REDONDILHAS Luís de Camões - Colegioecursoopcao.com.br
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Redondilhas, <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><<strong>br</strong> />
Texto-base:<<strong>br</strong> />
CAMÕES, <strong>Luís</strong> Vaz <strong>de</strong>. Os Lusíadas <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>Camões</strong>. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão.<<strong>br</strong> />
Texto proveniente <strong>de</strong>:<<strong>br</strong> />
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <<strong>br</strong> />
A Escola do Futuro da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<<strong>br</strong> />
Permitido o uso apenas para fins educacionais.<<strong>br</strong> />
Texto-base digitalizado por:<<strong>br</strong> />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)<<strong>br</strong> />
IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)<<strong>br</strong> />
Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/in<strong>de</strong>x.html<<strong>br</strong> />
Agra<strong>de</strong>cimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, her<strong>de</strong>ira do Dr. Álvaro<<strong>br</strong> />
Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da o<strong>br</strong>a-base), que gentilmente autorizou-nos a<<strong>br</strong> />
publicação <strong>de</strong>sta o<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />
Este material po<strong>de</strong> ser redistribuído livremente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja alterado, e que as informações acima sejam<<strong>br</strong> />
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<strong>REDONDILHAS</strong><<strong>br</strong> />
<strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><<strong>br</strong> />
Amor cuja providência (1595 - redondilha 038)<<strong>br</strong> />
Amor que em meu pensamento (1595 - redondilha 032)<<strong>br</strong> />
Ana quisestes que fosse (1668 - redondilha 033)<<strong>br</strong> />
Aquela cativa (1595 – redondilha 106)<<strong>br</strong> />
Aquele rosto que traz (1595 - redondilha 062)<<strong>br</strong> />
A verdura amena (1598 redondilha 014)<<strong>br</strong> />
Baixos e honestos andais (1595 - redondilha 081)<<strong>br</strong> />
Campo, que te esten<strong>de</strong>s (1598 - redondilha 011)<<strong>br</strong> />
Campos cheios <strong>de</strong> prazer (1595 - redondilha 051)<<strong>br</strong> />
Caterina é mais fermosa (1595 - redondilha 060)<<strong>br</strong> />
Cinco galinhas e meia (1616 - redondilha 101)<<strong>br</strong> />
Con<strong>de</strong>, cujo ilustre peito (1595 - redondilha 112)<<strong>br</strong> />
Corre sem vela e sem leme (1595 - redondilha 117)<<strong>br</strong> />
Costumadas artes sao (1595 - redondilha 071)<<strong>br</strong> />
Cousa que este corpo não tem (1595 - Redondilha 063)<<strong>br</strong> />
Cum real <strong>de</strong> amor (1598 - redondilha 093)<<strong>br</strong> />
Da lin<strong>de</strong>za vossa (1595 - redondilha 026)<<strong>br</strong> />
Dama d'estranho primor (1595 - redondilha 015)<<strong>br</strong> />
D'Amor e seus danos (1595 - redondilha 105)<<strong>br</strong> />
De maneira me suce<strong>de</strong> (1668 - redondilha 056)
Despois <strong>de</strong> sempre sofrer (1595 - redondilha 031)<<strong>br</strong> />
Después que Amor me formo (1595 - redondilha 083)<<strong>br</strong> />
Desque una vez miré (1616 - redondilha 035)<<strong>br</strong> />
De ver-vos a não vos ver (1595 - redondilha 077)<<strong>br</strong> />
Dióme Amor tormentos dos (1595 - redondilha 073)<<strong>br</strong> />
Dotou em vos natureza (1595 - redondilha 007)<<strong>br</strong> />
Dous tormentos vejo (1616 - redondilhas 004)<<strong>br</strong> />
É muito pera notar (1595 - redondilha 041)<<strong>br</strong> />
Eles ver<strong>de</strong>s são (1595 – redondilha 012)<<strong>br</strong> />
Entre estes penedos (1598 - redondilha 010)<<strong>br</strong> />
E se a pena não me atiça (1598 - redondilha 085)<<strong>br</strong> />
Esses alfinetes vao (1595 - redondilha 022)<<strong>br</strong> />
Este mundo es el camino (1595 - redondilha 115)<<strong>br</strong> />
Este tempo vão (1595 – redondilha 002)<<strong>br</strong> />
Eu, pera levar a palma (1668 - redondilha 091)<<strong>br</strong> />
Eu sou boa testemunha (l595 - redondilha 013)<<strong>br</strong> />
Falsos loores os dán (1595 - redondilha 048)<<strong>br</strong> />
Foi a Esperança julgada (1595 - redondilha 065)<<strong>br</strong> />
Ja'gora certo conheço (1598 - redondilha 088)<<strong>br</strong> />
Juravas-me que outras ca<strong>br</strong>as (1598 - redondilha 057)<<strong>br</strong> />
Leva na cabeça o pote (1668 - redondilha 053)<<strong>br</strong> />
Madre. si me fuere (1595 - redondilha - 089)<<strong>br</strong> />
Menina mais que na ida<strong>de</strong> (1595 - redondilha 040)<<strong>br</strong> />
Mi corazón me han robado (1595 - redondilha 068)<<strong>br</strong> />
Mi nueva y dulce querella (1595 - redondilha 069)<<strong>br</strong> />
N'alma ua so ferida (1598 - redondilha 086)<<strong>br</strong> />
Nao posso chegar ao cabo (1616 - redondilha 100)<<strong>br</strong> />
Não sabendo Amor curar (1595 - redondilha 043)<<strong>br</strong> />
Não sei quem assela (1598 - redondilha 019)<<strong>br</strong> />
Não vos guar<strong>de</strong>i, quando vinha (1668 - redondilha 055)<<strong>br</strong> />
Ninguém vos po<strong>de</strong> tirar (1616 - redondilha 008)<<strong>br</strong> />
Nos seus olhos belos (1616 - redondilha 005)<<strong>br</strong> />
NÜa casada fui pôr (1595 - redondilha 064)<<strong>br</strong> />
Nunca em prazeres passados (1668 - redondilha 084)<<strong>br</strong> />
Nunca o prazer se conhece (1595 - redondilha 029)<<strong>br</strong> />
O coração envejoso (1595 - redondilha 066)<<strong>br</strong> />
Olhai que dura sentença (1595 - redondilha 042)<<strong>br</strong> />
Os bons vi sempre passar (1598 - redondilha 116)<<strong>br</strong> />
Os gostos, que tantas dores (1598 - redondilha 082)<<strong>br</strong> />
Os privilégios que os reis (1595 - redondilha 052)<<strong>br</strong> />
Para evitar dias maus (1860 - redondilha 049)<<strong>br</strong> />
Peço-vos que me digais (1595 - redondilha 020)<<strong>br</strong> />
Pelo meu apartamento (1616 - redondilha 024)<<strong>br</strong> />
Para quem vos soube olhar (1595 - redondilha 072)<<strong>br</strong> />
Perdigão, que o pensamento (1598 - redondilha 092)<<strong>br</strong> />
Pois a tantas perdições (1598 - redondilha 027)<<strong>br</strong> />
Pois on<strong>de</strong> te hão-<strong>de</strong> falar? (1616 - redondilha 103)
Pois o ver-vos tenho em mais (1595 - redondilha 045)<<strong>br</strong> />
Por cousa tão pouca (1595 - redondilha 017)<<strong>br</strong> />
Posible es a mi cuidado (1595 - redondilha 059)<<strong>br</strong> />
Posto o pensamento nele (1616 - redondilha 054)<<strong>br</strong> />
Pues me distes tal herida (1668 - redondilha 030)<<strong>br</strong> />
Quando me quer enganar (1595 - redondilha 023)<<strong>br</strong> />
Quando vos eu via (1595 - redondilha 003)<<strong>br</strong> />
Que diabo há tão danado (1616 - redondilha 109)<<strong>br</strong> />
Quem no mundo quiser ser (1595 - redondilha 108)<<strong>br</strong> />
Quem põe suas confianças (1616 - redondilha 036)<<strong>br</strong> />
Quem quer que viu, ou que leu (1595 - redondilha 099)<<strong>br</strong> />
Quem tão mal vos empregou (1595 - redondilha 079)<<strong>br</strong> />
Quem viveu sempre num ser (1595 - redondilha 080)<<strong>br</strong> />
Querendo Amor escon<strong>de</strong>r-vos (1668 - redondilha 039)<<strong>br</strong> />
Querendo escrever um dia (1595 - redondilha 006)<<strong>br</strong> />
Querer<strong>de</strong>s profano Amor (1595 - redondilha 107)<<strong>br</strong> />
Reinando Amor em dous peitos (1595 redondilha 090)<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong> dó vestida andais (1595 - redondilha 061)<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong>rivais <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (1595 - redondilha 018)<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> (1595 – redondilha 021)<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong>sejos fui jà ter (1595 - redondilha 076)<<strong>br</strong> />
Se me for e vos <strong>de</strong>ixar (1598 - redondilha 087)<<strong>br</strong> />
Se na alma e no pensamento (1598 - redondilha 097)<<strong>br</strong> />
Se não quereis pa<strong>de</strong>cer (1595 - redondilha 113)<<strong>br</strong> />
Se só no ser puramente (1595 - redondilha 034)<<strong>br</strong> />
Se trocar <strong>de</strong>sejo (1595 - redondilha 025)<<strong>br</strong> />
Se vos quereis embarcar (1668 - redondilha 050)<<strong>br</strong> />
Sem olhos vi o mal claro (1598 - redondilha 098)<<strong>br</strong> />
Sendo os restos envidados (1595 - redondilha 114)<<strong>br</strong> />
Senhora, se eu alcançasse (1595 - redondilha 001)<<strong>br</strong> />
Sepa quién pa<strong>de</strong>ce (1616 - redondilha 095)<<strong>br</strong> />
Sôbolos rios que vôo (1595 - redondilha 118)<<strong>br</strong> />
Só porque é rapaz ruim (1598 - redondilha 094)<<strong>br</strong> />
Suspeitas que me quereis (1595 - redondilha 016)<<strong>br</strong> />
Tanto maiores tormentos (1595 - redondilha 028)<<strong>br</strong> />
Tem tal jurdição Amor (1595 - redondilha 046)<<strong>br</strong> />
Tenho-me persuadido (1595 - redondilha 070)<<strong>br</strong> />
Tiempo perdido es aquel (1595 - redondilha 047)<<strong>br</strong> />
Todo o trabalhado bem (1595 - redondilha 044)<<strong>br</strong> />
Trataram-me <strong>com</strong> cautela (1595 - redondilha 075)<<strong>br</strong> />
Tudo ten<strong>de</strong>s singular (1616 - redondilha 009)<<strong>br</strong> />
Üa Dama, <strong>de</strong> malvada (1595 - redondilha 067)<<strong>br</strong> />
Üa diz que me quer bem (1595 - redondilha 078)<<strong>br</strong> />
Ved que enganos señorea (1595 - redondilha 058)<<strong>br</strong> />
Vêm-se rosas e boninas (1616 - redondilha 104)<<strong>br</strong> />
Vendo amor que, <strong>com</strong> vos ver (redondilha 037)<<strong>br</strong> />
Vi-o moço o pequenino (1595 - redondilha 074)
Viver eu, sendo mortal (1595 - redondilha 111)<<strong>br</strong> />
Vossa Senhoria creia (redondilha 110)<<strong>br</strong> />
[Vós] sois ua Dama (1668 - redondilha 096)<<strong>br</strong> />
—Vuelve acá, no estês pasmado (1616 - redondilha 102)
38.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
32.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Amor, que em meu pensamento<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> tanta fé se fundou,<<strong>br</strong> />
me tem dado um regimento<<strong>br</strong> />
que, quando vir meu tormento,<<strong>br</strong> />
me salve <strong>com</strong> cujo sou.<<strong>br</strong> />
E <strong>com</strong> esta <strong>de</strong>fensão,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que tudo vencer posso,<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado<<strong>br</strong> />
olhai <strong>com</strong> quem, e sem quem.<<strong>br</strong> />
Amor, cuja providência<<strong>br</strong> />
foi sempre que não errasse,<<strong>br</strong> />
porque n'alma vos levasse,<<strong>br</strong> />
respeitando o mal <strong>de</strong> ausência<<strong>br</strong> />
quis que em vós me transformasse.<<strong>br</strong> />
E vendo-me ir maltratado,<<strong>br</strong> />
eu e meu cuidado sós,<<strong>br</strong> />
proveio nisso, <strong>de</strong> atentado,<<strong>br</strong> />
por não me ausentar <strong>de</strong> vós,<<strong>br</strong> />
sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />
Mas est'alma que eu trazia<<strong>br</strong> />
porque vós nela morais,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixa-me cego, e sem guia;<<strong>br</strong> />
que há por milhor <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />
ficar on<strong>de</strong> vós ficais.<<strong>br</strong> />
Assi me vou <strong>de</strong> meu bem<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> quer a forte estrela,<<strong>br</strong> />
sem alma, que em si vos tem,<<strong>br</strong> />
co mal <strong>de</strong> viver sem ela:<<strong>br</strong> />
olhai <strong>com</strong> quem, e sem que<<strong>br</strong> />
a este moto seu (acróstico):<<strong>br</strong> />
A morte, pois que sou vosso,<<strong>br</strong> />
não na quero, mas se vem,<<strong>br</strong> />
[h]a-<strong>de</strong> ser todo meu bem.
diz a causa ao coração:<<strong>br</strong> />
não tem em mim jurdição<<strong>br</strong> />
A morte, pois que sou vosso.<<strong>br</strong> />
Por exprimentar um dia<<strong>br</strong> />
Amor se me achava forte<<strong>br</strong> />
nesta fé, <strong>com</strong>o dizia,<<strong>br</strong> />
me convidou <strong>com</strong> a morte,<<strong>br</strong> />
só por ver se a tomaria.<<strong>br</strong> />
E, <strong>com</strong>o ele seja a cousa<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> está todo o meu bem,<<strong>br</strong> />
respondi-lhe (<strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />
quer dizer mais, e não ousa):<<strong>br</strong> />
não na quero, mas se vem...<<strong>br</strong> />
Não disse mais, porque então<<strong>br</strong> />
enten<strong>de</strong>u quanto me toca;<<strong>br</strong> />
e se tinha dito o não,<<strong>br</strong> />
muitas vezes diz a boca<<strong>br</strong> />
o que nega o coração.<<strong>br</strong> />
Toda a cousa <strong>de</strong>fendida<<strong>br</strong> />
em mais estima se tem:<<strong>br</strong> />
por isso é cousa sabida<<strong>br</strong> />
que per<strong>de</strong>r por vós a vida<<strong>br</strong> />
[h]a-<strong>de</strong> ser todo meu bem.<<strong>br</strong> />
33.<<strong>br</strong> />
A B C em motos<<strong>br</strong> />
AAAA<<strong>br</strong> />
Ana quisestes que fosse<<strong>br</strong> />
o vosso nome da pia,<<strong>br</strong> />
para mor minha agonia.<<strong>br</strong> />
Apeles, se fora vivo<<strong>br</strong> />
e a ver-vos alcançara,<<strong>br</strong> />
por vós retratos tirara.<<strong>br</strong> />
Aquiles morreu no templo,<<strong>br</strong> />
contemplando <strong>de</strong> giolhos;<<strong>br</strong> />
eu, quando vejo esses olhos.<<strong>br</strong> />
Artemisa sepultou<<strong>br</strong> />
a seu irmão e marido;<<strong>br</strong> />
vós a mim, e a meu sentido.<<strong>br</strong> />
B
Bem vejo que sois, Senhora,<<strong>br</strong> />
extremo <strong>de</strong> fermosura,<<strong>br</strong> />
para minha sepultura.<<strong>br</strong> />
CC<<strong>br</strong> />
Cleópatra se matou<<strong>br</strong> />
vendo morto a seu amante;<<strong>br</strong> />
e eu por vós, em ser constante.<<strong>br</strong> />
Cassandra disse <strong>de</strong> Tróia<<strong>br</strong> />
que havia ser <strong>de</strong>struída;<<strong>br</strong> />
e eu por vós, d'alma e da vida.<<strong>br</strong> />
DD<<strong>br</strong> />
Dido morreu por Enéas,<<strong>br</strong> />
e vós matais quem vos ama;<<strong>br</strong> />
julgai se sois cruel dama!<<strong>br</strong> />
Dianira, inocente,<<strong>br</strong> />
da má morte causadora;<<strong>br</strong> />
vós, da minha, sabedora.<<strong>br</strong> />
E<<strong>br</strong> />
Eurídice foi a causa<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> Orfeu ir ao Inferno;<<strong>br</strong> />
vos, <strong>de</strong> ser meu mal eterno.<<strong>br</strong> />
FF<<strong>br</strong> />
Fedra, só <strong>de</strong> puro amor,<<strong>br</strong> />
morreu por seu enteado;<<strong>br</strong> />
eu, morro <strong>de</strong> <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />
Febo vai escurecendo<<strong>br</strong> />
ante vossa clarida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
e eu, sem ter liberda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
GG<<strong>br</strong> />
Galateia sois, Senhora,
Da fermosura extremo;<<strong>br</strong> />
e eu, perdido Polifemo.<<strong>br</strong> />
Gene<strong>br</strong>a, que foi rainha,<<strong>br</strong> />
se per<strong>de</strong>u por Lançarote;<<strong>br</strong> />
e vós, por me dar a morte.<<strong>br</strong> />
HH<<strong>br</strong> />
Hércules, uma camisa<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> chamas o consumiu;<<strong>br</strong> />
minha alma, dês que vos viu.<<strong>br</strong> />
Hébis e Dido morreram<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> origor da mudança;<<strong>br</strong> />
eu, vendo vossa esquivança.<<strong>br</strong> />
JJJJ<<strong>br</strong> />
Judit, que o duro Holofernes<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>golou, se viva fora,<<strong>br</strong> />
mate lhe déreis, Senhora.<<strong>br</strong> />
Júlio César conquistou<<strong>br</strong> />
o mundo <strong>com</strong> fortaleza;<<strong>br</strong> />
vós a mim <strong>com</strong> gentileza.<<strong>br</strong> />
Júlio César se livrou<<strong>br</strong> />
dos imigos <strong>com</strong> a<strong>br</strong>olhos;<<strong>br</strong> />
eu, não posso <strong>de</strong>sses olhos.<<strong>br</strong> />
Jazia-se o Minotauro<<strong>br</strong> />
preso no seu labirinto;<<strong>br</strong> />
mas eu mais preso me sinto.<<strong>br</strong> />
LL<<strong>br</strong> />
Leandro se afogou<<strong>br</strong> />
e foi sua causa Hero;<<strong>br</strong> />
e a mim o que vos quero.<<strong>br</strong> />
Leandro se afogou<<strong>br</strong> />
no mar <strong>de</strong> sua bonança;<<strong>br</strong> />
eu, no <strong>de</strong> vossa esperança.<<strong>br</strong> />
MM<<strong>br</strong> />
Minerva dizem que foi,<<strong>br</strong> />
e Palas, <strong>de</strong>usas da guerra:
e vós, Senhora, da terra.<<strong>br</strong> />
Me<strong>de</strong>ia foi mui cruel,<<strong>br</strong> />
mas não chegou a meta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vossa grã cruelda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
NN<<strong>br</strong> />
Narciso o siso per<strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />
em vendo a sua figura;<<strong>br</strong> />
eu, por vossa fermosura;<<strong>br</strong> />
Ninfas enganam mil Faunos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> seu ar e fermosura;<<strong>br</strong> />
e, a mim, vossa figura.<<strong>br</strong> />
OO<<strong>br</strong> />
Os olhos choram o dano<<strong>br</strong> />
que em vos verem sentiram,<<strong>br</strong> />
mas eu pago o que eles viram.<<strong>br</strong> />
Orfeu <strong>com</strong> a doce harpa<<strong>br</strong> />
venceu o reino <strong>de</strong> Plutão;<<strong>br</strong> />
vós a mim, <strong>com</strong> perfeição.<<strong>br</strong> />
PP<<strong>br</strong> />
Páris a Helena roubou,<<strong>br</strong> />
por quem Tróia foi perdida;<<strong>br</strong> />
e vós a mim, alma e vida.<<strong>br</strong> />
Pirro matou Policena,<<strong>br</strong> />
perfeita em todos sinais;<<strong>br</strong> />
e vós a mim me matais.<<strong>br</strong> />
QQ<<strong>br</strong> />
Quanto mais <strong>de</strong>sejo ver-vos,<<strong>br</strong> />
menos vos vejo, Senhora:<<strong>br</strong> />
não vos ver milhor me fora.<<strong>br</strong> />
Querendo ver a Diana,<<strong>br</strong> />
Actéon per<strong>de</strong>u a vida,<<strong>br</strong> />
que eu por vós trago perdida.<<strong>br</strong> />
RR
Remédio nenhum não vejo<<strong>br</strong> />
que rome<strong>de</strong>ie meu mal;<<strong>br</strong> />
nem crueza à vossa igual.<<strong>br</strong> />
Roma o mundo sujeita<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> armas, saber, temor<<strong>br</strong> />
vós a mim só por amor.<<strong>br</strong> />
S<<strong>br</strong> />
Sirena, na mor fortuna<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> enganos vai cantando;<<strong>br</strong> />
e vós, sempre a mim matando.<<strong>br</strong> />
TT<<strong>br</strong> />
Tisbe morreu por Píramo,<<strong>br</strong> />
a ambos matou o Amor;<<strong>br</strong> />
a mim, vosso <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />
Tisbe pelo seu amante<<strong>br</strong> />
morreu <strong>com</strong> amor sobejo;<<strong>br</strong> />
mas eu mais morto me vejo.<<strong>br</strong> />
WW<<strong>br</strong> />
Vénus, que por mais fermosa<<strong>br</strong> />
lhe <strong>de</strong>u Páris a maçã,<<strong>br</strong> />
não foi quanto vós louçã.<<strong>br</strong> />
Vénus levou a maçã<<strong>br</strong> />
por vós não ser<strong>de</strong>s, Senhora,<<strong>br</strong> />
nascida naquela hora.<<strong>br</strong> />
XX<<strong>br</strong> />
Xpõ vos acabe em graça,<<strong>br</strong> />
e vos faça piadosa<<strong>br</strong> />
tanto, quanto sois fermosa.<<strong>br</strong> />
Xantopea tornou atrás<<strong>br</strong> />
por Apónio a invocar;<<strong>br</strong> />
e vós não, a meu chamar.
106.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Aquela cativa,<<strong>br</strong> />
que me tem cativo,<<strong>br</strong> />
porque nela vivo<<strong>br</strong> />
já não quer que viva.<<strong>br</strong> />
Eu nunca vi rosa<<strong>br</strong> />
em suaves molhos,<<strong>br</strong> />
que para meus olhos<<strong>br</strong> />
fosse mais fermosa.<<strong>br</strong> />
Nem no campo flores,<<strong>br</strong> />
nem no céu estrelas,<<strong>br</strong> />
me parecem belas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o os meus amores.<<strong>br</strong> />
Rosto singular,<<strong>br</strong> />
olhos sossegados,<<strong>br</strong> />
pretos e cansados,<<strong>br</strong> />
mas não <strong>de</strong> matar.<<strong>br</strong> />
üa graça viva,<<strong>br</strong> />
que neles lhe mora,<<strong>br</strong> />
para ser senhora<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> quem é cativa.<<strong>br</strong> />
Pretos os cabelos,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> o povo vão<<strong>br</strong> />
per<strong>de</strong> opinião<<strong>br</strong> />
que os louros são belos.<<strong>br</strong> />
Pretidão <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />
tão doce a figura,<<strong>br</strong> />
que a neve lhe jura<<strong>br</strong> />
que trocara a cor.<<strong>br</strong> />
Leda mansidão<<strong>br</strong> />
que o siso a<strong>com</strong>panha;<<strong>br</strong> />
bem parece estranha,<<strong>br</strong> />
mas bárbora não.<<strong>br</strong> />
Presença serena<<strong>br</strong> />
que a tormenta amansa;<<strong>br</strong> />
nela enfim <strong>de</strong>scansa<<strong>br</strong> />
a üa cativa <strong>com</strong> quem andava<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> amores na Índia, chamada<<strong>br</strong> />
Bárbora
toda a minha pena.<<strong>br</strong> />
Esta é a cativa<<strong>br</strong> />
que me tem cativo,<<strong>br</strong> />
e, pois nela vivo,<<strong>br</strong> />
é força que viva.<<strong>br</strong> />
62.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Aquele rosto que traz<<strong>br</strong> />
o mundo todo a<strong>br</strong>asado,<<strong>br</strong> />
se foi da flama tocado,<<strong>br</strong> />
foi porque sinta o que faz.<<strong>br</strong> />
Bem sei que Amor se lhe ren<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
porém o seu pros[s]uposto<<strong>br</strong> />
foi sentir o vosso rosto<<strong>br</strong> />
o que nas almas acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
14.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
A verdura amena,<<strong>br</strong> />
gados, que pasceis,<<strong>br</strong> />
sabei que a <strong>de</strong>veis<<strong>br</strong> />
aos olhos <strong>de</strong> Helena.<<strong>br</strong> />
a Dona Guiamar <strong>de</strong> Blasfé,<<strong>br</strong> />
que se queimara no rosto<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> üa vela<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Amor que todos ofen<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
teve, Senhora, por gosto,<<strong>br</strong> />
que sentisse o vosso rosto<<strong>br</strong> />
o que nas almas acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
a este meto seu:<<strong>br</strong> />
Se Helena apartar do<<strong>br</strong> />
campo seus olhos,<<strong>br</strong> />
nascerão a<strong>br</strong>olhos.
Os ventos serena,<<strong>br</strong> />
faz flores <strong>de</strong> a<strong>br</strong>olhos<<strong>br</strong> />
o ar <strong>de</strong> seus olhos.<<strong>br</strong> />
Faz serras floridas,<<strong>br</strong> />
faz claras as fontes:<<strong>br</strong> />
se isto faz nos montes,<<strong>br</strong> />
que fará nas vidas?<<strong>br</strong> />
Trá-las suspendidas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o ervas em molhos,<<strong>br</strong> />
na luz <strong>de</strong> seus olhos.<<strong>br</strong> />
Os corações pren<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> graça inumana<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> cada pestana<<strong>br</strong> />
ü alma lhe pen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Amor se lhe ren<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
e, posto em giolhos,<<strong>br</strong> />
pasma nos seua olhos<<strong>br</strong> />
81.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Baixos e honestos andais,<<strong>br</strong> />
por vos negar<strong>de</strong>s a quem<<strong>br</strong> />
não quer mais que aquele bem<<strong>br</strong> />
que vós no chão espalhais.<<strong>br</strong> />
Se pouco vos mereci,<<strong>br</strong> />
não me estimais mais que o chão,<<strong>br</strong> />
a quem vós o galardão<<strong>br</strong> />
dais, e mo neguis a mi.<<strong>br</strong> />
*011<<strong>br</strong> />
a üa Dama que lhe virou o rosto<<strong>br</strong> />
MOTO<<strong>br</strong> />
Olhos, não vos mereci<<strong>br</strong> />
que tenhais tal condição:<<strong>br</strong> />
tão liberais para o chão,<<strong>br</strong> />
tão irosos para mi.
