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maria christina da silva o teatro de arena na arena do brasil belo ...

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MARIA CHRISTINA DA SILVA<br />

O TEATRO DE ARENA NA ARENA DO BRASIL<br />

BELO HORIZONTE<br />

2008<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Programa <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação em História FAFICH -<br />

UFMG / Linha <strong>de</strong> Pesquisa: História e<br />

Culturas Políticas como requisito parcial<br />

para obtenção <strong>do</strong> título <strong>de</strong> Mestre em<br />

História.<br />

Orienta<strong>do</strong>ra: Profª Drª Heloisa Starling.


MARIA CHRISTINA DA SILVA<br />

O TEATRO DE ARENA NA ARENA DO BRASIL<br />

BELO HORIZONTE<br />

2008<br />

1


BANCA EXAMINADORA<br />

2


3<br />

Para<br />

meu filho Lucas e,<br />

in memoriam, minha mãe<br />

Benedita.


AGRADECIMENTOS<br />

Meus agra<strong>de</strong>cimentos iniciais são à minha orienta<strong>do</strong>ra Profª Dr.ª Heloísa Maria Murgel<br />

Starling, por ter acredita<strong>do</strong> <strong>na</strong> pertinência <strong>do</strong> tema, pelo incentivo e apoio ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta pesquisa e por ter contribuí<strong>do</strong> para o fortalecimento <strong>de</strong> minha<br />

autonomia intelectual.<br />

A Prof.ª Dr.ª Rosangela Patriota agra<strong>de</strong>ço imensamente por ter me recebi<strong>do</strong> com<br />

enorme disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e pelas inestimáveis sugestões para a execução <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

A Prof.ª Dr.ª Maria Elisa Linhares Borges, ao Prof. Dr. José Carlos Reis, ao Prof. Dr.<br />

João Furta<strong>do</strong> e à Prof.ª Dr.ª Betânia Gonçalvez Figueire<strong>do</strong> serei eter<strong>na</strong>mente grata pela<br />

confiança que <strong>de</strong>positaram em mim, pela gentileza com que sempre me acolheram e<br />

pelos estimulantes questio<strong>na</strong>mentos e profícuas sugestões.<br />

Gostaria <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer, in memoriam, à minha queri<strong>da</strong> mãe e amiga, que sempre<br />

acreditou em mim e cujo incentivo <strong>de</strong>vo este trabalho. E ao meu filho, meu irmão e meu<br />

pai, pelo infinito apoio e compreensão.<br />

A Maria Paula, Maria Alice, Zeca, Tia Vera e in memoriam, a Maria Eunice, não há<br />

palavras que expressem minha gratidão pela infinita amiza<strong>de</strong>, apoio e generosi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Ao Leo<strong>na</strong>r<strong>do</strong> e ao Lucas pela amiza<strong>de</strong> e pelas conversas inteligentes rechea<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

estímulo, paciência e confiança.<br />

A Fer<strong>na</strong>n<strong>da</strong>, Ariadne, Al<strong>da</strong>, Flávia, Mônica, Inês e tias Nilza e Maria Eustáquia pelo<br />

imenso apoio, carinho, paciência nos momentos mais difíceis.<br />

Aos amigos Bruno e Marcela pela generosa acolhi<strong>da</strong> e estímulo.<br />

As secretárias Norma e Márcia (Vice-Reitoria), Norma (Pós-Graduação) e Aninha<br />

(Diretoria <strong>da</strong> Fafich) pelo empenho, compreensão e solicitu<strong>de</strong>.<br />

E fi<strong>na</strong>lmente, ao Rogério pela compreensão, carinho, afeto e bom humor, que foram<br />

fun<strong>da</strong>mentais para que eu mantivesse minha resistência nos últimos meses.<br />

4


“O passa<strong>do</strong> não é uma que<strong>da</strong> no <strong>na</strong><strong>da</strong>; ao contrário, é uma passagem ao<br />

ser: o passa<strong>do</strong> é a consoli<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> ser no tempo, é duração realiza<strong>da</strong>. Ele<br />

não é o que não é mais, mas o que foi e ain<strong>da</strong> é. Ele penetra em nossa<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> presente e <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> o futuro. Entretanto, embora seja “duração<br />

realiza<strong>da</strong>”, o passa<strong>do</strong> não existe em si. Ele se confun<strong>de</strong> com a reconstrução<br />

que se faz <strong>de</strong>le. Existe no presente como memória, reconstrução. O ser <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> é a sua “representação”, que está situa<strong>da</strong> no presente”.<br />

5<br />

José Carlos Reis


RESUMO<br />

Esta dissertação tem por fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> contribuir para a reflexão <strong>da</strong>s possíveis conexões<br />

existentes entre História e Teatro. Propõe a análise <strong>da</strong>s utopias <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950 no Brasil, com o intuito <strong>de</strong> discutir momentos <strong>de</strong> nossa<br />

história contemporânea. Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que a produção estética e, neste<br />

caso específico, a dramaturgia, é um momento constituinte <strong>do</strong> processo histórico, serão<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s especificamente duas peças produzi<strong>da</strong>s e ence<strong>na</strong><strong>da</strong>s pela primeira vez por<br />

essa companhia: Eles Não Usam Black-Tie (1958), <strong>de</strong> Gianfracesco Guarnieri, e<br />

Chapetuba Futebol Clube (1959), <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho. No primeiro capítulo, o<br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> será a<strong>na</strong>lisa<strong>do</strong> por meio <strong>da</strong>s interpretações elabora<strong>da</strong>s a seu respeito, no<br />

segun<strong>do</strong>, no interior <strong>do</strong> processo vivencia<strong>do</strong> e no terceiro, será feito um estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s<br />

peças indica<strong>da</strong>s acima, no âmbito <strong>do</strong> processo <strong>da</strong> escritura e <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção, com o<br />

objetivo <strong>de</strong> recuperar a contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> papel exerci<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong><br />

dramaturgia <strong>brasil</strong>eira.<br />

Palavras Chave: Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo; História e Teatro; Gianfrancesco<br />

Guarnieri; Eles não usam Black-Tie; Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho; Chapetuba Futebol Clube.<br />

ABSTRACT<br />

This work aims to contribute to the reflection of the possible connections between<br />

History and Theater. It consi<strong>de</strong>rs the a<strong>na</strong>lysis of Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>’s utopias during the<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong> of 1950 in Brazil, with the intent to discuss some moments of our contemporary<br />

history. Starting from approaches which blend drama and historical process, two plays<br />

produced and staged by the first time for this company will be studied: Eles Não Usam<br />

Black-Tie (1958), by Gianfrancesco Guarnieri, and Chapetuba Futebol Clube (1959), by<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho. In the first chapter, the Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> will be a<strong>na</strong>lysed from<br />

the point of view of their critical approaches; in the second, relations between those<br />

plays and history. In the third, will be <strong>do</strong>ne a study over the process of writing and<br />

stage, looking for rescue the contemporary and importance of Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> and its<br />

role on Brazilian drama.<br />

Key words: Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> of São Paulo; History and Theater; Gianfrancesco<br />

Guarnieri; Eles Não Usam Black-Tie; Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho; Chapetuba Futebol<br />

Clube.<br />

6


SUMÁRIO<br />

Apresentação................................................................................................................. 08<br />

Capítulo 1 - História e Teatro: A Historiografia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo...... 14<br />

Capítulo 2 - O Encontro com o Tema <strong>do</strong> Nacio<strong>na</strong>l no Imaginário <strong>do</strong>s Integrantes <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> ........................................................................................ 50<br />

Capítulo 3 - Eles Não Usam Black-Tie e Chapetuba Futebol Clube – Na Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> um<br />

País.......................................................................................................... 100<br />

As Utopias <strong>de</strong> Vianinha e Guarnieri no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> ....................... 106<br />

Eles Não Usam Black-Tie: Os operários entram em ce<strong>na</strong>...................... 107<br />

A Recepção <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie............................................. 130<br />

Chapetuba Futebol Clube: A dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l continua................. 137<br />

A Recepção <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube............................................. 153<br />

Consi<strong>de</strong>rações Fi<strong>na</strong>is................................................................................................. 157<br />

Iconografia.................................................................................................................... 167<br />

Lista <strong>de</strong> Siglas e Abreviaturas .......................................................................................178<br />

Cronologia <strong>do</strong>s Espetáculos <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>...........................................................................179<br />

Bibliografia ...................................................................................................................181<br />

7


APRESENTAÇÃO<br />

“Somos profissio<strong>na</strong>is: não vamos agredir,<br />

agredir não é fácil, mas transfere responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

viemos aqui cumprir a nossa missão<br />

a <strong>de</strong> artistas ,<br />

não a <strong>de</strong> juízes <strong>de</strong> nosso tempo<br />

a <strong>de</strong> investiga<strong>do</strong>res<br />

a <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>res<br />

ligar a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> à <strong>na</strong>tureza histórica<br />

não estamos atrás <strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

estamos atrás <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas,<br />

não somos profissio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> espanto<br />

para achar a água é preciso <strong>de</strong>scer terra a<strong>de</strong>ntro<br />

encharcar-se no lo<strong>do</strong> mas há os que preferem os céus<br />

esperar pelas chuvas”.<br />

8<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

Nesse trabalho, propomos-nos a refletir acerca <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate político compartilha<strong>do</strong><br />

por grupos <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> 1 <strong>brasil</strong>eira, liga<strong>do</strong>s à esfera artística, durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

1950, à luz <strong>da</strong>s utopias teatrais presentes no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>. Pressupomos que a<br />

análise <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> representações permite uma chave <strong>de</strong> compreensão <strong>da</strong>s razões<br />

<strong>do</strong> comportamento <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> homens e mulheres, que se acreditava política, e<br />

que consi<strong>de</strong>rava, portanto, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>veria se submeter ao político: o amor, o<br />

comportamento, o sexo, a cultura e que, conseqüentemente, por meio <strong>de</strong> suas criações<br />

artísticas, não só buscava compreen<strong>de</strong>r as circunstâncias históricas vivencia<strong>da</strong>s como<br />

também procurava intervir, direta ou indiretamente, <strong>na</strong> transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> imaginário político <strong>de</strong>sse segmento <strong>de</strong> jovens artistas<br />

e intelectuais, ten<strong>do</strong> como fio condutor o resgate <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> criação/produção <strong>de</strong><br />

alguns momentos significativos <strong>da</strong> sua dramaturgia, possibilita pensá-la historicamente,<br />

visto que, <strong>de</strong>ssa forma, são trazi<strong>do</strong>s à luz os <strong>de</strong>bates <strong>da</strong> época, o que permite a análise e<br />

1 Intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> entendi<strong>da</strong> como “categoria social <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> por seu papel i<strong>de</strong>ológico: eles são os<br />

produtores diretos <strong>da</strong> esfera i<strong>de</strong>ológica, os cria<strong>do</strong>res <strong>de</strong> produtos i<strong>de</strong>ológico-culturais”, o que engloba<br />

“escritores, artistas, poetas, filósofos, sábios, pesquisa<strong>do</strong>res, publicistas, teólogos, certos tipos <strong>de</strong><br />

jor<strong>na</strong>listas, certos tipos <strong>de</strong> professores e estu<strong>da</strong>ntes, etc.” LÖWY, Michael. Para uma sociologia <strong>do</strong>s<br />

intelectuais revolucionários. São Paulo: Ciências Huma<strong>na</strong>s, 1979, p. 1.


auxilia <strong>na</strong> compreensão <strong>de</strong> um perío<strong>do</strong> recente <strong>da</strong> história <strong>brasil</strong>eira contemporânea,<br />

como aquele que antece<strong>de</strong>u o golpe <strong>de</strong> 1964 e, conseqüentemente, possibilita a<br />

reconstrução <strong>de</strong>sse passa<strong>do</strong> como objeto <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Nessa perspectiva, este estu<strong>do</strong> visa a<strong>na</strong>lisar as possíveis conexões existentes<br />

entre História e Teatro durante as déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1950 no Brasil. A proposta central resi<strong>de</strong><br />

em tecer uma reflexão acerca <strong>de</strong> novos objetos e abor<strong>da</strong>gens a partir <strong>da</strong> valorização <strong>da</strong><br />

produção teatral utiliza<strong>da</strong> como fonte para a pesquisa histórica. O <strong>teatro</strong> se constitui<br />

como uma linguagem <strong>de</strong> expressão sensível à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e se oferece como campo<br />

<strong>de</strong>safia<strong>do</strong>r para o historia<strong>do</strong>r, permitin<strong>do</strong> relações multidiscipli<strong>na</strong>res <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gem,<br />

diálogos com a estética, com as dimensões subjetivas <strong>da</strong> produção/criação, bem como<br />

com as coletivas/sociais <strong>da</strong> recepção.<br />

Nesse contexto, recuperar esses momentos <strong>da</strong> nossa história recente, à luz <strong>do</strong><br />

estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> algumas peças produzi<strong>da</strong>s pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, significa estabelecer um<br />

profícuo diálogo entre arte e política, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que as propostas artísticas<br />

engendra<strong>da</strong>s por essa companhia, que trazia como principal horizonte <strong>de</strong> seu trabalho a<br />

conscientização <strong>da</strong> população, por meio <strong>da</strong> dramaturgia, encontravam-se<br />

intrinsecamente liga<strong>da</strong> às reflexões acerca <strong>do</strong>s possíveis caminhos que po<strong>de</strong>riam ser<br />

toma<strong>do</strong>s pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>.<br />

Essa perspectiva se justifica <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, como assi<strong>na</strong>la a historia<strong>do</strong>ra<br />

Rosangela Patriota, existe um eixo <strong>de</strong> interpretação comum que perpassa as análises <strong>de</strong><br />

estudiosos e críticos teatrais acerca <strong>de</strong>ssa companhia, que é aponta<strong>da</strong> em to<strong>do</strong>s os<br />

estu<strong>do</strong>s como responsável pela realização <strong>de</strong> um “<strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, após a ence<strong>na</strong>ção <strong>da</strong><br />

peça Eles Não Usam Black-Tie <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri. 2 Assim, segun<strong>do</strong> a autora:<br />

2 PATRIOTA, Rosângela. Eles Não Usam Black-Tie: Projetos Estéticos e Políticos <strong>de</strong> G. Guarnieri. In:<br />

Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> História, v.6, n.1, Franca, 1999, p.99.<br />

9


10<br />

“Mesmo possuin<strong>do</strong> uma trajetória diversifica<strong>da</strong>, com ence<strong>na</strong>ções <strong>de</strong> autores<br />

<strong>brasil</strong>eiros e estrangeiros, o Are<strong>na</strong> consagrou-se como companhia teatral<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com o “texto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, e, sob esse ponto <strong>de</strong> vista, Eles Não<br />

Usam Black-Tie tornou-se a referência e o parâmetro <strong>da</strong> dramaturgia e <strong>do</strong>s<br />

dramaturgos, em sintonia com os projetos <strong>de</strong> transformação acalenta<strong>do</strong>s<br />

<strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, a peça <strong>de</strong> Guarnieri inseriu o referi<strong>do</strong><br />

grupo <strong>na</strong> História <strong>do</strong> Teatro, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-o um marco <strong>da</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>do</strong><br />

século XX”. 3<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a questão que nos colocamos nessa dissertação é a seguinte: se<br />

como atesta com muita proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, Rosangela Patriota, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> durante<br />

quase seus vinte anos <strong>de</strong> atuação possuiu uma trajetória diversifica<strong>da</strong> em temas,<br />

realizan<strong>do</strong> uma multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ence<strong>na</strong>ções tanto <strong>de</strong> autores <strong>brasil</strong>eiros como<br />

estrangeiros, porque os pesquisa<strong>do</strong>res que se <strong>de</strong>bruçaram sobre o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

companhia teatral, a i<strong>de</strong>ntificam como responsável pela realização <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l? 4<br />

Nessa perspectiva, preten<strong>de</strong>mos tecer uma reflexão acerca <strong>de</strong>sse lugar ocupa<strong>do</strong><br />

pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, como grupo<br />

teatral representativo <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Consi<strong>de</strong>ramos pertinente <strong>de</strong>senvolvermos esta<br />

reflexão, visto que esta interpretação tornou-se um cânone <strong>na</strong> historiografia <strong>do</strong> <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro, e nessa medi<strong>da</strong>, nos estu<strong>do</strong>s acerca <strong>de</strong>ssa companhia ela aparece como<br />

<strong>de</strong>finitiva sobre a trajetória <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, se impon<strong>do</strong> sobre o conjunto <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

realiza<strong>da</strong>s pelo grupo. 5<br />

Desse mo<strong>do</strong>, preten<strong>de</strong>mos realizar nossa análise por meio <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> duas<br />

peças teatrais produzi<strong>da</strong>s pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo: Eles Não Usam Black-Tie,<br />

escrita por Gianfrancesco Guarnieri e dirigi<strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to, e que estreou em 22 <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1958; e Chapetuba Futebol Clube, escrita por Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho e<br />

dirigi<strong>da</strong> por Augusto Boal, que estreou em 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1959.<br />

3<br />

PATRIOTA, R. História, Estética e Recepção: O Brasil Contemporâneo Pelas Ence<strong>na</strong>ções <strong>de</strong> Eles Não<br />

Usam Black-Tie e O Rei <strong>da</strong> Vela. In: História e Cultura: espaços plurais, Uberlândia:<br />

Asppectus/Nehac, 2002, p. 118.<br />

4<br />

Ibid., p. 118.<br />

5<br />

Ibid., p. 116.


Nesse senti<strong>do</strong>, procuraremos recuperar a participação <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong><br />

efervescente conjuntura política e social <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta no Brasil, <strong>na</strong> qual<br />

importantes segmentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil <strong>brasil</strong>eira buscavam <strong>de</strong> forma intensa e<br />

apaixo<strong>na</strong><strong>da</strong> alter<strong>na</strong>tivas para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social <strong>do</strong> país, através <strong>da</strong><br />

implantação <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo econômico alicerça<strong>do</strong> <strong>na</strong> distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, <strong>na</strong><br />

ampliação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res urbanos e rurais e <strong>na</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> economia<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Dessa forma, este estu<strong>do</strong> tem por objetivo reconstituir momentos importantes <strong>do</strong><br />

projeto político trava<strong>do</strong> por uma parcela significativa <strong>de</strong> intelectuais e artistas, que ao<br />

la<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros grupos sociais, como estu<strong>da</strong>ntes, trabalha<strong>do</strong>res, militantes trabalhistas e<br />

comunistas, sindicalistas, <strong>de</strong>ntre outros, compunham a chama<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira 6 ,<br />

durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, por meio <strong>de</strong> uma perspectiva histórica. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

procuraremos reconstruir, ain<strong>da</strong> que parcialmente, as vivências e experiências políticas<br />

<strong>da</strong>queles militantes teatrais que, traduzi<strong>da</strong>s em idéias, certezas, sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e crenças,<br />

contribuíram para a construção <strong>de</strong> uma proposta revolucionária no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que os padrões comportamentais, assim como o<br />

conjunto <strong>de</strong> representações <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong> grupo social, surgem <strong>da</strong>s suas<br />

experiências e vivências econômicas, políticas e culturais, que os expressam por meio<br />

<strong>da</strong> linguagem, preten<strong>de</strong>mos abor<strong>da</strong>r os <strong>de</strong>poimentos, as produções artísticas e as<br />

manifestações discursivas <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, como produtos origi<strong>na</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong><br />

cultura existente entre eles. Sen<strong>do</strong> assim, o conceito <strong>de</strong> cultura será utiliza<strong>do</strong> nesta<br />

pesquisa para <strong>de</strong>finir “to<strong>do</strong> o conjunto <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s, representações sociais e códigos <strong>de</strong><br />

6 O termo “esquer<strong>da</strong>” é usa<strong>do</strong> para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r as forças políticas críticas <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m capitalista estabeleci<strong>da</strong>,<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s com as lutas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res pela transformação social. Trata-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição ampla,<br />

próxima <strong>da</strong> utiliza<strong>da</strong> por Goren<strong>de</strong>r, para quem “os diferentes graus, caminhos e formas <strong>de</strong>ssa<br />

transformação social pluralizam a esquer<strong>da</strong> e fazem <strong>de</strong>la um espectro <strong>de</strong> cores e matizes”. (GORENDER,<br />

Jacob. Combate <strong>na</strong>s Trevas). In: RIDENTI, Marcelo. Em Busca <strong>do</strong> Povo Brasileiro: artistas <strong>da</strong><br />

revolução, <strong>do</strong> CPC à era <strong>da</strong> TV. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2000, p. 17.<br />

11


comportamento que forma as crenças, idéias e valores socialmente reconheci<strong>do</strong>s por<br />

um setor, grupo ou classe social”. 7<br />

Em última análise, o nosso interesse em estu<strong>da</strong>r esse grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> paulista<br />

resi<strong>de</strong> em recuperar, por meio <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> sua dramaturgia, sonhos, projetos, crenças e<br />

representações <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> homens e mulheres liga<strong>do</strong>s à esfera artística e<br />

intelectual, que acreditou no <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, <strong>na</strong> soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico, <strong>na</strong> justiça social, <strong>na</strong>s reformas <strong>da</strong>s estruturas socioeconômicas <strong>do</strong> Brasil,<br />

como meios <strong>de</strong> obter o real <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> país, bem como o efetivo bem-estar <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. 8 De acor<strong>do</strong> com Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Neves, “esperança, reformismo,<br />

distributivismo e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo eram elementos integrantes <strong>da</strong> utopia<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista que se constituiu como signo <strong>da</strong>quela época”. 9<br />

O primeiro capítulo tece uma reflexão acerca <strong>da</strong> historiografia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Esta companhia teatral será a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong>s interpretações<br />

elabora<strong>da</strong>s sobre ela pelos estudiosos e críticos teatrais.<br />

O segun<strong>do</strong> capítulo discute o papel representa<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong><br />

dramaturgia <strong>brasil</strong>eira no interior <strong>do</strong> processo vivencia<strong>do</strong>, a partir <strong>da</strong> sistematização <strong>de</strong><br />

fragmentos <strong>do</strong>s integrantes <strong>de</strong>sta companhia teatral.<br />

O terceiro capítulo a<strong>na</strong>lisa as duas primeiras peças produzi<strong>da</strong>s pelo Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong> Eles Não Usam Black-Tie (1958) e Chapetuba Futebol Clube (1959), <strong>de</strong><br />

Gianfrancesco Guarnieri e Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, respectivamente, no contexto <strong>da</strong> luta<br />

empreendi<strong>da</strong> por esse grupo teatral para implantação <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l no<br />

<strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro.<br />

7 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.12.<br />

8 Ibid., p.14<br />

9 NEVES, Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>. Trabalhismo, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo e <strong>de</strong>senvolvimentismo: um projeto para o<br />

Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: <strong>de</strong>bate e crítica. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 172.<br />

12


Desse mo<strong>do</strong>, acreditamos <strong>na</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperar, ain<strong>da</strong> que parcialmente,<br />

o papel ocupa<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, em uma perspectiva<br />

que em absoluto se encontra presente em estu<strong>do</strong>s que fazem uma reconstituição a partir<br />

<strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s com bases em referências teóricas construí<strong>da</strong>s a posteriori, ou<br />

seja, após o momento <strong>da</strong> escrita e recepção <strong>do</strong>s espetáculos, sem levar em conta a<br />

historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos.<br />

13


Capítulo 1<br />

HISTÓRIA E TEATRO:<br />

A HISTORIOGRAFIA DO TEATRO DE ARENA DE SÃO PAULO<br />

14<br />

“O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> foi, <strong>de</strong> fato, uma revolução no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Marcou <strong>na</strong> dramaturgia uma divisão fun<strong>da</strong>mental entre o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro<br />

feito até aquela época e o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro que veio a seguir. Eles Não<br />

Usam Black-Tie, <strong>do</strong> Guarnieri, foi um divisor <strong>de</strong> águas. A peça marcou um<br />

salto <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que evoluiu para um <strong>teatro</strong> realista,<br />

realmente <strong>brasil</strong>eiro, que tratava <strong>de</strong> problemas sociais e políticos <strong>de</strong> uma<br />

maneira interpretativa, ou seja, com o trabalho <strong>do</strong>s autores volta<strong>do</strong> para a<br />

essência <strong>do</strong> homem <strong>brasil</strong>eiro”.<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo construiu uma proposta <strong>de</strong> trabalho marca<strong>da</strong><br />

por um ineditismo, <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira, tanto em seus aspectos estéticos, quanto<br />

temáticos. Esteticamente, o palco em <strong>are<strong>na</strong></strong> possibilitou profun<strong>da</strong>s transformações<br />

cenográficas, interpretativas, como também <strong>na</strong> relação palco-platéia. No que diz<br />

respeito à dramaturgia, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se notabilizou por introduzir <strong>na</strong> ce<strong>na</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira peças que retratavam o cotidiano <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares, com um níti<strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> político e social.<br />

Nesse contexto, vários estudiosos, <strong>da</strong>s mais diversas áreas, <strong>de</strong>senvolveram<br />

trabalhos acerca <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>. Em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s pesquisas o Are<strong>na</strong> é a<strong>na</strong>lisa<strong>do</strong><br />

em to<strong>da</strong> sua trajetória, outros estu<strong>do</strong>s enfocam algum aspecto específico <strong>do</strong> grupo,<br />

como uma peça ou uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> fase.<br />

Nessa perspectiva, optamos nesse estu<strong>do</strong>, por comentar os trabalhos, cujas<br />

análises, consi<strong>de</strong>ramos relevantes para a nossa pesquisa, no que diz respeito ao nosso<br />

recorte temporal que é a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, como também às discussões propostas.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, optamos por refletir acerca <strong>da</strong>s análises, <strong>do</strong>s seguintes autores: o<br />

dramaturgo e diretor <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> Augusto Boal, os críticos teatrais Mariângela Alves <strong>de</strong>


Lima, Edélcio Mostaço, Sábato Magaldi, e o escritor e dramaturgo Isaías Alma<strong>da</strong>, a<br />

pesquisa<strong>do</strong>ra Lúcia Maria Mac Dowell Soares e as historia<strong>do</strong>ras Eliane <strong>do</strong>s Santos<br />

Paschoal e Rosangela Patriota.<br />

Além <strong>de</strong> dramaturgo e diretor <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, Augusto Boal é também um importante<br />

teórico <strong>da</strong> dramaturgia contemporânea. O seu livro O Teatro <strong>do</strong> Oprimi<strong>do</strong> e Outras<br />

Poéticas Políticas é composto por diversos ensaios que relatam as suas experiências<br />

teatrais entre 1962 até fins <strong>de</strong> 1973, no Brasil, como também em diversos países <strong>da</strong><br />

América Lati<strong>na</strong>. 10 Em um <strong>de</strong>sses ensaios, <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>do</strong> Etapas <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

São Paulo, Augusto Boal, como um <strong>do</strong>s principais integrantes <strong>do</strong> grupo, realizou uma<br />

análise acerca <strong>da</strong> trajetória e <strong>do</strong> papel <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> por essa companhia teatral <strong>na</strong><br />

ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira. 11<br />

De acor<strong>do</strong> com o dramaturgo, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se constituiu em um <strong>teatro</strong><br />

revolucionário, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que essa companhia teatral, em to<strong>da</strong> sua trajetória, nunca<br />

se caracterizou por um único estilo <strong>de</strong> representação. Ao contrário <strong>de</strong> outras companhias<br />

teatrais, que sempre se mantiveram presas a uma mesma linha <strong>de</strong> trabalho, o Are<strong>na</strong> em<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento, passou por várias etapas que nunca se cristalizaram e que se<br />

suce<strong>de</strong>ram no tempo, <strong>de</strong> maneira coor<strong>de</strong><strong>na</strong><strong>da</strong> artisticamente e <strong>de</strong> forma necessariamente<br />

social. 12<br />

Segun<strong>do</strong> o autor, a primeira etapa <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> foi chama<strong>da</strong> por ele <strong>de</strong><br />

fase realista, e se iniciou em 1956, e como uma alter<strong>na</strong>tiva ao TBC (Teatro Brasileiro <strong>de</strong><br />

Comédia), que <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>va a ce<strong>na</strong> paulista. Esse <strong>teatro</strong>, fun<strong>da</strong><strong>do</strong> em 1948, nos mol<strong>de</strong>s<br />

10<br />

BOAL, Augusto. Teatro <strong>do</strong> Oprimi<strong>do</strong> e Outras Poéticas Políticas. 2ª. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1977, p.13.<br />

11<br />

Ibid.<br />

12<br />

Ibid., p. 188.<br />

15


europeus, pelo rico empresário italiano Franco Zampari, se caracterizava pelo luxo e<br />

ostentação e era freqüenta<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente pela elite paulista<strong>na</strong>. 13<br />

O TBC trouxe uma estética nova para a ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira, que era <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>da</strong> até o<br />

seu aparecimento, pelos atores empresários, que centralizavam to<strong>do</strong> o espetáculo, se<br />

constituin<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong>s estrelas <strong>do</strong> palco, idênticas em to<strong>do</strong>s os espetáculos. Como<br />

esses atores divos eram poucos, rapi<strong>da</strong>mente o público conhecia to<strong>do</strong>s eles e<br />

consequentemente, os espetáculos após algumas apresentações, se tor<strong>na</strong>vam repetitivos<br />

e enfa<strong>do</strong>nhos e a platéia composta pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente pelas classes médias acabava<br />

aban<strong>do</strong><strong>na</strong>n<strong>do</strong> o <strong>teatro</strong>. 14<br />

O TBC, por se constituir em um <strong>teatro</strong> profissio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong> equipe, rompeu com<br />

este cenário trazen<strong>do</strong> uma nova estética para o país, que atraiu no início, as classes<br />

médias. Contu<strong>do</strong>, logo esta platéia voltou a aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r o <strong>teatro</strong>, pois se cansou <strong>do</strong>s<br />

espetáculos ape<strong>na</strong>s <strong>belo</strong>s e luxuosos <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> tebeciano, mas absolutamente abstratos,<br />

isto é, totalmente distancia<strong>do</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. 15<br />

Nesse contexto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Boal, o Are<strong>na</strong> nessa primeira fase, pretendia<br />

romper com a estética <strong>do</strong> TBC, e trazer para o palco peças com temáticas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e<br />

interpretações <strong>brasil</strong>eiras. To<strong>da</strong>via, como essas peças eram raras ou não existiam, a<br />

alter<strong>na</strong>tiva encontra<strong>da</strong> pela companhia foi ence<strong>na</strong>r textos mo<strong>de</strong>rnos e realistas, mas <strong>de</strong><br />

autores estrangeiros. A fim <strong>de</strong> alcançar este intento, o Are<strong>na</strong>, por iniciativa <strong>do</strong> próprio<br />

Boal, criou um Laboratório <strong>de</strong> Interpretação, dirigi<strong>do</strong> por ele, e cujos principais<br />

integrantes foram: Gianfrancesco Guarnieri, Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, Flavio Migliaccio,<br />

Milton Gonçalves e Nelson Xavier, que estu<strong>da</strong>vam e praticavam com afinco as técnicas<br />

realistas <strong>de</strong> Stanislawsky, que foram postas em prática <strong>na</strong>s montagens <strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong>,<br />

13 BOAL, 1977, p.188.<br />

14 Ibid., p.189.<br />

15 Ibid., p.189.<br />

16


como em Ratos e Homens <strong>de</strong> John Steinbeck, Juno e Pavão, <strong>de</strong> Sean O’ Casey e<br />

outras. 16<br />

Segun<strong>do</strong> Boal, o palco em Are<strong>na</strong> se mostrou perfeitamente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> nesta fase<br />

<strong>de</strong> representação <strong>de</strong> peças realistas, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que possibilitava o uso <strong>da</strong> técnica <strong>do</strong><br />

close-up que favorecia a aproximação <strong>do</strong> palco com a platéia: “O café servi<strong>do</strong> em ce<strong>na</strong><br />

é cheira<strong>do</strong> pela platéia: o macarrão comi<strong>do</strong> é visto em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>glutição; a<br />

lágrima furtiva expõe seu segre<strong>do</strong>...”. 17 Nesse senti<strong>do</strong>, o centro <strong>do</strong> espetáculo se<br />

concentrava basicamente no ator que “reunia em si a carência <strong>do</strong> fenômeno teatral, era<br />

o <strong>de</strong>miurgo <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> — <strong>na</strong><strong>da</strong> sem ele se fazia e tu<strong>do</strong> a ele se resumia”. 18 E pelo fato<br />

<strong>da</strong>s peças nessa fase, se constituírem em textos realistas, a forma <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong>s<br />

atores, “seria tão melhor <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que os atores fossem eles mesmos e não<br />

atores”. 19<br />

To<strong>da</strong>via, como assi<strong>na</strong>lava Boal, se essa fase foi primordial por introduzir uma<br />

interpretação mais <strong>brasil</strong>eira, próxima <strong>de</strong> nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ela possuía limitações, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que os textos ence<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo Are<strong>na</strong>, embora fossem mo<strong>de</strong>rnos e realistas,<br />

continuavam sen<strong>do</strong> estrangeiros. Assim, segun<strong>do</strong> o autor: “tornou-se necessária a<br />

criação <strong>de</strong> uma dramaturgia que criasse perso<strong>na</strong>gens <strong>brasil</strong>eiros para os nossos atores.<br />

Fun<strong>do</strong>u-se o Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia <strong>de</strong> São Paulo”. 20<br />

A segun<strong>da</strong> fase, chama<strong>da</strong> por Augusto Boal <strong>de</strong> Fotografia, segun<strong>do</strong> ele, se<br />

iniciou com a estréia <strong>da</strong> peça Eles Não Usam Black-Tie <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri em<br />

1958 e se prolongou até 1962. Nestes quatro anos, o Are<strong>na</strong> somente encenou peças <strong>de</strong><br />

autores <strong>brasil</strong>eiros e com temáticas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, tais como: Chapetuba Futebol Clube<br />

(Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho), Gente como a Gente (Roberto Freire), A Farsa <strong>da</strong> Esposa<br />

16 BOAl, 1977, p.189-190.<br />

17 Ibid., p.190.<br />

18 Ibid., p.190.<br />

19 Ibid, p.189.<br />

20 Ibid, p.191.<br />

17


Perfeita (Edy Lima), Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul (Augusto Boal), Pinta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alegre<br />

(Flávio Migliaccio), O Testamento <strong>do</strong> Cangaceiro (Francisco <strong>de</strong> Assis), Fogo Frio<br />

(Benedito Rui Barbosa) e outras. 21<br />

De acor<strong>do</strong> com o autor, as singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidia<strong>na</strong> se constituíram no<br />

principal tema <strong>da</strong>s ence<strong>na</strong>ções <strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong>, mas por outro la<strong>do</strong>, em sua principal<br />

limitação, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o público via no palco o que já conhecia e que presenciava<br />

to<strong>do</strong>s os dias <strong>na</strong> rua, e então, a platéia percebeu que não precisava pagar entra<strong>da</strong> no<br />

<strong>teatro</strong>, que imitava o cotidiano <strong>da</strong>s pessoas, retratan<strong>do</strong> o óbvio. 22<br />

Consequentemente, segun<strong>do</strong> Boal, embora essa fase tivesse possuí<strong>do</strong> um papel<br />

fun<strong>da</strong>mental por levar aos palcos os autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, que passaram a ser conheci<strong>do</strong>s e<br />

respeita<strong>do</strong>s pelo público <strong>brasil</strong>eiro, ela <strong>de</strong>veria ser supera<strong>da</strong>, pois se reduzia<br />

<strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente às aparências. Desse mo<strong>do</strong>, para ele, nessa fase: “a <strong>de</strong>svantagem<br />

principal era reiterar o óbvio. Queríamos um <strong>teatro</strong> mais “universal” que, sem <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> ser <strong>brasil</strong>eiro, não se reduzisse às aparências. O novo caminho começou em 63”. 23<br />

Na terceira etapa, <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>da</strong> pelo autor <strong>de</strong> Nacio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong>s Clássicos,<br />

objetivan<strong>do</strong> solucio<strong>na</strong>r o impasse ocorri<strong>do</strong> <strong>na</strong> segun<strong>da</strong> fase, o Teatro Are<strong>na</strong> optou pela<br />

montagem <strong>de</strong> peças clássicas <strong>da</strong> dramaturgia mundial, cujas temáticas foram utiliza<strong>da</strong>s<br />

para retratar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no perío<strong>do</strong>. Mandrágora <strong>de</strong> Maquiavel,<br />

O Noviço <strong>de</strong> Martins Pe<strong>na</strong>, O Melhor Juiz, o Rei, <strong>de</strong> Lope <strong>da</strong> Veja, O Tartufo <strong>de</strong><br />

Moliéri, O Inspetor Geral <strong>de</strong> Gogol, foram peças ence<strong>na</strong><strong>da</strong>s nessa fase. 24 Outra<br />

novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong>, enfoca<strong>da</strong> por Boal, foi a ênfase <strong>na</strong> interpretação social, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que os perso<strong>na</strong>gens passaram a ser construí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro, isto é, a<br />

partir <strong>de</strong> suas relações com os outros perso<strong>na</strong>gens e não a partir <strong>de</strong> uma suposta<br />

21 BOAL, 1977, p.191.<br />

22 Ibid., p.192.<br />

23 Ibid., p.192.<br />

24 Ibid., p. 192-193.<br />

18


essência. No entanto, segun<strong>do</strong> Boal, a companhia concluiu que esta fase também<br />

<strong>de</strong>veria ser supera<strong>da</strong>, pois, se a anterior <strong>de</strong>screvia exaustivamente as singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, esta<br />

se limitava a excessivamente às universali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim, se fazia necessário buscar a<br />

síntese. 25<br />

Nessa perspectiva, <strong>na</strong> última fase o Are<strong>na</strong> optou pela ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Musicais, se<br />

utilizan<strong>do</strong> <strong>da</strong> experiência que já possuía com esse tipo <strong>de</strong> montagem, visto que muitos<br />

musicais foram ence<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo grupo <strong>na</strong> programação <strong>da</strong>s segun<strong>da</strong>s-feiras, sob a<br />

<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Boss<strong>are<strong>na</strong></strong>. 26 Nessa etapa, a companhia procurou através <strong>do</strong> uso <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s técnicas teatrais <strong>de</strong>struir to<strong>da</strong>s as convenções pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes no <strong>teatro</strong>. 27<br />

Sen<strong>do</strong> assim, o musical Are<strong>na</strong> Conta Zumbi, escrito por Gianfrancesco Guarnieri e por<br />

Augusto Boal, segun<strong>do</strong> ele,<br />

19<br />

“Propunha-se muito e conseguiu bastante. Sua proposta fun<strong>da</strong>mental foi a<br />

<strong>de</strong>struição <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as convenções teatrais que se vinham constituin<strong>do</strong> em<br />

obstáculos ao <strong>de</strong>senvolvimento estético <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> (...) Zumbi era peça <strong>de</strong><br />

advertência contra to<strong>do</strong>s os males presentes e alguns futuros. E <strong>da</strong><strong>do</strong> o<br />

caráter jor<strong>na</strong>lístico <strong>do</strong> texto, requeria-se conotações que <strong>de</strong>veriam ser, e<br />

foram, ofereci<strong>da</strong>s pela platéia. Em peças que exigem conotação, o texto é<br />

arma<strong>do</strong> <strong>de</strong> tal forma a estimular respostas prontas nos especta<strong>do</strong>res. Essa<br />

armação e esse caráter <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m a simplificação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a estrutura.<br />

Moralmente o texto tor<strong>na</strong>-se maniqueísta, o que pertence à melhor tradição<br />

<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> sacro-medieval, por exemplo.(...) Zumbi <strong>de</strong>struiu convenções,<br />

<strong>de</strong>struiu to<strong>da</strong>s que po<strong>de</strong>.Destruiu inclusive o que <strong>de</strong>ve ser recupera<strong>do</strong>: a<br />

empatia. Não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificar-se a nenhum perso<strong>na</strong>gem em nenhum<br />

momento, a platéia muitas vezes se colocava como observa<strong>do</strong>ra fria <strong>do</strong>s<br />

fatos mostra<strong>do</strong>s. E a empatia <strong>de</strong>ve ser reconquista<strong>da</strong>. Isto porém, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um novo sistema que a enquadre e a faça <strong>de</strong>sempenhar a função que lhe<br />

seja atribuí<strong>da</strong>”. 28<br />

Após a sistematização <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Augusto Boal, e com base <strong>na</strong>s análises <strong>da</strong><br />

historia<strong>do</strong>ra Rosangela Patriota, verificamos que o autor realizou uma interpretação<br />

cronológica e temática <strong>da</strong> trajetória <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> através <strong>da</strong> periodização <strong>de</strong> suas<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s em quatro fases lineares e bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s, que se sucediam quase que<br />

<strong>na</strong>turalmente, como se existisse, a priori, uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> princípios que justificasse esta<br />

25 BOAL, 1977, p.193-195.<br />

26 Ibid., p.195.<br />

27 Ibid., p. 196.<br />

28 Ibid., p. 195-196.


lineari<strong>da</strong><strong>de</strong>, não sen<strong>do</strong> dimensio<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo autor, as circunstâncias exter<strong>na</strong>s ou as<br />

contradições inter<strong>na</strong>s que teriam favoreci<strong>do</strong> a passagem <strong>de</strong> uma fase a outra. 29<br />

Conseqüentemente, como assi<strong>na</strong>la Rosangela Patriota, essa análise <strong>de</strong>ixa<br />

transparecer que to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> transformações engendra<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

teria ocorri<strong>do</strong> quase que <strong>de</strong> maneira espontânea, como se to<strong>do</strong>s os propósitos <strong>do</strong> grupo<br />

estivessem si<strong>do</strong> arquiteta<strong>do</strong>s anteriormente, e para que ocorressem com sucesso, haveria<br />

etapas que precisariam necessariamente ser suplanta<strong>da</strong>s. Sen<strong>do</strong> assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a<br />

autora, os argumentos <strong>de</strong> Boal para justificar a Segun<strong>da</strong> Etapa <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, chama<strong>da</strong><br />

Fotografia, são eluci<strong>da</strong>tivos: 30<br />

20<br />

“Surpreen<strong>de</strong>ntemente, a <strong>are<strong>na</strong></strong> mostrou ser a melhor forma para o <strong>teatro</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois permite usar a técnica <strong>de</strong> close-up: to<strong>do</strong>s os especta<strong>do</strong>res<br />

estão próximos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os atores; o café servi<strong>do</strong> em ce<strong>na</strong> é cheira<strong>do</strong> pela<br />

platéia; o macarrão comi<strong>do</strong> é visto em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>glutição; a lágrima<br />

“furtiva” expõe seu segre<strong>do</strong>... (...). Porém se antes os nossos caipiras eram<br />

afrancesa<strong>do</strong>s pelos atores luxuosos, agora os revolucionários irlan<strong>de</strong>ses<br />

eram gente <strong>do</strong> Brás. A interpretação mais <strong>brasil</strong>eira era <strong>da</strong><strong>da</strong> aos atores<br />

mais Steinbeck e O’Casey. Continuava a dicotomia, agora inverti<strong>da</strong>.<br />

Tornou-se necessária a criação <strong>de</strong> uma dramaturgia que criasse<br />

perso<strong>na</strong>gens <strong>brasil</strong>eiros para os nossos atores. Fun<strong>do</strong>u-se o Seminário <strong>de</strong><br />

Dramaturgia <strong>de</strong> São Paulo”. 31<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o autor fun<strong>da</strong>menta a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa nova etapa como uma<br />

forma <strong>de</strong> se encontrar uma nova estética para o Are<strong>na</strong>, em relação à dramaturgia, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que, segun<strong>do</strong> ele, embora a companhia já tivesse consegui<strong>do</strong> avançar nos<br />

aspectos relativos à interpretação, visto que o grupo estava se exercitan<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>r um enfoque mais a<strong>brasil</strong>eira<strong>do</strong> às suas ence<strong>na</strong>ções, o fazia representan<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s<br />

textos <strong>de</strong> autores estrangeiros. Assim, o grupo teria senti<strong>do</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> superar<br />

esta lacu<strong>na</strong> temática, lançan<strong>do</strong>-se ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> produzir ape<strong>na</strong>s textos <strong>de</strong> escritores<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Conseqüentemente, a segun<strong>da</strong> fase se legiti<strong>maria</strong> para aten<strong>de</strong>r a essa nova<br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>da</strong> companhia. Nessa perspectiva, esta fase para Boal teria se inicia<strong>do</strong> em<br />

29 PATRIOTA, 1999, p.101.<br />

30 Ibid., p.101.<br />

31 BOAl, 1977, p.190-191.


fevereiro <strong>de</strong> 1958 com Eles Não Usam Black-Tie, que ficou em cartaz até 1959. “Pela<br />

primeira vez, em nosso <strong>teatro</strong>, o drama urbano e proletário”. 32<br />

Desse mo<strong>do</strong>, como <strong>de</strong>monstra Rosangela Patriota, o autor inseriu a peça Eles<br />

Não Usam Black-Tie como a primeira <strong>de</strong>ssa segun<strong>da</strong> etapa, juntamente com to<strong>da</strong>s as<br />

outras peças <strong>de</strong> autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, tais como Chapetuba Futebol Clube, Gente como a<br />

Gente, Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul, <strong>de</strong>ntre outras. Conseqüentemente, Boal unificou<br />

to<strong>do</strong>s esses textos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is nessa fase, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> temática<br />

entre eles em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les. 33<br />

Contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a autora, po<strong>de</strong>mos observar uma contradição entre os<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong> autor Eles Não Usam Black-Tie, Gianfrancesco Guarnieri e a<br />

interpretação <strong>de</strong> Augusto Boal. De acor<strong>do</strong> com Guarnieri a montagem <strong>de</strong> sua peça seria<br />

a última <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, que passava por uma enorme crise fi<strong>na</strong>nceira <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong><br />

subsídios e, portanto, José Re<strong>na</strong>to havia <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> fechar a companhia. Assim, o grupo<br />

havia resolvi<strong>do</strong> que encerraria as suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s com a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Black-Tie 34 .<br />

No entanto, o enorme êxito alcança<strong>do</strong> pela peça, que obteve uma excelente<br />

receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> público, causou uma gran<strong>de</strong> surpresa em to<strong>do</strong> o elenco e, portanto,<br />

alterou os rumos <strong>da</strong> companhia. A partir <strong>do</strong> sucesso <strong>de</strong> público e bilheteria <strong>da</strong> peça,<br />

ocorreu um redimensio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> o grupo, que se sentiu profun<strong>da</strong>mente<br />

estimula<strong>do</strong> a <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao trabalho inicia<strong>do</strong> por Guarnieri em Black-Tie.<br />

Inclusive Vianinha e Boal que haviam <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong>, temporariamente, voltaram a<br />

reintegrar a companhia. 35<br />

Portanto, com base nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Guarnieri, a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Black-Tie<br />

teria contribuí<strong>do</strong> para gerar novas perspectivas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> grupo, que então se lançou<br />

32 BOAl, 1977, p.191.<br />

33 PATRIOTA, 1999, P.102.<br />

34 Ver Gianfrancesco Guarnieri. In: KHOURI, S. (org.). Atrás <strong>da</strong> Máscara I. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1983, p.35. In: Depoimentos V. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MEC-SEC-SNT, 1981, p. 68.<br />

35 PATRIOTA, op. cit., p.103.<br />

21


entusiasma<strong>do</strong> rumo à confecção <strong>de</strong> peças produzi<strong>da</strong>s por eles próprios, a partir <strong>da</strong>s<br />

discussões realiza<strong>da</strong>s no Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia, que foi cria<strong>do</strong> após o sucesso <strong>de</strong><br />

Black-Tie e não antes, como afirma Boal, que <strong>de</strong>ixa enten<strong>de</strong>r que o grupo já tinha o<br />

firme propósito <strong>de</strong> produzir peças <strong>brasil</strong>eiras e para isto criou o Seminário. 36<br />

Em última instância, po<strong>de</strong>mos concluir, a partir <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Guarnieri,<br />

que a eclosão <strong>de</strong>ssa nova fase vivencia<strong>da</strong> pelo Are<strong>na</strong> ocorreu como resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> enorme<br />

sucesso obti<strong>do</strong> por Black-Tie, que ficou um ano inteiro em cartaz, e não como afirmava<br />

Boal, a partir <strong>de</strong> uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> grupo, <strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s montar peças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

como se tu<strong>do</strong> estivesse si<strong>do</strong> planeja<strong>do</strong> anteriormente. 37<br />

Nesse âmbito <strong>de</strong> análise, Boal prosseguiu com sua interpretação linear, quan<strong>do</strong><br />

justificou o fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> etapa, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a <strong>de</strong>speito <strong>da</strong> imensa importância<br />

<strong>de</strong>ssa segun<strong>da</strong> etapa, que teria contribuí<strong>do</strong> para quebrar o preconceito que havia no<br />

Brasil com relação aos autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, ela <strong>de</strong>veria ser necessariamente supera<strong>da</strong>, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que retratava o óbvio, o cotidiano <strong>da</strong>s pessoas que não precisariam ir ao<br />

<strong>teatro</strong> e pagar para assistir o que viam <strong>na</strong>s ruas, em seu dia a dia. 38<br />

No entanto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Rosangela Patriota, po<strong>de</strong>mos inferir ao nos<br />

atentarmos para o processo histórico, que mais uma vez Boal omitiu um fato<br />

importante, ocorri<strong>do</strong> como resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s engendra<strong>da</strong>s pelo grupo. Após o<br />

sucesso <strong>de</strong> Black-Tie, como apontamos anteriormente, foi cria<strong>do</strong> o Seminário <strong>de</strong><br />

Dramaturgia, com o objetivo <strong>de</strong> <strong>da</strong>r prosseguimento ao eixo temático <strong>da</strong> peça <strong>de</strong><br />

Guarnieri, que se consubstanciava <strong>na</strong> ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> às lutas e ao processo <strong>de</strong> organização<br />

<strong>da</strong> classe trabalha<strong>do</strong>ra. Contu<strong>do</strong>, após <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> existência, o Seminário chegou ao<br />

fim, uma vez que a produção dramatúrgica gera<strong>da</strong> por aquela iniciativa acabou por não<br />

ser suficiente, tanto qualitativa quanto quantitativamente, para manter as tempora<strong>da</strong>s <strong>do</strong><br />

36 Ver Guarnieri. In: Depoimentos V. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MEC-SEC-SNT, 1981, p. 68.<br />

37 PATRIOTA, 1999, p.102.<br />

38 BOAL, 1977, p.192.<br />

22


Are<strong>na</strong>, o que levou a companhia a incluir em seu repertório novamente textos<br />

estrangeiros, como Tartufo, Mandrágora e outros. 39<br />

Desse mo<strong>do</strong>, ao realizar uma interpretação unifica<strong>do</strong>ra e linear <strong>da</strong> trajetória <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> processo vivencia<strong>do</strong> pela<br />

companhia, ao não levar em conta as análises particulares, para que se pu<strong>de</strong>sse construir<br />

uma história comum <strong>do</strong> grupo, Augusto Boal terminou por comprometer uma melhor<br />

compreensão <strong>da</strong> história <strong>da</strong>quele importante grupo teatral paulista, <strong>do</strong> qual ele próprio<br />

foi um <strong>do</strong>s nomes principais.<br />

Na Revista Dionysos sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, em sua edição origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 1978, a<br />

crítica Mariângela Alves Lima em seu artigo <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>do</strong> História <strong>da</strong>s Idéias,<br />

<strong>de</strong>senvolve uma análise <strong>do</strong> percurso realiza<strong>do</strong> pelo grupo teatral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas origens até<br />

a sua dissolução. 40 A autora centra a sua análise <strong>na</strong> discussão <strong>da</strong> relação entre três<br />

aspectos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> história <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>: a inovação estética, opera<strong>da</strong> pelo palco<br />

circular que abriu outras perspectivas no campo interpretativo com <strong>de</strong>staque para a<br />

abor<strong>da</strong>gem realista, o novo tipo <strong>de</strong> público engendra<strong>do</strong> pela companhia, composto<br />

principalmente por estu<strong>da</strong>ntes - que até então não tinha o hábito <strong>de</strong> freqüentar <strong>teatro</strong>, e,<br />

por último, a introdução <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>de</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira. 41<br />

Em relação ao palco em Are<strong>na</strong>, a autora reflete acerca <strong>da</strong>s vantagens e <strong>do</strong> caráter<br />

inova<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> estética, que além <strong>de</strong> propiciar uma maior valorização <strong>do</strong> texto e<br />

<strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s atores e uma economia <strong>de</strong> recursos, favorece a locomoção, o que<br />

permitia a aquisição <strong>de</strong> novas faixas <strong>de</strong> público:<br />

39<br />

PATRIOTA, 1999, p.104.<br />

40<br />

De acor<strong>do</strong> com o presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Fu<strong>na</strong>rte, Antônio Grassi, em comemoração ao cinqüentário <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, o Centro <strong>de</strong> Artes Cênicas <strong>da</strong> Fu<strong>na</strong>rte, publicou em 2005, o fac-símile <strong>da</strong> Revista Dionysos<br />

sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> que já se encontrava esgota<strong>do</strong> a muitos anos. In: Dionysos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

MEC/DAC-FUNARTE/SNT, 2005<br />

41<br />

CF.LIMA, Mariângela Alves <strong>de</strong>. História <strong>da</strong>s Idéias. In: Dionysos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MEC/DAC-<br />

FUNARTE/SNT, 2005.<br />

23


24<br />

“Essa nova estética transfere o espaço <strong>de</strong> representação para o centro <strong>da</strong><br />

casa <strong>de</strong> espetáculos. Avança em direção ao público e coloca a ce<strong>na</strong> no<br />

mesmo nível <strong>de</strong> atura <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r, no mesmo foco <strong>de</strong> um olhar “normal”.<br />

Dificilmente se po<strong>de</strong> afirmar que o aluno que dirigiu Demora<strong>do</strong> A<strong>de</strong>us,<br />

como exercício <strong>de</strong> aprendizagem, tenha capta<strong>do</strong> imediatamente as<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e as implicações a longo prazo <strong>de</strong>ssa utilização <strong>de</strong> espaço.<br />

(...) A inserção <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> dramaturgia num palco em <strong>are<strong>na</strong></strong> propõe um<br />

duplo <strong>de</strong>safio: as perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong>vem existir como reais e a comunicação<br />

emocio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> texto acontece quan<strong>do</strong> os atores obtêm essa concreção. Mas é<br />

preciso conseguir isso sem o recurso mágico <strong>de</strong> um cenário opera<strong>do</strong><br />

invisivelmente. Ao nível <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> recai em maior<br />

grau sobre o <strong>de</strong>sempenho <strong>do</strong> ator <strong>do</strong> que sobre os aparatos cênicos”. 42<br />

“Para um grupo que se auto-fi<strong>na</strong>ncia, fica evi<strong>de</strong>nte a economia <strong>da</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>. É<br />

um espaço cênico que po<strong>de</strong> ser “construí<strong>do</strong>” em qualquer lugar,<br />

dispensan<strong>do</strong> a mobilização perpendicular <strong>de</strong> cenários ilusionistas. O<br />

espetáculo po<strong>de</strong> ser cria<strong>do</strong> pela luz e pelos atores.<br />

Além <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio para a invenção, o palco em <strong>are<strong>na</strong></strong> oferece a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>slocamento maior <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção. Uma vez pronto, o<br />

espetáculo po<strong>de</strong> ser carrega<strong>do</strong> para qualquer lugar. O trabalho fica pronto<br />

quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>fine a interpretação e a movimentação <strong>do</strong>s atores.<br />

Em tese, essa economia <strong>de</strong> recursos tor<strong>na</strong> o <strong>teatro</strong> acessível para um<br />

público até então ausente <strong>do</strong>s edifícios centrais. De um la<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> se fazer o<br />

espetáculo caminhar até o público distante. Por outro la<strong>do</strong>, o custo <strong>da</strong><br />

produção é consi<strong>de</strong>ravelmente mais barato, o que tor<strong>na</strong> a oferta mais<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> para o especta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> orçamento menor”. 43<br />

Prosseguin<strong>do</strong> sua análise, a crítica teatral enfatiza a posição diferencia<strong>da</strong><br />

ocupa<strong>da</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> em relação às <strong>de</strong>mais companhias teatrais <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>,<br />

visto que o grupo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas origens se preocupou em travar contatos com outros<br />

núcleos <strong>de</strong> manifestações artísticas em São Paulo, consoli<strong>da</strong>n<strong>do</strong> uma posição <strong>de</strong> centro<br />

cultural, principalmente após a fusão com o TPE.<br />

Não obstante esse avanço, a autora <strong>de</strong>staca que foi somente com a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Augusto Boal, que a companhia conseguiu <strong>de</strong>finir mais claramente os objetivos <strong>de</strong> seu<br />

trabalho. Contrata<strong>do</strong> como diretor, a estréia <strong>de</strong> Boal ocorreu em 1956, com a montagem<br />

<strong>da</strong> peça Ratos e Homens <strong>de</strong> John Steinbeck. A sua ence<strong>na</strong>ção obteve um enorme<br />

sucesso e foi muito elogia<strong>da</strong> pela crítica, principalmente no que diz respeito à<br />

interpretação realista <strong>do</strong>s atores, alcança<strong>da</strong> por meio <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> diretor, alia<strong>do</strong> aos<br />

recursos <strong>da</strong> Are<strong>na</strong>.<br />

42 LIMA 2005, p. 31.<br />

43 Ibid., p.32.


A forte atração <strong>da</strong> crítica pela ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Boal dizia respeito ao rigor<br />

<strong>na</strong>turalista que pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>va em suas ence<strong>na</strong>ções, que seguia a linha <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s<br />

ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res norte-americanos fasci<strong>na</strong><strong>do</strong>s por Tennesse Willians e pelas teorias <strong>de</strong><br />

Stanislawski. No Brasil <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, uma ence<strong>na</strong>ção realista se constituía como<br />

um critério para se avaliar a excelência <strong>de</strong> um espetáculo, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro, até o perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> criação <strong>do</strong> TBC, era caracteriza<strong>do</strong> por interpretações<br />

exagera<strong>da</strong>s e improvisa<strong>da</strong>s centra<strong>da</strong>s em um único ator ou atriz. 44<br />

Após o sucesso <strong>de</strong> Ratos e Homens e com a di<strong>na</strong>mização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

culturais, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se lançou em busca <strong>de</strong> um novo tipo <strong>de</strong> dramaturgia, assim,<br />

segun<strong>do</strong> a crítica teatral:<br />

25<br />

“Nessa época o Are<strong>na</strong> se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por uma interferência mais ativa <strong>na</strong> vi<strong>da</strong><br />

teatral, e não ape<strong>na</strong>s pela consoli<strong>da</strong>ção e pelo reconhecimento <strong>de</strong> seu<br />

próprio trabalho. A partir <strong>de</strong> 1957, os problemas que o Are<strong>na</strong> coloca para<br />

si mesmo transcen<strong>de</strong>m o campo <strong>da</strong> boa execução <strong>de</strong> um repertório mo<strong>de</strong>rno.<br />

Além <strong>da</strong> preocupação com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> ator <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com uma<br />

representação <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> mais consciente e mais <strong>de</strong>spoja<strong>da</strong>, o grupo<br />

começa a voltar os olhos para a dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l disponível. Não se<br />

trata agora <strong>de</strong> saber se essa dramaturgia é ou não a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> a um<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong> estilo <strong>de</strong> representação.Nesse momento é preciso saber se a<br />

dramaturgia existente é ou não a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> para a expressar a história <strong>do</strong><br />

Brasil em mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50. 45<br />

Nessa perspectiva, os resulta<strong>do</strong>s mais consistentes <strong>de</strong>ssa proposta <strong>de</strong> intervenção<br />

mais incisiva <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> cultural <strong>do</strong> país se consubstanciaram em 1958, segun<strong>do</strong> a autora,<br />

<strong>na</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> peça Eles Não Usam Black-Tie <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri e <strong>na</strong><br />

realização <strong>do</strong>s Seminários <strong>de</strong> Dramaturgia:<br />

44 LIMA, 2005, p.41.<br />

45 Ibid., p. 40-41.<br />

“Os Seminários <strong>de</strong> Dramaturgia” i<strong>na</strong>ugura<strong>do</strong>s em 1958, são uma resposta<br />

<strong>do</strong> Are<strong>na</strong> para a sua própria perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nesse momento os membros <strong>do</strong><br />

grupo assumem positivamente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, não ape<strong>na</strong>s no terreno <strong>da</strong> crítica. Resolvem que<br />

compete ao Are<strong>na</strong> <strong>na</strong> sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, atores, diretores, cenógrafos, a<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pela criação <strong>de</strong> uma infra-estrutura para aquilo que<br />

<strong>de</strong>sejam realizar em ce<strong>na</strong>. Mas é o processo <strong>de</strong> questio<strong>na</strong>mento instaura<strong>do</strong><br />

antes <strong>do</strong> seminário, no tempo <strong>da</strong> procura, que produz uma resposta para as<br />

in<strong>da</strong>gações <strong>do</strong> grupo. Eles Não Usam Black-Tie, <strong>de</strong> Gianfrancesco<br />

Guarnieri, é um texto cria<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s discussões <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. (...) Nesse


26<br />

senti<strong>do</strong> Eles Não Usam Black-Tie aponta um caminho que parece o mais<br />

lógico para as inquietações <strong>do</strong> grupo. A partir <strong>de</strong>ssa ence<strong>na</strong>ção o Are<strong>na</strong> se<br />

compromete com a invenção <strong>de</strong> uma dramaturgia enraiza<strong>da</strong> <strong>na</strong> história <strong>do</strong><br />

país. É <strong>de</strong>ssa história enquanto acontece que o grupo vai extrair os textos<br />

que precisa para reanimar um trabalho que estava próximo a ponto <strong>de</strong><br />

estrangulamento”. 46<br />

Nesse perío<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong> passou a ence<strong>na</strong>r ape<strong>na</strong>s peças que tratavam <strong>de</strong> temas<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, principalmente aqueles liga<strong>do</strong>s ao universo <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares, então<br />

segun<strong>do</strong> Mariângela Alves Lima:<br />

A favela, o futebol, as emprega<strong>da</strong>s <strong>do</strong>mésticas, a briga <strong>de</strong> galo, as gea<strong>da</strong>s, a<br />

malandragem, foram argumentos <strong>de</strong> peças <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> no perío<strong>do</strong> em que se<br />

responsabilizou pela criação <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Esses temas<br />

foram trata<strong>do</strong>s com a maior veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> possível ain<strong>da</strong> que fosse preciso<br />

contor<strong>na</strong>r problemas <strong>de</strong> execução formal. 47<br />

Assim, o Are<strong>na</strong> consoli<strong>do</strong>u sua posição <strong>na</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l como uma<br />

companhia teatral volta<strong>da</strong> para a montagem <strong>de</strong> textos que retratavam o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural <strong>da</strong> população <strong>brasil</strong>eira, no entanto, a partir <strong>de</strong> 1960, para a crítica<br />

teatral, com a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul <strong>de</strong> Augusto Boal, o grupo<br />

acrescentava ao seu trabalho um novo <strong>de</strong>safio:<br />

46 LIMA, 2005, p.44-45.<br />

47 Ibid., p. 46.<br />

48 Ibid., p.48.<br />

“Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul inicia outro tipo <strong>de</strong> trabalho. Agora o foco<br />

<strong>da</strong> dramaturgia concentra-se sobre as classes proletárias e começa a<br />

procurar um tipo <strong>de</strong> linguagem que não seja ape<strong>na</strong>s esclarece<strong>do</strong>ra, mas que<br />

seja também mobiliza<strong>do</strong>ra. Em termos <strong>de</strong> construção dramática a<br />

perso<strong>na</strong>gem se dilui, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> lugar ás situações. Ou então os limites <strong>da</strong><br />

perso<strong>na</strong>gem são amplia<strong>do</strong>s até elimi<strong>na</strong>r a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

com um sujeito particular. (...) A linha <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo crítico, que emerge<br />

com Black-tie e Chapetuba <strong>de</strong>sloca-se <strong>da</strong> observação e <strong>da</strong> <strong>de</strong>núncia para o<br />

compromisso. A fase anterior dirigia-se para um público pequeno-burguês,<br />

pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente, embora se referisse à outra classe social. Um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong><br />

compromisso e mobilização, que tem como protagonista o proletaria<strong>do</strong>,<br />

precisa também dirigir-se a um público popular. Essa postura leva o grupo<br />

a procurar novas faixas <strong>de</strong> público não ape<strong>na</strong>s para educá-los para o <strong>teatro</strong><br />

(o que é a perspectiva mais comum <strong>do</strong>s <strong>teatro</strong>s populares <strong>brasil</strong>eiros).<br />

Procuram atingir os locais <strong>de</strong> trabalho fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. (...) Um<br />

<strong>do</strong>s objetivos é auxiliar o surgimento <strong>de</strong> uma nova consciência popular<br />

através <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>”. 48


Dessa forma, o Are<strong>na</strong> após <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> experiência com montagens <strong>de</strong> peças<br />

com temáticas populares, buscou uma radicalização <strong>de</strong> seus propósitos iniciais:<br />

primeiramente a companhia passou a se preocupar em criar peças que não ape<strong>na</strong>s<br />

“ilustrassem” as condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro, mas que sobretu<strong>do</strong> mobilizassem<br />

este povo (no caso as classes proletárias) em suas lutas. Nesse caso, a estética realista<br />

foi sen<strong>do</strong> supera<strong>da</strong> pela estética brechtia<strong>na</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que os contornos individuais<br />

<strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens se diluíam, e se tor<strong>na</strong>vam ca<strong>da</strong> vez mais caricaturais, existin<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s<br />

para ilustrar uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> situação, <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong> assim, suas particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>na</strong><br />

construção <strong>do</strong>s diálogos em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> fala, isto é, <strong>da</strong> mensagem<br />

veicula<strong>da</strong>. 49<br />

No entanto, esse perío<strong>do</strong> em que o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> ape<strong>na</strong>s ence<strong>na</strong>va peças <strong>de</strong><br />

autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e com temáticas populares foi substituí<strong>do</strong> após um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong><br />

tempo, por uma fase <strong>na</strong> qual a companhia passou a representar peças a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

autores clássicos. Esse novo tipo <strong>de</strong> dramaturgia ence<strong>na</strong><strong>da</strong> pelo grupo, foi justifica<strong>do</strong><br />

pela autora como uma alter<strong>na</strong>tiva encontra<strong>da</strong> para superar a situação <strong>de</strong> insatisfação<br />

pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte entre os seus integrantes em relação à comunicação artística com o<br />

público, que se encontrava extremamente simplifica<strong>da</strong> em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong> mensagem <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>tureza política que o Are<strong>na</strong> pretendia transmitir: 50<br />

49 LIMA, 2005, p. 48.<br />

50 Ibid., p.52.<br />

51 Ibid., p. 52-53.<br />

27<br />

“Era preciso uma formulação estética que, além <strong>de</strong> divulgar idéias,<br />

mantivesse uma comunicação artística com o público. O Are<strong>na</strong> precisava <strong>de</strong><br />

perso<strong>na</strong>gens que fossem ao mesmo tempo representativas e singulares,<br />

signos <strong>de</strong> um problema coletivo e insubstituíveis <strong>na</strong> sua ver<strong>da</strong><strong>de</strong> artística.<br />

(...) Com a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> obras clássicas o grupo tentou corrigir algumas<br />

<strong>de</strong>ficiências <strong>da</strong> fase anterior. Surgiu a idéia <strong>de</strong> apoiar-se sobre obras <strong>de</strong><br />

reconheci<strong>do</strong> valor artístico e que mantivessem, ao mesmo tempo, um<br />

compromisso claro <strong>na</strong> batalha entre opressores e oprimi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

tempos.(...) Foram retoma<strong>da</strong>s as questões <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> eficiência<br />

<strong>da</strong> linguagem cênica sob to<strong>do</strong>s os ângulos. Des<strong>de</strong> o trabalho <strong>de</strong><br />

interpretação até a distribuição relativa <strong>do</strong>s elementos cênicos no<br />

espaço”. 51


Nessa perspectiva, pela ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> obras <strong>da</strong> dramaturgia clássica, através <strong>do</strong><br />

uso <strong>de</strong> a<strong>na</strong>logias com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira o Are<strong>na</strong> procurava conciliar a questão <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza política e mobiliza<strong>do</strong>ra presentes em suas peças, com os aspectos<br />

estéticos inerentes ao trabalho artístico, e que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a autora, teriam si<strong>do</strong><br />

relega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> certa forma, no perío<strong>do</strong> anterior, o que prejudicava a comunicação artística<br />

com o público e a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> cênica <strong>da</strong>s montagens teatrais. 52<br />

To<strong>da</strong>via, como assi<strong>na</strong>la Mariângela Alves Lima, as transformações ocorri<strong>da</strong>s no<br />

país advin<strong>da</strong>s <strong>do</strong> regime político implanta<strong>do</strong> pós 1964 afetaram bruscamente as<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s pelo Are<strong>na</strong>. O grupo, a partir <strong>da</strong> nova conjuntura vivencia<strong>da</strong><br />

pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira com a toma<strong>da</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pelos militares, procurou se a<strong>de</strong>quar<br />

como as <strong>de</strong>mais organizações progressistas e <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> à nova reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> país, e a<br />

ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Tartufo <strong>de</strong> Moliéri, representou o primeiro esforço <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

buscar outros recursos estéticos para po<strong>de</strong>r <strong>da</strong>r prosseguimento às suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

artísticas: 53<br />

“A ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Tartufo marca o início <strong>de</strong> uma caminha<strong>da</strong> tortuosa que seria<br />

numa certa medi<strong>da</strong> análoga a <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a arte <strong>brasil</strong>eira empenha<strong>da</strong> em observar,<br />

criticar e propor. Dentro <strong>de</strong>ssa nova linha admite-se que é mais viável a utilização<br />

