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moçambique 2005 - 2011 - Oxfam Canada

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A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Programa de Agricultura<br />

e Meios de Vidas<br />

Sustentáveis<br />

Moçambique: <strong>2005</strong> – <strong>2011</strong><br />

Histórias de<br />

Mudança Mais<br />

Significativas


Créditos fotográficos:<br />

Carlos Dava, Cecília João, Helena Chiquele, Sylvie Desautels, Nélia Taimo, Alberto da Silva.<br />

© 2012, <strong>Oxfam</strong> <strong>Canada</strong><br />

As opiniões expressas nesta pulbicação são da responsabilidade dos autores e não refletem<br />

necessáriamente as políticas ou posições oficiais da <strong>Oxfam</strong>, das organizações de apoio e dos<br />

doadores.


1<br />

www.oxfam.ca<br />

A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Agradecimentos<br />

A <strong>Oxfam</strong> Canadá gostaria de reconhecer e expressar o profundo<br />

agradecimento às organizações não-governamentais em Moçambique<br />

com quem trabalhou ao longo de muitos anos e que foram responsáveis<br />

pelas mudanças que ocorreram na vida de tantas pessoas. A dedicação<br />

e o compromisso do pessoal e membros das seguintes organizações<br />

contribuiram de maneira inestimável para o sucesso do Programa de<br />

Agricultura e Meios de Vida Sustentáveis com a <strong>Oxfam</strong> Canadá:<br />

• AMODER (Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Rural)<br />

• Fórum Mulher<br />

• Magariro (Associação para o Desenvolvimento Comunitário)<br />

• OMES (Organização da Mulher Educadora do SIDA)<br />

• SAfAIDS (Serviço de Informação e Disseminação sobre o HIV e<br />

SIDA -na África Austral)<br />

• UNAC (União Nacional dos Camponeses)<br />

• WLSA (Mulher e Lei na África Austral)<br />

A <strong>Oxfam</strong> Canadá gostaria também de agradecer às autoridades<br />

distritais, provínciais e nacionais de Moçambique, à Agência Canadiana<br />

de Desenvolvimento Internacional (ACDI), ao Fundo de Justiça Social<br />

do Sindicato do Trabalhadores da Indústria Automóvel (CAW-Canadá) e<br />

à <strong>Oxfam</strong> Grã – Bretanha pelo apoio recebido ao longo da vida do<br />

Programa (<strong>2005</strong>-<strong>2011</strong>).<br />

Acima de tudo, a <strong>Oxfam</strong> Canadá gostaria de reconhecer e agradecer às<br />

comunidades do centro de Moçambique e de Maputo que participaram<br />

no programa, e cujas histórias são contadas nesta publicação, a energia<br />

e a dedicação com que sempre contribuiram.


Conteúdo<br />

Introdução ! ........................................................................................... 3<br />

Programa de Agricultura e Meios de Vida Sustentáveis ! ..................... 5<br />

Parceiros de Desenvolvimento em Moçambique ! ................................. 7<br />

O que é Mudança Mais Significativa? ! ................................................ 11<br />

A Face Humana da Mudança ! ........................................................... 13<br />

• Fortalecimento de Grupos de Camponeses e de Grupos<br />

Comunitários ! ................................................................................ 15<br />

• Melhoria das Actividades e Técnicas Productivas ! ....................... 22<br />

• Sensibilização sobre HIV/SIDA! ..................................................... 29<br />

• Promoção da Participação Pública e da Equidade do Género ! .... 36<br />

Mudança Significativa ! ........................................................................ 45<br />

Conclusão ! .......................................................................................... 48<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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3<br />

www.oxfam.ca<br />

A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Introdução<br />

Moçambique enfrentou grandes desafios nos processos de<br />

reabilitação e desenvolvimento após décadas de guerra e desastres<br />

naturais. A população, na sua maioria rural, sofreu significantemente<br />

com a destruição da economia durante os vários anos de conflito. Os<br />

desastres naturais cíclicos, como as cheias e as secas, defraudaram<br />

os esforços das comunidades rurais de reconstruir os seus meios de<br />

vida depois do fim da guerra em 1992.<br />

ALGUNS DADOS SOBRE MOÇAMBIQUE<br />

• População: 22,9 milhões (<strong>2011</strong>)<br />

• População abaixo de 14 anos: 45%<br />

• População urbana: 38%; taxa de urbanização: 4% ao ano<br />

• Taxa de alfabetização: homens 63%; mulheres 37%<br />

• Índice de Desenvolvimento Humano: 184º lugar entre 187<br />

países (<strong>2011</strong>)<br />

• Produto Interno Bruto per capita: $898 dólares EUA<br />

• Esperança de vida: 50,2 anos<br />

• Taxa de mortalidade infantil: 78,95 mortes por 1.000 nascimentos<br />

• Taxa de prevalência de HIV/SIDA em adultos: 11,5% (2009)<br />

• Pessoas que vivem com HIV SIDA: 1,5 milhões (2009)<br />

• Mortes causadas por HIV SIDA: 74.000 (2009)<br />

Fonte: PNUD – Relatório do Desenvolvimento Humano <strong>2011</strong> & CIA The World Factbook <strong>2011</strong><br />

Os índices elevados de prevalência do HIV também constituem um<br />

desafio para os indivíduos, as famílias e o país como um todo. As<br />

mulheres em Moçambique enfrentam barreiras culturais que não só<br />

lhes impoêm comportamentos de subordinação e experiências de<br />

abuso mas lhes restringem as capacidades de atingir o mais elevado<br />

potencial pessoal, social e económico. Mesmo depois de um processo<br />

de paz bem sucedido, os esforços intensivos de reabilitação nacional e<br />

os investimentos estrangeiros importantes, Moçambique continua a ser<br />

um dos países mais pobres do mundo.<br />

A <strong>Oxfam</strong> Canadá apoia as organizações da sociedade civil<br />

Moçambicana no seu trabalho em prol do desenvolvimento desde os<br />

anos 70. Em <strong>2005</strong>, a Agência Canadiana de Desenvolvimento<br />

Internacional concordou em financiar a <strong>Oxfam</strong> Canadá e os seus<br />

parceiros para implementar o Programa de Agricultura e Meios de Vida


Sustentáveis (SLAP). A partir daí, começou-se um esforço determinado<br />

para criar um modelo de desenvolvimento diferente, distinto da<br />

distribuição de bens à pobres comunidades e em consonância com um<br />

sistema que apoia as capacidades e forças das organizações e<br />

comunidades com novas habilidades, conhecimentos e confiança.<br />

O resultado foi a construção de relações robustas e respeituosas entre<br />

a <strong>Oxfam</strong> Canadá e as organizações parceiras, e entre as organizações<br />

Moçambicanas e as comunidades beneficiárias com as quais elas<br />

trabalhavam. A confiança, que está no âmago dessas relações,<br />

constituiu a fundação da mudança. Esta publicação contêm histórias de<br />

indivíduos que demostram o impacto que o maior conhecimento e a<br />

nova confiança adquiridos durante o processo tiveram nas suas vidas.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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5<br />

www.oxfam.ca<br />

A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Programa de Agricultura e Meios<br />

de Vida Sustentáveis<br />

Em <strong>2005</strong>, a <strong>Oxfam</strong> Canadá e as organizações não-governamentais<br />

Moçambicanas acima mencionadas embarcaram juntas numa jornada<br />

que duraria seis anos. O programa SLAP foi um programa multisectorial,<br />

com sete parceiros, implementado em quatro distritos do<br />

centro de Moçambique: Tambara, Guro, Mutarara e Moatize. Estes<br />

distritos, localizados ao longo do Vale do rio Zambeze, são<br />

extremamente vulneráveis aos desastres naturais, principalmente<br />

cheias e secas. Algumas comunidades são isoladas, especialmente na<br />

época das chuvas, o que reduz consideravelmente as oportunidades<br />

de mercado. Estes distritos também detêm taxas de prevalência de<br />

HIV/SIDA alarmantes e são áreas aonde a subordinação social e<br />

cultural da mulher está profundamente enraizada.<br />

É neste contexto que o SLAP procurou melhorar os meios de vida das<br />

comunidades rurais, construindo o capital humano e social e<br />

encorajando a cidadania activa. As quatro principais áreas de<br />

intervenção do programa incluíam:<br />

i. Fortalecimento de Grupos de Camponeses e Grupos<br />

Comunitários;<br />

ii. Melhoria das Actividades e Técnicas Productivas;<br />

iii. Sensibilização sobre HIV/SIDA;<br />

iv. Promoção da Participação Pública e da Equidade do Género.<br />

A filosofia de desenvolvimento<br />

da <strong>Oxfam</strong> Canadá está<br />

c e n t r a d a n o a p o i o à s<br />

organizações e comunidades<br />

locais para identificar as suas<br />

vulnerabilidades e a procurar<br />

soluções sustentáveis que<br />

tomem em conta e valorizem<br />

o s p o n t o s f o r t e s d a s<br />

comunidades. O programa<br />

procurou melhorar o capital<br />

humano e social através da<br />

a q u i s i ç ã o d e n o v o s<br />

conhecimentos, do<br />

desenvolvimento de habilidades, e do aumento da auto-confiança dos<br />

grupos comunitários na determinação das suas agendas de<br />

desenvolvimento.


A <strong>Oxfam</strong> Canadá apoiou as organizações parceiras locais, e estas, por sua<br />

vez, apoiaram os grupos comunitários locais através da capacitação e<br />

“mentoring”.<br />

O programa ajudou a criar a resiliência dos participantes através do<br />

aumento das suas habilidades para enfrentar os desafios relacionados<br />

com a igualdade de género, o desenvolvimento institucional, a produção<br />

agrícola e a pecuária, a geração de renda, o crédito e a poupança, a<br />

transmissão do HIV e os desastres naturais.<br />

A sociedade civil Moçambicana está a crescer e a fortificar-se e cada vez<br />

mais representa as prioridades, as capacidades e as aspirações do povo<br />

Moçambicano. A <strong>Oxfam</strong> Canadá trabalhou com as seguintes<br />

organizações da sociedade civil na implementaçao do Programa:<br />

• União Nacional dos Camponeses (UNAC),<br />

• Magariro (Associação para o Desenvolvimento Comunitário),<br />

• Organização da Mulher Educadora do SIDA (OMES),<br />

• Mulher e Lei na África Austral (WLSA),<br />

• Fórum Mulher (FM),<br />

• Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Rural<br />

(AMODER), e<br />

• Serviço de Informação e Disseminação sobre o HIV e SIDA na África<br />

Austral (SAfAIDS).<br />

Durante a vida do programa, as organizações parceiras trabalharam<br />

com centenas de grupos locais e associações nos quatro distritos de<br />

Guro, Tambara, Moatize e Mutarara, alcançando directamente mais<br />

de 2.100 membros, homens (45%) e mulheres (55%) rurais.<br />

As organizações que trabalham em prol dos direitos da mulher<br />

levaram a cabo campanhas na província de Maputo e pelo país fora<br />

para a implementação da Lei da Família e a criação da Lei sobre a<br />

Violência Doméstica. Treinaram activistas e agentes da Polícia para<br />

trabalhar na prevênção, no apoio às vitimas e no seguimento legal<br />

dos casos de violência doméstica.<br />

Foi graças à visão, compromisso e trabalho árduo dessas<br />

organizações e das comunidades com as quais elas trabalharam que<br />

foram alcançadas mudanças sustentáveis nas vidas das pessoas. O<br />

propósito desta publicação é de realçar e celebrar algumas dessas<br />

mudanças mais significantes.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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7<br />

www.oxfam.ca<br />

PARCEIROS MOÇAMBICANOS DE DESENVOLVIMENTO<br />

Parceiros Moçambicanos de Desenvolvimento<br />

UNAC<br />

(União Nacional de Camponeses)<br />

A UNAC foi fundada em 1994 e é uma união<br />

nacional de camponeses, cooperativas e<br />

associações independentes. A União é<br />

composta por cerca de 86.000 membros e mais<br />

de 2.200 associações de camponeses,<br />

organizados em 83 distritos, sete uniões e<br />

quatro núcleos provínciais.<br />

A missão da UNAC é de aumentar a capacidade das camponesas e<br />

dos camponeses para trabalharem juntos e construirem uma sociedade<br />

mais justa, próspera e unida.<br />

A UNAC trabalha para fortalecer as organizações de camponeses;<br />

melhorar a productividade e mercados agricolas; influenciar o diálogo<br />

politico no que concerne as questões que afectam o sector agrícola<br />

familiar; lidar com os impactos do HIV e da degradação ambientais nos<br />

meios de vida e promover a inclusão de mulheres e jovens no<br />

movimento camponês.<br />

Através do seu ecritório nacional, a UNAC tem influenciado reformas<br />

legislativas e participado em vários fora e eventos para aumentar o seu<br />

conhecimento sobre a agricultura sustentável e agir nos assuntos<br />

importantes para os camponêses do sector familiar. A UNAC é membro<br />

da Via Campesina – o maior movimento camponês e produtor artesanal<br />

de alimentos do mundo.<br />

Magariro<br />

(Associação para o Desenvolvimemnto<br />

Comunitário)<br />

A Magariro foi fundada em 2001, e é uma<br />

organização de desenvolvimento comunitário<br />

baseada na Província de Manica. A Magariro<br />

capacita pessoas e grupos desfavorecidos<br />

para advogarem pelo seu próprio<br />

desenvolvimento.


