A Viagem de Marcus.Rogé2
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A <strong>Viagem</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Marcus</strong>.<strong>Rogé2</strong><br />
Dilson Ylana<br />
LIBREXPRESS (2011)<br />
sci-fi, Lost, Dilson, aventura,<br />
The Event, Ylana, ficção<br />
Tags: científica, <strong>Marcus</strong>Rogé, ET,<br />
Heroes, viagem, <strong>Marcus</strong>.Rogé,<br />
<strong>Marcus</strong> Rogé
A VIAGEM DE MARCUS ROGE<br />
De Londrina-PR a Vanuatu-Oceano Pacifico
FICHA TECNICA<br />
A COMPOR
PRE- PREFACIO<br />
E uma leitura facil e rapida pra quem nao<br />
cobra rigores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s verossimilhancas.<br />
Contem varias passagens da vida do autor,<br />
porem ininteligivel para o <strong>de</strong>savisado- sei porque<br />
convivo consigo- mas longe <strong>de</strong> uma<br />
autobiografia.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um agente <strong>de</strong> investigacao- fiscal<br />
fe<strong>de</strong>ral ou coisa que o valha; medico e cientista<br />
da area humana, brasileiro, que naufraga num<br />
passeio <strong>de</strong> iate perto <strong>de</strong> ilha afrodisiaca- haitiana,<br />
caribenha ou coisa que o valha. E resgatado<br />
(abduzido?!) por uma populacao extraterrestre<br />
que esta na Terra porque seu planeta se exauriu,<br />
tendo seus povos se expalhado galaxia afora,<br />
residindo numa, ilha porem se infiltram conosco<br />
(mas esse nao e o foco da trama).<br />
E ai ocorrem dramas pessoais, <strong>de</strong>scobertas (<strong>de</strong><br />
<strong>Marcus</strong> Roge) espetaculares, numa aventura<br />
pessoal fenomenal, sendo que tudo foi possivel <strong>de</strong><br />
ocorrer com ele, o protagonista, o escolhido por<br />
aqueles seres <strong>de</strong> energia, porque ele e uma<br />
especie <strong>de</strong> elo perdido, ou ser pre-evoluido<br />
(consi<strong>de</strong>rando como paradigima o estagio <strong>de</strong><br />
conhecimento, tecnologico, "organico" e<br />
espiritual dos anfitrioes).<br />
O livro foi escrito nos idos <strong>de</strong> 70/80, salvo
engano. Muito antes <strong>de</strong> Lost, MIB-Homens <strong>de</strong><br />
Preto e afins. Bem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Viagem</strong> ao Centro da<br />
Terra, Terra Oca e outros.<br />
Leia, vale a pena.<br />
Ozorio Miguel
Dilson Yllana<br />
Nascido em Guaiba, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, em<br />
18/09/1946 Formado medico pela Faculda<strong>de</strong><br />
Catolica <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />
Especialida<strong>de</strong>s: Pediatria, Geriatria, Clinica<br />
Medica, Medicina do Trabalho Musico formado<br />
pela escola Liceu Palestrina <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />
Ex-Concertista <strong>de</strong> Violao Classico.<br />
Escritor nas horas vagas.
SINOPSE<br />
Trata-se da viagem aci<strong>de</strong>ntada <strong>de</strong> um medico<br />
<strong>de</strong>tetive, que tem a sua companheira arrebatada<br />
em alto mar por <strong>de</strong>sconhecidos, e,<br />
aparentemente, sem motivo algum.<br />
Em pleno mar, o protagonista e salvo por<br />
estranhos que, <strong>de</strong> certo modo, o ajudam, em<br />
muito, a encontrar a companheira sequestrada.<br />
No tempo em que convive com um povo<br />
estranho, <strong>de</strong>scobre um mundo cientifico<br />
fabuloso, altamente <strong>de</strong>senvolvido, e experiencias<br />
<strong>de</strong> clonagem feitas com sucesso, muito antes do<br />
primeiro clone conhecido do mundo mo<strong>de</strong>rno ser<br />
apresentado a esta al<strong>de</strong>ia global.<br />
E envolvido a tal ponto que comeca a fazer<br />
parte das experiencias, <strong>de</strong>scobrindo sentimentos<br />
da mais pura gran<strong>de</strong>za. Situacoes que o fazem<br />
envolver-se sentimentalmente com uma das<br />
cientistas <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sconhecido mundo.
CAPITULO 1<br />
O ACIDENTE<br />
O mar estava lindo, calmo e <strong>de</strong> um azul que se<br />
confundia com o ceu. Sentia a brisa esvoacando<br />
meus cabelos e seu toque suave em forma <strong>de</strong><br />
caricias em meu rosto. Com os olhos<br />
semicerrados, <strong>de</strong>ixava-me solto no prazer que<br />
estava sentindo. Podia ouvir a quilha do veleiro<br />
cortando, <strong>de</strong>licada e vigorosamente, as aguas. Eu<br />
estava feliz. Sentia uma paz tao profunda que<br />
podia esquecer tudo, o passado, o presente, a<br />
minha propria estada ali. Eu estava em extase.<br />
Abri, lentamente, os olhos. Para on<strong>de</strong> os<br />
dirigisse, nada via alem <strong>de</strong> agua. Nada. Uma visao<br />
tao profunda que, por momentos, me<br />
atemorizava.<br />
Deitada, nua, <strong>de</strong> costas para o sol, o belo corpo<br />
moldando as malhas da proa, era uma visao<br />
paradisiaca e, ao mesmo tempo, muito erotica.<br />
Sua tez clara, amorenada pelo sol, seus cabelos<br />
castanho-claros mechados <strong>de</strong> loiro e esvoacando<br />
ao comando da brisa, seu completo relaxamento e<br />
imobilida<strong>de</strong> mostravam-me que, confiante em<br />
mim e nas qualida<strong>de</strong>s do barco, entregara-se a um<br />
<strong>de</strong>licioso e profundo sono. Aos meus olhos, todo<br />
o conjunto, era como se estivesse vendo um<br />
quadro <strong>de</strong> in<strong>de</strong>scritivel beleza. Era a harmonia
perfeita das formas no momento: o corpo<br />
humano, o barco, a natureza... Podia sentir que,<br />
alheia a tudo, ela entregara-se inteiramente ao<br />
proprio <strong>de</strong>stino, aos elementos.<br />
Reparei que as marcas do seu pequenissimo<br />
biquini, que mal servia para cobrir as mamas e a<br />
genitalia, comecavam a <strong>de</strong>saparecer sob os<br />
efeitos dos raios solares que tingiam seu belo<br />
corpo <strong>de</strong> dourado. De relance, passou pela minha<br />
mente que muitos homens dariam tudo para ter<br />
uma visao daquelas e que era um homem feliz e<br />
privilegiado em te-la so para mim. Como a<br />
amava.<br />
Nao era minha intencao interromper tao<br />
divino e merecido <strong>de</strong>scanso; entretanto, nao<br />
resisti a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> toca-la, <strong>de</strong> acaricia-la.<br />
Aproximei-me furtivamente, sem fazer ruido<br />
algum, ate po<strong>de</strong>r sentir em meu corpo todo o seu<br />
calor. Toquei-a suavemente. Sua pele macia<br />
transmitiu-me uma energia intensa que,<br />
percorrendo todo o meu corpo, excitou-me<br />
intensamente. Languidamente, aproximou sua<br />
boca da minha e, num beijo terno e apaixonado,<br />
tirou meu calcao <strong>de</strong> banho, jogando-o para a<br />
ponta da proa. Nos amamos ali mesmo. Nao sei<br />
por quanto tempo permanecemos ali. Era um<br />
frenesi que nao terminava nunca. Suas caricias,
seus beijos, seus labios sorvendo todo o meu<br />
corpo, sua boca engolindo-me em movimentos<br />
ritmados... Doce e magnifica loucura. Ah! que<br />
prazer maior um homem po<strong>de</strong> ter ? Como aquilo<br />
me fazia bem. Era muito mais do que po<strong>de</strong>ria<br />
esperar <strong>de</strong> uma mulher; era muito mais do que<br />
po<strong>de</strong>ria esperar <strong>de</strong> uma amante. Era<br />
inacreditavelmente inesperado <strong>de</strong> uma esposa.<br />
Podia ver, pela posicao do sol, que a manha<br />
estava prestes a terminar. Sos, sem marujos para<br />
pilotar o veleiro, condicao exigida por ela para<br />
fazermos a viagem, tinha que verificar os<br />
instrumentos <strong>de</strong> navegacao e preparar algo para<br />
comermos, visto que, a ultima refeicao tinha sido<br />
o jantar do dia anterior. O <strong>de</strong>sjejum tinha sido<br />
feito <strong>de</strong> amor, volupia incontida <strong>de</strong> corpos<br />
apaixonados. Nao querendo quebrar a magia do<br />
momento, sussurrei-lhe que iria assumir as<br />
funcoes <strong>de</strong> capitao do barco e <strong>de</strong> cozinheiro.<br />
O longo tempo exposto ao sol fizera-me ficar,<br />
apos tanto amor, com muita se<strong>de</strong>. Sentia-me<br />
<strong>de</strong>sidratado. Calculei que o mesmo <strong>de</strong>veria estar<br />
acontecendo com ela.<br />
Levantei-me, vesti-me e fui para a cabine <strong>de</strong><br />
comando. Verifiquei os instrumentos <strong>de</strong><br />
navegacao e, gracas ao piloto automatico, nossa<br />
rota continuava correta. Ja haviamos percorrido
varias milhas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sairamos do Brasil, mais<br />
precisamente, do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Estavamos,<br />
agora, navegando em aguas do Oceano Pacifico,<br />
exatamente no Mar da Tasmania. Encaminheime<br />
para a cozinha e comecei a preparar uma<br />
refeicao leve, nutritiva e com as calorias<br />
necessarias para nao prejudicar as belas formas<br />
da minha linda esposa e, consequentemente, a<br />
minha.<br />
O sibilo surgiu no ar como que por encanto. O<br />
ruido da explosao violenta e o seu impacto,<br />
jogando-me para <strong>de</strong>baixo dos acentos, apenas<br />
<strong>de</strong>ra-me tempo <strong>de</strong> ver a parte superior do veleiro<br />
ser literalmente arrancada. Era como se uma<br />
serra tivesse cortado o barco ao meio, pelo seu<br />
plano longitudinal. A dor que sentia na cabeca<br />
era gran<strong>de</strong>. Pu<strong>de</strong> sentir o sangue escorrer pela<br />
minha face. Antes da escuridao total, vi um<br />
helicoptero que se afastava lentamente, sem<br />
preocupacao alguma, com a certeza <strong>de</strong> que tudo<br />
havia sido um sucesso, que nao teria qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> resistencia do que sobrara do veleiro.<br />
Acor<strong>de</strong>i, nao sei quanto tempo <strong>de</strong>pois. A dor<br />
na cabeca era insuportavel. Minha boca estava<br />
cheia <strong>de</strong> sangue. Tentei, em vao, levantar-me.<br />
Ouvia apenas o barulho das ondas batendo <strong>de</strong><br />
encontro ao que sobrara do barco. Era um
milagre estar vivo. Era um milagre o barco ainda<br />
flutuar. O raciocinio fugia-me. Tentei, num<br />
esforco <strong>de</strong>sesperado, ficar consciente. Inutil. O<br />
vazio e o escuro tomaram conta <strong>de</strong> mim,<br />
novamente.<br />
Nao sei por quanto tempo fiquei <strong>de</strong>sacordado.<br />
Estava sendo puxado para fora do que havia<br />
sobrado da cozinha. Senti muita dor em todo o<br />
meu corpo. Abri os olhos, num esforco tremendo.<br />
Vi, com a visao borrada, rostos escuros,<br />
estranhos. Esta visao foi um choque para mim.<br />
Uma <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> adrenalina pos-me acordado<br />
completamente. Estava consciente, lucido.<br />
Procurei <strong>de</strong>sesperadamente, ate on<strong>de</strong> meus olhos<br />
podiam ver, pela minha esposa. Nada. Tentei<br />
levantar-me. Nao consegui. Fui impedido por<br />
maos fortes que seguraram-me <strong>de</strong> encontro ao<br />
assoalho do barco. Angustiado e sem saber ao<br />
certo o que acontecera, gritei a plenos pulmoes<br />
seu nome. Carla ! Debati-me tentando livrar-me<br />
daquelas maos. Senti novamente uma dor terrivel<br />
na cabeca. O sangue que saia <strong>de</strong> minha boca era<br />
abundante. Um suor frio comecou a tomar conta<br />
<strong>de</strong> todo o meu corpo. A visao ficou novamente<br />
borrada. Uma sensacao <strong>de</strong> fraqueza apo<strong>de</strong>rou-se<br />
<strong>de</strong> mim. Aqueles rostos morenos comecaram a<br />
girar, girar e, como que entrando em um
caleidoscopio, <strong>de</strong>scortinei uma gama infindavel<br />
<strong>de</strong> cores e formas ate que uma escuridao total<br />
voltou a reinar em meu cerebro.<br />
Muito ao longe, ouvi passos que se<br />
aproximavam <strong>de</strong> mim. Alguem levantou a minha<br />
cabeca e <strong>de</strong>rramou, em minha boca, um liquido<br />
amargo como fel que, ao chegar ao meu<br />
estomago, queimou como um ferro em brasa.<br />
Seria impressao minha ? Estaria tendo aquela<br />
sensacao? Nao! Nao era impressao. Estava vivo e<br />
sentindo muitas dores no corpo todo. Podia<br />
sentir que, agora, a dor era muito mais intensa do<br />
que antes <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>sfalecido. Sentia tambem que<br />
nao estava mais embarcado. On<strong>de</strong> estaria? Quem<br />
seriam os donos daqueles rostos morenos. Tentei,<br />
<strong>de</strong>sesperadamente, dobrar o corpo para frente.<br />
Nao consegui. Estava com os punhos presos.<br />
Podia sentir meus bracos esticados ao longo do<br />
corpo, <strong>de</strong> tal forma que, por mais que tentasse,<br />
nao conseguia sequer elevar o tronco. Estava<br />
como que grudado a uma tabua. Notei uma cinta<br />
que prendia o meu torax a ela. Senti outra na<br />
altura da minha cintura. As imagens comecaram<br />
a clarear, ficando bem <strong>de</strong>finidas. Podia ver que<br />
varios vultos se aproximavam <strong>de</strong> mim e que<br />
outros se afastavam, num constante ir e vir <strong>de</strong><br />
pessoas. Notei varias luzes <strong>de</strong> cores diferentes
atingindo todo o meu corpo que se encontrava<br />
<strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> qualquer vestimenta. Num esforco,<br />
consegui mover minha cabeca <strong>de</strong> encontro ao<br />
meu peito. Visualizei varios ferimentos no torax<br />
e no abdomen. Ouvia varios ruidos. Sentia<br />
sensacoes estranhas em meu corpo que, com<br />
certeza, nunca as tivera experimentado. Sem<br />
nada compreen<strong>de</strong>r, fiquei quieto procurando<br />
esquecer a insuportavel dor que agora era geral.<br />
Ouvi vozes distantes, que falavam palavras que<br />
nao compreendia.<br />
A dor <strong>de</strong> agulhas penetrando, uma o meu<br />
ombro direito e outra o meu <strong>de</strong>ltoi<strong>de</strong> esquerdo,<br />
simultaneamente, foi intensa. Como que por<br />
encanto, num passe <strong>de</strong> magica, toda a sensacao<br />
<strong>de</strong> dor <strong>de</strong>saparecera. Sonhos coloridos e vozes<br />
cada vez mais estranhas se misturavam a uma<br />
<strong>de</strong>nsa nuvem acinzentada. Fui jogado,<br />
novamente, para um vazio, on<strong>de</strong> a escuridao se<br />
fazia total.<br />
O barulho da chuva, caindo pesadamente<br />
sobre o telhado, tirou-me do torpor em que me<br />
encontrava. Abri, lentamente, os olhos. O<br />
ambiente, <strong>de</strong> aspecto pobre, escuro e ate mesmo<br />
<strong>de</strong> abandono, era-me completamente estranho.<br />
Que lugar seria aquele? On<strong>de</strong> estaria? Tentei<br />
levantar-me. Senti, novamente, que estava preso
ao leito. Fortes tiras <strong>de</strong> pano, bastante sujas,<br />
prendiam-me os pulsos que doeram muito na<br />
tentativa <strong>de</strong> sair do leito. A visao, agora bem<br />
melhorada e acostumada com o ambiente <strong>de</strong><br />
penumbra, fez-me ver que estava em uma especie<br />
<strong>de</strong> quarto, vestindo apenas o meu calcao e que<br />
havia mais duas camas, apenas com os colchoes,<br />
ja bastante velhos e rasgados, <strong>de</strong>ixando a mostra<br />
as palhas que os forravam. As camas eram <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira, sem pintura e, pelo estilo rustico e <strong>de</strong><br />
conservacao, muito antigas ditavam o estado<br />
pobre e rustico do local.<br />
Nao sei por quanto tempo fiquei escutando o<br />
barulho da chuva, pensando em tudo o que havia<br />
acontecido. Tentava recordar cada momento,<br />
cada pormenor, cada som ouvido, antes, durante<br />
e apos o aci<strong>de</strong>nte. Subitamente, um panico<br />
apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> mim: Carla! On<strong>de</strong> estaria a minha<br />
Carla? O que lhe teria acontecido? Instintiva e<br />
ansiosamente gritei o seu nome. O grito atraiu<br />
alguem. Podia ouvir os passos apressados, vindo<br />
em minha direcao. Pelo barulho abafado e<br />
caracteristico <strong>de</strong> quem anda na lama ja sabia que<br />
o local on<strong>de</strong> estava ficava em um terreno sem<br />
calcamento algum. Aguar<strong>de</strong>i temeroso e, ao<br />
mesmo tempo, curioso pela chegada do dono, ou<br />
dona daqueles passos.
A porta do quarto se abriu, sem <strong>de</strong>ixar entrar<br />
mais clarida<strong>de</strong> da que ja existia no seu interior, e<br />
uma figura esguia, alta, <strong>de</strong> cor morena<br />
aproximou-se <strong>de</strong> mim. Era uma mulher jovem, <strong>de</strong><br />
tracos meigos e <strong>de</strong>licados. Fazendo-me sinal <strong>de</strong><br />
silencio com seu <strong>de</strong>do indicador da mao direita<br />
aposto verticalmente sobre a boca.<br />
Imediatamente, perguntei-lhe on<strong>de</strong> estava e<br />
como havia chegado ate ali? Pela sua fisionomia,<br />
<strong>de</strong> espanto e interrogacao, compreendi que nao<br />
havia entendido minhas palavras. Chegando-se<br />
bem proxima <strong>de</strong> mim, colocou seu <strong>de</strong>do<br />
indicador direito sobre meus labios, num gesto<br />
caracteristico para fazer silencio. Falou-me algo<br />
que nao compreendi. Seu idioma era-me<br />
completamente estranho. Ate aquele momento,<br />
pelo que sabia, jamais havia ouvido tal idioma,<br />
ou dialeto. Procurando ter calma, respirei<br />
profundamente e <strong>de</strong>i-lhe a enten<strong>de</strong>r que estava<br />
tudo bem. Notei que seus olhos examinavam-me<br />
por um todo. Em seguida, meiga e <strong>de</strong>licadamente,<br />
apalpou meu abdomen, observando-me com<br />
muita atencao. Aproximando seu rosto do meu,<br />
olhou profundamente nos meus olhos. Pela sua<br />
expressao, notei que estava satisfeita com o que<br />
vira e com o exame que havia feito. Reparando<br />
em suas feicoes, notei que seus olhos eram
negros, ternos, <strong>de</strong> formato amendoado, como os<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte asiatica. Sua boca era<br />
perfeita, com labios carnudos, sedutores,<br />
vermelhos. Seu perfume, <strong>de</strong> flores silvestres,<br />
irradiava-se <strong>de</strong> seu corpo, modificando o cheiro<br />
<strong>de</strong>sagradavel do ambiente existente ate entao.<br />
Para meu espanto e surpresa, <strong>de</strong>licadamente,<br />
comecou a soltar as tiras <strong>de</strong> pano que me<br />
prendiam a cama. Estiquei os bracos e movi os<br />
punhos mostrando-lhe que estava muito mais<br />
confortavel agora e que tambem havia gostado<br />
muito do que acabara <strong>de</strong> fazer.<br />
Instintivamente, comecei a fazer um<br />
autoexame. Notei que tinha a cabeca raspada,<br />
que, no canto esquerdo da minha boca, existiam<br />
pontos cirurgicos que, ao serem tocados,<br />
provocaram dor local, sinal <strong>de</strong> que havia tido um<br />
corte na boca e que o mesmo havia sido<br />
suturado. Notei, tambem, que o fio utilizado era<br />
bastante grosso para o local da sutura. Ao passar<br />
a mao pelo meu abdomen, notei que existiam<br />
bandagens, bem fixadas. Teria sido submetido a<br />
uma cirurgia abdominal? Senti dores abominais<br />
ao tentar fazer a apalpacao com mais compressao.<br />
Neste momento, minhas maos foram contidas<br />
pelas maos da misteriosa jovem. Com gestos <strong>de</strong><br />
negacao feitos com a cabeca, compreendi que nao
era para continuar com o autoexame. Tentei<br />
mover-me. Primeiro os pes, <strong>de</strong>pois as pernas.<br />
Virei-me para um lado, para o outro. Estava<br />
inteiro, apesar dos ferimentos constatados e a<br />
perda dos meus cabelos. Notara, tambem, que<br />
todos os pelos do meu corpo haviam sido<br />
raspados: pelos das pernas, pubianos, axilares, do<br />
abdomen e do torax. Tricotomia total. Achei o<br />
fato muito estranho. Por que tricotomia total, se,<br />
ao que notara, estava com ferimentos no<br />
abdomen e no labio? E os ferimentos do torax<br />
que havia visto antes <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>smaiado e <strong>de</strong> ali<br />
chegar, pois tenho certeza <strong>de</strong> que estava em<br />
outro local, que nao o <strong>de</strong> agora ?<br />
A jovem, caminhando a um canto do quarto,<br />
apanhou uma tigela <strong>de</strong> barro que se encontrava<br />
no chao e veio ate bem junto <strong>de</strong> mim. Levantou,<br />
<strong>de</strong>licadamente, minha cabeca e fez-me enten<strong>de</strong>r<br />
que era para beber o conteudo da mesma. Vi que<br />
se tratava <strong>de</strong> um liquido escuro, avermelhado e<br />
um pouco viscoso. Ao beber, senti o sabor<br />
amargo e picante como se estivesse bebendo suco<br />
<strong>de</strong> pimenta malagueta. Senti o liquido <strong>de</strong>scer ate<br />
o meu estomago, queimando todo o trajeto <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a boca. Era como se estivesse engolindo fogo.<br />
Instantes apos, notei que sentia so uma leve<br />
sensacao <strong>de</strong> queimacao. Todas as minhas dores
haviam <strong>de</strong>saparecido principalmente a dor na<br />
cabeca e a dor no abdomen. A jovem sorriu como<br />
que enten<strong>de</strong>ndo o meu alivio e meu conforto. Ao<br />
sorrir mostrou os belos e alvos <strong>de</strong>ntes. Que<br />
liquido seria aquele? O que havia bebido?<br />
Deveria ser medicacao complementar e <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> ao tratamento efetuado no meu<br />
abdomen.<br />
Sem dizer nada, silenciosa e tao misteriosa<br />
quanto entrara, a jovem retirou-se do quarto. Seu<br />
andar era macio e muito elegante. Seu vestido<br />
branco, liso, indo ate quase os seus tornozelos<br />
acentuava-lhe a forma esguia e elegante.<br />
Um sono pesado foi apo<strong>de</strong>rando-se <strong>de</strong> mim.<br />
Tentei resistir. Inutil.<br />
Era noite quando recobrei os sentidos. A<br />
jovem estava ao meu lado, com o olhar<br />
angustiado e aflito. Ao seu lado, um homem<br />
magro, alto, moreno, <strong>de</strong> cabelos muito negros e<br />
curtos, com a face muito enrugada, falava-lhe no<br />
idioma estranho que ja escutara anteriormente.<br />
Podia sentir que se tratava <strong>de</strong> uma repreensao.<br />
Quanto mais o homem falava, mais angustiada e<br />
aflita a jovem parecia ficar. Notaram, entao, que<br />
estava consciente e que os observava<br />
atentamente. Aproximando-se <strong>de</strong> mim, sem<br />
falarem mais nada, realizaram um exame
minucioso em todo o meu corpo; <strong>de</strong>pois, sempre<br />
em silencio, <strong>de</strong>ixaram-me so.<br />
No dia seguinte, o <strong>de</strong>sjejum foi uma surpresa.<br />
Pelo que lembrava, ate entao so havia bebido o<br />
liquido escuro. Nao lembrava <strong>de</strong> ter comido nada.<br />
Agora, entretanto, havia pedacos <strong>de</strong> carne branca<br />
cozida, com um sabor excepcional, leite, cha e<br />
pedacos <strong>de</strong> pao <strong>de</strong> sal. Duas ou tres horas apos<br />
este <strong>de</strong>sjejum, me foi ofertada uma ban<strong>de</strong>ja com<br />
varias frutas. Neste momento tive uma certeza: o<br />
sono que tivera anteriormente e que me fora<br />
impossivel resistir, nao tinha sido sono e, sim,<br />
um <strong>de</strong>smaio. Desmaio por pura falta <strong>de</strong><br />
alimentacao.<br />
Como bioquimico e medico, tinha completa<br />
conviccao do meu estado fisico e isto era mais<br />
um misterio <strong>de</strong>ntre todos os que tinham vivido<br />
ate aquele momento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aci<strong>de</strong>nte com o<br />
veleiro. Certeza maior, e para espanto meu, era<br />
saber que estava sendo cuidado por profissionais<br />
na arte da sau<strong>de</strong>. Para confirmar meu raciocinio,<br />
passei a receber varias refeicoes ao dia.<br />
Decorridos tres dias do <strong>de</strong>smaio, a jovem <strong>de</strong>ume<br />
a enten<strong>de</strong>r que era para levantar da cama e<br />
caminhar pelo quarto, o que nao consegui fazer,<br />
pois fui acometido <strong>de</strong> importante tontura que me<br />
fez voltar rapidamente para a cama, embora
estivesse me sentindo otimo.<br />
Para minha surpresa e espanto, pois nao tinha<br />
lembranca <strong>de</strong> ter tomado banho algum, me<br />
encontrava perfeitamente limpo e podia sentir,<br />
na minha pele, um doce aroma <strong>de</strong> flores<br />
silvestres. Como isso seria possivel? Quem<br />
estaria fazendo a minha higiene e quando a fazia<br />
? De tudo o que estava vivenciando e<br />
experimentando, um fato mais incrivel chamoume<br />
a atencao: eu nao havia feito minhas<br />
necessida<strong>de</strong>s fisiologicas, pelo que podia<br />
recordar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento do aci<strong>de</strong>nte. Como<br />
isto seria possivel? Estavam alimentando-me e<br />
dando-me muitos liquidos para beber ja ha varios<br />
dias. Tantos que havia ate perdido a nocao do<br />
tempo. Realmente eu nao sabia quanto tempo ja<br />
havia <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia do aci<strong>de</strong>nte.<br />
Subitamente uma duvida apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> mim:<br />
estaria realmente vivo? Nao teria morrido e,<br />
agora, vivendo uma vida paralela, em outra<br />
dimensao? Seria uma experiencia pos-morte, tao<br />
comentada e exaltada em varias religioes? Nao<br />
sei por quanto tempo tentei encontrar<br />
explicacoes para tantos fatos e acontecimentos<br />
estranhos. Reparei que a noite estava se fazendo<br />
chegar, mansa, imponente e, com ela, o<br />
costumeiro sono intenso e imperioso, impossivel
<strong>de</strong> resistir.<br />
Pequenas pancadinhas no meu ombro<br />
esquerdo acordaram-me. O quarto estava<br />
iluminado. O sol entrava com toda a sua forca<br />
pela janela, que, agora, estava com o tampo <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira aberto. A cortina <strong>de</strong> bambu estava<br />
enrolada, <strong>de</strong> forma cilindrica, na parte superior. A<br />
jovem sorriu ao me ver acordar. Ajudando a<br />
recostar-me na cabeceira da cama, que tambem<br />
era igual a parte inferior, serviu o meu <strong>de</strong>sjejum.<br />
Primeiro como sempre, fazendo-me beber o ja<br />
mencionado liquido, para <strong>de</strong>pois me dar para<br />
comer frutas como abacate, mamao e algo<br />
parecido com jaca. Notei, nesta manha, sem saber<br />
o porque, que estava faminto. Comi tudo o que<br />
me fora ofertado. Nao sentia mais qualquer tipo<br />
<strong>de</strong> dor ou <strong>de</strong>sconforto.<br />
Tentei levantar-me. Fui imediatamente<br />
contido pela jovem que, com gestos, fazia-me<br />
enten<strong>de</strong>r que ainda nao me era permitido faze-lo.<br />
Tres dias mais se passaram com a mesma rotina:<br />
beber o liquido amargo e ardido como pimenta,<br />
agora umas cinco a seis vezes no dia, comer<br />
frutas, carne branca cozida, pao <strong>de</strong> sal e agua.<br />
Sabia que nao era a quantia suficiente para matar<br />
a fome que agora era muito gran<strong>de</strong>; entretanto,<br />
sentia que estava, a cada dia, ficando mais
disposto e com muito mais vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair da<br />
cama. Levantar-me, caminhar, po<strong>de</strong>r sair daquele<br />
quarto, po<strong>de</strong>r verificar em que local estava, enfim<br />
fazer as minhas exploracoes investigatorias, pois,<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava, so o que conseguia ver pela porta<br />
do quarto e pela janela, eram arvores, arbustos e,<br />
as vezes, passaros. Para mim, estava no meio <strong>de</strong><br />
uma mata ou coisa parecida. Nunca recebi outra<br />
visita que nao a da jovem e, por uma unica vez, a<br />
do homem magro, alto e moreno. Quem teria<br />
feito a cirurgia em mim ? Que local seria aquele<br />
aparelhado para tal feito? Quem eram as pessoas<br />
que me ajudaram e por que o teriam feito? Ha<br />
quanto tempo estava ali? Perdi por completo a<br />
nocao do tempo. Por mais que tentasse, era-me<br />
impossivel <strong>de</strong>terminar quanto tempo havia se<br />
passado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia do aci<strong>de</strong>nte.<br />
No periodo do dia, <strong>de</strong>ntro do quarto, a<br />
temperatura era bastante elevada; entretanto,<br />
quando comecava o entar<strong>de</strong>cer, notava o<br />
aparecimento <strong>de</strong> uma brisa gostosa e fresca que<br />
fazia com que a temperatura mudasse muito,<br />
tornando-a bastante confortavel. Com minha<br />
experiencia em climas tropicais e maritimos, isso<br />
me dava a certeza <strong>de</strong> que estava bem proximo ao<br />
mar. Estaria em alguma ilha ? Estaria em algum<br />
continente? Qual?
No quarto dia, apos o ritual do <strong>de</strong>sjejum, notei<br />
que a jovem estendia os bracos em minha<br />
direcao. Como que nao enten<strong>de</strong>ndo nada, fiquei<br />
parado, quieto. Entao, ela aproximou-se <strong>de</strong> mim,<br />
pegou a minha mao esquerda e puxou-me para<br />
fora da cama. Fiquei em pe. Ela soltou-me. Nao<br />
tive tontura. Minhas pernas estavam firmes e<br />
minha cabeca muito consciente. Procurei<br />
caminhar. O que fiz sem a menor dificulda<strong>de</strong> e<br />
sem sentir qualquer tipo <strong>de</strong> dor ou <strong>de</strong>sconforto.<br />
Caminhei pelo quarto. Fui ate a porta. Notei que<br />
o quarto era tambem a unica peca da casa. Fui<br />
ate a janela. Vi uma mata exuberante, muito<br />
ver<strong>de</strong> e linda que, provavelmente, circundava a<br />
casa, agora, uma perfeita cabana <strong>de</strong> pescador.<br />
Uma unica peca que servia para tudo: quarto,<br />
sala, cozinha... com piso <strong>de</strong> terra batida. Um suor<br />
abundante e grosso comecou a rolar pela face e<br />
por todo o corpo. A jovem, sempre atenta,<br />
imediatamente, tomou minhas maos e me fez<br />
<strong>de</strong>itar. Ato que chegara em boa hora, pois estava<br />
prestes a <strong>de</strong>smaiar, mesmo sem sentir qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> dor ou <strong>de</strong>sconforto. Fiquei <strong>de</strong>itado<br />
durante todo o dia. A jovem, sempre solicita e<br />
atenciosa, serviu-me todas as refeicoes, o liquido<br />
amargo e muita agua, no leito, nao permitindo<br />
nem elevar a cabeca.
No dia seguinte fui acordado por uma<br />
algazarra <strong>de</strong> passaros. O sol, no meu rosto,<br />
incomodava-me <strong>de</strong> tao quente. Podia sentir o<br />
suor escorrendo pela minha testa e face.<br />
Levantei-me e, sem problema algum, an<strong>de</strong>i pela<br />
cabana. No canto, em cima da rustica mesa <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira, estava a ban<strong>de</strong>ja com o meu <strong>de</strong>sjejum.<br />
Junto a mesa, uma surpresa. Estava ali uma<br />
ca<strong>de</strong>ira, tambem rustica e <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Acomo<strong>de</strong>ime<br />
o mais confortavel que pu<strong>de</strong> e <strong>de</strong>vorei tudo o<br />
que havia na ban<strong>de</strong>ja. Quando sera que levaram a<br />
ca<strong>de</strong>ira para a cabana ? Tenho certeza <strong>de</strong> que ela,<br />
ate o dia anterior, nao estava ali. A mesa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
dia seguinte ao meu <strong>de</strong>smaio, fora colocada em<br />
um canto do comodo, visto que se fazia muito<br />
necessaria, servindo <strong>de</strong> suporte a toda a minha<br />
alimentacao.<br />
Apos o <strong>de</strong>sjejum, permaneci sentado por<br />
muito tempo imovel. Instintivamente olhei para<br />
o pulso esquerdo com a intencao <strong>de</strong> ver as horas.<br />
Estava sem relogio. Lembrei-me que havia<br />
combinado com Carla sairmos para a nossa<br />
viagem sem compromisso algum, inclusive para<br />
com o tempo.<br />
Como que por encanto, a imagem <strong>de</strong> Carla<br />
surgiu em meu cerebro tomando conta <strong>de</strong> toda a<br />
minha consciencia. Senti que fazia uma viagem
<strong>de</strong> regressao ao passado, <strong>de</strong>ixando-me envolver<br />
completamente em um turbilhao <strong>de</strong> lembrancas.
CAPITULO 2<br />
CARLA<br />
Certa manha <strong>de</strong> domingo, durante o almoco, o<br />
telefone tocou. Atendi. Era uma paciente antiga<br />
que pedia para socorrer a sua filha que estava<br />
com fortes dores estomacais. Disse-lhe que nao<br />
era um caso <strong>de</strong> urgencia e que a levasse a um<br />
hospital <strong>de</strong> plantao. Falou-me, entao, que a filha,<br />
durante a madrugada, tinha ido ao prontosocorro<br />
e recebido medicacao para as dores no<br />
estomago; entretanto, as mesmas nao haviam<br />
melhorado e agora estavam bem piores. Como me<br />
encontrava so, comendo uma droga <strong>de</strong> almoco<br />
que havia preparado sem muito entusiasmo e<br />
capricho e sem ter outra opcao melhor, resolvi<br />
aten<strong>de</strong>r a filha <strong>de</strong>sta minha paciente. Pedi que<br />
elas se encaminhassem ate a minha clinica, pois<br />
logo estaria la para aten<strong>de</strong>-la. Foi ai que a<br />
conheci Carla. Lembro tao bem como se estivesse<br />
la, agora, consultando-a...<br />
Cheguei antes <strong>de</strong>las no consultorio, esperava<br />
mae e filha. Sentei-me a maquina <strong>de</strong> escrever e<br />
comecei a fazer a ficha <strong>de</strong> consulta. Instantes<br />
<strong>de</strong>pois, duas mocas, uma loira e uma morena,<br />
chegaram. A loira i<strong>de</strong>ntificou-se como Carla e a<br />
morena como Liz. Fiquei, por momentos,<br />
estonteado, surpreso. A moca loira era <strong>de</strong> uma
eleza fantastica. Alta, esguia, com tracos faciais<br />
<strong>de</strong>licados como os <strong>de</strong> uma princesa. O impacto<br />
foi tanto, perante tamanha beleza que cheguei a<br />
<strong>de</strong>sprezar a presenca da morena Liz.<br />
Rapidamente conclui o preenchimento da ficha e<br />
pedi que entrassem para o consultorio. So ela<br />
entrou. Liz ficou na sala <strong>de</strong> espera dizendo que<br />
nao queria atrapalhar a consulta.<br />
Fechando a porta, encaminhei-me para a<br />
minha mesa pedindo que ela sentasse na poltrona<br />
em frente. Ao sentar, a saia envelope <strong>de</strong>ixou<br />
mostrar um lindo par <strong>de</strong> coxas, bem torneadas e<br />
exuberantes. Fiz uma historia clinica sem prestar<br />
muita atencao. Os labios carnudos, com um<br />
batom vermelho-escarlate, eram <strong>de</strong> uma<br />
sensualida<strong>de</strong> extremamente provocante. O<br />
perfume "Poison" que <strong>de</strong>la irradiava, inundou o<br />
consultorio.<br />
Pedindo-lhe <strong>de</strong>sculpas pela falta <strong>de</strong> secretaria,<br />
visto ser um atendimento anormal e tratar-se <strong>de</strong><br />
domingo, encaminhei-a para a mesa <strong>de</strong> exames.<br />
Pedi-lhe para <strong>de</strong>itar-se. O que fez. Em seguida,<br />
erguendo o quadril, <strong>de</strong>sabotoou a saia e afastou<br />
cada parte para os lados do corpo. A visao que<br />
tive foi estonteante. Uma calcinha branca,<br />
confeccionada em renda, apareceu cobrindo<br />
apenas a genitalia, <strong>de</strong>pilada, dourada como o sol.
O abdomen liso, bem torneado, sexy, convidavame<br />
para toca-lo. Refazendo-me do impacto,<br />
examinei-a. Conclui, apos todo o procedimento<br />
clinico, tratar-se <strong>de</strong> uma gastrite aguda, que pela<br />
historia colhida anteriormente, era provocada<br />
pelo uso da droga anorexigena que estava usando,<br />
como componente do regime <strong>de</strong> emagrecimento<br />
que estava fazendo.<br />
Mediquei-a e ela <strong>de</strong>spediu-se com gestos<br />
sensuais e um toque <strong>de</strong> mao que gelou minha<br />
alma. Acompanhada <strong>de</strong> Liz, vi-a <strong>de</strong>saparecer ao<br />
dobrar a rua que fazia esquina ao meu<br />
consultorio.<br />
A semana toda ela nao me saiu da cabeca.<br />
Tudo o que fazia, tudo o que via tinha a exata<br />
impressao <strong>de</strong> que estaria ali, que a veria a<br />
qualquer momento. Nao conseguia mais dormir.<br />
Estava obcecado por aquela imagem. Procurava<br />
seu perfume em todos os lugares que<br />
frequentava. Telefonaria a ela. Sim! Tinha o seu<br />
telefone em sua ficha clinica. Pedi a secretaria<br />
que procurasse a ficha <strong>de</strong> Carla e que a separasse<br />
para mim.<br />
No final da tar<strong>de</strong>, apos um dia exaustivo <strong>de</strong><br />
trabalho, apanhei sua ficha. Comecei a ler o setor<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificacao para ver o numero do telefone.<br />
Uma palavra que li foi como uma ducha fria em
minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> telefonar. "Casada". Com tanta<br />
beleza, com tantos gestos sensuais, com aquele<br />
jeito sexy, nao prestara atencao para o que eu<br />
mesmo havia escrito. Ela era casada. O remedio,<br />
para mim, era tentar tira-la da minha cabeca. Fui<br />
para o meu apartamento <strong>de</strong>cepcionado,<br />
enraivecido comigo mesmo. Que estupido. Que<br />
idiota havia sido. Como me <strong>de</strong>ixar impressionar e<br />
alimentar fantasias com uma mulher casada?<br />
On<strong>de</strong> estava a minha etica profissional e os meus<br />
principios?<br />
Durante a noite, mal dormida, tive varios<br />
pesa<strong>de</strong>los. Ela estava em todos e em todos eu a<br />
estava salvando <strong>de</strong> algum modo. Pretensao? Que<br />
podia fazer se, em todos os pesa<strong>de</strong>los que tive,<br />
era eu o medico que a atendia e a salvava <strong>de</strong><br />
varios tipos <strong>de</strong> molestias?<br />
O dia comecou <strong>de</strong> forma monotona. Nada para<br />
mim teria importancia. Era como se um vazio<br />
enorme estivesse tomando conta <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong><br />
meus atos, da minha vonta<strong>de</strong>. Estava agindo e<br />
reagindo como qualquer colegial apaixonado. Isto<br />
mesmo, apaixonado! Enfim <strong>de</strong>scobrira o que<br />
estava acontecendo comigo. Eu estava<br />
apaixonado. Perdidamente apaixonado.<br />
Em meu consultorio, apos aten<strong>de</strong>r a varios<br />
pacientes, estava absorto em meus pensamentos,
quando o interfone tocou. Era a minha<br />
secretaria.<br />
- Doutor, a paciente Carla esta na linha e quer<br />
falar urgente com o senhor. Posso passar a<br />
ligacao? Ansioso e surpreso, disse que sim.<br />
Sua voz era macia, meiga, <strong>de</strong>licada e doce.<br />
- Nao marquei meu retorno. Quando <strong>de</strong>vo<br />
voltar?<br />
- Tu estas melhor? A dor passou? Estas<br />
fazendo a dieta e a medicacao que te<br />
recomen<strong>de</strong>i?<br />
- Calma. Quantas perguntas. Estou otima e<br />
seguindo perfeitamente a medicacao e a dieta<br />
recomendadas.<br />
- Otimo. Fico feliz pelo teu restabelecimento.<br />
Aguarda um momento que vou transferir a<br />
ligacao para a secretaria.<br />
Profissionalmente, passei-a, pelo interfone<br />
para a secretaria a fim <strong>de</strong> que marcasse o retorno<br />
da consulta efetuada no ultimo domingo. Ja se<br />
haviam passado cinco dias.<br />
Fiquei bastante <strong>de</strong>sapontado. Nao mencionara<br />
absolutamente nada em relacao a querer me ver.<br />
Se eu havia <strong>de</strong>spertado nela algo como ela<br />
<strong>de</strong>spertara em mim ? Nada. Tambem, seria muita<br />
pretensao minha se assim o proce<strong>de</strong>sse. Nao<br />
havia intimida<strong>de</strong> alguma entre nos para que ela
tivesse liberda<strong>de</strong> para falar-me em tais assuntos,<br />
tao pessoais. Era evi<strong>de</strong>nte que ela prezava seu<br />
casamento e, nao falando <strong>de</strong> possiveis<br />
intimida<strong>de</strong>s, imaginadas por mim, mostrava-me<br />
que era uma mulher seria, respeitavel.<br />
Passaram-se dois dias apos o retorno <strong>de</strong> Carla<br />
ao meu consultorio. Era novamente domingo.<br />
Foram dois dias mais que, por mais que tentasse,<br />
nao conseguia esquece-la. Distraido, vendo um<br />
programa da televisao, custei a perceber o<br />
telefone tocando. Atendi, displicentemente.<br />
Quase saltei da cama ao ouvir a voz <strong>de</strong> Carla. Era<br />
uma surpresa e tanto. Estava muito calma e,<br />
falando pausadamente, com conviccao, disse-me<br />
que queria ver-me, aquela tar<strong>de</strong>. Tinha algo<br />
muito importante para dizer-me. Marcou um<br />
encontro, no estacionamento da Catedral <strong>de</strong><br />
Londrina, as quinze horas e trinta minutos e,<br />
sem dizer mais nada, <strong>de</strong>sligou. Fiquei tao<br />
estupefacto que duvidava dos meus sentidos.<br />
Teria ouvido mesmo aquela voz? Teria sido a<br />
Carla realmente? Estava taquicardico.<br />
Tomei uma chuveirada, vesti uma roupa<br />
esporte social. Fui para o estacionamento da<br />
Catedral <strong>de</strong> Londrina, on<strong>de</strong> residia ha mais <strong>de</strong><br />
cinco anos e que tambem era a cida<strong>de</strong> natal <strong>de</strong><br />
Carla. Estava ansioso e temeroso <strong>de</strong> que tudo
fosse um terrivel engano. Apenas um fruto da<br />
minha imaginacao. Fruto da minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
querer ter, em meus bracos aquela linda mulher.<br />
Entrei no estacionamento com o carro quase<br />
parando. No local <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarque, ela estava ali,<br />
vestida com pantalonas brancas, riscadas <strong>de</strong><br />
vermelho e com uma blusa branca. Uma roupa<br />
pobre e pouco combinativa para uma mulher <strong>de</strong><br />
tanta classe, pensei. Tinha, a tiracolo, uma bolsa<br />
preta, <strong>de</strong> tamanho medio, que em nada tinha a<br />
ver com a roupa vestida. Abri a porta do carro,<br />
logo que o parei. Ela entrou e junto seu perfume<br />
inconfundivel. Estava linda.<br />
- Aon<strong>de</strong> queres ir?<br />
- On<strong>de</strong> quiseres me levar.<br />
Senti que tremia mais do que varas ver<strong>de</strong>s.<br />
Tinha um suor frio percorrendo teimosamente<br />
todo o meu corpo. A taquicardia aumentara.<br />
Seria real o que estava acontecendo?<br />
Num motel, nos arredores da cida<strong>de</strong>, nos<br />
instalamos em um confortavel quarto. Liguei o<br />
som e solicitei a copa refrigerante para bebermos.<br />
Nada haviamos dito. O silencio foi quebrado<br />
apenas pelo meu pedido a copa.<br />
Ela sentou-se na cama e puxou-me em sua<br />
direcao. Comecou a <strong>de</strong>sabotoar minha camisa,<br />
<strong>de</strong>pois a tirou. Desafivelou meu cinto. Abriu
minha braguilha. Eu estava entorpecido;<br />
entretanto, comecei a beija-la carinhosamente e a<br />
tirar, tambem, suas vestes. Despi-a primeiro do<br />
que ela a mim. Sua beleza tonteava-me. Fizemos<br />
amor por muito tempo. Seus gritos, sua volupia<br />
conquistaram-me <strong>de</strong> todo.<br />
- Des<strong>de</strong> que te vi pela primeira vez, no teu<br />
consultorio, que nao consigo pensar em outra<br />
coisa. So te vejo, dia e noite. Estou apaixonada<br />
por ti.<br />
- Eu tambem estou apaixonado por ti, como<br />
nunca estive por ninguem. Tambem nao consigo<br />
pensar em mais nada a nao ser em ti. Esta dificil<br />
ate para trabalhar. Sinto teu perfume, sinto tua<br />
presenca, te procuro diuturnamente. Tem sido<br />
um martirio ficar sem te ver, sem po<strong>de</strong>r te tocar.<br />
No teu retorno ao consultorio, como nao disseste<br />
nada a respeito dos teus sentimentos, tambem,<br />
por respeito a tua condicao <strong>de</strong> mulher casada,<br />
nada te falei. Fiquei muito <strong>de</strong>cepcionado.<br />
Esperei, ansiosamente, o dia do teu retorno e em<br />
vao. E agora, por que resolveste me procurar? E o<br />
teu marido?<br />
- Te procurei porque senti que tu tambem<br />
estavas atraido por mim e como o meu marido<br />
esta viajando a servico, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir ter<br />
contigo foi mais forte que a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que
<strong>de</strong>veria ter para com ele. Ele e uma pessoa boa;<br />
entretanto, nada mais sinto por ele ha muito<br />
tempo. Nosso relacionamento esta se<br />
<strong>de</strong>teriorando dia a dia. Esta muito dificil<br />
permanecer ao lado <strong>de</strong>le. Apareceste numa fase<br />
da minha vida muito <strong>de</strong>licada. Estou carente.<br />
Carente <strong>de</strong> emocoes, carente <strong>de</strong> carinho, carente<br />
<strong>de</strong> tudo. Tua maneira cordial, teus gestos<br />
educados, tua voz, teu perfume, tua boca... Tu<br />
me conquistaste. Agora, mais ainda. Fiquei<br />
surpresa contigo. Es gran<strong>de</strong> para a tua altura.<br />
Amas como ninguem. Po<strong>de</strong>ria viver na cama a<br />
vida toda contigo. Me completas totalmente.<br />
Enche-me <strong>de</strong> alegria, extase, <strong>de</strong> amor. Eu te amo.<br />
Eu te amo...<br />
Muitos outros encontros aconteceram. Cada<br />
vez mais faziamos amor com maior intensida<strong>de</strong>,<br />
com muito mais paixao. Tinhamos que inventar<br />
<strong>de</strong>sculpas esfarrapadas para po<strong>de</strong>rmos nos<br />
encontrar. Os horarios eram os mais<br />
contraditorios possiveis. Pela manha, a tar<strong>de</strong>,<br />
durante o anoitecer, durante o horario <strong>de</strong><br />
trabalho, tanto o meu como o do marido <strong>de</strong>la. Eu<br />
estava feliz. Feliz como nunca me sentira em<br />
toda a minha vida. Era amado. A diferenca <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>s, eu com quarenta e dois anos e ela com<br />
vinte e tres anos, nao era empecilho algum. Ela
fazia-me sentir jovem, cheio <strong>de</strong> vida, cheio <strong>de</strong><br />
energia. Podia sentir que ela tambem vibrava<br />
com toda a intensida<strong>de</strong> do seu corpo ao menor<br />
toque <strong>de</strong> meus <strong>de</strong>dos em sua pele. Ao fazer amor,<br />
entao, era como se um jato <strong>de</strong> energia fluisse <strong>de</strong><br />
mim para ela. Seus gritos, seu corpo<br />
contorcendo-se, vibrando, fazendo uma danca<br />
erotica e <strong>de</strong> prazer. Eu a completava em todos os<br />
sentidos e planos.<br />
Certa manha, em meu escritorio, do meu<br />
servico governamental, ela apareceu e disse-me<br />
que estava acompanhada do marido. A principio<br />
fiquei sem saber o que dizer. Em seguida pedi<br />
para ambos entrarem e sentar. Ele recusou. Disse<br />
que preferia ficar em pe. Era um homem alto,<br />
loiro, nem gordo e nem magro. Porte atletico.<br />
Pensei que seria agredido. Bruscamente, voltouse<br />
para ela e perguntou se era eu a quem ela<br />
amava? Como quem diz como po<strong>de</strong> trocar-me<br />
por uma pessoa mais velha, mais baixa do que ele<br />
e nem tao atletico como ele? Ela, olhando-o<br />
fixamente nos olhos, respon<strong>de</strong>u que gostava<br />
muito <strong>de</strong>le, porem era a mim que ela amava.<br />
Disse-lhe incisivamente: eu amo o Dr. <strong>Marcus</strong><br />
Roge. E com ele que quero viver <strong>de</strong> hoje em<br />
diante.<br />
A reacao do marido foi espantosa. Seu olhar
cheio <strong>de</strong> odio e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scredito ao mesmo tempo,<br />
sua face enrubescida, o suor escorrendo-lhe pelo<br />
rosto, fizeram um quadro que jamais esquecerei.<br />
Tudo foi tao rapido, inesperado e inusitado.<br />
Imaginando que viria <strong>de</strong> encontro a mim,<br />
levantei-me e fiquei na expectativa. Ele virou-se,<br />
caminhou em direcao a porta e comecou a bater<br />
com a cabeca <strong>de</strong> encontro a esta, enquanto<br />
lagrimas <strong>de</strong>sciam-lhe pela face. Ficou assim por<br />
alguns momentos. Em seguida saiu dizendo que a<br />
esperava no carro. Ela veio ate mim, beijou-me e<br />
disse-me que nao aguentava mais viver com ele e<br />
que tomara tal <strong>de</strong>cisao sabendo que podia contar<br />
comigo, pois ja <strong>de</strong>monstrara a intencao <strong>de</strong><br />
vivermos juntos. Vai ser maravilhoso, falou <strong>de</strong><br />
forma clara e segura, sem dar mostras <strong>de</strong> que<br />
havia ficado chocada com a cena ocorrida<br />
instantes atras. Beijou-me mais uma vez e saiu.<br />
Nao sei por quanto tempo fiquei ali, parado,<br />
em pe, nao acreditando no que havia acontecido.<br />
Os fatos e os atos encaminharam-se <strong>de</strong> forma<br />
brusca para um final que havia planejado para so<br />
dali a alguns meses. Teria muita coisa que<br />
comprar. Teria que equipar o apartamento para<br />
uma vida a dois. O que tinha servia apenas para<br />
uma pessoa e sem gran<strong>de</strong>s preocupacoes com<br />
luxo, conforto e muito menos com a
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter companhia <strong>de</strong>finitiva e<br />
constante.<br />
Os dias que se seguiram foram <strong>de</strong> muita<br />
tensao. O marido <strong>de</strong> Carla nao aceitava o fato <strong>de</strong><br />
te-la perdido para mim. Comecou a telefonar<br />
ameacando-me. Vivi momentos <strong>de</strong> angustia.<br />
Sabia que po<strong>de</strong>ria ser alvo <strong>de</strong> uma agressao fisica<br />
mais violenta. Passei, entao, a andar armado. No<br />
carro ou nos meus locais <strong>de</strong> trabalho estava<br />
sempre com o meu Taurus calibre 38, <strong>de</strong> sete<br />
tiros, pronto para uma reacao a qualquer<br />
momento.<br />
Ela pediu-lhe para sair do apartamento em que<br />
morava. Ele negou-se, dizendo que tudo era <strong>de</strong>le.<br />
O dialogo <strong>de</strong> sempre, por parte <strong>de</strong> quem nao quer<br />
per<strong>de</strong>r. Passou, entao, a mante-la sob vigilancia<br />
constante. Estava muito dificil para nos<br />
encontrarmos.<br />
Um curso <strong>de</strong> atualizacao medica, na minha<br />
especialida<strong>de</strong>, realizar-se-ia em Curitiba, no final<br />
do mes. Estavamos em meados <strong>de</strong> setembro.<br />
Arriscando muito, telefonei para Carla contando<br />
do curso e marcando nossa ida para a capital.<br />
A muito custo, num momento em que o<br />
marido dormia, Carla foi ter comigo, em meu<br />
apartamento. Levava consigo uma mala com suas<br />
roupas. Viajamos no mesmo momento para
Curitiba.<br />
A viagem serviu para <strong>de</strong>scontrair-nos. O curso<br />
foi excelente. Meu aproveitamento foi total.<br />
Carla participou, comigo, <strong>de</strong> todo o curso.<br />
Estudava durante o dia e, a noite, saiamos para<br />
dancar, jantar, viver com intensida<strong>de</strong> as<br />
maravilhas noturnas da capital. No hotel, as<br />
sobras da noite serviam <strong>de</strong> palco para nos<br />
amarmos. Amor com intensida<strong>de</strong> carnal, com<br />
intensida<strong>de</strong> espiritual, com intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
amantes apaixonados e <strong>de</strong>scompromissados.<br />
Tinhamos que retornar a Londrina. O curso<br />
terminara ha dois dias. Tiramos ferias por conta e<br />
sem avisar ninguem. Minha <strong>de</strong>cisao estava<br />
tomada. Ela nao retornaria mais para o marido.<br />
Iria viver <strong>de</strong>finitivamente comigo.<br />
Assim foi feito. Para minha surpresa, o<br />
marido, compreen<strong>de</strong>ndo que a tinha perdido<br />
<strong>de</strong>finitivamente, nao esbocou qualquer reacao ou<br />
manifestacao contraria. Por precaucao ainda<br />
an<strong>de</strong>i armado por muito tempo.<br />
A vida <strong>de</strong> "casado", no inicio, foi um tanto<br />
quanto complicada; <strong>de</strong> adaptacao e compreensao<br />
mutua. Era muito dificil ver minhas coisas em<br />
lugares diferentes. Era dificil aceitar que ela<br />
ficasse dormindo ate quase o meio-dia. Nao que<br />
estranhasse o fato em si. E que a queria comigo
em tempo integral.<br />
Viviamos intensamente. Raras eram as noites<br />
que ficavamos em casa. Visitavamos amigos,<br />
frequentavamos quase todas as casas noturnas <strong>de</strong><br />
Londrina. Eramos felizes.<br />
A familia <strong>de</strong> Carla custou a aceitar a sua nova<br />
condicao social: mulher separada e vivendo<br />
amasiada com outro homem. Entretanto, como<br />
eu era o medico <strong>de</strong> todos ha muitos anos, a<br />
minha presenca e a minha condicao <strong>de</strong> mais<br />
novo membro da familia foi, paulatinamente,<br />
sendo conquistada e aceita.<br />
Resolvemos entrar na justica com a acao <strong>de</strong><br />
divorcio. Era minha intencao regularizar nossa<br />
situacao perante a familia e perante a socieda<strong>de</strong>.<br />
Divorcio pronto, conclamado. Casamos no dia<br />
21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. Viajamos para Porto Alegre.<br />
Seria uma viagem <strong>de</strong> nupcias, e, ao mesmo<br />
tempo, apresentaria Carla para a minha familia.<br />
Lembro muito bem <strong>de</strong> nossa ida. Pela manha,<br />
mais ou menos as cinco horas e trinta minutos<br />
com o carro pronto, malas embarcadas, iniciamos<br />
nossa viagem <strong>de</strong> nupcias. Ela nao conhecia nada<br />
do Sul. Desci pela BR - 116, estrada da serra.<br />
Durante a viagem, paramos em quase todos os<br />
moteis do caminho. Se isto nao bastasse, em<br />
dado momento, la pelas <strong>de</strong>zoito horas, ela sentou
em meu colo, excitou-me. O carro <strong>de</strong>senvolvia<br />
uma velocida<strong>de</strong> razoavel. Quando me encontrava<br />
ja bastante excitado, voltou para o seu assento,<br />
abriu a braguilha da minha calca, tirou meu penis<br />
para fora e comecou a sorve-lo freneticamente,<br />
porem <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>licada. Estava prestes a gozar<br />
quando num movimento brusco, pulou para o<br />
meu colo e me fez penetra-la. Foi uma<br />
experiencia fantastica. Senti minhas pernas<br />
amolecerem. Estava com dificulda<strong>de</strong> para<br />
enxergar a estrada. Parei no acostamento e quase<br />
<strong>de</strong>smaiei <strong>de</strong> tao esgotado que fiquei. Ela ria<br />
<strong>de</strong>liciosamente e com muita malicia. Pergunteilhe<br />
como podia fazer amor sem tirar as<br />
calcinhas? Eu senti que ela estava <strong>de</strong> calcinhas.<br />
Rindo, tirou-as e mostrou-me o segredo. As<br />
calcinhas tinham um furo na altura da vagina.<br />
Eram confeccionadas propositadamente para<br />
estas ocasioes.<br />
Muitos carros passavam e, quem sabe, quantas<br />
perguntas e indagacoes nao estariam fazendo a<br />
nosso respeito. O fato que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns<br />
minutos, procurando refazer minhas condicoes<br />
fisicas, retomei a estrada em direcao a Porto<br />
Alegre.<br />
Chegamos a Gramado as vinte e uma horas.<br />
Fomos imediatamente para o hotel do Lago
Negro. Ocupamos uma das cabanas. Tomamos um<br />
gostoso banho e saimos para jantar, no centro da<br />
cida<strong>de</strong>. Esta era uma verda<strong>de</strong>ira magia para os<br />
nossos olhos. Preparada para as festas natalinas<br />
estava toda iluminada, com um colorido<br />
resplan<strong>de</strong>cente e magnifico. Nao sei por quanto<br />
tempo ficamos no centro da cida<strong>de</strong> apos termos<br />
jantado a tipica comida italiana da regiao,<br />
acompanhando, como as inumeras pessoas que la<br />
se encontravam, todo o <strong>de</strong>slumbramento do<br />
lugar. La pelas duas horas da manha, retornamos<br />
ao hotel. O calor era intenso. Ao <strong>de</strong>scer do carro,<br />
lembrei que havia comprado vinhos da regiao.<br />
Apanhei umas quatro garrafas e as levei para o<br />
quarto. Comecamos a nos <strong>de</strong>spir e a fazer trocas<br />
<strong>de</strong> caricias, ao mesmo tempo em que<br />
<strong>de</strong>gustavamos um saboroso vinho branco suave.<br />
A atmosfera daquele jogo <strong>de</strong> amor foi se tornando<br />
cada vez mais crescente, a medida que ficavamos<br />
embriagados e excitados. Repentinamente,<br />
comecamos a rir e a fazer brinca<strong>de</strong>iras diversas,<br />
em nada lembrando o sexo a que nos<br />
propunhamos. Ela tirou todas as suas roupas e<br />
vestiu as que eu estava usando. Fiz a mesma<br />
coisa, vesti todas as roupas que ela havia tirado.<br />
Evi<strong>de</strong>nte que nao serviram, nem ao menos<br />
consegui vestir algumas pecas, como as calcinhas
e sua blusa. Vesti so uma parte <strong>de</strong> sua saia.<br />
Inesperadamente, ela abriu a porta da cabana e<br />
caminhou em direcao a piscina, cambaleando e<br />
rindo muito. Fui ter com ela e, juntos, caimos na<br />
agua. Tiramos todas as roupas, tomamos um<br />
<strong>de</strong>licioso e fantastico banho, nadamos e fizemos<br />
amor ate a exaustao completa, sob um luar<br />
cinematografico. Por sorte, nossa travessura nao<br />
foi partilhada por ninguem. Voltamos a cabana e<br />
dormimos ate o meio-dia do dia seguinte.<br />
Acordamos estonteados, com ruidos <strong>de</strong><br />
motores bem perto da cabana, que ficava a<br />
poucos metros do lago negro. Fizemos um<br />
<strong>de</strong>sjejum rapido e fomos verificar do que se<br />
tratava. Era uma prova <strong>de</strong> rali, disputada em<br />
estradas que margeavam o lago. Foi um<br />
espetaculo lindo e diferente. Aproveitei a<br />
paisagem do lago para fazer varias fotos <strong>de</strong> Carla.<br />
Sem que nos <strong>de</strong>ssemos conta, estavamos sendo<br />
observados por uma pequena multidao <strong>de</strong> jovens<br />
e adultos <strong>de</strong> ambos os sexos. Todos queriam<br />
saber <strong>de</strong> quem se tratava? Quem era a mo<strong>de</strong>lo<br />
que estava sendo fotografada? Disse-lhes que era<br />
apenas a minha esposa e que tambem era prima<br />
da Xuxa. O assedio <strong>de</strong> todos foi fantastico. Todos<br />
queriam autografos da prima da Xuxa. Senti<br />
orgulho, pois varias vezes ouvi comentarios
sobre a beleza <strong>de</strong> Carla. Ela, sabendo-se admirada,<br />
passou a fazer poses cada vez mais sensuais. Com<br />
ciumes, resolvi terminar a secao <strong>de</strong> fotografias.<br />
Voltamos para o hotel, fizemos um lanche e<br />
saimos para ver todos os pontos turisticos da<br />
regiao. Carla e eu estavamos felizes. Ficamos em<br />
Gramado por mais dois dias.<br />
Em direcao a Porto Alegre, levei-a para comer<br />
em um restaurante <strong>de</strong> estrada que serve codornas<br />
assadas no espeto. Iguaria que ela jamais havia<br />
experimentado. Adorou.<br />
Em Porto Alegre, pu<strong>de</strong> notar o olhar <strong>de</strong><br />
espanto <strong>de</strong> Carla com o tamanho da cida<strong>de</strong>. Ela<br />
nao acreditava no que via. Ja conhecera outras<br />
capitais, entretanto, com aquele tamanho e<br />
<strong>de</strong>sorganizacao ela jamais havia visto. Porto<br />
Alegre nao e uma capital planejada como<br />
Curitiba. E linda porque se fez linda com o passar<br />
dos anos. Tornou-se a cida<strong>de</strong> sorriso dos gauchos.<br />
O gran<strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> carros, onibus,<br />
motocicletas, transeuntes a preocupou. Podia ver<br />
que olhava para mim com certa <strong>de</strong>sconfianca,<br />
certa inseguranca. Acalmei-a dizendo-lhe que<br />
estava habituado a dirigir naquele transito. Disselhe<br />
para nao esquecer que ja havia residido em<br />
Porto Alegre por varios anos.<br />
Minha mae e minha irma a receberam bem.
Um tanto <strong>de</strong>sconfiadas para o meu gosto. Mais<br />
tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobri que a tinham achado muito<br />
vulgar. Era so o impacto <strong>de</strong> tanta beleza pensei<br />
comigo mesmo. Permanecemos com a familia por<br />
quase sete dias. Resolvemos, entao, voltar para<br />
casa, em Londrina.<br />
Escolhi, para finalizar a lua-<strong>de</strong>-mel, a BR-101<br />
que margeia todo o litoral gaucho, catarinense e<br />
paranaense. E uma viagem fantasticamente bela.<br />
Acredito que o litoral sul seja um dos mais belos<br />
<strong>de</strong>ste nosso Brasil. Em Torres, uma das praias <strong>de</strong><br />
mar mais elegante e bela do litoral gaucho,<br />
mostrei a Carla as falesias com suas enormes<br />
cavernas originadas pelo atrito constante das<br />
aguas do mar. Ela ficou extasiada. Varias foram<br />
as fotos que ali tiramos e em cada uma mais<br />
ficava evi<strong>de</strong>nte o contraste da beleza <strong>de</strong> Carla<br />
com aquela incrivel natureza. No litoral<br />
catarinense, mostrei-lhe as belezas <strong>de</strong> Laguna,<br />
sua historia, seus museus, a casa <strong>de</strong> Anita<br />
Garibaldi, a fonte dos <strong>de</strong>sejos, on<strong>de</strong>, bebendo-se<br />
da agua e se fazendo um pedido, o mesmo e<br />
concedido imediatamente. Passeamos pela praia<br />
brava, pela praia mansa. Mostrei-lhe sitios<br />
arqueologicos e sambaquis da regiao. Conheceu<br />
Florianopolis, a ilha da fantasia dos barrigasver<strong>de</strong>s.<br />
Terminamos nosso dia no balneario <strong>de</strong>
Camboriu. La apresentei Carla a uma bela<br />
senhora <strong>de</strong> origem alema, <strong>de</strong> nome Erika, minha<br />
amiga e paciente. Esta nos hospedou em um <strong>de</strong><br />
seus apartamentos e nos tratou como majesta<strong>de</strong>s.<br />
Aproveitando que Carla estava no banho, disseme<br />
para ter muito cuidado com ela. Era linda<br />
<strong>de</strong>mais e mulher bonita e sinonimo <strong>de</strong> confusao.<br />
Ri muito com o que dissera e agra<strong>de</strong>ci o<br />
conselho. Aproveitamos a hospedagem por dois<br />
dias. Dias que jamais me esquecerei <strong>de</strong> tao belos<br />
e tranquilos.<br />
O barulho da porta, abrindo-se violentamente<br />
e batendo <strong>de</strong> encontro a pare<strong>de</strong> da cabana, fizerame<br />
voltar ao presente. Ao mundo estranho e<br />
misterioso que me encontrava. Levantei-me da<br />
ca<strong>de</strong>ira e fui ate a porta. Esta havia sido aberta<br />
por alguma rajada <strong>de</strong> vento mais forte. Sempre<br />
pela manha, enquanto <strong>de</strong>itado, podia sentir que,<br />
em alguns momentos, o vento aumentava <strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong> sem maiores problemas.
