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REDONDILHAS Luís de Camões - Colegioecursoopcao.com.br

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Redondilhas, <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><<strong>br</strong> />

Texto-base:<<strong>br</strong> />

CAMÕES, <strong>Luís</strong> Vaz <strong>de</strong>. Os Lusíadas <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>Camões</strong>. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão.<<strong>br</strong> />

Texto proveniente <strong>de</strong>:<<strong>br</strong> />

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <<strong>br</strong> />

A Escola do Futuro da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<<strong>br</strong> />

Permitido o uso apenas para fins educacionais.<<strong>br</strong> />

Texto-base digitalizado por:<<strong>br</strong> />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)<<strong>br</strong> />

IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)<<strong>br</strong> />

Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/in<strong>de</strong>x.html<<strong>br</strong> />

Agra<strong>de</strong>cimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, her<strong>de</strong>ira do Dr. Álvaro<<strong>br</strong> />

Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da o<strong>br</strong>a-base), que gentilmente autorizou-nos a<<strong>br</strong> />

publicação <strong>de</strong>sta o<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />

Este material po<strong>de</strong> ser redistribuído livremente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja alterado, e que as informações acima sejam<<strong>br</strong> />

mantidas. Para maiores informações, escreva para .<<strong>br</strong> />

Estamos em busca <strong>de</strong> patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto. Se você quer ajudar <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

alguma forma, man<strong>de</strong> um e-mail para e saiba <strong>com</strong>o isso é possível.<<strong>br</strong> />

<strong>REDONDILHAS</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><<strong>br</strong> />

Amor cuja providência (1595 - redondilha 038)<<strong>br</strong> />

Amor que em meu pensamento (1595 - redondilha 032)<<strong>br</strong> />

Ana quisestes que fosse (1668 - redondilha 033)<<strong>br</strong> />

Aquela cativa (1595 – redondilha 106)<<strong>br</strong> />

Aquele rosto que traz (1595 - redondilha 062)<<strong>br</strong> />

A verdura amena (1598 redondilha 014)<<strong>br</strong> />

Baixos e honestos andais (1595 - redondilha 081)<<strong>br</strong> />

Campo, que te esten<strong>de</strong>s (1598 - redondilha 011)<<strong>br</strong> />

Campos cheios <strong>de</strong> prazer (1595 - redondilha 051)<<strong>br</strong> />

Caterina é mais fermosa (1595 - redondilha 060)<<strong>br</strong> />

Cinco galinhas e meia (1616 - redondilha 101)<<strong>br</strong> />

Con<strong>de</strong>, cujo ilustre peito (1595 - redondilha 112)<<strong>br</strong> />

Corre sem vela e sem leme (1595 - redondilha 117)<<strong>br</strong> />

Costumadas artes sao (1595 - redondilha 071)<<strong>br</strong> />

Cousa que este corpo não tem (1595 - Redondilha 063)<<strong>br</strong> />

Cum real <strong>de</strong> amor (1598 - redondilha 093)<<strong>br</strong> />

Da lin<strong>de</strong>za vossa (1595 - redondilha 026)<<strong>br</strong> />

Dama d'estranho primor (1595 - redondilha 015)<<strong>br</strong> />

D'Amor e seus danos (1595 - redondilha 105)<<strong>br</strong> />

De maneira me suce<strong>de</strong> (1668 - redondilha 056)


Despois <strong>de</strong> sempre sofrer (1595 - redondilha 031)<<strong>br</strong> />

Después que Amor me formo (1595 - redondilha 083)<<strong>br</strong> />

Desque una vez miré (1616 - redondilha 035)<<strong>br</strong> />

De ver-vos a não vos ver (1595 - redondilha 077)<<strong>br</strong> />

Dióme Amor tormentos dos (1595 - redondilha 073)<<strong>br</strong> />

Dotou em vos natureza (1595 - redondilha 007)<<strong>br</strong> />

Dous tormentos vejo (1616 - redondilhas 004)<<strong>br</strong> />

É muito pera notar (1595 - redondilha 041)<<strong>br</strong> />

Eles ver<strong>de</strong>s são (1595 – redondilha 012)<<strong>br</strong> />

Entre estes penedos (1598 - redondilha 010)<<strong>br</strong> />

E se a pena não me atiça (1598 - redondilha 085)<<strong>br</strong> />

Esses alfinetes vao (1595 - redondilha 022)<<strong>br</strong> />

Este mundo es el camino (1595 - redondilha 115)<<strong>br</strong> />

Este tempo vão (1595 – redondilha 002)<<strong>br</strong> />

Eu, pera levar a palma (1668 - redondilha 091)<<strong>br</strong> />

Eu sou boa testemunha (l595 - redondilha 013)<<strong>br</strong> />

Falsos loores os dán (1595 - redondilha 048)<<strong>br</strong> />

Foi a Esperança julgada (1595 - redondilha 065)<<strong>br</strong> />

Ja'gora certo conheço (1598 - redondilha 088)<<strong>br</strong> />

Juravas-me que outras ca<strong>br</strong>as (1598 - redondilha 057)<<strong>br</strong> />

Leva na cabeça o pote (1668 - redondilha 053)<<strong>br</strong> />

Madre. si me fuere (1595 - redondilha - 089)<<strong>br</strong> />

Menina mais que na ida<strong>de</strong> (1595 - redondilha 040)<<strong>br</strong> />

Mi corazón me han robado (1595 - redondilha 068)<<strong>br</strong> />

Mi nueva y dulce querella (1595 - redondilha 069)<<strong>br</strong> />

N'alma ua so ferida (1598 - redondilha 086)<<strong>br</strong> />

Nao posso chegar ao cabo (1616 - redondilha 100)<<strong>br</strong> />

Não sabendo Amor curar (1595 - redondilha 043)<<strong>br</strong> />

Não sei quem assela (1598 - redondilha 019)<<strong>br</strong> />

Não vos guar<strong>de</strong>i, quando vinha (1668 - redondilha 055)<<strong>br</strong> />

Ninguém vos po<strong>de</strong> tirar (1616 - redondilha 008)<<strong>br</strong> />

Nos seus olhos belos (1616 - redondilha 005)<<strong>br</strong> />

NÜa casada fui pôr (1595 - redondilha 064)<<strong>br</strong> />

Nunca em prazeres passados (1668 - redondilha 084)<<strong>br</strong> />

Nunca o prazer se conhece (1595 - redondilha 029)<<strong>br</strong> />

O coração envejoso (1595 - redondilha 066)<<strong>br</strong> />

Olhai que dura sentença (1595 - redondilha 042)<<strong>br</strong> />

Os bons vi sempre passar (1598 - redondilha 116)<<strong>br</strong> />

Os gostos, que tantas dores (1598 - redondilha 082)<<strong>br</strong> />

Os privilégios que os reis (1595 - redondilha 052)<<strong>br</strong> />

Para evitar dias maus (1860 - redondilha 049)<<strong>br</strong> />

Peço-vos que me digais (1595 - redondilha 020)<<strong>br</strong> />

Pelo meu apartamento (1616 - redondilha 024)<<strong>br</strong> />

Para quem vos soube olhar (1595 - redondilha 072)<<strong>br</strong> />

Perdigão, que o pensamento (1598 - redondilha 092)<<strong>br</strong> />

Pois a tantas perdições (1598 - redondilha 027)<<strong>br</strong> />

Pois on<strong>de</strong> te hão-<strong>de</strong> falar? (1616 - redondilha 103)


Pois o ver-vos tenho em mais (1595 - redondilha 045)<<strong>br</strong> />

Por cousa tão pouca (1595 - redondilha 017)<<strong>br</strong> />

Posible es a mi cuidado (1595 - redondilha 059)<<strong>br</strong> />

Posto o pensamento nele (1616 - redondilha 054)<<strong>br</strong> />

Pues me distes tal herida (1668 - redondilha 030)<<strong>br</strong> />

Quando me quer enganar (1595 - redondilha 023)<<strong>br</strong> />

Quando vos eu via (1595 - redondilha 003)<<strong>br</strong> />

Que diabo há tão danado (1616 - redondilha 109)<<strong>br</strong> />

Quem no mundo quiser ser (1595 - redondilha 108)<<strong>br</strong> />

Quem põe suas confianças (1616 - redondilha 036)<<strong>br</strong> />

Quem quer que viu, ou que leu (1595 - redondilha 099)<<strong>br</strong> />

Quem tão mal vos empregou (1595 - redondilha 079)<<strong>br</strong> />

Quem viveu sempre num ser (1595 - redondilha 080)<<strong>br</strong> />

Querendo Amor escon<strong>de</strong>r-vos (1668 - redondilha 039)<<strong>br</strong> />