A Magariro procura melhorar o acesso e a qualidade da educação<br />

básica no nível primário e da alfabetização de adultos; melhorar as<br />

opções de meios de vida; aumentar a participação das comunidades<br />

rurais marginalizadas nos processos de governação; mitigar o impacto<br />

do HIV/SIDA e dos desastres naturais nas famílais afectadas; e<br />

fortalecer a sociedade civil Moçambicana, através da capacitação nas<br />

áreas do desenvolvimento organizacional e da governação. A Magariro<br />

também presta serviços de resposta a nível local em situações de<br />

desastres naturais.<br />

No programa SLAP, a Magariro focou as suas actividades em círculos<br />

locais de influência, grupos de criação de animais, bancos de<br />

sementes, grupos de poupança e crédito e comités locais de gestão de<br />

calamidades naturais, através do seu escritório baseado em Tambara.<br />

AMODER (Associação Moçambicana<br />

para o Desenvolvimento Rural)<br />

A AMODER foi criada em Setembro de<br />

1993 e em 1999 foi licenciada pelo Banco<br />

de Moçambique para proporcionar crédito para o desenvolvimento<br />

rural. A AMODER tem oito escritórios em sete províncias. As principais<br />

áreas de intervenção da AMODER incluem a provisão de crédito para a<br />

comercialização e o processamento de produtos agrícolas, insumos<br />

agrícolas, equipamentos e bens de consumo, transporte, assim como<br />

crédito para actividades pesqueiras, incluindo a comercialização e o<br />

processamento de mariscos. Direccionando assistência financeira para<br />

os empresários, que apoiam as actividades de camponeses e<br />

pescadores, a AMODER proporciona mercados operacionais às<br />

comunidades rurais e renda melhorada para satisfazer as suas<br />

necessidades básicas.<br />

OMES (Organização da Mulher Educadora do<br />

SIDA)<br />

OMES foi estabelecida em 1994 na Província de<br />

Manica e é uma organização comunitária cujos<br />

125 membros e activistas são predominantemente<br />

mulheres envolvidas em assuntos relacionados com a actividade<br />

sexual comercial. O mandato da OMES é o de educar as mulheres<br />

trabalhadoras de sexo e os seus clientes, incluindo camionistas, assim<br />

como a comunidade em geral sobre o HIV/SIDA. A OMES também<br />

trabalha para mitigar os impactos do HIV através do aconselhamento,<br />

programas de cuidados domiciliários e actividades de geração de<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

PARCEIROS MOÇAMBICANOS DE DESENVOLVIMENTO<br />

rendimento alternativo para as trabalhadoras de sexo. A OMES teve<br />

um papel importante no apoio dos outros parceiros da <strong>Oxfam</strong> Canadá<br />

para integrar a sensibiliazação do HIV no seu trabalho.<br />

SAfAIDS (Serviço de Informação e Disseminação sobre o HIV e<br />

SIDA na África Austral)<br />

Estabelecida em 1994, a SAfAIDS é uma organização não lucrativa<br />

com escritórios no Zimbabwe, Zambia, e Mozambique. Em Angola,<br />

Botswana, Lesotho, Malawi, Namibia, e Tanzania a SAfAIDS opera<br />

através de parceiros locais.<br />

A SAfAIDS almeja promover respostas de desenvolvimento éticas e<br />

eficazes à pandemia do HIV/SIDA, através da gestão,<br />

desenvolvimento de capacidades, advocacia, análise política e<br />

pesquisa na região austral da África. As suas principais actividades<br />

incluem o desenvolvimento de capacidades; produção de informação;<br />

recolha e disseminação; desenvolvimento de parcerias e redes, e<br />

promoção de diálogo.<br />

Em Moçambique a SAfAIDS trabalha desde 2008 com organizações<br />

não-governamentais, especialmente os parceiros da <strong>Oxfam</strong> Canadá<br />

no âmbito do Programa de Agricultura e Meios de Vida Sustentáveis,<br />

fortalecendo-as para lidar com desafios do HIV/SIDA.<br />

WLSA (Mulher e Lei na África Austral)<br />

A WLSA foi fundada na região da África Austral em 1989,<br />

e em Moçambique em 1990. A missão da WLSA é de<br />

contribuir para o bem-estar da mulher, no seio das suas<br />

famílias e na sociedade, através de pesquisa e formação<br />

assim como de advocacia para reforma de leis e políticas.<br />

Entre as várias iniciativas da WLSA, contam-se as formações e<br />

acompanhamento da polícia sobre os direitos humanos da mulher e da<br />

criança vítimas de violência. Através dos seus programas de pesquisa<br />

e de advocacia, a WLSA contribuiu de maneira importante para a<br />

reforma da Lei da Família e a criação da Lei sobre a Violência<br />

Doméstica em Moçambique.


Fórum Mulher<br />

O Fórum Mulher foi fundado em 1993. É<br />

uma rede de 84 organizações locais,<br />

nationais e internacionais que trabalham<br />

na área da igualdade de género e<br />

defendem os direitos humanos das<br />

mulheres. Tem como meta a transformação<br />

dos princípios e práticas culturais e sociais que subordinam a mulher,<br />

desafiando a hierarquia e as relações de poder entre as mulheres e os<br />

homens. O Fórum tem uma perspectiva feminista, serve de mediadora<br />

entre a sociedade e o Estado no que diz respeito às políticas do<br />

governo e ajuda a fortalecer as organizações que trabalham na área<br />

dos direitos das mulheres.<br />

O Fórum Mulher tem assumido uma função vital e alcançado reformas<br />

significativas na legislação e políticas públicas em Moçambique,<br />

particularmente na nova Lei da Família de <strong>2005</strong> e na introdução da Lei<br />

sobre a Violência Doméstica em 2009. O Fórum Mulher esteve na<br />

vanguarda de vários processos de reforma tais como o processo de<br />

consulta da estratégia nacional de combate à pobreza (Plano de Ação<br />

para a Reducão da Pobreza - PARP), assegurando que os direitos da<br />

mulher e a perspectiva de género fossem reflectidos nas políticas e<br />

planos do governo.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

MUDANÇA MAIS SIGNIFICATIVA<br />

O que é “Mudança Mais Significativa”?<br />

A técnica da Mudança Mais Significativa (MMS) é uma forma<br />

participativa de monitoramento e avaliacão. É participativa porque<br />

vários intervenientes relevantes ao projecto estão envolvidos não só<br />

na tomada de decisão sobre os tipos e âmbito das mudanças que<br />

devem ser registadas mas também na análise dos dados. É uma<br />

forma de monitoramento que acontece ao longo do ciclo do programa<br />

e produz informações que ajudam os vários actores a gerir o<br />

programa. Contribui para avaliação do programa porque gera dados<br />

qualitativos sobre o impacto e resultados que podem ser usados para<br />

avaliar o desempenho do programa como um todo.<br />

Esta técnica procura saber os pontos de vista dos beneficiários e<br />

outros intervenientes relevantes; algo significativo sobre o programa e<br />

como este impactou nas suas vidas. Um traço importante e único da<br />

MMS é a possibilidade de recolher informações sobre as mudanças<br />

que não são esperadas ou difíceis de detectarr e ao mesmo tempo a<br />

oportunidade aberta aos beneficiários de identificar as mudanças que<br />

têm ou tiveram mais significado para eles.<br />

O processo envolve a recolha<br />

de histórias sobre “MMS” junto<br />

aos beneficiários e a seleção<br />

s i s t e m á t i c a d a s “ m a i s<br />

significativas” dessas histórias<br />

por painéis formados por<br />

intevenientes relevantes ou pelo<br />

pessoal das organizações que<br />

enquadram as acções. Depois<br />

de identificar o domínio de<br />

mudança a ser monitorado, as<br />

histórias de mudança<br />

significativa são recolhidas junto<br />

das pessoas directamente envolvidas, tais como beneficiários,<br />

partipantes ou pessoal de terreno. As histórias são posteriorimente<br />

analisadas e as mais significativas são selecionadas. As histórias<br />

selecionadas são então verificadas através de visitas aos locais<br />

ondem os eventos ocorreram.<br />

A técnica MMS foi introduzida no SLAP no úitimo ano da sua<br />

implementação. Depois de cinco anos de implementação do<br />

programa, muitas experiências foram adquiridas e lições aprendidas.<br />

Algumas delas foram documentadas em estudos de casos, pesquisas,<br />

relatórios, revisões e avaliações, mas uma grande parte está para ser


documentada sobretudo no que diz respeito ao impacto do programa<br />

na vida das pessoas.<br />

Em Julho de 2010, um seminário de dois dias sobre a MMS foi<br />

organizado com o propósito de formar o staff da <strong>Oxfam</strong> Canadá e alguns<br />

dos parceiros, selecionados na base das suas habilidades técnicas para<br />

recolher e documentar o impacto do SLAP em formato de história. Além<br />

do staff da <strong>Oxfam</strong> Canadá e pessoal das organizações parceiras, uma<br />

consultora local também foi formada no mesmo seminário.<br />

Depois da formação, a consultora organizou uma formação<br />

semelhante para os parceiros no campo. A consultora acompanhou<br />

em seguida os parceiros no processo de recolha de histórias de<br />

mudança mais significativa; estes parceiros continuaram depois o<br />

processo de forma independente. O pessoal da <strong>Oxfam</strong> Canadá que<br />

participou na formação também teve a oportunidade de fazer uso das<br />

novas habilidades através da recolha de algumas histórias de<br />

mudança e um certo número delas fazem parte desta publicação.<br />

As histórias recolhidas foram analisadas pelos parceiros e em seguida<br />

teve lugar a selecção das histórias mais pertinentes a incluir nesta<br />

brochura. Cada história foi reconfirmada pela pessoa que a contou e<br />

que deu a sua autorização para que uma foto sua fosse também<br />

incluída nesta brochura. Para respeitar a privacidade das pessoas<br />

mencionadas nas três histórias sobre o HIV, os seus nomes foram<br />

omitidos e substituídos por outro, fictícios. As histórias selecionadas<br />

foram resumidas, tentando preservar cuidadosamente a essência da<br />

mensagem das pessoas que as contaram.<br />

Expressamos os nossos mais sinceros agradecimentos a todas as<br />

mulheres e homens que tão generosamente partilharam conosco<br />

pedaços das suas vidas. Esta publicação é delas e deles!<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

A Face Humana da Mudança<br />

Introdução:<br />

O Programa de Agricultura e Meios de Vida Sustentáveis foi<br />

implementado nas províncias de Manica e Tete, na região central de<br />

Moçambique, e no âmbito nacional através de actividades de<br />

advocacia implementadas por dois dos sete parceiros.<br />

Na Província de Manica, o programa concentrou-se nos<br />

distritos de Tambara e Guro.<br />

Tambara é um distrito que ficou<br />

relativamente isolado devido à guerra que<br />

perdurou entre 1980 e 1992. Além deste facto,<br />

o districto, que é extenso geográficamente mas<br />

pobre em termos de infra-estruturas, é<br />

constantemente fustigado por cheias e secas.<br />

Este cenário levou as pessoas de Tambara a<br />

tornarem-se bastante dependentes da ajuda externa e muito passivas<br />

em relação à definição do seu próprio destino. Também limitou os<br />

serviços disponíveis, particularmente em termos de extensão agrícola<br />

e pecuária. As normas culturais e tradicionais são igualmente fortes<br />

neste distrito, contribuindo para enraizar a subordinação da mulher e<br />

aumentar a sua vulnerabilidade à infecção pelo HIV. A UNAC e a<br />

Magariro trabalharam com as comunidades rurais em Tambara não só<br />

para melhorar os seus meios de vida agrícolas e a participação nos<br />

processos locais de governação mas também para aumentar o<br />

conhecimento sobre o impacto das normas culturais e tradicionais<br />

sobre os direitos das mulheres e a vulnerabilidade ao HIV.<br />

Guro é um distrito frequentemente afectado<br />

por secas que prejudicam a subsistência<br />

dos camponeses, que dependem<br />

predominantemente da chuva para a colheita<br />

de excedentes. Este distrito está localizdoe<br />

numa importante via de transporte que liga o<br />

norte e o sul de Moçambique. Esta via é usada<br />

por muitos camionistas provenientes de países vizinhos; um facto<br />

que estimula o mercado do sexo. Por conseguinte, o distrito tem um<br />

grande índice de prevalência de infecções relacionadas com o HIV.<br />

A OMES está presente neste distrito e leva a cabo um trabalho<br />

extensivo de sensibilização com os grupos considerados “de risco”<br />

assim como com a população em geral.


