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Laços e percursos para um bestiário bordaliano A herança cultural ...

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<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong><br />

Ana da Palma<br />

A <strong>herança</strong> <strong>cultural</strong> é feita das coisas que recebemos,<br />

assimilamos e moldamos e daquelas que esquecemos desde<br />

os tempos mais longínquos. Esta <strong>herança</strong> é, essencialmente,<br />

o resultado e o porvir da História que desejamos, ou que<br />

fazemos, e que segue os passos das nossas sociedades.<br />

Através de <strong>um</strong> pequeno percurso pela representação animal,<br />

nas obras cerâmicas de Rafael Bordalo Pinheiro,<br />

pretendemos abordar esta <strong>herança</strong> formulando duas questões problemáticas<br />

possivelmente interligadas. Por <strong>um</strong> lado, <strong>um</strong>a proposta de abordagem <strong>para</strong> a<br />

avaliação e valor estético da obra do artista, colocada n<strong>um</strong> contexto histórico,<br />

em que se cruzam novas propostas e novas tecnologias que permitiram a<br />

reprodução das obras, isto é, a condição da unicidade como ponto de partida<br />

<strong>para</strong> <strong>um</strong>a avaliação estética e, por outro lado, a urgência e a necessidade de<br />

avaliar e registar com rigor a informação de que dispomos.<br />

O simples interesse pela representação tanto na arte, como na literatura,<br />

começou, de <strong>um</strong>a forma mais sistemática, há alguns anos. Recolhemos leituras<br />

e dados na nossa biblioteca mental. Temos espécies de gavetas, onde vamos<br />

arr<strong>um</strong>ando ideias, interesses e leituras, que abrimos no momento apropriado<br />

<strong>para</strong> cruzar informações, criar elos e<br />

por vezes alcançar alg<strong>um</strong>as conclusões<br />

ou certezas mediatas ou imediatas. São<br />

mundos aos que não escapamos,<br />

fazem parte da nossa cultura e do<br />

nosso imaginário. O primeiro<br />

interesse, ora medo, ora fascínio e<br />

curiosidade, pelos bichos aparece<br />

desde a primeira infância. A própria<br />

palavra, bicho, implica <strong>um</strong> mundo<br />

próximo mas estranho, familiar mas<br />

suspeito. São inúmeras as formas dos<br />

bichos imaginários que criamos (2) Bestiário medieval (BNF)<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 1


debaixo da cama, aqueles com que brincamos n<strong>um</strong> jardim e a que prestamos ,<br />

ou infligimos <strong>um</strong> papel n<strong>um</strong>a determinada corrida, ou n<strong>um</strong>a estranha salvação<br />

programada e encenada, e os bichos fantásticos que desenhamos, ou que<br />

colorimos, aprazivelmente, durante a pequena infância. Depois aparecem nos<br />

contos de fadas, nos textos <strong>para</strong>digmáticos de ficção, de História ou nas<br />

crónicas, com bichos de toda a espécie e de vários continentes, passando pelo<br />

estudo da natureza h<strong>um</strong>ana e a crítica social, através da literatura com os<br />

bichos das fábulas desde Esopo, Fedro e La Fontaine até Kafka, Boulgakov,<br />

Marcel Aymé, Orwell, Borges, Torga...entre muitos outros. O bicho ilustra a<br />

condição h<strong>um</strong>ana imprimindo-lhe <strong>um</strong>a certa leveza, <strong>um</strong> olhar menos trágico e<br />

mais crítico.<br />

Dada a presença de tantos animais, entre as peças de cerâmica de Rafael<br />

Bordalo Pinheiro, parece importante voltar a traçar o caminho de alguns destes<br />

bichos. Para não haver equívocos, enganos, deturpação ou desvio de sentido,<br />

verificamos que, no primeiro <strong>bestiário</strong>, pelo menos aquele que os estudiosos<br />

dizem ser o primeiro e que, na época, ainda não tinha o nome de <strong>bestiário</strong>,<br />

porque a palavra só apareceu no século XII e foi a partir daí que serviu de<br />

rótulo <strong>para</strong> <strong>um</strong> género, segundo alguns autores – contudo sem apresentarem<br />

<strong>um</strong>a sólida arg<strong>um</strong>entação –, até ao século XII, o segundo livro mais lido,<br />

depois da Bíblia, teria sido o Physiologos. Diz-se que, naquela época, o Physiologos<br />

não se chamava <strong>bestiário</strong>. Tenho que acrescentar que há alg<strong>um</strong>as dúvidas<br />

quanto ao momento em que foi composto e traduzido. Pouco se sabe acerca<br />

da identidade do autor deste texto, onde se descreve a natureza de alguns<br />

animais, através dos quais se faz <strong>um</strong>a interpretação alegórica da Bíblia. Nós que<br />

procuramos sempre saber a origem de tudo, ficamos, frequentemente,<br />

encurralados n<strong>um</strong> beco, onde as informações se cruzam sem se completar,<br />

onde os arg<strong>um</strong>entos a favor e contra surpreendem sem nada afirmar,<br />

esperando descobrir a prova suprema. Quando não é possível ter <strong>um</strong>a certeza<br />

absoluta, por sorte ou desventura podemos criar fábulas, ou mitos, isto é,<br />

segundo alguns estudiosos, mentiras ou verdades, em torno desse algo que nos<br />

escapa, mas se pensarmos bem, há casos em que pouco importa saber a<br />

origem, basta indicar a que origem nos referimos e tecer laços!<br />

Quanto ao Physiologos grego, alguns dizem que foi escrito em<br />

Alexandria, porque era <strong>um</strong> ponto de encontro de teólogos cristãos, tais como<br />

Clemente e Origenes, nos séculos II ou III da nossa era; outros afirmam que<br />

foi escrito na Síria no século IV; outros, ainda, sustentam que vem da obra<br />

perdida do egípcio Bolos de Mendes, <strong>um</strong> seguidor de Demócrito, no século II<br />

antes de Cristo. Portanto há <strong>um</strong>a grande incerteza quanto ao local onde foi<br />

escrito, contudo, tendo em conta dados textuais e teológicos, Alexandria<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 2


apresenta-se como sendo o mais provável. No que diz respeito ao autor, a<br />

dúvida permanece até hoje. Foi atribuído a Aristóteles, aos gnósticos, a<br />

Taciano, aos autores cristãos, tais como Rufino, Epifanio, Basílio, João<br />

Crisóstomo, Ambrósio, Jerónimo e Salomão. O que é certo é que o Physiologos<br />

revela a confluência de cinco tradições (grega, egípcia, judia e cristã)<br />

Nos <strong>bestiário</strong>s cristãos, os animais serviam <strong>para</strong> ensinar a religião, mas<br />

também serviram outros propósitos, pois até se fizeram <strong>bestiário</strong>s amorosos.<br />

