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4 PoEMas brasilEiros - Centro Cultural São Paulo

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coleção<br />

poesia<br />

viva<br />

4 <strong>PoEMas</strong><br />

<strong>brasilEiros</strong><br />

horácio costa<br />

cENtro cUltUral sÃo PaUlo


4 <strong>PoEMas</strong><br />

<strong>brasilEiros</strong>


4 <strong>PoEMas</strong><br />

<strong>brasilEiros</strong><br />

horácio costa


Nota<br />

Os quatro poemas que seguem são inéditos e pertencem,<br />

os dois primeiros, a dois livros também inéditos: “Rumo<br />

a Aquiléia” a Ciclópico Olho, que reúne a minha produção<br />

entre 1996 e 2003, época em que regressei ao Brasil depois<br />

de duas décadas vividas no exterior; o segundo, “Lendo o<br />

jornal, 1º de outubro de 2009”, a Bernini, manuscrito que<br />

terminei no ano passado e que reúne minha produção posterior<br />

a 2008, ano de publicação de Ravenalas; os dois últimos<br />

foram escritos no presente ano, em duas viagens que fiz<br />

recentemente. Selecionei-os porque representam, a meu<br />

ver, exemplares de uma escrita minha com preocupações<br />

de levantamento da fácies do Brasil atual, de topografia tão<br />

elusiva quanto multívoca, porém sempre em mim.<br />

h. c.<br />

osasco, 4 de abril de 2011<br />

5


6<br />

rUMo a aqUiléia<br />

Come from the holy fire<br />

And be the singing masters of my soul.<br />

Yeats, sailing to byzantium<br />

A José Saramago, in memoriam<br />

O dia está mesmo encoberto.<br />

Entre ruídos de telefones<br />

celulares, eis-me enfim<br />

a caminho de Aquiléia.<br />

Veneza não mais interessa<br />

e por sucumbir não termina.<br />

Sobre canais, pontes, museus,<br />

os habitantes, seus manteaux.<br />

Os palácios iluminados<br />

e os restaurantes lotados.<br />

Constroem um novo Bucintoro<br />

para a sanha dos turistas.<br />

Por isso, rumo a Aquiléia.<br />

Lá não sou amigo do rei<br />

mas é ao velho Diocleciano<br />

a quem hoje visitarei.<br />

Sua viúva, sua filha,<br />

de princesas passaram a<br />

mendigas. Sobre a História,<br />

que dirá o fantasma cesáreo?<br />

7


Que seja em latim, tanto faz.<br />

De sua congelada Panônia<br />

o vulto do Imperador<br />

algo útil me sussurrará.<br />

Não penso em brocados, nem quero<br />

púrpuras. Nos filmes estão<br />

as tiaras de ametistas. Doo<br />

aos poetas fáceis, efeitos.<br />

Mas vim de tão longe, sou um<br />

brasileiro. Posso ao tetrarca<br />

exigir o real, o que é vero,<br />

a substância, e ponto final.<br />

Que não revele, que só confirme,<br />

é suficiente. Que é da História?<br />

E, dois mil anos depois, que gosto<br />

lhe guarda o seu tanto poder?<br />

Vilipendiadas, pelo Império<br />

vagaram as suas princesas.<br />

Uma vez destilada a ira,<br />

Diocleciano, hoje, sabe.<br />

Ou deve saber. Que me traga<br />

a sua conclusão ou se cale.<br />

A ele já não voltarei:<br />

a Aquiléia se vai uma vez.<br />

Que não esmiúce os fardos<br />

da glória e da santidade;<br />

poupe-me quem com olhar<br />

galvanizava os legionários.<br />

8<br />

Que confesse ao visitante<br />

a sua moral milenar.<br />

Divo! conjuro-te a afirmar<br />

que há um sentido, um destino.<br />

Eis-me então frente a Aquiléia.<br />

Já sei o que há por encontrar:<br />

mosaicos, restos arqueológicos.<br />

Patriarcas, gestas de hunos.<br />

E que escapa à voz que míngua?<br />

Suores. Pactos. Traições.<br />

Ah, que não lamente a desdita<br />

das pobres princesas reais.<br />

Mas se o eco vier de Ausônio,<br />

quem descreveu Aquiléia<br />

à sombra dos últimos Césares,<br />

celebrarei entre as ruínas.<br />

Se for de Ausônio a voz,<br />

que atento eu permaneça.<br />

Que ele me conte o que queira:<br />

não sei o que o poeta dirá.<br />

aquiléia, itália, 5 Xii 98<br />

9


lENdo o jorNal, 1º dE oUtUbro dE 2009<br />

