />
19 Neste relatório, referimo-nos a calúnia, difamação e injúria como “difamação”.<br />
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2.8 Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monitorar os direitos humanos<br />
Um elemento básico na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos é o direito <strong>de</strong> pesquisar e documentar<br />
condições em contextos diferentes. 20 Ao investigar potenciais abusos cometidos em<br />
instalações controladas pelo estado, as restrições <strong>de</strong> acesso nessas instalações po<strong>de</strong>m tornar a<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos difícil ou impossível. A este respeito, a legislação e a prática<br />
concernentes ao acesso aos centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção são analisadas aqui.<br />
As leis brasileiras sustentam a fiscalização <strong>de</strong> centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção por seis diferentes órgãos:<br />
o Conselho <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Política Criminal e Penitenciária, o Departamento Penitenciário, o<br />
Ministério Público, os Conselhos Penitenciários, e os Conselhos da Comunida<strong>de</strong> das várias<br />
varas <strong>de</strong> execução penal. 21 Além disso, parlamentares são autorizados a entrar em prédios<br />
públicos, inclusive centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção. <strong>Na</strong> prática, contudo, estas corporações raramente<br />
fazem uso <strong>de</strong> sua prerrogativa legal para visitar centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção. Quando o fazem, eles<br />
com freqüência encontram resistência dos agentes penitenciários, diretores ou policiais<br />
encarregados da supervisão dos centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção.<br />
O acesso a centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção para grupos da socieda<strong>de</strong> civil é particularmente problemático.<br />
<strong>Na</strong> maior parte das jurisdições os conselhos comunitários, requeridos pela lei <strong>de</strong> Execução<br />
Penal <strong>de</strong> 1984, não foram estabelecidos ou estão inoperantes. <strong>Na</strong> prática, os grupos <strong>de</strong> direitos<br />
enfrentam gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em obter acesso aos centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção. <strong>Na</strong> verda<strong>de</strong>, até<br />
mesmo grupos internacionais <strong>de</strong> direitos humanos bastante conhecidos, como Human Rights<br />
Watch e Anistia Internacional, têm encontrado dificulda<strong>de</strong>s no acesso aos centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção<br />
no Brasil. Um relatório <strong>de</strong> 1998 da Human Rights Watch sobre prisões resumiu a questão <strong>de</strong><br />
monitorar direitos humanos nestas condições:<br />
O Brasil, com sua estrutura política <strong>de</strong>mocrática e a política oficial do governo <strong>de</strong> promoção<br />
dos direitos humanos, <strong>de</strong>veria apresentar um ambiente favorável à fiscalização dos direitos<br />
humanos. Percebemos, no entanto, que obter acesso às penitenciárias e <strong>de</strong>legacias do país,<br />
para nossa surpresa, foi muito difícil. Nossos pesquisadores enfrentaram recusas claras e,<br />
mais freqüentemente, procedimentos com obstáculos <strong>de</strong>snecessários que implicavam, na<br />
verda<strong>de</strong>, em perda <strong>de</strong> tempo. 22<br />
Os problemas encontrados por grupos <strong>de</strong> direitos locais são com freqüência ainda mais<br />
severos, minando sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monitorar a situação dos direitos em muitos centros <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>tenção.<br />
2.9 Impunida<strong>de</strong><br />
20 O Artigo 6(a) da Declaração das <strong>Na</strong>ções Unidas sobre Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos assegura que: Todo mundo tem o<br />
direito, individualmente ou em associação com outros (a) De saber, procurar, obter, receber e manter informações sobre<br />
todos os direitos humanos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais, inclusive ter acesso a informações sobre como estes direitos e<br />
liberda<strong>de</strong>s são efetivamente tratados nos sistemas legislativo, judiciário ou executivo;<br />
21 Ver Human Rights Watch, O Brasil Atrás Das Gra<strong>de</strong>s (Nova Iorque: Human Rights Watch), 1998, p. 17<br />
22 Ibid, p. x.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 23
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Um fator fundamental para a continuida<strong>de</strong> dos abusos contra ativistas <strong>de</strong> direitos é o alto nível<br />
<strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> gozado por aqueles que ameaçam, intimidam e violam a integrida<strong>de</strong> física dos<br />
<strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. Enquanto a impunida<strong>de</strong>, temperada por uma con<strong>de</strong>nação<br />
eventual, é a regra para aqueles que cometem abusos diretamente (geralmente capangas), a<br />
falência uniforme em investigar e processar é mais ultrajante no que diz respeito aos autores<br />
intelectuais <strong>de</strong> crimes contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos. Como mostra este relatório, dos<br />
cinqüenta e seis inci<strong>de</strong>ntes documentados, em quarenta e seis, mais <strong>de</strong> 80% do total, nossos<br />
registros indicam que nenhum avanço significativo, como i<strong>de</strong>ntificação, prisão ou implicação<br />
dos responsáveis, ocorreu. Dos <strong>de</strong>z casos com algum avanço, em sete os suspeitos foram<br />
presos. Nós não recebemos informação alguma indicando alguma con<strong>de</strong>nação em nenhum<br />
dos casos.<br />
Talvez mais preocupante sejam as estatísticas concernentes às respostas oficiais a ameaças <strong>de</strong><br />
morte. A este respeito, não temos conhecimento <strong>de</strong> um único caso em que as ameaças <strong>de</strong><br />
morte contidas neste relatório – e que foram todas reportadas às autorida<strong>de</strong>s estaduais e<br />
fe<strong>de</strong>rais sem atraso – tenham resultado em prisão, julgamento e con<strong>de</strong>nação daqueles<br />
responsáveis. De fato, em apenas um inci<strong>de</strong>nte (contra a vereadora Cozete Barbosa) entre<br />
trinta e dois casos <strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong> morte, houve algum avanço significativo registrado<br />
(indiciamento <strong>de</strong> cinco suspeitos). A falência geral em investigar ameaças <strong>de</strong> morte po<strong>de</strong> ser<br />
mais con<strong>de</strong>nável que o pobre <strong>de</strong>sempenho das autorida<strong>de</strong>s em casos <strong>de</strong> homicídio por pelo<br />
menos duas razões. Primeiro, as ameaças <strong>de</strong> morte ocorrem com muito mais freqüência que o<br />
assassinato <strong>de</strong> ativistas <strong>de</strong> direitos humanos. Segundo, em quase todos os casos <strong>de</strong> homicídio<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos registrados, o assassinato é precedido por ameaças <strong>de</strong> morte. Assim,<br />
quando as autorida<strong>de</strong>s respon<strong>de</strong>m efetivamente a ameaças contra <strong>de</strong>fensores, a chance <strong>de</strong><br />
aumento dos eventuais danos infligidos é largamente reduzida.<br />
Infelizmente, as autorida<strong>de</strong>s brasileiras têm respondido timidamente a ameaças <strong>de</strong> morte<br />
contra ativistas <strong>de</strong> direitos. Mesmo naqueles casos em que pressões internas e internacionais<br />
forçam as autorida<strong>de</strong>s a tomar medidas concretas, estas são limitadas à proteção da pessoa<br />
ameaçada. Embora essa proteção seja claramente bem-vinda e represente um avanço por parte<br />
do governo fe<strong>de</strong>ral, ela não respon<strong>de</strong> às principais causas das ameaças. A este respeito, o caso<br />
<strong>de</strong> Roberto Monte e Plácido Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza é ilustrativo. Como explicamos na análise do<br />
caso no capítulo sobre Defesa dos Direitos Humanos no Brasil Urbano, ameaças <strong>de</strong> morte e<br />
um clima <strong>de</strong> medo levaram os ativistas, com a assistência do Centro <strong>de</strong> Justiça Global, a<br />
requerer da Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos e da Representante Especial da<br />
ONU sobre os Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos, Hina Jilani, medidas preventivas para sua<br />
situação. No caso <strong>de</strong> Monte e Plácido, os ativistas forneceram às autorida<strong>de</strong>s e às corporações<br />
internacionais não apenas <strong>de</strong>talhes sobre as ameaças, mas também informações sobre os<br />
prováveis responsáveis pelo risco <strong>de</strong> suas vidas. De qualquer forma, embora em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
2001 a Comissão Interamericana tenha autorizado o requerimento <strong>de</strong> medidas preventivas<br />
(que envolviam etapas para assegurar a <strong>de</strong>tenção segura <strong>de</strong> um dos possíveis responsáveis<br />
pelas ameaças), o governo, até a data em que este relatório foi escrito, tinha falhado em<br />
implementar as medidas requisitadas. A resposta do governo tem sido oferecer inclusão num<br />
programa <strong>de</strong> proteção às testemunhas, ao invés <strong>de</strong> investigar completamente e <strong>de</strong>ter aqueles<br />
responsáveis pelas ameaças.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 24
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
A dinâmica se repete através dos casos analisados neste relatório. Quando o governo<br />
respon<strong>de</strong>, o que ten<strong>de</strong> a ocorrer apenas em casos excepcionais nos quais uma pressão<br />
significativa é aplicada, o foco é a proteção por um curto período <strong>de</strong> tempo, ao invés da<br />
investigação e julgamento daqueles responsáveis pelas ameaças. Em casos que resultam em<br />
morte ou ferimentos graves, o foco da investigação é invariavelmente sobre aqueles<br />
diretamente responsáveis – ou seja, capangas e assassinos <strong>de</strong> aluguel – ao invés dos autores<br />
intelectuais dos crimes. O resultado <strong>de</strong>sse padrão <strong>de</strong> respostas ineficientes do governo é<br />
permitir a persistência <strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> medo e intimidação para aqueles que levantam suas<br />
vozes contra os abusos cometidos por interesses po<strong>de</strong>rosos em todos os contextos examinados<br />
neste relatório.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 25
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
3. Defesa <strong>de</strong> direitos no Brasil rural: intensificação <strong>de</strong> conflitos e ataques<br />
direcionados<br />
A distribuição <strong>de</strong> terras no Brasil tem historicamente estado entre as mais <strong>de</strong>siguais da<br />
América Latina. Um pouco menos <strong>de</strong> 50.000 proprietários <strong>de</strong> terra possuem áreas <strong>de</strong> mil<br />
hectares ou mais e controlam mais <strong>de</strong> 50% das terras registradas. Perto <strong>de</strong> 1% dos<br />
proprietários rurais têm aproximadamente 46% <strong>de</strong> toda terra arável. Dos 400 milhões <strong>de</strong><br />
hectares registrados como proprieda<strong>de</strong> particular, apenas sessenta milhões <strong>de</strong> hectares são<br />
usados para plantio. Os 340 milhões <strong>de</strong> hectares remanescentes são usados para criação <strong>de</strong><br />
gado. De acordo com as estatísticas do Instituto <strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrária (INCRA),<br />
existem cerca <strong>de</strong> cem milhões <strong>de</strong> hectares <strong>de</strong> terra não sendo usados produtivamente no<br />
Brasil. 23 Para complicar ainda mais este quadro, alguns títulos <strong>de</strong> terra atualmente mantidos<br />
por proprietários são resultado <strong>de</strong> grilagem, falsificação <strong>de</strong> escrituras, uma prática que data do<br />
período após a Segunda Guerra Mundial, quando o governo transferiu extensas terras públicas<br />
para mãos privadas baseado em apresentações <strong>de</strong> certificados dos reclamantes.<br />
Essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> tem sido a causa da origem <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> movimentos que buscam<br />
reestruturar a posse <strong>de</strong> terra no Brasil, e também <strong>de</strong> violentas reações a essas exigências por<br />
parte dos proprietários <strong>de</strong> terras. A Constituição <strong>de</strong> 1988, um marco na luta para alcançar a<br />
reforma agrária, dispõe que terras que não preenchem uma função social sejam expropriadas<br />
para uso na reforma agrária. A função social da terra, por sua vez, é <strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> acordo<br />
com critério que incluem simultaneamente a análise do nível <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>, o respeito<br />
pelos direitos trabalhistas e a proteção ambiental. Desiludidos pela lentidão no processo <strong>de</strong><br />
redistribuição, alguns grupos <strong>de</strong> trabalhadores rurais, como o Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem Terra (MST), adotaram a tática <strong>de</strong> ocupações <strong>de</strong> áreas passíveis <strong>de</strong> redistribuição.<br />
Através da história do Brasil, os esforços para alterar a natureza extremamente <strong>de</strong>sigual da<br />
distribuição <strong>de</strong> terra têm encontrado resistência, freqüentemente violenta. Estatísticas da<br />
Comissão Pastoral da Terra (CPT), a fonte mais confiável <strong>de</strong> dados sobre conflitos rurais no<br />
Brasil, <strong>de</strong>monstram que <strong>de</strong> 1988 a 2000 um total <strong>de</strong> 1.517 trabalhadores rurais foram<br />
assassinados em disputas por terra no Brasil. 24<br />
A CPT relatou que em 2001 o número <strong>de</strong> pessoas assassinadas em conflitos por terra cresceu<br />
para trinta, dos vinte e um em 2000. Um número <strong>de</strong>sproporcional <strong>de</strong>stes inci<strong>de</strong>ntes ocorreu no<br />
sul do Pará. Pelo menos oito trabalhadores foram mortos em conflitos <strong>de</strong> terra somente no<br />
Pará em 2001. A CPT também documentou que o número <strong>de</strong> conflitos rurais (inclusive<br />
trabalho forçado e disputas trabalhistas) pulou <strong>de</strong> 660 em 2000 para 965 em 2001,<br />
acompanhando a tendência nacional <strong>de</strong> intensificação dos conflitos rurais nos últimos anos.<br />
Neste contexto, aqueles que trabalham para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos dos trabalhadores rurais ou<br />
para fazer avançar a causa da reforma agrária freqüentemente se acham em gran<strong>de</strong> risco.<br />
Paradoxalmente, isso po<strong>de</strong> ser mais real hoje do que durante a ditadura militar. Embora o<br />
número <strong>de</strong> pessoas mortas em conflitos rurais no período após a transição <strong>de</strong> governo possa<br />
ter caído, assassinatos e ameaças nos últimos anos têm sido mais direcionados para<br />
23 Justiça Global, Humans Rights in Brazil, 2000 (Rio <strong>de</strong> Janeiro: Justiça Global), 2001, p. 26.<br />
24 Ibid., p. 5.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 26
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> movimentos sociais <strong>de</strong> trabalhadores rurais, sindicalistas e <strong>de</strong>fensores dos<br />
direitos humanos, através <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> intimidação (processos judiciais com a intenção <strong>de</strong><br />
criminalizar os lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong>stes movimentos sociais), ameaças e ataques físicos, como os casos<br />
abaixo <strong>de</strong>monstram.<br />
Processo sem justificativa e tentativa <strong>de</strong> assassinato <strong>de</strong> José Rainha Jr., lí<strong>de</strong>r do<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Espírito Santo<br />
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou sua primeira ocupação<br />
<strong>de</strong> terra no estado do Espírito Santo em 1984. Em junho <strong>de</strong> 1989, o MST <strong>de</strong>cidiu ocupar a<br />
fazenda Ypueiras (<strong>de</strong> aproximadamente 1.500 hectares) que acreditava ser improdutiva e por<br />
isso sujeita à expropriação por lei fe<strong>de</strong>ral. Durante a ocupação, duas pessoas foram<br />
assassinadas: o proprietário <strong>de</strong> terras José Machado Neto e o policial Sérgio <strong>Na</strong>rcísio, que não<br />
estava ali a serviço da polícia.<br />
José Rainha Jr., um dos mais importantes lí<strong>de</strong>res do Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem Terra no Espírito santo, foi indiciado por participação direta nos assassinatos, apesar das<br />
evidências esmagadoras <strong>de</strong> que no momento do crime Rainha estava no Ceará, a cerca <strong>de</strong><br />
1.600 quilômetros do local. Várias autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alto escalão do governo do Ceará, inclusive<br />
o governador, contaram à polícia que Rainha estava envolvido em negociações com eles<br />
quando os assassinatos ocorreram. Mesmo assim, o Ministério Público do Espírito Santo<br />
optou por levar Rainha a julgamento por esses assassinatos. Em junho <strong>de</strong> 1997, em um<br />
tribunal em Pedro Canário, estado do Espírito Santo, o caso <strong>de</strong> Rainha foi julgado. A maioria<br />
<strong>de</strong> sete membros do júri vivia na área do conflito, e incluía amigos <strong>de</strong> uma das vítimas, assim<br />
como a mulher do presi<strong>de</strong>nte da associação <strong>de</strong> proprietários local. O Tribunal consi<strong>de</strong>rou<br />
Rainha culpado. 25<br />
No julgamento, a principal testemunha contra Rainha o <strong>de</strong>screveu como sendo um homem<br />
alto com o rosto redondo, sem barba, sem bigo<strong>de</strong>s, pele clara, um pouco acima do peso<br />
(aproximadamente 70 kg), com cabelos <strong>de</strong>nsos e encaracolados. 26 Rainha é um homem alto,<br />
extremamente magro, com cabelos, barba e bigo<strong>de</strong>s pretos. A Promotoria, ao invés <strong>de</strong> se<br />
concentrar especificamente sobre a responsabilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> Rainha no crime em questão,<br />
pressionou o júri a con<strong>de</strong>ná-lo por seu envolvimento em ocupações <strong>de</strong> terras. O juiz que<br />
presidia o julgamento con<strong>de</strong>nou Rainha a vinte seis anos e seis meses <strong>de</strong> prisão. Após a<br />
con<strong>de</strong>nação, a Anistia Internacional escreveu: “Esta con<strong>de</strong>nação foi claramente politicamente<br />
motivada e obviamente preten<strong>de</strong>u intimidar membros do Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem Terra... Se José Rainha for preso, nós o consi<strong>de</strong>raremos um prisioneiro político e<br />
exigiremos sua libertação imediata e incondicional”. 27 Human Rights Watch caracterizou o<br />
julgamento como “um uso infeliz do sistema <strong>de</strong> justiça criminal contra ativistas da reforma<br />
agrária”. 28<br />
25 No Brasil, os veredictos do júri não precisam ser unânimes.<br />
26 “Contradições marcam sentença <strong>de</strong> Rainha”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 22 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
27 “Brazil: Blatantly unfair trial of lea<strong>de</strong>r of landless rural workers”, Anistia Internacional On-line,<br />
http://www.amnesty.org/ai.nsf/print/amr 190151997.<br />
28 “Human Rights Watch: World Report 1998”, (New York: Human Rights Watch), 1997, p. 95.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
<strong>Na</strong>s leis brasileiras, pessoas sem con<strong>de</strong>nações anteriores sentenciadas a mais <strong>de</strong> vinte anos em<br />
julgamentos com júri têm um segundo julgamento automaticamente garantido. Em 5 <strong>de</strong> abril<br />
<strong>de</strong> 2000, em um novo julgamento no tribunal <strong>de</strong> Vitória, capital do Espírito Santo, Rainha foi<br />
absolvido dos mesmos crimes pelos quais tinha sido con<strong>de</strong>nado no julgamento anterior. Neste<br />
segundo julgamento, em que ativistas <strong>de</strong> direitos e jornalistas da imprensa nacional e<br />
internacional compareceram em peso, assim como centenas <strong>de</strong> ativistas sociais e milhares <strong>de</strong><br />
integrantes do MST, o júri absolveu rainha por uma votação 4-3.<br />
José Rainha é hoje uma das li<strong>de</strong>ranças mais importantes do MST no Pontal do Paranapanema,<br />
em São Paulo.<br />
Des<strong>de</strong> sua absolvição, Rainha tem continuado a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos dos trabalhadores sem<br />
terra. Em 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, Rainha levou um tiro nas costas na fazenda Santa Rita do<br />
Pontal, no Pontal do Paranapanema. <strong>Na</strong> fazenda havia uma ocupação feita por 275 famílias e<br />
que Rainha e o MST haviam ajudado a organizar. 29 Por volta das 11:30 horas, Rainha estava<br />
viajando em um carro pela proprieda<strong>de</strong> com os ativistas do MST Sérgio Pantaleão e Fátima<br />
Siqueira. De acordo com Patrik Mariano Gomes, um advogado do MST, quinze homens que<br />
trabalhavam para o proprietário da fazenda ren<strong>de</strong>ram o carro. “Eles se jogaram na frente do<br />
carro e começaram a atirar”, Gomes contou aos repórteres. “O Rainha saiu correndo para o<br />
mato e alguns <strong>de</strong>les foram atrás <strong>de</strong>le atirando. Um tiro pegou nas costas.” Rainha foi levado<br />
ao hospital <strong>de</strong> Porto Primavera, on<strong>de</strong> os médicos <strong>de</strong>terminaram que sua condição não era<br />
crítica. 30<br />
O proprietário da fazenda, Roberto Junqueira, foi preso naquele mesmo dia nos arredores da<br />
cida<strong>de</strong>, sob a acusação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar o assassinato <strong>de</strong> Rainha. De acordo com o <strong>de</strong>legado da<br />
polícia local, Donato Farias <strong>de</strong> Oliveira, Junqueira foi preso por volta das 21:30 horas,<br />
enquanto <strong>de</strong>ixava sua plantação. <strong>Na</strong> prisão, Junqueira admitiu sua participação no atentado à<br />
vida <strong>de</strong> Rainha. 31<br />
Quando este relatório foi finalizado, testemunhas do atentado ainda estavam prestando<br />
<strong>de</strong>poimentos à polícia. Em 1 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o prefeito da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />
Pru<strong>de</strong>nte, Agripino <strong>de</strong> Oliveira Lima, <strong>de</strong> 70 anos, <strong>de</strong>safiou Rainha para uma “contenda <strong>de</strong><br />
mãos limpas”. Lima afirmou que “mataria” Rainha se este último aceitasse. Em resposta, a<br />
Ouvidoria Agrária, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário requereu a<br />
Procuradoria-Geral da República a instauração <strong>de</strong> ação penal contra Lima por ameaçar<br />
Rainha.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte e <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Miceno Moreira Barros e ameaças a Paulo<br />
Novais e Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Cabral, lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> trabalhadores rurais, Bom Jardim, Goiás.<br />
29 “Advogado diz ter dados para liberar acusado <strong>de</strong> ter baleado José Rainha”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, (São Paulo), 23 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 2002.<br />
30 “José rainha é baleado no Pontal do Paranapanema,” Folha <strong>de</strong> S. Paulo, (São Paulo), 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
31 Comunicação por correio eletrônico do escritório <strong>de</strong> Direitos Humanos do MST para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 23 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 28
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Versão em português (provisória)<br />
O presi<strong>de</strong>nte do Sindicato <strong>de</strong> Trabalhadores Rurais (STR) no município <strong>de</strong> Bom Jardim,<br />
Goiás, Miceno Moreira Barros, <strong>de</strong> 45 anos, vinha recebendo ameaças <strong>de</strong> morte por sua<br />
atuação na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> reforma agrária e redistribuição <strong>de</strong> terra.<br />
Em 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998, Barros li<strong>de</strong>rou um grupo <strong>de</strong> trabalhadores rurais em uma<br />
manifestação ao longo <strong>de</strong> uma rodovia <strong>de</strong> sete quilômetros que liga Bom Jardim à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Baliza. A viagem cruzou 12.000 hectares <strong>de</strong> terras improdutivas, causando a ira <strong>de</strong><br />
proprietários <strong>de</strong> terras, que não permitiram que o grupo montasse acampamento para<br />
<strong>de</strong>scansar. Em seguida a este inci<strong>de</strong>nte, Barros começou a receber mais e mais ameaças.<br />
Como conseqüência, ele chegou a pensar em abandonar seu posto como presi<strong>de</strong>nte do<br />
sindicato. 32<br />
<strong>Na</strong> manhã <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, Barros <strong>de</strong>ixou sua casa e partiu em direção a uma<br />
proprieda<strong>de</strong> rural no município <strong>de</strong> Piranhas, acompanhado <strong>de</strong> seu primo e um vizinho. Foi a<br />
última vez em que foi visto. 33<br />
Em 14 <strong>de</strong> abril do mesmo ano, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados<br />
enviou uma carta ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Goiás, Jovenal Gomes <strong>de</strong><br />
Carvalho, informando ao secretário o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Barros, assim como as ameaças <strong>de</strong><br />
morte sofridas por Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Cabral, uma lí<strong>de</strong>r local do MST, e Pedro Novais, vicepresi<strong>de</strong>nte<br />
do STR <strong>de</strong> Bom Jardim. Segundo a Comissão, Novais havia recebido há alguns<br />
dias a mensagem <strong>de</strong> “[Que] caso o mesmo não se calasse iria parar no mesmo lugar do<br />
[Barros]”. O presi<strong>de</strong>nte da Comissão, <strong>de</strong>putado Eraldo Trinda<strong>de</strong>, exigiu que medidas para<br />
garantir a segurança <strong>de</strong> Cabral e Novais fossem tomadas, e requereu uma investigação<br />
imediata para apurar o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Barros. 34<br />
Des<strong>de</strong> o início das investigações, o Delegado Regional <strong>de</strong> Iporá, Goiás, consi<strong>de</strong>rou que a<br />
hipótese mais provável para o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Barros era a emboscada <strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong><br />
terras da região. O Delegado havia obtido evidências <strong>de</strong> que os proprietários <strong>de</strong> terras<br />
Jerônimo Epaminondas, Ta<strong>de</strong>u Antunes e Élvio <strong>de</strong> Paiva Mesquita Filho eram os<br />
responsáveis pelas ameaças que Barros vinha recebendo antes <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>saparecimento. 35<br />
A Divisão Estadual <strong>de</strong> Homicídios da Polícia Civil <strong>de</strong> Goiás abriu o processo n o 14941952<br />
para investigar o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Barros e as ameaças recebidas por Cabral e Novais, mas<br />
não <strong>de</strong>scobriu mais informações. 36<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou o Ofício JG/RJ n o 083/02 para<br />
José Correa Barbosa, Delegado Titular da Delegacia Estadual <strong>de</strong> Homicídios, do estado <strong>de</strong><br />
Goiás, requisitando maiores informações sobre acontecimentos recentes relacionados ao caso.<br />
32 “Crimes anteriores não foram solucionados”, O Popular (Goiânia), 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
33 Ibid.<br />
34 Ofício n o 378/98P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para o Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública<br />
do Estado <strong>de</strong> Goiás, Jovenal Gomes <strong>de</strong> Carvalho, 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
35 “Sem terra po<strong>de</strong> ter sido vítima <strong>de</strong> emboscada”, O Popular (Goiás), 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
36 Relatório da Delegacia Estadual <strong>de</strong> Homicídios da Polícia Civil <strong>de</strong> Goiás, 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em resposta, o Delegado Titular da Delegacia Estadual <strong>de</strong> Homicídios, Gilberto da Silva<br />
Ferro, informou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que Barros continua <strong>de</strong>saparecido e que o<br />
inquérito policial encontra-se arquivado na Comarca <strong>de</strong> Aragarças. 37<br />
Assassinato <strong>de</strong> Darlan Pereira da Silva, presi<strong>de</strong>nte da se<strong>de</strong> local do Sindicato dos<br />
Trabalhadores Rurais, Cocalinho, Mato Grosso.<br />
Em 30 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000, o sindicalista Darlan Pereira da Silva foi assassinado. Silva havia<br />
sido presi<strong>de</strong>nte da se<strong>de</strong> local do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) em Cocalinho,<br />
uma pequena cida<strong>de</strong> no estado Mato Grosso. Cocalinho, como muitas pequenas cida<strong>de</strong>s rurais<br />
em todo o Brasil, tem sido local <strong>de</strong> muitos conflitos violentos entre proprietários <strong>de</strong> terra e<br />
trabalhadores sem terra nos últimos anos, envolvendo disputas pela posse <strong>de</strong> terra e direitos<br />
trabalhistas. Como lí<strong>de</strong>r do STR, Silva estava freqüentemente envolvido em tais conflitos, na<br />
<strong>de</strong>fesa dos trabalhadores.<br />
No dia 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000, a polícia <strong>de</strong> Cocalinho achou o corpo <strong>de</strong> Silva nas proximida<strong>de</strong>s<br />
do rio Araguaia, com dois tiros na cabeça e múltiplas facadas pelo corpo. As autorida<strong>de</strong>s<br />
locais estimaram que Silva havia sido assassinado há três dias, mas não tiveram evidências<br />
suficientes para <strong>de</strong>terminar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e os motivos dos assassinos. Os colegas <strong>de</strong> Silva<br />
acreditam que proprietários <strong>de</strong> terras locais or<strong>de</strong>naram o assassinato como retaliação ao<br />
trabalho <strong>de</strong> Silva em favor dos trabalhadores. Alguns suspeitam que o crime po<strong>de</strong> ter sido<br />
uma resposta a uma <strong>de</strong>núncia pública feita por Silva sobre vários fazen<strong>de</strong>iros locais. Após o<br />
assassinato, o STR enviou um fax para o escritório da Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores em<br />
Agricultura (FTA), em Mato Grosso, i<strong>de</strong>ntificando os assassinos <strong>de</strong> aluguel como Robson <strong>de</strong><br />
Farias Pires, conhecido como Êda, e Emerson (conhecido apenas pelo primeiro nome). O STR<br />
notou que ambos chegaram em Cocalinho apenas alguns dias antes do assassinato e <strong>de</strong>ixaram<br />
a cida<strong>de</strong> no dia em que o crime foi cometido.<br />
Logo após o assassinato, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados tomou<br />
conhecimento do caso e pressionou autorida<strong>de</strong>s locais para investigá-lo.<br />
Em 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000 a Polícia Civil <strong>de</strong> Cocalinho abriu o inquérito policial n o 026/2000<br />
para investigar o assassinato Darlan Pereira <strong>de</strong> Silva. Em 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000 o juiz Pedro<br />
Sakamoto or<strong>de</strong>nou a prisão preventiva <strong>de</strong> Êda e Pires, que foram indiciados por assassinato, e<br />
em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001, a investigação foi encerrada e o caso encaminhado para o Fórum da<br />
Comarca <strong>de</strong> Água Boa. 38 As acusações mais tar<strong>de</strong> recaíram sobre Emerson, e Pires<br />
<strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong> Água Boa. Até a data em que este relatório foi concluído, Pires ainda estava<br />
em liberda<strong>de</strong>. 39<br />
37 Correspondência eletrônica <strong>de</strong> Gilberto da Silva Ferro para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
38 Ofício 084/2002/DPJCAB/MT da Polícia Civil <strong>de</strong> Água Boa para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, em<br />
resposta ao Ofício JG/RJ n o 023/02do Centro <strong>de</strong> Justiça Global para Benedito Xavier <strong>de</strong> Souza Corbeline, Secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do estado <strong>de</strong> Mato Grosso, enviada em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, requisitando maiores informações<br />
sobre o caso.<br />
39 Mandato n o 23/00 para prisão preventiva <strong>de</strong> Robson <strong>de</strong> Farias Pires, emitido pelo juiz Pedro Sakamoto, Fórum da<br />
Comarca <strong>de</strong> Água Boa, 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Tentativa <strong>de</strong> assassinato e abuso psicológico contra o frei Rodrigo <strong>de</strong> Castro Ameddé<br />
Péret, coor<strong>de</strong>nador da Comissão Pastoral da Terra, Uberlândia, Minas Gerais<br />
O frei Rodrigo <strong>de</strong> Castro Ameddé Péret, coor<strong>de</strong>nador da Comissão Pastoral da Terra (CPT)<br />
da diocese <strong>de</strong> Uberlândia, Minas Gerais, trabalha com o Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem Terra (MST) em <strong>de</strong>fesa da implementação da reforma agrária no Triângulo Mineiro.<br />
Em 1998, frei Péret sofreu três agressões relacionadas a seu ativismo em favor da reforma<br />
agrária. Em fevereiro <strong>de</strong> 1998, durante um inci<strong>de</strong>nte na fazenda Nossa Senhora das Graças,<br />
em Santa Vitória, frei Péret sofreu agressão por parte <strong>de</strong> oficiais da Polícia Militar <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais. Em junho <strong>de</strong> 1998 ele foi segurado por policiais enquanto proprietários <strong>de</strong> terras o<br />
espancavam durante a “Marcha contra a Fome”, em Uberlândia. A última agressão ocorreu<br />
em setembro <strong>de</strong> 1998, em Santa Vitória. 40<br />
<strong>Na</strong> manhã do dia 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998, oitenta famílias do MST ocuparam a fazenda<br />
Perobas, em Santa Vitória. Proprietários <strong>de</strong> terras ligados à União <strong>de</strong> Defesa das Proprieda<strong>de</strong>s<br />
Rurais (UDPR) organizaram uma milícia fortemente armada e foram para a área on<strong>de</strong><br />
estavam os trabalhadores. Os proprietários <strong>de</strong> terras mandaram os integrantes do MST a<br />
<strong>de</strong>ixarem Perobas e ameaçaram matar todos eles se não se retirassem do local em uma hora.<br />
Os proprietários <strong>de</strong> terras então <strong>de</strong>ixaram o local, dizendo que voltariam com reforços. Depois<br />
<strong>de</strong> sua saída, vários policiais militares chegaram e observaram a ocupação.<br />
Por volta das 14:00 horas, perto <strong>de</strong> cem proprietários <strong>de</strong> terras armados chegaram, alguns<br />
vestindo capuzes. Ao se aproximar da fazenda, eles ameaçaram pôr fogo na mata em que os<br />
trabalhadores estavam acampados. A Polícia Militar observou mas não tomou medidas para<br />
<strong>de</strong>ter os proprietários <strong>de</strong> terras.<br />
Enquanto isso, frei Péret e Marcelo Resen<strong>de</strong>, outro representante da Pastoral, estavam em<br />
Santa Vitória, tentando contatar autorida<strong>de</strong>s civis e militares do estado <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Enquanto estavam lá, eles souberam que os proprietários <strong>de</strong> terras tinham chegado a um<br />
acordo com o MST e <strong>de</strong>ixado a área. Ao saber a notícia, eles, juntamente com membros <strong>de</strong><br />
outros sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores, dirigiram-se para a fazenda Perobas em dois carros. Um<br />
carro, um Elba amarelo, levava membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e<br />
integrantes do MST. O outro carro, um Gol, levava frei Péret, Marcelo Resen<strong>de</strong> e outro<br />
representante da CUT na região do Triângulo Mineiro.<br />
A <strong>de</strong>z quilômetros <strong>de</strong> Santa Vitória, duas caminhonetes levando fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> terras<br />
armados apareceram e forçaram os dois carros a parar. O Gol permaneceu entre as duas<br />
caminhonetes, enquanto o Elba estava à frente da primeira perua. Dois passageiros do Elba, o<br />
ativista do MST e o membro da CUT, sofreram ferimentos físicos, mas conseguiram escapar<br />
sob os tiros dos proprietários <strong>de</strong> terras.<br />
40 Informações sobre este inci<strong>de</strong>nte foram fornecidas pela Diocese <strong>de</strong> Uberlândia e por uma comunicação eletrônica do<br />
Serviço Franciscano por Justiça, Paz e Ecologia à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, 27 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1998.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Os passageiros do Gol foram forçados pelos fazen<strong>de</strong>irosa <strong>de</strong>ixar o veículo. Um dos<br />
fazen<strong>de</strong>iros disse: ”Vamos dar um passeio com eles”. Outro replicou: “Agora não dá para<br />
fazer o que combinamos, porque você <strong>de</strong>ixou o outro fugir”.<br />
Nesse momento, um fazen<strong>de</strong>iro atingiu frei Péret no rosto, fazendo-o cair no chão. Os outros<br />
fazen<strong>de</strong>iros então começaram a chutar seu corpo e atacar os outros dois passageiros. Frei<br />
Péret recebeu dois chutes na cabeça, que causaram uma convulsão na qual ele mor<strong>de</strong>u a<br />
língua violentamente.<br />
Depois da primeira convulsão <strong>de</strong> frei Péret, alguns dos agrssores permitiram que seus colegas<br />
o colocassem no carro. Então, um dos fazen<strong>de</strong>iros apontou sua arma em direção à cabeça <strong>de</strong><br />
frei Péret e atirou. A bala atingiu a parte <strong>de</strong> trás do banco no qual frei Péret estava sentado. Se<br />
a bala tivesse atravessado o banco do carro, teria atingido as suas costas.<br />
Pouco tempo <strong>de</strong>pois a polícia chegou, e os fazen<strong>de</strong>iros fugiram. 41<br />
Em 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados<br />
enviou Ofícios ao governador <strong>de</strong> Minas Gerais, Eduardo Brandão Azeredo, e ao Procurador-<br />
Geral <strong>de</strong> Justiça, Dr, Epaminondas Fulgêncio Neto, requisitando informações e tomada <strong>de</strong><br />
medidas a respeito do abuso físico e psicológico sofrido por frei Péret e os outros. 42<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002 o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 080/02 para<br />
Ne<strong>de</strong>ns Ulisses Freire Vieira, Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Minas Gerais, requisitando mais<br />
informações sobre o andamento <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalizaçào <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
nenhuma resposta a este ofício.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte, difamação e processos criminais infundados contra o frei Henri<br />
Burin <strong>de</strong>s Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra, sul do Pará<br />
O frei Henri Burin <strong>de</strong>s Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra no sul do Pará, tem<br />
sido vítima <strong>de</strong> calúnias e processos criminais infundados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000. 43<br />
Em abril <strong>de</strong> 2000, diferentes fontes confiáveis e seguras da CPT em Xinguara, Pará,<br />
informaram à equipe da CPT que fazen<strong>de</strong>iros da região pretendiam assassinar o frei Henri,<br />
assim como um lí<strong>de</strong>r sindical local e um candidato às próximas eleições. O lí<strong>de</strong>r sindical e o<br />
candidato estavam enfrentando processos infundados sob a alegação <strong>de</strong> terem instigado uma<br />
ocupação <strong>de</strong> terras. <strong>Na</strong>s ações judiciais <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> conflito por terras, frei Henri atuou<br />
como advogado dos trabalhadores. Alguns dias <strong>de</strong>pois, cinco trabalhadores envolvidos em<br />
uma disputa por terras na região foram assassinados e suas orelhas foram cortadas, um sinal<br />
<strong>de</strong> que o crime havia sido encomendado.<br />
41 Ibid.<br />
42 Ofício n o 900/98 da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para o governador <strong>de</strong> Minas Gerais,<br />
Eduardo Brandão Azeredo, e o Procurador Geral <strong>de</strong> Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto, 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998.<br />
43 Frei Henri tem sido sujeito a outros tipos <strong>de</strong> ameaças, não relatadas aqui, ligadas a seu trabalho no sul do Pará.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Frei Henri começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte, em 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000, algumas semanas<br />
antes do julgamento, que con<strong>de</strong>nou Jerônimo Alves <strong>de</strong> Amorim por or<strong>de</strong>nar em 1991 o<br />
assassinato do lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais Expedito Ribeiro <strong>de</strong> Souza. O julgamento e a<br />
sentença receberam larga cobertura da mídia nacional e internacional, inclusive um editorial<br />
no The New York Times. Durante este mesmo período, a CPT em Xinguara <strong>de</strong>nunciou três<br />
po<strong>de</strong>rosos fazen<strong>de</strong>iros por submeter pessoas ao trabalho escravo.<br />
Em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, em uma entrevista coletiva à imprensa em Belém, frei Henri, em<br />
nome da CPT no sul do Pará, <strong>de</strong>nunciou <strong>de</strong>zessete casos <strong>de</strong> tortura, inclusive vários casos<br />
fatais, que ocorreram em <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia do Pará. A <strong>de</strong>núncia teve larga cobertura pela<br />
imprensa nacional e internacional, culminando com a visita ao sul do Pará do Relator Especial<br />
da ONU sobre Tortura, Sir Nigel Rodley, durante sua missão ao Brasil, e com uma<br />
investigação da Anistia Internacional sobre todos os casos <strong>de</strong>nunciados.<br />
Por vários meses, o Delegado Geral <strong>de</strong> Polícia do Pará difamou frei Henri através <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>poimentos divulgados em jornais e programas <strong>de</strong> rádio e televisão no Pará e região. O<br />
Delegado o acusou <strong>de</strong> ser mentalmente <strong>de</strong>sequilibrado e <strong>de</strong> envolvimento no assassinato <strong>de</strong><br />
um fazen<strong>de</strong>iro, entre outros ataques verbais. A imprensa local também publicou uma carta<br />
difamatória sobre frei Henri que o juiz <strong>de</strong> Xinguara havia enviado ao presi<strong>de</strong>nte do Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça do estado.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2000, duas investigações policiais – uma por assassinato e outra por crime<br />
contra honra – foram registradas contra o frei Henri. Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, o governador do<br />
Pará representou uma queixa contra o frei Henri por crime contra honra. No mesmo mês, o<br />
juiz <strong>de</strong> Xinguara registrou uma ação criminal contra o frei Henri por incitamento à violência,<br />
conspiração e <strong>de</strong>sacato à autorida<strong>de</strong>, tudo baseado na sua participação em uma manifestação<br />
para protestar contra as suspeitas <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s nas eleições locais <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
2000. O protesto público, feito em frente ao tribunal <strong>de</strong> Xinguara, foi pacífico e não envolveu<br />
danos ou violência. Finalmente, em janeiro <strong>de</strong> 2001, o ex-Delegado Geral <strong>de</strong> Polícia Civil do<br />
Pará registrou uma ação contra frei Henri por danos morais.<br />
Em 27 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global encaminhou informações a respeito<br />
das ameaças <strong>de</strong> morte, inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> calúnia e processos criminais infundados contra o frei<br />
Henri para a Representante Especial da ONU sobre os Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos, Hina<br />
Jilani.<br />
Segundo frei Henri, todas os inquéritos e processos abertos contra ele em 2000 têm <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
então sido arquivados por falta <strong>de</strong> fundamentação. O processo movido pelo ex-Delegado<br />
Geral <strong>de</strong> Polícia ainda está pen<strong>de</strong>nte. 44<br />
Assassinato <strong>de</strong> José Dutra da Costa, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais, Rondon, Pará<br />
44 Correspondência eletrônica do frei Henri para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, em 1 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002, em resposta à nossa<br />
solicitação <strong>de</strong> informações sobre a situação atual <strong>de</strong> seu caso.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
No dia 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000, um pistoleiro matou José Dutra da Costa, 43 anos,<br />
presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município <strong>de</strong> Rondon, no estado<br />
do Pará. Costa também havia sido diretor <strong>de</strong> Política Agrária do STR, e foi lí<strong>de</strong>r estadual da<br />
Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores em Agricultura (FETAGRI). Enquanto trabalhava nestas<br />
instituições, Costa fez muitos inimigos entre os fazen<strong>de</strong>iros no Pará, que ressentiam o fato <strong>de</strong><br />
Costa ter organizado campanhas <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> terras improdutivas. Como reação, esses<br />
proprietários <strong>de</strong> terras fizeram ameaças <strong>de</strong> morte contra ele, e em várias ocasiões pistoleiros<br />
tentaram matá-lo. Mais <strong>de</strong> quatro anos antes do assassinato, a Comissão Pastoral da Terra<br />
(CPT) <strong>de</strong> Marabá citou as ameaças <strong>de</strong> morte e tentativas <strong>de</strong> assassinato contra Costa, entre<br />
muitos outros casos similares, em seu relatório sobre violência nas áreas rurais. Em cada caso<br />
<strong>de</strong> ameaça, Costa registrou queixa perante a polícia local, solicitando proteção junto à<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Pará, a qual não foi concedida.<br />
Por volta das 19:30 horas do dia 21 novembro, 1999, o matador <strong>de</strong> aluguel Wellington <strong>de</strong><br />
Jesus Silva, <strong>de</strong> 20 anos, chegou à casa <strong>de</strong> Costa. Ao <strong>de</strong>scobrir que Costa não estava, Silva se<br />
escon<strong>de</strong>u atrás <strong>de</strong> alguns arbustos perto da porta da frente. Quando Costa voltou para casa<br />
alguns minutos <strong>de</strong>pois, Silva pulou <strong>de</strong> seu escon<strong>de</strong>rijo e atirou três vezes. Mesmo ferido,<br />
Costa conseguiu lutar com Silva, empurrando-o em uma vala. Assim, os vizinhos <strong>de</strong> Costa<br />
chegaram a tempo <strong>de</strong> dominar Silva. Eles levaram Costa ao hospital, on<strong>de</strong> ele morreu<br />
algumas horas mais tar<strong>de</strong>, e entregaram Silva à polícia. Silva confessou que havia recebido<br />
dinheiro e o revólver <strong>de</strong> seu primo, o qual havia sido contratado por um fazen<strong>de</strong>iro local,<br />
Décio Barroso, para matar Costa. 45<br />
Barroso foi preso em seqüência, mas libertado por <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> um juiz do estado após<br />
apenas doze dias <strong>de</strong> prisão. Em maio <strong>de</strong> 2001, o po<strong>de</strong>r judiciário do Pará suspen<strong>de</strong>u as<br />
investigações sobre o assassinato <strong>de</strong> Costa in<strong>de</strong>finidamente. 46<br />
No dia 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 063/02 ao<br />
Dr. Paulo Sette Câmara, secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Pará, requisitando<br />
maiores informações sobre o andamento do caso.<br />
Até a finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido resposta.<br />
Assassinato da família <strong>de</strong> José Pinheiro <strong>de</strong> Lima, ativista <strong>de</strong> direitos dos trabalhadores<br />
sem terra, do Pará<br />
Por volta das 19:00 horas do dia 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, dois pistoleiros <strong>de</strong>sconhecidos invadiram<br />
a residência <strong>de</strong> José Pinheiro <strong>de</strong> Lima, um <strong>de</strong>fensor local dos direitos dos trabalhadores rurais<br />
e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a aproximadamente<br />
doze quilômetros <strong>de</strong> Marabá. Após entrar, os homens atiraram na esposa <strong>de</strong> Lima, Cleonice, e<br />
a mataram enquanto ela assistia televisão na sala. Eles então passaram ao quarto, on<strong>de</strong> Lima<br />
se recuperava <strong>de</strong> uma doença recente, e o mataram com tiros à queima-roupa. Finalmente eles<br />
45 Correspondência eletrônica enviada pela Comissão <strong>de</strong> direitos Humanos da Câmara dos Deputados para o Centro <strong>de</strong><br />
Justiça Global, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000.<br />
46 “Violência contra trabalhadores rurais no sul e su<strong>de</strong>ste do Pará”, relatório do Fórum <strong>de</strong> Organizações Pela Reforma<br />
Agrária do sul e su<strong>de</strong>ste do Pará, 4 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
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atiraram no filho <strong>de</strong> Lima, Samuel, que chegou em casa pouco <strong>de</strong>pois, e o mataram. Os dois<br />
pistoleiros então fugiram da cena do crime, roubaram uma motocicleta e escaparam pela<br />
rodovia PA-150 em direção à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jacundá.<br />
Os fatos envolvendo estes assassinatos sugerem vigorosamente que fazen<strong>de</strong>iros da região são<br />
responsáveis pelas mortes. Antes do assassinato <strong>de</strong> Lima e sua família, o integrante do MST<br />
estava atuando no processo <strong>de</strong> assentamento <strong>de</strong> trabalhadores sem terra na fazenda São<br />
Raimundo, que havia sido <strong>de</strong>signada para <strong>de</strong>sapropriação pelo governo fe<strong>de</strong>ral em janeiro <strong>de</strong><br />
2001. Des<strong>de</strong> o começo do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação, um grupo <strong>de</strong> aproximadamente 120<br />
famílias <strong>de</strong> trabalhadores sem terra havia acampado no local, aguardando a conclusão da<br />
transferência <strong>de</strong> terra e a liberação do título da mesma. Embora o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação<br />
tivesse sido assinado em janeiro <strong>de</strong> 2001, o governo ainda não havia concluído o processo <strong>de</strong><br />
assentamento.<br />
Nesse meio tempo, o proprietário da Fazenda São Raimundo, João David <strong>de</strong> Melo, havia<br />
tomado várias medidas para impedir a conclusão do processo legal <strong>de</strong> expropriação. Estas<br />
medidas incluíam ameaças <strong>de</strong> morte públicas contra ativistas. Como principal lí<strong>de</strong>r das<br />
famílias acampadas no latifúndio, Lima era o alvo principal <strong>de</strong>ssas ameaças.<br />
De fato, Lima vinha recebendo ameaças <strong>de</strong> morte pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo <strong>de</strong> 2000.<br />
<strong>Na</strong>quela época, quando a Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Trabalhadores na Agricultura<br />
(CONTAG) <strong>de</strong>nunciou o assassinato <strong>de</strong> José Dutra da Costa, em Rondon do Pará, a<br />
organização incluiu o nome <strong>de</strong> Lima na lista dos lí<strong>de</strong>res que haviam recebido ameaças. 47<br />
Quando testemunhas foram prestar <strong>de</strong>poimento à polícia a respeito do triplo homicídio <strong>de</strong><br />
Lima e sua família, foram obrigadas por policias da polícia a esperar aproximadamente quatro<br />
horas (até 1:00 h da manhã do dia 10 <strong>de</strong> julho) antes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem falar com alguém. Até a<br />
manhã do dia seguinte dos assassinatos, a polícia ainda não havia tomado medidas para<br />
investigar os homicídios, como visitar a cena do crime, por exemplo.<br />
No dia 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global encaminhou <strong>de</strong>núncias para a Relatora<br />
Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias, ou Arbitrárias, Asma Jahangir, a<br />
respeito dos assassinatos na casa dos Lima e da falta <strong>de</strong> diligência da polícia nas investigações<br />
que se seguiram.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, O Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 068/02 ao Dr.<br />
Paulo Sette Câmara, secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Pará, requisitando maiores<br />
informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta a este ofício.<br />
47 Ofício n o AQA/0656/01 da CONTAG (assinada por Manoel José dos Santos, Maria da Graça Amorim e Hilário Gottselig)<br />
para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001.<br />
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Assassinato <strong>de</strong> Onalício Araújo Barros e Valentim da Silva Serra, li<strong>de</strong>ranças do MST,<br />
Parauapebas, Pará<br />
No final <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, um fazen<strong>de</strong>iro e um grupo <strong>de</strong> capangas assassinaram Onalício<br />
Araújo Barros, conhecido como “Fusquinha”, e Valentim da Silva Serra, conhecido como<br />
“Doutor”, <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> trabalhadores rurais, ambos com trinta e poucos anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>. Os assassinatos ocorreram perto da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Parauapebas, no sul do Pará. Tanto<br />
