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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT MESTRADO EM ...

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<strong>UNIVERSIDADE</strong> <strong>FEDERAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong> <strong>–</strong> <strong>UFT</strong><br />

MESTRA<strong>DO</strong> <strong>EM</strong> DESENVOLVIMENTO REGIONAL E<br />

AGRONEGÓCIO <strong>–</strong> MDRA<br />

ERNA AUGUSTA DENZIN SCHULTZ<br />

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO <strong>DO</strong> CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>:<br />

A ESCOLA <strong>DO</strong> CAMPESINATO VERSUS A ESCOLA <strong>DO</strong> AGRONEGÓCIO<br />

PALMAS<br />

2010


ERNA AUGUSTA DENZIN SCHULTZ<br />

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO <strong>DO</strong> CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>: A<br />

ESCOLA <strong>DO</strong> CAMPESINATO VERSUS A ESCOLA <strong>DO</strong> AGRANEGÓCIO<br />

Dissertação de Mestrado apresentada como<br />

requisito parcial para obtenção do título de<br />

Mestre no Programa de Mestrado em<br />

Desenvolvimento Regional e Agronegócio da<br />

Universidade Federal do Tocantins <strong>–</strong> <strong>UFT</strong>, sob<br />

a orientação do prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.<br />

PALMAS<br />

2010


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />

Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins<br />

Campus Universitário de Palmas<br />

S387e Schultz, Erna Augusta Denzin<br />

Educação e desenvolvimento do campo no Estado do Tcantins: a escola do<br />

campesinato versus a escola do agronegócio / Erna Augusta Denzin Schultz. -<br />

Palmas, 2010.<br />

153 f.<br />

Dissertação (Mestrado) <strong>–</strong> Universidade Federal do Tocantins, Curso de<br />

Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, 2010.<br />

Orientador: Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.<br />

1. Educação do Campo. 2. Campesinato. 3. Desenvolvimento Regional. I.<br />

Título.<br />

CDD 370<br />

Bibliotecário: Paulo Roberto Moreira de Almeida<br />

CRB-2 / 1118<br />

TO<strong>DO</strong>S OS DIREITOS RESERVA<strong>DO</strong>S <strong>–</strong>A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por<br />

qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei<br />

nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.


ERNA AUGUSTA DENZIN SCHULTZ<br />

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO <strong>DO</strong> CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>:<br />

A ESCOLA <strong>DO</strong> CAMPESINATO VERSUS A ESCOLA <strong>DO</strong> AGRONEGÓCIO<br />

BANCA EXAMINA<strong>DO</strong>RA<br />

Dissertação de Mestrado apresentada como<br />

requisito parcial para obtenção do título de<br />

Mestre no Programa de Mestrado em<br />

Desenvolvimento Regional e Agronegócio<br />

da Universidade Federal do Tocantins <strong>–</strong><br />

<strong>UFT</strong>, sob a orientação do prof. Dr. Elizeu<br />

Ribeiro Lira<br />

___________________________________________________________<br />

Orientador: Prof. Dr. . Elizeu Ribeiro Lira<br />

Universidade Federal do Tocantins <strong>–</strong> <strong>UFT</strong><br />

____________________________________________________________<br />

Prof. Dr. Roberto de Souza Santos<br />

Universidade Federal do Tocantins <strong>–</strong> <strong>UFT</strong><br />

___________________________________________________________<br />

Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira<br />

Universidade de São Paulo <strong>–</strong> USP<br />

PALMAS<br />

2010


Ao meu esposo, Lorival Schultz,<br />

e aos meus filhos Verena e<br />

Martin.


A todos os moradores do<br />

campo, com o desejo de que<br />

nunca parem de lutar pelos seus<br />

direitos, em especial, pelo<br />

direito à educação


AGRADECIMENTOS<br />

A Deus,<br />

por ter me dado a sabedoria que proporcionou aprender sempre.<br />

Ao meu esposo, Lorival Schultz,<br />

por estar ao meu lado em todos os momentos.<br />

Aos meus Filhos Verena e Martin,<br />

por suportarem minha ausência.<br />

Ao querido professor Dr. Elizeu,<br />

que me orientou com paciência e dedicação<br />

A EFA e Canuanã<br />

por gentilmente cederem seus espaços e tempo para a realização desse projeto.<br />

A todos os meus professores,<br />

pelo conhecimento transmitido.<br />

A todos os meus amigos,<br />

por me incentivarem e acreditarem nesse projeto de vida.


RESUMO<br />

SCHULTZ, Erna Augusta Denzin. Educação e desenvolvimento do campo no estado do<br />

Tocantins: a escola do campesinato versus a escola do agronegócio. 2010, 153.<br />

Dissertação de Mestrado do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e<br />

Agronegócio, Universidade Federal do Tocantins <strong>–</strong> <strong>UFT</strong>, Palmas, TO.<br />

O presente trabalho levanta uma discussão sobre o papel da educação no<br />

desenvolvimento do campo no estado do Tocantins. Para isso realizamos uma<br />

investigação em duas escolas rurais do estado, a saber: a Escola de Canuanã e a Escola<br />

Família Agrícola de Porto Nacional. Sabendo que existe uma diferença fundamental entre<br />

educação do campo e educação no campo, procuramos estabelecer qual das duas está<br />

sendo proporcionada aos moradores do campo tocantinense. Por meio das propostas<br />

políticas pedagógicas das escolas em questão investigamos as práticas, comparando-as<br />

com o discurso de cada uma delas no sentido de verificar o papel que exercem sobre o<br />

desenvolvimento do campo. Por fim, com base num conceito de desenvolvimento que<br />

não visa apenas o crescimento econômico, mas sim o bem estar e a melhoria da qualidade<br />

de vida da população, pudemos observar qual das escolas mais se destaca no<br />

cumprimento de seu papel enquanto agente promotor de mudanças e desenvolvimento.<br />

Palavras - chave: Educação do Campo, Campesinato, Desenvolvimento Regional


ABSTRACT<br />

SCHULTZ, Erna Augusta Denzin. Education and field development in the state of<br />

Tocantins, the school's peasantry versus the school of agribusiness. 2010, 153. Thesis of<br />

Master's Program in Regional Development and Agribusiness, Federal University of<br />

Tocantins - <strong>UFT</strong>, Palmas, TO.<br />

The present work raises a discussion about the role of education in developing the rural field in the<br />

state of Tocantins. To this end a research was conducted in two rural schools in the state: the Canuanã<br />

School and the Porto Nacional Family Farm School. Knowing that there is a fundamental difference<br />

between ‘education of the rural field´ and ´education in the rural field´, we intended to establish which<br />

one is being provided to the Tocantins rural fields inhabitants. Through the educational policies of the<br />

schools in question it was possible to investigate their practices, comparing them with the speech of<br />

each school in order to verify the role they have on the agricultural field development. Finally, based<br />

on a development concept that considers not only economic growth but the population welfare and life<br />

quality improvement, we could identify the most prominent school in fulfilling the role of change and<br />

development promoter.<br />

Key Words: Rural Education, Peasantry, Regional Development


LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />

Quadro 1 <strong>–</strong> Plano de estudos praticado pelos jesuítas no Brasil........................................ 22<br />

Mapa 1 <strong>–</strong> Localização de Porto Nacional, TO.................................................................... 79<br />

Mapa 2 - Localização de Formoso do Araguaia, TO.......................................................... 82<br />

Mapa 3 - Posição geográfica do município de Formoso do Araguaia abrangendo a parte<br />

sul da Ilha do Bananal, TO..........................................................................................<br />

83


LISTA DE TABELAS<br />

Tabela 1 - Alunos matriculados (matrícula inicial) nas escolas rurais do município de<br />

Palmas, TO........................................................................................................................<br />

Tabela 2 - Taxa de aprovação nas escolas rurais do município de Palmas,<br />

TO.................................................................................................................................<br />

Tabela 3 - Taxa de abandono nas escolas rurais do município de Palmas, TO................. 76<br />

Tabela 4 - Principais produtos de Lavoura permanente de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins... 80<br />

Tabela 5 - Principais produtos de Lavoura temporária de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins... 80<br />

Tabela 6 - Principais produtos pecuários de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins....................... 80<br />

Tabela 7 - Estabelecimentos de ensino e número de matriculas Educação Básica Porto<br />

Nacional, TO, 2009.......................................................................................................<br />

Tabela 8 - Lavoura permanente de Formoso do Araguaia <strong>–</strong> Tocantins......................... 84<br />

Tabela 9 - Principais produtos de Lavoura temporária de Formoso do Araguaia <strong>–</strong><br />

Tocantins.......................................................................................................................<br />

Tabela 10 - Principais produtos pecuários de Formoso do Araguaia <strong>–</strong> Tocantins........ 84<br />

Tabela 11 - Estabelecimentos de ensino e número de matriculas Educação Básica Porto<br />

Nacional, TO, 2009.......................................................................................................<br />

Tabela 12 - Opiniões dos alunos sobre sua participação nas decisões e nas diversas<br />

atividades extra-classe oferecidas pelas escola <strong>–</strong> Canuanã, 2009..................................<br />

Tabela 13 - Opiniões dos alunos sobre sua participação nas decisões e nas diversas<br />

atividades extra-classe oferecidas pelas escola <strong>–</strong> EFA, 2009.........................................<br />

75<br />

75<br />

81<br />

84<br />

85<br />

117<br />

120


LISTA DE GRÁFICOS<br />

Gráfico 1 <strong>–</strong> PIB Porto Nacional, TO por Setores................................................................ 79<br />

Gráfico 2 - PIB de Formoso do Araguaia por setores da economia.................................... 84<br />

Gráfico 3 - Envolvimento das pessoas que trabalham na escola nas atividades<br />

curriculares e extra-curriculares desenvolvidas <strong>–</strong> EFA....................................................<br />

Gráfico 4 - Envolvimento das pessoas que trabalham na escola nas atividades<br />

curriculares e extra-curriculares desenvolvidas <strong>–</strong> Canuanã.................................................<br />

Gráfico 5 - Atividades que aprende na escola e utiliza no trabalho em casa <strong>–</strong> Canuanã.... 109<br />

Gráfico 6 - Atividades que aprende na escola e utiliza no trabalho em casa <strong>–</strong> EFA........... 109<br />

Gráfico 7 - Conteúdo desenvolvido e suas apropriações reais............................................ 125<br />

Gráfico 8 - Envolvimento das pessoas da comunidade nas atividades extra-curriculares<br />

da escola..............................................................................................................................<br />

Gráfico 9 - Valor que as pessoas da comunidade atribuem à escola................................... 141<br />

Gráfico 10 - Momentos em que a comunidade mais participa das atividades da escola..... 142<br />

Gráfico 11 - Benefícios que a atuação da escola proporcionou à vida dos alunos.............. 142<br />

Gráfico 12 - Organizações que mais contribuem para mudanças e melhorias na<br />

comunidade, em porcentagem............................................................................................<br />

107<br />

108<br />

141<br />

143


LISTA DE SIGLAS<br />

ABCAR <strong>–</strong> Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural<br />

ACAR <strong>–</strong> Associação de Crédito e Assistência Rural<br />

AEAFACOT <strong>–</strong> Associação das Escolas Família Agrícola do Centro Oeste e Tocantins<br />

AIA <strong>–</strong> American International Association<br />

AIMFR <strong>–</strong> Associação Internacional Maisons Familiares Rurales<br />

ATER <strong>–</strong> Assistência Técnica e Extensão Rural<br />

BIRD <strong>–</strong> Banco Internacional para a reconstrução e o Desenvolvimento<br />

CBAR <strong>–</strong> Comissão Brasileira Americana de Educação das Populações Rurais<br />

CEAA <strong>–</strong> Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos<br />

CEB <strong>–</strong> Câmara da Educação Básica do Ministério da Educação e Cultura<br />

CEE/TO <strong>–</strong> Conselho Estadual de Educação do Estado do Tocantins<br />

CFR <strong>–</strong> Casas Familiares Rurais<br />

CNEA <strong>–</strong> Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo<br />

CNER <strong>–</strong> Campanha Nacional de Educação Rural<br />

COMSAÚDE <strong>–</strong> Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação<br />

CPT <strong>–</strong> Comissão Pastoral da Terra<br />

CTA <strong>–</strong> Centro de Tecnologias Alternativas<br />

DNAV <strong>–</strong> Dia Nacional de Ação Voluntária das Escolas da Fundação Bradesco<br />

EFA <strong>–</strong> Escola Família Agrícola<br />

EJA <strong>–</strong> Educação de Jovens e Adultos<br />

<strong>EM</strong>ATER <strong>–</strong> Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural<br />

<strong>EM</strong>BRATER <strong>–</strong> Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural<br />

EN<strong>EM</strong> <strong>–</strong> Exame Nacional do Ensino Médio<br />

FUNDESCOLA <strong>–</strong> Fundo de Fortalecimento da Escola<br />

GSR <strong>–</strong> Grupo de Saúde Rural<br />

IBGE <strong>–</strong> Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />

INCRA <strong>–</strong> Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária<br />

INEP <strong>–</strong> Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacional Anísio Teixeira<br />

LDB <strong>–</strong> Leis de Diretrizes e Bases<br />

LDBN <strong>–</strong> Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional<br />

LOEA <strong>–</strong> Lei Orgânica do Ensino Agrícola


MAIC <strong>–</strong> Ministério da Agricultura Indústria e Comércio<br />

MEC <strong>–</strong> Ministério da Educação e Cultura<br />

MEPES <strong>–</strong> Movimento Educacional Promocional do Espírito Santo<br />

MST <strong>–</strong> Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra<br />

OAS <strong>–</strong> Orientação Afetivo Sexual<br />

PEACAN <strong>–</strong> Programa de Educação Ambiental de Canuanã<br />

PEE <strong>–</strong> Plano Estadual de Educação<br />

PIB <strong>–</strong> Produto Interno Bruto<br />

PIPMOA <strong>–</strong> Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra Agrícola<br />

PNE <strong>–</strong> Plano Nacional de Educação<br />

PPP <strong>–</strong> Projeto Político Pedagógico<br />

PRODAC <strong>–</strong> Programa Diversificado de Ação Comunitária<br />

PROJOV<strong>EM</strong> <strong>–</strong> Programa Nacional de Inclusão de Jovens<br />

PROLARE <strong>–</strong> Programa de Lazer e Recreação da Escola de Canuanã<br />

PRONERA <strong>–</strong> Programa Nacional de Educação nas Áreas de reforma Agrária<br />

RMAIC <strong>–</strong> Relatório do Ministério de Agricultura, Indústria e Comércio<br />

SBPC <strong>–</strong> Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência<br />

SEDUC <strong>–</strong> Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins<br />

S<strong>EM</strong>EC <strong>–</strong> Secretaria Municipal de Educação e Cultura do município de Palmas, TO<br />

SENAC <strong>–</strong> Serviço Nacional do Comércio<br />

SENAI <strong>–</strong> Serviço Nacional da Indústria<br />

SENAR <strong>–</strong> Serviço Nacional de Formação Profissional Rural<br />

SIDRA <strong>–</strong> Sistema IBGE de Recuperação Automática<br />

SSR <strong>–</strong> Serviço Social Rural<br />

SUDENE <strong>–</strong> Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste<br />

SUDSUL- Superintendência da Região Sul<br />

UNEFAB <strong>–</strong> União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil<br />

UNESCO <strong>–</strong> Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura<br />

UNITINS <strong>–</strong> Fundação Universidade do Tocantins<br />

USDA <strong>–</strong> United States Department of Agriculture <strong>–</strong> Departamento de Agricultura dos Estados<br />

Unidos da América<br />

ZAP <strong>–</strong> Zona de Atendimento Prioritária do Programa Escola Ativa


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15<br />

CAPÍTULO I AS PROPOSTAS NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO NO CAMPO:<br />

UMA VISÃO TEÓRICA ....................................................................................................... 19<br />

1.1 Histórico da Educação no Campo no Brasil .............................................................. 19<br />

1.1.1 O processo histórico de uma classe social esquecida ......................................... 20<br />

1.1.2 Educação no Campo: sua construção através da história ................................... 33<br />

1.2 Educação no Campo: uma análise sobre as teorias e métodos ....................................... 38<br />

1.2.1 O Aprendizado Agrícola e o Patronato Agrícola ............................................... 40<br />

1.2.2 O Ruralismo Pedagógico no campo brasileiro ................................................... 41<br />

1.2.3 A Extensão Rural no Brasil ................................................................................ 43<br />

1.2.4 O Decreto-Lei n 0. 9613 de 20 de agosto de 1946 <strong>–</strong> Lei Orgânica do Ensino<br />

Agrícola ............................................................................................................................ 47<br />

1.2.5 Movimento de Educação de Base no campo brasilerio ...................................... 49<br />

1.2.6 As práticas pedagógicas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -<br />

MST ............................................................................................................................ 50<br />

1.2.7 A Pedagogia da Alternância ............................................................................... 51<br />

1.3 As atuais Diretrizes Nacionais para a Educação no Campo ........................................... 53<br />

1.4 Educação do campo ou no campo? O respeito às particularidades rurais ................. 59<br />

CAPÍTULO II EDUCAÇÃO NO CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>: HISTÓRIA<br />

E DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................... 63<br />

2.1 A história da Educação no Campo no Estado do Tocantins ...................................... 63<br />

2.2 A proposta da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins ................ 66<br />

2.3 As Contradições das Propostas Nacionais e Estaduais para a Educação no Campo. 71<br />

2.4 Realidades e Complexidades da Educação no Campo no Tocantins ......................... 74<br />

CAPÍTULO III PROJETO E REALIDADE: (IN)COMPATIBILIDADE DE<br />

IDEIAS? ............................................................................................................................. 79<br />

3.1 As propostas político-pedagógicas da Escola Família Agrícola de Porto Nacional ....... 87<br />

3.1.1 Escola Família Agrícola <strong>–</strong> EFA <strong>–</strong> Porto Nacional <strong>–</strong> Um breve histórico ........... 88<br />

3.1.2 A proposta pedagógica da Escola Família Agrícola de Porto Nacional ............. 89<br />

3.1.3 A proposta política da Escola Família Agrícola de Porto Nacional ................... 96<br />

3.2 As propostas político-pedagógicas da Escola de Canuanã <strong>–</strong> Formoso do Araguaia <strong>–</strong><br />

TO ................................................................................................................................... 98<br />

3.2.1 A proposta Pedagógica da Escola de Canuanã ................................................. 100


3.2.2 A proposta política da Escola de Canuanã ....................................................... 104<br />

3.3 Igualdades e Diversidades dos Processos Educacionais nas escolas rurais EFA e<br />

Canuanã .............................................................................................................................. 105<br />

3.4 O discurso e a práxis no cotidiano da escola ........................................................... 111<br />

CAPÍTULO IV EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO <strong>DO</strong> CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong><br />

<strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>: UMA REALIDADE POSSÍVEL? ...................................................... 123<br />

4.1 A Educação no Campo e o processo de (re)construção da identidade camponesa .. 123<br />

4.2 Educação e caráter social do trabalho camponês ..................................................... 130<br />

4.3 Educação e autonomia no campo: utopia ou realidade? .......................................... 134<br />

4.4 As escolas e sua contribuição para o desenvolvimento do campo no Estado do<br />

Tocantins ............................................................................................................................ 137<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 146<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 149


INTRODUÇÃO<br />

Estudar educação, em especial educação do campo, não é tarefa fácil. A diversidade<br />

dos sujeitos, as especificidades sociais, políticas e econômicas, além das diferenças étnicas e<br />

raciais presentes no campo brasileiro fazem deste tema um algo bastante complexo. Mais<br />

difícil ainda é a compreensão sobre a relação de educação com o processo de<br />

desenvolvimento do campo.<br />

Por razões históricas do processo de desenvolvimento do capitalismo no mundo, o<br />

modo de vida urbano sempre foi mais valorizado que o modo de vida do campo e sempre foi<br />

passada a imagem de que tudo o que é urbano é “desenvolvido” enquanto que tudo o que é do<br />

campo é “atrasado”.<br />

Modificar essa realidade, tendo como parte do processo de mudanças o sistema<br />

educacional, seja ele formal ou informal, é um grande desafio para aqueles que desejam uma<br />

sociedade com oportunidades iguais para todos. Dessa forma os movimentos sociais atuam<br />

muito bem no sentido de proporcionar ao homem do campo uma educação diferenciada, que<br />

atenda às suas necessidades e não reproduza a lógica capitalista de produção agrícola que<br />

valoriza muito mais o ter em detrimento do ser.<br />

Nas discussões em torno desse tema, mais especificamente a partir da década de 1990,<br />

aparecem dois conceitos para tratar de educação do homem do campo: a educação no campo e<br />

a educação do campo. Com diferenças aparentemente imperceptíveis, esses conceitos<br />

carregam em suas raízes epistemológicas diferenças fundamentais para a concepção e<br />

realização de ações educativas voltadas especificamente ao homem do campo.<br />

Desenvolver um programa de educação no campo não requer, necessariamente, um<br />

compromisso com o desenvolvimento do campo no sentido de valorizar o seu modo de vida, o<br />

seu modo de ser e o seu modo de produzir. Portanto, nessa proposta, busca somente dar ao<br />

homem do campo uma educação científica, totalmente desvinculada de sua realidade, e que<br />

apenas contribui para o aumento de um conhecimento científico transmitido com vistas à<br />

perpetuação das relações sociais dominantes.<br />

Já a educação do campo, ao contrário, busca desenvolver uma proposta pedagógica<br />

baseada nas concepções de valorizar o modo de ser e a identidade camponesa, pautados num<br />

conceito construído pelos movimentos sociais, a partir das lutas pela posse da terra e pelo<br />

reconhecimento dos seus direitos como classe social que é.<br />

Muito embora mudanças tenham ocorrido, o que ainda se percebe, ao analisar os<br />

15


currículos e as atividades desenvolvidas em escolas do campo, é que a educação escolar ali<br />

praticada é apenas uma reprodução da educação escolar urbana.<br />

Diante desse quadro, ficou a inquietação de como está acontecendo a educação do<br />

campo no estado do Tocantins, tarefa a que se dispõe investigar o presente trabalho. Para<br />

realizar tal investigação, propomos como objetivo geral analisar o papel da educação no<br />

desenvolvimento do campo no estado do Tocantins, a partir das propostas educacionais da<br />

Escola Família Agrícola, em Porto Nacional e da Escola de Canuanã em Formoso do<br />

Araguaia, estado do Tocantins.<br />

Para cumprir com esse objetivo foi necessário analisar as propostas de Educação do<br />

Campo no estado do Tocantins; compará-las com as propostas nacionais; analisar os projetos<br />

político-pedagógicos das escolas Família Agrícola (Porto Nacional) e Canuanã (Formoso do<br />

Araguaia), com vistas à identificação do seu comprometimento com a formação e<br />

desenvolvimento do campo, bem como investigar a compreensão da comunidade em relação<br />

às questões do campo e à preparação dos jovens para o exercício da cidadania.<br />

Para alcançar tais objetivos, fez-se necessário a escolha de um método de trabalho, o<br />

qual permitiu analisar de forma científica o objeto de pesquisa em questão. Dessa maneira, de<br />

todas as possibilidades de Método, optou-se para a realização do presente trabalho pelo<br />

Método Dialético, pois como afirma Demo (1995):<br />

Consideramos a dialética a metodologia mais conveniente para a realidade social,<br />

[...] dizíamos que entre as realidades natural e social há diferença suficiente, não<br />

estanque. Entretanto, para além das condições objetivas, a realidade social é movida<br />

igualmente por condições subjetivas, que não são nem maiores, nem menores.<br />

(D<strong>EM</strong>O, 1995, p 88).<br />

Fundamentado nas análises dialéticas em que “as contradições se transcendem dando<br />

origem a novas contradições” e “considera que os fatos não podem ser considerados fora de<br />

um contexto social, político e econômico” (MORESI, 2004), o método dialético tornou-se<br />

adequado para análise da realidade desse trabalho, pois o mesmo buscou analisar as relações<br />

contraditórias existentes entre o discurso e as práticas educacionais no campo, bem como a<br />

dicotomia urbano-rural em uma sociedade que vive um determinado contexto social, político<br />

cultural e econômico. Frantz (2006), em trabalho semelhante, afirma que a dialética se aplica<br />

a esse tipo de trabalho porque:<br />

[...] possibilita problematizar com maior perspicácia a relação entre sujeito e objeto,<br />

superando as posições estanques e estereotipadas ligadas a visões estáticas da<br />

objetividade e da neutralidade. Além disso, a dialética vê entre dois lados opostos<br />

uma polarização dinâmica, que faz do conhecimento um processo, não uma<br />

descrição ou um retrato, faz do conhecimento uma expressão criativa, não um<br />

ajuntamento mecânico e justaposto de argumentos. (FRANTZ, 2006, p.17)<br />

16


Nesse contexto, para entender o papel da educação no desenvolvimento do campo é<br />

preciso estudá-lo em todas as suas relações, aspectos e conexões, pois como afirma Frantz,<br />

“para conhecer realmente um problema é preciso estudá-lo em todos os seus aspectos, em<br />

todas as suas relações e em todas as suas conexões, pois tudo é visto em constante mudança,<br />

sempre há algo que nasce e se desenvolve e há algo que se desagrega e se transforma”.<br />

(FRANTZ, 2006, p.17).<br />

Do ponto de vista da forma de abordagem do problema, esse trabalho é uma pesquisa<br />

qualitativa, pois “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto<br />

é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode<br />

ser traduzido em números.” (SILVA; MENEZES, 2001. p. 20). Entretanto, apesar de não<br />

considerar que “tudo pode ser quantificável” e traduzido em números, alguns aspectos da<br />

pesquisa foram baseados em dados quantitativos relativos a gráficos, tabelas e quadros<br />

produzidos por institutos de pesquisa conhecidos no país, bem como pelo resultado obtido na<br />

pesquisa realizada junto à comunidade escolar.<br />

Do ponto de vista dos procedimentos, para a pesquisa bibliográfica foi levantado e<br />

organizado um conjunto de literaturas teóricas sobre o qual construímos e balizamos um<br />

referencial teórico. Os trabalhos de campo basearam-se em levantamento documental nas<br />

duas escolas, aplicação de questionário junto ao corpo discente e entrevistas organizadas junto<br />

ao corpo docente das referidas unidades escolares.<br />

A presente pesquisa foi realizada em duas escolas rurais do estado do Tocantins. Uma<br />

delas de natureza pública, a saber, a Escola Família Agrícola, de Porto Nacional e outra de<br />

natureza privada, a Escola de Canuanã em Formoso do Araguaia. No universo da pesquisa foi<br />

fundamental a participação dos professores, diretores e alunos do ensino médio matriculados<br />

em 2009 nas duas escolas. Estas escolas foram escolhidas por representarem as esferas<br />

pública e privada na educação do campo no estado do Tocantins, levando-se em consideração<br />

também o fato de oferecerem cursos profissionalizantes. Dados secundários foram levantados<br />

junto aos órgãos públicos ligados direta ou indiretamente à temática da educação do campo.<br />

Foi realizada pesquisa documental junto à Secretaria Estadual de Educação <strong>–</strong> SEDUC,<br />

e da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Palmas, S<strong>EM</strong>EC, com o objetivo de<br />

analisar os documentos que direcionam as políticas de Educação do Campo para o estado.<br />

Também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas junto às autoridades com o intuito de<br />

observar as visões e as análises comparativas entre as propostas estaduais e nacionais de<br />

Educação no Campo, bem como várias consultas às diretrizes nacionais, disponibilizadas no<br />

site do Ministério da Educação e Cultura <strong>–</strong> MEC, além de consulta aos documentos<br />

17


disponibilizados na página on line da Secretaria De Educação e Cultura do Estado do<br />

Tocantins <strong>–</strong> SEDUC.<br />

Para a análise dos projetos pedagógicos, foram utilizados os Projetos Políticos<br />

Pedagógicos <strong>–</strong> PPP <strong>–</strong> das duas escolas, além de entrevistas juntos aos professores. O conteúdo<br />

das entrevistas teve como tema a relação entre as práticas observadas e teoria exposta nos<br />

documentos.<br />

Para investigar a compreensão da comunidade, no que se refere às práticas escolares<br />

no desenvolvimento do campo, foi aplicado um questionário junto a todos os alunos do<br />

Ensino Médio das duas escolas. O questionário utilizado na pesquisa foi adaptado do<br />

questionário elaborado por Frantz (2006).<br />

Por meio desses procedimentos e a partir da análise dos dados obtidos, elaborou-se o<br />

presente texto no qual cada capítulo colabora para alcançar os objetivos propostos.<br />

O Capítulo I apresenta um relato histórico da educação e da educação do campo no<br />

Brasil e tem como objetivo apresentar o processo histórico político e social que fizeram com<br />

que uma classe social fosse excluída do processo de desenvolvimento nacional. Apresenta,<br />

também, as propostas para a educação do campo, surgida a partir da luta dos movimentos<br />

sociais.<br />

O Capítulo II relata como se deu o desenvolvimento da educação no estado do<br />

Tocantins, além de apresentar as propostas estaduais para a educação do campo e compará-las<br />

com as propostas nacionais.<br />

O Capítulo III analisa as propostas educacionais da Escola Família Agrícola de Porto<br />

Nacional e da Escola de Canuanã, apresentando aspectos do conteúdo dos Projetos Políticos<br />

Pedagógicos de cada escola para os quais se faz uma análise de como as mesmas contribuem<br />

para uma educação do campo, observando os conceitos de modo de vida camponesa e modo<br />

de produção capitalista no campo.<br />

O Capítulo IV pretende chamar a atenção para o tipo de educação e de<br />

desenvolvimento estão propostos para o campo tocantinense. Nesse sentido, procura retratar<br />

aspectos da vida do camponês relacionando-as ao tipo de educação e desenvolvimento e como<br />

o sistema educacional propõe oportunidades iguais para os cidadãos tocantinenses,<br />

independentemente de estarem na cidade ou no campo.<br />

Nas Considerações Finais faz-se uma retomada dos temas, enfatizando os resultados<br />

obtidos na pesquisa de campo.<br />

18


CAPÍTULO I<br />

AS PROPOSTAS NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO NO CAMPO: UMA VISÃO<br />

TEÓRICA<br />

1.1 Histórico da Educação no Campo no Brasil<br />

Educação e sociedade são indissociáveis. Portanto, para compreender a história<br />

recente da educação no campo no Brasil é necessário entender as bases históricas da educação<br />

na sociedade brasileira.<br />

A sociedade brasileira foi formada sob a influência do pensamento colonizador<br />

português, o qual via em suas colônias um “mero ‘instrumento’ de seus próprios interesses”<br />

(COTRIM, 1987 p. 256). Cotrim afirma que não era intenção dos portugueses fazer de suas<br />

colônias nações independentes, mas sim ampliar o Império de Portugal através da conquistas<br />

e exploração dos “novos” mundos.<br />

Os portugueses, fundamentados nas ideias mercantilistas de produção/exploração para<br />

o mercado, iniciaram no Brasil um processo de depredação para a produção em grande escala<br />

(ZOTTI, 2004). Nesse mesmo pensamento, ao se esgotarem as explorações dos recursos<br />

naturais, houve a necessidade de garantir a posse da terra que era muito lucrativa para o<br />

processo mercantilista português. Como solução, deu-se início no Brasil à agromanufatura<br />

açucareira e a formação de grandes fazendas para a plantação da cana-de-açúcar.<br />

Dessa forma, podemos afirmar que a sociedade brasileira tem sua formação e<br />

desenvolvimento no campo. Seja pela exploração das riquezas naturais ou pela formação dos<br />

engenhos de açúcar, o processo de ocupação do território, bem como as raízes da organização<br />

social do Brasil, foi essencialmente pelo campo. Speyer (1983) ao citar Diégues escreve da<br />

seguinte maneira:<br />

[...] no meio rural se formou a nossa sociedade;no meio rural se verificaram as<br />

primeiras relações entre os grupos que formavam nossas populações; no meio rural<br />

se encontram as raízes de nossa organização social. [...] Constitui assim a ‘fazenda’<br />

o elemento básico da implantação da cultura portuguesa no Brasil. (DIEGUES apud<br />

SPEYER, 1983. p 19)<br />

O processo de ocupação das terras brasileiras, baseado nas ideias mercantilistas, deu<br />

origem a uma economia pautada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava,<br />

19


influenciando o sistema de produção, a vida social e o sistema de poder. Eram os aristocratas<br />

quem detinham a propriedade da terra, e aos escravos, primeiro indígenas e depois os negros,<br />

cabia o cultivo e o trabalho pesado. Assim, foi no contexto de dominação metrópole-colônia e<br />

de uma sociedade latifundiária e escravocrata que chegou ao Brasil os primeiros educadores: a<br />

Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus.<br />

1.1.1 O processo histórico de uma classe social esquecida<br />

Os padres Jesuítas chegaram no país em 1549 e durante os dois primeiros séculos de<br />

colonização foram os únicos responsáveis pelo desenvolvimento da educação no Brasil.<br />

Entretanto, o principal objetivo dos jesuítas era o de propagar a fé católica e recrutar<br />

sacerdotes, e a educação por eles praticada buscava atingir tais objetivos.<br />

De acordo com Zotti (2004), os primeiros anos da educação jesuítica foram<br />

comandados pelo padre Manuel da Nóbrega. A política educacional de Nóbrega, consonante<br />

com o dos jesuítas, visava formar adeptos do catolicismo e aculturar os indígenas e, por isso,<br />

era necessário manter um espaço de convivência entre as etnias para que se pudesse<br />

disseminar os “valores espirituais e morais da civilização ocidental e cristã” (ZOTTI, 2004, p.<br />

16). Dessa maneira, sob o comando de Nóbrega, a educação teve um caráter democrático<br />

sendo destinada aos indígenas, mamelucos, órfãos e filhos dos colonos brancos.<br />

O plano de estudos elaborado por Nóbrega procurava atender aos diversos interesses.<br />

Aprendia-se a falar o português, a ler e a escrever bem como a doutrina cristã, compondo a<br />

educação primária. Como opcional e também como forma de atrair alunos para a escola,<br />

fazendo com que os mesmos gostassem dela, eram ministradas aulas de música.<br />

Numa segunda etapa educacional, àqueles que se destacavam eram ministradas aulas<br />

de gramática latina com vistas à continuidade dos estudos na Europa e aos demais, era<br />

oferecida a aprendizagem profissional e agrícola. Entretanto, inicialmente não havia a<br />

intenção de se praticar uma educação dual, como afirma Ribeiro:<br />

Não tinha inicialmente, de modo explícito, a intenção de fazer com que o ensino<br />

profissional atendesse à população indígena e o outro à população ‘branca’<br />

exclusivamente.[...] Mas como cedo se perceberam a não adequação do índio para a<br />

formação sacerdotal católica, esta percepção não deve ter deixado de exercer<br />

influência na proposição de um ensino profissional e agrícola, ensino este que<br />

parecia a Nóbrega imprescindível para formar pessoal capacitado em outras funções<br />

essenciais à vida da colônia.(RIBEIRO, 2001, p 22).<br />

20


Nota-se que na fase elementar, a educação dada aos pequenos índios era a mesma dada<br />

aos filhos dos colonos. Aqueles que não seguiriam a carreira religiosa eram encaminhados<br />

para Coimbra, a fim de terminarem os estudos.<br />

O pensamento educacional de Nóbrega busca aliar as Humanidades com a educação<br />

prática, assim também era possível formar pessoas para atender às necessidades da colônia.<br />

Entretanto, esse plano educacional começa a enfrentar resistência por parte dos<br />

jesuítas e, com a morte de Nóbrega, passa a vigorar um novo método de estudos, do qual foi<br />

excluído o ensino do português, da música e das atividades agrícolas. Era o Ratio Studiorum.<br />

Esse novo conteúdo transmitido pelos padres era caracterizado por uma:<br />

[...] enérgica reação ao pensamento crítico,[...] por um apego a formas dogmáticas<br />

de pensamento, [...] pela reafirmação da autoridade [..] pela prática de exercícios<br />

intelectuais com a finalidade de robustecer a memória e capacitar o raciocínio para<br />

fazer comentários de textos (ROMANELLI, 2002 p.34).<br />

Segundo Cotrim (1987), o Ratio Studiorum se baseava em cinco princípios, a saber, o<br />

mestre primeiramente deveria explicar aquilo que deveria ser aprendido. Esse conteúdo<br />

aprendido também era colocado em debate para estimular a competição entre os alunos. Cada<br />

aluno tinha um rival que deveria denunciar qualquer falha do seu oponente. Os alunos<br />

deveriam produzir textos sobre os grandes temas do ensino, mas esses textos não<br />

desenvolviam a criatividade dos alunos, uma vez que deveriam ser produzidos com base em<br />

conteúdos memorizados e imitando estilos de textos já desenvolvidos e considerados corretos.<br />

Portanto, nesse modelo, fica claro o caráter reprodutor e não criativo da educação.<br />

Nesse contexto, o ensino praticado pelos padres jesuítas, nessa segunda fase, nada<br />

tinha em comum com o dia-a-dia dos educandos. O conteúdo abrangia o estudo das línguas<br />

latina e grega, além de filosofia e teologia. Era uma educação impregnada da cultura medieval<br />

europeia e dominada pela igreja, que visava tão somente formar letrados e eruditos e aos<br />

índios apenas catequizar.<br />

período:<br />

Cotrim apresenta os seguintes aspectos para a educação praticada pelos jesuítas nesse<br />

[...] as mulheres ficavam afastadas do processo educacional sistemático. Aprendiam<br />

apenas os afazeres do serviço doméstico e as regras de boas maneiras;<br />

[...] a educação necessária ao trabalho produtivo (agricultura e, posteriormente a<br />

mineração) era aprendida de forma assistemática, no convívio prático dos mais<br />

novos com os mais velhos;<br />

[...] nos estabelecimentos de ensino jesuítas, a elite colonial recebia uma educação<br />

avessa ao desenvolvimento do espírito científico, inspirada em valores medievais,<br />

uma educação que tinha um objetivo máximo de formar pessoas para o sacerdócio<br />

ou, então, prepará-las para o curso jurídico superior, geralmente na Universidade de<br />

Coimbra. (COTRIM, 1987, p. 260).<br />

21


Segundo a educação jesuítica após Nóbrega estava divida em três etapas, a saber:<br />

a educação elementar destinada à população indígena e branca em geral, desde<br />

que do sexo masculino;<br />

religiosa.<br />

a educação média para os homens da classe dominante;<br />

a educação superior religiosa destinada àqueles que seguiriam a carreira<br />

Assim, vê-se que o ensino profissional e agrícola, os quais Nóbrega considerava<br />

imprescindíveis para o desenvolvimento da colônia, foi excluído e, a partir de então, fica claro<br />

que, além de catequizar, estava explícito o objetivo de educar a elite para a manutenção do<br />

estado de dominação existente.<br />

Pela ilustração 01 pode-se perceber a diferença entre os dois planos de ensino: o de<br />

Nóbrega e o Ratio Studiorum, ministrado pelos jesuítas após a morte de Nóbrega.<br />

Quadro 01 <strong>–</strong> Plano de estudos praticado pelos jesuítas no Brasil<br />

canto<br />

orfeônico<br />

aprendizado do português<br />

Aprendizado<br />

profissional e agrícola<br />

de Nóbrega<br />

doutrina cristã<br />

escola de ler e escrever<br />

música<br />

instrumental<br />

gramática<br />

latina<br />

viagem à Europa<br />

Plano de Estudos<br />

dos jesuítas a<br />

partir de 1570<br />

curso de humanidades<br />

curso de filosofia<br />

curso de Teologia<br />

viagem à Europa<br />

Fonte: RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 17. ed.<br />

rev e ampl. Campinas: Autores Associados, 2001. p.23.<br />

Assim, segundo esse novo sistema de ensino, estava sendo formada a elite agrária na<br />

sociedade colonial. Afastada do pensar crítico, bem como distanciada da prática das<br />

atividades diárias, aqueles que iriam compor a classe dirigente eram, por assim dizer,<br />

treinados para manter uma estrutura de poder e de classe que distanciava cada vez mais<br />

22


aqueles que pensam (filhos dos colonos) daqueles que fazem (negros, indígenas e mestiços).<br />

Incentivando o “privilegiamento do trabalho intelectual em detrimento do manual”,<br />

(COTRIM, 1987. p 260) nutria-se a ideia de que se deveria copiar o modelo da metrópole,<br />

pois lá estava a civilização. Vejamos o que diz Speyer:<br />

A consequência mais clara dessa opção é que a educação brasileira, nos primeiros<br />

séculos, foi ‘amordaçada por colonialismo empobrecedor’ e, por tabela, ‘a nossa<br />

cultura foi uma cultura reflexa, uma cultura transplantada de centros mais<br />

desenvolvidos’. (SPEYER, 1983, p. 63).<br />

Com a nomeação do Marquês de Pombal como primeiro-ministro de Portugal e a<br />

expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses, tem início uma nova fase da educação, tanto<br />

em Portugal como no Brasil.<br />

Influenciado pelas ideias iluministas, Pombal deu início a um conjunto de reformas<br />

que pretendiam inserir Portugal e seus domínios em um mundo moderno.<br />

No que se refere à educação, criou o cargo de diretor geral dos estudos. A partir de<br />

então, não era mais possível lecionar sem licença.<br />

Pombal pretendia “simplificar e abreviar os estudos; [...] propiciar o aprimoramento da<br />

língua portuguesa; diversificar o conteúdo, incluindo o de natureza científica” (RIBERO,<br />

2001 p 33). Instituiu as aulas régias, que nada mais eram além de aulas avulsas de latim,<br />

grego, filosofia e retórica. Com essa atitude, Pombal pretendia tornar o conteúdo das escolas<br />

mais prático e utilitário, além de fomentar um maior interesse ao ensino superior.<br />

Entretanto, como diz Ribeiro “as transformações ocorridas no nível secundário não<br />

afetam, como não poderia deixar de ser, o fundamental. O ensino permaneceu desvinculado<br />

dos assuntos e problemas da realidade imediata. O modelo continuou sendo o exterior<br />

‘civilizado’ a ser imitado” (RIBEIRO, 2001, p. 35).<br />

Nesse contexto, as mudanças que deveriam servir para oportunizar melhorias<br />

acabaram por piorar ainda mais a situação educacional da colônia. O que se seguiu foi uma<br />

completa desintegração do sistema de ensino, tornando-se precário e irregular, sendo<br />

ministrados em sua maioria por leigos. Não produziu os efeitos práticos desejados, mas fez<br />

nascer um ensino público financiado pelo Estado para atender aos seus interesses, conforme<br />

afirma Romanelli:<br />

O ensino [...] orientou-se para os mesmos objetivos [...] e se realizou com os<br />

mesmos métodos pedagógicos, com apelo à autoridade e à disciplina estreita, [...]<br />

tendendo a abafar a originalidade, a iniciativa e a força criadora individual, para pôr<br />

em seu lugar a submissão, o respeito à autoridade e a escravidão aos modelos<br />

antigos.( ROMANELLI, 2002, p.36,37).<br />

23


O que se pode afirmar, com relação a esse período, é que foi um grande atraso para a<br />

educação no Brasil, pois o maior objetivo das reformas implementadas por Pombal<br />

seguramente não eram para melhorar a situação da colônia, mas para inserir definitivamente o<br />

Brasil no mundo capitalista, que emergia e reafirmava a posição da colônia como submissa à<br />

metrópole. Para atingir tais objetivos, ou seja, tornar a elite colonial “mais eficiente em sua<br />

função articuladora das atividades internas e dos interesses da camada dominante portuguesa”<br />

(RIBEIRO, 2001, p. 35) era necessário educar a elite colonial nos modelos de dominação.<br />

Entretanto, essa situação de estagnação começa a mudar com a vinda da família real<br />

portuguesa para o Brasil.<br />

Apesar de ainda continuar a ter importância secundária, algumas mudanças se fizeram<br />

notar, tanto na esfera econômica quanto na cultural. Cotrim (1987) lista uma série de eventos<br />

que contribuíram para o desenvolvimento cultural e da educação no Brasil, a saber: a<br />

fundação da Imprensa Régia; a criação da Biblioteca Pública, do Jardim Botânico e do Museu<br />

Nacional; e o nascimento do ensino superior não-teológico com a criação da Academia Real<br />

da Marinha e Academia Real Militar (que futuramente se tornou a Escola Politécnica), e dos<br />

seguintes cursos: Direito, Cirurgia e Anatomia, Economia, Agricultura, Química, Desenho<br />

Técnico e da Academia de Belas Artes.<br />

Apesar de o ensino superior brasileiro ter surgido com a “preocupação basicamente<br />

profissionalizante”, havia um aspecto positivo: “o de terem surgido de necessidades reais do<br />

Brasil, coisa que pela primeira vez ocorria” (RIBERO, 2001, p. 42).<br />

Porém, enquanto nascia o ensino superior, ficava completamente abandonado pelo<br />

Estado os ensinos primário e secundário, fazendo da população em geral uma sociedade de<br />

analfabetos. Assim, com a criação desses cursos superiores, a educação passa a se firmar<br />

como uma educação de elite aristocrática e nobre e é nesse contexto que se firmam as bases<br />

para a educação, que será praticada também no período Imperial: ensino primário, secundário<br />

e superior.<br />

Há que se fazer uma pausa para esclarecer alguns pontos sobre a sociedade imperial. É<br />

preciso deixar claro que, apesar de o Brasil ter conquistado sua independência política, isso<br />

não significou o rompimento efetivo com as condições do passado. Não ocorreu aqui uma<br />

“libertação nacional visando a emancipação do povo”, mas “em nada modificou a situação<br />

das classes dominantes do país, que continuaram desfrutando dos mesmos privilégios sociais<br />

e influindo sobre o poder político” (COTRIM, 1987, p. 270).<br />

Sem nenhuma alteração na ordem social-econômica do ponto de vista do modelo de<br />

dominação, mantendo uma sociedade aristocrática e escravocrata, imperava o sentimento de<br />

24


que a “prática do trabalho era algo indigno e degradante, coisa própria para escravos”. O<br />

homem livre não deveria “sujar as mãos”, mas sim:<br />

[...] dedicar-se à atividade intelectual que seria tanto mais valorizada quanto mais se<br />

distanciasse da atividade concreta de garantir a imediata sobrevivência material.<br />

Desse modo, por exemplo, o trabalho do administrador da produção, do engenheiro<br />

e mesmo do médico era considerado menos nobre que o trabalho do político, do<br />

advogado, do jornalista; enfim, dos profissionais que, ‘cultivando o espírito’,<br />

trabalhavam com ideias, teses e filosofias. (COTRIM, 1987, p. 270 - 271).<br />

Nesse contexto, não havia muita necessidade de preocupação com a educação popular<br />