CAPITULO 3<br />
O SALVAMENTO<br />
Nao sei por quanto tempo mais esperei pela<br />
jovem. O <strong>de</strong>vaneio ao meu passado com certeza<br />
tomara boa parte da manha.<br />
Como ela nao apareceu, resolvi fazer uma<br />
incursao pelos meus novos dominios. Sai da<br />
cabana e pela altura do sol, <strong>de</strong>veria ser<br />
aproximadamente <strong>de</strong>z horas. O ar era puro,<br />
agradavel <strong>de</strong> ser respirado. Continha um aroma<br />
<strong>de</strong> flores silvestres extraordinario. O cheiro da<br />
mata estava <strong>de</strong>licioso. Meus pulmoes ficaram<br />
repletos <strong>de</strong> sau<strong>de</strong>. Sentia-me otimo. Talvez<br />
melhor do que antes do aci<strong>de</strong>nte. Juro que podia<br />
sentir minhas celulas renovando-se<br />
imediatamente aquele contato com a natureza.<br />
Minhas suspeitas, <strong>de</strong> quando <strong>de</strong>itado e so<br />
po<strong>de</strong>ndo ver o que a abertura da porta permitia, e<br />
<strong>de</strong>pois mais tar<strong>de</strong> quando pu<strong>de</strong> levantar-me e ir<br />
ter junto a janela, se confirmaram. A cabana<br />
estava situada e isolada no meio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>nsa<br />
selva tropical. O que a principio pensei tratar-se<br />
<strong>de</strong> um aglomerado <strong>de</strong> arvores e folhagens muito<br />
juntas, na realida<strong>de</strong> era uma magnifica selva<br />
tropical. So agora reparava que, apesar da cabana<br />
ter um forro <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, seu telhado era feito por<br />
uma especie <strong>de</strong> palmeira, o que <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do seu
interior nao conseguia visualizar. Outro fato<br />
estranho. As cabanas que conhecia<br />
principalmente as <strong>de</strong> pescador, nao possuiam<br />
forro algum e eram recobertas por capim santa-fe<br />
na sua gran<strong>de</strong> maioria. Outras eram recobertas<br />
por folhas <strong>de</strong> palmeiras, mas todas, com certeza,<br />
sem forro algum. Em algumas praias, mais perto<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s maiores, as cabanas eram recobertas<br />
por telhas <strong>de</strong> barro do tipo francesa ou colonial e,<br />
nestas, tambem a ausencia <strong>de</strong> forro era<br />
constante.<br />
Caminhei ao redor da cabana. Vi que, saindo<br />
da porta e indo em direcao a selva, existia uma<br />
trilha. Imediatamente comecei a caminhar por<br />
ela, seguindo-a. Fazia muito tempo que estava<br />
caminhando por entre as arvores. Quando podia<br />
visualizar o ceu, via que o sol ja estava ficando a<br />
pino, isto e, perto das doze horas. Enfim a trilha<br />
acabou e, com ela, a vegetacao <strong>de</strong>nsa da selva. A<br />
visao que tinha agora era completamente outra.<br />
De on<strong>de</strong> estava, <strong>de</strong>scortinava-se uma linda praia<br />
<strong>de</strong> enseada, com o mar ver<strong>de</strong>-azulado, calmo<br />
como espelho.<br />
O calor umido da floresta foi substituido<br />
agradavelmente por uma brisa leve e suave vinda<br />
do mar. Minha alegria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r rever aquela<br />
imensidao <strong>de</strong> aguas foi tal que, sem prestar muita
atencao, vi-me logo caminhando por finas e<br />
<strong>de</strong>licadas areias brancas. Tinha, nos pes, uma<br />
sensacao agradavel, como se alguem me estivesse<br />
a fazer massagens. Com o passar do tempo,<br />
comecei a sentir os efeitos do sol sobre a minha<br />
pele. Podia sentir uma ar<strong>de</strong>ncia incomoda a<br />
crescer <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> minuto a minuto.<br />
Imediatamente, sai da praia, refugiando-me na<br />
mata. Descansei um pouco. Depois an<strong>de</strong>i, sem<br />
uma direcao <strong>de</strong>terminada por muito tempo. Nada<br />
vi alem <strong>de</strong> insetos, aracni<strong>de</strong>os, repteis e uma<br />
varieda<strong>de</strong> incrivel <strong>de</strong> arvores e arbustos, que<br />
lembrasse que estava em uma terra colonizada.<br />
Procurei retornar para a praia a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
encontrar a trilha que me levaria <strong>de</strong> volta a<br />
cabana. Pelos meus calculos ja estaria perto das<br />
quinze horas. Achando a trilha, me pus a fazer o<br />
caminho <strong>de</strong> volta. Estava escurecendo quando<br />
finalmente cheguei.<br />
Abri a porta e, para minha surpresa, duas<br />
camas haviam <strong>de</strong>saparecido. A em que ficara,<br />
on<strong>de</strong> sempre dormia e havia estado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
para ali tinha sido levado, estava arrumada, com<br />
lencois limpos, travesseiro com fronha limpa.<br />
Lencois e fronha brancos. No canto costumeiro,<br />
em cima da mesa, a ban<strong>de</strong>ja com frutas e a<br />
comida <strong>de</strong> sempre, mais o recipiente <strong>de</strong> barro
com o liquido ardido compunham o que<br />
provavelmente teria sido o meu almoco.<br />
Provavelmente, a esta altura do dia, o meu<br />
<strong>de</strong>saparecimento da cabana ja teria sido notado.<br />
Sentei-me e comi tudo o que estava servido.<br />
Estava faminto apos ter caminhado por horas.<br />
Como sempre acontecia, um sono imperioso foi<br />
se apo<strong>de</strong>rando <strong>de</strong> mim. Fui para a cama e,<br />
afastando o lencol para o lado, <strong>de</strong>itei e adormeci<br />
profundamente.<br />
Nao sei em que altura da noite acor<strong>de</strong>i. Senti<br />
que nao me encontrava so na cabana. Sentei na<br />
cama e visualizei a jovem, em pe, junto aos pes<br />
da cama, olhando-me fixamente como que<br />
fazendo uma analise <strong>de</strong> todo o meu corpo.<br />
Aproximou-se, silenciosamente <strong>de</strong> mim, e tocoume<br />
na face. Senti uma diferenca significativa <strong>de</strong><br />
temperatura em sua mao. Das outras vezes em<br />
que me tocara, sua mao era sempre fria, agora,<br />
estava quente, muito quente. Levantei-me, sem<br />
que meu ato <strong>de</strong> levantar tenha provocado<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> reacao na jovem. An<strong>de</strong>i pelo<br />
recinto, abri inesperadamente a porta. A jovem<br />
nao <strong>de</strong>monstrava qualquer reacao. Estava imovel,<br />
em pe, junto ao lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> levantara. Atraves<br />
<strong>de</strong> gestos, me fez enten<strong>de</strong>r que era para ficar<br />
<strong>de</strong>itado. Obe<strong>de</strong>ci. Sem emitir qualquer som, a
jovem saiu da cabana. Tao logo a porta se fechou<br />
tras <strong>de</strong>la, levantei-me e abri a porta. Nada vi, a<br />
nao ser a silhueta das arvores sob o luar. Fiquei<br />
<strong>de</strong>cepcionado, pois queria ver se ela usava a<br />
mesma trilha que <strong>de</strong>scobrira pela manha. Ao<br />
fechar a porta, percebi, ate meio assustado, a<br />
presenca <strong>de</strong> uma lamparina que ardia<br />
tenuemente em cima da mesa. Como ela havia<br />
acendido a lamparina? Como nao a notei antes?<br />
Estava pronto para dormir, agora coberto pelo<br />
lencol, quando comecei a sentir uma vonta<strong>de</strong><br />
louca <strong>de</strong> urinar. Fiquei feliz com esta sensacao,<br />
pois era sinal <strong>de</strong> que minhas necessida<strong>de</strong>s<br />
fisiologicas estavam voltando ao normal. Voltei<br />
para a cama e adormeci pesadamente.<br />
Acor<strong>de</strong>i junto com o dia. A refeicao habitual<br />
nao estava servida. Fato que nao me preocupou,<br />
ao contrario, fez-me acreditar que, realmente, o<br />
dia estava nascendo e ainda era muito cedo para<br />
a jovem trazer o meu <strong>de</strong>sjejum. Aproveitando o<br />
fato, sai da cabana e dando a volta por tras da<br />
mesma, reparei a existencia <strong>de</strong> outra trilha,<br />
tambem por entre as arvores. Creio nao te-la<br />
visto no dia anterior pelo fato <strong>de</strong> que, ao ver a<br />
primeira trilha, nada mais me chamou a atencao<br />
e imediatamente comecei a percorre-la. Outro<br />
fato interessante e que esta nova trilha estava
escondida, isto e, so era visivel se <strong>de</strong>ssemos a<br />
volta por tras da cabana, em sentido horario.<br />
Existiam arbustos em sua entrada que faziam<br />
com que seu inicio fosse encoberto, por quem<br />
saisse da cabana e nao a contornasse. Comecei a<br />
segui-la. Caminhei por muito tempo, sempre<br />
muito atento aos ruidos e a presenca <strong>de</strong> possiveis<br />
animais. Repentinamente, como que por<br />
encanto, a trilha acabou e, com ela, a mata<br />
cerrada e pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>scortinar um imenso vale, com<br />
terras cultivadas, muitas flores, animais nativos<br />
semelhantes a pequenos camelos, algumas vacas<br />
e alguns cavalos. De on<strong>de</strong> estava, tambem podia<br />
visualizar varias casas agrupadas, em direcao<br />
paralela, para a direita, aos animais e aos campos<br />
cultivados, dando-me a impressao <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong><br />
uma vila. Procurei me aproximar. Pu<strong>de</strong> notar que<br />
todas as casas eram pintadas <strong>de</strong> branco e tinham<br />
um espacamento regular entre elas, como se tudo<br />
fosse planejado. Notei que, em muitas <strong>de</strong>las,<br />
havia movimentos <strong>de</strong> seus moradores,<br />
<strong>de</strong>monstracao clara <strong>de</strong> que se preparavam para o<br />
dia <strong>de</strong> trabalho e que, certamente, ja estariam<br />
para sair e que muitas tambem estavam quietas,<br />
sem movimentacao alguma. Seria impru<strong>de</strong>ncia<br />
<strong>de</strong> minha parte me fazer notar, por isso procurei<br />
ficar escondido, atras <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>stas casas,
aparentemente sem movimentacao. Nao pu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> notar que estas casas diferiam muito da<br />
cabana on<strong>de</strong> fora alojado. Eram construidas em<br />
pedras com cobertura <strong>de</strong> telhas <strong>de</strong> barro, finas e<br />
planas, tambem pintadas <strong>de</strong> branco. De on<strong>de</strong><br />
estava, dava-me a impressao <strong>de</strong> uma al<strong>de</strong>ia<br />
europeia, visto que os telhados eram altos e<br />
possuiam uma caida, em angulo agudo, como os<br />
<strong>de</strong> regioes on<strong>de</strong> existem nevadas.<br />
Os habitantes das casas comecaram a <strong>de</strong>ixalas.<br />
Caminhavam como automatos, pausada e<br />
silenciosamente. Todos saiam ao mesmo tempo.<br />
Aproximando-me mais, vi que todos se dirigiam<br />
para um mesmo local. Procurei me localizar<br />
melhor, sem ser notado, e vi que o local para<br />
on<strong>de</strong> todos estavam indo era uma praca, on<strong>de</strong>, no<br />
centro, existia uma especie <strong>de</strong> arena <strong>de</strong> formato<br />
circular cujo solo era forrado pela areia branca da<br />
praia, que ja tivera oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver. Vi a<br />
jovem que servia as minhas refeicoes, no meio<br />
daquelas pessoas. Eram todas magras, morenas,<br />
com os cabelos compridos e lisos e com os olhos<br />
amendoados. Era uma caracteristica daquele<br />
povo. Todos se vestiam da mesma forma: uma<br />
tunica muito branca e comprida, que atingia<br />
quase aos tornozelos. Postaram-se em grupo <strong>de</strong><br />
quatro, em <strong>de</strong>z fileiras, distantes umas das
outras, aproximadamente um metro. Deram-se as<br />
maos e ficaram voltados para o sol por um longo<br />
tempo. Depois se cumprimentaram, todos e se<br />
dispersaram. Procurei nao per<strong>de</strong>r a jovem <strong>de</strong><br />
vista. Silenciosamente e com muito cuidado a<br />
segui. Vi-a entrar em uma casa e, apos algum<br />
tempo, sair com a ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> frutas, a comida e o<br />
pote on<strong>de</strong> sempre estava o liquido escuro<br />
avermelhado, caminhando em minha direcao.<br />
Apressadamente sai <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava e voltei o<br />
mais rapido que pu<strong>de</strong>, para a trilha que me<br />
levaria para a cabana, no interior da selva.<br />
Cheguei alguns minutos antes <strong>de</strong>la a cabana.<br />
Sem mostrar surpresa por me ver acordado e<br />
recostado na cama, colocou a ban<strong>de</strong>ja do<br />
<strong>de</strong>sjejum em cima da mesa, apagou com um<br />
discreto sopro a lamparina e afastou-se para um<br />
dos cantos da cabana. Esperou que eu sentasse e<br />
comecasse a comer. Olhou para mim, por alguns<br />
segundos, e saiu sem fazer qualquer ruido.<br />
Estava distraido, comecando a comer, quando<br />
a porta da cabana abriu-se a jovem apareceu<br />
fazendo sinais para que a seguisse. Sai da cabana<br />
e a segui por poucos metros para o lado esquerdo.<br />
Para minha surpresa, <strong>de</strong>parei-me com outra<br />
pequena cabana. Fez-me sinal para abrir a porta e<br />
entrar. Fazendo o que pedia, tive uma surpresa.
Estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um completo sanitario com<br />
chuveiro, vaso sanitario, pia e um armario<br />
rustico. Caminhando a minha frente, abriu o<br />
armario e mostrou-me seu interior. La estavam<br />
alguns panos atoalhados, brancos, muito limpos,<br />
prontos para serem usados. Antes que pu<strong>de</strong>sse<br />
dizer qualquer coisa, ela ja tinha saido e<br />
<strong>de</strong>saparecido por entre as arvores.<br />
Como faziam estas coisas? Como este<br />
sanitario havia sido construido? Pela manha, ali<br />
nao existia nada. Um pensamento me fez rir <strong>de</strong><br />
alegria. Se haviam construido um sanitario para<br />
mim, isto queria dizer que nao estava morto e<br />
que minhas funcoes biologicas ja estavam<br />
perfeitamente normais. Voltei para a cabana e<br />
terminei o <strong>de</strong>sjejum.<br />
Cuidadosamente voltei para a vila e me<br />
certifiquei <strong>de</strong> que nao teria visita alguma. Fiquei<br />
escondido, junto a pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma das casas, por<br />
muito tempo. Tudo era normal exceto por uma<br />
coisa: pelo que podia ver, so estavam na vila<br />
mulheres e criancas. On<strong>de</strong> estariam os homens<br />
que tinha visto ao amanhecer? No campo,<br />
cuidando dos animais e da plantacao, tambem so<br />
tinha visto mulheres e criancas, quando estava<br />
caminhando em direcao a vila. A principio nao<br />
me <strong>de</strong>ra conta <strong>de</strong>ste pormenor; entretanto, agora,
era algo intrigante. Em toda a vila nao existia um<br />
homem sequer. Confuso com o que <strong>de</strong>scobrira,<br />
resolvi voltar para a cabana. Provavelmente, por<br />
estar perto do almoco, a jovem ja estaria se<br />
preparando para leva-lo.<br />
Uma meia hora apos ter chegado a cabana, a<br />
jovem apareceu com o meu almoco, como havia<br />
previsto. Deixei-a colocar a ban<strong>de</strong>ja sobre a mesa<br />
e antes que ela saisse, segurei-lhe, <strong>de</strong>licadamente,<br />
o seu braco esquerdo. Ela virou-se para mim com<br />
aspecto interrogativo e surpresa pela minha<br />
atitu<strong>de</strong>. Tentei, por sinais e falando, pedir<br />
explicacoes sobre o que havia acontecido comigo.<br />
Sem brutalida<strong>de</strong>, ela tirou a minha mao do seu<br />
braco e saiu sem me dar qualquer resposta ou<br />
mostrar-me que havia entendido alguma coisa do<br />
que lhe dissera.<br />
Apos o almoco, voltei para a vila. Agora,<br />
comecava a me sentir <strong>de</strong>sconfortavel, vestindo<br />
somente o calcao. Que pensariam <strong>de</strong> mim, os<br />
moradores da vila se por acaso me vissem. Um<br />
homem seminu, vestindo um calcao e<br />
completamente imberbe? Certamente, agora, o<br />
alienigena seria eu. Teria que conseguir roupas<br />
iguais as usadas por todos. Como? Este<br />
pensamento <strong>de</strong>sconfortavel levou-me a outro.<br />
Saberiam os outros moradores da vila da minha
presenca? Bem, so haveria uma maneira <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobrir. Sem que me <strong>de</strong>sse conta dos meus<br />
atos, me vi caminhando por entre as casas da<br />
vila, sem pressa alguma, como se estivesse em<br />
casa. Para meu espanto, eu estava ali, seminu,<br />
completamente sem pelos e cabelos, e nao tinha<br />
atraido a atencao <strong>de</strong> ninguem. Tinha certeza <strong>de</strong><br />
ter sido visto por algumas moradoras que<br />
estavam <strong>de</strong>ntro das casas e pelas criancas que,<br />
em um terreno proximo a uma das casas,<br />
brincavam com uma especie <strong>de</strong> disco, jogado <strong>de</strong><br />
um lado para o outro. Era como se nao me<br />
vissem. Como se nao existisse materialmente.<br />
Aquela atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> indiferenca chocou-me.<br />
Passeei por entre as casas por um longo tempo,<br />
sem pressa e <strong>de</strong>spretensiosamente. Atravessei a<br />
pequena vila em todas as suas direcoes. Nao fui<br />
interpelado e nem molestado por ninguem. De<br />
uma coisa o passeio valeu. Nao vira nenhum<br />
homem, nem na vila nem nos campos, ao seu<br />
redor e isto comprovava o que tinha visto pela<br />
manha, quando escondido.<br />
A ausencia dos homens aticava cada vez mais<br />
a minha curiosida<strong>de</strong>. On<strong>de</strong> estariam eles?<br />
Propositadamente, como quem estivesse perdido,<br />
an<strong>de</strong>i sem <strong>de</strong>stino por toda a vila ate o dia<br />
escurecer. Eu tinha que ve-los chegar <strong>de</strong> algum
lugar. Para meu <strong>de</strong>sapontamento, vi a jovem sair<br />
<strong>de</strong> sua casa com o meu jantar. Ela caminhava em<br />
minha direcao. Com passos firmes, <strong>de</strong>cididos,<br />
nem rapidos e nem vagarosos, ela passou bem<br />
perto <strong>de</strong> mim e, poucos metros adiante, virandose,<br />
dirigiu o olhar para mim e, num gesto <strong>de</strong><br />
cabeca, fez-me enten<strong>de</strong>r que era para acompanhala.<br />
Segui-a em silencio ate a cabana. La, como <strong>de</strong><br />
costume, a ban<strong>de</strong>ja foi colocada em cima da<br />
mesa, a lamparina acesa com uma especie <strong>de</strong><br />
fosforo e, sem nada dizer, ela saiu da cabana<br />
<strong>de</strong>ixando-me so.<br />
Comi o meu jantar sem pressa alguma. Meus<br />
pensamentos se voltavam inteiros para todos os<br />
misterios que tinha encontrado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a minha<br />
estada ali. Fui para o sanitario. Tomei um<br />
gostoso banho e voltei enrolado no pano<br />
atoalhado para a cabana. Ao entrar, notei para<br />
espanto meu, trajes brancos, como os <strong>de</strong> todos na<br />
vila, colocados em cima da cama. Como estariam<br />
ali? Sera que ja estavam colocados em cima da<br />
cama, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haviamos chegado da vila?<br />
Acredito que sim. Eu e que nao os havia<br />
reparado.<br />
As vestes, provando a presenca <strong>de</strong> mais<br />
misterios, vestiram perfeitamente. Era como se<br />
um alfaiate tivesse tirado as minhas medidas e as
confeccionado para mim. Eram uma tunica<br />
branca, uma cueca (que mais parecia uma tanga),<br />
e uma especie <strong>de</strong> capa, esta <strong>de</strong> tecido mais<br />
encorpado. Sob as roupas, encontrei objetos <strong>de</strong><br />
uso pessoal: uma especie <strong>de</strong> sabonete com<br />
agradavel aroma silvestre, um pote com um<br />
creme, em cuja tampa estava <strong>de</strong>senhado um<br />
<strong>de</strong>nte e uma vareta fina com uma das<br />
extremida<strong>de</strong>s recobertas por algodao. Entendi<br />
que se tratava da minha pasta <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes e da<br />
minha escova <strong>de</strong> <strong>de</strong>nte. No sanitario, eu ja tinha<br />
as minhas toalhas que eram trocadas dia sim, dia<br />
nao. Fiquei feliz por saber que, <strong>de</strong> certa forma, eu<br />
passaria a fazer parte, mesmo que so pela vestes,<br />
daquela estranha comunida<strong>de</strong>. Por outro lado,<br />
um temor muito gran<strong>de</strong> se apossou <strong>de</strong> mim.<br />
Estariam eles dando-me todo o conforto <strong>de</strong> que<br />
precisava, dizendo-me indiretamente que minha<br />
estada ali seria para sempre? Esta nao era, em<br />
principio, a minha intencao. Ja havia pensado<br />
que, tao logo achasse uma maneira <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r me<br />
comunicar com os meus estranhos salvadores,<br />
pediria a eles toda a colaboracao para me levar ao<br />
mar e partir em busca da minha esposa.<br />
Comecei a marcar os dias passados ali, <strong>de</strong>ste<br />
dia em diante, fazendo entalhes no caule <strong>de</strong> uma<br />
das arvores que circundavam a cabana. A rotina
era a mesma, dia apos dia. Fiz varias incursoes a<br />
vila, na tentativa <strong>de</strong> chamar a atencao sobre<br />
mim. Eu queria ser notado para que, <strong>de</strong> certa<br />
forma, pu<strong>de</strong>sse manter um dialogo. Eu precisava<br />
disto. Queria respostas a todos os misterios que<br />
ja presenciara e <strong>de</strong> que tomara parte, direta ou<br />
indiretamente. Aquela sensacao <strong>de</strong> estar so, <strong>de</strong><br />
nao po<strong>de</strong>r conversar com ninguem, estando<br />
cercado por pessoas era enlouquecedora. O fato<br />
<strong>de</strong> ser ignorado era ainda muito pior. Sabia que a<br />
inanicao, o nao po<strong>de</strong>r trabalhar o me sujeitar<br />
aquela situacao <strong>de</strong> marasmo, nao fazia, <strong>de</strong> jeito<br />
nenhum, o meu genero.<br />
Eram quinze entalhes na arvore. Quinze dias<br />
sem nada mudar a rotina. Resolvi, entao, fazer<br />
algo diferente.<br />
Caminhei em direcao a vila. La chegando, o<br />
cenario era o mesmo. Parecia uma copia perfeita<br />
dos dias anteriores. Caminhei, como sempre, pela<br />
rua central e atravessei toda a vila. Nao parei.<br />
Meu <strong>de</strong>stino era seguir para o sul, em direcao<br />
oposta ao mar. Muito adiante, encontrei outro<br />
vale, muito mais bonito e rico do que o da vila.<br />
As arvores, as aves, a fauna silvestre eram<br />
maiores e em maior numero. Cansado <strong>de</strong> tanto<br />
caminhar, sentei-me sob a copa <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />
arvore e ali fiquei admirando todo aquele
espetaculo e fazendo conjecturas sob o tamanho<br />
do local on<strong>de</strong> me encontrava. Se fosse uma ilha,<br />
era muito gran<strong>de</strong>. Se fosse um continente, qual?<br />
Que continente tinha como habitantes um povo<br />
e idioma tao estranhos? A manha havia ficado<br />
muito para tras quando acor<strong>de</strong>i, assustado, com a<br />
algazarra <strong>de</strong> alguns passaros pousados na arvore<br />
sob a qual sentara.<br />
Com muita preguica, levantei-me e ia comecar<br />
a caminhada <strong>de</strong> volta quando, surpreso, notei<br />
alguns homens, distantes <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava<br />
caminhando em direcao a um paredao do vale.<br />
Calculei tratar-se <strong>de</strong> uma caverna. Caminhei em<br />
direcao a eles e ai vi escondida por arbustos, uma<br />
enorme porta <strong>de</strong> pedra que fechava a entrada <strong>de</strong><br />
uma possivel caverna. Escondido, comecei a<br />
analisar melhor aquele vale. Reparei que nao<br />
tinha visto a porta primeiro, por estar muito<br />
longe e segundo por estar muito bem camuflada<br />
com os arbustos. O vale, gran<strong>de</strong>, bonito, rico em<br />
flora e fauna, na realida<strong>de</strong> tinha o formato<br />
circular. Era ro<strong>de</strong>ado por enorme paredao, mais<br />
ou menos uniforme. Era isto. O vale na realida<strong>de</strong><br />
era a cratera <strong>de</strong> um extinto vulcao que, com o<br />
passar dos anos, adquiriu condicoes para ter uma<br />
terra fertil e rica, propiciando toda a gran<strong>de</strong>za<br />
que agora mostrava.
Resolvi examinar o local <strong>de</strong> entrada da<br />
caverna. Quem sabe, agora seria notado? Podia<br />
ver, com mais calma, que os arbustos escondiam<br />
uma enorme porta <strong>de</strong> pedra que, <strong>de</strong> tao lisa e tao<br />
perfeitamente ajustada, seria impossivel acreditar<br />
tratar-se <strong>de</strong> uma porta. Suas dimensoes, olhando<br />
agora bem perto, eram colossais. Deveria ter<br />
aproximadamente uns cinco metros <strong>de</strong> altura por<br />
uns tres <strong>de</strong> largura. Era um perfeito retangulo <strong>de</strong><br />
pedra. Que tipo <strong>de</strong> forca moveria tamanha obra<br />
<strong>de</strong> engenharia? Por que tao gran<strong>de</strong>? Sera que por<br />
ali passaria mais alguma coisa alem dos homens<br />
que vira entrar? O tempo passara <strong>de</strong>pressa. Ja se<br />
faziam notar os primeiros sinais do entar<strong>de</strong>cer. A<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar havia <strong>de</strong>saparecido. A minha<br />
curiosida<strong>de</strong> era maior do que a obrigacao <strong>de</strong><br />
voltar para a cabana. Teria algum problema ficar<br />
ali vigiando e ver o que aconteceria. Ver a<br />
possivel saida dos homens? A noite, seria seguro<br />
ficar <strong>de</strong>sabrigado com tantos animais silvestres?<br />
Existem momentos, e sempre foi assim<br />
comigo, que o meu sexto sentido e muito mais<br />
forte do que a minha vonta<strong>de</strong>. Sem saber bem o<br />
motivo, era impelido a voltar para a cabana o<br />
mais rapido que pu<strong>de</strong>sse. Nao resistindo ao<br />
impulso, comecei a correr <strong>de</strong> volta para a cabana.<br />
Atravessei todo o novo vale, atravessei a vila,
peguei a trilha que me levaria para a cabana. Ja<br />
estava bastante cansado e arquejante. As novas<br />
vestes atrapalhavam o ato <strong>de</strong> correr e faziam um<br />
barulho todo caracteristico aos movimentos.<br />
Como estava <strong>de</strong>scalco, sentia que finas pedras<br />
magoavam-me muito as solas dos pes. Meu<br />
coracao, a esta altura da corrida, estava bastante<br />
taquicardico. Mais ou menos na meta<strong>de</strong> da trilha,<br />
ouvi ruidos estranhos, como lamento. Parei<br />
ofegante. Sentia a boca seca, o suor escorrendo<br />
por todo o corpo. Fiquei quieto. Escutei que o<br />
ruido vinha <strong>de</strong> poucos metros a minha frente.<br />
Agora, ouvindo melhor, era como se alguem<br />
estivesse lutando. Subitamente um grito <strong>de</strong> dor<br />
ecoou pela selva. Caminhei cautelosamente para<br />
o local <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viera. O luar ja se fazia presente.<br />
Avancando, fiz a curva junto com a trilha e, ao<br />
termina-la, vi a jovem estendida no chao, imovel.<br />
Avancando em direcao a ela, um enorme cao ou<br />
lobo, <strong>de</strong> aspecto muito esquisito, com pelo<br />
escuro, babando e rosnando muito mostrava<br />
claramente que iria terminar o que comecara. Ao<br />
lado da jovem, vi a ban<strong>de</strong>ja e a minha janta<br />
espalhada pelo chao. De um so salto, estava<br />
pronto para o que <strong>de</strong>sse e viesse. Sem pensar<br />
direito no que estava fazendo, chutei-lhe forte,<br />
com a ponta do pe, a enorme cabeca, o que fez o
animal recuar. Aproveitei para me colocar entre<br />
ele e a jovem. O animal parado, com os olhos<br />
fixos, avermelhados, parecia estar hipnotizado.<br />
Atento, fiquei esperando para ver o que<br />
aconteceria. Estava apavorado. Num salto e com<br />
um gran<strong>de</strong> urro, o animal jogou-se sobre mim.<br />
Caimos sobre a jovem. Senti uma dor terrivel no<br />
meu braco esquerdo. Rolamos pelo chao.<br />
Desesperadamente procurava afastar as garras<br />
afiadas e os enormes <strong>de</strong>ntes do meu pescoco. Via<br />
o sangue jorrando com abundancia <strong>de</strong> meu braco<br />
esquerdo. Por puro instinto <strong>de</strong> sobrevivencia,<br />
senti uma raiva crescendo violentamente <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> mim. Era como se uma energia a mais<br />
estivesse guiando-me, dando-me coragem para a<br />
luta. Num movimento rapido, consegui saltar<br />
para o dorso do animal. Agarrei fortemente o seu<br />
pescoco com uma das maos e com a outra, virei<br />
bruscamente a cabeca do animal para o lado.<br />
Ouvi um estalido seco e no mesmo momento, a<br />
fera caiu inerte. Estava morta.<br />
Com muita dor no braco, levantei-me. Estava<br />
tonto. Minha tunica rasgada e suja se sangue e<br />
terra. Caminhei ate a jovem. Ajoelhei-me ao seu<br />
lado e comecei a examina-la. Estava <strong>de</strong>smaiada,<br />
sua tunica branca, rasgada e com a frente<br />
vermelha, tingida pelo sangue. Sua respiracao era
superficial e dificil. O torax apresentava cortes<br />
profundos. Seus bracos tambem estavam<br />
bastante feridos e seu tornozelo esquerdo<br />
e<strong>de</strong>maciado, dando-me a impressao <strong>de</strong> que<br />
estaria fraturado. Seu rosto apresentava cortes<br />
profundos que sangravam sem parar. O estado da<br />
jovem era lastimavel. Rasguei a minha tunica e<br />
com uma tira fiz um torniquete no braco<br />
esquerdo. Tinha quatro cortes profundos na<br />
altura do biceps, que com o torniquete pararam<br />
<strong>de</strong> sangrar. Reunindo todas as minhas forcas,<br />
tomei a jovem em meus bracos e comecei a<br />
caminhar em direcao a vila. Deveria ter mais <strong>de</strong><br />
mil metros <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava. Senti-me cambalear<br />
por varias vezes durante o trajeto. Nao tinha mais<br />
certeza se conseguiria chegar ao <strong>de</strong>stino, mas era<br />
preciso. A vida <strong>de</strong>la era importante para mim.<br />
Atravessei com muito esforco a rua principal<br />
da vila, gritando o quanto podia e como podia,<br />
pedindo ajuda, pedindo por socorro. Caminhava<br />
em direcao a casa da jovem. Vi, com alegria e<br />
dando gracas a Deus, as casas abrindo as portas e<br />
as lamparinas sendo acesas. As pessoas sairam<br />
em minha direcao, todas com olhar incredulo e<br />
<strong>de</strong> espanto. Desfaleci.
CAPITULO 4<br />
O LABORATORIO<br />
As imagens estavam borradas quando abri os<br />
olhos recobrando os meus sentidos. Olhei em<br />
volta e nao reconheci <strong>de</strong> imediato o local. Nao<br />
estava na minha cabana. O ar tinha um cheiro <strong>de</strong><br />
coisa guardada e estava frio. Um ruido, como um<br />
chiado, era constante e <strong>de</strong> media intensida<strong>de</strong>.<br />
Sentia que nao estava so. Alguem colocou uma<br />
especie <strong>de</strong> capacete em minha cabeca o que<br />
dificultou mais os meus movimentos. Agora,<br />
praticamente, so podia olhar para cima, para o<br />
teto. O teto! Meu Deus, que teto! Com a visao,<br />
agora, nitida, fiquei espantado com o que via. Era<br />
uma parafernalia <strong>de</strong> aparelhos, botoes, relogios<br />
analogicos, digitais, luzes <strong>de</strong> diversas cores e <strong>de</strong><br />
tamanhos diferentes refletidos em um enorme<br />
espelho que abrangia toda a area acima <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
estava, que seria impossivel acreditar que estava<br />
vivo. Eu estava vivendo em um local estranho, e<br />
verda<strong>de</strong>, mas sem tecnologia aparente e no meio<br />
<strong>de</strong> uma selva. O que via agora era tecnologia<br />
superior a <strong>de</strong> primeiro mundo.<br />
Pelo que ja vira da vila e o que conhecia <strong>de</strong><br />
suas casas, nenhuma <strong>de</strong>las teria energia<br />
suficiente para fazer funcionar tantos aparelhos<br />
sofisticados, estranhos e, certamente, precisos. O
curioso e que, na vila, nao existia energia<br />
alguma. A noite a iluminacao era feita por<br />
lamparinas que continham um oleo estranho,<br />
mas, com certeza, <strong>de</strong> origem vegetal,<br />
provavelmente <strong>de</strong> babacu. Que lugar seria<br />
aquele? Estaria na mesma selva quase<br />
inexplorada, primitiva e com o seu povo<br />
estranho?<br />
A i<strong>de</strong>ia que surgiu na minha mente tomou<br />
conta logo <strong>de</strong> todo o meu raciocinio. Era isto. O<br />
unico local que nao conhecia, ainda, era o<br />
interior da caverna. Eu estava, com certeza, no<br />
interior da caverna, on<strong>de</strong> vira os homens da<br />
al<strong>de</strong>ia entrarem. Todo o resto ja havia sido<br />
explorado por mim. Estava em uma ilha, <strong>de</strong><br />
tamanho medio, vulcanica, com animais<br />
estranhos, povo estranho, com selva por quase<br />
todos os lados. Esta ilha, provavelmente estaria<br />
localizada no Oceano Pacifico, pois era nele que<br />
navegava com o meu veleiro quando sofri o<br />
atentado.<br />
Meus pensamentos foram interrompidos com<br />
a chegada <strong>de</strong> dois homens. Reconheci, <strong>de</strong><br />
imediato, um <strong>de</strong>les. O outro, entretanto, diferia<br />
em tudo, <strong>de</strong> todos os habitantes da vila. Era<br />
gordo, baixo, se movia com extrema rapi<strong>de</strong>z e era<br />
quase careca. Falaram baixo: ele esta consciente.
Seu corpo e muito saudavel e resistiu bem aos<br />
ferimentos do braco esquerdo e a gran<strong>de</strong> perda <strong>de</strong><br />
sangue. Olharam-me com olhos <strong>de</strong> do e alegria<br />
simultaneamente. Apos terem me examinado,<br />
afastaram-se. Fechei os olhos e, so entao, me <strong>de</strong>ra<br />
conta <strong>de</strong> que havia entendido tudo o que falaram.<br />
Como isto era possivel? Seria o capacete que<br />
haviam colocado em mim?<br />
Nao fiquei muito tempo sem resposta, pelo<br />
menos <strong>de</strong>sta vez. O homem gordo aproximou-se<br />
novamente <strong>de</strong> mim, acionou um botao, em algum<br />
lugar perto do meu braco direito, e pu<strong>de</strong> sentir,<br />
imediatamente, que todo o meu corpo,<br />
juntamente com a mesa on<strong>de</strong> estava <strong>de</strong>itado,<br />
movia-se, lentamente, para a posicao vertical. So<br />
entao notei que estava firmemente atado, por<br />
pulseiras <strong>de</strong> couro estranhamente acolchoadas,<br />
que, apesar da firmeza com que me continham<br />
nao me causavam a menor dor. Quando o<br />
movimento terminou, eu estava completamente<br />
na posicao vertical, um pouco acima do solo, com<br />
os pes apoiados em dois estribos <strong>de</strong> metal,<br />
embora tivesse a exata impressao <strong>de</strong> quem me<br />
sustentava preso a mesa, eram as correias, e,<br />
<strong>de</strong>ssa maneira, mais alto do que o homem gordo.<br />
Chegando bem perto <strong>de</strong> mim, ele falou alto e<br />
pausadamente. Queria saber se o compreendia?
Disse-lhe que o estava compreen<strong>de</strong>ndo e ouvindo<br />
muito bem. Sua face gorda <strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong><br />
satisfacao e alegria. Voltou-se, afastando-se <strong>de</strong><br />
mim, sem me dar tempo para fazer-lhe qualquer<br />
pergunta, Desapareceu por entre as varias<br />
maquinas que ali se encontravam.<br />
Era cada vez mais dificil escon<strong>de</strong>r o meu<br />
espanto. Estava, indiscutivelmente, em lugar<br />
com conhecimento tecnologico muito adiante do<br />
meu tempo, certamente, muito adiante do que<br />
conhecia. Existiam mesas <strong>de</strong> computadores, mais<br />
mo<strong>de</strong>rnos do que sabia existir, para todo o lado<br />
que olhasse. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> equipamentos<br />
<strong>de</strong>sconhecidos para mim era notavel. Em um<br />
canto, por on<strong>de</strong> o homem gordo <strong>de</strong>saparecera,<br />
existia uma especie <strong>de</strong> painel, com varias<br />
lampadas <strong>de</strong> cores diferentes, que seria dificil<br />
tentar conta-las. Elas acendiam e apagavam,<br />
sequencialmente, num ritmo constante. Quando<br />
uma apagava, a outra imediatamente a frente<br />
acendia.<br />
Ao meu lado, em um movel e na propria mesa<br />
on<strong>de</strong> estava preso, existiam inumeros botoes e<br />
mostradores. Com mais atencao, sentia, agora,<br />
que o capacete tocava toda a area da minha<br />
cabeca. Estava explicada a tricotomia a que fora<br />
submetido, tao logo chegara aquele lugar. Tinha
certeza <strong>de</strong> que tinha sido ali que acordara pela<br />
primeira vez, logo apos o aci<strong>de</strong>nte. Minha<br />
investigacao visual foi interrompida com a<br />
chegada, novamente, dos dois homens ja<br />
conhecidos e que falavam a meu respeito. Era<br />
estranho, mas eu os entendia perfeitamente bem.<br />
Para mim, eles estavam falando em portugues.<br />
Era simplesmente fantastico. Tinha certeza <strong>de</strong><br />
que era o capacete que funcionava como um<br />
tradutor simultaneo.<br />
Sem que tivesse feito qualquer pergunta,<br />
comecei a ouvir todas as respostas as tantas<br />
perguntas e curiosida<strong>de</strong>s que me afligiam <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que ali chegara. Comecaram dizendo que sabiam<br />
tudo a meu respeito, quem eu era, o que fazia,<br />
por que estava no veleiro, o que me preparava<br />
para fazer quando ocorreu o aci<strong>de</strong>nte, enfim,<br />
tudo. Nos sabemos tudo a seu respeito. Nos<br />
conhecemos a sua vida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ela comecou.<br />
Por ser o senhor quem e e por fazer o que faz e<br />
que, apos nossas analises, resolvemos mante-lo<br />
vivo. Resolvemos ajuda-lo. Nao gostamos dos<br />
metodos usados pela maioria dos seus<br />
semelhantes. Detestamos os atos <strong>de</strong> violencia.<br />
Sabemos, por outro lado, que a sua profissao, em<br />
muitos momentos, exige que se use da violencia,<br />
porem, nestes casos, ela se faz necessaria apenas
como meio <strong>de</strong> sobrevivencia. Con<strong>de</strong>namos todo e<br />
qualquer ato <strong>de</strong> violencia, efetuados pura e<br />
simplesmente para satisfacao pessoal ou no<br />
interesse <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s inescrupulosas,<br />
criminosas. Con<strong>de</strong>namos muitos do seu povo por<br />
serem tao barbaros ainda nos dias <strong>de</strong> hoje,<br />
quando os avancos tecnologicos permitem uma<br />
vida pacifica e <strong>de</strong> conforto para todos, para toda a<br />
terra. E, por falar em terra, e uma barbarie o que<br />
estao fazendo com o planeta Terra, um dos mais<br />
lindo e puro planeta <strong>de</strong>sta galaxia. Nos que<br />
conhecemos varios planetas, po<strong>de</strong>mos afirmar<br />
isto com conviccao. A <strong>de</strong>struicao a que o homem<br />
esta submetendo o planeta Terra e um dos mais<br />
hediondos e <strong>de</strong>spreziveis crimes <strong>de</strong> todo o<br />
universo. Somos uma raca em extincao.<br />
Chegamos aqui muito antes do "Homo Sapiens"<br />
tomar conhecimento <strong>de</strong> si mesmo e <strong>de</strong> que e o<br />
dono do planeta terra. Ajudamos a humanida<strong>de</strong> a<br />
se <strong>de</strong>senvolver. Iniciamos o homem em varios<br />
conhecimentos cientificos. Vimos que era uma<br />
raca com potencial <strong>de</strong> inteligencia capaz <strong>de</strong> dar<br />
prosseguimento, e ate superar-nos em tudo, a<br />
nossa civilizacao <strong>de</strong>struida em um cataclismo<br />
planetario ha milhares <strong>de</strong> anos. Po<strong>de</strong>riamos ter<br />
conquistado o planeta Terra; entretanto, nao<br />
somos um povo conquistador. Somos pacifistas
por natureza. Se a Terra fosse <strong>de</strong>sabitada, tomala-iamos<br />
como sendo nossa. Infelizmente, logo<br />
que aqui chegamos, vimos que era habitada pelos<br />
ancestrais do "Homo Sapiens". Resolvemos,<br />
entao, <strong>de</strong>senvolve-lo, ajuda-lo. Vimos o potencial<br />
<strong>de</strong> carida<strong>de</strong> e amor existente em cada ser.<br />
Sentimos que po<strong>de</strong>riamos ajudar a <strong>de</strong>senvolver<br />
uma raca nova, uma raca que fosse movida pelo<br />
amor. Amor que per<strong>de</strong>mos, da forma como aqui e<br />
conhecido, quando alcancamos o mais elevado<br />
grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em todos os campos das<br />
ciencias e das artes. Parece que estamos<br />
fracassando em nosso objetivo maior: fazer um<br />
ser capaz, homogeneo, irmao, em todos os<br />
sentidos, uns dos outros. Existe uma parcela da<br />
populacao <strong>de</strong> voces que nao consegue dominar o<br />
animal irracional existente no amago do ser.<br />
Geneticamente continuam a serem animais,<br />
selvagens, impiedosamente violentos. Usam os<br />
avancos tecnologicos alcancados somente para<br />
fazer o mal, para satisfazerem seus mais torpes e<br />
imundos sentimentos. Sentimentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za,<br />
sentimentos egoistas, sentimentos pobres para<br />
qualquer ser vivo <strong>de</strong> qualquer escala biologica<br />
que possua um cerebro capaz <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r alguma<br />
coisa. Estes humanos, infelizmente, <strong>de</strong>struirao os<br />
bons e o planeta Terra. Para eles, as palavras
amor e irmao nao existem. Esta parcela violenta,<br />
usando <strong>de</strong> meios sutis, ardilosos, inteligentes,<br />
infiltra-se em todas as camadas da socieda<strong>de</strong>. Sao<br />
vermes. Sao celulas que per<strong>de</strong>ram, no codigo<br />
genetico, o alelo responsavel pelo bom senso, pela<br />
bonda<strong>de</strong>, pelo sentimento <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong>stroem tudo ao seu redor. Sao como os<br />
tumores malignos que matam impiedosamente,<br />
sem discriminacao alguma. Ainda nao<br />
conseguimos um meio para eliminar,<br />
geneticamente, o animal que existe no ser<br />
humano. O senhor, por esforco proprio e por<br />
algum mecanismo biologico que <strong>de</strong>sconhecemos,<br />
conseguiu eliminar a sua bagagem genica do<br />
animal. Bagagem esta pequena, sabemos nos,<br />
todavia po<strong>de</strong>rosa e dominante em uma pequena<br />
parcela da humanida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>la faz uso <strong>de</strong> forma<br />
tao cruel e violenta. Parcela que esta pondo em<br />
risco a sobrevivencia <strong>de</strong> todos e do proprio<br />
planeta.<br />
Deve ter notado que muitos animais aqui<br />
existentes sao estranhos ao senhor. Estamos<br />
<strong>de</strong>senvolvendo novas racas, atraves <strong>de</strong><br />
cruzamentos geneticos e <strong>de</strong> cirurgias geneticas,<br />
com a finalida<strong>de</strong> precipua <strong>de</strong> eliminar o gene da<br />
violencia sem tirar o instinto <strong>de</strong> sobrevivencia.<br />
O senhor esta no interior <strong>de</strong> um amplo
laboratorio. Tudo aqui e laboratorio, ate mesmo o<br />
meio ambiente, la fora, que ja conhece bem. Nos<br />
o temos vigiado constantemente, dia e noite,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o curamos dos ferimentos sofridos<br />
quando da <strong>de</strong>struicao do seu barco. Inteligencia,<br />
paciencia, observacao constante, bonda<strong>de</strong>,<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ajudar, curiosida<strong>de</strong>, seu<br />
organismo, enfim, o senhor foi por nos<br />
meticulosamente estudado. Sabiamos da sua<br />
intencao <strong>de</strong> querer <strong>de</strong>scobrir o interior <strong>de</strong>sta<br />
caverna. Quis o <strong>de</strong>stino que, por um ato <strong>de</strong> pura<br />
bravura, alheio a nossa vonta<strong>de</strong>, o senhor tivesse<br />
que ser trazido para ca, novamente, para que<br />
mais uma vez pu<strong>de</strong>ssemos trata-lo para mante-lo<br />
vivo.<br />
A fera com a qual o senhor lutou era uma<br />
mutacao genica. O resultado do cruzamento <strong>de</strong><br />
lobo com cao. Tentamos criar um animal que<br />
mantivesse as caracteristicas selvagens sem<br />
qualquer instinto violento. Um animal que<br />
soubesse sobreviver com o ser humano. Que so<br />
atacasse outro ser vivo em duas situacoes: para<br />
sobrevivencia em caso <strong>de</strong> luta e para<br />
alimentacao, como sobrevivencia natural. Pelo<br />
acontecido e pelos controles que possuimos,<br />
falhamos. Aquele animal tinha se alimentado ha<br />
menos <strong>de</strong> tres horas e mesmo assim atacou, sem
motivo aparente, a jovem que levava a sua<br />
refeicao. Foi um ataque sem sentido algum <strong>de</strong><br />
sobrevivencia. Isto nos mostra claramente que a<br />
parte genetica responsavel pela violencia, do<br />
animal selvagem, nao foi suprimida com as<br />
alteracoes geneticas por nos induzidas.<br />
Continuou inalterada e extremamente ativa.<br />
Houve falha no nosso programa e por isto, todos<br />
os seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes serao eliminados.<br />
Ficaremos com dois casais para darmos<br />
continuida<strong>de</strong> aos nossos estudos. Agora e que<br />
vamos mostrar nosso interesse no senhor.<br />
Queremos que nos aju<strong>de</strong> a fazermos o controle<br />
genetico a que nos propomos. Seus<br />
conhecimentos cientificos o habilitam para as<br />
nossas pesquisas. O senhor mesmo e um<br />
especime <strong>de</strong>senvolvido em relacao aos seus<br />
semelhantes.<br />
Meu espanto era total. Tudo o que tinha<br />
ouvido aqueles aparelhos todos, aquele local, o<br />
capacete que usava. Seria sonho? Teria morrido e<br />
estava em um andar superior, muito superior, na<br />
cultura dos povos, segundo a teoria Kar<strong>de</strong>cista?<br />
Era muito dificil acreditar em realida<strong>de</strong>.<br />
O homem gordo parou <strong>de</strong> falar. Dava-me<br />
tempo para po<strong>de</strong>r assimilar tudo o que me fora<br />
dito. Eu podia sentir que era esta a sua intencao.
Interrompendo aquele silencio, fiz-lhe uma<br />
pergunta sobre a jovem. Como ela estava? Eu<br />
realmente estava interessado em sua sau<strong>de</strong>.<br />
Tambem, se assim me permitissem, tinha<br />
curiosida<strong>de</strong> em saber mais a seu respeito: nome,<br />
ida<strong>de</strong>, suas ativida<strong>de</strong>s diarias, por que tinha sido<br />
<strong>de</strong>signada como minha guardia, enfermeira? Ela<br />
mostrara-se sempre tao interessada por mim. O<br />
homem olhou-me <strong>de</strong>moradamente, como se<br />
estivesse analisando as minhas palavras.<br />
Certamente estaria confirmando a veracida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>las. Chegando-se mais perto <strong>de</strong> mim, falou: ate<br />
agora eu nao me apresentei, um costume social<br />
valido em todas as culturas, das mais<br />
rudimentares as mais adiantadas, em qualquer<br />
lugar do universo. Perdoe-me. Meu nome e Falk.<br />
Sou fisico e medico com especialida<strong>de</strong> em<br />
cirurgia geral. Devido a nossa civilizacao ser bem<br />
mais adiantada do que a sua, meus<br />
conhecimentos tambem o sao. Meu assistente,<br />
que ja conheces, chama-se Ruel. Ele o examinou,<br />
na cabana, quando teve aquela hipoglicemia.<br />
Tambem esteve comigo, ha pouco, examinandoo.<br />
O senhor esta colocado em uma camara <strong>de</strong><br />
sinais vitais <strong>de</strong> interpretacao <strong>de</strong> idiomas ou<br />
dialetos. Nesta camara o senhor esta sendo<br />
examinado minuciosamente, isto e, nos o
estamos examinando fisica, mental e<br />
espiritualmente. Esta camara nos permite<br />
verificar se tudo o que nos diz e verda<strong>de</strong> ou<br />
mentira. Se as respostas clinicas que o seu<br />
organismo registra, estao amparadas<br />
bioquimicamente ou nao. Se sao passageiras ou<br />
nao. Confirmando nossos estudos a seu respeito,<br />
ate agora, sua recuperacao e progressiva e estavel<br />
e, para sorte sua, seus sentimentos e palavras sao<br />
verda<strong>de</strong>iras. Com o senhor so obtivemos<br />
verda<strong>de</strong>s ate agora. A jovem que toma conta do<br />
senhor, responsavel pela sua recuperacao,<br />
adaptacao fisica e, se nao fosse o aci<strong>de</strong>nte,<br />
responsavel pela sua introducao em nossa<br />
socieda<strong>de</strong>, chama-se Sirc Eustim. Ela e<br />
responsavel pela seguranca da vila, patrimonial e<br />
pessoal, e enfermeira e psicologa. Tambem e a<br />
responsavel pela seguranca <strong>de</strong> todo projeto<br />
experimental <strong>de</strong>senvolvido aqui e por estudos<br />
psicologicos <strong>de</strong> todos os seres por nos<br />
modificados geneticamente. O Ruel e medico,<br />
bioquimico e bio-engenheiro. Sirc Eustim, gracas<br />
ao seu ato <strong>de</strong> bravura, esta viva. Muito<br />
machucada, mas viva. Ficara como o senhor<br />
ficou muito tempo sem po<strong>de</strong>r voltar as suas<br />
ativida<strong>de</strong>s normais ate que possa recuperar-se<br />
totalmente. Como fizemos com o senhor,
tambem fomos obrigados a suprir-lhe todas as<br />
ativida<strong>de</strong>s fisiologicas e todas as suas funcoes<br />
vitais. Esta vivendo sob o comando <strong>de</strong> nossas<br />
maquinas <strong>de</strong> socorro vital. Seu ferimento no<br />
torax foi extenso e muito grave. So nao foi fatal<br />
<strong>de</strong>vido ao esforco feito pelo senhor em leva-la ate<br />
a vila. Temos aqui equipamentos cientificos que<br />
nos permitem preservar a vida in<strong>de</strong>finidamente,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenhamos tempo para po<strong>de</strong>r trabalhar.<br />
Se o paciente ja estiver morrendo, nada<br />
po<strong>de</strong>remos fazer. Existe um limite, mesmo que<br />
haja vida, do qual nada conseguimos. O tempo<br />
para o socorro nos e fundamental. Nao preciso lhe<br />
dizer que todos estes aparelhos sao<br />
<strong>de</strong>sconhecidos <strong>de</strong> sua civilizacao. Sirc Eustim<br />
esta agora em uma camara <strong>de</strong> sinais vitais,<br />
i<strong>de</strong>ntica a esta sua. Ja passou por outros<br />
equipamentos e, tambem, ja foi submetida a<br />
varias cirurgias reparadoras e esteticas. Por<br />
questao <strong>de</strong> seguranca nossa, nao lhe diremos<br />
quem somos e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viemos. O que importa e<br />
que estamos aqui com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento cientifico da Terra. Ate mesmo<br />
esta ilha, em que estamos o senhor nao<br />
encontrara em seus mapas nauticos. Nossa<br />
civilizacao se resume hoje a esta ilha. E nela<br />
vivemos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes do primeiro "Homo Sapiens"
existir. Nossa cultura nos e transmitida <strong>de</strong><br />
geracao a geracao. Sempre procuramos nos<br />
aperfeicoar, progredir. Cada geracao que suce<strong>de</strong> e<br />
obrigada a aperfeicoar todos os estudos<br />
existentes e a pesquisar novos conhecimentos,<br />
em todas as ciencias. Uma pratica nem sempre<br />
adotada pela raca humana. Quanto tempo ja se<br />
per<strong>de</strong>u, no <strong>de</strong>senvolvimento cientifico, por<br />
questoes meramente politicas e <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong><br />
alguns grupos religiosos, no <strong>de</strong>correr da Historia<br />
da humanida<strong>de</strong>? Entraves que custaram caro ao<br />
homem e que ainda, certamente, o prejudicarao<br />
em muito, no futuro.<br />
Uma <strong>de</strong> suas muitas curiosida<strong>de</strong>s, sabemos<br />
nos, e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguimos energia suficiente<br />
para alimentar a tantos aparelhos sofisticados<br />
que possuimos aqui na caverna ? Bem, esta<br />
pergunta, tambem para nossa seguranca, ficara<br />
sem resposta. Pelo menos por enquanto.<br />
Sabemos que, alem <strong>de</strong> medico e bioquimico, o<br />
senhor e um <strong>de</strong>tetive muito capaz e bem<br />
sucedido; portanto, nem pense em investigar<br />
para <strong>de</strong>scobrir nossa fonte <strong>de</strong> energia. Isto so lhe<br />
traria aborrecimentos. Agora, o senhor, isto e,<br />
seus tecidos corporais e mentais necessitam <strong>de</strong><br />
repouso absoluto. Descanse.<br />
Falk afastou-se. Depois, virando-se para mim,
espon<strong>de</strong>u outra <strong>de</strong> minhas tantas perguntas. Os<br />
outros homens da al<strong>de</strong>ia, bem como aqueles que<br />
o tiraram do mar, no dia do aci<strong>de</strong>nte, e o<br />
trouxeram para ca, fazem todo o tipo <strong>de</strong> servico<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta caverna, quando nao estao<br />
infiltrados em seu mundo civilizado, em missoes<br />
culturais, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rniza-lo, <strong>de</strong><br />
aperfeicoa-lo. Sao todos profissionais capazes,<br />
nas mais diversas ciencias do conhecimento<br />
humano. Aqueles que aqui ficam em nossa ilha,<br />
trabalham nesta caverna ate altas horas da noite,<br />
quando retornam para as suas casas, na vila que o<br />
senhor ja conhece. Sem dizer mais nada, Falk<br />
retirou-se. Novamente senti aquela sensacao <strong>de</strong><br />
sono irresistivel, incontrolavel.<br />
Quando acor<strong>de</strong>i, notei que estava fora da<br />
maquina. Estava livre para po<strong>de</strong>r movimentar-me<br />
para on<strong>de</strong> bem quisesse. Aparentemente, nao<br />
estava sendo vigiado. Continuava, pelo ruido<br />
constante que ouvia no interior da caverna. Na<br />
verda<strong>de</strong>, estava em um aposento bem mais<br />
luxuoso que a minha cabana. Era um aposento <strong>de</strong><br />
hotel tres estrelas com certeza. Para que mais?<br />
Levantei-me sem sentir absolutamente nada.<br />
Estava pronto para comecar as minhas<br />
investigacoes, para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scobrir mais sobre<br />
aquela gente, sobre aquele lugar, aqueles
equipamentos fantasticos, sobre aquela energia.<br />
Ilusao. Acima <strong>de</strong> mim, por sobre a cama, existia<br />
uma especie <strong>de</strong> tubo com lentes <strong>de</strong> cristal,<br />
lembrando em muito uma camara <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>o. Com<br />
certeza um processo similar a um circuito<br />
interno <strong>de</strong> TV. An<strong>de</strong>i varias vezes pelo quarto.<br />
Ouvi vozes, vindas <strong>de</strong> um lugar qualquer do<br />
quarto. Nao entendi absolutamente nada do que<br />
disseram. Notara que, no quarto, alem dos moveis<br />
habituais, existia um computador.<br />
Repentinamente, pelo vi<strong>de</strong>o do computador, que<br />
se ligara automaticamente, apareceu uma<br />
mensagem escrita em portugues, dizendo: "tudo<br />
o que quiser pedir e so escrever no teclado do<br />
computador. Digite que nos o compreen<strong>de</strong>remos<br />
perfeitamente."<br />
Como acontecera com os ferimentos<br />
anteriores, no meu braco esquerdo notava, agora,<br />
apenas uma pequena marca, um leve risco na<br />
pele, que nem <strong>de</strong> longe lembrava uma cicatriz.<br />
Com certeza nao seria notada como tal e jamais<br />
revelaria a gravida<strong>de</strong> do ferimento que havia sido<br />
a quem quer que fosse. Realmente eu estava<br />
curado. Como aquilo era possivel em tao pouco<br />
tempo? Nao estava ali ha mais do que sete dias.<br />
Ou estaria?<br />
Sentei-me na ca<strong>de</strong>ira do computador e digitei:
on<strong>de</strong> estou? A resposta veio imediata: "estas no<br />
setor <strong>de</strong> recuperacao do nosso laboratorio. Neste<br />
quarto a atmosfera e mais rica em oxigenio, fator<br />
que proporciona uma maior recuperacao tecidual<br />
generalizada. Ficaria ali ate que os aparelhos<br />
sensores colocados estrategicamente <strong>de</strong>ntro do<br />
quarto acusassem o nivel <strong>de</strong> oxigenio celular,<br />
estipulado por nos, como sendo otimo para o seu<br />
restabelecimento. A tela do computador mostrou<br />
uma pergunta:" o senhor esta com fome ?"<br />
Digitei que sim. Apos algum tempo, a tela do<br />
computador avisava-me que, pela pare<strong>de</strong> do<br />
quarto, seria transportado lanche para mim. Ato<br />
continuo, sem que houvesse o minimo <strong>de</strong> ruido,<br />
uma parte da pare<strong>de</strong> do quarto, do tamanho <strong>de</strong><br />
um quadro <strong>de</strong> aproximadamente 50x50 cm, a<br />
direita da cama, abriu-se e, girando sobre um<br />
eixo central, mostrou-me uma ban<strong>de</strong>ja cheia <strong>de</strong><br />
frutas. Comi ate saciar-me.<br />
Nao sei por quanto tempo permaneci trancado<br />
naquele quarto. O silencio, quebrado apenas pelo<br />
ruido do ar circulante, fazia-me pensar em tudo o<br />
que tinha ocorrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia do aci<strong>de</strong>nte, no<br />
veleiro.<br />
A vida nos prega pecas incriveis e, muitas<br />
<strong>de</strong>las, ironicas. Agora, achava que o fato <strong>de</strong> ter<br />
viajado sem carregar nenhum relogio tinha sido
uma pessima i<strong>de</strong>ia. Eu, que possuia varios tipos<br />
<strong>de</strong> relogios: cronometros, com sensor termico,<br />
com sensor <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, com sensor <strong>de</strong><br />
velocida<strong>de</strong> do ar, com controlador <strong>de</strong> voo, com<br />
tacografo, com calendario ate para o ano 2025,<br />
etc. Estava, agora, sem ter a menor nocao <strong>de</strong><br />
tempo. Ha quanto tempo estava naquela ilha?<br />
Quanto tempo havia se passado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia do<br />
aci<strong>de</strong>nte com o veleiro?<br />
Uma sensacao <strong>de</strong> inquietacao comecou a<br />
tomar conta <strong>de</strong> mim. O fato <strong>de</strong> estar preso, em<br />
um quarto, mesmo que fosse para a minha<br />
recuperacao fisica, estava dando-me nos nervos.<br />
Sentia que a minha calma costumeira estava se<br />
per<strong>de</strong>ndo no meio <strong>de</strong> tantas perguntas e<br />
incertezas. O que estaria reservado para mim?<br />
Trabalhar em uma pesquisa cientifica para seres<br />
com capacida<strong>de</strong> cultural e tecnologica<br />
infinitamente maior do que a minha. Seria como<br />
"querer ensinar pai nosso ao vigario". De que<br />
maneira po<strong>de</strong>ria contribuir em tao avancada<br />
pesquisa?<br />
An<strong>de</strong>i varias vezes pelo quarto. Meu cerebro<br />
teimava em divagar, em fazer perguntas as quais<br />
nao fazia a menor i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que maneira iria<br />
respon<strong>de</strong>-las. Nao sei por quanto tempo assim<br />
fiquei. Cansado, resolvi <strong>de</strong>itar-me. Acor<strong>de</strong>i com
toques em meu ombro direito. Era Ruel. Trazia<br />
meu jantar. Enquanto comia, ele dirigiu-se ao<br />
computador e digitou uma frase: amanha o<br />
senhor comecara a trabalhar conosco. Em<br />
seguida, retirou-se. Terminei o meu jantar e<br />
voltei para cama. Teria que dormir para nao ter<br />
que continuar a pensar... O que teria acontecido<br />
com Carla? Por on<strong>de</strong> andaria? Estaria bem? Por<br />
que sofreramos aquele ataque em alto mar?<br />
Quem po<strong>de</strong>ria querer se livrar <strong>de</strong> mim, ou <strong>de</strong><br />
nos? Subito, uma i<strong>de</strong>ia maluca comecou a<br />
martelar o meu cerebro. Quem mais po<strong>de</strong>ria saber<br />
<strong>de</strong> nosso para<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> nossa posicao em alto<br />
mar? Quem teria fornecido as nossas<br />
coor<strong>de</strong>nadas? Estaria Carla envolvida com o que<br />
nos acontecera? Que pensamento absurdo. Nos<br />
nos amavamos. Isto nunca seria possivel. Que<br />
razao ela teria para planejar o aci<strong>de</strong>nte? No<br />
entanto, quem se nao ela po<strong>de</strong>ria ter dado nossa<br />
localizacao ao helicoptero? So nos nos<br />
encontravamos a bordo. Ou as pessoas que nos<br />
atacaram estariam nos vigiando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossa<br />
partida do Brasil?<br />
Dentro da caverna nao tinha a menor nocao do<br />
tempo. Nao sabia se era dia ou noite. Ela era<br />
inteiramente iluminada por lampadas halogenas,<br />
frias, <strong>de</strong> extrema clarida<strong>de</strong>. Parecia que
estavamos em pleno dia. Podia sentir a<br />
preocupacao <strong>de</strong> todos com a seguranca do lugar.<br />
Em varios pontos estrategicos existiam<br />
sinalizacoes <strong>de</strong> atencao, creio eu, pois eram<br />
pintadas em vermelho e traziam estampas <strong>de</strong><br />
fogo. Sob estas ilustracoes existiam aparelhos,<br />
estranhos, e verda<strong>de</strong>, que seriam extintores <strong>de</strong><br />
incendio. Isto eu via e examinava enquanto<br />
seguia Ruel para outro setor da caverna, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que, atraves <strong>de</strong> gestos, <strong>de</strong>u-me a enten<strong>de</strong>r que era<br />
para acompanha-lo. O corredor por on<strong>de</strong><br />
caminhavamos era largo, com piso liso e<br />
brilhante possuindo faixas amarelas <strong>de</strong><br />
sinalizacao, indicando que <strong>de</strong>viamos caminhar<br />
fora do centro, pelas laterais, como estavamos<br />
fazendo.<br />
Apos percorrermos, aproximadamente, dois<br />
quilometros, chegamos a uma especie <strong>de</strong> nave<br />
central. O teto rustico da caverna era muito alto,<br />
com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z metros. As luzes estavam<br />
situadas nas pare<strong>de</strong>s que circundavam esta nave<br />
e outras localizadas em pingentes, como se<br />
fossem lustres. Esta parte da caverna possuia o<br />
formato redondo. Com certeza fora escavada na<br />
rocha por este estranho povo. O interior <strong>de</strong>sta<br />
nave era rico em varios equipamentos, muitos<br />
dos quais <strong>de</strong>sconhecidos para mim. Varios
homens trabalhavam sem parar, como se nada <strong>de</strong><br />
anormal estivesse acontecendo ali. Nem <strong>de</strong> longe<br />
notei qualquer olhar ou gesto em minha direcao.<br />
Era como se eu ja fizesse parte daquilo. Em<br />
momento algum chamei a atencao <strong>de</strong> quem quer<br />
que fosse.<br />
Afastando-se <strong>de</strong> mim, Ruel foi ate uma<br />
escrivaninha e apanhou o capacete que usara na<br />
mesa <strong>de</strong> analises clinicas. Trouxe-o ate mim.<br />
Coloquei-o. Imediatamente comecei a enten<strong>de</strong>r o<br />
que todos falavam, quando falavam.<br />
Conduzindo-me ate um computador, Ruel<br />
disse-me que aquele computador seria meu. Nele,<br />
em sua memoria, estavam registradas todas as<br />
pesquisas geneticas efetuadas por eles. Nao teria<br />
a menor dificulda<strong>de</strong> para le-las, visto que os<br />
sensores do capacete que estava usando,<br />
automaticamente, fariam a traducao para mim.<br />
Seria como se estivesse lendo a propria escrita<br />
<strong>de</strong>les. Meu trabalho, no momento, seria estudar o<br />
que estava na memoria do computador. Teria o<br />
mesmo tempo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> todos os que se<br />
encontravam <strong>de</strong>ntro da caverna, ou melhor,<br />
<strong>de</strong>ntro do laboratorio.<br />
Como se mostrava solicito comigo, aproveitei<br />
e lhe fiz algumas perguntas. Ruel - posso te<br />
chamar assim? Respon<strong>de</strong>u-me que sim. Ha
quanto tempo estou nesta ilha? Agora e dia ou<br />
noite? Que horas sao? On<strong>de</strong> ficavam os<br />
sanitarios? Calmamente, comecou a falar sem<br />
pressa e num tom bastante amavel.<br />
- Senhor <strong>Marcus</strong> Roge, os sanitarios estao<br />
representados por este simbolo - mostrou-me, na<br />
tela do computador, um enorme pe <strong>de</strong> jacaranda<br />
em cuja sombra estava um homem sentado em<br />
um vaso sanitario. Achei graca e ri. Era muito<br />
criativo o simbolo apresentado a mim como<br />
sendo indicativo <strong>de</strong> sanitario.<br />
- O Senhor esta conosco ha oito meses, dos<br />
quais, <strong>de</strong>vido a gravida<strong>de</strong> dos seus ferimentos<br />
quando aqui chegou, ficou na maquina<br />
reabilitadora da camara <strong>de</strong> sinais vitais por seis<br />
meses continuos. Agora, fora do laboratorio, e<br />
dia. Por sinal, um belissimo dia e sao exatamente<br />
oito horas da manha. Eu o acor<strong>de</strong>i as seis horas,<br />
esperei que fizesse a higiene pessoal e comesse o<br />
seu <strong>de</strong>sjejum para so entao sairmos do quarto <strong>de</strong><br />
recuperacao.<br />
Como lhe havia sido informado ontem, o<br />
senhor hoje comecaria a trabalhar. Seus niveis <strong>de</strong><br />
oxigenio celulares, estipulados por nos, foram<br />
atingidos e mantidos estaveis. Nao haveria<br />
motivo para continuar a retardar a sua<br />
participacao em nossas pesquisas. Seja bem-
vindo. Aproveite esta oportunida<strong>de</strong> que lhe<br />
estamos dando. Nenhum humano antes<br />
participou <strong>de</strong> alguma experiencia ou soube<br />
qualquer coisa a nosso respeito. O senhor e<br />
especial. Esperamos, sincera e ansiosamente, que<br />
corresponda as nossas expectativas. Acreditamos<br />
que o senhor possa nos dar alguma luz em nossos<br />
trabalhos. Precisamos salvar a raca humana da<br />
<strong>de</strong>struicao que se faz iminente. Precisamos<br />
salvar, a qualquer custo, o planeta Terra. Aju<strong>de</strong>nos,<br />
pois. -Ia se retirar quando, voltando-se para<br />
mim, perguntou: - Por que a curiosida<strong>de</strong> em<br />
saber da localizacao dos sanitarios? - Po<strong>de</strong>ria ser<br />
um teste a pergunta efetuada, ja que tinha sido<br />
informado que sabiam tudo a meu respeito,<br />
pensei.<br />
- Bem - respondi - nao sei por quanto tempo<br />
vou ficar entre voces. Nao sei se serei libertado,<br />
conseguindo ou nao sucesso em meu trabalho.<br />
Nao sei quanto tempo levarei para conclui-lo. E,<br />
como sempre fiz do meu trabalho a continuacao<br />
do meu lar, respeito metodicamente as minhas<br />
vonta<strong>de</strong>s fisiologicas. Evacuar para mim e<br />
sagrado. Po<strong>de</strong> ser estranha a minha resposta;<br />
entretanto, se existe alguma coisa que me ponha<br />
nervoso, que atrapalhe o meu rendimento<br />
operacional, atrapalhe o meu raciocinio, e ter
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> evacuar e nao po<strong>de</strong>r faze-lo - Surpreso<br />
com a minha resposta, ele riu e retirou-se.