Sue, a Tyranossaurus<br />

Rex, morreu de<br />

dor de garganta,<br />

afirma um dinossaurista<br />

em Wisconsin, e não<br />

das mordidas de outros<br />

dinossauros. Irtiersenu,<br />

a múmia egípcia<br />

por décadas olvidada<br />

numa gaveta do Museu<br />

Britânico, não morreu<br />

de câncer de ovário,<br />

como até há pouco<br />

se pensava: terá tido<br />

sete filhos e seu aparelho<br />

reprodutor de dois mil<br />

e seiscentos anos está<br />

intacto. O bacilo<br />

de Koch atravessou<br />

o caminho entre ela<br />

e seus netos. Até agora<br />

não se havia confirmado<br />

a existência da tuberculose<br />

no Antigo Egito nem<br />

a do parasita trychomonas<br />

gallinae no período<br />

cretáceo. A ação de censura<br />

contra O Estado de S. <strong>Paulo</strong><br />

promovida pelo filho do<br />

Excelentíssimo Senador<br />

pelo Amapá José Sarney,<br />

defensor perpétuo de sua<br />

numerosa prole, há sessenta<br />

e dois dias vigente, foi<br />

mandada para o Tribunal de<br />

10<br />

Justiça do Estado do Maranhão.<br />

O do Distrito Federal<br />

considerou-se incompetente<br />

para julgá-la. Quatrocentos<br />

é o numero de bilhões<br />

de dólares americanos que o<br />

presidente da Petrobras considera<br />

necessários para que<br />

se proceda à exploração<br />

do petróleo no pré-sal.<br />

A tiranossaura Sue.<br />

A múmia Irtiersenu.<br />

A família Sarney.<br />

O pré-sal.<br />

Tenho companhia animada<br />

agora que me sento à mesa<br />

para mais uma edição<br />

do meu café da manhã.<br />

são <strong>Paulo</strong>, 1º de outubro de 2009<br />

11


MEditaçÃo sobrE o carNaval No lago da NicarágUa<br />

12<br />

... ao cheiro desta canela,<br />

O Reino nos despovoa.<br />

sá de Miranda<br />

Acompanho o cortejo até o lago.<br />

Começou no começo da tarde<br />

na frente da Iglesia de La Merced.<br />

Os grupos carnavalescos de Granada,<br />

convocados pelo Festival de Poesia de Granada,<br />

iam chegando, ao som de estrondosos<br />

instrumentos. Não muitos participantes:<br />

os suficientes, em duas dezenas de blocos.<br />

Do alto do “poetamóvel” o mestre de cerimônias<br />

os ordenava, os de frente dos bairros de Granada,<br />

os grupos de trás das aldeias indígenas<br />

das terras entre os vulcões.<br />

De uma charrete enfeitada com guirlandas,<br />

puxada por cavalos também enfeitados por guirlandas,<br />

os poetas homenageados, Francisco de Assis,<br />

quem teve um AVC há alguns meses,<br />

e Claribel, quem há pouco perdeu o marido<br />

com quem esteve casada por cinquenta anos,<br />

e detrás da charrete branca e colorida,<br />

o coche fúnebre, negro, com um ataúde<br />

também negro e coroas de flores no interior<br />

e nas laterais, contratado para o espetáculo<br />

de enterro da tristeza y de los dolores del mundo,<br />

que é o objeto deste carnaval.<br />

A cada esquina, sobem três poetas de várias origens<br />

ao poetamóvel e leem em suas línguas<br />

e alguém lhes segue, em tradução.<br />

Como brasileiro e, daí, consideram,<br />

especialista em carnaval desde o berço,<br />

sou escalado logo na primeira parada:<br />

leio “O Fragmentista” de O livro dos fracta,<br />

escrito há mais de vinte anos no México.<br />

Visto do pódio florido do poetamóvel,<br />

o mundo colonial de Granada<br />

é um confluir de festões:<br />

dirijo-me aos foliões em espanhol<br />

e chego a objetivar o que descobria:<br />

que o festival de poesia feita folia<br />

amplia o meu conceito de carnaval.<br />

Será o que querem ouvir, imagino:<br />

mas não é a eles, que previsivelmente me aplaudem,<br />

a quem me dirijo, mas no meio da confusão<br />

é a mim mesmo que falo:<br />

Diante desta versão menor<br />

da festa que tudo transgride,<br />

diante desta escala para nós esquecida<br />

a mim me pergunto<br />