Na Província de Tete, o programa concentrou-se nos distritos<br />

de Mutarara e de Moatize.<br />

O distrito de Mutarara possui um clima<br />

seco e árido, impróprio para a agricultura, e<br />

é constantemente afectado por desastres<br />

naturais, como secas e cheias. Devido à sua<br />

situação geográfica, ao longo do Rio Zambeze,<br />

muitos camponeses aproveitam dos períodos<br />

em que o nível da água baixa para praticar a agricultura. Contudo,<br />

qualquer aumento nos níveis de água, tanto natural como causado<br />

pela gestão de barragens, pode ter um impacto nos meios de vida<br />

dos camponeses. A UNAC trabalhou com grupos de camponeses<br />

em Mutarara para fortalecer a resiliência aos desastres naturais e,<br />

em parcerias com a OMES, para aumentar a consciência sobre os<br />

riscos de infecção pelo HIV.<br />

Moatize é um distrito na fronteira de<br />

Moçambique com o Malawi e constitui uma<br />

das mais importantes rotas de transporte<br />

entre este país e a costa. Esta situação<br />

geográfica e o tráfego de transportes terrestres<br />

aumentam os riscos de infecção pelo HIV, cuja<br />

prevalência no Malawi continua a apresentar<br />

níveis de alarmante. Moatize sofre de secas como a maior parte da<br />

região do Centro. A UNAC trabalhou neste distrito para melhorar os<br />

meios de vida dos camponeses sobretudo fazendo a disseminação<br />

de conhecimentos sobre técnicas agrícolas sustentáveis.<br />

As histórias que apresentamos a<br />

segir foram recolhidas nos distritos<br />

de Tambara, Guro, Mutarara e<br />

Moatize e na Província de Maputo,<br />

aonde as organizações pareceiras<br />

estiveram presentes criando<br />

conhecimento e aumentando as<br />

habilidades e a confiança das<br />

comunidades e individuos para<br />

suscitar as mudanças que estas<br />

histórias descrevem.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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15<br />

www.oxfam.ca<br />

1. GRUPOS DE CAMPONESES E GRUPOS COMUNITÁRIOS<br />

Fortalecimento de Grupos de Camponeses<br />

e Grupos comunitários<br />

Calisto Micajo<br />

Candeeiro<br />

“Com planificação, tudo na<br />

vida sai positivo.”<br />

Distrito de Tambara, Província<br />

de Manica, Novembro de 2010<br />

O Senhor Calisto vive em Buzua, uma área isolada de Tambara. Ele é<br />

camponês e possui uma pequena “machamba” (área preparada para<br />

cultivo). Ele participou em várias discussões sobre o desenvolvimento<br />

do distrito através do Fórum Local. O Fórum Local é uma estrutura que<br />

faz parte do processo de descentralização implementado pelo<br />

governo. Este processo reúne as organizações da sociedade civil para<br />

definirem as prioridades locais e decidirem da atribuição dos fundos<br />

das comunidades para solucionar os seus próprios problemas.<br />

O Senhor Calisto explicou-nos o que é um Fórum Local e qual é o seu papel:<br />

“Em 2006, o governo começou a entrar zona por zona para informar<br />

as comunidades que deveriam constituir Fóros nas Localidades.<br />

Nós não sabíamos bem o que era isso, até pensàmos que era<br />

apenas para discutir sobre a fome pois tinha havido uma grande<br />

seca e havia fome naquele ano.<br />

“Eu fui eleito membro deste Fórum e um mês depois fui escolhido<br />

para presidente do mesmo Fórum. Depois fui escolhido para ser<br />

membro do Fórum Local do Posto Administrativo e mais tarde do<br />

Conselho Consultivo do Distrito.<br />

“Logo depois, nós membros do Fórum fomos chamados pela Magariro<br />

para sermos formados. Tivemos vários encontros de formação.<br />

Aprendemos muita coisa. Trabalhávamos muito em grupo. Discutimos<br />

a nossa visão do distrito; aprendemos a fazer levantamento de<br />

necessidadesnas comunidades; aprendemos a fazer projectos; a<br />

fazer planos de actividades e a monitorar as actividades.


“Aprendemos sobre o fundo comunitário de 7 milhões de meticais<br />

(cerca de CAD$ 265,000) que o governo estava a dar para todos<br />

os distritos. Aprendemos o objectivo deste fundo; como conseguir<br />

este fundo e como seleccionar quem deveria receber assistência.<br />

“Todas essas formações que recebi e que o Fórum Local recebeu<br />

fizeram muita diferença. Eu vejo como desenvolvi a minha<br />

consciência. Aprendi muitas coisas que nunca sonhei na minha<br />

vida. Aprendi a desenhar projectos; a fazer planos.<br />

“Antes, eu só entrava na machamba e trabalhava sem fazer plano<br />

nenhum. Aprendi a planificar e a monitorar as minhas actividades e<br />

por isso tudo na minha vida está a sair positivo: consegui obter<br />

gado e uma charrua; melhorei a minha casa - coisas que nunca<br />

pensei conseguir... Mas foi graças a ter aprendido a planificar para<br />

alcançar os meus objectivos.<br />

“A existência dos Fóros Locais também fez diferença nas<br />

comunidades. Antes, a população não tinha palavra; só assistia<br />

quando o governo chegava para abrir uma escola ou inaugurar um<br />

furo de água. Agora não. A população é consultada sobre o local<br />

aonde construir a escola ou instalar o furo de água. A população já<br />

se sente livre de falar; não tem medo de participar.”<br />

Gilberto Moisés<br />

Canheze<br />

“Despindo o casaco<br />

de chefe!”<br />

Distrito de Tambara, Província<br />

de Manica, Novembro de 2010<br />

Gilberto Canheze foi nomeado administrator do distrito de Tambara em<br />

2008. Gilberto disse-nos que apesar de apenas só ter dois anos na<br />

liderança no distrito, ele pode falar-nos das mudanças provocadas<br />

pela intervenção da Magariro. (Associação para o Desenvolvimeto<br />

Comunitário).<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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1. GRUPOS DE CAMPONESES E GRUPOS COMUNITÁRIOS<br />

“A Magariro promoveu muitas iniciativas boas como o Banco<br />

Agrário, o Banco de Animais, o Grupo de Poupanças - e tudo<br />

contribuiu para que a fome não assolasse o distrito como em<br />

outros anos. Mas para mim a coisa mais importante é que a<br />

Magariro é uma organização que tem uma abordagem<br />

participativa; muita aberta ao diálogo e à discussão.<br />

“Um exemplo que me marcou foi um encontro de “Chamada de<br />

Ideias” que eles promoveram em Setembro com membros do<br />

governo local, membros da comunidade, ONGs e empresas<br />

públicas e privadas com o objectivo de encontrar caminhos para o<br />

desenvolvimento do distrito.<br />

“Para mim, o encontro de “Chamada de Ideias” foi importante<br />

porque vi duas coisas novas. Primeiro, foi uma reunião onde as<br />

pessoas não fizeram só pedidos, como era a norma, mas ao<br />

contrário identificaram opções para atingir o desenvolvimento do<br />

distrito. Segundo, foi uma uma oportunidade de me despir do<br />

papel de chefe e discutir em pé de igualdade com todas as<br />

pessoas e não dar ordens.<br />

“Senti o compromisso de todos e senti-me mais leve, visto que<br />

analisar os problemas, encontrar soluções e tomar decisões em<br />

conjunto reduz o risco de tomar decisões erradas que podem<br />

prejudicar a vida de milhares de pessoas. Claro que falta agora<br />

verificar o que vai ser implementado de tudo o que foi falado, mas<br />

a realização de um encontro desta natureza aqui já foi um grande<br />

passo em direcção ao desenvolvimento.”


Dinis Maqui<br />

“Agora sou PESSOA!”<br />

Distrito de Guro, Província de<br />

Manica, Novembro de 2010<br />

O Senhor Dinis Maqui é o presidente e agente comunitário da<br />

associação “Kumuda” (Despertar – em Nyungue). Ele contou-nos como<br />

a vida dele mudou desde que se tornou membro de uma associação.<br />

“Eu sou Dinis Maqui. Tenho 37 anos; tenho 8 filhos e estudei ate à<br />

4ª classe. Sou camponês; o meu pai era camponês e a familia<br />

sempre foi camponesa.<br />

“Conheci a UNAC quando fui convidado para participar numa<br />

assembleia. Depois de ver como as pessoas discutiam problemas,<br />

achei que seria bom criar uma associação aqui na zona para<br />

discutir os problemas que nos afectam, a nós os camponeses.<br />

“Participei em muitas visitas de troca de experiência em Tete,<br />

Chimoio, Nampula, Tambara, Gondola e Sussudenga, onde<br />

aprendi como se faz adubo orgânico e como evitar a erosão;<br />

sobre pecuária básica e como se formam e funcionam as Uniões<br />

Distritais de Camponeses.<br />

“O uso do adubo fez aumentar a minha produção de cebola.<br />

Agora produzo mais quantidades e cebolas maiores e assim<br />

consigo bons preços nos mercados. Com o dinheiro que obtive,<br />

consegui melhorar a minha casa que agora é de tijolo queimado e<br />

tem cobertura de chapa de zinco. Antes era de tijolo cru com<br />

cobertura de capim.<br />

“A diferença que vejo em mim, antes e depois destas trocas de<br />

experiencia, é que agora sou uma pessoa que tem conhecimentos<br />

e beneficia do acompanhamento da UNAC. Antes não tinha<br />

conhecimentos e fazia as coisas sózinho, só da minha cabeça.<br />

“Antes eu trabalhava a terra sózinho. Agora tenho duas pessoas<br />

permanentes e contrato pelo menos 6 pessoas temporárias para me<br />

ajudarem na machamba que agora tem 4 hectares. Só para ver: em<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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1. GRUPOS DE CAMPONESES E GRUPOS COMUNITÁRIOS<br />

2000 eu tinha apenas 0,5 hectare e não tinha muita coragem para<br />

aumentar a área. Com os conhecimentos que obtive da UNAC,<br />

ganhei força para aumentar a área de produção. A minha vida<br />

melhorou tanto que as pessoas começaram a falar que eu tinha ido<br />

ao curandeiro. Eles não sabem que este curandeiro é a UNAC!<br />

“De tudo que vi e aprendi nas trocas de experiencia a coisa mais<br />

importante para mim foi descobrir que eu sou uma pessoa!<br />

Descobri isso quando fui participar na Assembleia da UNAC em<br />

Maputo. Eu nunca tinha ido à capital do país, foi a primeira vez.<br />

Nem o meu pai chegou a ir a Maputo!<br />

“Quando me vi junto com 110 pessoas discutindo os problemas<br />

do país, dei-me conta que nós, camponeses, temos muito peso<br />

neste país; afinal a nossa opinião conta muito. Antes, eu não me<br />

achava pessoa, me achava um camponês, assim meio marginal,<br />

vivendo aqui nas margens do rio Luenha. Hoje não. Eu sei para<br />

que serve um Presidente, os Ministros, os Deputados. São,<br />

coisas que aprendi em Chimoio. Aprendi que nós temos o direito<br />

de ser ouvidos. Aprendi mesmo que sou pessoa não só porque<br />

tenho documentos, mas porque tenho voz!”<br />

Maria Deniasse<br />

“Dinheiro certo em casa”<br />

Distrito de Guro, Província de<br />

Manica, Novembro de 2010<br />

Maria Deniasse é uma jovem camponesa, membro da Associação de<br />

Camponeses de Sanga. Ela contou-nos o que mudou sua vida ao<br />

participar na associação:<br />

“Chamo-me Maria Deniasse, tenho 26 anos, sou camponesa,<br />

Cursei até 9ª classe. Sou casada, tenho 2 filhos pequenos. Junto<br />

com o meu marido temos 4 machambas. Plantamos milho,<br />

mapira, feijão-nhemba, abóbora, gergelim, amendoim, feijão jugo,<br />

feijão boer, mandioca, couve, cebola, tomate e cenoura. Costumo


vender amendoim, gergelim, mandioca e hortaliças no mercado<br />

de Guro.<br />

“Conheci a Associação de Camponeses de Sanga através da<br />

minha avó que era membro da associação desde 1999. Eu cresci<br />

vendo as coisas boas que a associação fazia; via que os<br />

membros tinham boa produção e assim decidi entrar para a<br />

associação em 2004 porque também queria ter boa produção.<br />

“Quando entrei para a associação, os membros escolheram-me<br />

como agente comunitária. Como agente comunitária participei em<br />

formações e visitas de troca de experiências em Zimbabwe,<br />

Chimoio e Maputo.<br />

“Nestas visitas, aprendi muitas coisas, tais como fazer adubo<br />

orgânico, doce de papaia e, papas para crianças; o que é o<br />

associativismo; como se faz a secagem de produtos; como fazer<br />

represas e como formar associações.<br />

“Gostei muito de participar nestas formações pois aprendi muitas<br />

coisas. Nestes encontros, todas as associacões eram<br />

encorajadas a formar grupos de alfabetização de adultos. Como<br />

eu tinha terminado a 9ª classe, os membros escolheram-me para<br />

participar na formação de alfabetizadores de adultos sob ao<br />

auspícios dos Serviços de Educação.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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1. GRUPOS DE CAMPONESES E GRUPOS COMUNITÁRIOS<br />