Araújo como Serra participavam da li<strong>de</strong>rança em nível estadual do Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A organização dos trabalhadores e as ocupações <strong>de</strong><br />
terra na região freqüentemente provocavam violentas retaliações por parte dos fazen<strong>de</strong>iros,<br />
que contratavam milícias privadas e policiais para expulsar os trabalhadores à força. Num<br />
dos casos <strong>de</strong> maior repercussão, a Polícia Militar massacrou <strong>de</strong>zenove trabalhadores rurais<br />
que estavam em uma fazenda em Eldorado dos Carajás, Pará, perto <strong>de</strong> Parauapebas, em 17 <strong>de</strong><br />
abril <strong>de</strong> 1996. 48 Araújo e Serra haviam participado naquela ocupação e sobreviveram ao<br />
massacre. Dois anos <strong>de</strong>pois, seu envolvimento em outra ocupação organizada pelo MST lhes<br />
custou a vida.<br />
Em 14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, um grupo <strong>de</strong> trabalhadores e suas famílias, cerca <strong>de</strong> 500 pessoas no<br />
total, ocupou a Fazenda Goiás II, perto da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Parauapebas, no sul do Pará. 49 O grupo<br />
permaneceu na área por cerca <strong>de</strong> duas semanas sem inci<strong>de</strong>ntes.<br />
No dia 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, por volta das 8:00 horas da manhã, um oficial <strong>de</strong> Justiça chegou<br />
ao acampamento dos trabalhadores com dois capatazes da fazenda. Ele informou aos<br />
trabalhadores que sua ocupação era ilegal, e or<strong>de</strong>nou que <strong>de</strong>ixassem a proprieda<strong>de</strong><br />
imediatamente. Também ameaçou chamar a Polícia Militar para expulsar os trabalhadores que<br />
não cooperassem. Apesar do aviso, o grupo permaneceu na fazenda.<br />
Por volta das 14:30 horas daquele dia, o oficial retornou com um sargento da polícia e <strong>de</strong>z<br />
policiais (vários <strong>de</strong>les encapuzados e com os nomes em seus uniformes cobertos), e exigiu<br />
que os trabalhadores <strong>de</strong>ixassem a fazenda. O sargento da polícia <strong>de</strong>clarou que se os<br />
trabalhadores não partissem, os proprietários da fazenda chegariam com “pistoleiros armados<br />
até os <strong>de</strong>ntes”. Os trabalhadores fizeram uma reunião em que <strong>de</strong>cidiram <strong>de</strong>ixar a fazenda.<br />
Por volta das 17:00 horas, Araújo e Serra chegaram ao local e acompanharam os<br />
trabalhadores enquanto estes andavam ao longo da estrada que corta a fazenda. 50 Depois <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar a proprieda<strong>de</strong>, o grupo andou mais <strong>de</strong> seis quilômetros. O esforço físico <strong>de</strong>ssa jornada<br />
pesou sobre as crianças e mulheres grávidas do grupo, algumas das quais começaram a<br />
<strong>de</strong>smaiar ou passar mal. Os trabalhadores <strong>de</strong>cidiram parar e passar a noite em um barracão <strong>de</strong><br />
uma instituição estadual, o Centro <strong>de</strong> Desenvolvimento Regional 1 (CEDERE-1), que se<br />
encontrava próximo. Araújo, acompanhado <strong>de</strong> Serra e <strong>de</strong> uma trabalhadora chamada Maria<br />
48 “Sem terra são mortos a tiros no sul do Pará”, Correio Braziliense, (Brasília), 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
49 Depoimento <strong>de</strong> Maria Zilda Pereira Alves à Procuradoria Fe<strong>de</strong>ral dos Direitos do Cidadão, Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral no<br />
Pará, 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
50 Depoimento <strong>de</strong> Maria Zilda à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998. Maria Zilda<br />
também testemunhou que Araújo havia naquele dia reclamado com a polícia que eles não estavam respeitando um acordo<br />
prévio segundo o qual os sem terra não seriam expulsos sem uma or<strong>de</strong>m expressa do governo do estado.<br />
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Zilda Pereira Alves, foram ao escritório da administração do CEDERE-1 para requisitar<br />
permissão para que os trabalhadores passassem aquela noite no abrigo.<br />
No caminho para o escritório, Araújo, Serra e Maria Zilda encontraram um grupo <strong>de</strong><br />
fazen<strong>de</strong>iros e pistoleiros contratados da Fazenda Goiás II, e perceberam que este grupo estava<br />
seguindo os trabalhadores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que suspen<strong>de</strong>ram a ocupação e <strong>de</strong>ixaram<br />
Goiás II, naquele mesmo dia. Um dos fazen<strong>de</strong>iros, Carlos Antônio da Costa, gritou: “O que é?<br />
O que é que vocês estão fazendo aí?”. 51 Araújo explicou que ele, Serra e Maria Zilda estavam<br />
tentando conseguir que os trabalhadores passassem a noite no barracão CEDERE-1, que era<br />
uma proprieda<strong>de</strong> pública. 52 Costa disse que era para eles irem “para o quinto dos infernos”. 53<br />
Outro fazen<strong>de</strong>iro chamado Donizete tentou pegar uma pasta <strong>de</strong> documentos das mãos <strong>de</strong><br />
Serra. <strong>Na</strong>quele momento, os faróis <strong>de</strong> um carro iluminaram os três membros do MST, e o<br />
fazen<strong>de</strong>iro i<strong>de</strong>ntificou Araújo e Serra pelo nome. 54<br />
O fazen<strong>de</strong>iro Donizete então se aproximou <strong>de</strong> Serra e pressionou o cano <strong>de</strong> um revólver<br />
contra o peito do último. Carlos da Costa gritou “Queima!” e Donizete atirou em Serra,<br />
matando-o. Donizete então apontou o revólver e atirou em Araújo, que tentou tirar a arma das<br />
mãos <strong>de</strong> Donizete. A bala atingiu Araújo, que se virou e fugiu. Maria Zilda gritou, e Donizete<br />
pôs a arma em sua boca. <strong>Na</strong>quele momento, alguns trabalhadores chegaram em várias<br />
caminhonetes e resgataram Maria Zilda.<br />
Um trabalhador chamado Paulo Rodrigues <strong>de</strong> Araújo viu os capangas dos fazen<strong>de</strong>iros<br />
pegarem o corpo <strong>de</strong> Serra e o jogarem em uma caminhonete branca. Ele também viu Araújo,<br />
ferido, correndo em direção à mata.<br />
Por volta do meio-dia do dia seguinte, o corpo <strong>de</strong> Araújo foi achado na beira da estrada cerca<br />
<strong>de</strong> cinco quilômetros do lugar em que ele havia sido atingido. 55 Segundo o representante do<br />
MST da cida<strong>de</strong> vizinha <strong>de</strong> Marabá, os pistoleiros contratados enterraram eles mesmos o corpo<br />
<strong>de</strong> Serra. 56<br />
A resposta do governo aos assassinatos envolveu autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais, estaduais e locais. Em<br />
27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, o Ministério Público requisitou a instauração <strong>de</strong> Inquérito Policial. No<br />
dia seguinte, a equipe do Instituto <strong>de</strong> Polícia Técnica recuperou os corpos <strong>de</strong> Araújo e Serra<br />
para realizar autópsia. 57 Cerca <strong>de</strong> uma semana <strong>de</strong>pois, no dia 2 <strong>de</strong> abril, a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para examinar<br />
os <strong>de</strong>talhes do caso e rever a forma como as autorida<strong>de</strong>s locais estavam conduzindo as<br />
investigações. Maria Zilda e Paulo Rodrigues <strong>de</strong> Araújo prestaram <strong>de</strong>poimento nesse<br />
51 Ibid.<br />
52 Ibid.<br />
53 Depoimento <strong>de</strong> Maria Zilda à Procuradoria Fe<strong>de</strong>ral dos Direitos do Cidadão, 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, op. cit. Maria Zilda<br />
testemunhou que Araújo disse: “A gente está querendo negociar com vocês para a gente ficar aqui no galpão do colégio,<br />
só para acampar o nosso povo, porque vai gente nossa passando mal, e já é muito tar<strong>de</strong>... estou garantindo para vocês que<br />
não vamos voltar lá”.<br />
54 Ibid.<br />
55 “Sem terra são mortos a tiros no sul do Pará”, op. cit.<br />
56 “Mais dois sem terra são assassinados no sul do Pará”, O Globo, (Rio <strong>de</strong> Janeiro), 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
57 Relatório do Ministério Público do estado do Pará, 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
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interrogatório, tanto como Gilmar Vianna, Diretor do Departamento <strong>de</strong> Conflitos Fundiários<br />
do Ministério <strong>de</strong> Polícia Fundiária. 58 No mesmo dia o ministro da Justiça interino, requisitou<br />
proteção policial especial para as duas testemunhas, 59 e o Procurador Geral <strong>de</strong> Justiça do<br />
estado do Pará informou ao presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos que ele havia<br />
<strong>de</strong>signado dois Promotores <strong>de</strong> Justiça para acompanhar o caso. 60<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 046/02 para o<br />
Ministro da Justiça requisitando maiores informações sobre o recente andamento <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até a finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido resposta a este<br />
ofício.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s Francisco <strong>de</strong> Paulo, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais, Parauapebas,<br />
Pará<br />
Em 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999, dois pistoleiros assassinaram Eucli<strong>de</strong>s Francisco <strong>de</strong> Paulo, presi<strong>de</strong>nte<br />
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) <strong>de</strong> Parauapebas, no sul do Pará. 61 Eucli<strong>de</strong>s<br />
Francisco <strong>de</strong> Paulo era um ativista em <strong>de</strong>fesa dos trabalhadores rurais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992, fazendo<br />
campanhas pela reforma agrária e fornecendo a trabalhadores rurais sem terra suporte<br />
organizacional em suas ocupações <strong>de</strong> fazendas no sul do Pará. O trabalho <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s em<br />
<strong>de</strong>fesa dos trabalhadores gerou a inimiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros da região opostos à reforma<br />
agrária, e no curso <strong>de</strong> sua carreira como sindicaliste ele recebeu inúmeras ameaças <strong>de</strong> morte.<br />
Uma nova onda <strong>de</strong> ocupações <strong>de</strong> terras em 1999 <strong>de</strong>tonou um aumento na violência praticada<br />
por milícias privadas <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros contra trabalhadores rurais. Como parte <strong>de</strong>ste ataque,<br />
<strong>de</strong>zoito lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> trabalhadores rurais receberam ameaças <strong>de</strong> morte, inclusive Eucli<strong>de</strong>s<br />
Francisco <strong>de</strong> Paulo. No começo <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999, foi assassinado o primeiro dos <strong>de</strong>zoito<br />
ameaçados: um lí<strong>de</strong>r do STR em Marabá, Agripino José da Silva,. Duas semanas <strong>de</strong>pois, no<br />
dia 20 <strong>de</strong> maio, um pistoleiro em uma motocicleta <strong>de</strong>u dois tiros nas costas <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Paulo, fazendo <strong>de</strong>le a segunda vítima fatal.<br />
No dia seguinte ao assassinato <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Paulo, duas organizações rurais (a Fe<strong>de</strong>ração<br />
dos Trabalhadores na Agricultura - FETAGRI e a Comissão Pastoral da Terra - CPT)<br />
enviaram uma carta aberta às autorida<strong>de</strong>s exigindo intervenção para prevenir a violência<br />
contra trabalhadores rurais. 62 No mesmo dia, a Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Trabalhadores na<br />
Agricultura (CONTAG) enviou uma carta ao <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda, então presi<strong>de</strong>nte da<br />
58 Documento 0145/98 da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 2 <strong>de</strong> Abril, 1998<br />
59 Ofício n o 325/98P da Comissão para José <strong>de</strong> Jesus Filho, ministro interino da Justiça, 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
60 Ofício n o 344/98/MP/PGJ do Ministério Público do Pará para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados, 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998. Os nomes dos promotores eram José Godofredo dos Santos e Regina Luiza Taveira da<br />
Silva.<br />
61 As informações sobre este caso vêm <strong>de</strong> Ofício n o 371/96 da Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Trabalhadores na Agricultura<br />
(CONTAG) para o <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,<br />
em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999, e <strong>de</strong> um comunicado à imprensa realizado pela Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores na Agricultura<br />
(FETAGRI) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), “Pistoleiros assassinam presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Trabalhadores<br />
Rurais <strong>de</strong> Parauapebas”, 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999.<br />
62 “Pistoleiros assassinam presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais <strong>de</strong> Parauapebas”, op. cit.<br />
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Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, instando a Comissão a adotar<br />
todas as medidas necessárias para i<strong>de</strong>ntificar e punir os assassinos <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Paulo. 63<br />
Em resposta a esta solicitação, no dia 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999, o <strong>de</strong>putado Miranda escreveu para<br />
autorida<strong>de</strong>s estaduais e locais do Pará exigindo uma investigação extensiva e rápida,<br />
ressaltando que o caso <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Paulo era o segundo assassinato <strong>de</strong> um lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
trabalhadores rurais em duas semanas. 64<br />
Em 8 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou um Ofício ao Secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do estado do Pará, Paulo Celso Pinheiro Sette Câmara, requisitando<br />
informações sobre os andamentos do caso. 65 O secretário Sette Câmara foi uma das<br />
autorida<strong>de</strong>s que recebeu a referida solicitação <strong>de</strong> providências do <strong>de</strong>putado Miranda.<br />
Até a finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido resposta do<br />
secretário Sette Câmara a este ofício.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Sebastião Maia, lí<strong>de</strong>r do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem<br />
Terra, Querência do Norte, Paraná<br />
Em 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999, a Polícia Militar do Paraná removeu à força o lí<strong>de</strong>r do Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Sebastião Maia, conhecido como “Tiãozinho”, e sua<br />
família da fazenda Rio Novo, localizada em Querência do Norte, município do estado do<br />
Paraná. Segundo <strong>de</strong>poimentos prestados em Curitiba, ao então Secretário <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos, Jose Gregori, membros da Polícia Militar maltrataram e agrediram a<br />
mulher <strong>de</strong> Sebastião Maia, sra. A<strong>de</strong>lina Ventura, durante a expulsão. A<strong>de</strong>lina Ventura<br />
comentou que os policiais chegaram gritando e procurando por seu marido: “O seu marido é<br />
um dos lí<strong>de</strong>r do movimento, nóis qué ele”. 66<br />
No dia 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000, Maia morreu por causa <strong>de</strong> ferimentos <strong>de</strong> bala recebidos<br />
durante uma violenta expulsão <strong>de</strong> trabalhadores do MST da fazenda Água da Prata, em<br />
Querência do Norte. Segundo o médico que fez a autópsia no corpo <strong>de</strong> Sebastião Maia, Luís<br />
Antônio Ricci Almeida, o pistoleiro que o matou atirou com uma arma <strong>de</strong> doze calibres a uma<br />
distância <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> um metro. A bala entrou pelo olho esquerdo <strong>de</strong> Maia e saiu através da<br />
nuca. Duas outras balas passaram <strong>de</strong> raspão, machucando sua cabeça. 67 O pistoleiro foi mais<br />
tar<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificado como José Luiz Carneiro, segurança da fazenda Água da Prata. 68<br />
Respon<strong>de</strong>ndo à notícia do assassinato <strong>de</strong> Maia, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara<br />
dos Deputados informou ao então Ministro da Justiça, José Gregori, a existência <strong>de</strong> uma lista<br />
63 Ofício n o 371/96 para o <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda, op. cit.<br />
64 Ofício n o 463/99 do <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda ao Dr. Paulo Celso Pinheiro Sette Câmara, Secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do estado do Pará, a Dra. Rosa Marga Rothe, ouvidora do Sistema <strong>de</strong> Segurança Pública do Pará e ao Dr. José<br />
Godofredo Pires dos Santos, promotor <strong>de</strong> Justiça da Comarca <strong>de</strong> Parauapebas, 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999.<br />
65 Ofício JG/RJ n o 027/02 do Centro <strong>de</strong> Justiça Global ao Secretário Sette Câmara, 8 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
66 “Sem Terra assassinado no Paraná”, comunicado à imprensa da Comissão Pastoral da Terra, 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000.<br />
67 Ibid..<br />
68 Memorando n o 071 da Secretaria <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Segurança Pública, 1 o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2001.<br />
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<strong>de</strong> trabalhadores rurais marcados para morrer. A Comissão também requisitou que o ministro<br />
pressionasse as autorida<strong>de</strong>s do Paraná para impedir a violência contra lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> trabalhadores<br />
e membros do MST. 69<br />
De acordo com a Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública, a Polícia Civil abriu um inquérito policial<br />
sobre o assassinato <strong>de</strong> Sebastião Maia, e conseguiu evidências que levaram ao indiciamento<br />
<strong>de</strong> José Luiz Carneiro. A juíza da Comarca, Elizabeth Kather, or<strong>de</strong>nou que Carneiro fosse<br />
mantido preso até a data <strong>de</strong> seu julgamento. 70<br />
A investigação também vinculou José Ivo Lopes Furquim ao assassinato <strong>de</strong> Maia e levou à<br />
expedição <strong>de</strong> um mandato para sua prisão. Ele ainda está em liberda<strong>de</strong>, e acredita-se que<br />
esteja escondido no Mato Grosso do Sul. 71<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 064/02 para o<br />
Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Paraná, José Tavares, requisitando mais<br />
informações sobre os últimos andamentos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Em resposta ao ofício, o Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública informou que em 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
2001 o Juízo da Comarca <strong>de</strong> Loanda <strong>de</strong>cidiu que José Luiz Carneiro seria julgado por um<br />
Tribunal do Júri.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório o julgamento não havia ocorrido. 72<br />
Agressões físicas, ameaças <strong>de</strong> morte e processo judicial in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> Darci Frigo,<br />
advogado da Comissão Pastoral da Terra, Curitiba, Paraná<br />
Darci Frigo tem trabalhado como advogado e <strong>de</strong>fensor dos direitos humanos com a Comissão<br />
Pastoral da Terra (CPT) há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos. Ele tem representado trabalhadores rurais<br />
envolvidos em <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> disputas <strong>de</strong> terras no Paraná, em foros nacionais e internacionais,<br />
freqüentemente se colocando em posição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> risco pessoal. Além disso, ele tem atuado<br />
como <strong>de</strong>fensor da reforma agrária e tem documentado e registrado abusos e violências<br />
cometidas contra trabalhadores rurais em relatórios da CPT.<br />
Os ataques ao trabalho <strong>de</strong> Frigo começaram assim que ele começou a trabalhar na CPT. Em<br />
1986, Frigo <strong>de</strong>nunciou Luciano Pizatto, um <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, por utilizar <strong>de</strong>z crianças <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>s entre doze e <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong> favelas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ponta Grossa, Paraná, e forçá-las a<br />
realizar trabalhos pesados (como limpar áreas <strong>de</strong> mata) em sua proprieda<strong>de</strong> rural. Como<br />
resultado, Pizatto acusou Frigo <strong>de</strong> difamação e o processou judicialmente em 1987, em um<br />
caso que iria durar seis anos. Em 1993, o juiz que presidia o caso sentenciou Frigo a um ano<br />
<strong>de</strong> prisão, uma pena que não po<strong>de</strong>ria ser cumprida pois o crime (tipo penal) já havia prescrito.<br />
69 Ofício 899/00P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para o ministro da Justiça, 26 <strong>de</strong> novembro<br />
<strong>de</strong> 2000.<br />
70 Memorando n o 071 da Secretaria <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Segurança Pública, op. cit.<br />
71 Ofício n o 814/00 da Secretaria do Estado <strong>de</strong> Justiça e Cidadania do Paraná para o <strong>de</strong>putado Marcos Rolim, presi<strong>de</strong>nte da<br />
Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000.<br />
72 Telefax n o 009/02, da secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Paraná, Curitiba, para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
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Em 1993, oficiais da Polícia Militar do Paraná ameaçaram Darci Frigo, enquanto ele estava<br />
representando judicialmente o lí<strong>de</strong>r rural Diniz Bento da Silva, mais conhecido como<br />
“Teixeirinha”, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia. Mais uma retaliação oficial ao trabalho <strong>de</strong><br />
Frigo aconteceu em 1996, quando o governador do Paraná, Jaime Lerner, o impediu até o ano<br />
<strong>de</strong> 1999, <strong>de</strong> tomar posse no Conselho Estadual Permanente <strong>de</strong> Direitos Humanos do Paraná.<br />
Em 27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, a Polícia Militar do Paraná pren<strong>de</strong>u e <strong>de</strong>teve arbitrariamente<br />
Frigo, com mais sete membros do Movimento das Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),<br />
baseada na acusação patentemente falsa <strong>de</strong> que Frigo havia fraturado a perna do policial<br />
Argeu Xavier. A <strong>de</strong>tenção arbitrária teve lugar logo <strong>de</strong>pois que oficiais da polícia ilegalmente<br />
impediram Frigo, e sua colega, a advogada Andressa Caldas, <strong>de</strong> fornecer assistência legal a<br />
membros do MST que haviam sido expulsos à força <strong>de</strong> uma praça no centro <strong>de</strong> Curitiba,<br />
Paraná, durante a madrugada, numa operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo que contou com mais <strong>de</strong> 1000<br />
policiais. Os trabalhadores rurais sem terra estavam acampados na praça pública, em protesto<br />
pela reforma agrária e contra a violência no campo. Durante a prisão, Frigo foi agredido<br />
fisicamente pelos policiais militares, que rasgaram seu terno, o algemaram e o levaram a uma<br />
Delegacia <strong>de</strong> Polícia.<br />
O policial Xavier registrou uma queixa criminal contra Frigo por lesões corporais leves no<br />
Juizado Especial. Este caso ainda está tramitando judicialmente.<br />
Após a operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo na praça <strong>de</strong> Curitiba, a imprensa oficial do estado do Paraná<br />
lançou dois boletins fornecendo supostas “evidências” a respeito da culpa <strong>de</strong> Frigo no que se<br />
refere ao inci<strong>de</strong>nte com o policial, apesar da presença <strong>de</strong> inúmeras testemunhas que atestaram<br />
a inocência <strong>de</strong> Frigo, inclusive um bispo local. Frigo ingressou com uma ação judicial civil<br />
contra o estado do Paraná por difamação, buscando compensação por danos morais sofridos<br />
em <strong>de</strong>corrência da nota divulgada pelo governo do Paraná. Em 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, o estado do<br />
Paraná reconheceu formalmente que Darci Frigo não havia cometido atos <strong>de</strong> violência,<br />
através <strong>de</strong> uma carta do chefe <strong>de</strong> Gabinete do Governador do Paraná enviada à Conferência<br />
<strong>Na</strong>cional dos Bispos Brasileiros (CNBB).<br />
Em 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil (OAB) publicou um <strong>de</strong>sagravo<br />
oficial no qual o governador do Paraná, o secretário <strong>de</strong> Segurança Pública, e o comandante da<br />
Polícia Militar do estado do Paraná são responsabilizados por abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e por violação<br />
dos direitos dos advogados Darci Frigo e Andressa Caldas durante o conflito em Curitiba.<br />
Ainda em fevereiro <strong>de</strong> 2000, Frigo recebeu três ameaças <strong>de</strong> morte por telefone, em resposta a<br />
sua <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> trabalhadores rurais. Nos três casos, um homem não-i<strong>de</strong>ntificado ameaçou<br />
repetidamente “quebrar as pernas [<strong>de</strong> Frigo]” e “terminar o serviço” se ele saísse <strong>de</strong> sua casa.<br />
Os dois últimos dos três telefonemas foram gravados. <strong>Na</strong> última ligação, o homem disse a<br />
Frigo: “Faça seguro para não <strong>de</strong>ixar tua família <strong>de</strong>samparada”.<br />
Os responsáveis por essas ameaças não foram i<strong>de</strong>ntificados, mas a referência constante a<br />
“quebrar as pernas” sugerem fortemente que estas ameaças <strong>de</strong> morte estão vinculadas à<br />
acusação fabricada <strong>de</strong> que Frigo quebrou a perna do policial Argeu Xavier. As autorida<strong>de</strong>s<br />
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fe<strong>de</strong>rais respon<strong>de</strong>ram à requisição <strong>de</strong> proteção da vida <strong>de</strong> Frigo apenas dois meses após a<br />
solicitação. A proteção que foi realizada pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral durou apenas 45 dias.<br />
Em 13 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001, Darci Frigo, juntamente com o Centro <strong>de</strong> Justiça Global,<br />
encaminhou informações a respeito das ameaças <strong>de</strong> morte e da sua <strong>de</strong>tenção arbitrária para a<br />
Representante Especial da ONU sobre os Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos, Hina Jilani.<br />
Em julho <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global indicou Frigo para o Prêmio <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos Robert F. Kennedy. Em outubro <strong>de</strong> 2001, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua trajetória pessoal e seu<br />
compromisso com a <strong>de</strong>fesa dos trabalhadores rurais, Frigo foi escolhido entre <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos do mundo inteiro para receber o referido Prêmio <strong>de</strong> 2001, em uma<br />
cerimônia realizada em Washington, em novembro daquele ano.<br />
Abuso físico, ameaças e intimidação legal contra Avanilson Alves Araújo, advogado da<br />
Re<strong>de</strong> <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Advogados e Advogadas Populares, Querência do Norte, Paraná 73<br />
O estado do Paraná, on<strong>de</strong> o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem uma<br />
forte atuação, apresenta um alto índice <strong>de</strong> violência no campo. Das várias centenas <strong>de</strong><br />
trabalhadores mortos em conflitos rurais nos últimos anos no Brasil, um número significativo<br />
ocorreu no estado do Paraná. Somente <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997 a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>zesseis<br />
pessoas foram mortas em conflitos <strong>de</strong> terras e vinte outras sobreviveram a tentativas <strong>de</strong><br />
homicídios no Paraná. Em nenhum <strong>de</strong>sses casos, as pessoas responsáveis pelos assassinatos e<br />
tentativas <strong>de</strong> assassinatos foram con<strong>de</strong>nadas. No mesmo período, pelo menos trinta e seis<br />
ameaças <strong>de</strong> morte contra pessoas envolvidas na <strong>de</strong>fesa da reforma agrária foram registradas.<br />
Neste contexto, Avanilson Alves <strong>de</strong> Araújo, um advogado da Re<strong>de</strong> <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Advogados e<br />
Advogadas Populares (RENAP) foi vítima <strong>de</strong> intimidações, ameaças e processos judiciais<br />
injustificados relacionados à sua atuação em <strong>de</strong>fesa dos trabalhadores rurais. O primeiro caso<br />
<strong>de</strong> ameaça e ataque contra Avanilson Araújo ocorreu em 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, na fazenda Rio<br />
Novo, estado do Paraná, e em suas vizinhanças. <strong>Na</strong>quela época, um grupo <strong>de</strong> trabalhadores<br />
rurais sem terra estava ocupando a fazenda Rio Novo, tentando pressionar o governo a<br />
<strong>de</strong>sapropriar a área para reforma agrária. Os proprietários da fazenda respon<strong>de</strong>ram chamando<br />
a Polícia Militar, que cercou a área e ameaçou expulsar os trabalhadores à força.<br />
Buscando uma solução pacífica, lí<strong>de</strong>res do MST chamaram Avanilson Araújo para negociar<br />
com os fazen<strong>de</strong>iros. No entanto, na sua chegada, três viaturas da polícia o forçaram a parar<br />
seu veículo a 200 metros dos portões da fazenda. Sete ou oito policiais saíram dos carros,<br />
agarraram Avanilson Araújo e o empurraram violentamente para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um dos carros,<br />
torcendo seu braço e rasgando sua camisa, a <strong>de</strong>speito do fato <strong>de</strong>le dizer repetidas vezes a eles<br />
que era advogado dos trabalhadores e mostrar sua carteira profissional. Os policiais estavam<br />
prestes a partir com Araújo no carro da polícia quando o comandante da polícia, entrou em<br />
contato com a viatura através do rádio e or<strong>de</strong>nou a libertação <strong>de</strong> Avanilson Araújo. Os<br />
policiais obe<strong>de</strong>ceram, jogando o advogado para fora do veículo.<br />
73 As informações sobre este caso foram fornecidas ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global por Avanilson Alves Araújo numa série <strong>de</strong><br />
entrevistas por telefone em maio e junho <strong>de</strong> 2001, uma entrevista realizada pessoalmente em 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2001 em<br />
Curitiba e um resumo do caso fornecido por Araújo. Além disso Araújo forneceu ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global cópias <strong>de</strong><br />
documentos oficiais citados aqui.<br />
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Após sua liberação, Araújo pediu a um dos policiais envolvidos na tentativa <strong>de</strong> prendê-lo que<br />
se i<strong>de</strong>ntificasse, visto que nenhum dos policiais estava usando alguma forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação.<br />
Ao invés <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, o policial ameaçou Araújo com sua arma. Avanislon Araújo requisitou<br />
ao comandante no local, Cristiano Cobas, que mandasse o policial se i<strong>de</strong>ntificar e respon<strong>de</strong>r<br />
por suas ações.<br />
Em 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, dois dias após o conflito na fazenda Rio Novo, Avanilson Araújo<br />
registrou uma queixa oficial contra três dos policiais envolvidos: Carlos Roberto <strong>de</strong> Campos,<br />
Rodiney Mota <strong>de</strong> Almeida e Gerson Maurício Zocchi.<br />
Em 30 <strong>de</strong> junho, a polícia causou outra violenta confrontação com Araújo enquanto este<br />
último auxiliava na entrega <strong>de</strong> comida, roupas e suprimentos aos trabalhadores sem terra<br />
acampados na fazenda. A polícia usou um bloqueio em frente à entrada da fazenda para forçar<br />
o carro <strong>de</strong> Araújo a parar quando se aproximava da proprieda<strong>de</strong>. Avanilson Araújo e outros<br />
ocupantes do carro foram forçados a sair do veículo e a polícia executou uma busca <strong>de</strong>talhada<br />
no automóvel.<br />
Araújo mostrou aos policiais sua carteira da OAB, Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil. Ao ver<br />
suas cre<strong>de</strong>nciais, os policiais riram <strong>de</strong> Araújo. Quando o comandante da Polícia Militar <strong>de</strong><br />
Loanda, policial Clóvis, examinou o documento, ele se recusou a <strong>de</strong>volvê-lo para Avanilson<br />
Araújo e gritou com ele, dizendo que o advogado havia <strong>de</strong>srespeitado seus subordinados<br />
durante o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho.<br />
Avanilson Araújo disse a Clóvis que se recusava a discutir o caso naquelas circunstâncias. Ao<br />
ouvir isso, Gerson Zocchi, um dos policiais acusados por Avanilson disse aos <strong>de</strong>mais: “esse<br />
babaca está querendo aparecer”, e empurrou violentamente Araújo contra um carro. O policial<br />
continuou a ameaçar e provocar Araújo, dizendo “babaca, pau no cú, você não vai ver on<strong>de</strong><br />
isso vai parar”. Quando Araújo perguntou a Zocchi se ele estava fazendo uma ameaça, Zocchi<br />
pegou Araújo pelo pescoço e o estrangulou enquanto continuava a ameaçá-lo verbalmente.<br />
Alguns dos policiais presentes tentaram separar os dois, mas o policial Clóvis os impediu <strong>de</strong><br />
interce<strong>de</strong>r.<br />
Quando Zocchi finalmente soltou Avanilson Araújo, o policial Clóvis or<strong>de</strong>nou que vários<br />
policiais escoltassem o carro do advogado <strong>de</strong> volta à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Querência do Norte, <strong>de</strong>ixando<br />
Araújo e o resto <strong>de</strong> seu grupo para trás. O grupo foi forçado a entrar a pé na fazenda Rio<br />
Novo.<br />
Após esse confronto, Avanilson Araújo conce<strong>de</strong>u várias entrevistas á imprensa a respeito do<br />
fato, mais notavelmente para o repórter Marcos Zanata, da Folha do Paraná, e para o<br />
jornalista Roberto Silva, d’O Diário, reafirmando os eventos relatados acima. Ele também<br />
prestou queixa contra os policiais envolvidos.<br />
Apesar das várias acusações feitas por Avanilson Araújo, apenas um policial, o segundo<br />
tenente Gerson Zocchi, foi submetido a um inquérito policial (n o 245/99), neste caso a<br />
respeito do fato <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> junho. No entanto, todas as queixas contra Zocchi foram arquivadas<br />
ao final do inquérito.<br />
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Por sua vez, o segundo tenente Zocchi registrou uma queixa alegando crime <strong>de</strong> honra contra<br />
Araújo pelas reportagens na imprensa a respeito dos abusos cometidos em junho daquele ano.<br />
A queixa <strong>de</strong> Zocchi levou à abertura do inquérito n o 484/2000 da polícia civil. Diferente do<br />
que ocorreu com a queixa <strong>de</strong> Avanilson contra o policial, a Delegacia <strong>de</strong> Polícia concluiu o<br />
inquérito recomendando que Araújo fosse indiciado.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o caso ainda estava sendo analisado pelo<br />
Ministério Público para <strong>de</strong>cidir sobre o indiciamento ou não do advogado.<br />
Intimidação e ameaças contra Dionísio Vandresen, coor<strong>de</strong>nador da Comissão Pastoral<br />
da Terra, e sua família, Guarapuava, Paraná<br />
Dionísio Vandresen, coor<strong>de</strong>nador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em<br />
Guarapuava, estado do Paraná, e seus filhos, Romoaldo e José, sofreram uma série <strong>de</strong><br />
ameaças <strong>de</strong> morte nos últimos cinco anos.<br />
A primeira ameaça contra Vandresen foi um telefonema em 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000. Uma voz<br />
não-i<strong>de</strong>ntificada ameaçou Vandresen, dizendo que ele estava “se metendo em tudo”. A<br />
segunda teve lugar dois meses <strong>de</strong>pois, por volta das 16:30 horas do dia 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000.<br />
Paula Broe<strong>de</strong>r, membro da CPT, recebeu uma ligação a cobrar da parte sul do estado do<br />
Paraná. A pessoa que ligou não disse nada a princípio, mas quando Paula Broe<strong>de</strong>r disse “alô”,<br />
uma voz <strong>de</strong> homem respon<strong>de</strong>u: “Desta vez te pegamos! Você é um filho da puta!”. O uso da<br />
palavra “filho” ao invés <strong>de</strong> “filha” indica que o alvo da ameaça era um homem, e não uma<br />
mulher. Alguns minutos <strong>de</strong>pois, a CPT recebeu outra chamada telefônica, mas <strong>de</strong>ssa vez a<br />
pessoa do outro lado da linha não disse nada. Vandresen registrou queixa com as autorida<strong>de</strong>s<br />
a respeito <strong>de</strong>sses dois inci<strong>de</strong>ntes.<br />
As ameaças tomaram uma forma diferente a partir <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, quando Vandresen notou<br />
que estava sendo constantemente seguido por um Fiat branco. Este comportamento<br />
ameaçador continuou sem maiores acontecimentos até as 10:00 horas do dia 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
2001. Nesta data, Romoaldo Vandresen, filho <strong>de</strong> <strong>de</strong>zessete anos <strong>de</strong> Dionísio que estuda à<br />
noite na escola Carneiro Martins estava a caminho da casa <strong>de</strong> um amigo quando dois homens<br />
num Fiat Uno branco o forçaram a parar seu carro, uma Parati pertencente a Vandresen, em<br />
frente a um bar local. O passageiro do Fiat saiu do carro e apontando uma arma para<br />
Romoaldo o forçou a sair do carro enquanto o motorista, também armado com uma pistola,<br />
dava cobertura a seu companheiro. Os dois fizeram uma busca no carro <strong>de</strong> Romoaldo,<br />
enquanto continuavam a manter este último na mira <strong>de</strong> suas armas, e então fizeram perguntas<br />
sobre o trabalho <strong>de</strong> seu pai e suas relações profissionais. A seguir os dois libertaram<br />
Romoaldo, dizendo que ele tinha sorte “porque era a pessoa errada”. Entretanto eles<br />
mandaram Romoaldo avisar a Dionisio que eles iriam “procurá-lo e pegá-lo”. 74<br />
Um confronto similar ocorreu envolvendo José Vandresen, outro filho <strong>de</strong> Dionísio. Em 2 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, José estava dirigindo para a casa <strong>de</strong> sua namorada na mesma Parati<br />
quando uma caminhonete Toyota com vários passageiros apareceu e tentou jogá-lo para fora<br />
74 Depoimentos prestados por Romoaldo Vandresen e Dionísio Vandresen à segunda promotoria <strong>de</strong> Justiça da Comarca <strong>de</strong><br />
Guarapuava, Paraná, 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2001.<br />
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da estrada. José conseguiu escapar da caminhonete e chegar à casa <strong>de</strong> sua namorada, on<strong>de</strong><br />
estacionou o carro na garagem. José notou que a caminhonete <strong>de</strong>u várias voltas em frente à<br />
casa <strong>de</strong> sua namorada antes <strong>de</strong> ir embora. 75<br />
Os responsáveis pelas ameaças po<strong>de</strong>m ser vinculados à Polícia Civil do Paraná. Romoaldo<br />
notou que os homens que o pararam e ameaçaram pareciam saber <strong>de</strong>talhes mínimos <strong>de</strong> sua<br />
vida, inclusive que ele estudava à noite, e também notou uma insígnia da Polícia Civil na<br />
arma <strong>de</strong> um dos assaltantes. Vandresen acredita que em ambos os casos os homens armados<br />
não estavam tentando ameaçar seus filhos, que não estão envolvidos na <strong>de</strong>fesa dos direitos <strong>de</strong><br />
trabalhadores rurais, mas sim que esperavam encontrar o próprio Vandresen no carro, que ele<br />
usava com freqüência até o final <strong>de</strong> 2001.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Luiz Carlos da Silva, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais, Goiâna, Pernambuco<br />
Luiz Carlos da Silva, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> trabalhadores rurais, morreu <strong>de</strong> ferimentos causados por balas<br />
<strong>de</strong> revólver durante uma emboscada da qual foram vítimas cortadores <strong>de</strong> cana da Usina Santa<br />
Tereza, localizada no município <strong>de</strong> Goiâna, estado <strong>de</strong> Pernambuco, em 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />
1998.<br />
Durante 1998, Luiz Carlos da Silva, lí<strong>de</strong>r do Sindicato <strong>de</strong> Trabalhadores Rurais <strong>de</strong> Goiâna,<br />
havia intermediado várias negociações com os proprietários <strong>de</strong> plantações e engenhos <strong>de</strong> cana<br />
<strong>de</strong> toda a região nor<strong>de</strong>ste do Brasil em favor dos cortadores <strong>de</strong> cana, por melhores salários.<br />
Frustrados com a intransigência dos proprietários, os trabalhadores <strong>de</strong>clararam greve em todo<br />
o estado, reiterando suas exigências por melhores or<strong>de</strong>nados.<br />
Chegou ao conhecimento das li<strong>de</strong>ranças das filiais do Sindicato dos Trabalhadores Rurais nas<br />
cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Condado e Goiâna que um grupo <strong>de</strong> cortadores <strong>de</strong> cana da Usina Santa Tereza não<br />
estava participando da greve. No dia 4 <strong>de</strong> novembro, os lí<strong>de</strong>res do sindicato <strong>de</strong>cidiram visitar<br />
o acampamento dos trabalhadores para encorajá-los a a<strong>de</strong>rir à greve. 76<br />
Em resposta à greve e às ações dos sindicalistas, o chefe <strong>de</strong> segurança patrimonial da Usina<br />
Santa Tereza, Sylvio Frota, e o comandante regional da Polícia Militar, capitão Marcelo<br />
Renato, bloquearam as estradas que levam à fazenda Santa Tereza com um trator e algumas<br />
caminhonetes. Eles tentavam impedir que os sindicalistas tivessem acesso às áreas em que os<br />
trabalhadores continuavam cortando cana-<strong>de</strong>-açúcar.<br />
Os lí<strong>de</strong>res do sindicato então tentaram entrar na Santa Tereza a pé. Ao chegar ao<br />
acampamento dos trabalhadores, eles ouviram tiros. Policiais e seguranças contratados da<br />
fazenda abriram fogo sobre os trabalhadores e os lí<strong>de</strong>res sindicais. Os trabalhadores fugiram,<br />
mas os pistoleiros continuaram atirando e assassinaram Luiz Carlos da Silva com uma bala<br />
que atingiu sua nuca. Os pistoleiros feriram outras treze pessoas. Quando o presi<strong>de</strong>nte do<br />
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que não estava com os trabalhadores no momento do<br />
tiroteio, tentou socorrer os feridos, foi algemado, preso e levado à <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia para<br />
75 Ibid.<br />
76 Ofício n o 984/98 da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para o secretário <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
Roberto Franca Filho, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
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“prestar <strong>de</strong>poimento”. A polícia também confiscou os veículos privados em que os feridos<br />
seriam levados ao hospital, atrasando assim severamente seu tratamento médico, impedindo a<br />
prestação <strong>de</strong> socorro e pondo suas vidas em risco. 77<br />
A Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados enviou um ofício ao Secretário<br />
<strong>de</strong> Justiça do estado <strong>de</strong> Pernambuco para inquirir sobre a morte <strong>de</strong> Luiz Carlos da Silva e<br />
sobre os outros treze feridos. 78<br />
O inquérito policial n o 054/98 foi aberto em Goiâna para investigar a morte <strong>de</strong> Silva e os<br />
ferimentos causados às outras treze vítimas. Com as evidências obtidas na investigação, o<br />
Ministério Público <strong>de</strong>nunciou Sérgio José <strong>de</strong> Oliveira Lemos, José Augusto da Silva Neto,<br />
José Marcelino da Silva Neto, Rosinaldo Chagas Dantas, Ângelo Alberto dos Santos,<br />
Sebastião Augustos Ferreira, Dilson Cosmo do <strong>Na</strong>scimento e Cícero Vieira da Silva, entre<br />
outros, por sua participação no tiroteio. 79<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 057/02 para o<br />
Dr. Romero <strong>de</strong> Oliveira Andra<strong>de</strong>, procurador-geral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Pernambuco,<br />
requisitando maiores informações sobre os últimos andamentos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta a este ofício.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Cícero <strong>de</strong> Lucas <strong>de</strong> la Pena, <strong>de</strong>fensor dos direitos <strong>de</strong> trabalhadores<br />
rurais, Xexéu, Pernambuco<br />
Em 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998, Cícero <strong>de</strong> Lucas <strong>de</strong> la Pena, presi<strong>de</strong>nte do Partido dos Trabalhadores<br />
da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Xexéu, no estado <strong>de</strong> Pernambuco, foi morto a tiros. Seu corpo foi encontrado<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu carro, abandonado nas redon<strong>de</strong>zas <strong>de</strong> Palmares. Cícero Lucas <strong>de</strong> la Pena havia<br />
sido um proeminente <strong>de</strong>fensor dos trabalhadores em todo o distrito <strong>de</strong> Palmares, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Xexéu. Pouco antes <strong>de</strong> sua morte, Cícero <strong>de</strong> la Pena havia feito uma campanha pela<br />
in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> trabalhadores dispensados após o fechamento <strong>de</strong> uma refinaria <strong>de</strong> açúcar na<br />
fazenda e engenho <strong>de</strong> açúcar Santa Terezinha, próxima dali. Além disso, Cícero <strong>de</strong> la Pena<br />
tentou conseguir pensão por invali<strong>de</strong>z para trabalhadores que ficaram incapacitados em<br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes envolvendo maquinaria primitiva <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> cana na fazenda.<br />
O ativismo <strong>de</strong> Cícero <strong>de</strong> la Pena engendrou animosida<strong>de</strong> entre os proprietários da fazenda<br />
Santa Terezinha, assim como entre outros fazen<strong>de</strong>iros e o prefeito <strong>de</strong> Xexéu, Marco Antônio<br />
Gonçalves.<br />
Depois do assassinato, a Re<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Entida<strong>de</strong>s pelos Direitos Humanos <strong>de</strong> Pernambuco<br />
(REDEDH) informou a seus membros que acreditava que a morte <strong>de</strong> Cícero <strong>de</strong> la Pena fosse<br />
77 Ofício n o AAS/1.050/98 da Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) ao presi<strong>de</strong>nte da<br />
Comissão <strong>de</strong> Trabalho da Câmara Fe<strong>de</strong>ral, Pedro Henry, 5 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
78 Ofício n o 984/98 da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para o Secretário <strong>de</strong> Justiça do estado <strong>de</strong><br />
Pernambuco, Dr. Roberto Franca Filho, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
79 Inquérito Policial n o 054/98, Goiâna, Pernambuco, 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999.<br />
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parte <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> violência contra ativistas trabalhistas, perpetrada pela polícia e por<br />
milícias privadas contratadas pelos proprietários <strong>de</strong> terras. 80<br />
Em 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998, Val<strong>de</strong>ci Vieira da Silva e dois outros indivíduos foram presos e<br />
acusados da morte <strong>de</strong> Cícero <strong>de</strong> la Pena. 81<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 040/02 para<br />
Érica Lopes César, promotora <strong>de</strong> Justiça da Terceira Promotoria da Comarca <strong>de</strong> Palmares,<br />
requisitando maiores informações sobre os últimos andamentos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o memento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta a este ofício.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Fulgêncio Manuel da Silva, Coor<strong>de</strong>nador do Movimento dos Atongidos<br />
por Barragens, Santa Maria da Boa Vista, Pernambuco<br />
Fulgêncio Manuel da Silva, 61 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, membro da Coor<strong>de</strong>nação <strong>Na</strong>cional do<br />
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais<br />
do Submédio São Francisco, morreu <strong>de</strong> ferimentos causados por arma <strong>de</strong> fogo em 15 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1997. Fulgêncio da Silva havia sido presi<strong>de</strong>nte local do Partido dos Trabalhadores,<br />
presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), e também havia sido candidato a<br />
vice-prefeito <strong>de</strong> Santa Maria da Boa Vista. 82<br />
Em 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, às 17:00 horas, um rapaz <strong>de</strong> 17 anos, iniciais S.R.T.A., atirou em<br />
Fulgêncio da Silva enquanto este usava um telefone público na Agrovila 15 do Projeto <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Caraíbas, no município <strong>de</strong> Santa Maria da Boa Vista. 83 Fulgêncio da Silva<br />
foi levado para o hospital e internado em condições críticas. Ele morreu mais tar<strong>de</strong> naquele<br />
mesmo dia.<br />
Em 25 <strong>de</strong> outubro, S.R.T.A. foi preso por sua ligação com o assassinato. Em seu <strong>de</strong>poimento,<br />
ele confessou ter atirado em Fulgêncio da Silva e tentou justificar seu crime ao dizer que<br />
estava bêbado no momento. Ele também confessou ter cometido outro assassinato, antes<br />
<strong>de</strong>ste, no mesmo local. 84<br />
Algumas fontes ligaram a morte <strong>de</strong> Fulgêncio a seu ativismo social, em particular seus<br />
esforços para combater a violência no chamado “Polígono da Maconha” e também seu<br />
trabalho na proteção dos direitos das famílias <strong>de</strong>slocadas pela enchente causada pela represa<br />
80 Correspondência do secretariado executivo da REDEDH para os membros da REDEDH, 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1998.<br />
81 Ofício n o 051/98 <strong>de</strong> Érica Lopes César, Promotora <strong>de</strong> Justiça da Comarca Palmares para José Tavares, Procurador-geral<br />
<strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Pernambuco, 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998.<br />
82 “Sindicalista tem homenagem em funeral”, Jornal do Comércio (Recife), 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, p. 8.<br />
83 Depoimento prestado por S.R.T.A. na presença do juiz do distrito <strong>de</strong> Santa Maria da Boa Vista, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
84 Relatório oficial do Departamento <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santa Maria da Boa Vista, 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
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<strong>de</strong> Itaparica. 85 O trabalho <strong>de</strong> Fulgêncio da Silva em <strong>de</strong>nunciar tráfico <strong>de</strong> drogas em áreas<br />
<strong>de</strong>stinadas para a reforma agrária provocou ameaças <strong>de</strong> morte anteriores ao crime. 86<br />
A morte <strong>de</strong> Fulgêncio da Silva chamou a atenção do público e da mídia para a violência<br />
contínua na região do “Polígono da Maconha”. Em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados requisitou que o Secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública <strong>de</strong> Pernambuco e o Procurador-geral <strong>de</strong> Justiça do estado <strong>de</strong> Pernambuco<br />
investigassem completamente o crime. 87<br />
As autorida<strong>de</strong>s já haviam sido avisadas da criminalida<strong>de</strong> crescente na região do “Polígono da<br />
Maconha” assim como das ameaças <strong>de</strong> morte que lí<strong>de</strong>res sindicais e políticos vinham<br />
recebendo. Em abril <strong>de</strong> 1997, seis meses antes da morte <strong>de</strong> Fulgêncio Manuel da Silva, uma<br />
comissão da Câmara dos Deputados organizou um encontro público na região. Como<br />
resultado <strong>de</strong>ste encontro, esta comissão enviou um relatório <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 100 páginas para os<br />
governadores dos estados <strong>de</strong> Pernambuco, Ceará, Alagoas e Piauí, e também para o Ministro<br />
da Justiça e para o Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 030/02 para<br />
Olga Câmara, Delegada Chefe da Polícia Civil em Pernambuco, requisitando maiores<br />
informações sobre os progressos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, a <strong>de</strong>legada Olga Câmara respon<strong>de</strong>u ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global<br />
relatando que S.R.T.A. havia sido preso e apresentado ao Ministério Público <strong>de</strong> Santa Maria<br />
da Boa Vista. 88<br />
Agressões físicas e <strong>de</strong>tenção arbitrária contra Andressa Caldas, advogada da Re<strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Advogados e Advogadas Populares, Curitiba, Paraná<br />
Andressa Caldas é advogada e participa da Re<strong>de</strong> <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Advogadas e Advogados<br />
Populares (RENAP). Andressa Caldas representava judicialmente várias famílias<br />
trabalhadores rurais envolvidos em ações possessórias e criminais no estado do Paraná.<br />
Atualmente, Caldas é coor<strong>de</strong>nadora jurídica do Centro <strong>de</strong> Justiça Global.<br />
Andressa Caldas foi <strong>de</strong>tida arbitrariamente, sofreu agressões físicas e foi impedida do uso <strong>de</strong><br />
suas prerrogativas profissionais <strong>de</strong> advogada por parte <strong>de</strong> policiais militares, quando<br />
juntamente com seu colega advogado Darci Frigo tentava assessorar os trabalhadores rurais<br />