Campo, que te esten<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
Esta redondilha não foi disponibilizado pela<<strong>br</strong> />
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<<strong>br</strong> />
<<strong>br</strong> />
que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta o<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />
Agra<strong>de</strong>cemos sua <strong>com</strong>preensão.<<strong>br</strong> />
51.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Campos cheios <strong>de</strong> prazer,<<strong>br</strong> />
vós, que estais rever<strong>de</strong>cendo,<<strong>br</strong> />
já me alegrei <strong>com</strong> vos ver;<<strong>br</strong> />
agora venho a temer<<strong>br</strong> />
que entristeçais em me vendo.<<strong>br</strong> />
E, pois a vista alegrais<<strong>br</strong> />
dos olhos <strong>de</strong>sesperados,<<strong>br</strong> />
não quero que me vejais,<<strong>br</strong> />
para que sempre sejais<<strong>br</strong> />
campos bem-aventurados.<<strong>br</strong> />
Porém, se por aci<strong>de</strong>nte,<<strong>br</strong> />
vos pesar <strong>de</strong> meu tormento,<<strong>br</strong> />
sabereis que Amor consente<<strong>br</strong> />
que tudo me <strong>de</strong>scontente,<<strong>br</strong> />
senão <strong>de</strong>scontentamento.<<strong>br</strong> />
Por isso vós, arvoredos,<<strong>br</strong> />
que já nos meus olhos vistes<<strong>br</strong> />
mais alegrias que medos,<<strong>br</strong> />
se mos quereis fazer ledos,<<strong>br</strong> />
tornai-vos agora tristes.<<strong>br</strong> />
Já me vistes ledo ser,<<strong>br</strong> />
mas <strong>de</strong>spois que o falso Amor<<strong>br</strong> />
tão triste me fez viver, .<<strong>br</strong> />
ledos folgo <strong>de</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />
a este mato alheio:<<strong>br</strong> />
Campos bem-aventurados,<<strong>br</strong> />
tornai-vos agora tristes,<<strong>br</strong> />
que os dias em que me vistes<<strong>br</strong> />
alegre são já passados.
porque me do<strong>br</strong>eis a dor.<<strong>br</strong> />
E se este gosto sobejo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> minha dor me sentistes,<<strong>br</strong> />
julgai quanto mais <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
as horas que vos não vejo<<strong>br</strong> />
que os dias em que me vistes.<<strong>br</strong> />
O tempo, que é <strong>de</strong>sigual,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> secos, ver<strong>de</strong>s vos tem;<<strong>br</strong> />
porque em vosso natural<<strong>br</strong> />
se muda o mal para o bem,<<strong>br</strong> />
mas o meu para mor mal.<<strong>br</strong> />
Se perguntais, ver<strong>de</strong>s prados,<<strong>br</strong> />
pelos tempos diferentes<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong> Amor me foram dados,<<strong>br</strong> />
tristes, aqui são presentes,<<strong>br</strong> />
alegres, já são passados.<<strong>br</strong> />
60.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Caterina é mais fermosa<<strong>br</strong> />
para mim que a luz do dia;<<strong>br</strong> />
mas mais fermosa seria<<strong>br</strong> />
se não fosse mentirosa.<<strong>br</strong> />
Hoje a vejo piadosa,<<strong>br</strong> />
amanhã tão diferente<<strong>br</strong> />
que sempre cuido que mente.<<strong>br</strong> />
Caterina me mentiu<<strong>br</strong> />
muitas vezes, sem ter lei,<<strong>br</strong> />
mas todas lhe perdoei<<strong>br</strong> />
por üa só que cumpriu.<<strong>br</strong> />
Se, <strong>com</strong>o me consentiu<<strong>br</strong> />
falar, o mais me consente,<<strong>br</strong> />
nunca mais direi que mente.<<strong>br</strong> />
Má, mentirosa, malvada,<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Caterina bem promete;<<strong>br</strong> />
eramá I <strong>com</strong>o ela mente I
dizei: para que mentis?<<strong>br</strong> />
Prometeis, e não cumpris?<<strong>br</strong> />
Pois sem cumprir, tudo é nada.<<strong>br</strong> />
Não sois bem aconselhada;<<strong>br</strong> />
que quem promete, se mente,<<strong>br</strong> />
o que per<strong>de</strong> não no sente.<<strong>br</strong> />
Jurou-me aquela ca<strong>de</strong>la<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vir, pela alma que tinha;<<strong>br</strong> />
enganou-me; tem a minha;<<strong>br</strong> />
dá-lhe pouco <strong>de</strong> perdê-la.<<strong>br</strong> />
A vida gasto após ela,<<strong>br</strong> />
porque ma dá se promete,<<strong>br</strong> />
mas tira-ma quando mente.<<strong>br</strong> />
Tudo vos consentiria<<strong>br</strong> />
quanto quisésseis fazer,<<strong>br</strong> />
se esse vosso prometer<<strong>br</strong> />
fosse prometer um dia<<strong>br</strong> />
todo então me <strong>de</strong>sfaria<<strong>br</strong> />
convosco; e vós, <strong>de</strong> contente,<<strong>br</strong> />
zombaríeis <strong>de</strong> quem mente.<<strong>br</strong> />
Prometou-me ontem <strong>de</strong> vir,<<strong>br</strong> />
nunca mais me apareceu;<<strong>br</strong> />
creio que não prometeu<<strong>br</strong> />
senão só por me mentir.<<strong>br</strong> />
Faz-me enfim chorar e rir;<<strong>br</strong> />
rio quando me promete,<<strong>br</strong> />
mas choro quando me mente.<<strong>br</strong> />
Mas pois folgais <strong>de</strong> mentir,<<strong>br</strong> />
prometendo <strong>de</strong> me ver,<<strong>br</strong> />
eu vos <strong>de</strong>ixo o prometer,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixai-me vós o cumprir:<<strong>br</strong> />
haveis então <strong>de</strong> sentir<<strong>br</strong> />
quanto fica mais contente<<strong>br</strong> />
o que cumpre que o que mente.<<strong>br</strong> />
101.<<strong>br</strong> />
Volta<<strong>br</strong> />
a D. António, senhor <strong>de</strong> Cascais,<<strong>br</strong> />
que prometera a <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> seis<<strong>br</strong> />
galinhas recheadas por uma cópia
Cinco galinhas e meia<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ve o Senhor <strong>de</strong> Cascais;<<strong>br</strong> />
e a meia vinha cheia<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> apetites para as mais.<<strong>br</strong> />
112.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Con<strong>de</strong>, cujo ilustre peito<<strong>br</strong> />
merece nome <strong>de</strong> Rei,<<strong>br</strong> />
do qual muito certo sei<<strong>br</strong> />
que lhe fica sendo estreito<<strong>br</strong> />
o cargo <strong>de</strong> Vizo-Rei;<<strong>br</strong> />
servir<strong>de</strong>s-vos <strong>de</strong> ocupar-me,<<strong>br</strong> />
tanto contra meu planeta,<<strong>br</strong> />
não foi senão asas dar-me,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> as quais vou a queimar-me,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o faz a borboleta.<<strong>br</strong> />
E se eu a pena tomar<<strong>br</strong> />
que tão mal cortada tenho,<<strong>br</strong> />
será para cele<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />
vosso valor singular,<<strong>br</strong> />
dino <strong>de</strong> mais alto engenho.<<strong>br</strong> />
Que, se o meu vos cele<strong>br</strong>asse,<<strong>br</strong> />
necessário me seria<<strong>br</strong> />
que os olhos da águia tomasse,<<strong>br</strong> />
só para que não cegasse<<strong>br</strong> />
no sol <strong>de</strong> vossa valia.<<strong>br</strong> />
Vossos feitos sublimados,<<strong>br</strong> />
nas armas dinos <strong>de</strong> glória,<<strong>br</strong> />
são no mundo tão soados<<strong>br</strong> />
que em vós <strong>de</strong> vossos passados<<strong>br</strong> />
se ressuscita a memória.<<strong>br</strong> />
Pois aquele animo estranho,<<strong>br</strong> />
pronto para todo efeito,<<strong>br</strong> />
que Ihe fizera, e Ihe mandava, por<<strong>br</strong> />
princípio <strong>de</strong> paga, meia galinha<<strong>br</strong> />
mandadas ao Vizo-Rei,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o mato anterior:
espanta todo o conceito,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o coração tamanho<<strong>br</strong> />
vos po<strong>de</strong> caber no peito.<<strong>br</strong> />
A clemência que asserena<<strong>br</strong> />
coração tão singular,<<strong>br</strong> />
se eu nisso pusesse a pena,<<strong>br</strong> />
seria encerrar o mar<<strong>br</strong> />
em cova muito pequena<<strong>br</strong> />
Bem basta, Senhor, que agora<<strong>br</strong> />
vos sirvais <strong>de</strong> me ocupar,<<strong>br</strong> />
que assi fareis aparar<<strong>br</strong> />
a pena <strong>com</strong> que algüa hora<<strong>br</strong> />
vos vereis ao Céu voar.<<strong>br</strong> />
Assi vos irei louvando,<<strong>br</strong> />
vós a mim do chão erguendo,<<strong>br</strong> />
ambos o mundo espantando:<<strong>br</strong> />
vós, co a espada cortando,<<strong>br</strong> />
eu, co a pena escrevendo.<<strong>br</strong> />
117.<<strong>br</strong> />
Labirinto<<strong>br</strong> />
Corre sem vela e sem leme<<strong>br</strong> />
o tempo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado,<<strong>br</strong> />
dum gran<strong>de</strong> vento levado;<<strong>br</strong> />
o que perigo não teme<<strong>br</strong> />
é <strong>de</strong> pouco exprimentado.<<strong>br</strong> />
As ré<strong>de</strong>as trazem na mão<<strong>br</strong> />
os que ré<strong>de</strong>as não tiveram:<<strong>br</strong> />
vendo quando mal fizeram<<strong>br</strong> />
a cobiça e ambição<<strong>br</strong> />
disfarçados se acolheram.<<strong>br</strong> />
A nau que se vai per<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>strue mil esperanças;<<strong>br</strong> />
vejo o mau que vem a ter;<<strong>br</strong> />
vejo perigos correr<<strong>br</strong> />
quem não cuida que há mudanças.<<strong>br</strong> />
Os que nunca sem sela andaram<<strong>br</strong> />
na sela postos se vêm:<<strong>br</strong> />
do Autor a queixar-se do mundo
<strong>de</strong> fazer mal não <strong>de</strong>ixaram;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>mónio hábito têm<<strong>br</strong> />
os que o justo profanaram.<<strong>br</strong> />
Que po<strong>de</strong>rá vir a ser<<strong>br</strong> />
o mal nunca refreado?<<strong>br</strong> />
Anda, por certo, enganado<<strong>br</strong> />
aquele que quer valer,<<strong>br</strong> />
levando o caminho errado.<<strong>br</strong> />
É para os bons confusão<<strong>br</strong> />
ver que os maus prevaleceram;<<strong>br</strong> />
posto que se <strong>de</strong>tiveram<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> esta simulação,<<strong>br</strong> />
sempre castigos tiveram.<<strong>br</strong> />
Não porque governe o leme<<strong>br</strong> />
em mar envolto e turbado,<<strong>br</strong> />
quem tem seu rumo mudado,<<strong>br</strong> />
se perece, grita e geme<<strong>br</strong> />
em tempo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado.<<strong>br</strong> />
Terem justo galardão<<strong>br</strong> />
e dor dos que mereceram,<<strong>br</strong> />
sempre castigos tiveram<<strong>br</strong> />
sem nenhüa re<strong>de</strong>nção,<<strong>br</strong> />
posto que se <strong>de</strong>tiveram.<<strong>br</strong> />
Na tormenta, se vier,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sespere na bonança<<strong>br</strong> />
quem manhas não sabe ter.<<strong>br</strong> />
Sem que lhe valha gemer<<strong>br</strong> />
verá falsar a balança.<<strong>br</strong> />
Os que nunca trabalharam,<<strong>br</strong> />
tendo o que lhes não convém,<<strong>br</strong> />
se ao inocente enganaram<<strong>br</strong> />
per<strong>de</strong>rão o eterno bem<<strong>br</strong> />
se do mal não se apartaram.<<strong>br</strong> />
71.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a esta cantiga velha:<<strong>br</strong> />
Falso cavaleiro ingrato,<<strong>br</strong> />
enganais-me:<<strong>br</strong> />
vós dizeis que eu vos mato,<<strong>br</strong> />
e vós matais-me.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Costumadas artes são<<strong>br</strong> />
para enganar inocências,<<strong>br</strong> />
piadosas aparências<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e isento coração.<<strong>br</strong> />
Eu vos amo, e vós, ingrato,<<strong>br</strong> />
magoais-me,<<strong>br</strong> />
dizendo que eu vos mato,<<strong>br</strong> />
e vós matais-me.<<strong>br</strong> />
Ve<strong>de</strong> agora qual <strong>de</strong> nós<<strong>br</strong> />
anda mais perto do fim,<<strong>br</strong> />
que a justiça faz-se em mim<<strong>br</strong> />
e o pregão diz que sois vós.<<strong>br</strong> />
Quando mais verda<strong>de</strong> trato,<<strong>br</strong> />
levantais-me<<strong>br</strong> />
que vos <strong>de</strong>samo e vos mato,<<strong>br</strong> />
e vós matais-me.<<strong>br</strong> />
63.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Cousa que este corpo não tem<<strong>br</strong> />
que já não tenhais rendida;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tirar-lhe a vida,<<strong>br</strong> />
tirai-lhe a morte também.<<strong>br</strong> />
Se mais tenho que per<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
mais quero que me leveis,<<strong>br</strong> />
cantento que me <strong>de</strong>ixeis<<strong>br</strong> />
os olhos para vos ver.<<strong>br</strong> />
a este mato seu:<<strong>br</strong> />
Da alma, e <strong>de</strong> quanto tiver,<<strong>br</strong> />
quero que me <strong>de</strong>spojeis,<<strong>br</strong> />
contanto que me <strong>de</strong>ixeis<<strong>br</strong> />
os olhos para vos ver.
93.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Cum real <strong>de</strong> amor,<<strong>br</strong> />
dous <strong>de</strong> confiança<<strong>br</strong> />
e três <strong>de</strong> esperança<<strong>br</strong> />
me foge o tredor.<<strong>br</strong> />
Falso <strong>de</strong>samor<<strong>br</strong> />
se encerra naquele<<strong>br</strong> />
qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />
Pediu-mo emprestado,<<strong>br</strong> />
não lhe quis penhor;<<strong>br</strong> />
é mau pagador,<<strong>br</strong> />
tendo-mo aferrado.<<strong>br</strong> />
Cum cor<strong>de</strong>l atado,<<strong>br</strong> />
ao Tronco se leve,<<strong>br</strong> />
qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />
Por esta travessa<<strong>br</strong> />
se vai acolhendo;<<strong>br</strong> />
ei-lo vai correndo,<<strong>br</strong> />
fugindo a grã pressa.<<strong>br</strong> />
Nesta mão e nessa<<strong>br</strong> />
o falso s'atreve,<<strong>br</strong> />
qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />
Comprou-me amor<<strong>br</strong> />
sem lhe fazer preço:<<strong>br</strong> />
eu não lhe mereço<<strong>br</strong> />
dar-me <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />
Dá-me tanta dor<<strong>br</strong> />
que ando após ele<<strong>br</strong> />
pelo que me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />
Eu <strong>de</strong> cá <strong>br</strong>adando,<<strong>br</strong> />
ele vai fugindo;<<strong>br</strong> />
ele sempre rindo,<<strong>br</strong> />
eu sempre chorando.<<strong>br</strong> />
{El} <strong>de</strong> quando em quando<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Ten<strong>de</strong>-me mão nele<<strong>br</strong> />
qu'um real me <strong>de</strong>ve I
no amor s'atreve,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o que não <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />
A falar verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
ele já pagou;<<strong>br</strong> />
mas inda ficou<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>vendo ameta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Minha liberda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
é a que me <strong>de</strong>ve:<<strong>br</strong> />
só nela se atreve.<<strong>br</strong> />
26.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Da lin<strong>de</strong>za vossa,<<strong>br</strong> />
Dama, quem a vê,<<strong>br</strong> />
impossível é<<strong>br</strong> />
que guardar-se possa.<<strong>br</strong> />
Se faz tanta mossa<<strong>br</strong> />
ver-vos um só dia,<<strong>br</strong> />
quem se guardaria?<<strong>br</strong> />
Milhor <strong>de</strong>ve ser<<strong>br</strong> />
neste aventurar,<<strong>br</strong> />
ver, e não guardar,<<strong>br</strong> />
que guardar <strong>de</strong> ver.<<strong>br</strong> />
Ver, e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<<strong>br</strong> />
muito bom seria;<<strong>br</strong> />
mas... quem po<strong>de</strong>ria?<<strong>br</strong> />
15.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
à tenção <strong>de</strong> Miraguarda<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Ver, e mais guardar<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ver outro dia,<<strong>br</strong> />
quem o acabaria ?
Dama d'estranho primor,<<strong>br</strong> />
se vos for<<strong>br</strong> />
pesada minha firmeza,<<strong>br</strong> />
olhai não me <strong>de</strong>is tristeza,<<strong>br</strong> />
porque a converto em amor.<<strong>br</strong> />
Se cuidais <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
me matar quando usais<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> esquivança,<<strong>br</strong> />
irei tomar por vingança<<strong>br</strong> />
amar-vos cada vez mais.<<strong>br</strong> />
Porém vosso pensamento,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o isento,<<strong>br</strong> />
seguirá sua tenção<<strong>br</strong> />
crendo que em tanta afeição<<strong>br</strong> />
não haja acrescentamento.<<strong>br</strong> />
Não creiais<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong>starte vos façais<<strong>br</strong> />
invencível;<<strong>br</strong> />
que Amor so<strong>br</strong>e o impossível<<strong>br</strong> />
amostra que po<strong>de</strong> mais.<<strong>br</strong> />
Mas já da tenção que sigo<<strong>br</strong> />
me <strong>de</strong>sdigo;<<strong>br</strong> />
que, se há tanto po<strong>de</strong>r nele<<strong>br</strong> />
também vós po<strong>de</strong>is mais qu'ele<<strong>br</strong> />
neste mal que usais <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />
Mas se for<<strong>br</strong> />
o vosso po<strong>de</strong>r maior<<strong>br</strong> />
entre nós,<<strong>br</strong> />
quem po<strong>de</strong>rá mais que vós<<strong>br</strong> />
se vós po<strong>de</strong>is mais que Amor?<<strong>br</strong> />
Despois que, Dama, vos vi,<<strong>br</strong> />
entendi<<strong>br</strong> />
que per<strong>de</strong>ra Amor seu preço;<<strong>br</strong> />
pois o favor que lhe eu peço<<strong>br</strong> />
vos pe<strong>de</strong> ele para si.<<strong>br</strong> />
Nem duvido<<strong>br</strong> />
que não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sentido,<<strong>br</strong> />
resistir;<<strong>br</strong> />
pois, em vez <strong>de</strong> vos ferir,<<strong>br</strong> />
ficou, <strong>de</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />
a üa Dama
ferido.<<strong>br</strong> />
Mas, pois vossa vista e tal<<strong>br</strong> />
em meu mal,<<strong>br</strong> />
que posso <strong>de</strong> vós querer?<<strong>br</strong> />
Que mal po<strong>de</strong>rei valer<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> o mesmo Amor não val?<<strong>br</strong> />
Se atentar,<<strong>br</strong> />
nenhum bem posso esperar;<<strong>br</strong> />
e oxalá<<strong>br</strong> />
Que vos<<strong>br</strong> />
alem<strong>br</strong>asse já,<<strong>br</strong> />
sequer para me matar.<<strong>br</strong> />
Mas nem <strong>com</strong> isto creiais<<strong>br</strong> />
que façais<<strong>br</strong> />
meus serviços mais pequenos;<<strong>br</strong> />
porqu'eu, quando espero menos,<<strong>br</strong> />
sabei que então quero mais.<<strong>br</strong> />
Nada espero,<<strong>br</strong> />
mas <strong>de</strong> mim cre<strong>de</strong> este fero<<strong>br</strong> />
que, em ser vosso,<<strong>br</strong> />
vos quero tudo o que posso<<strong>br</strong> />
e não posso quanto quero.<<strong>br</strong> />
Só por esta fantasia<<strong>br</strong> />
merecia<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> meus males algum fruito;<<strong>br</strong> />
que ainda não quero muito<<strong>br</strong> />
para o muito que queria.<<strong>br</strong> />
De maneira<<strong>br</strong> />
que não é, na <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira,<<strong>br</strong> />
gran<strong>de</strong> espanto,<<strong>br</strong> />
que quem, Dama, vos quer tanto<<strong>br</strong> />
que outro tanto <strong>de</strong> vós queira.<<strong>br</strong> />
105.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Quem ora soubesse<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> o Amor nasce,<<strong>br</strong> />
que o semeasse!
D'amor e seus danos<<strong>br</strong> />
me fiz lavrador;<<strong>br</strong> />
semeava amor<<strong>br</strong> />
e colhia enganos;<<strong>br</strong> />
não vi, em meus anos,<<strong>br</strong> />
homem que apanhasse<<strong>br</strong> />
o que semeasse.<<strong>br</strong> />
Vi terra florida<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> lindos a<strong>br</strong>olhos,<<strong>br</strong> />
lindos para os olhos,<<strong>br</strong> />
duros para a vida;<<strong>br</strong> />
mas a rês perdida<<strong>br</strong> />
que tal erva pace<<strong>br</strong> />
em forte hora nace.<<strong>br</strong> />
Com quanto perdi,<<strong>br</strong> />
trabalhava em vão;<<strong>br</strong> />
se semeei grão,<<strong>br</strong> />
gran<strong>de</strong> dor colhi.<<strong>br</strong> />
Amor nunca vi<<strong>br</strong> />
que muito durasse,<<strong>br</strong> />
que não magoasse.<<strong>br</strong> />
56.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
De maneira me suce<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
o que temo, e o que <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
que sempre o que temo, vejo,<<strong>br</strong> />
nunca o que a vonta<strong>de</strong> pe<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Tenho tão oferecida<<strong>br</strong> />
alma e vida a toda a sorte<<strong>br</strong> />
que isso me <strong>de</strong>ra da morte<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o já me dá da vida.<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
A alma que está ofrecida a<<strong>br</strong> />
tudo, nada lhe é forte; assi<<strong>br</strong> />
passa o bem da vida <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
passa o mal da morte
31.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Despois <strong>de</strong> sempre sofrer,<<strong>br</strong> />
Senhora, vossas cruezas,<<strong>br</strong> />
apesar <strong>de</strong> meu querer,<<strong>br</strong> />
me quereis satisfazer<<strong>br</strong> />
meus serviços <strong>com</strong> tristezas.<<strong>br</strong> />
Mas pois embal<strong>de</strong> resiste<<strong>br</strong> />
quem vossa vista con<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
prestes estou para a pena,<<strong>br</strong> />
que, <strong>de</strong> galardão, tão triste,<<strong>br</strong> />
triste vida se me or<strong>de</strong>na.<<strong>br</strong> />
De contente do mal meu<<strong>br</strong> />
a tão gran<strong>de</strong> extremo vim,<<strong>br</strong> />
que consinto em minha fim:<<strong>br</strong> />
assi que, vos e mais eu,<<strong>br</strong> />
ambos somos contra mim.<<strong>br</strong> />
Mas que sofra meu tormento<<strong>br</strong> />
sem querer mais galardão,<<strong>br</strong> />
não é fora <strong>de</strong> razão<<strong>br</strong> />
que queraa meu sofrimento,<<strong>br</strong> />
pois quer vossa condição.<<strong>br</strong> />
O mel, que vós dais por bem,<<strong>br</strong> />
esse, Senhora, é mortal;<<strong>br</strong> />
que o mal que dais <strong>com</strong>o mal,<<strong>br</strong> />
em muito menos se tem,<<strong>br</strong> />
por costume natural.<<strong>br</strong> />
Mas porém nesta vitória,<<strong>br</strong> />
que <strong>com</strong>igo é bem pequena,<<strong>br</strong> />
a maior dor me con<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />
a pena, que dais por glória,<<strong>br</strong> />
que os males, que dais por pena.<<strong>br</strong> />
Que mor bem me possa vir,<<strong>br</strong> />
a este moto <strong>de</strong> Francisco<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> Morais:<<strong>br</strong> />
Triste vida se me or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
pois quer vossa condição<<strong>br</strong> />
que os males, que dais por pena,<<strong>br</strong> />
me fiquem por galardão,
que servir-vos, não o sei.<<strong>br</strong> />
Pois que mais quero eu pedir,<<strong>br</strong> />
se quanto mais vos<<strong>br</strong> />
servir, tanto mais vos <strong>de</strong>verei?<<strong>br</strong> />
Se vossos merecimentos<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tão alta estima são,<<strong>br</strong> />
assaz <strong>de</strong> favor me dão<<strong>br</strong> />
em querer que meus tormentos<<strong>br</strong> />
me fiquem por galardão.<<strong>br</strong> />
83.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Después que Amor me formó<<strong>br</strong> />
todo <strong>de</strong> amor, cual me veo,<<strong>br</strong> />
en las leyes que me dió,<<strong>br</strong> />
el mirar me consintió,<<strong>br</strong> />
y <strong>de</strong>fendióme el <strong>de</strong>seo.<<strong>br</strong> />
Mas el alma, <strong>com</strong>o injusta,<<strong>br</strong> />
en viendo tal perfección,<<strong>br</strong> />
dió a al <strong>de</strong>seo ocasión:<<strong>br</strong> />
y pues que<strong>br</strong>é ley tan justa,<<strong>br</strong> />
justa fué mi perdición.<<strong>br</strong> />
Mostrándoseme el Amor<<strong>br</strong> />
más benigno que cruel,<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e tirano, traidor,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> celos <strong>de</strong> mi dolor,<<strong>br</strong> />
quiso tomar parte en él.<<strong>br</strong> />
Yo, que tan dulce tormento<<strong>br</strong> />
no quieto dallo, aunque peco,<<strong>br</strong> />
resisto, y no lo consiento;<<strong>br</strong> />
mas si me lo toma á trueco,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mis males soy contento.<<strong>br</strong> />
Señora, ved lo que or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />
a esta Trova <strong>de</strong> Boscão:<<strong>br</strong> />
Justa fué mi perdición,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mis males soy contento;<<strong>br</strong> />
ya no espero galardón,<<strong>br</strong> />
pues vuestro merecimiento<<strong>br</strong> />
satistizo a mi pasiôn.
este Amor tan falso nuestro!<<strong>br</strong> />
Por pagar á costa ajena<<strong>br</strong> />
manda que <strong>de</strong> un mirar vuestro<<strong>br</strong> />
haga el premio <strong>de</strong> mi pena.<<strong>br</strong> />
Mas vos, para que veáis<<strong>br</strong> />
tan engañosa tención,<<strong>br</strong> />
aunque muerto me sintáis,<<strong>br</strong> />
no miréis, que, si miráis,<<strong>br</strong> />
ya no espero galardón.<<strong>br</strong> />
¿Pues que premio (me diréis)<<strong>br</strong> />
esperas que será bueno?<<strong>br</strong> />
Sabed, si no lo sabéis,<<strong>br</strong> />
que es lo más <strong>de</strong> lo que peno<<strong>br</strong> />
lo menos que merecéis.<<strong>br</strong> />
¿Quién hace al mal tan ufano,<<strong>br</strong> />
y tan li<strong>br</strong>e al sentimiento?<<strong>br</strong> />
¿El <strong>de</strong>seo? No, que es vano.<<strong>br</strong> />
¿El Amor? No, que es tirano<<strong>br</strong> />
¿Pues? Vuestro merecimiento.<<strong>br</strong> />
No pudiendo Amor robarme<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mis tan caros <strong>de</strong>spojos,<<strong>br</strong> />
aunque fué por más honrarme,<<strong>br</strong> />
vos sola para matarme<<strong>br</strong> />
le prestastes vuestros ojos.<<strong>br</strong> />
Matáronme ambos á dos;<<strong>br</strong> />
mas á vos con mas razón<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>be él la satisfacción;<<strong>br</strong> />
que á mi por él, y por vos,<<strong>br</strong> />
satisfizo mi pasión,<<strong>br</strong> />
35.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Desque una vez miré,<<strong>br</strong> />
Señora, vuestra beldad,<<strong>br</strong> />
jamás por mi voluntad<<strong>br</strong> />
los ojos <strong>de</strong> vos quité.<<strong>br</strong> />
Pues sin vos placer no siente<<strong>br</strong> />
mi vida, ni lo <strong>de</strong>sea,<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
¿Qué veré que me contente?
si no quereis que os vea,<<strong>br</strong> />
¿qué veré que me contente?<<strong>br</strong> />
77.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
De ver-vos a não vos ver<<strong>br</strong> />
há dous extremos mortais;<<strong>br</strong> />
e são eles em si tais<<strong>br</strong> />
que um por um me faz morrer;<<strong>br</strong> />
mas antes quero escolher<<strong>br</strong> />
que possa viver sem ver-vos<<strong>br</strong> />
minh'alma, por não per<strong>de</strong>r-vos.<<strong>br</strong> />
Deste tamanho perigo<<strong>br</strong> />
que remédio posso ter,<<strong>br</strong> />
se vivo só <strong>com</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />
se vos não vejo, perigo?<<strong>br</strong> />
Quero acabar <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />
que ninguém me veja ver-vos,<<strong>br</strong> />
Senhora, por não per<strong>de</strong>r-vos.<<strong>br</strong> />
73.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Dióme Amor tormentos dos<<strong>br</strong> />
para que pene doblado:<<strong>br</strong> />
uno es verme <strong>de</strong>samado,<<strong>br</strong> />
otro es mancilla <strong>de</strong> vos.<<strong>br</strong> />
a este moto seu:<<strong>br</strong> />
Pois me faz dano olhar-vos<<strong>br</strong> />
não quero, por não per<strong>de</strong>r-vos<<strong>br</strong> />
que ninguém me veja ver-vos.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Amor loco amor loco,<<strong>br</strong> />
yo por vos, y vos por o otro.