“Após participar nest curso consegui ter um contrato com os<br />

serviços de Educação e passei a receber um subsídio mensal de<br />

550 Meticais. A minha vida melhorou bastante, pois com o<br />

dinheiro que recebo todos os meses compro roupas e coisas<br />

básicas para a casa. O dinheiro que consigo com a venda dos<br />

produtos da machamba invisto-o em bens para melhorar a nossa<br />

vida. Até agora conseguimos comprar 2 bois e 3 cabritos.<br />

“A segunda coisa que aprendi na associação e melhorou a minha<br />

vida foi o cultivo de feijão boer. Antes eu não plantava pois não<br />

tinha sementes, Depois que entrei na associação, passei a ter<br />

sementes e aprendi a plantar. O feijão boer dá bom dinheiro.<br />

“A terceira coisa que aprendi na associação e que ajudou a<br />

melhorar a minha vida foi cultivar utilizando a técnica de<br />

composto e adubo orgânico. A minha produção aumentou. Antes<br />

tirava uma carrada de boi cheia de milho, agora saem 3 carradas<br />

na mesma machamba.<br />

“O que mais fez diferença na minha vida foi tornar-me<br />

alfabetizadora com contrato com os serviços de Educacao. A<br />

partir de então, pude contar com dinheiro regular em casa para<br />

comprar coisas básicas e roupa para as crianças. Esse dinheiro<br />

fez muita diferença. Posso fazer planos para investir o dinheiro<br />

que vamos conseguir com a venda de produtos na época da<br />

colheita. Antes, eu não contava com nenhum dinheiro regular em<br />

casa, dependia única e exclusivamente da venda da colheita. E<br />

quando a colheita não saía bem ficàvamos muito mal!”


Melhoria das Actividades e Técnicas Productivas<br />

Azélia Bengala<br />

“Banco Agrário de<br />

Nhacafula mitiga a fome”<br />

Distrito de Tambara, Província<br />

de Manica, Agosto de 2010<br />

A criação do banco agrário em Nhacafula representou o fim da época<br />

anual de fome para a família de Azélia Bengala e para a sua<br />

comunidade. A Azélia nunca tinha estado numa sala de aulas; perdia<br />

muito tempo à procura de comida e tinha pouco tempo para cuidar de si<br />

e da sua família.<br />

Em 2006, a Azélia participou numa reunião do Fórum Local de Nhacafula<br />

que tinha assistência da Magariro (Associação para o Desenvolvimento<br />

Comunitário). Nesta reunião, falaram da criação de uma estrutura que<br />

trataria de realizar actividades para mitigar a fome – o Banco Agrário. O<br />

Banco teria a tarefa de comprar e armazenar cereais e vender na época<br />

da fome a preços justos para os camponeses.<br />

A Azélia foi escolhida pelo fórum para fazer parte dum grupo de 13<br />

pessoas que fariam parte deste Banco. Segundo a Azélia, a sua grande<br />

motivação era de pôr fim à procura de comida para a sua família, que lhe<br />

exigia muito tempo e um grande esforço físico.<br />

A Magariro apoiou a formação do novo banco agrário e formou os<br />

membros para gerirem o banco. A Azélia que não sabia ler e escrever<br />

tornou-se a tesoureira graças às aulas de alfabetização proporcionadas<br />

pela Magariro...<br />

Ainda em 2006, o banco agrário comprou o primeiro milho e armazenouo.<br />

A armazenagem exigia registo de dados. A Azélia sentiu-se<br />

constrangida pelo facto de não saber ler e escrever. Como sempre os<br />

facilitadores da Magariro aconselhavam a todos de participarem no<br />

programa de alfabetização. A Azélia decidiu então aderir para poder<br />

também passar a registar os dados.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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2. MELHORIA DAS ACTIVIDADE E TÉCNICAS PRODUCTIVAS<br />

No final de 2006, na altura de fome, o banco vendeu milho aos seus<br />

associados e à comunidade em geral. Pela primeira vez a Azélia não<br />

teve que procurar comida, como fazia antes, por vezes longe da sua<br />

residência, e passou a ter tempo para cuidar da família e de si mesma. A<br />

Azélia disse-nos que essa mudança a fez suspirar de alívio.<br />

Em 2009, através do rendimento adquirido das receitas do banco agrário,<br />

a Azélia aumentou as áreas de cultivo e em 2010 conseguir obter um<br />

excedente para vender ao banco agrário e a outras pessoas. Também<br />

utilizou parte das receitas recebidas para iniciar outro negócio: comprar e<br />

revender peixe. Ela compra peixe do rio Zambeze em Nhacolo e revendeo<br />

em Nhacafula.<br />

Alberto Bunai<br />

“Animais saudáveis, segurança<br />

alimentar melhorada!”<br />

Serviços de Actividades Económicas<br />

Distrito de Tambara, Província de<br />

Manica, Novembro de <strong>2011</strong>.<br />

Alberto Bunai, delegado dos Serviços de Veterinária, contou-nos como<br />

a guerra limitou os serviços veterinários disponíveis no distrito e como<br />

a intervênção da Magariro (Associação para o Desenvolvimento<br />

Comunitário) melhorou o conhecimeto local sobre a pecuária básica e<br />

por conseguinte os meios de vida das comunidades rurais.<br />

“A maioria das famílias criam animais mas geralmente eles não<br />

recebiam nenhuma assistência veterinária. Bastava deixar os<br />

animais a vaguear; eles encontrariam alimentação e água por si<br />

sós. Se os animais ficavam doentes não recebiam tratamento. Só<br />

uma pequena parte deles sobrevivia.<br />

“No ano 2000, os Serviços de Agro-pecuária voltaram a funcionar<br />

no distrito e éramos apenas 2 técnicos (hoje somos 3) para cobrir<br />

todo o distrito. Na altura das campanhas de vacinação dos<br />

animais precisávamos pedir reforço aos técnicos da Província<br />

pois não tínhamos pessoal suficiente. Mesmo assim


conseguiamos pouca cobertura pois o distrito é grande e os<br />

técnicos não podiam ficar por muito tempo.<br />

“Em <strong>2005</strong>, o governo adoptou uma nova estratégia: a de<br />

identificar membros da comunidade e capacitá-los com noções<br />

básicas de maneio animal. Nesta mesma altura, para nossa<br />

grande sorte, apareceu a Magariro que tinha esse mesmo plano.<br />

Foi um casamento perfeito!<br />

“Junto com a Magariro,<br />

formàmos 36 promotores<br />

veterinários, entre os quais 6<br />

mulheres. Foi uma iniciativa<br />

revolucionária porque na<br />

cultura tradicional desta zona, a<br />

mulher apenas tem um papel<br />

na criação e tratamento de<br />

galinhas. Os promotores foram<br />

Hoje, a morte de animais<br />

por doenças diminuiu<br />

bastante. Este ano, o<br />

efectivo de caprinos<br />

diminuiu mas não foi por<br />

morte mas devido ao<br />

aumento das vendas.<br />

formados em maneio sanitário de grandes animais. Aprenderam a<br />

construir currais melhorados e a identificar, prevenir e tratar as<br />

doenças mais comuns.<br />

“O acréscimo deste 36 promotores veterinários representou uma<br />

grande progresso para nós. Aumentou muito a nossa capacidade<br />

de cobertura no distrito. Para os camponeses também fez<br />

diferença: agora têm animais saudáveis para vender. Portanto, a<br />

segurança alimentar das famílias melhorou.<br />

“Hoje, a morte de animais por doenças diminuiu bastante. Este<br />

ano, o efectivo de caprinos diminuiu mas não foi por morte mas<br />

devido ao aumento das vendas. Como não houve boa colheita<br />

por causa da seca, os camponeses estão a vender os animais<br />

para comprar comida. Para nós isto é muito positivo pois mostra<br />

que conseguimos melhorar a segurança alimentar dos<br />

camponeses, ajudando-os a tratar dos seus animais.<br />

“Com a estratégia de capacitar membros da comunidade<br />

conseguimos dar boa cobertura a todo o distrito. Conseguimos<br />

manter a proximidade com os criadores; recebemos informação<br />

do que está a passar em cada zona, e eles são capazes de pedir<br />

ajuda quando precisam.<br />

“Hoje em dia consigo entender a aflição de um criador quando um<br />

dos seus animais está doente. Ele sabe que aquele animal é<br />

dinheiro; tem valor e por isso não pode perdê–lo. Assim, ele trata<br />

dos seus animais de forma a que não adoeçam. Uma grande<br />

diferença em relação ao que acontecia no passado.”<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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2. MELHORIA DAS ACTIVIDADE E TÉCNICAS PRODUCTIVAS<br />

Chico Inácio<br />

“Alcançando o sonho da<br />

casa melhorada”<br />

Distrito de Mutarara, Província<br />

de Tete, Novembro de 2010<br />

“Sou um camponês de 40 anos, casado, com 4 filhos. Como<br />

tantos outros camponeses de Mutarara, sempre pratiquei<br />

agricultura, plantando milho e hortaliças. Vendia as hortaliças à<br />

gente que vinha procurá-las na machamba. Conseguia algum<br />

dinheiro com isso, mas não era muito. Nos meses em que não<br />

havia produção, eu não tinha outra fonte de rendimento.<br />

“Em 2006, o facilitador da UNAC veio conversar comigo e<br />

convenceu-me a formar uma associação com outros<br />

camponeses. Eu fiquei convencido porque ele disse-me que uma<br />

das vantagens de participar numa associação era a oportunidade<br />

que todos teriam de aprender novas coisas.<br />

“Assim, em 2007 formamos a associação “Mphabvu Ndi Muinji”<br />

que na língua Sena significa “A união faz a força”. Por ser<br />

membro da associação, em 2008 participei numa formação e<br />

troca de experiência promovida pela UNAC com uma associação<br />

na Província de Tete. Aprendi como fazer a comercialização de<br />

produtos e compreendi que vender produtos agricolas fora de<br />

época era uma oportunidade de fazer bom negócio. Foi ali<br />

também que aprendi formas de conservar os produtos hortícolas<br />

frescos para poder vendê-los mais tarde.<br />

“Quando voltei para casa, contei à minha mulher que sempre foi<br />

boa negociante. Vimos que na época em que não havia hortaliças<br />

em Mutarara poderíamos comprar tomate, repolho e alface em<br />

outros lugares e revendê-los mais tarde. Ela foi a Cinjare, uma<br />

localidade perto de Mutarara onde há boa produção de tomate e<br />

viu que poderíamos comprar tomate e revendê-lo a bom preço em<br />

Mutarara.<br />

“Depois de fazer mais pesquisa, entendemos que nos meses em<br />

que há falta de hortaliças em Cinjare, poderíamos comprar tomate<br />

no distrito de Gorongoza, na Província de Sofala, e revender aqui<br />

em Mutarara.


