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V. Sª não manda em casa alheia - Universidade Federal do Pará

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“V. <strong>Sª</strong> <strong>não</strong> <strong>manda</strong> <strong>em</strong> <strong>casa</strong> <strong>alheia</strong>”:<br />

disputas <strong>em</strong> torno da implantação <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res na Província <strong>do</strong> <strong>Pará</strong>, 1838-1844<br />

Claudia Maria Fuller *<br />

Resumo: Relações de poder e interesse pod<strong>em</strong> se configuram por<br />

causa de uma lei? Este artigo analisa os conflitos, alianças e<br />

práticas estabelecidas entre autoridades provinciais,<br />

proprietários de terras e trabalha<strong>do</strong>res livres, <strong>em</strong> torno das<br />

interpretações e apropriações a respeito da lei <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, durante um processo que buscava controlar a<br />

mão-de-obra livre no Norte <strong>do</strong> Brasil da primeira metade <strong>do</strong><br />

século XIX.<br />

Palavras-chave: mão-de-obra livre; <strong>Pará</strong> (século XIX);<br />

Legislação; Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

Abstract: Can relationships of interest and power be formed because<br />

of a law? This article analyzes the conflicts, alliances and<br />

practices developed amongst governmental authorities,<br />

lan<strong>do</strong>wners and free workers based on their usages and<br />

interpretations of the Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res‘ Law<br />

(Worker‘s Regiments), during a process that aimed to control<br />

the free workforce in the North of Brazil, in the first half of<br />

nineteenth century.<br />

Keywords: Free workforce; <strong>Pará</strong> (nineteenth century); Law;<br />

Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

* Foi professora <strong>do</strong> Departamento de História da <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Pará</strong>.<br />

Vol. III, n° 2, 2008, p. 41-75 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 41


1. Sobre um conceito de ociosidade: legislação e historiografia<br />

Em 25 de abril de 1838, Francisco José de Souza Soares<br />

d‘Andrea, Presidente e Co<strong>manda</strong>nte de Armas da Província <strong>do</strong> <strong>Pará</strong>,<br />

através da Lei nº 2, autorizava o governo a estabelecer <strong>em</strong> todas as vilas<br />

e lugares os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res. 1<br />

Os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, dividi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> Companhias ligadas<br />

às diversas localidades, deveriam ser forma<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> recrutamento<br />

de índios, mestiços e pretos que <strong>não</strong> foss<strong>em</strong> escravos, e <strong>não</strong> tivess<strong>em</strong><br />

propriedades ou estabelecimentos a que se aplicass<strong>em</strong> constant<strong>em</strong>ente.<br />

A mão-de-obra obtida através desses alistamentos seria destinada ao<br />

serviço de obras públicas, e também para trabalhar para particulares<br />

(através de contrato firma<strong>do</strong> perante o Juiz de Paz). Essas medidas,<br />

cujos objetivos estavam expressos no próprio texto da lei e de sua<br />

regulamentação 2, deveriam evitar que houvesse ―vagamun<strong>do</strong>s e homens<br />

ociosos‖ espalha<strong>do</strong>s pela Província, controlan<strong>do</strong> inclusive o espaço de<br />

circulação da população livre, pois proibiam os indivíduos recruta<strong>do</strong>s<br />

de sair da localidade a que pertenciam s<strong>em</strong> que portass<strong>em</strong> uma guia de<br />

seus Co<strong>manda</strong>ntes explicitan<strong>do</strong> o local para onde se dirigiam, e a<br />

finalidade de tais deslocamentos. Os trabalha<strong>do</strong>res que vagass<strong>em</strong> s<strong>em</strong> a<br />

guia exigida deveriam ser presos e r<strong>em</strong>eti<strong>do</strong>s a seus Co<strong>manda</strong>ntes.<br />

Este artigo t<strong>em</strong> por objetivo analisar os <strong>em</strong>bates entre<br />

autoridades provinciais, proprietários e trabalha<strong>do</strong>res durante os<br />

primeiros anos de implantação e existência <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, associan<strong>do</strong> a análise da <strong>do</strong>cumentação relativa a essa<br />

instituição com as interpretações e explicações elaboradas pela<br />

historiografia referente ao t<strong>em</strong>a.<br />

Os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res são <strong>em</strong> geral analisa<strong>do</strong>s, <strong>em</strong><br />

trabalhos que discut<strong>em</strong> a Cabanag<strong>em</strong> 3, uma vez que seu cria<strong>do</strong>r, o<br />

Presidente d‘Andrea é conheci<strong>do</strong> como o principal responsável pela<br />

repressão ao movimento cabano, cujo início é oficialmente marca<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

janeiro de 1835. Assim, essa instituição é discutida como uma estratégia<br />

de controle social e de prevenção a possíveis novas ―cabanagens‖.<br />

Os Corpos (ou Companhias) de Trabalha<strong>do</strong>res estão presentes<br />

inicialmente na obra de Domingos Antonio Raiol, Barão de Guajará,<br />

cujos cinco tomos foram publica<strong>do</strong>s entre 1865 e 1890. Raiol<br />

desenvolve a idéia de que os diversos tipos de recrutamentos instituí<strong>do</strong>s<br />

42 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


por d‘Andrea <strong>não</strong> só criaram valiosos recursos contra os rebeldes<br />

cabanos (no caso <strong>do</strong>s recrutamentos para os batalhões de guardas<br />

policiais), como tiraram-lhes os seus melhores auxiliares, ao <strong>manda</strong>r<br />

alistar to<strong>do</strong>s os indivíduos residentes nos distritos. Com isso, dava-se<br />

ocupação regular aos ociosos e turbulentos, sujeitan<strong>do</strong>-os à disciplina<br />

militar, e desenvolven<strong>do</strong> entre eles o amor ao trabalho e o sentimento<br />

de moralidade. Dessa forma se combatia indiretamente a anarquia e se<br />

hostilizava de frente os rebeldes, conseguin<strong>do</strong> restabelecer a paz e o<br />

respeito devi<strong>do</strong> ao ―princípio de autoridade‖. 4<br />

Raiol, político <strong>do</strong> século XIX, se propunha a evitar que o<br />

t<strong>em</strong>po apagasse a m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong>s acontecimentos, legan<strong>do</strong>-a às gerações<br />

vin<strong>do</strong>uras. Seu test<strong>em</strong>unho está permea<strong>do</strong> por um discurso político<br />

preocupa<strong>do</strong> com a manutenção da ord<strong>em</strong> e da disciplina numa<br />

sociedade que debatia os destinos da mão-de-obra livre e cativa (final<br />

<strong>do</strong> século XIX, momento <strong>em</strong> que sua obra foi escrita). Fazen<strong>do</strong> um<br />

apologia contrária a qualquer perturbação da ord<strong>em</strong>, Raiol elaborou um<br />

discurso moraliza<strong>do</strong>r e civiliza<strong>do</strong>r. 5<br />

A partir da obra de Raiol, os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

passaram para a historiografia como uma hábil estratégia <strong>do</strong> Marechal<br />

d‘Andrea para dizimar os cabanos, e para dar início à reconstrução da<br />

Província, particularmente das áreas devastadas pelos combates há<br />

pouco trava<strong>do</strong>s. Essa perspectiva pode ser encontrada nas obras de<br />

Vicente Salles, Pasquale Di Paolo, Júlio José Chiavenato. 6 Estes autores,<br />

<strong>em</strong>bora produzin<strong>do</strong> obras de caráter diferencia<strong>do</strong>, procuraram apontar<br />

a importância de se perceber a Cabanag<strong>em</strong> como uma revolução de<br />

cunho popular, duramente reprimida pelos ―grupos <strong>do</strong>minantes‖<br />

através das autoridades. A instituição <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

nada mais seria <strong>do</strong> que um instrumento capaz de manter longe <strong>do</strong><br />

poder aqueles que um dia, a duras penas e muita luta, tinham<br />

consegui<strong>do</strong> alcançá-lo: os populares. Seria um mecanismo de<br />

<strong>do</strong>minação de classe, b<strong>em</strong> como um instrumento de <strong>do</strong>minação racial,<br />

já que a lei era b<strong>em</strong> clara quanto aos indivíduos que deveriam ser<br />

recruta<strong>do</strong>s para os Corpos, os quais deveriam ser índios, mestiços e<br />

pretos, como destacam Carlos Araújo Moreira Neto, e Vicente Salles.<br />

Moreira Neto sugere que a Cabanag<strong>em</strong> teria si<strong>do</strong> um momento<br />

de <strong>em</strong>ergência da massa de tapuios e outros mestiços, social e<br />

etnicamente degrada<strong>do</strong>s, que estariam buscan<strong>do</strong> escapar <strong>do</strong>s duros<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 43


moldes da sociedade colonial através de uma rebelião armada que<br />

possuía um profun<strong>do</strong> e revolucionário conteú<strong>do</strong> de mudança social. 7<br />

Este autor destaca o recrutamento compulsório de índios e tapuios para<br />

os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, que os obrigava a condições<br />

extr<strong>em</strong>amente penosas de trabalho muitas vezes <strong>em</strong> locais distantes de<br />

suas povoações, como um el<strong>em</strong>ento que contribuiu para ―(...) dispersão<br />

ou transferência forçada de populações e depopulação que, <strong>em</strong> muitos<br />

casos, dizimou quase integralmente os grupos indígenas da região‖. 8<br />

Assim como Moreira Neto se preocupa <strong>em</strong> analisar os<br />

processos de controle e dizimação da população indígena na Amazônia,<br />

Vicente Salles se volta para a discussão <strong>do</strong>s instrumentos de disciplina e<br />

repressão desenvolvi<strong>do</strong>s contra a população negra, livre ou cativa,<br />

enfatizan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res para esses<br />

propósitos, nos anos que se seguiram à Cabanag<strong>em</strong>. Através <strong>do</strong>s<br />

recrutamentos para trabalhos compulsórios se impediria a dispersão <strong>do</strong>s<br />

libertos, afastan<strong>do</strong>-os das grandes propriedades, garantin<strong>do</strong> o controle<br />

dessa população, e o fornecimento de mão-de-obra. 9<br />

Uma outra interpretação a respeito das Companhias de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s de sua implantação no <strong>Pará</strong> é<br />

apresentada por Ítala Bezerra da Silveira. 10 Esta autora propõe que o<br />

estabelecimento <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res foi responsável pela<br />

desorganização das culturas de subsistência no <strong>Pará</strong>, uma vez que a<br />

maioria <strong>do</strong>s recruta<strong>do</strong>s era formada por lavra<strong>do</strong>res (posseiros) que, por<br />

<strong>não</strong> ter<strong>em</strong> títulos de terras, foram considera<strong>do</strong>s vadios. Isso teria gera<strong>do</strong><br />

um desaparecimento das lavouras de abastecimento, além de<br />

possibilitar a constituição de um merca<strong>do</strong> de trabalho de acor<strong>do</strong> com as<br />

pretensões <strong>do</strong>s grandes proprietários. Esta era, segun<strong>do</strong> a autora, a<br />

vitória <strong>do</strong> capitalismo mercantil <strong>em</strong>ergente, detentor <strong>do</strong> poder<br />

econômico e <strong>do</strong> aparelho repressor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que obtivera um<br />

instrumento poderoso para transformar trabalha<strong>do</strong>res livres <strong>em</strong> ―servos<br />

da gleba‖. Ítala B. Silveira destaca ainda o fato de que o afastamento<br />

<strong>do</strong>s agricultores foi tão grande que se chegou a propor o recrutamento<br />

de mulheres para a lavoura de mandioca que seria usada para<br />

alimentação <strong>do</strong>s outros trabalha<strong>do</strong>res. 11 Nesse contexto, o<br />

estabelecimento <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res funcionaria como uma<br />

maneira de aprisionar uma mão-de-obra que se pretendia livre, e que<br />

44 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


poderia ter continua<strong>do</strong> a subsistir de maneira independente, dadas as<br />

condições objetivas da região. 12<br />

A importância <strong>do</strong> aprisionamento da força de trabalho livre<br />

através das Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res, <strong>em</strong> proveito de uma elite<br />

rural, também está destacada por Barbara Weinstein, com uma<br />

abordag<strong>em</strong> diferente da de Ítala B. Silveira. Para essa classe abastada,<br />

teria si<strong>do</strong> extr<strong>em</strong>amente preocupante a extr<strong>em</strong>a escassez de mão-deobra<br />

no setor agrário que se seguiu à Cabanag<strong>em</strong>, devi<strong>do</strong> às epid<strong>em</strong>ias,<br />

às mortes no conflito, e às fugas de muitos trabalha<strong>do</strong>res rurais que se<br />

aproveitaram da desord<strong>em</strong> para se evadir das fazendas às quais estavam<br />

presos por dívidas ou onde haviam si<strong>do</strong> simplesmente escraviza<strong>do</strong>s.<br />

Durante o movimento cabano e seus conflitos teria ocorri<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong><br />

Weinstein, um afrouxamento <strong>do</strong>s controles sociais e políticos, o que<br />

acelerou a tendência de formação de uma população rural Cabocla<br />

s<strong>em</strong>i-autônoma, que vinha rompen<strong>do</strong> a maior parte de seus vínculos ou<br />

obrigações para com a elite branca. 13 Nesse contexto, os Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res funcionariam como uma forma de manter as atividades<br />

dessa população supervisionadas de perto, para que uma elite<br />

tradicional pudesse explorar sua força de trabalho. 14<br />

Diferent<strong>em</strong>ente de outros estudiosos até aqui destaca<strong>do</strong>s (talvez<br />

com exceção de Domingos A. Raiol), Barbara Weinstein sugere ainda<br />

que, desde seu início, os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res teriam si<strong>do</strong> um<br />

―triste fracasso‖, uma vez que a província <strong>não</strong> possuía força militar<br />

suficiente para patrulhar to<strong>do</strong> o território, n<strong>em</strong> para vencer a resistência<br />