CAPITULO 5<br />
O TRABALHO<br />
Agora que ja estava ciente dos meus afazeres,<br />
do tempo, do momento atual, so me restava<br />
mesmo o trabalho. Olhei em volta e notei que<br />
todos trabalhavam com afinco, compenetrados.<br />
Raramente os via conversando e, quando o<br />
faziam, era em tom extremamente baixo, quase<br />
um cochicho. Arrumei minha ca<strong>de</strong>ira, o mais<br />
confortavel possivel, em frente ao computador e<br />
o liguei, dando assim inicio a mais fantastica<br />
leitura efetuada, por mim, em toda a minha vida.<br />
O que era registrado na tela do monitor, por sinal<br />
<strong>de</strong> um colorido <strong>de</strong> resolucao fantastica, era<br />
inacreditavel. O que ali estava armazenado era a<br />
propria Historia cientifica <strong>de</strong> uma civilizacao<br />
muitos anos-luz a frente da nossa. O<br />
conhecimento <strong>de</strong> genetica animal e humana era<br />
impressionante.<br />
Para nao ter que reprisar a busca e a leitura<br />
dos registros, criei um arquivo para meu uso<br />
proprio. Neste arquivo so iria armazenar os dados<br />
referentes a pesquisa embrionaria e correlatas.<br />
Comecei com os primordios das pesquisas. A<br />
<strong>de</strong>scoberta do gene, da locacao dos alelos. Todos<br />
os estudos bioquimicos correlacionados com o<br />
DNA e com RNA; suas comparacoes com os <strong>de</strong>
outros seres vivos. Suas interacoes por via <strong>de</strong><br />
cruzamentos geneticos e, muito posterior, no<br />
tempo, por cirurgias geneticas. Aqui, o estudo da<br />
bioengenharia genetica era algo <strong>de</strong> fantastico.<br />
Coisa <strong>de</strong> ficcao cientifica, para os nossos<br />
conhecimentos.<br />
Passei quatro semanas estudando todos os<br />
registros e armazenando, no meu arquivo,<br />
aqueles que, <strong>de</strong> certa forma, po<strong>de</strong>riam me<br />
auxiliar no projeto <strong>de</strong> que fora incumbido.<br />
Eliminar o gene irracional, o gene mau, existente<br />
no ser humano, sem, contudo transforma-lo em<br />
um robo. Este novo ser humano teria que ser<br />
ativo em todos os sentidos. Teria que ter vonta<strong>de</strong><br />
propria teria que saber discernir os momentos<br />
exatos on<strong>de</strong> usar <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> para assim<br />
po<strong>de</strong>r sobreviver, manter a continuida<strong>de</strong> da raca<br />
humana. Teria que ser um novo ser on<strong>de</strong> a<br />
pon<strong>de</strong>racao, a autocritica e o respeito pelo<br />
proximo fosse a tonica prepon<strong>de</strong>rante. Teria que<br />
ser o guerreiro do futuro on<strong>de</strong> a maior e mais<br />
po<strong>de</strong>rosa arma usada se resumiria em uma unica<br />
palavra: AMOR.<br />
Aprendi muito com o que lera. Era soberbo o<br />
conhecimento sobre genetica dos mais diversos<br />
seres existentes no universo, conhecidos por<br />
eles. Sobre a raca humana, o estudo da genetica
era <strong>de</strong>sconcertante. Um dos pontos que mais me<br />
chamou a atencao estava no estudo genetico da<br />
forma do corpo, isto e, nosso corpo material<br />
possui uma forma peri-espiritual. Uma fonte <strong>de</strong><br />
energia, so agora conhecida por nos,<br />
principalmente por aqueles que estudam a<br />
Doutrina Kar<strong>de</strong>cista, chamada <strong>de</strong> Peri- espirito.<br />
Esta forma Peri- espiritual adoece, em media,<br />
noventa dias antes <strong>de</strong> o corpo material apresentar<br />
a molestia correspon<strong>de</strong>nte. Este tipo <strong>de</strong> estudo<br />
revela que o Peri- espirito e um espaco virtual e<br />
que, antes das manifestacoes clinicas <strong>de</strong> qualquer<br />
molestia, torna-se real. A permanencia <strong>de</strong>sta<br />
forma Peri- espiritual e <strong>de</strong> noventa dias, tambem,<br />
apos a morte do corpo fisico ou apos a perda <strong>de</strong><br />
partes do corpo fisico. Este fato vem explicar o<br />
porque <strong>de</strong> muitos pacientes que tiveram um<br />
membro amputado, sentirem dor neste membro<br />
por muito tempo. Existem varios exemplos na<br />
literatura medica a respeito <strong>de</strong>ste fato. Pacientes<br />
que pe<strong>de</strong>m para cocar o pe que fora amputado ha<br />
mais <strong>de</strong> trinta dias. Vem explicar tambem um dos<br />
milagres <strong>de</strong> Jesus Cristo: o ressuscitamento <strong>de</strong><br />
Lazaro, morto ha tres dias. Todos nos sabemos do<br />
po<strong>de</strong>r da forca mental <strong>de</strong> Jesus Cristo.<br />
Certamente, sabedor da existencia do Periespirito,<br />
atraves da imposicao <strong>de</strong> maos,
provavelmente realizou a cura da molestia, que<br />
afligia Lazaro, em seu Peri- espirito, fazendo-o<br />
ressuscitar.<br />
Com estas informacoes adquiridas por estes<br />
estudos, reportei-me as experiencias atuais,<br />
efetuadas pelos meus salvadores. Todas elas eram<br />
efetuadas em animais e em todas foram usados<br />
metodos, altamente diferenciados, atraves <strong>de</strong><br />
varios cruzamentos on<strong>de</strong> se procurou um<br />
aprimoramento genetico. Posteriormente, na<br />
raca aprimorada, foram efetuadas cirurgias<br />
clonais e geneticas com uma especie <strong>de</strong> raio laser<br />
roxo. O ultimo ser melhorado assim foi o lobo<br />
que havia matado. As pesquisas efetuadas na area<br />
psicologica eram feitas por Sirc Eustim e tinham<br />
por finalida<strong>de</strong> comprovar, no dia-a-dia <strong>de</strong>stes<br />
animais, as reacoes <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong> ocorridas<br />
<strong>de</strong>snecessariamente, isto e, sem serem com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivencia. Ela possui varios<br />
estudos diferenciados do comportamento animal,<br />
fazendo cruzamentos <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> diversos<br />
questionarios altamente sofisticados e <strong>de</strong><br />
diversas experiencias em campo, tais como<br />
reacoes a provocacoes fisicas, reacoes a possiveis<br />
a<strong>de</strong>stramentos.<br />
Apos ler por diversas vezes todos os estudos<br />
efetuados recentemente, varias duvidas
ocorreram-me. Seriam estes estudos, mesmo com<br />
a complexida<strong>de</strong> apresentada, suficientes para<br />
avaliar o efeito genetico <strong>de</strong>sejado?<br />
A alocacao do alelo genetico, com todos os<br />
seus codigos passiveis <strong>de</strong> transmissao as geracoes<br />
futuras, era dada como conhecida. Como saber se<br />
a cirurgia efetuada nos clones e nos genes era a<br />
<strong>de</strong> localizacao certa?<br />
As cirurgias efetuadas na celula material foram<br />
realizadas sem a menor dificulda<strong>de</strong>. Teriam sido<br />
elas tambem realizadas no espaco virtual, no<br />
Peri- espirito?<br />
Resolvi chamar Ruel para os <strong>de</strong>vidos<br />
esclarecimentos. Ate entao, nao havia chamado<br />
ninguem para efetuar qualquer tipo <strong>de</strong> pergunta.<br />
Do inicio do dia <strong>de</strong> trabalho ao fim do mesmo,<br />
<strong>de</strong>dicava-me ao estudo <strong>de</strong> todas as informacoes<br />
contidas na memoria do meu computador. Eram<br />
informacoes, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m biologica, que ali estavam<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primordios da raca humana. Houve dias<br />
em que minha cabeca parecia que ia estourar.<br />
Eram tantos os conhecimentos adquiridos, tantas<br />
pesquisas espetaculares que me fizeram esquecer<br />
tudo. Estava completamente inebriado com<br />
tantos conhecimentos, tantas experiencias, com<br />
aquela cultura alienigena extraordinaria. Ao<br />
aproximar-se <strong>de</strong> mim, nao escon<strong>de</strong>u o espanto
pelo fato <strong>de</strong> o chamar. O senhor nos surpreen<strong>de</strong>u.<br />
Passaram-se quatro semanas e parece que nossa<br />
presenca nao se faria necessaria. O seu<br />
conhecimento <strong>de</strong>ve ser realmente muito gran<strong>de</strong>.<br />
Senti o tom sarcastico na voz <strong>de</strong> Ruel. Sem<br />
dar importancia ao fato, expliquei-lhe,<br />
humil<strong>de</strong>mente, que nao estava testando o meu<br />
conhecimento e, sim, apren<strong>de</strong>ndo com o que me<br />
tinham ofertado. Era tudo gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para a<br />
minha cultura. Eu estava tentando, avidamente,<br />
absorver tudo, sem restricoes,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da pesquisa a que fora<br />
incumbido, como um papel mata-borrao,<br />
encharcando-me <strong>de</strong> cultura. Notara, entretanto,<br />
que alguns dados, aparentemente primarios, nao<br />
estavam ali explicados. Por exemplo: a) como<br />
fazer cirurgia genetica sem ter a precisao <strong>de</strong><br />
alocacao genica? b) Como nao existir referencia<br />
alguma sobre uma possivel cirurgia genica no<br />
espaco virtual, isto e, no Peri- espirito? A reacao<br />
<strong>de</strong> Ruel foi imediata. Olhando-me incredulo,<br />
disse-me que precisava chamar seu colega Falk.<br />
Saiu sem dizer mais nada.<br />
Apos quase uma hora <strong>de</strong> espera. Falk e Ruel<br />
vieram a ter comigo. As fisionomias <strong>de</strong> ambos<br />
eram <strong>de</strong> surpresa, diria que ate mesmo <strong>de</strong><br />
espanto. Ruel disse-me que nao ocorrera falha,
com relacao a primeira pergunta, e sim omissao.<br />
Por orientacao <strong>de</strong> Falk, que assentiu com a<br />
cabeca, eles haviam omitido os dados referentes a<br />
alocacao genica como sendo uma forma <strong>de</strong> teste.<br />
Queriam verificar se eu estava enten<strong>de</strong>ndo tudo<br />
o que lia. Queriam verificar se realmente eu tinha<br />
concentracao e percepcao suficientes para dar<br />
continuida<strong>de</strong> a leitura e po<strong>de</strong>r comecar o<br />
trabalho <strong>de</strong> que fora incumbido. Agora, estavam<br />
surpresos quanto a segunda pergunta. Realmente<br />
houvera falha. Nao entendia como haviam<br />
esquecido o espaco virtual, o Peri- espirito. Em<br />
nenhum animal, modificado geneticamente<br />
atraves <strong>de</strong> cirurgia genica ou clonal, haviam sido<br />
efetuadas cirurgias i<strong>de</strong>nticas no Peri- espirito. Eu<br />
os surpreen<strong>de</strong>ra.<br />
Aproveitei o momento e coloquei o restante<br />
<strong>de</strong> minhas duvidas quanto aos resultados das<br />
experiencias e fiz mais uma pergunta: por que<br />
nenhum ser humano havia sido testado? Dentro<br />
da escala biologica, conhecidissima por eles, era<br />
gran<strong>de</strong> a diferenca genetica do homem para com<br />
os animais ali experimentados.<br />
Pu<strong>de</strong> sentir a admiracao <strong>de</strong> ambos para o que<br />
havia <strong>de</strong>scoberto. Eu um simples ser humano,<br />
<strong>de</strong>scobrir uma falha tecnica, que eles mesmos<br />
haviam <strong>de</strong>scoberto. Era o legitimo "ovo <strong>de</strong>
Colombo", pensei. Falk, falando com entusiasmo,<br />
disse que nao per<strong>de</strong>riamos mais tempo. A partir<br />
<strong>de</strong> amanha, comecaremos a fazer cirurgias<br />
geneticas no Peri- espirito. Como eram apenas<br />
quatorze horas, estava dispensado <strong>de</strong> minhas<br />
ativida<strong>de</strong>s pelo resto do dia, como premio para o<br />
que <strong>de</strong>scobrira. Agra<strong>de</strong>ci, porem diante <strong>de</strong> tanta<br />
fartura em conhecimentos novos, eu preferia<br />
continuar meu <strong>de</strong>leite: lendo, estudando e<br />
apren<strong>de</strong>ndo o mais que pu<strong>de</strong>sse.<br />
Como todos na caverna, terminado o dia <strong>de</strong><br />
trabalho, recolhia-me a minha cabana. Esta<br />
estava sempre limpa e arrumada a minha espera.<br />
Agora, sabia que mais uma pessoa, alem <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim, estava <strong>de</strong>signada para as tarefas que<br />
eram <strong>de</strong>la. Ja haviam se passado trinta dias <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que matara o cao-lobo que atacara Sirc Eustim.<br />
Des<strong>de</strong> entao ela continuava presa a maquina<br />
reabilitadora. So agora, me dava conta <strong>de</strong> que,<br />
com tantos conhecimentos novos a minha<br />
disposicao, eu me havia esquecido<br />
completamente <strong>de</strong>la. Como estaria? Senti,<br />
repentinamente, uma sauda<strong>de</strong> enorme. Sauda<strong>de</strong><br />
daqueles olhos amendoados, daquela face meiga,<br />
daqueles labios carnudos... Estava excitado<br />
<strong>de</strong>mais com a perspectiva que o trabalho do dia<br />
seguinte me dava. Tentei tirar do meu
pensamento a imagem da jovem alienigena. Em<br />
vao. Uma comparacao entre ela e Carla surgiu em<br />
meu cerebro. Carla, o que lhe teria acontecido?<br />
Meus pensamentos teimavam na comparacao.<br />
Entretanto, como faze-la? Conhecia Carla no seu<br />
todo, cada centimetro do seu corpo. Da jovem,<br />
nada alem do que vira e das informacoes <strong>de</strong> Ruel.<br />
Estava evi<strong>de</strong>nte que, culturalmente, nao havia<br />
parametros <strong>de</strong> comparacao. Carla perdia. Sua<br />
cultura era a <strong>de</strong> futilida<strong>de</strong>s: moda, cabeleireiros,<br />
beleza exterior, aulas <strong>de</strong> ginastica, aca<strong>de</strong>mias,<br />
etc... Que interessante! So agora me dava conta<br />
<strong>de</strong> que nunca havia perguntado ou falado a<br />
respeito disso com Carla. Estava tao enlevado em<br />
sua beleza fisica, em sua maneira <strong>de</strong> fazer amor,<br />
em seus dotes como mulher amante que nunca<br />
tinha me <strong>de</strong>tido para tal fato. Seria Carla uma<br />
"mulher <strong>de</strong> Cesar"? Como seria, entretanto,<br />
sexualmente, Sirc Eustim? Reprovei-me por<br />
pensamento tao abusivo e tao fora <strong>de</strong> proposito,<br />
visto que o estado da jovem alienigena inspirava<br />
serios cuidados. Todavia, como nao ter tais<br />
pensamentos se ha mais <strong>de</strong> nove meses eu nao<br />
tinha contato sexual com ninguem? A noite<br />
passou e a danca do corpo em contato com os<br />
lencois foi cumplice do turbilhao <strong>de</strong> pensamentos<br />
que fizeram a minha vigia. Foram tantas as
fantasias sexuais, tantas lembrancas com Carla...<br />
Em muitas <strong>de</strong>las, o rosto <strong>de</strong> Carla era substituido<br />
pelo <strong>de</strong> Sirc Eustim. Podia jurar que, em muitos<br />
momentos, sentia a sensacao <strong>de</strong> esta-la beijando<br />
realmente. Os labios <strong>de</strong> Sirc eram tao ou mais<br />
sensuais do que os <strong>de</strong> Carla...<br />
O dia finalmente amanheceu. Eu estava<br />
exausto. A noite mal dormida, a ansieda<strong>de</strong> para<br />
chegar ao laboratorio e comecar a trabalhar no<br />
projeto, em cima das <strong>de</strong>scobertas que havia feito,<br />
o nao ter encontrado a paz suficiente para po<strong>de</strong>r<br />
relaxar, os pensamentos eroticos... Eu estava<br />
realmente mal. Corri para o chuveiro e fiquei ali,<br />
sob a agua, mais tempo do que o <strong>de</strong> costume. Ao<br />
voltar para a cabana, o meu <strong>de</strong>sjejum estava<br />
servido e, como sempre, quem o trouxera, tivesse<br />
feito o menor ruido, ou <strong>de</strong>ixado se mostrar.<br />
A chegada ao laboratorio foi notada. Estava<br />
atrasado. Desculpei-me com Ruel e fui direto para<br />
o meu computador. Falk aproximou-se <strong>de</strong> nos e<br />
nos disse que tinha duas noticias para nos dar:<br />
uma boa e uma ma. Pedi para comecar com a ma.<br />
Sem fazer ro<strong>de</strong>ios, disse-nos que nao seria<br />
possivel comecar as experiencias geneticas Periespirituais,<br />
nos animais ja estudados, visto que<br />
teria que construir uma nova maquina emissora<br />
<strong>de</strong> raios laser que pu<strong>de</strong>ssem atingir o Peri-
espirito efetivamente. A que fazia as cirurgias na<br />
materia visivel provocava lesoes irreversiveis no<br />
Peri- espirito e a simples reducao da potencia do<br />
raio laser roxo nao estava sendo suficiente para<br />
resolver o problema. Terei que construir um<br />
equipamento novo e isto <strong>de</strong>vera retardar o inicio<br />
<strong>de</strong> nossos trabalhos pelo menos em duas<br />
semanas, o que, para nos, realmente e uma pena.<br />
Estamos tao ansiosos quanto o senhor. A noticia<br />
boa, pelo menos para nos, e a seguinte: virandose,<br />
Falk chamou Sirc Eustim. Ela apareceu.<br />
Estava tao linda como antes. Nao mostrava<br />
qualquer sinal ou cicatriz que pu<strong>de</strong>sse lembrar o<br />
aci<strong>de</strong>nte que sofrera. Era como se nada tivesse<br />
acontecido. Nossa alegria foi geral.<br />
Acercando-se <strong>de</strong> mim, Sirc Eustim esten<strong>de</strong>ume<br />
a sua mao direita. Tomei-a <strong>de</strong>licadamente.<br />
"Ela falou com lagrimas nos olhos:" quero lhe<br />
agra<strong>de</strong>cer sinceramente por ter salvado a minha<br />
vida. Sei que seu ato <strong>de</strong> coragem nao teve<br />
limites. Aquele animal fugiu a tudo o que<br />
haviamos programado para ele. Era um cao<br />
assassino. Nao entendo por que as experiencias<br />
geneticas nao surtiram o efeito por nos <strong>de</strong>sejado.<br />
Sei que lhe <strong>de</strong>vo minha vida e isto jamais vou<br />
esquecer. Ainda com sua mao entre as minhas,<br />
disse-lhe que qualquer outra pessoa no meu lugar
teria agido da mesma maneira. O que eu fiz fora<br />
mais um ato reflexo, um ato <strong>de</strong> sobrevivencia do<br />
que um ato <strong>de</strong> coragem. Tu nao me <strong>de</strong>ves nada.<br />
Eu e que <strong>de</strong>vo a todos voces por me terem<br />
salvado e, agora, <strong>de</strong>ixarem compartilhar <strong>de</strong> todo o<br />
segredo contido naquele laboratorio. Eu estou<br />
feliz por po<strong>de</strong>r contar com voces, por po<strong>de</strong>r te-los<br />
como amigos. Falk interrompeu-me dizendo que<br />
poria Sirc Eustim a par <strong>de</strong> tudo o que eu<br />
<strong>de</strong>scobrira enquanto ela estava na maquina <strong>de</strong><br />
reabilitacao. Certamente que ela ficara feliz em<br />
ver que o julgamento que fizeram <strong>de</strong> mim estava<br />
correto. Deixaram-me so.<br />
Pu<strong>de</strong> sentir certa resistencia, por parte <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim, por ter que se retirar. Sua mao soltou-se<br />
das minhas lentamente, como que pedindo para<br />
impedi-la <strong>de</strong> ir. Ao assim fazer, seus olhos eram<br />
ternura fluindo em minha direcao. Tenho certeza<br />
que senti um pequeno tremor percorrendo-lhe o<br />
corpo. Sua face enrubescera antes <strong>de</strong> dar-me as<br />
costas e se retirar.<br />
O resto do dia, por mais que tentasse me<br />
concentrar na leitura dos experimentos<br />
alienigenas, a imagem da jovem sempre vinha<br />
provocar fantasias e a distanciar-me dali. Meu<br />
cerebro era so pensamentos relacionados a Sirc<br />
Eustim. Estaria ela sentindo alguma atracao por
mim? Seu olhar, seu enrubescimento, seu toque<br />
terno e carinhoso, ao soltar sua mao das minhas.<br />
A reciproca tambem seria verda<strong>de</strong>ira? Estaria me<br />
apaixonando pela bela morena? Caso nada<br />
estivesse acontecendo, como explicar a minha<br />
<strong>de</strong>satencao em relacao ao meu trabalho? Por que<br />
so estaria pensando nela o tempo todo?<br />
Racionalmente, o fato e que me sentia<br />
carente. Carente <strong>de</strong> afeto, carente <strong>de</strong> amigos,<br />
carente <strong>de</strong> um convivio social, carente ate do<br />
meu idioma. O fato <strong>de</strong> ter que ficar em silencio a<br />
maior parte do tempo, <strong>de</strong> so po<strong>de</strong>r conversar,<br />
usando o capacete tradutor, em poucos<br />
momentos do dia, era terrivel. Sentia muita falta<br />
<strong>de</strong> Carla. Sentia falta <strong>de</strong> sexo...<br />
A semana transcorreu sem nenhuma<br />
novida<strong>de</strong>. Estava mais tranquilo em relacao aos<br />
meus sentimentos e anseios sexuais. Assimilei<br />
toda a informacao oriunda daquele computador.<br />
Estava cada vez mais admirado com o que lia.<br />
Imaginava nossa civilizacao <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> todo<br />
aquele conhecimento. Seria um e<strong>de</strong>n sem duvida<br />
alguma. Por outro lado, conhecendo como<br />
conheco o ser humano, se tudo aquilo ficasse<br />
retido a uma minoria, teriamos um verda<strong>de</strong>iro<br />
caos. Nunca mais po<strong>de</strong>riamos nos livrar <strong>de</strong> um<br />
regime ditatorial. O po<strong>de</strong>r que toda aquela
informacao <strong>de</strong>legava era infinitamente gran<strong>de</strong>,<br />
imbativel, in<strong>de</strong>strutivel. Seria o fim total da<br />
<strong>de</strong>mocracia e do livre arbitrio. Podia sentir que, a<br />
medida que lia e entendia tudo o que estava ao<br />
meu alcance, a minha responsabilida<strong>de</strong> como ser<br />
humano aumentava enormemente. Era um fardo<br />
pesado <strong>de</strong>mais para carregar sozinho.<br />
Pela primeira vez, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ali chegara me<br />
via frente a frente comigo mesmo. A<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tantas revelacoes estava<br />
mudando a minha maneira <strong>de</strong> ver o mundo que,<br />
certamente, teria que voltar a enfrentar. Como<br />
colocar em pratica tantos conhecimentos sem<br />
<strong>de</strong>spertar suspeitas sobre tao admiravel cultura<br />
alienigena? Como guardar segredo, nao colocar<br />
em pratica nada do que estava apren<strong>de</strong>ndo,<br />
privando a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tantos conhecimentos<br />
cientificos, filosoficos e <strong>de</strong> praticida<strong>de</strong><br />
incontestavel? Estava travando uma luta gigante<br />
comigo mesmo. Teria que encontrar uma saida<br />
inteligente para o que estava apren<strong>de</strong>ndo po<strong>de</strong>r<br />
ser colocado a bem da humanida<strong>de</strong>. Divagava por<br />
estes pensamentos quando Falk, aproximando-se<br />
<strong>de</strong> mim, tocou-me. Entendi que era para colocar<br />
o capacete tradutor.<br />
- Meu caro Doutor, acredito que consegui<br />
resolver o problema que atrasou as suas
experiencias. Consegui construir uma maquina<br />
nova, com um novo feixe <strong>de</strong> raios laser mais<br />
po<strong>de</strong>roso e, ao mesmo tempo, muito, muito mais<br />
suave e sutil. Gostaria que me acompanhasse<br />
para ver a maquina e o que ela consegue fazer. O<br />
cientista que a manipulara sera o senhor. Veja se<br />
precisa <strong>de</strong> alguma coisa mais.<br />
Achei graca e, ao mesmo tempo,<br />
constrangimento. Quem era eu para achar alguma<br />
coisa? Que conhecimento tecnologico tinha para<br />
ver se a maquina precisaria <strong>de</strong> mais alguma<br />
coisa? Sem relutar e sem falar nada, acompanhei<br />
Falk. Caminhamos por um corredor, ainda<br />
<strong>de</strong>sconhecido para mim. Estava bem iluminado e<br />
<strong>de</strong>ixava claro o <strong>de</strong>scomunal tamanho da caverna.<br />
O piso era branco e liso como se estivessemos em<br />
uma pista <strong>de</strong> danca. Passamos por varias portas,<br />
certamente outros laboratorios. Por fim,<br />
chegamos a um gran<strong>de</strong> salao. Existiam varias<br />
maquinas, balcoes e alguns homens trabalhando<br />
com solda. Notei que o salao se dividia, sem uma<br />
divisao fisica, em duas partes. Uma area como se<br />
fosse uma oficina e outra como se fosse uma<br />
secao <strong>de</strong> testes. Paramos em frente a um pequeno<br />
console preto, que Falk apontou dizendo-me que<br />
ali estava a sua mais nova criacao. Nao havia<br />
luxo algum no que via. O material parecia ser
plastico e o acabamento era regular. Mais parecia<br />
uma caixa <strong>de</strong>stas que comportam aparelhagem <strong>de</strong><br />
som, do que um instrumento laser. Pedi-lhe que<br />
me mostrasse em funcionamento. Ele olhou-me<br />
como que adivinhando meus pensamentos,<br />
<strong>de</strong>pois foi ate um balcao e apanhou um pequeno<br />
ramster. O animal estava dormindo, certamente<br />
dopado por alguma droga anestesica. Colocou-o<br />
em frente a caixa. Em seguida, apertou um botao.<br />
A caixa abriu-se em um dos lados e <strong>de</strong>ixou<br />
mostrar uma potente lente fotografica. Disparou<br />
outro botao e, para minha surpresa, apareceu, a<br />
uma distancia <strong>de</strong> mais ou menos um metro, um<br />
holograma do ramster. Este holograma era<br />
tridimensional e mostrava claramente a aura do<br />
animal. Eu estava diante <strong>de</strong> uma maquina<br />
fotografica que produzia holograma<br />
tridimensional e tambem fotografava a aura, ou<br />
seja, o Peri- espirito. Era fantastico. O holograma<br />
era <strong>de</strong> uma niti<strong>de</strong>z incrivel. Eu o olhei ainda<br />
surpreso com o que via, porem sem compreen<strong>de</strong>r<br />
como aquilo po<strong>de</strong>ria me ajudar em uma cirurgia<br />
microscopica, <strong>de</strong> alta tecnologia e no Periespirito?<br />
Sem dar atencao a minha face<br />
interrogativa, ele apertou outro botao, este bem<br />
junto ao corpo da lente, e vi, como num passe <strong>de</strong><br />
magica, as partes do ramster, por Falk
<strong>de</strong>terminadas, serem ampliadas em mais <strong>de</strong> um<br />
milhao <strong>de</strong> vezes. Mais espantoso ainda que a<br />
cada aumento, tambem aumentava a aura <strong>de</strong><br />
cada estrutura, isto e, o peri-espirito tambem<br />
aumentava proporcionalmente. Nao acreditava<br />
no que via. Eu tinha um revolucionario<br />
microscopio tri-dimensional, que aumentava a<br />
materia e o peri- espirito. Um microscopio<br />
Kirliam, se assim podia chamar. Aumentando<br />
ainda mais, notei que a direcao apontada por<br />
Falk era o nucleo celular e la as celulas geneticas<br />
do ramster. Podia ver toda a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> DNA dos<br />
cromossomos sexuais. Tambem podia ver a<br />
ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> DNA Peri- espiritual. Nao me contive.<br />
Gritei! Isto e fantastico, simplesmente<br />
impossivel! Sem dizer nada, ele apontou para um<br />
alelo do cromossomo sexual masculino do<br />
ramster e disparou um tenue feixe <strong>de</strong> luz violeta.<br />
Imediatamente, o alelo <strong>de</strong>sapareceu, como que<br />
pulverizado, <strong>de</strong>ixando a mostra o alelo Periespiritual.<br />
Outro disparo e uma pequena cicatriz<br />
era provocada no alelo peri-espiritual pelo feixe<br />
<strong>de</strong> luz violeta. Agora podia enten<strong>de</strong>r por que<br />
usara da palavra sutil ao <strong>de</strong>screver o novo feixe<br />
<strong>de</strong> laser. A luz <strong>de</strong>ste feixe era o violeta mais puro<br />
que ja tinha visto. Era sublime. Diante do que<br />
vira nada mais me restou dizer, isto e, o que
po<strong>de</strong>ria dizer? E nao havia dado importancia<br />
alguma para a caixa preta, mal acabada...<br />
Disse-me para pegar a caixa e acompanha-lo.<br />
Ai, outra surpresa. A caixa, isto e, meu novo<br />
instrumento <strong>de</strong> trabalho, nao <strong>de</strong>veria pesar mais<br />
do que seiscentos gramas. Eu havia feito um<br />
esforco muito gran<strong>de</strong> para ergue-la. Falk, com a<br />
minha surpresa e pela velocida<strong>de</strong> com que a caixa<br />
fora erguida, apenas riu e balancou a cabeca. Juro<br />
que o ouvi dizer: nos somos praticos. Sempre<br />
caminhando ao seu lado, abandonamos o salao<br />
oficina e nos dirigimos, ainda pelo mesmo<br />
corredor, para outra porta, uns <strong>de</strong>z metros<br />
adiante. Ele a abriu e entrou, enquanto eu ficava<br />
parado a porta, extasiado com o que via. Estava<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira nave. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
aparelhos eletronicos, computadores,<br />
respiradores, mesas <strong>de</strong> diversas formas. Divisoes<br />
fechadas por vidro, on<strong>de</strong> se viam, em salas<br />
contiguas, mesas cirurgicas e todo o material<br />
necessario para qualquer tipo <strong>de</strong> cirurgia. As<br />
pessoas que la estavam, vestiam-se como<br />
cirurgioes. Mascaras, gorros, aventais, pro-pes,<br />
oculos <strong>de</strong> protecao. Vindo em minha direcao,<br />
vendo que ficara parado a porta, pegando a caixa<br />
preta, disse-me que ali seria o meu novo local <strong>de</strong><br />
trabalho. Todos os que ali se encontravam eram
meus auxiliares e me serviriam no que<br />
precisasse.<br />
Ao entrar pela porta do laboratorio, notei que<br />
o piso afundara e que uma especie <strong>de</strong> vapor<br />
comecava a cobrir os meus pes, bem como os pes<br />
<strong>de</strong> Falk. Disse-me para nao me preocupar, pois<br />
todo aquele recinto era completamente<br />
esterilizado. Aquilo era o primeiro procedimento<br />
<strong>de</strong> esterilizacao. Em seguida, levou-me para um<br />
vestiario completo, com chuveiro e armarios<br />
apropriados. Tomamos banho, por sinal uma<br />
ducha morna muito forte; apos, me fez caminhar<br />
por um corredor, que separava os chuveiros do<br />
vestiario, cheio <strong>de</strong> lampadas violetas. Explicoume<br />
que a emissao das luzes <strong>de</strong>stas lampadas nos<br />
esterilizaria completamente. No vestiario,<br />
vestimos roupas do tipo cirurgicas,<br />
confeccionadas <strong>de</strong> uma especie <strong>de</strong> papel<br />
altamente resistente e muito fino, <strong>de</strong> uma leveza<br />
impressionante. O conforto que estas roupas<br />
proporcionavam era muito gostoso. Do vestiario,<br />
passamos para um enorme salao. De imediato,<br />
reconheci minha mesa e meu computador.<br />
Explicou-me que todo o material ali introduzido<br />
era rigorosamente esterilizado. So entao notei<br />
que a caixa preta tambem ali se encontrava. Um<br />
dos auxiliares a passara pelo mesmo corredor <strong>de</strong>
lampadas, tendo o cuidado <strong>de</strong> abri-la e <strong>de</strong> a expor,<br />
total e muito lentamente, ate que ela estivesse<br />
em condicoes <strong>de</strong> se colocada em cima <strong>de</strong> outra<br />
mesa, perto da que sustentava o meu<br />
computador.<br />
- Bem, Doutor, o seu recinto <strong>de</strong> trabalho esta<br />
completo. Trabalhe. Disse-me Falk.<br />
O coloca-e-tira o capacete tradutor era uma<br />
chateacao, fazer o que? Por momentos, fiquei<br />
surpreso. Falk, como se tivesse lido minha<br />
mente, dirigindo-se a mim, disse-me que estava<br />
provi<strong>de</strong>nciando um tradutor mais confortavel e<br />
pratico do que o capacete.<br />
- Tenha calma. Seu Deus fez o seu mundo em<br />
sete dias, nao?<br />
Apenas sorri. Como me espantar apos tudo o<br />
que ja vira e lera? Ler a mente <strong>de</strong> um simples<br />
mortal nao seria impossivel certamente.<br />
E sempre dificil comecar um trabalho, por<br />
mais i<strong>de</strong>ias que tenhamos a respeito do que <strong>de</strong>va<br />
ser feito. O peso <strong>de</strong> uma responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tao<br />
gran<strong>de</strong> monta para o futuro <strong>de</strong> toda uma raca<br />
amedrontava-me. O medo do fracasso. As<br />
incertezas. O tempo que seria necessario para<br />
que pu<strong>de</strong>sse colocar em pratica tudo o que teria<br />
que fazer e <strong>de</strong>pois esperar pelos frutos do<br />
trabalho. Meu Deus Teria. Sucesso? Teria como
po<strong>de</strong>r dizer a Carla que estava vivo?<br />
O novo laboratorio era meu, para a realizacao<br />
do meu projeto cientifico. Sabia que os<br />
alienigenas <strong>de</strong>positavam em mim plena<br />
confianca. Sabia que, se estavam dando-me<br />
condicoes <strong>de</strong> realizar, o meu trabalho era porque<br />
me viram capaz para tanto. Porem, e a minha<br />
vida pessoal? O meu trabalho? Os meus amigos?<br />
A minha familia? Os meus pacientes? Teriam<br />
eles pensado nestes pormenores terrestres?<br />
Uma voz meiga e macia, como que vindo <strong>de</strong><br />
um local <strong>de</strong> sonhos, chegou ate os meus ouvidos.<br />
- Interrompo seus pensamentos? Nao quero<br />
atrapalhar em nada. Sei que agora tem um<br />
laboratorio para chefiar, conduzir. Tem um<br />
projeto cientifico para preparar... Voltei-me.<br />
Estava sentado em minha mesa <strong>de</strong> trabalho, em<br />
frente ao meu computador nao sei por quanto<br />
tempo. Era Sirc Eustim. Fiquei surpreso com a<br />
sua presenca ali. Disse-lhe que nao estava<br />
interrompendo nada. Eu nem no projeto estava<br />
pensando. Pensava na minha vida, pensava nas<br />
novas responsabilida<strong>de</strong>s, pensava no meu<br />
trabalho, na minha familia, em coisas<br />
particulares. Pedi-lhe perdao por tantas<br />
divagacoes. Sabia que estava sendo mantido vivo<br />
para ajudar nas experiencias conduzidas por ela,
Falk e Ruel. Aproveitei e tambem lhe agra<strong>de</strong>ci<br />
por ter-me tirado daqueles pensamentos<br />
abstratos e que, para mim, eram motivo <strong>de</strong><br />
sofrimento.<br />
Ela estava linda, seus olhos so ternura. Sua<br />
voz cada vez mais meiga, seus gestos <strong>de</strong>licados e<br />
<strong>de</strong> uma elegancia dignos <strong>de</strong> uma princesa.<br />
Explicou-me que sua estada ali era para notificarme<br />
que tambem trabalharia comigo. Seria minha<br />
primeira auxiliar e tambem serviria como uma<br />
terapeuta para diminuir o meu tedio. Sabia que<br />
gosto <strong>de</strong> conversar e ela estaria disposta a<br />
conversar comigo o quanto quisesse, sobre<br />
qualquer assunto. Sua visita tambem era para me<br />
apresentar outra pessoa que me seria <strong>de</strong> extrema<br />
utilida<strong>de</strong> no projeto, visto ser formada em<br />
engenharia genetica e era uma excelente cirurgia.<br />
Chamou, entao, o nome <strong>de</strong> Kual. Diante <strong>de</strong> mim<br />
apareceu uma morena tao linda quanto Sirc<br />
Eustim, so que um pouco mais baixa. Os seus<br />
tracos fisionomicos eram bastante semelhantes<br />
aos <strong>de</strong> Sirc Eustim. Agra<strong>de</strong>ci a Sirc Eustim e a<br />
Kual por fazerem parte da minha equipe, ao<br />
mesmo tempo em que entendia por que ela<br />
dissera que seria a minha primeira auxiliar.<br />
Sentindo o medo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem ler a minha mente,<br />
nao pensei em mais nada a nao ser no trabalho.
Bem, meninas, vamos comecar com o nosso<br />
projeto <strong>de</strong> pesquisa. Se nao se importarem, vou<br />
chama-las <strong>de</strong> meninas. Esta e uma forma muito<br />
carinhosa que usamos la no sul, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> venho.
CAPITULO 6<br />
A PESQUISA<br />
Fazendo das duas minhas assistentes, comecei<br />
a por em pratica o esboco do meu projeto e, para<br />
nao fugir muito dos mol<strong>de</strong>s alienigenas, sempre<br />
perguntando a opiniao das duas. O importante,<br />
pelo que tinha lido das experiencias efetuadas<br />
por eles, era po<strong>de</strong>r erradicar o gene da violencia,<br />
sem erradicar os genes responsaveis pela<br />
sobrevivencia da especie. Caso a minha teoria<br />
estivesse certa, <strong>de</strong>veriamos comecar os<br />
experimentos pelo animal que havia atacado Sirc<br />
Eustim, estando alimentado ha menos <strong>de</strong> tres<br />
horas, portanto sem necessida<strong>de</strong> alguma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sferir qualquer ataque, visto nao haver razao<br />
ou indicios que sugerissem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sobrevivencia.<br />
Os testes psicologicos efetuados por Sirc<br />
Eustim foram exaustivamente analisados e nada<br />
<strong>de</strong> anormal ou errado foi <strong>de</strong>tectado.<br />
Tecnicamente o animal, apos as mutacoes<br />
geneticas <strong>de</strong> cruzamentos e apos a cirurgia<br />
genetica a que fora submetido, antes do<br />
nascimento, que retirou o alelo da violencia,<br />
estava normal. Restaria saber se uma cirurgia no<br />
Peri- espirito po<strong>de</strong>ria realizar o que nao havia<br />
sido conseguido. Elas concordaram, dizendo que
a linha <strong>de</strong> raciocinio estava correta.<br />
Durante os dois dias seguintes, trabalhamos<br />
exaustivamente nas celulas <strong>de</strong> um dos<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do animal que atacara Sirc Eustim.<br />
Conseguimos atraves do novo raio laser <strong>de</strong> cor<br />
violeta, retirar o alelo genetico tambem do Periespirito.<br />
Por intermedio <strong>de</strong> um maquinario<br />
incrivel, tambem fizemos a reproducao <strong>de</strong>stas<br />
novas celulas sexuais em todas as celulas do<br />
animal. Ele estava pronto para os testes.<br />
Teoricamente era um novo animal, um novo ser<br />
vivo, criado por nos em apenas dois dias.<br />
Pelos padroes dos testes <strong>de</strong> Sirc Eustim, o<br />
animal ficou sem alimentacao durante cinco dias.<br />
Posteriormente, foi colocado em uma jaula, on<strong>de</strong><br />
a propria Sirc Eustim levou para ele uma vasilha<br />
cheia <strong>de</strong> alimentos contendo calcio, ferro,<br />
proteinas e outros sais minerais. Nossa tensao<br />
aumentou quando o animal comecou a rosnar e a<br />
mostrar os <strong>de</strong>ntes para Sirc Eustim. Ela esten<strong>de</strong>u<br />
a mao com a vasilha e a <strong>de</strong>positou,<br />
<strong>de</strong>licadamente no chao. O animal, <strong>de</strong> maneira<br />
cautelosa e <strong>de</strong>sconfiada, se aproximou <strong>de</strong>la, fitoua<br />
por alguns momentos e, voltando-se para a<br />
vasilha, <strong>de</strong>vorou todo o seu conteudo. Em<br />
seguida, veio ate Sirc Eustim e docilmente<br />
lambeu-lhe a mao, sem mostrar qualquer tipo <strong>de</strong>
agressivida<strong>de</strong>.<br />
Passaram-se mais dois dias e colocamos o<br />
animal em uma mesma jaula com um lobo.<br />
Queriamos ver se ele teria coragem suficiente<br />
para enfrentar um inimigo natural, tao selvagem<br />
quanto ele. A jaula, cercada por um tipo <strong>de</strong><br />
eletricida<strong>de</strong>, impedia que os animais saissem,<br />
apesar <strong>de</strong> ter apenas dois metros <strong>de</strong> altura e nao<br />
ter cobertura. O lobo atacou violentamente o cao.<br />
Este respon<strong>de</strong>u na mesma intensida<strong>de</strong>. Lutaram<br />
ate que ambos ficassem bastante feridos. De uma<br />
pistola, usada por Sirc Eustim, sairam dardos que<br />
imobilizaram os animais. Levados para o<br />
laboratorio, ambos foram tratados pelos mesmos<br />
metodos e maquinas que tanto eu quanto Sirc<br />
Eustim conheciamos.<br />
Os animais se recuperaram em duas semanas.<br />
Foram levados para a selva e colocados soltos.<br />
Teriam que sobreviver por conta propria.<br />
Durante as duas semanas que antece<strong>de</strong>ram a<br />
soltura do cao e do lobo, levantei varias hipoteses<br />
quanto a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falhas em outros orgaos<br />
no cao-lobo que atacara Sirc Eustim. Para minha<br />
surpresa, Falk, Ruel e Kual haviam efetuado<br />
estudos anatomopatologicos em varios tecidos<br />
retirados do animal, morto por mim, apos uma<br />
minuciosa necropsia, e nada encontraram que
justificasse o ataque. Kual trouxe-me os registros<br />
<strong>de</strong> toda a experiencia com aquele animal e os<br />
passos realizados por ela durante a cirurgia<br />
genetica. A precisao e a riqueza <strong>de</strong> dados era<br />
impressionante.<br />
Ate o termino <strong>de</strong> mais um mes, realizamos<br />
varias experiencias com diversos tipos <strong>de</strong><br />
animais. Todas com sucesso. A equipe se<br />
regozijava com o adiantado dos trabalhos e com<br />
os sucessos dos mesmos. Faltava, agora, a<br />
experiencia maior: a experiencia com o ser<br />
humano.<br />
Comecamos retirando <strong>de</strong> minha orelha varias<br />
celulas. Em todas foram i<strong>de</strong>ntificados os<br />
cromossomos sexuais. Para minha surpresa,<br />
tanto no cromossomo material como no<br />
cromossomo Peri- espiritual, nao havia os alelos<br />
genicos da agressivida<strong>de</strong>. Eu, com certeza, era<br />
uma anomalia genetica. Este era o meu<br />
diagnostico final. Atraves dos tempos e apos<br />
tantas geracoes eu nascera certo, isto e, conforme<br />
o projeto cientifico <strong>de</strong>stinado a mim para salvar a<br />
humanida<strong>de</strong>. Com isto, ficava patente que nao<br />
serviria para o meu proprio projeto. Eu era<br />
anormal, com relacao aos meus irmaos terrestres.<br />
Eu era a nova raca que estava tentando criar.<br />
Estava criado um impasse. On<strong>de</strong> conseguir
outro ser humano para nossas pesquisas?<br />
Levamos nosso trabalho e nosso novo <strong>de</strong>safio<br />
para o conhecimento <strong>de</strong> Falk e <strong>de</strong> Ruel. A<br />
resposta vinda <strong>de</strong>les foi, para mim, estranha.<br />
Disse-nos Falk que ele encontraria uma solucao<br />
para o nosso problema e que, ate agora, nao tinha<br />
nenhuma queixa do trabalho dirigido e orientado<br />
por mim. Mais uma vez disse-me que nao se<br />
enganara com a minha escolha. Discordava<br />
apenas em um ponto, <strong>de</strong> todo o meu trabalho. O<br />
meu diagnostico final. Eu nao era uma anomalia<br />
genetica e sim um elo perdido <strong>de</strong> sua civilizacao.<br />
Mais tar<strong>de</strong> eu compreen<strong>de</strong>ria o que isto queria<br />
dizer.<br />
Aquela noite, fui para a minha cabana mais<br />
cedo. Teriamos que esperar pela solucao <strong>de</strong> Falk<br />
ao impasse criado. Como sempre, minha refeicao<br />
estava pronta e na ban<strong>de</strong>ja. Tomei uma ducha<br />
gostosa, vesti o roupao branco por cima do corpo<br />
molhado e fui comer. Estava feliz com os<br />
resultados obtidos. Estava preocupado com o<br />
impasse causado. Estava curioso pelas ultimas<br />
palavras <strong>de</strong> Falk, que ainda soavam em meus<br />
ouvidos. Eu era um elo perdido da sua<br />
civilizacao. Como? Eu nascera e morara em<br />
Guaiba, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, ate completar o<br />
primario. Depois, meu pai transferiu resi<strong>de</strong>ncia
para Porto Alegre. Que diacho <strong>de</strong> elo perdido?<br />
Pelo que sabia, meu pai era espanhol e minha<br />
mae natural da terra, sem nenhuma pretensao<br />
alienigena que pu<strong>de</strong>sse ser notada. Elo<br />
Perdido?...<br />
Outra vez fui arrebatado <strong>de</strong> meus<br />
pensamentos pela voz macia <strong>de</strong> Sirc Eustim.<br />
Deveria estar completamente distraido mesmo,<br />
pois nao a ouvi chegar e muito menos ficar assim<br />
tao proxima <strong>de</strong> mim. Este pensamento, tao<br />
proxima <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong>u-me um verda<strong>de</strong>iro susto.<br />
Eu estava sem o capacete, entretanto, eu a<br />
compreendi perfeitamente. Sr. <strong>Marcus</strong> Roge, hoje<br />
eu vim para po<strong>de</strong>rmos conversar. Nao e o que<br />
gosta? O que precisa? Tenho certeza <strong>de</strong> que a<br />
compreendi perfeitamente. Nao estava tendo<br />
ilusao auditiva alguma.<br />
Sirc Eustim, chegando-se mais perto <strong>de</strong> mim,<br />
falou, quase sussurrando em meu ouvido, que eu<br />
nao estava tendo nenhuma alucinacao. Eu podia<br />
enten<strong>de</strong>-la perfeitamente. Como ja me fora dito,<br />
eu era um elo perdido, um elo do passado.<br />
- Lembra sua protuberancia na regiao<br />
occipital? Foi so reativa-la e o senhor passou a<br />
compreen<strong>de</strong>r-nos perfeitamente. Tera muita<br />
dificulda<strong>de</strong> para falar nosso idioma, porem isto<br />
nao sera problema algum, nos o compreen<strong>de</strong>mos
perfeitamente e, <strong>de</strong> agora em diante, voce nos<br />
compreen<strong>de</strong>ra tambem, sem o uso do capacete.<br />
- Como voce reativou este meu <strong>de</strong>sconhecido<br />
centro?<br />
- Estava tao absorto em seus pensamentos que<br />
nao notou a minha aproximacao; entao,<br />
aproveitei para, com imposicao <strong>de</strong> maos,<br />
transmitir energia suficiente para reativar o seu<br />
"centro alienigena". O importante e que estou<br />
aqui para conversarmos. Respon<strong>de</strong>rei a qualquer<br />
pergunta que me fizer. - Seu rosto estava tao<br />
proximo do meu que... Como que adivinhando o<br />
que iria fazer, ela pegou minhas maos e puxoume<br />
em direcao a cama. Sentamos, olhando-nos<br />
fixamente. Seus olhos estavam ternos e eram <strong>de</strong><br />
uma negritu<strong>de</strong> inebriante, profunda. Sua boca<br />
tao perto da minha, como que pedindo para ser<br />
beijada. Num impulso, colei meus labios aos <strong>de</strong>la,<br />
esperava uma reacao <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> repulsa. Pelo<br />
contrario, pu<strong>de</strong> sentir todo o calor daquele corpo<br />
sendo passado para mim num ar<strong>de</strong>nte e doce<br />
beijo. Nao sei por quanto tempo ficamos nos<br />
beijando. Nao queria ir mais alem do que o beijo.<br />
Suas maos, entao, comecaram a acariciar-me, ela<br />
sabia que estava <strong>de</strong>spido sob o roupao. Seu toque<br />
suave excitou-me. Instintivamente, comecei<br />
acariciando seus belos seios e <strong>de</strong>licadamente, fui
etirando, por cima e sem ter resistencia alguma,<br />
sua tunica. Estava com o meu roupao<br />
completamente aberto, meu corpo exposto. Ela<br />
nua, finalmente. Deitamos. Todo o seu ser<br />
vibrava. Um doce e fino suor comecou a escorrerlhe<br />
pelo corpo. Sua mao direcionou-me para sua<br />
terna e meiga morada. O calor era in<strong>de</strong>scritivel. O<br />
frenesi, a volupia dos corpos. O amor. O extase <strong>de</strong><br />
quem ha muito nao fazia sexo, nao amava. A<br />
lassidao dos corpos se fez presente. Deitados,<br />
disse-me com palavras sussurradas.<br />
- Esta foi a minha primeira vez. E, gracas a<br />
voce, foi da maneira primitiva. Meu povo nao<br />
ama assim ha muitas geracoes. Per<strong>de</strong>u, acredito<br />
uma das sensacoes mais maravilhosas que o<br />
terrestre possui. O toque, o contato, a pele. Tudo<br />
e pele. Existe uma afinida<strong>de</strong> quimica que se<br />
transmite pela pele, pelas mucosas. Esta<br />
afinida<strong>de</strong> traduz todo o amor, toda a paixao que<br />
se carrega no coracao. Transformamos-nos em<br />
sentimentos, emocoes, riquezas <strong>de</strong>sconhecidas e<br />
que afloram so nestes momentos. Eu queria que<br />
soubesse que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aqui cheguei eu fiquei<br />
muito impressionada com a sua imagem. Esta<br />
forte impressao, com o <strong>de</strong>correr do tempo, se<br />
transformou em amor. Eu o estou amando. Sei<br />
que seu coracao pertence a outra, uma mulher da
sua especie; entretanto, como notou, nao somos<br />
diferentes sexualmente, a nao ser por isto:<br />
sentou-se na cama e pediu-me para fazer o<br />
mesmo, so que para ficar <strong>de</strong> frente para ela. Em<br />
seguida, ergueu as maos espalmadas ate a altura<br />
das mamas e pediu que fizesse o mesmo.<br />
Aproximou suas maos das minhas e as tocou<br />
<strong>de</strong>licadamente. Olhe-me fixamente nos olhos e<br />
relaxe.<br />
Fiz o que me pediu. Comecei a sentir uma<br />
sensacao agradavel, <strong>de</strong> relaxamento intenso, <strong>de</strong><br />
uma paz profunda. Subitamente, <strong>de</strong> sua face, <strong>de</strong><br />
todo o seu corpo comecou a emanar uma luz<br />
violeta intensa, seu semblante comecou a se<br />
transformar. Comecou a virar uma tocha viva, <strong>de</strong><br />
luz violeta intensa, um vento quente comecou a<br />
soprar e a balancar toda a cabana, senti-me<br />
excitado. Estava ereto. Comecei a ejacular. O<br />
calor que sentia me fazia um bem enorme. Ela<br />
estava imovel, era so luz violeta, seu semblante<br />
estava sublime, seu pubis pulsava intensamente.<br />
Seu corpo, por baixo da luz, era um orvalho so.<br />
Senti-me entrando em um re<strong>de</strong>moinho, estava<br />
caindo em seu centro, um turbilhao <strong>de</strong> matizes<br />
violeta... Em meu cerebro apenas a imagem <strong>de</strong><br />
Sirc Eustim. Seu corpo, seu frenesi, sua<br />
sensualida<strong>de</strong>... Estava flutuando. O vazio do meu
eu, o vazio <strong>de</strong> tudo o que me cercava. Sirc<br />
Eustim junto a mim, girando, mergulhando<br />
comigo na cor violeta, sublime... Fantasia,<br />
fantasias, lascivo total.<br />
O barulho das ondas do mar me fez voltar a<br />
realida<strong>de</strong>. Estava em um barco pequeno, longe <strong>de</strong><br />
tudo, pois nao se avistava a praia. Junto <strong>de</strong> mim<br />
estavam Falk e Ruel. On<strong>de</strong> estaria Sirc Eustim?<br />
- Vejo que o senhor saiu do transe sexual em<br />
que Sirc Eustim o colocou. Como primeira vez,<br />
acredito que tenha sido muito impetuosa, visto<br />
que ja se passaram mais <strong>de</strong> quarenta e oito horas<br />
que o senhor esteve com ela e tempo pelo qual<br />
estamos navegando. Espero que tenha gostado e<br />
apreciado nossa maneira pouco peculiar <strong>de</strong><br />
fazermos sexo. Ela teve nossa permissao,<br />
principalmente a minha, que sou seu pai, falou<br />
Falk <strong>de</strong> forma franca, objetiva e sem ro<strong>de</strong>io<br />
algum.<br />
Senti enrubescer. Aquela revelacao me<br />
<strong>de</strong>ixava completamente constrangido. Senti uma<br />
vergonha enorme apossar-se <strong>de</strong> mim.<br />
- Nao, nao fique assim. Era <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>la. Era seu<br />
<strong>de</strong>sejo ha muito tempo. Nos sabiamos <strong>de</strong> suas<br />
intencoes e tambem da luta que vem realizando<br />
consigo. Uma luta dura e dolorosa. O sentimento<br />
<strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que o senhor tem para com sua
esposa e muito bonito; entretanto, sabemos <strong>de</strong><br />
fatos que o senhor <strong>de</strong>sconhece e, por este<br />
motivo, encorajamos Sirc Eustim a fazer amor.<br />
Ela o ama e, por mais que tente se convencer do<br />
contrario, o senhor tambem a ama. Ela nutre pelo<br />
senhor um amor puro, ingenuo e lindo, proprio<br />
das virgens. Seu carater, sua experiencia <strong>de</strong> vida,<br />
sua honestida<strong>de</strong>, convenceram-me <strong>de</strong> que seria o<br />
par i<strong>de</strong>al para ela. Nao o forcamos a nenhum<br />
compromisso. So queremos que voces sejam<br />
felizes. Sua estada entre nos ainda sera por muito<br />
tempo. Peco-lhe que tenha paciencia. Nos<br />
tomamos a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contatarmos com sua<br />
familia e com seus locais <strong>de</strong> trabalho explicando<br />
a todos que o senhor ficaria afastado por um<br />
periodo <strong>de</strong> tempo aproximado <strong>de</strong> cinco anos, em<br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar realizando estagio em uma<br />
universida<strong>de</strong> da Europa. Futuramente, com os<br />
contatos certos que possuimos o senhor tera um<br />
certificado <strong>de</strong> extrema valia em suas maos, o qual<br />
enriquecera em muito o seu curriculo. Seus<br />
pacientes estao sendo atendidos por outro<br />
profissional competente e colega seu. Seu<br />
trabalho no governo esta garantido mediante<br />
afastamento, por um periodo <strong>de</strong> dois anos, sem<br />
remuneracao, renovaveis posteriormente. O<br />
senhor po<strong>de</strong>ra fazer visitas aos seus familiares
tantas vezes quantas forem necessarias e<br />
convenientes. Todo este periodo <strong>de</strong> tempo sera<br />
recompensado monetariamente e com o elevado<br />
grau <strong>de</strong> cultura que ira adquirir. Quando o seu<br />
tempo entre nos terminar, cabera ao senhor<br />
<strong>de</strong>cidir o seu futuro.<br />
Eu sempre fui lento <strong>de</strong> raciocinio,<br />
imediatamente ao acordar. Agora, acordar e com<br />
uma avalanche <strong>de</strong> noticias do porte <strong>de</strong>stas e para<br />
<strong>de</strong>ixar qualquer um completamente atordoado.<br />
Pedi a Falk que me <strong>de</strong>sse um tempo para po<strong>de</strong>r<br />
assimilar tudo o que me dissera. Fiquei por um<br />
bom tempo quieto. Estava vestido com a tunica<br />
<strong>de</strong> trabalho. Comecei a sentir frio. Deveriamos<br />
estar perto das doze horas. O mar revolto e o ceu<br />
acinzentado eram indicios <strong>de</strong> uma provavel<br />
tempesta<strong>de</strong>. Disse a Falk que estava com frio.<br />
Este me indicou a cabine do barco. So agora<br />
notara que a pequena embarcacao possuia uma<br />
cabine. Disse-me para vestir-me com as roupas, ja<br />
separadas para mim, e que estavam na cama <strong>de</strong><br />
cima do primeiro beliche perto da porta.<br />
Fui para <strong>de</strong>ntro da cabine. Esta possuia um<br />
chuveiro. Tomei uma ducha e vesti a roupa. Era<br />
um terno marrom escuro que vestia<br />
perfeitamente. Dentro da cabine existia um fogao<br />
e, em cima <strong>de</strong>ste, um bule com um cha. Apanhei
uma xicara e bebi. O calor do cha reanimou-me e,<br />
ao mesmo tempo, me <strong>de</strong>spertou. Falk foi ter<br />
comigo. Com sua voz sempre baixa, pausada e<br />
grave, disse-me que estavamos bem perto <strong>de</strong> um<br />
porto. Era la que iriamos apanhar um especime<br />
mau, sem carater, con<strong>de</strong>nado por varios<br />
homicidios e outras tantas contravencoes, para<br />
dar continuida<strong>de</strong> as experiencias. Espero ter<br />
sorte em po<strong>de</strong>r contar com mais <strong>de</strong> um. Tudo<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> seus contatos. Tambem<br />
aproveitaria para mostrar-me algo muito<br />
importante.<br />
A tempesta<strong>de</strong> chegou mais cedo do que<br />
calculara. Ruel e outro alienigena mostravam que<br />
eram eximios marinheiros. Conduziram o barco<br />
sem o menor problema por ondas <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
cinco metros <strong>de</strong> altura. Por orientacao <strong>de</strong> Falk,<br />
permaneci na cabine ate a tempesta<strong>de</strong> passar.<br />
Duas horas apos o termino da tempesta<strong>de</strong>,<br />
entramos no porto <strong>de</strong> Vanuatu, no Oceano<br />
Pacifico. Conhecia bem o porto, pois ja tinha<br />
estado ali em outra ocasiao. Vanuatu, um<br />
aglomerado <strong>de</strong> pequenas ilhas, perto das ilhas<br />
Fiji, on<strong>de</strong> o idioma falado pelos nativos e o<br />
espanhol, com <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mografica em torno<br />
<strong>de</strong> 10 habitantes por quilometro quadrado e<br />
renda per capita em torno <strong>de</strong> mil e quinhentos
dolares anuais. A maior riqueza <strong>de</strong>stas ilhas e o<br />
turismo, principalmente o turista que gosta <strong>de</strong><br />
pescar e fazer caca submarina. As aguas <strong>de</strong>stas<br />
ilhas, apesar dos tubaroes, sao piscosas e, <strong>de</strong> tao<br />
limpidas e transparentes, <strong>de</strong>ixam extasiados<br />
todos os mergulhadores que ali se aventuram.<br />
Quem visita Vanuatu uma vez, certamente<br />
voltara. A hospitalida<strong>de</strong> dos habitantes nativos e<br />
notoria. Outra peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vanuatu e a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> centros religiosos, principalmente<br />
os esotericos.<br />
Por que o porto <strong>de</strong> Vanuatu? Estaria a ilha dos<br />
alienigenas nas proximida<strong>de</strong>s? Ao <strong>de</strong>scermos em<br />
terra firme, notei que Falk e Ruel eram<br />
personagens conhecidos pelos nativos. A<br />
saudacao <strong>de</strong> recepcao foi cerimoniosa. Havia<br />
respeito por parte dos portuarios, a maioria<br />
pescadores e carregadores. Muitos faziam gestos<br />
<strong>de</strong> reverencia e os saudavam como "senhores da<br />
terra", os "gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros". Fiquei curioso e<br />
perguntei a Falk o porque das reverencias. Ele<br />
explicou-me que, sempre que podiam, estavam<br />
nas ilhas ensinando, curando, educando.<br />
Mantinham um pequeno hospital e algumas<br />
escolas, conduzidos pela sua gente. Todo o<br />
servico prestado por eles era inteiramente<br />
gratuito. Os nativos sempre os presenteavam
com animais domesticos, frutas, sementes,<br />
verduras, objetos artesanais e favores. A palavra<br />
favor sempre soa, para mim, com duplo sentido.<br />
Seria uma cobranca disfarcada pelo que faziam?<br />
Seria uma ameaca em tom ameno? Perguntei a<br />
ele qual seria o favor que iriam pedir <strong>de</strong>sta vez?<br />
A resposta veio imediata e em tom aspero. Ja lhe<br />
respondi, quando estavamos no barco, esqueceu?<br />
Nao quer um ser humano mau, ruim, sem<br />
carater? Aqui, com certeza teremos o que quer. E<br />
tambem tera uma surpresa. Esta, certamente, nao<br />
o <strong>de</strong>ixara muito feliz. Eu tambem, <strong>de</strong> certa forma,<br />
estava prestando um favor aos alienigenas.<br />
Tinham salvado a minha vida em troca da<br />
pesquisa que agora levava adiante. O interessante<br />
que nesta troca <strong>de</strong> favores, os alienigenas nao<br />
tiravam nada <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor em proveito<br />
proprio. O meu proprio exemplo: eles me queriam<br />
para po<strong>de</strong>r transformar a humanida<strong>de</strong>, salvar o<br />
planeta Terra, modificar geneticamente a raca<br />
humana.<br />
Caminhamos em direcao as ruas centrais da<br />
cida<strong>de</strong> que, na realida<strong>de</strong>, era uma vila. As casas<br />
eram do estilo hispano-colonial, bem conservada,<br />
a maioria <strong>de</strong> cor branca. Em uma rua um pouco<br />
mais larga que as <strong>de</strong>mais, paramos em frente a<br />
uma casa gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cor branca. Bem, disse Falk,
e aqui a nossa casa. Entramos. A casa era ampla,<br />
confortavel, com telefone, televisao, radio, ar<br />
condicionado, com tela protetora contra insetos e<br />
aranhas nas janelas. Enfim, uma casa realmente<br />
muito confortavel e segura. Ruel indicou o meu<br />
quarto que, na realida<strong>de</strong>, era uma suite, visto ter<br />
um excelente banheiro privativo. Tomei um<br />
<strong>de</strong>licioso banho, vesti o roupao que estava a<br />
disposicao e fui para a sala assistir televisao. Um<br />
vicio que adoro ter e <strong>de</strong> que estava privado ha<br />
quase um ano.<br />
Um homem alto, com os mesmos tracos<br />
asiaticos dos alienigenas, entrou na sala e disseme<br />
que os "gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros" estavam me<br />
esperando para jantar, na sala <strong>de</strong> refeicoes. Para<br />
la fui. Havia uma mesa servida com frutos do<br />
mar, vinho, e tudo num requinte sobrio, ate<br />
mesmo fidalgo, naquele ambiente. A <strong>de</strong>coracao<br />
era bem atual, com telas a oleo nas pare<strong>de</strong>s,<br />
tapetes persas cobrindo um rico assoalho <strong>de</strong> ipe e<br />
um mobiliario <strong>de</strong> jantar digno <strong>de</strong> familias ricas.<br />
Dava para notar que o homem era um nativo,<br />
servical e nao um alienigena. Antes que pu<strong>de</strong>sse<br />
fazer qualquer comentario, Falk disse-me que<br />
eles tambem apreciavam certas mordomias<br />
terrestres, e que ali era uma especie <strong>de</strong> refugio<br />
para ferias.