Nas fábulas, os animais ilustravam as qualidades ou os defeitos dos homens,<br />

mas todos alcançavam o seu objectivo utilizando a semelhança e/ou a<br />

equivalência, dando desta forma lugar a abordagens didácticas e/ou satíricas.<br />

Pouco a pouco, <strong>um</strong> Bestiário Bordaliano começou a esboçar-se. Foi, em<br />

primeiro com a leitura de <strong>um</strong> texto de José Cardoso Pires:<br />

(3) Pormenor interior Tabacaria Mónaco (Rossio)<br />

TABACARIA 1 DEZEMBRO<br />

“Rafael Bordalo Pinheiro veio à luz na Rua da Fé e<br />

aposto que desde o berço teve sempre <strong>um</strong> gato a fazerlhe<br />

companhia. Um gato burguês, necessariamente.<br />

Um dos muitos que ele deixou por todo o lado, a<br />

começar no da caricatura de si próprio e a acabar nos<br />

das peças de cerâmica que o tornaram genial. Gatos em<br />

barros de esmalte colorido: <strong>um</strong>, assanhado, em cima da<br />

tampa d<strong>um</strong> bule, outro, pachorrento, a servir de<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 3


escarrador, outros a espreitarem do fundo de <strong>um</strong> prato<br />

decorativo ou a repetirem-se em relevos d<strong>um</strong> friso de<br />

salão.<br />

(4) Anonyme (XXIIº siècle) Choju.giga. Encre sur papier (ht. 31,8 cm) Kozanji,<br />

Kyoto<br />

E de repente salta <strong>um</strong>a rã. Não é nada de espantar<br />

porque a rã é <strong>um</strong>a das personagens mais estimadas no<br />

fabulário do Mestre. Mas surpreende pelo atrevimento<br />

com que se apresenta: podemos vê-la a f<strong>um</strong>ar charuto<br />

nos painéis da tabacaria Mónaco do Rossio, que era<br />

<strong>um</strong>a das capelinas dos intelectuais do fim do século<br />

com Herculano à cabeça, e se a quisermos em bibelot,<br />

em objecto de uso doméstico ou em relevo vidrado é só<br />

estarmos atentos que ela não tarda a aparecer. Faz<br />

parte dos animais campestres que Bordalo recuperou<br />

<strong>para</strong> a decoração d<strong>um</strong>a burguesia urbana ainda<br />

carregada de romantismo rural.<br />

(5) Rossio, Tabacaria Mónaco, Lisboa<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 4


(Bichos simples todos eles, e todos reproduzidos n<strong>um</strong>a<br />

exactidão deliciada: a lagartixa ladina, o gafanhoto<br />

pinchão, o gaio, a abelha trabalhadeira, o porco das<br />

muitas iguarias, o peru, a galinha de poleiro. Depois<br />

vêm os peixes e os mariscos da burguesia de mesa farta<br />

e guardanapo ao pescoço, desde o modestíssimo<br />

caranguejo à s<strong>um</strong>ptuosa lagosta ou ao bacalhau<br />

popular, tudo isto a conferir prazer e nostalgia a <strong>um</strong>a<br />

sociedade repousada.”)<br />

(6) Kano Motonobu (1476-1559)<br />

Paysage À la cascade. Encre et couleurs<br />

légères sur papier (178 · 236 cm) Reiunin,<br />

Kyoto)<br />

Não é difícil reconhecer na representação<br />

destes animais a influência que teve a<br />

pintura japonesa sobre os artistas da época.<br />

Para os portugueses trata-se portanto de<br />

laços reencontrados, dado que tiveram<br />

durante vários anos <strong>um</strong> contacto<br />

privilegiado com o povo japonês. Contudo,<br />

os anos 50 do século XIX, coincidem com<br />

o início de trocas comerciais com o povo<br />

nipónico e verificamos que a arte japonesa<br />

teve alg<strong>um</strong>a importância na corrente<br />

artística chamada Arte Nova.<br />

Continuando com o esboço de <strong>um</strong><br />

<strong>bestiário</strong>, mais tarde, n<strong>um</strong>a reprodução de<br />

<strong>um</strong>a imagem que mostra o famoso interior<br />

do salão português, na exposição universal<br />

de 1889, em Paris, repleto de objectos,<br />

criados por Rafael Bordalo Pinheiro,<br />

verifica-se a presença de <strong>um</strong> grande número<br />

de animais. No ano de 1889, como vem<br />

indicado nos inúmeros vol<strong>um</strong>es sobre a<br />

Exposição Universal, duas localizações<br />

tinham sido previstas <strong>para</strong> a secção portuguesa, <strong>um</strong>a no Palácio das Artes<br />

Liberais e outra no Palácio das Indústrias Diversas, mas o comité viu-se<br />

obrigado a pedir <strong>um</strong> espaço suplementar no Quai d’Orsay <strong>para</strong> acolher os<br />

produtos portugueses. A edificação do Pavilhão foi dada ao arquitecto Jacques<br />

Hermant. Este construiu o edifício baseado em exemplos da arquitectura<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 5


portuguesa do século XVIII. N<strong>um</strong> dos vol<strong>um</strong>es, pode-se ler esta referência à<br />

instalação portuguesa e ao Rafael Bordalo Pinheiro:<br />

“L’installation de la section portugaise, due à un artiste<br />

d’une grande habileté M. Bordallo Pinheiro, peintre<br />

décorateur et peintre sur faïence, était l’une des plus<br />

curieuses et des mieux réussies de l’exposition. Les<br />

produits, groupés avec une parfaite entente des effets,<br />

constituaient à eux seuls la majeure partie de la<br />

décoration. Il convient de signaler en particulier les<br />

faïences et les majoliques de M. Pinheiro, pour leur<br />

puissance de modelé et de coloris. »<br />

O pavilhão de Portugal foi construído<br />

n<strong>um</strong> espaço privilegiado, à beira do rio<br />

Sena, na sua margem esquerda, entre o<br />

chamado “Champ de Mars” e a “Esplanade<br />

des Invalides”. No relatório sobre os<br />

participantes e os prémios atribuídos,<br />

nesse ano de 1889, podemos ler, na parte<br />

que lista os que obtiveram a medalha de<br />

ouro:<br />

COMPAGNIE DES FAÏENCES DE<br />

CALDAS DA RAINHA, Portugal<br />

(7)<br />

http://cn<strong>um</strong>.cnam.fr/CGI/fpage.cgi?8X<br />

AE349.2/303/100/474/0013/0467<br />

Vieille fabrique qui a été reconstituée en 1884 par un<br />

artiste, M.Raphaell Bordallo Pinheiro, grâce à un<br />

important subside du Gouvernement. Le reste du<br />

capital a été fourni par des actionnaires. Une grande<br />

partie des objets exposés par cette manufacture sont<br />

dans le genre Palissy et forment un ensemble<br />

remarquable qui prouve une direction active et<br />

expérimentée.<br />

La terre naturelle est mélangée sur place ; elle est de<br />

très bonne qualité et permet la fabrication de pièces de<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 6