<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sugestão <strong>da</strong> arte, <strong>do</strong> que <strong>da</strong> sua possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informar e mobilizar.<br />

O Are<strong>na</strong>, particularmente, recorre à metáfora que o grupo procura aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r em<br />

favor <strong>de</strong> uma linguagem direta, no seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Em<br />

Moliéri não há referências diretas aos problemas <strong>da</strong> população <strong>brasil</strong>eira. Em vez<br />

disso o grupo escolhe um ângulo <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gem que procura enfatizar o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

toma<strong>da</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pelo Tartufo.(...) Em relação à abertura e à franqueza <strong>do</strong><br />

trabalho anterior, O Tartufo põe em campo um recurso expressivo mais sutil e que<br />

ilustra o abalo <strong>na</strong> auto-confiança: a ironia. O recurso <strong>da</strong> ironia é uma alteração<br />

<strong>do</strong>s meios expressivos, mas é ao mesmo tempo um indício <strong>de</strong> que o <strong>teatro</strong> está<br />

atento às mu<strong>da</strong>nças <strong>do</strong> presente sem ter modifica<strong>do</strong> as suas posições<br />

fun<strong>da</strong>mentais”. 54<br />

Na seqüência, a crítica teatral assi<strong>na</strong>lou que a forte vinculação que o Are<strong>na</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas origens manteve com as transformações ocorri<strong>da</strong>s <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, alia<strong>da</strong>s às<br />

52 LIMA, 2005, p. 52.<br />

53 Ibid., p.55.<br />

54 Ibid., p.55.<br />

28


inúmeras formas <strong>de</strong> associação que sempre manteve com os outros setores artísticos,<br />

contribuíram sobremaneira para que a companhia pu<strong>de</strong>sse encontrar um novo tipo <strong>de</strong><br />

dramaturgia que se a<strong>de</strong>quasse a nova conjuntura <strong>do</strong> país, uma vez que: 55<br />

“O contato sempre renova<strong>do</strong> com outras áreas culturais permitira uma associação<br />

no plano <strong>da</strong>s idéias com o grupo <strong>de</strong> músicos que se instalara no Are<strong>na</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

início <strong>do</strong> Teatro <strong>da</strong>s Segun<strong>da</strong>s-Feiras. Desse intercâmbio, e <strong>do</strong> pioneirismo <strong>do</strong><br />

musical ence<strong>na</strong><strong>do</strong> no Rio, Opinião, surge uma fase em que a linguagem <strong>do</strong> musical<br />

é prepon<strong>de</strong>rante.Para uma renovação <strong>de</strong> linguagem o musical oferecia um leque<br />

<strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s: aliava a uma trama relativamente simples o envolvimento<br />

emocio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> melodia. As idéias encontravam sua expressão conotativa <strong>na</strong> música,<br />

dispensan<strong>do</strong> portanto o arranjo minucioso <strong>da</strong>s peripécias <strong>na</strong> ação dramática. (...)<br />

Na relação com o público os novos musicais propõem ain<strong>da</strong> um esforço a<strong>na</strong>lógico.<br />

Há uma preocupação <strong>de</strong> enfatizar o movimento geral <strong>da</strong> história para que o<br />

público estabeleça as necessárias ligações com o presente. Po<strong>de</strong>-se encontrar<br />

inclusive um <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>do</strong>r comum entre os vários musicais cria<strong>do</strong>s no Are<strong>na</strong>. Por<br />

um la<strong>do</strong>, a linguagem teatral que se apóia basicamente <strong>na</strong> análise e no<br />

conhecimento a longo prazo <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> é substituí<strong>da</strong> por uma comunicação<br />

intensa e direta com o especta<strong>do</strong>r. Isso é feito através <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens cujo traço<br />

distintivo é imediatamente visível e que pe<strong>de</strong>m <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r sua a<strong>de</strong>são ou<br />

recusa. Por outro la<strong>do</strong>, a temática se concentra sempre em torno <strong>do</strong> tema <strong>da</strong><br />

resistência. 56<br />

Nesse contexto, o tema <strong>da</strong> resistência passou a pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>r nos trabalhos <strong>do</strong><br />

Are<strong>na</strong> após 1964, substituin<strong>do</strong> a perspectiva revolucio<strong>na</strong>ria que até então norteava as<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> companhia. Sen<strong>do</strong> assim, além <strong>da</strong> realização <strong>do</strong>s Musicais com o seu<br />

caráter exortativo e emocio<strong>na</strong>l, o Are<strong>na</strong> buscou duas outras estratégias para continuar<br />

atuan<strong>do</strong> no cenário artístico <strong>brasil</strong>eiro, <strong>na</strong>quele momento em que as formas <strong>de</strong> expressão<br />

iam se tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> ca<strong>da</strong> vez mais limita<strong>da</strong>s, o Núcleo 2 e a Feira Paulista <strong>de</strong> Opinião. 57<br />

Sen<strong>do</strong> assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a autora:<br />

55 LIMA, 2005, p. 56.<br />

56 Ibid., p.56.<br />

57 Ibid., p. 59.<br />

“Dos planos <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong>, o que obtém melhores resulta<strong>do</strong>s é a formação <strong>de</strong> um<br />

novo grupo. O Núcleo 2, que começa com uma equipe quase a<strong>do</strong>lescente,<br />

emergin<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> <strong>do</strong> colégio secundário, vai <strong>de</strong>monstrar uma capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sobrevivência maior que a <strong>do</strong> grupo-base.É maior que a <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os outros<br />

grupos que tentaram se consoli<strong>da</strong>r a partir <strong>de</strong> 1964.<br />

Uma tentativa importante <strong>de</strong> expressar o momento presente <strong>do</strong> país e encontrar os<br />

meios <strong>de</strong> expressão foi feita em 1968, com a Feira Paulista <strong>de</strong> Opinião. Reunin<strong>do</strong><br />

em um único espetáculo autores teatrais <strong>de</strong> formação diferente, mas com trabalhos<br />

anteriores importantes, o Are<strong>na</strong> procurava soluções que substituíssem as <strong>de</strong> um<br />

29


Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia. O espetáculo era composto <strong>de</strong> seis peças <strong>de</strong><br />

dramaturgos <strong>brasil</strong>eiros importantes. To<strong>da</strong>s as peças se concentravam <strong>na</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira presente, mas não havia uma tentativa <strong>de</strong> uniformizar os<br />

estilos <strong>do</strong>s diferentes dramaturgos.(...) A ênfase e o compromisso pessoal <strong>do</strong><br />

elenco com o que estava sen<strong>do</strong> mostra<strong>do</strong> sobrepunha-se às consi<strong>de</strong>rações<br />

estéticas. Tu<strong>do</strong> isso garantia ao espetáculo uma extraordinária comunicação vital<br />

com a platéia, basea<strong>da</strong> quase em uma relação pessoal. 58<br />

Por fim, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> às suas reflexões procuran<strong>do</strong> sempre relacio<strong>na</strong>r as<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s pelo Are<strong>na</strong> articula<strong>da</strong>s à situação política <strong>do</strong> país, a<br />

pesquisa<strong>do</strong>ra conclui que:<br />

“A partir <strong>de</strong> 1968 o Are<strong>na</strong> conheceu o seu campo mais estreito <strong>de</strong> trabalho. Com a<br />

intensificação <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre a manifestação artística a produção<br />

<strong>do</strong>s espetáculos passou a mol<strong>da</strong>r-se sobre o permissível. (...) Dessa forma o Are<strong>na</strong><br />

per<strong>de</strong> a face mais importante <strong>da</strong> sua configuração como grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, que é a<br />

constante atualização <strong>da</strong>s suas propostas diante <strong>da</strong>s transformações históricas.<br />

O impacto <strong>de</strong>ssa imobili<strong>da</strong><strong>de</strong> provoca uma <strong>de</strong>sintegração <strong>da</strong>s alianças com outros<br />

grupos culturais e, consequentemente, uma <strong>de</strong>sintegração <strong>do</strong>s quadros internos <strong>do</strong><br />

grupo.Fica difícil ao mesmo tempo manter o interesse <strong>de</strong> um público para quem<br />

não se sabe exatamente o que dizer.Para um grupo que sempre trabalhou<br />

procuran<strong>do</strong> a clareza e confian<strong>do</strong> principalmente <strong>na</strong> mensagem <strong>do</strong> espetáculo é<br />

praticamente impossível assumir o caminho <strong>de</strong> uma arte ambígua ou <strong>de</strong> pura<br />

fruição.(...) Uma longa excursão <strong>do</strong> grupo pelas Américas mantém a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

durante algum tempo. Mas a se<strong>de</strong> <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em São Paulo, começa a refletir um<br />

esvaziamento <strong>de</strong> público. Segue-se <strong>na</strong>turalmente uma crise econômica <strong>de</strong><br />

proporções incontroláveis. (...) À crise econômica agrega-se a saí<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto<br />

Boal. Do grupo origi<strong>na</strong>l Boal era praticamente o último membro a <strong>de</strong>ixar o <strong>teatro</strong><br />

<strong>de</strong> Are<strong>na</strong>.Com uma infra-estrutura abala<strong>da</strong> economicamente e sem uma li<strong>de</strong>rança<br />

experiente, o Are<strong>na</strong> se dissolve enquanto grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. Passa a funcio<strong>na</strong>r como<br />

uma casa <strong>de</strong> espetáculos que acolhe produções in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes para po<strong>de</strong>r<br />

sobreviver”. 59<br />

Esse estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> por Mariângela <strong>de</strong> Alves Lima, tem uma gran<strong>de</strong><br />

importância <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>cumental, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que ela, em conjunto com<br />

outras duas pesquisa<strong>do</strong>ras, Maria Thereza Vargas e Carmelin<strong>da</strong> Guimarães, conseguiu<br />

reunir e sistematizar um significativo acervo (principalmente jor<strong>na</strong>is <strong>da</strong> época, além <strong>de</strong><br />

crônicas, entrevistas, noticiários <strong>de</strong> espetáculo) para construir cronologicamente a<br />

história <strong>da</strong> companhia. Nessa perspectiva, essa pesquisa se constitui em uma referência<br />

fun<strong>da</strong>mental para os estudiosos <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>. Contu<strong>do</strong>, se por um la<strong>do</strong>, a<br />

pesquisa<strong>do</strong>ra norteou a sua pesquisa procuran<strong>do</strong> relacio<strong>na</strong>r a trajetória <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> com a<br />

58 LIMA, 2005, p. 59-60.<br />

59 Ibid., p.61.<br />

30


conjuntura política e social <strong>da</strong> época; por outro la<strong>do</strong>, não percebemos um tratamento<br />

crítico em relação ao corpus <strong>do</strong>cumental, ou seja, não percebemos uma preocupação<br />

com a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que as fontes são incorpora<strong>da</strong>s à<br />

<strong>do</strong>cumentação como se fossem porta<strong>do</strong>ras <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong><strong>de</strong>” histórica. 60<br />

O crítico teatral Edélcio Mostaço em seu livro Teatro e Política: Are<strong>na</strong>, Ofici<strong>na</strong><br />

e Opinião, realiza um significativo estu<strong>do</strong> com um níti<strong>do</strong> viés político, sobre a trajetória<br />

<strong>da</strong>s companhias teatrais Are<strong>na</strong>, Opinião, e Ofici<strong>na</strong>, em consonância a conjuntura sócio-<br />

política <strong>da</strong> época. 61<br />

No que diz respeito ao Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> e ao perío<strong>do</strong> por nós enfoca<strong>do</strong> nesse<br />

estu<strong>do</strong>, Mostaço a<strong>do</strong>ta uma análise semelhante a <strong>da</strong> crítica Mariângela Alves Lima.<br />

Primeiramente, nos mol<strong>de</strong>s <strong>da</strong> estudiosa acima, o autor tece uma reflexão acerca <strong>do</strong><br />

impacto provoca<strong>do</strong> <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira, pela criação <strong>do</strong> primeiro <strong>teatro</strong> em forma <strong>de</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong><br />

no país, por um grupo <strong>de</strong> alunos <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Arte Dramática <strong>de</strong> São Paulo. Dentre as<br />

inovações propicia<strong>da</strong>s pela forma em <strong>are<strong>na</strong></strong>, o autor <strong>de</strong>stacou o baixo custo <strong>da</strong>s<br />

montagens, o caráter móvel <strong>da</strong>s apresentações, a enorme aproximação palco-platéia, a<br />

ênfase <strong>na</strong> interpretação <strong>do</strong> ator, que se revestia <strong>de</strong> um caráter mais psicodramático <strong>do</strong><br />

que espetacular, e por fim, o estatuto não empresarial <strong>da</strong> companhia que se organizava<br />

em forma cooperativa. 62<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, Mostaço relacio<strong>na</strong> a fusão <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> com o TPE (Teatro<br />

Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte) com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s discussões políticas <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />

companhia, que contribuíram para a transformação <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em um grupo teatral<br />

comprometi<strong>do</strong> com as lutas políticas e sociais <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. Além disso, o autor enfocou a<br />

60<br />

PATRIOTA, Rosangela. História, Memória e Teatro: A Historiografia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo. In: MACHADO, Maria Clara Tomás e PATRIOTA, Rosangela (org.). Política, Cultura e<br />

Movimentos Sociais: contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong>s historiográficas. Uberlândia: Programa <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em<br />

História – Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia, 2001, p. 204.<br />

61<br />

CF. MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e Política: Are<strong>na</strong>, Ofici<strong>na</strong> e Opinião. São Paulo: Proposta Editorial,<br />

1982.<br />

62<br />

Ibid., p. 24-25.<br />

31


importância <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto Boal, que trouxe para o grupo, um conjunto <strong>de</strong><br />

técnicas <strong>de</strong> ence<strong>na</strong>ção e interpretação <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>da</strong>s pelo grupo <strong>de</strong> realismo seletivo,<br />

caracteriza<strong>da</strong>s basicamente pela enorme simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ence<strong>na</strong>ções, cuja tônica se<br />

centrava nos aspectos psicológicos e <strong>na</strong>s interrelações huma<strong>na</strong>s entre os perso<strong>na</strong>gens. 63<br />

Na seqüência, o autor reflete acerca <strong>da</strong>s implicações provoca<strong>da</strong>s no grupo, a<br />

partir <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que essa montagem<br />

si<strong>na</strong>lizou novas perspectivas para a companhia, tanto políticas, quanto dramatúrgicas:<br />

32<br />

“Espetáculo <strong>de</strong> tese, Eles Não Usam Black-Tie viabilizou para o núcleo<br />

tepeísta <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> a base <strong>de</strong> sua atuação artística: uma <strong>de</strong>scrição realista <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um engajamento <strong>de</strong> luta i<strong>de</strong>ológica. A partir <strong>do</strong>s<br />

pressupostos básicos <strong>do</strong> realismo socialista foi encontra<strong>da</strong> uma forma <strong>de</strong><br />

exter<strong>na</strong>lização <strong>de</strong>ste i<strong>de</strong>ário”. 64<br />

Por fim, Mostaço avalia o papel <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> <strong>na</strong> trajetória <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

pelo Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia, que visava segun<strong>do</strong> ele, estimular a criação <strong>de</strong> textos<br />

sintoniza<strong>do</strong>s com as questões propostas por Black-Tie: 65<br />

"Visto em conjunto, o Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia veio <strong>de</strong>monstrar uma série<br />

<strong>de</strong> conquistas alcança<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> fazer teatral <strong>brasil</strong>eiro, constituin<strong>do</strong>-se<br />

<strong>na</strong> nuclearização <strong>de</strong> um movimento que alteraria, paulati<strong>na</strong>mente, a face <strong>do</strong><br />

processo.<br />

Inicialmente é preciso ficar claro que o Are<strong>na</strong> foi forjan<strong>do</strong>, no correr <strong>do</strong><br />

processo, um projeto; que, articula<strong>da</strong>mente, evoluiu em suas formas e<br />

a<strong>da</strong>ptou-se à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira a buscar o necessário equilíbrio entre<br />

uma trajetória e suas táticas e estratégias <strong>de</strong> ação. Até o presente momento<br />

<strong>de</strong>sta evolução é possível separar ao menos, <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s movimentos <strong>de</strong>ste<br />

processo: o <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção até a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto Boal; <strong>de</strong>sta até o fi<strong>na</strong>l<br />

<strong>do</strong> Seminário”. 66<br />

Dessa forma, o autor divi<strong>de</strong> a trajetória <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em duas etapas importantes: a<br />

primeira etapa, segun<strong>do</strong> o autor, coman<strong>da</strong><strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to, refletiu uma certa abertura<br />

para a vanguar<strong>da</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e se revestiu <strong>de</strong> uma conotação estética, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em<br />

que se caracterizou primordialmente pela busca <strong>de</strong> soluções formais e técnicas para as<br />

ence<strong>na</strong>ções <strong>da</strong> companhia procuran<strong>do</strong> a<strong>de</strong>quá-las a sua forma <strong>de</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>. Assim, José<br />

63 MOSTAÇO, 1982, p.28-29.<br />

64 Ibid., p. 33.<br />

65 Ibid., p.33.<br />

66 Ibid., p.38.


Re<strong>na</strong>to, buscava encontrar uma <strong>na</strong>rrativa específica para o ineditismo que a forma<br />

circular <strong>de</strong> representação engendrava, através <strong>da</strong> utilização <strong>de</strong> textos <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong><br />

dramaturgia inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ou seja, seu esforço se centrava, grosso mo<strong>do</strong>, em a<strong>da</strong>ptar o<br />

estilo <strong>do</strong> TBC às características próprias <strong>da</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>, e nesse senti<strong>do</strong> não obteve o<br />

resulta<strong>do</strong> almeja<strong>do</strong>. 67<br />

Nesse contexto, o gran<strong>de</strong> salto obti<strong>do</strong> pela companhia <strong>na</strong> a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> uma<br />

linguagem própria para o Are<strong>na</strong>, ocorreu, segun<strong>do</strong> Mostaço, no segun<strong>do</strong> momento <strong>da</strong><br />

trajetória <strong>da</strong> companhia, que se iniciou com a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto Boal que trouxe para<br />

o grupo o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Stanislavski, foi posto em prática com a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Ratos e<br />

Homens e que proporcionou a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um estilo próprio para a representação em<br />

<strong>are<strong>na</strong></strong>; o realismo fotográfico. Nessa etapa a dramaturgia <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> se <strong>de</strong>finiu em torno<br />

<strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> político e mobiliza<strong>do</strong>r, influencia<strong>da</strong> pelo i<strong>de</strong>ário <strong>do</strong> ISEB(Instituto<br />

Superior <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Brasileiros) e <strong>do</strong> PCB (Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro), e <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

pela estética realista (o autor tece uma discussão acerca <strong>da</strong> estética pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no<br />

Are<strong>na</strong>, que segun<strong>do</strong> ele foi influencia<strong>do</strong> em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s ence<strong>na</strong>ções pelo chama<strong>do</strong><br />

realismo crítico - Brecht, e em outros pelo realismo socialista - Lukács). 68<br />

Esse estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> por Edélcio Mostaço, acerca <strong>da</strong>s companhias, Are<strong>na</strong>,<br />

Ofici<strong>na</strong> e Opinião, se constitui em obra imprescindível para os pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

assunto, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o autor realizou uma análise profun<strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a trajetória<br />

<strong>de</strong>sses grupos teatrais, em uma perspectiva política, discutin<strong>do</strong> e interpretan<strong>do</strong> as<br />

opções estéticas e temáticas leva<strong>da</strong>s a cabo por essas companhias, em consonância com<br />

a conjuntura histórica <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, a ressalva que fazemos a esse estu<strong>do</strong>, se relacio<strong>na</strong> primeiramente, ao<br />

fato <strong>do</strong> autor se preocupar excessivamente, por um la<strong>do</strong>, em enquadrar as montagens<br />

67 MOSTAÇO, 1982, p.43.<br />

68 Ibid., p. 41-44.<br />

33


<strong>de</strong>ssas companhias, em categorias conceituais utiliza<strong>da</strong>s por grupos teatrais <strong>de</strong> outros<br />

países, (Rússia) e, portanto, em outras reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s históricas. Em segun<strong>do</strong> lugar,<br />

verificamos também que Mostaço constrói suas críticas ao Are<strong>na</strong>, se referencian<strong>do</strong> em<br />

categorias conceituais, como por exemplo, o termo populismo, construí<strong>do</strong>s a posteriori,<br />

por aqueles que <strong>de</strong>senvolveram uma feroz crítica a política <strong>de</strong> alianças preconiza<strong>da</strong><br />

pelos comunistas e trabalhistas e, portanto, referen<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Are<strong>na</strong>, visto que gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>de</strong> seus integrantes era simpatizante ou militava nesses parti<strong>do</strong>s políticos.<br />

Por sua vez, o crítico Sábato Magaldi em seu livro “Um palco <strong>brasil</strong>eiro: O<br />

Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo”, <strong>da</strong> coleção Tu<strong>do</strong> é História, como os autores acima, a<strong>na</strong>lisa a<br />

história <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, em uma perspectiva cronológica, enfatizan<strong>do</strong> a sua<br />

importância no cenário dramatúrgico <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l pelas inovações que introduziu em<br />

termos formais e temáticos <strong>na</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira. Nessa perspectiva, o autor retrata<br />

<strong>de</strong> forma minuciosa as origens <strong>da</strong> companhia, liga<strong>da</strong>s à Escola <strong>de</strong> Arte Dramática <strong>de</strong><br />

São Paulo, como também sua evolução, ao se fundir com o TPE, para se transformar a<br />

partir <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, Eles Não Usam Black-tie, em grupo símbolo<br />

<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e se constituir em uma alter<strong>na</strong>tiva ao TBC, que pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>va <strong>na</strong> ce<strong>na</strong><br />

paulista. 69<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> livro, Sábato Magaldi a<strong>na</strong>lisa as principais peças produzi<strong>da</strong>s<br />

pelo grupo em to<strong>da</strong> sua trajetória, enfatizan<strong>do</strong> a passagem <strong>da</strong> estética realista para a<br />

estética brechtia<strong>na</strong>, especialmente <strong>na</strong> fase <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s Musicais. Além disso, o autor<br />

discute e compara a utilização <strong>do</strong> sistema “coringa” <strong>na</strong>s peças Are<strong>na</strong> Conta Zumbi e<br />

Are<strong>na</strong> conta Tira<strong>de</strong>ntes. E por fim, ele abor<strong>da</strong> as últimas iniciativas <strong>da</strong> companhia e<br />

reflete acerca <strong>da</strong>s razões que contribuíram para o seu fim, no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970. 70<br />

34<br />

“O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo evoca, <strong>de</strong> imediato o a<strong>brasil</strong>eiramento <strong>do</strong><br />

nosso palco, pela imposição <strong>do</strong> autor <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Os Comediantes e o Teatro<br />

69 CF. MAGALDI, Sábato. Um palco <strong>brasil</strong>eiro: O Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984.<br />

70 Ibid.


35<br />

Brasileiro <strong>de</strong> Comédia, responsáveis pela renovação estética <strong>do</strong>s<br />

procedimentos cênicos, <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> quarenta, pautaram-se basicamente<br />

por mo<strong>de</strong>los europeus. Depois <strong>de</strong> a<strong>do</strong>tar durante as primeiras tempora<strong>da</strong>s<br />

política semelhante à <strong>do</strong> TBC, o Are<strong>na</strong> <strong>de</strong>finiu a sua especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>, em<br />

1958, a partir <strong>do</strong> lançamento <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie, <strong>de</strong><br />

Gianfrancesco Guarnieri. A se<strong>de</strong> <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> tornou-se, então, a casa <strong>do</strong><br />

autor <strong>brasil</strong>eiro.<br />

O êxito <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição transformou o Are<strong>na</strong> em reduto inova<strong>do</strong>r, que<br />

aos poucos tirou <strong>do</strong> TBC, e <strong>da</strong>s empresas que lhe her<strong>da</strong>ram os princípios, a<br />

hegemonia <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> dramática. De uma espécie <strong>de</strong> TBC pobre, ou<br />

econômico, o grupo evoluiu, para converter-se em porta-voz <strong>da</strong>s aspirações<br />

vanguardistas <strong>de</strong> fins <strong>do</strong>s anos cinquenta. A tendência expressa pelo Are<strong>na</strong><br />

tornou-se vitoriosa, marcan<strong>do</strong> a linha segui<strong>da</strong> pelo Grupo Opinião, no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, e influin<strong>do</strong> no repertório escolhi<strong>do</strong> pelo TBC, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1960.<br />

A imagem completa <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> não se reduz, porém, à <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong>s<br />

cartazes. Sua primeira insígnia diz respeito à própria forma <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>, que<br />

aban<strong>do</strong>nou as exigências <strong>do</strong> palco italiano, em troca <strong>de</strong> um local não<br />

especializa<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> simples ca<strong>de</strong>iras à volta <strong>de</strong> um espaço e ilumi<strong>na</strong>ção<br />

precária podiam criar a atmosfera propícia ao fenômeno cênico.<br />

(...) Muitas outras conquistas associam-se à trajetória <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>.<br />

A dramaturgia <strong>brasil</strong>eira reclamava um estilo <strong>de</strong> ence<strong>na</strong>ção e <strong>de</strong>sempenho<br />

nosso. O elenco pesquisou uma possível maneira <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> comunicar a<br />

fala <strong>do</strong> autor, sobretu<strong>do</strong> no tocante à prosódia, sabi<strong>da</strong>mente<br />

<strong>de</strong>scaracteriza<strong>da</strong> no TBC. Esgota<strong>da</strong> essa fase, passou-se à <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização<br />

<strong>do</strong>s clássicos, potencializa<strong>do</strong>s em face <strong>de</strong> uma sintonia apreensível com a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> momento. Vieram <strong>de</strong>pois os musicais, cuja expressão maior foi<br />

obti<strong>da</strong> por Are<strong>na</strong> Conta Zumbi, <strong>de</strong> Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri<br />

e Edu Lobo.<br />

(...) Na busca <strong>de</strong> caminhos não trilha<strong>do</strong>s entre nós, o Are<strong>na</strong> <strong>de</strong>dicou-se, por<br />

último, ao Teatro-Jor<strong>na</strong>l, que dramatizava acontecimentos <strong>da</strong> véspera,<br />

resistin<strong>do</strong> à ditadura que se apossara <strong>do</strong> País.<br />

Se a expansão <strong>do</strong> conjunto correspondia ao espírito <strong>de</strong>senvolvimentista que<br />

empolgava o Brasil, <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, o <strong>de</strong>clínio e <strong>de</strong>saparecimento<br />

<strong>do</strong> Are<strong>na</strong> estão intimamente associa<strong>do</strong>s à repressão <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>da</strong> pelo Ato<br />

Institucio<strong>na</strong>l nº. 5. (...) O exílio voluntário <strong>de</strong> Augusto Boal, em 1971, pôs<br />

fim ao admirável percurso, inicia<strong>do</strong> por José Re<strong>na</strong>to em 1953, ao fun<strong>da</strong>r o<br />

primeiro Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>da</strong> América <strong>do</strong> Sul, juntamente com Geral<strong>do</strong><br />

Matheus, Sérgio Sampaio e Emílio Fonta<strong>na</strong>”. 71<br />

Em outro livro, “Panorama <strong>do</strong> Teatro Brasileiro”, publica<strong>do</strong> origi<strong>na</strong>lmente em<br />

1962, e que em 2001, alcançou a sua quinta edição, Sábato Magaldi, teceu um<br />

minucioso estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> história <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, interpretan<strong>do</strong> as suas principais<br />

manifestações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as suas origens, oriun<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> catequese <strong>do</strong>s jesuítas,<br />

realiza<strong>do</strong> através <strong>do</strong>s Autos Jesuíticos, a partir <strong>do</strong> século XVI, até o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong><br />

mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira no século XX, i<strong>na</strong>ugura<strong>da</strong>, segun<strong>do</strong> o autor, em 1943,<br />

com a estréia <strong>da</strong> peça Vesti<strong>do</strong> <strong>de</strong> Noiva, <strong>de</strong> Nelson Rodrigues, ence<strong>na</strong><strong>da</strong> por Ziembinski.<br />

71 MAGALDI, 1984, p.7-9.


Nessa perspectiva, esse livro se constitui em uma fonte fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> acerca <strong>da</strong><br />

historiografia cênica <strong>brasil</strong>eira. 72<br />

No que diz respeito ao Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, o autor <strong>de</strong>staca o papel fun<strong>da</strong>mental<br />

exerci<strong>do</strong> pela companhia, para o surgimento <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l nos palcos<br />

<strong>brasil</strong>eiros, após a estréia <strong>da</strong> peça Eles Não Usam Black-Tie, e <strong>da</strong> criação <strong>do</strong> Seminário<br />

<strong>de</strong> Dramaturgia, elegen<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong> como companhia símbolo <strong>do</strong> movimento<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. 73<br />

Nessa perspectiva, o autor tece uma análise pormenoriza<strong>da</strong> <strong>da</strong> peça Eles Não<br />

Usam Black-tie, como também <strong>de</strong> algumas peças escritas a partir <strong>da</strong>s discussões<br />

realiza<strong>da</strong>s no Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia, como Chapetuba Futebol Clube, a Farsa <strong>da</strong><br />

Esposa Perfeita e Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul. 74 Contu<strong>do</strong>, a análise <strong>do</strong> crítico se<br />

restringe ao conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s peças, não haven<strong>do</strong> uma preocupação em contextualizá-las.<br />

Segun<strong>do</strong> Rosangela Patriota, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> peças teatrais, com enfoque ape<strong>na</strong>s no texto,<br />

se constitui em uma prática corriqueira no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. 75<br />

Em seu livro Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>: uma estética <strong>de</strong> resistência, o escritor Izaías<br />

Alma<strong>da</strong> a<strong>na</strong>lisa a história <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> entrevistas feitas<br />

por ele com críticos teatrais, dramaturgos, diretores e atores que participaram direta ou<br />

indiretamente <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> e contribuíram para a construção e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong><br />

companhia. 76 Sen<strong>do</strong> assim, ao contrário <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais estu<strong>do</strong>s sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

que <strong>de</strong> maneira geral, abor<strong>da</strong>m a trajetória <strong>de</strong>ssa companhia teatral <strong>de</strong> forma factual, e<br />

portanto, <strong>de</strong>scritiva, no presente livro, a história <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> é reconstituí<strong>da</strong> a<br />

partir <strong>da</strong> memória <strong>do</strong>s seus próprios integrantes, o que possibilita uma recuperação <strong>da</strong><br />

72<br />

CF. MAGALDI, Sábato. Panorama <strong>do</strong> Teatro Brasileiro. São Paulo: Global, 2001.<br />

73<br />

Ibid., p.214.<br />

74<br />

Ibid., p. 245-274.<br />

75<br />

PATRIOTA, 2001, p. 190.<br />

76<br />

CF.ALMADA, Isaías. Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>: uma estética <strong>da</strong> resistência. São Paulo: Boitempo Editorial,<br />

2004.<br />

36


trajetória <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, em consonância com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> país, através <strong>de</strong> múltiplas<br />

perspectivas e varia<strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong> vista.<br />

O texto <strong>de</strong> Lúcia Maria Mac Dowell Soares, intitula<strong>do</strong> “O Teatro Político <strong>do</strong><br />

Are<strong>na</strong> e <strong>de</strong> Guarnieri” foi vence<strong>do</strong>r <strong>do</strong> primeiro concurso <strong>de</strong> monografias <strong>de</strong> 1980,<br />

promovi<strong>do</strong> pelo INACEN, (Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Artes Cênicas), e foi publica<strong>do</strong> em<br />

1983, pela secretaria <strong>de</strong> cultura <strong>do</strong> MEC. Nesse trabalho, segun<strong>do</strong> Maria Lúcia Mac<br />

Dowell Soares, as duas contribuições mais significativas <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> para a<br />

dramaturgia <strong>brasil</strong>eira se constituíram em sua proposta cênica, a <strong>are<strong>na</strong></strong>, alia<strong>da</strong> à pesquisa<br />

formal que esta propiciou, ou seja, a confecção <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. 77 Nesse<br />

contexto, como observa a autora,<br />

37<br />

“No início <strong>do</strong>s anos 50, o <strong>teatro</strong> paulista encontrava-se totalmente<br />

<strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong> pelos padrões estéticos <strong>do</strong> TBC. O grupo <strong>de</strong> jovens atores que<br />

pretendia fun<strong>da</strong>r sua própria companhia sabia ser-lhes impossível um<br />

projeto teatral nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> TBC, já que dispunham <strong>de</strong> parcos recursos<br />

fi<strong>na</strong>nceiros. Ao mesmo tempo que buscavam uma solução formal<br />

economicamente viável, os fun<strong>da</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> TA sabiam ser necessária uma<br />

mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> espetáculo teatral, a que o TBC, já cristaliza<strong>do</strong><br />

formalmente, não mais correspondia.(...) Se <strong>na</strong>quele momento, a escolha <strong>da</strong><br />

<strong>are<strong>na</strong></strong> limitava-se a solucio<strong>na</strong>r um problema específico, será ela, contu<strong>do</strong>,<br />

um <strong>do</strong>s elementos mais fecun<strong>do</strong>s para o <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Através <strong>de</strong>la o<br />

<strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro po<strong>de</strong> recuperar um fôlego perdi<strong>do</strong> no alto custo <strong>da</strong>s<br />

montagens tipo TBC, ajustan<strong>do</strong>-se assim à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> pobre <strong>do</strong> país, como<br />

também abrir caminho no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> pesquisa <strong>de</strong> uma linguagem teatral<br />

mais <strong>brasil</strong>eira. (...) Há um profun<strong>do</strong> entrosamento, nessa época, entre a<br />

<strong>are<strong>na</strong></strong> e a pesquisa <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Seu <strong>de</strong>spojamento po<strong>de</strong>,<br />

virtualmente, reproduzir as precárias condições sociais e econômicas <strong>do</strong><br />

país. O <strong>teatro</strong> que se quer participante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e que <strong>de</strong>seja<br />

tematizar essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> encontra <strong>na</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>, ou em sua característica<br />

básica, o <strong>de</strong>spojamento, sua forma i<strong>de</strong>al. A pobreza e o <strong>de</strong>spojamento <strong>da</strong><br />

<strong>are<strong>na</strong></strong> por si só, fazem significar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se <strong>de</strong>seja tematizar”. 78<br />

Sen<strong>do</strong> assim, a autora como os <strong>de</strong>mais estudiosos <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

enfatizou o papel inova<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> por essa companhia teatral no quadro <strong>da</strong><br />

dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l por ter cria<strong>do</strong> as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para uma reflexão acerca <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira em seus aspectos políticos e sociais, através <strong>do</strong> empenho <strong>de</strong>sse<br />

77<br />

CF.SOARES, Lúcia Maria M.D. O Teatro Político <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> e <strong>de</strong> Guarnieri..In:Monografias/1980. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: MEC/SEC/INACEN.<br />

78<br />

Ibid., p.18.


grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> em produzir peças <strong>de</strong> autores <strong>brasil</strong>eiros e com temáticas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

To<strong>da</strong>via, segun<strong>do</strong> a autora, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> não conseguiu <strong>da</strong>r prosseguimento às<br />

suas propostas <strong>de</strong> investigação e reflexão sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

não conseguiu avançar em relação às suas conquistas obti<strong>da</strong>s inicialmente. 79<br />

Essa limitação aponta<strong>da</strong> pela pesquisa<strong>do</strong>ra em relação ao trabalho <strong>da</strong> companhia,<br />

resi<strong>de</strong> no fato, <strong>de</strong> que, segun<strong>do</strong> ela, o trabalho <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> se encontrava comprometi<strong>do</strong> e<br />

influencia<strong>do</strong> por um código i<strong>de</strong>ológico consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por ela, <strong>de</strong> caráter conserva<strong>do</strong>r — o<br />

<strong>de</strong>senvolvimentismo, formula<strong>do</strong> pelos intelectuais <strong>do</strong> ISEB (Instituto Superior <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Brasileiros), que se constitua <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ologia pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte nos país, durante o<br />

governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek, perío<strong>do</strong> no qual o Are<strong>na</strong> foi cria<strong>do</strong>. 80 Então, <strong>na</strong>s<br />

palavras <strong>da</strong> autora:<br />

38<br />

“Fica-nos clara a interferência <strong>de</strong> valores <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentismo <strong>na</strong><br />

atuação política <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, no fim <strong>do</strong>s anos 50 e início <strong>do</strong>s 60, <strong>do</strong> mesmo<br />

mo<strong>do</strong> que, também no TA, essa interferência ocorrerá. O afloramento <strong>de</strong><br />

questões sobre <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, sobre a pesquisa <strong>de</strong> uma linguagem cênica<br />

<strong>brasil</strong>eira não eram “inocentes”, já que se encontravam previamente<br />

informa<strong>da</strong>s pelo contexto histórico <strong>de</strong> então, ou seja, por um contexto<br />

i<strong>de</strong>ológico em que as teorias isebia<strong>na</strong>s mantinham prepon<strong>de</strong>rância”. 81<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a autora procura recuperar as relações existentes entre arte<br />

engaja<strong>da</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> literária, propostas pelo pensa<strong>do</strong>r Walter Benjamin, em seu texto<br />

O Autor como Produtor, a fim <strong>de</strong> verificar até que ponto a dramaturgia <strong>do</strong> Are<strong>na</strong><br />

po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> revolucionária, se essa, segun<strong>do</strong> ela, encontrava-se filia<strong>da</strong> ao<br />

projeto <strong>de</strong>senvolvimentista pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>, cujos princípios, a autora,<br />

com base <strong>na</strong>s análises <strong>de</strong> Maria Sílvia <strong>de</strong> Carvalho Franco, consi<strong>de</strong>rava não<br />

revolucionários, porque i<strong>de</strong>ológicos, uma vez que, para ela, visavam, escamotear os<br />

79 SOARES, 1980, p.31.<br />

80 Ibid., p.31.<br />

81 Ibid., p.33.


interesses <strong>de</strong> classes, pois se propunham como resposta aos interesses <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção, mas, <strong>na</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>fendiam os interesses <strong>da</strong> burguesia. 82 Assim, para Lúcia M.M.D.Soares:<br />

39<br />

“Ao elaborar as questões referentes ao <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o TA já vinha<br />

marca<strong>do</strong> por um ponto <strong>de</strong> vista, mesmo que imperceptível a seus<br />

participantes, que repousava sobre um discurso conserva<strong>do</strong>r que, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, se fazia passar por progressista. E é importante assi<strong>na</strong>lar que, se a<br />

abertura política <strong>do</strong> governo JK propiciou o estabelecimento <strong>de</strong> um<br />

discurso crítico <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, este discurso circulava num espaço<br />

político on<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia eram os conceitos <strong>na</strong>ção/anti<strong>na</strong>ção,<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo. É certo que o TA tentou atacar<br />

criticamente o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> expurgar <strong>da</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira os<br />

textos estrangeiros e comprometi<strong>do</strong>s com os valores culturais burgueses <strong>do</strong><br />

TBC; é certo também que o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo crítico <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong>sce sob o crivo<br />

<strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, porém, como já mostramos, a própria esquer<strong>da</strong><br />

encontrava-se sob a interferência i<strong>de</strong>ológica <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentismo. Ao<br />

trazer para o centro <strong>de</strong> suas reflexões teóricas as noções <strong>de</strong> luta contra o<br />

imperialismo, contra o sub<strong>de</strong>senvolvimento, a idéia <strong>de</strong> progresso, <strong>de</strong> crença<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> país e, sobretu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> crença <strong>na</strong> função <strong>de</strong><br />

“ilustra<strong>do</strong>r” <strong>da</strong> elite intelectual, o TA vê-se inseri<strong>do</strong> no contexto <strong>da</strong>s<br />

colocações i<strong>de</strong>ológicas <strong>do</strong> ISEB, mesmo trabalhan<strong>do</strong> com a idéia <strong>de</strong><br />

libertação <strong>do</strong> povo e <strong>de</strong> classe social”. 83<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> a autora, o Are<strong>na</strong> não teria podi<strong>do</strong> atuar <strong>de</strong> maneira<br />

significativa no contexto no qual se encontrava inseri<strong>do</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que suas<br />

concepções políticas se encontrariam inseri<strong>da</strong>s no universo simbólico burguês. Dessa<br />

forma, para ela, a transformação empreendi<strong>da</strong> pelo Are<strong>na</strong> em termos <strong>de</strong> linguagem<br />

cênica não teria si<strong>do</strong> acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma temática ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente revolucionária,<br />

visto que essa possuía um caráter pater<strong>na</strong>lista e <strong>de</strong>miurgo <strong>da</strong>s ações sociais, tal como<br />

ocorria com o discurso <strong>do</strong> ISEB. 84<br />

A monografia <strong>de</strong> Lúcia M.M. Soares se constitui em mais um importante estu<strong>do</strong><br />

sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, uma vez que a autora aprofun<strong>da</strong> a discussão proposta por<br />

Mariângela Alves Lima em seu artigo História <strong>da</strong>s Idéias, acerca <strong>da</strong> escolha formal<br />

82 SOARES, 1980, p. 29-33.<br />

83 Ibid., p.33-34.<br />

84 Ibid., p.39.


ealiza<strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to para criar o seu <strong>teatro</strong> - o palco em <strong>are<strong>na</strong></strong> – e a sua relação<br />

com a criação <strong>de</strong> uma linguagem teatral <strong>brasil</strong>eira, que se inicia com Black-Tie 85 .<br />

To<strong>da</strong>via, a autora propõe a discussão acima, com intuito <strong>de</strong> articulá-la à questão<br />

central <strong>de</strong> seu estu<strong>do</strong>, que resi<strong>de</strong> <strong>na</strong> construção <strong>de</strong> uma contun<strong>de</strong>nte crítica à proposta <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> realizar um <strong>teatro</strong> revolucionário, isto é, comprometi<strong>do</strong> com a<br />

transformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas que segun<strong>do</strong> ela, não se efetivou, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que se<br />

encontrava informa<strong>do</strong> por código um i<strong>de</strong>ológico conserva<strong>do</strong>r, ou seja, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimentismo. 86<br />

Nessa perspectiva, como já <strong>de</strong>stacamos anteriormente, a autora se baseia <strong>na</strong>s<br />

análises <strong>de</strong> Maria Sylvia <strong>de</strong> Carvalho Franco, para <strong>de</strong>monstrar o suposto caráter<br />

conserva<strong>do</strong>r <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>senvolvimentista pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no país durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta. O texto <strong>de</strong> Maria Sylvia <strong>de</strong> C. F, O Tempo <strong>da</strong>s Ilusões se constituiu em um<br />

ensaio sobre o livro <strong>de</strong> Caio Navarro <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong> – Iseb: Fábrica <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ologias,<br />

origi<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>da</strong> tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utoramento <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> em 1974, por esse autor, junto à Facul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Assis, interior <strong>de</strong> São Paulo. 87<br />

Segun<strong>do</strong> Norma Côrtes, pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> um <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> membro <strong>do</strong><br />

ISEB, Álvaro Vieira Pinto, a tese <strong>de</strong> Caio Navarro <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong> “encerra a mais bem<br />

acaba<strong>da</strong> e hostil sistematização crítica ao pensamento isebiano”. Os princípios<br />

<strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s por esse autor são oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s tradições intelectuais <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res <strong>da</strong><br />

escola <strong>de</strong> sociologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, que a partir <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>is <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

sessenta e durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> setenta se notabilizou por <strong>de</strong>senvolver uma profun<strong>da</strong><br />

85<br />

SOARES, 1980, p. 17-28.<br />

86<br />

Ibid., p.30-31.<br />

87<br />

TOLEDO, Caio Navarro. ISEB: Fábrica <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ologias. Campi<strong>na</strong>s, São Paulo: Editora <strong>da</strong> Unicamp,<br />

1997.<br />

40


crítica ao paradigma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> pelos intelectuais <strong>do</strong><br />

ISEB. 88<br />

Nessa perspectiva, o corpus <strong>do</strong>utrinário <strong>do</strong> ISEB, foi duramente combati<strong>do</strong> pela<br />

crítica acadêmica. Este combate gerou uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira <strong>de</strong>vassa intelectual, <strong>na</strong><br />

expressão <strong>de</strong> Daniel Pécaut, e produziu um enorme “auto <strong>de</strong> acusação”, que foi<br />

resumi<strong>do</strong> pelo autor,<br />

41<br />

“Foi-lhes censura<strong>do</strong>, em primeiro lugar, terem escamotea<strong>do</strong> as posições<br />

<strong>de</strong> classe à força <strong>de</strong> proclamar o prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, e por isto mesmo,<br />

terem se instala<strong>do</strong> no campo <strong>da</strong>s classes <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes. Foi-lhes igualmente<br />

imputa<strong>da</strong> uma incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> singular para levar em conta a orientação<br />

efetiva <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> industrialização sob o governo Kubitschek, o qual,<br />

sen<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> pelo apelo aos investimentos estrangeiros, levou a<br />

transformar o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo em um simples engo<strong>do</strong>. Foram censura<strong>do</strong>s<br />

também por terem volta<strong>do</strong>, sob uma forma mo<strong>de</strong>rniza<strong>da</strong>, a uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural semelhante à <strong>do</strong>s anos 30. Foi-lhes ain<strong>da</strong> atribuí<strong>do</strong><br />

confundir ciência com i<strong>de</strong>ologia. Foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s suspeitos <strong>de</strong><br />

reivindicar, como intelectuais, um direito <strong>na</strong>tural <strong>de</strong> falar “em nome <strong>da</strong>s<br />

massas” e, por isso mesmo, <strong>de</strong> se incluírem <strong>na</strong> linha <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res<br />

autoritários”. 89<br />

Nessa perspectiva, este auto <strong>de</strong> acusação se tornou o mais prestigia<strong>do</strong> cânone<br />

interpretativo <strong>da</strong> história <strong>da</strong> inteligência <strong>brasil</strong>eira. Sua repercussão acadêmica<br />

ultrapassou as avaliações sobre o ISEB, e acabou por se tor<strong>na</strong>r uma espécie <strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativa<br />

oficial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, que se expandiu além <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> universitária, para<br />

o ensino fun<strong>da</strong>mental e médio, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser encontra<strong>da</strong> <strong>na</strong> gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s livros<br />

didáticos atuais. 90<br />

De acor<strong>do</strong> com Norma Côrtez, o principal aspecto que permeia as análises <strong>da</strong><br />

Escola Paulista, diz respeito, ao senti<strong>do</strong> cosmopolita que aqueles pensa<strong>do</strong>res<br />

imprimiram à experiência civilizacio<strong>na</strong>l <strong>brasil</strong>eira, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, segun<strong>do</strong> eles, era<br />

88<br />

CÔRTES, Norma. Esperança e Democracia: as idéias <strong>de</strong> Álvaro Vieira Pinto. Belo Horizonte: Editora<br />

UFMG, 2003, p. 42.<br />

89<br />

PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil, São Paulo: Ática, 1990.p. 121-122.<br />

90 CÔRTES, op. cit., , p.32.


pela inclusão <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m capitalista que se <strong>de</strong>veria enten<strong>de</strong>r e explicar a formação <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. 91<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, inspira<strong>do</strong>s em uma abor<strong>da</strong>gem estruturalista, e, portanto,<br />

ignoran<strong>do</strong> a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> temporal e histórica, rejeitaram qualquer possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ação política calca<strong>da</strong> nos i<strong>de</strong>ais <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas, contrarian<strong>do</strong> os princípios historicistas e<br />

singulariza<strong>do</strong>res que <strong>de</strong>finiam a abor<strong>da</strong>gem isebia<strong>na</strong>. Para os sociólogos paulistas, a<br />

história <strong>brasil</strong>eira se encontrava inseri<strong>da</strong> no movimento <strong>de</strong> expansão <strong>do</strong> sistema<br />

capitalista, e nesta medi<strong>da</strong>, pelo fato <strong>de</strong> não possuir um senti<strong>do</strong> histórico singular, a<br />

melhor maneira <strong>de</strong> compreendê-la, seria através <strong>de</strong> uma perspectiva supra<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

pensa<strong>da</strong> estruturalmente. 92<br />

Nessa perspectiva, segun<strong>do</strong> Jorge Ferreira, a idéia <strong>de</strong> uma aliança entre as<br />

classes sociais, era entendi<strong>da</strong> pelos críticos <strong>do</strong>s intelectuais <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas, como um erro<br />

<strong>de</strong> avaliação histórica, se constituin<strong>do</strong> em uma atitu<strong>de</strong> ilegítima e espúria, e esta mesma<br />

maneira <strong>de</strong> raciocínio encontrou no conceito <strong>de</strong> populismo um mo<strong>de</strong>lo explicativo para<br />

a vivência <strong>de</strong>mocrática <strong>do</strong> país no pós-guerra — o que possibilitou i<strong>de</strong>ntificar uma<br />

linhagem contínua e direta entre os pensa<strong>do</strong>res autoritários <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930 e os<br />

intelectuais <strong>de</strong>senvolvimentistas e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, evocan<strong>do</strong><br />

similari<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre tais gerações <strong>de</strong> intelectuais, rotula<strong>da</strong>s <strong>de</strong> autoritárias, estatistas e<br />

burguesas. 93<br />

Em última instância, segun<strong>do</strong> o autor, a direita civil militar golpista e a nova<br />

geração <strong>de</strong> intelectuais <strong>de</strong> “esquer<strong>da</strong>”, uniram-se, portanto em um mesmo processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smerecimento e <strong>de</strong>squalificação <strong>da</strong>s interpretações e <strong>da</strong>s lutas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas e<br />

reformistas <strong>da</strong> geração anterior. E para completar e reforçar a vitória <strong>do</strong> seu paradigma<br />

cosmopolita-estruturalista, a escola “acadêmica” paulista, cujos membros falavam em<br />

91 CÔRTES, 2003, 28-29.<br />

92 Ibid., p.29.<br />

93 FERREIRA, 2005, p.10.<br />

42


nome <strong>da</strong> ciência, não podia se abster <strong>de</strong> oferecer uma teoria “científica”, para o perío<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong> história <strong>brasil</strong>eira compreendi<strong>do</strong> entre 1945 e 1964, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> se constituir em<br />

uma experiência <strong>de</strong>mocrática, porque foi rebatiza<strong>do</strong> pelos novos intelectuais, <strong>de</strong><br />

“populista”. 94<br />

Desse mo<strong>do</strong>, com base <strong>na</strong>s reflexões <strong>do</strong>s autores acima, consi<strong>de</strong>ramos<br />

problemática a análise <strong>de</strong> Lúcia M.M.Soares, que ao se apoiar em reflexões teóricas<br />

construí<strong>da</strong>s a posteriori pelos críticos <strong>do</strong> paradigma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista,<br />

<strong>de</strong>senvolve uma interpretação <strong>da</strong> proposta <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, <strong>de</strong>svincula<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> trajetória percorri<strong>da</strong> pelos seus integrantes.<br />

Essa consi<strong>de</strong>ração se justifica <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a autora se utiliza <strong>do</strong>s conceitos<br />

que integram o paradigma vitorioso, após 1964, para <strong>de</strong> certa forma, <strong>de</strong>squalificar a<br />

proposta <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, rotulan<strong>do</strong>-a como conserva<strong>do</strong>ra, ou em outras palavras<br />

“populista”, pois segun<strong>do</strong> ela, assim como os intelectuais <strong>do</strong> ISEB, os integrantes <strong>de</strong>sse<br />

grupo teatral se arvoraram em intérpretes <strong>do</strong> povo. 95<br />

Dessa forma, ao a<strong>do</strong>tar essa opção teórica, consi<strong>de</strong>ramos que Lúcia<br />

M.M.D.Soares, ao invés <strong>de</strong> procurar compreen<strong>de</strong>r a trajetória <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em uma<br />

perspectiva histórica, ela tece um “julgamento” <strong>de</strong> sua proposta <strong>de</strong> trabalho, <strong>da</strong> mesma<br />

forma como fizeram os pensa<strong>do</strong>res <strong>da</strong> escola paulista com os intelectuais <strong>do</strong> ISEB e<br />

com to<strong>do</strong>s aqueles que compartilharam <strong>do</strong> i<strong>de</strong>ário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista.<br />

Nessa perspectiva, para fi<strong>na</strong>lizar nossas reflexões, acreditamos ser importante<br />

nos <strong>de</strong>bruçarmos sobre o processo histórico, que é o lugar on<strong>de</strong> os <strong>de</strong>bates e as lutas<br />

ocorrem, e para isto, consi<strong>de</strong>ramos pertinente transcrever um trecho <strong>de</strong> um <strong>de</strong>poimento<br />

<strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, que faz parte <strong>de</strong> uma entrevista concedi<strong>da</strong> por ele, a Lúcia<br />

M.M. Soares, <strong>na</strong> época em que ela escreveu sua monografia:<br />

94 FERREIRA, 2005, p.378.<br />

95 SOARES, 1980, p. 36.<br />

43


44<br />

“O que eu recuso é essa discussão sobre populismo. Eu acho que, no fun<strong>do</strong>,<br />

em to<strong>da</strong>s as discussões sobre populismo não se atinge o povo, recusa-se a<br />

análise <strong>do</strong> povo que seja inspira<strong>da</strong> no povo. É por isso que sou contra. Eu<br />

acho que não se <strong>de</strong>ve levantar assim. O que é populismo? É o populismo <strong>da</strong><br />

forma russa? Que populismo é esse? Que que é isso que o pessoal está<br />

levantan<strong>do</strong> como populismo? Eu acho que há muita confusão a respeito<br />

disso. Eu procuro enten<strong>de</strong>r, não pegar o pessoal <strong>de</strong> má fé e pegar o <strong>de</strong> boa<br />

fé, e o que eles falam <strong>de</strong> populismo seria uma forma <strong>de</strong> encarar o povo <strong>na</strong><br />

superfície e que não é bem isso, que a gente tem <strong>de</strong> retratar o que conhece<br />

realmente, enfim, que nós não somos povão. Agora, eu acho que isso não faz<br />

senti<strong>do</strong>. Eu não sou mulher e posso tratar <strong>da</strong> mulher, falar sobre a mulher.<br />

Eu acho que é um posicio<strong>na</strong>mento que a gente toma e que eu chamo <strong>de</strong><br />

inspiração popular, ao falar <strong>do</strong> povo. É procurar ter o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong><br />

povo, <strong>da</strong> classe que traz o progresso, que seria o ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> classe<br />

operária. Talvez a gente não consiga retratar <strong>de</strong> forma <strong>na</strong>turalista a classe<br />

operária, também isso não interessa. O que interessa é retratar o que, <strong>na</strong><br />

luta <strong>de</strong> classes, essa classe po<strong>de</strong> fazer. E quan<strong>do</strong> se começa a falar <strong>de</strong><br />

populismo, eu estou ven<strong>do</strong> um recuo nisso, Não se quer tocar nesse<br />

problema. Eu acho que não. Que a gente tem to<strong>do</strong> o direito, o <strong>de</strong>ver mesmo,<br />

o direito e o <strong>de</strong>ver, <strong>de</strong> retratar a nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> classe<br />

operária, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> revolução.<br />

(...) Nós nunca preten<strong>de</strong>mos ser <strong>de</strong>miurgos <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>, <strong>de</strong> coisa nenhuma.<br />

Agente era uma coisa. Aí começaram a dizer que a gente estava tentan<strong>do</strong><br />

isso, estava tentan<strong>do</strong> aquilo e não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Não é que a gente tivesse um<br />

programa <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> cabeça, que a gente colocasse: eu vou sentar e escrever<br />

a obra. Não foi <strong>na</strong><strong>da</strong> disso. Nós tínhamos uma colocação diante <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>: a<br />

gente achava o <strong>teatro</strong> importante, agente achava que era uma relação<br />

social importante, não podia encara isso <strong>de</strong> uma forma levia<strong>na</strong>. Mas jamais<br />

se colocan<strong>do</strong> em posições <strong>de</strong> pater<strong>na</strong>lizar. Era uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, que estava<br />

no nosso limite”. 96<br />

Por sua vez, Eliane <strong>do</strong>s Santos Pascoal, em seu trabalho acerca <strong>da</strong>s peças Eles<br />

Não Usam Black-Tie, <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba Futebol Clube, <strong>de</strong><br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, realizou um estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> e <strong>da</strong>s duas peças em<br />

questão que foram ence<strong>na</strong><strong>da</strong>s pela mesma companhia, em perío<strong>do</strong>s muitos próximos 97 .<br />

Desse mo<strong>do</strong>, essa pesquisa, que tem o mesmo objeto <strong>de</strong> análise <strong>da</strong> presente dissertação,<br />

<strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> Eliane <strong>do</strong>s S. Pascoal, teve como proposta básica, discutir:<br />

“As condições <strong>de</strong> criação e apogeu <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, sua inserção <strong>na</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> época, seu espaço inova<strong>do</strong>r, os teóricos matrizes para esta<br />

maneira <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong> que se pretendia ‘nova, popular e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista’, são<br />

objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>sta dissertação.<br />

As duas peças em questão, estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s principalmente a partir <strong>de</strong> seus textos,<br />

privilegiam um diálogo entre si, quer <strong>na</strong> discussão temática (favela, greve,<br />

operaria<strong>do</strong> em Black-Tie, e futebol, em Chapetuba), quer nos seus<br />

perso<strong>na</strong>gens, <strong>na</strong> crítica, <strong>na</strong> repercussão junto ao público, <strong>na</strong> trajetória <strong>do</strong>s<br />

96 GUARNIERI, G. In: SOARES, 1980, p.94-96.<br />

97 CF. PASCOAL, Eliane <strong>do</strong>s Santos. Ce<strong>na</strong>s <strong>da</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> um Teatro: Guarnieri e Vianinha (1958-1959)<br />

Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em História, PUC), São Paulo, 1998.


seus autores, nos recursos utiliza<strong>do</strong>s para sua ence<strong>na</strong>ção (músicas,<br />

discadálias), entre outros”. 98<br />

Nessa perspectiva, a autora abor<strong>da</strong> cronologicamente as condições que<br />

permitiram a criação <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, os objetivos <strong>de</strong>ssa companhia e suas matrizes<br />

teóricas, o tipo <strong>de</strong> público que assistia aos seus espetáculos, as características anti-<br />

tebecia<strong>na</strong>s <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, o encontro com o TPE, e nos capítulos seguintes tece uma análise<br />

<strong>do</strong> tema, enre<strong>do</strong>, perso<strong>na</strong>gens, cenário <strong>da</strong>s peças, privilegian<strong>do</strong> os textos, sem promover<br />

um diálogo mais profun<strong>do</strong> como o momento no qual foram produzi<strong>do</strong>s, o que terminou<br />

por elidir em gran<strong>de</strong> parte a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s peças. Ao fim <strong>do</strong> trabalho a autora faz<br />

uma análise <strong>da</strong> recepção <strong>do</strong>s espetáculos pela crítica sem, contu<strong>do</strong>, realizar um<br />

questio<strong>na</strong>mento acerca <strong>do</strong> lugar no qual essas críticas foram elabora<strong>da</strong>s e <strong>do</strong>s<br />

pressupostos que embasaram o trabalho <strong>do</strong>s críticos, que foi aceito <strong>de</strong> maneira<br />

inconteste.<br />

Cabe, por fim, mencio<strong>na</strong>r o trabalho <strong>da</strong> historia<strong>do</strong>ra Rosangela Patriota, <strong>da</strong> UFU<br />

-Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia, acerca <strong>da</strong> dramaturgia <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho,<br />

cujas pesquisas representam uma referência básica para to<strong>do</strong>s aqueles que estu<strong>da</strong>m as<br />

relações existentes entre História e Dramaturgia.<br />

Nessa perspectiva, seus trabalhos são fun<strong>da</strong>mentais para a nossa análise, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que suas reflexões em muito tem contribuí<strong>do</strong> para o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong><br />

tratamento que o historia<strong>do</strong>r, que se propõe a utilizar as manifestações artísticas como<br />

<strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> pesquisa, <strong>de</strong>ve <strong>da</strong>r às suas fontes, uma vez que, como nos lembra a<br />

autora, ele nunca é o primeiro leitor <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cumento, ao contrário, por exemplo, <strong>de</strong><br />

98 PASCOAL, 1998, p. 1.<br />

45


um pesquisa<strong>do</strong>r que exuma uma peça inédita <strong>de</strong> arquivo. 99 Isso ocorre, segun<strong>do</strong> a<br />

autora,<br />

46<br />

“Porque ele abor<strong>da</strong> esse <strong>do</strong>cumento através <strong>de</strong> uma escala, um sistema <strong>de</strong><br />

referências, uma história <strong>da</strong> literatura, que já separou o joio <strong>do</strong> trigo,<br />

hierarquizan<strong>do</strong> as escritas, as obras e os autores. Portanto, é necessário,<br />

sem ocultar o valor estético <strong>da</strong>s obras, lhes creditar, a priori, uma igual<br />

carga <strong>do</strong>cumental, sujeita à verificação posterior”. 100<br />

Nesse contexto, a obra <strong>de</strong> arte, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> possuir seus códigos específicos,<br />

revela ao mesmo tempo a sua historici<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que estabelece relações com<br />

o público, com a crítica, enfim, com os segmentos sociais que se i<strong>de</strong>ntificam com sua<br />

proposta, bem como com as condições <strong>do</strong> momento em que é veicula<strong>da</strong>. Nessa<br />

perspectiva, a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte é verifica<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> um<br />

“tempo” e <strong>de</strong> um “lugar”, nos quais as in<strong>da</strong>gações e problematizações propostas por<br />

ela são i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s e reconheci<strong>da</strong>s. Sob esse aspecto, a peça teatral se constitui,<br />

sobretu<strong>do</strong>, em um <strong>do</strong>cumento valioso <strong>de</strong> um tempo específico, pois traz em seu bojo<br />

discussões representativas <strong>da</strong>quela <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. 101<br />

Segun<strong>do</strong> Rosangela Patriota, esta perspectiva <strong>do</strong> “princípio <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” nos<br />

leva a concluir que não há lugar autônomo, tanto para o campo <strong>da</strong> criação quanto para o<br />

universo <strong>da</strong> recepção,<br />

“Na medi<strong>da</strong> em que existem experiências históricas que são compartilha<strong>da</strong>s<br />

ou re-atualiza<strong>da</strong>s pelo público, que a partir <strong>de</strong> seus referenciais interage<br />

com os objetos artísticos <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes significa<strong>do</strong>s e historici<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

específicas”. 102<br />

Sen<strong>do</strong> assim, ao atentarmos para a existência <strong>de</strong> processos externos – históricos<br />

– à obra <strong>de</strong> arte, po<strong>de</strong>mos compreendê-la não ape<strong>na</strong>s como representante <strong>de</strong> um<br />

momento histórico, mas como força atuante no âmbito <strong>da</strong>s relações sociais. 103 Nessa<br />

99<br />

CF.PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: Um Dramaturgo no Coração <strong>de</strong> seu Tempo. São Paulo: Hucitec,<br />

1999.<br />

100<br />

Ibid., p.89-90.<br />

101<br />

PATRIOTA, 2002, p.123.<br />

102<br />

Ibid., p.127.<br />

103<br />

Ibid., p.115.


perspectiva, Rosangela Patriota, especialmente em sua tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> sobre a<br />

dramaturgia <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, levanta questões fun<strong>da</strong>mentais em relação à<br />

importância <strong>do</strong>s estudiosos <strong>de</strong> obras artísticas questio<strong>na</strong>rem o lugar em que as<br />

interpretações sobre esses trabalhos ocorrem, uma vez que a <strong>do</strong>cumentação com que<br />

li<strong>da</strong>mos já se encontra hierarquiza<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong>, então, primordial pensarmos os<br />

<strong>do</strong>cumentos à luz <strong>do</strong>s seus momentos históricos, sob pe<strong>na</strong> <strong>de</strong> elidirmos a sua<br />

historici<strong>da</strong><strong>de</strong>, e, portanto, o seu significa<strong>do</strong>. 104<br />

Em última instância, suas pesquisas em muito tem contribuí<strong>do</strong> para ampliar as<br />

perspectivas <strong>de</strong> interpretação <strong>da</strong> <strong>do</strong>cumentação disponível, uma vez que abriram novas<br />

perspectivas e meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> trabalho para os historia<strong>do</strong>res cujas reflexões estão<br />

volta<strong>da</strong>s para o campo teatral.<br />

Nessa perspectiva, ao sistematizarmos alguns trabalhos referentes ao Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, faz-se fun<strong>da</strong>mental uma reflexão acerca <strong>de</strong> algumas evidências importantes.<br />

Inicialmente, verificamos com base <strong>na</strong>s análises <strong>de</strong> Rosangela Patriota, que to<strong>do</strong>s os<br />

estu<strong>do</strong>s existentes sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, encontram-se referencia<strong>do</strong>s <strong>na</strong> periodização<br />

construí<strong>da</strong> por Boal, bem como nos argumentos que lhe <strong>de</strong>ram sustentação. 105<br />

Dessa forma, estas análises, ao aceitarem <strong>de</strong> antemão, <strong>de</strong> maneira incontestável, a<br />

cronologia construí<strong>da</strong> por Augusto Boal, termi<strong>na</strong>m por se tor<strong>na</strong>rem <strong>de</strong>stituí<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

historici<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que não existe nestes trabalhos uma preocupação em<br />

avaliar as circunstâncias <strong>na</strong>s quais a <strong>do</strong>cumentação existente sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

foi produzi<strong>da</strong>, restan<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s a estes pesquisa<strong>do</strong>res <strong>de</strong>screveram o percurso <strong>da</strong><br />

companhia ao longo <strong>de</strong> sua existência <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a sua história já se encontra<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela argumentação construí<strong>da</strong> aprioristicamente por Augusto Boal. 106<br />

104 PATRIOTA, 1999, p. 91.<br />

105 PATRIOTA, 2001, p.205.<br />

106 Ibid., p.209.<br />

47


Conseqüentemente, esses estu<strong>do</strong>s se distinguem, basicamente, no que tange a<br />

escolha <strong>da</strong>s fontes <strong>de</strong> pesquisa: alguns priorizaram as críticas realiza<strong>da</strong>s sobre os<br />

espetáculos, outros os <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s participantes. Contu<strong>do</strong>, qualquer que seja a<br />

opção a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>, a <strong>do</strong>cumentação é utiliza<strong>da</strong> como se fosse <strong>do</strong>ta<strong>da</strong> <strong>de</strong> total infalibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

ou seja, porta<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre os fatos, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que não existe uma<br />

preocupação em promover um diálogo com a conjuntura <strong>na</strong> qual foi produzi<strong>da</strong>, como<br />

também com a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos. 107<br />

Nessa perspectiva, <strong>da</strong> análise <strong>de</strong>sses estu<strong>do</strong>s sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, po<strong>de</strong>mos<br />

inferir que, <strong>de</strong> maneira geral, seus autores a<strong>do</strong>tam certos tipos <strong>de</strong> procedimentos<br />

meto<strong>do</strong>lógicos; no caso, por exemplo, <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong> Sábato Magaldi e Mariângela<br />

Alves Lima, uma vasta <strong>do</strong>cumentação é anexa<strong>da</strong> à <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong>s acontecimentos que são<br />

arrola<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> e cronológica. No que diz respeito às análises <strong>de</strong> Lúcia<br />

Maria Mac Dowell Soares e Edélcio Mostaço, com vistas a construir uma perspectiva<br />

crítica sobre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, esses pesquisa<strong>do</strong>res fazem uso <strong>de</strong> um ma<strong>na</strong>ncial<br />

teórico, sem levar em consi<strong>de</strong>ração a conjuntura <strong>na</strong> qual esses referenciais foram<br />

produzi<strong>do</strong>s, bem como o processo histórico vivencia<strong>do</strong> por aquela companhia teatral<br />

paulista. 108<br />

Sen<strong>do</strong> assim, ao <strong>de</strong>svincular o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong> objeto histórico <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> no qual o mesmo se encontrava inseri<strong>do</strong>, assim como <strong>da</strong>s motivações <strong>do</strong>s<br />

participantes <strong>de</strong>ste processo, isto é, ao <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo, as<br />

pesquisas se revestem <strong>de</strong> uma lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> cristaliza<strong>do</strong>ra, que produz uma representação<br />

<strong>de</strong> uma história sem conflitos, posicio<strong>na</strong>mentos e disputas, o que acaba por <strong>de</strong>stituir o<br />

107 PATRIOTA, 2001, p.205.<br />

108 Ibid., p.209.<br />

48


trabalho <strong>de</strong> significação, impedin<strong>do</strong> uma articulação teórica e histórica e,<br />

conseqüentemente, a realização efetiva <strong>da</strong> pesquisa anuncia<strong>da</strong>. 109<br />

À luz <strong>de</strong>ssas idéias, caberia ao historia<strong>do</strong>r <strong>de</strong> ofício <strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong>ssas posturas<br />

<strong>de</strong>miúrgicas <strong>do</strong> processo histórico e realmente <strong>de</strong>bruçar-se sobre ele para que possa, <strong>de</strong><br />

fato, tor<strong>na</strong>r possível a construção <strong>de</strong> uma reinterpretação <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s práticas <strong>de</strong><br />

representação <strong>do</strong>s atores políticos e sociais inseri<strong>do</strong>s em seus processos históricos<br />

específicos.<br />

109 PATRIOTA, 2001, p.207.<br />

49


Capítulo 2<br />

O ENCONTRO COM O TEMA DO NACIONAL<br />

NO IMAGINÁRIO DOS INTEGRANTES DO TEATRO DE ARENA<br />

50<br />

"Nós autores jovens, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong>s a criar uma nova dramaturgia, uma<br />

dramaturgia popular, não po<strong>de</strong>mos ficar a tecer consi<strong>de</strong>rações sobre os<br />

males <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> público tão restrito. Devemos continuar em nossa<br />

obra a fazer um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> temas populares, cantan<strong>do</strong> as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

conquistas e lutas <strong>de</strong> nosso povo, impon<strong>do</strong> uma cultura popular,<br />

<strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> à minoria que vai ao <strong>teatro</strong> o que ela ignora, não per<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma vez ou outra realizarmos espetáculos para as<br />

gran<strong>de</strong>s massas e, <strong>na</strong> prática, através <strong>de</strong> uma luta política, batalharmos<br />

pelas reivindicações mais senti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> nosso povo, colocan<strong>do</strong> entre elas o<br />

<strong>teatro</strong>”.<br />

Gianfrancesco Guarnieri<br />

“Enquanto as outras companhias, sem muito para dizer <strong>de</strong> autêntico,<br />

comercializavam a sua forma, o Are<strong>na</strong> comercializava seus conteú<strong>do</strong>s,<br />

usan<strong>do</strong> no público sua área mais urgente <strong>de</strong> in<strong>da</strong>gações pelo mun<strong>do</strong>. Os<br />

problemas que menos distância possuíam <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social foram<br />

abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s. As mediações longínquas foram aboli<strong>da</strong>s. Da tortura mental <strong>de</strong><br />

Piran<strong>de</strong>llo à procura <strong>de</strong> “porquês”, para a palavra direta e evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Guarnieri a expor os “como”. Para o Are<strong>na</strong> a cabeça <strong>do</strong> público não era<br />

mais um bazar <strong>de</strong> produtos culturais. Para o Are<strong>na</strong>, cultura não era feira<br />

livre, bazar, mercadinho”.<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

O fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta foi permea<strong>do</strong> por uma intensa euforia e por um<br />

clima <strong>de</strong> acentua<strong>do</strong> otimismo, consubstancia<strong>do</strong> <strong>na</strong> crença enorme no progresso e no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> país. O Plano <strong>de</strong> Metas implementa<strong>do</strong> durante o governo <strong>de</strong><br />

Juscelino Kubitschek, previa o <strong>de</strong>senvolvimento acelera<strong>do</strong> <strong>de</strong> diversos setores,<br />

principalmente transportes, energia, industrialização, alimentação e educação. Este<br />

plano <strong>do</strong>brou a produção industrial, rasgou milhares <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong> estra<strong>da</strong>,<br />

construiu Brasília e implantou a indústria automobilística, geran<strong>do</strong>, por seu turno, uma<br />

situação <strong>de</strong> altíssima inflação e <strong>de</strong> enorme déficit público. Vivia-se em um contexto <strong>de</strong><br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> economia que favoreceu a industrialização, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong><strong>da</strong>, contu<strong>do</strong>, a<br />

um merca<strong>do</strong> interno restrito, que proporcio<strong>na</strong>va uma acentua<strong>da</strong> concentração <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>,


aixíssimos salários e reduzi<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar empregos, o que agravava as<br />

<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>s e os <strong>de</strong>sequilíbrios regio<strong>na</strong>is 110 .<br />

Desse mo<strong>do</strong>, o governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek contribuiu para a consoli<strong>da</strong>ção<br />

<strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> ao longo <strong>do</strong> século XX, com a crescente<br />

industrialização e urbanização, expansão <strong>da</strong>s classes médias, aumento <strong>do</strong> complexo<br />

industrial fi<strong>na</strong>nceiro, extensão <strong>do</strong> trabalho assalaria<strong>do</strong> e <strong>da</strong> racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista no<br />

campo. Mas, em contraparti<strong>da</strong>, nesse perío<strong>do</strong> não houve melhorias para a classe<br />

trabalha<strong>do</strong>ra nem a ampliação <strong>de</strong> seus direitos <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, o que criou a chama<strong>da</strong> era<br />

<strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> sub<strong>de</strong>senvolvimento e abriu caminhos para uma significativa<br />

politização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. 111<br />

Nas gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o movimento operário se fortalecia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, por meio <strong>de</strong> um vigoroso processo <strong>de</strong> lutas que expelia os velhos<br />

pelegos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo e ampliava os mecanismos <strong>de</strong> reivindicação econômica e<br />

pressão política, articulan<strong>do</strong>-se em pactos sindicais que representavam a unificação <strong>de</strong><br />

suas forças. No campo, o movimento <strong>da</strong>s ligas camponesas alcançava repercussão<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, trazen<strong>do</strong> para o cenário <strong>brasil</strong>eiro a discussão <strong>da</strong> reforma agrária que<br />

representava a quebra <strong>de</strong> um velho tabu calca<strong>do</strong> no conserva<strong>do</strong>rismo <strong>da</strong>s elites rurais. 112<br />

As cama<strong>da</strong>s médias urba<strong>na</strong>s, ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> capital, ain<strong>da</strong> que<br />

dividi<strong>da</strong>s pelo temor <strong>da</strong> subversão e <strong>da</strong> instabili<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica, aumentaram sua<br />

participação nos movimentos sociais, transforman<strong>do</strong>-se, por meio <strong>de</strong> sua intelligentsia,<br />

em tradutoras <strong>da</strong>s <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s populares, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se, nessa medi<strong>da</strong>, intermediárias entre<br />

o público e o priva<strong>do</strong>. Assim, estu<strong>da</strong>ntes e intelectuais assumiam posições ca<strong>da</strong> vez<br />

110 HOLLANDA, Heloísa Buarque <strong>de</strong>. Cultura e Participação Popular nos Anos 60. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1985, p. 9.<br />

111 RIDENTI, 2000, p.50.<br />

112 HOLLANDA, op. cit., p.10.<br />

51


mais favoráveis às reformas estruturais, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> uma intensa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

militância política e cultural. 113<br />

Em termos políticos, a existência <strong>de</strong> forças representantes <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo<br />

Varguista no po<strong>de</strong>r e, portanto, sensíveis às <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s populares, favorecia o<br />

crescimento <strong>do</strong>s setores esquerdistas, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Comunista, que <strong>na</strong><br />

semilegali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhava um papel <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável importância <strong>na</strong> articulação <strong>do</strong>s<br />

setores progressistas, exercen<strong>do</strong> importante influência no meio sindical, estu<strong>da</strong>ntil e<br />

intelectual, permitin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa maneira, que seu i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> revolução <strong>de</strong>mocrática e<br />

antiimperialista circulasse abertamente no <strong>de</strong>bate <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. 114<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> intensa mobilização política e social que permeou os anos 50<br />

no Brasil, militantes comunistas, integra<strong>do</strong>s formalmente ou não ao PCB, contribuíram<br />

para a criação <strong>de</strong> movimentos artísticos e culturais importantes e diversifica<strong>do</strong>s, como o<br />

Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> em São Paulo, os Centros Populares <strong>de</strong><br />

Cultura (CPC’s) em to<strong>do</strong> o Brasil, o Cinema Novo e as publicações <strong>da</strong> editora <strong>da</strong><br />

Civilização Brasileira <strong>do</strong> comunista Ênio <strong>da</strong> Silveira. Além <strong>da</strong> influência <strong>do</strong> PCB, os<br />

movimentos culturais <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta se pautavam em diversas correntes<br />

marxistas, como também no i<strong>de</strong>ário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e trabalhista pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong>quele<br />

perío<strong>do</strong>: política exter<strong>na</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, reformas estruturais, libertação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

combate ao imperialismo e ao latifúndio, eram palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m recorrentes nos anos<br />

cinqüenta e sessenta e, sem dúvi<strong>da</strong>, constituíram-se em um vocabulário altamente<br />

avança<strong>do</strong> para uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> permea<strong>da</strong> por gran<strong>de</strong>s traços <strong>de</strong> autoritarismo, como<br />

também pelo fantasma <strong>da</strong> imaturi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares. 115<br />

No plano inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ocorria a Guerra Fria entre os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a União<br />

Soviética, mas surgiam, por outro la<strong>do</strong>, esperança <strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tivas liberta<strong>do</strong>ras no<br />

113 RIDENTI, 2000, p. 54.<br />

114 Ibid., p. 80.<br />

115 Ibid., p. 82.<br />

52


Terceiro Mun<strong>do</strong>, consubstancia<strong>da</strong>s em diversas revoluções <strong>de</strong> libertação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

marca<strong>da</strong>s por i<strong>de</strong>ologias socialistas ou pelo <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> papel <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res no<br />

campo, como a Revolução Cuba<strong>na</strong> <strong>de</strong> 1959, a In<strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> Argélia em 1962, a<br />

guerra antiimperialista que ocorria no Vietnã e os movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scolonização <strong>do</strong><br />

continente africano. Paralelamente, o mo<strong>de</strong>lo soviético <strong>de</strong> socialismo estava sen<strong>do</strong><br />

coloca<strong>do</strong> em xeque pelo seu caráter burocrático e acomo<strong>da</strong><strong>do</strong> à or<strong>de</strong>m inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

estabeleci<strong>da</strong> pela Guerra Fria e, portanto, incapaz <strong>de</strong> levar adiante as transformações<br />

sociais, políticas e econômicas necessárias para se alcançar o comunismo. 116<br />

As lutas <strong>de</strong> emancipação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e o <strong>de</strong>sencantamento com o socialismo<br />

soviético contribuíram para abrir alter<strong>na</strong>tivas liberta<strong>do</strong>ras no Terceiro Mun<strong>do</strong>. Parti<strong>do</strong>s<br />

e movimentos <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> e seus intelectuais e artistas inspira<strong>do</strong>s em Marx e Che<br />

Guevara passaram a valorizar a ação para mu<strong>da</strong>r a história e para se construir um novo<br />

homem e uma nova socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Contu<strong>do</strong>, como assi<strong>na</strong>la Marcelo Ri<strong>de</strong>nti, “o mo<strong>de</strong>lo<br />

para esse novo homem estaria no passa<strong>do</strong>, <strong>na</strong> i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> um autêntico homem <strong>do</strong><br />

povo, com raízes rurais, <strong>do</strong> interior, <strong>do</strong> coração <strong>do</strong> Brasil, supostamente não<br />

contami<strong>na</strong><strong>do</strong> pela mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> urba<strong>na</strong> capitalista”. 117<br />

O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo surgiu nesse contexto <strong>de</strong> intensa euforia<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista que marcou o perío<strong>do</strong> Juscelinista, caracteriza<strong>do</strong> nos meios<br />

artísticos e políticos pela busca <strong>da</strong> <strong>brasil</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> e pela estreita vinculação entre arte e<br />

política, <strong>na</strong> qual artistas e intelectuais tentavam <strong>da</strong>s mais diversas formas encontrar uma<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> para o país, por meio <strong>da</strong> busca <strong>da</strong>s autênticas raízes <strong>brasil</strong>eiras, movi<strong>do</strong>s pela<br />

utopia <strong>do</strong> progresso revolucionário, que seria alcança<strong>do</strong> por meio <strong>do</strong> resgate <strong>de</strong> uma<br />

116<br />

PAES, Maria Hele<strong>na</strong> S. A Déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60; Rebeldia, Contestação e Repressão Política. São Paulo:<br />

Ática, 1997, p. 15.<br />

117<br />

RIDENTI, M. Cultura e Política: Os anos 1960 e 1970 e sua Herança. In: FERREIRA, Jorge &<br />

NEVES, Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> (org.) - O Brasil Republicano. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira,<br />

2003, vol.4. p. 135.<br />

53


cultura genui<strong>na</strong>mente popular, que serviria <strong>de</strong> base para a construção <strong>de</strong> uma nova<br />

<strong>na</strong>ção, antiimperialista e progressista, e no limite socialista. 118<br />

Nesse perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1960, a Bossa<br />

Nova, os Centros Populares <strong>de</strong> Cultura, o Cinema Novo, os Teatros <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, Ofici<strong>na</strong> e<br />

Opinião, a música <strong>de</strong> protesto, a poesia <strong>de</strong> Thiago <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong> Ferreira Gullar, <strong>de</strong><br />

Vinícius <strong>de</strong> Morais, a Revista Civilização Brasileira, a UNE e a agitação político-<br />

cultural estu<strong>da</strong>ntil, representaram marcos importantes <strong>de</strong>ssa revolução cultural inicia<strong>da</strong><br />

em fi<strong>na</strong>is <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek, e que avançou com vigor pelos<br />

primeiros anos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> sessenta, acaban<strong>do</strong> por ser sufoca<strong>da</strong> pelo golpe civil-<br />

militar <strong>de</strong> 1964. 119<br />

O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, localiza<strong>do</strong> no pequeno espaço <strong>da</strong> Rua Teo<strong>do</strong>ro Baima, 94,<br />

em frente a um <strong>do</strong>s mais famosos bares paulistanos <strong>da</strong> época, o bar Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>, tornou-se<br />

um <strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong> referência <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong>s idéias progressistas <strong>do</strong>s anos<br />

cinqüenta e sessenta em São Paulo. Segun<strong>do</strong> Augusto Boal, uma <strong>da</strong>s vozes mais<br />

representativas <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, essa companhia teatral esteve inseri<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma<br />

intrínseca “<strong>na</strong> tendência <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> revolucionário, cujo <strong>de</strong>senvolvimento, é feito por<br />

etapas que não se cristalizam nunca, através <strong>de</strong> uma coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção artística e <strong>de</strong> uma<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> social”. 120<br />

De acor<strong>do</strong> com Isaías Alma<strong>da</strong>,<br />

118 RIDENTI, 2000, p. 51.<br />

119 ALMADA, 2004, p. 19-20.<br />

120 BOAL, 1977, p. 188.<br />

121 ALMADA, op.cit., p. 22.<br />

54<br />

“No panorama teatral <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX, o <strong>teatro</strong><br />

<strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, por suas características <strong>de</strong> grupo fecha<strong>do</strong> e <strong>de</strong> companhia estável<br />

e <strong>de</strong> repertório – foi talvez o único grupo política, estética e<br />

i<strong>de</strong>ologicamente revolucionário <strong>na</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que <strong>de</strong>senvolveu, sobretu<strong>do</strong><br />

<strong>na</strong> escolha <strong>de</strong> um repertório volta<strong>do</strong> para as discussões <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

país e por jamais escon<strong>de</strong>r, muito particularmente a partir <strong>do</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong>s anos<br />

cinqüenta e início <strong>do</strong>s sessenta, sua opção por uma estética <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

marxista”. 121


As origens <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> estão relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s à existência <strong>de</strong> uma Escola <strong>de</strong><br />

Arte Dramática em São Paulo (E.A.D), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Alfre<strong>do</strong> Mesquita em 1948, o<br />

mesmo ano <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> TBC (Teatro Brasileiro <strong>de</strong> Comédia). A Escola <strong>de</strong> Arte<br />

Dramática foi pensa<strong>da</strong> em termos profissio<strong>na</strong>lizante, embora a profissão <strong>de</strong> ator ain<strong>da</strong><br />

não estivesse regulamenta<strong>da</strong>. Havia em Alfre<strong>do</strong> Mesquita um enorme <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

renovar, <strong>de</strong> introduzir o mo<strong>de</strong>rnismo no Brasil, que já existia <strong>na</strong> poesia, <strong>na</strong> música, <strong>na</strong><br />

pintura, mas que não tinha se <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> no <strong>teatro</strong>. 122<br />

Décio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong>, que além <strong>de</strong> crítico teatral era também professor <strong>da</strong><br />

E.A.D., leu <strong>na</strong> revista america<strong>na</strong> <strong>de</strong> Teatro, Theatre Arts, que ele assi<strong>na</strong>va, um artigo<br />

escrito pela ence<strong>na</strong><strong>do</strong>ra Margot Jones em Dallas, no verão <strong>de</strong> 1947, sobre os<br />

pressupostos teóricos <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>, cuja estrutura dispensava o aparato <strong>da</strong>s salas<br />

especializa<strong>da</strong>s. Seus alunos tiveram então, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar em contato com<br />

uma nova proposta estética que diferia <strong>do</strong>s processos tradicio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro. Dentre eles, José Re<strong>na</strong>to, concluiu que a opção pela <strong>are<strong>na</strong></strong> tor<strong>na</strong>va possível a<br />

viabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> um grupo teatral. 123<br />

122 ALMADA, 2004, p. 35.<br />

123 Ibid., p.35.<br />

55<br />

“(...) O nosso objetivo era entrar para a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> teatral, entrar <strong>na</strong><br />

vivência teatral, era muito difícil, como até é difícil, hoje em dia, qualquer<br />

grupo jovem que se inicia <strong>de</strong> repente, encontrar espaço para os seus<br />

primeiros passos. Então o Are<strong>na</strong> foi uma espécie <strong>de</strong> encaminhamento <strong>do</strong>s<br />

nossos primeiros passos no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> conseguir a nossa chance no mun<strong>do</strong><br />

profissio<strong>na</strong>l. Escolhemos uma forma que, aparentemente, nos <strong>da</strong>va um<br />

handicap origi<strong>na</strong>l. Mas era ape<strong>na</strong>s a forma. O conteú<strong>do</strong>, pelo contrário, eu<br />

acho, nos <strong>da</strong>va uma responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> muito maior porque necessitava<br />

sempre que o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>do</strong>s textos, <strong>na</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> espetáculo fosse<br />

até muito maior <strong>do</strong> que o esforço exigi<strong>do</strong> pela ence<strong>na</strong>ção em <strong>teatro</strong> normal.<br />

Então, esse primeiro objetivo foi exatamente esse, abrir espaço e criar<br />

condições para que a gente pu<strong>de</strong>sse sobreviver <strong>da</strong> profissão que a gente<br />

almejava fazer. (...) E tínhamos consciência também <strong>de</strong> que a Are<strong>na</strong> era<br />

uma forma mais barata. E que isso era muito importante para a nossa falta<br />

<strong>de</strong> recursos. A gente achava que a gente ia gastar muito menos <strong>do</strong> que se<br />

gastaria num <strong>teatro</strong> normal. Então unimos o útil... essa busca <strong>de</strong> espaço e a<br />

nossa falta <strong>de</strong> dinheiro: a gente encontrou essa forma viável <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong>.<br />

Teatro que podia ser feito <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>spoja<strong>da</strong> com cenografia ape<strong>na</strong>s<br />

sugeri<strong>da</strong> e com recursos <strong>de</strong> ilumi<strong>na</strong>ção também mais ou menos simples. Era<br />

o que a gente acreditava, mas <strong>de</strong>pois a gente verificou que, pelo contrário,


56<br />

os recursos <strong>de</strong> ilumi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong>viam ser extremamente sofistica<strong>do</strong>s para que<br />

os efeitos pu<strong>de</strong>ssem se fazer i<strong>de</strong>ais.<br />

Então a princípio era um <strong>teatro</strong> barato e fácil para nós. Mas que se revelou<br />

profun<strong>da</strong>mente rico e estimulante para nós to<strong>do</strong>s. Então, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s<br />

primeiras experiências, <strong>de</strong>cidimos que esse era um caminho importante.<br />

Quan<strong>do</strong> fizemos as primeiras experiências, não sabíamos que ia ser este o<br />

caminho escolhi<strong>do</strong>; era uma experiência e como experiência se revelou<br />

profun<strong>da</strong>mente estimulante e resolvemos seguir em frente com ela”. 124<br />

A primeira peça ence<strong>na</strong><strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to, em <strong>are<strong>na</strong></strong>, foi “Demora<strong>do</strong> A<strong>de</strong>us”,<br />

<strong>de</strong> Tennessee Williams, e consistiu em um exercício <strong>de</strong> aprendizagem como aluno <strong>da</strong><br />

EAD, <strong>de</strong> São Paulo. De acor<strong>do</strong> com José Re<strong>na</strong>to, ao ler o livro <strong>da</strong> Margot Jones, antes<br />

<strong>de</strong> fazer essa sua primeira experiência:<br />

“Ela dá até estatísticas <strong>do</strong>s cursos e tal, espetáculos <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e<br />

também a gente verificou quase a mesma relação entre os espetáculos em<br />

<strong>are<strong>na</strong></strong> e os espetáculos em palco normal. Quan<strong>do</strong> nós começamos, tinha um<br />

espetáculo <strong>do</strong> Tennessee Willians no TBC que havia custa<strong>do</strong> 40.000<br />

cruzeiros e nós fizemos um espetáculo <strong>de</strong> Tennessee Willians, Demora<strong>do</strong><br />

a<strong>de</strong>us, The long good-bye, que custou 4.000 cruzeiros”. 125<br />

A partir <strong>de</strong>ssa primeira ence<strong>na</strong>ção, sain<strong>do</strong> <strong>da</strong> EAD em 1953, José Re<strong>na</strong>to e<br />

alguns amigos <strong>de</strong> curso resolveram organizar uma companhia permanente <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>. A estréia <strong>da</strong> Companhia Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> ocorreu no dia 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1953,<br />

com a peça “Esta Noite é Nossa” <strong>de</strong> Stafford Dickens, ence<strong>na</strong><strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to em<br />

uma sala <strong>de</strong> exposições cedi<strong>da</strong> pelo Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. 126<br />

Com a ausência <strong>de</strong> cenários e a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> palco, to<strong>da</strong> a atenção <strong>do</strong> grupo<br />

se voltava principalmente para o texto e o <strong>de</strong>sempenho <strong>do</strong>s atores: “O Long-shot <strong>do</strong><br />

<strong>teatro</strong> <strong>de</strong> palco italiano <strong>de</strong>veria ser substituí<strong>do</strong> pelo close, os gran<strong>de</strong>s gestos e<br />

máscaras exagera<strong>da</strong>s, por gestos miú<strong>do</strong>s e um aprofun<strong>da</strong>mento interpretativo mais<br />

real, o <strong>de</strong>talhe e a minúcia sobrepon<strong>do</strong>-se ao largo e ao eloqüente”. 127<br />

124 RENATO, José. In: ROUX, Richard. Lê Theatre Are<strong>na</strong> (São Paulo 1953 -1977). Aix:Université <strong>de</strong><br />

Provence, 1986., p. 625.<br />

125 Ibid., p. 626.<br />

126 Ibid., p.626.<br />

127 MOSTAÇO, 1982, p. 25.


Após esta experiência no MASP, ao aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r as referências <strong>do</strong> palco italiano<br />

pelas marcações cênicas construí<strong>da</strong>s para a <strong>are<strong>na</strong></strong> em um local não especializa<strong>do</strong>, o<br />

grupo realizou apresentações nos mais diferentes locais, como clubes, fábricas e<br />

colégios. A varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s locais <strong>de</strong> apresentação foi profícua por comprovar a<br />

viabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção <strong>do</strong> palco em <strong>are<strong>na</strong></strong>, assim como por possibilitar a ampliação<br />

<strong>da</strong>s faixas <strong>de</strong> público. 128<br />

Assim, o Are<strong>na</strong> <strong>da</strong>va início a um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssacralização <strong>do</strong> tradicio<strong>na</strong>l<br />

<strong>teatro</strong>, permitin<strong>do</strong> que salas comuns acolhessem o espetáculo, que po<strong>de</strong>ria ser realiza<strong>do</strong><br />

em qualquer lugar, on<strong>de</strong> simples ca<strong>de</strong>iras à volta <strong>de</strong> um espaço podiam criar uma<br />

atmosfera propícia ao fenômeno cênico. 129<br />

Dessa maneira, a forma <strong>de</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong>, que <strong>de</strong>spendia menos dinheiro, já que<br />

dispensava os cenários, residia <strong>na</strong> única possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> autonomia e auto-suficiência<br />

para um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> pouco público, como o <strong>brasil</strong>eiro, e organiza<strong>do</strong> como o Are<strong>na</strong>, em<br />

forma <strong>de</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (<strong>na</strong> qual os sócios compravam os ingressos <strong>do</strong> <strong>teatro</strong><br />

antecipa<strong>da</strong>mente), e não em forma empresarial como o TBC. 130<br />

Em última instância, foram exatamente estes <strong>do</strong>is trunfos, forma nova e baixo<br />

custo, que estimularam aqueles jovens estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> E.A.D a fun<strong>da</strong>r um grupo com<br />

características muito específicas e que iria influenciar <strong>de</strong>cisivamente o <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro. 131<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a ousadia <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to e seus amigos, ao criarem um <strong>teatro</strong> em<br />

forma <strong>de</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong> em São Paulo nos anos cinqüenta, possibilitou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

um criativo e inteligente processo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e pesquisa entre os integrantes <strong>do</strong> grupo,<br />

através <strong>do</strong> qual buscavam encontrar técnicas <strong>de</strong> trabalho que se a<strong>de</strong>quassem ao palco<br />

128 LIMA, 2005, p. 33.<br />

129 MAGALDI, 1984, p. 9.<br />

130 LIMA, op. cit., p. 35.<br />

131 Ibid., p.35.<br />

57


circular, o que suscitou inovações interpretativas e cenográficas possibilitan<strong>do</strong> as<br />

condições para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma linguagem cênica <strong>brasil</strong>eira. 132<br />

To<strong>da</strong>via, a revolução dramatúrgica ocorri<strong>da</strong> no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> que criou as<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> engajamento político <strong>do</strong> grupo, se encontra relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> à fusão <strong>da</strong><br />

companhia com o TPE (Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte), grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> ama<strong>do</strong>r forma<strong>do</strong><br />

por estu<strong>da</strong>ntes liga<strong>do</strong>s ao PCB (Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro). Um <strong>do</strong>s mais ativos <strong>de</strong><br />

seus integrantes foi Gianfrancesco Guarnieri, que em seus <strong>de</strong>poimentos relatou como<br />

tu<strong>do</strong> começou:<br />

58<br />

“(...) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> rapaz me interessei pelo movimento estu<strong>da</strong>ntil; enquanto os<br />

padres ensi<strong>na</strong>vam o nome e a extensão <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os rios <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, eu já me<br />

iniciava com o problema social; comecei <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong> a travar contatos com<br />

trabalha<strong>do</strong>res, com o operaria<strong>do</strong> que estava se forman<strong>do</strong>, gente que vinha<br />

<strong>de</strong> outros Esta<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> outros países, pessoas pobres que vinham tentar<br />

trabalho no Rio”. 133 .<br />

“(...) Eu estava no movimento estu<strong>da</strong>ntil, que era uma loucura! Eu só<br />

pensava <strong>na</strong>quilo as vinte e quatro horas <strong>do</strong> dia. Fui secretário-geral, <strong>de</strong>pois<br />

fui presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> ANDES, e secretário-geral <strong>da</strong> UNE. Então eu vivia <strong>de</strong><br />

congresso em congresso, tentan<strong>do</strong> tirar greve estu<strong>da</strong>ntil, melhores<br />

condições, in<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong> que era lugar. Vivia nessa ro<strong>da</strong> viva <strong>de</strong> manhã, à<br />

tar<strong>de</strong> e à noite” . 134<br />

“(...) Eu era matricula<strong>do</strong> num colégio, agora estu<strong>da</strong>r não <strong>da</strong>va não. Eu não<br />

tinha tempo nem <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>r nem <strong>de</strong> ir às aulas. Era uma <strong>de</strong>formação <strong>do</strong> que<br />

seja o movimento estu<strong>da</strong>ntil. Acho que para mim e para o pessoal <strong>da</strong> minha<br />

geração. Hoje, a<strong>na</strong>lisan<strong>do</strong> friamente, aquilo serviu bastante como uma<br />

escola <strong>de</strong> briga, <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong> enfrentar situações difíceis, <strong>de</strong> agüentar a<br />

carência que a gente não teria se tivesse uma vi<strong>da</strong> em família... mas que não<br />

correspondia exatamente às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma luta <strong>de</strong> um movimento<br />

estu<strong>da</strong>ntil com objetivos precisos. O que se fazia era quase um exercício <strong>de</strong><br />

viver brigan<strong>do</strong> por i<strong>de</strong>ais, mas tu<strong>do</strong> muito fecha<strong>do</strong>, muito entre nós. Depois<br />

<strong>de</strong> um três anos <strong>de</strong> movimento estu<strong>da</strong>ntil firme, percebemos que realmente<br />

estávamos erran<strong>do</strong>. Depois <strong>de</strong> uns três anos é que chegamos à conclusão<br />

que precisávamos ampliar aquilo, que o movimento estu<strong>da</strong>ntil não era só<br />

nosso, não era só <strong>de</strong> uma cúpula e sim <strong>de</strong> grupos que se formavam em<br />

várias capitais, grupos pequenos, mas que praticamente se i<strong>de</strong>ntificavam. E<br />

que era necessário então fazer um trabalho sério entre to<strong>do</strong>s os estu<strong>da</strong>ntes.<br />

Chegamos à conclusão que o movimento cultural e principalmente o<br />

movimento artístico seriam um meio eficaz <strong>de</strong> organização, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>ria<br />

discutir, reforçar os grêmios, estruturar diretórios e procurar criar um<br />

<strong>de</strong>bate cultural no meio estu<strong>da</strong>ntil”. 135<br />

132<br />

SOARES, 1980, p.18.<br />

133<br />

GUARNIERI, G. In: KHOURI, Simon. (org.). Atrás <strong>da</strong> Máscara I. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização<br />

Brasileira, 1983, p. 15.<br />

134<br />

Ibid., p. 21-22.<br />

135<br />

Ibid., p. 22-23.


A idéia <strong>de</strong> vincular o movimento estu<strong>da</strong>ntil com a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> artística, como meio<br />

<strong>de</strong> fortalecê-lo e expandi-lo, contribuiu para o surgimento <strong>do</strong> TPE e, conseqüentemente,<br />

para o encontro com Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho e com o ence<strong>na</strong><strong>do</strong>r italiano Ruggero<br />

Jacobbi, que influenciou sobremaneira <strong>na</strong> organização e nos caminhos que o TPE<br />

passou a trilhar no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> buscar alter<strong>na</strong>tivas para forjar uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

A partir <strong>da</strong>í, Guarnieri registrou a criação <strong>do</strong> TPE, assim como as propostas que se<br />

seguiram:<br />

59<br />

“Nós achávamos que o campo cultural estava sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong>.<br />

Teríamos que incentivar os estu<strong>da</strong>ntes a terem uma vi<strong>da</strong> mais liga<strong>da</strong> às<br />

artes, à cultura em geral. Nós íamos às companhias <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> pedir<br />

ingressos para <strong>da</strong>r a grêmios, enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s etc. E nessa época, eu assisti a um<br />

espetáculo maravilhoso, que eu fiquei embasbaca<strong>do</strong> com ele. Fui diversas<br />

vezes assistir, foi o Canto <strong>da</strong> Cotovia. E <strong>da</strong>li então, surgiu a idéia <strong>da</strong><br />

formação <strong>do</strong> Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte, que fizemos como uma missão<br />

muito mais <strong>de</strong> política estu<strong>da</strong>ntil, <strong>do</strong> que fazer <strong>teatro</strong> realmente. Achamos<br />

que o Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte po<strong>de</strong>ria influir no estu<strong>da</strong>nte paulista, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que ele adquirisse uma organização melhor, uma experiência<br />

mais positiva. E o que aconteceu, foi que esse movimento serviu para nós,<br />

particularmente para mim e para o Vianinha, como um indica<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

caminhos. O que a gente <strong>de</strong>via fazer era aquilo mesmo. Deixar <strong>de</strong> pensar<br />

em muita coisa, fechar o leque um pouco, e ir para o <strong>teatro</strong>”. 136<br />

“Eu vim para São Paulo em 1954. Vin<strong>do</strong> para São Paulo é que entrei em<br />

contato com esse pessoal universitário que estava pensan<strong>do</strong> também num<br />

processo cultural. Em São Paulo nós encontramos com os universitários<br />

mesmo, e <strong>de</strong>cidimos fazer um trabalho cultural e tal, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> surgiu o Teatro<br />

Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte, e on<strong>de</strong> o pessoal que se encontrou, que se enten<strong>de</strong>u<br />

mais, tor<strong>na</strong>ram-se to<strong>do</strong>s amigos”. 137<br />

“(...) Nós tivemos um entusiasmo maior em formar um <strong>teatro</strong> <strong>do</strong> estu<strong>da</strong>nte<br />

paulista, e começamos a germi<strong>na</strong>r a idéia. Resolvemos fazer o Gonzaga <strong>de</strong><br />

Castro Alves. Imagine fazer o Gonzaga <strong>de</strong> Castro Alves! Discutimos a esse<br />

respeito e dissemos: Já que temos algum contato com o pessoal <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>,<br />

porque não pedirmos uma orientação mais segura? E o Ruggero Jacobbi<br />

que estava por perto achou que esse movimento podia ser muito importante.<br />

(...) O Ruggero estava envolvi<strong>do</strong> com a organização cultural porque ele<br />

sentia necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que surgisse no Brasil um grupo preocupa<strong>do</strong> com a<br />

expressão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com a expressão <strong>brasil</strong>eira. Ele foi quem sacou que<br />

Leonor <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça, <strong>de</strong> Gonçalves Dias, era um texto brilhante, e não<br />

entendia porque ninguém queria montar essa peça. Ele brigou muito por<br />

isso, batalhou e <strong>de</strong>monstrou que Gonçalves Dias era o nosso gran<strong>de</strong><br />

trágico, e lin<strong>do</strong>, que tinha <strong>de</strong> ser feito e que funcio<strong>na</strong>ria maravilhosamente<br />

num palco. Foi feito, funcionou, e ele tinha razão: um italiano convencen<strong>do</strong><br />

os <strong>brasil</strong>eiros <strong>de</strong> que tínhamos arte por aqui. E o Ruggero procurava<br />

favorecer a formação <strong>do</strong> TPE. (...) Estreamos com a peça irlan<strong>de</strong>sa Na Rua<br />

136 GUARNIERI, G. In: Depoimentos V. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MEC-SEC-SNT, 1981, p. 64.<br />

137 Ibid., p. 66.


60<br />

<strong>da</strong> Igreja, peça que não queria dizer muito! Estreamos no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

mas já tínhamos conosco o Oduval<strong>do</strong> Via<strong>na</strong> Filho, o Vianinha, que veio <strong>da</strong><br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura e que também participava <strong>do</strong> movimento<br />

estu<strong>da</strong>ntil. Quem se aproximou também foi Silney Siqueira e Beatriz Segall.<br />

O TPE começou a se impor e a juntar as pessoas”. 138<br />

Nessa perspectiva, ao contrário <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, que fez uma opção pelo Teatro<br />

enquanto profissão e iniciou a sua carreira a partir <strong>de</strong> seu aprendiza<strong>do</strong> <strong>na</strong> Escola <strong>de</strong> Arte<br />

Dramática <strong>de</strong> Alfre<strong>do</strong> Mesquita, a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> Guarnieri para o Teatro ocorreu como uma<br />

conseqüência <strong>de</strong> seu enorme envolvimento com o movimento estu<strong>da</strong>ntil que,<br />

paralelamente ao movimento operário, <strong>de</strong>sabrochava no país no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta.<br />

O Brasil vivia uma fase <strong>de</strong> crescente politização, consubstancia<strong>da</strong> no<br />

fortalecimento <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Trabalhista Brasileiro (PTB) e <strong>de</strong> suas organizações <strong>de</strong> base,<br />

que se ampliavam à medi<strong>da</strong> que se i<strong>de</strong>ntificavam ca<strong>da</strong> vez mais com as propostas<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas <strong>do</strong> governo Vargas. O Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro (PCB), após o<br />

suicídio <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte em 1954 e às sucessivas tentativas golpistas <strong>da</strong> União<br />

Democrática Nacio<strong>na</strong>l (UDN), <strong>de</strong>u início a uma política <strong>de</strong> apoio a to<strong>do</strong>s os setores que<br />

se opunham ao imperialismo norte-americano e ao pre<strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> economia agrária no<br />

país. No <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> 1956, intitula<strong>do</strong> Resolução <strong>do</strong> CC <strong>do</strong> PCB sobre os<br />

ensi<strong>na</strong>mentos <strong>do</strong> XX Congresso <strong>do</strong> PC <strong>da</strong> URSS, os comunistas <strong>de</strong>stacavam o gran<strong>de</strong><br />

crescimento e os enormes êxitos obti<strong>do</strong>s pelo sistema socialista em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong><br />

paralelamente à <strong>de</strong>sagregação <strong>do</strong> sistema colonial <strong>do</strong> imperialismo <strong>na</strong> Ásia e África, e<br />

concluíam, tecen<strong>do</strong> uma avaliação <strong>da</strong> situação <strong>do</strong> Brasil <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>:<br />

138 GUARNIERI, 1983, p. 25.<br />

“No Brasil, também se estão operan<strong>do</strong> importantes modificações<br />

econômicas e sociais. São melhores as condições que permitem<br />

modificações <strong>na</strong> correlação <strong>de</strong> forças políticas favoravelmente à<br />

<strong>de</strong>mocracia, à in<strong>de</strong>pendência e ao progresso. Ten<strong>de</strong>m a unirem-se as<br />

amplas forças patrióticas e <strong>de</strong>mocráticas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a classe operária até<br />

importantes setores <strong>da</strong> burguesia. Vai-se isolan<strong>do</strong> e reduzin<strong>do</strong> a minoria <strong>de</strong>


61<br />

reacionários e agentes <strong>do</strong> imperialismo norte-americano, que luta<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente contra as aspirações <strong>de</strong> nosso povo e os supremos<br />

interesses <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. (...) Através <strong>de</strong> campanhas patrióticas em <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong>s<br />

riquezas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, por uma política <strong>brasil</strong>eira sobre o petróleo e a energia<br />

atômica, nosso povo alcançou gran<strong>de</strong>s vitórias. As lutas pelas liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticas se <strong>de</strong>senvolveram e atingiram consi<strong>de</strong>rável amplitu<strong>de</strong> <strong>na</strong><br />

campanha <strong>da</strong> anistia e no atual movimento contra uma nova lei <strong>de</strong><br />

imprensa. A conquista <strong>de</strong> novos níveis <strong>de</strong> salário mínimo foi uma importante<br />

vitória <strong>da</strong>s massas trabalha<strong>do</strong>ras. Amplos setores <strong>da</strong> população unem seus<br />

esforços <strong>na</strong> luta contra a carestia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. (...) O fortalecimento <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> classe operária, o <strong>de</strong>senvolvimento e consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> aliança operáriocamponesa<br />

são fatores <strong>de</strong>cisivos para garantir a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e ampliação<br />

<strong>da</strong> frente única. As reivindicações específicas <strong>da</strong> peque<strong>na</strong> burguesia, <strong>da</strong><br />

intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>vem merecer <strong>da</strong> parte <strong>do</strong>s<br />

comunistas a maior atenção. Em relação aos gran<strong>de</strong>s capitalistas<br />

<strong>brasil</strong>eiros nosso ataque <strong>de</strong>ve ser dirigi<strong>do</strong> somente contra aqueles que<br />

traírem os interesses <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, pon<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s imperialistas ianques.<br />

Mesmo em relação aos latifundiários, nossa posição <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> suas<br />

atitu<strong>de</strong>s concretas diante <strong>da</strong> luta pelas reivindicações e direitos <strong>de</strong> nosso<br />

povo. Concentran<strong>do</strong> sempre fogo contra os imperialistas norte-americanos<br />

e seus agentes no Brasil, nosso <strong>de</strong>ver é cooperar com to<strong>do</strong>s os que <strong>de</strong>sejam<br />

lutar pela soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, pelas liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas, por melhores<br />

condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> para o povo, por um Brasil próspero e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”. 139<br />

Nessa conjuntura começou, então, a se consoli<strong>da</strong>r uma aliança entre diversos<br />

setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira: comunistas, trabalhistas, estu<strong>da</strong>ntes, sindicalistas,<br />

trabalha<strong>do</strong>res urbanos e rurais, intelectuais, artistas, enfim, to<strong>do</strong>s aqueles que<br />

acreditavam que a emancipação <strong>do</strong> país ocorreria, por meio <strong>de</strong> uma revolução<br />

<strong>de</strong>mocrático-burguesa <strong>de</strong> caráter pacífico, antiimperialista, anti-feu<strong>da</strong>l e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que<br />

<strong>de</strong>rrotaria os grupos reacionários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> liga<strong>do</strong>s ao imperialismo norte-americano<br />

e às oligarquias feu<strong>da</strong>is contrárias ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

possibilitan<strong>do</strong>, assim, a libertação <strong>do</strong> país <strong>da</strong> situação <strong>de</strong> sub<strong>de</strong>senvolvimento em que se<br />

encontrava, levan<strong>do</strong>-o ao progresso e à emancipação. 140<br />

Esses setores, liga<strong>do</strong>s aos grupos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> progressista, eram<br />

li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s pelo PTB com o apoio <strong>do</strong> PCB que, mesmo atuan<strong>do</strong> <strong>na</strong> ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong>, adquiriu<br />

uma gra<strong>da</strong>tiva influência <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> política e social <strong>do</strong> país após a grave crise institucio<strong>na</strong>l<br />

aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> com a morte <strong>de</strong> Getúlio e as tentativas golpistas <strong>do</strong>s setores conserva<strong>do</strong>res<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que tentavam <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as formas conseguir o rompimento <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

139 CARONE, Edgar. O PCB (1943/1964), volume 2. São Paulo: Difel, 1982, p. 145-146.<br />

140 Ibid., p.146


<strong>de</strong>mocrática <strong>do</strong> país, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>ter o avanço <strong>da</strong>s lutas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e populares que se<br />

exacerbavam ca<strong>da</strong> vez mais. 141<br />

Dessa forma, a libertação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio estrangeiro se apresentava para os setores<br />

liga<strong>do</strong>s aos grupos <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> como condição primordial para o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e progressista, e, conseqüentemente, para a<br />

superação <strong>da</strong>s estruturas tradicio<strong>na</strong>is e arcaicas típicas <strong>da</strong>s relações pré-capitalistas <strong>de</strong><br />

produção. Por conseguinte, a revolução <strong>brasil</strong>eira po<strong>de</strong>ria ocorrer nos marcos <strong>do</strong> sistema<br />

vigente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as cama<strong>da</strong>s progressistas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira conseguissem<br />

superar <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s contradições:<br />

62<br />

“(...) Na etapa atual <strong>de</strong> sua história, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira está submeti<strong>da</strong>,<br />

a duas contradições fun<strong>da</strong>mentais. A primeira é a contradição entre a <strong>na</strong>ção<br />

e o imperialismo norte-americano e seus agentes internos. A segun<strong>da</strong> é a<br />

contradição entre as forças produtivas em <strong>de</strong>senvolvimento e as relações<br />

semifeu<strong>da</strong>is <strong>na</strong> agricultura. O <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social <strong>do</strong> Brasil<br />

tor<strong>na</strong> necessária a solução <strong>de</strong>stas duas contradições fun<strong>da</strong>mentais. A<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira encerra também a contradição entre o proletaria<strong>do</strong> e a<br />

burguesia, que se expressa <strong>na</strong>s várias formas <strong>da</strong> luta <strong>de</strong> classes entre<br />

operários e capitalistas. Mas esta contradição não exige uma solução<br />

radical <strong>na</strong> etapa atual. Nas condições presentes <strong>de</strong> nosso país, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento capitalista correspon<strong>de</strong> aos interesses <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> e <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong> o povo. (...) Na situação atual <strong>do</strong> Brasil, o <strong>de</strong>senvolvimento econômico<br />

capitalista entra em choque com a exploração imperialista norteamerica<strong>na</strong>,<br />

aprofun<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se a contradição entre as forças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e<br />

progressistas em crescimento e o imperialismo norte-americano que<br />

obstaculiza a sua expansão. (...) O golpe principal <strong>da</strong>s forças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

progressistas e <strong>de</strong>mocráticas se dirige, por isto, atualmente, contra o<br />

imperialismo norte americano e os entreguistas que o apóiam. A <strong>de</strong>rrota <strong>da</strong><br />

política <strong>do</strong> imperialismo norte-americano e <strong>de</strong> seus agentes internos abrirá<br />

caminho para a solução <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais problemas <strong>da</strong> revolução<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>mocrática no Brasil” . 142<br />

Nesse contexto, para combater as chama<strong>da</strong>s forças entreguistas e reacionárias<br />

que apoiavam e <strong>da</strong>vam sustentação ao imperialismo norte-americano, o PCB propunha a<br />

mais ampla aliança possível entre to<strong>do</strong>s os setores interessa<strong>do</strong>s <strong>na</strong> luta contra a política<br />

<strong>de</strong> submissão ao imperialismo norte-americano, por meio <strong>da</strong> formação <strong>de</strong> uma frente<br />

única que integrasse to<strong>do</strong>s aqueles setores sociais.<br />

141 CARONE, 1982, p.147-150.<br />

142 Ibid., p.183-184.


63<br />

“A frente única se manifesta <strong>na</strong>s múltiplas formas concretas <strong>de</strong> atuação ou<br />

<strong>de</strong> organização em comum, que surgem no país, por iniciativas <strong>de</strong> diferentes<br />

origens e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as exigências <strong>da</strong> situação. Entre estas formas, a<br />

mais importante atualmente é o movimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista. O seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento expressa um grau mais eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e concentração<br />

<strong>da</strong>s forças antiimperialistas. Constituiu um fato novo, resultante não só <strong>de</strong><br />

fatores objetivos, entre os quais o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> capitalismo, que<br />

fortaleceu as posições <strong>da</strong> burguesia, como também <strong>da</strong>s lutas patrióticas <strong>de</strong><br />

massas, que se travaram durante muitos anos com a participação combativa<br />

<strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> e <strong>de</strong> sua vanguar<strong>da</strong> comunista. Ten<strong>de</strong>m a unir-se e po<strong>de</strong>m<br />

efetivamente unir-se no movimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista a classe operária, os<br />

camponeses, a peque<strong>na</strong> burguesia urba<strong>na</strong>, a burguesia e os setores <strong>de</strong><br />

latifundiários que possuam contradições com o imperialismo norteamericano.<br />

O movimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista vem exercen<strong>do</strong> influência para elevar<br />

a consciência antiimperialista <strong>da</strong>s massas e para agrupar os setores<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos, <strong>do</strong> parlamento, <strong>da</strong>s forças arma<strong>da</strong>s e<br />

<strong>do</strong> próprio governo. (...) Assim é que a Frente Parlamentar Nacio<strong>na</strong>lista,<br />

cujo aparecimento tem notável significação em nossa vi<strong>da</strong> política, unificou<br />

a ação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> parlamentares pertencentes aos mais diversos<br />

parti<strong>do</strong>s com representação no Congresso, quer sejam governistas ou<br />

oposicionistas” . 143<br />

Assim, <strong>na</strong>s Teses e <strong>na</strong> sua Resolução Política, que o V Congresso <strong>do</strong> PCB,<br />

ocorri<strong>do</strong> em 1960, aprovou, os comunistas <strong>brasil</strong>eiros <strong>de</strong>finiram aquela etapa <strong>da</strong><br />

revolução <strong>brasil</strong>eira como,<br />

“(...) antiimperialista e antifeu<strong>da</strong>l, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>mocrática. Se isto significa<br />

que a luta pelo socialismo ain<strong>da</strong> não po<strong>de</strong> ser direta e imediata no Brasil,<br />

igualmente indica que as atuais tarefas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong>mocráticas não nos<br />

afastarão, mas, ao contrário, nos aproximarão <strong>da</strong>s tarefas socialistas. (...)<br />

O socialismo atua, assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora, como objetivo superior <strong>de</strong> nossa<br />

luta. Somente no socialismo, que conquistará pelo caminho a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às<br />

suas condições particulares, encontrará o povo <strong>brasil</strong>eiro não ape<strong>na</strong>s a<br />

<strong>de</strong>finitiva emancipação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como a completa libertação social. (...) Se<br />

o capitalismo, <strong>na</strong> <strong>are<strong>na</strong></strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, é um sistema em acelera<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>cadência, no Brasil, entretanto, o <strong>de</strong>senvolvimento capitalista tem por<br />

enquanto caráter objetivamente progressista. Daí se segue a caracterização<br />

<strong>da</strong> burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l como força participante <strong>da</strong> frente única <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista<br />

e <strong>de</strong>mocrática e, em conseqüência a refutação <strong>da</strong>s posições sectárias, que se<br />

obsti<strong>na</strong>m em <strong>de</strong>sconhecer a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> aliança <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> e <strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong>mais forças populares com a burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> presente etapa <strong>da</strong><br />

revolução. (...) O objetivo <strong>da</strong> revolução <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>mocrática resi<strong>de</strong> <strong>na</strong><br />

instauração <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r <strong>da</strong>s forças antiimperialistas e antifeu<strong>da</strong>is sob a<br />

direção <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong>”. 144<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a teoria <strong>da</strong> revolução pecebista, calca<strong>da</strong> nos princípios <strong>do</strong><br />

“marxismo-leninismo”, alicerçava-se <strong>na</strong> concepção etapista como também <strong>na</strong>s noções<br />

143 CARONE, 1982, p.185-186.<br />

144 Ibid., p. 230-233.


militares <strong>de</strong> estratégia e tática. Estrategicamente a revolução, <strong>na</strong> primeira etapa, era<br />

concebi<strong>da</strong> como antiimperialista e antifeu<strong>da</strong>l, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>mocrática. A tática se<br />

constituía <strong>na</strong> organização e <strong>na</strong>s lutas pela implantação <strong>de</strong> um governo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e<br />

<strong>de</strong>mocrático, nos marcos <strong>do</strong> sistema capitalista, que seria alcança<strong>do</strong> pela superação <strong>da</strong><br />

contradição principal (entre a <strong>na</strong>ção e o imperialismo norte-americano e seus alia<strong>do</strong>s<br />

internos) e <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental (entre as forças produtivas em crescimento e o monopólio <strong>da</strong><br />

terra), o que configuraria a realização <strong>de</strong> uma revolução <strong>de</strong>mocrático-burguesa,<br />

empreendi<strong>da</strong> por uma frente única, que se for<strong>maria</strong> como fruto <strong>da</strong> aliança entre os<br />

operários, os camponeses, a peque<strong>na</strong>-burguesia e a burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> qual o<br />

proletaria<strong>do</strong> teria hegemonia no novo governo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e <strong>de</strong>mocrático, cuja função<br />

consistira em criar as condições a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s para a passagem para a etapa socialista <strong>da</strong><br />

revolução. 145<br />

Nesse contexto, Gianfrancesco Guarnieri, um jovem estu<strong>da</strong>nte liga<strong>do</strong> às<br />

organizações <strong>de</strong> base <strong>do</strong> PCB, <strong>de</strong> vinte anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, em 1954, que se encontrava<br />

profun<strong>da</strong>mente vincula<strong>do</strong> à militância no movimento estu<strong>da</strong>ntil, inicia<strong>da</strong> no ensino<br />

secundário, compartilhava com muito entusiasmo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista, pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte entre os grupos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> progressista.<br />

Assim, o jovem militante acabou se inserin<strong>do</strong> profissio<strong>na</strong>lmente no mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s artes,<br />

pela via teatral, como conseqüência <strong>de</strong> seu engajamento <strong>na</strong>s lutas estu<strong>da</strong>ntis <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Guarnieri entrou para a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> teatral, buscan<strong>do</strong>, por meio <strong>de</strong>sse<br />

trabalho, expandir o movimento estu<strong>da</strong>ntil, como também vinculá-lo às lutas pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento artístico e cultural <strong>do</strong> país. Sen<strong>do</strong> assim, ele conheceu um italiano<br />

profun<strong>da</strong>mente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> com esse amplo movimento cultural que acontecia no Brasil<br />

<strong>do</strong>s anos cinqüenta, por meio <strong>do</strong> qual artistas, intelectuais e estu<strong>da</strong>ntes buscavam<br />

145 SEGATTO, José Antônio. PCB: a questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e a <strong>de</strong>mocracia. In: FERREIRA, Jorge e NEVES,<br />

Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> (org.). O Brasil Republicano. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2003,<br />

v.3, p. 231.<br />

64


encontrar uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> para o país. Nessa perspectiva o interesse <strong>de</strong> Guarnieri, <strong>de</strong><br />

seus amigos universitários que, junto com ele e sob a orientação <strong>de</strong> Ruggero Jacobbi,<br />

criaram o TPE, era primeiramente político, isto é, o <strong>teatro</strong> seria utiliza<strong>do</strong> para propiciar<br />

a expansão e uma união maior <strong>do</strong> movimento estu<strong>da</strong>ntil, o que contribuiria para a sua<br />

politização e para o seu fortalecimento.<br />

Ruggero Jacobbi chegou ao Brasil em 1946, como diretor <strong>da</strong> companhia <strong>de</strong><br />

Dia<strong>na</strong> Torrieri. Desencanta<strong>do</strong>s com as duras condições <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> Europa <strong>do</strong> pós-<br />

guerra, muitos artistas estrangeiros, principalmente italianos, transferiram-se para o<br />

continente americano. Jacobbi foi um <strong>do</strong>s primeiros diretores a <strong>de</strong>sembarcar no Brasil.<br />

Depois <strong>de</strong>le, a partir <strong>de</strong> 1950, vieram muitos outros, como Luciano Salce, A<strong>do</strong>lfo Celi,<br />

Alberto D’Aversa, Flamínio Bollini, Gianni Ratto, <strong>de</strong>ntre outros. Foram contrata<strong>do</strong>s<br />

para trabalhar no TBC em São Paulo, pelo empresário Franco Zampari, que pretendia<br />

fazer <strong>de</strong> seu <strong>teatro</strong> uma companhia, semelhante às existentes <strong>na</strong> Europa. 146<br />

Desse mo<strong>do</strong>, o <strong>teatro</strong> no Brasil se constituía em um campo fértil para aqueles<br />

diretores italianos, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro era forma<strong>do</strong> por jovens atores<br />

ama<strong>do</strong>res, em início <strong>de</strong> carreira e, portanto, sem os vícios <strong>da</strong> interpretação<br />

tradicio<strong>na</strong>lista, o que abriria um campo fértil para experimentações, representan<strong>do</strong> para<br />

aqueles diretores um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio em termos <strong>de</strong> criação artística. 147<br />

Ruggero Jacobbi foi um <strong>do</strong>s únicos diretores estrangeiros que tinha uma gran<strong>de</strong><br />

preocupação com as questões sociais, conceben<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, o <strong>teatro</strong> como uma<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente cultural. Conseqüentemente, o trabalho <strong>de</strong>sse diretor, durante<br />

os quatorze anos em que permaneceu no Brasil, contribuiu sobremaneira para que os<br />

palcos <strong>brasil</strong>eiros <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> ser ocupa<strong>do</strong>s pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente por um <strong>teatro</strong> <strong>de</strong><br />

146<br />

MALGALDI, 2001, p. 209.<br />

147<br />

RAULINO, Berenice. Ruggero Jacobbi: presença italia<strong>na</strong> no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. São Paulo: FAPESP,<br />

2002, p. 41.<br />

65


distração, ou <strong>de</strong> boulevard, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço para um <strong>teatro</strong> com vinculações sociais e<br />

políticas. 148<br />

mo<strong>do</strong>:<br />

Jacobbi situou historicamente o perío<strong>do</strong> que ele viveu no Brasil <strong>do</strong> seguinte<br />

66<br />

“Eu vim para o Brasil no perío<strong>do</strong> em que ele estava mal sain<strong>do</strong> <strong>da</strong>s eleições<br />

que levaram o Marechal Dutra à presidência. Assisti, <strong>de</strong>pois à campanha<br />

triunfal <strong>do</strong> Getúlio, às conseqüências imediatas <strong>do</strong> suicídio <strong>do</strong> próprio<br />

Getúlio, ao longo perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> presidência <strong>de</strong> Juscelino, a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong><br />

capital para Brasília e fui-me embora um dia antes <strong>da</strong> posse <strong>de</strong> Jânio<br />

Quadros. É um perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> história muito complexo”. 149<br />

Segun<strong>do</strong> Jacobbi, o perío<strong>do</strong> que passou no Brasil foi muito significativo <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista pessoal:<br />

“Eu cheguei ao Brasil <strong>na</strong> véspera <strong>do</strong> Natal <strong>de</strong> 1946. Eu tinha 26 anos.<br />

Quan<strong>do</strong> eu fui embora, tinha 40, quase. Posso dizer que a parte mais<br />

importante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um homem eu transcorri no Brasil. E sen<strong>do</strong> então<br />

jovem, eu tinha alguma coisa a ensi<strong>na</strong>r. Huma<strong>na</strong>mente, porque vinha <strong>da</strong><br />

experiência <strong>da</strong> guerra, <strong>da</strong> resistência contra o <strong>na</strong>zismo e, tecnicamente,<br />

porque eu tinha feito meu aprendiza<strong>do</strong> teatral muito a sério. Mas tinha<br />

muitíssimo que apren<strong>de</strong>r, que eu aprendi com o Brasil”. 150<br />

Segun<strong>do</strong> Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Peixoto, Ruggero Jacobbi foi entre os ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res italianos<br />

que trabalharam no Brasil, aquele que mais contribuiu para o surgimento <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia efetivamente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e profun<strong>da</strong>mente i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com nossas raízes<br />

populares e progressistas:<br />

“Ruggero veio ao Brasil e ficou. Foi, entre os ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res italianos que<br />

trabalharam entre nós, o que mais influenciou o surgimento <strong>de</strong> um processo<br />

teatral <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l efetivamente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> com nossas raízes populares e<br />

progressistas. Incansável batalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> campo <strong>da</strong>s idéias e <strong>da</strong> política<br />

participou <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, empenhou-se <strong>na</strong><br />

batalha por uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e para abrir espaço para os<br />

ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res <strong>brasil</strong>eiros, com uma luci<strong>de</strong>z crítica permanente, dinâmica,<br />

instigante, uma generosi<strong>da</strong><strong>de</strong> estimulante, uma capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> espantosa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spertar o entusiasmo pelo trabalho criativo permanente, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se<br />

pouco a pouco um <strong>do</strong>s mais profun<strong>do</strong>s conhece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> processo cultural<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e integran<strong>do</strong>-se ao mesmo, a partir <strong>de</strong> uma postura marxista, como<br />

companheiro e amigo <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os que se entregaram à luta cotidia<strong>na</strong> por<br />

uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> livre e sobera<strong>na</strong>”. 151<br />

148 RAULINO, 2002, p. 2.<br />

149 Ibid., p.62<br />

150 Ibid., p. 62.<br />

151 PEIXOTO, Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong>. Um Teatro Fora <strong>do</strong> Eixo. São Paulo: Hucitec, 1993, p. 133.


Ruggero ofereceu um gran<strong>de</strong> apoio teórico, profissio<strong>na</strong>l e pessoal a to<strong>do</strong>s que<br />

estavam interessa<strong>do</strong>s em ampliar seu conhecimento sobre artes cênicas e ingressar <strong>na</strong><br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> teatral, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, ele foi, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um <strong>do</strong>s primeiros professores <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong> <strong>do</strong>s <strong>brasil</strong>eiros. Uma crônica, publica<strong>da</strong> em 1952, nos informa sobre a<br />

importância que Jacobbi atribuía ao seu trabalho <strong>de</strong> professor:<br />

67<br />

“Pergunta-me o leitor <strong>do</strong> que eu gosto mais, <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> ou <strong>de</strong> cinema. O<br />

leitor certamente vai ficar <strong>de</strong>cepcio<strong>na</strong><strong>do</strong> quan<strong>do</strong> souber que o meu maior<br />

gosto no momento, relacio<strong>na</strong><strong>do</strong> com o <strong>teatro</strong> e o cinema, é o <strong>de</strong> <strong>da</strong>r aulas.<br />

As poucas coisas boas ou úteis que tenho feito no campo <strong>do</strong> espetáculo<br />

pertencem <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> à ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> didática. Comecei trabalhan<strong>do</strong> num<br />

teatrinho universitário, isto é, como professor improvisa<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros moços<br />

<strong>da</strong> minha i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Depois, instintivamente, liguei-me a grupos <strong>de</strong> ama<strong>do</strong>res, a<br />

iniciativas <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong>, outra experiência escolar para mim e para os que<br />

eu dirigia. (...) O tempo que passei <strong>na</strong> Escola <strong>de</strong> Arte Dramática foi <strong>do</strong>s<br />

mais ricos <strong>de</strong> experiências e resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a minha ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> teatral.<br />

(...) Ain<strong>da</strong> hoje, para não per<strong>de</strong>r o hábito, continuo lecio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> para o<br />

Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Cinematográficos, esta instituição única <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alismo.<br />

(...) E tem o meu curso <strong>de</strong> Arte Dramática, que agora ficará entregue por<br />

algum tempo a um antigo aluno meu (e mais, ain<strong>da</strong> aluno <strong>de</strong> Alfre<strong>do</strong><br />

Mesquita), culto, talentoso e paciente, José Re<strong>na</strong>to, autor, diretor e<br />

intérprete que tem diante <strong>de</strong> si um futuro brilhantíssimo no <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

O curso já está <strong>da</strong>n<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>, superan<strong>do</strong> mesmo as expectativas <strong>do</strong><br />

centro e os compromissos assumi<strong>do</strong>s com o público e as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os<br />

“meninos” trabalham. Os resulta<strong>do</strong>s serão bem ce<strong>do</strong> visíveis - e o maior<br />

<strong>de</strong>les será o último que coroará a obra, o Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte. 152<br />

Des<strong>de</strong> que chegou ao Brasil, em 1946, Ruggero Jacobbi se empenhou com muito<br />

entusiasmo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> contribuir para o fortalecimento <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

no país. Nesse senti<strong>do</strong>, para<strong>do</strong>xalmente, foi um estrangeiro um <strong>do</strong>s homens que mais<br />

lutou para a inserção <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is <strong>brasil</strong>eiros no <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Este papel <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> incentiva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s artistas <strong>brasil</strong>eiros exerci<strong>do</strong> por Jacobbi ficou bem evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong><br />

no <strong>de</strong>poimento <strong>do</strong> diretor <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> Antunes Filho:<br />

“O Ruggero era um homem extraordinário. Acho que, se <strong>na</strong>quele momento<br />

irrompeu o diretor <strong>brasil</strong>eiro - primeiro foi o diretor, <strong>de</strong>pois foram os<br />

autores <strong>brasil</strong>eiros que irromperam através <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> - a força vetora <strong>de</strong><br />

tu<strong>do</strong> isso foi Ruggero Jacobbi aqui em São Paulo, porque a força que ele<br />

<strong>de</strong>u, os artigos que ele escrevia... Porque to<strong>do</strong>s nós <strong>brasil</strong>eiros que<br />

queríamos ser diretores - porque eu fui o segun<strong>do</strong>; <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> Rubens Petrilli<br />

fui eu, junto com o José Re<strong>na</strong>to, simultaneamente. José Re<strong>na</strong>to vinha <strong>da</strong><br />

152 “Experiência Escolar”, Folha <strong>da</strong> Noite, 3 <strong>de</strong>z. 1952. Fica evi<strong>de</strong>nte, nesse comentário, que Jacobbi<br />

i<strong>de</strong>aliza o Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte três anos antes <strong>de</strong> sua efetiva criação em 1955. In: RAULINO,<br />

2002, p. 180.


