confrarias portuguesas da época moderna - Universidade Católica ...
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CONFRARIAS PORTUGUESAS DA ÉPOCA MODERNA:<br />
PROBLEMAS, RESULTADOS<br />
E TENDÊNCIAS DA INVESTIGAÇÃO *<br />
PEDRO PENTEADO **<br />
A importância <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> na socie<strong>da</strong>de portuguesa <strong>da</strong> Época<br />
Moderna é hoje um <strong>da</strong>do inegável. De norte a sul do país, em quase<br />
to<strong>da</strong>s as comuni<strong>da</strong>des, as <strong>confrarias</strong> participaram na assistência espiritual<br />
e material às populações e contribuíram para o fortalecimento<br />
<strong>da</strong> vivência do catolicismo, através <strong>da</strong> orientação doutrinal dos fiéis,<br />
<strong>da</strong> procura sacramental, do culto dos mortos, <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de e<br />
de outras activi<strong>da</strong>des devocionais e piedosas, com destaque para as<br />
devoções promovi<strong>da</strong>s após o Concílio de Trento. Dentro do modelo<br />
eclesial <strong>da</strong> <strong>época</strong>, as <strong>confrarias</strong> constituíram uma <strong>da</strong>s principais expressões<br />
orgânicas e sociológicas aceites pela Igreja para enquadrar e<br />
exprimir a vi<strong>da</strong> religiosa dos leigos. Apesar de legitimarem e adensarem<br />
as diferenças existentes na socie<strong>da</strong>de, elas tiveram um papel<br />
relevante na construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de dos vários grupos sociais, reforçaram<br />
os processos de integração e de coesão comunitária e multiplicaram<br />
os tempos, os espaços e as formas de sociabili<strong>da</strong>de, centra<strong>da</strong>s<br />
em torno <strong>da</strong>s festas e cerimónias religiosas. As <strong>confrarias</strong> permitiram<br />
O presente artigo constitui o desenvolvimento do trabalho que produzimos<br />
para o 2° Encontro de História Religiosa e <strong>da</strong> Igreja em Portugal - «Época Moderna<br />
e Catolicismo Tridentino (Séc. XVI-XVIII)», promovido pelo Centro de Estudos de<br />
História Religiosa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Católica</strong> Portuguesa em Abril de 1993. intitu-<br />
lado «Confrarias e Peregrinações: Sociabili<strong>da</strong>de Religiosa e Exercício do Poder».<br />
Agradeço ao Dr. António Matos Ferreira a disponibili<strong>da</strong>de que manifestou para<br />
reflectir connosco sobre alguns aspectos deste estudo.<br />
Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (AN/TT). Mestre em História Mo-<br />
derna. Investigador de História Religiosa.<br />
LUSITANIA SACRA. 2" série, 7 (1995) 15-52
ain<strong>da</strong> maiores oportuni<strong>da</strong>des de exercício do poder ao nível local,<br />
foram palco de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des e de conflituosi<strong>da</strong>des com poderes e<br />
organismos concorrentes e tiveram crescente importância no crédito<br />
às activi<strong>da</strong>des económicas, através do empréstimo de dinheiro a juros.<br />
Estas características do movimento confraternal acentuaram-se de<br />
forma diferente, consoante o espaço, o âmbito cronológico em análise<br />
e a tipologia <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> a que nos referimos<br />
Não possuímos ain<strong>da</strong> visões de conjunto no que se refere à dinâmica<br />
deste movimento em Portugal durante os tempos modernos. O<br />
estado dos conhecimentos sobre a matéria não é ain<strong>da</strong> suficiente e<br />
completo para permitir elaborar sínteses com grandes margens de segurança.<br />
Apesar disso, a partir dos resultados historiográficos disponíveis,<br />
é possível esboçar algumas tendências de resposta às problemáticas<br />
que actualmente se desenvolvem em torno deste objecto<br />
de estudo e definir quais as questões fulcrais que continuam por<br />
resolver.<br />
Este artigo, com as limitações indica<strong>da</strong>s no parágrafo anterior,<br />
sem querer constituir um estudo exaustivo, pretende contribuir para<br />
um balanço actual <strong>da</strong> produção historiográfica sobre as <strong>confrarias</strong><br />
<strong>portuguesas</strong> dos séculos XVI a XVIII e para o traçado <strong>da</strong>s tendências<br />
<strong>da</strong> investigação sobre o assunto. Procuraremos demonstrar como e<br />
porquê este tema ganhou relevância no contexto <strong>da</strong> História Religiosa<br />
e como as novas pesquisas implicaram uma diversificação <strong>da</strong>s<br />
fontes e um desenvolvimento <strong>da</strong>s metodologias de abor<strong>da</strong>gem. Para<br />
1 O problema <strong>da</strong> definição de tipologias <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> é um dos que tem<br />
suscitado uma maior reflexão <strong>da</strong> parte dos investigadores estrangeiros. Para o caso<br />
francês, para além <strong>da</strong> proposta de Maurice Agulhon, cf. Catherine Vincent, Des<br />
Charités Bien Ordonnées. Les Confréries Normandes de la Fin du XIII'. Siècle au<br />
Début du XVI' Siècle. Paris: ENSJF, 1988, pp. 28-30. Para o caso italiano, cf.<br />
Christopher F. Black, Italian Confraternities in the Sixteenth Century. Cam-<br />
bridge: CUP, 1989, pp. 23-32. Para Portugal, Maria Helena <strong>da</strong> Cruz Coelho adoptou<br />
a proposta de Jose Sanchez-Herrero no seu estudo «As Confrarias Medievais<br />
Portuguesas: Espaços de Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de na Vi<strong>da</strong> e na Morte». In: Cofradías, Grémios,<br />
Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des en la Europa Medieval. XIX Semana de Estúdios Medievales. Estella,<br />
1992, p. 157). São vários os critérios usados na definição <strong>da</strong>s tipologias, figurando<br />
entre estes, a forma de acesso às irman<strong>da</strong>des e o grau de abertura ou de exclusi-<br />
vismo destas associações, a pertença a grupos sociais pré-definidos, os níveis de<br />
integração sócio-cultural (grupai, comunitária ou supra-comunitária) que se efec-<br />
tuam nessas associações e ain<strong>da</strong> a sua finali<strong>da</strong>de principal. Estes critérios encon-<br />
tram-se desenvolvidos na obra de Luís Maldonado, Para Compreender el Cato-<br />
licismo Popular. Estela (Navarra): Verbo Divino, 1990. pp. 88-91.
avaliar a importância destas associações no conjunto do país, tentaremos<br />
esboçar alguns traços para uma geografia do movimento confraternal.<br />
Estes servirão de ponto de parti<strong>da</strong> para suscitar um conjunto<br />
de interrogações que correspondem às actuais orientações desta problemática,<br />
como sejam os factores que estiveram na origem <strong>da</strong> criação<br />
e <strong>da</strong> adesão a estas associações, o papel <strong>da</strong> Igreja na sua estruturação,<br />
as relações concorrenciais entre a Igreja e o Estado no controle<br />
do movimento associativo dos leigos, o modo como este último<br />
se organizou internamente e os vínculos sociais estabelecidos entre<br />
os seus membros. Em suma, o nosso objectivo, nas próximas páginas,<br />
consistirá em traçar algumas <strong>da</strong>s respostas às interrogações que atrás<br />
enumerámos.<br />
1. AS CONFRARIAS COMO OBJECTO DE ESTUDO<br />
HISTORIOGRÁFICO<br />
Em 1944, Fernando <strong>da</strong> Silva Correia notava que a história <strong>da</strong>s<br />
<strong>confrarias</strong> <strong>portuguesas</strong> de devoção estava por escrever 2 . Com efeito,<br />
até essa <strong>da</strong>ta, a atenção dos investigadores incidira sobre a vertente<br />
assistencial <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> e irman<strong>da</strong>des 3 ou privilegiara as relações<br />
2 Fernando <strong>da</strong> Silva Correia, Estudos Sobre a História <strong>da</strong> Assistência - Ori-<br />
gem e Formação <strong>da</strong>s Misericórdias Portuguesas. Lisboa, 1944, p. 287. A obra, <strong>da</strong><br />
autoria de um médico, surgia no contexto de uma série de investigações sobre a luta<br />
contra as doenças infecto-contagiosas no nosso país e do papel que nela tiveram os<br />
hospitais e as misericórdias.<br />
•* Usamos indistintamente as expressões confraria e irman<strong>da</strong>de para o pe-<br />
ríodo em causa, em que era frequente um idêntico procedimento por parte dos mem-<br />
bros destas associações, pelo menos até meados do século XVIII. Contudo,<br />
reconhecemos que, pouco a pouco, se tentou proceder a uma distinção com base em<br />
diferentes critérios, desde os devocionais aos jurídicos. Neste sentido, para Daniel-<br />
-Francis Laurentiaux («Culte et Confréries du Saint-Esprit aux Açores». Arquivos<br />
do Centro Cultural Português, vol. XIX, 1983, p. 105), «Confraria est un terme ec-<br />
clésiastique, intégré à la structure catholique, le terme Irman<strong>da</strong>de pourrait en<br />
indiquer L'indépen<strong>da</strong>nce». Pensamos que o autor se refere a uma associação que não<br />
foi juridicamente instituí<strong>da</strong> pelo poder eclesiástico, nem delè dependia directa-<br />
mente. Talvez dentro desta lógica possamos entender o caso <strong>da</strong> Confraria <strong>da</strong> Senhora<br />
<strong>da</strong> Lapa (Póvoa de Varzim). Em 1791, D. Maria I outorgou um novo estatuto a esta<br />
corporação de homens do mar, em substituição do que tinha sido aprovado pelo<br />
Arcebispo de Braga, em 1761. Declarando-se protectora <strong>da</strong> confraria, a Rainha lo-<br />
grou transformá-la e <strong>da</strong>r-lhe o significativo título de Irman<strong>da</strong>de de Nossa Senhora
entre estas associações e as organizações profissionais, através do estudo<br />
<strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> dos mesteres 4 . Nos anos 40, o estatuto menor<br />
atribuído às <strong>confrarias</strong> devocionais foi consagrado pelo próprio Estado<br />
Novo que procurou secun<strong>da</strong>rizar as funções cultuais <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des,<br />
em concreto as que se encontravam liga<strong>da</strong>s às Misericórdias,<br />
durante o longo processo de secularização destas 3 .<br />
As déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960 marcaram o aparecimento de novas<br />
perspectivas para o estudo do movimento confraternal, as quais suscitaram<br />
uma maior atenção <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de científica para o assunto.<br />
Em França, a Sociologia Religiosa, através de Gabriel le Bras, demonstrava<br />
que era fun<strong>da</strong>mental ultrapassar a visão estritamente institucional<br />
<strong>da</strong> Igreja e estu<strong>da</strong>r as práticas de enquadramento religioso,<br />
procurando conhecer a importância <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> e as suas relações<br />
com a socie<strong>da</strong>de, a Igreja e o Estado 6 . Maurice Agulhon, em 1966,<br />
<strong>da</strong> Assunção, isenta de jurisdição <strong>da</strong> paróquia e do Ordinário. A este propósito cf. o<br />
trabalho de Martins <strong>da</strong> Costa, «Real Irman<strong>da</strong>de de Nossa Senhora <strong>da</strong> Assunção <strong>da</strong><br />
Póvoa de Varzim». Póvoa de Varzim. Boletim Cultural. Vol. XXX, 1993, n. os 1-2,<br />
p. 191. Curiosamente, este autor apresenta como factor diferenciatório entre confra-<br />
rias e irman<strong>da</strong>des a existência de fins sociais, os quais não se encontrariam nas<br />
<strong>confrarias</strong>, liga<strong>da</strong>s apenas a objectivos de culto e <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, à semelhan-<br />
ça do que sucedia com as irman<strong>da</strong>des. Este critério parece-nos pouco sustentável.<br />
Para nós. o problema continua em aberto, principalmente para saber quando se pro-<br />
cede à distinção terminológica e se existe alguma relação entre este processo de<br />
distinção e o controle <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> por parte <strong>da</strong> Coroa, a que adiante nos referi-<br />
mos. Uma pista para a cronologia desta diferenciação pode encontrar-se em Joa-<br />
quim Candeias Silva, O Concelho do Fundão Através <strong>da</strong>s Memórias Paroquiais de<br />
1758. Fundão, 1993, pp. 254 e 344.<br />
4 Sobre a vertente assistencial, cf. as obras clássicas de Costa Goodolphim,<br />
As Misericórdias. Lisboa: Imprensa Nacional, 1897 e Vitor Ribeiro,
acentuava os comportamentos associativos desenvolvi<strong>da</strong>s a partir<br />
destas organizações, e abria o caminho para o uso do conceito e <strong>da</strong><br />
problemática <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de religiosa 7 . A reaparição <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s<br />
mentali<strong>da</strong>des e o alargamento <strong>da</strong>s tradicionais áreas temáticas de investigação,<br />
a partir <strong>da</strong> influência do grupo dos «Annales», permitiu o<br />
despontar de novos objectos de estudo, a par <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de, como<br />
o quotidiano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> colectiva, a festa, a integração social, o exercício<br />
do poder, a marginali<strong>da</strong>de, a pobreza, a doença, a morte e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<br />
temas que encontraram um campo profícuo para a sua pesquisa<br />
na documentação <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des 8 . Os anos 60, marcados ain<strong>da</strong><br />
pela necessi<strong>da</strong>de de compreender a plurali<strong>da</strong>de de vivências do catolicismo<br />
e pela valorização <strong>da</strong> «religiosi<strong>da</strong>de popular», reforçaram o<br />
interesse pelo estudo <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. Estas constituíam uma <strong>da</strong>s formas<br />
privilegia<strong>da</strong>s de entender a dinâmica dos cultos populares a<br />
Cristo, à Virgem e aos Santos, para os quais a História Religiosa, de<br />
orientação interdisciplinar, procurava respostas 9 .<br />
Em Portugal, os anos 70 e 80 assinalam o fascínio pelos conceitos,<br />
metodologias e resultados conseguidos pelos historiadores<br />
franceses, cuja influência possibilitou a renovação <strong>da</strong>s abor<strong>da</strong>gens<br />
sobre o passado do movimento confraternal português. De uma forma<br />
gradual, os estudos sobre esta área temática conquistaram uma<br />
certa posição nas investigações de âmbito universitário, por exemplo,<br />
entre os medievalistas l0 . Hoje, a história <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>, na com-<br />
7 Sobre as referi<strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960, cf. Marie-Hélène Froeschlé-<br />
-Chopard, «Etude des Confréries: Problèmes et Méthode». Provence Historique,<br />
T. XXXIV, fasc. 136, Avr.-Juin 1984, p. 117. Sobre as diferentes fases <strong>da</strong> historio-<br />
grafia francesa até Agulhon, cf. André Vauchez, «Les Confréries au Moyen Age:<br />
Esquisse d' un Bilan Historiographique». In: Les Laies au Moyen Age. Pratiques et<br />
Expériences Religieuses. Paris: Cerf, 1987, sobretudo p. 114. Maurice Agulhon,<br />
Pénitents et Francs-maçons de l'Ancienne Provence. Essai sur la Sociabilité<br />
Méridionale. 3* ed. Paris, 1985 e Guliana Gemelli e Maria Malateata, «Le Aventure<br />
délia Sociabilité». In: Forme di Sociabilitá nella Storiografia Francese Con-<br />
temporâneo. Milão, 1982, pp. 9-102 (Devo à Dra. Alexandra Lousa<strong>da</strong> o conheci-<br />
mento deste trabalho e de algumas reflexões em torno dele).<br />
8 Jacques Le Goff (dir.), La Nouvelle Histoire. Paris: Complexe, 1988,<br />
pp. 35-75 e 167-190.<br />
9 Fernand Boulard, «La Religion Populaire <strong>da</strong>ns le Débat de la Pastorale<br />
Contemporaine», Religion Populaire <strong>da</strong>ns l'Occident Chrétien. Approches Histo-<br />
riques. Paris, 1976, pp. 27-49 e Luís Maldonado, op. cit., p. 87.<br />
10 Uma perspectiva historiográfica dos trabalhos dos medievalistas portugue-<br />
ses encontra-se no excelente artigo de Maria Helena Coelho, op. cit.. pp. 149-183.
plexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas várias perspectivas de análise, continua a cativar<br />
ca<strong>da</strong> vez mais adeptos e a assumir-se como área do conhecimento<br />
essencial para a compreensão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de portuguesa de<br />
Antigo Regime.<br />
2. FONTES E MÉTODOS<br />
A primeira ideia a reter é a de que as novas perspectivas de investigação<br />
são bastante exigentes em termos documentais, implicando<br />
uma maior procura de fontes e diversificação <strong>da</strong>s tipologias e<br />
dos suportes dos documentos. Esta afirmação torna-se mais evidente<br />
no caso do estudo <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de religiosa e <strong>da</strong>s formas do exercício<br />
do poder nas irman<strong>da</strong>des, o que traz implicações no que se refere<br />
ao património arquivístico. Por tudo isto, é urgente a aposta na identificação,<br />
no tratamento, na preservação e na difusão dos fundos e<br />
colecções que interessam para este tipo de pesquisa ".<br />
Quanto à importância <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de suportes <strong>da</strong> informação,<br />
atente-se na existência de objectos que constituem a herança museológica<br />
<strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des, como sejam: mobiliário, quadros, retábulos<br />
e imagens de culto, círios, me<strong>da</strong>lhas, gravuras, bandeiras, insígnias,<br />
peças de vestuário e outros símbolos <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de corporativa.<br />
Apesar de habitualmente serem secun<strong>da</strong>rizados nas investigações,<br />
estes objectos esclarecerem e ilustram aspectos fun<strong>da</strong>mentais do<br />
associativismo leigo de cariz religioso. O mesmo se poderá dizer, por<br />
exemplo, <strong>da</strong>s gravações audio-visuais <strong>da</strong>s antigas cerimónias festivas<br />
e <strong>da</strong>s entrevistas desenvolvi<strong>da</strong>s com os seus intervenientes l2 .<br />
" Sobre este problema, cf. Pedro Penteado, «Confrarias Portuguesas <strong>da</strong><br />
Época Moderna: Situação Historiográfica e Desafios Arquivísticos» (no prelo,<br />
revista dos AN/TT). Para a organização de alguns destes fundos, cf. a proposta de<br />
Manuela Ferrão Magalhães, Arquivos <strong>da</strong>s Misericórdias. Orientações para a<br />
Organização e Descrição dos Fundos dos Arquivos <strong>da</strong>s Misericórdias. Lisboa:<br />
IPA, 1992 (versão policopia<strong>da</strong>).<br />
12 Existem alguns trabalhos paradigmáticos sobre estes assuntos. Para a ico-<br />
nografia, cf. José Lothe e Agnes Virole, Images de Confréries Parisiennes. Paris:<br />
BHVP, 1992. Sobre a entrevista como método de trabalho em Ciências Sociais e<br />
sobre o tratamento arquivístico de registos orais, cf. R. Ghiglione e B. Matalon,<br />
O Inquérito. Teoria e Prática. Oeiras: Celta Editora, 1992 e Chantal de Tournier-<br />
-Bonazzi (dir.), Les Témoignage Oral aux Archives. De la Collecte à la Commu-<br />
nication. Paris: Archives Nationales, 1990. No que concerne às recolhas e
No que concerne a metodologias de trabalho, entre nós ain<strong>da</strong> não<br />
existem reflexões publica<strong>da</strong>s que versem exclusivamente sobre o<br />
assunto. Ao contrário, vários autores estrangeiros desenvolveram<br />
propostas que, em parte, poderão ser a<strong>da</strong>ptáveis ao caso português. E<br />
preciso, no entanto, estar preparado para algumas dificul<strong>da</strong>des, sendo<br />
que as maiores poderão residir na escassez de documentação gráfica<br />
serial e sua respectiva utilização. Em França, um dos projectos metodológicos<br />
mais conhecidos é o de Marie-Hélène Froeschlé-Chopard,<br />
que utilizou as visitas pastorais para identificar as <strong>confrarias</strong> e elaborar<br />
estudos comparativos <strong>da</strong> sua importância em várias dioceses<br />
<strong>da</strong>quele país n .<br />
3. PARA UMA GEOGRAFIA DO MOVIMENTO<br />
CONFRATERNAL<br />
O método que a historiadora Froeschlé-Chopard propôs, em 1985,<br />
passava por uma quantificação <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> paroquiais <strong>da</strong>s dioceses,<br />
a partir <strong>da</strong>s suas titulaturas, as quais eram depois agrupa<strong>da</strong>s em<br />
apresentação do património museológico em Portugal, a título de exemplo, cf. Ma-<br />
ria Antónia Machado e João Saavedra Machado, Nossa Senhora de Nazaré na Ico-<br />
nografia Mariana. Nazaré: MEAJM, 1982; Maria Manuela Alcântara, Sob o Signo<br />
de São Nicolau. Guimarães: Museu Alberto Sampaio. 1994 (com texto relativo à<br />
exposição do espólio museológico <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de de São Nicolau) (Agradeço esta<br />
referência ao Dr. Nuno Vassalo e Silva), Maria Helena Mendes e Vítor Mendes. As<br />
Misericórdias do Algarve. Lisboa: Neogravura, 1968 e M. Filomena Brito, «A Ban-<br />
deira Processional de Nossa Senhora <strong>da</strong> Misericórdia na Vi<strong>da</strong> Portuguesa». In: Ma-<br />
ter Misericordiae. Lisboa: SCML/Horizonte, 1995, pp. 86-108.<br />
Cf. Marie-Hélène Froeschlé-Chopard, op. cit., pp. 118-120 e sobretudo «Les<br />
Confréries <strong>da</strong>ns le Temps et <strong>da</strong>ns l'Espace. Pénitents et Saint-Sacrement». In:<br />
M.-H, F.-Chopard (dir.). Les Confréries. l'Église et la Cité. Cartographie des<br />
Confréries du Sud-Est. Actes du Colloque de Marseille. Grenoble: CARE, 1988,<br />
pp. 7-41. Uma <strong>da</strong>s principais vantagens deste tipo de fontes é a de permitirem recu-<br />
perar a evolução <strong>da</strong> criação e supressão de <strong>confrarias</strong> numa paróquia. Sobre os<br />
problemas inerentes ao uso destas fontes, cf. Catherine Vincent, Les Confréries<br />
Médiévales <strong>da</strong>ns le Royaume de France. XIII'-XV' Siècle. Paris: Albin Michel.<br />
1994, p. 41. Em França, Michel Vovelle usou também os testamentos para identi-<br />
ficar as <strong>confrarias</strong> regionais. Em Portugal, esta fonte foi trabalha<strong>da</strong> por Maria<br />
Manuela Martins Rodrigues, para o concelho do Porto («Confrarias <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do<br />
Porto: Espaços de Enquadramento Espiritual e Poios Difusores <strong>da</strong> Mensagem <strong>da</strong><br />
Igreja». In: Congresso Internacional de História - Missionação Portuguesa e En-<br />
contro de Culturas. Braga, 1993, vol. I, pp. 389-410).
categorias de devoções. O objectivo consistia em definir a relevância<br />
de ca<strong>da</strong> tipo de irman<strong>da</strong>de nas diversas regiões e, deste modo, contribuir<br />
para a definição de áreas de culturas religiosas distintas l4 .<br />
Em Portugal, ain<strong>da</strong> não temos estudos deste cariz, embora se suponha<br />
que uma experiência neste domínio venha a revelar algumas<br />
surpresas. Com base numa fonte serial com <strong>da</strong>dos para quase todo o<br />
país, procurámos esboçar um quadro provisório do movimento<br />
confraternal, cerca de 1758, em quatro diferentes áreas geográficas:<br />
Lisboa, Gaia, Alcobaça (próximo do litoral) e Fundão (no interior do<br />
país) l5 . Esta son<strong>da</strong>gem foi feita num universo de mais de 300 ir-<br />
14 Este método, apresentado nos dois estudos <strong>da</strong> autora que atrás citámos, foi<br />
posteriormente complexificado e apresentado no seu mais recente trabalho. Espace<br />
et Sacré en Provence (XVI'-XX' Siècle). Cultes. Images. Confréries. Paris: Ed. du<br />
Cerf. 1994. Na obra. especificam-se outros índices <strong>da</strong>s devoções nos espaços geo-<br />
gráficos em análise, incluindo aí as invocações dos altares <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. O uso<br />
<strong>da</strong>s titulaturas levanta vários tipos de problemas, como demonstrou Marc Venard<br />
(«Qu 1 est-ce qu" une Confrérie de Dévotion? Réflexions sur les Confréries Rouen-<br />
naises du Saint-Sacrement». In: M.-H.F.-Chopard. Les Confréries. l'Église et la<br />
Cité. Cartographie des Confréries du Sud-Est. Actes du Colloque de Marseille.<br />
Grenoble: CARE, 1988) que não só se referiu às <strong>confrarias</strong> de múltiplos patronos<br />
como demonstrou que as invocações destas associações nem sempre são prova <strong>da</strong><br />
existência <strong>da</strong> grande veneração ao santo protector ou ao culto referido. O tema <strong>da</strong><br />
geografia do movimento confraternal foi ain<strong>da</strong> trabalhado por Michel Vovelle<br />
(«Géographie des Confréries à L'Époque Moderne». Revue d'Histoire de l'Église<br />
de France, LXIX, n° 168, pp. 259-268).<br />
15 Para o efeito usámos as respostas dos párocos ao inquérito <strong>da</strong> Secretaria de<br />
Estado dos Negócios do Reino, após o terramoto de 1 de Novembro de 1755. Trata-<br />
-se de um conjunto documental conhecido como «Memórias Paroquiais» de 1758 ou<br />
«Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso». Aproveitámos as fontes já publi-<br />
ca<strong>da</strong>s ou recolhi<strong>da</strong>s por nós em anteriores trabalhos: Fernando Portugal e Alfredo de<br />
Matos. Lisboa em 1758. Lisboa: CML, 1974; J. Candeias <strong>da</strong> Silva. op. cit.; Fran-<br />
cisco Barbosa <strong>da</strong> Costa. Memórias Paroquiais. Vila Nova de Gaia: CMVNG, 1983<br />
e Pedro Penteado, «A Vi<strong>da</strong> Religiosa nos Coutos de Alcobaça nos Séculos XVI a<br />
XVIII». In: Arte Sacra nos Antigos Coutos de Alcobaça. Lisboa: IPPAR, 1995.<br />
Sobre a história desta documentação, Maria José Mexia B. Chorão, Inquéritos Pro-<br />
movidos pela Coroa no Século XV1I1. Lisboa, 1988 (sep.). Esta obra refere outros<br />
questionários, cujas respostas podem ser igualmente usa<strong>da</strong>s para complementar in-<br />
formações do «Dicionário Geográfico ...». As «Memórias Paroquiais», usa<strong>da</strong>s para<br />
recuperar informações sobre as irman<strong>da</strong>des existentes nas paróquias do Reino,<br />
têm a vantagem de permitirem estudos comparativos regionais num determinado<br />
período cronológico: os anos de 1758-1759, em que a maior parte dos clérigos en-<br />
viaram as suas respostas para a Secretaria de Estado. Contudo, é preciso notar que<br />
algumas vezes os párocos pecaram por omissão de <strong>da</strong>dos sobre estas associações.
man<strong>da</strong>des e <strong>confrarias</strong> espalha<strong>da</strong>s por 106 paróquias. A densi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
<strong>confrarias</strong> por paróquia variou entre 1,8 (Fundão) e 4,2 (Coutos de<br />
Alcobaça), número superior ao <strong>da</strong> capital 16 . Contudo, no Fundão, as<br />
freguesias menos populosas, com um máximo de 100 vizinhos, não<br />
chegavam a ter, em média, uma irman<strong>da</strong>de. Somos assim remetidos<br />
para a existência de comuni<strong>da</strong>des que não possuíam este tipo de<br />
enquadramento social e religioso no período em estudo ,7 . Aquele<br />
quantitativo subiu a 2,5 nas paróquias com menos de 500 vizinhos,<br />
que constituíam a maior parte do referido concelho. Estes são os <strong>da</strong>dos<br />
do interior de Portugal, mas a região de Gaia, por exemplo, apresentava<br />
uma média superior a esta, na ordem <strong>da</strong>s 3,5 <strong>confrarias</strong> nas freguesias<br />
com as dimensões populacionais assinala<strong>da</strong>s. Apesar destas<br />
frequências necessitarem de ser confirma<strong>da</strong>s em outros locais, elas<br />
dão-nos uma primeira dimensão <strong>da</strong> abundância de <strong>confrarias</strong> na centúria<br />
de setecentos.<br />
CONFRARIAS PORTUGUESAS - DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA (ca. 1758)<br />
40 "<br />
' ljjj|Ç e C p?| ^ Confrarias Marianas<br />
Hl gg jflB D Confrarias Teocentricax<br />
15' C ff^pi BES L Kffl KjS H Confrarias Santos<br />
" Bâjj k S Kjfj 0 Confiarias Últimos Fins<br />
Fundão Alcobaça Gaia Lisboa<br />
Em qualquer dos casos, é sempre necessário recorrer a outros tipos de fontes para<br />
confirmar e/ou completar o quadro <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des regista<strong>da</strong>s. Tencionamos<br />
desenvolver esta grelha de análise para Portugal, sob orientação <strong>da</strong> Prof. a Marie-<br />
-Hélène Froeschlé-Chopard, <strong>da</strong> École des Hautes Études en Sciences Sociales.<br />
16 A análise que se segue centra-se sobre as <strong>confrarias</strong> paroquiais. Também<br />
não inclui as irman<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Misericórdia que, só na região dos antigos coutos de<br />
Alcobaça, representavam cerca de 15% do total <strong>da</strong>s que recenseámos para 1758 (cf.<br />
P. Penteado. «A Vi<strong>da</strong> Religiosa ...» , pp. 192-195. No caso de Lisboa deve-se terem<br />
consideração os efeitos reducionistas do terramoto sobre a população <strong>da</strong>s paró-<br />
quias e as próprias irman<strong>da</strong>des.<br />
17 O concelho do Fundão, por exemplo, apresenta seis paróquias em que não<br />
há referência à presença de irman<strong>da</strong>des. Custa-nos a crer que tenha ocorrido falia de
A maior parte delas, nas regiões de Alcobaça e do Fundão, eram<br />
<strong>confrarias</strong> do Santíssimo Sacramento, <strong>da</strong>s Almas do Purgatório e de<br />
Nossa Senhora do Rosário, devoções promovi<strong>da</strong>s pela Igreja na<br />
sequência do Concílio de Trento 18 . Nas outras duas regiões analisa<strong>da</strong>s,<br />
e baseando-nos ain<strong>da</strong> na distribuição de titulaturas, estes cultos<br />
mantinham uma certa importância e abrangiam quase metade <strong>da</strong>s<br />
invocações associativas. Nos antigos coutos alcobacenses, quase to<strong>da</strong>s<br />
as freguesias possuíam uma destas três irman<strong>da</strong>des. Por outro<br />
lado, o Santíssimo Sacramento era invocado em 2/3 <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> paroquiais.<br />
Também aqui a devoção à Senhora do Rosário encontrava<br />
campo de expansão, atitude que contrastava com as paróquias de<br />
Lisboa, onde esta titulatura não conseguiu grande penetração no<br />
conjunto <strong>da</strong>s associações marianas 19 . Note-se que na presente contabilização<br />
não entram as <strong>confrarias</strong> sedia<strong>da</strong>s em mosteiros, colégios<br />
e hospitais, as quais poderão obrigar a outras leituras do panorama<br />
que aqui traçamos. No que diz respeito ao número de irman<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s<br />
Almas do Purgatório, este era mais expressivo no interior, nos arredores<br />
do Fundão. Seria interessante conjugar estes <strong>da</strong>dos com outros<br />
índices <strong>da</strong> pie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong>quela região, como sejam: a<br />
existência de painéis de alminhas, ermi<strong>da</strong>s, capelas, retábulos, etc. Se<br />
alargarmos agora a grelha de análise e incluirmos as outras associações<br />
existentes, constatamos que as <strong>confrarias</strong> de invocação de Santos<br />
tinham reduzi<strong>da</strong> expressão no cômputo global, na sequência <strong>da</strong><br />
minorização <strong>da</strong> importância dos antigos cultos do santoral em favor<br />
indicação <strong>da</strong> parte de quem respondeu ao inquérito, sobretudo porque cinco destes<br />
casos ocorreram em freguesias com menos de 100 vizinhos, o que, constituindo uma<br />
coincidência, poderá também ser uma explicação para o facto. Será que quanto<br />
menor for um agregado populacional mais tendência haverá para as relações de<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de se centrarem sobre as relações familiares e de vizinhança, fora do<br />
âmbito confraternal?<br />
18 É preciso ter em atenção que não se tratam de cultos criados na I<strong>da</strong>de<br />
Moderna. A veneração ao rosário através de <strong>confrarias</strong> foi regista<strong>da</strong> na Europa em<br />
1470 (M. H. F.-Chopard, Espace etSacré..., p. 417), embora fosse no pontificado de<br />
Pio V, após a vitória dos cristãos em Lepanto, que o culto tivesse a sua maior<br />
expansão. No que concerne às <strong>confrarias</strong> do Santíssimo, Mare Venard recenseou<br />
diversas, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nos séculos XIII e XIV, em França (op. cil.).<br />
" Nos coutos de Alcobaça são conhecidos alguns casos onde as <strong>confrarias</strong><br />
do Rosário entraram por acção dos religiosos dominicanos do Mosteiro de Santa<br />
Maria <strong>da</strong> Batalha (P. Penteado, «A Vi<strong>da</strong> Religiosa ...», p. 187).