grandes dimensions et de formes difficiles : têtes<br />

d’animaux, plats, vases, poissons, serpents, grandes<br />

langoustes de 1m.35, très vraies de formes et de tons.<br />

La couverte, non encore irréprochable, est tendre et<br />

fréquemment gercée.<br />

Nous voyons aussi des carreaux à décors hispanoarabes<br />

en relief à dessins du XV siècle, d’une<br />

fabrication économique ; des tuiles émaillées, de tons<br />

vert et noir, bien fabriqués, et quelques essais de<br />

faïence fine à pâte blanche.<br />

Les belles pièces de cette manufacture, très bien<br />

présentées dans le pavillon portugais au milieu de<br />

produits variés, céréales, draperies, etc., qui les<br />

faisaient bien ressortir, ont été remarquées et ont<br />

presque toutes trouvés acquéreur.<br />

Se por <strong>um</strong> lado não é estranho aparecerem peças zoomórficas nas obras<br />

de cerâmica bordaliana, porque é <strong>um</strong> prolongamento do que foi feito antes,<br />

com as peças de Maria dos Cacos e de Manuel Cipriano Gomes dito Mafra,<br />

assim como porque se enquadra na continuação dos trabalhos realizados por<br />

Bernard Palissy, por outro lado, a proliferação de formas animais e vegetais<br />

tem <strong>um</strong>a parte da suas raízes e desenvolvimento na Arte Nova, contudo não<br />

devemos esquecer que grande parte dos animais representados na cerâmica<br />

bordaliana são animais conhecidos, são bichos nossos! Como vimos<br />

anteriormente, fazem parte do imaginário colectivo ocidental e, por outro lado,<br />

alguns são animais reais com que partilhamos o nosso espaço, são animais da<br />

região, onde viveu e trabalhou Rafael Bordalo Pinheiro. Entre as obras de<br />

cerâmica bordalianas que representam animais, veremos duas referências às<br />

fábulas, mas também foram representados invertebrados (insectos, crustáceos e<br />

os moluscos), vertebrados (peixes, répteis, batráquios, mamíferos) e animais<br />

imaginários (dragões, grifos, sereias, faunos, ninfas) de que veremos alg<strong>um</strong>as<br />

imagens.<br />

Seguindo <strong>um</strong>a longa tradição que se encontra nos fabulários medievais<br />

muitos ilustradores dedicaram-se às famosas fábulas, de que, entre os mais<br />

conhecidos, Gustave Doré fez belíssimas ilustrações. Mas os grandes livros da<br />

história dos homens como a Bíblia, Dom Quixote, O Paraíso perdido e até os<br />

famosos contos do período romântico, também serviram de base <strong>para</strong> a<br />

ilustração. Neste contexto, o trabalho de Rafael Bordalo Pinheiro na cerâmica<br />

reflecte as grandes mudanças que resultaram dos avanços tecnológicos<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 7


propiciados pela revolução industrial, o crescimento urbano e as profundas<br />

mudanças sociais. Isto vem pôr em causa as definições clássicas de artista e<br />

artesão e quiçá terá contribuído <strong>para</strong> <strong>um</strong>a dificuldade na avaliação artística e<br />

estética da produção de Rafael Bordalo Pinheiro.<br />

No Museu da Fábrica de Faianças<br />

Bordalo Pinheiro, há referência a duas<br />

fábulas: “A Raposa e o Grou” e “A raposa e<br />

as uvas”. A primeira que vamos revisitar,<br />

através da cerâmica, é o conjunto chamado<br />

por vários estudiosos da obra de Rafael<br />

Bordalo Pinheiro e em artigos de catálogos de<br />

exposições: “A raposa e o grou”. Este título<br />

tem vindo a criar alg<strong>um</strong>a confusão por duas<br />

razões. Por <strong>um</strong> lado, porque existem duas<br />

fábulas diferentes <strong>para</strong> dois títulos muito<br />

semelhantes, referindo apenas as de La<br />

Fontaine, são: “A raposa e a cegonha” e “O<br />

lobo e a cegonha”. Por outro lado, porque<br />

quanto à ave representada nas fábulas há três<br />

(8) Fábrica Bordalo Pinheiro, CR<br />

possibilidades. A peça de cerâmica, em si, evoca <strong>um</strong>a fábula, entre as mais<br />

conhecidas e divulgadas fábulas de La Fontaine, trata-se de “O Lobo e a<br />

cegonha”, onde se conta a forma como a cegonha foi tratada pelo lobo depois<br />

de lhe ter retirado <strong>um</strong> osso da goela. Como sabemos as fábulas foram criadas<br />

<strong>para</strong> ilustrar características ou atitudes dos homens, onde os animais são apenas<br />

actores, é por esta razão que esta fábula põe em cena o lobo e <strong>um</strong>a ave pernalta<br />

com determinado significado, logo pode ser <strong>um</strong>a cegonha com La Fontaine,<br />

<strong>um</strong> grou com Fedro ou <strong>um</strong>a garça real com Esopo. Quanto à fábula, que<br />

parece ser representada no conjunto de cerâmica acima referido, é intitulada<br />

