17.04.2013 Views

Revista Santa Cruz Ano 76 - 2012 - janeiro/março - Franciscanos ...

Revista Santa Cruz Ano 76 - 2012 - janeiro/março - Franciscanos ...

Revista Santa Cruz Ano 76 - 2012 - janeiro/março - Franciscanos ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 1


2 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>


EDITORIAL<br />

Eu fi co com a pureza<br />

da resposta das crianças.<br />

É a vida, é bonita e é bonita!<br />

(Gonzaguinha)<br />

Embalados pelos versos do saudoso poeta,<br />

iniciamos o ano de <strong>2012</strong>, trazendo o primeiro número da<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>! Com alegria, registramos a presença amiga<br />

do Visitador Geral frei Wanderley Gomes de Figueiredo que<br />

nos ajudará na preparação e celebração de mais um Capítulo<br />

Provincial, em outubro.<br />

“É a vida, é bonita e é bonita!” Este número da <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong><br />

<strong>Cruz</strong> é, na verdade, um espelho que reproduz um pouco da vida<br />

de nossa querida Província: desde os relatos de celebrações<br />

de Profi ssão Solene, até os “in memoriam” de confrades que já<br />

habitam na “Morada do Altíssimo” e desfrutam da plena vida,<br />

“diante do trono e do Cordeiro”.<br />

Instigados pela Campanha da Fraternidade deste ano que, mais<br />

uma vez, retoma a temática da saúde pública, mais forte se faz o<br />

nosso canto em favor da “vida em abundância” para todos.<br />

Preparemo-nos para a Páscoa, a festa da vida!<br />

Uma boa leitura a todos!<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 1


2 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>


SUMÁRIO<br />

EDITORIAL.................................................................................................... 01<br />

RECADO DO LEITOR ................................................................................04<br />

DOCUMENTAÇÃO<br />

- Da Cúria Provincial: Mensagem do Visitador Geral da PSC, frei<br />

Wanderley Gomes de Figueiredo ......................................................... 05<br />

VIDA DA PROVÍNCIA<br />

1. Profi ssões solenes<br />

(Freis Arlaton de Oliveira e Luís Fernando N. Leite) ............................ 08<br />

2. III Encontro Internacional de Comissários da Terra <strong>Santa</strong><br />

(Frei Francisco Alexandre Viana) ............................................................. 13<br />

3. Entrevista com os freis Ronaldo Zwinkels e Cornélio van Velzen<br />

(Freis Júnio Fernando e Arlaton de Oliveira) ........................................ 15<br />

REFLEXÃO<br />

1. Saúde na perspectiva da ecologia integral<br />

(Ana Maria Vidigal Ribeiro e José Luiz Ribeiro de Carvalho) ............ 30<br />

2. Resistência popular implícita<br />

(Frei Francisco van der Poel, OFM) .......................................................... 33<br />

MEMÓRIA<br />

1. “In memoriam” de frei Frederico Voorvelt<br />

(Frei Celso Márcio Teixeira) ...................................................................... 35<br />

2. “In memoriam” de frei Estanislau Bartholdi<br />

(Frei Hilton Farias) ...................................................................................... 44<br />

UMAS E OUTRAS<br />

- Humor franciscano .................................................................................. 57<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 3


4 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

RECADO DO LEITOR<br />

“Eu canto e danço com prazer;<br />

Tu me curaste, me fi zeste reviver! (Is 38)<br />

Graças a Deus, no dia 08 de novembro do ano passado, após ter fi cado<br />

três semanas sedado e entubado, no CTI cardiológico do Hospital Felício<br />

Rocho, acordei vivo, graças também aos intermediários, mediante os quais<br />

Deus me socorreu. Entre outros, o meu guardião frei Gabriel, que não<br />

demorou em me levar para Belo Horizonte, o meu cardiologista doutor<br />

Pedro Roberto Guimarães e outros médicos e enfermeiros do Hospital, a<br />

Sra. Maria do Socorro, mãe de duas enfermeiras de nossa casa, em Carlos<br />

Prates, que me fez companhia, no hospital, durante 15 dias. Muito grato<br />

sou também aos confrades de Carlos Prates que, sob a atenta coordenação<br />

de seu guardião, frei Fabiano, me acolheram durante o longo período de<br />

convalescença, desde o dia 22 de novembro, festa de <strong>Santa</strong> Cecília.<br />

Muito especialmente quero aqui agradecer as inúmeras e perseverantes<br />

orações com que muitas pessoas, dentro e fora de Santos Dumont, rezaram<br />

pela minha recuperação. Como me valeram essas constantes rezas! O meu<br />

“muito obrigado!” por tudo isto!<br />

Voltando para Santos Dumont, espero poder trabalhar mais uns tempos<br />

a serviço do Reino, se Deus quiser!<br />

Santos Dumont, 15/02/<strong>2012</strong><br />

Frei Joel Postma, OFM


DOCUMENTAÇÃO<br />

- DA CÚRIA PROVINCIAL<br />

CARTA DE SAUDAÇÃO À<br />

FRATERNIDADE PROVINCIAL<br />

DO VISITADOR GERAL DA PSC,<br />

FREI WANDERLEY GOMES DE<br />

FIGUEIREDO<br />

Caros confrades,<br />

O Senhor vos dê a Paz!<br />

Com satisfação, damos início à<br />

Visita Canônica nesta Província<br />

<strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>, entidade querida pela<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 5


Ordem, tão importante para o povo<br />

de Deus no estado de Minas Gerais<br />

e Sul do estado da Bahia.<br />

Estou aqui em nome do Governo da<br />

Ordem e transmito a cada frade e a<br />

cada fraternidade a saudação desse<br />

mesmo Governo. De um modo<br />

especial, transmito a saudação fraterna<br />

do nosso Ministro Geral.<br />

A Visita Canônica é um momento<br />

fraterno e tem como principais<br />

fi nalidades saudar a cada um dos<br />

irmãos com benignidade e familiaridade,<br />

confortar e admoestar<br />

com humildade e caridade (cf.<br />

EE.PP - da Visita Canônica, 3). Enfi m,<br />

é um momento kairótico, momento<br />

de graça para o fortalecimento<br />

da fraternidade local, provincial e<br />

universal.<br />

Espero conhecer a situação em<br />

que se encontram a Província,<br />

as fraternidades e cada frade<br />

em especial, além de estimular<br />

a todos nos diferentes aspectos<br />

da nossa vocação: vida fraterna,<br />

evangelização e missão, formação<br />

e sustento econômico. Faço votos<br />

que consigamos reforçar em nós a<br />

comunhão com a Ordem e com a<br />

Igreja, além de alicerçar a presença<br />

franciscana comprometida com<br />

as exigências do mundo atual (cf.<br />

EPVC, 26-31).<br />

Os guardiães preparem este<br />

momento de encontro e tomem as<br />

seguintes providências:<br />

6 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

1. organizem uma celebração de<br />

início da Visita Canônica;<br />

2. apresentem os seguintes livros:<br />

visita canônica, crônicas, ata de<br />

capítulo local, missas celebradas<br />

e contabilidade; no caso das<br />

paróquias, apresentar, também, os<br />

livros de crônicas e de tombo;<br />

3. agendem uma visita ao bispo<br />

diocesano;<br />

4. organizem um encontro com os<br />

irmãos e irmãs da OFS, JUFRA e<br />

OSC;<br />

5. agendem um encontro com o<br />

Conselho Paroquial;<br />

6. organizem um Capítulo local<br />

e um recreio para o encerramento<br />

da Visita Canônica em cada<br />

fraternidade.<br />

Segundo os Estatutos Particulares<br />

para a Visita Canônica e Presidência<br />

do Capítulo Provincial, o Visitador<br />

Geral tem como elementos importantes<br />

para a avaliação da vida<br />

fraterna na fraternidade Provincial<br />

e local (cf. EPVC, 26):<br />

a. a participação na vida fraterna,<br />

particularmente no Capítulo local;<br />

b. o cultivo da oração e devoção;<br />

c. a postura de menores e de construtores<br />

da justiça e da paz;<br />

d. a fi delidade e o devotamento ao<br />

trabalho;<br />

e. a vida em pobreza;


f. a promoção do carisma franciscano.<br />

Com o objetivo de possibilitar uma<br />

boa visita às fraternidades, foi feita<br />

uma programação com o tempo<br />

reservado para cada fraternidade,<br />

garantindo, assim, que este seja<br />

um momento de revigoramento,<br />

celebração do dom da vocação e<br />

revisão sincera e esperançosa da<br />

nossa vida e missão.<br />

O Capítulo Provincial terá início<br />

com o jantar do dia 19/10/<strong>2012</strong>,<br />

em Santos Dumont. Encerrar-se-á<br />

com o almoço do dia 25/10/<strong>2012</strong>. A<br />

Comissão Preparatória do Capítulo<br />

(CPC) - formada por fr. Gabriel de<br />

Lima Neto, fr. Adilson Corrêa da<br />

Silva, fr. Joaquim Fonseca de Souza<br />

e fr. Jaime Eduardo Ribeiro - esteve<br />

reunida no dia 7/2/<strong>2012</strong> comigo e<br />

com o Ministro Provincial para dar<br />

início ao trabalho pré-capitular,<br />

conforme os EEPP da PSC (Art. 83<br />

e 84).<br />

Peço com carinho que cada irmão<br />

dê atenção especial a tudo aquilo<br />

que for solicitado pela CPC, para<br />

que a celebração do Capítulo seja<br />

expressão sincera da fraternidade<br />

provincial. Que cada um se empenhe<br />

da melhor forma possível,<br />

pois será o envolvimento pessoal<br />

que garantirá a consolidação do<br />

bem maior da fraternidade.<br />

Estou à disposição de todos. Meu<br />

endereço postal e eletrônico está<br />

abaixo. Fiquem inteiramente à<br />

vontade para entrar em contato.<br />

Agradeço a acolhida carinhosa e<br />

confi ante de todos. Vou me esforçar<br />

para realizar bem o trabalho<br />

fraterno da visitação. Com certeza,<br />

será uma experiência de renovação<br />

e de enriquecimento para a<br />

minha vida pessoal. Deus abençoe<br />

a todos.<br />

Um abraço fraterno.<br />

Belo Horizonte, 07/02/ <strong>2012</strong><br />

Frei Wanderley Gomes de<br />

Figueiredo, OFM<br />

Visitador Geral<br />

Rua 14 de Julho, 4213<br />

São Francisco<br />

79010-470 Campo Grande – MS<br />

Email: freiwando@bol.com.br<br />

(67) 3356-4509/9644-0348<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 7


8 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

VIDA DA<br />

PROVÍNCIA<br />

Nesta seção, encontram-se dois breves relatos sobre a profi ssão<br />

solene de cinco confrades da PSC e de um da Fundação Nossa<br />

Senhora de Fátima. Na sequência, uma crônica sobre o “III<br />

Encontro Internacional dos Comissários da Terra <strong>Santa</strong>” e<br />

uma entrevista com os confrades jubilares Ronaldo Zwinkels e<br />

Cornélio van Velzen.<br />

1. PROFISSÕES SOLENES<br />

1.1. NA PROVÍNCIA SANTA CRUZ<br />

Frei Arlaton de Oliveira, OFM<br />

Na solenidade da Apresentação<br />

do Senhor, no dia 2 de fevereiro,<br />

na igreja São Francisco das<br />

Chagas, em Belo Horizonte, professaram<br />

solenemente os freis<br />

Irwin Couto Silva, Robério Antunes<br />

Ruas, Rogério Rodrigues, Júnio<br />

Fernandes Marques e Luciano<br />

Lopes.


Da direita para a esquerda: Irwin, Júnio, Luciano, Robério e Rogério.<br />

A celebração foi presidida pelo<br />

ministro provincial frei Francisco<br />

Carvalho Neto e concelebrada<br />

por frei Adilson Corrêa da Silva,<br />

pároco da referida Igreja. Estiveram<br />

presentes confrades de várias<br />

fraternidades da Província <strong>Santa</strong><br />

<strong>Cruz</strong>, postulantes, familiares e<br />

amigos dos frades professandos.<br />

Em sua refl exão, o ministro provincial<br />

ressaltou a importância<br />

de se escolher esse dia para a<br />

realização das profi ssões solenes,<br />

na Província. Ele fez a relação<br />

entre a festa da Apresentação do<br />

menino Jesus no Templo com a<br />

consagração religiosa. Segundo<br />

ele, a consagração é, na realidade,<br />

uma “apresentação”, uma entrega<br />

total ao Senhor. Buscando<br />

estabelecer um paralelo entre os<br />

pais de Jesus, que o trouxeram ao<br />

Templo para ser consagrado ao<br />

Senhor, frei Francisco se referiu aos<br />

pais dos professandos, num tom de<br />

agradecimento, dizendo que, de<br />

alguma forma, eles também, hoje,<br />

entregam seus fi lhos aos cuidados<br />

de Deus, da Igreja e da Ordem.<br />

Em seguida, discorreu sobre a<br />

vocação do papel do religioso<br />

no mundo atual: por meio dos<br />

conselhos evangélicos, o frade<br />

menor torna-se sinal e presença<br />

de Deus e, por isso mesmo, deve<br />

se posicionar e testemunhar o<br />

Evangelho na oração e no serviço<br />

ao reino de Deus.<br />

O Provincial ainda recordou aquilo<br />

que é próprio da Ordem dos<br />

Frades Menores: reconhecer-se<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 9


como irmão menor que se coloca<br />

disponível para o serviço do Reino,<br />

com humildade e simplicidade.<br />

“Somos uma fraternidade. Somos<br />

irmãos e atuamos em conjunto,<br />

atentos àquilo que o Senhor quer<br />

de nós!”- enfatizou.<br />

Terminada a homilia, procedeu-se o<br />

rito da Profi ssão. Diante do ministro<br />

provincial, os frades afi rmaram<br />

seu desejo de se consagrarem<br />

defi nitivamente na Ordem dos<br />

Frades Menores. Logo após o<br />

canto da “Ladainha dos santos”,<br />

cada um se ajoelhou diante de frei<br />

Francisco e, nas mãos dele, emitiu<br />

seus votos de pobreza, castidade<br />

e obediência. Depois de terem<br />

recebido um exemplar da “Regra<br />

da Ordem dos Frades Menores” e<br />

a bênção, os neoprofessos foram<br />

calorosamente acolhidos pelos<br />

frades e parentes mais próximos<br />

com o abraço da paz.<br />

No fi nal da celebração, frei Luciano<br />

Lopes fez os agradecimentos em<br />

10 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

nome dos colegas neoprofessos.<br />

Recordou do período de formação<br />

inicial e agradeceu a todos que, de<br />

algum modo, estiveram envolvidos<br />

nessa etapa, especialmente os<br />

confrades formadores e os irmãos<br />

de caminhada. Agradeceu, de<br />

modo especial, a seus familiares<br />

e amigos, bem como a todas as<br />

pessoas que os acolheram em<br />

suas comunidades de origem,<br />

onde foram realizados os “tríduos<br />

vocacionais”. Por fi m, agradeceu a<br />

presença de todos.<br />

Após a celebração, toda a<br />

comunidade se dirigiu ao salão<br />

paroquial para o jantar de<br />

confraternização, preparado pelos<br />

leigos da paróquia São Francisco<br />

das Chagas.<br />

Aos confrades neoprofessos, o<br />

desejo sincero de perseverança,<br />

saúde, ânimo. Possam, a exemplo<br />

do Seráfi co Pai São Francisco, ser<br />

instrumentos da paz e do bem.