Querendo escrever um dia (1595 - redondilha 006)<<strong>br</strong> />

Querer<strong>de</strong>s profano Amor (1595 - redondilha 107)<<strong>br</strong> />

Reinando Amor em dous peitos (1595 redondilha 090)<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong> dó vestida andais (1595 - redondilha 061)<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong>rivais <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (1595 - redondilha 018)<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> (1595 – redondilha 021)<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong>sejos fui jà ter (1595 - redondilha 076)<<strong>br</strong> />

Se me for e vos <strong>de</strong>ixar (1598 - redondilha 087)<<strong>br</strong> />

Se na alma e no pensamento (1598 - redondilha 097)<<strong>br</strong> />

Se não quereis pa<strong>de</strong>cer (1595 - redondilha 113)<<strong>br</strong> />

Se só no ser puramente (1595 - redondilha 034)<<strong>br</strong> />

Se trocar <strong>de</strong>sejo (1595 - redondilha 025)<<strong>br</strong> />

Se vos quereis embarcar (1668 - redondilha 050)<<strong>br</strong> />

Sem olhos vi o mal claro (1598 - redondilha 098)<<strong>br</strong> />

Sendo os restos envidados (1595 - redondilha 114)<<strong>br</strong> />

Senhora, se eu alcançasse (1595 - redondilha 001)<<strong>br</strong> />

Sepa quién pa<strong>de</strong>ce (1616 - redondilha 095)<<strong>br</strong> />

Sôbolos rios que vôo (1595 - redondilha 118)<<strong>br</strong> />

Só porque é rapaz ruim (1598 - redondilha 094)<<strong>br</strong> />

Suspeitas que me quereis (1595 - redondilha 016)<<strong>br</strong> />

Tanto maiores tormentos (1595 - redondilha 028)<<strong>br</strong> />

Tem tal jurdição Amor (1595 - redondilha 046)<<strong>br</strong> />

Tenho-me persuadido (1595 - redondilha 070)<<strong>br</strong> />

Tiempo perdido es aquel (1595 - redondilha 047)<<strong>br</strong> />

Todo o trabalhado bem (1595 - redondilha 044)<<strong>br</strong> />

Trataram-me <strong>com</strong> cautela (1595 - redondilha 075)<<strong>br</strong> />

Tudo ten<strong>de</strong>s singular (1616 - redondilha 009)<<strong>br</strong> />

Üa Dama, <strong>de</strong> malvada (1595 - redondilha 067)<<strong>br</strong> />

Üa diz que me quer bem (1595 - redondilha 078)<<strong>br</strong> />

Ved que enganos señorea (1595 - redondilha 058)<<strong>br</strong> />

Vêm-se rosas e boninas (1616 - redondilha 104)<<strong>br</strong> />

Vendo amor que, <strong>com</strong> vos ver (redondilha 037)<<strong>br</strong> />

Vi-o moço o pequenino (1595 - redondilha 074)


Viver eu, sendo mortal (1595 - redondilha 111)<<strong>br</strong> />

Vossa Senhoria creia (redondilha 110)<<strong>br</strong> />

[Vós] sois ua Dama (1668 - redondilha 096)<<strong>br</strong> />

—Vuelve acá, no estês pasmado (1616 - redondilha 102)


38.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

32.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Amor, que em meu pensamento<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tanta fé se fundou,<<strong>br</strong> />

me tem dado um regimento<<strong>br</strong> />

que, quando vir meu tormento,<<strong>br</strong> />

me salve <strong>com</strong> cujo sou.<<strong>br</strong> />

E <strong>com</strong> esta <strong>de</strong>fensão,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que tudo vencer posso,<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado<<strong>br</strong> />

olhai <strong>com</strong> quem, e sem quem.<<strong>br</strong> />

Amor, cuja providência<<strong>br</strong> />

foi sempre que não errasse,<<strong>br</strong> />

porque n'alma vos levasse,<<strong>br</strong> />

respeitando o mal <strong>de</strong> ausência<<strong>br</strong> />

quis que em vós me transformasse.<<strong>br</strong> />

E vendo-me ir maltratado,<<strong>br</strong> />

eu e meu cuidado sós,<<strong>br</strong> />

proveio nisso, <strong>de</strong> atentado,<<strong>br</strong> />

por não me ausentar <strong>de</strong> vós,<<strong>br</strong> />

sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />

Mas est'alma que eu trazia<<strong>br</strong> />

porque vós nela morais,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa-me cego, e sem guia;<<strong>br</strong> />

que há por milhor <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />

ficar on<strong>de</strong> vós ficais.<<strong>br</strong> />

Assi me vou <strong>de</strong> meu bem<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> quer a forte estrela,<<strong>br</strong> />

sem alma, que em si vos tem,<<strong>br</strong> />

co mal <strong>de</strong> viver sem ela:<<strong>br</strong> />

olhai <strong>com</strong> quem, e sem que<<strong>br</strong> />

a este moto seu (acróstico):<<strong>br</strong> />

A morte, pois que sou vosso,<<strong>br</strong> />

não na quero, mas se vem,<<strong>br</strong> />

[h]a-<strong>de</strong> ser todo meu bem.


diz a causa ao coração:<<strong>br</strong> />

não tem em mim jurdição<<strong>br</strong> />

A morte, pois que sou vosso.<<strong>br</strong> />

Por exprimentar um dia<<strong>br</strong> />

Amor se me achava forte<<strong>br</strong> />

nesta fé, <strong>com</strong>o dizia,<<strong>br</strong> />

me convidou <strong>com</strong> a morte,<<strong>br</strong> />

só por ver se a tomaria.<<strong>br</strong> />

E, <strong>com</strong>o ele seja a cousa<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> está todo o meu bem,<<strong>br</strong> />

respondi-lhe (<strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />

quer dizer mais, e não ousa):<<strong>br</strong> />

não na quero, mas se vem...<<strong>br</strong> />

Não disse mais, porque então<<strong>br</strong> />

enten<strong>de</strong>u quanto me toca;<<strong>br</strong> />

e se tinha dito o não,<<strong>br</strong> />

muitas vezes diz a boca<<strong>br</strong> />

o que nega o coração.<<strong>br</strong> />

Toda a cousa <strong>de</strong>fendida<<strong>br</strong> />

em mais estima se tem:<<strong>br</strong> />

por isso é cousa sabida<<strong>br</strong> />

que per<strong>de</strong>r por vós a vida<<strong>br</strong> />

[h]a-<strong>de</strong> ser todo meu bem.<<strong>br</strong> />

33.<<strong>br</strong> />

A B C em motos<<strong>br</strong> />

AAAA<<strong>br</strong> />

Ana quisestes que fosse<<strong>br</strong> />

o vosso nome da pia,<<strong>br</strong> />

para mor minha agonia.<<strong>br</strong> />

Apeles, se fora vivo<<strong>br</strong> />

e a ver-vos alcançara,<<strong>br</strong> />

por vós retratos tirara.<<strong>br</strong> />

Aquiles morreu no templo,<<strong>br</strong> />

contemplando <strong>de</strong> giolhos;<<strong>br</strong> />

eu, quando vejo esses olhos.<<strong>br</strong> />

Artemisa sepultou<<strong>br</strong> />

a seu irmão e marido;<<strong>br</strong> />

vós a mim, e a meu sentido.<<strong>br</strong> />

B


Bem vejo que sois, Senhora,<<strong>br</strong> />

extremo <strong>de</strong> fermosura,<<strong>br</strong> />

para minha sepultura.<<strong>br</strong> />

CC<<strong>br</strong> />

Cleópatra se matou<<strong>br</strong> />

vendo morto a seu amante;<<strong>br</strong> />

e eu por vós, em ser constante.<<strong>br</strong> />

Cassandra disse <strong>de</strong> Tróia<<strong>br</strong> />

que havia ser <strong>de</strong>struída;<<strong>br</strong> />

e eu por vós, d'alma e da vida.<<strong>br</strong> />

DD<<strong>br</strong> />

Dido morreu por Enéas,<<strong>br</strong> />

e vós matais quem vos ama;<<strong>br</strong> />

julgai se sois cruel dama!<<strong>br</strong> />

Dianira, inocente,<<strong>br</strong> />

da má morte causadora;<<strong>br</strong> />

vós, da minha, sabedora.<<strong>br</strong> />

E<<strong>br</strong> />

Eurídice foi a causa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Orfeu ir ao Inferno;<<strong>br</strong> />

vos, <strong>de</strong> ser meu mal eterno.<<strong>br</strong> />

FF<<strong>br</strong> />

Fedra, só <strong>de</strong> puro amor,<<strong>br</strong> />

morreu por seu enteado;<<strong>br</strong> />

eu, morro <strong>de</strong> <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />

Febo vai escurecendo<<strong>br</strong> />

ante vossa clarida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

e eu, sem ter liberda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

GG<<strong>br</strong> />

Galateia sois, Senhora,


Da fermosura extremo;<<strong>br</strong> />

e eu, perdido Polifemo.<<strong>br</strong> />

Gene<strong>br</strong>a, que foi rainha,<<strong>br</strong> />

se per<strong>de</strong>u por Lançarote;<<strong>br</strong> />

e vós, por me dar a morte.<<strong>br</strong> />

HH<<strong>br</strong> />

Hércules, uma camisa<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> chamas o consumiu;<<strong>br</strong> />

minha alma, dês que vos viu.<<strong>br</strong> />

Hébis e Dido morreram<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> origor da mudança;<<strong>br</strong> />

eu, vendo vossa esquivança.<<strong>br</strong> />

JJJJ<<strong>br</strong> />

Judit, que o duro Holofernes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>golou, se viva fora,<<strong>br</strong> />

mate lhe déreis, Senhora.<<strong>br</strong> />

Júlio César conquistou<<strong>br</strong> />

o mundo <strong>com</strong> fortaleza;<<strong>br</strong> />

vós a mim <strong>com</strong> gentileza.<<strong>br</strong> />

Júlio César se livrou<<strong>br</strong> />

dos imigos <strong>com</strong> a<strong>br</strong>olhos;<<strong>br</strong> />

eu, não posso <strong>de</strong>sses olhos.<<strong>br</strong> />

Jazia-se o Minotauro<<strong>br</strong> />

preso no seu labirinto;<<strong>br</strong> />

mas eu mais preso me sinto.<<strong>br</strong> />

LL<<strong>br</strong> />

Leandro se afogou<<strong>br</strong> />

e foi sua causa Hero;<<strong>br</strong> />

e a mim o que vos quero.<<strong>br</strong> />

Leandro se afogou<<strong>br</strong> />

no mar <strong>de</strong> sua bonança;<<strong>br</strong> />

eu, no <strong>de</strong> vossa esperança.<<strong>br</strong> />

MM<<strong>br</strong> />

Minerva dizem que foi,<<strong>br</strong> />

e Palas, <strong>de</strong>usas da guerra:


e vós, Senhora, da terra.<<strong>br</strong> />

Me<strong>de</strong>ia foi mui cruel,<<strong>br</strong> />

mas não chegou a meta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vossa grã cruelda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

NN<<strong>br</strong> />

Narciso o siso per<strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />

em vendo a sua figura;<<strong>br</strong> />

eu, por vossa fermosura;<<strong>br</strong> />

Ninfas enganam mil Faunos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> seu ar e fermosura;<<strong>br</strong> />

e, a mim, vossa figura.<<strong>br</strong> />

OO<<strong>br</strong> />

Os olhos choram o dano<<strong>br</strong> />

que em vos verem sentiram,<<strong>br</strong> />

mas eu pago o que eles viram.<<strong>br</strong> />

Orfeu <strong>com</strong> a doce harpa<<strong>br</strong> />

venceu o reino <strong>de</strong> Plutão;<<strong>br</strong> />

vós a mim, <strong>com</strong> perfeição.<<strong>br</strong> />

PP<<strong>br</strong> />

Páris a Helena roubou,<<strong>br</strong> />

por quem Tróia foi perdida;<<strong>br</strong> />

e vós a mim, alma e vida.<<strong>br</strong> />

Pirro matou Policena,<<strong>br</strong> />

perfeita em todos sinais;<<strong>br</strong> />

e vós a mim me matais.<<strong>br</strong> />

QQ<<strong>br</strong> />

Quanto mais <strong>de</strong>sejo ver-vos,<<strong>br</strong> />

menos vos vejo, Senhora:<<strong>br</strong> />

não vos ver milhor me fora.<<strong>br</strong> />

Querendo ver a Diana,<<strong>br</strong> />

Actéon per<strong>de</strong>u a vida,<<strong>br</strong> />

que eu por vós trago perdida.<<strong>br</strong> />

RR


Remédio nenhum não vejo<<strong>br</strong> />

que rome<strong>de</strong>ie meu mal;<<strong>br</strong> />

nem crueza à vossa igual.<<strong>br</strong> />

Roma o mundo sujeita<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> armas, saber, temor<<strong>br</strong> />

vós a mim só por amor.<<strong>br</strong> />

S<<strong>br</strong> />

Sirena, na mor fortuna<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> enganos vai cantando;<<strong>br</strong> />

e vós, sempre a mim matando.<<strong>br</strong> />

TT<<strong>br</strong> />

Tisbe morreu por Píramo,<<strong>br</strong> />

a ambos matou o Amor;<<strong>br</strong> />

a mim, vosso <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />

Tisbe pelo seu amante<<strong>br</strong> />

morreu <strong>com</strong> amor sobejo;<<strong>br</strong> />

mas eu mais morto me vejo.<<strong>br</strong> />

WW<<strong>br</strong> />

Vénus, que por mais fermosa<<strong>br</strong> />

lhe <strong>de</strong>u Páris a maçã,<<strong>br</strong> />

não foi quanto vós louçã.<<strong>br</strong> />

Vénus levou a maçã<<strong>br</strong> />

por vós não ser<strong>de</strong>s, Senhora,<<strong>br</strong> />

nascida naquela hora.<<strong>br</strong> />

XX<<strong>br</strong> />

Xpõ vos acabe em graça,<<strong>br</strong> />

e vos faça piadosa<<strong>br</strong> />

tanto, quanto sois fermosa.<<strong>br</strong> />

Xantopea tornou atrás<<strong>br</strong> />

por Apónio a invocar;<<strong>br</strong> />

e vós não, a meu chamar.


106.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Aquela cativa,<<strong>br</strong> />

que me tem cativo,<<strong>br</strong> />

porque nela vivo<<strong>br</strong> />

já não quer que viva.<<strong>br</strong> />

Eu nunca vi rosa<<strong>br</strong> />

em suaves molhos,<<strong>br</strong> />

que para meus olhos<<strong>br</strong> />

fosse mais fermosa.<<strong>br</strong> />

Nem no campo flores,<<strong>br</strong> />

nem no céu estrelas,<<strong>br</strong> />

me parecem belas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o os meus amores.<<strong>br</strong> />

Rosto singular,<<strong>br</strong> />

olhos sossegados,<<strong>br</strong> />

pretos e cansados,<<strong>br</strong> />

mas não <strong>de</strong> matar.<<strong>br</strong> />

üa graça viva,<<strong>br</strong> />

que neles lhe mora,<<strong>br</strong> />

para ser senhora<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quem é cativa.<<strong>br</strong> />

Pretos os cabelos,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> o povo vão<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong> opinião<<strong>br</strong> />

que os louros são belos.<<strong>br</strong> />

Pretidão <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />

tão doce a figura,<<strong>br</strong> />

que a neve lhe jura<<strong>br</strong> />

que trocara a cor.<<strong>br</strong> />

Leda mansidão<<strong>br</strong> />

que o siso a<strong>com</strong>panha;<<strong>br</strong> />

bem parece estranha,<<strong>br</strong> />

mas bárbora não.<<strong>br</strong> />

Presença serena<<strong>br</strong> />

que a tormenta amansa;<<strong>br</strong> />

nela enfim <strong>de</strong>scansa<<strong>br</strong> />

a üa cativa <strong>com</strong> quem andava<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> amores na Índia, chamada<<strong>br</strong> />

Bárbora


toda a minha pena.<<strong>br</strong> />

Esta é a cativa<<strong>br</strong> />

que me tem cativo,<<strong>br</strong> />

e, pois nela vivo,<<strong>br</strong> />

é força que viva.<<strong>br</strong> />

62.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Aquele rosto que traz<<strong>br</strong> />

o mundo todo a<strong>br</strong>asado,<<strong>br</strong> />

se foi da flama tocado,<<strong>br</strong> />

foi porque sinta o que faz.<<strong>br</strong> />

Bem sei que Amor se lhe ren<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

porém o seu pros[s]uposto<<strong>br</strong> />

foi sentir o vosso rosto<<strong>br</strong> />

o que nas almas acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

14.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

A verdura amena,<<strong>br</strong> />

gados, que pasceis,<<strong>br</strong> />

sabei que a <strong>de</strong>veis<<strong>br</strong> />

aos olhos <strong>de</strong> Helena.<<strong>br</strong> />

a Dona Guiamar <strong>de</strong> Blasfé,<<strong>br</strong> />

que se queimara no rosto<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> üa vela<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Amor que todos ofen<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

teve, Senhora, por gosto,<<strong>br</strong> />

que sentisse o vosso rosto<<strong>br</strong> />

o que nas almas acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

a este meto seu:<<strong>br</strong> />

Se Helena apartar do<<strong>br</strong> />

campo seus olhos,<<strong>br</strong> />

nascerão a<strong>br</strong>olhos.