No outro dia pela manha, saimos em direcao a<br />
ca<strong>de</strong>ia da cida<strong>de</strong>. Um senhor gordo, baixo,<br />
moreno, com um enorme bigo<strong>de</strong> preto recebeunos<br />
com imensa alegria e prazer.<br />
- E uma honra ter em minha ca<strong>de</strong>ia os<br />
"gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros". Sei o que os trouxe aqui.<br />
Tenho dois prisioneiros, fugidos <strong>de</strong> suas patrias,<br />
<strong>de</strong>scompromissados socialmente, enten<strong>de</strong>m?<br />
Estao prontos a lhes servir, em troca <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
e novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. O loiro e gringo, assassino<br />
confesso <strong>de</strong> tres mulheres e usuario <strong>de</strong> cocaina.<br />
Esta tendo problemas <strong>de</strong> sau<strong>de</strong> pela falta da<br />
droga. Seu curan<strong>de</strong>iro o esta tratando e ja se<br />
encontra melhor. O Seu nome e Douglas. O outro,<br />
o mulato, e nativo do Brasil. Fugiu porque estava<br />
cumprindo pena por trafico <strong>de</strong> drogas, assaltos a<br />
mao armada e estupro. Diz que estuprou uma<br />
<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> meninas com menos <strong>de</strong> quinze anos. E<br />
um verda<strong>de</strong>iro monstro. Vive se masturbando na<br />
cela. Nao respeita nada e nem ninguem. Seu<br />
nome e Francisco. Agora, cuidado com o loiro.<br />
Ele tem uma conversa macia, insinuante e se tem<br />
por conquistador; porem e um assassino nato. Ja<br />
atacou e feriu seriamente a dois <strong>de</strong> meus guardas.<br />
Tomas, o homem gordo, xerife da cida<strong>de</strong>, nos<br />
acompanhou ate as celas dos prisioneiros.<br />
Realmente, Douglas em nada mostrava ser um
assassino; contudo, Francisco estava se<br />
masturbando quando chegamos a sua cela. Seu<br />
aspecto era terrivel: sujo, imundo, barbudo,<br />
cabelos oleosos e gran<strong>de</strong>s e com um cheiro<br />
insuportavel.<br />
Ruel falou para Tomas preparar os dois para<br />
dali a tres dias. Deveriam estar prontos a noite,<br />
em torno das vinte horas. Deveriam estar <strong>de</strong><br />
banhos tomados e perfumados. Todos riram.<br />
Saimos da ca<strong>de</strong>ia da cida<strong>de</strong> e voltamos para<br />
casa. O servical ja estava com o almoco pronto e<br />
servido na sala <strong>de</strong> refeicoes. Almocamos e Falk<br />
falou-me que a tar<strong>de</strong> eu po<strong>de</strong>ria fazer o que<br />
quisesse. Estava livre para conhecer a cida<strong>de</strong> e<br />
seus pontos turisticos.<br />
Foi o que realmente fiz. Conheci um rapazola,<br />
logo ao sair da casa, que se ofereceu como guia<br />
turistico. Visitamos varios locais interessantes,<br />
como igrejas, museus, o paco municipal da vila,<br />
as praias e uma regiao serrana, pequena, mas com<br />
varias cavernas muito interessantes. Esta ilha<br />
tambem era <strong>de</strong> origem vulcanica. Como quem<br />
nao quer nada, aproveitei o rapazola para fazer<br />
varias perguntas sobre os "gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros".<br />
O que ele sabia a respeito <strong>de</strong>les? De on<strong>de</strong><br />
vinham? O que faziam na vila? Etc... O meu<br />
espanhol surpreen<strong>de</strong>u o rapazola. Disse-me que
falava muito bem o idioma <strong>de</strong>le. Agra<strong>de</strong>ci o<br />
elogio. Falou muito da historia da Vila e <strong>de</strong><br />
Vanuatu. Contou que, ha muitos anos, o povo da<br />
vila estava morrendo <strong>de</strong> uma doenca<br />
<strong>de</strong>sconhecida. Matava a todos <strong>de</strong> diarreia e uma<br />
febre muito alta que consumia todo o corpo por<br />
<strong>de</strong>ntro. As pessoas <strong>de</strong>rretiam, se transformavam<br />
em estrume. Mais da meta<strong>de</strong> da populacao havia<br />
morrido, quando os "gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros"<br />
apareceram. Vieram em uma bola <strong>de</strong> fogo<br />
voadora. Disseram aos meus antepassados para<br />
que nao terem medo <strong>de</strong>les e que estavam ali para<br />
ajudar, para salvar a todos da peste que se abatera<br />
sobre o povo. Os ancioes da Vila reuniram-se e<br />
consentiram que eles tratassem <strong>de</strong> todos, visto<br />
que ate o curan<strong>de</strong>iro da vila havia morrido.<br />
Assim, em poucos dias, os "gran<strong>de</strong>s curan<strong>de</strong>iros"<br />
trouxeram varios aparelhos e instrumentos<br />
estranhos e salvaram todos os que ainda<br />
restavam. Nos pediram para ficar na Vila e os<br />
tratar com coisas simples, como sementes, frutas,<br />
verduras, animais domesticos. Eles ficariam ali<br />
ate que as suas casas, em outra ilha, ficassem<br />
prontas. Pouco tempo <strong>de</strong>pois, eles se retiraram.<br />
Segundo meu avo, eles eram mais ou menos<br />
umas duzentas pessoas. Como nos salvaram, os<br />
ancioes pediram para que alguns <strong>de</strong>les ficassem
tomando conta do povo e ensinando. Ai surgiu o<br />
hospital e as escolas. Surgiram muitas<br />
benfeitorias, como a agua que sai da torneira, os<br />
canos que ficam em baixo da terra e vao para<br />
uma casa que trata toda a sujeira da cida<strong>de</strong>,<br />
modificaram a maneira <strong>de</strong> nossa gente plantar,<br />
pescar, enfim, melhoraram em tudo a nossa vida.<br />
Com a vinda dos turistas, <strong>de</strong> outras partes do<br />
mundo, eles provi<strong>de</strong>nciaram a instalacao da<br />
eletricida<strong>de</strong>, do telefone, da televisao. Trouxeram<br />
o progresso. Em troca, nos nos<br />
comprometeriamos em nunca fazermos brigas,<br />
arruacas. Eles sao implacaveis para quem rouba<br />
ou mata. As pessoas que cometem o pecado <strong>de</strong><br />
roubar ou matar, <strong>de</strong>saparecem. Nunca mais sao<br />
vistas na Vila ou nas ilhas proximas. Eles sao<br />
muito po<strong>de</strong>rosos. Vanuatu e o que e gracas a eles.<br />
Uma outra coisa interessante e que sao sempre os<br />
mesmos, principalmente os "gran<strong>de</strong>s<br />
curan<strong>de</strong>iros". Eles nao morrem nunca. Bom o<br />
senhor <strong>de</strong>ve saber disso, visto que veio com eles.<br />
O senhor mora com eles? Sim, respondi,<br />
encerrando o assunto. Como a noite comecava a<br />
cair, resolvi voltar para a casa.<br />
Ruel disse-me para me apressar. Apos a janta,<br />
iriamos sair. Conhecer o outro lado <strong>de</strong> Vanuatu.<br />
Estava curioso com o que Falk me falara. Que
eu teria uma surpresa da qual nao gostaria muito;<br />
agora, qual seria o outro lado <strong>de</strong> Vanuatu?<br />
Um taxi veio nos apanhar as vinte e duas<br />
horas. Falk forneceu o en<strong>de</strong>reco ao motorista e o<br />
carro partiu. Rodamos por mais ou menos<br />
quarenta e cinco minutos. Paramos em frente a<br />
um casarao, construido provavelmente no seculo<br />
<strong>de</strong>zenove. Estava bem conservado, era muito<br />
gran<strong>de</strong> e ficava a entrada <strong>de</strong> uma frondosa mata,<br />
no sope <strong>de</strong> uma montanha. A casa era pintada <strong>de</strong><br />
branco com as janelas em azul claro. De <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>la, chegava-nos o som <strong>de</strong> uma orquestra e<br />
ruidos <strong>de</strong> vozes. Era estranho, pois nao havia<br />
mais carros na frente da casa e, pelo que podia<br />
notar, nem no estacionamento da mesma que<br />
ficava ao lado. Era a unica casa <strong>de</strong>ste fim <strong>de</strong> rua.<br />
Falk falou-me em tom grave e baixo:<br />
- O senhor tera uma surpresa, como lhe havia<br />
prometido. Espero que saiba superar o que ira<br />
encontrar ai <strong>de</strong>ntro. Esta e a unica casa <strong>de</strong><br />
diversao da Vila <strong>de</strong> Vanuatu. Nos so a permitimos<br />
por sua causa. Assim que entrar, compreen<strong>de</strong>ra.<br />
Aqui, dificilmente ficam reunidos mais do que<br />
cinco automoveis. Por orientacao nossa todos os<br />
que querem aqui vir, <strong>de</strong>vem faze-lo <strong>de</strong> taxi ou a<br />
pe. Esta e uma resi<strong>de</strong>ncia fina, com muito<br />
charme; entretanto, tambem e uma casa <strong>de</strong>
encontros. As mocas que aqui trabalham sao<br />
importadas <strong>de</strong> varias partes do mundo. As nativas<br />
existentes ai <strong>de</strong>ntro, so fazem o trabalho<br />
domestico, rotineiro, como lavar, passar, limpar,<br />
cozinhar, damas <strong>de</strong> companhia, etc. Vamos<br />
entrar.<br />
Empurrando a pesada porta <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lei,<br />
entramos. Estavamos em um amplo salao, bem<br />
<strong>de</strong>corado, com tapetes e quadros por todos os<br />
lados. Vasos <strong>de</strong> folhagens ver<strong>de</strong>s e muitas flores<br />
ornamentais, em vasos coloridos, dispostos<br />
estrategicamente em todo o ambiente, da entrada<br />
a base <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> escada <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, em<br />
forma semicircular, que levava ao andar superior.<br />
Estavam neste salao alguns homens<br />
acompanhados por mulheres lindissimas, loiras,<br />
morenas, todas altas, magras, esguias e muito<br />
bem vestidas. Invariavelmente, todas estavam<br />
com copos <strong>de</strong> bebidas nas maos. No ar, se podia<br />
sentir o perfume caracteristico <strong>de</strong>stes locais,<br />
doce, forte, penetrante, misturado com o cheiro<br />
da fumaca dos cigarros e charutos. Todos<br />
conversavam alegres e <strong>de</strong>spreocupadamente, uns<br />
em pe e outros sentados em gran<strong>de</strong>s poltronas <strong>de</strong><br />
couro. Como pano <strong>de</strong> fundo, ouvia-se, em um<br />
bom som estereo, a orquestra <strong>de</strong> Ray Conniff,<br />
com o classico Bolero <strong>de</strong> Ravel.
Eu estava me sentindo <strong>de</strong>slocado. Falk e Ruel<br />
aproximaram-se <strong>de</strong> uma das mocas, cochicharam<br />
qualquer coisa e <strong>de</strong>pois se voltaram para mim.<br />
Disseram-me para subir a escada e entrar, sem<br />
bater, na segunda porta da direita.<br />
Obe<strong>de</strong>cendo, subi a gran<strong>de</strong> escada. Esta<br />
terminava em um largo corredor <strong>de</strong> mais ou<br />
menos dois metros, e muito longo. Varias portas<br />
saiam para este corredor. Como me havia sido<br />
dito, entrei, sem bater, na segunda porta da<br />
direita. Era um gran<strong>de</strong> banheiro, luxuoso, on<strong>de</strong>,<br />
em um canto, estava uma mulher loira, aspirando<br />
cocaina, colocada sobre um espelho. Ela, sem<br />
enten<strong>de</strong>r a minha presenca, virou-se. Um grito<br />
subito escapou-lhe da garganta:<br />
- Marcos Roge, e voce? Como me encontrou?<br />
Tive um baque surdo no peito. Senti meu<br />
coracao disparar. Era Carla, a minha Carla, que<br />
estava ali, ou, o que sobrara <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia do<br />
aci<strong>de</strong>nte. Nao sei por quanto tempo fiquei ali<br />
parado, sem nada dizer. Estava estupefato, como<br />
que em transe. Custei a me recompor. Depois,<br />
com muito esforco consegui falar:<br />
- Uns amigos meus me trouxeram ate aqui.<br />
Disseram-me que teria uma surpresa so que nao<br />
seria muito agradavel. Pelo visto tinham total<br />
razao. Jamais po<strong>de</strong>ria imaginar te encontrar aqui,
a quilometros <strong>de</strong> casa, e principalmente, usando<br />
esta porcaria. O que fazes, alem do uso <strong>de</strong> droga,<br />
esta bem claro com o que vi la embaixo. Pelo<br />
jeito sempre foste uma prostituta, so que agora,<br />
assumida. E eu que te amei tanto. Fiquei todo<br />
este ano, pensando, dia apos dia, so em ti, como<br />
estarias se sentia a minha falta, o porque do<br />
aci<strong>de</strong>nte. Eu te vivi todo o tempo! E, agora, o que<br />
vejo? Esta velha, gorda, <strong>de</strong>sleixada. Continuas<br />
usando trajes finos, porem, acredito que, do<br />
passado, e so isto.<br />
Ela interrompeu o que falava, tentando dar-me<br />
explicacoes.<br />
- Me disseram que tinhas morrido no aci<strong>de</strong>nte.<br />
Depois, me trouxeram para uma cida<strong>de</strong>, no<br />
arquipelago <strong>de</strong> Fiji, para dirigir um negocio<br />
altamente lucrativo. Disseram-me que era linda e<br />
que nao teria dificulda<strong>de</strong> alguma para o negocio.<br />
Eu estava <strong>de</strong>sesperada com a tua morte. Nao<br />
sabia o que fazer e nem tinha como po<strong>de</strong>r voltar<br />
para Porto Alegre ou para Londrina. Comecei a<br />
trabalhar em uma casa parecida com esta. So<br />
mais tar<strong>de</strong> me <strong>de</strong>i conta que o negocio era o<br />
trafico <strong>de</strong> mulheres e a prostituicao. A droga era<br />
comum entre quase todas as mulheres da casa.<br />
Des<strong>de</strong> a heroina, a cocaina, a maconha, o crak.<br />
Todas estavam ao alcance <strong>de</strong> uma maneira muito
facil e o dinheiro que ganhavamos era muito. Do<br />
trafico ao uso foi so uma questao <strong>de</strong> tempo.<br />
Estava <strong>de</strong>primida e, por um bom tempo, tu nao<br />
me saias do pensamento. Bebia muito<br />
diariamente. Comecei a usar a cocaina e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
entao, me tornei <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Consumia todo o<br />
dinheiro que ganhava ate o que nao era meu,<br />
quando entao, me vi <strong>de</strong>spedida por aqueles que<br />
me tinham empregado. Passei coisas horriveis.<br />
Tive que ven<strong>de</strong>r meu corpo, da forma mais torpe<br />
e imunda possivel, para po<strong>de</strong>r comer, sustentar a<br />
bebida e a cocaina. Estava morrendo quando, um<br />
belo dia, me <strong>de</strong>i conta que estava em um hospital<br />
aqui em Vanuatu. Os "gran<strong>de</strong>s Curan<strong>de</strong>iros" me<br />
trouxeram para esta casa e me <strong>de</strong>ram este<br />
negocio. As mocas que aqui trabalham sao todas<br />
estrangeiras como eu. Todas, a maioria, sao<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> drogas. Nao conseguimos nos<br />
libertar do vicio, por mais que tentemos. Eu sou<br />
a gerente <strong>de</strong>ste negocio. Recebemos algum<br />
dinheiro por mes e uma cota da droga<br />
diariamente. E-nos expressamente proibido fazer<br />
trafico <strong>de</strong> droga, ven<strong>de</strong>r o corpo ou tentar fazer<br />
alguma coisa <strong>de</strong>sonesta aqui. Nao sabemos quem<br />
e ou quem sao os donos daqui. Marcos Roge<br />
peco-te para me perdoares. Como ves, a tua Carla<br />
ja nao existe mais. Hoje sou so uma sombra do
que um dia fui. Acredito que, <strong>de</strong> certa forma,<br />
mereco o meu <strong>de</strong>stino.<br />
- Olha Carla, nao sei o que te dizer. Tenho<br />
pena da tua situacao. Vou procurar <strong>de</strong> uma<br />
maneira ou <strong>de</strong> outra, tentar te curar dos teus<br />
vicios. Vou tentar te ajudar. Eu te prometo.<br />
Entretanto, nao consigo enten<strong>de</strong>r como pu<strong>de</strong>ste<br />
aceitar o fato <strong>de</strong> que estava morto. Nao<br />
procuraste te informar? Foste aceitando um<br />
emprego sem <strong>de</strong>sconfiar <strong>de</strong> nada? Isto para mim<br />
esta muito estranho. E agora, te tornaste<br />
prostituta. Foste fraca o bastante para ce<strong>de</strong>r a<br />
promessas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecidos. Por que nao<br />
voltaste para casa? O nao ter dinheiro nao era o<br />
problema. Sabias que podias retirar dinheiro no<br />
Banco do Brasil, em qualquer lugar do mundo.<br />
Era so explicar o acontecido. A propria policia te<br />
ajudaria. Nao avisaste a policia? Nao<br />
comunicaste o aci<strong>de</strong>nte a marinha <strong>de</strong> algum<br />
pais? E teu envolvimento com drogas? Foi uma<br />
escolha tua. Nao sei como, mas vou tentar te<br />
ajudar <strong>de</strong> alguma maneira, po<strong>de</strong>s estar certa<br />
disto.<br />
Sai dali arrasado. Meus pensamentos eram<br />
uma verda<strong>de</strong>ira miscelanea. Minha esperanca <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r encontrar Carla fazer-lhe uma surpresa.<br />
Mostrar-lhe que estava vivo. Isto tudo ficou para
um preterito mais-que-perfeito que nao existiu.<br />
O presente estava ali, fazendo-me sofrer.<br />
Dizendo-me que a pessoa com eu casara e amara<br />
perdidamente, era, sem sombra <strong>de</strong> duvidas, uma<br />
prostituta. Agora, podia compreen<strong>de</strong>r toda a<br />
fogosida<strong>de</strong> que ela mostrava quando faziamos<br />
sexo, todas as posicoes, todas as formas e dancas<br />
sexy e sensuais que me levavam ao extase, a<br />
verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>lirios passionais.<br />
Falk e Ruel estavam a minha espera no salao.<br />
Sabiam como eu estava me sentindo. Em<br />
seguida, o taxi chegou e voltamos para casa. Nao<br />
se disse nenhuma palavra durante todo o trajeto<br />
<strong>de</strong> volta. Eles souberam respeitar o momento.<br />
O engracado e que nao estava sentindo dor. Eu<br />
estava <strong>de</strong>cepcionado, chocado com o que vira e<br />
ouvira. Aquela mulher nao era mais a Carla com<br />
quem havia casado. A Carla com quem estava<br />
viajando <strong>de</strong> ferias. Eu, realmente, estava era com<br />
muita pena <strong>de</strong>la. Como po<strong>de</strong>ria ajuda-la? Foi ai<br />
que me ocorreu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> leva-la para a ilha dos<br />
alienigenas. Sera que a maquina <strong>de</strong> reabilitacao<br />
nao ajudaria?<br />
Nao sei por quanto tempo fiquei assistindo a<br />
televisao. Nao conseguia ficar no quarto. Nao<br />
adiantara nada o banho que havia tomado. Nao<br />
adiantara nada ter comido tudo a que tinha
direito. Estava angustiado, <strong>de</strong>primido. Aquela<br />
<strong>de</strong>scoberta proporcionada por Falk e Ruel tinha<br />
sido muito chocante, <strong>de</strong>primente. Se, por um<br />
lado, como ja havia <strong>de</strong>sconfiado <strong>de</strong>la, com relacao<br />
ao aci<strong>de</strong>nte, tudo indicava que ela nao prestava,<br />
nao era uma pessoa <strong>de</strong> confianca, por outro lado,<br />
o meu lado medico, dizia-me que <strong>de</strong>veria tentar<br />
ajuda-la. Como? O dia se fazia presente quando<br />
resolvi me dar por vencido e ir dormir.<br />
Perto do meio-dia, o servical bateu a porta<br />
acordando-me para o almoco. Na sala <strong>de</strong><br />
refeicoes, Falk e Ruel ja estavam sentados,<br />
esperando-me para comermos. Pu<strong>de</strong> sentir que<br />
nao seria so almoco. De fato, foi Falk que falou.:<br />
- Eu sei como o senhor <strong>de</strong>ve estar se sentindo.<br />
Sei <strong>de</strong> suas preocupacoes como medicas.<br />
Entretanto, tenho uma pergunta a lhe fazer.<br />
Posso?<br />
- Claro que sim, respondi.<br />
- Digamos que po<strong>de</strong>remos lhe ajudar a salvar<br />
Carla das garras das drogas, do alcool e da<br />
prostituicao. Temos meios para isto e, com a sua<br />
ajuda, tudo ficara muito mais facil. Entretanto,<br />
sabemos <strong>de</strong> coisas a respeito <strong>de</strong>la, que nao lhe<br />
contamos ainda. Sao revelacoes pesadas, que lhe<br />
farao sofrer mais ainda. Sua <strong>de</strong>cepcao para com<br />
ela sera muito, mas muito maior. O senhor ainda
a quer ajudar, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que lhe<br />
revelarmos?<br />
- Sim. Estou disposto a ajuda-la, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
do que possa vir, a saber. E meu <strong>de</strong>ver como<br />
medico. E meu <strong>de</strong>ver como marido. Nao importa<br />
no que ela se tornou. Ela ainda e minha esposa.<br />
Se pu<strong>de</strong>r cura-la, eu o farei. Se for continuar com<br />
ela, so Deus sabe. Eu quero e <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> coracao,<br />
que ela fique boa.<br />
- Arrume-se, doutor. Temos uma viagem <strong>de</strong><br />
regresso a fazer. Sairemos hoje a noite, em torno<br />
das vinte horas. Temos que nos apressar. O<br />
tempo esta passando e ainda temos dois<br />
bandidos, suas cobaias, para buscar.<br />
Dizendo isto, Falk levantou-se e saiu. Ruel me<br />
olhou com olhos <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> e tristeza.<br />
- Tera trabalho dobrado em seu laboratorio.<br />
Eram exatamente vinte e tres horas quando o<br />
barco zarpou do porto <strong>de</strong> Vanuatu. A bordo, alem<br />
dos alienigenas, estavam os dois prisioneiros,<br />
algemados, <strong>de</strong> banho tomado e perfumados com<br />
colonia <strong>de</strong> pinus, e, para minha surpresa, Carla.<br />
Esta, completamente drogada. Estava dizendo<br />
coisas <strong>de</strong>sconexas. Sua voz era pastosa e o cheiro<br />
doce do perfume Poison, que sempre usou,<br />
estava nauseabundo. Tao logo a embarcacao<br />
alcancou alto mar, Falk, vindo da cozinha, trazia
um bule cheio <strong>de</strong> um cha. Fez todos os naoalienigenas<br />
beberem. Disse-nos que era para nao<br />
termos enjoos e, no caso <strong>de</strong> Carla, para que nao<br />
comecasse a vomitar. Bebemos.<br />
A manha estava em pleno fulgor, quando<br />
acordamos. Eu adormecera no conves. Os dois<br />
bandidos, no porao da embarcacao e Carla na<br />
cabine, em um dos beliches. Entendi que o cha,<br />
anti-enjoo, tinha sido mais do que isso. Tinha<br />
sido uma pocao sonifera. Seguranca dos<br />
alienigenas para manterem segredo a rota que<br />
nos levaria a ilha. Perto do meio-dia, a avistamos.<br />
O pequeno porto, mais uma enseada, abrigavam,<br />
naquela hora apenas mais duas embarcacoes <strong>de</strong><br />
pequeno porte, feitas para a pesca. Eu nao tinha<br />
visto mais do que cinco ou seis embarcacoes,<br />
todas iguais, ali, durante todo o tempo em que la<br />
me encontrava.<br />
A violencia e os gritos <strong>de</strong> Carla que,<br />
<strong>de</strong>batendo-se, na cabine, jogava tudo o que<br />
encontrava pela frente, para o chao ou contra as<br />
pare<strong>de</strong>s, mostravam que estava em plena crise <strong>de</strong><br />
abstinencia da cocaina. Chorava e queixava-se <strong>de</strong><br />
dores no estomago ao mesmo tempo em que se<br />
mostrava muito agressiva. Era um farrapo<br />
humano. Face <strong>de</strong>formada, palida, com enormes<br />
olheiras, cabelo <strong>de</strong>sfeito, liso, mostrando uma
longa parte castanho-claro, sem o tingimento<br />
loiro, dava-lhe um aspecto mais grotesco. Sua<br />
roupa rasgada, suja, Ela propria estava precisando<br />
<strong>de</strong> banho.<br />
Ao <strong>de</strong>scermos da embarcacao, Carla foi levada,<br />
por Falk e Ruel, para a caverna. Os dois<br />
prisioneiros acompanhados por dois homens da<br />
al<strong>de</strong>ia, tambem para la foram levados. Desci<br />
pensativo, e fui para a minha cabana. Eu queria<br />
tomar um bom banho, comer qualquer coisa e<br />
<strong>de</strong>scansar o resto do dia. Estava exausto, triste e<br />
muito <strong>de</strong>cepcionado. O estado <strong>de</strong> sau<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carla<br />
preocupava-me muito mais do que o fato <strong>de</strong> ter<br />
<strong>de</strong>scoberto a verda<strong>de</strong> ao seu respeito.<br />
Ao chegar a cabana, Sirc Eustim estava a<br />
minha espera. Senti alegria e prazer ao ve-la. Sua<br />
figura graciosa, pura, meiga, era um tonico<br />
revigorante para mim.<br />
- Nao pensei ve-la aqui, novamente.<br />
- Sou sua mulher, esqueceste? Vou viver<br />
contigo ate quando terminares o teu trabalho.<br />
Ate quando partires. Sei que nao temos nenhum<br />
compromisso; entretanto, meu pai, ja <strong>de</strong>ve ter te<br />
explicado. Nao?<br />
Seus labios colaram-se aos meus num terno,<br />
quente e apaixonado beijo. Seu corpo, grudado ao<br />
meu, excitou-me. Pu<strong>de</strong> sentir o tremor <strong>de</strong> seu
corpo em contato ao meu. Tinha que parar com<br />
aquela recepcao, nao tinha o direito <strong>de</strong> ficar<br />
calado. Tinha que lhe falar.<br />
- Sim. Falk me explicou tudo. So que nao acho<br />
correto. Entretanto, se nao estou ferindo os<br />
costumes sociais da al<strong>de</strong>ia, da tua socieda<strong>de</strong>,<br />
tudo bem. Sabe, tenho uma coisa para te falar.<br />
Teu pai me fez encontrar com Carla. Nao sei<br />
como, mas ele sabia do para<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Carla e do<br />
seu atual estado. Ela esta na caverna agora.<br />
- Eu sei <strong>de</strong> tudo isto. Nao te incomo<strong>de</strong>s. A<br />
presenca <strong>de</strong>la aqui na ilha, para mim, nao tem a<br />
menor importancia. Sei que o que sentes por ela,<br />
agora, nao e mais amor. Amor tu sentes por mim.<br />
O que sentes por ela e fruto da tua formacao<br />
profissional. Sente compaixao, pena, <strong>de</strong>cepcao;<br />
sentes que po<strong>de</strong>ras ajuda-la. Eu vou te ajudar, no<br />
que pu<strong>de</strong>r, na recuperacao <strong>de</strong>la. Nao vamos mais<br />
falar a respeito <strong>de</strong> Carla, <strong>de</strong> trabalho. Vamos, vou<br />
te ajudar a tomar banho.<br />
Nao sei on<strong>de</strong> e nem como, uma jovem,<br />
inexperiente no amor po<strong>de</strong>ria ter tanta<br />
imaginacao. O banho que Sirc Eustim e eu<br />
tomamos foi algo completamente diferente. Ela<br />
me fez todo o tipo <strong>de</strong> massagem possivel e<br />
imaginavel. Acariciou-me, beijou-me, sorveu-me<br />
com a maior naturalida<strong>de</strong> do mundo. Era como se
ja fossemos amantes <strong>de</strong> longa data.<br />
- Espanta-me o fato <strong>de</strong> quereres fazer amor a<br />
moda humana.<br />
- O primitivo sempre me atraiu. Sempre li a<br />
respeito das relacoes entre os seres diferentes <strong>de</strong><br />
nos. Principalmente do povo da terra. Era uma<br />
curiosida<strong>de</strong> que agora tenho oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
saciar. Estou adorando.<br />
- Fazer amor do teu jeito. Eu adorei. So nao<br />
quero per<strong>de</strong>r a consciencia e acordar em outro<br />
lugar, sem estar contigo.<br />
Ela riu. Fizemos amor do jeito <strong>de</strong>la. A<br />
sensacao <strong>de</strong> paz profunda que tive,<br />
posteriormente, foi algo in<strong>de</strong>scritivel. Durante o<br />
ato sexual alienigena, mergulhei em verda<strong>de</strong>iro<br />
labirinto <strong>de</strong> cores, como se tivesse usado<br />
pentrane, um anestesico usado em anestesia<br />
geral.<br />
Na cabana, agora, com flores em alguns vasos,<br />
com outras cortinas, mais <strong>de</strong>licadas e<br />
confeccionadas em pano branco, fizemos uma<br />
refeicao frugal. Ha muito nao tinha uma noite <strong>de</strong><br />
sono tao reparadora.<br />
O trabalho no laboratorio comecou cedo. A<br />
nossa espera, Kual mostrava-se impaciente.<br />
- Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, a sua esposa esta<br />
insuportavel. Os gritos, a sindrome <strong>de</strong>
abstinencia, o estado fisico. Nela tudo e<br />
lamentavel. Gostaria <strong>de</strong> comecar por ela. Se o<br />
fator tempo para o senhor nao for priorida<strong>de</strong>,<br />
para ela o e.<br />
- Concordo contigo. Sirc, o teu trabalho, como<br />
psicologa, sera <strong>de</strong> extrema importancia agora,<br />
antes do tratamento, durante e apos o termino do<br />
mesmo. Quero que montes varias baterias <strong>de</strong><br />
testes para medir o Q.I., a personalida<strong>de</strong>, a<br />
capacida<strong>de</strong> laborativa, o grau <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>, o<br />
grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressao, a psicomotricida<strong>de</strong>, a memoria<br />
passada, a memoria recente, a capacida<strong>de</strong> para<br />
realizar as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida diaria e a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concentracao. Kual vou precisar <strong>de</strong><br />
amostras <strong>de</strong> varios tecidos do corpo <strong>de</strong> Carla:<br />
pele, tecido cerebral, cabelo, unhas, intestinos,<br />
pulmoes, estomago, figado, rins, pancreas, nervos<br />
perifericos, tecido linfatico, tecido muscular,<br />
amostras <strong>de</strong> liquor, amostra <strong>de</strong> linfa, sangue, soro<br />
e urina. Ah! Outra coisa, Kual. Aqui, Carla e<br />
apenas mais uma paciente, uma fonte <strong>de</strong><br />
pesquisa. Ela nao e minha esposa. Minha esposa<br />
e Sirc Eustim. Enquanto todo o material <strong>de</strong><br />
testes nao estiver pronto, gostaria que ela ficasse<br />
na camara <strong>de</strong> sinais vitais, na mesa <strong>de</strong><br />
reabilitacao, sedada com aquele liquido que voces<br />
me davam para beber ou similar aquele.
Percebi a troca <strong>de</strong> olhares entre Kual e Sirc<br />
Eustim. Nao pu<strong>de</strong> captar se foi no sentido <strong>de</strong><br />
reprovacao ou aprovacao, das medidas iniciais<br />
que havia tomado, com relacao a Carla. Como<br />
eles po<strong>de</strong>m falar por telepatia, estava certo <strong>de</strong> que<br />
comentaram alguma coisa a respeito do que<br />
havia <strong>de</strong>terminado. De modo algum isto me<br />
preocupava. Entretanto, para nao parecer que<br />
havia esquecido o meu trabalho inicial, meu<br />
compromisso real para com os alienigenas, pedi<br />
as duas que aproveitassem os mesmos testes<br />
solicitados para Carla, e os fizessem tambem no<br />
Francisco e no Douglas.<br />
Aproveitei o tempo que ambas levaram, na<br />
preparacao dos meus pedidos, para colocar em dia<br />
a minha leitura e os meus estudos com as<br />
experiencias anteriores efetuadas por Falk, Ruel<br />
e outros alienigenas atuais e prece<strong>de</strong>ntes. As<br />
<strong>de</strong>scobertas, os ensaios quimicos, fisiologicos,<br />
terapeuticos, psicologicos, as cirurgias geneticas,<br />
enfim, tudo. Eram absolutamente incriveis. O<br />
material utilizado, os <strong>de</strong>talhes, a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za dos<br />
atos cirurgicos, tantas reacoes quimicas<br />
<strong>de</strong>sconhecidas, tantas substancias das quais<br />
nunca ouvira falar. Podia sentir meus neuronios<br />
entorpecerem com tantas informacoes.<br />
Ao termino <strong>de</strong> tres dias, todo o material
solicitado estava pronto. Comecariamos,<br />
<strong>de</strong>finitivamente com o os nossos estudos, nossas<br />
pesquisas e experiencias.<br />
Analisei os testes montados por Sirc Eustim.<br />
Estavam fantasticos. A precisao seria <strong>de</strong><br />
aproximadamente cem por cento. O material <strong>de</strong><br />
Carla, colhido por Kual, era puro, sem<br />
contaminacao alguma. Passamos a fazer as<br />
analises <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les. Estava impressionado<br />
com os resultados. O alcool, a maconha, o haxixe<br />
e a cocaina praticamente fizeram cada um <strong>de</strong>les,<br />
lesoes particulares, cuja somatoria foi a<br />
<strong>de</strong>struicao total do organismo. Em condicoes<br />
normais, nos centros medicos atuais, com os<br />
tratamentos habituais e conhecidos nao haveria<br />
solucoes aparentes capazes <strong>de</strong> recuperar o que ja<br />
fora <strong>de</strong>struido, tanto fisica como<br />
psicologicamente, seria bem melhor que ela<br />
morresse. Entretanto, ali, po<strong>de</strong>ria ter alguma<br />
esperanca.<br />
Todos os humores e liquidos do corpo<br />
continham altas dosagens das drogas consumidas<br />
por ela. O tecido nervoso apresentava um e<strong>de</strong>ma<br />
generalizado do sistema glial. As mitocondrias<br />
estavam <strong>de</strong>formadas. Os nucleos das diversas<br />
celulas apresentavam <strong>de</strong>formacoes peculiares, <strong>de</strong><br />
acordo com a afinida<strong>de</strong> maior ou menor para
cada tipo <strong>de</strong> droga. O sistema nervoso periferico<br />
estava <strong>de</strong>sprovido totalmente <strong>de</strong> glia,<br />
provavelmente pela associacao do alcool com a<br />
cocaina. Os tecidos musculares apresentavam<br />
atrofias celulares em diversos graus. As celulas<br />
intestinais mostravam hemorragias em diversos<br />
pontos, assim como o estomago e os rins. Os<br />
hepatocitos estavam infiltrados <strong>de</strong> gordura,<br />
anunciando uma cirrose ja estabelecida. Os<br />
nucleos dos hepatocitos estavam atrofiados e<br />
com as membranas celulares enrijecidas, efeitos<br />
do haxixe e da maconha. A linfa, o sangue, o soro<br />
continham concentracoes exageradas <strong>de</strong> haxixe,<br />
maconha e cocaina. O sistema glial cerebral era<br />
uma massa disforme, e<strong>de</strong>maciada, sem limites,<br />
compressiva do sistema neuronal nobre. Ela<br />
estava em "curto-circuito" neurologico. Estava<br />
morrendo. Acredito que teria poucos meses <strong>de</strong><br />
vida, no maximo tres meses, se nao a tivessemos<br />
trazido para fazer um tratamento diferenciado. A<br />
costumeira <strong>de</strong>sintoxicacao <strong>de</strong> nada lhe valeria<br />
agora.<br />
O trabalho com Carla seria <strong>de</strong>morado,<br />
<strong>de</strong>licado. Ao verificarmos todo o seu Periespirito,<br />
constatamos que ele tambem estava<br />
<strong>de</strong>struido.<br />
Pedi a Kual que fizesse varias cirurgias
neuronais, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong>scomprimir o sistema nobre. Muito se usou <strong>de</strong><br />
um liquido antie<strong>de</strong>matoso, oriundo <strong>de</strong> uma<br />
planta nativa da ilha, e que miraculosamente,<br />
enxugou todo o sistema glial. Em nivel<br />
mitocondrial, Kual conseguiu reverter os danos.<br />
O mesmo foi feito no Peri- espirito. Entramos no<br />
sistema genetico. Todos os alelos estavam<br />
impregnados com maconha, haxixe e cocaina.<br />
Havia alteracoes clonicas causadas pelo uso do<br />
alcool. Fizemos a remocao dos alelos<br />
responsaveis pelo <strong>de</strong>sejo das drogas,<br />
modificamos, atraves <strong>de</strong> cirurgia mitocondrial, os<br />
efeitos do haxixe e da cocaina sobre as celulas<br />
hepaticas e renais. Conseguimos restabelecer o<br />
funcionamento da unida<strong>de</strong> pancreatica e<br />
conseguimos fazer com a atrofia das celulas<br />
musculares fosse interrompida. Restava fazer as<br />
transformacoes nos alelos do carater. A fixacao<br />
em homens, a falta <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong> com relacao aos<br />
sentimentos e, principalmente, a falta <strong>de</strong><br />
lealda<strong>de</strong>, fator <strong>de</strong>tectado por Sirc Eustim nos<br />
testes aplicados antes do tratamento e tambem<br />
por Kual, que <strong>de</strong>tectou a falha em um alelo<br />
genico. A gran<strong>de</strong> maioria das lesoes em alelos<br />
eram verificadas nos cromossomas sexuais.<br />
Varios outros <strong>de</strong>svios endocrinos iam sendo
<strong>de</strong>scobertos a medida que os estudos se<br />
aprofundavam. Kual e eu faziamos, entao, uma<br />
serie <strong>de</strong> estudos bioquimicos com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reorganizar as rotas metabolicas. Na maquina <strong>de</strong><br />
reabilitacao, todas as medidas bioquimicas eram<br />
efetuadas instantaneamente o que nos facilitava<br />
em muito. As cirurgias clonais e geneticas eram<br />
efetuadas com a ajuda <strong>de</strong> potentes microscopios<br />
eletronicos e, apos, observavamos a divisao<br />
celular para vermos se as novas celulas estariam<br />
ja modificadas. Com todo o seu sistema<br />
fisiologico alterado, sem evacuar, sem urinar,<br />
sem ter sudorese e com o estado <strong>de</strong> consciencia<br />
na faixa anestesica, Carla permaneceu assim ate<br />
que todos os seus sistemas tivessem se<br />
recomposto completamente. Ao todo foram<br />
quatro meses <strong>de</strong> trabalho.<br />
Neste mesmo espaco <strong>de</strong> tempo Douglas e<br />
Francisco, tambem submetidos aos mesmos<br />
testes psicologicos e bioquimicos <strong>de</strong> Carla,<br />
receberam o mesmo tratamento dispensado a ela.<br />
Foi usada a mesma equipe <strong>de</strong> cientistas. Os<br />
danos fisicos, celulares e psicologicos eram<br />
i<strong>de</strong>nticos, com excecao dos danos clonais e<br />
genicos, inerentes <strong>de</strong> cada um, como roubo e<br />
assassinato. Douglas <strong>de</strong>monstrava que nao sentia<br />
remorso algum ao matar um semelhante. Era
como se nao tivesse sentimento algum. Um fato<br />
interessante e que, com eles, mesmo sendo<br />
marginais, seres que sempre viveram nas ruas e<br />
no crime, nao havia tantas alteracoes por droga.<br />
Francisco apresentava uma discreta intoxicacao<br />
por maconha e alcool, enquanto Douglas tinha<br />
lesoes gliais, em grau mo<strong>de</strong>rado, causadas pelo<br />
uso <strong>de</strong> cocaina; entretanto, as lesoes dos dois<br />
eram infinitamente menores que as que Carla<br />
apresentava.<br />
Com Douglas e com Francisco, usamos os<br />
raios laser violeta, tanto na materia quanto no<br />
Peri- espirito, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suprir, em cada<br />
celula <strong>de</strong> cada sistema funcional organico, os<br />
alelos da violencia, principio primeiro da nossa<br />
experiencia. Restava agora aguardar os<br />
resultados.<br />
Mais dois meses se passaram ate que Kual e<br />
Falk tivessem certeza <strong>de</strong> que todo o organismo<br />
estava alterado. Iniciamos o processo <strong>de</strong><br />
revitalizacao e conscientizacao. Era um trabalho<br />
<strong>de</strong>licado. A funcao <strong>de</strong> Sirc Eustim nesta fase do<br />
projeto foi <strong>de</strong> fundamental importancia. Fazer<br />
com que todos os tres pu<strong>de</strong>ssem enten<strong>de</strong>r o que<br />
havia se passado com eles. O que nos<br />
esperavamos <strong>de</strong>les. O estudo das reacoes<br />
imediatamente apos todo o trabalho e das reacoes
no trabalho <strong>de</strong> campo que seria implantado a<br />
seguir.<br />
Com Carla, tao logo seu organismo conseguiu<br />
funcionar fora da mesa <strong>de</strong> reabilitacao, ficou<br />
claro que estava curada das intoxicacoes por<br />
drogas. Nao existiam mais sinais <strong>de</strong> sindrome <strong>de</strong><br />
abstinencia. Os testes que se mostravam<br />
alterados antes do tratamento, durante e<br />
imediatamente apos o crescimento das novas<br />
celulas ja modificadas por nos, mostravam-se,<br />
agora, perfeitamente normais. Carla estava<br />
curada. Era uma nova mulher. Seu aspecto<br />
rejuvenescera. Estava magra novamente.<br />
Mantive a integrida<strong>de</strong> da cor dos seus cabelos:<br />
castanho-claros. Todos os dias, Falk, Ruel e Sirc<br />
Eustim faziam trabalhos com ela, em laboratorios<br />
separados. Diziam-me tratar-se <strong>de</strong> testes<br />
complementares e que <strong>de</strong> nada me serviriam, no<br />
momento.<br />
Ja com Francisco e com Douglas, as<br />
experiencias tinham que ter uma conotacao<br />
diferente. Teriamos que testar a violencia <strong>de</strong><br />
ambos. Teriamos que saber se estavam curados.<br />
Francisco nao se masturbava mais. Tomava dois<br />
banhos diarios, sem que ninguem o obrigasse.<br />
Douglas ja nao se consi<strong>de</strong>rava irresistivel junto as<br />
mulheres. Os testes psicologicos <strong>de</strong> ambos eram
perfeitos. Restava fazer um teste mais agressivo.<br />
Como?<br />
Foi Sirc Eustim quem teve a i<strong>de</strong>ia. Tinhamos<br />
ainda alguns animais com <strong>de</strong>feito genico em<br />
<strong>de</strong>terminada area da ilha. Por que nao colocar os<br />
tres, Carla, Douglas e Francisco juntos, na mesma<br />
area <strong>de</strong>stes animais. Estudariamos a reacao dos<br />
dois em relacao a Carla, <strong>de</strong>la em relacao a eles e,<br />
por que nao, dos animais.<br />
Assim, com o consentimento <strong>de</strong> todos, os tres<br />
foram levados para uma area da ilha <strong>de</strong>sabitada<br />
por seres alienigenas. Acredito, tambem, que a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Sirc Eustim serviria para testar mais<br />
uma coisa: meus sentimentos em relacao a Carla.<br />
Mostraria preocupacao, temor ou qualquer outro<br />
sentimento que nao o <strong>de</strong> pesquisa? O fato e que,<br />
realmente interessava-me, apos tanto trabalho e<br />
tantos meses <strong>de</strong> estudos e pesquisas, saber se<br />
teriamos exito em nossos propositos com os tres.<br />
Sem que eles soubessem, estavam sendo<br />
monitorados por meio <strong>de</strong> um circuito <strong>de</strong><br />
televisao e bioquimicamente por substancias que<br />
estavam introduzidas na dieta dos tres. Eles<br />
teriam que montar uma base <strong>de</strong> trabalho, para<br />
futuras expedicoes que iriam se estabelecer<br />
naquele ponto da ilha. Teriam que arrumar as<br />
cabanas, teriam que rocar ao redor das mesmas,
provi<strong>de</strong>nciar uma area para plantio, local para<br />
futuras experiencias agricolas. Carla teria que<br />
provi<strong>de</strong>nciar as refeicoes, fazer o cafe, o almoco e<br />
jantar dos tres, com os mantimentos levados<br />
pelos alienigenas, e manter arrumadas as cabanas<br />
e os sanitarios. Uma cabana era so <strong>de</strong>la e a outra<br />
para os dois homens. Propositadamente, a area<br />
para o futuro plantio ficava a uns cinco<br />
quilometros das cabanas. Eles teriam<br />
obrigatoriamente que atravessar a selva para la<br />
chegarem. Tambem era tarefa <strong>de</strong> Carla levar agua<br />
fresca para os dois, na roca, no periodo da tar<strong>de</strong>.<br />
Montamos todo o cenario <strong>de</strong> nossa experiencia.<br />
Restava, agora, esperar e estudar o<br />
comportamento dos tres, diariamente.<br />
Em tres semanas <strong>de</strong> observacao, a vida dos<br />
tres era sempre a mesma rotina. Nenhuma<br />
anormalida<strong>de</strong>. A conduta <strong>de</strong> Carla era impecavel.<br />
Em momento algum ela insinuara-se para<br />
nenhum dos dois homens. A reciproca tambem<br />
era verda<strong>de</strong>ira. Eles a tratavam com respeito e<br />
<strong>de</strong>dicacao. Francisco, nem <strong>de</strong> longe, mostrava ter<br />
sido um estuprador. Nunca fora visto<br />
masturbando-se. Todos viviam suas novas vidas<br />
sem qualquer prenuncio <strong>de</strong> alteracao<br />
comportamental. Coinci<strong>de</strong>ntemente, os animais<br />
se mantinham afastados do grupo. No termino da
terceira semana, ao atravessar a selva, com os<br />
garrotes <strong>de</strong> agua fresca para os homens, um lobo,<br />
nao alterado geneticamente, atacou Carla. Foi<br />
Douglas que a socorreu. Lutou com o animal.<br />
Matou-o e, em seguida, avaliou a gravida<strong>de</strong> dos<br />
ferimentos <strong>de</strong> Carla, que se encontrava caida,<br />
<strong>de</strong>sfalecida. Chamando por Francisco, pediu a<br />
este para que chamasse por um dos "gran<strong>de</strong>s<br />
curan<strong>de</strong>iros" para socorre-los. Ele tambem estava<br />
ferido, com varios arranhoes no torax e nos<br />
bracos. Enquanto Francisco corria para<br />
provi<strong>de</strong>nciar o socorro, Douglas tomou Carla nos<br />
bracos e a levou para a sua cabana. Colocou-a<br />
<strong>de</strong>licadamente na cama e foi ate a pia da cozinha<br />
para molhar um pano. Posteriormente, veio ate<br />
ela e comecou a limpar os ferimentos. Quando<br />
Falk e Ruel chegaram, Carla estava acordada,<br />
gemendo <strong>de</strong> dor. Tinha varios cortes nos bracos,<br />
uma parte da mama direita dilacerada e um corte<br />
profundo na altura do pescoco, no lado direito.<br />
Vendo a gravida<strong>de</strong> dos ferimentos, ambos a<br />
levaram para a caverna e a colocaram na mesa <strong>de</strong><br />
reabilitacao. Tanto ela como Douglas foram<br />
<strong>de</strong>vidamente tratados, com pontos cirurgicos e<br />
curativos compressivos.<br />
Para Sirc Eustim, parte da experiencia tinha<br />
tido sucesso. Entretanto, como provar que o
instinto <strong>de</strong> assassino <strong>de</strong> Douglas nao estava<br />
adormecido? Teriamos que provocar uma<br />
situacao <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfianca. O clima entre os dois<br />
homens <strong>de</strong>veria ser conturbado. Tao logo Carla se<br />
restabelecesse, ela seria o pivo da discordia entre<br />
ambos.<br />
Foram mais quatro semanas para que o<br />
restabelecimento <strong>de</strong> Carla fosse total. Douglas,<br />
neste tempo, ja estava completamente<br />
recuperado e ja tinha voltado aos seus trabalhos<br />
diarios, juntamente com Francisco. Notava-se<br />
que uma amiza<strong>de</strong> nascia entre ambos.<br />
Um dia, pela manha, acompanhei Sirc Eustim<br />
e Kual ate o posto avancado. Elas iriam fazer<br />
testes nos tres e recolher amostras <strong>de</strong> sangue e <strong>de</strong><br />
urina. Quando Carla me viu, ficou feliz. Disse-me<br />
que estava com sauda<strong>de</strong>s. Sentia a minha falta.<br />
Queria saber como vivia e o que estava fazendo.<br />
Em momento algum perguntou se voltaria a viver<br />
com ela. Dava-me a impressao que ela esquecera<br />
que tinha se casado comigo. Contei-lhe<br />
pormenorizadamente sobre o aci<strong>de</strong>nte com o<br />
lobo. Contei-lhe, aumentando, o ato heroico <strong>de</strong><br />
Douglas, salvando-a. Eu queria que surgisse<br />
alguma atracao entre ambos. Se eu conseguisse<br />
isto, seria facil induzir Francisco, em um<br />
provavel interesse <strong>de</strong> Carla por ele. Estaria assim,
criando um triangulo amoroso que, com certeza,<br />
provocaria toda uma situacao <strong>de</strong> ciumes e<br />
<strong>de</strong>sconfiancas entre os tres. Tanto Kual como<br />
Sirc Eustim compreen<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> imediato o meu<br />
plano e comecaram a trabalhar para que o mesmo<br />
surtisse efeito.<br />
Nao foi preciso muito tempo para que Douglas<br />
comecasse a sentir-se atraido por Carla. O mesmo<br />
acontecendo com Francisco. Para nossa surpresa,<br />
era Carla que nao mostrava interesse por nenhum<br />
<strong>de</strong>les. Para ela, ambos nao passavam <strong>de</strong><br />
companheiros <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> tratamento. Como<br />
a entrada, nas cabanas, por parte <strong>de</strong> Kual e Sirc<br />
Eustim, era constante, comecamos a introduzir<br />
alguns objetos <strong>de</strong> Carla no armario <strong>de</strong> Douglas e,<br />
posteriormente, com a certeza <strong>de</strong>le os ter visto,<br />
removiamos os mesmos para o armario <strong>de</strong><br />
Francisco. Comecou a nascer uma atmosfera <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sconfianca e ciumes, entre ambos. Eles pouco<br />
se falavam ou se olhavam. Cumpriam suas tarefas<br />
a maior parte do tempo em silencio. Sentia-se o<br />
<strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira competicao entre<br />
eles principalmente, ao final <strong>de</strong> cada dia, on<strong>de</strong><br />
cada um procurava se mostrar mais atraente e<br />
perfumado do que o outro, so para impressionar<br />
Carla. Esta por sua vez, em nada modificara a sua<br />
rotina <strong>de</strong> vida.
Uma tar<strong>de</strong>, antes do final do expediente,<br />
comecou uma discussao entre ambos, sobre<br />
quem tomaria banho primeiro, assim que<br />
chegassem ao acampamento. Da discussao<br />
passaram para a briga corporal. Como Douglas<br />
tinha mais porte atletico do que Francisco e<br />
como ja tinha sido um matador saira-se melhor<br />
na briga. Ficando com Francisco inteiramente a<br />
sua merce. Podia-se ver a raiva estampada nos<br />
olhos <strong>de</strong> Douglas. Com um pulo rapido, ele<br />
apanhou um pedaco <strong>de</strong> pau, perto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava,<br />
e ia atingir a cabeca <strong>de</strong> Francisco com o mesmo.<br />
Ao levantar o pau, para <strong>de</strong>sferir o golpe, parou o<br />
gesto no ar. Para nossa surpresa, no laboratorio,<br />
esten<strong>de</strong>u as maos para Francisco e o puxou para<br />
perto <strong>de</strong> si, levantando-o. Depois o ajudou a fazer<br />
toda a travessia da selva ate o acampamento, e la<br />
cuidou dos ferimentos <strong>de</strong>le. Carla, surpresa com o<br />
ocorrido, tambem ajudou Douglas a cuidar <strong>de</strong><br />
Francisco.<br />
Eu, agora, estava satisfeito com o que vira.<br />
Para mim, as experiencias haviam tido pleno<br />
exito. Convoquei as minhas meninas para<br />
fazermos um balanco final <strong>de</strong> tudo e<br />
apresentarmos nossos resultados para Falk e<br />
Ruel. Eram <strong>de</strong>corridos exatos oito meses <strong>de</strong><br />
trabalho, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tinhamos voltado <strong>de</strong>
Vanuatu. Falk e Ruel se mostraram contentes<br />
com os resultados obtidos nas pesquisas.<br />
Tinha chegado o momento da minha partida.<br />
Meu pagamento havia sido efetuado. Deveria ser<br />
assim. Assim foi o combinado; porem, minha<br />
vida tinha tomado outro rumo. Os<br />
conhecimentos adquiridos, minha vida marital<br />
com Sirc Eustim, as <strong>de</strong>scobertas que Falk havia<br />
me proporcionado sobre a vida <strong>de</strong> Carla. A coisa<br />
nao era tao simples como toma la- da ca. Um peso<br />
enorme comecou a se fazer presente em meu<br />
coracao. Como po<strong>de</strong>ria partir sem ter os carinhos,<br />
o amor <strong>de</strong> uma jovem tao <strong>de</strong>dicada e tao<br />
estranha. Nao havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> externar os<br />
meus pensamentos, ela os lia. Pela primeira vez<br />
em toda a minha vida era completamente<br />
honesto. Nao precisava fingir. Nao me precisava<br />
sentir culpado por ter que omitir alguma coisa. E<br />
<strong>de</strong>pois, eu estava perfeitamente adaptado aquela<br />
maneira <strong>de</strong> viver: simplicida<strong>de</strong>, muito amor,<br />
muita sabedoria, muito trabalho em prol da<br />
humanida<strong>de</strong>. Sei que, se permanecesse ali, teria<br />
outras surpresas. Pelo estilo <strong>de</strong> vida em Vanuatu,<br />
certamente, haveria outras Vanuatus. Os<br />
alienigenas nao eram alienados <strong>de</strong> nossas<br />
necessida<strong>de</strong>s futeis e luxuosas. Quem nao gosta<br />
<strong>de</strong> um pouco <strong>de</strong> luxo, <strong>de</strong> mordomias?
Eu estava na ilha ha quase dois anos. Tinha<br />
mais tempo, segundo o que me fora informado<br />
por Falk. Tinha mais tres anos. Eu os po<strong>de</strong>ria<br />
usar para novas pesquisas, para aperfeicoar as ja<br />
feitas. Para conhecer melhor aquele fantastico<br />
povo, que me recebera <strong>de</strong> uma forma estranha,<br />
mas carinhosa sob varios aspectos.<br />
Encontrava-me absorto em meus<br />
pensamentos, sentado junto ao meu computador,<br />
quando Falk apareceu e disse que tinha algumas<br />
coisas para me contar. Gostaria que eu tivesse<br />
tempo para ouvir e para, posteriormente, refletir.<br />
Seria muito importante para o meu futuro.
CAPITULO 7<br />
REVELACOES<br />
- Sua vida nao tem sido nada facil. Sempre<br />
trabalhando, sempre procurando ajudar a quem<br />
lhe pedia ajuda. Sempre sendo enganado pela<br />
maioria das pessoas que se aproximaram,<br />
dizendo-se amigos. Fracassos nas relacoes<br />
conjugais. Traicoes nos ambientes <strong>de</strong> trabalho.<br />
Traicoes <strong>de</strong>ntro do proprio lar, com perda da<br />
integrida<strong>de</strong> moral do mesmo, perda <strong>de</strong> dinheiro,<br />
perda do amor dos filhos e perda do respeito por<br />
parte daqueles que frequentavam a sua casa e os<br />
seus locais <strong>de</strong> trabalho. A voz <strong>de</strong> Falk era em tom<br />
baixo, grave e sem inflexoes, falava com a certeza<br />
<strong>de</strong> que dominava o assunto, <strong>de</strong> quem conhecia<br />
toda a minha vida.<br />
- Como e que sabe <strong>de</strong> tudo isto?<br />
- Lembra o ja lhe falei, ha algum tempo. E um<br />
elo perdido. Lembra <strong>de</strong> quando seu pai estava<br />
para morrer? Lembra o que ele lhe falou? Tera<br />
que ir a regiao do Charco Paraguaio. La tera<br />
muitas explicacoes sobre a sua vida. Tem que ir<br />
la. Seu pai estava certo. A foto que <strong>de</strong>scobriu, ele<br />
com voce e seu irmao ao colo, tendo como fundo<br />
o rio Guaiba. Aquela foto e a chave da sua vida.<br />
Ela e o Charco Paraguaio. Na foto, a data <strong>de</strong><br />
nascimento, com a letra do seu pai, estava bem
clara: voce- 18/09/46 e seu irmao- 04/02/47.<br />
Como uma terrestre po<strong>de</strong>ria ter dois filhos em<br />
um espaco <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> cinco meses?<br />
Sei que para voce isto e um choque, gosta <strong>de</strong>mais<br />
<strong>de</strong> sua mae e nao e para menos. Ela vem<br />
aguentando suas esquisitices todos estes anos.<br />
Ela sabe que voce e diferente dos seus irmaos.<br />
Ela, como seu pai, conhecem a sua origem. Por<br />
questoes obvias jamais irao falar a verda<strong>de</strong>. Seu<br />
pai lhe <strong>de</strong>u a outra pista. Nao foi verificar.<br />
Sabemos <strong>de</strong> todas as dificulda<strong>de</strong>s financeiras que<br />
tem passado. Compreen<strong>de</strong>mos; entretanto, esta<br />
mais do que na hora <strong>de</strong> saber a sua origem. Saber,<br />
<strong>de</strong> fato quem e. Continuaremos a lhe chamar <strong>de</strong><br />
elo perdido por isto. A resposta final a tudo o que<br />
lhe tem acontecido esta la. Aqui, tambem vamos<br />
lhe fazer uma critica. E muito sincero. E um livro<br />
aberto. Fala <strong>de</strong>mais, conta sua vida como se<br />
estivesse contando uma historia qualquer. Nao<br />
repara para quem e nem on<strong>de</strong>. O ser humano tem<br />
muita inveja e, para sua <strong>de</strong>sgraca, muitos o<br />
invejam. Se apren<strong>de</strong>r a ficar com a boca fechada,<br />
muito dissabor estara evitando para o seu futuro.<br />
Temos certeza <strong>de</strong> que o problema <strong>de</strong> dinheiro<br />
tambem melhorara em muito.<br />
Ruel havia se aproximado <strong>de</strong> nos. Acredito<br />
que por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Falk. Estavamos, agora, os tres,
no laboratorio on<strong>de</strong> ficavam as mesas <strong>de</strong><br />
reabilitacao. Podia sentir o ar <strong>de</strong> preocupacao dos<br />
dois alienigenas estampado em suas faces. Por<br />
instantes, o silencio reinou entre nos, ate que<br />
Ruel o quebrou.<br />
- Sabe, vou lhe contar uma historia veridica,<br />
sobre o seu passado e qual o motivo do trauma<br />
que sofreu, apagou-se da sua memoria. Vou<br />
<strong>de</strong>itar-me em uma das mesas <strong>de</strong> reabilitacao e<br />
voce na outra. Se o que irei lhe contar contiver<br />
um minimo <strong>de</strong> inverda<strong>de</strong>, ouvira um sinal<br />
estri<strong>de</strong>nte e automaticamente po<strong>de</strong>ra<br />
interromper-me, atraves <strong>de</strong> um choque que<br />
servira como uma especie <strong>de</strong> punicao para mim.<br />
Por esta razao a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>itarmos nas<br />
mesas. Eu quero que assim seja feito. Nao me<br />
conteste, por favor.<br />
- Esta bem. Se for tao importante para mim e<br />
se o choque quem ira receber sera o senhor, nada<br />
<strong>de</strong> contestacao.<br />
- Por mecanismos alheios a sua vonta<strong>de</strong>, o seu<br />
primeiro casamento chegou ao fim. Na ocasiao, o<br />
sofrimento com a perda dos filhos e do pouco que<br />
tinha conseguido como patrimonio material, o<br />
aborreceu muito. Neste mesmo momento, uma<br />
mulher <strong>de</strong> nome Carla, aproveitou a sua<br />
fragilida<strong>de</strong> psicologica e aproximou-se <strong>de</strong> voce.