!Ved que or<strong>de</strong>na Amor en nos!<<strong>br</strong> />
Porque me vos hacéis loca?<<strong>br</strong> />
que seáis loca por otro.<<strong>br</strong> />
Tratáis Amor <strong>de</strong> manera<<strong>br</strong> />
que porque así me tratáis<<strong>br</strong> />
quiere que, pues no me amáis,<<strong>br</strong> />
que améis otro que no os quiera.<<strong>br</strong> />
Mas con todo, so no os viera<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> todo loca por otro,<<strong>br</strong> />
con mas razón fuera loco.<<strong>br</strong> />
Y tan contrario viviendo,<<strong>br</strong> />
alfin, alfin, conformamos,<<strong>br</strong> />
pues ambos a dos buscamos<<strong>br</strong> />
lo que más nos va huyendo.<<strong>br</strong> />
Voy tras vos siempre siguiendo,<<strong>br</strong> />
y vos huyendo por otro:<<strong>br</strong> />
andáis loca, y me hacéis loco.<<strong>br</strong> />
7.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Dotou em vós Natureza<<strong>br</strong> />
o sumo da perfeição,<<strong>br</strong> />
que, o que em vós é senão,<<strong>br</strong> />
é em outras gentileza:<<strong>br</strong> />
o ver<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>spreza,<<strong>br</strong> />
que, agora que vós o ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
são belos os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Ouro e azul é a milhor<<strong>br</strong> />
cor por que a gente se per<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
mas, a graça <strong>de</strong>sse ver<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
tira a graça a toda a cor.<<strong>br</strong> />
Fica agora sendo a flor<<strong>br</strong> />
a cor que nos olhos ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
porque são vossos... e ver<strong>de</strong>s!<<strong>br</strong> />
a este moto alheio<<strong>br</strong> />
Vós, Senhora, tudo ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.
4.<<strong>br</strong> />
Outra volta à mesma cantiga<<strong>br</strong> />
Dous tormentos vejo<<strong>br</strong> />
gran<strong>de</strong>s por extremo;<<strong>br</strong> />
se vos vejo, temo,<<strong>br</strong> />
e, se não, <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />
Quando me <strong>de</strong>spejo<<strong>br</strong> />
e venho a escolher<<strong>br</strong> />
se temo o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sejo o temer.<<strong>br</strong> />
41.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
É muito para notar<<strong>br</strong> />
cura tão bem acertada,<<strong>br</strong> />
que po<strong>de</strong>reis ser curada<<strong>br</strong> />
somente <strong>com</strong> me curar.<<strong>br</strong> />
e quereis, Dama, trocar,<<strong>br</strong> />
ambos temos a mezinha:<<strong>br</strong> />
eu a vossa, e vos a minha.<<strong>br</strong> />
Olhai que não quer Amor<<strong>br</strong> />
(porque fiquemos iguais<<strong>br</strong> />
pois meu ardor não curais,<<strong>br</strong> />
que se cure vosso ardor.<<strong>br</strong> />
Eu cá sinto a vossa dor;<<strong>br</strong> />
e se vós sentis a minha,<<strong>br</strong> />
dai e tomai a mezinha<<strong>br</strong> />
12.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Da doença em que ar<strong>de</strong>is eu<<strong>br</strong> />
fora vossa mezinha,<<strong>br</strong> />
só <strong>com</strong> vós ser<strong>de</strong>s minha
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Eles ver<strong>de</strong>s são,<<strong>br</strong> />
e têm por usança<<strong>br</strong> />
na cor, esperança<<strong>br</strong> />
e nas o<strong>br</strong>as, não.<<strong>br</strong> />
Vossa condição<<strong>br</strong> />
não é d'olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Isenções a molhos<<strong>br</strong> />
que eles dizem ter<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
não são d'olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
nem <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>s olhos.<<strong>br</strong> />
Sirvo <strong>de</strong> giolhos,<<strong>br</strong> />
e vós não me cre<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Haviam <strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />
porque possa vê-los,<<strong>br</strong> />
que uns olhos tão belos<<strong>br</strong> />
não se hão-<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r;<<strong>br</strong> />
mas fazeis-me crer<<strong>br</strong> />
que já não são ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Ver<strong>de</strong>s não o são<<strong>br</strong> />
no que alcanço <strong>de</strong>les;<<strong>br</strong> />
ver<strong>de</strong>s são aqueles<<strong>br</strong> />
que esperança dão.<<strong>br</strong> />
Se na condição<<strong>br</strong> />
está serem ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
porque me não ve<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />
10.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este mato alheio:<<strong>br</strong> />
Menina dos olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
porque me não ve<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />
a este moto alheio.<<strong>br</strong> />
Ver<strong>de</strong>s são as hortas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> rosas e flores;
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Entre estes penedos<<strong>br</strong> />
que daqui parecem,<<strong>br</strong> />
ver<strong>de</strong>s ervas crecem,<<strong>br</strong> />
altos arvoredos.<<strong>br</strong> />
Vai <strong>de</strong>stes rochedos<<strong>br</strong> />
água <strong>com</strong> que as flores<<strong>br</strong> />
d'outras são regadas<<strong>br</strong> />
que matam d'amores.<<strong>br</strong> />
Co a água que cai<<strong>br</strong> />
daquela espessura,<<strong>br</strong> />
outra se mestura<<strong>br</strong> />
que dos olhos sai:<<strong>br</strong> />
toda junta vai<<strong>br</strong> />
regar <strong>br</strong>ancas flores,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> há outros olhos<<strong>br</strong> />
que matam d'amores.<<strong>br</strong> />
Celestes jardins,<<strong>br</strong> />
as flores, estrelas,<<strong>br</strong> />
horteloas <strong>de</strong>las<<strong>br</strong> />
são uns serafins.<<strong>br</strong> />
Rosas e jasmins<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> diversas cores;<<strong>br</strong> />
Anjos que as regam<<strong>br</strong> />
matam-me d'amores.<<strong>br</strong> />
85.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
moças que as regam<<strong>br</strong> />
matam-me d'amores.<<strong>br</strong> />
a üa Dama que perguntou<<strong>br</strong> />
ao Autor quem o matava<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Pergunteis-me quem me mata?<<strong>br</strong> />
Não quero respon<strong>de</strong>r nada,<<strong>br</strong> />
por vos não fazer culpada.
E se a pena neo me atiça<<strong>br</strong> />
a dizer pena tão forte,<<strong>br</strong> />
quero-me entregar à morte,<<strong>br</strong> />
antes que vós à justiça.<<strong>br</strong> />
Porém, se ten<strong>de</strong>s cobiça<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vos ver<strong>de</strong>s tão culpada,<<strong>br</strong> />
direi que não sinto nada.<<strong>br</strong> />
22.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Esses alfinetes vão<<strong>br</strong> />
a vos picarem, não mais,<<strong>br</strong> />
só porque julgueis então,<<strong>br</strong> />
o <strong>com</strong>o me picarão<<strong>br</strong> />
os <strong>com</strong> que vós me picais.<<strong>br</strong> />
Mas os que <strong>de</strong>ssas estrelas<<strong>br</strong> />
vêm, têm pontas tão agudas<<strong>br</strong> />
que, em que estoutros vão co elas,<<strong>br</strong> />
po<strong>de</strong>m-vos dar pica<strong>de</strong>las,<<strong>br</strong> />
mas os vossos dão feridas.<<strong>br</strong> />
Assi que, se bem notais,<<strong>br</strong> />
no <strong>com</strong>o ambos <strong>de</strong>batem,<<strong>br</strong> />
nunca po<strong>de</strong>m ser iguais,<<strong>br</strong> />
que, inda que esses lá maltratem,<<strong>br</strong> />
estes cá maltratam mais.<<strong>br</strong> />
Porém, já que Amor consente<<strong>br</strong> />
em piques tão <strong>de</strong>siguais,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> vós sois mais valente,<<strong>br</strong> />
eu, Senhora, sou contente<<strong>br</strong> />
do que vos contentar mais.<<strong>br</strong> />
Venham os alfinetes cá<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sses olhos, porque acertem<<strong>br</strong> />
don<strong>de</strong> acerto já não há;<<strong>br</strong> />
porém os meus que vão lá,<<strong>br</strong> />
só quero que vos apertem.<<strong>br</strong> />
E <strong>de</strong>ixando o mais passado,<<strong>br</strong> />
fazei que este papel seja<<strong>br</strong> />
pregado, digo, empregado,<<strong>br</strong> />
que mandou <strong>com</strong> um papel<<strong>br</strong> />
d'alfinetes a üa Dama
porque do seu gasalhado<<strong>br</strong> />
eu mesmo lhe tenho enveja.<<strong>br</strong> />
E se eles em vós se pregam,<<strong>br</strong> />
por força os hei-<strong>de</strong> envejar,<<strong>br</strong> />
não só porque bem se empregam,<<strong>br</strong> />
mas porque, Senhora, chegam<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> eu não posso chegar.<<strong>br</strong> />
Lá vão e lá ficarão<<strong>br</strong> />
adon<strong>de</strong> continuamente<<strong>br</strong> />
a par <strong>de</strong> si vos terão; e<<strong>br</strong> />
nfim, lá vos picarão,<<strong>br</strong> />
eu cá picarei no <strong>de</strong>nte.<<strong>br</strong> />
115.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Este mundo es el camino<<strong>br</strong> />
adó ay ducientos vaus<<strong>br</strong> />
ou por on<strong>de</strong> bons e maus<<strong>br</strong> />
todos somos <strong>de</strong>l menino.<<strong>br</strong> />
Mas os maus são <strong>de</strong> teor<<strong>br</strong> />
que, dês que mudam a cor,<<strong>br</strong> />
chamam logo a el-Rei <strong>com</strong>padre;<<strong>br</strong> />
e, enfim, <strong>de</strong>jalhos, mi madre,<<strong>br</strong> />
que sempre tem um sabor<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> «Quem torto naeo, tar<strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />
[endireita».<<strong>br</strong> />
Deixai a um que se abone,<<strong>br</strong> />
diz logo <strong>de</strong> muito sengo:<<strong>br</strong> />
villas e castillos tengo,<<strong>br</strong> />
todos a mi mandar sone.<<strong>br</strong> />
Então eu, que estou <strong>de</strong> molho,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a lágrima no olho,<<strong>br</strong> />
pelo virar do envés,<<strong>br</strong> />
digo-lhe: tu insanus es,<<strong>br</strong> />
e por isso não to talho:<<strong>br</strong> />
pois «Honra e proveito não cabem |<<strong>br</strong> />
[num saco».<<strong>br</strong> />
do Autor, na Índia, conhecidas<<strong>br</strong> />
pelo nome <strong>de</strong> «Disparates»
Vereis uns, que no seu seio<<strong>br</strong> />
cuidam que trazem Paris,<<strong>br</strong> />
e querem <strong>com</strong> dous ceitis<<strong>br</strong> />
fen<strong>de</strong>r anca pelo meio.<<strong>br</strong> />
Vereis mancebinho <strong>de</strong> arte<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> espada em talabarte;<<strong>br</strong> />
não há mais Italiano.<<strong>br</strong> />
A este direis:—Meu mano,<<strong>br</strong> />
vós sais galante que farte:<<strong>br</strong> />
mas «Pan y vino anda el camino, que<<strong>br</strong> />
no mozo garrido».<<strong>br</strong> />
Outros em cada teatro<<strong>br</strong> />
por ofício lhe ouvireis<<strong>br</strong> />
que se matarán con tres<<strong>br</strong> />
y lo mismo harán <strong>com</strong> cuatro.<<strong>br</strong> />
Prezam-se <strong>de</strong> dar respostas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> palavras bem <strong>com</strong>postas;<<strong>br</strong> />
mas, se lhe meteis a mão,<<strong>br</strong> />
na paz mostram coração,<<strong>br</strong> />
na guerra mostram as costas:<<strong>br</strong> />
porque «Aqui torce a porca o rabo».<<strong>br</strong> />
Outros vejo por aqui,<<strong>br</strong> />
a que se acha mal o fundo,<<strong>br</strong> />
que andam emendando o mundo<<strong>br</strong> />
e não se emendam a si.<<strong>br</strong> />
Estes respon<strong>de</strong>m a quem<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>les não enten<strong>de</strong> bem<<strong>br</strong> />
el dolor que está secreto;<<strong>br</strong> />
mas porém quem for discreto<<strong>br</strong> />
respon<strong>de</strong>r-lhe há muito bem:<<strong>br</strong> />
«Assi entrou o mundo, assi há-<strong>de</strong> sair».<<strong>br</strong> />
Achareis rafeiro velho,<<strong>br</strong> />
que se quer ven<strong>de</strong>r por galgo:<<strong>br</strong> />
diz que o dinheiro é fidalgo,<<strong>br</strong> />
que o sangue todo é vermelho.<<strong>br</strong> />
Se ele mais alto o dissera,<<strong>br</strong> />
este pelote pusera;<<strong>br</strong> />
que o seu eco lhe responda,<<strong>br</strong> />
que su padre era <strong>de</strong> Ronda,<<strong>br</strong> />
y su madre <strong>de</strong> Antequera<<strong>br</strong> />
e «Quer co<strong>br</strong>ir o céu cüa joeira».<<strong>br</strong> />
Fraldas largas, grave aspeito
para senador romano.<<strong>br</strong> />
Õ que grandíssimo engano!<<strong>br</strong> />
Que Momo lhe a<strong>br</strong>isse o peito!<<strong>br</strong> />
Consciência que sobeja,<<strong>br</strong> />
siso, <strong>com</strong> que o mundo reja,<<strong>br</strong> />
mansidão outro que si;<<strong>br</strong> />
mas que lobo está em ti,<<strong>br</strong> />
metido em pele <strong>de</strong> oveja!<<strong>br</strong> />
E sabem-no poucos.<<strong>br</strong> />
Guardai-vos d'uns meus senhores,<<strong>br</strong> />
que ainda <strong>com</strong>pram e ven<strong>de</strong>m;<<strong>br</strong> />
uns que é certo que <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m<<strong>br</strong> />
da geração <strong>de</strong> pastores;<<strong>br</strong> />
mostram-se-vos bons amigos,<<strong>br</strong> />
mas, se vos vêm em perigos,<<strong>br</strong> />
escarram-vos nas pare<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong> fora dormire<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
irmão, que é tempo <strong>de</strong> figos;<<strong>br</strong> />
porque «De rabo <strong>de</strong> porco nunca<<strong>br</strong> />
bom virote».<<strong>br</strong> />
[Que dizeis duns, qu'as entranhas<<strong>br</strong> />
lhe estão ar<strong>de</strong>ndo em cobiça?<<strong>br</strong> />
E, se têm mando, a justiça<<strong>br</strong> />
fazem <strong>de</strong> teias <strong>de</strong> aranhas,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> suas hipocrisias<<strong>br</strong> />
que são <strong>de</strong> vós as espias?<<strong>br</strong> />
Para os pequenos, uns Neros;<<strong>br</strong> />
para os gran<strong>de</strong>s, tudo feros.<<strong>br</strong> />
Pois tu, parvo, não sabias<<strong>br</strong> />
que «Lá vão leis, on<strong>de</strong> querem<<strong>br</strong> />
cruzados»?<<strong>br</strong> />
Mas tornando a uns enfadonhos<<strong>br</strong> />
cujas cousas são notórias;<<strong>br</strong> />
uns, que contam mil histórias<<strong>br</strong> />
mais <strong>de</strong>smanchadas que sonhos;<<strong>br</strong> />
uns, mais parvos que zamboas,<<strong>br</strong> />
que estudam palavras boas,<<strong>br</strong> />
[a que ignorancia os atiça;]<<strong>br</strong> />
estes paguem por justiça,<<strong>br</strong> />
que têm morto mil pessoas,<<strong>br</strong> />
por vida <strong>de</strong> quanto quero<<strong>br</strong> />
Adón<strong>de</strong> ienen las mentes<<strong>br</strong> />
uns secretos trovadores,
que fazem cartas d'amores,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> que ficam mui contentes?<<strong>br</strong> />
Não querem sair à praça;<<strong>br</strong> />
trazem trova por negaça;<<strong>br</strong> />
e se lha gabais, que é boa,<<strong>br</strong> />
diz que é <strong>de</strong> certa pessoa.<<strong>br</strong> />
Ora que quereis que faça,<<strong>br</strong> />
senão ir-me por esse mundo?<<strong>br</strong> />
Ó tu, <strong>com</strong>o me atarracas,<<strong>br</strong> />
escu<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> solia,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> bocais <strong>de</strong> fidalguia,<<strong>br</strong> />
trazidos quase <strong>com</strong> vacas;<<strong>br</strong> />
importuno a importunar,<<strong>br</strong> />
morto por <strong>de</strong>senterrar<<strong>br</strong> />
parentes que cheiram já!<<strong>br</strong> />
Voto a tal, que me fará<<strong>br</strong> />
um <strong>de</strong>stes nunca falar<<strong>br</strong> />
mais <strong>com</strong> viva alma.<<strong>br</strong> />
Uns que falam muito, vi,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> que quisera fugir;<<strong>br</strong> />
uns que, enfim, sem se sentir,<<strong>br</strong> />
andam falando entre si;<<strong>br</strong> />
porfiosos sem razão;<<strong>br</strong> />
e dês que tomam a mão,<<strong>br</strong> />
falam sem necessida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
e se algüa hora é verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ve ser na confissão;<<strong>br</strong> />
porque «Quem não mente...» Já me<<strong>br</strong> />
[enten<strong>de</strong>is.<<strong>br</strong> />
Õ vós, quem quer que me le<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
que haveis <strong>de</strong> ser avisado,<<strong>br</strong> />
que dizeis ao namorado<<strong>br</strong> />
que caça vento <strong>com</strong> re<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />
Jura por vida da Dama,<<strong>br</strong> />
fala consigo na cama,<<strong>br</strong> />
passa <strong>de</strong> noite, e escarra;<<strong>br</strong> />
por falsete na guitarra<<strong>br</strong> />
põe sempre: viva quem ama,<<strong>br</strong> />
porque calça a seu propósito.<<strong>br</strong> />
Mas <strong>de</strong>ixemos, se quiser<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
por um pouco as travessuras<<strong>br</strong> />
porque entre quatro maduras<<strong>br</strong> />
leveis também cinco ver<strong>de</strong>s.
Deitemo-nos mais ao mar;<<strong>br</strong> />
e, se algum se arrecear,<<strong>br</strong> />
passe três ou quatro trovas.<<strong>br</strong> />
E vós tomais cores novas?<<strong>br</strong> />
Mas não é para espantar;<<strong>br</strong> />
que «Quem porcos há menos, em cada<<strong>br</strong> />
[mouta lhe roncam».<<strong>br</strong> />
Ó vós, que sois secretários<<strong>br</strong> />
das conciências reais,<<strong>br</strong> />
que entre os homens estais<<strong>br</strong> />
por senhores ordinários;<<strong>br</strong> />
porque não pon<strong>de</strong>s um freio<<strong>br</strong> />
ao roubar que vai sem meio,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> bom governo?<<strong>br</strong> />
Pois um pedaço d'inferno<<strong>br</strong> />
por pouco dinheiro alheio<<strong>br</strong> />
se ven<strong>de</strong> a Mouro e a Ju<strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />
Porque a mente, afeiçoada<<strong>br</strong> />
sempre à real dignida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
vos faz julgar por bonda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
a malícia <strong>de</strong>sculpada.<<strong>br</strong> />
Move a presença real<<strong>br</strong> />
üa afeição natural,<<strong>br</strong> />
que logo inclina ao juiz<<strong>br</strong> />
a seu favor; e não diz<<strong>br</strong> />
um rifão muito geral<<strong>br</strong> />
que «O aba<strong>de</strong> don<strong>de</strong> canta,<<strong>br</strong> />
[daí janta»?<<strong>br</strong> />
E vós bailhais a esse som?<<strong>br</strong> />
Por isso, gentis pastores,<<strong>br</strong> />
vos chama a vós mercadores<<strong>br</strong> />
um que só foi pastor bom.]<<strong>br</strong> />
2.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
A este cantar velho:<<strong>br</strong> />
Sauda<strong>de</strong> minha,<<strong>br</strong> />
quando vos veria?
Este tempo vão,<<strong>br</strong> />
esta vida escassa,<<strong>br</strong> />
para todos passa,<<strong>br</strong> />
só para mim não.<<strong>br</strong> />
Os dias se vão<<strong>br</strong> />
sem ver este dia,<<strong>br</strong> />
quando vos veria?<<strong>br</strong> />
Ve<strong>de</strong> esta mudança<<strong>br</strong> />
se está bem perdida,<<strong>br</strong> />
em tão curta vida<<strong>br</strong> />
tão longa esperança!<<strong>br</strong> />
Se este bem se alcança,<<strong>br</strong> />
tudo sofreria,<<strong>br</strong> />
quando vos veria.<<strong>br</strong> />
Saudosa dor,<<strong>br</strong> />
eu bem vos entendo;<<strong>br</strong> />
mas não me <strong>de</strong>fendo,<<strong>br</strong> />
porque ofendo Amor.<<strong>br</strong> />
Se fôsseis maior,<<strong>br</strong> />
em maior valia<<strong>br</strong> />
vos estimaria.<<strong>br</strong> />
Minha sauda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
caro penhor meu,<<strong>br</strong> />
a quem direi eu<<strong>br</strong> />
tamanha verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />
Na minha vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> noite e <strong>de</strong> dia<<strong>br</strong> />
sempre vos teria.<<strong>br</strong> />
91.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Com razão queixar-me posso<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vós, que mel vos queixais;<<strong>br</strong> />
pois, Senhora, vos sangrais,<<strong>br</strong> />
que seja num corpo vosso.
Eu, para levar a palma<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que ser vosso mereça,<<strong>br</strong> />
quero que o corpo pa<strong>de</strong>ça<<strong>br</strong> />
por vós, que <strong>de</strong>le sois alma.<<strong>br</strong> />
Vós do corpo vos queixais,<<strong>br</strong> />
eu queixar-me <strong>de</strong> vós posso,<<strong>br</strong> />
porque, tendo um corpo vosso,<<strong>br</strong> />
na minh'alma vos sangrais.<<strong>br</strong> />
E sem fazer diferença<<strong>br</strong> />
no que <strong>de</strong> mim possuís,<<strong>br</strong> />
pelo pouco que sentis,<<strong>br</strong> />
dais à minh'alma doença.<<strong>br</strong> />
Pois que dous aventurais<<strong>br</strong> />
oh! não seja o dano nosso:<<strong>br</strong> />
sangre-se este corpo vosso,<<strong>br</strong> />
porque, minh'alma, vivais.<<strong>br</strong> />
E inda, se atentar<strong>de</strong>s bem,<<strong>br</strong> />
seguis medicina errada,<<strong>br</strong> />
porque para ser sangrada<<strong>br</strong> />
üa alma sangue não tem.<<strong>br</strong> />
E pois em mim sarar posso<<strong>br</strong> />
males, que à minha alma dais,<<strong>br</strong> />
se inda outra vez vos sangrais,<<strong>br</strong> />
seja neste corpo vosso.<<strong>br</strong> />
13.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Eu sou boa testemunha<<strong>br</strong> />
que Amor tem por cousa má<<strong>br</strong> />
que olhos, que são homens já,<<strong>br</strong> />
se nomeiem sem alcunha,<<strong>br</strong> />
pois o coração apunha<<strong>br</strong> />
e diz: olhos, pois vós ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
chamai-me coração Men<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
a este moto [seu?]<<strong>br</strong> />
Com vossos olhos Gonçalves,<<strong>br</strong> />
Senhora, cativo ten<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
este meu coração Men<strong>de</strong>s.
48.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Falsos loores os dan,<<strong>br</strong> />
que essas centellas tan raras<<strong>br</strong> />
no son nel cielo más claras<<strong>br</strong> />
que en los ojos don<strong>de</strong> están.<<strong>br</strong> />
Porque cuando miro en ellas<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> <strong>com</strong>o alum<strong>br</strong>an el suelo<<strong>br</strong> />
no sé que serán nel cielo;<<strong>br</strong> />
mas sé que acá son estrellas.<<strong>br</strong> />
Ni se pue<strong>de</strong> presumir<<strong>br</strong> />
que al cielo suban, Senora,<<strong>br</strong> />
que la lum<strong>br</strong>e que en vos mora<<strong>br</strong> />
no tiene más que subir;<<strong>br</strong> />
mas pienso que dán querellas<<strong>br</strong> />
a Dios nel octavo cielo,<<strong>br</strong> />
porque son acá en el suelo,<<strong>br</strong> />
dos tan hermosas estrellas.<<strong>br</strong> />
65.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Foi a Esperança julgada<<strong>br</strong> />
por sentença da Ventura,<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
De vuestros ojos centellas,<<strong>br</strong> />
que encien<strong>de</strong>n pechos <strong>de</strong> hielo<<strong>br</strong> />
suben por el aire al cielo,<<strong>br</strong> />
y en llegando son estrellas.<<strong>br</strong> />
a este mato seu:<<strong>br</strong> />
Enforquei minha esperança;<<strong>br</strong> />
mas Amor foi tão madraço<<strong>br</strong> />
que lhe cortou o baraço.
que, pois me teve à pendura,<<strong>br</strong> />
que fosse <strong>de</strong>pendurada.<<strong>br</strong> />
Vem Cupido co a espada,<<strong>br</strong> />
corta-lhe cerco o baraço.<<strong>br</strong> />
Cupido, foste madraço!<<strong>br</strong> />
88.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Já'gora certo conheço<<strong>br</strong> />
ser milhor todo tormento<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> o arrependimento<<strong>br</strong> />
se <strong>com</strong>pra por justo preço.<<strong>br</strong> />
Enganou-me um bom <strong>com</strong>eço;<<strong>br</strong> />
mas o fim me diz agora<<strong>br</strong> />
que o mal milhor me fora.<<strong>br</strong> />
Quando um bem é tão danoso<<strong>br</strong> />
que, sendo bem, dá cuidado,<<strong>br</strong> />
o dano fica o<strong>br</strong>igado<<strong>br</strong> />
a ser menos perigoso.<<strong>br</strong> />
Mas se a mim, por <strong>de</strong>sditoso,<<strong>br</strong> />
co bem me foi mal, Senhora,<<strong>br</strong> />
co vosso mal bem me fora.<<strong>br</strong> />
57.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
a este moto alheio<<strong>br</strong> />
Vosso bem querer, Senhora:<<strong>br</strong> />
vosso mal milhor me fora.<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Esconjuro-te, Domingas,<<strong>br</strong> />
pois me dás tanto cuidado,<<strong>br</strong> />
que me digas se te vingas:<<strong>br</strong> />
viverei menos penado.
Juravas-me que outras ca<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />
folgavas <strong>de</strong> apacentar;<<strong>br</strong> />
eu, por nao me magoar,<<strong>br</strong> />
fingia que eram palavras.<<strong>br</strong> />
Agora d'arte te vingas<<strong>br</strong> />
d'algum meu doudo pecado,<<strong>br</strong> />
qu'inda [que] queiras, Domingas,<<strong>br</strong> />
não posso ser enganado.<<strong>br</strong> />
Qualquer cousa busca o seu;<<strong>br</strong> />
a fonte vai para o Tejo,<<strong>br</strong> />
e tu para o teu <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
por te vingares do meu.<<strong>br</strong> />
De mi te esqueces, Domingas,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o eu faço do meu gado.<<strong>br</strong> />
Praza a Deus que, se te vingas,<<strong>br</strong> />
que moura <strong>de</strong>sesperado.<<strong>br</strong> />
Na fantasia te pinto;<<strong>br</strong> />
falo-te, respon<strong>de</strong> o monte;<<strong>br</strong> />
busco o rio, busco a fonte,<<strong>br</strong> />
endou<strong>de</strong>ço, e não o sinto.<<strong>br</strong> />
Domingas! no vale <strong>br</strong>ado;<<strong>br</strong> />
respon<strong>de</strong> o eco:—Domingas!<<strong>br</strong> />
E tu ainda te não vingas<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> me ver doudo tornado?<<strong>br</strong> />
53.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Leva na cabeça o pote,<<strong>br</strong> />
o testo nas mãos <strong>de</strong> prata,<<strong>br</strong> />
cinta <strong>de</strong> fina escarlata,<<strong>br</strong> />
sainho <strong>de</strong> chamalote;<<strong>br</strong> />
traz a vasquinha <strong>de</strong> cote,<<strong>br</strong> />
mais <strong>br</strong>anca que a nove pura;<<strong>br</strong> />
vai fermosa, e não segura.<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Descalça vai para a fonte<<strong>br</strong> />
Leanor pela verdura;<<strong>br</strong> />
vai fermosa, e não segura.