à implantação <strong>do</strong>s recrutamentos. 15 Esta dimensão de análise r<strong>em</strong>ete o<br />

estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ―Corpos‖ para uma perspectiva de discussão <strong>não</strong> só sobre<br />

as dificuldades de impl<strong>em</strong>entação da lei que autorizava a criação das<br />

Companhias, mas também <strong>do</strong>s conflitos que estiveram presentes nesse<br />

processo, e que iriam reger e dar forma ao funcionamento dessa<br />

instituição. Isso sugere ainda um diálogo com a historiografia que<br />

abor<strong>do</strong>u os recrutamentos força<strong>do</strong>s por lei dentro de uma perspectiva<br />

de <strong>do</strong>minação e controle efetivamente impl<strong>em</strong>enta<strong>do</strong>s, que <strong>não</strong><br />

permitiam escapatória por estar<strong>em</strong> determina<strong>do</strong>s por uma legislação<br />

rígida. Instrumento de <strong>do</strong>minação de classe, de <strong>do</strong>minação<br />

étnica/racial, de aprisionamento de mão-de-obra necessária ao<br />

capitalismo que se instalava. T<strong>em</strong>os aqui três maneiras de se explicar as<br />

Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res. Uma análise da lei que instituiu as<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 45


Companhias favorece a discussão a respeito das intenções de seus<br />

cria<strong>do</strong>res.<br />

Len<strong>do</strong> o texto da Lei nº 2 de 1838, e da sua Regulamentação,<br />

percebe-se que a definição de seus objetivos aponta <strong>em</strong> duas direções<br />

principais: obtenção de trabalha<strong>do</strong>res para as obras públicas, e<br />

prevenção contra o aparecimento de vadios e ociosos. Um terceiro<br />

objetivo que fica explícito nos artigos e parágrafos da legislação<br />

compreende a possibilidade de alocação dessa mão-de-obra para a<br />

realização de serviços para particulares.<br />

O sist<strong>em</strong>a de prestação de serviços, quer públicos, quer<br />

priva<strong>do</strong>s, estava condiciona<strong>do</strong> ao pagamento de quantias definidas por<br />

lei (no caso de serviços requisita<strong>do</strong>s pelo poder público), ou por valores<br />

estipula<strong>do</strong>s nos contratos com particulares, e supervisiona<strong>do</strong>s pelos<br />

Juizes de Paz. Toda essa atenção na definição dessas obrigações pode<br />

sugerir uma preocupação central com a falta de trabalha<strong>do</strong>res para os<br />

diversos serviços necessários à Província, especialmente após a tão<br />

propalada mortandade ocorrida nos conflitos entre os cabanos e as<br />

forças da legalidade.<br />

O sétimo parágrafo <strong>do</strong> Regulamento <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, entretanto, apresenta novas pistas para uma discussão<br />

acerca <strong>do</strong>s objetivos da lei. Nele está indica<strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> <strong>não</strong><br />

houvesse <strong>em</strong>pregos para os vadios de um Distrito, por <strong>não</strong> ser<strong>em</strong><br />

requisita<strong>do</strong>s n<strong>em</strong> pelo governo, n<strong>em</strong> pelos particulares, caberia ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte Militar local escolher um terreno devoluto (com prévia<br />

aprovação <strong>do</strong> governo), no qual seriam força<strong>do</strong>s a trabalhar sob guarda<br />

―to<strong>do</strong>s os que assim o merecer<strong>em</strong>‖. O fruto desse trabalho destinava-se<br />

à venda no merca<strong>do</strong> pelo preço corrente. Daí sairia o dinheiro para a<br />

vestimenta <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, fican<strong>do</strong> as sobras para benefício das<br />

pessoas indigentes de to<strong>do</strong> o Distrito, deven<strong>do</strong> os Vigários intervir na<br />

distribuição feita por ord<strong>em</strong> <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte Militar. 16<br />

O texto da lei <strong>não</strong> explicita que diferenças haveria entre vadios,<br />

ociosos e indigentes, ou mesmo se haveria uma diferenciação.<br />

Entretanto, é possível perceber uma distinção entre vadios e indigentes,<br />

a partir da associação que é feita destes últimos aos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong><br />

Vigário, numa indicação de fins caritativos na distribuição <strong>do</strong>s<br />

rendimentos <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s ociosos.<br />

46 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


A leitura de outros tipos de <strong>do</strong>cumentação, especialmente<br />

ofícios relativos às Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res 17, indica que os<br />

trabalha<strong>do</strong>res recruta<strong>do</strong>s e envia<strong>do</strong>s para prestar serviços <strong>não</strong> eram<br />

necessariamente indigentes. Grande parte deles poderia ser definida<br />

como habitantes <strong>do</strong> campo, dedica<strong>do</strong>s ao cultivo <strong>do</strong> solo para produção<br />

de alimentos para consumo e troca. Isso significa que, <strong>do</strong> ponto de vista<br />

material, esses indivíduos talvez <strong>não</strong> se encaixass<strong>em</strong> na definição de<br />

indigentes (mesmo consideran<strong>do</strong> que o conceito de pobreza no século<br />

XIX <strong>não</strong> correspondia necessariamente a um senti<strong>do</strong> atual <strong>do</strong> termo).<br />

Indigentes eram assunto <strong>do</strong> Vigário, da caridade e piedade, ao passo<br />

que vadios eram assunto <strong>do</strong>s Co<strong>manda</strong>ntes Militares que controlavam<br />

os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res.<br />

A concepção de ociosidade, de vadiag<strong>em</strong>, que serve como<br />

definição e justificativa para a criação <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res,<br />

precisa ser analisada a partir de sua contraposição à noção de ―cidadãos<br />

idôneos‖ que delimitava o conjunto de candidatos ao coman<strong>do</strong> das<br />

Companhias, que teriam controle sobre os indivíduos ―índios, mestiços<br />

e pretos‖ que <strong>não</strong> tinham ocupação fixa e constante segun<strong>do</strong> os<br />

padrões das autoridades provinciais. Uma chave para entender melhor<br />

essa questão está no parágrafo primeiro <strong>do</strong> Regulamento <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, que define um critério de isenção <strong>do</strong>s recrutamentos:<br />

―to<strong>do</strong> o indivíduo que tiver officio ou Estabelecimento <strong>do</strong> qual<br />

subsista, e que além disto possa vender e vender effectivamente algum<br />

genero <strong>não</strong> será chama<strong>do</strong> a serviço algum particular ou publico a titulo<br />

de vadio. Só e necessariamente quan<strong>do</strong> o b<strong>em</strong> geral o exija e chame<br />

também outros fazendeiros‖.<br />

Além de possuir uma ocupação fixa, o texto da lei destaca a<br />

importância da possibilidade de que o indivíduo venda ―efetivamente‖<br />

algum gênero. A definição da <strong>não</strong>-participação nos trabalhos destina<strong>do</strong>s<br />

às Companhias, e da <strong>não</strong>-classificação como vadio, passava menos pelas<br />

atividades desenvolvidas, e mais por uma participação num merca<strong>do</strong><br />

local ou regional. Os ―fazendeiros‖ (produtores/vende<strong>do</strong>res),<br />

conforme destaca a regulamentação, só seriam chama<strong>do</strong>s ao serviço<br />

público <strong>em</strong> casos muito graves quan<strong>do</strong> o ―b<strong>em</strong> geral‖ o exigisse, pois<br />

eles <strong>não</strong> eram ociosos que necessitavam de normas que tornass<strong>em</strong> suas<br />

atividades úteis e produtivas. Esses ―fazendeiros‖ já estavam associa<strong>do</strong>s<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 47


a funções que contribuíam para o crescimento da Província e<br />

consequent<strong>em</strong>ente da nação.<br />

A qu<strong>em</strong> então se destinava a aplicação da lei que instalou as<br />

Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res?<br />

De acor<strong>do</strong> com a lei nº 2, seriam recruta<strong>do</strong>s ―to<strong>do</strong>s os homens<br />

de cor‖, ou ―índios, mestiços e pretos‖ que <strong>não</strong> tivess<strong>em</strong> ocupação<br />

definida. Aqui faz-se necessário levantar duas questões: a primeira diz<br />

respeito ao caráter racial <strong>do</strong> texto legal; atrela<strong>do</strong> a esta probl<strong>em</strong>ática<br />

encontra-se um segun<strong>do</strong> ponto para reflexão, que se refere à capacidade<br />

de prevenir uma nova Cabanag<strong>em</strong>, ou mesmo conter o avanço da<br />

mesma credita<strong>do</strong> às Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res por alguns<br />

colabora<strong>do</strong>res de jornais da época, b<strong>em</strong> como pela historiografia<br />

posterior.<br />

Embora <strong>não</strong> seja possível comparar quantitativamente e<br />

proporcionalmente os habitantes da Província paraense na década de<br />

1830, e os participantes <strong>do</strong> movimento cabano, é possível afirmar que<br />

houve uma participação significativa de pessoas classificadas como<br />

brancas na Cabanag<strong>em</strong>. 18 Mesmo atribuin<strong>do</strong> à população mestiça o<br />

peso d<strong>em</strong>ográfico mais significativo, há que se imaginar que, se o<br />

objetivo da lei nº 2 fosse apenas aniquilar as possibilidades de<br />

continuidade <strong>do</strong> movimento cabano, talvez <strong>não</strong> fosse necessário definir<br />

os indivíduos sujeitos ao recrutamento a partir <strong>do</strong> critério da ―cor‖.<br />

Estaria esta especificação indican<strong>do</strong> uma preocupação com a criação de<br />

uma idéia de cidadania e civilização para descendentes de povos<br />

―bárbaros‖? Cidadania e civilização que seriam conseguidas através da<br />

educação dessa população, que lhes incutiria ―amor ao trabalho,<br />

sentimento de moralidade e respeito ao princípio da autoridade‖,<br />

atributos necessários, segun<strong>do</strong> o Barão de Guajará, para que a paz e a<br />

ord<strong>em</strong> voltass<strong>em</strong> a reinar na Província. 19<br />

Essas idéias permit<strong>em</strong> associar a criação <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res a uma preocupação com a realização de um ―progresso‖,<br />

como sugeriu Izabel Marson, entendi<strong>do</strong> durante o século XIX, ―com o<br />

aumento da produção agrícola e das exportações, com a modernização<br />

técnica e com o trabalho livre operoso e disciplina<strong>do</strong>‖. 20 Esse teria se<br />

torna<strong>do</strong> o principal objetivo, e uma necessidade para os governos<br />

provinciais, especialmente a partir da Independência, e teria ganho mais<br />

força com a monarquia constitucional, incumbida de definir as normas<br />

48 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


e zelar por sua observância, com o objetivo de modelar o cidadão, o<br />

trabalha<strong>do</strong>r disciplina<strong>do</strong> e m<strong>em</strong>bro de uma ―sociedade fraternal‖,<br />

modelo <strong>do</strong> ―progresso moral‖. 21<br />

Esta historia<strong>do</strong>ra encontrou, nos discursos de jornais de Recife<br />

da década de 1840, projetos de recuperação, através da disciplina e da<br />

repressão, da força de trabalho aprisionada no ócio e na pobreza,<br />

situação esta que só causava rebeldia e insubordinação inerente à ín<strong>do</strong>le<br />

<strong>do</strong>s indivíduos s<strong>em</strong> posses, devi<strong>do</strong> à sua falta de civilização e de<br />

ilustração. Caberia principalmente ao Esta<strong>do</strong> encaminhar a educação<br />

que instituiria o trabalho livre e a cidadania entre a ―massa irrefletida e<br />

violenta‖. 22<br />

O artigo cita<strong>do</strong> levanta questões a respeito <strong>do</strong> processo de<br />

construção de uma idéia de vadiag<strong>em</strong> associada a uma tentativa de<br />

apropriação <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po de trabalho <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> hom<strong>em</strong> livre pobre na<br />

Província de Pernambuco. A tentativa de inserir a população livre<br />

pobre na produção regular voltada para as necessidades <strong>do</strong>s<br />

proprietários <strong>não</strong> se restringe porém a algumas poucas localidades ou<br />

regiões.<br />

Uma série de propostas que vão no mesmo senti<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong> o<br />

aproveitamento da força de trabalho livre durante o século XIX foi<br />

analisada para a Província da Bahia por Walter Fraga Filho, que procura<br />

reconstruir o processo de associação da idéia de vadiag<strong>em</strong> à população<br />

livre pobre atrela<strong>do</strong> a diversas políticas que visavam reprimir essa<br />

ociosidade. Nesse contexto, segun<strong>do</strong> o autor, a criminalização da<br />

vadiag<strong>em</strong> constituiria uma forma de procurar obrigar ao trabalho uma<br />

população que estava fora da tutela <strong>do</strong> poder senhorial. 23<br />

As pesquisas acima destacadas, ao recuperar<strong>em</strong> variadas<br />

atitudes de tentativa de repressão e enquadramento <strong>do</strong>s livres pobres ao<br />

trabalho regular volta<strong>do</strong> para o merca<strong>do</strong>, propiciam algumas reflexões a<br />

respeito da situação da Província <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> quan<strong>do</strong> da implantação <strong>do</strong>s<br />

Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res. Nesse senti<strong>do</strong>, é possível associar as<br />

Companhias <strong>não</strong> apenas a um contexto provincial, mas também a uma<br />

preocupação existente dentre as elites nacionais com os rumos de um<br />

Brasil já independente e que procurava se definir como uma nação<br />

―civilizada‖, composta por ―cidadãos civiliza<strong>do</strong>s‖. Há que se indagar até<br />

que ponto essas idéias <strong>não</strong> estiveram presentes no momento <strong>em</strong> que o<br />

Barão de Guajará, nas últimas décadas <strong>do</strong> século XIX, ao escrever a<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 49


espeito da repressão à Cabanag<strong>em</strong>, fez sua apologia ao caráter<br />

moraliza<strong>do</strong>r das Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res.<br />