“Eu contactei o hospital rural e eles disseram-me que poderiam<br />

comprar as hortaliças pois sempre precisam delas para fazer a<br />

comida para os doentes.<br />

“Decidimos que a minha esposa é<br />

que iria viajar pois ela sabe fazer<br />

melhor negócios que eu. Além do<br />

que as mulheres sabem fazer mais<br />

poupanças nas viagens pois fazem<br />

sacrifícios que os homens muitas<br />

vezes não fazem, como por<br />

exemplo dormem nos mercados;<br />

não compram refrescos. Eu fiquei<br />

encarregado de trabalhar na nossa<br />

machamba e cuidar dos produtos<br />

em casa.<br />

Uma das<br />

vantagens de<br />

participar numa<br />

associação era a<br />

oportunidade<br />

que todos teriam<br />

de aprender<br />

novas coisas.<br />

“Assim, começamos com o negócio de venda e revenda de<br />

tomate, alface e repolho, do qual temos obtido muito dinheiro. Foi<br />

com o dinheiro da comercialização destes produtos que<br />

conseguimos melhorar a nossa casa. A nossa casa era feita de<br />

blocos precarios e tinha cobertura de colmo. Conseguimos<br />

melhora-la com blocos queimados e cobertura de zinco e, mais<br />

tarde, conseguimos ligar-nos ao sistema de electricidade, que<br />

pagamos todos os meses.<br />

“Com o que aprendi naquela troca de experiência, hoje sou capaz<br />

de garantir que o dinheiro entre em nossa casa todos os meses.<br />

Quando não vendemos produtos da nossa machamba no<br />

mercado e para o hospital revendemos os produtos que a minha<br />

esposa compra.”<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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2. MELHORIA DAS ACTIVIDADE E TÉCNICAS PRODUCTIVAS<br />

Estevão Quene e<br />

Maria Helena Abrão<br />

“Estamos Em Cima!!”<br />

Distrito de Mutarara, Província<br />

de Tete, Novembro de 2010<br />

“Tenho isto aqui. Isto significa o quê? Que melhorei de vida não é?”,<br />

diz contente e orgulhoso o Senhor Estevão, mostrando um telemóve.<br />

“Eu também tinha um....mas roubaram”, diz Maria Helena, rindo...<br />

O casal começou a contar a sua história e, diferentemente da maioria<br />

dos casais nas zonas rurais onde apenas o marido fala, ambos<br />

falavam animadamente. Como muitos outros casais de Mutarara,<br />

Estevão e Maria Helena conheceram-se num campo de refugiados do<br />

Malawi em 1988.<br />

“Em 1992, Moçambique assinou o Acordo de Paz e em 1995<br />

voltàmos para Mutarara e começàmos a trabalhar na machamba<br />

do Estevão, plantando milho, mapira e amendoim. Vendíamos<br />

alguma coisa mas não era muito, pois guardávamos a maior parte<br />

para nosso consumo.<br />

“Em 2003, os Serviços Distritais de Agricultura chamaram-me e<br />

disseram que o Gabinete de Promoção do Vale do Zambeze<br />

estava à procura de grupos de camponeses de 10 pessoas a<br />

quem daria apoio. Assim formàmos um grupo de 10 pessoas<br />

nesta zona, a que demos o nome de “Zaonene” que significa<br />

“Venha Ver”. No entanto, o apoio prometido nunca veio mas<br />

mesmo assim continuàmos associados. Em <strong>2005</strong> cultivàvamos 3<br />

hectares. Adicionalmente às terras da associação, também<br />

trabalhàvamos na nossa terra com 5 hectares.<br />

“Em <strong>2005</strong>, recebemos uma visita da UNAC de Tete que nos<br />

explicou as vantagens de nos associar à UNAC. Disseram que<br />

não nos dariam coisas, mas nos dariam ideias, exemplos que<br />

poderiam ajudar a melhorar a nossa produção. Como queríamos<br />

ouvir estas ideias, decidimos juntar-nos à UNAC.<br />

“Participàmos em visitas de troca de experiências e aprendemos<br />

muitas coisas: a fazer adubo orgânico utilizando fezes de animais,


a usar minhocas como adubo, a fazer agricultura de conservação<br />

cobrindo o solo com capim, e a plantar usando composto.<br />

Nunca tínhamos ouvido falar disso, de fazer estrume de animais<br />

ou cobrir o solo com capim. Antes só queimávamos o solo como<br />

faz a maioria dos camponeses.<br />

“A UNAC foi importante para nós, tanto para a associacão e como<br />

para os individuos, pois além de nos dar ideias, deu-nos força e<br />

coragem. Ao visitar outras associações que tiveram sucesso,<br />

ganhàmos coragem para fazer mais esforços na certeza de que<br />

também um dia estaríamos “em cima”.<br />

“Hoje produzimos muito, tanto<br />

em termos de número de<br />

culturas como em termos de<br />

produção. Plantamos milho,<br />

gergelim, feijão boer, feijão<br />

manteiga, feijão nhemba,<br />

batata reno, cebola, alho,<br />

alface, repolho e quiabo.<br />

“Conseguimos muito dinheiro com gergelim, hortaliças e alho e<br />

nem precisamos de sair de casa para vender. As pessoas já nos<br />

conhecem e chegam até aqui para comprar os nossos produtos.<br />

“Com o dinheiro que conseguimos compramos animais. Temos 32<br />

ovelhas, 10 cabritos, 3 porcos, 10 galinhas e 4 patos. Não<br />

tínhamos nenhum animal antes de nos afiliarmos à UNAC.<br />

Também conseguimos pagar a escola secundária para um filho<br />

que está a estudar na cidade da Beira.<br />

“A nossa vida mudou muito desde <strong>2005</strong>: comíamos mal, não<br />

tinhamos roupa, não tinhamos dinheiro. Hoje temos roupa, temos<br />

comida, temos uma rádio, compràmos mobília, compràmos uma<br />

bicicleta. ...e o telemóvel claro......estamos “em cima”!<br />

Os olhos da Maria Helena brilham ao falar que estão “em cima”.<br />

“Além disso temos dinheiro para contratar pessoas para ajudar na<br />

machamba e se Deus quiser vamos conseguir melhorar a nossa<br />

casa com o dinheiro das nossas próximas colheitas. O resultado é<br />

que nossa vida melhorou. A nossa situação é muito diferente de<br />

25 anos atrás quando estávamos no campo de refugiados. Nem<br />

podíamos sonhar que um dia teríamos uma vida assim.”<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

3. SENSIBILIZAÇÃO SOBRE HIV/SIDA<br />

Sensibilização sobre HIV/SIDA<br />

Beriati Cancheca<br />

Calongoro Lundu<br />

“É possível mudar as tradições”<br />

Posto Administrativo de Nhacafula,<br />

Distrito de Tambara, Província de<br />

Manica, Novembro de 2010<br />

O Senhor Beriati é um régulo - uma posição importante e muito<br />

respeitada dentro da estrutura tradicional em Tambara e que é<br />

adquirida através da hereditariedade.<br />

Ele faz parte dos líderes tradicionais que encorajaram a mudança da<br />

prática do Kupita Kufa (rito de purificação de viúvas). Na prática do<br />

“Kupita Kufa”, após a morte do marido, a viúva (ou as viúvas no caso<br />

de casamento poligâmico) devem ter relações sexuais com o irmão<br />

mais velho do marido para evitar que ela e outros membros da família<br />

adoeçam. Após o ritual, o cunhado passa a ser responsável pela<br />

viúva, os filhos e os bens que eram do irmão. Esta prática tornou-se<br />

um dos mais importantes meios de transmissão da infecção por HIV.<br />

“Eu participei em dois encontros, promovidos pela Magariro, onde<br />

se discutiu esta doença - o HIV. Vimos como “Kupita Kufa” era<br />

uma prática que colocava as pessoas em risco de apanhar esta<br />

doença. Num desses encontros, chegàmos à conclusão de que<br />

os tempos são outros e de que era preciso mudar. Assim,<br />

tomamos a decisão de trocar a prática de relações sexuais por<br />

banho com raízes.<br />

“Eu costumo falar sobre isto em todos os encontros que tenho<br />

com a comunidade e posso dizer que as principalmente as<br />

mulheres gostaram disto e estão a negar manter a prática através<br />

da relação sexual. As mulheres já são donas delas mesmas. Digo<br />

isto porque logo que o marido morre, a mulher vem aqui a casa<br />

pedir raízes. Isto quer dizer que já sabe que isto é possível.<br />

“E se a família do marido não aceita, a viúva também vem<br />

queixar-se e eu chamo a família e digo-lhes que aqueles tempos<br />

acabaram. Agora os tempos são outros e eles devem aceitar o<br />

novo ritual porque o banho também purifica.


“Na verdade esta prática, através da relação sexual, visava dar<br />

poder ao irmão do marido para se apossar dos bens da viúva.<br />

Com o banho isso acabou e os irmãos dos maridos andam muito<br />

chateados comigo……(ele dá uma risada alta e gostosa!).<br />

“Para mim isto foi importante porque estou a evitar que mais<br />

pessoas da comunidade fiquem doentes através da “Kupita Kufa.”<br />

Uma vez fui chamado ao hospital e eles mostraram-me uma lista<br />

muito grande com nome de pessoas e disseram: Você sabe o que<br />

é isso? É o numero de pessoas que estão em tratamento antiretroviral<br />

lá em Nhacafula, a sua comunidade.<br />

“Isto já faz tempo e era muita gente. Mas acho que agora deve ter<br />

aumentado. Eu, como líder, não gosto de ver pessoas da minha<br />

comunidade a morrer, a sofrer, a ficarem doentes. O que eu puder<br />

fazer para impedir isso vou fazer. E faço por mim também, não<br />

quero que pessoas da minha família sofram com esta doença.”<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

3. SENSIBILIZAÇÃO SOBRE HIV/SIDA<br />

Para respeitar a privacidade das pessoas mencionadas nas três<br />

histórias sobre o HIV, os seus nomes foram omitidos e substituídos por<br />

outros, fictícios.<br />

“O amor que salva ou HIV que uniu a familia”<br />

Júlia da Graça, Distrito de Guro, Província de Manica, Novembro de 2010<br />

Uma das actividades que a OMES compromete-se a fazer é visitas<br />

porta-a-porta nos bairros e nas comunidades para falar com cada<br />

família sobre o HIV. Durante uma dessas visitas, no bairro de Sereste<br />

Kama, eles foram até casa da Sra. Júlia da Graça, uma dona de casa<br />

de 45 anos que vive com o marido, um policial, e Tania, a sua filha de<br />

nove anos.<br />

Julia é uma dona de casa como<br />

muitas outras em Guro, que cuida<br />

das tarefas domésticas enquanto o<br />

marido está no serviço. Ela contounos<br />

a seguinte história:<br />

“Em 2001, a minha filha nasceu<br />

prematuramente aos sete meses e<br />

pesava apenas um quilo. Por esta<br />

O que me levou a<br />

ir fazer o teste<br />

sózinha e depois<br />

levar a minha<br />

família foi o amor<br />

pela minha filha.<br />

razão, fomos transferidos para o hospital Provincial de Chimoio<br />

aonde ela ficou de baixa durante 2 semanas. Viemos embora mas<br />

ela continuava doente, tinha febres e tinha malária. Tentàmos<br />

muita coisa para ver se ela ficava boa. Visitàmos 3 curandeiros.<br />

Como a menina continuava doente, decidimos pagar uma<br />

consulta especial na cidade de Chimoio. Mas também de nada<br />

adiantou. Ela continuou doente.<br />

“Nessa altura, ela já tinha 3 anos de idade e eu comecei a pensar<br />

na possibilidade dela estar com HIV. Comecei a lembrar-me do<br />

que as activistas da OMES explicàvam quando passavam aqui<br />

pelo bairro. Explicàvam que quando uma pessoa adoecia sempre<br />

e não apresentava melhoras era aconselhável fazer um teste de<br />

HIV, pois esta poderia ser a razão do corpo adoecer sempre.<br />

“Fui falar com uma amiga enfermeira que me deu razão e me fez<br />

o teste. Deu positivo! Ela chamou o meu marido para fazer o teste<br />

e ele aceitou sem problemas. Deu positivo! Por último testaram a


Tania e deu postivo. Eu e a Tania começàmos logo o tratamento<br />

mas o meu marido por ter um CD4 alto não entrou no tratamento.<br />

“O meu marido adoecia muito e eu fui falar com o médico.<br />

Expliquei que embora ele tivesse CD4 alto, ele estava a sempre<br />

doente e pedi para começarem o tratamento com ele também. O<br />

médico aceitou.<br />

“O meu marido que bebia muito e ficava agressivo a ponto de<br />

chegar a casa e bater-me, insultar-me, parou de beber e mudou<br />

de comportamento. Agora trata-me bem e à nossa filha. A Tania<br />

está com 9 anos e nunca mais adoeceu. Tem doenças normais e<br />

leva uma vida normal como qualquer criança. Brinca e vai à<br />

escola.<br />

“O que me levou a ir fazer o teste sózinha e depois levar a minha<br />

família foi o amor pela minha filha. Foi a vontade de ver a minha<br />

filha ficar boa, com saúde e levar uma vida normal como outras<br />

crianças.<br />

“Ter feito o teste mudou totalmente a minha vida para melhor.<br />

Quando soube o resultado fiquei feliz. Pode parecer estranho<br />

para os outros que uma pessoa fique feliz quando recebe a<br />

notícia de um resultado positivo de HIV. Mas senti-me aliviada<br />

pois finalmente havia descoberto a causa das doenças frequentes<br />

da minha filha e sabia a partir dali qual era o caminho a seguir:<br />

começar e cumprir com o tratamento.<br />

“Agora a Tania está muito bem; está com saúde e o meu marido<br />

mudou de comportamento, trata bem da família. Somos uma<br />

família mais unida e mais feliz desde então.”<br />

“A activista que distribui coragem e semeia esperança”<br />

Carla Machado, Distrito de Guro, Província de Manica, Novembro de 2010<br />

Carla Machado é uma trabalhadora de sexo de 45 anos que está<br />

muito doente e por isso já não consegue trabalhar nem fazer tarefas<br />

domésticas como carregar água, cozinhar e limpar a casa. Ela está<br />

muito magra e o corpo dela mostra que está doente. A expressão do<br />

rosto e dos olhos dela são profundamente tristes, mostram um mundo<br />

de dor e sofrimento.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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3. SENSIBILIZAÇÃO SOBRE HIV/SIDA<br />