(leia-se aqui “da classe trabalhadora”), sendo privilegiado o ensino àqueles que tinham tempo<br />

ocioso. Por essa razão, há ênfase no ensino superior, caindo no esquecimento as fases<br />

anteriores de educação.<br />

Como diz Cotrim (1987, p. 273) “prova do descaso das autoridades pelo ensino<br />

primário foi a adoção do método lancasteriano”. Por esse método, apenas um professor<br />

preparava um grupo seleto de dez alunos. Esses dez eram encarregados de repassar o<br />

conteúdo para uma classe de cinqüenta colegas, vigiados por um supervisor. Por seus<br />

resultados desastrosos, foi logo abolido na Inglaterra, local onde surgiu. Porém, no Brasil,<br />

vigorou durante quinze anos.<br />

Entretanto, Faria Filho (2000) afirma que, apesar desse esquecimento da educação<br />

primária e secundária, em muitas Províncias havia uma grande preocupação com a educação<br />

das classes mais baixas da população. Eram discutidas questões como: a necessidade de se<br />

educar negros e índios e de ampliar a educação para a maior parte da população. Essa<br />

discussão se dá porque a Constituição de 1824 assegura direitos civis apenas aos brancos (não<br />

aos índios e escravos) e direitos públicos aos brancos com renda mínima de 100 mil reis<br />

anuais. (FRANTZ, 2006). Nota-se, novamente, a força de uma sociedade voltada apenas a<br />

manter o status quo de “classe senhorial resguardando seus direitos segundo a ótica da<br />

preservação da ordem social escravista estabelecida e a ordem política liberal-<br />

constitucionalista.” (FRANTZ, 2006, p 23).<br />

Muitas foram as discussões, os projetos e os decretos para normatizar a educação<br />

como uma obrigatoriedade do Estado para educação popular até que em 15 de outubro de<br />

1827, é sancionada a primeira Lei para dirigir o processo educacional. Em seu artigo primeiro<br />

dizia que em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, deveria haver as escolas de<br />

primeiras letras que fossem necessárias. Os defensores da educação popular consideraram<br />

essa lei uma grande vitória, pois os mesmos insistiam sempre que “instruir as ‘classes<br />

inferiores’ era tarefa fundamental do Estado brasileiro” e que somente a instrução “poderia<br />

25


arregimentar o povo para o projeto de um país independente, criando também condições para<br />

uma participação controlada na definição dos destinos do país”. (FARIA FILHO, 2000, p<br />

137).<br />

Entretanto, o que deveria ser comemorado como vitória, segundo Speyer (1983) foi:<br />

[...] apenas um discurso em que o governo se dizia preocupado com a educação<br />

popular: na prática o Decreto não saiu do papel e foi posteriormente engavetado e<br />

esquecido. [...] Apesar das afirmações em contrário, as classes dominantes não<br />

tinham qualquer interesse em proporcionar uma educação de base para toda a<br />

população (...) A ausência de educação escolar para toda a população não era apenas<br />

fruto, mas antes uma condição essencial para nosso desenvolvimento.(QUEDA apud<br />

SPEYER, 1983, p. 64 - 65).<br />

Pelo Decreto de 1827, a educação, em seus três níveis, era de responsabilidade do<br />

governo Federal, porém, em 1834, pelo Ato Adicional à Constituição do Império, passa a ser<br />

das Províncias (hoje estados) a responsabilidade de legislar sobre o ensino primário e<br />

secundário. A partir de então, a organização educacional estava dividida. Sob a<br />

responsabilidade do poder central ficava o ensino superior de todo o país e os demais níveis<br />

educacionais do município da corte. As províncias tinham a responsabilidade de prover o<br />

ensino primário e secundário.<br />

Dessa forma, a constante falta de recursos nas províncias acabou por impedir uma<br />

organização eficiente dessas escolas.<br />

Sobre essa descentralização do ensino e a situação deplorável da educação nesse<br />

período, Darcy Ribeiro assim escreve:<br />

Duas são as vias históricas de popularização do ensino elementar. Primeiro, a<br />

luterana, que se dá com a conversão da leitura da Bíblia no supremo ato de fé. [...] A<br />

outra forma de generalização do ensino primário foi a cívica, napoleônica,<br />

promovida pelo Estado, fruto da Revolução Francesa, que se dispõe a alfabetizar os<br />

franceses para fazer deles cidadãos. [...] Como se vê, temos duas formas de se fazer<br />

a educação popular: uma religiosa, que é comunitária, municipal; outra cívica, que é<br />

estatal, e em consequência federal. [...] ao entregar a educação primária exatamente<br />

àqueles que não queriam educar ninguém <strong>–</strong> porque achavam uma inutilidade ensinar<br />

o povo a ler, escrever e contar <strong>–</strong> [...] a tarefa de generalizar a educação primária, a<br />

condenavam ao fracasso, tudo isso sem admitir, jamais, que seu intento era<br />

precisamente este. (RIBEIRO apud COTRIM, 1987, p. 278).<br />

Com isso, no final do Império, em nosso país havia 14 milhões de habitantes dos quais<br />

85% eram analfabetos.<br />

Portanto, não era de se estranhar que, de toda a “intensa circulação de novas ideias no<br />

país”, a educação era tida, no início da República, como o único meio de “promover a<br />

reconstrução da sociedade, transformando o súdito em cidadão”. (COTRIM, 1987, p. 280).<br />

Esse era o pensamento liberal burguês e, conforme Frantz “a educação escolar passara<br />

26


a fazer parte do discurso de importantes seguimentos da sociedade brasileira: jornalistas,<br />

políticos, padres e ministros evangélicos, proprietários e homens do povo e, principalmente,<br />

as mulheres que expressavam grande interesse pela escolarização”. (FRANTZ, 2006, p.25).<br />

Por outro lado, nota-se novamente a grande distância existente entre o discurso e a<br />

prática, haja vista que o primeiro governo republicano reuniu, em um mesmo ministério, a<br />

Instrução Pública e os Correios e Telégrafos. (ROMANELLI, 2002).<br />

Em 1891, a Constituição da República consagrou o sistema dual na educação, não só<br />

quando reserva à União criar instituições de ensino superior e educação secundária nas<br />

Unidades Federativas, e às Unidades Federativas comandar a educação primária, mas<br />

oficializando a distinção entre “a educação da classe dominante (escolas secundárias<br />

acadêmicas e escolas superiores) e a educação do povo ou popular (escolas primárias e<br />

profissionais)” (SPEYER, 1983, p 66).<br />

Faz-se importante ressaltar que, no início da República, a maior parte da população<br />

vivia no campo. Segundo Santos (2008), apenas 10% do total da população de<br />

aproximadamente 17.318.556 pessoas viviam na cidade. Entretanto, houve uma maior<br />

demanda por educação por parte da população urbana. Romanelli explica esse fato da<br />

seguinte forma:<br />

No começo da República as classes médias que emergiam na zona urbana não<br />

tinham ainda força numérica que iria ter a contar dos anos 30. Durante todo esse<br />

período de que estamos tratando, o predomínio numérico coube às populações<br />

estabelecidas na zona rural. Esse fato, determinado pela estrutura sócio-econômica<br />

vigente, foi também fator determinante na composição efetiva da demanda escolar,<br />

no decorrer do período. Para uma economia de base agrícola, como era a nossa,<br />

sobre a qual se assentavam o latifúndio e a monocultura e para cuja produtividade<br />

não contribuía a modernização dos fatores de produção, mas tão-somente se<br />

contentava com a existência de técnicas arcaicas de cultivo, a educação realmente<br />

não era considerada como fator necessário. Se a população se concentrava na zona<br />

rural e as técnicas de cultivo não exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a<br />

alfabetização, está claro que, para a população camponesa, a escola não tinha<br />

nenhum interesse. Enquanto as classes médias e operárias urbanas procuravam a<br />

escola, porque dela precisavam para, de um lado ascender na escala social e, de<br />

outro, obter um mínimo de condições para consecução de emprego nas pouca<br />

fábricas [...] (ROMANELLI, 2002, p. 45).<br />

Observando o exposto, percebe-se que já se firmavam duas condições básicas para o<br />

esquecimento da escolarização do campo: o ócio fazia aproximar-se da classe dos senhores e<br />

o trabalho era coisa de escravo. Portanto, não se fazia necessário aprender a trabalhar.<br />

(SPEYER, 1983).<br />

Algum esboço de mudança começa a surgir a partir de 1920. Porém, não acarretou<br />

nenhuma mudança efetiva no sistema e estava-se muito longe de, através da mudança,<br />

estabelecer-se uma política nacional de educação, bem como de promover a cidadania e uma<br />

27


sociedade mais igualitária. Vários pensadores da Educação, tais como Anísio Teixeira,<br />

Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Almeida Júnior, entre outros, surgem comandando<br />

algumas reformas, tentando implantar no Brasil os ideais neopositivistas da Escola Nova.<br />

É necessário um breve comentário sobre o movimento escolanovista. Esse movimento,<br />

apesar de ter sua origem na Europa, foi amplamente difundido nos Estados Unidos, tendo<br />

como principal teórico John Dewey.<br />

De acordo com Silva e Schelbauer (2007), Rodrigues (2006) e Catelli (2005), a Escola<br />

Nova surge como uma forma de reação à chamada “Pedagogia Tradicional”. Além de<br />

expressar uma preocupação com a formação do caráter e da personalidade, propõe uma<br />

educação ativa, na qual a aprendizagem ocorre por meio de resolução de problemas.<br />

Propunham, assim, um ensino baseado na observação e no aprendizado concreto, estando<br />

assim, mais próximo da realidade do educando.<br />

Dessa forma, o processo ensino aprendizagem deixa de ser centrado no professor, que<br />

passa a ser um estimulador e orientador, e passa a ser centrado no aluno, que passa a ter maior<br />

participação na construção do seu conhecimento.<br />

No Brasil, foram representantes dessas ideias Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto,<br />

Anísio Teixeira, Manuel B. Lourenço Filho, Francisco Venâncio Filho, entre outros.<br />

Em 1932, Fernando de Azevedo elabora o Manifesto do Pioneiros da Escola Nova,<br />

que foi assinado por ele e outros 26 educadores brasileiros. O Manifesto defendia uma<br />

educação pública de qualidade e gratuita, mista, laica, obrigatória e associada à vida prática<br />

das pessoas, ou seja, transferia para o Estado a obrigação pela educação da sociedade e<br />

promulgava a educação como motivadora do progresso. Dessa forma, daria acesso a todos,<br />

sem distinção de raças, sexo, credos ou camadas sociais.<br />

Entretanto, Ribeiro aponta alguns problemas sobre a teoria educacional expressa no<br />

Manifesto quando aponta que<br />

As ‘ideias novas’ em educação, que aparecem como teoria educacional adequada às<br />

novas circunstâncias de rompimento com uma sociedade basicamente agrária, são o<br />

resultado da adesão de tais educadores ao movimento europeu e norte-americano,<br />

chamado ‘escola nova’. Este visava o ‘restabelecimento daquele sentido humano<br />

ameaçado pelas exigências econômicas como pelas exigências políticas (Hubert<br />

1967:123), advindas da industrialização e da nacionalização que pressionava a<br />

educação para o trabalho durante o século XIX. Por isso parecia ser a educação<br />

adequada aos países industrializados ou em vias de industrialização. Adequada,<br />

portanto, às sociedades capitalistas avançadas. (RIBEIRO, 2001, p.123).<br />

Nesse contexto, os autores do Manifesto se esqueceram que princípios educacionais<br />

surgem para resolver os problemas nas sociedades das quais fazem parte. Além disso, não<br />

existe apenas um tipo de sociedade urbano-industrial. Esqueceram-se que os processos de<br />

28


transformação das sociedades americana e europeia também se deram em contextos diferentes<br />

um do outro. E mais diferente ainda era a situação brasileira, que nunca rompeu com o<br />

modelo de sociedade existente desde o início de sua colonização. Vejamos o que escreve<br />

Ribeiro:<br />

Ao proporem um novo tipo de homem para a sociedade capitalista e defenderem<br />

princípios ditos democráticos e, portanto, o direito de todos se desenvolverem<br />

segundo modelo proposto de ser humano, esqueceram o fato fundamental desta<br />

sociedade que é o de estar ainda dividida em termos de condição humana entre os<br />

que detém e os que não detém os meios de produção, isto é, entre dominantes e<br />

dominados. (RIBEIRO, 2001, p.124 - 125).<br />

Por outro lado a própria Ribeiro não deixa de apresentar alguns pontos positivos<br />

advindos das reflexões sobre a educação. Colocar em debate permanente as deficiências da<br />

estrutura educacional brasileira fez com que as autoridades voltassem seus olhos para a<br />

melhoria do sistema educacional. Mais do que os próprios princípios pedagógicos da “Escola<br />

Nova”, a reflexão sobre nossos problemas educacionais foram de grande importância para as<br />

melhorias conquistadas.<br />

As ideias do manifesto foram atendidas na Constituição de 1934, a qual:<br />

[...] incumbiu a União de fixar o Plano Nacional de Educação, compreensivo do<br />

ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados, e de coordenar e<br />

fiscalizar a sua execução em todo o território nacional. Estabeleceu a<br />

obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário; instituiu a tendência à gratuidade<br />

para o ensino secundário e superior; tornou obrigatório o concurso público para o<br />

provimento de cargos no magistério; determinou como incumbência do Estado a<br />

fiscalização e a regulamentação das instituições de ensino público e particular;<br />

determinou dotações orçamentárias para o ensino nas zonas rurais; e fixou que a<br />

União deveria reservar no mínimo 10% do orçamento anual para a educação e os<br />

Estados deveriam destinar 20%. (FRANTZ, 2006 p. 30 - 31).<br />

A partir de 1937, com a instituição do Estado Novo, percebem-se mudanças<br />

significativas em nossa sociedade. Conforme Cotrim (1987), a pequena burguesia empresarial<br />

começa a ter um aumento gradual de poder sobre a oligarquia agrária. Acentuam-se as<br />

diferenças entre o campo e o urbano, com um aumento da população do segundo. A indústria<br />

começa a ganhar status em detrimento da agricultura, bem como o mundo urbano passa a ser<br />

mais valorizado que o campo. O acentuado crescimento das atividades urbano-industriais<br />

demandou novas exigências educacionais, entretanto, as discussões sobre a Educação, apesar<br />

da criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública e das reformas realizadas, entram<br />

em um período que Romanelli (2002) chama de período de hibernação.<br />

Na Constituição de 1937, o que era de obrigatoriedade do Estado no sentido de prover<br />

a educação gratuita a todos, passa a ser apenas uma ação supletiva, ou seja, o Estado deveria<br />

prover educação apenas às famílias às quais faltassem os recursos. A ênfase educacional recai<br />

29


sobre os trabalhos manuais, os quais se tornam componente curricular obrigatório das escolas<br />

primárias, normais e secundárias. O que se destaca nesse período é a criação do SANAC e<br />

SENAI, que vieram a valorizar o ensino profissionalizante no país, ratificando o caráter<br />

vocacional e profissional “que se destina às ‘classes menos favorecidas”. (RIBEIRO, 2001, p<br />

129).<br />

Para regulamentar a educação, nesse período, foram criadas as Leis Orgânicas do<br />

Ensino, as quais tinham por objetivo um sistema de ensino centralizado e articulados<br />

intrapartes. Regulavam o Ensino Industrial (Decreto lei 4.073 de 1942), o Ensino Secundário<br />

(Decreto lei 4.244 de 1942) e o Ensino Comercial (Decreto lei 6.141 de 1943).<br />

Em 1946, mesmo com o fim da ditadura imposta por Getúlio Vargas, foram<br />

promulgadas mais três leis orgânicas, a saber, a Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto lei<br />

8.529 de 1946), a Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto lei 8.530 de 1946) e a Lei<br />

Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto lei 9.613 de 1946).<br />

Entretanto, na opinião de Frantz (2006), as Leis Orgânicas provocaram um<br />

distanciamento na educação das classes mais abastadas das classes populares, pois ofereciam<br />

percursos diferentes para ambos.<br />

Para as elites, o caminho era simples: do primário ao ginásio, do ginásio ao colégio<br />

e, posteriormente, a opção por qualquer curso superior. O caminho escolar das<br />

classes populares, caso escapassem da evasão escolar, ia do primário aos diversos<br />

cursos profissionalizantes que, por sua vez, só davam acesso ao curso superior da<br />

mesma área. (FRANTZ, 2006, p 32).<br />

Com o fim do Estado Novo, inicia-se no Brasil um período mais liberal e democrático,<br />

trazendo de volta, em sua nova Constituição, os preceitos educacionais de antes no que tange<br />

à obrigatoriedade do Estado em prover educação de qualidade e gratuita para todos. Nasce um<br />

novo período de discussões sobre a área educacional que perdurará por 13 anos.<br />

Em 1953, é criado o Ministério da Educação e Cultura e, em 1961, foi promulgada a<br />

Lei 4.024 que passa a reger a Educação de forma nacional. Entretanto, essa Lei foi<br />

considerada uma derrota para os defensores da Escola Pública gratuita, pois facilitava a<br />

expansão do ensino privado, em especial para os níveis secundários e superiores. Como<br />

resultado da frustração pelo desfecho dessa nova lei, movimentos de base popular não<br />

institucionais acabaram por criar um sistema paralelo à educação formal. Os Centros<br />

Populares de Cultura, os Movimentos de Cultura Popular e o Movimento de Educação de<br />

Base levavam arte e educação de base ao povo. Destaca-se aqui a atuação do Movimento de<br />

Educação de Base que, atuando em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do<br />

Brasil <strong>–</strong> CNBB <strong>–</strong> dedicavam-se à alfabetização de adultos no campo com suas bases<br />

30


metodológicas ancoradas pelo método Paulo Freire de pedagogia libertadora (FRANTZ,<br />

2006).<br />

Em 1964, a Ditadura Militar põe fim às manifestações pela educação popular que, em<br />

última análise, buscavam tornar o povo mais consciente de seu papel na sociedade e do<br />

exercício de sua cidadania.<br />

A defesa da ideia de que a opção pela radicalização do nacionalismo e a melhora das<br />

condições de vida da classe trabalhadora colocavam em risco a burguesia agrária-industrial<br />

brasileira e causavam desconfiança aos olhos do capital estrangeiro que a financiaria e,<br />

portanto, precisava ser combatida. Assim, o governo militar iria se desenvolver com base no<br />

modelo de desenvolvimento com segurança. (GHIRALDELLI apud FRANTZ, 2006).<br />

No que se refere à educação, a mesma assume uma “tendência tecnicista [...] de acordo<br />

com o modelo tecnoburocrático-capitalista-dependente” (COTRIM, 1987, p. 297). A grande<br />

preocupação do governo era de utilizar a educação como meio de qualificar a mão-de-obra<br />

para o trabalho. Nesse modelo pedagógico, não há qualquer tipo de questionamento sócio-<br />

político do conteúdo (prioridade de Paulo Freire), mas apenas fazer com que o aluno opere de<br />

forma técnica e prática com o conteúdo desenvolvido na escola. (COTRIM, 1987).<br />

Em 1971, foi instituída a Lei 5.692 <strong>–</strong> a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional <strong>–</strong> LDB, que regulamentou a forte tendência profissionalizante da pedagogia<br />

tecnicista. Outra criação do Regime Militar foi o Movimento Brasileiro de Alfabetização <strong>–</strong><br />

MOBRAL. Este propunha acabar com o analfabetismo teimosamente reinante no Brasil desde<br />

a época da Colônia. Entretanto, o programa além de oneroso, não surtiu os efeitos desejados.<br />

Da evolução histórica no período da Ditadura Militar, pode-se perceber que “a<br />

imposição do econômico sobre o social e o predomínio do interesse privado sobre o público”,<br />

fez com que, nos seus anos finais, o crescimento da inflação aliado ao endividamento externo<br />

trouxesse sérios problemas para a economia brasileira e causou um descontentamento na<br />

burguesia agrário-industrial. Como consequência desses problemas na educação, pode-se<br />

perceber uma generalizada queda na qualidade do ensino público, motivado, principalmente,<br />

pela desvalorização do profissional ligado ao ensino e prestação de serviços nas escolas<br />

públicas do país.<br />

Em virtude do caos social e econômico promovidos pelo fracasso do modelo político-<br />

econômico desenvolvido pelos militares a sociedade mobilizou-se para provocar mudanças<br />

nas ações do governo. Essas mobilizações acabaram por provocar uma nova fase na história<br />

do Brasil: a volta da democracia.<br />

Nessa nova fase política econômica e social, as discussões sobre a educação foram<br />

31


etomadas e, a partir daí, nasce no contexto brasileiro a Pedagogia crítico-social dos<br />

conteúdos, que:<br />

[...] valoriza o papel social da escola pública na transmissão do saber<br />

institucionalizado; leva em conta o saber popular, mas também considera<br />

sumamente importante a transmissão do saber científico (erudito) para as classes<br />

populares e considera a escola um local de contradições que pode ser aproveitado<br />

pelas forças progressistas no contexto das lutas sociais globais. (COTRIM, 1987, p.<br />

305).<br />

No contexto dessa nova fase da história brasileira, Frantz afirma que as discussões<br />

sobre educação ganharam “um nível de complexidade jamais visto na história da sociedade<br />

brasileira” (FRANTZ, 2006, p. 39). A situação educacional brasileira era caótica:<br />

A educação havia chegado ao seu degrau mais baixo, com a política educacional<br />

ditatorial que se pautava pela repressão, pela privatização de ensino, pela exclusão<br />

de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, pela<br />

institucionalização do ensino profissionalizante pelo tecnicismo pedagógico e pela<br />

desmobilização do magistério, através de abundante e confusa legislação<br />

educacional (FRANTZ, 2006, p. 39 - 40).<br />

A Constituição de 1988 e, por conseguinte, a nova LDB (projeto de autoria do Senador<br />

Darcy Ribeiro, a Lei 9.394, aprovada em 1996 que estabelece as diretrizes para a educação<br />

nacional) tenta melhorar o sistema educacional no país.<br />

Essa nova lei foi elaborada de forma a respeitar as diversidades regionais, sociais,<br />

culturais e políticas existentes no Brasil. Alguns aspectos importantes para a educação estão<br />

ali contemplados, tais como: um caráter menos profissionalizante da educação, a<br />

descentralização administrativa do processo educacional, preocupação com um profissional<br />

da educação mais bem preparado, o direito da educação para todas as classes sociais e todas<br />

as raças, sem distinção, com acesso, inclusive, à educação para alunos com necessidades<br />

especiais.<br />

Ao analisar a história da Educação no Brasil, percebe-se que a mesma, apesar de<br />

passar por várias reformas e muitas tentativas de se estabelecer uma educação democrática,<br />

com acesso igual para todos, acabou por perpetuar uma situação dual, privilegiando as elites<br />

dominantes, com vistas a atender aos seus interesses, como afirma Romanelli (2002) “se, por<br />

um lado, a sobrevivência desse sistema de poder está na dependência da ordem social e<br />

econômica vigente, por outro, mantém relações com o conteúdo oferecido pela escola<br />

existente”. (ROMANELLI, 2002, p. 29). Além disso, o processo de urbanização acontecendo<br />

de uma forma acelerada e desordenada juntado à crescente valoração do urbano em<br />

detrimento do camponês, os esforços sempre foram no sentido de se melhorar a educação<br />

urbana, deixando a educação do campo no esquecimento.<br />

32


E foi nesse contexto educacional conservador, destinado à manutenção do status quo<br />

da classe dominante, que alguns programas voltados para a valorização da educação no<br />

campo começam a ser mais intensamente discutidos.<br />

1.1.2 Educação no Campo: sua construção através da história<br />

Apesar de o Brasil ser de origem eminentemente agrária, o processo histórico de<br />

desenvolvimento social fez com que a sociedade camponesa ficasse de certa forma, à margem<br />

do desenvolvimento. A ela eram constantemente negados direitos básicos de cidadania, em<br />

especial a educação.<br />

Como consequência de uma sociedade pautada no trabalho escravo, na concentração<br />

fundiária, na monocultura exportadora e no modelo de cultura europeu urbanocêntrico, as<br />

atividades do campo não eram percebidas como portadoras de necessidades educacionais para<br />

desenvolver-se e atingir os objetivos econômicos para os quais existia.<br />

Em decorrência desse descaso, a educação do campo, que figurava como uma<br />

necessidade de desenvolvimento local no pensamento de Nóbrega (vide Quadro 01), foi sendo<br />

negligenciada na medida em que as necessidades prioritárias eram as de manter a condição de<br />

dominação, tão presente nas relações socioculturais do Brasil.<br />

Prova desse descaso é que a educação do campo, como tal, não figurava nas<br />

Constituições de 1824 e 1891. Até então era entendida de forma subjetiva nos textos<br />

constitucionais e estava timidamente citada em textos complementares da legislação.<br />

Calazans (1983), em um levantamento histórico da educação no campo no Brasil,<br />

apresenta que o ensino regular em áreas rurais surgiu no fim do segundo Império e foi<br />

intensificada na primeira metade do século XX, mais precisamente a partir de 1930.<br />

Na legislação brasileira, anterior à república, encontramos especificamente três<br />

documentos nos quais se faz referência à educação no campo, a saber:<br />

O Plano de Educação de 1812: (governo de D. João VI) inclui como um dos<br />

dispositivos ‘que no 1 0 grau da instrução pública se ensinariam aqueles<br />

conhecimentos que a todos são necessários, qualquer que seja o seu estado, e, no 2 0<br />

grau, todos os conhecimentos que são essenciais aos agricultores, aos artistas e<br />

comerciantes’.<br />

Na reforma de 1826 <strong>–</strong> Plano Nacional de Educação <strong>–</strong> ‘inscreve-se que no 1 0 ano do<br />

2 0 grau se dará uma ideia dos três reinos da natureza, insistindo-se, particularmente,<br />

no conhecimento dos terrenos e dos produtos naturais da maior utilidade nos usos da<br />

vida’.<br />

Na reforma de 1879 (Decreto n 0 7247) estabeleceu-se que ‘o ensino nas escolas<br />

33


primárias do 2 0 grau constaria da continuação e desenvolvimento das disciplinas<br />

ensinadas no 1 0 grau e mais, entre outras disciplinas, noções de lavoura e<br />

horticultura’. (CALAZANS, 1983, p.17).<br />

Na Bahia, em 1814, surgiu o curso técnico de Agricultura, sendo este transformado<br />

futuramente na primeira escola de Agronomia do Brasil.<br />

Entretanto, Mendonça (2007) afirma que a interferência estatal sobre a educação do<br />

campo está presente desde a abolição da escravidão no Brasil, quando mudanças significativas<br />

na sociedade e na economia afetaram as relações de trabalho no campo. Dadas estas<br />

mudanças, o Ministério da Agricultura Indústria e Comércio <strong>–</strong> MAIC <strong>–</strong> fundamentou sua<br />

política de educação no campo pautada na arregimentação de mão-de-obra.<br />

Mendonça destaca que esta atuação estatal se deu através das ações de duas<br />

importantes organizações representativas da classe dos proprietários rurais, a saber, “a<br />

Sociedade Paulista de Agricultura/Sociedade Rural Brasileira (paulista) e a Sociedade<br />

Nacional de Agricultura (fluminense)” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 246) com o predomínio desta<br />

última na participação política nacional.<br />

A partir da difusão da ideia de que os problemas enfrentados pela agricultura<br />

brasileira, no que se refere à exportação de seus produtos, eram atribuídos ao “arcaico homem<br />

do campo” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 246), duas modalidades de intervenção pedagógicas<br />

surgiram para educar a população do campo: os Aprendizados Agrícolas e os Patronatos<br />

Agrícolas, “ambos responsáveis pela formação de trabalhadores ‘aptos ao manejo de<br />

máquinas e técnicas modernas de cultivo, ensinando-lhes, sobretudo, seu valor econômico’<br />

(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 247 ). Ambas instituições serão descritas no item 1.2 do presente<br />

capítulo.<br />

Ao citar o funcionamento e as intenções do Estado para a atuação de tais instituições<br />

Mendonça (2007), destaca que as manifestações estatais sobre a melhoria do ensino agrícola,<br />

a partir de 1930, foram meras ratificações do sistema dualista de ensino que foi se<br />

desenvolvendo ao longo da história do país e se deu apenas como uma continuidade de<br />

políticas estabelecidas anteriormente. Daí entende-se o movimento do ruralismo pedagógico<br />

que, pautado nas ideias escolanovistas, pretendia um ensino universal praticado em uma<br />

escola leiga, gratuita, proporcionada pelo Estado.<br />

Ao promover às pessoas do campo uma educação primária e técnica, tirava dos<br />

mesmos a possibilidade de seguirem no ensino superior, pois para esse havia a necessidade de<br />

se cursar o ensino secundário (destinado ao preparo das elites para o trabalho intelectual).<br />

Assim, ao homem do campo restava apenas uma educação voltada “para a preparação e<br />

34


adestramento dos trabalhos manuais” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 250).<br />

O ideal pedagógico do ruralismo em discussão entre os pensadores da educação, a<br />

partir de 1920, buscava uma escola do campo que fosse:<br />

[...] acomodada aos interesses e necessidades da região a que fosse destinada [...];<br />

que impregnasse o espírito do brasileiro [...]; de alto e profundo sentido ruralista<br />

[...]; que desperte e forme uma consciência cívica e trabalhista [...]; que faça<br />

desaparecer o ferrete da humilhação e desprestígio impresso no trabalho rural desde<br />

os tempos da escravatura [...]; que engrandeça as atividades do campo e da lavoura<br />

[...]. Uma educação primária que objetiva o desenvolvimento da personalidade [...];<br />

a integração do indivíduo na sociedade brasileira em geral [...]; o ajustamento<br />

regional em que se desenvolva a vida do educando. (CALAZANS, 1983, p. 18 - 19).<br />

Entretanto, a despeito desse ideal pedagógico, Speyer (1983) afirma que o interesse<br />

em fixar o homem no campo estava mais associado aos interesses econômicos e políticos que<br />

aos humanistas e culturais. Frantz (2006, p. 46) afirma que o maior interesse do Estado era o<br />

de “aperfeiçoar o homem do campo, de tal forma, que ele não deixasse de ser trabalhador,<br />

nem despertasse o interesse de ascender socialmente e aceitasse, disciplinadamente, sua<br />

função no sistema de produção”. Talvez, essa tenha sido a razão pela qual tal movimento não<br />

logrou êxito, haja vista a população urbana ter crescido sistematicamente.<br />

No que se refere à Legislação Educacional, há que se fazer destaque para a<br />

Constituição de 1934 que, no seu Artigo 156, obriga o Estado a destinar verbas para promover<br />

a educação do campo e para a criação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946), destinada<br />

“essencialmente à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura” (LOEA, 1946,<br />

Art 1 0 ). Porém, o que se pode perceber é que, apesar de todos os esforços direcionados à<br />

educação do homem do campo, não houve mudança no que se refere ao estado de<br />

inferioridade educacional do campo em relação à cidade.<br />

Apesar da obrigatoriedade do ensino primário gratuito para todos os brasileiros, o que<br />

se viu foi a formação de escolas rurais funcionando em instalações precárias, quase sempre<br />

com uma turma multisseriada, na qual um único professor atende alunos de diversas séries<br />

escolares em uma mesma sala de aula. Além de que, essa prática mantinha um ensino do<br />

campo que não se distinguia do urbano, a não ser pela sua localização e precariedade, tanto no<br />

aspecto quantitativo como no qualitativo.<br />

Essa precariedade, associada aos movimentos sociais existentes e atuantes, apoiados<br />

pelo Estado, favoreceu uma rede de ensino paralela ao convencional. Sociedades e<br />

Associações Rurais, Cooperativas bem como outros tipos de instituições e programas<br />

destinados ao homem do campo tiveram participação fundamental no desenvolvimento da<br />

educação do campo. Dentre esses se destacam: Serviço Social Rural (SSR); Associação<br />

35


Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR); Campanha de Educação de Adolescentes<br />

e Adultos (CEAA); Campanha Nacional de Educação Rural (CNER); Campanha Nacional de<br />

Erradicação do Analfabetismo (CNEA) Polonordeste, Polocentro, Poloamazônia, Projeto<br />

Rondon, entre muitos outros.<br />

No contexto desses programas desenvolvidos, a educação do campo estava<br />

direcionada a uma formação sócio-profissional fundamentada na aquisição de conhecimentos,<br />

que possibilitassem ao indivíduo compreender as razões que dificultavam seu<br />

desenvolvimento a partir do conhecimento do seu modo de vida e, então, desenvolvessem<br />

meios de aumento da produtividade que trariam, como consequência, a melhoria da qualidade<br />

de vida no ambiente do campo.<br />

Também é preciso ressaltar que, muito mais por esforço do Ministério da Agricultura<br />

que do Ministério da Educação, formou-se uma rede de ensino pautada em uma nova<br />

modalidade: a modalidade de assistência técnica e fomento agrícola denominado Extensão<br />

Rural.<br />

A Extensão Rural chegou ao Brasil após a Segunda Guerra Mundial e foi “definido<br />

por seus idealizadores como um processo de escolarização extra-curricular” (QUEDA apud<br />

SPEYER, 1983, p.101).<br />

Trazido pela American International Association (AIA), executado inicialmente pela<br />

Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), era destinado a todas as pessoas do<br />

campo, tais como grandes fazendeiros, pequenos proprietários rurais e trabalhadores<br />

agrícolas. O Programa de Extensão e Assistência Técnica Rural tem se mantido até os dias<br />

atuais.<br />

No que se refere à Educação convencional, a mesma só foi retomada na década de<br />

1960, contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação <strong>–</strong> LDB 4.024/61 <strong>–</strong> quando, em<br />

seu Artigo 32, exige que os proprietários rurais mantenham instalações para o ensino público<br />

nas suas propriedades ou facilitem o acesso à escola primária aos moradores de suas terras.<br />

Além disso, o Artigo 57 faz referência à formação de pessoal para atuar na docência no<br />

campo (GOVERNO..., 1982). A LDB 5.692/71, quando em seu texto promulga que se devem<br />

levar em conta as diferenças regionais, flexibilizar calendários e processos, integrar a<br />

educação regular e propiciar pelo menos alguma iniciação profissional, abre brechas<br />

importantíssimas para que se busque uma educação do campo na sua essência. Entretanto,<br />

dadas as condições políticas e sociais, a educação do campo continuou sendo negligenciada,<br />

evidenciando e aumentando os problemas acumulados ao longo da história.<br />

Os debates sobre a melhoria da educação do campo ganham intensidade quando<br />

36


organizações da sociedade civil, em especial aquelas ligadas à educação popular, incluíram a<br />

mesma na pauta das discussões sobre temas estratégicos para a redemocratização do país.<br />

(BRASIL, 2007). Isso se deu em meados da década de 1980.<br />

Com a educação no campo novamente incluída na pauta das discussões de<br />

redemocratização do país, discutiu-se a criação de um modelo educacional em consonância<br />

com a cultura, direitos sociais, e necessidades inerentes à vida do agricultor. Esse projeto foi<br />

apoiado por vários pensadores da educação, pelas organizações não governamentais,<br />

movimentos sociais e religiosos, dos quais destacam-se, entre outros, a Comissão Pastoral da<br />

Terra <strong>–</strong> CPT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra <strong>–</strong> MST<br />

Houve algumas iniciativas populares para organização da educação para o campo, tais<br />

como, Escolas Famílias Agrícolas, as Casas Familiares Rurais, os Centros Familiares de<br />

Educação por Alternância. Eram baseadas nos modelos franceses de educação sendo que, em<br />

especial a Pedagogia da Alternância foi considerada uma excelente alternativa para uma<br />

educação no campo de qualidade.<br />

Em 1988, com o compromisso de uma educação para todos de responsabilidade do<br />

Estado, a educação no campo ganha maior poder de reivindicação. Em 1998, é estabelecida a<br />

“Articulação Nacional por uma Educação do Campo”, que deveria gerenciar ações por uma<br />

educação do campo em nível nacional.<br />

Em 2002, instituem-se as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas<br />

do Campo e em 2003, o Grupo Permanente de Trabalho de Educação no Campo. (BRASIL,<br />

2007).<br />

Entretanto, para se pensar educação no campo que atenda aos anseios da população<br />

campesina, alguns pressupostos precisam ser levados em consideração. Como citado, a<br />

educação no Brasil sempre serviu às elites, numa perspectiva urbana, para o desenvolvimento<br />

urbano em detrimento do camponês. Porém, como afirma Ramos:<br />

Educação é um direito social e não uma questão de mercado. A educação enquanto<br />

organizadora e produtora da cultura de um povo e produzida por uma cultura <strong>–</strong> a<br />

cultura do campo - não pode permanecer seguindo a lógica da exclusão do direito à<br />

educação de qualidade para todos e todas. [...] Uma política de educação do campo<br />

precisa conceber que a cidade não é superior ao campo, e, a partir dessa<br />

compreensão, impõem-se novas relações baseadas na horizontalidade e<br />

solidariedade entre campo e cidade, seja nas formas de poder, de gestão das<br />

políticas, de produção econômica e de conhecimento. (REFERÊNCIAS..., 2004, p.<br />

35).<br />

Assim, mais que ter conhecimento de que a população do campo é detentora de<br />

saberes próprios, necessita-se proporcionar condições para que esses saberes sejam utilizados<br />

de forma a contribuir para o desenvolvimento da cidadania e melhoria das condições de vida<br />

37


do agricultor.<br />

1.2 Educação no Campo: uma análise sobre as teorias e métodos<br />

Os sistemas educacionais sempre estão destinados a atingir algum propósito. Não se<br />

pode pensar que educar visa apenas à aquisição de conhecimentos, sejam eles práticos ou<br />

acadêmicos, mas educa-se para que os educandos assumam uma determinada postura na<br />

sociedade da qual faz parte. É pela educação que se moldam comportamentos sociais, mesmo<br />

que os educandos desconheçam tal intenção. É pela prática educativa que se pode perceber<br />

quais são esses comportamentos.<br />

Sendo a educação um processo social que não se direciona a um rumo qualquer, nem<br />

se desenvolve sem orientação, tende a ser conservadora, fortalecendo as ideologias e<br />

aumentando o potencial das forças produtivas, mantendo as relações sociais de forma a não<br />

alterar a estrutura de poder existente. (EDUCAÇÃO..., 1984)<br />

Nesse contexto, nenhum plano educacional estruturado é elaborado sem uma<br />

finalidade específica. Os Estados o elaboram para regular a ação educativa, ou seja, com o<br />

propósito de promulgar aqueles conhecimentos que são úteis e favoráveis à ação do Estado.<br />

Estudiosos como Sacristàn, Giroux, Bourdieux, entre outros, chegam a afirmar que<br />

esse agir educacional, que molda as ações de uma sociedade, está presente não apenas no<br />

plano de estudos, mas em todas as experiências vividas pelo educando na escola. (ZOTTI,<br />

2004).<br />

Diante desse fato, cada fase vivida pelos processos educacionais no Brasil serviu a um<br />

propósito bastante específico. Desde os jesuítas, os processos educacionais visavam atingir<br />

certos objetivos <strong>–</strong> nem sempre explícitos <strong>–</strong> que podem ser percebidos pelas diversas formas de<br />

se praticar a educação.<br />

O plano de ensino de Nóbrega serviu aos interesses da Colônia, no sentido de manter a<br />

unidade espiritual e escolar, bem como o aprendizado dos costumes com vistas a manter a<br />

unidade política. A catequese era interessante do ponto de vista econômico, uma vez que<br />

tornava o índio mais dócil para a realização do trabalho (ZOTTI, 2004).<br />

Ao adotar o Plano de Ensino de Ratio 1 , os jesuítas deixaram clara a intenção de educar<br />

1 Ratio Studiorum, descrito na página 20.<br />

38


uma elite reprodutora da Metrópole. Marcada pela intensa rigidez na maneira de pensar e<br />

interpretar a realidade servia à Metrópole na manutenção da Colônia em sua condição de<br />

explorada. Marcada pela obediência, imitação e falta de liberdade criativa, a prática do Ratio<br />

mantinha os educandos na condição de dominados, especialmente quando se observa que os<br />

estudos deveriam ser terminados na Metrópole, modelo de progresso.<br />

Pelo exposto sobre os primórdios da educação no Brasil, pode-se perceber que a<br />

mesma se consolidou num processo dual, onde havia a explícita separação entre os educados<br />

para comandar (elite) e os educados para trabalhar (educação popular), consolidando através<br />

da educação um comportamento social voltado para a produção e para o consumo.<br />

No que se referem à educação no campo, todas as práticas educacionais estabelecidas<br />

pela legislação, além de não estar ao alcance de todos, visavam à formação de uma mão de<br />

obra não questionadora, que servia aos interesses do capitalismo. Todas as manifestações são<br />

no sentido de aprender novas técnicas agrícolas, com vistas à manutenção do modo de<br />

produção e, por conseguinte, o modelo agrário exportador que favorecia aos latifundiários.<br />

Mendonça (2007) afirma que, apesar de a maioria dos historiadores retratarem os<br />

movimentos em favor da educação no campo, a partir da década de 1930, quando da criação<br />

do Ministério da Educação e Saúde, tais movimentos serviram apenas para dar continuidade<br />

às práticas existentes.<br />

Desde a abolição da escravatura, ocasião em que o Estado propõe rever as relações de<br />

trabalho do campo no Brasil, políticos e grandes proprietários de terra uniram-se para o<br />

estabelecimento de uma política de ensino agrícola, com vistas à arregimentação da mão de<br />

obra para garantir o sistema de produção vigente sob o domínio dos grandes proprietários.<br />

Vale ressaltar que, em virtude de uma política discriminatória, a população camponesa<br />

foi desprovida de educação, e, à margem da sociedade, era considerada “atrasada”.<br />

[...] nossos campônios são baldos até dos conhecimentos mais comezinhos e o único<br />

meio de combater este problema é fornecer-lhes escola primária e aprendizado<br />

agrícola para seus filhos, pois, só assim será possível reunir essa grande massa<br />

anônima que se vai degradando pela miséria, fazendo com que ela fique longe de ser<br />

uma ameaça contra a vida rural (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p.247).<br />

Portanto, para manter a mão de obra no campo e, porque não dizer, redefinir as formas<br />

de trabalho compulsório, a elite agrária buscou a escolarização do homem do campo. Para<br />

tanto, o Ministério da Agricultura Indústria e Comércio instituiu os Aprendizados Agrícolas e<br />

os Patronatos Agrícolas, ambos no intuito de “construir e fixar o trabalhador nacional”<br />

(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 247).<br />

39


1.2.1 O Aprendizado Agrícola e o Patronato Agrícola<br />

Mendonça (2007) apresenta que os Aprendizados Agrícolas eram instituições que<br />

funcionavam em regime de internato e atendiam jovens de 14 a 18 anos que eram<br />

comprovadamente filhos de pequenos agricultores.<br />

A estrutura era de uma propriedade agrícola, contendo todas as suas instalações, tais<br />

como, pomares, trato com animais, lavoura, além de instalações para beneficiamento da<br />

produção.<br />

O ensino era composto de um curso de primeiras letras, destinado a aprimorar a<br />

qualidade técnica dos jovens que ali estudavam. Além desse, era ministrado um curso<br />

elementar de dois anos, visando dar ao interno “a aprendizagem dos métodos racionais do<br />

trato do solo, bem como noções de higiene e criação animal, além de instruções para o uso de<br />

máquinas e implementos agrícolas” (RMAIC, 1911, p. 57 apud MEN<strong>DO</strong>NÇA 2007 p. 247).<br />

Daí pode-se dizer que o ensino praticado pelos Aprendizados era eminentemente pragmático,<br />

uma vez que sua ênfase estava na detenção de técnicas de trabalho para servir aos interesses<br />

dos latifundiários em garantir mão de obra para suas terras.<br />

Sobre a intenção do Estado em manter e incentivar os Aprendizados Agrícolas,<br />

Mendonça diz que:<br />

[...] a importância dos Aprendizados residiu em difundir os princípios do “ensino<br />

agrícola” enquanto instrumentos do poder, material e simbólico, dos grupos<br />

dominantes agrários sobre o trabalhador rural, uma vez que, colocando à porta do<br />

rurícola um saber presidido pela noção de “progresso”, naturalizava-se tanto a<br />

oposição entre uma agricultura "moderna" e outra "arcaica", quanto à subordinação<br />

desta à primeira, ambas despidas de conteúdo de classe. Os Aprendizados<br />

mantinham seus internos numa imobilidade própria a viveiros de mão-de-obra, onde<br />

os fazendeiros da vizinhança recrutavam gratuitamente equipes para tarefas sazonais<br />

em suas propriedades (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 247 - 248).<br />

Entre 1911 e 1930, o MAIC manteve de 5 a 8 Aprendizados em todo o país e recebiam<br />

cerca de 150 e 250 jovens anualmente, destacando-se as regiões Norte e Nordeste que<br />

demandavam 50% das matriculas oferecidas.<br />

Os Patronatos foram criados pelo Decreto 12.893 de fevereiro de 1918. Eram na<br />

verdade, instituições cujo papel era de abrigar “a infância órfã desvalida da cidade do Rio de<br />

Janeiro”.<br />

Tais instituições funcionavam como abrigo de crianças abandonadas no perímetro<br />

urbano do Rio de Janeiro, para supostamente afastá-los do crime. Como as instituições<br />

prisionais urbanas eram tidas como degradantes, os Patronatos serviriam como um paliativo<br />

40


educacional para jovens de 10 a 16 anos, recrutados pelos Chefes de Polícia para “assegurar-<br />

lhes uma atmosfera oxigenada de bons sentimentos, prendê-las à fecundidade da terra ou<br />

habilitá-las à tenda da oficina ou de uma profissão” transformando “cada uma delas em fator<br />

de engrandecimento coletivo” (RMAIC, 1919, p. 156 apud MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 248).<br />

Os Patronatos ministravam um ensino profissional que “habilitava os internos em<br />

horticultura, jardinagem, pomicultura, pecuária e cultivo de plantas industriais, mediante<br />

cursos profissionalizantes” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 248). Entre 1918 e 1930, foram criadas<br />

98 instituições, em especial nas regiões Norte e Nordeste.<br />

Pelo seu caráter específico de instituição corretiva, destinada a abrigar os desocupados<br />

e livrá-los das “tendências anárquicas intoleráveis” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 248), os<br />

Patronatos foram responsáveis por fornecer uma mão de obra mais disciplinada para o<br />

trabalho técnico agrícola e, em 1930, contava com aproximadamente 5.500 jovens abrigados.<br />

Pelo exposto percebe-se que a proposta para a educação do homem do campo não se<br />

destinava na verdade à emancipação do ser, mas à formação de um trabalhador dependente e<br />

“domesticado”. Educação que, apesar de promulgar um discurso modernizador, era destinada<br />

a preservar a estrutura fundiária para a manutenção do modelo agroexportador.<br />

1.2.2 O Ruralismo Pedagógico no campo brasileiro<br />

A década de 1930, em função da crise, provocou profundas mudanças de ordem<br />

econômica, política e social no mundo inteiro. Essas mudanças atingiram a sociedade como<br />

um todo, porém as relações de trabalho foram as que sofreram maior impacto.<br />