1.2. NA FUNDAÇÃO NOSSA<br />

SENHORA DE FÁTIMA<br />

(TRIÂNGULO MINEIRO)<br />

Frei Luís Fernando N. Leite,<br />

OFM<br />

A Fundação Franciscana de Nossa<br />

Senhora de Fátima do Brasil, no<br />

Triângulo Mineiro, esteve em festa<br />

entre os dias 08 a 11 de dezembro<br />

de 2011, em vista da profi ssão<br />

solene na Ordem dos Frades Menores<br />

do confrade frei Emanuel<br />

Fernandes Pereira. Durante esses<br />

dias, recebemos, em nossa região,<br />

os confrades do Convento <strong>Santa</strong><br />

Maria dos Anjos, de Betim, e outros<br />

freis da Província <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>.<br />

Também esteve presente frei Pedro<br />

Silva, de Guaratinguetá (SP), da<br />

Província da Imaculada Conceição,<br />

além de religiosas e leigos que,<br />

com alegria e disponibilidade, colaboraram<br />

na preparação do povo<br />

de Deus para essa grande festa,<br />

durante o tríduo vocacional.<br />

O primeiro dia do tríduo (8/12) foi<br />

celebrado na cidade de Araguari,<br />

na comunidade “Nossa Senhora<br />

Desatadora dos Nós”, dia da festa da<br />

padroeira. Festa bonita, igreja cheia<br />

e muita alegria. Nessa paróquia,<br />

frei Emanuel fez a experiência de<br />

seu “ano franciscano”, em 2010.<br />

Durante o dia, foram visitadas as<br />

escolas do Bairro de Fátima e os<br />

doentes; à noite, a celebração.<br />

No dia seguinte, a equipe missionária<br />

se dirigiu para a cidade<br />

de Uberlândia para o segundo e o<br />

terceiro dia do tríduo, na Paróquia<br />

Nossa Senhora de Fátima. À noite,<br />

a comunidade se reuniu para a<br />

celebração. Era visível a alegria<br />

e a surpresa do povo ao ver tantos<br />

frades reunidos, animados,<br />

celebrando a vida e a vocação, na<br />

paz e no bem.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 11


Na manhã do dia 10, às 6h20min, os<br />

frades já estavam na rua, em frente<br />

à casa da fraternidade franciscana<br />

para se dirigirem ao Mosteiro<br />

Monte Alverne das Irmãs Clarissas.<br />

Ali, na alegria e na simplicidade,<br />

com as irmãs, iniciamos o terceiro<br />

dia do tríduo com a celebração<br />

da eucaristia. Rendemos graças<br />

a Deus por Francisco e Clara de<br />

Assis, pela vocação do frei Emanuel<br />

e também pela vida do frei Pedro,<br />

que celebrava seu dia natalício.<br />

Depois da celebração, ganhamos<br />

um delicioso café da manhã,<br />

oferecido pelas irmãs. No início<br />

da noite, às 18h, na Matriz de<br />

Fátima, celebramos junto àquela<br />

comunidade. Depois da celebração,<br />

nos reunimos para um<br />

recreio fraterno na comunidade<br />

franciscana, com todos os frades,<br />

inclusive o ministro provincial frei<br />

Emanuelle que chegara da Itália,<br />

no período da tarde, junto do secretário<br />

provincial frei Martino.<br />

Chegado o grande dia (11/12),<br />

às 10h, deu-se início à celebração.<br />

Uma celebração pautada no anúncio<br />

da vinda do Salvador feito<br />

homem que veio morar no meio<br />

de nós, do Deus que põe em prática<br />

o seu projeto de salvação<br />

dos humildes. Essa humildade<br />

expressa na vida de Francisco que<br />

abraçou o Cristo pobre humilde e<br />

crucifi cado. Durante a celebração,<br />

o ministro Provincial expressava<br />

12 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

em palavras com ajuda e tradução<br />

do frei Rodrigo de Castro, a<br />

alegria de presidir esse momento<br />

tão importante para a Ordem<br />

Franciscana, para a Igreja e a todos<br />

que amamos Francisco de Assis.<br />

A celebração durou três horas,<br />

mas não nos cansou. O momento<br />

mais emocionante foi quando frei<br />

Emanuel pronunciou a fórmula da<br />

Profi ssão, entregando a Deus Pai<br />

sua vida, fazendo o bom propósito<br />

de viver mais de perto o Santo<br />

Evangelho, à luz dos conselhos<br />

evangélicos de Obediência, Nada<br />

Próprio e Castidade.<br />

Ao fi nal da celebração, feitos<br />

todos os agradecimentos e homenagens<br />

da parte de familiares<br />

e dos confrades do convento <strong>Santa</strong><br />

Maria dos Anjos, frei Emanuel<br />

agradeceu a todos aqueles que, de<br />

uma maneira ou de outra, fi zeram<br />

e fazem parte de sua formação.<br />

Depois de participarmos do banquete<br />

eucarístico, todos foram convidados<br />

para um delicioso almoço<br />

nesse dia de alegria.<br />

Que o Deus da vida ajude e dê força<br />

ao frei Emanuel nesse encargo que<br />

ele abraçou com toda a alegria do<br />

coração.


2. III CONGRESSO INTERNACIONAL<br />

DE COMISSÁRIOS DA TERRA<br />

SANTA<br />

Frei Francisco Alexandre Viana,<br />

OFM<br />

Aconteceu, do dia 30 de <strong>janeiro</strong><br />

a 05 de fevereiro de <strong>2012</strong>, no<br />

convento São Salvador, sede<br />

da Custódia da Terra <strong>Santa</strong>, em<br />

Jerusalém, o III Congresso Internacional<br />

de Comissários da Terra<br />

<strong>Santa</strong>. Éramos 116 participantes,<br />

entre comissários da Terra <strong>Santa</strong>,<br />

vice-comissários, amigos e auxiliadores<br />

dos frades neste serviço.<br />

Iniciamos com a eucaristia presidida<br />

por nosso ministro Geral,<br />

frei José Rodrigues Carbalho.<br />

Na sua homilia, ele destacou a<br />

importância do encontro com o<br />

Senhor, que nestas terras viveu,<br />

anunciou a sua boa-nova, morreu e<br />

ressuscitou. Este mesmo encontro<br />

motivou Francisco de Assis a<br />

enviar seus frades, em 1217, à<br />

Terra <strong>Santa</strong> e, ele mesmo, fazendo<br />

esse caminho, em 1219.<br />

Desde esse momento em diante,<br />

a presença franciscana nos<br />

“lugares santos” nunca se interrompeu.<br />

Em 1432, foi concedida<br />

aos frades a tarefa de custodiar<br />

esses lugares, em nome da Igreja.<br />

Cada dia do Congresso começava<br />

com a celebração da<br />

eucaristia. Depois tínhamos as<br />

refl exões feitas em plenária para,<br />

em outro momento, refl etirmos<br />

em grupos os diversos assuntos<br />

apresentados. Os temas principais<br />

desse nosso Congresso foram: a<br />

elaboração de um Vade mecum<br />

que sirva de instrumento de<br />

trabalho e orientação entre comissários<br />

e a custódia; a relação<br />

dos comissariados com as dioceses,<br />

províncias e custódias; uma<br />

apresentação dos diversos trabalhos<br />

realizados pela Custódia; a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 13


criação de uma revista Terra <strong>Santa</strong><br />

em português; a importância do<br />

serviço da Terra <strong>Santa</strong> como um<br />

campo privilegiado da Ordem dos<br />

Frades Menores; uma prestação<br />

de contas referente à contribuição<br />

dos comissariados e os novos<br />

desafi os frente à diminuição dos<br />

comissariados na Europa.<br />

Foram momentos fortes de vivência<br />

da fraternidade universal,<br />

como desejava nosso Pai São<br />

Francisco. Também foram fortes os<br />

momentos celebrativos. Destaco<br />

aqui a celebração da eucaristia<br />

diária, a celebração de vésperas na<br />

Basílica da Natividade, em Belém,<br />

a Via-Sacra e a eucaristia na Basílica<br />

do Santo Sepulcro.<br />

Desta última, chamou-me a<br />

atenção a homilia de nosso Custódio,<br />

frei Pierbattista Pizaballa,<br />

que enfatizou o acontecimento<br />

14 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

da Ressurreição como a palavra<br />

de força transformadora de vida.<br />

Palavra capaz de mudar situações<br />

e de transformá-las em situações<br />

de ressurreição. Sendo também<br />

palavra de encorajamento para<br />

nós, no anúncio do evangelho e<br />

do serviço ao povo de Deus nestas<br />

terras.<br />

Por fi m, desejamos que esta<br />

mesma palavra ajude a cada um<br />

de nós frades a viver e praticar<br />

o evangelho no nosso dia a dia.<br />

E que possamos descobrir a importância<br />

deste “quinto evangelho”,<br />

a Terra <strong>Santa</strong>, com seu valor<br />

histórico de salvação e a sua<br />

beleza na diversidade de povos,<br />

mesmo diante dos desafi os. Que<br />

possamos, como Francisco de Assis,<br />

sermos anunciadores deste serviço<br />

confi ado à nossa Ordem.


3. ENTREVISTA COM OS FREIS<br />

RONALDO ZWINKELS E CORNÉLIO<br />

VAN VELZEN<br />

Neste ano de <strong>2012</strong>, os freis Ronaldo<br />

Zwinkels e Cornélio van<br />

Velzen celebram 60 anos de vida<br />

consagrada. Nas páginas que se<br />

seguem, dentre outras coisas, eles<br />

nos falam de sua vocação e missão.<br />

3.1. FREI RONALDO ZWINKELS<br />

RSC: Frei Ronaldo, fale um pouco<br />

sobre você, sua origem e sua família.<br />

Frei Ronaldo: Minha mãe entrou<br />

em trabalho de parto dia 14 de<br />

fevereiro de 1929, durante um dos<br />

invernos mais rigorosos e severos<br />

dos últimos 50 anos. A parteira não<br />

conseguia resultado e meu pai foi,<br />

de bicicleta, buscar o médico da<br />

família, de madrugada, pedalando<br />

2 km sobre gelo e neve, com uma<br />

temperatura de muitos graus<br />

abaixo do zero.<br />

O motor do carro Ford 29 do<br />

médico estava congelado. Eles<br />

foram então à garagem da Vios,<br />

empresa de viação, que mantinha<br />

dois ônibus de motor ligado<br />

durante a noite inteira. A empresa<br />

colocou um ônibus à disposição<br />

e os dois encontraram<br />

minha mãe em situação crítica.<br />

O médico foi competente e logo<br />

nasceram inesperadamente dois<br />

fi lhos: Johannes Paulus e Adrianus<br />

Petrus, a minha pessoa, na garupa.<br />

Surpresa geral e trabalho dobrado<br />

para nos manter aquecidos.<br />

Nasci e fui criado no município de<br />

Wateringen, na Holanda do Sul, na<br />

região Westland, hoje conhecida<br />

como “A Cidade de Vidro”, assim<br />

chamada por causa de um seriado<br />

na TV sobre aquela região típica<br />

que concentra o cultivo de fl ores,<br />

verduras e frutas em sistemas<br />

de estufas de vidro. Região situada<br />

entre as cidades de Haia e<br />

Rotterdam.<br />

Sou de uma família numerosa, de<br />

14 fi lhos, cinco homens e nove<br />

mulheres. Com meu irmão gêmeo,<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 15


somos o segundo e o terceiro.<br />

Meu pai era horticultor de estufa.<br />

Em apenas dois hectares de terra,<br />

(tamanho médio na época), em<br />

grande parte coberta de estufas,<br />

cultivávamos uvas de mesa como<br />

produto principal, e pêssego, tomate,<br />

pera e maçã, e toda a espécie<br />

de hortaliça que os campos<br />

abertos só conseguiam produzir<br />

em tempo de verão.<br />

Desde cedo, nós, os fi lhos homens,<br />

ajudávamos o pai e os empregados.<br />

Vizinhos davam uma<br />

mão extra em dias de colheita,<br />

assim como nós os ajudávamos<br />

também na hora do aperto. Desta<br />

maneira, atravessavamos o difícil<br />

período da crise econômica que<br />

tinha estourado em 1929, em<br />

nível mundial, afetando também<br />

gravemente a horta e granjacultura.<br />

Apesar das difi culdades fi nanceiras,<br />

nós tivemos uma infância muito<br />

boa. Sem maiores difi culdades<br />

na escola primária. Muita opção para<br />

brincar, apesar das constantes<br />

brigas entre os alunos da escola<br />

protestante e da católica. Havia<br />

dois canais navegáveis para pescar<br />

diversos tipos de peixe. Quando<br />

pegávamos peixe demais, minha<br />

mãe mandava jogar tudo para os<br />

porcos ou galinhas. A criançada<br />

da vizinhança frequentava muito<br />

nossa casa.<br />

16 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

No dia 10 de maio de 1940,<br />

Alemanha declarou a guerra à<br />

Holanda. Eu estava com 11 anos<br />

de idade. Acordamos às quatro<br />

horas da manhã. Olhamos pela<br />

janela do segundo andar da<br />

nossa casa e fi camos perplexos<br />

pelo cenário que se desenrolava<br />

diante dos olhos: combate aéreo<br />

entre aviões holandeses e ingleses<br />

contra os aviões alemães. Descida<br />

de milhares de paraquedistas<br />

alemães, saltando aos montes<br />

de grandes aviões, aviões atacados<br />

e em chamas. Era um cenário<br />

infernal. Os alemães ocuparam,<br />

de surpresa, o campo de aviação<br />

militar Ypenburg, perto da nossa<br />

casa. A família fi cou abrigada na<br />

adega da casa. As estufas tiveram<br />

grande prejuízo, pois fi caram com<br />

muitos vidros estilhaçados.<br />

Os militares alemães ocuparam<br />

a nossa escola e a vida<br />

mudou. O vigário da nossa paróquia,<br />

que participava de nossas<br />

brincadeiras, foi levado para<br />

o campo de concentração em<br />

Dachau. Foi libertado no fi nal da<br />

guerra. O pároco da paróquia vizinha,<br />

amigo da família, foi prisioneiro<br />

e morto no campo de<br />

concentração em Dachau. Os móveis<br />

e outros bens particulares do<br />

padre fi caram guardados em nossa<br />

casa até o fi nal da guerra.<br />

Um foguete V2 caiu num orfanato


a 1 km de distância, matando uns<br />

vinte meninos e alguns irmãos de<br />

alguma congregação religiosa. Um<br />

irmão sobrevivente do instituto<br />

fi cou hospedado conosco durante<br />

uns quatro meses. Chegou só<br />

com a roupa do corpo. A escola<br />

protestante passou a ser a nossa<br />

escola também. Tivemos aulas em<br />

turnos diferentes, dividindo os<br />

“bodes” das “ovelhas”. Um foguete<br />

V1 pegou a ponta do telhado de<br />

uma estufa nossa e matou um<br />

amigo e colega de escola.<br />

A fome agravou-se, recebíamos<br />

crianças em turno para o almoço.<br />

Muitos moradores da Haia<br />

vinham buscar verduras ou frutas<br />

às escondidas. Vender para o<br />

povo era severamente proibido e<br />

castigado quando descoberto. Eu<br />

tinha que assumir muitas vezes<br />

a responsabilidade, para meu<br />

pai não sofrer as consequências.<br />

Toda a produção tinha que ter a<br />

Alemanha como destino. Entre<br />

eles havia dois judeus que, no<br />

fi nal da guerra, sumiram. Após a<br />

guerra, reapareceram e vieram nos<br />

agradecer. Uma rara foto da família<br />

feita durante a guerra foi tirada por<br />

eles.<br />

Com 15 anos de idade tive que<br />

fazer trabalho forçado, com toda<br />

a população masculina disponível<br />

para construir diques nos pólderes.<br />

Estes pólderes foram depois<br />

inundados sem dó ou piedade<br />

pelos alemães, servindo de defesa<br />

contra uma eventual invasão dos<br />

ingleses.<br />

Um alemão frequentava nossa<br />

casa a pedido do pároco. Era um<br />

padre da congregação dos Crúzios,<br />

padre Fischer. Este foi forçado<br />

a servir exército como enfermeiro<br />

e celebrava a sua missa,<br />

às escondidas, na Casa Paroquial.<br />

Vinha com o pároco ou sozinho<br />

“tirar prosa”.<br />

RSC: Como surgiu a vocação franciscana?<br />

Frei Ronaldo: Minha vocação era<br />

ser missionário, desde criança. A<br />

religiosidade da família, as pregações<br />

de missionários na paróquia,<br />

a frequência dos padres da<br />

paróquia à nossa casa infl uenciaram<br />

a minha vocação. A guerra<br />

parecia ter matado minha vocação,<br />

mas com o término da guerra, meu<br />

antigo desejo de me tornar um<br />

religioso retornou com mais força.<br />

Aspirava ser missionário em Nova<br />

Guiné.<br />

Os franciscanos tinham missões<br />

em Nova Guiné. Daí a vontade de<br />

ser franciscano. Eu os conhecia<br />

pelas pregações que faziam em<br />

nossa Paróquia. Lutei durante um<br />

bom tempo contra. Tinha que<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 17


decidir entre o seminário ou a<br />

escola técnica agrícola. Gostava<br />

do trabalho nas estufas e o ideal<br />

de muitos fi lhos de cultivadores<br />

em estufas era seguir a tradição<br />

familiar. Meus irmãos e cunhados<br />

todos escolheram de fato o mesmo<br />

ramo.<br />

Depois de muita hesitação e<br />

fervorosa oração, fi nalmente decidi<br />

e isto me causou uma grande<br />

alegria. Falei com meus pais. Estes,<br />

surpresos, acolheram, de bom<br />

grado, a minha decisão. Quem teve<br />

difi culdade de aceitá-la foi meu<br />

irmão gêmeo.<br />

RSC: E sua vinda para o Brasil?<br />

Frei Ronaldo: Cheguei ao Brasil<br />

no dia 1 o de novembro de 1955.<br />

O Brasil não era minha primeira<br />

opção. Quando, em Venraay,<br />

chegou um pedido para que a<br />

Província da Holanada enviasse<br />

dois frades para fazer a teologia<br />

no Paquistão, nosso mestre de<br />

Filosofi a conseguiu convencerme<br />

a aceitar a missão. Hans Baars,<br />

o caçula da nossa turma, também<br />

foi convidado. E aceitou também.<br />

Seríamos, portanto, dois<br />

missionários enviados para a Missão<br />

de Paquistão.<br />

Nesse ínterim, houve uma decisão<br />

tomada em Paquistão de unir<br />

18 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

a formação superior dos frades<br />

do Paquistão e da Índia, além<br />

de introduzir um terceiro ano<br />

de Filosofi a. Esta decisão tornou<br />

inviável mandar estudantes da<br />

Holanda para lá sem antes terem<br />

estudado teologia.<br />

Logo depois chegou um pedido do<br />

Brasil para mandar dois estudantes.<br />

Nós dois fomos procurados pelo<br />

vice-provincial. Hans Baars, o<br />

caçula, preferiu terminar seus<br />

estudos na Holanda e depois de<br />

ordenado ir ao Paquistão. O que de<br />

fato aconteceu, enquanto que eu<br />

aceitei vir para o Brasil, junto com<br />

Ângelo van Heiningen e Heleno<br />

Smits. E me preparei com muito<br />

entusiasmo.<br />

A chegada de navio ao Rio de Janeiro<br />

de madrugada foi deslumbrante.<br />

Um novo mundo abriu-se<br />

diante dos olhos, país tropical. Fui<br />

encaminhado para Divinópolis,<br />

viajando de trem de segunda classe<br />

(experiência única!) e iniciei o curso<br />

de teologia, em 1956.<br />

Quanto à adaptação, esta se deu<br />

naturalmente. A comida era pouco<br />

variada nas últimas mesas, as<br />

mesas dos novatos. Pelo costume<br />

hierárquico que reinava no convento<br />

o melhor nos pratos era<br />

consumido nas mesas mais acima.