Os ventos serena,<<strong>br</strong> />

faz flores <strong>de</strong> a<strong>br</strong>olhos<<strong>br</strong> />

o ar <strong>de</strong> seus olhos.<<strong>br</strong> />

Faz serras floridas,<<strong>br</strong> />

faz claras as fontes:<<strong>br</strong> />

se isto faz nos montes,<<strong>br</strong> />

que fará nas vidas?<<strong>br</strong> />

Trá-las suspendidas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o ervas em molhos,<<strong>br</strong> />

na luz <strong>de</strong> seus olhos.<<strong>br</strong> />

Os corações pren<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> graça inumana<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cada pestana<<strong>br</strong> />

ü alma lhe pen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Amor se lhe ren<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

e, posto em giolhos,<<strong>br</strong> />

pasma nos seua olhos<<strong>br</strong> />

81.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Baixos e honestos andais,<<strong>br</strong> />

por vos negar<strong>de</strong>s a quem<<strong>br</strong> />

não quer mais que aquele bem<<strong>br</strong> />

que vós no chão espalhais.<<strong>br</strong> />

Se pouco vos mereci,<<strong>br</strong> />

não me estimais mais que o chão,<<strong>br</strong> />

a quem vós o galardão<<strong>br</strong> />

dais, e mo neguis a mi.<<strong>br</strong> />

*011<<strong>br</strong> />

a üa Dama que lhe virou o rosto<<strong>br</strong> />

MOTO<<strong>br</strong> />

Olhos, não vos mereci<<strong>br</strong> />

que tenhais tal condição:<<strong>br</strong> />

tão liberais para o chão,<<strong>br</strong> />

tão irosos para mi.


Campo, que te esten<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

Esta redondilha não foi disponibilizado pela<<strong>br</strong> />

FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional ,<<strong>br</strong> />

<<strong>br</strong> />

que realizou a edição digital <strong>de</strong>sta o<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />

Agra<strong>de</strong>cemos sua <strong>com</strong>preensão.<<strong>br</strong> />

51.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Campos cheios <strong>de</strong> prazer,<<strong>br</strong> />

vós, que estais rever<strong>de</strong>cendo,<<strong>br</strong> />

já me alegrei <strong>com</strong> vos ver;<<strong>br</strong> />

agora venho a temer<<strong>br</strong> />

que entristeçais em me vendo.<<strong>br</strong> />

E, pois a vista alegrais<<strong>br</strong> />

dos olhos <strong>de</strong>sesperados,<<strong>br</strong> />

não quero que me vejais,<<strong>br</strong> />

para que sempre sejais<<strong>br</strong> />

campos bem-aventurados.<<strong>br</strong> />

Porém, se por aci<strong>de</strong>nte,<<strong>br</strong> />

vos pesar <strong>de</strong> meu tormento,<<strong>br</strong> />

sabereis que Amor consente<<strong>br</strong> />

que tudo me <strong>de</strong>scontente,<<strong>br</strong> />

senão <strong>de</strong>scontentamento.<<strong>br</strong> />

Por isso vós, arvoredos,<<strong>br</strong> />

que já nos meus olhos vistes<<strong>br</strong> />

mais alegrias que medos,<<strong>br</strong> />

se mos quereis fazer ledos,<<strong>br</strong> />

tornai-vos agora tristes.<<strong>br</strong> />

Já me vistes ledo ser,<<strong>br</strong> />

mas <strong>de</strong>spois que o falso Amor<<strong>br</strong> />

tão triste me fez viver, .<<strong>br</strong> />

ledos folgo <strong>de</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />

a este mato alheio:<<strong>br</strong> />

Campos bem-aventurados,<<strong>br</strong> />

tornai-vos agora tristes,<<strong>br</strong> />

que os dias em que me vistes<<strong>br</strong> />

alegre são já passados.


porque me do<strong>br</strong>eis a dor.<<strong>br</strong> />

E se este gosto sobejo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> minha dor me sentistes,<<strong>br</strong> />

julgai quanto mais <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

as horas que vos não vejo<<strong>br</strong> />

que os dias em que me vistes.<<strong>br</strong> />

O tempo, que é <strong>de</strong>sigual,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> secos, ver<strong>de</strong>s vos tem;<<strong>br</strong> />

porque em vosso natural<<strong>br</strong> />

se muda o mal para o bem,<<strong>br</strong> />

mas o meu para mor mal.<<strong>br</strong> />

Se perguntais, ver<strong>de</strong>s prados,<<strong>br</strong> />

pelos tempos diferentes<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong> Amor me foram dados,<<strong>br</strong> />

tristes, aqui são presentes,<<strong>br</strong> />

alegres, já são passados.<<strong>br</strong> />

60.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Caterina é mais fermosa<<strong>br</strong> />

para mim que a luz do dia;<<strong>br</strong> />

mas mais fermosa seria<<strong>br</strong> />

se não fosse mentirosa.<<strong>br</strong> />

Hoje a vejo piadosa,<<strong>br</strong> />

amanhã tão diferente<<strong>br</strong> />

que sempre cuido que mente.<<strong>br</strong> />

Caterina me mentiu<<strong>br</strong> />

muitas vezes, sem ter lei,<<strong>br</strong> />

mas todas lhe perdoei<<strong>br</strong> />

por üa só que cumpriu.<<strong>br</strong> />

Se, <strong>com</strong>o me consentiu<<strong>br</strong> />

falar, o mais me consente,<<strong>br</strong> />

nunca mais direi que mente.<<strong>br</strong> />

Má, mentirosa, malvada,<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Caterina bem promete;<<strong>br</strong> />

eramá I <strong>com</strong>o ela mente I


dizei: para que mentis?<<strong>br</strong> />

Prometeis, e não cumpris?<<strong>br</strong> />

Pois sem cumprir, tudo é nada.<<strong>br</strong> />

Não sois bem aconselhada;<<strong>br</strong> />

que quem promete, se mente,<<strong>br</strong> />

o que per<strong>de</strong> não no sente.<<strong>br</strong> />

Jurou-me aquela ca<strong>de</strong>la<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vir, pela alma que tinha;<<strong>br</strong> />

enganou-me; tem a minha;<<strong>br</strong> />

dá-lhe pouco <strong>de</strong> perdê-la.<<strong>br</strong> />

A vida gasto após ela,<<strong>br</strong> />

porque ma dá se promete,<<strong>br</strong> />

mas tira-ma quando mente.<<strong>br</strong> />

Tudo vos consentiria<<strong>br</strong> />

quanto quisésseis fazer,<<strong>br</strong> />

se esse vosso prometer<<strong>br</strong> />

fosse prometer um dia<<strong>br</strong> />

todo então me <strong>de</strong>sfaria<<strong>br</strong> />

convosco; e vós, <strong>de</strong> contente,<<strong>br</strong> />

zombaríeis <strong>de</strong> quem mente.<<strong>br</strong> />

Prometou-me ontem <strong>de</strong> vir,<<strong>br</strong> />

nunca mais me apareceu;<<strong>br</strong> />

creio que não prometeu<<strong>br</strong> />

senão só por me mentir.<<strong>br</strong> />

Faz-me enfim chorar e rir;<<strong>br</strong> />

rio quando me promete,<<strong>br</strong> />

mas choro quando me mente.<<strong>br</strong> />

Mas pois folgais <strong>de</strong> mentir,<<strong>br</strong> />

prometendo <strong>de</strong> me ver,<<strong>br</strong> />

eu vos <strong>de</strong>ixo o prometer,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixai-me vós o cumprir:<<strong>br</strong> />

haveis então <strong>de</strong> sentir<<strong>br</strong> />

quanto fica mais contente<<strong>br</strong> />

o que cumpre que o que mente.<<strong>br</strong> />

101.<<strong>br</strong> />

Volta<<strong>br</strong> />

a D. António, senhor <strong>de</strong> Cascais,<<strong>br</strong> />

que prometera a <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> seis<<strong>br</strong> />

galinhas recheadas por uma cópia


Cinco galinhas e meia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve o Senhor <strong>de</strong> Cascais;<<strong>br</strong> />

e a meia vinha cheia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> apetites para as mais.<<strong>br</strong> />

112.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Con<strong>de</strong>, cujo ilustre peito<<strong>br</strong> />

merece nome <strong>de</strong> Rei,<<strong>br</strong> />

do qual muito certo sei<<strong>br</strong> />

que lhe fica sendo estreito<<strong>br</strong> />

o cargo <strong>de</strong> Vizo-Rei;<<strong>br</strong> />

servir<strong>de</strong>s-vos <strong>de</strong> ocupar-me,<<strong>br</strong> />

tanto contra meu planeta,<<strong>br</strong> />

não foi senão asas dar-me,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as quais vou a queimar-me,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o faz a borboleta.<<strong>br</strong> />