Assim, como o fim da escravidão trouxe para o Brasil mudanças na estrutura de mão<br />

de obra empregada na agricultura, será a industrialização o principal fator gerador da<br />

intervenção estatal na busca pela permanência do homem no campo. Isso porque a<br />

industrialização estava provocando a saída em massa de trabalhadores do campo para as<br />

cidades em busca de um trabalho nas fábricas. Então representava problema, pois além de<br />

inchar as cidades, acarretaria em uma diminuição da produtividade agrícola e, portanto, algo<br />

precisaria ser feito para conter esse movimento.<br />

Preocupado em fixar o homem à terra, o governo de Getúlio Vargas promoveu uma<br />

série de ações para melhorar as condições de vida da população do campo, e, para tanto, a<br />

educação era vista como uma forte aliada na propagação das ideias. É nesse contexto que<br />

41


surge o Ruralismo Pedagógico.<br />

Calazans afirma que as ideias educacionais desse movimento estão pautadas em uma<br />

escola destinada às particularidades regionais, que “impregnasse o espírito do brasileiro [...]<br />

de alto e profundo sentido ruralista” (CALAZANS, 1983 p. 18), que pudesse proporcionar o<br />

enriquecimento próprio e do seu grupo social, carregada de incentivo à vocação histórica do<br />

Brasil para a agricultura.<br />

O movimento ruralista era quase um “endeusamento” do campo em relação à cidade,<br />

tentando convencer a população de que a melhor escolha a se fazer era a de permanecer no<br />

campo.<br />

Nesse sentido, as atividades desenvolvidas pela escola deveriam ser diferenciadas,<br />

proporcionando ao educando disciplinas relacionadas à agricultura. Por isso, também houve<br />

uma especial atenção no que se refere à formação dos profissionais que deveriam atuar junto a<br />

essas escolas. Foi assim que surgiram as Escolas Normais Rurais e que foram organizados os<br />

vários Congressos de Educação Rural.<br />

O ensino agrícola, regulamentado pelo decreto-lei 23.979 de março de 1933, previa<br />

três tipos de cursos, assim explicitados por Mendonça (2007):<br />

1 <strong>–</strong> Ensino Agrícola Básico: Destinado a atender jovens a partir de 14 anos que já<br />

tivessem cursado o primário completo, tinha três anos de duração e formava capatazes.<br />

Habilitava o aluno em horticultura, culturas regionais, produção animal, máquinas e indústrias<br />

agrícolas.<br />

2 <strong>–</strong> Ensino Rural: Atendia crianças a partir de 12 anos que “já tivessem recebido<br />

alguma instrução primária” (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 252). De base prática, tinha a duração de<br />

dois anos e era destinado a formar trabalhadores rurais. Além da formação geral oferecida<br />

pelas aulas de português, aritmética, história, cartografia e ciências, os alunos receberiam<br />

aulas práticas para o aprendizado da utilização de máquinas agrícolas, avicultura, apicultura,<br />

piscicultura e trabalhos em oficinas.<br />

3 <strong>–</strong> Curso de Adaptação: Era destinado ao trabalhador do campo em geral (jovem ou<br />

adulto), mesmo que sem diploma ou qualificação profissional. Não possuíam calendário<br />

formal, sendo organizado em qualquer época do ano com rápida duração.<br />

Como se percebe, todas as formas de ensino praticadas carregam em si o tecnicismo<br />

profissionalizante característico do pensamento ruralista e escolanovista.<br />

Essa forma de praticar a educação do campo só seria modificada pela promulgação da<br />

Lei Orgânica do Ensino Agrícola <strong>–</strong> LOEA (Decreto-Lei n 0. 9613 de 20 de agosto de 1946).<br />

Entretanto, a motivação desse movimento não estava na real valorização da pessoa<br />

42


humana do campo, mas em defender os interesses de uma elite agrária dominante, que se via<br />

prestes a perder o poder para a burguesia industrial crescente no Brasil, além de resolver os<br />

problemas relacionados à produtividade agrícola.<br />

Lembrando que o ensino do campo, na forma como apresentado, era de<br />

responsabilidade do Ministério da Agricultura, cabendo ao Ministério da Educação apenas a<br />

preocupação em manter a expansão das escolas primárias. Essas, por sua vez, não se<br />

diferenciavam das escolas urbanas, a não ser pela sua precariedade tanto quantitativa quanto<br />

qualitativa (SPEYER, 1983).<br />

Nesse cenário de precariedade do ensino formal é que entra em cena no Brasil um<br />

movimento iniciado nos Estados Unidos, que visava o desenvolvimento do campo por meio<br />

de processos educacionais informais voltados para transmissão de informações úteis para a<br />

agricultura: a Extensão Rural.<br />

1.2.3 A Extensão Rural no Brasil<br />

A Extensão Rural, como é conhecida no Brasil, teve sua origem nos Estados Unidos<br />

quando a agricultura precisou adaptar sua produção, que era voltada ao consumo próprio, para<br />

uma produção voltada para o mercado. Assim, para discutirem os problemas próprios dos<br />

fazendeiros com relação ao aumento da produção e da produtividade, estes se organizaram em<br />

associações agrícolas. Essas associações promoviam feiras, encontros e cursos de pequena<br />

duração em parceria com universidades e colégios, todos voltados à melhoria de técnicas de<br />

produção e, por conseguinte, aumento da produtividade.<br />

Em 1914, com a oficialização do Trabalho Cooperativo de Extensão Rural, os<br />

trabalhos de extensão rural naquele país foram intensificados, inclusive com financiamentos<br />

federais e estaduais para sua realização sob o comando do Ministério da Agricultura<br />

Americano <strong>–</strong> USDA. (ORGANIZAÇÃO..., 1991).<br />

De acordo como foi concebida, a extensão:<br />

[...] é um processo educativo que tem como objetivo a transmissão de informações<br />

úteis à população, ajudando-a a aprender como utilizá-las para melhorar sua vida,<br />

assim como a dos seus familiares e comunidade. [...] Geralmente o objetivo do<br />

processo de extensão é o de permitir às pessoas utilizar essas capacidades,<br />

conhecimentos e informações para melhorar seu nível de vida. [...] pode ser<br />

combinada ou integrada com outras atividades de transferência de tecnologia. [...]<br />

tem que capacitar os agricultores para a gestão e tomada de decisões, [...] deve<br />

também ajudar a população rural a desenvolver qualidades de direção e organização,<br />

43


para que possa organizar-se melhor, intervir e/ou participar em cooperativas,<br />

sociedades de crédito e outras organizações de ajuda mútua, e participar mais<br />

plenamente no desenvolvimento das suas comunidades ao nível local.<br />

(ORGANIZAÇÃO..., 1991, p. 01)<br />

Quanto ao conceito de extensão rural, não há uma definição única que se aplique a<br />

todas as situações por ser um conceito dinâmico, que descreve um processo contínuo de<br />

mudança nas zonas rurais. Dentre as muitas definições existentes, Oakley e Garforth destacam<br />

que extensão é “um processo didático informal dirigido à população camponesa. [...] procura<br />

aumentar a eficiência da exploração agrícola familiar, aumentar a produção e [...] o nível de<br />

vida da família rural”. Ou ainda: “é um processo de trabalho junto à população rural para<br />

melhorar sua vida. Implica em ajudar os agricultores a aumentar a produtividade [...],<br />

desenvolver sua capacidade de orientar sua própria evolução futura”. (ORGANIZAÇÃO...,<br />

1992, p. 14).<br />

Pelo exposto, percebe-se que a extensão rural representa um papel bastante importante<br />

no processo de transformação de um mundo agrário “atrasado” para outro capaz de produzir<br />

mais e melhor, numa perspectiva capitalista de produzir para o mercado.<br />

Muitos países de diversos continentes aderiram a essa filosofia de educação voltada<br />

para os produtores rurais, e, portanto, chegou também ao Brasil.<br />

No Brasil, os interesses da elite em manter mão de obra especializada no campo, bem<br />

como as preocupações com a questão da produtividade agrícola, aliados ao esquecimento no<br />

qual se encontrava a educação formal no campo, formavam o cenário ideal para o<br />

desenvolvimento das atividades extensionista sob o comando norte americano.<br />

Em 1945, o Brasil firmou um acordo com a Fundação Interamericana de Educação dos<br />

Estados Unidos. Desse acordo, surgiu a Comissão Brasileira Americana de Educação das<br />

Populações Rurais <strong>–</strong> o CBAR, dando início às atividades de Extensão Rural, com a<br />

justificativa de melhorar as condições da educação do campo formal. Os principais objetivos<br />

desse acordo, segundo Mendonça (2007) eram de<br />

a) desenvolver relações mais íntimas com docentes do Ensino Agrícola dos Estados<br />

Unidos; b), facilitar o treinamento de brasileiros e americanos especializados em<br />

ensino profissional agrícola e c) possibilitar que fossem programadas atividades, no<br />

setor da Educação Rural, do interesse de ambas as partes contratantes<br />

(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 257).<br />

A CBAR era gerenciada pelo Ministério da Agricultura e, através das suas ações,<br />

ampliaram-se os Centros de Treinamentos de Operários Agrários, em especial nas regiões<br />

Norte e Nordeste. Mendonça ainda afirma que “um dos mais significativos desdobramentos<br />

dessa comissão foi estipular como obrigação do Ministério da Agricultura a fundação de<br />

44


‘Clubes Agrícolas’ que funcionariam junto às escolas primárias do meio rural”<br />

(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 258).<br />

Tais clubes agrícolas teriam fundamental importância no desenvolvimento educacional<br />

do campo, pois deveria contribuir para ajustar a escola primária formal camponesa ao meio ao<br />

qual pertence. Conforme descrito por Mendonça:<br />

[...] como instituição escolar o ‘clube agrícola’ é dos que mais se recomendam,<br />

especialmente nas escolas do interior, contribuindo para a melhor identificação da<br />

escola com as peculiaridades regionais e a formação de uma esclarecida mentalidade<br />

ruralista, propiciando à criança a iniciação no trabalho (SALLES apud<br />

MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 261).<br />

Além desses, também foram organizadas as Semanas Ruralistas e os Conselhos<br />

Comunitários Rurais, entre outros.<br />

Foi sob as orientações da CBAR que seria promulgada a Lei Orgânica do Ensino<br />

Agrícola <strong>–</strong> LOEA em 1946.<br />

Em 1948, com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural <strong>–</strong> ACAR,<br />

apoiada pela Associação Internacional Americana para o Desenvolvimento Econômico e<br />

Social que foi institucionalizar-se a ação da Extensão Rural no Brasil. Foi, também, com esse<br />

evento, que se iniciaram os processos de expansão da Extensão Rural pelo país que, em 1956,<br />

culminou com a criação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural.<br />

O processo educativo da Extensão Rural estava pautado na teoria do capital humano,<br />

que pregava a “educação como um fator de produção e de desenvolvimento, em que o recurso<br />

humano é convertido para a produção e a educação passa a ser considerada um investimento e<br />

instrumento para promover o crescimento econômico e reduzir a pobreza”. (LOVATO, 2009,<br />

p. 4).<br />

Assim, a função da escola era a de educar o homem do campo para que, por meio das<br />

técnicas, obtivesse uma produção voltada para o mercado (LOVATO, 2009, p 05). Essa<br />

educação, porém, não produzia no indivíduo uma consciência crítica, mas apenas adestrava os<br />

trabalhadores para a utilização de métodos e técnicas impostas como sendo ideais.<br />

Nas décadas de 1940 e 1950, iniciam-se os trabalhos da Campanha Nacional de<br />

Educação Rural <strong>–</strong> CNER e do Serviço Social Rural <strong>–</strong> SSR, que apenas reforçavam o<br />

pensamento educacional da época, ou seja, preparar técnicos para atender às necessidades<br />

desenvolvimentistas direcionadas para o capital.<br />

Os objetivos da CNER, segundo Calazans, eram:<br />

a) investigar e pesquisar as condições econômicas, sociais e culturais da vida rural<br />

brasileira; b) preparar técnicos para atender a educação de base; c) promover e<br />

estimular a cooperação das instituições e dos serviços educativos existente no meio<br />

45


ural pela introdução, entre os rurículas, de técnicas avançadas de organização e de<br />

trabalho; e) contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões educativos, sanitários,<br />

assistenciais, cívicos e morais das populações do campo; f) oferecer, enfim,<br />

orientação técnica e auxílio financeiro à instituições públicas e privadas que,<br />

atuando no meio rural, estejam integrados aos objetivos e finalidades dos seus<br />

planos. (CALAZANS, 1983, p. 22)<br />

Entretanto, no final da década de 1950, a Extensão Rural, implantada por meio das<br />

ACAR’s regionais, começa a ser questionada. Os problemas econômicos dos brasileiros<br />

aliados ao rápido processo de urbanização fizeram com que os governantes optassem pela<br />

tecnificação dos grandes proprietários de terra, facilitando o acesso destas ao crédito fácil e<br />

barato. No âmbito educacional, reforçam-se as ideias do ruralismo pedagógico, procurando<br />

manter a população no campo.<br />

A partir da década de 1960, entra em cena o crédito agrícola subsidiado, destinado a<br />

inserir o trabalhador do campo na lógica do mercado. O crédito era dado para que o produtor<br />

comprasse um pacote tecnológico, utilizando, para isso, máquinas agrícolas e insumos<br />

industrializados. A Assistência Técnica e Extensão Rural <strong>–</strong> ATER <strong>–</strong> auxiliava nesse processo<br />

para aumentar produtividade e mudar a mentalidade tradicional para o moderno. (LISITA,<br />

2005).<br />

Nesse contexto, os conhecimentos dos produtores não eram levados em conta e os<br />

mesmos eram obrigados a aderir aos “pacotes prontos”, desenvolvidos para realidades<br />

diversas e que se mostraram excludentes, por beneficiar apenas os grandes produtores.<br />

Ao final da década de 1960, agravam-se as diferenças regionais entre o Nordeste e o<br />

Sul-Sudeste, provocando a criação do planejamento e desenvolvimento regional brasileiro.<br />

Assim, com o apoio dos Estados Unidos, são estabelecidos vários planos de desenvolvimento,<br />

dentre os quais se pode citar a SUDENE <strong>–</strong> Superintendência de Desenvolvimento do<br />

Nordeste, o SUDSUL <strong>–</strong> Superintendência da Região Sul , o PIPMOA <strong>–</strong> Programa Intensivo<br />

de Preparação de Mão de Obra Agrícola, o PRODAC <strong>–</strong> Programa Diversificado de Ação<br />

Comunitária, o SENAR <strong>–</strong> Serviço Nacional de Formação Profissional Rural, o Projeto<br />

Rondon e, com os recursos do BIRD na execução do II Plano Nacional de Desenvolvimento,<br />

o Polonordeste, Poloamazônia e o Polocentro” (CALAZANS, 1983).<br />

Em 1974, é criada a <strong>EM</strong>BRATER <strong>–</strong> Empresa Brasileira de Assistência Técnica e<br />

Extensão Rural, que tinha como objetivo melhorar as condições de vida da população<br />

camponesa e aumentar a produção, tanto de alimentos como de matérias-primas, destinadas<br />

para o mercado interno e exportação (BITTAR, SOUZA; MODESTO, 2008). A <strong>EM</strong>BRATER<br />

e as <strong>EM</strong>ATERs <strong>–</strong> Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural nos estados <strong>–</strong> eram as<br />

46


esponsáveis pelos serviços de extensão rural no Brasil.<br />

No âmbito da <strong>EM</strong>BRATER, a atuação dos extensionistas era condicionada ao crédito<br />

agrícola. Os pequenos produtores, que não tinham acesso ao crédito, também ficavam de fora<br />

do serviço de extensão e a educação, nesse contexto, seria voltada a criar condições para o<br />

desenvolvimento de programas “que venham repercutir na melhoria socioeconômico das<br />

populações” rurais. Também seria “voltada para uma mentalidade tecnológica condizente com<br />

a atualização do homem no que diz respeito às relações da economia moderna”<br />

(CALAZANS, 1983, p. 33 - 35).<br />

A partir da década de 1980, com o fim do crédito subsidiado, a Extensão Rural busca<br />

uma nova proposta de atuação, pautada na pedagogia da autonomia e do oprimido, de Paulo<br />

Freire. Nessa nova concepção da extensão rural, o que se busca é o desenvolvimento de uma<br />

consciência crítica dos produtores, levando em consideração os aspectos culturais e a<br />

participação ativa das partes interessadas.<br />

No que se refere à educação do campo no discurso extensionista, pode-se perceber<br />

que, na verdade, a educação era apenas um meio encontrado pelo capital para difundir suas<br />

ideias desenvolvimentistas de uma produção voltada para o mercado. Seu discurso modernista<br />

apenas trouxe para a população agrícola brasileira uma modernização conservadora<br />

“ratificando a condição subalterna do trabalhador rural em relação aos demais trabalhadores<br />

do país”. (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 2007, p. 264).<br />

Speyer afirma que o programa de extensão rural<br />

visava essencialmente a elevação do nível de renda da comunidade através do<br />

aumento da produção, relegava a segundo plano discussões que, em nosso país ainda<br />

eram essenciais: as alterações de estrutura de poder no meio rural e a distribuição da<br />

renda agrícola de maneira mais equitativa. (SPEYER, 1983, p 102).<br />

Seu discurso é concebido para dar sustentação a uma realidade que precisa ser<br />

preservada. Sua prática é assistencialista e contribui para a manutenção do poder e do<br />

processo de dominação sempre presente na realidade da educação brasileira.<br />

1.2.4 O Decreto-Lei n0. 9613 de 20 de agosto de 1946 <strong>–</strong> Lei Orgânica do Ensino<br />

Agrícola<br />

Sob a égide do capital, vieram as reformas na educação formal, as quais ficaram<br />

47


conhecidas como Reformas de Capanema, ou as Leis Orgânicas do Ensino. Essas tiveram por<br />

objetivo estruturar o ensino técnico profissional. Pela ordem de promulgação, foram assim<br />

estabelecidas: Lei Orgânica do Ensino Industrial (1942), Lei Orgânica do Ensino Secundário<br />

(1942), Lei Orgânica do Ensino Comercial (1943), Lei Orgânica do Ensino Primário (1946),<br />

Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) e Lei Orgânica do Ensino Agrícola <strong>–</strong> LOEA (1946),<br />

sendo, esta última, a consolidação dos ideais da extensão rural no que se refere à educação.<br />

A finalidade do ensino agrícola, segundo a LOEA, é a de formar profissionais, através<br />

do aperfeiçoamento dos conhecimentos e capacidades técnicas, aptos aos trabalhos agrícolas,<br />

com qualificação profissional que lhes aumente a eficiência e a produtividade.<br />

Deveria ser ministrado em dois ciclos e cada ciclo dividido em cursos. O primeiro<br />

ciclo deveria se desdobrar em dois cursos, a saber, a Iniciação Agrícola e a Mestria Agrícola.<br />

1 <strong>–</strong> Iniciação Agrícola: Com duração de dois anos, tinha por objetivo formar um<br />

operário agrícola qualificado. Poderia ser ministrados nas Escolas de Iniciação Agrícola, nas<br />

Escolas Agrícolas e nas Escolas Agrotécnicas e era articulado com o ensino primário. Atendia<br />

aos adolescentes a partir dos doze anos completos, que já tinham recebido educação primária<br />

conveniente. O ingresso se dava mediante a aprovação em exame vestibular. Fornecia<br />

diploma de Operário Agrícola.<br />

2 <strong>–</strong> Mestria Agrícola: Seu público alvo era o de jovens que tivessem concluído a<br />

Iniciação Agrícola. Tinha duração de dois anos e formava profissionais com diploma para o<br />

exercício do trabalho de Mestre Agrícola. Era ministrado nas Escolas Agrícolas e<br />

Agrotécnicas e era necessário ser aprovado em exame vestibular para cursá-lo.<br />

pedagógicos.<br />

O segundo ciclo compreendia os cursos agrícolas técnicos e os cursos agrícolas<br />

1 <strong>–</strong> Cursos Agrícolas Técnicos <strong>–</strong>Tinham duração de três e era destinado ao ensino<br />

técnico, dos quais citam-se: Agricultura, Horticultura, Zootecnia, Práticas Veterinárias,<br />

Indústrias Agrícolas, Laticínios e Mecânica Agrícola. Eram ministrados apenas nas Escolas<br />

Agrotécnicas e estava articulado com o ensino secundário. Dava direito ao ensino superior,<br />

desde que relacionado ao curso técnico concluído. Para se ter acesso, era necessário ter<br />

concluído o curso de mestria ou ter terminado o primeiro ciclo do ensino secundário ou<br />

normal e ser aprovado em vestibular. Oferecia diploma de Técnico do curso escolhido.<br />

2 <strong>–</strong> Cursos Agrícolas Pedagógicos <strong>–</strong> Destinado à formação de pessoal docente ou<br />

pessoal administrativo do ensino agrícola. Estava dividido em Magistério de Economia Rural<br />

Doméstica, Didática do Ensino Agrícola e Administração do Ensino Agrícola. Ministrados<br />

nas Escolas Agrotécnicas, estava articulado com o ensino normal do primeiro ciclo. Para<br />

48


poder cursar os cursos agrícolas pedagógicos, era necessário ter concluído qualquer um dos<br />

ensinos agrícolas técnicos e ser aprovado em exame vestibular. Oferecia diploma de<br />

Licenciado em Economia Rural Doméstica ou Didática do Ensino Agrícola e de Técnico em<br />

Administração do Ensino Agrícola.<br />

Além das disciplinas correntes formadoras de cada curso, eram consideradas matérias<br />

obrigatórias a Educação Física até a idade de 21 anos, o Canto Orfeônico, até a idade de 18<br />

anos, a Instrução Moral e Cívica. O ensino religioso estava previsto, mas não obrigatório.<br />

Existiam ainda os cursos de continuação <strong>–</strong> destinados aos jovens maiores de 16 anos e<br />

adultos, os quais ensinavam um ofício agrícola especial, uma técnica ou um processo usual ou<br />

recomendável na agricultura para os quais fornecia um certificado. Também os cursos de<br />

aperfeiçoamento, destinados ao aperfeiçoamento daqueles que já cursaram alguma<br />

modalidade do ensino agrícola para os quais também era fornecido um certificado.<br />

Esse foi o texto no qual a educação formal do campo foi sustentada até os anos de<br />

1961, quando da promulgação da LDB.<br />

Como todo processo educacional não está isento de ideologia, vê-se que a LOEA foi<br />

também um instrumento desenvolvido nos ideais extensionistas, que buscavam a tecnificação<br />

do campo com vistas à expansão de uma agricultura voltada a atender às necessidades do<br />

mercado e, como tal, também desvinculada do desenvolvimento do ser que a educação deve<br />

promover.<br />

1.2.5 Movimento de Educação de Base no campo brasilerio<br />

O Movimento de Educação de Base <strong>–</strong> MEB, ligado à Conferência Nacional dos Bispos<br />

no Brasil <strong>–</strong> CNBB, se constituiu em fórum colaborador do Ministério da Educação e Cultura <strong>–</strong><br />

MEC, no sentido de auxiliar na alfabetização de jovens e adultos. Sua atuação se deu<br />

concomitantemente com a educação praticada pela extensão rural, porém pautada no Método<br />

Paulo Freire.<br />

Tal método se opunha à educação burocrática, formal e impositiva e visava tornar o<br />

aluno um sujeito capaz de mudar a sua realidade. Nele, a escola não deve ser reprodutora das<br />

desigualdades sociais, que ensina a dependência e a passividade, mas sim, deve incentivar a<br />

autonomia e a emancipação humana.<br />

A preocupação do MEB foi com a população do campo das áreas mais pobres, em<br />

49


especial as da Região Norte e Nordeste e busca levar para essa população algo mais do que<br />

saber ler e escrever. Antes de qualquer coisa, era preciso aculturar essa população. Sua<br />

atuação propõe renovação de técnicas de trabalho que sejam mais humanizadas. A educação<br />

econômica propõe melhora na formação profissional e traz benefícios para o trabalhador do<br />

campo.<br />

Por meio de atividades em grupo, reforça os conceitos de solidariedade, de liderança,<br />

de vida social. Ouve as necessidades de cada comunidade e, a partir delas se inicia o processo<br />

educacional. Desse modo, cada grupo reconhece “seu valor, sua capacidade e seus próprios<br />

recursos” (SPEYER, 1983, p. 115), tornando possível a qualificação da mão de obra para o<br />

melhor aproveitamento dos recursos naturais.<br />

Como se percebe, é uma atuação educativa bastante diferenciada daquela praticada e<br />

incentivada pelo governo. Não tem por objetivo o aumento da produção, mas “um<br />

reavivamento dos valores culturais básicos do povo na busca de sua identidade e de sua<br />

realização plena” (SPEYER, 1983, p. 120).<br />

1.2.6 As práticas pedagógicas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -<br />

MST<br />

O Movimento Social dos Trabalhadores Rurais Sem Terra <strong>–</strong> MST <strong>–</strong> teve sua origem<br />

na década de 1980, época em que vários movimentos sociais surgiram para protestar contra o<br />

modelo de reforma agrária desenvolvido pelo governo militar. Sua luta é pela conquista de<br />

terra e trabalho por meio da ocupação.<br />

Segundo Bezerra Neto (2009), o MST luta contra a concentração de terras e exclusão<br />

social, luta também contra o trabalho escravo e a exploração do trabalho infantil. Vê na<br />

educação, posta a serviço da classe trabalhadora, a única forma de se construir uma sociedade<br />

socialista. E é na defesa dessa causa que o MST tem pautado suas ações educacionais que tem<br />

influenciado ações governamentais, tais como a criação do Grupo Permanente de Trabalho de<br />

Educação do Campo.<br />

A proposta de educação do MST busca conseguir uma educação pública de acesso a<br />

todos e de qualidade, ao mesmo tempo em que propõe uma gestão compartilhada. Reivindica<br />

que a educação no campo seja voltada para o trabalho no campo, porém dando a mesma<br />

ênfase sobre os trabalhos manuais e intelectuais, acabando dessa forma com a dicotomia entre<br />

50


trabalho braçal e intelectual.<br />

Defende a autonomia da escola com um currículo mínimo a ser seguido de forma<br />

unânime em todas as escolas. Essa autonomia seria exercida pela autogestão, a qual também<br />

serviria de aprendizado para os educandos aprenderem a gerir as associações e cooperativas<br />

de assentados.<br />

Propõe que o governo seja responsável pela manutenção e financiamento das escolas,<br />

porém a organização escolar ficaria a cargo de pais, alunos e professores, que fariam com que<br />

essas escolas fossem voltadas às necessidades do campo, com pedagogia, metodologias e<br />

práticas educativas voltadas à realidade do campo e dos assentamentos.<br />

A educação do MST deve ser pautada em alguns princípios filosóficos dos quais se<br />

pode citar: 1. educação para a transformação social; 2. educação aberta para o mundo, aberta<br />

para os povos; 3. educação para o trabalho e cooperação; 4. educação voltada para as várias<br />

dimensões da pessoa humana” Tais princípios filosóficos devem ser complementados pelos<br />

seguintes princípios pedagógicos de:<br />

1. relação permanente entre teoria e prática; 2. realidade como a base da produção<br />

do conhecimento; 3. Conteúdos formativos socialmente úteis: educação para o<br />

trabalho e pelo trabalho; 4. vínculo orgânico entre processos educativos e processos<br />

políticos; 5. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos produtivos; 6.<br />

gestão democrática; 7. Auto-organização dos estudantes; 8. criação de coletivos<br />

pedagógicos e formação permanente dos educadores; 9 combinação entre processos<br />

pedagógicos coletivos e individuais. (BEZERRA NETO, 2009, p.12 - 13)<br />

Os princípios filosóficos e pedagógicos que pautam as ações educacionais do MST<br />

visam uma prática de educação que proporcione ao educando uma escola que prepare as<br />

crianças e os jovens para o campo, desenvolvendo o amor pela terra e pelo trabalho na terra.<br />

Uma escola na qual o ensino científico tenha a sua origem na resolução de um problema<br />

prático, onde a cultura e o saber do povo sejam valorizados, onde o aluno não seja um mero<br />

ouvinte do conhecimento, mas um ser atuante no processo ensino-aprendizagem. Uma escola<br />

na qual sejam eliminados o autoritarismo, o individualismo e a falta de solidariedade,<br />

valorizando o ser e não o ter.<br />

1.2.7 A Pedagogia da Alternância<br />

A Pedagogia da Alternância surgiu na França na década de 1930. O que provocou sua<br />

criação foi o fato de um dos filhos do agricultor Jean Peyrat não mais querer continuar seus<br />

51


estudos em escolas nas quais não se faziam agricultores.<br />

Essa recusa, aliada a uma educação que não atendia às necessidades e especificidades<br />

da população camponesa, provocou uma reunião entre alguns agricultores que, após amplas<br />

discussões, decidiram dar aos seus filhos uma educação diferenciada.<br />

Foi na casa de Jean Peyrat que definiram que, em alternância e sob a responsabilidade<br />

das famílias, os jovens teriam formação técnica, geral, humana e cristã, além de serem<br />

inscritos nos Cursos Agrícolas por correspondência da Escola Superior de Agricultura, em<br />

Toulouse. Algumas famílias aderiram ao novo formato educacional e, em 21 de novembro de<br />

1935, os quatro jovens agricultores iniciaram seus estudos sob a orientação do Padre<br />

Granereau. Era uma combinação de Internato, contato permanente com a família e estadia no<br />

campo. (QUEIROZ, 2006).<br />

Outras discussões vieram, o número de alunos aumentou e várias questões de ordem<br />

administrativas tiveram que ser resolvidas. Por essa razão, foi somente em 1937 que “criou-se<br />

um verdadeiro Centro de Formação com quarenta alunos regulares” (QUEIROZ, 2006, p. 20),<br />

o qual se instituiu como a primeira Casa Familiar com nome atual de Casa Familiar Rural.<br />

Mas foi somente em 1973, após o Colóquio de Rennes, que a Pedagogia da Alternância<br />

obteve maior crédito e passou a crescer. Após esse colóquio, a alternância passou a ser vista<br />

“como a solução das distorções e rupturas presentes no campo sócio-educativo” (SILVA,<br />

2003 apud PALITOT, 2007, p. 31).<br />

No Brasil, a Pedagogia da Alternância chegou no ano de 1969 com o Movimento de<br />

Educação Promocional do Espírito Santo <strong>–</strong> MEPES.<br />

Fundado pelos jesuítas originários da Itália, o MEPES introduziu no Brasil uma versão<br />

italiana da Casa Familiar Rural, que no Espírito Santo recebeu o nome de Escola Família<br />

Agrícola <strong>–</strong> EFA. Isso faz com que a experiência da alternância no Brasil tenha alguns<br />

aspectos particulares em relação à importada da França. Queiroz (2006) apresenta que esses<br />

aspectos são importantes para entender a realidade e os desafios das EFAs no Brasil, a saber:<br />

sua ligação com as igrejas Católica e Luterana; nasceram pela ação de políticos, ao contrário<br />

da França, que nasceu do povo, tem ênfase na escolaridade (por isso Escola Família Agrícola)<br />

e contam com o apoio de entidades europeias.<br />

Outra modalidade de ensino por alternância surgiu no Brasil na década de 1980. Sob a<br />

influência da União Nacional das Casas Familiares Rurais da França, surge no Nordeste e no<br />

Sul as Casas Familiares Rurais.<br />

No Tocantins, foram criados os Centros Familiares de Formação por Alternância,<br />

dentre os quais as EFA’s nas cidades de Porto Nacional (1994), de Colinas (2000) e de<br />

52


Campos Lindos (2006).<br />

Conforme explicita Palitot (2007), a metodologia Pedagogia da Alternância alterna a<br />

vivência na escola com a vivência familiar. Por meio desse método, o educando aprende no<br />

espaço familiar e comunitário e na escola. Isso acontecendo de forma alternada, família-<br />

escola-família, proporciona um processo de aprendizagem que parte da realidade<br />

(família/comunidade), reflexão (escola) e prática (família/comunidade). Assim, possibilita ao<br />

educando aprender através das três dimensões de aprendizagem possíveis, a saber: a educação<br />

formal (escola), a educação não-formal (práticas educativas na sociedade/comunidade) e<br />

educação informal (família). Fundamenta-se no “aprender fazendo”, porém, sustentado pelo<br />

tripé ação <strong>–</strong> reflexão <strong>–</strong> ação. Ao possibilitar a aprendizagem por meio das vivências diárias,<br />

permite ao educando refletir sobre o meio no qual está inserido.<br />

Partindo do princípio que nenhuma educação é neutra, cada uma das teorias e métodos<br />

aqui apresentados possui uma concepção e está direcionada a um fim específico. Algumas<br />

mais conservadoras buscam a manutenção das formas de poder e das formas de dominação,<br />

outras proporcionam uma consciência de classe social, e outra, ainda, busca proporcionar uma<br />

educação libertadora e autônoma, que permite aos educandos serem autônomos, donos de um<br />

pensamento crítico perante as verdades que descobriu, analisou e tomou uma decisão. Essa<br />

última, a meu ver, é que deve ser uma proposta de educação no campo, que efetivamente<br />

contribuirá para o desenvolvimento tanto do ser quanto do meio ao qual pertence.<br />

1.3 As atuais Diretrizes Nacionais para a Educação no Campo<br />

Até o presente momento, o texto foi tecido pela evolução histórica das políticas<br />

educacionais para a educação no campo. Nesse tópico do capítulo, o que se pretende fazer é<br />

uma análise da educação no campo, tendo como base os textos governamentais que dirigem a<br />

educação no campo na atualidade. Os documentos em análise serão a Lei 9394, de 20 de<br />

dezembro de 1996 <strong>–</strong> Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 10.172, de 09 de<br />

janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação, o Parecer 36/2001 que aprova as<br />

Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, o Parecer 01 CEB,<br />

01/2006, que recomenda a adoção da Pedagogia da Alternância em Escolas do Campo e as<br />

Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo de 2004<br />

Sobre a LDBN, o que queremos destacar nesse trabalho é que a referida lei afirma que<br />

53


a educação é “dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais<br />

de solidariedade humana” e deve proporcionar o “pleno desenvolvimento do educando, seu<br />

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e “igualdade de<br />

condições para o acesso e permanência para todos”. Assim, percebe-se que a educação não<br />

deve ser mero instrumento de “adestramento” do educando, mas sim de inseri-lo no contexto<br />

de criticidade e liberdade de escolha, proporcionando condições de saber posicionar-se como<br />

um ser consciente de seu papel na sociedade.<br />

No tocante à linha pedagógica, pode-se afirmar que a LDBN está pautada na linha<br />

progressista de educação. Aspectos como valorização docente, gestão democrática, ênfase no<br />

aprendizado do aluno, no aprender a aprender, a flexibilidade do currículo, entre outros,<br />

podem demonstrar tal presença. Entretanto, Demo (2004) afirma que apesar das inovações, a<br />

atual lei apresenta alguns aspectos que não podem passar despercebidos.<br />

Na visão de Demo, a nova LDB não é inovadora, mas continua numa visão<br />

tradicionalista. Não foge da educação para a manutenção do status quo, na medida em que<br />

sugere uma educação voltada à aquisição de conhecimentos úteis para o mercado. Para Demo,<br />

“a visão de educação não ultrapassa a do mero ensino” (D<strong>EM</strong>O, 2004, p. 68) e, para ele, o<br />

termo ensino está apenas relacionado ao treinamento, à técnica, ao adestramento.<br />

Sobre o ensino técnico-profissional, vale a pena ressaltar que o mesmo proporciona ao<br />

aluno seguir no ensino superior em área que escolher, como previsto no artigo 36D “os<br />

diplomas de cursos de educação profissional técnica de nível médio, quando registrados, terão<br />

validade nacional e habilitarão ao prosseguimento de estudos na educação superior”. (LDBN.<br />

Art. 36D).<br />

Especificamente sobre a educação no campo, destaca-se o Art. 28:<br />

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino<br />

promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida<br />

rural e de cada região, especialmente:<br />

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e<br />

interesses dos alunos da zona rural;<br />

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases<br />

do ciclo agrícola e às condições climáticas;<br />

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (LDBN, Art 28)<br />

O conteúdo desse artigo deixa transparecer uma das características positivas advindas<br />

dessa lei que é a flexibilidade na organização dos sistemas educacionais, além da autonomia<br />

pedagógica.<br />

Esse aspecto também pode ser observado no Plano Nacional de Educação <strong>–</strong> PNE. O<br />

plano traça as diretrizes e ações estratégicas com respeito à educação e inclui também a<br />

54


educação do campo:<br />

A escola rural requer um tratamento diferenciado, pois a oferta de ensino<br />

fundamental precisa chegar a todos os recantos do País e a ampliação da oferta de<br />

quatro séries regulares em substituição às classes isoladas unidocentes é meta a ser<br />

perseguida, consideradas as peculiaridades regionais e a sazonalidade.<br />

Prever formas mais flexíveis de organização escolar para a zona rural, bem como a<br />

adequada formação profissional dos professores, considerando a especificidade do<br />

alunado e as exigências do meio<br />

Ampliar a oferta de programas de formação a distância para a educação de jovens e<br />

adultos, especialmente no que diz respeito à oferta de ensino fundamental, com<br />

especial consideração para o potencial dos canais radiofônicos e para o atendimento<br />

da população rural.<br />

Como face da pobreza, as taxas de analfabetismo acompanham os desequilíbrios<br />

regionais brasileiros, tanto no que diz respeito às regiões político-administrativas,<br />

como no que se refere ao corte urbano/rural. Assim, é importante o<br />

acompanhamento regionalizado das metas, além de estratégias específicas para a<br />

população rural.<br />

Ampliar a oferta de programas de formação a distância para a educação de jovens e<br />

adultos, especialmente no que diz respeito à oferta de ensino fundamental, com<br />

especial consideração para o potencial dos canais radiofônicos e para o atendimento<br />

da população rural.(PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO)<br />

Como se percebe, há, novamente, a visão de educação para todos, flexibilidade de<br />

currículo, autonomia pedagógica, respeito à sazonalidade, formação de professores mostrando<br />

a tendência progressista de educação. Entretanto, o que muitas vezes se percebe, na realidade,<br />

é que novamente o PNE não passa de meras palavras no que se refere à educação do campo.<br />

O questionamento que se faz é se a população do campo está sendo realmente beneficiada<br />

com tais ações.<br />

Assim, foi a partir desses documentos que foram elaboradas as Diretrizes Operacionais<br />

para a Educação Básica nas escolas do Campo, aprovada pela Resolução 01 CNE/CEB, de 03<br />

de abril de 2002.<br />

Sobre as Diretrizes, cabe citar que as mesmas estão em consonância com a LDBN no<br />

que se refere aos aspectos já citados da pedagogia progressista. Destaca-se o Art. 3 o que diz:<br />

O Poder Público, considerando a magnitude da importância da educação escolar<br />

para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de um país cujo<br />

paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o diálogo entre<br />

todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a<br />

universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à Educação<br />

Profissional de Nível Técnico (LDBN, Art. 3 o )<br />

Além disso, ressalta-se o compromisso com o respeito às diversidades sociais,<br />

culturais, políticas e econômicas, de gênero, geração e etnia das populações rurais. Também<br />

são aspectos importantes das diretrizes a obrigatoriedade da atenção ao desenvolvimento<br />

sustentável, a participação da comunidade na gestão escolar e a participação de movimentos<br />

sociais no auxílio educacional, notadamente na educação profissional e técnica. Não se pode<br />

55


deixar de mencionar a importância dada à formação de um profissional que esteja realmente<br />

preparado para lidar com as questões do campo, sem “urbanizar” o espaço do campo.<br />

A Portaria 1374, de 03/06/2003, instituiu o Grupo Permanente de trabalho de<br />

Educação do Campo com a “atribuição de articular as ações do Ministério pertinentes à<br />

Educação do Campo, divulgar e debater a implementação das Diretrizes Operacionais para a<br />

Educação Básica nas Escolas do Campo” (BRASIL, 2004). Tal grupo elaborou, em 2003, um<br />

Caderno de subsídios para uma Política Nacional de Educação do Campo. Tal caderno<br />

apresenta um diagnóstico da educação no campo em 2003 e estabelece pressupostos e<br />

propostas políticas para fazer cumprir as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do<br />

Campo.<br />

Dentre os pressupostos para uma política de educação no campo, constata-se a esta<br />

como um direito dos povos do campo. A Lei 9394/96 diz que a educação é um direito<br />

subjetivo, ou seja, qualquer pessoa pode exigir imediatamente o cumprimento de uma lei. Ou<br />

seja, se há uma lei que diz que a educação é um direito de todos, em havendo necessidade,<br />

qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode reivindicar o cumprimento de tal lei. Sendo a<br />

educação um direito social, as pessoas do campo não podem continuar sendo desprovidas<br />

desse direito básico para o exercício de sua cidadania.<br />

Outro pressuposto é a existência de um movimento pedagógico e político no campo.<br />

Isso se comprova pelas diversas parcerias entre organizações da sociedade civil organizada e<br />

poder público na luta pela educação no campo.<br />

Um terceiro pressuposto trata da questão do desenvolvimento sustentável. O<br />

documento constata que somente através da educação será possível realizar ações para<br />

transformações efetivas da realidade produtiva, ambiental, política e social.<br />

Sobre as políticas para a educação no campo, o documento se refere aos elementos de<br />

identidade das escolas do campo. As Referências apresentam que a educação voltada à<br />

valorização da identidade camponesa deve estar baseada na interpretação da realidade do<br />

campo, trabalhando suas questões de forma a potencializar suas atividades e melhorar a<br />

qualidade de vida dos que ali se encontram. Lembra que, no campo, existem diferentes tipos<br />

de sociedade, tais como assentados, quilombolas, indígenas, agricultores familiares,<br />

assalariadas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores, entre outros. Cada qual com suas<br />

particularidades e costumes que devem ser respeitados, preservados e cultivados.<br />

As Referências apresentam dois aspectos, os quais precisam ser levados em conta ao<br />

se defender uma educação que reforce a identidade dos povos do campo, a saber: uma<br />

educação que supere a dicotomia rural-urbano, pois “não existe um espaço melhor ou pior,<br />

56


existem espaços diferentes que coexistem” (BRASIL, 2004, p. 36) e uma educação que afirme<br />

o sentimento de pertença que “vai criar o mundo para que os sujeitos possam existir”. Dessa<br />

maneira, para que esses aspectos possam se desenvolver, o documento aponta alguns<br />

princípios que devem ser seguidos na implementação de ações educativas, da organização<br />

escolar e curricular e do papel escolar dentro do campo brasileiro. São eles:<br />

Princípio pedagógico da escola, enquanto formadora de sujeitos, articulada a um<br />

projeto de emancipação humana. Aqui se percebe uma grande diferença entre todos os outros<br />

projetos de educação no campo que já foram desenvolvidos no Brasil. Esta sempre foi voltada<br />

à profissionalização, às técnicas, ao saber lidar com a terra, mas principalmente em saber lidar<br />

com as tecnologias relacionadas à produção. Esse princípio, entretanto, chama a atenção para<br />

uma educação que “possibilita ao sujeito constituir-se enquanto ser social responsável e livre,<br />

capaz de refletir sobre sua atividade, capaz de ver e corrigir os erros, capaz de cooperar e de<br />

relacionar-se eticamente, porque não desaparece nas suas relações com o outro” (BRASIL,<br />

2004, p. 37). Para que isso aconteça, faz-se necessário levar em consideração todos os<br />

aspectos da vida do educando, tais como conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos,<br />

ou seja, a própria dinâmica da realidade social na qual ele está inserido.<br />

Princípio Pedagógico da valorização dos saberes no processo educativo. A ação<br />

educativa no campo deve levar em conta o conhecimento dos alunos, pais e comunidade para<br />

garantir mudanças e melhoria da qualidade de vida. Por isso, a educação no campo deve<br />

considerar a pesquisa enquanto um procedimento metodológico de construção do saber, posto<br />

que busca soluções para os problemas e desafios encontrados na comunidade na qual o<br />

educando está inserido.<br />

Princípio metodológico dos espaços e tempos de formação dos sujeitos da<br />

aprendizagem. Esse princípio considera que educação acontece tanto nos espaços escolares<br />

quanto fora deles. Portanto, as ações pedagógicas precisam considerar os diversos espaços<br />

que o educando frequenta. “A sala de aula é um espaço específico de sistematização, análise e<br />

de síntese das aprendizagens se constituindo assim, num local de encontro das diferenças, pois<br />

é nelas que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo” (BRASIL,<br />

2004, p. 38).<br />

Princípio Pedagógico do lugar da escola vinculada à realidade dos sujeitos.<br />

Considerando que a realidade dos sujeitos não se limita ao espaço geográfico, mas aos<br />

elementos socioculturais que envolvem o modo de vida dos sujeitos esse princípio propõe<br />

que:<br />

Construir uma educação do campo significa pensar numa escola sustentada no<br />

57


enriquecimento das experiências de vida, obviamente não em nome da permanência,<br />

nem da redução destas experiências, mas em nome de uma reconstrução dos modos<br />

de vida, pautada na ética da valorização humana e do respeito à diferença. Uma<br />

escola que proporcione aos seus alunos e alunas condições de optarem, como<br />

cidadãos e cidadãs, sobre o lugar onde desejam viver. Isso significa, em última<br />

análise, inverter a lógica de que apenas se estuda para sair do campo. (BRASIL,<br />

2004, p. 39).<br />

Princípio Pedagógico da educação como estratégia para o desenvolvimento<br />

sustentável. O desenvolvimento deve se considerado a partir das perspectivas da<br />

sustentabilidade ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política, cultural, além de<br />

outros. O currículo precisa partir de uma lógica que valorize o ser humano, proporcionando a<br />

construção de sua cidadania, desenvolvendo condições de produção que promovam a justiça,<br />

o bem estar social e econômico.<br />

Princípio pedagógico da autonomia e colaboração entre os sujeitos do campo e o<br />

sistema nacional de ensino. Para se fazer cumprir esse princípio, a educação no campo deve<br />

levar em conta que o campo não é um só. O campo é heterogêneo e muito diverso. Portanto,<br />

não se pode construir uma educação homogênea, mas articular as políticas nacionais à<br />

heterogeneidade do campo.<br />

Estruturadas a partir dos princípios acima estabelecidos, as Referências apontam<br />

algumas propostas de desenvolvimento da educação no campo, as quais devem proporcionar<br />

uma educação que valorize o ser humano, o meio ao qual está inserido e também a sua<br />

qualificação profissional, proporcionado assim uma educação para a cidadania plena.<br />

Atendendo a essa perspectiva de pluralidade e heterogeneidade é que, a Câmara da<br />

Educação Básica <strong>–</strong> CEB entende que a Pedagogia da Alternância seja adotada nas escolas do<br />

campo, por considerá-la a mais adequada no cumprimento dos princípios e das ações<br />

pedagógicas propostas pelos grupos envolvidos nas discussões sobre a educação no campo.<br />