<strong>da</strong>s novas fórmulas <strong>da</strong> pie<strong>da</strong>de tridentina 20 . Por outro lado, as <strong>confrarias</strong><br />
teocêntricas apresentavam, na área de Gaia, uma percentagem<br />
muito abaixo do que seria de esperar. Dentro deste tipo de associações,<br />
saliente-se ain<strong>da</strong> a escassez de invocações de irman<strong>da</strong>des do Divino<br />
Espírito Santo, provavelmente relaciona<strong>da</strong> com o esforço desenvolvido<br />
pelas autori<strong>da</strong>des eclesiásticas para efectivar a desestruturação<br />
destas organizações. Nas proximi<strong>da</strong>des do Fundão, a sua presença<br />
era mesmo nula. Contudo, a significativa quanti<strong>da</strong>de de ermi<strong>da</strong>s<br />
ali existentes que apresentavam denominações do Espírito Santo<br />
não deixa esconder a relevância local deste culto por volta de 1758 2I .<br />
40<br />
CONFRARIAS PORTUGUESAS - DEVOÇÕES TRIDENTINAS (ca. 1758)<br />
35 - • —<br />
30 -•<br />
§9 Confrarias Rosário<br />
20 - - llll — D Confrarias Ss.mo Sacramento<br />
'5 - m i I—- d Confrarias Almas<br />
Fundão Alcobaça Gaia Lisboa<br />
30 Sobre a desconfiança dos bispos franceses do século XVIII no que se re-<br />
fere a estas invocações, cf. Louis Châtellier, A Religião dos Pobres. As Missões<br />
Rurais na Europa e a Formação do Catolicismo Moderno. Séc. XVI-XIX. Lisboa:<br />
Estampa. 1995, p. 256. M.-H. Froeschlé-Chopard constatou idêntico procedimento<br />
na Provença (cf. Espace e Sacré.... p. 162). Para o caso português, Maria Manuela<br />
Rodrigues apresenta números mais significativos <strong>da</strong>s invocações do santorai. Con-<br />
tudo. esta autora indica frequências relativas aos anos entre 1650 e 1749, sendo<br />
preciso ter em conta que inclui períodos em que o culto aos santos era mais signi-<br />
ficativo, como na centúria de seiscentos (cf. «Confrarias <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Porto...»,<br />
p. 383). Um estudo relativo ao concelho <strong>da</strong> Feira confirma-nos esta ideia: as asso-<br />
ciações religiosas de invocação de santos passam de 33 para 14,8% do século XVII<br />
para o seguinte. Existiam, contudo, áreas onde o esforço <strong>da</strong> Igreja para secun<strong>da</strong>rizar<br />
as antigas <strong>confrarias</strong> de invocação de santos não teve, aparentemente, tanto sucesso.
A distribuição do movimento confraternal peias diferentes áreas<br />
regionais <strong>portuguesas</strong> apresenta disposições diferentes consoante<br />
tratamos do terceiro quartel do século XVIII ou do final <strong>da</strong> centúria de<br />
quinhentos. Por isso, é necessário estar atento à evolução histórica <strong>da</strong>s<br />
preferências cultuais, assunto que abor<strong>da</strong>mos adiante.<br />
4. FACTORES MOTIVACIONAIS E NÍVEIS DE ADESÃO<br />
ÀS CONFRARIAS<br />
Em meados do século XVIII, as <strong>confrarias</strong> pululavam um pouco<br />
por por todo o país, atingindo então alguns dos números mais elevados<br />
<strong>da</strong> sua existência e congregando à sua volta milhares de indivíduos<br />
22 . Esta constatação obriga-nos a colocar, desde já, duas questões:<br />
O que é que teria estimulado os homens <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Moderna a<br />
criarem e integrarem essa imensi<strong>da</strong>de de associações? E quais seriam<br />
os níveis de adesão que elas tiveram?<br />
Um dos principais factores motivacionais do ingresso dos indivíduos<br />
nas irman<strong>da</strong>des foi a necessi<strong>da</strong>de que estes sentiam de obter a<br />
maior quanti<strong>da</strong>de possível de intercessores no mundo celeste para<br />
conseguirem garantir a protecção divina na sua vi<strong>da</strong> quotidiana e a<br />
salvação <strong>da</strong>s suas almas após a morte. A entra<strong>da</strong> nestas organizações<br />
era também uma <strong>da</strong>s formas dos novos irmãos poderem assegurar o<br />
auxílio dos outros membros em eventuais momentos difíceis dos seus<br />
percursos de vi<strong>da</strong>, tais como os tempos de pobreza, fome, epidemia,<br />
doença, cativeiro, etc. Tratava-se de fazer face à imprevisibili<strong>da</strong>de<br />
dos acontecimentos do dia a dia, assegurando a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de duma<br />
Foi o caso de Viseu (cf. Guilhermina Mota, «A Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Senhora do Carmo <strong>da</strong><br />
Marmeleira - Mortágua. (Primeira Metade do Século XVIII)». Revista de História<br />
<strong>da</strong>s Ideias, 9, 1987, p. 277). Para o caso açoreano (Ribeira Grande), cf. Maria<br />
Fernan<strong>da</strong> Enes. «As Confrarias do Santíssimo e <strong>da</strong>s Almas no âmbito <strong>da</strong> Cultura<br />
Barroca». In: / Congresso Internacional do Barroco. Porto, 1991. vol. I, p. 278.<br />
21 J. Candeias Silva, op. cit., p. 361.<br />
32 Para se obter uma ideia <strong>da</strong> importância e dimensão <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> já no<br />
século XVI. cf. Francisco Bethencourt, «Os Equilíbrios Sociais do Poder. A Igre-<br />
ja». In: José Mattoso (dir.). História de Portugal. Lisboa, 1993, vol. III, pp. 151-<br />
-153. Seria interessante confrontar os <strong>da</strong>dos fornecidos pelo autor com a proble-<br />
mática e as perspectivas de Mare Venard em «La Crise des Confréries en France au<br />
XVI r . Siècle». In: Populations et Cultures. Mélanges F. Lebrun. Rennes: U. Rennes<br />
II e ICB, 1989, pp. 397-409.
espécie de «família alarga<strong>da</strong>», a partir duma valorização do sentimento<br />
cristão de fraterni<strong>da</strong>de e de amor ao próximo. Por outro lado,<br />
esta ligação a uma comuni<strong>da</strong>de mais abrangente era uma forma de<br />
garantir o direito a um funeral cristão com o acompanhamento <strong>da</strong> irman<strong>da</strong>de.<br />
Numa boa parte dos casos, as irman<strong>da</strong>des tinham também a<br />
obrigação de rezar um determinado número de missas pela salvação<br />
<strong>da</strong>s almas dos irmãos defuntos. Contudo, nem sempre o dever de<br />
acompanhamento dos membros falecidos ou de celebração de missas<br />
em sua intenção era cumprido pelas irman<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>ndo origem a<br />
constantes intervenções <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des eclesiásticas no sentido de<br />
fazerem respeitar estas obrigações 23 . Seria interessante apurar até que<br />
ponto estas intervenções no sentido de disciplinar as associações<br />
religiosas não eram uma forma de assegurar o seu normal funcionamento<br />
e de <strong>da</strong>r aos fiéis as garantias necessárias ao seu ingresso nas<br />
irman<strong>da</strong>des.<br />
É, pois, necessário averiguar até que ponto estas organizações representavam<br />
uma maior espiritualização do quotidiano e um aumento<br />
<strong>da</strong> prática religiosa. Talvez à primeira vista se possa afirmar que as<br />
<strong>confrarias</strong> permitiam um maior acesso aos sacramentos <strong>da</strong> Igreja, uma<br />
manutenção mais cui<strong>da</strong><strong>da</strong> dos locais de culto, um aumento <strong>da</strong> devoção<br />
aos Santos e à Virgem, ou ain<strong>da</strong> um acréscimo do número de peregrinações.<br />
Mas seria importante constatar qual a percentagem de<br />
novos irmãos para quem esses aspectos eram os mais relevantes no<br />
momento do ingresso, contribuindo deste modo para uma hierarquização<br />
dos referidos factores motivacionais. Por outro lado, constata-se<br />
a necessi<strong>da</strong>de de identificar o grupo social em que esses membros<br />
se situavam, de forma a apurar eventuais relações entre as élites<br />
sociais e as fórmulas mais interioriza<strong>da</strong>s de religiosi<strong>da</strong>de.<br />
Entre os múltiplos aspectos que impulsionaram os indivíduos para<br />
o seio destas associações, um dos mais relevantes foi a procura duma<br />
maior integração e identi<strong>da</strong>de social por parte dos confrades e a busca<br />
21 Na déca<strong>da</strong> de 1780, no Arcebispado de Lisboa, na Igreja Nova (Mafra), onde<br />
existia uma irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Almas, era necessário pagar a quem conduzisse um<br />
cadáver à sepultura porque os irmãos escapavam-se a esta e a outras práticas cari-<br />
tativas. E em Almargem do Bispo (Sintra), na mesma <strong>época</strong>, os irmãos do Santís-<br />
simo Sacramento não se dignavam a acompanhar à cova os irmãos falecidos e nem<br />
sequer seguiam o Santíssimo nas suas saí<strong>da</strong>s em procissão (cf. Isaías <strong>da</strong> Rosa Pe-<br />
reira, Subsídios para a História <strong>da</strong> Diocese de Lisboa no Século XV111. Lisboa.<br />
1980, pp. 231 e 235).
de uma maior distinção social no interior <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. Estes<br />
aspectos foram particularmente significativos nos momentos <strong>da</strong>s<br />
grandes cerimónias e dos festejos públicos em que os irmãos desfilavam<br />
com os atributos dos seus poderes perante to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong>de. A<br />
questão <strong>da</strong> integração social assumiu uma importância especial no<br />
caso dos homens de cor e dos cristãos-novos, <strong>da</strong>do que estes se<br />
serviam do ingresso nas <strong>confrarias</strong> (onde podiam ou conseguiam entrar)<br />
para obterem melhores níveis de aceitação social 24 . Não é ain<strong>da</strong><br />
de desprezar, como motivação para a entra<strong>da</strong> de novos membros, o<br />
facto <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des possibilitarem um aumento <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de<br />
exercício do poder dos indivíduos e a multiplicação dos tempos de<br />
sociabili<strong>da</strong>de. Não podemos esquecer que as festas confraternais<br />
proporcionaram momentos excepcionais de convívio e de evasão ao<br />
quotidiano.<br />
Este quadro global de respostas necessita de ser questionado no<br />
sentido de apurar variações espaciais e temporais <strong>da</strong>s motivações<br />
menciona<strong>da</strong>s, bem como diferentes valorizações <strong>da</strong>s causas de ingresso<br />
nas irman<strong>da</strong>des. Contudo, ao contrário do que sugerem alguns autores,<br />
parece-nos duvidoso que a uma determina<strong>da</strong> invocação de<br />
irman<strong>da</strong>de estivesse forçosamente associa<strong>da</strong> uma causa principal de<br />
adesão. Isto é, nem só através <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s Almas do Purgatório<br />
se procedia ao culto dos mortos, podendo os fiéis encontrar resposta<br />
para esta necessi<strong>da</strong>de em outras associações religiosas, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />
sua tendência para a plurifuncionali<strong>da</strong>de 25 . O compromisso <strong>da</strong> Confraria<br />
do Santíssimo de Cós refere que, após o falecimento de algum<br />
irmão, o seu corpo deveria ser acompanhado à sepultura pelos restantes<br />
membros e que «dentro de Outo dias se lhe dira hüa missa reza<strong>da</strong><br />
a Custa <strong>da</strong> Comfraria». Por certo que este último aspecto teria constituído<br />
também um dos estímulos à entra<strong>da</strong> de confrades nesta associação.<br />
Como se comprova, a obrigatorie<strong>da</strong>de de participação dos<br />
24 O problema <strong>da</strong> integração social de homens de cor no sistema de valores <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de católica através <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des foi salientado por M. Manuela Rodri-<br />
gues, op. cit., p. 408. Sobre o caso dos cristãos-novos e as formas de disfarçar a<br />
integração, cf. por exemplo, Pedro Penteado, Nossa Senhora de Nazaré. Contribui-<br />
ção para a História de um Santuário Português. Lisboa, 1991, vol. I, pp. 233-234 e<br />
236. (Dissertação de Mestrado apresenta<strong>da</strong> à FLUL) e. <strong>da</strong> mesma autoria, «Rafael<br />
Rodrigues: Um Cristão-novo de Alcobaça nas Malhas <strong>da</strong> Inquisição». In: Actas do<br />
II Colóquio Sobre História de Leiria e <strong>da</strong> sua Região (no prelo).<br />
25 Cf., por exemplo, Arlindo Rubert, Historia de la Iglesia en Brasil. Ma-<br />
drid: Mapfre, 1992, p. 247.