Desco<strong>br</strong>e a touca a garganta,<<strong>br</strong> />
cabelos d'ouro o trançado,<<strong>br</strong> />
—fita, <strong>de</strong> cor d'encarnado,<<strong>br</strong> />
tão linda que o mundo espanta—;<<strong>br</strong> />
chave nela graça tanta<<strong>br</strong> />
que dá graça à fermosura;<<strong>br</strong> />
vai fermosa, e não segura.<<strong>br</strong> />
89.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Madre, si me fuere,<<strong>br</strong> />
dó quiera que vó,<<strong>br</strong> />
no lo quiero yo,<<strong>br</strong> />
que el Amor lo quiere.<<strong>br</strong> />
Aquél niño fiero<<strong>br</strong> />
hace que me muera,<<strong>br</strong> />
por un marinero<<strong>br</strong> />
á ser marinera.<<strong>br</strong> />
Él, que todo pue<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
madre, no podrá,<<strong>br</strong> />
pues el alma vá,<<strong>br</strong> />
que el cuerpo se que<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Con él, por quién muero,<<strong>br</strong> />
voy, porque no muera;<<strong>br</strong> />
que, si es marinero,<<strong>br</strong> />
seré marinera.<<strong>br</strong> />
Es tirana ley,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>l niño Señor,<<strong>br</strong> />
que por un amor<<strong>br</strong> />
se <strong>de</strong>senhe un Rey:<<strong>br</strong> />
pues <strong>de</strong>sta manera<<strong>br</strong> />
quiere, yo me quiero<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Irme quieto, madre,<<strong>br</strong> />
á aquella galera,<<strong>br</strong> />
con el marinero<<strong>br</strong> />
á ser marinera.
por un marinero<<strong>br</strong> />
hacer marinera.<<strong>br</strong> />
Decid, ondas, ¿cuándo<<strong>br</strong> />
vistes vos doncella,<<strong>br</strong> />
siendo tierna y bella,<<strong>br</strong> />
andar navegando?<<strong>br</strong> />
|Pues| más no se espera<<strong>br</strong> />
daquel niño fiero,<<strong>br</strong> />
vea yo quién quiero,<<strong>br</strong> />
sea marinera.<<strong>br</strong> />
40.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Menina mais que na ida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
se, para me querer bem,<<strong>br</strong> />
vos não vejo ter vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
é porque outrem vo-la tem;<<strong>br</strong> />
tem-vo-la, e faz-vo-la crua.<<strong>br</strong> />
Porém eu<<strong>br</strong> />
já tomara não ser meu,<<strong>br</strong> />
se vós não fôreis tão sua.<<strong>br</strong> />
Nos olhos e na feição<<strong>br</strong> />
vos vi, quando vos olhava,<<strong>br</strong> />
tanta graça que vos dava<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> graça este coração;<<strong>br</strong> />
não no quisestes <strong>de</strong> crua,<<strong>br</strong> />
por ser meu:<<strong>br</strong> />
se outrem vos <strong>de</strong>ra o seu<<strong>br</strong> />
po<strong>de</strong> ser fôreis mais sua.<<strong>br</strong> />
Menina, ten<strong>de</strong> maneira<<strong>br</strong> />
que ainda não venha a ser<<strong>br</strong> />
—pois não quereis quem vos quer, —<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Menina fermosa e crua,<<strong>br</strong> />
bem sei eu<<strong>br</strong> />
quem <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser seu,<<strong>br</strong> />
se vós quiséreis ser sua.
que queirais quem vos não queira.<<strong>br</strong> />
Olhai, não me sejais crua;<<strong>br</strong> />
que pois eu<<strong>br</strong> />
quero ser vosso e não meu,<<strong>br</strong> />
se<strong>de</strong> vós minha e não sua.<<strong>br</strong> />
68.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Mi corazón me han robado,<<strong>br</strong> />
y Amor, viendo mis enojos,<<strong>br</strong> />
me dijo: fuéte llevado<<strong>br</strong> />
por los más hermosos hojos<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong>sque vivo he mirado.<<strong>br</strong> />
Gracias so<strong>br</strong>enaturales,<<strong>br</strong> />
te lo tienen en prisión,<<strong>br</strong> />
y si Amor tiene razón,<<strong>br</strong> />
Señora, por la señales<<strong>br</strong> />
vos tenéis mi corazón.<<strong>br</strong> />
69.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Mi nueva y dulce querella,<<strong>br</strong> />
es invisible á la gente;<<strong>br</strong> />
el alma sola la siente,<<strong>br</strong> />
que el cuerpo no es dino <strong>de</strong>lla.<<strong>br</strong> />
Como la viva centena<<strong>br</strong> />
se encu<strong>br</strong>a en el pe<strong>de</strong>rnal<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro tengo mi mal.<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Vos tenéis mi corazón.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
De <strong>de</strong>ntro tengo mi mal,<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong> fuera no hay señal.
86.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS SUAS<<strong>br</strong> />
N'alma üa só ferida<<strong>br</strong> />
faz na vida mil sinais;<<strong>br</strong> />
tanto se <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>e mais<<strong>br</strong> />
quanto é mais escondida.<<strong>br</strong> />
Se esta dor tão conhecida<<strong>br</strong> />
me não vêm, porque não querem,<<strong>br</strong> />
que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />
Se se pu<strong>de</strong>sse bem ver<<strong>br</strong> />
quanto calo, e quanto sento,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>spois <strong>de</strong> tanto tormento<<strong>br</strong> />
cuidaria alegre ser.<<strong>br</strong> />
Mas se não me querem crer<<strong>br</strong> />
olhos que tão mal me ferem,<<strong>br</strong> />
que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />
100.<<strong>br</strong> />
Esparsa<<strong>br</strong> />
Não posso chegar ao cabo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tamanho <strong>de</strong>sarranjo,<<strong>br</strong> />
que sendo vós, Senhora, «Anjo»,<<strong>br</strong> />
vos queira tanto o «diabo».<<strong>br</strong> />
Dais manifesto sinal<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> minha muita firmeza,<<strong>br</strong> />
que os «diabos» querem mal<<strong>br</strong> />
aos «Anjos», por natureza.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Se alma ver-se não po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> pensamentos ferem,<<strong>br</strong> />
que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />
ao mesmo assunto
43.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Não sabendo Amor curar,<<strong>br</strong> />
foi a doença fazer<<strong>br</strong> />
fermosa, para se ver,<<strong>br</strong> />
doce para se passar.<<strong>br</strong> />
Então, vendo a diferença<<strong>br</strong> />
que há <strong>de</strong> vós a toda a gente,<<strong>br</strong> />
mandou que fôsseis doente<<strong>br</strong> />
para glória da doença.<<strong>br</strong> />
E digo-vos, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
que a saú<strong>de</strong> anda envejosa,<<strong>br</strong> />
por ver estar tão fermosa<<strong>br</strong> />
em vós essa enfermida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Não façais logo <strong>de</strong>tença,<<strong>br</strong> />
Senhora, em estar doente,<<strong>br</strong> />
porque adoecerá a gente<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> <strong>de</strong>sejos da doença.<<strong>br</strong> />
Que eu, por ter, fermosa Dama,<<strong>br</strong> />
a doença que em vós vejo,<<strong>br</strong> />
vos confesso que <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> cair convosco em cama.<<strong>br</strong> />
Se consentis que me vença<<strong>br</strong> />
este mal, não houve gente<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tão contente<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o eu serei da doença.<<strong>br</strong> />
19.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Deu, Senhora, por sentença<<strong>br</strong> />
Amor, que fôsseis doente,<<strong>br</strong> />
para fazer<strong>de</strong>s à gente<<strong>br</strong> />
doce e fermosa a doença.<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Minina fermosa<<strong>br</strong> />
dizei: <strong>de</strong> que vem
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Não sei quem assela<<strong>br</strong> />
vossa fermosura;<<strong>br</strong> />
que quem é tão dura<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong> ser bela.<<strong>br</strong> />
Vós sereis fermosa,<<strong>br</strong> />
mas a razão tem<<strong>br</strong> />
que quem é irosa<<strong>br</strong> />
não parece bem.<<strong>br</strong> />
A mostra é <strong>de</strong> bela,<<strong>br</strong> />
as o o<strong>br</strong>as são cruas;<<strong>br</strong> />
pois qual <strong>de</strong>stas duas<<strong>br</strong> />
ficará na sela?<<strong>br</strong> />
Se ficar irosa<<strong>br</strong> />
não vos está bem.<<strong>br</strong> />
fique antes fermosa,<<strong>br</strong> />
que mais força tem.<<strong>br</strong> />
O Amor, fermoso<<strong>br</strong> />
se pinta e se chama:<<strong>br</strong> />
se é amor, ama,<<strong>br</strong> />
se ama, é piadoso.<<strong>br</strong> />
Diz agora a grosa<<strong>br</strong> />
que este texto tem,<<strong>br</strong> />
que quem é fermosa<<strong>br</strong> />
há-<strong>de</strong> querer bem.<<strong>br</strong> />
Havei dó, minina,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ssa fermosura;<<strong>br</strong> />
que se a terra é dura,<<strong>br</strong> />
seca-se a bonina.<<strong>br</strong> />
Se<strong>de</strong> piadosa;<<strong>br</strong> />
não veja ninguém<<strong>br</strong> />
que, por rigorosa,<<strong>br</strong> />
percais tanto bem.<<strong>br</strong> />
55.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
ser<strong>de</strong>s rigorosa<<strong>br</strong> />
a quem vos quer bem?
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Não vos guar<strong>de</strong>i, quando vinha,<<strong>br</strong> />
em torre, força, ou engenho;<<strong>br</strong> />
que mais guardada vos tenho<<strong>br</strong> />
em vós, que sois alma minha.<<strong>br</strong> />
Ali, nem frio nem calma,<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong>m ter jurdição;<<strong>br</strong> />
na vida sim, porém não<<strong>br</strong> />
em vós, que tenho por alma.<<strong>br</strong> />
8.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Ninguém vos po<strong>de</strong> tirar<<strong>br</strong> />
[o] ser<strong>de</strong>s bem assom<strong>br</strong>ada;<<strong>br</strong> />
mas heis-me <strong>de</strong> perdoar,<<strong>br</strong> />
que os olhos não valem nada.<<strong>br</strong> />
Fostes mal aconselhada<<strong>br</strong> />
em querer que fossem ver<strong>de</strong>s:<<strong>br</strong> />
trabalhai <strong>de</strong> os escon<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
A vossa testa é jardim,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> Amor se <strong>de</strong>senfada;<<strong>br</strong> />
é <strong>br</strong>anca e bem talhada,<<strong>br</strong> />
que parece <strong>de</strong> marfim.<<strong>br</strong> />
Assim é; e, quanto a mim,<<strong>br</strong> />
isso nasce <strong>de</strong> a ter<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
tão perto dos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Os cabelos <strong>de</strong>satados<<strong>br</strong> />
o mesmo Sol escurecem;<<strong>br</strong> />
senão que, por serem ondados,<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Ferro, fogo, frio e calma,<<strong>br</strong> />
todo o mundo acabarão;<<strong>br</strong> />
mas nunca vos tirarão,<<strong>br</strong> />
alma minha da minh'alma!<<strong>br</strong> />
a este cantar velho:<<strong>br</strong> />
Sois fermosa e tudo ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.
algum tanto <strong>de</strong>smerecem:<<strong>br</strong> />
mas, à fé, que se parecem<<strong>br</strong> />
a furto dos olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
não vos pese <strong>de</strong> os ter<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
As pestanas têm mostrado<<strong>br</strong> />
ser raios que a<strong>br</strong>asam vidas;<<strong>br</strong> />
se não foram tão <strong>com</strong>pridas<<strong>br</strong> />
tudo o mais era pintado:<<strong>br</strong> />
elas me tinham levado<<strong>br</strong> />
já sem o vós saber<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
se não foram os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
O mimo <strong>de</strong>sse carão<<strong>br</strong> />
nem pôr-lhe os olhos consente:<<strong>br</strong> />
e ser liso e transparente<<strong>br</strong> />
rouba todo o coração.<<strong>br</strong> />
Inda assim achareis gente<<strong>br</strong> />
que lhe não pese <strong>de</strong> o ter<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />
mas não seja cos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Esse riso é <strong>com</strong>posto<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> quantas graças nasceram;<<strong>br</strong> />
senão que alguns me disseram<<strong>br</strong> />
vos faz covinhas no rosto.<<strong>br</strong> />
Na vonta<strong>de</strong> tenho posto<<strong>br</strong> />
dar-vos a alma, se quiser<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
a troco dos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Nunca se viu, nem se escreve<<strong>br</strong> />
boca nem graça igual,<<strong>br</strong> />
se não fora <strong>de</strong> coral<<strong>br</strong> />
e os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> cor <strong>de</strong> neve.<<strong>br</strong> />
Dou-me a Deus, que me leve!<<strong>br</strong> />
Sofrerei quanto tiver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
não me tenhais os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Essa garganta merece<<strong>br</strong> />
outras palavras, não minhas,<<strong>br</strong> />
senão que é feita em rosquinhas<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> alfenim, o que parece.<<strong>br</strong> />
Eu sei quem se ofrece<<strong>br</strong> />
a tomar tudo o que ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
e também os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Essas mãos são ferropeias,<<strong>br</strong> />
só o vê-las, enfeitiça;
senão que são alvas e cheias,<<strong>br</strong> />
e têm a feição roliça,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que apelais por justiça,<<strong>br</strong> />
pera <strong>com</strong> elas pren<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
quem vê vossos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
A vossa galantaria<<strong>br</strong> />
matará a quem falar<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />
ten<strong>de</strong>s uns <strong>de</strong>sdéns e tar<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />
que eu logo vos roubaria.<<strong>br</strong> />
Dou-me a Santa Maria!<<strong>br</strong> />
Sou cujo <strong>de</strong> quanto ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
também <strong>de</strong>sses olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
5.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Nos seus olhos belos<<strong>br</strong> />
tanto Amor se atreve,<<strong>br</strong> />
que a<strong>br</strong>asa entre a neve<<strong>br</strong> />
quantos ousam vê-los.<<strong>br</strong> />
Não solta os cabelos<<strong>br</strong> />
Aurora mais bela:<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.<<strong>br</strong> />
Não teve esta serra<<strong>br</strong> />
no meio da altura<<strong>br</strong> />
mais que a fermosura<<strong>br</strong> />
que nela se encerra.<<strong>br</strong> />
Bem céu fica a terra<<strong>br</strong> />
que tem tal estrela:<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.<<strong>br</strong> />
Sendo entre pastores<<strong>br</strong> />
causa <strong>de</strong> mil males,<<strong>br</strong> />
não se ouvem nos vales<<strong>br</strong> />
senão seus louvores.<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Pastora da serra,<<strong>br</strong> />
da serra da Estrela,<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.
Eu só por amores<<strong>br</strong> />
não sei falar nela:<<strong>br</strong> />
sei morrer por ela.<<strong>br</strong> />
De alguns que, sentindo,<<strong>br</strong> />
seu mal vão mostrando,<<strong>br</strong> />
se ri, não cuidando<<strong>br</strong> />
que inda paga, rindo.<<strong>br</strong> />
Eu, triste, enco<strong>br</strong>indo<<strong>br</strong> />
só meus males <strong>de</strong>la,<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.<<strong>br</strong> />
Se flores <strong>de</strong>seja<<strong>br</strong> />
por ventura <strong>de</strong>las,<<strong>br</strong> />
das que colhe, belas,<<strong>br</strong> />
mil morrem <strong>de</strong> enveja.<<strong>br</strong> />
Não há quem não veja<<strong>br</strong> />
todo o milhor nela:<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.<<strong>br</strong> />
Se na água corrente<<strong>br</strong> />
seusolhos inclina,<<strong>br</strong> />
faz luz cristalina<<strong>br</strong> />
parar a corrente.<<strong>br</strong> />
Tal se vê, que sente,<<strong>br</strong> />
por ver-se, água nela:<<strong>br</strong> />
perco-me por ela.<<strong>br</strong> />
64.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Nüa casada fui pôr<<strong>br</strong> />
os olhos, <strong>de</strong> si senhores;<<strong>br</strong> />
cui<strong>de</strong>i que fossem amores,<<strong>br</strong> />
eles fizeram-se Amor.<<strong>br</strong> />
Faz-se o <strong>de</strong>sejo maior<<strong>br</strong> />
don<strong>de</strong> o remédio não val<<strong>br</strong> />
em perigo <strong>de</strong> meu mal.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Amores <strong>de</strong> ua casada<<strong>br</strong> />
que eu vi pelo meu mel.
Não me pareceu que Amor<<strong>br</strong> />
pu<strong>de</strong>sse tanto <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />
que don<strong>de</strong> entra por amigo<<strong>br</strong> />
se levante por senhor.<<strong>br</strong> />
Leva-me <strong>de</strong> dor em dor<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong> sinal em sinal,<<strong>br</strong> />
cada vez para mor mal.<<strong>br</strong> />
84.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Nunca em prazeres passados<<strong>br</strong> />
tive firmeza segura,<<strong>br</strong> />
antes tão arrebatados<<strong>br</strong> />
que inda não eram chegados<<strong>br</strong> />
quando mos levou ventura.<<strong>br</strong> />
E <strong>com</strong>o quem <strong>de</strong>sconfia<<strong>br</strong> />
ter em tal sorte mudança,<<strong>br</strong> />
no meio <strong>de</strong>sta porfia,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> quanto bem pretendia<<strong>br</strong> />
foi-se gastando a esperança.<<strong>br</strong> />
Não tive por <strong>de</strong>satino<<strong>br</strong> />
a ocasião <strong>de</strong> perdê-la;<<strong>br</strong> />
mas foi culpa do <strong>de</strong>stino,<<strong>br</strong> />
que a ninguém, <strong>com</strong>o mais dino,<<strong>br</strong> />
Amor pu<strong>de</strong>ra sustê-la.<<strong>br</strong> />
Dei-lhe tudo o que era seu,<<strong>br</strong> />
não receando tais danos<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ste, a quem alma lhe <strong>de</strong>u;<<strong>br</strong> />
quando já não era meu,<<strong>br</strong> />
foi enten<strong>de</strong>ndo os enganos.<<strong>br</strong> />
Fiquei, <strong>de</strong>ste mal sobejo<<strong>br</strong> />
a quem a causa <strong>com</strong>pete,<<strong>br</strong> />
dizer-lhe tudo o que vejo,<<strong>br</strong> />
que Amor aceita o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Foi-se gastando a esperança,<<strong>br</strong> />
fui enten<strong>de</strong>ndo os enganos;<<strong>br</strong> />
do mal ficaram meus danos<<strong>br</strong> />
e do bem só a lem<strong>br</strong>ança.
mas mente no que promete.<<strong>br</strong> />
Que, se a mim se me o<strong>br</strong>igou<<strong>br</strong> />
a dar-me bens soberanos,<<strong>br</strong> />
foi engano que or<strong>de</strong>nou,<<strong>br</strong> />
que do bem tudo levou,<<strong>br</strong> />
do mal ficaram meus danos.<<strong>br</strong> />
E se <strong>de</strong> dor tão <strong>de</strong>sigual<<strong>br</strong> />
sofro em mim <strong>com</strong> pa<strong>de</strong>cê-los,<<strong>br</strong> />
quero <strong>de</strong> novo sofrê-los;<<strong>br</strong> />
que, por a causa ser tal,<<strong>br</strong> />
não <strong>de</strong>termino ofendê-los.<<strong>br</strong> />
Do<strong>br</strong>e-se o mal, falte a vida,<<strong>br</strong> />
creça a fé, falte a esperança,<<strong>br</strong> />
pois foi mal agra<strong>de</strong>cida;<<strong>br</strong> />
fique a dor n'alma imprimida,<<strong>br</strong> />
e do bem só a lem<strong>br</strong>ança.<<strong>br</strong> />
29.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
GLOSA<<strong>br</strong> />
Nunca o prazer se conhece<<strong>br</strong> />
senão <strong>de</strong>spois da tormenta;<<strong>br</strong> />
tão pouco o bem permanece<<strong>br</strong> />
que, se o <strong>de</strong>scanso florece,<<strong>br</strong> />
logo o trabalho arrebenta.<<strong>br</strong> />
Sempre os bens se lograriam,<<strong>br</strong> />
mas os males tudo atalham;<<strong>br</strong> />
porém, já que assi porfiam,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansos trabalham,<<strong>br</strong> />
trabalhos <strong>de</strong>scansariam.<<strong>br</strong> />
Qualquer trabalho me fora<<strong>br</strong> />
por vós grão contentamento;<<strong>br</strong> />
nada sentira, Senhora,<<strong>br</strong> />
a este mato alheio:<<strong>br</strong> />
Trabalhos <strong>de</strong>scansariam<<strong>br</strong> />
se para vós trabalhasse;<<strong>br</strong> />
tempos tristes passariam<<strong>br</strong> />
se algüa hora vos lem<strong>br</strong>asse.
se vira disto algüa hora<<strong>br</strong> />
em vós um conhecimento.<<strong>br</strong> />
Por mal que o mal me tratasse<<strong>br</strong> />
tudo por bem tomaria;<<strong>br</strong> />
posto que o corpo cansasse,<<strong>br</strong> />
a alma <strong>de</strong>scansaria,<<strong>br</strong> />
se para vós trabalhasse.<<strong>br</strong> />
Quem vossas cruezas já<<strong>br</strong> />
sofreu, a tudo se pôs;<<strong>br</strong> />
costumado ficará;<<strong>br</strong> />
e muito milhor será,<<strong>br</strong> />
se trabalhar para vós.<<strong>br</strong> />
Tristezas esqueceriam,<<strong>br</strong> />
posto que mal me trataram;<<strong>br</strong> />
anos não me lem<strong>br</strong>ariam,<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong>o estoutros passaram,<<strong>br</strong> />
tempos tristes passariam.<<strong>br</strong> />
Se fosse galardoado<<strong>br</strong> />
este trabalho tão duro,<<strong>br</strong> />
não vivera magoado;<<strong>br</strong> />
mas não o foi o passado,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o o será o futuro?<<strong>br</strong> />
De cansar não cansaria,<<strong>br</strong> />
se quiséreis que cansasse;<<strong>br</strong> />
cansar, morrer, fá-lo-ia,<<strong>br</strong> />
tudo, enfim, me esqueceria,<<strong>br</strong> />
se algüa hora vos lem<strong>br</strong>asse.<<strong>br</strong> />
66.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
O coração envejoso<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o dos olhos andava,<<strong>br</strong> />
sempre remoques me dava<<strong>br</strong> />
que não era o meu mimoso:<<strong>br</strong> />
a este moto seu:<<strong>br</strong> />
Pus o coração nos olhos<<strong>br</strong> />
e os olhos pus no chão,<<strong>br</strong> />
por vingar o coração.
venho eu, <strong>de</strong> piadoso<<strong>br</strong> />
do senhor meu coração,<<strong>br</strong> />
boto os meus olhos no chão.<<strong>br</strong> />
42.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Olhai que dura sentença<<strong>br</strong> />
foi Amor dar contra mi:<<strong>br</strong> />
que, porque em vós me<<strong>br</strong> />
perdi, em vós me busca a doença.<<strong>br</strong> />
Claro está<<strong>br</strong> />
que em vós só me achará;<<strong>br</strong> />
que em mim, se me vem buscar,<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong>rá mais achar<<strong>br</strong> />
que a forma do que eu fui já.<<strong>br</strong> />
Que se em vós Amor se pôs,<<strong>br</strong> />
Senhora, é forçado assi<<strong>br</strong> />
que o mal, que me busca a mi,<<strong>br</strong> />
que vos faça mal a vós.<<strong>br</strong> />
Sem mentir,<<strong>br</strong> />
Amor me quis <strong>de</strong>struir<<strong>br</strong> />
por modo nunca cuidado,<<strong>br</strong> />
pois vos há-<strong>de</strong> ser forçado<<strong>br</strong> />
pesar-vos <strong>de</strong> vos servir.<<strong>br</strong> />
Mas sois tão <strong>de</strong>sconhecida,<<strong>br</strong> />
e são meus males <strong>de</strong> sorte<<strong>br</strong> />
que vos ameaça a morte<<strong>br</strong> />
porque me negais a vida.<<strong>br</strong> />
Se por boa<<strong>br</strong> />
tal justiça se pregoa,<<strong>br</strong> />
quando <strong>de</strong>sta sorte for,<<strong>br</strong> />
havei vós perdão <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />
que a parte já vos perdoa.<<strong>br</strong> />
Mas o que mais temo, enfim,<<strong>br</strong> />
é que nesta diferença<<strong>br</strong> />
que se não torne a doença<<strong>br</strong> />
se me não tornais a mim.<<strong>br</strong> />
De verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
a üa dama doente
que já vossa humanida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> que se queixe não tem;<<strong>br</strong> />
pois para as almas também<<strong>br</strong> />
fez Amor enfermida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
116.<<strong>br</strong> />
Esparsa<<strong>br</strong> />
Os bons vi sempre passar<<strong>br</strong> />
no mundo graves tormentos;<<strong>br</strong> />
e, para mais m'espantar,<<strong>br</strong> />
os maus vi sempre nadar<<strong>br</strong> />
em mar <strong>de</strong> contentamentos.<<strong>br</strong> />
Cuidando alcançar assim<<strong>br</strong> />
o bem tão mal or<strong>de</strong>nado,<<strong>br</strong> />
fui mau, mas fui castigado.<<strong>br</strong> />
Assim que, só para mim<<strong>br</strong> />
anda o mundo concertado.<<strong>br</strong> />
82.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Os gostos, que tantas dores<<strong>br</strong> />
fizeram já valer menos,<<strong>br</strong> />
não os aceita pequenas,<<strong>br</strong> />
quem nunca teve maiores.<<strong>br</strong> />
Bem parecem vãos favores,<<strong>br</strong> />
pois tão tar<strong>de</strong> me quereis<<strong>br</strong> />
qu'inda me não conheceis.<<strong>br</strong> />
Ofereceis-me alegria,<<strong>br</strong> />
tendo-me já cego e mouco:<<strong>br</strong> />
do Autor ao <strong>de</strong>sconcerto do mundo<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Pequenos contentamentos,<<strong>br</strong> />
i buscar quem contenteis,<<strong>br</strong> />
que a mim não me conheceis,
é baixeza aceitar pouco<<strong>br</strong> />
quem tanto vos merecia.<<strong>br</strong> />
I<strong>de</strong>-vos por outra via,<<strong>br</strong> />
pois o bem que me <strong>de</strong>veis<<strong>br</strong> />
nunca mo satisfareis.<<strong>br</strong> />
52.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Os privilégios que os reis<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong>m dar, po<strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />
que faz qualquer amador<<strong>br</strong> />
livre das humanas leis.<<strong>br</strong> />
Mortes e guerras cruéis,<<strong>br</strong> />
ferro, frio, fogo e neve,<<strong>br</strong> />
tudo sofre quem o serve.<<strong>br</strong> />
Moça fermosa <strong>de</strong>spreza<<strong>br</strong> />
todo o frio e toda a dor<<strong>br</strong> />
(olhai quanto po<strong>de</strong> Amor<<strong>br</strong> />
mais que a própria natureza):<<strong>br</strong> />
medo nem <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za<<strong>br</strong> />
lhe impe<strong>de</strong> que passe a nove;<<strong>br</strong> />
assi faz quem Amor serve.<<strong>br</strong> />
Por mais trabalhos que leve,<<strong>br</strong> />
a tudo se ofreceria;<<strong>br</strong> />
passa pela nove fria,<<strong>br</strong> />
mais alva que a própria neve;<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> todo o frio se atreve;<<strong>br</strong> />
ve<strong>de</strong> em que fogo ferve<<strong>br</strong> />
o triste que o Amor serve.<<strong>br</strong> />
49.<<strong>br</strong> />
Improviso<<strong>br</strong> />
a este mato seu:<<strong>br</strong> />
Descalça vai pela neve:<<strong>br</strong> />
assi faz quem Amor serve.