“O lobo e o grou” foi-nos legada por Fedro. Logo haveria aqui que sublinhar<br />

a necessidade de maior rigor na identificação das peças.<br />

Relativamente ao significado da fábula, esta trata da ingenuidade e da<br />

ingratidão. Pois, depois do grou ter ajudado o lobo, este recusa-se a retribuirlhe<br />

qualquer tipo de salário, nem <strong>um</strong> h<strong>um</strong>ilde e sincero agradecimento, mas<br />

sublinha que o grou deve de lhe ser grato por ter podido retirar o bico da sua<br />

temível goela. Agora, no que concerne o significado de cada animal, veremos<br />

que existem várias versões que nem sempre são conciliadoras. O lobo sempre<br />

esteve associado ao mal, é sinónimo de selvajaria. Na Idade Média, os<br />

feiticeiros transformavam-se em lobos <strong>para</strong> irem ao Sabbat e nos <strong>bestiário</strong>s são<br />

associados aos falsos profetas. É <strong>um</strong> animal voraz, ávido e enganador. No<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 8


entanto, também, tem <strong>um</strong> lado positivo por ver durante a noite, por esta razão<br />

está associado à luz e desempenha <strong>um</strong> papel importante na famosa história dos<br />

fundadores de Roma.<br />

No Physiologos, podemos ler o seguinte:<br />

“ Primeira natureza do lobo.<br />

A propósito do aviso de Nosso Senhor Jesus Cristo nos<br />

Evangelhos: "cuidado com os falsos profetas, porque<br />

apresentam-se vestidos com peles de ovelha, mas por<br />

dentro são lobos ferozes” (S. Mateus)<br />

O fisiólogo disse do lobo que é <strong>um</strong> animal mau e<br />

enganador: chega, com a boca toda aberta, n<strong>um</strong><br />

rebanho de ovelhas <strong>para</strong> apanhar <strong>um</strong> bicho, mas logo<br />

que o captura foge porque teme o pastor.<br />

Basílio o Grande disse. “ Assim são os heréticos:<br />

passam vestidos de ovelha, mas o seu coração é como<br />

<strong>um</strong> lobo feroz que captura as pessoas simples e destrói<br />

a sua alma. Assim são os ávidos, esses homens,<br />

inúmeros, que querem ter mais que o pobre, e o mais<br />

rico toma ferozmente o campo do pobre, sua vinha, ou<br />

outro dos seus bens, sem temer o medo de Deus.<br />

Segunda natureza do lobo: quando encontra <strong>um</strong><br />

homem, faz de conta que coxeia, apesar de não ter<br />

qualquer ferida, o seu coração é enganador e só pensa<br />

no furto.<br />

São Basílio diz: “ Assim são os homens astutos e<br />

enganadores. Quando encontram pessoas virtuosas,<br />

mostram-se interessados como se não houvesse mal<br />

neles e que não fossem malévolos, mas o seu coração<br />

está cheio de amargura e de astúcia.” (N.T.)<br />

O lobo continua presente em expressões idiomáticas como: “ ser <strong>um</strong> lobodo-mar”,<br />

<strong>para</strong> falar da experiência, “ comer como <strong>um</strong> lobo”, <strong>para</strong> falar da avidez,<br />

“parecer que viu lobo” <strong>para</strong> falar de <strong>um</strong>a grande comoção ou susto.<br />

No que diz respeito às aves pernaltas, o significado varia entre a cegonha,<br />

o grou e a garça-real. No ocidente, o grou está associado à tolice e à falta de<br />

jeito, mas também à longevidade e à fidelidade. A cegonha é considerada <strong>um</strong>a<br />

ave de bom augúrio, é <strong>um</strong> símbolo de piedade filial e de longevidade, nos<br />

<strong>bestiário</strong>s também simboliza Cristo ou o cristão fiel à sua fé. Por fim, a garça-<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 9


eal está associada à indiscrição ou a <strong>um</strong>a vigilância abusiva. Nos <strong>bestiário</strong>s é<br />

<strong>um</strong> pássaro muito judicioso e foi utilizado <strong>para</strong> falar da fidelidade, tal como o<br />

grou e a cegonha, contudo aparece como sendo <strong>um</strong>a ave impura no Levítico.<br />

Portanto, verificamos que alguns aspectos do significado tanto do lobo como<br />

do grou, cegonha ou garça permaneceram ao longo dos tempos, tanto através<br />

dos escritos, como das representações, apesar das confusões criadas em torno<br />

destas três aves pernaltas. Se a fidelidade é <strong>um</strong>a característica com<strong>um</strong> <strong>para</strong> as<br />

três, verificamos que não é esta que está representada na fábula, mas sim a<br />

tolice, logo a escolha do grou foi judiciosa, apropriada e acertada.<br />

(9) Cegonha e grou, Bestiário<br />

Quanto à representação da fábula na cerâmica, há de facto alg<strong>um</strong>a<br />

discrepância, porque o título não evoca a fábula original, nem qualquer outra<br />

fábula conhecida, apesar do conjunto cerâmico representar, exactamente, a fábula<br />

contada por Fedro. Pois como sabemos, a fábula chamada “A raposa e a<br />

cegonha” conta que depois da raposa ter enganado a cegonha convidando-a <strong>para</strong><br />

jantar e dando-lhe de comer n<strong>um</strong> prato, esta retribui-lhe o convite e apresenta-lhe<br />

a comida n<strong>um</strong>a jarra alta e estreita onde apenas penetra o seu bico.<br />

(10) Cegonha e grou, Bestiário, BNF<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 10


Logo, o título mais apropriado <strong>para</strong> a obra cerâmica seria “O lobo e o<br />

grou”, contudo tendo em conta que a raposa também tem a característica de<br />

ser enganadora, poderia ser apenas <strong>um</strong>a nova versão bordaliana das fábulas que<br />

nos foram legadas por Esopo, ou <strong>um</strong>a falha na labelização desta peça. No<br />

entanto, atendendo às características morfológicas da raposa e do lobo,<br />

podemos verificar <strong>um</strong>a maior semelhança com<br />

o lobo do que com a raposa.<br />

(11) A Raposa e as uvas<br />

(Fábrica Bordalo Pinheiro)<br />

No Physiologos, a raposa aparece descrita assim:<br />

A outra fábula representada na cerâmica é<br />

a da “Raposa e as uvas”. Esta aparece com<br />

<strong>um</strong> título idêntico, tanto nas fábulas de Esopo,<br />

como de Fedro e de La Fontaine. Contudo<br />

este último, quando hesita sobre a origem da<br />

raposa, pôs-lhe <strong>um</strong> cunho pessoal e adequado<br />

à cultura francesa. A raposa foi <strong>um</strong> animal<br />

muito utilizado <strong>para</strong> falar da inveja, da cobiça,<br />

da astúcia e ainda hoje permanece nos ditados<br />

aplicados a pessoas matreiras, com muita<br />

experiência, ou manhas.<br />

“O fisiólogo disse que a raposa é <strong>um</strong> animal<br />

enganador. Quando está esfomeada e que não encontra<br />

absolutamente nada que comer, re<strong>para</strong> n<strong>um</strong> sítio onde<br />

há <strong>um</strong> monte de terra quente ou de estr<strong>um</strong>o, deita-se aí<br />

com os olhos revoltos, enche-se, completamente, de ar<br />

e retém a respiração. Então os pássaros pensam que<br />

está morta e vêem <strong>para</strong> cima dela <strong>para</strong> comê-la. Mas a<br />

raposa levanta-se, subitamente, e come-as.<br />

Assim é o diabo: é extremamente enganador e as suas<br />

obras estão cheias de astúcia. Aquele que quer adquirir<br />

<strong>um</strong>a parte da sua natureza, morre. Porque a natureza<br />

do diabo é o crime, a luxúria, a avidez, o prazer, a<br />

idolatria. É por esta razão que Herodo é com<strong>para</strong>do à<br />

raposa, assim como o escriba que ouve o Senhor dizer:<br />

« As raposas têm tocas”. E Salomão no Cântico<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 11