irmãos em funerais e a realização de missas de sufrágio não era<br />
apanágio <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s Almas. De igual modo, e numa lógica de<br />
reciproci<strong>da</strong>de, também a Confraria de Nossa Senhora do Rosário de<br />
Castro Verde, por exemplo, estipulava que «morrendo algum irmão,<br />
ou irmã, a Irman<strong>da</strong>de acompanhará o seu corpo de graça á sepultura»<br />
e a Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Almas <strong>da</strong> Junceira obrigava os seus membros a<br />
rezar um terço do rosário no oitavário <strong>da</strong> festa de Todos-os-Santos 26 .<br />
No que diz respeito aos níveis de adesão às <strong>confrarias</strong> na Época<br />
Moderna, vários autores defendem que eles foram bastante significativos.<br />
Para Maria Manuela Rodrigues, o facto de existirem no concelho<br />
do Porto, entre meados do século XVII e meados do século<br />
XVIII, mais de duas centenas de <strong>confrarias</strong> e de muitos dos seus<br />
membros pertencerem em simultâneo a mais de uma delas constitui<br />
uma demonstração do interesse social por este tipo de instituições 27 .<br />
Contudo, este argumento pode ser relativizado se tivermos em consideração<br />
outros <strong>da</strong>dos. Em Setúbal, segundo os estudos de Laurin<strong>da</strong><br />
de Abreu, algumas <strong>da</strong>s mais importantes <strong>confrarias</strong> paroquiais englobavam,<br />
em média, apenas 10 % do total de fogos <strong>da</strong> freguesia, havendo<br />
por isso um reduzido número de entra<strong>da</strong>s anuais de irmãos 28 . Por outro<br />
lado, o facto de existirem círculos de intercepção entre os irmãos<br />
<strong>da</strong>s diversas <strong>confrarias</strong> <strong>da</strong>quela locali<strong>da</strong>de pode ser entendido como<br />
uma restrição dos níveis de adesão a um conjunto mais limitado de<br />
indivíduos.<br />
26 Pedro Penteado e Conceição Ereio, «O Compromisso <strong>da</strong> Confraria do<br />
Santíssimo Sacramento de Cós no Contexto do Culto Eucarístico Seiscentista» (No<br />
prelo, revista Espaços, <strong>da</strong> Associação de Defesa do Património Cultural <strong>da</strong> Região<br />
de Alcobaça) (fl. 4 do compromisso). Cf. ain<strong>da</strong> AN/TT, Manuscritos <strong>da</strong> Livraria.<br />
n° 1207 e AN/TT, Confrarias, Irman<strong>da</strong>des e Mordomias. M. XXV, n° 2.<br />
" M. Manuela Rodrigues, «Confrarias <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Porto...», p. 408.<br />
28 Laurin<strong>da</strong> de Abreu. «Confrarias e Irman<strong>da</strong>des de Setúbal: Redes de<br />
Sociabili<strong>da</strong>de e Poder». In: I Congresso Internacional do Barroco. Porto, 1991, vol.<br />
I, p. 6. Em São Sebastião <strong>da</strong> Pedreira, em 1758, a percentagem de irmãos <strong>da</strong><br />
Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo era de 1/7 do número de paroquianos <strong>da</strong> Matriz (cf.<br />
Fernando Portugal e outro, op. cit.. p. 252). Seria interessante saber se a Irman-<br />
<strong>da</strong>de tinha muitos membros de outros locais. Convinha apurar quantitativos refe-<br />
rentes a outras regiões e. principalmente, saber qual a percentagem de fregueses de<br />
outras igrejas matrizes que se encontravam integrados nas <strong>confrarias</strong> paroquiais.<br />
Este aspecto poderá fornecer índices de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre vizinhanças, como<br />
sugere, para a Mortágua, Guilhermina Mota (op. cit., p. 281). M. Manuela Rodri-<br />
gues fornece-nos algumas percentagens, mas para uma confraria sedia<strong>da</strong> no Con-<br />
vento de São Francisco do Porto (op. cit., p. 408).
Os grupos sócio-profissionais que tinham maior apetência por<br />
pertencer a <strong>confrarias</strong>, na população paroquial setubalense, eram<br />
sobretudo os artesãos, os mercadores e os marítimos, enquanto no<br />
Porto era possível estender ain<strong>da</strong> este quadro aos oficiais/licenciados<br />
e aos indivíduos que viviam de rendimentos próprios 29 . O envolvimento<br />
de grupos sociais menos privilegiados nas <strong>confrarias</strong> pode ser<br />
entendido como uma forma destes conseguirem aumentar os seus<br />
níveis de protagonismo social. No contexto duma análise sociológica<br />
é ain<strong>da</strong> pertinente apurar onde se situam as franjas de excluídos <strong>da</strong><br />
participação no movimento confraternal, assunto a que voltaremos<br />
adiante.<br />
A pertença a grupos sociais e/ou profissionais podia condicionar<br />
a inclusão numa determina<strong>da</strong> confraria. Da mesma forma, a pertença<br />
a um ou outro sexo podia constituir barreira à adesão a uma associação<br />
de leigos, sendo necessário avaliar, caso a caso, a situação<br />
existente. No Porto dos séculos XVII e XVIII, em to<strong>da</strong>s as <strong>confrarias</strong><br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s por M. Manuela Rodrigues, homens e mulheres podiam ser<br />
membros de pleno direito. Mas na Junceira, numa comuni<strong>da</strong>de agrícola<br />
e pastoril do interior do país, os estatutos <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Almas<br />
não permitiam a inclusão de mulheres, embora se preocupassem<br />
em minorar as dificul<strong>da</strong>des porque passavam as viúvas dos seus confrades<br />
,0 . Resta saber se, na prática, se confirmava esta restrição. O<br />
que parece certo é que em muitas <strong>confrarias</strong> paroquiais a percentagem<br />
de mulheres era reduzi<strong>da</strong>, não ultrapassando os 5% do conjunto de<br />
irmãos, como sucedia em Setúbal 3I . Mas se uma parte considerável<br />
29 Note-se que a adesão de notáveis e poderosos às <strong>confrarias</strong> tendia para ser<br />
directamente proporcional ao prestígio destas. Para os <strong>da</strong>dos referidos, cf. Laurin<strong>da</strong><br />
de Abreu, «Confrarias e Irman<strong>da</strong>des...», p. 7 e M. Manuela Rodrigues. «Confrarias<br />
<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Porto...», p. 386.<br />
AN/TT, Confrarias, Irman<strong>da</strong>des. Mordomias, M. XXV. n" 2.<br />
A predominância masculina em <strong>confrarias</strong> setubalenses foi estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
Laurin<strong>da</strong> de Abreu, «Confrarias e Irman<strong>da</strong>des...», pp. 5 e 13. Mas em muitas con-<br />
frarias, as mulheres poderiam adquirir determinados direitos através do ingresso dos<br />
esposos. Noutros casos, como na Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Senhora do Carmo <strong>da</strong> Mortágua, a<br />
entra<strong>da</strong> de membros do sexo feminino era paga a «peso de ouro», de forma a difi-<br />
cultá-la (Guilhermina Mota, op. cit., p. 280). Já na Confraria do Rosário do Con-<br />
vento de São Francisco do Porto, entre 1718 e 1789. era frequente as mulheres<br />
acompanharem a inscrição dos maridos (M, Manuela Rodrigues, «Confrarias <strong>da</strong><br />
Ci<strong>da</strong>de do Porto...», p. 385). E, na Igreja de Palhais, chegaram a existir mulheres à<br />
frente dos destinos <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>, no século XVI (cf. Ana de Sousa Leal, A Igreja
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<strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des funcionaram sobretudo como órgãos de sociabili<strong>da</strong>de<br />
masculina, existiam casos em que sucedia o inverso. Algumas associações<br />
religiosas, como a Irman<strong>da</strong>de do Sagrado Coração de Jesus<br />
sedia<strong>da</strong> no Mosteiro de Santa Maria de Semide, eram compostas, na<br />
sua maior parte, por religiosas e mulheres seculares de elevado e<br />
médio estatuto social 32 . Contudo, é possível que este seja um caso<br />
especial, ligado a uma espirituali<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong> num meio<br />
monástico feminino.<br />
Na maior parte <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> abertas, a percentagem de eclesiásticos<br />
era também pouco assinalável. Ao contrário, nas irman<strong>da</strong>des<br />
de clérigos, o número de leigos era pouco significativo 33 . Nas<br />
irman<strong>da</strong>des fecha<strong>da</strong>s, com um número fixo de irmãos, a familiari<strong>da</strong>de<br />
ou a pertença à clientela de algum irmão constituíam factor<br />
de preferência no ingresso e aju<strong>da</strong>vam à rápi<strong>da</strong> integração nessas<br />
associações.<br />
de Nossa Senhora <strong>da</strong> Graça na História de Palhais. Palhais, 1992 (policopiado, a<br />
publicar pela Junta de Freguesia local e pelo CCJB) (Agradeço à autora o facto de<br />
ter-me permitido divulgar alguns <strong>da</strong>dos deste seu trabalho)). Estamos assim perante<br />
situações diversas, a necessitar de maior estudo e sistematização.<br />
32 AN/TT, Mosteiro de Semide, lv. 18. A entra<strong>da</strong> do culto do Sagrado Cora-<br />
ção de Jesus no mosteiro beneditino de Semide <strong>da</strong>ta, pelo menos, de 1737. Este culto<br />
foi divulgado na Europa após 1691, a partir <strong>da</strong>s revelações <strong>da</strong> irmã salésia Marga-<br />
ri<strong>da</strong> Maria Alacoque. A devoção em causa aponta no sentido duma maior interio-<br />
rização <strong>da</strong> vivência religiosa, basea<strong>da</strong> na «oração mental», aspectos que, como sa-<br />
lientou L. Châtellier, não estavam, na <strong>época</strong>, ao alcance de todos os católicos. O<br />
culto destaca o interior de Jesus, o seu coração espiritual e o seu amor misericor-<br />
dioso, remetendo para o Cristo que sofreu e morreu pelos pecados <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de<br />
e que se oferece através <strong>da</strong> Eucaristia. Uma oração portuguesa dos finais do século<br />
XVIII expressa bem o sentido desta veneração: «Lembrai-vos que vosso Coração<br />
adoravel, levando o pezo dos meus peccados, se affligio com elles até à morte; não<br />
permittais que vossos soffrimentos, e vosso Sangue me sejão inúteis; anniquilai o<br />
meu coração criminal, e <strong>da</strong>i-me hum segundo o vosso, hum coração contrito e hu-<br />
milhado, hum coração puro e sem mancha ...» (Horas de Maria Santíssima ... Lisboa,<br />
1792, p. 613).<br />
35 António Sousa Araújo, «Irman<strong>da</strong>des de Clérigos e Assistência ao Clero<br />
em Portugal». Itinerarium. 1982, (28), p. 407. Catherine Vincent, para o caso fran-<br />
cês, salientou as funções doutrinais destas agremiações, bem como a procura de<br />
uma vi<strong>da</strong> digna para o Clero medievo, elemento fulcral na vi<strong>da</strong> litúrgica <strong>da</strong> Igreja<br />
(cf. C. Vincent, «Les Confréries de Bas Clercs. Un Expédient pour la Réforme des<br />
Séculiers?». In: Le Clerc Séculier à Moyen Age. Paris: Sorbonne, 1993). Será possí-<br />
vel ler nesta perspectiva alguns dos <strong>da</strong>dos de natureza assistencial fornecidos por<br />
Sousa Araújo?
A maior parte dos ingressos nas <strong>confrarias</strong> efectuavam-se nos dias<br />
de festa do seu orago ou de algumas <strong>da</strong>s celebrações que promoviam.<br />
Quanto aos ritmos <strong>da</strong>s entra<strong>da</strong>s, eles diferiam consoante alguns aspectos<br />
que ain<strong>da</strong> não estão suficientemente estu<strong>da</strong>dos. Na Confraria <strong>da</strong><br />
Senhora do Rosário dos Pretos de São Francisco do Porto, na déca<strong>da</strong><br />
de 1760, ocorreu o número mais elevado de ingressos anuais de escravos,<br />
ao mesmo tempo que se assistiu ao decréscimo <strong>da</strong> curva <strong>da</strong>s entra<strong>da</strong>s<br />
dos homens livres. A mesma <strong>da</strong>ta, no caso <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de do Sagrado<br />
Coração de Jesus de Semide, assinalou uma quebra substancial<br />
de adesão, recupera<strong>da</strong> apenas no século seguinte. Esta irman<strong>da</strong>de<br />
apresenta, aliás, alguns números que nos obrigam a uma certa reflexão.<br />
Os primeiros 3-4 anos de existência corresponderam ao período<br />
<strong>da</strong> maior captação dos seus membros, decrescendo a partir de 1740.<br />
CONFRARIA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS DE SEMIDE<br />
ENTRADA DE IRMÃOS - ADESÕES (1737-1860)<br />
Adesões<br />
ri £ Ji: K — — 2 22 — 22 —<br />
Í É Í É É É S I Í S I I I<br />
No século XIX assistiu-se à retoma dos quantitativos dos novos<br />
irmãos. O mais surpreendente foram os números atingidos no último<br />
decénio em análise, se tivermos em conta que a irman<strong>da</strong>de se desenvolveu<br />
sob a protecção <strong>da</strong>s beneditinas de Santa Maria de Semide,<br />
numa conjuntura liberal, anti-congregacionista. Poderá este facto<br />
ser explicado pela desagregação de fórmulas de enquadramento até<br />
então forneci<strong>da</strong>s pelas Ordens Religiosas e pela procura de respostas<br />
alternativas no movimento confraternal? Por outro lado, e se atendermos<br />
ao ponto de vista devocional, que significado deveremos atribuir<br />
ao afrouxamento dos ingressos durante a segun<strong>da</strong> metade do<br />
século XVIII? Recor<strong>da</strong>mos que a historiografia tradicional realça a
vulgarização do culto do Sagrado Coração de Jesus «no último quartel<br />
do século XVIII por iniciativa <strong>da</strong> rainha D. Maria I». Para Fortunato<br />
de Almei<strong>da</strong> tentou-se reavivar aquela devoção em 1830, o que<br />
só foi conseguido após 1865 ,4 . Poderá o caso de Semide contribuir<br />
para uma releitura <strong>da</strong> história <strong>da</strong> veneração do Sagrado Coração<br />
de Jesus?<br />
Uma <strong>da</strong>s questões que continua em aberto é a de saber, para ca<strong>da</strong><br />
caso, até que ponto a criação de <strong>confrarias</strong> e a oscilação dos seus<br />
ritmos de adesão não estarão relacionados com o esforço institucional<br />
<strong>da</strong> Igreja para fornecer estruturas de enquadramento dos fiéis,<br />
controla<strong>da</strong>s por clérigos, e com a eficácia <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> católica na<br />
promoção de determinados cultos - ,5 . Não existem dúvi<strong>da</strong>s que muitas<br />
destas <strong>confrarias</strong> foram produto <strong>da</strong> intervenção eclesiástica. Em<br />
alguns bispados, como no Porto e em Miran<strong>da</strong>, as Constituições Sino<strong>da</strong>is<br />
incluíam referências à obrigatorie<strong>da</strong>de dos padres erigirem uma<br />
Confraria do Santíssimo Sacramento nas suas paróquias 36 . Nas visitações,<br />
os bispos ou os seus representantes instruíam os sacerdotes<br />
no sentido de criarem determinados tipos de devoções confraternais,<br />
como as <strong>da</strong> Senhora do Rosário, e quase obrigavam os paroquianos a<br />
integrá-las. Em 1590, o visitador que se deslocou à Paróquia <strong>da</strong><br />
Junceira, man<strong>da</strong>va ao vigário local que encomen<strong>da</strong>sse «muito a seus<br />
fregueses, a confraria de nossa senhora do rosairo», estipulando que<br />
As Ordens Religiosas foram extintas em Portugal em 1834, estando as reli-<br />
giosas regulares autoriza<strong>da</strong>s a permanecer nos conventos e mosteiros até ao fale-<br />
cimento <strong>da</strong> última monja. No caso de Semide, tal facto ocorreu em 1896 (cf. Maria<br />
Teresa Osório de Melo, O Mosteiro Beneditino de Santa Maria de Semide. Coimbra:<br />
Minerva, 1992, p. 22). Sobre a cronologia tradicional do fomento do culto do<br />
Sagrado Coração de Jesus em Portugal, cf. Fortunato de Almei<strong>da</strong>. História <strong>da</strong> Igre-<br />
ja em Portugal. Nova ed. Porto - Lisboa: Civilização, 1970, vol. III, pp. 444-445.<br />
• 1S Entre os meios de difusão e propagan<strong>da</strong> <strong>da</strong> mensagem católica figuram o<br />
sermão, os ex-votos, as gravuras, estampas, retábulos e outros, a cuja difusão as<br />
<strong>confrarias</strong> estão inevitavelmente ligados. Sobre arte, <strong>confrarias</strong> e propagan<strong>da</strong> nas<br />
<strong>confrarias</strong> italianas, cf. Christopher F. Black, op. cit.. p. 251.<br />
w Para as Constituições de Miran<strong>da</strong> (1563) e do Porto (1585), cf. respecti-<br />
vamente Belarmino Afonso, «Confrarias e Mentali<strong>da</strong>de Barroca». In: I Congresso<br />
Internacional do Barroco. Porto, 1991, vol. I. p. 17 e M. Manuela Rodrigues,<br />
«Confrarias <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Porto...», p. 381. O Papa Paulo V, em 1607, reforçou esta<br />
tendência, ao manifestar a vontade <strong>da</strong> Igreja que em ca<strong>da</strong> templo paroquial exis-<br />
tisse uma confraria do Santíssimo (António Xavier de Sousa Monteiro, Código <strong>da</strong>s<br />
Confrarias. Resumo do Direito Eclesiástico, Civil, Administrativo e Criminal<br />
Relativo a estas Associações. Coimbra, 1870, p. 10).
