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O segredo do Bosque Velho - Cavalo de Ferro

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O <strong>segre<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong>


Dino Buzzati<br />

O <strong>segre<strong>do</strong></strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong><br />

Tradução <strong>do</strong> italiano<br />

Margarida Periquito


O <strong>segre<strong>do</strong></strong> <strong>do</strong> <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong> / Il segreto <strong>de</strong>l bosco vecchio<br />

Autor: Bino Buzzati<br />

© Dino Buzzati Estate.<br />

Publica<strong>do</strong> em Itália por Arnol<strong>do</strong> Monda<strong>do</strong>ri editore, Milão.<br />

Tradução: Margarida Periquito<br />

Revisão: Hel<strong>de</strong>r Guégués<br />

Capa e Paginação: Gabinete Gráfico <strong>Cavalo</strong> <strong>de</strong> <strong>Ferro</strong><br />

1.ª Edição, Março <strong>de</strong> 2006<br />

Impressão e Acabamento: MAP, Manuel A. Pacheco, Lda. Artes Gráficas<br />

Depósito Legal: 238 443/06<br />

ISBN: 989-623-012-9<br />

To<strong>do</strong>s os direitos para publicação<br />

em língua portuguesa reserva<strong>do</strong>s por:<br />

© <strong>Cavalo</strong> <strong>de</strong> <strong>Ferro</strong> Editores, Lda.<br />

Travessa <strong>do</strong>s Fiéis <strong>de</strong> Deus, 113<br />

1200-188 Lisboa<br />

Quan<strong>do</strong> não encontrar algum livro <strong>Cavalo</strong> <strong>de</strong> <strong>Ferro</strong> nas livrarias<br />

sugerimos que visite o nosso site<br />

www.cavalo<strong>de</strong>ferro.com<br />

Nenhuma parte <strong>de</strong>sta obra po<strong>de</strong>rá ser reproduzida<br />

sob qualquer forma ou por qualquer processo<br />

sem a autorização prévia e por escrito <strong>do</strong> editor,<br />

com excepção <strong>de</strong> excertos breves<br />

usa<strong>do</strong>s para apresentação e crítica da obra.


1<br />

Sabe-se que o coronel Sebastiano Procolo se veio estabelecer<br />

no Vale <strong>de</strong> Fon<strong>do</strong> na Primavera <strong>de</strong> 1925. Seu tio Antonio<br />

Morro tinha-lhe <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>, ao morrer, parte <strong>de</strong> uma enorme<br />

proprieda<strong>de</strong> florestal a <strong>de</strong>z quilómetros da povoação.<br />

A outra parte, muito maior, fora <strong>de</strong>ixada ao filho <strong>de</strong> um<br />

irmão já faleci<strong>do</strong> <strong>do</strong> oficial: Benvenuto Procolo, um rapaz <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>ze anos, órfão também <strong>de</strong> mãe, que vivia num colégio particular<br />

a pouca distância <strong>de</strong> Fon<strong>do</strong>.<br />

Até então, o tutor <strong>de</strong> Benvenuto tinha si<strong>do</strong> o tio-avô, Morro.<br />

A custódia <strong>do</strong> rapaz foi em seguida confiada ao coronel.<br />

Naquele tempo, e assim se manteve mais ou menos até ao<br />

fim, Sebastiano Procolo era um homem alto e magro, com um<br />

vistoso par <strong>de</strong> bigo<strong>de</strong>s brancos e uma força fora <strong>do</strong> comum,<br />

contan<strong>do</strong>-se até que era capaz <strong>de</strong> partir uma noz entre o indica<strong>do</strong>r<br />

e o polegar da mão esquerda (Procolo era canhoto).<br />

Quan<strong>do</strong> se aposentou <strong>do</strong> exército, os solda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu regimento<br />

