16.04.2013 Views

A UTOPIA - Bebeto Alves

A UTOPIA - Bebeto Alves

A UTOPIA - Bebeto Alves

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ebeto alves • Pág. 12<br />

longo período de atrito, as coisas se equilibraram<br />

favoravelmente ao que pensávamos: que dar<br />

margem a criatividade, as misturas, era o melhor<br />

que podíamos fazer, que traria algo novo, diverso,<br />

amplo. Acho que os discos que gravei interpretando<br />

as obras de Mauro Moraes possibilitaram as pessoas<br />

verem melhor aquilo que eu acreditava e não tinha<br />

maturidade para propor, ou, o que não estava<br />

totalmente esclarecido nas minhas musicas. E, verdade<br />

seja dita eu não gostava mesmo? E como poderia? Não<br />

era uma representação do eu era e do que já tinha<br />

vivido como fronteiriço. Mas, a minha idéia do que<br />

seria a música sulbrasileira persistiu e me acompanha<br />

até hoje. Lancei muitos discos, 23 ou 24, por muitas<br />

gravadoras e alguns selos pequenos e independentes.<br />

“Vale a imagem, toda<br />

e qualquer imagem<br />

publicitária como uma<br />

ilustração argumentativa de<br />

Houllebecq, ou, de um<br />

futuro já há muito<br />

alcançado, ou,<br />

distraídamente, já passado,<br />

ou algo assim, segundo<br />

Baudrillard,<br />

existe mais algum?”<br />

PK – Quando chegou em São Paulo lembro que<br />

você já trazia uns zines, cartazes, poemas visuais e<br />

outras “cositas gráficas”. Como e em que grau pintaram<br />

as artes visuais na tua vida?<br />

BA - Na verdade a necessidade de criar me faz<br />

eu me utilizar de todas as técnicas disponíveis outras<br />

linguagens, As vezes sinto que só a música não me<br />

tranqüiliza, não me conforta, não me preenche e eu<br />

mexo com tudo. As artes visuais mais do que qualquer<br />

coisa, me estimulam, colocam-me em movimento . O<br />

silêncio, a não-música, a palavra. Acho que tudo começa<br />

pela palavra, mas a imagem é o seu espelho, qualquer<br />

imagem é um espelho e tudo é imagem, ao contrario<br />

do que dizia aquela propaganda de refrigerantes – “ A<br />

imagem não é tudo “ , sem querer me utilizar de clichês.<br />

Nos anos 70 o desenho, as drogas alucinógenas,<br />

novamente o cinema, compunham um contexto criativo<br />

onde pulsava a poesia. A poesia primordial, de onde<br />

irradiam todas as coisas.<br />

A mudança comportamental, apesar da<br />

esmagadora ditadura militar, os desencontros,<br />

as mudanças de paradigmas, um mundo infinito e<br />

instantâneo se prenunciando, tornavam possivel sonhar<br />

uma grande transformação social, baseada em em<br />

outros valores<br />

Lembro agora do livro do Michel Houellebecq,<br />

Partículas Elementares, que não nos poupa ao nos<br />

identificar como os artíficies dessa realidade nova em<br />

que estamos envolvidos hoje , perdendo a noção entre<br />

o real e o ficcional , de maneira hedonista.<br />

Vale a imagem, toda e qualquer imagem<br />

publicitária como uma ilustração argumentativa de<br />

Houllebecq, ou, de um futuro ja há muito alcançado,<br />

ou, distraídamente, já passado, ou algo assim, segundo<br />

Baudrillard, existe mais algum?<br />

Fiz muito Xerox, no tempo do Xerox, e quem<br />

não fez? A gente “xerocava” tudo, a cara, a mão, a<br />

bunda, tudo. Lembro de um que fiz e que o correio<br />

passava adiante em datas especiais, ou em momentos<br />

especiais, em que alguma idéia se concretizava: Terra<br />

em Trânsito, já estabelecendo para mim , além de uma<br />

referência a Glauber, o ser humano em deslocamento<br />

e, “ outras bobagens “.<br />