que representavam judicialmente. , durante uma operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo realizada <strong>de</strong> madrugada<br />
em uma praça <strong>de</strong> Curitiba.<br />
85 “Sindicalista sofre atentado”, Diário <strong>de</strong> Pernambuco, 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, p. 29, e “Vítima <strong>de</strong> violência anunciada”,<br />
Diário <strong>de</strong> Pernambuco, 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, p. 35.<br />
86 Comunicado à imprensa, Gabinete do <strong>de</strong>putado Fernando Ferro, do Partido dos Trabalhadores, 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
87 Ofícios n o 1169/97P e 1170/97P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para o Secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do estado <strong>de</strong> Pernambuco e Procurador-geral <strong>de</strong> Justiça do estado <strong>de</strong> Pernambuco, 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1997.<br />
88 Ofício no. 207/2002- GAB da Delegada Chefe da Polícia Civil em Pernambuco, Olga Câmara, para o Centro <strong>de</strong> Justiça<br />
Global, 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
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<strong>Na</strong> madrugada do dia 27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, o Governador do Estado do Paraná, Jaime<br />
Lerner, <strong>de</strong>terminou que a Polícia Militar realizasse uma mega-operação armada para <strong>de</strong>spejar<br />
cerca <strong>de</strong> 800 trabalhadores rurais sem-terra, que estavam acampados na Praça Nossa Senhora<br />
Salete, no Centro Cívico <strong>de</strong> Curitiba, capital do Paraná. Os trabalhadores encontravam-se<br />
acampados nesta praça há quase seis meses, reivindicando soluções para o problema agrário<br />
no Paraná, como o fim da violência por parte da polícia e milícias privadas.<br />
Andressa Caldas era advogada dos trabalhadores na ação <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong> posse que o<br />
Estado do Paraná e o Município <strong>de</strong> Curitiba haviam proposto contra os trabalhadores. Assim<br />
que soube da operação que estava sendo realizada durante a madrugada e que a polícia militar<br />
havia cercado toda a praça, Andressa Caldas e Darci Frigo se dirigiram imediatamente para o<br />
local, para assessorarem juridicamente as famílias, que estavam sendo <strong>de</strong>spejadas ilegalmente<br />
durante a madrugada. Chegando lá, apresentaram suas carteiras profissionais e se<br />
i<strong>de</strong>ntificaram como procuradores judiciais das famílias acampadas.<br />
De forma agressiva e exaltada, os policiais militares empurraram os requerentes e aos gritos<br />
afirmaram que ninguém entraria na área, pois o local estava “congelado” (segundo o jargão<br />
policial). Como o impedimento ao acesso aos seus clientes configura violação das<br />
prerrogativas profissionais do advogado, Caldas e Frigo solicitaram a presença imediata do<br />
comandante da Polícia Militar.<br />
Caldas foi seguida por policiais, que aos empurrões impediam o acesso da advogada ao local.<br />
No momento em que chegava próximo ao local on<strong>de</strong> estaria o comandante, Andressa Caldas<br />
foi <strong>de</strong>tida e recebeu or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão dos próprios policiais militares, sem qualquer<br />
justificativa, sendo levada à força para o interior <strong>de</strong> uma caminhonete da Polícia Militar.<br />
Durante todo o período em que Andressa Caldas ficou <strong>de</strong>tida, não lhe foi dada qualquer<br />
explicação, nem apresentado qualquer documento judicial.<br />
Passado algum tempo, um policial que não se i<strong>de</strong>ntificou afirmou que Caldas po<strong>de</strong>ria sair da<br />
caminhonete. No entanto, a proibição arbitrária <strong>de</strong> acesso ao local on<strong>de</strong> se encontravam os<br />
trabalhadores permanecia.<br />
Enquanto isso, um excessivo contingente policial obrigava homens, mulheres e crianças a<br />
entrarem em ônibus, apenas com a roupa do corpo, sendo impedidos <strong>de</strong> levarem inclusive<br />
sues pertences pessoais e documentos. Também os barracos, plantações (horta comunitária)<br />
foram <strong>de</strong>struídos pelos policiais.<br />
Ao tentar se comunicar com seus clientes, Frigo foi agredido e algemado pelos policiais,<br />
sendo posteriormente <strong>de</strong>tido e levado para a Delegacia, sob falsa acusação <strong>de</strong> agressão física a<br />
um soldado.<br />
Andressa Caldas e Roberto Baggio (coor<strong>de</strong>nador estadual do MST) tentaram ingressar na<br />
praça on<strong>de</strong> estavam concentrados os trabalhadores, mas foram agredidos fisicamente pelos<br />
policiais.<br />
Somente após o <strong>de</strong>spejo ter sido consumado, é que Andressa Caldas, juntamente com<br />
jornalistas e ativistas <strong>de</strong> direitos humanos ali presentes pu<strong>de</strong>ram ingressaram na praça.<br />
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Quando tentavam salvar e guardar os pertences pessoais dos trabalhadores, <strong>de</strong>ixados no local,<br />
os policiais militares retornaram ao local com tropas, enfurecidos e <strong>de</strong>scontrolados.<br />
Neste momento, enquanto tentava intermediar uma negociação sobre o <strong>de</strong>stino dos objetos e<br />
documentos dos trabalhadores que foram forçados a <strong>de</strong>ixar o local, Andressa Caldas foi<br />
brutalmente empurrada por um dos soldados, fato que gerou sua queda sobre <strong>de</strong>stroços dos<br />
barracos <strong>de</strong>struídos e ferimentos em suas costas.<br />
A advogada foi levada para o Instituto Médico Legal (IML). Neste local, Andressa Caldas<br />
realizou exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong>lito no Instituto Médico Legal (IML), cujos laudos atestam os<br />
ferimentos causados pela ação policial 89 .<br />
Em 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, Andressa Caldas prestou <strong>de</strong>clarações e solicitou providências à<br />
Promotoria <strong>de</strong> Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais 90 . Além disso, Caldas e Frigo<br />
ingressaram na Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil com um pedido <strong>de</strong> representação 91 contra o<br />
Governador do Paraná Jaime Lerner, o Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública Candido Martins <strong>de</strong><br />
Oliveira e o Comandante da Polícia Militar Darci Dalmas, em virtu<strong>de</strong> das arbitrarieda<strong>de</strong>s, do<br />
abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e das violações contra direitos constitucionais do advogado.<br />
Em 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil – Seção Paraná publicou um<br />
<strong>de</strong>sagravo público em favor <strong>de</strong> Caldas e Frigo e contra o governador do Estado do Paraná<br />
Jaime Lerner, o então Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública Cândido Martins <strong>de</strong> Oliveira e o<br />
Comandante Geral da Polícia Militar do Paraná, reconhecendo que tais autorida<strong>de</strong>s<br />
cometeram abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e violações aos direitos dos advogados durante o conflito em<br />
Curitiba. A <strong>de</strong>cisão da OAB <strong>de</strong>verá ser publicada nos principais jornais do Estado do Paraná.<br />
Ameaça <strong>de</strong> morte ao padre Wilson Zanatta, membro da Comissão Pastoral da Terra,<br />
Tupanciretrã, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Por vários anos, o padre Wilson Zanatta, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), tem<br />
sido uma figura proeminente no movimento <strong>de</strong> reforma agrária no estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Sul, e tem orientado inúmeros grupos <strong>de</strong> trabalhadores sobre estratégia e organização. No<br />
começo <strong>de</strong> 2001, proprietários <strong>de</strong> terras da área começaram uma campanha <strong>de</strong> severas<br />
sanções contra os trabalhadores rurais, contratando milícias privadas para expulsá-los das<br />
terras ocupadas ou em disputa e para intimidar os <strong>de</strong>fensores da reforma agrária. Por volta <strong>de</strong><br />
outubro, confrontos violentos entre milícias e trabalhadores colocaram as vidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores<br />
dos trabalhadores, como Zanatta, em risco.<br />
Em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, por volta das 8:00 horas da manhã, Zanatta estava se dirigindo em<br />
seu carro à fazenda Estância Gran<strong>de</strong>, uma área ocupada por ativistas do Movimento dos<br />
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), perto da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tupanciretrã. 92 Cerca <strong>de</strong> uma<br />
89 Laudo <strong>de</strong> Lesões Corporais nº 14791/95, do Instituto Médico Legal do Estado do Paraná, 27.11.99.<br />
90 Termo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações prestado por Andressa Caldas, em 29.11.99, na Promotoria <strong>de</strong> Defesa dos Direitos e Garantias<br />
Constitucionais – Ministério Público do Estado do Paraná.<br />
91 Pedido <strong>de</strong> representação encaminhado em 06 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, a Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil – Seção Paraná.<br />
92 Os <strong>de</strong>talhes sobre este inci<strong>de</strong>nte foram baseados no Ofício n o 205/01 do Centro <strong>de</strong> Justiça Global para Hina Jilani,<br />
Representante Especial da ONU sobre os Defensores dos Direitos Humanos, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 50
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Versão em português (provisória)<br />
semana antes, um grupo <strong>de</strong> trabalhadores sem terra havia ocupado a proprieda<strong>de</strong>, levando um<br />
juiz a emitir uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo dos trabalhadores acampados. Zanatta estava a caminho<br />
da fazenda para facilitar o cumprimento da or<strong>de</strong>m judicial por parte dos trabalhadores. No<br />
caminho, uma caminhonete Chevrolet cor <strong>de</strong> vinho, placa IJT3750, <strong>de</strong> Tupanciretrã, bateu no<br />
carro <strong>de</strong> Zanatta, danificando um dos lados. Um homem branco <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong>, com cabelos<br />
pretos e curtos, vestindo bombachas e botas, saiu da caminhonete, se aproximou do carro <strong>de</strong><br />
Zanatta e perguntou aon<strong>de</strong> ele estava indo. Zanatta disse que estava indo para a área ocupada<br />
pelo MST na fazenda Estância Gran<strong>de</strong>. O homem replicou: “Pois então faça a volta e retorne<br />
rapidamente, senão eu te crivo <strong>de</strong> balas”. O homem parecia nervoso, e repetiu a ameaça “te<br />
crivo <strong>de</strong> balas” três vezes. Ele então disse que tinha <strong>de</strong> pegar algo em seu carro, que Zanatta<br />
suspeitou que fosse um revólver.<br />
Zanatta fez a volta e retornou para sua casa. Após saber do inci<strong>de</strong>nte, os trabalhadores<br />
acampados se recusaram a sair da fazenda Estância Gran<strong>de</strong> sem a presença <strong>de</strong> Zanatta. Várias<br />
horas <strong>de</strong>pois, Zanatta conseguiu uma escolta policial até a fazenda, e negociou a saída dos<br />
trabalhadores. Quando voltou a Tupanciretrã, ele registrou na <strong>de</strong>legacia local um boletim <strong>de</strong><br />
ocorrência sobre o inci<strong>de</strong>nte.<br />
Em <strong>de</strong>corrência da tensão que se instalou na região, a or<strong>de</strong>m religiosa à qual Zanatta pertence<br />
<strong>de</strong>cidiu transferi-lo para outra área. A or<strong>de</strong>m religiosa <strong>de</strong> Zanatta também requisitou que as<br />
autorida<strong>de</strong>s locais investigassem as ameaças a Zanatta e tomassem medidas para garantir sua<br />
segurança.<br />
Em 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, o Fórum <strong>Na</strong>cional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo<br />
escreveu ao presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso e vários <strong>de</strong> seus ministros, assim como<br />
para o governador do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>nunciando a violência rural e exigindo<br />
ações por parte das autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais e estaduais para combater o problema. O Fórum<br />
<strong>Na</strong>cional recomendou a criação <strong>de</strong> uma força policial especial para investigar os violentos<br />
crimes contra trabalhadores rurais.<br />
Em 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global registrou informações sobre o caso <strong>de</strong><br />
Zanatta com a Representante Especial da ONU sobre os Defensores dos Direitos Humanos,<br />
Hina Jilani, 93 e com a Relatora Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou<br />
Arbitrárias, Asma Jahangir. 94<br />
A Comissão <strong>de</strong> Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembléia Legislativa do estado<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul também requisitou que as forças policiais locais conduzissem uma<br />
rigorosa investigação e tomassem todas as medidas apropriadas para proteger Zanatta. 95<br />
Em 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a CCDH e a CPT, preocupadas com a ameaça a Zanatta e a<br />
contínua presença <strong>de</strong> milícias contratadas na região, encaminharam uma petição no Ministério<br />
93 Ibid.<br />
94 Ofício n o 206/01 do Centro <strong>de</strong> Justiça Global para Asma Jahangir, Relatora Especial da ONU sobre Execuções<br />
Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
95 Ofício n o 5439, sem data, da CCDH para a Secretaria <strong>de</strong> segurança Pública do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, 2001; Ofício<br />
n o 5438/01 da CCDH para o Departamento <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Tupanciretrã, sem data, 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 51
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Público do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, requisitando uma investigação sobre o caso <strong>de</strong><br />
Zanatta e a punição dos responsáveis por crimes violentos na área.<br />
Em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, a CCDH enviou uma carta requisitando informações sobre o<br />
progresso da investigação pelo procurador-geral <strong>de</strong> Justiça do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. 96<br />
Em resposta, Mauro Henrique Renner, sub-procurador-geral para Assuntos Institucionais,<br />
informou que a investigação do caso seria conduzida pela promotora da Comarca <strong>de</strong> São<br />
Jerônimo, Maria Augusta Menz. 97<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou a correspondência oficial<br />
JG/RJ n o 077/02 para o sub-procurador-geral Mauro Henrique Renner, requisitando maiores<br />
informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Manoel Maria <strong>de</strong> Souza Neto, lí<strong>de</strong>r sindical e integrante do MST,<br />
Suzano, São Paulo<br />
Em 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2000, Manoel Maria <strong>de</strong> Souza Neto , 43 anos, membro do Movimento<br />
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Partido dos Trabalhadores, foi brutalmente<br />
assassinado enquanto dormia em sua casa em Suzano, com dois tiros <strong>de</strong> uma arma calibre 32,<br />
e sua garganta foi <strong>de</strong>golada. Manoel <strong>de</strong>fendia as causas dos trabalhadores, o que o fez ganhar<br />
a inimiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> terras da região, e se recusava a ouvir os conselhos <strong>de</strong> amigos<br />
para que saísse <strong>de</strong> Suzano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver recebido numerosas ameaças <strong>de</strong> morte.<br />
No dia 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 200, An<strong>de</strong>rson Araújo dos Santos (Araújo), conhecido como<br />
“Pelado”, foi preso como principal suspeito do assassinato <strong>de</strong> Manoel. O Departamento <strong>de</strong><br />
Homicídios e <strong>de</strong> Proteção à Pessoa da Polícia Civil do estado <strong>de</strong> São Paulo abriu o Inquérito<br />
Policial n o 908/00 para investigar o assassinato. 98<br />
Em 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2001, Araújo prestou <strong>de</strong>poimento na Divisão <strong>de</strong> Homicídios da Polícia Civil<br />
em que negou qualquer envolvimento no assassinato. 99<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 034/02 para<br />
Ricardo Guanais Domingues, Delegado Titular <strong>de</strong> Divisão <strong>de</strong> Homicídios, requisitando<br />
maiores informações sobre os progressos recentes <strong>de</strong>ste caso.<br />
96 Ofício n o 5440/01 da CCDH para o Ministério Público do estado do rio Gran<strong>de</strong> do Sul, 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001.<br />
97 Ofício n o 316/01 do Dr. Mauro Henrique Renner, sub-procurador-geral para Assuntos Institucionais, para a CCDH, sem<br />
data, 2001.<br />
98 Ofício <strong>de</strong> Nelson Pellegrino, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados , para o Dr. Marco<br />
Antônio Desgualdo, Delegado Geral <strong>de</strong> Polícia do estado <strong>de</strong> São Paulo, sem data.<br />
99 Ofício n o 4345/01 <strong>de</strong> Eduardo <strong>de</strong> Camargo Lima, Delegado <strong>de</strong> Polícia Titular, Divisão <strong>de</strong> Homicídios – Equipe Especial,<br />
Departamento <strong>de</strong> Homicídios e <strong>de</strong> Proteção à Pessoa, para o <strong>de</strong>putado Nelson Pellegrino, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte a José Carlos do <strong>Na</strong>scimento, ativista <strong>de</strong> direitos humanos, Pontal do<br />
Paranapanema, São Paulo<br />
O Pontal do Paranapanema é uma das áreas mais pobres do estado <strong>de</strong> São Paulo. Disputas <strong>de</strong><br />
terras entre proprietários rurais da União Democrática Ruralista (UDR) e membros do<br />
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), têm dado ao Pontal do<br />
Paranapanema uma reputação <strong>de</strong> lugar <strong>de</strong> conflitos, com freqüência violentos.<br />
Nos últimos anos, membros do MST têm ocupado inúmeras fazendas improdutivas nas<br />
redon<strong>de</strong>zas do Pontal do Paranapanema. Por muitos anos, o governo <strong>de</strong>teve a maior parte das<br />
terras na região do Pontal. <strong>Na</strong> segunda meta<strong>de</strong> do século XX, os títulos <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>stas terras<br />
foram transferidos para particulares, freqüentemente por meio <strong>de</strong> falsificação <strong>de</strong> documentos.<br />
Em vista da natureza suspeita <strong>de</strong>stes documentos, o MST, ativo em todo o Brasil, escolheu<br />
concentrar uma campanha <strong>de</strong> ocupações <strong>de</strong> terras no estado <strong>de</strong> São Paulo, na região do<br />
Pontal. 100 A campanha <strong>de</strong> ocupação do MST tem provocado uma resposta violenta dos<br />
proprietários <strong>de</strong> terras e <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s policiais, criando uma atmosfera tensa para <strong>de</strong>fensores<br />
<strong>de</strong> direitos humanos.<br />
José Carlos do <strong>Na</strong>scimento, 39 anos, é um proeminente ativista <strong>de</strong> direitos humanos no Pontal<br />
do Paranapanema. <strong>Na</strong>scimento é presi<strong>de</strong>nte do Centro <strong>de</strong> Direitos Humanos e Cidadania<br />
(CDHC) e também secretário <strong>de</strong> Negócios Jurídicos <strong>de</strong> dois diferentes sindicatos locais: o<br />
Sindicato dos Condutores <strong>de</strong> Veículos Rodoviários e Anexos (SCVRA) e o Sindicato dos<br />
Trabalhadores Domésticos (STD). <strong>Na</strong>scimento também tem um programa <strong>de</strong> rádio semanal<br />
sobre assuntos <strong>de</strong> direitos humanos, chamado “Cidadania”.<br />
Nos últimos anos, <strong>Na</strong>scimento tem sido uma voz crítica sobre o uso da tortura pela Polícia<br />
Civil, fazendo <strong>de</strong>núncias ao Movimento <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos (MNDH), e para o<br />
público, em seu programa <strong>de</strong> rádio. Nos casos que ele <strong>de</strong>nunciou, as autorida<strong>de</strong>s pren<strong>de</strong>ram<br />
trabalhadores locais e os submeteram ao pau-<strong>de</strong>-arara, uma forma <strong>de</strong> tortura na qual a polícia<br />
pendura a vítima numa barra e aplica choques elétricos, espancamentos e tortura com água,<br />
como afogamento.<br />
Em 1998, <strong>Na</strong>scimento começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte e também contra a sua família<br />
por causa <strong>de</strong> seu trabalho em direitos humanos. Em 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998, por volta das 19:00<br />
horas, <strong>Na</strong>scimento recebeu um telefonema anônimo em sua residência. A mulher <strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>scimento aten<strong>de</strong>u o telefone; a pessoa do outro lado da linha não se i<strong>de</strong>ntificou e pediu para<br />
falar com <strong>Na</strong>scimento. Quando nascimento aten<strong>de</strong>u o telefone, ele ouviu uma voz masculina<br />
dizer: “Você está se metendo em muita coisa na cida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong> se dar mal, po<strong>de</strong> até morrer”. 101<br />
<strong>Na</strong>scimento ouviu vários barulhos <strong>de</strong> fundo durante a ligação, e concluiu que a mesma estava<br />
sendo feita <strong>de</strong> um telefone público.<br />
100 Ver também http://www.pdt.org.br/pdtpontal.htm<br />
101 Depoimento <strong>de</strong> <strong>Na</strong>scimento ao Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo Anastácio, 2 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1998.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em resposta a esta ameaça, <strong>Na</strong>scimento registrou queixa na Delegacia <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo<br />
Anastácio (boletim <strong>de</strong> ocorrência n o 443/98), que abriu o inquérito policial n o 129/98 para<br />
investigar o inci<strong>de</strong>nte. <strong>Na</strong>scimento também contou aos investigadores <strong>de</strong> polícia que em 11 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1998, pessoas não-i<strong>de</strong>ntificadas invadiram sua casa durante a noite e <strong>de</strong>ixaram<br />
várias coisas em <strong>de</strong>sarranjo, mas não levaram nada. Ele acrescentou que na época não estava<br />
vivendo em sua casa porque a mesma estava sendo reformada. 102 Apesar dos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>scimento, em 9 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, o Ministério Público arquivou o inquérito. 103<br />
Quase um ano <strong>de</strong>pois, <strong>Na</strong>scimento começou a receber mais ameaças. Entre setembro e<br />
novembro <strong>de</strong> 1999, <strong>Na</strong>scimento recebeu telefonemas no escritório do SCVRA nos quais a<br />
pessoa do outro lado da linha respirava pesadamente e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sligava. <strong>Na</strong>scimento também<br />
recebeu tais telefonemas <strong>de</strong>pois do horário comercial no escritório, on<strong>de</strong> ele com freqüência<br />
trabalhava até tar<strong>de</strong>. No final <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, as ameaças começaram a chegar pelo<br />
correio. Uma carta dizia que “tomasse cuidado com as coisas que faz, pois iria morrer”. A<br />
carta continha uma ameaça velada à filha <strong>de</strong> <strong>Na</strong>scimento, que era, dizia a carta, “grandinha e<br />
po<strong>de</strong>riam fazer qualquer coisa com ela” e acrescentava que “preto tem que morrer mesmo”,<br />
direcionando a ameaça a <strong>Na</strong>scimento, que é afro-brasileiro. A carta estava assinada “Klu Klux<br />
Klan” [sic]. <strong>Na</strong>scimento recebeu mais três cartas com ameaças similares, todas assinadas “Klu<br />
Klux Klan”. 104<br />
Ao tomar conhecimento das ameaças, em 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara dos Deputados enviou uma carta ao <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> Santo Anastácio,<br />
Geraldo José Takuchi, solicitando que ele tomasse as medidas necessárias para esclarecer a<br />
responsabilida<strong>de</strong> por estas ameaças. 105<br />
As ameaças continuaram. Após 1 o <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, <strong>Na</strong>scimento começou a receber<br />
correspondências em um envelope em branco com mensagens datilografadas coladas ao papel<br />
dizendo: “José Carlos, o homem dos direitos humanos vai morrer”. 106<br />
O Departamento <strong>de</strong> polícia da Santo Anastácio abriu o inquérito policial n o 205/99 para<br />
investigar as ameaças <strong>de</strong> morte feitas a <strong>Na</strong>scimento. 107 Segundo o jornal local, Jornal<br />
Regional, em 28 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000, enquanto a investigação estava em curso, pessoas nãoi<strong>de</strong>ntificadas<br />
invadiram a se<strong>de</strong> do SCVRA, aparentemente procurando documentos.<br />
<strong>Na</strong>scimento, que estava passando a noite lá, ouviu um barulho mas não sabia o que estava<br />
acontecendo. 108 <strong>Na</strong>quela mesma noite, Carlos José Gonçalves Rosa, advogado do CDHC e do<br />
SCVRA, recebeu ameaças <strong>de</strong> morte por telefone em sua residência. 109<br />
102 Relatório do investigador <strong>de</strong> polícia Adriano Roéfero Simões para o Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo Anastácio, Geraldo<br />
José Takuchi, 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998.<br />
103 Ofício n o 139/99, Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong> Santo Anastácio, 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999.<br />
104 Depoimento <strong>de</strong> <strong>Na</strong>scimento para o Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo Anastácio, 8 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999.<br />
105 Ofício n o 1001/99P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para o Delegado <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo<br />
Anastácio, Geraldo José Takuchi, 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999.<br />
106 Boletim <strong>de</strong> ocorrência n o 968/99, Delegacia <strong>de</strong> Polícia da Santo Anastácio, 8 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999.<br />
107 Ofício 08/2000 do Delegacia <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo Anastácio para <strong>Na</strong>scimento, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000.<br />
108 “Arrombamento e furto na se<strong>de</strong> do sindicato dos condutores”, Jornal Regional (Dracena, SP), 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000.<br />
109 Correspondência <strong>de</strong> <strong>Na</strong>scimento para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 54
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Versão em português (provisória)<br />
Em 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados<br />
tomou maiores medidas, e enviou duas cartas, uma para o secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do<br />
estado <strong>de</strong> São Paulo, Marco Vinício Petreluzzi, e outra para o presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do estado <strong>de</strong> São Paulo, Renato Simões,<br />
expressando pesar pois em resposta à sua correspondência enviada em outubro <strong>de</strong> 1999, a<br />
Delegacia <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> Santo Anastácio admitiu que não po<strong>de</strong>ria garantir a segurança <strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>scimento ou prosseguir na investigação das ameaças.<br />
Por fim, os esforços <strong>de</strong> <strong>Na</strong>scimento e da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados não produziram resultados concretos. Segundo <strong>Na</strong>scimento, os dois inquéritos<br />
policiais foram arquivados por falta <strong>de</strong> provas para i<strong>de</strong>ntificar os responsáveis pelas ameaças.<br />
Quando contado pelo Centro <strong>de</strong> Justiça Global durante o processo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong>ste<br />
relatório, <strong>Na</strong>scimento ainda não sabia que pessoa ou grupo havia estado ameaçando sua vida<br />
por telefone e correspondência nos três anos anteriores.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 048/02 para o<br />
Dr. José Geraldo Brito Filomeno, procurador-geral do estado <strong>de</strong> São Paulo, requisitando<br />
maiores informações sobre os progressos recentes <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte a João <strong>de</strong> Deus Soares <strong>de</strong> Lira e Moisés <strong>de</strong> Castro Ramos, integrantes<br />
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Campos Lindos, Tocantins<br />
Em 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, policiais ameaçaram assassinar João <strong>de</strong> Deus Soares <strong>de</strong> Lira<br />
(Soares) e Moisés <strong>de</strong> Castro Ramos (Ramos), diretores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais<br />
(STR) em Campos Lindos, Tocantins. Soares e Ramos vinham formando oposição aberta à<br />
prática <strong>de</strong> grilagem, ou falsificação <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> terras, pela qual pessoas obtêm títulos ou<br />
aumentam o tamanho <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s ao forjar escrituras <strong>de</strong> terras públicas. Soares e<br />
Ramos acusaram o prefeito <strong>de</strong> Campos Lindos, ligado a proprietários <strong>de</strong> terras, <strong>de</strong> mandar<br />
policiais, junto com um matador <strong>de</strong> aluguel bem conhecido, para matá-los. 110<br />
No dia do inci<strong>de</strong>nte, Soares estava trabalhando no escritório do STR quando um colega o<br />
avisou que vários policiais e o matador <strong>de</strong> aluguel, Getúlio Vieira Reis, junto com vereadores<br />
da Câmara Municipal <strong>de</strong> Campos Lindos, estavam procurando por ele. Soares soube que o<br />
prefeito e um número <strong>de</strong> vereadores haviam recentemente angariado R$10.000,00 em um<br />
evento em uma escola local. O dinheiro era supostamente para gastos com educação, mas<br />
Soares acredita que na verda<strong>de</strong> pretendiam com esse dinheiro custear uma operação da polícia<br />
para assassiná-lo e também assassinar Ramos. Soares então <strong>de</strong>ixou o escritório do STR, e em<br />
seu caminho para casa notou que uma caminhonete seguia seu carro. Soares se escon<strong>de</strong>u na<br />
mata e viu vários policiais e Vieira <strong>de</strong>ntro da caminhonete quando esta passou por ele.<br />
Não conseguindo localiza-lo, os policiais e Vieira foram para uma fazenda eu costumava<br />
freqüentar. Quando o proprietário da fazenda perguntou aos policiais o motivo legal pelo qual<br />
110 Depoimento escrito <strong>de</strong> João <strong>de</strong> Deus Soares <strong>de</strong> Lira, 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999.<br />
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eles tentavam capturar Soares, a polícia respon<strong>de</strong>u que Soares não era suspeito <strong>de</strong> crime<br />
algum, e que não havia uma or<strong>de</strong>m judicial para sua captura, mas que o prefeito simplesmente<br />
queria Soares sob custódia.<br />
Os policiais se dirigiram então para a casa <strong>de</strong> Moisés <strong>de</strong> Castro Ramos, e minutos <strong>de</strong>pois<br />
arrombaram a porta da casa <strong>de</strong> Ramos, com armas em punho. Ramos não estava em casa, mas<br />
os policiais e o matador <strong>de</strong> aluguel surpreen<strong>de</strong>ram a mulher <strong>de</strong> Ramos, que na época estava<br />
grávida <strong>de</strong> oito meses. O choque <strong>de</strong>ssa entrada súbita fez a mulher <strong>de</strong> Ramos passar mal e ela<br />
teve <strong>de</strong> ser internada em um hospital.<br />
Soares e Ramos conseguiram escapar da captura, mas preocupada com a segurança dos dois<br />
homens a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados requisitou às autorida<strong>de</strong>s<br />
estaduais que tomassem medidas especiais. 111 Em 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, o procurador-geral <strong>de</strong><br />
Justiça do estado <strong>de</strong> Tocantins encaminhou o caso para o Ministério Público da Comarca <strong>de</strong><br />
Goiatins. 112<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 033/02 para<br />
Jaqueline Adorno <strong>de</strong> la Cruz Barbosa, procuradora-geral <strong>de</strong> Justiça do Tocantins, requisitando<br />
maiores informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
111 Ofício n o 01/00P do <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados,<br />
para o Gal. Athos da Costa Farias, secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Tocantins, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000, e Ofício<br />
n o 02/00P do <strong>de</strong>putado Miranda para o Dr. José Omar Almeida Júnior, procurador-geral <strong>de</strong> Justiça, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000.<br />
112 Ofício n o 080/CHEF/GAB <strong>de</strong> José Kasuo Otsuka, Chefe <strong>de</strong> Gabinete do procurador-geral <strong>de</strong> Justiça do Tocantins para o<br />
<strong>de</strong>putado Miranda, 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000.<br />
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4. Defesa <strong>de</strong> direitos humanos no Brasil urbano: luta contra violência da<br />
polícia, crime organizado e corrupção<br />
A estagnação econômica em toda a América Latina nos anos 80, combinada com a migração<br />
em massa das áreas rurais para os centros urbanos, <strong>de</strong>tonou um aumento sem prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />
crimes nas duas maiores cida<strong>de</strong>s brasileiras, São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro. Segundo a<br />
antropóloga e conhecida pesquisadora da violência urbana Alba Zaluar, <strong>de</strong> 1983 a 1990 a taxa<br />
<strong>de</strong> homicídios no Rio <strong>de</strong> janeiro cresceu <strong>de</strong> 23 mortes a cada 10.000 habitantes para 63,03<br />
mortes a cada 10.000 habitantes, ou seja, triplicou. 113 Em São Paulo, um aumento similar <strong>de</strong><br />
três vezes foi registrado <strong>de</strong> 1980 a 1994.<br />
Neste contexto e enfrentando a resistência <strong>de</strong> um governo fe<strong>de</strong>ral ainda controlado pelos<br />
militares, políticos da oposição se elegeram governadores em São Paulo e no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
após eleições no final <strong>de</strong> 1982. Nesses estados, administrações com um novo discurso sobre<br />
direitos humanos assumiram o po<strong>de</strong>r precisamente durante o período marcado pelo aumento<br />
<strong>de</strong> crimes violentos jamais documentado no Brasil. Um dos resultados <strong>de</strong>ste período que<br />
persiste até hoje tem sido a associação, por parte <strong>de</strong> uma significativa parcela da população,<br />
entre a <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos o aumento <strong>de</strong> crimes violentos e a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> bandidos.<br />
No Rio <strong>de</strong> Janeiro o governador, Leonel Brizola (1983-1986 e 1987-1991) ao implementar<br />
uma política mais voltada ao respeito dos cidadãos, como por exemplo, reduzir incursões<br />
abusivas da polícia nas favelas, foi visto em muitos setores da socieda<strong>de</strong> e da polícia como<br />
conivente com bandidos e traficantes. De forma crescente, os habitantes do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
particularmente aqueles das classes alta e média, vieram a enten<strong>de</strong>r segurança pública sob o<br />
prisma <strong>de</strong> uma falsa, embora largamente disseminada, dicotomia: a <strong>de</strong> que é preciso escolher<br />
entre forças policiais agressivas (com os abusos <strong>de</strong> direitos fundamentais) ou inação policial e<br />
submissão à criminalida<strong>de</strong> (com respeito pelos direitos humanos).<br />
Sentimento semelhante se <strong>de</strong>senvolveu em São Paulo, on<strong>de</strong> o aumento do crime nos anos 80<br />
levou a segurança pública a ocupar um lugar central como assunto mais importante na política<br />
estadual. No curso dos anos 80, após o governo <strong>de</strong> Franco Montoro, autorida<strong>de</strong>s políticas<br />
encorajaram a polícia a respon<strong>de</strong>r agressivamente à criminalida<strong>de</strong>. Muitos policiais entendiam<br />
este discurso, quase literalmente, como uma licença para matar. Entre 1988 e 1992, o número<br />
<strong>de</strong> civis mortos pela Polícia Militar <strong>de</strong> São Paulo cresceu cinco vezes, <strong>de</strong> 294 para pelo menos<br />
1.470, 114 aproximadamente um terço <strong>de</strong> todos os homicídios no estado naquele ano.<br />
Neste contexto polarizado, aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos humanos nos principais centros<br />
urbanos no Brasil são largamente consi<strong>de</strong>rados aliados do crime e da criminalida<strong>de</strong>, o que<br />
complica mais sua já difícil missão. Essa visão popular, freqüentemente sustentada por<br />
autorida<strong>de</strong>s irresponsáveis, permite que as forças policiais <strong>de</strong>sacreditem as alegações e<br />
documentações dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos, apelando para a preocupação do público com sua<br />
113 Alba Zaluar, “Violence Related to Illegal Drugs, Youth and Masculinity Ethos,” (Resumo <strong>de</strong> Corinne Davis), in<br />
Department of Sociology, University of Texas at Austin, Memoria: Rising Violence and the Criminal Justice Response in<br />
Latin America – Towards an Agenda for Collaborative Research in the 21 st Century, mimeo, 6 a 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999,<br />
Austin, Texas.<br />
114 Human Rights Watch/Americas, Police Brutality, op. cit, p. 50, n.94.<br />
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segurança e invocando a falsa dicotomia que força uma escolha entre forças policiais<br />
vigorosas e respeito pelos direitos humanos.<br />
A batalha contra a corrupção policial<br />
No cenário urbano, uma área particularmente difícil na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong>stacados neste<br />
relatório tem sido a batalha contra a corrupção policial. Esta corrupção, que com freqüência<br />
anda lado a lado com a violência policial, tem mostrado envolver uma larga série <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>s, incluindo não apenas policiais <strong>de</strong> alto escalão, mas também promotores, juizes e<br />
funcionários eleitos. O <strong>de</strong>senvolvimento do papel do Brasil no tráfico internacional <strong>de</strong><br />
narcóticos nas últimas décadas (primeiro como um ponto <strong>de</strong> trânsito e mais tar<strong>de</strong> também<br />
como mercado consumidor) tem garantido a presença <strong>de</strong> milhões, se não bilhões, <strong>de</strong> dólares<br />
em comércio ilegal. Este fato, combinado com as leis <strong>de</strong> sigilo bancário do país, tem feito do<br />
Brasil um importante centro <strong>de</strong> lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Esta combinação tem promovido o<br />
crescimento <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crime organizado que com freqüência contam com a<br />
cumplicida<strong>de</strong> ou assistência direta <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s do alto escalão.<br />
Documentar e <strong>de</strong>nunciar este tipo <strong>de</strong> corrupção é uma ativida<strong>de</strong> extremamente perigosa, como<br />
os corajosos esforços do <strong>de</strong>tetive da polícia civil Francisco Ba<strong>de</strong>nes, <strong>de</strong>monstram. Por uma<br />
década, Ba<strong>de</strong>nes tem investigado a Scu<strong>de</strong>rie Le Cocq, uma organização legalmente<br />
constituída e profundamente envolvida nos assim chamados assassinatos <strong>de</strong> “limpeza social”<br />
(cujo alvo são adolescentes que vivem e trabalham nas ruas <strong>de</strong> Vitória, no Espírito Santo),<br />
extorsões e outras formas <strong>de</strong> corrupção.<br />
A teia intrincada <strong>de</strong> policiais corruptos e assassinos que Ba<strong>de</strong>nes investigou tornou o sistema<br />
judiciário ineficaz para combater seus crimes: quando investigadores <strong>de</strong> polícia, promotores e<br />
juízes que não são parte da re<strong>de</strong> da Scu<strong>de</strong>rie investigam os crimes do grupo, são induzidos a<br />
abandonar os casos contra os membros da Scu<strong>de</strong>rie através <strong>de</strong> suborno ou intimidação.<br />
A gravida<strong>de</strong> da investigação conduzida por Ba<strong>de</strong>nes requer menção especial. Os envolvidos<br />
na Scu<strong>de</strong>rie, segundo evidências colhidas e apresentadas por Ba<strong>de</strong>nes à Câmara dos<br />
Deputados, incluem o ex-governador do Espírito Santo e ex-ministro da <strong>de</strong>fesa Élcio Álvares<br />
no vértice <strong>de</strong> um sindicato criminal com ligações com o Partido da <strong>Frente</strong> Liberal, PFL. O<br />
presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, José Carlos Gratz, vem logo após<br />
Álvares, segundo Ba<strong>de</strong>nes.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte a Regino Antônio <strong>de</strong> Pinho Filho, Fortaleza, Ceará<br />
Em 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, Regino Antônio <strong>de</strong> Pinho Filho (Pinho), um representante da<br />
Associação dos Parentes e Amigos das Vítimas <strong>de</strong> Violência (APAVV) em Fortaleza, estado<br />
do Ceará, começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte. Quatro dias antes, através da APAVV, Pinho<br />
havia submetido um relatório sobre crimes <strong>de</strong> matadores profissionais no estado do Ceará<br />
entre 1997 e 2001. Tendo apresentado suas <strong>de</strong>núncias , Pinho conce<strong>de</strong>u várias entrevistas à<br />
mídia, e <strong>de</strong>clarou publicamente que as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tabuleiro do Norte e São João do Jaguaripe<br />
registravam a maior incidência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pistolagem no Ceará. Logo <strong>de</strong>pois, em 8 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2001, um telefonema anônimo para a casa <strong>de</strong> Pinho disse o ameaçou dizendo que<br />
ele era “muito novinho para morrer”. Em 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, Pinho recebeu uma carta<br />
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afirmando “Justiça ajuste <strong>de</strong> conta é um erro a saída é o fim sem a vida. P. <strong>de</strong> T. N.<br />
Cuidado” 115 O texto era escrito com letras recortadas <strong>de</strong> revistas.<br />
Em 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, Pinho registrou um boletim <strong>de</strong> ocorrência na <strong>de</strong>legacia local<br />
sobre as ameaças. 116 Para acelerar a investigação, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da<br />
Câmara dos Deputados requisitou informações e assistência do secretário Freire. 117 Em<br />
resposta, o Gal. Freire disse à Comissão que havia <strong>de</strong>signado o investigador da Polícia Civil<br />
Lauro da Costa Leite Sobrinho para o caso. 118<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 059/02 para<br />
Secretário Gal. Freire, requisitando maiores informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste<br />
caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte, processos judiciais <strong>de</strong> intimidação e difamação contra o <strong>de</strong>tetive<br />
Francisco Vicente Ba<strong>de</strong>nes Júnior, Espírito Santo<br />
No curso <strong>de</strong> quase <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> investigação do crime organizado no estado do Espírito Santo,<br />
o nacionalmente elogiado <strong>de</strong>tetive da Polícia Civil Francisco Vicente Ba<strong>de</strong>nes Júnior tem sido<br />
sujeito a várias formas <strong>de</strong> intimidação. Des<strong>de</strong> 1991, Ba<strong>de</strong>nes tem investigado a Scu<strong>de</strong>rie<br />
Detetive Le Cocq (S.D.L.C), um grupo <strong>de</strong> vigilância paramilitar com ligações com o crime<br />
organizado e com membros do alto escalão da política e da polícia.<br />
Em 1996, o governo brasileiro conferiu a Ba<strong>de</strong>nes o Prêmio <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
por suas investigações sobre a S.D.L.C, e Ba<strong>de</strong>nes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então adquiriu uma reputação entre<br />
as organizações brasileiras e internacionais <strong>de</strong> direitos humanos como um tenaz combatente<br />
do crime. 119 Entretanto, o trabalho <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes causou retaliações por parte <strong>de</strong> membros e<br />
simpatizantes da S.D.L.C, na forma <strong>de</strong> ameaças <strong>de</strong> morte e ações judiciais infundadas. Além<br />
disso, em pelo menos uma ocasião, segundo fontes da imprensa, um pistoleiro teria sido<br />
contratado para matar Ba<strong>de</strong>nes, embora, felizmente, esse crime não tenha se concretizado.<br />
Ba<strong>de</strong>nes está atualmente sob proteção do Programa <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Proteção Às Vítimas e<br />
Testemunhas do Governo Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Ba<strong>de</strong>nes começou a investigar a S.D.L.C em 1991, quando o governador do Espírito Santo<br />
Albuíno Azeredo criou um órgão especial para investigar o envolvimento da organização no<br />
115 Boletim <strong>de</strong> ocorrência n o 102-12461/2001, registrado na Delegacia do Segundo Distrito Policial <strong>de</strong> Fortaleza, 12 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
116 Ibid.<br />
117 Ofício n o 1124P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados para Gal. Vargas Freire, 8 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />
2001.<br />
118 Ofício n o 1552/2001-GAB-SSPDC do Gal. Freire para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, 13 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 2001.<br />
119 “Fighting Crime from the Insi<strong>de</strong> Out”, The Standard (Cambridge, Reino Unido), n o 21, julho-outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
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assassinato <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> rua no Espírito Santo. 120 Ba<strong>de</strong>nes foi nomeado investigador-chefe<br />
do órgão, conhecido como Comissão <strong>de</strong> Investigações Administrativas Especiais.<br />
Fundada em 1964, sob a ditadura militar brasileira, em homenagem ao <strong>de</strong>tetive assassinado<br />
Milton Le Cocq D’Oliveira, a S.D.L.C teve mais <strong>de</strong> 3.800 membros no começo dos anos 90, e<br />
teve filiais em todo o Brasil e América Latina. 121 O aparato sofisticado da S.D.L.C incluiu<br />
<strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> Assuntos especiais, serviços <strong>de</strong> inteligência e contra-inteligência, e a<br />
S.D.L.C operava sua própria estação <strong>de</strong> rádio e revista. 122 A Scu<strong>de</strong>rie Detetive Le Cocq, é<br />
formalmente reconhecida através <strong>de</strong> Registro Civil no Estado do Espírito Santo, sob a égi<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> "Uma instituição benemérita e filantrópica, sem fins lucrativos, com o objetivo <strong>de</strong> servir à<br />
comunida<strong>de</strong>”. 123 Segundo investigações realizadas sobre a S.D.L.C, o “serviço” prestado era<br />
vigilância, incluindo execuções extrajudiciais <strong>de</strong> suspeitos <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> rua comuns,<br />
freqüentemente adolescentes <strong>de</strong> rua. José Guilherme Godinho Ferreira, um dos fundadores do<br />
grupo, criou o slogan mais conhecido do grupo: “Bandido bom é bandido morto”. 124 A partir<br />
<strong>de</strong> 1996, os membros do grupo incluíam juízes, promotores, policiais, militares, fiscais do<br />
estado, vereadores, um <strong>de</strong>putado e um magnata do jogo do bicho, todos distinguidos por um<br />
a<strong>de</strong>sivo <strong>de</strong> pára-brisas com o logotipo da S.D.L.C, uma caveira com as iniciais E.M.<br />
Publicações do grupo afirmavam que estas letras vinham <strong>de</strong> Esquadrão Motorizado, embora<br />
muitos leiam nas iniciais Esquadrão da Morte, uma interpretação bem mais condizente com a<br />
imagem mórbida que as letras acompanham. 125 Além dos membros oficiais do grupo, a<br />
S.D.L.C tinha muitos simpatizantes em todo Brasil, <strong>de</strong>vido à infeliz, porém largamente<br />
difundida crença <strong>de</strong> que as principais vítimas da S.D.L.C, crianças <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong>veriam ser<br />
eliminadas. Como resultado das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos como a S.D.L.C, os assassinatos <strong>de</strong><br />
crianças e jovens subiram muito em 1992 e 1993, sendo que trinta e quatro foram registrados<br />
em 1993 somente no Espírito Santo. 126<br />
As investigações <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes sob o patrocínio da Comissão levaram a numerosas prisões <strong>de</strong><br />
policiais ligados à SDLC. 127 Entretanto, as prisões levaram a poucas con<strong>de</strong>nações, e muitos<br />
dos suspeitos foram subseqüentemente liberados, criando um clima <strong>de</strong> medo tanto para as<br />
testemunhas como para os investigadores. Muitas das testemunhas se recusaram a fornecer<br />
provas ou testemunhar, e vários <strong>de</strong>tetives trabalhando para a Comissão requisitaram<br />
transferência após serem intimidados, inclusive o presi<strong>de</strong>nte da Comissão, Manoel Antônio <strong>de</strong><br />
Barros, que não acreditava que o governo do estado do Espírito Santo estivesse fazendo o<br />
suficiente para apoiar a Comissão. 128 No final <strong>de</strong> 1993, Ba<strong>de</strong>nes começou a ser ameaçado. 129<br />
120 José Arbex Jr. e Cláudio Júlio Tognolli, O século do crime, (São Paulo: Jinkings), 1996, pp 76-83.<br />
121 Human Rights Watch/Americas, Final Justice: Police and Death Squad Homici<strong>de</strong>s of Adolescents in Brazil, (Nova<br />
Iorque: Human Rights Watch) 1994, pp 112-114.<br />
122 Arbex e Tognolli, op. cit., p. 83.<br />
123 Ibid., p. 78.<br />
124 “Colunista e diretora do Jornal da Cida<strong>de</strong>, Vitória, Espírito Santo, Brasil”, www.impunidad.com,<br />
www.impunidad.com/cases/marianilceP.htm p. 9.<br />
125 Human Rights Watch, op. cit., pp. 112-113.<br />
126 Ibid., p. 113.<br />
127 Ibid., pp. 112-114.<br />
128 Ibid., p. 113.<br />
129 Ibid., p. 114.<br />
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Reportagens <strong>de</strong> jornal circularam a notícia <strong>de</strong> que dois assassinos profissionais haviam sido<br />
contratados para matá-lo como resposta às investigações da Comissão. Os prováveis<br />
assassinos aparentemente fugiram do Espírito Santo antes <strong>de</strong> realizar o assassinato.<br />
Em 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1995, Ba<strong>de</strong>nes apresentou suas <strong>de</strong>scobertas sobre a S.D.L.C à<br />
Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, apresentando 5.297 páginas <strong>de</strong><br />
documentos, nove fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e duas fitas <strong>de</strong> áudio. 130 Além <strong>de</strong> implicar a S.D.L.C no<br />
assassinato <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> adolescentes, Ba<strong>de</strong>nes atribuiu os assassinatos do jornalista Mário<br />
Eugênio e da investigadora da Comissão do Orçamento, Ana Elisabeth dos Santos, ambos<br />
oponentes da S.D.L.C, aos integrantes do grupo. 131 Em um capítulo entitulado “Do sistema <strong>de</strong><br />
acobertamento”, Ba<strong>de</strong>nes escreveu que <strong>de</strong>vido à influência da S.D.L.C:<br />
“No po<strong>de</strong>r judiciário, há a protelação <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos relevantes quando se trata <strong>de</strong><br />
pessoas influentes... No Ministério Público não são acompanhados os inquéritos... <strong>Na</strong><br />
Polícia Civil... as provas colhidas pelo perito <strong>de</strong>saparecem ou são manipuladas. Há<br />
confissões forjadas para <strong>de</strong>sviar os verda<strong>de</strong>iros culpados. Há álibis forjados.” 132<br />
Ba<strong>de</strong>nes i<strong>de</strong>ntificou uma campanha <strong>de</strong> intimidação <strong>de</strong> testemunhas realizada pela S.D.L.C,<br />
começando em 1995, na qual a Scu<strong>de</strong>rie ameaçou matar três testemunhas <strong>de</strong> homicídios<br />
cometidos pela organização ou seus simpatizantes, sob o pretexto <strong>de</strong> que estas testemunhas<br />
haviam cometido os crimes. As <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes também <strong>de</strong>monstraram vínculos entre<br />
a S.D.L.C e o Sindicato da Polícia Civil do Espírito Santo, o Sindicato dos Trabalhadores em<br />
Transporte do Espírito Santo e a União Democrática Ruralista (UDR).<br />
Além disso, Ba<strong>de</strong>nes citou o testemunho <strong>de</strong> cinqüenta e um membros da S.D.L.C sobre as<br />
vantagens <strong>de</strong> pertencer ao grupo. 133 Um membro revelou que os policiais <strong>de</strong> trânsito não o<br />
incomodavam por causa da insígnia da S.D.L.C em seu pára-brisas. Outro afirmou que a<br />
condição <strong>de</strong> membro garantia maior segurança privada. Um terceiro se sentia mais seguro sob<br />
a proteção do grupo porque a S.D.L.C era “formada por policiais”.<br />
Ba<strong>de</strong>nes concluiu sua apresentação requisitando a revogação da autorização legal do grupo.<br />
Quando este relatório foi escrito, a Ação <strong>de</strong> Dissolução da Su<strong>de</strong>rie Le Cocq ainda estava<br />
pen<strong>de</strong>nte.<br />
Por essa época, intrigado com o número <strong>de</strong> assassinatos e outros crimes cometidos pelos<br />
membros da S.D.L.C no Espírito Santo que permaneciam sem resolução, Ba<strong>de</strong>nes <strong>de</strong>cidiu<br />
obter uma lista dos membros do grupo. Ba<strong>de</strong>nes conseguiu um mandato judicial da juíza <strong>de</strong><br />