<strong>de</strong>ram um suspiro <strong>de</strong> alívio, pois dificilmente se podia<br />

imaginar um comandante mais severo e meticuloso. A última<br />

vez que ele atravessou, para sair, o portão <strong>do</strong> quartel, a<br />

formação da guarda <strong>de</strong>u-se com especial celerida<strong>de</strong> e precisão,<br />

como não acontecia havia alguns anos; o trombeteiro,<br />

apesar <strong>de</strong> ser o melhor <strong>do</strong> regimento, superou-se realmente a


6 BUZZATI<br />

si próprio com três toques <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> que, pelo seu esplen<strong>do</strong>r,<br />

se tornaram notórios em toda a guarnição. E o coronel, com<br />

um ligeiro arqueamento <strong>do</strong>s lábios que podia parecer um sorriso<br />

[1] , <strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong> interpretar como um sinal <strong>de</strong> comovida<br />

<strong>de</strong>ferência aquilo que na realida<strong>de</strong> era uma manifestação<br />

<strong>de</strong> júbilo interior pela sua partida.<br />

[1] Nunca se viu no rosto <strong>de</strong> Procolo um sorriso <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. (N. <strong>do</strong> A.)


2<br />

O Morro, proprietário pacífico, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o homem mais<br />

rico <strong>do</strong> vale, não tinha explora<strong>do</strong> por aí além as suas proprieda<strong>de</strong>s.<br />

É certo que mandara abater muitas plantas, mas<br />

apenas numa zona restrita <strong>do</strong>s seus bosques. A floresta mais<br />

bela, apesar <strong>de</strong> menor, o chama<strong>do</strong> <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong>, tinha si<strong>do</strong><br />

totalmente respeitada. Lá se encontravam os abetos mais antigos<br />

da região, e talvez <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Durante centenas e centenas<br />

<strong>de</strong> anos não fora ali cortada uma única planta.<br />

O <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong> coubera em herança precisamente ao coronel,<br />

com uma casa que já fora residência <strong>do</strong> Morro e uma faixa<br />

<strong>de</strong> um outro terreno arboriza<strong>do</strong> que se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>finir<br />

como periferia.<br />

O Morro, como aliás toda a população <strong>do</strong> vale, tinha uma<br />

autêntica veneração por aquela floresta enorme, e antes <strong>de</strong><br />

morrer tentara, mas em vão, fazer com que fosse <strong>de</strong>clarada<br />

monumento nacional.<br />

Um mês após a sua morte, em reconhecimento <strong>do</strong>s seus méritos<br />

florestais, as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Fon<strong>do</strong> inauguraram, na clareira<br />

<strong>do</strong> bosque em que se situava a casa <strong>do</strong> Morro, uma estátua<br />

<strong>do</strong> faleci<strong>do</strong>, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira esculpida e pintada <strong>de</strong> cores vivas.<br />

To<strong>do</strong>s a acharam realmente parecida e magnífica. Mas<br />

quan<strong>do</strong>, na cerimónia inaugural, um ora<strong>do</strong>r disse: «... é justo,


8 BUZZATI<br />

pois, que da sua obra permaneça um sinal <strong>de</strong> lembrança<br />

imorre<strong>do</strong>uro», muitos <strong>do</strong>s presentes tocaram-se com os cotovelos,<br />

rin<strong>do</strong> à socapa: seis meses, mais coisa menos coisa, podia<br />

durar uma estátua como aquela, e <strong>de</strong>pois apodrecia.