sobre o que perdemos, nós brasileiros,<br />

agora que nossa história parece cumprir-se.<br />

Não sou saudosista nem amo o passado<br />

pelo simples fato de sê-lo e<br />

filho do Brasil,<br />

sequer o reverencio.<br />

Por que deveria, se o futuro é nossa matéria<br />

e nosso motto? Não inventou Zweig<br />

o nosso pendor futurante e Brasília<br />

por acaso não deu-se.<br />

Mas aqui me afloram dúvidas<br />

ao longo do desfile: este é o mundo em pequeno,<br />

13


enterram as suas mágoas os poetas e o povo<br />

do qual são parte, as suas também,<br />

com eles e por sua condução e conduta.<br />

Existe então este pacto, e dele<br />

agora sou parte: não espectador<br />

frente ao aparelho de televisão<br />

ou ao vivo, em algum sambódromo<br />

do Oiapoque ao Chuí, nem poeta<br />

que lê no metropolitano espaço<br />

da Casa das Rosas e ensina poesia e cânone<br />

em suas aulas na USP.<br />

A cada esquina para o ritmo<br />

e sobem poetas ao pódio e leem seus poemas,<br />

a judia poeta e a palestina poeta,<br />

o alemão ou o francês ou o americano poeta<br />

e os poetas dos Camarões e do Malauí<br />

e os chineses da China e de Taiwan,<br />

os da vanguarda e os da tradição,<br />

os que leem como os seus avós<br />

e os que fazem poesia sonora<br />

para os ouvidos de seus netos:<br />

trazemos todos no semblante<br />

euforia, estupefação<br />

e não serei o único a pensar<br />

nos quesitos de escala e verdade<br />

quando se trata de falar<br />

a quem brinca lá embaixo<br />

e te escuta e assim te refuta.<br />

Certo, tudo está envolvido numa retórica<br />

que me remete a um tempo por mim não vivido,<br />

quando minha mãe não se havia casado ainda<br />

e todos os fevereiros havia corso na Paulista<br />

e ensinar latim no interior em escola pública,<br />

como seu tio Hélio em Presidente Prudente,<br />

era digno de respeito e sustentava família.<br />

14<br />

Sim, vamos correndo, não às margens de algum lago<br />

Nicarágua ou Paranoá, com a lua cheia como patrona<br />

como acontece neste preciso momento,<br />

mas ao assento na ONU e a nos sabermos potência,<br />

a BOVESPA que tudo ancora como um dos bolsos do mundo<br />

e a termos o mais seguro e fantástico,<br />

para banqueiros que gritam quando cagam,<br />

sistema bancário do Ocidente, e a construirmos<br />

não só plataformas no meio do mar<br />

e submarinos atômicos e jatos de caça.<br />

Sim, convertemo-nos no irmão grande do mundo latino,<br />

o mais poderoso país hispânico do orbe,<br />

embora os que falam espanhol não o saibam<br />

e não saibamos nós que somos hispânicos.<br />

Mas, que faremos com esse poder<br />

que – teremos de fato ou é só desejo, exalação?<br />

e se fato for, valerá a pena tê-lo<br />

se já não pouco perdemos no intento de consegui-lo,<br />

que dirá em seu exercício<br />

se algum dia for pleno?<br />

Les jeux sont faits, no entanto.<br />

Chegam os foliões à beira do lago e eu com eles,<br />

pulando. E sobe o bicho mau da comparação<br />

dentro de mim: isto não é bateria que se apresente,<br />

meu chapa, estas fantasias são só arremedos<br />

e os dois carros alegóricos, se se puderem considerar<br />

como tais charrete e coche fúnebre/festivo,<br />

trazem já os festões completamente murchos,<br />

em resumo: estão verdes as uvas,<br />

sussurra-me a velha raposa<br />

avidamente aos ouvidos.<br />

15


No entanto, no entanto<br />

nunca pensei como antes<br />

e tão dolorosamente como agora,<br />

enquanto trato de expurgar-me da dor de senti-lo<br />

num carnaval que enterra tristezas<br />

y los dolores del mundo,<br />

no que perdemos como povo:<br />

sim, como nação,<br />

para alçar nossa húbris em ordem<br />

até no reino maravilhoso<br />

de nosso carnaval-indústria<br />

em prol de nosso imperioso progresso.<br />

granada, Nicarágua, 16 ii 011<br />

16<br />

iNhotiM<br />