A preocupação com a regulamentação e normatização das<br />

relações de trabalho, e das próprias atividades realizadas pelos homens<br />

livres considera<strong>do</strong>s vadios, nesse caso, faria parte de projetos políticos e<br />

de sociedade de grupos de elite, mesmo que estes <strong>não</strong> concordass<strong>em</strong><br />

entre si com relação a outras questões. Isso <strong>não</strong> significa que essas<br />

regulamentações foss<strong>em</strong> prisões inexoráveis, das quais a população livre<br />

pobre <strong>não</strong> conseguia jamais escapar. Ao contrário, é preciso considerar<br />

que as legislações são frutos de projetos e de <strong>em</strong>bates que estão <strong>em</strong><br />

constante transformação.<br />

Como destaca Edward Thompson 24, a legislação pode ser vista<br />

como mediação e reforço das relações de classe existentes, e como sua<br />

legitima<strong>do</strong>ra. Entretanto, é preciso perceber também que assim, as<br />

relações de classe serão expressas <strong>não</strong> de qualquer maneira, mas através<br />

das formas da lei, e que esta t<strong>em</strong> suas características próprias, sua<br />

própria história e lógica de desenvolvimento independentes de um<br />

simples senti<strong>do</strong> de mascaramento da <strong>do</strong>minação e das relações entre<br />

classes. 25<br />

A forma de um determina<strong>do</strong> regulamento pode ser modificada<br />

ou adaptada às situações de tensão criadas a partir de contestações ou<br />

apropriações que diferentes grupos ou indivíduos faz<strong>em</strong> das leis.<br />

Giovanni Levi nos l<strong>em</strong>bra que ―(..) nos interstícios <strong>do</strong>s sist<strong>em</strong>as<br />

normativos estáveis ou <strong>em</strong> formação, grupos e pessoas jogam uma<br />

estratégia significativa própria, capaz de assinalar a realidade política de<br />

uma marca dura<strong>do</strong>ura, <strong>não</strong> de impedir as formas de <strong>do</strong>minação mas de<br />

condicioná-las e modificá-las‖. 26<br />

Este argumento é muito importante para se analisar os Corpos<br />

de Trabalha<strong>do</strong>res, uma organização compulsória <strong>do</strong> trabalho de<br />

indivíduos livres, baseada numa lei própria, e que poderia funcionar<br />

como um instrumento de <strong>do</strong>minação, mas que também poderia ser<br />

apropriada e interpretada de maneiras desiguais por diferentes<br />

indivíduos ou grupos sociais. As situações de conflito engendradas <strong>em</strong><br />

torno da aplicação da lei, que constitu<strong>em</strong> o t<strong>em</strong>a deste artigo, acabariam<br />

levan<strong>do</strong> a uma ―acomodação‖ da mesma a algumas expectativas da<br />

população livre pobre e <strong>do</strong>s proprietários da Província.<br />

50 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


2. Insubordinações de oficiais inferiores e de trabalha<strong>do</strong>res<br />

De maneira geral, a historiografia que trata <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res volta-se para uma análise da aplicação da lei e suas<br />

conseqüências, ou então destaca a existência de resistência à<br />

implantação <strong>do</strong>s recrutamentos. Não se encontra, contu<strong>do</strong>, uma análise<br />

mais detalhada a respeito <strong>do</strong> funcionamento das Companhias, e talvez<br />

por isso a ênfase seja freqüent<strong>em</strong>ente dada ao seu caráter disciplina<strong>do</strong>r<br />

e ordena<strong>do</strong>r, que causaria conflito entre trabalha<strong>do</strong>res e autoridades,<br />

uma vez que estas últimas pretendiam controlar as atividades <strong>do</strong>s<br />

primeiros, impon<strong>do</strong>-lhes uma série de comportamentos e atitudes.<br />

Situações de <strong>em</strong>bate, e algumas diferentes interpretações <strong>em</strong><br />

torno da legislação e sua aplicação, pod<strong>em</strong> ser recuperadas a partir <strong>do</strong>s<br />

ofícios troca<strong>do</strong>s entre os Co<strong>manda</strong>ntes de Companhias de diversas<br />

localidades e o Co<strong>manda</strong>nte Militar Geral, ou entre outros oficiais que<br />

faziam parte da hierarquia das Companhias, como Majores Fiscais,<br />

Sargentos e Cabos. 27 Os <strong>em</strong>bates <strong>não</strong> se desenvolviam entre partes<br />

previamente definidas: autoridades e proprietários de um la<strong>do</strong> e<br />

trabalha<strong>do</strong>res de outro. Pelo contrário, pod<strong>em</strong> ser recuperadas relações<br />

e conflitos de interesses envolven<strong>do</strong> autoridades, trabalha<strong>do</strong>res e<br />

proprietários, que se ―aliavam‖ nas mais diversas combinações, com o<br />

intuito de levar a Cabo seus projetos e expectativas, que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

estavam de acor<strong>do</strong> com o que ditavam as leis.<br />

Os conflitos podiam ocorrer entre as próprias autoridades<br />

encarregadas de zelar pelo funcionamento das Companhias, o que<br />

tornava dificultosa a tarefa de coordenar os indivíduos sujeitos aos<br />

recrutamentos.<br />

As dificuldades de controle <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res se deviam, entre<br />

outras coisas, à precariedade de funcionamento <strong>do</strong>s instrumentos de<br />

repressão <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, uma vez que os Sargentos e<br />

Cabos das Companhias, que deveriam fiscalizar os recruta<strong>do</strong>s, também<br />

evitavam muitas vezes prestar esse serviço, ou cumpriam-no s<strong>em</strong> muito<br />

<strong>em</strong>penho.<br />

O Sargento da Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> rio Moju,<br />

Manoel Raimun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amaral, deveria ser envia<strong>do</strong> à presença <strong>do</strong><br />

Co<strong>manda</strong>nte Geral <strong>em</strong> outubro de 1843 mas, quan<strong>do</strong> foi intima<strong>do</strong> a se<br />

apresentar a seu capitão com esse fim, procurou ―evadir-se<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 51


politicamente‖ para a capital com a justificativa de que iria apresentar-se<br />

ao Co<strong>manda</strong>nte, desobedecen<strong>do</strong> ao que lhe fora ordena<strong>do</strong>. 28 Embora<br />

<strong>não</strong> se saiba qual o delito que o Sargento praticara, pode-se perceber<br />

um conflito entre este e o Capitão, quan<strong>do</strong> o primeiro deixou de<br />

obedecer às ordens <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>.<br />

Um outro Sargento, agora da Freguesia de Abaité, <strong>não</strong><br />

entregava ao novo Co<strong>manda</strong>nte os papéis e instruções concernentes ao<br />

serviço da Companhia. Com isso, aquele <strong>não</strong> conseguia se inteirar da<br />

situação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e oficiais a ele subordina<strong>do</strong>s, n<strong>em</strong> dar<br />

cumprimento às ordens superiores. 29 Por um motivo s<strong>em</strong>elhante, no<br />

ano anterior, na mesma Freguesia ocorrera situação análoga, ten<strong>do</strong> o<br />

Co<strong>manda</strong>nte recém-<strong>em</strong>possa<strong>do</strong> <strong>manda</strong><strong>do</strong> prender um Sargento que <strong>não</strong><br />

tinha entregue to<strong>do</strong>s os papéis e informa<strong>do</strong> sobre o esta<strong>do</strong> da<br />

Companhia. 30<br />

A insubordinação <strong>do</strong>s oficiais inferiores também ocorreu <strong>em</strong><br />

Faro, <strong>em</strong> janeiro de 1844, quan<strong>do</strong> da realização da mostra (chamada)<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res realizada s<strong>em</strong>estralmente, o que obrigou o<br />

Co<strong>manda</strong>nte a nomear trabalha<strong>do</strong>res para ocupar os lugares <strong>do</strong>s Cabos<br />

―amotina<strong>do</strong>s‖. De acor<strong>do</strong> com o Co<strong>manda</strong>nte da Companhia, <strong>do</strong>s<br />

cinco Cabos que havia, apenas um estava cumprin<strong>do</strong> seu dever. Os<br />

d<strong>em</strong>ais <strong>não</strong> haviam se preocupa<strong>do</strong> n<strong>em</strong> ao menos <strong>em</strong> comparecer à<br />

mostra, e n<strong>em</strong> mesmo se desculparam, devi<strong>do</strong> ao fato de ser<strong>em</strong> brancos<br />

e de possuír<strong>em</strong> <strong>em</strong>pregos civis, dizen<strong>do</strong> <strong>não</strong> querer<strong>em</strong> saber de suas<br />

Esquadras. 31<br />

A leitura desses relatos sugere que os Co<strong>manda</strong>ntes das<br />

Companhias tinham pouco poder sobre seus subordina<strong>do</strong>s, estan<strong>do</strong><br />

muitas vezes impotentes contra as rebeldias <strong>do</strong>s mesmos. São diversos<br />

outros ofícios solicitan<strong>do</strong> a substituição de Cabos insubordina<strong>do</strong>s,<br />

<strong>do</strong>entes ou incompetentes que atravancavam o funcionamento das<br />

Companhias.<br />

Aparent<strong>em</strong>ente, poucas vezes se conseguia efetivamente punir<br />

um desses oficiais. O Cabo Francisco de Santa Anna <strong>não</strong> conseguiu<br />

ficar isento de prisão devi<strong>do</strong> à sua atitude relaxada para com os<br />

trabalha<strong>do</strong>res que conduzia, deixan<strong>do</strong>-os sozinhos, o que deu chance<br />

para que um dele fugisse. O Co<strong>manda</strong>nte enviou preso o Cabo Santa<br />

Anna para a capital, para que o Co<strong>manda</strong>nte Geral o castigasse como<br />

―melhor entendesse‖. 32<br />

52 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


A insubordinação e falta de interesse <strong>do</strong>s oficiais <strong>em</strong><br />

des<strong>em</strong>penhar suas tarefas na contenção e ordenamento <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res foi um <strong>do</strong>s fatores que dificultou o funcionamento <strong>do</strong>s<br />

Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, mas <strong>não</strong> foi o único. Mesmo nos casos de<br />

autoridades diligentes e interessadas <strong>em</strong> seguir a disciplina imposta pela<br />

legislação, as atitudes <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res perante os recrutamentos<br />

força<strong>do</strong>s levavam a uma grande desorganização das Companhias e a<br />

graves falhas no seu funcionamento.<br />

Se houve resistência por parte <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res aos<br />

recrutamentos força<strong>do</strong>s, esta assumiu diferentes formas, e podia estar<br />

baseada tanto na ação direta <strong>do</strong> indivíduo, como na utilização e<br />

apropriação <strong>do</strong>s termos da lei.<br />

Uma das formas mais comuns de boicote aos Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res eram as deserções, que pod<strong>em</strong> ser percebidas tanto<br />

através <strong>do</strong>s ofícios, como das listas de recrutamentos, nas quais estão<br />

discrimina<strong>do</strong>s a ocupação e paradeiro de cada trabalha<strong>do</strong>r. Essas ações<br />

deixavam os Co<strong>manda</strong>ntes <strong>em</strong> situações difíceis quan<strong>do</strong>, devi<strong>do</strong> às<br />

deserções, <strong>não</strong> conseguiam enviar para as obras públicas os<br />

trabalha<strong>do</strong>res que lhes eram solicita<strong>do</strong>s. Diversos Co<strong>manda</strong>ntes<br />

apontam para a necessidade de se coibir as deserções, uma vez que elas<br />

constituíam uma ameaça à ord<strong>em</strong> social e das Companhias.<br />

―Nesta data tenho requisita<strong>do</strong> ao Il mo Sr.<br />

Com<strong>manda</strong>nte Militar deste Municipio a prisaõ <strong>do</strong><br />

Cabo João Gonsaga, e <strong>do</strong>s dezertores João Paulo<br />

= e Manoel <strong>do</strong>s Reis; este da 3 a Esquadra, e<br />

aquelle da 2ª Companhia <strong>do</strong> meu Comman<strong>do</strong>; por<br />

existir<strong>em</strong> no Districto acoita<strong>do</strong>s, e refugia<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Servisso, s<strong>em</strong> Obediência as Leis, e respeito as<br />

Autoridades, e a seus superiores (...)‖. 33<br />

O enfureci<strong>do</strong> Capitão e Co<strong>manda</strong>nte da Companhia de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res de Ourém Jose <strong>do</strong> Ó de Almeida reclamava da falta de<br />

obediência e respeito às autoridades <strong>não</strong> só da parte <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res,<br />

mas também de seus acoita<strong>do</strong>res. Este grave probl<strong>em</strong>a deveria ser<br />

soluciona<strong>do</strong>, pois ameaçava <strong>não</strong> só o funcionamento da Companhia,<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 53


tiran<strong>do</strong>-lhes seus alista<strong>do</strong>s, como também subvertia as hierarquias<br />

sociais ao dar pouca atenção às ―ordens superiores‖. Um indivíduo que<br />

desobedece seu Co<strong>manda</strong>nte direto, poderia vir a se insurgir contra<br />

autoridades provinciais ou até mesmo nacionais. O receio de novas<br />

insurreições como a Cabanag<strong>em</strong> pode ser uma explicação para o<br />

discurso deste e de outros Co<strong>manda</strong>ntes de trabalha<strong>do</strong>res que<br />

destacavam a ―relaxação‖ <strong>em</strong> que se encontravam as Companhias<br />

devi<strong>do</strong> à desobediência <strong>do</strong>s recruta<strong>do</strong>s. Entretanto, a preocupação<br />

dessas autoridades poderia passar também por uma intenção de<br />

disciplinar e ―civilizar‖ essa população livre, inserin<strong>do</strong>-a num merca<strong>do</strong><br />

de trabalho.<br />

Os desertores <strong>não</strong> se refugiavam necessariamente <strong>em</strong> locais<br />

inacessíveis ou desconheci<strong>do</strong>s. Diversos co<strong>manda</strong>ntes relatam a seus<br />

superiores a localização <strong>do</strong>s fugitivos, solicitan<strong>do</strong> providências para sua<br />

captura. O Capitão de trabalha<strong>do</strong>res de Bahia <strong>do</strong> Sol relatava ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte Geral que havia alguns trabalha<strong>do</strong>res de sua Companhia<br />

viven<strong>do</strong> próximos de Belém, nos lugares denomina<strong>do</strong>s Igarapé da<br />