3<br />

Foi Giovanni Aiuti, homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> que já tinha si<strong>do</strong><br />

caseiro <strong>do</strong> Morro, quem foi esperar o coronel Procolo à estação<br />

no dia da sua chegada, num automóvel <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo antigo.<br />

A primeira conversa não foi das mais cordiais. (Muitas<br />

vezes, <strong>de</strong>pois, o bom <strong>do</strong> Aiuti teve ocasião <strong>de</strong> se lamentar por<br />

ter-se talvez mostra<strong>do</strong> um boca<strong>do</strong> petulante naquela altura.)<br />

«Extraordinário!», disse ele ao coronel logo a seguir aos<br />

cumprimentos <strong>de</strong> apresentação. «O senhor sabe que é muito<br />

pareci<strong>do</strong> com o infeliz Morro? Tem o nariz mesmo igual.»<br />

«Ah sim?», perguntou o coronel.<br />

«Mesmo muito pareci<strong>do</strong>», explicou o Aiuti, «quase se diria<br />

que é ele mesmo, se não se soubesse...»<br />

«Aqui nesta terra é costume brincar, como me parece?»,<br />

disse o coronel, glacial.<br />

«Que exista <strong>de</strong> facto esse costume, não se po<strong>de</strong> dizer», respon<strong>de</strong>u<br />

o Aiuti, muito embaraça<strong>do</strong>; «mas <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong><br />

graceja-se... Valha-me Deus! Bagatelas sem importância.»<br />

De automóvel, dirigiram-se imediatamente à casa <strong>do</strong><br />

Morro. Nos <strong>do</strong>is primeiros quilómetros, a estrada corria por<br />

entre os campos <strong>do</strong> profun<strong>do</strong> vale; <strong>de</strong>pois subia através <strong>de</strong><br />

pradarias <strong>de</strong>spidas; a cerca <strong>de</strong> quatro quilómetros da casa começava<br />

a entrar no bosque, um bosque pouco espesso com


10 BUZZATI<br />

plantas altas mas enfezadas; a um quilómetro da chegada entrava<br />

num planalto, on<strong>de</strong> se abria uma ampla clareira. Dali se<br />

avistava, e ainda hoje se avista muito bem, o célebre <strong>Bosque</strong><br />

<strong>Velho</strong>, que se estendia entre <strong>do</strong>is montes em forma <strong>de</strong> cúpula<br />

e subia até ao cimo <strong>do</strong> vale. Sobre a colina mais distante<br />

sobressaía um gran<strong>de</strong> roche<strong>do</strong> amarelo, talvez com uns cem<br />

metros <strong>de</strong> altura, que se chamava o Corno <strong>do</strong> <strong>Velho</strong>; nu e corroí<strong>do</strong><br />

pelos anos, tinha um ar esquáli<strong>do</strong> que não atraía simpatias.<br />

Nessa primeira viagem, conforme contou <strong>de</strong>pois o Aiuti, o<br />

coronel encontrou motivo para se irritar três vezes.<br />

A primeira foi numa curva da estrada muito íngreme,<br />

pouco abaixo da clareira, on<strong>de</strong> o automóvel se <strong>de</strong>teve por falta<br />

<strong>de</strong> gasolina. O Aiuti conseguiu escon<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Procolo, pouco<br />

conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> motores <strong>de</strong> explosão, o verda<strong>de</strong>iro motivo<br />

por que o carro tinha para<strong>do</strong>. Disse que lhe acontecia sempre<br />

aquilo naquela subida, porque o automóvel era muito velho<br />

e não aguentava gran<strong>de</strong>s esforços [2] . O coronel, sem protestar,<br />

não disfarçou no entanto o seu <strong>de</strong>speito: «O Morro», perguntou,<br />

«como é que fazia?»<br />

«O Morro», respon<strong>de</strong>u o Aiuti, «tinha uma égua e um cabriolé.<br />

A égua, coisa estranhíssima, morreu precisamente no<br />

dia a seguir ao <strong>do</strong>no. Era um animal muito afeiçoa<strong>do</strong>.»<br />