A convivência entre mineiros<br />

e gaúchos (de origem alemã<br />

ou italiana) e holandeses tinha<br />

também suas difi culdades. Na<br />

aprendizagem da língua não tive<br />

professor, fui aprendendo por<br />

conta própria, aos poucos. Às vezes<br />

me sentia um minus habens,<br />

por não conseguir me expressar<br />

direito.<br />

A religiosidade popular continha<br />

forte expressão devocional e era<br />

um elemento novo para assimilar.<br />

Mas o povo aceitava a gente com<br />

grande espontaneidade, o que<br />

facilitava muito o processo de<br />

adaptação.<br />

RSC: Dentre os diversos lugares por<br />

onde o senhor passou, há algum que<br />

mais marcou sua vida?<br />

Frei Ronaldo: Fora os lugares onde<br />

estive por curto período, como em<br />

Teófi lo Otoni, Nanuque, Salinas e<br />

Taiobeiras, a minha vida pastoral<br />

desenvolveu-se basicamente nos<br />

seguintes lugares: Pirapora (7<br />

anos), Medeiros Neto (15 anos),<br />

Teixeira de Freitas (9 anos), Nova<br />

Viçosa, Itabatan e Abaeté-Paineiras<br />

(6 anos), Divinópolis (a partir de<br />

<strong>janeiro</strong> 2001).<br />

Os lugares mais marcantes foram:<br />

- Pirapora: Em especial, a fundação<br />

do Colégio Estadual Luiz Balbino,<br />

no Serradinho, periferia da cidade.<br />

Esta escola proporcionou o<br />

desenvolvimento de um bairro<br />

distante e de extrema pobreza.<br />

Destaco também a construção<br />

do Santuário Santo Antônio, os<br />

longos giros a cavalo pelo interior<br />

de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da<br />

Palma e Lassance; as aulas noturnas<br />

e gostosas dadas à primeira<br />

turma do recém-criado 2 o grau no<br />

Ginásio São João Batista, tendo<br />

o prefeito municipal e o pastor<br />

da Igreja Batista entre os alunos e<br />

muitos outros da “alta” da cidade.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 19


Frei Ronaldo junto com o povo no sul da Bahia<br />

- Medeiros Neto: O espírito do<br />

Vaticano II trouxe novos métodos<br />

e ação como, por exemplo: a<br />

criação de comunidades urbanas<br />

e rurais; a formação de lideranças;<br />

a renovação da Catequese. O<br />

religioso e o social se misturaram:<br />

Registro civil das crianças; alfabetização<br />

de adultos; fundação<br />

do sindicato rural; construção<br />

de centros comunitários; igreja e<br />

agrovilas; lar dos idosos; cerâmica<br />

e fi ltros de água. Guardo boas<br />

recordações das viagens longas e<br />

difíceis, de jipe, por estradas muitas<br />

vezes quase intransitáveis e o<br />

contato gostoso com o povo rural.<br />

- Teixeira de Freitas: Foi um tempo<br />

de desafi os: o maior deles foi<br />

atender ao pedido do bispo<br />

dom Antônio Zuqueto para que<br />

organizasse duas paróquias na-<br />

20 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

quele município que<br />

mais crescia na Bahia.<br />

Outros desafi os:<br />

conciliar as diversas<br />

tendências e linhas de<br />

pastoral; coordenar<br />

a pastoral diocesana,<br />

além de contornar,<br />

durante as assembleias,<br />

tentativas de<br />

manipulação da parte<br />

de grupos de linhas<br />

de pastoral divergentes,<br />

nas decisões<br />

fi nais; acompanhar<br />

o crescimento desordenado<br />

da cidade<br />

formando, a cada ano, novas comunidades,<br />

novas lideranças e<br />

construindo centros de pastoral ou<br />

igrejas nos bairros novos; realizar,<br />

junto com o bispo dom Antônio,<br />

o complicado e demorado processo<br />

da formação da diocese de<br />

Eunápolis.<br />

Itabatan: É um capítulo à parte.<br />

Trata-se de um pequeno distrito<br />

de 1.000 habitantes que, dentro de<br />

pouco tempo, atingiu a casa dos<br />

10.000. Isto devido à implantação<br />

da megaindústria de papel e<br />

celulose Baía Sul. Itabatan não<br />

tinha condições de administrar o<br />

caótico crescimento em nenhum<br />

setor público.<br />

O bispo e o administrador do<br />

distrito pediram minha colaboração<br />

nessa fase explosiva de


expansão do lugar. Ajudei a amenizar<br />

a falta de infraestrutura na<br />

formação de um novo bairro, no<br />

planejamento de um hospital diocesano,<br />

na construção da igreja,<br />

na formação da paróquia e na<br />

projeção de um colégio diocesano.<br />

Todo esse serviço tinha que ser<br />

feito em paralelo com os serviços<br />

existentes na paróquia em Teixeira<br />

de Freitas.<br />

RSC: Celebrando 60 anos de vida<br />

religiosa, como o senhor avalia sua<br />

vocação e missão?<br />

Frei Ronaldo: A minha vida de 83<br />

anos completos é mais abrangente<br />

que a vida religiosa. As experiências<br />

vividas antes dela mantiveram<br />

forte infl uência. Elas continuam<br />

enraizadas na minha vida. Fui<br />

muito abençoado por Deus por<br />

ter nascido e vivido numa família<br />

numerosa que soube trabalhar e<br />

partilhar.<br />

A vida religiosa sustentou-me e me<br />

incentivou na realização da vocação<br />

missionária, daquele espírito<br />

pioneiro que sentia. O governo<br />

provincial me deu oportunidade<br />

de trabalhar em terras pioneiras da<br />

nossa Província. E neste sentido me<br />

sinto realizado na vocação.<br />

Avaliar minha vida é avaliar a mim<br />

próprio, nas diversas fases da vida.<br />

É inevitável fazer uma avaliação<br />

sem olhar no espelho ou fazê-la<br />

a partir da memória benevolente<br />

de um idoso. Deus tem sido bom<br />

e misericordioso comigo, também<br />

nos momentos de crise. Se fui um<br />

instrumento útil, agradeço a Deus.<br />

Quando não pude corresponder<br />

plenamente a minha vocação,<br />

me cabe, agora, pedir perdão<br />

a Deus e às pessoas que tenho<br />

decepcionado.<br />

RSC: Finalizando nossa conversa,<br />

o senhor gostaria ainda de relatar<br />

algo que não foi dito acima, mesmo<br />

que seja um fato pitoresco?<br />

Frei Ronaldo: Aí vai um episódio<br />

curioso, acontecido numa fazenda<br />

do Extremo Sul da Bahia.<br />

Todos os anos, acontecia uma<br />

grande festa de batizado, organizada<br />

pelo gerente de uma<br />

fazenda situada na divisa dos<br />

municípios de Medeiros Neto e<br />

Lagedão. Os agregados e as famílias<br />

vizinhas traziam seus fi lhos<br />

para se tornarem cristãos. O proprietário,<br />

dono de uma usina de<br />

açúcar, em Pernambuco, também<br />

se fazia presente. O ambiente era<br />

bem grosseiro.<br />

Depois da celebração da missa<br />

e do batismo, era servido um<br />

banquete. Mesa copiosa de comida<br />

gostosa. O prato principal dessa<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 21


vez foi um grande leitão assado,<br />

trazido pelo gerente com muita<br />

pompa e circunstância. O prato<br />

foi colocado no centro da mesa<br />

comprida com uma salva de<br />

palmas! Os convidados esperavam<br />

pelo segundo ato daquela “liturgia<br />

do leitão”, ou seja, degustar a<br />

saborosa iguaria.<br />

Mal o gerente se afastara da mesa,<br />

chegou um homem baixinho e<br />

bêbado. Este pegou o suculento<br />

prato e se dirigiu, às pressas, até o<br />

chiqueiro e jogou o bicho para os<br />

porcos!<br />

Entre gritos e exclamações dos<br />

comensais diante daquela inusitada<br />

cena, apareceu o gerente<br />

que agarrou o infrator e lhe deu<br />

22 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

uma surra, na presença de todos. A<br />

violência foi tamanha que o pobre<br />

coitado mal podia levantar-se. O<br />

vaqueiro pegou-o, arrastou-o e<br />

trancou-o no depósito das selas e<br />

dos arreios dos cavalos.<br />

Não faltaram comentários da parte<br />

dos presentes que, por um lado,<br />

questionavam o fato em si e, por<br />

outro, ponderavam que o “baixinho<br />

bêbado” costumava aprontar<br />

poucas e boas em ocasiões como<br />

esta. E ainda: o comentário mais<br />

pertinente era o de que aquele<br />

pobre coitado “sabia demais”. Apesar<br />

de tudo, a festa terminou em<br />

paz, ninguém passou fome, comida<br />

não faltou.


3.2. FREI CORNÉLIO VAN VELZEN<br />

RSC: Frei Cornélio, fale-nos sobre sua<br />

origem e vocação.<br />

Frei Cornélio: Não é aconselhável<br />

pincelar em poucas palavras<br />

um tempo de 60 anos. Quem<br />

projeta uma ponte sobre um rio<br />

com pilares gasta muito tempo,<br />

calculando, desenhando. O rio da<br />

vida está cheio de imprevistos.<br />

Quem é capaz de superá-los?<br />

Lá se foram 60 anos de vida<br />

consagrada. Tudo começou quando<br />

eu tinha 21 anos de idade, em<br />

Hoogcrutz, no sul da Holanda.<br />

Além de Hoogcrutz havia mais<br />

um noviciado em Stoutenburg, no<br />

centro da Holanda. O número dois<br />

signifi ca um número expressivo de<br />

candidatos para a vida religiosa.<br />

Muitos jovens se sentiram atraídos<br />

por esse tipo de vida naquele<br />

tempo. Depois entrou em declínio e<br />

diminuiu o número de candidatos.<br />

A aventura para mim começou em<br />

1952.<br />

Antes de entrar naquela ponte<br />

de uma vida nova, houve a<br />

preparação. Passei seis anos no<br />

seminário me-nor, em Megen, na<br />

Brabantia, à beira do rio que corta<br />

Holanda em dois. Megen não era<br />

um seminário comum. Tinha como<br />

especialida-de o sistema de casas<br />

separadas, onde moravam os<br />

seminaristas. Em cada casa morava<br />

um certo número de estudantes. A<br />

gente frequentava o ginásio para<br />

ter aulas, participar das Missas (em<br />

latim), e estudar no salão. Uma<br />

grande parte da vida se passava<br />

ao redor do colégio. Nas casas, a<br />

gente morava, comia, dormia e, de<br />

noite, estudava um pouco. Era um<br />

sistema interessante porque uma<br />

parte da vida fi cava por conta de<br />

um grupo de jovens responsáveis<br />

pelo bom atendimento em casa.<br />

Os freis, morando perto do ginásio,<br />

no convento, tiveram como tarefa<br />

acompanhar os estudantes nas<br />

casas espalhadas na cidade. Essa<br />

vigilância não era severa. O mais<br />

idoso do grupo de estudantes<br />

era, em geral, responsável pela<br />

boa ordem da turma. Este sistema<br />

possibilitou-nos desenvolver o<br />

senso de responsabilidade. Além<br />

de missas diárias, em latim, havia<br />

também o costume de confi ssão<br />

frequente. Tudo isso se passou<br />

entre os anos 1946 até 1952.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 23


A guerra mundial terminou em<br />

1945. Marcou a vida de muita<br />

gente. Começou em 1940. Sem<br />

mais nem menos, os alemães<br />

invadiram o pequeno país sob o<br />

motivo de proteger a gente contra<br />

os ingleses. Começou o tempo<br />

de mentira, a opressão. Acabou a<br />

nossa liberdade. Nesse tempo foi<br />

semeada dentro de mim a semente<br />

da resistência.<br />

O tempo de seminário parece um<br />

passo para trás, mas na entrada<br />

de uma ponte a entrada é muito<br />

importante. Quem olha bem vai<br />

notar que chove muito a água<br />

começa a mexer com essas partes.<br />

A entrada é a preparação para o<br />

resto como acontece também na<br />

vida da gente. Por isso é útil essa<br />

comparação.<br />

Um segundo passo para trás é o<br />

tempo na família. Quero descrevêlo<br />

em poucas palavras. Antes da<br />

guerra, a Europa passou por uma<br />

grande crise. A Alemanha nunca<br />

aceitou as condições de paz depois<br />

de 1914 a 1918. Ficou encolhida,<br />

mas era um tempo de alimentar<br />

a reação. Nasci numa família<br />

numerosa de nove, fi cando no<br />

meio, enquanto mamãe cuidava<br />

dos fi lhos, em casa, conforme o<br />

costume daquele tempo. Meu<br />

pai caçava serviço sem encontrálo.<br />

Era o tempo de desemprego<br />

que atingia a população em geral.<br />

O governo procurava sanar tal<br />

24 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

situação com uma certa ajuda.<br />

A lição de meu pai foi esta: não<br />

quero para meus fi lhos o que está<br />

acontecendo comigo. Os pais<br />

faziam de tudo para que os fi lhos<br />

estudassem na escola. Fora disso,<br />

a gente trabalhava no sustento<br />

da família. O trabalho fazia parte<br />

da vida. Não havia outra saída. Foi<br />

nesse tempo que surgiu, na família,<br />

a minha vocação.<br />

Nesse tempo de guerra, manifestei<br />

a vontade de estudar. O número<br />

de candidatos foi tão grande que<br />

devia esperar um ano para entrar<br />

no seminário. Minha mãe me<br />

acompanhava de perto, dando<br />

tudo de si para realizar o seu sonho.<br />

“Seminário” signifi ca fi car um<br />

certo tempo fora da convivência<br />

da família, voltando na época de<br />

férias. Quanta mudança na vida<br />

da gente! A gente entrava aos<br />

poucos nesse novo ambiente<br />

completamente diferente. Era o<br />

preço que a gente pagava nesta<br />

nova vida. Senti a difi culdade nos<br />

estudos. A pessoa aceita em vista<br />

do ideal que abraçou. Gostava de<br />

estudar as matérias, a formação<br />

acadêmica no ginásio.<br />

No mês de setembro, entramos<br />

no noviciado em Hoogcrutz (22) e<br />

Stoutenburg (20) e em Weert (4),<br />

para ser irmão. Um total de 46. Era<br />

um mundo totalmente diferente<br />

de oração, estudos, trabalhos manuais<br />

e aulas sobre a vida religiosa.


Tínhamos a oração à meia-noite<br />

e fui convidado para acordar o<br />

pessoal na hora certa. Não tinha<br />

contato com as pessoas de fora.<br />

No dia de domingo, vinha gente da<br />

região participar da Missa solene<br />

em que cantávamos em latim.<br />

Poucas vezes a gente saía para<br />

caminhar e conhecer o ambiente<br />

de Limbúrgia. Era mais uma vida<br />

voltada para dentro.<br />

Na época dos estudos de Filosofi<br />

a e Teologia - nos outros<br />

conventos de Wychen, Alverna<br />

e Wert - tínhamos um pouco<br />

mais de liberdade. No período<br />

pós-guerra, fomos convidados<br />

a trabalhar na reconstrução da<br />

Europa. Era um trabalho iniciado<br />

por frei Werenfried Verstraten.<br />

Trabalhamos no período das férias<br />

em vários países como França,<br />

Áustria e Holanda. Foram três anos<br />

seguidos. Uma experiência que<br />

ajudou a abrir um pouco mais a<br />

nossa mente.<br />

O centro de tudo era a formação<br />

religiosa e intelectual. A gente<br />

não saía para outras coisas, foi<br />

muito mais na teoria sem entrar<br />

na prática. Criou-se a impressão<br />

de que tudo aquilo bastasse<br />

para o futuro. Fomos, em certo<br />

sentido, preparados para entrar em<br />

qualquer parte do mundo. Entre<br />

nós havia a separação dos irmãos<br />

leigos dos outros freis. Eles fi cavam<br />

em Weert, um grupo pequeno,<br />

reduzido. A formação deles era<br />

outra.<br />

RSC: Como foi sua nomeação para o<br />

Brasil?<br />

Frei Cornélio: No ano de 1959,<br />

terminamos os estudos e fomos<br />

ordenados em Weert. O número de<br />

sacerdotes era tão grande que uma<br />

parte era destinada para trabalhar<br />

na terra das missões. Senti-me mais<br />

atraído para as missões sem saber<br />

ao certo em qual país. No meu<br />

caso, tudo fi cou no ar. Havia três<br />

possibilidades: Brasil, Nova Guiné e<br />

Paquistão. Não sabia de nada sobre<br />

os três. Na última hora (um colega<br />

foi com atestado médico declarado<br />

apto para Nova Guiné), recebi a<br />

notícia de minha nomeação: Brasil...<br />

Tinha um conhecimento geral a<br />

respeito. A língua não sabia. O jeito<br />

era embarcar e entrar na jogada.<br />

Viajamos de navio e no fi m do<br />

mês de setembro, após umas duas<br />

semanas de viagem, avistamos o<br />

Rio de Janeiro. Durante a viagem,<br />

pude, aos poucos, me dar conta do<br />

que seria um missionário.<br />

RSC: E sua adaptação em nossas<br />

terras?<br />

Frei Cornélio: Lembro-me da chegada<br />

ao Rio. Quem estava lá era<br />

o nosso frei Antônio. Um homem<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 25