quem ainda tem lágrimas<br />

para chorar de beleza?<br />

as há tantas para carpir<br />

agora que sou homem<br />

mas de beleza quem sobe<br />

ao êxtase do olhar<br />

e conduz esses cantos<br />

das lágrimas?<br />

o som profundo do<br />

lacrimário da terra<br />

quem ainda tempo tem<br />

para ouvir<br />

e a morada da entidade<br />

no imo da mata<br />

quem se serve a<br />

verter em água salgada?<br />

parece que o mundo procura<br />

a identidade da palma<br />

que saúda em Inhotim<br />

o céu puro de Minas<br />

belo horizonte 27 iii 011<br />

17


18<br />

sobrE o aUtor<br />

Horácio Costa, poeta, tradutor e ensaísta, nasceu em <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong><br />

(SP), em 1954. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela<br />

Universidade de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> (1978), realizou o mestrado em Artes –<br />

New York University (1983) –, em Filosofia – Yale University (1986) – e<br />

concluiu doutorado em Filosofia (PhD) – Yale University (1994).<br />

Morou 20 anos fora do Brasil, fixando residência em diversos países:<br />

EUA, Espanha, Portugal e México, onde foi professor titular da<br />

Universidad Nacional Autónoma de México-UNAM. Retornou ao<br />

Brasil em 2001. Atualmente é professor-doutor da Universidade<br />

de <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong>. Seu estudo José Saramago: o período formativo foi<br />

publicado em Lisboa (Caminho, 1997) e no México (FCE, 2004).<br />

Publicou, entre outros livros, 28 Poemas/6 Contos (1981), Satori<br />

(1989), O Livro dos Fracta (1990), The Very Short Stories (1991), O<br />

Menino e o Travesseiro (1998), Quadragésimo (1999), Fracta (2005),<br />

Ravenalas (2008), entre outros títulos. É autor também do volume de<br />

ensaios Mar Abierto (1999) e de antologias com traduções de poetas<br />

latino-americanos, como Gorostiza e Octavio Paz. Recebeu prêmio<br />

da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), em 1992, pela<br />

organização do encontro internacional que gerou o livro A Palavra<br />

Poética na América Latina. Foi membro do júri de vários prêmios<br />

internacionais e foi presidente do júri do Prêmio Octavio Paz de<br />

Poesia e Ensaio. Foi, também, presidente da ABEH – Associação<br />

Brasileira de Estudos de Homocultura – no biênio 2006-2008.


Prefeitura de são <strong>Paulo</strong> Gilberto Kassab<br />

secretaria de cultura Carlos Augusto Calil<br />

centro cultural são <strong>Paulo</strong> | direção Ricardo Resende divisão administrativa<br />

Gilberto Labor e equipe divisão de curadoria e Programação Alexandra<br />

Itacarambi e equipe divisão de acervo, documentação e conservação Isis<br />

Baldini e equipe divisão de bibliotecas Waltemir Jango Belli Nalles e equipe<br />

divisão de Produção e apoio a Eventos Luciana Mantovani e equipe divisão<br />

de informação e comunicação Durval Lara e equipe divisão de ação cultural<br />

e Educativa Alexandra Itacarambi e equipe coordenação técnica de Projetos<br />

Yone Sassa e equipe<br />

25 Poemas escolhidos pelo autor | coleção Poesia viva autor Armando<br />

Freitas Filho coordenação Editorial Claudio Daniel (Curador de Literatura<br />

do CCSP) conselho Editorial Heloísa Buarque de Hollanda, Leda Tenório da<br />

Mota, Maria Esther Maciel, Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Luiz Costa<br />

Lima Projeto gráfico ccsP Adriane Bertini impressão Gráfica do CCSP<br />

colEçÃo PoEsia viva<br />

distribuição: gratuita, no CCSP e nas bibliotecas municipais<br />

tiragem: 500 exemplares<br />

são <strong>Paulo</strong>, 2011<br />

isbn: 978-85-86196-36-2


WWW.CENTROCULTURAL.SP.GOV.BR<br />

R. Vergueiro, 1000 / CEP 01504-000<br />

Paraíso / <strong>São</strong> <strong>Paulo</strong> SP<br />

11 3397 4002<br />

ccsp@prefeitura.sp.gov.br

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