Ela, na realida<strong>de</strong>, ja vinha estudando os seus<br />
passos ha muito tempo. Ela fazia parte <strong>de</strong> uma<br />
faccao do seu governo que nao estava nada<br />
satisfeita com a sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscal. Voce<br />
sempre se mostrou incorruptivel e isto<br />
atrapalhava os planos <strong>de</strong> expansao pessoal <strong>de</strong><br />
varias pessoas lotadas em cargos superiores ao<br />
seu e com interesse apenas em enriquecimento<br />
ilicito. Muitos dos seus colegas trabalham assim<br />
ate os dias <strong>de</strong> hoje. A producao do seu trabalho, o<br />
numero <strong>de</strong> autos <strong>de</strong> infracao que estava lavrando,<br />
o numero <strong>de</strong> palestras educativas que sempre<br />
fazia, <strong>de</strong> forma gratuita e sem or<strong>de</strong>ns expressas<br />
dos seus superiores, provocava inveja,<br />
provocavam entraves em negocios preprogramados<br />
e escusos. Voce teria que ser<br />
afastado <strong>de</strong> qualquer maneira. Tentaram contra<br />
sua vida varias vezes. Entretanto, como eles<br />
po<strong>de</strong>riam saber que era uma pessoa diferente?<br />
Quando uma bala <strong>de</strong> calibre 38 atravessa o<br />
abdomen <strong>de</strong> um humano, sem provocar<br />
perfuracao em nenhum orgao? Com o senhor isto<br />
nao aconteceu, em um dos muitos atentados <strong>de</strong><br />
que ja foi vitima? A bala que lhe fraturou a borda<br />
da primeira vertebra lombar, penetrando-lhe na<br />
altura da cicatriz umbilical nao he perfurou nem<br />
os intestinos, nao foi ? A surpresa dos teus
colegas medicos foi total e ate hoje eles colocam<br />
isto como fator sorte. Este fato eu lhe estou<br />
relatando apenas como um exemplo do que nos<br />
referimos em ser uma pessoa diferente. O senhor<br />
foi muito perseguido por uma mulher que<br />
ocupou, em certa epoca, o cargo <strong>de</strong> Diretora da<br />
sua divisao <strong>de</strong> trabalho. Ela lhe armou a primeira<br />
<strong>de</strong>cepcao que teve no governo. Recebeu uma<br />
punicao <strong>de</strong> trinta dias. Uma punicao injusta e<br />
administrativamente incorreta, visto que um dos<br />
membros da comissao <strong>de</strong> inquerito, sendo voto<br />
vencido, posteriormente, lhe con<strong>de</strong>nou,<br />
aproveitando o fato <strong>de</strong> ter sido nomeado<br />
Delegado do Estado on<strong>de</strong> mora, cinco dias apos a<br />
conclusao do inquerito, on<strong>de</strong> havia sido<br />
inocentado por dois votos contra um.<br />
Administrativamente, nao teria penalizacao<br />
alguma. O seu sub<strong>de</strong>legado, em quem voce<br />
sempre confiou nada fez para lhe ajudar. Ele bem<br />
que podia ter feito. Raciocine. Este fato ocorreu<br />
dois meses apos o seu primeiro divorcio.<br />
Psicologicamente estava arrasado. Sabendo que o<br />
fato havia sido publicado no Diario Oficial da<br />
Uniao, teve muita vergonha. Aproveitando-se do<br />
momento e da sua fragilida<strong>de</strong>, por orientacao<br />
superior, visto que, por ela nao haveria<br />
habilida<strong>de</strong> suficiente para tal, Carla o influenciou
na <strong>de</strong>cisao <strong>de</strong> mudar para outro estado. Como o<br />
mar sempre o atraiu, o que e normal, procurou<br />
unir o seu trabalho as conveniencias pessoais,<br />
nada mais justo. So que a cida<strong>de</strong> ja estava<br />
<strong>de</strong>terminada pelo grupo <strong>de</strong> Carla. Tudo o que lhe<br />
aconteceu referente a mudanca dos moveis, a<br />
compra ficticia do apartamento no balneario <strong>de</strong><br />
Comburiu, ja fazia parte do plano que o afastaria<br />
<strong>de</strong>finitivamente da fiscalizacao. Senao vejamos:<br />
qual era o seu interesse pessoal, em morar em<br />
Comburiu? Ficar longe <strong>de</strong> Londrina, on<strong>de</strong> a sua<br />
vergonha pela suspensao nao lhe trouxesse a tona<br />
o problema passado; ficar mais perto da sua mae<br />
que se encontra sempre enferma <strong>de</strong>vido a ida<strong>de</strong> e<br />
aos problemas anteriores <strong>de</strong> sau<strong>de</strong>; po<strong>de</strong>r ficar<br />
perto do mar, po<strong>de</strong>r banhar-se, uma necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> todos nos e sua, como elo perdido que e; po<strong>de</strong>r<br />
praticar as suas pescarias e os seus mergulhos. E<br />
muito ? Sinceramente, nao. Procure lembrar que<br />
a sua transferencia se fez <strong>de</strong> forma rapida, sem<br />
contestacao. Neste momento da sua historia,<br />
houve um sinal <strong>de</strong> remorso: o seu chefe direto,<br />
em Londrina, avisou-lhe para nao ir para<br />
Comburiu, ja que o seu local <strong>de</strong> trabalho, na<br />
realida<strong>de</strong> era a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itajai. Ele chegou a lhe<br />
pedir para nao ir. Disse, na ocasiao, que vergonha<br />
passa e que, la, estaria so e iria enfrentar uma
serie <strong>de</strong> problemas. Ele nao sabe como, ficou<br />
sabendo da trama que estavam lhe preparando e<br />
conhecendo a sua maneira <strong>de</strong> trabalho, sabia que<br />
estaria entrando cegamente no que todos<br />
queriam inclusive a sua, entao, esposa Carla. Em<br />
Comburiu, presenciamos outro sinal <strong>de</strong><br />
arrependimento: a senhora com quem Carla havia<br />
feito contato telefonico sobre uma possivel<br />
compra ou aluguel <strong>de</strong> um apartamento em<br />
Comburiu, <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> participar da trama.<br />
Lembra que teve que <strong>de</strong>ixar os seus moveis em<br />
uma garagem miseravel, pagando uma taxa por<br />
dia, absurdamente cara, ate po<strong>de</strong> encontrar um<br />
apartamento ou casa, vazios, para entao mudar.<br />
Esta senhora simplesmente <strong>de</strong>saparecera <strong>de</strong><br />
Comburiu. As dificulda<strong>de</strong>s comecaram ai. Nao<br />
<strong>de</strong>u importancia e refutou o fato ao ser Comburiu<br />
um balneario <strong>de</strong> ferias, on<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> maioria dos<br />
imoveis eram mobiliados. Entretanto, todo o<br />
apartamento ou casa vazia, encontrado, tinham<br />
uma serie <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos para Carla. Como sua<br />
paixao o pos cego, nada percebeu. O tempo foi<br />
passando, a ajuda <strong>de</strong> Da. Erika foi excelente para<br />
voces, fato com o qual Carla e nem os superiores<br />
<strong>de</strong>la, contavam. Foi entao, para mexer com a sua<br />
integrida<strong>de</strong> psicologica ou mesmo por ser quem<br />
era ela passou a lhe provocar ciumes, flertando
<strong>de</strong>scaradamente com quase todos os que com ela<br />
cruzavam. Nesta epoca, ela ja era viciada em<br />
cocaina e anorexigenos. Recor<strong>de</strong> o halito que<br />
apresentava. Quantas discussoes surgiram entre<br />
voces por este comportamento escuso que ela<br />
passou a ter. Da. Erika ate, certa vez, lhe contou<br />
o que tinha observado, sem que Carla a tivesse<br />
visto. Da. Erika jamais gostou <strong>de</strong>la. Pediu-lhe<br />
para ter muito cuidado, dizendo que mulher<br />
bonita so atraia problemas. Ela po<strong>de</strong>ria ter dito:<br />
mulher bonita e falsa. Estaria completando<br />
melhor o carater da sua esposa. A troca do corpo<br />
por drogas sempre foi uma pratica comum na<br />
vida <strong>de</strong> Carla. Por isto estranha-se o fato <strong>de</strong> todas<br />
as amostras que Kual lhe apresentou trazerem<br />
resultados <strong>de</strong>sastrosos. E certo que a intoxicacao<br />
por droga nao tinha ocorrido em apenas um ano,<br />
ano que ficou afastado <strong>de</strong>la, apos o <strong>de</strong>sastre com<br />
o veleiro. Mais um atentado armado por ela. Voce<br />
teria que morrer para nao <strong>de</strong>scobrir nada a<br />
respeito <strong>de</strong>la e dos que a comandavam. Para os<br />
superiores <strong>de</strong>la, ela ja estava morta. Era uma<br />
questao <strong>de</strong> tempo. Nao haveria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mata-la. As drogas ja o haviam feito. Foi quando,<br />
sabendo qual seria a sua atitu<strong>de</strong>, o levamos ate<br />
ela. Nos conseguimos resgata-la oito meses antes<br />
e entao montamos aquela casa para ela dirigir,
sem que nada <strong>de</strong>sconfiasse. Fizemo-nos passar<br />
por agentes dos que sempre a comandaram. Seu<br />
brilhante trabalho salvou-lhe a vida. Daqui para<br />
frente ela sera outra mulher, nos, inclusive, lhe<br />
daremos outra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> tao logo o trabalho <strong>de</strong><br />
Sirc Eustim esteja totalmente concluido.<br />
- O que, precisamente, ainda falta no trabalho<br />
<strong>de</strong> Sirc Eustim ?<br />
- Falta apagar totalmente, na mesa <strong>de</strong><br />
reabilitacao, a memoria passada <strong>de</strong>la dar-lhe um<br />
passado "novo" criado por nos. Isto sera feito tao<br />
logo terminemos nossas revelacoes e saibamos o<br />
que preten<strong>de</strong> fazer com o seu futuro.<br />
- Eu ainda nao sei ao certo o que pretendo<br />
fazer. Espero que ao termino <strong>de</strong>stas revelacoes<br />
surjam novas perspectivas para mim. Por favor,<br />
continuem com as revelacoes. Sei que serao<br />
duras; entretanto, nada mais piorara o que<br />
sobrou da minha vida pessoal.<br />
Foi Ruel quem continuou a narrativa. Eu<br />
podia sentir, realmente, que ele estava bastante<br />
preocupado e ate mesmo entristecido. Seu tom<br />
<strong>de</strong> voz era baixo, quase um sussurro.<br />
- A vida, <strong>de</strong> um modo geral para todos os seres<br />
que habitam o Universo, tem seus altos e baixos.<br />
Para todos existem momentos tristes e<br />
momentos <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. Nao existe uma
felicida<strong>de</strong> completa e eterna, como tambem nao<br />
existem momentos <strong>de</strong> tristeza profunda que dure<br />
para sempre. Em todo o Universo, o melhor<br />
remedio para todos os males e o tempo. Com ele<br />
apren<strong>de</strong>mos tudo. O importante e que saibamos<br />
captar as mensagens que <strong>de</strong>le nos chegam. Cada<br />
dia que passa, cada minuto, cada segundo,<br />
representa uma fracao insignificante <strong>de</strong><br />
ensinamentos que <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos apren<strong>de</strong>r. No seu<br />
caso, acredito que ja tenha aprendido muito mais<br />
que qualquer um da sua especie. Nossa cultura,<br />
nos, estamos inteiramente a sua disposicao. No<br />
seu caso, o tempo, quem ira <strong>de</strong>termina-lo e o<br />
senhor. O fato <strong>de</strong> ter sido submetido a tantas<br />
humilhacoes, a tantos percalcos, a tantos<br />
sofrimentos, <strong>de</strong> nada mudou a sua essencia. E a<br />
sua vida, a sua historia em passagem por ele.<br />
Cabe ao senhor analisa-lo, repensar os seus<br />
valores e tomar uma posicao <strong>de</strong>finitiva em<br />
relacao a sua vida. Quando para ca o trouxemos,<br />
era apenas para aproveita-lo como bioquimico e<br />
<strong>de</strong> toda a sua experiencia <strong>de</strong> vida, po<strong>de</strong>r<br />
aproveitar as suas i<strong>de</strong>ias avancadas em materia<br />
<strong>de</strong> pesquisa. O tempo, entretanto, nos mostrou<br />
que a raca humana na qual o senhor tem vivido e<br />
compartilhado, nao e <strong>de</strong> toda ruim. Ela possui<br />
muitas peculiarida<strong>de</strong>s que, certamente, com o
tempo, tambem nos ensinarao muito. O senhor<br />
realmente e um elo perdido, po<strong>de</strong>ria lhe dizer<br />
mais, o senhor e um elo perdido entre dois<br />
mundos que o tempo separou e que, agora, por<br />
motivos <strong>de</strong>sconhecidos para nos, aproximou.<br />
Aproveite o seu tempo.<br />
A voz <strong>de</strong> Falk se fez ouvir. Ruel, ajeitando-se<br />
na mesa, parou <strong>de</strong> falar. Por momentos, um<br />
silencio reinou entre nos. Em seguida, Falk,<br />
pedindo <strong>de</strong>sculpas por ter interrompido o que<br />
Ruel dizia, comentou, em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira,<br />
que fazia tempo que nao ouvia Ruel filosofar<br />
sobre o tempo, seu tema predileto.<br />
- O importante sobre o tema, disse Falk, e que<br />
em momentos como este, po<strong>de</strong>mos retroce<strong>de</strong>r.<br />
Pense, senhor <strong>Marcus</strong> Roge, pense na sua vida,<br />
no tempo que viveu entre os seus. Pense na sua<br />
familia. Pense em toda a sua trajetoria <strong>de</strong> vida, o<br />
que foi realizado e naquilo que po<strong>de</strong>ria ter sido<br />
feito e nao o foi. Pense. Reflita. Veja como o seu<br />
tempo foi <strong>de</strong> suma importancia, ate mesmo nos<br />
momentos <strong>de</strong> lazer, <strong>de</strong> ociosida<strong>de</strong> plena. O<br />
senhor nunca parou <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> procurar i<strong>de</strong>ias<br />
novas para o seu trabalho, para a melhoria do seu<br />
semelhante. O seu tempo sempre foi absorvido<br />
para com o proximo. Reflita bem. Quando o<br />
senhor teve tempo para si proprio? Em que
momento, do seu tempo, o senhor pensou no que<br />
seria melhor para o senhor? Isto e mau. Deixa-o<br />
completamente vulneravel. Nao lhe da condicoes<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r captar, do tempo alheio, as malicias da<br />
vida dos humanos. Fa-lo vitima da sua mais pura<br />
inocencia. Fa-lo vitima do fato <strong>de</strong> acreditar<br />
piamente no semelhante. Se quiser o bem para<br />
todos, por que irao lhe querer mal? O tempo<br />
humano e o tempo <strong>de</strong> conquista pessoal e nao o<br />
tempo <strong>de</strong> conquista coletiva. O coletivo sempre<br />
teve seus martires. Nao seja um <strong>de</strong>les. O seu<br />
tempo tambem e seu. Viva-o. Curta-o como todos<br />
os seres do Universo fazem. De <strong>de</strong> si para os<br />
outros; porem, use o que apren<strong>de</strong>u e apreen<strong>de</strong>u<br />
para si.<br />
- Nao quero interromper, ja interrompendo,<br />
entretanto, ainda nao consegui compreen<strong>de</strong>r o<br />
porque <strong>de</strong>sta doutrinacao sobre o tempo? Por<br />
que estao preocupados com o meu tempo? Estao<br />
querendo dizer-me, atraves <strong>de</strong>sta bela filosofia,<br />
que o meu tempo esta se esgotando, que estou<br />
morrendo?<br />
- Bem verda<strong>de</strong>, disse Ruel, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento<br />
que nascemos, estamos todos morrendo. O<br />
processo <strong>de</strong> envelhecimento e uma constante em<br />
todo o Universo. O que varia <strong>de</strong> civilizacao para<br />
civilizacao e a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste envelhecimento.
O resumo <strong>de</strong> tudo e: o que varia e a velocida<strong>de</strong><br />
com a qual passamos pelo tempo. Tempo <strong>de</strong> vida<br />
consciente, laborativa, util ao semelhante. Em<br />
todas as galaxias o tempo e virtual. Nos e que o<br />
fazemos real, presente, onisciente. Po<strong>de</strong>mos<br />
retardar em muito nossa passagem por ele. E uma<br />
questao <strong>de</strong> tecnologia; entretanto, por mais que<br />
vivamos, sempre seremos uma fracao infima<br />
diante do tempo maior, do tempo virtual.<br />
Queremos que o senhor viva um pouco para si,<br />
que aproveite mais o seu tempo, e o que <strong>de</strong>le<br />
captou, tambem para uso proprio.<br />
- Voltando ao passado, o seu passado, disse<br />
Falk, quero que continue a escutar nossa<br />
narrativa. Queremos que sua memoria volte<br />
naturalmente. Nao e nossa intencao fazer uso da<br />
mesa reabilitadora para lhe implantar, novamente<br />
o seu passado. Sabemos que ele esta ai, perdido<br />
em algum lugar do seu cerebro. Queremos que o<br />
seu passado ocupe novamente seu locus normal.<br />
Por esta razao e que o senhor esta <strong>de</strong>itado nesta<br />
mesa <strong>de</strong> reabilitacao. Sabemos o quanto ela e<br />
incomoda; entretanto, que alternativa nos resta.<br />
Nos o queremos integro: corpo mente e espirito.<br />
- Carla foi para o senhor como um cancer,<br />
disse Ruel. Ela passou a domina-lo<br />
completamente. Sendo uma mulher envolvente,
ela e sensual, tocou em sua ingenuida<strong>de</strong> e<br />
inexperiencia com o trato com humanos como<br />
ela. Perversos, <strong>de</strong>spojados <strong>de</strong> qualquer<br />
sentimento nobre. Despojados ate <strong>de</strong> amor<br />
proprio. Ela, como tantas outras Carlas, foram<br />
treinadas por instituicoes <strong>de</strong>sonestas que so<br />
visam ao bem-estar proprio, daqueles que dirigem<br />
estas instituicoes. Elas mesmas sao programadas<br />
para morrerem <strong>de</strong> forma aci<strong>de</strong>ntal, sem que<br />
notem que a propria <strong>de</strong>struicao tambem fora<br />
programada pelos "patroes". Qual a melhor<br />
maneira <strong>de</strong> morrer dando a impressao <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>nte? A droga. A overdose. A promiscuida<strong>de</strong>.<br />
A prostituicao. De sa consciencia, qual o animal<br />
que abandona as suas crias para viver com outro,<br />
em toda a escala zoologica? Pois bem, Carla<br />
abandonou dois filhos pequenos, um <strong>de</strong> tres anos<br />
e outro <strong>de</strong> um ano, para viver com o senhor. Ela<br />
contou-lhe que os filhos haviam ficado com o<br />
pai, por um acordo efetuado entre eles. Uma<br />
mentira a mais. Ela per<strong>de</strong>u a posse dos filhos, na<br />
justica, por ter sido provado que era uma<br />
prostituta e que <strong>de</strong>ixava as criancas com uma<br />
baba, tambem crianca, durante a maior parte do<br />
dia e da noite, enquanto fazia seus programas<br />
amorosos, on<strong>de</strong> o senhor estava incluido. Os<br />
fatos estao relatados nos autos do processo <strong>de</strong>
patrio po<strong>de</strong>r na Vara <strong>de</strong> Familia do Forum <strong>de</strong><br />
Londrina. Todas as nossas revelacoes estao<br />
embasadas em provas concretas, reais,<br />
verificaveis quando o senhor bem enten<strong>de</strong>r. Ate<br />
que po<strong>de</strong>riamos ser contestados. O senhor<br />
po<strong>de</strong>ria nos dizer que o ex-marido a acusou <strong>de</strong><br />
prostituicao baseando-se apenas em uma<br />
vinganca pessoal contra o senhor. Que Carla so<br />
abandonava as criancas para sair com o senhor.<br />
Isto seria verda<strong>de</strong> caso nao tivessemos uma lista<br />
<strong>de</strong> senhores, com as quais ela mantinha contatos<br />
intimos, bastante numerosos. Lista esta que nos<br />
foi fornecida por uma pessoa, que tambem, <strong>de</strong><br />
certa forma, mostrou-se arrependida do que ela<br />
lhe causou em Itajai, e com a qual Carla morou<br />
durante dois anos. O interessante e que <strong>de</strong>la<br />
tambem fazem parte varios fornecedores <strong>de</strong><br />
cocaina e <strong>de</strong> maconha. O senhor, apesar <strong>de</strong> um<br />
bom <strong>de</strong>tetive, foi muito ingenuo. Acreditou em<br />
tudo o que lhe era dito por ela. Nao o culpamos.<br />
Estava realmente apaixonado e o amor, este<br />
sentimento nobre da raca humana, cega<br />
totalmente as pessoas, tornado-as bobas e<br />
in<strong>de</strong>fesas.<br />
Subitamente, senti dor em minha cabeca. Eu<br />
estava <strong>de</strong>itado na mesa <strong>de</strong> reabilitacao e sabia<br />
que, a qualquer momento, po<strong>de</strong>ria acontecer
qualquer coisa <strong>de</strong> anormal comigo. Senti minha<br />
consciencia se per<strong>de</strong>r. Podia-me ver girando,<br />
girando, girando sem parar, em um longo tunel<br />
anelar, colorido e cheio <strong>de</strong> curvas. Podia sentir<br />
que estava tomando consciencia do meu proprio<br />
cerebro, numa viagem <strong>de</strong> regresso e, ao mesmo<br />
tempo, <strong>de</strong> futuro. Era eu mesmo que colocava os<br />
dados do meu passado em minha memoria.<br />
Navegava bem proximo ao meu corpo caloso.<br />
Uma tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia eletrica, com raios<br />
faiscantes, atingia-me a todo o momento,<br />
provocando-me tenues dores.<br />
A voz <strong>de</strong> Sirc Eustim chegou ate meus<br />
ouvidos como que vinda <strong>de</strong> muito distante. Nao<br />
sei bem o porque, mas <strong>de</strong>sta vez, a impressao que<br />
tive ao recobrar os meus sentidos, na mesa <strong>de</strong><br />
reabilitacao, era <strong>de</strong> que havia morrido e ficado do<br />
outro lado da vida por muito, muito tempo.<br />
Sentia-me cansado, exausto. Estava molhado <strong>de</strong><br />
suor.<br />
- <strong>Marcus</strong> Roge, <strong>Marcus</strong> Roge. Voce esta bem?<br />
Olhe para mim, por favor. Eu sei que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<br />
Carla veio para a ilha, temos estado um pouco<br />
distante um do outro. Foi vonta<strong>de</strong> minha. Queria<br />
saber quais eram os seus reais sentimentos em<br />
relacao a ela e a mim. Eu te amo. Por favor,<br />
acorda.
- Houve uma reacao bioquimica geral em todo<br />
o organismo <strong>de</strong>le. Disse Falk. Fique calma. A<br />
parte humana ficou muito sobrecarregada com<br />
todas as revelacoes. O implante do passado foi<br />
um sucesso; entretanto, a verda<strong>de</strong> do passado<br />
esquecido, foi extremamente forte. Houve uma<br />
reacao adrenergica muito gran<strong>de</strong>. O centro vital,<br />
localizado na parte posterior do seu cerebro,<br />
ficou por <strong>de</strong>mais sobrecarregado. Uma reacao que<br />
nem <strong>de</strong> longe me ocorrera que pu<strong>de</strong>sse acontecer,<br />
aconteceu. E melhor que ele fique na mesa <strong>de</strong><br />
reabilitacao ate amanha.<br />
- Vou ficar junto com ele. E o meu<br />
companheiro. O ser que escolhi para entregar-me<br />
totalmente. Eu o amo.<br />
Podia sentir o suor correr por todo o meu<br />
corpo. Realmente, estava tao fraco que nem forca<br />
para abrir os olhos tinha. A sensacao que sentia<br />
agora, na mesa <strong>de</strong> reabilitacao, era<br />
completamente diferente das vezes em que ali<br />
estive por causa dos ferimentos. Eu sentia que<br />
alguma coisa <strong>de</strong>ntro do meu corpo estava<br />
brigando, tentando se impor, ocupar seu espaco<br />
<strong>de</strong>finitivamente. Era como se estivesse fazendo<br />
um esforco fisico enorme e agora o cansaco<br />
tomasse conta <strong>de</strong> todo o meu corpo. Ate para<br />
pensar estava dificil.
As imagens do laboratorio comecaram a ficar<br />
nitidas. Sirc Eustim, sentada em uma ca<strong>de</strong>ira,<br />
bem junto a mim, fazia anotacoes em uma ficha.<br />
Lia todos os monitores da mesa. Seus olhos<br />
cruzaram pelos meus. Estavam ansiosos,<br />
preocupados, porem, a medida que me fitavam,<br />
foram adquirindo uma expressao <strong>de</strong> ternura,<br />
<strong>de</strong>vocao, e <strong>de</strong> muito, muito carinho, misturados<br />
com a volupia da mulher que era mesmo sendo<br />
alienigena. A dor veio violenta. A sensacao <strong>de</strong><br />
que alguma coisa estava sendo espremida, <strong>de</strong>ntro<br />
da minha cabeca era gran<strong>de</strong>. Podia sentir que<br />
algo estava saindo <strong>de</strong> mim. Estava me<br />
abandonando. Notei que minha cabeca comecou<br />
a se elevar na mesa. Senti, entao, que algo<br />
efetivamente se <strong>de</strong>sprendia <strong>de</strong> mim. Estava<br />
brilhando, pulsando, bem junto ao meu rosto, era<br />
do tamanho <strong>de</strong> uma bola <strong>de</strong> golfe. Estava ali<br />
parada, como que esperando por uma atitu<strong>de</strong><br />
minha.<br />
Falk chegou e, acompanhando Sirc Eustim,<br />
posicionou-se bem proximo <strong>de</strong> mim. Examinou<br />
aquela bola pulsatil e brilhante por alguns<br />
momentos, como que nao acreditando no que<br />
estava vendo, porem sabendo do que se tratava,<br />
falou:<br />
- Senhor <strong>Marcus</strong> Roge, o seu centro vital esta
esperando a sua resposta.<br />
- Resposta do que, Dr. Falk?<br />
- Ele e sabedor, agora, mais do nunca, que o<br />
senhor e o elo perdido <strong>de</strong> nossa civilizacao, e<br />
quer saber se o senhor que continuar a se-lo?<br />
Parece estranho, entretanto, ele tem vida propria<br />
e, agora, que o seu passado foi completamente<br />
restabelecido, ele nao quer interferir com a sua<br />
vida futura. Cabera somente ao senhor <strong>de</strong>cidir.<br />
Caso queira que ele continue a ser parte sua,<br />
pense afirmativamente. Se nao o quiser mais,<br />
pense negativamente. Neste caso, nada mudara<br />
em sua vida futura, apenas, as suas esquisitices<br />
<strong>de</strong>saparecerao para sempre. Tudo o que apren<strong>de</strong>u<br />
aqui, tambem, <strong>de</strong> certa forma, sera apagado da<br />
sua memoria. O senhor tera apenas vagas<br />
lembrancas <strong>de</strong> sua estada entre nos. Se pensar<br />
positivamente, continuara a ser parte <strong>de</strong> nos.<br />
Tudo sera igual como antes, so que as suas<br />
obrigacoes e que mudarao. Sua conduta futura,<br />
<strong>de</strong> vida, tambem <strong>de</strong>vera passar por mudancas<br />
radicais.<br />
Resolvi pensar positivamente. Ja que ele tinha<br />
sido parte <strong>de</strong> mim, porque nao continuar com<br />
ele. O centro vital iluminou todo o ambiente com<br />
intensa luz prateada e, a medida que entrava<br />
novamente em minha cabeca, a luz ia se
transformando em lilas. Nao senti nenhuma dor.<br />
Senti, apenas, o restabelecimento <strong>de</strong> todas as<br />
minhas energias. Eu estava me sentindo otimo.<br />
Com a ajuda <strong>de</strong> Sirc Eustim, <strong>de</strong>sci da mesa<br />
reabilitadora. Nao sei como e nem o porque,<br />
podia sentir aquelas pessoas como que fazendo<br />
parte da minha vida. Eles eram, agora, a minha<br />
familia. Abracado a ela fomos para a nossa<br />
cabana.<br />
- Muito teras que apren<strong>de</strong>r em relacao teu<br />
centro vital. Como e quando usa-lo. Quais as<br />
vantagens que ele te da. Para comecar, vou te<br />
mostrar uma bem real e da qual estou<br />
necessitando muito.<br />
Podia sentir o corpo <strong>de</strong> Sirc Eustim, tremendo<br />
em um frenesi total, colado ao meu. Seu <strong>de</strong>sejo<br />
era todo voltado para o sexo alienigena. Suas<br />
feicoes comecaram a mudar, sua niti<strong>de</strong>z<br />
<strong>de</strong>saparecera, era agora uma intensa luz violacea,<br />
envolvendo-me, mexendo com minhas<br />
entranhas. Senti meu centro vital sair <strong>de</strong> minha<br />
cabeca e voar por toda a cabana, <strong>de</strong>spejando luzes<br />
violaceas, prateadas e, por curtos periodos <strong>de</strong><br />
tempo, douradas em todo o ambiente. Sentia-me<br />
elevar da cama, podia-me ver transformado so em<br />
luz, misturando-me aos raios luminosos <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim. Tudo em volta parecia tremer. As janelas
abriram-se, as cortinas esvoacavam, a cama<br />
movia-se pela cabana, levitando. Nos eramos<br />
energia pura. Nao via mais meu corpo e nem o <strong>de</strong><br />
Sirc Eustim. Ficamos assim por quase uma hora.<br />
Seu belo corpo cavalgando em mim. Seus<br />
cabelos umidos fazendo-me caricias. Sua boca<br />
quente beijando-me. Estavamos no sexo humano<br />
e eu nem havia reparado na transformacao dos<br />
nossos corpos. Seus lindos e profundos olhos<br />
negros penetrando-me nas profun<strong>de</strong>zas da minha<br />
alma.<br />
Acordamos com o alvorecer dos passaros que<br />
cantavam junto a cabana. A brisa e o cheiro da<br />
mata eram mais doces e fortes do que<br />
anteriormente. A luz do dia mais radiante. O dia<br />
muito mais feliz. Eu estava no paraiso e <strong>de</strong>itado<br />
ao meu lado, um anjo maravilhoso, lindo, puro,<br />
doce como o mel.<br />
Sai da cabana, sem fazer qualquer tipo <strong>de</strong><br />
ruido e fui em direcao ao mar. Tinha necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ouvir o barulho das ondas quebrando na areia.<br />
Tinha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar o infinito e nele<br />
tentar buscar o resto das respostas que ainda<br />
pairavam em minha cabeca. Tinha que <strong>de</strong>cidir o<br />
que fazer da minha vida. O que fazer com Carla.<br />
Nao sei por quanto tempo caminhei sem um<br />
<strong>de</strong>stino certo, pela beira-mar. Podia sentir minha
cabeca completamente vazia. Sem pensamentos.<br />
Livre <strong>de</strong> tudo. Era como se estivesse ali pela<br />
primeira vez, on<strong>de</strong> tudo me era completamente<br />
<strong>de</strong>sconhecido. Entrei no mar e na<strong>de</strong>i com todas<br />
as minhas forcas para longe da praia e, apos,<br />
mergulhei ate as suas profun<strong>de</strong>zas. O fundo do<br />
mar sempre me <strong>de</strong>u muita paz e este, em<br />
especial, era muito lindo. Cheio <strong>de</strong> corais, peixes<br />
exoticos <strong>de</strong> coloridos varios e um gran<strong>de</strong> numero<br />
<strong>de</strong> cavernas. Subitamente senti meu centro vital<br />
manifestar-se, comecou a crescer e a pulsar em<br />
minha cabeca. Ai, entao, reparei em algo<br />
fantastico. Eu podia respirar no meio liquido. No<br />
inicio me senti bastante temeroso, as primeiras<br />
inspiracoes quase me fizeram afogar, um<br />
sensacao <strong>de</strong> asfixia muito passageira; <strong>de</strong>pois,<br />
estava respirando normalmente. Aproveitei a<br />
<strong>de</strong>scoberta e penetrei, aleatoriamente, em uma<br />
das tantas cavernas. O mar iluminado <strong>de</strong> antes<br />
passou para a escuridao total. Olhei para a frente<br />
e divisei uma clarida<strong>de</strong> ao longe. Na<strong>de</strong>i para la.<br />
Em pouco tempo, senti que a clarida<strong>de</strong> havia<br />
aumentado so que a luz era <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong><br />
diferente. Emergi para ver on<strong>de</strong> estava. Para<br />
minha surpresa, estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um enorme<br />
salao e, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> emergira, o mar parecia uma<br />
enorme piscina coberta. O salao possuia um teto
<strong>de</strong> aproximadamente tres metros <strong>de</strong> altura e<br />
estava todo iluminado por uma luz <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong><br />
violacea. Claramente, entao, ouvi uma voz<br />
dizendo para seguir meu centro vital. So ai<br />
reparei que ele estava ao meu lado, pulsando e<br />
emitindo uma luz prateada intensa. Pondo-se a<br />
minha frente, comecou a <strong>de</strong>slocar-se para o fundo<br />
do salao, on<strong>de</strong>, em uma pare<strong>de</strong> lateral, havia uma<br />
fenda. O centro vital penetrou nesta fenda e foi o<br />
que fiz tambem. Era escura, sendo iluminada<br />
somente pela luz vinda <strong>de</strong>le. O piso era recoberto<br />
por cascalhos pequenos e pontiagudos, que<br />
machucavam meus pes, e por pocas <strong>de</strong> agua<br />
bastante morna. A trilha era sinuosa e longa. Nao<br />
sei por quanto tempo a percorri. De quando em<br />
vez, o centro vital parava e ficava a altura da<br />
minha boca. Parecia examinar-me. Em seguida<br />
retomava a minha frente e seguia. Eu podia<br />
sentir, apesar da tortuosida<strong>de</strong> da trilha, que<br />
estavamos subindo, como que escalando uma<br />
la<strong>de</strong>ira. Repentinamente, o centro vital voltou<br />
para a minha cabeca. Tinhamos atingido o final<br />
da trilha e estavamos em um enorme hangar.<br />
Nele havia, para meu espanto, uma nave espacial<br />
<strong>de</strong> mais ou menos uns <strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> altura.<br />
Gigantesca, imponente, linda. A cor violacea<br />
agora era muito mais intensa. Estava tudo muito
quieto, como se tudo estivesse abandonado. A<br />
voz ecoou novamente em meu cerebro:<br />
- Caminhe em direcao a nave. Vera um feixe<br />
<strong>de</strong> luz muito intenso. Entre nele.<br />
Obe<strong>de</strong>ci sem fazer qualquer tipo <strong>de</strong> pergunta.<br />
Estava curioso. Queria saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> era aquela<br />
nave. Juro, apesar <strong>de</strong> saber que, certamente, ela<br />
seria do povo alienigena que havia me adotado,<br />
estava morrendo <strong>de</strong> medo. Esta sensacao sempre<br />
fez parte <strong>de</strong> mim. O medo misturado com o<br />
impeto <strong>de</strong> terminar o que comecei. O medo<br />
misturado com a minha curiosida<strong>de</strong>. O<br />
interessante e que sempre o medo ficou em<br />
segundo plano. Os impulsos <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>,<br />
aventura, <strong>de</strong>sbravamento, sempre foram mais<br />
fortes em mim a ponto <strong>de</strong> nunca me fazerem<br />
<strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> qualquer empreita. Bem ao lado da<br />
nave, um feixe <strong>de</strong> luz com aproximadamente tres<br />
metros <strong>de</strong> diametro, prateado, intensamente<br />
brilhante e constante, saia do solo e acabava <strong>de</strong><br />
encontro a pare<strong>de</strong> da nave que, abrindo-se, era<br />
como uma marquise por sobre on<strong>de</strong> estava. A<br />
nave no seu todo tinha o formato circular,<br />
entretanto, havia varias reentrancias e saliencias<br />
que quebravam a regularida<strong>de</strong> do circulo.<br />
Coloquei a mao <strong>de</strong>ntro do feixe <strong>de</strong> luz, nada<br />
aconteceu. Nao senti dor e nada vi <strong>de</strong> anormal
com a minha mao. Entao, resolvi entrar. Estando<br />
<strong>de</strong>ntro do feixe, completamente, senti todo o<br />
meu corpo <strong>de</strong>sintegrar-se. A velocida<strong>de</strong> da reacao<br />
fora espantosa. Ao me sentir inteiro novamente,<br />
percebi que estava no interior <strong>de</strong> um imenso<br />
salao, repleto <strong>de</strong> aparelhos e com muitas, muitas<br />
luzes <strong>de</strong> diversas tonalida<strong>de</strong>s. Em cima <strong>de</strong> uma<br />
mesa semicircular, havia varios cristais, <strong>de</strong><br />
tamanhos e cores diferentes, hexagonais, <strong>de</strong><br />
aproximadamente <strong>de</strong>z centimetros <strong>de</strong> diametro,<br />
dispostos perpendicularmente e que emitiam<br />
luzes nas cores correspon<strong>de</strong>ntes: ver<strong>de</strong>, azul,<br />
lilas, vermelho, laranja, branco e um cristal<br />
negro, porem, brilhante. Uma enorme poltrona<br />
estava localizada no meio do semicirculo da<br />
mesa. Certamente ali era o controle geral da nave,<br />
foi o que pensei. A voz como que lendo a minha<br />
mente, disse:<br />
- Bem observado. Estas no centro <strong>de</strong> controle<br />
da nossa nave. Estes sao os cristais <strong>de</strong> comando.<br />
Cada cor serve para uma finalida<strong>de</strong> na nave. O<br />
cristal negro, que chamou tanto a tua atencao,<br />
jamais <strong>de</strong>vera ser acionado, a nao ser em caso <strong>de</strong><br />
ataque. E o cristal que comanda todo o sistema<br />
<strong>de</strong> armamentos da nave. E a nossa <strong>de</strong>fesa. Nossas<br />
armas nem <strong>de</strong> longe ainda foram imaginadas<br />
pelos humanos. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struicao e tao
gran<strong>de</strong> que a propria integrida<strong>de</strong> do planeta Terra<br />
sofreria em caso <strong>de</strong> um possivel uso. Gracas ao<br />
Gran<strong>de</strong> Mentor, estao inativas ha mais <strong>de</strong><br />
quinhentos anos.<br />
- Quinhentos anos? Entao, para voces, elas<br />
tambem ja estao superadas, e com tanto tempo<br />
sem funcionarem, emperradas.<br />
- Engano teu. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> conservacao <strong>de</strong><br />
nossos equipamentos e constante e<br />
extremamente avancado. O tempo para nos e<br />
contado <strong>de</strong> forma diferente do tempo humano.<br />
Nosso tempo e virtual e so se torna real quando<br />
assim o queremos.<br />
- E quem faz a manutencao <strong>de</strong> todo este<br />
lugar? Quem opera a nave? Ela ainda voa?<br />
- Nosso povo faz a manutencao <strong>de</strong> tudo o que<br />
estas vendo. Nossos pilotos fazem o servico <strong>de</strong><br />
operacionalida<strong>de</strong> da nave e ela ainda voa<br />
perfeitamente. Ah! Antes que perguntes, existem<br />
mais tres naves aportadas aqui e elas sao sempre<br />
o que se tem <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno no Universo.<br />
- Quem e voce? Com quem estou falando<br />
telepaticamente?<br />
- Ja me conheces. Sou como voces chamam na<br />
Terra, o teu sogro.<br />
- Falk? Dr. Falk?<br />
- Sim. So que nao da maneira pela qual me
conheces. Nos somos energia pura, nao temos<br />
uma forma <strong>de</strong>finida. Assumimos a forma que nos<br />
e mais conveniente para a ocasiao. Ja viste como<br />
somos. Lembras da ultima vez que fizeste amor<br />
com Sirc Eustim?<br />
Aquela e a nossa verda<strong>de</strong>ira forma, se assim<br />
po<strong>de</strong>mos chamar. Com o passar dos tempos, a<br />
energia eletrica emanada pelas nossas celulas<br />
cerebrais era tao intensa que a caixa craniana<br />
comecou a ficar pequena para comportar o<br />
cerebro. Feitos estudos e varias cirurgias<br />
geneticas, as criancas, <strong>de</strong> geracao em geracao,<br />
nasciam com a cabeca cada vez maior. Tivemos,<br />
entao, que fazer uma proporcionalida<strong>de</strong> com os<br />
olhos e com os ouvidos. Percebeu-se,<br />
posteriormente, que os sentidos tambem<br />
po<strong>de</strong>riam ser notados pelas emanacoes eletricas<br />
cerebrais, foi quando se <strong>de</strong>cidiu retirar o<br />
involucro osseo. O restante do corpo material<br />
seguiu a mesma trajetoria <strong>de</strong> evolucao.<br />
Transformamos-nos em energia pura. Como<br />
energia, nao necessitamos mais das naves para<br />
nos locomover, por este motivo e que elas estao<br />
guardadas em hangares como este, que, por sinal,<br />
esta localizado abaixo da ilha on<strong>de</strong> habitamos<br />
com a forma humana. Nao. Nao fiques<br />
preocupado. Nao somos invasores <strong>de</strong> corpos. Os
corpos que tens visto e tido contato, sao corpos<br />
sinteticos, por nos fabricados, nos quais<br />
procuramos imitar, em minimos pormenores, o<br />
corpo humano real. A reabilitacao <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim, como sabes, foi realmente necessaria,<br />
visto que o animal que a atacou, atingiu-lhe o<br />
centro motriz <strong>de</strong> toda a sua forca, o seu cerebro.<br />
Com os seus conhecimentos medicos terrestres,<br />
este fato passou-lhe <strong>de</strong>spercebido. O corpo foi<br />
prontamente restabelecido. Seu cerebro e que<br />
teve que ser submetido a varias infusoes eletricas<br />
que so em laboratorios existentes nas naves e<br />
que sao possiveis. A energia das naves tambem e<br />
a responsavel pela energia dos laboratorios da<br />
superficie. Esta energia, e a maneira pela qual ela<br />
e transportada para a superficie ainda<br />
continuarao a ser segredo nosso, longe do teu<br />
alcance, para a tua seguranca e para que<br />
possamos, quem sabe, permanecer neste planeta<br />
por mais tempo. Como ja te foi dito varias vezes,<br />
es um elo perdido e, como tal, <strong>de</strong>verias ter<br />
conhecimento <strong>de</strong>stes fatos. Seu centro vital, em<br />
nossa civilizacao, apareceu ha muito tempo, logo<br />
que a energia eletrica cerebral comecou a<br />
expandir-se. Muito teras que apren<strong>de</strong>r com ele e,<br />
se possivel, e <strong>de</strong> acordo com a tua resolucao <strong>de</strong><br />
vida no futuro, nos te ensinaremos. Lembra-te,
entretanto, que a beleza fisica e apenas um fator<br />
muito insignificante. Ela se <strong>de</strong>teriora com o<br />
passar do tempo; que o tempo e virtual e torna-se<br />
real quando <strong>de</strong>le nos damos conta, e, por fim,<br />
lembra-te <strong>de</strong> que, quem ama o feio, belo lhe<br />
parece. Todas estas citacoes <strong>de</strong>verao doravante<br />
fazer parte <strong>de</strong> tua vida diariamente. Agora, teu<br />
centro vital vai te mostrar toda a minha<br />
espaconave. Acompanha-o.<br />
O gosto salgado da agua do mar que batia em<br />
meu rosto, o sol que queimava a minha pele,<br />
<strong>de</strong>spertou-me. Estava <strong>de</strong>itado na areia, no mesmo<br />
local, por on<strong>de</strong> entrara no mar para nadar. Sentiame<br />
cansado, porem, estava bem. Nao mostrava<br />
sinais <strong>de</strong> afogamento. Nao sei como fui parar ali.<br />
Num momento conversava telepaticamente com<br />
Falk, <strong>de</strong>pois visitei a espaconave, e, no momento<br />
seguinte, estava ali, <strong>de</strong>itado na praia, com o mar<br />
a empurrar-me para fora. Teria sido mais um<br />
sonho? Teria sido mais uma revelacao real? Ou<br />
teria sido uma revelacao virtual? Nao sabia <strong>de</strong><br />
mais nada. Agora, mais do que nunca, e que<br />
estava realmente confuso.<br />
Voltei para a cabana. Sirc Eustim estava a<br />
minha espera com um almoco todo especial.<br />
Eram muitas frutas, verduras, legumes e carne<br />
branca <strong>de</strong> ave, provavelmente frango. Ela estava
mais linda do que nunca. Nossa cabana, tao<br />
rustica, sem conforto algum, nem <strong>de</strong> longe<br />
lembrava o que existia <strong>de</strong> mais sofisticado,<br />
mo<strong>de</strong>rno e ainda <strong>de</strong>sconhecido para muitos, nos<br />
laboratorios. Como ela podia adaptar-se tao bem?<br />
- Nao quero ser intrometida, mas, vou te<br />
respon<strong>de</strong>r. Disse Sirc Eustim. Nos somos energia<br />
pura. E nossa forma humana, como ja sabes, e<br />
sintetica. Sou um androi<strong>de</strong>, se quiseres me<br />
chamar assim. A diferenca, entretanto, e que<br />
posso reproduzir. Posso ser mae.<br />
Aquela revelacao <strong>de</strong>ixou-me completamente<br />
<strong>de</strong>snorteado. Estava vivendo com uma forma <strong>de</strong><br />
vida alienigena, que tinha um corpo sintetico,<br />
que era e nao era androi<strong>de</strong> e que podia se<br />
reproduzir. Ser mae. Como?<br />
- Nota que estamos falando telepaticamente.<br />
Isto ja e um avanco em ti. O responsavel e o teu<br />
centro vital. Quando queremos nos reproduzir,<br />
assumimos nossa ultima forma, quando<br />
tinhamos um corpo material. Neste periodo,<br />
somos como qualquer mulher da raca humana.<br />
Somos comuns. Nao temos nenhum po<strong>de</strong>r<br />
telepatico, nao temos nenhum po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
regeneracao, somos humanos. Nosso corpo<br />
assume todas as caracteristicas <strong>de</strong> qualquer<br />
mulher comum e normal. Somos um aparelho
eprodutor em potencial. Nosso filho, ou filha e<br />
que sera diferente <strong>de</strong> uma crianca terrestre<br />
normal. Ele ja nascera como energia pura, sem<br />
uma forma humana <strong>de</strong>finida. Com o passar dos<br />
anos, ele ou ela, e que escolhera a imagem<br />
material que gostaria <strong>de</strong> ter, ai seu corpo<br />
androi<strong>de</strong> e fabricado. Nao achas engracado que,<br />
com tanto avanco cientifico, ainda tivemos que<br />
precisar <strong>de</strong> ti, dos teus poucos conhecimentos<br />
bioquimicos e medicos ? E o nosso elo perdido.<br />
Per<strong>de</strong>mos muito das formas primitivas. Assim<br />
tambem per<strong>de</strong>mos a maneira <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> agir<br />
do primitivo. So um primitivo especial e que<br />
po<strong>de</strong>ria nos dar as solucoes que ha muito<br />
haviamos esquecido.<br />
- Se nao te importares, gostaria <strong>de</strong> ouvir a tua<br />
voz. Eu a acho linda, suave e romantica.<br />
Tambem, estou farto <strong>de</strong> tanto silencio. Quero<br />
acao e a voz, para mim, seja em que altura for, e<br />
acao.<br />
- Eu te amo. Sirc Eustim falou <strong>de</strong> maneira<br />
suave, doce, com uma voz que mais parecia um<br />
veludo tocando minha pele e nao o som<br />
atingindo meus ouvidos.<br />
- Eu tambem te amo. Amo-te assim, como<br />
estas. Com a tua forma androi<strong>de</strong>. Te amo como es<br />
e como me tens tratado todo este tempo. Alem <strong>de</strong>
te amar muito, tambem te sou grato. Sei que<br />
foste tu que <strong>de</strong>scobriste que sou diferente. Tu e<br />
tua amiga Kual. Estou certo?<br />
- Sim. Estas certo. A minha amiga Kual, como<br />
dizes, e minha irma. E uma excelente<br />
profissional. Foi ela que, em estudos aleatorios<br />
sobre os humanos, te encontrou por acaso,<br />
quando trabalhavas em Itajai. Chamou muito a<br />
nossa atencao o fato <strong>de</strong> estares querendo<br />
moralizar um servico precario do Estado <strong>de</strong> Santa<br />
Catarina, como e o realizado pela Delegacia<br />
Regional do Trabalho <strong>de</strong> la, principalmente na<br />
area <strong>de</strong> Seguranca, Engenharia e Medicina do<br />
Trabalho. Os aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho la, naquele<br />
Estado, sao inumeros e primarios. Existe uma<br />
displicencia geral da fiscalizacao. Observamos<br />
entao a tua luta no sentido <strong>de</strong> querer mudar tal<br />
procedimento. Infelizmente a displicencia era<br />
proposital e servia a inumeros interesses, menos<br />
a seguranca do operario em geral. Como dizem os<br />
terrestres, bateste <strong>de</strong> frente com um esquema ja<br />
previamente montado e <strong>de</strong>u no que <strong>de</strong>u.<br />
Resolvemos parar nosso dialogo. Estavamos<br />
mais interessados em namorar, fazer amor, tanto<br />
pela maneira humana, como pela maneira<br />
alienigena. Estavamos felizes e era o que<br />
importava naquele momento. As conversas
pesadas, serias, teriam que esperar outra ocasiao.<br />
No dia seguinte, ao acordar, notei que Sirc<br />
Eustim ja havia saido da cama. Ela, sentada no<br />
chao, sob uma arvore, parecia estar muito<br />
distante dali. Seus olhos olhavam o nada. Sua<br />
respiracao estava pausada. Seu semblante vago.<br />
Teria dito ou feito alguma coisa que a<br />
entristecera?<br />
- Sirc, o que houve? Estas me ouvindo? Estas<br />
bem? Vamos conversar a respeito?<br />
O silencio era total. Nem respostas telepaticas<br />
obtive. Era como se ela tivesse sido <strong>de</strong>sligada.<br />
Haveria alguma correlacao entre aquela atitu<strong>de</strong> e<br />
o fato <strong>de</strong> ser uma androi<strong>de</strong>? Sentei-me ao seu<br />
lado e fiquei observando-a.<br />
Para meu espanto, ela comecou a levitar.<br />
Estava sentada e, nesta posicao, comecou a se<br />
elevar do solo. Parou a uns dois metros acima <strong>de</strong><br />
mim, agora, em pe e um pouco afastado <strong>de</strong>la. Sua<br />
cabeca moveu-se em minha direcao e, como que<br />
acordando, fitou-me carinhosamente e disse:<br />
- Vem, sobe ate aqui. Vem passear comigo.<br />
- Como? Isto eu nunca fiz. Ja tive muita<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> faze-lo, mas nunca o consegui.<br />
Como?<br />
- Nao penses em nada. Deixa o teu corpo livre,<br />
leve, como se fosses entrar um processo <strong>de</strong>
hipnose, um transe. Relaxa.<br />
Fazendo o que ela disse, assumi a posicao<br />
<strong>de</strong>la, quando a encontrei. Sentei-me sob a mesma<br />
arvore, olhei para um ponto qualquer e procurei<br />
me <strong>de</strong>sligar. Subito, senti que estava flutuando.<br />
Olhei em volta e pu<strong>de</strong> notar que realmente<br />
estava. Estiquei minhas pernas, e, pensando em<br />
ir para junto <strong>de</strong> Sirc, notei que para la o meu<br />
corpo se dirigia. Eu podia voar.<br />
- Eu te disse que terias que apren<strong>de</strong>r muito<br />
com o teu centro vital e que eu o ajudaria. Esta<br />
foi nossa primeira aula. Eu fiquei naquela especie<br />
<strong>de</strong> transe porque nao lembrava direito <strong>de</strong> como<br />
fazer para po<strong>de</strong>r te ensinar. Como energia pura<br />
que somos, flutuar, levitar, nos e muito mais facil<br />
e a maneira <strong>de</strong> faze-lo tambem e diferente.<br />
Resolvemos flutuar por entre as arvores. Era<br />
muito mais confortavel do que andar e muito,<br />
muito menos cansativo. Nesta primeira<br />
experiencia, resolvemos ir para a al<strong>de</strong>ia e ve-la <strong>de</strong><br />
cima. Era muito bonita. Simples, pobre, mas<br />
muito bonita. Jamais se po<strong>de</strong>ria dizer que,<br />
olhando-a <strong>de</strong> cima, se tratasse <strong>de</strong> uma al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
alienigenas. Em tudo, era mais uma al<strong>de</strong>ia, uma<br />
vila <strong>de</strong> pescadores, em uma ilha do Oceano<br />
Pacifico.<br />
- Para uma primeira vez, flutuaste muito bem.
Conseguiste tomar a direcao e a altura que bem<br />
te <strong>de</strong>u na vonta<strong>de</strong>. Disse Sirc.<br />
- Sabes, e como um brinquedo <strong>de</strong> crianca. E<br />
como se, <strong>de</strong> repente, um brinquedo que sempre<br />
almejamos ter e nunca o tivemos, passasse a nos<br />
pertencer. Temos que usa-lo ao maximo,<br />
apren<strong>de</strong>r tudo sobre ele, tudo.<br />
- O importante e saber usa-lo e quando usa-lo.<br />
Nao vai ser possivel usa-lo em locais publicos. O<br />
que os humanos pensariam? Como po<strong>de</strong>rias<br />
explicar o fenomeno <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r voar, levitar?<br />
Terias muita dor <strong>de</strong> cabeca e nao sei se po<strong>de</strong>rias<br />
sair ileso <strong>de</strong> uma aparicao assim. As palavras <strong>de</strong><br />
Sirc eram um alerta vermelho para um dom que,<br />
ao que tudo estava indicando, so eu teria.<br />
Muito teria que apren<strong>de</strong>r com o meu centro<br />
vital. Era um enigma que, dia a dia, se revelaria<br />
para mim. Teria que ter paciencia. Teria que me<br />
contentar com os ensinamentos <strong>de</strong> Sirc Eustim,<br />
a medida que as necessida<strong>de</strong>s e oportunida<strong>de</strong>s<br />
fossem aparecendo. Uma coisa <strong>de</strong> concreto estava<br />
estabelecida. Eu possuia o centro vital. Eu era<br />
diferente <strong>de</strong> todos os da minha raca. Eu era um<br />
elo perdido. A ligacao remota entre uma<br />
civilizacao alienigena adiantadissima e a raca<br />
humana. Existiriam outros iguais a mim? Ou eu<br />
era realmente o unico?
- Nao po<strong>de</strong>mos te dar tal informacao. Foi a<br />
resposta <strong>de</strong> Falk. Nossos registros, com relacao a<br />
raca humana, nao sao tao perfeitos assim. Foste<br />
<strong>de</strong>scoberto por pura casualida<strong>de</strong>. Se existirem<br />
outros como tu, certamente os encontraras. E so<br />
uma questao <strong>de</strong> tempo. Antes que facas a<br />
pergunta, vai ser muito facil: se existir outro<br />
como tu, inicialmente, aparecera uma cefaleia<br />
intensa e um possivel sangramento nasal. Estes<br />
sinais e sintomas so aparecerao quando os dois<br />
estiverem em contato fisico ou a uma distancia<br />
maxima <strong>de</strong> dois metros e sera simultaneo, isto e,<br />
tu e a outra pessoa tereis os mesmos sinais. E so<br />
observar.<br />
- O centro vital po<strong>de</strong>ra ser transmitido para<br />
um filho ou filha que venha a ter?- Certamente,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que este novo ser se faca merecedor <strong>de</strong><br />
possui-lo. O centro vital, no momento do<br />
nascimento e ate mesmo antes do mesmo fara<br />
uma analise e projecoes futuras, para saber se o<br />
novo ser sera digno <strong>de</strong> possui-lo. Ele tem vida e<br />
consciencia proprias. E ele que escolhe o ser a<br />
quem vai pertencer. O centro vital que e gerado<br />
geneticamente, por mutacao, e altamente<br />
<strong>de</strong>senvolvido e se torna in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte tao logo se<br />
forme. Entretanto, ele so existira se houver uma<br />
bagagem genica <strong>de</strong> origem.
Estava evi<strong>de</strong>nte que Falk nao possuia mais<br />
conhecimento algum a respeito do centro vital,<br />
entretanto, quis ainda fazer mais uma pergunta.<br />
- Se existir outro ser humano possuidor <strong>de</strong> um<br />
centro vital, ele sera meu irmao, irma?<br />
- De forma alguma. Assim como nao tens<br />
parentesco algum com Carla, por exemplo, os<br />
centros vitais tambem nao terao parentesco<br />
algum entre eles. Eles sao embriologicamente,<br />
mutacoes geneticas e, com o <strong>de</strong>correr das<br />
geracoes, passaram a ter caracteristicas<br />
hereditarias dominantes. Entretanto, como nao<br />
sabemos a origem dos centros vitais, eles sao<br />
completamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do ser on<strong>de</strong><br />
habitarao e coexistirao. Acreditamos que muitos<br />
centros vitais jamais tenham sido <strong>de</strong>spertados<br />
em toda a sua existencia. Isto sim e um dom<br />
<strong>de</strong>terminado pelo ser que o abrigara. Em se<br />
tratando <strong>de</strong> seres humanos, acreditamos que os<br />
centros vitais so sao estimulados e passam a ter<br />
ativida<strong>de</strong>, quando ocorrem situacoes <strong>de</strong><br />
eminente perigo para o ser que o abriga. On<strong>de</strong><br />
existam altas dosagens adrenergicas, em formas<br />
<strong>de</strong> picos esporadicos.<br />
- Se eu sou um elo perdido entre a minha raca<br />
e a civilizacao dos senhores, como e que nao<br />
sabem nada a respeito dos centros vitais? Como
po<strong>de</strong>m afirmar que estes centros vitais sao um<br />
remanescente da civilizacao dos senhores? Nao<br />
po<strong>de</strong>ra pertencer a outra civilizacao que aqui<br />
tenha estado antes da dos senhores?<br />
Falk pareceu surpreso com as perguntas que<br />
fiz. Apos um tempo <strong>de</strong> reflexao, disse-me:<br />
- Sua perspicacia esta bem acima da media do<br />
humano. Nunca alguem havia levantado tais<br />
questoes. Certamente que os centros vitais<br />
po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong> uma civilizacao mais adiantada<br />
ou igual a nossa. Porem, tratando-se da Terra,<br />
temos absoluta certeza <strong>de</strong> que e da nossa que eles<br />
se originaram. Em toda a historia da terra, houve<br />
varias incursoes alienigenas no planeta;<br />
entretanto, conseguimos monitorar todas elas e<br />
aquelas que pretendiam aqui ficar, nos as<br />
expulsamos. Nao existe compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa<br />
civilizacao com qualquer outra em todo o<br />
Universo. Era como tentar ensinar o que e certo<br />
ou errado, da nossa maneira, e a outra civilizacao<br />
enten<strong>de</strong>r justamente o contrario. O que e certo<br />
para nos e errado para eles e vice-versa. O povo<br />
em evolucao ficaria muito confuso. Como fomos<br />
os primeiros a <strong>de</strong>scobrir o planeta Terra, pela Lei<br />
Universal, ela tornou-se nossa protegida. Nos e<br />
que temos que cuida-la ate o final dos tempos,<br />
isto e, in<strong>de</strong>finidamente. Por isso nossa base ser
tao secreta e nosso povo ser tao camuflado. Ja<br />
fomos mesopotaneos, fenicios, egipcios, incas,<br />
maias, astecas, e seremos tantos outros quanto<br />
for necessario para continuar nosso trabalho<br />
aqui. Toda a vez que somos <strong>de</strong>scobertos, <strong>de</strong><br />
alguma maneira, seja por falha nossa ou por<br />
esperteza <strong>de</strong> voces, <strong>de</strong>saparecemos sem <strong>de</strong>ixar<br />
qualquer vestigio.<br />
- Por que Lei Universal?<br />
- Existe uma Lei Maior, no Universo. Ela foi<br />
ditada pelo Criador, o Pai Supremo. Todos os<br />
povos que habitam o universo e que nele fazem<br />
excursoes exploratorias, seja por que motivo for,<br />
tem que seguir a Lei Universal. Quem fizer<br />
qualquer contravencao, quem a <strong>de</strong>srespeitar,<br />
sumariamente sera punido. A punicao tera a<br />
mesma gran<strong>de</strong>za da contravencao: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma<br />
regressao evolutiva a <strong>de</strong>struicao total do planeta.<br />
O Criador e inflexivel em suas Leis.<br />
- Foi assim que per<strong>de</strong>ram o planeta <strong>de</strong> voces?<br />
- Nao. Nao foi por castigo algum. Um gran<strong>de</strong><br />
meteoro, inesperadamente, mudou seu curso.<br />
Nao tivemos tempo suficiente para construir uma<br />
bomba que o <strong>de</strong>struisse. Ele chocou-se com o<br />
nosso planeta, tirou-o <strong>de</strong> sua orbita, fazendo com<br />
que a cada movimento <strong>de</strong> translacao se<br />
aproximasse mais e mais <strong>de</strong> nossos dois sois. A
<strong>de</strong>struicao do planeta foi inevitavel; entretanto,<br />
tivemos tempo suficiente para construir nossas<br />
espaconaves e transferir toda a nossa cultura para<br />
seus computadores. Pu<strong>de</strong>mos salvar varias<br />
amostras <strong>de</strong> materiais existentes somente em<br />
nosso mundo e dar continuida<strong>de</strong>, atraves das<br />
mais diversas ciencias, a existencia dos mesmos.<br />
Antes da <strong>de</strong>struicao total do nosso planeta,<br />
conseguimos abandona-lo e sair pelo universo em<br />
busca <strong>de</strong> um novo lar. Foram varios anos vivendo<br />
em nossas naves explorando cada quadrante do<br />
universo, cada galaxia. Tivemos muitos<br />
problemas <strong>de</strong> sau<strong>de</strong> a bordo. Muitos morreram.<br />
Muitos nasceram. Tivemos mais mortes do que<br />
nascimentos. Por isso, em <strong>de</strong>terminado<br />
momento, resolvemos nos separar. Ficamos<br />
reunidos em grupos <strong>de</strong> quatro espaconaves. Cada<br />
grupo seguiria para um quadrante a procura <strong>de</strong><br />
um lugar que pu<strong>de</strong>sse nos receber e que tivesse<br />
condicoes <strong>de</strong> vida para o nosso povo. Somos hoje,<br />
um total <strong>de</strong> vinte al<strong>de</strong>ias em todo o Universo. A<br />
nossa o senhor esta conhecendo agora. O planeta<br />
terra nos e muito querido. Tem uma composicao<br />
gasosa quase i<strong>de</strong>ntica a nossa. Entretanto, a<br />
quantida<strong>de</strong> um pouco menor <strong>de</strong> hidrogenio, na<br />
atmosfera do planeta, afetou nosso centro<br />
reprodutivo. Por este motivo, estamos em
extincao. Nao existem nascimentos suficientes<br />
em nossa al<strong>de</strong>ia para po<strong>de</strong>r manter nosso povo<br />
em ativida<strong>de</strong> e presente na Terra pelo tempo que<br />
nos foi proposto e imposto como pagamento em<br />
troca <strong>de</strong> nosso novo lar. Sua relacao com Sirc<br />
Eustim, espontanea, para nos e mais um motivo<br />
<strong>de</strong> esperanca. Temos muita fe <strong>de</strong> que possas<br />
resolver, tambem, mais este problema. Hoje,<br />
temos menos <strong>de</strong> cinco mil membros em nossa<br />
comunida<strong>de</strong>. Eramos mais <strong>de</strong> cem mil. Para uma<br />
Terra com quase sete bilhoes <strong>de</strong> seres humanos,<br />
isto nao significa nada. Por este motivo, por<br />
incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos estar nos quatro<br />
cantos da terra, e que estao surgindo tantas<br />
guerras, tantas epi<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> molestias ate entao<br />
<strong>de</strong>sconhecidas pelo ser humano, tantos povos<br />
morrendo <strong>de</strong> fome, tanta miseria e <strong>de</strong>solacao. Nao<br />
temos o numero suficiente <strong>de</strong> membros <strong>de</strong> nossa<br />
comunida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r dar a orientacao<br />
a<strong>de</strong>quada e necessaria. Temos que aumentar o<br />
nosso numero populacional o mais rapido<br />
possivel.<br />
- E as outras al<strong>de</strong>ias, como estao?<br />
- Elas se <strong>de</strong>senvolveram bem em seus novos<br />
lares. Temos al<strong>de</strong>ias nesta galaxia e al<strong>de</strong>ias em<br />
outras duas galaxias ainda <strong>de</strong>sconhecidas pelo ser<br />
humano. Todas tiveram problemas iniciais, o que
e muito natural; porem, solucionados a contento.<br />
Uma regra ficou estabelecida entre nos: nao<br />
haveria mais do que quatro naves em cada<br />
planeta selecionado. Isto faria com que a nossa<br />
selecao natural fosse respeitada e o alcance <strong>de</strong><br />
nossos conhecimentos, fosse maior. Tivemos<br />
sucesso.<br />
- Nao existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> virem outros<br />
iguais a voces para ca ? Assim, haveria a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos casamentos entre voces,<br />
e, com isto, <strong>de</strong> novos nascimentos, aumentando<br />
o numero <strong>de</strong> membros da al<strong>de</strong>ia?<br />
- Esta possibilida<strong>de</strong> ja foi aventada.<br />
Estivemos, ha bem pouco tempo, reunidos com<br />
um grupo que habita outra galaxia. A vinda para<br />
ca nao seria problema algum. A dificulda<strong>de</strong> e a<br />
manutencao da vida <strong>de</strong> nossos irmaos. On<strong>de</strong><br />
vivem, nao existe a poluicao atmosferica que<br />
temos aqui. Isto seria para eles um fator mortal.<br />
Adaptamos-nos com a poluicao sem que<br />
percebessemos, assim como o ser humano<br />
tambem o fez; porem, para eles, isto seria<br />
impossivel. Teriam que viver continuamente<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> roupas especiais e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> condicoes<br />
criadas artificialmente para po<strong>de</strong>rem sobreviver.<br />
Em termos <strong>de</strong> geracoes futuras, o problema <strong>de</strong><br />
nossa nao extincao nao estaria resolvido, visto
que so apos a sexta geracao e que seria possivel<br />
uma sobrevivencia normal. Ate la, e se os niveis<br />
<strong>de</strong> poluicao nao tiverem piorado, ja estariamos<br />
reduzidos a um terco do que somos hoje o que<br />
fatalmente <strong>de</strong>cretaria a nossa extincao. Outro<br />
problema seria em como disfarcar, perante a<br />
humanida<strong>de</strong>, que somos alienigenas? Como<br />
explicar o uso <strong>de</strong> roupas e capacetes<br />
diuturnamente? A curiosida<strong>de</strong> nata e medo do<br />
<strong>de</strong>sconhecido, do ser humano, acabariam por nos<br />
eliminar totalmente.<br />
Para Falk o futuro da raca alienigena estava<br />
com os dias contados. A terra sem a presenca<br />
<strong>de</strong>les, fatalmente, caminharia para a <strong>de</strong>struicao<br />
total. Eles tinham o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> interferir,<br />
telepaticamente, nas <strong>de</strong>cisoes mais importantes<br />
dos dirigentes do planeta. Isto nao seria mais<br />
possivel.<br />
- E se nos interferissemos no metabolismo e<br />
na bioquimica do corpo alienigena, como fizemos<br />
em nossas experiencias, com os animais daqui,<br />
com Carla, com Francisco e com Douglas?<br />
Perguntei a Falk.<br />
- Como assim? Como seria possivel?<br />
- Se conseguimos alterar geneticamente o ser<br />
humano, se conseguimos retirar o alelo da<br />
agressivida<strong>de</strong>, do uso <strong>de</strong> drogas, <strong>de</strong> modificar a
psique, nao seria possivel alterar o corpo<br />
alienigena, da mesma maneira? Fazer um<br />
trabalho no sentido <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r modificar a sua<br />
estrutura biologica para suportar a nossa poluida<br />
atmosfera e outro trabalho para uma adaptacao<br />
dos niveis <strong>de</strong> hidrogenio, aumentando, assim, a<br />
fertilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos?<br />
- Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, es um pesquisador nato.<br />
Um cientista incansavel. Nos nao haviamos<br />
pensado em tais estudos. Preocupamo-nos com a<br />
humanida<strong>de</strong> e esquecemos a nos. Se estiver<br />
interessado e disposto a esta nova aventura<br />
cientifica, teras total apoio nosso. Com isso,<br />
acredito que teus dias futuros serao vividos entre<br />
nos. Fico feliz, realmente muito feliz.<br />
- Faz dois anos que estou entre voces. O<br />
senhor me havia dito que seriam cinco anos e<br />
que todos, das minhas relacoes, ja estavam<br />
avisados disso; portanto, ainda me restam tres<br />
anos.<br />
- Minha adorada alienigena, apos tantas<br />
duvidas em relacao ao meu futuro, acredito que<br />
achei, involuntariamente, a solucao.<br />
Comecaremos um novo ciclo <strong>de</strong> pesquisas.<br />
Pesquisas que agora visam a sobrevivencia da<br />
especie <strong>de</strong> voces. Por relato <strong>de</strong> teu pai, <strong>de</strong>scobri<br />
que todos estao entrando em extincao.
- O que preten<strong>de</strong>s fazer para alterar o nosso<br />
<strong>de</strong>stino?<br />
- Teu pai vai te por a par <strong>de</strong> todo o meu plano.<br />
Entretanto, quero fazer uma experiencia paralela<br />
a que sera efetuada no laboratorio e para isto<br />
terei que contar contigo. Quero, imediatamente,<br />
que me <strong>de</strong>s um filho.<br />
- Um filho? Isto sera possivel?<br />
- Nao sei. Entretanto, vamos tentar te-lo. Sera<br />
um ato <strong>de</strong> amor e, ao mesmo tempo, uma<br />
experiencia. Ja me foi dito, por ti mesma, que<br />
isto seria possivel. Vamos tentar? Se for uma<br />
bencao <strong>de</strong> Deus, ou do teu Ser Supremo,<br />
mostrando que nossa uniao nao feriu os<br />
ensinamentos cristaos ou como queiras chamar,<br />
haveremos <strong>de</strong> conseguir.<br />
- Tu vais ficar comigo. Estou muito, muito<br />
feliz. Eu te amo! Estou disposta a participar<br />
contigo <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> aventura, mesmo porque<br />
sempre me imaginei mae, so nao havia pensado<br />
na possibilida<strong>de</strong> em ser mae <strong>de</strong> um alienigena.<br />
Para mim, tu es um alienigena. Ah, querido!<br />
Nosso Deus, nao se chama Ser Supremo e sim<br />
Gran<strong>de</strong> Mentor. Sirc Eustim riu, inocente e<br />
graciosamente, apos o que havia dito.<br />
- Sabes, se a nossa experiencia <strong>de</strong>r certo e se<br />
nos tivermos um filho, gostaria que ficasse
estipulada uma coisa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ja. Ele ou ela sera<br />
educado por nos dois, em nossas duas culturas.<br />
No futuro, cabera a ele ou a ela <strong>de</strong>cidir a qual<br />
cultura seguira. Isto vale ate para os problemas<br />
relacionados a religiao. Certo?<br />
- Certo. Nao vejo nisso motivo algum <strong>de</strong><br />
discordia entre nos.
CAPITULO 8<br />
A PRESERVACAO DA ESPECIE<br />
Falk sabia que era muito importante a<br />
experiencia que seria iniciada nos proximos dias.<br />
Teria que provi<strong>de</strong>nciar a vinda <strong>de</strong> seus irmaos <strong>de</strong><br />
outra galaxia ou <strong>de</strong> outro planeta, <strong>de</strong> nossa<br />
galaxia, ate a terra; entretanto, isto teria que ser<br />
efetuado <strong>de</strong> maneira sigilosa, sem <strong>de</strong>spertar a<br />
curiosida<strong>de</strong> dos humanos. O sistema <strong>de</strong><br />
rastreamento dos ceus, no planeta Terra, agora,<br />
com a evolucao da tecnologia, incitada por eles<br />
mesmos, era muito eficiente. Nao po<strong>de</strong>ria haver<br />
<strong>de</strong>scuido algum na aterrissagem da nave, visto<br />
que estes sistemas po<strong>de</strong>riam i<strong>de</strong>ntificar o<br />
para<strong>de</strong>iro do povo alienigena e tudo estaria<br />
perdido. Teriam que usar <strong>de</strong> naves como sistema<br />
<strong>de</strong> transporte visto que, com a <strong>de</strong>struicao da<br />
camada <strong>de</strong> ozonio, na atmosfera terrestre, a<br />
forma energetica, da qual eram feitos, per<strong>de</strong>ria<br />
muito em consistencia e os atomos do corpo,<br />
carregados com as particulas positivas, po<strong>de</strong>riam<br />
sofrer danos irreparaveis, o que faria a<br />
<strong>de</strong>sintegracao do corpo alienigena, com a<br />
consequente morte do mesmo. A nave para eles<br />
seria um escudo protetor e ao mesmo tempo o<br />
lar, visto que nao po<strong>de</strong>riam andar pela terra sem<br />
uma protecao especial.