tarimbado para esse trabalho. Fazia<br />

amizade com a alfândega, o que<br />

facilitava a nossa entrada com tantas<br />

malas. Um outro frei holandês tinha<br />

difi culdade com tanto material.<br />

De fato, o número era muito alto.<br />

Aqui descobri a importância do<br />

jeitinho brasileiro. O que para um<br />

era uma impossibilidade, para o<br />

outro um excesso de confi ança.<br />

Tudo entrou com tranquilidade.<br />

Era o fruto de duas culturas. Esses<br />

fatos chamavam a atenção. Passei<br />

em várias cidades para aprender o<br />

português. Descobri muito mais.<br />

O povo, aos poucos, começou a<br />

mudar completamente a minha<br />

vida.<br />

A primeira experiência na pastoral<br />

se deu em Corinto e Pirapora.<br />

Eram as paróquias para aprender<br />

a língua. Custou. Assim mesmo<br />

celebrei Missas em latim e o primeiro<br />

sermão fi z em Corinto, no dia<br />

de Nossa Senhora da Conceição.<br />

Era curtinho... O vigário estava no<br />

fundo da Igreja. Falei duas vezes o<br />

mesmo. A munição era pouca. O<br />

que fazer? Em Pirapora fui chamado<br />

para atender uma senhora doente.<br />

O jeito era ungir e rezar, em holandês.<br />

Uma professora ofereceu o<br />

pão e me lembrando que negar ia<br />

incomodá-la, respondi “sim”. Outros<br />

colegas devem se lembrar destas<br />

histórias. Lembro-me de frei Heleno<br />

entrando no ônibus com guardachuva,<br />

atingindo uma senhora,<br />

26 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

dizendo e “com licença”. A gente<br />

ainda não entendia o sentido das<br />

palavras. Não havia outro caminho<br />

do que entrar na vida diária.<br />

A primeira nomeação foi para<br />

a paróquia de Muzambinho. Fiquei<br />

pouco tempo lá. Cheirei os<br />

primeiros passos no interior. Andava<br />

com um Fordinho de 1929.<br />

Um colosso para dar dor de cabeça.<br />

Visitava as comunidades rurais.<br />

O batismo verdadeiro foi em Teófi lo<br />

Otoni, no tempo de dom Filipe e<br />

frei Aquino. A roça fi cou por minha<br />

conta. Andei de carro (candango)<br />

com o vigário um quarteirão e<br />

logo em seguida acrescentou: “a<br />

paróquia de Topázio está à sua<br />

disposição”. No início era assim:<br />

dois trabalhavam na cidade e um<br />

na roça. Esse último sobrou para<br />

mim. Era o batismo de fogo. Senti<br />

vontade de trabalhar de dois, neste<br />

caso, com frei Luciano e frei Teipel.<br />

Surgiu o nome a “Equipe Rural”.<br />

Começamos a experimentar.<br />

Em Salinas demorei para levantar<br />

voo. Frei Venâncio animou a turma,<br />

introduzindo o Culto Dominical.<br />

Fiquei mais na retaguarda, na<br />

cidade, acompanhando os casais<br />

no bairro de São Geraldo. Tudo<br />

consistia em “experimentar”<br />

e crescer com o nosso povo. Os<br />

primeiros contatos com o povo de<br />

Teófi lo Otoni foram aprofundados<br />

em Salinas. O contato com o povo<br />

virou diálogo, quebrando o gelo da


distância. Parti contando com os<br />

leigos, aqueles e aquelas que fazem<br />

parte constante do povo. O povo<br />

foi preparado para realizar o Culto<br />

no domingo, através de cursos.<br />

Aprendia a falar, ler e preparar os<br />

encontros semanais. Caratinga se<br />

tornou um ponto de referência<br />

com cursos, grupos de refl exão, de<br />

liderança. Essa caminhada marcou<br />

profundamente o nosso povo. Sou<br />

testemunha disso e essa história<br />

está gravada na caminhada do povo.<br />

Natal e Quaresma tiveram cursos<br />

de três dias. Perguntas e respostas<br />

possibilitavam o aprofundamento<br />

de certos temas que eram depois<br />

utilizados nas comunidades. Depois<br />

a gente recebia cartinhas de<br />

agradecimentos. A satisfação era<br />

dos dois lados.<br />

Num certo momento, o número<br />

de comunidades aumentou, chegando<br />

até a cinquenta. As lideranças<br />

assumiam a sua responsabilidade.<br />

A gente cobrava e eles<br />

aceitavam. O encontro com os<br />

irmãos, em Araçuaí, nos colocou<br />

em contato direto com a equipe<br />

de Caratinga. Quem se esquece do<br />

trabalho de Alypio e João Resende?<br />

Nossos líderes descobriram o<br />

seu potencial, dando cursos em<br />

muitas comunidades nossas e<br />

de paróquias vizinhas. Os leigos<br />

andavam ao lado dos freis e a<br />

gente se entendia muito bem.<br />

Era um ambiente de gente adulta<br />

e ponderada. Juntei o material<br />

daquele tempo como memória<br />

viva da paróquia. O leigo fi ca e o<br />

padre passa. Sem padre ou frei,<br />

mas o leigo está presente. Os freis,<br />

os padres são outros, mas eles<br />

fi caram, estão à disposição.<br />

Sem dúvida, o leigo acordou,<br />

descobriu o seu valor. O padre<br />

também começou a enxergar a<br />

realidade, sobretudo depois do<br />

Concílio Vaticano com as mudanças.<br />

Puebla, Medellín e Santo<br />

Domingo fortaleceram essa<br />

caminhada.<br />

A paróquia de Pirapora, situada<br />

na Arquidiocese de Diamantina,<br />

era constituída de um povo diversifi<br />

cado. Muitos paroquianos<br />

vieram do estado da Bahia por<br />

causa da seca, do desemprego e<br />

outros motivos. Desde o ano de<br />

1915, os franciscanos estiveram<br />

por lá. Eu fazia parte de um grupo<br />

de quatro franciscanos. Frei Teodoro<br />

(pároco), Fortunato, Jerônimo<br />

e Nicolau. Era uma paróquia só,<br />

incluindo a cidade de Buritizeiro.<br />

Eu tomava conta de Buritizeiro,<br />

quero dizer, da cidade. Fiquei 13<br />

anos e procurei adaptar-me a essa<br />

nova realidade.<br />

Lembro-me mais da introdução da<br />

pastoral do Dízimo, tirando uma dor<br />

de cabeça do pároco por causa de<br />

fi nanças. Essa mudança deslocou<br />

a preocupação para outras áreas<br />

mais importantes. O povo ajuda e<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 27


precisa de esclarecimentos. Poucos<br />

dias atrás, por ocasião da visita à<br />

cidade (Dom Célio foi indicado<br />

para ser cidadão honorário), alguém<br />

da comunidade de “<strong>Santa</strong><br />

<strong>Cruz</strong>” (perto de Bom Jesus) me<br />

procurou e me comunicou que<br />

estão construindo a Capela na<br />

comunidade, no terreno comprado<br />

com uma parte do dinheiro<br />

daquele tempo. A comunidade,<br />

na sua generosidade em devolver<br />

o Dízimo, viu os seus esforços contemplados<br />

com a compra de um<br />

terreno. Um segundo elemento<br />

no trabalho na paróquia foi, sem<br />

dúvida, o número de capelas e<br />

construções nas duas cidades. Havia<br />

entrosamento com as lideranças.<br />

São apenas observações a respeito<br />

daquele tempo interessante.<br />

28 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

RSC: Depois de muitas andanças,<br />

o senhor agora se encontra em<br />

Divinópolis e comemora 60 anos de<br />

consagração religiosa...<br />

Frei Cornélio: Quero fi nalizar estas<br />

observações com uma resposta<br />

sobre os 60 anos de Vida Religiosa<br />

Franciscana. Fui transferido de<br />

Salinas para Divinópolis, há dois<br />

anos. Na ocasião da nomeação,<br />

falei claramente que não me<br />

encontrava mais em condições<br />

de trabalhar na área rural. Por isso<br />

me dediquei (era um desafi o para<br />

mim) à área urbana. Gostei tanto<br />

da liberdade que ganhei da parte<br />

dos confrades como os trabalhos<br />

desenvolvidos pelos leigos em<br />

várias áreas. Os leigos têm capacidades<br />

de entrar nas pastorais<br />

como no dízimo, pastoral<br />

da criança, pastoral<br />

da segunda união de<br />

casais, pastoral da saúde,<br />

pastoral carcerária e formação<br />

bíblica. Mais do<br />

que nós eles estão a par<br />

dos problemas. Quando<br />

bem acompanhados e<br />

ouvidos, indicam o caminho<br />

da saída. Esta<br />

última transferência mexeu<br />

comigo. A grande<br />

pergunta para mim era<br />

esta: “quando e como<br />

terminam os trabalhos da<br />

gente na área da pas-


toral? Quem vai marcar o momento”?<br />

Por mim mesmo podia<br />

ter demorado mais tempo. Senti<br />

dentro de mim esta jogada. Depois<br />

resolvi o seguinte: no primeiro<br />

ano, tratar de minha saúde e<br />

depois analisar o resto com calma.<br />

Surgiu a oportunidade de poder<br />

viver como franciscano, mais para<br />

dentro, seguindo os passos de<br />

São Francisco. Cheguei aqui como<br />

sacerdote a pedido dos bispos<br />

e agora queria, livre disso, viver<br />

mais como franciscano dentro da<br />

fraternidade.<br />

Agradeço a oportunidade de ter<br />

trabalhado no norte de Minas.<br />

Foi uma experiência muito válida.<br />

Recuado no convento de<br />

Divinópolis, me sinto bem como<br />

membro da província <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>.<br />

Nas férias do ano passado, na<br />

Holanda, aceitei o convite de um<br />

confrade holandês para passar a<br />

tirar férias de um modo diferente,<br />

no convento da paróquia de<br />

São Nicolau. Fiquei com os franciscanos<br />

daquela comunidade.<br />

Foi uma revelação positiva. Apreciei<br />

a tranquilidade deles. Nada<br />

de pressa, pelo fato de que o<br />

número de irmãos diminuiu bastante,<br />

o “espírito de oração” criou<br />

um ambiente de paz e de boa<br />

convivência. Para mim foi uma<br />

revelação de que nem tudo depende<br />

da gente. É importante<br />

saber colocar uma boa parte nas<br />

mãos de Deus. Chega de trabalho!<br />

Está na hora de saber desfrutar a<br />

experiência da vida franciscana!<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 29


Contemplando a temática da Campanha da Fraternidade deste<br />

ano de <strong>2012</strong>: “Fraternidade e saúde pública”, nossa “refl exão” se<br />

abrirá com um interessante texto sobre esse assunto. Na sequência,<br />

frei Francisco van der Poel partilhará mais um verbete de seu<br />

“Abecedário da religiosidade popular”.<br />

30 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

REFLEXÃO<br />

1. SAÚDE NA PERSPECTIVA DA<br />

ECOLOGIA INTEGRAL<br />

Ana Maria Vidigal Ribeiro e José<br />

Luiz Ribeiro de Carvalho<br />

(Fundadores e diretores do Centro de<br />

Ecologia Integral<br />

e da <strong>Revista</strong> Ecologia Integral)<br />

É muito comum, atualmente,<br />

ouvirmos nos noticiários os<br />

termos saúde ou sistema de saúde<br />

como sendo, principalmente, os<br />

conhecimentos, as práticas, os<br />

profi ssionais ou as instituições<br />

que atuam buscando resgatar, no<br />

caso de uma pessoa doente, sua<br />

condição de vida saudável.


No entanto, é importante lembrarmos<br />

que, segundo a Organização<br />

Mundial de Saúde – OMS,<br />

saúde é um estado de completo<br />

bem-estar físico, mental e social e<br />

não apenas a ausência de doenças<br />

ou enfermidades.<br />

De maneira semelhante, na proposta<br />

da ecologia integral, que<br />

tem como pressuposto fundamental<br />

a interligação e a interdependência<br />

de tudo que existe,<br />

e onde nós, seres humanos, infl<br />

uenciamos e somos infl uenciados<br />

por tudo que nos cerca, a<br />

saúde é entendida também, de<br />

forma ampla, abrangendo três<br />

dimensões inseparáveis: a pessoal,<br />

a social e a ambiental.<br />

A dimensão pessoal se refere ao<br />

cuidado que devemos ter com o<br />

nosso corpo (como a alimentação<br />

saudável, a respiração correta, a<br />

atividade física, o descanso necessário<br />

e o sono reconfortante),<br />

com as nossas emoções (procurando<br />

conhecer e entender os<br />

nossos estados emocionais para<br />

que eles se tornem cada vez<br />

mais harmoniosos), com a nossa<br />

mente (a atenção que se deve<br />

dar aos nossos pensamentos e às<br />

informações que os “alimentam”)<br />

e com a nossa espiritualidade<br />

(buscando uma verdadeira conexão<br />

interna, com as outras pessoas,<br />

com o planeta, com o universo<br />

e com tudo que ainda não<br />

conseguimos compreender).<br />

Mas, como não vivemos sozinhos,<br />

para sermos saudáveis, num<br />

sentido pleno, devemos contribuir<br />

para que o ambiente à nossa<br />

volta seja propício à saúde. Bons<br />

relacionamentos, a prática do diálogo,<br />

a solução pacífi ca dos confl<br />

itos, o respeito às diferenças, a<br />

solidariedade, entre tantos outros<br />

aspectos, favorecem uma vida<br />

social harmoniosa que refl ete na<br />

nossa saúde. É o que se busca na<br />

dimensão social.<br />

E com relação à natureza? O ar,<br />

a água, o solo, a energia do sol, as<br />

plantas, os minerais, os animais são<br />

imprescindíveis para a nossa vida.<br />

A dimensão ambiental nos propõe<br />

a união profunda com a natureza,<br />

fazendo-nos entender que sem ela<br />

não há possibilidade da existência<br />

humana. Cuidar do planeta é<br />

cuidar de cada um de nós.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 31


Como essas dimensões da ecologia<br />

e da saúde são intrinsecamente<br />

inseparáveis, toda ação<br />

nossa vai repercutir na teia da<br />

vida de diversas formas. Tomemos<br />

como exemplo a alimentação.<br />

Quando optamos por uma alimentação<br />

saudável, consumindo<br />

produtos produzidos de forma<br />

ambientalmente correta, socialmente<br />

justa, e que sejam também<br />

benéfi cos para nosso corpo, estamos<br />

contribuindo para nossa<br />

saúde pessoal, de modo a prevenir<br />

muitas doenças decorrentes de<br />

práticas alimentares inadequadas,<br />

para uma melhor distribuição de<br />

renda e justiça social, ao adquirirmos<br />

alimentos produzidos por pequenos<br />

produtores e da própria<br />

região, e para um meio ambiente<br />

mais saudável, ao preferirmos alimentos<br />

produzidos sem a utilização<br />

dos “venenos” muito comumente<br />

utilizados na produção convencional.<br />

O conceito de saúde, considerado<br />

32 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

nesta forma ampliada, por mais<br />

que possa parecer utópico, pode<br />

e deve orientar as nossas práticas<br />

cotidianas, o nosso estilo de vida,<br />

bem como a ação dos governantes,<br />

das instituições e dos cidadãos, com<br />

o objetivo maior de se conquistar a<br />

saúde integral para todos.<br />

Para isso, a principal transformação<br />

necessária é a mudança<br />

da visão de mundo, que nos faz<br />

compreender que fazemos parte<br />

de uma teia intricada de relações,<br />

onde tudo tem a ver com tudo.<br />

Isto implica uma ampliação de<br />

consciência do que devemos considerar,<br />

de fato, como a saúde<br />

integral e possibilita que cada um<br />

de nós cuide verdadeiramente de<br />

si mesmo, dos outros e do planeta,<br />

para que possamos, de fato, viver<br />

uma vida plena e harmoniosa.