“Eu sou natural da Gorongoza; sou orfã de pai e mãe; cresci na<br />

casa de pessoas trabalhando como empregada doméstica. Com<br />

12 anos já estava casada e fugi. Apanhei o primeiro homem que<br />

me aceitou, e assim comecei a minha vida como trabalhadora de<br />

sexo. De boleia em boleia cheguei a muitos lugares - Zimbabwe,<br />

África do Sul, Botswana, Nampula, Maputo - e assim acabei<br />

chegando a Guro aonde estou a viver desde 2001.<br />

“Há 3 anos atrás comecei a<br />

ficar muito doente, sentia<br />

muita fraqueza, tinha febres e<br />

borbulhas em todo o corpo. A<br />

Julinha vinha-me visitar e<br />

aconselhava, insistia para eu<br />

fazer o teste de HIV. Mas eu<br />

recusava, no fundo tinha<br />

medo, pois sabia que do<br />

tanto que andei por aí eu só<br />

poderia estar com HIV.<br />

Hoje já me sinto melhor,<br />

as borbulhas estão a<br />

passar, sinto vertigem<br />

de vez em quando, mas<br />

consigo andar, sair de<br />

casa, ir até o Canto de<br />

Aconselhamento da<br />

OMES para conversar<br />

com as activistas.<br />

“Conheci a Julinha quando assistia a peças de teatro que as<br />

activistas da OMES faziam na comunidade. Muitas vezes eu quiz<br />

ir ao curandeiro, mas a Julinha insistia que o curandeiro só me<br />

faria perder tempo e dinheiro e que com o HIV o tempo era<br />

precioso.<br />

“No ano passado decidi ir fazer o teste e como não tinha dinheiro,<br />

a Julinha deu-me algum para eu ir a Catandica fazer o teste. O<br />

teste saiu positivo e nesse dia chorei muito. Desejei morrer! Para<br />

que viver se não tenho ninguém nesta vida? Sou orfã, tenho filhos<br />

grandes, ninguém precisa de mim nesta vida e eu já estou<br />

cansada de sofrer.<br />

“A minha melhor amiga afastou-se, nunca veio visita-me. Às<br />

vezes eu ouvia os vizinhos ou as pessoas que passavam em<br />

frente a minha casa comentar: “esta aqui nem é pessoa mais, é<br />

um cadáver! Só está à espera de morrer!”. Aquilo me doía tanto,<br />

provocava tanta dor no meu coração e dava-me mais vontade de<br />

morrer.<br />

“Comecei a fazer o tratamento este ano e caiu-me muito mal. As<br />

minhas pernas incharam, fiquei com borbulhas em todo o corpo.<br />

Fiquei desanimada e não queria levantar-me mais da cama. A<br />

Julinha visitava-me, insistia para eu sair de casa, trazia-me para o<br />

Canto de Aconselhamento da OMES, ficava a conversar comigo<br />

até que os meus nervos acalmassem.


“Outras vezes, ela levava-me para casa dela, ficava a conversar<br />

comigo e quando eu dava por mim já estava a sair mais animada<br />

da casa dela. Nas conversas, ela explicava que a reacção do<br />

medicamento era normal e que havia outras pessoas que tinham<br />

passado pelo mesmo que eu e agora estavam boas.<br />

“Hoje já me sinto melhor, as borbulhas estão a passar, sinto<br />

vertigem de vez em quando, mas consigo andar, sair de casa, ir<br />

até o Canto de Aconselhamento da OMES para conversar com as<br />

activistas.<br />

“Graças à Julinha não morri. Ela deu-me coragem para ir fazer o<br />

teste e enfrentar o tratamento. Ela obrigou-me a sair de casa,<br />

aconselhou-me muito. Ela devolveu-me a vontade de viver que eu<br />

já tinha perdido. Sou orfã mas sei que hoje a minha família é a<br />

Julinha e as outras activistas da OMES. Quando chegar o meu<br />

dia de morrer sei que são elas que vão enterrar-me e rezar por<br />

mim.”<br />

“Preservar a saúde acima de tudo”<br />

Eduarda Costa, Distrito de Guro, Província de Maputo, Agosto de 2010<br />

Eduarda Costa, de 36 anos é conselheira da OMES no distrito do<br />

Guro. Quando tinha 11 anos foi viver com uma irmã no distrito de<br />

Catandica. Aos 18 anos casou tradicionalmente com o marido da irmã,<br />

tornando-se assim a segunda esposa. Viveu 12 anos com este marido<br />

e com ele teve 3 filhos.<br />

Em 2000 adoeceu e foi diagnosticada com tuberculose. Ficou<br />

internada dois meses no hospital e ficou um ano sem poder trabalhar<br />

na machamba e fazer trabalho doméstico.<br />

Depois de um ano, voltou a ter uma vida normal e a ter relações<br />

sexuais com o marido, mas já não engravidava e assim em 2003 o<br />

marido devolveu-a à família em Guro. Ela levou um dos filhos com ela,<br />

uma menina de 5 anos, e foi viver com a mãe.<br />

Em 2004 começou a fazer bebidas tradicionais como uma forma de<br />

obter algum dinheiro e a partir daí começou a praticar sexo comercial<br />

com os homens que apareciam para beber.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

3. SENSIBILIZAÇÃO SOBRE HIV/SIDA<br />

Num dia de <strong>2005</strong>, a Julinha uma activista da OMES e trabalhadora de<br />

sexo, começou a conversar com a Eduarda acerca dos riscos da sua<br />

actividade e a convidou-a a juntar-se à organização.<br />

Depois de uma sessão de formação sobre a prevenção do HIV em Guro,<br />

ela concluiu que trabalhando na OMES com outras mulheres na mesma<br />

situação poderia “diminuir os pensamentos que tinha no coração”.<br />

Além disso ela começou a pensar que se, de facto, continuasse a viver<br />

da maneira como estava vivendo, acabaria por morrer e ainda tinha<br />

uma filha pequena para criar.<br />

Foi com a OMES que ela fez o teste de HIV/SIDA pela primeira vez e<br />

aindao faz todos os anos. Cada vez que o resultado sai negativo ela<br />

fica encorajada para continuar fazendo sexo com preservativo.<br />

Foi como trabalhadora de sexo que a Eduarda conseguiu ter um<br />

talhão e construir a sua própria casa. Por isso ainda é trabalhadora de<br />

sexo mas conta que a diferença é que antes fazia sexo todos os dias e<br />

sem preservativo e agora ela recebe apenas 3 ou 4 clientes por mês e<br />

recusa fazer sexo sem preservativo. Para ela, o mais importante é<br />

continuar a ter saúde para criar a sua filha.<br />

A Eduarda conhece bem o que significa estar doente. Por isso, ela<br />

conta que a mudança mais significativa na sua vida foi fazer o teste e<br />

usar preservativos pois permitiu garantir a sua saúde. Com saúde ela<br />

consegue trabalhar na sua machamba, trabalhar como conselheira da<br />

OMES e cuidar bem da sua filha que hoje tem 12 anos.


Promoção da Participação Pública<br />

e da Equidade do Género<br />

Marta António Alficha<br />

“Uma mulher alarga o seu<br />

horizonte”<br />

Distrito de Tambara, Província<br />

de Manica, Agosto de 2010<br />

“Sou Marta António Alficha, casada, tenho 3 filhos menores dos<br />

quais dois rapazes e uma menina. A menina é a mais velha, tem<br />

7 anos de idade e frequenta a 3ª classe na escola primária de<br />

Nhaugenge. O meu marido é camponês, não sabe ler nem<br />

escrever, tem duas mulheres. Eu sou a esposa mais velha. Sou<br />

membro da Associação de Horticultores ”3 de Fevereiro”.<br />

Somos 30 membros, dos quais 7 homens e 23 mulheres.<br />

“No princípio de <strong>2005</strong>, antes de eu fazer parte da associação,<br />

eram apenas um grupo de 11 pessoas que trabalhava e recebia<br />

comida (milho, óleo, açúcar e feijão) e sementes de batata-doce<br />

através dos serviços de Agricultura. Durante os primeiros 2<br />

meses, eu via as minhas vizinhas e amigas receberem a comida<br />

e as sementes. Assim pensei também em fazer parte deste<br />

grupo. Então tive a coragem de sentar e falar com o meu<br />

marido. Fazer-lhe ver a necessidade de fazer parte deste grupo.<br />

Ele resistiu muito, não queria que eu participasse naquele<br />

grupo. Mas fui insistindo várias vezes até que passados 2<br />

meses ele acabou aceitando.<br />

“Depois de entrar no grupo, em 2006, os técnicos da Magariro<br />

falaram connosco sobre a necessidade da criação de uma<br />

associação para produção de hortaliças. Concordàmos com a<br />

ideia e constituímos a nossa actual associação.<br />

“Os técnicos da Magariro vieram ensinaram-nos as técnicas de<br />

horticultura e disponibilizaram sementes de alface, cebola,<br />

couve, tomate e alho. Nessa altura, passàmos a não receber<br />

mais comida da Agricultura porque começàmos a produzir e<br />

vender hortaliças.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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4. PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E EQUIDADE DO GÉNERO<br />

“Neste momento, dentro da nossa associação, estou a<br />

frequentar a alfabetização funcional. É aprender combinando a<br />

teoria com a prática! Aprendemos assuntos de agricultura na<br />

sala de aula e colocamos em prática durante os nossos<br />

trabalhos na machamba. Estou a frequentar o 3º ano e sei ler e<br />

escrever sem problemas.<br />

“Para além disso, na associação também fazemos poupança e<br />

crédito rotativo. Fui eleita numa votação secreta para o cargo de<br />

vice-presidente do fundo de poupança e crédito rotativo numa<br />

reunião geral do grupo.<br />

“O que mudou na minha vida, entre <strong>2005</strong> a 2010, é o seguinte:<br />

quando eu entrei no grupo era muito fechada. Agora já não<br />

tenho medo de falar onde há muitas pessoas, homens e<br />

mulheres. Sei ler e escrever muito bem; ajudei o meu marido a<br />

comprar tijolos para construir a nossa a casa com o dinheiro<br />

que consegui adquirir através da venda de hortaliças. Também<br />

consigo comprar comida para família e material escolar para as<br />

crianças. Práticamente já não dependo do meu marido para<br />

comprar qualquer coisa que necessito.<br />

“A mudança mais significativa na minha vida é que antes eu era<br />

muito fechada agora já mudei a maneira de pensar “ndatchindja<br />

ndzero."<br />

Farida Maene<br />

“Recuperando sonhos”<br />

Distrito de Tambara District, Província<br />

de Manica, Agosto de 2010<br />

“Eu escrevo bem e todos dizem que escrevo muito bem!”, Farida<br />

Maene diz com muito orgulho e demonstrando grande satisfação<br />

consigo mesma. A Farida é uma camponesa de 40 anos, membro da<br />

Associação de Horticultores de Nhacolo e conservadora dos registos<br />

dum grupo de poupança rotativa no distrito de Tambara na Provincia<br />

de Manica.


