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No bairro da Liberdade em São Paulo, reside o ... - Marcio Scavone

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UMA hISTóRIA DE AMOR nissei típica do <strong>bairro</strong> foi vivi<strong>da</strong> por Marcus Iizuka e Fernan<strong>da</strong><br />

Branchelli. Ele é um destacado repórter fotográfico que atua na colônia japonesa; ela, uma<br />

artista plástica descendente de italianos do sul do Brasil. A assimilação é harmônica até na<br />

cerimônia budista no t<strong>em</strong>plo Soto Zenshu, que pertence à família do noivo.<br />

texto e fotos por <strong>Marcio</strong> <strong>Scavone</strong><br />

A primeira vez <strong>em</strong> que olhei para a Liber<strong>da</strong>de foi no começo<br />

dos anos 70. Era uma límpi<strong>da</strong> tarde de outono, e eu percorri suas ruas na companhia<br />

de meu pai, que tinha nas mãos uma câmera de vídeo super-8 Ko<strong>da</strong>k.<br />

A magia do <strong>bairro</strong> japonês já tinha há muito t<strong>em</strong>po capturado sua imaginação<br />

de escritor. Meu pai era um refém <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de. Enquanto caminhava um<br />

passo adiante de mim, ele chamava minha atenção para a luz singular do<br />

outono nos trópicos – que pincelava os velhos edifícios com uma tinta âmbar<br />

carrega<strong>da</strong> de nostalgia. <strong>No</strong> mês de maio, por algum capricho astronômico,<br />

conseguimos <strong>em</strong> <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>, sob a sombra imaginária <strong>da</strong> linha de Capricórnio,<br />

observar as pessoas e as coisas banha<strong>da</strong>s por uma luz oblíqua e tépi<strong>da</strong>, típica<br />

<strong>da</strong>s altas latitudes, s<strong>em</strong>elhante àquela do distante arquipélago japonês. Ou seja,<br />

no outono, a Liber<strong>da</strong>de parecia ain<strong>da</strong> mais original, mais ver<strong>da</strong>deira, mais<br />

próxima de sua ascendência oriental. Meu pai caminhava rápido e gesticulava<br />

como um diretor de cin<strong>em</strong>a que exigia concentração e<br />

foco de seu cameraman – eu.<br />

A Liber<strong>da</strong>de é um dos símbolos mais cintilantes,<br />

ain<strong>da</strong> hoje, <strong>da</strong> centenária imigração japonesa no Brasil.<br />

Em 1912, quatro anos após o navio Kasato Maru aportar<br />

<strong>em</strong> Santos com a primeira leva de imigrantes, pioneiros<br />

na capital começaram a concentrar-se na íngr<strong>em</strong>e<br />

rua Conde de Sarze<strong>da</strong>s, onde quase to<strong>da</strong>s as casas<br />

tinham porão – o preço dos aluguéis no subsolo era<br />

ínfimo, e os quartos podiam acomo<strong>da</strong>r um grande grupo<br />

de pessoas. Logo começaram as ativi<strong>da</strong>des comerciais<br />

típicas do Oriente: alguém abriu um <strong>em</strong>pório, uma<br />

casa que fabricava tofu (queijo de soja), outra de manju<br />

(doce típico). Surgiram também agências de <strong>em</strong>pregos.<br />

Nascia a “rua dos japoneses” <strong>em</strong> pleno coração <strong>da</strong> capital paulista (mapa).<br />

Vinte anos depois, cerca de 2 mil deles já viviam na ci<strong>da</strong>de, agora espalhados<br />

<strong>em</strong> ruas diversas do <strong>bairro</strong>, como a Conselheiro Furtado, a Tomás de Lima<br />

(atual Mituto Mizumoto) e a Irmã Simpliciana, perto <strong>da</strong> Praça <strong>da</strong> Sé. A vi<strong>da</strong><br />

dos imigrantes era dura, mas havia oferta de trabalho, comi<strong>da</strong> e moradia.<br />

Escolas para ensino do idioma <strong>da</strong> terra natal foram abertas. <strong>No</strong>s fins de s<strong>em</strong>ana,<br />

jogos de beisebol eram lazer certo. Nas pensões, podia-se comer comi<strong>da</strong><br />

típica e ler publicações <strong>em</strong> japonês. Probl<strong>em</strong>as só viriam a ocorrer <strong>em</strong> 1941,<br />

com a Segun<strong>da</strong> Guerra e a adesão do Japão à Al<strong>em</strong>anha. O governo brasileiro<br />

proibiu a circulação dos jornais <strong>da</strong> colônia, fechou o consulado e decretou a<br />

expulsão dos japoneses <strong>reside</strong>ntes nas ruas Conde de Sarze<strong>da</strong>s e dos Estu<strong>da</strong>ntes.<br />

Apenas <strong>em</strong> 1945, após a rendição do Japão, é que o <strong>bairro</strong> voltou à vi<strong>da</strong><br />

normal – eclética e multicultural, como a que me fascinou desde garoto.<br />

Assim, de que maneira fotografar hoje o espírito r<strong>em</strong>anescente <strong>da</strong> maior ci<strong>da</strong>de<br />

japonesa fora do Japão? Facha<strong>da</strong>s, ruas, ruelas, quiosques, pessoas apressa<strong>da</strong>s,<br />

velhos que se mov<strong>em</strong> devagar, táxis eternamente parados no meio-fio<br />

prontos para a próxima viag<strong>em</strong>. Na Liber<strong>da</strong>de, tudo parece se diluir, à espera<br />

de uma ord<strong>em</strong> misteriosa para voltar a ser o que foi um dia. As cores do <strong>bairro</strong><br />

se desprend<strong>em</strong> como velhos cromos de um álbum de figurinhas de infância.<br />

44 national geographic • JUNHO 2008 mapa: l.f. martini<br />

liber<strong>da</strong>de 45<br />

R. Galv˜ao Bueno<br />

Av. Liber<strong>da</strong>de<br />

R. <strong>da</strong> Glória<br />

R. Conselheiro Furtado<br />

Radial Leste<br />

R. dos Estu<strong>da</strong>ntes<br />

Pra¸ca<br />

Liber<strong>da</strong>de<br />

R. Dr. Tom´as de Lima<br />

R. Conde de Sarze<strong>da</strong>s

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