A segunda irritação <strong>do</strong> coronel ocorreu aos pés <strong>de</strong> um<br />

gran<strong>de</strong> larício to<strong>do</strong> seco. Enquanto os <strong>do</strong>is avançavam a pé,<br />

ouvira-se um grito rouco vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> alto. Olhan<strong>do</strong> para cima,<br />

o Procolo vira, empoleira<strong>do</strong> num <strong>do</strong>s últimos ramos, um pássaro<br />

negro <strong>de</strong> notáveis dimensões.<br />

O Aiuti explicou que aquela era a velha pega guardiã, que<br />

o sau<strong>do</strong>so Morro tinha em gran<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração: estava pousada<br />

na planta <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong> noite, e quan<strong>do</strong> alguém passava<br />

pela estrada fazia ouvir o seu pio, para avisar quem se encontrava<br />

na casa. De facto, o grito ouvia-se mesmo a gran<strong>de</strong><br />

[2] Esta mentira obrigou <strong>de</strong>pois o Aiuti, nas viagens que a seguir fez sozinho, a parar o automóvel<br />

naquela subida e fazer a pé os últimos <strong>do</strong>is quilómetros e meio. De outro mo<strong>do</strong>,<br />

ter-se-ia <strong>de</strong>smascara<strong>do</strong>. (N. <strong>do</strong> A.)


O SEGREDO DO BOSQUE VELHO 11<br />

distância. A habilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pássaro consistia no facto <strong>de</strong> só<br />

emitir o seu grito <strong>de</strong> alarme no caso <strong>de</strong> alguém subir para a<br />

casa; aos que <strong>de</strong>sciam para o vale o bicho não dava importância.<br />

Por isso servia excelentemente <strong>de</strong> sentinela.<br />

O Procolo <strong>de</strong>clarou <strong>de</strong> imediato que aquele assunto não<br />

lhe agradava. Que confiança se podia ter em semelhante pássaro?<br />

Devia ter posto ali um homem, o tio, se queria ter sinais<br />

fiáveis. Além disso, o bicho com certeza <strong>do</strong>rmia; portanto,<br />

como é que podia exercer vigilância durante o sono? O<br />

Aiuti fez notar que a pega habitualmente <strong>do</strong>rmia com um<br />

olho aberto.<br />

«Basta, basta...», disse ainda o coronel Procolo pon<strong>do</strong> fim<br />

à discussão, e recomeçou a andar baten<strong>do</strong> com a bengala no<br />

chão, sem <strong>de</strong>itar sequer um olhar àquele bosque que começava<br />

a ser seu.<br />

O Procolo irritou-se pela terceira vez quan<strong>do</strong> chegou à<br />

casa. Era um edifício velho, bastante complica<strong>do</strong>, que podia<br />

até consi<strong>de</strong>rar-se pitoresco.<br />

A atenção <strong>do</strong> novo proprietário foi atraída primeiro que<br />

tu<strong>do</strong> por um cata-vento <strong>de</strong> ferro no cimo <strong>de</strong> uma chaminé.<br />

«Um ganso, parece-me, não é?», perguntou.<br />

O Aiuti admitiu que o cata-vento tinha precisamente a<br />

forma <strong>de</strong> um ganso; o Morro tinha-o manda<strong>do</strong> fazer haveria<br />

uns três anos.<br />

A propósito disso o coronel acrescentou que, em sua opinião,<br />

se impunham algumas alterações naquela casa.<br />

Por sorte veio um ligeiro sopro <strong>de</strong> vento, daqueles que quase<br />

nunca faltam nos bosques <strong>de</strong> uma certa extensão, e o coronel<br />

pô<strong>de</strong> verificar que o ganso, ao girar, não produzia o menor<br />

ruí<strong>do</strong>. Esta constatação pareceu tranquilizá-lo um pouco.<br />

Da casa saíra entretanto Vettore, o cria<strong>do</strong> <strong>do</strong> tio Morro,<br />

<strong>do</strong>s seus sessenta anos, anuncian<strong>do</strong> ao coronel que, às suas<br />

or<strong>de</strong>ns, o café estava pronto.