Vitória, Magda Lugon, or<strong>de</strong>nando que a S.D.L.C fornecesse uma lista <strong>de</strong> membros. O<br />
presi<strong>de</strong>nte da S.D.L.C, Mário Rodrigues Lopes, submeteu uma lista, mas Ba<strong>de</strong>nes notou que<br />
os nomes <strong>de</strong> muitos suspeitos nos casos não resolvidos estavam faltando. Por causa <strong>de</strong>sta<br />
falha em cumprir com os termos <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m judicial, Ba<strong>de</strong>nes chegou com vários policiais<br />
130 “Defesa Aberta: O serviço <strong>de</strong> inteligência do Palácio do planalto e a polícia investigam envolvimento do ministro Élcio<br />
Álvares com o crime organizado”, Isto É, n o 1566, 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, citação no Internet:<br />
www.zaz.com.br/istoe/politica/1999/10/01/000.htm<br />
131 Arbex e Tognolli, op. cit., pp. 79-80.<br />
132 Ibid.<br />
133 Ibid., p. 82.<br />
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a uma proprieda<strong>de</strong> usada pela S.D.L.C e confiscou os arquivos e computadores do grupo. A<br />
correspondência interna da S.D.L.C revelou que suas ativida<strong>de</strong>s criminais iam muito além da<br />
execução <strong>de</strong> crianças e adolescentes <strong>de</strong> rua, e incluíam tráfico <strong>de</strong> drogas, roubo <strong>de</strong> carros,<br />
jogo do bicho 134 e outros negócios tipicamente associados com o crime organizado. 135 Além<br />
disso, estes materiais documentavam o conluio entre promotores, advogados <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e<br />
juizes filiados à S.D.L.C para garantir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros da S.D.L.C acusados <strong>de</strong><br />
crimes. Esta prática ajudou a explicar a prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong> crimes sem resolução envolvendo<br />
membros da S.D.L.C que havia inicialmente <strong>de</strong>spertado o interesse <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes na lista <strong>de</strong><br />
membros da S.D.L.C.<br />
Em 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000, Ba<strong>de</strong>nes usou muitos <strong>de</strong>stes documentos apreendidos em uma<br />
segunda apresentação sobre a S.D.L.C à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados. Dessa vez Ba<strong>de</strong>nes registrou o envolvimento da S.D.L.C em uma larga série <strong>de</strong><br />
atos criminoso s. <strong>Na</strong> talvez mais importante parte <strong>de</strong> seu testemunho, Ba<strong>de</strong>nes forneceu um<br />
“gráfico organizacional” retratando o ex-governador e então ministro da Defesa Élcio Álvares<br />
no topo <strong>de</strong> um sindicato criminoso com ligações com Partido da <strong>Frente</strong> Liberal (PFL). O<br />
presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Legislativa do estado do Espírito Santo, José Carlos Gratz, vinha<br />
logo abaixo do ministro da Defesa Élcio Álvares no esquema organizacional investigado por<br />
Ba<strong>de</strong>nes. Além <strong>de</strong>stes funcionários fe<strong>de</strong>rais, Ba<strong>de</strong>nes i<strong>de</strong>ntificou a participação <strong>de</strong> vários<br />
funcionários públicos do estado do Espírito Santo, inclusive do prefeito <strong>de</strong> Cariacica, Dejair<br />
Cabo Camata, na participação em assassinatos contratados <strong>de</strong> políticos locais, venda ilegal <strong>de</strong><br />
armas, e estabelecimento <strong>de</strong> conexões <strong>de</strong> drogas, tudo em associação com a S.D.L.C. Camata<br />
tinha boas conexões na política nacional, o primo <strong>de</strong> Camata, Gerson, representava o Espírito<br />
Santo no Senado Fe<strong>de</strong>ral, e a mulher <strong>de</strong> Gerson Camata servia na Câmara dos Deputados.<br />
Investigações paralelas realizadas por autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais corroboraram muito da substância<br />
do que Ba<strong>de</strong>nes havia afirmado em seu primeiro <strong>de</strong>poimento frente à Câmara dos Deputados,<br />
que por sua vez não diferia significativamente <strong>de</strong> suas afirmações no segundo <strong>de</strong>poimento no<br />
Congresso. 136 Em novembro <strong>de</strong> 2000, a Câmara dos Deputados criou a Comissão Parlamentar<br />
<strong>de</strong> Inquérito Destinada a Investigar o Avanço e a Impunida<strong>de</strong> do <strong>Na</strong>rcotráfico (CPI). Em sua<br />
seção no Espírito Santo, o relatório da CPI se baseou significativamente no testemunho <strong>de</strong><br />
Ba<strong>de</strong>nes frente à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos em janeiro <strong>de</strong> 2000, e con<strong>de</strong>nou a influência<br />
da SDLC e outras organizações criminosas no estado. O representante do Legislativo José<br />
Carlos Gratz, i<strong>de</strong>ntificado nas investigações no mais alto escalão da S.D.L.C , caracterizou o<br />
relatório da CPI como “papel higiênico usado”. 137 O porta-voz do ministro da Justiça, João<br />
Benedito <strong>de</strong> Azevedo Marques, <strong>de</strong>clarou que a S.D.L.C cooperou com policiais locais “Como<br />
se fossem uma verda<strong>de</strong>ira quadrilha <strong>de</strong> bandidos, travestidos <strong>de</strong> policiais, que matam,<br />
extorquem, roubam e seqüestram impunemente”. 138 Um dossiê da Polícia Fe<strong>de</strong>ral caracterizou<br />
a SDLC como “O maior grupo <strong>de</strong> criminosos organizados <strong>de</strong> que se tem notícia no Brasil,<br />
134 O jogo do bicho é uma prática <strong>de</strong> apostas ilegal no Brasil, na qual os participantes apostam em um ou vários animais<br />
representados em uma cartela <strong>de</strong> apostas.<br />
135 “Defesa Aberta”, op.cit., pp. 1-3.<br />
136 Arbex e Tognolli, op. cit., p. 82.<br />
137 “Colunista e diretora do Jornal da Cida<strong>de</strong>, Vitória, Espírito Santo, Brasil”, www.impunidad.com,<br />
www.impunidad.com/cases/marianilceP.htm, p. 4.<br />
138 Arbex e Tognolli, op. cit., p. 82.<br />
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para roubar, traficar, matar e espalhar o terror”. 139 O Procurador da República no Espírito<br />
Santo, ao con<strong>de</strong>nar a S.D.L.C no estado, notou que “Há informações <strong>de</strong> que gran<strong>de</strong>s<br />
empresários sonegadores seriam mandantes <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> homicídio para a manutenção <strong>de</strong><br />
seus esquemas <strong>de</strong> sonegação”. 140<br />
As investigações <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes ganharam o respeito <strong>de</strong> Ongs brasileiras e internacionais <strong>de</strong><br />
direitos humanos, que pressionaram o governo fe<strong>de</strong>ral a investigar a ação criminosa da<br />
Scu<strong>de</strong>rie. Alguns meses após seus <strong>de</strong>poimentos à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara<br />
dos <strong>de</strong>putados, em 1995, Ba<strong>de</strong>nes recebeu o Prêmio <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos. Uma<br />
semana após a apresentação <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes para a Comissão em janeiro <strong>de</strong> 2000, o presi<strong>de</strong>nte<br />
Fernando Henrique Cardoso exonerou Álvares do Ministério da Defesa. No curso das<br />
investigações <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes sobre a S.D.L.C, retaliações têm vindo em forma <strong>de</strong> ameaças <strong>de</strong><br />
morte, difamação e ações judiciais. 141<br />
Em 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, atuando sobre evidências fornecidas por Ba<strong>de</strong>nes, a polícia Militar <strong>de</strong><br />
Vitória pren<strong>de</strong>u o prefeito <strong>de</strong> Cariacica, Camata, sob a acusação <strong>de</strong> contrabando <strong>de</strong> armas. 142<br />
<strong>Na</strong>quele dia, Camata recebeu um número <strong>de</strong> visitantes <strong>de</strong> alto escalão que mais tar<strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes<br />
incluiu em seu gráfico organizacional da SDLC, entre eles o então ministro da Defesa, Élcio<br />
Álvares. Mais tar<strong>de</strong> naquele dia Álvares pediu ao governador do Espírito santo, Vítor Buaiz,<br />
que libertasse Camata. 143 Em 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, menos <strong>de</strong> vinte e quatro horas após a prisão<br />
<strong>de</strong> Camata, Geraldo Corrêa Lima, um <strong>de</strong>sembargador do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do estado do<br />
Espírito Santo, or<strong>de</strong>nou a libertação <strong>de</strong> Camata. Após sua libertação, Camata fez uma ameaça<br />
pública a Ba<strong>de</strong>nes, afirmando “Vou <strong>de</strong>ixar um recado para o <strong>de</strong>legado Ba<strong>de</strong>nes: quando ele<br />
vier me pren<strong>de</strong>r da próxima vez, que venha preparado para tudo”. Camata acrescentou<br />
“Prefiro morrer a ser preso por ele outra vez, vou para o inferno mas levo ele comigo”. 144<br />
Em 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, a Promotora <strong>de</strong> Justiça da 9ª Vara <strong>de</strong> Vitória, Eloísa Helena Chiabai,<br />
indiciou Ba<strong>de</strong>nes por difamar o caráter do <strong>de</strong>legado da Polícia Civil do Espírito Santo Ismael<br />
Foratini Peixoto <strong>de</strong> Lima. Em um relatório <strong>de</strong> 495 páginas, Ba<strong>de</strong>nes havia acusado Foratini <strong>de</strong><br />
distorcer evidências para isentar os assassinos do advogado criminal Carlos Batista <strong>de</strong> Freitas<br />
afiliados da S.D.L.C. 145 Em novembro <strong>de</strong> 2000, a CPI reviu as alegações <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes sobre o<br />
<strong>de</strong>legado da Polícia Civil e concordou com elas, contestando a acusação <strong>de</strong> difamação <strong>de</strong><br />
Chiabai. O relatório da CPI afirmava que Foratini, “...associando-se com os integrantes da<br />
MÁFIA SERRANA; cabendo-lhe, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> policial, a missão <strong>de</strong> sabotar e<br />
retardar o <strong>de</strong>sdobramento das apurações neste inquérito policial, para assegurar a impunida<strong>de</strong><br />
dos mandantes do homicídio <strong>de</strong> CARLOS BATISTA”. 146 A CPI também <strong>de</strong>stacou Chiabai<br />
por suas ligações com a SDLC, escrevendo “Consi<strong>de</strong>ramos suspeita as atuações [da<br />
139 Ibid.<br />
140 Ibid.<br />
141 Representação Criminal contra João Manoel Rodrigues por abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, submetida por Francisco Vicente<br />
Ba<strong>de</strong>nes Júnior ao Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça do estado do Espírito Santo, 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
142 “Prefeito do ES beneficiado com habeas corpus”, www.an.com.br, 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
143 “Colunista e diretora do Jornal da Cida<strong>de</strong>”, op. cit., p. 7.<br />
144 “Prefeito do ES beneficiado com habeas corpus”, www.an.com.br, 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998.<br />
145 Representação criminal, op. cit., p. 2. Ba<strong>de</strong>nes vinculou o assassino <strong>de</strong> Batista, oficial da Polícia civil Derly <strong>de</strong> Aguiar, à<br />
SDLC em <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Francisco Vicente Ba<strong>de</strong>nes Júnior, prestado frente ao Internal Affairs Office da polícia Civil,<br />
Brasília, 6 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, p. 3.<br />
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promotora] Dra. Eloisa Helena Chiabai... naqueles processos que envolvem questões<br />
concernentes à atuação do crime organizado e interesses <strong>de</strong> associados da Scu<strong>de</strong>rie Detetive<br />
Le Cocq...”. 147 A tentativa <strong>de</strong> Chiabai <strong>de</strong> proteger Foratini registrando queixas <strong>de</strong> difamação<br />
contra Ba<strong>de</strong>nes não <strong>de</strong>u certo. Em 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001, a Primeira Vara Criminal <strong>de</strong> Vitória<br />
arquivou a queixa, endossando a conclusão da CPI <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes contra<br />
Foratini era fundamentada, e que portanto o indiciamento <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes por difamação feito por<br />
Chiabai era sem fundamento.<br />
Entretanto, enquanto Ba<strong>de</strong>nes conseguiu afastar o processo <strong>de</strong> difamação, a S.D.L.C levou<br />
sua campanha <strong>de</strong> intimidação para a imprensa. Durante 2001, simpatizantes da S.D.L.C<br />
<strong>de</strong>ram entrevistas aos jornais do Espírito Santo questionando a saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes. No<br />
começo <strong>de</strong> 2001, Dório Antunes <strong>de</strong> Souza em entrevista aos jornais diários <strong>de</strong> Vitória A<br />
Gazeta e A Tribuna, afirmou que Ba<strong>de</strong>nes era homossexual. Infelizmente, no Brasil, muitos<br />
consi<strong>de</strong>ram a homossexualida<strong>de</strong> doença ou imoral.<br />
Em junho <strong>de</strong> 2001, Eitel Santiago <strong>de</strong> Brito Pereira (Brito), Subprocurador-Geral da<br />
República, convidou Ba<strong>de</strong>nes para dirigir o Centro <strong>de</strong> Inteligência <strong>de</strong> Análise Financeira<br />
daquele escritório, focalizando em re<strong>de</strong>s financeiras ilegais associadas ao crime organizado.<br />
Visto que Ba<strong>de</strong>nes era tecnicamente um funcionário do estado, sua transferência para um<br />
cargo fe<strong>de</strong>ral requeria a aprovação do governador do Espírito Santo José Inácio Ferreira, que<br />
conce<strong>de</strong>u a transferência.<br />
No final <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001, a esposa <strong>de</strong> Ferreira, governador do Espírito Santo, viu-se<br />
envolvida num escândalo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio fraudulento <strong>de</strong> verbas públicas. A legislatura estadual<br />
estabeleceu uma comissão parlamentar para investigar as acusações, conduzida pelo membro<br />
da S.D.L.C Gilson Lopes, <strong>de</strong>tetive <strong>de</strong> polícia aposentado que foi implicado nas investigações<br />
<strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes em janeiro <strong>de</strong> 2001, e <strong>de</strong>pois foi eleito <strong>de</strong>putado estadual. No meio do escândalo,<br />
Ferreira tornou-se simpatizante da S.D.L.C., e substituiu o então secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do estado do Espírito Santo pelo ex-presi<strong>de</strong>nte da S.D.L.C Mário Rodrigues Lopes, e<br />
o presi<strong>de</strong>nte do Conselho da Polícia Civil por João Manoel Rodrigues, também integrante da<br />
S.D.L.C. Ferreira então subitamente voltou atrás em sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> permitir a transferência <strong>de</strong><br />
Ba<strong>de</strong>nes para Brasília, e exigiu que Ba<strong>de</strong>nes retornasse ao Espírito Santo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> trinta dias.<br />
Ba<strong>de</strong>nes não voltou, mas a campanha da S.D.L.C continuou.<br />
Em 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001, o novo presi<strong>de</strong>nte do Conselho da Polícia Civil nomeado por<br />
Ferreira, João Rodrigues, começou processos disciplinares contra Ba<strong>de</strong>nes, agora subordinado<br />
<strong>de</strong> Rodrigues, citando má conduta <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes na investigação sobre Foratini. 148 Rodrigues<br />
substanciou suas queixas com as acusações registradas por Chiabai – apesar do fato do<br />
tribunal as ter rejeitado dois meses antes – e recomendou a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes. Várias<br />
jornais vieram em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes. A edição <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001 do jornal Jornal<br />
Tribunal do Direito afirmou que “A reação diante das investigações do <strong>de</strong>legado Ba<strong>de</strong>nes<br />
sobre as bandas podres foi fulminante: a própria Polícia Civil voltou-se contra ele, abrindo<br />
146 Representação criminal, op.cit., p. 4. A maior parte dos membros da Máfia Serrana são afiliados da SDLC. “Colunista e<br />
diretora do Jornal da Cida<strong>de</strong>”, op. cit., p. 7.<br />
147 Representação criminal, op. cit., pp. 5-6.<br />
148 Ibid., p.2.<br />
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inquérito administrativo acusando-o <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>negrir a imagem dos colegas’ (sic)”. 149<br />
Aumentando o furor na imprensa, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001 o Procurador da República Luiz<br />
Francisco <strong>de</strong> Souza anunciou que Ba<strong>de</strong>nes havia se tornado o alvo <strong>de</strong> uma campanha <strong>de</strong><br />
intimidação da S.D.L.C, e havia recebido ameaças <strong>de</strong> morte. 150<br />
Com as ações disciplinares <strong>de</strong> Rodrigues ainda pen<strong>de</strong>ntes, a SDLC tentou uma nova<br />
abordagem. No final <strong>de</strong> 2001, Dório Antunes <strong>de</strong> Souza, um parceiro <strong>de</strong> negócios <strong>de</strong> Álvares,<br />
vazou em uma reportagem a falsa informação <strong>de</strong> que havia um contrato no valor <strong>de</strong> cinco<br />
dígitos em reais sobre a vida <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes. Depois se <strong>de</strong>scobriu que a informação era realmente<br />
falsa, mas essa tática também representou uma forma <strong>de</strong> intimidação, usando a simpatia da<br />
imprensa por Ba<strong>de</strong>nes para levá-lo a temer por sua segurança.<br />
Em 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, Ba<strong>de</strong>nes respon<strong>de</strong>u ao registrar uma requisição <strong>de</strong> processo<br />
criminal contra seu superior, alegando que o estabelecimento <strong>de</strong> processos disciplinares por<br />
Rodrigues constituía um abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>. 151 Ba<strong>de</strong>nes afirmou que ao iniciar os processos,<br />
Rodrigues se baseou em evidências falsas que já haviam sido judicialmente <strong>de</strong>scartadas, e que<br />
o processo inteiro buscava <strong>de</strong>tê-lo para que não completasse suas legítimas investigações. 152<br />
Duas semanas <strong>de</strong>pois, o Sub-Procurador-Geral da República, Brito, superior <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes em<br />
Brasília, requisitou que o presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Espírito Santo arquivasse o<br />
processo contra Ba<strong>de</strong>nes. 153<br />
Em 13 fevereiro <strong>de</strong> 2002, Ba<strong>de</strong>nes escreveu para o Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, secretário<br />
nacional <strong>de</strong> Direitos Humanos, resumindo as intimidações perpetradas pela S.D.L.C na<br />
década anterior, e requisitando “providências cabíveis” para combatê-las. 154<br />
Até a data em que foi escrito este relatório, o processo <strong>de</strong> Rodrigues ainda estava pen<strong>de</strong>nte.<br />
Também sem resolução estavam os processos <strong>de</strong> dissolução da Scu<strong>de</strong>rie, iniciado <strong>de</strong>pois do<br />
primeiro <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes frente à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos, em 1995.<br />
O Juiz Fe<strong>de</strong>ral, que suce<strong>de</strong>u o Juiz Athiê (indiciado por suspeita <strong>de</strong> corrupção no Superior<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça), enten<strong>de</strong>u que a Justiça Fe<strong>de</strong>ral não seria competente para julgar o caso,<br />
apesar <strong>de</strong> todos os fatos apontarem nesse sentido e que a atuação criminosa da Scu<strong>de</strong>rie tem<br />
ramificações em diversos estados, e proferiu <strong>de</strong>cisão no sentido <strong>de</strong> que o processo passe para<br />
a Justiça Estadual.<br />
O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral recorreu e atualmente o processo encontra-se no Tribunal<br />
Regional Fe<strong>de</strong>ral da 2 ª Região, no Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro aguardando <strong>de</strong>cisão judicial.<br />
149 “As bandas podres do Espírito Santo”, Jornal Tribuna do Direito, setembro <strong>de</strong> 2001.<br />
150 “Perseguição”, A Gazeta (Vitória), 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
151 Representação criminal, op. cit., p. 1.<br />
152 Ibid., p. 12.<br />
153 Carta <strong>de</strong> Eitel Santiago <strong>de</strong> Brito Pereira, Sub-Procurador-Geral da República, para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, 7 <strong>de</strong><br />
fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
154 Carta <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>nes ao Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, secretário nacional <strong>de</strong> Direitos Humanos, Brasília, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2002.<br />
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Quando este relatório foi escrito, Ba<strong>de</strong>nes estava sob proteção do Programa <strong>de</strong> Assistência às<br />
Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas, enquadrado em uma modalida<strong>de</strong> especial 155<br />
Assassinato <strong>de</strong> João Elízio Lima Pessoa, ativista <strong>de</strong> direitos humanos e lí<strong>de</strong>r<br />
comunitário, Águas Lindas, Goiás<br />
No início <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, homens encapuzados, que se acreditava fossem policiais,<br />
fizeram uma emboscada e assassinaram o ativista comunitário João Elízio Lima Pessoa, 43<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, em Águas Lindas, estado <strong>de</strong> Goiás. João Elízio foi uma figura pública <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> importância por muitos anos em Águas Lindas. Em 1998, fundou o Conselho<br />
Comunitário <strong>de</strong> Águas Lindas, que com sucesso conseguiu melhorias na coleta <strong>de</strong> lixo,<br />
trabalho para pessoas carentes e apoio financeiro para os aposentados. 156 João Elízio também<br />
havia trabalhado na Comissão Regional <strong>de</strong> Transporte <strong>de</strong> Águas Lindas, um órgão <strong>de</strong><br />
supervisão do governo. O objetivo mais visível <strong>de</strong> João Elízio, entretanto, vinha sendo a<br />
<strong>de</strong>fesa dos direitos civis. Nesse contexto, havia sido um crítico aberto da Polícia Militar <strong>de</strong><br />
Águas Lindas, que acusava <strong>de</strong> extorsão, buscas sem mandato, ataques, espancamentos, tortura<br />
e assassinato.<br />
As <strong>de</strong>núncias João Elízio sobre a má conduta da polícia atraíram sobre ele o<br />
<strong>de</strong>scontentamento da polícia local. As autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais e estaduais reconheciam o<br />
ativismo <strong>de</strong> João, e no final <strong>de</strong> 1998, o secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado <strong>de</strong> Goiás o<br />
indicou para o Comitê <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong> Águas Lindas, um conselho <strong>de</strong> inspeção civil. Em sua<br />
nova função, continuou a <strong>de</strong>nunciar abusos <strong>de</strong> direitos cometidos pela polícia local. Logo<br />
após sua indicação, começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte <strong>de</strong> integrantes da polícia <strong>de</strong> Águas<br />
Lindas, inclusive <strong>de</strong> um <strong>de</strong>legado e <strong>de</strong> um tenente. Em novembro <strong>de</strong> 1998, João Elízio<br />
testemunhou frente à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, acusando o<br />
sargento Josué Alves da Silva <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar um grupo <strong>de</strong> policiais corruptos responsável por<br />
numerosos casos <strong>de</strong> espancamentos, extorsão, e, em um caso, por liberar da custódia da<br />
polícia dois colegas que seriam julgados por assassinato. 157 O testemunho <strong>de</strong> João Elízio foi<br />
suficientemente con<strong>de</strong>natório para levar o presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos,<br />
<strong>de</strong>putado Eraldo Trinda<strong>de</strong>, a requisitar que o ministro da Justiça tomasse medidas urgentes<br />
para garantir sua segurança. 158 Infelizmente, o ministro da Justiça não agiu. Dois anos <strong>de</strong>pois,<br />
o mesmo sargento Alves se tornou o principal suspeito do assassinato <strong>de</strong> João Elízio Lima<br />
Pessoa.<br />
155 Depoimento <strong>de</strong> Francisco Vicente Ba<strong>de</strong>nes Júnior para a Divisão Administrativa, Internal Affairs Division, Polícia Civil,<br />
Brasília, 6 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, p. 1.<br />
156 Materiais do arquivo do caso <strong>de</strong> João Elízio Pessoa Lima, fornecidas pela Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong><br />
Deputados.<br />
157 “Violência policial em Águas Lindas, Goiás”, dossiê apresentado por Lima Pessoa para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
da Câmara <strong>de</strong> Deputados, novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
158 Ofício n o 1077/98P do <strong>de</strong>putado Eraldo Trinda<strong>de</strong>, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados,<br />
para o senador Renan Calheiros, ministro da Justiça, 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998.<br />
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Em 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, por volta das 22:00 horas, João e sua mulher, Neuza Maria <strong>de</strong><br />
Souza, estavam indo para casa <strong>de</strong> carro sob uma chuva pesada após uma reunião do Comitê<br />
<strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong> Águas Lindas. 159 João Elízio, no banco do motorista, notou alguns entulhos e<br />
pedras gran<strong>de</strong>s na estrada, e <strong>de</strong>sviou para evitá-los. Quando ele virou o volante, o carro<br />
morreu. Devido à chuva, o motor do carro estava frio, e levou mais tempo que o normal para<br />
funcionar. Quando finalmente conseguiu fazer o motor do carro funcionar, uma bala <strong>de</strong><br />
revólver atingiu o carro, esmigalhando o pára-brisas. Este primeiro tiro foi seguido por uma<br />
série <strong>de</strong> disparos, que atingiram a ele e sua esposa antes que conseguissem se agachar juntos<br />
ao painel do carro. Depois que os disparos cessaram, sua esposa, ferida no pescoço,<br />
engatinhou para fora do carro e correu ao longo da estrada para pedir socorro. O primeiro<br />
carro a parar foi um veículo da polícia, que a levou <strong>de</strong> volta até o carro <strong>de</strong> João. Enquanto eles<br />
se aproximavam, Neuza notou o que lhe pareceu ser um carro da polícia se afastando <strong>de</strong> uma<br />
área obscura e cheia <strong>de</strong> árvores próxima dali. João estava morto chegaram ao local da<br />
emboscada, tendo sido atingido por três balas na cabeça. Os policiais que ajudaram a esposa<br />
<strong>de</strong> João, disseram a ela que não po<strong>de</strong>riam perseguir os assaltantes, pois não tinham armas<br />
suficientes.<br />
No dia seguinte, o presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos, <strong>de</strong>putado Trinda<strong>de</strong>, solicitou<br />
a assistência da Polícia Fe<strong>de</strong>ral na investigação. O <strong>de</strong>putado Trinda<strong>de</strong> ressaltou em sua<br />
correspondência que a ação das autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais era imperativa <strong>de</strong>sta vez, visto que o<br />
governo havia falhado anteriormente na forma como tratou a ameaça à vida <strong>de</strong> João Elízio. 160<br />
<strong>Na</strong>quela mesma semana, o disco rígido do computador <strong>de</strong> João Elízio, no escritório da<br />
Comissão Regional <strong>de</strong> Transporte foi misteriosamente apagado, segundo os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />
sua esposa e <strong>de</strong> outra testemunha que solicitou que sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não fosse revelada. Ambas<br />
as testemunhas afirmaram que o disco rígido continha testemunhos sobre violações <strong>de</strong> direitos<br />
civis pela polícia e que João pretendia entregar para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e<br />
Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito (CPI) do narcotráfico em Brasília.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, uma testemunha ocular oculta por um capuz, óculos escuros,<br />
luvas e um casaco longo chegou a uma <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia em Goiânia e disse aos<br />
investigadores que o mesmo sargento Alves que João havia anteriormente acusado <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar<br />
um grupo <strong>de</strong> policiais corruptos havia participado <strong>de</strong> seu assassinato. 161 A testemunha<br />
afirmou que quatro policiais encapuzados, dois usando distintivos da Polícia Militar, abriram<br />
fogo contra o carro parado <strong>de</strong> João Elízio. Depois do tiroteio, os quatro homens saíram da<br />
estrada correndo para a mata e tiraram seus capuzes. A testemunha conseguiu ver seus rostos<br />
e i<strong>de</strong>ntificou um dos policiais como o sargento Alves. A testemunha também afirmou que os<br />
quatro policiais entraram em uma caminhonete da Polícia Militar estacionada em uma clareira<br />
na mata e saíram dali. Finalmente, a testemunha notou dois outros carros da polícia, ambos<br />
com policiais <strong>de</strong>ntro, em uma estrada ali perto.<br />
O <strong>de</strong>poimento da testemunha levou o secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado <strong>de</strong> Goiás,<br />
Demóstenes Torres, a <strong>de</strong>ter todos os treze oficiais da Polícia Militar em serviço na noite do<br />
159 “Entrevista: Maria Neuza <strong>de</strong> Souza”, Correio Braziliense, Brasília, 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000.<br />
160 Ofício n o 081/00P do <strong>de</strong>putado Trinda<strong>de</strong> para o Dr. José Gregori, secretário estadual <strong>de</strong> Direitos Humanos, 8 <strong>de</strong> fevereiro<br />
<strong>de</strong> 2000.<br />
161 “Sargento acusado da morte <strong>de</strong> João Elízio”, Correio Braziliense, Brasília, 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000.<br />
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assassinato <strong>de</strong> João Elízio Lima Pessoa. Os Departamentos <strong>de</strong> Polícia Civil e Militar em<br />
Águas Lindas iniciaram investigações separadas, tendo o sargento Alves como principal<br />
suspeito.<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 031/02 para o<br />
secretário Torres, solicitando maiores informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Tentativa <strong>de</strong> assassinato <strong>de</strong> Sivaldo Dias Campos, membro do Movimento Cívico <strong>de</strong><br />
Combate à Corrupção, Cuiabá, Mato Grosso<br />
Em setembro <strong>de</strong> 2000, Sivaldo Dias Campos era o presi<strong>de</strong>nte do Partido dos Trabalhadores<br />
(PT) em Cuiabá. Campos era um militante ativo do Movimento Cívico <strong>de</strong> Combate à<br />
Corrupção (MCCC). Em 9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2000, Campos <strong>de</strong>nunciou um esquema <strong>de</strong> compra<br />
<strong>de</strong> votos, implicando vários candidatos à câmara municipal <strong>de</strong> Cuiabá. Campos apresentou<br />
suas queixas primeiro a um juiz responsável por supervisão eleitoral, e então publicou suas<br />
acusações na imprensa. A <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Campos incluía conversações <strong>de</strong> telefone gravadas<br />
entre candidatos e equipe <strong>de</strong> campanha.<br />
Em 9 <strong>de</strong> outubro, indivíduos em um carro vermelho não-i<strong>de</strong>ntificado fotografaram a casa <strong>de</strong><br />
Sivaldo e as <strong>de</strong> seus vizinhos no Jardim Industriário, bairro <strong>de</strong> Cuiabá. 162 <strong>Na</strong> manhã <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2000, às 7:30 horas, Campos estava em casa com sua mulher, Sônia Paiva <strong>de</strong><br />
Oliveira, quando um homem jovem apareceu em sua porta da frente. Segundo sua esposa ,<br />
após alguns minutos ela olhou novamente e percebeu que havia três homens à porta, ao invés<br />
<strong>de</strong> um. Campos apareceu na sala e os homens entraram na casa. Sônia percebeu que os três<br />
homens jovens carregavam revólveres. Campos disse a sua mulher que permanecesse calma.<br />
Os homens perguntaram por objetos <strong>de</strong> valor, como dinheiro, jóias e a chave do carro, e a<br />
levaram para o quarto. Do quarto Sônia ouviu um barulho alto seguido pelo som <strong>de</strong> um corpo<br />
caindo no chão. Ela <strong>de</strong>ixou o quarto para ver o que estava acontecendo e viu seu marido caído<br />
no chão. Ele conseguiu levantar e sair da sala, indo em direção ao quarto. Um dos homens<br />
então atirou em Campos, atingindo-o no pescoço. Campos cambaleou até o quarto e então<br />
caiu no chão. Quando eles estavam saindo, outro homem <strong>de</strong>u um tiro na cabeça <strong>de</strong> Campos.<br />
Eles <strong>de</strong>ixaram a casa no carro da vítima e o abandonaram a menos <strong>de</strong> cinco quilômetros<br />
dali. 163 Por milagre, Campos sobreviveu.<br />
A pasta <strong>de</strong> documentos <strong>de</strong> Campos <strong>de</strong>sapareceu do carro. <strong>Na</strong>quele dia Campos tinha uma<br />
entrevista agendada na qual planejava <strong>de</strong>nunciar outros crimes eleitorais.<br />
162 Correspondência do Partido dos Trabalhadores (PT) para o ministro da Justiça, José Gregori, 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2000.<br />
163 Depoimento <strong>de</strong> Sônia <strong>de</strong> Paiva Oliveira, Divisão <strong>de</strong> Homicídios e <strong>de</strong> Proteção à Pessoa <strong>de</strong> Cuiabá, 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
2000.<br />
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Por volta das 10:30 horas, apenas três horas após a tentativa <strong>de</strong> assassinato, a polícia conclui<br />
sua investigação do caso, dizendo a Sônia que havia ocorrido um roubo <strong>de</strong> rotina, agravado<br />
pela reação da vítima. 164<br />
No começo da tar<strong>de</strong> do mesmo dia, três suspeitos já haviam sido presos. Testemunhas<br />
oculares não reconheceram nenhum <strong>de</strong>les. 165<br />
Os <strong>de</strong>putados José Dirceu e Aloísio Mercadante apresentaram ao ministro da Justiça José<br />
Gregori um documento solicitando a proteção <strong>de</strong> Sônia assim como <strong>de</strong> outras vítimas<br />
potenciais. Entretanto, o ministro da Justiça autorizou proteção apenas para Sônia, e somente<br />
pelo tempo que ela passar fora <strong>de</strong> casa. 166<br />
O procurador-geral <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong> Mato Grosso indiciou seis pessoas pelo atentado à vida <strong>de</strong><br />
Sivaldo. Três <strong>de</strong>les confessaram a participação no crime, estão presos e aguardam julgamento.<br />
Nicássio Barbosa, que supostamente orquestrou o ataque, e dois cúmplices também aguardam<br />
julgamento, em liberda<strong>de</strong>.<br />
O ataque a Sivaldo o <strong>de</strong>ixou com o lado esquerdo do corpo paralisado e incapaz <strong>de</strong> falar. 167<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte à equipe do Centro <strong>de</strong> Direitos Humanos Simão Bororo,<br />
Rondonópolis, Mato Grosso<br />
No outono <strong>de</strong> 1996, a equipe do Centro <strong>de</strong> Direitos Humanos “Simão Bororo” (CDHSB) <strong>de</strong><br />
Rondonópolis, estado do Mato Grosso, tornou-se alvo <strong>de</strong> uma campanha difamatória da mídia<br />
e começou a receber cartas ameaçadoras. O CDHSB vem <strong>de</strong>nunciando por vários anos, as<br />
más condições das prisões em Rondonópolis e documentando ameaças <strong>de</strong> morte, tortura e<br />
assassinatos cometidos pela Polícia Civil local. Isso levou a uma reação contra o CDHSB e a<br />
<strong>de</strong>fesa dos direitos civis em geral, por parte da polícia e os políticos locais.<br />
No outono <strong>de</strong> 1996, essa reação começou a tomar a forma <strong>de</strong> uma campanha ativa quando<br />
uma estação <strong>de</strong> rádio local, Rádio Clube <strong>de</strong> Rondonópolis, começou a atacar diretamente o<br />
CDHSB em seu programa “Ronda Policial”. 168 O programa acusou o CDHSB <strong>de</strong> favorecer os<br />
direitos dos criminosos sobre os das vítimas, e foi parte <strong>de</strong> uma campanha maior da mídia<br />
dirigida contra o CDHSB e <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos em geral que envolveu a estação<br />
<strong>de</strong> televisão local TV Cida<strong>de</strong>. A Rádio Clube e a TV Cida<strong>de</strong> eram ambas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do<br />
<strong>de</strong>putado Wellington Fagun<strong>de</strong>s, um oponente da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos com conexões<br />
próximas com a força policial <strong>de</strong> Rondonópolis. Logo após a primeira transmissão, o<br />
<strong>de</strong>putado Fagun<strong>de</strong>s <strong>de</strong>votou uma segunda publicação à suposta má conduta do CDHSB, e<br />
instou os espectadores a fechar a organização. O CDHSB consi<strong>de</strong>rou essa mensagem um<br />
164 Ibid.<br />
165 Ibid.<br />
166 Correspondência do Partido dos Trabalhadores para o ministro da Justiça, op. cit.<br />
167 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com o membro da diretoria do PT Jurandir da Silva, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
168 Ofício n o 022/97 <strong>de</strong> Paulo Augusto Mário Isaac, presi<strong>de</strong>nte do CDHSB, para o governador do Mato Grosso, et alli, 30 <strong>de</strong><br />
abril <strong>de</strong> 1997.<br />
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incitamento à violência, e solicitou intervenção judicial para mo<strong>de</strong>rar o tom do programa. Os<br />
esforços do CDHSB não tiveram sucesso, e o <strong>de</strong>putado Fagun<strong>de</strong>s redobrou seus ataques<br />
contra o CDHSB. 169<br />
Em 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados<br />
enviou o <strong>de</strong>putado Pedro Wilson Guimarães a Rondonópolis para investigar a situação, e<br />
solicitou que a Fe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Jornalistas (FENAJ) enviasse um representante para<br />
acompanhar a investigação do <strong>de</strong>putado Wilson. 170<br />
Durante o começo <strong>de</strong> 1997, o CDHSB recebeu ameaças <strong>de</strong> morte anônimas pelo correio. Uma<br />
carta avisava que se continuasse a “<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> ladrão asasino” (sic), a equipe do CDHSB estava<br />
colocando suas vidas em risco. 171 Algumas cartas tinham como alvo funcionários específicos e<br />
suas famílias. Em abril daquele ano, a procuradora Valéria Teressoli Bertholdi Estrela e a<br />
juíza Sonja Faria Borges <strong>de</strong> Sá, que estavam na época trabalhando com o CDHSB em um<br />
caso envolvendo crimes cometidos pela Polícia Civil, receberam ameaças <strong>de</strong> morte e<br />
solicitaram proteção às suas vidas. Em 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, após vários meses <strong>de</strong> ameaças, o<br />
CDHSB enviou uma extensa queixa ao procurador-geral <strong>de</strong> justiça do Mato Grosso, Antônio<br />
Hans, assim como para outras autorida<strong>de</strong>s estaduais e fe<strong>de</strong>rais, com relação a natureza<br />
incendiária do programa <strong>de</strong> televisão e das cartas hostis. 172 No mesmo dia, o <strong>de</strong>putado Pedro<br />
Wilson Guimarães, que havia estado em Rondonópolis investigando o caso em nome da<br />
Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, escreveu ao procurador-geral<br />
solicitando que autorida<strong>de</strong>s estaduais fornecessem apoio e recursos a<strong>de</strong>quados para o<br />
Ministério Público <strong>de</strong> Rondonópolis, para que o mesmo fosse capaz <strong>de</strong> levar em frente as<br />
investigações e seus funcionários não estivessem sujeitos a intimidações. 173<br />
Em 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997, o procurador-geral informou à Comissão que tomaria medidas para<br />
investigar as ameaças sofridas pelo CDHSB e protegeria as vítimas <strong>de</strong>ssas ameaças. 174<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 058/02 para o<br />
procurador-geral <strong>de</strong> justiça, solicitando maiores informações sobre os recentes progressos<br />
<strong>de</strong>ste caso.<br />
Em resposta, em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, Guiomar Teodoro Borges, procurador-geral <strong>de</strong><br />
Justiça <strong>de</strong> Mato Grosso, informou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que, em resposta a uma<br />
169 Ibid.<br />
170 Ofício n o 912/96 do <strong>de</strong>putado Hélio Bicudo, membro da Comissão, para Américo Antunes, presi<strong>de</strong>nte da FENAJ, 13 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1996; Ofício n o 913/96 do <strong>de</strong>putado Bicudo para Irene Maria dos Santos, secretária executiva do Movimento<br />
<strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos (MNDH), 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996; Ofício n o 914/96 do <strong>de</strong>putado Bicudo para o CDHSB,<br />
13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996.<br />
171 Carta anônima para o CDHSB, 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1997.<br />
172 Ofício n o 022/97 <strong>de</strong> Isaac, op. cit.; carta <strong>de</strong> Leila Fagun<strong>de</strong>s Borges Teruel, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
da OAB, para o <strong>de</strong>putado Pedro Wilson Guimarães, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara <strong>de</strong><br />
Deputados, 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997.<br />
173 Ofício n o 349/97P do <strong>de</strong>putado Wilson Guimarães para o Dr. Antônio Hans, procurador-geral do estado <strong>de</strong> Mato Grosso,<br />
28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997.<br />
174 Ofício n o 428/97-GAB do Gabinete do procurador-geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Mato Grosso, para a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara <strong>de</strong> Deputados, 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997.<br />
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requisição do Ministério Público, o juiz que cuidava do caso <strong>de</strong>clarou por sentença a extinção<br />
da punibilida<strong>de</strong> dos agentes, que nunca foram i<strong>de</strong>ntificados. 175<br />
Assassinato <strong>de</strong> Carlos Magno <strong>Na</strong>zareth Cerqueira, Ex-Chefe daPolícia Militar, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro<br />
O Coronel Carlos Magno <strong>Na</strong>zareth Cerqueira serviu como chefe da Polícia Militar no estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro durante as administrações do governador Leonel Brizola <strong>de</strong> 1983 a 1986 e<br />
<strong>de</strong> 1991 a 1994. Como chefe da polícia, o Cel. Cerqueira buscou limitar os abusos cometidos<br />
por seus subordinados através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> medidas, inclusive restringindo as operações<br />
policiais nas favelas. Antes <strong>de</strong> se aposentar da Polícia Militar em 1994, o Cel. Cerqueira<br />
<strong>de</strong>senvolveu uma reputação <strong>de</strong> ser a favor dos direitos humanos e punir os policiais<br />
envolvidos em violações dos direitos dos cidadãos. Depois <strong>de</strong> sua aposentadoria, o Cel.<br />
Cerqueira <strong>de</strong>dicou seu tempo ao estudo da violência urbana como vice-presi<strong>de</strong>nte do Instituto<br />
Carioca <strong>de</strong> Criminologia.<br />
Em 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999, o Cel. Cerqueira, 62 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, foi atingido por tiros e<br />
assassinado enquanto esperava o elevador no prédio em que trabalhava, perto do centro do<br />
Rio. 176 Espantosamente, duas horas <strong>de</strong>pois autorida<strong>de</strong>s estaduais da polícia <strong>de</strong>clararam o<br />
crime solucionado. O secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Josias<br />
Quintal, contou à mídia brasileira que o sargento da Polícia Militar Sidney Rodrigues, 45,<br />
havia dado o tiro que matou Cel. Cerqueira e então, logo <strong>de</strong>pois, matou-se com um tiro na<br />
cabeça. 177 Autorida<strong>de</strong>s do rio <strong>de</strong> Janeiro também afirmaram que o Sgt. Rodrigues tinha um<br />
histórico <strong>de</strong> problemas psicológicos. O comandante do batalhão em que Sgt. Rodrigues<br />
trabalhava e a esposa <strong>de</strong> Sgt. Rodrigues negaram ter conhecimento <strong>de</strong> seus supostos<br />
problemas psicológicos. 178<br />
Segundo os <strong>de</strong>poimentos iniciais das testemunhas publicados na mídia brasileira, Rodrigues<br />
atirou várias vezes; tiros adicionais po<strong>de</strong>m ter sido disparados pelos guardas <strong>de</strong> segurança em<br />
serviço no prédio. 179 A arma usada por Rodrigues pertencia a outro policial que havia sido<br />
assassinado em agosto <strong>de</strong> 1998. Des<strong>de</strong> a morte <strong>de</strong>ste policial, a arma estava <strong>de</strong>saparecida.<br />
<strong>Na</strong> opinião do ex-governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro Leonel Brizola e do governador Anthony<br />
Garotinho, o assassinato po<strong>de</strong> ter sido uma represália contra o Cel. Cerqueira por seus<br />
esforços em reestruturar as forças policiais do Rio <strong>de</strong> Janeiro. “Foi um crime encomendado”,<br />
<strong>de</strong>clarou Garotinho. 180<br />
175 Ofício n o 0187/2002-GAB <strong>de</strong> Guiomar Teodoro Borges, procurador-geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Mato Grosso, para o Centro <strong>de</strong><br />
Justiça Global, 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
176 “Ex-chefe da PM do Rio é assassinado”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999.<br />
177 Ibid., e “Versão oficial causa surpresa”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999.<br />
178 “’Psicopata’ matou coronel, diz secretário”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 16 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999.<br />
179 “Versão oficial”, op. cit.<br />
180 “Foi um crime encomendado, diz Garotinho”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999.<br />
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Após a morte do Sgt. Rodrigues em 27 <strong>de</strong> setembro, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ferimentos causados<br />
por arma <strong>de</strong> fogo, a polícia <strong>de</strong>scartou a hipótese <strong>de</strong> suicídio. 181 Relatórios da autópsia<br />
mostraram que a bala que atingiu Rodrigues foi disparada <strong>de</strong> uma certa distância e <strong>de</strong> outro<br />
revólver que o <strong>de</strong>le. Esta revelação invalidou a explicação do assassinato <strong>de</strong> Cel. Cerqueira<br />
inicialmente apresentada pelas autorida<strong>de</strong>s, isto é, homicídio seguido <strong>de</strong> suicídio. As<br />
verda<strong>de</strong>iras circunstâncias da morte <strong>de</strong> Cel. Cerqueira permanecem <strong>de</strong>sconhecidas, assim<br />
como os motivos das autorida<strong>de</strong>s para apresentar o caso como solucionado apesar da falta <strong>de</strong><br />
evidências convincentes que garantissem tal conclusão.<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 073/02 para o<br />
secretário Josias Quintal requisitando maiores informações sobre os recentes progressos <strong>de</strong>ste<br />
caso.<br />
Em resposta, em 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002 o chefe <strong>de</strong> Gabinete da Polícia Civil, Danton<br />
Moreira <strong>de</strong> Souza, informou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que em 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000 o<br />
inquérito policial havia sido reativado, mas que não havia mais informações disponíveis sobre<br />
o assassinato <strong>de</strong> Cel. Cerqueira. 182<br />
Ameaças contra Luis Eduardo Soares, Ex-Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> Segurança Pública, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Capital<br />
Em 1998, Anthony Garotinho foi eleito governador do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Um dos<br />
principais pontos <strong>de</strong> sua campanha era a reforma da polícia. Após sua eleição, Garotinho<br />
nomeou Luis Eduardo Soares, respeitado professor universitário e especialista em segurança<br />
pública, para o cargo <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania da<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado.<br />
Em linhas gerais, o projeto <strong>de</strong> segurança proposto por Luis Eduardo Soares promovia o<br />
policiamento comunitário e o controle externo dos abusos policiais. Logo após tomar posse, o<br />
governo do Estado criou a Ouvidoria <strong>de</strong> Polícia e nomeou Julita Lerngruber, reconhecida<br />
especialista em assuntos penais, para sua diretoria. <strong>Na</strong> mesma época, Luis Eduardo Soares<br />
buscou a exoneração <strong>de</strong> policiais, conhecidos por seus métodos abusivos, dos postos <strong>de</strong><br />
comando das forças policiais. Esses esforços provocaram resistência significativa <strong>de</strong> vários<br />
setores tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar do estado. Durante seu mandato na<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado, Luis Eduardo Soares precisou <strong>de</strong> um minucioso<br />
esquema <strong>de</strong> segurança pessoal.<br />
No final <strong>de</strong> 2000, Luis Eduardo Soares se opôs a nomeação <strong>de</strong> Rafik Lousada para a direção<br />
da Polícia Civil. Sua posição — baseada em preocupações sobre o envolvimento <strong>de</strong> Rafik<br />
Lousada em corrupção — acionou uma crise <strong>de</strong>ntro da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública. Em<br />
princípios <strong>de</strong> março, após receber uma queixa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>legado sobre a participação <strong>de</strong><br />
policiais que teriam facilitado a fuga <strong>de</strong> um suspeito traficante, Luis Eduardo Soares<br />
encaminhou a informação diretamente ao Ministério Público e não à Corregedoria da Polícia.<br />
181 “Polícia do rio <strong>de</strong>scarta suicídio <strong>de</strong> sargento”, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1999.<br />
182 Ofício n o 0049/1201-2002 do chefe <strong>de</strong> Gabinete da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Danton Moreira <strong>de</strong> Souza, para o<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
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Imediatamente após esse inci<strong>de</strong>nte, o Governador Garotinho exonerou Luis Eduardo<br />
Soares. 183 Após seu afastamento, Luis Eduardo Soares, sofreu ataques do Governador que<br />
através da imprensa contestou sua ética e acusou-o <strong>de</strong> indiretamente apoiar o tráfico <strong>de</strong><br />
drogas. Em <strong>de</strong>corrência da intensificação das tensões que seguiram as acusações, o Secretário<br />
<strong>de</strong> Segurança Pública <strong>de</strong>signou trinta policiais militares para garantir a segurança pessoal <strong>de</strong><br />
Luis Eduardo Soares. Apesar <strong>de</strong>ssa medida <strong>de</strong> precaução, Luis Eduardo Soares temia que os<br />
ataques verbais se tornassem físicos e no dia 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>ixou o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
em direção aos Estados Unidos. Sua família, mais tar<strong>de</strong>, também se transferiu para Nova<br />
Iorque, também temendo por sua segurança. 184<br />
Alguns dias após a partida <strong>de</strong> Luis Eduardo Soares, a esposa <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus colegas foi<br />
abordada por policiais da Delegacia <strong>de</strong> Repressão <strong>de</strong> Entorpecentes, DRE, divisão da Polícia<br />
Civil. Depois do inci<strong>de</strong>nte a mulher contatou seu marido que solicitou a ajuda da força da<br />
Polícia Militar <strong>de</strong>signada para a proteção <strong>de</strong> Luis Eduardo Soares. Policiais Militares<br />
escoltaram o casal até sua casa em um veículo utilizado pelo <strong>de</strong>stacamento <strong>de</strong> segurança do<br />
Luis Eduardo Soares, e em seu trajeto, foram interceptados em uma emboscada da Polícia<br />
Civil. Seguiu-se uma disputa entre representantes das Polícias Civil e Militar que quase<br />
resultou em um confronto armado. 185<br />
Nos Estados Unidos, Luis Eduardo Soares trabalhou na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Columbia, on<strong>de</strong><br />
escreveu um livro, Meu Casaco <strong>de</strong> General, 186 relatando suas experiências na Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Em 2001, Luis Eduardo Soares retornou ao Brasil e<br />
assumiu a responsabilida<strong>de</strong> pelos assuntos <strong>de</strong> segurança do governo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto<br />
Alegre, capital do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
No dia 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 074/02<br />
para o Cel. Josias Quintal, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
solicitando maiores informações sobre os <strong>de</strong>senvolvimentos recentes referentes a esse caso.<br />
Em resposta, no dia 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Chefe <strong>de</strong> Gabinete da Polícia Civil, Danton<br />
Moreira <strong>de</strong> Souza informou que não havia nenhuma outra informação sobre o caso disponível.<br />
187<br />
Ameaças <strong>de</strong> Morte contra Antônio Carlos Ferreira Gabriel (“Rumba”), Lí<strong>de</strong>r<br />
Comunitário, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Capital.<br />
Antônio Carlos Ferreira Gabriel, conhecido como “Rumba”, 47 anos, é um lí<strong>de</strong>r comunitário,<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência afro-brasileira, na favela do Jacarezinho, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Nos anos 80,<br />