2. RESISTÊNCIA POPULAR<br />

IMPLÍCITA<br />

Frei Francisco van der Poel, OFM<br />

Quem é chamado de “pobre”<br />

defende-se, dizendo: Não! Pobre<br />

é o diabo que fi cou sem as graças<br />

de Deus. Sou, sim, um homem<br />

fraco. Isso nós já ouvimos muitas<br />

vezes. Ora, fraco é o oposto de<br />

poderoso. Disso o pobre revela<br />

ter consciência. Pensando bem, as<br />

músicas dos movimentos populares<br />

e das CEBs não precisam necessariamente<br />

ser uma espécie<br />

de arte engajada; no estilo do conhecido<br />

batuque: Samba nêgo,<br />

branco não vem cá. Se vier pau é de<br />

levar. Isto existe!<br />

No entanto, a resistência popular,<br />

muitas das vezes, é implícita. Ela<br />

está no próprio fato de a cultura<br />

persistir em existir: festas, benditos,<br />

folias, terreiros, rezadeiras, raizeiros,<br />

panelas de barro. Enquanto<br />

o rádio toca música em inglês, o<br />

povo continua dançando a roda de<br />

samba ou de batuque. Enquanto<br />

a farmácia está cheia de remédios<br />

sintéticos, o povo toma chá de<br />

quebra-pedra.<br />

As comunidades ‘fracas’ resistem<br />

à opressão com uma “paciência<br />

histórica”. Nesta perspectiva, é<br />

importante perceber que, ao<br />

ninar uma criança recém-nascida,<br />

a mãe poderá cantar um acalanto<br />

aprendido em casa:<br />

Topei com a Senhora na beira<br />

do rio,<br />

lavando os paninhos de seu<br />

bento fi lho.<br />

Maria lavava, José estendia,<br />

o menino chorava do frio que<br />

fazia.<br />

Não chores menino, calai meu<br />

amor<br />

que a faca que corta dá o golpe<br />

sem dor.<br />

No monte Calvário avistei uma<br />

cruz<br />

é cama e travesseiro do meu<br />

bom Jesus.<br />

Os fi lhos dos ricos em berço<br />

dourado<br />

e vós, meu menino, em palha<br />

deitado.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 33


Este canto medieval (séc. XIII ou<br />

XIV) veio de Portugal. Pertencia<br />

à tradição oral dos pobres de<br />

lá. No Brasil, a população ‘fraca’<br />

não simplesmente copiava tudo<br />

do colonizador. Livremente, ela<br />

criava coisas e adotava outras que<br />

combinavam com sua vida sofrida.<br />

O canto acima, registrado na área<br />

rural de Araçuaí (MG), fala mesmo é<br />

dos fi lhos dos ricos.<br />

É impressionante que, depois de<br />

tantos séculos, o povo não deixa a<br />

peteca cair. Oh cultura forte! Haja<br />

resistência assim em todas as mães<br />

do Jequitinhonha e de todos os<br />

Estados da Federação!<br />

34 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong>


MEMÓRIA<br />

Esta seção traz os “in memoriam” dos saudosos confrades<br />

frei Frederico Voorvelt e frei Estanislau Bartholdy<br />

1. “IN MEMORIAM” DE FREI<br />

FREDERICO VOORVELT<br />

(1916-2009)<br />

Frei Celso Márcio Teixeira, OFM<br />

Dados biográfi cos e itinerário<br />

formativo<br />

A casa do Sr. Johannes Cornelius<br />

Christianus Voorvelt e de Da. Maria<br />

Witsiers, em Schoten Haarlem<br />

– Holanda, no dia 19 de <strong>março</strong><br />

de 1916, transbordou de alegria.<br />

Causa: o nascimento de uma<br />

criança tipicamente holandesa,<br />

de olhos azuis e cabelos louros,<br />

do sexo masculino, que na pia<br />

batismal recebeu o nome de Petrus<br />

Johannes Voorvelt.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 35


Não consta em nossos arquivos,<br />

mas provavelmente ele tenha feito<br />

em sua terra natal os primeiros<br />

estudos da infância e juventude.<br />

Também não se sabe como surgiu<br />

para o jovem Petrus a vocação à<br />

vida franciscana. Sem dúvida, deve<br />

ter recebido de sua família uma<br />

sólida formação cristã. O certo é<br />

que, aos 07 de setembro de 1937,<br />

com 21 anos de idade, ingressou<br />

no Noviciado em Bleyerheide<br />

– Holanda, recebendo o nome<br />

religioso de Frederico Voorvelt.<br />

Frei Federico e familiares.<br />

Transcorrido o ano de noviciado,<br />

ele fez a profi ssão temporária<br />

aos 08 de setembro de 1938, no<br />

Convento de Venray – Holanda.<br />

Neste mesmo convento, iniciou e<br />

concluiu satisfatoriamente o curso<br />

36 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

de fi losofi a (de setembro de 1938 a<br />

julho de 1940, pois o ano letivo na<br />

Europa é diferente do ano letivo no<br />

Brasil), obtendo em vários quesitos<br />

o conceito “bom”. Concluído o<br />

curso de fi losofi a, transferiu-se<br />

para o Convento de Alverna, onde<br />

cursou os dois primeiros anos de<br />

teologia. No início do segundo ano<br />

de teologia, aos 08 de setembro<br />

de 1941, fez sua profi ssão solene<br />

na Ordem dos Frades Menores,<br />

mostrando maior empenho, obtendo<br />

na maioria dos quesitos o<br />

conceito “muito bom”.<br />

Os dois anos seguintes<br />

do estudo de teologia<br />

(de setembro de<br />

1942 a julho de 1944)<br />

foram transcorridos<br />

em Weert. Aí recebeu<br />

as ordens do<br />

subdiaconato (03 de<br />

abril de 1943) e do<br />

diaconato (09 de setembro<br />

de 1943). A<br />

ordenação sacerdotal<br />

foi celebrada aos 19<br />

de <strong>março</strong> de 1944, em<br />

Weert, poucos meses<br />

antes do término do<br />

quarto ano de teologia.<br />

O quinto ano de teologia foi<br />

transcorrido em Bleyerheide, de<br />

setembro de 1944 a julho de 1945.<br />

Não se encontram nos arquivos<br />

referências ao período de julho de<br />

1945 a julho de 1946. Encontra-


se uma declaração sem data da<br />

Província franciscana da Holanda<br />

com os seguintes dizeres: “Irá<br />

com mais preferência hoje do que<br />

amanhã ao Brasil”. Deste modo,<br />

aos 03 de julho de 1946, frei<br />

Frederico recebe sua transferência<br />

da Província da Holanda para o<br />

Brasil, mais precisamente para São<br />

João del-Rei, para exercer a função<br />

de professor no Colégio Santo<br />

Antônio.<br />

No Brasil, uma presença apostólica<br />

pendular entre escola e<br />

paróquia<br />

A deduzir de uma carta de frei<br />

Abel a frei Frederico datada de<br />

19 de fevereiro de 1974, frei<br />

Frederico não teria gostado muito<br />

de São João del-Rei. No entanto,<br />

aí permaneceu até a data de 1o de <strong>janeiro</strong> de 1953, quando foi<br />

transferido para Belo Horizonte<br />

(Convento São Bernardino) como<br />

professor e prefeito de disciplina<br />

no Colégio Santo Antônio. Ficou,<br />

porém, pouco tempo, pois, aos<br />

15 de dezembro do mesmo ano,<br />

recebia nova transferência para<br />

Nanuque, para exercer a função de<br />

coadjutor.<br />

Aos 18 de fevereiro de 1956, foi<br />

transferido para Carlos Chagas,<br />

ainda na qualidade de coadjutor da<br />

paróquia. E no dia 1o de <strong>janeiro</strong> de<br />

1959, além da nomeação anterior,<br />

acumulou o cargo de Diretor do<br />

Colégio.<br />

Três anos mais tarde, aos 22 de<br />

<strong>janeiro</strong> de 1962, frei Frederico está<br />

novamente destinado à escola,<br />

pois recebe transferência para São<br />

João del-Rei, como professor do<br />

colégio e assistente da Ordem III.<br />

Ficou pouco tempo, recebendo<br />

nomeação, em dezembro deste<br />

mesmo ano, de substituto do<br />

pároco de Machacalis, função que<br />

ele exerceu até o dia 1o de maio de<br />

1963, quando foi transferido para<br />

Águas Formosas, com a nomeação<br />

de pároco.<br />

Frei Frederico fi cou durante nove<br />

anos à frente da paróquia de Águas<br />

Formosas. Dos arquivos podese<br />

deduzir que sua preocupação<br />

pastoral não se limitava ao<br />

atendimento espiritual de suas<br />

ovelhas, mas se estendia ao bemestar<br />

social do povo de Deus a ele<br />

confi ado. De fato, em várias cartas<br />

escritas a frei Abel encontramse<br />

referências constantes ao seu<br />

trabalho e tentativa de equipar<br />

adequadamente o hospital da<br />

cidade. Assim, em carta de 04/06/70<br />

a frei Abel, ele fala de aparelho de<br />

Rio X, de jeep e de ambulância<br />

que está tentando adquirir para o<br />

hospital São Vicente de Paulo, de<br />

Águas Formosas. Em outra carta,<br />

de 20/07/70, fala de dinheiro para<br />

pagar material do hospital. Em<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 37


outra ainda, de 23/08/70, mostra<br />

grande alegria, porque Águas<br />

Formosas tem ambulância nova,<br />

jeep novo e ainda sobrou dinheiro.<br />

Comentando sua volta das férias<br />

na Holanda (carta de 02/01/72),<br />

frei Frederico diz que queria voltar<br />

de navio para trazer máquinas<br />

de costura para mães pobres em<br />

Águas Formosas. E, mesmo depois<br />

de ter sido transferido (carta de<br />

02/03/74), ele pede a frei Abel<br />

para enviar 300 fl orins que tinha<br />

recebido da sua paróquia na Holanda<br />

para os clubes de mães de<br />

Águas Formosas.<br />

Sua transferência de Águas Formosas<br />

se deu com sua nomeação,<br />

no dia 1o de fevereiro de<br />

1974, de pároco da paróquia São<br />

José Operário, em Nanuque. Permaneceu<br />

exatos três anos à frente<br />

desta paróquia, recebendo (a<br />

1o /02/1977) sua transferência para<br />

Ibirapuã, como praeses e pároco.<br />

Igualmente, em Ibirapuã, frei Frederico<br />

mostrou-se sensível à realidade<br />

social do povo. Lá, iniciou<br />

uma obra social destinada à<br />

integração e fi xação dos jovens<br />

na sociedade local. Em carta de<br />

24 de maio de 1980, frei Patrício,<br />

na qualidade de Provincial, redige<br />

uma carta de apresentação para<br />

o Projeto “Formação de mão de<br />

obra”, uma experiência “fábricaescola”,<br />

orientada por frei Frederico<br />

com a fi nalidade de “formar mão<br />

38 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

de obra entre os jovens dentro<br />

do município (Ibirapuã), a fi m de<br />

diminuir a evasão da população<br />

para outros lugares, como está<br />

acontecendo no momento”. De<br />

uma carta de frei José Verstappen<br />

(10/11/80), da Missionszentrale der<br />

Franziskaner, fi camos sabendo que<br />

este conseguiu 15.000 marcos para<br />

uma carpintaria em Ibirapuã. E em<br />

carta de 07/03/1981 a frei Geraldo,<br />

frei Frederico agradece por dois<br />

cheques recebidos da Holanda<br />

em prol da paróquia de Ibirapuã.<br />

Escrevendo a frei Odilon, (16/4/82),<br />

ele fala de 4.000 fl orins para a<br />

carpintaria-escola.<br />

No período em que esteve em<br />

Ibirapuã, foi convidado para participar<br />

do curso do CERNE no<br />

Rio de Janeiro. Deste modo, de<br />

1o /05/79 a 16/06/79, frei Frederico<br />

esteve ausente de Ibirapuã para<br />

esse momento de formação permanente.<br />

Após um período de oito anos<br />

como pároco em Ibirapuã, frei<br />

Frederico, em seu movimento<br />

pendular, voltou às salas de aula.<br />

Recebeu sua transferência para<br />

Santos Dumont (1o /02/1985) como<br />

professor da CJF. Lecionou inglês<br />

(para uma turma) e matemática.<br />

Importante foi sua presença entre<br />

os jovens formandos que queriam<br />

desenvolver seus dons artísticos.<br />

Frei Frederico introduzia-os na arte<br />

da cerâmica.


Uma nota pitoresca provém de suas<br />

aulas de inglês: levava para a sala<br />

de aula o toca-disco e iniciava suas<br />

aulas com a música Yesterday, dos<br />

Beatles. Pode ser que os alunos não<br />

tenham aprendido a falar inglês,<br />

mas, pelo menos, aprenderam a<br />

cantar a música.<br />

No início de 1989, frei Frederico<br />

percebeu que podia conciliar<br />

sua tarefa de professor com sua<br />

experiência de pároco. Recebeu,<br />

então, a nomeação de pároco<br />

em Ewbank da Câmara, cidade<br />

próxima a Santos Dumont, à beira<br />

da estrada BR 040. Encantou-se<br />

com a paróquia.<br />

Mais tarde, em data que este que<br />

escreve (guardião naquela época)<br />

não consegue precisar, mas depois<br />

de 1991 (pois em <strong>janeiro</strong> de 1991<br />

ainda recebeu a provisão de pároco<br />

de Ewbank e de Paula Lima),<br />

deixou a paróquia de Ewbank para<br />

assumir, sob os mais veementes<br />

protestos, a paróquia de Dores<br />

do Paraibuna. O motivo da troca<br />

foi a difi culdade que ele tinha<br />

para dirigir o carro até Ewbank.<br />

O perigo era real, pois de Santos<br />

Dumont a Ewbank, apesar da<br />

curta distância (entre 12 a 15 km),<br />

a estrada é muito movimentada,<br />

o que constituía um constante<br />

risco de vida. E frei Frederico, a<br />

bem da verdade, não era dos<br />

melhores motoristas da Província.<br />

De vez em quando, o fusquinha da<br />

casa aparecia amassado dos dois<br />

lados. Esperando que o carro se<br />

encolhesse, à maneira dos carros<br />

de desenho animado, frei Frederico<br />

resolvia passar entre um carro em<br />

movimento e outro estacionado,<br />

sem que houvesse espaço<br />

sufi ciente.<br />

O interessante é que uns dois<br />

meses depois de ter assumido a<br />

paróquia de Dores, interrogado<br />

pelo guardião sobre como se sentia<br />

na nova paróquia, ele mostrava<br />

o maior entusiasmo pela troca,<br />

esquecendo-se defi nitivamente<br />

dos veementes protestos anteriores,<br />

dizendo que a troca deveria<br />

ter sido feita muito antes.<br />

Aos 06 de fevereiro de 1995, frei<br />

Frederico foi transferido de Santos<br />

Dumont para Pará de Minas, na<br />

qualidade de vigário paroquial, aí<br />

permanecendo até 04 de abril de<br />

1997, quando assumiu a função<br />

de pároco em Cabo Verde. A<br />

permanência nesta cidade não<br />

chegou a completar um ano, visto<br />

que aos 20 de <strong>março</strong> de 1998<br />

recebeu nova transferência, desta<br />

vez para Divinópolis, como vigário<br />

paroquial e residente.<br />

Na lista de transferências de 15<br />

de <strong>janeiro</strong> de 2001 seu nome<br />

aparece apenas como residente em<br />

Divinópolis, possivelmente devido<br />

à sua idade.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 39


A pessoa, o franciscano<br />

Falar da pessoa de frei Frederico<br />

é falar do franciscano que ele<br />

foi. Como em espaço exíguo não<br />

se podem tratar muitas coisas,<br />

abordaremos três pontos de sua<br />

personalidade (e de seu modo<br />

franciscano).<br />

1. O senso de humor. Frei Frederico,<br />

além de estar sempre sorridente,<br />

transpirando alegria e otimismo,<br />

tinha senso de humor. Colhemo-lo<br />

de sua correspondência com frei<br />

Abel, que também tinha sua veia<br />

humorística.<br />

Um exemplo se pode ver no que<br />

poderíamos chamar de “novela<br />

dos charutos”. Novela, porque<br />

o tema dos charutos perpassa<br />

inúmeras cartas (todas bemhumoradas)<br />

de ambas as partes.<br />

Frei Frederico encomendava a frei<br />

Abel charutos para frei Peregrino.<br />

Frei Abel mandava-os com a devida<br />

cobrança dos custos e, às vezes, com<br />

uma jocosa ameaça: “na próxima<br />

encomenda vou riscar os charutos<br />

caros e mandar palhas”. Assim, à<br />

maneira de exemplo, pinçamos o<br />

seguinte diálogo epistolar:<br />

Frei Abel diz (em carta de 1o /05/73)<br />

que o depósito para os charutos<br />

acabou, e agora existe um débito.<br />

Se frei Frederico quiser mandar<br />

mais dinheiro, pode, pois, mesmo<br />

que em Águas Formosas não haja<br />

40 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

indústria, uma chaminé continuará<br />

soltando fumaça. Ao que frei<br />

Frederico respondeu (08/05/73):<br />

Os charutos vieram na hora certa. O<br />

último charuto tinha sido fumado<br />

dentro do horário marcado, e<br />

surgiu um vácuo. Mas, então,<br />

alguns homens fortes colocaram<br />

um pacote dentro de casa, e num<br />

instante se formou uma cortina de<br />

fumaça.<br />

Nesta novela, uma coisa fi ca patente:<br />

a preocupação, o cuidado<br />

para que não faltasse o charuto<br />

para o confrade já idoso.<br />

2. Gentileza. Frei Frederico era<br />

um franciscano gentil. Recebia<br />

as pessoas sempre com um<br />

sorriso, mostrando estar de bem<br />

com a vida. Em várias ocasiões,<br />

no período em que convivemos<br />

em Santos Dumont, pessoas<br />

que visitavam o seminário perguntavam-me,<br />

referindo-se a frei<br />

Frederico, pelo nome daquele<br />

frei de cabelos brancos que as<br />

havia cumprimentado com tanta<br />

simpatia e gentileza. Se algum<br />

visitante era levado ao refeitório<br />

para um cafezinho ou à sala<br />

de recreio, frei Frederico fazia<br />

perguntas, conversava com ele,<br />

dava-lhe a maior atenção, de modo<br />

que se sentisse em casa.<br />

Recordo-me que, depois que a<br />

sua memória começou a falhar,<br />

fui ao convento de Divinópolis


para visitar os confrades. Ele me<br />

cumprimentou, perguntou meu<br />

nome, conversou comigo. Pude<br />

constatar com grande alegria que,<br />

conquanto a memória falhasse, a<br />

gentileza mantinha o mesmo vigor<br />

de sempre.<br />

Frei Frederico e seu “Santo Antônio”<br />

3. A arte. Quando frei Frederico foi<br />

transferido para Santos Dumont,<br />

uma justifi cativa era: ele poderá<br />

ensinar um pouco de arte aos<br />

alunos da CJF. De fato, dedicou-se<br />

com empenho a essa tarefa. Era um<br />

dos frades do coetus formationis<br />

que mais presença marcava entre<br />

os estudantes. Ele próprio produzia<br />

suas obras de arte em cerâmica e<br />

acompanhava todas as iniciativas<br />

dos alunos, orientando-os, encorajando-os,<br />

pesquisando com eles.<br />

Sua produção não é tão numerosa.<br />

Dignas de menção são a estátua<br />

de Santo Antônio (em madeira,<br />

tamanho natural) e a Via-Sacra da<br />

capela (em cerâmica). Recordo-me<br />

que o ex-frei Davi (também ligado<br />

à arte) fi cou encantado com a Via-<br />

Sacra, elogiando especialmente<br />

alguns quadros em que frei<br />

Frederico, em vez de apresentar<br />

toda a cena, apenas salientava<br />

algum detalhe do sofrimento de<br />

Cristo.<br />

Senso de pertença à Província<br />

O senso de pertença à Província<br />

pode-se colher nas entrelinhas do<br />

bem-humorado epistolário que frei<br />

Frederico manteve com frei Abel.<br />

E somente pode ser percebido,<br />

quando o leitor não se detiver na<br />

linguagem carregada de ironia de<br />

ambas as partes.<br />

Frei Frederico, diante da Província,<br />

assumia a postura de “pobre<br />

missionário”, de “padre da roça”;<br />

a Província, ironicamente chamada<br />

de Mãe, era “rica”, “exigia<br />

contribuição”; Frei Abel representava<br />

na correspondência o papel<br />

da Mãe. Feita esta introdução à<br />

linguagem irônica, salientamos<br />

algumas frases cheias de humor:<br />

Em algumas cartas, frei Frederico<br />

afi rma que está enviando dinheiro<br />

para a Mãe. A pitada de humor<br />

aparece ou num comentário sobre<br />

o uso que se faz do dinheiro (“a<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 41