Fome e na ilha de Orubu-Oca, defronte a fortaleza da barra, os quais<br />

para esses locais se dirigiam a fim de <strong>não</strong> fazer<strong>em</strong> o serviço que lhes<br />

tocava. 34 O Capitão Co<strong>manda</strong>nte da Companhia <strong>do</strong> Rio Acará se<br />

reportou ao Co<strong>manda</strong>nte Geral por duas vezes, denuncian<strong>do</strong> a<br />

localização <strong>do</strong>s deserta<strong>do</strong>s. Em março de 1842, avisava que um desertor<br />

chama<strong>do</strong> Antonio Joaquim estava viven<strong>do</strong> na capital <strong>em</strong> companhia de<br />

um escravo. 35 Quase um ano depois, <strong>em</strong> janeiro de 1843, avisava que<br />

um outro desertor andava pelo Distrito da Bahia <strong>do</strong> Sol, e destacava o<br />

fato de que o desertor Antonio Joaquim continuava foragi<strong>do</strong> no mesmo<br />

local. 36 Aparent<strong>em</strong>ente, as ações de busca e captura de desertores,<br />

quan<strong>do</strong> chegavam a ocorrer, <strong>não</strong> eram das mais eficientes.<br />

Essas deserções (ou fugas, como também eram tratadas), se<br />

dariam, segun<strong>do</strong> os Co<strong>manda</strong>ntes, pelo receio que os trabalha<strong>do</strong>res<br />

teriam de realizar trabalhos mais pesa<strong>do</strong>s, especialmente nas obras<br />

públicas.<br />

Em janeiro de 1841, mês de alistamentos, o Co<strong>manda</strong>nte<br />

interino da Companhia de trabalha<strong>do</strong>res de Igarapé-miri avisava ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte Geral que <strong>não</strong> poderia enviar as listas de trabalha<strong>do</strong>res por<br />

causa da deserção <strong>do</strong>s mesmos, apesar das mais decididas ordens para<br />

que os Cabos das Esquadras trouxess<strong>em</strong> os trabalha<strong>do</strong>res, que<br />

54 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


deveriam ser r<strong>em</strong>eti<strong>do</strong>s para a fábrica de Jambu-açu e para as obras de<br />

um canal. Isso tu<strong>do</strong> seria devi<strong>do</strong> ao receio, por parte <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res,<br />

de ser<strong>em</strong> envia<strong>do</strong>s para o ―serviço braçal‖ 37 (serviços nas obras<br />

públicas). O Co<strong>manda</strong>nte procura, a partir dessa recusa, explicitar e<br />

enfatizar o caráter ocioso <strong>do</strong>s indivíduos recruta<strong>do</strong>s, que se recusariam<br />

a realizar serviços que exigiss<strong>em</strong> algum tipo de esforço. Uma descrição<br />

<strong>do</strong> estilo de vida desses sujeitos, feita por um outro Co<strong>manda</strong>nte de<br />

Companhia pode ajudar a entender melhor as expectativas das<br />

autoridades com relação aos alista<strong>do</strong>s.<br />

―(...) a Companhia de meu coman<strong>do</strong> é composta<br />

de homens dispensa<strong>do</strong>s; os promptos que tinha<br />

tenho envia<strong>do</strong> para Jambu-Assu, e nunca mais<br />

voltaram a este Districto porque são homens que<br />

nada possu<strong>em</strong> s<strong>em</strong> estabelecimento algum, as<br />

pequenas choupanas <strong>em</strong> que exist<strong>em</strong> nada t<strong>em</strong>, e<br />

n<strong>em</strong> delas faz<strong>em</strong> caso, e com pouco trabalho<br />

faz<strong>em</strong> outra <strong>em</strong> outro Districto, ou nas matas, e ali<br />

exist<strong>em</strong> ate que torn<strong>em</strong> a ser<strong>em</strong> puxa<strong>do</strong>s; porém<br />

autorizan<strong>do</strong>-me V. <strong>Sª</strong> <strong>manda</strong>rei as escoltas as Ilhas<br />

das Onças, [Pequetá] e Cutijuba a<strong>do</strong>nde me consta<br />

existir<strong>em</strong> refugia<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, de diversos<br />

Districtos por <strong>não</strong> haver naquelas Ilhas qu<strong>em</strong> os<br />

puxe para o serviço (...)‖. 38<br />

Homens que tinham receio <strong>do</strong> serviço braçal, despossuí<strong>do</strong>s o<br />

suficiente para mover<strong>em</strong>-se facilmente de um local para outro<br />

carregan<strong>do</strong> suas poucas tralhas, e construin<strong>do</strong> suas precárias habitações<br />

programadas para durar apenas o t<strong>em</strong>po de permanência num<br />

determina<strong>do</strong> lugar, precisan<strong>do</strong> se ―puxa<strong>do</strong>s‖ para o trabalho por alguém<br />

que tivesse consciência da importância <strong>do</strong> labor constante e produtivo:<br />

essa imag<strong>em</strong> difundida nas falas de diversos Co<strong>manda</strong>ntes de<br />

companhias coincid<strong>em</strong> com a descrição feita pela própria legislação que<br />

instituía os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res na província. É difícil estabelecer<br />

até que ponto esses Co<strong>manda</strong>ntes assumiram o discurso da lei e da<br />

administração provincial, e até que ponto eles lançavam mão dessa<br />

caracterização por saber<strong>em</strong> que seriam aceitas e entendidas pelos seus<br />

superiores. Entretanto, é interessante notar, a partir da descrição acima<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 55


transcrita, o tipo de gente que as autoridades provinciais acreditavam<br />

ter que disciplinar e civilizar, trazen<strong>do</strong>-os para o trabalho produtivo, e<br />

incutin<strong>do</strong>-lhes o interesse por esse tipo de atividade n<strong>em</strong> que fosse<br />

preciso usar a força, caçan<strong>do</strong>-os através de diligências enviadas aos<br />

locais onde se sabia haver fujões, e castigan<strong>do</strong>-os quan<strong>do</strong> preciso.<br />

Muitos Co<strong>manda</strong>ntes pediam providências a seus superiores,<br />

para ―endireitar‖ os trabalha<strong>do</strong>res que teimass<strong>em</strong> <strong>em</strong> se manter<br />

afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> serviço, e evitar que o esta<strong>do</strong> de ―relaxação‖ <strong>do</strong>s<br />

recruta<strong>do</strong>s continuasse. As diligências enviadas para busca e prisão de<br />

fugitivos eram comuns, <strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre de sucesso garanti<strong>do</strong>.<br />

Faltavam gêneros alimentícios para os guardas que delas participavam, e<br />

até mesmo pessoas para r<strong>em</strong>ar (também desertadas) as canoas utilizadas<br />

nas perseguições <strong>do</strong>s desertores. 39<br />

Apesar das dificuldades para apreender os trabalha<strong>do</strong>res<br />

fugi<strong>do</strong>s, o castigo era visto como necessário, uma vez que a própria<br />

sobrevivência <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res poderia estar dependen<strong>do</strong><br />

de um pouco de repressão.<br />

56 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos<br />

―Levo ao cunheçimento de V. <strong>Sª</strong> que a<br />

insobordinação si vai intruduzin<strong>do</strong> entre alguns<br />

Trabalha<strong>do</strong>res destra Freguisia, e se V. Sa. Não<br />

lher dar hum castigo que elles sintão se<strong>do</strong> <strong>não</strong> terei<br />

a qu<strong>em</strong> <strong>manda</strong>r para osirviço como já esprimento<br />

e por isso pesso a V. <strong>Sª</strong> <strong>manda</strong>r ord<strong>em</strong> ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte Militar desta Freguesia de Tumar<br />

aseu coida<strong>do</strong> acapeturação daquellis Trabalha<strong>do</strong>res<br />

de qu<strong>em</strong> eu lhe der os nomes e fazer rimeça a V.<br />

<strong>Sª</strong> para lhes dar o castigo que merecer<strong>em</strong>‖. 40<br />

Assim o Capitão e Co<strong>manda</strong>nte de Trabalha<strong>do</strong>res de Alenquer<br />

se dirigia ao Co<strong>manda</strong>nte Militar <strong>do</strong> Baixo Amazonas <strong>em</strong> março de<br />

1844. Há mais de cinco anos os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res tinham si<strong>do</strong><br />

cria<strong>do</strong>s, e os indivíduos sujeitos ao recrutamento continuavam<br />

insubordina<strong>do</strong>s, dificultan<strong>do</strong> o trabalho <strong>do</strong>s seus Co<strong>manda</strong>ntes, e o<br />

funcionamento adequa<strong>do</strong> das Companhias, uma vez que elas <strong>não</strong><br />

apenas fracassavam no projeto de disciplinar a população livre pobre,<br />

como também <strong>não</strong> estavam sen<strong>do</strong> capazes de suprir as necessidades de<br />

força de trabalho para as obras públicas. A importância da aplicação de


castigos passava pela punição de fugitivos renitentes, e pela criação de<br />

modelos para outros trabalha<strong>do</strong>res que pudess<strong>em</strong> pretender seguir os<br />

maus ex<strong>em</strong>plos.<br />

O Major Fiscal <strong>do</strong> Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Acará, <strong>em</strong> maio<br />

de 1843, pedia providências ao Co<strong>manda</strong>nte dessa Companhia, pois<br />

to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res liga<strong>do</strong>s àquele Corpo estavam obriga<strong>do</strong>s a<br />

comparecer à revista s<strong>em</strong>estral, mesmo os que eram licencia<strong>do</strong>s ou<br />

engaja<strong>do</strong>s nos serviços de particulares, e isso <strong>não</strong> estava acontecen<strong>do</strong>.<br />

Ele afirmava ainda que, no caso de faltar<strong>em</strong>, esses homens seriam<br />

castiga<strong>do</strong>s com to<strong>do</strong> o rigor, e mesmo que fosse preciso o uso da força,<br />

faria cumprir seus deveres aqueles que mal aconselha<strong>do</strong>s <strong>não</strong> quisess<strong>em</strong><br />

se apresentar. 41<br />

O mau ex<strong>em</strong>plo devia ser puni<strong>do</strong>, e a prisão <strong>do</strong>s ―rebeldes‖<br />

poderia evitar <strong>não</strong> só a falta de mão-de-obra como também a<br />

insubordinação.<br />

O trabalha<strong>do</strong>r Bernardino de Moraes, depois de muito t<strong>em</strong>po e<br />

esforço de diligências foi captura<strong>do</strong> <strong>em</strong> março de 1842. Entretanto,<br />

segun<strong>do</strong> o Co<strong>manda</strong>nte da Companhia <strong>do</strong> Acará, por sua má conduta<br />

<strong>não</strong> convinha que fosse envia<strong>do</strong> para a fábrica (apesar da necessidade<br />

de mão-de-obra), sen<strong>do</strong> por isso entregue ao Co<strong>manda</strong>nte Militar para<br />

ser devidamente puni<strong>do</strong>. O mesmo ocorreu com Raimun<strong>do</strong> José, que<br />

apesar de ter consegui<strong>do</strong> ficar isento <strong>do</strong>s serviços argumentan<strong>do</strong> ser<br />

filho único e ajudar sua mãe, <strong>não</strong> se conduzia como tal. Agia como um<br />

vadio, <strong>não</strong> sen<strong>do</strong> útil <strong>em</strong> nada à sua mãe, ten<strong>do</strong> péssima conduta e<br />

obediência. 42 O castigo de Raimun<strong>do</strong> José foi sua inclusão entre os<br />

trabalha<strong>do</strong>res que deveriam ser <strong>manda</strong><strong>do</strong>s para as obras públicas,<br />

mesmo que seu esta<strong>do</strong> de filho único pudesse isentá-lo <strong>do</strong>s serviços. O<br />

mau comportamento e insubordinação desses trabalha<strong>do</strong>res, que<br />

poderiam servir de ex<strong>em</strong>plo para outros, foi puni<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong>-se<br />

assim evitar que outros agiss<strong>em</strong> da mesma forma.<br />

A ―má conduta‖ podia <strong>não</strong> estar baseada apenas na vadiag<strong>em</strong>.<br />

Alguns trabalha<strong>do</strong>res reagiram mais violentamente aos recrutamentos, e<br />

à intervenção <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> suas vidas e <strong>em</strong> suas atividades, como um<br />

trabalha<strong>do</strong>r que desertou e que teve ―o arrojo‖ de reagir a tiros contra a<br />

diligência que fora <strong>manda</strong>da para prendê-lo, conseguin<strong>do</strong> se safar <strong>do</strong><br />

trabalho compulsório. 43<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 57


Interessante também é o confuso relato <strong>do</strong> Cabo Maximiano<br />

Lourenço, da Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> município de Ourém. O<br />

Cabo recebera ordens de avisar ao trabalha<strong>do</strong>r Raimun<strong>do</strong> Bento<br />

Marreiro para que comparecesse ao quartel <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte pronto<br />

para marchar para o serviço das obras públicas. Ao receber o aviso, o<br />

trabalha<strong>do</strong>r se exaltou, e puxan<strong>do</strong> um terça<strong>do</strong> ameaçou cortar a cabeça<br />

de qu<strong>em</strong> ―lhe encostasse a mão‖. Ameaçou ainda cortar a própria<br />

cabeça, dizen<strong>do</strong> que seu corpo <strong>não</strong> iria a lugar algum, só se fosse a<br />

cabeça, e que tinha muito o que fazer <strong>em</strong> sua <strong>casa</strong>. 44<br />

