concerto <strong>de</strong> louvores e admirações. E <strong>de</strong>ixa-se isso para ir passar alguns meses na província, sem necessida<strong>de</strong>, sem motivo sério? A menos que não fosse política... — Justamente política, disse eu. — Nem assim, replicou ele daí a um instante. — E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> outro silêncio: — Seja como for, venha jantar hoje conosco. — Certamente que vou; mas, amanhã ou <strong>de</strong>pois, hão <strong>de</strong> vir jantar comigo. — Não sei, não sei, objetou Sabina; casa <strong>de</strong> homem solteiro... Você precisa casar, mano. Também eu quero uma sobrinha, ouviu? Cotrim reprimiu-a com um gesto, que não entendi bem. Não importa; a reconciliação <strong>de</strong> uma família vale bem um gesto enigmático. 106 106
CAPÍTULO 82 Questão <strong>de</strong> botânica Digam o que quiserem dizer os hipocondríacos: a vida é uma coisa doce. Foi o que eu pensei comigo, ao ver Sabina, o marido e a filha <strong>de</strong>scerem <strong>de</strong> tropel as escadas, dizendo muitas palavras afetuosas para cima, on<strong>de</strong> eu ficava — no patamar, — a dizerlhes outras tantas para baixo. Continuei a pensar que, na verda<strong>de</strong>, era feliz. Amava-me uma mulher, tinha a confiança do marido, ia por secretário <strong>de</strong> ambos, e reconciliava-me com os meus. Que podia <strong>de</strong>sejar mais, em vinte e quatro horas? Nesse mesmo dia, tratando <strong>de</strong> aparelhar os ânimos, comecei a espalhar que talvez fosse para o Norte como secretário <strong>de</strong> província, a fim <strong>de</strong> realizar certos <strong>de</strong>sígnios políticos, que me eram pessoais. Disse-o na Rua do Ouvidor, repeti-o no dia seguinte, no Pharoux e no teatro. Alguns, ligando a minha nomeação à do Lobo Neves, que já andava em boatos, sorriam maliciosamente, outros batiam-me no ombro. No teatro disse-me uma senhora que era levar muito longe o amor da escultura. Referia-se às belas formas <strong>de</strong> Virgília. Mas a alusão mais rasgada que me fizeram foi em casa <strong>de</strong> Sabina, três dias <strong>de</strong>pois. Fê-la um certo Garcez, velho cirurgião, pequenino, trivial e grulha, que podia chegar aos setenta, aos oitenta, aos noventa anos, sem adquirir jamais aquela compostura austera, que é a gentileza do ancião. A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira surpresa da natureza humana. — Já sei, <strong>de</strong>sta vez vai ler Cícero, disse-me ele, ao saber da viagem. — Cícero! exclamou Sabina. — Pois então? Seu mano é um gran<strong>de</strong> latinista. Traduz Virgílio <strong>de</strong> relance. Olhe que é Virgílio e não Virgília... não confunda... E ria, <strong>de</strong> um riso grosso, rasteiro e frívolo. Sabina e olhou para mim, receosa <strong>de</strong> alguma réplica; mas sorriu, quando me viu sorrir, e voltou o rosto para disfarçá-lo. As outras pessoas olhavam-me com um ar <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>, indulgência e simpatia: era transparente que não acabavam <strong>de</strong> ouvir nenhuma novida<strong>de</strong>. O caso dos meus amores andava mais público do que eu podia supor. Entretanto sorri, um sorriso curto, fugitivo e guloso, — palreiro como as pegas <strong>de</strong> Sintra.Virgília era um belo erro, e é tão fácil confessar um belo erro! Costumava ficar carrancudo, a princípio, quando ouvia alguma alusão aos nossos amores; mas, palavra <strong>de</strong> honra! sentia cá <strong>de</strong>ntro uma impressão suave e lisonjeira. Uma vez, porém, aconteceu-me sorrir, e continuei a fazê-lo das outras vezes. Não sei se há alguém que explique o fenômeno. Eu explico-o assim: a princípio, o contentamento, sendo interior, era por assim dizer o mesmo sorriso, mas abotoado; andando o tempo, <strong>de</strong>sabotoou-se em flor, e apareceu aos olhos do próximo. Simples questão <strong>de</strong> botânica. 107 107
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— Há de vir cá passar uns dias,
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folhas. O silêncio daquela região
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comovida deveras, e a mão trêmula
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