“Agarrai as raposas, as raposas pequeninas que<br />

devastam as nossas vinhas já floridas!” e David nos<br />

salmos “ vão tornar-se pasto das raposas.” (N.T.)<br />

Reencontramos traços da raposa tal como aparece na literatura mais<br />

recente. Ela fica e permanece a “raposeta matreira, fagueira, lambisqueira<br />

(...) luzidia, bravia, esguia como enguia...”do Romance da raposa de<br />

Aquilino Ribeiro.<br />

Quanto aos invertebrados os únicos que reencontramos nos <strong>bestiário</strong>s são<br />

a concha, a ostra ou o búzio. Estes sempre tiveram desde a antiguidade <strong>um</strong>a<br />

vasta representação nas obras h<strong>um</strong>anas. Conhecemos o nascimento de<br />

Afrodite ou de Vénus saída da concha (retratando <strong>um</strong>a das variantes mais<br />

divulgadas sobre o seu nascimento). Nos pratos de cerâmica aparecem vários<br />

tipos de conchas, como é evidente estão, principalmente, ligadas às que se<br />

consomem na região como a amêijoa, o berbigão, mexilhão. Como qualquer<br />

outro elemento vindo do mar, evocam a fertilidade, mas a ostra tem <strong>um</strong><br />

significado mais complexo que a liga à pureza e à palavra devido à sua pérola.<br />

Haverá alg<strong>um</strong>a ironia subtil quando a ostra é <strong>um</strong> escarrador? São pistas que<br />

não podemos omitir considerando as inúmeras referências irónicas, as<br />

correspondências cómicas, a jocosidade e as transferências de significado feitas<br />

por Rafael Bordalo Pinheiro.<br />

(12) Museu de Cerâmica<br />

Entre os moluscos, a minhoca e o caracol ornam os pratos, ou servem de<br />

ilustração <strong>para</strong> outros recipientes e cenários, pois o caracol também chegou a<br />

servir de ornamentação de jardim. Todos os outros pequenos animais do<br />

campo não foram esquecidos. Há <strong>um</strong> vasto leque de insectos, tais como a<br />

libélula, a vespa, a abelha e o gafanhoto. Este último simboliza a praga e a<br />

devastação desde o Êxodo até ao Apocalipse. Representa tanto as invasões e os<br />

tormentos, como a calamidade ou o suplício moral e espiritual. Quanto à<br />

abelha é animadora da terra e do céu e simboliza o princípio vital, além de ser<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 12


eferida na Bíblia em Provérbios<br />

(6,8), também é <strong>um</strong> símbolo real<br />

e solar e identifica-se com<br />

Demeter. A abelha é símbolo de<br />

ressurreição, de eloquência,<br />

poesia, inteligência e contêm<br />

<strong>um</strong>a parcela da Inteligência<br />

divina. É considerada emblema<br />

de Cristo pelo mel, cuja doçura<br />

evoca a misericórdia, e pelo<br />

ferrão que evoca a justiça.<br />

Temos notícias de todas estas<br />

características tanto na bíblia<br />

(Provérbios 6,8), como nas<br />

(13) Jardim do Museu de Cerâmica<br />

lendas e nos <strong>bestiário</strong>s. Quanto à<br />

borboleta que semelhantemente<br />

à libélula, foi <strong>um</strong> motivo largamente representado pelos artistas do período<br />

Arte Nova, também foi muito utilizada pela arte japonesa. A borboleta é<br />

símbolo de ligeireza e inconstância, no entanto, Japão, duas borboletas juntas<br />

representam a felicidade conjugal.<br />

Entre os vertebrados, vamos encontrar inúmeros animais. Uns<br />

domésticos, como o cão, que tem <strong>um</strong> dom de clarividência e que era<br />

considerado como <strong>um</strong> guia <strong>para</strong> o homem, assim como <strong>um</strong> intercessor entre<br />

este mundo e o outro, daí ter sido o guardião dos infernos, como podemos<br />

verificar na mitologia grega. O gato que acompanhou sempre as obras de<br />

Rafael Bordalo Pinheiro é <strong>um</strong> animal com <strong>um</strong> simbolismo heterogéneo, tanto<br />

benéfico, como maléfico. Entre os animais domesticados, encontramos o bode<br />

que simboliza a força vital, a libido e a fecundidade. O bode é nocturno e<br />

lunar. É <strong>um</strong> animal trágico pois deu o seu nome ao “canto do bode”. Na<br />

Bíblia, o bode serve <strong>para</strong> expiar os pecados, a desobediência e a impureza.<br />

Devido a <strong>um</strong> desconhecimento do símbolo e a <strong>um</strong>a perversão do sentido o<br />

Bode tornou-se a imagem da luxúria. Plínio fala da tradição mediterrânica,<br />

onde o sangue do bode tem <strong>um</strong>a influência extraordinária, porque capta e<br />

carrega o mal. O bode tanto representa a generosidade como a<br />

corruptibilidade. Mas também encontramos o burro e o touro entre as obras de<br />

cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro. Quanto ao touro, este evoca a ideia de<br />

força e ímpeto irresistível e também o terrível Minotauro, colocado no labirinto<br />

como n<strong>um</strong>a arena. O touro simboliza à força criadora. Na tradição grega, os<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 13


touros significavam o desencadeamento da violência. Eram animais dedicados<br />

a Posídon, deus dos oceanos e das tempestades, deus da virilidade fecunda.<br />

Quanto ao elefante, este foi muito representado<br />

nos <strong>bestiário</strong>s. Para o ocidental, representa a<br />

lentidão e a imperícia. Com Aristóteles representa a<br />

castidade. Nos <strong>bestiário</strong>s, o elefante tem <strong>um</strong>a<br />

natureza h<strong>um</strong>ana: é bom samaritano.<br />

Reencontramos, igualmente, o macaco, conhecido<br />

pela sua agilidade, o seu dom de imitação e<br />

comicidade. Na iconografia cristã é muitas vezes a<br />

imagem do homem degradado pelos seus vícios e<br />

em particular pela luxúria e a maldade. Nos<br />

(14) Museu de Cerâmica CR <strong>bestiário</strong>s, é <strong>um</strong> animal nocturno e lunar associado<br />