Para evitar dias maus<<strong>br</strong> />
da vida triste que passo,<<strong>br</strong> />
man<strong>de</strong>m-me dar um baraço,<<strong>br</strong> />
que já cá tenho três paus.<<strong>br</strong> />
20.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Peço-vos que me digais<<strong>br</strong> />
as orações que rezastes<<strong>br</strong> />
se são pelos que matastes,<<strong>br</strong> />
se por vós, que assi matais?<<strong>br</strong> />
Se são por vós, sãoperdidas;<<strong>br</strong> />
que, qual será a oração<<strong>br</strong> />
que seja satisfação,<<strong>br</strong> />
Senhora, <strong>de</strong> tantas vidas?<<strong>br</strong> />
Que, se ve<strong>de</strong>s quantos vêm<<strong>br</strong> />
a só vida vos pedir,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o vos há Deus ouvir<<strong>br</strong> />
se vós não ouvis ninguém?<<strong>br</strong> />
Não po<strong>de</strong>is ser perdoada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> mãos a matar tão prontas,<<strong>br</strong> />
que, se nüa trazeis contas,<<strong>br</strong> />
na outra trazeis espada<<strong>br</strong> />
Se dizeis que en<strong>com</strong>endando<<strong>br</strong> />
os que matastes andais,<<strong>br</strong> />
se rezais por quem matais,<<strong>br</strong> />
para que matais rezando?<<strong>br</strong> />
Que, se na força do orar<<strong>br</strong> />
levantais as mãos aos<<strong>br</strong> />
Céus, não as ergueis para Deus,<<strong>br</strong> />
erguei-las para matar.<<strong>br</strong> />
E quando os olhos cerrais<<strong>br</strong> />
A üas Senhoras que, jogando<<strong>br</strong> />
perto <strong>de</strong> üa janela, Ihes cairam<<strong>br</strong> />
«três paus» e <strong>de</strong>ram na cabeça<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> <strong>Camões</strong>:<<strong>br</strong> />
a üa Senhora que estava<<strong>br</strong> />
rezando por üas contas
todaenlevada na fé,<<strong>br</strong> />
cerram-se os <strong>de</strong> quem vos vê,<<strong>br</strong> />
para nunca verem mais.<<strong>br</strong> />
Pois se assi forem tratados<<strong>br</strong> />
os que vos vêm quando orais,<<strong>br</strong> />
essas horas que rezais<<strong>br</strong> />
são as horas dos finados.<<strong>br</strong> />
Pois logo, se sais servida<<strong>br</strong> />
que tantos mortos não sejam,<<strong>br</strong> />
não rezeis on<strong>de</strong> vos vejam,<<strong>br</strong> />
ou ve<strong>de</strong> para dar vida.<<strong>br</strong> />
Ou, se quereis escusar<<strong>br</strong> />
estes males que causastes,<<strong>br</strong> />
ressuscitai quem matastes,<<strong>br</strong> />
não tereis por quem rezar.<<strong>br</strong> />
24.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Pelo meu apartamento<<strong>br</strong> />
se arrasaram todos d'água.<<strong>br</strong> />
Quem cuidou que em tanta mágoa<<strong>br</strong> />
achasse contentamento?<<strong>br</strong> />
Julgue todo entendimento<<strong>br</strong> />
qual mais sentir se <strong>de</strong>via:<<strong>br</strong> />
se esta dor, se esta alegria!<<strong>br</strong> />
Quando mais perdido estive,<<strong>br</strong> />
então <strong>de</strong>u a esta alma minha<<strong>br</strong> />
na maior mágoa que tinha<<strong>br</strong> />
o maior gosto que tive.<<strong>br</strong> />
Assi, se minh'alma vive<<strong>br</strong> />
foi porque me <strong>de</strong>fendia<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sta dor esta alegria.<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Vi chorar uns claros olhos<<strong>br</strong> />
quando <strong>de</strong>les me partia.<<strong>br</strong> />
Oh! que mágoa! Oh! que alegria!
O bem que Amor me não <strong>de</strong>u no<<strong>br</strong> />
tempo que o <strong>de</strong>sejei,<<strong>br</strong> />
quando <strong>de</strong>le me apartei<<strong>br</strong> />
me confessou que era meu.<<strong>br</strong> />
Agora, que farei eu<<strong>br</strong> />
se a fortuna me <strong>de</strong>svia<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> lograr esta alegria?<<strong>br</strong> />
Não sei se foi enganado,<<strong>br</strong> />
pois me tinha <strong>de</strong>fendido<<strong>br</strong> />
das iras <strong>de</strong> mal querido<<strong>br</strong> />
no mel <strong>de</strong> ser apartado.<<strong>br</strong> />
Agora peno do<strong>br</strong>ado,<<strong>br</strong> />
achando no fim do dia<<strong>br</strong> />
o princípio d'alegria.<<strong>br</strong> />
72.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Para quem vos soube olhar,<<strong>br</strong> />
tão impossível foi ser<<strong>br</strong> />
o po<strong>de</strong>r-vos merecer,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o o não vos <strong>de</strong>sejar.<<strong>br</strong> />
Pois logo a meu pensamento<<strong>br</strong> />
nenhum remédio lhe vejo,<<strong>br</strong> />
senão se <strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
asas ao merecimento.<<strong>br</strong> />
92.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto sei:<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong> meu mal me contento,<<strong>br</strong> />
é porque para vós vejo<<strong>br</strong> />
em todo o mundo <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
e em ninguém merecimento.<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia<<strong>br</strong> />
Perdigão per<strong>de</strong>u a pena,<<strong>br</strong> />
não há mal que lhe não venha:
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Perdigão, que o pensamento<<strong>br</strong> />
subiu em alto lugar,<<strong>br</strong> />
per<strong>de</strong> a pena do voar,<<strong>br</strong> />
ganha a pena do tormento.<<strong>br</strong> />
Não tem no ar nem no vento<<strong>br</strong> />
asas, <strong>com</strong> que se sustenha:<<strong>br</strong> />
não há mal que lhe não venha.<<strong>br</strong> />
Quis voar a üa alta torre<<strong>br</strong> />
mas achou-se <strong>de</strong>sasado;<<strong>br</strong> />
e, vendo-se <strong>de</strong>penado,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> puro penado morre.<<strong>br</strong> />
Se a queixumes se socorre,<<strong>br</strong> />
lança no fogo mais lenha:<<strong>br</strong> />
não há mal que lhe não venha.<<strong>br</strong> />
27.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Pois a tantas perdições,<<strong>br</strong> />
Senhoras, quereis dar vida,<<strong>br</strong> />
ditosa seja a ferida<<strong>br</strong> />
que tem tais cerurgiões!<<strong>br</strong> />
Pois ventura<<strong>br</strong> />
me subiu a tanta altura<<strong>br</strong> />
que me sejais valedoras,<<strong>br</strong> />
ditosa seja a tristura<<strong>br</strong> />
que se cura<<strong>br</strong> />
por vossos rogos, Senhoras!<<strong>br</strong> />
Ser minha pena mortal,<<strong>br</strong> />
já que enten<strong>de</strong>is que é assim,<<strong>br</strong> />
não quero falar por mim,<<strong>br</strong> />
que por mim fala meu mal.<<strong>br</strong> />
Sois fermosas,<<strong>br</strong> />
haveis <strong>de</strong> ser piadosas,<<strong>br</strong> />
por ser tudo düa cor;<<strong>br</strong> />
a üna Senhoras que haviam <strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />
terceiras para <strong>com</strong> üa Dama sua
que pois Amor vos fez rosas<<strong>br</strong> />
milagrosas,<<strong>br</strong> />
fazei milagres d'amor.<<strong>br</strong> />
Pedi a quem vós sabeis<<strong>br</strong> />
que saiba <strong>de</strong> meu trabalho,<<strong>br</strong> />
não pelo que eu nisso valho,<<strong>br</strong> />
mas pelo que vós valeis.<<strong>br</strong> />
Que o valer<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vosso alto merecer,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> lho pedir <strong>de</strong> giolhos,<<strong>br</strong> />
fará que em meu pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />
possa ver<<strong>br</strong> />
o po<strong>de</strong>r que têm seus olhos.<<strong>br</strong> />
Vossa muita fermosura<<strong>br</strong> />
co a sua tanto val<<strong>br</strong> />
que me rio <strong>de</strong> meu mal<<strong>br</strong> />
quando cuido em quem mo cura.<<strong>br</strong> />
A meus ais<<strong>br</strong> />
peço-vos que lhe valhais,<<strong>br</strong> />
Damas <strong>de</strong> Amor tão validas,<<strong>br</strong> />
que nunca tal dor sintais<<strong>br</strong> />
que queirais<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> não sejais queridas.<<strong>br</strong> />
103.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
—Deus te salve, Vasco amigo<<strong>br</strong> />
Não me falas ? Como assi ?<<strong>br</strong> />
—Bofé, Gil, não estava aqui<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Pois on<strong>de</strong> te hão-<strong>de</strong> falar,<<strong>br</strong> />
se não estás on<strong>de</strong> apareces?<<strong>br</strong> />
—Se Madanela conheces,<<strong>br</strong> />
nela me po<strong>de</strong>s achar.<<strong>br</strong> />
—E <strong>com</strong>o te hão-<strong>de</strong> ir buscar,<<strong>br</strong> />
a este vilancete pastoril
aon<strong>de</strong> fogem <strong>de</strong> ti?<<strong>br</strong> />
—Pois nem eu estou em mi.<<strong>br</strong> />
Porque te não acharei<<strong>br</strong> />
em ti, <strong>com</strong>o em Madanela?<<strong>br</strong> />
—Porque me fui per<strong>de</strong>r nela<<strong>br</strong> />
o dia que me ganhei.<<strong>br</strong> />
—Quem tão bem fala, não sei<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o anda fora <strong>de</strong> si.<<strong>br</strong> />
—Ela fala <strong>de</strong>ntro em mi.<<strong>br</strong> />
Como estás aqui presente,<<strong>br</strong> />
se lá tens a alma e a vida?<<strong>br</strong> />
—Porque é <strong>de</strong> üa alma perdida<<strong>br</strong> />
aparecer sempre à gente.<<strong>br</strong> />
—Se és morto, bem se consente<<strong>br</strong> />
que todos fujam <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />
—Eu também fujo <strong>de</strong> mi.<<strong>br</strong> />
45.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Pois o ver-vos tenho em mais<<strong>br</strong> />
que mil vidas que me <strong>de</strong>is,<<strong>br</strong> />
assi <strong>com</strong>o a que me dais,<<strong>br</strong> />
meu bem, já que mo negais,<<strong>br</strong> />
meus olhos, não mos negueis.<<strong>br</strong> />
E se a tal estado vim,<<strong>br</strong> />
guiado <strong>de</strong> minha estrela,<<strong>br</strong> />
quando houver<strong>de</strong>s dó <strong>de</strong> mim,<<strong>br</strong> />
minha vida, dai-lhe a fim,<<strong>br</strong> />
minha alma. lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong>la.<<strong>br</strong> />
17.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Minha alma, lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong>la.<<strong>br</strong> />
a este cantar velho:<<strong>br</strong> />
Coifa <strong>de</strong> beirame<<strong>br</strong> />
namorou Joane.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
por cousa tão pouca<<strong>br</strong> />
andas namorado?<<strong>br</strong> />
Amas a toucado<<strong>br</strong> />
e não quem o touca?<<strong>br</strong> />
Ando cega e louca<<strong>br</strong> />
por ti, meu Joane;<<strong>br</strong> />
tu, pelo beirame.<<strong>br</strong> />
Amas o vestido?<<strong>br</strong> />
És falso amador.<<strong>br</strong> />
Tu não vês que Amor<<strong>br</strong> />
se pinta <strong>de</strong>spido?<<strong>br</strong> />
Cego e perdido<<strong>br</strong> />
andas por beirame,<<strong>br</strong> />
e eu por ti, Joane.<<strong>br</strong> />
Se alguém te vir,<<strong>br</strong> />
que dirá <strong>de</strong> ti?<<strong>br</strong> />
Que <strong>de</strong>ixas a mi<<strong>br</strong> />
por cousa tão vil!<<strong>br</strong> />
Terá bem que rir,<<strong>br</strong> />
pois amas beirame,<<strong>br</strong> />
e a mim não, Joane.<<strong>br</strong> />
Quem ama assi<<strong>br</strong> />
há-<strong>de</strong> ser amada;<<strong>br</strong> />
ando maltratada<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> amores, por ti.<<strong>br</strong> />
Ama-me a mi,<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong>ixa o beirame,<<strong>br</strong> />
que é razão, Joane!<<strong>br</strong> />
A todos encanta<<strong>br</strong> />
tua parvoíce;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tua doudice<<strong>br</strong> />
Gonçalo se espanta<<strong>br</strong> />
e zombando canta:<<strong>br</strong> />
—Coifa <strong>de</strong> beirame<<strong>br</strong> />
namorou Joane!<<strong>br</strong> />
Eu não sei que viste<<strong>br</strong> />
neste meu toucado,<<strong>br</strong> />
que tão namorado
<strong>de</strong>le te sentiste.<<strong>br</strong> />
Não te veja triste:<<strong>br</strong> />
ama-me, Joane,<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong>ixa o beirame!<<strong>br</strong> />
(Joane gemia,<<strong>br</strong> />
Maria chorava,<<strong>br</strong> />
assi lamentava<<strong>br</strong> />
o mal que sentia;<<strong>br</strong> />
os olhos feria,<<strong>br</strong> />
e não o beirame<<strong>br</strong> />
que matou Joane.)<<strong>br</strong> />
Não sei <strong>de</strong> que vem<<strong>br</strong> />
Amares vestido;<<strong>br</strong> />
que o mesmo Cupido<<strong>br</strong> />
vestido não tem.<<strong>br</strong> />
Sabes <strong>de</strong> que vem<<strong>br</strong> />
amares beirame?<<strong>br</strong> />
Vem <strong>de</strong> ser Joane.<<strong>br</strong> />
59.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Posible es a mi cuidado<<strong>br</strong> />
po<strong>de</strong>rme hacer satisfecho,<<strong>br</strong> />
si fuera posible al hado<<strong>br</strong> />
hacer no echo lo echo,<<strong>br</strong> />
y futuro lo pasado.<<strong>br</strong> />
Si olvido pudiera haber,<<strong>br</strong> />
fuera remedio sufrible;<<strong>br</strong> />
mas ya que no pue<strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />
para contento me hacer,<<strong>br</strong> />
todo es poco lo posible.<<strong>br</strong> />
54.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
ao mesmo moto
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Posto o pensamento nele,<<strong>br</strong> />
porque a tudo o Amor a o<strong>br</strong>iga,<<strong>br</strong> />
cantava, mas a cantiga<<strong>br</strong> />
eram suspiros por ele.<<strong>br</strong> />
Nisto estava Leanor<<strong>br</strong> />
o seu <strong>de</strong>sejo enganando,<<strong>br</strong> />
às amigas perguntando:<<strong>br</strong> />
vistes lá o meu amor?<<strong>br</strong> />
O rosto so<strong>br</strong>e üa mão,<<strong>br</strong> />
os olhos no chão pregados,<<strong>br</strong> />
que, do chorar já cansados,<<strong>br</strong> />
algum <strong>de</strong>scanso lhe dão.<<strong>br</strong> />
Desta sorte Leanor<<strong>br</strong> />
suspen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quando em quando<<strong>br</strong> />
sua dor; e, em si tornando,<<strong>br</strong> />
mais pesada sente a dor.<<strong>br</strong> />
Não <strong>de</strong>ita dos olhos água,<<strong>br</strong> />
que não quer que a dor se a<strong>br</strong>an<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
Amor, porque em mágoa gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
seca as lágrimas a mágoa.<<strong>br</strong> />
Que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> seu amor<<strong>br</strong> />
soube novas, perguntando,<<strong>br</strong> />
d'emproviso a vi chorando.<<strong>br</strong> />
Olhai que extremos <strong>de</strong> dor!<<strong>br</strong> />
30.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Na fonte está Leanor<<strong>br</strong> />
lavando a talha e chorando,<<strong>br</strong> />
as amigas perguntando:<<strong>br</strong> />
vistes lá o meu amor?<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Ojos, herido me habéis,<<strong>br</strong> />
acabad ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />
mas, muerto, volve á mirarme,<<strong>br</strong> />
por que me resucitéis.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Pues me distes tal herida,<<strong>br</strong> />
con gana <strong>de</strong> darme muerte,<<strong>br</strong> />
el morir me es dulce suerte,<<strong>br</strong> />
pues con morir me dais vida.<<strong>br</strong> />
Ojos, ¿qué os <strong>de</strong>tenéis?<<strong>br</strong> />
Acabad ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />
mas muerto volved á mirarme,<<strong>br</strong> />
por que me resuscitéis.<<strong>br</strong> />
La llaga cierto ya es mía,<<strong>br</strong> />
aunque, ojos, vos no queráis;<<strong>br</strong> />
mas si la muerte me dais,<<strong>br</strong> />
el morir me es alegría.<<strong>br</strong> />
Y así digo que acabéis,<<strong>br</strong> />
ojos, ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />
mas muerto, volved á mirarme,<<strong>br</strong> />
por que me resucitéis.<<strong>br</strong> />
23.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Quando me quer enganar<<strong>br</strong> />
a minha bela perjura,<<strong>br</strong> />
para mais me confirmar<<strong>br</strong> />
o que quer certificar,<<strong>br</strong> />
pelos seus olhos mo jura.<<strong>br</strong> />
Como meu contentamento<<strong>br</strong> />
todo se rege por eles,<<strong>br</strong> />
imagina o pensamento<<strong>br</strong> />
que se faz agravo a eles<<strong>br</strong> />
não crer tão grão juramento.<<strong>br</strong> />
Porém, <strong>com</strong>o em casos tais<<strong>br</strong> />
ando já visto e corrente,<<strong>br</strong> />
sem outros certos sinais,<<strong>br</strong> />
quanto me ela jura mais<<strong>br</strong> />
tanto mais cuido que mente.<<strong>br</strong> />
Então, vendo-lhe ofen<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
uns tais olhos <strong>com</strong>o aqueles,<<strong>br</strong> />
a üa Dama que lhe jurara<<strong>br</strong> />
sempre por seus olhos
<strong>de</strong>ixo-me antes tudo crer,<<strong>br</strong> />
só pela não constranger<<strong>br</strong> />
a jurar falso por eles.<<strong>br</strong> />
3.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Quando vos eu via,<<strong>br</strong> />
esse bem lograva,<<strong>br</strong> />
a vida estimava;<<strong>br</strong> />
mais então vivia,<<strong>br</strong> />
porque vos servia<<strong>br</strong> />
só para vos ver.<<strong>br</strong> />
Já que vos não vejo,<<strong>br</strong> />
para que é viver?<<strong>br</strong> />
Vivo sem rezão,<<strong>br</strong> />
porque em minha dor<<strong>br</strong> />
não a pôs Amor,<<strong>br</strong> />
que inimigos são.<<strong>br</strong> />
Mui gran<strong>de</strong> treição<<strong>br</strong> />
me o<strong>br</strong>iga a fazer<<strong>br</strong> />
que viva, Senhora,<<strong>br</strong> />
sem vos po<strong>de</strong>r ver.<<strong>br</strong> />
Não me atrevo já,<<strong>br</strong> />
minha tão querida,<<strong>br</strong> />
a chamar-vos vida,<<strong>br</strong> />
porque a tenho má.<<strong>br</strong> />
Ninguém cuidará,<<strong>br</strong> />
que isto po<strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />
sendo-me vós vida,<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong>r viver!<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Vida da minh'alma<<strong>br</strong> />
não vos posso ver:<<strong>br</strong> />
isto não é vida<<strong>br</strong> />
para se sofrer!
109.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Que diabo há tão danado<<strong>br</strong> />
que não tema a cutilada<<strong>br</strong> />
dos fios secos da espada<<strong>br</strong> />
do fero Miguel armado?<<strong>br</strong> />
Pois se tanto um golpe seu<<strong>br</strong> />
soa na infernal ca<strong>de</strong>ia,<<strong>br</strong> />
do que o <strong>de</strong>mónio arreceia,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o não fugirei eu?<<strong>br</strong> />
Com razão lhe fugiria,<<strong>br</strong> />
se contra ele, e contra tudo,<<strong>br</strong> />
não tivesse um forte escudo<<strong>br</strong> />
só em Vossa Senhoria.<<strong>br</strong> />
Portanto, Senhor, proveja,<<strong>br</strong> />
pois me tem ao remo atado,<<strong>br</strong> />
que, antes que seja embarcado,<<strong>br</strong> />
eu <strong>de</strong>sembargado seja.<<strong>br</strong> />
108.<<strong>br</strong> />
Esparsa<<strong>br</strong> />
Quem no mundo quiser ser<<strong>br</strong> />
havido por singular,<<strong>br</strong> />
para mais se engran<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />
há-<strong>de</strong> trazer sempre o dar<<strong>br</strong> />
nas ancas do prometer.<<strong>br</strong> />
E já que vossa mercê<<strong>br</strong> />
largueza tem por divisa,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o todo mundo vê,<<strong>br</strong> />
há mister que tanto dê<<strong>br</strong> />
que o Autor mandou da ca<strong>de</strong>ia<<strong>br</strong> />
em que o tinha embargado por<<strong>br</strong> />
üa dívida Miguel Roiz, «Fios-Secos»<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> alcunha, que se embarcava para fora,<<strong>br</strong> />
ao Con<strong>de</strong> do Redondo, Vizo-Rei, pedindo-lhe<<strong>br</strong> />
o fizesse <strong>de</strong>sembargar<<strong>br</strong> />
a um fidaldo, na Índia, que lhe<<strong>br</strong> />
tardava <strong>com</strong> uma camisa galante,<<strong>br</strong> />
que lhe prometera
que venha [a] dar a camisa.<<strong>br</strong> />
36.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Quem põe suas confianças<<strong>br</strong> />
em meninas sem assento,<<strong>br</strong> />
ofereça o sofrimento<<strong>br</strong> />
a duzentas mil mudanças.<<strong>br</strong> />
Mostram no ar esperanças,<<strong>br</strong> />
mas em seus olhos se vê<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o não têm n'alma fé.<<strong>br</strong> />
Enganam ao parecer,<<strong>br</strong> />
porque, no caso <strong>de</strong> amar,<<strong>br</strong> />
são mulheres no matar<<strong>br</strong> />
e meninas no querer.<<strong>br</strong> />
Quem em seus olhos se crer,<<strong>br</strong> />
cem mil graças neles vê;<<strong>br</strong> />
vê-las, sim, mas não ter fé.<<strong>br</strong> />
Amostram-vos num momento<<strong>br</strong> />
favores assi a molhos;<<strong>br</strong> />
mas na mudança dos olhos<<strong>br</strong> />
se lhe muda o pensamento.<<strong>br</strong> />
Em nada têm assento,<<strong>br</strong> />
e o que mais neles se vê<<strong>br</strong> />
é fermosura sem fé.<<strong>br</strong> />
99.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Quem se confia em olhos,<<strong>br</strong> />
nas meninas <strong>de</strong>les vê,<<strong>br</strong> />
que meninas não têm fé.<<strong>br</strong> />
a uma Dama <strong>de</strong> apelido Anjos,<<strong>br</strong> />
que lhe chamou diabo<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Senhora, pois me chamais
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Quem quer que viu, ou que leu,<<strong>br</strong> />
terá por novo e mo<strong>de</strong>rno<<strong>br</strong> />
ter quem vive no Inferno<<strong>br</strong> />
o pensamento no Céu.<<strong>br</strong> />
Mas se a vós vos pareceu<<strong>br</strong> />
que me estava bem tal nome,<<strong>br</strong> />
esse diabo vos tome.<<strong>br</strong> />
Perdido mais que ninguém<<strong>br</strong> />
confesso, Senhora, ser;<<strong>br</strong> />
mas «diabo» não quer<<strong>br</strong> />
aos «Anjos» tamanho bem.<<strong>br</strong> />
Pois logo não me convém,<<strong>br</strong> />
ou se me convém tal nome<<strong>br</strong> />
será para que vos tome.<<strong>br</strong> />
Se vos benzeis <strong>com</strong> cautela,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o <strong>de</strong> Anjo, e não <strong>de</strong> luz,<<strong>br</strong> />
mal po<strong>de</strong> fugir da Cruz<<strong>br</strong> />
quem vós ten<strong>de</strong>s posto nela.<<strong>br</strong> />
Mas já que foi minha estrela,<<strong>br</strong> />
ser «diabo», e ter tal nome,<<strong>br</strong> />
guardai-vos, que vos não tome<<strong>br</strong> />
Já que chegais tanto ao cabo,<<strong>br</strong> />
co as mãos postas aos Céus,<<strong>br</strong> />
vou sempre pedindo a Deus<<strong>br</strong> />
que vos leve este «diabo».<<strong>br</strong> />
Eu, Senhora, não me gabo;<<strong>br</strong> />
mas, pois que me dais tal nome,<<strong>br</strong> />
tomo-o, para que vos tome.<<strong>br</strong> />
79.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
tão sem razão tão mau nome,<<strong>br</strong> />
inda o diabo vos tome,<<strong>br</strong> />
a üa Dama mal empregada<<strong>br</strong> />
MOTO SEU:
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Quem tão mal vos empregou,<<strong>br</strong> />
pouco <strong>de</strong> mi se doía,<<strong>br</strong> />
pois não viu quanto me ia<<strong>br</strong> />
em tirar-me o que tirou.<<strong>br</strong> />
O<strong>br</strong>iga o primor que tem<<strong>br</strong> />
lin<strong>de</strong>za tão extremada<<strong>br</strong> />
que digam quantos a vêm:<<strong>br</strong> />
— Fermosa e mal empregada!<<strong>br</strong> />
Tomastes da fermosura<<strong>br</strong> />
quanto <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sejastes,<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong> ela me guardastes<<strong>br</strong> />
para tão triste ventura.<<strong>br</strong> />
Matáveis sendo solteira,<<strong>br</strong> />
matais agora em casada;<<strong>br</strong> />
matais <strong>de</strong> toda a maneira;<<strong>br</strong> />
Fermosa e mal empregada!<<strong>br</strong> />
80.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Quem viveu sempre num ser,<<strong>br</strong> />
inda que seja em po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />
não viu o bem da riqueza,<<strong>br</strong> />
nem o mal <strong>de</strong> empo<strong>br</strong>ecer:<<strong>br</strong> />
não ganhou para per<strong>de</strong>r;<<strong>br</strong> />
mas ganhou <strong>com</strong> vida igual<<strong>br</strong> />
não ter bem nem sentir mal.<<strong>br</strong> />
Minina, não sei dizer,<<strong>br</strong> />
vendo vos tão acabada,<<strong>br</strong> />
quão triste estou por vos ver<<strong>br</strong> />
fermosa e mal empregada.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Há um bem que chega e foge;<<strong>br</strong> />
e chama-se este bem tal,<<strong>br</strong> />
ter bem para sentir mal.