Foi Ruel que sugeriu que a nave <strong>de</strong>scesse a<br />
noite e no meio <strong>de</strong> uma tempesta<strong>de</strong>. A<br />
aterrissagem seria mais trabalhosa, contudo, as<br />
<strong>de</strong>scargas magneticas da tempesta<strong>de</strong>, juntamente<br />
com o sistema <strong>de</strong> camuflagem da nave,<br />
confundiriam o sistema <strong>de</strong> rastreamento militar<br />
da terra.<br />
Nao perguntei a ninguem <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eles viriam.<br />
Sabia, <strong>de</strong> antemao, que isto nao me seria<br />
revelado, nem mesmo por Sirc Eustim.<br />
Entretanto, estava curioso em ver o pouso <strong>de</strong><br />
uma nave espacial. Seria igual ao que vi no<br />
hangar subaquatico?<br />
As ondas do mar atingiam os seus cinco<br />
metros <strong>de</strong> altura ou mais. O vento era forte e a<br />
chuva castigava a todos e a tudo. Estavamos na<br />
mais completa escuridao. O que se vislumbrava<br />
era rapido e so visto aproveitando-se a luz dos<br />
raios e coriscos.<br />
Surgindo, nao sei <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, uma imensa<br />
espaconave, igual a do hangar, iluminou toda a<br />
area. As aguas do mar ficaram ainda mais<br />
revoltas. O vento aumentou a intensida<strong>de</strong> a<br />
ponto <strong>de</strong> ser dificil permanecer em pe. A luz<br />
brilhante, prateada, hipnotizava-me. Nao se ouvia<br />
ruido algum alem dos da tempesta<strong>de</strong>. Por breves<br />
momentos, vi uma luz avermelhada pulsar <strong>de</strong>
<strong>de</strong>ntro da nave e ser correspondida por Falk e<br />
Ruel. Os outros alienigenas estavam euforicos<br />
com a aparicao. Eu estava pasmo, petrificado,<br />
sem po<strong>de</strong>r dizer qualquer palavra ou mover-me.<br />
Podia sentir que todos, <strong>de</strong> certa forma, riam <strong>de</strong><br />
mim e da minha estupefacao.<br />
Como que obe<strong>de</strong>cendo a or<strong>de</strong>ns telepaticas, a<br />
enorme nave ganhou altura e, num rapido e<br />
incrivel movimento, mergulhou completamente<br />
nas aguas do mar. Eu ja podia imaginar que ela<br />
iria ficar junto com a outra no hangar que<br />
visitara ha poucos dias. Todos, silenciosamente e<br />
<strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>ira, encaminharam-se para a<br />
caverna do laboratorio.<br />
Quando la chegamos, esperavam por nos uma<br />
centena <strong>de</strong> alienigenas vestidos em roupas<br />
espaciais, <strong>de</strong> cor aluminizada. Percebi, <strong>de</strong><br />
imediato, que todos eles se locomoviam<br />
vagarosamente. Fato que estranhei, mas que<br />
nada comentei com Sirc Eustim ou com<br />
ninguem. Ali, o alienigena era eu.<br />
Por <strong>de</strong>terminacao <strong>de</strong> Ruel, todos os nossos<br />
visitantes foram transportados imediatamente,<br />
atraves <strong>de</strong> uma passagem secreta, para o interior<br />
da caverna, on<strong>de</strong> foram alojados em<br />
apartamentos previamente preparados para<br />
abriga-los por um periodo minimo <strong>de</strong> quarenta
dias. Uma forma <strong>de</strong> quarentena tanto para<br />
protege-los <strong>de</strong> infeccoes terrestres como para nos<br />
proteger <strong>de</strong> uma provavel infeccao, trazida por<br />
eles, no caso <strong>de</strong> serem portadores saos.<br />
Imediatamente, ficou constatada que a nossa<br />
atmosfera era incompativel. As percentagens <strong>de</strong><br />
hidrogenio e nitrogenio eram ina<strong>de</strong>quadas para o<br />
sistema respiratorio <strong>de</strong>les. O periodo <strong>de</strong><br />
incubacao <strong>de</strong>terminaria a necessida<strong>de</strong> ou nao do<br />
uso <strong>de</strong> roupas espaciais, fora da al<strong>de</strong>ia. Restava<br />
saber ate que ponto isto seria entrave para as<br />
experiencias a serem realizadas. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
movimentos era causada pela acao da gravida<strong>de</strong><br />
terrestre. O planeta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vieram tinha uma<br />
gravida<strong>de</strong> menor, com isto, o peso <strong>de</strong>les, em<br />
nosso meio era muito maior, dificultando-lhes os<br />
movimentos.<br />
Todas estas noticias eram-me transmitidas por<br />
Sirc Eustim. Eu nao tinha tido a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ve-los fora dos trajes espaciais, nem mesmo<br />
durante o periodo em que passava trabalhando no<br />
laboratorio. Quando Sirc Eustim falou-me do<br />
efeito da gravida<strong>de</strong> sobre os movimentos <strong>de</strong>les,<br />
eu lhe disse que ja havia reparado em tal fato no<br />
momento do <strong>de</strong>sembarque.<br />
- E muito dificil nao notares algo. Disse-me<br />
Sirc Eustim.
- Meu plano <strong>de</strong> trabalho para a preservacao da<br />
especie <strong>de</strong> voces esta pronto. Hoje, passados <strong>de</strong>z<br />
dias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sembarque, resolvi apresenta-lo a<br />
voces. Sei que a linha <strong>de</strong> conduta e similar a que<br />
usamos nas cobaias humanas; entretanto, para<br />
po-lo em pratica, terei que entrar em contato<br />
com eles, o que ainda nao me foi permitido.<br />
- A tua presenca esta sendo impedida <strong>de</strong>vido<br />
ao problema respiratorio que eles apresentaram.<br />
Todos os apartamentos, bem como toda a area da<br />
caverna, <strong>de</strong>stinados a eles tiveram que ter a<br />
concentracao do ar modificada para que<br />
pu<strong>de</strong>ssem respirar sem os trajes espaciais. Isto<br />
para nos foi uma surpresa, visto que, segundo<br />
Falk, tinhamos o mesmo sistema respiratorio e<br />
tanto a Terra como Yriugas, nome do planeta <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> eles vieram, possuiam atmosferas i<strong>de</strong>nticas<br />
e compativeis, portanto, com a nossa vida.<br />
- Yriugas? On<strong>de</strong> fica este planeta?<br />
- Sei que nao era para te dar nenhuma<br />
informacao <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m; porem, tu es o meu<br />
marido, conforme teus costumes sociais, e nada<br />
posso te escon<strong>de</strong>r. Yriugas e um planeta pouco<br />
maior do que a terra, localizado na constelacao <strong>de</strong><br />
Touro, <strong>de</strong>ntro da nossa galaxia, a Via Lactea, que<br />
tem como sol Al<strong>de</strong>bara, que e a estrela alfa <strong>de</strong>sta<br />
constelacao e possui, girando ao seu redor, duas
luas: Ymuyam e Atimot. As duas luas, ao<br />
contrario da terra, sao habitaveis, pois possuem a<br />
mesma atmosfera com a diferenca, logica, apenas<br />
gravitacional. Eu nao perguntei ao Ruel se eles<br />
vieram <strong>de</strong> uma das luas ou <strong>de</strong> Yriugas;<br />
entretanto, pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomocao<br />
apresentada, acredito que tenham vindo <strong>de</strong> uma<br />
das luas. Um fato curioso e que existe uma<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> maior, no espaco que separa Yriugas <strong>de</strong><br />
Al<strong>de</strong>bara e consequentemente, da terra,<br />
impedindo, ate o momento, a constatacao, por<br />
parte dos humanos, <strong>de</strong> Yriugas e suas luas. Nao<br />
sei qual o teu conhecimento em astrologia e<br />
espaco si<strong>de</strong>ral, ainda nao tivemos oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> falar a respeito.<br />
- Desculpa-me, Sirc; mas, tratando-se <strong>de</strong><br />
astrologia e espaco si<strong>de</strong>ral, sou uma negacao.<br />
Conheco muito pouco, para nao dizer nada.<br />
- E um assunto que, futuramente, teras que<br />
comecar a estudar. E minha intencao, bem como<br />
a <strong>de</strong> Falk e Ruel que aprendas a pilotar a nossa<br />
nave espacial. Teras que alargar teus horizontes.<br />
Sirc Eustim, ao dizer isto, <strong>de</strong>u uma risada<br />
gostosa, como que tirando proveito da minha<br />
ignorancia. Por falar em nave espacial, a que<br />
trouxe os nossos irmaos esta no mesmo hangar<br />
da nossa. Iremos la, tao logo meu trabalho, com
os humanos, esteja terminado.<br />
- Ainda estas trabalhando com eles?<br />
- Sim. A fase psicologica <strong>de</strong> lavagem cerebral e<br />
implante <strong>de</strong> "um novo passado" esta quase que<br />
totalmente concluida. Restam alguns pormenores<br />
que, acredito, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mais alguns dias,<br />
terminarei.<br />
- Terei que esperar mais alguns dias, entao,<br />
para ver a nave recem-vinda?<br />
- Seria o certo; entretanto, sabendo da tua<br />
curiosida<strong>de</strong> e ansieda<strong>de</strong>, iremos ve-la, hoje, apos<br />
o trabalho. Ja sabes que nao e necessario existir<br />
luz.<br />
Ao entrarmos na caverna, tive uma surpresa. A<br />
luz violacea da vez anterior fora substituida por<br />
uma luz vermelha intensa que nos proporcionava<br />
um ambiente espectral.<br />
- Por que a mudanca <strong>de</strong> luz?<br />
- Assim como eles estao <strong>de</strong> quarentena, toda a<br />
nave, tanto interna como externamente, tambem<br />
esta passando por uma processo <strong>de</strong> esterilizacao<br />
completa. Des<strong>de</strong> a aterrissagem, esta sob esta luz.<br />
Aproveitamos, tambem, para esterilizar a nossa<br />
nave. Sabe, <strong>Marcus</strong> Roge, o que vou falar agora<br />
po<strong>de</strong>ra te surpreen<strong>de</strong>r; entretanto, se faz<br />
necessario no atual contexto <strong>de</strong> tua estada entre<br />
nos. Existe, no Universo conhecido por nos, uma
quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> galaxias,<br />
aproximadamente cinquenta bilhoes <strong>de</strong>las, com<br />
uma infinida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> estrelas, planetas e<br />
satelites naturais. Como tu <strong>de</strong>ves saber o brilho<br />
<strong>de</strong> uma estrela, ou <strong>de</strong> uma galaxia, viaja ate nos<br />
pela velocida<strong>de</strong> da luz e, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da distancia<br />
<strong>de</strong>sta estrela ate o planeta terra, esta luz po<strong>de</strong>ra<br />
estar viajando ha milhoes <strong>de</strong> anos. Isto quer dizer<br />
que, se uma estrela <strong>de</strong>sapareceu ha um milhao <strong>de</strong><br />
anos, nos ainda po<strong>de</strong>remos estar vendo o seu<br />
brilho, no ceu, porque so agora e que o mesmo<br />
esta chegando ate nos. Acredito que apenas dois<br />
por cento <strong>de</strong> todas as estrelas que vemos brilhar<br />
em nosso ceu ainda representam a existencia da<br />
estrela que o originou. Por este motivo, o nosso<br />
ceu nao e estatico. Ele, fazendo parte do<br />
Universo, e dinamico e viaja, constantemente, a<br />
uma velocida<strong>de</strong> inacreditavel. Para teu<br />
conhecimento, a Terra gira em torno do sol,<br />
movimento chamado <strong>de</strong> translacao, numa<br />
velocida<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong> 107.000 quilometros por<br />
hora; a velocida<strong>de</strong> em torno do seu proprio eixo<br />
movimenta <strong>de</strong> rotacao, aproximadamente 1.700<br />
quilometros por hora, na regiao do Equador.<br />
Alem <strong>de</strong>stes dois movimentos, existe outro, que a<br />
Terra realiza junto com todo o sistema solar, que<br />
e ao redor do centro da galaxia. Este movimento
e <strong>de</strong> aproximadamente um milhao <strong>de</strong> quilometros<br />
por hora. Com isto, po<strong>de</strong>ras ter uma i<strong>de</strong>ia,<br />
precaria e certo, da dimensao do Universo.<br />
Muitos misterios estao ainda por ser elucidados,<br />
entre eles, a presenca <strong>de</strong> bacterias e virus<br />
espaciais; a presenca <strong>de</strong> organismos com biologia<br />
<strong>de</strong>sconhecida; radiacoes das mais diversas, com<br />
cargas letais que po<strong>de</strong>rao causar danos a outras<br />
estruturas, biologicas ou nao, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos<br />
apos o contato e serem, ainda, mutagenicas.<br />
Contamos, ainda, com a presenca <strong>de</strong> corpos<br />
planetarios mortos, em areas chamadas <strong>de</strong><br />
cemiterios espaciais, com uma atracao<br />
gravitacional propria, extremamente perigosa<br />
para todo o viajante estelar, on<strong>de</strong> todo o lixo dos<br />
planetas altamente <strong>de</strong>senvolvidos esta<br />
<strong>de</strong>positado, tais como: satelites espaciais<br />
<strong>de</strong>sativados; transportes <strong>de</strong> superficie, obsoletos<br />
e nao reciclaveis; materiais organicos em<br />
<strong>de</strong>composicao; naves espaciais ultrapassadas e<br />
nao reciclaveis; estacoes espaciais inteiras<br />
abandonadas; motores; restos <strong>de</strong> meteoros<br />
contaminados; <strong>de</strong>jetos; etc. Tudo isto tambem<br />
esta girando em torno do eixo da galaxia a qual<br />
pertenceram. Para cada estrela, tambem chamada<br />
<strong>de</strong> sol, existem os planetas que giram em torno<br />
<strong>de</strong> sua orbita e, por sua vez, estes planetas, a
maioria possui seus satelites naturais.<br />
- Eu ja havia lido qualquer coisa a respeito, so<br />
que nunca me interessei por nao acreditar. Que<br />
posso te dizer agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tudo o que<br />
conheci?<br />
- E ser muito egoista acreditar que, com<br />
tantos planetas, tantas estrelas e tantas galaxias,<br />
a Terra seja o unico corpo do Universo,<br />
abencoado pelo Gran<strong>de</strong> Mentor, com a vida. Nao<br />
achas? Ela existe sim! Nas suas mais variadas e<br />
inimaginaveis formas em uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
planetas e satelites. Um sistema solar que possua<br />
planetas estereis e um sistema solar em fase <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparecimento, <strong>de</strong> morte iminente. Com estas<br />
velocida<strong>de</strong>s teras que enten<strong>de</strong>r tambem o porque<br />
<strong>de</strong> nossas naves possuirem varios tipos <strong>de</strong><br />
velocida<strong>de</strong>: velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cruzeiro, velocida<strong>de</strong><br />
estelar, velocida<strong>de</strong> nanassonica e velocida<strong>de</strong><br />
virtual, a mais po<strong>de</strong>rosa <strong>de</strong> todas. Existem<br />
algumas civilizacoes que possuem naves<br />
energeticas, isto e, naves que utilizam a energia<br />
do corpo etereo, atingindo a invisibilida<strong>de</strong>.<br />
Lembra do que Ruel te falou sobre tempo?<br />
- Sim. Lembro muito bem e, na ocasiao, nao<br />
havia entendido o porque.<br />
Como nao havia outro remedio senao esperar<br />
pelo fim da quarentena, resolvi aproveitar o
tempo para estudar astronomia e alguma coisa<br />
sobre a nave espacial, alem <strong>de</strong> continuar com a<br />
minha leitura sobre as varias experiencias<br />
efetuadas pelos alienigenas no <strong>de</strong>correr da sua<br />
historia entre nos.<br />
Apos uma semana, <strong>de</strong> muito estudo e muita,<br />
muita leitura, Sirc Eustim aproximou-se <strong>de</strong> mim<br />
e falou:<br />
- Nos sabemos, agora, <strong>de</strong> teus reais<br />
sentimentos com relacao a Carla e por este<br />
motivo, tomamos a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a<br />
remocao, <strong>de</strong>la e dos outros dois humanos<br />
cobaias, para o continente. Meu trabalho com os<br />
tres terminou e nao existia mais motivo algum<br />
para a permanencia <strong>de</strong>les aqui. Alem do que, com<br />
a chegada <strong>de</strong> nossos irmaos, seria mais um risco<br />
que todos estavamos correndo, principalmente,<br />
com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma futura quebra <strong>de</strong><br />
sigilo por parte <strong>de</strong>les. Todos terao trabalhos<br />
<strong>de</strong>terminados a fazer no continente, on<strong>de</strong>, com<br />
as novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, comecarao uma vida<br />
completamente diferente e produtiva para a<br />
coletivida<strong>de</strong>.<br />
- Que posso te falar? Em momento algum<br />
achei que teria qualquer direito para po<strong>de</strong>r<br />
interferir nas atitu<strong>de</strong>s tomadas por voces. Como,<br />
certa ocasiao, disse para Kual, aqui Carla era
minha paciente e nao minha esposa. Diz-se que<br />
ela ja estava pronta e apta para assumir<br />
responsabilida<strong>de</strong>s, mais feliz eu fico, pois isto<br />
concretiza ainda mais o sucesso <strong>de</strong> nossa<br />
experiencia.<br />
- No teu trabalho com o meu povo, nao havera<br />
necessida<strong>de</strong> da minha interferencia profissional,<br />
nem como enfermeira, nem como psicologa, visto<br />
que e um projeto voltado inteiramente para a<br />
perpetuacao da especie. Kual ficara contigo caso<br />
necessites <strong>de</strong> algumas coisas. Vou estar muito<br />
ocupada, em nossa casa, e nao po<strong>de</strong>rei, por um<br />
<strong>de</strong>terminado tempo, comparecer ao laboratorio.<br />
- O que preten<strong>de</strong>s fazer em casa?<br />
- Assuntos <strong>de</strong> mulher. Logo ficaras sabendo.<br />
Os dias, no laboratorio, sem a presenca <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim, estavam ficando enfadonhos. Em<br />
compensacao, ao chegar a casa, a noite, era o<br />
paraiso. Ela estava cada vez mais doce, mais<br />
carinhosa, mais minha.<br />
Um final <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, ao voltar para casa mais<br />
cedo do que o costume, fiquei pasmo. A cabana<br />
havia <strong>de</strong>saparecido. No seu lugar havia uma<br />
bonita e confortavel casa, <strong>de</strong> alvenaria, pintada<br />
<strong>de</strong> branco, com telhado frances e ate com uma<br />
pequena cerca branca <strong>de</strong>limitando todo o seu<br />
perimetro.
- O que aconteceu aqui? De on<strong>de</strong> surgiu esta<br />
casa?<br />
- Gostou da surpresa? Ha muito tempo que<br />
venho tentando-te dizer que mudaria nosso lar.<br />
Eu tambem gosto <strong>de</strong> algumas mordomias e, se<br />
vamos fazer uma experiencia nova, a casa tem<br />
que estar <strong>de</strong> acordo. Nao achas?<br />
- Experiencia?<br />
- Ja esqueceste o teu pedido? Nao queres um<br />
filho? Nao sera justo e nem pru<strong>de</strong>nte te-lo em<br />
uma cabana <strong>de</strong> pescador, ainda mais sem<br />
sabermos como sera o resultado <strong>de</strong> nossa uniao.<br />
Vem conhecer a casa.<br />
- Como e que voces fazem isto? Hoje, quando<br />
sai, era uma cabana e agora, uma casa.<br />
- Nos temos materiais todos pre-fabricados,<br />
prontos para uso, em outro local, tambem uma<br />
caverna, aqui mesmo na ilha. E uma especie <strong>de</strong><br />
oficina <strong>de</strong> construcao. Esta caverna e bem mais<br />
protegida do que a do laboratorio. Temos varios<br />
materiais <strong>de</strong>sconhecidos por voces, inclusive<br />
materiais muito mais resistentes do que o kevlar<br />
e o aco, usados em nossas naves espaciais. Esta<br />
caverna tu nao a encontraste porque sua entrada<br />
e subaquatica, como a do hangar. Como usamos<br />
nosso estado real, o transporte e a montagem sao<br />
efetuados rapida e silenciosamente. A construcao
da nossa casa, as pecas todas ja vem pintadas,<br />
nao <strong>de</strong>morou mais do que tres horas. Mais<br />
<strong>de</strong>morado foi a colocacao da mobilia, isto por<br />
culpa minha, pois sempre tenho duvidas com<br />
relacao a localizacao dos moveis; mudo varias<br />
vezes e nunca acho que encontrei o local i<strong>de</strong>al.<br />
Nao sou muito boa nisto.<br />
- Mas es muito boa em tantas outras coisas. Ri<br />
com entusiasmo.<br />
- Amanha, termina a quarentena do nosso<br />
povo. Teras muito trabalho no laboratorio. Vem<br />
dormir logo. Quero-te como sou e como tu es.<br />
O povo visitante era bem mais magro, menos<br />
moreno, com uma estatura menor, porem com os<br />
mesmos tracos asiaticos. Os olhos e que me<br />
chamaram a atencao. Eram maiores e muito mais<br />
negros. Um negro profundo, que dava, a<br />
fisionomia, um aspecto sinistro.<br />
Por explicacoes <strong>de</strong> Ruel e <strong>de</strong> Falk, estas<br />
diferencas fisionomicas estavam diretamente<br />
ligadas a atmosfera <strong>de</strong> Yriugas e Atimot e a<br />
alimentacao, muito rica em fosforo e manganes e<br />
pobre em proteina <strong>de</strong> origem vegetal. A proteina<br />
animal tambem tinha baixo po<strong>de</strong>r calorico e<br />
estava impregnado por oleo<br />
<strong>de</strong>ltadocohecopentanoico, um oleo semelhante<br />
ao hexodocosaminopentanoico, existente em
alguns peixes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s profundida<strong>de</strong>s<br />
marinhas, aqui na Terra.<br />
Todos estes fatores foram levados em<br />
consi<strong>de</strong>racao e somados ao meu projeto que,<br />
agora, seria exposto, ao comandante da<br />
espaconave e da missao.<br />
- Quero que conhecas Imoan, Dr. <strong>Marcus</strong><br />
Roge. Disse-me Falk.<br />
Quase tive um susto. A imagem magerrima<br />
daquela alienigena atraiu minha atencao, <strong>de</strong><br />
imediato.<br />
- Nao te preocupes. Sabemos o que estamos<br />
fazendo. O Dr. <strong>Marcus</strong> Roge e um cientista<br />
altamente capacitado, apesar <strong>de</strong> ser humano, e,<br />
alem disto, e o marido <strong>de</strong> Sirc Eustim.<br />
- Fico encantada com o Senhor A alienigena<br />
falou, com uma voz que, em tudo, lembrava a <strong>de</strong><br />
Sirc Eustim. Se Falk permitiu sua uniao, com a<br />
minha protegida terrestre, e porque o senhor a<br />
merece. Espero tambem que, alem <strong>de</strong> resolver o<br />
nosso problema <strong>de</strong> fertilida<strong>de</strong>, o senhor possa<br />
resolver outro problema que esta se tornando<br />
uma verda<strong>de</strong>ira calamida<strong>de</strong> para a nossa gente: o<br />
estado nutricional. Como po<strong>de</strong> ver, todos<br />
estamos emagrecendo muito. Nossos medicos e<br />
cientistas, apesar do alto <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnologico, nao encontraram a causa <strong>de</strong>sta
aparente <strong>de</strong>snutricao.<br />
- Realmente; a senhora assustou-me. Perdoeme,<br />
mas foi inevitavel. Contudo, e muito linda e<br />
tem um olhar diferente dos outros. Seus olhos,<br />
apesar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s e negros como todos, nao<br />
trazem, me <strong>de</strong>sculpe a franqueza, o aspecto<br />
sinistro. Eles sao meigos e revelam uma imensa<br />
ternura que, aqui na Terra, so as maes tem.<br />
- O senhor e muito observador, bem como<br />
Falk havia me dito. E verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> todo o nosso<br />
grupo, eu sou a unica do sexo feminino que ja<br />
concebeu. Sou mae <strong>de</strong> um jovem e ainda me acho<br />
em condicoes <strong>de</strong> concepcao.<br />
- Na realida<strong>de</strong>, o meu projeto original, que ja<br />
sofreu alteracoes, tera que ser revisto, pois agora<br />
tambem existe o problema da <strong>de</strong>snutricao e,<br />
tenho certeza, estao relacionados entre si: <strong>de</strong>ficit<br />
<strong>de</strong> fertilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ficit proteico e metabolico. Se<br />
nao existir mais nada <strong>de</strong> anormal, sera oportuno<br />
apresentar o plano original agora, para que, em<br />
conjunto, possamos provi<strong>de</strong>nciar suas alteracoes<br />
e tracarmos sua metodologia <strong>de</strong> acao.<br />
- Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, a Comandante Imoan<br />
tambem e astrofisica e quimica. Disse-me Ruel.<br />
- Certamente a senhora tem um estudo<br />
pormenorizado da atmosfera <strong>de</strong> seu planeta e<br />
suas luas. Isto em muito me ajudara, pois
acredito que existe uma relacao fisico-quimica<br />
com os problemas surgidos. Aqui na Terra, tenho<br />
certeza <strong>de</strong> que a infertilida<strong>de</strong> esta diretamente<br />
relacionada com a concentracao <strong>de</strong> hidrogenio <strong>de</strong><br />
nossa atmosfera e com o aumento da<br />
temperatura do planeta, causada pela <strong>de</strong>struicao<br />
da camada <strong>de</strong> ozonio. Estes fatores sao<br />
incompativeis com a natureza endocrina <strong>de</strong><br />
voces.<br />
- Todos os estudos estao a borda da<br />
espaconave, em nossos computadores. Sao os<br />
estudos mais recentes que existem, pois os refiz,<br />
antes <strong>de</strong> nossa partida. Falou-me a Comandante<br />
Imoan com tom entusiastico.<br />
Nada mais comentei a respeito do aspecto dos<br />
olhos <strong>de</strong> nossos visitantes; entretanto, aquele<br />
olhar sinistro, apresentado por todos, exceto a da<br />
Comandante, nao me saia da cabeca. On<strong>de</strong> ja vira<br />
um olhar daqueles?<br />
Como que sentindo que ainda precisaria <strong>de</strong><br />
Sirc como minha auxiliar direta, pedi licenca a<br />
Falk para ir para minha casa. Ele estranhou o<br />
fato, porem nao me impediu.<br />
- Estas obe<strong>de</strong>cendo a um impulso <strong>de</strong> teu<br />
centro vital. Tenho certeza disto. Po<strong>de</strong>s ir. Ouvio<br />
falar enquanto saia do laboratorio.<br />
Sirc Eustim, mais bela do que nunca, olhou-
me surpresa, a me ver chegar em casa tao cedo.<br />
- Aconteceu alguma coisa? Estas com algum<br />
problema? Perguntou-me angustiada.<br />
- Aconteceu sim. Nao comigo, mas com os<br />
nossos visitantes. Relatei a Sirc Eustim o que<br />
havia ocorrido no laboratorio e meu encontro<br />
com a Comandante Imoan.<br />
- Tens certeza do que estas me dizendo? A voz<br />
<strong>de</strong> Sirc estava apreensiva.<br />
- Sim, tenho. Eu sei que ja vi aquele olhar e<br />
que ele sempre esteve relacionado com patologia<br />
terrestre, importante. Se for o que estou<br />
pensando, quero que tu adies,<br />
momentaneamente, a nossa experiencia. Nao te<br />
quero sem teus po<strong>de</strong>res. Enten<strong>de</strong>ste? Por isto<br />
vim para casa, agora.<br />
- Como po<strong>de</strong>ras ter certeza das tuas suspeitas?<br />
Posso adiar a minha gestacao pelo tempo que for<br />
necessario, principalmente, se tiver que te ajudar<br />
no teu trabalho.<br />
- Eu so po<strong>de</strong>rei ter certeza se sair da ilha.<br />
Preciso voltar a minha casa, no Brasil. Teras que<br />
me ajudar a convencer Falk. E muito importante<br />
que eu <strong>de</strong>scubra a origem daquele olhar.<br />
- Realmente, hoje eu acredito que teu centro<br />
vital te guia e orienta. Eu estava pronta para te<br />
fazer mais uma surpresa. Eu iria assumir minha
forma humana capaz <strong>de</strong> engravidar. Era assim<br />
que estava disposta a te esperar. Vou falar com<br />
meu pai.<br />
A Comandante Imoan, Falk, Ruel, Sirc<br />
Eustim, eu e toda a tripulacao da nave espacial<br />
<strong>de</strong> Falk, estavamos apostos no hangar, so<br />
esperando que o tempo fora da caverna nos <strong>de</strong>sse<br />
condicoes <strong>de</strong> voo. Falk queria que a nave saisse<br />
durante uma tempesta<strong>de</strong>, para nao chamar<br />
atencao humana. Nosso <strong>de</strong>stino, Brasil.<br />
Para Falk, aten<strong>de</strong>r um pedido <strong>de</strong> Sirc Eustim,<br />
nao era excecao; porem, aten<strong>de</strong>r um pedido para<br />
verificar um estado <strong>de</strong> expressao <strong>de</strong> olhos, era<br />
inusitado.<br />
Existe um vale, na regiao <strong>de</strong> Londrina, no<br />
Parana, que e tido como mistico misterioso.<br />
Neste vale existe um salto, conhecido como Salto<br />
Apucaraninha, que serve <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> observacao,<br />
por parte dos misticos. Eles acreditam piamente<br />
que o vale e visitado por seres extraterrestres.<br />
Por esta razao pedi a Falk para aterrissar a nave<br />
neste vale.<br />
Estava euforico, espantado, com medo, mas<br />
procurando <strong>de</strong>monstrar a maior naturalida<strong>de</strong><br />
possivel, como se viajar em uma nave espacial<br />
fosse coisa corriqueira. O proprio machao. A<br />
viagem, da caverna ao vale do Apucaraninha, em
velocida<strong>de</strong> cruzeiro, durou apenas cinco<br />
minutos. Sirc Eustim olhava-me, e ria<br />
<strong>de</strong>bochadamente, com o ar <strong>de</strong> espanto e medo<br />
que meus olhos <strong>de</strong>ixavam transparecer. Eu sabia<br />
que ela, e provavelmente todos os outros,<br />
conheciam perfeitamente meu estado <strong>de</strong> espirito<br />
naquele momento.<br />
A noite, no Salto Apucaraninha, era <strong>de</strong><br />
tempesta<strong>de</strong> forte, uma preocupacao sempre<br />
adotada por Falk, no sentido <strong>de</strong> procurar<br />
escon<strong>de</strong>r a nave da vista dos humanos.<br />
Sinceramente, eu nao sei como isto seria<br />
possivel, pelo tamanho e pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> luzes<br />
que ela emitia quando em ativida<strong>de</strong>. O ruido<br />
praticamente era inexistente.<br />
Por meio <strong>de</strong> levitacao, fomos para Londrina,<br />
on<strong>de</strong>, em meu apartamento, procuraria, no meio<br />
<strong>de</strong> meus apontamentos e livros, on<strong>de</strong> teria visto<br />
expressao <strong>de</strong> olhos similar aos dos nossos<br />
visitantes. Aproveitaria, tambem, para pegar<br />
algumas roupas, livros e objetos pessoais.<br />
De posse do que queria, voltamos para a ilha.<br />
A viagem toda, ida e volta, nao durou mais do<br />
que duas horas. Era realmente <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar qualquer<br />
humano boquiaberto.<br />
- Satisfeito com o passeio? Perguntou-me<br />
Falk.
- E claro que estou. So gostaria <strong>de</strong> saber por<br />
que fazer uma viagem tao longa so para aten<strong>de</strong>r a<br />
mim?<br />
- Nao foi so para te aten<strong>de</strong>r. Aproveitamos para<br />
testar a nave, fazer uma tregua em nossa rotina e<br />
conhecer on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>s, em Londrina. Enquanto<br />
procurava o que lhe interessava, visto que ainda<br />
nao enten<strong>de</strong>mos direito o pedido <strong>de</strong> Sirc Eustim,<br />
resolvemos pegar toda a tua correspon<strong>de</strong>ncia, nos<br />
teus locais <strong>de</strong> trabalho. Ela esta toda aqui. Tomaa.<br />
Respon<strong>de</strong>u-me Falk.<br />
- A Comandante Imoan gostou do teu pais.<br />
Pena que nao tera muito tempo para explora-lo<br />
melhor. Falou Ruel, sempre com o seu tom <strong>de</strong><br />
voz macio, baixo e <strong>de</strong>licado.<br />
- Sugiro que tenhamos um resto <strong>de</strong> noite<br />
normal. Vamos <strong>de</strong>scansar. Ate amanha para<br />
todos.<br />
Foi a <strong>de</strong>spedida <strong>de</strong> Sirc Eustim e,<br />
consequentemente, a minha tambem.<br />
Se era tao facil sair da ilha, por que nao me<br />
tinham dito isto antes? Acredito que tudo ficaria<br />
muito mais facil. Minha <strong>de</strong>cisao, meu<br />
comportamento, nem sempre bem humorado,<br />
apesar <strong>de</strong> eles nao terem nunca notado este fato.<br />
- A tua <strong>de</strong>cisao foi tomada por ti, <strong>de</strong> acordo<br />
com os teus conhecimentos a nosso respeito, a
tua ansia <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r cada vez mais, a tua<br />
curiosida<strong>de</strong> nata e tambem, acredito eu, pelo que<br />
sentes por mim. A voz <strong>de</strong> Sirc Eustim ecoou<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha cabeca e pu<strong>de</strong> senti-la, pela<br />
primeira vez, em um tom pouco amistoso.<br />
Desculpa, nao pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ler teus<br />
pensamentos. Nao e facil sair da ilha com a nossa<br />
nave. Os riscos, <strong>de</strong> sermos <strong>de</strong>scoberto pelos<br />
humanos, sao muito gran<strong>de</strong>s. Por esta razao,<br />
sempre que precisamos nos ausentar ou ir para<br />
algum lugar, o fazemos com os barcos. Acontece<br />
que Falk tambem notou algo estranho em nossos<br />
visitantes. So agora, gracas a tua interferencia, e<br />
que se tratava dos olhos. Mas, mesmo assim, ele<br />
quis ter certeza <strong>de</strong> que se tratava da Comandante<br />
Imoan. Como so ela sabe das modificacoes que<br />
ele fez em nossa nave, ele aproveitou a tua<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>scobrir o motivo<br />
daqueles olhares, e programou a viagem para a<br />
tua terra com ela no comando <strong>de</strong> nossa nave.<br />
Gracas ao Gran<strong>de</strong> Mentor era ela mesma; caso<br />
contrario, nao po<strong>de</strong>riamos ter <strong>de</strong>colado.<br />
- Qual o perigo, mesmo se nao fosse ela quem<br />
diz ser?<br />
- Como tu sabes muito bem, nao somos um<br />
povo invasor; entretanto, isto nao quer dizer que<br />
nao existam, no Universo, povos invasores,
oriundos <strong>de</strong> outras galaxias. Fazia muito tempo<br />
que nao tinhamos contato com nosso povo do<br />
planeta Yriugas e se eles tivessem sido <strong>de</strong>struidos<br />
por invasores e estes fossem capazes <strong>de</strong> assumir<br />
as formas e as atitu<strong>de</strong>s do povo dominado?<br />
Pensou na nossa seguranca? Na seguranca do teu<br />
povo? Da tua Terra ?<br />
- Desculpa-me, Sirc. Acho que pensei<br />
bobagem. Fiquei tao surpreso com o tempo gasto<br />
em nossa viagem que, subitamente, fiquei<br />
chateado, sei la.<br />
- Ainda existem conflitos em teus<br />
sentimentos? Sauda<strong>de</strong>s?<br />
- Nao, nao tenho conflito algum com relacao<br />
aos meus sentimentos. So que, se eu soubesse da<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estar em minha casa em<br />
cinco minutos, em muito teria me ajudado em<br />
minha <strong>de</strong>cisao <strong>de</strong> permanecer aqui por mais<br />
tempo.<br />
- Estar la em cinco minutos e facil. E voltar?<br />
Voltar para nos?<br />
- Tens razao. Jamais po<strong>de</strong>ria voltar. Perdoame.<br />
- Es muito ingenuo. Tuas atitu<strong>de</strong>s humanas<br />
em nada sao parecidas com as tuas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
cientista, <strong>de</strong> pesquisador. Tens muito que<br />
apren<strong>de</strong>r e tempo e que nao te faltara para isto.
- Mais uma vez me <strong>de</strong>sculpa. Todos tem<br />
falhas, e tambem tenho as minhas. Nao sou<br />
perfeito, assim como ninguem o e.<br />
- Aceito as tuas <strong>de</strong>sculpas. Nao aceito a tua<br />
ingenuida<strong>de</strong>. Como e que po<strong>de</strong>s acreditar em<br />
tudo o que te falam ou em tudo o que teus olhos<br />
te mostram?<br />
- Como assim? Quer dizer que estou vivendo<br />
uma mentira? Voces nao sao alienigenas? Tudo e<br />
fruto da minha imaginacao? Tudo, ate tu?<br />
- Claro que nao! Nao somos humanos, nao<br />
somos uma mentira e nem fruto da tua<br />
imaginacao. O que refiro e o fato <strong>de</strong> aceitares<br />
outros seres como sendo nossos amigos, como<br />
sendo amistosos. Nunca te passou pela cabeca<br />
que po<strong>de</strong>riamos estar sendo invadidos? So pelo<br />
fato <strong>de</strong> serem alienigenas nao quer dizer que nao<br />
o sejam para nos tambem. Baixaste totalmente a<br />
guarda, tuas <strong>de</strong>fesas.<br />
- Como vou pensar nisto se tudo foi arranjado<br />
por Falk e por Ruel. A vinda <strong>de</strong>les, o motivo da<br />
vinda, o dia, a data e hora. Tudo. Nunca me<br />
passou pela cabeca a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
possivel invasao, nem aqui e nem <strong>de</strong> que ela ja<br />
pu<strong>de</strong>sse ter ocorrido em Yriugas. Tenho muito<br />
que apren<strong>de</strong>r mesmo.<br />
- O sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa implantado por mim,
aprovado por Falk e Ruel, e que quero te expor<br />
agora. O sistema <strong>de</strong> quarentena so foi instituido<br />
para testa-los realmente. E certo que existe a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um contagio, uma<br />
contaminacao; porem, com os nossos<br />
conhecimentos e nosso avanco tecnologico, isto<br />
po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>tectado em no maximo sete dias. O<br />
que precisavamos era ter certeza <strong>de</strong> que eram<br />
eles mesmos, <strong>de</strong> que nao tinham sofrido qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> invasao. Durante o periodo <strong>de</strong><br />
quarentena, a nave que os trouxe, ficou no<br />
hangar sob luz vermelha e tambem sob um<br />
campo magnetico que <strong>de</strong>sativou todo e qualquer<br />
sistema <strong>de</strong> ataque existente nela. Este campo<br />
magnetico ficara em ativida<strong>de</strong> enquanto a nave<br />
estiver sob a atmosfera terrestre. Nos alojamentos<br />
on<strong>de</strong> ficaram Falk implantou microcelulas<br />
capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectarem qualquer sinal <strong>de</strong> ser vivo<br />
estranho a natureza <strong>de</strong>les, isto e, da nossa, que<br />
pu<strong>de</strong>sse revelar uma possivel invasao <strong>de</strong> corpos.<br />
Por este motivo e que ficaste impossibilitado <strong>de</strong><br />
visita-los. Como nada foi encontrado <strong>de</strong> anormal,<br />
faltava o teste <strong>de</strong> pilotagem da nave. Tua<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar teus arquivos medicos<br />
foi apenas a <strong>de</strong>sculpa sutil, <strong>de</strong> que Falk<br />
necessitava para po-lo em pratica. Po<strong>de</strong>s, agora,<br />
trabalhar no teu projeto com toda a seguranca,
pois se trata mesmo <strong>de</strong> nosso povo.<br />
- So que nao po<strong>de</strong>rei faze-lo sem a tua ajuda, a<br />
ajuda da psicologa, Sirc Eustim.<br />
- Como assim? Por que eles precisam <strong>de</strong> mim,<br />
como psicologa?<br />
- Em meus arquivos, meus velhos<br />
apontamentos e velhos livros encontraram o<br />
motivo daqueles olhos. Eu ja sabia do que se<br />
tratava, antes mesmo <strong>de</strong> partirmos para<br />
Londrina, queria apenas ter certeza e po<strong>de</strong>r<br />
mostrar os fatos para ti e teu pai. Aqueles olhos<br />
revelam um estado clinico chamado <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressao<br />
maior grave, po<strong>de</strong>ndo existir, em muitos casos, a<br />
associacao <strong>de</strong> psicose maniaco-<strong>de</strong>pressiva, ou<br />
bipolarida<strong>de</strong>. Ha muitos anos, fiz um estudo a<br />
respeito, <strong>de</strong>monstrando que estava diretamente<br />
relacionada com o uso <strong>de</strong> drogas, tipo cocaina e<br />
heroina, ou ao contato com baixas concentracoes<br />
<strong>de</strong> hidrogenio e nitrogenio. Os fatos estao aqui<br />
em minhas anotacoes. Po<strong>de</strong>rei trata-los<br />
fisicamente, o Falk e o Ruel, com a ajuda da Dra.<br />
Imoan, dos problemas relacionados com a parte<br />
quimica e astrofisica; entretanto, so tu po<strong>de</strong>ras<br />
trata-los na esfera psicologica.<br />
- Tu es meu genio mais ingenuo que conheci.<br />
Eu te amo. Dizendo isto, Sirc Eustim caiu num<br />
gostoso e profundo sono.
Os dias que se seguiram foram <strong>de</strong> muito<br />
trabalho. Um trabalho dificil, <strong>de</strong>licado, mas muito<br />
compensador. O povo alienigena se mostrava<br />
cooperante em tudo. Em tempo algum discutiram<br />
minhas i<strong>de</strong>ias ou se mostraram <strong>de</strong>sconfiados da<br />
minha habilida<strong>de</strong> cientifica, apesar <strong>de</strong> ser um<br />
mero terrestre com tecnologia ultrapassada.<br />
Falk, Ruel, Kual, Sirc Eustim e todos os<br />
nossos cientistas, trabalharam muito na<br />
adaptacao <strong>de</strong> todos os equipamentos para<br />
po<strong>de</strong>rmos trabalhar nos seus corpos. Foram dias e<br />
dias <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> e expectativa. Eu sentia que<br />
todos tinham entrado <strong>de</strong> cabeca em meu projeto<br />
e que punham nele a maior fe. Estudava dia e<br />
noite. Sirc e Kual estavam exaustas. Falk fazia e<br />
refazia seus calculos e seus aparelhos baseados<br />
em meus estudos. A Dra. Imoan conseguiu fazer<br />
<strong>de</strong>scobertas importantes relacionadas as<br />
concentracoes <strong>de</strong> hidrogenio e nitrogenio na<br />
atmosfera <strong>de</strong> Yriugas e seus satelites, bem como<br />
<strong>de</strong>scobriu uma reacao bioquimica, com a ajuda<br />
<strong>de</strong> Ruel, que estava ocorrendo na superficie do<br />
planeta, principalmente com a agua, e que<br />
alterava diretamente os alimentos produzidos,<br />
vindo, por consequencia, a afetar diretamente o<br />
organismo <strong>de</strong>les. A surpresa maior, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
tudo pronto, foi a que revelei entao.
- Ate aqui, nosso projeto <strong>de</strong> pesquisa esta indo<br />
perfeitamente bem no sentido <strong>de</strong> adaptarmos<br />
nossos equipamentos, isto e, o equipamento <strong>de</strong><br />
voces, para agirem no corpo <strong>de</strong> voces. Acontece<br />
que <strong>de</strong>scobri que todo o nosso trabalho so po<strong>de</strong>ra<br />
ser feito se o corpo <strong>de</strong> voces estiver<br />
materializado, isto e, assumindo a ultima forma<br />
enclausurada apresentada ou vivida por voces.<br />
Neste caso, so neste caso, e que as mulheres<br />
po<strong>de</strong>rao fecundar e como todos sabem, os<br />
po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> mentalizacao, flutuacao, adaptacao no<br />
meio liquido, etc, etc, <strong>de</strong>saparecerao durante<br />
todo o tempo <strong>de</strong> gestacao. Agora, vem o mais<br />
dificil <strong>de</strong> ser dito. Para os homens, vale a mesma<br />
coisa e, tem mais, voces terao que fazer amor<br />
pelo jeito humano. Isto quer dizer que terao que<br />
regredir, pelo menos na parte sexual, para<br />
po<strong>de</strong>rem ter filhos e impedir a extincao da raca<br />
<strong>de</strong> voces.<br />
- Mas isto e impossivel. Ja passamos por esta<br />
etapa evolutiva. A voz da Dra. Imoan era energica<br />
e conclusiva.<br />
- Eu sei que sera pedir <strong>de</strong>mais. Uma regressao<br />
nos costumes evolutivos ha muito esquecidos<br />
por todos. Entretanto, nao existe outra maneira.<br />
Sirc Eustim rebateu <strong>de</strong> forma incisiva.<br />
- E, sabem <strong>de</strong> uma coisa, fazer sexo, pela
forma humana, e uma <strong>de</strong>licia. E uma barbarie<br />
fantastica. Eu adoro! Sirc riu e, em seguida,<br />
<strong>de</strong>sculpou-se.<br />
- Sinto ter que falar isto, porem, e necessario.<br />
Nos, e estou cada dia mais certo disto, somos<br />
todos irmaos. Nao importa <strong>de</strong> que ponto do<br />
Universo venhamos. Nao importa o grau <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento tecnologico que possamos ter<br />
atingido, nao importam as vantagens que<br />
tenhamos uns sobre os outros, o que importa e<br />
que somos irmaos. A monada da vida e a mesma<br />
em todo o Universo, e regida pela mesma forca, a<br />
mesma crenca, indiferente aos nomes que a ela<br />
<strong>de</strong>rmos: Deus, Gran<strong>de</strong> Mentor, Jeova, Buda, Ala,<br />
etc. Na essencia, a monada e AMOR e so com<br />
amor e que po<strong>de</strong>mos nos preservar. Sejamos<br />
humil<strong>de</strong>s, se tivermos que, em nome do amor,<br />
regredir na escala evolutiva. Importa agora e a<br />
preservacao da especie. Importa la em Yriugas e<br />
seus satelites, o combate a <strong>de</strong>snutricao e a<br />
<strong>de</strong>pressao que assola todo o mundo <strong>de</strong> voces. O<br />
que e regredir um pouco, em so um ato fisico,<br />
para conseguirmos sucesso em tudo?<br />
- Por que o senhor, Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, tem<br />
tanta certeza do que esta dizendo? Dra. Imoan<br />
perguntou com certa preocupacao.<br />
- Como nosso trabalho <strong>de</strong>veria ser efetuado em
voces, usei Sirc Eustim e Kual como minhas<br />
cobaias, para fazer uma simples pesquisa, que<br />
fecharia todo o projeto. Existiria, no corpo <strong>de</strong><br />
voces, um Peri- espirito. Se existisse, teriamos<br />
que trabalhar nele tambem, alterando-o,<br />
adaptando-o da mesma maneira que o corpo<br />
fisico. Na forma utilizada por voces, fica muito<br />
dificil examinar Peri- espirito em energia pura,<br />
visto que ele e energia tambem e eu nao tenho<br />
experiencia alguma com Peri- espirito alienigena.<br />
Com a maquina <strong>de</strong>senvolvia por Falk, para o meu<br />
trabalho com as cobaias humanas, me foi<br />
possivel constatar mudancas energeticas, na<br />
forma atual <strong>de</strong> voces, energia pura; entretanto,<br />
quando apresentada a maquina, a ultima forma<br />
enclausurada da energia <strong>de</strong> voces, o Peri-espirito<br />
se mostrou em toda a sua essencia e pu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobrir falhas importantes no sistema<br />
reprodutivo <strong>de</strong> Sirc e <strong>de</strong> Kual, iguais as<br />
apresentadas no corpo materializado.<br />
- As vezes fica muito dificil aceitar a verda<strong>de</strong><br />
principalmente vinda <strong>de</strong> uma raca inferior<br />
tecnicamente. Peco que me <strong>de</strong>sculpes. Sei que<br />
sempre teremos alguma coisa a apren<strong>de</strong>r com o<br />
passado. Dra. Imoan voltou a ter os olhos meigos<br />
<strong>de</strong> mae.<br />
- O passado, agora, e o nosso presente.
Retrucou Ruel. Evoluimos muito cientificamente<br />
e, como preco disto, esquecemos que o passado<br />
cientifico traz <strong>de</strong>scobertas importantes e que<br />
serviram <strong>de</strong> base para nosso <strong>de</strong>senvolvimento;<br />
que, ao darmos continuida<strong>de</strong> a estas <strong>de</strong>scobertas,<br />
o fizemos apenas em uma direcao, nao<br />
verificando se nos po<strong>de</strong>riam dar mais pistas e<br />
mais caminhos. Acomodamo-nos. Vamos<br />
trabalhar e, como sempre, <strong>de</strong>ntro do espirito do<br />
seu projeto.<br />
Como havia <strong>de</strong>sconfiado, todos os nossos<br />
visitantes apresentavam as mesmas falhas, tanto<br />
na materia quanto no Peri- espirito, <strong>de</strong> Kual e<br />
Sirc Eustim alem <strong>de</strong> terem falhas bioquimicas e<br />
hormonais responsaveis pela sindrome <strong>de</strong> mal<br />
absorcao e, consequentemente, da <strong>de</strong>snutricao.<br />
O trabalho da Dra. Imoan, no estudo da<br />
atmosfera terrestre e <strong>de</strong> Yriugas, foi fundamental<br />
para que pu<strong>de</strong>ssemos fazer as adaptacoes genicas<br />
necessarias para a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les nestes<br />
planetas. Eu estava satisfeito com o resultado do<br />
trabalho e tinha certeza que, ao termino do<br />
estudo efetuado por Sirc Eustim e da<br />
metodologia empregada no combate a <strong>de</strong>pressao,<br />
todos teriam um nivel <strong>de</strong> vida bem melhor.<br />
Restava saber se o processo <strong>de</strong> fecundacao teria<br />
exito.
Enquanto se processavam todas as<br />
experiencias, tanto em nivel material, nos corpos<br />
dos alienigenas e nos aparelhos neles utilizados,<br />
quanto em nivel do Peri- espirito, Sirc Eustim<br />
preparou todo o seu trabalho, em um periodo <strong>de</strong><br />
dois meses, <strong>de</strong>ixando tudo pronto para que Kual<br />
pu<strong>de</strong>sse aplica-lo, ficando livre, assim, para<br />
darmos inicio a nossa experiencia particular.<br />
Neste tempo <strong>de</strong>corrido, um dia, ao chegar em<br />
casa, bem mais tar<strong>de</strong> do que o costume, tive uma<br />
surpresa. Sempre que Sirc Eustim chegava antes<br />
<strong>de</strong> mim, tinha por costume vir me receber com<br />
muitos beijos, caricias e, insinuando-se, levavame<br />
para o banheiro, on<strong>de</strong> tomavamos banho<br />
juntos; neste dia, ela nao veio me receber. Fiquei<br />
preocupado.<br />
- Meu bem, on<strong>de</strong> tu estas?<br />
- Estou no quarto. Po<strong>de</strong>s vir ate aqui?<br />
Ao entrar no quarto, havia uma mulher<br />
morena, <strong>de</strong> olhos amendoados, cabelos compridos<br />
ate a altura dos quadris, com uma boca vermelha<br />
carnuda e sensual, vestindo uma anagua <strong>de</strong> cetim<br />
bastante sexy, <strong>de</strong>itada em nossa cama.<br />
- On<strong>de</strong> esta Sirc Eustim? Quem e a senhora?<br />
Perguntei espantado.<br />
- <strong>Marcus</strong> Roge, sou eu, tua esposa. Ela riu,<br />
<strong>de</strong>ixando mostrar <strong>de</strong>ntes alvos e perfeitos.
- Mas como? On<strong>de</strong> esta a minha mulher?<br />
- A tua androi<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>scansar. Esta e a ultima<br />
forma humana que tive. Agora, a assumi,<br />
novamente, para que possamos comecar nossa<br />
experiencia. Eu quero ter um filho teu.<br />
Era como ter outra mulher junto a mim. Os<br />
gestos, os atos <strong>de</strong> carinho e a voz eram os<br />
mesmos; entretanto, a forma fisionomica e o<br />
corpo eram diferentes da minha Sirc Eustim<br />
androi<strong>de</strong>. Ela estava mais baixa, com um pouco<br />
mais <strong>de</strong> peso, o que lhe dava formas mais<br />
arredondadas e muito mais sensuais. A forma<br />
humana estava linda, atraente e tao <strong>de</strong>licada<br />
quanto a androi<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> ate os labios pareciam<br />
mais vermelhos e carnudos.<br />
Levei uns dois dias para acostumar-me com o<br />
novo aspecto <strong>de</strong> minha mulher. Nada comentei a<br />
respeito no laboratorio. Embora todos estivessem<br />
achando estranho o fato <strong>de</strong> Sirc Eustim ter<br />
passado seu trabalho para Kual. Eram testes <strong>de</strong><br />
adaptabilida<strong>de</strong> psicologica em todos os<br />
alienigenas visitantes e tambem um trabalho <strong>de</strong><br />
conscientizacao do porque fazer amor pela forma<br />
humana. Estava tudo programado e nao haveria<br />
interrupcao nas metas tracadas por ela, mesmo<br />
sendo Kual que estivesse aplicando os testes.<br />
Para Falk, disse-lhe que Sirc Eustim estava
preparando uma surpresa para ele e, a pedido<br />
<strong>de</strong>la, para so aparecer em nossa casa <strong>de</strong>corridos<br />
sessenta dias.<br />
Sentia falta <strong>de</strong> fazer amor pela forma<br />
alienigena; entretanto, minha nova mulher, agora<br />
humana, era extremamente carinhosa e sabia<br />
tudo a respeito <strong>de</strong> sexo humano. Ela completavame<br />
inteiramente.<br />
- Quero que tu chames meu pai para uma<br />
visita. Tenho novida<strong>de</strong>s.<br />
- Que tipo <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>? Posso saber antes?<br />
- Nao. Nao po<strong>de</strong>. Vou contar para ti e para ele<br />
ao mesmo tempo.<br />
Falk chegou a nossa casa ao cair da noite.<br />
Estava ansioso e nervoso ao mesmo tempo.<br />
- Faz dois meses que nao vejo a minha filha.<br />
Estava na hora do misterio acabar.<br />
Quando Sirc Eustim veio ate nossa sala <strong>de</strong><br />
visitas nos receber, Falk teve um susto. Podia ver<br />
o espanto em seus olhos.<br />
- Assumiste a forma humana. Era este o<br />
segredo?<br />
- Tambem. Respon<strong>de</strong>u Sirc Eustim. Porem, o<br />
segredo maior vem agora. Eu estou gravida!<br />
Olhamos-nos atonitos. Eu ia ser pai e Falk<br />
avo. Era fantastico.<br />
- Ha muito tempo eu e <strong>Marcus</strong> Roge
planejamos ter um filho. Com a chegada <strong>de</strong><br />
nossos irmaos, nosso plano teve que ser adiado.<br />
Depois <strong>de</strong> todo o meu trabalho concluido,<br />
combinei com Kual que ela po<strong>de</strong>ria assumir meu<br />
lugar na aplicacao dos testes e no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento dos mesmos, com o auxilio das<br />
mesas reabilitadoras, enquanto eu assumiria a<br />
minha ultima forma humana e tentaria ter um<br />
filho. Era um projeto tambem experimental, visto<br />
que eu estaria fazendo um cruzamento com um<br />
humano. Gracas ao Gran<strong>de</strong> Mentor, tudo <strong>de</strong>u<br />
certo. Agora, estou com dois para tres meses <strong>de</strong><br />
gestacao e, por este motivo, sabendo que tudo<br />
esta correndo bem, resolvi contar aos dois.<br />
- Contaste em tempo habil. Disse Falk, com<br />
um ar <strong>de</strong> preocupacao.<br />
- Nao entendi. Por que tempo habil?<br />
Perguntou Sirc, fazendo coro comigo.<br />
- Estou muito feliz com a tua fecundacao. Sera<br />
a primeira, em muitos e muitos anos, entre dois<br />
seres <strong>de</strong> racas diferentes. Acontece que, quando<br />
isto ocorre, o tempo gestacional e modificado. A<br />
gestacao passa a ter a duracao <strong>de</strong> seis meses e<br />
precisamos nos preparar para receber esta<br />
crianca, visto que vira em forma <strong>de</strong> energia pura,<br />
sem uma capa <strong>de</strong>limitadora para protege-lo. Esta<br />
capa, ou este corpo, so aparecera no final do
sexto mes <strong>de</strong> vida extrauterina. Terei que fabricar<br />
uma estufa especial para o meu neto ou neta. Isto<br />
quer dizer, tambem, que nossa especie po<strong>de</strong> ser<br />
perpetuada atraves <strong>de</strong> cruzamento hibrido.<br />
Sucessos em nossas experiencias.<br />
- Nossas experiencias? Perguntamos ao<br />
mesmo tempo.<br />
- Sim. Disse Falk. Tambem tenho uma<br />
surpresa para os dois. Apesar <strong>de</strong> toda a<br />
contestacao da Dra. Imoan, eu e Rual,<br />
assessorados por Kual com os trabalhos <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim, estimulamos o ato sexual humano entre<br />
os da nossa especie. Agora, <strong>de</strong>corridos estes dois<br />
meses, tivemos a surpresa <strong>de</strong> constatar que as<br />
experiencias do Dr. <strong>Marcus</strong> Roge <strong>de</strong>ram<br />
resultados positivos. Temos mais da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nossas mulheres gravidas. Foram feitos<br />
acasalamentos experimentais, com livre escolha<br />
por parte <strong>de</strong> todos na formacao dos pares, e<br />
po<strong>de</strong>mos dizer que a nossa raca esta salva da<br />
extincao. Nosso povo lhe sera eternamente grato<br />
doutor. Existe, contudo, uma diferenca entre as<br />
criancas que <strong>de</strong>les nascerao e a <strong>de</strong> voces: elas<br />
terao, imediatamente, uma forma androi<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminada, minutos apos o nascimento,<br />
enquanto que, como ja lhes foi dito, a <strong>de</strong> voces<br />
nao.
Como que cronometrados, todas as mulheres<br />
alienigenas tiveram seus filhos ao termino dos<br />
seis meses, sem nenhuma intercorrencia<br />
anormal.<br />
Apos um exaustivo dia <strong>de</strong> trabalho no<br />
laboratorio, fazendo os mais diferentes testes, em<br />
todas as criancas que haviam nascido e em suas<br />
respectivas maes, voltei para casa. Encontravame<br />
cansado, mas alegre com todos os resultados<br />
positivos <strong>de</strong> nossas experiencias. Tudo alcancara<br />
o sucesso planejado. Sirc Eustim, agora mais<br />
gorda, era so felicida<strong>de</strong>. Podiamos sentir um<br />
pouco <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> no ar e nao era para menos.<br />
Ela tambem, a qualquer momento, iria dar a luz.<br />
Aquela noite, mais quente do que <strong>de</strong> costume,<br />
estavamos <strong>de</strong>itados, conversando sobre tudo o<br />
que nos havia acontecido, sobre nossa<br />
expectativa, com relacao a crianca que estava<br />
para nascer, quando, sem panico e muito<br />
tranquilamente, ela disse-me:<br />
- <strong>Marcus</strong> Roge, acho que chegou a hora no<br />
nosso filho nascer. A bolsa rompeu.<br />
Levantei-me espantado. Notei que os lencois<br />
estavam molhados pelo liquido amniotico.<br />
- Espera-me bem quieta e bem calma. Vou ate<br />
ao laboratorio chamar o teu pai.<br />
- Nao. E melhor eu ir tambem. Se os meus
calculos estiverem certos, ainda teremos mais<br />
um dia <strong>de</strong> espera. Fica calmo. Sou eu que vou ter<br />
no nosso filho. Calma! Podia sentir na voz <strong>de</strong><br />
Sirc Eustim um tom <strong>de</strong> zombaria.<br />
- Eu sei que es tu que vais dar a luz, acontece<br />
que nosso filho e um hibrido e nao sera uma<br />
crianca como as outras.<br />
No laboratorio, Falk havia preparado uma sala<br />
<strong>de</strong> parto especial para Sirc Eustim. Nela estava<br />
pronta a incubadora que receberia nosso filho e<br />
seria a sua protecao durante os seis meses<br />
seguintes. A propria sala era diferente das outras<br />
duas em que nasceram todas as criancas<br />
alienigenas. A concentracao dos gases era maior,<br />
principalmente a concentracao <strong>de</strong> nitrogenio; a<br />
iluminacao da sala tambem recebera cuidados<br />
especiais. Toda a sala estava mergulhada em uma<br />
luz ver<strong>de</strong>-esmeralda que dava ao ambiente uma<br />
paz in<strong>de</strong>scritivel.<br />
Como Falk dissera, no dia seguinte, ela entrou<br />
em franco trabalho <strong>de</strong> parto. Eu estava curioso<br />
para ver como seria o nascimento <strong>de</strong> uma forma<br />
<strong>de</strong> vida sem corpo material, so energia. Todos na<br />
sala tinham, nos rostos, a angustia estampada,<br />
misturada com apreensao e curiosida<strong>de</strong>. Era <strong>de</strong><br />
todas as experiencias, a mais aguardada em<br />
seculos.
Sem haver necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer<br />
episiotomia, houve mais um rompimento <strong>de</strong><br />
bolsa. Mais liquido amniotico vazou. Em seguida,<br />
apos uma contracao forte, nasceu uma esfera, <strong>de</strong><br />
mais ou menos quarenta centimetros <strong>de</strong><br />
diametro. Era uma membrana tipo pele, em cujo<br />
interior brilhava uma luz violacea intensa. Ela<br />
passou por todo o canal <strong>de</strong> parto sem causar<br />
traumatismo algum. Sirc Eustim estava<br />
consciente e tao curiosa quanto todos nos. A<br />
todo o momento relatava-nos a intensida<strong>de</strong> da<br />
dor. Quando a esfera <strong>de</strong> luz nasceu, ela disse:<br />
- Sei que nosso filho esta nascendo. Nao sinto<br />
dor alguma; porem, a sensacao <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong> alegria<br />
e <strong>de</strong> amor e muito intensa. E maravilhosa.<br />
Olhei-a rapidamente e, no momento em que a<br />
esfera membranosa acabou <strong>de</strong> nascer, seus olhos<br />
ficaram tao violeta quanto a luz do interior da<br />
esfera. O semblante <strong>de</strong> Sirc Eustim revelava a<br />
mais intensa paz e amor. Ela estava linda.<br />
Delicadamente, Falk pegou a esfera<br />
membranosa e a colocou sobre o abdomen <strong>de</strong> Sirc<br />
Eustim. A luz violacea inundou o ambiente. Mais<br />
uma contracao, e a placenta foi expelida, sem<br />
maiores problemas.<br />
Da esfera membranosa saia o cordao umbilical<br />
que Falk cortou e cauterizou com um feixe <strong>de</strong>
aio laser violeta. Todos, como que hipnotizados,<br />
ficamos contemplando a esfera <strong>de</strong> luz por uns<br />
dois ou tres minutos.<br />
Ruel, interrompendo aquele momento magico<br />
e impar, falou que estava na hora <strong>de</strong> transporta-la<br />
para a incubadora.<br />
Com o maximo cuidado, ela foi levada para o<br />
interior da incubadora que, ao ser fechada,<br />
acionou o mecanismo <strong>de</strong> liberacao <strong>de</strong> gases,<br />
mistura calculada por Falk, e que seria o<br />
alimento vital da massa energetica durante os<br />
seis meses seguintes. Podiamos ver, num<br />
sincronismo <strong>de</strong> tempo estipulado em trinta<br />
segundos, uma <strong>de</strong>scarga eletrica, como um<br />
pequeno corisco, cortando o interior da<br />
incubadora e chocando-se <strong>de</strong> encontro com a<br />
esfera. A cada choque a intensida<strong>de</strong> da luz<br />
violacea aumentava. Era como o pulsar ritmado<br />
<strong>de</strong> um coracao.<br />
Sei que muitos dos aparelhos utilizados, nos<br />
mais diversos laboratorios dos alienigenas,<br />
tinham mais <strong>de</strong> uma utilida<strong>de</strong>. Falk ou Ruel<br />
nunca me contavam tudo. Eu podia sentir que<br />
havia sempre uma ponta <strong>de</strong> medo, certa<br />
inseguranca por parte <strong>de</strong>les em colocar-me a par<br />
<strong>de</strong> tudo. Eu compreendia e achava logico.<br />
Entretanto, uma coisa que sempre me intrigou
era a fonte <strong>de</strong> energia. Qual seria o combustivel<br />
utilizado nas naves, o qual, atraves <strong>de</strong> ductos,<br />
municiava todos os laboratorios existentes na<br />
caverna? Esta mesma energia estava produzindo<br />
as <strong>de</strong>scargas eletricas, que cortavam, em diversas<br />
direcoes, o interior da incubadora on<strong>de</strong> estava o<br />
meu filho. Outra duvida surgiu em meu cerebro:<br />
seria somente a mistura gasosa que nutriria meu<br />
filho durante os proximos seis meses? Ou a<br />
<strong>de</strong>scarga eletrica, <strong>de</strong>sta fonte energetica<br />
<strong>de</strong>sconhecida, estaria provocando uma reacao<br />
quimica, nestes gases, cujo produto final seria o<br />
alimento <strong>de</strong>le?<br />
Esta resposta me foi dada em parte por Falk.<br />
Por mais que eu tenha <strong>de</strong>monstrado a minha<br />
lealda<strong>de</strong> e honestida<strong>de</strong>, ele estava<br />
terminantemente impedido <strong>de</strong> revelar o nome e a<br />
composicao da fonte energetica. Eu estava<br />
correto ao pensar que, alem da mistura, esta<br />
energia estaria fazendo novas reacoes quimicas<br />
que alimentariam meu filho.<br />
Seis meses se haviam passado. Meu filho<br />
assumira a sua forma humana. Na realida<strong>de</strong> nao<br />
era meu filho; para minha surpresa, era uma bela<br />
menina. Como que por encanto, uma manha, ao<br />
entrar no laboratorio, on<strong>de</strong> estava a incubadora,<br />
<strong>de</strong>parei-me com uma visao fantastica. Os gases,
que ocupavam, ha mais <strong>de</strong> seis meses, todo o<br />
interior da incubadora, pois haviam rompido a<br />
membrana que tinha a forma <strong>de</strong> esfera,<br />
comecaram a fazer movimentos circulares,<br />
concentricos, todos se acumulando em um unico<br />
ponto. Aos poucos, foi aparecendo a forma<br />
humana da crianca. A luz violacea agora era mais<br />
intensa e brilhante. A medida que o corpo se<br />
formava, a luz ficava mais intensa. A modificacao<br />
foi linda. Para mim, inesquecivel.<br />
Sirc Eustim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a esfera se rompera,<br />
voltou a ter forma androi<strong>de</strong> e recuperara todos os<br />
seus po<strong>de</strong>res alienigenas. Nossas noites voltaram<br />
a ser mais intensas e completas. Eu me<br />
acostumara com a maneira alienigena <strong>de</strong> fazer<br />
amor. Ela, por sua vez, cada vez mais adorava o<br />
jeito humano <strong>de</strong> amar. Estavamos felizes.<br />
- Estou muito orgulhoso do senhor. Doutor,<br />
disse-me Falk, com um enorme sorriso.<br />
- Obrigado. Nao sei ate que ponto a vinda <strong>de</strong><br />
uma menina po<strong>de</strong>ra lhe agradar.<br />
- O importante e que ela esta perfeitamente<br />
bem. O sexo, para nos, nao tem a menor<br />
importancia. Para mim, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avo, uma<br />
neta e tao importante quanto um neto e, na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cientista, fico mais feliz porque vejo<br />
nossa experiencia genetica coroada <strong>de</strong> exito.