68<br />

EAD e eu não vim <strong>de</strong> escola nenhuma, vim <strong>do</strong> TBC. Ruggero Jacobbi <strong>de</strong>u<br />

um apoio tal, escrevia sempre a respeito <strong>de</strong> se criar um <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro,<br />

com autores e diretores <strong>brasil</strong>eiros, porque havia uma <strong>de</strong>sconfiança geral<br />

quanto ao diretor <strong>brasil</strong>eiro. O próprio TBC não admitia o diretor<br />

<strong>brasil</strong>eiro, nem <strong>na</strong> segun<strong>da</strong>-feira.(...) Mas o Ruggero - eu quero <strong>de</strong>ixar isso<br />

registra<strong>do</strong> - o Ruggero sempre <strong>de</strong>u a maior força. Ele já falava <strong>de</strong> Brecht<br />

muito antes <strong>de</strong> Paris; era homem que falava <strong>de</strong> Brecht pra gente, um homem<br />

que falava <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os problemas <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>. Ele era poeta também e era um<br />

crítico maravilhoso.(...)”. 153<br />

Para Jacobbi, a arte se constituía “<strong>na</strong> manifestação máxima <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

homem: a arte enquanto escân<strong>da</strong>lo e exemplo <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que pelo simples fato <strong>de</strong><br />

existir, cria em ca<strong>da</strong> ser humano as mais fecun<strong>da</strong>s conjecturas”. 154 Nessa perspectiva,<br />

vi<strong>da</strong>, arte e história se constituíam como o tripé que norteava o pensamento <strong>de</strong>sse<br />

ence<strong>na</strong><strong>do</strong>r. Segun<strong>do</strong> ele, o <strong>teatro</strong> era a arte <strong>do</strong> homem, a manifestação estética que partia<br />

<strong>do</strong> homem e se dirigia a ele, e nessa medi<strong>da</strong> intrinsecamente liga<strong>do</strong> à sua espécie. 155<br />

Um <strong>do</strong>s principais eixos que norteava as reflexões <strong>de</strong> Ruggero Jacobbi se<br />

relacio<strong>na</strong>va à direção teatral que, segun<strong>do</strong> ele, <strong>de</strong>veria se realizar em sintonia com a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> situação objetiva. Desse mo<strong>do</strong>, ele se auto<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>va diretor crítico<br />

e, portanto, seu entendimento <strong>de</strong> direção teatral passava primeiramente pela literatura,<br />

para chegar então à ce<strong>na</strong>:<br />

“Enten<strong>do</strong> a direção antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> como uma obra crítica, assumi<strong>da</strong> para<br />

elimi<strong>na</strong>r <strong>do</strong> trabalho não aquilo que literariamente pareça ausente, mas<br />

aquilo que seja teatralmente ausente. Elimi<strong>na</strong>r o não teatral significa – é<br />

obvio – potencializar o teatral. Por teatral não enten<strong>do</strong> os golpes <strong>de</strong> ce<strong>na</strong>,<br />

as ce<strong>na</strong>s mães, as tira<strong>da</strong>s, mas uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira e própria poesia <strong>da</strong><br />

ação”. 156<br />

Embora Jacobbi compartilhasse com os comunistas as suas teorias, nunca se<br />

filiou ao Parti<strong>do</strong> Comunista, pois sempre se negou a seguir normas rígi<strong>da</strong>s. Amava a<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong> acima <strong>de</strong> qualquer coisa, e ao longo <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> pagou um alto preço por<br />

assumi-la sem restrições. Como homem <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, não era <strong>de</strong> matriz marxista, mas<br />

153 FILHO, Antunes. Dionynos/ TBC. In: RAULINO, 2002, p. 262.<br />

154 Ibid., p. 44.<br />

155 Ibid., p. 45.<br />

156 Ibid., p. 49.


surrealista, e sempre se negou a fazer <strong>de</strong> seu trabalho um instrumento <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia<br />

institucio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>. Jacobbi consi<strong>de</strong>rava, contu<strong>do</strong>, que o simples gesto <strong>de</strong> exprimir-se era<br />

um gesto subversivo – e, nesse senti<strong>do</strong>, não estabelecia limites entre valor social e valor<br />

individual <strong>da</strong> arte, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, para ele, a arte não mu<strong>da</strong>va o mun<strong>do</strong>, mas o<br />

mun<strong>do</strong> que, mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>, mu<strong>da</strong>va também a arte. 157<br />

Ten<strong>do</strong> em vista as concepções <strong>de</strong> Ruggero Jacobbi acerca <strong>do</strong> processo artístico e<br />

em especial <strong>do</strong> trabalho teatral, e principalmente levan<strong>do</strong> em conta a situação <strong>de</strong> crise<br />

<strong>da</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, esse arroja<strong>do</strong> diretor italiano se entusiasmou com a criação <strong>de</strong><br />

um <strong>teatro</strong> ama<strong>do</strong>r <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes e engajou-se <strong>na</strong> proposta <strong>de</strong> criação <strong>do</strong> TPE. Pois,<br />

segun<strong>do</strong> ele, havia duas maneiras <strong>de</strong> enfrentar a crise pela qual passava a dramaturgia<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. De um la<strong>do</strong> existia a luta pela sobrevivência <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> profissio<strong>na</strong>l, cujas<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas consubstanciavam-se em fazer o que fosse preciso para<br />

conquistar ou manter um público freqüente no <strong>teatro</strong>. De outro la<strong>do</strong>, porém, os<br />

imperativos eram <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cultural e estética, ou seja, <strong>de</strong> renovação <strong>da</strong> ce<strong>na</strong><br />

propriamente dita. 158<br />

Nesse contexto, para Jacobbi, a solução para esse tipo <strong>de</strong> problema cabia aos<br />

grupos ama<strong>do</strong>res, pois embora o <strong>teatro</strong> ama<strong>do</strong>rista também sentisse os efeitos <strong>da</strong> crise,<br />

po<strong>de</strong>ria suportá-la mais facilmente que o <strong>teatro</strong> profissio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que suas<br />

exigências eram menores, assim como suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s eram bem mais limita<strong>da</strong>s.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, conclamava os artistas ama<strong>do</strong>res a assumirem um papel <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> no<br />

<strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro: “Despertai, ama<strong>do</strong>res paulistas, chegou a hora <strong>de</strong> uma contribuição<br />

<strong>de</strong>finitiva, rigorosa, intransigente para a salvação <strong>do</strong> espírito mo<strong>de</strong>rno <strong>na</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

teatral” 159 . Sen<strong>do</strong> assim, foi inseri<strong>do</strong> neste espírito vanguardista que surgiu a idéia <strong>de</strong><br />

157 RAULINO, 2002, p. 49.<br />

158 Ibid., p.158.<br />

159 Ibid., p. 159.<br />

69


criar o TPE, visan<strong>do</strong>, ao mesmo tempo, revitalizar o <strong>teatro</strong> ama<strong>do</strong>r e reacen<strong>de</strong>r a chama<br />

<strong>do</strong> movimento teatral. 160<br />

Em 1954, quan<strong>do</strong> Jacobbi ministrava um curso <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> patroci<strong>na</strong><strong>do</strong> pela<br />

Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo, em conseqüência <strong>do</strong> IV Centenário <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, entrou em<br />

contato com vários estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, em sua maioria comunistas, muito<br />

mobiliza<strong>do</strong>s politicamente, <strong>de</strong>ntre os quais, os mais atuantes, eram Gianfrancesco<br />

Guarnieri e Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho. Para aqueles jovens comunistas o <strong>teatro</strong> era<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um veículo <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong> eficaz <strong>de</strong> suas idéias políticas. Ao conferir ao<br />

<strong>teatro</strong> o papel <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong> suas atuações políticas, esses estu<strong>da</strong>ntes preocupavam-se,<br />

sobretu<strong>do</strong>, em produzir espetáculos que chegassem às massas e sonhavam, então, em<br />

apresentar espetáculos em diretórios estu<strong>da</strong>ntis, sindicatos, praças públicas, clubes e<br />

portas <strong>de</strong> fábrica. Contu<strong>do</strong>, o imediatismo <strong>da</strong> militância acabara provocan<strong>do</strong> profun<strong>da</strong>s<br />

lacu<strong>na</strong>s <strong>na</strong> formação teatral <strong>da</strong>queles estu<strong>da</strong>ntes. 161<br />

Conseqüentemente, o papel <strong>de</strong> Jacobbi nesse senti<strong>do</strong> foi fun<strong>da</strong>mental, pois ele<br />

fornecia o suporte necessário para o crescimento artístico <strong>do</strong> grupo, indican<strong>do</strong>-lhes<br />

leituras, ministran<strong>do</strong> cursos, promoven<strong>do</strong> discussões; enfim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Guarnieri:<br />

70<br />

“Ele teve uma influência <strong>de</strong>cisiva <strong>na</strong> formação. Deu-nos o mínimo<br />

necessário para se fazer <strong>teatro</strong>. O entusiasmo, sobretu<strong>do</strong>. Deu-nos<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras aulas sobre história <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>. Contan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>. To<strong>da</strong> e qualquer<br />

hora que ele encontrava a gente, ele começava a contar <strong>teatro</strong>, aquelas<br />

len<strong>da</strong>s, com <strong>da</strong>ta, porque ele era bastante meticuloso”. 162<br />

Da ata <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> TPE, em cinco <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1955, o nome <strong>de</strong> Jacobbi<br />

constava como presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> reunião, e, em artigo publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> época <strong>da</strong> estréia <strong>do</strong><br />

TPE, ele expunha claramente as bases <strong>da</strong> proposta <strong>de</strong> ação cultural <strong>do</strong> grupo:<br />

160 RAULINO, 2002, p. 159.<br />

161 GUARNIERI, 1981, p. 160.<br />

162 Ibid., p.69.<br />

“Há muitos anos estamos lutan<strong>do</strong> pela constituição <strong>do</strong> TPE, isto é, um grupo<br />

<strong>de</strong> ama<strong>do</strong>res capazes <strong>de</strong> realizar um programa não ape<strong>na</strong>s teatral (no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> vocações ou talentos), mas sim cultural e popular,


71<br />

apresentan<strong>do</strong> obras literárias dig<strong>na</strong>s <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e <strong>de</strong> divulgação e realizan<strong>do</strong><br />

um esforço positivo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> conquistar paulati<strong>na</strong>mente platéias mais<br />

ou menos afasta<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> oficial, começan<strong>do</strong> pelo próprio público<br />

estu<strong>da</strong>ntil”. 163<br />

De acor<strong>do</strong> com as premissas <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento acima, o TPE, ao se constituir como<br />

um grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> politiza<strong>do</strong> possuía uma visão <strong>de</strong> seu trabalho que ultrapassava o<br />

simples fazer artístico. Dessa maneira, o senti<strong>do</strong> humanista e conscientiza<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

dramaturgia forja<strong>da</strong> pelo TPE encontravam-se niti<strong>da</strong>mente expostos <strong>na</strong> tese que foi<br />

apresenta<strong>da</strong> pelo grupo, em 1955, no II Congresso Paulista <strong>de</strong> Teatro Ama<strong>do</strong>r:<br />

“Da divulgação <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, impreg<strong>na</strong><strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

humanismo que faz vibrar os povos: <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e divulgação <strong>de</strong> nossas obras<br />

culturais, <strong>do</strong> aprimoramento <strong>do</strong> gosto artístico, <strong>da</strong> representação <strong>de</strong> obras<br />

mestras <strong>de</strong> outros povos, <strong>de</strong>ve viver o nosso <strong>teatro</strong>. Os problemas <strong>de</strong> cultura<br />

não vivem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> problemas políticos e econômicos. Um<br />

povo entorpeci<strong>do</strong> é um povo que <strong>na</strong> sua passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> se entrega à rapi<strong>na</strong> e à<br />

escravidão. Um povo entorpeci<strong>do</strong> é o que não ama, não quer, não luta. E a<br />

cultura <strong>de</strong>sti<strong>na</strong><strong>da</strong> a entorpecer um povo é aquela que se <strong>de</strong>sliga <strong>de</strong>ste<br />

mesmo povo, que se <strong>de</strong>svencilha <strong>de</strong> seus sentimentos, paixões e aspirações;<br />

é a que foge <strong>de</strong>le, é a que se abstrain<strong>do</strong> <strong>do</strong> humano, <strong>de</strong>turpa e<br />

entorpece”. 164<br />

Essa tese expunha claramente os princípios por meio <strong>do</strong>s quais o trabalho <strong>do</strong><br />

TPE se alicerçava, isto é, a preocupação em forjar uma dramaturgia <strong>de</strong>salie<strong>na</strong>nte,<br />

vincula<strong>da</strong> ao universo <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares e que, portanto, contribuísse para o<br />

crescimento cultural e político <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. Esses objetivos que nortearam <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o início a organização <strong>do</strong> TPE, enquanto grupo <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> ama<strong>do</strong>r, viriam a se constituir,<br />

principalmente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1958, <strong>na</strong> diretriz <strong>de</strong> trabalho pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo.<br />

Nesse contexto, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar a idéia <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l por meio <strong>da</strong><br />

realização <strong>de</strong> uma dramaturgia que privilegiasse temas e perso<strong>na</strong>gens oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s<br />

cama<strong>da</strong>s subalter<strong>na</strong>s <strong>da</strong> população, tanto urba<strong>na</strong> quanto rural, já <strong>de</strong>spontava <strong>na</strong>s<br />

163 MORAES, Denis <strong>de</strong>. Vianinha – Cúmplice <strong>da</strong> Paixão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nórdica, 1991, p.43.<br />

164 O Teatro Ama<strong>do</strong>r em Defesa <strong>de</strong> Nossas Tradições Culturais. In: Revista <strong>do</strong> Teatro Ama<strong>do</strong>r, ano I, n.6,<br />

Rio Janeiro, 1955. In: CAMPOS, Cláudia <strong>de</strong> A. Zumbi, Tira<strong>de</strong>ntes. São Paulo:<br />

Perspectiva/EDUSP, 1988, p. 36.


palavras <strong>de</strong> Guarnieri, quan<strong>do</strong> comentava, em 1955, a respeito <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> TPE <strong>de</strong><br />

montar autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is inéditos, o que segun<strong>do</strong> ele, “viria não ape<strong>na</strong>s incentivar e<br />

apoiar o autor <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como também facilitar o aparecimento <strong>de</strong> temas <strong>de</strong> sabor mais<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e mais popular, mais acessível, portanto, à gran<strong>de</strong> massa popular que vive<br />

afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s realizações teatrais”. 165<br />

Retoman<strong>do</strong> o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Guarnieri, po<strong>de</strong>mos verificar os contatos com José<br />

Re<strong>na</strong>to que culmi<strong>na</strong>ram <strong>na</strong> parceria entre o TPE e o Are<strong>na</strong>, bem como o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

aliança entre os <strong>do</strong>is grupos:<br />

72<br />

“Nunca colocamos nossa carreira individual como objetivo. Nossa meta era<br />

outra. Nós não tínhamos gran<strong>de</strong>s responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s... quer dizer... Olha, se<br />

eu não sou um bom ator é porque não tenho obrigação <strong>de</strong> ser. Estou aqui<br />

também fazen<strong>do</strong> um negócio coletivo porque achamos que através <strong>de</strong>sse<br />

trabalho po<strong>de</strong>mos nos organizar e <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> servir a cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

aju<strong>da</strong>r a formar uma consciência <strong>brasil</strong>eira... E tu<strong>do</strong> que acontecia<br />

politicamente <strong>na</strong> época foi importante! Começava a surgir aquele negócio<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> que seguia to<strong>do</strong> o processo político, houve a tentativa <strong>do</strong><br />

golpe, o Juscelino toma posse ou não toma? O Teixeira Lott garante “Paz e<br />

Democracia”... Começou-se a falar em <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, coisa que empolgava<br />

a juventu<strong>de</strong>. Muita gente ouvia o cantar <strong>do</strong> galo mas não sabia exatamente<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha o canto: <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo... coisas nossas... De um la<strong>do</strong>, Carlos<br />

Lacer<strong>da</strong> empolgava, muita gente ia atrás <strong>de</strong>le por causa <strong>da</strong> oratória, e<br />

outros o <strong>de</strong>testavam, iam por outro caminho; o termo mais usa<strong>do</strong> <strong>na</strong> época<br />

era “Demagogia”...(...) Alguns elementos <strong>do</strong> TPE e <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> saíram, uma<br />

minoria ficou. Houve muita confusão, e <strong>do</strong>s que ficaram a gente ouvia:<br />

“Puxa, não sabemos <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>! É ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, nós não sabemos <strong>na</strong><strong>da</strong>... E o que<br />

fazer então? Vamos fazer um curso! Falamos com Sábato Magaldi, Júlio<br />

Gouveia e Décio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong>; pedíamos sugestões; fizemos um curso<br />

<strong>do</strong> qual participaram duzentas e tantas pessoas... era um momento <strong>de</strong> muita<br />

efervescência e tu<strong>do</strong> era meio fácil porque as pessoas estavam interessa<strong>da</strong>s.<br />

As universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s começaram a criar um trabalho mais sóli<strong>do</strong> com<br />

preocupações mais orienta<strong>da</strong>s, e, <strong>de</strong> repente, começou a se viver no Brasil<br />

um clima mais cultural. Era uma coisa geral. Foi justamente nesse esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> coisas que houve a junção <strong>do</strong> TPE com o Are<strong>na</strong>. O Zé Re<strong>na</strong>to propôs <strong>da</strong>r<br />

o material para que realizássemos nossos espetáculos nos colégios, ele<br />

<strong>da</strong>ria a infra-estrutura, a orientação artística e técnica e, em contraparti<strong>da</strong>,<br />

nós, <strong>do</strong> TPE, trabalharíamos como suporte <strong>de</strong> cast para o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

que já era profissio<strong>na</strong>l”. 166<br />

Na sistematização <strong>de</strong>sses fragmentos, percebemos que os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

Guarnieri se relacio<strong>na</strong>m sobremaneira à efervescente conjuntura sócio-política vivi<strong>da</strong><br />

pelo país <strong>na</strong>quele inquietante perío<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> assim, fica bem evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> em suas<br />

165 Revista <strong>do</strong> Teatro Ama<strong>do</strong>r. In: CAMPOS, p.36.<br />

166 GUARNIERI, 1983, p. 30-31.


<strong>na</strong>rrativas a sua concepção coletiva <strong>de</strong> trabalho, assim como a ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> por ele à<br />

vinculação entre arte e política. Nesse senti<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Guarnieri, o trabalho artístico<br />

<strong>de</strong>veria se constituir em um instrumento <strong>de</strong> conscientização e mobilização <strong>da</strong>s massas<br />

populares.<br />

Conseqüentemente, <strong>na</strong> concepção <strong>da</strong>queles jovens artistas ama<strong>do</strong>res que<br />

estavam ingressan<strong>do</strong> no Are<strong>na</strong>, que já era um grupo <strong>de</strong> Teatro profissio<strong>na</strong>l, o essencial<br />

não era necessariamente que eles fossem bons atores. Para eles, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, o mais<br />

importante consistia em utilizar a dramaturgia para servir à cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

contribuin<strong>do</strong> para ampliar a participação popular no movimento <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> para o país e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l frente aos interesses <strong>do</strong><br />

imperialismo <strong>do</strong>s países estrangeiros, principalmente norte-americanos.<br />

Nessa perspectiva, a partir <strong>da</strong> fusão <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> com o TPE e <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Augusto Boal, que introduziu no grupo o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Stanislavski, surgiu a perspectiva<br />

<strong>de</strong> engajamento político <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Nesse contexto, para<br />

Guarnieri:<br />

73<br />

“Não foi fácil aceitar a profissio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>... Eu e Vianinha<br />

recebemos outras propostas e resistimos galhar<strong>da</strong>mente, até a proposta <strong>do</strong><br />

Are<strong>na</strong>... Mas quan<strong>do</strong> resolvemos aceitar o convite <strong>do</strong> Zé Re<strong>na</strong>to, no fun<strong>do</strong><br />

tínhamos certeza que acabaríamos toman<strong>do</strong> conta <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, nós sentíamos<br />

isso. Era um movimento que estava pensan<strong>do</strong> que nos engolia, e ia ser o<br />

contrário, nós é que íamos acabar transforman<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong> <strong>na</strong>quilo que<br />

queríamos. E foi exatamente o que acabou acontecen<strong>do</strong>! A primeira peça<br />

que fiz como profissio<strong>na</strong>l foi “Escola <strong>de</strong> mari<strong>do</strong>s” <strong>de</strong> Moliéri, no papel <strong>de</strong><br />

Ergasto. O Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte passou a ser dirigi<strong>do</strong> por Beatriz<br />

Segall, sobreviveu por algum tempo, mas logo <strong>de</strong>pois não agüentou mais e<br />

acabou.(...) Com o tempo, além <strong>de</strong> nós <strong>do</strong>is, o Are<strong>na</strong> teve que contar com<br />

alguns atores <strong>do</strong> extinto TPE como elenco <strong>de</strong> suporte. Zé Re<strong>na</strong>to começou<br />

também a cansar: ele não po<strong>de</strong>ria continuar dirigin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>! Quan<strong>do</strong> Sábato<br />

Magaldi procurou-o e disse: “olhe, chegou um cara muito inteligente <strong>do</strong>s<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, o Augusto Boal, que acabou <strong>de</strong> fazer dramaturgia lá, é<br />

jovem e ótimo diretor. Ele po<strong>de</strong>rá realizar um trabalho maravilhoso com o<br />

Are<strong>na</strong>”. Zé Re<strong>na</strong>to sem pestanejar contratou o Boal, como um <strong>do</strong>s diretores<br />

<strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. (...) Ele teve nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s muito contato com o pessoal <strong>do</strong><br />

Actor’s Studio, e quan<strong>do</strong> veio para o Brasil trouxe técnicas <strong>de</strong> lá: eles<br />

estu<strong>da</strong>vam com afinco o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Stanislavski, leva<strong>do</strong> às últimas. Não<br />

chegamos a tanto, mas fizemos coisa pareci<strong>da</strong> no Are<strong>na</strong>. O Chapetuba<br />

Futebol Clube <strong>do</strong> Vianinha é um espetáculo: foi muito marca<strong>do</strong> por essa<br />

pesquisa, foi mesmo o ponto culmi<strong>na</strong>nte <strong>de</strong>la. (...) E foi aí que começou<br />

realmente um trabalho sério, a fase importante <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. Começamos a


74<br />

fazer laboratório <strong>de</strong> interpretação, fomos aos poucos fican<strong>do</strong> totalmente<br />

anti-TBC, que colocamos como o símbolo <strong>do</strong> ecletismo, o que a gente não<br />

queria”. 167<br />

Em meio a essas consi<strong>de</strong>rações, a <strong>de</strong>finição acerca <strong>do</strong>s possíveis caminhos que<br />

po<strong>de</strong>riam ser segui<strong>do</strong>s pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> começa a se <strong>de</strong>linear <strong>de</strong> forma mais clara,<br />

com a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto Boal, pois, a partir <strong>da</strong>í o grupo se engajou em um processo<br />

muito acirra<strong>do</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, por meio <strong>da</strong> prática <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Stanislavski, nos<br />

laboratórios <strong>de</strong> Interpretação que realizavam sob a sua orientação. Esse processo<br />

possibilitou uma visão mais níti<strong>da</strong> <strong>da</strong> discussão teórica trava<strong>da</strong> entre eles, assim como<br />

<strong>da</strong>s diretrizes <strong>de</strong> trabalho que a companhia passaria a seguir. Se por um la<strong>do</strong>, eles já<br />

sabiam o que não queriam, isto é, o ecletismo <strong>do</strong> TBC, por outro la<strong>do</strong>, passaram a sentir<br />

uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez maior <strong>de</strong> ampliar o público <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, como também <strong>de</strong><br />

produzir peças que retratassem os problemas e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, além <strong>do</strong> encontro com Augusto Boal, a filosofia humanista que<br />

Vian<strong>na</strong> e Guarnieri traziam <strong>do</strong> TPE, fruto <strong>do</strong>s contatos que travaram com Ruggero<br />

Jacobbi e mescla<strong>da</strong> com o senti<strong>do</strong> político que imputavam ao seu trabalho, <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>da</strong> militância no parti<strong>do</strong> comunista e no movimento estu<strong>da</strong>ntil, contribuiu sobremaneira<br />

para que o grupo passasse a buscar um estilo <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> representação, alia<strong>do</strong> a um<br />

repertório que se relacio<strong>na</strong>sse com o universo <strong>do</strong> homem <strong>brasil</strong>eiro, isto é, um repertório<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que pu<strong>de</strong>sse se constituir em uma alter<strong>na</strong>tiva aos padrões europeus <strong>de</strong><br />

interpretação pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> dramaturgia <strong>do</strong> TBC.<br />

Acrescentan<strong>do</strong>-se a isso, a preocupação em atingir um público diferente <strong>da</strong>quele<br />

que freqüentava habitualmente os <strong>teatro</strong>s no Brasil, começou a se constituir um <strong>do</strong>s<br />

alvos principais que o Are<strong>na</strong> pretendia alcançar. Sen<strong>do</strong> assim, <strong>na</strong>quela conjuntura já<br />

estava claro para o grupo a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> levar o trabalho que faziam ao<br />

167 GUARNIERI, 1983, p.32-33.


povo, ou seja, <strong>de</strong> popularizar o <strong>teatro</strong>, <strong>de</strong> utilizá-lo como veículo <strong>de</strong> conscientização <strong>da</strong>s<br />

cama<strong>da</strong>s populares acerca <strong>de</strong> seus problemas e <strong>da</strong> sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Então, para Guarnieri:<br />

75<br />

“De 56 para 57, nós fizemos a primeira excursão, ten<strong>do</strong> a experiência <strong>de</strong><br />

um <strong>teatro</strong> realmente para as massas. Passamos a compreen<strong>de</strong>r que <strong>teatro</strong><br />

era problema também <strong>de</strong> repertório. Não era só chegar e representar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> maneira. Então, eu acho que a dramaturgia que surgiu com o<br />

Are<strong>na</strong> é forte, porque uma dramaturgia não é só o texto escrito. É o texto<br />

com esta visão <strong>do</strong> espetáculo, com a visão <strong>do</strong> público que preten<strong>de</strong> atingir.<br />

Tanto que até hoje, os autores e atores com formação <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

continuam ten<strong>do</strong> público jovem, apesar <strong>do</strong> tempo. Continuam manten<strong>do</strong> um<br />

público principalmente universitário, um público fiel mesmo. E nenhum<br />

agra<strong>da</strong> realmente a classe A. A classe A sai um pouco <strong>de</strong> ban<strong>da</strong>”. 168<br />

Em meio às suas reflexões, Guarnieri situou o processo por meio <strong>do</strong> qual ele<br />

escreveu sua primeira peça no Are<strong>na</strong>, Eles Não Usam Black-Tie, assim como as<br />

implicações advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> montagem <strong>de</strong>sse texto, para a dramaturgia <strong>brasil</strong>eira. Segun<strong>do</strong><br />

ele, a inspiração que originou a escrita <strong>de</strong> Black-Tie, se relacio<strong>na</strong>va em gran<strong>de</strong> parte<br />

com experiências advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> sua infância no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> vivia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os <strong>do</strong>is<br />

anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> veio <strong>da</strong> Itália com os seus pais em 1932, em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong><br />

vigência <strong>na</strong>quele país <strong>do</strong> regime fascista.<br />

“Uma coisa muito importante que me aconteceu foi uma emprega<strong>da</strong> lá <strong>de</strong><br />

casa, que convivia mais comigo que minha própria mãe. Essa emprega<strong>da</strong><br />

cui<strong>da</strong>va <strong>de</strong> mim. Ela era <strong>de</strong> uma família vastíssima, paupérrima. Tive muita<br />

ligação com esse outro la<strong>do</strong>, o <strong>da</strong> favela. Eu, às vezes, passava os fins <strong>de</strong><br />

sema<strong>na</strong> no barraco <strong>do</strong>s parentes <strong>de</strong> Margari<strong>da</strong> – esse o nome <strong>da</strong> emprega<strong>da</strong><br />

–, e meus pais achavam que esse contato era muito importante para mim.<br />

Eles achavam perfeito e realmente tu<strong>do</strong> isso me foi muito útil”. 169<br />

“Em Eles Não Usam BlackTie, que foi a primeira peça que escrevi, acho<br />

que tem realmente muito mais <strong>da</strong>s pessoas <strong>do</strong> que <strong>da</strong>s situações. A Roma<strong>na</strong>,<br />

por exemplo, é <strong>de</strong> fato uma recriação <strong>da</strong> mãe <strong>de</strong> Margari<strong>da</strong>... (...) O Gimba<br />

que eu conheci, no Morro <strong>do</strong> Cosme Velho — <strong>da</strong> peça em essência, tinha a<br />

ver com um sujeito muito forte, briga<strong>do</strong>r que tomava conta <strong>da</strong> boca <strong>do</strong><br />

bicho <strong>do</strong> Chico. O Gimba <strong>na</strong>morava a Margari<strong>da</strong> e por isso conversava<br />

muito comigo”. 170<br />

Assim, o contato que Guarnieri teve em sua infância com elementos <strong>da</strong>s<br />

cama<strong>da</strong>s populares, especialmente os habitantes <strong>da</strong> favela, como conseqüência <strong>da</strong><br />

168 GUARNIERI, 1981, p. 68.<br />

169 GUARNIERI, 1983, p. 15.<br />

170 Ibid., p.16.


convivência marcante com sua emprega<strong>da</strong> Margari<strong>da</strong>, que o levava para passar os fins<br />

<strong>de</strong> sema<strong>na</strong> em sua casa, constituíram-se em fortes referências em seu trabalho. Desse<br />

mo<strong>do</strong>, esse universo, assim como as pessoas que faziam parte <strong>de</strong>le, como a mãe e o<br />

<strong>na</strong>mora<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua emprega<strong>da</strong> se encontravam inseri<strong>do</strong>s em suas peças Eles Não Usam<br />

Black-Tie e Gimba, respectivamente. Prosseguin<strong>do</strong> o seu rememorar, Guarnieri relatou<br />

o mo<strong>do</strong> que ele Black-Tie:<br />

76<br />

“O Black-Tie foi escrito <strong>de</strong> uma forma lúdica. Quer dizer, foi escrito à<br />

noite. Depois <strong>de</strong> representar, eu chegava em casa <strong>de</strong> madruga<strong>da</strong>, e pegava<br />

a maquininha para fazer uma marotice qualquer, e me divertia com aquele<br />

negócio. Custei a mostrar a peça. Inclusive, pros amigos mais chega<strong>do</strong>s,<br />

que era sempre a patotinha <strong>do</strong> TPE. (...) E aí, quan<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong> entrou<br />

<strong>na</strong>quela fase ruim, <strong>na</strong>quela crise, que parecia que o barco ia afun<strong>da</strong>r<br />

mesmo, o Zé Re<strong>na</strong>to resolveu, como canto <strong>do</strong> cisne mesmo, montar Eles Não<br />

Usam Black-Tie. Ele dizia: “Vamos fazer o Black-Tie, porque já que vai<br />

acabar mesmo, vamos acabar com uma peça <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Po<strong>de</strong>mos fazer um<br />

espetáculo razoável.” Então quan<strong>do</strong> era li<strong>da</strong>, ela realmente emocio<strong>na</strong>va<br />

muito. Mas tinha problemas com certos momentos, certas ce<strong>na</strong>s, que não<br />

eram muito bem aceitas pelos atores, <strong>na</strong> leitura. E a primeira sema<strong>na</strong> <strong>de</strong>u<br />

aquele estalo, o pessoal se enten<strong>de</strong>u, houve uma interrelação <strong>da</strong><strong>na</strong><strong>da</strong> entre<br />

os atores, e to<strong>do</strong>s passaram a confiar no espetáculo e <strong>na</strong> peça. Agora, a<br />

reação <strong>do</strong> público foi surpreen<strong>de</strong>nte. A gente não esperava não. Ninguém<br />

esperava. Foi um negócio bonito, magnífico, não digo isso só <strong>de</strong> um la<strong>do</strong><br />

pessoal, por ter participa<strong>do</strong>. Realmente, foi o ponto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se apóia o pé à<br />

procura <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> bote que houve posteriormente, inclusive com to<strong>da</strong> a<br />

turma que surgiu <strong>do</strong> seminário que, apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, representou uma fase<br />

importantíssima para nós to<strong>do</strong>s. A história <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie, é<br />

mais ou menos essa”. 171<br />

Dessa forma, a montagem <strong>da</strong> peça Eles Não Usam Black-Tie propiciou novas<br />

perspectivas para o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, que se encontrava à beira <strong>da</strong> falência e, portanto,<br />

prestes a ser fecha<strong>do</strong>. O enorme e inespera<strong>do</strong> sucesso alcança<strong>do</strong> pela peça, que ficou um<br />

ano em cartaz, livrou o Are<strong>na</strong> <strong>da</strong> crise <strong>na</strong> qual se encontrava; o grupo adquiriu fôlego<br />

novo, e o entusiasmo voltou a contagiar a to<strong>do</strong>s. 172<br />

Nesse contexto, a on<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista que tomava conta <strong>do</strong> país,<br />

alia<strong>da</strong> à enorme euforia com a excelente repercussão junto ao público e à crítica<br />

171 GUARNIERI, 1981, p. 65.<br />

172 Ibid., p.35.


alcança<strong>da</strong> por Black-Tie, além <strong>da</strong>s preocupações <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas <strong>de</strong> Guarnieri e Vianinha,<br />

contribuíram para que surgisse a idéia <strong>da</strong> criação <strong>do</strong> Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>. Esse Seminário, que iniciou oficialmente suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s no dia 12 <strong>de</strong><br />

abril <strong>de</strong> 1958, foi organiza<strong>do</strong> em caráter permanente: ocorria to<strong>da</strong>s as manhãs <strong>de</strong> sába<strong>do</strong><br />

e durou aproxima<strong>da</strong>mente <strong>do</strong>is anos. Era constituí<strong>do</strong> por um núcleo central <strong>de</strong><br />

participantes <strong>do</strong> próprio Are<strong>na</strong>, mas era aberto a to<strong>da</strong>s as pessoas interessa<strong>da</strong>s em<br />

discutir problemas teatrais. 173<br />

77<br />

“O Seminário e o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> provaram a viabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer <strong>teatro</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.Durante o seminário, foram estu<strong>da</strong><strong>do</strong>s aspectos culturais e<br />

estéticos– formais <strong>do</strong> nosso <strong>teatro</strong>. As discussões salientavam a importância<br />

<strong>de</strong> colocar o autor diante <strong>da</strong> problemática <strong>brasil</strong>eira e eram sempre muito<br />

acalora<strong>da</strong>s. O autor que apresentava um texto para discussão “saía <strong>de</strong><br />

quatro” porque a crítica era muito violenta, sem méto<strong>do</strong> nenhum,<br />

resultan<strong>do</strong> negativa para alguns. Essa fase <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong>monstrou também<br />

que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro era viável fi<strong>na</strong>nceiramente para os produtores”. 174<br />

Esses encontros favoreceram o aparecimento <strong>de</strong> inúmeros novos autores que se<br />

encontravam interessa<strong>do</strong>s em discutir os problemas <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. Para Roberto<br />

Freyre, ator e dramaturgo <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, o Seminário foi mais importante enquanto marco<br />

histórico que propriamente um processo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> textos <strong>brasil</strong>eiros, que teriam<br />

si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong>s <strong>da</strong> mesma forma, mas sem a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> consciência <strong>da</strong> importância <strong>de</strong> se<br />

procurar produzir, <strong>na</strong>quele momento, uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. 175<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o Seminário foi fun<strong>da</strong>mental, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, como um meio <strong>de</strong><br />

agluti<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> pessoas interessa<strong>da</strong>s <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> político, alia<strong>da</strong> à luta para<br />

se constituir uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que, no entendimento <strong>de</strong> seus participantes,<br />

<strong>de</strong>veria assumir um caráter niti<strong>da</strong>mente popular e estreitamente liga<strong>do</strong> à reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira.<br />

173 LIMA, 1982, p. 67.<br />

174 GUARNIERI, G. In: Dionysos, 2005, p. 72.<br />

175 FREIRE, Roberto. In: Dionysos, 2005, p. 72.


Em última instância, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se constituiu como o primeiro grupo<br />

teatral profissio<strong>na</strong>l no Brasil que se propôs a pensar, a discutir e a organizar seu trabalho<br />

e sua administração coletivamente, ten<strong>do</strong> como referencial a busca <strong>de</strong> um diálogo com a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. Dessa maneira, os profun<strong>do</strong>s embates, as inúmeras leituras e<br />

alterações <strong>de</strong> textos e as acalora<strong>da</strong>s discussões <strong>de</strong> Vianinha, Guarnieri, Boal, Flávio<br />

Migliaccio, Milton Gonçalves, Roberto Freire, e José Re<strong>na</strong>to, trava<strong>da</strong>s no Seminário <strong>da</strong>s<br />

manhãs <strong>de</strong> sába<strong>do</strong>, produziram uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> paradigma <strong>na</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que contribuíram para a construção <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> teor <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e<br />

popular que terminou por <strong>de</strong>sconstruir o preconceito existente nos meios artísticos, e,<br />

sobretu<strong>do</strong> teatrais, em relação ao escritor e dramaturgo <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, fica evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> pela análise <strong>da</strong>s <strong>na</strong>rrativas <strong>de</strong> Guarnieri que o<br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo era forja<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> um<br />

diálogo e <strong>de</strong> um enfrentamento contínuo com as circunstâncias históricas <strong>na</strong>s quais se<br />

encontrava inseri<strong>do</strong>. Nessa perspectiva, é importante reiterar que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong> po<strong>de</strong> fornecer importantes contribuições acerca <strong>do</strong> imaginário político <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, isto é, <strong>da</strong>s crenças, idéias, sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e<br />

valores <strong>de</strong> caráter político que circulavam entre artistas e intelectuais, militantes<br />

comunistas, trabalhistas e socialistas, estu<strong>da</strong>ntes, sindicalistas e trabalha<strong>do</strong>res que se<br />

encontravam profun<strong>da</strong>mente engaja<strong>do</strong>s <strong>na</strong> elaboração <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> libertação<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para o país, e que, portanto, compartilhavam as representações que integravam<br />

a utopia <strong>de</strong>senvolvimentista que se constituiu como símbolo <strong>da</strong>quela época. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, “projeto e geração, assim, interagiram entre si, num processo <strong>de</strong> constante<br />

diálogo”. 176<br />

176 FERREIRA, 2005, p. 12.<br />

78


Essas constatações são extremamente significativas, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

relacio<strong>na</strong>m as transformações ocorri<strong>da</strong>s no Are<strong>na</strong>, a partir <strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta, com a euforia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista que caracterizou o governo Kubitscheck. Desse<br />

mo<strong>do</strong>, expressivos segmentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira participavam ativamente <strong>de</strong> um<br />

movimento até então inédito <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> patrimônio<br />

econômico e cultural <strong>do</strong> país, e <strong>de</strong> um amplo programa <strong>de</strong> reformas econômicas e<br />

sociais dirigi<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>. 177<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, como assi<strong>na</strong>la Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Neves, “a história <strong>brasil</strong>eira<br />

a partir <strong>do</strong>s anos 40 e, mais especificamente, <strong>do</strong>s anos 50 tem <strong>de</strong>ntre outras, uma<br />

marca muito especial, a <strong>da</strong> crença <strong>na</strong> transformação <strong>do</strong> presente com objetivo <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> um futuro alter<strong>na</strong>tivo ao próprio presente”. 178<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a euforia <strong>de</strong>senvolvimentista, traduzi<strong>da</strong> <strong>na</strong>s expectativas <strong>de</strong><br />

progresso e no clima <strong>de</strong> esperança e otimismo que contagiava to<strong>do</strong> o Brasil, contribuiu<br />

sobremaneira para a efervescência cultural <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. Nesse contexto, a criação <strong>do</strong><br />

Instituto Superior <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Brasileiros (ISEB), em 1955, pelo presi<strong>de</strong>nte Café Filho,<br />

mas que alcançou sua plenitu<strong>de</strong> no qüinqüênio Juscelinista, proporcionou elementos<br />

concretos para que os jovens dramaturgos <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, os cineastas <strong>do</strong> Cinema Novo, os<br />

músicos <strong>da</strong> Bossa-Nova, além <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes, sindicalistas, trabalha<strong>do</strong>res e diferentes<br />

parti<strong>do</strong>s políticos e organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil, pu<strong>de</strong>ssem apostar com afinco <strong>na</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong>senvolvimentista <strong>do</strong> país. 179<br />

O Instituto Superior <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Brasileiros se constituiu em um grupo<br />

diversifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> intelectuais <strong>de</strong> múltiplas origens e especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que, durante a déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 1950, reuniram-se com o objetivo <strong>de</strong> pensar o Brasil e, nesse senti<strong>do</strong>, criaram uma<br />

177 NEVES, 2001, p. 172 -174.<br />

178 Ibid., p. 171.<br />

179 Ibid., p.171.<br />

79


interpretação origi<strong>na</strong>l e po<strong>de</strong>rosa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>brasil</strong>eiro, alicerça<strong>da</strong> no conceito<br />

<strong>de</strong> revolução capitalista <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. 180<br />

Os Isebianos concebiam o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção inseri<strong>do</strong> nos quadros<br />

econômicos <strong>da</strong> revolução capitalista e nos marcos <strong>da</strong> formação <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong>-Nação<br />

mo<strong>de</strong>rno, ou seja, o <strong>de</strong>senvolvimento ocorreria em um merca<strong>do</strong> capitalista <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e<br />

regula<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> Bresser Pereira, para os pensa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ISEB o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento consistia “em um processo <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> capital e <strong>de</strong><br />

incorporação <strong>de</strong> progresso técnico por meio <strong>do</strong> qual a ren<strong>da</strong> por habitantes ou mais<br />

precisamente, os padrões <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população aumentam <strong>de</strong> forma sustenta<strong>da</strong>”. 181<br />

Desse mo<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento se constituía no processo pelo qual o país<br />

realizaria a sua revolução capitalista. Contu<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> existência <strong>do</strong><br />

imperialismo, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s países sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s ape<strong>na</strong>s se tor<strong>na</strong>ria<br />

possível se a revolução capitalista fosse completa<strong>da</strong> pela revolução <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que<br />

propiciaria a formação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, cujo papel seria planejar e, portanto,<br />

conceber estratégias <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento. 182<br />

O projeto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong>senvolvimentista preconiza<strong>do</strong> pelo ISEB possuía<br />

gran<strong>de</strong>s afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s com o projeto reformista <strong>do</strong>s comunistas, associa<strong>do</strong> a objetivos<br />

socialistas. Também havia a forte atuação <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Trabalhista Brasileiro e <strong>de</strong><br />

180 O economista Bresser Pereira ressalta que embora os intelectuais <strong>do</strong> ISEB possuíssem muita cultura,<br />

não se encontravam essencialmente preocupa<strong>do</strong>s com as pesquisas acadêmicas, mas em participar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

pública com sua inteligência. Como seus membros viviam no Rio <strong>de</strong> Janeiro ou em São Paulo, durante<br />

algum tempo, em 1952, eles se encontravam em Itatiaia. Esse grupo, sob a iniciativa <strong>de</strong> Hélio Jaguaribe,<br />

<strong>de</strong>u origem ao IBESP (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Economia, Sociologia e Política) e tornou-se basicamente<br />

um grupo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro que, no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1953 a 1956, teve nos cinco números <strong>da</strong> revista Ca<strong>de</strong>rnos<br />

<strong>do</strong> Nosso Tempo, sua principal publicação. Em 1955, no governo Café Filho, foi cria<strong>do</strong> o ISEB, passan<strong>do</strong><br />

a fazer parte <strong>do</strong> aparelho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Brasileiro. Com a eleição <strong>de</strong> Juscelino, o ISEB transformou-se no<br />

principal centro <strong>do</strong> pensamento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e <strong>de</strong>senvolvimentista <strong>brasil</strong>eiro. Os principais intelectuais <strong>do</strong><br />

ISEB foram os filósofos Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier e Michel Debrun; o sociólogo Alberto<br />

Guerreiro Ramos; os economistas Ignácio Rangel, Rômulo <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> e Ewal<strong>do</strong> Correia Lima; o<br />

historia<strong>do</strong>r Nelson Werneck Sodré; e os cientistas políticos Hélio Jaguaribe, Candi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong><br />

e Oscar Lorenzo Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. O Conceito <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> ISEB<br />

Rediscuti<strong>do</strong>. In: DADOS - Revista <strong>de</strong> Ciências Sociais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol.47, nº. 1, 2004, p. 49.<br />

181 Ibid., p. 55.<br />

182 Ibid., p.56.<br />

80


organizações como a UNE e a Ação Católica que reunia os católicos progressistas, além<br />

<strong>do</strong> movimento operário que por meio <strong>da</strong> mobilização sindical verifica<strong>da</strong> nos anos 50 se<br />

fortalecia gra<strong>da</strong>tivamente. Sen<strong>do</strong> assim, durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, diferentes parti<strong>do</strong>s e<br />

organizações sociais participavam ativamente <strong>da</strong> elaboração <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> reformas<br />

políticas e sociais para o Brasil. 183<br />

Nessa perspectiva, esse projeto não era unívoco, nem homogêneo, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em<br />

que era matiza<strong>do</strong> pelas propostas específicas <strong>da</strong>s diferentes organizações políticas e<br />

culturais pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. No entanto com reitera<br />

Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Neves, “(...) Mesmo através <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> proposições que<br />

conformavam o programa <strong>de</strong> reformas que se projetava para o país, sua ênfase<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e distributivista caracterizou-se como fator constitutivo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma conjuntura histórica peculiar”. 184<br />

Os integrantes <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, por serem em sua maior parte jovens estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong><br />

esquer<strong>da</strong> ou trabalha<strong>do</strong>res, vinculavam-se <strong>de</strong> forma direta ou indireta às organizações<br />

mencio<strong>na</strong><strong>da</strong>s anteriormente, especialmente ao PCB, parti<strong>do</strong> no qual uma parte<br />

significativa era militante ou mesmo simpatizante, e ao ISEB, instituição com a qual a<br />

maioria <strong>de</strong>les dialogava. Nesse senti<strong>do</strong>, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se encontrava profun<strong>da</strong>mente<br />

envolvi<strong>do</strong> no <strong>de</strong>bate político e <strong>na</strong>s lutas sociais que ocorriam no país durante a déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 1950 em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento industrial, <strong>da</strong> realização <strong>de</strong> reformas sociais e <strong>da</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência diante <strong>do</strong>s grupos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Nessa perspectiva, po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar <strong>na</strong>s consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Augusto Boal,<br />

acerca <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> no qual ele entrou para o Are<strong>na</strong>, elementos constitutivos <strong>da</strong> utopia<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista <strong>do</strong>s anos 50:<br />

183 NEVES, 2001, p. 171.<br />

184 Ibid., p. 172.<br />

81


82<br />

“Nesse perío<strong>do</strong> Juscelinista, perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo – mesmo que tivesse<br />

muita coisa erra<strong>da</strong> – era um <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo que se baseava também muito <strong>na</strong><br />

penetração <strong>do</strong> capital americano, mas, <strong>de</strong> qualquer maneira, havia um certo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento real. O perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Brasília foi o perío<strong>do</strong> em que houve um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> si<strong>de</strong>rurgia, houve um <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> indústria em<br />

geral. O Brasil realmente... quer dizer, as metas <strong>do</strong> Juscelino eram fazer<br />

cinqüenta anos em cinco. Evi<strong>de</strong>ntemente, ele não conseguiu isso, mas ele<br />

conseguiu um avanço espetacular, um <strong>de</strong>senvolvimento espetacular <strong>da</strong><br />

economia <strong>brasil</strong>eira, mesmo se continuasse atrela<strong>do</strong> ao Fun<strong>do</strong> Monetário<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l...<br />

Nesse perío<strong>do</strong> aparece o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, mas também apareceu o Cinema<br />

Novo. Nelson Pereira <strong>do</strong>s Santos é mais ou menos <strong>de</strong>ssa época. Um pouco<br />

antes <strong>do</strong> que nós, <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. A Bossa Nova é também <strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong>. E<br />

mesmo o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s artes plásticas, também coinci<strong>de</strong>. Então, você<br />

veja que havia to<strong>do</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento artístico que não era só <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>.<br />

Quer dizer, isso fazia parte <strong>de</strong> uma... eu não diria revolução porque não era<br />

uma revolução mas <strong>de</strong> uma conturbação social positiva – não é? – que<br />

<strong>de</strong>senvolvia o Brasil.<br />

Provocou o aparecimento <strong>de</strong> tantas formas novas <strong>de</strong> arte que não existiam<br />

antes e o <strong>de</strong>senvolvimento. Havia uma disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira. O pessoal<br />

ia a <strong>teatro</strong>, ia a cinema, ia a concerto. Se criava, eu costumo dizer – até as<br />

pessoas pensam que é pia<strong>da</strong> mas não é. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s essas<br />

coisas <strong>de</strong> arte foram coinci<strong>de</strong>ntes com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma coisa que<br />

chamavam inferninho, que eram as peque<strong>na</strong>s boates – não é ? – boites <strong>de</strong><br />

nuit. Apareceram, proliferaram ao mesmo momento. É porque havia um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, havia um <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo.<br />

O Are<strong>na</strong> tinha, além disso, metas próprias, também. Além <strong>da</strong> meta<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista geral, nós tínhamos a nossa que era esse <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong>via vir em favor, em função <strong>do</strong> povo e não em função <strong>de</strong> elites ape<strong>na</strong>s.<br />

Quer dizer, não em função <strong>da</strong> classe média ape<strong>na</strong>s. Então nós, embora<br />

víssemos que havia um <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira gran<strong>de</strong>,<br />

víamos que havia as cama<strong>da</strong>s sociais mais trabalha<strong>do</strong>ras e as cama<strong>da</strong>s<br />

sociais <strong>de</strong>semprega<strong>da</strong>s – que não tinham trabalho, que não tinham terra,<br />

não tinham emprego - essas cama<strong>da</strong>s continuavam miseráveis. Nós víamos<br />

o progresso <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas <strong>na</strong>s classes <strong>de</strong> média para alta e o resto não.<br />

Proletários muito pouco, comparativamente. Então, nós éramos a favor que<br />

esse progresso fosse mais popular também. Essa era a nossa meta e essa<br />

meta se traduziu <strong>de</strong> forma diferente, como a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong>s clássicos,<br />

como foi os musicais que nós fizemos, como foi a parte <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e tu<strong>do</strong><br />

isto”. 185<br />

Outro aspecto significativo que po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar <strong>na</strong>s reflexões <strong>de</strong> Augusto<br />

Boal, acerca <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares, são traços <strong>de</strong> um certo romantismo que, segun<strong>do</strong><br />

Marcelo Ri<strong>de</strong>nti, permeou o imaginário sócio-político-cultural <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira entre as déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> cinqüenta e sessenta. De acor<strong>do</strong> com o autor, em seu livro<br />

“Em Busca <strong>do</strong> Povo Brasileiro”, artistas e intelectuais, a partir <strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta no Brasil, participan<strong>do</strong> intensamente <strong>da</strong> euforia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista que caracterizou<br />

185<br />

BOAL,A. In: ROUX, Richard. Le Theatre Are<strong>na</strong> (São Paulo 1953 -1977). Provence: Université <strong>de</strong><br />

Provence, 1991, p.614.


o governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitscheck, procuravam, por meio <strong>de</strong> suas práticas políticas e<br />

culturais, discutir o problema <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e política <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. 186<br />

Nessa perspectiva, buscava-se por um la<strong>do</strong>, com a volta ao passa<strong>do</strong>, encontrar as<br />

raízes <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> país, e por outro la<strong>do</strong>, procurava-se romper com o<br />

sub<strong>de</strong>senvolvimento por meio <strong>da</strong> luta pela emancipação e pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com base <strong>na</strong> intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Por isso, a atmosfera político-cultural <strong>da</strong><br />

época se encontrava impreg<strong>na</strong><strong>da</strong> pelas idéias <strong>de</strong> povo, libertação e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. 187<br />

Desse mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o referi<strong>do</strong> autor, os diversos grupos políticos e<br />

culturais que integravam a “esquer<strong>da</strong>” <strong>brasil</strong>eira durante os anos cinqüenta e sessenta<br />

<strong>de</strong>batiam intensamente a questão <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e política <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, procuravam encontrar no passa<strong>do</strong>, <strong>na</strong> i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> um autêntico<br />

homem <strong>do</strong> povo, <strong>do</strong> interior, com raízes rurais, supostamente não contami<strong>na</strong><strong>do</strong> pela<br />

mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista, uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> para o país, que serviria <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para a<br />

construção <strong>de</strong> uma nova <strong>na</strong>ção, mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> e <strong>de</strong>salie<strong>na</strong><strong>da</strong>, e no limite socialista. Sen<strong>do</strong><br />

assim, buscava-se, ao mesmo tempo, as origens <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e a ruptura com<br />

o sub<strong>de</strong>senvolvimento, visan<strong>do</strong> obter o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> país com base <strong>na</strong><br />

intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 188<br />

Nesse contexto, toman<strong>do</strong> como referência o livro “Revolta e melancolia, o<br />

romantismo <strong>na</strong> contramão <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>do</strong> sociólogo Michael Löwy e <strong>do</strong> crítico<br />

literário Robert Sayre, Marcelo Ri<strong>de</strong>nti utiliza o conceito <strong>de</strong> “romantismo<br />

revolucionário” para compreen<strong>de</strong>r o imaginário sócio-político cultural <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta e sessenta que permeou as manifestações artísticas no <strong>teatro</strong>, <strong>na</strong> música<br />

186<br />

Cf. RIDENTI, 2000.<br />

187<br />

Ibid.<br />

188<br />

RIDENTI, 2003, p.136.<br />

83


popular, no cinema, <strong>na</strong> literatura e <strong>na</strong>s artes plásticas, assim como os programas<br />

políticos <strong>de</strong> vários grupos <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>. 189<br />

De acor<strong>do</strong> com esse autor, o conceito <strong>de</strong> romantismo <strong>de</strong> Löwy e Sayre<br />

compreen<strong>de</strong> uma crítica à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista engendra<strong>da</strong> pela civilização mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>,<br />

caracteriza<strong>da</strong>, segun<strong>do</strong> Marx Weber, pela racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> instrumental, espírito <strong>de</strong><br />

cálculo, <strong>de</strong>sumanização, consumismo, império <strong>do</strong> fetichismo <strong>da</strong> merca<strong>do</strong>ria e <strong>do</strong><br />

dinheiro, que origi<strong>na</strong>ria um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencantamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>da</strong> melancólica convicção <strong>de</strong> que o presente necessitaria <strong>de</strong> certos valores essenciais que<br />

teriam si<strong>do</strong> alie<strong>na</strong><strong>do</strong>s em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> implantação <strong>do</strong> sistema capitalista. 190<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a No<strong>na</strong> tese sobre a Filosofia <strong>da</strong> História <strong>de</strong> Walter Benjamin<br />

consiste em uma <strong>da</strong>s idéias mais representativas <strong>da</strong> crítica romântica à mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

capitalista. Vivencian<strong>do</strong> o impacto <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista no<br />

século XIX, o autor alemão escreveu:<br />

84<br />

“Há um quadro <strong>de</strong> Klee intitula<strong>do</strong> Ângelus Novus. Nele está representa<strong>do</strong><br />

um anjo, que parece querer afastar-se <strong>de</strong> algo a que ele contempla. Seus<br />

olhos estão arregala<strong>do</strong>s, sua boca está aberta e suas asas estão prontas<br />

para voar. O Anjo <strong>da</strong> História <strong>de</strong>ve parecer assim. Ele tem o rosto volta<strong>do</strong><br />

para o passa<strong>do</strong>. O diante <strong>de</strong> nós aparece uma série <strong>de</strong> eventos, ele vê uma<br />

catástrofe única, que sem cessar acumula escombros sobre escombros,<br />

arremessan<strong>do</strong>-os diante <strong>do</strong>s seus pés. Ele bem que gostaria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r parar,<br />

<strong>de</strong> acor<strong>da</strong>r os mortos e <strong>de</strong> reconstruir o <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>. Mas uma tempesta<strong>de</strong><br />

sopra <strong>do</strong> paraíso, aninhan<strong>do</strong>-se em suas asas, e ela é tão forte que ele não<br />

consegue mais cerrá-las. Essa tempesta<strong>de</strong> impele-o incessantemente para o<br />

futuro, ao qual ele dá as costas, enquanto o monte <strong>de</strong> escombros cresce ante<br />

ele até o céu. Aquilo que chamamos <strong>de</strong> Progresso é essa tempesta<strong>de</strong>” . 191<br />

Essa tese po<strong>de</strong>ria ser utiliza<strong>da</strong> para traduzir a visão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parcela <strong>da</strong><br />

intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, que almejava realizar<br />

uma revolução <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em direção ao futuro, mas para alcançar esse intento<br />

buscava encontrar as raízes <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção que era procura<strong>da</strong> no<br />

189<br />

RIDENTI, 2003, p.25 -26.<br />

190<br />

WEBER, Max. Ensaios <strong>de</strong> Sociologia. In: Weber. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 248-250.<br />

191<br />

BENJAMIM, Walter. Sobre o Conceito <strong>de</strong> História. In: Obras Escolhi<strong>da</strong>s. São Paulo: Brasiliense,<br />

1987, p. 226.


homem <strong>do</strong> campo, não corrompi<strong>do</strong> pela mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> urba<strong>na</strong> capitalista. Não é por<br />

acaso que, segun<strong>do</strong> Marcelo Ri<strong>de</strong>nti, Walter Benjamin era um <strong>do</strong>s teóricos mais li<strong>do</strong>s<br />

pelo pessoal <strong>do</strong> cinema novo, como também por muitos artistas plásticos, dramaturgos e<br />

diretores <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> <strong>da</strong> época, que faziam alusões em seus filmes, obras <strong>de</strong> arte e peças <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong> às idéias <strong>de</strong>sse pensa<strong>do</strong>r. 192<br />

No entanto, como reitera o autor, esse romantismo, embora se colocasse <strong>na</strong><br />

contramão <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, objetivan<strong>do</strong> recuperar um encantamento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, uma<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> inspira<strong>da</strong> no homem <strong>do</strong> povo, não se propunha a criar utopias<br />

anticapitalistas regressivas, mas pelo contrário, progressistas, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

para<strong>do</strong>xalmente buscava no passa<strong>do</strong> as raízes populares <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, que serviriam <strong>de</strong><br />

base para a construção no futuro <strong>de</strong> uma revolução <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l mo<strong>de</strong>rnizante que, no<br />

limite, po<strong>de</strong>ria romper as fronteiras <strong>do</strong> capitalismo. 193<br />

Tratava-se, pois, <strong>de</strong> um romantismo, mas revolucionário, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a<br />

volta ao passa<strong>do</strong> se constituía <strong>na</strong> inspiração para construir um homem novo – o<br />

autêntico homem <strong>do</strong> povo, com raízes rurais, supostamente não contami<strong>na</strong><strong>do</strong> pela<br />

mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> urba<strong>na</strong> capitalista, cuja essência estaria no espírito <strong>do</strong> camponês e <strong>do</strong><br />

migrante trabalha<strong>do</strong>r <strong>na</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Com base nesse mo<strong>de</strong>lo, pretendia-se um futuro no<br />

qual os homens encontrariam os valores que haviam perdi<strong>do</strong> com a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. 194<br />

Contu<strong>do</strong>, é importante explicitar que Marcelo Ri<strong>de</strong>nti admite que caracterizar os<br />

movimentos políticos e culturais <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>do</strong>s anos cinqüenta e sessenta<br />

como românticos é, no mínimo, polêmico. Certamente porque seus militantes não<br />

aceitariam <strong>de</strong> forma alguma essa qualificação, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, em sua ampla<br />

maioria, eram a<strong>de</strong>ptos <strong>do</strong> marxismo-leninismo que sempre renegou o romantismo, que<br />

192 RIDENTI, 2000, p. 95.<br />

193 Ibid., p.95.<br />

194 Ibid., p. 25.<br />

85


era visto pelos marxistas como i<strong>de</strong>alista e passadista, enquanto eles procuravam<br />

recuperar criticamente o lega<strong>do</strong> iluminista pelo viés <strong>do</strong>s princípios <strong>de</strong> Marx. 195<br />

Desse mo<strong>do</strong>, as diferentes correntes artísticas <strong>brasil</strong>eiras que se aproximavam <strong>do</strong><br />

marxismo, como o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, o Centro Popular <strong>de</strong> Cultura (CPC) e o Cinema<br />

Novo, pretendiam-se realistas e mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s — e muito se discutiu e ain<strong>da</strong> se discute, em<br />

ca<strong>da</strong> caso, se esse realismo seria socialista (segun<strong>do</strong> propunha a linha oficial <strong>da</strong> arte<br />

soviética nos anos 50), crítico (inspira<strong>do</strong> em Lukács ou Brecht) ou neo-realista<br />

(influencia<strong>do</strong> pelo movimento <strong>do</strong> cinema italiano <strong>do</strong> pós-guerra, nos anos 40 e 50) ou<br />

uma síntese inova<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s eles. Nesse senti<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s esses movimentos<br />

proclamavam-se como her<strong>de</strong>iros <strong>da</strong> razão iluminista e, portanto, visavam<br />

cientificamente revelar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social objetiva, <strong>de</strong> classes, em que as forças materiais<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m a História e o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong>s homens – o que permite classificá-los como<br />

realistas. 196<br />

No entanto, como assi<strong>na</strong>la Marcelo Ri<strong>de</strong>nti com muita pertinência, to<strong>do</strong>s esses<br />

movimentos possuíam traços românticos, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que <strong>de</strong>fendiam a indissociação<br />

entre vi<strong>da</strong> e arte, eram <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas – valorizavam o passa<strong>do</strong> histórico e cultural <strong>do</strong><br />

povo –, buscavam as origens populares que seriam utiliza<strong>da</strong>s para construir o futuro <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>ção livre e sobera<strong>na</strong>, e, por fim, concebiam a arte como um meio <strong>de</strong> se contestar a<br />

or<strong>de</strong>m vigente. Sen<strong>do</strong> assim, to<strong>do</strong>s esses movimentos e ca<strong>da</strong> artista em particular<br />

realizaram, <strong>do</strong> seu mo<strong>do</strong>, “sínteses mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s <strong>de</strong> realismo e romantismo, que<br />

globalmente po<strong>de</strong>m ser classifica<strong>da</strong>s como romantismo revolucionário”. 197<br />

Nesse âmbito <strong>de</strong> análise, com base <strong>na</strong>s consi<strong>de</strong>rações teci<strong>da</strong>s por Marcelo<br />

Ri<strong>de</strong>nti em torno <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> “romantismo revolucionário” que, segun<strong>do</strong> o autor,<br />

permeou o imaginário <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta no<br />

195 RIDENTI, 2000, p. 55-56.<br />

196 Ibid., p. 56-57.<br />

197 Ibid., p. 57.<br />

86


Brasil, consi<strong>de</strong>ramos pertinente acrescentarmos o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Paulo José que foi um<br />

outro ativo integrante <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, acerca <strong>da</strong> visão <strong>do</strong> grupo sobre o povo e sobre o <strong>teatro</strong><br />

popular:<br />

87<br />

“Você ten<strong>de</strong> a fazer uma i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens populares – os<br />

protagonistas - que passam a ser heróis positivos, <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>, a classe <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte que passa a ser <strong>do</strong><strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os vícios, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>feitos: são os antagonistas, são os vilões <strong>da</strong><br />

história. Até existe uma tendência a fazer esquemas simplifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

mocinho e bandi<strong>do</strong> ou <strong>de</strong> opressor e oprimi<strong>do</strong>.<br />

Mas, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, isso – <strong>na</strong>s discussões que havia com pessoas como Décio<br />

<strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong> que sempre <strong>de</strong>nunciava esse caráter maniqueísta <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> – isso era <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> porque era para<br />

ser assim mesmo. (...) Porque, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, havia um compromisso: era um<br />

<strong>teatro</strong> político. E, <strong>na</strong>quele momento, não interessava você ficar trabalhan<strong>do</strong><br />

em cima <strong>da</strong>s contradições inter<strong>na</strong>s <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> operários, mas<br />

interessava mostrar o conflito que existia entre os operários e os<br />

patrões”. 198<br />

Nessa perspectiva, a toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma dramaturgia<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e popular relacio<strong>na</strong>-se sobremaneira, com as idéias <strong>do</strong> romantismo<br />

revolucionário pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no perío<strong>do</strong>, que buscava encontrar entre as cama<strong>da</strong>s<br />

populares, isto é, no camponês, no operário, no migrante favela<strong>do</strong>, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

homem que serviria <strong>de</strong> base para a construção <strong>de</strong> uma nova <strong>na</strong>ção, livre, justa e<br />

sobera<strong>na</strong>. Daí se explica a contun<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>fesa expressa <strong>na</strong> dramaturgia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong> <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens populares que, <strong>de</strong> maneira geral, eram os protagonistas e os<br />

heróis positivos <strong>da</strong>s peças. Assim, este caráter maniqueísta <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> –<br />

<strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma veemente pelos mais diversos críticos teatrais e estudiosos <strong>de</strong>sse<br />

grupo teatral – era a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> proposita<strong>da</strong>mente pelos seus dramaturgos.<br />

Um outro aspecto que consi<strong>de</strong>ramos importante no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Paulo José<br />

diz respeito ao tipo <strong>de</strong> público que freqüentava o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, pois segun<strong>do</strong> ele,<br />

embora a temática <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, sobretu<strong>do</strong> <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, fosse<br />

198 JOSÉ, Paulo. In: ROUX, 1991, p. 448.


pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente popular, o público que freqüentava esse Teatro era composto em<br />

sua gran<strong>de</strong> maioria por estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> classe média, uma vez que<br />

88<br />

“Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, era um <strong>teatro</strong> que estava muito mais dirigi<strong>do</strong> para a classe<br />

média mesmo e alcançava, basicamente, a classe estu<strong>da</strong>ntil, <strong>na</strong> maioria, <strong>da</strong><br />

peque<strong>na</strong> burguesia. Mas que se mobilizava e havia uma eficácia política,<br />

também. Porque essas pessoas ficavam toca<strong>da</strong>s por aquelas temáticas que<br />

eram coloca<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>queles espetáculos. Embora se fizesse esses<br />

espetáculos, também, em praça pública, em circos, em sindicatos. (...).<br />

Havia até um fenômeno que parou em 68, exatamente diante <strong>do</strong> Ato<br />

Institucio<strong>na</strong>l nº. 5, que acabou com to<strong>do</strong>s os <strong>teatro</strong>s e cinemas aqui, é o<br />

seguinte: o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> passou a ser o <strong>teatro</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>da</strong>ntes. Foi<br />

acontecen<strong>do</strong> que os estu<strong>da</strong>ntes começavam a comprar ingressos em grupos,<br />

porque saía mais barato. E o espetáculo, antes <strong>de</strong> estrear, já estava, pelo<br />

menos, três meses, lota<strong>do</strong>, antes. (...) E to<strong>do</strong> espetáculo era segui<strong>do</strong> por um<br />

<strong>de</strong>bate. Inevitavelmente. Porque eles haviam assisti<strong>do</strong> ao espetáculo e<br />

queriam <strong>de</strong>bater <strong>de</strong>pois. Acabava o espetáculo, se fazia um <strong>de</strong>bate. Isso,<br />

to<strong>da</strong> noite. Já ficou um sistema. Aconteceu um processo que o Ato<br />

Institucio<strong>na</strong>l acabou, mas que era interessante e que é o seguinte: quem<br />

paga acaba sen<strong>do</strong> <strong>do</strong>no <strong>do</strong> <strong>teatro</strong>, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> o que quer ver, assistem à<br />

peça, discutem <strong>de</strong>pois... Essa relação com o público ia <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> um rumo<br />

para o <strong>teatro</strong>. Seria o <strong>teatro</strong> para aquelas pessoas, praticamente para os<br />

estu<strong>da</strong>ntes. Porque eles, através <strong>do</strong> processo diário <strong>de</strong> discussão, corrigiam<br />

os rumos <strong>da</strong> própria proposta <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> e, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, os <strong>do</strong>nos<br />

<strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> passaram a ser os estu<strong>da</strong>ntes”. 199<br />

Por meio <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>mos perceber a importância <strong>da</strong> recepção<br />

para o trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Are<strong>na</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que essa companhia teatral<br />

tinha nos estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> classe média um segmento <strong>de</strong> público cativo que garantia a<br />

lotação <strong>do</strong>s espetáculos, pois comprava os ingressos antecipa<strong>da</strong>mente. Essa enorme<br />

receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> por parte <strong>do</strong> público estu<strong>da</strong>ntil se constituiu em um <strong>do</strong>s fatores que<br />

explicam a sobrevivência, por quase vinte anos, <strong>de</strong> um Teatro <strong>de</strong> 150 lugares, situa<strong>do</strong><br />

em uma peque<strong>na</strong> sala <strong>de</strong> uma loja no centro <strong>de</strong> São Paulo, em sistema <strong>de</strong> cooperativa e<br />

sem subsídio gover<strong>na</strong>mental.<br />

Nessa perspectiva, a dramaturgia <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> possuía um caráter político; as<br />

peças, <strong>de</strong> maneira geral, <strong>de</strong>nunciavam as injustiças sociais e mostravam a importância<br />

<strong>da</strong> organização popular para combater as <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais e os abusos <strong>do</strong>s<br />

199 JOSÉ. In: ROUX, 1991, p. 446.


po<strong>de</strong>rosos. Desse mo<strong>do</strong>, o Are<strong>na</strong>, por não se constituir como um <strong>teatro</strong> esteticista, e por<br />

possuir uma temática crítica e <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia social que visava contribuir para o processo<br />

<strong>de</strong> conscientização <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, não agra<strong>da</strong>va a burguesia paulista, que continuou<br />

freqüentan<strong>do</strong> os requinta<strong>do</strong>s e luxuosos espetáculos <strong>do</strong> TBC.<br />

E foi exatamente por não agra<strong>da</strong>r aos setores elitistas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que o<br />

Are<strong>na</strong> obteve tanta ressonância junto ao público intelectualiza<strong>do</strong> e estu<strong>da</strong>ntil <strong>de</strong> classe<br />

média, pois esse <strong>teatro</strong> falava o que esse público queria ouvir, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que seus<br />

integrantes pertenciam ao mesmo segmento <strong>de</strong> seu público: a maioria <strong>de</strong>les, eram jovens<br />

estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> classe média, muitos <strong>de</strong>les militavam no Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro ou<br />

eram simpatizantes <strong>de</strong>le ou <strong>de</strong> outro parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>. Enfim, palco e platéia se<br />

encontravam uni<strong>do</strong>s em torno <strong>da</strong> utopia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista, que se<br />

consubstanciava no sonho <strong>de</strong> contribuir para a realização <strong>da</strong> revolução <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

<strong>brasil</strong>eira, que libertaria o país e o povo a um só tempo <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio estrangeiro e <strong>do</strong><br />

sub<strong>de</strong>senvolvimento, crian<strong>do</strong> as condições para a emancipação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a <strong>na</strong>ção.<br />

Em última análise po<strong>de</strong>mos afirmar que a enorme receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> alcança<strong>da</strong> pelo<br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> no cenário teatral <strong>brasil</strong>eiro durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, no Brasil, se<br />

explica fun<strong>da</strong>mentalmente porque a dramaturgia <strong>de</strong>sse grupo teatral simbolizava a luta<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong> uma geração que, marca<strong>da</strong> por um forte senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> esperança, acreditou em sua<br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção <strong>na</strong> dinâmica <strong>da</strong> história, com vistas a obter a implantação <strong>de</strong><br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento justo e igualitário para o país. Dessa maneira, como<br />

afirma Jorge Ferreira:<br />

200 FERREIRA, 2005, p.12.<br />

89<br />

“Não seria exagero afirmar que, <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, surgiu <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira uma geração <strong>de</strong> homens e mulheres que, partilhan<strong>do</strong> <strong>de</strong> idéias,<br />

crenças e representações, acreditou que no <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, <strong>na</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong><br />

soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong>s reformas <strong>da</strong>s estruturas sócio-econômicas <strong>do</strong> país,<br />

<strong>na</strong> ampliação <strong>do</strong>s direitos sociais <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> campo e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

entre outras <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s materiais e simbólicas, encontrariam os meios<br />

necessários para alcançar o real <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> país e o efetivo bemestar<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>”. 200


Nesse contexto, Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, chama<strong>do</strong> carinhosamente por<br />

Vianinha pelos amigos, foi um <strong>do</strong>s homens neste país que acreditou intensamente e se<br />

engajou <strong>de</strong> corpo e alma nesta utopia <strong>de</strong>senvolvimentista pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no Brasil <strong>na</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta.<br />

Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho e Augusto Boal<br />

foram os principais responsáveis pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s realiza<strong>da</strong>s pelo<br />

Are<strong>na</strong>, atuan<strong>do</strong> no grupo como dramaturgos, diretores e atores. Contu<strong>do</strong>, os <strong>do</strong>is<br />

últimos se <strong>de</strong>stacaram também por construírem reflexões acerca <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

realiza<strong>da</strong>s pelo grupo, e especialmente sobre o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que se revestiam essas<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, procuran<strong>do</strong> <strong>da</strong>r inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao trabalho estético e político realiza<strong>do</strong> por<br />

eles <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. 201<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho entrou para o Are<strong>na</strong> em 1956, junto com Guarnieri,<br />

pois eram oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte (TPE) e militavam no movimento<br />

estu<strong>da</strong>ntil e no Parti<strong>do</strong> Comunista. Durante o curto espaço <strong>de</strong> tempo no qual<br />

permaneceu no Are<strong>na</strong>, ape<strong>na</strong>s até 1960, como também durante sua breve vi<strong>da</strong>, ele<br />

sempre buscou construir reflexões sobre o seu trabalho artístico, articula<strong>do</strong> à conjuntura<br />

cultural, econômica, política e social vivi<strong>da</strong> pelo país. 202<br />

Sen<strong>do</strong> assim, para Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Peixoto, Vianinha,<br />

201 PATRIOTA, 2001, p.180.<br />

202 Ibid., p.180.<br />

90<br />

“(...) <strong>de</strong>u o exemplo <strong>de</strong> uma autocrítica constante. Uma característica <strong>de</strong><br />

sua honesti<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> coerência e <strong>da</strong> leal<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> a seus<br />

compromissos. (...) Repensou seu trabalho e suas posições com humil<strong>de</strong><br />

sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong>, sem qualquer espécie <strong>de</strong> autopie<strong>da</strong><strong>de</strong>. (...) Porque ele se<br />

recusou a ser fácil (quan<strong>do</strong> pensa, sabe i<strong>de</strong>ntificar as origens e as<br />

conseqüências <strong>do</strong> que a<strong>na</strong>lisa). Porque não aceita o superficial (sem negar<br />

a tática importância <strong>do</strong> “circunstancial”) nem o engano <strong>da</strong> aparente<br />

vitória. Uma virtu<strong>de</strong>, entre tantas outras: poucos, como ele, quan<strong>do</strong> tratam<br />

<strong>de</strong> questões <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro sabem que <strong>na</strong><strong>da</strong> está começan<strong>do</strong>. Vianinha<br />

retoma sempre o passa<strong>do</strong> para tentar melhor compreen<strong>de</strong>r e formular o<br />

presente. (...) Por tu<strong>do</strong> isso, percebe-se com niti<strong>de</strong>z que <strong>na</strong><strong>da</strong> é gratuito: é<br />

uma reflexão crítica em permanente processo. Discute (até consigo próprio)


91<br />

para encontrar soluções. Uma referência permanente: a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.(...) E a<br />

certeza <strong>de</strong> que o processo histórico é afi<strong>na</strong>l construí<strong>do</strong> e constituí<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

acertos e erros. E <strong>de</strong> que a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural só existe quan<strong>do</strong><br />

indissoluvelmente vincula<strong>da</strong> à pratica social e política <strong>do</strong> país e <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>”. 203<br />

Nesse contexto, exatamente <strong>de</strong>z anos após a criação <strong>do</strong> TBC, que expressava a<br />

síntese <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelos diretores estrangeiros no Brasil, em outubro <strong>de</strong><br />

1958, Vianinha escreveu um ensaio com o título Momento <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro,<br />

procuran<strong>do</strong> a<strong>na</strong>lisar o significa<strong>do</strong> <strong>da</strong>s transformações sofri<strong>da</strong>s pelo <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro<br />

<strong>na</strong>quela conjuntura. Nessa perspectiva, aquele perío<strong>do</strong> se revestiu <strong>de</strong> uma especial<br />

importância <strong>na</strong> história <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que 1958 foi o ano <strong>da</strong><br />

estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie. Desse mo<strong>do</strong>, a partir <strong>do</strong> impacto representa<strong>do</strong> pela<br />

ence<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> peça escrita por Gianfrancesco Guarnieri, Vianinha pretendia encontrar<br />

novos parâmetros por meio <strong>do</strong>s quais ele acreditava que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong>veria se<br />

nortear. Assim, para ele:<br />

“O <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro atravessa já uma <strong>da</strong>s fases mais expressivas <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento histórico. A <strong>da</strong> <strong>de</strong>finição. Fase <strong>da</strong> conscientização<br />

diante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> mais ser ignora<strong>da</strong>. Os resulta<strong>do</strong>s<br />

artísticos <strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong>sta etapa serão ain<strong>da</strong> futuros, porém, <strong>de</strong> qualquer<br />

maneira, umbilicalmente liga<strong>do</strong>s ao senti<strong>do</strong> que for impresso à atuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

O violento aguçamento <strong>da</strong>s contingências sociais e econômicas que agitam<br />

o país não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> alcançar o <strong>teatro</strong>. Des<strong>de</strong> 1945, nosso <strong>teatro</strong><br />

vem se <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> um pouco à margem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social <strong>brasil</strong>eira.<br />

Um pequeno laboratório, <strong>de</strong> curto alcance, importante para a afirmação <strong>do</strong><br />

<strong>teatro</strong> mais ain<strong>da</strong> limita<strong>do</strong> <strong>na</strong> contribuição cultural que trazia para o povo<br />

<strong>brasil</strong>eiro. Diretores estrangeiros trouxeram um salto <strong>na</strong> concepção <strong>de</strong><br />

<strong>teatro</strong>. A elaboração <strong>do</strong> espetáculo como arte instalou-se <strong>na</strong> consciência <strong>do</strong><br />

homem <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. Surgiram autores, atores, que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ram uma nova<br />

forma <strong>de</strong> espetáculo. Mas, ain<strong>da</strong> pesquisas tateantes, sem bases intelectuais<br />

mais sóli<strong>da</strong>s e principalmente, sem uma urgência huma<strong>na</strong> que, se não<br />

justificasse, pelo menos compensaria a <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso <strong>teatro</strong>.<br />

Desenvolven<strong>do</strong>-se mais e mais, o <strong>teatro</strong> foi se ligan<strong>do</strong> ao público. A<br />

pesquisa, a procura, o estu<strong>do</strong> foram se firman<strong>do</strong> como fun<strong>da</strong>mentais para a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> novos passos. E o ator, o diretor, o autor, o crítico vão<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a simples inspiração, vão cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> apurar a sua forma, vão<br />

reconhecen<strong>do</strong> suas enormes <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A pretensão <strong>do</strong>s espetáculos<br />

diminui, os espetáculos melhoram. Na<strong>da</strong> mais é a última palavra. E a<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> humano, <strong>da</strong> criação <strong>de</strong> um repertório que possibilitasse algo<br />

mais que uma simples bela realização artística <strong>de</strong> quatro pare<strong>de</strong>s, vai<br />

toman<strong>do</strong> forma, vai se agigantan<strong>do</strong>.<br />

203 PEIXOTO, Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong>. Um Prefácio (1983). In: PEIXOTO, Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> (org). Vianinha: <strong>teatro</strong> – televisão<br />

– política. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 12-14.