039.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Querendo Amor escon<strong>de</strong>r-vos<<strong>br</strong> />
em parte que vos não visse,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> extremos <strong>de</strong> querer-vos<<strong>br</strong> />
cegou-me os olhos <strong>com</strong> ver-vos,<<strong>br</strong> />
levou-os, sem que vos visse.<<strong>br</strong> />
Eu, cego, mas atinado,<<strong>br</strong> />
quando vi que vos não via,<<strong>br</strong> />
do mesmo Amor indinado,<<strong>br</strong> />
já ve<strong>de</strong>s qual ficaria<<strong>br</strong> />
sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />
006.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
Querendo escrever um dia<<strong>br</strong> />
o mal que tanto estimei,<<strong>br</strong> />
cuidando no que poria,<<strong>br</strong> />
vi Amor que me dizia:<<strong>br</strong> />
escreve, que eu notarei.<<strong>br</strong> />
E <strong>com</strong>o para se ler<<strong>br</strong> />
não era história pequena<<strong>br</strong> />
a que <strong>de</strong> mim quis fazer,<<strong>br</strong> />
das asas tirou a pena<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que me fez escrever.<<strong>br</strong> />
E, logo <strong>com</strong>o a tirou,<<strong>br</strong> />
me disse: Aviva os espritos,<<strong>br</strong> />
que, pois em teu favor sou,<<strong>br</strong> />
esta pena que te dou<<strong>br</strong> />
fará voar teus escritos.<<strong>br</strong> />
E dando-me a pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />
tudo o que quis que pusesse,<<strong>br</strong> />
pu<strong>de</strong>, enfim, <strong>de</strong>le dizer<<strong>br</strong> />
que me <strong>de</strong>u <strong>com</strong> que escrevesse<<strong>br</strong> />
ao mesmo moto<<strong>br</strong> />
a uma Dama,<<strong>br</strong> />
em forma <strong>de</strong> carta
o que me <strong>de</strong>u a escrever.<<strong>br</strong> />
Eu, qu' este engano entendi,<<strong>br</strong> />
disse-lhe:—que escreverei ?<<strong>br</strong> />
Respon<strong>de</strong>u, dizendo assi:<<strong>br</strong> />
—Altos afeitos <strong>de</strong> ti,<<strong>br</strong> />
e daquela a quem te <strong>de</strong>i.<<strong>br</strong> />
E já que te manifesto<<strong>br</strong> />
todas minhas estranhezas,<<strong>br</strong> />
escreve, pois que te prezas,<<strong>br</strong> />
milagres dum claro gesto<<strong>br</strong> />
e, <strong>de</strong> quem o viu, tristezas.<<strong>br</strong> />
Ah! Senhora, em quem se apura,<<strong>br</strong> />
a fé <strong>de</strong> meu pensamento!<<strong>br</strong> />
Escutai e estai a tento,<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong> vossa fermosura,<<strong>br</strong> />
iguala Amor meu tormento.<<strong>br</strong> />
E, posto que tão remota<<strong>br</strong> />
estejais <strong>de</strong> me escutar,<<strong>br</strong> />
por me não remediar,<<strong>br</strong> />
ouvi, que, pois Amor nota,<<strong>br</strong> />
milagres se hão-<strong>de</strong> notar:<<strong>br</strong> />
Nota<<strong>br</strong> />
Escrevem vários autores,<<strong>br</strong> />
que, junto da clara fonte<<strong>br</strong> />
do Ganges, os moradores<<strong>br</strong> />
vivem do cheiro das flores<<strong>br</strong> />
que nascem naquele monte.<<strong>br</strong> />
Se os sentidos po<strong>de</strong>m dar<<strong>br</strong> />
mantimento ao viver,<<strong>br</strong> />
não é, logo, d'espantar,<<strong>br</strong> />
se estes vivem <strong>de</strong> cheirar,<<strong>br</strong> />
que viv' eu só <strong>de</strong> vos ver.<<strong>br</strong> />
üa árvore se conhece,<<strong>br</strong> />
que, na geral alegria,<<strong>br</strong> />
ela só tanto entristece, que,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o é noite, florece,<<strong>br</strong> />
e per<strong>de</strong> as flores <strong>de</strong> dia.<<strong>br</strong> />
Eu, que em ver-vos sinto o preço<<strong>br</strong> />
que em vossa vista consiste,<<strong>br</strong> />
em a vendo me entristeço,<<strong>br</strong> />
porque sei que não mereço
a glória <strong>de</strong> viver triste.<<strong>br</strong> />
Um rei <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> veneno foi criado,<<strong>br</strong> />
porque, sendo costumado,<<strong>br</strong> />
não lhe pu<strong>de</strong>sse empecer<<strong>br</strong> />
se <strong>de</strong>spois lhe fosse dado.<<strong>br</strong> />
Eu, que criei <strong>de</strong> pequena<<strong>br</strong> />
a vida a quanto pa<strong>de</strong>ce,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sta sorte me acontece,<<strong>br</strong> />
que não me faz mal a pena<<strong>br</strong> />
senão quando me falece.<<strong>br</strong> />
Quem da doença real,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> longe, enfermo se sente,<<strong>br</strong> />
por segredo natural<<strong>br</strong> />
fica são, vendo somente<<strong>br</strong> />
um volátil animal.<<strong>br</strong> />
Do mal que Amor em mim cria,<<strong>br</strong> />
quando aquela Fénix vejo,<<strong>br</strong> />
são <strong>de</strong> todo ficaria;<<strong>br</strong> />
mas fica-me hidropesia,<<strong>br</strong> />
que quanto mais, mais <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />
Da bívora é verda<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />
se a consorte vai buscar,<<strong>br</strong> />
que, em se querendo juntar,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixa a peçonha primeiro,<<strong>br</strong> />
porque lhe impe<strong>de</strong> o gerar.<<strong>br</strong> />
Assi quando me apresento<<strong>br</strong> />
à vossa vista inumana,<<strong>br</strong> />
a peçonha do tormento<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixo a parte, porque dana<<strong>br</strong> />
tamanho contentamento.<<strong>br</strong> />
Querendo Amor sustentar-se,<<strong>br</strong> />
fez üa vonta<strong>de</strong> esquiva<<strong>br</strong> />
düa estátua namorar-se;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>spois, por manifestar-se,<<strong>br</strong> />
converteu-a em mulher viva.<<strong>br</strong> />
De quem me irei queixando,<<strong>br</strong> />
ou quem direi que m'engana,<<strong>br</strong> />
se vou seguindo e buscando<<strong>br</strong> />
üa imagem que, <strong>de</strong> humana,<<strong>br</strong> />
em pedra se vai tornando?<<strong>br</strong> />
De üa fonte se sabia,
da qual certo se provava<<strong>br</strong> />
que, quem so<strong>br</strong>' ela jurava,<<strong>br</strong> />
se falsida<strong>de</strong> dizia,<<strong>br</strong> />
dos olhos logo cegava.<<strong>br</strong> />
Vós, que minha liberda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
Senhora, tiranizais,<<strong>br</strong> />
injustamente mandais<<strong>br</strong> />
quando vos falo verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
que vos não possa ver mais.<<strong>br</strong> />
Da palma se escreve e canta<<strong>br</strong> />
ser tão dura e tão forçosa,<<strong>br</strong> />
que peso não a que<strong>br</strong>anta,<<strong>br</strong> />
mas antes, <strong>de</strong> presunçosa,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> ele mais se levanta.<<strong>br</strong> />
Co peso do mal que dais,<<strong>br</strong> />
a constancia que em mim vejo<<strong>br</strong> />
não somente ma do<strong>br</strong>ais,<<strong>br</strong> />
mas do<strong>br</strong>a-se meu <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que então vos quero mais.<<strong>br</strong> />
Se alguém os olhos quiser<<strong>br</strong> />
as andorinhas que<strong>br</strong>ar,<<strong>br</strong> />
logo a mãe, sem se <strong>de</strong>ter,<<strong>br</strong> />
üa erva lhe vai buscar,<<strong>br</strong> />
que lhe faz outros nascer.<<strong>br</strong> />
Eu, que os olhos tenho a tento<<strong>br</strong> />
nos vossos, que estrelas são,<<strong>br</strong> />
cegam-se os do entendimento,<<strong>br</strong> />
mas nascem-me os da razão<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> folgar <strong>com</strong> meu tormento.<<strong>br</strong> />
Lá para on<strong>de</strong> o sol sai<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos, navegando,<<strong>br</strong> />
um novo rio admirando,<<strong>br</strong> />
que o lenho que nele cai,<<strong>br</strong> />
em pedra se vai tornando.<<strong>br</strong> />
Não se espantem disto as gentes;<<strong>br</strong> />
mais razão será que espante<<strong>br</strong> />
um coração tão possante<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong> lágrimas ar<strong>de</strong>ntes,<<strong>br</strong> />
se converte em diamante.<<strong>br</strong> />
Po<strong>de</strong> um mudo nadador<<strong>br</strong> />
na linha e cana influir<<strong>br</strong> />
tão venenoso vigor<<strong>br</strong> />
que faz mais não se bulir
o <strong>br</strong>aço do pescador.<<strong>br</strong> />
Se <strong>com</strong>eçam <strong>de</strong> beber<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ste veneno excelente<<strong>br</strong> />
meus olhos, sem se <strong>de</strong>ter,<<strong>br</strong> />
não se sanem mais mover<<strong>br</strong> />
a nada que se apresente.<<strong>br</strong> />
Isto são claros sinais<<strong>br</strong> />
do muito que em mim po<strong>de</strong>is:<<strong>br</strong> />
nem po<strong>de</strong>is <strong>de</strong>sejar mais;<<strong>br</strong> />
que, se ver-vos <strong>de</strong>sejais,<<strong>br</strong> />
em mim claro vos vereis.<<strong>br</strong> />
E quereis ver a que fim<<strong>br</strong> />
em mim tanto bem se pôs?<<strong>br</strong> />
Porque quis Amor assim<<strong>br</strong> />
que, por vos ver<strong>de</strong>s a vós,<<strong>br</strong> />
também me vísseis a mim.<<strong>br</strong> />
Dos males que me or<strong>de</strong>nais,<<strong>br</strong> />
que inda tenho por pequenos,<<strong>br</strong> />
sabei, se mos escutais,<<strong>br</strong> />
que ja não sei dizer mais,<<strong>br</strong> />
nem vós po<strong>de</strong>is saber menos.<<strong>br</strong> />
Mas já que a tanto tormento<<strong>br</strong> />
não se acha quem resista,<<strong>br</strong> />
eu, Senhora, me contento<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ter<strong>de</strong>s meu sofrimento<<strong>br</strong> />
por alvo <strong>de</strong> vossa vista.<<strong>br</strong> />
Quantos contrários consente<<strong>br</strong> />
Amor, por mais pa<strong>de</strong>cer!<<strong>br</strong> />
Que aquela vista excelente,<<strong>br</strong> />
que me faz viver contente,<<strong>br</strong> />
me faça tão triste ser!<<strong>br</strong> />
Mas dou este entendimento<<strong>br</strong> />
ao mal que tanto me ofen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o na vela se enten<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
que, se se apaga co vento,<<strong>br</strong> />
co mesmo vento se acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Exprimentou-se algüa hora<<strong>br</strong> />
da ave que chamam Camão,<<strong>br</strong> />
que, se da casa on<strong>de</strong> mora<<strong>br</strong> />
vê adúltera a senhora,<<strong>br</strong> />
morre <strong>de</strong> pura paixão.<<strong>br</strong> />
A dor é tão sem medida,<<strong>br</strong> />
que remédio lhe não val;
mas, oh ditoso animal,<<strong>br</strong> />
que po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a vida<<strong>br</strong> />
quando vê tamanho mal!<<strong>br</strong> />
Nos gostos <strong>de</strong> vos querer<<strong>br</strong> />
estava agora enlevado,<<strong>br</strong> />
se não fora salteado<<strong>br</strong> />
das lem<strong>br</strong>anças <strong>de</strong> temer<<strong>br</strong> />
ser por outrem <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />
Estas suspeitas tão frias,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que o pensamento sonha,<<strong>br</strong> />
são assi <strong>com</strong>o as Harpias,<<strong>br</strong> />
que as mais doces iguarias,<<strong>br</strong> />
vão converter em peçonha.<<strong>br</strong> />
Faz-me este mal infinito<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong>r já mais dizer,<<strong>br</strong> />
por não vir a corromper<<strong>br</strong> />
os gostos que tenho escrito<<strong>br</strong> />
cos males que hei-<strong>de</strong> escrever.<<strong>br</strong> />
Não quero que se apregoe<<strong>br</strong> />
mal tanto para enco<strong>br</strong>ir,<<strong>br</strong> />
porque, enquanto aqui se ouvir,<<strong>br</strong> />
nenhüa outra coisa soe<<strong>br</strong> />
que a glória <strong>de</strong> vos servir.<<strong>br</strong> />
107.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Querer<strong>de</strong>s profano amor<<strong>br</strong> />
em Coresma, é consciência:<<strong>br</strong> />
açoutes e penitência<<strong>br</strong> />
vos está muito milhor.<<strong>br</strong> />
a üa mulher que foi açoutada<<strong>br</strong> />
por um homem <strong>de</strong> apelido<<strong>br</strong> />
Quaresma, na Índia<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Não estejais agravada,<<strong>br</strong> />
senão se for <strong>de</strong> vós mesma;<<strong>br</strong> />
porque a mulher que é errada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> razão pela Coresma<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sciprinada.
Não fiqueis disto afrontada,<<strong>br</strong> />
pois a culpa é vossa mesma;<<strong>br</strong> />
que mulher que é tão malvada<<strong>br</strong> />
é bem que pela Coresma<<strong>br</strong> />
seja bem <strong>de</strong>sciprinada.<<strong>br</strong> />
Se a penitência vos val,<<strong>br</strong> />
mui bem açoutada estais;<<strong>br</strong> />
pois por Coresma pagais<<strong>br</strong> />
vossos vícios do carnal.<<strong>br</strong> />
Não torneis a ser errada,<<strong>br</strong> />
nem con<strong>de</strong>neis a vós mesma,<<strong>br</strong> />
pois estais já emendada;<<strong>br</strong> />
e não sereis por Coresma<<strong>br</strong> />
outra vez <strong>de</strong>sciprinada.<<strong>br</strong> />
090.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Reinando Amor em dous peitos,<<strong>br</strong> />
tece tantas falsida<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
que, <strong>de</strong> conformes vonta<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />
faz <strong>de</strong>sconformes efeitos.<<strong>br</strong> />
Igualmente vive em nós;<<strong>br</strong> />
mas, por <strong>de</strong>sconcerto seu,<<strong>br</strong> />
vos leva, se venho eu,<<strong>br</strong> />
me leva, se vin<strong>de</strong>s vós.<<strong>br</strong> />
061.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a üa Dama a quem<<strong>br</strong> />
não podia encontrar<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Qual terá culpa <strong>de</strong> nós<<strong>br</strong> />
neste mal que todo é meu?<<strong>br</strong> />
quando vin<strong>de</strong>s, não vou eu,<<strong>br</strong> />
quando vou, não vin<strong>de</strong>s vós<<strong>br</strong> />
a üa Dama que estava
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong> dó vestida andais<<strong>br</strong> />
por quem já vida não tem,<<strong>br</strong> />
porque não no haveis <strong>de</strong> quem<<strong>br</strong> />
vós tantas vezes matais?<<strong>br</strong> />
Que <strong>br</strong>ado sem ser ouvido,<<strong>br</strong> />
e nunca vejo senão<<strong>br</strong> />
cruezas no coração,<<strong>br</strong> />
e gran<strong>de</strong> dó no vestido.<<strong>br</strong> />
018.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong>rivais da verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
esta palavra Sitim,<<strong>br</strong> />
achareis, sem falsida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
que após o Si, tem o Tim,<<strong>br</strong> />
que tine em toda a cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Bem vejo que me enten<strong>de</strong>is;<<strong>br</strong> />
mas porque não fale em vão,<<strong>br</strong> />
sabei que a esta nação<<strong>br</strong> />
tanto que o Si conce<strong>de</strong>is<<strong>br</strong> />
o Tim logo está na mão.<<strong>br</strong> />
E quem da fama se arreda,<<strong>br</strong> />
que tudo vai <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ve sempre <strong>de</strong> fugir<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> sitins, porque da seda<<strong>br</strong> />
seu natural é rugir.<<strong>br</strong> />
Mas pano fino e <strong>de</strong>lgado,<<strong>br</strong> />
qual raxa e outros assi,<<strong>br</strong> />
dura, aquenta e é calado,<<strong>br</strong> />
vestida <strong>de</strong> dó<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
De atormentado e perdido,<<strong>br</strong> />
já vos não peço senão<<strong>br</strong> />
que tenhais no coração<<strong>br</strong> />
o que ten<strong>de</strong>s no vestido.<<strong>br</strong> />
a üa Senhora a quem <strong>de</strong>ram um<<strong>br</strong> />
pedaço <strong>de</strong> cetim amarelo pera hüa<<strong>br</strong> />
filha <strong>de</strong> quem se tinha suspeita
amoroso, e dá <strong>de</strong> si,<<strong>br</strong> />
mais que sitim, nem borcado.<<strong>br</strong> />
Mas estes, que sedas são<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> quem s'enganam mil Damas,<<strong>br</strong> />
mais vos tomam do que dão;<<strong>br</strong> />
prometem, mas não darão<<strong>br</strong> />
senão nódoas para as famas.<<strong>br</strong> />
E se não me quereis crer,<<strong>br</strong> />
ou tomais outro caminho,<<strong>br</strong> />
por exemplo o po<strong>de</strong>is ver,<<strong>br</strong> />
quando lá vir<strong>de</strong>s ar<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
a casa <strong>de</strong> algum vezinho.<<strong>br</strong> />
Ó feminina simpreza,<<strong>br</strong> />
don<strong>de</strong> estão culpas a pares,<<strong>br</strong> />
que por um Dom <strong>de</strong> no<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixam dões <strong>de</strong> natureza,<<strong>br</strong> />
mais altos e singulares<<strong>br</strong> />
—um dom que anda enxertado<<strong>br</strong> />
no nome, e nas o<strong>br</strong>as não!—<<strong>br</strong> />
(Falo <strong>com</strong>o exprimentado;<<strong>br</strong> />
que, sitim <strong>de</strong>sta feição,<<strong>br</strong> />
eu tenho muito cortado.)<<strong>br</strong> />
Dizem-me que era amarelo;<<strong>br</strong> />
a quem assi o quis dar,<<strong>br</strong> />
só para me Deus vingar,<<strong>br</strong> />
se vem à mão, amarelo,<<strong>br</strong> />
o que eu não posso cuidar.<<strong>br</strong> />
Porque quem sabe viver<<strong>br</strong> />
por estas artes manhosas<<strong>br</strong> />
(isto bem po<strong>de</strong> não ser),<<strong>br</strong> />
dá a mininas fermosas<<strong>br</strong> />
somente polas fazer.<<strong>br</strong> />
Quem vos isto diz, Senhora,<<strong>br</strong> />
serviu nas vossas armadas<<strong>br</strong> />
muito, mas anda já fora;<<strong>br</strong> />
e po<strong>de</strong> ser que inda agora<<strong>br</strong> />
traz abertas as frechadas.<<strong>br</strong> />
E, posto que <strong>de</strong>sfavores<<strong>br</strong> />
o tiram <strong>de</strong> servidor,<<strong>br</strong> />
quer-vos ventura milhor;<<strong>br</strong> />
que dos antigos amores<<strong>br</strong> />
inda lhe fica este amor.
021.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
morrerei ou não,<<strong>br</strong> />
meus olhos dirão<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mim a verda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Por eles me atrevo<<strong>br</strong> />
a lançar as águas<<strong>br</strong> />
que mostrem as mágoas<<strong>br</strong> />
que nesta alma levo.<<strong>br</strong> />
As águas que em vão<<strong>br</strong> />
me fazem chorar,<<strong>br</strong> />
se elas são do mar<<strong>br</strong> />
estas d'amar são.<<strong>br</strong> />
Por elas relevo<<strong>br</strong> />
todas minhas mágoas;<<strong>br</strong> />
que, se força d'águas<<strong>br</strong> />
me leva, eu as levo.<<strong>br</strong> />
Todas me entristecem,<<strong>br</strong> />
todas são salgadas;<<strong>br</strong> />
porém as choradas<<strong>br</strong> />
doces me parecem.<<strong>br</strong> />
Correi, doces águas,<<strong>br</strong> />
que, se em vós me enlevo,<<strong>br</strong> />
não doem as mágoas<<strong>br</strong> />
que no peito levo!<<strong>br</strong> />
076.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este mato alheio:<<strong>br</strong> />
Se me levam águas<<strong>br</strong> />
nos olhos as levo.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Ve<strong>de</strong> bem se nos meus dias<<strong>br</strong> />
os <strong>de</strong>sgostos vi sobejos,<<strong>br</strong> />
pois tenho medo a <strong>de</strong>sejos
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se <strong>de</strong>sejos fui já ter,<<strong>br</strong> />
serviram <strong>de</strong> atormentar-me;<<strong>br</strong> />
se algum pô<strong>de</strong> alegrar-me,<<strong>br</strong> />
quis-me antes entristecer.<<strong>br</strong> />
Passei anos, passei dias,<<strong>br</strong> />
em <strong>de</strong>sgostos tão sobejas<<strong>br</strong> />
que, só por não ter <strong>de</strong>sejos,<<strong>br</strong> />
per<strong>de</strong>rei mil alegrias.<<strong>br</strong> />
087.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se me for, e vos <strong>de</strong>ixar<<strong>br</strong> />
(ponho, por caso, que possa),<<strong>br</strong> />
esta alma minha, que é vossa,<<strong>br</strong> />
convosco me há-<strong>de</strong> ficar.<<strong>br</strong> />
Assi que, só por levar<<strong>br</strong> />
a minh'alma, se me for,<<strong>br</strong> />
vos levarei, meu amor.<<strong>br</strong> />
Que mal po<strong>de</strong> maltratar-me<<strong>br</strong> />
que convosco seja mal?<<strong>br</strong> />
Ou que bem po<strong>de</strong> ser tal<<strong>br</strong> />
que sem vós possa alegrar-me?<<strong>br</strong> />
O mal não po<strong>de</strong> enojar-me,<<strong>br</strong> />
o bem me será maior<<strong>br</strong> />
se vos levar, meu amor.<<strong>br</strong> />
097.<<strong>br</strong> />
Esparsa<<strong>br</strong> />
e quero mal a alegrias.<<strong>br</strong> />
a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />
Se me <strong>de</strong>sta terra for,<<strong>br</strong> />
eu vos levarei, amor.
Se na alma e no pensamento<<strong>br</strong> />
por vosso me manifesto,<<strong>br</strong> />
não me pesa do que sento;<<strong>br</strong> />
que, se não sofrer tormento,<<strong>br</strong> />
faço ofensa a vosso gesto.<<strong>br</strong> />
E, pois quanto Amor or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />
e quanto esta alma <strong>de</strong>seja<<strong>br</strong> />
tudo à morte me con<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
não quero senão que seja<<strong>br</strong> />
tudo pena, pena, pena.<<strong>br</strong> />
113.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
A primeira iguaria foi posta<<strong>br</strong> />
a Casco <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. entre dous pratos,<<strong>br</strong> />
e diria assim:<<strong>br</strong> />
Se não quereis pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />
üa ou duas horas tristes,<<strong>br</strong> />
sabeis que haveis <strong>de</strong> fazer?<<strong>br</strong> />
Volveros por do venistes,<<strong>br</strong> />
que aqui não há que <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />
E posto que aqui leiais<<strong>br</strong> />
trovinha que vos enleia,<<strong>br</strong> />
corrido não estejais;<<strong>br</strong> />
porque por mais que corrais<<strong>br</strong> />
não heis-<strong>de</strong> alcançar a ceia.<<strong>br</strong> />
A segunda, a D. Franeisco d'Almeida:<<strong>br</strong> />
Heliogábalo zombava<<strong>br</strong> />
das pessoas convidadas,<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong> sorte as enganava<<strong>br</strong> />
que as iguarias que dava<<strong>br</strong> />
vinham nos pratos pintadas.<<strong>br</strong> />
Não temais tal travessura,<<strong>br</strong> />
pois já não po<strong>de</strong> ser nova;<<strong>br</strong> />
a üa Dama por quem penava<<strong>br</strong> />
que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> fez, na Índia,<<strong>br</strong> />
a certos fidalgos a quem convidara para cear
que a ceia está mui segura<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vos não vir em pintura,<<strong>br</strong> />
mas há-<strong>de</strong> vir toda em trova.<<strong>br</strong> />
A terecira, a Heitor da Silveira:<<strong>br</strong> />
Ceia não a papareis;<<strong>br</strong> />
contudo, porque não minta,<<strong>br</strong> />
para beber achareis,<<strong>br</strong> />
não Caparica, mas tinta,<<strong>br</strong> />
e mil cousas que papeis.<<strong>br</strong> />
E vós torceis o focinho,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> esta anfibologia?<<strong>br</strong> />
Pois sabei que a Poesia<<strong>br</strong> />
vos dá aqui tinta por vinho,<<strong>br</strong> />
e papéis por iguaria.<<strong>br</strong> />
A quarta foi posta a João Lopes Leitão,<<strong>br</strong> />
a quem o Autor mandou um moto,<<strong>br</strong> />
que vai adiante, so<strong>br</strong>e uma peça<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> cacha, que este mandas ü a da Dama:<<strong>br</strong> />
Porque os que vos convidaram<<strong>br</strong> />
vosso estâmago não danem,<<strong>br</strong> />
por justa causa or<strong>de</strong>naram,<<strong>br</strong> />
se trovas vos enganaram,<<strong>br</strong> />
que trovas vos <strong>de</strong>senganem.<<strong>br</strong> />
Vós tereis isto por tacha,<<strong>br</strong> />
converter tudo em trovar;<<strong>br</strong> />
pois se me vir<strong>de</strong>s zombar,<<strong>br</strong> />
não cui<strong>de</strong>is, Senhor, que é cacha,<<strong>br</strong> />
que aqui não há cachar.<<strong>br</strong> />
Finge que, respon<strong>de</strong> João Lopes Leitão:<<strong>br</strong> />
Pesar ora não <strong>de</strong> São!<<strong>br</strong> />
Eu juro pelo Céu bento<<strong>br</strong> />
se <strong>de</strong> <strong>com</strong>er me não dão,<<strong>br</strong> />
que eu não sou camaleão<<strong>br</strong> />
que me hei-<strong>de</strong> manter do vento.<<strong>br</strong> />
Finge que respon<strong>de</strong> o Autor:<<strong>br</strong> />
Senhor, não vos agasteis,<<strong>br</strong> />
porque Deus vos proverá;<<strong>br</strong> />
e se mais saber quereis,<<strong>br</strong> />
nas costas <strong>de</strong>ste lereis
as iguarias que há.<<strong>br</strong> />
Vira o papel, que dizia assi:<<strong>br</strong> />
Ten<strong>de</strong>s nem migalha assada,<<strong>br</strong> />
cousa ne~nua <strong>de</strong> molho,<<strong>br</strong> />
e nada feito em empada,<<strong>br</strong> />
e vento <strong>de</strong> tigelada,<<strong>br</strong> />
picar no <strong>de</strong>nte em remalho.<<strong>br</strong> />
De fumo ten<strong>de</strong>s tassalhos,<<strong>br</strong> />
aves da pena que sente<<strong>br</strong> />
quem <strong>de</strong> fome anda doente;<<strong>br</strong> />
bocejar <strong>de</strong> vinho e <strong>de</strong> alhos,<<strong>br</strong> />
manjar em <strong>br</strong>anco excelente.<<strong>br</strong> />
A quinta e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira iguaria foi posta<<strong>br</strong> />
a Francisco <strong>de</strong> Melo e dizia:<<strong>br</strong> />
De um homem que teve o ceptro<<strong>br</strong> />
da veia maravilhosa,<<strong>br</strong> />
não foi cousa duvidosa<<strong>br</strong> />
que se lhe tornava em metro<<strong>br</strong> />
o que ia a dizer em prosa.<<strong>br</strong> />
De mim vos quero apostar<<strong>br</strong> />
que faça cousas mais novas<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> quanto po<strong>de</strong>is cuidar:<<strong>br</strong> />
esta ceia, que é manjar,<<strong>br</strong> />
vos faça na boca em trovas.<<strong>br</strong> />
034.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Se só no ver puramente<<strong>br</strong> />
me transformei no que vi,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vista tão excelente<<strong>br</strong> />
mal po<strong>de</strong>rei ser ausente<<strong>br</strong> />
enquanto o não for <strong>de</strong> mi.<<strong>br</strong> />
Porque a alma namorada<<strong>br</strong> />
a traz tão bem <strong>de</strong>buxada,<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Vejo-a n'alma pintada<<strong>br</strong> />
quando me pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
o natural que não vejo.
e a memória tanto voa<<strong>br</strong> />
que se a não vejo em pessoa,<<strong>br</strong> />
vejo-a n'alma pintada.<<strong>br</strong> />
O <strong>de</strong>sejo, que se esten<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
ao que menos se conce<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e vós pe<strong>de</strong> e preten<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o o doente que pe<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
o que mais se lhe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Eu, que em ausência não vejo,<<strong>br</strong> />
tenho piada<strong>de</strong> e pejo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> me ver tão po<strong>br</strong>e estar,<<strong>br</strong> />
que então não tenho que dar<<strong>br</strong> />
quando me pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
Como aquele que cegou<<strong>br</strong> />
é cousa vista e notória<<strong>br</strong> />
que a natureza or<strong>de</strong>nou<<strong>br</strong> />
que se lhe do<strong>br</strong>e em memória<<strong>br</strong> />
o que em vista lhe faltou;<<strong>br</strong> />
assi a mim, que não rejo<<strong>br</strong> />
os olhos ao que <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />
na memória e na firmeza<<strong>br</strong> />
me conce<strong>de</strong> a natureza<<strong>br</strong> />
o natural que não vejo.<<strong>br</strong> />
025.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se trocar <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />
o amor entre nós,<<strong>br</strong> />
é para que em vós<<strong>br</strong> />
vejais o que vejo.<<strong>br</strong> />
E sendo trocado<<strong>br</strong> />
este amor <strong>com</strong>igo,<<strong>br</strong> />
ser-vos-á castigo<<strong>br</strong> />
a este mato alheio:<<strong>br</strong> />
Trocai o cuidado,<<strong>br</strong> />
Senhora, <strong>com</strong>igo;<<strong>br</strong> />
vereis o perigo<<strong>br</strong> />
que é ser <strong>de</strong>samado.
ter<strong>de</strong>s meu cuidado.<<strong>br</strong> />
Ten<strong>de</strong>s o sentido<<strong>br</strong> />
d'amor livre e isento;<<strong>br</strong> />
e cuidais que é vento<<strong>br</strong> />
ser tão mal querido.<<strong>br</strong> />
Não seja o cuidado<<strong>br</strong> />
tão vosso inimigo<<strong>br</strong> />
que queira o perigo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />
Mas nunca foi tal<<strong>br</strong> />
este meu querer,<<strong>br</strong> />
que a quem tanto quer<<strong>br</strong> />
queira tanto mal.<<strong>br</strong> />
Seja eu maltratado,<<strong>br</strong> />
e nunca o castigo<<strong>br</strong> />
vos mostre o perigo<<strong>br</strong> />
que é ser <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />
050.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Se vos quereis embarcar<<strong>br</strong> />
e para isso estais no cais,<<strong>br</strong> />
entrai logo; que tardais?<<strong>br</strong> />
Olhai que está preiamar!<<strong>br</strong> />
E se outrem, por vos fretar,<<strong>br</strong> />
vos disser que esta que pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
dir-lhe hei, mana, que mente.<<strong>br</strong> />
Esta barca é <strong>de</strong> carreira,<<strong>br</strong> />
tem seus aparelhos novos;<<strong>br</strong> />
não há <strong>com</strong>o ela outra em Povos,<<strong>br</strong> />
boa <strong>de</strong> leme e veleira.<<strong>br</strong> />
Mas, se por ser a primeira,<<strong>br</strong> />
vos disser alguém que pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
dir-lhe hei, mana, que mente.<<strong>br</strong> />
este moto:<<strong>br</strong> />
Quem disser que a barca pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
dir-lhe hei, mana, que mente.