turma do Provincialado bebe<br />

cerveja à custa do dinheiro de<br />

um pobre missionário”), ou numa<br />

interrogação (“o que a Província<br />

afi nal faz com tanto dinheiro<br />

arrecadado pelos padres da roça”?),<br />

ou quando se faz de vítima (“vou<br />

passar em BH e entregar dinheiro,<br />

ganho com muito trabalho e muito<br />

suor, à mãe província”).<br />

Em várias cartas, frei Frederico<br />

pede intenções de missas e afi rma<br />

que as espórtulas são para a<br />

“mãe”. O acréscimo torna-se ora<br />

dramático (“o dinheiro pode fi car<br />

com “mãe”; então, vou comer<br />

mais mandioca e menos arroz e<br />

feijão, e o Provincialado poderá<br />

encomendar mais caviar”), ora<br />

cheia de falsa compaixão (“vou<br />

examinar a situação fi nanceira para<br />

ver se sobra alguma coisa para a<br />

“mãe”, porque não quero que os<br />

confrades na casa materna estejam<br />

passando necessidade”).<br />

42 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

Frei Abel não deixa por menos<br />

e diz ter fi cado comovido até às<br />

lagrimas, quando leu que podia<br />

depositar as espórtulas das missas<br />

na conta da Mãe Província. Outra<br />

vez, diz que não tem compaixão<br />

dos pobrezinhos vigários da roça,<br />

porque muitos têm a fi cha de<br />

contribuição em branco. Ainda<br />

outra vez, diz que está aguardando<br />

uma doação para “mãe província”;<br />

a “mãe província” sempre cuida<br />

do bem-estar dos frades e espera<br />

que os frades de vez em quando<br />

esvaziem o seu pé-de-meia no<br />

colo da “mãe”. Finalmente, frei<br />

Abel diz que não entende “como<br />

há párocos de ricos fazendeiros<br />

que pensam que os confrades no<br />

Provincialado sempre têm caviar<br />

na mesa. Aqueles párocos de<br />

ricos fazendeiros recebem todo<br />

dia cabeças de porco e galinhas e<br />

ainda fi cam descontentes quando<br />

não recebem ovos recém-botados.


E quando chegam à BH ainda são<br />

mimados. Por que o bispo gosta<br />

de fi car em Águas Formosas? É<br />

isto mesmo, por causa daquelas<br />

cabeças de porco, principalmente<br />

quando vêm juntos com um pernil”.<br />

Resumindo: Frei Frederico mostrava<br />

seu senso de pertença não<br />

apenas assumindo o trabalho apostólico<br />

da Província, mas contribuindo<br />

concretamente com as<br />

despesas.<br />

Últimos anos e falecimento<br />

Frei Frederico passou seus últimos<br />

onze anos em Divinópolis. Sempre<br />

gozara de boa saúde. No fi nal de sua<br />

vida, já com a provecta idade de 93<br />

anos, começou a sentir a falência<br />

do irmão corpo. Deste modo, às 6h<br />

do dia 06 de junho de 2009, nosso<br />

irmão entregava sua vida nas mãos<br />

do Pai das misericórdias. A certidão<br />

de óbito acusa como causa mortis:<br />

distúrbio hidroeletrolítico AC bá-<br />

sico (comprometimento das funções<br />

renais), DPOC infectado (doença<br />

pulmonar) e senilidade. Foi<br />

sepultado no cemitério provincial<br />

em Rivotorto (Areias) – Ribeirão das<br />

Neves.<br />

Frei Frederico, pela vida que<br />

compartilhou conosco, continua<br />

merecedor de nossa admiração,<br />

apreço e gratidão. Requiescat in<br />

pace!<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 43


2. “IN MEMORIAM” DE FREI<br />

ESTANISLAU BARTHOLDY<br />

(1928-2011)<br />

Frei Hilton Farias de Souza,<br />

OFM<br />

Dados biográfi cos<br />

Guilherme George Bartholdy<br />

nasceu no dia 19 de abril de 1928,<br />

na cidade de São Vicente de<br />

Minas. Filho de Paulo Middleton<br />

Bartholdy e Hercília de Menezes<br />

Bartholdy. Herdou o sobrenome<br />

do pai, um dinamarquês Luterano,<br />

fabricante de queijos. Fez os<br />

estudos fundamentais na sua<br />

cidade natal; cursou o ginasial<br />

como aluno interno do Colégio<br />

Santo Antônio de São João del-<br />

Rei, onde descobriu a sua vocação<br />

à vida franciscana, apesar da forte<br />

resistência paterna, certamente<br />

por ser o único fi lho homem.<br />

Ingressou no noviciado, no<br />

Convento São Boaventura, em<br />

Daltro Filho (RS), no dia 1 o de<br />

fevereiro de 1948, recebendo o<br />

novo nome de Estanislau. Emitiu<br />

a primeira profi ssão religiosa no<br />

dia 02 de fevereiro de 1949; deu<br />

continuidade aos seus estudos de<br />

44 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

fi losofi a, em Daltro Filho, de onde<br />

foi transferido para Divinópolis, a<br />

fi m de estudar Teologia. Professou<br />

solenemente no dia 02 de fevereiro<br />

de 1952. Foi ordenado diácono<br />

na capela do Seminário Maior<br />

do Coração Eucarístico, em Belo<br />

Horizonte, no dia 03 de abril de<br />

1954, por dom Antônio dos Santos<br />

Cabral. No dia 22 de agosto de 1954,<br />

no Santuário Santo Antônio, na<br />

cidade de Divinópolis, juntamente<br />

com mais seis confrades, frei<br />

Estanislau foi ordenado presbítero.<br />

No ano de 1955, continua morando<br />

no Convento Santo Antônio<br />

de Divinópolis, com a função<br />

de assistente e encarregado de<br />

preparar a edição brasileira do<br />

Breviário dos Leigos (Klein Brevier).<br />

De Divinópolis, é transferido, no<br />

ano de 1956, para o Seminário<br />

Santo Antônio de Santos Dumont<br />

com a função de padre espiritual<br />

substituto.


Estudos em Roma (1956-1959)<br />

No mês de setembro de 1956,<br />

frei Estanislau foi enviado à Roma<br />

para especializar-se em Teologia<br />

Dogmática, pelo Pontifício Ateneu<br />

Antoniano. No fi nal de 1957, ele<br />

defendeu a sua dissertação de<br />

mestrado intitulada: Ritus baptis-mi<br />

et confi rmationis secundum Ordines<br />

Romanos saec. VIII-IX; obtendo<br />

o grau de mestre em Sagrada<br />

Teologia, com a nota 8,50 (bene<br />

probatus).<br />

No seu trabalho para o doutorado,<br />

como consta no exemplar encontrado<br />

no meio de seus pertences,<br />

ele escolheu o seguinte<br />

argumento para a sua tese: Ritus<br />

essentialis initiationis christianae<br />

romana aetate carolingica; agora<br />

afrontado com mais rigor científi<br />

co. Pode-se notar através<br />

da vasta bibliografi a consultada<br />

praticamente toda em latim. Uma<br />

curiosidade: a tese fora escrita e<br />

defendida em latim! A defesa se<br />

deu no dia 24 de novembro de<br />

1959, às 17h30min, obtendo o grau<br />

de doutor, com a nota 9,25 (Cum<br />

laude).<br />

Numa das suas cartas endereçadas<br />

ao ministro provincial, frei<br />

Jerônimo Jansen, antes da defesa<br />

da tese, ele partilhava um pouco<br />

a sua experiência e percepção dos<br />

estudos acadêmicos: “O senhor<br />

poderá imaginar o alívio com que<br />

escrevo esta carta. Passaram-se os<br />

exames e o curso terminou, graças<br />

a Deus, terminou tudo muito bem.<br />

Não tínhamos muita coisa neste<br />

último ano, mas, toda uma história<br />

do século XII bastante complicada<br />

é mais para ser decorada do que<br />

para ser compreendida: evolução<br />

da defi nição de sacramento,<br />

motivo da Encarnação, teólogos<br />

franciscanos com as obras<br />

au-tênticas e não autênticas de<br />

Duns Scottus. De muita coisa se<br />

tira proveito, mas, muita coisa<br />

também verdadeiramente inútil.<br />

Dos movimentos e tendências<br />

da moderna teologia, nada. Não<br />

se chega a ter uma visão geral da<br />

teologia, tudo muito especializado,<br />

mas, quem se especializa é o<br />

professor, devendo o aluno ouvir<br />

o resultado de suas pesquisas sem,<br />

no entanto por isso, se especializar.<br />

Parece que é assim que deve ser<br />

numa universidade. Positivamente<br />

se aprende também muita coisa,<br />

ao menos uma base para um<br />

trabalho pessoal, mas, saindo daqui<br />

se deve começar ab ovo. Nosso<br />

último exame foi a famosa aula<br />

magistral diante dos professores,<br />

não sei se é isto que nos capacitará<br />

para dar aulas mais tarde. Uma<br />

coisa que se faz uma vez no ano!<br />

E de didática não aprendemos<br />

nada, como apresentar um tratado<br />

de teologia, como dar a aula?”<br />

(01.07.1959).<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 45


Ao fi nal de sua estadia acadêmica<br />

em Roma, frei Estanislau pede ao<br />

ministro provincial para fazer um<br />

curso de liturgia, mas o seu pedido<br />

foi indeferido, ao mesmo tempo<br />

insistia que ele retornasse ao<br />

Brasil, onde ocuparia a cadeira de<br />

dogmática em Divinópolis: “Resolvi<br />

que você deve voltar para o Brasil,<br />

depois de ter defendido a sua tese.<br />

Isto quer dizer: acho melhor que<br />

você não continue mais os seus<br />

estudos em outro ramo. O seu<br />

futuro? Bem, não sou profeta, [...]<br />

mas suponho que será a cadeira<br />

de dogma em Divinópolis, uma vez<br />

que o frei Benedito irá para Lovaina,<br />

para estudar dogma também”.<br />

Ao retornar ao Brasil, frei Estanislau,<br />

como havia indicado o seu<br />

provincial, foi transferido para o<br />

Convento Santo Antônio de Divinópolis,<br />

como professor de dogmática;<br />

ocupando ali outras funções<br />

como: Mestre de irmãos Terceiros,<br />

Prefeito de estudos, Discreto;<br />

Sócio do Mestre dos Clérigos.<br />

No Capítulo provincial de 1962,<br />

no qual frei Jerônimo Jansen foi<br />

reeleito ministro provincial, frei Estanislau<br />

Bartholdy foi eleito Custódio<br />

Provincial; e em 1964, frei<br />

Estanislau foi reeleito Custódio, no<br />

governo de frei Erardo Veen.<br />

46 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

Evangelização: Betim, Pará<br />

de Minas, São João del-Rei e<br />

Divinópolis<br />

Quando foi transferido de Daltro<br />

Filho para Betim, como vigário, a<br />

partir do contato e da experiência<br />

iniciada por frei Xisto, na casa<br />

paroquial, de acolher crianças pobres<br />

para uma sopa comunitária,<br />

inicia-se aí o interesse de frei Estanislau<br />

pelos trabalhos sociais.<br />

Juntamente com a senhora Noemi<br />

dá um grande passo na criação<br />

do chamado “Salão do encontro”.<br />

Havia uma grande preocupação,<br />

sobretudo pelas crianças pobres<br />

que não tinham a escola, pelas<br />

mulheres desempregadas e pelos<br />

pobres em geral. Quando ele<br />

chegou a Betim, a região do Angola<br />

era mato, sem acesso a ônibus,<br />

sem luz; totalmente carente de<br />

assistência social. Nesta área, ele<br />

começou seu apostolado celebrando<br />

nas quartas e quintasfeiras,<br />

nas casas das famílias.<br />

Nessa experiência de contato com<br />

o povo de Deus, percebendo as<br />

diversas necessidades, ele assim<br />

se expressa: “Comecei a sentir a<br />

necessidade de fazer um salão que<br />

pudesse atender às famílias do<br />

bairro [...]. Eu sabia que a gente só<br />

atingiria as famílias se atingíssemos<br />

as crianças”.<br />

Dona Noemi que desenvolvia um<br />

trabalho social na Vila dos Mar-


miteiros, em Belo Horizonte, se<br />

junta, em Betim, a frei Estanislau,<br />

nessa grande e ousada empreitada.<br />

Frei Estanislau partilha como foi a<br />

construção do primeiro galpão:<br />

“Me lembro que foram destruídas<br />

14 casas na Barragem do Lago das<br />

Flores... E nós ganhamos os tijolos,<br />

as telhas... Eles nos telefonavam e a<br />

gente ia lá buscar... Aí, começamos<br />

a construção, primeiramente para<br />

ser um restaurante das crianças<br />

da região... Depois veio a parte<br />

do artesanato simples, no início,<br />

apenas um tear”... Com o passar<br />

dos anos, o salão do encontro foi<br />

crescendo cada vez mais, passando<br />

do simples tear ao artesanato em<br />

couro, em cerâmica, em madeira e<br />

a carpintaria. Tornou-se um espaço<br />

de aprendizagem de um ofi cio até<br />

a assistência odontológica.<br />

Vendo a evolução que passara<br />

o salão, frei Estanislau, em uma<br />

entrevista, dizia: “Foi com muita<br />

luta, muita dificuldade, foi pedindo<br />

e suando muito que a<br />

gente conseguiu levar o salão<br />

pra frente” [...]. “Graças a Deus,<br />

apesar da grande luta, de muita<br />

oposição e objeção de muitos políticos<br />

que quiseram destruir o<br />

Salão do Encontro, a Noemi fi cou<br />

na direção e, com sua capacidade<br />

e sua criatividade, cultivou<br />

a semente que nós tínhamos<br />

plantado... O Salão é muito mais<br />

do que assistência social... É<br />

promoção humana [...]. Você pode<br />

ver as velhinhas enrolando linha,<br />

as crianças estudando, sendo<br />

alimentadas, os artesãos fazendo<br />

seus trabalhos maravilhosos [...]. O<br />

salão é um lugar onde as pessoas<br />

buscam e encontram crescimento<br />

[...]. Tira aquele povo da miséria, do<br />

submundo [...]. Ajuda as pessoas a<br />

conseguir andar com as próprias<br />

pernas”... Concluindo a entrevista,<br />

ele afi rmara: “Eu senti muito<br />

quando saí de lá [...]. Realmente,<br />

foi um tempo de muita graça,<br />

de muita alegria... Foi um tempo<br />

maravilhoso”.<br />

Durante a sua longa estadia no<br />

Convento <strong>Santa</strong> Maria dos Anjos<br />

(até 1977), ele exerceu diversas<br />

funções: vigário conventual,<br />

prefeito de formação, guardião,<br />

mestre e vice-mestre de noviços e<br />

coadjutor. Em uma carta de 1977,<br />

enviada ao ministro provincial, frei<br />

Estanislau deixa entender que a<br />

sua presença no Convento <strong>Santa</strong><br />

Maria dos Anjos já não era bemvinda;<br />

o argumento era que ele<br />

estava atrapalhando a formação<br />

e, por isso, a transferência. Ele argumenta<br />

a favor do serviço pastoral<br />

que estava prestando: “Mas<br />

me pergunto se a tentativa de<br />

realizar um trabalho que para mim<br />

como franciscano diz muito, não<br />

entra em jogo; a única alternativa<br />

é sair daqui? E só por esse motivo?<br />

Aqui está tudo por fazer? Poucas<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 47


as estruturas existentes e a criatividade<br />

poderá ser exercitada<br />

em favor de toda uma população<br />

marginalizada. No momento isso<br />

signifi ca para mim abandonar<br />

uma batalha iniciada para ser uma<br />

peça de um esquema já montado<br />

e que poderá sustentar-se. Estou<br />

aqui pronto para acolher qualquer<br />

decisão, desde que justifi cável para<br />

minha consciência. Muitas vezes na<br />

verdade é preciso falar”.<br />

Nesse mesmo ano de 1977, ele foi<br />

transferido para a Paróquia São<br />

Francisco de Assis de Pará de Minas.<br />

Aí ele vai, aos poucos, desenvolver<br />

um trabalho na área social.<br />

Aproveitando a entidade iniciada<br />

por frei Paciano, o SALEM – serviço<br />

assistencial laical de emancipação<br />

e maturidade. Essa estrutura<br />

abrigava jardim da infância e<br />

refeições diárias para crianças.<br />

Na parte de artesanato, havia<br />

trabalhos em cerâmica, escultura<br />

de madeiras, trabalhos em cisal,<br />

tear chileno etc. O objetivo era<br />

a promoção humana e retirar os<br />

meninos da rua. Na paróquia ainda<br />

funcionavam os clubes de mães,<br />

na cidade e na roça. Havia também<br />

um projeto chamado “Enfermagem<br />

do lar” que, basicamente, dava<br />

assistência aos doentes em casa<br />

através de acompanhamento<br />

de dietas e de medicamentos. A<br />

paróquia ajudou a formar mais de<br />

260 enfermeiras.<br />

48 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

Na época, o território da paróquia<br />

abrangia mais ou menos a metade<br />

da cidade. Segundo testemunho,<br />

frei Estanislau tinha uma preocupação<br />

muito forte com os<br />

pobres: aquilo que ele ganhava ou<br />

pedia, ele sabia distribuir, era mão<br />

aberta. Ele incentivou na paróquia<br />

a catequese, cursos de liderança e<br />

apoiava muito os jovens. Era muito<br />

solicitado para atendimentos e<br />

aconselhamentos. Enquanto estava<br />

à frente da paróquia São<br />

Francisco de Assis, a casa paroquial<br />

foi, literalmente, aberta ao povo.<br />

No dia 04 de maio de 1983, através<br />

de um decreto da Cúria Geral dos<br />

Frades Menores, frei Estanislau fora<br />

nomeado visitador da Província<br />

São Francisco de Assis, do Rio<br />

Grande do Sul.