92<br />

O <strong>teatro</strong>, com o seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, ligan<strong>do</strong>-se ao público,<br />

crian<strong>do</strong> escolas, sofren<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> conscientização <strong>do</strong>s<br />

problemas <strong>brasil</strong>eiros que atravessa o nosso povo em geral, nossa cultura<br />

em particular, chega a um momento capital: <strong>de</strong>finir-se. Definição. Ou a<br />

agora cômo<strong>da</strong> realização <strong>de</strong> espetáculos muito bem monta<strong>do</strong>s, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

peças absolutamente alie<strong>na</strong><strong>da</strong>s para o povo <strong>brasil</strong>eiro, <strong>de</strong> mau gosto<br />

literário, com um estilo <strong>de</strong> interpretação ain<strong>da</strong> basea<strong>do</strong> <strong>na</strong> superficiali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> emoção. Um <strong>teatro</strong> alie<strong>na</strong><strong>do</strong> que vai se requintan<strong>do</strong> em pseu<strong>do</strong>beleza<br />

plástica, em pseu<strong>do</strong>gran<strong>de</strong>s interpretações e gran<strong>de</strong>s montagens,<br />

carrega<strong>da</strong>s <strong>de</strong> vazio e pretensão; ou a realização <strong>de</strong> espetáculos, on<strong>de</strong> a<br />

procura <strong>do</strong> autêntico, <strong>do</strong> humano, <strong>do</strong> urgente mesmo, estabeleça a ligação<br />

imediata <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> com a vi<strong>da</strong> que vivemos? Um <strong>teatro</strong> comercial ou um<br />

<strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, com raízes <strong>na</strong> nossa vi<strong>da</strong> e <strong>na</strong> nossa cultura, que é o único<br />

que po<strong>de</strong> sobreviver, criar e tor<strong>na</strong>r-se um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro <strong>teatro</strong>?”. 204<br />

Nesse ensaio, Vianinha realizava um balanço <strong>da</strong> produção teatral no Brasil em<br />

1958. Nesse senti<strong>do</strong>, ele reconhecia a importância <strong>do</strong> papel ocupa<strong>do</strong> pelo TBC <strong>na</strong><br />

dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que técnicas sofistica<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ence<strong>na</strong>ção e atuação<br />

teatrais foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no Brasil pelos diretores estrangeiros contrata<strong>do</strong>s pelo<br />

TBC. Sen<strong>do</strong> assim, o trabalho <strong>do</strong>s ence<strong>na</strong><strong>do</strong>res estrangeiros propiciou conquistas<br />

significativas para o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, não ape<strong>na</strong>s no senti<strong>do</strong> estético, pois houve uma<br />

revolução <strong>de</strong> atualização formal, como também profissio<strong>na</strong>lmente, uma vez que o<br />

fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> TBC, o empresário Franco Zampari fez questão <strong>de</strong> criar uma companhia<br />

teatral com elenco fixo e bem pago, atuan<strong>do</strong> em um luxuoso <strong>teatro</strong>, cuja sofisticação o<br />

assemelhava aos gran<strong>de</strong>s <strong>teatro</strong>s europeus.<br />

Contu<strong>do</strong>, se por um la<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> se entusiasmava com o trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />

pelo TBC, por outro ele <strong>de</strong>tectava o senti<strong>do</strong> estetizante, ou seja, superficial e alie<strong>na</strong><strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> Teatro Tebeciano, pois seus espetáculos eram vazios <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que<br />

eram absolutamente distancia<strong>do</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

Nessa perspectiva, segun<strong>do</strong> ele, para que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro tivesse condições <strong>de</strong><br />

ultrapassar os limites <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> ape<strong>na</strong>s <strong>belo</strong>, luxuoso e comercial, e se <strong>de</strong>senvolvesse<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se integrar à vi<strong>da</strong>, à cultura e às tradições <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro, seria<br />

absolutamente necessário um posicio<strong>na</strong>mento mais claro e <strong>de</strong>finitivo por parte <strong>da</strong> classe<br />

204 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 23-24.


teatral, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição a favor <strong>da</strong> confecção <strong>de</strong> uma dramaturgia<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, isto é, que representasse a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva <strong>da</strong>s condições<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. Então, para ele,<br />

93<br />

“A resposta vem <strong>do</strong>s jovens <strong>na</strong> sua maioria, e são os jovens que compõem a<br />

maioria <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro: um <strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Um <strong>teatro</strong> que procure a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, que apreen<strong>da</strong> o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento e que<br />

lute ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le. Essa toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição é lenta. Uma série <strong>de</strong> fatores<br />

econômicos, culturais atrasam e dificultam um processo tão origi<strong>na</strong>l. A<br />

própria condição <strong>de</strong> jovens <strong>do</strong>s lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ste movimento no Brasil dificulta<br />

um trabalho mais rápi<strong>do</strong>, mais incisivo. Muita coisa para apren<strong>de</strong>r, mas,<br />

acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, uma profun<strong>da</strong> humil<strong>da</strong><strong>de</strong> e um profun<strong>do</strong> amor por aquilo<br />

que é nosso, por aquilo que toca nossa gente, única maneira <strong>de</strong> fazer <strong>teatro</strong><br />

e <strong>de</strong> fazer arte – partir <strong>da</strong>quilo que existe, que é visível, partir <strong>da</strong>quilo que<br />

compõe o homem no mun<strong>do</strong> em que vivemos.<br />

Esse ano, neste senti<strong>do</strong>, é <strong>de</strong> importância enorme. “Eles Não Usam Black-<br />

Tie”, <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, é o símbolo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um movimento <strong>de</strong><br />

afirmação <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Além disso? Antunes Filho, Flávio Rangel,<br />

Augusto Boal, Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Torres, José Re<strong>na</strong>to, o elenco <strong>do</strong> Teatro Brasileiro<br />

<strong>de</strong> Comédia, que estu<strong>da</strong> e amadurece <strong>de</strong> espetáculo para espetáculo, Ariano<br />

Suassu<strong>na</strong>, Jorge <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e a próxima montagem <strong>de</strong> Pedreira <strong>da</strong>s Almas,<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s cursos <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Arte Dramática, o excepcio<strong>na</strong>l<br />

trabalho <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> e estímulo ao <strong>teatro</strong> pela Comissão Estadual <strong>do</strong> Teatro,<br />

dirigi<strong>da</strong> por elementos <strong>da</strong> própria classe teatral, a pelo menos estabilização<br />

<strong>do</strong> preço <strong>do</strong> ingresso, o aumento <strong>de</strong> público, a realização <strong>de</strong> espetáculos<br />

populares, a montagem <strong>de</strong> Brecht pela Cia. Maria Della Costa, a fun<strong>da</strong>ção<br />

<strong>de</strong> um Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia <strong>de</strong> São Paulo, um Laboratório <strong>de</strong><br />

Interpretação, pesquisan<strong>do</strong> uma forma <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> arte <strong>de</strong> representação,<br />

tu<strong>do</strong> o mais. De acor<strong>do</strong>. Ain<strong>da</strong> é um início. Mas início para chegar ao mais<br />

alto <strong>do</strong>s objetivos: <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro”. 205<br />

Nesse ensaio, Vianinha enfatizou a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>quela conjuntura para o<br />

<strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro contemporâneo, uma vez, que segun<strong>do</strong> ele, a estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam<br />

Black-Tie em 1958, simbolizou o início <strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> afirmação <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Nessa perspectiva, o texto <strong>de</strong> Guarnieri gerou uma transformação irreversível <strong>na</strong><br />

dramaturgia <strong>do</strong> país, pois significou um salto qualitativo <strong>na</strong> trajetória não ape<strong>na</strong>s <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, mas <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>mais companhias teatrais, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que grupos<br />

expressivos <strong>da</strong> classe teatral <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l passaram a direcio<strong>na</strong>r os seus trabalhos em busca<br />

<strong>da</strong> confecção, ence<strong>na</strong>ção e montagem <strong>de</strong> textos <strong>brasil</strong>eiros, relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao cotidiano e<br />

às tradições culturais <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares.<br />

205 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 24.


Desse mo<strong>do</strong>, relacio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> a questão teatral ao contexto mais amplo <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sócio-político <strong>do</strong> país, Vianinha acreditava que embora o <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro tivesse logra<strong>do</strong> obter um avanço consi<strong>de</strong>rável no âmbito <strong>do</strong> trabalho político e<br />

cultural, esse movimento ain<strong>da</strong> era bastante incipiente e se encontrava em fase inicial.<br />

Nessa perspectiva, para que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro pu<strong>de</strong>sse se afirmar ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente no<br />

cenário teatral <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, Vian<strong>na</strong> consi<strong>de</strong>rava essencial que as companhias teatrais e<br />

to<strong>da</strong> a classe teatral se posicio<strong>na</strong>ssem <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>, em favor <strong>da</strong> realização <strong>de</strong><br />

uma dramaturgia integra<strong>da</strong> à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong> país, ou seja, ao <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

organização, mobilização e às lutas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

Nesse contexto, em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1959, após a transformação qualitativa ocorri<strong>da</strong><br />

<strong>na</strong> trajetória <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, a partir <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Eles Não Usam<br />

Black-Tie, Vianinha escreveu um texto com o título Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>: histórico e<br />

objetivo, no qual ele aprofun<strong>do</strong>u as reflexões <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no ensaio produzi<strong>do</strong> no ano<br />

anterior. Dessa maneira, nesta análise ele se <strong>de</strong>bruçou especificamente acerca <strong>do</strong> papel<br />

exerci<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong>quela conjuntura marca<strong>da</strong> pela luta e ampliação <strong>da</strong>s<br />

conquistas obti<strong>da</strong>s pelo <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro no quadro <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Segun<strong>do</strong><br />

ele,<br />

94<br />

“O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo caracteriza hoje to<strong>do</strong> um processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>ção que baseia sua sobrevivência num méto<strong>do</strong><br />

crítico <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> sua própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong> — o Brasil hoje precisa, em<br />

nome <strong>de</strong> sua sobrevivência, <strong>de</strong>ixar sua passiva atitu<strong>de</strong> diante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

objetiva, crian<strong>do</strong> uma cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l capaz <strong>de</strong> pensar em termos <strong>de</strong> Brasil<br />

e capaz <strong>de</strong> praticar sua investigação sobre ela. (...) O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

procura então, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, situar-se historicamente – com esta<br />

perspectiva, po<strong>de</strong>remos então, limitan<strong>do</strong> as condições <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> nossa<br />

arte sermos absolutamente livres como artistas – <strong>na</strong>quilo que ela po<strong>de</strong><br />

conter <strong>de</strong> absoluto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o processo. A libertação <strong>do</strong> artista se<br />

verifica, no pensamento <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, com a consciência histórica <strong>de</strong><br />

sua função – <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s culturais que fortalecerão o processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento social <strong>do</strong> nosso povo. O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo tem<br />

consciência <strong>da</strong> sua dificílima tarefa — mas sabe perfeitamente que só assim<br />

po<strong>de</strong>rá criar, libertan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> qualquer aca<strong>de</strong>mismo –, utilizan<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

história somente aquilo que po<strong>de</strong> favorecer a transmissão <strong>da</strong> sua visão<br />

huma<strong>na</strong>. Não queremos racio<strong>na</strong>lizar e matematizar o processo <strong>de</strong> criação<br />

artística – <strong>de</strong> maneira nenhuma –, mas queremos <strong>da</strong>r <strong>de</strong>senvolvimento à<br />

nossa intuição, sem fórmulas feitas que a transforme em puros reflexos<br />

condicio<strong>na</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma época que caduca num ecletismo <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong>.


95<br />

Qual o processo que vem utilizan<strong>do</strong> o <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>? Acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o<br />

estu<strong>do</strong> — não como catalogação livresca <strong>de</strong> volumes e volumes — mas o<br />

estu<strong>do</strong> que vai fornecen<strong>do</strong> armas ao processo cria<strong>do</strong>r cultural.<br />

Objetivamente:<br />

Laboratório <strong>de</strong> interpretação — Um laboratório para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

interpretação teatral. O processo <strong>de</strong> Stanislavsky é discuti<strong>do</strong> e aprofun<strong>da</strong><strong>do</strong>.<br />

Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia — Um seminário permanente <strong>de</strong> autores<br />

teatrais, <strong>na</strong> maioria composto por elementos <strong>do</strong> próprio <strong>teatro</strong>, que<br />

discutem suas peças e técnicas dramáticas.<br />

Orientação Nacio<strong>na</strong>l no Repertório — Apresentação exclusiva <strong>de</strong> textos<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Até aqui, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo (...), monta exclusivamente peças<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is”. 206<br />

Seguin<strong>do</strong> a mesma linha <strong>de</strong> raciocínio <strong>do</strong>s escritos anteriores, Vian<strong>na</strong> iniciou seu<br />

texto inserin<strong>do</strong> a situação <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo no contexto mais amplo <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. Nessa perspectiva, ele reiterou a urgência <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição não<br />

ape<strong>na</strong>s <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, mas <strong>do</strong> próprio país, em prol <strong>da</strong> criação <strong>de</strong> uma cultura<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que criaria as bases para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um pensamento e <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Consequentemente, Vian<strong>na</strong> reconhecia a importância <strong>de</strong> que se revestia o<br />

trabalho <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>na</strong>quela conjuntura, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que esse grupo, por<br />

meio <strong>de</strong> muito estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> infindáveis discussões teóricas, <strong>de</strong> suas escolhas temáticas e<br />

<strong>do</strong> encaminhamento <strong>de</strong> suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong>finia paulati<strong>na</strong>mente o seu trabalho, uma vez<br />

que <strong>de</strong>limitava ca<strong>da</strong> vez mais o eixo nortea<strong>do</strong>r <strong>do</strong> seu processo cria<strong>do</strong>r. Nesse processo,<br />

segun<strong>do</strong> Vianinha, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> procurava situar-se historicamente, visto que,<br />

enquanto organização cultural adquiria consciência histórica <strong>de</strong> seu importante papel <strong>na</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

Dessa forma, para Vian<strong>na</strong>, o que o Are<strong>na</strong> trazia <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental, que o diferia<br />

<strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais companhias teatrais existentes no país era a sua noção <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

pois o grupo acreditava que o seu trabalho ape<strong>na</strong>s teria vali<strong>da</strong><strong>de</strong> se pu<strong>de</strong>sse contribuir<br />

para a inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a interpretação <strong>do</strong>s processos sociais, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a<br />

206 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 28.


intensificação <strong>do</strong> conhecimento objetivo <strong>do</strong>s homens acerca <strong>de</strong> suas reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

ampliaria as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> enfrentamento e intervenção sobre suas condições<br />

específicas <strong>de</strong> existência. Conseqüentemente, Vian<strong>na</strong> qualificava o Are<strong>na</strong> como o<br />

Teatro <strong>da</strong> Responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o grupo assumia, por meio <strong>de</strong> seu<br />

trabalho, o compromisso <strong>de</strong> contribuir para o processo <strong>de</strong> fortalecimento <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento cultural e social <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. 207<br />

Nesse âmbito <strong>de</strong> análise, o encontro <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> com o tema <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l se<br />

encontra intrinsecamente relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>, à trajetória e às experiências <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> seus<br />

integrantes, e consequentemente, ao mo<strong>do</strong> como eles respon<strong>de</strong>ram e enfrentaram as<br />

questões suscita<strong>da</strong>s pela conjuntura <strong>do</strong> país, <strong>na</strong>quele momento.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, as opções estéticas e temáticas leva<strong>da</strong>s a cabo pelo Are<strong>na</strong> que<br />

propiciaram o surgimento <strong>de</strong> uma dramaturgia que retratava o cotidiano <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s<br />

populares <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, <strong>do</strong> campo e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, se constituíram a partir <strong>do</strong><br />

diálogo e <strong>do</strong>s embates trava<strong>do</strong>s por esse grupo teatral, <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> cinqüenta. 208<br />

Desse mo<strong>do</strong>, o surgimento <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong> caráter classista no<br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, se relacio<strong>na</strong> sobremaneira, a uma conjunção <strong>de</strong> fatores que<br />

procuramos a<strong>na</strong>lisar exaustivamente nesse trabalho. Esses fatores se interligaram e se<br />

influenciaram reciprocamente, tais como: a fusão <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em 1955, com o TPE<br />

(Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte) composto por estu<strong>da</strong>ntes comunistas, que encaravam o<br />

trabalho artístico como uma missão política, a enorme influência exerci<strong>da</strong> sobre o<br />

trabalho <strong>do</strong> TPE, pelo ence<strong>na</strong><strong>do</strong>r e diretor italiano Rugero Jacobbi, que tinha uma<br />

formação política <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> e concebia a arte estreitamente liga<strong>da</strong> à vi<strong>da</strong>, as técnicas<br />

teatrais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no Are<strong>na</strong> por Augusto Boal, que favoreceram o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

207 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 49.<br />

208 PATRIOTA, 2002, p.114.<br />

96


<strong>de</strong> uma estética realista, soma<strong>da</strong>s a aguerri<strong>da</strong> militância <strong>de</strong> Guarnieri no movimento<br />

estu<strong>da</strong>ntil e <strong>de</strong> Vianinha no PCB, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> diálogo manti<strong>do</strong> entre muitos integrantes<br />

<strong>do</strong> Are<strong>na</strong> com o ISEB.<br />

Nessa perspectiva, po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o senti<strong>do</strong> instrumental e<br />

revolucionário <strong>de</strong> que se revestiu a dramaturgia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, que<br />

através <strong>de</strong> suas ence<strong>na</strong>ções, procurava atuar e se inserir no acirra<strong>do</strong> <strong>de</strong>bate político que<br />

ocorria no Brasil <strong>na</strong>quele momento e que dividia o país em uma luta <strong>de</strong> representações,<br />

segun<strong>do</strong> Lucília <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Neves, “até então inédita <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>do</strong><br />

sujeito histórico coletivo”. 209<br />

Nesse contexto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Jorge Ferreira, <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s projetos acerca <strong>do</strong>s<br />

caminhos a serem percorri<strong>do</strong>s pelo país se impuseram à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira e<br />

<strong>de</strong>senvolveram uma acirra<strong>da</strong> disputa. De um la<strong>do</strong>, o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-estatismo <strong>do</strong>s trabalhistas<br />

alia<strong>do</strong>s aos comunistas, e influencia<strong>do</strong> pelo crescimento <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s em nível<br />

planetário, com suas propostas <strong>de</strong> reformas que modificassem o perfil econômico e<br />

social <strong>do</strong> país, como o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, a reforma agrária, a ampliação <strong>do</strong>s direitos sociais<br />

e políticos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, o fortalecimento <strong>da</strong>s empresas estatais, como estratégia<br />

para combater o imperialismo <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s grupos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, assim como políticas<br />

públicas alicerça<strong>da</strong>s em uma forte soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> social. 210<br />

De outro la<strong>do</strong>, o projeto liberal conserva<strong>do</strong>r li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pela UDN, que pregava a<br />

abertura para o capital estrangeiro, o livre jogo <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> como regula<strong>do</strong>r <strong>da</strong>s relações<br />

entre empresários e trabalha<strong>do</strong>res, um feroz anticomunismo e o cerceamento às<br />

reivindicações econômicas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, e principalmente políticas <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res. 211<br />

209 NEVES, 2001, p.174.<br />

210 FERREIRA, 2005<br />

211 Ibid., p.376.<br />

97


Sen<strong>do</strong> assim, o Are<strong>na</strong> enquanto grupo teatral <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, influencia<strong>do</strong> pelas<br />

idéias marxistas, se inseriu nesse exacerba<strong>do</strong> embate que dividia país, optan<strong>do</strong> pela<br />

realização <strong>de</strong> montagens teatrais volta<strong>da</strong>s para as discussões <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> país, e<br />

nessa medi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>sempenhou, sem sobra <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>, um papel revolucionário <strong>na</strong><br />

dramaturgia e <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira durante as déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1950 e 1960, visto que, não<br />

ape<strong>na</strong>s compartilhou, mas sobretu<strong>do</strong> se integrou profun<strong>da</strong>mente, <strong>na</strong> euforia<br />

transforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />

Dessa forma, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> acreditava que estava contribuin<strong>do</strong>, juntamente<br />

com as <strong>de</strong>mais organizações progressistas existentes <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, para<br />

acelerar a revolução <strong>de</strong>mocrático-burguesa que, segun<strong>do</strong> as análises <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s, se<br />

encontrava em curso, e, portanto, prestes a promover a libertação <strong>do</strong> povo e <strong>do</strong> país <strong>de</strong><br />

seus maiores inimigos: a economia agrária, o latifúndio e o imperialismo.<br />

Nesse contexto, po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r as análises <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> radical feitas por<br />

Vian<strong>na</strong>, Boal e Guarnieri, acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vivi<strong>da</strong> pelo país <strong>na</strong>quele momento, no<br />

qual, segun<strong>do</strong> eles, não po<strong>de</strong>ria haver hesitações, visto que, aquela conjuntura exigia<br />

acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, posicio<strong>na</strong>mentos claros, ou seja, <strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong> “<strong>de</strong>finição”, por<br />

parte <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s aqueles que acreditavam <strong>na</strong> construção <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>ção justa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

e sobera<strong>na</strong>.<br />

Nessa perspectiva, consi<strong>de</strong>ramos pertinente, encerrar este capítulo com um<br />

importante trecho <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> Guarnieri “O Teatro como Expressão <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Nacio<strong>na</strong>l”, que foi escrito em 1959, e que se constituiu em um <strong>do</strong>cumento precioso<br />

<strong>de</strong>ssa época, porque sintetizava o pensamento pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, e<br />

consequentemente, as utopias <strong>de</strong> expressivos segmentos sociais que compunham a<br />

chama<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira, que sonhou, acreditou e se envolveu radicalmente, nos<br />

intensos <strong>de</strong>bates e <strong>na</strong>s enormes mobilizações políticas e culturais ocorri<strong>da</strong>s no perío<strong>do</strong>,<br />

98


pela implantação <strong>da</strong>s tão almeja<strong>da</strong>s reformas sociais e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, que segun<strong>do</strong> se<br />

acreditava, libertariam o povo <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong> situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência,<br />

sub<strong>de</strong>senvolvimento e miséria, propician<strong>do</strong> o bem estar, e consequentemente, a<br />

digni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a <strong>na</strong>ção.<br />

99<br />

“A obra <strong>do</strong>s novos autores <strong>brasil</strong>eiros <strong>de</strong>monstra claramente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

geral <strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> temas sociais, problemas <strong>de</strong> nosso povo em nosso tempo,<br />

o que nos dá a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> quanto nossa juventu<strong>de</strong> se aflige com os<br />

problemas atuais e quanto os artistas jovens procuram participar <strong>de</strong>ssas<br />

lutas.<br />

Quan<strong>do</strong> nossos autores chegarem ao ponto <strong>de</strong> amadurecimento que lhes<br />

permita uma consciente <strong>de</strong>finição em sua obra, teremos uma dramaturgia<br />

que refletirá realmente um conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> classe — seja <strong>da</strong> classe <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte,<br />

seja <strong>da</strong> classe explora<strong>da</strong>. Uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição é indispensável, pois <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> valem subterfúgios mascara<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “objetivismo”, “visão apolítica <strong>do</strong>s<br />

fenômenos”, “exigências psicológicas <strong>da</strong>s perso<strong>na</strong>gens”, etc, para ocultar<br />

atitu<strong>de</strong>s reacionárias e contrárias aos mais altos interesses <strong>de</strong> nossa gente.<br />

O que se exige é que os autores transmitam mensagens com ple<strong>na</strong><br />

consciência <strong>de</strong>las. Não po<strong>de</strong>mos admitir tergiversações. (...) Uma <strong>de</strong>finição<br />

pessoal se impõe e qualquer luta interior será sempre menos <strong>do</strong>lorosa <strong>do</strong><br />

que uma falsa imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong>, posição neutra, ou terceira força que<br />

resultará sempre infinitamente pesa<strong>da</strong> para os espíritos honestos.<br />

(...) Não vejo outro caminho para uma dramaturgia volta<strong>da</strong> para os<br />

problemas <strong>de</strong> nossa gente, refletin<strong>do</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong> que uma<br />

<strong>de</strong>finição clara ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong>, <strong>da</strong>s massas explora<strong>da</strong>s. Para<br />

a<strong>na</strong>lisarmos com acerto a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para movimentarmos nossos<br />

perso<strong>na</strong>gens em um ambiente concreto e não <strong>de</strong> sonho, o único caminho<br />

será o aberto pela análise dialético-marxista <strong>do</strong>s fenômenos, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

materialismo filosófico. Não há caminho <strong>de</strong> conciliação, se quisermos como<br />

artistas, expressar com exatidão o meio em que vivemos. Portanto, não há<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> artista em sua arte sem que antes se<br />

<strong>de</strong>fi<strong>na</strong> como homem, como elemento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, como participante ativo<br />

em suas lutas”. 212<br />

212 GUARNIERI, Guarnieri. O <strong>teatro</strong> como expressão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. In: Arte em Revista, ano 3,<br />

número 6. São Paulo: Kairós, 1981, p. 6 -7.


Capítulo 3<br />

Eles Não Usam Black-Tie e Chapetuba Futebol Clube<br />

NA ARENA DE UM PAÍS<br />

100<br />

“O autor <strong>de</strong> Black-Tie é humil<strong>de</strong> e ambicioso ao mesmo tempo:<br />

renuncian<strong>do</strong> à sutileza psicológica <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> exceção, trabalha a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> imediata, bruta, crua, mas não a isenta <strong>de</strong> lirismo, perceptível em<br />

qualquer ser humano; e levan<strong>do</strong>-nos a senti-la em termos <strong>de</strong> convivência e<br />

intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong> nos induz a meditar, a provi<strong>de</strong>nciar, não sei bem<br />

o que nem como, fora ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós – pelo menos a reavivar nossa visão<br />

crítica <strong>do</strong> meio que habitamos.”<br />

Carlos Drumond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

“Black-Tie abriu um largo caminho. Chapetuba levanta, pelo confronto as<br />

contradições que nele resi<strong>de</strong>m (...) Chapetuba Futebol Clube tem enorme<br />

importância atualmente porque, além <strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, foi escrita numa tentativa<br />

<strong>de</strong> superar o melodrama jor<strong>na</strong>lístico, a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> efeito, a fala vazia.<br />

Chapetuba Futebol Clube é ótimo material para um processo <strong>de</strong> análise <strong>do</strong>s<br />

que preten<strong>de</strong>m estruturar uma cultura <strong>brasil</strong>eira que possa inteligir e<br />

submeter o <strong>de</strong>senvolvimento anárquico <strong>de</strong> nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. E o material<br />

vem aí.”<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

Há exatamente cinqüenta anos, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> i<strong>na</strong>ugurava uma nova fase <strong>na</strong><br />

dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l com a montagem <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri, Eles Não<br />

Usam Black-Tie. A peça trouxe ao palco <strong>brasil</strong>eiro, pela primeira vez, a discussão<br />

política que tinha como protagonistas uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> operários e o uso <strong>da</strong> prosódia<br />

<strong>brasil</strong>eira. Alguns quarteirões adiante <strong>da</strong> Teo<strong>do</strong>ro Baima, José Celso Martinez Corrêa<br />

realizava a primeira montagem <strong>do</strong> Grupo Ofici<strong>na</strong>, com A Ponte, <strong>do</strong> novato Carlos<br />

Queiroz Telles. A ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira passava a ser construí<strong>da</strong> e inventa<strong>da</strong> por diretores<br />

<strong>da</strong>qui e não mais por poloneses ou italianos. 213<br />

Na Praça Tira<strong>de</strong>ntes estreava, no Teatro Carlos Gomes, a peça Os sete gatinhos,<br />

<strong>de</strong> Nelson Rodrigues, que escan<strong>da</strong>lizava a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira ao expor no palco a<br />

213<br />

SANTOS, Joaquim Ferreira <strong>do</strong>s. Feliz 1958: o ano que não <strong>de</strong>via termi<strong>na</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record,<br />

2003, p. 118.


patologia <strong>da</strong>s relações familiares <strong>da</strong>s classes médias. A <strong>da</strong>ma <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro,<br />

Cacil<strong>da</strong> Becker, <strong>de</strong>ixava o TBC e, ain<strong>da</strong>, levava Ziembinsky e Walmor Chagas para<br />

montar o Santo e a Porca, <strong>de</strong> Ariano Suassu<strong>na</strong>, e com essa montagem a gran<strong>de</strong> <strong>da</strong>ma <strong>do</strong><br />

<strong>teatro</strong> pretendia criar uma dramaturgia mais próxima <strong>do</strong> povo, com produções mais<br />

baratas que reduzissem o preço <strong>do</strong>s ingressos. 214<br />

101<br />

Outra gran<strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ce<strong>na</strong> teatral <strong>de</strong> 1958 foi a montagem <strong>da</strong> companhia<br />

Maria Della Costa, A Alma Boa <strong>de</strong> Se-Tsuan <strong>de</strong> Bertold Brecht, ence<strong>na</strong><strong>da</strong> no Brasil<br />

graças às liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> era Juscelinista. Nesse contexto, o lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Comunista<br />

Brasileiro, Luis Carlos Prestes, que acabava <strong>de</strong> reaparecer após <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />

clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong> apreciou o espetáculo. To<strong>da</strong>via, o mesmo não ocorreu com as platéias<br />

<strong>da</strong> alta socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira que acostuma<strong>da</strong>s com os espetáculos esteticistas <strong>do</strong> TBC<br />

não receberam com entusiasmo esta montagem <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> épico. 215<br />

O cinema não ficou atrás <strong>da</strong> enorme renovação ocorri<strong>da</strong> <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> teatral<br />

<strong>brasil</strong>eira: O Gran<strong>de</strong> Momento, <strong>de</strong> Roberto Santos, ganhou o prêmio <strong>de</strong> melhor filme <strong>de</strong><br />

1958. Era o início <strong>do</strong> sofistica<strong>do</strong> cinema novo, por meio <strong>do</strong> qual se tentava uma visão<br />

engaja<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social, enquanto o filme Orfeu Negro <strong>de</strong> Vinícius <strong>de</strong> Morais, ao<br />

retratar a tragédia grega <strong>do</strong> alto <strong>da</strong> favela <strong>do</strong> Cantagalo, promovia a re<strong>de</strong>nção <strong>do</strong> negro<br />

no Olimpo Carioca, obten<strong>do</strong> a Palma <strong>de</strong> Ouro em Cannes e o Oscar <strong>de</strong> melhor filme<br />

estrangeiro, em 1959. O povo <strong>brasil</strong>eiro também aparecia <strong>na</strong> tela com as chancha<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />

Atlânti<strong>da</strong> e lotava os cinemas para se ver no humor simples e no car<strong>na</strong>val <strong>de</strong> Zé<br />

Trin<strong>da</strong><strong>de</strong> que brilhava com O bate<strong>do</strong>r <strong>de</strong> carteiras. 216<br />

A Bossa Nova aparecia com o Chega <strong>de</strong> Sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Tom Jobim e Vinícius <strong>de</strong><br />

Morais, e com o 78 rotações <strong>de</strong> João Gilberto e a suavi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> voz <strong>de</strong> sua musa Nara<br />

Leão. Enquanto isso a cantora Maysa lançava Meu Mun<strong>do</strong> Caiu, o maior sucesso <strong>do</strong><br />

214 SANTOS, p.117.<br />

215 Ibid., p.118.<br />

216 Ibid., p.178-184.


samba-canção <strong>de</strong> 1958, e o baiano Anísio Silva entrava <strong>na</strong>s para<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sucesso com o<br />

brega romântico que surgia <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazer enten<strong>de</strong>r para as emprega<strong>da</strong>s<br />

<strong>do</strong>mésticas. 217<br />

102<br />

A partir <strong>de</strong> 1958 o futebol <strong>brasil</strong>eiro se consoli<strong>do</strong>u como o melhor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Nesse ano, o Santos se tornou campeão paulista com 143 gols, sen<strong>do</strong> que 61 foram <strong>do</strong><br />

atacante Pelé: nunca no Brasil se marcou tantos gols em um só campeo<strong>na</strong>to. Além<br />

disso, no futebol <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, jamais havia ocorri<strong>do</strong> anteriormente tamanha<br />

emoção como a que eclodiu com a vitória <strong>do</strong> Vasco, em duas parti<strong>da</strong>s extras contra o<br />

Flamengo e o Botafogo, o que consagrou os craques <strong>do</strong> expresso vitória: Sabará, Pinga,<br />

Bellini e Paulinho. 218<br />

E também se passaram cinqüenta anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o capitão Bellini levantou a<br />

taça Jules Rimet, marcan<strong>do</strong> a vitória <strong>da</strong> seleção ca<strong>na</strong>rinho <strong>na</strong> Suécia, oito anos após o<br />

suposto “frango” <strong>de</strong> Barbosa que passou a fazer parte <strong>da</strong> história <strong>do</strong> futebol <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Pelé e Garrincha, que <strong>de</strong> início estavam <strong>de</strong> reserva por serem negros, mostraram a força<br />

<strong>de</strong> sua raça e trouxeram, <strong>da</strong> Suécia, a nossa primeira vitória <strong>na</strong> Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, o que<br />

permitiu o <strong>de</strong>sabafo <strong>de</strong> Nelson Rodrigues, “Eu não sou um vira-lata!”. 219<br />

Desse mo<strong>do</strong>, não existiam mais razões para chorar o gol arrasa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> uruguaio<br />

Ghiggia, oito anos antes, ou as duas polega<strong>da</strong>s a mais <strong>de</strong> Marta Rocha. O esporte<br />

<strong>brasil</strong>eiro estava em alta, pois o Brasil também <strong>de</strong>spontava <strong>na</strong>s raquetes inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

obten<strong>do</strong> a sua primeira vitória com a paulista Maria Ester Bueno, que com uma saia<br />

mais curta <strong>do</strong> que suas adversárias, vencia o torneio <strong>de</strong> duplas em Wimble<strong>do</strong>n, jogan<strong>do</strong><br />

ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> negra america<strong>na</strong> Althea Gibson. 220<br />

217 SANTOS, 2003, p.126-129.<br />

218 Ibid., p. 176-177.<br />

219 Ibid., p.173.<br />

220 Ibid., p. 173.


103<br />

Na última sema<strong>na</strong> <strong>de</strong> 1958, a Volkswagem liberava o anúncio <strong>do</strong> primeiro fusca<br />

<strong>de</strong> sua fábrica no ABC: o DKW-Vemag era lança<strong>do</strong> com 50% <strong>de</strong> suas peças fabrica<strong>da</strong>s<br />

no Brasil, enquanto a Rural Willys <strong>da</strong>va um show, pela primeira vez com tração quatro<br />

ro<strong>da</strong>s. Assim, <strong>de</strong>spontava a indústria <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> JK ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong>s obras que se<br />

encontravam por to<strong>do</strong> o canto <strong>do</strong> país. Juscelino abria estra<strong>da</strong>s no Norte, açu<strong>de</strong>s no<br />

Nor<strong>de</strong>ste e a Usimi<strong>na</strong>s começava a sair <strong>do</strong> papel. A síntese <strong>da</strong> euforia Juscelinista<br />

acontecia em 1958, que também foi ano <strong>de</strong> muita fumaça <strong>na</strong>s indústrias, com o<br />

lançamento <strong>do</strong> barbea<strong>do</strong>r elétrico e <strong>do</strong> radinho <strong>de</strong> pilha. E o arquiteto Oscar Niemeyer<br />

<strong>da</strong>va continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao sonho <strong>de</strong> Brasília, que começou a ser construí<strong>da</strong> em 1956. 221<br />

A euforia <strong>do</strong> crescimento econômico <strong>da</strong> era Juscelinista se refletia também <strong>na</strong><br />

infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias produzi<strong>da</strong>s no país e expostas <strong>na</strong>s prateleiras <strong>da</strong>s lojas e <strong>do</strong>s<br />

supermerca<strong>do</strong>s, o que expressava o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong><br />

massas no Brasil, a partir <strong>do</strong>s anos 50. As propagan<strong>da</strong>s feitas pelas lojas <strong>de</strong><br />

eletro<strong>do</strong>mésticos se intensificavam ca<strong>da</strong> vez, por meio <strong>de</strong> criativos anúncios <strong>de</strong> ven<strong>da</strong> á<br />

crédito para atrair os consumi<strong>do</strong>res.<br />

“A loja <strong>do</strong> crédito inicia suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s com o lema “ven<strong>de</strong>r<br />

exclusivamente a prazo”. Venha escolher uma <strong>da</strong>s utili<strong>da</strong><strong>de</strong>s que está<br />

faltan<strong>do</strong> e seu crédito será aberto rapi<strong>da</strong>mente: gela<strong>de</strong>ira: 850,00 -<br />

encera<strong>de</strong>ira: 260,00 - liquidifica<strong>do</strong>r: 170,00 - rádio: 190,00 - sofá-cama:<br />

495,00 - televisão: 1750,00 - colchão mola: 250,00”. 222<br />

A outra face <strong>do</strong>s anos JK era a inflação que se encontrava em 1958 em torno <strong>do</strong>s<br />

13%, e os gêneros alimentícios <strong>de</strong> primeira necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> haviam sofri<strong>do</strong> um aumento <strong>de</strong><br />

70,02% nos <strong>do</strong>is primeiros anos <strong>do</strong> governo Kubitscheck, conforme noticiava o Jor<strong>na</strong>l<br />

<strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>is dias após as festas comemorativas <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> ano <strong>de</strong> governo <strong>do</strong><br />

presi<strong>de</strong>nte, ocorri<strong>da</strong>s no Palácio <strong>do</strong> Catete. 223 Ressentin<strong>do</strong>-se ca<strong>da</strong> vez mais <strong>da</strong> alta <strong>do</strong>s<br />

preços, os trabalha<strong>do</strong>res realizavam inúmeras greves por to<strong>do</strong> o país, e os sindicatos<br />

221 SANTOS, 2003, p.175-183.<br />

222 Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 04/02/1958.<br />

223 Ibid., 02/02/1958.


iniciavam a luta pela obtenção <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> greve e autonomia sindical, princípios que<br />

há <strong>do</strong>ze anos se encontravam <strong>na</strong> Constituição, mas que não haviam si<strong>do</strong> ain<strong>da</strong><br />

regulamenta<strong>do</strong>s pelo Congresso Nacio<strong>na</strong>l. 224 Os exemplos abaixo relacio<strong>na</strong>m alguns<br />

exemplos <strong>da</strong>s greves ocorri<strong>da</strong>s no ano <strong>de</strong> 1958, e noticia<strong>da</strong>s pelos principais jor<strong>na</strong>is <strong>do</strong><br />

país:<br />

104<br />

“Sapateiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro reivindicavam 70% <strong>de</strong> aumento<br />

para os trabalha<strong>do</strong>res <strong>da</strong> indústria <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s 225 , seis mil trabalha<strong>do</strong>res <strong>da</strong><br />

indústria <strong>de</strong> balas <strong>do</strong> Distrito Fe<strong>de</strong>ral, a maioria compostos por mulheres,<br />

reivindicavam 20% <strong>de</strong> aumento salarial 226 , a Fe<strong>de</strong>ração Nacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong>s<br />

Marítimos organizava uma paralisação total <strong>da</strong> classe, caso não fosse pago<br />

o abono <strong>de</strong> 30%, reivindica<strong>do</strong> pela categoria”. 227<br />

Enquanto as greves explodiam por to<strong>do</strong> o Brasil, no dia 04 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1958<br />

os jor<strong>na</strong>is noticiavam um gran<strong>de</strong> evento que iria ser realiza<strong>do</strong> no dia 06 <strong>da</strong>quele mês,<br />

em São Paulo, em home<strong>na</strong>gem ao lí<strong>de</strong>r sindical Salva<strong>do</strong>r Romano Losacco, que fora<br />

escolhi<strong>do</strong> como o “Homem <strong>do</strong> Ano” <strong>de</strong> 1957 e que seria home<strong>na</strong>gea<strong>do</strong> em um banquete<br />

presidi<strong>do</strong> no Teatro Municipal <strong>de</strong> São Paulo pelo Vice-Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, João<br />

Goulart:<br />

“Losacco, o Homem <strong>do</strong> Ano – será sem dúvi<strong>da</strong> alguma a maior reunião<br />

político social <strong>de</strong>ste princípio <strong>de</strong> ano, o gran<strong>de</strong> banquete que será realiza<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã em São Paulo em home<strong>na</strong>gem ao Homem <strong>do</strong> Ano <strong>de</strong><br />

1957, o lí<strong>de</strong>r sindical Salva<strong>do</strong>r Romano Losacco. Os trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> to<strong>do</strong><br />

o país tem seus olhos volta<strong>do</strong>s para o empolgante acontecimento <strong>do</strong> Teatro<br />

Municipal. Presidirá o banquete o Sr. João Goulart, Vice-Presi<strong>de</strong>nte,<br />

sau<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r <strong>brasil</strong>eiro ele fará um discurso”. 228<br />

Nesse contexto, como po<strong>de</strong>mos atestar pela transcrição <strong>da</strong>s reportagens <strong>de</strong><br />

alguns <strong>do</strong>s principais jor<strong>na</strong>is <strong>do</strong> país <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, ocorria uma enorme<br />

efervescência nos mais diversos setores <strong>da</strong> economia, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong><br />

política <strong>brasil</strong>eira. Essas transformações expressavam a marca especial <strong>da</strong> história<br />

<strong>brasil</strong>eira durante aquele perío<strong>do</strong>: a forte crença <strong>na</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong>s<br />

224 Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 04/02/1958.<br />

225 O Globo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 01/03/1958.<br />

226 Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 02/03/1958.<br />

227 Tribu<strong>na</strong> <strong>da</strong> Imprensa, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 05/03/1959.<br />

228 Última Hora, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 01/02/1958.


homens sobre a dinâmica <strong>da</strong> história <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico e social para o país. 229 Nesse contexto <strong>de</strong> busca <strong>da</strong><br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e política <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro, com vistas à construção <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>ção<br />

livre, igualitária, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e sobera<strong>na</strong>, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> inovou a ce<strong>na</strong> teatral<br />

especificamente a partir <strong>de</strong> Black-Tie e Chapetuba, cujas temáticas abor<strong>da</strong>vam aspectos<br />

significativos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> cotidia<strong>na</strong> <strong>do</strong>s homens <strong>brasil</strong>eiros durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

cinqüenta.<br />

105<br />

Desse mo<strong>do</strong>, as duas peças que serão a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s neste capítulo, centram suas<br />

discussões em torno <strong>do</strong>s temas mais enfoca<strong>do</strong>s pelos jor<strong>na</strong>is <strong>da</strong> época, que procuramos<br />

sinteticamente sistematizar, tais como: primeiramente, a mobilização contínua e<br />

crescente <strong>da</strong>s mais diversas categorias <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res, por meio <strong>da</strong> <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong><br />

inúmeras greves, que expressavam uma gran<strong>de</strong> insatisfação com a alta inflacionária <strong>do</strong>s<br />

anos JK, alia<strong>da</strong> à enorme importância que o movimento sindical foi adquirin<strong>do</strong> no<br />

perío<strong>do</strong>, consubstancia<strong>da</strong> <strong>na</strong> escolha <strong>de</strong> um sindicalista como Homem <strong>do</strong> Ano. Em<br />

segun<strong>do</strong> lugar, o vertiginoso crescimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo que se expressava<br />

nos jor<strong>na</strong>is, por meio <strong>de</strong> sedutoras campanhas que incentivavam a compra <strong>do</strong>s produtos,<br />

facilita<strong>da</strong> por meio <strong>do</strong> crediário. E por último, a crescente importância adquiri<strong>da</strong> pelo<br />

futebol, que se tornou a paixão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com a vitória <strong>do</strong> Brasil em 1958.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, foi principalmente, a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, ou seja, <strong>do</strong>s<br />

embates políticos e sociais existentes <strong>na</strong>quele momento, que Guarnieri e Vianinha,<br />

extraíram os elementos para confeccio<strong>na</strong>ram os seus textos. Desse mo<strong>do</strong>, no presente<br />

capítulo, procuraremos recuperar a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s duas peças ence<strong>na</strong><strong>da</strong>s pelo Teatro<br />

<strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Eles Não Usam Black-Tie e Chapetuba Futebol Clube, que se<br />

transformaram em símbolo <strong>da</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira <strong>do</strong> século XX.<br />

229 NEVES, 2001, p. 171.


Eles Não Usam Black-Tie e Chapetuba Futebol Clube<br />

AS UTOPIAS DE GUARNIERI E VIANINHA NO TEATRO DE ARENA<br />

106<br />

“Black-Tie parte sem dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma visão romântica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Pressupõe<br />

uma série <strong>de</strong> valores básicos, imutáveis, através <strong>do</strong>s quais os problemas<br />

surgem, estouran<strong>do</strong> os conflitos, os homens se <strong>de</strong>batem, mas tu<strong>do</strong> chegará a<br />

bom termo graças a uma provi<strong>de</strong>ncial or<strong>de</strong>m <strong>da</strong>s coisas, atingin<strong>do</strong>-se no<br />

tempo a harmonia geral espera<strong>da</strong>, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

“consciência”.“Black-tie” no fun<strong>do</strong> é uma peça i<strong>de</strong>alista. (...) Se tive<br />

alguma pretensão em minha peça, foi a <strong>de</strong> impregná-la <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong><br />

transmitir esse amor... não somente amor entre <strong>do</strong>is jovens, mas amor <strong>de</strong><br />

um pai por um filho, <strong>de</strong> um amigo por outro, <strong>de</strong> duas crianças, amor <strong>de</strong><br />

gente <strong>de</strong> um morro inteiro por este morro e, sobretu<strong>do</strong>, o amor que <strong>de</strong>dico a<br />

essa minha gente.”<br />

Gianfrancesco Guarnieri<br />

“Chapetuba, F. C encara o futebol liga<strong>do</strong> a to<strong>do</strong> um processo humano e<br />

social <strong>de</strong> hoje. É a história <strong>do</strong> futebol – suas cores, sua <strong>da</strong>nça, os gritos, a<br />

ciran<strong>da</strong> enorme ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> comércio puro e simples, <strong>da</strong> barganha, <strong>do</strong><br />

interesse pequeno, <strong>do</strong> suborno nega<strong>do</strong> e difuso. Esta coexistência dramática<br />

que mente a pureza <strong>do</strong> futebol <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> homens. Onze. De<br />

um la<strong>do</strong> – Durval, Maranhão, Pascoal, Benigno, céticos, <strong>de</strong>turpa<strong>do</strong>s,<br />

comi<strong>do</strong>s por suas próprias vi<strong>da</strong>s. Gente que aceita o estabeleci<strong>do</strong>, que<br />

admite o antecipa<strong>do</strong>. Luta, se revolta, mas partiu, iniciou aceitan<strong>do</strong>. De<br />

outro la<strong>do</strong> – Cafuné, Zito, Fi<strong>na</strong>, Bila pesa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sonhos, começan<strong>do</strong> hoje,<br />

que, puros, simples, não sabem ver. Desesperam, procuram e choram.<br />

Nunca pretendi fazer <strong>de</strong> Chapetuba F. C. uma peça estática que imobilize o<br />

homem <strong>na</strong> sua fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>na</strong> sua <strong>de</strong>sconfiança. Gostaria <strong>de</strong> transmitir<br />

com esta peça exatamente o transitório, o eterno para frente, o<br />

condicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong>stas vi<strong>da</strong>s a to<strong>do</strong> um processo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> hoje.”<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho


ELES NÃO USAM BLACK-TIE: OS OPERÁRIOS ENTRAM EM CENA<br />

107<br />

“Black-Tie levantou a confiança e a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> artista <strong>brasil</strong>eiro<br />

<strong>de</strong> <strong>teatro</strong> para realizar seus pronunciamentos sobre o mun<strong>do</strong>. Black-Tie<br />

afirmou que as conquistas formais precisam estar ajusta<strong>da</strong>s à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

perceptiva <strong>de</strong> um povo, se se quiser realmente instalar sentimentos novos e<br />

origi<strong>na</strong>is <strong>na</strong> consciência <strong>do</strong> povo. Black-Tie afirma que arte é uma arma <strong>do</strong><br />

homem <strong>na</strong> sua luta <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e libertação”.<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

Eles Não usam Black-Tie se constitui em um drama realista, que se notabilizou<br />

por expor pela primeira vez no palco <strong>brasil</strong>eiro os conflitos sociais ocorri<strong>do</strong>s no interior<br />

<strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res urbanos, que vivia em uma <strong>da</strong>s muitas favelas <strong>do</strong> Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro durante fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> crescimento<br />

industrial e urbano no Brasil.<br />

Essa peça, escrita por Gianfrancesco Guarnieri e dirigi<strong>da</strong> por José Re<strong>na</strong>to,<br />

estreou no dia 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1958, no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, obteve<br />

enorme sucesso <strong>de</strong> público e <strong>de</strong> crítica, recebeu inúmeros prêmios 230 e ficou em cartaz<br />

por mais <strong>de</strong> um ano. 231<br />

Após a tempora<strong>da</strong> <strong>de</strong> enorme sucesso em São Paulo, a peça <strong>de</strong> Guarnieri foi<br />

ence<strong>na</strong><strong>da</strong> em diversas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> interior Paulista, fez tempora<strong>da</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

em vários países <strong>da</strong> América Lati<strong>na</strong>. O samba que dá título à peça é <strong>do</strong> próprio<br />

Guarnieri, a música é <strong>de</strong> A<strong>do</strong>niran Barbosa. 232<br />

230 Prêmio Gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Prêmio <strong>da</strong> Associação Paulista <strong>de</strong> Críticos Teatrais e o Prêmio Saci <strong>do</strong><br />

Jor<strong>na</strong>l O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo” – “Revelação <strong>de</strong> Autor” (Gianfrancesco Guarnieri); Prêmio Gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Prêmio <strong>da</strong> Associação Paulista <strong>de</strong> Críticos Teatrais e Saci – Melhor atriz coadjuvante (Lélia<br />

Abramo), e Prêmio <strong>da</strong> Associação Paulista <strong>de</strong> Críticos Teatrais – Revelação <strong>de</strong> atriz <strong>de</strong> 1958 (Mirian<br />

Mehler). Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie. In: MEC-DAC-SNT/ São Paulo, 1978.<br />

231 O elenco <strong>de</strong>sta primeira montagem foi composto pelos seguintes atores: Lélia Abramo (Roma<strong>na</strong>),<br />

Eugênio Kusnet (Otávio), Gianfrancesco Guarnieri (Tião), Miriam Mehler (Maria), Flávio Migliaccio<br />

(Chiquinho), Celeste Lima (Tézinha), Milton Gonçalvez (Bráulio), Francisco <strong>de</strong> Assis (Jesuíno), Riva<br />

Nimitz (Dalva) e Henrique César (João). Ibid.<br />

232 Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie. In: MEC-DAC-SNT/ São Paulo, 1978.


“Nóis não usa bleque-tais<br />

Nosso amor é mais gostoso,<br />

Nossa sau<strong>da</strong><strong>de</strong> dura mais<br />

Nosso abraço mais aperta<strong>do</strong><br />

Nós não usa as “bleque-tais”<br />

Minhas juras são mais juras<br />

Meus carinhos mais carinhoso<br />

Tuas mão são mãos mais puras,<br />

Teu jeito é mais jeitoso...<br />

Nós se gosta muito mais,<br />

Nós não usa as “bleque-tais”. 233<br />

108<br />

Esse samba, no texto <strong>de</strong> Guarnieri, é <strong>de</strong> autoria <strong>do</strong> mulato Juvêncio, mora<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

mesma favela <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais perso<strong>na</strong>gens, e é canta<strong>do</strong> ou mencio<strong>na</strong><strong>do</strong> em vários momentos<br />

<strong>da</strong> peça. Essa canção reflete a forma como Guarnieri enxergava o morro e seus<br />

habitantes. O mesmo título <strong>da</strong><strong>do</strong> por Guarnieri à sua peça e ao samba que lhe servia <strong>de</strong><br />

pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> significava para ele, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição:<br />

“É possível que vejam no título <strong>da</strong> peça uma toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição. Pois é uma<br />

toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posição. Numa época <strong>de</strong> super valorização <strong>do</strong> ambiente “highsociety”,<br />

<strong>da</strong> exagera<strong>da</strong> importância <strong>da</strong><strong>da</strong> aos granfinos <strong>de</strong> “Black-Tie”,<br />

não escon<strong>do</strong> que é com um certo <strong>de</strong>sabafo que <strong>do</strong>u como título à minha peça<br />

Eles Não Usam Black-Tie”. 234<br />

Po<strong>de</strong>mos perceber nessas consi<strong>de</strong>rações um profun<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> autor <strong>de</strong><br />

escrever sobre as pessoas comuns, homens operários e suas mulheres, mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

uma <strong>da</strong>s muitas favelas no Rio <strong>de</strong> Janeiro, cujas vi<strong>da</strong>s se assemelhavam às vi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

inúmeros outros trabalha<strong>do</strong>res. Como <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

crescente <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, estava ocorren<strong>do</strong> no país uma valorização ca<strong>da</strong> vez<br />

maior <strong>do</strong> ambiente high-society, assim como <strong>de</strong> seus valores, o título escolhi<strong>do</strong> pelo<br />

autor para sua peça adquiria um senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>queles que<br />

não usavam black-tie, e que, por meio <strong>de</strong> suas lutas, sambas, sentimentos, valores e<br />

233 GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles Não Usam Black-Tie. São Paulo: Brasiliense, 1966, p.7-8.<br />

234 Ibid.


sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, representavam aspectos fun<strong>da</strong>mentais <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> povo<br />

<strong>brasil</strong>eiro.<br />

109<br />

A dicotomia morro – ci<strong>da</strong><strong>de</strong> é bem <strong>de</strong>staca<strong>da</strong> <strong>na</strong> peça: a favela adquire um ar<br />

edênico, sen<strong>do</strong> exalta<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> comunhão e camara<strong>da</strong>gem que ali se levava, em<br />

oposição ao individualismo e a solidão presentes <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, o morro<br />

representaria uma espécie <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pré-capitalista, on<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ria a união, a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o companheirismo, que se constituíam em uma espécie <strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tiva à<br />

<strong>de</strong>sumanização existente <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Guarnieri, os aspectos<br />

positivos presentes <strong>na</strong> favela, residiriam <strong>na</strong> amiza<strong>de</strong> entre seus habitantes:<br />

“Concor<strong>do</strong> com Tião – não acho favela bonita – se existe beleza, se existe<br />

poesia nos morros espeta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> barracos – não está no seu aspecto exterior,<br />

mas sim <strong>na</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> que une seus habitantes, <strong>na</strong> esperança, <strong>na</strong><br />

constância <strong>de</strong> luta, no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser <strong>do</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

barraco”. 235<br />

Essa visão romântica <strong>do</strong> favela<strong>do</strong>, <strong>do</strong> camponês, como já nos referimos<br />

anteriormente, segun<strong>do</strong> Marcelo Ri<strong>de</strong>nti era típica <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta e sessenta, que buscava nos trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> campo e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

valores <strong>de</strong> pureza e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que haviam si<strong>do</strong> aboli<strong>do</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong><br />

capitalista. E com base nesses valores e crenças existentes entre os trabalha<strong>do</strong>res, que<br />

ain<strong>da</strong> não teriam si<strong>do</strong> contami<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo espírito <strong>de</strong> cálculo e pelo exacerba<strong>do</strong><br />

individualismo presentes <strong>na</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, as esquer<strong>da</strong>s <strong>brasil</strong>eiras pretendiam implantar<br />

no país uma nova socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, justa e igualitária, e no limite socialista. 236<br />

A peça é construí<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> diálogos 237 simples e espontâneos, que são<br />

realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maneira coloquial, <strong>de</strong>srespeitan<strong>do</strong> as regras gramaticais, a fim <strong>de</strong><br />

235 Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Eles Não usam Black-tie.<br />

236 RIDENTI, 2000, p. 25.<br />

237 “O diálogo é uma <strong>da</strong>s convenções essenciais <strong>do</strong> drama. O texto dramático, mesmo <strong>na</strong>s suas formas<br />

épicas que introduzem a <strong>na</strong>rração, é inimaginável sem o diálogo. Este, se <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> é a forma imediata<br />

<strong>da</strong> comunicação huma<strong>na</strong>, é <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, particularmente no seu significa<strong>do</strong> dramático, expressão <strong>do</strong><br />

conflito, <strong>do</strong> choque <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s, <strong>da</strong> discordância. Se a epopéia, a gran<strong>de</strong> <strong>na</strong>rrativa mítica, é a<br />

manifestação <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> primeva <strong>do</strong> logos, no drama, que surge em fases posteriores, já se manifesta o


promover uma melhor coerência entre os perso<strong>na</strong>gens e o contexto ao qual pertencem.<br />

Havia uma preocupação por parte <strong>do</strong> autor <strong>de</strong> expressar o que se entendia como fala<br />

coloquial <strong>do</strong> <strong>brasil</strong>eiro, isto é, a chama<strong>da</strong> “prosódia <strong>brasil</strong>eira”. 238<br />

110<br />

“MARIA — Fala baixo, tu acor<strong>da</strong> o pessoá!<br />

TIÃO — Acor<strong>da</strong>, não.<br />

MARIA — É melhó a gente ir an<strong>da</strong>n<strong>do</strong>... é só um pe<strong>da</strong>cinho.<br />

TIÃO — Prá ficá enterra<strong>da</strong> <strong>na</strong> lama? Não senhora, vamo esperá estiá .” 239<br />

A construção dramática <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie se caracteriza por uma<br />

ausência <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, integran<strong>do</strong> espaço, tempo e ação, possibilitan<strong>do</strong> a sua<br />

ence<strong>na</strong>ção em qualquer espaço. 240 O texto possui poucas rubricas 241 , o que atesta uma<br />

ausência <strong>de</strong> sofisticação cênica. O cenário consiste ape<strong>na</strong>s em um barracão<br />

extremamente simples 242 , localiza<strong>do</strong> em um <strong>do</strong>s morros cariocas, on<strong>de</strong> moram os<br />

protagonistas, uma família <strong>de</strong> operários, composta por Otávio e Roma<strong>na</strong>, sua esposa, e<br />

por Tião e Chiquinho, seus filhos. Otávio e Tião são operários <strong>na</strong> mesma fábrica,<br />

Roma<strong>na</strong> cui<strong>da</strong> <strong>da</strong>s tarefas <strong>do</strong>mésticas e ain<strong>da</strong> lava roupa para fora, e Chiquinho trabalha<br />

em uma peque<strong>na</strong> mercearia. 243<br />

Eles Não Usam Black-Tie é estrutura<strong>da</strong> em três atos, e esses atos são dividi<strong>do</strong>s<br />

em quadros. No primeiro ato, são apresenta<strong>do</strong>s os perso<strong>na</strong>gens e <strong>de</strong>linea<strong>da</strong>s as razões<br />

dia-logos, o logos fragmenta<strong>do</strong>, o surgir <strong>de</strong> valores contraditórios, <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s por vonta<strong>de</strong>s e paixões<br />

antagônicas. No entanto, o logos, embora já dicotômico, continua espírito e como tal possibilita a<br />

comunicação além <strong>da</strong>s paixões em choque, além <strong>do</strong>s impulsos em conflito. A divisão que se estabelece no<br />

cerne <strong>do</strong> diálogo, enquanto ao mesmo tempo separa e une, é um <strong>do</strong>s fenômenos fun<strong>da</strong>mentais tanto <strong>do</strong><br />

<strong>teatro</strong> como <strong>do</strong> homem”. ROSENFELD, A. “Reflexões Estéticas”. In: Texto/Contexto. 4. ed., São Paulo:<br />

Perspectiva, 1985, p.41. In: PATRIOTA, 1999, p. 109-110.<br />

238<br />

Ibid., p. 109.<br />

239<br />

GUARNIERI, 1966, p. 3.<br />

240<br />

PATRIOTA, 1999, p. 109.<br />

241<br />

A rubrica po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a intervenção <strong>do</strong> dramaturgo no texto teatral, com o objetivo <strong>de</strong><br />

orientar a leitura e/ou ence<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> peça, ou em relação à ilumi<strong>na</strong>ção, figurino, cenários ou interpretação<br />

<strong>do</strong> ator. A rubrica também po<strong>de</strong> indicar a reação <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem em situações dramáticas específicas.<br />

Geralmente, ela é apresenta<strong>da</strong> entre parênteses e grafa<strong>da</strong> em itálico, para que seja diferencia<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<br />

diálogos. Ibid., p.109.<br />

242<br />

“(Barraco <strong>de</strong> Roma<strong>na</strong>. Mesa ao centro. Um pequeno fogareiro, cômo<strong>da</strong>, caixotes servem <strong>de</strong> bancos.<br />

Há ape<strong>na</strong>s uma ca<strong>de</strong>ira. Dois colchões on<strong>de</strong> <strong>do</strong>rmem Chiquinho e Tião)”. In: GUARNIERI, 1966, p.3.<br />

243<br />

PATRIOTA, 1999, p.110.


que levarão ao conflito e, conseqüentemente, à ação dramática. 244 Nas relações<br />

cotidia<strong>na</strong>s no morro, o conflito dramático é <strong>de</strong>flagra<strong>do</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z<br />

inespera<strong>da</strong> <strong>de</strong> Maria, <strong>na</strong>mora<strong>da</strong> <strong>de</strong> Tião, que leva o casal a precipitar o noiva<strong>do</strong> e a<br />

adiantar a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> casamento. Nessas circunstâncias, to<strong>da</strong>s as energias <strong>de</strong> Tião se<br />

ca<strong>na</strong>lizam para a preparação <strong>do</strong> casamento e para os seus sonhos <strong>de</strong> oferecer à sua<br />

mulher e ao seu filho uma vi<strong>da</strong> melhor <strong>do</strong> que a <strong>de</strong> sua família e <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong><br />

morro. Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa situação, a notícia <strong>da</strong><strong>da</strong> por seu pai, ao chegar <strong>da</strong><br />

assembléia sindical, acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> eclosão <strong>de</strong> uma greve <strong>na</strong> fábrica on<strong>de</strong><br />

trabalham, caso os trabalha<strong>do</strong>res não consigam o aumento que pleiteiam junto aos<br />

patrões, causa uma profun<strong>da</strong> insatisfação em Tião. 245<br />

111<br />

Nesse contexto, o conflito que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará a ação dramática ocorre <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aos<br />

<strong>do</strong>is motivos expostos acima: a gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Maria e a possível greve <strong>na</strong> fábrica. Esse<br />

conflito se relacio<strong>na</strong> às diferentes concepções <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> existentes entre pai e filho: ambos<br />

são operários <strong>na</strong> mesma fábrica. Contu<strong>do</strong>, Otávio é um combativo lí<strong>de</strong>r sindical, e por<br />

isso acredita que, ape<strong>na</strong>s por meio <strong>da</strong> sua organização e mobilização, a classe<br />

trabalha<strong>do</strong>ra po<strong>de</strong>rá conseguir melhorar suas condições <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Tião,<br />

cria<strong>do</strong> longe <strong>do</strong> morro, <strong>da</strong> família e <strong>do</strong> ambiente <strong>da</strong> fábrica, não crê <strong>na</strong> eficácia <strong>de</strong><br />

iniciativas coletivas para a solução <strong>de</strong> problemas particulares. A partir <strong>da</strong>í, no <strong>de</strong>correr<br />

<strong>da</strong> peça, as divergências entre pai e filho se tor<strong>na</strong>m ca<strong>da</strong> vez mais acentua<strong>da</strong>s. 246<br />

Com a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> jovem casal <strong>de</strong> antecipar o noiva<strong>do</strong>, a família <strong>de</strong> Tião inicia os<br />

preparativos para a festa, que ocorrerá no sába<strong>do</strong>, ao mesmo tempo em que aguar<strong>da</strong> com<br />

expectativa a <strong>de</strong>cisão que será toma<strong>da</strong> pelos operários <strong>na</strong> assembléia que acontecerá no<br />

244<br />

“Ação dramática é ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que combi<strong>na</strong> movimento físico e diálogo; inclui expectativa, preparação e<br />

realização <strong>de</strong> uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> equilíbrio que é parte <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> outras mu<strong>da</strong>nças. O movimento em<br />

direção à mu<strong>da</strong>nça po<strong>de</strong> ser gradual, mas o processo <strong>de</strong>ve realmente acontecer. A falsa expectativa, a<br />

falsa preparação não configuram ação dramática. Esta po<strong>de</strong> ser simples ou complexa, mas, em to<strong>da</strong>s as<br />

suas partes, <strong>de</strong>ve ser objetiva, progressiva e cheia <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>”. PALLOTTINI, R. Introdução à<br />

dramaturgia. São Paulo: 1983, p. 44-45. In: PATRIOTA, 1999, p. 110.<br />

245<br />

Ibid., p.110-111.<br />

246<br />

Ibid., p. 110.


mesmo dia. Enquanto organizam a festa, Roma<strong>na</strong> e Otávio se recor<strong>da</strong>m <strong>do</strong>s problemas<br />

que já viveram juntos, <strong>da</strong> morte <strong>da</strong> filha Jandira, ao mesmo tempo em que o mari<strong>do</strong><br />

expõe à mulher sua apreensão em relação às atitu<strong>de</strong>s individualistas apresenta<strong>da</strong>s por<br />

Tião. A conversa é interrompi<strong>da</strong> com a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Maria e, logo a seguir, com a <strong>de</strong><br />

Tião, que inicia uma outra discussão acirra<strong>da</strong> com seu pai por causa <strong>da</strong> sua <strong>de</strong>scrença<br />

em relação à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> se manterem uni<strong>do</strong>s e mobiliza<strong>do</strong>s o<br />

suficiente para realizar a greve. 247<br />

112<br />

Logo <strong>de</strong>pois, a festa se inicia com a chega<strong>da</strong> <strong>do</strong>s convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s: to<strong>do</strong>s começam a<br />

<strong>da</strong>nçar e a beber alegremente, quan<strong>do</strong> são interrompi<strong>do</strong>s com a entra<strong>da</strong> abrupta <strong>de</strong><br />

Bráulio, gran<strong>de</strong> amigo <strong>de</strong> Otávio, que trabalha junto com ele <strong>na</strong> fábrica. Bráulio anuncia<br />

a <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> assembléia <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res em favor <strong>da</strong> greve, que eclodirá <strong>na</strong> segun<strong>da</strong>-<br />

feira. Alguns minutos <strong>de</strong>pois, Roma<strong>na</strong> irrompe <strong>de</strong> fora eufórica e dá a notícia <strong>do</strong><br />

<strong>na</strong>scimento <strong>de</strong> bebês gêmeos, filhos <strong>de</strong> Cândi<strong>da</strong>, uma vizinha <strong>do</strong> morro. Termi<strong>na</strong> o<br />

primeiro ato. 248<br />

O segun<strong>do</strong> ato possui um feitio mais introspectivo e é interposto, visto que nele<br />

os perso<strong>na</strong>gens buscam se <strong>de</strong>finir mais claramente, e ao fazerem, termi<strong>na</strong>m por reiterar<br />

as suas posições anteriores, que irão <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar o apogeu <strong>do</strong> conflito e o <strong>de</strong>sfecho<br />

fi<strong>na</strong>l. Tião expõe à sua mãe a sua preocupação com a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu casamento,<br />

enquanto Otávio briga com seu Antônio, <strong>do</strong>no <strong>do</strong> botequim, que acusa os grevistas <strong>de</strong><br />

serem vagabun<strong>do</strong>s. Jesuíno, amigo e colega <strong>de</strong> fábrica <strong>de</strong> Tião, vai ao barraco conversar<br />

com ele sobre a greve. Tião reafirma sua posição contrária ao movimento e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> que<br />

vai furá-lo, caso esse ocorra <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Contu<strong>do</strong>, Tião não se exime <strong>de</strong> tomar posição<br />

contra a greve, ao contrário <strong>de</strong> Jesuíno, que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> furar a greve, mais <strong>de</strong> conluio com<br />

os patrões. Maria, por seu turno, ao ser questio<strong>na</strong><strong>da</strong> pelo noivo sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

247 PATRIOTA, 1999, p.111.<br />

248 Ibid., p.111.


mu<strong>da</strong>rem para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, nega-se veementemente, afirman<strong>do</strong> que ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong>ixaria o<br />

morro, se pu<strong>de</strong>sse levar com ela to<strong>do</strong>s os seus habitantes. Enquanto isso ao som <strong>da</strong><br />

música canta<strong>da</strong> por Juvêncio, Nóis não usa bleque-tais, termi<strong>na</strong> o segun<strong>do</strong> ato. 249<br />

113<br />

O terceiro ato se inicia com a greve, Tião sai <strong>de</strong> casa bem mais ce<strong>do</strong>, antes <strong>de</strong><br />

Otávio. Maria conta para Roma<strong>na</strong> que está grávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Tião, e esta aceita tu<strong>do</strong> com<br />

<strong>na</strong>turali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tião fura a greve e por isso volta mais ce<strong>do</strong> para casa, enquanto Otávio e<br />

os outros operários ficam <strong>na</strong> fábrica fazen<strong>do</strong> piquete. Algum tempo <strong>de</strong>pois, Bráulio<br />

chega ao barracão agredin<strong>do</strong> Tião, e este confessa para Roma<strong>na</strong> e Maria que havia<br />

fura<strong>do</strong> a greve. Bráulio também conta sobre a prisão <strong>de</strong> Otávio, e Roma<strong>na</strong> vai com ele<br />

para a <strong>de</strong>legacia aju<strong>da</strong>r a libertar o mari<strong>do</strong>. Tião é <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong> pelos amigos e pelo pai<br />

que, ao chegar em casa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser liberta<strong>do</strong>, trava o embate fi<strong>na</strong>l com o filho, em um<br />

diálogo construí<strong>do</strong> em terceira pessoa e o expulsa <strong>de</strong> lá. Maria não vai para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

com Tião, ela resolve ficar no morro e criar seu filho, junto <strong>do</strong>s sogros, para que quan<strong>do</strong><br />

ele crescesse não tivesse o me<strong>do</strong> que Tião tinha <strong>de</strong> ser pobre. A greve é vitoriosa e o<br />

samba <strong>de</strong> Juvêncio faz sucesso, passan<strong>do</strong> a ser toca<strong>do</strong> no rádio, mas em nome <strong>de</strong> outra<br />

pessoa.<br />

Visan<strong>do</strong> à montagem cênica <strong>de</strong> seu texto, Guarnieri construiu os seus<br />

perso<strong>na</strong>gens i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s no interior <strong>da</strong> classe social a qual pertencem. To<strong>do</strong>s são<br />

trabalha<strong>do</strong>res manuais e vivem no morro. Além disso, são construí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maneira pla<strong>na</strong>,<br />

ou seja, o comportamento <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les não apresenta modificação alguma durante<br />

to<strong>da</strong> a peça. 250<br />

249 PATRIOTA, 1999, p.111.<br />

250 “As perso<strong>na</strong>gens pla<strong>na</strong>s eram chama<strong>da</strong>s temperamentos (Humours) no século XVII, e são por vezes<br />

chama<strong>da</strong>s tipos, por vezes caricaturas”. Na sua forma mais pura, são construí<strong>da</strong>s em torno <strong>de</strong> uma única<br />

idéia ou quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tais perso<strong>na</strong>gens são facilmente reconhecíveis sempre que surgem; são em segui<strong>da</strong>,<br />

facilmente lembra<strong>da</strong>s pelo leitor. Permanecem i<strong>na</strong>ltera<strong>da</strong>s no espírito porque não mu<strong>da</strong>m com as<br />

circunstâncias.” CANDIDO, A. “A perso<strong>na</strong>gem <strong>do</strong> Romance”. In: CANDIDO, A et alli. “A Perso<strong>na</strong>gem<br />

<strong>de</strong> Ficcção. São Paulo: Perspectiva, 1987, p.62-63. In: PATRIOTA, 1999, p. 114.