Com essas palavras, Raimun<strong>do</strong> Bento Marreiro expressava seu<br />

descontentamento com o trabalho compulsório das Companhias de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res e também com a interferência que estava ocorren<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

sua vida, <strong>em</strong> suas atividades associadas à sua <strong>casa</strong> e à sua forma de<br />

subsistir.<br />

A implantação <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res na província<br />

paraense, preocupada com o controle da força de trabalho livre e com o<br />

desenvolvimento <strong>do</strong> trabalho produtivo por parte desta, identificada<br />

pelas autoridades com a ociosidade, a vadiag<strong>em</strong>, a falta de interesse e<br />

vontade de trabalhar, esteve associada a variadas formas de <strong>em</strong>bates <strong>em</strong><br />

torno da aplicação e da implantação da lei. Muitos trabalha<strong>do</strong>res<br />

optavam por desertar, fugir para outros lugares, outros reagiam de<br />

maneira mais violenta, enfrentan<strong>do</strong> os oficiais que vinham recrutá-los.<br />

Contu<strong>do</strong>, ainda pod<strong>em</strong> ser identificadas outras formas de se apropriar<br />

da legislação utilizadas pelos recruta<strong>do</strong>s para tentar fugir (ou pelo<br />

menos minimizar) <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong>s alistamentos compulsórios.<br />

3. A “arraia-miúda” e a legislação<br />

O texto da lei que criou os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> 1838<br />

afirmava que deveriam ser alista<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os índios, mestiços e pretos<br />

que <strong>não</strong> foss<strong>em</strong> escravos, e que <strong>não</strong> tivess<strong>em</strong> propriedades ou<br />

estabelecimentos a que se aplicass<strong>em</strong> constant<strong>em</strong>ente. Diante dessa<br />

determinação, talvez as fugas foss<strong>em</strong> a melhor alternativa para os<br />

candidatos a recruta<strong>do</strong>s que <strong>não</strong> se dispusess<strong>em</strong> a servir nas obras<br />

públicas. Entretanto, <strong>em</strong> 24 de outubro de 1840 entrou <strong>em</strong> vigor uma<br />

nova resolução, que dispensava <strong>do</strong> serviço também os que tivess<strong>em</strong><br />

58 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


mais de cinqüenta anos e menos de quatorze, os oficiais e aprendizes de<br />

ofícios mecânicos que estivess<strong>em</strong> exercen<strong>do</strong> seus respectivos ofícios, os<br />

feitores de fazendas de agricultura e de ga<strong>do</strong>, e os varões únicos que<br />

tivess<strong>em</strong> família a seu cargo. 45 A partir daí, pod<strong>em</strong> ser percebidas outras<br />

formas de tentar burlar os recrutamentos, a partir da aplicação da<br />

própria lei. Essa situação tornou ainda mais difícil para os Co<strong>manda</strong>ntes<br />

conseguir trabalha<strong>do</strong>res para as obras públicas, e por outro la<strong>do</strong>,<br />

diversificou as possibilidades de justificativas que estes poderiam<br />

apresentar por <strong>não</strong> ter<strong>em</strong> envia<strong>do</strong> os homens requisita<strong>do</strong>s pelo<br />

governo.<br />

―(...) Não tenho praça alguma de meu comman<strong>do</strong><br />

na Fabrica de Madeiras, cuja rasão he que a Compª<br />

de meu Comman<strong>do</strong> he composta de, uma parte de<br />

maiores de 50 annos, outra menor de 15, outra de<br />

officiaes, e aprendizes de offícios, outra de<br />

<strong>em</strong>gaja<strong>do</strong>s, outra de estabeleci<strong>do</strong>s, outra de<br />

Dezertores, e finalmente segun<strong>do</strong> a Lei estou s<strong>em</strong><br />

Comman<strong>do</strong> algum na Compª por <strong>não</strong> ter a qu<strong>em</strong><br />

com<strong>manda</strong>r (...)‖. 46<br />

Poucos anos depois de posta <strong>em</strong> aplicação a nova legislação de<br />

isenções, os Co<strong>manda</strong>ntes informavam o t<strong>em</strong>po to<strong>do</strong> a seus superiores,<br />

sobre as mais diversas formas de se safar <strong>do</strong>s serviços utilizadas pelos<br />

trabalha<strong>do</strong>res. Com exceção das deserções, todas eram absolutamente<br />

legais, autorizadas pela regulamentação existente. O capitão Jose<br />

Rodrigues Barata, <strong>em</strong> 1843, se desculpava por <strong>não</strong> enviar os quatro<br />

trabalha<strong>do</strong>res requisita<strong>do</strong>s para trabalhar na limpeza da Capital pois,<br />

segun<strong>do</strong> ele, <strong>em</strong> seu Distrito <strong>não</strong> se encontravam trabalha<strong>do</strong>res que<br />

estivess<strong>em</strong> nos casos passíveis de ser<strong>em</strong> <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s no serviço<br />

público, uma vez que quase to<strong>do</strong>s eram pesca<strong>do</strong>res, dispensa<strong>do</strong>s,<br />

meirinhos de Juizes de Paz e varões únicos, <strong>do</strong>s quais <strong>não</strong> estava<br />

autoriza<strong>do</strong> a lançar mão. 47 Essas dispensas legais foram muito b<strong>em</strong><br />

utilizadas pelos trabalha<strong>do</strong>res como argumentação para que ficass<strong>em</strong><br />

isentos <strong>do</strong>s serviços públicos. Até que ponto os Co<strong>manda</strong>ntes locais<br />

aceitaram essas justificativas como válidas, e até que ponto <strong>não</strong> se<br />

valeram das mesmas para manter os trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> seus próprios<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 59


distritos, são questões que precisam ser analisadas com atenção, pois<br />

implicam <strong>não</strong> apenas numa ―resistência‖ por parte <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res,<br />

mas também numa conivência e <strong>em</strong> relações de interesses entre<br />

trabalha<strong>do</strong>res, autoridades e proprietários <strong>em</strong> cada localidade.<br />

N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre as desculpas apresentadas pelos trabalha<strong>do</strong>res<br />

foram aceitas pelos Co<strong>manda</strong>ntes. As tentativas individuais de burlar os<br />

recrutamentos assumiam formas variadas, centran<strong>do</strong>-se especialmente<br />

na justificativa <strong>do</strong> <strong>casa</strong>mento, de ser varão único, e de ter idade<br />

avançada ou <strong>do</strong>enças.<br />

O Co<strong>manda</strong>nte da Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res de Barcarena<br />

informava, <strong>em</strong> ofício de 23 de set<strong>em</strong>bro de 1843, que estava dan<strong>do</strong><br />

cumprimento às determinações <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte Geral.<br />

60 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos<br />

―Julgo que o Il mo Snr. Major Fiscal tera lava<strong>do</strong> ao<br />

conhecimento de V. <strong>Sª</strong> que mandei quatro<br />

trabalha<strong>do</strong>res p a a Fabrica, e <strong>do</strong>is pª o Caes, que<br />

são ambos solteiros, que ai se acham.<br />

R<strong>em</strong>meto a V. S ª Francisco Jose da Silva, Solteiro<br />

e Jose Aurelano, que dis ser caza<strong>do</strong>, por<strong>em</strong> <strong>não</strong><br />

combina nada no que dis, <strong>não</strong> t<strong>em</strong> <strong>do</strong>micilio certo,<br />

por vezes t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> pelas Ilhas e <strong>não</strong><br />

prova que he <strong>casa</strong><strong>do</strong>, n<strong>em</strong> apresenta licença‖. 48<br />

Teria Jose Aurelano tenta<strong>do</strong> se fazer passar por hom<strong>em</strong> <strong>casa</strong><strong>do</strong><br />

para <strong>não</strong> ser recruta<strong>do</strong>? Talvez nunca se possa responder a esta<br />

pergunta, mas o Co<strong>manda</strong>nte parece <strong>não</strong> ter acredita<strong>do</strong> muito na<br />

história, uma vez que o havia envia<strong>do</strong> para as obras públicas. Mesmo<br />

que este trabalha<strong>do</strong>r fosse efetivamente <strong>casa</strong><strong>do</strong>, <strong>não</strong> agia como tal, ou<br />

seja, <strong>não</strong> tinha moradia fixa e vagava pelas ilhas s<strong>em</strong> apresentar n<strong>em</strong><br />

esposa e n<strong>em</strong> licença. O argumento <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte sugere que o<br />

<strong>casa</strong>mento e uma conseqüente fixação <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> livre pobre poderia<br />

ser uma forma de começar a ―civilizar‖ esse trabalha<strong>do</strong>r, pois este se<br />

veria obriga<strong>do</strong> a trabalhar para sustentar sua família, buscan<strong>do</strong><br />

ocupações mais regulares. Por isso os varões que foss<strong>em</strong> a única fonte<br />

de sustento para suas famílias estavam isentos <strong>do</strong> serviço. Eles já<br />

estariam obriga<strong>do</strong>s a trabalhar. Quan<strong>do</strong> se mostravam errantes, como


Jose Aurelano, tornava-se mais difícil convencer os responsáveis pelos<br />

recrutamentos de que <strong>não</strong> podiam ser envia<strong>do</strong>s para os trabalhos <strong>em</strong><br />

outras regiões, pois acabavam caracteriza<strong>do</strong>s como vadios.<br />

Os pedi<strong>do</strong>s de isenções por idade avançada e <strong>do</strong>enças n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre eram aceitos de bom gra<strong>do</strong> pelos Co<strong>manda</strong>ntes. Além <strong>do</strong>s<br />

casos realmente váli<strong>do</strong>s, diversos ofícios apontam para tentativas de<br />

―fraudes‖ que muito irritavam algumas autoridades. O discurso ira<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte da Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> município de<br />

Ourém e seus Distritos, data<strong>do</strong> de maio de 1843, apresenta parte da<br />

dimensão <strong>do</strong> probl<strong>em</strong>a:<br />

―Há uma parte de trabalha<strong>do</strong>res com despença <strong>do</strong><br />

serviço, e [baixa] que estão na circunstancia de<br />

prestar serviços, e que o <strong>não</strong> prestam por ter<strong>em</strong><br />

iludi<strong>do</strong> a boa fe <strong>do</strong> Governo (...) suas Petições (...)<br />

nas quais fing<strong>em</strong> molestias, roturas, Aleijões, e o<br />

mais: quan<strong>do</strong> pelo contrario; Alguns se<br />

apresentam deste mesmo mo<strong>do</strong> na [Comussão]<br />

rebelde, contra o Governo legal; e nessa Época de<br />

serviços ilegaes, <strong>não</strong> havia <strong>em</strong>baraços fisicos, e<br />

Moraes que obstass<strong>em</strong> tal mo<strong>do</strong> de serviço, hoje<br />

por<strong>em</strong> para o serviço <strong>do</strong> Governo Legal, nada<br />

mais se offerece, que queixas, eximições de<br />

serviço, e o mais que he de costme aparecer<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

tais casos, concordarei que seja eximi<strong>do</strong> <strong>do</strong> serviço<br />

estes que o Governo assim t<strong>em</strong> entendi<strong>do</strong>, porém<br />

<strong>não</strong> aqueles que incompetent<strong>em</strong>ente exist<strong>em</strong><br />

eximi<strong>do</strong>s pelos seus Com<strong>manda</strong>ntes Militares<br />

(...)‖. 49<br />

Diante dessa situação, o Co<strong>manda</strong>nte pede providências para<br />

evitar que as Companhias se esvazi<strong>em</strong>, fazen<strong>do</strong> com que <strong>não</strong> mais<br />

existiss<strong>em</strong> trabalha<strong>do</strong>res para ser<strong>em</strong> envia<strong>do</strong>s para as obras públicas.<br />

O argumento deste ofício, escrito vários anos depois da eclosão<br />

da Cabanag<strong>em</strong>, e da instalação <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, <strong>não</strong><br />

apenas questiona as possibilidades de isenções e dispensas, mas<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 61


principalmente a utilização que delas faz<strong>em</strong> os trabalha<strong>do</strong>res para fugir<br />

<strong>do</strong> serviço <strong>em</strong> prol <strong>do</strong> governo legal, o que se contrapunha à boa<br />

vontade <strong>do</strong>s mesmos homens <strong>em</strong> trabalhar nos ―serviços ilegaes‖ <strong>do</strong>s<br />

t<strong>em</strong>pos <strong>do</strong>s governos cabanos. Para este Co<strong>manda</strong>nte, a resistência <strong>não</strong><br />

é contra os recrutamentos <strong>em</strong> si, mas, o que era mais perigoso, contra o<br />

próprio governo legal, implanta<strong>do</strong> na província após a derrota <strong>do</strong>s<br />

cabanos na capital por d‘Andrea, o mesmo que criou as Companhias<br />

<strong>em</strong> 1838.<br />

As insubordinações por parte de diversos indivíduos perante os<br />

recrutamentos para os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res <strong>não</strong> parec<strong>em</strong><br />

representar atitudes coletivamente engendradas, mas principalmente<br />

práticas individuais que acabam por compor um conjunto de ações<br />

bastante similares.<br />

4. Autoridades, proprietários e trabalha<strong>do</strong>res: o público e o<br />

priva<strong>do</strong><br />

Faz-se necessário ainda analisar estratégias que envolviam pelo<br />

menos duas partes interessadas. A proteção por parte de uma<br />

autoridade, ou de um proprietário local poderiam ser essenciais para<br />

que alguns efeitos <strong>do</strong>s recrutamentos foss<strong>em</strong> minimiza<strong>do</strong>s,<br />

principalmente o envio <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res para prestar serviços nas<br />

obras públicas, e seu deslocamento para regiões distantes. Entretanto,<br />

isso poderia criar conflitos entre as próprias autoridades, uma vez que<br />

questionava as jurisdições de cada uma, e seus poderes reais.<br />

Uma disputa desse tipo fora travada <strong>em</strong> Moju entre os anos de<br />