«a procisão delia será no primeiro domingo do mes de outubro ... e no<br />
primeiro domingo do mes de maio benzerá as rosas e fara procisão».<br />
Para além de definir o calendário festivo, aquele eclesiástico especificava<br />
ain<strong>da</strong> os métodos para a implementação <strong>da</strong> confraria na comuni<strong>da</strong>de<br />
local. Para esse efeito, o vigário deveria possuir «o livrinho de<br />
nossa senhora do Rosairo pera declarar os dias em que os confrades<br />
ganhão indulgência plenaria e muitos annos de per<strong>da</strong>m e asi pera<br />
declarar alguns dos milagres que nossa senhora fez per virtude de<br />
quem lhe rezou o rosairo. E procurará como todos seus fregueses<br />
seiam confrades desta confraria de nossa senhora do rosário per<br />
virtude <strong>da</strong> qual lhes <strong>da</strong>rá nosso senhor sua graça e os livrara de perigos<br />
nesta vi<strong>da</strong> e despois lhe <strong>da</strong>rá sua gloria» Estamos assim perante<br />
uma estratégia eclesiástica que apostava na promoção de indulgências<br />
e na criação <strong>da</strong> sua necessi<strong>da</strong>de para desenvolver o culto do<br />
Rosário e aumentar a apetência pela criação destas associações 38 . O<br />
Clero secular teve, pois, um papel relevante no incremento do movimento<br />
confraternal, à semelhança do que aconteceu com os representantes<br />
<strong>da</strong>s Ordens Regulares 39 .<br />
Inédito.<br />
AN/TT, Confrarias, Irman<strong>da</strong>des. Mordomias, M. XXVII, n° 4. fls. 9-9 v°.<br />
" Uma colectânea destas indulgências e dos milagres <strong>da</strong> Virgem do Rosá-<br />
rio encontra-se numa <strong>da</strong>s obras de maior difusão na <strong>época</strong>: Fr. Nicolau Dias, Livro<br />
do Rosário de Nossa Senhora. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1982, pp. 205-383<br />
(edição fac-simile). As indulgências eram o meio usado pela Igreja para remir<br />
as penas temporais, após os fiéis terem recebido no confessionário a absolvição<br />
dos seus pecados e <strong>da</strong>s penas eternas. Muitas foram as <strong>confrarias</strong> <strong>portuguesas</strong> que<br />
as solicitaram ao Vaticano, de forma a conseguirem o perdão <strong>da</strong>s faltas dos seus<br />
membros e a estimularem assim o ingresso de novos irmãos (cf. o interessante caso<br />
<strong>da</strong> Confraria <strong>da</strong> Senhora de Nazaré em P. Penteado, Nossa Senhora de Nazaré.<br />
Contribuição .... vol. I. p. 117-120). Uma recolha dos pedidos de indulgências <strong>da</strong>s<br />
<strong>confrarias</strong> ao Papado está a ser feita sob a orientação de Marie-Hélène Froes-<br />
chlé-Chopard, no âmbito dum projecto <strong>da</strong> École des Hautes Études en Sciences<br />
Sociales.<br />
" Um exemplo <strong>da</strong> intervenção de padres seculares na criação de <strong>confrarias</strong><br />
paroquiais em Fernando Portugal e outro, op. cit., pp. 176 e 213. Sobre o papel <strong>da</strong>s<br />
Ordens Religiosas, destacamos os Dominicanos e a sua acção na difusão do culto<br />
<strong>da</strong> Senhora do Rosário. Desde 1569 que Pio V autorizara o Geral <strong>da</strong> Ordem e os seus<br />
delegados a criarem <strong>confrarias</strong> <strong>da</strong> invocação do Rosário em todo o Mundo (cf. A.<br />
Sousa Monteiro, op. cit., p. 9).
5. ALGUNS ASPECTOS DA DINÂMICA HISTÓRICA DAS<br />
CONFRARIAS<br />
Constatámos anteriormente que uma <strong>da</strong>s características do<br />
movimento associativo português, entre os séculos XVI a XVIII,<br />
consistiu na existência de uma grande quanti<strong>da</strong>de de <strong>confrarias</strong> e<br />
irman<strong>da</strong>des relativas às devoções do Santíssimo Sacramento, <strong>da</strong>s<br />
Almas do Purgatório e de Nossa Senhora do Rosário. Verificámos<br />
ain<strong>da</strong> que o aparecimento destas associações, muitas vezes, deveu-se<br />
à iniciativa do Clero, interessado em contrariar os argumentos<br />
protestantes, baseados na justificação pela fé, na recusa <strong>da</strong> indispensabili<strong>da</strong>de<br />
dos sacramentos e <strong>da</strong> veneração <strong>da</strong> Virgem e dos Santos.<br />
As autori<strong>da</strong>des eclesiásticas não só se esforçavam por instituir as<br />
<strong>confrarias</strong> mais necessárias à prossecução desses fins, como ain<strong>da</strong><br />
quase obrigavam os paroquianos a aceitá-las e a sustentá-las, no sentido<br />
de facultar-lhes as condições materiais necessárias para que as<br />
<strong>confrarias</strong> pudessem promover com digni<strong>da</strong>de e esplendor os fun<strong>da</strong>mentos<br />
do culto católico. Recorde-se, a este propósito, a constante<br />
preocupação pela exaltação do sacramento eucarístico, para o qual as<br />
<strong>confrarias</strong> do Santíssimo Sacramento contribuíram de modo assinalável<br />
40 . Havíamos também referido o facto do sucesso destas novas<br />
formas de pie<strong>da</strong>de confraternal ter sido conseguido à custa de outros<br />
cultos, a exemplo dos que se relacionavam com o santoral. Mas a<br />
renovação <strong>da</strong>s invocações afectou também <strong>confrarias</strong> marianas. Num<br />
dos poucos estudos de abrangência regional, Aires de Amorim apurou<br />
para o concelho <strong>da</strong> Feira que o aumento do número de irman<strong>da</strong>des<br />
no século XVIII se fez à custa <strong>da</strong>s que estavam centra<strong>da</strong>s no culto <strong>da</strong><br />
Virgem, as quais se viram preteri<strong>da</strong>s a favor <strong>da</strong> implementação <strong>da</strong>s<br />
irman<strong>da</strong>des do Santíssimo Sacramento 41 .<br />
40 Laurin<strong>da</strong> de Abreu, «Contrarias e Irman<strong>da</strong>des: A Santificação do Quo-<br />
tidiano». In: Actas do VIII Congresso Internacional <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Portuguesa de<br />
Estudos do século XVIII. A Festa. Lisboa, 199, pp. 429-440 e Maria Fernan<strong>da</strong> Enes,<br />
op. cit., pp. 282-287.<br />
41 Aires de Amorim, Das Confrarias do Concelho <strong>da</strong> Feira. Aveiro, 1976,<br />
cit. por Guilhermina Mota, op. cit., p. 277. Permitirão estes <strong>da</strong>dos refrear a ideia<br />
de que a «devoção mariana, não cessara de se desenvolver ao longo do século<br />
XVIII»? (cf. Louis Châtellier, op. cit., p. 257). Lembramos que, no que se refere a<br />
santuários marianos setecentistas. Maria de Lurdes Rosa apurou que estes consti-<br />
tuíam apenas 21,7% dos centros de peregrinação portugueses («Le Pèlerinage<br />
Portugais à Rome («Santo Antonio dei Portoghesi», 1786-1825) <strong>da</strong>ns le Contexte
Uma outra característica do associativismo religioso na I<strong>da</strong>de<br />
Moderna foi a supressão e a reorientação <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des do Espírito<br />
Santo, que existiam em número assinalável nos finais do século<br />
XV. Nos coutos de Santa Maria de Alcobaça, várias <strong>da</strong>s associações<br />
religiosas, ermi<strong>da</strong>s e hospitais de invocação do Divino foram aglutina<strong>da</strong>s<br />
pelas novas irman<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Senhora <strong>da</strong> Misericórdia, trajecto<br />
semelhante ao que se passou em outros pontos do país 42 . Noutros casos,<br />
o desaparecimento <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des do Espírito Santo favoreceu a<br />
introdução <strong>da</strong>s novas devoções tridentinas, como sucedeu em Aljubarrota<br />
e em Cós. Uma outra solução, talvez de consenso, consistiu na<br />
sua anexação às <strong>confrarias</strong> do Santíssimo Sacramento, como ocorreu<br />
na Vestiaria e em Alfeizerão 43 . Nas paróquias onde os irmãos do Divino<br />
Espírito Santo resistiram às intenções de aniquilação por parte<br />
<strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des eclesiásticas, estas encarregaram-se de esvaziar o<br />
significado social de determinados ritos festivos mais significativos<br />
para as comuni<strong>da</strong>des, como os bodos. Na Junceira, o novo treslado do<br />
compromisso <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de do Espírito Santo, escrito em 1744, incluía<br />
os «acordos e capitullos que se achavão capazes e as cousas do<br />
vodo que não servem se não fes cazo delias». É provável que expressões<br />
deste tipo constituíssem uma forma de desviar as atenções dos<br />
visitadores <strong>da</strong> paróquia, <strong>da</strong>do que, a par <strong>da</strong>s constantes supressões de<br />
artigos relativos a esta cerimónia, no acórdão 16 o livro refere-se aos<br />
oficiais do bodo e no acórdão 37 especifica que «o dinheiro que se der<br />
pellas coroas que se gaste duas partes no vodo e a terssa parte sera<br />
pera a Fabrica <strong>da</strong> igreja», deixando entrever a permanência dos ritos<br />
tradicionais nas festas do Espírito Santo 44 .<br />
Pode, talvez, afirmar-se que, ao longo <strong>da</strong> Época Moderna, existiu<br />
uma certa determinação <strong>da</strong> parte <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des clericais, compartilha<strong>da</strong><br />
pelo poder régio, no sentido de reprimir os aspectos do culto<br />
do Espírito Santo que fugiam à alça<strong>da</strong> dos poderes espiritual e tem-<br />
du Portugal Religieux de la Fin de l'Ancien Régime»; no prelo) (Agradeço à autora<br />
esta informação).<br />
42 Bernardo Vasconcelos e Sousa, A Proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Albergarias de Évora<br />
nos Finais <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Moderna. Lisboa: INIC, 1990, p. 35. Laurin<strong>da</strong> de Abreu. A<br />
Santa Casa <strong>da</strong> Misericórdia .... p. 30-31 (A autora salienta a passagem de muitos<br />
hospitais para as Misericórdias, na segun<strong>da</strong> metade do século XVI, incluindo o<br />
caso de Aljubarrota, em 1572).<br />
4 ' P. Penteado, «A Vi<strong>da</strong> Religiosa ...», p. 187.<br />
44 AN/TT, Confrarias. Irman<strong>da</strong>des e Mordomias, M. XV, r°. 3, fl. 2. Inédito.
poral. Poderemos compreender melhor esta atitude se pensarmos que<br />
este culto transportava consigo uma plurali<strong>da</strong>de de leituras <strong>da</strong><br />
espirituali<strong>da</strong>de e de práticas associa<strong>da</strong>s à devoção do Espírito Santo,<br />
incluindo as que tendiam para o desenvolvimento de ideias e comportamentos<br />
de natureza messiânica que perturbavam a ordem social<br />
estabeleci<strong>da</strong>. Por outro lado, certos rituais, no plano simbólico, como<br />
a coroação dos imperadores, podiam ser interpretados como um<br />
triunfo do poder civil, diminuitivo <strong>da</strong> esfera de influência papal, aspecto<br />
que, naturalmente, não agra<strong>da</strong>va à alta hierarquia <strong>da</strong> Igreja. Por<br />
fim, os festejos do Divino, promovidos pelas <strong>confrarias</strong>, constituíam<br />
ocasião para o desenvolvimento de formas de sociabili<strong>da</strong>de comunitária<br />
que não só anulavam o esforço tridentino de sacralização dos<br />
espaços de culto, como ain<strong>da</strong>, muitas vezes, colocavam em causa a<br />
moral sexual católica. Referimo-nos aos excessos cometidos durante<br />
as corri<strong>da</strong>s e abates de touros, as representações cénicas e as <strong>da</strong>nças<br />
e cantares rítmicos, que normalmente acompanhavam estes folguedos.<br />
Na perspectiva dos Bispos, estas festas constituíam ocasião para<br />
a prática de abusos sexuais, actos violentos, profanações dos lugares<br />
sagrados, etc. Os bodos, uma espécie de refeições rituais onde se<br />
comemorava o triunfo <strong>da</strong> fertili<strong>da</strong>de, que culminavam com a celebração<br />
<strong>da</strong> abundância de alimentos, distribuídos por todos, de forma a<br />
acentuar o sentimento e os laços de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de comunitária. Estas<br />
cerimónias também não eram aprecia<strong>da</strong>s pelos responsáveis <strong>da</strong> Igreja,<br />
os quais contavam com o apoio <strong>da</strong> legislação régia para restringir<br />
a sua importância 45 .<br />
Para outras organizações, como as <strong>confrarias</strong> do Corpo de Deus<br />
medievais, a realização do bodo constituía também um dos momentos<br />
fulcrais <strong>da</strong> sua festa. A maior parte destas <strong>confrarias</strong>, tal como sucedeu<br />
na Provença, deram origem a irman<strong>da</strong>des do Santíssimo Sacramento<br />
permitindo o desenvolvimento de fórmulas mais interioriza<strong>da</strong>s<br />
do culto eucarístico. Parece ter sido isso que sucedeu em Cós, na<br />
região de Alcobaça, onde ain<strong>da</strong> em 1537 a confraria local do Corpo<br />
de Deus teve de obter autorização <strong>da</strong> Coroa para poder realizar o<br />
seu bodo 46 .<br />
4S Danicl-Francis Laurentiaux, op. cit., pp. 80-143 (Este estudo inclui refe-<br />
rências à legislação sobre os bodos).<br />
" Pedro Penteado, «A Confraria e a Festa do Corpo de Deus de Cós no Século<br />
XVI», O Alcoa, n" 1863, 3 de Agosto de 1995. pp. 16 e 12, com transcrição de AN/<br />
/TT, Chancelaria de D. João III, lv. 23, fls. 34-34 v°.