- Sirc Eustim ja sabe o sexo <strong>de</strong> nossa crianca?<br />
Perguntei a Falk.<br />
- Nao. Ela, hoje cedo saiu com Ruel e com<br />
Kual. Foram ate o campo experimental, que era<br />
cuidado pelos tres pacientes humanos, para<br />
verificar o andamento das experiencias. Des<strong>de</strong><br />
que foram embora, nossos irmaos tomaram conta<br />
do campo e dos projetos ali iniciados; agora, esta<br />
na hora da colheita das primeiras sementes<br />
hibridas das varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> milho, feijao e soja. Se<br />
tudo correr bem, estas sementes serao imunes a<br />
muitas doencas e terao uma produtivida<strong>de</strong> muito<br />
maior. Sera uma enorme contribuicao para a<br />
agricultura da terra. Os resultados serao<br />
fornecidos para os mais variados centros <strong>de</strong><br />
pesquisas do mundo.<br />
- Eu vou ter com eles. Estou ansioso para dar a<br />
noticia.<br />
As lagrimas <strong>de</strong>sceram como contas <strong>de</strong><br />
diamantes pela face <strong>de</strong> Sirc Eustim quando lhe<br />
contei a novida<strong>de</strong>. Ruel e Kual tambem ficaram<br />
euforicos.<br />
Sem que fosse necessario pedir, Ruel disse<br />
para voltarmos ao laboratorio. As orientacoes<br />
sobre a colheita do campo experimental ja<br />
haviam sido dadas e estavam sendo cumpridas.<br />
- Ela e tao meiga, tao doce. Ve o tamanho das
maozinhas. Ela tem os teus olhos. Sirc Eustim<br />
nao cabia em si <strong>de</strong> contentamento.<br />
- Dr.Falk, quando po<strong>de</strong>remos tira-la da<br />
incubadora? Perguntei ansioso.<br />
- Se tudo correr bem, e se as funcoes vitais<br />
estiverem normais, amanha.<br />
Nossa ansieda<strong>de</strong> era enorme. Todos queriam<br />
segura-la. Fazer-lhe carinhos.<br />
O restante do dia e da noite custou para<br />
passar. Ninguem foi para a vila no fim do<br />
expediente <strong>de</strong> trabalho. Ficamos conversando a<br />
respeito das possiveis alteracoes anatomicas que<br />
a menina po<strong>de</strong>ria apresentar. Do seu futuro. De<br />
suas possibilida<strong>de</strong>s, como ser hibrido, em ter<br />
po<strong>de</strong>res como a mae. A ansieda<strong>de</strong> era geral.<br />
Nem bem o dia amanhecera, Ruel e Falk<br />
comecaram a fazer uma serie <strong>de</strong> testes e leituras<br />
em todos os aparelhos que monitoravam a<br />
encubadora. Finalmente, ela foi aberta e<br />
observamos, com certo temor, a reacao da<br />
menina, em contato, pela primeira vez, com a<br />
atmosfera terrestre. Tudo correu bem, felizmente.<br />
- Po<strong>de</strong> parecer estranho, ainda mais para mim<br />
que ja fui pediatra, mas qual sera a alimentacao<br />
<strong>de</strong>la?<br />
Todos se voltaram para mim, como que<br />
incredulos com a pergunta que fizera.
- Sera leite <strong>de</strong> vaca, modificado, e aquela<br />
bebida amarga que te <strong>de</strong>mos quando vieste para<br />
ca. Respon<strong>de</strong>u Sirc Eustim.<br />
- O que e aquela bebida amarga e<br />
avermelhada?<br />
- <strong>Marcus</strong> Roge, aquela bebida e uma pocao<br />
natural, feita <strong>de</strong> ervas aqui da ilha, e que Ruel<br />
<strong>de</strong>scobriu. Ela e fantastica para uma serie <strong>de</strong><br />
doencas, ferimentos, e tem um valor nutritivo<br />
muito gran<strong>de</strong>. E rica em sais minerais e<br />
vitaminas e, alem <strong>de</strong> tudo isso, e um importante<br />
cicatrizante natural. Sirc Eustim respon<strong>de</strong>u com<br />
firmeza e com consciencia <strong>de</strong> que, obtendo<br />
respostas, estaria diminuindo minha ansieda<strong>de</strong>.<br />
Em casa, nao paravamos <strong>de</strong> admirar nossa<br />
filha. Enfeitava como ninguem o berco que havia<br />
sido dado por Falk e que Sirc Eustim colocara<br />
bem no meio do quarto que fora <strong>de</strong>stinado a ela.<br />
Ali estava minha princesa, pensei com carinho.<br />
- Que nome vamos dar a ela ? Perguntei a Sirc<br />
Eustim.<br />
- Quero que tu escolhas o nome. Sei que tu<br />
assim o <strong>de</strong>sejas.<br />
- O nome que tenho em mente e o <strong>de</strong> uma<br />
composicao musical da qual gosto muito.<br />
Acredito que nao gostaras. Se nao gostares,<br />
veremos outro, esta bem?
- Qual e o nome? Diga!<br />
- A<strong>de</strong>lita.<br />
- A<strong>de</strong>lita? De on<strong>de</strong> vem este nome? E a<br />
primeira vez que o ouco.<br />
- Sirc Eustim, minha querida esposa, eu te<br />
disse que achava que nao irias gostar do nome.<br />
- Nao! Nao e isto. Interrompeu-me Sirc<br />
Eustim. Eu gostei do nome. So quero saber a sua<br />
origem.<br />
- Na Espanha, viveu um compositor <strong>de</strong><br />
guitarra chamado Francisco Tarrega. Ele compos<br />
uma mazurca cujo nome e A<strong>de</strong>lita. Eu gosto<br />
muito <strong>de</strong>sta musica e, inclusive, quando musico,<br />
toquei-a em varios concertos <strong>de</strong> violao.<br />
- Eu tinha esquecido que tu tambem es<br />
musico. Esta bem. Ela vai se chamar A<strong>de</strong>lita,<br />
mesmo porque e um nome bastante incomum,<br />
nos dias <strong>de</strong> hoje.
CAPITULO 9<br />
ADELITA - FRANCISCO<br />
ESTORIAS<br />
Minha vida, na ilha dos alienigenas, em<br />
momento algum era monotona. Meu trabalho no<br />
laboratorio era constante. Ora fazia novas<br />
pesquisas, ora ficava por varios dias estudando<br />
toda a cultura dos meus salvadores. Entretanto, o<br />
que mais preenchia o meu tempo era<br />
acompanhar o <strong>de</strong>senvolvimento motor e cerebral<br />
<strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita.<br />
Tao logo saiu da incubadora e comecou a<br />
receber a alimentacao indicada por Ruel, ela<br />
comecou a dar mostras <strong>de</strong> um crescimento<br />
notavel. Com sete meses, estava andando por<br />
toda a casa. Nao passou pela fase <strong>de</strong> "engatinhar"<br />
como toda a crianca na ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la. Outra surpresa<br />
foi a <strong>de</strong> comecar a falar ao mesmo tempo.<br />
Para eles isto era normal. Sirc Eustim<br />
transformou-se em uma mae por excelencia:<br />
atenciosa, carinhosa, caprichosa, atenta ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento motor e intelectual <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita.<br />
Uma noite, ao chegar em casa, quem veio abrir<br />
a porta para mim foi A<strong>de</strong>lita. Surpreso, tomei-a<br />
nos bracos, levantando-a ate a altura do meu<br />
rosto e beijando-a <strong>de</strong>licadamente, perguntei:
- Como tu conseguiste abrir a porta para o<br />
papai?<br />
A resposta veio atraves <strong>de</strong> um gesto muito<br />
rapido. Empurrando-me para tras, ela soltou-se<br />
dos meus bracos. Fiquei apavorado, pois com<br />
certeza teria uma queda feia. Entretanto, para<br />
meu espanto, ela ficou pairando no ar, como que<br />
amparada por maos invisiveis, na altura da<br />
macaneta da porta.<br />
- Gostou da surpresa? Perguntou Sirc Eustim,<br />
entrando na sala.<br />
- Des<strong>de</strong> quando ela comecou a <strong>de</strong>senvolver<br />
estes dons?<br />
- Hoje. Eu estava fazendo nosso almoco,<br />
quando senti alguem atras <strong>de</strong> mim. Virei-me e<br />
quase morri <strong>de</strong> susto, vendo-a, levitando, junto a<br />
mim. Foi, entao que tive a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> te fazer esta<br />
surpresa.<br />
- Sirc Eustim, sera que ela estara<br />
<strong>de</strong>senvolvendo outros dons?<br />
- E bem provavel. So nao po<strong>de</strong>remos insistir<br />
para que ela os mostre. Nos comecamos a ter<br />
nossos po<strong>de</strong>res, dons como tu chamas, tao logo<br />
nascemos. Com o <strong>de</strong>correr dos anos, eles nos vao<br />
sendo revelados e, caso isso nao aconteca ate<br />
completarmos quinze anos, nos serao ensinados<br />
na escola, em uma ca<strong>de</strong>ira especial. Como ela e
um hibrido, tambem nao sabemos nada a<br />
respeito. Tudo e novida<strong>de</strong> e expectativa. Agora,<br />
nao fiques assustado se, repentinamente, ela se<br />
transformar em energia pura. Hoje, observei que<br />
suas maos haviam perdido a forma humana e<br />
adquirido nossa forma energetica. O que<br />
provocou esta mudanca, ainda nao sei.<br />
O resto da noite, ate que ela ficasse cansada e<br />
pedisse para dormir, aproveitamos para passear,<br />
levitando, pela casa e ao redor <strong>de</strong>la. Divertimosnos<br />
muito, pois <strong>de</strong>scobrimos, tambem, que ela<br />
podia dar cambalhotas em pleno ar. E a cada<br />
cambalhota executada, ela ria inocentemente e,<br />
<strong>de</strong> uma maneira que sos os bebes sabem faze-lo,<br />
sua risada enchia o ar <strong>de</strong> alegria, encantamento e<br />
<strong>de</strong> uma energia tao positiva que ate as cores da<br />
noite pareciam mudar.<br />
Dia a dia, as surpresas eram cada vez mais<br />
constantes. A<strong>de</strong>lita <strong>de</strong>monstrava uma maturida<strong>de</strong><br />
excepcional para a ida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>senvolvimento<br />
mental era completamente anormal ate para uma<br />
crianca alienigena.<br />
A nossa mais nova <strong>de</strong>scoberta foi com relacao<br />
a telepatia. Ela podia ler nossos pensamentos<br />
bem como conversar, telepaticamente, conosco.<br />
Estava dificil, para Sirc, montar um programa <strong>de</strong><br />
testes com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r avaliar
psicologicamente a menina. Sabiamos, agora, que<br />
teriamos <strong>de</strong> ter muito cuidado com o que<br />
pensavamos, em caso <strong>de</strong> estar na presenca <strong>de</strong>la.<br />
Seria muito dificil escon<strong>de</strong>r qualquer coisa <strong>de</strong><br />
A<strong>de</strong>lita.<br />
A manha no laboratorio estava tranquila.<br />
Distraia-me com a leitura <strong>de</strong> experiencias<br />
clonicas efetuadas pelos alienigenas em animais<br />
da Africa Central quando ouvi perfeitamente<br />
A<strong>de</strong>lita dizer-me que teria que viajar para muito<br />
longe. Teria sido apenas impressao? Um <strong>de</strong>vaneio<br />
durante a leitura?<br />
A tempesta<strong>de</strong> forte piorava as condicoes <strong>de</strong><br />
visibilida<strong>de</strong> da estrada on<strong>de</strong> ficava o hospital Sao<br />
Jose, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dom Feliciano, no Rio Gran<strong>de</strong><br />
do Sul. Junto comigo estavam Falk, um <strong>de</strong>legado<br />
<strong>de</strong> policia <strong>de</strong> Porto Alegre e a Irma Cleonice,<br />
freira e enfermeira do hospital.<br />
Por volta das duas horas da manha, chegamos.<br />
A Madre Superiora e enfermeira-chefe nos<br />
aguardavam no saguao <strong>de</strong> entrada do hospital.<br />
- Gracas a Deus, os senhores chegaram. Disse<br />
ela em tom <strong>de</strong> aflicao.<br />
- Madre Superiora, quero que a senhora<br />
conheca o Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, por quem o<br />
Francisco tanto chama, o Dr. Falk, chefe do<br />
servico medico on<strong>de</strong> o Dr. <strong>Marcus</strong> Roge esta
fazendo estagio <strong>de</strong> especializacao e o Delegado<br />
Clovis, chefe do Francisco na policia <strong>de</strong> Porto<br />
Alegre. Madre, o Dr. Falk nao fala a nossa lingua,<br />
por isto, o Dr. <strong>Marcus</strong> Roge servira <strong>de</strong> interprete;<br />
entretanto, po<strong>de</strong>mos falar normalmente, pois ele<br />
nos enten<strong>de</strong> perfeitamente. A Irma Cleonice fez<br />
nossas apresentacoes.<br />
- Me acompanhem, vou leva-los ate o quarto<br />
on<strong>de</strong> o paciente esta. Nao faz muito tempo que<br />
ele adormeceu. Esta <strong>de</strong>lirando muito e tem muita<br />
febre. De acordo com o laudo medico, a cirurgia<br />
teve pleno exito; entretanto, este estado <strong>de</strong><br />
inconsciencia e estas alucinacoes estao ficando<br />
cada vez piores. Hoje pela manha, como comecou<br />
a apresentar temperatura, o nosso chefe da<br />
cirurgia solicitou que chamassemos os senhores,<br />
pois, em um dos momentos <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, ele dissenos<br />
que tinha assuntos importantes para serem<br />
revelados e que os mesmos tinham interesse<br />
nacional.<br />
A irma era uma verda<strong>de</strong>ira cachoeira <strong>de</strong><br />
palavras. Quanto mais aflita ficava, mais falava.<br />
Finalmente, apos caminharmos por varios<br />
corredores, chegamos a uma ala do hospital,<br />
reservada para doentes mentais. Francisco estava<br />
em um quarto, so, amarrado no leito. Dormia<br />
calmamente; entretanto, podia-se ver que estava
febril. Havia sudorese em sua face toxemiada e<br />
palida.<br />
- Por favor, irma <strong>de</strong>ixe-o <strong>de</strong>scansar e,<br />
enquanto isso, a senhora po<strong>de</strong>ria nos relatar tudo<br />
o que aconteceu. Existe uma sala, nesta ala, on<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>mos conversar?<br />
- Claro. Desculpem-me, estou tao nervosa que<br />
esqueci ate das boas maneiras. Vamos para a sala<br />
<strong>de</strong> espera e la, enquanto conto tudo os que<br />
sabemos, os senhores po<strong>de</strong>rao fazer um lanche ou<br />
tomar cafe.<br />
Tinhamos, em pouco tempo, a nossa frente,<br />
um verda<strong>de</strong>iro cafe colonial. Nao sei quanto aos<br />
meus companheiros <strong>de</strong> viagem, mas estava<br />
faminto e com sauda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quase tres<br />
anos, <strong>de</strong> um cafe daqueles.<br />
- Ha sete dias, estavamos recolhidas a<br />
clausura, quando a enfermeira <strong>de</strong> plantao nos<br />
chamou, bastante aflita e com certo panico,<br />
dizendo que haviam <strong>de</strong>ixado um homem muito<br />
ferido na porta do hospital. Alguem tocara a<br />
campainha da porta principal do hospital. Ela, a<br />
principio, nao <strong>de</strong>u muita importancia, pois, a<br />
noite, sao comuns as pessoas se dirigirem para o<br />
pronto socorro, que fica <strong>de</strong> plantao<br />
diuturnamente, e se localiza em outra ala do<br />
hospital. Como insistiram, ela foi aten<strong>de</strong>r e
encontrou este homem jogado ao chao. Estava<br />
inconsciente e todo ensanguentado. Ao<br />
aproximar-se do homem, notou que respirava<br />
com dificulda<strong>de</strong> e que tinha um bilhete em cima<br />
do peito dizendo "ele esta no hospital para nao<br />
morrer sem assistencia. Nao adianta prestar<br />
socorro porque vai morrer e, se sobreviver, todos<br />
no hospital, vao se arrepen<strong>de</strong>r. Ele e o diabo." Por<br />
causa do bilhete, ela ficou bastante nervosa e nos<br />
chamou. Sem <strong>de</strong>mora, o transportamos para o<br />
pronto socorro e la, nosso medico <strong>de</strong> plantao,<br />
prestou os primeiros atendimentos estabilizando<br />
os sinais vitais e dando-nos o real estado <strong>de</strong><br />
sau<strong>de</strong> do homem.<br />
- O que aconteceu com ele? Falk, perguntou,<br />
achando que a irma falava muito, dispersando-se<br />
do objetivo principal.<br />
- Ele havia sido atirado. Estava com quatro<br />
perfuracoes <strong>de</strong> projetil <strong>de</strong> arma <strong>de</strong> fogo, calibre<br />
38. Todos os tiros acertaram pontos vitais;<br />
entretanto, o homem continuava vivo. Por<br />
orientacao do medico plantonista, ele foi levado<br />
para a sala <strong>de</strong> cirurgia, on<strong>de</strong> nosso cirurgiaochefe<br />
o operou. Do atendimento, no pronto<br />
socorro a cirurgia, foram <strong>de</strong>corridas quatro horas.<br />
Eram seis horas da manha quando a cirurgia<br />
terminou. Para mim, era mais um caso <strong>de</strong> briga,
cujo responsavel pelo ato criminoso resolveu<br />
prestar socorro, por arrependimento. Gracas a<br />
pericia <strong>de</strong> nossos medicos, o homem, ao terminar<br />
a cirurgia, estava fora <strong>de</strong> perigo. Estava vestindo<br />
o uniforme, quando outra enfermeira avisou-me<br />
que o cirurgiao precisava falar comigo com<br />
urgencia. Fui ao seu encontro e, para meu<br />
espanto, ele disse-me algo que me <strong>de</strong>ixou muito<br />
preocupada.<br />
- O que ele lhe disse, irma? Perguntei afoito.<br />
- Ele disse-me que as balas, todas elas, tinham<br />
atravessado o coracao, tinham atingido arterias<br />
importantes e provocado gran<strong>de</strong>s hemorragias.<br />
Que era impossivel o homem estar vivo. O mais<br />
estranho, entretanto, disse-me ele, que todas as<br />
balas eram <strong>de</strong> prata. Como havia guardado o<br />
bilhete e pedido, para a enfermeira que o<br />
encontrara, guardar segredo a respeito <strong>de</strong>le,<br />
fiquei mais preocupada e com muito medo. Ate<br />
aquele momento, nada sabiamos sobre o homem:<br />
quem era <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viera, o que fazia. Nada.<br />
- Como a senhora nos localizou? Perguntei<br />
para a irma.<br />
- Tres dias apos a cirurgia, o homem acordou e<br />
disse que se chamava Francisco e que trabalhava<br />
para a policia <strong>de</strong> Porto Alegre. Disse que era<br />
<strong>de</strong>tetive. Resolvi entao comunicar a ocorrencia
para eles. A fim <strong>de</strong> que seus familiares fossem<br />
avisados, bem como seus superiores. Os<br />
acontecimentos da cirurgia, o bilhete, o fato <strong>de</strong><br />
ele ainda estar vivo, teriam, entao, uma<br />
explicacao. Fiquei mais tranquila. O Dr. Clovis<br />
veio ve-lo, conversou conosco e disse que, se<br />
precisassemos <strong>de</strong> qualquer coisa, era so lhe<br />
telefonar. Nao sei explicar o porque, mas o fato e<br />
que nao contei nada sobre o bilhete, a cirurgia e<br />
as balas <strong>de</strong> prata, ao Dr. Clovis. Acho que tive<br />
medo <strong>de</strong> ele nao acreditar em nada e ficar<br />
pensando coisas erradas a meu respeito e sobre a<br />
etica do hospital. No outro dia, entretanto, ele<br />
comecou a apresentar febre e a <strong>de</strong>lirar. Tentou<br />
sair do quarto varias vezes, sempre dizendo que<br />
precisava falar com <strong>Marcus</strong> Roge, que tinha<br />
coisas importantes para contar, coisas que eram<br />
muito importantes para o futuro do Brasil. Fiquei<br />
apreensiva. Os medicos disseram-me que nao<br />
havia nada <strong>de</strong> errado com o paciente e que nao<br />
sabiam explicar o motivo da febre. Todos os<br />
exames laboratoriais estavam normais. Teriamos<br />
que aguardar e medica-lo sintomaticamente ate<br />
que o proprio organismo mostrasse ou sugerisse<br />
o motivo daquele quadro clinico. Ai aconteceu o<br />
inesperado. Ha dois dias, a enfermeira da noite,<br />
ao dar a medicacao das vinte e duas horas, notou
que os olhos do paciente estavam emitindo luzes<br />
violaceas. Apavorada, largou tudo e comecou a<br />
gritar em panico, por ajuda. Foi quando resolvi<br />
contar tudo o que sabia para a irma Cleonice,<br />
minha auxiliar <strong>de</strong> maior confianca. Por<br />
<strong>de</strong>terminacao <strong>de</strong>la, apos termos ligado para o Dr.<br />
Clovis, em Porto Alegre, se prontificou em viajar<br />
para a capital, dois dias mais cedo, pois, <strong>de</strong> dois<br />
em dois meses, ela viaja para la a fim <strong>de</strong><br />
participar <strong>de</strong> reunioes administrativas e<br />
religiosas <strong>de</strong> nossa Congregacao, aproveitando<br />
para busca-lo e, ao mesmo tempo, entregar-lhe as<br />
balas e o bilhete. Achamos que seria melhor<br />
assim do que te-los aqui, no hospital. Estamos<br />
com muito medo. Nao sabemos o que esta<br />
acontecendo com o Francisco e muito menos o<br />
que ele e na realida<strong>de</strong>.<br />
- Bem, disse o <strong>de</strong>legado Clovis, que ate agora<br />
ouvia a tudo no mais completo silencio, eu<br />
conheco so um <strong>Marcus</strong> Roge que, alem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>tetive, e medico. Trabalhamos juntos, aqui no<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, por algum tempo, durante o<br />
regime militar, no combate aos subversivos;<br />
<strong>de</strong>pois, nos separamos: eu continuei a trabalhar<br />
em Porto Alegre e ele foi para o Parana, mais<br />
precisamente para Londrina, on<strong>de</strong> por muitos<br />
anos exerce as duas profissoes. Procurei entrar
em contato com ele e, no seu consultorio, fui<br />
informado, por sua secretaria, que estava fora do<br />
Brasil, fazendo um curso <strong>de</strong> especializacao. Ela<br />
perguntou se era importante e, como disse que<br />
sim, <strong>de</strong>u-me um numero <strong>de</strong> telefone. Achei-o<br />
estranho, pois, ao ligar, disseram-me que era <strong>de</strong><br />
uma ilha chamada Vanuatu, como <strong>Marcus</strong> Roge<br />
sempre vive aprontando, pensei que estava na<br />
ilha fazendo turismo. Fiquei surpreso ao saber<br />
que se tratava da resi<strong>de</strong>ncia do Dr. Falk, um dos<br />
medicos responsaveis pelo estagio que estava<br />
fazendo. Deixei um recado pedindo para ele<br />
entrar em contato comigo, o mais urgente<br />
possivel, pois um <strong>de</strong>tetive nosso <strong>de</strong> nome<br />
Francisco havia sido ferido e precisava falar com<br />
ele um assunto muito importante. Minha<br />
surpresa maior foi ve-los ontem, em minha sala<br />
do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> policia <strong>de</strong> Porto Alegre. Por<br />
falar nisso, como e que voces chegaram tao<br />
<strong>de</strong>pressa?<br />
- Aconteceu <strong>de</strong> eu e o Dr. Falk estarmos aqui,<br />
em Porto Alegre, para uma reuniao <strong>de</strong> estudos,<br />
quando, ao ligarmos para Vanuatu, a fim <strong>de</strong><br />
sabermos se tudo estava bem, recebemos o teu<br />
recado. Imediatamente fomos te aten<strong>de</strong>r. Agora,<br />
coinci<strong>de</strong>ncia maior foi termos encontrado a irma<br />
Cleonice, na tua sala. Essa nem eu esperava ou
po<strong>de</strong>ria imaginar que pu<strong>de</strong>sse acontecer.<br />
O que na realida<strong>de</strong> acontecera, eu nao po<strong>de</strong>ria<br />
contar ao Dr. Clovis. Como ocorreu a<br />
comunicacao <strong>de</strong> Vanuatu para a ilha, eu sei. Fui<br />
avisado que <strong>de</strong>veria viajar, imediatamente, com<br />
Falk para Porto Alegre. Quando chegamos a<br />
caverna, a espaconave ja estava pronta para<br />
<strong>de</strong>colar. O voo foi mais rapido do que o anterior.<br />
Aterrissamos, em meio a uma gran<strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>,<br />
a noite, em uma mata proxima da cida<strong>de</strong>.<br />
- E, parece que o Francisco tem muita sorte, e<br />
nos tambem, pois ele po<strong>de</strong>ra contar com mais<br />
dois medicos para elucidar o seu caso e eu<br />
po<strong>de</strong>rei ficar sabendo que assunto tao importante<br />
ele tem para contar para ti, <strong>Marcus</strong> Roge. A voz<br />
<strong>de</strong> Clovis estava aliviada e, ao mesmo tempo,<br />
relaxada.<br />
Por insistencia da Madre Superiora, ficamos<br />
hospedados no hospital e isso nos facilitou<br />
muito, visto que, as oito horas da manha, ja<br />
estavamos no quarto <strong>de</strong> Francisco prontos para<br />
examina-lo e ouvir a sua historia.<br />
Para mim, tudo em relacao ao Francisco era<br />
uma incognita. Depois que o tratamento <strong>de</strong>le<br />
terminara e que fora levado da ilha nunca mais<br />
tivera noticias <strong>de</strong>le. Tambem estava curioso para<br />
saber a sua historia, como estava vivendo, se
ealmente a experiencia havia dado certo.<br />
- Dr. Clovis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fui <strong>de</strong>signado para esta<br />
missao, tenho passado por poucas e boas. Com a<br />
ajuda <strong>de</strong> Deus, tenho conseguido muitas provas<br />
incriminadoras contra uma elite da socieda<strong>de</strong><br />
que, aparentemente, sao honestos e pacatos<br />
cidadaos acima <strong>de</strong> quaisquer suspeitas. Francisco<br />
falava com certa dificulda<strong>de</strong> e em tom baixo,<br />
como se estivesse com receio <strong>de</strong> ser ouvido.<br />
- Que investigacao tu estas fazendo?<br />
Perguntei.<br />
- Ele foi <strong>de</strong>signado pela DIE (Divisao <strong>de</strong><br />
Investigacoes Especiais) para investigar possiveis<br />
contrabandos <strong>de</strong> armas, que estao ocorrendo em<br />
nossa fronteira com o Uruguai. Fazem mais <strong>de</strong><br />
seis meses que temos uma equipe <strong>de</strong><br />
investigadores no caso. O Francisco e um dos<br />
meus melhores <strong>de</strong>tetives. Des<strong>de</strong> que veio para<br />
Porto Alegre, ha dois anos, transferido <strong>de</strong> Sao<br />
Paulo, ele tem prestado excelente trabalho ao<br />
nosso Estado e a cida<strong>de</strong>. Continue, por favor.<br />
- Como dizia, tenho passado por poucas e<br />
boas. Durante as investigacoes, <strong>de</strong>scobri que<br />
alguns policiais, <strong>de</strong> varias cida<strong>de</strong>s do interior,<br />
estavam envolvidos com estas pessoas e que, na<br />
realida<strong>de</strong>, alem <strong>de</strong> contrabando <strong>de</strong> armas, existe<br />
um plano <strong>de</strong> emancipacao politica do Rio Gran<strong>de</strong>
do Sul. Eles querem separar o Rio Gran<strong>de</strong> da<br />
Uniao, e ate estao pensando em fazer uma arma<br />
nuclear. Varios suspeitos estao envolvidos com<br />
contrabando <strong>de</strong> substancias radioativas,<br />
principalmente uranio. Como nao consegui<br />
<strong>de</strong>scobrir todos os policiais envolvidos, tenho<br />
feito toda a investigacao sozinho, sem a<br />
colaboracao <strong>de</strong> ninguem. Ha vinte dias, quando<br />
estava, disfarcado <strong>de</strong> mendigo, investigando e<br />
fotografando, fui pego por dois policiais.<br />
Arrastaram-me para um galpao, localizado em<br />
uma fazenda no interior <strong>de</strong> Uruguaiana, e la me<br />
espancaram muito. Destruiram todo o material<br />
que tinha comigo, assim como os meus<br />
documentos. Disseram-me que morto nao<br />
precisava <strong>de</strong> documentos, principalmente, um<br />
morto safado como eu, um traidor do estado e da<br />
causa libertadora. Por dois dias fiquei apanhando<br />
e sendo torturado com fios eletricos. Eles<br />
queriam saber quantos somos na investigacao e o<br />
que sabemos. Em uma das muitas secoes <strong>de</strong><br />
espancamento, senti uma forca muito estranha<br />
vinda <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. Era como se estivesse<br />
possuido por uma energia cosmica, diferente, a<br />
qual nao conseguia controlar. Esta forca fez com<br />
que, nao sei como, agarrasse meus carrascos e<br />
comecasse a agredi-los, incontrolavelmente,
utalmente. Eu os ouvia dizer, gritando,<br />
apavorados "o homem virou diabo; veja a luz nos<br />
olhos; temos que fugir e provi<strong>de</strong>nciar uma arma<br />
que seja eficaz nestes casos". Sei que um <strong>de</strong>les<br />
conseguiu escapar e minutos apos, retornando,<br />
disparou em mim varias vezes. E o que me<br />
lembro. Quando acor<strong>de</strong>i, estava sendo examinado<br />
por uma freira. Depois so recordo <strong>de</strong> estar aqui e<br />
sentir muita febre. O interessante e que, quando<br />
a febre e muito alta, sinto a mesma energia<br />
saindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim. E como se estivesse a<br />
ponto <strong>de</strong> explodir. Tenho visoes estranhas.<br />
- Que tipo <strong>de</strong> visoes voce tem? Perguntou<br />
Falk.<br />
- Vejo uma linda mulher loira, outro homem<br />
loiro, uma caverna cheia <strong>de</strong> aparelhos, um povo<br />
estranho... Vejo-me trabalhando na agricultura,<br />
preparando a terra para plantar. Estou sempre<br />
acompanhado pela mulher e pelo homem loiro.<br />
Sinto dores no estomago. Sao dores tao terriveis<br />
que me fazem urrar e tremer. Sinto uma<br />
compulsao estranha, uma vonta<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong><br />
fazer sexo... E tudo muito confuso.<br />
- Calma. Fique calmo. Para tudo existe uma<br />
explicacao e sei que agora, com tantos<br />
profissionais competentes a te tratar, vais ficar<br />
curado. A voz do <strong>de</strong>legado Clovis tinha um tom
econfortante e amigo. Vamos <strong>de</strong>ixa-lo <strong>de</strong>scansar.<br />
Ja fizeste esforco <strong>de</strong>mais por hoje. Fica bem<br />
tranquilo que estamos aqui para te ajudar e te<br />
proteger. Descansa.<br />
Saimos do quarto e voltamos para a sala on<strong>de</strong>,<br />
na madrugada anterior, haviamos tomado um<br />
verda<strong>de</strong>iro cafe colonial.<br />
A Madre Superiora e a Irma Cleonice estavam<br />
completamente perdidas, sem enten<strong>de</strong>rem<br />
absolutamente nada da historia que Francisco<br />
relatara.<br />
- Por que as balas <strong>de</strong> prata? Por que os olhos<br />
do paciente mudam <strong>de</strong> cor? Nos vimos isto<br />
acontecer. Como? As perguntas da Irma Cleonice<br />
faziam coro com as da Madre Superior.<br />
- Sabe Irma Cleonice e Madre Superiora,<br />
existem acontecimentos que sao muito estranhos<br />
ate mesmo <strong>de</strong>sconhecidos pela maioria dos<br />
cientistas do mundo mo<strong>de</strong>rno. Ate eu, que estou<br />
fazendo o estagio <strong>de</strong> aperfeicoamento na minha<br />
especialida<strong>de</strong> medica, que e a genetica, participo<br />
<strong>de</strong> varias experiencias tao fantasticas, que se<br />
fossem relatadas, agora, para o meio medico<br />
mundial, seriam consi<strong>de</strong>radas mentiras, ficcao<br />
cientifica. O que as senhoras viram, realmente<br />
aconteceu e ira acontecer outras vezes com o<br />
Francisco. Gostaria que voces duas ficassem
calmas e escutassem o que o Dr. Falk tem para<br />
lhes contar. O Francisco foi paciente <strong>de</strong>le e<br />
participou como voluntario <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas<br />
experiencias fantasticas.<br />
- Tenho um centro <strong>de</strong> genetica avancada em<br />
meu hospital, na ilha <strong>de</strong> Vanuatu, on<strong>de</strong> o Dr.<br />
<strong>Marcus</strong> Roge e um dos meus assistentes<br />
estagiarios. O Francisco, quando comecou a<br />
participar <strong>de</strong> um <strong>de</strong> nossos projetos, foi por<br />
indicacao do Dr. <strong>Marcus</strong> Roge. Ele o conhecia ha<br />
muito tempo e, segundo soube, encontrava-se em<br />
Vanuatu, em viagem <strong>de</strong> ferias. Estava muito<br />
estressado por causa do trabalho policial e por<br />
causa <strong>de</strong> um vicio que adquirira e que queria<br />
largar. O Francisco, Irmas, ate o inicio <strong>de</strong> nossa<br />
experiencia era um alcoolatra contumaz e isto o<br />
estava prejudicando social e profissionalmente,<br />
alem <strong>de</strong> ter sua sau<strong>de</strong> bastante comprometida.<br />
Um dos projetos <strong>de</strong> pesquisa do Dr. <strong>Marcus</strong> Roge<br />
e a alteracao genetica do ser humano, atraves <strong>de</strong><br />
irradiacao ionizante, nao-ionizante e posterior<br />
tratamento psicologico para a mudanca radical <strong>de</strong><br />
personalida<strong>de</strong> e dos habitos in<strong>de</strong>sejados.<br />
Estava evi<strong>de</strong>nte que o Dr. Falk contara uma<br />
mentira, pensei. Nao sabia <strong>de</strong> inicio o que ele iria<br />
falar, para tentar explicar o que as irmas viram. A<br />
historia inventada por ele, entretanto, parece que
surtiu efeito, pois <strong>de</strong>ixou as irmas mais<br />
confiantes e calmas com relacao ao Francisco.<br />
Foi uma maneira inteligente e, proxima da<br />
verda<strong>de</strong>, a nova historia <strong>de</strong> vida do Francisco. Eu<br />
tambem estava surpreso em encontrar o<br />
Francisco trabalhando do lado da Lei, como<br />
homem da Lei. Falk, Sirc Eustim ou Ruel, nada<br />
haviam me falado a respeito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eles<br />
partiram da ilha. Fiquei quieto, mesmo com<br />
curiosida<strong>de</strong> para saber <strong>de</strong>les, por medo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spertar alguma <strong>de</strong>sconfianca em Sirc Eustim<br />
sobre mim e Carla e, tambem, porque aprendi que<br />
eles nao gostam <strong>de</strong> ser interrogados sobre<br />
atitu<strong>de</strong>s tomadas. Se quisessem contar-me o<br />
para<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>les, o teriam feito.<br />
- Gostaria <strong>de</strong> perguntar ao Dr. Clovis uma<br />
coisa. Falou a Madre Superiora.<br />
- Pois nao Madre, esteja a vonta<strong>de</strong>.<br />
- Gostaria <strong>de</strong> saber se a experiencia dos<br />
doutores <strong>de</strong>u resultado? O Francisco parou <strong>de</strong><br />
beber?<br />
- Madre Superiora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conheco o<br />
Francisco e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ele veio trabalhar comigo,<br />
na DIE, nunca o vi colocar uma gota sequer <strong>de</strong><br />
alcool na boca e seu comportamento social e<br />
profissional e exemplar.<br />
- Entao o servico do Dr. Falk <strong>de</strong>scobriu um
tratamento efetivo para o alcoolismo. Isto e<br />
fantastico. Tem que ser divulgado para o mundo<br />
todo. A Madre Superiora falava com entusiasmo e<br />
sua expressao facial era <strong>de</strong> real felicida<strong>de</strong>.<br />
- Ainda e cedo para tal, Madre. Falou o Dr.<br />
Falk. Nao sabemos, porque nao temos um<br />
numero expressivo <strong>de</strong> casos, quais serao os<br />
efeitos colaterais do tratamento e, se eles<br />
existirem, quanto tempo levarao para aparecer.<br />
Como a senhora esta vendo, o Francisco esta<br />
apresentando modificacoes fisicas estranhas e<br />
interessantes; portanto, temos que acompanhalos<br />
por mais tempo, expondo-os as mais diversas<br />
situacoes <strong>de</strong> vida, para avaliarmos todo o nosso<br />
tratamento; para verificarmos se estes efeitos<br />
colaterais po<strong>de</strong>m ser corrigidos e <strong>de</strong> que maneira<br />
isto po<strong>de</strong>ra ser feito. Tambem temos que fazer<br />
um balanco entre os pros e os contras <strong>de</strong>ste<br />
tratamento. Serao os beneficios percentualmente<br />
superiores aos efeitos colaterais, a ponto <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>rmos indica-lo como tratamento? Fazendose<br />
um balanco <strong>de</strong> tudo isto e que, so entao,<br />
po<strong>de</strong>remos publica-lo, tornando-o mais uma arma<br />
para combater este mal que assola o mundo todo.<br />
A Irma Cleonice ouvia a tudo com muita<br />
atencao e ate mesmo fascinada com as<br />
explicacoes cientificas que se <strong>de</strong>scortinavam ali.
Repentinamente, como que tendo um estalo,<br />
perguntou:<br />
- Por que atiraram nele com balas <strong>de</strong> prata?<br />
- Bem, Irma, ai acredito que tem muito da<br />
criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos policiais. Como a senhora<br />
ouviu, o Francisco disse que foi preso, torturado<br />
e atirado por dois policiais <strong>de</strong> Uruguaiana.<br />
Tambem ouviu dizer que <strong>de</strong>scobriu que varios<br />
outros policiais, <strong>de</strong> varias cida<strong>de</strong>s do Rio Gran<strong>de</strong><br />
do Sul, estavam envolvidos nesta trama <strong>de</strong><br />
separacao politica do Estado e, subenten<strong>de</strong>-se,<br />
que tambem estejam envolvidos no contrabando<br />
<strong>de</strong> armas e material radioativo que possibilitaria<br />
a criacao <strong>de</strong> uma bomba atomica. E claro que um<br />
modo inteligente <strong>de</strong> afasta-lo <strong>de</strong> tudo era<br />
matando-o. Certamente, eles tambem viram o<br />
Francisco ficar fora <strong>de</strong> si, com uma forca incrivel<br />
e irradiando luzes violetas pelos olhos; entao,<br />
acharam a maneira <strong>de</strong> fazer o servico sujo sem se<br />
complicarem.<br />
- Dr. Clovis eu nao o entendi. Disse a Irma<br />
Cleonice.<br />
- Existem muitas estorias folcloricas no Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul, e acredito que todo pais as tem,<br />
sobre homens que carregam maldicoes <strong>de</strong><br />
nascimento, transformando-se em monstros ou<br />
seres estranhos e assustadores. A atencao <strong>de</strong>
todos foi maior para o que o Dr. Clovis comecava<br />
a falar. Assim, aqui, nos temos estorias sobre a<br />
"mula sem cabeca", o "Saci Perere", o "Boi Tata",<br />
"lobisomens" e sobre "ogres". O interessante e<br />
que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da nossa regiao, as pessoas<br />
acreditam piamente na existencia <strong>de</strong>stes seres.<br />
Por causa disto, em vista do que aconteceu com<br />
o Francisco, certamente um <strong>de</strong>stes policiais e um<br />
dos que acreditam nestas estorias e, quando<br />
escapou, foi carregar o seu revolver com balas <strong>de</strong><br />
prata que, segundo consta nas estorias, e so o que<br />
po<strong>de</strong> matar um ogre.<br />
- Muito bem, falou o Dr. Falk, como e que o<br />
senhor tem certeza <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> um ogre, se<br />
existem outros seres estranhos, e o que e o ogre?<br />
- Bem, no folclore do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, os<br />
seres mais comuns <strong>de</strong>stas estorias sao o<br />
lobisomem e o ogre. O lobisomem, como todo<br />
mundo sabe em noites <strong>de</strong> lua cheia se transforma<br />
em lobo e, como nao o faz totalmente, meta<strong>de</strong> e<br />
lobo e meta<strong>de</strong> e homem. Pelo que apuramos com<br />
o Francisco, ele foi agredido ha <strong>de</strong>z dias e<br />
tambem teve mudancas fisicas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aqui<br />
chegou; pois bem, ha <strong>de</strong>z dias que nao temos lua<br />
cheia. Por este motivo, tenho certeza <strong>de</strong> que se<br />
trata <strong>de</strong> um ogre e nao lobisomem. O que e um<br />
ogre? Conta o folclore que o ogre e um homem
que tem uma heranca genetica, que so e revelada<br />
ou no filho mais velho ou no setimo filho homem<br />
<strong>de</strong> uma familia. Esta heranca faz com que o<br />
individuo se transforme em um cao enorme, <strong>de</strong><br />
cujos olhos saem faiscas <strong>de</strong> fogo, e que gosta <strong>de</strong><br />
invadir cemiterios para comer os cadaveres<br />
recem-enterrados. Este cao, tao logo satisfeita a<br />
sua fome, inva<strong>de</strong> a casa <strong>de</strong> uma moca, que ja<br />
estava sendo observada por ele quando homem, e<br />
com ela mantem relacao sexual, perpetuando<br />
assim a heranca nefasta. Reza, tambem, nesta<br />
estoria, que um ogre so morre se for atirado com<br />
balas <strong>de</strong> prata; caso contrario, eles po<strong>de</strong>m viver<br />
eternamente. Fora o fato <strong>de</strong> comerem cadaveres,<br />
os ogres sao individuos extremamente doceis,<br />
amaveis, inteligentes, super-educados; porem,<br />
quando expostos a pressoes psicologicas<br />
extremas ou a agressoes fisicas violentas,<br />
transformam-se, imediatamente, no cao e matam<br />
o agressor ou quem estiver causando a pressao. E<br />
uma maldicao terrivel principalmente por nao<br />
po<strong>de</strong>rem controlar a transformacao e nao<br />
saberem o quanto e necessario, isto e, o grau <strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong> da agressao ou da pressao<br />
psicologica, para que a transformacao se<br />
processe. Apos cometer o crime, sempre voltam<br />
ao normal, isto e, assumem a forma humana e,
neste momento, comeca um periodo terrivel. O<br />
homem fica sob um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressao maior<br />
grave durante meses. Existem, para piorar o<br />
quadro clinico, o remorso, a culpa, a incerteza do<br />
acontecido, o <strong>de</strong>sconhecimento total dos fatos.<br />
Geralmente sao pessoas isoladas, que tem medo<br />
<strong>de</strong> assumir um relacionamento serio com alguem;<br />
<strong>de</strong> constituirem familia. E o medo que sentem<br />
nao e pelo fato <strong>de</strong> transmitirem o gene maligno<br />
para seus filhos e, sim, por medo <strong>de</strong>, em uma<br />
crise qualquer, <strong>de</strong> tensao psicologica, virem a<br />
matar a esposa e os filhos. Um ogre nao tem<br />
lembranca <strong>de</strong> nada. O cao nao reconhece as<br />
pessoas que normalmente se relacionam com o<br />
homem. Para o cao, todo o ser animal, vivo ou<br />
morto, e um inimigo e <strong>de</strong>ver ser comido. Para<br />
completar, um ogre tambem e chamado <strong>de</strong> ogro e,<br />
se a memoria nao me falha, tambem faz parte <strong>de</strong><br />
estorias fantasticas, contadas as criancas para<br />
intimida-las; seria uma especie <strong>de</strong> "bicho papao".<br />
- Caro amigo Clovis, o teu conhecimento sobre<br />
ogre ou ogro e sobre estorias folcloricas, e<br />
fantastico. Nao sabia <strong>de</strong>ste teu lado cultural. Falei<br />
admirado.<br />
- Meu caro doutor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong><br />
trabalhar juntos, que tenho adquirido varios<br />
habitos saudaveis e um <strong>de</strong>les e o <strong>de</strong> estudar
nosso folclore, suas lendas, suas estorias... Sou<br />
um apaixonado por nossas tradicoes, por nossa<br />
cultura. Enfatizou, respon<strong>de</strong>ndo-me, o doutor<br />
<strong>de</strong>legado. Continuando com a explicacao sobre as<br />
balas <strong>de</strong> prata, que i<strong>de</strong>ia mais original po<strong>de</strong>ria<br />
surgir, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nao se <strong>de</strong>ixar prova<br />
alguma contra os policiais, do que se aproveitar<br />
da crendice popular sobre estas estorias? E fato<br />
notorio que em Uruguaiana o povo acredita na<br />
existencia <strong>de</strong> ogres. O mesmo acontece aqui, em<br />
Dom Feliciano. A criativida<strong>de</strong> dos policiais foi<br />
algo admiravel. "Matamos um individuo que nos<br />
<strong>de</strong>scobriu e, ao mesmo tempo, livramos a cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um ogre", foi o pensamento <strong>de</strong>les. Tenho<br />
quase certeza <strong>de</strong> que, la em Uruguaiana, todo<br />
mundo ja sabe que um ogre foi morto. Como nao<br />
se po<strong>de</strong> enterra-lo na terra em que foi mortoesqueci<br />
<strong>de</strong> contar sobre isto- eles aproveitaram a<br />
<strong>de</strong>ixa popular e o trouxeram para ca, on<strong>de</strong><br />
tambem a crenca, na existencia <strong>de</strong> ogres, e muito<br />
forte. O resto nos sabemos. Foi so montar o<br />
espetaculo: livres do policial abelhudo, livres da<br />
culpa <strong>de</strong> assassinato e herois por terem matado<br />
um ogre. O que eles nao contavam foi o fato do<br />
Francisco ter sobrevivido, o que prova que ele<br />
nao e um ogre. Nao sei explicar como ele esta<br />
vivo, visto que todas as balas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>
serem <strong>de</strong> prata, atingiram pontos mortais.<br />
Acredito muito em Deus e tenho certeza que Ele<br />
o <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u e o protegeu. Nao era a hora <strong>de</strong> ele<br />
morrer. Nao e isto Irma?<br />
- O senhor esta certo, Dr. Clovis. Eu tambem<br />
acredito que Deus impediu a morte do Francisco.<br />
Todos nos temos a nossa hora <strong>de</strong> morrer. Quando<br />
completamos nossa missao, aqui na terra, o<br />
Senhor nos chama para junto Dele. Tenho certeza<br />
<strong>de</strong> que o Francisco ainda tem muito para nos<br />
ajudar e servir, como bom profissional que e, pelo<br />
que o Dr. Clovis nos contou, e como pessoa; pois,<br />
socialmente e util e necessaria. A Irma Cleonice<br />
parecia satisfeita com a resposta do Dr. Clovis<br />
sobre as balas <strong>de</strong> prata.<br />
- Por que nao se po<strong>de</strong> enterrar um ogre on<strong>de</strong><br />
ele foi morto? Perguntei ao Dr. Clovis, mais a<br />
titulo <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e tambem para completar<br />
meu aprendizado sobre ogres.<br />
- Pelo que eu li, em varios livros antigos, um<br />
ogre, quando e abatido, tem o seu sangue<br />
<strong>de</strong>rramado na terra, nao importando o local on<strong>de</strong><br />
e morto, se esta em contato ou nao com a terra,<br />
e, <strong>de</strong> acordo com a estoria, este sangue teria o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> revive-lo, caso seja enterrado no mesmo<br />
local ou proximo da area on<strong>de</strong> foi morto. A terra<br />
adquire o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> guiar o sangue ate o corpo por
mecanismos <strong>de</strong>sconhecidos, revivendo-o.<br />
Acontece que, se revivido, ele assume<br />
<strong>de</strong>finitivamente a forma <strong>de</strong> cao e entao passa a<br />
atacar todos os seres humanos que tenham<br />
contato com quem o abateu, bem como a todos<br />
os membros <strong>de</strong> sua familia, nao importando o<br />
grau <strong>de</strong> parentesco.<br />
- Existe uma outra possibilida<strong>de</strong> para terem<br />
trazido o Francisco para ca. Falei, num repente,<br />
aproveitando um lampejo no meu cerebro.<br />
- Qual, <strong>Marcus</strong> Roge? Indagou o <strong>de</strong>legado<br />
Clovis.<br />
- Francisco nos contou que varios policiais, <strong>de</strong><br />
todo o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, estao envolvidos nessa<br />
trama. Quem sabe, se um dos que o atacaram<br />
presta servicos aqui, em Dom Feliciano?<br />
Somente uma pessoa da terra teria tanta certeza<br />
da existencia <strong>de</strong> crencas como a dos ogres.<br />
Entregando o corpo, atirado com balas <strong>de</strong> prata,<br />
com um bilhete dizendo que ele era o diabo...<br />
- Bem pensado, <strong>Marcus</strong> Roge. Cortou-me as<br />
palavras o <strong>de</strong>legado. Po<strong>de</strong>s acreditar, tenho<br />
certeza que o Francisco sabe muito mais do que<br />
nos contou. Tao logo se recupere mais, o<br />
transferiremos para Porto Alegre e, la, com jeito e<br />
dando-lhe confianca <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ra contar<br />
comigo, eu consigo que conte mais.
Posteriormente, colocarei pessoas <strong>de</strong> minha<br />
inteira confianca, para investigar o caso e<br />
pren<strong>de</strong>r os responsaveis pelo atentado ao<br />
Francisco bem como todos os envolvidos nesta<br />
trama absurda, principalmente quando estao<br />
querendo fazer a coisa pelo jeito mais dificil e<br />
doloroso para um pais: a guerra civil. Irmaos<br />
matando irmaos. O caos total.<br />
- Nao esquecendo que o pensamento<br />
certamente e este, visto que ate uma arma<br />
nuclear eles estao se preparando para fabricar.<br />
Estas pessoas, na extrema conviccao <strong>de</strong><br />
patriotismo bairrista, per<strong>de</strong>ram a razao; estao<br />
loucas. As palavras da Madre Superiora estavam<br />
repletas <strong>de</strong> aflicao e angustia.<br />
- Nao acho que a permanencia do Francisco,<br />
aqui, seja o mais correto. Eu e o Dr. Falk, se os<br />
colegas do hospital o permitirem, queremos<br />
examina-lo e, se acharmos que tem condicoes<br />
fisicas para uma remocao, o faremos. Disse em<br />
tom imperativo. Sinto-me responsavel por ele e,<br />
tambem, nao quero per<strong>de</strong>r meses <strong>de</strong> trabalho e<br />
<strong>de</strong>dicacao, quando o livramos do vicio do<br />
alcoolismo. Tambem tenho interesse em saber o<br />
porque da emissao <strong>de</strong>stas luzes violeta e a forca<br />
<strong>de</strong>scomunal <strong>de</strong> que fica possuido quando<br />
agredido. Ja que nao e nenhum ogre,
aproveitando as palavras e o raciocinio do Dr.<br />
Clovis.<br />
- O Dr. <strong>Marcus</strong> Roge tem toda a razao. O Dr.<br />
Clovis falou para todos. Se as Irmas o permitirem<br />
e os medicos que o aten<strong>de</strong>ram nao se opuserem,<br />
acredito que seria pru<strong>de</strong>nte eles examinarem o<br />
Francisco o mais rapido possivel, se possivel,<br />
agora.<br />
Nao houve resistencia, por parte dos medicos<br />
do hospital que haviam atendido ao Francisco,<br />
mesmo porque eles tambem ficaram interessados<br />
e curiosos em saber o que estava se passando no<br />
corpo do Francisco. O Dr. Falk, que permanecera<br />
calado o tempo todo, falou-me que teriamos que<br />
voltar a nave. Havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apanhar um<br />
recipiente com o liquido avermelhado e tambem<br />
equipamentos mais sofisticados para que<br />
fizessemos um exame mais apurado.<br />
- Receio que nao po<strong>de</strong>remos fazer nosso<br />
exame agora. Teremos que voltar a Porto Alegre,<br />
para apanharmos equipamentos e alguns<br />
medicamentos, experimentais, que utilizamos no<br />
Francisco quando em nosso Servico, para usa-los<br />
agora, a fim <strong>de</strong> que possamos remove-lo daqui,<br />
com seguranca. Falei para todos e pu<strong>de</strong> sentir<br />
certa <strong>de</strong>cepcao nos olhares <strong>de</strong> todos.<br />
- O senhor esta dizendo que nossos
equipamentos nao sao suficientes para examinar<br />
o Francisco? Perguntou a Madre Superiora.<br />
- Nao! Nao disse isto e nem tive a intencao <strong>de</strong><br />
nao acreditar nos equipamentos do hospital. O<br />
Francisco esta vivo gracas a estes equipamentos<br />
e a capacida<strong>de</strong> tecnica dos medicos que o<br />
aten<strong>de</strong>ram. Respondi para a Madre Superiora.<br />
Acontece que temos equipamentos muito mais<br />
sofisticados e que, com certeza, nao existem em<br />
qualquer hospital da terra, a nao ser no nosso<br />
Centro, com os quais, em questao <strong>de</strong> segundos,<br />
po<strong>de</strong>remos avaliar as reais condicoes fisicas do<br />
Francisco e ver se ele suporta ou nao uma<br />
remocao imediata para Porto Alegre.<br />
- Quando e que po<strong>de</strong>rao fazer estes exames?<br />
Perguntou a Irma Cleonice.<br />
- Tao logo eu volte <strong>de</strong> Porto Alegre. Respondi.<br />
Eu e o Dr. Falk partiremos agora, aproveitando o<br />
resto da manha. Sao <strong>de</strong>z horas e, se tudo correr<br />
bem, em duas horas estaremos em Porto Alegre.<br />
Sugiro ao Dr. Clovis que fique aqui para po<strong>de</strong>r<br />
vigiar melhor o Francisco e tambem para se<br />
certificar <strong>de</strong> que ninguem saiba que ele<br />
sobreviveu ao atentado. Acho que, para o bom<br />
andamento das investigacoes, o melhor e que<br />
todos pensem que ele morreu. A autoconfianca e<br />
muito importante, porem, e uma faca <strong>de</strong> dois
gumes. Faz com que as pessoas se <strong>de</strong>scui<strong>de</strong>m e<br />
cometam erros, o que para nos e muito bom. Nao<br />
e mesmo Dr. Clovis?<br />
- <strong>Marcus</strong> Roge, voce sempre sera <strong>de</strong>tetive, por<br />
mais que exerca a medicina ou o campo <strong>de</strong><br />
pesquisa. O <strong>de</strong>legado Clovis <strong>de</strong>u uma gostosa<br />
risada.<br />
O carro do Dr. Clovis, uma Caravan Chevrolet,<br />
<strong>de</strong>senvolvia pouca velocida<strong>de</strong>, por mais que<br />
tentasse aumenta-la. Sentia que havia<br />
preocupacao e ate certo medo por tudo o que<br />
estava acontecendo, no semblante do Dr. Falk.<br />
- Nao posso garantir que este carro esteja<br />
limpo. Ouvi a voz do Dr. Falk, telepaticamente.<br />
Ele me olhou e, entao, entendi que so falariamos<br />
assim.<br />
- O que o senhor quer dizer com "estar<br />
limpo"?<br />
- O carro e <strong>de</strong> um <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> policia. Mesmo<br />
sendo teu amigo, nao seria surpresa, se estivesse<br />
equipado com um sistema <strong>de</strong> gravacao, ativado<br />
automaticamente, tao logo se <strong>de</strong> a partida.<br />
- O senhor tem razao. E melhor continuarmos<br />
a conversar telepaticamente. Seria bom, <strong>de</strong> vez<br />
em quando, falarmos alguma coisa, sem<br />
importancia, para ficar registrado. O que o senhor<br />
acha disso?
- Acho que este carro esta muito lento.<br />
Per<strong>de</strong>remos tempo <strong>de</strong>mais. Quanto mais<br />
<strong>de</strong>morarmos, maiores serao as probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
que nossa nave seja encontrada. Tenho uma<br />
i<strong>de</strong>ia. Sempre carrego comigo, quando viajo, um<br />
minigravador. Vou liga-lo ao radio do carro e ele,<br />
fara a nossa parte. Acredita. Tenho varias<br />
gravacoes <strong>de</strong> conversas comuns, entre nos, que<br />
servirao, perfeitamente agora, para o que vamos<br />
fazer.<br />
- O que vamos fazer? Indaguei surpreso.<br />
- Estas vendo aquele posto <strong>de</strong> gasolina ali na<br />
frente? Encoste la.<br />
- Mas por que? Nao ha nada <strong>de</strong> errado com o<br />
carro. Temos combustivel suficiente para irmos e<br />
voltarmos.<br />
- Encoste. Faca o que estou dizendo. Hoje tera<br />
mais uma surpresa e apren<strong>de</strong>ra mais uma coisa<br />
que o seu centro vital e capaz <strong>de</strong> fazer.<br />
Sem enten<strong>de</strong>r direito o que Falk faria, ou que<br />
estava preten<strong>de</strong>ndo fazer, estacionei o carro em<br />
frente ao restaurante do posto. Sem dizer-me<br />
nada, Falk saiu do carro e entrou no restaurante.<br />
Imediatamente, entrei atras. Virando-se para<br />
mim, disse-me para pedir ao jovem que atendia<br />
no balcao, alguem para cuidar do carro.<br />
- Com quem e on<strong>de</strong> posso <strong>de</strong>ixar o nosso carro
por algum tempo, no maximo um dia, sem que<br />
tenha que me preocupar com ele?<br />
- O senhor po<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>ixa-lo ai mesmo, na frente<br />
do restaurante. Nos nao fechamos nunca. Eu<br />
mesmo me encarrego <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong>le para o<br />
senhor. Disse o rapaz. Po<strong>de</strong> confiar. Sou o dono<br />
do restaurante.<br />
- Cui<strong>de</strong> bem <strong>de</strong>le. Recebera mais do que me<br />
cobrar.<br />
Vi que Falk voltava para o carro. Pedi ao rapaz<br />
uma xicara <strong>de</strong> cafe preto. Enquanto bebia,<br />
observava Falk trabalhando <strong>de</strong>ntro do carro.<br />
Paguei o cafe e fui ate ele.<br />
- O que o senhor esta fazendo? Perguntei<br />
telepaticamente.<br />
- Enquanto bebias o teu cafe, aproveitei para<br />
examinar o carro. Estava certo. Ele possui um<br />
sistema <strong>de</strong> gravacao automatico. E so liga-lo para<br />
aciona-lo simultaneamente. O gravador esta<br />
escondido atras do porta-luvas. Veja! Sua marca e<br />
Gradiente, e do tipo portatil, pequeno, porem<br />
altamente sensivel e confiavel. Ja instalei o meu<br />
gravador. Esta conectado a ele, <strong>de</strong> modo que,<br />
mesmo com o carro parado, ira dar a exata<br />
impressao <strong>de</strong> que estamos em movimento e<br />
conversando. Ah! De fora, ninguem ira perceber<br />
nada. Agora, vamos.
- Vamos para on<strong>de</strong>? Indaguei.<br />
- Vamos para a nave, o mais rapido que tu<br />
pu<strong>de</strong>res.<br />
Olhei o Dr. Falk sair caminhando em direcao<br />
ao asfalto. Corri e me coloquei ao lado <strong>de</strong>le,<br />
acompanhando-o. Seus passos eram rapidos. Nao<br />
estava enten<strong>de</strong>ndo nada. Como ir mais rapido<br />
para a nave, se estavamos a pe?<br />
- Pensa em teu centro vital. Ouvi a voz do Dr.<br />
Falk. Pense nele com conviccao. Pensaste?<br />
- Pensei. Respondi.<br />
- Estas sentindo-o crescer e a querer sair <strong>de</strong><br />
ti?<br />
- Sim. Era estranho, porem, sentia meu centro<br />
vital crescer e a latejar, como que se<br />
manifestando para sair. Des<strong>de</strong> que tivera varias<br />
revelacoes e que respon<strong>de</strong>ra para ele que ficaria<br />
na ilha para apren<strong>de</strong>r e tornar-me, realmente, o<br />
elo perdido, nao mais o havia sentido com tanta<br />
intensida<strong>de</strong>.<br />
- Agora, te imagina voando, tao rapido quanto<br />
um aviao a jato.<br />
Ao imaginar isto, senti que meu corpo ficara<br />
leve, a mesma sensacao que tinha ao flutuar, so<br />
que, alem disto, ele se <strong>de</strong>slocava com incrivel<br />
rapi<strong>de</strong>z, para frente. Ai, reparando no Dr. Falk, vi<br />
que ele voava rapido, a poucos metros na minha
frente.<br />
- Dr. Falk, estamos voando! Estamos voando<br />
rapido <strong>de</strong>mais! As pessoas po<strong>de</strong>m nos ver.<br />
- Fica tranquilo. Nosso <strong>de</strong>slocamento foi tao<br />
rapido que, se alguem nos viu, pensara que foi<br />
engano. Agora, procura subir. Quanto mais alto<br />
formos, mais rapido e mais seguro viajaremos.<br />
Segue-me.<br />
Eu nao acreditava no que estava acontecendo.<br />
Eu voando, na velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um jato. Nao era<br />
sonho, pois ouvia o vento esticando o tecido <strong>de</strong><br />
meu terno. Sentia-o em todo o meu corpo,<br />
repuxando minha face com tanta violencia que,<br />
se quisesse falar, nao o conseguiria, com certeza.<br />
Em questao <strong>de</strong> minutos, haviamos percorrido<br />
toda a distancia, do posto <strong>de</strong> gasolina a nave.<br />
Podia ve-la, nitidamente, abaixo <strong>de</strong> nos. Era<br />
surpreen<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>r ve-la. Estavamos a mais <strong>de</strong><br />
mil metros <strong>de</strong> altura. Como era possivel?<br />
- Teu centro vital assume a tua visao. Ele esta<br />
intimamente ligado a nave. Agora, teras que<br />
reduzir a velocida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>scer. Pensa<br />
que estas chegando, que a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vera ser<br />
diminuida. Pensa. Pensa. Ouvia a voz do Dr. Falk<br />
.<br />
Para minha surpresa, tao logo comecei a<br />
pensar em diminuir a velocida<strong>de</strong>, ela comecou a
diminuir ate que fiquei parado no ar, flutuando.<br />
Apos termos <strong>de</strong>scido, com seguranca, o Dr.<br />
Falk tirou o escudo protetor e <strong>de</strong>fletor da nave,<br />
para po<strong>de</strong>rmos entrar.<br />
- Vamos, entra. Ele insistiu comigo.<br />
Estava parado, nao acreditando no que havia<br />
acontecido. Sentia minhas pernas tremerem.<br />
- Isto e mais uma das possibilida<strong>de</strong>s que tens<br />
gracas ao teu centro vital. Vamos nos preparar<br />
para voltar. Ajuda-me com o diagnosticador.<br />
- Diagnosticador? Perguntei.<br />
- Sim. E um aparelho que inventei, ha alguns<br />
anos. Serve para fazer um diagnostico,<br />
pormenorizado, <strong>de</strong> todo o corpo humano em<br />
questao <strong>de</strong> minutos. Para ser preciso, em cinco<br />
minutos. Vem, vou te familiarizar com ele.<br />
- O diagnosticador era uma especie <strong>de</strong><br />
retangulo, <strong>de</strong> vinte centimetros <strong>de</strong> comprimento<br />
por <strong>de</strong>z centimetros <strong>de</strong> largura. Movido pela<br />
energia misteriosa, emitia sinais <strong>de</strong> luzes a um<br />
mostrador <strong>de</strong> cristal liquido, tao logo colocado<br />
sobre uma superficie viva. Era leve e <strong>de</strong> uma<br />
construcao compacta. Mostrava uma serie <strong>de</strong><br />
botoes digitais que serviam para o exame dos<br />
orgaos individualmente e em trabalho conjunto<br />
com o corpo. Estava ali uma maquina que<br />
po<strong>de</strong>ria substituir qualquer medico, pensei.
Qualquer um po<strong>de</strong>ra ser medico.<br />
- Engano seu, Dr. <strong>Marcus</strong> Roge. O<br />
diagnosticador so funciona, se houver uma<br />
simbiose entre ele e o operador. Esta simbiose e<br />
cientifica, isto e, o operador tem que ser medico<br />
ou ter completos conhecimentos medicos para<br />
opera-lo. Ao segura-lo, ele passa a pensar com o<br />
operador; existe uma troca <strong>de</strong> informacoes entre<br />
ambos. O aparelho, entao, compara o orgao<br />
examinado com os conhecimentos do operador.<br />
Portanto, doutor, ele nao substituira o servico do<br />
medico e muito menos a figura do medico. Ele e<br />
um instrumento <strong>de</strong> trabalho do medico. Acontece<br />
que o medico, o operador, <strong>de</strong>vera ser bom. Devera<br />
estar em dia com a anatomia humana, com a<br />
fisiologia, a bioquimica e a patologia. Em suma, o<br />
medico <strong>de</strong>vera ser medico <strong>de</strong> fato e nao apenas<br />
mais um individuo com diploma <strong>de</strong> medico,<br />
como existem tantos por ai, no mundo todo.<br />
Estou tambem curioso com o ocorrido no<br />
Francisco. Por que da emissao <strong>de</strong> luzes violeta<br />
pelos olhos? Temos que leva-lo <strong>de</strong> volta para os<br />
nossos laboratorios e estuda-lo. Houve tambem,<br />
como pu<strong>de</strong>ste observar uma falha no tratamento<br />
psicologico. Ele conseguiu lembrar-se da ilha, <strong>de</strong><br />
ti. Alguma coisa ainda nao esta perfeitamente<br />
bem, em nosso trabalho <strong>de</strong> pesquisa.