cocaína e armas <strong>de</strong> fogo começaram a circular no Jacarezinho e em outras comunida<strong>de</strong>s,<br />
183 Gov. Garotinho disse à imprensa, improvavelmente, que o afastamento <strong>de</strong> Luis Eduardo Soares era resultado <strong>de</strong> uma<br />
disputa sobre outro inci<strong>de</strong>nte.<br />
184 Luis Eduardo Soares, Meu Casaco <strong>de</strong> General (São Paulo: Companhia das Letras), 2000, p. 470.<br />
185 Ibid, p. 473.<br />
186 Ibid.<br />
187 Ofício No. 0049/1201-2002 do Chefe <strong>de</strong> Gabinete da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro Danton Moreira <strong>de</strong> Souza para o<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 28 <strong>de</strong> fevereiro, 2002.<br />
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criando uma atmosfera <strong>de</strong> tensão entre os moradores e traficantes. Segundo Rumba, a polícia<br />
tem <strong>de</strong>sempenhado um papel chave na manutenção <strong>de</strong>ssas tensões através <strong>de</strong> invasões<br />
regulares nas comunida<strong>de</strong>s, abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e uso indiscriminado da violência durante<br />
perseguições <strong>de</strong> traficantes. 188<br />
Rumba trabalha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972 em projetos sociais <strong>de</strong>ntro do Jacarezinho. Em 1994, criou o<br />
Centro Cultural do Jacarezinho e em 1995 tornou-se membro da Associação <strong>de</strong> Moradores do<br />
Jacarezinho. Des<strong>de</strong> 1999, Rumba é o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa Associação, tendo criado a Liga das<br />
Associações do Complexo do Jacarezinho que oferece um fórum para <strong>de</strong>bates sobre os<br />
assuntos da comunida<strong>de</strong>.<br />
Em 1994, Rumba começou a <strong>de</strong>nunciar casos <strong>de</strong> violência policial na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, especialmente casos <strong>de</strong> violações dos direitos humanos cometidos contra os<br />
moradores do Jacarezinho. Essas violações incluíam invasões e operações <strong>de</strong> busca nas casas<br />
sem a <strong>de</strong>vida autorização, prisão arbitrária dos resi<strong>de</strong>ntes e execuções sumárias.<br />
Em 1995, o então Governador do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Marcelo Alencar, com o apoio do<br />
então Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública, Gen. Nilton Cerqueira, implementou uma nova<br />
política <strong>de</strong> prevenção ao crime através da premiação e promoção <strong>de</strong> policiais envolvidos em<br />
atos <strong>de</strong> “bravura”. <strong>Na</strong> prática, no entanto, esses atos <strong>de</strong> bravura invariavelmente resultavam<br />
em inci<strong>de</strong>ntes on<strong>de</strong> civis eram mortos por policiais. 189<br />
Logo após, Cel. Marcos Paes, Comandante do Terceiro Batalhão <strong>de</strong> Polícia responsável pela<br />
jurisdição do Jacarezinho, <strong>de</strong>clarou à imprensa do Rio <strong>de</strong> Janeiro que os moradores <strong>de</strong>ssa<br />
comunida<strong>de</strong> não teriam permissão para <strong>de</strong>ixar suas casas após as 10:00 da noite, e que aqueles<br />
que chegassem as suas casas após esse horário seriam consi<strong>de</strong>rados “marginais”. Em doze<br />
dias sob a supervisão do Cel. Paes, doze moradores foram mortos no Jacarezinho. Rumba<br />
acredita que, o aparato <strong>de</strong> segurança, montado pelo Gen. Cerqueira e o Cel. Paes permitiu e<br />
encorajou policiais à violarem os direitos humanos mais básicos dos moradores do<br />
Jacarezinho. 190<br />
Ainda segundo Rumba, por vários meses, pelo menos uma pessoa era morta por semana no<br />
Jacarezinho. 191 Rumba <strong>de</strong>nunciou esses e outros abusos cometidos pela polícia à Ouvidoria <strong>de</strong><br />
Polícia do Rio <strong>de</strong> Janeiro. 192<br />
Em 1999, para chamar atenção sobre a crise no Jacarezinho e o trabalho da Associação dos<br />
Moradores, Rumba convidou organizações <strong>de</strong> direitos humanos, a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e da Câmara dos<br />
188 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Antônio Carlos Ferreira Gabriel (Rumba), Rio <strong>de</strong> Janeiro, 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro,<br />
2001.<br />
189 Essas políticas aberrantes são analisadas no relatório da Human Rights Watch, Brutalida<strong>de</strong> Policial Urbana no Brasil<br />
(Nova Iorque: Human Rights Watch), 1997 e Ignacio Cano, Letalida<strong>de</strong> da Ação Policial no Rio <strong>de</strong> Janeiro (Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: ISER), 1998.<br />
190 Ibid.<br />
191 Ibid.<br />
192 Queixa No.129/99 para a Ouvidora da Polícia do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 23 <strong>de</strong> março, 1999.<br />
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Vereadores para visitarem a comunida<strong>de</strong>. Além disso, a Associação, li<strong>de</strong>rada por Rumba,<br />
convocou a imprensa e distribuiu panfletos para atrair publicida<strong>de</strong>.<br />
Após esse apelo público, Rumba começou a receber as primeiras ameaças, inicialmente feitas<br />
através <strong>de</strong> ligações telefônicas para sua residência on<strong>de</strong> uma voz masculina anônima dizia:<br />
“Rumba, eu vou te meter bala” e também “Rumba, você não passa <strong>de</strong>ssa semana”. Algumas<br />
das ameaças foram feitas diretamente a sua esposa; outras foram <strong>de</strong>ixadas em sua secretária<br />
eletrônica. Durante esse período, apreensivo com sua segurança, Rumba refugiou-se no<br />
Espírito Santo com sua esposa.<br />
Ao retornar do Espírito Santo, Rumba continuou seu trabalho como lí<strong>de</strong>r comunitário do<br />
Jacarezinho. Após testemunhar na 23a. Delegacia <strong>de</strong> Polícia no caso <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> quatro<br />
jovens que haviam sido mortos no Jacarezinho, Rumba <strong>de</strong>scobriu que alguém havia<br />
arrombado e atirado contra a pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua casa. Rumba aflito com a falta <strong>de</strong> segurança no<br />
Jacarezinho retornou ao Espírito Santo on<strong>de</strong> ficou durante um mês.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2000, Rumba retornou ao Jacarezinho e em entrevista ao site “No.Com” sugeriu<br />
que as comunida<strong>de</strong>s pobres po<strong>de</strong>riam se aliar a elementos criminosos para prevenir o abuso<br />
policial. Em pleno <strong>de</strong>sacordo com as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Rumba, o Secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Cel. Josias Quintal <strong>de</strong>clarou à imprensa que abriria uma<br />
investigação policial sobre Rumba assim como <strong>de</strong> todos os outros lí<strong>de</strong>res que a<strong>de</strong>rissem a sua<br />
causa. 193<br />
As ameaças foram intensificadas <strong>de</strong>pois do ano 2000. Em um inci<strong>de</strong>nte, no dia 17 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 2001, o policial militar Sgt. Castro, disse: “Tua batata está assando”, uma expressão<br />
indicando que os dias <strong>de</strong> Rumba estariam contados. 194<br />
No mês <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, Rumba <strong>de</strong>nunciou a extorsão, corrupção e seqüestros cometidos por<br />
policiais contra os moradores do Jacarezinho. Eram <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes nos quais a<br />
polícia seqüestrava membros da família <strong>de</strong> conhecidos traficantes, <strong>de</strong>mandando resgates da<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> R$ 30.000. Muitas das vítimas apelavam a Rumba por ajuda, mas se recusavam a<br />
reportar os inci<strong>de</strong>ntes oficialmente com medo <strong>de</strong> serem assassinados. Em resposta, Rumba<br />
convidou a Ouvidoria <strong>de</strong> Polícia para trabalhar com a Associação dos Moradores numa<br />
campanha para encorajar os cidadãos a usar as linhas diretas da Ouvidoria.<br />
Logo em seguida, vários policiais começaram a seguir e atormentar Rumba. Em uma ocasião,<br />
policiais entraram em sua casa com os revólveres apontados, encontrando apenas sua esposa<br />
em trajes <strong>de</strong> dormir (para entrar em sua casa os policiais tiveram que passar por três portas,<br />
que precisariam uma chave mestra capaz <strong>de</strong> abrir qualquer fechadura). Sua esposa ligou para<br />
ele pedindo ajuda. Quando ele chegou encontrou um grupo <strong>de</strong> policiais em sua porta e<br />
fotografou-os. Embora Rumba tivesse conseguido amenizar a situação, um policial forçou-o a<br />
entregar o filme com suas imagens.<br />
A esposa <strong>de</strong> Rumba registrou queixa na 25a Delegacia <strong>de</strong> Polícia. Logo <strong>de</strong>pois, Rumba e sua<br />
família começaram a receber novas ameaças que levaram sua esposa a retirar as queixas.<br />
193 Ibid.<br />
194 Relato <strong>de</strong> Rumba para a Ouvidoria da Polícia do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 17 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2001; também referido no<br />
<strong>de</strong>poimento oficial <strong>de</strong> Rumba a 1a Delegacia da Polícia Judiciária Militar em 2 <strong>de</strong> agosto, 2001.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Essas ameaças eram feitas por telefone e mensagens <strong>de</strong>ixadas por policiais. Policiais<br />
vigiavam sua casa o dia inteiro e a noite pessoas encapuzadas caminhavam próximo à casa.<br />
Rumba e sua família se mudaram três vezes em menos <strong>de</strong> três meses.<br />
Durante o período <strong>de</strong> Janeiro a agosto <strong>de</strong> 2001, o Secretário Cel. Josias Quintal (que<br />
anteriormente ameaçara Rumba com um inquérito policial) convidou-o para fazer parte do<br />
Centro <strong>de</strong> Referência para as Comunida<strong>de</strong>s Especiais. Rumba aceitou o convite como forma<br />
<strong>de</strong> se proteger das ameaças <strong>de</strong> morte. Nesse espaço oficial, Rumba, juntamente com vários<br />
outros lí<strong>de</strong>res, expôs alegações <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> conduta <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> policiais graves o suficiente<br />
para garantir suas exonerações.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2001, Rumba recebeu um convite para participar por vários meses em um<br />
projeto chamado CAPA (Coalizão Contra o Abuso Policial) na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Texas, em<br />
Austin, Estados Unidos. Ao retornar ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, no final <strong>de</strong> 2001, Rumba recebeu a<br />
informação <strong>de</strong> que a policia estava ciente <strong>de</strong> seu retorno.<br />
Em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, um grupo da Polícia Militar invadiu o Centro Cultural do<br />
Jacarezinho, dirigido por Rumba. O único funcionário presente no momento da invasão<br />
correu para informar Rumba da ação policial. 195 Quando Rumba chegou ao local e solicitou<br />
uma explicação não recebeu qualquer resposta. Nesse momento, Rumba <strong>de</strong>ixou o edifício e<br />
contatou o advogado do Centro Cultural e o Centro <strong>de</strong> Justiça Global.<br />
No dia 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global encaminhou informações sobre as<br />
ameaças <strong>de</strong> morte sofridas por Rumba para a Representante Especial sobre os Defensores <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos das <strong>Na</strong>ções Unidas, Hina Jilani.<br />
No dia 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ No. 065/02<br />
para o Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública, Cel. Josias Quintal solicitando maiores informações<br />
sobre os acontecimentos mais recentes <strong>de</strong>sse caso.<br />
Até a finalização <strong>de</strong>ste relatório o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido uma resposta.<br />
Ameaças ao Grupo Tortura Nunca Mais e a sua ex-Presi<strong>de</strong>nte, Cecília Coimbra, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Capital<br />
O Grupo Tortura Nunca Mais, GTNM/RJ, tem sido extremamente ativo na <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> casos<br />
<strong>de</strong> tortura e abusos policiais e militares cometidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a transição para a <strong>de</strong>mocracia em<br />
1985. Tanto o GTNM/RJ e, em particular, Cecília Coimbra, que atualmente é vice -<br />
presi<strong>de</strong>nte da organização no Rio <strong>de</strong> Janeiro, tem recebido várias ameaças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986.<br />
Em 1986, quando o GTNM/RJ inaugurou várias ruas com nomes <strong>de</strong> militantes mortos ou<br />
<strong>de</strong>saparecidos durante a ditadura militar no Brasil, recebeu uma ligação que perguntava se os<br />
membros do GTNM/RJ haviam preparados seus caixões. 196 Logo <strong>de</strong>pois, o Grupo recebeu<br />
uma carta que alertava para que seus membros tomassem cuidado porque estavam prestando<br />
195 Investigação in loco do Centro <strong>de</strong> Justiça Global, Jacarezinho, Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>zembro 2001.<br />
196 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Cecília Coimbra, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, 2001.<br />
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homenagens a terroristas e criminosos. O GTNM/RJ <strong>de</strong>nunciou o fato na imprensa nacional e<br />
as ameaças diminuíram. Em 1991, após uma campanha organizada pelo GTNM/RJ que visava<br />
revogar as licenças médicas <strong>de</strong> médicos que falsificaram autópsias para encobrir assassinatos<br />
cometidos pelas forças policiais e <strong>de</strong> segurança durante a ditadura, o GTNM/RJ recebeu<br />
novas ameaças e cartas intimidatórias. Em 1994, exatamente trinta anos após o golpe <strong>de</strong><br />
Estado que instalou a ditadura militar no Brasil, o GTNM/RJ recebeu várias ameaças<br />
anônimas em resposta a sua campanha contra a tortura “64 nunca mais”. 197<br />
No início <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, o GTNM/RJ recebeu várias cartas e telegramas (alguns<br />
anônimos, outros assinados por oficiais militares) expressando <strong>de</strong>sprezo pela organização e<br />
seu trabalho. Depois <strong>de</strong> um mês, o GTNM/RJ ganhou as manchetes nacionais ao <strong>de</strong>nunciar a<br />
promoção <strong>de</strong> generais das forças armadas com evidências, apuradas pelo Grupo, <strong>de</strong><br />
participação em atos repressivos durante a ditadura. Segundo a tradição militar, os oficiais<br />
receberiam a promoção em ato público no dia 31 <strong>de</strong> março, dia do aniversário do golpe<br />
militar <strong>de</strong> 1964. Os protestos do GTNM/RJ contra a escolha <strong>de</strong>ssa data em particular para<br />
comemorar o evento e a promoção <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses indivíduos provocou um <strong>de</strong>bate na<br />
imprensa sobre a utilização <strong>de</strong>sta data para a promoção <strong>de</strong>sses oficiais que uma vez estiveram<br />
envolvidos em ativida<strong>de</strong>s repressivas no dia do aniversário do golpe. 198<br />
Além da publicida<strong>de</strong> gerada pela crítica à promoção dos oficiais, o GTNM/RJ acirrou ainda<br />
mais a hostilida<strong>de</strong> por parte dos simpatizantes militares ao coor<strong>de</strong>nar uma campanha <strong>de</strong><br />
sucesso que culminou na renúncia forçada do Gel. Ricardo Agnese Fayad, que havia sido<br />
nomeado como Diretor Assistente <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> das Forças Armadas. Segundo documentos do<br />
GTNM/RJ, Ricardo Fayad participou diretamente na tortura <strong>de</strong> presos políticos nos anos 60 e<br />
70.<br />
No dia 1° <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, um grupo chamado <strong>de</strong> “Tradição Família e Proprieda<strong>de</strong>” (TFP)<br />
distribuiu panfletos acusando o GTNM/RJ <strong>de</strong> “comunizarem” o país. Por volta da mesma<br />
hora, Cecília Coimbra, então presi<strong>de</strong>nte do Grupo, notou que estava sendo seguida quando se<br />
dirigia ao evento do GTNM/RJ.<br />
No dia 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, o GTNM recebeu um panfleto anônimo atacando seus membros<br />
pela conduta contra a nomeação do Gen. Fayad. No mesmo dia, Cecília Coimbra recebeu uma<br />
mensagem gravada com ameaças. A mensagem dizia: “Filha da p., terrorista, você vai ver o<br />
que você merece.” 199<br />
No dia 8 <strong>de</strong> abril, outra mensagem gravada na secretária eletrônica do escritório do GTNM/RJ<br />
dizia: “Alô, veja bem, aqui é um amigo da causa <strong>de</strong> vocês. Avisa a Cecília que estão<br />
planejando coisa feia pra ela. Cuidado, tomem muito cuidado porque não vai ser coisa<br />
pequena não. Vai ser coisa séria. E tem mais, cuidado com a floricultura. Eu não me i<strong>de</strong>ntifico<br />
por segurança. Cuidado! Estão armando pra valer.” 200 O escritório do GTNM no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro está localizado no segundo andar <strong>de</strong> um prédio on<strong>de</strong> no primeiro andar funciona uma<br />
197 Ibid.<br />
198 Ibid.<br />
199 Ibid.<br />
200 Ibid.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
floricultura. Cecília Coimbra relatou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que “o objetivo principal<br />
(das ameaças) era intimidar nosso trabalho.” 201<br />
No dia 8 <strong>de</strong> abril, Cecília Coimbra enviou cartas e efetuou ligações para a Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do Rio <strong>de</strong> Janeiro, para o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da<br />
Câmara dos Deputados e para o Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso solicitando proteção<br />
para os membros do GTNM/RJ.<br />
No dia 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, as ameaça tornaram-se públicas mas as autorida<strong>de</strong>s estaduais e<br />
fe<strong>de</strong>rais não tomaram as medidas a<strong>de</strong>quadas para garantir a segurança dos membros do<br />
GTNM/RJ. As autorida<strong>de</strong>s do Rio <strong>de</strong> Janeiro ofereceram o serviço <strong>de</strong> segurança prestado por<br />
policiais em uma viatura que vigiava, uma vez por semana, durante um mês, as reuniões na<br />
se<strong>de</strong> do GTNM no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Embora, nenhum membro do GTNM/RJ tenha sofrido danos físicos em 1998, Cecília<br />
Coimbra continua apreensiva pela segurança <strong>de</strong> seus companheiros. O GTNM/RJ continua<br />
recebendo cartas com conteúdo intimidatório. Dessas cartas, algumas são escritas a mão,<br />
outros impressos em computador e outros são panfletos. O conteúdo varia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ataques<br />
vulgares dirigidos à Cecília e sua família a artigos escritos em <strong>de</strong>fesa das ações <strong>de</strong> grupos<br />
militares durante a ditadura no Brasil, criticando <strong>de</strong> forma contun<strong>de</strong>nte as posições e o<br />
trabalho do GTNM/RJ. Segundo Cecília Coimbra, o grupo tem recebido esse tipo <strong>de</strong><br />
comunicação intimidatória todos os meses durante os últimos quatro anos. 202<br />
No dia 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 072/02<br />
para o Cel. Josias Quintal, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Rio <strong>de</strong> Janeiro, solicitando<br />
maiores informações sobre os acontecimentos atuais do caso.<br />
Em resposta, no dia 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Chefe <strong>de</strong> Gabinete da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Danton Moreira <strong>de</strong> Souza, informou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que não foi possível<br />
localizar o arquivo referente ao caso. 203<br />
Ameaça <strong>de</strong> Morte Contra Cristina Guimarães, Jornalista, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Capital<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2001, Cristina Guimarães, jornalista, trabalhou na reportagem “Feira das<br />
Drogas”, noticiado pela Re<strong>de</strong> Globo. A matéria abordava o tráfico <strong>de</strong> drogas em favelas do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e continha cenas <strong>de</strong> traficantes ven<strong>de</strong>ndo drogas abertamente em plena luz do<br />
dia. 204<br />
Para fazer a matéria, Cristina entrou nas comunida<strong>de</strong>s da Rocinha e Mangueira com uma mini<br />
câmera escondida em sua bolsa, filmando por cerca <strong>de</strong> seis horas. A matéria foi uma das<br />
vencedoras do Prêmio Esso <strong>de</strong> Jornalismo em 2001. As imagens filmadas por Cristina<br />
201 Caso No. 0712/98, Relatório <strong>de</strong> Denúncia, Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Brasília.<br />
202 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Cecília Coimbra, op. cit.<br />
203 Ofício No. 0049/1201-2002 do Gabinete do Chefe da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro Danton Moreira <strong>de</strong> Souza para o<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 22 <strong>de</strong> fevereiro, 2002.<br />
204 “Repórter da Globo diz que traficantes querem matá-la,” Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 13 <strong>de</strong> janeiro, 2002.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
permitiram à polícia i<strong>de</strong>ntificar vários suspeitos traficantes e levou à prisão <strong>de</strong> um suspeito<br />
logo após a exibição da reportagem.<br />
Em setembro <strong>de</strong> 2001, ao retornar <strong>de</strong> suas férias, Cristina Guimarães soube através <strong>de</strong> um<br />
companheiro <strong>de</strong> trabalho que morava na Rocinha, que os traficantes haviam oferecido uma<br />
recompensa <strong>de</strong> R$ 20.000 por sua cabeça. Cristina também recebeu várias ligações <strong>de</strong> um<br />
telefone localizado na Rocinha. Quando ela atendia ao telefone, a pessoa perguntava se ela era<br />
“a dona ferrada”. 205<br />
Cristina Guimarães também foi ameaçada enquanto dirigia. Em duas ou três ocasiões, um<br />
motociclista equipado com capacete bateu em seu pára-brisa e perguntou se ela era “Cristina”.<br />
206<br />
Cristina alega que quando informou seu chefe na TV Globo das ameaças que estava sofrendo,<br />
e não recebeu a <strong>de</strong>vida atenção. Cristina começou a adoecer, necessitando <strong>de</strong> tranqüilizantes<br />
para dormir, <strong>de</strong>mitiu-se da Re<strong>de</strong> Globo e se mudou do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ela reportou seu caso<br />
para Anistia Internacional. Até 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, Cristina estava vivendo clan<strong>de</strong>stina, sob<br />
proteção <strong>de</strong> seguranças particulares.<br />
Ameaça <strong>de</strong> Morte contra Roberto Monte, Ativista dos Direitos Humanos e Plácido<br />
Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza, Delegado <strong>de</strong> Polícia, <strong>Na</strong>tal, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
Francisco Gilson Nogueira <strong>de</strong> Carvalho, advogado do Centro <strong>de</strong> Direitos Humanos e<br />
Memória Popular, CDHMP, organização dirigida por Roberto Monte, investigava e reportava<br />
crimes cometidos por um esquadrão da morte conhecido como “Meninos <strong>de</strong> Ouro”. O grupo<br />
CDHMP se tornou-se conhecido <strong>de</strong>vido às investigações <strong>de</strong> uma Comissão Especial do<br />
Ministério Público <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal e da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.<br />
Segundo a Human Rights Watch, os Meninos <strong>de</strong> Ouro era um grupo formado por policiais<br />
civis e membros da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública responsáveis por uma dúzia <strong>de</strong><br />
assassinatos e vários outros crimes cometidos ao longo da última década. 207 A busca <strong>de</strong> Gilson<br />
Nogueira por justiça nesses crimes intensificou as tensões entre a polícia do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte e a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
Em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996, passageiros <strong>de</strong> um veículo em trânsito dispararam <strong>de</strong>zessete tiros<br />
contra Gilson Nogueira matando-o quando ele retornava <strong>de</strong> Macaíba, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. 208<br />
Até o presente, ninguém foi con<strong>de</strong>nado por esse crime embora um suspeito (Otávio Ernesto)<br />
aguar<strong>de</strong> julgamento, como <strong>de</strong>talhado abaixo.<br />
Ao longo <strong>de</strong> seis anos, Roberto Monte e seus companheiros do CDHMP continuaram a<br />
pressionar, com alguns êxitos, as autorida<strong>de</strong>s locais para que estas investigassem e julgassem<br />
os policiais e funcionários da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública envolvidos nos assassinatos<br />
atribuídos aos Meninos <strong>de</strong> Ouro. 209 Um avanço importante foi a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um dos<br />
membros dos Meninos <strong>de</strong> Ouro, o policial Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s, conhecido como “Jorge<br />
205 Ibid.<br />
206 Ibid.<br />
207 Human Rights Watch, Brutalida<strong>de</strong> Policial Urbana (Nova Iorque: Human Rights Watch), 1997, pp. 88-82.<br />
208 Ibid., pp. 92-94. Incluímos informações sobre o assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira para explicar o contexto das ameaças a<br />
Roberto e Plácido. O assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira não se enquadra no período analisado neste relatório, 1997-2001.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Abafador” por um homicídio duplo cometido em 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1995 no bairro <strong>de</strong> Mãe Luiza<br />
em <strong>Na</strong>tal.<br />
O policial civil Plácido Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza, atuou em uma investigação paralela sobre o<br />
assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira e <strong>de</strong>scobriu que Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s, em prisão preventiva à<br />
época do assassinato, era constantemente liberado pelas autorida<strong>de</strong>s para sair da <strong>de</strong>legacia. As<br />
saídas <strong>de</strong> Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s e seus retornos eram anotados em um livro <strong>de</strong> registro.<br />
Plácido <strong>de</strong>scobriu, ao revisar esse registro que Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixou a <strong>de</strong>legacia no dia<br />
19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996 e retornou em 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996, o que abria uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
seu envolvimento no assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira no dia 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1996. Logo após<br />
a investigação <strong>de</strong> Plácido, as evidência das saídas e retornos <strong>de</strong> Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s nessas<br />
datas <strong>de</strong>sapareceu do livro <strong>de</strong> registros da investigação policial sobre o caso que, por sua vez,<br />
foi encerrado sem implicar ninguém. Como <strong>de</strong>screvemos abaixo, uma investigação paralela<br />
efetuada pela Human Rights Watch e pelo fotógrafo-jornalista John Maier levantou novas<br />
evidências, o que levou a reabertura do caso e posteriormente o ex-policial Otávio Ernesto foi<br />
indiciado.<br />
Embora as autorida<strong>de</strong>s do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte tenham afastado Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
<strong>de</strong> seu posto <strong>de</strong> Secretário Adjunto <strong>de</strong> Segurança Pública durante a investigação sobre o<br />
assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira, seis meses <strong>de</strong>pois Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros foi <strong>de</strong>signado<br />
para a direção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>partamento especial da polícia do estado. No final <strong>de</strong> 2001, o<br />
Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Anísio Marinho Neto, nomeou<br />
Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros para o cargo <strong>de</strong> Sub-Cor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> Inteligência da Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança Pública. Com essa promoção, Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros ganhou responsabilida<strong>de</strong><br />
sobre as investigações e as informações sobre os suspeitos.<br />
Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s foi con<strong>de</strong>nado a quarenta e sete anos <strong>de</strong> prisão em regime fechado pelo<br />
duplo assassinato cometido em março <strong>de</strong> 1995. No entanto, segundo fontes do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte, Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s teria continuado a cumprir sua sentença na <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong><br />
Satélite, ao invés <strong>de</strong> cumprir sua sentença em um estabelecimento seguro exigido por lei.<br />
Além disso, Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s continua sendo funcionário público e recentemente recebeu<br />
uma promoção. O nível <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> vai além: o juiz criminal, Carlos Abel, garantiu a<br />
Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s permissão para <strong>de</strong>ixar a <strong>de</strong>legacia duas vezes por semana, uma or<strong>de</strong>m<br />
sem prece<strong>de</strong>ntes válidos no direito brasileiro.<br />
Roberto Monte tem sido o ativista local mais importante na <strong>de</strong>núncia do papel <strong>de</strong> Maurílio<br />
Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros, Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s e outros policiais violentos nesse e em outros vários<br />
assassinatos. Devido ao seu trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos, Roberto Monte vem<br />
sendo ameaçado <strong>de</strong> morte e objeto <strong>de</strong> processos in<strong>de</strong>vidos.<br />
209 Por vários anos, a Human Rights Watch e, especialmente, seu diretor no Brasil, James Cavallaro, apoiou os esforços do<br />
CDHMP no sentido <strong>de</strong> pressionar por investigação e processo dos abusos cometidos pelos Meninos <strong>de</strong> Ouro. Cavallaro e a<br />
Human Rights Watch observaram vários julgamentos e levantaram a questão da violência policial em <strong>Na</strong>tal através <strong>de</strong><br />
publicações e intervenções na mídia brasileira e internacional. Como explicamos a baixo, esse papel ativo da Human<br />
Rights Watch na luta para processar os assassinos levou a supostos membros dos Meninos <strong>de</strong> Ouro e elementos <strong>de</strong>ntro do<br />
Ministério Público a conduzir processos civil e criminal in<strong>de</strong>vidos contra Cavallaro alegando difamação. Esses casos<br />
serão resumidos a baixo.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
É nesse contexto que o mais recente plano para assassinar Roberto Monte e Plácido veio à<br />
tona. Um homem anônimo primeiro ligou para Plácido no dia 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001 e <strong>de</strong>pois<br />
novamente (esta vez, Plácido conseguiu gravar o telefonema) no dia seguinte, 23 <strong>de</strong> outubro,<br />
fornecendo informações sobre um recente plano do assassinato <strong>de</strong> Plácido e Roberto Monte.<br />
Além <strong>de</strong>ssas duas ligações telefônicas, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global obteve informações <strong>de</strong> uma<br />
pessoa em <strong>Na</strong>tal que pediu para não ser i<strong>de</strong>ntificada que também recebeu uma ligação<br />
anônima—a terceira <strong>de</strong>sta série—entre 8 e 9 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, informando que Jorge<br />
Luis Fernan<strong>de</strong>s planejava não apenas assassinar Plácido como também a Roberto Monte.<br />
O Centro <strong>de</strong> Justiça Global obteve a transcrição da ligação gravada feita para Plácido no dia<br />
23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001. O seguinte trecho confirma o grau <strong>de</strong> urgência <strong>de</strong>sse caso:<br />
Plácido: “… Esses caras que vão atacar, eles virão a minha casa ou vão para<br />
outro lugar? “<br />
Chamador anônimo: “Não, eu não sei. Não sei on<strong>de</strong>... você sabe, eu acho que<br />
po<strong>de</strong> ser a qualquer hora... A pessoa que falou disse que po<strong>de</strong> ser a qualquer<br />
momento... Hoje, quando você sair... qualquer hora... por isso esteja preparado<br />
para usar um colete [a prova <strong>de</strong> balas] , você sabe, esteja preparado, e com seu<br />
revolver pronto, quase na mão...”<br />
Plácido: “Mas esses caras só atiram na cabeça... esses caras só atiram na<br />
cabeça... eles sabem [como lidar com] coletes...”<br />
Chamador anônimo: “Não <strong>de</strong>ixe nenhuma motocicleta chegar muito perto...<br />
essas coisas... seria bom ter alguém ao seu lado, com um revólver na mão...”<br />
Com base nessa informação, no dia 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, Plácido preparou uma<br />
<strong>de</strong>claração a que foi enviada à Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos da OEA,<br />
resumindo o contexto das intimidações e suas advertências telefônicas <strong>de</strong> 22 e 23 <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 2001.<br />
Embora Plácido não tenha podido <strong>de</strong>terminar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das pessoas que efetuaram as<br />
ligações, o aparelho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> chamadas registrou o número: (84) 234-1337.<br />
Segundo Plácido, esse número é <strong>de</strong> um telefone público próximo à <strong>de</strong>legacia on<strong>de</strong> Jorge<br />
Fernan<strong>de</strong>s estava <strong>de</strong>tido. 210<br />
Ainda com base nessa informação, em 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, durante uma audiência<br />
perante a Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global<br />
apresentou evidências do risco <strong>de</strong> vida ao qual estavam submetidos Roberto Monte e Plácido.<br />
O Centro <strong>de</strong> Justiça Global também forneceu informações adicionais nas subcomissões<br />
subseqüentes da Comissão.<br />
<strong>Na</strong> Sexta-feira, 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, a Comissão autorizou o pedido <strong>de</strong> medidas cautelares<br />
do Centro <strong>de</strong> Justiça Global ao governo brasileiro para oferecer proteção a Roberto Monte e<br />
Plácido e tomar medidas urgentes para garantir que Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s seja transferido para<br />
um centro <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> segurança, sem o direito <strong>de</strong> saída do estabelecimento. 211<br />
210 A urgência da situação era salientada pela natureza da comunicação. As ligações não eram ameaças diretas as vitimas em<br />
potencial mas sim alerta <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro que conheciam o perigo iminente.<br />
211 Ofício, Comissão Inter-Americana para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, comunicando a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> adotar medidas cautelares<br />
para Roberto Monte e Plácido Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza, Washington D.C, 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 81
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
O Centro <strong>de</strong> Justiça Global recebeu a <strong>de</strong>cisão na segunda-feira, 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, e em<br />
seguida, enviou ofício No. JG-RJ 228/01 para a Representante Especial dos Defensores <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da ONU, Hina Jilani. O ofício informava a Representante Especial do risco<br />
<strong>de</strong> vida que correm Roberto Monte e Plácido.<br />
No dia 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, a Anistia Internacional circulou um comunicado urgente<br />
entre seus membros, solicitando que estes escrevessem as autorida<strong>de</strong>s brasileiras solicitando<br />
medidas <strong>de</strong> proteção para Roberto Monte e Plácido. Centenas <strong>de</strong> cartas foram enviadas. 212<br />
Em Janeiro <strong>de</strong> 2002, o Ministro da Justiça escreveu a Roberto Monte e Plácido oferecendo a<br />
assistência do Programa <strong>de</strong> Proteção a Testemunha PROVITA ou outros meios <strong>de</strong> proteção.<br />
Tanto Roberto Monte quanto Plácido respon<strong>de</strong>ram que aceitariam a proteção da Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral, mas não entrariam no programa PROVITA. 213 A organização do PROVITA enviou<br />
uma segunda correspondência, no dia 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, perguntando se os dois<br />
<strong>de</strong>sejavam entrar no programa. 214 Novamente, ambos recusaram o convite expressando<br />
interesse em receber proteção da Polícia Fe<strong>de</strong>ral. Segundo o CDHMP, Jorge Fernan<strong>de</strong>s ainda<br />
não teria sido transferido para um estabelecimento seguro mas suas saídas da <strong>de</strong>legacia<br />
estariam sendo controladas.<br />
Até a finalização <strong>de</strong>sse relatório, Roberto e Plácido não contavam com proteção da Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral.<br />
Processos In<strong>de</strong>vidos contra James Cavallaro, Diretor Executivo do Centro <strong>de</strong> Justiça<br />
Global, ex-Diretor da Human Rights Watch no Brasil, <strong>Na</strong>tal, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
Como relatado acima, uma série <strong>de</strong> crimes cometidos por um grupo <strong>de</strong> policiais criminosos<br />
em <strong>Na</strong>tal, supostamente coor<strong>de</strong>nado pelo Secretário Adjunto <strong>de</strong> Segurança Pública do Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Norte, Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros, e conhecido como os “Meninos <strong>de</strong> Ouro”,<br />
recebeu atenção nacional e internacional no início <strong>de</strong> 1995. Além do trabalho do CDHMP e<br />
da Comissão Especial do Ministério Público do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, grupos <strong>de</strong><br />
direitos humanos nacionais e internacionais apoiaram o esforço para trazer à justiça os<br />
policiais criminosos <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal. Entre os envolvidos nesse esforço estava o escritório da Human<br />
Rights Watch no Brasil e seu diretor, James Cavallaro. Durante o período <strong>de</strong> 1995-1998<br />
Cavallaro viajou para <strong>Na</strong>tal em várias ocasiões para pesquisar e documentar esses abusos,<br />
encontrar-se com autorida<strong>de</strong>s para pressionar por investigações e instauração <strong>de</strong> processos, e<br />
encontrar com a mídia local, nacional e internacional. A pesquisa em <strong>Na</strong>tal resultou na<br />
212 Anistia Internacional (Urgent Action Request), Fear for Safety, 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001; Brasil: Roberto Monte<br />
(Defensor dos Direitos Humanos), Plácido Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza (Delegado) AI In<strong>de</strong>x: AMR 19/002/2001, 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro,<br />
2001.<br />
213 Entrevista telefônica do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Aloísio Matias dos Santos, Centro <strong>de</strong> Direitos Humanos e Memória<br />
Popular, CDHMP, 7 <strong>de</strong> março, 2002.<br />
214 Ofício No. 238 do Programa <strong>de</strong> Proteção a Testemunha para Roberto Monte e Plácido Me<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Souza, 26 <strong>de</strong><br />
fevereiro, 2002, e entrevista telefônica do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Aluízio Matias dos Santos, op. cit.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 82
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Versão em português (provisória)<br />
publicação <strong>de</strong> um relatório <strong>de</strong>talhado sobre a violência policial no Brasil que retratava os<br />
Meninos <strong>de</strong> Ouro. 215<br />
Em 1998, juntamente com o jornalista-fotógrafo, John Maier, em trabalho para a revista Time<br />
e a BBC <strong>de</strong> Londres, Cavallaro se encontrou com um ex-policial atuante em um esquadrão da<br />
morte em <strong>Na</strong>tal. Esse policial, que insistiu que sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não fosse revelada, forneceu<br />
informações sobre as ações dos grupos <strong>de</strong> extermínio (inclusive os Meninos <strong>de</strong> Ouro em<br />
<strong>Na</strong>tal). Revelou <strong>de</strong>talhes sobre <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> assassinatos e ocultação dos corpos das vítimas.<br />
Essa fonte informou a Cavallaro e a John Maier sobre dois métodos <strong>de</strong> ocultação dos corpos<br />
das vítimas. Um envolvia a cobertura do corpo com uma substância corrosiva e retirada<br />
<strong>de</strong>sses em poços da região. O outro método era a utilização <strong>de</strong> cemitérios clan<strong>de</strong>stinos. Ainda<br />
segundo essa fonte, um cemitério clan<strong>de</strong>stino estaria situado na periferia <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal em<br />
proprieda<strong>de</strong> do ex-policial Otávio Ernesto. Essa fonte informou ainda <strong>de</strong>talhes sobre o<br />
assassinato do ativista <strong>de</strong> direitos humanos, Gilson Nogueira, no dia 20 <strong>de</strong> outubro (Ver caso<br />
anterior), citando inclusive os nomes e as funções dos que estariam envolvidos. Segundo essa<br />
fonte, o assassinato teria sido encomendado por Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e executado por<br />
quatro membros do grupo <strong>de</strong> extermínio <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal: Maurílio Pinto Jr. (filho <strong>de</strong> Maurílio Pinto<br />
<strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros), Otávio Ernesto, Jorge Luis Fernan<strong>de</strong>s e Admilson Fernan<strong>de</strong>s.<br />
Com base nessas informações, foram mantidas várias reuniões com as autorida<strong>de</strong>s da Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Essas autorida<strong>de</strong>s planejaram uma vistoria na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Otávio Ernesto, citada<br />
pela fonte confi<strong>de</strong>ncial como local on<strong>de</strong> se situaria um cemitério clan<strong>de</strong>stino. No dia 16 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1998, agentes da Polícia Fe<strong>de</strong>ral entraram na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Otávio Ernesto<br />
para procurar o cemitério clan<strong>de</strong>stino. A polícia não localizou restos mortais na área (que<br />
havia sido remanejada recentemente, sugerindo, pelo menos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tentativa<br />
<strong>de</strong> ocultação <strong>de</strong> algo). No entanto, o grupo encontrou várias armas <strong>de</strong> fogo e munição ilegais.<br />
Exames <strong>de</strong> balística realizados pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral em uma das armas <strong>de</strong>monstrou<br />
conclusivamente que essa era compatível com as cápsulas <strong>de</strong> balas encontradas na cena do<br />
assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira.<br />
Essa <strong>de</strong>scoberta levou a prisão e a <strong>de</strong>núncia pelo Ministério Público <strong>de</strong> Otávio Ernesto pelo<br />
assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira. Infelizmente, os outros citados confi<strong>de</strong>ncialmente pela fonte<br />
como participantes do assassinato não foram presos ou indiciados. No processo criminal<br />
contra Otávio Ernesto, a juíza Patrícia Gondim Moreira citou Cavallaro como testemunha.<br />
Em seu <strong>de</strong>poimento nesse processo, Cavallaro citou a informação recebida <strong>de</strong>ssa fonte<br />
confi<strong>de</strong>ncial sobre os nomes dos participantes no assassinato <strong>de</strong> Gilson Nogueira. 216<br />
No dia seguinte, Cavallaro em entrevista ao jornal Diário <strong>de</strong> <strong>Na</strong>tal repetiu o conteúdo <strong>de</strong> seu<br />
<strong>de</strong>poimento perante o tribunal. Em resultado <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>poimentos, publicados no Diário <strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>tal, Maurílio Pinto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros abriu uma ação civil por danos morais assim como uma<br />
representação para que o Ministério Público do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte indiciasse Cavallaro<br />
pelo crime <strong>de</strong> difamação. 217 O Ministério Público aceitou e indiciou Cavallaro. 218 Seus<br />
advogados, com base nas <strong>de</strong>ficiências legais da ação, inclusive a incapacida<strong>de</strong> das autorida<strong>de</strong>s<br />
215 Ver, Human Rights Watch, Brutalida<strong>de</strong> Policial Urbana no Brasil, (Nova Iorque: Human Rights Watch), 1997.<br />
216 Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos, Admissibility Report No. 12.058 (Caso Gilson Nogueira, Brasil), 2000.<br />
217 Maurílio Pinto Jr. entrou com outra ação contra Cavallaro no Tribunal <strong>de</strong> pequenas causas, também por difamação. Essa<br />
ação foi recusada por falta <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os requerimentos do processo judicial.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte em notificar Cavallaro pessoalmente, ingressaram com o um<br />
questionamento da legalida<strong>de</strong> da ação. O questionamento foi recusado pelos tribunais do<br />
estado. Uma apelação ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (através <strong>de</strong> um pedido <strong>de</strong> habeas corpus),<br />
no entanto, provou ser eficaz. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou que o indiciamento fosse<br />
arquivado em <strong>de</strong>cisão publicada em 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002. 219<br />
Uma outra ação criminal por difamação <strong>de</strong>corrente do <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Cavallaro, no entanto,<br />
ainda está pen<strong>de</strong>nte. Essa ação requerida por Admilson Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Melo, ainda está sendo<br />
processada sob o número 096/99 na Primeira Divisão da Comarca <strong>de</strong> Macaíba, Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte.<br />
Seqüestro <strong>de</strong> Carlos Roberto Bezerra e Ameaças <strong>de</strong> Morte contra os Membros do<br />
Ministério Público do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, <strong>Na</strong>tal, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />
Em maio <strong>de</strong> 1998, três homens armados seqüestraram o segurança <strong>de</strong> plantão do Ministério<br />
Público do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, localizado na capital do estado, <strong>Na</strong>tal, e<br />
ameaçaram os membros <strong>de</strong>sse órgão. 220 Os indivíduos visavam Anísio Marinho Neto,<br />
Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, Paulo Leão, Presi<strong>de</strong>nte da Associação do Ministério Público,<br />
Paulo Pimentel, Promotor Público na Comarca <strong>de</strong> Almino Afonso, e E<strong>de</strong>valdo Alves Barbosa,<br />
da Comarca <strong>de</strong> Lages. Todos esses homens investigavam o assassinato do Promotor da<br />
Comarca <strong>de</strong> Pau dos Ferros, Manuel Alves Pessoa Neto, em novembro <strong>de</strong> 1997. Segundo<br />
fontes jornalísticas, a investigação revelava que o assassinato teria sido encomendado por um<br />
juiz do distrito <strong>de</strong> Neto.<br />
No dia 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, por volta das 3:00 da tar<strong>de</strong>, um homem que se i<strong>de</strong>ntificou como<br />
“Henrique” ligou para a se<strong>de</strong> do Ministério Público e pediu para falar com a secretaria do<br />
Procurador Geral <strong>de</strong> Justiça. Quando a secretária aten<strong>de</strong>u, o homem disse em voz ameaçadora<br />
<strong>de</strong> que haveria seqüestro na área, e que os Procuradores “iam pagar pelo que fizeram”.<br />
Por volta das 7:00 da noite, nesse mesmo dia, três homens armados com revólver calibre 12 e<br />
uma pistola calibre 38 saíram <strong>de</strong> uma carro Tempra escuro estacionado em frente ao<br />
Ministério Público. Os homens armados agarraram o vigia, Carlos Roberto Bezerra e<br />
forçaram-no a entrar no bagageiro do veículo. Os homens foram para uma área abandonada<br />
nas redon<strong>de</strong>zas da cida<strong>de</strong> Parnamirim.<br />
Ao chegarem em Parnamirim, os seqüestradores retiraram Carlos Roberto do porta-malas e<br />
mostraram algumas fotos <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> Marinho, Pimentel, Leão e Alves, além <strong>de</strong> uma foto do<br />
próprio Bezerra.<br />
Os homens bateram em Carlos Roberto, causando hematomas em sua cabeça e pernas, e<br />
ameaçaram-no <strong>de</strong> morte. Os homens também afirmaram que iriam causar os mesmos<br />
218 A ação criminal contra Cavallaro no estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte está sendo processada sob o No. 001.99007376-0, 4 ª<br />
Vara Criminal, <strong>Na</strong>tal, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte.<br />
219 Ver, Pedido <strong>de</strong> Habeas Corpus No. RH 11451, Tribunal Superior <strong>de</strong> Justiça (Caso No. 001.99007376-0, 4 ª Vara<br />
Criminal, <strong>Na</strong>tal, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.)<br />
220 Muitos dos <strong>de</strong>talhes sobre o inci<strong>de</strong>nte foram tirados dos artigos jornalísticos: “Invasão e ameaça a promotores,” Diário <strong>de</strong><br />
<strong>Na</strong>tal, 14 <strong>de</strong> maio, 1998; e “Vigia é seqüestrado e espancado,” Tribuna do Norte (<strong>Na</strong>tal), 14 <strong>de</strong> maio, 1998.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
ferimentos naqueles promotores que constavam das fotografias do jornal. Carlos Roberto<br />
pensou que reconheceu um dos seqüestradores como um dos envolvidos na tentativa <strong>de</strong><br />
assassinato do Promotor Alves em novembro <strong>de</strong> 1997.<br />
Carlos Roberto conseguiu distrair os seqüestradores e escapar em direção a um bairro<br />
resi<strong>de</strong>ncial. Os homens atiraram três vezes contra ele mas não o acertaram. Carlos Roberto<br />
chegou em segurança a uma <strong>de</strong>legacia local on<strong>de</strong> prestou <strong>de</strong>poimento sobre o inci<strong>de</strong>nte e<br />
contatou o Ministério Público.<br />
No dia seguinte, Marinho encontrou o Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública, José Carlos Leite<br />
Filho, e o Comandante da Polícia Militar, Cel. Frankin Ga<strong>de</strong>lha, para solicitar medidas que<br />
garantissem a segurança dos membros do Ministério Público. Mais tar<strong>de</strong>, nesse mesmo dia,<br />
Marinho solicitou a assistência da Assembléia Legislativa e do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Norte.<br />
O seqüestro e as ameaças <strong>de</strong> morte receberam atenção significativa da mídia durante a semana<br />
seguinte, levando o Deputado Pedro Wilson Guimarães a solicitar o envolvimento da<br />
Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados no caso. No dia 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />
1998, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos respon<strong>de</strong>u clamando a Secretaria <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte a tomar a medidas para proteção dos promotores e através <strong>de</strong><br />
uma investigação da secretaria sobre o inci<strong>de</strong>nte. 221<br />
No dia 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 029/02<br />
para Paulo Roberto Dantas D. S. Leão, Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, solicitando maiores<br />
informações sobre o progresso <strong>de</strong> caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Ameaça <strong>de</strong> Morte <strong>de</strong> Isabel Cândido, Assistente Social, Limeira, São Paulo<br />
Quando recebeu sua primeira ameaça <strong>de</strong> morte, em maio <strong>de</strong> 2001, Isabel Cândido trabalhava<br />
há quase três anos no Centro <strong>de</strong> Defesa da Criança e do Adolescente, (CEDECA) em Limeira,<br />
São Paulo. Durante o período <strong>de</strong> seu mandato no CEDECA, Isabel trabalhou com vários<br />
jovens vitimas <strong>de</strong> torturas cometidas por policiais civis e militares. No início <strong>de</strong> 2001, o<br />
CEDECA promoveu um fórum público com a Polícia Militar para discutir o tema <strong>de</strong><br />
violência. Durante o evento ocorreu um <strong>de</strong>sentendimento, quando funcionários do CEDECA<br />
notaram um tenente da polícia filmando o evento. O tenente estava apontando a câmera em<br />
direção aos jovens sob cuidados do CEDECA que acompanhavam o evento. Os jovens se<br />
sentiram ameaçados com a presença da câmera e escon<strong>de</strong>ram seus rostos. Isabel Cândido<br />
solicitou que as filmagens fossem interrompidas e que a polícia mostrasse as cenas filmadas.<br />
Inicialmente a polícia recusou o pedido mas ce<strong>de</strong>u sob pressão das autorida<strong>de</strong>s públicas que<br />
participavam do fórum. As imagens gravadas revelaram que o tenente havia filmado<br />
unicamente os rostos dos jovens.<br />
221 Ofício No. 545/98-P do Deputado Eraldo Trinda<strong>de</strong>, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados para o Cel. Sebastião Américo <strong>de</strong> Sousa, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,<br />
26 <strong>de</strong> maio, 1998.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
No início <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2001, Isabel começou a receber ligações telefônicas que a advertiam<br />