ao diabo.<br />

Entre os peixes veremos douradas, enguias,<br />

peixes-espada, ruivos contudo não há referências<br />

a estes peixes nos <strong>bestiário</strong>s, excepto ao golfinho<br />

que nem se parece verdadeiramente com o que<br />

chamamos golfinho. Este está ligado às águas e à<br />

transfiguração. Símbolo de regenerescência,<br />

adivinhação, sabedoria, prudência e velocidade. É<br />

mestre na arte da navegação. Tem <strong>um</strong> papel nos<br />

ritos funerários gregos. É salvador. Por vezes,<br />

Cristo salvador é representado como <strong>um</strong><br />

golfinho.<br />

Entre as aves, alg<strong>um</strong>as com <strong>um</strong>a certa<br />

importância e representação nos textos antigos, (15) Fábrica Bordalo Pinheiro<br />

nos <strong>bestiário</strong>s e textos mais recentes,<br />

reencontramos a Andorinha. Esta aparece, na cerâmica bordaliana, junto do<br />

seu ninho de barro na parte superior das caleiras, em falsos fios eléctricos,<br />

como se pode verificar na Tabacaria Mónaco e em pratos decorativos. Evoca a<br />

primavera, a fecundidade, o eterno retorno e a ressurreição. Nos <strong>bestiário</strong>s, é<br />

<strong>um</strong> modelo de maternidade, justiça e renovação. É <strong>um</strong> pássaro activo, piedoso<br />

e profético. A tradição popular acredita que a andorinha conhece a planta, que<br />

cura a cegueira. O pombo símbolo de pureza e de simplicidade também foi<br />

representado na cerâmica e é referido nos <strong>bestiário</strong>s como símbolo do amor e<br />

da doçura dos cost<strong>um</strong>es, assim como de castidade espiritual. Tal como ele<br />

aparece, genericamente, na Bíblia, é portador de paz, é mensageiro e<br />

anunciador. A águia, sempre foi considerada como a Rainha das aves. Ela<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 14


epresenta a encarnação da mais alta divindade. Foi atributo de Zeus, de Cristo<br />

e por muitos outros homens que fizeram parte da nossa história. Nos<br />

<strong>bestiário</strong>s, significa o baptismo. Mas também encontramos aves sem<br />

significado muito importante, como a galinha, o galo, o peru, o pato, o gaio e o<br />

pintassilgo.<br />

(16) Museu de Cerâmica, CR<br />

Encontramos igualmente referências a<br />

animais mitológicos, como o grifo, <strong>um</strong>a ave<br />

fabulosa com bico e asas de águia e corpo de<br />

leão. O grifo da emblemática medieval<br />

participa do simbolismo atribuído ao leão e à<br />

águia. É símbolo das duas naturezas, h<strong>um</strong>ana<br />

e divina, de Cristo. Evoca a força e a<br />

sabedoria. Na tradição cristã, o grifo tem <strong>um</strong><br />

significado negativo, representa <strong>um</strong>a força<br />

cruel. Entre os gregos, os grifos são monstros,<br />

guardiães que simbolizam a força e vigilância.<br />

Nos <strong>bestiário</strong>s, têm <strong>um</strong>a simbologia real e<br />

solar e são anjos da guarda. A sereia,<br />

(17) Fábrica Bordalo Pinheiro, CR<br />

considerada como <strong>um</strong> monstro do mar, tem a<br />

cabeça e o peito de <strong>um</strong>a mulher, enquanto o<br />

resto do corpo é igual ao de <strong>um</strong> pássaro. Segundo lendas mais tardias, o resto<br />

do seu corpo é semelhante ao de <strong>um</strong> peixe. Como se pode verificar na<br />

Odisseia, as sereias são <strong>um</strong> perigo <strong>para</strong> a navegação, mas por outro lado,<br />

considerando o episódio em que Ulisses manifesta o desejo de ouvir o seu<br />

canto, representam a cilada dos desejos e das paixões. Eis o canto tal como nos<br />

é contado:<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 15


Vem até nós, famoso Ulisses, glória maior dos Aqueus!<br />

Pára a nau, <strong>para</strong> que nos possas ouvir! Pois nunca<br />

Por nós passou nenh<strong>um</strong> homem na sua escura nau<br />

Que não ouvisse primeiro o doce canto das nossas<br />

bocas;<br />

Depois de se deleitar, prossegue caminho, já mais<br />

sabedor.<br />

Pois nós sabemos todas as coisas que na ampla Tróia<br />

Argivos e Troianos sofreram pela vontade dos deuses;<br />

E sabemos todas as coisas que acontecerão na terra<br />

fértil.”<br />

Outro animal imaginário representado em cerâmica é o dragão. Este é<br />

considerado tanto <strong>um</strong> guardião severo, como <strong>um</strong> símbolo do mal e das<br />

tendências demoníacas. O dragão é igualmente o guardião dos tesouros<br />

escondidos, e, no ocidente, é ele que guarda o jardim das Hespérides. No<br />

salmo 14 de Origenes, como símbolo demoníaco assemelha-se à serpente.<br />

Aparece com São Miguel ou São Jorge e também há imagens de Cristo<br />

calcando o mal encarnado no dragão. Contudo, na arte medieval, dois dragões,<br />

frente a frente, significam a neutralização das tendências adversas.<br />

Voltando aos bichos reais, entre os répteis encontramos serpentes, cobras<br />

e salamandras. Também, são inúmeros os lagartos representados na cerâmica.<br />

Nas culturas mediterrânicas, o lagarto é <strong>um</strong> familiar e amigo da razão é citado<br />

na Bíblia (Provérbios 30-24) como <strong>um</strong> sábio<br />

entre os sábios. O lagarto simboliza a alma<br />

que procura h<strong>um</strong>ildemente a luz. Nos<br />

<strong>bestiário</strong>s, dizem que ao envelhecer o lagarto<br />

perde a vista, então recolhe-se no buraco de<br />

<strong>um</strong>a parede virada <strong>para</strong> o sol e quando o sol<br />

aparece, ele recupera a visão. Este animal<br />

ilustra o tema da renovação, da regeneração<br />

e também da ressurreição. Entre os<br />

batráquios, a inesquecível rã e o sapo<br />

enriquecem as jarras e os jardins. A rã é <strong>um</strong><br />

animal lunar, símbolo de ressurreição devido<br />

(18) Museu de Cerâmica, CR às suas metamorfoses.<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 16