E se eu a pena tomar<<strong>br</strong> />

que tão mal cortada tenho,<<strong>br</strong> />

será para cele<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />

vosso valor singular,<<strong>br</strong> />

dino <strong>de</strong> mais alto engenho.<<strong>br</strong> />

Que, se o meu vos cele<strong>br</strong>asse,<<strong>br</strong> />

necessário me seria<<strong>br</strong> />

que os olhos da águia tomasse,<<strong>br</strong> />

só para que não cegasse<<strong>br</strong> />

no sol <strong>de</strong> vossa valia.<<strong>br</strong> />

Vossos feitos sublimados,<<strong>br</strong> />

nas armas dinos <strong>de</strong> glória,<<strong>br</strong> />

são no mundo tão soados<<strong>br</strong> />

que em vós <strong>de</strong> vossos passados<<strong>br</strong> />

se ressuscita a memória.<<strong>br</strong> />

Pois aquele animo estranho,<<strong>br</strong> />

pronto para todo efeito,<<strong>br</strong> />

que Ihe fizera, e Ihe mandava, por<<strong>br</strong> />

princípio <strong>de</strong> paga, meia galinha<<strong>br</strong> />

mandadas ao Vizo-Rei,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o mato anterior:


espanta todo o conceito,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o coração tamanho<<strong>br</strong> />

vos po<strong>de</strong> caber no peito.<<strong>br</strong> />

A clemência que asserena<<strong>br</strong> />

coração tão singular,<<strong>br</strong> />

se eu nisso pusesse a pena,<<strong>br</strong> />

seria encerrar o mar<<strong>br</strong> />

em cova muito pequena<<strong>br</strong> />

Bem basta, Senhor, que agora<<strong>br</strong> />

vos sirvais <strong>de</strong> me ocupar,<<strong>br</strong> />

que assi fareis aparar<<strong>br</strong> />

a pena <strong>com</strong> que algüa hora<<strong>br</strong> />

vos vereis ao Céu voar.<<strong>br</strong> />

Assi vos irei louvando,<<strong>br</strong> />

vós a mim do chão erguendo,<<strong>br</strong> />

ambos o mundo espantando:<<strong>br</strong> />

vós, co a espada cortando,<<strong>br</strong> />

eu, co a pena escrevendo.<<strong>br</strong> />

117.<<strong>br</strong> />

Labirinto<<strong>br</strong> />

Corre sem vela e sem leme<<strong>br</strong> />

o tempo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado,<<strong>br</strong> />

dum gran<strong>de</strong> vento levado;<<strong>br</strong> />

o que perigo não teme<<strong>br</strong> />

é <strong>de</strong> pouco exprimentado.<<strong>br</strong> />

As ré<strong>de</strong>as trazem na mão<<strong>br</strong> />

os que ré<strong>de</strong>as não tiveram:<<strong>br</strong> />

vendo quando mal fizeram<<strong>br</strong> />

a cobiça e ambição<<strong>br</strong> />

disfarçados se acolheram.<<strong>br</strong> />

A nau que se vai per<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>strue mil esperanças;<<strong>br</strong> />

vejo o mau que vem a ter;<<strong>br</strong> />

vejo perigos correr<<strong>br</strong> />

quem não cuida que há mudanças.<<strong>br</strong> />

Os que nunca sem sela andaram<<strong>br</strong> />

na sela postos se vêm:<<strong>br</strong> />

do Autor a queixar-se do mundo


<strong>de</strong> fazer mal não <strong>de</strong>ixaram;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mónio hábito têm<<strong>br</strong> />

os que o justo profanaram.<<strong>br</strong> />

Que po<strong>de</strong>rá vir a ser<<strong>br</strong> />

o mal nunca refreado?<<strong>br</strong> />

Anda, por certo, enganado<<strong>br</strong> />

aquele que quer valer,<<strong>br</strong> />

levando o caminho errado.<<strong>br</strong> />

É para os bons confusão<<strong>br</strong> />

ver que os maus prevaleceram;<<strong>br</strong> />

posto que se <strong>de</strong>tiveram<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> esta simulação,<<strong>br</strong> />

sempre castigos tiveram.<<strong>br</strong> />

Não porque governe o leme<<strong>br</strong> />

em mar envolto e turbado,<<strong>br</strong> />

quem tem seu rumo mudado,<<strong>br</strong> />

se perece, grita e geme<<strong>br</strong> />

em tempo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado.<<strong>br</strong> />

Terem justo galardão<<strong>br</strong> />

e dor dos que mereceram,<<strong>br</strong> />

sempre castigos tiveram<<strong>br</strong> />

sem nenhüa re<strong>de</strong>nção,<<strong>br</strong> />

posto que se <strong>de</strong>tiveram.<<strong>br</strong> />

Na tormenta, se vier,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sespere na bonança<<strong>br</strong> />

quem manhas não sabe ter.<<strong>br</strong> />

Sem que lhe valha gemer<<strong>br</strong> />

verá falsar a balança.<<strong>br</strong> />

Os que nunca trabalharam,<<strong>br</strong> />

tendo o que lhes não convém,<<strong>br</strong> />

se ao inocente enganaram<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>rão o eterno bem<<strong>br</strong> />

se do mal não se apartaram.<<strong>br</strong> />

71.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a esta cantiga velha:<<strong>br</strong> />

Falso cavaleiro ingrato,<<strong>br</strong> />

enganais-me:<<strong>br</strong> />

vós dizeis que eu vos mato,<<strong>br</strong> />

e vós matais-me.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Costumadas artes são<<strong>br</strong> />

para enganar inocências,<<strong>br</strong> />

piadosas aparências<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e isento coração.<<strong>br</strong> />

Eu vos amo, e vós, ingrato,<<strong>br</strong> />

magoais-me,<<strong>br</strong> />

dizendo que eu vos mato,<<strong>br</strong> />

e vós matais-me.<<strong>br</strong> />

Ve<strong>de</strong> agora qual <strong>de</strong> nós<<strong>br</strong> />

anda mais perto do fim,<<strong>br</strong> />

que a justiça faz-se em mim<<strong>br</strong> />

e o pregão diz que sois vós.<<strong>br</strong> />

Quando mais verda<strong>de</strong> trato,<<strong>br</strong> />

levantais-me<<strong>br</strong> />

que vos <strong>de</strong>samo e vos mato,<<strong>br</strong> />

e vós matais-me.<<strong>br</strong> />

63.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Cousa que este corpo não tem<<strong>br</strong> />

que já não tenhais rendida;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tirar-lhe a vida,<<strong>br</strong> />

tirai-lhe a morte também.<<strong>br</strong> />

Se mais tenho que per<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

mais quero que me leveis,<<strong>br</strong> />

cantento que me <strong>de</strong>ixeis<<strong>br</strong> />

os olhos para vos ver.<<strong>br</strong> />

a este mato seu:<<strong>br</strong> />

Da alma, e <strong>de</strong> quanto tiver,<<strong>br</strong> />

quero que me <strong>de</strong>spojeis,<<strong>br</strong> />

contanto que me <strong>de</strong>ixeis<<strong>br</strong> />

os olhos para vos ver.


93.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Cum real <strong>de</strong> amor,<<strong>br</strong> />

dous <strong>de</strong> confiança<<strong>br</strong> />

e três <strong>de</strong> esperança<<strong>br</strong> />

me foge o tredor.<<strong>br</strong> />

Falso <strong>de</strong>samor<<strong>br</strong> />

se encerra naquele<<strong>br</strong> />

qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />

Pediu-mo emprestado,<<strong>br</strong> />

não lhe quis penhor;<<strong>br</strong> />

é mau pagador,<<strong>br</strong> />

tendo-mo aferrado.<<strong>br</strong> />

Cum cor<strong>de</strong>l atado,<<strong>br</strong> />

ao Tronco se leve,<<strong>br</strong> />

qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />

Por esta travessa<<strong>br</strong> />

se vai acolhendo;<<strong>br</strong> />

ei-lo vai correndo,<<strong>br</strong> />

fugindo a grã pressa.<<strong>br</strong> />

Nesta mão e nessa<<strong>br</strong> />

o falso s'atreve,<<strong>br</strong> />

qu'um real me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />

Comprou-me amor<<strong>br</strong> />

sem lhe fazer preço:<<strong>br</strong> />

eu não lhe mereço<<strong>br</strong> />

dar-me <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />

Dá-me tanta dor<<strong>br</strong> />

que ando após ele<<strong>br</strong> />

pelo que me <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />

Eu <strong>de</strong> cá <strong>br</strong>adando,<<strong>br</strong> />

ele vai fugindo;<<strong>br</strong> />

ele sempre rindo,<<strong>br</strong> />

eu sempre chorando.<<strong>br</strong> />

{El} <strong>de</strong> quando em quando<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Ten<strong>de</strong>-me mão nele<<strong>br</strong> />

qu'um real me <strong>de</strong>ve I


no amor s'atreve,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o que não <strong>de</strong>ve.<<strong>br</strong> />