4<br />

Na manhã seguinte, por volta das 10:30, chegaram à casa<br />

cinco homens <strong>de</strong>vidamente anuncia<strong>do</strong>s pela pega. Eram os<br />

elementos da Comissão Florestal, que vinham fazer uma inspecção.<br />

O chefe explicou ao coronel que a lei <strong>de</strong>terminava visitas<br />

<strong>de</strong> controlo para verificar se os proprietários não abusavam<br />

<strong>do</strong> corte <strong>de</strong> plantas. Não era esse o caso <strong>do</strong> Morro, que embora<br />

tivesse explora<strong>do</strong> ao máximo o pequeno bosque que ro<strong>de</strong>ava<br />

a clareira (o qual <strong>de</strong>veria agora ser poupa<strong>do</strong> durante<br />

muitos anos), <strong>de</strong>ixara em óptimas condições todas as florestas<br />

que agora pertenciam a Benvenuto e nunca tocara no famoso<br />

<strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong>, orgulho <strong>do</strong> vale. Mas formalida<strong>de</strong>s eram<br />

formalida<strong>de</strong>s, e a visita tinha <strong>de</strong> ser feita.<br />

O coronel mostrou-se bastante reserva<strong>do</strong>, mas no fun<strong>do</strong><br />

não lhe <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>u ser imediatamente acompanha<strong>do</strong> a ver o<br />

<strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong>, <strong>de</strong> que tanto ouvira falar.<br />

Procolo e a Comissão puseram-se a caminho. Atravessada<br />

a zona <strong>de</strong> bosque que agora estava <strong>de</strong>sarborizada (o chefe da<br />

Comissão expressou a sua gran<strong>de</strong> admiração por o Morro ter<br />

manda<strong>do</strong> abater as plantas aos poucos, <strong>de</strong>sbastan<strong>do</strong> a floresta<br />

e expon<strong>do</strong>-a assim a estragos tremen<strong>do</strong>s em caso <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>),<br />

chegaram os seis a uma paliçada, para lá da qual


14 BUZZATI<br />

começava uma zona <strong>de</strong> floresta muito mais basta, com abetos<br />

<strong>de</strong> várias qualida<strong>de</strong>s, veneráveis e altíssimos.<br />

Não se viam sinais <strong>de</strong> corte. Mesmo no limite jazia estendida<br />

uma gran<strong>de</strong> árvore, que provavelmente caíra <strong>de</strong> velhice<br />

ou com o vento. Ninguém se incomodara a levá-la dali e os<br />

ramos estavam to<strong>do</strong>s cobertos <strong>de</strong> um bolor ver<strong>de</strong> e macio.<br />

Travou-se uma discussão.<br />

O coronel perguntou se ao menos no <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong> podia<br />

mandar executar cortes.<br />

O chefe da Comissão respon<strong>de</strong>u que proibições específicas<br />

não havia; naturalmente, certos limites não <strong>de</strong>viam ser ultrapassa<strong>do</strong>s.<br />

Interveio então um <strong>do</strong>s quatro membros da Comissão, um<br />

tal Bernardi, um homem alto e muito robusto, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>finida<br />

e expressão cordial:<br />

«Proibições não há», disse, «mas faço votos para que o senhor,<br />

coronel, não fique atrás <strong>do</strong> seu ilustre tio Morro. São os<br />

abetos mais antigos que se conhecem. E estou certo <strong>de</strong> que o<br />

senhor não terá a intenção...»<br />

«As minhas intenções», interrompeu o Procolo, «nem eu<br />

sei quais são, mas não me parece que haja motivo para tanta<br />

intromissão, <strong>de</strong>sculpe-me o termo...»<br />

«Oiça o que lhe digo», atalhou o outro, «e não se exalte.<br />

Em tempos, mas já há muitos séculos, esta terra era toda <strong>de</strong>spida.<br />