Tudo indica que a supressão e o aparecimento de determina<strong>da</strong>s<br />
invocações confraternais não foi obra do acaso, mas antes acções que<br />
se sujeitaram a uma intencionali<strong>da</strong>de que urge estu<strong>da</strong>r. Não nos restam<br />
dúvi<strong>da</strong>s que a Igreja intervinha no estabelecimento do quadro de<br />
<strong>confrarias</strong> ao nível paroquial. A intervenção clerical fazia-se no sentido<br />
de controlar o aparecimento de heresias e de difundir os princípios<br />
básicos <strong>da</strong> crença católica, de incutir maiores níveis de interiorização<br />
devocional e de consoli<strong>da</strong>r o enquadramento paroquial<br />
dos leigos, através dos espaços e tempos de culto promovidos pelas<br />
irman<strong>da</strong>des.<br />
Mas a Igreja foi mais longe, ao promover o estabelecimento duma<br />
hierarquia dos cultos, a qual encontrou tradução ao nível <strong>da</strong> diferenciação<br />
de <strong>confrarias</strong>. Esta diferenciação, quantas vezes reflexo <strong>da</strong><br />
intenção eclesiástica de privilegiar determina<strong>da</strong>s associações e formas<br />
de religiosi<strong>da</strong>de, pode desenvolver-se no contexto <strong>da</strong> estruturação<br />
duma geografia do sagrado. Desde a I<strong>da</strong>de Média que os cultos<br />
mais importantes se situavam no altar principal e nos altares do lado<br />
do Evangelho. É, pois, necessário estu<strong>da</strong>r a disposição dos altares e<br />
capelas <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> no interior dos templos, de modo a apurar<br />
alguns índices de um escalonamento de devoções e até <strong>da</strong>s próprias<br />
associações de leigos. A Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo Sacramento <strong>da</strong><br />
Igreja de São Lourenço de Carnide, que o visitador considerava a<br />
«principal de to<strong>da</strong>s», foi claramente distingui<strong>da</strong> por este, ao proibir os<br />
peditórios de <strong>confrarias</strong> antes <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo fazer os<br />
seus e ao man<strong>da</strong>r integrar as «pessoas, cabe<strong>da</strong>l e promessas» <strong>da</strong> Confraria<br />
de São Valentim naquela Irman<strong>da</strong>de, em 1613-1614 47 .<br />
É preciso, no entanto, ter a noção de que a graduação de importância<br />
<strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> duma comuni<strong>da</strong>de dependia de outros factores e<br />
variava de região para região. Em Setúbal, por exemplo, as <strong>confrarias</strong><br />
paroquiais do Santíssimo tinham um poder económico e social menos<br />
forte que o <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Santa Casa <strong>da</strong> Misericórdia. Mas, no concelho<br />
<strong>da</strong> Pederneira, a opulência <strong>da</strong> Misericórdia não se comparava<br />
com a <strong>da</strong> Confraria de Nossa Senhora de Nazaré, a qual administrava<br />
o importante santuário mariano do Sítio. A graduação de importância<br />
<strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des podia-se medir de várias formas, entre as quais a<br />
41 António de Sousa Araújo, Visitações a S. Lourenço de Carnide de 1600 a<br />
1740 (Para o Estudo <strong>da</strong> Pastoral e <strong>da</strong> História Social de Lisboa). Braga: Ed.<br />
Franciscana. 1979. pp. 18-19.
antigui<strong>da</strong>de, o conjunto de rendimentos, o estatuto social dos seus<br />
administradores, para além <strong>da</strong> localização e o esplendor dos espaços<br />
de culto que mantinham no interior dos templos. Estes aspectos eram<br />
de capital importância, pois a imagem que a socie<strong>da</strong>de tinha destas<br />
organizações passava muito pela representação cénica que as <strong>confrarias</strong><br />
montavam nos seus altares, nas procissões e em outras manifestações<br />
públicas, onde se acentuava, por exemplo, a questão <strong>da</strong><br />
precedência entre estas agremiações.<br />
Mas se a Igreja interfere no escalonamento <strong>da</strong> ordem de importância<br />
<strong>da</strong>s associações religiosas, a Coroa também não deixava de o<br />
fazer, pois toma parte activa na resolução de conflitos de precedências,<br />
arbitrava casos de supressão ou anexação de irman<strong>da</strong>des, etc. 48<br />
O campo de legitimação <strong>da</strong> diferenciação <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des era concorrencial,<br />
opondo, em muitas situações, a Igreja e a Coroa, aspecto<br />
a que retornaremos.<br />
As <strong>confrarias</strong> tiveram, pois, uma dinâmica própria, perdendo ou<br />
ganhando relevância social ao longo do tempo, surgindo ou desaparecendo<br />
consoante interesses muitas vezes exteriores ao valores<br />
comunitários e fraternais, assentes na lógica do poder estatal ou<br />
eclesial, e segundo circunstâncias que hoje, em parte, ain<strong>da</strong> desconhecemos<br />
na sua globali<strong>da</strong>de. Esta relação dinâmica entre as<br />
irman<strong>da</strong>des nem sempre se fez de forma pacífica. É bem conhecido o<br />
caso <strong>da</strong> Misericórdia de Goa, que conseguiu afirmar-se através <strong>da</strong><br />
supressão de <strong>confrarias</strong> existentes e com a anuência do Rei 49 . Entre<br />
os vários exemplos que podem ser citados evocamos ain<strong>da</strong> o caso<br />
<strong>da</strong> Misericórdia de Alcobaça que, com o apoio régio, na segun<strong>da</strong><br />
metade do século XVIII, tentou absorver as suas congéneres <strong>da</strong>s vilas<br />
dos Coutos, provocando fortes contestações no seio <strong>da</strong>s principais<br />
4 " Sobre a interferência de representantes régios em casos de precedências<br />
de irman<strong>da</strong>des, cf. P. Penteado. Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição..., vol. I,<br />
p. 158-159. No que concerne à participação em casos de anexação de associações,<br />
cf. por exemplo AN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, Mç.<br />
2142, n° 11 (processo de 1820, no qual a Misericórdia de Tomar solicita ao De-<br />
sembargo a anexação <strong>da</strong> Confraria <strong>da</strong> Senhora do Rosário de Santa Maria dos Oli-<br />
vais e dos seus bens). Para a intervenção <strong>da</strong> Igreja em casos de precedência e cri-<br />
térios usados, cf. A. Sousa Monteiro, op. cit., p. 73.<br />
49 Leopoldo <strong>da</strong> Rocha, As Confrarias de Goa (Séculos XVI-XX) Conspecto<br />
Histórico-Jurídico. Lisboa: CEHU, 1973. pp. 124-142, cit. por Francisco Bethen-<br />
court, op. cit., p. 151.
locali<strong>da</strong>des 50 . A conflituosi<strong>da</strong>de externa desencadea<strong>da</strong> pelas <strong>confrarias</strong><br />
foi sobretudo notória quando se tratava de defender os seus direitos<br />
jurisdicionais perante as autori<strong>da</strong>des religiosas, concelhias, senhoriais<br />
ou ain<strong>da</strong> perante as <strong>confrarias</strong> concorrentes. Um dos casos<br />
conhecidos diz respeito aos sucessivos confrontos <strong>da</strong> Confraria <strong>da</strong><br />
Senhora de Nazaré com o vigário <strong>da</strong> matriz <strong>da</strong> Pederneira, com os<br />
visitadores do Arcebispado de Lisboa e com o donatário dos Coutos de<br />
Santa Maria de Alcobaça, para o que obteve a colaboração <strong>da</strong> Coroa.<br />
Mas nem to<strong>da</strong>s as associações religiosas dispunham de igual<br />
capaci<strong>da</strong>de conflitual, sendo necessário, muitas vezes, recorrer à<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de de instituições com interesses afins 5I .<br />
6. AS CONFRARIAS, A IGREJA E A COROA<br />
A questão dos direitos jurisdicionais <strong>da</strong>s organizações confraternais<br />
do Antigo Regime remete-nos para o reconhecimento social do<br />
seu estatuto jurídico-institucional e para o grau de poder autonómico<br />
<strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. O problema assume contornos aliciantes para a investigação<br />
se atendermos que o espaço de actuação jurisdicional destas<br />
associações, bem como as suas competências específicas, foi definido<br />
pela Igreja e pelo Estado, que chamaram a si os instrumentos legitimadores<br />
destes organismos sociais.<br />
Com efeito, a Igreja procurou legitimar e controlar a existência<br />
<strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>, principalmente através <strong>da</strong> confirmação dos compromissos,<br />
a que se adicionaram outros meios de controle, tais como a<br />
aprovação de contas e a supervisão nos processos eleitorais 52 . Este<br />
50 Francisco Zagallo, História <strong>da</strong> Misericórdia de Alcobaça. [Alcobaça], 1910,<br />
p. 194-203 e Pedro Penteado, «A Misericórdia <strong>da</strong> Pederneira em 1778». Voz <strong>da</strong> Na-<br />
zaré', n° 163, Novembro 1990. p. 4.<br />
51 Pedro Penteado, «A Casa de Nossa Senhora <strong>da</strong> Nazaré Face aos Conflitos<br />
Jurisdicionais de 1641-1642». Penélope. Fazer e Desfazer a História. 1993,(9/10),<br />
pp. 115-126. Um exemplo <strong>da</strong>s relações solidárias <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> com as organiza-<br />
ções que faziam parte <strong>da</strong> sua vizinhança, aconteceu em 1628, quando houve ne-<br />
cessi<strong>da</strong>de de expulsar do Rocio <strong>da</strong> Ro<strong>da</strong> os frades bernardos de Alcobaça. Para o<br />
efeito, coligaram-se a Câmara alcobacense e a Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Misericórdia <strong>da</strong> vila.<br />
52 Cf-, entre outros, António de Sousa Araújo, Visitações a S. Lourenço ....<br />
pp. 16, 22 e 27 (casos de fuga ao controle <strong>da</strong>s contas pelos visitadores) e Maria<br />
Fernan<strong>da</strong> Enes, As Visitas Pastorais <strong>da</strong> Matriz de São Sebastião de Ponta Delga<strong>da</strong><br />
(1674-1739). Ponta Delga<strong>da</strong>, 1986, pp. 85-86 (ordem para anular as eleições que se<br />
realizassem sem a presença do vigário).
esforço legitimador desenvolvia-se já desde a I<strong>da</strong>de Média, pois nos<br />
Concílios de Campinaco e de Aries, na primeira metade do século<br />
XIII, a Igreja procurou interditar as associações fraternas que não fossem<br />
cria<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de dos Bispos. Contudo, a Igreja não desenvolveu<br />
regras específicas para a criação <strong>da</strong>s associações religiosas de<br />
leigos. Só em 1604, com a Constituição de Clemente VIII intitula<strong>da</strong><br />
«Quaecumque», se estabelecia que a erecção canónica de uma confraria<br />
só podia ser feita pelo Bispo, que deveria formalmente autorizar<br />
a sua criação e aprovar o compromisso que a regia 53 . Neste<br />
sentido, compreende-se que, em 1640, as Constituições Sino<strong>da</strong>is do<br />
Arcebispado de Lisboa ordenassem que todos os estatutos de <strong>confrarias</strong><br />
fossem aprovados pelo Ordinário 54 .<br />
Esta preocupação em centralizar e controlar o aparecimento <strong>da</strong>s<br />
<strong>confrarias</strong>, resultado <strong>da</strong> auto-compreensão <strong>da</strong> Igreja e do modo<br />
como dominava as instituições que reivindicava como suas, tinha<br />
várias justificações. A Igreja sabia que a Coroa, com mais intensi<strong>da</strong>de<br />
desde o século XVI, tinha chamado a si a confirmação de compromissos<br />
de <strong>confrarias</strong>, nomea<strong>da</strong>mente as que tinham obtido a protecção<br />
régia. Com efeito, os domínios onde se exercia a fiscalização<br />
eclesiástica tinhain-se tornado concorrenciais, tanto mais que aos<br />
provedores <strong>da</strong>s Comarcas competia também fiscalizar a gestão contabilística<br />
e os actos eleitorais <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>, bem como zelar pelo<br />
cumprimento de testamentos e legados pios, entre outros 55 .<br />
D. António Sousa Monteiro explica-nos que ficavam coloca<strong>da</strong>s de<br />
imediato sob a jurisdição real «to<strong>da</strong>s as <strong>confrarias</strong> [de leigos] que não<br />
mostrassem ser fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos Bispos», sem referir desde quando<br />
este princípio se tornara vigente. As «Ordenações Filipinas» estipulavam<br />
que os responsáveis do Ordinário, quando em visita, podiam<br />
apenas verificar o cumprimento <strong>da</strong>s obrigações pias e analisar o<br />
estado dos ornamentos e outros objectos do culto divino nas capelas<br />
" J°sé Quelhas Bigotte, op. cit., p. 76 (O autor enumera algumas situações<br />
que fugiam a esta regra).<br />
54 Constituições Sino<strong>da</strong>is do Arcebispado de Lisboa. Lisboa Oriental. Of. Fi-<br />
lipe Vilela. 1737, p. 10.<br />
55 Cf. o Regimento de como os Contadores <strong>da</strong>s Comarcas hã de Prouer sobre<br />
as Capellas. Ospitaes, Albergarias, Confrarias, Gafarias, Obras. Terças, e Resi-<br />
dos. Lisboa: J. P. Bonhomini, 1514, para além de António Manuel Hespanha. As<br />
Vésperas do Leviatham. Lisboa, 1987, vol. I, p. 289 (baseado nas «Ordenações<br />
Filipinas», Lv. I, tit. LXII, art.° s 39-66).