1840 e 1841, entre o Co<strong>manda</strong>nte de Trabalha<strong>do</strong>res, e o Co<strong>manda</strong>nte<br />

Militar. Essa situação é narrada pelo primeiro, que se reporta ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte Geral nos seguintes termos:<br />

62 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos<br />

―(...) cumpre-me dizer a V. <strong>Sª</strong> que muito me custa,<br />

observan<strong>do</strong> as Instrucções, fazer a r<strong>em</strong>essa <strong>do</strong>s<br />

Trabalha<strong>do</strong>res para a Fabrica, porque aquelles, que<br />

estão nas circunstancias de ser aplica<strong>do</strong>s ao serviço<br />

Público sen<strong>do</strong> chama<strong>do</strong>s, corr<strong>em</strong> ao<br />

com<strong>manda</strong>nte Militar deste Districto; que lhes


esponde = Esta salvo..., e se os Cabos os buscam,<br />

são pelo mesmo Com<strong>manda</strong>nte Militar<br />

maltrata<strong>do</strong>s, injuria<strong>do</strong>s e ameaça<strong>do</strong>s!! Plantan<strong>do</strong><br />

assim entre meus subordina<strong>do</strong>s a desobediência<br />

para com as minhas ordens; queren<strong>do</strong> evitar tão<br />

grande mal solicitei <strong>em</strong> 16 de julho <strong>do</strong> anno fin<strong>do</strong><br />

providencias ao antecessor de V. <strong>Sª</strong>, as quaes ate<br />

hoje tenho espera<strong>do</strong> s<strong>em</strong> efeito algum, e a<br />

impunidade t<strong>em</strong> feito o dito Com<strong>manda</strong>nte Militar<br />

perseverar no abuso de seus deveres, <strong>não</strong> saben<strong>do</strong><br />

os Cabos de Trabalha<strong>do</strong>res a qu<strong>em</strong> devam<br />

verdadeiramente obedecer, visto que o supra dito<br />

com<strong>manda</strong>nte Militar (...) s<strong>em</strong> pejo, e respeito as<br />

leis e Autoridades legitima publicamente diz = Eu<br />

estou autoriza<strong>do</strong> pelo Sr. Prezidente para fazer, e<br />

<strong>manda</strong>r tu<strong>do</strong>, quanto me parecer; e qu<strong>em</strong> he um<br />

Juiz de Paz, e um Com<strong>manda</strong>nte de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, meus subordina<strong>do</strong>s! = Eis aqui um<br />

verdadeiro sultão um senhor absoluto, t<strong>em</strong>i<strong>do</strong> ate<br />

das mesmas formas, cujas obras deixo de referir<br />

por decencia (...)‖. 50<br />

O conflito de jurisdições entre as autoridades, e a disputa de<br />

poder entre elas, segun<strong>do</strong> o relato acima, estaria se materializan<strong>do</strong> num<br />

controle sobre os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Distrito. O Co<strong>manda</strong>nte Militar<br />

estaria impedin<strong>do</strong> a r<strong>em</strong>essa de trabalha<strong>do</strong>res para os serviços públicos,<br />

a despeito das ordens <strong>manda</strong>das pelo coman<strong>do</strong> provincial. O<br />

Co<strong>manda</strong>nte Militar, segun<strong>do</strong> o ofício, era a ―salvação‖ <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res, que a ele acorriam para se livrar <strong>do</strong> serviço, e por isso o<br />

Co<strong>manda</strong>nte de trabalha<strong>do</strong>res procura culpá-lo por <strong>não</strong> enviar<br />

trabalha<strong>do</strong>res para as obras públicas. O <strong>em</strong>bate entre ambos estaria tão<br />

acirra<strong>do</strong> que n<strong>em</strong> os Cabos sabiam mais a que obedecer, segun<strong>do</strong> o<br />

atormenta<strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte.<br />

Entretanto, os trabalha<strong>do</strong>res candidatos ao recrutamento <strong>não</strong><br />

parec<strong>em</strong> confusos quanto a qu<strong>em</strong> deveriam obedecer ou procurar.<br />

Esses indivíduos, aproveitan<strong>do</strong>-se de um conflito entre seus superiores<br />

tentavam fazer valer suas expectativas de <strong>não</strong> ser<strong>em</strong> <strong>manda</strong><strong>do</strong>s para as<br />

obras públicas <strong>em</strong> outras localidades. Isso muito aborrecia o<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 63


Co<strong>manda</strong>nte de Trabalha<strong>do</strong>res, e ao mesmo t<strong>em</strong>po servia para o<br />

Co<strong>manda</strong>nte Militar reafirmar seu poder. Não se pretende com isso<br />

afirmar que os trabalha<strong>do</strong>res é que manipulavam seus superiores, mas<br />

pode-se sugerir que esta é uma relação de trocas, de reciprocidade, que<br />

<strong>não</strong> impede a <strong>do</strong>minação de um indivíduo ou grupo sobre outro, mas<br />

que torna a mesma ―útil‖ para ambos. Dependia da habilidade <strong>do</strong>s<br />

indivíduos ou grupos envolvi<strong>do</strong>s nos recrutamentos a possibilidade de<br />

conseguir alguma vantag<strong>em</strong> para si (mesmo que essa vantag<strong>em</strong> fosse<br />

simplesmente trabalhar compulsoriamente <strong>em</strong> seu próprio Distrito ao<br />

invés de fazê-lo <strong>em</strong> outro lugar).<br />

Se os trabalha<strong>do</strong>res podiam ter algum benefício desses <strong>em</strong>bates<br />

entre autoridades, estas também poderiam tirar proveito da situação.<br />

Ao impedir o recrutamento e deslocamento de trabalha<strong>do</strong>res para<br />

outras localidades, o Co<strong>manda</strong>nte Militar poderia estar simplesmente<br />

resguardan<strong>do</strong> mão-de-obra livre para executar trabalhos nas<br />

propriedades de seu Distrito, ou mesmo <strong>em</strong> seu próprio benefício. Os<br />

trabalha<strong>do</strong>res, mesmo saben<strong>do</strong> disso, recorriam à sua proteção, no<br />

intuito de <strong>não</strong> ir para as obras públicas. Essas relações de interesses<br />

envolven<strong>do</strong> autoridades e trabalha<strong>do</strong>res, voltadas para a manutenção de<br />

um fornecimento regular de força de trabalho para os serviços<br />

particulares assumiam ainda outras dimensões, e desencadeavam outros<br />

tipos de conflitos de competência.<br />

Estes <strong>em</strong>bates pod<strong>em</strong> ser percebi<strong>do</strong>s nas explicações entre<br />

irônicas e acusa<strong>do</strong>ras de alguns Co<strong>manda</strong>ntes a respeito das deserções<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res sob seu coman<strong>do</strong>. É o recurso de que lança mão o<br />

Co<strong>manda</strong>nte <strong>do</strong> município de Ourém, ao explicar que ultimamente o<br />

Cabo da 1ª Esquadra vinha lhe relatan<strong>do</strong> que por ocasião de se fazer os<br />

serviços, os trabalha<strong>do</strong>res se refugiavam nos sítios de Bragança.<br />

Segun<strong>do</strong> o Co<strong>manda</strong>nte, isso ocorreria por que acreditava que ali as<br />

autoridades <strong>não</strong> procuravam guia ou <strong>do</strong>cumento que legalizasse sua<br />

passag<strong>em</strong> pelo distrito. O Co<strong>manda</strong>nte termina se relato pedin<strong>do</strong><br />

providências a esse respeito, a fim de que as autoridades bragantinas<br />

<strong>não</strong> mais consentiss<strong>em</strong> refugia<strong>do</strong>s por motivo de serviço <strong>em</strong> território<br />

de sua jurisdição, r<strong>em</strong>eten<strong>do</strong>-os presos caso foss<strong>em</strong> lá encontra<strong>do</strong>s. 51<br />

Exist<strong>em</strong> diversos outros ofícios de teor s<strong>em</strong>elhante, e <strong>não</strong> é<br />

possível saber até que ponto as denúncias das autoridades são sinceras<br />

ou <strong>não</strong>. S<strong>em</strong> descartar a possibilidade de descui<strong>do</strong> real por parte das<br />

64 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


pessoas encarregadas de manter sob controle os trabalha<strong>do</strong>res, interessa<br />

também a possibilidade insinuada de que as autoridades <strong>do</strong> município<br />

vizinho estariam dan<strong>do</strong> cobertura para trabalha<strong>do</strong>res fugi<strong>do</strong>s. Se isso<br />

efetivamente ocorria, poderia advir de um interesse mútuo (tanto de<br />

trabalha<strong>do</strong>res, quanto de autoridades e proprietários), de se manter essa<br />

força de trabalho na região, e <strong>não</strong> nas obras da capital. Se os<br />

trabalha<strong>do</strong>res <strong>não</strong> conseguiam permanecer <strong>em</strong> seus distritos, pelo<br />

menos podiam ficar <strong>em</strong> regiões próximas prestan<strong>do</strong> serviços a<br />

particulares que os protegeriam das t<strong>em</strong>idas obras públicas. Naquele<br />

momento essas relações de interesse beneficiavam ambas as partes.<br />

Outras vezes, os trabalha<strong>do</strong>res se aproveitavam <strong>do</strong>s conflitos de<br />

competência entre instâncias distintas para <strong>não</strong> só deixar de ir para as<br />

obras públicas, como para deixar definitivamente de ser trabalha<strong>do</strong>r<br />

recruta<strong>do</strong>, tornan<strong>do</strong>-se m<strong>em</strong>bro <strong>do</strong>s batalhões de polícia. A circulação<br />

de indivíduos entre esses <strong>do</strong>is coman<strong>do</strong>s foi bastante destacada pelos<br />

Co<strong>manda</strong>ntes das Companhias, que buscavam evitar que seus<br />

subordina<strong>do</strong>s se retirass<strong>em</strong> de sua situação de trabalha<strong>do</strong>r, tentan<strong>do</strong><br />

controlar as possibilidades dessa mudança. Era isso o que procurava o<br />

Co<strong>manda</strong>nte de Trabalha<strong>do</strong>res Theotonio Jose de Vila Lobo Barbosa,<br />

ao solicitar ao Co<strong>manda</strong>nte Geral que desse ordens ao Co<strong>manda</strong>nte<br />

Militar para que <strong>não</strong> permitisse a passag<strong>em</strong> para o Corpo Policial de<br />

nenhum trabalha<strong>do</strong>r, s<strong>em</strong> que antes ele pudesse se manifestar e fazer<br />

valer seu parecer. 52 O Sargento de trabalha<strong>do</strong>res de Cairary informava<br />

ao seu Co<strong>manda</strong>nte, <strong>em</strong> 18 de janeiro de 1843, que <strong>do</strong>is indivíduos da<br />

sua Companhia tinham passa<strong>do</strong> para o Corpo de Polícia s<strong>em</strong><br />

autorização. 53 Essas mudanças aborreciam os Co<strong>manda</strong>ntes de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, que relatavam a falta de critérios <strong>do</strong>s responsáveis pelos<br />

recrutamentos, que permitiam a entrada de indivíduos pouco<br />

qualifica<strong>do</strong>s para a polícia.<br />

―Há hum abuso como já [...] disse, o qual e<br />

qualquer Índio, ou Par<strong>do</strong>, que se quer eximir a<br />

qualquer Serviço Público, é quan<strong>do</strong> toca a<br />

chamada para a mostra da Compª de Polícia o<br />

indivíduo ali se apresenta e é alista<strong>do</strong> s<strong>em</strong> mais<br />

indagação se t<strong>em</strong> ou <strong>não</strong> [proporçõens] de ser ali<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 65


66 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos<br />

alista<strong>do</strong>s, e o Co<strong>manda</strong>nte da Compª o <strong>não</strong><br />

participa a Compª de Trabalha<strong>do</strong>res, de forma que<br />

o indivíduo existe Alista<strong>do</strong> <strong>em</strong> duas Companhias o<br />

que só com cuida<strong>do</strong> agora se foi eliminan<strong>do</strong> seus<br />

nomes da lista <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res; de forma que<br />

hum 3º [terço] da Compª de Policia é composta de<br />

verdadeiros vagabun<strong>do</strong>s, por n<strong>em</strong> huma pequena<br />

choça t<strong>em</strong> na Vila para Sua Residencias, e nos<br />

sítios viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> pequenas Cabanas <strong>não</strong> conten<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> Roda delas mais que 4 pés de maniva lavoura<br />

propria <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r alista<strong>do</strong>, e é desta forma<br />

que aquela Compª de Trabalha<strong>do</strong>res vai se<br />

extinguin<strong>do</strong>‖. 54<br />

A aceitação indiscriminada de indivíduos nos Corpos Policiais<br />

estava transforman<strong>do</strong>-os <strong>em</strong> rotas de fuga <strong>do</strong> trabalho compulsório<br />

para aqueles considera<strong>do</strong>s vadios. O Co<strong>manda</strong>nte de Trabalha<strong>do</strong>res que<br />

escreveu o ofício acima transcrito advertia seus cont<strong>em</strong>porâneos de que<br />

essa permissividade, mais <strong>do</strong> que causar um conflito de competências,<br />

estava servin<strong>do</strong> para extinguir a Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res, e<br />

legitiman<strong>do</strong> a continuidade de existência de indivíduos considera<strong>do</strong>s<br />

ociosos fora <strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong> controle de suas atividades por parte das<br />

autoridades governamentais. Seria contraditório quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong><br />

com o projeto inicial <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, e portanto<br />

perigoso.<br />

Enquanto diversas autoridades responsáveis pelo<br />

funcionamento <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res passavam por<br />

dificuldades para cumprir suas obrigações — o que as levava a relatar<br />

suas desventuras e expressar suas opiniões a respeito <strong>do</strong> que estava<br />

acontecen<strong>do</strong> —, muitos proprietários lançavam mão <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />

alista<strong>do</strong>s para favorecer a produção de seus estabelecimentos.<br />