114<br />

No entanto, não existe uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s entre to<strong>do</strong>s os perso<strong>na</strong>gens. Embora<br />

to<strong>do</strong>s se encontrem submeti<strong>do</strong>s a condições precárias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e trabalho, eles se divi<strong>de</strong>m<br />

em <strong>do</strong>is grupos: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, estão os que encaram a vi<strong>da</strong> no morro sob o ângulo <strong>da</strong><br />

reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>do</strong> companheirismo e <strong>da</strong> luta coletiva. De outro la<strong>do</strong>, estão aqueles que<br />

postulam soluções individuais para os problemas coletivos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o princípio <strong>de</strong><br />

que a única possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão social resi<strong>de</strong> <strong>na</strong> submissão à lógica <strong>do</strong> sistema, ou<br />

seja, em conciliar-se com os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r para, assim, obter vantagens pessoais em<br />

<strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> bem-estar <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Os primeiros simbolizam os mo<strong>de</strong>los positivos<br />

<strong>de</strong> comportamento, enquanto os segun<strong>do</strong>s se enquadram nos parâmetros negativos. 251<br />

Otávio, chefe <strong>de</strong> família <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> e zeloso é também um aguerri<strong>do</strong> sindicalista,<br />

e um combativo lí<strong>de</strong>r grevista, seus compromissos com sua luta política e o sindicato<br />

estão em primeiro lugar, embora se preocupe muito com a família. 252 Ele <strong>de</strong>posita total<br />

convicção <strong>na</strong> greve como meio <strong>de</strong> luta para garantir melhores condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> para os<br />

trabalha<strong>do</strong>res, apostan<strong>do</strong> <strong>na</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os seus companheiros. Portanto, possui<br />

uma perspectiva coletiva para obtenção <strong>da</strong> solução <strong>do</strong>s problemas que afetam a classe<br />

trabalha<strong>do</strong>ra.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, Otávio é um homem extremamente convicto <strong>de</strong> suas idéias e por<br />

isso não se sente ameaça<strong>do</strong> com os choques com a polícia, com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>r o emprego ou mesmo <strong>de</strong> ser preso. Dessa forma, é capaz <strong>de</strong> se sacrificar<br />

totalmente em prol <strong>do</strong> fortalecimento <strong>do</strong> seu grupo; suas conquistas são <strong>de</strong> caráter<br />

coletivo e por isso, antes <strong>de</strong> se preocupar com seus próprios problemas <strong>de</strong><br />

sobrevivência, interessa-se em contribuir para a crescente politização e conscientização<br />

<strong>do</strong>s seus companheiros <strong>de</strong> fábrica.<br />

251 PATRIOTA, 1999, p. 112.<br />

252 Ibid., p.112.


115<br />

Roma<strong>na</strong> é uma perso<strong>na</strong>gem forte, corajosa e extremamente realista; o seu<br />

objetivismo beira o fatalismo, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que ela enfrenta as situações sem mediação<br />

alguma. Contu<strong>do</strong>, ao mesmo tempo ela é extremamente afetuosa e <strong>de</strong>vota<strong>da</strong> à família.<br />

Vive para o mari<strong>do</strong> e os filhos. Sempre esteve ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Otávio, enfrentan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

problemas, como companheira fiel e prestimosa. Com seus filhos é o exemplo <strong>da</strong> mãe<br />

protetora e carinhosa. A ru<strong>de</strong>za <strong>do</strong> cotidiano não lhe subtraiu a alegria <strong>de</strong> viver. De<br />

acor<strong>do</strong> com o crítico teatral Décio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong>:<br />

“Roma<strong>na</strong> é a figura dramaticamente mais bem <strong>de</strong>senha<strong>da</strong> <strong>da</strong> peça – <strong>de</strong>safia<br />

diariamente a miséria. Mas suas observações cruas, francas, <strong>de</strong>sabusa<strong>da</strong>s,<br />

sem circunlóquios, mor<strong>da</strong>zes, chamam os homens para a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

neutralizam, como uma nota, levemente áci<strong>da</strong>, o falso sentimentalismo em<br />

que ameaçam cair tantas ce<strong>na</strong>s”. 253<br />

Por seu turno, o crítico Sábato Magaldi <strong>de</strong>screveu Roma<strong>na</strong> <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

“Roma<strong>na</strong> é a criação mais feliz, uma autêntica mãe, como as generosas<br />

figuras <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> Brecht. A aspereza <strong>do</strong> trabalho não lhe tira o encanto<br />

essencial <strong>de</strong> viver, que se esten<strong>de</strong> à função <strong>de</strong> companheira <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e à<br />

<strong>de</strong> protetora <strong>da</strong> prole. A ce<strong>na</strong> em que a noiva vai confiar-lhe a gravi<strong>de</strong>z<br />

<strong>de</strong>monstra, <strong>na</strong> <strong>na</strong>turali<strong>da</strong><strong>de</strong> e no contentamento com que aceita a revelação,<br />

sua íntegra <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>”. 254<br />

253 PRADO, Décio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>. Teatro em Progresso. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.132 a 134.<br />

Exemplos <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações sobre a perso<strong>na</strong>gem Roma<strong>na</strong>, po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s seguintes falas:<br />

“OTÁVIO – (brincalhão). Tu tá velha e burra! ROMANA – Agüentan<strong>do</strong> o tranco aqui. Tu chega: feijão<br />

<strong>na</strong> mesa. Tu sai: café <strong>na</strong> caneca. Tu toma banho: camisa lava<strong>da</strong>. O or<strong>de</strong><strong>na</strong><strong>do</strong> não <strong>de</strong>u? A burra lavou<br />

roupa e arranjou a gaita. /OTÁVIO – (brincalhão). E vai me dizê que tu é a única!.../ ROMANA – Ah!<br />

Tu só tem é prosa! Por que leu no livro. Porque o velho disse, porque o velho falou. Eu sei que se não sou<br />

eu a dá murro, nós tava é fazen<strong>do</strong> o enterro <strong>da</strong>s crianças. Uma já se foi! / OTÁVIO – (após breve pausa).<br />

Devia tá uma moço<strong>na</strong>!/ ROMANA – Era bonita a <strong>da</strong><strong>na</strong><strong>da</strong>.../ OTÁVIO – Sabe uma coisa que eu nunca te<br />

disse? Tu é valente tô<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> minha velha!... /ROMANA – Chora prá quê? Melhó pra ela. A beleza não<br />

durava muito, não. Eu acho que é assim que <strong>de</strong>via sê. Os filhos <strong>de</strong>viam morrê antes <strong>da</strong> mãe!/ OTÁVIO –<br />

Que é isso velha! / ROMANA – Ora se <strong>de</strong>via! A mãe <strong>de</strong>via cuidá <strong>do</strong>s filhos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a hora dêles enxergá o<br />

mun<strong>do</strong>, até a hora <strong>de</strong>les dizê a<strong>de</strong>us. Nas hora <strong>do</strong> aperto to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> berra: “mamãe – <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> morrê<br />

quase nunca ela tá perto. Eu tive perto <strong>de</strong> Jandira; ela morreu sorrin<strong>do</strong>; era noite <strong>de</strong> São João...”.<br />

GUARNIERI, 1966, p. 17-18.<br />

254 MAGALDI, 2001, p. 232.<br />

O comentário <strong>do</strong> crítico acima, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> no diálogo entre Roma<strong>na</strong> e Maria, quan<strong>do</strong> esta<br />

relata à sogra a notícia <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z: “MARIA – A senhora se lembra <strong>de</strong> um batiza<strong>do</strong> em Coelho <strong>da</strong><br />

Rocha que nós fomos?/ ROMANA – Se lembro, o Otávio pegou um bruto pifão! Depois <strong>da</strong>quilo se<br />

convenceu que tá fican<strong>do</strong> velho. / MARIA – Foi bôa a festa. / ROMANA – E <strong>de</strong>pois?/ MARIA – Eu fui<br />

com Tião, com a senhora.../ ROMANA – Com Otávio, Chiquinho, Terezinha, Jesuíno, e <strong>da</strong>í? Vai falan<strong>do</strong><br />

meni<strong>na</strong>, num precisa tê mê<strong>do</strong>. / MARIA – Nós passamos a noite lá e... a senhora sabe... eu gosto muito <strong>do</strong><br />

Tião êle gosta <strong>de</strong> mim.../ ROMANA – (com to<strong>da</strong> a calma. Calmíssima). Tu ta grávi<strong>da</strong>, né minha filha?<br />

/MARIA – (no mesmo tom). Tô sim senhora. / ROMANA – E é isso que tu tinha p’rá me dizê? /MARIA<br />

– Eu estou escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas não queria escondê <strong>da</strong> senhora. / ROMANA – Eu tava meia<br />

<strong>de</strong>sconfia<strong>da</strong> mesmo!.../ MARIA – Desconfia<strong>da</strong>?/ ROMANA – É. A gente sempre mu<strong>da</strong> <strong>de</strong> jeito quan<strong>do</strong><br />

fica mulhé <strong>de</strong> um homem e tu ficou <strong>de</strong>sse jeito./ MARIA – Só não quero que a senhora fique aborreci<strong>da</strong>!


116<br />

Tião, o filho mais velho, foi cria<strong>do</strong> pelos padrinhos <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>do</strong>s problemas econômicos enfrenta<strong>do</strong>s pela família durante a prisão <strong>de</strong> Otávio por<br />

questões políticas. Sua proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> ambiente urbano, suas experiências advin<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

uma vivência totalmente diferencia<strong>da</strong> <strong>do</strong> seu lugar <strong>de</strong> origem, o morro, sedimentou em<br />

Tião um forte sentimento <strong>de</strong> ambição e a convicção <strong>de</strong> que somente a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> um<br />

comportamento individualista e estabelecen<strong>do</strong> acor<strong>do</strong>s com os po<strong>de</strong>rosos po<strong>de</strong>ria obter<br />

elevação <strong>de</strong> seu nível <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e melhores oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego e colocação<br />

social. 255<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, embora tenha si<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> como um simples emprega<strong>do</strong> pelos<br />

padrinhos, o fato <strong>de</strong> ter cresci<strong>do</strong> <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e distante <strong>de</strong> seus familiares consoli<strong>do</strong>u em<br />

Tião uma aversão pelo ambiente <strong>da</strong> favela, on<strong>de</strong> volta a viver. Por isso, embora nutrisse<br />

um gran<strong>de</strong> amor pelos seus familiares e, especialmente, por sua noiva, Maria, ele não se<br />

a<strong>da</strong>pta àquele ambiente. Nesse contexto, Tião não consegue conviver com a aspereza, as<br />

<strong>do</strong>res e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no morro, que lhe parece extremamente hostil, e por isso<br />

acalenta o sonho <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a favela e ir morar com sua noiva <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Para Guarnieri, o perso<strong>na</strong>gem Tião,<br />

“Era fruto <strong>do</strong> início <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, <strong>de</strong> massa mesmo, com essa<br />

i<strong>de</strong>ologia to<strong>da</strong> <strong>de</strong> comprar, <strong>de</strong> ter as coisas, <strong>de</strong> levar vantagem em tu<strong>do</strong>,<br />

individualmente, e vencer pelos próprios meios, pisan<strong>do</strong> no que for, porque<br />

a vi<strong>da</strong> é isso, o importante é isso, e qualquer atitu<strong>de</strong> coletiva <strong>de</strong> luta é<br />

<strong>de</strong>spreza<strong>da</strong> totalmente, como poética, irreal, quixotesca. O pai diz muito<br />

bem <strong>na</strong> peça: ele não é um trai<strong>do</strong>r por covardia, ele é um trai<strong>do</strong>r por<br />

convicção, o que é muito pior”. 256<br />

/ROMANA – Eu , por quê? Problema é <strong>de</strong> vocês! / MARIA – Nós vamo casá. Eu não contei prá<br />

ninguém. Mamãe vai fica chatea<strong>da</strong> se souber.../ ROMANA – Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá. Eu não digo <strong>na</strong><strong>da</strong>, não./<br />

MARIA – E o que a senhora acha que eu <strong>de</strong>vo fazê?/ ROMANA – Pari, minha filha! O que é que tu quer<br />

fazê?/ MARIA – (sem jeito). Eu sei... Eu digo, <strong>de</strong>vo esperá quieta até casá ? Vou precisá casá no mês que<br />

vem!/ ROMANA – Por isso é que Tião tá tão preocupa<strong>do</strong> com o negócio <strong>do</strong> emprego, não é? / MARIA –<br />

Acho que sim... É sim./ ROMANA – Bobagem dêle. A gente sempre se vira <strong>na</strong> hora “h”! / MARIA – É<br />

isso que eu queria contá prá senhora. /ROMANA Tua sorte foi ter encontra<strong>do</strong> Tião. Êle é bom garôto.<br />

Outro talvez te largasse por aí. Tião, não. Não precisa tê mê<strong>do</strong>!/ MARIA – Não tenho, não. Eu sei disso.<br />

Por isso é que eu fui mulhé <strong>de</strong>le... / ROMANA – Até que é gostoso sabê que a gente vai sê avó!).”<br />

GUARNIERI, 1966, p. 69-71.<br />

255 PATRIOTA, 1999, p.112.<br />

256 GUARNIERI, Gianfrancesco. Guarnieri, arte e <strong>de</strong>mocracia. Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 27/09/81.


117<br />

Maria, embora apaixo<strong>na</strong><strong>da</strong> pelo noivo, possui um forte vínculo com a<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> morro, e não imagi<strong>na</strong> sua vi<strong>da</strong> longe <strong>da</strong>li, pois, ao contrário <strong>de</strong> Tião,<br />

i<strong>de</strong>ntifica-se ple<strong>na</strong>mente com aquele ambiente que, para ela, simboliza soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

companheirismo, o que substitui qualquer tipo <strong>de</strong> conforto que possa existir <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Nessa perspectiva, Maria vive absolutamente integra<strong>da</strong> no morro, pois ali se sente<br />

protegi<strong>da</strong>, e discor<strong>da</strong> veementemente <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s individualistas <strong>de</strong> Tião, como a <strong>de</strong><br />

furar a greve, mesmo saben<strong>do</strong> que ele agiu <strong>da</strong>quela forma, não por covardia, mas,<br />

especialmente, por se preocupar em <strong>da</strong>r uma vi<strong>da</strong> mais dig<strong>na</strong> e melhor a ela e ao filho.<br />

Os <strong>de</strong>mais perso<strong>na</strong>gens são secundários: Chiquinho e Terezinha, sua <strong>na</strong>mora<strong>da</strong>,<br />

representam a pureza e a espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> que permeiam as relações no morro e auxiliam<br />

a compor o universo familiar. Dalva é mulher <strong>de</strong> Jesuíno, o típico malandro<br />

inescrupuloso e <strong>de</strong>sonesto, que faz o que for preciso para alcançar seus objetivos<br />

pessoais e subir <strong>na</strong> vi<strong>da</strong>. Desse mo<strong>do</strong>, ele faz acor<strong>do</strong> com os patrões para conseguir<br />

vantagens profissio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> fábrica e, em troca, <strong>de</strong>latar os lí<strong>de</strong>res <strong>da</strong> greve. João, irmão<br />

<strong>de</strong> Maria, representa sua família <strong>na</strong> festa <strong>de</strong> noiva<strong>do</strong>, que acontece no barracão <strong>da</strong><br />

família <strong>de</strong> Otávio. Bráulio, companheiro <strong>de</strong> luta <strong>de</strong> Otávio, com quem trabalha <strong>na</strong><br />

fábrica, assume o papel <strong>de</strong> transmitir três notícias que provocam a ação dramática: o<br />

início <strong>da</strong> greve, a não a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Tião ao movimento e a prisão <strong>de</strong> Otávio. 257<br />

Para concluir a análise <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong> Black-Tie, consi<strong>de</strong>ramos pertinente<br />

<strong>de</strong>stacar as reflexões <strong>do</strong> diretor e <strong>do</strong> autor <strong>da</strong> peça, respectivamente, quan<strong>do</strong> ela foi<br />

ence<strong>na</strong><strong>da</strong>. José Re<strong>na</strong>to teceu o seguinte comentário:<br />

257 PATRIOTA, 1999, p.112.<br />

“Com seu primeiro trabalho consegue Guarnieri retratar um ambiente<br />

nosso com relativa fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, porém com emoção autêntica; sua obra<br />

revela o carinho intenso que ele tem pelas perso<strong>na</strong>gens e pelo ambiente que<br />

o inspirou; é construtiva porque confia, e sua mensagem é <strong>de</strong> compreensão<br />

e justiça. Confia nos homens, acredita <strong>na</strong>s motivações: ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong> nós é<br />

sincero consigo mesmo e segue sempre sua própria consciência; assim


118<br />

agem to<strong>da</strong>s as perso<strong>na</strong>gens <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Guarnieri, e, por isso mesmo, se<br />

estabelece o conflito entre elas. As convicções <strong>de</strong> Tião e <strong>de</strong> Otávio formam o<br />

tema principal; a consciência <strong>de</strong> si mesma que Maria possui; a força, a<br />

clareza <strong>de</strong> idéias e a consciência <strong>do</strong> real valor <strong>da</strong>s coisas que existe em<br />

Roma<strong>na</strong> completam o quarteto principal <strong>de</strong> criaturas que, sem usar “blacktie”,<br />

estão tão intimamente liga<strong>da</strong>s à nossa vi<strong>da</strong> e aos nossos problemas.<br />

(...) Em nossa opinião, não po<strong>de</strong>ríamos comemorar <strong>de</strong> maneira mais<br />

honrosa nosso terceiro ano <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>”. 258<br />

Por sua vez, seguin<strong>do</strong> o raciocínio <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, Guarnieri <strong>de</strong>clarou em<br />

relação aos seus perso<strong>na</strong>gens:<br />

“Um conflito central move minhas perso<strong>na</strong>gens — a luta entre duas formas<br />

<strong>de</strong> pensar. De um la<strong>do</strong> a falta <strong>de</strong> perspectiva, o <strong>de</strong>sajustamento, o me<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um Tião. De outro — a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Otávio, o sentimento<br />

profun<strong>da</strong>mente proletário <strong>de</strong> Roma<strong>na</strong>, Maria e <strong>do</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros mora<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> barraco. Nos diálogos preferi a simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, procuran<strong>do</strong> não esquecer a<br />

beleza <strong>de</strong> certos modismos <strong>da</strong> linguagem popular; <strong>na</strong>s perso<strong>na</strong>gens, além <strong>de</strong><br />

seu conteú<strong>do</strong> humano, pretendi sintetizar uma maneira to<strong>da</strong> particular <strong>de</strong><br />

ser. Sem dúvi<strong>da</strong>, alguém com maior experiência <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, extrairia mais <strong>de</strong><br />

ambiente tão rico em conteú<strong>do</strong> dramático. Creio, no entanto, que minha<br />

juventu<strong>de</strong> atuou como fator positivo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> observar essas<br />

perso<strong>na</strong>gens sem preconceito algum.” 259<br />

Nessa perspectiva, o conflito central <strong>da</strong> peça gira em torno <strong>do</strong>s valores<br />

proletários e <strong>da</strong> consciência <strong>de</strong> classe existente em Otávio, Roma<strong>na</strong>, o filho mais novo<br />

Chiquinho, sua nora Maria e seus companheiros <strong>de</strong> fábrica; e <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s<br />

individualistas <strong>de</strong> Tião e <strong>de</strong> seu amigo Jesuíno, que não acreditam nos mecanismos <strong>de</strong><br />

luta coletiva <strong>de</strong> uma classe como condição para o seu fortalecimento, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em<br />

que, para eles, a única forma <strong>de</strong> conseguir melhorar <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> é se alian<strong>do</strong> aos po<strong>de</strong>rosos.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, as divergências entre Otávio e seu filho Tião representam as<br />

diferenças <strong>de</strong> valores e crenças existentes entre os <strong>do</strong>is grupos <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens<br />

mencio<strong>na</strong><strong>do</strong>s acima. Nesse senti<strong>do</strong>, essa acirra<strong>da</strong> discussão entre pai e filho a respeito<br />

<strong>da</strong> greve expressa claramente a níti<strong>da</strong> divisão <strong>de</strong> pensamento que separa os <strong>do</strong>is<br />

perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong> Guarnieri:<br />

258 Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie.<br />

259 Ibid.<br />

“TIÃO — Tem uma nota sobre a greve <strong>na</strong> primeira pági<strong>na</strong>!... / OTÁVIO —<br />

Se até as oito horas <strong>da</strong> noite não <strong>de</strong>rem o aumento, greve geral <strong>na</strong><br />

metalúrgica! / TIÃO — Ninguém tem peito, pai! / OTÁVIO — Como não


119<br />

tem peito? Tá esqueci<strong>do</strong> <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>? / TIÃO — Eu não tava lá. /<br />

OTÁVIO — Mas eu estava! Deram o aumento ou não <strong>de</strong>ram? / TIÃO —<br />

Deram parte <strong>do</strong> aumento, parte! E mesmo assim porque tô<strong>da</strong>s as categorias<br />

a<strong>de</strong>riram! Mas agüentá o tranco sòzinho, ninguém. / OTÁVIO — Espera só<br />

a assembléia <strong>de</strong> hoje e vai ver se tem peito ou não! Eu tinha avisa<strong>do</strong>, hein! O<br />

ano passa<strong>do</strong> entramos em acôr<strong>do</strong> com o patrão e foi o que se viu. Agora<br />

apren<strong>de</strong>ram / TIÃO — E por que entraram em acôr<strong>do</strong>? / OTÁVIO —<br />

Porque parte <strong>da</strong> comissão amoleceu... / TIÃO — Tá ven<strong>do</strong>, t’aí! Se, em<br />

greve <strong>de</strong> conjunto meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> turma amoleceu... / OTÁVIO — Meta<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

turma não senhor! Meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> comissão. / TIÃO — E então? / OTÁVIO — E<br />

então, o quê? Eram pelêgos! A turma topava mas tinha meia dúzia <strong>de</strong>les que<br />

eram pêlegos. A turma topava, os pelêgos <strong>de</strong>ram pra trás. / TIÃO — Não,<br />

pai. Pro senhor, quem não pensa como o senhor é pelêgo... / OTÁVIO —<br />

Na<strong>da</strong> disso! Eram pelêgos no duro. T’aí a prova: tá tu<strong>do</strong> bem arruma<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

fábrica. Tu<strong>do</strong> chefe e fiscal. O que é isso? Peleguismo, trai<strong>do</strong>res <strong>da</strong> classe<br />

operária... / TIÃO — Então meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> turma lá <strong>da</strong> fábrica é pelego, porque<br />

tá tu<strong>do</strong> com mê<strong>do</strong> <strong>da</strong> greve! / OTÁVIO — (furioso). Não diz besteira, seu<br />

idiota! A turma que t’aí é a mesma turma que fêz greve o ano passa<strong>do</strong> e que<br />

agüentou tropa <strong>de</strong> choque em 51... / TIÃO — E por isso mesmo ‘tão<br />

cansa<strong>do</strong>s e não querem sabê <strong>de</strong> arriscá o emprego... / OTÁVIO — Tu tá<br />

discutin<strong>do</strong> como um safa<strong>do</strong>!... Pois fica saben<strong>do</strong> que lá tem operário e não<br />

menino família prá medrá./ Roma<strong>na</strong> — Não grita tanto homem! Só vive<br />

discutin<strong>do</strong> política! (pega mais sanduíches e sai). / OTÁVIO — (baixan<strong>do</strong> a<br />

voz). Tu vai me dizê com o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> assembléia <strong>de</strong> hoje! (pausa). /<br />

TIÃO — Os pelêgo que furaram a greve o ano passa<strong>do</strong> tão bem <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, é? /<br />

OTÁVIO — Depen<strong>de</strong> <strong>do</strong> que tu chama <strong>de</strong> bem <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Pra mim êles estão<br />

<strong>na</strong> mer<strong>da</strong>, mer<strong>da</strong> moral que é pior! Se ven<strong>de</strong>ram, né! / TIÃO — É! (pausa).<br />

Eu queria casá <strong>da</strong>qui a um mês, pai! / OTÁVIO — Bom! / TIÃO — O<br />

senhor gosta <strong>de</strong> Maria, não é, pai? / OTÁVIO — Po<strong>de</strong> ser uma boa<br />

companheira! / TIÃO — Ela é diploma<strong>da</strong>, sabia! / OTÁVIO — Tua mãe me<br />

disse... Que é que tem isso? Diploma não vale <strong>na</strong><strong>da</strong>. Êsse govêrno que t’aí é<br />

tu<strong>do</strong> diploma<strong>do</strong>! A<strong>na</strong>lfabeta mas honesta, mal educa<strong>da</strong>, falan<strong>do</strong> erra<strong>do</strong> mas<br />

com... com aquêle (procuran<strong>do</strong>), aquêle treco que só a gente tem aqui<br />

<strong>de</strong>ntro. (bate no peito). Essa é a mulhé que eu queria pra meu filho... /<br />

TIÃO — Além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, ela tem êsse... treco, pai! / OTÁVIO — Sei não. Tu<br />

parece que não tem... / TIÃO — Por quê? / OTÁVIO — Tu tem mê<strong>do</strong>... /<br />

TIÃO — De quê? / OTÁVIO — Uma porção <strong>de</strong> mê<strong>do</strong>s... Um é <strong>de</strong> perdê o<br />

emprego. / TIÃO — Não é mê<strong>do</strong>... / OTÁVIO — Então por que tu foi vê se<br />

arrumava emprego no escritório <strong>da</strong> fábrica? / TIÃO — Ganha mais. /<br />

OTÁVIO — Tu também procurou <strong>na</strong> farmácia <strong>do</strong> Dalmo... lá ganha<br />

menos... / TIÃO — Foi só pra ter uma idéia... / OTÁVIO — Sinceramente? /<br />

TIÃO — Não tenho <strong>na</strong><strong>da</strong> prá escondê!... / OTÁVIO — Tu acha que agüenta<br />

as luta <strong>da</strong> fábrica sem mê<strong>do</strong>!... / TIÃO — Se os outros agüentá. / OTÁVIO<br />

— Se não agüentasse? / TIÃO — O senhor acha que a turma vai topá a<br />

greve? / OTÁVIO — A assembléia é hoje à noite. O Bráulio tá lá, êle vem<br />

com as novi<strong>da</strong><strong>de</strong>... t’aí um que tem êsse tal treco... Emprestou dinheiro pra<br />

nós... É capaz <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r as calças prá prestá um favor... / TIÃO — Tem<br />

poucos assim! / OTÁVIO — Engano! / TIÃO — Ninguém vale <strong>na</strong><strong>da</strong>, pai! /<br />

OTÁVIO — Como você tem mê<strong>do</strong>! / TIÃO — (irrita<strong>do</strong>). Mas mê<strong>do</strong> <strong>de</strong> que,<br />

bolas! / OTÁVIO — (impertubável). De ser pobre... <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> gente! /<br />

TIÃO — (com um gesto <strong>de</strong> quem afasta os pensamentos). Ah! T’ou é<br />

. 260<br />

nervoso... t’ou apaixo<strong>na</strong><strong>do</strong>, pai... Não liga, não!”<br />

Dessa forma, a falta <strong>de</strong> convicção <strong>de</strong> Tião não ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> eficácia <strong>da</strong> luta coletiva<br />

como também <strong>na</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> sua classe, alia<strong>da</strong> à sua absoluta<br />

260 GUARNIERI, 1966, p. 23-26.


<strong>de</strong>scrença em relação ao caráter <strong>do</strong>s homens – para ele ninguém presta – e por fim, a sua<br />

aversão à vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> morro e o seu profun<strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>de</strong> continuar viven<strong>do</strong> <strong>na</strong>quela favela e<br />

ter a mesma vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua família, contrapõem-se <strong>de</strong> maneira contun<strong>de</strong>nte à consciência<br />

<strong>de</strong> classe <strong>de</strong> Otávio, à sua coragem para enfrentar a vi<strong>da</strong> no morro, como também à sua<br />

absoluta certeza <strong>de</strong> que, ape<strong>na</strong>s por meio <strong>da</strong> organização e <strong>de</strong> muita luta, a classe<br />

operária po<strong>de</strong>ria obter melhorias em suas condições <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

120<br />

Essa forte discussão entre pai e filho a respeito <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou não <strong>de</strong><br />

organização <strong>da</strong> classe operária acentuou ain<strong>da</strong> mais as diferenças <strong>de</strong> posicio<strong>na</strong>mentos<br />

existentes entre eles, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que <strong>de</strong>lineou <strong>de</strong> forma bem clara a posição <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

um acerca <strong>da</strong> eficácia <strong>da</strong> greve enquanto forma <strong>de</strong> luta <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res para obter<br />

melhores salários. Nesse contexto, a não a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Tião ao movimento, segui<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

prisão <strong>de</strong> Otávio, <strong>de</strong>ixou bem clara a total impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliação entre eles,<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sfecho fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> peça, que se <strong>de</strong>u com o seguinte diálogo:<br />

“TIÃO — (a Otávio). Eu queria conversá com o senhor! / OTÁVIO —<br />

Comigo? / TIÃO — (firme). É. / OTÁVIO — Minha gente, vocês querem<br />

dá um pulo lá fora, êsse rapaz quer conversá comigo. / ROMANA — Eu<br />

preciso mesmo recolhê a roupa! / JOÃO — Já vou in<strong>do</strong>, então. Até logo, seu<br />

Otávio, e parabéns! / OTÁVIO — Obriga<strong>do</strong>! (saem. Tião e Otávio ficam a<br />

sós). / OTÁVIO — Bem, po<strong>de</strong> falá. / TIÃO — Papai... / OTÁVIO — Me<br />

<strong>de</strong>sculpe, mas seu pai ain<strong>da</strong> não chegou. Êle <strong>de</strong>ixou um reca<strong>do</strong> comigo,<br />

man<strong>do</strong>u dizê p’ra você que ficou muito admira<strong>do</strong>, que se enganou. E pediu<br />

p’ra você tomá outro rumo, porque essa não é casa <strong>de</strong> fura-greve! / TIÃO —<br />

Eu vinha me <strong>de</strong>spedir e dizer só uma coisa — não foi por covardia! /<br />

OTÁVIO — Seu pai me falou sobre isso. Êle também procura acreditá que<br />

num foi por covardia. Êle acha que você até teve peito. Furou a greve e disse<br />

p’ra to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, não fêz segrê<strong>do</strong>. Não fêz como o Jesuíno que furou a<br />

greve saben<strong>do</strong> que tava erra<strong>do</strong>. Êle acha, o seu pai, que você é ain<strong>da</strong> mais<br />

filho <strong>da</strong> mãe! Que você é um traidô <strong>do</strong>s seus companheiro e <strong>da</strong> sua classe,<br />

mas um traidô que pensa que ’tá certo! Não um traidô por covardia, um<br />

traidô por convicção! / TIÃO — Eu queria que o senhor <strong>de</strong>sse um reca<strong>do</strong> a<br />

meu pai... / OTÁVIO — Vá dizen<strong>do</strong>... / TIÃO — Que o filho dêle não é um<br />

“filho <strong>da</strong> mãe”. Que o filho dêle gosta <strong>de</strong> sua gente, mas que o filho dêle<br />

tinha um problema e quis resolvê êsse problema <strong>de</strong> maneira mais segura.<br />

Que o filho é um homem que quer bem! / OTÁVIO — Seu pai vai ficá<br />

irrita<strong>do</strong> com êsse reca<strong>do</strong>, mas eu digo. Seu pai tem outro reca<strong>do</strong> p’ra você.<br />

Seu pai acha que a culpa <strong>de</strong> pensá dêsse jeito não é sua só. Seu pai acha que<br />

tem culpa... / TIÃO — Diga a meu pai que êle não tem culpa nenhuma. /<br />

OTÁVIO — (per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o controle). Se eu te tivesse educa<strong>do</strong> mais firme, se<br />

te tivesse mostra<strong>do</strong> melhor o que é a vi<strong>da</strong>, tu não pensaria em não ter<br />

confiança <strong>na</strong> tua gente... / TIÃO — Meu pai não tem culpa. Êle fêz o que<br />

<strong>de</strong>via. O problema é que eu não podia arriscá <strong>na</strong><strong>da</strong>. Preferi tê o <strong>de</strong>sprêzo <strong>de</strong>


121<br />

meu pessoal p’ra po<strong>de</strong>r querer bem, como eu quero querer, a ’tá arriscan<strong>do</strong> a<br />

vê minha mulhé sofrê como minha mãe sofre, como to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> nesse<br />

morro sofre! / OTÁVIO — Seu pai acha que êle tem culpa! / TIÃO — Tem<br />

culpa <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>, pai! / OTÁVIO — (num rompante) E <strong>de</strong>ixa êle acreditá nisso,<br />

se não, êle vai sofrê muito mais. Vai achar que o filho dêle caiu <strong>na</strong> mer<strong>da</strong><br />

sòzinho. Vai achar que o filho <strong>de</strong>le é safa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong>scença. (acalma-se<br />

repenti<strong>na</strong>mente). Seu pai man<strong>da</strong> mais um reca<strong>do</strong>. Diz que você não precisa<br />

aparecê mais. E <strong>de</strong>seja boa sorte p’ra você. / TIÃO — Diga a êle que vai ser<br />

assim. Não foi por covardia e não me arrepen<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>. Até um dia<br />

(encaminhan<strong>do</strong>-se para a porta). / OTÁVIO — (dirigin<strong>do</strong>-se ao quarto <strong>do</strong>s<br />

fun<strong>do</strong>s). Tua mãe, talvez, vai querê falá contigo... Até um dia!”. 261<br />

Após esse rompimento com o pai, Tião tem a conversa fi<strong>na</strong>l com sua noiva, <strong>na</strong><br />

qual se evi<strong>de</strong>ncia claramente a distinção <strong>de</strong> concepções entre os <strong>do</strong>is. Nessa<br />

intervenção, a profun<strong>da</strong> tristeza <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong>monstra claramente sua gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção<br />

com a atitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> noivo e, portanto, sua total i<strong>de</strong>ntificação com o posicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> seu<br />

sogro, com a sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e com a vi<strong>da</strong> no morro.<br />

261 GUARNIERI, 1966, p. 83-85.<br />

“MARIA — (entran<strong>do</strong>). Tu vai embora? / TIÃO — Tu já não <strong>de</strong>sconfiava?<br />

/ MARIA — E agora? / TIÃO — Tá tu<strong>do</strong> certo. Não perdi o emprêgo, nem<br />

vou perdê. A greve tá com jeito <strong>de</strong> dá certo, vou ser aumenta<strong>do</strong>. Tu vai<br />

receber aumento <strong>na</strong> ofici<strong>na</strong>. Nós vamos p’ra um quarto <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, nós <strong>do</strong>is.<br />

Depois, vem o Otávinho e vamos levan<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong>, não é assim? (...) / MARIA<br />

— Deixá o morro, não! Nós vamo sê infeliz! A nossa gente é essa! Você se<br />

sujou!... Compreen<strong>de</strong>! / TIÃO — É que eu quero bem! ... Mas não foi por<br />

covardia! / MARIA — Foi... foi... foi... foi por covardia... foi! / TIÃO —<br />

(aflito) Maria escuta! ... (a Roma<strong>na</strong>). Mãe, aju<strong>da</strong> aqui! (Roma<strong>na</strong> não se<br />

mexe) ... Eu tive... Eu tive... / MARIA — Mê<strong>do</strong>, mê<strong>do</strong>, mê<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>... você<br />

teve!... Preferiu brigá com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, preferiu o <strong>de</strong>sprêzo... Porque teve<br />

mê<strong>do</strong>!... Você num acredita em <strong>na</strong><strong>da</strong>, só em você. Você é um convenci<strong>do</strong>! /<br />

TIÃO — Dengosinha... Não é tão ruim a gente <strong>de</strong>ixá o morro. Já é gran<strong>de</strong><br />

coisa!... Você também quer <strong>de</strong>ixá o morro. Depois a turma esquece, aí tu<strong>do</strong><br />

fica diferente!... / MARIA — Eu quero <strong>de</strong>ixá o morro com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>:<br />

D.Roma<strong>na</strong>, mamãe, Chiquinho, Terezinha, Ziza, Flora... To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>...<br />

Você não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá sua gente! Teu mun<strong>do</strong> é esse, não é outro!... Você vai<br />

sê infeliz! / TIÃO — (já abafa<strong>do</strong>). Maria, não tem outro jeito!... Eu venho<br />

buscar você! (...) / MARIA — Não vou... não vou!... / (...) MARIA — Eu<br />

acreditei... eu acreditei que tu ia agi direito... Não tinha razão p’ra brigá com<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>... Tu tinha emprêgo se per<strong>de</strong>sse aquêle... Tu é moço... Tinha o<br />

cara <strong>do</strong> cinema... / TIÃO — (irrita-se ca<strong>da</strong> vez mais. Uma irritação<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>). Mariinha, não adiantava <strong>na</strong><strong>da</strong>!... Eu tive... eu tive... / MARIA<br />

— Mê<strong>do</strong>, mê<strong>do</strong>, mê<strong>do</strong>... / TIÃO — (num gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabafo). Mê<strong>do</strong>, está<br />

bem Maria, mê<strong>do</strong>!... Eu tive mê<strong>do</strong> sempre!... A história <strong>do</strong> cinema é<br />

mentira! Eu disse porque eu quero sê alguma coisa, eu preciso sê alguma<br />

coisa !... Não queria ficá aqui sempre, tá me enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>? Tá me<br />

enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>? A greve me metia mê<strong>do</strong>. Um mê<strong>do</strong> diferente! Não mê<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

greve! Mê<strong>do</strong> <strong>de</strong> sê operário! Mê<strong>do</strong> <strong>de</strong> não saí nunca mais <strong>da</strong>qui! Fazê greve<br />

é sê mais operário ain<strong>da</strong>!... / MARIA — Sòzinho não adianta!... Sòzinho tu<br />

não resolve <strong>na</strong><strong>da</strong>!... ’tá tu<strong>do</strong> erra<strong>do</strong>! / TIÃO — Maria, minha <strong>de</strong>ngosa, não<br />

chora mais! Eu sei, ’tá erra<strong>do</strong>, eu enten<strong>do</strong>, mas tu também tem que me


122<br />

entendê! Tu tem que sabê por que eu fiz! / MARIA — Não, não... Eu não<br />

saio <strong>da</strong>qui! (...) / TIÃO — Não posso ficá, Maria... Não posso ficá!... /<br />

MARIA — (para <strong>de</strong> chorar. Enxuga as lágrimas). Então, vai embora... Eu<br />

fico. Eu fico. Eu fico com Otávinho... Crescen<strong>do</strong> aqui êle não vai tê me<strong>do</strong>...<br />

E quan<strong>do</strong> tu acreditá <strong>na</strong> gente... por favôr... volta! (sai). / TIÃO — Maria<br />

espera!... (corren<strong>do</strong>, segue Maria. Pausa). / OTÁVIO — (entran<strong>do</strong>). Já<br />

acabou? ROMANA — Vai falá com êle, Otávio... Vai! / OTÁVIO —<br />

Enxergan<strong>do</strong> melhó a vi<strong>da</strong>, êle volta”. 262<br />

Nesse último trecho <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Guarnieri to<strong>da</strong>s as posições ficam bem<br />

<strong>de</strong>marca<strong>da</strong>s: Tião reconhece o seu me<strong>do</strong>, que significa não o me<strong>do</strong> <strong>da</strong> greve em si, <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que não furou o movimento por covardia, pois ao contrário <strong>de</strong> Jesuíno,<br />

assumiu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início a sua atitu<strong>de</strong>. Assim, o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> Tião era continuar viven<strong>do</strong><br />

sempre aquela vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> operário no morro, com a qual nunca se i<strong>de</strong>ntificou. Para ele,<br />

envolver-se em qualquer movimento coletivo, <strong>na</strong> fábrica ou com os habitantes <strong>do</strong><br />

morro, torná-lo-ia ca<strong>da</strong> vez mais preso àquela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e àquele tipo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e o<br />

afastaria ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong> seus sonhos <strong>de</strong> obter ascensão social e viver <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

To<strong>da</strong>via, a firmeza e <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Maria em continuar viven<strong>do</strong> <strong>na</strong> favela<br />

com a família <strong>de</strong> Tião revelam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> autor em exter<strong>na</strong>r sua posição perante o<br />

público, contrária às atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tião. Desse mo<strong>do</strong>, Maria, mesmo aman<strong>do</strong> muito o<br />

noivo, preferiu se sacrificar separan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> seu ama<strong>do</strong>, por não acreditar e não aprovar<br />

o seu comportamento individualista e também por não querer que seu filho se<br />

espelhasse no pai, mas pelo contrário, no sogro, Otávio, cujos valores e comportamento<br />

ela muito admirava.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> Maria com as atitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sogro exclui a tese <strong>do</strong> possível<br />

conflito <strong>de</strong> gerações existentes no texto, pois se assim fosse ela se i<strong>de</strong>ntificaria com<br />

Tião, e por outro la<strong>do</strong>, afirma a influência <strong>do</strong> meio no comportamento <strong>da</strong>s pessoas. 263<br />

Como foi cria<strong>da</strong> no morro, Maria se sentia absolutamente à vonta<strong>de</strong> <strong>na</strong>quele ambiente e<br />

apoiava a luta <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-se com os interesses<br />

262 GUARNIERI, 1966, p. 86-90.<br />

263 PATRIOTA, 1999, p.116.


<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao contrário <strong>de</strong> Tião, que cresceu <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, e, portanto, tinha aversão<br />

àquele tipo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, pois compartilhava os valores pequeno-burgueses pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes no<br />

ambiente urbano.<br />

123<br />

Por sua vez, Otávio, após ter rompi<strong>do</strong> com filho e tê-lo man<strong>da</strong><strong>do</strong> embora <strong>de</strong><br />

casa, ain<strong>da</strong> alimentava a esperança <strong>de</strong> sua regeneração, ao comentar com a mulher que<br />

acreditava que Tião, após conhecer mais a vi<strong>da</strong>, voltaria para a sua gente. To<strong>da</strong>via, <strong>na</strong><br />

conjuntura <strong>do</strong>s anos 50, <strong>na</strong> qual a peça foi escrita e ence<strong>na</strong><strong>da</strong>, os valores pequeno-<br />

burgueses <strong>de</strong> Tião, suas ambições pessoais, sua total falta <strong>de</strong> convicção política, o<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vencer custe o que custar, não importa o que se tenha que fazer, o excesso <strong>de</strong><br />

pragmatismo, constituíam-se em atitu<strong>de</strong>s que estavam se tor<strong>na</strong><strong>do</strong> ca<strong>da</strong> vez mais comuns<br />

em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> acelera<strong>do</strong> crescimento <strong>da</strong> consumo <strong>de</strong> massas no país, que contribui<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> comportamentos semelhantes ao <strong>do</strong> Tião.<br />

Após caracterizar os perso<strong>na</strong>gens e tecer o resumo <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> <strong>da</strong> peça, po<strong>de</strong>mos<br />

concluir que a temática central <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie, gira em torno <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> organização e mobilização <strong>da</strong> classe trabalha<strong>do</strong>ra como condição<br />

fun<strong>da</strong>mental para aprimoramento <strong>da</strong> sua consciência <strong>de</strong> classe e para o fortalecimento<br />

<strong>de</strong> suas lutas. A fim <strong>de</strong> obter tal intento, Guarnieri cria um conflito no interior <strong>de</strong> uma<br />

família <strong>de</strong> operários, opon<strong>do</strong> pai e filho. Desse mo<strong>do</strong>, como atesta Rosangela Patriota,<br />

os operários <strong>de</strong> Guarnieri, ao atualizarem cenicamente o <strong>de</strong>bate acerca <strong>da</strong> importância<br />

<strong>da</strong> mobilização social como meio <strong>de</strong> fortalecer a classe trabalha<strong>do</strong>ra, i<strong>na</strong>uguram uma<br />

nova perspectiva teatral acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> política e econômica <strong>do</strong> país. 264<br />

Nessa perspectiva, Vianinha, em um <strong>do</strong>s seus comentários acerca <strong>da</strong> peça <strong>de</strong><br />

Guarnieri, <strong>de</strong>stacava que um <strong>do</strong>s aspectos mais importantes <strong>de</strong>sse texto foi contribuir<br />

para questio<strong>na</strong>r o estereótipo <strong>de</strong> que os favela<strong>do</strong>s eram sempre bandi<strong>do</strong>s, malandros e<br />

264 PATRIOTA, 1999, P.113


acomo<strong>da</strong><strong>do</strong>s. Assim, Black-Tie colocou em evidência a idéia <strong>de</strong> que os habitantes <strong>do</strong><br />

morro eram capazes <strong>de</strong> agir enquanto sujeitos históricos, com idéias próprias e que,<br />

nessa medi<strong>da</strong>, como os indivíduos pertencentes a outras classes sociais, também se<br />

preocupavam em construir uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> alicerça<strong>da</strong> em critérios <strong>de</strong> morali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Então, para Vian<strong>na</strong>:<br />

124<br />

“Pela primeira vez, diante <strong>de</strong> um público extasia<strong>do</strong>, o homem <strong>do</strong> povo<br />

entra, senta, fala, briga. Guarnieri, ain<strong>da</strong> que <strong>de</strong> forma romântica,<br />

comunica à classe média que o favela<strong>do</strong> está <strong>na</strong> favela, sem <strong>na</strong>valha <strong>na</strong><br />

mão, também atrás <strong>de</strong> uma morali<strong>da</strong><strong>de</strong> para o mun<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r sua situação e agir, como to<strong>do</strong>s. E que, como to<strong>do</strong>s, recusase<br />

a aceitar o <strong>de</strong>stino que penosamente cumpre. Que, como to<strong>do</strong>s, o<br />

favela<strong>do</strong> tem também um alma incan<strong>de</strong>scente - não são acomo<strong>da</strong><strong>do</strong>s ou<br />

<strong>de</strong>spreocupa<strong>do</strong>s”. 265<br />

Nessa perspectiva, segun<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> uma <strong>da</strong>s razões que explicam o enorme êxito<br />

obti<strong>do</strong> pela peça <strong>de</strong> Guarnieri <strong>de</strong> público e <strong>de</strong> crítica residia principalmente no fato <strong>de</strong><br />

que a carpintaria <strong>do</strong> texto favorecia a sua transmissão e contribuía para aumentar a<br />

intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> relacio<strong>na</strong>mento com o público. A peça comunicava teatralmente, isto é,<br />

conseguia atingir as platéias, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que transmitia vivências, representações e<br />

emoções familiares ao público <strong>brasil</strong>eiro, e <strong>de</strong> forma especial ao público popular 266 .<br />

Seguin<strong>do</strong> a linha <strong>de</strong> raciocínio <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong>, Paulo José, em seu rememorar acerca<br />

<strong>de</strong> Black-Tie, comentou o seguinte:<br />

“As pessoas se divertem com aquele espetáculo, se comovem, se<br />

emocio<strong>na</strong>m. Existe basicamente, i<strong>de</strong>ntificação huma<strong>na</strong> mesmo. No Black-<br />

Tie, tem um tipo <strong>de</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mãe, Roma<strong>na</strong>, <strong>do</strong> lí<strong>de</strong>r sindical, Otávio e<br />

o conflito <strong>do</strong> filho, a relação <strong>de</strong> amor <strong>do</strong> filho com a <strong>na</strong>mora<strong>da</strong> no morro.<br />

Quer dizer, uma história romântica, singela, mas extremamente popular, a<br />

história! To<strong>da</strong>s as experiências <strong>do</strong> Black-Tie em ambientes mais populares,<br />

fora <strong>do</strong> espaço teatral, <strong>de</strong> circo, <strong>de</strong> pavilhão funcio<strong>na</strong>vam admiravelmente.<br />

Black-Tie funcio<strong>na</strong>va muito”. 267<br />

Dessa maneira, as montagens <strong>de</strong> Black-Tie em ambientes populares se<br />

a<strong>de</strong>quavam ple<strong>na</strong>mente porque Guarnieri conseguiu em seu texto captar, extrair e<br />

265 VIANNA FILHO, 1983, p. 123.<br />

266 Ibid., p. 50.<br />

267 JOSÉ. In: Roux, 1991, p. 448.


ecriar experiências, sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e valores efetivamente vincula<strong>do</strong>s ao cotidiano <strong>da</strong>s<br />

cama<strong>da</strong>s populares. Acrescentan<strong>do</strong>-se a isso, a linguagem cênica e verbal <strong>do</strong> texto<br />

contribuía sobremaneira para intensificar a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> público com o espetáculo.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Paulo José:<br />

125<br />

“O Black-Tie tinha alguma coisa <strong>de</strong> um realismo... era um realismo<br />

psicológico, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> Stanislavski, mas esses elementos <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>turalismo teatral é que funcio<strong>na</strong>vam admiravelmente, porque a Roma<strong>na</strong><br />

fazia café em ce<strong>na</strong>. Não só você tem a água ferven<strong>do</strong>, como você tem a<br />

fumaça, como tem o aroma <strong>do</strong> café que irradia pelo <strong>teatro</strong>. Isso é uma coisa<br />

incrível, uma ce<strong>na</strong> to<strong>da</strong>, fazen<strong>do</strong> café.<br />

E o fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> peça era fantástico: era aquela mulher catan<strong>do</strong>, solitária <strong>na</strong><br />

ce<strong>na</strong>, catan<strong>do</strong> feijões em cima <strong>da</strong> mesa e os feijões caíam numa bacia...<br />

aquele ruí<strong>do</strong> <strong>de</strong> feijão cain<strong>do</strong> numa bacia que é uma imagem que não há<br />

quem não conheça aquilo como sentimento... E há uma absoluta<br />

familiari<strong>da</strong><strong>de</strong> com aquela imagem.<br />

São imagens populares e não existia nenhuma barreira para a compreensão<br />

<strong>de</strong>sse <strong>teatro</strong>. Era um <strong>teatro</strong> que passava, vazava diretamente. E pessoas<br />

como Milton Gonçalves, Flávio Migliaccio e mesmo Guarnieri e Vianinha<br />

tiveram sempre uma vivência muito popular; a linguagem era popular.<br />

O pai e a mãe <strong>de</strong> Guarnieri eram músicos, o maestro Eduar<strong>do</strong> era músico, a<br />

mãe tocava harpa, então eles ficavam no Teatro Municipal e Guarnieri<br />

passava o fim <strong>de</strong> sema<strong>na</strong> <strong>na</strong> favela com a emprega<strong>da</strong> <strong>de</strong>les, com a<br />

crioulo<strong>na</strong>. Por isso tinha uma vivência muito gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> cotidiano, <strong>do</strong> jeito<br />

<strong>de</strong> falar, <strong>do</strong> comportamento. Isso tu<strong>do</strong> tem muito <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Black-Tie. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, é uma peça que tem alguma coisa vista <strong>de</strong> uma perspectiva popular.<br />

Não tem, nessas peças, um preconceito sobre o que é o povo. Tem uma<br />

vivência <strong>do</strong> povo”. 268<br />

Sen<strong>do</strong> assim, Black-Tie funcio<strong>na</strong>va muito bem, porque além <strong>de</strong> retratar<br />

experiências comuns ao povo <strong>brasil</strong>eiro por meio <strong>de</strong> uma estética realista que favorecia<br />

ain<strong>da</strong> mais i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> platéia com o texto, seus perso<strong>na</strong>gens expressavam uma<br />

enorme autentici<strong>da</strong><strong>de</strong>, justamente por terem si<strong>do</strong> inspira<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s vivências <strong>do</strong> próprio<br />

autor no ambiente <strong>do</strong> morro, on<strong>de</strong> passou muitos fi<strong>na</strong>is <strong>de</strong> sema<strong>na</strong> com a família <strong>de</strong> sua<br />

emprega<strong>da</strong> Margari<strong>da</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, os perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong> Black-Tie eram representativos<br />

<strong>da</strong> gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong> população <strong>brasil</strong>eira, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que eram trabalha<strong>do</strong>res<br />

habitantes <strong>de</strong> uma favela carioca, envolvi<strong>do</strong>s com os seus problemas cotidianos <strong>de</strong><br />

sobrevivência.<br />

268 JOSÉ. In: Roux, 1991, p. 449-450.


126<br />

Nessa perspectiva, Guarnieri, ao falar sobre os textos que produziu e os<br />

perso<strong>na</strong>gens que construiu, to<strong>do</strong>s eles calca<strong>do</strong>s em sua percepção acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira, sempre fez questão <strong>de</strong> frisar o seguinte:<br />

“Devo tu<strong>do</strong> isso a uma crioula, Margari<strong>da</strong> <strong>de</strong> Oliveira, carioca, que<br />

trabalhava em minha casa. Meus pais saíam e ela me levava para passear<br />

nos subúrbios, favelas, bocas <strong>de</strong> bicho. Aquele contato marcou muito minha<br />

vi<strong>da</strong>, as conversas, os problemas <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um, tu<strong>do</strong> discuti<strong>do</strong> e mostra<strong>do</strong><br />

livremente. Foi através <strong>de</strong> Margari<strong>da</strong> que eu tive o primeiro contato com os<br />

cortiços <strong>do</strong> catete. Sua mãe se chamava Roma<strong>na</strong>, e foi esse o nome que <strong>de</strong>i à<br />

perso<strong>na</strong>gem-mãe <strong>na</strong> peça. Era uma velhinha incrível, a<strong>na</strong>lfabeta, mas com<br />

uma fabulosa experiência <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, cheia <strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria e clareza. A <strong>da</strong> peça<br />

tem to<strong>do</strong>s os elementos <strong>da</strong> Roma<strong>na</strong>, mas evi<strong>de</strong>ntemente, nós não<br />

conseguiremos fazer uma Roma<strong>na</strong> como a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Ela tinha uma visão<br />

<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que era espetacular. Ela jamais se impunha, mas sempre se<br />

impunha”. 269<br />

Dessa forma, a <strong>brasil</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> e autentici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens <strong>de</strong> Black-Tie foram<br />

muito favoreci<strong>da</strong>s pelas vivências <strong>de</strong> infância <strong>do</strong> autor, que propiciaram a ele um<br />

intenso contato com as cama<strong>da</strong>s populares, como também pela preocupação central com<br />

o ser humano, que sempre norteou o seu trabalho:<br />

“O negócio é o seguinte: o meu <strong>teatro</strong> é muito mais preocupa<strong>do</strong> com o<br />

homem mesmo. E não em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> alguma tese. Fico preocupa<strong>do</strong> em<br />

observar as coisas que estão aí e refletir sobre o que vejo, mas ten<strong>do</strong> como<br />

ponto fun<strong>da</strong>mental os homens e suas relações. (...) Black-Tie foi realmente<br />

maravilhosa. Não só pelo fato <strong>de</strong> ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira, mas por ser autêntica. A<br />

peça foi importante pelo aspecto <strong>de</strong> introduzir a temática urba<strong>na</strong> e trazer à<br />

baila problemas sociais. A ação se passa no morro, <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50,<br />

porque essa era a minha vivência <strong>de</strong> infância e juventu<strong>de</strong>, mas a peça<br />

ultrapassou essa ambientação; essa história ocorreria em qualquer<br />

ambiente proletário, <strong>na</strong> periferia <strong>de</strong> qualquer ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong>”. 270<br />

Nesse senti<strong>do</strong>,, a humanização <strong>de</strong> um conflito político foi um gran<strong>de</strong> mérito <strong>da</strong><br />

peça <strong>de</strong> Guarnieri, pois, segun<strong>do</strong> ele: “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong> me sentia dividi<strong>do</strong> entre a ação<br />

política concreta e o caminho mais contemplativo <strong>da</strong> ação cultural e artística. Eles Não<br />

269<br />

GUARNIERI, Gianfrancesco. Folha Metropolita<strong>na</strong> - São Ber<strong>na</strong>r<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo - Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

20/02/76.<br />

270 Ibid..


Usam Black-tie, <strong>de</strong> certa forma, <strong>na</strong>sceu <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> conciliar os <strong>do</strong>is<br />

caminhos”. 271<br />

127<br />

Além <strong>da</strong> temática e <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens extremamente populares, o <strong>de</strong>spojamento<br />

cênico e a inexistência <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> dramática conferiam a Black-Tie um caráter<br />

extremamente popular e que, portanto, simbolizava o projeto <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, que se consubstanciava em construir uma dramaturgia centra<strong>da</strong> no enfoque <strong>do</strong>s<br />

conflitos vivencia<strong>do</strong>s pela classe trabalha<strong>do</strong>ra, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, como assi<strong>na</strong>lava<br />

Vianinha:<br />

“O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo sustenta sua programação no autor<br />

<strong>brasil</strong>eiro. Não qualquer autor <strong>brasil</strong>eiro; o autor que falasse <strong>do</strong>s<br />

problemas sociais; não to<strong>do</strong>s os problemas sociais, os problemas sociais<br />

<strong>da</strong>s classes trabalha<strong>do</strong>ras. A quali<strong>da</strong><strong>de</strong> artística era importante; mas a<br />

temática, a posição, a postura talvez fossem <strong>de</strong>cisivas. (...) Estas atitu<strong>de</strong>s,<br />

<strong>na</strong> época, no seu furor, produziram frutos extraordinários. O autor <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

ganha uma casa, experimenta, <strong>de</strong>bate, faz seminários, começa a existir<br />

culturalmente, lota o <strong>teatro</strong>.(...) É fun<strong>da</strong>mental lembrar que Guarnieri não<br />

seria monta<strong>do</strong> sem a existência <strong>de</strong> um movimento geral <strong>de</strong> renovação. Pior<br />

— não escreveria peças”. 272<br />

Nesse contexto, embora Guarnieri tivesse escrito Black-Tie em um momento em<br />

que significativos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira apostavam <strong>na</strong> ação coletiva para<br />

transformar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, ele foi elogia<strong>do</strong> por uma boa parcela <strong>da</strong> crítica e <strong>do</strong> público,<br />

por não con<strong>de</strong><strong>na</strong>r o perso<strong>na</strong>gem Tião. 273<br />

Voltan<strong>do</strong> a falar sobre o seu texto em uma entrevista que realizou em 2000,<br />

quan<strong>do</strong> já estava com 65 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, Guarnieri ressaltou que o individualismo<br />

extrema<strong>do</strong> e pernicioso estava mesmo no perso<strong>na</strong>gem Jesuíno. “Ele é o malandrói<strong>de</strong><br />

impreg<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ologia individualista que mais tar<strong>de</strong> se propagaria e <strong>da</strong>ria<br />

271<br />

GUARNIERI, Gianfrancesco. Folha Metropolita<strong>na</strong> - São Ber<strong>na</strong>r<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo - Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

20/02/76.<br />

272<br />

VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 123.<br />

273<br />

GUARNIERI, Gianfrancesco, op.cit.


<strong>na</strong>quela famosa frase dita pelo joga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> futebol Gérson em um anúncio, e que ficou<br />

conheci<strong>da</strong> como lei <strong>de</strong> Gérson: “o importante é levar vantagem em tu<strong>do</strong>, certo?”. 274<br />

128<br />

Nessa perspectiva, segun<strong>do</strong> Guarnieri, o caso <strong>de</strong> Tião foi um pouco diferente <strong>do</strong><br />

caso <strong>de</strong> Jesuíno, uma vez que ele assumiu o seu ato como forma <strong>de</strong> luta – ain<strong>da</strong> que<br />

equivoca<strong>da</strong> porque individual – e não tentou ficar em cima <strong>do</strong> muro como o seu amigo.<br />

Assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o dramaturgo:<br />

“Embora jamais tenha acusa<strong>do</strong> Tião, nem <strong>na</strong> época, eu discor<strong>da</strong>va <strong>de</strong>le e<br />

me i<strong>de</strong>ntificava ple<strong>na</strong>mente com Otávio. To<strong>da</strong>via, ninguém po<strong>de</strong>ria ir contra<br />

o fato <strong>de</strong> Tião <strong>de</strong>sejar uma vi<strong>da</strong> melhor para sua mulher e seu futuro filho.<br />

Otávio julgou o filho com excessivo rigor; Tião não está queren<strong>do</strong> iates,<br />

mas ape<strong>na</strong>s uma vi<strong>da</strong> melhor e mais dig<strong>na</strong> para sua mulher e seu filho. Mas<br />

para Otávio os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> filho eram pequenos burgueses. Eu também era<br />

mais radical”. 275<br />

Por outro la<strong>do</strong>, entre as críticas negativas que Guarnieri recebeu <strong>na</strong> época, <strong>da</strong><br />

ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> sua peça, estava a <strong>de</strong> ter i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> o morro e seus habitantes. To<strong>da</strong>via,<br />

segun<strong>do</strong> ele:<br />

“Esta era a visão <strong>de</strong> quem tem uma gran<strong>de</strong> perspectiva, <strong>de</strong> quem tinha<br />

muito níti<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> superação <strong>do</strong>s problemas sociais. Hoje a<br />

diferença fun<strong>da</strong>mental esta <strong>na</strong> <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica: são milhares <strong>de</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s que, para sobreviver se submetem ao po<strong>de</strong>r<br />

<strong>da</strong>quela espécie <strong>de</strong> prefeitura local gerencia<strong>da</strong> pelo traficante <strong>de</strong><br />

drogas”. 276<br />

Assim, Guarnieri, ao fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> entrevista, lamentou o fim <strong>da</strong> utopia comunista como<br />

contraponto fun<strong>da</strong>mental ao capitalismo:<br />

“A utopia socialista representava um contraponto dialeticamente perfeito,<br />

porque permitia avanços. Acreditava-se numa forma <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> mais bela e a<br />

gran<strong>de</strong> aventura era lutar para transformar o alcançável; agora que o<br />

merca<strong>do</strong> virou fetiche, isso <strong>de</strong> <strong>belo</strong> não interessa mais, o negócio é prático,<br />

bufunfa, dinheiro no bolso. O sonho <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> um tipo <strong>de</strong> expressão; o<br />

poeta escreve a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>do</strong> contrário não é criação artística e<br />

sim <strong>de</strong>lírio ou <strong>de</strong>sabafo”. 277<br />

274<br />

GUARNIERI, Gianfrancesco. Peça foi cria<strong>da</strong> num momento <strong>de</strong> forte intuição. Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

São Paulo, 22/02/2000.<br />

275<br />

Ibid.<br />

276<br />

Ibid.<br />

277<br />

Ibid.