e/ou altares adstritos à acção <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. Na sequência <strong>da</strong>s determinações<br />
do Concílio de Trento, as «Ordenações Filipinas» estabeleciam<br />
ain<strong>da</strong> que os provedores não poderiam impedir a presença do<br />
representante do Ordinário nestes estabelecimentos, a não ser nos<br />
casos em que estes estivessem sob a imediata protecção régia, como<br />
sucedia com as Misericórdias 56 .<br />
Neste contexto, compreende-se que na segun<strong>da</strong> metade do século<br />
XVIII, no âmbito duma política regalista, a Coroa tenha procurado<br />
demonstrar a inexistência de intervenções dos bispos na criação<br />
<strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong>s associações religiosas. Não era uma tarefa<br />
muito difícil de empreender, atendendo a que antes de 1604 não era<br />
necessário um registo escrito <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> Diocese para erigir uma<br />
confraria, bastando uma licença verbal do Bispo. Assim, tornava-se<br />
muitas vezes difícil comprovar a criação canónica de muitas <strong>da</strong>s associações<br />
de leigos mais antigas. Esta situação era agrava<strong>da</strong> com o facto<br />
de muitas delas terem destruído os seus arquivos ou, simplesmente,<br />
não conseguirem já recuperar os documentos mais importantes e a<br />
informação que neles constava 57 . Valendo-se desta situação, em Maio<br />
de 1791, a Coroa ordenava que o «provedor e contador <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong><br />
com alça<strong>da</strong> na comarca de Viana <strong>da</strong> Foz do Lima ... obrigasse<br />
as <strong>confrarias</strong> a apresentar-lhe as licenças primordiais, ficando eclesiásticas<br />
as que mostrassem do Ordinário, antes de terem feito acto de<br />
festivi<strong>da</strong>de e confraterni<strong>da</strong>de, e seculares to<strong>da</strong>s as restantes» 58 . Este<br />
princípio parece estar assegurado nos finais do século XVIII, como<br />
resultado do esforço do Estado para controlar o maior número possível<br />
destas organizações, principalmente ao longo <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade<br />
<strong>da</strong> centúria de setecentos 59 .<br />
5,1 A. Sousa Monleiro, op. cit., p. 108. Sobre a existência de disposições des-<br />
te teor na legislação diocesana, cf. Guilhermina Mota, op. cit.. p. 270.<br />
" Entre outros, cf. Pedro Penteado, «Os Arquivos dos Santuários Marianos<br />
Portugueses: Nossa Senhora de Nazaré (1608-1875)». Cadernos BAD, 2, 1992,<br />
pp. 173-174 e 179; António de Sousa Araújo, Visitações a S. Lourenço .... p. 38: Ma-<br />
ria Helena Coelho, op. cit., p. 164 e Guilhermina Mota, op. cit., p. 300. Para uma<br />
listagem de obras sobre arquivos de <strong>confrarias</strong> existe o trabalho de Aires Augusto<br />
do Nascimento, Bibliografia dos Arquivos Portugueses. Lisboa: 1PA, 1991, pp. 26-<br />
-27.<br />
58 Franquelim Neiva Soares, Monografia de São Pedro de Esmeriz- Fama-<br />
licão: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, 1987, p. 376.<br />
" Cf. a provisão de 6 de Junho de 1785 em como são de jurisdição real to-<br />
<strong>da</strong>s as <strong>confrarias</strong> que não fossem fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo Ordinário, cita<strong>da</strong> por Manuel
A partir de 1765, em Minas Gerais (Brasil), a Monarquia conseguira<br />
impôr a sua alça<strong>da</strong> sobre a maior parte <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> e<br />
irman<strong>da</strong>des, através <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de destas reformarem os seus<br />
compromissos, fazendo-os passar pelo conhecimento do Tribunal <strong>da</strong><br />
Mesa <strong>da</strong> Consciência e Ordens 60 . Em 1767, em Óbidos, no processo<br />
<strong>da</strong> aprovação do compromisso <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Misericórdia, que<br />
substituía o de 1633, sem a assinatura real, vinha claramente explicitado<br />
que «sem a ditta Authori<strong>da</strong>de , nenhü vigor se pode dizer que tem<br />
[o referido compromisso seiscentista], de ley particular» 6! . Em 1772,<br />
na Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo Sacramento de Cós, uma associação<br />
aprova<strong>da</strong> pelo Bispo D. Rodrigo <strong>da</strong> Cunha em 1636, o Provedor de<br />
Leiria não se coibia de examinar o seu compromisso, «em observância<br />
<strong>da</strong>s Reaes Ordens de Sua Magestade», nele não encontrando<br />
«Clausula ou Capitolo, opposto ás Leys do mesmo Senhor» 62 . Alguns<br />
anos mais tarde, em 1781-1782, a Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo Sacramento<br />
de Coruche, erecta cerca de 1542, depois de ter apresentado o<br />
seu compromisso à autori<strong>da</strong>de episcopal, levava o documento à aprovação<br />
<strong>da</strong> Coroa. A posição do desembargador que analisou o documento<br />
era inequívoca: «A não ter havido ... logo na primordial fun<strong>da</strong>ção<br />
desta confraria a aprovação do ordinário, mas sim tendo havido<br />
hum so acto de confraterni<strong>da</strong>de sem previa licença do Prelado Diocesano,<br />
ficou sendo desde logo a confraria pelo mesmo direito, e<br />
facto, Real, sem que a posterior aprovação pedi<strong>da</strong> ao Ordinário por<br />
inadvertência dos confrades fizesse mu<strong>da</strong>r a primeira quali<strong>da</strong>de de<br />
Real». E, mais adiante, acrescentava que o documento não continha<br />
«em cousa alguã contraria as leys do estado», devendo-se emen<strong>da</strong>r<br />
Borges Carneiro, Mappa Chronologico <strong>da</strong>s Leis. Lisboa, 1816, p. 604. A legislação<br />
posterior reforça esta posição (cf. A. Sousa Monteiro, op. cit., p. 22). Em Espanha,<br />
a legislação caminhava em sentido idêntico. Em 1783, o Conselho de Castela proibia<br />
a fun<strong>da</strong>ção de <strong>confrarias</strong> sem licença do monarca, ordenando a re<strong>da</strong>cção de novos<br />
estatutos (cf. Ricardo Garcia Villosla<strong>da</strong> (dir.). Historia de la Iglesia en Espana.<br />
Madrid: Ed. <strong>Católica</strong>, 1979, vol. IV, p. 598). Regressando ao caso português, a<br />
tendência para o controle régio <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des na segun<strong>da</strong> metade do século XVIII<br />
manifestou-se ain<strong>da</strong> na inventariação <strong>da</strong>s suas proprie<strong>da</strong>des fundiárias, dos seus<br />
emprazamentos, e no aparecimento de diplomas restritivos do aumento destes bens<br />
através de legados pios.<br />
1,0 Caio César Boshi, Os Leigos e o Poder. Irman<strong>da</strong>des Leigas e Política<br />
Colonizadora em Minas Gerais. São Paulo, 1986, p. 116.<br />
61 AN/TT, Casa <strong>da</strong>s Rainhas, Mç. 375. Inédito.<br />
bi P. Penteado e C. Ereio, op. cit. (fl. 10 do compromisso).
um dos articulados no sentido de não ser «necessaria nas eleições a<br />
asistencia do Parocho, visto não ser confraria Eclesiástica», substituindo-a<br />
pela presença dum oficial régio 63 . Constata-se assim, em<br />
todo este processo, a vigilância governamental sobre os princípios<br />
subversivos à construção do Estado Moderno.<br />
A existência de um campo concorrencial entre a Igreja e a Coroa<br />
pelo controle <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> e a tentativa de esvaziamento <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de<br />
episcopal sobre estas, degenerou muitas vezes em conflitos entre<br />
os visitadores e os provedores <strong>da</strong>s comarcas. Em boa parte dos casos,<br />
os representantes régios levaram a melhor, uma tendência que em<br />
alguns casos se desenhava já desde o século XVII. Com um crescente<br />
grau de intervenção <strong>da</strong> Coroa, as autori<strong>da</strong>des eclesiásticas tiveram<br />
de tomar algumas precauções ca<strong>da</strong> vez que eram coloca<strong>da</strong>s perante<br />
situações de usurpação de jurisdição e as pretendiam superar 64 .<br />
Para as <strong>confrarias</strong>, a estratégia a seguir para escapar à fiscalização<br />
régia ou clerical podia depender do lado do tabuleiro em que<br />
se pretendiam colocar. Se o objectivo era impedir a intervenção do<br />
representante do Ordinário e reduzir a capaci<strong>da</strong>de de interferência<br />
do responsável paroquial, a solução passava por solicitar a protecção<br />
régia ou demonstrar que a confraria não era de criação<br />
eclesiástica 65 .<br />
Mas como obter a protecção régia? No que concerne à Irman<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Misericórdia de Lisboa, este privilégio consumou-se através <strong>da</strong><br />
aprovação, confirmação e assinatura do seu compromisso por D. Ma-<br />
w AN/TT, Casa <strong>da</strong>s Rainhas, Mç. 375. Inédito.<br />
64 É frequente encontrarem-se referências a conflitos entre os provedores e os<br />
visitadores a propósito <strong>da</strong> jurisdição sobre as <strong>confrarias</strong>: P. Penteado, Nossa Senhora<br />
de Nazaré. Contribuição .... vol. I, pp. 77-78 e 200; F. Neiva Soares, op. cit., p. 376;<br />
Maria Fernan<strong>da</strong> Enes, op. cit., p. 280 ou José Pedro Paiva, «A Administração<br />
Diocesana e a Presença <strong>da</strong> Igreja. O Caso <strong>da</strong> Diocese de Coimbra nos Séculos XVII<br />
e XVIII». Lusitania Sacra, 2* série, 1991, T. III, pp. 80-81. A autori<strong>da</strong>de régia sobre<br />
as <strong>confrarias</strong> podia ser representa<strong>da</strong> por outros oficiais, sendo importante avaliar<br />
casos de disputa de funções <strong>da</strong> parte do oficialato. Um alvará régio de Filipe II<br />
man<strong>da</strong>va que as <strong>confrarias</strong> sedia<strong>da</strong>s na Igreja de Nossa Senhora <strong>da</strong> Graça de Palhais,<br />
<strong>da</strong> Ordem de Santiago, não fosse obriga<strong>da</strong> a prestar contas ao provedor <strong>da</strong> Comarca<br />
de Setúbal (Ana de Sousa Leal, op. cit.).<br />
65 No que diz respeito aos pedidos de protecção régia, estão ain<strong>da</strong> por estu<strong>da</strong>r<br />
a maior parte dos processos sobre o tema. Muitos destes privilégios foram concedidos<br />
a irman<strong>da</strong>des do norte de Portugal, na segun<strong>da</strong> metade do século XIX (cf., a título<br />
de exemplo, AN/TT, Registo Geral de Mercês, D. Pedro V, Lv. 15, fl. 17 v. e AN/<br />
TT, Registo Geral de Mercês, D. Luís I, Lv. 8, fl. 39).
nuel, a pedido do provedor e dos oficiais <strong>da</strong> irman<strong>da</strong>de e ain<strong>da</strong> através<br />
<strong>da</strong> inscrição do Rei como irmão, e <strong>da</strong> recomen<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>quele tipo<br />
de instituições para outros pontos do país. Infelizmente, não possuímos<br />
muitos estudos que permitam ver como se processou a instituição<br />
<strong>da</strong> protecção dos monarcas a to<strong>da</strong>s as irman<strong>da</strong>des que vieram a<br />
ter este privilégio. No caso <strong>da</strong> Confraria de Nossa Senhora de Nazaré,<br />
a Realeza aproveitou a necessi<strong>da</strong>de dos irmãos pretenderem escapar<br />
ao controle do Abade de Alcobaça e do vigário paroquial para<br />
estender, pouco a pouco, o seu manto protector sobre aquela associação,<br />
através de:<br />
1) imposição <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des <strong>da</strong> sua organização e do seu<br />
funcionamento, com a realização do regimento por oficiais régios;<br />
2) crescente fiscalização <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> confraria através dos<br />
provedores <strong>da</strong> Comarca;<br />
3) introdução de alterações ao regimento, no sentido de restringir<br />
a capaci<strong>da</strong>de de intervenção <strong>da</strong> elite local, através <strong>da</strong> introdução<br />
do cargo de administrador (de nomeação régia), <strong>da</strong> anulação do poder<br />
de decisão dos mesários no que diz respeito à alienação patrimonial<br />
dos bens <strong>da</strong> instituição, <strong>da</strong> extinção régia dos processos<br />
eleitorais e <strong>da</strong> passagem para um sistema de nomeação régia dos<br />
mordomos 6fi .<br />
Por aqui se pode constatar que, por vezes, as <strong>confrarias</strong> tornaram-<br />
-se reféns <strong>da</strong>s suas próprias estratégias, permitindo a crescente interferência<br />
<strong>da</strong> Realeza na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s associações de leigos. O caminho<br />
estava aberto para a aceitação <strong>da</strong> interferência do Estado na esfera<br />
confraternal e a crescente secularização <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> na Época<br />
Contemporânea. Ao mesmo tempo, definia-se o percurso para a redução<br />
<strong>da</strong> sua autonomia e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de orientação que a Igreja<br />
detinha sobres as associações religiosas.<br />
7. NO INTERIOR DAS CONFRARIAS: RELAÇÕES DE<br />
SOCIABILIDADE E PODER<br />
A Igreja e o Estado condicionaram as relações de sociabili<strong>da</strong>de e<br />
de poder exerci<strong>da</strong>s no âmago <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. Fizeram-no sobretudo<br />
através <strong>da</strong> sua intervenção no processo de aprovação dos compro-<br />
66 P. Penteado, Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição .... vol. I, sobretudo<br />
pp. 192-250.
inissos, instrumento que regulamentava a estrutura <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s<br />
organizações e as relações sócio-políticas ali desenvolvi<strong>da</strong>s. Da<br />
mesma forma, legitimaram as diferenças sociais existentes nas<br />
<strong>confrarias</strong> e as relações de exclusão fomenta<strong>da</strong>s nestas associações.<br />
Por outro lado, quer a Igreja quer o Estado, procuraram constranger o<br />
exercício do poder nas irman<strong>da</strong>des, restringindo os campos de actuação<br />
<strong>da</strong>s élites locais e cerceando os vínculos clientelares que estas<br />
fomentaram. Em alternativa a formas de sociabili<strong>da</strong>de horizontal de<br />
sentido restritivo, a Igreja procurou potencializar as relações sociais<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s nas <strong>confrarias</strong>, de sentido vertical e abrangência inter-comunitária,<br />
canalizando-as para a prática de activi<strong>da</strong>des religiosas,<br />
como festas, procissões e romarias, ou outras de natureza mais<br />
intimista.<br />
Mas os compromissos, numa boa parte dos casos, eram produzidos<br />
pelas próprias irman<strong>da</strong>des, sendo posteriormente levados à<br />
aprovação superior. Por isso, os seus conteúdos deixavam também<br />
transparecer relações de força dos diferentes grupos sociais que compunham<br />
as associações de leigos, nomea<strong>da</strong>mente os que tinham alguma<br />
capaci<strong>da</strong>de de imposição de regras. O compromisso <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de<br />
de Santa Ana dos Armadores de Lisboa, de 1782, defendia os<br />
interesses dos antigos mestres desta arte, impedindo o acesso de armadores<br />
que não fossem «Professores <strong>da</strong> arte, ou as veuvas, que ficarem<br />
destes, ou os seus filhos, que seguirem a mesma Profissão». Por<br />
esse motivo, não foi aprovado pela Rainha D. Maria I.<br />
É frequente os historiadores salientarem as relações interpessoais,<br />
plurisociais e pluriprofissionais desenvolvi<strong>da</strong>s no interior <strong>da</strong>s<br />
<strong>confrarias</strong>. Contudo, julgamos que existem vias de análise mais fecun<strong>da</strong>s,<br />
que passam por realçar outros tipos de relacionamento. Em<br />
primeiro lugar, as relações de diferenciação social. Isto é, as irman<strong>da</strong>des<br />
possuíam os seus próprios mecanismos internos que permitiam<br />
acentuar os vários tipos de diferenças sociais existentes entre os seus<br />
membros. Esses mecanismos variavam de irman<strong>da</strong>de para irman<strong>da</strong>de,<br />
e muitas vezes vinham legitimados no seu compromisso. Mesmo<br />
nos casos em que isso não acontecia, podiam existir outras formas<br />
de efectivar a distinção. Quando uma confraria deixava em aberto o<br />
quantitativo <strong>da</strong> jóia de ingresso, poderia estar, indirectamente, a<br />
permitir que os notáveis locais, porque mais poderosos, pudessem<br />
fazer uma dádiva assinalável e destacarem-se logo no momento <strong>da</strong><br />
entra<strong>da</strong> na agremiação.