PK - Quando e como assume o trabalho com a<br />

Fotografia?<br />

BA - Sempre fotografei, sempre procurei dar<br />

um enquadramento ao mundo, sempre fui voyeur.<br />

Já fotografei sem câmera alguma, fotografei com<br />

câmeras ridículas, que nem amadoras eram. Acho<br />

que a fotografia faz parte de um certo voyeurismo, o<br />

fotografo é um voyeur, não? O que acho bacana nessas<br />

atividades, assim como na literatura ou, na pintura, é<br />

que o artista não aparece.<br />

Claro que sim , quando dono de sua própria<br />

linguagem, escola, estilo, ou como um auto-retrato,<br />

mas, ao contrario do artista pop e da sua super<br />

exposição midiática, ele é incluso, ele está, não é,<br />

apesar de ser, sem duvida.<br />

Minha filha Mel me deu de presente uma<br />

câmera mais profissional, uma Sony. Com ela comecei<br />

a descobrir coisas que intuía, ou mesmo que nem<br />

imaginava na arte de fotografar, além do olho, e<br />

da oportunidade. Descobri a luz e suas nuances,<br />

suas armadilhas. Descobri as dificuldades técnicas e<br />

suas soluções. Me auto eduquei e continuo me auto-<br />

educando.<br />

A Mel fotografa super bem, a Claudia também,<br />

fotografar está no âmbito das nossas descobertas<br />

. Hoje tenho trabalhado com boas câmeras e lentes<br />

apropriadas, ampliando a área de conhecimento da<br />

fotografia e , mais, buscando uma linguagem. Uma<br />

foto boa é uma foto boa e ponto final, fala por si, mas,<br />

uma foto boa não exprime toda a minha aflição, o meu<br />

desejo, por mais contundente que seja. Acredito que a<br />

foto que eu gostaria de me apropriar, é um acumulo,<br />

uma dosagem, de imagens, uma composição. São<br />

texturas , camadas. Quando eu penso em uma foto,<br />

“ela” são muitas, são imagens alem delas mesmas, uma<br />

outra possibilidade para ela existir, imagens internas<br />

das imagens.<br />

Uma foto é material para manipulação, é assim<br />

que me relaciono com a fotografia hoje, neste momento.<br />

Tenho admiração por bons fotógrafos, sempre fui um<br />

fotografado, não? O Luis Antônio Catafesto, o Emilio,<br />

fotógrafo da Zero-Hora, a Dulce Helfer, a Irene Santos,<br />

a Gabriele Lemanski, o Japa, o Alemão Uda, o garoto<br />

Luiz Frota lá do Rio e muito mais gente.<br />

“Tenho buscado o<br />

entendimento daquilo<br />

que estou fotografando e<br />

revelado uma imagem que<br />

é uma parte subjetiva dela<br />

mesma, não do fotógrafo,<br />

não uma interpretação do<br />

olho, mas da alma do que<br />

está sendo fotografado.”<br />

PK - Como está trabalhando e pretende<br />

desenvolver este trabalho no âmbito das Artes Visuais?<br />

BA - Tenho trabalhado no sentido de desenvolver<br />

composições próprias, de composição, de trabalhar a<br />

montagem ou colagem fotográfica. Perdi o pudor com<br />

isso, quando me dei conta que, ao utilizar a câmera,<br />

a gente já faz isso; corrige, expõe, contrai, expande,<br />

altera a luz, produz a cena, mesmo no instantâneo.<br />

Tenho buscado o entendimento daquilo que estou<br />

fotografando e revelado uma imagem que é uma parte<br />

subjetiva dela mesma, não do fotógrafo, não uma<br />

interpretação do olho, mas da alma do que está sendo<br />

fotografado. Poderíamos usar a imagem de um caçador.<br />

Quando fotografo me sinto caçando.Tenho que saber<br />

o movimento, aprender o comportamento da imagem.<br />

PK - Fale da Música, da Literatura e das Artes<br />

no Rio Grande do Sul hoje, a partir da sua visão, da<br />

sua experiência.<br />

BA - No rio Grande do Sul tem muita coisa que me<br />

interessa. A música diversa que se produz, a literatura,<br />