Mestre de noviços em Visconde<br />

do Rio Branco (1986-1990)<br />

Depois de já ter trabalhado na<br />

formação como mestre de clérigos<br />

e de noviços, em Daltro Filho,<br />

Divinópolis e Betim, após um<br />

longo período à frente do trabalho<br />

paroquial, aceitou essa nova empreitada<br />

num “período provincial<br />

muito difícil”. No período em que<br />

permaneceu nessa etapa, frei Estanislau<br />

recebeu duras críticas a<br />

respeito do seu jeito de conduzir a<br />

vida do noviciado como: “noviciado<br />

monástico, fechado, fora da<br />

realidade...”.<br />

Aquilo que eu posso recordar como<br />

membro da “última turma” dele<br />

(1990) são boas lembranças: Um<br />

frade marcado pela vida de oração<br />

e de uma espiritualidade muito<br />

profunda. Um homem de muitas<br />

leituras e de uma capacidade intelectual<br />

apurada. Nas suas aulas,<br />

demonstrava um conhecimento<br />

profundo na área de franciscanismo,<br />

de liturgia, de Bíblia e de<br />

psicologia. Ficávamos extasiados<br />

quando, nas aulas de liturgia, discorria<br />

sobre a História da liturgia,<br />

ou do seu vasto conhecimento<br />

de psicologia, seguindo nas suas<br />

aulas o livro: Psicologia e Formação<br />

de Cencini e Manenti. No cotidiano,<br />

demonstrava muito senso de<br />

humor. Nos recreios, gostava de um<br />

jogo de buraco. Possuía, apesar das<br />

críticas, muito amor pela Província.<br />

Não era frade de guardar mágoas.<br />

Era sincero. Quando foi pedido<br />

para ele retornar à formação, ele<br />

colocou-se à disposição. Tinha uma<br />

personalidade muito forte!<br />

São João del-Rei – de volta à<br />

paróquia<br />

No início de 1991, frei Estanislau<br />

foi transferido para o Convento<br />

Nossa Senhora de Lourdes, em São<br />

João del-Rei, onde trabalhou por<br />

um ano como vigário paroquial e<br />

foi transferido, em seguida, para<br />

Divinópolis, como vigário paroquial<br />

onde atuou até 1997. Retornou<br />

a São João del-Rei como pároco.<br />

Iniciou um trabalho social na<br />

Comunidade do Rio Acima, onde<br />

montou uma creche, ofi cina de<br />

cerâmica e uma marcenaria. Nesse<br />

projeto não conseguiu alcançar<br />

os objetivos esperados. Hoje funcionam<br />

a capela e a creche. Nessas<br />

suas construções, tinha a fama de<br />

pidão; saía nos comércios e até<br />

mesmo na fi la do banco pedia<br />

ajuda ou vendia rifas.<br />

Nesse tempo em São João del-Rei,<br />

frei Estanislau era muito solicitado<br />

para conversas, aconselhamentos,<br />

confi ssões e bênçãos. A procura<br />

era tanta que ele trabalhava com<br />

um sistema de senhas. A partir<br />

de 2004, ele deixa de atuar como<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 49


pároco e passa a ajudar como<br />

vigário paroquial, diminuindo um<br />

pouco as suas atividades pastorais.<br />

Paixão pela liturgia<br />

Alguns elementos chamam a<br />

atenção desse seu amor, dedicação<br />

e gosto pela liturgia. Encontrei, no<br />

meio da sua correspondência, um<br />

pedido ao artista Cláudio Pastro<br />

de autorização para reproduzir<br />

um Pantocrator, de sua autoria,<br />

na capela do Guarda-Mor. Capela<br />

idealizada por ele, levando em<br />

consideração todo o espaço litúrgico.<br />

Presidia a eucaristia muito<br />

bem, gostava de cantar as partes da<br />

presidência. Tinha a preocupação<br />

de usar em cada celebração o<br />

pão novo, numa única patena,<br />

evitando excesso de reserva eucarística.<br />

Quem não se recorda da<br />

famosa música de apresentação<br />

das oferendas que ele apreciava<br />

tanto: “Prepara essa mesa do povo<br />

cristão”.<br />

No arquivo provincial encontrei<br />

um bilhete que ele havia enviado<br />

ao ministro provincial para que<br />

orientasse melhor os confrades<br />

na preparação litúrgica das profissões<br />

solenes: “Considerando<br />

os vinte anos de uma Constituição<br />

da Liturgia e o recente sínodo;<br />

considerando que calar-se é<br />

concordar: quero apresentar ao<br />

50 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

governo provincial e à equipe de<br />

formação o apelo: Orientar e olhar<br />

com mais atenção as celebrações<br />

de profi ssão religiosa de nossos<br />

irmãos a fi m de que a simplicidade,<br />

o respeito à liturgia e, não por<br />

último, a comunhão fraterna e<br />

eclesial sejam salvaguardados”.<br />

Como já disse, frei Estanislau era<br />

um homem de muita leitura. Ao<br />

selecionar os seus livros e correspondências,<br />

pude constatar como<br />

gostava ler. Lia basicamente<br />

em três línguas: português, francês<br />

e italiano. Na sua biblioteca havia<br />

algumas áreas que se destacavam:<br />

Liturgia – muita literatura em<br />

francês e italiano; Espiritualidade<br />

geral e franciscana e Psicologia.<br />

Recebia muitas revistas em francês<br />

como: Paroisse et liturgie; Notes de<br />

pastorale liturgiques e assembleés


du Signeur. Durante a minha<br />

estadia em Roma, enviei, a pedido<br />

dele, alguns livros em francês, um<br />

desses, era um comentário a todas<br />

as orações do dia, da celebração<br />

eucarística do tempo de Advento<br />

intitulado: La spiritualité de l’Avent<br />

à travers les collectes.<br />

Numa conversa, que tive recolhendo<br />

informações sobre o frei<br />

Estanislau, uma pessoa dava um<br />

testemunho sobre uma homilia<br />

feita por ele numa festa de Santo<br />

Antônio: “Ele se transformava no<br />

momento da pregação. Olhando<br />

para a imagem de Santo Antônio<br />

ele pregava e gesticulava com<br />

tanta veemência que não parecia o<br />

Estanislau, mas uma outra pessoa”.<br />

Um franciscano de coração e<br />

alma beneditina<br />

Quem conheceu frei Estanislau<br />

pôde perceber, por um lado, sua<br />

paixão pelo franciscanismo. Nas<br />

várias agendas encontradas no seu<br />

quarto, havia esquemas de retiros<br />

pregados, onde continha muitas<br />

meditações sobre os Escritos de<br />

São Francisco. Sempre portando o<br />

surrado burel franciscano, com a sua<br />

inseparável coroa franciscana. De<br />

outro lado, também era fascinado<br />

pela espiritualidade monástica<br />

beneditina. Considerando o grande<br />

número de cartas trocadas com a<br />

sua irmã Dorinha, que era monja<br />

beneditina, e conversando com ela<br />

pessoalmente, pude constatar que<br />

ela o havia infl uenciado bastante.<br />

São correspondências de trocas<br />

de experiências espirituais, de<br />

leituras partilhadas e de apoio na<br />

vocação religiosa. Frei Estanislau<br />

recebia também muitas revistas<br />

de espiritualidade monástica da<br />

Europa e mantinha muita correspondência<br />

com monjas dos<br />

mosteiros beneditinos de Belo<br />

Horizonte e de Caxambu. Apreciava<br />

muito o canto gregoriano. No seu<br />

quarto havia várias caixas de fi tas<br />

cassetes.<br />

Fama de Cigano<br />

Frei Estanislau gostava de “ler” as<br />

mãos das pessoas. Na realidade,<br />

ele “jogava muito verde para<br />

colher maduro” e aí obtinha informações<br />

acerca da pessoa. Também<br />

aplicava um pouco dos seus<br />

conhecimentos de psicologia e,<br />

assim, acabava descobrindo informações<br />

da pessoa. Gostava<br />

também de horóscopo chinês.<br />

Vivia perguntando, sobretudo aos<br />

formandos, o ano do nascimento e,<br />

naturalmente, associava a pessoa<br />

com o animal do horóscopo chinês.<br />

Era muito querido, sobretudo<br />

nos bastidores dos capítulos e<br />

assembleias provinciais, onde,<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 51


nos intervalos, fazia brincadeiras e<br />

comentários jocosos.<br />

Vocabulário “bartholdiano”<br />

Frei Estanislau dispunha de um<br />

vocabulário que lhe era peculiar,<br />

como, por exemplo: “Bom dia<br />

alegre!”. Quando queria enfatizar<br />

alguma coisa dizia “Nossa<br />

Senhora!”. Gostava de elogiar para,<br />

em seguida ao elogio, dizer a<br />

famosa conjunção adversativa:<br />

“mas...”. Quando encontrava algum<br />

jovem conhecido, olhava-o bem<br />

nos olhos e dizia: “Oh jovem! Força<br />

jovem!”. No noviciado, quando<br />

íamos pedir alguma coisa e se ele<br />

dissesse: “Frei, faz parte de seu<br />

projeto”? Podíamos dar meia-volta<br />

e retornar.<br />

Bom gosto pela comida<br />

Nosso saudoso confrade apreciava<br />

uma boa mesa. Era fascinado por<br />

alguns pratos específi cos: um<br />

lombinho de porco, torresmo,<br />

chouriço e um bom “queijo com<br />

personalidade”. Até mesmo contrariando<br />

as dietas médicas, nos<br />

últimos anos de vida, ainda se<br />

aventurava e interrompia, sem<br />

maiores escrúpulos, sua dieta, em<br />

troca de algumas dessas delícias.<br />

52 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

Agravamento da saúde e falecimento<br />

Nos seus últimos anos, em São João<br />

del-Rei, frei Estanislau foi cada vez<br />

mais acometido por problemas de<br />

saúde. O coração já não funcionava<br />

muito bem. Foi perdendo também<br />

o seu estilo alegre e comunicativo<br />

de ser. Ficou cada vez mais<br />

silencioso. Apenas respondia ao<br />

que se lhe perguntava e a conversa<br />

não rendia muito. Comentávamos<br />

entre nós o fato de nosso frei<br />

Estanislau que outrora fora tão<br />

animado e, no entanto, agora, está<br />

num ‘reto tom’.<br />

Já bastante debilitado, participou<br />

da Semana <strong>Santa</strong> até a quintafeira,<br />

na comunidade onde ele<br />

acompanhava nos últimos tempos.<br />

Apesar dos limites do corpo,<br />

continuava lúcido. No sábado<br />

santo, dia 23 de abril de 2011,<br />

ele foi internado no Hospital<br />

Felício Rocho, em Belo Horizonte,<br />

com um quadro de estenose aórtica.<br />

Recebeu a visita de seus<br />

familiares de São Vicente de Minas<br />

e de confrades. No dia 07 de maio,<br />

quando o vigário provincial frei<br />

Vicente Ronaldo foi ungi-lo eu<br />

estava presente. Conversamos um<br />

pouco e ele estava muito lúcido.


Transcrevo, a seguir, um relato de<br />

frei Fabiano Aguilar Satler: “Frei<br />

Estanislau estava consciente durante<br />

a última visita que fi z a ele, na<br />

tarde do dia 17 de maio, véspera do<br />

seu falecimento. Perguntei-lhe se<br />

ele se recordava do LP que frei Joel<br />

Postma gravara em Divinópolis, na<br />

década de 1960. Ele disse que eram<br />

os salmos do padre Gelineau. Cantei<br />

para ele o salmo 147 e o Cântico<br />

de Simeão, que ele acompanhou<br />

em algumas partes. Durante toda<br />

a noite da sua páscoa, ele cantou,<br />

segundo informação do médico<br />

plantonista”.<br />

Faleceu no dia 18 de maio de 2011,<br />

às 5h. A causa mortis: insufi ciência<br />

de múltiplos órgãos e estenose<br />

aórtica crítica. O seu corpo foi<br />

levado para São João del-Rei, onde<br />

foi velado na Igreja Nossa Senhora<br />

de Lourdes e onde aconteceram<br />

as exéquias. Foi sepultado<br />

no Cemitério da Venerável Ordem<br />

Terceira de São Francisco.<br />

Requiescat in pace!<br />

Testemunhos<br />

“Era um homem sempre alegre,<br />

aberto, disponível, apesar de<br />

sensível às críticas que podia<br />

receber, não era excludente.<br />

Extremamente caridoso. Ligava<br />

muito ao estudo das Fontes<br />

Franciscanas. Não fazia do estudo<br />

algo de projeção, mas<br />

colocava tudo sobre o prisma<br />

de um projeto pessoal de vida,<br />

que ele conseguia realizar e que<br />

transparecia em suas atitudes.<br />

Apesar da propalada infl uência<br />

beneditina, foi um franciscano como<br />

poucos conseguiram ser” (Frei<br />

Márcio Cabral – Salinas, 16.09.2011).<br />

“Muito sincero e autêntico. Muito<br />

benquisto pelos formandos.<br />

Bernardino e Estanislau eram<br />

mais próximos dos alunos. Dava<br />

oportunidade para que os alunos<br />

levassem adiante sua refl<br />

exão. Na capela e na cela tinha<br />

espírito beneditino; no dia a dia,<br />

franciscano. Era muito carinhoso<br />

no relacionamento. Preocupava<br />

com a sinceridade da Província e<br />

possuía muita sintonia com a PSC<br />

e a OFM” (Frei Luciano Brod – Salinas,<br />

16.09.2011).<br />

“Uma característica forte dele era<br />

promover as pessoas. Tinha sempre<br />

um sorriso alegre. A oração era<br />

outro ponto forte, estava presente<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 53