para tomar cuidado, pois po<strong>de</strong>ria ser vítima <strong>de</strong> um ataque. Em princípio, Isabel acreditou que<br />
essas ligações não fossem ameaças, mas sim advertências bem intencionadas para alerta-la <strong>de</strong><br />
perigos. Mais tar<strong>de</strong> nesse mesmo mês, a se<strong>de</strong> do CEDECA sofreu uma invasão durante a<br />
noite. Os invasores causaram gran<strong>de</strong>s danos no escritório <strong>de</strong> Isabel <strong>de</strong>struindo a porta e seu<br />
arquivo. Isabel acredita que os invasores estavam procurando por arquivos sobre o tratamento<br />
dos jovens, que eles não encontraram porque Isabel os havia retirado do escritório.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2001, Isabel recebeu uma ligação telefônica que dizia que “o gás iria subir, e se<br />
ela estivesse no CEDECA ela iria rodar junto!” Isabel recebeu outra ligação em setembro, e<br />
começou a questionar o que ela havia interpretado como ligações <strong>de</strong> boas intenções. <strong>Na</strong><br />
época, Isabel estava trabalhando em um caso no qual policiais haviam espancado um jovem e<br />
<strong>de</strong>scarregado spray <strong>de</strong> pimenta em seus olhos. Após acompanhar o adolescente a <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong><br />
polícia para registrar queixa sobre as ações dos policiais ao <strong>de</strong>legado, Isabel recebeu uma<br />
ligação advertindo que ela tomasse cuidado com as pessoas com quem estava lidando. 222<br />
Isabel não sabe quem fez as ameaças por telefone mas tem poucas dúvidas <strong>de</strong> que sejam em<br />
<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> seu trabalho como <strong>de</strong>fensora dos direitos dos adolescentes.<br />
No dia 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 036/02<br />
para Saulo <strong>de</strong> Castro Abreu Filho, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />
solicitando maiores informações sobre os progressos do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
uma resposta.<br />
Ameaças a Raquel Pântano De Gaspari, Limeira, São Paulo<br />
Raquel Pântano De Gaspari, <strong>de</strong> vinte e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, trabalha como educadora no<br />
Centro <strong>de</strong> Defesa da Criança e do Adolescente, CEDECA na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Limeira, São Paulo. 223<br />
Em meados <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, o adolescente F. S, 224 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, procurou por<br />
Raquel no escritório da CEDECA, após escapar da Unida<strong>de</strong> Franco da Rocha (unida<strong>de</strong> da<br />
Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, Febem). F. S. era interno na Febem por tráfico <strong>de</strong><br />
drogas e roubo. Raquel foi a primeira a aten<strong>de</strong>r seu caso quando F. S foi preso e por essa<br />
razão ele a procurou após fugir da Febem.<br />
F. S. contou a Raquel que ele havia sofrido repetidas agressões <strong>de</strong>ntro da Febem. Segundo o<br />
adolescente, ele estava sendo ameaçado por outros jovens <strong>de</strong> sua mesma cida<strong>de</strong> e membros da<br />
mesma organização criminosa da qual ele era membro.<br />
222 Cândido contou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que ela prestou queixa policial sobe esses inci<strong>de</strong>ntes. Entrevista telefônica do<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Isabel Cândido, 11 <strong>de</strong> março, 2002.<br />
223 Informação neste relatório provem da entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Raquel Pântano <strong>de</strong> Gaspari, Limeira,<br />
São Paulo, 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, 2001.<br />
224 O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a publicação dos nomes <strong>de</strong> menores supostamente envolvidos em conduta<br />
ilegal.<br />
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Raquel e outros membros do CEDECA, percebendo o risco <strong>de</strong> vida que F. S. corria,<br />
provi<strong>de</strong>nciaram um lugar seguro para que ele pu<strong>de</strong>sse ficar e continuaram a prestar<br />
assistência. F. S voltou para a escola e começou a freqüentar um grupo <strong>de</strong> Hip Hop<br />
organizado pelo CEDECA<br />
Em fevereiro <strong>de</strong> 2001, F. S. trouxe seu amigo, Rogério Arado, <strong>de</strong> vinte e sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />
para o grupo <strong>de</strong> Hip Hop. Arado pertencera a mesma gang que F. S.. Rogério foi apresentado<br />
a Raquel e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo contou a ela que ele não mais queria fazer parte da<br />
organização criminosa e que gostaria <strong>de</strong> dar uma nova direção a sua vida. Nessa época,<br />
Rogério contou a Raquel como funcionava a organização criminosa e sua atuação no roubo <strong>de</strong><br />
cargas e no tráfico <strong>de</strong> entorpecentes na região. Ele também contou a ela que membros<br />
influentes da comunida<strong>de</strong>, tais como políticos, homens <strong>de</strong> negócios, um juiz e um promotor<br />
faziam parte da organização.<br />
Em junho, Raquel e Rogério <strong>de</strong>cidiram <strong>de</strong>nunciar a situação. Raquel solicitou o auxílio do<br />
Deputado Renato Simões, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Assembléia<br />
Legislativa <strong>de</strong> São Paulo na preparação da <strong>de</strong>nuncia.<br />
Em agosto <strong>de</strong> 2001, Raquel começou a receber as primeiras ameaças. Uma noite ela saíra para<br />
jantar com alguns amigos e quando retornou para casa recebeu um ligação <strong>de</strong> um homem que<br />
dizia: “Foi bom o seu jantar? É bom encontrar os amigos, nê? Mas aci<strong>de</strong>ntes acontecem! A<br />
casa vai cair para o seu lado! Você já esta há muito tempo nesse mundo!” Raquel estava<br />
tremendo e passou o telefone para sua mãe, que ouviu o homem dizer o seguinte: “ela ficou<br />
nervosinha? É bom mesmo que ela tenha medo!” O homem então <strong>de</strong>sligou. 225<br />
Des<strong>de</strong> então, Raquel tem recebido várias ligações com ameaças com a frase “aci<strong>de</strong>ntes<br />
acontecem!”. A mãe <strong>de</strong> Raquel adquiriu um i<strong>de</strong>ntificador <strong>de</strong> chamadas mas o telefone do<br />
chamador sempre aparece como sendo 0000, 0024 ou outro número incompleto. Raquel, com<br />
ajuda da empresa telefônica local, pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar que a maioria das chamadas são feitas do<br />
estado do Paraná, mas não conseguiu i<strong>de</strong>ntificar a cida<strong>de</strong>.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, em agosto, Raquel recebeu outra ligação que dizia para ela “Fique esperta, pois<br />
vai ter um latrocínio no CEDECA! A casa vai cair! De hoje vocês não passam!”. Em resposta<br />
a ligação, Raquel registrou boletim <strong>de</strong> ocorrência na <strong>de</strong>legacia da mulher em sua cida<strong>de</strong>. 226<br />
Entre setembro e outubro <strong>de</strong> 2001, 227 Raquel ouviu o barulho <strong>de</strong> uma motocicleta em frente a<br />
sua casa enquanto recebia amigos. Não foi possível i<strong>de</strong>ntificar o motociclista, embora eles<br />
pu<strong>de</strong>ssem ver que era um homem. O homem continuou em frente a casa da Raquel,<br />
acelerando o motor <strong>de</strong> sua motocicleta, até que partiu disparando um tiro para o alto.<br />
Em outra ocasião, um dos vizinhos <strong>de</strong> Raquel a alertou para o fato <strong>de</strong> que um homem a<br />
esperava e observava <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um carro escuro estacionado próximo a sua casa. Quando<br />
escureceu, e o homem não partia, o vizinho chamou a Policia Militar que chegou no local e<br />
perguntou ao homem o que ele fazia ali. Ele respon<strong>de</strong>u que estava procurando por uma loja.<br />
Segundo Raquel o bairro on<strong>de</strong> ela mora é uma zona resi<strong>de</strong>ncial e não há lojas no local.<br />
225 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Raquel Pântano <strong>de</strong> Gaspari, op. cit..<br />
226 Ibid.<br />
227 De Gaspari contou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que ela não pô<strong>de</strong> lembrar a data exata das ocorrências. Entrevista do<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Raquel Pântano De Gaspari, op.cit..<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 87
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Por volta do dia 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, Rogério ligou para Raquel para informa-la que a<br />
organização havia or<strong>de</strong>nado que ele <strong>de</strong>ixasse a cida<strong>de</strong> e que ele não podia contar a ela para<br />
on<strong>de</strong> ele estava indo.<br />
Até meados <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, Raquel continuava a receber ligações telefônicas dizendo,<br />
“aci<strong>de</strong>ntes acontecem!”<br />
Assassinato <strong>de</strong> Maria Nivanei<strong>de</strong> Santos Costa, Educadora, Nossa Senhora do Socorro,<br />
Sergipe<br />
Maria Nivanei<strong>de</strong> Santos Costa, <strong>de</strong> vinte e sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, era uma professora primária,<br />
ativista dos direitos da criança e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998, educadora pública do Movimento <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong><br />
Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua, MNMMR em Sergipe. Além disso, ela era vice-presi<strong>de</strong>nte do<br />
Conselho Tutelar da Infância e da Adolescência. Seu marido, E<strong>de</strong>nilson Costa, é o presi<strong>de</strong>nte<br />
da Associação <strong>de</strong> Moradores do Loteamento Rosa <strong>de</strong> Maio localizado no município <strong>de</strong> Nossa<br />
Senhora do Socorro. Ele militava pelo reforço da segurança <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse bairro, o bloco Rosa<br />
<strong>de</strong> Maio situado na região metropolitana <strong>de</strong> Aracajú, através da construção <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>legacia<br />
local. 228<br />
Por volta das 2:00 da manhã do dia 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1999, Maria Nivanei<strong>de</strong> estava dormindo<br />
em sua casa quando seis homens com capuzes e armados fizeram uma tentativa <strong>de</strong><br />
arrombamento. Os homens atiraram contra as janelas e portas e tentaram <strong>de</strong>rrubar a porta da<br />
frente. Maria Nivanei<strong>de</strong> tentou prevenir que eles entrassem gritando pela ajuda dos vizinhos.<br />
229<br />
José Robério, vizinho <strong>de</strong> Maria Nivanei<strong>de</strong> ouviu ela gritar pedindo ajuda e implorando para<br />
os agressores “Não matem meus filhos”. Ele tentou abrir a porta <strong>de</strong> sua casa mas os homens<br />
atiraram em sua direção. Desarmado, ele não pô<strong>de</strong> ajuda-la. 230 Maria Nivanei<strong>de</strong> foi atingida<br />
por vários tiros que atravessaram a porta e as janelas e morreu imediatamente.<br />
A Socieda<strong>de</strong> Afrosergipana <strong>de</strong> Estudos da Cidadania, SACI, e a Comissão Estadual do<br />
MNMMR <strong>de</strong>nunciaram o assassinato ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública, a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da OAB/SE, ao Ministério Público e a Secretaria do Estado <strong>de</strong> Justiça<br />
solicitando que o assassinato fosse investigado e que os responsáveis fossem presos. 231<br />
No dia 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1999, o Instituto <strong>de</strong> Estudos Sócio-Econômicos solicitou que a<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança tomasse as medidas para a investigação do caso. 232<br />
228 Informação fornecida pela Comissão Estadual do Movimento <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Meninos e Meninas <strong>de</strong> Rua, MNMMR e a<br />
Socieda<strong>de</strong> Afrosergipana <strong>de</strong> Estudos e Cidadania, SACI, em relatório divulgado para a Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do<br />
Estado <strong>de</strong> Sergipe e outras autorida<strong>de</strong>s, em fevereiro e março, 1999.<br />
229 Ibid.<br />
230 Ibid.<br />
231 Ibid.<br />
232 Carta <strong>de</strong> Aurélio Vianna, Secretário Executivo Adjunto do Instituto <strong>de</strong> Estudos Sócio-econômicos, para Gilson Garcia,<br />
Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Sergipe, 9 <strong>de</strong> fevereiro, 1999.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
No dia 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados, Nilmário Miranda, solicitou informações sobre as medidas tomadas pela<br />
Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública referentes a esse caso. 233<br />
Em 19 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, o superinten<strong>de</strong>nte da Polícia Civil do Estado <strong>de</strong> Sergipe, Paulo<br />
Ferreira Lima respon<strong>de</strong>ndo às solicitações anteriores sobre o andamento das investigações,<br />
informou que o assassinato <strong>de</strong> Maria Nivanei<strong>de</strong> não foi motivado pelo seu trabalho <strong>de</strong>ntro da<br />
comunida<strong>de</strong> ou do trabalho <strong>de</strong> seu marido. Ele atribuiu o crime aos “abismos existentes entre<br />
as classes sociais”. Em quarenta e oito horas as autorida<strong>de</strong>s estaduais pren<strong>de</strong>ram quarto<br />
indivíduos apontados como responsáveis pelo assassinato. A polícia pren<strong>de</strong>u um quinto<br />
suspeito assim como a arma e os objetos roubados da casa <strong>de</strong> Maria Nivanei<strong>de</strong>. Três dias<br />
<strong>de</strong>pois, o inquérito policial havia sido encerrado. 234<br />
No dia 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 97/02 para<br />
João Eloi <strong>de</strong> Menezes, Superinten<strong>de</strong>nte da Polícia Civil do Estado <strong>de</strong> Sergipe, solicitando<br />
maiores informações sobre os <strong>de</strong>senvolvimentos mais recentes <strong>de</strong>sse caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
233 Ofício No. 087/99-P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para Gilson Garcia, Secretário <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Sergipe, 3 <strong>de</strong> março, 1999.<br />
234 Ofício No. 338/99 <strong>de</strong> Paulo Ferreira Lima, Superinten<strong>de</strong>nte da Polícia Civil para o Deputado Nilmário Miranda,<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 16 <strong>de</strong> março, 1999.<br />
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5. A DEFESA DO MEIO AMBIENTE: CONFLITOS, INTERESSES PODEROSOS E<br />
VIOLÊNCIA<br />
No dia 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1988, o seringueiro, lí<strong>de</strong>r sindical e ambientalista, Francisco Alves<br />
Men<strong>de</strong>s, conhecido como Chico Men<strong>de</strong>s, sofreu uma emboscada e foi assassinado em sua<br />
cida<strong>de</strong> natal <strong>de</strong> Xapuri, no Acre. Como presi<strong>de</strong>nte do sindicato dos seringueiros <strong>de</strong> Xapuri,<br />
Chico Men<strong>de</strong>s li<strong>de</strong>rava uma cruzada pela preservação dos meios <strong>de</strong> sobrevivência dos<br />
seringueiros— a floresta Amazônica. A luta <strong>de</strong> Chico Men<strong>de</strong>s pela preservação do meio<br />
ambiente o colocou em conflito com os po<strong>de</strong>rosos proprietários <strong>de</strong> terra cujos jagunços já<br />
haviam tentado sem sucesso mata-lo dois anos antes <strong>de</strong> seu assassinato em 1988.<br />
O assassinato <strong>de</strong> Chico Men<strong>de</strong>s, nessa época, um ambientalista internacionalmente<br />
conhecido, colocou as questões da <strong>de</strong>fesa do direito ambiental no Brasil no centro da agenda<br />
internacional. A Conferencia das <strong>Na</strong>ções Unidas sobre o Meio Ambiente no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
em 1992 (ECO-92) salientou ainda mais a importância da <strong>de</strong>fesa do meio ambiente no Brasil<br />
em nível global. Apesar da globalização <strong>de</strong> sua causa, ativistas e <strong>de</strong>fensores do meio ambiente<br />
no Brasil continuam a trabalhar em circunstancias árduas com pouco apoio governamental.<br />
Dez anos após a ECO-92, o movimento brasileiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do meio ambiente consiste em<br />
cerca <strong>de</strong> 800 organizações <strong>de</strong>dicadas principalmente a <strong>de</strong>fesa da Floresta Amazônica e as<br />
Florestas tropicais e subtropicais do litoral brasileiro (Mata Atlântica).<br />
Dado que as <strong>de</strong>mandas daqueles que protegem o meio ambiente normalmente são conflitivas<br />
com os interesses <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proprietários <strong>de</strong> terras, não <strong>de</strong>veria causar surpresa o fato <strong>de</strong> que<br />
esses ativistas normalmente se <strong>de</strong>param com situações <strong>de</strong> intimidação, ameaças, violência<br />
física e, em alguns casos, a morte. Os riscos aos quais ativistas do meio ambiente estão<br />
sujeitos, semelhantemente ao caso <strong>de</strong> outros ativistas das zonas rurais, são mais intensos na<br />
região Amazônica.<br />
No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, IBAMA é o<br />
encarregado <strong>de</strong> fiscalizar a proteção do meio ambiente no território brasileiro. No entanto,<br />
além <strong>de</strong> problemas como falta <strong>de</strong> recursos e corrupção, os fiscais do IBAMA enfrentam<br />
ameaças e vários já foram assassinados em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> seu trabalho.<br />
Por exemplo, o superinten<strong>de</strong>nte do escritório do IBAMA no Pará, Paulo Castelo Branco,<br />
<strong>de</strong>clarou em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999 que estava sofrendo pressões e ameaças <strong>de</strong>vido a<br />
implementação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> administração florestal. Em <strong>de</strong>corrência das ameaças, ele foi<br />
forçado a <strong>de</strong>ixar a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belém. Como forma <strong>de</strong> garantir maior segurança para os agentes<br />
do IBAMA, Castelo Branco criou uma Ouvidoria para receber <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> ameaças ou<br />
agressões a integrida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> seus funcionários. Apesar disso, com apenas setenta e dois<br />
agentes para fiscalizar mais <strong>de</strong> 140 municípios, o IBAMA costuma ter dificulda<strong>de</strong>s em<br />
garantir a aplicação das leis e o combate a corrupção entre seus próprios agentes, fato que<br />
Castelo Branco admitiu ser muito comum. 235<br />
Embora a maior parte dos casos <strong>de</strong> violência associada ao ativismo ambiental se dê na região<br />
Amazônica e outras regiões isoladas, a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente em áreas urbanas também é<br />
uma tarefa perigosa. Freqüentemente, aqueles que buscam garantir a integrida<strong>de</strong> do meio<br />
ambiente se <strong>de</strong>param com conflitos com grupos imobiliários e outros interessados na<br />
235 “Greenpeace flagra contrabando <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,” Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, 1999. p. 4.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
construção urbana. O caso <strong>de</strong> Rogério Rocco, <strong>de</strong>talhado abaixo, oferece um bom exemplo <strong>de</strong><br />
como a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente po<strong>de</strong> provocar uma reação violenta por parte dos<br />
"urbanistas".<br />
A proteção das áreas litorâneas é um outro contexto no qual a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente po<strong>de</strong><br />
resultar em conflitos violentos. Quando essas áreas estão localizadas próximo a gran<strong>de</strong>s<br />
centros urbanos (tais como as cida<strong>de</strong>s do Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo), o custo da implantação<br />
<strong>de</strong> leis ambientais é bastante alto, tanto em termos financeiros quanto em termos pessoais. Um<br />
exemplo claro <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> conflito é o caso <strong>de</strong> Mário Moscatelli, lí<strong>de</strong>r ambientalista no<br />
Brasil. Embora as ameaças sofridas por Moscatelli estejam fora do tempo estudado neste<br />
relatório (1997-2001), sintetizaremos aqui o caso Moscatelli como ilustrativo do conflito na<br />
região litorânea do Brasil.<br />
De 1989 a 1991, o biólogo Mário Moscatelli trabalhou no município <strong>de</strong> Angra dos Reis, como<br />
chefe do Departamento <strong>de</strong> Controle Ambiental. Seu trabalho era <strong>de</strong> aplicar a legislação<br />
ambiental, especialmente, restringindo as construções e loteamentos dos manguezais e áreas<br />
litorâneas. Nesse trabalho, Moscatelli se <strong>de</strong>parou diversas vezes ‘impedindo e embargando” a<br />
construção <strong>de</strong> casas e apartamentos em áreas muito valorizadas. 236<br />
Em outubro <strong>de</strong> 1989, Mário Moscatelli recebeu a primeira <strong>de</strong> quatro séries <strong>de</strong> ameaças<br />
telefônicas. As outras três séries foram feitas em janeiro <strong>de</strong> 1990, maio <strong>de</strong> 1990 e junho <strong>de</strong><br />
19991, todas feitas para a residência <strong>de</strong> seus pais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Além disso, Moscatelli<br />
recebeu um recado por escrito alertando eu um pistoleiro teria sido contratado para mata-lo.<br />
Segundo Moscatelli, as ameaças provavelmente partiam <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> especuladores<br />
imobiliários po<strong>de</strong>rosos e políticos a eles associados. Imóveis em regiões litorâneas são um<br />
negócio lucrativo e novos <strong>de</strong>senvolvimentos em áreas virgens, com a inevitável <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />
manguezais e ecossistemas litorâneos, geralmente oferecem os maiores lucros. Ao impedir<br />
essa especulação imobiliária, Moscatelli se viu em "uma zona <strong>de</strong> risco". 237<br />
Todas essas ameaças foram <strong>de</strong>nunciadas a Polícia Fe<strong>de</strong>ral assim como ao Governador do<br />
Estado e ao Ministro do Meio Ambiente, entre outras autorida<strong>de</strong>s. A pressão da mídia e a<br />
assistência <strong>de</strong> alguns policiais <strong>de</strong>dicados permitiu que Moscatelli permanecesse em Angra dos<br />
Reis por quase dois anos e em 1991 ele foi forçado a abandonar seu cargo e se mudar para o<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ao <strong>de</strong>ixar Angra dos Rei, as ameaças cessaram. 238 A construção em áreas,<br />
teoricamente protegidas pela legislação brasileira, tem continuado.<br />
Paulo Adário, Ambientalista do Greenpeace, Manaus, Amazonas 239<br />
Paulo Adário é Coor<strong>de</strong>nador Internacional do Greenpeace na Amazônia. A Campanha do<br />
Greenpeace tem enfocado primordialmente o contrabando <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, prática que não apenas<br />
236 Correspondência eletrônica <strong>de</strong> Mário Moscatelli para o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 23 <strong>de</strong> fevereiro, 2002.<br />
237 Ibid.<br />
238 Ibid.<br />
239 Informação neste relatório provem <strong>de</strong> entrevista telefônica do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com Paulo Adário, 4 <strong>de</strong> março,<br />
2002 e artigos jornalísticos “Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> campanha <strong>de</strong> Greenpeace terá proteção policial,” Folha <strong>de</strong> S. Paulo,18 <strong>de</strong><br />
outubro, 2001, p.C3<br />
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causa o <strong>de</strong>sflorestamento como também geralmente facilita a <strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> florestas<br />
anteriormente virgens. O Greenpeace estima que 80% da ma<strong>de</strong>ira dos estados do Amazonas e<br />
do Pará seja extraída ilegalmente. 240<br />
Segundo Paulo Adário, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis,<br />
IBAMA, órgão fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> fiscalização do meio ambiente, não possui os recursos a<strong>de</strong>quados e<br />
a organização para fiscalizar e prevenir a extração e venda ilegal da ma<strong>de</strong>ira. Além disso,<br />
fiscais do IBAMA responsáveis pela fiscalização dos estoques <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira geralmente<br />
ce<strong>de</strong>riam as ameaças e propinas, fornecendo licenças <strong>de</strong> extração para quantida<strong>de</strong>s bem<br />
superiores as que as ma<strong>de</strong>ireiras possuem e conseqüentemente permitindo a venda <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>iras adquiridas ilegalmente <strong>de</strong> fontes não autorizadas. Para combater tais práticas, o<br />
Greenpeace tem <strong>de</strong>senvolvido uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização na região Amazônica que inclui a<br />
coleta <strong>de</strong> informações <strong>de</strong>ntro das comunida<strong>de</strong>s rurais, reconhecimento aéreo e fotografias do<br />
satélite LANSAT.<br />
No estado do Amazonas, o Greenpeace obteve êxito ao pressionar as ma<strong>de</strong>ireiras a adotar<br />
práticas legais sustentáveis. Um relatório do Greenpeace lançado em agosto <strong>de</strong> 1999 gerou<br />
uma investigação da Procuradoria-Geral da República em Manaus sobre as práticas ilegais<br />
que continua até os dias <strong>de</strong> hoje. A coleta <strong>de</strong> informações do Greenpeace também tem<br />
ajudado o IBAMA a confiscar envios ilegais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e multar contraventores. Des<strong>de</strong> 1999,<br />
a produção <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira do Amazonas caiu em mais <strong>de</strong> 60%.<br />
No estado do Pará, o Greenpeace <strong>de</strong>scobriu que o mogno em uma das mais extensas reservas<br />
do país, <strong>de</strong>ntro da Reserva Indígina Kayapó, estava sendo ilegalmente <strong>de</strong>rrubada e vendida. 241<br />
Os índios Kayapó eram cúmplices na venda, embora eles recebessem apenas uma pequena<br />
fração do valor <strong>de</strong> Mercado do Mogno. Em setembro <strong>de</strong> 2001, o Greenpeace encaminhou uma<br />
<strong>de</strong>núncia à Procuradoria-Geral da República no Pará solicitando uma investigação. Em<br />
outubro e novembro <strong>de</strong> 2001, o Greenpeace acompanhou a Polícia Militar e o IBAMA em<br />
uma operação massiva que resultou na maior apreensão <strong>de</strong> Mogno ilegal da história do Brasil.<br />
Ma<strong>de</strong>ira com valor <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> US$13 milhões e equipamentos no valor <strong>de</strong> US$7 milhões<br />
foram confiscados.<br />
No dia 2 <strong>de</strong> outubro, um funcionário do escritório do Greenpeace em Manaus recebeu uma<br />
ligação telefônica que fazia uma ameaça <strong>de</strong> morte direcionada a Paulo Adário. Uma mulher<br />
anônima disse: "Fala para o barbudo eu ele tem eu morrer, merece morrer e vai morrer“.<br />
Paulo Adário é o único funcionário do Greenpeace que usa barba.<br />
Paulo Adário imediatamente informou seu advogado, ex-Ministro da Justiça, José Carlos<br />
Dias, sobre a ameaça. Ambos acreditavam que a ameaça estava relacionada a operação no<br />
Pará: além <strong>de</strong> ter sido feita apenas seis dias após a divulgação do relatório do Greenpeace para<br />
a mídia, a ligação foi feita para um número <strong>de</strong> telefone distribuído em materiais do<br />
Greenpeace no Pará mas não no Amazonas. José Carlos Dias teve uma audiência com o<br />
240 Paulo Adário explicou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que a ma<strong>de</strong>ira ilegal, que não passa pelo processo <strong>de</strong> certificação,<br />
po<strong>de</strong> ser vendido com menor preço gerando maior lucro do que ma<strong>de</strong>ira legal. Sendo assim, enquanto ma<strong>de</strong>ira ilegal<br />
servir o mercado, será economicamente inviável produzir ma<strong>de</strong>ira legalmente, sustainable way. Entrevista telefônica, 4 <strong>de</strong><br />
março, 2002.<br />
241 A lei brasileira expressamente proíbe a venda <strong>de</strong> mogno proveniente <strong>de</strong> reserves indígenas.<br />
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Ministro da Justiça, José Gregori, que or<strong>de</strong>nou que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>sse a Paulo Adário<br />
proteção 24 horas por dia.<br />
Apesar da proteção da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, as autorida<strong>de</strong>s tanto em nível fe<strong>de</strong>ral como estadual<br />
aparentemente não avançaram na investigação sobre as ameaças.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, nem Paulo Adário nem o funcionário que<br />
aten<strong>de</strong>u a ligação tinham sido ouvidos em <strong>de</strong>poimento para qualquer investigação.<br />
Em novembro <strong>de</strong> 2001, um ma<strong>de</strong>ireiro contou aos membros do Greenpeace no Pará que um<br />
preço havia sido estabelecido pela cabeça <strong>de</strong> Paulo Adário. Outros membros do Greenpeace<br />
foram alertados <strong>de</strong> que assim que a industria ma<strong>de</strong>ireira saísse dos holofotes da mídia, “as<br />
contas seriam acertadas”. Um membro do Conselho Indigianista Missionário, CIMI, que<br />
trabalhou com Paulo Adário na operação no Pará também recebeu ameaças <strong>de</strong> morte assim<br />
como um membro da Prefeitura <strong>de</strong> Re<strong>de</strong>nção, Pará.<br />
Nessa época, um funcionário do Greenpeace em Manaus (“navegador”), recebeu várias<br />
ameaças. A primeira veio em meados <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro quando dois homens em um caminhão<br />
seguiram o carro do navegador pela cida<strong>de</strong>. Quando ele parou em um loja e entrou, os homens<br />
o seguiram e o abordaram <strong>de</strong>ntro da loja. Eles perguntaram ao navegador: você “não tem<br />
vergonha <strong>de</strong> trabalhar para gringo?” E alertaram “tenha cuidado.”<br />
No dia seguinte, o navegador recebeu a primeira <strong>de</strong> várias ameaças por telefone. O linguajar<br />
utilizado nessas ligações era extremamente ofensivo e brutal, ameaçando entre outras coisa <strong>de</strong><br />
“currar” (estuprar) as crianças e a esposa <strong>de</strong>le na sua frente e <strong>de</strong> matá-lo. No mês <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro, o Greenpeace começou a instalar um sistema <strong>de</strong> segurança para garantir a<br />
integrida<strong>de</strong> física do navegador e dos outros funcionários. Como resultado, os funcionários<br />
pu<strong>de</strong>ram gravar quatro das últimas ameaças sendo que uma outra ameaça foi ouvida<br />
diretamente por um policial que estava no local no momento da chamada. Em uma das<br />
ameaças gravadas, se ouvia o som <strong>de</strong> uma mulher sendo torturada; o chamador então “matou”<br />
a mulher (Paulo Adário suspeita que a chamada foi um blefe) e disse, “o mesmo vai acontecer<br />
com você”. Todas as chamadas eram a cobrar <strong>de</strong> um telefone público no interior do<br />
Amazonas. As ligações cessaram pouco antes do <strong>Na</strong>tal.<br />
As ameaças por telefone foram relatadas a Polícia Civil que abriu um inquérito. O<br />
Greenpeace ainda esta no processo <strong>de</strong> coletar evi<strong>de</strong>ncias do caso para entrega-las a polícia.<br />
Paulo Adário suspeita que as ameaças estejam relacionadas com o fechamento <strong>de</strong> uma<br />
empresa ma<strong>de</strong>ireira no Amazonas em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001. O Greenpeace documentou várias<br />
violações na proprieda<strong>de</strong> da empresa, inclusive estoques ilegais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Uma semana<br />
<strong>de</strong>pois, o IBAMA confiscou a ma<strong>de</strong>ira ilegal, multou e temporariamente fechou as operações<br />
da empresa. As ameaças começaram logo após esse fato.<br />
Assassinato <strong>de</strong> A<strong>de</strong>mir Alfeu Fe<strong>de</strong>ricci, diretor da FETAGRI, Altamira, Pará 242<br />
242 Além das fontes supracitadas, mais informações sobre o caso foram obtidas a partir <strong>de</strong> um comunicado à imprensa do<br />
Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001; e do artigo “Brazil:<br />
Rural Activists Killed in New Wave of Violence,” Inter Press Service, 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, publicado na página http://<br />
www.corpwatch.org.<br />
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A<strong>de</strong>mir Alfeu Fe<strong>de</strong>ricci, também conhecido como “Dema”, era o diretor da Fe<strong>de</strong>ração dos<br />
Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI). Era também presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos<br />
Trabalhadores Rurais (STR) em Medicilândia, Pará, e membro do diretório estadual do<br />
Partido dos Trabalhadores entre 1996 e 2000. Dema participava ativamente da luta para<br />
proteger o sistema fluvial do Amazonas contra a exploração e <strong>de</strong>gradação provindas <strong>de</strong><br />
programas governamentais e privados. Sobretudo, ele era o coor<strong>de</strong>nador do movimento <strong>de</strong><br />
resistência contra a construção <strong>de</strong> novas represas no Xingu, organizado pelo Movimento Pelo<br />
Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX).<br />
Dema havia participado da elaboração do documento “SOS Xingu: um Chamamento ao Bom<br />
Senso, Contra a Construção <strong>de</strong> Barragens na Amazônia”, que apontava questões sobre a<br />
implantação da usina hidrelétrica <strong>de</strong> Belo Monte em Altamira. Dema organizara um<br />
importante movimento local <strong>de</strong> resistência ao projeto <strong>de</strong> construção da usina. Havia também<br />
<strong>de</strong>nunciado a malversação <strong>de</strong> dinheiro público em projetos financiados pela SUDAM<br />
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), hoje extinta. Tais <strong>de</strong>núncias ajudaram<br />
a polícia fe<strong>de</strong>ral a pren<strong>de</strong>r pelo menos três políticos e empresários locais sob acusação <strong>de</strong><br />
frau<strong>de</strong> e malversação <strong>de</strong> fundos. 243<br />
<strong>Na</strong> madrugada do dia 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001 dois homens invadiram a casa on<strong>de</strong> dormia com<br />
sua família. Eles levaram Dema para fora do quarto on<strong>de</strong> dormia e o mataram com um tiro na<br />
boca. Os assassinos <strong>de</strong>ixaram a casa, sem agredir outro membro da família.<br />
Para os que conheciam Dema e seu trabalho, era claro que o assassinato tinha motivos<br />
políticos, e que o assassino teria sido contratado. O oficial da polícia fe<strong>de</strong>ral que chefiou as<br />
investigações sobre as irregularida<strong>de</strong>s financeiras na SUDAM, Hélbio Dias Leite, disse aos<br />
jornalistas que “a morte <strong>de</strong>le [Dema] interessava a muitas pessoas”. Hélbio Leite mencionou<br />
que, além dos empresários e políticos envolvidos na investigação sobre a SUDAM,<br />
empresários locais envolvidos em extração ilegal <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira também eram inimigos <strong>de</strong><br />
Dema. O <strong>de</strong>putado estadual petista José Geraldo também <strong>de</strong>clarou que “a morte está<br />
vinculada ao que ele <strong>de</strong>nunciava.” 244<br />
De acordo com Airton Faleiro, vice-presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional dos Trabalhadores<br />
na Agricultura (CONTAG), Dema recebia ameaças já há algum tempo, por ter ajudado a<br />
polícia nas investigações sobre as frau<strong>de</strong>s na SUDAM. 245<br />
Apesar da aparente natureza política do assassinato <strong>de</strong> Dema, o oficial da polícia civil<br />
responsável pelo caso, Carlito Martinez, conduziu as investigações como se houvera sido um<br />
assalto mal-sucedido, e que o assassinato não tivera sido intencional.<br />
A chefia das investigações por Martinez foi amplamente criticada. O oficial da polícia fe<strong>de</strong>ral<br />
Hélbio Leite <strong>de</strong>clarou publicamente: “não acredito em assalto”, explicitando que nada havia<br />
243 “Fe<strong>de</strong>rais pren<strong>de</strong>m empresário e ligam morte ao caso”, O Liberal (Belém), 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2002.<br />
244 Ibid.<br />
245 Ibid.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
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sido retirado da casa <strong>de</strong> Dema. O <strong>de</strong>putado estadual Zé Geraldo acusou Martinez <strong>de</strong><br />
“parcialida<strong>de</strong>”. 246<br />
Em 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001, coube ao oficial Roberto Teixeira a investigação do caso. Ele<br />
também <strong>de</strong>clarou acreditar na teoria <strong>de</strong> assalto. Dois dias mais tar<strong>de</strong> a polícia pren<strong>de</strong>u Júlio<br />
César dos Santos Filho, que posteriormente, enquanto preso, confessou haver assassinado<br />
Dema durante uma tentativa <strong>de</strong> assalto à sua casa. Segundo a confissão <strong>de</strong> Júlio César,<br />
também estava presente na cena do crime um comparsa chamado Daniel, que ainda está<br />
foragido. 247<br />
Assim o oficial Teixeira concluiu o caso, mas lí<strong>de</strong>res do MDTX e da CONTAG questionaram<br />
publicamente a veracida<strong>de</strong> da confissão <strong>de</strong> Júlio César dos Santos Filho e exigiram uma<br />
investigação mais minuciosa. Dentre as falhas na versão oficial do episódio, apontou-se que o<br />
oficial Teixeira não conseguiu explicar o fato que Júlio César visitara o escritório do MDTX<br />
no dia anterior ao assassinato, e ainda assim confessara não saber quem era Dema. 248<br />
Em 6 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global apresentou um relatório sobre o<br />
assassinato <strong>de</strong> Dema e a provável farsa na investigação policial à Asma Jahangir, Relatora<br />
Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias.<br />
Nos meses seguintes à morte <strong>de</strong> A<strong>de</strong>mir, a viúva, Maria da Penha Fe<strong>de</strong>ricci, e seu advogado<br />
conduziram suas próprias investigações. Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, Maria da Penha apresentou<br />
uma petição a Geraldo Rocha, procurador-geral <strong>de</strong> justiça do Pará, para que o caso fosse<br />
reaberto por causa <strong>de</strong> novas evidências. Entre as evidências apresentadas por Maria da Penha<br />
havia o testemunho <strong>de</strong> que Júlio César teria confessado sob tortura e que, mais tar<strong>de</strong>, teria<br />
prestado <strong>de</strong>clarações on<strong>de</strong> dava a enten<strong>de</strong>r que havia sido pago para matar Dema. 249<br />
Em janeiro <strong>de</strong> 2002, a Anistia Internacional (AI) lançou uma campanha para proteger, entre<br />
outros, Júlio César dos Santos Filho, por acreditarem que ele havia sido torturado para<br />
confessar o crime. Neste apelo, a AI <strong>de</strong>monstrava temer que “pessoas estejam se ocultando<br />
atrás do crime, tentando silenciá-lo”. A Anistia Internacional apresentou uma petição ao<br />
governador do estado para que permitisse que a polícia fe<strong>de</strong>ral investigasse o crime. 250<br />
Em 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, um grupo <strong>de</strong> políticos e advogados li<strong>de</strong>rado pelo <strong>de</strong>putado Zé<br />
Geraldo peticionou ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Pará, Sette Câmara, para que<br />
reabrisse a investigação do caso Dema e que permitisse que a polícia fe<strong>de</strong>ral chefiasse as<br />
investigações. O Ministro da Justiça assegurou a Zé Geraldo que a polícia fe<strong>de</strong>ral reabriria as<br />
investigações. 251<br />
246 Ibid.<br />
247 “Preso confessa que matou sindicalista”, O Liberal (Belém), 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2001.<br />
248 Ibid.<br />
249 “Advogado e viúva pe<strong>de</strong>m a reabertura do caso Dema”, O Liberal (Belém), 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
250 “Anistia pe<strong>de</strong> proteção a ameaçados <strong>de</strong> morte”, O Liberal (Belém), 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2001.<br />
251 “Segurança para petistas ameaçados”, O Liberal (Belém), 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 95
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, Júlio César dos Santos Filho continuava sendo<br />
o único suspeito <strong>de</strong>tido pelo assassinato <strong>de</strong> Dema.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte contra Luís Ivan Alves <strong>de</strong> Oliveira, sindicalista e ambientalista,<br />
Itaituba, Pará<br />
Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, Luís Ivan Alves <strong>de</strong> Oliveira (Alves), presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos<br />
Trabalhadores Rurais (STR) em Itaituba e secretário executivo do Grupo <strong>de</strong> Trabalho<br />
Amazônico (GTA Baixo-Amazonas), recebeu várias ameaças <strong>de</strong> morte <strong>de</strong> representantes da<br />
indústria ma<strong>de</strong>ireira em Itaituba, no Pará. 252 Estava em questão a proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação<br />
da área agrícola <strong>de</strong> Arraia e a divisão em pequenos lotes para distribuição a trabalhadores sem<br />
terra. O projeto fazia parte do programa nacional <strong>de</strong> reforma agrária a ser implementado pelo<br />
Instituto <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Colonização e Reforma Agrícola (INCRA). Gran<strong>de</strong> parte da terra<br />
<strong>de</strong>stinada à <strong>de</strong>sapropriação, inclusive a área <strong>de</strong> Arraia, era na verda<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do governo<br />
que havia sido assentada e reclamada ilegalmente através <strong>de</strong> escrituras falsas, num processo<br />
conhecido como grilagem. A terra grilada sustentava um negócio lucrativo <strong>de</strong> extração ilegal<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira da área vizinha, o Parque <strong>Na</strong>cional da Amazônia. As propostas <strong>de</strong> reforma pelo<br />
INCRA ameaçavam a extração ilegal <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira em Itaituba e o apoio <strong>de</strong>clarado <strong>de</strong> Alves ao<br />
plano do INCRA gerou animosida<strong>de</strong> por parte dos grileiros e donos das serrarias, que<br />
lucravam com a extração ilegal. 253<br />
Confrontos entre grileiros e ativistas trabalhistas como Alves não são novida<strong>de</strong> nesta parte do<br />
Pará. Em 26 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999, o presi<strong>de</strong>nte do Sindicato Rural Patronal (SRP) Valmir<br />
Climaco <strong>de</strong> Aguiar, vinculado a títulos <strong>de</strong> terra falsificados e ao tráfico ilegal <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,<br />
espancou Antônio Soares, um sindicalista <strong>de</strong> 65 anos, na presença <strong>de</strong> um comandante da<br />
polícia. Soares chegara para se opor à tentativa <strong>de</strong> Valmir <strong>de</strong> apropriar quase 5,000 hectares e<br />
expulsar por meio da força 22 famílias que ali viviam. Depois <strong>de</strong> livrar-se <strong>de</strong> Soares, Valmir<br />
conseguiu se apropriar da terra e as famílias ficaram sem teto. 254<br />
Após as ameaças <strong>de</strong> morte a Alves, sindicalistas e ambientalistas, indignados com as<br />
violações da legislação e dos direitos dos trabalhadores, enviaram uma carta aberta ao<br />
governador do Pará e ao Presi<strong>de</strong>nte da República, exigindo providências. Os grupos<br />
requisitaram que o governo do estado investigasse as ameaças <strong>de</strong> morte contra Alves e que<br />
tomasse medidas para garantir a sua segurança. Pediram também a substituição dos<br />
administradores locais dos órgãos <strong>de</strong> reforma agrária do governo, como o INCRA,<br />
consi<strong>de</strong>rados corruptos pelos autores do documento. Os grupos ainda pressionaram por uma<br />
maior proteção do Parque <strong>Na</strong>cional do Amazonas e pelo assentamento <strong>de</strong> 400 famílias em<br />
terras já aprovadas para reforma agrária. 255<br />
252 Relatório das <strong>de</strong>núncias no caso <strong>de</strong> Luís Ivan Alves <strong>de</strong> Oliveira, caso no. 1557/ 00, Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da<br />
Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, sem data, ano 2000.<br />
253 “Carta Aberta ao Presi<strong>de</strong>nte da República e ao Governador do Estado do Pará”, assinada por vinte grupos trabalhistas<br />
locais, incluindo o GTA e o STR, Santarém, PA, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000.<br />
254 Ibid.<br />
255 Ibid.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 96
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral dos<br />
Deputados, em Ofício à Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Pará, Paulo Sette<br />
Câmara, requisitou que se tomassem medidas para investigar as ameaças contra Alves e<br />
garantir sua segurança física. 256<br />
Em 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, o Secretário Sette Câmara, informou à Comissão que dois<br />
oficiais da polícia militar estavam acompanhando o caso, mas que achava que “esta não é a<br />
solução para problemas <strong>de</strong>sta natureza”. Sette Câmara também <strong>de</strong>clarou que a polícia não<br />
po<strong>de</strong>ria ser responsabilizada por problemas provenientes <strong>de</strong> fracassos do INCRA. 257<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 067/02 ao<br />
Secretário Sette Câmara solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaças contra Rogério Rocco, ambientalista, Niterói, Rio <strong>de</strong> Janeiro 258<br />
Rogério Rocco, 34 anos, ambientalista, trabalha na ONG Os Ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1987 e também faz<br />
parte da Fundação Onda Azul no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Conforme explicado abaixo, Rocco também<br />
trabalhou na Secretaria <strong>de</strong> Assuntos Ambientais <strong>de</strong> Niterói.<br />
Enquanto foi Secretário Municipal Assistente para Assuntos Ambientais em Niterói, Rocco<br />
buscou proibir através <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m judicial que se construísse nas margens <strong>de</strong> um rio do<br />
município. A legislação brasileira proíbe que se construa a menos <strong>de</strong> 15 metros das margens<br />
<strong>de</strong> um rio. <strong>Na</strong> comunida<strong>de</strong> em questão, diversos escritórios e casas haviam sido construídos<br />
violando a legislação. Mais construções estavam em andamento, incluindo a expansão <strong>de</strong><br />
bares e restaurantes. A Secretaria <strong>de</strong> Rocco obteve or<strong>de</strong>m judicial proibindo construções<br />
futuras na área protegida <strong>de</strong> 15 metros.<br />
Rocco havia recebido diversas ameaças entre 1997 e 2000 (a maioria através <strong>de</strong> telefonemas),<br />
algo que ele consi<strong>de</strong>ra ser parte <strong>de</strong> seu trabalho nas ONGs e na secretaria: “Depen<strong>de</strong>ndo da<br />
atuação <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong>, não é <strong>de</strong> se espantar que se sofra ameaças,” Rocco disse ao Centro<br />
<strong>de</strong> Justiça Global. “A maior parte das ameaças não é explícita; vem sob forma <strong>de</strong> ironia ou<br />
como um ‘conselho’.” 259 Ainda assim, ele não sentia que havia um risco significativo à sua<br />
vida até ocorrerem uma série <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes relacionados à expansão na margem do rio. Em 24<br />
<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, logo após a obtenção da or<strong>de</strong>m judicial e enquanto visitava o local da<br />
expansão do bar e restaurante, Rocco notou um grupo <strong>de</strong> pessoas o observando, que também<br />
tiravam fotos <strong>de</strong>le. As pessoas se aproximaram e disseram que tiravam as fotos “para que<br />
256 Ofício 03/00P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral dos Deputados à Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do<br />
Estado do Pará, 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000.<br />
257 Ofício 153/2000 do Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Pará, Paulo Sette Câmara, à Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000.<br />
258 Este resumo baseia-se em entrevista dada por Rogério Rocco ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global no Rio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
259 Ibid.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
lembrassem da cara <strong>de</strong>le quando fossem acertar as contas”. Um policial chegou ao local logo<br />
<strong>de</strong>pois. Rocco ficou preocupado, pois o policial pareceu passar mais tempo com o grupo que<br />
tirava as fotos que com ele. Apesar <strong>de</strong> haver se i<strong>de</strong>ntificado como Secretário Assistente para<br />
Assuntos Ambientais e que possuía uma or<strong>de</strong>m judicial que proibia as obras <strong>de</strong> expansão, o<br />
policial levou todas as partes envolvidas para a <strong>de</strong>legacia para averiguações. O <strong>de</strong>legado<br />
concordou com Rocco que a or<strong>de</strong>m judicial teria que ser respeitada e liberou todos os<br />
presentes.<br />
Em 29 <strong>de</strong> fevereiro, Rocco chegou à secretaria e encontrou seus funcionários do lado <strong>de</strong> fora<br />
do prédio, e todas as entradas do prédio estavam trancadas com ca<strong>de</strong>ados e correntes. O<br />
secretário informou a Rocco que não havia autorizado o fechamento do prédio e ninguém<br />
sabia quem era o responsável pelo fechamento. Rocco or<strong>de</strong>nou que os ca<strong>de</strong>ados fossem<br />
quebrados e os funcionários retornaram ao trabalho. No dia seguinte, Rocco recebeu um<br />
telefonema <strong>de</strong> um homem que com voz calma explicou que Rocco havia “cruzado a linha do<br />
Comando [Vermelho] e que agora estava con<strong>de</strong>nado a morte”. O Comando Vermelho é a<br />
maior organização criminosa <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas no Rio <strong>de</strong> Janeiro e talvez em todo o Brasil.<br />
O homem explicou que o Comando Vermelho havia fechado a secretaria e que não havia nada<br />
que Rocco pu<strong>de</strong>sse fazer.<br />
Preocupado, Rocco procurou o secretário e juntos contataram a Prefeitura e a Secretaria<br />
Estadual <strong>de</strong> Segurança Pública. Eles requisitaram um gravador e um aparelho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />
<strong>de</strong> chamadas nas linhas da Secretaria para Assuntos Ambientais. Depois, registraram o<br />
inci<strong>de</strong>nte na polícia. O coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> segurança do estado Luis Eduardo Soares e o Centro<br />
pela Segurança <strong>de</strong> Ambientalistas aconselharam Rocco sobre segurança pessoal (por<br />
exemplo, evitar andar sozinho e mudar suas rotas todos os dias), mas Rocco continuou a<br />
temer por sua vida. Para garantir sua segurança, Rocco tirou trinta dias <strong>de</strong> licença e viajou<br />
para outro estado. Uma semana após o fechamento do prédio da secretaria e durante a licença<br />
<strong>de</strong> Rocco, o prédio da secretaria sofreu uma ameaça <strong>de</strong> bomba. Rocco registrou a ameaça<br />
junto ao Centro Estadual pela Segurança <strong>de</strong> Ambientalistas. Rocco trabalhou na secretaria por<br />
mais nove meses, mas dado o clima constante <strong>de</strong> insegurança e outras limitações que<br />
impediam sua capacida<strong>de</strong> para fazer cumprir a legislação ambiental, 260 ele sentiu-se forçado a<br />
<strong>de</strong>ixar seu cargo em Niterói e retornou para trabalhar por tempo integral com as ONGs<br />
ambientais na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Em 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou o Ofício JG/RJ n o 086/02 ao<br />
Coronel Josias Quintal, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
260 Rocco explicou ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global que em comunida<strong>de</strong>s urbanas, qualquer autorida<strong>de</strong> responsável por fazer<br />
cumprir a legislação ambiental encontra gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em se fazer respeitar, sobretudo em comunida<strong>de</strong>s com<br />
presença ativa <strong>de</strong> traficantes <strong>de</strong> droga. Segundo Rocco, as autorida<strong>de</strong>s freqüentemente encontram em tais áreas jovens<br />
fortemente armados, que po<strong>de</strong>m impedir o acesso às comunida<strong>de</strong>s, ou que po<strong>de</strong>m ser aqueles a quem as autorida<strong>de</strong>s<br />
ambientais <strong>de</strong>vem alertar sobre limites <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> som (em bailes ou clubes) ou outras formas <strong>de</strong> poluição. Tais<br />
circunstâncias <strong>de</strong>ixam os agentes <strong>de</strong> cumprimento da lei com a sensação que sua autorida<strong>de</strong> é limitada ou mesmo<br />
inexistente. Em entrevista <strong>de</strong> Rogério Rocco ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 98
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Versão em português (provisória)<br />
Assassinato <strong>de</strong> João Dantas <strong>de</strong> Brito, fiscal do IBAMA em Nísia Floresta, Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte<br />
Em 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, João Dantas <strong>de</strong> Brito (Dantas), diretor da Floresta <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong><br />
Nísia Floresta, administrada pelo IBAMA, foi assassinado em Nísia Floresta, Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte. Dantas havia se aposentado como fiscal do IBAMA, e trabalhava em Nísia Floresta<br />
havia seis meses. 261 <strong>Na</strong> noite <strong>de</strong> seu assassinato, quatro homens armados com pistolas<br />
entraram em sua residência. Dantas recebeu um tiro nas costas e outro no olho, e morreu logo<br />