A contratação <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res das Companhias<br />

podia assumir grande importância para a sobrevivência ou para o<br />

enriquecimento de muitos proprietários. Pode-se analisar a implantação,<br />

e principalmente atribuir a longevidade <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

ao interesse <strong>em</strong> manter sob controle uma força de trabalho livre que<br />

podia ser <strong>em</strong>pregada para as mais diversas atividades. Isso gerou


algumas divergências entre as autoridades, e entre estas e os<br />

proprietários, no que concerne à aplicação e à interpretação da<br />

legislação.<br />

De acor<strong>do</strong> com o regimento <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, os<br />

trabalha<strong>do</strong>res poderiam ser engaja<strong>do</strong>s para prestar serviços a<br />

particulares através de um contrato firma<strong>do</strong> perante o Juiz de Paz, e<br />

somente se tivess<strong>em</strong> prévia autorização <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte da Companhia.<br />

Os trabalha<strong>do</strong>res assim engaja<strong>do</strong>s <strong>não</strong> seriam <strong>manda</strong><strong>do</strong>s para os<br />

serviços públicos. Além disso, os Co<strong>manda</strong>ntes <strong>do</strong>s Corpos de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, os oficiais e os Co<strong>manda</strong>ntes Militares <strong>não</strong> poderiam<br />

engajar para o seu serviço mais de <strong>do</strong>is trabalha<strong>do</strong>res. 55<br />

Exist<strong>em</strong> diversos <strong>do</strong>cumentos que suger<strong>em</strong> o interesse <strong>do</strong>s<br />

Co<strong>manda</strong>ntes <strong>em</strong> manter <strong>em</strong> seus distritos a força de trabalho recrutada<br />

para que fosse utilizada nas propriedades e atividades locais, e mesmo<br />

<strong>em</strong> seu próprio benefício. O ofício envia<strong>do</strong> pelo Co<strong>manda</strong>nte da<br />

Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res de Abaité, entre outras denúncias que faz<br />

contra o Sargento da mesma Companhia, destaca o fato de que muitas<br />

vezes ―(...) <strong>não</strong> haven<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>res para as estações públicas, haviaos<br />

para o dito Sargento <strong>manda</strong>r to<strong>do</strong>s os meses barcadas de madeiras<br />

para a Capital, para ali ser vendida, s<strong>em</strong> ter escravos que com elle a<br />

fabricasse (...)‖. 56 Por esse e outros motivos o Co<strong>manda</strong>nte pedia a<br />

d<strong>em</strong>issão <strong>do</strong> Sargento. A utilização abusiva de trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> causa<br />

própria podia ser feita também por Co<strong>manda</strong>ntes de Companhias. A<br />

denúncia que um mora<strong>do</strong>r de Mojú faz ao Co<strong>manda</strong>nte Geral de<br />

trabalha<strong>do</strong>res traz indicações nesse senti<strong>do</strong>.<br />

―Felipe Pereira Maninho Falcão e Mello,<br />

representa a V. <strong>Sª</strong> que ten<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Governo<br />

da Provincia o Despacho incluso para lhe ser<strong>em</strong><br />

da<strong>do</strong> seis Trabalha<strong>do</strong>res, pelo Co<strong>manda</strong>nte da<br />

Compª este iludiu aquela ord<strong>em</strong> dan<strong>do</strong>-lhe apenas<br />

um capaz de serviço (...) ao mesmo t<strong>em</strong>po que ele<br />

t<strong>em</strong> no seu serviço quatro <strong>do</strong>s melhores (...)‖. 57<br />

Estes e muitos outros casos de Co<strong>manda</strong>ntes utilizan<strong>do</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>res, até mesmo acima da quantidade permitida por lei,<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 67


suger<strong>em</strong> a importância <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res como uma<br />

instituição que até certo ponto conseguiu garantir o suprimento de<br />

mão-de-obra de acor<strong>do</strong> com os interesses <strong>do</strong>s proprietários. Ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po, essa discussão indica a necessidade de se indagar a respeito <strong>do</strong><br />

grau de aproveitamento <strong>do</strong> trabalho desses indivíduos que, receben<strong>do</strong><br />

um pagamento <strong>em</strong> troca de seus serviços, precisavam corresponder às<br />

expectativas <strong>do</strong>s patrões, com grandes possibilidades de ser<strong>em</strong> ainda<br />

mais explora<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que os escravos, uma vez que <strong>não</strong> provinham de<br />

investimentos prévios por parte <strong>do</strong>s patrões. A imag<strong>em</strong> das<br />

Companhias como algo que reduziu os homens livres pobres a uma<br />

quase escravidão 58, ou a uma ―servidão da gleba‖ 59, apresentada por<br />

alguns estudiosos, pode estar fort<strong>em</strong>ente relacionada a esses tipos de<br />

relatos de utilização de trabalha<strong>do</strong>res, e a algumas avaliações pouco<br />

lisonjeiras sobre os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res feitas por<br />

cont<strong>em</strong>porâneos.<br />

Quan<strong>do</strong> pergunta<strong>do</strong> sobre a possibilidade de implantação <strong>do</strong><br />

um Corpo de Trabalha<strong>do</strong>res na Freguesia de Cairary, <strong>em</strong> julho de 1841,<br />

o Capitão e Co<strong>manda</strong>nte da força policial respondeu ao Co<strong>manda</strong>nte<br />

Militar que, no caso de impl<strong>em</strong>entação <strong>do</strong> projeto, aquela nascente<br />

localidade iria sentir um golpe bastante destrui<strong>do</strong>r <strong>em</strong> sua população,<br />

<strong>não</strong> só porque <strong>do</strong>s poucos homens que havia seria tira<strong>do</strong> um número<br />

significativo, como por que tira<strong>do</strong>s estes, a lavoura e o comércio se<br />

atrasariam. 60 Esta avaliação negativa a respeito da instalação de uma<br />

Companhia de Trabalha<strong>do</strong>res na Freguesia de Cairary leva <strong>em</strong><br />

consideração seu funcionamento dentro <strong>do</strong>s termos da lei, o que<br />

afastaria dali muitos homens para os serviços públicos, e causaria um<br />

atraso no desenvolvimento da agricultura e <strong>do</strong> comércio de uma<br />

localidade ainda jov<strong>em</strong> e precisan<strong>do</strong> se consolidar.<br />

Já a avaliação feita pelo presidente da província Jerônimo<br />

Francisco Coelho, e apresentada à Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa <strong>em</strong> julho de<br />

1848 questiona a adequação da própria estrutura de funcionamento das<br />

Companhias que, segun<strong>do</strong> ele, estariam ultrapassan<strong>do</strong> os limites<br />

aceitáveis. 61<br />

De acor<strong>do</strong> com o presidente da província, a intenção <strong>do</strong><br />

legisla<strong>do</strong>r ao criar as Companhias era razoável e justa, ao proporcionar<br />

trabalho honesto aos miseráveis, e ao mesmo t<strong>em</strong>po garantin<strong>do</strong> a<br />

sociedade contra as conseqüências perniciosas que resultariam da<br />

68 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


existência ociosa de uma grande quantidade de indivíduos de ―última<br />

classe, bal<strong>do</strong>s de instrução, s<strong>em</strong> ocupação, e s<strong>em</strong> ofício, entregues a si<br />

mesmos, e a uma vida solta, s<strong>em</strong> sujeição e s<strong>em</strong> freio‖. Entretanto, teria<br />

fica<strong>do</strong> faltan<strong>do</strong> uma melhor regulamentação, o que ocasionara o<br />

surgimento de <strong>do</strong>is tipos opostos de abusos: opressão e relaxação. O<br />

presidente afirmava ser bastante comum ver os Co<strong>manda</strong>ntes <strong>do</strong>s<br />

Corpos e outras autoridades locais, a pretexto de serviços públicos,<br />

<strong>em</strong>pregar<strong>em</strong> gratuitamente e com rigor os trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> seu serviço<br />

particular ou no de seus amigos. Assim, a obrigação <strong>do</strong> serviço criada<br />

como uma medida necessária e útil teria pouco a pouco se converti<strong>do</strong><br />

numa servidão odiosa, dan<strong>do</strong> aos recruta<strong>do</strong>s uma vida opressiva e<br />

degradante, converten<strong>do</strong> muitos daqueles infelizes <strong>em</strong> verdadeiros<br />

escravos.<br />

Este relato é trabalha<strong>do</strong> por Vicente Salles como o ―retrato<br />

sincero da situação‖ 62, comprovan<strong>do</strong> uma situação de extr<strong>em</strong>a opressão<br />

da população negra ou mestiça da Província.<br />

S<strong>em</strong> deixar de considerar o caráter opressivo e controla<strong>do</strong>r das<br />

Companhias, há que se questionar, entretanto, os motivos das<br />

afirmações <strong>do</strong> Presidente da Província. Não se pode esquecer que ele é<br />

um hom<strong>em</strong> político, envolvi<strong>do</strong> <strong>em</strong> disputas político-partidárias, que<br />

podia estar usan<strong>do</strong> seu discurso para afrontar e atacar seus oponentes.<br />

Neste caso, o relato sobre os Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res, mais <strong>do</strong> que o<br />

reflexo de um sentimento autêntico, funcionaria como um ataque<br />

contra inimigos políticos representa<strong>do</strong>s pelas administrações anteriores,<br />

e os Co<strong>manda</strong>ntes por elas nomea<strong>do</strong>s. Esses conflitos de poder entre as<br />

autoridades podiam ser aproveita<strong>do</strong>s pelos trabalha<strong>do</strong>res que tentavam<br />

tirar alguma vantag<strong>em</strong>, assim como o esta<strong>do</strong> e o funcionamento<br />

deficiente das Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res podiam ser utiliza<strong>do</strong>s<br />

pelas autoridades locais e provinciais para digladiar<strong>em</strong>.<br />

Entretanto, a impl<strong>em</strong>entação das normas das Companhias e o<br />

aproveitamento <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>não</strong> era motivo de disputa apenas<br />

entre as autoridades. O controle <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e a legitimidade da<br />

aplicação da lei era contestada por proprietários particulares que <strong>não</strong><br />

queriam ver a intromissão <strong>do</strong> governo nas relações de trabalho que<br />

estes mantinham com os trabalha<strong>do</strong>res que desenvolviam atividades <strong>em</strong><br />

suas propriedades ou negócios. Estes trabalha<strong>do</strong>res poderiam ser<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 69


contrata<strong>do</strong>s ou agrega<strong>do</strong>s, e a situação destes últimos costumava<br />

suscitar dúvidas e criar probl<strong>em</strong>as entre autoridades e proprietários.<br />

Em nov<strong>em</strong>bro de 1843, o Co<strong>manda</strong>nte da Companhia de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Rio Moju pedia esclarecimentos ao Co<strong>manda</strong>nte<br />

Geral a respeito de como proceder no caso <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s que <strong>não</strong> se<br />

encontravam engaja<strong>do</strong>s, uma vez que estes faziam grande falta para os<br />

―trabalhos da Nação‖. O Co<strong>manda</strong>nte expunha seu receio de entrar <strong>em</strong><br />

conflito com os proprietários a qu<strong>em</strong> esses agrega<strong>do</strong>s estavam liga<strong>do</strong>s,<br />

ao escrever que ―(...) eu <strong>não</strong> hei de forçar s<strong>em</strong> ord<strong>em</strong> os proprietários<br />

que os t<strong>em</strong> (...)‖. 63<br />

Esse conflito podia se materializar quan<strong>do</strong> os ―patrões‖ <strong>do</strong>s<br />

agrega<strong>do</strong>s simplesmente ignoravam os pedi<strong>do</strong>s das autoridades para<br />

engajar esses agrega<strong>do</strong>s conforme <strong>manda</strong>va a lei, como ocorreu <strong>em</strong><br />

Uricurituba nos primeiros meses de 1844. O relato <strong>do</strong> Co<strong>manda</strong>nte<br />

informa que<br />

70 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos<br />

―Quanto ao Numero de Agrega<strong>do</strong>s por engajar<br />

que menciono nomesmo Mappa, logo que tomei<br />

conta da Compª fis avisos aos patrões <strong>do</strong>s mesmos<br />

afim de requerer<strong>em</strong> <strong>do</strong> respectivo Com<strong>manda</strong>nte<br />

para com o despacho Efectuar-se o engajamento<br />

conforme dispo<strong>em</strong> a Ley Provincial aeste respeito,<br />

assim praticaram alguns, cujos despachos exist<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> meo poder, por<strong>em</strong> deixarão enteiramente de<br />

comprir<strong>em</strong> essa formalidade <strong>do</strong> Engajamento, e<br />

outros athe aqui <strong>não</strong> me consta ter<strong>em</strong> requeri<strong>do</strong><br />

