I N S I G H T INTELIGÊNCIA jANEiRo•fEVEREiRo •MARço 2011 105 Obras de Tony Oursler
106 A mulher, ou o sexo Nenhuma mulher trai por amor ou desamor. o que há é o apelo milenar, a nostalgia da prostituta, que existe ainda na mais pura. nelson rodrigues A mulher em Nelson Rodrigues é esse ser habitado por uma sexualidade invasiva que ela não pode controlar. Ninfomaníaca por natureza. seu apetite sexual é “exagerado”, seu desejo anormalmente forte. Quem decide a intensidade do desejo sexual normal? Por que haveria uma frequência sexual “anormal” exclusivamente para as mulheres e qual seria ela? Por que a mulher que transa “muito” é atacada como ninfomaníaca enquanto o homem hipersexualizado é valorizado como um Don Juan, um conquistador que estaria apenas atestando – compulsoriamente – a sua virilidade? Uma mulher muito (?) ativa sexualmente é devassa, enquanto o homem é um “garanhão”, “mulherengo” e “conquistador”. Essas não são as únicas questões colocadas pelo conceito de MARVADA CARNE I N S I G H T INTELIGÊNCIA O rico e o pobre são duas pessoas • O soldado protege os dois • O operário trabalha pelos três • O cidadão paga pelos quatro • O vagabundo come pelos cinco • O advogado rouba os seis • O juiz condena os sete • O médico mata os oito • O coveiro enterra os nove • E o diabo leva os dez • Mas a mulher, a mulher engana os onze • A mulher engana os onze de uma vez • Água morro abaixo • Fogo morro acima • E mulher, quando quer dar, • ninguém segura as mulheres e nelson rodrigues - Velhas Virgens ninfomania. Do ponto de vista médico-psiquiátrico, esse é também um diagnóstico polêmico já que pode integrar tanto um quadro obsessivo-compulsivo, quanto um quadro maníaco ou uma sociopatia, caso exija gratificação à margem da ética, da moral, da lei. Essas questões, embora pertinentes, não serão objetos de minha reflexão neste artigo. Prefiro rastrear a ideia ou o conceito de ninfomania buscando as relações contemporâneas entre os sexos e o que a cultura entende como feminilidade e virilidade. Afinal, é pela complexidade das identificações inconscientes com os modelos que encontramos ao nascer que nós nos tornamos quem somos. Para Hipócrates, fundador da medicina ocidental, entre o homem e a mulher haveria uma diferença de essência porque a mulher é um ser governado por seu útero. Platão escreveu em “o Timeu” que “Nas mulheres o que se chama matriz ou útero é (...) um animal interior que tem apetite de fazer crianças”. o útero é como um ser vivo possuído do desejo de fazer filhos, uma espécie de animal errante habitando as entranhas femininas. Quando esse animal devorador e tirânico está insatisfeito, vazio, leve, perambula pelo interior do corpo da mulher provocando-lhe doenças como a histeria, que em grego significa útero. Refém da sua matriz ou mãe, a mulher será obrigada a satisfazer sua voracidade insaciável com relações sexuais. A histeria surge da insatisfação, da fome uterina; nela a mulher exibe sem pudor sua sexualidade monstruosa, seu erotismo desvairado. As convulsões histéricas encenam de forma espetacular esse excesso que define a feminilidade. o cristianismo prolongou essa concepção da mulher e fez de todos nós filhos de Eva, a mãe amaldiçoada da criação. Tertuliano, um dos primeiros padres da Igreja, dirige-se à mulher dizendo que ela deveria “usar sempre o luto, estar coberta de andrajos e mergulhada na penitência, a fim de compensar a culpa de ter trazido a perdição ao gênero humano”. Mulher, você “é a porta do diabo”. Foi você que tocou “a árvore de satã e que, em primeiro lugar,” violou a lei divina. Essas verdades antigas atravessarão os séculos sendo repeti-