em todas as horas rezadas em<br />

comunidade” (Frei João José de<br />

Jesus – Salinas, 16.09.2011).<br />

“Para mim, frei Estanislau foi e<br />

será um grande testemunho de<br />

dedicação e entrega a Deus. Um<br />

homem que estava em sintonia com<br />

Deus, em todos os momentos de sua<br />

vida. Um homem que soube viver e<br />

vencer os confl itos sem perder a paz<br />

e a serenidade. Sua proximidade<br />

com Deus era tão expressiva que<br />

todos se aproximavam dele, para<br />

sentir o carinho e a ternura do<br />

Criador” (Frei Vicente Ronaldo –<br />

Montes Claros, 27.01.<strong>2012</strong>).<br />

“De nossa convivência em Divinópolis,<br />

tenho que agradecer<br />

muito a Deus, pois ele foi um verdadeiro<br />

irmão, com quem compartilhei,<br />

de modo muito aberto<br />

e fraterno, nossa pesada jornada<br />

pastoral numa paróquia de grandes<br />

exigências para quem nela<br />

quer exercer seu ministério [...]. Frei<br />

Estanislau estava sempre de bem<br />

com a vida e isto me ajudava, pois<br />

seu bom humor temperava a minha<br />

seriedade em vários momentos<br />

de nossa atividade pastoral e<br />

na convivência fraterna que, às<br />

vezes, podia ser confl ituosa. Sua<br />

preocupação com as pessoas mais<br />

carentes fez com que reabríssemos<br />

o restaurante popular do salão da<br />

comunidade São Geraldo, para<br />

cuidar de pessoas necessitadas.<br />

54 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

Qualidades humanitárias deste<br />

memorável frade: levar as pessoas<br />

mais favorecidas a ajudar os<br />

mais necessitados. Ele não se<br />

envergonhava de pedir aos ricos<br />

uma ajuda para os pobres [...].<br />

Com ele sentamos muitas noites<br />

em alguns restaurantes em torno<br />

do santuário para saborear um<br />

gorduroso caldo de vaca atolada<br />

ou de um pezinho de porco. Dele<br />

aprendi a sinceridade e a franqueza<br />

no relacionamento fraterno de<br />

uma comunidade de vida” (Dom<br />

Célio de Oliveira Goulart – São João<br />

del-Rei, 02.02.<strong>2012</strong>).<br />

“Não há como não se lembrar do<br />

frei Estanislau. Guardo comigo,<br />

desse tempo (1985), seu senso de<br />

presença do Mistério e seu gosto<br />

e prazer pela liturgia celebrada<br />

com solenidade. Isto podíamos<br />

experimentar pelo incenso abundante,<br />

pelo canto litúrgico inclusive<br />

presidencial, pelas fl ores<br />

no presbitério, pela iluminação<br />

utilizada com critério, pela sua<br />

oratória (gestos, tom de voz...).<br />

[...] Quando morei em São João del-<br />

Rei e o tive como confrade, encontrei<br />

um frei Estanislau fragilizado.<br />

O ano de 2007 foi um ano difícil<br />

para ele e para nós que o acompanhávamos<br />

de perto. Houve<br />

diversas internações sem muito<br />

sucesso. O mais difícil foi quando<br />

tive que tomar a decisão de levá-lo


para tratamento em Belo Horizonte,<br />

uma vez que os recursos médicos<br />

de São João del-Rei tinham-se<br />

esgotado. Mais difícil ainda foi,<br />

quando, em outra ocasião, ele<br />

esteve em Belo Horizonte por um<br />

período mais longo, por motivo de<br />

uma cirurgia no joelho, e, ao voltar,<br />

tivemos que mudá-lo de quarto<br />

também sem o seu consentimento.<br />

Ele resistiu no início, mas depois<br />

acabou aceitando devido à sua<br />

difi culdade de locomoção. Duas<br />

lembranças edifi cantes guardo deste<br />

segundo período. A primeira:<br />

seu envelhecimento não foi impedimento<br />

para sua formação e<br />

renovação litúrgica. Seu jeito de<br />

presidir não era o mesmo de 25<br />

anos atrás, quando eu o conhecera<br />

em Pará de Minas. Sua biblioteca de<br />

liturgia também não era a mesma.<br />

A segunda: a passagem do homem<br />

falante para o homem do silêncio.<br />

Foram várias viagens para levá-lo a<br />

Belo Horizonte para consultas, todas<br />

em silêncio profundo. Frei Estanislau<br />

fez de sua enfermidade, durante<br />

os seus últimos cinco anos de<br />

sua vida, a oportunidade feliz de<br />

desligar-se e se despedir de tudo e<br />

de todos que ele muito amou nesta<br />

terra, para se encontrar com Aquele<br />

Mistério Absoluto que ele anunciara<br />

e diante do qual ele testemunhara<br />

estar durante sua vida” (Frei<br />

Gabriel José de Lima Neto – Santos<br />

Dumont, 03.02.<strong>2012</strong>).<br />

“Frei Estanislau era assim: um mestre<br />

que descobria no outro a beleza<br />

do sonhar e do amanhecer. Iluminou<br />

nossos caminhos longos e os atalhos<br />

nem sempre fl oridos e frios! Ensinounos<br />

como viver, como embaralhar e<br />

acertar todas as cartas – uma bela<br />

jogada! Foi maestro e compositor de<br />

muitos homens e mulheres. Como<br />

líder, sabia cuidar das pessoas e<br />

das coisas. Sabia que sua saúde<br />

mental e suas intuições dependiam<br />

de sua capacidade de deixar a alma<br />

repousar no silêncio. Líderes também<br />

meditam, sabia? Como mestre e<br />

líder nunca deu-nos o peixe, mas<br />

a melhor maneira de lançar todas<br />

as redes! Saudade, amado mestre!”<br />

(Frei Donizete Afonso da Silva –<br />

Belo Horizonte, 08.02.<strong>2012</strong>).<br />

“Um homem tão íntegro e tão<br />

bom. Aprendi dele: dar dignidade<br />

ao pobre” (Dona Noemi – Betim,<br />

11.02.2011).<br />

“Foi um verdadeiro pastor. Possuía:<br />

zelo, cuidado e amor pelas suas<br />

ovelhas” (Maria Helena – São João<br />

del-Rei, 13.02.<strong>2012</strong>).<br />

“As características mais profundas<br />

dele que pude perceber eram o amor<br />

pela eucaristia e por nossa Senhora.<br />

Em alguns momentos da sua vida,<br />

nossa Senhora era a sua confi dente.<br />

Transmitia algo de divino; passava<br />

aquilo que ele tinha no coração.<br />

Possuía uma personalidade muito<br />

forte” (Alice – São João del-Rei,<br />

13.02.<strong>2012</strong>).<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 55


“O que mais caracterizava frei Estanislau<br />

era a alegria” (Dorinha –<br />

São Vicente de Minas, 14.02.<strong>2012</strong>).<br />

“Cada segundo de sua vida foi uma<br />

oportunidade que Deus lhe deu<br />

para plantar o bem, para construir<br />

o amor, para assistir a todos que o<br />

procuravam para uma orientação<br />

espiritual frente às vicissitudes.<br />

Por isso, sempre imprimiu sentido<br />

profundo à sua existência tão cheia<br />

de méritos. Com seu labor apostólico,<br />

irradiava cotidianamente grande<br />

alegria, sabedoria e bondade,<br />

transmitidos principalmente em<br />

seus olhos azuis e expressivos. Ele<br />

procurava ver o rosto de Deus no<br />

espelho dos rostos humanos, através<br />

de seu nobre coração” (Cida Campos<br />

- São João del-Rei, 25.05.2011,<br />

missa de 7º dia).<br />

“Ele que tanto sorriu, tanto cantou,<br />

tanto amou, tão imensamente viveu<br />

o Evangelho, espalhando-o por onde<br />

passou, e, certamente tanto sofreu<br />

(sem o demonstrar), merece esta<br />

alegria, sim! Tenho certeza! Deus<br />

o acolheu em seus braços” (Maria<br />

Helena – São Vicente de Minas,<br />

25.05.2011, Missa de 7 o dia).<br />

“Ah, frei Estanislau, quanta saudade!<br />

Quantas semanas santas<br />

cantamos com o senhor! Quanto<br />

entusiasmo, quanta vibração! Toda<br />

vez que cantamos, e que cantarmos,<br />

daqui por diante, os belos salmos<br />

responsoriais do Sábado Santo, sua<br />

56 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

presença em nosso meio nos fará<br />

cantar com maior alegria: Entoou<br />

Moisés este canto ao Senhor, todo<br />

o povo se uniu em alegre louvor!”<br />

(Regina Coeli – São Vicente de<br />

Minas, 25.05.2011, Missa de 7º dia).<br />

“Posso afi rmar, com certeza, que<br />

minha vida religiosa tem muita<br />

inspiração no seu modelo de vida,<br />

que testemunhou fortemente o<br />

carisma franciscano. Convivi com<br />

ele aqui quase um ano e meio. Nesse<br />

convívio, destaco alguns valores que<br />

para mim norteiam a vida religiosa:<br />

1) Seu ardor pela vida de oração:<br />

sempre muito atuante e fi el na vida<br />

de contemplação, um contemplativo<br />

ativo. 2) Sua caridade: não sabia<br />

dizer não aos pobres e pedintes;<br />

ninguém saía daqui com as mãos<br />

vazias, não emitia julgamento algum,<br />

ajudava sempre. 3) Sua simplicidade<br />

e pobreza: sempre de<br />

hábito franciscano, vivia desapegadamente<br />

das coisas do mundo;<br />

sua riqueza eram os livros, nos<br />

quais se debruçava com gosto e<br />

esmero. 4) Seu caráter fraterno que<br />

muito valorizava, na vida diária<br />

da convivência: estava sempre<br />

nos recreios e nunca faltava a um<br />

capítulo local, acompanhava a PSC<br />

com seu olhar crítico e com amor<br />

fraterno. Um santo, a meu ver, pois<br />

suas qualidades superaram seus<br />

pecados” (Frei Jaime - São João del-<br />

Rei, 15.02.<strong>2012</strong>).


UMAS E<br />

OUTRAS<br />

[...] E a pergunta roda<br />

e a cabeça agita.<br />

Eu fi co com a pureza<br />

da resposta das crianças.<br />

É a vida, é bonita e é bonita...<br />

Que tal dar umas boas gargalhadas agora?<br />

Quem sabe, rir da própria vida! Então, vamos lá!<br />

Frade compra fazenda<br />

Calma, calma, antes de tirar conclusões!<br />

O que aconteceu foi que<br />

frei Chiquinho, de passagem por<br />

Roma, resolveu comprar alguns<br />

metros de panos para fazer hábitos<br />

para os confrades. É um pouco<br />

às avessas da conhecida anedota<br />

provincial de que determinado<br />

frade teria pedido autorização para<br />

comprar ‘fazenda’ e o provincial,<br />

pensando que se tratasse de<br />

‘pano’, deu logo o consentimento.<br />

Dessa vez é pano mesmo, nada de<br />

vaquinhas e pomares.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 57


Triatlo da juventude<br />

Em preparação às Olimpíadas<br />

de 2016, frei Elias Hooij já criou<br />

uma nova categoria esportiva:<br />

o triatlo da juventude. Prestes a<br />

alcançar sua nona década, o jovem<br />

rapaz pode ser visto diariamente<br />

correndo e mergulhando na praia.<br />

A terceira parte do percurso ele<br />

completa girando as comunidades<br />

da paróquia. Alguém se habilita<br />

a desafi á-lo para um teste de<br />

resistência?<br />

Frei JJJ sem lenço e sem<br />

documento<br />

A memória de frei João José<br />

de Jesus não é mais a mesma.<br />

Agora deu para esquecer seus<br />

documentos e outras cositas<br />

más por onde anda. Sorte que<br />

tem confrades prestativos a ponto<br />

de o socorrerem em seus<br />

esquecimentos. Cuidado pra não<br />

esquecer a cabeça, frei João!<br />

Correio efi ciente<br />

Frei Fernando Rocha fi cou impressionado<br />

com a rapidez com<br />

que os Correios têm entregado<br />

as correspondências. Mal tinha<br />

enviado sua carta e já recebera<br />

a resposta. Mas, quando reparou<br />

bem, notou que era a própria carta<br />

que tinha enviado. Mas como<br />

assim? Inquietou-se o frade. Seus<br />

58 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

irmãos de fraternidade tiveram<br />

de ajudá-lo: ele tinha invertido o<br />

remetente e o destinatário. Liga<br />

não, frei Fernando, sua carta é<br />

como o vento no Quarto Evangelho:<br />

“não se sabe de onde vem,<br />

nem pra onde vai”!<br />

Um frade com as calças<br />

molhadas<br />

Na ida para o estágio em Jequitinhonha,<br />

frei Luciano Lopes<br />

sentou-se embaixo da saída do ar<br />

condicionado, no meio do ônibus.<br />

Como estava chovendo, começou<br />

a gotejar bem nas pernas do<br />

frade capixaba, que não tardou<br />

em reclamar ao cobrador. Porém,<br />

fi cou perplexo com a resposta, em<br />

voz alta: “Ó dó! Está muito frio?!”. O<br />

problema foi ao descer do ônibus<br />

com as calças molhadas e ser<br />

abordado pelas pessoas: “eu posso<br />

explicar” – se antecipava.<br />

Questão de gênero<br />

O noviciado provincial viveu<br />

momentos insólitos durante a<br />

profi ssão de frei José Bandeira.<br />

Durante as homenagens fi nais,<br />

cantou-se uma linda canção que,<br />

se não fossem as adaptações<br />

necessárias, teria feito chorar a<br />

muitos. Para não nos alongar, vejamos<br />

a letra da música em homenagem<br />

a nosso neoprofesso:


Aos olhos do Pai<br />

você é uma obra-prima<br />

que Ele planejou.<br />

Com suas próprias mãos pintou<br />

a cor de sua pele,<br />

os seus cabelos desenhou.<br />

Cada detalhe<br />

num toque de amor.<br />

Você é linda demais<br />

perfeita aos olhos do Pai.<br />

Alguém igual a você não vi jamais,<br />

princesa, linda demais.<br />

Perfeita aos olhos do Pai<br />

alguém igual a você não vi jamais.<br />

Parabéns, frei José Bandeiras!<br />

Ite missa est<br />

Enquanto os frades ainda almoçavam,<br />

dois irmãos do pósnoviciado<br />

se retiraram para lavar<br />

a louça. Frei Vicente Ronaldo,<br />

que outrora era chamado de<br />

“Cachorrão”, chega à cozinha e<br />

esbraveja com carinho: “Gente,<br />

vamos voltar para o refeitório, a<br />

missa ainda não acabou!”. Eis uma<br />

explicação prática da máxima:<br />

“toda vida é oração!”.<br />

Um frade atleta<br />

O fi lho de Almenara, frei Kauê,<br />

assim que chegou a Betim, descobriu<br />

as academias populares,<br />

em praça pública, e se tornou um<br />

fi el adepto. O detalhe inesperado é<br />

que faz seus exercícios com o burel<br />

franciscano - o que tem chamado<br />

a atenção de todo o quarteirão.<br />

Novos areópagos, tudo bem, mas...<br />

Missa às avessas<br />

Certo frade, residente no Norte de<br />

Minas, muito criativo e inovador,<br />

durante uma celebração dominical,<br />

fez algumas modifi cações no rito<br />

da missa: após a proclamação do<br />

Evangelho, convidou a assembleia<br />

para professar a fé. Um confrade<br />

que estava presente pensou com<br />

seus botões: “oba, hoje a missa<br />

vai acabar mais cedo”. Quando já<br />

estava terminando a apresentação<br />

das Oferendas, veio a surpresa: o<br />

reverendíssimo presidente começou<br />

a homilia. Parafraseando<br />

o ditado popular, “alegria de frade<br />

dura pouco”!<br />

O frade e a sexta-feira 13<br />

Após um período na “Cidade<br />

Eterna”, frei Vicente Lopes retornou,<br />

há pouco, às terras tupiniquins. Seu<br />

desembarque se deu no dia 13 de<br />

fevereiro, sexta-feira. Tomara que<br />

a “sexta-feira 13” lhe traga sorte, e<br />

também a seus confrades, afi nal,<br />

receber um novo morador nessa<br />

data não deixa de ser algo passível<br />

de apreensão.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 59


Um frade de apenas 9 aninhos<br />

Existem vocações precoces, mas<br />

frei Emanuel parece ter batido o<br />

recorde. Sua inscrição no encontro<br />

de Under Ten, no México, deu<br />

como data de nascimento o ano<br />

de 2003. Tendo em vista que o<br />

frade da Fundação Nossa Senhora<br />

de Fátima é professo solene, se vê<br />

que, quando Deus quer chamar a<br />

alguém, nem fraldas o impedem.<br />

Nota de falecimento<br />

Com pesar informamos o falecimento<br />

do mais doce, meigo,<br />

carinhoso, terno, cheiroso, dócil,<br />

amigo, companheiro animalzinho<br />

dos frades. Trata-se de Zangado, o<br />

“Zan” para os íntimos. Ele faleceu<br />

em Alcobaça, em decorrência de<br />

uma perfuração estomacal causada<br />

por um osso galináceo. Após<br />

anos de penosa agonia, foi levado<br />

aos Campos Elíseos. Expressamos<br />

nossa solidariedade, sobretudo a<br />

frei Moisés, que acompanhou a<br />

pobre criatura por longo tempo.<br />

GP da PSC<br />

Bem amigos, estamos aqui de<br />

novo dando notícias das peripécias<br />

de nossos confrades no trânsito. O<br />

Grande Prêmio da Província <strong>Santa</strong><br />

<strong>Cruz</strong> teve fortes emoções nos<br />

últimos meses. A equipe Bocaiúva<br />

eletrizou os espectadores,<br />

60 - <strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong><br />

demonstrando que está disposta<br />

a lutar pelo campeonato deste<br />

ano. Numa manobra arriscada, frei<br />

Waldelir foi atingido por um Monza<br />

86, “zero bala”. O outro piloto, que<br />

tinha mais álcool que o próprio<br />

carro, saiu com cara de poucos<br />

amigos. Imediatamente, a equipe<br />

de frades se organizou a fi m de<br />

prestar-lhe socorro e evitar atos<br />

mais violentos.<br />

O outro piloto da mesma equipe,<br />

frei Júnio Fernando, no autódromo<br />

de Uberlândia, nas retas do<br />

Triângulo Mineiro, fez a Kombi<br />

dos frades de Betim chegar a<br />

150 km/h. A bichinha até gemeu<br />

para conseguir fazer a ultrapassagem<br />

de uma carreta, deixando os<br />

tripulantes com o coração na boca.<br />

Pelo visto, o ano começa com a<br />

equipe do Norte de Minas prometendo<br />

fortes emoções automobilísticas.<br />

São Cristóvão vai ter<br />

trabalho!


<strong>Revista</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Cruz</strong> - 61

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!