(...)‖. 64<br />

Aqui as autoridades insist<strong>em</strong> no engajamento de agrega<strong>do</strong>s na<br />

forma da lei, ou seja, lavrar<strong>em</strong> um contrato perante o Juiz de Paz, que<br />

garantiria uma certa normatização na relação entre proprietários e<br />

agrega<strong>do</strong>s, desta feita trata<strong>do</strong>s como trabalha<strong>do</strong>res que deveriam ter um<br />

contrato de trabalho regulan<strong>do</strong> suas obrigações para com seus patrões e<br />

vice-versa. Essa é uma situação bastante diferente da <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s,<br />

que dependiam <strong>do</strong> favor de um proprietário para permanecer<strong>em</strong><br />

moran<strong>do</strong> num determina<strong>do</strong> local, e ficavam portanto deven<strong>do</strong><br />

obrigações e prestação de serviços s<strong>em</strong> ter necessariamente algum


etorno financeiro. A insistência por parte <strong>do</strong>s Co<strong>manda</strong>ntes <strong>em</strong><br />

regulamentar essas relações poderia significar uma intromissão<br />

inadmissível nas relações entre proprietários e agrega<strong>do</strong>s,<br />

tradicionalmente pautadas <strong>em</strong> práticas costumeiras. Essa tentativa de<br />

interferência por parte da administração provincial tomou forma de<br />

uma ameaça verbal por parte de um proprietário irrita<strong>do</strong> com os<br />

insistentes avisos provenientes <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> da Companhia de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res, e que permaneceu registra<strong>do</strong> num ofício <strong>do</strong> Cabo de<br />

Esquadra que foi bombardea<strong>do</strong> pelos impropérios dirigi<strong>do</strong>s ao<br />

Co<strong>manda</strong>nte.<br />

―Em consequencia da Ord<strong>em</strong> de V. <strong>Sª</strong> <strong>em</strong> que me<br />

<strong>manda</strong> avisar as praças de trabalha<strong>do</strong>res da minha<br />

esquadra sou a participar a V. <strong>Sª</strong> que chegan<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

a fazenda da boa vista, pedi licença ao<br />

administra<strong>do</strong>r para avisar aos trabalha<strong>do</strong>res<br />

Manoel <strong>do</strong>s Santos e Jose Antonio Leal, para estes<br />

comparecer<strong>em</strong> <strong>em</strong> 30 de Outubro <strong>do</strong> corrente<br />

anno <strong>em</strong> afreguesia, para acto de revista respondeu<br />

o administra<strong>do</strong>r que V. <strong>Sª</strong> <strong>não</strong> <strong>manda</strong>va <strong>em</strong> <strong>casa</strong><br />

<strong>alheia</strong> e como V. <strong>Sª</strong> se <strong>não</strong> [<strong>em</strong>boscava] e vinha<br />

buscar-los e como <strong>não</strong> Oficiava ao <strong>do</strong>no da<br />

fazenda sobre estes homens. E o que se me<br />

oferece participar a V. <strong>Sª</strong>.‖. 65<br />

O <strong>em</strong>bate entre o Co<strong>manda</strong>nte de trabalha<strong>do</strong>res e o<br />

proprietário da fazenda Boa Vista pelo controle das atividades e pela<br />

subordinação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is trabalha<strong>do</strong>res está claramente delinea<strong>do</strong> nesta<br />

narrativa. Com seu estilo rústico, o Cabo Justino José narra uma<br />

situação experimentada ao longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de implantação e<br />

funcionamento <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res: disputas <strong>em</strong> torno da<br />

interpretação e <strong>do</strong>s limites de uma legislação que procurava organizar,<br />

disciplinar e controlar o trabalho <strong>do</strong>s homens livres pobres <strong>não</strong><br />

brancos, ―civilizan<strong>do</strong>-os‖ e proporcionan<strong>do</strong> com isso o<br />

desenvolvimento da Província.<br />

Refletir sobre a implantação <strong>do</strong>s Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res no<br />

<strong>Pará</strong> implica <strong>em</strong> voltar-se para uma análise a respeito <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 71


elativos à mão-de-obra livre ao longo <strong>do</strong> século XIX, e das tentativas<br />

de controlá-la. É importante, contu<strong>do</strong>, ressaltar que apesar deste<br />

projeto estar basea<strong>do</strong> num conjunto de leis, sua aplicação e<br />

funcionamento estiveram na dependência de associações e conflitos de<br />

interesses envolven<strong>do</strong> proprietários, trabalha<strong>do</strong>res e autoridades. Os<br />

<strong>em</strong>bates prolongaram-se por vários anos, e seu estu<strong>do</strong> possibilita uma<br />

melhor compreensão da complexidade das relações tecidas entre os<br />

diferentes indivíduos ou grupos sociais. Proporciona também espaço<br />

para reflexão acerca da inserção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nesse processo, e para a<br />

relativização <strong>do</strong> papel da legislação nas transformações sociais. O<br />

Co<strong>manda</strong>nte da Companhia, por mais que tentasse, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

conseguia <strong>manda</strong>r <strong>em</strong> <strong>casa</strong> <strong>alheia</strong> s<strong>em</strong> recorrer a acor<strong>do</strong>s e a<br />

concessões, práticas fundamentais quan<strong>do</strong> se trata de relações que<br />

envolv<strong>em</strong> mais de um interessa<strong>do</strong>, e que são reguladas por normas<br />

elaboradas por sujeitos reais.<br />

Artigo recebi<strong>do</strong> <strong>em</strong> março de 2008<br />

Aprova<strong>do</strong> <strong>em</strong> julho de 2008<br />

72 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


N O T A S<br />

1 Arquivo Público Estadual <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> (APEP), Colleção das Leis Provinciaes <strong>do</strong> <strong>Pará</strong><br />

promulgadas na primeira secção que teve príncípio no dia 2 de março, e fin<strong>do</strong>u no dia 15 de<br />

maio de 1838. <strong>Pará</strong>: Typ. Restaurada, 1838.<br />

2 Sobre o Regulamento <strong>do</strong> Corpo de Trabalha<strong>do</strong>res, ver: SILVEIRA, Itala<br />

Bezerra da. Cabanag<strong>em</strong>, uma luta perdida. Belém: Secult, 1994, pp. 241-242.<br />

3 Parte da discussão historiográfica a seguir foi apresentada no artigo ―Os<br />

Corpos de Trabalha<strong>do</strong>res: política de controle social no Grão-<strong>Pará</strong>‖, publica<strong>do</strong><br />

no número anterior desta revista.<br />

4 RAIOL, Domingos Antonio. Motins Políticos, ou a história <strong>do</strong>s principais<br />

acontecimentos políticos da Província <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> desde o ano de 1821 até 1835.<br />

Belém: <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Pará</strong>, 1970, p. 988 (3 vols.).<br />

5 Sobre Domingos Antonio Raiol e sua obra ver: RICCI, Magda M. de<br />

Oliveira. ―História Amotinada: M<strong>em</strong>órias da Cabanag<strong>em</strong>‖. Cadernos <strong>do</strong> CFCH,<br />

vol. 12, n os 1/2, 1993, pp. 13-28.<br />

6 SALLES, Vicente. O Negro no <strong>Pará</strong>: sob o regime da escravidão.<br />

Brasília/Belém: Ministério da Cultura/Secretaria de Esta<strong>do</strong> da<br />

Cultura/Fundação Cultural <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> ―Tancre<strong>do</strong> Neves‖, 1988. Do mesmo<br />

autor: M<strong>em</strong>orial da Cabanag<strong>em</strong>: esboço <strong>do</strong> pensamento político-revolucionário<br />

no Grão-<strong>Pará</strong>. Belém: CEJUP, 1992 (Coleção Amazoniana,3). DI PAOLO,<br />

Pasquale. Cabanag<strong>em</strong>: a revolução popular da Amazônia. Belém: CEJUP, 1985.<br />

CHIAVENATO, Júlio José. Cabanag<strong>em</strong>: o povo no poder. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1984.<br />

7 MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. ―Igreja e Cabanag<strong>em</strong> (1832-1849)‖.<br />

In: HOORNAERT, Eduar<strong>do</strong>. História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes,<br />

1992, pp. 262-295.<br />

8 Ibid<strong>em</strong>, pp. 273-274.<br />

9 SALLES, Vicente. O Negro no <strong>Pará</strong>, pp. 272-275.<br />

10 SILVEIRA, Ítala. Cabanag<strong>em</strong>.<br />

11 Ibid<strong>em</strong>, pp. 150-151.<br />

12 Ibid<strong>em</strong>, pp. 147-155.<br />

13 WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência<br />

(1850-1920). SP: Hucitec/EdUSP, 1993, p. 59.<br />

14 Ibid<strong>em</strong>, p. 61.<br />

15 Ibid<strong>em</strong>.<br />

16 Ver: SILVEIRA, Ítala. Cabanag<strong>em</strong>, p. 242.<br />

17 APEP, Fun<strong>do</strong> da Secretaria da Presidência da Província [SPP],<br />

especialmente as caixas de número 63, 95, 122, 138, 176, 196, 211.<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 73


18 Os livros de registros de presos da Cabanag<strong>em</strong> fornec<strong>em</strong> da<strong>do</strong>s a respeito<br />

<strong>do</strong>s cabanos passíveis de ser<strong>em</strong> quantifica<strong>do</strong>s. Uma leitura dessa<br />

<strong>do</strong>cumentação indica a relevância da participação de indivíduos classifica<strong>do</strong>s<br />

como brancos no movimento. Ver: APEP, códices 973, 974, 1130, 1131 e<br />

1132, Relação nominal <strong>do</strong>s rebeldes presos, para os anos de 1836 a 1840.<br />

19 RAIOL, Domingos Antonio. Motins políticos, p. 988.<br />

20 MARSON, Izabel A. ―Trabalho Livre e Progresso‖. Revista Brasileira de<br />

História, nº 7 (1984), p. 83.<br />

21 Ibid<strong>em</strong>, pp. 82-83.<br />

22 Ibid<strong>em</strong>, pp. 87-90.<br />

23 FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia <strong>do</strong> Século XIX.<br />

São Paulo/Salva<strong>do</strong>r: Hucitec/EdUFBA, 1996, pp.75-97.<br />

24 THOMPSON, Edward P. Senhores e Caça<strong>do</strong>res: a orig<strong>em</strong> da lei negra. Rio de<br />

Janeiro: Paz e Terra, 1987. Ver especialmente a parte intitulada ―O Domínio<br />

da Lei‖, pp. 348-361. Ver também: FORTES, Alexandre. ―O Direito na Obra<br />

de E.P. Thompson‖. História Social. Campinas, nº 2, 1995, pp. 89-111.<br />

25 THOMPSON, Edward. Senhores e Caça<strong>do</strong>res, p.353.<br />

26 LEVI, Giovanni. ―Prefácio‖. Extraí<strong>do</strong> de L‟eredità immateriale. Carriera di un<br />

esorcista nel Pi<strong>em</strong>onte del Seicento. Torino: Einaudi, 1985, pp. 3-11. Tradução<br />

de Henrique Espada Rodrigues Lima Filho.<br />

27 Esse material está organiza<strong>do</strong> no Arquivo Público Estadual <strong>do</strong> <strong>Pará</strong>, no<br />

fun<strong>do</strong> da Secretaria da Presidência da Província, no grupo <strong>do</strong>s Ofício das<br />

Companhias de Trabalha<strong>do</strong>res, guarda<strong>do</strong>s nas caixas de número 63, 95, 122,<br />

138, 176, 196 e 211.<br />

28 APEP, Secretaria da Presidência da Província, Ofícios das Companhias de<br />

Trabalha<strong>do</strong>res [OCT], caixa 63, <strong>do</strong>cumento 96 (anexo).<br />

29 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 66.<br />

30 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 35.<br />

31 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 3.<br />

32 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 16.<br />

33 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 77.<br />

34 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 46.<br />

35 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 29.<br />

36 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 61.<br />

37 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1841, <strong>do</strong>cumento 8.<br />

38 APEP, SSP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 15.<br />

39 Ver por ex<strong>em</strong>plo: APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1841, <strong>do</strong>cumento s<strong>em</strong><br />

numeração, localiza<strong>do</strong> entre os de número 17 e 18.<br />

40 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 28.<br />

41 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 68.<br />

74 Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos


42 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 30.<br />

43 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 34 (anexo).<br />

44 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 105 (anexo).<br />

45 Ver: APEP, Collecção das Leis Provinciaes <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> promulgadas na primeira secção<br />

que teve princípio no dia 2 de março, e fin<strong>do</strong>u no dia 15 de maio de 1838. <strong>Pará</strong>: Typ.<br />

Restaurada, 1838; e também: Collecção de Leis e Rezuluçõens Provinciaes <strong>do</strong> <strong>Pará</strong><br />

promulgadas na primeira sessão da segunda legislatura que teve princípio no dia 15 de<br />

agosto e fin<strong>do</strong>u no dia 24 de outubro de 1840. <strong>Pará</strong>: Typographia de Santos &<br />

Menor, 1840.<br />

46 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 37.<br />

47 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 82.<br />

48 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 85.<br />

49 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 70.<br />

50 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1841, <strong>do</strong>cumento 8A.<br />

51 APEP, SPP, OCT, caixa 63, <strong>do</strong>cumento 102.<br />

52 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 41.<br />

53 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 57.<br />

54 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 3.<br />

55 APEP, Collecção de Leis e Rezuluçõens Provinciaes <strong>do</strong> <strong>Pará</strong> promulgadas na primeira<br />

sessão da segunda legislatura que teve princípio no dia 15 de agosto e fin<strong>do</strong>u no dia 24 de<br />

outubro de 1840. <strong>Pará</strong>: Typographia de Santos & Menor, 1840.<br />

56 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1842, <strong>do</strong>cumento 35.<br />

57 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 10 (anexo).<br />

58 DI PAOLO, Pasquale. Cabanag<strong>em</strong>; SALLES, Vicente. O Negro no <strong>Pará</strong>.<br />

59 SILVEIRA, Ítala. Cabanag<strong>em</strong>.<br />

60 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1841, <strong>do</strong>cumento 14.<br />

61 Apud SALLES, Vicente. O Negro no <strong>Pará</strong>, pp. 274-275.<br />

62 Ibid<strong>em</strong>, p. 275.<br />

63 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 106.<br />

64 APEP, SPP, OCT, caixa 95, 1844, <strong>do</strong>cumento 45.<br />

65 APEP, SPP, OCT, caixa 63, 1843, <strong>do</strong>cumento 106 (anexo).<br />

Revista Estu<strong>do</strong>s Amazônicos 75

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