42 national geographic • abril 2008 O NOME LIBERDADE foi <strong>da</strong>do <strong>em</strong> 1920, mas o lugar já concentrava imigrantes japoneses desde 1912. Os sinais <strong>da</strong> presença nipônica dilu<strong>em</strong>-se hoje na caótica paisag<strong>em</strong> urbana do centro velho <strong>da</strong> capital paulista. Na própria planta oficial <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, os limites do <strong>bairro</strong> não são distintos.
UMA hISTóRIA DE AMOR nissei típica do <strong>bairro</strong> foi vivi<strong>da</strong> por Marcus Iizuka e Fernan<strong>da</strong> Branchelli. Ele é um destacado repórter fotográfico que atua na colônia japonesa; ela, uma artista plástica descendente de italianos do sul do Brasil. A assimilação é harmônica até na cerimônia budista no t<strong>em</strong>plo Soto Zenshu, que pertence à família do noivo. texto e fotos por <strong>Marcio</strong> <strong>Scavone</strong> A primeira vez <strong>em</strong> que olhei para a Liber<strong>da</strong>de foi no começo dos anos 70. Era uma límpi<strong>da</strong> tarde de outono, e eu percorri suas ruas na companhia de meu pai, que tinha nas mãos uma câmera de vídeo super-8 Ko<strong>da</strong>k. A magia do <strong>bairro</strong> japonês já tinha há muito t<strong>em</strong>po capturado sua imaginação de escritor. Meu pai era um refém <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de. Enquanto caminhava um passo adiante de mim, ele chamava minha atenção para a luz singular do outono nos trópicos – que pincelava os velhos edifícios com uma tinta âmbar carrega<strong>da</strong> de nostalgia. <strong>No</strong> mês de maio, por algum capricho astronômico, conseguimos <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, sob a sombra imaginária <strong>da</strong> linha de Capricórnio, observar as pessoas e as coisas banha<strong>da</strong>s por uma luz oblíqua e tépi<strong>da</strong>, típica <strong>da</strong>s altas latitudes, s<strong>em</strong>elhante àquela do distante arquipélago japonês. Ou seja, no outono, a Liber<strong>da</strong>de parecia ain<strong>da</strong> mais original, mais ver<strong>da</strong>deira, mais próxima de sua ascendência oriental. Meu pai caminhava rápido e gesticulava como um diretor de cin<strong>em</strong>a que exigia concentração e foco de seu cameraman – eu. A Liber<strong>da</strong>de é um dos símbolos mais cintilantes, ain<strong>da</strong> hoje, <strong>da</strong> centenária imigração japonesa no Brasil. Em 1912, quatro anos após o navio Kasato Maru aportar <strong>em</strong> Santos com a primeira leva de imigrantes, pioneiros na capital começaram a concentrar-se na íngr<strong>em</strong>e rua Conde de Sarze<strong>da</strong>s, onde quase to<strong>da</strong>s as casas tinham porão – o preço dos aluguéis no subsolo era ínfimo, e os quartos podiam acomo<strong>da</strong>r um grande grupo de pessoas. Logo começaram as ativi<strong>da</strong>des comerciais típicas do Oriente: alguém abriu um <strong>em</strong>pório, uma casa que fabricava tofu (queijo de soja), outra de manju (doce típico). Surgiram também agências de <strong>em</strong>pregos. Nascia a “rua dos japoneses” <strong>em</strong> pleno coração <strong>da</strong> capital paulista (mapa). Vinte anos depois, cerca de 2 mil deles já viviam na ci<strong>da</strong>de, agora espalhados <strong>em</strong> ruas diversas do <strong>bairro</strong>, como a Conselheiro Furtado, a Tomás de Lima (atual Mituto Mizumoto) e a Irmã Simpliciana, perto <strong>da</strong> Praça <strong>da</strong> Sé. A vi<strong>da</strong> dos imigrantes era dura, mas havia oferta de trabalho, comi<strong>da</strong> e moradia. Escolas para ensino do idioma <strong>da</strong> terra natal foram abertas. <strong>No</strong>s fins de s<strong>em</strong>ana, jogos de beisebol eram lazer certo. Nas pensões, podia-se comer comi<strong>da</strong> típica e ler publicações <strong>em</strong> japonês. Probl<strong>em</strong>as só viriam a ocorrer <strong>em</strong> 1941, com a Segun<strong>da</strong> Guerra e a adesão do Japão à Al<strong>em</strong>anha. O governo brasileiro proibiu a circulação dos jornais <strong>da</strong> colônia, fechou o consulado e decretou a expulsão dos japoneses <strong>reside</strong>ntes nas ruas Conde de Sarze<strong>da</strong>s e dos Estu<strong>da</strong>ntes. Apenas <strong>em</strong> 1945, após a rendição do Japão, é que o <strong>bairro</strong> voltou à vi<strong>da</strong> normal – eclética e multicultural, como a que me fascinou desde garoto. Assim, de que maneira fotografar hoje o espírito r<strong>em</strong>anescente <strong>da</strong> maior ci<strong>da</strong>de japonesa fora do Japão? Facha<strong>da</strong>s, ruas, ruelas, quiosques, pessoas apressa<strong>da</strong>s, velhos que se mov<strong>em</strong> devagar, táxis eternamente parados no meio-fio prontos para a próxima viag<strong>em</strong>. Na Liber<strong>da</strong>de, tudo parece se diluir, à espera de uma ord<strong>em</strong> misteriosa para voltar a ser o que foi um dia. As cores do <strong>bairro</strong> se desprend<strong>em</strong> como velhos cromos de um álbum de figurinhas de infância. 44 national geographic • JUNHO 2008 mapa: l.f. martini liber<strong>da</strong>de 45 R. Galv˜ao Bueno Av. Liber<strong>da</strong>de R. <strong>da</strong> Glória R. Conselheiro Furtado Radial Leste R. dos Estu<strong>da</strong>ntes Pra¸ca Liber<strong>da</strong>de R. Dr. Tom´as de Lima R. Conde de Sarze<strong>da</strong>s