A falar verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

ele já pagou;<<strong>br</strong> />

mas inda ficou<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>vendo ameta<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Minha liberda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

é a que me <strong>de</strong>ve:<<strong>br</strong> />

só nela se atreve.<<strong>br</strong> />

26.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Da lin<strong>de</strong>za vossa,<<strong>br</strong> />

Dama, quem a vê,<<strong>br</strong> />

impossível é<<strong>br</strong> />

que guardar-se possa.<<strong>br</strong> />

Se faz tanta mossa<<strong>br</strong> />

ver-vos um só dia,<<strong>br</strong> />

quem se guardaria?<<strong>br</strong> />

Milhor <strong>de</strong>ve ser<<strong>br</strong> />

neste aventurar,<<strong>br</strong> />

ver, e não guardar,<<strong>br</strong> />

que guardar <strong>de</strong> ver.<<strong>br</strong> />

Ver, e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r,<<strong>br</strong> />

muito bom seria;<<strong>br</strong> />

mas... quem po<strong>de</strong>ria?<<strong>br</strong> />

15.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

à tenção <strong>de</strong> Miraguarda<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Ver, e mais guardar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ver outro dia,<<strong>br</strong> />

quem o acabaria ?


Dama d'estranho primor,<<strong>br</strong> />

se vos for<<strong>br</strong> />

pesada minha firmeza,<<strong>br</strong> />

olhai não me <strong>de</strong>is tristeza,<<strong>br</strong> />

porque a converto em amor.<<strong>br</strong> />

Se cuidais <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

me matar quando usais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> esquivança,<<strong>br</strong> />

irei tomar por vingança<<strong>br</strong> />

amar-vos cada vez mais.<<strong>br</strong> />

Porém vosso pensamento,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o isento,<<strong>br</strong> />

seguirá sua tenção<<strong>br</strong> />

crendo que em tanta afeição<<strong>br</strong> />

não haja acrescentamento.<<strong>br</strong> />

Não creiais<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>starte vos façais<<strong>br</strong> />

invencível;<<strong>br</strong> />

que Amor so<strong>br</strong>e o impossível<<strong>br</strong> />

amostra que po<strong>de</strong> mais.<<strong>br</strong> />

Mas já da tenção que sigo<<strong>br</strong> />

me <strong>de</strong>sdigo;<<strong>br</strong> />

que, se há tanto po<strong>de</strong>r nele<<strong>br</strong> />

também vós po<strong>de</strong>is mais qu'ele<<strong>br</strong> />

neste mal que usais <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

Mas se for<<strong>br</strong> />

o vosso po<strong>de</strong>r maior<<strong>br</strong> />

entre nós,<<strong>br</strong> />

quem po<strong>de</strong>rá mais que vós<<strong>br</strong> />

se vós po<strong>de</strong>is mais que Amor?<<strong>br</strong> />

Despois que, Dama, vos vi,<<strong>br</strong> />

entendi<<strong>br</strong> />

que per<strong>de</strong>ra Amor seu preço;<<strong>br</strong> />

pois o favor que lhe eu peço<<strong>br</strong> />

vos pe<strong>de</strong> ele para si.<<strong>br</strong> />

Nem duvido<<strong>br</strong> />

que não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sentido,<<strong>br</strong> />

resistir;<<strong>br</strong> />

pois, em vez <strong>de</strong> vos ferir,<<strong>br</strong> />

ficou, <strong>de</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />

a üa Dama


ferido.<<strong>br</strong> />

Mas, pois vossa vista e tal<<strong>br</strong> />

em meu mal,<<strong>br</strong> />

que posso <strong>de</strong> vós querer?<<strong>br</strong> />

Que mal po<strong>de</strong>rei valer<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> o mesmo Amor não val?<<strong>br</strong> />

Se atentar,<<strong>br</strong> />

nenhum bem posso esperar;<<strong>br</strong> />

e oxalá<<strong>br</strong> />

Que vos<<strong>br</strong> />

alem<strong>br</strong>asse já,<<strong>br</strong> />

sequer para me matar.<<strong>br</strong> />

Mas nem <strong>com</strong> isto creiais<<strong>br</strong> />

que façais<<strong>br</strong> />

meus serviços mais pequenos;<<strong>br</strong> />

porqu'eu, quando espero menos,<<strong>br</strong> />

sabei que então quero mais.<<strong>br</strong> />

Nada espero,<<strong>br</strong> />

mas <strong>de</strong> mim cre<strong>de</strong> este fero<<strong>br</strong> />

que, em ser vosso,<<strong>br</strong> />

vos quero tudo o que posso<<strong>br</strong> />

e não posso quanto quero.<<strong>br</strong> />

Só por esta fantasia<<strong>br</strong> />

merecia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> meus males algum fruito;<<strong>br</strong> />

que ainda não quero muito<<strong>br</strong> />

para o muito que queria.<<strong>br</strong> />

De maneira<<strong>br</strong> />

que não é, na <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira,<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> espanto,<<strong>br</strong> />

que quem, Dama, vos quer tanto<<strong>br</strong> />

que outro tanto <strong>de</strong> vós queira.<<strong>br</strong> />

105.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Quem ora soubesse<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> o Amor nasce,<<strong>br</strong> />

que o semeasse!


D'amor e seus danos<<strong>br</strong> />

me fiz lavrador;<<strong>br</strong> />

semeava amor<<strong>br</strong> />

e colhia enganos;<<strong>br</strong> />

não vi, em meus anos,<<strong>br</strong> />

homem que apanhasse<<strong>br</strong> />

o que semeasse.<<strong>br</strong> />

Vi terra florida<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> lindos a<strong>br</strong>olhos,<<strong>br</strong> />

lindos para os olhos,<<strong>br</strong> />

duros para a vida;<<strong>br</strong> />

mas a rês perdida<<strong>br</strong> />

que tal erva pace<<strong>br</strong> />

em forte hora nace.<<strong>br</strong> />

Com quanto perdi,<<strong>br</strong> />

trabalhava em vão;<<strong>br</strong> />

se semeei grão,<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong> dor colhi.<<strong>br</strong> />

Amor nunca vi<<strong>br</strong> />

que muito durasse,<<strong>br</strong> />

que não magoasse.<<strong>br</strong> />

56.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

De maneira me suce<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

o que temo, e o que <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

que sempre o que temo, vejo,<<strong>br</strong> />

nunca o que a vonta<strong>de</strong> pe<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Tenho tão oferecida<<strong>br</strong> />

alma e vida a toda a sorte<<strong>br</strong> />

que isso me <strong>de</strong>ra da morte<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o já me dá da vida.<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

A alma que está ofrecida a<<strong>br</strong> />

tudo, nada lhe é forte; assi<<strong>br</strong> />

passa o bem da vida <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

passa o mal da morte


31.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Despois <strong>de</strong> sempre sofrer,<<strong>br</strong> />

Senhora, vossas cruezas,<<strong>br</strong> />

apesar <strong>de</strong> meu querer,<<strong>br</strong> />

me quereis satisfazer<<strong>br</strong> />

meus serviços <strong>com</strong> tristezas.<<strong>br</strong> />

Mas pois embal<strong>de</strong> resiste<<strong>br</strong> />

quem vossa vista con<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

prestes estou para a pena,<<strong>br</strong> />

que, <strong>de</strong> galardão, tão triste,<<strong>br</strong> />

triste vida se me or<strong>de</strong>na.<<strong>br</strong> />

De contente do mal meu<<strong>br</strong> />

a tão gran<strong>de</strong> extremo vim,<<strong>br</strong> />

que consinto em minha fim:<<strong>br</strong> />

assi que, vos e mais eu,<<strong>br</strong> />

ambos somos contra mim.<<strong>br</strong> />

Mas que sofra meu tormento<<strong>br</strong> />

sem querer mais galardão,<<strong>br</strong> />

não é fora <strong>de</strong> razão<<strong>br</strong> />

que queraa meu sofrimento,<<strong>br</strong> />

pois quer vossa condição.<<strong>br</strong> />

O mel, que vós dais por bem,<<strong>br</strong> />

esse, Senhora, é mortal;<<strong>br</strong> />

que o mal que dais <strong>com</strong>o mal,<<strong>br</strong> />

em muito menos se tem,<<strong>br</strong> />

por costume natural.<<strong>br</strong> />

Mas porém nesta vitória,<<strong>br</strong> />

que <strong>com</strong>igo é bem pequena,<<strong>br</strong> />

a maior dor me con<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />

a pena, que dais por glória,<<strong>br</strong> />

que os males, que dais por pena.<<strong>br</strong> />

Que mor bem me possa vir,<<strong>br</strong> />

a este moto <strong>de</strong> Francisco<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> Morais:<<strong>br</strong> />