<strong>de</strong>pois. Sua mulher, que presenciou o crime, nada sofreu. Os homens também roubaram seis<br />
armas <strong>de</strong> fogo da casa, além <strong>de</strong> munição, uma máquina fotográfica e dinheiro. 262<br />
O caso foi levado à polícia fe<strong>de</strong>ral em <strong>Na</strong>tal, que abriu inquérito policial, a cargo do oficial<br />
Marcos Aurélio Carvalho. O Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />
Norte também prometeu investigar o caso sob a direção do oficial Amaro Rinaldo. A direção<br />
executiva do IBAMA no Rio Gran<strong>de</strong> do Norte estabeleceu um comitê interno para investigar<br />
o caso. O comitê pediu à polícia fe<strong>de</strong>ral que consi<strong>de</strong>rasse todas as hipóteses possíveis. 263 Até<br />
o dia 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, os funcionários do escritório do IBAMA em Nísia Floresta não<br />
haviam recebido informações sobre o estado das investigações. 264<br />
Em 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou os ofícios JG/RJ n o 093/02 a<br />
Marcos Aurélio Carvalho da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, JG/RJ n o 094/02 ao<br />
escritório do IBAMA em <strong>Na</strong>tal, e JG/RJ n o 095/02 ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do<br />
Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar<br />
das investigações.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
261 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com funcionário do escritório do IBAMA em Nísia Floresta, 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2002.<br />
262 “Fiscal do Ibama é morto e armas são roubadas”, O Globo (Rio <strong>de</strong> Janeiro), 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
263 “Polícia Fe<strong>de</strong>ral investiga assassinato <strong>de</strong> servidor do Ibama,” publicado na página http:// www.ambientebrasil.com.br em<br />
5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.<br />
264 Entrevista do Centro <strong>de</strong> Justiça Global com funcionário do escritório do IBAMA em Nísia Floresta, 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2002.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 99
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Versão em português (provisória)<br />
6. Em <strong>de</strong>fesa dos direitos indígenas: a luta pelo reconhecimento das terras e<br />
práticas tradicionais<br />
A Constituição Brasileira <strong>de</strong> 1988 exige que as autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais proporcionem títulos<br />
<strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> terra para as comunida<strong>de</strong>s indígenas sobre as áreas tradicionalmente ocupadas<br />
por estas. Ainda assim, <strong>de</strong> acordo com o Conselho Missionário Indigenista (CIMI), até<br />
meados do ano 2001, havia ainda 175 áreas à espera <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação oficial, 130 áreas com<br />
procedimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pen<strong>de</strong>ntes, 39 áreas à espera <strong>de</strong> reconhecimento e 98 áreas à<br />
espera <strong>de</strong> registro. De um total <strong>de</strong> 756 áreas indígenas, a transferência do título ainda não<br />
havia sido completada em 442 <strong>de</strong>las, quase oito anos após o prazo final <strong>de</strong>terminado pela<br />
constituição.<br />
Outro sério problema para as comunida<strong>de</strong>s indígenas é a invasão das terras. Defensores dos<br />
direitos indígenas estimam que 85% das terras indígenas (inclusive as terras já <strong>de</strong>marcadas)<br />
sofrem algum tipo <strong>de</strong> invasão. Estas invasões vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ocupação ilegal para habitação e<br />
contendas sobre o título da terra até a utilização das terras indígenas por projetos<br />
governamentais (projetos <strong>de</strong> colonização, obras em estradas, construção <strong>de</strong> represas, linhas <strong>de</strong><br />
transmissão, vias fluviais, vias férreas, tubulações <strong>de</strong> gás e petróleo, linhas <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong><br />
minério, projetos <strong>de</strong> preservação ambiental, etc.). As invasões também incluem a exploração<br />
<strong>de</strong> recursos naturais (extração <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, pesca, caça, etc.).<br />
Aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos dos povos indígenas, e em particular, o direito <strong>de</strong> terem<br />
suas terras <strong>de</strong>marcadas em acordo com a legislação da constituição fe<strong>de</strong>ral, encontram muitas<br />
vezes uma resistência violenta por parte <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> terras e outros com<br />
interesses nas terras tradicionais indígenas ou em recursos provenientes <strong>de</strong>stas. Conforme<br />
<strong>de</strong>talhado neste capítulo, não é incomum que <strong>de</strong>fensores dos direitos indígenas recebam<br />
ameaças <strong>de</strong> morte ou agressão física, inclusive tentativas <strong>de</strong> assassinato. Estas ameaças não se<br />
limitam a membros da socieda<strong>de</strong> civil. Até mesmo <strong>de</strong>putados e funcionários da Fundação<br />
<strong>Na</strong>cional do Índio (FUNAI), que fazem cumprir a legislação brasileira sobre direitos<br />
indígenas, que contrarie fortes interesses locais na zona rural do Brasil, estão sujeitos a<br />
violência ou ameaças <strong>de</strong> violência. Como exemplo, Geraldo Rolim da Mota Filho, advogado<br />
da FUNAI e presi<strong>de</strong>nte do Partido Socialista Brasileiro (PSB) em Pernambuco, foi<br />
assassinado em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Sebastião <strong>de</strong> Umbuzeiro. Antes <strong>de</strong><br />
morrer, Rolim i<strong>de</strong>ntificou o dono <strong>de</strong> terra local Teopompo <strong>de</strong> Siqueira Brito Sobrinho e<br />
quatro cúmplices como os autores do crime. 265 Rolim, <strong>de</strong> 32 anos, trabalhava para ajudar a<br />
<strong>de</strong>marcar as fronteiras da Reserva Indígena <strong>de</strong> Xucuru. Por causa <strong>de</strong> seu trabalho havia<br />
recebido ameaças <strong>de</strong> donos <strong>de</strong> terra na região. 266<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte contra Agnaldo Francisco dos Santos, vereador em Pau Brasil, Bahia<br />
Em fevereiro <strong>de</strong> 2001, Agnaldo Francisco dos Santos, vereador pelo Partido dos<br />
Trabalhadores (PT) em Pau Brasil, sul do Estado da Bahia, começou a receber ameaças <strong>de</strong><br />
morte do prefeito da cida<strong>de</strong>, José Augusto dos Santos Filho. Por quase vinte anos a proposta<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação das terras indígenas tem sido um assunto polêmico em Pau Brasil. O<br />
265 Ofício 134/95P do <strong>de</strong>putado Nilmário Miranda, presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Deputados a Antônio Mariz, Governador da Paraíba, 18 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995.<br />
266 Comunicado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Região Nor<strong>de</strong>ste, 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 100
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
vereador, membro da comunida<strong>de</strong> indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, apóia a <strong>de</strong>marcação, em<br />
oposição ao prefeito, que apóia os títulos <strong>de</strong> posse da terra existentes, muitos <strong>de</strong>stes<br />
pertencentes a familiares do prefeito. A posse <strong>de</strong> terras indígenas é uma questão para a<br />
jurisdição fe<strong>de</strong>ral e não municipal, mas mesmo assim as discussões locais sobre a <strong>de</strong>marcação<br />
têm alimentado a violência contra os povos indígenas. A ação movida para anular os títulos <strong>de</strong><br />
terra existentes tem sido retardada há 19 anos, e ainda espera por uma <strong>de</strong>cisão final do<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Neste período, cerca <strong>de</strong> treze lí<strong>de</strong>res indígenas foram<br />
assassinados na região, <strong>de</strong> acordo com o CIMI. 267 Em 2001, o prefeito José Augusto dos<br />
Santos Filho ameaçou tornar o vereador Agnaldo Francisco dos Santos a décima-quarta<br />
vítima.<br />
Segundo o vereador, o estopim para as ameaças <strong>de</strong> morte foi uma disputa sobre a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />
178 funcionários públicos, indígenas ou não, por parte do prefeito, em 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2001. O<br />
prefeito alegou haver irregularida<strong>de</strong>s na documentação do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Município<br />
(TCM) que datavam <strong>de</strong> 1997, o ano em que os funcionários haviam sido contratados. O<br />
vereador Agnaldo <strong>de</strong>nunciou publicamente a ação do prefeito, <strong>de</strong>clarando que os funcionários<br />
haviam sido <strong>de</strong>mitidos erroneamente, já que a Câmara <strong>de</strong> Vereadores havia aprovado os<br />
termos das contratações em todos os três anos anteriores. O vereador moveu uma ação contra<br />
a administração do prefeito, em nome dos funcionários <strong>de</strong>mitidos. Em 23 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2001, um juiz do Estado da Bahia <strong>de</strong>cidiu em favor dos funcionários, obrigando o prefeito a<br />
reincorporá-los e a compensá-los pelos salários perdidos. 268<br />
As ameaças <strong>de</strong> morte começaram cerca <strong>de</strong> duas semanas antes da <strong>de</strong>cisão do juiz. Em 9 <strong>de</strong><br />
fevereiro <strong>de</strong> 2001, policiais visitaram a casa <strong>de</strong> um colega do vereador Agnaldo dos Santos, o<br />
lí<strong>de</strong>r indígena Gérson Melo. A polícia disse a Melo que “aconselhasse” o vereador a<br />
abandonar a ação contra o prefeito, e que a vida do vereador estava em risco. Os policiais<br />
avisaram que po<strong>de</strong>riam “intimá-lo”. Segundo Melo, “na linguagem da nossa região, isso<br />
significa matar”. 269 Temendo por sua segurança, em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2001 o vereador dos<br />
Santos fez com que um grupo <strong>de</strong> 80 índios Pataxó Hã-Hã-Hãe o acompanhassem ao tribunal.<br />
No mesmo dia, ele recebeu uma nova ameaça da polícia.<br />
Após a ação, o vereador dos Santos continuou a criticar <strong>de</strong> viva voz a posição do prefeito<br />
sobre a posse das terras indígenas, assim como práticas pouco éticas <strong>de</strong> sua administração,<br />
como o nepotismo. As ameaças também continuaram. Em 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001, o partido <strong>de</strong><br />
Santos, o PT, publicou um relatório sobre os abusos éticos do prefeito. No mesmo dia o irmão<br />
do prefeito, o vereador Wilson Augusto, que havia ameaçado matar o presi<strong>de</strong>nte do PT <strong>de</strong> Pau<br />
Brasil três dias antes, xingou o vereador Santos e jogou um microfone contra ele, atingindo-o.<br />
O vereador informou o <strong>de</strong>putado estadual Zilton Rocha que Pau Brasil havia se tornado “um<br />
barril <strong>de</strong> pólvora” e que as ruas estavam cheias <strong>de</strong> pessoas armadas. 270<br />
267 “Vereador Indígena é ameaçado <strong>de</strong> morte na Bahia”, Informe no. 450 do Conselho Indigianista Missionário (CIMI), 1 o <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 2001.<br />
268 Denúncia aberta pelo vereador dos Santos, anexa ao Ofício No. 076-01 do Deputado do Estado da Bahia Zilton Rocha ao<br />
<strong>de</strong>putado Nelson Pellegrino, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, 18 <strong>de</strong> junho<br />
<strong>de</strong> 2001.<br />
269 “Vereador Indígena é ameaçado <strong>de</strong> morte na Bahia”, Informe no. 450, op. cit.<br />
270 Denúncia pelo vereador dos Santos Deputado do Estado da Bahia Zilton Rocha, op.cit.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 101
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em resposta à carta do vereador, o <strong>de</strong>putado Zilton Rocha contatou a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral dos Deputados, que requisitou que as autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais e<br />
estaduais tomassem medidas para proteger a vida do vereador dos Santos. 271 Até agora, as<br />
autorida<strong>de</strong>s fracassaram em tomar medidas a<strong>de</strong>quadas para prevenir os abusos ou investigar<br />
os responsáveis pelas ameaças. A questão da <strong>de</strong>marcação da terra para uso indígena, a<br />
principal fonte <strong>de</strong> atrito entre as duas partes, continua não resolvida.<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 20002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 049/02 a<br />
Fernando Steger Tourinho <strong>de</strong> Sá, procurador-geral do Estado da Bahia, e Ofício JG/RJ n o<br />
050/02 a Kátia Maria Alves dos Santos, Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia,<br />
solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar das investigações.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaça <strong>de</strong> expulsão <strong>de</strong> Winfridus Overbeek, engenheiro ambiental e ativista <strong>de</strong> direitos<br />
indígenas, Aracruz, Espírito Santo<br />
Em 1998, o engenheiro ambiental Winfridus Overbeek, cidadão holandês <strong>de</strong> 32 anos,<br />
trabalhava já há três anos com as tribos Tupinikin e Guarani no Estado do Espírito Santo<br />
como consultor em programas <strong>de</strong> produção sustentável. 272<br />
Em 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, às 5:30 da manhã, em frente ao escritório do Conselho Indigianista<br />
Missionário (CIMI), na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aracruz, dois homens e uma mulher não i<strong>de</strong>ntificados<br />
<strong>de</strong>tiveram Overbeek e o levaram em um veículo para Vitória. No caminho eles informaram a<br />
Overbeek que eram agentes da polícia fe<strong>de</strong>ral. Em Vitória, os agentes o interrogaram por sete<br />
horas. 273 De acordo com Overbeek: “durante o interrogatório, ninguém me explicou do que<br />
eu estava sendo acusado”. 274<br />
Após a interrogação, os agentes acusaram Overbeek <strong>de</strong> incitar conflitos entre membros das<br />
tribos e autorida<strong>de</strong>s locais sobre ocupação <strong>de</strong> terra. Com base nesta acusação, a polícia alterou<br />
os termos do visto brasileiro <strong>de</strong> Overbeek, reduzindo sua duração <strong>de</strong> dois anos para oito dias.<br />
Os agentes informaram a Overbeek que seria <strong>de</strong>portado, caso <strong>de</strong>srespeitasse a duração do<br />
visto. 275<br />
271 Ofício no. 94/2001-P do <strong>de</strong>putado Marcos Rolim, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Deputados, ao procurador-geral da Bahia, Dr. Fernando Steger Tourinho <strong>de</strong> Sá, 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001; Ofício no. 95/2001-P<br />
do <strong>de</strong>putado Rolim à Secretaria Estadual <strong>de</strong> Segurança Pública, Kátia Maria Alves Santos, 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001; Ofício no.<br />
96/2001-P do <strong>de</strong>putado Rolim ao Ministro da Justiça Dr. José Gregori, 5 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001.<br />
272 Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Informe: “Polícia Fe<strong>de</strong>ral Seqüestra Missionário do CIMI”, 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />
1998.<br />
273 Ofício do Conselho Ecumênico sobre Direitos Humanos, em Quito, para o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, Luiz<br />
Eduardo Magalhães, 24 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
274 “Religioso Nega Violência no ES”. Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998.<br />
275 Ibid.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
O interrogatório e a ameaça <strong>de</strong> <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> Overbeek ocorreram em meio a vários atos <strong>de</strong><br />
intimidação contra as tribos Tupinikin e Guarani e seus <strong>de</strong>fensores. Os conflitos começaram<br />
em 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, quando as tribos começaram a <strong>de</strong>marcar o que consi<strong>de</strong>ravam ser sua<br />
terra tradicional. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sta terra era então ocupada pela firma multinacional Aracruz<br />
Celulose, que questionava a alegação das tribos <strong>de</strong> direito às terras. De acordo com o CIMI,<br />
Aracruz Celulose também utilizou intimidação e ameaças, com o apoio do presi<strong>de</strong>nte local da<br />
Fundação <strong>Na</strong>cional do Índio (FUNAI), para paralisar a resistência das tribos à presença da<br />
empresa. 276<br />
Em 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998, a juíza fe<strong>de</strong>ral Maria Cláudia <strong>de</strong> Garcia, do Terceiro Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral no Espírito Santo, anulou a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>portação da polícia fe<strong>de</strong>ral em resposta a uma<br />
requisição dos advogados <strong>de</strong> Overbeek. 277<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 078/02 a<br />
Fernando Queiroz Segovia Oliveira, <strong>de</strong>legado da polícia fe<strong>de</strong>ral no Espírito Santo, solicitando<br />
as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte contra Gilney Viana, Deputado Estadual, e presi<strong>de</strong>nte da Comissão<br />
<strong>de</strong> Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Mato Grosso, Cuiabá,<br />
Mato Grosso<br />
Gilney Viana, <strong>de</strong>putado estadual e presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e Cidadania<br />
da Assembléia Legislativa do Mato Grosso, começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte por telefone<br />
em setembro <strong>de</strong> 2001. 278<br />
Há anos Viana tem <strong>de</strong>fendido abertamente a <strong>de</strong>marcação das terras indígenas.<br />
Particularmente, ele promoveu estudos para a possível <strong>de</strong>marcação, no futuro, <strong>de</strong> terras para<br />
uma reserva no Corredor dos Xavantes, que inclui os municípios <strong>de</strong> Água Boa, Nova<br />
Xavantina, Campinópolis e Nova <strong>Na</strong>zaré.<br />
No início <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, telefonemas anônimos começaram a chegar à casa <strong>de</strong> Viana<br />
<strong>de</strong> forma incessante. A cada vez, perguntavam se realmente era a casa <strong>de</strong> Viana para então<br />
<strong>de</strong>sligarem, sem dizerem mais nada. <strong>Na</strong> segunda-feira, dia 8 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, foi dado<br />
um telefonema anônimo a um conhecido <strong>de</strong> Viana, em que pediam ao conhecido que<br />
aconselhasse Viana a “<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado os assuntos referentes às terras indígenas, caso<br />
contrário, po<strong>de</strong>ria se dar mal”.<br />
276 Ofício do Conselho Indigenista Missionário, op.cit.<br />
277 “Religioso Nega Violência no ES” op.cit.<br />
278 Os <strong>de</strong>talhes dos inci<strong>de</strong>ntes referentes ao caso provêem primariamente <strong>de</strong> dois artigos <strong>de</strong> jornal: “Gilney Viana sofre<br />
ameaça <strong>de</strong> morte”, Diário <strong>de</strong> Cuiabá, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001; e “Assembléia Vistoria”, Folha do Estado (Cuiabá), 11 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Segundo uma carta enviada pelo amigo <strong>de</strong> Viana à Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado<br />
<strong>de</strong> Mato Grosso, “as pessoas envolvidas não se i<strong>de</strong>ntificaram, mas as palavras foram<br />
suficientemente claras para me sentir ameaçado”. 279<br />
Viana acusou três grupos <strong>de</strong> donos <strong>de</strong> terras, a Fe<strong>de</strong>ração da Agricultura do Estado do Mato<br />
Grosso (FAMATO), a Confe<strong>de</strong>ração <strong>Na</strong>cional da Agricultura (CNA) e o Instituto <strong>de</strong> Terras<br />
do Mato Grosso (Intermat) <strong>de</strong> alarmismo frente aos estudos. Ele relacionou as ameaças ao<br />
incitamento, por parte <strong>de</strong> FAMATO e Intermat, dos donos <strong>de</strong> terra locais rumo a uma<br />
resistência militante contra os grupos indígenas e os órgãos oficiais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>stes grupos.<br />
Em resposta às ameaças, Viana pediu proteção ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado<br />
do Mato Grosso, Benedito Corbelino. Porém, até 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a proteção <strong>de</strong><br />
Viana não havia sido autorizada. <strong>Na</strong>quele dia, Viana apresentou uma <strong>de</strong>núncia junto ao<br />
Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral sobre as ameaças <strong>de</strong> morte. Ele enviou as mesmas <strong>de</strong>núncias ao<br />
presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, Nelson<br />
Pellegrino.<br />
Em 10 <strong>de</strong> outubro, por pedido <strong>de</strong> Viana, a Assembléia Legislativa Estadual do Mato Grosso<br />
criou uma Comissão Parlamentar Especial para supervisionar o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação. No<br />
dia seguinte, a Comissão enviou uma carta oficial ao Ministro da Justiça, José Gregori,<br />
solicitando medidas para a proteção física <strong>de</strong> Viana. 280<br />
Em 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou o Ofício JG/RJ n o 096/02 ao<br />
Secretário Corbelino, solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaças contra Laudovina Aparecida Pereira e Elma Andra<strong>de</strong> Souza, <strong>de</strong>fensoras dos<br />
direitos indígenas, em Palmas, Tocantins<br />
Laudovina Aparecida Pereira, coor<strong>de</strong>nadora regional do Conselho Indigianista Missionário<br />
(CIMI) do Estado do Tocantins, e Elma Andra<strong>de</strong> Souza, do mesmo escritório regional do<br />
CIMI, receberam diversas ameaças <strong>de</strong> morte a partir <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998. Em 31 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1998, Laudovina havia organizado um seminário sobre os impactos sócioambientais<br />
da represa hidrelétrica <strong>de</strong> Lajeado, que estava em construção na época. O<br />
seminário trouxe à atenção do público alguns dos aspectos potencialmente negativos da<br />
represa, construída a menos <strong>de</strong> 50 km <strong>de</strong> Palmas, capital do Estado <strong>de</strong> Tocantins. 281<br />
Após o seminário, o escritório do CIMI em Tocantins começou a receber telefonemas<br />
anônimos com ameaças <strong>de</strong> morte contra Laudovina e Elma. Em alguns dos telefonemas<br />
279 “Gilney Viana sofre ameaça <strong>de</strong> morte”, Diário <strong>de</strong> Cuiabá, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
280 Ofício No. 972/2001-P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados ao Ministro da Justiça José<br />
Gregori, 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
281 “Missionários do CIMI sofrem ameaças <strong>de</strong> morte no Tocantins”, Informe do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do<br />
Estado do Tocantins, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
solicitavam informações sobre dois dos palestrantes do seminário: Saulo Feitosa, secretário<br />
executivo do CIMI e Sadi Baron, membro da Coor<strong>de</strong>nação <strong>Na</strong>cional do Movimento dos<br />
Atingidos por Barragens (MAB). 282<br />
Os telefonemas se intensificaram nos dias seguintes ao seminário. A pedido <strong>de</strong> Laudovina, a<br />
empresa telefônica local instalou um BINA, aparelho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação para registrar as<br />
ligações feitas para o escritório. A maioria das ligações vinha <strong>de</strong> telefones públicos. As<br />
chamadas provinham <strong>de</strong> diversos números <strong>de</strong> telefone, mas muitas tinham origem na<br />
imobiliária Miranom. 283 Algumas vezes era só silêncio do outro lado da linha, outras vezes,<br />
como no dia 19 <strong>de</strong> novembro, quem chamava anunciava: “ela vai morrer.” 284<br />
Laudovina Pereira foi à polícia registrar as ameaças <strong>de</strong> morte. O <strong>de</strong>legado inicialmente se<br />
recusou a registrar a ocorrência, insistindo que não era <strong>de</strong> importância, provavelmente trotes<br />
<strong>de</strong> adolescentes. Segundo Laudovina, “o <strong>de</strong>legado estava… com muita falta <strong>de</strong> educação, nos<br />
colocou fora da sala. Depois ele ficou sabendo que nós éramos do CIMI, só então nos<br />
recebeu com mais educação… dizia que: nós não precisávamos ensiná-los a trabalhar, não<br />
precisava mandar neles, porque eles não trabalhavam sobre pressão.” 285<br />
Em 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados<br />
enviou Ofício ao então Secretário <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos Humanos, José Gregori, solicitando<br />
medidas para garantir a integrida<strong>de</strong> física, moral e psicológica das vítimas das ameaças. 286<br />
No mesmo dia, a Comissão enviou também um ofício ao Procurador Regional dos Direitos do<br />
Cidadão, Mário Lúcio <strong>de</strong> Avelar, solicitando medidas preventivas para proteger as vidas dos<br />
ativistas que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os direitos indígenas no Estado do Tocantins. 287 Em resposta, Avelar<br />
enviou um Ofício ao promotor <strong>de</strong> justiça, Edson Azambuja, argumentando que o caso era da<br />
jurisdição da Justiça do Estado e solicitando uma investigação criminal. 288<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou o Ofício JG/RJ n o 037/02 à<br />
Dra. Jacqueline Adorno <strong>de</strong> la Cruz Barbosa, procuradora-geral do Estado <strong>de</strong> Tocantins, e<br />
Ofício JG/RJ n o 038/02 ao Dr. <strong>Na</strong>poleão <strong>de</strong> Souza Luz Sobrinho, Secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do Estado do Tocantins, solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar<br />
do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
282 Ofício 981/98P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados ao Secretário <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos José Gregori, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
283 Informe do Conselho Indigenista Missionário, op.cit.<br />
284 Ofício 981/98P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, op. cit.<br />
285 Correspondência <strong>de</strong> Laudovina Aparecida Pereira do CIMI, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
286 Ofício No. 981/98P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, op. cit.<br />
287 Ibid.<br />
288 Ofício No. 638/PRDC-TO <strong>de</strong> Mário Lúcio <strong>de</strong> Avelar, Procurador Regional dos Direitos da Cidadão, Ministério Público<br />
Fe<strong>de</strong>ral no Estado <strong>de</strong> Tocantins, ao Promotor <strong>de</strong> Justiça Edson Azambuja, 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
7. Em <strong>de</strong>fesa dos direitos trabalhistas no Brasil Urbano: Investigações sobre<br />
corrupção levam à violência<br />
A <strong>de</strong>fesa dos direitos trabalhistas no Brasil, assim como a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> muitos outros direitos, é<br />
protegida por lei. Mesmo assim, como um muitas outras áreas apresentadas neste relatório,<br />
lí<strong>de</strong>res urbanos <strong>de</strong> direitos trabalhistas enfrentam riscos severos quando <strong>de</strong>nunciam práticas<br />
irregulares e corruptas. O exemplo mais claro dos perigos enfrentados por sindicalistas<br />
urbanos é <strong>de</strong>monstrado pela severa violência infligida aos lí<strong>de</strong>res dos sindicatos <strong>de</strong><br />
enfermeiros e trabalhadores do setor elétrico no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Num período <strong>de</strong> quatro anos,<br />
quatro lí<strong>de</strong>res foram perseguidos e assassinados no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Só nos últimos dois anos,<br />
três lí<strong>de</strong>res sindicais foram assassinados. Infelizmente, até a data <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste<br />
relatório, os casos não haviam sido resolvidos pela investigação policial, permitindo que o<br />
clima <strong>de</strong> medo continue inalterado.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Aldamir Carlos dos Santos, sindicalista, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Capital<br />
Em 24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, um motociclista não i<strong>de</strong>ntificado atirou e matou o presi<strong>de</strong>nte do<br />
Sindicato dos Trabalhadores em Energia (Sintergia), Aldamir Carlos dos Santos, <strong>de</strong> 38 anos,<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro. 289 Aldamir presidia o Sintergia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong> 2000, além <strong>de</strong> ser candidato pelo<br />
Partido dos Trabalhadores à Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro. <strong>Na</strong> noite do<br />
assassinato, Aldamir voltava para casa dirigindo, após uma reunião com uma organização<br />
local <strong>de</strong> direitos civis. Quando parou num semáforo, um motoqueiro parou ao lado <strong>de</strong> seu<br />
carro e o matou com um tiro na cabeça. O autor dos disparos fugiu.<br />
Em 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2001, o <strong>de</strong>legado do 29 o Distrito Policial anunciou que investigaria o<br />
assassinato como uma tentativa <strong>de</strong> assalto. 290 No dia seguinte, membros da Central Única dos<br />
Trabalhadores (CUT) e outros sindicalistas fizeram gestões junto ao Secretário <strong>de</strong> Segurança<br />
Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Josias Quintal, pedindo ação no caso. Josias Quintal<br />
prometeu uma investigação rigorosa, e em 27 <strong>de</strong> novembro o governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Anthony Garotinho anunciou à imprensa que as autorida<strong>de</strong>s resolveriam o caso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 48<br />
horas.<br />
A estimativa do governador Garotinho foi mais do que otimista. Em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001,<br />
o <strong>de</strong>putado José Dirceu presidiu uma reunião pública com a presença do Ministro da Justiça,<br />
on<strong>de</strong> a viúva <strong>de</strong> Aldamir, o atual presi<strong>de</strong>nte do Sintergia, e outros amigos solicitaram a<br />
intervenção do governo fe<strong>de</strong>ral na investigação.<br />
Atualmente o caso está a cargo da Delegacia <strong>de</strong> Repressão ao Crime Organizado (DRACO)<br />
da polícia estadual. Em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, policiais fizeram uma reconstituição do crime.<br />
289 Esta informação baseia-se na <strong>de</strong>claração do presi<strong>de</strong>nte da seção Rio <strong>de</strong> Janeiro do Sintergia, Al<strong>de</strong>rízio Catarino da Silva,<br />
ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global, em 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
290 O assassinato foi registrado no 29 o Distrito Policial no Registro <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>ntes n o 124/01. Os <strong>de</strong>tetives do 29 o Distrito<br />
Policial abriram o Inquérito Policial n o 5955/3401.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 107
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 051/02 a<br />
Pedro Paulo Abreu, <strong>de</strong>legado da DRACO, solicitando as informações mais recentes sobre o<br />
<strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Em resposta, em 18 <strong>de</strong> fevereiro, o sub<strong>de</strong>legado da DRACO, Ricardo Hallak, falou por<br />
telefone com o Centro <strong>de</strong> Justiça Global. O sub<strong>de</strong>legado Hallak <strong>de</strong>clarou que a investigação<br />
ainda não havia terminado, e que o inquérito policial oficial 291 havia sido enviado à<br />
Promotoria Pública em 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, com uma requisição <strong>de</strong> extensão para finalizar<br />
a investigação.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Guaraci Novaes Barbosa, 59 anos, membro do Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Enfermagem (COFEN), Rio <strong>de</strong> Janeiro, Capital<br />
Guaraci havia submetido documentos comprometedores às autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> enfermagem,<br />
indicando corrupção <strong>de</strong>ntro do COFEN, uma autarquia fe<strong>de</strong>ral vinculada ao Ministério do<br />
Trabalho.<br />
Em 1996, num congresso para sindicatos <strong>de</strong> enfermagem, profissionais e outros afiliados,<br />
Guaraci participou da criação do grupo MovimentAÇÃO, em seqüência às investigações <strong>de</strong><br />
irregularida<strong>de</strong>s no Conselho <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Enfermagem sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Gilberto Teixeira e<br />
sua mulher, Hortência Maria da Santana. As irregularida<strong>de</strong>s incluíam falta <strong>de</strong> supervisão<br />
profissional, corrupção e malversação <strong>de</strong> fundos.<br />
Com o congresso <strong>de</strong> 1996 <strong>de</strong>u-se início a uma mobilização <strong>de</strong> enfermeiros em larga escala,<br />
sobretudo no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> fica a se<strong>de</strong> do COFEN. A Associação Brasileira <strong>de</strong><br />
Enfermagem (ABEN) e sindicatos <strong>de</strong> enfermeiros em todo o Brasil organizaram protestos<br />
públicos, passeatas e <strong>de</strong>núncias em congressos <strong>de</strong> enfermagem. Houve uma ruptura política<br />
<strong>de</strong>ntro do COFEN, no qual alguns dos conselheiros, entre eles Maria Lúcia Tavares e Guaraci<br />
Novaes Barbosa, entregaram documentos com evidências <strong>de</strong> má administração financeira à<br />
ABEN e ao Sindicato dos Enfermeiros do Rio <strong>de</strong> Janeiro (SERJ). O SERJ <strong>de</strong>nunciou então<br />
tais irregularida<strong>de</strong>s ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, ao Ministério do Trabalho e à<br />
Procuradoria Geral da República no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Então, Guaraci avisou aos membros do<br />
SERJ que eles corriam risco <strong>de</strong> vida.<br />
Maria Lúcia Martins Tavares, que se tornara presi<strong>de</strong>nte do COFEN, solicitou proteção<br />
policial para si e para Guaraci, pouco antes <strong>de</strong> seu assassinato, ao Superinten<strong>de</strong>nte da Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral Jairo Kulman, que aten<strong>de</strong>u sua solicitação.<br />
Numa terça-feira <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, às 9:30 da noite aproximadamente, Guaraci,<br />
acompanhada por seu segurança, o sargento Jorge Frisch, retornava do Aeroporto<br />
Internacional do Rio, para on<strong>de</strong> havia acompanhado Maria Lúcia, que viajava para Belém.<br />
Dois homens, armados com pistolas 9mm automáticas, ultrapassaram seu carro na Rua Leão<br />
Godinho <strong>de</strong> Oliveira e dispararam. Guaraci recebeu <strong>de</strong>z tiros e morreu na hora. Frisch foi<br />
atingido quatro vezes e levado ao Hospital Central da Polícia Militar.<br />
291 Inquérito Policial n o 45/2001 da Delegacia <strong>de</strong> Repressão ao Crime Organizado (DRACO), Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 108
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 073/02 ao<br />
Cel. Josias Quintal, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, solicitando<br />
as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento <strong>de</strong> finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Assassinato <strong>de</strong> Edma Valadão, presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Enfermeiros do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, e Marcos Valadão, presi<strong>de</strong>nte da Associação Brasileira <strong>de</strong> Enfermagem, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Capital<br />
Edma Valadão e Marcos Valadão faziam parte do grupo MovimentAÇÃO li<strong>de</strong>rado por<br />
Guaraci Barbosa (caso acima), que havia <strong>de</strong>nunciado irregularida<strong>de</strong>s financeiras <strong>de</strong>ntro do<br />
COFEN, este li<strong>de</strong>rado por Gilberto Teixeira e sua mulher, Hortência Maria da Santana. Após<br />
a morte <strong>de</strong> Guaraci, Edma e Marcos exigiram que sua morte fosse investigada. A partir <strong>de</strong><br />
então começaram a receber<br />
Após as <strong>de</strong>núncias, Edma foi candidata à presidência do SERJ contra a chapa apoiada pelo<br />
COFEN. Durante a campanha, tanto ela como o SERJ foram alvo <strong>de</strong> inúmeras ameaças.<br />
Edma ganhou a eleição com 80% dos votos. Em 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999, Edma tomou posse<br />
como presi<strong>de</strong>nte do SERJ. No dia 20 <strong>de</strong> agosto, Edma e Marcos <strong>de</strong>ixaram sua casa, rumo à<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ). Quando pararam num sinal vermelho, dois<br />
homens em uma motocicleta se aproximaram. Os homens estavam armados e dispararam,<br />
primeiro em Marcos, que dirigia, e <strong>de</strong>pois contra Edma, e então fugiram. Marcos morreu na<br />
hora, enquanto Edma foi levada ao Hospital Salgado Filho, on<strong>de</strong> faleceu horas <strong>de</strong>pois. 292<br />
A ABEN e a Fe<strong>de</strong>ração Panamericana <strong>de</strong> Profissionais <strong>de</strong> Enfermagem enviaram uma<br />
comunicação à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, <strong>de</strong>nunciando as<br />
irregularida<strong>de</strong>s no COFEN. A ABEN também enviou uma circular a várias autorida<strong>de</strong>s<br />
brasileiras <strong>de</strong>nunciando diversas ocorrências <strong>de</strong> anos anteriores, tais como as mortes <strong>de</strong><br />
Guaraci Barbosa e <strong>de</strong> Jair Barbosa, motorista do COFEN que foi assassinado após haver<br />
testemunhado nas investigações dos assassinatos <strong>de</strong> Guaraci Barbosa, Edma, e Marcos. 293<br />
A Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados respon<strong>de</strong>u à ABEN ao criar uma<br />
subcomissão <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados do Rio <strong>de</strong> Janeiro, incluindo Fernando Gabeira, Antônio Carlos<br />
Biscaia, Eber Silver e Carlos Santana, para supervisionar e agilizar as investigações. 294<br />
Em 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, o presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados enviou um ofício ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Cel. Josias Quintal, solicitando sua intervenção pessoal para agilizar as investigações. 295<br />
292 Entrevista <strong>de</strong> Solange G. Belchior ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global, Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
293 Ofício 1061/99P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados a Eucléa Gomes Vale, presi<strong>de</strong>nte<br />
nacional da ABEN, 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999.<br />
294 Ibid.<br />
295 Ofício 1056/99P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados ao Coronel Josias Quintal,<br />
Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 109
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
O inquérito policial estava a cargo da Delegacia <strong>de</strong> Repressão ao Crime Organizado da<br />
Polícia (DRACO). Em agosto <strong>de</strong> 2001, agentes da DRACO encontraram quatro revólveres,<br />
uma pistola e uma carabina, que <strong>de</strong> acordo com dicas recebidas pelos agentes, eram armas<br />
usadas para matar Edma e Marcos. 296<br />
Em 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro organizou<br />
uma sessão pública sobre “Assassinatos <strong>de</strong> Sindicalistas no Rio <strong>de</strong> Janeiro” para verificar o<br />
progresso dos inquéritos policiais sobre as mortes <strong>de</strong> Edma e Marcos, entre outros.<br />
Em 8 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 026/02 ao<br />
Secretário Quintal solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaças a Solange G. Belchior, sindicalista, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Capital<br />
Solange G. Belchior é presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Enfermeiros do Rio <strong>de</strong> Janeiro (SERJ),<br />
on<strong>de</strong> trabalha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1998.<br />
Em 1996, num congresso organizado pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfermeiros e afiliados, foi formado<br />
o grupo MovimentAÇÃO, em resposta às investigações <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s no Conselho<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Enfermagem (COFEN), incluindo falta <strong>de</strong> supervisão profissional, corrupção e<br />
malversação <strong>de</strong> fundos. O COFEN é uma autarquia fe<strong>de</strong>ral vinculada ao Ministério do<br />
Trabalho. Durante as eleições <strong>de</strong> 1999, Edma Valadão foi eleita presi<strong>de</strong>nte do SERJ, com<br />
Solange G. Belchior como vice. Quando Edma foi assassinada (veja acima), Solange tornouse<br />
presi<strong>de</strong>nte do SERJ e continuou o trabalho <strong>de</strong> Edma <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar a malversação <strong>de</strong> fundos<br />
no COFEN.<br />
Entre 18 e 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999, Edma Valadão, Marcos Valadão e Solange Belchior<br />
participaram da Conferência <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, realizada na Universida<strong>de</strong><br />
Estadual do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ). No dia 20, Belchior estava na conferência quando<br />
recebeu um telefonema avisando que o casal Valadão havia sido morto a caminho da<br />
conferência. Solange aproveitou-se do gran<strong>de</strong> público presente para anunciar publicamente o<br />
que acabara <strong>de</strong> ouvir. Ela <strong>de</strong>clarou que o casal Valadão havia sido emboscado e assassinado<br />
pelos que se sentiram incomodados com as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> Edma contra o COFEN. Ela repetiu<br />
as <strong>de</strong>núncias que, junto com Edma, havia enviado a autorida<strong>de</strong>s tais como o Tribunal <strong>de</strong><br />
Contas da União, o Ministério do Trabalho e a Procuradoria Geral da República no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Solange foi então para o local do crime e repetiu as <strong>de</strong>clarações que fizera na<br />
conferência, <strong>de</strong>sta vez à imprensa. 297<br />
Em resposta, o COFEN e alguns <strong>de</strong> seus escritórios regionais – os Conselhos Regionais <strong>de</strong><br />
Enfermagem – moveram diversas ações <strong>de</strong> crime contra a honra. Ao todo, o COFEN moveu<br />
296 “A luta contra a impunida<strong>de</strong> continua”, Tempo <strong>de</strong> Luta (jornal oficial do SERJ), Outubro <strong>de</strong> 2001, p.8.<br />
297 Entrevista <strong>de</strong> Solange G. Belchior ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 110
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
29 ações criminais e 23 ações civis em várias partes do Brasil, algumas contra o SERJ e<br />
outras contra Solange. 298 O objetivo do litígio parece ter sido evitar que Solange e o SERJ<br />
continuassem as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s no COFEN.<br />
A partir do início das ações, Solange começou a receber telefonemas ameaçadores anônimos,<br />
em casa e na se<strong>de</strong> do SERJ, nos quais avisavam que ela estava falando <strong>de</strong>mais. Após o<br />
assassinato <strong>de</strong> Edma e Marcos, Solange esteve sob proteção policial por três meses, por causa<br />
das ameaças, enquanto seus filhos foram morar com os avós. Após a instalação <strong>de</strong> um<br />
aparelho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> chamadas, os telefonemas continuaram, mas passaram a ser<br />
mudos, sem ameaças. <strong>Na</strong> época da entrevista <strong>de</strong> Solange ao Centro <strong>de</strong> Justiça Global, ela<br />
ainda recebia estes telefonemas.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou o Ofício JG/RJ No. 065/02 ao<br />
Cel. Josias Quintal, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, solicitando<br />
as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte contra Daniel Rodrigues da Silva, lí<strong>de</strong>r sindical em Aracajú, Sergipe<br />
Em 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, Daniel Rodrigues da Silva, presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos<br />
Empregados em Empresas <strong>de</strong> Segurança e Vigilância, Transportes e Valores e Similares<br />
(Sindivigilante) do Estado <strong>de</strong> Sergipe, recebeu uma carta revelando planos para assassiná-lo.<br />
Segundo o autor da carta, quem planejava matá-lo era Averaldo Vieira Miranda, diretor <strong>de</strong><br />
operações at SSA – Serviços <strong>de</strong> Segurança Auxiliar Ltda., uma gran<strong>de</strong> empresa <strong>de</strong> segurança<br />
privada on<strong>de</strong> o autor da carta era supervisor. 299 Como lí<strong>de</strong>r sindical, Rodrigues havia irritado<br />
a direção da SSA, ao <strong>de</strong>nunciar em diversas ocasiões as práticas trabalhistas ilegais da<br />
empresa às autorida<strong>de</strong>s públicas, entre elas o Instituto <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Segurida<strong>de</strong> Social (INSS)<br />
do Estado <strong>de</strong> Sergipe. 300 Como resultado das <strong>de</strong>núncias, a empresa recebera diversas multas.<br />
O autor da carta participou <strong>de</strong> reuniões executivas no início <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, on<strong>de</strong> o diretor<br />
Vieira propusera “calar” Rodrigues, e que a morte “teria que aparentar um aci<strong>de</strong>nte”. Vieira<br />
teria dito que se Rodrigues estivesse em Salvador, on<strong>de</strong> a reunião se passava, que ele mesmo<br />
cuidaria do caso. A carta concluía que, “como o Sr. Averaldo Vieira Miranda possui ficha<br />
policial que faz temer por suas ameaças, lhe comunico do fato, pois em nada quero contribuir<br />
para o seu silenciamento” 301<br />
298 Informação obtida com a ajuda do escritório <strong>de</strong> advocacia <strong>de</strong> André Viz – Advogados e Associados, consultor legal do<br />
SERJ.<br />
299 Correspondência a Daniel Rodrigues da Silva, 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997. Por razões <strong>de</strong> segurança, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global<br />
não revelou a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do autor da carta.<br />
300 Ofício No 154/97 do Sindivigilante <strong>de</strong> Sergipe à Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Sergipe, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1997.<br />
301 Correspondência a Daniel Rodrigues da Silva. op.cit.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 111
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Versão em português (provisória)<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 60/02 a<br />
Gilberto Fernando Góes Passos, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Sergipe,<br />
solicitando as informações mais recentes sobre o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
8. Representantes eleitos e a <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos: As autorida<strong>de</strong>s<br />
do estado não são imunes à violência<br />
Como no Brasil não há uma comissão nacional <strong>de</strong> direitos humanos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, foram<br />
criadas diversas comissões vinculadas ao po<strong>de</strong>r legislativo, no âmbito municipal, estadual e<br />
fe<strong>de</strong>ral, no <strong>de</strong>correr dos últimos <strong>de</strong>z anos. A Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos<br />
Deputados—a quem <strong>de</strong>vemos muito pela ajuda na pesquisa para execução <strong>de</strong>ste relatório—<br />
criada em 1995, tem servido para preencher a lacuna <strong>de</strong> uma comissão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte a nível<br />
fe<strong>de</strong>ral. As comissões <strong>de</strong> direitos humanos nas assembléias legislativas <strong>de</strong> estados e<br />
municípios têm tido um papel importante na promoção e na <strong>de</strong>fesa dos direitos fundamentais<br />
a nível local.<br />
Devemos enfatizar que estas comissões têm promovido os direitos humanos e investigado e<br />
<strong>de</strong>nunciado suas violações com in<strong>de</strong>pendência e profissionalismo consi<strong>de</strong>ráveis. Apesar <strong>de</strong><br />
pertencerem ao po<strong>de</strong>r legislativo e, por conseguinte, fazerem parte do Estado, as comissões<br />
são vistas no Brasil como um elemento complementar da socieda<strong>de</strong> civil. Infelizmente, como<br />
será <strong>de</strong>monstrado neste capítulo, esta in<strong>de</strong>pendência e disposição para investigar e <strong>de</strong>nunciar<br />
abusos provocam reações daqueles que praticam os abusos.<br />
Nos últimos anos, além das comissões <strong>de</strong> direitos humanos permanentes, os órgãos<br />
legislativos brasileiros, no âmbito fe<strong>de</strong>ral e estadual, estabeleceram diversas comissões<br />
parlamentares <strong>de</strong> inquérito para investigar casos <strong>de</strong> corrupção, tráfico <strong>de</strong> drogas e outras áreas<br />
que envolvem o crime organizado. Muitos parlamentares têm <strong>de</strong>monstrado muita coragem no<br />
<strong>de</strong>correr das investigações. Nos casos a seguir, estes servidores públicos têm enfrentado<br />
ameaças a sua integrida<strong>de</strong> física ou mesmo à vida, como resultado da luta pela <strong>de</strong>fesa dos<br />
direitos humanos.<br />
Ameaças a <strong>Na</strong>luh Gouveia, <strong>de</strong>putada estadual, Rio Branco, Acre 302<br />
A <strong>de</strong>putada estadual <strong>Na</strong>luh Gouveia testemunhou na Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito<br />
(CPI) sobre o narcotráfico em 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, on<strong>de</strong> forneceu informações sobre o tráfico<br />
no Acre. Seu testemunho foi <strong>de</strong>cisivo para trazer à justiça um grupo <strong>de</strong> traficantes ligados a<br />
órgãos <strong>de</strong> segurança no Estado do Acre.<br />
A Câmara dos Deputados, por meio da CPI, criou uma força-tarefa composta por membros do<br />
Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral e do Estado do Acre, Ministério da Justiça, Polícia Fe<strong>de</strong>ral,<br />
Assembléia Legislativa do Estado do Acre, tribunais fe<strong>de</strong>rais, da imprensa nacional e acreana<br />
e <strong>de</strong> organizações da socieda<strong>de</strong> civil. Esta força-tarefa ajudou a i<strong>de</strong>ntificar pessoas ligadas ao<br />
302 As informações sobre o caso foram obtidas em entrevista da <strong>de</strong>putada estadual <strong>Na</strong>luh Gouveia ao Centro <strong>de</strong> Justiça<br />
Global em 15 e 16 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002, e do relatório enviado pela <strong>de</strong>putada ao Centro em 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 112
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
tráfico internacional <strong>de</strong> drogas e as forças paramilitares comandadas por estes indivíduos,<br />
conhecidas como grupos <strong>de</strong> extermínio e esquadrões da morte. 303<br />
O trabalho da força-tarefa levou à prisão <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 50 supostos traficantes, que foram<br />
indiciados, julgados e con<strong>de</strong>nados por tribunais fe<strong>de</strong>rais. Entre eles estava o <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral<br />
pelo Estado do Acre e policial militar Hil<strong>de</strong>brando Pascoal. Hil<strong>de</strong>brando foi indiciado por<br />
comandar um esquadrão da morte que matava e <strong>de</strong>smembrava as vítimas utilizando serras<br />
elétricas. A investigação do caso Hil<strong>de</strong>brando chamou a atenção da mídia brasileira e<br />
internacional.<br />
Após testemunhar para a CPI, a <strong>de</strong>putada <strong>Na</strong>luh Gouveia passou a receber ameaças <strong>de</strong> morte.<br />
O Serviço <strong>de</strong> Reserva da Polícia Militar i<strong>de</strong>ntificou pessoas que planejavam assassiná-la a<br />
mando <strong>de</strong> Hil<strong>de</strong>brando. Ela começou a receber telefonemas, sempre <strong>de</strong> telefones públicos, em<br />
que diziam que era melhor ela parar <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>núncias e que seus filhos seriam assassinados.<br />
Foram ao todo seis telefonemas. A polícia fe<strong>de</strong>ral gravou uma das chamadas feitas pelo<br />
próprio Hil<strong>de</strong>brando, que dizia que iria matá-la assim que saísse da prisão. Des<strong>de</strong> então a<br />
<strong>de</strong>putada vive sob proteção policial.<br />
Ameaças ao <strong>de</strong>putado Nelson Pellegrino, Salvador, Bahia<br />
Em agosto <strong>de</strong> 1998, Nelson Pellegrino, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral na Bahia pelo Partido dos<br />
Trabalhadores, (PT), recebeu uma ameaça <strong>de</strong> morte em Salvador. 304 Enquanto atuou como<br />
presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia,<br />
Pellegrino havia investigado vários inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> violações <strong>de</strong> direitos que envolviam a<br />
polícia, esquadrões da morte e o crime organizado. Pellegrino é membro da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, on<strong>de</strong> foi presi<strong>de</strong>nte da comissão entre<br />
março <strong>de</strong> 2001 e março <strong>de</strong> 2002.<br />
No inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998, um homem não i<strong>de</strong>ntificado forçou uma assessora <strong>de</strong><br />
Pellegrino sob a mira <strong>de</strong> um revólver para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um carro, on<strong>de</strong> dois outros homens<br />
armados esperavam. Um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>u a ela um bilhete, cujas letras haviam sido cortadas <strong>de</strong><br />