Do exposto, pode-se dizer que grandes avanços aconteceram em favor da educação do<br />

campo no Brasil, dos quais, o principal deles pode ser considerado o fato de a educação no<br />

campo ser realmente tratada como uma educação do ser e não apenas o ensino de técnicas. Do<br />

escrito nos documentos que norteiam a educação no campo percebe-se uma forte influência<br />

dos pensamentos de Paulo Freire expressos na Pedagogia da Autonomia. A criticidade, a<br />

pesquisa, o respeito aos saberes do educando, a reflexão sobre a prática, o reconhecimento da<br />

identidade cultural, o bom senso, a valorização dos educadores, a convicção de que a<br />

mudança é possível, o comprometimento, o entender o eu, a educação é uma forma de mudar<br />

o mundo, a tomada consciente de decisão, o saber ouvir o outro, a disponibilidade para o<br />

diálogo e o querer bem aos educandos são aspectos bastante presentes nas discussões<br />

58


propostas por Paulo Freire. Assim, mais uma vez reforça-se a necessidade de o presente<br />

trabalho buscar na educação no campo do estado do Tocantins a presença atuante de tais<br />

princípios educacionais.<br />

Por outro lado, é importante ressaltar que, embora retratamos esse emaranhado de leis<br />

e normas ao longo da história da educação no campo brasileiro, não significa a existência de<br />

melhores condições de aprendizagem para quem vive no campo. Pelo contrário, essas leis e<br />

normas que o Estado impõe para o campo reproduzem, de forma visível, as diferenças entre a<br />

riqueza e a pobreza crescentes nas regiões brasileiras, especialmente no Norte e Nordeste.<br />

1.4 Educação do campo ou no campo? O respeito às particularidades rurais<br />

Educação do campo ou educação no campo são expressões aparentemente sem muita<br />

diferença, afinal as duas se referem a uma educação voltada para a população do campo.<br />

Entretanto, se as analisarmos do ponto de vista da semântica, logo perceberemos que entre<br />

elas existem diferenças importantes.<br />

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “do” é a contração da preposição “de”,<br />

somada ao artigo definido “o”. A preposição “de” é uma preposição designativa de relações<br />

de posse, lugar, modo, meio, valor e relaciona-se com o sentimento de pertença. A palavra<br />

“no” é a contração da preposição “em” somada ao artigo definido “o”. Indica lugar, tempo,<br />

local onde se está ou se sucede alguma coisa. Como prefixo de algumas palavras dá a ideia de<br />

introdução, movimento para dentro ou para algum lugar.<br />

Só pelas diferenças de semântica, já podemos perceber que a expressão “educação do<br />

campo” está muito mais relacionada a um tipo de educação voltada para o sujeito do campo,<br />

que reforce as suas relações de posse com o lugar, o meio, o modo de vida e os valores dessa<br />

população que sempre esteve à margem das políticas educacionais do país.<br />

Mas muito mais que uma questão de semântica, as expressões “do campo” e “no<br />

campo”, no contexto desse trabalho, vêm designar um modo de pensar educação<br />

contemplando ideologias políticas, sociais e conceituais diferenciadas.<br />

Quando tratamos de educação no campo, estamos falando de uma educação que<br />

acontece no campo, ou além disso, de uma educação que busca proporcionar para a população<br />

camponesa os conhecimentos científicos básicos. Uma vez que se destina à transmissão de<br />

conhecimentos, não necessariamente precisa acontecer no espaço do campo, podendo ser os<br />

59


alunos transportados para a cidade.<br />

Como se vê, a educação no campo não tem nenhum tipo de compromisso com o<br />

homem do campo, com suas relações sociais, com relações de trabalho, nem com a lógica<br />

produtiva do homem do campo. É totalmente desvinculada da cultura camponesa e visa,<br />

apenas, capacitar tecnicamente o homem do campo para poder atuar com as máquinas e<br />

demais tecnologias advindas da modernização. É desarraigada das relações sociais e busca<br />

fazer do homem do campo apenas um profissional do campo, ou seja, um proletário do<br />

campo, em benefício de uma agricultura caracterizada pela monocultura exportadora.<br />

A educação praticada, tendo como princípio o pensamento que o campo é apenas um<br />

espaço econômico, não privilegia o desenvolvimento da identidade camponesa, mas, enfatiza<br />

a urbanização como um alvo a ser perseguido, promovendo desse modo, a expulsão do<br />

camponês para as periferias das cidades.<br />

Mesmo que, no discurso, a educação no campo pregue uma educação que vise à<br />

formação de um ser completo e autônomo, suas ações pedagógicas não estão voltadas para a<br />

emancipação do ser, pois, enfatizando a urbanização não dará ao educando a oportunidade de<br />

(re)conhecer a sua própria realidade, promovendo assim a desconstrução da identidade do<br />

homem do campo.<br />

Contrariamente, a educação do campo propõe uma prática educativa totalmente<br />

voltada às necessidades do homem do campo. Essa educação, segundo Fernandes (2006), está<br />

muito relacionada às questões de território, entendido aqui como espaço de vida e como “tipo<br />

de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana”.<br />

(FERNANDES, 2006, p. 29).<br />

Em uma educação do campo, a ação educativa, que também não é neutra, precisa estar<br />

voltada para as ações políticas, pois ultrapassa as ações meramente pedagógicas quando<br />

incorpora, no fazer educacional, a valorização das práticas sociais, dos conhecimentos, das<br />

habilidades, dos valores, do modo de produzir e do modo de ser do camponês. Essas ações<br />

não devem estar preocupadas apenas com a capacitação técnica do educando. Esse tipo de<br />

educação dinamiza a ligação do homem do campo com sua forma de se relacionar<br />

socialmente, com sua forma de tratar a terra, com sua relação com o trabalho, com seu<br />

imaginário e com seus diversos saberes.<br />

A educação do campo compreende que o campo não é apenas um espaço econômico,<br />

mas é um lugar de vida com relações sociais próprias e particulares. Dessa forma, as ações<br />

educativas, além de proporcionar a resolução de problemas encontrados no campo, vinculam<br />

à educação com a cultura camponesa, cultura essa não individualista e que tem no trabalho e<br />

60


nos valores morais sua maior produção material e cultural. Uma educação do campo não<br />

desvincula o cotidiano camponês do cotidiano educacional, fazendo da escola o locus da<br />

resolução dos problemas pelo conhecimento científico compartilhado.<br />

Por essa razão, o profissional da educação do campo não pode ser qualquer<br />

profissional, pois esse precisa conhecer profundamente a realidade do camponês para atuar<br />

sobre ela conjuntamente com os alunos. Precisa familiarizar-se com os problemas enfrentados<br />

pelos alunos e seus familiares, para poder buscar formas de resolvê-los. Precisa desvincular-se<br />

dos livros didáticos urbanos e voltar-se para atividades educacionais, que contribuam, não só<br />

para o desenvolvimento científico dos alunos, mas também para a construção, ou em muitos<br />

casos, para a reconstrução da identidade do camponês, “perdida” pelo processo de<br />

urbanização que o país sofreu nas décadas de 1960 a 1980. Precisa ter consciência de que sua<br />

ação deve voltar-se para a preservação do modo de vida, do modo de ser e de produzir do<br />

camponês.<br />

Quando praticamos uma educação do campo, estamos valorizando as relações de<br />

posse, lugar, modo, meio e valor presentes na semântica da palavra, bem como valorizando o<br />

sentimento de pertença a terra e a uma realidade que não se apresenta nem melhor, nem pior<br />

que outras realidades, apenas diferente. É reafirmar que, reconhecer-se camponês não é<br />

reconhecer-se como inferior, como atrasado, mas como uma classe social consciente de sua<br />

importância social e de sua realidade, para, a partir do conhecimento, buscar modificá-la pelas<br />

suas ações. É provocar uma mudança de paradigma social, quando propõe desenvolver<br />

conhecimentos que potencializam o desenvolvimento a partir de estratégias comunitárias e<br />

solidárias, e não apenas o crescimento econômico desenfreado e desvinculado do humano.<br />

Como se percebe, para fazer educação do campo é preciso muito mais do que leis, que<br />

em muitos casos nem saem do papel, é preciso ação e vontade política. Ação para levar ao<br />

campo, não só uma qualificação profissional, mas uma educação capaz de trabalhar e mudar<br />

uma “realidade de atrasos” e desqualificação para uma realidade cultural e produtiva, que<br />

proporcionem melhoria de qualidade de vida e valorização de uma classe social que muito<br />

contribui com esse país.<br />

Quando se trata de uma educação do campo, escolas localizadas no campo podem<br />

permanecer em estado de abandono. É preciso que haja investimentos no sentido de melhorar<br />

as instalações físicas e, principalmente, para formar os profissionais da educação para que<br />

possam realmente contribuir com a melhoria da qualidade de vida, não só dos educandos, mas<br />

de toda a comunidade na qual a escola está inserida. É preciso proporcionar condições para<br />

que essa educação efetivamente promova a autonomia e a emancipação do camponês,<br />

61


proporcionando a ele reconhecer-se como camponês sem envergonhar-se disso e assim<br />

contribuir para uma realidade social mais justa e solidária.<br />

62


CAPÍTULO II<br />

EDUCAÇÃO NO CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>: HISTÓRIA E<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

2.1 A história da Educação no Campo no Estado do Tocantins<br />

O espaço geográfico onde hoje se localiza o Estado do Tocantins pertencia <strong>–</strong> até 1988<br />

<strong>–</strong> ao norte do estado de Goiás. A exemplo do que aconteceu em todo o território brasileiro, a<br />

colonização da capitania de Goiás se deu a partir da ideia mercantilista de exploração,<br />

notadamente a aurífera. A constatação de que essa região era a maior produtora de ouro da<br />

capitania fez com que fosse intensificado o processo de ocupação, incentivado enquanto<br />

houve minas a serem exploradas.<br />

Diferentemente das regiões do sul, entretanto, a preocupação com a educação da<br />

população que vinha para o norte era inexistente, principalmente por ser essa população<br />

formada em sua grande maioria por escravos.<br />

Aliás, foram justamente os constantes conflitos entre a população nativa e os mineiros<br />

que não permitiram o bom trabalho dos jesuítas nessa região.<br />

No período colonial, Pará e Maranhão, vizinhos do Tocantins, tiveram o jesuíta na<br />

educação do índio, ensinando-o a ler e escrever língua portuguesa. Tocantins<br />

desconheceu essa instrução, porque os aldeandos estavam sempre em pé de guerra<br />

com o colonizador aventureiro (SILVA, 1996, p. 128).<br />

De acordo com Apolinário (2006, p. 50), “os padres jesuítas eram responsáveis pela<br />

organização social, catequização e educação das artes liberais dos indígenas aldeados no<br />

antigo Norte de Goiás”. Entretanto, como o maior interesse nessa educação era utilizar o índio<br />

como mão de obra, esses índios demonstravam-se resistentes. “Os religiosos que atuavam na<br />

educação e instrução dos indígenas do aldeamento de Duro tinham dificuldades em mantê-los<br />

sob suas ordens, pois os segundos resistiam a todo custo à opressão e ao modo de vida do<br />

colonizador.”<br />

Segundo Silva (1996), mesmo com o sistema de aulas avulsas de Pombal, a região<br />

norte de Goiás continuou a produzir analfabetos. Em seu relato, aponta para a cidade de<br />

Carolina como um dos primeiros lugares a contar com escolas na região, fazendo menção ao<br />

63


Instituto Renascença que “funcionava com estrutura de curso ginasial”, mas não menciona<br />

datas.<br />

Já Oliveira (2002), aponta que Porto Imperial (hoje Porto Nacional) “contou com uma<br />

escola pública funcionando em 1840” (OLIVERIA, 2002, p. 271) e que a mesma atendia<br />

apenas os alunos do sexo masculino. As meninas somente tiveram acesso à educação a partir<br />

de 1864. Em 1886, padres dominicanos que chegaram a Porto Imperial “empreenderam<br />

incursões às aldeias indígenas, fundaram escola primária e banda de música” (OLIVEIRA,<br />

2002, p 269).<br />

Em 1896, o Estado havia nomeado professores de português, francês, e aritmética,<br />

de nível secundário, nos municípios que tinham pessoas habilitadas nessas matérias.<br />

Foram beneficiados com tal medida os municípios de Catalão, Rio Verde, Entre<br />

Rios, Porto Nacional e Palma. Mas somente em Porto Nacional as aulas<br />

funcionavam com certa regularidade (OLVIEIRA, 2002, p. 271).<br />

Em 1904, freiras dominicanas chegam a Porto Nacional para auxiliarem na educação<br />

da população. Tal acontecimento foi de grande importância para o desenvolvimento<br />

intelectual no Tocantins, em especial para a educação feminina. Atendiam não só a cidade de<br />

Porto Nacional, mas também de toda a região por terem construído ali um colégio internato.<br />

Na região, havia apenas a Escola Primária, sendo necessário se dirigir para centros<br />

maiores para a continuação dos estudos.<br />

Em 1904, o médico Dr. Francisco Ayres da Silva foi nomeado pelo governo a reger a<br />

instrução pública na região norte, porém, em 1909, “o governo do Sul de Goiás resolveu<br />

extinguir as escolas públicas de Porto e Paranã” (SILVA, 1996, p. 129).<br />

Silva (1996) também aponta para Natividade, Arraias, Porto Nacional e Carolina como<br />

“centros irradiadores de saber para a juventude tocantina”.<br />

Nesse período, não se separa educação urbana da educação do campo, haja vista que o<br />

fenômeno da urbanização não se fazia tão presente na região. “Na sociedade estabelecida,<br />

dividida entre grandes proprietários, não poderia existir interesse nem necessidade de trocas<br />

intelectuais. Não havia lugar para a vida urbana, não aproxima e não cria condições para a<br />

comunicação de ideias” (SILVA, 1996, p. 128).<br />

No que tange à população camponesa, registros afirmam ser sua situação de<br />

isolamento, responsável pela formação de uma sociedade iletrada. Entretanto, essa situação de<br />

falta de letramento não era algo pertencente apenas à população camponesa.<br />

Na roça não existe o sistema de leis, nem hábitos de pesquisa ou reflexão intelectual<br />

[...] Ao longo do tempo, a única coisa que havia de comum entre a roça (interior) e a<br />

rua (cidade) era a falta de instrução escolar. Daí o atraso secular da nossa gente.<br />

Acreditamos mesmo que há muito o Norte não manteve a sua independência<br />

político-adminsitrativa exatamente pela ausência de instrução escolar dos nortenses.<br />

64


[...] O ensino secundário era proibitivo. Era natural que nos primeiros tempos do<br />

arraial, como em geral acontecia em todos os lugares do sertão, não houvesse<br />

escolas públicas. Os próprios pais <strong>–</strong> quando sabiam ler <strong>–</strong> transmitiam aos filhos os<br />

rudimentos da Linguagem e da Aritmética. Outros, contratavam professores<br />

particulares para esse mister. Esses professores eram autodidatas e possuíam uma<br />

pequena biblioteca, onde os livros de Leis ocupavam lugar de destaque. Essa foi a<br />

fase heróica da Educação que se estendeu até a década de 1940 (SILVA, 1996, p.<br />

130).<br />

De acordo com Arbués (2002), foi por meio da política de ocupação da região<br />

amazônica do Estado Novo, a partir de 1937, que a Região Norte iniciou um processo de<br />

aumento demográfico. Esse processo é ainda mais intensificado na década de 1960, com a<br />

construção da rodovia Belém-Brasília, a BR 153.<br />

Entretanto, pelos relatos históricos se pode perceber que, apesar do interesse em<br />

povoar o norte do estado, a situação de abandono por parte dos governantes era uma<br />

realidade.<br />

Escolas? Nesses trezentos e muitos milhares de quilômetros quadrados, onde luta<br />

desesperadamente uma população de quase duzentas mil almas cheias de<br />

patriotismo, não há uma única escola federal. Por muito favor há escolas primárias<br />

estaduais, municipais e particulares, que, para a multidão de crianças em idade<br />

escolar, só podem comportar um exíguo número de alunos 2 .<br />

Nesse contexto expansionista, nasceu a escola de Canuanã, da Fundação Bradesco em<br />

Formoso do Araguaia. No ano 1973, um grande fazendeiro, vindo de São Paulo, resolveu<br />

transformar parte de sua fazenda em uma escola internato para atender à população carente da<br />

região de Formoso do Araguaia. Nota-se que a falta de escolas era uma realidade, haja vista<br />

haver uma empresa privada (Fundação Bradesco) fomentando a educação gratuita na região.<br />

A partir da criação do estado do Tocantins, houve melhorias no que se refere à<br />

abertura de escolas e de implantações de programas para atender tanto à população urbana<br />

quanto à população do campo.<br />

Por meio da entrevista na gerência da educação no campo da Secretaria da Educação<br />

do Estado do Tocantins <strong>–</strong> SEDUC, percebemos que está havendo uma movimentação em<br />

torno da educação no campo no estado, a partir do programa Escola Ativa, do governo<br />

federal, para atender às escolas do campo.<br />

Nunes (2008), faz referência ao I Seminário Estadual de Educação do Campo do<br />

estado do Tocantins, acontecido em Palmas, no ano de 2004. Como resultado, nasceu o<br />

Fórum Permanente de Educação do Campo. Este fórum evidenciou algumas políticas públicas<br />

necessárias a melhorar a educação no campo no estado, a saber:<br />

2 Entrevista do cel. Lysias Rodrigues ao jornal “Brasil-Portugal”, do Rio de Janeiro, e transcrita pelo semanário<br />

“A Tarde”, de Carolina, edição n o 718, em 19/5/44<br />

65


Eliminação do analfabetismo rural através da educação de jovens e adultos;<br />

Acesso de todos à escola;<br />

Implementação das Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do<br />

Campo nas estruturas municipais de educação;<br />

Maior participação da população na gestão escolar da escola do campo;<br />

Apoiar iniciativas de modificações nas estruturas e nos currículos das escolas do<br />

campo, construindo uma pedagogia adequada ao meio rural;<br />

Elaborar propostas de formação de professores para as escolas do campo;<br />

Maior incentivo a pesquisas e estudos sobre o meio rural;<br />

Nunes (2008), também aponta que programas para atender a educação no campo<br />

foram implementados no Tocantins, a saber: Programa Escola Ativa (1999), Programa<br />

Saberes da Terra (2006) e o Referencial Curricular da Educação do Campo (2008). Além<br />

desses aponta também para a importância das EFAs e da escola itinerante do MST.<br />

A primeira Escola Família Agrícola <strong>–</strong> EFA chegou ao estado do Tocantins em 1994,<br />

em Porto Nacional. Nasceu a partir de um movimento que buscava minimizar a saída da<br />

população do campo para estudar na cidade. Preocupados com essa situação, e sabendo que<br />

um dos maiores motivos da transferência da população do campo para a cidade era a busca<br />

pela educação dos filhos, um grupo de pessoas ligadas a uma instituição não governamental<br />

(COMSAÚDE), buscou, no MEPES, uma alternativa para minimizar o problema. Em 2000,<br />

nasce a EFA Zé de Deus, em Colinas, e em 2006, a EFA São Francisco, em Campos Lindos.<br />

2.2 A proposta da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Tocantins<br />

Nesses 22 anos de existência do estado do Tocantins, a SEDUC desenvolve ações com<br />

base nas diretrizes nacionais, adotando os programas do Ministério da Educação e Cultura <strong>–</strong><br />

MEC.<br />

Com respeito à Educação no Campo, o Tocantins adotou os programas Escola Ativa e<br />

Saberes da Terra e desenvolveu o Plano Estadual de Educação, o qual em seu artigo 6 o trata<br />

especificamente da educação no campo. Além desses, publicou, em 2008, a primeira versão<br />

da Proposta Curricular para a Educação do Campo no Tocantins.<br />

De acordo com Nunes (2008), o programa Escola Ativa é:<br />

[...] uma experiência colombiana pensada por teóricos norteamericanos para<br />

66


minimizar a baixa qualidade educacional na zona rural. Financiado pelo Banco<br />

Mundial, este programa se destina às séries iniciais do ensino fundamental<br />

ministradas em classes multisseriadas, apresenta uma metodologia de ensino<br />

variada, e atua ainda na formação continuada dos professores da zona rural.<br />

(NUNES, 2008, p. 124).<br />

Conforme publicado na página eletrônica da SEDUC, esse programa “combina, em<br />

sala de aula, uma série de elementos e de instrumentos de caráter pedagógico/administrativo,<br />

cuja implementação objetiva aumentar a qualidade do ensino oferecido nessas classes”. No<br />

Brasil foi implementado em 1997 “com o objetivo de minimizar uma lacuna no sistema<br />

educacional brasileiro: a ausência de metodologia adequada para o atendimento de escolas<br />

multisseriadas”.<br />

No Tocantins, o programa teve início em 1999 atendendo:<br />

e tem por objetivo:<br />

25 escolas da ZAP I (Zona de Atendimento Prioritário I), 10 municípios que<br />

formaram o pólo de Palmas. No ano de 2000 foi expandido para 81 escolas em 17<br />

municípios que integram a ZAP II (Formando o Pólo de Araguaína). No ano<br />

seguinte expandiu-se o número de escolas atendidas pelo Programa nas ZAP´S I e II<br />

para 163 escolas. O Programa FUNDESCOLA subsidiou o Programa Escola Ativa<br />

nas ZAP´s I e II fornecendo os Kits pedagógicos, Cadernos de Aprendizagens,<br />

capacitações para os professores e um supervisor para acompanhar a implementação<br />

e desenvolvimento do Programa. Em 2001 o Programa foi expandido na modalidade<br />

autônoma para 44 escolas da Rede Municipal. Atualmente atende a 84 municípios<br />

em 381 escolas totalizando 3.606 alunos do Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano e<br />

em 14 escolas da Rede Estadual de Ensino, distribuídas em 07 Diretorias Regionais<br />

de Ensino. E está regulamentada na Normativa nº 054/2007 do CEE/TO. 3<br />

Ofertar às escolas multisseriadas uma metodologia adequada e com custos mais<br />

baixos do que a nucleação; Atender o (a) estudante em sua comunidade; Promover a<br />

eqüidade; Reduzir as taxas de evasão e de repetência nas escolas multisseriadas;<br />

Corrigir a distorção idade/ série dos (as) estudantes; Promover a participação dos<br />

pais nos aspectos pedagógicos e administrativos da escola; Melhorar a qualidade do<br />

ensino fundamental <strong>–</strong> 1º ao 5º ano - ofertado nessas escolas. 4<br />

Conforme Nunes (2008, p.124), que também é responsável pela gerência da Educação<br />

do Campo na SEDUC, os:<br />

[...] técnicos das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação consideram o<br />

programa inovador. Apontam pontos positivos, como: a formação continuada destes<br />

professores, que estavam esquecidos nas escolas isoladas e a flexibilidade da<br />

proposta curricular, principalmente no que se refere à realização dos trabalhos em<br />

grupo. E como negativos: a falta de compreensão por parte dos professores do<br />

desenvolvimento da metodologia do programa e uma pedagogia centrada na<br />

memorização e no verticalismo dos conteúdos.<br />

O Programa Saberes da Terra foi desenvolvido no Tocantins, em 2006, por sugestão<br />

3 Texto retirado da página http://www.seduc.to.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2307<br />

4 Ibid.<br />

67


do Fórum Permanente de Educação do Campo.<br />

Implementado pelo MEC, por meio da Secretaria de Educação Continuada,<br />

Alfabetização e Diversidade, tinha por objetivo alfabetizar 5.000 jovens agricultores de<br />

diferentes locais do Brasil, tais como Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão e Piauí, Mato<br />

Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná, Minas Gerais, Pará, Tocantins e Rondônia. Como se<br />

vê, foram contemplados estados de todas as regiões administrativas do Brasil.<br />

No Tocantins, o programa:<br />

e tem por objetivo:<br />

[...] possibilitou, o ingresso de 250 jovens e adultos a partir dos 15 anos em 11<br />

escolas de 8 municípios da Região do Bico do Papagaio no Estado Tocantins. Os<br />

educandos do Projeto Piloto atenderam à escolarização prevista pelo Projeto 2008. A<br />

partir de 2007, o Programa vem passando por uma reestruturação, passou a integrar<br />

o Programa Nacional de Juventude com a denominação de ProJovem Campo <strong>–</strong><br />

Saberes da Terra com algumas modificações na operacionalização, e na estrutura<br />

pedagógica e um recorte etário atendendo apenas jovens agricultores familiares de<br />

18 a 29 anos. Para 2009 o Programa objetivou atender 874 educandos em 31 turmas<br />

em 8 DRE nas diversas regiões do estado. 5<br />

Desenvolver políticas públicas de Educação do Campo e de juventude que<br />

oportunizem a jovens agricultores(as) familiares, excluídos do sistema formal de<br />

ensino a escolarização em Ensino Fundamental na modalidade de educação de<br />

Jovens e Adultos, integrados à qualificação social e profissional. 6<br />

O Plano Estadual de Educação <strong>–</strong> PEE <strong>–</strong> , aprovado pela Lei n o 1.859, de 06 de<br />

dezembro de 2007, foi elaborado contando com a participação de todas as comunidades<br />

envolvidas com o processo educacional do estado e de educadores preocupados com as<br />

políticas educacionais. Nele, a educação no campo é citada nas diretrizes para o ensino<br />

fundamental, para o ensino médio, para educação de jovens e adultos, para educação à<br />

distância e tecnologias educacionais, para educação tecnológica e formação profissional. Em<br />

seu Artigo 6 0 trata, especificamente, das diretrizes para educação no campo.<br />

No contexto do PEE são destacados aspectos como:<br />

Tratamento diferenciado aos alunos do campo, respeitando as peculiaridades<br />

geográficas, climáticas e econômicas, levando em consideração as distâncias<br />

percorridas e as condições dos transportes que utilizam;<br />

Garantia de transporte adequado;<br />

Garantia do Ensino Fundamental específico e contextualizado;<br />

Garantia de vagas para cursar o Ensino Médio;<br />

Garantia de atendimento na Educação de Jovens e Adultos;<br />

5 Texto retirado da página http://www.seduc.to.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2310<br />

6 Ibid.<br />

68


Instituir programas de formação à distância;<br />

Oferecer programas de formação técnica e profissional específica, levando em<br />

consideração o nível de escolarização, peculiaridades e potencialidades da atividade<br />

agrícola da região.<br />

Neste artigo pode-se verificar que as diretrizes de tal programa seguem os documentos<br />

“Resolução CNE/CEB/n. 1, de 3 de abril de 2002, pelo artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases<br />

da Educação Nacional, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária/1998 e Manual<br />

de Operações do PRONERA <strong>–</strong> Portaria do INCRA/P/n. 282, de 26 de abril de 2004”.<br />

A partir desses documentos, foram elaboradas diretrizes as quais destacam, entre<br />

outras, o acesso à Educação Infantil, Fundamental e Média, o respeito à identidade cultural e<br />

social dos educandos, a organização do calendário às necessidades rurais, formação específica<br />

para educadores do campo e articulação com outros setores para promover políticas públicas<br />

que atendam às necessidades específicas da educação no campo.<br />

No âmbito dos objetivos e metas, destacam-se a busca por parcerias com Municípios,<br />

União e Universidades, a oferta progressiva de vagas para todos os níveis educacionais<br />

(infantil, fundamental, médio, profissional e superior), melhoria das condições físicas dos<br />

estabelecimentos de ensino, melhoria das condições de transporte, implementação de pólos<br />

educacionais para educação fundamental e média, no próprio espaço do campo, e<br />

implementação do plano de carreira contemplando e valorizando o educador do campo.<br />

Conforme entrevista realizada na gerência da Educação no Campo da SEDUC, dos<br />

objetivos e metas descritos no PEE, quase a totalidade ainda está em fase inicial de realização.<br />

O que se tem de concreto é a elaboração da proposta curricular, que ainda sofrerá alterações, e<br />

algumas parcerias que estão sendo buscadas com os programas Escola Ativa e Saberes da<br />

Terra para a formação de professores. Existem, também, alguns projetos de construções de<br />

escolas em parcerias com os municípios. Daí se percebe a morosidade e, porque não dizer, um<br />

certo descaso do poder público em fazer acontecer aquilo que fica muito bem no discurso.<br />

Percebe-se que as pessoas envolvidas com o processo educacional, na gerência da<br />

Educação do Campo, têm muita vontade de que tais objetivos sejam alcançados. Mas, a<br />

observação e análise das falas, entretanto, deixa a entender que as instâncias maiores não<br />

demonstram ter a mesma motivação e engajamento.<br />

Existem, também, alguns projetos pontuais que são oferecidos por outras secretarias às<br />

comunidades rurais. Entretanto, quando esses projetos chegam até a SEDUC já estão em<br />

andamento, por terem sido desenvolvidos por meio dos municípios, que têm autonomia para<br />

tal atuação. Essa situação vem reforçar o que foi comentado a respeito de uma articulação<br />

69


maior entre prefeituras e SEDUC.<br />

Com respeito à Proposta Curricular para a Educação do Campo no estado do<br />

Tocantins, publicada no ano de 2008, apresenta as competências, habilidades e conteúdos<br />

mínimos que necessitam ser trabalhados nas escolas do campo para o Ensino Fundamental e<br />

Médio. Contempla e é dirigida a partir das quatro premissas propostas pela UNESCO como<br />

eixos estruturais da educação para a sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender<br />

a fazer, aprender a viver e aprender a ser.<br />

De tal modo trata-se de uma proposta curricular comprometida com o<br />

desenvolvimento total da pessoa, sempre considerando que a educação do campo<br />

deve ser um instrumento de preparação do educando para a vida numa perspectiva<br />

de mundo globalizado em que as fronteiras de rural e urbano caminham cada vez<br />

mais para o encurtamento. Ao mesmo tempo está atenta para não sobrepor o ideal de<br />

vida urbana ao do campo, como historicamente vem ocorrendo no país, onde o<br />

campo é visto como lugar de atraso e a cidade de desenvolvimento. Portanto, o que<br />

se espera desta proposta curricular é sua eficiência no processo de emancipação dos<br />

educandos do campo em relação a uma vida materialmente mais próspera,<br />

socialmente mais digna, ambientalmente mais auto-sustentável e espiritualmente de<br />

equilíbrio e paz interior. (GOVERNO <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>, 2008, p. 25).<br />

A proposta apresenta-se organizada por área do conhecimento, a saber:<br />

Ciências Humanas: deve desenvolver no educando do campo a formação da<br />

inteligência sócio-política e crítica, oferecendo uma formação ética e humanista<br />

baseada no respeito à diversidade de pensamentos e cultura, além de promover a<br />

valorização da vida. Dentre as competências a serem desenvolvidas nessa área<br />

destacam-se: adotar comportamento de racionalidade crítica mediante os discursos que<br />

perpassam no interior da sociedade; ser capaz de conviver com a diversidade cultural;<br />

ser capaz de compreender que a sociedade, tanto no campo como na cidade não é<br />

resultado determinista das situações naturais irreversíveis, mas sim de articulações<br />

humano-sociais<br />

Linguagens: O homem é por natureza um ser que se comunica. Nessa perspectiva o<br />

papel dessa área é despertar no educando entender os significados ideológicos<br />

presentes nas manifestações específicas das diferentes linguagens. Nesse quesito uma<br />

das competências que merece destaque é ser capaz de utilizar das linguagens como<br />

ferramenta de comunicação emancipatória.<br />

Ciências da Natureza e Matemática: O modo de vida e as atividades cotidianas rurais<br />

são permanentemente ligados à essa área de conhecimento. Por essa razão, a educação<br />

do campo precisa desenvolver essa área de conhecimento como condição de cidadania<br />

e elevação da qualidade de vida.<br />

Com respeito à avaliação da aprendizagem, a proposta sugere que seja utilizada a<br />

70


concepção sociointeracionista, pois considera que a avaliação deva servir para subsidiar a<br />

tomada de decisão sobre o trabalho pedagógico e não para decidir quem será excluído do<br />

processo. Essa proposta de avaliação aceita o educando a partir de sua realidade concreta,<br />

considerando sua condição social, política, cultural e religiosa.<br />

Essas são as propostas para a educação no campo no estado do Tocantins. Todas elas<br />

apresentam um discurso epistemologicamente correto. Porém, sabe-se que para sair do<br />

discurso e ir para a prática, grandes são os desafios e as barreiras que precisam ser enfrentados<br />

e vencidos afim de se tornar uma realidade presente na vida dos camponeses.<br />

2.3 As Contradições das Propostas Nacionais e Estaduais para a Educação no Campo<br />

Conforme já explicitado no Capítulo I, as propostas nacionais para a educação no<br />

campo estão descritas em três documentos principais <strong>–</strong> LDBN, PNE e CNE/CEB <strong>–</strong> e em<br />

publicações realizadas pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo. As<br />

propostas para o estado do Tocantins estão estabelecidas na Lei 1.859, de 6 de dezembro de<br />

2007, que aprova o Plano Estadual de Educação <strong>–</strong> PEE, elaborado em concordância com as<br />

diretrizes nacionais descritas acima.<br />

Nesses documentos, fica claro que as propostas nacionais propõem e, por força destas,<br />

as propostas estaduais e municipais também, seguir uma linha de educação progressista e<br />

desenvolver seus conteúdos a partir de uma concepção pós-crítica do currículo.<br />

Na perspectiva adotada pelo Estado, a Educação no Campo passa do histórico e total<br />

esquecimento para um visível processo de valorização, dando aos seus agentes fomentadores,<br />

inclusive, a autonomia de gestão, flexibilidade de currículo, respeito às particularidades<br />

geográficas e climatológicas, entre outras.<br />

Se antes a população camponesa era tida como atrasada, desprovida de cultura e<br />

ignorante no que diz respeito às técnicas avançadas de produção, pelos documentos atuais,<br />

essa população passa a ser vista como cidadã, possuidora de cultura própria que necessita ser<br />

respeitada e inserida num contexto de criticidade, liberdade de escolha e desenvolvimento<br />

tecnológico sempre a ela negado. Discurso bonito e carregado de boas intenções, que<br />

proporciona medidas compensatórias para apagar todos os anos de esquecimento e abandono<br />

a que sempre foi submetida.<br />

Todas essas propostas não surgiram por vontade do Estado, mas sim pela pressão dos<br />

71


movimentos sociais que exigiram do poder público uma reação para um problema que há<br />

muito carecia de dedicação e resolução. Então, como resposta, o Estado estabelece leis,<br />

diretrizes e planos, os quais deixa a cargo das localidades operacionalizá-los.<br />

Diante desse quadro, as regiões mais desenvolvidas conseguem uma rápida<br />

articulação, seguida de bons resultados no processo de implementação dessas mudanças.<br />

Entretanto, aquelas regiões que sempre foram esquecidas e carecem de políticas públicas mais<br />

efetivas para suprir as necessidades mais básicas <strong>–</strong> como alimentação e moradia, por exemplo<br />

<strong>–</strong> acabam por sofrer um enorme desgaste para conseguir tornar possível todas as vontades<br />

expressas nos documentos.<br />

No Tocantins, isso se percebe muito claramente, tanto ao se verificar o que de real<br />

aconteceu desde a aprovação dos documentos, quanto ao se constatar a real situação de muitas<br />

escolas do campo espalhadas pelos municípios do interior do estado, que ainda sofrem pelo<br />

abandono e falta de recursos para melhorar as instalações físicas.<br />

Percebe-se que, desde 2004, existe uma tentativa de estabelecer ações efetivas no<br />

sentido de colocar em prática o conteúdo dos documentos. O PEE foi aprovado em 2007 e a<br />

Proposta Curricular foi elaborada em 2008. Entretanto, o que de real acontece é a execução<br />

dos Programas Escola Ativa e Saberes da Terra, salvo algumas outras ações bem pontuais.<br />

A dificuldade de operacionalização das leis também pode ser percebida pela entrevista<br />

realizada na SEDUC quando é relatado que:<br />

[...] o MEC também ainda não tem essa política estruturada de fluxo da educação no<br />

campo, do campo e no campo, ainda não tem. Eles oferecem alguns programas<br />

pontuais como o Saberes da Terra...[...] tem o programa Escola Ativa, tem o Brasil<br />

Profissionalizando..Então assim, ainda não há um fluxo da educação básica no<br />

campo. Essa política ela não está estruturada nem em nível de Ministério da<br />

Educação 7<br />

Além desse respaldo não dado pelo próprio Ministério da Educação, percebe-se o grau<br />

de amplitude e complexidade existentes para tornar tais diretrizes, objetivos e metas<br />

operacionalizáveis quando se observa que, questões de infra-estrutura ainda são impeditivos<br />

para o acesso de todos os residentes no campo à educação formal. É o que percebemos pela<br />

entrevista realizada:<br />

7 Entrevista concedida no dia 04 de dezembro de 2009<br />

Para a gente ter uma eficácia na educação do campo... ela é uma política muito<br />

ampla. Ela entra todos os setores. Não pode só pensar na visão da educação, mas é<br />

muito mais ampla. Porque aí entra a questão de acesso. Tem a questão das estradas<br />

de tudo. Como é que a educação vai viabilizar essa questão da estrada? Então<br />

precisa outros elementos, outros setores não só da visão da educação. [...] É uma<br />

visão política e uma política maior, que envolve outros setores. [...] que também<br />

72


envolve uma articulação com municípios 8<br />

Não será uma contradição colocar no documento que todos devem ter acesso à<br />

educação, quando para que esse acesso se torne uma realidade alguns educandos necessitam<br />

levantar de madrugada e enfrentar grandes trechos a pé para chegar à escola? Não será uma<br />

contradição estabelecer uma diretriz que diz que é preciso haver uma proposta curricular<br />

diferenciada para a Educação Infantil, quando a realidade das escolas do interior do estado<br />

ainda não dispõe, sequer, de instalações adequadas para a realização do Ensino Fundamental?<br />

Não é contradição estabelecer uma meta de melhoria do transporte escolar sendo que é<br />

negligenciada a própria condição das estradas pelas quais deve circular esse transporte?<br />

Não se quer dizer, aqui, que a Gerência da Educação do Campo não está empenhada<br />

em tornar o discurso uma realidade, e nem tão pouco a SEDUC, como dito na entrevista<br />

realizada:<br />

Mas assim, muita vontade da Secretaria de atender tem, através da Gerência da<br />

Educação do Campo, vontade mesmo das pessoas que estão aí à frente, né, de fazer<br />

um trabalho diferenciado. Mas é um trabalho que vai demorar algum tempo, como a<br />

gente já vem há muitos anos nesse processo....e os desafios são muitos! Muitos<br />

desafios! Porque é preciso uma visão muito ampla desse processo. 9<br />

O que aqui se apresenta é que, é preciso algo mais que leis, diretrizes, objetivos, metas<br />

e palavras bonitas. É preciso que se tenha vontade política das instâncias governamentais<br />

superiores, destinar recursos financeiros para que se possa efetivar formas de capacitação de<br />

pessoal e melhorar as condições de infra-estrutura, efetivar a articulação entre todas as partes<br />

envolvidas, para que haja cooperação entre elas e não uma disputa individualista por recursos<br />

que atendam às necessidades isoladas e de interesse único. E quem deve ser o maior<br />

articulador desse processo é o governante maior do estado. Mas é preciso, principalmente, que<br />

tudo isso não fique só na vontade.<br />

Enquanto essas questões básicas não forem dirimidas e, para além disso, efetivamente<br />

resolvidas de forma prática, o que se terá é exatamente o que se tem hoje: palavras bonitas em<br />

um discurso que nada acrescenta de melhoria para uma população há muito esquecida em<br />

todos os seus direitos. É preciso ação. Ação para mudar as realidades de uma população que,<br />

apesar das grandes modificações ocorridas na sua história, ainda continua esquecida e<br />

desprovida de seus direitos.<br />

8 Entrevista concedida no dia 04 de dezembro de 2009.<br />

9 Ibid<br />

73


2.4 Realidades e Complexidades da Educação no Campo no Tocantins<br />

O estado do Tocantins, o mais novo da Federação, desde a sua criação vem sofrendo<br />

um processo de desenvolvimento bastante acelerado.<br />

Aos 22 anos de existência, no novo estado muitas coisas já foram conquistadas, em<br />

especial no que concerne à Educação.<br />

Enquanto que, na década de 1940, o Cel. Lysias Rodrigues reclamava da falta de<br />

escolas na região, hoje já não se pode dizer que faltam escolas, nem mesmo para atender à<br />

população camponesa. Entretanto, alguns aspectos ainda precisam de atenção maior, como<br />

por exemplo, as condições das instalações físicas das escolas do campo, estradas e formas de<br />

acesso, para citar as mais evidentes.<br />

Ainda é fato que a distância entre a casa e a escola <strong>–</strong> mesmo quando esta se encontra<br />

no campo <strong>–</strong> é um grande problema a ser enfrentado. Também, muitas escolas trabalham com<br />

classes multisseriadas, com professor único para atender a todas as crianças, que as escolas<br />

existentes campo ainda oferecem apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental, que muitas<br />

prefeituras pensam ser mais barato e mais prático transportar os alunos para uma escola da<br />

cidade do que proporcionar a esses alunos aquilo que a LDBN diz que lhe é garantido: ser<br />

educado, observando as particularidades do meio em que vivem e que as instalações físicas de<br />

muitas escolas do campo estão às ruínas e não oferecem condições que proporcionem uma<br />

aprendizagem capaz de realmente modificar a vida dos educandos.<br />

Existem os que são “privilegiados” com um transporte escolar que os levam para a<br />

cidade, mas esse “privilégio” os leva para uma educação que nada tem a ver com sua<br />

identidade, com seus costumes, com seu modo de vida. Nesse ambiente urbano, acabam sendo<br />

discriminados pela sua situação de camponês e acabam por se aceitar como um ser inferior.<br />

Sem contar que quando esse aluno chega até a escola, já está cansado em função de tudo o<br />

que já teve que enfrentar para estar ali.<br />

Essa situação é comprovada pela entrevista realizada na SEDUC, onde a pessoa<br />

entrevistada diz:<br />

Eles (os municípios) não atendem nem os anos finais e nem o ensino médio no<br />

campo. Esses alunos são trazidos para a zona urbana por transporte escolar, quem<br />

tem acesso ao transporte escolar. Há um tempo muito grande de demora desses<br />

alunos nesse transporte, alunos que andam bastante pra pegar o transporte escolar. E<br />

depois do transporte tem uma rota e ai a partir daquela rota o aluno tem que andar<br />

ainda bastante pra chegar a sua escola.[...] 10<br />

10 Entrevista concedida no dia 04 de dezembro de 2009.<br />

74


Outro problema, enfrentado na realidade cotidiana das escolas no campo do estado do<br />

Tocantins, é o da formação do docente para atuar nessas escolas de singularidades tão<br />

particulares. Apesar do programa Escola Ativa e Saberes da Terra, que oferecem formação<br />

para os docentes que atuam no campo, o estado ainda não firmou uma parceria com as<br />

Faculdades e Universidades no que concerne a estruturar um curso superior de formação<br />

docente para atuar especificamente no campo. Daí ocorre que, nas escolas do campo, acaba<br />

sendo desenvolvido um currículo com parâmetros urbanos, ministrado por professores<br />

urbanos que não se identificam com a realidade do campo. E nem podem se identificar. Eles<br />

não pertencem à realidade do campo, não conhecem os problemas, as alegrias e as relações<br />

sociais presentes no cotidiano do camponês.<br />

No intuito de sanar parcialmente esse problema, a SEDUC elaborou uma proposta<br />

curricular cujo objetivo é “ter um norte, uma base e a partir da formação poder trabalhar o<br />

contexto do campo”. Mas como trabalhar um contexto sobre o qual o professor pouco ou nada<br />

conhece e não faz parte da sua vida?<br />

Também existe a realidade de que a maioria das escolas situadas no campo é escola<br />

municipal, o que faz com que o problema se agrave na medida em que as ações dependem da<br />

vontade política do governante local.<br />

Nesse sentido, vale citar neste capítulo, a experiência do município de Palmas, o qual,<br />

por meio do Setorial de Educação do Campo da Secretaria Municipal de educação e Cultura <strong>–</strong><br />

S<strong>EM</strong>EC, vem apresentando significativas melhorias para a educação básica do campo.<br />

Segundo o depoimento coletado na Secretaria Municipal de Educação e Cultura,<br />

S<strong>EM</strong>C, no ano 1997, as escolas do campo do município de Palmas estavam sofrendo um<br />

processo de nucleação. Algumas crianças permaneceram na escola nucleada e outras eram<br />

transportadas para a cidade. Na escola da cidade, as crianças urbanas discriminavam as<br />

crianças do campo, provocando nestas últimas um sentimento de inferioridade. Situação que<br />

se repetiu por alguns anos. De acordo com esse depoimento,<br />

[...] é como se a pessoa da zona rural ela se sentisse ‘eu sou menos mesmo, eu sou<br />

uma criança da zona rural, então, eu já estou aqui de favor, eu não tenho que<br />

reclamar, etc. e tal’[...] muitas crianças acordavam duas, três horas da manhã, quatro<br />

horas da manhã para poder caminhar, né. Até hoje elas tem que acordar muito<br />

cedo. 11<br />

Estando consciente do quanto essa situação era prejudicial para as crianças do campo,<br />

na busca de uma proposta para sanar tais problemas, no ano de 2008, a S<strong>EM</strong>EC, deu início a<br />

um trabalho que seria inovador no Brasil, criando as escolas do campo de tempo integral. Em<br />

11 Entrevista concedida no dia 22 de fevereiro de 2010<br />

75


entrevista foi abordado que:<br />

A partir do processo de nucleação muitas melhoras ocorreram na estrutura física das<br />

mesmas,[...] merenda foi melhorando[...] Ocorre que muitas crianças ainda ficavam<br />

fora da escola pública. Nós detectamos no início de 2005 que mais de trezentas<br />

crianças estavam sem estudar na zona rural de Palmas. [...] Depois, nós verificamos<br />

lá na frente o custo do transporte escolar, que é muito alto. [...]. A partir de 2008 nós<br />

introduzimos uma mudança aqui no sistema de Palmas. Tornamos a escola do<br />

campo integral. Nós não trazemos mais crianças da zona rural para a cidade. Todas<br />

as crianças que estão na zona rural elas estudam no campo.[...] O sistema é simples<br />

ele funciona de segunda a quinta-feira em regime integral. As crianças passam em<br />

média sete horas e meia na escola. É um currículo amplo, abrangente [...] Essas<br />

crianças elas, como elas ficam menos tempo pra lá e prá cá no transporte, como elas<br />

tem...passam um tempo maior dentro da escola, elas tem melhores condições de<br />

absorção dos conteúdos. 12<br />

De acordo com a Proposta para a Educação do Campo para o município de Palmas,<br />

que foi realizado pela S<strong>EM</strong>EC, em parceria com a Fundação Universidade do Tocantins,<br />

UNITINS, tem como grande objetivo construir a identidade do campo no município de<br />