Para completar, esta pequena contribuição <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong>,<br />

com os bichos nos jardins, é importante dar a conhecer <strong>um</strong>a notícia<br />

completamente esquecida ao longo do tempo. Pois, podemos verificar que,<br />

como é referido no Guia de Portugal, 1º vol<strong>um</strong>e, reeditado pela Gulbenkian,<br />

teria havido, pelo menos ainda em 1924, peças de cerâmica de Rafael Bordalo<br />

Pinheiro, no jardim da Estrela em Lisboa:<br />

“Os declives do terreno foram habilmente aproveitados<br />

<strong>para</strong> efeitos de plantação, estando os canteiros e placas<br />

ajardinadas decorados com faianças de Rafael Bordalo<br />

(ampliações de vários bichos) ”.<br />

Fernando Pessoa, no livro intitulado Lisbon: What the Tourist Should<br />

See, descoberto em 1992 e traduzido <strong>para</strong> francês, com o título Lisbonne. O<br />

escritor teria escrito por volta de 1925, o seguinte:<br />

“Toutefois, si nous revenons sur nos pas jusqu’à la Rua<br />

da Estrela, et si nous la suivons, nous arriverons à<br />

l’entrée latérale du Jardim da Estrela (jardin de l’étoile)<br />

qui est l’un des mieux entretenus de la capitale. Il a été<br />

ouvert en 1842, et regroupe quelques beaux spécimens<br />

de flore exotique, bon nombre de bassins, une grotte,<br />

des serres, une bibliothèque en plein air, un kiosque à<br />

musique, des distractions pour les enfants, une buvette,<br />

un tertre artificiel, des statues, des animaux en<br />

céramique de Bordalo Pinheiro, etc. »<br />

No que concerne as peças que se encontravam no jardim, os dados são<br />

dispersos e confusos. Pois n<strong>um</strong> guia publicado em 1935 podemos ler sobre o<br />

Jardim da Estrela:<br />

“É também no Jardim da Estrela que está centralizada<br />

a venda ao público das flores dos jardins municipais. As<br />

faianças do grande ceramista Rafael Bordalo Pinheiro,<br />

que se destacam sobre a relva dos canteiros,<br />

representando bichos ou reproduzindo cenas de fábulas<br />

conhecidas foram retiradas recentemente, em virtude<br />

de estarem mutiladas, dando a impressão<br />

desagradabilíssima de coisas velhas, destroços.”<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 17


(19) Lago Jardim da Estrela (Benoliel, 1911)<br />

Na cópia manuscrita de <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>ento referente a <strong>um</strong>a acta, encontrada<br />

no Museu Rafael Bordalo Pinheiro verificamos o seguinte:<br />

“Acta da sessão de 8/6/1911, CMC p.329<br />

Ofício do chefe da 3ª secção da 3ª repartição propondo a aquisição das<br />

seguintes peças de faiança artística da Caldas da rainha que se<br />

encontravam no Jardim da Estrela por ocasião do Congresso Turístico:<br />

<strong>um</strong> grupo de rãs, rãs isoladas, <strong>um</strong> grupo de lobo e grou e dois golfinhos<br />

pela importância de 181$00. A comissão estética que foi ouvida<br />

entendeu não dever dar parecer por não se tratar de assunto da sua<br />

competência. O Dr. Cunha e Costa foi de opinião que se deveriam<br />

adquirir os objectos indicados por isso que sendo artísticos, são vendidos<br />

por <strong>um</strong>a quantia insignificante. A Câmara deve proteger a industria<br />

que o filho de Bordalo Pinheiro representa. Descreveu depois o que foi o<br />

grande e genial artista Rafael Bordalo Pinheiro e quanto lhe deve a<br />

Republica <strong>para</strong> a qual ele poderosamente concorreu com a sua (ilegível<br />

bela(?)) alma revolucionária. É necessário não regatear o mérito que os<br />

referidos objectos têm. Havia também <strong>um</strong>a proposta de Manuel<br />

Gustavo <strong>para</strong> a venda de mas nove objectos de faiança tudo na<br />

importância de 361$00 reis e entendia que devia de ser adquiridos.”<br />

No jornal, O Século, datado de quinta-feira, 18 de Maio de 1911,<br />

podemos ler sobre <strong>um</strong>a festa, no quadro do 4º Congresso Internacional de<br />

Turismo, dada da parte da tarde no Jardim da Estrela:<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 18


“Centenas e centenas de pessoas povoam, durante a<br />

tarde, o passeio da Estrela foi de <strong>um</strong> inconfundível chic<br />

a garden party oferecida ontem aos congressistas pela<br />

câmara Municipal. O jardim da estrela<br />

incontestavelmente <strong>um</strong> dos mais aprazíveis passeios de<br />

Lisboa, esteve durante a tarde povoado de centenas de<br />

pessoas, avultando o elemento feminino, que com<br />

toilettes em cores garridas, próprias da quadra,<br />

imprimiam ao recinto <strong>um</strong>a encantadora nota de realce.<br />

Se bem que nuvens cor de ch<strong>um</strong>bo toldassem desde<br />

manhã o nosso belo céu de turquesas o tempo<br />

manteve-se sem nota alg<strong>um</strong>a discordante eram quatro<br />

horas da tarde quando os congressistas <strong>para</strong> ali<br />

começavam a dirigir-se em carruagens e carros<br />

eléctricos sendo recebidos a porta pelos senhores<br />

Braamcamp Freire presidente da câmara e vereadores<br />

Miranda do Velle, Nunes Loureiro, Carlos Alves e<br />

Ventura Terra. Também ali se encontravam os Srs.<br />

ministro da guerra, governador civil, comandante da<br />

polícia e outras entidades oficiais, bem como alguns<br />

membros da direcção da sociedade propaganda de<br />

Portugal.<br />

A banda republicana tocou no coreto do jardim, sendo<br />

armado <strong>um</strong> outro <strong>para</strong> a banda de marinheiros.<br />

Em volta dos dois coretos improvisaram-se bailes,<br />

dançando-se animadamente até que as sombras da<br />

noite começaram a descer sobre o delicioso parque.<br />

As cinco horas da tarde abriu-se o bufete servido pela<br />

pastelaria Marques, tomando os congressistas lugar em<br />

pequenas mesas, profusamente adornadas com flores,<br />

que se achavam dispersas pelo recinto.<br />

Além de mastros e galhardetes, que se viam por todo o<br />

parque, ornavam os chafarizes lindos exemplares de<br />

louça das Caldas Oxalá eles ali ficassem sempre,<br />

porque sobre animarem deliciosamente o jardim<br />

imprimem-lhe <strong>um</strong>a nota de vida e de beleza não vista<br />

nem admirada ainda nos nossos jardins públicos.<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 19