Como grande parte das mulheres de Tambara, a Farida é casada com<br />

um homen polígamo que tem outras 3 mulheres, todas camponesas<br />

analfabetas, como ela era há 3 anos atrás.<br />

A Farida é a primeira mulher do seu marido e quando casou estava<br />

cursando a 1ª classe. Apesar de gostar muito de estudar e sonhar em<br />

poder ler e escrever, a Farida, como grande parte das mulheres desta<br />

zona, parou de estudar, antes mesmo de conseguir assinar o próprio<br />

nome, para se dedicar apenas ao trabalho doméstico e à machamba.<br />

Além dos trabalhos domésticos e da machamba, a Farida teve 5 filhos<br />

(actualmente crescidos ) e por isso durante muitos anos não teve<br />

muito tempo para cuidar de si mesma.<br />

A Farida conta que à medida que o marido foi arranjando outras<br />

mulheres, ela foi caindo numa tristeza sem fim pois sentia-se cada vez<br />

mais desvalorizada como mulher, principalmente porque as outras<br />

mulheres que ele arranjava eram sempre mais jovens do que ela.<br />

A vida corria sem grandes novidades quando a Farida começou a<br />

observar que a sua vizinha Marta conseguia ter o seu próprio dinheiro,<br />

produzindo e vendendo hortaliças. Ela começou a ter vontade também<br />

de ter o seu próprio dinheiro. Conversando com a Marta, a Farida ficou<br />

a saber que poderia fazer parte da Associação de Horticultores de<br />

Nhacolo onde aprenderia técnicas de cultivo de produtos hortícolas.<br />

A associação tinha apoio técnico da ONG nacional Magariro, no<br />

âmbito do programa de “Meios de Vida Sustentáveis em<br />

Moçambique”, financiado pela <strong>Oxfam</strong> Canadá. Com este apoio, a<br />

associação implementava actividades de horticultura, ensinando novas<br />

técnicas de produção aos camponeses.<br />

Assim, em 2008, a Farida decidiu juntar-se à associação para ter o<br />

seu próprio dinheiro. A Farida descobriu – uma boa surpresa - que a<br />

associação também oferecia alfabetização aos membros e assim ela<br />

retomou o seu antigo sonho de saber ler e escrever.<br />

Hoje, a Farida está no 3º ano do curso de alfabetização e não só sabe<br />

escrever o seu nome perfeitamente como foi eleita conservadora dos<br />

registos do Grupo de Poupança Rotativa do qual faz parte. O grupo<br />

precisava de um membro que soubesse escrever bem para anotar<br />

com precisão os dados relativos aos registos financeiros. Para sorte<br />

do grupo, e grande satisfação da Farida, ela foi escolhida para a tarefa<br />

da qual fala com tanto orgulho.<br />

Através da associação, a Farida afastou a tristeza, recuperou o seu<br />

sonho de estudar; recuperou a auto-estima e o orgulho de si mesma.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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4. PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E EQUIDADE DO GÉNERO<br />

José Mário Machango<br />

“Interpretação da lei para a<br />

solução dos casos”<br />

Bairro da Mavalane, Província de<br />

Maputo, Agosto de <strong>2011</strong><br />

“Chamo-me José Mário Machango e sou agente da polícia desde<br />

Dezembro de <strong>2005</strong>. Sou solteiro e vivo no bairro de Malhazine.<br />

“A minha postura e a vontade que demonstrei de ajudar o<br />

próximo fizeram com que eu participasse em muitas formações<br />

que não são relacionadas com o trabalho “normal” da polícia. A<br />

primeira foi em 2006 e tinha o objectivo de formar activistas em<br />

matéria de HIV/SIDA.<br />

“Em 2008 fui para a formação de educadores de pares na área do<br />

HIV/SIDA e em <strong>2011</strong> terminei a formação para me transformar em<br />

formador de educadores de pares na mesma área. Estas<br />

formações foram organizadas pelo Ministério da Saúde.<br />

“Participei também numa outra formação em 2009 sobre o<br />

Aconselhamento e Testagem Voluntária que também foi organizada<br />

pelo Ministério da Saúde. O objectivo destas formações era de me<br />

dar competências para fazer aconselhamento e acompanhar a<br />

testagem voluntária doutros agentes da polícia.<br />

“Também participei num curso sobre menores em conflito com a<br />

lei com o objectivo de habilitar a polícia a dar encaminamento a<br />

este grupo de crianças.<br />

“Só trabalhei os primeiros três meses a fazer o trabalho de<br />

p o l í c i a “ n o r m a l ” . N e m h o u v e t e m p o p a r a d e i x a r<br />

marcas...Começei a trabalhar no Gabinete de Atendimento da<br />

Mulher e da Criança Vítimas de Violência Doméstica através de<br />

um teste feito a alguns agentes. Eu saí-me melhor que os meus<br />

colegas que também foram avaliados e passei a trabalhar com<br />

uma colega que já está no gabinete há tempo. Isso foi em 2006.<br />

“Em 2008, participei pela primeira vez numa formação dada pela<br />

WLSA para os agentes que prestam assistência à Mulher e à


Criança Vítimas de Violência Doméstica. A partir daí passei a<br />

participar nessas formações uma vez por mês. Nas formações,<br />

que são chamadas de consultório jurídico, recebemos muitos<br />

materiais, desde brochuras e posters até às próprias leis que<br />

defendem as mulheres. O material tem uma linguagem simples e<br />

não tem termos muitos técnicos. Aprendemos a encaminhar as<br />

pessoas que aparecem no gabinete para apresentar os seus<br />

problemas. As pessoas ficam satisfeitas com os nossos serviços.<br />

“Quando as pessoas estão satisfeitas<br />

com os resultado que obtiveram para<br />

resolver os seus problemas, elas<br />

contam a outras pessoas com os<br />

mesmos problemas. Isso fez<br />

aumentar a procura pelos serviços<br />

do gabinete. O material que<br />

A minha postura<br />

mudou porque<br />

sinto que sou um<br />

exemplo a seguir.<br />

distribuimos também fez aumentar o número de pessoas que vêm<br />

ao gabinete. As pessoas já sabem o que é violência doméstica e<br />

sabem que é um crime. Sabem que não é só bater.<br />

“Antes da existência do gabinete usava-se o sistema tradicional:<br />

os costumes e a cultura para aconselhar as pessoas que vinham<br />

com este tipo de preocupação. Sim, é isso, havia mais<br />

aconselhamento e sensibilização do que encaminhamento. De<br />

certa maneira, os direitos da mulher eram violados. Tentavam<br />

mudar o comportamento da pessoa. Aceitavam quando a mulher<br />

pedia para só assustar o marido, para ele não tornar a bater.<br />

Mas não funcionava. O marido voltava a bater porque sabia que<br />

nada lhe aconteceria se voltasse a cometer o mesmo crime.<br />

“Mas agora tudo mudou. Quando recebem os casos, os<br />

gabinetes encaminham a sério. Os consultórios jurídicos vieram<br />

ajudar os gabinetes nesta missão. O consultório jurídico ajudanos<br />

a dar razão a quem tem razão; a quem merece mesmo.<br />

Através dele, aprendemos a interpretar a lei.<br />

“A WLSA também nos dá aconselhamento jurídico quando<br />

recebemos algum caso muito difícil de resolver e encaminhar.<br />

Ligamos sempre quando estamos com alguma dificuldade.<br />

“Pessoalmente, eu mudei o ditado “faz o que digo mas não o que<br />

faço” para “faz o que eu digo e faço.” A minha postura mudou porque<br />

sinto que sou um exemplo a seguir. O meu trabalho aqui é sério. Eu<br />

faço tudo para não estar do lado do perpretrador. As pessoas respeitame-ão<br />

e prestarão atenção ao que digo se eu fôr sério.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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4. PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E EQUIDADE DO GÉNERO<br />

“Decidi ingressar no curso de acção social por causa do trabalho<br />

que estou a fazer. Maior formação académica vai permitir-me de<br />

ajudar melhor e mudar as situações desfavoráveis.<br />

“Agora eu tenho maior confiança no meu trabalho. Sei que estou a<br />

resolver um problema com justiça porque sei interpretar o que a lei diz<br />

sobre os casos que recebemos aqui no gabinete. Assim, a pessoa<br />

que tem que ter razão é realmente a quem é dada a razão. Sei para<br />

onde encaminhar as pessoas para resolver as suas preocupações.”<br />

Piedade Faustino Mussá<br />

“Direitos reconhecidos”<br />

Bairro de Mavalane, Província<br />

de Maputo, Agosto de <strong>2011</strong><br />

“O meu nome é Piedade Faustino Mussa. Tenho 25 e sou mãe<br />

solteira, de um par de crianças. Sirvo mesas num restaurante e vivo<br />

no Bairro da Maxaquene B.<br />

“Eu não sabia nada de tribunais. Vim aqui para queixar-me do meu<br />

parceiro por causa de uma traição. Quando fiquei grávida do meu<br />

primeiro filho, perdi-o por causa de confusões. O meu marido sempre<br />

viveu com o padrasto e não conhecia o pai. Ele teria que encontrar o<br />

pai para essas confusões não acontecerem!. A minha sogra não<br />

facilitou o processo quando eu estava grávida mesmo sabendo que a<br />

tradição diz que o meu marido devia encontrar o pai verdadeiro dele<br />

para as coisas correrem bem na minha gravidez. Finalmente,<br />

procuràmos encontrar o pai e tivemos uma menina quando fiquei<br />

grávida da segunda vez.<br />

“Arranjàmos uma casa e conseguimos alugà-la para viver. Desde as<br />

confusões com a primeira gravidez houve um afastamento entre o<br />

meu marido e a famiília da parte do padrasto dele.<br />

“Depois, quando a criança tinha quatro anos, fiquei grávida do meu<br />

segundo filho. Isso coincidiu com o meu marido conseguir o primeiro<br />

emprego em nove anos. Foi no Instituto Nacional de Seguraça Social.<br />

Até pensei em “tirar” (abortar) o bebé por causa da incerteza do<br />

comportamento dele. Mas não tirei.


“Ele mudou de atitude quando começou a trabalhar e a ter o dinheiro<br />

dele. Ele sempre viveu de dinheiro emprestado pela família. Sentámos<br />

e conversámos. Nessa conversa, ele veio com a ideia de comprarmos<br />

um terreno e construirmos. Dito e feito, construímos e fomos viver lá.<br />

“Quando estava com mais ou menos sete meses de gravidez fomos<br />

passar as festas do Natal em casa do padrasto dele e de lá eu deveria<br />

ir para casa da minha mãe para ter o parto. Comecei a estranhar o<br />

comportamento do meu marido. Ele nunca estava em casa durante as<br />

festas e discutiámos muito.<br />

“Quando passaram as festas e fui para casa da minha mãe para ter o<br />

bebé, ele esqueceu-se de mim lá. Nem carinho, atenção ou e apoio<br />

em dinheiro.<br />

“Um belo dia decidi voltar para a nossa<br />

casa. Fiquei surprendida de encontrar<br />

uma moça a lavar a roupa dele. Ela<br />

disse-me que era namorada dele e que<br />

nem sabia que ele tinha família. Só<br />

sabia que ele tinha uma filha. A moça já<br />

conhecia toda a família dele e amigos.<br />

É bom que este<br />

gabinete existe<br />

porque a<br />

maneira de<br />

resolver os<br />

problemas é<br />

diferente.<br />

“Nessa altura, o meu marido chegou a<br />

casa encontrou-me com a moça. Ele<br />

não negou nada! Foi atrás da moça<br />

para a babar e só voltou no dia seguinte às 5 da manhã, tomou banho,<br />

e foi trabalhar normalmente. Fui falar com a minha sogra e ela disseme<br />

que o filho dela era homem e eu é que devia ter avisado antes de<br />

ir para minha casa!<br />

“Fiquei na casa alguns dias mas acabei voltando para a casa da<br />

minha mãe. Tive o bebé em Fevereiro. Um rapaz!<br />

“O meu marido foi uma vez ao hospital e depois ficou cerca de dois<br />

meses sem aparecer. Quando apareceu trouxe 600 meticais para<br />

apoiar nas despesas e voltou a desaparecer.<br />

“Eu não tinha dinheiro para cuidar do meu filho. As pessoas<br />

aconselhavam-me a apresentar uma queixar na esquadra. Eu não<br />

queria porque não queria que o pai dos meus filhos fosse preso. A<br />

minha família apoiava-me mas eu não podia pedir muito apoio ao meu<br />

pai porque ele estava doente.<br />

“Fui meter a queixa quando a criança tinha quatro meses. O meu<br />

objectivo era de assustar o meu marido. Entreguei-lhe a notificação e<br />

ele não veio. Na segunda vez, fui levar-lhe a notificação ao trabalho.<br />

Os colegas dele tentaram que eu desistisse dizendo que devia<br />

conversar com o meu marido.<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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www.oxfam.ca<br />

4. PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E EQUIDADE DO GÉNERO<br />

“Então ele e o padastro foram ao gabinete. Ele disse que já não me<br />

queria. Eu ainda o queria mas entendi que ninguém é obrigado a ficar<br />

com outro. Eu ainda sou jovem e bonita e de certeza vou conhecer<br />

outra pessoa.<br />

“Foi então decidido o valor que eu devia receber como pensão e eté<br />

agora ele tem cumprido como deve ser. Ele agora sabe que a pensão<br />

das crianças não é um favor.<br />

“Fiquei satisfeita. Fui ajudada a não desistir. Sem esta ajuda, eu teria<br />

ficado sentada à espera; a confiar na sorte. Ajudaram-me a levantar e<br />

a começar com a cabeça erguida.<br />

“Este gabinete ajuda a todos - homens e mulheres - mas ajuda mais<br />

as mulheres porque as mulheres tem mais este tipo de preocupações.<br />

É bom que este gabinete existe porque a maneira de resolver os<br />

problemas é diferente. Na família, cada um só pensa na sua parte.<br />

Como mulher eu sinto-me protegida. Só as leis podem proteger as<br />

mulheres!”<br />

Cecilia João<br />

“As mulheres são capazes de<br />

grandes feitos”<br />

Distrito de Tambara, Província de<br />

Manica, Novembro de <strong>2011</strong><br />

“Comecei a trabalhar com a Magariro em 2002 e cresci muito na<br />

organização, como pessoa e como trabalhadora. Várias<br />

formações e reflexões, no âmbito da parceiria da Magariro com<br />

a <strong>Oxfam</strong> Canadá, levaram-me a entender melhor as dinámicas<br />

da desigualdade entre os homens e as mulheres e a conhecer<br />

as razões por detràs das atitudes que influenciam<br />

negativamente os direitos e o estatuto das mulheres nas<br />

familias e nas comunidades. Na Magariro aprendemos muito<br />

porque partilhamos as nossas experiências e as nossas ideias


abertamente. Não há chefe que manda, conversamos ao<br />

mesmo nível.”<br />

“No início do SLAP, a Cecilia foi escolhida para fazer parte da<br />

equipa de campo da Magariro no Distrito de Tambara. Ela era a<br />

única mulher na altura; pouco tempo depois uma outra colega<br />

junto-se à equipa.<br />

“O programa mudou muitas coisas na vida das pessoas de<br />

Tambara. No inicio, eu era a única mulher como trabalhadora de<br />

campo no distrito; havia só 2 funcionárias nos escritórios da<br />

administração. Quando andava de mota, os homens e as<br />

mulheres gritavam e perseguiam-me, não acreditando que uma<br />

mulher pudesse dirigir uma motorizada.<br />

“Quando faziamos encontros, as<br />

pessoas chegavam com sacos na<br />

esperança que íamos dar-lhes<br />

comida ou qualquer coisa. Foi um<br />

grande trabalho para eliminar esta<br />

dependência; dar confiança às<br />

pessoas, e particularmente às<br />

mulheres, para elas experimentarem<br />

e acreditarem que podem realizar<br />

grandes coisas!<br />

Em Tambara, o<br />

exemplo de maior<br />

participação das<br />

mulheres<br />

propagou-se por<br />

todo o lado.<br />

“Actualmente há mais mulheres em Tambara a desempenhar<br />

papeis diferentes nas suas comunidades. Há mulheres<br />

directoras de escolas, há duas chefes de localidades e uma<br />

chefe de posto administrativo em Búzua. Isto é um progresso<br />

enorme para todos! Nas associações, algumas mulheres são<br />

líderes e outras participam no conselho consultivo do distrito.<br />

Isto era impensável em <strong>2005</strong>.<br />

“Nos grupos de poupança e crédito (PCR), as mulheres fazem<br />

tudo sózinhas, elas lideram e fazem a gestão. Até temos um<br />

grupo de PCR em Nhacafula, liderado por uma mulher, e onde<br />

um régulo (chefe tradicional) é um membro simples. Antes<br />

ninguém aceitaria que um régulo fosse orientado por uma mulher.<br />

“Em Tambara, o exemplo de maior participação das mulheres<br />

propagou-se por todo o lado. A minha organização decidiu colocar<br />

mulheres a trabalhar em Tambara, um distrito muito isolado e com<br />

práticas culturais que descriminam as mulheres. Demonstramos a<br />

importância da mudança fazendo-a nós próprios. A acção e o<br />

exemplo têm muito mais força que as palavras!”<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Mudanças Significativas<br />

As histórias contidas na brochura demonstram que aumentar o acesso<br />

das pessoas ao conhecimento e promover novas habilidades contribui<br />

para mudar as suas vidas. Muitos Moçambicanos, nas zonas rurais,<br />

tem acesso limitado à educação formal ou à formação e estão<br />

sedentos de conhecimentos, seja em termos de técnicas agrícolas,<br />

criação de animais, alfabetização, participação e planificação, ou<br />

informações relacionadas com a transmissão, prevenção, testagem e<br />

tratamento do HIV.<br />

A participação das pessoas apresentadas nesta brochura em<br />

actividades de troca de experiências, sessões de formação práticas e<br />

programas de alfabetização funcional, permitiu-lhes usarem os<br />

conhecimentos adquiridos, pondo-os em prática, e atingirem<br />

resultados verdadeiramente positivos.<br />

Na zona urbana de Moçambique, muitas esquadras possuem<br />

Gabinetes de Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de<br />

Violência Doméstica, onde estas recebem apoio legal. A parceiria<br />

entre as organizações da sociedade civil e o governo neste âmbito,<br />

provou ser um elemento muito importante no fortalecimento do papel e<br />

funcionamento desses Centros.


Mudança Individual<br />

As mulheres e os homens ganharam muito com o aumento dos seus<br />

conhecimentos, que adquiram através da participação em actividades<br />

práticas organizadas pelos parceiros locais. As mulheres e os homens<br />

melhoraram as suas habilidade agrícolas e pecuárias, o que resultou<br />

não só num aumento da produção e da productividade mas também<br />

num aumento do rendimento. Os conhecimentos adquiridos também<br />

proporcionaram às mulheres e aos homens uma oportunidade para<br />

diversificarem a sua produção agrícola e animal e as suas opções de<br />

geração de rendimento e comercialização. Como resultado, a<br />

segurança alimentar e de rendimento dessas famílias rurais aumentou.<br />

Uma das mudanças mais poderosas na vida das mulheres está<br />

relacionada com a habilidade de ler e escrever. Para muitas mulheres,<br />

o acesso à educação é negado, o que as mantêm dependentes e<br />

desprovidas de confiança para atingir o seu máximo potencial como<br />

agentes de mudança social.<br />

Para solucionar esta situação, durante a sua implementação, o programa<br />

priorizou a alfabetização funcional. Os resultados atingidos produziram<br />

um efeito libertador para muitas mulheres. A alfabetização e os esquemas<br />

de poupança e crédito permitiram a muitas mulheres desenvolver<br />

pequenos negócios, melhorando dessa forma a sua independência e<br />

confiança e assegurar um rendimento. Outro passo importante para as<br />

mulheres foi o acesso á informação sobre os seus direitos e aos serviços<br />

(saúde, justiça e polícia) adequados para exercê-los.<br />

Através da desmistificação das vias de transmissão de HIV, da<br />

informação sobre as opções de prevenção, testagem e tratamento,<br />

muitas mulheres, particularmente as que se envolvem no sexo<br />

comercial, tornaram-se conscientes da sua vulnerabilidade à infecção e<br />

aprenderam como usar preservativos e manter a testagem regular. A<br />

sensibilização sobre o HIV levou muitas pessoas na comunidade a<br />

procurar testagem e tratamento. Tantas vidas foram assim preservadas!<br />

MOÇAMBIQUE <strong>2005</strong> - <strong>2011</strong><br />

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A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Mudança colectiva<br />

Através do aumento da confiança ao nível individual, a mudança pôde<br />

difundir-se. Grupos de camponeses estão a organizar-se. Uma vez que<br />

esses grupos são legalizados, a voz deles é reconhecida não só no seio<br />

das suas comunidades mas muito além. Existe um reconhecimento<br />

crescente de que eles têm voz e um direito de serem ouvidos e que podem<br />

contribuir constructivamente para a agenda de desenvolvimento do país.<br />

Melhorar o conhecimento também provocou mudanças na maneira como<br />

as comunidades pensam e agem além de transformar as suas normas<br />

informais. Esta tem sido a experiências em várias comunidades em<br />

relação às práticas culturais de Kupita Kufa ou purificação de viúvas.<br />

Uma prática arriscada que envolvia outrora relações sexuais<br />

desprotegidas foi substituída em algumas comunidades por um banho de<br />

ervas, devido à compreensão por parte de alguns líderes tradicionais dos<br />

riscos de transmissão do HIV.<br />

Em geral, o papel tradicional das mulherse está sendo posto em causa.<br />

Há cada vez mais mulheres envovidas em actividades comerciais,<br />

criação de gado e outras actividades não tradicionais. Através da<br />

promoção de díalogos comunitários que desafiams normas culturais<br />

profundamente enraizadas, o programa abalou algumas fundações sobre<br />

as quais se baseava a subordinacão das mulheres.<br />

As opiniões das mulheres sobre os assuntos de desenvolvimento são<br />

mais solicitadas; as suas prioridades são reconhecidas e as suas vozes<br />

estão a tornar-se mais respeitadas. Os homens começam a reconhecer<br />

a força e o valor das mulheres na família e na comunidade.<br />

Muitas das mudanças acima mencionadas foram estimuladas pelo<br />

trabalho dos actores de desenvolvimento locais. Através dum esforço<br />

determinado para melhorar o profissionalismo, as organizações nãogovernamentais<br />

tornaram-se actores mais competentes e confiantes e<br />

defendem um quadro politico-legal sustentável e justo que responde às<br />

necessidades das comunidades locais.


Conclusão<br />

Depois de 6 anos de trabalho conjunto, a <strong>Oxfam</strong> Canadá, as<br />

organizações parceiras, e as comunidades locais tinham várias<br />

histórias para contar. As histórias contadas nesta pulbicação são a<br />

prova de tudo o que pode ser alcançado quando as pessoas se<br />

sentem confiantes, capazes e apoiadas.<br />

Com dedicação, compromisso, abertura e respeito as pessoas podem<br />

alcançar o seu potencial máximo, melhorar não só os seus meios de<br />

vida - a produção e as condições de vida – mas também a confiança<br />

em si próprios. As normas sociais e culturais podem mudar e as<br />

mulheres podem ser valorizadas e reconhecidas pelas suas energias,<br />

criatividade e contribuição no seio das famílias e comunidades.<br />

O Programa de Agricultura e Meios de Vida Sustentáveis foi uma<br />

jornada recompensadora com muitas lições aprendidas em todos os<br />

sentidos. Para a <strong>Oxfam</strong> Canadá, foi uma honra trabalhar com as<br />

organizações da sociedade civil para construir o capital social e as<br />

capacidades das comunidades do centro de Moçambique.<br />

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A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Ficha técnica<br />

A <strong>Oxfam</strong> Canadá reconhece e agradece a contribuição das pessoas que<br />

narraram as suas histórias, daqueles que as recolheram assim como de<br />

todos os que participaram na elaboração desta publicação.<br />

Contadoras/es<br />

Tambara<br />

Alberto Bunai<br />

Azélia Bengala<br />

Beriati Cancheca Calongoro Lundu<br />

Calisto Micajo Candeeiro<br />

Cecília João<br />

Farida Maene<br />

Gilberto Moises Canheze<br />

Marta António<br />

Guro<br />

Dinis Maqui<br />

Maria Deniasse<br />

Mutarara<br />

Chico Inácio<br />

Estevão Quene e<br />

Maria Helena Abrão<br />

Maputo<br />

José Mário Machango<br />

Piedade Faustino Mussá<br />

Colectoras/es de estorias<br />

António Nhanez, Magariro<br />

Cecília João, Magariro<br />

Helena Chiquele, <strong>Oxfam</strong> Canadá<br />

Maria Clara Paulo – OMES<br />

Nélia Taimo – Consultora<br />

Sylvie Desautels, <strong>Oxfam</strong> Canadá<br />

Tomás Canhore – Magariro<br />

Edição<br />

Giovanni Sgobaro<br />

Helena Chiquele<br />

Judy Walls<br />

Sylvie Desautels<br />

Vicky Schreiber<br />

Maria José da Viega Coutinho<br />

Fotos<br />

Carlos Dava<br />

Cecília João<br />

Helena Chiquele<br />

Sylvie Desautels<br />

Alberto da Silva<br />

Layout e Impressão<br />

Andrew Chisholm


A FACE HUMANA DA MUDANÇA<br />

Programa de Agricultura<br />

e Meios de Vidas Sustentáveis<br />

Moçambique: <strong>2005</strong> – <strong>2011</strong><br />

As histórias contadas nesta publicacção<br />

são a prova de tudo o que pode ser<br />

alcançado quando as pessoas se sentem<br />

confiantes, capazes e apoiadas.<br />

Com dedicação, compromisso, abertura e<br />

respeito as pessoas podem alcançar o<br />

seu potencial máximo, melhorar não só<br />

os seus meios de vida a produção e as<br />

condições de vida- mas também a<br />

confiança em si próprios.<br />

As normas sociais e culturais podem<br />

mudar e as mulheres podem ser<br />

valorizadas e reconhecidas pelas suas<br />

energias, criatividade e contribuição para<br />

as suas famílias e as suas comunidades.<br />

© 2012, <strong>Oxfam</strong> <strong>Canada</strong><br />

www.oxfam.ca<br />

As opiniões expressas nesta pulbicação são de<br />

responsabilidade dos autores e não refletem<br />

necessariamente as políticas ou posições oficiais da<br />

<strong>Oxfam</strong> ou organizações de apoio e doadores.<br />

Com apoio de:

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