Triste vida se me or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

pois quer vossa condição<<strong>br</strong> />

que os males, que dais por pena,<<strong>br</strong> />

me fiquem por galardão,


que servir-vos, não o sei.<<strong>br</strong> />

Pois que mais quero eu pedir,<<strong>br</strong> />

se quanto mais vos<<strong>br</strong> />

servir, tanto mais vos <strong>de</strong>verei?<<strong>br</strong> />

Se vossos merecimentos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tão alta estima são,<<strong>br</strong> />

assaz <strong>de</strong> favor me dão<<strong>br</strong> />

em querer que meus tormentos<<strong>br</strong> />

me fiquem por galardão.<<strong>br</strong> />

83.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Después que Amor me formó<<strong>br</strong> />

todo <strong>de</strong> amor, cual me veo,<<strong>br</strong> />

en las leyes que me dió,<<strong>br</strong> />

el mirar me consintió,<<strong>br</strong> />

y <strong>de</strong>fendióme el <strong>de</strong>seo.<<strong>br</strong> />

Mas el alma, <strong>com</strong>o injusta,<<strong>br</strong> />

en viendo tal perfección,<<strong>br</strong> />

dió a al <strong>de</strong>seo ocasión:<<strong>br</strong> />

y pues que<strong>br</strong>é ley tan justa,<<strong>br</strong> />

justa fué mi perdición.<<strong>br</strong> />

Mostrándoseme el Amor<<strong>br</strong> />

más benigno que cruel,<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e tirano, traidor,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> celos <strong>de</strong> mi dolor,<<strong>br</strong> />

quiso tomar parte en él.<<strong>br</strong> />

Yo, que tan dulce tormento<<strong>br</strong> />

no quieto dallo, aunque peco,<<strong>br</strong> />

resisto, y no lo consiento;<<strong>br</strong> />

mas si me lo toma á trueco,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mis males soy contento.<<strong>br</strong> />

Señora, ved lo que or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />

a esta Trova <strong>de</strong> Boscão:<<strong>br</strong> />

Justa fué mi perdición,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mis males soy contento;<<strong>br</strong> />

ya no espero galardón,<<strong>br</strong> />

pues vuestro merecimiento<<strong>br</strong> />

satistizo a mi pasiôn.


este Amor tan falso nuestro!<<strong>br</strong> />

Por pagar á costa ajena<<strong>br</strong> />

manda que <strong>de</strong> un mirar vuestro<<strong>br</strong> />

haga el premio <strong>de</strong> mi pena.<<strong>br</strong> />

Mas vos, para que veáis<<strong>br</strong> />

tan engañosa tención,<<strong>br</strong> />

aunque muerto me sintáis,<<strong>br</strong> />

no miréis, que, si miráis,<<strong>br</strong> />

ya no espero galardón.<<strong>br</strong> />

¿Pues que premio (me diréis)<<strong>br</strong> />

esperas que será bueno?<<strong>br</strong> />

Sabed, si no lo sabéis,<<strong>br</strong> />

que es lo más <strong>de</strong> lo que peno<<strong>br</strong> />

lo menos que merecéis.<<strong>br</strong> />

¿Quién hace al mal tan ufano,<<strong>br</strong> />

y tan li<strong>br</strong>e al sentimiento?<<strong>br</strong> />

¿El <strong>de</strong>seo? No, que es vano.<<strong>br</strong> />

¿El Amor? No, que es tirano<<strong>br</strong> />

¿Pues? Vuestro merecimiento.<<strong>br</strong> />

No pudiendo Amor robarme<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mis tan caros <strong>de</strong>spojos,<<strong>br</strong> />

aunque fué por más honrarme,<<strong>br</strong> />

vos sola para matarme<<strong>br</strong> />

le prestastes vuestros ojos.<<strong>br</strong> />

Matáronme ambos á dos;<<strong>br</strong> />

mas á vos con mas razón<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>be él la satisfacción;<<strong>br</strong> />

que á mi por él, y por vos,<<strong>br</strong> />

satisfizo mi pasión,<<strong>br</strong> />

35.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Desque una vez miré,<<strong>br</strong> />

Señora, vuestra beldad,<<strong>br</strong> />

jamás por mi voluntad<<strong>br</strong> />

los ojos <strong>de</strong> vos quité.<<strong>br</strong> />

Pues sin vos placer no siente<<strong>br</strong> />

mi vida, ni lo <strong>de</strong>sea,<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

¿Qué veré que me contente?


si no quereis que os vea,<<strong>br</strong> />

¿qué veré que me contente?<<strong>br</strong> />

77.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

De ver-vos a não vos ver<<strong>br</strong> />

há dous extremos mortais;<<strong>br</strong> />

e são eles em si tais<<strong>br</strong> />

que um por um me faz morrer;<<strong>br</strong> />

mas antes quero escolher<<strong>br</strong> />

que possa viver sem ver-vos<<strong>br</strong> />

minh'alma, por não per<strong>de</strong>r-vos.<<strong>br</strong> />

Deste tamanho perigo<<strong>br</strong> />

que remédio posso ter,<<strong>br</strong> />

se vivo só <strong>com</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />

se vos não vejo, perigo?<<strong>br</strong> />

Quero acabar <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />

que ninguém me veja ver-vos,<<strong>br</strong> />

Senhora, por não per<strong>de</strong>r-vos.<<strong>br</strong> />

73.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Dióme Amor tormentos dos<<strong>br</strong> />

para que pene doblado:<<strong>br</strong> />

uno es verme <strong>de</strong>samado,<<strong>br</strong> />

otro es mancilla <strong>de</strong> vos.<<strong>br</strong> />

a este moto seu:<<strong>br</strong> />

Pois me faz dano olhar-vos<<strong>br</strong> />

não quero, por não per<strong>de</strong>r-vos<<strong>br</strong> />

que ninguém me veja ver-vos.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Amor loco amor loco,<<strong>br</strong> />

yo por vos, y vos por o otro.


!Ved que or<strong>de</strong>na Amor en nos!<<strong>br</strong> />

Porque me vos hacéis loca?<<strong>br</strong> />

que seáis loca por otro.<<strong>br</strong> />

Tratáis Amor <strong>de</strong> manera<<strong>br</strong> />

que porque así me tratáis<<strong>br</strong> />

quiere que, pues no me amáis,<<strong>br</strong> />

que améis otro que no os quiera.<<strong>br</strong> />

Mas con todo, so no os viera<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todo loca por otro,<<strong>br</strong> />

con mas razón fuera loco.<<strong>br</strong> />

Y tan contrario viviendo,<<strong>br</strong> />

alfin, alfin, conformamos,<<strong>br</strong> />

pues ambos a dos buscamos<<strong>br</strong> />

lo que más nos va huyendo.<<strong>br</strong> />

Voy tras vos siempre siguiendo,<<strong>br</strong> />

y vos huyendo por otro:<<strong>br</strong> />

andáis loca, y me hacéis loco.<<strong>br</strong> />

7.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Dotou em vós Natureza<<strong>br</strong> />

o sumo da perfeição,<<strong>br</strong> />

que, o que em vós é senão,<<strong>br</strong> />

é em outras gentileza:<<strong>br</strong> />

o ver<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>spreza,<<strong>br</strong> />

que, agora que vós o ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

são belos os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Ouro e azul é a milhor<<strong>br</strong> />

cor por que a gente se per<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

mas, a graça <strong>de</strong>sse ver<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

tira a graça a toda a cor.<<strong>br</strong> />

Fica agora sendo a flor<<strong>br</strong> />

a cor que nos olhos ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque são vossos... e ver<strong>de</strong>s!<<strong>br</strong> />

a este moto alheio<<strong>br</strong> />

Vós, Senhora, tudo ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.