Trata-se, portanto, de todo <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong><br />

artístico desaparecido, deslocado, ou<br />

perdido, que aliava a beleza natural dos<br />

jardins à beleza artística de peças criadas <strong>para</strong><br />

<strong>um</strong> determinado espaço, que arrasta consigo<br />

o peso da nostalgia de <strong>um</strong>a <strong>herança</strong> ainda<br />

maior e talvez, ainda por vir.<br />

Segundo informações que não<br />

chegaram a ser confirmadas, os bichos que<br />

foram colocados no Jardim da Estrela<br />

poderiam estar n<strong>um</strong> depósito kafkiano ou<br />

n<strong>um</strong> antro quimérico que ninguém deseja<br />

desvendar. A recuperação de <strong>um</strong> passado<br />

como os <strong>bestiário</strong>s medievais vem no fundo<br />

ao encontro da corrente chamada<br />

romantismo, dado que esta corrente artística,<br />

muito doc<strong>um</strong>entada a nível teórico,<br />

(20) Museu Rafael Bordalo Pinheiro,<br />

Lisboa<br />

pretendia recuperar <strong>um</strong> passado ligado ao princípio das nacionalidades, isto é, a<br />

todo <strong>um</strong> passado medieval. Mas, dado que a corrente artística e literária dos<br />

tempos de Rafael Bordalo Pinheiro, foi <strong>um</strong>a proposta “moderna”, pois temos<br />

que considerar que Rafael Bordalo Pinheiro se situou n<strong>um</strong> momento em que<br />

depois do ultra-romantismo tão criticado e renegado pelos seguidores da<br />

poesia moderna e de Antero de Quental e com a emergência do naturalismo,<br />

realismo, positivismo tanto na arte como na literatura, a louca aliança e o<br />

compromisso que Rafael propõe vem no sentido da história da arte e da<br />

literatura. Os movimentos não são estanques, alimentam-se uns dos outros. No<br />

seu percurso artístico, Rafael Bordalo Pinheiro soube aliar a emergência das<br />

novas tecnologias, as propostas e necessidades estéticas e a presença de duas<br />

correntes divergentes. Para acabar, fica aqui o ponto de interrogação que<br />

suscita este cavalo-marinho. Os <strong>bestiário</strong>s não falam, exactamente, do cavalomarinho<br />

tal como o conhecemos. Pois, este aparece com <strong>um</strong>a cabeça de cavalo<br />

na parte superior e corpo de peixe na parte inferior. Representa Moisés,<br />

enquanto o mar é o mundo e os peixes são os homens. O cavalo-marinho<br />

também indica o verdadeiro caminho e o que vemos nesta imagem quiçá teria<br />

habitado o Jardim da Estrela.<br />

Ana da Palma<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 20


BIBLIOGRAFIA<br />

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Gallimard, 1991.<br />

Catálogo da exposição Joshua BENOLIEL 1873-1932 repórter fotográfico,<br />

Cordoaria Nacional, Lisboa 18 de Maio a 21 de Agosto de 2005 no âmbito da<br />

LisboaPhoto 2005, coordenação de Emília Tavares.<br />

Catálogo da exposição Faiança das Caldas da Rainha, Colecção Berardo, Caldas<br />

da Rainha, Câmara Municipal das Caldas da Rainha, 2005.<br />

Catálogo da exposição A louça das Caldas na Colecção de faiança Maldonado de Freitas,<br />

Caldas da Rainha, Câmara Municipal das Caldas da Rainha, 2005.<br />

COYAUD, MAURICE, L’empire du regard. Mille ans de peinture japonaise,<br />

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HOMERO, Odisseia, Lisboa, Livros Cotovia, 2003.<br />

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Assírio&Alvim, 1995.<br />

O Século, 2 de Abril 1911<br />

_______, 13 de Maio 1911<br />

_______, 14 de Maio 1911<br />

_______., 15 de Maio 1911<br />

_______, 16 de Maio 1911<br />

_______, 17 de Maio 1911<br />

_______, 18 de Maio 1911<br />

_______, 19 de Maio 1911<br />

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PEREIRA, PAULO, dir., História da arte portuguesa, vol.3, Lisboa, Temas e<br />

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PESSOA, FERNANDO, Lisbonne, Paris, Éditions 10/18, 1997.<br />

PIRES, JOSÉ CARDOSO, Lisboa. Livro de bordo, vozes, olhares, memorações,<br />

Lisboa, Dom Quixote, 1997.<br />

PLINE L’ANCIEN, Histoire Naturelle, Paris, Folio- Gallimard, 1999.<br />

PHYSIOLOGOS, le Bestiaire des Bestiaires, Grenoble, Editions Jérôme Million,<br />

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ROBÈLIA, DE SOUSA LOBO RAMALHO, Guia de Portugal Artístico, vol.<br />

II,Lisboa, M.Costa Ramalho, 1935.<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 21


IMAGENS:<br />

(2) Bestiário medieval, BNF<br />

(3) Tabacaria Mónaco, Ana da Palma<br />

(4) Anonyme (XIIº siècle) Choju-giga. Encre sur papier (ht.31,8cm) Kozan-ji, Kyoto<br />

(rãs)<br />

(5) Tabacaria Mónaco, Ana da Palma<br />

(6) Kano Motonobu (1476-1559) Paysage À la cascade. Encre et couleurs légères sur<br />

papier (178 · 236 cm) Reiun-in, Kyoto<br />

(7) Pavilhão de Portugal:<br />

http://cn<strong>um</strong>.cnam.fr/CGI/fpage.cgi?8XAE349.2/303/100/474/0013/0467<br />

(8) Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, Ana da Palma<br />

(9) Bestiário medieval, Bestiário Medieval, Madrid, Ediciones Siruela, 1999<br />

(10) Bestiário medieval, BNF<br />

(11) Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, Ana da Palma<br />

(12) Museu de Cerâmica de Caldas da Rainha<br />

(13) Museu de Cerâmica de Caldas da Rainha, Ana da Palma<br />

(14) ) Museu de Cerâmica de Caldas da Rainha, Margarida Araújo<br />

(15) Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, Ana da Palma<br />

(16) Museu de Cerâmica de Caldas da Rainha<br />

(17) Museu da Fábrica Bordalo Pinheiro, Ana da Palma<br />

(18) Museu de Cerâmica de Caldas da Rainha<br />

(19) Benoliel, Arquivo fotográfico de Lisboa<br />

(20) Museu Rafael Bordalo Pinheiro, Lisboa<br />

<strong>Laços</strong> e <strong>percursos</strong> <strong>para</strong> <strong>um</strong> <strong>bestiário</strong> <strong>bordaliano</strong> – Ana da Palma 22

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