Palmas. Para atingir esse objetivo, foram tomadas algumas ações, entre as quais: ampliação da<br />

oferta de vagas, melhorias das condições das instalações físicas, programas de formação<br />

continuada para todo o pessoal envolvido com as atividades da escola, estabelecimento de<br />

currículo e atividades extra-sala que atendam às necessidades e anseios da comunidade local,<br />

entre outras.<br />

As tabelas abaixo retratam os resultados obtidos pelas ações desenvolvidas, fazendo<br />

um comparativo entre os anos de 2006 e 2009.<br />

Tabela 1 - Alunos matriculados (matrícula inicial) nas escolas rurais do município de<br />

Palmas, TO<br />

2006 2009<br />

1264 1420<br />

Fonte: S<strong>EM</strong>C, 2010 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Observa-se aqui um aumento de 12,3% no número de matrículas no período observado<br />

12 Entrevista concedida no dia 22 de fevereiro de 2010<br />

76


Tabela 2 - Taxa de aprovação nas escolas rurais do município de Palmas, TO<br />

2006 2009<br />

N o alunos Em % N o alunos Em %<br />

913 72,2% 1093 77%<br />

Fonte: S<strong>EM</strong>C, 2010 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Em função da ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, as crianças têm<br />

maiores possibilidades de aprendizagem, pois realizam os temas de casa na própria escola,<br />

com auxílio de professores ou monitores. Essa ação permitiu que houvesse uma redução de<br />

4,8% na taxa de reprovação dos alunos do campo.<br />

Tabela 3 - Taxa de abandono nas escolas rurais do município de Palmas, TO<br />

2006 2009<br />

N o alunos Em % N o alunos Em %<br />

77 6,1% 31 2,45%<br />

Fonte: S<strong>EM</strong>C, 2010 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Podemos observar que a proposta proporcionou uma diminuição de aproximadamente<br />

3,65% na taxa de abandono escolar.<br />

A redução de custos pode proporcionar a utilização dos recursos para melhorar as<br />

condições físicas das instalações, bem como do material didático utilizado para o aprendizado<br />

das crianças.<br />

Além disso, também houve um aumento de 100% no número de horas dedicadas ao<br />

processo ensino e aprendizagem.<br />

Essa iniciativa trouxe muitos benefícios para as crianças do campo.<br />

Nós até aplicamos um teste, é [....] dois testes no ano passado de avaliação do nível<br />

de aprendizagem, e é possível verificar um crescimento substancial na avaliação que<br />

nós fizemos na rede como um todo. E na zona rural algumas escolas cresceram mais<br />

de 30% de uma medição pra outra em termos de desempenho escolar. O que mostra<br />

que parece que as crianças estão aprendendo mais. [...] A impressão que nós temos<br />

empírica é que a criança, ela está passando mais tempo, ela tá fazendo dever de casa<br />

dentro da escola [...] Eles têm oficina de reforço de matemática, língua portuguesa,<br />

teatro, dança, esporte e todas as atividades de socialização [...] isso já provoca uma<br />

mudança, as crianças se alimentam melhor, ficam mais distantes do trabalho infantil.<br />

A sexta-feira que é o dia que eles não têm aula presencial, que eles estão em casa,<br />

geralmente a escola passa trabalhos, pesquisa e principalmente leituras, para que a<br />

criança possa, digamos assim, complementar na sexta-feira as atividades da escola.<br />

Esse nosso projeto é novo e o foco é esse: fazer com que a criança fique mais tempo<br />

na escola, tenha um aprendizado mais enriquecido, tenha acesso aos meios de<br />

77


cultura [...] 13<br />

Nesse projeto nada é imposto. Tudo é construído com a participação de todos os atores<br />

envolvidos. Tudo é realizado conforme o interesse de cada comunidade de maneira que<br />

currículo, ampliação do espaço físico, formação continuada dos professores, determinação das<br />

oficinas que irão acontecer, enfim, tudo o que se refere ao espaço escolar, é decidido pelos<br />

envolvidos no processo, como afirma a entrevista:<br />

Temos grupo, por exemplo, na Buritirana temos grupo de.....é.....tem uma fanfarra<br />

da escola que fez tanto sucesso, que desfilou no Sete de Setembro aqui na sede do<br />

município[...] Eles tem uma orquestra de violinos de rabeca de buriti, que<br />

começaram a fazer as próprias rabecas.[...] A escola Aprígio [...] ganhou alguns<br />

prêmios no festival de arte escolar, com teatro, com dança com música.[...] Eles são<br />

muito criativos. Faltava assim, gente qualificada, professores, monitores e<br />

oficineiros, que hoje nós temos. Eles trabalham na zona rural, levam a informação,<br />

dialogam com a cultura local. Alguns desses oficineiros são pais de alunos, como é o<br />

caso lá de Buritirana, que quem ajudou a fazer a rabeca de buriti foi o pai de aluno<br />

mesmo. [...] Toda criança tem de três a quatro refeições pelo menos. A refeição é<br />

balanceada com acompanhado por um nutricionista. A qualidade das refeições é<br />

muito interessante, a gente pode atestar isso e as crianças gostam muito.[...] Hoje<br />

você tem o dobro das possibilidades com a criança. Então é mais aula de<br />

matemática, é o xadrez, é a dança, é a música, é a flauta é o coral. Isso tudo<br />

repercute. Você vê que muda a formação cultural também, o nível de acesso aos<br />

meios de cultura. 14<br />

Pelo descrito, pode-se perceber que Palmas desfruta de uma realidade muito diferente<br />

das demais localidades do Tocantins. Uma realidade que mostra que, quando existe vontade<br />

política e aplicação correta dos recursos destinados à educação, é possível mudar, e mudar<br />

para melhor.<br />

13 Entrevista concedida no dia 22 de fevereiro de 2010<br />

14 Ibid<br />

78


CAPÍTULO III<br />

PROJETO E REALIDADE: (IN)COMPATIBILIDADE DE IDEIAS?<br />

Projeto, do latim projecto, particípio passado do verbo projicere, que significa “lançar<br />

para diante” (VEIGA, 2004, p. 14). Significa, portanto, que a partir de uma realidade<br />

existente, pretende-se propor ações para o futuro. Tal conceito aplica-se a todas as<br />

organizações, inclusive às escolas. Quando escolas constroem projetos, estão simplesmente<br />

lançando-se para frente a partir daquilo que têm. Sobre projeto na escola, Gadotti afirma:<br />

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar<br />

significa quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de<br />

instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa de que cada<br />

projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser<br />

tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam<br />

visíveis os campos de ação possíveis, comprometendo seus atores e autores.<br />

(GA<strong>DO</strong>TTI, 1994 apud VEIGA, 2004, p. 14).<br />

Por essa afirmação, percebe-se que Projeto Político Pedagógico é algo que vai muito<br />

além de um agrupamento de planos e atividades educacionais. Não é construído para ser<br />

arquivado ou esquecido, muito menos para apenas cumprir requisitos burocráticos.<br />

Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com<br />

o processo educativo da escola. [...] Por isso, todo projeto pedagógico da escola é,<br />

também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sócio<br />

político com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no<br />

sentido de compromisso de formação do cidadão para um tipo de sociedade. [...] Na<br />

dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da<br />

escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado,<br />

crítico e criativo. É pedagógico no sentido de definir as ações educativas e as<br />

características necessárias às escolas para cumprir seus propósitos e sua<br />

intencionalidade. (VEIGA, 2004. p. 14 - 15).<br />

Diante dessa perspectiva, a análise dos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas que<br />

fazem parte do objeto deste trabalho, somente fará sentido após ter sido conhecida a realidade<br />

de cada comunidade onde estão inseridas. Portanto, apresentaremos algumas características<br />

do processo produtivo dos dois municípios que abrigam as referidas escolas do campo.<br />

A Escola Família Agrícola de Porto Nacional localiza-se a 10 quilômetros no sentido<br />

leste da cidade de Porto Nacional, município sede da microrregião homônima, pertencente a<br />

região centro-sul do estado do Tocantins. Dista-se 52 quilômetros da capital Palmas,<br />

conforme se observa na Figura1.<br />

Possui uma área de 4.450 Km 2 . Sua população, em 2007 (IBGE), era de 45.289<br />

79


habitantes. Destes, 38.920 (87,3%) residentes em área urbana e 6.194 no campo (13,7%).<br />

Mapa 1 <strong>–</strong> Localização de Porto Nacional, TO<br />

Porto Nacional<br />

Fonte: IBGE <strong>–</strong> Cidades, 2007<br />

Porto Nacional apresenta o sexto PIB (representado 3,13% do PIB total do estado) do<br />

estado do Tocantins (IBGE, 2007). Como se observa na Figura 2, o setor de serviços é o que<br />

mais contribui para o PIB portuense.<br />

Gráfico 1 <strong>–</strong> PIB Porto Nacional, TO por Setores.<br />

Fonte: IBGE, 2007 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Palmas<br />

Apesar de o setor agropecuário ser o que menos contribui para o município, o PIB<br />

80


agropecuário é o quarto do estado, representado 2,84% do total do estado.<br />

O município de Porto Nacional possui 1.242 estabelecimentos agropecuários (IBGE<br />

2006). As Tabelas 04, 05 e 06 apresentam produtos agropecuários que mais contribuem para a<br />

economia do município segundo dados do IBGE/2008.<br />

Tabela 4 - Principais produtos de Lavoura permanente de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins<br />

Produto Quantidade Produzida Valor da Produção (R$)<br />

Coco da Bahia 2.140.000 frutos 1.070.000,00<br />

Banana 1.230 toneladas 707.000,00<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Tabela 5 - Principais produtos de Lavoura temporária de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins<br />

Produto Quantidade Produzida (ton.) Valor da Produção (R$)<br />

Soja em grão 29.700 20.642.000,00<br />

Milho em grão 5.856 3.104.000,00<br />

Arroz em casca 3.600 2.322.000,00<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Tabela 6 - Principais produtos pecuários de Porto Nacional <strong>–</strong> Tocantins<br />

Produto Efetivo do rebanho (cabeças)<br />

Bovinos 115.600<br />

Aves 78.100<br />

Suínos 7.840<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

O PIB per capita anual de Porto Nacional ocupa o 47 o lugar na classificação dos<br />

municípios do estado do Tocantins, apresentando no valor de R$ 7.667,00 por ano. Esse valor<br />

representa aproximadamente 55% do PIB per capita nacional que, no ano de 2007, apresentou<br />

o valor de R$ 13.720,00 (IBGE). Ainda que seja o sexto em geração de riquezas para o<br />

estado, o índice de Gini é 0,45, indicando um nível de concentração de riqueza bastante<br />

acentuado. De acordo com levantamento do IBGE feito em 2003, o índice de pobreza em<br />

Porto Nacional foi de 38,74% e o de pobreza subjetiva de 40,18%, o que significa dizer que<br />

quase a metade da população de Porto Nacional vive na pobreza, pertencendo às classe D e E.<br />

Com respeito à Educação Básica, Porto Nacional apresenta os seguintes dados,<br />

conforme publicações do IBGE (2008)<br />

81


Tabela 7 - Estabelecimentos de ensino e número de matriculas Educação Básica Porto<br />

Nacional, TO, 2009<br />

Escolas Municipais Escolas Estaduais Escolas Privadas Total<br />

Rurais Urbanas Rurais Urbanas Rurais Urbanas<br />

N o de<br />

Estabelecimentos<br />

N<br />

17 16 03 18 -x- 07 61<br />

o de Matrículas<br />

Educação<br />

Infantil<br />

N<br />

171 1257 -x- 175 -x- 205<br />

o de Matrículas<br />

Ensino<br />

Fundamental<br />

793 940 432 6.272 -x- 670<br />

N o de Matrículas<br />

no Ensino Médio<br />

-x- -x- 316 2.310 -x- 39 2.626<br />

Fonte: INEP/SEDUC-TO, 2009 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

A Tabela 7 demonstra-nos que, no âmbito da educação municipal, o número de<br />

estabelecimentos de ensino é praticamente o mesmo entre escolas no campo e na cidade. A<br />

diferença entre o número de alunos matriculados no ensino fundamental entre uma e outra é<br />

bem pequena, aproximadamente 16% menos alunos nas escolas no campo apenas. No âmbito<br />

estadual, porém, são apenas três escolas no campo para 18 na cidade, e os alunos do campo<br />

atendidos pelas escolas estaduais não chegam a 10% dos alunos atendidos pelas escolas<br />

urbanas.<br />

Num total de 54 escolas públicas, 20 encontram-se no campo e 34 na cidade. Nesse<br />

contexto, um total 63% das escolas atendem 86% dos alunos, enquanto 37% das escolas<br />

atendem 14% do total de alunos matriculados no município. Vale comentar, ainda, que<br />

existem no campo 20 escolas que estão com suas atividades paralisadas (INEP, 2009). O que,<br />

entretanto, os números não revelam são a qualidade das instalações físicas e a qualificação<br />

dos profissionais que atuam nas escolas do campo.<br />

O que nos chama a atenção, entretanto, é o fato de que no campo existe uma escola<br />

para cada 86 alunos matriculados, enquanto que na cidade esse número cresce para uma<br />

escola para cada 323 alunos matriculados. Talvez esse fato seja um dos motivos dos baixos<br />

investimentos realizados, bem como a ideia de que seria mais fácil e barato transportar esses<br />

alunos do campo para a cidade.<br />

Nota-se, também, que as escolas municipais atendem principalmente o público da<br />

Educação Infantil e primeira fase do ensino fundamental, mas no que se refere ao Ensino<br />

Fundamental e as escolas estaduais atendem o público da segunda fase do ensino<br />

fundamental, razão pela qual possui um maior número de alunos.<br />

82


No que concerne às escolas privadas, podemos constatar que no município de Porto<br />

Nacional não existe nenhuma que esteja instalada no campo.<br />

Dessa forma, percebemos que o número de escolas do campo não é fator significante<br />

para que a população não receba uma educação adequada, mas sim propostas pedagógicas que<br />

possam ser desenvolvidas nessas escolas que atendam suas necessidades, com destinação<br />

adequada de recursos públicos.<br />

A Escola Dr. Dante Pazzanese é conhecida na região como Escola de Canuanã (e<br />

assim será tratada nesse trabalho) Está situada no município de Formoso do Araguaia, o qual<br />

se localiza na região sudoeste do Estado do Tocantins, distante 327 Km da capital Palmas,<br />

conforme se verifica na Figura 2.<br />

Os dados que se seguem sobre Formoso apresentam características dos setores<br />

produtivos do município, os quais nos fornecerão elementos para diferenciar, na área da<br />

economia, as realidades das duas escolas, bem como as realidades produtivas nas quais estão<br />

inseridas.<br />

Mapa 2 - Localização de Formoso do Araguaia, TO<br />

Formoso do Araguaia<br />

Fonte: IBGE-Cidades, 2007<br />

Como se percebe pela Figura 2, o município de Formoso do Araguaia possui uma área<br />

bem maior que a área do município de Porto Nacional, totalizando 13.423 km 2 . É o maior<br />

município em extensão territorial do Tocantins.<br />

Palmas<br />

No ano de 2008, sua população era de 18.225 habitantes, sendo que destes 13.006<br />

83


(72%) residiam em área urbana e 5.072 (28%) no campo.<br />

Apesar de possuir uma área três vezes maior que Porto Nacional, possui uma<br />

população quase duas vezes e meia menor. Isso se justifica porque abriga, em mais de 50% de<br />

suas terras, aproximadamente 40% da extensão territorial da Ilha do Bananal, a maior ilha<br />

fluvial do mundo, conforme pode ser visto na Figura 3.<br />

Mapa 3 - Posição geográfica do município de Formoso do Araguaia abrangendo a parte<br />

sul da Ilha do Bananal, TO.<br />

Legenda:<br />

Ilha do bananal<br />

Formoso do Araguaia<br />

Fonte: IBGE-Cidades.<br />

A base da economia do município é a agropecuária. Na década de 1980, foi<br />

implantado, em seu território, o Projeto Rio Formoso, pelo governo de Goiás no mandato do<br />

Sr. Ari Valadão, conhecido fazendeiro do norte goiano, constituindo-se no maior projeto de<br />

agricultura irrigada em áreas contínuas da América Latina. De acordo com dados de 2007,<br />

Formoso do Araguaia possui o décimo PIB tocantinense (1,7% do PIB estadual). Ao contrário<br />

de Porto Nacional, a parcela de maior contribuição encontra-se na agropecuária, sendo seu<br />

PIB agropecuário o segundo maior do estado, representando 5,1% do total. O Gráfico 2<br />

apresenta o PIB dos setores em Formoso do Araguaia.<br />

84


Gráfico 2 - PIB de Formoso do Araguaia por setores da economia.<br />

Fonte: IBGE, 2007 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

O município de Formoso do Araguaia possui 1.039 estabelecimentos agropecuários.<br />

As Tabelas 8, 9 e 10 apresentam os produtos agropecuários que mais contribuem com a<br />

economia do município.<br />

Tabela 8 - Lavoura permanente de Formoso do Araguaia <strong>–</strong> Tocantins<br />

Produto Quantidade Produzida Valor da Produção (R$)<br />

Banana 219 toneladas 131.000,00<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Tabela 9 - Principais produtos de Lavoura temporária de Formoso do Araguaia <strong>–</strong><br />

Tocantins<br />

Produto Quantidade Produzida (ton.) Valor da Produção (R$)<br />

Arroz em casca 63.340 40.614.000,00<br />

Soja 32.098 24.812.000,00<br />

Melancia 25.550 7.154.000,00<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE/SIDRA, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Tabela 10 - Principais produtos pecuários de Formoso do Araguaia <strong>–</strong> Tocantins<br />

Produto Efetivo do rebanho (cabeças)<br />

Bovinos 202.000<br />

Aves 100.000<br />

Suínos 6.500<br />

Fonte <strong>–</strong> IBGE, 2008 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

85


Por meio desses números, é possível perceber o quanto o município de Formoso difere<br />

do município de Porto Nacional, em especial no que se refere à agropecuária. Em decorrência<br />

do projeto de irrigação, a lavoura de arroz, soja e melancia é bastante intensificada em<br />

Formoso e a criação de bovinos é bastante tradicional nas áreas da Ilha do Bananal.<br />

O PIB per capita anual de Formoso, em 2008, foi de R$ 10.308,00, sendo o 25 o do<br />

Tocantins. É aproximadamente 35% maior que o de Porto Nacional e representa<br />

aproximadamente 75% do PIB per capita nacional. Entretanto, observamos um índice de Gini<br />

de 0,43, o que nos indica um maior grau de concentração de riqueza neste município quando<br />

comparado a Porto Nacional. O índice de pobreza é de 39,75 e o da pobreza subjetiva é de<br />

44,14, indicando índices maiores que os de Porto Nacional.<br />

Desses dados, podemos dizer que apesar do município de Formoso do Araguaia<br />

apresentar um maior PIB per capita, vemos que essa riqueza fica concentrada nas mãos de<br />

poucos produtores, donos das grandes fazendas.<br />

No que concerne à educação, a Tabela 11 apresenta os resultados quantitativos sobre o<br />

número de estabelecimentos escolares na zona urbana e do campo do município.<br />

Tabela 11 - Estabelecimentos de ensino e número de matriculas Educação Formoso do<br />

Araguaia, TO, 2009<br />

Escolas Municipais Escolas Estaduais Escolas Privadas Total<br />

Rurais Urbanas Rurais Urbanas Rurais Urbanas<br />

N o de<br />

Estabelecimentos<br />

6 8 11 15 N<br />

4 1 2 32<br />

o de Matrículas<br />

Educação<br />

Infantil<br />

N<br />

9 331 9 -x- -x- 40 389<br />

o de Matrículas<br />

Ensino<br />

Fundamental<br />

231 2001 739 707 644 104 4.426<br />

N o de Matrículas<br />

no Ensino Médio<br />

-x- -x- 102 717 249 0 1.068<br />

Fonte: INEP/SEDUC-TO, 2009 <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Por meio dos números apresentados, podemos perceber que a quantidade de escolas<br />

municipais rurais e urbanas são praticamente as mesmos. Percebemos que, no âmbito<br />

estadual, há um número maior de escolas rurais, porém todas as 11 escolas estão localizadas<br />

em aldeias indígenas, em especial na Ilha do Bananal, com proposta pedagógica específica<br />

15 Todas essas escolas estaduais rurais são escolas de educação indígena, localizadas nas aldeias da região, em<br />

especial na Ilha do Bananal.<br />

86


para atender a essa população. Disso, podemos dizer que, em âmbito estadual, não existem<br />

escolas no campo para atender à população não indígena.<br />

A população indígena já è atendida em suas particularidades pelas escolas estaduais,<br />

dessa forma, no que se refere às escolas públicas, temos que 33% das escolas situadas no<br />

campo atendem 6% do total de alunos. Isso dá uma relação de uma escola para cada 40<br />

alunos. Os outros 67% das escolas, situadas na cidade, atendem 94% do total de alunos,<br />

indicando uma relação de uma escola para cada 313 alunos. Situação bastante parecida com<br />

Porto Nacional, que, de certa forma, justifica uma destinação de recursos públicos para as<br />

escolas urbanas em detrimento das situadas no campo.<br />

O que difere esse município quando comparado a Porto Nacional, no entanto, é a<br />

presença da escola de Canuanã, a única escola particular situada no campo no estado do<br />

Tocantins. Temos que apenas a escola de Canuanã abriga um total de 893 alunos, quase se<br />

igualando à soma dos alunos do campo atendidos pelas escolas públicas, incluindo as<br />

indígenas. Percebe que, no Ensino Fundamental, essa escola atende apenas 63 alunos a menos<br />

que a escola urbana estadual.<br />

Não há como não dizer que a presença dessa escola, no município, não faça diferença<br />

quando falamos de educação da população do campo.<br />

É nesse cenário que a Escola Família Agrícola de Porto Nacional e a Escola de<br />

Canuanã, objeto deste estudo, fazem parte e são instituições que, de certa forma, atuam como<br />

agentes ativos e participativos na dinâmica de seus processos produtivos. Dessa forma, faz-se<br />

necessário que a leitura qualitativa dos itens, que seguem nesse capítulo, seja realizada sem<br />

tirar os olhos dos dados quantitativos até aqui apresentados.<br />

3.1 As propostas político-pedagógicas da Escola Família Agrícola de Porto Nacional <strong>–</strong><br />

TO<br />

A Escola Família Agrícola de Porto Nacional <strong>–</strong> TO está localizada no campo, no km<br />

03 da rodovia TO-255. A mesma ocupa uma área de cerca de 30 hectares de vegetação de<br />

cerrado, com um prédio de 2.400 m² de área coberta. Assume-se como uma “escola pública<br />

no seu atendimento, estatal no seu financiamento, autônoma e democrática na sua gestão”<br />

(ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA...., 2009, p. 31). Atualmente é dirigida pela servidora<br />

Deusina Ribeiro dos Reis Pereira.<br />

87


3.1.1 Escola Família Agrícola <strong>–</strong> EFA <strong>–</strong> Porto Nacional <strong>–</strong> Um breve histórico<br />

Conforme descrito em seu projeto pedagógico (2009), a Escola Família Agrícola de<br />

Porto Nacional <strong>–</strong> EFA nasceu a partir de uma entidade não governamental criada em 1969, a<br />

COMSAÚDE <strong>–</strong> Comunidade de Saúde Desenvolvimento e Educação. Seu objetivo era atuar<br />

junto aos trabalhadores do campo, por meio das Associações de Agricultores Familiares e o<br />

Sindicato dos Trabalhadores Rurais.<br />

No ano de 1986, em conjunto com os agricultores, construiu um Centro de<br />

Tecnologias Alternativas <strong>–</strong> CTA <strong>–</strong> para contribuir com a formação de agricultores familiares<br />

na região. Apesar do bom trabalho desenvolvido pelo CTA, muitas famílias estavam<br />

abandonando o campo. Duas foram as razões encontradas para tal acontecimento. Uma delas<br />

era que, no campo, não havia oportunidade para educação de seus filhos no ensino médio, e a<br />

segunda era que os agricultores:<br />

[...] foram estimulados pelos pacotes bancários de financiamentos para compra de<br />

máquinas pesadas, sementes híbridas, adubos sintéticos, agrotóxicos, desmatamento<br />

do cerrado, etc. Esse processo deixou muitos agricultores endividados, a ponto de<br />

perder a própria terra, além é claro, de não ter levado em consideração o meio<br />

ambiente e as pessoas que viviam no campo (ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA....,<br />

2009, p. 08)<br />

Preocupada com essa situação, após ter tido conhecimento do modelo de educação das<br />

Escolas Famílias Agrícolas coordenadas pelo MEPES <strong>–</strong> Movimento de Educação<br />

Promocional do Espírito Santo <strong>–</strong> a COMSAÚDE começa a fomentar a ideia de criar uma<br />

escola desse tipo no município de Porto Nacional.<br />

Em 1993, a COMSAÚDE, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação,<br />

tomou as providências para a instalação da escola. Enviou uma equipe para uma capacitação<br />

de 10 meses no centro de formação do MEPES, na cidade de Vitória, ES, e iniciou um<br />

processo de discussão com as famílias sobre essa nova maneira de se praticar educação. Foi<br />

assim que, em janeiro de 1994, a escola iniciou as atividades com uma turma de 36<br />

estudantes.<br />

No ano de 2009, após 15 anos de atividades, a escola possui condições de ministrar os<br />

cursos de educação fundamental e média, além da educação profissional, formando Técnicos<br />

em Agropecuária com ênfase na Agricultura Familiar e Professores, por meio do curso de<br />

Magistério PRONERA (Programa Nacional de Educação em áreas de Reforma Agrária).<br />

Atendeu 295 alunos, filhos de agricultores familiares, distribuídos entre 18 municípios, num<br />

88


aio de 15 a 340 quilômetros escola-residência.<br />

A escola trabalha com a Pedagogia da Alternância, cujas práticas já se encontram<br />

explicitadas no Capítulo I deste trabalho. Na EFA de Porto Nacional, os alunos passam uma<br />

semana na escola e uma semana em casa.<br />

A escola atende:<br />

[...] a juventude camponesa, filhos e filhas de agricultores familiares, que estão<br />

cursando do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio<br />

Integrado, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio Básico e Educação Profissional [...] na<br />

faixa etária de 10 a 39 anos de idade, provenientes de famílias que são: assentadas<br />

de reforma agrária, reassentadas, empregadas rurais, meeiras, quilombolas,<br />

parceleiras, proprietárias de pequenas propriedades familiares, servidores públicos e<br />

outros profissionais que vivem no campo num raio de 15 a 340 km. (ESCOLA<br />

FAMÍLIA AGRÍCOLA...., 2009, p.13)<br />

Para atender os alunos em regime de alternância, a escola conta com as seguintes<br />

instalações: 04 salas de aulas; 10 dormitórios; 01 refeitório; 01 cozinha; 01 lavatório de<br />

louças; 01 depósito para alimentos; 01 depósito para material de limpeza; 01 auditório; 01<br />

lavanderia; 05 banheiros; 01 sala de professores; 01 diretoria; 01 secretaria; 01 biblioteca com<br />

dois ambientes; 01 videoteca; 01 Centro de Inclusão Digital; 02 salas para consultórios, sendo<br />

um médico e outro odontológico; 01 sala para artesanato; 01 Laboratório de Ciências da<br />

natureza; áreas abertas em todo o prédio e ainda um campo de futebol de terra e uma quadra<br />

poliesportiva descoberta.<br />

3.1.2 A proposta pedagógica da Escola Família Agrícola de Porto Nacional<br />

Com base nos princípios da Pedagogia da Alternância, a EFA tem uma proposta<br />

pedagógica compreendida como um processo formativo, que considera uma diversidade de<br />

espaços, tempos e formadores. Retomando a dinâmica da aprendizagem por alternância,<br />

ressalta-se que a mesma considera, como espaço de aprendizagem, todos aqueles aos quais o<br />

educando participa, ou seja: a escola, a comunidade e a família. Assim, por meio dessa<br />

dinâmica, o educando aprende a partir de sua realidade (família/comunidade), levando-a para<br />

a reflexão (escola <strong>–</strong> espaço onde a realidade é discutida e analisada), voltando-se para a<br />

prática (família e comunidade). Esse processo torna-se a base para oferecer aos educando uma<br />

formação, não somente profissional com competências técnicas adequadas ao campo, mas<br />

também uma formação política para atuar na sociedade a qual pertencem, permitindo um<br />

89


pensamento crítico perante as verdades que descobre.<br />

Essa forma de aprendizado é considerada por Gasparim (2005) como uma forma de<br />

aprendizagem não separada do contexto social do discente. Assim, quando a aprendizagem<br />

passa de uma prática social inicial, que é problematizada, para a qual se buscam discussões<br />

teóricas, que são sistematizadas, para a resolução do problema identificado e volta-se com<br />

uma solução para a prática social final, constitui-se numa forma significativa da<br />

aprendizagem, pois evita o distanciamento entre o que preocupa o educando e o conteúdo a<br />

ser aprendido.<br />

Diante desse contexto de aprendizagem significativa, faz-se necessária a utilização de<br />

atividades pedagógicas específicas, que envolvam todos os atores do processo ensino-<br />

aprendizagem, proporcionando uma educação completa a partir das três dimensões de<br />

educação possíveis, a saber: a formal (escola), a não formal (sociedade/comunidade) e a<br />

informal (família). A seguir são apresentadas as atividades pedagógicas praticadas pela EFA,<br />

conforme consta no Projeto Político Pedagógico <strong>–</strong> PPP <strong>–</strong> nas páginas 21 a 27.<br />

Ação no Internato <strong>–</strong> são realizadas pelos estudantes, no período da sessão-escola com a<br />

orientação de monitores, auxiliados pelo grupo do internato, pela leitura da realidade, pelo<br />

material científico e, além de outros colaboradores. As atividades do internato são:<br />

Projeto Multidisciplinar de Arte <strong>–</strong> as disciplinas Relações Comunitárias, Educação<br />

Familiar, Ensino Religioso, Educação Artística, Educação Física no Ensino<br />

Fundamental, e Sociologia, Filosofia, Educação Física e Artes no Ensino Médio, são<br />

trabalhadas em forma de projeto, com conteúdos ligados ao Tema Gerador. Os<br />

estudantes pesquisam, buscam auxílio junto aos monitores e criam atividades sobre<br />

esses conteúdos, que são apresentadas aos demais colegas da sessão, três vezes por<br />

semestre;<br />

Caderno da produção <strong>–</strong> é o local de registro do estudante, onde são sistematizados os<br />

trabalhos práticos da área de ciências agrárias, realizados na propriedade familiar, na<br />

escola, nos cursos, estágios e outros. Consiste num banco de dados e material de<br />

consulta posterior de grande importância, num espaço onde a oralidade é<br />

predominante;<br />

Viagem de Estudo <strong>–</strong> é uma visita a uma experiência concreta extra-escola, com roteiro<br />

de estudo pré-determinado, para o aprofundamento sobre o tema gerador em estudo;<br />

Colocação em Comum <strong>–</strong> espaço de socialização dos resultados das pesquisas<br />

realizadas na comunidade com a turma e com os demais colegas da sessão, cujo<br />

objetivo é informar-se sobre o tema in loco, para, a partir daí, fazer o confronto com o<br />

90


saber teórico;<br />

Intervenção externa <strong>–</strong> é a participação de pessoas, do campo ou da cidade, que<br />

apresentem afinidade com a proposta de educação do campo, convidadas para<br />

exposição, debate ou aprofundamento do tema em estudo, a fim de enriquecer a<br />

aprendizagem do estudante;<br />

Acompanhamento personalizado <strong>–</strong> para cada estudante há um monitor (a) responsável,<br />

com tempo determinado dentro do horário escolar, no inicio da sessão escola, para dar<br />

boas vindas, conversar sobre a sessão-família, animar para a sessão que se inicia,<br />

contribuir com os instrumentos pedagógicos e demais dificuldades de aprendizagem, e<br />

em caso de necessidade, resolver problemas pessoais junto à família;<br />

Avaliação da Sessão <strong>–</strong> no final de cada sessão-escola, acontece uma reunião de<br />

avaliação das atividades realizadas durante essa semana. Participam as turmas<br />

presentes, o coordenador da sessão, os monitores e demais funcionários. É uma<br />

atividade altamente reflexiva, cuja proposição é contribuir para a mudança de atitudes,<br />

e conseqüente melhoria do clima escolar e da aprendizagem. Os resultados desta<br />

avaliação, quando negativos, são encaminhados aos responsáveis de cada estudante<br />

para possíveis soluções;<br />

Orientação para Aprendizagem <strong>–</strong> a cada bimestre são convidados os estudantes que<br />

têm demonstrado dificuldades na aprendizagem, nas relações interpessoais, nos<br />

trabalhos, ou em outros aspectos para um momento de diálogo, onde se tenta descobrir<br />

quais são os principais problemas que vêm afetando o desenvolvimento dos mesmos e<br />

quais as possíveis soluções. É um trabalho que tenta avaliar o processo educativo,<br />

resgatar a auto-estima e animar o educando para ser sujeito da sua aprendizagem. Esse<br />

encontro é aberto a todos os professores, familiares e, se necessário, a especialistas<br />

convidados;<br />

Trabalho Diário <strong>–</strong> Os estudantes são os responsáveis pelas atividades de organização<br />

do espaço escolar. São formados grupos que se responsabilizam por determinados<br />

espaços, que fazem a limpeza da casa duas vezes ao dia, em rodízio semanal;<br />

Trabalho Prático <strong>–</strong> As atividades de produção são divididas em unidades<br />

demonstrativas de estudo nas áreas de agropecuária, onde são formados grupos de<br />

estudantes que fazem opção pela área de trabalho com a qual mais se identificam. O<br />

trabalho é realizado em quatro aulas semanais, conforme horário pré-estabelecido<br />

favorecendo o vínculo teoria-prática.<br />

Disciplinas Curriculares <strong>–</strong> A Escola possui uma matriz curricular própria, que atende à<br />

91


ase nacional comum de conhecimentos científicos e uma parte diversificada<br />

ampliada, que são utilizados como meios, para a formação da cidadania e do trabalho.<br />

Ação na Comunidade <strong>–</strong> são realizadas pelos estudantes no tempo sessão-família, orientadas<br />

pelos monitores e auxiliadas pelos pais, pelas pesquisas da realidade local e outros<br />

colaboradores existentes no meio. Essas ações são:<br />

Cursos <strong>–</strong> são atividades de interesse do estudante, realizadas em parcerias com outras<br />

instituições que buscam o aprofundamento de conhecimentos e a definição da vocação<br />

profissional;<br />

Estágios <strong>–</strong> são experiências práticas profissionais ou sociais, feitas em<br />

empreendimentos ou organizações escolhidas pelos estudantes, com os objetivos de<br />

aplicar, adicionar ou buscar novos conhecimentos. Uma semana por ano, cada<br />

estudante participa de trabalhos na propriedade da escola, a título de experiência e<br />

colaboração;<br />

Atividades de Retorno <strong>–</strong> são ações de intervenção do educando, em si, ou no seu meio<br />

sócio-profissional, referente a cada tema pesquisado. São respostas aos resultados<br />

obtidos no estudo da realidade de sua comunidade, que pressupõem mudanças de<br />

atitudes;<br />

Visita às Famílias <strong>–</strong> os monitores (as) visitam as famílias dos estudantes, mediante<br />

alguns aspectos: assistência técnica, realidade sócio-familiar, eventos culturais e<br />

comunitários, questões sócio-pedagógicas que envolvam o estudante e outros<br />

acontecimentos de relevância para uma melhor relação escola/família.<br />

Ações no Internato/Comunidade <strong>–</strong> atividades que são elos complementares nos dois espaços -<br />

escola e família. Essas atividades necessitam, para sua realização, dos conhecimentos<br />

escolares e dos conhecimentos comunitários. As atividades pedagógicas utilizadas são:<br />

Caderno da Realidade <strong>–</strong> é o instrumento de sistematização da reflexão e da ação<br />

provocada pelo plano de estudo e folha de observação. É o registro ordenado em<br />

caderno próprio, de parte das experiências educativas acontecidas na escola e na<br />

comunidade, que foram construídas pelo (a) educando;<br />

Caderno de Acompanhamento <strong>–</strong> é o elo entre a escola e a família. Neste caderno,<br />

ficam registradas pelo educando, semanalmente, as principais aprendizagens da<br />

sessão-escola e da sessão-família. O monitor responsável e os pais também fazem<br />

observações no caderno sobre o estudante, na sessão-escola e sessão-família,<br />

92


espectivamente. A cada cinco sessões <strong>–</strong> um bimestre <strong>–</strong> é feito pelo estudante, família<br />

e monitor um registro avaliativo do processo educativo;<br />

Plano de Estudo <strong>–</strong> é a atividade de pesquisa que parte do tema gerador. É elaborado<br />

pelos estudantes, orientado pelos monitores na sessão escola e realizado junto à<br />

família, à comunidade, ao trabalho ou à organização social, na sessão-família.<br />

Retornando à escola, é ponto de partida para as aulas e, de forma transversal, perpassa<br />

as outras atividades da sessão-escola, concluindo com a atividade de retorno;<br />

Projeto Profissional de Vida <strong>–</strong> a partir da formação vivenciada na escola, o estudante<br />

concluinte do 9º ano do Ensino Fundamental deverá sistematizar um projeto para<br />

orientação de sua vida futura. É a sistematização do sonho dentro das possibilidades<br />

reais em que está vivendo. Ao término do Curso de Educação Profissional, o (a)<br />

estudante deverá apresentar um Projeto Profissional que demonstre o conhecimento<br />

técnico, as habilidades de elaboração de texto, bem como a sua pré-disposição em<br />

iniciar um trabalho que favoreça economicamente a sua permanência ou não no<br />

campo, com a perspectiva de uma vida melhor;<br />

Folha de Observação <strong>–</strong> são interrogações relacionadas com os temas de estudos,<br />

formuladas pelos (as) monitor (as), respondidas e sistematizadas pelos (as) estudantes.<br />

A mesma tem o objetivo de complementar, ampliar e aprofundar os conhecimentos<br />

que foram insuficientemente refletidos no plano de estudo.<br />

Ações Organizacionais do processo <strong>–</strong> são atividades realizadas pelos monitores, com a<br />

participação de estudantes, das famílias, da associação e de outros colaboradores, que<br />

contribuem para a organização das outras ações.<br />

Tema Gerador <strong>–</strong> estudantes, monitores, famílias e outros colaboradores, definem<br />

temas para estudo durante o ano letivo. Os mesmos serão pesquisados junto às<br />

comunidades, relacionados com os conteúdos de forma interdisciplinar, aprofundados<br />

e sistematizados pelos estudantes;<br />

Avaliação Formativa <strong>–</strong> as atividades de avaliação das turmas têm o caráter de orientar<br />

o processo educativo e não de determinar quem sabe e quem não sabe. A escola<br />

trabalha com a meta de 100% de aprovação e luta, com todos os esforços, para que<br />

isso aconteça, por meio do próprio grupo, dos monitores, da família e outros<br />

profissionais parceiros, utilizando os instrumentos pedagógicos como suporte para<br />

formação integral do educando;<br />

Formação das Famílias <strong>–</strong> as famílias, responsáveis na formação dos jovens,<br />

93


participam, durante o ano, de quatro encontros de formação na escola. Em cada<br />

encontro de 12 horas, é trabalhado um tema. Nestes encontros são também debatidos<br />

os problemas da escola e há comemorações festivas com atividades de cultura e lazer.<br />

Os assuntos estudados são sugeridos pela própria comunidade escolar e encontram-se<br />

sistematizados num documento denominado Plano de Formação das Famílias. Além<br />

das famílias, participam estudantes, na condição de representantes das turmas,<br />

assessores, pessoas convidadas e o grupo de servidores;<br />

Plano de Aprendizagem <strong>–</strong> é a ficha em que o monitor registra o planejamento das<br />

aulas por sessão. O mesmo contém: tema central, tema gerador, série, período da<br />

sessão, Área de Conhecimento, Competência, Habilidade, bases tecnológicas,<br />

procedimentos didáticos, instrumentos e procedimentos de avaliação, critérios de<br />

desempenho, evidências de desempenho, material de apoio didático e atividades<br />

encaminhada para tempo comunidade;<br />

Reunião Pedagógica e Administrativa <strong>–</strong> quinzenalmente, a equipe de monitores se<br />

reúne para decidir sobre as questões administrativas, estudos e socialização das<br />

atividades pedagógicas. Sempre que necessário, participam estudantes, representante<br />

da associação de apoio à escola, famílias e outros parceiros;<br />

Responsável do Dia <strong>–</strong> a equipe de monitores se reveza, diariamente, na administração<br />

da escola. No início do ano letivo, fica determinado o profissional e o dia em que vai<br />

responder internamente pela escola, junto aos estudantes, aos colegas e aos visitantes;<br />

Além disso, compete ao responsável do dia acompanhar os trabalhos diários dos<br />

estudantes, orientando-os sempre que necessário;<br />

Plano de Formação <strong>–</strong> é a sistematização do programa anual de aprendizagem,<br />

contendo: os temas geradores, as atividades do internato, os conteúdos das disciplinas<br />

curriculares e as ações dos instrumentos pedagógicos da sessão-escola e, também, as<br />

atividades da ação comunitária <strong>–</strong> os instrumentos pedagógicos aplicados na sessão-<br />

família;<br />

Conselho de Classe <strong>–</strong> é o momento avaliativo de todo o processo educativo que<br />

envolve os estudantes, a família, a comunidade, os monitores, a estrutura da escola e a<br />

proposta pedagógica. É realizado de modo participativo, com a presença dos<br />

estudantes e monitores de cada turma, e, se necessário, convidados, onde todos têm<br />

direito de fazer críticas e sugerir mudanças. Os resultados finais do conselho são<br />

utilizados como orientação administrativo-pedagógica da escola;<br />

Contribuição das Famílias <strong>–</strong> as famílias são educadoras, gestoras e responsáveis pelo<br />

94


projeto da escola. A contribuição se dá por meio de doações de alimentos, matéria-<br />

prima para as construções, terra para roças comunitárias, trabalhos voluntários e pela<br />

participação nos instrumentos pedagógicos junto aos filhos e em outras atividades da<br />

escola;<br />

Coordenador da Semana <strong>–</strong> a cada sessão-escola é escolhido, pelo grupo, um(a)<br />

estudante para ser o coordenador(a) da semana. O mesmo faz a ligação entre<br />

estudantes e monitor responsável do dia, controla o horário, resolve pequenos<br />

problemas, coordena material de limpeza e esportivo, entre outras. O objetivo é<br />

favorecer a formação de lideranças e a auto-organização dos estudantes;<br />

Semana da Cultura <strong>–</strong> na última sessão de cada semestre, juntam-se os dois grupos de<br />

estudantes que se alternam, com o objetivo de integração, trocas de experiências e<br />

realização de atividades conjuntas. Neste período, são feitas mostras de aprendizagens<br />

dos estudantes nas diversas áreas do conhecimento, oficinas, palestras, jogos,<br />

atividades de cultura, passeios, entre outras. As atividades são propostas pelos<br />

estudantes e muitos são os parceiros que colaboram para sua realização;<br />

Datas Comemorativas <strong>–</strong> há um calendário de datas da própria escola a serem<br />

comemoradas, com temas relacionados ao campo, à educação e à cidadania que são<br />

trabalhadas pelos monitores, com a participação de pessoas convidadas e que busca a<br />

reflexão junto aos estudantes;<br />

OLIMPEFA <strong>–</strong> Olimpíadas da Escola Família Agrícola <strong>–</strong> são jogos estudantis da<br />

escola, que acontecem em comemoração ao dia do estudante. Todas as turmas se<br />

juntam por três dias e disputam, aproximadamente, doze modalidades desportivas e<br />

culturais - desde atividades simples do campo, como a prova do berrante e o jogo de<br />

palitos, até as principais modalidades olímpicas, como o salto em distância, em altura,<br />

a maratona, o futebol, etc. Há, ainda, atividades artísticas e culturais;<br />

Assembleia da Associação <strong>–</strong> quatro vezes por ano, a Associação realiza a assembleia<br />

geral ordinária, com a participação de pais, estudantes, monitores, demais funcionários<br />

e parceiros convidados. Nesta assembleia é discutida a escola em todos os seus<br />

aspectos. E também, são aprovados projetos, planos, prestação de contas, entre outros;<br />

Jornada Pedagógica <strong>–</strong> no início de cada semestre, os monitores se reúnem para avaliar<br />

e planejar as atividades pedagógicas da escola. São consideradas as avaliações feitas<br />

anteriormente pelas famílias e pelos estudantes. Há sempre a contribuição de parceiros<br />

especialistas.<br />

95


No que concerne aos componentes curriculares desenvolvidos na EFA, a mesma<br />

procura associá-los às necessidades das famílias agricultoras sem, entretanto, negligenciar a<br />

formação geral do educando. Nesse sentido, a EFA Porto Nacional procura enfocar nas suas<br />

práticas educativas as três áreas que se relacionam com as dimensões humanas (PEREIRA,<br />

2003), a saber: a área intelectual, a área afetiva e a área sócio-econômica. Dessa forma, a EFA<br />

desenvolve os conhecimentos a partir das cinco áreas básicas de conhecimento: Línguas,<br />

Ciências Exatas, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Ciências Agrárias.<br />

desenvolvidos<br />

A Pedagogia da Alternância com a dinâmica formação escola e formação famíliacomunidade,<br />

requer um estudante ativo, participativo, comunicativo, observador,<br />

interessado, e com desejos de conduzir o seu próprio destino na construção da sua<br />

aprendizagem. Portanto, entende que o jovem deve aprender pela pesquisa, pela<br />

socialização e sistematização dos dados pesquisados, todo conhecimento deve ser<br />

reconstruído à luz da realidade que está sendo trabalhada, a experiência deve ser<br />

refletida, sistematizada para se tornar conhecimento e ser aplicada em outras<br />

realidades. (ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA...., 2009, p. 25)<br />

Conforme explicita Pereira (2003) sobre o PPP EFA, com respeito aos conteúdos<br />

O ensino fundamental contém disciplinas da Base Nacional Comum e uma parte<br />

diversificada própria, relacionada com a cidadania e o preparo para o trabalho que<br />

são: Educação Familiar, Relações Comunitárias, Agricultura, Zootecnia e Práticas<br />

alternativas. O Ensino Médio também segue a Base Nacional Comum e tem como<br />

parte diversificada Agricultura, Zootecnia e Práticas Alternativas. O Curso<br />

Profissional trabalha com as disciplinas da área técnica em agropecuária e procura<br />

atender ao projeto de desenvolvimento sustentável e solidário, com ênfase na<br />

agricultura familiar. (PEREIRA, 2003, p. 36).<br />

Porém, como colocado no início do capítulo, o Projeto é Pedagógico na medida em<br />

que desenvolve ações para cumprir com sua intenção, que é a de formar um cidadão<br />

participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Também é Político no sentido<br />

de formar um cidadão para um determinado tipo de sociedade e pelas suas propostas de<br />

atuação junto a essa sociedade.<br />

3.1.3 A proposta política da Escola Família Agrícola de Porto Nacional<br />

A EFA entende que o projeto é político “porque é construção coletiva, consciente, e<br />

expressa a posição escolar, os seus compromissos, os seus sonhos, em relação ao tipo de<br />

pessoa, sociedade, desenvolvimento e mundo que se quer construir”. (ESCOLA FAMÍLIA<br />