129<br />

Desse mo<strong>do</strong>, foi acreditan<strong>do</strong> em seus sonhos e se inspiran<strong>do</strong> em uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

concreta que Guarnieri escreveu sua primeira peça, em 1956, quan<strong>do</strong> tinha ape<strong>na</strong>s vinte<br />

e um anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, então, segun<strong>do</strong> ele:<br />

“A idéia <strong>de</strong> escrever “Eles Não Usam Black-tie” surgiu <strong>de</strong> uma<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever sobre minha gente. É com profun<strong>do</strong><br />

reconhecimento que me recor<strong>do</strong> <strong>da</strong>queles que me proporcio<strong>na</strong>ram os<br />

primeiros contatos com gente <strong>do</strong> morro lá no Rio <strong>de</strong> Janeiro. É nesse<br />

ambiente <strong>da</strong> favela carioca que situei meus perso<strong>na</strong>gens — operários e<br />

mulheres <strong>de</strong> operários — gente que se aboleta em favelas tristes, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> com<br />

seus amores, sentimentos e anseios, seus sambas e suas lutas,<br />

características fun<strong>da</strong>mentais <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro.<br />

Turistas, e muitos <strong>brasil</strong>eiros também costumam contemplar as favelas.<br />

Contemplam-<strong>na</strong>s como coisa estranha e misteriosa, espécie <strong>de</strong> “Casbah”<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. O morro — escon<strong>de</strong>rijo <strong>de</strong> malandros perigosos, ladrões, gente<br />

má. O samba e a escola <strong>de</strong> samba <strong>da</strong>riam uma cor to<strong>da</strong> especial à favela.<br />

Poucos se lembram <strong>do</strong> operário cansa<strong>do</strong>, o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro mora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> barraco.<br />

É <strong>de</strong>le que falo. (...) O drama <strong>da</strong> favela é vivi<strong>do</strong> pelo ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro mora<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

barraco. (...) Não procuro e<strong>na</strong>ltecê-los ou romantizá-los, ape<strong>na</strong>s mostrá-los<br />

como perso<strong>na</strong>gens altamente dramáticos que são.” 278<br />

Em última instância, a história <strong>de</strong> Otávio, Roma<strong>na</strong>, Tião, Maria, Chiquinho,<br />

Tezinha, retrata<strong>da</strong> em Black-tie, simboliza, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as palavras <strong>do</strong> próprio autor,<br />

características fun<strong>da</strong>mentais <strong>do</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro. Desse mo<strong>do</strong>, a peça <strong>de</strong> Guarnieri,<br />

alicerça<strong>da</strong> em uma <strong>brasil</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> cotidia<strong>na</strong>, com o qual o especta<strong>do</strong>r se i<strong>de</strong>ntificava<br />

imediatamente, constitui-se em um valioso <strong>do</strong>cumento representativo <strong>do</strong> imaginário <strong>de</strong><br />

uma geração <strong>de</strong> homens e mulheres, velhos e jovens, pobres e assalaria<strong>do</strong>s <strong>de</strong> baixa<br />

ren<strong>da</strong>, enfim, pessoas comuns que durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta no Brasil partilharam<br />

sonhos, idéias, crenças e sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e que lutavam por reformas que ampliassem<br />

seus direitos políticos, econômicos e sociais e que distribuíssem a ren<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong><br />

maneira mais justa 279 .<br />

Nesse contexto, as cama<strong>da</strong>s populares se engajaram a maneira <strong>de</strong>las e<br />

participaram <strong>de</strong> forma ativa, juntamente com sindicalistas, estu<strong>da</strong>ntes, artistas,<br />

comunistas, trabalhistas <strong>da</strong> luta pela implementação <strong>de</strong> um projeto político e social <strong>de</strong><br />

278 Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie.<br />

279 FERREIRA, 2005, p.13


libertação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com suas propostas <strong>de</strong> soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>da</strong> realização <strong>de</strong><br />

reformas que modificassem o perfil econômico e social <strong>do</strong> país. 280<br />

130<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a imensa ressonância obti<strong>da</strong> pelo texto <strong>de</strong> Guarnieri <strong>na</strong>quele<br />

contexto se explica <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, existia <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong> uma forte soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social e uma gran<strong>de</strong> esperança <strong>de</strong> se conquistar uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mais justa e igualitária. E<br />

Black-Tie, ao apostar <strong>na</strong>s perspectivas <strong>de</strong> lutas coletivas e <strong>de</strong>nunciar as posturas<br />

individualistas que levavam ao isolamento, como ocorreu com Tião, acabava por<br />

referen<strong>da</strong>r as utopias existentes no país, <strong>na</strong>quela conjuntura.<br />

Em última análise, o texto <strong>de</strong> Guarnieri se tornou um símbolo <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, pois além <strong>de</strong> introduzir no palco perso<strong>na</strong>gens tipicamente<br />

<strong>brasil</strong>eiros, evi<strong>de</strong>nciava uma questão que se encontrava no centro <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate político e<br />

social que ocorria no Brasil nos anos 50: a importância <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong><br />

conscientização política <strong>da</strong> classe trabalha<strong>do</strong>ra para o fortalecimento <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong><br />

libertação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que estava sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> no país por segmentos significativos <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

A RECEPÇÃO DE ELES NÃO USAM BLACK-TIE<br />

Quan<strong>do</strong> Eles Não Usam Black-Tie estreou em 22 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1958, o Teatro<br />

<strong>de</strong> Are<strong>na</strong> completava três anos <strong>de</strong> existência em se<strong>de</strong> fixa. No ano anterior, o Are<strong>na</strong><br />

continuou manten<strong>do</strong> um repertório eclético, marca<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, pela ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong><br />

peças <strong>de</strong> autores <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> dramaturgia estrangeira. Das seis peças ence<strong>na</strong><strong>da</strong>s pela<br />

companhia em 1957, ape<strong>na</strong>s duas eram <strong>brasil</strong>eiras: Só o Faraó tem alma,<strong>de</strong> Silveira<br />

Sampaio e Mari<strong>do</strong> Magro, Mulher Chata, <strong>de</strong> Augusto Boal.<br />

280 FERREIRA, 2005, p.13.


131<br />

Contu<strong>do</strong>, as montagens <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, nesse ano, não obtiveram gran<strong>de</strong> repercussão<br />

no cenário teatral paulista. Após o fracasso <strong>de</strong> público, <strong>da</strong> peça irlan<strong>de</strong>sa Juno e Pavão<br />

<strong>de</strong> Sean O’ Casey, ence<strong>na</strong><strong>da</strong> por Augusto Boal, em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1957, o Are<strong>na</strong> passou a<br />

sofrer sérias dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s fi<strong>na</strong>nceiras, então, segun<strong>do</strong> Guarnieri, a companhia para<br />

sobreviver, voltou a fazer comediazinhas <strong>de</strong>spretensiosas, que também fracassaram.<br />

Para sobreviver, Boal e Vianinha tiveram que sair <strong>do</strong> grupo, ingressan<strong>do</strong> em outras<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s 281<br />

Em janeiro <strong>de</strong> 1958, o Are<strong>na</strong> encenou A mulher <strong>do</strong> Outro <strong>de</strong> Sidney Howard,<br />

que como os espetáculos anteriores não obteve sucesso, a crítica foi completamente<br />

<strong>de</strong>sfavorável ao espetáculo, como po<strong>de</strong>mos exemplificar com uma publicação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo:<br />

(...) Ninguém <strong>de</strong>sconhece que o TA que o TA atravessa uma crise pelo<br />

malogro <strong>da</strong>s últimas apresentações. Deve o grupo para reecontrar a fase<br />

anterior <strong>de</strong> prestígio e aceitação, recompor com urgência o elenco e não<br />

temer o risco <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s textos – único caminho capaz <strong>de</strong> justificar-lhe o<br />

lugar entre as primeiras companhias <strong>de</strong> São Paulo.” 282<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa grave crise fi<strong>na</strong>nceira, que foi origi<strong>na</strong><strong>da</strong> por dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> repertório, José Re<strong>na</strong>to <strong>de</strong>cidiu fechar a companhia, com um texto <strong>brasil</strong>eiro, <strong>de</strong><br />

alguém <strong>do</strong> grupo, segun<strong>do</strong> ele, para termi<strong>na</strong>r com digni<strong>da</strong><strong>de</strong>. A peça era Eles Não Usam<br />

Black-Tie, que para surpresa <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s se transformou em um sucesso absoluto, fican<strong>do</strong><br />

mais <strong>de</strong> um ano em cartaz. 283 Assim, o mesmo jor<strong>na</strong>l que havia, a pouco mais <strong>de</strong> um<br />

mês feito uma avaliação tão negativa, acerca <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, voltou a se<br />

pronunciar, logo após a estréia <strong>de</strong> Black-tie:<br />

281 GUARNIERI, 1983, p. 35.<br />

282 Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo – Teatro. 18/01/1958.<br />

283 GUARNIERI, op. cit, p. 35.<br />

“Após diversos malogros, ora artísticos, ora fi<strong>na</strong>nceiros, o TA apresenta<br />

com Eles não Usam Black-Tie, um espetáculo perfeitamente equilibra<strong>do</strong>,<br />

que dispõe <strong>de</strong> interesse para fazer longa carreira. O excelente resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

conjunto <strong>do</strong> espetáculo se explica pela i<strong>de</strong>ntificação que os atores pu<strong>de</strong>ram


132<br />

sentir com o texto, e que <strong>de</strong>veria animar os empresários a uma escolha<br />

melhor <strong>de</strong> peças <strong>brasil</strong>eiras. 284 ”<br />

A avaliação positiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo teve o respal<strong>do</strong> não ape<strong>na</strong>s <strong>da</strong><br />

crítica paulista, mas também <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o país. Na seqüência, o crítico Delmiro Gonçalves<br />

fazia a seguinte avaliação <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Guarnieri:<br />

“São raras, raríssimas às vezes em que o crítico po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> uma peça<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l com entusiasmo e com esperança <strong>na</strong> elevação <strong>do</strong> nível <strong>da</strong> nossa<br />

dramaturgia. Tem se tor<strong>na</strong><strong>do</strong> tão medíocre a produção teatral <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

nestes últimos tempos, salvo uma ou duas exceções, que o papel <strong>da</strong> crítica<br />

parece ser o <strong>da</strong> maior inimiga <strong>da</strong> arte cênica <strong>brasil</strong>eira. A ca<strong>da</strong> estréia<br />

correspon<strong>de</strong>, geralmente, uma série <strong>de</strong> críticas severas e <strong>de</strong>siludi<strong>da</strong>s.<br />

Felizmente, porém este não é o caso <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> Gianfrancesco<br />

Guarnieri. (...) Eles Não Usam Black-Tie, ficará, por certo, <strong>na</strong> história <strong>de</strong><br />

nosso <strong>teatro</strong>, como a primeira peça séria escrita sobre as favelas cariocas,<br />

pon<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> o seu aspecto exótico e pitoresco. Não é uma favela para<br />

turistas que o autor nos mostra, mas um conglomera<strong>do</strong> humano que luta,<br />

que sofre, que vive e que tem uma consciência clara <strong>de</strong> sua função social.<br />

(...) Somente assim po<strong>de</strong>ria ele criar as figuras admiráveis <strong>de</strong> Roma<strong>na</strong>, —<br />

que tem os pés firmemente presos à terra e sabe amar como ninguém, à sua<br />

maneira brusca e conti<strong>da</strong>, os que formam o seu mun<strong>do</strong> cotidiano; <strong>de</strong> Otávio,<br />

com uma paixão política e seu sentimento <strong>de</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> — que o levará a<br />

dizer <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> fi<strong>na</strong>l, sobre o filho: “Ele voltará <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter adquiri<strong>do</strong><br />

consciência <strong>de</strong> classe”; <strong>de</strong> Maria, que ama mas compreen<strong>de</strong> que só o amor<br />

não basta. É necessário também a amiza<strong>de</strong> e o respeito <strong>do</strong>s que a cercam e<br />

com o <strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong>les sabe que não po<strong>de</strong>rá viver. Fi<strong>na</strong>lmente, <strong>de</strong> Tião, cujo<br />

me<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> se traduz no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fuga <strong>do</strong> ambiente que, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, é o<br />

único on<strong>de</strong>, no íntimo, sabe lhe ser possível viver. Com essas figuras e mais<br />

algumas que as ro<strong>de</strong>iam, Gianfrancesco Guarnieri compôs uma peça on<strong>de</strong> a<br />

beleza e a poesia não vêm só <strong>da</strong>s palavras mas <strong>da</strong>s situações arquiteta<strong>da</strong>s,<br />

imprimin<strong>do</strong> uma força extraordinária em ca<strong>da</strong> ce<strong>na</strong>, on<strong>de</strong> o diálogo<br />

funcio<strong>na</strong> com absoluta economia <strong>de</strong> meios, sublinhan<strong>do</strong> a situação e nunca,<br />

in<strong>do</strong> além <strong>de</strong>la, mas explican<strong>do</strong>-a, realizan<strong>do</strong>-a com inteligência e<br />

discrição. (...) Trata-se <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s realizações mais acaba<strong>da</strong>s e sérias<br />

apresenta<strong>da</strong>s em nossos palcos nestes últimos tempos. Oxalá possa<br />

Gianfrancesco Guarnieri continuar no caminho em que se iniciou e dê ao<br />

<strong>teatro</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l obras que retratem os problemas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social <strong>da</strong>s nossas<br />

gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, crian<strong>do</strong> uma dramaturgia urba<strong>na</strong>.” 285<br />

Como po<strong>de</strong>mos observar, a análise <strong>de</strong> Delmiro Gonçalvez acerca <strong>da</strong> peça <strong>de</strong><br />

Guarnieri, foi extremamente positiva, se revestin<strong>do</strong> <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> otimismo em relação<br />

aos frutos que po<strong>de</strong>riam ser gera<strong>do</strong>s para o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro após a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Black-<br />

Tie. To<strong>da</strong>via, o crítico se atém basicamente a uma reflexão textual <strong>da</strong> peça, comentan<strong>do</strong><br />

com <strong>de</strong>talhes as características <strong>do</strong>s perso<strong>na</strong>gens, a construção <strong>do</strong>s diálogos, a arquitetura<br />

284 Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo – Teatro. 26/2/1958.<br />

285 GONÇALVES, Delmiro. Folha <strong>da</strong> Manhã.


<strong>da</strong>s ce<strong>na</strong>s. Desse mo<strong>do</strong>, não verificamos uma preocupação <strong>do</strong> autor em circunstanciar a<br />

peça no contexto mais amplo <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate político que ocorria no país.<br />

133<br />

Por sua vez, Clóvis Garcia <strong>na</strong> revista O Cruzeiro, a<strong>do</strong>tou uma linha <strong>de</strong> análise<br />

semelhante à <strong>de</strong> Delmiro Gonçaves, elegen<strong>do</strong> o texto, como objeto <strong>de</strong> suas reflexões:<br />

“Eles Não Usam Black-Tie merece uma crítica mais <strong>de</strong>mora<strong>da</strong>. Quanto à<br />

motivação <strong>da</strong> peça, Guarnieri teve o bom senso <strong>de</strong> tratar o assunto como<br />

tema e não como tese, escapan<strong>do</strong> ao utilitarismo <strong>do</strong>s seus princípios para se<br />

alçar ao mun<strong>do</strong> sem compromissos práticos <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte. O importante é<br />

que Guarnieri soube preencher o arcabouço <strong>de</strong> sua peça com um senti<strong>do</strong><br />

humano e dramático, que afirmam suas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> autor teatral. Quanto<br />

aos perso<strong>na</strong>gens, são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> força vital e a figura <strong>de</strong> mãe é uma criação<br />

dramática inesquecível. Os diálogos são secos e incisivos, conduzin<strong>do</strong> a<br />

ação. O autor é mais feliz <strong>na</strong>s composições <strong>de</strong> conjunto, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cair o<br />

interesse <strong>na</strong>s ce<strong>na</strong>s <strong>de</strong> <strong>do</strong>is perso<strong>na</strong>gens, como o diálogo <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> ato<br />

entre Jesuíno e Tião, ou ain<strong>da</strong> a ce<strong>na</strong> entre o casal <strong>na</strong> alto <strong>do</strong> morro que,<br />

apesar <strong>de</strong> sua expressão poética, não chega a se entrosar no contexto<br />

dramático prejudican<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> ação. Não obstante esse<br />

senões, Gianfrancesco mostrou ser um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro autor <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com a<br />

transposição para o <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> um motivo popular, sem apelar para o<br />

<strong>de</strong>magógico ou o pitoresco. 286<br />

Clóvis Garcia também faz uma análise muito positiva <strong>de</strong> Black-Tie,<br />

ressaltan<strong>do</strong> o fato <strong>de</strong> Guarnieri não ter usa<strong>do</strong> a sua peça em um senti<strong>do</strong> político, ou seja,<br />

como uma tese para expressar as suas idéias. No entanto, sua reflexão se restringe aos<br />

aspectos internos <strong>do</strong> próprio texto, não se preocupan<strong>do</strong> em vincular Black-tie ao<br />

contexto sócio-politico <strong>do</strong> país <strong>na</strong>quele momento.<br />

Sábato Magaldi, por seu turno, assim se manifestou:<br />

286 GARCIA, Clóvis. O Cruzeiro. 22 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1958.<br />

287 MALGALDI, S. Panorama <strong>do</strong> Teatro Brasileiro, p.245.<br />

“Eles não usam black-tie”, estrea<strong>da</strong> em 1958, no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo, trouxe para o nosso palco os problemas sociais provoca<strong>do</strong>s pela<br />

industrialização, com o conhecimento <strong>da</strong>s lutas reivindicatórias <strong>de</strong> melhores<br />

salários. O título <strong>de</strong> claro propósito panfletário pareceria ingênuo ou <strong>de</strong><br />

mau gosto, não fosse também o nome <strong>da</strong> letra <strong>de</strong> samba que serve <strong>de</strong> fun<strong>do</strong><br />

aos três atos. Embora o ambiente seja a favela carioca, o cenário existe<br />

ape<strong>na</strong>s como romantização <strong>de</strong> possível vi<strong>da</strong> comunitária, já que a ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

simboliza o bracejar <strong>do</strong> indivíduo só. Nem por isso o tema <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

profun<strong>da</strong>mente urbano, se o consi<strong>de</strong>rarmos produto <strong>da</strong> formação <strong>do</strong>s<br />

gran<strong>de</strong>s centros, e nesse senti<strong>do</strong> a peça <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri se<br />

<strong>de</strong>finia como a mais atual <strong>do</strong> repertório <strong>brasil</strong>eiro, aquela que penetrava a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> tempo com maior agu<strong>de</strong>za. (...)”. 287


134<br />

Como os críticos anteriores, Magaldi manifesta sua aprovação pelo texto <strong>de</strong><br />

Guarnieri, mas a sua análise não se restringe ape<strong>na</strong>s aos aspectos textuais <strong>da</strong> peça, visto<br />

que, centra a sua abor<strong>da</strong>gem <strong>na</strong> inovação temática apresenta<strong>da</strong> por Black-Tie, ao<br />

introduzir <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira, novos atores sociais, isto é, o operaria<strong>do</strong> urbano e suas<br />

lutas, valorizan<strong>do</strong> assim, a atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> repertório proposto por Guarnieri, que se<br />

encontrava em consonância com a conjuntura histórica <strong>do</strong> país <strong>na</strong>quele momento.<br />

Décio <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Pra<strong>do</strong> segue um procedimento semelhante ao <strong>de</strong> Magaldi ao<br />

refletir acerca <strong>de</strong> Black-Tie:<br />

“Gianfrancesco Guarnieri é um jovem fenômeno <strong>do</strong> nosso jovem <strong>teatro</strong>.<br />

Com vinte e cinco anos, só teve tempo <strong>de</strong> escrever duas peças. Pois as duas<br />

constituíram-se, como se sabe, em êxitos excepcio<strong>na</strong>is, <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong> que<br />

se tem notícia, mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>mente em palcos <strong>brasil</strong>eiros. (...) Eles Não Usam<br />

Black-Tie”, se não estamos enga<strong>na</strong><strong>do</strong>s, põe diretamente o <strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>na</strong> feri<strong>da</strong>. A<br />

greve é o seu tema ostensivo, uma greve operária, <strong>de</strong> reivindicações <strong>de</strong><br />

melhores salários, que acaba por separar pai e filho. O pai, revolucionário<br />

consciente <strong>de</strong> seus fins, forte <strong>da</strong> força <strong>de</strong> sua classe, é um <strong>do</strong>s cabeças <strong>do</strong><br />

movimento. O filho, cria<strong>do</strong>, por circunstâncias várias, em ambiente diverso,<br />

pensa em primeiro lugar no próprio futuro. Corajoso quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong><br />

enfrentar outros homens - e o fato mesmo <strong>de</strong> furar <strong>de</strong>libera<strong>da</strong>mente a greve<br />

põe isso em evidência - o seu me<strong>do</strong> é <strong>de</strong> outra <strong>na</strong>tureza: o gran<strong>de</strong> me<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>, o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser pobre. (...) A perspectiva <strong>da</strong> peça é<br />

a <strong>do</strong> filho: o drama é seu, ele é que <strong>de</strong>verá pronunciar-se perante a<br />

existência concreta <strong>da</strong> greve”. 288<br />

A análise <strong>do</strong> crítico acima, respal<strong>da</strong> as <strong>de</strong>mais no que tange a avaliação<br />

positiva <strong>da</strong> peça, cuja temática central, segun<strong>do</strong> ele, é uma greve operária, que termi<strong>na</strong><br />

por colocar pai e filho em situações opostas. No entanto, como aponta Rosangela<br />

Patriota, essa abor<strong>da</strong>gem não proce<strong>de</strong> em absoluto, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a greve não é<br />

ence<strong>na</strong><strong>da</strong>, ou seja, é uma situação ausente <strong>na</strong> peça. Nesse senti<strong>do</strong>, o autor ape<strong>na</strong>s fez uso<br />

<strong>do</strong> recurso <strong>da</strong> eclosão <strong>de</strong> uma greve, para criar as condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação <strong>da</strong>s<br />

divergências entre Tião e Otávio, que se origi<strong>na</strong>ram em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong>s relações<br />

cotidia<strong>na</strong>s vivencia<strong>da</strong>s por ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les. Nessa perspectiva, a opção individualista <strong>de</strong><br />

Tião, <strong>de</strong> não participar <strong>da</strong> greve, relacio<strong>na</strong>-se ao fato <strong>de</strong> ele ter si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> longe <strong>do</strong><br />

288 PRADO, Décio. <strong>de</strong> A. Teatro em Progresso. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.133 -134.


morro e <strong>de</strong> seus familiares, e, portanto, distante <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

companheirismo. 289<br />

Paulo Francis, representan<strong>do</strong> a crítica carioca ressaltou que:<br />

135<br />

“Guarnieri é um dramaturgo que transmite a urgência <strong>de</strong>ssa toma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

posição, que a justapõe às acomo<strong>da</strong>ções <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m individual, pedin<strong>do</strong> ao<br />

público que escolha entre as duas atitu<strong>de</strong>s. E o faz carregan<strong>do</strong> consigo a<br />

Metrópole para o palco, in<strong>do</strong> ao centro <strong>do</strong> conflito. Marca o <strong>de</strong>spertar <strong>da</strong><br />

geração <strong>de</strong> hoje.” 290<br />

As reflexões <strong>de</strong>sse crítico seguem a linha <strong>de</strong> Sábato Magaldi, priorizan<strong>do</strong> a<br />

discussão acerca <strong>da</strong>s questões referentes ao momento vivi<strong>do</strong> pelo país quan<strong>do</strong> a peça <strong>de</strong><br />

Guarnieri foi ence<strong>na</strong><strong>da</strong>, procuran<strong>do</strong> conectá-las às questões propostas por ela.<br />

Como po<strong>de</strong>mos atestar pelas abor<strong>da</strong>gens <strong>do</strong>s críticos acima, uma houve<br />

u<strong>na</strong>nimi<strong>da</strong><strong>de</strong> no que concerne a aprovação <strong>da</strong> peça <strong>de</strong> Guarnieri. Assim, ao nos<br />

voltarmos para a discussão <strong>da</strong> recepção <strong>de</strong>sse espetáculo po<strong>de</strong>mos inferir que a sua<br />

excelente repercussão <strong>de</strong> público e <strong>de</strong> crítica, se relacio<strong>na</strong> primeiramente ao impacto<br />

provoca<strong>do</strong> pela sua inovação temática, ao trazer para o palco <strong>brasil</strong>eiro um conflito<br />

entre <strong>do</strong>is operários <strong>de</strong> uma mesma fábrica, pai e filho, que se contrapõem em relação a<br />

a<strong>de</strong>são ou não, a um movimento grevista.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, além <strong>do</strong> tema que era absolutamente novo <strong>na</strong> ce<strong>na</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ele se<br />

conectava a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong>quele momento caracteriza<strong>da</strong> por uma intensa<br />

mobilização <strong>da</strong> classe trabalha<strong>do</strong>ra em resposta ao acirramento <strong>da</strong>s contradições sociais<br />

provoca<strong>da</strong>s pelo crescimento urbano-industrial <strong>do</strong> país. Consequentemente, o texto <strong>de</strong><br />

Guarnieri, obteve uma gran<strong>de</strong> interlocução com o público que freqüentava o Are<strong>na</strong>, que<br />

por ser composto majoritariamente por estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> se interagiu ple<strong>na</strong>mente<br />

289 PATRIOTA, 1999, p. 114.<br />

290 FRANCIS, Paulo. Revista Senhor. Janeiro <strong>de</strong> 1960.


com a sua proposta, e <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> acrescentou a peça expectativas que permeavam os<br />

<strong>de</strong>bates políticos e culturais presentes <strong>na</strong>quela conjuntura. 291<br />

136<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Black-Tie foi qualifica<strong>da</strong> como símbolo <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

contu<strong>do</strong> esse lugar ocupa<strong>do</strong> pela peça <strong>de</strong> Guarnieri, segun<strong>do</strong> Rosangela Patriota<br />

“encontra suas justificativas muito mais nos <strong>de</strong>bates <strong>da</strong> época, que em seu conteú<strong>do</strong><br />

propriamente dito”. Nesse senti<strong>do</strong>, como nos lembra a autora, é preciso atentarmos para<br />

o fato que a obra <strong>de</strong> arte, possui elementos externos (históricos), que a tor<strong>na</strong>m<br />

reconhecível pelo público, que ao interagir com ela, acrescentam novos significa<strong>do</strong>s,<br />

que muitas vezes ultrapassam os objetivos iniciais <strong>do</strong> seu cria<strong>do</strong>r, possibilitan<strong>do</strong> novas<br />

interpretações condizentes com as discussões pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes no momento <strong>de</strong> sua<br />

apresentação. 292<br />

Nessa perspectiva, como já reiteramos, embora Black-Tie possuísse uma história<br />

específica, que procuramos recuperar por meio <strong>de</strong> fragmentos, isto é, a partir <strong>da</strong> reflexão<br />

acerca <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> criação <strong>do</strong> autor, verificamos, por outro la<strong>do</strong>, que o impacto<br />

gera<strong>do</strong> por sua ence<strong>na</strong>ção, em fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, em São Paulo, suscitou uma<br />

série <strong>de</strong> interpretações que se encontram relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s com as expectativas estéticas e<br />

políticas presentes no Brasil <strong>na</strong>quela conjuntura e que acabaram por redimensio<strong>na</strong>r o<br />

seu significa<strong>do</strong>. 293<br />

Em última análise, como nos lembra Rosangela Patriota, para compreen<strong>de</strong>rmos<br />

o papel ocupa<strong>do</strong> por Black-tie, como peça símbolo <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, é<br />

necessário estabelecermos a relação <strong>de</strong> sua montagem pelo Are<strong>na</strong> com a conjuntura<br />

histórica <strong>na</strong> qual essa peça foi ence<strong>na</strong><strong>da</strong>, isto é, atentarmos para a existência <strong>de</strong> um<br />

tempo e <strong>de</strong> um lugar nos quais ocorreram disputas e questio<strong>na</strong>mentos relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s às<br />

291 PATRIOTA, 2002, p.121.<br />

292 Ibid., p.121-123.<br />

293 Ibid., p.121.


suas elaborações e aos campos <strong>da</strong> recepção histórica, que origi<strong>na</strong>ram a construção <strong>de</strong><br />

significa<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>ram inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> a ela. 294<br />

CHAPETUBA FUTEBOL CLUBE: A DRAMATURGIA NACIONAL<br />

CONTINUA<br />

137<br />

“É aí que se situa Chapetuba F. C.: nesta pesquisa, nesta vonta<strong>de</strong>. Somente com<br />

realizações artísticas, apoia<strong>do</strong>s <strong>na</strong> prática, é que po<strong>de</strong>remos chegar a formulações<br />

teóricas mais <strong>de</strong>finitivas que permitam orientar e apressar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong><br />

nosso <strong>teatro</strong>. Chapetuba F.C. tem <strong>de</strong>feitos graves, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m essencial, causa<strong>do</strong>s<br />

pela ingênua satisfação <strong>de</strong> muitas vezes permanecer no pitoresco, no <strong>de</strong>talhe<br />

digestivo. (...) É ce<strong>do</strong> para um rendimento satisfatório total. Mas fica a proposta.<br />

Tu<strong>do</strong> que <strong>na</strong> peça procura reação fácil, o que fica superficialmente exposto, não é<br />

característico, é <strong>de</strong>feito. Falta <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.”<br />

Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

Chapetuba Futebol Clube escrita por Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho foi a sua primeira<br />

peça ence<strong>na</strong><strong>da</strong> no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, que estreou em 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1959, sob a direção<br />

<strong>de</strong> Augusto Boal, um ano após a estréia <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-tie. 295<br />

Chapetuba representou o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> inúmeras reuniões realiza<strong>da</strong>s nos<br />

Seminários <strong>de</strong> Dramaturgia, constituin<strong>do</strong>-se <strong>na</strong> primeira peça ence<strong>na</strong><strong>da</strong> como fruto<br />

<strong>de</strong>sse trabalho. O texto foi cria<strong>do</strong> visan<strong>do</strong> <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> à proposta inicia<strong>da</strong> por<br />

Black-Tie, sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong>, enquanto essa ain<strong>da</strong> estava em cartaz, e reescrito, com base<br />

nos ensaios que o grupo realizava. 296 Embora Chapetuba tivesse si<strong>do</strong> muito bem<br />

294 PATRIOTA, 1999, p.123.<br />

295 Chapetuba Futebol Clube foi a segun<strong>da</strong> peça escrita por Vianinha no Are<strong>na</strong>, a primeira foi Bilbao Via<br />

Copacaba<strong>na</strong>, que ele escreveu em 1957, mas que foi ence<strong>na</strong><strong>da</strong> após Chapetuba, em maio <strong>de</strong> 1959, no<br />

Teatro <strong>da</strong>s Segun<strong>da</strong>s-Feiras <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>. In: PEIXOTO, 1983, p. 36.<br />

296 O elenco <strong>da</strong> primeira montagem <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube foi composto pelos seguintes atores:<br />

Nelson Xavier (Maranhão), Xandó Batista (Durval), Flávio Migliaccio (Bila), Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

(Cafuné), Oduval<strong>do</strong>Vian<strong>na</strong> Filho (Paulinho), Milton Gonçalves (Zito), Riva Nimitz (Fi<strong>na</strong>), Henrique<br />

César (Pascoal), Ar<strong>na</strong>l<strong>do</strong> Weiss (Eunápio) e Edmun<strong>do</strong> Moga<strong>do</strong>uro (Benigno). In: Programa <strong>de</strong> Estréia<br />

<strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube. In: VIANNA FILHO, Oduval<strong>do</strong>. Chapetuba Futebol Clube. In:<br />

MICHALSKI, Yan (org.). Teatro <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, volume 1. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ilha, 1981.


ecebi<strong>da</strong> pela crítica, não reproduziu o sucesso <strong>de</strong> bilheteria <strong>de</strong> Black-Tie, fican<strong>do</strong> em<br />

cartaz, por ape<strong>na</strong>s três meses. 297<br />

138<br />

Chapetuba Futebol Clube se constitui em um drama realista, dividi<strong>do</strong> em três<br />

atos. O primeiro e o segun<strong>do</strong> atos se passam <strong>na</strong> sala <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>sta pensão <strong>do</strong> interior<br />

paulista e o terceiro ato transcorre no pequeno e pobre vestiário <strong>do</strong> Chapetuba Futebol<br />

Clube.<br />

A peça tem poucas rubricas, o que <strong>de</strong>monstra extrema simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> cênica. 298<br />

Em termos <strong>de</strong> construção dramática, também não existe complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, contu<strong>do</strong> o autor<br />

propõe uma série <strong>de</strong> sub-conflitos que, em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s partes, sobrecarregam o enre<strong>do</strong><br />

central <strong>do</strong> texto. Seguin<strong>do</strong> a linha <strong>de</strong> Guarnieri em Black-Tie, as falas são estrutura<strong>da</strong>s<br />

em diálogos que não obe<strong>de</strong>cem às regras gramaticais, com o intuito <strong>de</strong> retratar, no<br />

palco, o que se entendia como o mo<strong>do</strong> coloquial <strong>de</strong> falar <strong>do</strong> <strong>brasil</strong>eiro, isto é, a chama<strong>da</strong><br />

prosódia <strong>brasil</strong>eira. 299<br />

O primeiro ato se inicia com os joga<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Chapetuba Futebol Clube – um<br />

pequeno time <strong>de</strong> várzea que tem o mesmo nome <strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> – conversan<strong>do</strong> <strong>na</strong> pensão<br />

on<strong>de</strong> estão concentra<strong>do</strong>s. To<strong>do</strong>s estão aguar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> com expectativa a parti<strong>da</strong> entre<br />

Chapetuba e Saboeiro, o clube adversário, que <strong>de</strong>finirá qual <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is times irá para a<br />

primeira divisão <strong>do</strong> campeo<strong>na</strong>to paulista <strong>de</strong> futebol. A vitória <strong>de</strong> Chapetuba seria muito<br />

importante para o crescimento econômico <strong>da</strong> sua peque<strong>na</strong> e pobre ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, que por meio<br />

297 Chapetuba recebeu os seguintes prêmios: Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo (melhor peça),<br />

Associação Paulista <strong>de</strong> Críticos Teatrais (autor-revelação) além <strong>do</strong> Prêmio Saci e <strong>do</strong>s Prêmios<br />

Gover<strong>na</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo e <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> janeiro, como a melhor peça <strong>do</strong> ano. In: MORAES,<br />

Denis <strong>de</strong>. Vianinha – Cúmplice <strong>da</strong> Paixão. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nórdica, 1991, p.71.<br />

298 (Pensão <strong>do</strong> interior <strong>de</strong> São Paulo. Papel pinta<strong>do</strong> <strong>na</strong> pare<strong>de</strong>, belisca<strong>do</strong> pelo tempo, três, quatro mesas,<br />

ca<strong>de</strong>iras, porta <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>, coberta por uma corti<strong>na</strong>, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> para o corre<strong>do</strong>r, os quartos, a porta <strong>de</strong> saí<strong>da</strong>.<br />

Na lateral esquer<strong>da</strong>, porta <strong>da</strong> cozinha. Lateral direita, porta <strong>de</strong> vidro, patamar <strong>de</strong> uma esca<strong>da</strong> que leva<br />

para o quintal, <strong>de</strong> <strong>de</strong>grau em <strong>de</strong>grau. Nesga <strong>de</strong> céu. Um espelhinho pendura<strong>do</strong> <strong>na</strong> pare<strong>de</strong> exterior. Sala<br />

— <strong>na</strong> pare<strong>de</strong>, relógio antigo, São Jorge, a Santa Ceia. Telefone antigo. Um melancólico lustre faz dueto<br />

com o olea<strong>do</strong> no chão). VIANNA FILHO, O. Chapetuba Futebol Clube. In: MICHALSKI, 1981, p.83.<br />

299 PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: um dramaturgo no coração <strong>de</strong> seu tempo, p. 100.


<strong>de</strong>la conseguiria obter prestígio local e po<strong>de</strong>ria sediar jogos <strong>do</strong> campeo<strong>na</strong>to estadual,<br />

atrain<strong>do</strong>, assim, maiores investimentos.<br />

139<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o time <strong>de</strong> futebol é alça<strong>do</strong> à condição <strong>de</strong> representante <strong>do</strong>s<br />

interesses <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a população <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois o seu êxito po<strong>de</strong>ria gerar novas<br />

perspectivas <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> para to<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong>, o clube adversário,<br />

Saboeiro, tem o apoio <strong>da</strong> Fe<strong>de</strong>ração Paulista <strong>de</strong> Futebol, pois a sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> é maior e<br />

mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, e, portanto, os dirigentes <strong>do</strong> futebol consi<strong>de</strong>ram que sua vitória seria<br />

mais vantajosa economicamente. Sen<strong>do</strong> assim, Benigno, repórter <strong>do</strong> Saboeiro, a man<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> seus dirigentes, oferece ao goleiro <strong>do</strong> Chapetuba, Maranhão, uma gran<strong>de</strong> quantia <strong>de</strong><br />

dinheiro para que ele, em troca, arranjasse uma <strong>de</strong>sculpa para não jogar, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o seu<br />

lugar ser ocupa<strong>do</strong> pelo goleiro reserva, o inexperiente Bila, o que favoreceria a vitória<br />

<strong>do</strong> time adversário, que precisava ape<strong>na</strong>s <strong>do</strong> empate para ingressar <strong>na</strong> primeira divisão.<br />

O fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> primeiro ato ocorre com uma conversa <strong>de</strong>sagradável entre o diretor <strong>do</strong><br />

Chapetuba, Pascoal, com seu técnico e joga<strong>do</strong>r Durval (ex-í<strong>do</strong>lo e joga<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

Flamengo). Pascoal diz a Durval que esse ape<strong>na</strong>s se encontra no Chapetuba graças a ele,<br />

pois a diretoria não o queria <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum, pelo fato <strong>de</strong>le acumular o cargo <strong>de</strong> técnico<br />

e joga<strong>do</strong>r. Além disso, Pascoal atribui a Durval, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pela indiscipli<strong>na</strong> <strong>do</strong>s<br />

joga<strong>do</strong>res, como também reclama <strong>da</strong> sua atuação nos jogos anteriores. Após a conversa,<br />

o técnico fica arrasa<strong>do</strong> e sai <strong>da</strong> pensão pela porta <strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s, sem comunicar <strong>na</strong><strong>da</strong> a<br />

ninguém.<br />

O segun<strong>do</strong> ato se inicia com outra visita <strong>de</strong> Benigno a Maranhão no fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> dia,<br />

<strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> convencê-lo a aceitar a sua proposta, pois sabe que o mesmo se encontra<br />

endivi<strong>da</strong><strong>do</strong>. Logo <strong>de</strong>pois chega Pascoal à procura <strong>de</strong> Durval, visto que ele tinha<br />

entrevista marca<strong>da</strong> com o locutor <strong>da</strong> rádio <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> Pascoal <strong>de</strong>scobre que o<br />

técnico havia sumi<strong>do</strong>, fica furioso e sai atrás <strong>de</strong>le. Bem mais tar<strong>de</strong>, Durval chega


êba<strong>do</strong> <strong>na</strong> pensão, expon<strong>do</strong> suas amarguras e frustrações em relação ao futebol. Algum<br />

tempo <strong>de</strong>pois, Maranhão simula um aci<strong>de</strong>nte no quintal <strong>da</strong> pensão, fingin<strong>do</strong> ter torci<strong>do</strong><br />

o tornozelo, confirman<strong>do</strong>, assim, a sua cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> com Benigno, que havia si<strong>do</strong><br />

envia<strong>do</strong> para comprá-lo. Termi<strong>na</strong> o segun<strong>do</strong> ato.<br />

140<br />

O terceiro ato ocorre no vestiário <strong>do</strong> Chapetuba, on<strong>de</strong> os joga<strong>do</strong>res, por meio <strong>de</strong><br />

um rádio pendura<strong>do</strong> <strong>na</strong> pare<strong>de</strong>, acompanham e comentam o jogo. O juiz <strong>da</strong> parti<strong>da</strong><br />

pertence à Fe<strong>de</strong>ração, e então, a man<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cartolas, forja um pê<strong>na</strong>lti contra Chapetuba,<br />

e assim Saboeiro consegue empatar o jogo, conseguin<strong>do</strong> ingressar <strong>na</strong> primeira divisão.<br />

Maranhão, no vestiário, confessa a Eunápio, locutor <strong>da</strong> Pagé, a rádio <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, e ao<br />

colega Cafuné que não estava machuca<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> o jogo termi<strong>na</strong>, to<strong>do</strong>s os joga<strong>do</strong>res se reúnem no vestiário e ficam<br />

saben<strong>do</strong> <strong>da</strong> traição <strong>de</strong> Maranhão. Depois <strong>de</strong> muita <strong>de</strong>cepção e revolta contra o goleiro,<br />

por parte <strong>do</strong>s sinceros e puros joga<strong>do</strong>res, Cafuné, Zito, Bila e Paulinho, to<strong>do</strong>s se retiram,<br />

exceto Durval e Maranhão. Eles se olham, e então Durval diz ao goleiro que aprova a<br />

sua atitu<strong>de</strong> e dá a enten<strong>de</strong>r que as coisas no futebol funcio<strong>na</strong>m <strong>da</strong>quela forma, ou seja, a<br />

partir <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s cartolas. Então Maranhão pega o cheque amassa<strong>do</strong> <strong>do</strong> suborno,<br />

que ele em um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero havia joga<strong>do</strong> no chão, coloca-o no bolso e se<br />

retira <strong>do</strong> vestiário. Termi<strong>na</strong> o terceiro ato.<br />

Ao escrever essa peça, Vian<strong>na</strong> pretendia contribuir no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> amadurecer as<br />

reflexões que Guarnieri havia lança<strong>do</strong> em Black-Tie, para que se conseguisse avançar<br />

em direção aos propósitos que, segun<strong>do</strong> ele, justificavam a própria existência <strong>do</strong><br />

Are<strong>na</strong>. 300 Em uma entrevista concedi<strong>da</strong> a Alfre<strong>do</strong> Souto Maior em 1960, quan<strong>do</strong><br />

Chapetuba estreou no Rio <strong>de</strong> Janeiro, ao ser questio<strong>na</strong><strong>do</strong> acerca <strong>da</strong>s razões que o<br />

levaram a escrever uma peça sobre futebol, Vianinha comentou:<br />

300 VIANNA VILHO. In: PEIXOTO, 1983, p.82.


141<br />

“Eu tenho impressão que é mais um problema <strong>de</strong> reflexo. Eu não escolhi o<br />

futebol como posição e nem parti pra escrever uma peça sobre futebol<br />

partin<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma idéia que me dirigisse a ele. O futebol é que chegou a mim.<br />

Eu me interessei pela coisa e fui escrever. Agora, eu tenho impressão que<br />

isso é um reflexo, um sintoma ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong> um surto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>. E o<br />

Chapetuba sofreu muito disso, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> trazer pro palco a nossa<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, procurar retratá-la quase que cronisticamente (...) — trazer<br />

simplesmente a nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a nossa fala, a nossa maneira e procurar<br />

pesquisar o senti<strong>do</strong> que nós temos. Eu acho que foi isso que fez com que eu<br />

escrevesse sobre futebol. E a peça me parece que não vai, também, muito<br />

além <strong>de</strong>ssa crônica <strong>brasil</strong>eira, um pouco assim <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista, um pouco<br />

ver<strong>de</strong>-amarela <strong>da</strong>s nossas coisas, <strong>da</strong>s nossas bossas. Mas <strong>de</strong> qualquer<br />

maneira, me parece que já representa um pulo, um avanço no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

uma temática nossa. Mesmo que não seja uma temática que esteja<br />

diretamente liga<strong>da</strong> aos fatos, aos fenômenos que nós vivemos. Mas<br />

<strong>na</strong>turalmente a coisa vai caminhar pra... um dia nós vamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

escrever sobre futebol, vamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> escrever sobre outros problemas<br />

<strong>brasil</strong>eiros e vamos escrever então sobre idéias <strong>brasil</strong>eiras, sobre a nossa<br />

cultura. E vamos <strong>de</strong>senvolver, então no <strong>teatro</strong>, uma cultura, uma pesquisa,<br />

realmente mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, mais... que intervenha com mais po<strong>de</strong>r e com<br />

mais vigor <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. 301<br />

Nessa perspectiva, Vian<strong>na</strong> reconhecia significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo<br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> a partir <strong>de</strong> Black-Tie, que sua peça Chapetuba <strong>da</strong>va prosseguimento. E<br />

mesmo <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> a incipiência <strong>de</strong>sse seu texto, que ele comparava a uma crônica <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, enfatizava a sua importância enquanto marco inicial <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia liga<strong>da</strong> à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> país. Nesse senti<strong>do</strong>, Vian<strong>na</strong> não escondia o seu<br />

entusiasmo e sua esperança acerca <strong>do</strong>s bons frutos que po<strong>de</strong>riam ser gera<strong>do</strong>s em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sse processo, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que prognosticava para o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro um<br />

papel <strong>de</strong> di<strong>na</strong>miza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> processo cultural <strong>do</strong> país e, portanto, <strong>de</strong> real intervenção nos<br />

caminhos a serem trilha<strong>do</strong>s pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

Dessa maneira, a exemplo <strong>do</strong> que Guarnieri realizou em Black-Tie, Vianinha em<br />

Chapetuba, abor<strong>da</strong> uma experiência muito comum para o povo <strong>brasil</strong>eiro, o futebol,<br />

objetivan<strong>do</strong> relacioná-lo ao processo vivencia<strong>do</strong> pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong> época, <strong>na</strong><br />

qual, <strong>de</strong> maneira geral, pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>vam os gran<strong>de</strong>s interesses <strong>do</strong> capital em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong><br />

gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong> população. Com o intuito <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o la<strong>do</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>nte <strong>do</strong> futebol,<br />

Vian<strong>na</strong> construiu o seguinte diálogo entre o repórter <strong>do</strong> Saboeiro, Benigno, e o goleiro<br />

301 VIANNA VILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 37.


<strong>do</strong> Chapetuba, Maranhão, que o primeiro tenta <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as formas subor<strong>na</strong>r a fim <strong>de</strong><br />

favorecer os interesses <strong>da</strong> Fe<strong>de</strong>ração Paulista que tinha interesse <strong>na</strong> vitória <strong>do</strong> Saboeiro,<br />

pois por meio <strong>de</strong>la obteria maiores vantagens econômicas.<br />

142<br />

“MARANHÃO — Que é que você qué, Benigno? / BENIGNO — Abraçá<br />

você! E a nossa amiza<strong>de</strong>, Maranha? / MARANHÃO — E continua nossa,<br />

Benigno. / BENIGNO — Você num tá precisan<strong>do</strong> <strong>de</strong> dinheiro? Hein? Como<br />

é? / MARANHÃO — Êpa! Por que, moço? / BENIGNO — Maranha.<br />

Maranha. Cê já sabe, sim! Hein? Saboeiro só precisa <strong>do</strong> empate! Hein,<br />

Maranhão? (...) Olha aqui. Abri a Esportiva <strong>de</strong> S. Paulo no meio <strong>da</strong><br />

viagem... olha aí, você, Maranhão. Rin<strong>do</strong> “O arqueiro menos vaza<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

segun<strong>da</strong> divisão <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is”. (Mostra) Saboeiro e Chapetuba afiam as<br />

armas para o gran<strong>de</strong> choque! / MARANHÃO — O vence<strong>do</strong>r participará <strong>do</strong><br />

próximo torneio <strong>da</strong> primeira divisão! (...) / BENIGNO — To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> quer<br />

o Saboeiro <strong>na</strong> primeira divisão. / MARANHÃO — To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> menos<br />

eu... / (...) BENIGNO — To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> quer o Saboeiro, Maranha. Juro!<br />

Saboeiro dá mais ren<strong>da</strong>... Você precisa <strong>de</strong> dinheiro? (...) A Fe<strong>de</strong>ração não<br />

vai aceitar, Maranha. Ouve... vai dizê assim: “o estádio <strong>do</strong> Chapetuba é<br />

muito pequeno!”“. “Num é, não!”. “Tá bem”. Então, diz: “a inscrição <strong>de</strong><br />

fulano <strong>de</strong> tal num correspon<strong>de</strong>...” Vai <strong>de</strong>scobri qualqué coisa até enterrá teu<br />

time <strong>na</strong> papela<strong>da</strong> suja. A Fe<strong>de</strong>ração prefere Saboeiro. (...) O Juiz é <strong>da</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ração, Maranha. Ele come por causa <strong>de</strong>la... / MARANHÃO — Uma<br />

mentira sua Benigno. / (...) BENIGNO — Só o empate, Maranhão. /<br />

MARANHÃO — Outro não Benigno. / BENIGNO — Já tá perdi<strong>do</strong>,<br />

Maranha. Me enten<strong>de</strong>! Ninguém <strong>de</strong>sconfia, rapaz. Até hoje em Saboeiro<br />

ninguém diz que você se ven<strong>de</strong>u! Ninguém <strong>de</strong>sconfiou <strong>da</strong>quele pulo... Cê<br />

disfarça bem. Pula bonito. A bola entra. Ninguém diz <strong>na</strong><strong>da</strong>... /<br />

MARANHÃO — Desiste, Benigno. Tá per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> cuspe... / (...) BENIGNO<br />

— Calma! Cê já ta machuca<strong>do</strong>. Fica <strong>de</strong> fora. Só saí<strong>do</strong>. Põe o Bila no teu<br />

lugar. Só isso. / (...) MARANHÃO — Vai embora, Benigno. É pior ficá<br />

aqui. / BENIGNO — Não posso, Maranhão. Não Posso. Cê tá ven<strong>do</strong> as<br />

coisas erra<strong>do</strong>. Cê não vai ficá aqui. Tua vi<strong>da</strong> é em São Paulo, num time <strong>de</strong><br />

lá. Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> com gente, luminoso berran<strong>do</strong>! Eu sei! Que é que você tá<br />

queren<strong>do</strong> fazê? Cê sempre sonhou assim! / (...) MARANHÃO — Vai<br />

embora, Benigno. /É pior fica aqui. / (...) BENIGNO — Vinte e cinco mil,<br />

Maranhão. / MARANHÃO — Não preciso. / BENIGNO — Tô botan<strong>do</strong><br />

dinheiro <strong>do</strong> meu bolso. Cinqüenta mil. (...) Posso telefo<strong>na</strong>r amanhã ce<strong>do</strong>? /<br />

MARANHÃO — Eu só quero ficá em paz. / BENIGNO — Te conheço,<br />

meu Maranhão. Você tem cabeça quente... precisa esfriá ela pra pensá... Pra<br />

pensá certo. Eu telefono amanhã ce<strong>do</strong>. Até amanhã, pessoal. Muito<br />

sucesso!”. 302<br />

Nesse contexto, o conflito que origi<strong>na</strong>rá a ação dramática está centra<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

proposta <strong>de</strong> suborno feita a Maranhão pelos gover<strong>na</strong>ntes <strong>do</strong> Saboeiro, por meio <strong>de</strong> seu<br />

repórter Benigno, para que ele colaborasse no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> o jogo ficar empata<strong>do</strong>. Assim,<br />

a peça evi<strong>de</strong>ncia a prepon<strong>de</strong>rância <strong>do</strong>s grupos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos cartolas, no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

302 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, 1981, p. 104-142.


futebol, que por meio <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> práticas ilícitas, como suborno e barganha, conseguiam,<br />

<strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s vezes, fazer com que os seus objetivos fossem alcança<strong>do</strong>s, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>s<br />

anseios e <strong>da</strong>s legítimas aspirações <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s populares. 303<br />

143<br />

Desse mo<strong>do</strong>, para registrar cenicamente essa história, Vian<strong>na</strong> construiu<br />

perso<strong>na</strong>gens que não possuem perfis psicológicos que permitam revelar os seus anseios<br />

ou angústias particulares (dramas pessoais), em conflito com expectativas <strong>de</strong> outros<br />

perso<strong>na</strong>gens: to<strong>do</strong>s são representativos <strong>de</strong> estereótipos ou forças sociais. Sen<strong>do</strong> assim,<br />

não são os conflitos ou motivações inter<strong>na</strong>s que caracterizam os perso<strong>na</strong>gens, eles são<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s no interior <strong>de</strong> uma classe social. Nessa perspectiva, com exceção <strong>de</strong> Fi<strong>na</strong>, a<br />

moça que trabalha <strong>na</strong> pensão on<strong>de</strong> os joga<strong>do</strong>res estão hospe<strong>da</strong><strong>do</strong>s aguar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o dia <strong>do</strong><br />

jogo, to<strong>do</strong>s os perso<strong>na</strong>gens estão direta ou indiretamente liga<strong>do</strong>s ao mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> futebol:<br />

ou são joga<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Chapetuba Futebol Clube, ou são diretores, repórteres ou locutores<br />

<strong>de</strong> rádio.<br />

Com exceção <strong>de</strong> Durval e Maranhão, os joga<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Chapetuba são jovens <strong>de</strong><br />

bem: puros, sonha<strong>do</strong>res e honestos. To<strong>do</strong>s são <strong>na</strong>sci<strong>do</strong>s em Chapetuba, possuem<br />

estreitos vínculos com a sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e sua população e por isso querem muito vencer o<br />

jogo, porque sabem que a obtenção <strong>da</strong> vitória traria benefícios para to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que,<br />

com a promoção <strong>do</strong> time à primeira divisão, seria mais valoriza<strong>da</strong> e, portanto, po<strong>de</strong>ria<br />

receber maiores investimentos por parte <strong>do</strong> governo.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, para eles é importante vencer, não ape<strong>na</strong>s por interesses pessoais,<br />

mas principalmente porque se preocupam com o bem estar <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou<br />

seja, querem compartilhar o sucesso <strong>do</strong> time e a alegria <strong>da</strong> vitória com to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Representam, assim, o estereótipo <strong>do</strong> povo bom, que precisa, contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>senvolver sua<br />

consciência para se libertar <strong>da</strong> opressão política e social. 304<br />

303 PATRIOTA, R. Vianinha: um dramaturgo no coração <strong>de</strong> seu tempo, p. 100.<br />

304 Ibid., p. 7.


144<br />

No entanto, o outro grupo <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens se caracteriza pela negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Compactuam com a or<strong>de</strong>m vigente, com as regras <strong>do</strong> establishment, assumem posturas<br />

marca<strong>da</strong>mente individualistas, e acreditam que somente por meio <strong>da</strong> barganha e <strong>da</strong><br />

a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> posições individualistas terão condições <strong>de</strong> se inserir <strong>na</strong>s relações sociais.<br />

Segun<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong>, esses perso<strong>na</strong>gens são “(...) céticos, <strong>de</strong>turpa<strong>do</strong>s, comi<strong>do</strong>s por suas<br />

próprias vi<strong>da</strong>s. Gente que aceita o estabeleci<strong>do</strong>, que admite o antecipa<strong>do</strong>. Luta se<br />

revolta, mas partiu, iniciou aceitan<strong>do</strong>”. 305<br />

Durval, ex-joga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Flamengo, um <strong>do</strong>s maiores times <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, foi<br />

também uma <strong>da</strong>s estrelas <strong>da</strong> seleção <strong>brasil</strong>eira, jogou no campeo<strong>na</strong>to mundial <strong>na</strong> Itália,<br />

no entanto, com o passar <strong>do</strong> tempo, quan<strong>do</strong> não possuía mais <strong>na</strong><strong>da</strong> para oferecer, passou<br />

a ser rejeita<strong>do</strong> pelo merca<strong>do</strong> e terminou por não ter alter<strong>na</strong>tiva, a não ser <strong>de</strong>ixar a<br />

família no Rio <strong>de</strong> Janeiro e se mu<strong>da</strong>r para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>zinha <strong>de</strong> Chapetuba, no interior<br />

paulista, ingressan<strong>do</strong> no Chapetuba Futebol Clube, no qual acumula as funções <strong>de</strong><br />

técnico e atacante. Sen<strong>do</strong> assim, o ex-í<strong>do</strong>lo Durval, após ter joga<strong>do</strong> muitos anos no<br />

Flamengo, encontrava-se em uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, sen<strong>do</strong> posto <strong>de</strong> la<strong>do</strong> e<br />

esqueci<strong>do</strong> em um time <strong>do</strong> interior <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> divisão.<br />

O <strong>de</strong>rrotismo e o pessimismo <strong>de</strong> Durval, em contraposição à pureza e ao<br />

otimismo <strong>de</strong> Zito, um <strong>do</strong>s joga<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Chapetuba, po<strong>de</strong>m ser observa<strong>da</strong>s no seguinte<br />

diálogo:<br />

305 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, 1981, p. 83.<br />

DURVAL — To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> qué acabá comigo, não é? / ZITO — Eles<br />

gostam <strong>de</strong> você, Durva. Só chamavam você lá <strong>na</strong> porta, Durva, Queriam o<br />

Durva./ DURVAL — Mentira! Isso é mentira! Tu tá mentin<strong>do</strong>... to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

vive mentin<strong>do</strong>! Vocês querem ouvir quem? Essa gente que fica berran<strong>do</strong> no<br />

campo? Essa gente que num sabe <strong>na</strong><strong>da</strong>? / ZITO — São eles que gostam <strong>de</strong><br />

nóis. / DURVAL — Gostam <strong>na</strong><strong>da</strong>, viste? Eles esquecem... chega um dia, tu<br />

não é <strong>na</strong><strong>da</strong>. Chega um dia tem outro que faz o que tu faz, até vim um outro<br />

pro outro. Eles esquecem... / ZITO — Não, Durval. / DURVAL — Cala a<br />

boca que eu sei o que tô dizen<strong>do</strong>! Tu qué discuti comigo? Quem qué discuti<br />

comigo? / ZITO — Durva, por favô... / DURVAL — Junta to<strong>do</strong> o dinheiro<br />

que tu ganhá, nenê. Ouve isso... num fica assim. / ZITO — Assim? /


145<br />

DURVAL — Assim: eu nenê. Eu. O Durval! Num fica nunca assim, nenê.<br />

Não pensa nunca em ficá <strong>de</strong>sse jeito que tu tá ven<strong>do</strong>! Não me olha co’essa<br />

cara <strong>de</strong> pe<strong>na</strong>! Larga o futebol. Futebol é <strong>na</strong><strong>da</strong>... futebol é vazio. / ZITO — É<br />

bonito, Durva. / DURVAL — Não diz assim <strong>de</strong> novo! Quem man<strong>da</strong> é essa<br />

gente que fica senta<strong>da</strong>, torran<strong>do</strong> no sol. Essa gente que não sabe <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>!<br />

Eles querem berrá... Gente que chora por causa <strong>de</strong> uma parti<strong>da</strong> <strong>de</strong> futebol,<br />

nenê! / ZITO — Chora e ri. Isso é bonito, Durval. Futebol junta gente que<br />

nem se conhecem pra sê irmão... pra se querê. Tu<strong>do</strong> fica um! / DURVAL —<br />

Na hora, nenê. Na hora que tu tá ouvin<strong>do</strong>... <strong>de</strong>pois... um dia pára e pensa. Tu<br />

<strong>de</strong>scobre que passou a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong> chutan<strong>do</strong> uma bola <strong>de</strong> futebol. Tu <strong>de</strong>scobre<br />

que eles choraram por causa disso. Tu teve fotografia em jor<strong>na</strong>l... teve berro<br />

no teu ouvi<strong>do</strong> e tu não é <strong>na</strong><strong>da</strong>. / ZITO — Cê fez tanta coisa boa, Durva. / (...)<br />

DURVAL — Tu é moço, Zito. Tu é bom menino. Aproveita e foge... some!<br />

Depois só fica um álbum <strong>de</strong> recorte amarelo...”. 306<br />

Nessa perspectiva, Durval personifica a <strong>de</strong>rrota, o ceticismo e o <strong>de</strong>sânimo. Suas<br />

habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s foram subtraí<strong>da</strong>s pelos gran<strong>de</strong>s clubes e então ele se tornou um peso morto,<br />

sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e humilha<strong>do</strong> até mesmo pelo diretor <strong>do</strong> Chapetuba, Pascoal. Foi<br />

tritura<strong>do</strong> pela máqui<strong>na</strong> <strong>do</strong> sistema, é o símbolo <strong>da</strong> amargura e <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrença, então, para<br />

suprimir suas frustrações, refugia-se <strong>na</strong> bebi<strong>da</strong> e <strong>na</strong>s recor<strong>da</strong>ções <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Desse<br />

mo<strong>do</strong>, seu imaginário é permea<strong>do</strong> pelos fantasmas <strong>da</strong> indigência e <strong>da</strong> total exclusão.<br />

Conseqüentemente, ele é incapaz <strong>de</strong> pensar e agir com mais vigor em prol <strong>do</strong>s interesses<br />

coletivos <strong>de</strong> seu time, ao contrário, permanece enre<strong>da</strong><strong>do</strong> em suas frustrações e<br />

amarguras e, nesse senti<strong>do</strong>, constitui-se em presa fácil <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos. 307<br />

Por sua vez, Maranhão, o goleiro <strong>do</strong> Chapetuba, como Durval, tem experiência e<br />

competência técnica, além disso, a sua posição o tor<strong>na</strong> imprescindível para vitória <strong>do</strong><br />

time. Contu<strong>do</strong>, seus antece<strong>de</strong>ntes éticos não são confiáveis, uma vez que já havia<br />

passa<strong>do</strong> por uma experiência <strong>de</strong> suborno, quan<strong>do</strong> jogou no clube adversário, o Saboeiro,<br />

e assim já conhece os mecanismos e o funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> lógica <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. Como Durval,<br />

Maranhão possui uma postura cética diante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e não acredita <strong>na</strong>s soluções coletivas<br />

para enfrentar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Embora tenha reluta<strong>do</strong>, acabou se ren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos<br />

306 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, 1981, p.162-165.<br />

307 PATRIOTA, R. Vianinha: um dramaturgo no coração <strong>de</strong> seu tempo, p.107.


interesses <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos cartolas, cujos objetivos se constituem <strong>na</strong> vitória <strong>do</strong> clube<br />

adversário.<br />

146<br />

Nessa perspectiva, Maranhão simboliza o individualismo e, conseqüentemente,<br />

para resolver seus problemas particulares <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m material, abre mão <strong>da</strong> leal<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vi<strong>da</strong> ao time e à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, train<strong>do</strong> seus companheiros sem apresentar nenhuma<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> remorso. Essa atitu<strong>de</strong> cética <strong>de</strong> Maranhão, ao assumir a sua traição para<br />

Cafuné, foi bem evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong> no diálogo entre os <strong>do</strong>is joga<strong>do</strong>res, no vestiário, ao fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong><br />

jogo, quan<strong>do</strong> Cafuné foi expulso pelo juiz ao reclamar contra um pê<strong>na</strong>lti que ele não<br />

cometera:<br />

RÁDIO — Bila <strong>na</strong><strong>da</strong> po<strong>de</strong>ria fazer mesmo. Lício atirou preciso no canto<br />

esquer<strong>do</strong>. Três, Chapetuba. Três, Saboeiro. Nove minutos para o fim.<br />

Saboeiro com o campeo<strong>na</strong>to <strong>na</strong> mão. Vai sair Zito. Durval. De recuo<br />

imediato para Ismael. (Silêncio <strong>de</strong> morte no vestiário. Eunápio <strong>de</strong>sliga o<br />

rádio. Só a bengala <strong>de</strong> Maranhão, que, lentamente, cai no chão). /<br />

CAFUNÉ — S’Eunápio... num <strong>de</strong>ixe eles dizê que fui eu, né? Esse juiz é<br />

ladrão, S’Eunápio... Né? / MARANHÃO — Fica quieto, Cafuné... /<br />

CAFUNÉ — Num fico. Era eu que tava lá viu? Juiz é ladrão, Maranha! Juiz<br />

é ladrão! Eu mato esse filho <strong>da</strong> mãe! Eu mato essa <strong>de</strong>sgraça! (Corre para a<br />

esca<strong>da</strong>. Sobe os <strong>de</strong>graus) / EUNÁPIO — Cafuné... / CAFUNÉ — Juiz<br />

ladrão! Juiz Ladrão! (Volta com Maranhão) Num fui eu, não... Num quero<br />

sê eu! / MARANHÃO — Fica quieto, Funé. Num foi você! CAFUNÉ — A<br />

gente vai perdê, Maranhão! Num sei pensá mais... / MARANHÃO — Nove<br />

minutos... precisava <strong>de</strong> ganhá! / CAFUNÉ — Cê tá an<strong>da</strong>n<strong>do</strong> direito,<br />

Maranhão? (Silêncio no vestiário, Maranhão vai para o rádio. Ri) Cê num<br />

tá machuca<strong>do</strong>, é?/ MARANHÃO — Não! / EUNÁPIO — Maranhão, eu... /<br />

MARANHÃO — Não estou. / EUNÁPIO — Ele ficou com me<strong>do</strong>,<br />

Cafuné.../ MARANHÃO — Óóóó. ! / CAFUNÉ — Hei, Maranhão./<br />

MARANHÃO — Mas me<strong>do</strong> <strong>de</strong> quem, hein? Tá aí... tô <strong>na</strong>s duas per<strong>na</strong>. Olha<br />

aí. Olha aí. / CAFUNÉ — Ele se ven<strong>de</strong>u? / MARANHÃO — Quem sabe,<br />

Funé? / CAFUNÉ — S’Eunápio, Pelo amor <strong>de</strong> Deus! / EUNÁPIO — Não<br />

sei. Não sei <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>... / MARANHÃO — Mas diz pro menino, Eunápio.<br />

Conta, ó: Maranhão se ven<strong>de</strong>u, sim. E <strong>da</strong>í? (Cafuné ain<strong>da</strong> não enten<strong>de</strong>.<br />

Atônito. De estalo avança para cima <strong>de</strong> Maranhão. Eunápio procura afastálos.<br />

Maranhão ri. Dá um tapa em Cafuné. Eunápio agora segura Cafuné<br />

que quer avançar.) (...) / CAFUNÉ — Por que, Maranha? Por quê? (...) /<br />

MARANHÃO — Pensá nos outro? Quem pensa nos outro? Na hora <strong>de</strong><br />

comê junto? Na hora <strong>de</strong> dá bom-dia? / CAFUNÉ — Eu penso nocê,<br />

Maranha. Cê sabe disso... / MARANHÃO — Ninguém se diz... Nunca<br />

ninguém se fala aí... Agora? Agora é? Agora é que tem <strong>de</strong> pensá nos<br />

outros?/ CAFUNÉ — Cê lembra, Maranhão? Lembra <strong>da</strong>quilo que a gente<br />

queria? O Pacaembu ia sê nosso, lembra? O Pacaembu num vai sê <strong>da</strong><br />

gente?/ (...) MARANHÃO — A gente num tem <strong>na</strong><strong>da</strong> pra fazê junto! É ca<strong>da</strong><br />

um no seu canto, sempre! Nunca se olhan<strong>do</strong> direito... se <strong>de</strong>sconfian<strong>do</strong><br />

sempre! Não é assim? Não foi sempre assim? (...) / CAFUNÉ — Cê largou a<br />

gente, sim, Maranhão. / MARANHÃO — Não, Funé. Me ouve... Num<br />

queria! Pensei. Fiquei pensan<strong>do</strong>... Pensan<strong>do</strong> por você... pensan<strong>do</strong> pra vocês<br />

to<strong>do</strong>s... Futebol é coisa ruim... A gente fica sozinho... são onze sozinho!/<br />

CAFUNÉ — Nóis não, Maranhão. A gente não. Tem uns que num são


147<br />

assim... Num tem? / (...) MARANHÃO — Não é, Cafuné. Vê. Culpa é<br />

<strong>de</strong>les.... Essa gente que faz você acabá como Durval! Como seu Durval<br />

Mattos! Vai carregá saco <strong>de</strong> bola! Vai ganhá palma<strong>da</strong> <strong>na</strong> bun<strong>da</strong> pra i gritá <strong>na</strong><br />

torci<strong>da</strong> <strong>de</strong> uniforme. Eu num vô continuá <strong>de</strong> uniforme to<strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>! Não<br />

vou. Não vou! Eles fazem tu<strong>do</strong> antes... escreve tu<strong>do</strong> como vai sê! Como<br />

Deus, sabe? Isso é Deus! Pra on<strong>de</strong> eu ia <strong>de</strong>pois, Funé? Vai. Vai. Ficá<br />

contan<strong>do</strong> mil réis no Chapetuba? Pra morrê no gol? Pra morrê fecha<strong>do</strong> <strong>na</strong>s<br />

trave? Eles iam <strong>de</strong>ixá eu saí? Não! Trave sempre. Trave sempre pra ele! Iam<br />

menti sujice <strong>de</strong> mim... em to<strong>do</strong> lugar. A culpa é <strong>de</strong>les. A culpa é <strong>de</strong>les,<br />

Cafuné! / CAFUNÉ — E nóis, Maranhão? E os onze... E eu... eu sô teu<br />

amigo. / MARANHÃO — Cês num sabem <strong>na</strong><strong>da</strong>. Cês choram. Cês choram,<br />

só! / CAFUNÉ — Maranhão. Como cê tá pequeno!”. 308<br />

Nessa passagem <strong>da</strong> peça, as posições <strong>de</strong> Cafuné e Maranhão são niti<strong>da</strong>mente<br />

<strong>de</strong>marca<strong>da</strong>s. Enquanto o primeiro sente uma profun<strong>da</strong> indig<strong>na</strong>ção e um enorme<br />

sentimento <strong>de</strong> revolta com a traição <strong>de</strong> Maranhão, este, por sua vez, justifica seu<br />

comportamento, assumin<strong>do</strong> sua absoluta <strong>de</strong>scrença em relação ao futebol, pois segun<strong>do</strong><br />

ele não há formas <strong>de</strong> lutar contra interesses <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rosos que sustentam esse esporte, e<br />

a única maneira é se conformar e se a<strong>de</strong>quar a eles.<br />

Dessa forma, como o perso<strong>na</strong>gem Tião <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie, Maranhão<br />

postula uma posição individualista para solução <strong>do</strong>s seus problemas, como Tião, que<br />

furou a greve, o goleiro <strong>do</strong> Chapetuba aceitou o proposta <strong>de</strong> suborno feita por Benigno.<br />

Essa postura <strong>do</strong> salve-se quem pu<strong>de</strong>r ou o negócio é levar vantagem em tu<strong>do</strong> é fruto <strong>da</strong><br />

i<strong>de</strong>ologia liberal burguesa, que se consoli<strong>da</strong>va no Brasil <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50, como<br />

resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> massas, que crescia<br />

vertiginosamente <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> acelera<strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização capitalista que ocorria no país.<br />

Nesse contexto, o autor cria perso<strong>na</strong>gens típicos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> futebolístico e os<br />

coloca em conflito, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>linear a idéia central <strong>de</strong> seu texto, que resi<strong>de</strong> em<br />

<strong>de</strong>nunciar os aspectos <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ntes existentes em uma <strong>da</strong>s manifestações mais populares<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, o futebol, a chama<strong>da</strong> paixão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Sen<strong>do</strong> assim, à medi<strong>da</strong><br />

308 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, 1981, p.187-194.


que esse esporte ganhava mais prestígio e notorie<strong>da</strong><strong>de</strong> no Brasil – o que estava<br />

ocorren<strong>do</strong> <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>, principalmente em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> vitória <strong>da</strong> seleção<br />

<strong>brasil</strong>eira no campeo<strong>na</strong>to mundial <strong>na</strong> Suécia em 1958 – mais a sua prática se enre<strong>da</strong>va<br />

no mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> corrupção, <strong>do</strong> suborno, <strong>da</strong> burocracia, <strong>da</strong> barganha, que coexistiam com o<br />

la<strong>do</strong> puro, simples, primitivo e sonha<strong>do</strong>r que ain<strong>da</strong> permeava aquele esporte.<br />

148<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Chapetuba, coloca em evidência o <strong>de</strong>srespeito em relação aos<br />

<strong>de</strong>sejos e motivações <strong>de</strong> to<strong>da</strong> uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> joga<strong>do</strong>res e torce<strong>do</strong>res <strong>de</strong> um time <strong>de</strong><br />

várzea em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> objetivos e aspirações individuais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos cartolas, como<br />

também <strong>de</strong> alguns joga<strong>do</strong>res, que termi<strong>na</strong>m por se ren<strong>de</strong>r à estrutura ca<strong>da</strong> vez mais<br />

burocrática e corrupta <strong>do</strong> universo futebolístico. Em última instância, o que Vian<strong>na</strong><br />

pretendia era levantar as contradições existentes no futebol <strong>brasil</strong>eiro <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>,<br />

interligan<strong>do</strong>-as à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vivencia<strong>da</strong> por ele <strong>na</strong> mesma época no Brasil.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, o dramaturgo pretendia, por meio <strong>do</strong> futebol, refletir acerca <strong>do</strong>s<br />

conflitos existentes <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, que se encontrava extremamente dividi<strong>da</strong><br />

durante a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> um acirra<strong>do</strong> embate entre <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s<br />

projetos para o país que <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>vam a agen<strong>da</strong> política <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. Nessa perspectiva, o<br />

conflito existente em Chapetuba – individualismo em oposição ao coletivismo – se<br />

constituía em um microcosmo <strong>da</strong> situação existente no país, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que durante<br />

a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqüenta, no Brasil, os anseios <strong>da</strong> gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong> população <strong>brasil</strong>eira<br />

se encontravam ameaça<strong>do</strong>s pela diretriz liberal-conserva<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> capital –<br />

gran<strong>de</strong>s empresários e latifundiários – alia<strong>do</strong>s aos EUA. Desse mo<strong>do</strong>, a escolha entre o<br />

projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-estatista e o liberal-conserva<strong>do</strong>r implicava uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira toma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

posição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira em relação aos possíveis caminhos a serem percorri<strong>do</strong>s<br />

pelo país.