jornais, que dizia: “Vamos encarar?” e “mantenham portas e janelas fechadas” e continha uma<br />
foto do <strong>de</strong>putado Pellegrino. Após haver mostrado a nota à assessora, os homens a soltaram<br />
sem nenhuma explicação. Depois <strong>de</strong>ste inci<strong>de</strong>nte, o <strong>de</strong>putado Pellegrino enviou um relatório<br />
às autorida<strong>de</strong>s locais e solicitou proteção policial. Tais medidas eram mais que justificáveis:<br />
nos dois meses antes <strong>de</strong> Pellegrino receber a ameaça, assassinos contratados mataram dois<br />
vereadores do partido do <strong>de</strong>putado Pellegrino e uma testemunha baiana que havia<br />
testemunhado para a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.<br />
Em resposta a um artigo <strong>de</strong> jornal 305 sobre a ameaça <strong>de</strong> morte ao <strong>de</strong>putado Pellegrino, o<br />
também <strong>de</strong>putado pelo PT Walter Pinheiro solicitou ajuda da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
para proteger a vida <strong>de</strong> Pellegrino. 306 O presi<strong>de</strong>nte da comissão, <strong>de</strong>putado Eraldo Trinda<strong>de</strong>,<br />
303 Relatório da Deputada Estadual <strong>Na</strong>luh Gouveia, op. cit.<br />
304 “Deputado recebe ameaça <strong>de</strong> morte e pe<strong>de</strong> proteção à Segurança Pública”, A Tar<strong>de</strong> (Salvador), 11 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998.<br />
305 Ibid.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 113
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
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solicitou por sua vez a intervenção especial do Ministro da Justiça e do governador da<br />
Bahia. 307 O <strong>de</strong>putado Pellegrino não tem recebido mais ameaças atualmente. Entretanto<br />
assassinatos políticos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s locais continuam a ocorrer na Bahia e no resto do Brasil.<br />
Em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou Ofício JG/RJ n o 044/02 ao Dr.<br />
César Augusto Borges, Governador da Bahia, solicitando as informações mais recentes sobre<br />
o <strong>de</strong>senrolar do caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Ataque e Tentativa <strong>de</strong> Homicídio contra Yulo Oiticica Pereira, Deputado Estadual,<br />
Salvador, Bahia<br />
O Deputado Estadual Yulo Oiticica Pereira, investigava, como Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia, a existência e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong><br />
extermínio <strong>de</strong>sse estado. No início <strong>de</strong> 2000, Oiticica começou a receber ameaças por<br />
telefone. 308 Um homem anônimo fazia breves ligações nas quais advertia “Vou te pegar”. As<br />
ligações foram feitas para o celular do Deputado nos meses <strong>de</strong> fevereiro a março <strong>de</strong> 2000<br />
sempre entre as 3:00 e as 5:00 da tar<strong>de</strong>.<br />
No dia 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, por volta <strong>de</strong> 10:00 da noite, Oiticica e sua esposa dirigiam <strong>de</strong>ntro<br />
do estacionamento São Raimundo em Salvador e presenciaram vários policiais do Pelotão No.<br />
1216 da Tropa <strong>de</strong> Choque agredindo Jéssica Sinai Silva Sousa, funcionária do gabinete <strong>de</strong><br />
Oiticica na Assembléia Legislativa. 309 Oiticica testemunhou um dos policiais dar um tapa no<br />
rosto <strong>de</strong> Jéssica, golpe este que a <strong>de</strong>rrubou ao chão. 310 Oiticica tentou intervir, pedindo que os<br />
policiais se acalmassem e perguntando sobre o quê ocorrera. Nesse momento, um dos<br />
policiais atingiu o braço <strong>de</strong> Oiticica com seu cassetete causando um hematoma. O policial<br />
continuou empurrando Oiticica causando outros ferimentos. Oiticica então se i<strong>de</strong>ntificou<br />
como Deputado e Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da<br />
Bahia. Não obstante, Oiticica foi algemado e levado para a <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia mais próxima.<br />
Somente ao chegar a Delegacia é que dois policiais tomaram ciência da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oiticica<br />
e pediram <strong>de</strong>sculpas pelo inci<strong>de</strong>nte.<br />
No dia 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, o Deputado Nilmário Miranda, PT, Secretário <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos, enviou ofício às autorida<strong>de</strong>s da Bahia <strong>de</strong>nunciando os maus-tratos sofridos<br />
por Oiticica nas mãos da polícia. 311<br />
306 Ofício 112/98GWP do <strong>de</strong>putado Walter Pinheiro ao <strong>de</strong>putado Eraldo Trinda<strong>de</strong>, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Deputados, 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998.<br />
307 Ofício 791/98P do <strong>de</strong>putado Trinda<strong>de</strong> ao Dr. José Renan Vasconcelos Calheiros, Ministro da Justiça, 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1998; Ofício 792/98P do <strong>de</strong>putado Trinda<strong>de</strong> a César Augusto Borges, Governador da Bahia, 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998.<br />
308 Depoimento <strong>de</strong> Oiticica ao 12o. Delegacia da Polícia Civil Metropolitana, 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, p.2.<br />
309 Correspondência do Deputado Oiticica, assinada por quatorze outros <strong>de</strong>putados da Bahia para o Promotor Chefe da<br />
Coor<strong>de</strong>nadoria Criminal do Ministério Público Da Bahia, 27 <strong>de</strong> março, 2000, p. 3.<br />
310 Depoimento <strong>de</strong> Oiticica ao 18o. Batalhão da Polícia Militar, Salvador, 2 <strong>de</strong> maio, 2000, p.1.<br />
311 Ofício No. OPT.SNDH. 012/00 do Deputado Nilmário Miranda para o Cel. A<strong>de</strong>lson Guimarães <strong>de</strong> Oliveira, Corregedor<br />
<strong>de</strong> Polícia Militar do Estado da Bahia, 10 <strong>de</strong> março, 2000; Ofício No. OPT. SNDH. 013/00 do Deputado Nilmário<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 114
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Em 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, Oiticica encaminhou uma correspondência <strong>de</strong> treze páginas ao<br />
Promotor Chefe da Coor<strong>de</strong>nadoria Criminal do Ministério Público Da Bahia solicitando que<br />
os policiais envolvidos no inci<strong>de</strong>nte fossem i<strong>de</strong>ntificados e enquadrados por prática <strong>de</strong><br />
violência injustificada, prisão ilegal e abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>. 312 Essa correspondência foi<br />
assinada por mais quatorze <strong>de</strong>putados companheiros <strong>de</strong> Oiticica.<br />
Em 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, 313 por volta das 11:00 da noite, Oiticica sofreu uma tentativa <strong>de</strong><br />
homicídio enquanto levava um <strong>de</strong> seus assessores para casa. 314 Após <strong>de</strong>ixar uma reunião com<br />
o Sindicato dos Metalúrgicos, Oiticica dirigia-se para a casa do assessor pela Avenida<br />
Orlando Gomes quando percebeu um carro branco, possivelmente um Gol, emparelhar-se ao<br />
seu veículo. Quando ele olhou rapidamente, avistou uma arma apontada em sua direção.<br />
Oiticica então ouviu três tiros, per<strong>de</strong>u o controle <strong>de</strong> seu carro, que subiu o meio-fio e encostou<br />
em uma cerca. O carro com o atirador seguiu na direção da Av. Paralela <strong>de</strong> forma acelerada.<br />
Após <strong>de</strong>ixar seu carro, correu para um condomínio resi<strong>de</strong>ncial da vizinhança chamado Vila<br />
Tropical.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, 315 a Polícia Militar recuperou o carro <strong>de</strong> Oiticica, um Fiat Palio, e entregou a 12 a .<br />
Delegacia <strong>de</strong> Polícia. 316 Os policiais encontraram uma bala calibre trinta e oito alojada na<br />
lateral do veículo, assim como os furos que essa e as outras balas <strong>de</strong>ixaram no carro. No<br />
entanto, essa evidência não foi suficiente para indiciar alguém. Devido à falta <strong>de</strong> iluminação<br />
nas ruas, Oiticica não pô<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar seus agressores e, conseqüentemente, não pô<strong>de</strong><br />
fornecer nomes <strong>de</strong> nenhum suspeito.<br />
Em 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, Oiticica escreveu para Kátia Maria Alves <strong>de</strong> Souza, Secretária <strong>de</strong><br />
Segurança Pública do Estado da Bahia, solicitando que a Secretaria examinasse o inci<strong>de</strong>nte e<br />
tomasse medidas para garantir sua segurança e <strong>de</strong> sua família. 317 Oiticica também solicitou<br />
que a Secretaria <strong>de</strong> Segurança lhe oferecesse um colete a prova <strong>de</strong> balas.<br />
No dia 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 069/02<br />
para a Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia solicitando maiores informações<br />
sobre os <strong>de</strong>senvolvimentos recentes <strong>de</strong>ssa questão.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
Miranda para Kátia Maria Alves <strong>de</strong> Souza, Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia, 10 <strong>de</strong> março, 2000.<br />
312 Correspondência <strong>de</strong> Oiticica, op.cit., pp. 12-13.<br />
313 Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Oiticica aos investigadores são contraditórios quanto a data do inci<strong>de</strong>nte. O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Oiticica<br />
para o 18o. Batalhão da Polícia Militar no dia 3 <strong>de</strong> abril, 2000, citado acima, consta com a data <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000,<br />
enquanto o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Oiticica para o Gabinete da Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia em 31 <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 2000, consta a data <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000.<br />
314 Depoimento <strong>de</strong> Oiticica, 3 <strong>de</strong> abril, 2000, op.cit., pp. 1-3.<br />
315 Como mencionado anteriormente, as datas não estão inteiramente claras.<br />
316 Depoimento <strong>de</strong> Oiticica para o Gabinete da Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública, 31 <strong>de</strong> março, 2000, op.cit., p. 1.<br />
317 Ofício No. Yo./2000 do Deputado Oiticica para Alves, 31 <strong>de</strong> março, 2000; e Ofício No. 05/2000 do Deputado Oiticica<br />
para Alves, sem data.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 115
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Ameaças a Moema Isabel Passos Gramacho, Deputada Estadual, Salvador, Bahia<br />
Moema Isabel Passos Gramacho é Deputada Estadual pela Bahia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997, reeleita em<br />
1999 para um novo mandato até 2003. Antes <strong>de</strong> ser eleita, Moema Gramacho era sindicalista<br />
e diretora do Instituto <strong>Na</strong>cional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador <strong>de</strong> 1990 a 1993. Em sua ativida<strong>de</strong><br />
parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, Moema Gramacho foi presi<strong>de</strong>nte<br />
da Comissão Especial <strong>de</strong> Combate à Fome em 1997 e 1998 e presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia em 1999 e 2001.<br />
Durante os dois mandatos em que presidiu a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos do Estado da<br />
Bahia, Moema Gramacho encaminhou a Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito, CPI, sobre o<br />
narcotráfico assim como a outros órgãos públicos diversas <strong>de</strong>núncias sobre o tráfico <strong>de</strong><br />
drogas, roubo <strong>de</strong> cargas e grupos <strong>de</strong> extermínio. Sua atuação como Deputada Estadual<br />
auxiliou nas investigações sobre o crime organizado na Bahia. No final <strong>de</strong> 1999, Moema<br />
começou a receber ameaças <strong>de</strong> morte. Ela acredita que as ameaças eram feitas em <strong>de</strong>corrência<br />
com seu trabalho na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos.<br />
A primeira ameaça aconteceu em 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, por volta das 4:00 da tar<strong>de</strong>, numa<br />
ligação telefônica para o gabinete da <strong>de</strong>putada. 318 Moema imediatamente ingressou com uma<br />
ação judicial, junto à 10ª Vara Criminal <strong>de</strong> Salvador, com a intenção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a origem<br />
da ligação. No entanto, ela não pô<strong>de</strong> obter pelas vias jurídicas a i<strong>de</strong>ntificação do número e a<br />
localização do telefone utilizado para fazer a ameaça.<br />
Uma segunda ameaça telefônica ocorreu em 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000, por volta das 4:15 da tar<strong>de</strong>.<br />
319 A ligação feita para outro número do gabinete da <strong>de</strong>putada. No dia 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000,<br />
uma terceira ameaça foi feita para o telefone da residência da <strong>de</strong>putada. A pessoa disse: “Diga<br />
a ela que o dia <strong>de</strong>la está chegando”.<br />
A Deputada Estadual Moema Gramacho enviou ofício para o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia e para a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, relatando essas ameaças e solicitando que<br />
medidas fossem tomadas. 320<br />
As ameaças continuaram. 321 No final do mês <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000, o zelador do edifício no qual a<br />
<strong>de</strong>putada estava se mudando, Edmilson <strong>de</strong> Jesus Andra<strong>de</strong>, avistou um Ford Escort preto<br />
circulando o edifício em três ocasiões entre 27 <strong>de</strong> junho e 30 <strong>de</strong> junho. Segundo Edmilson<br />
Andra<strong>de</strong>, o carro circulava com quatro homens, um dos quais disse, “vamos embora que ela<br />
ainda não está morando aí. O carro <strong>de</strong>la não está na garagem.”<br />
318 Ofício No. 078/00 da Deputada Moema Gramacho para o Deputado Marcos Rolim, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara dos Deputados, 12 <strong>de</strong> junho, 2000.<br />
319 Ofício No. 078/00; op. cit.<br />
320 Ibid.<br />
321 Correspondência sem data da Deputada Estadual Moema Gramacho para o Deputado Fe<strong>de</strong>ral Nelson Pellegrino, Vice<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, enviada por fax pelo Deputado Pellegrino para a<br />
Comissão, 13 <strong>de</strong> julho, 2000, p. 3.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 116
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Devido à intensificação das ameaça <strong>de</strong> morte, no dia 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2000, a Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados solicitou ao Ministro da Justiça que medidas <strong>de</strong><br />
segurança fossem tomadas. 322<br />
No dia 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, o mesmo automóvel preto apareceu e foi conduzido contra<br />
Edmilson Andra<strong>de</strong> que zelava pela proprieda<strong>de</strong>. 323 Segundo Edmilson, dois homens saíram do<br />
carro e o <strong>de</strong>rrubaram perguntando on<strong>de</strong> se encontrava Moema. Edmilson respon<strong>de</strong>u que não<br />
sabia e um dos homens o atingiu na face. Antes <strong>de</strong> sair, os homens afirmaram que voltariam<br />
para matar a Deputada. Eles também roubaram o telefone celular <strong>de</strong> Edmilson Andra<strong>de</strong>.<br />
Em resposta a essa última ameaça, no dia 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara dos Deputados reiterou que o Ministro da Justiça tomasse medidas <strong>de</strong><br />
segurança. 324 Em resposta, o Departamento <strong>de</strong> Assuntos Parlamentares do Ministério da<br />
Justiça, em 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, informou a Comissão que o caso havia sido encaminhado ao<br />
Diretor Geral da Polícia Fe<strong>de</strong>ral para análise e adoção <strong>de</strong> medidas cabíveis. 325<br />
No dia 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados<br />
enviou ofício ao Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública e ao Governador do Estado da Bahia 326<br />
solicitando medidas urgentes para garantir a segurança física da Deputada Moema,<br />
investigação das <strong>de</strong>núncias já encaminhadas à Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública e informações<br />
sobre as medidas adotadas para que a Comissão pu<strong>de</strong>sse acompanhar o caso.<br />
No dia 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 098/02 para<br />
Kátia Maria Alves dos Santos, Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia,<br />
solicitando maiores informações sobre o andamento <strong>de</strong>sse caso.<br />
Até o da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido resposta.<br />
Ameaças <strong>de</strong> morte a Cozete Barbosa, ex-Vereadora e atual Vice-Prefeita <strong>de</strong> Campina<br />
Gran<strong>de</strong>, Paraíba<br />
Em outubro <strong>de</strong> 2000, a Vice-Prefeita <strong>de</strong> Campina Gran<strong>de</strong>, Cozete Barbosa, também<br />
Vereadora da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nunciou a tortura sistemática, extorsão e intimidação <strong>de</strong> presos e<br />
familiares na Penitenciaria Regional <strong>de</strong> Campina Gran<strong>de</strong>—Serrotão.<br />
322 Ofício No. 448/00-P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados par ao Ministro da Justiça, José<br />
Gregori, 14 <strong>de</strong> junho, 2000.<br />
323 Correspondência sem data da Deputada Estadual Moema Gramacho para o Deputado Fe<strong>de</strong>ral Nelson Pellegrino; op.cit.<br />
324 Ofício No. 529/00-P do Deputado Marcos Rolim, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos para o Ministro da<br />
Justiça, José Gregori, 13 <strong>de</strong> julho, 2000.<br />
325 Ofício No. 790/00 da Sra. Maria do Carmo Porto Oliveira, Diretora do Departamento <strong>de</strong> Assuntos Parlamentares do<br />
Ministério da Justiça para o Deputado Marcos Rolim, 14 <strong>de</strong> julho, 2000.<br />
326 Ofício No. 583/2000-P da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para Kátia Maria Alves dos Santos,<br />
Secretária <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Bahia, 14 <strong>de</strong> agosto, 2000; e Ofício No. 584/2000-P da Comissão <strong>de</strong><br />
Direitos Humanos para César Augusto Rabello Borges, Governador do estado da Bahia, 14 <strong>de</strong> agosto, 2000.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 117
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Em testemunho perante a Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito, CPI, formada pela Secretaria<br />
Estadual <strong>de</strong> Justiça, Cozete Barbosa apresentou fotos, uma carta, fitas gravadas, uma<br />
palmatória e algumas cápsulas <strong>de</strong> balas. A partir <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>núncias, Cozete Barbosa tem<br />
sofrido várias ameaças <strong>de</strong> morte através <strong>de</strong> ligações anônimas feitas para seu gabinete na<br />
Prefeitura e para sua residência.<br />
Segundo informações do Correio da Paraíba, as ameaças telefônicas repetiam frases do tipo<br />
“você esta falando muito. E isso po<strong>de</strong> ser perigoso; ninguém faz <strong>de</strong>núncias sobre o presídio e<br />
permanece vivo.” 327<br />
O relatório final da CPI confirmou as acusações feitas pela Vereadora, apontando o Tenente<br />
Dinamarco Gomes Júnior e o Diretor Disciplinário, Edson Sirney, como responsáveis pelas<br />
sessões <strong>de</strong> tortura. 328 No dia 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000, Dinamarco Gomes e Edson Sirney,<br />
além <strong>de</strong> outros membros da Penitenciária <strong>de</strong> Serrotão foram exonerados <strong>de</strong> seus cargos pelo<br />
Governador José Maranhão. 329<br />
Devido às várias ameaças <strong>de</strong> morte, que se intensificaram após a revelação do relatório da<br />
Comissão, o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do<br />
Estado da Paraíba, Luiz Couto, enviou oficio à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara<br />
dos Deputados solicitando que a Comissão, juntamente com o Ministro da Justiça,<br />
garantissem a segurança <strong>de</strong> Cozete Barbosa. 330<br />
No dia 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2000, em resposta a esse ofício, o então Ministro da Justiça, José<br />
Gregori <strong>de</strong>terminou que a Polícia Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba protegesse Cozete Barbosa. A Polícia<br />
Fe<strong>de</strong>ral ofereceu proteção a Cozete Barbosa entre 1 <strong>de</strong> novembro a 30 novembro <strong>de</strong> 2000. 331<br />
Um inquérito Policial foi aberto em 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2001 levando a <strong>de</strong>núncia dos seguintes<br />
suspeitos: Tenente Dinamérico Gomes Júnior da Polícia Militar e Veidmar Das Neves<br />
Campos, Edson Araújo Cirne, Moacir Alves Ramalho e Odon Germando, todos agentes<br />
penitenciários. O caso foi enviado para a Segunda Divisão Criminal <strong>de</strong> Campina Gran<strong>de</strong>,<br />
on<strong>de</strong> estava pen<strong>de</strong>nte até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório. 332<br />
Assassinato <strong>de</strong> Carlos Gato, Lí<strong>de</strong>r Sindical e Vereador da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Boquim, Pedrinhas,<br />
Sergipe<br />
327 “Testemunhas confirmam torturas nos presídios <strong>de</strong> CG – Cozete pe<strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> vida.” Correio da Paraíba, 24 <strong>de</strong><br />
outubro, 2000.<br />
328 Ofício CDH/097/2000 do Deputado Estadual Luiz Couto, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Assembléia<br />
Legislativa do Estado da Paraíba, para o Secretario <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado da Paraíba, Francisco Galuberto<br />
Bezerra, 26 <strong>de</strong> outubro, 2000.<br />
329 “Governo afasta envolvidos,” O Norte (João Pessoa), 15 <strong>de</strong> novembro, 2000.<br />
330 Ofício CDH 098/2000 do Deputado Estadual Luiz Couto, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Assembléia<br />
Legislativa do Estado da Paraíba, para o Deputado Fe<strong>de</strong>ral Marcos Rolim, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
da Câmara dos Deputados, 31 <strong>de</strong> outubro, 2000.<br />
331 Ofício 006/2002-NI <strong>de</strong> Renato Salazar Batista Lima, Chefe do Núcleo da Inteligência da Polícia Fe<strong>de</strong>ral do Paraíba, para<br />
o Centro <strong>de</strong> Justiça Global, 22 <strong>de</strong> fevereiro, 2002, em resposta ao Ofício JG/RJ 056/02 do Centro <strong>de</strong> Justiça Global para o<br />
Delegado Nelson Teles Júnior da Polícia Fe<strong>de</strong>ral em Campina Gran<strong>de</strong> solicitando informações sobre os acontecimentos<br />
mais recentes do caso.<br />
332 Ibid.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 118
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
No dia 22 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, Carlos Gato, lí<strong>de</strong>r sindical e Vereador do município <strong>de</strong><br />
Boquim, Sergipe, foi assassinado quando visitava a cida<strong>de</strong> vizinha <strong>de</strong> Pedrinhas. Carlos Gato,<br />
membro do Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, provocara forte ressentimento<br />
por parte dos proprietários <strong>de</strong> terras locais, principalmente por causa da sua campanha pela<br />
erradicação do trabalho infantil.<br />
Em 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, seu companheiro do PSDB, Sérgio Reis, Deputado Estadual por<br />
Sergipe, enviou à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Fe<strong>de</strong>rais<br />
solicitação <strong>de</strong> assistência e investigação no caso <strong>de</strong> assassinato. 333 A Comissão, por sua vez,<br />
solicitou a participação do Ministério da Justiça, a Secretaria <strong>de</strong> Segurança Pública <strong>de</strong> Sergipe<br />
e o Procurador Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Sergipe. 334<br />
No dia 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 053/02<br />
para Gilberto Fernando Goes Passos, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado <strong>de</strong> Sergipe.<br />
No dia 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global enviou ofício JG/RJ No. 052/02<br />
para Moacir Soares da Mota, Procurador Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Sergipe. Em ambos<br />
ofícios, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global solicitou maiores informações sobre os acontecimentos<br />
recentes sobre o caso.<br />
Até o momento da finalização <strong>de</strong>ste relatório, o Centro <strong>de</strong> Justiça Global não havia recebido<br />
resposta.<br />
333 Ofício No. 215/2001 do Deputado Sérgio Reis para o Deputado Nelson Pellegrino, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />
Humanos da Câmara dos Deputados, 25 <strong>de</strong> setembro, 2001.<br />
334 Ofício No. 883/2001-P do Deputado Sérgio Reis para o Ministro da Justiça, José Gregori, 26 <strong>de</strong> setembro, 2001; Ofício<br />
No. 882/2001-P do Deputado Sérgio Reis para Dr. João Guilherme Carvalho, Secretário <strong>de</strong> Segurança Pública do Estado<br />
<strong>de</strong> Sergipe, 26 <strong>de</strong> setembro, 2001; Ofício No. 881/2001-P do Deputado Sérgio Reis para Dr. Moacir Soares da Motta,<br />
Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Sergipe, 26 <strong>de</strong> setembro, 2001.<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 119
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
9. Anexo: Declaração sobre o Direito e o Dever dos Indivíduos, Grupos e<br />
Instituições <strong>de</strong> Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberda<strong>de</strong>s<br />
Fundamentais Universalmente Reconhecidos 335<br />
A Assembléia Geral,<br />
Reafirmando a importância da observância dos propósitos e princípios da Carta das <strong>Na</strong>ções<br />
Unidas para a promoção e proteção <strong>de</strong> todos os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais<br />
<strong>de</strong> todos os seres humanos em todos os países do mundo,<br />
Reafirmando também a importância da Declaração Universal <strong>de</strong> Direitos Humanos e dos<br />
Pactos internacionais <strong>de</strong> direitos humanos como elementos fundamentais dos esforços<br />
internacionais para promover o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das<br />
liberda<strong>de</strong>s fundamentais, assim como a importância dos <strong>de</strong>mais instrumentos <strong>de</strong> direitos<br />
humanos adotados no âmbito do sistema das <strong>Na</strong>ções Unidas e em nível regional,<br />
Destacando que todos os membros da comunida<strong>de</strong> internacional <strong>de</strong>vem cumprir, conjunta e<br />
separadamente, sua obrigação solene <strong>de</strong> promover e fomentar o respeito dos direitos humanos<br />
e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong> todos, sem distinção alguma, em particular sem distinção<br />
por motivos <strong>de</strong> raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou outra índole, origem<br />
nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social, e<br />
reafirmando a importância particular <strong>de</strong> lograr a cooperação internacional para o<br />
cumprimento <strong>de</strong>sta obrigação, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com a Carta,<br />
Reconhecendo o importante papel que <strong>de</strong>sempenha a cooperação internacional e a valiosa<br />
tarefa que levam a cabo os indivíduos, os grupos e as instituições ao contribuir para a<br />
eliminação efetiva <strong>de</strong> todas as violações dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais<br />
dos povos e dos indivíduos, inclusive em relação às violações massivas, flagrantes ou<br />
sistemáticas como as que resultam do apartheid, <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> discriminação racial,<br />
colonialismo, dominação ou ocupação estrangeira, agressão ou ameaças contra a soberania<br />
nacional, a unida<strong>de</strong> nacional ou a integrida<strong>de</strong> territorial, e a negativa <strong>de</strong> reconhecer o direito<br />
dos povos, a livre <strong>de</strong>terminação e o direito <strong>de</strong> todos os povos <strong>de</strong> exercer plena soberania sobre<br />
sua riqueza e seus recursos naturais,<br />
Reconhecendo a relação entre a paz e a segurança internacional e o <strong>de</strong>sfrute dos direitos<br />
humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais, e consciente <strong>de</strong> que a ausência <strong>de</strong> paz e segurança<br />
internacional não isenta a observância <strong>de</strong>sses direitos,<br />
Reiterando que todos os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais são universalmente<br />
indivisíveis e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e que estão relacionados entre si, <strong>de</strong>vendo-se promover e<br />
aplicar <strong>de</strong> uma maneira justa e eqüitativa, sem prejuízo da aplicação <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses<br />
direitos e liberda<strong>de</strong>s,<br />
Destacando que a responsabilida<strong>de</strong> primordial e o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> promover e proteger os direitos<br />
humanos, e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais incumbem ao Estado,<br />
335 Tradução Não Oficial<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 120
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Reconhecendo o direito e o <strong>de</strong>ver dos indivíduos, dos grupos e das instituições <strong>de</strong> promover o<br />
respeito e o conhecimento dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais no plano<br />
nacional e internacional,<br />
Declara:<br />
Artigo 1<br />
Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, <strong>de</strong> promover e procurar a proteção e a<br />
realização dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais nos planos nacional e<br />
internacional.<br />
Artigo 2<br />
1. Os Estados têm a responsabilida<strong>de</strong> primordial e o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> proteger, promover e tornar<br />
efetivos todos os direitos humanos, e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais, entre outras coisas,<br />
adotando as medidas necessárias para criar as condições sociais, econômicas, políticas e <strong>de</strong><br />
outra índole, assim como as garantias jurídicas requeridas para que toda pessoa submetida a<br />
sua jurisdição, individual ou coletivamente, possa <strong>de</strong>sfrutar na prática <strong>de</strong> todos esses direitos e<br />
liberda<strong>de</strong>s.<br />
2. Os Estados adotarão as medidas legislativas, administrativas e <strong>de</strong> outra índole que sejam<br />
necessárias para assegurar que os direitos e liberda<strong>de</strong>s referidos nesta presente Declaração<br />
estejam efetivamente garantidos.<br />
Artigo 3<br />
O direito interno, enquanto concorda com a Carta das <strong>Na</strong>ções Unidas e outras obrigações<br />
internacionais do Estado na esfera dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais, é o<br />
marco jurídico no qual <strong>de</strong>vem se materializar e exercer os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s<br />
fundamentais e no qual <strong>de</strong>vem ser levadas a cabo todas as ativida<strong>de</strong>s a que se faz referência<br />
nesta presente Declaração para a promoção, proteção e realização efetiva <strong>de</strong>sses direitos e<br />
liberda<strong>de</strong>s.<br />
Artigo 4<br />
<strong>Na</strong>da do que for disposto nesta presente Declaração será interpretado no sentido <strong>de</strong> que<br />
menospreze ou contradiga os propósitos e princípios da Carta das <strong>Na</strong>ções Unidas nem que<br />
limite às disposições da Declaração Universal <strong>de</strong> Direitos Humanos, dos Pactos internacionais<br />
<strong>de</strong> direitos humanos ou <strong>de</strong> outros instrumentos e compromissos internacionais aplicáveis<br />
nesta esfera, ou constitua exceção a elas.<br />
Artigo 5<br />
Com fins <strong>de</strong> promover e proteger os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais, toda<br />
pessoa tem como direito, individual ou coletivamente, no plano nacional e internacional:<br />
a) A reunir-se ou manifestar-se pacificamente;<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 121
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
b) A formar organizações, associações ou grupos não governamentais, e a afiliar-se a esses<br />
ou participar em esses;<br />
c) A comunicar-se com as organizações não-governamentais e intergovernamentais.<br />
Artigo 6<br />
Toda pessoa tem direito, individualmente e com outras:<br />
a) A conhecer, buscar, obter, receber e possuir informações sobre todos os direitos humanos<br />
e liberda<strong>de</strong>s fundamentais, com a inclusão do acesso à informação sobre os médios pelos<br />
quais se dá efeito a tais direitos e liberda<strong>de</strong>s nos sistemas legislativo, judicial e<br />
administrativo internos;<br />
b) Conforme o disposto nos instrumentos <strong>de</strong> direitos humanos e outros instrumentos<br />
internacionais aplicáveis, a publicar, distribuir ou difundir livremente à terceiros opiniões,<br />
informações e conhecimentos relativos a todos os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s<br />
fundamentais;<br />
c) A estudar e <strong>de</strong>bater se esses direitos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais são observados, tanto na<br />
lei como na prática, e a formar-se e manter uma opinião a respeito, assim como a chamar<br />
a atenção do público para essas questões por conduto <strong>de</strong>sses meios e <strong>de</strong> outros meios<br />
a<strong>de</strong>quados.<br />
Artigo 7<br />
Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, a <strong>de</strong>senvolver e <strong>de</strong>bater idéias e<br />
princípios novos relacionados com os direitos humanos, e a preconizar sua aceitação.<br />
Artigo 8<br />
1. Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, a ter a oportunida<strong>de</strong> efetiva, sobre<br />
uma base não discriminatória, <strong>de</strong> participar no governo <strong>de</strong> seu país e na gestão dos assuntos<br />
públicos.<br />
2. Esse direito compreen<strong>de</strong>, entre outras coisas, o que tem toda pessoa, individual ou<br />
coletivamente, a apresentar aos órgãos e organismos governamentais e organizações que se<br />
ocupam <strong>de</strong> assuntos públicos, críticas e propostas para melhorar seu funcionamento, e chamar<br />
a atenção sobre qualquer aspecto <strong>de</strong> seu trabalho que possa obstruir ou impedir a promoção,<br />
proteção e realização dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />
Artigo 9<br />
1. No exercício dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais, incluídas na promoção e<br />
na proteção dos direitos humanos a que se refere a presente Declaração, toda pessoa tem<br />
direito, individual ou coletivamente, a dispor <strong>de</strong> recursos eficazes e a ser protegida em caso <strong>de</strong><br />
violação <strong>de</strong>sses direitos.<br />
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Versão em português (provisória)<br />
2. Para tais efeitos, toda pessoa cujos direitos ou liberda<strong>de</strong>s tenham sido violados<br />
anteriormente tem o direito, por si mesma ou por conduto <strong>de</strong> um representante legalmente<br />
autorizado, a apresentar uma <strong>de</strong>núncia ante uma autorida<strong>de</strong> judicial in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, imparcial e<br />
competente ou qualquer outra autorida<strong>de</strong> estabelecida pela lei e que essa <strong>de</strong>núncia seja<br />
examinada rapidamente em audiência pública, e a obter <strong>de</strong>ssa autorida<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com a lei, que disponha a reparação, incluída a in<strong>de</strong>nização correspon<strong>de</strong>nte,<br />
quando se tenham violado os direitos ou liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa pessoa, assim como a obter a<br />
execução da eventual <strong>de</strong>cisão e sentença, tudo isso sem <strong>de</strong>moras in<strong>de</strong>vidas.<br />
3. Para os mesmos efeitos, cada um tem o direito, individual ou em associação, a:<br />
a) Denunciar as políticas e ações dos funcionários e órgãos governamentais em relação às<br />
violações dos direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais mediante petições ou outros<br />
meios a<strong>de</strong>quados ante as autorida<strong>de</strong>s judiciais, administrativas ou legislativas internas ou<br />
ante qualquer outra autorida<strong>de</strong> competente prevista no sistema jurídico do Estado, as quais<br />
<strong>de</strong>vem emitir sua <strong>de</strong>cisão sobre a <strong>de</strong>núncia sem <strong>de</strong>mora in<strong>de</strong>vida;<br />
b) Assistir as audiências, os procedimentos ou as audiências públicas para formar uma<br />
opinião sobre o cumprimento das normas nacionais e das obrigações dos compromissos<br />
internacionais aplicáveis;<br />
c) Oferecer e prestar assistência letrada profissional ou outro assessoramento e assistência,<br />
pertinentes para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos humanos, e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />
4. Para mesmos efeitos, toda pessoa tem o direito, individual ou coletivamente, <strong>de</strong><br />
conformida<strong>de</strong> com os instrumentos e procedimentos internacionais aplicáveis, a dirigir-se sem<br />
entraves aos organismos internacionais que tenham competência geral ou especial para<br />
receber e examinar comunicações sobre questões <strong>de</strong> direitos humanos e liberda<strong>de</strong>s<br />
fundamentais, e a comunicar-se sem impedimentos com eles.<br />
5. O Estado realizará uma investigação rápida e imparcial ou adotará as medidas necessárias<br />
para que se leve a cabo uma apuração rigorosa quando existam motivos razoáveis para crer<br />
que se produziu uma violação dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais em<br />
qualquer território submetido a sua jurisdição.<br />
Artigo 10<br />
Ninguém participará, por ação ou por <strong>de</strong>scumprimento do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> atuar, na violação dos<br />
direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais, e ninguém será punido nem perseguido por<br />
negar-se a fazê-lo.<br />
Artigo 11<br />
Toda pessoa, individual ou coletivamente, tem direito ao legítimo exercício <strong>de</strong> sua ocupação<br />
ou profissão. Toda pessoa que, <strong>de</strong>vido a sua profissão, possa afetar a dignida<strong>de</strong> humana, os<br />
direitos humanos, e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong> outras pessoas <strong>de</strong>verá respeitar esses<br />
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Versão em português (provisória)<br />
direitos e liberda<strong>de</strong>s e cumprir com as normas nacionais e internacionais <strong>de</strong> conduta ou ética<br />
profissional ou ocupacional que sejam pertinentes.<br />
Artigo 12<br />
1. Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, a participar em ativida<strong>de</strong>s pacíficas<br />
contra as violações dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />
2. O Estado garantirá a proteção pelas autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> toda pessoa, individual ou<br />
coletivamente, frente a toda violência, ameaça, represália, discriminação <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> direito,<br />
pressão ou qualquer outra ação arbitrária resultante do exercício legítimo dos direitos<br />
mencionados na presente Declaração.<br />
3. Sobre este aspecto, toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, a uma proteção<br />
eficaz sob as leis nacionais a resistir ou opor-se, por meios pacíficos à ativida<strong>de</strong>s e atos, com<br />
inclusão das omissões, imputáveis aos Estados que causem violações dos direitos humanos e<br />
das liberda<strong>de</strong>s fundamentais, assim como a atos <strong>de</strong> violência proferidos por grupos ou<br />
particulares que afetem o <strong>de</strong>sfrute dos direitos humanos e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />
Artigo 13<br />
Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, a solicitar, receber e utilizar recursos<br />
com o objetivo expresso <strong>de</strong> promover e proteger, por meios pacíficos, os direitos humanos e<br />
as liberda<strong>de</strong>s fundamentais, em concordância com o Artigo 3 <strong>de</strong>sta presente Declaração.<br />
Artigo 14<br />
1. Incumbe ao Estado a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar medidas legislativas, judiciais,<br />
administrativas ou <strong>de</strong> outra índole apropriadas para promover em todas as pessoas submetidas<br />
a sua jurisdição a compreensão <strong>de</strong> seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e<br />
culturais.<br />
2. Entre essas medidas figuram as seguintes:<br />
a) A publicação e ampla disponibilida<strong>de</strong> das leis e regulamentos nacionais e dos<br />
instrumentos internacionais básicos <strong>de</strong> direitos humanos;<br />
b) O pleno acesso em condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> aos documentos internacionais na esfera<br />
dos direitos humanos, inclusive os informes periódicos dos Estados aos órgãos<br />
estabelecidos por tratados internacionais sobre direitos humanos nos quais seja Parte,<br />
assim como as atas resumidas dos <strong>de</strong>bates e dos informes oficiais <strong>de</strong>sses órgãos.<br />
3. O Estado garantirá e apoiará, quando corresponda, a criação e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> outras<br />
instituições nacionais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stinadas a promoção e a proteção dos direitos humanos<br />
e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais em todo o território submetido a sua jurisdição, como, por<br />
exemplo, mediadores, comissões <strong>de</strong> direitos humanos ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> instituições<br />
nacionais.<br />
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Artigo 15<br />
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Versão em português (provisória)<br />
Incumbe o Estado a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover e facilitar o ensino dos direitos humanos e<br />
das liberda<strong>de</strong>s fundamentais em todos os níveis <strong>de</strong> ensino, e <strong>de</strong> garantir que os que tenham a<br />
seu cargo a formação <strong>de</strong> advogados, funcionários encarregados do cumprimento da lei,<br />
pessoal das forças armadas e funcionários públicos incluam em seus programas <strong>de</strong> formação<br />
elementos apropriados do ensino dos direitos humanos.<br />
Artigo 16<br />
Os particulares, as organizações não-governamentais e as instituições pertinentes têm a<br />
importante missão <strong>de</strong> contribuir na sensibilização do público sobre as questões relativas a<br />
todos os direitos humanos e as liberda<strong>de</strong>s fundamentais mediante ativida<strong>de</strong>s educativas,<br />
capacitação e investigação nessas esferas com o objetivo <strong>de</strong> fortalecer, entre outras coisas, a<br />
compreensão, a tolerância, a paz e as relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> entre as nações e entre todos os<br />
grupos raciais e religiosos, tendo em conta as diferentes mentalida<strong>de</strong>s das socieda<strong>de</strong>s e<br />
comunida<strong>de</strong>s em que levam a cabo suas ativida<strong>de</strong>s.<br />
Artigo 17<br />
No exercício dos direitos e liberda<strong>de</strong>s enunciados na presente Declaração, nenhuma pessoa,<br />
individual ou coletivamente, estará sujeita a mais limitações que as que se impõe em<br />
conformida<strong>de</strong> com as obrigações e compromissos internacionais aplicáveis e <strong>de</strong>termine na lei,<br />
com o único objetivo <strong>de</strong> garantir o <strong>de</strong>vido reconhecimento e respeito dos direitos e liberda<strong>de</strong>s<br />
alheios e respon<strong>de</strong>r às justas exigências da moral, da or<strong>de</strong>m pública e do bem estar geral <strong>de</strong><br />
uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />
Artigo 18<br />
1. Toda pessoa tem <strong>de</strong>veres para com a comunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, posto que somente nela<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver livre e plenamente sua personalida<strong>de</strong>.<br />
2. Aos indivíduos, grupos, instituições e organizações não-governamentais correspon<strong>de</strong> uma<br />
gran<strong>de</strong> função e uma responsabilida<strong>de</strong> na proteção da <strong>de</strong>mocracia, a promoção dos direitos<br />
humanos e às liberda<strong>de</strong> fundamentais e a contribuição ao fomento e progresso das socieda<strong>de</strong>s,<br />
instituições e processos <strong>de</strong>mocráticos.<br />
3. Analogamente, lhes correspon<strong>de</strong> o importante papel e responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir, como<br />
seja pertinente, na promoção do direito <strong>de</strong> toda pessoa e uma or<strong>de</strong>m social e internacional em<br />
que os direitos e liberda<strong>de</strong>s enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e<br />
outros instrumentos <strong>de</strong> direitos humanos po<strong>de</strong>m ter uma plena aplicação.<br />
Artigo 19<br />
<strong>Na</strong>da do disposto na presente Declaração será interpretado com o sentido que confira a um<br />
indivíduo, grupo ou órgão da socieda<strong>de</strong> ou qualquer Estado o direito a <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s<br />
ou realizar atos que tenham como objetivo suprimir os direitos e liberda<strong>de</strong>s, enunciados na<br />
presente Declaração.<br />
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Artigo 20<br />
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
<strong>Na</strong>da do disposto na presente Declaração será interpretado com o sentido que permita aos<br />
Estados apoiar e promover ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> indivíduos, grupos <strong>de</strong> indivíduos, instituições ou<br />
organizações não-governamentais, que estejam em contradição com as disposições da Carta<br />
das <strong>Na</strong>ções Unidas.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
SETOR DE DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS – CENTRO DE JUSTIÇA GLOBAL<br />
O Centro <strong>de</strong> Justiça Global possui um serviço especializado em pesquisar, documentar e<br />
acompanhar os casos <strong>de</strong> violações contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos, através da<br />
publicação periódica do relatório <strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos no<br />
Brasil. Além disso, nosso trabalho consiste em encaminhar os casos mais emblemáticos para<br />
os organismos internacionais <strong>de</strong> proteção dos direitos humanos, notadamente para a<br />
Comissão Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos da OEA, e para os mecanismos especiais da<br />
ONU, em especial para a sua Representante Especial sobre Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos.<br />
Para que esse trabalho seja realizado com a maior abrangência e profundida<strong>de</strong> possíveis, sua<br />
colaboração é muito importante. Caso você ou sua organização possua dados sobre algum<br />
caso <strong>de</strong> violação contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos e queira registrá-lo em nosso<br />
próximo relatório, pedimos a gentileza <strong>de</strong> encaminhar as informações pertinentes, <strong>de</strong> acordo<br />
com o roteiro abaixo sugerido, para o seguinte en<strong>de</strong>reço:<br />
Centro <strong>de</strong> Justiça Global – Setor <strong>de</strong> Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />
Av Av. Nossa Senhora <strong>de</strong> Copacabana, 540 / 402<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro – RJ – Brasil 22020-000<br />
Fax: 55-21 2549-3599 E-mail: <strong>de</strong>fensores@global.org.br<br />
Quem é <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> direitos humanos ?<br />
Todos aqueles grupos ou pessoas que atuam por sua conta ou em organizações não<br />
governamentais, sindicatos, ou movimentos sociais em geral, para contribuir para a<br />
eliminação efetiva <strong>de</strong> todas as violações <strong>de</strong> direitos fundamentais dos indivíduos e as<br />
liberda<strong>de</strong>s fundamentais dos povos e indivíduos. Os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos po<strong>de</strong>m<br />
ser membros <strong>de</strong> instituições governamentais ou não governamentais, incluindo os<br />
funcionários públicos, como os encarregados <strong>de</strong> fazer cumprir a lei ou da administração<br />
penitenciária e também aqueles que trabalham na assistência às vítimas <strong>de</strong> violações <strong>de</strong><br />
direitos humanos.<br />
Quais são as principais violações mais contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos humanos ?<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
Po<strong>de</strong>mos citar a título exemplificativo como os abusos mais comuns contra <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
direitos humanos: ataques diretos contra a vida, a integrida<strong>de</strong> física e a segurida<strong>de</strong> e<br />
dignida<strong>de</strong> pessoal como, ameaças em geral, execuções extrajudiciais, <strong>de</strong>saparecimentos,<br />
prisões arbitrárias, processos criminais, civis e administrativos intimidatórios, campanhas <strong>de</strong><br />
difamações, até formas <strong>de</strong> violência mais sutis como a <strong>de</strong>squalificação social por associar seu<br />
trabalho ao âmbito dos direitos humanos com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>litivas, como “formação <strong>de</strong><br />
quadrilha”, “terrorismo” ou “crime contra a segurança nacional”. A violência também po<strong>de</strong><br />
afetar os familiares dos <strong>de</strong>fensores dos direitos humanos e outras pessoas relacionadas com<br />
elas. Esta violações po<strong>de</strong>m ser resultantes tanto da ação como da omissão do Estado ou <strong>de</strong><br />
grupos organizados da socieda<strong>de</strong> civil, como milícias, grupos <strong>de</strong> extermínio e esquadrões da<br />
morte.<br />
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<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
FICHA PARA REGISTRO DE VIOLAÇÕES CONTRA DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS<br />
IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA/ENTIDADE QUE ESTÁ REGISTRANDO O CASO (não obrigatório):<br />
Nome: _____________________________________________________________________<br />
En<strong>de</strong>reço:__________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__<br />
Fone/Fax: __________________________ E-mail:_________________________________<br />
IDENTIFICAÇÃO DO DEFENSOR DE DIREITOS HUMANOS:<br />
Nome:_____________________________________________________________________<br />
Ida<strong>de</strong>: _______Sexo:_________<br />
Profissão:__________________________________ Cargo:<br />
___________________________<br />
En<strong>de</strong>reço:__________________________________________________________________<br />
________________________________________________<br />
Fone/Fax: ____________________ E-mail: _________________________<br />
Nome da Organização (se faz parte <strong>de</strong> alguma organização não governamental, partido<br />
político, sindicato ou movimento social) :<br />
_____________________________________________________________<br />
Responsável pela Organização :<br />
_____________________________________________________________<br />
Atuação da organização:<br />
( ) municipal ( ) estadual ( ) regional ( ) nacional ( ) internacional<br />
<strong>Na</strong>tureza do trabalho (questões agrárias, raciais, sexuais, ambientais, indígenas, infância e<br />
juventu<strong>de</strong>, direitos civis e políticos, etc):<br />
_____________________________________________________________<br />
DESCRIÇÃO DA VIOLAÇÃO<br />
Data: ________________ Local : _________________________________<br />
<strong>Na</strong>tureza da violação sofrida ( homicídio, ameaça <strong>de</strong> morte, agressão física ou moral,<br />
<strong>de</strong>saparecimento, prisão arbitrária, processo judicial intimidatório, etc):<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__<br />
Descrição do(s) fato(s):<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 129
<strong>Na</strong> <strong>Linha</strong> <strong>de</strong> <strong>Frente</strong>: Defensores <strong>de</strong> Direitos Humanos no Brasil, 1997-2001<br />
Versão em português (provisória)<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
____________<br />
Alguma autorida<strong>de</strong> pública foi comunicada ? ( ) sim ( ) não<br />
I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> estatal envolvida, se houver (nome do funcionário público,<br />
<strong>de</strong>partamento ou órgão):<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__<br />
Função / Cargo:______________________________________________________________<br />
Circunstâncias:______________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
___<br />
Há procedimento administrativo ou judicial ? ( ) sim ( ) não :<br />
Numero do processo ou inquérito :<br />
__________________________________________________________________________<br />
_<br />
Em que órgão está tramitando ? (<strong>de</strong>legacia, vara, tribunal):<br />
__________________________________________________________________________<br />
_<br />
Qual a última movimentação processual ?<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
____<br />
Outras providências adotadas pelo <strong>de</strong>fensor (em âmbito local, estadual, nacional ou<br />
internacional ou junto à imprensa):<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
__________________________________________________________________________<br />
______<br />
<strong>Front</strong> <strong>Line</strong> e Centro <strong>de</strong> Justiça Global 130