AGRÍCOLA...., 2009, p. 08)<br />

96


Nesse sentido, a EFA proporciona, por meio das suas atividades, o encontro do povo<br />

do campo, a manutenção da cultura, o apoio aos movimentos populares, festas e outras<br />

atividades que envolvem a comunidade. Entretanto, considera como uma de suas ações<br />

eminentemente políticas a construção coletiva do cotidiano escolar, a começar pela própria<br />

construção do projeto pedagógico.<br />

Percebe-se que suas atividades são voltadas ao desenvolvimento de uma sociedade<br />

mais solidária, preocupada com a sustentabilidade e com a projeção na sociedade de um<br />

cidadão mais conhecedor do lugar que ocupa na sociedade.<br />

Propõe a formação de um ser que saiba tomar decisões com respeito ao seu futuro e<br />

que as tome com consciência, sabedor das razões e implicações de suas escolhas.<br />

Parte das atividades da semana em que o educando fica em casa deve ser desenvolvida<br />

junto à comunidade, o que o torna mais participante e conhecedor das necessidades locais, e,<br />

muito mais que isso, pode ver-se como parte das soluções para os problemas que envolvem o<br />

meio no qual se insere.<br />

Nota-se pela ênfase dada à Agricultura Familiar, que não deseja manter uma sociedade<br />

pautada na utilização da mão-de-obra do campo apenas como um meio de perpetuar a<br />

exploração do camponês em benefício dos concentradores de terra. Ao contrário, utiliza a<br />

profissionalização como forma de melhorar as condições do camponês como proprietário de<br />

suas terras, exercendo sua autonomia, sua capacidade de escolha. Essa capacidade de escolha<br />

também oferece condições de decidir se quer ou não permanecer na terra.<br />

Percebe-se, pela estrutura curricular oferecida, que a EFA também apresenta ao<br />

educando as atividades do Agronegócio e os capacita para atuar nessa área. A EFA entende<br />

que uma educação libertadora é oferecer condições para que o educando, conhecedor de suas<br />

competências, possa fazer a escolha que melhor contribuir para seu crescimento.<br />

No entanto, vale ressaltar que a escola por si só não consegue preencher todos os<br />

requisitos para a emancipação da população camponesa. É preciso que a ela sejam anexadas<br />

políticas públicas que favoreçam outros aspectos de valorização do homem do campo.<br />

Também ressaltamos o fato de que a Pedagogia da Alternância nasceu a partir de uma<br />

necessidade de agricultores franceses, com características bastante diferentes dos agricultores<br />

brasileiros, em especial os das regiões Norte e Nordeste. Dentre essas diferenças podemos<br />

citar a condição sócio-econômico-educacional da população camponesa da França e as<br />

relações escola-família lá existentes. Podemos citar também a natureza das atividades diárias,<br />

com maior grau de mecanização, assim como as próprias condições de estrutura educacional<br />

do campo francesa que conta com escolas rurais mais equipadas que muitas escolas urbanas<br />

97


das regiões norte e nordeste do nosso país. Por isso, percebemos que o modelo da Alternância<br />

precisa de algumas adaptações para se desenvolver no Brasil.<br />

O princípio norteador da Pedagogia da Alternância é baseado na vivência na escola,<br />

vivência na família com ênfase na formação integral do aluno, buscando, assim, uma maior<br />

interação entre sua forma de vida em casa e o saber educacional.<br />

O que observamos na EFA foi que, a partir do conhecimento adquirido na escola, o<br />

educando deve desenvolver suas atividades familiares. Entretanto, alguns alunos e professores<br />

afirmaram que nem sempre as famílias aceitam essas novidades vindas da escola com bom<br />

grado, preferindo fazer suas atividades como sempre fizeram a arriscar sua produção em algo<br />

novo.<br />

Esse fato nos permite dizer que o que ocorre na Pedagogia da Alternância<br />

desenvolvida na EFA de Porto Nacional não é uma verdadeira interação entre escola e<br />

família, mas uma justaposição de diferentes atividades entre o momento na escola e o<br />

momento na família. Isso ocorre, em parte, porque nossos agricultores, em função de todos os<br />

fatores sociais econômicos e educacionais nos quais estão historicamente inseridos, não<br />

proporcionam a eles o preparo adequado para lidar com as atividades vindas da escola de<br />

maneira natural.<br />

Todavia, apesar das fragilidades e limitações do modelo de Alternância adaptado para<br />

as condições brasileiras, ainda podemos afirmar que é um modelo que proporciona maiores<br />

condições para a permanência do agricultor em suas terras, preservando, também, sua cultura<br />

e seu modo de produção.<br />

3.2 As propostas político-pedagógicas da Escola de Canuanã <strong>–</strong> Formoso do Araguaia<br />

<strong>–</strong> TO<br />

Situada a 60 quilômetros da cidade de Formoso do Araguaia, estado do Tocantins a<br />

Escola de Canuanã é uma escola-fazenda, com regime de internato, que abriga crianças e<br />

jovens entre 7 e 20 anos de idade. Localizada na margem leste do Rio Javaés, faz divisa com a<br />

Ilha do Bananal, região caracterizada por fauna, flora e paisagens exuberantes. Na área da<br />

escola podem ser encontrados vários tipos de vegetação, tais como: cerrado, mata fechada,<br />

varjões e várzeas inundadas, típicas da Ilha do Bananal.<br />

A escola fazenda ocupa uma área de 2.549 hectares, com 72.343 m 2 de área<br />

98


construída. É uma instituição privada, mantida pela Fundação Bradesco, oferecendo ensino<br />

gratuito, assistência médica, odontológica, material didático, uniforme e alimentação para<br />

crianças desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e Técnico Profissionalizante. (Revista<br />

da Escola Canuanã, 2007)<br />

Foi inaugurada em 5 de julho de 1973, quando a região ainda pertencia ao estado de<br />

Goiás. Vejamos o que obtivemos por meio de entrevista realizada:<br />

A Canuanã é uma das primeiras escolas da Fundação Bradesco. Ela tem 36 anos e<br />

foi inserida aqui nesse lugar justamente para atender a clientela do pessoal que não<br />

tinha acesso à escola, que eram as pessoas que moravam na Ilha do Bananal e<br />

também nas fazendas vizinhas. Mas, prioritariamente, foi pensado na questão da ilha<br />

do Bananal. Pelos relatos que eu já ouvi, pelas histórias que o pessoal conta, diz que<br />

foi uma conversa do senhor Amador Aguiar com o proprietário da fazenda, que na<br />

época era a Fazenda Canuanã ....que eles começaram a ficar preocupados com as<br />

crianças que estavam dentro da Ilha do Bananal, que moravam dentro da ilha do<br />

Bananal, na sua maioria oriundos do Maranhão, do Pará que se deslocavam pra cá. E<br />

eles falaram: porque que não cria uma escola....e daí surgiu esse sonho.....E aí que<br />

nasceu a Canuanã, uma escola diferente das outras que já tinham, que é uma escola<br />

internato para os alunos morarem aqui em virtude da dificuldade de locomoção da<br />

casa para escola. 16<br />

No ano de 2009, a Escola de Canuanã atendeu um total de 921 alunos, sendo 665 na<br />

Educação Infantil e Fundamental e 256 no Ensino Médio e Profissionalizante. Atendeu<br />

também 20 Jovens e Adultos na EJA para o ensino médio.<br />

Atualmente, atende crianças e jovens filhos de agricultores que vieram da Ilha do<br />

Bananal e que foram assentados pelo INCRA em áreas próximas à escola, lavradores,<br />

vaqueiros, posseiros e pequenos proprietários de terras cultivadas que vivem do regime de<br />

agricultura familiar ou mesmo de subsistência (ESCOLA FUNDAÇÃO BRADESCO..., 2009<br />

p. 04).<br />

Para atender alunos em regime de internato, a escola fazenda dispõe de um bloco com<br />

salas de aula, secretaria, alojamentos femininos, alojamentos masculinos beneficiando as<br />

crianças da 1 a a 8 a séries. Dispõe também de uma área de recreação, contando, inclusive, com<br />

uma casa de bonecas e uma brinquedoteca, para atender às crianças menores. Os educandos<br />

do Ensino Médio estudam num outro bloco, com instalações apropriadas à idade. Também<br />

possuem alojamento masculino e feminino separados dos pequenos<br />

Além desses, a escola conta com laboratório de ciências, de informática, biblioteca,<br />

oficinas mecânicas, estábulos, sala para inseminação artificial, indústria de doces, queijos e<br />

embutidos, quadras poli-esportivas, piscinas semi-olímpica, campo de futebol, cinema, rádio<br />

televisão e internet, salas de orientação pedagógico-profissional, sala de artes, além do<br />

16 Entrevista concedida em 12 de novembro de 2009<br />

99


efeitório, cozinha, área de serviço e almoxarifado. A fazenda também dispõe de casas para<br />

moradia de professores e funcionários e uma casa sede, onde ficam hospedados os que visitam<br />

o local.<br />

3.2.1 A proposta Pedagógica da Escola de Canuanã<br />

Conforme descrito em seu Projeto Político Pedagógico, Canuanã é uma escola fazenda<br />

que mantém os cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino<br />

Profissionalizante concomitantemente em regime de internato misto. Podemos observar no<br />

documento da escola os seguintes objetivos:<br />

100<br />

[...] investir na educação de crianças, jovens e adultos desfavorecidos<br />

economicamente, propiciando às comunidades um ensino gratuito desde o curso de<br />

Educação Infantil até o Ensino Médio profissionalizante. [...] A proposta pedagógica<br />

do Colégio fundamenta-se em concepções educacionais, em especial as<br />

construtivistas, baseadas numa visão dialética como forma de entender o<br />

desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. (ESCOLA FUNDAÇÃO<br />

BRADESCO...,2009, p. 04,10).<br />

A escola tem como principal meta formar indivíduos, preparando-os para o exercício<br />

da sua cidadania, num mundo em constante mutação, repassando valores que repercutem uma<br />

visão do Homem, de sociedade e da relação entre mercado de trabalho e empregabilidade.<br />

Visa oportunizar ao aluno compreender e atuar na dialética do mundo contemporâneo,<br />

enquanto sujeito político, social, cultural e produtivo, por meio do exercício de sua<br />

capacidade criativa, da liderança e da sua potencialidade para refletir e participar das relações<br />

sociais históricas.<br />

Como descrito no Projeto Pedagógico, a aprendizagem se dá na interação dialética e<br />

construtiva entre o sujeito e o conhecimento, onde professores, alunos, agentes sociais e os<br />

meios de comunicação são informantes fundamentais nesse processo (ESCOLA<br />

FUNDAÇÃO BRADESCO...,2009, p. 07). Nesse contexto de aprendizagem, o educando<br />

deverá aprender na realidade cotidiana, por meio de trabalhos práticos, de vivenciar aspectos<br />

relevantes da formação geral, por meio da sua participação nos projetos educacionais da<br />

escola, por meio da constante interação entre escola e família, a qual participará,<br />

efetivamente, nos diversos momentos, tais como: construção do conhecimento, lazer, estudos<br />

e decisões que influenciam o caminho da escola.<br />

Para a Escola Canuanã “a aprendizagem [...] é compreendida como sendo


consequência de um processo original vivido pelos indivíduos, através da interação com<br />

elementos do mundo" e o processo de crescimento do sujeito da aprendizagem “é dialético e<br />

construtivo no qual o educando é produtor de cultura". Nesse contexto, “ao professor cabe<br />

criar situações de aprendizagem adequadas [...] que orientem a construção do conhecimento<br />

científico." (ESCOLA FUNDAÇÃO BRADESCO..., 2009, p.10).<br />

No que diz respeito à sua organização curricular, a Escola Canuanã oferece Educação<br />

Infantil apenas para os filhos dos funcionários, haja vista a tenra idade para o regime de<br />

internato.<br />

Por meio das ações educativas do Ensino Fundamental (com duração de 8 anos), a<br />

escola pretende preparar a criança e o adolescente para o exercício consciente de sua<br />

cidadania por meio da aquisição de conhecimento e habilidades e da formação de atitudes e<br />

valores. Tem como objetivo levar o educando a agir de forma autônoma, problematizando a<br />

realidade que o cerca, formulando hipóteses, analisando e comparando dados percebidos,<br />

construindo e reconstruindo seus próprios conceitos.<br />

Agindo dessa forma, a escola pretende capacitar o educando a caminhar em direção à<br />

conquista do saber elaborado pela ação e reflexão, a conquistar a segurança indispensável<br />

para sua integração social e para prosseguir na busca de novas descobertas, a utilizar as<br />

diferentes linguagens, verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal como meio de<br />

expressar, produzir e comunicar suas ideias. Enfim, prestar ao educando o apoio necessário<br />

para que se sinta seguro e capaz de ir cada vez mais adiante na construção do seu saber e para<br />

que, como indivíduo autônomo e ser social, desenvolva-se de maneira efetiva.<br />

A organização curricular do Ensino Médio pretende dar formação integral ao<br />

adolescente, possibilitando o prosseguimento de seus estudos, preparando-o para o trabalho e<br />

o exercício da sua cidadania. As componentes curriculares dão destaque à educação<br />

tecnológica básica, à compreensão do significado da ciência, das letras, das artes e ao<br />

processo histórico de transformação da sociedade e da cultura na língua portuguesa como<br />

instrumento de comunicação e acesso ao conhecimento.<br />

Conforme o PPP do curso Técnico em Agropecuária da Escola de Canuanã, o mesmo<br />

tem por objetivo:<br />

101<br />

[...] preparar e integrar qualificadamente no processo produtivo os jovens atendidos<br />

pela escola, cumprindo assim sua função social junto à comunidade; propiciar<br />

condições técnicas e sociais para que o profissional rural se estabilize em seu meio,<br />

favorecendo com isso, uma melhoria das condições de vida no campo e uma redução<br />

da migração rural; favorecer a melhoria de qualidade do trabalho desenvolvido pelo<br />

profissional rural, propiciando maior produtividade agrícola e ampliando as<br />

possibilidades de empregabilidade. Fazer uma interface entre o setor produtivo e<br />

centros de pesquisa que atuam no mesmo segmento, propiciando trocas favoráveis


102<br />

aos aprendizes, à escola e às próprias empresas; desenvolver a formação de<br />

profissionais técnicos capazes de usar novas tecnologias em seu campo de trabalho,<br />

além de adaptar-se constantemente às mudanças exigidas pela sociedade e pelo<br />

mercado e formar Técnicos em Agropecuária que pautem suas ações na ética do bem<br />

comum, do respeito ao trabalho humano, à proteção dos recursos naturais e ao<br />

cumprimento as leis que envolvem o seu campo de atuação. (ESCOLA<br />

FUNDAÇÃO BRADESCO...,2009, p. 05)<br />

Por meio da estrutura didática estabelecida, a Escola Técnica Agrícola de Canuanã<br />

pretende formar um profissional com o seguinte perfil:<br />

[...] capacidade de aprender a aprender; capacidade de interpretar dados e resolver<br />

problemas; capacidade para o trabalho em equipe; capacidade de exercer papel de<br />

liderança na divulgação de conhecimentos que possam melhorar a qualidade de vida<br />

e trabalho no meio rural; capacidade de elaborar e desenvolver projetos nos<br />

diferentes ramos do setor agropecuário e agro-industrial, identificando e<br />

considerando as particularidades técnicas, econômicas e sociais da região;<br />

capacidade de analisar as características do solo, organizar e melhorar a exploração e<br />

manejo deste considerando os fatores climáticos, tipos de cultivo, instalações,<br />

matérias primas, produtos e tratamento dos resíduos; capacidade para identificar os<br />

recursos hídricos e avaliar as possibilidades de utilização ecologicamente<br />

responsável dos mesmos; capacidade de planejar e acompanhar diferentes tipos de<br />

culturas, identificando necessidades nutricionais, sanitárias, de prazos e de<br />

equipamentos que resultem em maior produtividade; capacidade para aplicar<br />

métodos e programas de reprodução animal de cuidados higiênicos e sanitários,<br />

controlando a produção animal e agroindustrial; habilidade na aplicação de técnicas<br />

e recursos, inclusive os da informática, adequados à gestão e monitoramento dos<br />

empreendimentos agrícolas, pecuários, paisagísticos e agroindustriais; capacidade de<br />

propor e orientar projetos agropecuários pautados pela valorização do trabalho<br />

humano, pela defesa do meio ambiente, pela ética profissional e respeito às leis e<br />

normas pertinentes; pesquisar, apreciar e desenvolver novas alternativas de<br />

produção; conhecer e considerar, no desenvolvimento de projetos, as questões de<br />

ordem ambiental, tornando-se, na região em que atua, agente multiplicador das<br />

ideias e atitudes de defesa do meio ambiente. (ESCOLA FUNDAÇÃO<br />

BRADESCO...,2009, p. 07)<br />

Além das aulas regulares, os educandos são incentivados a participar de projetos que<br />

visam tanto seu desenvolvimento intelectual (projetos de pesquisa), desenvolvimento do<br />

voluntariado (atuando junto à comunidade) e desenvolvimento pessoal (saúde, sexualidade,<br />

artes, entre outros). São alguns projetos desenvolvidos:<br />

GSR <strong>–</strong> Grupo de Saúde Rural: Atende moradores de assentamento do INCRA e tem<br />

por objetivos desenvolver práticas de saúde e bem-estar bem como incentivar um<br />

desenvolvimento autossustentável da comunidade.<br />

Programa de Educação Ambiental de Canuanã <strong>–</strong> PEACAN: Trabalhando junto aos<br />

educandos de Canuanã, tem por objetivo oportunizar a educação ambiental na busca<br />

do desenvolvimento sustentável. Tem como atividades: produção de mudas de<br />

espécies nativas e promover o reflorestamento, preservação dos quelônios (animais em<br />

extinção por ser utilizado como fonte de alimentação) e ações para redução da


produção de lixo e poluição do ambiente, incentivando a reciclagem e reutilização.<br />

Dia Nacional de Ação Voluntária das Escolas da Fundação Bradesco <strong>–</strong> DNAV: Com a<br />

atuação dos educandos de Canuanã junto às comunidades vizinhas, esse projeto tem<br />

por objetivo promover o voluntariado e levar a escola para atuar junto à comunidade,<br />

“reduzindo a distância entre texto e contexto” (Revista Canuanã 2007, p.07)<br />

promovendo a construção de uma “nação socialmente justa” pela atuação de<br />

indivíduos “socialmente participantes” (Revista Canuanã, 2007, p. 07).<br />

Trabalho e Consumo: Tem por objetivo “contribuir para uma visão clara e globalizada<br />

do mundo do trabalho, focando nesse contexto o jovem de Canuanã, oportunizando-<br />

lhe conhecer as diversas áreas, possibilitando uma tomada de decisão mais consciente<br />

em relação à escolha de uma carreira profissional”(Revista Canuanã, 2007, p. 08).<br />

Suas principais atividades: o estudo (filosófico e sociológico) sobre o trabalho e sua<br />

função na vida humana; profissão e emprego; conhecimentos das universidades da<br />

região e seus cursos; seminário das profissões com a participação de profissionais que<br />

compartilhem sua trajetória profissional.<br />

Produção Agropecuária: Pretende desenvolver a preparação para a aplicação das<br />

técnicas disponíveis na gestão e monitoramento dos empreendimentos agropecuários e<br />

agroindustriais; desenvolver a capacidade de liderança na divulgação de<br />

conhecimentos que possam melhorar a qualidade de vida e trabalho no campo e<br />

desenvolver as atividades agropecuárias pautados na valorização do trabalho humano,<br />

defesa do meio ambiente.<br />

Programa de Recreação e Lazer <strong>–</strong> PROLARE: Procura, através de atividades<br />

recreativas, desenvolver e valorizar o próprio saber do educando, desertando a<br />

criatividade e a cultura corporal manifestada por meio da sintonia entre as atividades<br />

físicas e mentais, melhorando a auto-estima.<br />

Orientação Afetivo Sexual <strong>–</strong> OAS: Procura possibilitar a “formação de uma auto-<br />

imagem positiva que permita ao educando vivenciar sua sexualidade de forma sadia,<br />

feliz e responsável na construção de seu projeto de vida”. (Revista Canuanã, 2007, p<br />

11).<br />

Além desses, a escola também promove oficinas pedagógicas sobre temas variados e<br />

de interesse dos discentes, bem como visitas técnicas e estudos do meio.<br />

Com seus projetos de pesquisa, a Escola Canuanã já participou de várias feiras da<br />

SBPC conquistando, inclusive, premiações pelos trabalhos desenvolvidos pelos educandos.<br />

103<br />

As propostas aqui apresentadas pela Escola de Canuanã buscam desenvolver o aluno


de forma integral, envolvendo não somente os aspectos do conhecimento científico, mas<br />

também aquelas que procuram proporcionar melhores condições de vida aos educandos e seus<br />

familiares.<br />

Além disso, essas atividades desenvolvidas são elementos considerados de grande<br />

importância pelos potenciais empregadores e, dessa forma, por meio dessas atividades a<br />

escola prepara seu aluno também para atuar de forma competente num contexto empresarial<br />

3.2.2 A proposta política da Escola de Canuanã<br />

A Proposta Pedagógica Colégio de Canuanã não possui em seu texto uma referência<br />

explícita sobre sua proposta política. Entretanto, todo:<br />

104<br />

[...] projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido<br />

explícito, com um compromisso definido coletivamente. [...] A dimensão política se<br />

cumpre ma medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente<br />

pedagógica. (VEIGA, 2004, p.14 - 15).<br />

Nesse contexto, é possível verificar a proposta política por meio do discurso e da<br />

constituição curricular, afinal, o valor social e cultural da escola se revela pelo<br />

desenvolvimento do currículo.<br />

Pelo conteúdo apresentado no documento ora exposto, pode-se afirmar que a Escola<br />

Canuanã apresenta uma proposta política de educação para o mercado. Podem comprovar essa<br />

afirmação frases como:<br />

“formar indivíduos com valores que repercutem uma visão do Homem, de sociedade e<br />

da relação entre mercado de trabalho e empregabilidade” (ESCOLA FUNDAÇÃO<br />

BRADESCO...,2009, p. 04);<br />

“oportunizar ao aluno compreender e atuar na dialética do mundo contemporâneo,<br />

enquanto sujeito político, social, cultural e produtivo, através do exercício de sua<br />

capacidade criativa, da liderança e da sua potencialidade para refletir e participar das<br />

relações sociais históricas” (ESCOLA FUNDAÇÃO BRADESCO...,2009, p. 05);<br />

“destina-se à formação integral do adolescente possibilitando o prosseguimento de<br />

seus estudos, preparando-o para o trabalho e o exercício da sua cidadania” "A escola<br />

tem por objetivo propiciar um ensino pedagógico e uma formação educacional de<br />

qualidade e o compromisso de oportunizar ao educando conhecimentos profissionais


completos e necessários, capaz de emitir sua auto-realização, bem como a qualificação<br />

do mesmo para o mercado profissional, à sociedade e ao país"<br />

Por meio do Plano de Curso do Eixo Tecnológico Recursos Naturais <strong>–</strong> Educação<br />

Técnica de Nível Médio <strong>–</strong> Curso em Agropecuária, pode-se perceber a mesma intenção<br />

política, quando coloca como objetivo do curso “preparar e integrar qualificadamente no<br />

processo produtivo os jovens atendidos pela escola, cumprindo assim sua função social junto<br />

à comunidade.<br />

A proposta política também pode ser comprovada pela estrutura curricular que possui<br />

componentes como Planejamento e Projeto, Produção Agroindustrial e Gestão de<br />

Empreendimentos Agropecuários e Agroindustriais.<br />

Porém, ao mesmo tempo em que o discurso descreve uma educação para o mercado,<br />

descreve também uma educação para autonomia quando apresenta que a escola:<br />

forma indivíduos, preparando-os para o exercício da sua cidadania, compreendendo e<br />

atuando na dialética do mundo contemporâneo, enquanto sujeito político, social,<br />

cultural com potencialidade para refletir e participar das relações sociais históricas;<br />

acredita que a aprendizagem se dá na interação dialética e construtiva entre o sujeito e<br />

o conhecimento;<br />

pratica uma aprendizagem [...] compreendida como sendo consequência de um<br />

processo original vivido pelos indivíduos, através da interação com elementos do<br />

mundo, na qual o processo de crescimento do sujeito da aprendizagem "é dialético e<br />

construtivo. [...] É produtor de cultura;<br />

adota o procedimento de aprender fazendo, pois reconhece nessa sistemática uma<br />

oportunidade para consolidar o conhecimento teórico construído.<br />

Nesse contexto, ao mesmo tempo em que educa com ênfase nas atividades<br />

agroindustriais, que são concentradoras de terra e renda, também possibilita aos educandos a<br />

capacidade do pensar próprio pelo conhecimento adquirido, colaborando para sua<br />

emancipação social, cultural e econômica.<br />

3.3 Igualdades e Diversidades dos Processos Educacionais nas escolas rurais EFA e<br />

Canuanã<br />

105<br />

Um dos questionamentos que se pode fazer em relação a esse item: Igualdades e


Diversidades é, exatamente, se existe a possibilidade de igualdade onde existem duas<br />

realidades e duas formas de trabalho bastante diferenciadas, como é o caso da EFA e<br />

Canuanã.<br />

Outro questionamento possível se refere ao atendimento dos “processos educacionais”.<br />

Existem várias definições para explicar o que seja um processo. No contexto da pedagogia ,<br />

Senna afirma que:<br />

106<br />

os processos educacionais são propriamente as experiências que promovem a<br />

educação de um povo. Nestas experiências todos concorrem, ao mesmo tempo como<br />

agentes de ensino e de aprendizagem, transformando-se mutuamente e tendo por<br />

motivação a integração, de si próprios com suas expectativas de vida e de si com o<br />

outro ao qual reconhece como par. (SENNA, 2007, p. 57 - 58)<br />

Ainda que com palavras diferentes, ambos os conceitos dizem que processos causam<br />

mudanças, transformações.<br />

Quando se pensa “processo educacional”, com base nas duas últimas definições, é<br />

possível afirmar que existirão muito mais igualdades que diversidades presentes nas duas<br />

realidades pesquisadas do que se poderia inicialmente pensar.<br />

É bem verdade que as diversidades, entendidas aqui como formas diferentes de se<br />

conduzir o processo educacional, mostram-se mais clara e abertamente. Pode-se começar a<br />

descrevê-las pela área destinada ao ensino e aprendizagem. Não somente a área, mas todas as<br />

instalações físicas das escolas.<br />

A Escola de Canuanã possui uma estrutura física melhor equipada que a EFA. Várias<br />

razões contribuem para isso. Por estar em uma área muito maior, Canuanã possibilita a<br />

construção de espaços de ensino e aprendizagem mais amplos. Por ser financiada por uma<br />

fundação pertencente a uma instituição financeira privada, consegue mais recursos para a<br />

realização de suas atividades. Essa diferença na obtenção de recursos financeiros também<br />

permite à Canuanã utilizar recursos tecnológicos, que a EFA não tem acesso no ambiente<br />

escolar.<br />

Porém, a pressão por resultados na Escola de Canuanã é muito grande. Por fazer parte<br />

de um grupo que trabalha com um sistema de gestão por resultados, precisa atingir metas<br />

estabelecidas pela direção nacional. A escola tem um sistema de avaliação de aprendizagem<br />

que, anualmente, é aplicado a todas as escolas pertencentes à Fundação. Caso os educandos<br />

não atinjam a meta estabelecida, a escola é fortemente cobrada.<br />

A EFA é financiada pelo Estado, o que faz com que o recebimento de recursos<br />

financeiros siga uma lógica diferenciada, porém é de gestão autônoma e compartilhada e isso<br />

faz com que a pressão por resultados seja menor. O que não significa que o compromisso da


equipe diretiva e docente com o ensino e a aprendizagem seja diminuído ou desprezado.<br />

Outra diversidade que se pode observar entre as duas escolas são as propostas<br />

pedagógicas. Com a adoção da Pedagogia da Alternância, a EFA propõe uma variedade maior<br />

de tempos e espaços de aprendizagem, que não são possíveis de serem aplicadas em Canuanã,<br />

na qual o regime de internato limita as ações. Os projetos voltados ao atendimento da<br />

comunidade, desenvolvidos pela escola de Canuanã, não contam com a participação de todos<br />

os educandos. Na EFA, por força do Plano de Estudo, presente na proposta da Alternância,<br />

todos os educandos precisam ter uma maior interação com a comunidade na busca de solução<br />

para problemas comuns, fato que não acontece na escola de Canuanã<br />

Também sob a ótica das diversidades, não se pode deixar de falar sobre a forma de<br />

acesso às duas escolas.<br />

Canuanã tem vagas limitadas, os alunos passam por um processo de seleção que tem<br />

critérios a serem seguidos. Conforme conteúdo de entrevista realizada, são em torno de<br />

setecentas inscrições para 100 vagas disponíveis, das quais 70 são para a primeira série. No<br />

ano de 2009, foram 160 inscrições para as 70 vagas disponíveis. Conforme entrevista<br />

realizada, o processo de seleção da escola acontece da seguinte maneira:<br />

107<br />

Em junho, eles fazem as inscrições, em agosto e setembro a gente seleciona as fichas<br />

e fazemos a visita na casa. Então nós vamos na casa, pra ver se aquele aluninho que<br />

fez a inscrição mora realmente na fazenda, como que é a estrutura familiar dele, se<br />

ele está dentro da faixa etária para aquela série pretendida. Se estiver tudo dentro<br />

desse perfil que a gente colocou, desse critério, a gente agenda a entrevista dele aqui<br />

na escola. A gente quer que a criança venha com o pai na escola de Canuanã. Então<br />

ele já tem um primeiro contato. Então ele vai ver como que é a escola, como que é o<br />

parquinho, onde ele vai dormir, onde ele vai morar, quem são os coleguinhas, para<br />

ele ter um pouquinho mais de segurança em vir. Feito tudo isso, a gente fecha o<br />

processo seletivo em dezembro. Então, geralmente, na última reunião de pais a gente<br />

divulga a classificação da primeira série para 2010. A matrícula é feita em janeiro.<br />

Os que não conseguem, a gente orienta os pais que coloquem eles pra estudar. Eles<br />

não podem ficar sem escola. Por quê? Se eles estiverem estudando, eles têm chance<br />

de entrar em Canuanã até o primeiro médio do Agro. Então até a oitava série eles<br />

podem entrar e até o primeiro ano geralmente surgem aí dez vagas.[...]. Então a<br />

gente orienta os pais para que eles não desistam. Todo ano eles têm que fazer a<br />

inscrição. Manter o menino na escola, não deixar reprovar, que se reprovar fica fora<br />

da faixa etária e não consegue entrar mais aqui. 17<br />

Situação bastante diferenciada da EFA, que recebe todos aqueles que queiram estudar.<br />

Mesmo as distorções idade-série não são empecilho para a matrícula.<br />

Sobre as igualdades percebidas nos dois casos, pode-se iniciar comentando sobre o<br />

carinho que os educando têm pelas escolas. Tanto os educandos de Canuanã quanto os<br />

educandos da EFA consideram que a escola contribui de forma muito significativa para suas<br />

17 Entrevista concedida em 12 de novembro de 2009.


vidas. Isso pode ser percebido pelos depoimentos: “a escola é maravilhosa. Ajuda nós, nossos<br />

familiares, não é restrita apenas aos alunos. Há uma relação maravilhosa com a comunidade”<br />

e ainda, “eu agradeço essa escola muito porque é a melhor escola do mundo e faz tudo para<br />

melhorar o dia-a-dia da sociedade”. (depoimentos de alunos de Canuanã deixados no<br />

questionário aplicado).<br />

Na EFA, o sentimento não é diferente: “Gosto dessa escola. Aprendi muito aqui”;<br />

“Esta escola é muito boa. Espero que ela melhore do que ela é. Eu tenho muito orgulho de<br />

estudar aqui. Muito obrigado.” (depoimentos de alunos da EFA deixados no questionário<br />

aplicado).<br />

Outro aspecto comum percebido é o comprometimento da comunidade envolvida em<br />

relação às duas escolas. Em ambas existe a mesma vontade de mudar a realidade e a mesma<br />

dedicação com a tarefa de educar. Tanto na EFA quanto em Canuanã todos trabalham em<br />

busca do mesmo objetivo, mesmo sendo o objetivo diferente em cada uma delas. Isso pode<br />

ser confirmado pelas respostas dos alunos no questionário aplicado quando, ao serem<br />

indagados sobre a participação dos professores e funcionários nas atividades da escola,<br />

obteve-se os seguintes resultados.<br />

Gráfico 3 - Envolvimento das pessoas que trabalham na escola nas atividades<br />

curriculares e extra-curriculares desenvolvidas <strong>–</strong> EFA<br />

70%<br />

60%<br />

50%<br />

40%<br />

30%<br />

20%<br />

10%<br />

0%<br />

20%<br />

64%<br />

16%<br />

muito fraco fraco médio forte muito forte não sabe<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

108


Gráfico 4 - Envolvimento das pessoas que trabalham na escola nas atividades<br />

curriculares e extra-curriculares desenvolvidas <strong>–</strong> Canuanã<br />

50,0%<br />

45,0%<br />

40,0%<br />

35,0%<br />

30,0%<br />

25,0%<br />

20,0%<br />

15,0%<br />

10,0%<br />

5,0%<br />

0,0%<br />

0,6%<br />

3,2%<br />

25,1%<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Outra similaridade observada é a estrutura curricular do curso Técnico em<br />

Agropecuária. As disciplinas ministradas são as mesmas. A corrente pedagógica que as<br />

escolas pautam suas ações é a mesma. Embora contraditoriamente nos dois Projetos<br />

Pedagógicos, as ações pedagógicas estão pautadas na proposta freireana de ensino e, por essa<br />

razão, ambas buscam a formação de um cidadão completo, consciente e capaz.<br />

As ações pedagógicas de ambas as escolas estão direcionadas ao atendimento das<br />

necessidades locais, como propõe a teoria de construção do projeto pedagógico. Através de<br />

respostas dos alunos ao questionário aplicado, percebe-se que em Canuanã existe uma ênfase<br />

maior nas atividades com gado. Já na EFA, percebe-se que a maior ênfase está na preparação<br />

45,0%<br />

25,1%<br />

de hortas, adubos orgânicos e atividades relacionadas à avicultura.<br />

1,0%<br />

muito fraco fraco médio forte muito forte não sabe<br />

109


Gráfico 5 - Atividades que aprende na escola e utiliza no trabalho em casa <strong>–</strong> Canuanã<br />

35,0%<br />

30,0%<br />

25,0%<br />

20,0%<br />

15,0%<br />

10,0%<br />

5,0%<br />

0,0%<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Gráfico 6 - Atividades que aprende na escola e utiliza no trabalho em casa - EFA<br />

45,0%<br />

40,0%<br />

35,0%<br />

30,0%<br />

25,0%<br />

20,0%<br />

15,0%<br />

10,0%<br />

5,0<br />

0,0<br />

18,2%<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

As duas escolas oferecem o ensino profissionalizante integrado ao Ensino Médio,<br />

permitindo, dessa maneira, que os alunos tenham a oportunidade de escolha entre continuar<br />

seus estudos em uma faculdade, entrar para o mundo do trabalho como Técnico<br />

Agropecuário, ou ainda realizar as duas coisas, ou seja, por meio da profissão já conquistada<br />

poder continuar seus estudos.<br />

38,5%<br />

30,5%<br />

Se processo educacional são transformações provocadas na vida do educando, é<br />

possível afirmar que ambas as escolas atuam de forma igual, ainda que por caminhos<br />

diferentes. Pelo exposto, pode-se observar que as diversidades do processo estão relacionadas<br />

aos recursos físicos, materiais. No que concerne à parte humana, ou seja, no que realmente é<br />

32,5%<br />

18,7%<br />

22,0%<br />

Tirar leite Manejo de animais Fazer horta Castrar animais<br />

18,0%<br />

Horta Preparar adubo orgânico Avicultura<br />

110


capaz de proporcionar mudanças de paradigmas e transformar a vida daqueles que passam<br />

pelas escolas, não há diversidade, são iguais nos dois espaços educacionais.<br />

Diante do exposto, percebe-se que quando o conceito de processo educacional é<br />

alinhado ao conceito de projeto e à proposta política assumida pela escola, torna-se ainda mais<br />

nítida a igualdade de ações nas duas escolas. Ambas trabalham no intuito de fazer cumprir o<br />

projeto proposto, com a mesma dedicação, com o mesmo entusiasmo e com o mesmo afinco<br />

para proporcionar, não só aos educandos, mas à sociedade à sua volta, transformações que<br />

tragam melhorias tanto aos alunos quanto à comunidade na qual está inserida.<br />

Percebemos, com isso, que mesmo não apresentando de forma explícita sua proposta<br />

política, esta pode ser percebida implicitamente pelas ações praticadas, mostrando-nos que<br />

discurso e prática nem sempre são coerentes no fazer educacional.<br />

3.4 O discurso e a práxis no cotidiano da escola<br />

Todo projeto pedagógico é uma declaração da filosofia pedagógica da instituição que,<br />

ao construí-lo, necessariamente se pergunta qual é o ser que se pretende formar.<br />

Paralelo a isso, a história tem mostrado que a escola cumpre com primazia o seu papel<br />

de manter a hegemonia da cultura dominante, repassando seus valores, seja mais abertamente<br />

em seu discurso ou camufladamente numa práxis que se traduz em ações diferenciadas do<br />

discurso expresso no projeto.<br />

O que o tema desse item propõe é justamente analisar a coerência entre o discurso<br />

presente nos projetos pedagógicos e a práxis docente, verificando sua coerência ou diferenças.<br />

Coerência com o quê? Diferenças entre quais aspectos?<br />

Para se compreender análise das práticas escolares, é necessário compreender um<br />

pouco a respeito das teorias de currículos propostas pelos pensadores da pedagogia. Segundo<br />

esses pensadores, a Teoria do Currículo passa por três fases: Teoria Tradicional, Teoria<br />

Crítica e Teoria Pós Crítica.<br />

Silva (2003) expõe essas teorias sobre o currículo no qual explicita as ideias<br />

fundamentais de cada uma delas.<br />

A Teoria Tradicional procura ser neutra e pretende formar um trabalhador<br />

especializado ou proporcionar uma educação geral acadêmica. Tem por premissa apresentar<br />

os conteúdos de forma eficaz para se obter resultados eficientes. Eficácia e Eficiência. Dois<br />

111


termos da Administração de Taylor, cujo modelo inspira a escola a funcionar como uma<br />

empresa comercial ou industrial.<br />

A década de 60 do século XX foi marcada pela ação de movimentos sociais e<br />

culturais. Em meio a esses movimentos, surge uma nova concepção de currículo: as Teorias<br />

Críticas, no plural, haja vista serem vários os autores com visões diferenciadas sobre a prática<br />

escolar.<br />

A premissa das Teorias Críticas está na subjetividade das experiências pedagógicas e<br />

curriculares. As experiências vividas, no ambiente escolar, devem ser encaradas de uma forma<br />

absolutamente pessoal e subjetiva e considerar de que maneira professores e discentes<br />

estabelecem os processos de negociação e os significados sobre o conhecimento.<br />

Apesar de serem vários autores, o que se procura é o compreender “em uma análise<br />

marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação<br />

entre educação e ideologia”. (Hornburg e Silva, 2007, p. 02).<br />

Dentre os representantes dessa teoria, encontram-se Louis Althusser, Samuel Bowles e<br />

Herbert Gintis, Pierre Bourdieu e Jean Claude Chamboredon, Michael Apple, Henry Giroux e<br />

Paulo Freire.<br />

Segundo Althusser, a escola, por fazer parte da vida da população por um longo<br />

período de tempo, é um meio utilizado pelo capitalismo para manter sua ideologia. Daí ocorre<br />

que o currículo, por meio das disciplinas e conteúdos desenvolvidos, é um instrumento pelo<br />

qual a ideologia dominante transmite seus princípios. Além disso, as formas de seleção e as<br />

práticas discriminatórias presentes nas ações pedagógicas fazem com que se perpetue a<br />

relação entre dominantes e dominados.<br />

Bowles e Gintis apontam para o fato de que não é apenas mediante o conteúdo<br />

explícito no currículo que a classe dominante procura manter sua ideologia, mas as relações<br />

sociais existentes na escola também são fator determinante para se atingir tal objetivo. Dessa<br />

maneira:<br />

112<br />

[...] as escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar<br />

relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem<br />

a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões<br />

superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os<br />

estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia.<br />

(SILVA, 2003, p. 33).<br />

Já os estudos de Bourdiex e Jean Claude propõem que a reprodução social ocorre por<br />

meio da cultura, na reprodução cultural. É pela reprodução da cultura dominante que se<br />

perpetua a sua hegemonia. Considera-se cultura nesse contexto os hábitos, os valores, os


gostos e os costumes da classe dominante, sendo desprezados quaisquer outros que sejam<br />

diferentes. No contexto escolar, um currículo baseado na cultura dominante atua como um<br />

mecanismo de exclusão, pois se utiliza de códigos facilmente entendidos pela classe<br />

dominante, mas completamente indecifráveis à classe dominada.<br />

A contribuição de Apple para a Teoria Crítica do Currículo está no fato de sua obra<br />

questionar a forma como os conteúdos são trabalhados no ambiente escolar. Em seu<br />

pensamento, expõe que os conteúdos do currículo não se apresentam de forma neutra. O<br />

currículo materializa o conhecimento e o legitima como verdadeiro e absoluto. Nesse<br />

entendimento, deve-se refletir não apenas sobre qual conhecimento é verdadeiro, mas a quem<br />

pertence o conhecimento, quem o selecionou e porque é organizado e transmitido dessa<br />

forma. Por isso valores, normas e disposições são importantes, mas mais importantes ainda<br />

são as ideologias presentes nos conteúdos que compõe o currículo.<br />

Apple apresenta que todas as atividades desenvolvidas no contexto escolar estão<br />

repletas de significação, nem sempre apresentados de forma explícita. Chama a atenção para<br />

as relações sociais estabelecidas na escola, em especial para as relações de poder. Essas<br />

relações de poder, existentes no ambiente escolar, fazem com que a transmissão do<br />

conhecimento aconteça de forma diferenciada, de acordo com o grupo para o qual esse<br />

conhecimento é transmitido. Isso porque a escola acumula e legitima a cultura e o<br />

conhecimento transforma-os em capital que, dependendo do grupo, será ou não adquirido pelo<br />

educando. Ao mesmo tempo em que isso acontece, a escola produz e transmite<br />

conhecimentos, sejam eles valores, regras e comportamentos sociais ou conhecimentos<br />

técnico-administrativos de maneira a manter o funcionamento do capitalismo.<br />

Apple critica essa maneira pela qual a sociedade capitalista pressiona as escolas, os<br />

currículos e a prática pedagógica dos professores.<br />

Giroux apresenta um pensamento de currículo voltado para a noção ‘político-cultural’.<br />

Para ele, o currículo é o lugar onde os significados sociais são criados e produzidos e deve ser<br />

compreendido utilizando os conceitos de libertação e emancipação. Isso porque, é por meio<br />

dos conteúdos do currículo trabalhados no cotidiano da escola que as pessoas se tornam<br />

conscientes de sua condição de dominados e podem se tornar emancipadas ou libertas do<br />

poder e controle exercidos pelos detentores do poder.<br />

É por essa razão que os educandos deverão participar ativamente do processo de<br />

construção do currículo, discutindo as práticas sociais, políticas econômicas, analisando-as e<br />

percebendo seu caráter de controle.<br />

113<br />

Nesse contexto, o professor tem papel fundamental, pois são eles que devem não


somente permitir, mas instigar o aluno a participar e questionar, bem como propor questões<br />

reflexivas, permitindo ao aluno ser ouvido e expressar sua opinião.<br />

Freire não desenvolve uma teoria sobre currículo propriamente dita, mas discute o<br />

espaço da escola como um espaço apenas de reprodução do conhecimento. Desenvolve o<br />

conceito de ‘educação bancária’, onde o professor tem um papel ativo de transmissor e o<br />

educando um papel de receptor passivo. O currículo, então, não faz parte da vida das pessoas.<br />

O que Freire propõe é uma educação problematizadora, ou seja, o ato de aprender<br />

somente fará sentido se for realizado por meio de uma prática social. Num espaço onde o ato<br />

pedagógico é dialógico e realizado a partir de uma prática social, os conteúdos são definidos<br />

junto com os educandos e na realidade em que estão inseridos, eliminando, assim, a diferença<br />

entre cultura erudita e cultura popular, permitindo que esta última também se torne<br />

conhecimento legitimado.<br />

Silva (2003), nos estudos sobre currículo, chama a atenção para o currículo oculto. Em<br />

sua exposição, afirma que nem tudo o que acontece no ambiente escolar está explícito no<br />

projeto pedagógico. Estão presentes nos acontecimentos do cotidiano da escola valores,<br />

comportamentos e atitudes que contribuem de forma significativa para aprendizagens sociais<br />

relevantes. São experiências (planejadas ou não) vividas no ambiente escolar que podem<br />

contribuir positiva ou negativamente. Para as teorias críticas estão associadas ao<br />

conformismo, à obediência e ao individualismo, que são comportamentos que mantém a<br />

ideologia dominante.<br />

Nas teorias pós-críticas o que se procura é quebrar um paradigma das visões de mundo<br />

anteriores. Propõe um abandono gradual dos velhos temas e entra em cena a discussão de dois<br />

deles: o multiculturalismo e as questões de gênero e pedagogia feminista.<br />

Para os defensores do multiculturalismo nenhuma cultura pode ser julgada superior à<br />

outra. No ambiente escolar, as teorias pós-críticas se posicionam contra um currículo que<br />

privilegia a cultura branca, masculina, heterossexual e europeia em detrimento de outras.<br />

Surgem, então, duas correntes: a liberal e a crítica<br />

A liberal entende que no ambiente escolar deve haver respeito, tolerância e<br />

convivência harmoniosa. Para a crítica, isso apenas não quebra as relações de poder<br />

existentes, permanecendo a supremacia da cultura dominante que permite que as demais<br />

tenham o ‘seu espaço’. O que se pretende é fazer com que todas tenham igualdade de<br />

condições, discutindo valores de outras culturas e trazendo-os para um patamar de igualdade<br />

com as da classe dominante.<br />

114<br />

Ao discutirem as questões de gênero nas relações escolares, as teorias críticas


propõem uma repensar de valores repassados pela escola que são essencialmente masculinos,<br />

tais como a valorização do domínio, controle, racionalidade, lógica, técnica, individualismo e<br />

competição. Defendem que o ambiente escolar também deve valorizar aspectos como a<br />

importância das relações sociais, a intuição, arte, estética, comunitarismo e cooperação. Isso<br />

porque o objetivo não é de ‘masculinizar’ as mulheres, mas através da inclusão e discussão de<br />

valores femininos, possa haver um equilíbrio de interesses e particularidades.<br />