149<br />

Dessa maneira, a oposição entre duas formas <strong>de</strong> pensar, que consistia no conflito<br />

central existente tanto em Chapetuba como em Black-Tie, também estava ocorren<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

forma bem <strong>de</strong>linea<strong>da</strong> durante os anos 50 no Brasil. Nesse senti<strong>do</strong>, a questão que<br />

contrapunha os perso<strong>na</strong>gens <strong>na</strong>s duas peças era a mesma questão que estava dividin<strong>do</strong> o<br />

país <strong>na</strong>quela época <strong>de</strong> maneira extremamente acirra<strong>da</strong>: individualismo e liberalismo <strong>de</strong><br />

um la<strong>do</strong> e o coletivismo e o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo <strong>de</strong> outro.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, ao ser questio<strong>na</strong><strong>do</strong>, acerca <strong>do</strong> enorme sucesso obti<strong>do</strong> por<br />

Chapetuba Futebol Clube em São Paulo, Vian<strong>na</strong> respon<strong>de</strong>u:<br />

“Me parece o fun<strong>da</strong>mental me parece mesmo isso: o público <strong>brasil</strong>eiro ca<strong>da</strong><br />

vez mais sofre uma série <strong>de</strong> injunções <strong>na</strong> sua vi<strong>da</strong>, realmente muito sérias.<br />

Nós nos <strong>de</strong>senvolvemos ca<strong>da</strong> vez mais. Ca<strong>da</strong> vez mais aparecem centrais<br />

elétricas e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizações <strong>de</strong> companhias importantes <strong>de</strong> riquezas minerais<br />

etc., fun<strong>da</strong>mentais para a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> um povo. E ao mesmo tempo nós sentimos<br />

um processo <strong>de</strong> empobrecimento ca<strong>da</strong> vez maior. E ao mesmo tempo,<br />

também, me parece que o público <strong>brasil</strong>eiro sente que a sua ética se gasta<br />

um pouco. Mas ele não sabe on<strong>de</strong>, ele age sempre bem permanentemente<br />

bem; e ele não sabe como, ele não tem idéia <strong>de</strong> como, através <strong>da</strong> sua<br />

atitu<strong>de</strong>, ele fornece material pra existência <strong>de</strong>ssa situação. E no <strong>teatro</strong> ele<br />

vai buscar, me parece agora, fun<strong>da</strong>mentação <strong>de</strong> uma nova maneira <strong>de</strong> viver,<br />

<strong>de</strong> uma nova maneira <strong>de</strong> encarar, <strong>de</strong> uma nova maneira <strong>de</strong> sentir a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Me parece que através disso ele só po<strong>de</strong> se interessar mesmo por<br />

peças que procurem, <strong>de</strong> alguma maneira fornecer esse material pra ele”. 309<br />

Para Vian<strong>na</strong>, o sucesso <strong>de</strong> Chapetuba se relacio<strong>na</strong>va ao fato <strong>de</strong> que seu texto se<br />

encontrava embasa<strong>do</strong> <strong>na</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>brasil</strong>eiro, <strong>da</strong>í o fato <strong>de</strong> alcançar tanta<br />

ressonância junto ao público que, <strong>na</strong>quela conjuntura <strong>de</strong> extrema mobilização social,<br />

ca<strong>da</strong> vez mais procurava refletir acerca <strong>da</strong> situação <strong>do</strong> país e encontrar elementos que<br />

permitissem a ele enfrentar e interferir <strong>de</strong> forma ca<strong>da</strong> vez mais consistente em sua<br />

própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Nessa perspectiva, no Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> sua peça, Vian<strong>na</strong>, teceu a seguinte<br />

avaliação acerca <strong>do</strong> papel que o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> procurava <strong>de</strong>sempenhar <strong>na</strong>quela<br />

conjuntura:<br />

309 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p. 39.


150<br />

“O Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo apóia sua existência <strong>na</strong> concretização <strong>de</strong><br />

um objetivo persegui<strong>do</strong> exaustivamente: uma dinâmica e autêntica forma<br />

<strong>brasil</strong>eira para um <strong>teatro</strong> alerta à fixação <strong>do</strong>s pontos motores <strong>da</strong> trajetória<br />

huma<strong>na</strong>. Somente assim ele <strong>de</strong>ixa sua história liga<strong>da</strong> à <strong>de</strong> seu povo. Nem<br />

sempre o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> preenche as condições materiais e intelectuais<br />

exigi<strong>da</strong>s pela imensa tarefa, mas participa <strong>de</strong>cisivamente, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> tantas<br />

organizações, no processo <strong>de</strong> amadurecimento <strong>da</strong> consciência renova<strong>do</strong>ra<br />

que <strong>de</strong>sperta e se instala. Eles Não Usam Black-Tie inicia a sedimentação<br />

<strong>de</strong> idéias ain<strong>da</strong> anárquicas que vão se catalogan<strong>do</strong>. O Seminário <strong>de</strong><br />

Dramaturgia <strong>de</strong> São Paulo, gesta<strong>do</strong> no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, mesmo incipiente,<br />

<strong>de</strong> calças curtas, é aquele tími<strong>do</strong> início que po<strong>de</strong> resultar <strong>na</strong> <strong>de</strong>flagração <strong>do</strong><br />

salto qualitativo. Em espetáculos em praça pública, em sindicatos, tantas<br />

outras organizações, tantas outras vitórias vão soman<strong>do</strong> confiança. A<br />

certeza <strong>do</strong> caminho escolhi<strong>do</strong> dá fôlego vivo ao espinhoso autodi<strong>da</strong>tismo,<br />

<strong>de</strong>senvolve a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> autocrítica.”. 310<br />

Essas consi<strong>de</strong>rações são extremamente relevantes, porque Vian<strong>na</strong>, além <strong>de</strong><br />

avaliar o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, a partir <strong>de</strong> Eles<br />

Não Usam Black-Tie, reflete acerca <strong>da</strong> importância <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube para a<br />

continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s propostas <strong>do</strong> grupo. Assim, ele exprime um otimismo em relação às<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação, não ape<strong>na</strong>s <strong>da</strong> ce<strong>na</strong>, mas, sobretu<strong>do</strong>, políticas e sociais,<br />

que as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s realiza<strong>da</strong>s pela companhia, alia<strong>da</strong>s ao trabalho que vinha sen<strong>do</strong> feito<br />

por outras organizações no país, po<strong>de</strong>riam suscitar.<br />

Essa visão positiva <strong>do</strong> dramaturgo se explica, porque segun<strong>do</strong> ele, o Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, após a montagem <strong>de</strong> Black-Tie, sofreu um processo <strong>de</strong> redimensio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong><br />

sua dramaturgia e, conseqüentemente, conseguiu se posicio<strong>na</strong>r em relação aos seus<br />

parâmetros <strong>de</strong> atuação e aos seus objetivos. Assim, para ele Chapetuba expressava a<br />

convicção <strong>da</strong>s escolhas <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s pelo grupo.<br />

Esse mesmo leque <strong>de</strong> reflexões orientou o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Boal no programa <strong>de</strong><br />

apresentação <strong>da</strong> peça:<br />

310 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, 1981, p.82.<br />

“Sentimos que o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro cresceu em bases alie<strong>na</strong><strong>da</strong>s. O gran<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico <strong>de</strong> São Paulo criou uma maior disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

fi<strong>na</strong>nceira: o supérfluo tornou-se i<strong>na</strong>diável. Tor<strong>na</strong>ram-se necessários os<br />

cadillacs, boates, inferninhos, <strong>teatro</strong>s. Não havia tempo para a lenta<br />

criação <strong>de</strong> um <strong>teatro</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente <strong>brasil</strong>eiro, não havia tempo para<br />

pesquisa. Era preciso imediatamente fazer espetáculos como Barrault,


151<br />

Olivier, Guilaud. Seguimos o caminho mais rápi<strong>do</strong>: importamos diretores. A<br />

maior parte <strong>de</strong>les <strong>de</strong>monstrou competência e talento. Fizeram gran<strong>de</strong>s<br />

espetáculos. Renovaram o <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Mas, eles próprios, não eram<br />

<strong>brasil</strong>eiros. Seus talentos tinham si<strong>do</strong> educa<strong>do</strong>s <strong>na</strong> Europa. Os espetáculos<br />

que fizeram, eram espetáculos traduzi<strong>do</strong>s. A peque<strong>na</strong> platéia, que criara<br />

esse <strong>teatro</strong>, via e gostava: e tinha que gostar porque eram bons, embora<br />

alie<strong>na</strong><strong>do</strong>s. A platéia foi crescen<strong>do</strong>, absorven<strong>do</strong> gente vivi<strong>da</strong> aqui, sem<br />

nenhum contato com Paris ou Londres. O encanto inicial <strong>de</strong> uma peça<br />

monta<strong>da</strong> com to<strong>do</strong>s os requintes <strong>do</strong> bom gosto europeu foi-se <strong>de</strong>sgastan<strong>do</strong>.<br />

A platéia começou a exigir uma integração ca<strong>da</strong> vez maior com o texto, com<br />

seu conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> idéia e emoção. Não mais ape<strong>na</strong>s o prazer estético <strong>de</strong> uma<br />

estética importa<strong>da</strong>, mas nossos problemas, a nossa forma, a pesquisa <strong>da</strong><br />

nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> huma<strong>na</strong> e social. É preciso transcrever artisticamente, no<br />

<strong>teatro</strong>, os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa pesquisa. Chegou o momento <strong>de</strong> uma<br />

dramaturgia <strong>brasil</strong>eira. O dilema <strong>do</strong> homem <strong>de</strong> <strong>teatro</strong> no Brasil é simples e<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>: ser autêntico ou termi<strong>na</strong>r”. 311<br />

Na mesma linha <strong>de</strong> raciocínio <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong>, Boal realizou um balanço <strong>do</strong><br />

comportamento <strong>do</strong> público teatral e atestou que após a euforia com os espetáculos <strong>de</strong><br />

diretores estrangeiros, a platéia foi se amplian<strong>do</strong> e absorven<strong>do</strong> outros grupos sociais –<br />

classe média, estu<strong>da</strong>ntes que não se satisfaziam com aquele <strong>teatro</strong> ape<strong>na</strong>s esteticista.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, foi nesse clima efervescente, permea<strong>do</strong> por intensas expectativas<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Eles Não Usam Black-tie, que foi realiza<strong>do</strong> o Seminário <strong>de</strong><br />

Dramaturgia <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> (1958-1959) e que Chapetuba Futebol Clube foi<br />

escrita, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar por quase sete versões, <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong>s acalora<strong>da</strong>s discussões<br />

que eram realiza<strong>da</strong>s no Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia. 312 Assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o diretor <strong>da</strong><br />

peça, Augusto Boal,<br />

311 BOAL, A. In: MICHALSKI, 1981, p. 83-84.<br />

312 VIANNA FILHO. In: PEIXOTO, 1983, p 37.<br />

“Chapetuba F.C. enquadra-se nos objetivos simples <strong>do</strong> Seminário <strong>de</strong><br />

Dramaturgia: transcreve, em forma <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, um setor <strong>da</strong> nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Tem duas características fun<strong>da</strong>mentais: é uma análise psicológica <strong>de</strong> alguns<br />

perso<strong>na</strong>gens, e é uma <strong>de</strong>núncia. No meio <strong>do</strong> futebol, Vian<strong>na</strong> escolheu os<br />

perso<strong>na</strong>gens mais ricos: Durval, Maranhão, Cafuné, Pascoal. Não escolheu<br />

a esmo, pelo que têm <strong>de</strong> pitorescos: para servir uma idéia, procurou os mais<br />

típicos e procurou pô-los em conflito. O ex-í<strong>do</strong>lo Durval ( o interior <strong>de</strong> São<br />

Paulo está cheio <strong>de</strong> ex-í<strong>do</strong>los) opõe-se ao jovem Maranhão. O colono<br />

Cafuné ao político Pascoal. Cafuné é o esporte simples e puro, e primitivo.<br />

Pascoal é a Fe<strong>de</strong>ração, a política, o futebol <strong>do</strong>s escritórios. Pascoal e<br />

Cafuné são esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> coisas; Durval e Maranhão são as reações possíveis.<br />

Um se ven<strong>de</strong>; o outro se humilha e bebe. E ambos estão erra<strong>do</strong>s. Essa<br />

caracterização por contraste evi<strong>de</strong>ncia sempre a idéia temática: a<br />

importância crescente <strong>do</strong> futebol sacrifica os homens que o praticam,


152<br />

condicio<strong>na</strong>-os pelo prestígio, pelo dinheiro, pela burocracia. A peça não<br />

oferece nenhuma solução para o problema, mas to<strong>da</strong> <strong>de</strong>núncia é positiva.<br />

Chapetuba <strong>de</strong>nuncia ao mesmo tempo que a<strong>na</strong>lisa. Idéia e emoção estão<br />

conjuga<strong>da</strong>s, e não po<strong>de</strong>m ser compreendi<strong>da</strong>s isola<strong>da</strong>mente.<br />

Quan<strong>do</strong> dirigimos Ratos e Homens acreditávamos que o <strong>de</strong>spojamento, a<br />

simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> fosse o objetivo fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> to<strong>do</strong> artista. Agora acreditamos que se<br />

trata tão-somente <strong>de</strong> um estágio. A simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> conduz ape<strong>na</strong>s ao<br />

<strong>na</strong>turalismo. Chapetuba não é <strong>na</strong>turalista. Vian<strong>na</strong>, elaboran<strong>do</strong> o seu texto,<br />

não hesitou diante <strong>do</strong>s golpes <strong>de</strong> <strong>teatro</strong>, como a ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> Durval no segun<strong>do</strong><br />

ato. Não hesitou diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma elaboração literária <strong>do</strong><br />

diálogo. O seu texto ditou o estilo <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção: o realismo teatral. De<br />

to<strong>do</strong>s os estilos “ilusionísticos”, este é o que po<strong>de</strong> mais energicamente<br />

atingir o especta<strong>do</strong>r. E transmitir o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> Chapetuba ao especta<strong>do</strong>r<br />

foi o princípio básico <strong>da</strong> nossa direção.<br />

Paralelamente à criação <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, precisamos<br />

<strong>de</strong>senvolver os nossos estilos <strong>de</strong> representação. Realismo é realismo, em<br />

qualquer parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Mas em ca<strong>da</strong> país ou região, tem a sua<br />

fisionomia diferente. Estamos procuran<strong>do</strong> nosso realismo teatral. Valemonos<br />

<strong>da</strong> experiência <strong>de</strong> Stanislavsky, <strong>de</strong> Kazan. Porém, tenha os <strong>de</strong>feitos que<br />

tiver o nosso trabalho não será nunca uma reprodução, uma cópia. 313<br />

Nessa perspectiva, a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> realismo teatral foi notória nessa fase vivencia<strong>da</strong><br />

pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, constituin<strong>do</strong>-se no marco inicial <strong>da</strong>s preocupações que<br />

perpassaram o Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia.<br />

Nesse contexto, o <strong>de</strong>poimento ator Nelson Xavier, que fez o papel <strong>do</strong> goleiro<br />

Maranhão em Chapetuba, corrobora as reflexões <strong>de</strong> Boal e Vian<strong>na</strong> acerca <strong>da</strong> peça.<br />

Assim, segun<strong>do</strong> Nelson Xavier, que em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1958 ingressou no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong><br />

para participar <strong>do</strong>s ensaios e <strong>da</strong>s discussões acerca <strong>de</strong> Chapetuba, as expectativas eram<br />

intensas:<br />

313 XAVIER, Nelson. In: MICHALSKI, 1981, p. 84- 85.<br />

“Foi realmente uma vira<strong>da</strong> em minha vi<strong>da</strong>. Até ali eu havia me prepara<strong>do</strong>.<br />

Dali em diante começava a viver a escolha <strong>do</strong> ofício. Tinha termi<strong>na</strong><strong>do</strong> a<br />

Escola <strong>de</strong> Arte Dramática, tinha trazi<strong>do</strong> minha primeira peça para ser<br />

<strong>de</strong>bati<strong>da</strong> no Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia, tinha mu<strong>da</strong><strong>do</strong> minha cabeça <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> Eles Não Usam Black-Tie <strong>do</strong> Guarnieri, que abria uma etapa<br />

absolutamente nova <strong>na</strong> dramaturgia, <strong>na</strong> ence<strong>na</strong>ção e <strong>na</strong> interpretação<br />

<strong>brasil</strong>eiras, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que meu entusiasmo pelo trabalho <strong>do</strong> Boal, <strong>do</strong> José<br />

Re<strong>na</strong>to, <strong>do</strong> Guarnieri, <strong>do</strong> Vian<strong>na</strong>, <strong>do</strong> Flávio não tinha limites.<br />

Então ensaian<strong>do</strong> Chapetuba, eu comecei pela primeira vez como ator, a<br />

vivenciar ple<strong>na</strong>mente minhas – eu vou chamar assim – emoções <strong>brasil</strong>eiras:<br />

maneiras <strong>de</strong> sentir e <strong>de</strong> ser como só nós <strong>brasil</strong>eiros somos e sentimos.<br />

Porque, o que havia antes? Na E.A.D. eu tinha estu<strong>da</strong><strong>do</strong> com Tchecov e<br />

Maeterlink, Gol<strong>do</strong>ni ou Shakespeare, e no <strong>teatro</strong> que se fazia em São Paulo,<br />

<strong>na</strong>quela quadra, os mo<strong>de</strong>los eram europeus. Mesmo textos <strong>brasil</strong>eiros eram<br />

representa<strong>do</strong>s como estrangeiros.<br />

A maneira <strong>de</strong> um ator se comportar em ce<strong>na</strong> era to<strong>da</strong> importa<strong>da</strong>, assim<br />

como os textos eram to<strong>do</strong>s – 95% – estrangeiros. A lei <strong>de</strong> 2 x 1– obrigan<strong>do</strong>


153<br />

a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> um texto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l após a montagem <strong>de</strong> <strong>do</strong>is estrangeiros – é<br />

<strong>de</strong>ssa época. Estou excluin<strong>do</strong>, obviamente, a revista. E o Are<strong>na</strong> assumiu a<br />

luta: só ence<strong>na</strong>va autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Ora foi um <strong>de</strong>slumbramento po<strong>de</strong>r<br />

viver perso<strong>na</strong>gens nossos como nós. O prazer <strong>de</strong> viver a si mesmo; o prazer<br />

<strong>de</strong> permitir uma fala <strong>do</strong> jeito que se fala nos subúrbios, <strong>de</strong>baixo <strong>da</strong>s pontes,<br />

diante <strong>da</strong>s máqui<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s fábricas, <strong>na</strong>s ruas; o prazer <strong>de</strong> soltar meu corpo<br />

<strong>do</strong> jeito <strong>de</strong>le, sem ter que aparentar um barão russo ou juiz alemão”. 314<br />

Essas constatações <strong>de</strong> Nelson Xavier são extremamente importantes, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong><br />

em que eluci<strong>da</strong>m sobremaneira o contexto no qual Chapetuba foi cria<strong>da</strong>, isto é, em um<br />

clima <strong>de</strong> muita euforia e confiança <strong>na</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação, não ape<strong>na</strong>s <strong>da</strong><br />

ce<strong>na</strong> <strong>brasil</strong>eira, mas <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o país.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, como <strong>na</strong> peça <strong>de</strong> Guarnieri, o texto <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong> criticava as<br />

perspectivas individualistas e si<strong>na</strong>lizava para a importância <strong>da</strong> mobilização e<br />

organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, contribuin<strong>do</strong>, no mínimo, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> provocar o<br />

especta<strong>do</strong>r e incitá-lo a pensar, pois acreditamos que seria impossível, após o impacto<br />

provoca<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>rrota <strong>do</strong> Chapetuba em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> traição <strong>de</strong> Maranhão e <strong>da</strong><br />

corrupção <strong>do</strong> juiz, que qualquer especta<strong>do</strong>r saísse <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> ileso, ou seja, sem realizar<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> questio<strong>na</strong>mento.<br />

Nessa perspectiva, acreditamos que Chapetuba cumpriu muito bem o seu papel,<br />

<strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que consi<strong>de</strong>ramos que a obra <strong>de</strong> arte enquanto tal, provoca, abala e<br />

<strong>de</strong>sorganiza <strong>de</strong> alguma forma o pensamento <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r Com certeza, nesse aspecto,<br />

a peça <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong> foi muito bem sucedi<strong>da</strong>.<br />

A RECEPÇÃO DE CHAPETUBA FUTEBOL CLUBE<br />

Os críticos que a<strong>na</strong>lisaram Chapetuba Futebol Clube, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, <strong>de</strong>stacaram<br />

a vinculação entre a peça, o autor e o processo <strong>de</strong> renovação teatral que estava<br />

314 XAVIER, Nelson. In: MICHALSKI, 1981, p. 85.


ocorren<strong>do</strong> no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, e principalmente se <strong>de</strong>tiveram <strong>na</strong> estrutura dramática <strong>do</strong><br />

texto. 315 Isso po<strong>de</strong> ser exemplifica<strong>do</strong> <strong>na</strong>s opiniões <strong>de</strong> Sábato Magaldi:<br />

154<br />

“Em Chapetuba, Vianinha teve a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar pela primeira vez no<br />

<strong>teatro</strong> um tema eminentemente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. O futebol é um <strong>do</strong>s assuntos mais<br />

vivos <strong>do</strong> País. Lota os estádios e faz que a <strong>na</strong>ção se paralise, quan<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

disputa <strong>de</strong> um troféu mundial. Liga os torce<strong>do</strong>res <strong>de</strong> origens mais diversas a<br />

uma única emoção, diante <strong>de</strong> um lance <strong>de</strong>cisivo. Sob certo aspecto,<br />

preenche um papel <strong>de</strong> união <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (apesar <strong>da</strong> disputa <strong>do</strong>s<br />

adversários) que era antes atribuí<strong>do</strong> ao próprio <strong>teatro</strong>. A dramaturgia não<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sconhecê-lo mais tempo.<br />

Chapetuba F.C. exami<strong>na</strong>, por <strong>de</strong>ntro, o mecanismo <strong>do</strong> esporte, engastan<strong>do</strong>-o<br />

no quadro amplo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social, que o condicio<strong>na</strong> e sem dúvi<strong>da</strong> lhe<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> as características. O texto transcen<strong>de</strong>, nesse caminho, as<br />

fronteiras <strong>da</strong> tipificação <strong>de</strong> um grupo humano, para situar-se como estu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong>sfavoreci<strong>da</strong>, em face <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m social injusta.<br />

Os vários joga<strong>do</strong>res, sem serem abstrações, simbolizam as diversas fases <strong>de</strong><br />

uma evolução, em que lutam <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente por sobreviver. E sabe-se<br />

com certeza, que o tempo os esmagará”. 316<br />

O crítico teatral <strong>de</strong>staca a inovação temática como o gran<strong>de</strong> diferencial <strong>de</strong><br />

Chapetuba, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que, pela primeira vez <strong>na</strong> história <strong>do</strong> <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, o<br />

futebol e seus perso<strong>na</strong>gens foram coloca<strong>do</strong>s em ce<strong>na</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, o texto <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong>,<br />

segun<strong>do</strong> o crítico, cumpria um papel muito significativo <strong>na</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, não<br />

ape<strong>na</strong>s por enfocar um assunto pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, mas, principalmente<br />

porque <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>, com a vitória <strong>do</strong> Brasil <strong>na</strong> copa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1958, o futebol<br />

havia se tor<strong>na</strong><strong>do</strong> um <strong>do</strong>s temas mais presentes <strong>na</strong> agen<strong>da</strong> social <strong>do</strong> país.<br />

Além disso, Magaldi <strong>de</strong>staca o fato <strong>de</strong> que o autor, ao procurar relacio<strong>na</strong>r o<br />

futebol aos mecanismos sociais que o condicio<strong>na</strong>m, ampliava o espectro <strong>da</strong>s discussões<br />

propostas pelo texto, que tratava não ape<strong>na</strong>s <strong>do</strong> esporte que se tor<strong>na</strong>va a paixão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

como também colocava em <strong>de</strong>staque as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>sfavoreci<strong>do</strong>s às voltas<br />

com as injustiças sociais.<br />

315 PATRIOTA, R. Vianinha: um dramaturgo no coração <strong>de</strong> seu tempo, p. 58.<br />

316 MAGALDI, 2001, p. 35.


155<br />

A crítica Bárbara Helio<strong>do</strong>ra centrou seus comentários <strong>na</strong> análise <strong>da</strong> peça<br />

propriamente dita:<br />

“Entremos, então, nos méritos <strong>da</strong> escolha <strong>do</strong> autor <strong>de</strong> seu tema e <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s como <strong>do</strong> aproveitamento dramático <strong>do</strong> mesmo. Pois foi<br />

exatamente aqui que nos parece ter si<strong>do</strong> particularmente feliz o autor: não<br />

só o clima <strong>de</strong> uma disputa <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> campeo<strong>na</strong>to <strong>de</strong> futebol traz em si<br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s dramáticas <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m para o estabelecimento <strong>de</strong> um<br />

conflito teatral realista, que ten<strong>de</strong> a pren<strong>de</strong>r efetivamente a atenção <strong>de</strong> uma<br />

platéia, como também o tipo <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong>bati<strong>do</strong>s à base <strong>do</strong> tema futebol,<br />

ultrapassam sua significação específica para atingir significação muito<br />

mais ampla e genérica, não restrita aos inci<strong>de</strong>ntes apresenta<strong>do</strong>s no palco.<br />

Em sua concepção geral, portanto, Chapetuba F. C., nos parece<br />

integralmente satisfatória. (...) O segun<strong>do</strong> ato é o ponto alto <strong>da</strong> peça porque<br />

nele encontra-se um equilíbrio entre forma e conteú<strong>do</strong>, entre conflito e<br />

atmosfera, entre futebol e o problema humano; o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dramático <strong>do</strong>s problemas individuais e <strong>de</strong> conjunto são di<strong>na</strong>micamente<br />

conduzi<strong>do</strong>s com correspondência justa entre diálogo e ação”. 317<br />

Paulo Francis <strong>de</strong>stacou a caracterização em Chapetuba, observan<strong>do</strong> que o maior<br />

trunfo <strong>do</strong> texto se constituiu, ao mesmo tempo, em sua fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental,<br />

“(...) há uma autentici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tipificação que quase distrai o expecta<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

peça. Ele, o especta<strong>do</strong>r, fica tão surpreendi<strong>do</strong> <strong>de</strong> encontrar em ce<strong>na</strong> gente<br />

que viu, talvez, faz poucos instantes, <strong>na</strong> rua, que corre o risco <strong>de</strong> não se<br />

interessar pelo resto, isto é pela peça. Seria um erro <strong>de</strong> sua parte... Assim, o<br />

texto é conceitualmente exato <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista político e social <strong>do</strong><br />

autor. Ninguém, ao que eu saiba, escreveu sobre futebol com tanta<br />

percepção até hoje entre nós. É uma percepção que se esten<strong>de</strong> ao linguajar<br />

apanha<strong>do</strong> <strong>na</strong> rua, organiza<strong>do</strong> sobre uma base popular tão complexa <strong>de</strong><br />

maneiras e costumes, que abrangem uma pensão e um vestiário <strong>de</strong> campo<br />

no interior <strong>do</strong> país. O especta<strong>do</strong>r não precisa <strong>de</strong> mapa para saber que está<br />

no Brasil”. 318<br />

Após a exposição <strong>da</strong>s análises <strong>do</strong>s críticos acerca <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube,<br />

não obstante às suas ressalvas em relação aos aspectos relativos à construção dramática<br />

<strong>do</strong> texto, atribuí<strong>do</strong>s a pouca i<strong>da</strong><strong>de</strong> e, consequentemente, à inexperiência <strong>do</strong> autor,<br />

concluímos que a peça obteve uma boa aceitação no cenário <strong>da</strong> crítica teatral,<br />

principalmente no que tange a inovação temática e ao fato <strong>de</strong> ser tratar <strong>de</strong> um texto<br />

eminentemente liga<strong>do</strong> à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira.<br />

317 HELIODORA, B. O futebol como tema dramático. Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Brasil, RJ, 6/2/1960.<br />

318 FRANCIS, P. In: PEIXOTO, 1983, p. 43.


156<br />

Dessa maneira, fica evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> que a crítica respal<strong>da</strong>va o intenso trabalho <strong>de</strong><br />

pesquisa <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, realiza<strong>do</strong> nos Seminários <strong>de</strong> Dramaturgia em busca <strong>da</strong><br />

construção <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Nesse senti<strong>do</strong>, esta reflexão <strong>de</strong> Augusto Boal<br />

é eluci<strong>da</strong>tiva:<br />

“Creio que o maior valor <strong>de</strong> Chapetuba esteja nessa sua característica <strong>de</strong><br />

marco histórico. Além <strong>do</strong> assunto: trazer o futebol para o palco. Porque<br />

ten<strong>do</strong> as fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> um primeiro trabalho, trazia os traços <strong>de</strong>finitivos<br />

<strong>de</strong> uma peça que aju<strong>do</strong>u a renovar o nosso <strong>teatro</strong>. Ela carrega as<br />

preocupações mais dura<strong>do</strong>uras <strong>do</strong> autor, que consi<strong>de</strong>rava importante a<br />

<strong>de</strong>núncia, mas que nunca se satisfaz ape<strong>na</strong>s em <strong>de</strong>nunciar. Um autor<br />

preocupa<strong>do</strong> — mais <strong>do</strong> que qualquer outro entre nós — com a origem <strong>da</strong>s<br />

“falhas” que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m os conflitos <strong>de</strong> seus perso<strong>na</strong>gens, uma galeria <strong>de</strong><br />

tortura<strong>do</strong>s consigo mesmos. Maranhão e Durval são ape<strong>na</strong>s os primeiros<br />

<strong>de</strong>ssa galeria. Os <strong>do</strong>is chegam a carregar um certo “segre<strong>do</strong>”,<br />

particularmente Maranhão, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> não revelarem muito abertamente<br />

a razão <strong>de</strong> suas falhas. Nem para si mesmos. Vian<strong>na</strong> quis <strong>da</strong>r-llhes a<br />

inconsciência <strong>de</strong> suas limitações. Sabem que falharam, sofrem por isso, mas<br />

não sabem como resolver. (...) Uma característica <strong>do</strong> homem preocupa<strong>do</strong><br />

profun<strong>da</strong>mente com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, com as limitações, com os obstáculos<br />

que o homem <strong>brasil</strong>eiro encontra para levar a cabo com êxito a sua<br />

libertação política e social. 319<br />

Para concluir, consi<strong>de</strong>ramos importante ressaltar estas palavras <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong> acerca<br />

<strong>do</strong> papel exerci<strong>do</strong> por Black-Tie e Chapetuba,<br />

319 BOAL, A. In: MICHALSKI, 1981, p.85.<br />

320 VIANNA FILHO. In: MICHALSKI, p. 82.<br />

“Black-tie e Chapetuba, apresenta<strong>da</strong>s no Rio <strong>de</strong> Janeiro, já fizeram<br />

tempora<strong>da</strong> paulista e a diferença entre os resulta<strong>do</strong>s artístico e fi<strong>na</strong>nceiro,<br />

pronuncia<strong>da</strong>mente favorável a Eles Não Usam Black-Tie, fornece bom<br />

material para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s relações que se estabelecem entre o <strong>teatro</strong> e a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. Duas peças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, <strong>de</strong> autores surgi<strong>do</strong>s no mesmo<br />

movimento, abor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> fatos sociais, fixan<strong>do</strong> idêntica temática <strong>de</strong> traição,<br />

monta<strong>da</strong>s imediatamente uma após a outra, com níti<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

melhor, pior! Na<strong>da</strong> <strong>de</strong> tão bom para uma <strong>de</strong>finição que ain<strong>da</strong> se ensaia. (...)<br />

O movimento que hoje saco<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as companhias acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>teatro</strong><br />

<strong>brasil</strong>eiro, forçan<strong>do</strong> a fixação <strong>de</strong> linhas ca<strong>da</strong> vez menos ”qualquer coisa<br />

serve”, não surgiu isola<strong>do</strong> e lampeiro. Nos parece reflexo bastante imediato<br />

e mecânico <strong>da</strong> modificação que sofrem as bases sociais <strong>do</strong> país: à atitu<strong>de</strong><br />

cria<strong>do</strong>ra que ca<strong>da</strong> vez mais caracteriza to<strong>do</strong> nosso pensamento político,<br />

<strong>de</strong>verá correspon<strong>de</strong>r uma cria<strong>do</strong>ra atitu<strong>de</strong> no <strong>teatro</strong>, que recebe com<br />

violência os golpes imediatos <strong>do</strong>s fatos, estan<strong>do</strong> em estreito contato artístico<br />

e fi<strong>na</strong>nceiro com platéias que, como nunca talvez, exigem o <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> sua<br />

própria condição, a fun<strong>da</strong>mentação <strong>de</strong> seus objetivos e <strong>de</strong> sua filosofia que<br />

vai sen<strong>do</strong> arrebanha<strong>da</strong> no dia a dia”. 320


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

157<br />

“O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento <strong>de</strong> um homem já morto, a contemplação <strong>da</strong> sua<br />

arte, a realização <strong>do</strong> seu objetivo político, a vivi<strong>da</strong> recor<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> seu ‘seraí’,<br />

são instâncias <strong>do</strong> ‘cui<strong>da</strong><strong>do</strong>’ que são totalmente típicas <strong>do</strong> Dasein.<br />

Mostram como a morte <strong>de</strong> um indivíduo é muito frequentemente uma<br />

modulação em direção à ressurreição <strong>na</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>na</strong> memória <strong>de</strong><br />

outros homens.”<br />

George Steiner<br />

A <strong>de</strong>mocracia <strong>brasil</strong>eira, no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1945 a 1964, representou um perío<strong>do</strong><br />

muito rico em termos políticos, sociais e culturais. Nesse curto espaço <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong><br />

ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong>zenove anos, uma gran<strong>de</strong> parcela <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com o<br />

chama<strong>do</strong> projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-estatista, inicia<strong>do</strong> no país a partir <strong>de</strong> 1930 por Getúlio Vargas,<br />

compartilhou sonhos, crenças, projetos, dúvi<strong>da</strong>s e certezas, e mais <strong>do</strong> que em qualquer<br />

outra época <strong>da</strong> nossa história, <strong>de</strong>positou gran<strong>de</strong>s esperanças <strong>na</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

transformações econômicas e sociais no país. Principalmente a partir <strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, que se abriu com o projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista preconiza<strong>do</strong><br />

pelo governo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek, a euforia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista tomou conta <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>brasil</strong>eira. O i<strong>de</strong>ário progressista, reformista e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista contagiava estu<strong>da</strong>ntes,<br />

trabalha<strong>do</strong>res, intelectuais, artistas, sindicalistas, comunistas, trabalhistas, enfim, to<strong>do</strong>s<br />

que se i<strong>de</strong>ntificavam com projeto <strong>de</strong> libertação social e econômica <strong>do</strong> Brasil.<br />

Havia um forte sentimento <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> social que agluti<strong>na</strong>va os mais<br />

diferentes grupos que compunham a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira. A atmosfera política e<br />

cultural <strong>do</strong> país se encontrava impreg<strong>na</strong><strong>da</strong> pelas i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> povo, liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A empolgação, o otimismo, a ênfase <strong>na</strong> ação, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

participação nos mais diversos projetos <strong>de</strong> transformação política, econômica, social e<br />

cultural <strong>do</strong> país, também compunham o imaginário <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>na</strong>quela


efervescente conjuntura <strong>de</strong> fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1960. De<br />

acor<strong>do</strong> com o dramaturgo Izaías Alma<strong>da</strong>, <strong>na</strong>queles tempos havia muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

as coisas, existia um forte sentimento <strong>de</strong> amor pelo país, um orgulho <strong>de</strong> ser <strong>brasil</strong>eiro,<br />

assim, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o dramaturgo:<br />

158<br />

“Eu comecei a participar ao mesmo tempo em política e em cultura, numa<br />

fase efervescente, em que eu queria participar, fazer alguma coisa. Era<br />

mesmo uma procura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural para o país: to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> gostava<br />

<strong>de</strong> ser <strong>brasil</strong>eiro porque a Bossa Nova, o Cinema Novo, o mun<strong>do</strong> inteiro<br />

conheceu. O Brasil ganhou a Palma <strong>de</strong> Ouro em Cannes, em 1962, com O<br />

paga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> promessas; o <strong>teatro</strong> estava sempre cheio, aquilo <strong>da</strong>va uma<br />

alegria muito gran<strong>de</strong>. Havia um orgulho <strong>de</strong> ser <strong>brasil</strong>eiro <strong>na</strong>quele momento.<br />

Eu não <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ter esse orgulho, mas, hoje, estou muito machuca<strong>do</strong>, feri<strong>do</strong><br />

por uma série <strong>de</strong> coisas que aconteceram no país após esses anos. Então, foi<br />

um privilégio — retoman<strong>do</strong> o início — que hoje a gente vê com um pouco <strong>de</strong><br />

amargura, nostalgia, sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> muita coisa, por ver que o Brasil não<br />

aproveitou como <strong>de</strong>veria ter aproveita<strong>do</strong> esse boom <strong>de</strong> participação <strong>da</strong>s<br />

pessoas. (...) É claro que quan<strong>do</strong> eu falo isso, eu não sou passadista, eu não<br />

estou aqui dizen<strong>do</strong> que eu acho que o Brasil <strong>de</strong>via voltar a ser o que era<br />

(...). O espírito que favoreceu o florescimento <strong>da</strong>quela ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> política e<br />

cultural <strong>de</strong>via ser recupera<strong>do</strong> nos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> hoje, discuti<strong>do</strong> <strong>na</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

atual”. 321<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> entusiasmo com o Brasil, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> efervescência<br />

política e cultural, é que se encontra inseri<strong>do</strong> o surto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista que tomou conta <strong>do</strong><br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, a partir <strong>da</strong> estréia <strong>da</strong> peça Eles Não Usam Black-Tie, <strong>de</strong><br />

Gianfrancesco Guarnieri, em fevereiro <strong>de</strong> 1958. Nessa perspectiva, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua criação em 1953, por José Re<strong>na</strong>to, pela sua estética inova<strong>do</strong>ra – palco em<br />

Are<strong>na</strong> –, pela sua forma <strong>de</strong> organização não empresarial – funcio<strong>na</strong>va em sistema <strong>de</strong><br />

cooperativa, pelo tipo <strong>de</strong> público que o freqüentava, classe média, estu<strong>da</strong>ntes –, já se<br />

configurava como um <strong>teatro</strong> anti-tebeciano, e seus espetáculos eram ence<strong>na</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma<br />

forma totalmente diferencia<strong>da</strong> <strong>do</strong>s luxuosos espetáculos <strong>do</strong> TBC.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>da</strong>s inovações acima mencio<strong>na</strong><strong>da</strong>s, foi somente a partir <strong>de</strong> 1956,<br />

quan<strong>do</strong> o Are<strong>na</strong> se fundiu com o TPE, e com a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> Augusto Boal, no mesmo<br />

ano, que começaram a ser discuti<strong>da</strong>s no Are<strong>na</strong> novas propostas <strong>de</strong> atuação. Os<br />

321 ALMADA, Izaías. In: RIDENTI, 2000, p.39.


integrantes <strong>do</strong> TPE, que eram jovens militantes <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> comunista, Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong><br />

Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Vera Gertel, trouxeram para o Are<strong>na</strong> as preocupações<br />

<strong>de</strong> vincular a arte à política, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que concebiam o fazer artístico como<br />

instrumento <strong>de</strong> conscientização e mobilização social. Sen<strong>do</strong> assim, enquanto o TPE<br />

introduziu as discussões políticas no Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, a contribuição para o grupo, <strong>de</strong><br />

Augusto Boal, recém-chega<strong>do</strong> <strong>do</strong>s EUA, após ter feito um curso no Actor’s Studio,<br />

consistiu <strong>na</strong> criação <strong>de</strong> um Laboratório <strong>de</strong> Interpretação e nos ensi<strong>na</strong>mentos <strong>do</strong> méto<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Stanislawsky que passou a ser muito estu<strong>da</strong><strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o grupo.<br />

159<br />

No entanto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s principais integrantes <strong>do</strong> Teatro<br />

<strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, embora houvesse no grupo um enorme <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se produzir uma dramaturgia<br />

<strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> político e social, que retratasse a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, esse projeto só veio a<br />

se consubstanciar a partir <strong>da</strong> ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Black-Tie, em 1958. No perío<strong>do</strong> anterior ao<br />

<strong>da</strong> estréia <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Guarnieri, o Are<strong>na</strong> estava à beira <strong>da</strong> falência, e essa seria a última<br />

peça que a ser produzi<strong>da</strong> pela companhia, antes <strong>do</strong> seu fechamento, que já estava<br />

<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> pelo seu diretor, José Re<strong>na</strong>to.<br />

Contu<strong>do</strong>, Black-Tie, em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> enorme aceitação e sintonia que obteve<br />

junto ao público e a crítica, veio a se constituir no símbolo <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> dramaturgia<br />

<strong>brasil</strong>eira no século XX e redimensionou o trabalho <strong>do</strong> grupo, cujos integrantes, com<br />

muito entusiasmo, agluti<strong>na</strong>ram-se em torno <strong>do</strong> projeto e <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se<br />

produzir no Are<strong>na</strong> uma dramaturgia <strong>de</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que retratasse o cotidiano <strong>da</strong>s<br />

cama<strong>da</strong>s populares <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira, tanto urba<strong>na</strong>s quanto rurais.<br />

To<strong>da</strong>via, como já <strong>de</strong>stacamos anteriormente, a condição adquiri<strong>da</strong> por Black-Tie,<br />

<strong>de</strong> símbolo <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, encontra-se muito mais relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> à receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que obteve <strong>do</strong> público <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, composto principalmente por estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> classe<br />

média, <strong>do</strong> que em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong> propriamente dito. Desse mo<strong>do</strong>, por se


constituir <strong>na</strong> primeira peça que trouxe ao palco os conflitos <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong><br />

trabalha<strong>do</strong>res que morava em uma favela <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, estabeleceu uma enorme<br />

sintonia com o público e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Rosangela Patriota, se transformou <strong>na</strong><br />

representação <strong>de</strong> um país que precisava ser ca<strong>da</strong> vez mais pensa<strong>do</strong> e discuti<strong>do</strong>, e, nesse<br />

contexto, essa peça se tornou emblemática <strong>da</strong> euforia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista que permeava os<br />

intensos <strong>de</strong>bates políticos e culturais que ocorriam no país durante aqueles anos. 322<br />

160<br />

Sen<strong>do</strong> assim, ao contrário <strong>do</strong> que sugere o texto <strong>de</strong> Boal, “Etapas <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>”, o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, inicia<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, não ocorreu <strong>de</strong> forma linear e <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong> a priori, como se tu<strong>do</strong> já estivesse<br />

si<strong>do</strong> planeja<strong>do</strong>, mas ao contrário, foi fruto <strong>de</strong> um processo, permea<strong>do</strong> por múltiplas<br />

variantes, que emergiram <strong>da</strong>s memórias <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> em seus <strong>de</strong>poimentos,<br />

<strong>de</strong> maneira diferencia<strong>da</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as expectativas que ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>positava no<br />

processo vivencia<strong>do</strong> por eles, <strong>na</strong>quele perío<strong>do</strong>. 323<br />

Nessa perspectiva, por meio <strong>da</strong> recuperação <strong>do</strong>s fragmentos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

Guarnieri, <strong>de</strong>tectamos que as referências que o inspiraram para escrever Black-Tie estão<br />

relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s às suas vivências <strong>de</strong> infância, como também às suas experiências no<br />

movimento estu<strong>da</strong>ntil e no TPE, on<strong>de</strong> conviveu e apren<strong>de</strong>u muito com o experiente<br />

dramaturgo e diretor italiano Ruggero Jacobbi.<br />

Conseqüentemente, após a euforia que tomou conta <strong>do</strong> Are<strong>na</strong> com o sucesso <strong>de</strong><br />

Black-Tie, a companhia criou o Seminário <strong>de</strong> Dramaturgia, com a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fornecer subsídios teóricos ao grupo, que possibilitassem as condições para que não<br />

ape<strong>na</strong>s os integrantes <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, mas to<strong>do</strong>s aqueles que estivessem participan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Seminário, pu<strong>de</strong>ssem confeccio<strong>na</strong>r peças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Sen<strong>do</strong> assim, como atestamos por<br />

meio <strong>da</strong> recuperação <strong>de</strong> trechos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>poimentos <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, o Seminário<br />

322 PATRIOTA, 2002, p. 117.<br />

323 PATRIOTA, 2001, p. 171.


<strong>de</strong> Dramaturgia ocorreu após a estréia <strong>de</strong> Black-Tie, constituin<strong>do</strong>-se como fruto <strong>do</strong><br />

redimensio<strong>na</strong>mento <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Are<strong>na</strong>, a partir <strong>do</strong> sucesso alcança<strong>do</strong> pela peça <strong>de</strong><br />

Guarnieri, e não antes, como consta no artigo <strong>de</strong> Boal, ou seja, não foi o Seminário que<br />

incentivou a confecção <strong>de</strong> Black-Tie, mas, ao contrário, foi o estímulo que o Are<strong>na</strong><br />

obteve com a ence<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Black-Tie que possibilitou as condições para a criação <strong>do</strong><br />

Seminário. 324 Nessa perspectiva, as peças escritas pelos participantes <strong>do</strong> Seminário em<br />

uma estética realista retratavam temas e perso<strong>na</strong>gens oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s subalter<strong>na</strong>s<br />

<strong>da</strong> população, tanto urba<strong>na</strong>s quanto rurais.<br />

161<br />

No que tange às peças a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s neste estu<strong>do</strong>, Black-Tie e Chapetuba, ambas<br />

são consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s marcos históricos <strong>da</strong> dramaturgia e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> 1950: <strong>da</strong> dramaturgia, por inovarem a ce<strong>na</strong>, enfocan<strong>do</strong> o cotidiano <strong>de</strong> grupos<br />

pertencentes às cama<strong>da</strong>s populares <strong>da</strong> população, isto é, seus problemas, angústias,<br />

alegrias, esperanças, expectativas, o que não ocorria no <strong>teatro</strong> <strong>brasil</strong>eiro, pois a maior<br />

parte <strong>do</strong>s espetáculos ence<strong>na</strong><strong>do</strong>s no país era <strong>de</strong> autores estrangeiros e dirigi<strong>do</strong>s por<br />

diretores estrangeiros; e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, por representarem os anseios e os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> um<br />

número significativo <strong>de</strong> homens e mulheres que sonhavam em integrar povo e <strong>na</strong>ção, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> implantar no Brasil um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sedimenta<strong>do</strong> nos i<strong>de</strong>ais<br />

<strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> social.<br />

Nesse contexto, essas duas peças simbolizam o imaginário <strong>do</strong>s setores<br />

progressistas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong>quele perío<strong>do</strong>, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que o tema central<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is textos gira em torno <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> organização e <strong>da</strong> mobilização <strong>da</strong> classe<br />

trabalha<strong>do</strong>ra, que contribuiriam para o fortalecimento <strong>de</strong> sua consciência <strong>de</strong> classe. E,<br />

embora em Chapetuba esse tema não estivesse tão explicita<strong>do</strong> quanto em Black-Tie, o<br />

texto <strong>de</strong> Vian<strong>na</strong> <strong>de</strong>nuncia claramente os aspectos negativos <strong>da</strong>s opções individualistas<br />

324 GUARNIERI, 1981, p. 68.


<strong>do</strong>s joga<strong>do</strong>res Maranhão e Durval, que foram as responsáveis pela <strong>de</strong>rrota <strong>do</strong> Chapetuba<br />

e, conseqüentemente, pelo enfraquecimento <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

viviam.<br />

162<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Guarnieri e Vianinha objetivavam, por meio <strong>de</strong> seus trabalhos,<br />

contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> conscientização <strong>da</strong> classe trabalha<strong>do</strong>ra, pois como<br />

homens <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> e militantes <strong>do</strong> PCB, acreditavam <strong>na</strong>quela conjuntura, <strong>na</strong><br />

viabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> revolução <strong>de</strong>mocrático-burguesa <strong>de</strong> caráter antiimperialista, antifeu<strong>da</strong>l,<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e <strong>de</strong>mocrática, preconiza<strong>da</strong> não ape<strong>na</strong>s pelo PCB mas também pelo ISEB,<br />

com o qual eles mantinham diálogo.<br />

Contu<strong>do</strong>, embora as duas peças a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s nesse estu<strong>do</strong>, não tivessem si<strong>do</strong><br />

escritas com o propósito explícito <strong>de</strong> divulgar o i<strong>de</strong>ário <strong>do</strong> PCB e <strong>do</strong> ISEB, a aliança <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os setores progressistas interessa<strong>do</strong>s <strong>na</strong> implementação <strong>da</strong>s reformas econômicas<br />

e sociais, preconiza<strong>da</strong> por essas duas enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, constitui-se <strong>na</strong> mensagem <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

textos, que retratam a importância <strong>da</strong> união e <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> entre as classes sociais,<br />

cujos interesses fossem comuns para a obtenção <strong>do</strong>s seus objetivos, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> a<br />

toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> posições individualistas em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> coletivo, que levam ao fracasso <strong>do</strong><br />

grupo.<br />

Nessa perspectiva, a proposta que permeava gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong>s representações <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong> <strong>da</strong> época residia <strong>na</strong> importância <strong>do</strong>s setores progressistas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> –<br />

trabalha<strong>do</strong>res, classes médias, burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e, até mesmo, os latifundiários que<br />

tivessem interesses contrários aos <strong>do</strong>s setores imperialistas, <strong>de</strong> promoverem a união<br />

contra o inimigo comum, representa<strong>do</strong> pelo capital estrangeiro e os segmentos a eles<br />

associa<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> assim, a ban<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> união <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s com os<br />

interesses <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is se constituía em uma <strong>da</strong>s principais propostas preconiza<strong>da</strong>s pela<br />

i<strong>de</strong>ologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista durante as déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1950 e 1960, e as duas


primeiras peças que se tor<strong>na</strong>ram representativas <strong>da</strong> dramaturgia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong>, Black-Tie e Chapetuba, tinham como tema central a <strong>de</strong>núncia <strong>da</strong>s posições<br />

individualistas e, em contraparti<strong>da</strong>, a <strong>de</strong>fesa contun<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> posturas<br />

coletivas como condição primordial para o fortalecimento social e, conseqüentemente,<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

163<br />

Sen<strong>do</strong> assim, a esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira preconizava uma aliança com as cama<strong>da</strong>s<br />

populares em suas lutas pela emancipação <strong>do</strong> país. Como já foi ressalta<strong>do</strong>, as utopias<br />

românticas revolucionárias <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950 se constituíam em uma alter<strong>na</strong>tiva à<br />

mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalista, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que buscavam a construção <strong>de</strong> uma nova<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> homem os camponeses, os habitantes <strong>da</strong>s favelas e <strong>do</strong><br />

interior, enfim, os trabalha<strong>do</strong>res, como os puros operários <strong>de</strong> Guarnieri e os ingênuos<br />

joga<strong>do</strong>res <strong>de</strong> futebol <strong>de</strong> Vianinha.<br />

Em última instância, po<strong>de</strong>mos verificar que as utopias expressas em Black-Tie e<br />

em Chapetuba se tor<strong>na</strong>ram símbolo <strong>do</strong> projeto estético e político <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong><br />

São Paulo em fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> cinqïenta no Brasil. Esse projeto se consubstanciava <strong>na</strong><br />

busca <strong>da</strong> confecção <strong>de</strong> uma dramaturgia que colocasse em ce<strong>na</strong> temas liga<strong>do</strong>s às<br />

experiências e aos valores <strong>da</strong>s classes trabalha<strong>do</strong>res, para que o <strong>teatro</strong> pu<strong>de</strong>sse chegar ao<br />

povo e, conseqüentemente, se transformasse em um instrumento que auxiliasse <strong>na</strong><br />

emancipação <strong>de</strong>ste povo.<br />

Conseqüentemente, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> possuir uma<br />

trajetória diversifica<strong>da</strong>, com ence<strong>na</strong>ções tanto <strong>de</strong> autores <strong>brasil</strong>eiros quanto estrangeiros,<br />

através <strong>de</strong> Black-Tie e Chapetuba, consagrou-se como a companhia i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com o<br />

texto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e, portanto, em sintonia com as utopias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-reformistas <strong>da</strong>quele<br />

perío<strong>do</strong>. Nesse contexto, o lugar ocupa<strong>do</strong> pelo Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong>, como companhia<br />

símbolo <strong>da</strong> dramaturgia <strong>brasil</strong>eira, encontra sua justificativa, muito mais no âmbito <strong>da</strong>


ecepção <strong>do</strong> seu trabalho, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que seus contemporâneos alçaram o grupo<br />

nessa posição, a partir <strong>de</strong> seus anseios estéticos e políticos. 325<br />

164<br />

Desta maneira, as utopias <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira se imbricavam com as utopias<br />

<strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> que acreditavam que através <strong>de</strong> seus trabalhos<br />

po<strong>de</strong>riam cumprir o seu papel <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, contribuin<strong>do</strong><br />

para o processo <strong>de</strong> conscientização <strong>da</strong>s massas populares <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>do</strong> campo, em suas<br />

lutas contra a exploração e a miséria às quais se encontravam submeti<strong>da</strong>s. Nessa<br />

perspectiva, a arte ape<strong>na</strong>s fazia senti<strong>do</strong> para os principais integrantes <strong>do</strong> Teatro <strong>de</strong><br />

Are<strong>na</strong> se estivesse liga<strong>da</strong> à trajetória huma<strong>na</strong>, às lutas e conquistas <strong>do</strong>s homens,<br />

contribuin<strong>do</strong> para libertá-los <strong>da</strong>s opressões e injustiças sociais.<br />

De acor<strong>do</strong> com Vianinha, antes <strong>de</strong> ser um homem, o artista é um artista, e não<br />

po<strong>de</strong> se eximir <strong>da</strong> sua tarefa <strong>de</strong> contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento cultural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>na</strong> qual se encontra inseri<strong>do</strong>, isto é, para Vianinha, a arte tinha que ser feita com<br />

responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Também para Guarnieri era fun<strong>da</strong>mental o artista se <strong>de</strong>finir, isto é, ter<br />

ple<strong>na</strong> consciência <strong>da</strong>s mensagens que transmitia por meio <strong>de</strong> seus trabalhos. 326<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Guarnieri e Vian<strong>na</strong>, como homens <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>, e em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>da</strong>s experiências que tiveram no movimento estu<strong>da</strong>ntil e no TPE antes <strong>de</strong> entrarem para<br />

o Are<strong>na</strong>, acreditavam, como seu mestre Ruggero Jacobbi, que o tripé arte, vi<strong>da</strong> e<br />

história, não po<strong>de</strong>ria se separar, e, nesse senti<strong>do</strong>, instrumentalizaram seus trabalhos e<br />

lutaram ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais setores <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>brasil</strong>eira para a realização <strong>da</strong> revolução<br />

<strong>de</strong>mocrático-burguesa que acreditavam que se encontrava em curso, e que libertaria o<br />

país <strong>do</strong> imperialismo norte-americano e <strong>do</strong>s grupos que o apoiavam.<br />

Nesse contexto, por acreditarem neste projeto revolucionário <strong>de</strong> transformação<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira em direção à consoli<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

325 PATRIOTA, 2002, p.112.<br />

326 PEIXOTO, 1983, p. 54.


alicerça<strong>do</strong> <strong>na</strong> justiça social, no distributivismo, <strong>na</strong> soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, no fortalecimento<br />

<strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong> economia, o Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> se envolveu, junto com os <strong>de</strong>mais<br />

setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira e enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s artísticas liga<strong>do</strong>s aos segmentos progressistas<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>na</strong>s múltiplas lutas políticas, culturais e sociais que pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ram no<br />

Brasil <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, e que se acirraram no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1960; e acabaram<br />

sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>s pelo golpe civil-militar <strong>de</strong> 1964, sofren<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as conseqüências<br />

advin<strong>da</strong>s <strong>de</strong>sse movimento, como prisões, torturas, exílios, assassi<strong>na</strong>tos, censura e to<strong>da</strong><br />

sorte <strong>de</strong> arbitrarie<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

165<br />

Contu<strong>do</strong>, após um longo refluxo <strong>do</strong> projeto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-<strong>de</strong>senvolvimentista, as<br />

tradições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas, estatistas, trabalhistas e <strong>de</strong>senvolvimentistas <strong>do</strong>s anos cinqüenta<br />

voltam a surgir com muita vitali<strong>da</strong><strong>de</strong> nos tempos atuais. Nesse senti<strong>do</strong>, a sobrevivência,<br />

como também a força <strong>de</strong>ssas idéias, resi<strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mentalmente no fato <strong>de</strong> que se<br />

constituíram em experiências historicamente compartilha<strong>da</strong>s, e <strong>de</strong> maneira muito<br />

intensa, durante o perío<strong>do</strong> anterior a 1964. 327<br />

Nessa perspectiva, as utopias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas se encontram presentes <strong>na</strong>s lutas pela<br />

reforma agrária, <strong>na</strong>s reivindicações por educação e saú<strong>de</strong> públicas <strong>de</strong> boa quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>na</strong><br />

rejeição em relação às políticas <strong>de</strong> privatização indiscrimi<strong>na</strong><strong>da</strong>s, e, portanto, no apoio à<br />

manutenção <strong>da</strong>s empresas estatais em setores estratégicos, <strong>na</strong> luta pela segurança <strong>do</strong><br />

emprego e pela manutenção e ampliação <strong>do</strong>s benefícios sociais, <strong>na</strong>s <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s pela<br />

soberania <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, assim como por uma posição autônoma frente ao Fun<strong>do</strong> Monetário<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, no clamor pelos programas <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, <strong>na</strong>s reivindicações<br />

por salários que garantam uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> para o trabalha<strong>do</strong>r, <strong>na</strong>s <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s pela<br />

regularização e discipli<strong>na</strong>rização <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s, pelo fortalecimento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público<br />

frente às ambições <strong>de</strong>smedi<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s grupos priva<strong>do</strong>s, no fortalecimento <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

327 FERREIRA, 2005, p.382.


esquer<strong>da</strong>, como também <strong>na</strong> vitória, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res políticos liga<strong>do</strong>s ao<br />

universo <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-estatismo e, conseqüentemente, às utopias <strong>do</strong>s trabalhistas e<br />

comunistas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. E, nesse senti<strong>do</strong>, como ressalta Jorge Ferreira, não é por acaso<br />

que elas são qualifica<strong>da</strong>s pelo pensamento liberal <strong>brasil</strong>eiro, <strong>de</strong> retrógra<strong>da</strong>s, atrasa<strong>da</strong>s,<br />

arcaicas, xenófobas, irracio<strong>na</strong>is, e no limite, populistas. 328<br />

328 FERREIRA, 2005, p. 382.<br />

166


ICONOGRAFIA<br />

Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Arquivo Fu<strong>na</strong>rte<br />

167


Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

168


Gianfrancesco Guarnieri no <strong>de</strong>poimento para o SNT a 18/021978, no Teatro<br />

Anchieta, São Paulo. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

169


Lélia Abramo, Miriam Mehler e Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho em Eles Não Usam Black-Tie, <strong>de</strong> Gianfrancesco<br />

Guarnieri. Direção <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

170


Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, Miriam Mehler e Flávio Migliaccio em Eles Não Usam Black-<br />

Tie <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri. Direção <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

171


172<br />

Ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> Gianfrancesco Guarnieri e Eugênio Kusnet em Eles Não Usam Black-Tie <strong>de</strong><br />

Gianfrancesco Guarnieri. Direção <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.


Lélia Abramo e Flavio Migliaccio em Eles Não Usam Black-Tie <strong>de</strong> Gianfrancesco<br />

Guarnieri.Direção <strong>de</strong> José Re<strong>na</strong>to, Teatro <strong>de</strong> Are<strong>na</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

Flávio Migliaccio e Francisco <strong>de</strong> Assis em cartaz <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> Chapetuba Futebol<br />

Clube, <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, direção <strong>de</strong> Augusto Boal, 1959. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

173


Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

174


Francisco <strong>de</strong> Assis em Chapetuba Futebol Clube <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, direção <strong>de</strong><br />

Augusto Boal, 1959. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

175


Ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> Nelson Xavier, Xandó Batista e Milton Gonçalvez em Chapetuba Futebol<br />

Clube <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, direção <strong>de</strong> Augusto Boal, 1959. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

176


Ce<strong>na</strong> <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, direção <strong>de</strong> Augusto Boal,<br />

1959. Arquivo Fu<strong>na</strong>rte.<br />

177


LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS<br />

ANDES - Associação Nacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong>s Estu<strong>da</strong>ntes Secun<strong>da</strong>ristas<br />

CPC - Centro Popular <strong>de</strong> Cultura<br />

EAD - Escola <strong>de</strong> Arte Dramática<br />

ISEB - Instituto Superior <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Brasileiros<br />

JK - Juscelino Kubitschek<br />

MASP - Museu <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> São Paulo<br />

PC - Parti<strong>do</strong> Comunista<br />

PCB - Parti<strong>do</strong> Comunista Brasileiro<br />

PTB - Parti<strong>do</strong> Trabalhista Brasileiro<br />

SNT - Serviço Nacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Teatro<br />

TA - Teatro Ama<strong>do</strong>r<br />

TBC - Teatro Brasileiro <strong>de</strong> Comédia<br />

TNP - Théâtre Nacio<strong>na</strong>l Populaire<br />

TPE - Teatro Paulista <strong>do</strong> Estu<strong>da</strong>nte<br />

UFU - Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia<br />

UNE - União Nacio<strong>na</strong>l <strong>do</strong>s Estu<strong>da</strong>ntes<br />

178


CRONOLOGIA DOS ESPETÁCULOS DO ARENA<br />

1953 Esta noite é nossa (Stanford Duckens), ain<strong>da</strong> no MAM<br />

O <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> a<strong>de</strong>us (Tennessee Williams)<br />

Ju<strong>da</strong>s em Sába<strong>do</strong> De Aleluia (Martins Pe<strong>na</strong>)<br />

1954 Uma mulher e três palhaços (Marcel Achard)<br />

1955 A rosa <strong>do</strong>s ventos (Clau<strong>de</strong> Spaak)<br />

Escrever sobre mulheres (José Re<strong>na</strong>to)<br />

O prazer <strong>da</strong> honesti<strong>da</strong><strong>de</strong> (Luigi Piran<strong>de</strong>llo)<br />

Não se sabe como (Luigi Piran<strong>de</strong>llo)<br />

À margem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (Tennessee Williams)<br />

1956 Escola <strong>de</strong> mari<strong>do</strong>s (Moliéri)<br />

Julgue você (Pierre Conty)<br />

Dias felizes (Clau<strong>de</strong> André Pugget)<br />

Essas mulheres (M. Regnier e A. Gillois)<br />

Ratos e homens (John Steinbeck)<br />

1957 Mari<strong>do</strong> Magro, mulher chata (Augusto Boal)<br />

Enquanto eles forem felizes (Vernon Sylvain)<br />

Juno e o pavão (Sean O” Casey)<br />

Só o faraó tem alma (Silveira Sampaio)<br />

A faleci<strong>da</strong> senhora sua mãe (Georges Fey<strong>de</strong>au)<br />

Casal <strong>de</strong> velhos (Octave Mirabeau)<br />

1958 A mulher <strong>do</strong> outro (Sidney Howard)<br />

Eles não usam black-tie (Gianfrancesco Guarnieri)<br />

1959 Chapetuba Futebol Clube (Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho)<br />

Quarto <strong>de</strong> emprega<strong>da</strong> (Roberto Freire)<br />

Bilbao, via Copacaba<strong>na</strong>(Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho)<br />

Gente como a gente (Roberto Freire)<br />

A farsa <strong>da</strong> esposa perfeita (Edy Lima)<br />

1960 Fogo Frio (Benedito Rui Barbosa)<br />

Revolução <strong>na</strong> América <strong>do</strong> Sul (Augusto Boal)<br />

1961 Pintan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alegre (Flávio Migliaccio)<br />

O testamento <strong>do</strong> cangaceiro (Francisco <strong>de</strong> Assis)<br />

1962 Os fuzis <strong>da</strong> senhora Carrar (Bertold Brecht)<br />

A Mandrágora (Maquiavel)<br />

179


1963 O noviço (Martins Pe<strong>na</strong>)<br />

O melhor juiz, o rei (Lope <strong>da</strong> Veja)<br />

1964 O filho <strong>do</strong> cão (Gianfrancesco Guarnieri)<br />

Tartufo (Moliéri)<br />

1965 Are<strong>na</strong> conta Zumbi (Guarnieri e Boal)<br />

Esse mun<strong>do</strong> é meu (Sérgio Ricar<strong>do</strong>)<br />

Are<strong>na</strong> canta Bahia (Augusto Boal)<br />

Tempo <strong>de</strong> Guerra (Guarnieri e Boal)<br />

1966 O Inspetor geral (Nicolai Gogol)<br />

1967 Are<strong>na</strong> conta Tira<strong>de</strong>ntes (Guarnieri e Boal)<br />

O círculo <strong>do</strong> giz caucasiano (Bertold Brecht)<br />

A criação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> Ari Tole<strong>do</strong> (Ari Tole<strong>do</strong>)<br />

La Mosqueta (Ângelo Bcolco)<br />

180<br />

1968 Praça <strong>do</strong> Povo (Augusto Boal)<br />

Primeira Feira Paulista <strong>de</strong> Opinião (Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Plínio<br />

Marcos, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andra<strong>de</strong> e Augusto Boal)<br />

1969 O comportamento sexual <strong>de</strong> Ari Tole<strong>do</strong> (Ari Tole<strong>do</strong>)<br />

1970 Are<strong>na</strong> conta Bolívar (Augusto Boal)<br />

Um <strong>do</strong>is,três <strong>de</strong> Oliveira (Lafayette Galvão)<br />

O bravo sol<strong>da</strong><strong>do</strong> Schweik (Jeroslav Hasek)<br />

Teatro jor<strong>na</strong>l (criação coletiva)<br />

A resistível ascensão <strong>de</strong> Arturo Ui (Bertold Brecht)<br />

Doce Anérica, Latino América (criação coletiva). 329<br />

329<br />

Cronologia extraí<strong>da</strong> <strong>de</strong> “O registro <strong>do</strong>s Fatos” <strong>de</strong> Maria TherezaVargas. In: Revista Dionysos, 2005,<br />

p.7-29.


LIVROS E TESES<br />

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SEGATTO, José Antônio. PCB: a questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e a <strong>de</strong>mocracia. In: FERREIRA,<br />

Jorge e NEVES, Lucilia <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> (org.). O Brasil Republicano. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

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REVISTAS<br />

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Programa <strong>de</strong> Estréia <strong>de</strong> Chapetuba Futebol Clube.In: Chapetuba Futebol Clube.In:<br />

186<br />

MICHALSKI, Yan (org.). Teatro <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho, volume 1. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Ilha, 1981.<br />

Textos teóricos <strong>de</strong> Oduval<strong>do</strong> Vian<strong>na</strong> Filho<br />

PEIXOTO, Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong>. (org). Vianinha: <strong>teatro</strong> - televisão - política. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1983.<br />

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_______________.In: KHOURI, Simon. (org.). Atrás <strong>da</strong> Máscara I. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

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_____________.In: Depoimentos V. Rio <strong>de</strong> Janeiro: 1981. MEC-SEC-SNT, 1981.<br />

_____________.In: ROUX, Richard. Le Theatre Are<strong>na</strong> (São Paulo 1953 -1977).<br />

Provence: Université <strong>de</strong> Provence, 1991.<br />

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______________. O P.C.B. (1943/1964). São Paulo: Difel, 1982.<br />

______________. O P.C.B (1964/1962). São Paulo: Difel, 1982.<br />

PINTO, Álvaro Vieira. I<strong>de</strong>ologia e Desenvolvimento Nacio<strong>na</strong>l. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola<br />

Jor<strong>na</strong>is<br />

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Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo, 18/01/58, 26/02/58, 22/02/2000.<br />

Folha <strong>da</strong> Manhã, 07/02/58<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 27/09/81.<br />

Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Brasil, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 04/02/1958, 02/03/1958, 6/02/1960.<br />

O Globo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 01/03/1958.<br />

Tribu<strong>na</strong> <strong>da</strong> Imprensa, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 05/03/1959.<br />

Última Hora, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 01/02/1958.<br />

187

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