- Tens razao. Agora, como e que ele foi parar<br />
em Sao Paulo? Como ele se tornou policial?<br />
- Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, lembra que, apos o termino<br />
dos teus trabalhos com o Francisco, que as suas<br />
cirurgias e alteracoes genicas e clonais haviam<br />
atingido o sucesso esperado, eu te havia dito que<br />
faltava a parte da Sirc Eustim, a transformacao<br />
psicologica do carater <strong>de</strong>le? Pois e, neste<br />
trabalho da tua mulher, nos o reprogramamos.<br />
Achamos que, como havia tido uma vida <strong>de</strong><br />
crimes e vicios, que seu carater <strong>de</strong>veria ser<br />
integro e que a sua vida seria mais bem<br />
aproveitada e util em um trabalho que lhe<br />
proporcionasse o oposto do que vivia. Entao o<br />
fizemos policial. Ele <strong>de</strong>ve combater o que fazia<br />
como criminoso. Teria tambem que moralizar e<br />
padronizar o servico policial, tao corrompido nos<br />
dias <strong>de</strong> hoje. Assim, o preparamos para ser um<br />
superpolicial e o colocamos no seu habitat <strong>de</strong><br />
origem. Tenho varios contatos no mundo todo,<br />
assim foi facil conseguir-lhe um emprego na<br />
policia <strong>de</strong> Sao Paulo. Quis o <strong>de</strong>stino que ele fosse<br />
indicado para a DIE do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e a vir<br />
trabalhar justamente sob as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> um velho<br />
amigo teu. Para ele tambem foi muita sorte, pois<br />
so assim pu<strong>de</strong>mos ve-lo novamente e o ajuda-lo.<br />
Para nos, uma oportunida<strong>de</strong> a mais <strong>de</strong>
eavaliarmos nosso trabalho e nossa experiencia.<br />
- Com a Carla e com o Douglas foi feito a<br />
mesma coisa? Estou certo?<br />
- Certissimo. So que as profissoes sao outras.<br />
Mais tar<strong>de</strong> lhe ponho a par <strong>de</strong> tudo. Ja temos o<br />
que precisamos. Vamos voltar e pegar o carro.<br />
Eram duas horas da tar<strong>de</strong> quando chegamos ao<br />
posto <strong>de</strong> gasolina. O rapaz nos olhou com<br />
<strong>de</strong>sconfianca.<br />
- Desistiram <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o carro aqui? Nao<br />
encontraram a casa que estavam procurando?<br />
- E! Hoje nao e o nosso dia <strong>de</strong> sorte.<br />
Percorremos, a pe, uma area consi<strong>de</strong>ravel da<br />
regiao e nao encontramos nossa parenta. Acho<br />
que, como faz muitos anos que estive com ela,<br />
esqueci on<strong>de</strong> fica o lugar. Existe outro posto <strong>de</strong><br />
gasolina mais para frente?<br />
- Existe sim, a uns <strong>de</strong>z quilometros.<br />
Respon<strong>de</strong>u o rapaz.<br />
- Quanto lhe <strong>de</strong>vemos por ter cuidado do<br />
nosso carro? Perguntei.<br />
- Uma nota <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dolares paga tudo.<br />
- Dei-lhe vinte dolares e saimos.<br />
Expliquei para o Dr. Falk que havia contato<br />
uma historia para o rapaz, para explicar o motivo<br />
pelo qual estavamos <strong>de</strong>ixando o carro. Contei-lhe<br />
que estavamos atras <strong>de</strong> uma tia, que morava, em
um sitio, naquelas redon<strong>de</strong>zas e que fazia muitos<br />
anos que nao a via. Como todas as trilhas e<br />
estradas secundarias estavam com muito barro,<br />
<strong>de</strong>ixariamos o carro para nao atola-lo. Pu<strong>de</strong> sentir<br />
pelo olhar do Dr. Falk, que nao havia gostado da<br />
minha mentira, mesmo tratando-se <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>sculpa.<br />
- Deverias ter me contado esta tua mentira,<br />
doutor. Espero que o rapaz nao tenha notado que<br />
nossos sapatos estavam limpos para quem<br />
caminhara no barro.<br />
- Tens razao. Foi idiotice minha dar<br />
explicacoes. Como faz muito tempo que nao<br />
venho para esta regiao, achei que uma explicacao<br />
eliminaria qualquer suspeita ou curiosida<strong>de</strong><br />
sobre por que <strong>de</strong>ixar o carro e caminhar.<br />
- Tudo bem. Eu te entendo. So que po<strong>de</strong>rias<br />
ter dado outra <strong>de</strong>sculpa. Vamos embora.<br />
Senti certa irritacao na voz do Dr. Falk. Nao o<br />
havia sentido assim antes. Em silencio,<br />
percorremos o trajeto <strong>de</strong> volta, sem pressa<br />
alguma. Eram quase seis horas da tar<strong>de</strong> quando<br />
chegamos ao hospital.<br />
-Fizeram boa viagem? O carro nao <strong>de</strong>u<br />
problema algum? Perguntou o Dr. Clovis.<br />
- Correu tudo bem. Respondi. Tivemos sorte.<br />
Pegamos uma estrada livre, sem muito trafego. O
carro esta otimo.<br />
- Ate que nao <strong>de</strong>moraram muito. Falou a<br />
Madre Superiora.<br />
- Nos temos tudo no jeito. Por isto foi rapido,<br />
Madre. Vamos examinar o Francisco. Falei<br />
incisivamente, para por fim as especulacoes<br />
sobre viagem.<br />
- Os senhores nao querem <strong>de</strong>scansar? Jantar?<br />
Antes examinar o Francisco?<br />
- Nao, Madre Superiora. Estamos com pressa,<br />
pois <strong>de</strong>vemos participar <strong>de</strong> algumas reunioes<br />
cientificas na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> amanha e nao queremos<br />
per<strong>de</strong>-las. Foi a resposta <strong>de</strong> Falk, que traduzi para<br />
a Madre Superiora.<br />
No quarto do Francisco estavam os dois<br />
medicos que o aten<strong>de</strong>ram. O plantonista do<br />
Pronto Socorro e o cirurgiao que o operara. Falou<br />
o cirurgiao:<br />
- Estamos curiosos para ver o tipo <strong>de</strong><br />
equipamento que os senhores tem. Se nao se<br />
importarem, e claro?<br />
- Nao. Nao nos importamos e ate<br />
compreen<strong>de</strong>mos a curiosida<strong>de</strong> dos senhores.<br />
Assistam ao nosso exame.<br />
Imediatamente, o Dr. Falk comecou a passar<br />
por sobre o corpo do Francisco o<br />
diagnostificador. Todos estavam muito atentos e
admirados. Enquanto fazia o exame, ia fazendo a<br />
explanacao do mesmo, para todos. Pu<strong>de</strong> notar<br />
certo ceticismo nos medicos do hospital. Nao os<br />
culpo. Se nao soubesse a origem daquele<br />
aparelho, tambem ficaria em duvida sobre a<br />
veracida<strong>de</strong> dos resultados obtidos por ele.<br />
Expliquei-lhes que aquele aparelho nao existia no<br />
mercado para ser adquirido. Ele era uma<br />
invencao do Dr. Falk.<br />
- O senhor Francisco po<strong>de</strong>ra ser removido<br />
quando quisermos. O trabalho dos senhores foi<br />
notavel. Nao existem mais lesoes graves que<br />
comprometam a vida <strong>de</strong>le. O que traduzi apos o<br />
Dr. Falk ter falado, <strong>de</strong>ixou os medicos<br />
envai<strong>de</strong>cidos. Podia sentir isto em seus olhos.<br />
- Dr. <strong>Marcus</strong> Roge, explica aos senhores que<br />
vamos dar para o Francisco beber uma pocao<br />
homeopatica, originaria <strong>de</strong> Vanuatu e que servira<br />
para fortalece-lo mais. Explica tambem que ele<br />
dormira logo em seguida, estando pronto para a<br />
remocao. Falou o Dr. Falk <strong>de</strong> uma maneira<br />
cientifica e aca<strong>de</strong>mica.<br />
Enquanto esperamos o efeito da pocao,<br />
aproveitamos para lanchar e prepararmos nossas<br />
malas. A viagem para Porto Alegre, para o<br />
hospital do Exercito, seria efetuada naquela noite<br />
mesmo e no carro do Dr. Clovis.
O hospital do exercito seria, segundo o Dr.<br />
Clovis, a opcao mais viavel para a continuida<strong>de</strong><br />
do tratamento e para a seguranca do Francisco.<br />
Durante a viagem, o Dr. Falk sugeriu-me,<br />
telepaticamente, que convencesse o Dr. Clovis<br />
para nos <strong>de</strong>ixar levar o Francisco para o nosso<br />
centro medico.<br />
- Sabe <strong>de</strong>legado Clovis, sempre te admirei<br />
muito como profissional. Sempre foste muito<br />
<strong>de</strong>dicado e leal para o teu servico e para com<br />
aqueles que contigo trabalham. Acho a tua i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> transferir o Francisco para o hospital do<br />
exercito, em Porto Alegre, muito boa, ainda mais<br />
agora, que existe um relacionamento perfeito<br />
entre as entida<strong>de</strong>s que cuidam da seguranca do<br />
nosso Pais. Entretanto, como vamos chegar cedo<br />
em Porto Alegre, teremos tempo para transferir<br />
nosso compromisso cientifico <strong>de</strong> amanha, para o<br />
periodo da manha. Desta maneira, po<strong>de</strong>riamos<br />
partir para Vanuatu, a tar<strong>de</strong>. Como o Dr. Falk<br />
possui um jato particular, e muito mais logico<br />
po<strong>de</strong>rmos examinar o Francisco la, on<strong>de</strong> temos<br />
mais condicoes tecnicas. Quanto a viagem, nao<br />
precisas ficar preocupado, pois o jato do Dr. Falk<br />
esta equipado para emergencias medicas. So te<br />
pedimos para que fiques com o Francisco, na tua<br />
casa, ate o apanharmos, amanha, no periodo da
tar<strong>de</strong>, logo apos o almoco.<br />
- E, se durante estas horas ele acordar e<br />
precisar <strong>de</strong> atendimentos medicos? O que eu<br />
faco?<br />
- Nao te preocupes. Ele permanecera<br />
dormindo. Nao havera nenhuma intercorrencia e<br />
nao precisaras <strong>de</strong> nos, estou certo disto. Alem do<br />
que, assim que pu<strong>de</strong>rmos ficar livres <strong>de</strong> nossos<br />
compromissos cientificos, te procuraremos na<br />
<strong>de</strong>legacia, para <strong>de</strong> la, buscarmos o Francisco em<br />
tua casa e viajarmos em seguida.<br />
- Vamos fazer diferente. Eu concordo com<br />
voces <strong>de</strong> que no centro medico <strong>de</strong> Vanuatu existe<br />
muito mais recurso, haja vista o aparelho que<br />
usaram para examinar o Francisco. Acreditem,<br />
<strong>de</strong>ixou todo mundo superespantado e curioso. Eu<br />
fico com o Francisco na minha casa, a espera <strong>de</strong><br />
voces. Contudo, Vanuatu nao fica muito<br />
distante? Mesmo para um jato particular?<br />
- Fica. Realmente, fica muito distante. Nos<br />
precisamos <strong>de</strong> umas oito horas <strong>de</strong> viagem para la<br />
chegarmos. Contudo, como te disse o jato do Dr.<br />
Falk esta muito bem equipado para qualquer tipo<br />
<strong>de</strong> emergencia. O Francisco ficara em um<br />
hospital muito bem aparelhado, so que no ar.<br />
- Esta bem. Eu aguardo voces em minha casa.<br />
Chegamos a Porto Alegre perto da meia-noite.
A viagem transcorreu sem novida<strong>de</strong> alguma. Apos<br />
<strong>de</strong>ixarmos o Dr. Clovis em sua casa e termos<br />
acomodado o Francisco, em seu quarto <strong>de</strong><br />
hospe<strong>de</strong>s, saimos, prometendo voltar tao logo<br />
acabassem nossos compromissos aca<strong>de</strong>micos.<br />
- Por que nao sairmos agora, que e noite e<br />
muito mais seguro para a <strong>de</strong>colagem da nave?<br />
Perguntou-me o Dr. Falk.<br />
- O Dr. Clovis e muito esperto. Se tivessemos<br />
saido agora, teriamos <strong>de</strong> leva-lo ate ao aeroporto.<br />
O senhor nao concorda? Assim, alem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixarmos o Francisco em sua casa, ainda<br />
ficamos com o seu carro, pois, segundo ele<br />
mesmo falou, usara o <strong>de</strong> sua esposa para ir ao<br />
trabalho amanha. Desta forma, nosso "curso"<br />
terminara ainda no periodo da manha, horario <strong>de</strong><br />
maior trabalho para ele na <strong>de</strong>legacia o que lhe<br />
impedira <strong>de</strong> querer ir conosco ao aeroporto. O<br />
que estou tentando fazer e escon<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le a<br />
existencia da nave. Agora, nao sei como<br />
po<strong>de</strong>remos sair do meio da mata, em pleno dia,<br />
sem que ela seja vista pelos habitantes locais.<br />
- Quanto a isto nao tenhas preocupacao. Ja<br />
<strong>de</strong>ves ter notado que toda a vez que chegamos a<br />
algum lugar existe uma forte tempesta<strong>de</strong>, com<br />
muitos raios, trovoes, ventos, etc. Pois e, quem<br />
cria estas tempesta<strong>de</strong>s e o sistema <strong>de</strong>
invisibilida<strong>de</strong> da nave. Sua energia estatica faz<br />
com que ocorram precipitacoes fortes <strong>de</strong> agua e<br />
vento. Alem disso, se for durante o dia, a nave faz<br />
com que ocorra um acumulo <strong>de</strong> nuvens do tipo<br />
cumulos e nimbos, fazendo com que haja um<br />
escurecimento total do dia, no local. E como se,<br />
repentinamente, ficasse noite. A eletricida<strong>de</strong><br />
estatica da nave, o seu magnetismo e a<br />
velocida<strong>de</strong> dos ventos causada pela forca dos seus<br />
motores, em baixa altitu<strong>de</strong> no aterrissar ou<br />
levantar voo, sao tao gran<strong>de</strong>s que, em um raio <strong>de</strong><br />
aproximadamente uns dois quilometros, todos os<br />
carros, aparelhos eletricos e luzes das casas e dos<br />
postes <strong>de</strong> iluminacao se apagam<br />
instantaneamente. Isto causa certo panico na<br />
populacao; uma preocupacao muito gran<strong>de</strong> com a<br />
seguranca <strong>de</strong> todos e, em muitos lugares, ate<br />
gran<strong>de</strong>s confusoes. Assim, com a atencao <strong>de</strong><br />
todos <strong>de</strong>sviada para a tempesta<strong>de</strong>, ficamos livres<br />
para <strong>de</strong>colar, sem nos preocuparmos que nos<br />
vejam. Quem vai acreditar em alguem que diga<br />
ter visto uma nave espacial no meio <strong>de</strong> uma<br />
tempesta<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma tormenta? Quem vai ser<br />
bastante louco para ficar <strong>de</strong>sabrigado no meio <strong>de</strong><br />
uma tempesta<strong>de</strong>?<br />
- E o senhor tem razao. Agora compreendi<br />
porque, sempre que chegamos a algum lugar, com
a nave, esta ocorrendo uma gran<strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>.<br />
- Temos que planejar a retirada do Francisco<br />
da casa do teu amigo Dr. Clovis. A voz <strong>de</strong> Falk<br />
revelava preocupacao.<br />
- Agora, Dr. Falk, sou eu que digo para nao<br />
ficares preocupado. Hoje, dormiremos em um<br />
hotel. Amanha, por volta das oito horas, vamos<br />
ate a casa do Dr. Clovis, pegamos o Francisco e o<br />
levamos para a Nave. Depois, eu volto sozinho e<br />
<strong>de</strong>speco-me do <strong>de</strong>legado, aproveitando para lhe<br />
<strong>de</strong>volver o carro e apresentar suas <strong>de</strong>sculpas, por<br />
nao ir se <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong>le, ao mesmo tempo em que<br />
o informarei que ja estamos <strong>de</strong> partida, visto o<br />
curso haver terminado bem antes do previsto.<br />
Em seguida, <strong>de</strong> taxi, volto para Belem Novo, e<br />
quando comecar a tempesta<strong>de</strong>, sera o meu sinal<br />
para correr ate a nave. Ai, e so partirmos para<br />
casa.<br />
- Esta bem. Vamos fazer como estas<br />
planejando. Espero que tudo <strong>de</strong> certo.<br />
Nao sei o que ocorreu. O fato e que nao<br />
conseguimos partir durante o dia. Por mais forte<br />
que a tempesta<strong>de</strong> ficasse nao houve um<br />
escurecimento i<strong>de</strong>al do dia a ponto <strong>de</strong> permitir<br />
uma <strong>de</strong>colagem da nave em seguranca. Eu<br />
mesmo sentia que nao seria uma boa i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong>colarmos durante o dia. A solucao, ja que
Francisco estava bem medicado e se encontrava<br />
fisicamente estavel, era esperar pela noite.<br />
Em menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos estavamos<br />
pousados no hangar, <strong>de</strong>ntro da caverna, sob o<br />
laboratorio. Com a ajuda <strong>de</strong> outros alienigenas,<br />
Francisco foi transportado para uma das mesas<br />
<strong>de</strong> reabilitacao, alheio a tudo, pois continuava a<br />
dormir.<br />
Imediatamente, pedimos ao Dr. Ruel que<br />
iniciasse uma serie <strong>de</strong> exames bioquimicos e<br />
fizesse uma reavaliacao da cirurgia efetuada, bem<br />
como preparasse pecas teciduais para analises<br />
geneticas.<br />
- Aon<strong>de</strong> o senhor vai com tanta pressa? Ja<br />
sabendo a resposta, a voz do Dr. Ruel<br />
<strong>de</strong>monstrava ironia.<br />
- Vou ver como o senhor bem sabe minha<br />
mulher e minha filha. Estou morto <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s.<br />
Nem bem havia atravessado a vila, entrando<br />
na mata, pela costumeira e conhecida trilha, vi, a<br />
poucos metros adiante, intensos raios <strong>de</strong> luz<br />
violeta que iluminava toda a mata em volta. Com<br />
mais atencao, vi que eram Sirc Eustim e A<strong>de</strong>lita<br />
vindo ao meu encontro. A expressao <strong>de</strong> ambas<br />
era <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>lita apontava para tudo, em<br />
todas as direcoes, fazendo perguntas "o que e<br />
isto? para que serve? po<strong>de</strong> brincar comigo?
etc..." O abraco e o beijo carinhoso <strong>de</strong> ambas foi<br />
meu melhor presente daqueles dias.<br />
Contei para Sirc Eustim o que acontecera com<br />
o Francisco e pedi para que ela me ajudasse a<br />
encontrar o motivo daquelas reacoes e fazer um<br />
novo programa terapeutico, psicologico, para<br />
apagar <strong>de</strong> vez com as lembrancas que tinha da<br />
ilha.<br />
O resto da noite, em casa, Sirc Eustim contoume<br />
que A<strong>de</strong>lita estava sempre revelando novos<br />
po<strong>de</strong>res. Alem da emissao <strong>de</strong> luzes violeta,<br />
vermelhas, amarelas e ver<strong>de</strong>s, podia tambem<br />
adiantar-se no tempo e <strong>de</strong>screver cenas que iriam<br />
acontecer. Isto fez com fossem ao meu encontro<br />
na mata. Aquela cena ela <strong>de</strong>screvera-a um dia<br />
antes.<br />
Os trabalhos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> Ruel, iniciados<br />
imediatamente apos a nossa chegada, revelaram<br />
que havia uma sobrecarga muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
hormonios adrenergicos na corrente sanguinea<br />
do Francisco. Isto explicaria a forca <strong>de</strong> que ele<br />
ficava possuido ao ser agredido. Na maquina <strong>de</strong><br />
ressonancia magnetica, verificamos que o<br />
hipotalamo estava e<strong>de</strong>maciado, aparentemente<br />
sem uma causa especifica. Ao examinarmos as<br />
estruturas geneticas, observou-se que os genes<br />
responsaveis pela cor dos olhos mostravam
alteracoes sucessivas <strong>de</strong> tamanho. Isto era<br />
estranho, visto que nada havia sido modificado<br />
nestes genes. Nem se pensou em fazer tal coisa.<br />
Estava ai um misterio que <strong>de</strong>veria ser<br />
esclarecido.<br />
Depois <strong>de</strong> tres dias <strong>de</strong> intensos estudos e<br />
pesquisas, nao chegamos a nenhuma conclusao.<br />
Estava cansado e ao mesmo tempo <strong>de</strong>sanimado.<br />
O mesmo acontecia com o Dr. Falk e com Dr.<br />
Ruel. Kual, que tambem havia se empenhado na<br />
pesquisa, nada <strong>de</strong>scobrira.<br />
Apos mais um dia <strong>de</strong> trabalho infrutifero,<br />
estava fazendo um lanche rapido, quando ouvi a<br />
voz <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita.<br />
- Papai esta triste? Eu sei por que.<br />
- Vem falar comigo usando a tua voz. Eu adoro<br />
ouvir a tua voz. Respondi.<br />
Sem mostrar dificulda<strong>de</strong> alguma em andar, vi<br />
A<strong>de</strong>lita entrar na cozinha, on<strong>de</strong> fazia o lanche.<br />
Sirc Eustim estava no quarto <strong>de</strong> dormir,<br />
preparando a cama para <strong>de</strong>itarmos.<br />
- Eu gosto <strong>de</strong> falar com a cabeca. Ela disse-me,<br />
dando uma risadinha que so as criancas sabem<br />
dar.<br />
- E eu adoro ouvir a tua voz. Disse novamente.<br />
Encostando a cabecinha em minhas maos,<br />
falou <strong>de</strong>spreocupadamente, como se tivesse
vendo a cena.<br />
- Amanha, no teu laboratorio, tu iras observar<br />
uma coisa que chamara a tua atencao e, entao,<br />
<strong>de</strong>scobriras por que o homem poe luz violeta<br />
pelos olhos. Posso ir ao laboratorio contigo?<br />
- Teu avo nao permite a entrada <strong>de</strong> criancas no<br />
laboratorio. Nao <strong>de</strong>vemos contraria-lo, nao<br />
achas?<br />
- Mas e que eu gostaria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r te ajudar.<br />
- Eu sei disso. So que nao po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar o<br />
teu avo ficar triste. Ele nao gosta <strong>de</strong> ficar triste,<br />
diz que isto faz muito mal para a sau<strong>de</strong>.<br />
Esticando os bracinhos para cima, pediu-me<br />
colo. Atendi-a e, enroscando-se como uma<br />
gatinha, adormeceu.<br />
A manha, no laboratorio, foi atarefada. Todos<br />
os nossos esforcos, em tentarmos <strong>de</strong>scobrir o<br />
motivo da irradiacao <strong>de</strong> luzes violaceas pelos<br />
olhos do Francisco, resultaram infrutiferos. Era<br />
como um quebra-cabecas <strong>de</strong> dificil solucao.<br />
Sempre que esbarro em problemas<br />
semelhantes, paro o que estou fazendo e <strong>de</strong>svio<br />
minha atencao para outras coisas: ou vou ler, ou<br />
vou ver um programa <strong>de</strong> televisao, ou,<br />
simplesmente, nao faco nada e procuro nao<br />
pensar em nada. No inicio da tar<strong>de</strong>, resolvi<br />
continuar a ler as pesquisas anteriormente
efetuadas pelos alienigenas. Com duas horas <strong>de</strong><br />
leitura, resolvi parar e voltar para junto do<br />
Francisco. Ao passar pelo laboratorio do Dr. Falk,<br />
vi-o cortando um tecido vegetal com o laser<br />
violeta. Aquilo, sem nenhuma explicacao<br />
aparente, chamou minha atencao. Lembrei as<br />
palavras <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita.<br />
Quase correndo, voltei para o meu laboratorio<br />
e fui rever as cirurgias clonais e geneticas que<br />
haviamos efetuado no Francisco. Todas elas<br />
foram realizadas com laser violeta. Estava ali a<br />
resposta do misterio. O gene responsavel pelo<br />
carater tem sua localizacao imediatamente apos o<br />
gene responsavel pela cor dos olhos. A irradiacao<br />
da luz do laser violeta, durante as cirurgias,<br />
estimulou este gene que, estimulado, tambem,<br />
pela sobrecarga <strong>de</strong> hormonios adrenergicos,<br />
comecava a pulsar e a emitir as luzes violeta.<br />
Lembrando alguns estudos <strong>de</strong> genetica, o gene e<br />
unida<strong>de</strong> funcional do acido <strong>de</strong>soxirribonucleico<br />
(ADN) envolvida na sintese <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia<br />
polipeptidica; cistron. Era isto, o cistron- a<br />
ca<strong>de</strong>ia polipeptidica do gene da cor dos olhos<br />
havia sido estimulada pela radiacao da luz do<br />
laser violeta. O fenomeno estava explicado.<br />
Restava, agora, encontrar o tratamento.<br />
Contei minha <strong>de</strong>scoberta para o Dr. Falk e
para o Dr. Ruel. Eles, inicialmente, ficaram<br />
cepticos. Contudo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> observarem o<br />
cistron da cor dos olhos, em um microscopio<br />
atomico <strong>de</strong> contraste <strong>de</strong> fase, verificaram que eu<br />
tinha razao. Estava la. Sem nunca ter sido<br />
manipulado, via-se, claramente, uma aura violeta<br />
em toda a sua ca<strong>de</strong>ia peptidica.<br />
- Como o senhor po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiar que se<br />
tratasse <strong>de</strong> um efeito secundario do laser violeta<br />
? A pergunta veio em coro por parte do Dr. Falk e<br />
do Dr. Ruel.<br />
- A responsavel foi A<strong>de</strong>lita.<br />
- O que a minha neta tem a ver com nossas<br />
pesquisas? Perguntou surpreso o Dr. Falk.<br />
Contei-lhes, entao, a conversa que tivera com<br />
A<strong>de</strong>lita na noite anterior. Como a manha se<br />
passara sem que nada me houvesse surpreendido,<br />
tinha ate esquecido o que ela me havia dito.<br />
Contudo, ao passar pelo seu laboratorio, hoje, no<br />
inicio da tar<strong>de</strong>, eu o observei cortando aqueles<br />
tecidos vegetais com laser violeta. Isto chamou<br />
minha atencao. Fui ate os nossos registros e<br />
verifiquei que todas as nossas cirurgias haviam<br />
sido efetuadas com o laser violeta, inclusive em<br />
nivel <strong>de</strong> Peri- espirito. Voltando minha atencao<br />
para as amostras <strong>de</strong> tecido, retiradas do Francisco<br />
pelo Dr. Ruel, observei que o gene responsavel
pela cor dos olhos apresentava movimentos<br />
pulsaveis. A questao era saber o por que ? A<br />
resposta estava o tempo todo, bem na nossa<br />
frente. O gene do carater, que foi submetido a<br />
cirurgia, e vizinho imediato do gene responsavel<br />
pela cor dos olhos. A conclusao foi obvia: os<br />
olhos emitem luzes violaceas, quando o<br />
Francisco e submetido a agressoes, por aumento<br />
da frequencia pulsatil do gene da cor dos olhos e<br />
por aumento da sua intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido a estar<br />
sob radiacao <strong>de</strong> 420 e 380 nanometros e o roxo.<br />
A radiacao da cor violeta possui o mesmo<br />
comprimento <strong>de</strong> onda e, por ser uma radiacao<br />
eletromagnetica, provocou o e<strong>de</strong>ma do<br />
hipotalamo, quando da sua emissao pelo laser.<br />
Estava evi<strong>de</strong>nte que teriamos que modificar a<br />
maquina laser inventada pelo Dr. Falk; contudo,<br />
como sempre acontece em medicina, <strong>de</strong>scobriuse,<br />
aci<strong>de</strong>ntalmente, uma maneira <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer o<br />
ser humano emitir cores diferentes pelos olhos.<br />
Teria alguma utilida<strong>de</strong>? So o tempo po<strong>de</strong>ria<br />
respon<strong>de</strong>r.<br />
Com os estudos do Dr. Falk, ficou esclarecido<br />
que o aumento da concentracao <strong>de</strong> hormonios<br />
adrenergicos tambem foi causado pela radiacao<br />
eletromagnetica oriunda da cor violeta. Isto veio<br />
provar tambem, pelo menos para mim, que a
cromoterapia, ciencia que utiliza as cores em<br />
tratamentos medicos, tem fundamento.<br />
Foram necessarios <strong>de</strong>z dias para que o Dr. Falk<br />
pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolver um laser <strong>de</strong> cor branca,<br />
quase transparente, com baixissima radiacao<br />
eletromagnetica e tao suave e <strong>de</strong>licada quanto o<br />
laser violeta, para ser usado nas cirurgias<br />
geneticas e clonais do Francisco.<br />
O uso da cromoterapia, por indicacao minha,<br />
tambem ajudou a fazer uma queda acentuada nos<br />
hormonios adrenergicos. Por fim, ao termino <strong>de</strong><br />
quase vinte dias <strong>de</strong> tratamentos medicos e<br />
psicologicos, o Francisco mostrou-se curado.<br />
Estava em condicoes <strong>de</strong> voltar as suas ativida<strong>de</strong>s<br />
policiais, no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
Por mais que tentasse convence-lo <strong>de</strong> que<br />
fizemos nossa viagem para a ilha no jato<br />
particular do Dr. Falk, ele nao compreendia como<br />
a viagem po<strong>de</strong> ser feita em tao pouco tempo.<br />
Com esta duvida, ficava certo que teriamos <strong>de</strong> ter<br />
mais cuidado ao leva-lo <strong>de</strong> volta.<br />
Em sua ultima refeicao, na ilha, estando com a<br />
viagem marcada para o dia seguinte, Sirc Eustim<br />
e Kual <strong>de</strong>ram-lhe uma pocao hipnotica para<br />
beber, juntamente com o liquido avermelhado.<br />
Foi explicado que iria dormir profundamente e<br />
que isto iria servir para dar mais condicoes
fisicas, evitando que a viagem pu<strong>de</strong>sse provocar<br />
algum maleficio.<br />
Tao logo adormecera, foi levado para a nave e<br />
transportado, imediatamente para Porto Alegre.<br />
Usamos os mesmos artificios da viagem anterior,<br />
para <strong>de</strong>ixa-lo a porta da casa do Dr. Clovis.<br />
Um laudo medico final, elogiava o<br />
atendimento efetuado pelos medicos do hospital<br />
<strong>de</strong> Dom Feliciano, ao mesmo tempo que<br />
explicava as reais condicoes fisicas do Francisco,<br />
os motivos pelos quais ele emitia luzes violaceas<br />
pelos olhos e da estranha forca <strong>de</strong> que ficava<br />
possuido, bem como, quando po<strong>de</strong>ria retornar as<br />
suas ativida<strong>de</strong>s profissionais sem comprometer a<br />
sua integrida<strong>de</strong> fisica.
CAPITULO 10<br />
DOUGLAS E CARLA<br />
SURPRESAS E FRUSTRACOES<br />
Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarmos o Francisco a<br />
sua propria sorte, nunca mais ouvi
falar <strong>de</strong>le. Era como se nunca<br />
houvesse existido. Os assuntos<br />
cientificos mencionavam-no como<br />
apenas o humano, <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong><br />
brasileira, que fora modificado<br />
geneticamente e que proporcionara a<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> possiveis emanacoes<br />
luminosas, coloridas, pelos olhos.<br />
Qual seria a utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />
<strong>de</strong>scoberta? Isto, com relacao ao<br />
exito alcancado pela experiencia,<br />
tinha pouca ou nenhuma<br />
importancia.<br />
A<strong>de</strong>lita, a cada dia que passava,
mostrava-se mais inteligente e<br />
sempre nos surpreen<strong>de</strong>ndo com<br />
novos dons. Eu passava os dias<br />
trabalhando em novas pesquisas <strong>de</strong><br />
melhoramento genetico, sempre<br />
auxiliado por Falk, Ruel e Kual. Sirc<br />
Eustim, agora mais conformada em<br />
nao po<strong>de</strong>r estabelecer um padrao<br />
psicologico para nossa filha,<br />
aprimorava mais e mais seus<br />
metodos <strong>de</strong> pesquisas psicologicas.<br />
Possuia um adiantado e sofisticado<br />
esquema para modificar<br />
completamente o passado das
pessoas. Inseria, nestes passados,<br />
tudo o que fosse servir para que<br />
pu<strong>de</strong>sse ter uma vida futura melhor<br />
e mais promissora.<br />
Os elementos botanicos,<br />
modificados nos laboratorios,<br />
mostraram-se excelentes hibridos,<br />
nas mais diferentes culturas, e<br />
serviam para todos os paises da<br />
Terra. Para cada hibrido a ser<br />
plantado, escolhia-se aquele que<br />
mais produtivida<strong>de</strong> ren<strong>de</strong>ria,<br />
levando-se em conta indices<br />
pluviometricos, aci<strong>de</strong>z do solo,
temperatura, quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ventos,<br />
presenca <strong>de</strong> possiveis pragas e<br />
outros organismos vivos existentes<br />
na terra.<br />
Certa noite, apos termos colocado<br />
A<strong>de</strong>lita para dormir, perguntei a Sirc<br />
Eustim:<br />
- Sirc, meu bem, o fato do<br />
Francisco estar trabalhando no meu<br />
estado <strong>de</strong> nascimento, para mim, foi<br />
uma enorme surpresa. Ninguem<br />
comentou nada, comigo, a respeito<br />
<strong>de</strong> sua nova vida e <strong>de</strong> seu novo
trabalho. Nao fosse o ocorrido com<br />
ele, jamais teria sabido. Por que?<br />
- Meu povo nao gosta <strong>de</strong> glorias.<br />
Nosso premio e saber que estamos<br />
ajudando a humanida<strong>de</strong>, direta ou<br />
indiretamente. Francisco e um<br />
<strong>de</strong>stes casos. Ele ira ajudar a<br />
humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira direta, no<br />
combate a criminalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
modo geral, principalmente, no<br />
combate as drogas. Ninguem melhor<br />
do que ele, que ja foi um fora-da-lei,<br />
para saber como e quando agir. Po<strong>de</strong>s<br />
ficar certo, agora, neste exato
momento, tenho certeza que ele esta<br />
muito bem e que foi o homem chave<br />
para <strong>de</strong>sbaratar o complo separatista<br />
do teu Estado natal do resto do<br />
Brasil. Tambem foi ele que conseguiu<br />
impedir que elementos radioativos<br />
caissem em maos erradas. Hoje, o<br />
teu Pais tem potencial e<br />
conhecimentos cientificos<br />
suficientes para construir uma arma<br />
atomica po<strong>de</strong>rosa. Foi Francisco que<br />
conseguiu influenciar,<br />
indiretamente, os governantes para<br />
que tudo ficasse sob responsabilida<strong>de</strong>
do exercito e <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />
cientistas altamente patrioticos e<br />
conscios <strong>de</strong> toda a verda<strong>de</strong> atomica.<br />
Acreditamos que o teu Pais jamais<br />
ira fabricar tal <strong>de</strong>sgraca.<br />
- E o que aconteceu com a Carla e<br />
com o Douglas?<br />
- Isto eu nao tenho permissao para<br />
te dizer. Somente meu pai po<strong>de</strong>ra te<br />
contar sobre eles. Perdoa-me. Temos<br />
nossas Leis, nossa hierarquia, e eu as<br />
sigo rigorosamente. Nao penses que<br />
nao te conto por duvidar <strong>de</strong> ti. Sabes
que, agora, mais do que nunca, eu<br />
acredito em ti. Acontece que<br />
tambem nada sei a respeito <strong>de</strong>les.<br />
Somente Falk e Ruel sabem on<strong>de</strong><br />
estao, como estao e o que fazem.<br />
- Sabes que nao tenho essa<br />
liberda<strong>de</strong> toda para chegar la,<br />
amanha, e ir perguntando sobre eles.<br />
O teu pai e o Ruel sao muito<br />
reservados em assuntos alheios ao<br />
nosso trabalho. O jeito e esperar que<br />
eles mesmos me contem a respeito.<br />
O mar estava revolto, com ondas
enormes e o vento, bastante forte,<br />
jogava o nosso barco como se fosse<br />
uma casca <strong>de</strong> noz em uma<br />
enxurrada. A<strong>de</strong>lita comecara a enjoar<br />
e a ficar amuada com aquela<br />
situacao. Estavamos indo para<br />
Vanuatu passar alguns dias e<br />
aproveitar para aperfeicoarmos<br />
nossos alienigenas disfarcados <strong>de</strong><br />
medicos, engenheiros, bioquimicos,<br />
operarios, professores. Os "Gran<strong>de</strong>s<br />
Curan<strong>de</strong>iros" estavam voltando e<br />
isso significava progresso cientifico<br />
e cultural para toda a ilha.
Em Vanuatu, fiquei surpreso com a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos artesanais<br />
que haviam sido <strong>de</strong>senvolvidos pela<br />
populacao local e <strong>de</strong> outras ilhas<br />
vizinhas. Para Sirc Eustim e para<br />
A<strong>de</strong>lita, aquilo foi um verda<strong>de</strong>iro<br />
paraiso.<br />
Em todos os locais da ilha, on<strong>de</strong><br />
A<strong>de</strong>lita compareceu, encantou e<br />
surpreen<strong>de</strong>u a todos com a sua<br />
inteligencia e <strong>de</strong>senvoltura. Isto para<br />
todos nos era motivo <strong>de</strong> orgulho e<br />
muita alegria.
Para nossa surpresa, uma tar<strong>de</strong>,<br />
quando estavamos fazendo uma serie<br />
<strong>de</strong> modificacoes tecnicas no<br />
hospital, Falk veio nos contar que a<br />
populacao da ilha estava chamando<br />
A<strong>de</strong>lita <strong>de</strong> "Pequena Curan<strong>de</strong>ira". Em<br />
um dos passeios que Sirc Eustim<br />
havia feito com ela, enquanto ficava<br />
distraida com os diversos<br />
artesanatos, A<strong>de</strong>lita <strong>de</strong>screveu, para<br />
um grupo <strong>de</strong> pessoas presentes, um<br />
aci<strong>de</strong>nte com uma das criancas que<br />
brincavam na rua. Minutos apos, a<br />
correria e os gritos do povo
<strong>de</strong>nunciavam o ocorrido. O mais<br />
estranho, segundo os que viram o<br />
aci<strong>de</strong>nte, e que a crianca, que seria<br />
atropelada por um automovel,<br />
levitou e ficou pairando no ar<br />
enquanto o carro passava por baixo<br />
do seu corpo, indo chocar-se <strong>de</strong><br />
encontro ao muro <strong>de</strong> uma casa.<br />
Enquanto isso acontecia na rua, uma<br />
das ven<strong>de</strong>doras <strong>de</strong> artesanato<br />
socorria, apavorada, a A<strong>de</strong>lita, que<br />
entrara em uma especie <strong>de</strong> transe,<br />
ficando muito palida, estatica e com<br />
os olhos muito abertos, como se
estivesse vendo o que se passava<br />
fora. No exato momento que a<br />
crianca, parando <strong>de</strong> levitar, <strong>de</strong>scia a<br />
rua, A<strong>de</strong>lita voltava ao normal. Para<br />
espanto da ven<strong>de</strong>dora, ela perguntou:<br />
- Moca, a crianca que estava<br />
voando se machucou?<br />
Sem saber o que havia acontecido,<br />
ela nao soube respon<strong>de</strong>r. Foi ate a<br />
rua e la se inteirou <strong>de</strong> tudo. Mais<br />
calma, contou tudo para Sirc Eustim<br />
que respon<strong>de</strong>u para A<strong>de</strong>lita dizendo<br />
que a crianca estava perfeitamente
em.<br />
De imediato, Sirc Eustim nao<br />
compreen<strong>de</strong>ra o que havia<br />
acontecido. Agora, como a noticia do<br />
transe <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita se espalhara pela<br />
ilha, estava facil fazer a ligacao entre<br />
os dois acontecimentos, ainda mais<br />
com a premunicao, do ocorrido,<br />
comentada por ela. Fora A<strong>de</strong>lita<br />
quem fizera a crianca levitar. Mais<br />
um dom revelado. Mais uma<br />
surpresa: ela estava dominando a<br />
telecinesia.
Por vezes, pensava em como iria<br />
ser a vida <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita com todos estes<br />
po<strong>de</strong>res. Tinha medo por ela e por<br />
todos nos. Ate que ponto o ser<br />
hibrido se manteria com os<br />
pensamentos e po<strong>de</strong>res voltados para<br />
o bem? Penso que Sirc Eustim,<br />
apesar <strong>de</strong> sempre <strong>de</strong>monstrar frieza<br />
com as surpresas <strong>de</strong> nossa filha,<br />
tambem ficava preocupada, visto que<br />
nunca conseguiu tracar um perfil<br />
psicologico, para po<strong>de</strong>r montar um<br />
programa <strong>de</strong> estudos. Podia senti-la<br />
perdida com todos aqueles dons
apresentados por ela em seu<br />
primeiro ano <strong>de</strong> vida. Nao sei por que<br />
motivo nos nunca falamos a<br />
respeito. Parecia que o medo do<br />
<strong>de</strong>sconhecido e por se tratar <strong>de</strong><br />
nossa filha impusesse uma barreira<br />
silenciosa muito po<strong>de</strong>rosa.<br />
Os dias em Vanuatu realmente<br />
foram muito gratificantes.<br />
Abandonamos a rotina dos<br />
laboratorios, das pesquisas, dos<br />
projetos cientificos. Apesar do<br />
trabalho <strong>de</strong> ensinar e <strong>de</strong> modificar as<br />
tecnicas utilizadas ate entao, nao
existiu uma rotina. Pu<strong>de</strong>mos, sem<br />
que tivesse havido qualquer<br />
programacao previa, fazer um estudo<br />
mais pormenorizado <strong>de</strong> nossa filha,<br />
ficar mais tempo com ela, dar-lhe<br />
mais atencao e carinho. Isto nos<br />
aproximou ainda mais. Se nao fosse<br />
o fato <strong>de</strong> Sirc Eustim ser uma<br />
alienigena e A<strong>de</strong>lita um hibrido,<br />
po<strong>de</strong>riamos passar por uma familia<br />
terrestre feliz e em perfeita<br />
harmonia com a vida.<br />
Como tudo o que e bom dura
pouco, voltamos para a nossa ilha e<br />
para as nossas ativida<strong>de</strong>s diarias.<br />
- Gostaria <strong>de</strong> conversar com o<br />
senhor, Dr. <strong>Marcus</strong> Roge. Venha ate o<br />
meu laboratorio, por favor. A voz <strong>de</strong><br />
Falk trouxera-me ao presente,<br />
resgatando-me <strong>de</strong> meu envolvimento<br />
nos emaranhados meandros da<br />
pesquisa genetica alienigena.<br />
- O que o senhor <strong>de</strong>seja?<br />
- Quero lhe contar algo que sei<br />
tratar-se <strong>de</strong> uma curiosida<strong>de</strong> sua. Sei
que o senhor ficou muito curioso<br />
com o que fizemos com o Douglas e<br />
com a Carla, <strong>de</strong>pois do que houve<br />
com o Francisco.<br />
- Realmente, fiquei curioso. Pensei<br />
ate em perguntar-lhe. So nao o fiz<br />
por saber o quao discreto o senhor e.<br />
Mais dia, menos dia, o senhor iria<br />
comentar qualquer coisa comigo.<br />
- O senhor esta certo e agiu muito<br />
bem em nao me perguntar nada. O<br />
momento exato ainda nao havia<br />
surgido para o senhor saber sobre
eles. Agora e o momento.<br />
- Se agora for o momento e<br />
merecer a sua confianca, realmente<br />
gostaria <strong>de</strong> saber o que foi feito com<br />
eles. Qual o <strong>de</strong>stino que lhes foi<br />
dado?<br />
- Apesar <strong>de</strong> nao sermos terrestres,<br />
o sentimento <strong>de</strong> pai e o mesmo em<br />
todo o Universo. Tive receio em lhe<br />
contar o que faria com eles, pelo fato<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r fazer uma aproximacao<br />
maior entre o senhor e sua ex-<br />
mulher. Em tempo algum, gostaria
<strong>de</strong> magoar minha filha. Agora tenho<br />
certeza <strong>de</strong> que o senhor nao sente<br />
mais amor algum por Carla. Sei que<br />
sua curiosida<strong>de</strong> e apenas cientifica.<br />
O amor <strong>de</strong>monstrado a minha filha e<br />
a minha neta e puro e verda<strong>de</strong>iro.<br />
- Disso o senhor nao tenha duvida.<br />
Eu as amo muito. Por momentos eu<br />
fico enfadado. Nao com elas, nao com<br />
a vida que tenho. Acredito que e o<br />
meu lado cigano pedindo mudancas:<br />
mudanca <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>; mudanca da<br />
rotina. Pedindo acao. Nao me<br />
conformando com a vida previsivel
que estou levando. Nao quero que o<br />
senhor fique preocupado com isso.<br />
Ja estou acostumado com estas<br />
variacoes do meu humor e com estas<br />
solicitacoes do meu ser interior.<br />
- Eu o compreendo e sei muito<br />
bem o que sente. Foi por esta razao<br />
que programamos nossa ida para<br />
Vanuatu. Tinha certeza que uma<br />
estada la lhe faria muito bem,<br />
mesmo que fosse a trabalho. O<br />
senhor po<strong>de</strong>ra, juntamente com a<br />
sua familia, fazer tantas viagens
quantas forem necessarias para o seu<br />
bem interior. O senhor nao e nosso<br />
prisioneiro. Nao posso esquecer,<br />
entretanto, que o senhor e humano,<br />
isto e, mais humano do que<br />
alienigena, como o senhor nos<br />
chama, e, sendo assim, tem suas<br />
necessida<strong>de</strong>s terrestres inerentes do<br />
seu ser. Se a rotina o <strong>de</strong>sestimula,<br />
vamos quebra-la.<br />
- Pelo visto, nao e somente Sirc<br />
Eustim a psicologa da ilha. O senhor<br />
tambem o e. Falei em tom <strong>de</strong><br />
brinca<strong>de</strong>ira.
- Isto e o senhor que esta dizendo.<br />
Apenas lhe falei o que conclui <strong>de</strong><br />
minhas observacoes. Bem, voltemos<br />
ao nosso assunto original. O senhor<br />
<strong>de</strong>seja saber como estao vivendo<br />
Douglas e Carla. O que fazem e como<br />
fazem. Se a experiencia que fizemos<br />
esta dando certo. Tudo foi realizado<br />
apos o trabalho <strong>de</strong> Sirc Eustim e dos<br />
resultados obtidos nele. Ela tracou<br />
um novo perfil psicologico para<br />
ambos e planejou suas vidas futuras<br />
<strong>de</strong> acordo com o passado implantado
em suas mentes. Todo o passado <strong>de</strong><br />
crimes e vicios foi apagado,<br />
<strong>de</strong>struido. Douglas e Carla,<br />
inicialmente, apos terem ficado<br />
prontos para a nova vida, foram<br />
levados para Vanuatu on<strong>de</strong> passaram<br />
a viver como empregados do nosso<br />
hospital. Queriamos ver quais as<br />
reais aptidoes <strong>de</strong> ambos. Para nossa<br />
surpresa, Douglas se mostrou<br />
interessadissimo por computacao.<br />
Aproveitou nossos computadores,<br />
existentes no escritorio do hospital,<br />
e <strong>de</strong>senvolveu varios programas <strong>de</strong>
contabilida<strong>de</strong>, em cima do que ja<br />
existia, bem como programas <strong>de</strong><br />
arquivos medicos. Foi um trabalho<br />
maravilhoso, perfeito. Neste<br />
trabalho, tambem <strong>de</strong>monstrou ser<br />
bastante honesto; em momento<br />
algum <strong>de</strong>monstrou qualquer <strong>de</strong>slize<br />
contabil. Ele tinha todas as<br />
oportunida<strong>de</strong>s para tal. Por nossa<br />
orientacao, sem que suspeitasse <strong>de</strong><br />
que estava sendo vigiado, ficou<br />
encarregado <strong>de</strong> toda a contabilida<strong>de</strong><br />
do hospital. Outra caracteristica<br />
<strong>de</strong>monstrada foi a timi<strong>de</strong>z: aquele
Douglas arrogante, narcisista,<br />
<strong>de</strong>saparecera completamente. Com<br />
as novas aptidoes bem <strong>de</strong>senvolvidas<br />
e sedimentadas, nos o removemos<br />
para Londrina, no Parana, e o<br />
empregamos em um servico<br />
bancario.<br />
- E quanto a Carla. O que<br />
aconteceu com ela?<br />
- Bem, Carla passou pelo mesmo<br />
treinamento <strong>de</strong> Douglas, em<br />
Vanuatu. Mostrou aptidao para<br />
<strong>de</strong>coracao <strong>de</strong> ambientes. Nao houve,
em nenhum momento alguma<br />
<strong>de</strong>monstracao ou vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
apren<strong>de</strong>r outro oficio. Parece que a<br />
futilida<strong>de</strong> nao <strong>de</strong>saparecera <strong>de</strong> sua<br />
mente, mesmo com o tratamento<br />
psicologico <strong>de</strong> Sirc Eustim. Com o<br />
<strong>de</strong>correr dos dias, a sua frivolida<strong>de</strong><br />
aumentava mais e mais. Tentamos<br />
varias profissoes, <strong>de</strong>ntro das que<br />
po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>senvolver com a sua<br />
escolarida<strong>de</strong>. Tudo em vao. Parece<br />
que somente as coisas futeis<br />
chamavam a sua atencao. Como a<br />
profissao <strong>de</strong> <strong>de</strong>coradora <strong>de</strong>
ambientes, usa muito da imaginacao,<br />
da criativida<strong>de</strong>, conseguimos fazer<br />
com que gostasse cada vez mais <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>coracao. Nao conseguimos,<br />
entretanto, diminuir sua frivolida<strong>de</strong>.<br />
Foi levada para Londrina on<strong>de</strong> exerce<br />
esta profissao. Outra caracteristica<br />
que nao se conseguiu apagar <strong>de</strong> sua<br />
mente foi a <strong>de</strong> ninfomaniaca. Ela,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o tratamento, voltou<br />
a ser bela. E isto, casada com a sua<br />
frivolida<strong>de</strong>, transformou-a em<br />
narcisista e ninfomaniaca. A conduta<br />
social sempre esteve num limite
entre o mau e o bom senso. Suas<br />
investidas eroticas, seus gestos<br />
provocantes, sempre estiveram<br />
presentes em todos os momentos <strong>de</strong><br />
sua vida. Com ela, a cirurgia clonal<br />
nao conseguiu dar-lhe um carater<br />
novo. Parece que temos um problema<br />
<strong>de</strong> indole a ser resolvido. Ficara para<br />
outras experiencias, visto que com<br />
Carla, as lesoes celulares, provocadas<br />
pelas drogas, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo<br />
o nosso tratamento, <strong>de</strong>ixaram<br />
cicatrizes irreversiveis.<br />
- Por que colocaram o Douglas em
Londrina e nao em sua cida<strong>de</strong> natal,<br />
na America do Norte?<br />
- Nos Estados Unidos, a Lei e<br />
muito rigida. Mesmo que voce tenha<br />
um documento medico, no qual fique<br />
atestada a sua insanida<strong>de</strong> e que ela<br />
foi a responsavel pelas atitu<strong>de</strong>s<br />
antissociais, ele nao teria<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar, para a<br />
socieda<strong>de</strong>, a sua cura. Por este<br />
motivo, nos o consi<strong>de</strong>ramos morto<br />
para os Estados Unidos e o<br />
renascemos no Brasil. Alem disso,
ficou evi<strong>de</strong>nte, durante o periodo <strong>de</strong><br />
experiencia, aqui na ilha, que ele se<br />
mostrava atraido pela Carla. Por este<br />
fato, nos o levamos para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Londrina, no Parana, terra da Carla.<br />
La, por causa <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s em<br />
informatica, foi colocado a servico<br />
<strong>de</strong> um estabelecimento bancario.<br />
Soubemos que ele esta,<br />
profissionalmente, correspon<strong>de</strong>ndo<br />
muito bem; nao soubemos,<br />
entretanto, se o esperado<br />
envolvimento com Carla aconteceu.<br />
- E quando e que o senhor ficara
sabendo tudo sobre a vida <strong>de</strong>les?<br />
- Eu nao vou verificar nada. Quem<br />
ira fazer este trabalho, sera o senhor.<br />
Esta mais do que na hora do senhor<br />
voltar a trabalhar como medico.<br />
- O senhor quer que eu volte para<br />
Londrina?<br />
- Exatamente. Ira clinicar<br />
novamente, dar atendimento aos<br />
teus pacientes e, ao mesmo tempo,<br />
vigiar Douglas e Carla. Tera,<br />
entretanto, que alugar uma nova
casa para morar, pois ira<br />
acompanhado <strong>de</strong> sua familia.<br />
- Quanto tempo terei que ficar em<br />
Londrina?<br />
- Permanecera o tempo necessario<br />
para concluir suas investigacoes e<br />
po<strong>de</strong>r aten<strong>de</strong>r a seus pacientes. Esta<br />
fora <strong>de</strong> la ha tres anos. Precisa<br />
reassumir suas ativida<strong>de</strong>s e sua vida.<br />
Nao queremos, <strong>de</strong> maneira alguma,<br />
<strong>de</strong>spertar qualquer suspeita sobre a<br />
sua origem e o que realmente<br />
representa para o nosso mundo e a
Terra. Existe, entretanto, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sirc Eustim e<br />
A<strong>de</strong>lita nao se adaptarem com a<br />
cida<strong>de</strong> e isto sera um excelente<br />
motivo para po<strong>de</strong>r abandona-la,<br />
vindo viver, <strong>de</strong>finitivamente, aqui na<br />
ilha.<br />
Ciente <strong>de</strong> tudo, Sirc Eustim<br />
preparou nossa mudanca para<br />
Londrina. Viajamos <strong>de</strong> barco ate<br />
Vanuatu e, <strong>de</strong> la, <strong>de</strong> aviao, para<br />
Londrina.<br />
Foi uma viagem muito cansativa
para todos, principalmente para Sirc<br />
Eustim e para A<strong>de</strong>lita. Elas<br />
<strong>de</strong>testaram viajar por tantas horas,<br />
ainda mais, fazendo toda a viagem<br />
em silencio, visto que a nossa<br />
comunicacao era efetuada<br />
telepaticamente, a pedido <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lita.<br />
Em Londrina, hospedados no Hotel<br />
Sumatra, comecamos a nossa nova<br />
vida. Alugamos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas<br />
semanas, uma casa confortavel, com<br />
bastante espaco e com uma area<br />
ver<strong>de</strong> bem agradavel para que A<strong>de</strong>lita<br />
pu<strong>de</strong>sse brincar em seguranca.
Nestas duas semanas, pu<strong>de</strong><br />
recomecar as minhas ativida<strong>de</strong>s<br />
medicas. Uma propaganda discreta,<br />
num dos jornais da cida<strong>de</strong>, alertou<br />
meus antigos pacientes sobre o meu<br />
retorno. O movimento do<br />
consultorio estava reagindo<br />
satisfatoriamente, alem do esperado<br />
apos tres anos <strong>de</strong> ausencia.<br />
Como sempre nos divertiamos, eu<br />
e Carla, aproveitando a noite <strong>de</strong><br />
Londrina, comecamos a frequentar<br />
os bailes e boates da cida<strong>de</strong>, por
sugestao <strong>de</strong> Sirc Eustim, na<br />
esperanca <strong>de</strong> encontra-la. Para todos<br />
os lugares aon<strong>de</strong> iamos, a presenca<br />
<strong>de</strong> Sirc Eustim causava um<br />
verda<strong>de</strong>iro "frisson". Todos queriam<br />
conhecer a nova esposa do doutor<br />
<strong>Marcus</strong> Roge, uma estrangeira<br />
lindissima. Nao sei <strong>de</strong> que maneira a<br />
socieda<strong>de</strong> ficou sabendo do meu<br />
divorcio com Carla e do meu novo<br />
casamento; provavelmente tudo<br />
tenha sido preparado por Falk ou por<br />
Ruel, antes <strong>de</strong> nossa vinda para a<br />
cida<strong>de</strong>. O fato e que todos queriam
conhecer a nova e bela esposa do<br />
doutor. Em muitos lugares, ouvia<br />
comentarios como: "aquele cara tem<br />
muita sorte com mulher"; "esta<br />
sempre com mulher bonita". No<br />
fundo, estes comentarios, enchiam<br />
meu ego <strong>de</strong> prazer e faziam sentir<br />
um orgulho enorme <strong>de</strong> Sirc Eustim.<br />
Ao voltar para Londrina, tambem<br />
reassumi minhas funcoes <strong>de</strong><br />
Funcionario Publico Fe<strong>de</strong>ral. Nao sei<br />
como, mas Falk havia conseguido<br />
uma dispensa especial por tres anos.<br />
Nada havia mudado no meu servico
do governo, exceto a contratacao <strong>de</strong><br />
novos colegas, aprovados em<br />
concurso publico.<br />
- Agora que retornaste ao nosso<br />
meio e as tuas ativida<strong>de</strong>s<br />
profissionais, gostaria <strong>de</strong> falar<br />
contigo a respeito da loira. A voz do<br />
meu chefe estava bastante seria e<br />
inflexivel. Vem ate o meu gabinete.<br />
- Pois nao. Senhor. Respondi<br />
prontamente. Tudo o que ele pu<strong>de</strong>sse<br />
falar da loira, maneira pela qual ele<br />
chamava a Carla, seria muito util
para mim, visto que nao tinha<br />
<strong>de</strong>scoberto nada sobre ela, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
chegaramos.<br />
- Apesar <strong>de</strong> o teu casamento ter<br />
acabado ainda me consi<strong>de</strong>ro teu<br />
padrinho. Voce e a loira faziam um<br />
belo par. Foi uma pena o casamento<br />
<strong>de</strong> voces ter terminado. Nao quero<br />
saber os motivos, entretanto, quero<br />
saber o que aconteceu com ela.<br />
Des<strong>de</strong> que voltou para Londrina ela<br />
nunca mais foi a mesma. Anda<br />
esquisita, estranha... Tem tido<br />
atitu<strong>de</strong>s inconvenientes para pessoas
que, acredito lhe sao completamente<br />
<strong>de</strong>sconhecidas. Ela continua bela,<br />
mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter casado<br />
novamente e <strong>de</strong> ter tido um filho.<br />
- Carla casou novamente?
- Sim. Faz um ano e meio mais ou<br />
menos que ela casou com um rapaz<br />
<strong>de</strong> nome Douglas. Ele e tecnico em<br />
computacao e trabalha em um<br />
servico bancario <strong>de</strong> Sao Paulo. Este<br />
servico tem uma filial aqui em<br />
Londrina e o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />
computacao e chefiado por ele. Certa<br />
tar<strong>de</strong> estava passeando com minha<br />
familia no Shopping Catuai e<br />
encontrei os dois. Foi quando ela o<br />
apresentou para mim. Ele e<br />
americano e, pelo que pu<strong>de</strong> notar, e<br />
apaixonadissimo por ela. Acredita,
com o marido ali, do lado <strong>de</strong>la, ela<br />
disse-me que nao consegue te<br />
esquecer. O marido e muito bom,<br />
porem, ela te ama e nao consegue te<br />
tirar da cabeca. Fiquei com pena do<br />
rapaz. Ele nao merece este tipo <strong>de</strong><br />
comportamento por parte <strong>de</strong>la.<br />
Pelo jeito, continua frivola e vazia<br />
como sempre. Pensei comigo mesmo.<br />
- Fora do casamento e <strong>de</strong> ter que<br />
cuidar do filho, o que ela tem feito?<br />
Ela tem algum emprego?
- Que eu saiba, ela e <strong>de</strong>coradora <strong>de</strong><br />
ambientes. Abandonou a carreira <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>lo para ser <strong>de</strong>coradora. Nao sei<br />
<strong>de</strong> maiores <strong>de</strong>talhes, pois quase nao<br />
conversamos mais. Por falar nisso,<br />
faz algum tempo que ela nao me liga.<br />
- Quando te ligar, diz-lhe que<br />
voltei para Londrina. Voltei casado e<br />
com minha filha mais nova.<br />
Quando contei para Sirc Eustim<br />
que ficara sabendo <strong>de</strong> Carla e do<br />
Douglas atraves do meu chefe do<br />
Servico Publico, ela nada disse.
Achei estranha esta atitu<strong>de</strong>, pois nas<br />
ultimas semanas estavamos saindo<br />
quase que todas as noites com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontra-la ou a<br />
Douglas.<br />
- Aconteceu alguma coisa?<br />
Perguntei sem muita conviccao.<br />
- Nao. Nao aconteceu nada.<br />
Pareceu-me irritada ao respon<strong>de</strong>r.<br />
Tens certeza que nao sentes mais<br />
nada por ela?<br />
- Claro que tenho certeza. Carla e
passado. Pertence ao passado. Meu<br />
interesse e apenas profissional.<br />
Quero coletar dados para completar<br />
nossa experiencia. Falk assim o<br />
<strong>de</strong>seja tambem. Esqueceste nossos<br />
propositos?<br />
- Nao. Nao esqueci. Acontece que<br />
te amo muito e nao quero te per<strong>de</strong>r.<br />
Pelo que sei <strong>de</strong> tua historia, ela ja<br />
representou muito para ti.<br />
- Nao te preocupes. Tu mesmo ja<br />
respon<strong>de</strong>ste a tua duvida: ela ja<br />
representou muito para mim...
Agora, e passado e, ao mesmo tempo,<br />
presente; pois representa a<br />
continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa experiencia.<br />
Em Londrina, a vida passou a ser<br />
uma rotina <strong>de</strong> trabalho. Servico<br />
Publico, consultorio, casa. A<strong>de</strong>lita<br />
<strong>de</strong>senvolvia-se mentalmente com<br />
uma rapi<strong>de</strong>z estupenda. Nem <strong>de</strong><br />
perto o <strong>de</strong>senvolvimento do seu<br />
fisico acompanhava o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do seu cerebro.<br />
Sirc Eustim passou a me ajudar no<br />
consultorio e a trabalhar na sua<br />
especialida<strong>de</strong>. Sua clientela em
psicologia clinica aumentava dia a<br />
dia. Por termos que nos <strong>de</strong>dicar mais<br />
a A<strong>de</strong>lita, passamos a sair para<br />
dancarmos so aos sabados. Tinhamos<br />
o domingo para curtir todos os dons<br />
<strong>de</strong>senvolvidos por nossa filha.
Sem que houvesse qualquer<br />
suspeita por parte do meu chefe no<br />
Servico Publico, passamos a seguir,<br />
<strong>de</strong> longe, a vida <strong>de</strong> Carla.
A futilida<strong>de</strong> e o vazio eram as<br />
linhas mestras. Dava pouca atencao<br />
ao filho, pois tinha uma baba para<br />
cuida-lo. Vivia fazendo raros servicos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>coracao <strong>de</strong> ambientes, porem,<br />
passava a maior parte do dia fazendo<br />
ginastica em uma aca<strong>de</strong>mia, fazendo<br />
bronzeamento artificial,<br />
frequentando saloes <strong>de</strong> beleza,<br />
fazendo reunioes com amigas. Tinha<br />
uma vida completamente futil e<br />
vazia. Em todos os locais on<strong>de</strong><br />
aparecia, fazia questao <strong>de</strong> mostrar<br />
que era bonita. Procurava chamar a
atencao <strong>de</strong> todos, principalmente dos<br />
homens, para a sua beleza.<br />
Douglas, ao contrario, mostrava<br />
diariamente a sua competencia como<br />
profissional da area <strong>de</strong> computacao.<br />
Trabalhava com afinco e mostrava,<br />
em cada atitu<strong>de</strong> e em cada gesto, que<br />
realmente estava perdidamente<br />
apaixonado por ela. Sua vida e seu<br />
trabalho, estavam direcionados para<br />
ela, para promover-lhe conforto e<br />
continuar a aten<strong>de</strong>r os <strong>de</strong>sejos e<br />
suprir as futilida<strong>de</strong>s da vida vazia <strong>de</strong><br />
Carla.
Sirc Eustim, em uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sabado, chamou-me para uma<br />
conversa cientifica.<br />
- Fiz, agora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quatro meses<br />
<strong>de</strong> observacoes, um estudo<br />
psicologico conclusivo sobre nossas<br />
cobaias humanas. Quero que saibas<br />
que, com Douglas, nossas<br />
experiencias foram um absoluto<br />
sucesso. Entretanto, com Carla,<br />
falhamos em um ponto sobre o qual,<br />
acredito, nao pensamos que pu<strong>de</strong>sse<br />
sobressair a todas as transformacoes
clonicas e psicologicas instituidas: a<br />
indole. Para mim, a indole do ser<br />
humano in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do seu carater,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma localizacao genica<br />
e, se esta localizacao existe, <strong>de</strong>vera<br />
ser pesquisada. Carla mostrou uma<br />
recuperacao excelente dos problemas<br />
fisicos causados pelas drogas, dos<br />
problemas psicologicos que a<br />
levaram ao mundo do vicio, do<br />
envelhecimento prematuro, que sua<br />
vida anterior provocara; no entanto,<br />
nao per<strong>de</strong>u o habito do narcisismo.<br />
Ela se acha bela e acredita que todos
os outros tem que achar tambem. Ela<br />
provoca qualquer homem, conhecido<br />
ou nao. Esta provocacao e,<br />
conscientemente, para provocar<br />
<strong>de</strong>sarmonia nos que sao casados,<br />
provocar <strong>de</strong>sejos eroticos <strong>de</strong> uma<br />
maneira geral e, sutilmente, para por<br />
medo no marido. Ela esta <strong>de</strong> uma<br />
forma muda, dizendo-lhe para que se<br />
cui<strong>de</strong> que faca tudo o que ela quer e<br />
<strong>de</strong>seja, pois, certamente, existirao<br />
outros que o farao se ele nao o fizer.<br />
Acredito mesmo que ela nao lhe seja<br />
mais fiel, como esposa. Nao e todo o
homem que recebe uma cantada,<br />
uma indireta (direta) e fica como se<br />
nada tivesse acontecido. Frivola do<br />
jeito que e, acho muito dificil que<br />
tudo fique apenas em insinuacoes e<br />
provocacoes eroticas. Nos nao<br />
conseguimos mudar-lhe a indole.<br />
- Doutor, doutor. Acor<strong>de</strong>. A voz da<br />
secretaria estava distante, parecendo<br />
irreal.<br />
- Ah! O que houve. Levantei-me,<br />
tonto pelo sono que teimava em<br />
fechar minhas palpebras e tornavam
mais pesado o meu corpo.<br />
- Os pacientes comecaram a<br />
chegar. Sao oito horas da manha. O<br />
senhor dormiu novamente no<br />
consultorio?<br />
- Ontem, como era domingo, vim<br />
para ca estudar uns prontuarios.<br />
Acabei adormecendo. Deixe-me fazer<br />
uma higiene rapida e tomar um<br />
cafezinho. Enquanto isto va<br />
preparando a primeira consulta.<br />
- Esta bem, Dr. <strong>Marcus</strong> Roge. So
espero que o senhor nao se <strong>de</strong>more<br />
<strong>de</strong>mais, pois na sala <strong>de</strong> espera esta<br />
uma moca muito estranha, com uma<br />
crianca, para fazer uma consulta. Ela<br />
afirma que so o senhor po<strong>de</strong>ra<br />
resolver o problema da menina.<br />
- Menina?<br />
- Sim. Doutor, menina e se chama<br />
A<strong>de</strong>lita...
FIM