Ao analisar o projeto pedagógico da Escola de Canuanã, pode-se perceber que há uma<br />

mescla de todas as teorias apresentadas. Podem ser observados aspectos das teorias críticas<br />

como o preparo para o exercício da cidadania, a compreensão por parte do aluno como um<br />

sujeito político social e cultural, como o aprender por meio da interação dialética, agir de<br />

forma autônoma e oportunizar ao aluno situações de aprendizagem que orientem a construção<br />

do conhecimento científico.<br />

Por outro lado e também de forma explícita, encontram-se aspectos fortemente<br />

tradicionais, notadamente no que tange à formação profissional e formação geral acadêmica.<br />

Verifica-se a presença explícita da teoria tradicional, quando escreve que a escola pretende<br />

formar indivíduos para o mercado de trabalho e empregabilidade, que oportuniza a<br />

compreensão do mundo enquanto sujeito produtivo, quando o objetivo do ensino médio é a<br />

formação integral do adolescente preparando <strong>–</strong> o tanto para o prosseguimento de seus estudos<br />

quanto para o trabalho e, quando apresenta como objetivo do curso técnico preparar e<br />

integrar, qualificadamente no processo produtivo, os jovens atendidos pela escola.<br />

Contrariamente na EFA, não se pode perceber explicitamente aspectos das teorias<br />

tradicionais, com exceção, talvez, de em algumas poucas vezes, apresentar que tem por<br />

objetivos oferecer uma “educação para o trabalho e para a cidadania” (ESCOLA FAMÍLIA<br />

AGRÍCOLA..., 2009, p.14). Pela própria natureza da Pedagogia da Alternância, o que a EFA<br />

apresenta é uma educação baseada nos princípios de Paulo Freire, trabalhando, inclusive, a<br />

partir de temas geradores. A partir de um tema amplo, explora-se os conteúdos de cada<br />

disciplina e também todos os outros aspectos de formação do ser, tais como: questões de<br />

gênero, espiritualidade, sexualidade, afetividade, entre outros.<br />

Mas, como bem colocado pelos teóricos, currículo não é só o que está explícito nos<br />

documentos, e sim o lugar onde os significados sociais são criados, são experiências vividas<br />

no cotidiano que definem as práticas sociais. Sob esse olhar, uma análise mais complexa pode<br />

ser explorada.<br />

O que se pode perceber nas práticas sociais da Escola de Canuanã é que existe uma<br />

mescla de sentimentos, valores e princípios que demonstram a vontade dos educadores em<br />

115


ealmente proporcionar uma educação libertadora, que tire os educandos da condição de<br />

dominados e o torne consciente da possibilidade de mudança, ainda que inseridos em um<br />

sistema educacional tradicional. Sendo as relações sociais o palco das contradições, é possível<br />

afirmar que Canuanã não foge à regra.<br />

Pelo ambiente administrativo vê-se que a escola é pensada como uma empresa. Fica<br />

nítida a presença da eficácia e da eficiência quando se observa que a escola tem metas a<br />

cumprir. Metas de aprovação, metas de desempenho na prova do EN<strong>EM</strong>, metas de<br />

desempenho na avaliação institucional, metas de empregabilidade dos egressos. Metas pelas<br />

quais os diretores são cobrados e os resultados atingidos pela escola de Canuanã são<br />

comparados com outras escolas da Fundação. Fica clara a presença das ferramentas<br />

empresariais tão bem utilizadas pelas teorias tradicionais, como se observa pelas palavras da<br />

entrevista:<br />

116<br />

Dentro do PGE 18 temos várias medidas e uma delas é a empregabilidade. Então nós<br />

temos uma medida, um número mínimo que nós precisamos alcançar. Hoje nós<br />

estamos em 70%. 70% dos alunos que terminam o curso necessariamente deverão<br />

trabalhar na área. Então a gente trabalha nesse sentido. De que forma? Nós fazemos<br />

muito contato entre empresas que são empregadoras de técnicos e incentivamos<br />

também a autonomia deles, não precisa ser necessariamente empregado, pode ser<br />

também um gestor do próprio negócio. Pode ser autônomo, pode criar um emprego<br />

de prestação de serviço. Então os alunos do terceiro ano a gente trabalha muito nesse<br />

sentido, mostrando as possibilidades que eles têm [...]. 19<br />

As contradições presentes nas relações sociais permeiam a subjetividade dos atores<br />

envolvidos no processo ensino-aprendizagem de Canuanã. A região na qual está inserida a<br />

escola é uma região muito pobre, onde em muitas residências não se tem a presença de<br />

energia elétrica e, em muitas delas falta até o alimento para a família. Por essa razão, os<br />

alunos de Canuanã vão para a escola para terem um futuro melhor por meio da aquisição do<br />

conhecimento. Embora seja esse conhecimento aquele legitimado pelos grupos hegemônicos,<br />

haja vista estarem vinculados ao sistema educacional do país, é conhecimento e pode permitir<br />

uma ascensão social, seja por meio do trabalho ou por descobrir novas formas de produção<br />

em sua própria terra.<br />

Canuanã entende que formar um cidadão é oferecer ao aluno uma “formação mais<br />

completa possível. Ele sair da escola com uma formação ampla, uma formação, digamos<br />

abrangente e desvinculada de preconceitos, ele vai ter condições de assumir esse papel na<br />

sociedade”. 20<br />

18 PGE: Programa de Gestão Escolar<br />

19 Entrevista concedida em 11 de novembro de 2009<br />

20 Ibid.


O que se percebe, entretanto, nas falas dos professores, é que os mesmos vivem num<br />

paradoxo. Como tornar os alunos cidadãos? Como torná-los críticos? Como fazer com que<br />

eles percebam que são capazes? Como não deixá-los acomodados na sua condição? Como<br />

dizer que sua cultura e sua forma de vida também são válidos estando eles em uma instituição,<br />

que em sua forma de gestão, apresenta todos os aspectos de uma educação tradicional?<br />

professores:<br />

Percebe-se essa mescla de sentimentos no fazer educacional quando ouvimos dos<br />

21 Entrevista concedida em 11 de novembro de 2009<br />

117<br />

Pelo próprio contexto da nossa região [...] a formação que os nossos alunos aqui<br />

têm, a formação técnica que eles têm aqui, somente essa formação já colabora, faz<br />

com que eles saiam sem esse sentimento de inferioridade. Acho que o conhecimento<br />

adquirido por eles, aqui, contribui com a auto-estima deles para eles não se sentirem<br />

tão inferiores com relação aos outros. Outra coisa que melhora a auto estima deles é<br />

a questão do índice de empregabilidade. [...] nós temos uma lista de empresas de<br />

produtores que querem contratar os nossos técnicos.[...]. Sou muito saudosista e de<br />

certa forma à vezes até muito utópico, mas eu acho que às vezes a gente tem que<br />

acreditar um pouco na utopia. Acredito sim que nós temos que trabalhar sim pra<br />

posteridade, e de pelo menos uma porcentagem de 5% dos nossos alunos<br />

anualmente volte pro meio rural. A gente tem que trabalhar com uma pequena<br />

porcentagem. Isso aí ao longo prazo talvez vai mudar o desenvolvimento da região.<br />

[...] não adianta pensar de maneira sonhadora que os alunos devem voltar pra<br />

família, se a família nas propriedades rurais não têm condições de mantê-los lá.<br />

Temos um problema aqui que a grande maioria são meninas. As meninas envolvidas<br />

no meio rural. Elas não conseguem se encaixar e aí a gente tem que fazer todo um<br />

trabalho de como que elas podem trabalhar nesse meio rural, ou onde elas podem ser<br />

inseridas no mercado de trabalho. Mas quando chega no terceiro ano, elas ficam<br />

perdidas, sem saber o que que ela vai fazer com o curso técnico, o que que elas<br />

estudaram, onde que elas vão trabalhar, quem é que vai aceitar a mulher no campo,<br />

né? Então a gente ainda tem esse problema. Mas a escola tenta trazer os pais para<br />

mudar toda essa ideia. 21<br />

Temos 50% dos alunos que querem fazer o agro e 50% que não querem...<br />

Principalmente as meninas...porque encaixá-las no agronegócio, principalmente nas<br />

fazendas, meninas é muito complicado. A gente tem procurado melhorar isso mas<br />

não é tão simples. Recentemente a gente mandou uma menina pra Monte Santo de<br />

Minas. Isso foi muito legal porque ela foi trabalhar com ovinocultura. [...] Temos<br />

uma outra que desde que ela se formou, ela foi uma das primeiras colocadas da<br />

turma dela e os três primeiros colocados de cada turma tem emprego garantido no<br />

Bradesco ou na Fundação. E ela foi uma das primeiras, só que ela abriu mão do<br />

Bradesco que ela queria atuar na área que ela se formou,.Então isso é uma raridade.<br />

Uma menina e queria ser técnica. E ela foi para uma fazenda perto de Uruaçu uma<br />

produtora de gado [...] e está lá até hoje, tá há três anos trabalhando no escritório<br />

dessa fazenda. Então ela é responsável pelo gado registrado, ela é responsável pelas<br />

exposições que eles participam, então ela tá no meio, tá no mercado e tá muito feliz.<br />

Então são poucos casos de meninas que realmente se enquadram nessa área. [...]<br />

Mas a função dos projetos vai muito além de atender a comunidade ao redor da<br />

escola ou de fazer um trabalho social com a comunidade. Muito além!. Ele<br />

desenvolve nos alunos essa perspectiva de que eu posso sair do Tocantins’ <strong>–</strong> que é<br />

um estado novo, uma região menos desenvolvida <strong>–</strong> e ‘posso ir até o Rio Grande do<br />

Sul representando meu estado e conseguir uma boa classificação. Ou posso sair do<br />

meu país e ir pra um outro país muito mais desenvolvido representando meu país.<br />

Mesmo sendo do interior do Tocantins. Então eu não sou menos inteligente ou<br />

menos capacitado por ser do interior ou por ser filho de pequenos agricultores, de


118<br />

pequenos produtores rurais, dos assentamentos ou que veio da Ilha do Bananal por<br />

exemplo’. Ele tem a mesma capacidade, ele pode conseguir resultados<br />

surpreendentes. Pra ele mesmo, pra família, pra escola. 22<br />

Ainda falando a respeito da participação ativa dos educandos no processo de<br />

construção do seu próprio conhecimento, buscou-se junto aos alunos essa informação,<br />

notadamente serem eles os maiores interessados. Ao serem perguntados sobre as atividades<br />

escolares e a participação ativa deles, responderam da seguinte maneira:<br />

Tabela 12 - Opiniões dos alunos sobre sua participação nas decisões e nas diversas<br />

atividades extra-classe oferecidas pelas escola <strong>–</strong> Canuanã, 2009<br />

Itens N o de alunos Porcentagem<br />

Consideram importante a participação de todos os<br />

segmentos na elaboração do PPP<br />

157 84%<br />

Responderam que os alunos devem participar da<br />

construção do PPP<br />

145 77,5%<br />

Concordam que os conteúdos que são desenvolvidos na<br />

escola são apropriados às necessidades<br />

170 91%<br />

Concordam que os conteúdos são voltados para a zona<br />

rural<br />

138 73,8%<br />

Participam de eventos sobre educação 118 63%<br />

Participam das reuniões da escola 125 66,8%<br />

Realizam trabalho voluntário<br />

Responderam que a escola oferece atividades como<br />

161 86%<br />

teatro, dança e apresentações musicais fora do horário de<br />

aula<br />

139 74,3%<br />

Afirmaram que a escola inclui nas suas tarefas diárias<br />

atividades sobre agricultura<br />

162 86,6%<br />

Afirmaram que a escola inclui nas suas tarefas diárias<br />

atividades sobre pecuária<br />

175 99,5%<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Em meio a essas relações contraditórias, surge a pergunta: Canuanã possui uma prática<br />

voltada para o campo ou apenas leva para dentro do espaço do campo uma educação urbana?<br />

Seguramente, a Escola de Canuanã apresenta uma estrutura tecnológica que as escolas<br />

urbanas públicas <strong>–</strong> e muitas particulares <strong>–</strong> não possuem. É fato que em seu espaço de<br />

aprendizagem apresenta ao educando todas as facilidades do mundo urbano. Entretanto, o que<br />

se percebe é que essas tecnologias são utilizadas para a construção de um conhecimento que é<br />

próprio do campo. Os projetos desenvolvidos pela escola para serem encaminhados para<br />

22 A pessoa entrevistada se refere, nesse texto, aos alunos que foram participar de uma feira internacional de<br />

tecnologia, por terem desenvolvido uma pomada cicatrizante para bovinos a partir da mangabeira, árvore nativa<br />

da região.


concursos são voltados para o desenvolvimento da agricultura familiar.<br />

119<br />

A gente busca soluções que as grandes indústrias não estão preocupadas em<br />

resolver. A gente busca soluções alternativas, muito na área de fitoterápicos de baixo<br />

custo. Tecnologias que tenham um acesso maior pra pessoas com uma renda menor,<br />

com possibilidades financeiras menor. 23<br />

Pelo exposto se percebe que, tanto o discurso quanto a prática em Canuanã, apesar de<br />

apresentarem uma preocupação com uma educação para a cidadania, apresenta muito mais<br />

fortemente as características das Teorias Tradicionais.<br />

Com relação às práticas da EFA, pela sua própria natureza, a escola é tida apenas<br />

como mais um espaço onde o aluno pode desenvolver o aprendizado. Ainda que apresente<br />

uma estrutura administrativa que necessite ser gerenciada, a escola não é vista como uma<br />

empresa que necessita apresentar resultados eficientes e eficazes. A busca pela qualidade no<br />

ensino é sinônimo de oferecer à comunidade um tipo de educação inclusiva, dando ao<br />

educando o suporte para reconhecer-se como cidadão participativo inserido em um meio no<br />

qual ele é um elemento importante.<br />

As práticas da escola incluem a participação efetiva dos alunos, funcionários,<br />

professores, pais, representantes da comunidade, na construção do projeto político pedagógico<br />

da escola, na escolha dos conteúdos, nas decisões sobre investimentos. A EFA entende que<br />

formar um cidadão é dar condições para os alunos assumirem responsabilidades e oferecer<br />

“instrumentos para que ele busque o seu espaço no meio em que ele vive”, é fazê-lo “refletir<br />

sua condição de pessoa humana”. 24<br />

As atividades que acontecem diariamente na escola, segundo os professores,<br />

proporcionam isso aos educandos quando providencia para que as mesmas sejam coordenadas<br />

pelos próprios estudantes, na semana em que estão no internato.<br />

Outra maneira pela qual a escola busca a formação do cidadão pelo conceito acima<br />

descrito é trabalhando os conteúdos científicos, a partir do que na EFA se chama “temas<br />

geradores”. A ênfase não está apenas no campo do conhecimento científico, mas em todos os<br />

aspectos que envolvem a pessoa humana. Mostrar ao educando que ele pode se assumir como<br />

camponês em qualquer espaço onde ele estiver inserido. Os depoimentos concedidos pelos<br />

professores, em entrevista, explanam sobre como esse trabalho é realizado:<br />

23 Entrevista concedida em 11 de novembro de 2009<br />

24 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009<br />

Uma outra coisa dentro da formação integral é que a gente trabalha os aspectos,<br />

é...vários aspectos: filosóficos, humanos, éticos, artísticos, então você abrange um<br />

conjunto de aspectos que não está só no aspecto científico, que é o que a escola<br />

convencional ainda faz muito, trabalha muito o aspecto científico. E aqui a gente<br />

trabalha o científico, o espiritual, o humano, o filosófico, o artístico. Então você


120<br />

junta um conjunto de princípios que você trabalha com eles e a gente entende que<br />

trabalhando todos esses aspectos nós estamos trabalhando o aspecto do ser humano,<br />

da pessoa como um todo e não só o aspecto do conhecimento.<br />

Então se você pegar o sexto ano que é família, aí a gente trabalha, dentro da família<br />

o indivíduo <strong>–</strong> ele indivíduo dentro da família <strong>–</strong> a questão de gênero, a questão de<br />

sexualidade e afetividade, a questão da espiritualidade, a questão de saúde. Como é<br />

que ele vai trabalhar dentro da família, trabalhar todos esses aspectos que são os<br />

aspectos que se dão inicialmente na família. [...] Então, daí ele sai da família e vai<br />

pra comunidade. Que é o sétimo ano que daí tem como tema grande a Comunidade.<br />

Então vai discutir a escola da comunidade, a história da comunidade, a organização<br />

da comunidade, a política da comunidade. Então ele vai discutindo todos esses<br />

aspectos. E assim, é obrigação de todos os professores conseguir pegar o seu<br />

conteúdo e trabalhar a partir desse tema em cada turma. Trabalhar o próprio<br />

conhecimento a partir de um determinado tema.[...] A gente destrincha mais em<br />

função da questão humana [...] 25<br />

O contexto das relações contraditórias presentes na subjetividade do ser também pode<br />

ser percebido na EFA. Quando indagados sobre os desafios de ser professor em uma escola do<br />

campo, o que se ouviu foi:<br />

25 Ibid.<br />

É um dasafio.....Eu acho que pra ser professor de EFA você tem que acreditar muito<br />

no projeto. Porque quando a gente se dedica aqui a gente se dedica em todo, todo o<br />

ser, né? Não só trabalhar o conteúdo. Porque a gente só não vem trabalhar conteúdo<br />

e vai embora. Nós trabalhamos todos os aspectos do desenvolvimento integral.<br />

Então nós temos vários desafios: primeiro o nosso tempo, que a gente se dedica<br />

além do que é previsto em contrato, né? Além das 40 horas geralmente tem<br />

professor, nós temos que cumprir mais além disso. [...]Tem o desafio<br />

de....trabalhamos na faculdade, aprendemos de uma forma e aqui a gente vai tentar<br />

vivenciar um projeto novo, que é um projeto, uma proposta pedagógica diferente.<br />

[...] Nós temos o desafio do contato muito próximo dos estudantes e a gente acaba<br />

desempenhando o papel de às vezes de conselheiro, de psicólogo, de resolver<br />

problemas e eu vejo muito como um desafio, mas um desafio legal, porque ao<br />

mesmo tempo que eu contribuo com esse estudante eu contribuo muito mais pro<br />

meu desenvolvimento pessoal. Eu, por exemplo, tenho três anos de EFA e a primeira<br />

semana da cultura, que é um espaço que estão todos juntos, envolvendo várias<br />

atividades, eu fiquei maravilhada, que eu não acreditava que existisse um projeto<br />

desse, e existe, e eu faço parte e até a que ponto eu posso contribuir? Então eu<br />

acredito, eu [...], a dizer que eu me tornei um ser humano muito melhor [...] É<br />

desafio, é renúncia...Você tem que renunciar muitos outros fatores, porque por<br />

exemplo a gente trabalha em feriado. Nós não respeitamos nem um feriado do ano.<br />

E aí? É renuncia, nós renunciamos tempo com a família, nós renunciamos às vezes o<br />

espaço, né? Essa separação professor aluno, às vezes você tem que passar disso.<br />

Você tem que se aproximar do aluno, entendeu? Do problema dele, da família dele e<br />

contribuir pra melhora dele...[...] E ao mesmo tempo é confortável porque quando<br />

você vê aquele indivíduo que chegou de uma forma, não politizado, não sociável,<br />

aquele indivíduo que provocava muito tumulto e você vê ele sair daqui<br />

transformado, você vê ele saindo daqui defendendo uma causa comunitária, sair<br />

daqui uma pessoa totalmente diferente [...] Eu acho que...vale a pena. [...] Se você<br />

não tiver o mínimo de afinidade pelo campo...não agüenta, não consegue. [...]<br />

Precisa disso pra você entender. [...] Acho que o mais difícil é você sair daqui,<br />

porque a gente apega. [...] Eu não me vejo em outro espaço de escola. Apesar de<br />

hoje eu trabalhar, pelo fato de trabalhar com outro idioma, eu trabalho em outras<br />

escolas também da cidade. Mas pra mim o meu espaço é este. [...] Na minha visão<br />

eu acho que a EFA faz da gente uma pessoa diferente, melhor, e isso gratifica muito.<br />

Você trabalha muito mais [...] mas você recebe tanto que você sente que o que você


dá ainda é pouco diante do que você acaba recebendo. 26<br />

No que diz respeito à opinião dos alunos sobre as práticas da escola, com relação às<br />

atividades realizadas no período de aprendizagem com a família, o que se pode obter deles é<br />

apresentado pelos depoimentos colocados no questionário, como segue:<br />

121<br />

Da escola levamos um trabalho que se chama "Plano de Estudo" onde trata-se de um<br />

tema que será pesquisado na comunidade como uma pesquisa amadora para assim<br />

detectarmos eficiência e deficiências e como poderemos contribuir para melhoria. A<br />

participação efetiva em reuniões comunitárias<br />

Procuro responder os exercícios e tarefas de casa como plano de estudo,<br />

questionários educativos, relatórios e outros. Coloco em prática o aprendizado da<br />

semana. Tiro dúvidas acompanhando o plantio. Recolho amostras para serem<br />

analisadas na escola. Estudo algumas pragas e doenças já identificadas e procuro<br />

resoluções para as mesmas. Aperfeiçoamos as práticas rústicas com as aprendidas na<br />

escola. Estuda-se por meio de entrevistas, observações, sobre determinado tema<br />

elaborado na escola respondido com a comunidade (algumas pessoas). O plano de<br />

estudo é um dos itens da pedagogia, onde estudamos a realidade da comunidade,<br />

meio ambiente, o social. A parir destas respostas temos o conhecimento da ideia de<br />

pessoas sobre o meio ou a situação do espaço em que ocupamos. 27<br />

Com respeito às opiniões referentes à participação nas decisões e nas diversas<br />

atividades extra-classe oferecidas pela EFA, a opinião dos alunos pode ser verificada na<br />

Tabela 13.<br />

Tabela 13 - Opiniões dos alunos sobre sua participação nas decisões e nas diversas<br />

atividades extra-classe oferecidas pelas escola <strong>–</strong> EFA, 2009<br />

Itens N o Afirmam que comunidade, pais, professores, funcionários e alunos<br />

de alunos Porcentagem<br />

participam ativamente da construção da proposta político-pedagógica<br />

da escola<br />

66 81,5%<br />

Concordam que os conteúdos que são desenvolvidos na escola são<br />

apropriados às necessidades<br />

78 96,3%<br />

Concordam que os conteúdos são voltados para a zona rural 67 82,7%<br />

Responderam que a escola oferece atividades como teatro, dança e<br />

apresentações musicais fora do horário de aula<br />

50 61,7%<br />

Afirmaram que a escola desenvolve palestras sobre preservação do<br />

meio ambiente.<br />

71 87,6%<br />

Afirmaram que a escola inclui nas suas tarefas diárias atividades sobre<br />

agricultura<br />

73 90%<br />

Afirmaram que a escola inclui nas suas tarefas diárias atividades sobre<br />

pecuária<br />

63 77,8%<br />

Afirmaram que realizam trabalho voluntário 51 63%<br />

Buscam auxílio na escola para ampliar seu conhecimento<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

69 85,2%<br />

Vê-se que a relação discurso-prática vai muito além do que simplesmente analisar o<br />

26 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009<br />

27 depoimentos de estudantes da EFA escritos em questionário aplicado no dia 14 de dezembro de 2009


que se faz ou não se faz no cotidiano da escola. Essa relação torna-se muito mais complexa<br />

quando analisada à luz das teorias do currículo, em especial das que tratam do currículo<br />

oculto. Há que se levar em conta que educação não é meramente o transferir de<br />

conhecimentos, mas educação está presente em todos os aspectos que envolvem o ser<br />

humano.<br />

Nesse sentido, percebe-se claramente que a diferença marcante entre as duas escolas,<br />

objeto desse estudo, está na proposta de formação apresentada. Enquanto uma apresenta uma<br />

proposta tradicional, enfocando mais claramente as relações de mercado e profissionalização,<br />

a outra apresenta uma proposta pós-crítica, na qual propõe que o indivíduo se assuma como<br />

cidadão independentemente de cultura, raça e gênero, em qualquer local no qual esteja<br />

inserido.<br />

Mas, estão essas escolas colaborando para o desenvolvimento do campo no estado do<br />

Tocantins? Que tipo de desenvolvimento as escolas estão proporcionando por meio de suas<br />

ações e atuações? É isso que será discutido no capítulo a seguir.<br />

122


CAPÍTULO IV<br />

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO <strong>DO</strong> CAMPO NO ESTA<strong>DO</strong> <strong>DO</strong> <strong>TOCANTINS</strong>:<br />

UMA REALIDADE POSSÍVEL?<br />

4.1 A Educação no Campo e o processo de (re)construção da identidade camponesa<br />

A história mostra que a saída do homem do campo para viver na cidade fez com que,<br />

no processo de migração, esse homem perdesse partes materiais de sua identidade camponesa<br />

e assumisse uma “urbanidade incompleta” que não lhe é própria. Movimentos sociais se<br />

fizeram bastante atuantes na luta pela preservação do campesinato e no sentido de resgatar o<br />

modo de ser dessa classe tão esquecida, cujos discursos dominantes pregavam até mesmo a<br />

sua extinção. Movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra <strong>–</strong> MST, a<br />

Comissão Pastoral da Terra <strong>–</strong> CPT, o Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo<br />

<strong>–</strong> MEPES e outros se organizam para, através da educação (formal, não-formal e informal)<br />

esse modo de viver e de ser não caísse em desuso.<br />

No entendimento do MST e demais movimentos que defendem o mesmo ideal, o<br />

termo camponês não é apenas uma palavra para denominar um morador do campo, mas é<br />

carregado de sentimentos sociais, culturais, éticos e morais. O campesinato é mais que um<br />

simples setor da economia, uma forma de produção ou simplesmente um modo de vida e deve<br />

ser entendido como uma classe social com padrões de relações sociais próprios e distintos que<br />

é marcada fortemente pelas guerras do passado e pelas lutas contemporâneas pela posse da<br />

terra em várias regiões do mundo.<br />

Os movimentos sociais entendem que a escola é um dos lugares nos quais ocorrem o<br />

processo de (re)construção da identidade camponesa e por essa razão, a escola do campo<br />

necessita de uma pedagogia diferenciada. De forma que o MST, por conhecer o problema,<br />

adota uma pedagogia própria que, além de permitir a reconstrução da identidade camponesa,<br />

tem um objetivo bastante específico de continuidade do movimento. Outros movimentos,<br />

como a CPT e o MEPES, optaram pela adoção da Pedagogia da Alternância como a mais<br />

apropriada para fortalecer a identidade camponesa.<br />

Concordando que identidade é “o aspecto coletivo de um conjunto de características<br />

pelas quais algo é definitivamente reconhecível, ou conhecido” (FERREIRA, 1999) e que o<br />

123


conceito de camponês denota uma classe social cuja identidade precisa ser preservada, o que<br />

ora se propõe é fazer uma análise de como as escolas pesquisadas estão cumprindo essa<br />

função.<br />

Na busca pela (re)construção da identidade camponesa, movimentos sociais<br />

desenvolvem a educação dos campesinos por meio de uma proposta diferenciada. Para atingir<br />

o propósito a que se presta, a educação camponesa deve ter formas flexíveis de organização,<br />

os professores devem receber formação profissional adequada ao trabalho com camponeses,<br />

as especificidades dos alunos devem ser atendidas, bem como as exigências do meio.<br />

Também é necessário que se utilize uma pedagogia formadora de sujeitos críticos e<br />

autônomos, com a valorização dos saberes, espaços e tempos de aprendizagem e ter a escola<br />

como um lugar vinculado à realidade local. Esses aspectos, trabalhados conjuntamente,<br />

devem colaborar para a emancipação do ser, nesse caso o homem que vive no campo.<br />

Nesse contexto, tornam-se princípios fundamentais da educação camponesa a<br />

transformação social e valores como justiça social, democracia, solidariedade e valores<br />

humanistas. Além disso, a educação camponesa deve pautar-se na educação para para a lida<br />

no campo, desvinculando-se do modo de produção capitalista que prega uma educação para o<br />

mercado de trabalho. Deve sempre buscar a solução de problemas reais da comunidade, para<br />

garantir a permanência do homem do campo no campo, respeitando sua cultura e melhorando<br />

sua qualidade de vida.<br />

Uma educação emancipadora, voltada para as várias dimensões da pessoa humana, as<br />

quais envolvem concepções políticas, ideológicas, tradicionais, morais, culturais, estéticas<br />

afetivas e religiosas e que se constitui num processo permanente de (trans)formação dos<br />

camponeses preparando-os para relacionar-se com a modernidade sem perder suas principais<br />

características.<br />

O questionamento a que nos reportamos nesse ponto do trabalho é se as escolas<br />

pesquisadas estão colaborando para a (re)construção da identidade camponesa dos educandos<br />

ou se apenas apresentam conhecimentos científicos voltados apenas para o aperfeiçoamento<br />

técnico-profissional.<br />

A Escola de Canuanã tem sua organização determinada pelo Programa de Gestão<br />

Escolar, desenvolvido pela entidade mantenedora e segue um modelo tradicional, empresarial.<br />

Já a EFA possui uma proposta de gestão compartilhada e conta com a participação de todos os<br />

segmentos da comunidade <strong>–</strong> professores, alunos, pais e funcionários nas decisões sobre sua<br />

forma de atuação.<br />

124<br />

Para ser professor em Canuanã é necessário passar por uma fase de adaptações, uma


vez que os professores passam a morar na escola, que é internato e está situada na campo.<br />

Entretanto para esse professor, não é necessário passar por um processo de formação<br />

específico em educação camponesa no sentido da compreensão do conceito de camponês<br />

difundido pelos movimentos sociais. O conteúdo trabalhado em Canuanã trata o camponês<br />

apenas como um morador do campo.<br />

Na EFA, os professores passam por um processo de formação continuada,<br />

participando dos eventos promovidos pelas EFA’s e Casas Família Agrícolas <strong>–</strong> CFA’s <strong>–</strong> em<br />

nível regional e nacional, além de outras oportunidades para se discutir a educação no campo<br />

a partir do entendimento do campesinato e incentivar a luta pelos direitos de camponês. Isso<br />

fica claro no Projeto Político Pedagógico quando trata da formação continuada de seus<br />

profissionais<br />

125<br />

A formação inicial e continuada desses servidores, famílias, lideranças comunitárias,<br />

jovens estudantes e ex-estudantes, vem sendo feita de forma articulada a nível local,<br />

regional, nacional e internacional, por meio da Associação local da escola, da<br />

AEFACOT - Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro-Oeste e<br />

Tocantins, UNEFAB <strong>–</strong> União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil e<br />

AIMFR <strong>–</strong> Associação Internacional Maisons Familiares Rurales. São essas<br />

organizações que vêm garantindo os princípios da Pedagogia da Alternância nas<br />

Escolas Famílias Agrícolas. Há ainda as formações continuadas internas da Equipe<br />

Escolar e as oferecidas pela SEDUC (ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA..., 2009,<br />

p.17)<br />

Com respeito ao atendimento das necessidades dos educandos, é possível afirmar que<br />

Canuanã atende em parte. Isso porque promove uma educação técnico-profissional voltada<br />

aos interesses dos alunos no sentido de apresentar conteúdos relacionados à vida no campo,<br />

buscando melhorar também as condições da família.<br />

Na escola, os alunos aprendem a lida do campo e podem aplicar os conhecimentos<br />

aprendidos nas propriedades rurais dos pais. Também muitos de seus projetos científicos<br />

buscam desenvolver tecnologias que possam ser utilizadas nas pequenas propriedades onde<br />

residem. Isso se comprova pela fala de um dos professores de Canuanã em entrevista, quando<br />

diz que “a grande maioria dos projetos [...] é pensando na sustentabilidade do campo. Ver<br />

métodos alternativos que não seja a tecnologia da escola e implantar isso na propriedade do<br />

pai dele”. Entretanto, esses projetos, apesar de sugeridos pelos alunos, não partem da<br />

propriedade ou na comunidade, e sim da escola. Além disso, desenvolve uma educação<br />

voltada à profissionalização para atuar em grandes fazendas e aos órgãos extensionistas, não<br />

voltadas ao desenvolvimento da propriedade. Vejamos o que disseram os professores em<br />

entrevista:<br />

A escola forma não só um bom técnico. Forma um grande profissional. [...] a ênfase<br />

não só é para a agricultura patronal, mas para órgãos de extensão. Por quê? Porque a


126<br />

estrutura das unidades de produção familiar na região dos pais, no caso, dos pais dos<br />

pais dos alunos não oferece condições. 28<br />

Situação diferenciada vive a EFA, na qual as ações pedagógicas desenvolvidas com<br />

base no Plano de Estudos, tem por princípio praticar uma educação que parte da busca por<br />

solução de um problema real vivenciado pela comunidade. Como declarou um professor em<br />

entrevista: “nós temos estudantes que falam ‘eu quero estudar isso, eu quero ver isso’,<br />

depende muito da região”. E ainda<br />

No geral, os meninos que estudam, aproveitam, participam desse projeto<br />

efetivamente, eles transformam a propriedade em que eles vivem [...] para melhor.<br />

[...] Aumenta a renda, busca desenvolver, evita degradar o próprio meio.[...] No<br />

geral a escola é muito bem vista na comunidade. Há um apego muito grande pela<br />

escola, pelo aprendizado da escola. Nós temos pais que buscam o conhecimento aqui<br />

na escola pra levar pra propriedade, pra desenvolver a propriedade. [...] Teve um<br />

caso de um aluno aqui da escola que ele não gosta de colocar a mão na massa, mas a<br />

gente se surpreendeu quando chegamos lá na propriedade dele. Era como se você<br />

tivesse chegado num modelo de EFA. Tudo o que ele aprende aqui, ele tenta levar<br />

pra lá. Ele é um cara politizado já, né, ele consegue convencer o pai que daquela<br />

forma é melhor e...embora ele não põe a mão na massa, ele coloca o pai<br />

dele...(risos). 29<br />

Com o intuito de entender a visão dos dois lados levantamos algumas questões sobre o<br />

grau de satisfação e de resposta à demanda do alunado das duas escolas<br />

Gráfico 7 - Conteúdo desenvolvido e suas apropriações reais<br />

<strong>–</strong> Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Como se observou, quando perguntado aos alunos das duas escolas se os conteúdos e<br />

os resultados do processo de aprendizagem atingiram seus objetivos pessoais, apesar de haver<br />

uma mínima diferença, no entendimento dos alunos, ambas escolas atendem às suas<br />

28 Entrevista concedia dia 11 de novembro de 2009<br />

29 Entrevista concedida dia 14 de dezembro de 2009


necessidades.<br />

No que se refere à criticidade e autonomia, bem como à valorização dos saberes,<br />

espaços e tempos de aprendizagem, podemos dizer que na EFA é bastante presente. Ali o<br />

aluno aprende na escola, em casa com a família e na comunidade. No período de tempo que<br />

os alunos passam em casa, existem tarefas que precisam ser cumpridas envolvendo a família e<br />

a comunidade. Também busca a formação do sujeito crítico e autônomo, mas com uma<br />

formação voltada ao campesinato, enquanto uma classe social que precisa fazer-se atuante e<br />

ouvida. A EFA procura formar um cidadão mais politizado, mais consciente de seu papel em<br />

defesa da vida no campo.<br />

127<br />

Formação integral se dá também pelo aprendizado que não se dá só aqui na escola.<br />

Ele aprende no tempo que ele está nas famílias e no tempo que ele tá na escola<br />

também. Então todas as ações que ele faz na família é aprendizado que deve ser<br />

trazido de volta pra escola, pra que a escola possa aprimorar isso e eles devolver<br />

como retorno de volta pras famílias. [...] Então daí ele sai da família e vai pra<br />

comunidade. [...]. Então vai discutir a escola da comunidade, a história da<br />

comunidade, a organização da comunidade, a política da comunidade. [...] e quando<br />

você vê aquele indivíduo que chegou de uma forma, não politizado, não sociável,<br />

aquele indivíduo que provocava muito tumulto e você vê ele sair daqui<br />

transformado, você vê ele saindo daqui defendendo uma causa comunitária, sair<br />

daqui uma pessoa totalmente diferente [...] Eu acho que...vale a pena. 30<br />

A Escola de Canuanã atua em regime de internato, no qual os alunos permanecem o<br />

ano todo e durante boa parte da sua vida, pois tem alunos que ingressam aos sete anos de<br />

idade e de lá só saem aos 17 ou 18 anos. O espaço e o tempo que os alunos conhecem para o<br />

aprendizado é o espaço e o tempo vivenciado na escola. Como já exposto anteriormente, a<br />

proposta pedagógica da escola é voltada para formar um cidadão “crítico” e autônomo, mas<br />

esse sujeito crítico e autônomo não precisa, necessariamente, estar voltado às necessidades da<br />

classe camponesa. Ele precisa, impreterivelmente, é do entendimento das tecnologias rurais e<br />

da dinâmica dos mercados de produtos e serviços, tornando-se assim um aprendizado mais<br />

individual e competitivo. A família e a comunidade são coadjuvantes no processo e não<br />

participantes ativos. Todo saber e todo conhecimento pode ser encontrados somente na escola.<br />

Apesar de ser uma escola fazenda e de ter atividades relacionadas à vida do campo, as<br />

instalações da Escola Canuanã são instalações que retratam uma agricultura latifundiária, não<br />

camponesa, totalmente voltada ao agronegócio, com tecnologias bastante avançadas. Muito<br />

diferente da realidade cotidiana dos familiares dos alunos que lá estudam, que em muitos<br />

lugares ainda nem dispõem de energia elétrica em sua propriedade. A escola não é o lugar<br />

onde são discutidos os problemas reais da comunidade ou os problemas das famílias, os quais<br />

30 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009


são tratados de forma generalizada. A escola é o lugar onde se busca conhecimento e<br />

tecnologia para poder atuar bem na sua profissão. Os próprios professores reconhecem essa<br />

distância entre a realidade do aluno e a escola quando dizem:<br />

128<br />

A função da escola é a educação do aluno. A escola de Canuanã é uma referência de<br />

educação, de tecnologia. A escola [...] em termos de tecnologia e em termos de<br />

estrutura ela é fora do padrão da região. Acredito que no máximo uma ou duas<br />

fazendas vão ter a mesma estrutura em toda a região. [...] Esse menino vem pra cá e<br />

aprende numa tecnologia que é fora da realidade dele, que ele não tem em casa.<br />

[...] 31<br />

De outra forma o modelo da Pedagogia da Alternância, objetiva introduzir a realidade<br />

das famílias para dentro da escola, onde é discutida a possibilidade de ser transformada pela<br />

atuação dos próprios educandos.<br />

A respeito dessa educação libertadora para autonomia trataremos logo mais, porém,<br />

adiantamos que educar para a emancipação do ser é cuidar do ser humano em todas as suas<br />

dimensões, a saber: político-ideológica, organizativa, técnico-profissional, caráter, moral,<br />

cultural, estética, afetiva e religiosa.<br />

Por essa razão, os princípios educacionais que buscam fazer com que o camponês<br />

tenha sua identidade preservada devem ser princípios que busquem a verdadeira igualdade<br />

entre os indivíduos. Justiça social, democracia, trabalho e cooperação, valores humanistas e<br />

demais dimensões da pessoa humana devem ser temas amplamente discutidos no ambiente<br />

escolar.<br />

Diante do exposto, podemos afirmar que, com respeito à (re)construção da identidade<br />

camponesa, a atuação da EFA se mostra mais eficaz, quando por sua vez busca a emancipação<br />

dos educandos que por ela passam. Uma valorização diferenciada da proposta do MST, que é<br />

mais enfática no sentido da permanência na terra e da consciência das lutas de classe, porém<br />

com uma consciência de identidade que estará presente na vida do aluno, onde quer que ele<br />

venha a atuar.<br />

O movimento que coordena as EFA’s no Brasil já não defende tão enfaticamente a<br />

permanência do homem no campo. Segundo os professores, esse discurso já foi transformado<br />

e o que as EFA’s pretendem, na atualidade, é proporcionar o reconhecer-se como camponês,<br />

mesmo quando o sujeito não permanece no campo. O que se procura fazer é que mesmo que<br />

esse aluno opte por não permanecer no campo, ele execute atividades por meio das quais ele<br />

possa defender os interesses da classe camponesa, no que diz respeito aos seus direitos. É<br />

defender a causa camponesa, mesmo não morando no campo. Isso pode ser verificado pelo<br />

31 Ibid.


trecho da entrevista com os professores da EFA:<br />

129<br />

Então a gente entende que quando a gente trabalha todos esses aspectos,<br />

incentivando ele a ver essa realidade e a pensar sua própria realidade, ele vai aos<br />

poucos se valorizando em cima do seu processo pessoal da realidade que ele vive. E<br />

aí.. aqui, assim, é muito forte pros alunos essa questão do valor pela vida do campo.<br />

[...] Eles trazem muitos traços do jovem da cidade. Eles têm essa mistura muito<br />

confusa mas, assim, o fato da gente trabalhar muito aqui na escola essa valorização<br />

cultura camponesa, do homem do campo, como pessoa em qualquer espaço que ele<br />

vivencia, vai ajudando um aspecto que é muito forte neles que é se aceitar como<br />

camponês e a se valorizar em qualquer ambiente e qualquer pessoa o trabalho feito<br />

ajuda eles, pelo menos, a se aceitar enquanto camponês. Então se um jovem nosso<br />

hoje sai daqui da EFA e vai pra universidade ele encontra o espaço dele lá como<br />

camponês, não mais que ele tenha que sair daqui da EFA que era um meio do campo<br />

e ir na Universidade e pronto, vou ter que voltar pro ritmo porque eu estou lá. Não,<br />

ele se assume como camponês lá dentro.[...] Nós temos vários jovens hoje,<br />

sobretudo aqui na Universidade Federal. O primeiro jovem nosso, que foi pra lá, pra<br />

Universidade, eu lembro que o primeiro texto dele na universidade, que ele fazia o<br />

curso de Letras, foi “o jovem do campo e a universidade”, foi o primeiro texto que<br />

ele produziu. Então ele fez todo um resgate do que é um jovem do campo dentro da<br />

Universidade [...] Onde quer que eles estejam eles acabam defendendo um pouco o<br />

aspecto do campo, trazendo um pouco pra dentro do espaço...Trabalham uma outra<br />

visão do campo. Não é mais aquela visão do homem do campo como atrasado, como<br />

Jeca Tatu que se pinta por aí há muito tempo[...] Eu acredito que a EFA ela traz um<br />

leque de informações, né, que abre a visão, dando oportunidade por estudante ter<br />

posição e decidir que ele quer da vida dele. Ele pode querer ser um agricultor<br />

familiar, ele pode ser um grande agricultor, ele pode ser, quer dizer, dificilmente,<br />

dificilmente ele vai estar sonhando com esse..., da forma como nós trabalhamos com<br />

esse grande, né? Mas na verdade, as informações nós não vamos é....como é que<br />

fala, é.... podar nenhuma, elas são abertas. Nós vamos falar tanto do grande, quanto<br />

do agricultor familiar, quanto do agronegócio. Aí é opção de vida. É eles lá na frente<br />

como técnico, como profissional, como.....é que ele vai decidir a vida dele. Ele vai<br />

buscar e vai correr o sonho dele. Ele é que vai definir o sonho dele. 32<br />

Talvez essa mudança de pensamento esteja trazendo à tona as raízes pedagógicas das<br />

EFA’s, pautadas num pensamento contrário ao tradicionalismo, mas que, entretanto, não se<br />

desvincula do pensamento liberal voltado para a individualidade e competitividade.<br />

Ajudar a (re)construir e preservar aspectos sociais, culturais, éticos e morais de uma<br />

classe social, com padrões próprios e distintos, que foi histórica e deliberadamente deixada à<br />

margem de um sistema é algo bastante complexo, em especial em um mundo onde as relações<br />

de produção capitalistas se renovam sempre a seu favor. Justamente por sua complexidade é<br />

preciso que as escolas do campo repensem sua forma de atuar e busquem, por meio de uma<br />

prática pedagógica adequada, trazer de volta àqueles que vivem do campo a sua história, a sua<br />

importância e o seu orgulho. Permitir o acesso ao conhecimento científico, às tecnologias<br />

sem, entretanto, deixar de atender suas necessidades e especificidades no que concerne ao seu<br />

modo de ser e de produzir e de reproduzir.<br />

32 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009


4.2 Educação e caráter social do trabalho camponês<br />

O viver no campo é um viver voltado para a natureza, não somente para a paisagem,<br />

mas para as forças que compõem a própria natureza do homem. Ao utilizar sua força física e<br />

intelectual para modificar aspectos naturais e torná-los úteis para sua vida, o homem<br />

desenvolve sua capacidade criativa e a aprimora seus conhecimentos e, nesse sentido, o<br />

trabalho deixa de ser apenas uma função de produção e passa a ser uma alternativa que faz do<br />

homem aquilo que ele quer ser e pelo qual se realiza.<br />

No imaginário camponês, terra, família e trabalho norteiam o seu modo de ser, sua<br />

vida e sua moral. Para o camponês, a terra é terra de trabalho e não terra de negócio, pois a<br />

propriedade/posse da terra, por meio do trabalho autônomo, garante o sustento da família.<br />

É exatamente pelo valor dado ao trabalho que o camponês não explora o trabalho de<br />

outrem para produzir e nem vê o trabalho da família apenas como mão de obra, mas como a<br />

garantia da manutenção de sua vida e manutenção de suas tradições, as festas, aos dias santos,<br />

etc.<br />

O trabalho do camponês produz para seu próprio sustento, vendendo o excedente para<br />

comprar mercadorias que não consegue produzir, mas necessita para sobreviver, mantendo<br />

uma lógica contrária ao capital (que transforma dinheiro em mercadoria para ganhar mais<br />

dinheiro). Na lógica camponesa, o trabalho tem valor de uso e não valor de troca, no qual<br />

cada membro da família trabalha para suprir uma necessidade de todo o grupo e assim, de<br />

forma coletiva e cooperativa, o trabalho de todos garante a sua (re)produção.<br />

Dessa característica do trabalho familiar, coletivo e cooperativo, nascem outras<br />

relações de trabalho que contribuem e sustentam o modo de produção do campesinato.<br />

Oliveira (1997) apresenta algumas dessas relações, a saber, o trabalho assalariado, a ajuda<br />

mútua e a parceira.<br />

130<br />

É pois derivado dessa característica que a família abre a possibilidade da<br />

combinação muitas vezes articulada de outras relações de trabalho no seio da<br />

unidade camponesa. É assim que trabalho assalariado, ajuda mútua e parceria<br />

aparecem como relações que garantem a complexidade das relações na produção<br />

camponesa. Porém, essa complexidade de relações estabelecidas é primeiro e<br />

fundamentalmente, articulada a partir da família (OLIVEIRA, 1997, p. 56).<br />

Nota-se que podem existir relações de trabalho assalariado numa unidade de produção<br />

camponesa. Isso acontece porque, conforme a época do ciclo agrícola, não há membros na<br />

família que sejam suficientes para realizar o trabalho com a urgência que o mesmo exige.