O proprietário era o saltea<strong>do</strong>r Giacomo, a quem chamavam<br />

Giaco, um homem cheio <strong>de</strong> iniciativa que tinha o seu<br />

próprio pequeno exército. Um dia regressou sem um solda<strong>do</strong><br />

sequer, morto <strong>de</strong> cansaço e feri<strong>do</strong>. Então pensou: tenho <strong>de</strong> ter<br />

mais cuida<strong>do</strong>, mais tar<strong>de</strong> ou mais ce<strong>do</strong> sou persegui<strong>do</strong> e não<br />

tenho um buraco on<strong>de</strong> me esconda; tenho <strong>de</strong> plantar um bosque<br />

on<strong>de</strong> me possa resguardar. Dito e feito, plantou esta floresta,<br />

mas como as árvores cresciam <strong>de</strong>vagar teve <strong>de</strong> esperar<br />

até aos oitenta anos. Então, recrutou solda<strong>do</strong>s e partiu para<br />

uma nova empresa. Passaram-se anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse tempo, haveria<br />

com que fazer um museu, mas quem lhe diz, coronel,<br />

que Giacomo não possa voltar? Até lhe digo mais: esperamo-


O SEGREDO DO BOSQUE VELHO 15<br />

-lo a qualquer momento, esta noite mesmo po<strong>de</strong> estar <strong>de</strong> volta.<br />

E po<strong>de</strong>mos ter a certeza que já não terá um sol<strong>do</strong> nem um<br />

solda<strong>do</strong>. Será persegui<strong>do</strong> por centenas <strong>de</strong> homens, talvez até<br />

por mulheres, to<strong>do</strong>s arma<strong>do</strong>s <strong>de</strong> espingardas e cacetes. Ele<br />

terá apenas uma pequena cimitarra, estará esfomea<strong>do</strong> e cansa<strong>do</strong>.<br />

Não terá o direito <strong>de</strong> encontrar o seu bosque intacto, <strong>de</strong><br />

nele se po<strong>de</strong>r escon<strong>de</strong>r? Então isto não é <strong>de</strong>le à mesma?»<br />

«Toda a paciência tem um limite», disparou então o coronel.<br />

«Isto é conversa <strong>de</strong> loucos.»<br />

«Não me parece ter dito nada <strong>de</strong> absur<strong>do</strong>», observou o<br />

Bernardi elevan<strong>do</strong> a voz. «Tocar neste bosque seria uma coisa<br />

iníqua, é o que eu lhe digo.»<br />

Balbuciou ainda algumas palavras e <strong>de</strong>pois afastou-se,<br />

embrenhan<strong>do</strong>-se sozinho no <strong>Bosque</strong> <strong>Velho</strong>.<br />

O chefe da Comissão, para justificar o colega, observou<br />

que ele era um homem estranho, um pouco nervoso; mas conhecia<br />

os bosques como ninguém; quan<strong>do</strong> era preciso curar<br />

uma planta, era precioso.<br />

O coronel parecia estar <strong>de</strong> mau humor e preparou-se para<br />

regressar sozinho. Ao mesmo tempo, <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> <strong>Bosque</strong><br />

<strong>Velho</strong> chegou uma voz: «Coronel, coronel, venha aqui um<br />

momento ver!»<br />

«Quem é que está a chamar com estes mo<strong>do</strong>s?», perguntou<br />

o Procolo ao chefe da Comissão.<br />

«Não percebo», disse o outro, fingin<strong>do</strong>-se surpreendi<strong>do</strong>,<br />

«sinceramente não percebo.»<br />

«Certas confianças», concluiu o coronel, que bem reconhecera<br />

a voz <strong>do</strong> Bernardi, «certas confianças não estou disposto<br />

a suportá-las, diga-lhe, se assim enten<strong>de</strong>r.»<br />

E dirigiu-se para casa em passo veloz, enquanto no coração<br />

da floresta <strong>de</strong>finhava o grito: «Coronel! Coronel!»

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