098.<<strong>br</strong> />
Esparsa<<strong>br</strong> />
Sem olhos vi o mal claro<<strong>br</strong> />
que dos olhos se seguiu:<<strong>br</strong> />
pois «cara-sem-olhos» viu<<strong>br</strong> />
olhos que lhe custam caro.<<strong>br</strong> />
De olhos não faço menção,<<strong>br</strong> />
pois quereis que olhos neo sejam;<<strong>br</strong> />
vendo-vos, olhos sobejam,<<strong>br</strong> />
não vos vendo olhos não são.<<strong>br</strong> />
114.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Sendo os restos envidados<<strong>br</strong> />
e vós <strong>de</strong> cachas mil contos,<<strong>br</strong> />
sabeis <strong>com</strong> quão poucos pontos<<strong>br</strong> />
que lhos achastes que<strong>br</strong>ados.<<strong>br</strong> />
Se o que tem, isso vos dá,<<strong>br</strong> />
vós mui bem lho merecestes,<<strong>br</strong> />
porque, se a cacha lhe <strong>de</strong>stes,<<strong>br</strong> />
tinha-vo-la feita já.<<strong>br</strong> />
a üa Dama que lhe chamou<<strong>br</strong> />
«cara-sem-olhos»<<strong>br</strong> />
a João Lopez, Leitão, na Índia,<<strong>br</strong> />
por causa <strong>de</strong>~ua peça <strong>de</strong> cacha<<strong>br</strong> />
que este mandou a ~ua Dama<<strong>br</strong> />
que se lhe fazia donzela<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Se vossa dama vos dá<<strong>br</strong> />
tudo quanto vós quisestes,<<strong>br</strong> />
dizei: para que lhe <strong>de</strong>stes<<strong>br</strong> />
o que vos ela fez já?
001.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Senhora, se eu alcançasse<<strong>br</strong> />
no tempo que ler quereis,<<strong>br</strong> />
que a dita dos meus papéis<<strong>br</strong> />
pola minha se trocasse;<<strong>br</strong> />
e por ver<<strong>br</strong> />
tudo o que posso escrever<<strong>br</strong> />
em mais <strong>br</strong>eve relação,<<strong>br</strong> />
indo eu on<strong>de</strong> eles vão,<<strong>br</strong> />
por mim só quisésseis ler;<<strong>br</strong> />
Depois <strong>de</strong> ver um cuidado<<strong>br</strong> />
tão contente <strong>de</strong> seu mal,<<strong>br</strong> />
veríeis o natural<<strong>br</strong> />
do que aqui ve<strong>de</strong>s pintado;<<strong>br</strong> />
que o perfeito<<strong>br</strong> />
Amor, <strong>de</strong> que sou sujeito,<<strong>br</strong> />
vereis áspero e cruel,<<strong>br</strong> />
aqui <strong>com</strong> tinta e papel,<<strong>br</strong> />
em mim co sangue no peito.<<strong>br</strong> />
Que um contino imaginar<<strong>br</strong> />
naquilo que Amor or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
é pena que, enfim, por pena<<strong>br</strong> />
se não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar;<<strong>br</strong> />
que, se eu levo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ntro n'alma quanto <strong>de</strong>vo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> trasladar em papéis,<<strong>br</strong> />
ve<strong>de</strong> qual melhor lereis:<<strong>br</strong> />
se a mim, se aquilo que escrevo?<<strong>br</strong> />
095.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a uma Dama que lhe mandou<<strong>br</strong> />
pedir algumas o<strong>br</strong>as suas<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Dó la mi ventura?<<strong>br</strong> />
Que no veo alguna.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Sepa quién pa<strong>de</strong>ce<<strong>br</strong> />
que en la sepultura<<strong>br</strong> />
se escon<strong>de</strong> ventura <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
quién la merece.<<strong>br</strong> />
Allá me parece<<strong>br</strong> />
que quiere fortuna<<strong>br</strong> />
que yo halle alguna.<<strong>br</strong> />
Naciendo mezquino,<<strong>br</strong> />
dolor fué mi cama;<<strong>br</strong> />
tristeza fué el ama,<<strong>br</strong> />
cuidado el padrino.<<strong>br</strong> />
Vestióse el <strong>de</strong>stino,<<strong>br</strong> />
negra vestidura;<<strong>br</strong> />
huyó la ventura.<<strong>br</strong> />
No se halló tormento,<<strong>br</strong> />
que allí no se hallase;<<strong>br</strong> />
ni bien que pasase,<<strong>br</strong> />
sino <strong>com</strong>o viento.<<strong>br</strong> />
¡Oh, que nacimiento,<<strong>br</strong> />
que luego en la cuna<<strong>br</strong> />
me seguió fortuna!<<strong>br</strong> />
Esta dicha mía,<<strong>br</strong> />
que siempre busqué,<<strong>br</strong> />
buscandola, hallé<<strong>br</strong> />
que no la hallaría;<<strong>br</strong> />
que quién nace en día<<strong>br</strong> />
d'estrella tan dura,<<strong>br</strong> />
nunca halla ventura.<<strong>br</strong> />
No puso mi estrella<<strong>br</strong> />
más ventura en mí;<<strong>br</strong> />
así vive en fin<<strong>br</strong> />
quién nace sin ella.<<strong>br</strong> />
No me quejo <strong>de</strong>lla;<<strong>br</strong> />
quéjome que atura<<strong>br</strong> />
vida tan escura.<<strong>br</strong> />
118.<<strong>br</strong> />
SUPER FLUMINA ...
Sôbolos rios que vão<<strong>br</strong> />
por Babilónia, m'achei,<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> sentado chorei<<strong>br</strong> />
as lem<strong>br</strong>anças <strong>de</strong> Sião<<strong>br</strong> />
e quanto nela passei.<<strong>br</strong> />
Ali o rio corrente<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> meus olhos foi manado,<<strong>br</strong> />
e tudo bem <strong>com</strong>parado,<<strong>br</strong> />
Babilónia ao mal presente,<<strong>br</strong> />
Sião ao tempo passado.<<strong>br</strong> />
Ali, lem<strong>br</strong>anças contentes<<strong>br</strong> />
n'alma se representaram,<<strong>br</strong> />
e minhas cousas ausentes<<strong>br</strong> />
se fizeram tão presentes<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o se nunca passaram.<<strong>br</strong> />
Ali, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> acordado,<<strong>br</strong> />
co rosto banhado em água,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ste sonho imaginado,<<strong>br</strong> />
vi que todo o bem passado<<strong>br</strong> />
não é gosto, mas é mágoa.<<strong>br</strong> />
E vi que todos os danos<<strong>br</strong> />
se causavam das mudanças<<strong>br</strong> />
e as mudanças dos anos;<<strong>br</strong> />
on<strong>de</strong> vi quantos enganos<<strong>br</strong> />
faz o tempo às esperanças.<<strong>br</strong> />
Ali vi o maior bem<<strong>br</strong> />
quão pouco espaço que dura,<<strong>br</strong> />
o mal quão <strong>de</strong>pressa vem,<<strong>br</strong> />
e quão triste estado tem<<strong>br</strong> />
quem se fia da ventura.<<strong>br</strong> />
Vi aquilo que mais val,<<strong>br</strong> />
que então se enten<strong>de</strong> milhor<<strong>br</strong> />
quanto mais perdido for;<<strong>br</strong> />
vi o bem suce<strong>de</strong>r mal,<<strong>br</strong> />
e o mal, muito pior.<<strong>br</strong> />
E vi <strong>com</strong> muito trabalho<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar arrependimento;<<strong>br</strong> />
vi nenhum contentamento,<<strong>br</strong> />
e vejo-me a mim, que espalho<<strong>br</strong> />
tristes palavras ao vento.<<strong>br</strong> />
Bem são rios estas águas,
<strong>com</strong> que banho este papel;<<strong>br</strong> />
bem parece ser cruel<<strong>br</strong> />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mágoas<<strong>br</strong> />
e confusão <strong>de</strong> Babel.<<strong>br</strong> />
Como homem que, por exemplo<<strong>br</strong> />
dos transes em que se achou,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>spois que a guerra <strong>de</strong>ixou,<<strong>br</strong> />
pelas pare<strong>de</strong>s do templo<<strong>br</strong> />
suas armas pendurou:<<strong>br</strong> />
Assi, <strong>de</strong>spois que assentei<<strong>br</strong> />
que tudo o tempo gastava,<<strong>br</strong> />
da tristeza que tomei nos<<strong>br</strong> />
salgueiros pendurei os órgãos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que cantava.<<strong>br</strong> />
Aquele instrumento ledo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixei da vida passada,<<strong>br</strong> />
dizendo:—Música amada,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ixo-vos neste arvoredo<<strong>br</strong> />
à memória consagrada.<<strong>br</strong> />
Frauta minha que, tangendo,<<strong>br</strong> />
os montes fazíeis vir<<strong>br</strong> />
para on<strong>de</strong> estáveis, correndo;<<strong>br</strong> />
e as águas, que iam <strong>de</strong>cendo,<<strong>br</strong> />
tornavam logo a subir:<<strong>br</strong> />
jamais vos não ouvirão<<strong>br</strong> />
os tigres, que se amansavam,<<strong>br</strong> />
e as ovelhas, que pastavam,<<strong>br</strong> />
das ervas se fartarão<<strong>br</strong> />
que por vos ouvir <strong>de</strong>ixavam.<<strong>br</strong> />
Já não fareis docemente<<strong>br</strong> />
em rosas tornar a<strong>br</strong>olhos<<strong>br</strong> />
na ribeira florecente;<<strong>br</strong> />
nem poreis freio à corrente,<<strong>br</strong> />
e mais, se for dos meus olhos.<<strong>br</strong> />
Não movereis a espessura,<<strong>br</strong> />
nem po<strong>de</strong>reis já trazer<<strong>br</strong> />
atrás vós a fonte pura,<<strong>br</strong> />
pois não pu<strong>de</strong>stes mover<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sconcertos da ventura<<strong>br</strong> />
Ficareis oferecida<<strong>br</strong> />
à Fama, que sempre vela,<<strong>br</strong> />
frauta <strong>de</strong> mim tão querida;<<strong>br</strong> />
porque, mudando-se a vida,<<strong>br</strong> />
se mudam os gostos <strong>de</strong>la.
Acha a tenta mocida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
prazeres a<strong>com</strong>odados,<<strong>br</strong> />
e logo a maior ida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
já sente por pouquida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
aqueles gostos passados.<<strong>br</strong> />
Um gosto que hoje se alcança,<<strong>br</strong> />
amanhã já o não vejo;<<strong>br</strong> />
assi nos traz a mudança<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> esperança em esperança,<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo em <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />
Mas em vida tão escassa<<strong>br</strong> />
que esperança será forte?<<strong>br</strong> />
Fraqueza da humana sorte,<<strong>br</strong> />
que, quanto da vida passa<<strong>br</strong> />
está receitando a morte!<<strong>br</strong> />
Mas <strong>de</strong>ixar nesta espessura<<strong>br</strong> />
o canto da mocida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
não cui<strong>de</strong> a gente futura<<strong>br</strong> />
que será o<strong>br</strong>a da ida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
o que é força da ventura.<<strong>br</strong> />
Que ida<strong>de</strong>, tempo, o espanto<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ver quão ligeiro passe,<<strong>br</strong> />
nunca em mim pu<strong>de</strong>ram tanto<<strong>br</strong> />
que, posto que <strong>de</strong>ixe o canto,<<strong>br</strong> />
a causa <strong>de</strong>le <strong>de</strong>ixasse.<<strong>br</strong> />
Mas, em tristezas e enojas<<strong>br</strong> />
em gosto e contentamento,<<strong>br</strong> />
por sol, por neve, por vento,<<strong>br</strong> />
terné presente a los ojos<<strong>br</strong> />
por quien muero tan contento.<<strong>br</strong> />
Orgãos e frauta <strong>de</strong>ixava,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>spojo meu tão querido,<<strong>br</strong> />
no salgueiro que ali estava<<strong>br</strong> />
que para troféu ficava<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> quem me tinha vencido.<<strong>br</strong> />
Mas lem<strong>br</strong>anças da afeição<<strong>br</strong> />
que ali cativo me tinha,<<strong>br</strong> />
me perguntaram então:<<strong>br</strong> />
que era da música minha<<strong>br</strong> />
que eu cantava em Sião?<<strong>br</strong> />
Que foi daquele cantar<<strong>br</strong> />
das gentes tão cele<strong>br</strong>ado?<<strong>br</strong> />
Porque o <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> usar?
Pois sempre ajuda a passar<<strong>br</strong> />
qualquer trabalho passado.<<strong>br</strong> />
Canta o caminhante ledo<<strong>br</strong> />
no caminho trabalhoso.<<strong>br</strong> />
por antr'o espesso arvoredo<<strong>br</strong> />
e, <strong>de</strong> noite, o temeroso<<strong>br</strong> />
cantando, refreia o medo.<<strong>br</strong> />
Canta o preso documente<<strong>br</strong> />
os duros grilhões tocando;<<strong>br</strong> />
canta o segador contente;<<strong>br</strong> />
e o trabalhador, cantando,<<strong>br</strong> />
o trabalho menos sente.<<strong>br</strong> />
Eu, qu'estas cousas senti<<strong>br</strong> />
n'alma, <strong>de</strong> mágoas tão cheia<<strong>br</strong> />
Como dirá, respondi,<<strong>br</strong> />
quem tão alheio está <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />
doce canto em terra alheia?<<strong>br</strong> />
Como po<strong>de</strong>rá cantar<<strong>br</strong> />
quem em choro banh'o peito?<<strong>br</strong> />
Porque se quem trabalhar<<strong>br</strong> />
canta por menos cansar,<<strong>br</strong> />
eu só <strong>de</strong>scansos enjeito.<<strong>br</strong> />
Que não parece razão<<strong>br</strong> />
nem seria cousa idónea,<<strong>br</strong> />
por a<strong>br</strong>andar a paixão,<<strong>br</strong> />
que cantasse em Babilónia<<strong>br</strong> />
as cantigas <strong>de</strong> Sião.<<strong>br</strong> />
Que, quando a muita graveza<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> que<strong>br</strong>ante<<strong>br</strong> />
esta vital fortaleza,<<strong>br</strong> />
antes moura <strong>de</strong> tristeza<<strong>br</strong> />
que, por a<strong>br</strong>andá-la, cante.<<strong>br</strong> />
Que se o fino pensamento<<strong>br</strong> />
só na tristeza consiste,<<strong>br</strong> />
não tenho medo ao tormento<<strong>br</strong> />
que morrer <strong>de</strong> puro triste,<<strong>br</strong> />
que maior contentamento?<<strong>br</strong> />
Nem na frauta cantarei<<strong>br</strong> />
O que passo, e passei já,<<strong>br</strong> />
nem menos o escreverei,<<strong>br</strong> />
porque a pena cansará,<<strong>br</strong> />
e eu não <strong>de</strong>scansarei.<<strong>br</strong> />
Que, se vida tão pequena
se acrecenta em terra estranha,<<strong>br</strong> />
e se amor assi o or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
razão é que canse a pena<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> escrever pena tamanha.<<strong>br</strong> />
Porém se, para assentar<<strong>br</strong> />
o que sente o coração,<<strong>br</strong> />
a pena já me cansar<<strong>br</strong> />
não canse para voar<<strong>br</strong> />
a memória em Sião.<<strong>br</strong> />
Terra bem-aventurada,<<strong>br</strong> />
se, por algum movimento,<<strong>br</strong> />
d'alma me fores mudada,<<strong>br</strong> />
minha pena seja dada<<strong>br</strong> />
a perpétuo esquecimento.<<strong>br</strong> />
A pena <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>sterro,<<strong>br</strong> />
que eu mais <strong>de</strong>sejo esculpida<<strong>br</strong> />
em pedra, ou em duro ferro,<<strong>br</strong> />
essa nunca sela ouvida,<<strong>br</strong> />
em castigo <strong>de</strong> meu erro.<<strong>br</strong> />
E se eu cantar quiser,<<strong>br</strong> />
em Babilónia sujeito,<<strong>br</strong> />
Hierusalém, sem te ver,<<strong>br</strong> />
a voz, quando a mover,<<strong>br</strong> />
se me congele no peito.<<strong>br</strong> />
A minha língua se apegue<<strong>br</strong> />
às fauces, pois te perdi,<<strong>br</strong> />
se, enquanto viver assi,<<strong>br</strong> />
houver tempo em que te negue<<strong>br</strong> />
ou que me esqueça <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />
Mas ó tu, terra <strong>de</strong> Glória,<<strong>br</strong> />
se eu nunca vi tua essência,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o me lem<strong>br</strong>as na ausência?<<strong>br</strong> />
Não me lem<strong>br</strong>as na memória,<<strong>br</strong> />
senão na reminiscência.<<strong>br</strong> />
Que a alma é tábua rasa,<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong> a escrita doutrina<<strong>br</strong> />
celeste, tanto imagina,<<strong>br</strong> />
que voa da própria casa<<strong>br</strong> />
e sobe à pátria divina.<<strong>br</strong> />
Não é, logo, a sauda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
das terras on<strong>de</strong> naceu<<strong>br</strong> />
a carne, mas é do Céu,<<strong>br</strong> />
daquela santa cida<strong>de</strong>,
don<strong>de</strong> esta alma <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>u.<<strong>br</strong> />
E aquela humana figura,<<strong>br</strong> />
que cá me pô<strong>de</strong> alterar,<<strong>br</strong> />
não é quem se há-<strong>de</strong> buscar:<<strong>br</strong> />
é raio <strong>de</strong> fermosura,<<strong>br</strong> />
que só se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> amar.<<strong>br</strong> />
Que os olhos e a luz que ateia<<strong>br</strong> />
o fogo que cá sujeita,<<strong>br</strong> />
não do sol, mas da can<strong>de</strong>ia,<<strong>br</strong> />
é som<strong>br</strong>a daquela I<strong>de</strong>ia<<strong>br</strong> />
que em Deus está mais perfeita.<<strong>br</strong> />
E os que cá me cativaram<<strong>br</strong> />
são po<strong>de</strong>rosos afeitos<<strong>br</strong> />
que os corações têm sujeitos;<<strong>br</strong> />
sofistas que me ensinaram<<strong>br</strong> />
maus caminhos por direitos.<<strong>br</strong> />
Destes, o mando tirano<<strong>br</strong> />
me o<strong>br</strong>iga, <strong>com</strong> <strong>de</strong>satino,<<strong>br</strong> />
a cantar ao som do dano<<strong>br</strong> />
cantares d'amor profano<<strong>br</strong> />
por versos d'amor divino.<<strong>br</strong> />
Mas eu, lustrado co santo<<strong>br</strong> />
Raio, na terra <strong>de</strong> dor,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> confusão e <strong>de</strong> espanto,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o hei-<strong>de</strong> cantar o canto<<strong>br</strong> />
que só se <strong>de</strong>ve ao Senhor?<<strong>br</strong> />
Tanto po<strong>de</strong> o beneficio<<strong>br</strong> />
da Graça, que dá saú<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
que or<strong>de</strong>na que a vida mu<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
e o que tomei por vício<<strong>br</strong> />
me faz grau para a virtu<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
e faz que este natural<<strong>br</strong> />
amor, que tanto se preza,<<strong>br</strong> />
suba da som<strong>br</strong>a ao Real,<<strong>br</strong> />
da particular beleza<<strong>br</strong> />
para a Beleza geral.<<strong>br</strong> />
Pique logo pendurada<<strong>br</strong> />
a frauta <strong>com</strong> que tangi,<<strong>br</strong> />
ó Hierusalém sagrada,<<strong>br</strong> />
e tome a lira dourada,<<strong>br</strong> />
para só cantar <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />
Não cativo e ferrolhado<<strong>br</strong> />
na Babilónia infernal,<<strong>br</strong> />
mas dos vícias <strong>de</strong>satado,
e cá <strong>de</strong>sta a ti levado,<<strong>br</strong> />
Pátria minha natural.<<strong>br</strong> />
E se eu mais <strong>de</strong>r a cerviz<<strong>br</strong> />
a mundanos aci<strong>de</strong>ntes,<<strong>br</strong> />
duros, tiranos e urgentes,<<strong>br</strong> />
risque-se quanto já fiz<<strong>br</strong> />
do grão livro dos viventes.<<strong>br</strong> />
E tomando já na mão<<strong>br</strong> />
a lira santa, e capaz<<strong>br</strong> />
doutra mais alta invenção,<<strong>br</strong> />
cale-se esta confusão,<<strong>br</strong> />
cante-se a visão da paz.<<strong>br</strong> />
Ouça-me o pastor e o Rei,<<strong>br</strong> />
retumbe este acento santo,<<strong>br</strong> />
mova-se no mundo espanto,<<strong>br</strong> />
que do que já mal cantei<<strong>br</strong> />
a palinódia já canto.<<strong>br</strong> />
A vós só me quero ir,<<strong>br</strong> />
Senhor e grão Capitão<<strong>br</strong> />
da alta torre <strong>de</strong> Sião,<<strong>br</strong> />
à qual não posso subir<<strong>br</strong> />
se me vós não dais a mão.<<strong>br</strong> />
No grão dia singular<<strong>br</strong> />
que na lira o douto som<<strong>br</strong> />
Hierusalém cele<strong>br</strong>ar,<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong> castigar<<strong>br</strong> />
os ruins filhos <strong>de</strong> Edom.<<strong>br</strong> />
Aqueles que tintos vão<<strong>br</strong> />
no po<strong>br</strong>e sangue inocente,<<strong>br</strong> />
soberbos co po<strong>de</strong>r vão,<<strong>br</strong> />
arrasai-os igualmente,<<strong>br</strong> />
conheçam que humanos são.<<strong>br</strong> />
E aquele po<strong>de</strong>r tão duro<<strong>br</strong> />
dos afeitos <strong>com</strong> que venho,<<strong>br</strong> />
que encen<strong>de</strong>m alma e engenho,<<strong>br</strong> />
que já me entraram o muro<<strong>br</strong> />
do livre alvídrio que tenho;<<strong>br</strong> />
estes, que tão furiosos<<strong>br</strong> />
gritando vêm a escalar-me,<<strong>br</strong> />
maus espíritos danosos,<<strong>br</strong> />
que querem <strong>com</strong>o forçosos<<strong>br</strong> />
do alicerce <strong>de</strong>rrubar-me;<<strong>br</strong> />
Derrubui-os, fiquem sós,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> forças fracos, imbeles,
porque não po<strong>de</strong>mos nós<<strong>br</strong> />
nem <strong>com</strong> eles ir a Vós,<<strong>br</strong> />
nem sem Vós tirar-nos <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />
Não basta minha fraqueza,<<strong>br</strong> />
para me dar <strong>de</strong>fensão,<<strong>br</strong> />
se vós, santo Capitão,<<strong>br</strong> />
nesta minha fortaleza<<strong>br</strong> />
não puser<strong>de</strong>s guarnição.<<strong>br</strong> />
E tu, ó carne que encantas,<<strong>br</strong> />
filha <strong>de</strong> Babel tão feia,<<strong>br</strong> />
toda <strong>de</strong> misérias cheia,<<strong>br</strong> />
que mil vezes te levantas,<<strong>br</strong> />
contra quem te senhoreia:<<strong>br</strong> />
beato só po<strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />
quem co a ajuda celeste<<strong>br</strong> />
contra ti prevalecer,<<strong>br</strong> />
e te vier a fazer<<strong>br</strong> />
o mal que lhe tu fizeste;<<strong>br</strong> />
Quem <strong>com</strong> disciplina crua<<strong>br</strong> />
se fere mais que üa vez,<<strong>br</strong> />
cuja alma, <strong>de</strong> vícios nua,<<strong>br</strong> />
faz nódoas na carne sua,<<strong>br</strong> />
que já a carne n'alma fez.<<strong>br</strong> />
E boato quem tomar<<strong>br</strong> />
seus pensamentos recentes<<strong>br</strong> />
e em nacendo os afogar,<<strong>br</strong> />
por não virem a parar<<strong>br</strong> />
em vícios graves e urgentes;<<strong>br</strong> />
Quem <strong>com</strong> eles logo <strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
na pedra do furar santo,<<strong>br</strong> />
e, batendo, os <strong>de</strong>sfizer<<strong>br</strong> />
na Pedra, que veio a ser<<strong>br</strong> />
enfim cabeça do Canto;<<strong>br</strong> />
Quem logo, quando imagina<<strong>br</strong> />
nos vícios da carne má,<<strong>br</strong> />
os pensamentos <strong>de</strong>clina<<strong>br</strong> />
àquela Carne divina<<strong>br</strong> />
que na Cruz esteve já.<<strong>br</strong> />
Quem do vil contentamento<<strong>br</strong> />
cá <strong>de</strong>ste mundo visível,<<strong>br</strong> />
quanto ao homem for possível,<<strong>br</strong> />
passar logo o entendimento<<strong>br</strong> />
para o mundo inteligível:<<strong>br</strong> />
ali achará alegria
em tudo perfeita e cheia,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tão suave harmonia<<strong>br</strong> />
que nem, por pouca, recreia,<<strong>br</strong> />
nem, por sobeja, enfastia.<<strong>br</strong> />
Ali verá tão-profundo<<strong>br</strong> />
mistério na suma alteza<<strong>br</strong> />
que, vencida a natureza,<<strong>br</strong> />
os mores faustos do mundo<<strong>br</strong> />
julgue por maior baixesa<<strong>br</strong> />
Ó tu, divino aposento,<<strong>br</strong> />
minha pátria singular!<<strong>br</strong> />
Se só <strong>com</strong> te imaginar<<strong>br</strong> />
tanto sobe o entendimento,<<strong>br</strong> />
que fará se em ti se achar?<<strong>br</strong> />
Ditoso quem se partir<<strong>br</strong> />
para ti, terra excelente,<<strong>br</strong> />
tão justo e tão penitente<<strong>br</strong> />
que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> a ti subir<<strong>br</strong> />
lá <strong>de</strong>scanse eternamente.<<strong>br</strong> />
094.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Só porque é rapaz ruim,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>i-lhe um bofete, zombando;<<strong>br</strong> />
diz-me:—Ó mau, estais-me dando<<strong>br</strong> />
porque sois maior que mim?<<strong>br</strong> />
pois se vos eu <strong>de</strong>scarrego...<<strong>br</strong> />
Em dizendo isto, chaz!<<strong>br</strong> />
torna-m'outra. Tá! rapaz,<<strong>br</strong> />
que dás porrada <strong>de</strong> cego!<<strong>br</strong> />
a este moto seu:<<strong>br</strong> />
Venceu-me Amor, não o nego;<<strong>br</strong> />
tem mais força qu'eu assaz;<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong>o é cego, e rapaz,<<strong>br</strong> />
dá-me porrada <strong>de</strong> cego!