desde Dionélio Machado. As Artes Plásticas sempre me<br />

interessaram como uma parceira da música também.<br />

Já fiz espetáculos me utilizando de obras, quadros,<br />

mas não emoldurando, como cenografia, mas como um<br />

elemento de relação. Em 92 fiz um espetáculo chamado<br />

Objeto em Exposição, com a artista plástica Daisy Viola<br />

, e com ele ganhamos o Prémio Açorianos de espetáculo<br />

do ano. O Sul me ocupa, possibilita muitas coisas, pois<br />

as pessoas sabem da minha capacidade de trabalho.<br />

Faço gestão cultural, fui secretário de cultura da minha<br />

cidade, diretor do IEM, Instituto Estadual de Música,<br />

fundamos uma cooperativa de músicos, a COOMPOR,<br />

escrevo roteiros de espetáculos, atuo, faço filmes,<br />

fotografo, assim, tudo de roldão.,<br />

O sul se relaciona institucionalmente com os<br />

paizes vizinhos, tem um ar europeu, tudo muito sem<br />

frescura, naturalmente. É sério, me agrada, me sinto<br />

útil , capaz, aqui nesse lugar.<br />

“Estamos vivendo um<br />

momento da história<br />

da nossa sociedade<br />

contemporânea , de uma<br />

mudança profunda e<br />

radical. O mundo como<br />

o conhecemos está<br />

acabando e eu quero estar<br />

em condições de viver,<br />

entender e interpretar<br />

isso.”<br />

PK - Comente seu momento existencial, sua<br />

música, sua relação com as artes visuais, seus objetivos<br />

no futuro. Sua família. Suas alegrias, tristezas,<br />

decepções, esperanças.<br />

BA - Preparo o lançamento do meu novo projeto<br />

musical: <strong>Bebeto</strong> <strong>Alves</strong> em 3D. São três discos novos<br />

lançados de uma vez só: <strong>Bebeto</strong> <strong>Alves</strong> e os Blackbagual,<br />

Ao Vivo no Teatro de Arena – esse disco tem um sabor<br />

de uma retrospectiva que jamais fiz. Músicas desde o<br />

primeiro disco aparecem ai com uma nova roupagem,<br />

ou nem tanto.<br />

Cenas, um disco de trilhas sonoras. Tenho<br />

desenvolvido ao longo dos anos, trilhas para os mais<br />

variados tipos de espetáculo - teatro, cinema, televisão<br />

etc. Reuno as melhores nesse disco.<br />

O terceiro é um disco de inéditas, gravadas de<br />

forma inédita: praticamente violão e voz, com um<br />

ou outro instrumento de percussão tocados por mim<br />

mesmo, chama-se O Maravilhoso Mundo Perdido.<br />

Já em processo de finalização, necessitando<br />

ainda de recursos, o filme Mais Uma Canção, longadocumentário<br />

sobre meu trabalho, produzido pela<br />

Estação Elétrica.Esperamos que ainda para este ano.<br />

Estes são trabalhos que sintetizam meu<br />

momento, um momento de grande atividade e<br />

expectativa.<br />

Me considero um cara de sorte, tenho uma<br />

familia linda, nada convencional, grandes amigos,<br />

estou em deslocamento, me acostumei a isso, não<br />

consigo viver em um só lugar, me estabelecer. Minhas<br />

raízes estão espalhadas por ai e me sinto em atenção<br />

permanente. Me agrada o momento de maturidade.<br />

Quero viver tudo ao que tenho direito, não vou me<br />

queixar de nada, de passado nenhum, nem de qualquer<br />

dificuldade imposta pelas relações , sejam elas de<br />

que natureza for. Estamos num momento da história<br />

da nossa sociedade contemporânea, de uma mudança<br />

profunda e radical. O mundo como o conhecemos está<br />

acabando e eu quero estar em condições de viver,<br />

entender e interpretar isso. Foram as escolhas minhas<br />

sempre um grande prazer e uma grande lição. E, vai<br />

ser sempre assim.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!