Os compromissos não só justificavam como respeitavam as<br />
diferenças de identi<strong>da</strong>de de grupo numa socie<strong>da</strong>de basea<strong>da</strong> na desigual<strong>da</strong>de<br />
e na ideia de corpos sociais aos quais os indivíduos pertenciam<br />
por nascimento ou aquisição. Foi o que aconteceu em várias<br />
<strong>confrarias</strong> mistas do litoral, nas quais se manteve a bipolarização<br />
existente na comuni<strong>da</strong>de local, a qual separava os «homens de terra»<br />
e os «homens do mar». O regimento régio <strong>da</strong> Confraria de Nossa Senhora<br />
de Nazaré de 1660-1661, por exemplo, indicava que os «elleitos<br />
serão pessoas <strong>da</strong>s principaes, e <strong>da</strong>s de maior satisfação assim dos<br />
homens <strong>da</strong> terra como do mar na forma que he costume». É curioso<br />
notar que esta obrigação surgia num período em que os homens de<br />
terra conseguiam conquistar áreas de intervenção que anteriormente<br />
pertenciam aos marítimos. Também a separação entre os irmãos brancos<br />
e os escravos <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des de pretos em Portugal, acabava por<br />
justificar a supremacia dos primeiros sobre os escravos pretos. No<br />
Porto, para entrarem na agremiação, estes necessitavam de ter a<br />
anuência dos seus senhores, concedi<strong>da</strong> por escrito. Por outro lado,<br />
determina<strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des, como o domínio dos registos escritos <strong>da</strong>s<br />
irman<strong>da</strong>des, tendiam a ser um exclusivo dos brancos 67 .<br />
Mas outras distinções mais importantes operavam-se no âmago<br />
<strong>da</strong>s associações confraternais. Uma delas foi a que separou os irmãos<br />
que tinham acesso a cargos <strong>da</strong> mesa dos que ficavam afastados deles,<br />
sobretudo se tivermos em conta a tendência para concentrar numa<br />
oligarquia os níveis de decisão dos principais assuntos <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des.<br />
Esta situação era agrava<strong>da</strong> com a frequente perpetuação nos<br />
cargos, por parte dos indivíduos escolhidos, a qual fazia com que um<br />
número ca<strong>da</strong> vez mais escassos de irmãos acedesse aos órgãos directivos<br />
68 . Por outro lado, também dentro do conjunto de eleitos era<br />
notória uma certa distinção. Existiam cargos mais relevantes do que<br />
67 P. Penteado. Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição .... vol. I, p. 235. So-<br />
bre as <strong>confrarias</strong> de escravos pretos, cf. M. Manuela Martins Rodrigues, «Confra-<br />
rias <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Porto...», p. 388 e Isaías <strong>da</strong> Rosa Pereira, Dois Compromissos de<br />
Irman<strong>da</strong>des de Homens Pretos. Lisboa, 1972, p. 35 (sep.).<br />
68 Sobre a tendência para a oligarquia ao nível dos concelhos, a partir do<br />
século XVI, cf. Maria Helena <strong>da</strong> Cruz Coelho e Joaquim Romero de Magalhães, O<br />
Poder Concelhio. Das Origens às Cortes Constituintes. Coimbra: CEFA, 1986,<br />
sobretudo pp. 41-44. Para avaliar a situação nas <strong>confrarias</strong>, cf. P. Penteado, Nossa<br />
Senhora de Nazaré. Contribuição ..., vol. I, pp. 240-243 e Vitor F. Alves,<br />
«Sociabili<strong>da</strong>de Camponesa em Sazes de Lorvão nos Séculos XVII e XVIII» . Ler<br />
História. 24, 1993, ponto 5.
outros. Na Confraria <strong>da</strong> Senhora de Nazaré, por exemplo, o cargo de<br />
deputado foi esvaziado de importância ao longo dos séculos XVII e<br />
XVIII, servindo apenas como «trampolim» para atingir a mordomia,<br />
e o detentor do cargo de maior importância, o administrador, que<br />
pertencia à mais importante nobreza <strong>da</strong> região ou do Reino, chegou a<br />
concentrar na sua mão to<strong>da</strong>s decisões <strong>da</strong> Confraria, na segun<strong>da</strong> metade<br />
<strong>da</strong> centúria de setecentos 69 .<br />
Mas o mais interessante é que os detentores dos melhores cargos<br />
não só chamavam a si a capaci<strong>da</strong>de de decisão e se perpetuavam os<br />
seus man<strong>da</strong>tos, como ain<strong>da</strong> recorriam a outras estratégias para poderem<br />
continuar a exercer o seu poder. O mais vulgar era acumularem-<br />
-no com a ocupação de postos em outras irman<strong>da</strong>des ou centros de<br />
poder locais, como por exemplo, as Câmaras 70 . E quando passavam<br />
para cargos de decisão de outras instituições, era frequente arranjarem<br />
maneira de, nos processos eleitorais <strong>da</strong>s antigas <strong>confrarias</strong>, virem<br />
a ser escolhidos, para seus substitutos, os parentes, amigos e apaniguados.<br />
Desta forma, continuavam a poder influenciar os destinos<br />
<strong>da</strong>quelas associações religiosas 71 .<br />
Esta constatação obriga-nos a reflectir sobre a formação de «partidos»<br />
e de relações de clientelismo desenvolvi<strong>da</strong>s à sombra <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>.<br />
Muitas vezes, estas serviam de pretexto para o fortalecimento<br />
<strong>da</strong>s estratégias dos grupos primários e para a defesa de interesses<br />
familiares. Na centúria de setecentos, no santuário <strong>da</strong> Senhora de<br />
Nazaré, dois representantes régios ali estabelecidos, detentores de<br />
cargos na vereação e nas <strong>confrarias</strong>, tinham os seus apaniguados para<br />
os quais, e com os quais, obtinham grandes vantagens económicas e<br />
sociais. Os lucros chegaram a ser extensivos aos serventuários <strong>da</strong><br />
Confraria <strong>da</strong> Senhora de Nazaré, quando estes sabiam defender a<br />
posição de uma <strong>da</strong>s facções locais que disputavam o poder, como<br />
aconteceu ao padre António <strong>da</strong> Rosa n . A pertença a uma clientela ou<br />
69 Maria Helena Coelho observou com grande pertinência que o «quadro do<br />
oficialato copia o modelo organizativo concelhio» (As Confrarias Medievais...,<br />
p. 163). Sobre a multiplici<strong>da</strong>de de cargos e ofícios nas irman<strong>da</strong>des, além do estudo<br />
citado, cf. o exemplo de Guilhermina Mota, op. cit., p. 282. Ain<strong>da</strong> P. Penteado,<br />
Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição..., vol. I, pp. 233-250.<br />
70 Laurin<strong>da</strong> de Abreu, «Confrarias e Irman<strong>da</strong>des de Setúbal...», p. 129.<br />
71 Guilhermina Mota, op. cit., p. 283.<br />
72 Pedro Penteado. «O Santuário <strong>da</strong> Nazaré entre 1781 e 1786». História,<br />
n° 142, Julho de 1991, pp. 51-59 (para o caso do bacharel Agostinho José Salazar)<br />
e P. Penteado, Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição..., vol. I, p. 240 (para o caso
família podia trazer consigo outras regalias, concretamente quando<br />
era factor decisivo para a entra<strong>da</strong> nas irman<strong>da</strong>des, sobretudo as de<br />
acesso restrito<br />
Nas <strong>confrarias</strong>, desenvolveram-se também relações de exclusão.<br />
Estas acentuaram-se à medi<strong>da</strong> que entramos no século XVII e que<br />
estas organizações caminhavam no sentido de pressupor um domínio<br />
tendencialmente exclusivo para a sociabili<strong>da</strong>de religiosa de cristãos-<br />
-velhos com um mínimo de poder económico. Não esqueçamos que<br />
nesta <strong>época</strong> o cerco começava ca<strong>da</strong> vez mais a apertar-se em torno <strong>da</strong><br />
penetração de cristãos-novos nas irman<strong>da</strong>des, sendo bastante cerrado<br />
no que diz respeito à entra<strong>da</strong> de irmãos em estado de pobreza. Saliente-se,<br />
no entanto, que este cerco nem sempre teve eficácia e,<br />
algumas vezes, foi necessário recorrer à violência, à intervenção <strong>da</strong><br />
Coroa e do Santo Ofício para conseguir reduzir o peso e a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />
dos cristãos-novos na vi<strong>da</strong> comunitária e <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> 74 .<br />
Perante estes <strong>da</strong>dos, é possível que tenhamos que começar a pensar<br />
nas <strong>confrarias</strong> como órgãos de sociabili<strong>da</strong>de que serviram sobretudo<br />
para o relacionamento dentro de grupos com alguma homogenei<strong>da</strong>de<br />
em termos sociais. Por outro lado, isto obriga a interrogarmo-nos<br />
sobre os níveis de sociabili<strong>da</strong>de existentes nas irman<strong>da</strong>des<br />
e sobre as restrições a um contacto mais alargado, abrangente e<br />
efectivo entre todos os irmãos. Neste contexto, a reacção <strong>da</strong> Igreja<br />
passava pelo alargamento <strong>da</strong>s formas de sociabili<strong>da</strong>de e reforço dos<br />
tempos de convivência social e religiosa.<br />
*<br />
Ao longo deste artigo foram expostos alguns dos principais<br />
resultados referentes às grandes linhas que orientam a problemática<br />
do governador do forte, losé Caetano.de Lafetá). Este último trabalho abor<strong>da</strong> com<br />
algum pormenor o negócio do empréstimo de dinheiro a juros pelas <strong>confrarias</strong> e<br />
outros aspectos <strong>da</strong> sua gestão económica, bem como os proveitos pessoais retira-<br />
dos <strong>da</strong>í pelos oficiais <strong>da</strong>quelas associações.<br />
" Guilhermina Mota, op. cit., p. 279.<br />
74 Guilhermina Mota, op. cit.. p. 279, F. Zagallo, op. cit., p. 73 e P. Penteado,<br />
Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição..., vol. I, p. 236 e vol. II, p. 119: era<br />
frequente os compromissos <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> conterem indicações no sentido de<br />
excluírem todos os que «não tivessem limpo sangue sem raça de judeu mouro mu-<br />
lato nem descendentes de outra alguma infecta nação», como acontecia no caso <strong>da</strong><br />
Confraria <strong>da</strong> Senhora <strong>da</strong> Nazaré <strong>da</strong> «Prata Grande».
<strong>da</strong> investigação <strong>da</strong> História <strong>da</strong>s Confrarias em Portugal, na Época<br />
Moderna. Através deles constatou-se que a importância destas<br />
associações variava, entre outros factores, consoante a região ou o<br />
período histórico em análise, pelo que só com um maior número de<br />
estudos monográficos poderemos ter uma ideia mais aproxima<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
diversi<strong>da</strong>de e riqueza do movimento confraternal português. Apesar<br />
disso, e com base numa son<strong>da</strong>gem em mais de 300 irman<strong>da</strong>des de<br />
quatro áreas diferentes do país, foi possível apurar que em quase to<strong>da</strong>s<br />
as freguesias analisa<strong>da</strong>s, em meados do século XVIII, se confirmava<br />
um assinalável enquadramento paroquial de leigos através <strong>da</strong>s organizações<br />
confraternais. A maior parte delas situava-se sob a invocação<br />
de uma <strong>da</strong>s três devoções fomenta<strong>da</strong>s pela Igreja após o Concílio<br />
de Trento: Santíssimo Sacramento, Almas do Purgatório e Senhora<br />
do Rosário. Mas os responsáveis <strong>da</strong> Igreja não só promoviam o<br />
aparecimento destas formas de pie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> que lhes<br />
estavam associa<strong>da</strong>s, como as orientavam e procuravam controlar. Para<br />
o efeito, não hesitavam em secun<strong>da</strong>rizar antigas associações religiosas<br />
liga<strong>da</strong>s a cultos tradicionais.<br />
Na Época Moderna, as <strong>confrarias</strong> foram bastante procura<strong>da</strong>s por<br />
homens e mulheres dos mais diversos grupos sociais, por motivos de<br />
natureza espiritual e material. Entre estes últimos, contam-se a procura<br />
de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de comunitária e de protagonismo social. A importância<br />
social, política e económica que muitas destas agremiações<br />
atingiram tornaram-nas objecto <strong>da</strong> disputa do poder temporal e do<br />
poder espiritual pelo seu controle. Neste confronto, o Estado parece<br />
ter levado a melhor quando, na segun<strong>da</strong> metade do século XVIII, definiu<br />
as regras do jogo e legislou no sentido de passar para a sua alça<strong>da</strong><br />
to<strong>da</strong>s as associações religiosas que não conseguissem comprovar a<br />
sua erecção eclesiástica. Desta forma, justificou a sua crescente intervenção<br />
no âmbito <strong>da</strong>s organizações de sociabili<strong>da</strong>de confraternal e<br />
reduziu a importância <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Igreja sobre estas associações.<br />
Finalmente, entre os <strong>da</strong>dos que sintetizámos, alguns deles permitem<br />
abrir caminho para entender qual o modelo eclesial e social que<br />
estava subjacente à estrutura e funcionamento <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des. Na<br />
maior parte destas «micro-socie<strong>da</strong>des», inseri<strong>da</strong>s num universo corporativista,<br />
imperavam os princípios <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> hierarquização<br />
social. À margem, entre outros, figuravam os cristãos-novos e<br />
os pobres. O discurso <strong>da</strong> fraterni<strong>da</strong>de demonstrava as suas fragili<strong>da</strong>des.<br />
A integração social tinha fronteiras.
Para esboçarmos o presente quadro de resultados, tivemos de<br />
estabelecer priori<strong>da</strong>des na escolha de tópicos de abor<strong>da</strong>gem dum<br />
tema tão globalizante e com tantas perspectivas de estudo quanto a<br />
História <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong>. Por este motivo, muitos foram os aspectos<br />
que ficaram por explorar. Entre eles, contam-se o papel <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong><br />
na assistência social, a sua acção no fomento de exercícios espirituais<br />
individuais e consequente caminha<strong>da</strong> para a privatização <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> religiosa, a função que estas organizações desempenharam na<br />
implementação de uma «economia <strong>da</strong> salvação», a activi<strong>da</strong>de financeira<br />
que elas desenvolveram e o seu impacto nas activi<strong>da</strong>des económicas<br />
do país, as condições que permitiram as transformações opera<strong>da</strong>s<br />
nas irman<strong>da</strong>des, sobretudo durante a primeira metade do século<br />
XIX, etc. Enfim, um conjunto de tópicos a explorar em novos inquéritos<br />
ao passado <strong>da</strong>s <strong>confrarias</strong> <strong>portuguesas</strong>.