016.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
Suspeitas, que me quereis?<<strong>br</strong> />
Que eu vos quero dar lugar,<<strong>br</strong> />
que, <strong>de</strong> certas, me mateis,<<strong>br</strong> />
se a causa <strong>de</strong> que nasceis<<strong>br</strong> />
vos quisesse confessar.<<strong>br</strong> />
Que <strong>de</strong> não lhe achar <strong>de</strong>sculpa<<strong>br</strong> />
a gran<strong>de</strong> mágoa passada<<strong>br</strong> />
me tem a alma tão cansada<<strong>br</strong> />
que, se me confessa a culpa,<<strong>br</strong> />
tê-la-ei por <strong>de</strong>sculpada.<<strong>br</strong> />
Ora ve<strong>de</strong> que perigos<<strong>br</strong> />
têm cercado o coração,<<strong>br</strong> />
que, no meio da opressão,<<strong>br</strong> />
a seus próprios inimigos<<strong>br</strong> />
vai pedir a <strong>de</strong>fensão!<<strong>br</strong> />
Que, suspeitas, eu bem sei,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o se claro vos visse,<<strong>br</strong> />
que é certo o que já cui<strong>de</strong>i;<<strong>br</strong> />
que nunca mal suspeitei<<strong>br</strong> />
que certo me não saísse.<<strong>br</strong> />
Mas queria esta certeza<<strong>br</strong> />
daquela que me atormenta;<<strong>br</strong> />
por que em tamanha estreiteza<<strong>br</strong> />
ver que disso se contenta<<strong>br</strong> />
é <strong>de</strong>scanso da tristeza.<<strong>br</strong> />
Porque se esta só verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
me confessa, limpa e nua<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> cautela e falsida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
não po<strong>de</strong> a minha vonta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>sconformar-se da sua.<<strong>br</strong> />
Por segredo namorado<<strong>br</strong> />
é certo estar conhecido<<strong>br</strong> />
que o mal <strong>de</strong> ser enjeitado<<strong>br</strong> />
mais atormenta sabido,<<strong>br</strong> />
mil vezes, que suspeitado.<<strong>br</strong> />
Mas eu só, em quem se or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />
novo modo <strong>de</strong> querela,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> medo da dor pequena,<<strong>br</strong> />
a üas suspeitas
venho achar na maior pena<<strong>br</strong> />
o refrigério para ela.<<strong>br</strong> />
Já nas iras me inflamei,<<strong>br</strong> />
nas vinganças, nos furores<<strong>br</strong> />
que já, doudo, imaginei;<<strong>br</strong> />
e já mais doudo o jurei<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> arrancar d'alma os amores.<<strong>br</strong> />
Já <strong>de</strong>terminei mudar-me<<strong>br</strong> />
pra outra parte <strong>com</strong> ira;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>pois vim a concertar-me que<<strong>br</strong> />
era bom certificar-me<<strong>br</strong> />
no que mostrava a mentira.<<strong>br</strong> />
Mas <strong>de</strong>pois já <strong>de</strong> cansadas<<strong>br</strong> />
as fúrias do imaginar,<<strong>br</strong> />
vinha enfim a arrebentar<<strong>br</strong> />
em lágrimas magoadas<<strong>br</strong> />
e bem para magoar.<<strong>br</strong> />
E <strong>de</strong>ixando-se vencer<<strong>br</strong> />
os meus fingidos enganos,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tão claros <strong>de</strong>senganos<<strong>br</strong> />
não posso menos fazer<<strong>br</strong> />
que contentar-me cos danos.<<strong>br</strong> />
E pedir que me tirassem<<strong>br</strong> />
este mal <strong>de</strong> suspeitar<<strong>br</strong> />
que me vejo atormentar,<<strong>br</strong> />
ainda que me confessassem<<strong>br</strong> />
quanto me po<strong>de</strong> matar.<<strong>br</strong> />
Olhai bem se me trazeis,<<strong>br</strong> />
Senhora, posto no fim;<<strong>br</strong> />
pois neste estado a que vim,<<strong>br</strong> />
para que vós confesseis<<strong>br</strong> />
se dão os tratos a mim.<<strong>br</strong> />
Mas para que tudo possa<<strong>br</strong> />
Amor, que tudo encaminha,<<strong>br</strong> />
tal justiça lhe convinha;<<strong>br</strong> />
porque da culpa que é vossa<<strong>br</strong> />
venha a ser a morte minha.<<strong>br</strong> />
Justiça tão mal olhada,<<strong>br</strong> />
olhai <strong>com</strong> que-cor se doura,<<strong>br</strong> />
que quer, no fim da jornada,<<strong>br</strong> />
que vós sejais confessada<<strong>br</strong> />
para que eu seja o que moura!
Pois confessai-vos já' gora,<<strong>br</strong> />
inda que tenho temor<<strong>br</strong> />
que nem nest' última hora<<strong>br</strong> />
me há-<strong>de</strong> perdoar Amor<<strong>br</strong> />
vossos pecados, Senhora.<<strong>br</strong> />
E assi vou <strong>de</strong>sesperado,<<strong>br</strong> />
porque estes são os costumes<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> amor que é mal empregado,<<strong>br</strong> />
do qual vou já con<strong>de</strong>nado<<strong>br</strong> />
ao inferno, <strong>de</strong> ciúmes!<<strong>br</strong> />
028.<<strong>br</strong> />
Glosas<<strong>br</strong> />
Mas porém a que cuidados ?<<strong>br</strong> />
1ª.<<strong>br</strong> />
Tanto maiores tormentos<<strong>br</strong> />
foram sempre os que sofri,<<strong>br</strong> />
daquilo que cabe em mi,<<strong>br</strong> />
que não sei que pensamentos<<strong>br</strong> />
são os para que nasci.<<strong>br</strong> />
Quando vejo este meu peito<<strong>br</strong> />
a perigos arriscados<<strong>br</strong> />
inclinado, bem suspeito<<strong>br</strong> />
que a cuidados sou sujeito;<<strong>br</strong> />
Mas porém a que cuidados ?<<strong>br</strong> />
2ª.<<strong>br</strong> />
Que vin<strong>de</strong>s em mim buscar,<<strong>br</strong> />
cuidados, que sou cativo,<<strong>br</strong> />
e não tenho que vos dar?<<strong>br</strong> />
Se vin<strong>de</strong>s a me matar,<<strong>br</strong> />
já há muito que não vivo;<<strong>br</strong> />
se vin<strong>de</strong>s, porque me dais<<strong>br</strong> />
tormentos <strong>de</strong>sesperados,<<strong>br</strong> />
eu, que sempre sofri mais,<<strong>br</strong> />
não digo que não venhais;<<strong>br</strong> />
ao moto que lhe enviou Dona<<strong>br</strong> />
Francisca <strong>de</strong> Aragão para que Iho<<strong>br</strong> />
glosasse:
Mas porém a quê, cuidados?<<strong>br</strong> />
3ª.<<strong>br</strong> />
Se as penas que Amor me <strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />
vêm por tão suaves meios,<<strong>br</strong> />
não há que temer receios,<<strong>br</strong> />
que val um cuidado meu<<strong>br</strong> />
por mil <strong>de</strong>scansos alheios.<<strong>br</strong> />
Ter nuns olhos tão fermosos<<strong>br</strong> />
os sentidos enlevados,<<strong>br</strong> />
bem sei que em baixos estados<<strong>br</strong> />
são cuidados perigosos;<<strong>br</strong> />
Mas porém, ah! que cuidados!<<strong>br</strong> />
Carta<<strong>br</strong> />
que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> mandou<<strong>br</strong> />
a Dona Francisca <strong>de</strong> Aragão,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> as glosas acima:<<strong>br</strong> />
Senhora<<strong>br</strong> />
Deixei-me enterrar no esquecimento <strong>de</strong> v. m., crendo me<<strong>br</strong> />
seria assi mais seguro: mas agora que é servida <strong>de</strong> me<<strong>br</strong> />
tornar a ressuscitar, por mostrar seus po<strong>de</strong>res, lem<strong>br</strong>o-lhe<<strong>br</strong> />
que üa vida trabalhosa é menos <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer que üa<<strong>br</strong> />
morte <strong>de</strong>scansada. Mas se esta vida, que agora <strong>de</strong> novo<<strong>br</strong> />
me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se <strong>de</strong>la, não<<strong>br</strong> />
me fica mais que <strong>de</strong>sejar, que po<strong>de</strong>r acertar <strong>com</strong> este<<strong>br</strong> />
moto <strong>de</strong> v. m., ao qual <strong>de</strong>i três entendimentos, segundo as<<strong>br</strong> />
palavras <strong>de</strong>le pu<strong>de</strong>ram sofrer: se forem bons, é o moto <strong>de</strong><<strong>br</strong> />
v. m.; se maus, são as glosas minhas.<<strong>br</strong> />
046.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Tem tal jurdição Amor<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Tudo po<strong>de</strong> üa afeição.
n'alma don<strong>de</strong> se aposenta<<strong>br</strong> />
e <strong>de</strong> que se faz senhor,<<strong>br</strong> />
que a liberta e isenta<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> todo o humano temor.<<strong>br</strong> />
E <strong>com</strong> mui justa razão,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o senhor soberano,<<strong>br</strong> />
que Amor não consente dano;<<strong>br</strong> />
e pois me sofre tenção,<<strong>br</strong> />
gritarei por <strong>de</strong>sengano:<<strong>br</strong> />
tudo po<strong>de</strong> üa afeição.<<strong>br</strong> />
070.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Tenho-me persuadido,<<strong>br</strong> />
por razão conveniente,<<strong>br</strong> />
que não posso ser contente,<<strong>br</strong> />
pois que pu<strong>de</strong> ser nacido.<<strong>br</strong> />
Anda sempre tão unido<<strong>br</strong> />
o meu tormento <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />
que eu mesmo sou meu perigo.<<strong>br</strong> />
E se <strong>de</strong> mi me livrasse,<<strong>br</strong> />
nenhum gosto me seria;<<strong>br</strong> />
que, não sendo eu, não teria<<strong>br</strong> />
mal que esse bem me tirasse.<<strong>br</strong> />
Força é logo que assi passe,<<strong>br</strong> />
ou <strong>com</strong> <strong>de</strong>sgosto <strong>com</strong>igo,<<strong>br</strong> />
ou sem gosto e sem perigo.<<strong>br</strong> />
047.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto seu:<<strong>br</strong> />
De que me serve fugir<<strong>br</strong> />
da morte, dor e perigo,<<strong>br</strong> />
se me eu levo <strong>com</strong>igo?<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
¿Para que me dan tormento,<<strong>br</strong> />
aprovechando tan poco?
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Tiempo perdido es aquel<<strong>br</strong> />
que se pasa en darme afán,<<strong>br</strong> />
pues quanto más me lo dán<<strong>br</strong> />
tanto menos siento <strong>de</strong>l.<<strong>br</strong> />
¿Que <strong>de</strong>scu<strong>br</strong>a lo que siento?<<strong>br</strong> />
No lo haré, que no es tan poco;<<strong>br</strong> />
que no pue<strong>de</strong> ser tan loco<<strong>br</strong> />
quién tiene tal pensamiento.<<strong>br</strong> />
Sepan que me manda Amor,<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong> tan dulce querella,<<strong>br</strong> />
a nadie dé parte <strong>de</strong>lla,<<strong>br</strong> />
porque la sienta mayor.<<strong>br</strong> />
Es tan dulce mi tormento<<strong>br</strong> />
que aun se me antoja poco;<<strong>br</strong> />
y si es mucho, quedo loco<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> gusto <strong>de</strong> lo que siento.<<strong>br</strong> />
044.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Todo o trabalhado bem<<strong>br</strong> />
promete gostoso fruito,<<strong>br</strong> />
mas os trabalhos que vêm<<strong>br</strong> />
para quem dita não tem,<<strong>br</strong> />
valem pouco e custam muito.<<strong>br</strong> />
Rompe toda a pedra dura,<<strong>br</strong> />
faz os homens imortais<<strong>br</strong> />
o trabalho, quando atura;<<strong>br</strong> />
mas querer achar ventura<<strong>br</strong> />
sem ventura, é por <strong>de</strong> mais.<<strong>br</strong> />
Perdido, mas no tan loco<<strong>br</strong> />
que <strong>de</strong>scu<strong>br</strong>a lo que siento.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Sem ventura é por <strong>de</strong> mais.
075.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Trataram-me <strong>com</strong> cautela<<strong>br</strong> />
por me enganar mais asinha;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>i-lhe posse da alma minha,<<strong>br</strong> />
foram-me fugir co ela.<<strong>br</strong> />
Não há vê-los, nem há vê-la,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mim tão longe...<<strong>br</strong> />
Falsos amores,<<strong>br</strong> />
falsos, maus, enganadores!<<strong>br</strong> />
Entreguei-lhe a liberda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
e enfim, da vida o milhor:<<strong>br</strong> />
foram-se, e do <strong>de</strong>samor<<strong>br</strong> />
fizeram necessida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Quem teve a sua vonta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mim tão longe?<<strong>br</strong> />
Falsos amores,<<strong>br</strong> />
e tão cruéis matadores!<<strong>br</strong> />
Não se pôs serra nem mar<<strong>br</strong> />
entre nós, que fora em vão;<<strong>br</strong> />
pôs-se vossa condição,<<strong>br</strong> />
que não doce é <strong>de</strong> passar.<<strong>br</strong> />
Só ela vos quis leixar<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mim tão longe!<<strong>br</strong> />
Falsos amores!<<strong>br</strong> />
...e oxalá que enganadores!<<strong>br</strong> />
009.<<strong>br</strong> />
Outras voltas ao mesmo moto<<strong>br</strong> />
Tudo ten<strong>de</strong>s singular,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que os corações ren<strong>de</strong>is,<<strong>br</strong> />
senão que rindo fazeis<<strong>br</strong> />
a esta cantiga velha:<<strong>br</strong> />
Apartaram-se os meus olhos<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> mim tão longe...<<strong>br</strong> />
Falsos amores,<<strong>br</strong> />
falsos, maus, enganadores !
covinhas para enterrar;<<strong>br</strong> />
e para ressuscitar<<strong>br</strong> />
em força a graça que ten<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />
senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />
Tudo, Senhora, alcançais,<<strong>br</strong> />
quanto ser fermosa alcança;<<strong>br</strong> />
senão que dais esperança<<strong>br</strong> />
cos olhos <strong>com</strong> que matais.<<strong>br</strong> />
Se acaso os alevantais,<<strong>br</strong> />
[é para as almas ren<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />
senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s].<<strong>br</strong> />
067.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
üa Dama, <strong>de</strong> malvada,<<strong>br</strong> />
tomou seus olhos na mão<<strong>br</strong> />
e tirou me üa pedrada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> eles ao coração.<<strong>br</strong> />
Armei minha funda então,<<strong>br</strong> />
e pus os meus olhos nela:<<strong>br</strong> />
trape! que<strong>br</strong>o-lh'a janela.<<strong>br</strong> />
078.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
a este moto seu:<<strong>br</strong> />
Pus meus olhos nüa funda,<<strong>br</strong> />
e fiz um tiro <strong>com</strong> ela<<strong>br</strong> />
às gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> üa janela.<<strong>br</strong> />
a três Damas que lhe diziam<<strong>br</strong> />
que o amavam<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Não sei se me engana Helena,<<strong>br</strong> />
se Maria, se Joana,<<strong>br</strong> />
não sei qual <strong>de</strong>las me engana.
Üa diz que me quer bem,<<strong>br</strong> />
outra jura que mo quer;<<strong>br</strong> />
mas, em jura <strong>de</strong> mulher<<strong>br</strong> />
quem crerá, se elas não crêm?<<strong>br</strong> />
Não posso não crer a Helena,<<strong>br</strong> />
a Maria, nem Joana,<<strong>br</strong> />
mas não sei qual mais me engana.<<strong>br</strong> />
Üa faz-me juramentos<<strong>br</strong> />
que só meu amor estima;<<strong>br</strong> />
a outra diz que se fina;<<strong>br</strong> />
Joana, que bebe os ventos.<<strong>br</strong> />
Se cuido que mente Helena,<<strong>br</strong> />
também mentirá Joana;<<strong>br</strong> />
mas quem mente, não me engana.<<strong>br</strong> />
058.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Ved que enganos señorea<<strong>br</strong> />
nuestro juicio tan loco,<<strong>br</strong> />
que por mucho que se crea,<<strong>br</strong> />
todo el bien que se <strong>de</strong>sea,<<strong>br</strong> />
alcançado, queda poco.<<strong>br</strong> />
Un bien <strong>de</strong> cualquiera grado,<<strong>br</strong> />
si <strong>de</strong> haberse es imposible,<<strong>br</strong> />
queda mucho <strong>de</strong>seado,<<strong>br</strong> />
mas para mucho, alcanzado,<<strong>br</strong> />
todo es poco lo posible<<strong>br</strong> />
104.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
Todo es poco lo posible.<<strong>br</strong> />
a üa mulher que se chamava Grada <strong>de</strong> Morais<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Olhos em que estão mil flores<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong> tanta graça olhais,<<strong>br</strong> />
que parece que os Amores<<strong>br</strong> />
moram on<strong>de</strong> vós morais.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Vêm-se rosas e boninas,<<strong>br</strong> />
olhos, nesse vosso ver;<<strong>br</strong> />
vêm-se mil almas ar<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
no fogo <strong>de</strong>ssas mininas.<<strong>br</strong> />
E di-lo hão minhas dores,<<strong>br</strong> />
meus suspiros, e meus ais;<<strong>br</strong> />
e dirão mais, que os Amores<<strong>br</strong> />
moram on<strong>de</strong> vós morais.<<strong>br</strong> />
037.<<strong>br</strong> />
Glosa<<strong>br</strong> />
Vendo amor que, <strong>com</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />
mais levemente sofria<<strong>br</strong> />
os males que me fazia,<<strong>br</strong> />
não me po<strong>de</strong> isto sofrer;<<strong>br</strong> />
conjurou-se <strong>com</strong> meu fado,<<strong>br</strong> />
um novo mal me or<strong>de</strong>nou;<<strong>br</strong> />
ambos me levam forçado<<strong>br</strong> />
não sei on<strong>de</strong>, pois que sou<<strong>br</strong> />
sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />
Não sei qual é mais estranho<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>stes dous males que sigo,<<strong>br</strong> />
se não vos ver, se <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />
levar imigo tamanho.<<strong>br</strong> />
O que fica e o que vem,<<strong>br</strong> />
um me mata, outro <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />
Com tal mal e sem tal bem,<<strong>br</strong> />
em tais extremos me vejo:<<strong>br</strong> />
olhai <strong>com</strong> quem e sem quem,<<strong>br</strong> />
074.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este moto:<<strong>br</strong> />
Sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado<<strong>br</strong> />
Olha; <strong>com</strong> quem e sem quem.
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Vi-o moço e pequenino,<<strong>br</strong> />
e a mesma ida<strong>de</strong> ensina<<strong>br</strong> />
que se incline üa minina,<<strong>br</strong> />
às mostras <strong>de</strong> um minino.<<strong>br</strong> />
Ouvi-lhe chamar Amor,<<strong>br</strong> />
pelo nome me venci;<<strong>br</strong> />
nunca tal engano vi,<<strong>br</strong> />
nem tamanho <strong>de</strong>samor.<<strong>br</strong> />
Creceu-me <strong>de</strong> dia em dia<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a ida<strong>de</strong> a afeição,<<strong>br</strong> />
porque amor <strong>de</strong> criação,<<strong>br</strong> />
n'alma e na vida se cria.<<strong>br</strong> />
Criou-se em mim este amor,<<strong>br</strong> />
e senhoreou-se <strong>de</strong> mi:<<strong>br</strong> />
agora que o conheci,<<strong>br</strong> />
mata-me <strong>com</strong> <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />
As flores me torna a<strong>br</strong>olhos,<<strong>br</strong> />
a morte me <strong>de</strong>termina<<strong>br</strong> />
quem eu trouxe <strong>de</strong> minina<<strong>br</strong> />
nas mininas dos meus olhos.<<strong>br</strong> />
Desta mágoa e <strong>de</strong>sta dor<<strong>br</strong> />
tenho sabido enfim,<<strong>br</strong> />
por amor me perco a mim,<<strong>br</strong> />
por quem <strong>de</strong> mim per<strong>de</strong> o amor.<<strong>br</strong> />
Parece ser caso estranho<<strong>br</strong> />
o que Amor em mim or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />
que em ida<strong>de</strong> tão pequena<<strong>br</strong> />
haja tormento tamanho.<<strong>br</strong> />
milagres <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />
hei-os <strong>de</strong> sofrer assi,<<strong>br</strong> />
até que haja dó <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />
quem enten<strong>de</strong>r esta dor.<<strong>br</strong> />
a este moto alheio:<<strong>br</strong> />
De pequena tomei Amor,<<strong>br</strong> />
porque o não entendi;<<strong>br</strong> />
agora que o conheci,<<strong>br</strong> />
mata-me <strong>com</strong> <strong>de</strong>sfavor.
111.<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
VOLTAS<<strong>br</strong> />
Viver eu, sendo mortal,<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> cuidados ro<strong>de</strong>ado,<<strong>br</strong> />
parece meu natural;<<strong>br</strong> />
que a peçonha não faz mal<<strong>br</strong> />
a quem foi nela criado.<<strong>br</strong> />
Tanto sou meu inimigo,<<strong>br</strong> />
que, por não tirar <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />
cuidados, <strong>com</strong> que naci,<<strong>br</strong> />
porei a vida em perigo.<<strong>br</strong> />
Oxalá que fora assi!<<strong>br</strong> />
Tanto vim a acrecentar<<strong>br</strong> />
cuidados, que nunca amansam<<strong>br</strong> />
enquanto a vida durar,<<strong>br</strong> />
que canso já <strong>de</strong> cuidar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o cuidados não cansam.<<strong>br</strong> />
Se estes cuidados que digo<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>ssem fim a mi e a si,<<strong>br</strong> />
fariam pazes <strong>com</strong>igo;<<strong>br</strong> />
que pôr a vida em perigo,<<strong>br</strong> />
o bom fora para mi.<<strong>br</strong> />
110.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
a este moto que lhe mandou<<strong>br</strong> />
o Vizo-Rei, na Índia, para<<strong>br</strong> />
que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> lhe<<strong>br</strong> />
fizesse üas voltas<<strong>br</strong> />
MOTO:<<strong>br</strong> />
Muito sou meu inimigo,<<strong>br</strong> />
pois que não tiro <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />
cuidados <strong>com</strong> que nasci,<<strong>br</strong> />
que põem a vida em perigo.<<strong>br</strong> />
Oxalá que fora assi!<<strong>br</strong> />
que Heitor da Silveira mandou ao<<strong>br</strong> />
mesmo Con<strong>de</strong>, invernando em Goa
Vossa Senhoria creia<<strong>br</strong> />
que não apura o engenho<<strong>br</strong> />
fome, se é <strong>com</strong>o a que tenho,<<strong>br</strong> />
mas afraca e corta a veia.<<strong>br</strong> />
E quem o contrário sente<<strong>br</strong> />
está farto em toda a hora,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o estou faminto agora.<<strong>br</strong> />
Mas Marta, se está contente,<<strong>br</strong> />
dá-lhe pouco <strong>de</strong> quem chora.<<strong>br</strong> />
E pois Vossa Senhoria,<<strong>br</strong> />
em geral, a tudo aco<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />
acuda a mim, que só<<strong>br</strong> />
dar-me no engenho valia.<<strong>br</strong> />
Esperte esta musa minha,<<strong>br</strong> />
que o tempo traz sonorenta,<<strong>br</strong> />
valha-me nesta tormenta<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> essa doce mezinha<<strong>br</strong> />
que só dá vida e a contenta.<<strong>br</strong> />
Acuda <strong>com</strong> provisão<<strong>br</strong> />
não <strong>de</strong> papel, mas provida<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> ouro e prata: que esta vida<<strong>br</strong> />
não sustentam papéis, não.<<strong>br</strong> />
De feitor a tesoureiro<<strong>br</strong> />
ser-me hia trabalho gran<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
Vossa Senhoria man<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
algum remédio primeiro<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que a morte o ferro a<strong>br</strong>an<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />
Ajuda <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong>:<<strong>br</strong> />
Nos livros doutos se trata,<<strong>br</strong> />
que o gran<strong>de</strong> Aquiles insano<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong>u a morte a Heitor troiano;<<strong>br</strong> />
mas agora a fome mata<<strong>br</strong> />
o nosso Heitor lusitano.<<strong>br</strong> />
Só ela o po<strong>de</strong> acabar,<<strong>br</strong> />
se essa vossa condição<<strong>br</strong> />
liberal e singular<<strong>br</strong> />
não mete entre eles bastão<<strong>br</strong> />
bastante para o fartar.
96.<<strong>br</strong> />
Trovas<<strong>br</strong> />
{Vós} sois üa dama<<strong>br</strong> />
das feias do mundo;<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> toda a má fama<<strong>br</strong> />
sois cabo profundo.<<strong>br</strong> />
A vossa figura<<strong>br</strong> />
não é para ver;<<strong>br</strong> />
em vosso po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />
não há fermosura.<<strong>br</strong> />
{Vós} fostes dotada<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> toda a malda<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />
perfeita belda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> vós é tirada.<<strong>br</strong> />
Sois muito acabada<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> tacha e <strong>de</strong> glosa:<<strong>br</strong> />
pois, quanto a fermosa,<<strong>br</strong> />
em vós não há nada.<<strong>br</strong> />
De grão merecer<<strong>br</strong> />
sois bem apartada;<<strong>br</strong> />
andais alongada<<strong>br</strong> />
do bem parecer.<<strong>br</strong> />
Bem claro mostrais<<strong>br</strong> />
em vós fealda<strong>de</strong>:<<strong>br</strong> />
não há i malda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />
que não precedais.<<strong>br</strong> />
De fresco carão<<strong>br</strong> />
vos vejo ausente;<<strong>br</strong> />
em vós é presente<<strong>br</strong> />
a má condição.<<strong>br</strong> />
De ter perfeição<<strong>br</strong> />
mui alheia estais;<<strong>br</strong> />
mui muito alcançais<<strong>br</strong> />
<strong>de</strong> pouca razão.<<strong>br</strong> />
102<<strong>br</strong> />
Cantiga<<strong>br</strong> />
a este vilancete pastoril:<<strong>br</strong> />
—¿Porqué no miras, Giraldo,<<strong>br</strong> />
mi zampoña <strong>com</strong>o suena ?
VOLTAS<<strong>br</strong> />
—Vuelve acá, no estês pasmado,<<strong>br</strong> />
¡mira que gentil sonar!<<strong>br</strong> />
—¿Como te podrá mirar quién<<strong>br</strong> />
no pue<strong>de</strong> ser mirado?<<strong>br</strong> />
—{¡Y} que bueno enamorado!<<strong>br</strong> />
¿No dirás, si es mala o buena?<<strong>br</strong> />
—No, que me hizo mudo Elena.<<strong>br</strong> />
—Mira tan dulce armonía,<<strong>br</strong> />
déjate <strong>de</strong>sos enojes.<<strong>br</strong> />
—Tengo clavados los ojos<<strong>br</strong> />
con que mirar te podía.<<strong>br</strong> />
—Así Dios te <strong>de</strong> alegría:<<strong>br</strong> />
¿no vés cuán dulce y serena?<<strong>br</strong> />
—No, porque no veo Elena.<<strong>br</strong> />
—Porque no me mira Elena.