Contrata-se, então, o trabalhador temporário, que Oliveira (1997), chama de trabalho<br />

acessório, cujas relações não são relações capitalistas, pois os trabalhadores assalariados não<br />

são necessariamente desprovidos de terras, mas que está em tempo ocioso na sua propriedade<br />

ou de seus pais. Ainda é preciso ressaltar que, ao contratar um trabalhador temporário, o<br />

camponês destinará o resultado financeiro obtido por aquela força de trabalho ao consumo das<br />

necessidades de sua família, e não ao lucro.<br />

Mas o trabalho assalariado não é a única maneira pela qual o camponês supre a sua<br />

necessidade extra de mão de obra. A família camponesa pode lançar mão da ajuda mútua. Ela<br />

pode aparecer tanto na forma de mutirão como pela troca de dias trabalhados. As duas são<br />

práticas muito comuns entre camponeses de uma mesma região. Na época da colheita, os<br />

camponeses se juntam e colhem em rodízio de propriedades, garantindo assim mão de obra<br />

satisfatória para que nenhuma colheita seja prejudicada. Todos se ajudam sem a necessidade<br />

de desembolso financeiro.<br />

A parceria se dá quando o camponês contrata um parceiro e divide com ele custos e<br />

ganhos para suprir a necessidade de capital que poderia levar ambos a não produzir. Nesse<br />

caso, também não existe desembolso financeiro para pagar a mão de obra, mas o trabalho é<br />

remunerado pelo resultado da colheita, que é divido entre ambos.<br />

Ao se falar em caráter social do trabalho camponês, não poderíamos deixar de falar<br />

sobre o trabalho das crianças. Em uma unidade de produção camponesa não se pode encarar o<br />

trabalho de uma criança como uma forma de exploração do trabalho infantil, mas como uma<br />

forma de garantir a (re)produção camponesa. A grafia é mesmo (re)produção, porque não<br />

apenas estamos falando de manter a produção pela força do trabalho familiar, mas porque é<br />

por meio dessa iniciação precoce nas atividades laborais que o camponês pode continuar a<br />

existir como classe. Iniciar as crianças no trabalho do campo é condição social para a<br />

sobrevivência do campesinato e a permanência do homem no campo. Isso não significa,<br />

entretanto, ceifar a infância ou não permitir que as atividades próprias de criança aconteçam.<br />

As crianças vão para a escola, brincam, se divertem, entretanto, cada uma delas já tem sua<br />

atividade que auxilia no trabalho diário. A exemplo o MST criou a figura do “Sem-terrinha”,<br />

ou seja, uma maneira de incluir as crianças para a continuidade da luta pela Reforma Agrária.<br />

Outra característica peculiar do trabalho camponês diz respeito à jornada de trabalho.<br />

Sendo a natureza da produção camponesa sazonal, o horário de trabalho do camponês não<br />

possui características rígidas, alternando períodos nos quais se exige trabalhar de sol a sol,<br />

respeitando apenas os dias santos, com outros nos quais há ociosidade. Essa ociosidade<br />

sazonal permite ao camponês ofertar mão de obra assalariada em outra unidade produtiva ou<br />

131


dedicar-se à realização de trabalhos artesanais para complementar sua renda.<br />

No campo, o resultado do trabalho não é desvinculado de quem o realiza, mas o<br />

trabalhador é dono do resultado de seu trabalho. Desse modo, uma educação do campo que<br />

pretende fortificar a relação trabalho/camponês deve concebê-la como uma educação pelo<br />

trabalho social, ou seja, é essa forma de trabalho que educa o camponês no seu pensar, sentir e<br />

agir diferente do capitalista.<br />

É fato que, para melhorar sua capacidade de produção e, consequentemente sua<br />

qualidade de vida, os camponeses precisam desenvolver suas competências, habilidades e<br />

conhecimentos técnicos. Mas uma educação pautada somente em capacitações e treinamentos<br />

acaba por transformar o trabalho camponês em força produtiva para o capital.<br />

A concepção de educação para o trabalho, voltada às necessidades do camponês, deve<br />

também priorizar o trabalho intelectual e não somente o trabalho manual.<br />

O camponês não tem necessidade apenas de aprender novas técnicas para melhorar sua<br />

produção, mas tem também necessidade de aprender como essa característica de trabalho<br />

familiar, coletivo e cooperativo pode ser gerido de forma a melhorar a qualidade de vida dos<br />

camponeses. Assim, incentivar o trabalho intelectual é desenvolver lideranças em prol da<br />

continuidade do campesinato, de sua cultura e de seus valores.<br />

Por todas as razões já discutidas anteriormente, podemos afirmar mais uma vez que a<br />

Escola de Canuanã de Formoso do Araguaia não apresenta uma educação voltada ao<br />

campesinato, mas sim ao capitalismo no campo. Incentiva claramente as relações de trabalho<br />

assalariado, com valor de troca e não com valor de uso.<br />

A partir da década de 1990 a Escola de Canuanã começa a aceitar os filhos de<br />

assentados provenientes da Ilha do Bananal e inicia atividades de formação junto às famílias<br />

dos assentados através dos projetos de Formação Inicial e Continuada <strong>–</strong> FIC. A FIC oferece<br />

cursos de curta duração, geralmente com quarenta horas de acordo com a demanda da<br />

comunidade, nos quais são repassadas técnicas de industrialização dos produtos pecuários,<br />

tais como embutidos de carne e/ derivados de leite, como uma forma de diversificação da<br />

produção camponesa e do trabalho autônomo. Embora sejam cursos de capacitação técnica e<br />

voltados à industrialização dos produtos do campo, auxiliam o pequeno produtor, nos<br />

momentos ociosos da produção agropecuária, a ter uma fonte de renda alternativa na própria<br />

propriedade e que pode ser realizada pela ajuda mútua ou mesmo pela parceria.<br />

Nos projetos de FIC, bem como em outros realizados pela escola, há um incentivo<br />

muito grande para que os assentados da região, que hoje dão preferência pela atividade de<br />

pecuária de corte, muito tradicional na região, diversifiquem sua produção não só pecuária<br />

132


mas também agrícola, incentivando formas de culturas variadas que venham suprir as<br />

necessidades alimentares do camponês. Vejamos o que obtivemos em entrevista:<br />

133<br />

A gente percebe um movimento muito forte no sentido de organização da casa, no<br />

sentido de melhoria de pastagem de gado, no sentido de produção de leite....isso a<br />

gente tem percebido. Tem um assentado que vendeu todo o gado branco dele, ele<br />

não tem mais nem uma cabeça de gado Nelore. Ele só tem gado de leite agora. E o<br />

gado Nelore, como que eles trabalhavam? que é uma coisa bem inusitada aqui da<br />

região [...] Eles tem lá suas vinte vaquinhas de gado de corte. Então eles ficam<br />

rezando pra aquela vaca enxertar. Quando a vaca enxerta ele já vende para as<br />

pessoas aqui de volta o bezerro por R$ 150,00. A vaca nem pariu ainda, mas o<br />

bezerro já está vendido. Então ele pega aquele R$ 150,00 e vai comprar arroz, vai<br />

comprar feijão para viver. Só que a vaca quando pari, ela pode parir uma fêmea e ele<br />

tem entregar um macho. Aí ele vai ter que pegar um macho em outro lugar e vai ter<br />

que entregar esse bezerro pro rapaz que comprou com 7 meses de desmamando.<br />

Então quem comprou o bezerro a R$ 150,00 há 10 meses atrás vai pegar e vai<br />

vender por R$ 450,00 de imediato. Ganhou R$ 300,00 sem fazer nada. Então eu falo<br />

pra eles que esse é o modo mais é......absurdo de escravidão. [...] É um ciclo vicioso<br />

que vocês tem que quebrar. E acho que o leite entrou nisso pra quebrar. Então<br />

aqueles R$ 150,00 que ele precisava pra comprar comida ele tira do leite. 33<br />

Na EFA, a própria razão da sua existência é uma afirmação do comprometimento com<br />

uma educação para o campesinato. Ao respeitar o espaço de trabalho enquanto um espaço<br />

formativo reforça o sentimento do trabalho como um valor de uso.<br />

Entretanto, de acordo com a entrevista realizada com os professores da unidade de<br />

Porto Nacional, nos foi apresentada a mudança de natureza da proposta educacional das<br />

EFA’s em nível nacional, que antes era de lutar pela permanência no campo, ao longo dos<br />

anos tem se modificado, dando-nos a impressão de que há uma certa acomodação diante da<br />

situação que o capitalismo, por meio do agronegócio, está impondo ao campo.<br />

Repensar esse nosso discurso que é um discurso muito ousado pra gente tentar tá<br />

divulgando tá fazendo tanta ênfase por aí. Então o que que a gente acredita hoje: que<br />

a gente trabalha numa proposta específica pra campo, na condição de que seja no<br />

campo, seja na cidade o jovem tenha uma vida qualificada, não é? Se for no campo,<br />

melhor ainda, que o sonho nosso é investir na qualidade de vida no campo. Mas, o<br />

que nós acreditamos hoje é assim: se o jovem sair daqui dessa escola, e trabalhou,<br />

passou por todo esse processo nessa visão, onde quer que ele atua ele vai atuar de<br />

forma qualificada [...] Hoje a gente discute muito isso sim, trabalhar e incentivar o<br />

jovem pra investir na formação dele pra que ele possa oferecer qualidade de vida<br />

onde ele estiver. Seja no campo seja na cidade, que seja uma vida qualificada. 34<br />

Assim, podemos perceber que mudanças estão acontecendo e está surgindo um novo<br />

modelo de produção no campo, no qual campesinato e capitalismo vivem uma relação<br />

contraditória de coexistência. Por essa razão, devemos refletir se o discurso escolar sobre<br />

autonomia e emancipação, um dos princípios que reforçam a identidade camponesa e que por<br />

sua vez relacionam-se diretamente com o valor do trabalho no campo, são realidade ou apenas<br />

33 Entrevista concedida em 12 de novembro de 2009<br />

34 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009


um discurso do capitalismo agrário para sujeitar a si o trabalho camponês.<br />

4.3 Educação e autonomia no campo: utopia ou realidade?<br />

Proporcionar uma educação voltada para a autonomia do ser é objetivo presente nas<br />

duas escolas pesquisadas. Retratamos isso no Capítulo III, quando analisamos as propostas<br />

pedagógicas das mesmas.<br />

Interessante é notar que, as escolas pesquisadas, teoricamente, deveriam apresentar<br />

propostas diferentes para o conceito de autonomia, haja vista que apresentam propostas<br />

diferenciadas de educação, mas percebemos que as duas se fundamentam no pensamento de<br />

Paulo Freire para nortear suas ações.<br />

Na busca de uma resposta para essa intrigante semelhança, encontramos no texto de<br />

Ribeiro (2009), um estudo teórico sobre liberdade, autonomia e emancipação nos<br />

pensamentos pedagógicos que fundamentam os modelos de educação no campo que vem se<br />

firmando no Brasil e, conseqüentemente no estado do Tocantins.<br />

Ribeiro (2009), destaca que os movimentos sociais que desenvolvem programas de<br />

educação no campo (MST, EFA’s, CFA’s, entre outros) fundamentam suas ações pedagógicas<br />

em duas vertentes teóricas que são bastante diferentes.<br />

Em seus estudos verificou que a vertente teórica que fundamenta a ação pedagógica<br />

das EFA’s e CFA’s é liberal, tendo como principais representantes Dewey (Escola Nova) e<br />

Piaget (construtivismo). Já a proposta do MST e Via Campesina fundamentam sua ação<br />

pedagógica no modelo de educação socialista Russo, dos quais se destacam os pensadores<br />

Pistrak, Makarenko e Krupskaya. Entretanto, apesar de terem raízes epistemológicas<br />

diferenciadas, possuem um ponto em comum, que é a pedagogia freireana. (RIBEIRO, 2009)<br />

Trabalhando com a alfabetização de adultos, Freire idealizou e sistematizou uma<br />

forma de educar o jovem e o adulto, na qual pretendia tornar o aluno capaz de mudar a sua<br />

realidade. Em seu pensamento, a educação deve buscar a libertação, fazendo com que as<br />

pessoas sejam sujeitos de sua história e do seu conhecimento. A educação dever permitir ao<br />

indivíduo uma leitura crítica de sua realidade para poder agir sobre ela e transformá-la. Outra<br />

questão defendida por Freire é o fato de que a escola não deve ser reprodutora das<br />

desigualdades sociais, que ensina a dependência e a passividade, mas sim deve incentivar a<br />

autonomia e a emancipação humana.<br />

134


135<br />

O caráter emancipante da pedagogia freireana destaca-se principalmente em três<br />

pontos: a) na perspectiva epistemológica, que rompe com a tradição filosófica e<br />

pedagógica autoritária importada, encaminhando-se à formulação de um pensamento<br />

educacional brasileiro autônomo; b) na educação popular como projeto de classe,<br />

que se amplia para abarcar, além dos pobres, todos os seres humanos que, de algum<br />

modo, vivenciam situações de opressão e discriminação <strong>–</strong> as quais ultrapassam as<br />

relações sociais de produção <strong>–</strong>, como as mulheres, os negros, os índios, os<br />

migrantes, os meninos de rua; c) na ação política em que o exercício da liberdade<br />

nos leva à necessidade de optar e esta à impossibilidade de ser neutros. (RIBEIRO,<br />

2009, p. 434).<br />

Ao defender uma educação que busca fazer do sujeito um ser capaz de reconhecer,<br />

criticar e modificar a própria realidade de opressão na qual se encontra, que busca não tolerar<br />

qualquer tipo de discriminação social e despertar uma consciência política e de classe que<br />

tiram o indivíduo da sua neutralidade, a pedagogia freireana mostra-se capaz de atender aos<br />

anseios dos movimentos sociais do campo.<br />

De acordo com o pensamento de Freire, uma educação que busque a autonomia do ser<br />

precisa seguir alguns princípios, dentre os quais se destacam: o respeito aos saberes dos<br />

educandos, criticidade, ética e estética, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma<br />

de discriminação, reconhecimento e assunção da identidade cultural, humildade, tolerância e<br />

luta em defesa de seus direitos, curiosidade e a convicção de que a mudança é possível.<br />

Com base nessa concepção de autonomia, podemos afirmar que nenhum tipo de<br />

conhecimento pode ser negligenciado na educação camponesa. É preciso que se apresente ao<br />

educando todas as possibilidades, dando a ele o direito de escolha, mas uma escolha crítica,<br />

que não despreze sua identidade.<br />

Nesse sentido, a escola deve proporcionar uma educação que busque trabalhar todos<br />

os aspectos do ser humano, uma educação holística, que desenvolva o ser em todas as suas<br />

dimensões: político-ideológica, organizativa, técnico-profissional, caráter, moral, cultural,<br />

estética, afetiva e religiosa.<br />

Por meio do questionário, buscamos obter dos alunos alguns aspectos dessa educação<br />

integral do ser, em especial no que diz respeito à participação de todos os atores envolvidos<br />

no processo educacional, nas decisões da escola, aos tipos de atividades que a escola<br />

proporciona aos seus alunos além da educação formal dos conhecimentos científicos.<br />

Pela análise dos projetos pedagógicos já descritos e comentados no Capítulo III, e pela<br />

análise qualitativa do discurso relacionado com a prática observada, foi possível identificar o<br />

desenvolvimento de projetos e atividades da escola que procuram desenvolver essas<br />

dimensões.<br />

Assim sendo, foi possível observar que as duas escolas realizam atividades que


uscam desenvolver os aspectos relacionados ao caráter, à moral, à afetividade, à sexualidade,<br />

à liberdade religiosa. No tocante às expressões culturais, esportivas e de lazer, verificou-se<br />

que as duas escolas desenvolvem atividades relacionadas à música, dança e atividades<br />

esportivas.<br />

No entanto, é preciso retomar o significado de educar para a autonomia e<br />

emancipação. No contexto do campo, a autonomia relaciona-se com o exercício do trabalho<br />

camponês, que deve ser autônomo livre de qualquer forma de alienação. Assim, não basta<br />

oferecer atividades que desenvolvam todas as dimensões do ser. É preciso que se faça também<br />

uma análise de como essas formas de expressão estão colaborando para promover, ou não, o<br />

trabalho autônomo. Quando a escola oferece aulas de inglês, de dança, de teatro ou outra<br />

atividade qualquer, é preciso que se indague quais intenções acompanham essas atividades. Se<br />

buscam transformar o camponês em trabalhador assalariado, não estão promovendo a<br />

autonomia e a emancipação, mas sim a alienação do camponês e sua inclusão no mercado de<br />

trabalho.<br />

Sendo assim, observamos que a EFA apresenta uma proposta mais próxima do<br />

pensamento autônomo de autonomia de Paulo Freire quando diz que, como escola, não nega<br />

nenhum tipo de conhecimento ao educando. Mas que, por sua natureza de escola do campo,<br />

suas ações também reforçam a cultura camponesa como uma forma de preservar a identidade<br />

e a classe camponesa, lutando sempre pelos seus direitos, em especial no que se refere<br />

trabalho camponês. Vejamos o que afirmam os professores da EFA<br />

136<br />

Uma outra coisa dentro da formação integral é que a gente trabalha os aspectos,<br />

é...vários aspectos: filosóficos, humanos, éticos, artísticos, então você abrange um<br />

conjunto de aspectos que não está só no aspecto científico, que é o que a escola<br />

convencional ainda faz muito, trabalha muito o aspecto científico. E aqui a gente<br />

trabalha o científico, o espiritual, o humano, o filosófico, o artístico. Então você<br />

junta um conjunto de princípios que você trabalha com eles e a gente entende que<br />

trabalhando todos esses aspectos nós estamos trabalhando o aspecto do ser humano,<br />

da pessoa como um todo e não só o aspecto do conhecimento. 35<br />

Ao proporcionar uma educação que envolve nas suas práticas todas as partes<br />

interessadas no processo, a EFA procura mostrar que quando uma classe se organiza e luta<br />

pelos seus direitos, mesmo tendo que conviver <strong>–</strong> e em alguns momentos se sujeitar <strong>–</strong> com o<br />

capital, pode conquistar benefícios coletivos e melhorar a qualidade de vida de todos.<br />

Para a EFA, a autonomia não é uma utopia, mas uma realidade vivenciada a cada dia<br />

de trabalho seja na escola, na comunidade ou na família. Também presenciamos uma<br />

educação para a autonomia nas escolas do campo do município de Palmas, que vivenciam<br />

35 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009


hoje uma educação de tempo integral, com conteúdos voltados ao atendimento das<br />

necessidades dos educandos. Mas, quanto às outras escolas no campo do estado não se tem<br />

clareza sobre quais tipos de políticas públicas o governo está, efetivamente, desenvolvendo<br />

para que a autonomia do campo no Tocantins não seja apenas um sonho impossível de ser<br />

realizado?<br />

Seguidamente, nas entrevistas realizadas ouvimos os docentes, discentes e<br />

comunidade afirmando que o que falta no campo são políticas públicas voltadas para a<br />

preservação da agricultura camponesa<br />

Então reforçamos, aqui, o fato de que o discurso do Plano Estadual de Educação<br />

proporciona o desenvolvimento dessa autonomia do campo, porém, enquanto estiver somente<br />

no papel, o campo estará reproduzindo uma educação urbanizada, em condições precárias e<br />

sem interesse para os educandos.<br />

Enquanto os governos municipais e estaduais acreditarem que o transporte escolar<br />

resolve o problema da precariedade da educação no campo e, enquanto as escolas no campo<br />

estiverem se prestando apenas a reproduzir uma educação urbana, se nunca houver vontade<br />

política que promova a autonomia nessas escolas, transformando-as em espaços de discussão<br />

permanente sobre a conscientização do homem do campo como pertencente a uma classe<br />

social, que constrói historicamente seu próprio futuro, sua realidade e, subjetivamente, na luta<br />

cotidiana, sua utopia, a educação nunca será “do campo”.<br />

O tipo de educação que promove o desenvolvimento do campo não pode fundamentar-<br />

se numa educação que transforme o camponês em proletário ou em escravos temporários, mas<br />

que, mantendo sua identidade e autonomia, desenvolva o campo mantendo sua diversidade,<br />

tradições e contradições.<br />

4.4 As escolas e sua contribuição para o desenvolvimento do campo no Estado do<br />

Tocantins<br />

Para falar em desenvolvimento do campo é preciso, antes de qualquer coisa, esclarecer<br />

sobre que tipo de desenvolvimento falamos. Por outro lado, para entender que tipo de<br />

desenvolvimento queremos, é preciso esclarecer o que entendemos como não<br />

desenvolvimento.<br />

137<br />

Não entendemos desenvolvimento apenas o crescimento como econômico, adquirido


apenas pelo aumento da produção e do valor financeiro da produção que resultaria apenas<br />

como acumulação de riquezas<br />

Entendemos desenvolvimento “como um processo complexo de mudanças e<br />

transformações de ordem econômica, política e principalmente humana e social”.<br />

(OLIVEIRA, 2002, p. 40).<br />

Concordando com o conceito acima, o desenvolvimento para o campo, no estado do<br />

Tocantins, trata da discussão conceitual baseada em autores que não possuem a visão fechada<br />

da Economia e sim naqueles que entendem uma ideia mais socialista de desenvolvimento,<br />

especialmente quando se trata de desenvolvimento do campo.<br />

Historicamente, o desenvolvimento do campo brasileiro foi pensado apenas como<br />

crescimento econômico e as políticas públicas desenvolvimentistas apenas contribuíram para<br />

aumentar as desigualdades sociais e promover a expulsão do homem do campo. Um modelo<br />

de desenvolvimento no qual o homem se torna algoz de seu igual. Esse modelo de<br />

desenvolvimento, que privilegia a agricultura capitalista em detrimento do trabalho camponês,<br />

somente contribuiu para a miséria e lutas no campo.<br />

Sobre o modelo de desenvolvimento pautado no crescimento das riquezas, afirmamos<br />

que se torna sem sentido discutí-lo neste trabalho, pois apenas contribui para a concentração<br />

da riqueza nas mãos de poucos promovendo uma espécie de chaga da violência do campo,<br />

colocando trabalhadores sem terra a enfrentarem a injustiça dos latifundiários capitaneados<br />

pelo agronegócio e apoiado pelo Estado.<br />

O desenvolvimento que queremos discutir para o campo tocantinense é aquele que<br />

permite ao camponês ter a posse da terra, terra de trabalho e não terra de negócio; permite ao<br />

camponês ter autonomia sobre seu trabalho e alcançar a emancipação pelo autossustento é<br />

aquele que permite ao camponês ter orgulho de sua identidade cultural, sem que para isso abra<br />

mão dos múltiplos conhecimentos que a tecnologia pode proporcionar. Um desenvolvimento<br />

que proporcione ao camponês ser historicamente o que sempre foi sem abrir mão das suas<br />

tradições, inclusive tradições de uma classe revolucionária, que nasce e renasce na luta pela<br />

reforma agrária em todas as regiões do mundo. Ser ouvido e atendido em todas as<br />

necessidades, em especial no que se refere ao respeito à terra e aos recursos naturais que a<br />

terra pertencem.<br />

Não temos dúvidas em afirmar que esse tipo de desenvolvimento somente poderá ser<br />

alcançado por meio da educação, mas não de qualquer educação, falamos aqui de uma<br />

educação que proporcione ao educando todos os aspectos discutidos até esse ponto de nosso<br />

trabalho. Desenvolvimento da cidadania, preservação da identidade camponesa, respeito ao<br />

138


valor do trabalho social e promoção da autonomia são questões determinantes no<br />

estabelecimento de uma educação para o desenvolvimento.<br />

A escola do campo não pode se eximir de seu papel de agente promotor de<br />

desenvolvimento. Perde a razão de sua existência uma escola que desenvolva um trabalho<br />

meramente reprodutor da educação urbana, classificadora, discriminatória e desvinculada da<br />

realidade do camponês.<br />

Uma escola voltada aos interesses do campo deve se fazer presente na comunidade e<br />

permitir que a comunidade dela se beneficie. Deve promover mudanças na vida da<br />

comunidade. Mas não somente mudanças tecnológicas, “adestradoras” de mão de obra. Deve<br />

promover mudanças que promova melhoria nas condições de saúde, de trabalho, de moradia,<br />

enfim, de qualidade de vida.<br />

Sem desviar o olhar do objetivo primeiro desse trabalho, procuramos mostrar a<br />

atuação das escolas naqueles pontos que contribuem diretamente para que o campo tenha um<br />

desenvolvimento no qual o ser humano não deve descartado.<br />

Com base nos depoimentos das entrevistas e nas respostas dos questionários, podemos<br />

afirmar que as escolas pesquisadas estão contribuindo para o desenvolvimento do campo,<br />

ainda que por vieses diferentes. Na Escola de Canuanã, algumas atividades e projetos<br />

específicos são desenvolvidos junto à comunidade tem contribuído para uma melhoria na<br />

qualidade de vida dos moradores dessa comunidade, conforme observamos pelo conteúdo da<br />

entrevista realizada:<br />

139<br />

Esse ano tem um aluno que me procurou que quer comprar alguns suínos, que ele<br />

quer iniciar uma criação de suínos na casa do pai dele. Então isso é legal. Já<br />

mandamos pra São Paulo a proposta pra fazer a venda pra ele, que eu acho que é<br />

uma coisa que a gente tem que estimular. É....o professor Rubiam esse ano<br />

desenvolveu um projeto muito interessante que foi da.....da mini empresa. Onde eles<br />

produziram no primeiro semestre produtos de carne, então tipo embutidos, é... o<br />

hambúrguer e puderam vender dentro da comunidade da escola. Então por exemplo<br />

eles produziram 10 quilos de hambúrguer. Cada 10 quilos de hambúrguer, pra pagar<br />

a matéria prima que eles usaram que é da escola eles tinha que dar dois quilos pra<br />

escola. Os outros quilos eles poderiam vender para a comunidade. Então isso mexeu<br />

muito com eles [...] Então tem alunos falando: a gente vai dar continuidade disso lá<br />

fora. [...] Isso fez o que? Fez eles entenderem que é possível, que eles podem fazer<br />

algo diferente. [...]. O médico nosso, o Cícero, ele tem um projeto que chama GSR <strong>–</strong><br />

Grupo de Saúde Rural que ele pega um grupo de 30 alunos todo o final de semana,<br />

voluntários, tanto eles como os alunos a cada 15 dias e vão nos assentamentos. No<br />

assentamento o que que eles fazem? Eles ensinam a fazer uma horta, uma horta<br />

medicinal, [....] eles vêem a qualidade da água...um monte de atividades que vem ao<br />

encontro das necessidades deles. E esse foi o quarto ano consecutivo que tem um<br />

pessoal da USP que vem junto, de Harvard, passa janeiro aqui desenvolvendo<br />

tecnologias simples para colocar em prática nos assentamentos. Também houve a<br />

criação do leite aqui no assentamento. Eu acho que foi um pouco da pressão da<br />

escola com a comunidade política e com os próprios alunos. Então no ano passado<br />

foi implantado dentro do assentamento um tanque de produção de leite [...] e eles já<br />

estão vendendo leite pra esse pessoal hoje. Então quer dizer, pessoas que não tinham


140<br />

R$ 10,00 de renda hoje já tem R$ 150,00, R$ 200,00 por mês de venda de leite com<br />

uma ou duas vaquinha lá que ele tira 10 litros por dia. [...] Essa é a função da escola,<br />

é mostrar caminhos pra eles. Se eles vão seguir eu acho que não é bem a escola não<br />

pode obrigar. [...] Acho que a escola tem que inquietá-los, acho que esse é o papel<br />

nosso. [....] É fácil atuar, mas não é fácil fazer mudanças. 36<br />

Em relação ao desenvolvimento do humano e da politização do homem do campo,<br />

podemos perceber que a EFA prioriza uma educação não só para o desenvolvimento<br />

econômico, mas também para o desenvolvimento científico e, primordialmente, para a<br />

valorização do ser. Abaixo segue o depoimento de um professor que foi aluno da EFA.<br />

Eu passei pela escola na segunda fase do ensino fundamental. Eu estive nessa fase<br />

na escola e saí pra fazer o ensino médio. Talvez o ensino médio me marcou<br />

profissionalmente enquanto conteúdo científico, né, mas enquanto pessoa, de<br />

participar, de...né? essa pessoa mais politizada [...] a outra escola não contribuiu<br />

tanto quanto a EFA. Embora estava na EFA numa fase jovem, talvez, mais nova,<br />

mas mesmo assim me marcou muito e a contribuição foi muito grande na<br />

continuação do estudo e sobretudo na área do campo, em defender o campo onde<br />

que que seja e principalmente na busca de políticas públicas e tudo o mais. Passei<br />

aqui quatro anos mas são quatro anos que carrego daqui situações pra vida inteira.<br />

[...] Você está fora mas você nunca esquece.[...] Não sei se eu não tivesse passado<br />

por aqui se eu ainda estaria no campo. 37<br />

Os professores da EFA também apresentam outros exemplos de depoimentos que<br />

mostram como a EFA promove um desenvolvimento pessoal em sua forma de agir.<br />

Nós temos tido várias visitas de estudantes que vem de vontade própria e dá<br />

verdadeiros depoimentos para os que estão aqui pra poder valorizar até mais do que<br />

eles esse espaço. Nesse sentido de.....se não tivesse passado por aqui ele não estaria,<br />

não seria..ou o que seria de mim se não tivesse passado por aqui. São uma série de<br />

coisas que são colocadas, destrinchadas por eles próprios e que nos leva a crer que<br />

nós estamos no caminho certo e que é isso mesmo...[...]. Se não tivesse passado pela<br />

EFA não seria a pessoa que é. Então vai além da questão do conteúdo. [...] Esse lado<br />

mais humano, mais político, mais participativo, então ele sobressai muito. Talvez<br />

em conteúdo científico ele não seja tão forte quanto é esse outro lado. 38<br />

Os professores da EFA afirmam que o campo está passando por um momento de<br />

reestruturação e, contraditoriamente, acreditam que, pelas transformações sociais ocorridas no<br />

campo, nos últimos tempos, a agricultura camponesa deverá andar sempre mais alinhada ao<br />

agronegócio. Entretanto, segundo depoimento, a escola não enfatiza o estreitamento dessa<br />

relação, mas procura mostrar as diversas opções para que o aluno tenha possibilidades de<br />

escolha:<br />

36 Entrevista concedida em 12 de novembro de 2009<br />

37 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009<br />

38 Ibid.<br />

Agora, o que é que nós temos hoje de mais real? 84% dos jovens que passam pelas<br />

EFA’s continuam ou no campo ou vinculado a alguma atividade voltada pro campo.<br />

[...] No nosso trabalho, na nossa luta, a gente acredita que a gente está atendendo<br />

mais o campo, chegando mais perto do que a gente realmente deseja do que...quer


141<br />

dizer: tem mais jovens vivendo ou trabalhando ou fazendo alguma atividade em<br />

função do campo do que os que saem e acabam mesmo indo pra outra...um outro<br />

lado que também não quer dizer que não seja bom. Nós temos que trabalhar nos<br />

jovens as escolhas. Agora que sejam escolhas que levem ele a uma qualidade de<br />

vida melhor onde ele estiver. [...]. E quando a gente trabalha o profissional lá no<br />

curso técnico, por exemplo, que ele tem a oficina lá de projetos, você trabalha com<br />

ele na perspectiva de que ele possa criar o projeto dele, um projeto viável, que ele<br />

possa implantar, que ele possa trabalhar ali na propriedade que ele reside. Mas nem<br />

sempre isso acontece. [...] Quando você fala em educação você tem que dar qualquer<br />

informação que ele queira [...] 42% da soja no último ano veio da agricultura<br />

familiar, você tem a cana, então que dizer, não dá pra separar mais hoje e dizer que<br />

agricultor familiar tá de um lado e o agronegócio tá de outro. Não dá mais pra fazer<br />

isso. Nós temos hoje a legislação específica, por exemplo, no caso do leite, então<br />

tudo indica que o próprio agricultor familiar vai ter que se enquadrar em alguma<br />

situação em relação ao agronegócio, ou senão vai ter que se organizar de uma forma<br />

que permita a ele comercializar essas coisas. [...] A gente acredita que esse novo<br />

modelo de campo que vem por aí muita coisa vai andar lado a lado. [...] Nós<br />

trabalhamos a agricultura familiar como um tema de Plano de Estudo, nós<br />

trabalhamos também com as famílias, quando a gente reúne as famílias uma vez<br />

bimestralmente a gente também discute formas empreendedoras de desenvolver o<br />

campo. Então nós trabalhamos com os estudantes: Agricultura Familiar é um tema<br />

específico, o que que é, qual a legislação, nós trabalhamos políticas de crédito, como<br />

conseguir o crédito. Nós trabalhamos turismo rural, como é que desenvolve o<br />

turismo na comunidade. [...] a gente dá as ferramentas pro indivíduo buscar o que<br />

ele quer, as maneiras que ele vai desenvolver o espaço em que ele vive.[...] O nosso<br />

público hoje são agricultores familiares e aí você tem que trabalhar com eles no<br />

sentido de que eles como agricultores familiares....resgatar com eles que ainda é a<br />

agricultura familiar que ainda sustenta esse país, né, trabalhar com eles nesse sentido<br />

e a gente trabalha muito isso. [...] é claro, se ele é um agricultor familiar ele vai<br />

investir numa vida qualificada no meio em que ele vive. 39<br />

Na pesquisa com os alunos, colocamos algumas perguntas no questionário com o<br />

intuito de investigar como eles percebiam a importância da escola no processo das mudanças<br />

ocorridas na comunidade. Buscamos informações a respeito da participação da comunidade<br />

na escola, na importância que a comunidade dá para as atividades da escola e, principalmente,<br />

como ele, o maior interessado na atuação da escola a considera como agente de<br />

desenvolvimento local.<br />

O Gráfico 08 nos mostra que os alunos percebem uma participação bastante grande da<br />

comunidade nas atividades extracurriculares de ambas as escolas. Vê-se que 32,1% dos<br />

alunos de Canuanã consideram que a comunidade tem um forte envolvimento com a escola.<br />

Já na EFA, essa porcentagem é quase a metade, 17%, pois na EFA 65% dos alunos percebem<br />

que o envolvimento da comunidade é médio, ou seja, apesar de a mesma estar envolvida com<br />

as atividades da escola, esse envolvimento não é tão intenso.<br />

39 Entrevista concedida em 14 de dezembro de 2009


Gráfico 8 - Envolvimento das pessoas da comunidade nas atividades extra-curriculares<br />

da escola<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

O gráfico 09 mostra que Canuanã representa um grande bem para a comunidade na<br />

qual está inserida. Podemos observar que 70% dos alunos consideram que a comunidade<br />

atribui à Escola um valor forte ou muito forte. Na EFA, apesar de apresentar uma<br />

porcentagem inferior, 66,3%, também se percebe que a comunidade considera que a escola<br />

representa um bem de valor para si.<br />

Gráfico 9 - Valor que as pessoas da comunidade atribuem à escola<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

O gráfico 10 apresenta os momentos em que a comunidade mais participa das<br />

artividades promovidas pela escola. Reuniões escolares e palestras são as duas atividades que<br />

conseguem trazer a comunidade para a escola com maior frequência.<br />

142


Gráfico 10 - Momentos em que a comunidade mais participa das atividades da escola<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Pelo gráfico 11 é possível verificar que a maior mudança promovida pela escola na<br />

vida de seus alunos diz respeito à condições e técnicas de trabalho. Na Escola de Canuanã<br />

percebemos também uma modificação considerável na melhoria das condições de moradia.<br />

Gráfico 11 - Benefícios que a atuação da escola proporcionou à vida dos alunos<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Percebemos, com isso, que a comunidade realmente considera a escola um local de<br />

referência e de melhoria para suas condições de vida.<br />

143<br />

Colocamos também no questionário uma questão na qual os alunos deveriam


enumerar por grau de importância, dentre as organizações ali colocadas, quais, na opinião<br />

dele, mais contribuíam para mudanças na comunidade. Dentre as opções estavam o governo,<br />

as empresas, associações, as pessoas e a escola. O que observamos foi que tanto em Canuanã<br />

quanto na EFA, a maioria dos alunos consideraram a escola como maior agente de<br />

transformação da região.<br />

Gráfico 12 - Organizações que mais contribuem para mudanças e melhorias na<br />

comunidade, em porcentagem<br />

Fonte: resultado de pesquisa de campo <strong>–</strong> organizado pela autora<br />

Esse resultado só reforçou um dos fatores presentes deste os momentos iniciais da<br />

pesquisa, no qual as escolas aparecem como espaços de grande importância para o<br />

desenvolvimento da comunidade.<br />

É pela atuação da escola que as pessoas que tivemos contato acreditam adquir<br />

conhecimentos que provocam a melhoria do seu bem estar por meio da satisfação de suas<br />

necessidades. Acreditam, principalmente os professores e alunos, que a escola quando<br />

pensada corretamente, ou seja, quando atua pelos princípios de uma pedagogia para a<br />

autonomia, oferece igualdade de oportunidades, por meio do acesso ao conhecimento,<br />

amenizando, assim, as desigualdades sociais e econômicas.<br />

Em especial as escolas do campo, ao atuarem para a autonomia, permitem que<br />

recursos naturais sejam preservados e utilizados para a melhoria de toda a comunidade,<br />

desenvolvendo o potencial criativo, promovendo a integração solidária. Mas como fator mais<br />

importante, a escola permite a valorização do patrimônio natural, histórico, pessoal, cultural e<br />

144


dos saberes próprios da comunidade na qual está inserida. A educação promove<br />

desenvolvimento e a falta dela apenas um crescimento desordenado que favorece a poucos.<br />

Por essa razão, o poder público, em todas as suas instâncias, não pode se eximir da sua<br />

função enquanto promotor de condições favoráveis à essa educação no campo.<br />

Esse trabalho procurou analisar a realidade de apenas duas escolas, as quais possuem<br />

condições para realizarem bem as suas funções. Mas é preciso lembrar das outras que se<br />

encontram no campo, nas quais as condições de precariedade, tanto de estrutura quanto de<br />

profissionais que, apesar da boa vontade e da dedicação, não são preparados adequadamente,<br />

não permitem que a comunidade tenha dela o benefício que se espera.<br />

Defendemos um modelo de educação que faça a diferença na vida, não só dos seus<br />

alunos, mas de toda a comunidade toda na qual está inserida, provocando mudanças e<br />

melhorias, mas principalmente que promova a autonomia e emancipação do camponês.<br />

Vejamos o que o professor Lira ressaltou:<br />

145<br />

Só esamos falando sério sobre ensino e campesinato[...] não perdendo de vista a<br />

inserção em seus conteúdos de temas pertinentes ao entendimento da necessidade de<br />

uma discussão permanente sob a luz da continuidade da compreensão, aceitação e<br />

tomada de partida de que existe no campo brasileiro um processo em pleno curso de<br />

construção e reconstrução de identidade camponesa se espalhando por todas as<br />

regiões do Brasil. (LIRA, 2003, p. 44)<br />

Portanto, podemos afirmar que as escolas, quando possuem o respaldo e as condições<br />

necessárias para sua atuação, são um grande vetor de desenvolvimento no campo, pois<br />

contribuem significativamente para as mudanças na vida da comunidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O presente trabalho teve por objetivo investigar o papel das escolas no<br />

desenvolvimento do campo no estado do Tocantins. Para cumprir esse objetivo, foi necessário<br />

buscar na história como se deu o desenvolvimento das políticas públicas para a educação do<br />

campo no Brasil.<br />

Dessa análise resultou que, apesar de o Brasil ter suas raízes colonizadoras no campo,<br />

a população do campo sempre se desenvolveu à margem de uma elite agrária conservadora.<br />

No que concerne às propostas para educação no campo, pudemos perceber que eram escassas<br />

e, quando haviam, eram voltadas à profissionalização do homem do campo, com vistas a<br />

torná-lo um empregado rural.<br />

Sem levar em conta as especificidades da população camponesa, a educação que se<br />

sempre se praticou no campo brasileiro privilegiou os aspectos urbanos, incutindo na<br />

população camponesa um sentimento de que o modo de vida urbano era melhor, provocando a<br />

ilusão de que viver na cidade era a opção mais acertada a seguir. Esse sentimento fez com que<br />

cada vez mais a agricultura conservadora, incentivada por políticas agrárias também<br />

conservadoras, ganhasse espaço em detrimento da agricultura camponesa.<br />

Porém, na década de 1980 os movimentos sociais camponeses dão início a um<br />

processo reivindicatório para levar o camponês de volta para a terra. Lutam pela posse da<br />

mesma e pela preservação de seus direitos. É nesse contexto que se desenvolve o conceito de<br />

identidade camponesa no Brasil. Um conceito que surge para resgatar um modo de vida<br />

esquecido, que define uma classe social, que lembra as lutas pela posse da terra e que<br />

pretende ter uma educação que atenda às suas necessidades.<br />

É nesse contexto que surgem as primeiras propostas de educação do campo no Brasil,<br />

pois até então o que se vinha praticando era uma educação para o campo, ou ainda uma<br />

educação no campo.<br />

Sobre essas propostas, tanto nacionais quanto estaduais, podemos afirmar que, apesar<br />

das fortes intenções de se realizar uma educação do campo em seu discurso, na prática não<br />

passa de ações isoladas, em algumas escolas de algumas regiões. Pela situação de abandono<br />

de muitas escolas do campo, em especial das regiões norte e nordeste, vê-se que há, quando<br />

muito, uma educação no campo, carregadas de urbanidades, ministrada por profissionais<br />

urbanos.<br />

146<br />

A proposta dos movimentos sociais para a educação da população do campo não é


apenas proporcionar a ela os conhecimentos científicos, mas uma educação que respeite suas<br />

particularidades, resgate sua identidade e possa manter seu modo de produção e reprodução.<br />

Nessa vertente surgem duas propostas de educação do campo: a proposta do MST e a<br />

Pedagogia da Alternância.<br />

A proposta do MST é uma proposta baseada em princípios socialistas de educação,<br />

trazendo para suas práticas princípios de educadores soviéticos, tais como, Pistrak,<br />

Makarenko e Krupskaya. Busca mais veementemente a permanência da população camponesa<br />

no campo, além de desenvolver atividades pedagógicas que visam à manutenção do<br />

movimento. Nesse sentido podemos afirmar que a proposta do MST aplica-se muito bem à<br />

educação oferecida nos acampamentos e assentamentos promovidos pelo movimento.<br />

A Pedagogia da Alternância busca a formação integral do ser, ou seja, sua proposta<br />

pedagógica vai além do conhecimento científico e procura resgatar a identidade camponesa<br />

perdida ao longo do processo de urbanização. Enfatiza o modo de vida e de produção<br />

camponeses, procurando desenvolver no educando um sentimento de ser camponês mesmo<br />

quando este se encontra fora do campo. Procura desenvolver um trabalho pelo qual o sujeito<br />

se reconheça como camponês em qualquer ambiente em que estiver inserido. Entretanto,<br />

apresenta uma proposta de educação liberal ao fundamentar suas ações em autores como<br />

Dewey (Escola Nova) e Piaget (construtivismo).<br />

Esse modelo de educação, por ter sido importado da França, sofreu adaptações no<br />

Brasil, uma vez que as propriedades rurais francesas apresentam condições bastante<br />

diferenciadas das propriedades rurais brasileiras. Dessa forma, algumas fragilidades e<br />

limitações podem ser encontradas nesse modelo no Brasil, em especial no que concerne à<br />

interação escola-família e às atividades cotidianas.<br />

Pela análise das propostas pedagógicas das escolas de Canuanã e Família Agrícola de<br />

Porto Nacional, o que pudemos perceber é que a Escola de Canuanã pratica uma educação<br />

tradicional, voltada à profissionalização e à empregabilidade do trabalhador do campo como<br />

funcionário de grandes fazendas ou órgãos de extensão rural. Nesse sentido atua como agente<br />

de desenvolvimento do agronegócio, não enfatizando a permanência do educando no campo.<br />

Suas ações não estão direcionadas à manutenção da identidade camponesa, mas à melhoria de<br />

condições de vida do camponês mediante o assalariamento dos membros de sua família.<br />

Ainda assim, pelos dados coletados, podemos afirmar que a escola de Canuanã é um<br />

agente de mudanças, pois, apesar de suas ações estarem direcionadas à manutenção do<br />

agronegócio, algumas atividades desenvolvidas junto à comunidade na qual está inserida,<br />

proporcionam melhoria das suas condições de vida no campo.<br />

147


A EFA, por meio da proposta de alternância, procura desenvolver suas atividades<br />

voltadas ao modo de produção camponesa. Suas ações pedagógicas estão voltadas a fazer com<br />

que o educando se identifique como camponês e defenda as causas do campo em qualquer<br />

meio em que estiver inserido. Entretanto, apesar de suas propostas estarem voltadas à<br />

manutenção da identidade camponesa, não dá mais tanta ênfase à permanência do homem no<br />

campo.<br />

Dessa forma podemos afirmar que a EFA oferece uma educação que proporciona o<br />

desenvolvimento do campo, pois colabora para formar um cidadão mais crítico e consciente<br />

de seu papel na sociedade, colabora no processo de reconstrução da identidade camponesa,<br />

além de proporcionar o crescimento econômico das famílias da comunidade na qual está<br />

inserida. Por meio das suas ações, procura formar um cidadão mais politizado, que luta pelos<br />

seus direitos e de sua comunidade.<br />

Como podemos perceber, ainda existem muitas coisas a conquistar para garantir uma<br />

educação do campo que colabore efetivamente com uma forma de desenvolvimento que vá<br />

além do crescimento econômico. É preciso que se tenha a consciência de que as leis, quando<br />

permanecem arquivadas, não proporcionarão aos camponeses a conquista de sua liberdade e<br />

emancipação tão comentadas no discurso. Para que elas se tornem realidade, é preciso<br />

vontade política e utilização adequada dos recursos públicos destinado à educação.<br />

Com tudo isso é possível afirmar que, por meio da análise das propostas das escolas de<br />

Canuanã e Família Agrícola, a educação tem um papel importante no desenvolvimento de<br />

uma região. Em se tratando de educação do campo, esse papel é ainda mais fundamental, haja<br />

vista a comunidade perceber na escola o maior agente de transformação e melhorias.<br />

Entretanto, para que o Tocantins pratique uma educação do campo, será necessário ainda<br />

maior empenho, tanto do poder público, oferecendo os recursos adequados e necessários,<br />

quanto da comunidade, que deve ser sempre um agente de cobrança para a conquista de seus<br />

direitos.<br />

148


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