4.<<strong>br</strong> />

Outra volta à mesma cantiga<<strong>br</strong> />

Dous tormentos vejo<<strong>br</strong> />

gran<strong>de</strong>s por extremo;<<strong>br</strong> />

se vos vejo, temo,<<strong>br</strong> />

e, se não, <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />

Quando me <strong>de</strong>spejo<<strong>br</strong> />

e venho a escolher<<strong>br</strong> />

se temo o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sejo o temer.<<strong>br</strong> />

41.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

É muito para notar<<strong>br</strong> />

cura tão bem acertada,<<strong>br</strong> />

que po<strong>de</strong>reis ser curada<<strong>br</strong> />

somente <strong>com</strong> me curar.<<strong>br</strong> />

e quereis, Dama, trocar,<<strong>br</strong> />

ambos temos a mezinha:<<strong>br</strong> />

eu a vossa, e vos a minha.<<strong>br</strong> />

Olhai que não quer Amor<<strong>br</strong> />

(porque fiquemos iguais<<strong>br</strong> />

pois meu ardor não curais,<<strong>br</strong> />

que se cure vosso ardor.<<strong>br</strong> />

Eu cá sinto a vossa dor;<<strong>br</strong> />

e se vós sentis a minha,<<strong>br</strong> />

dai e tomai a mezinha<<strong>br</strong> />

12.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Da doença em que ar<strong>de</strong>is eu<<strong>br</strong> />

fora vossa mezinha,<<strong>br</strong> />

só <strong>com</strong> vós ser<strong>de</strong>s minha


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Eles ver<strong>de</strong>s são,<<strong>br</strong> />

e têm por usança<<strong>br</strong> />

na cor, esperança<<strong>br</strong> />

e nas o<strong>br</strong>as, não.<<strong>br</strong> />

Vossa condição<<strong>br</strong> />

não é d'olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Isenções a molhos<<strong>br</strong> />

que eles dizem ter<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

não são d'olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

nem <strong>de</strong> ver<strong>de</strong>s olhos.<<strong>br</strong> />

Sirvo <strong>de</strong> giolhos,<<strong>br</strong> />

e vós não me cre<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Haviam <strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />

porque possa vê-los,<<strong>br</strong> />

que uns olhos tão belos<<strong>br</strong> />

não se hão-<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r;<<strong>br</strong> />

mas fazeis-me crer<<strong>br</strong> />

que já não são ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque me não ve<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Ver<strong>de</strong>s não o são<<strong>br</strong> />

no que alcanço <strong>de</strong>les;<<strong>br</strong> />

ver<strong>de</strong>s são aqueles<<strong>br</strong> />

que esperança dão.<<strong>br</strong> />

Se na condição<<strong>br</strong> />

está serem ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque me não ve<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />

10.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este mato alheio:<<strong>br</strong> />

Menina dos olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

porque me não ve<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />

a este moto alheio.<<strong>br</strong> />

Ver<strong>de</strong>s são as hortas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> rosas e flores;


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Entre estes penedos<<strong>br</strong> />

que daqui parecem,<<strong>br</strong> />

ver<strong>de</strong>s ervas crecem,<<strong>br</strong> />

altos arvoredos.<<strong>br</strong> />

Vai <strong>de</strong>stes rochedos<<strong>br</strong> />

água <strong>com</strong> que as flores<<strong>br</strong> />

d'outras são regadas<<strong>br</strong> />

que matam d'amores.<<strong>br</strong> />

Co a água que cai<<strong>br</strong> />

daquela espessura,<<strong>br</strong> />

outra se mestura<<strong>br</strong> />

que dos olhos sai:<<strong>br</strong> />

toda junta vai<<strong>br</strong> />

regar <strong>br</strong>ancas flores,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> há outros olhos<<strong>br</strong> />

que matam d'amores.<<strong>br</strong> />

Celestes jardins,<<strong>br</strong> />

as flores, estrelas,<<strong>br</strong> />

horteloas <strong>de</strong>las<<strong>br</strong> />

são uns serafins.<<strong>br</strong> />

Rosas e jasmins<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> diversas cores;<<strong>br</strong> />

Anjos que as regam<<strong>br</strong> />

matam-me d'amores.<<strong>br</strong> />

85.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

moças que as regam<<strong>br</strong> />

matam-me d'amores.<<strong>br</strong> />

a üa Dama que perguntou<<strong>br</strong> />

ao Autor quem o matava<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Pergunteis-me quem me mata?<<strong>br</strong> />

Não quero respon<strong>de</strong>r nada,<<strong>br</strong> />

por vos não fazer culpada.


E se a pena neo me atiça<<strong>br</strong> />

a dizer pena tão forte,<<strong>br</strong> />

quero-me entregar à morte,<<strong>br</strong> />

antes que vós à justiça.<<strong>br</strong> />

Porém, se ten<strong>de</strong>s cobiça<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vos ver<strong>de</strong>s tão culpada,<<strong>br</strong> />

direi que não sinto nada.<<strong>br</strong> />

22.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Esses alfinetes vão<<strong>br</strong> />

a vos picarem, não mais,<<strong>br</strong> />

só porque julgueis então,<<strong>br</strong> />

o <strong>com</strong>o me picarão<<strong>br</strong> />

os <strong>com</strong> que vós me picais.<<strong>br</strong> />

Mas os que <strong>de</strong>ssas estrelas<<strong>br</strong> />

vêm, têm pontas tão agudas<<strong>br</strong> />

que, em que estoutros vão co elas,<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>m-vos dar pica<strong>de</strong>las,<<strong>br</strong> />

mas os vossos dão feridas.<<strong>br</strong> />

Assi que, se bem notais,<<strong>br</strong> />

no <strong>com</strong>o ambos <strong>de</strong>batem,<<strong>br</strong> />

nunca po<strong>de</strong>m ser iguais,<<strong>br</strong> />

que, inda que esses lá maltratem,<<strong>br</strong> />

estes cá maltratam mais.<<strong>br</strong> />

Porém, já que Amor consente<<strong>br</strong> />

em piques tão <strong>de</strong>siguais,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> vós sois mais valente,<<strong>br</strong> />

eu, Senhora, sou contente<<strong>br</strong> />

do que vos contentar mais.<<strong>br</strong> />

Venham os alfinetes cá<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sses olhos, porque acertem<<strong>br</strong> />

don<strong>de</strong> acerto já não há;<<strong>br</strong> />

porém os meus que vão lá,<<strong>br</strong> />

só quero que vos apertem.<<strong>br</strong> />

E <strong>de</strong>ixando o mais passado,<<strong>br</strong> />

fazei que este papel seja<<strong>br</strong> />

pregado, digo, empregado,<<strong>br</strong> />

que mandou <strong>com</strong> um papel<<strong>br</strong> />

d'alfinetes a üa Dama


porque do seu gasalhado<<strong>br</strong> />

eu mesmo lhe tenho enveja.<<strong>br</strong> />

E se eles em vós se pregam,<<strong>br</strong> />

por força os hei-<strong>de</strong> envejar,<<strong>br</strong> />

não só porque bem se empregam,<<strong>br</strong> />

mas porque, Senhora, chegam<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> eu não posso chegar.<<strong>br</strong> />

Lá vão e lá ficarão<<strong>br</strong> />

adon<strong>de</strong> continuamente<<strong>br</strong> />

a par <strong>de</strong> si vos terão; e<<strong>br</strong> />

nfim, lá vos picarão,<<strong>br</strong> />

eu cá picarei no <strong>de</strong>nte.<<strong>br</strong> />

115.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Este mundo es el camino<<strong>br</strong> />

adó ay ducientos vaus<<strong>br</strong> />

ou por on<strong>de</strong> bons e maus<<strong>br</strong> />

todos somos <strong>de</strong>l menino.<<strong>br</strong> />

Mas os maus são <strong>de</strong> teor<<strong>br</strong> />

que, dês que mudam a cor,<<strong>br</strong> />

chamam logo a el-Rei <strong>com</strong>padre;<<strong>br</strong> />

e, enfim, <strong>de</strong>jalhos, mi madre,<<strong>br</strong> />

que sempre tem um sabor<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> «Quem torto naeo, tar<strong>de</strong> se<<strong>br</strong> />

[endireita».<<strong>br</strong> />

Deixai a um que se abone,<<strong>br</strong> />

diz logo <strong>de</strong> muito sengo:<<strong>br</strong> />

villas e castillos tengo,<<strong>br</strong> />

todos a mi mandar sone.<<strong>br</strong> />

Então eu, que estou <strong>de</strong> molho,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a lágrima no olho,<<strong>br</strong> />

pelo virar do envés,<<strong>br</strong> />

digo-lhe: tu insanus es,<<strong>br</strong> />

e por isso não to talho:<<strong>br</strong> />

pois «Honra e proveito não cabem |<<strong>br</strong> />

[num saco».<<strong>br</strong> />

do Autor, na Índia, conhecidas<<strong>br</strong> />

pelo nome <strong>de</strong> «Disparates»


Vereis uns, que no seu seio<<strong>br</strong> />

cuidam que trazem Paris,<<strong>br</strong> />

e querem <strong>com</strong> dous ceitis<<strong>br</strong> />

fen<strong>de</strong>r anca pelo meio.<<strong>br</strong> />

Vereis mancebinho <strong>de</strong> arte<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> espada em talabarte;<<strong>br</strong> />

não há mais Italiano.<<strong>br</strong> />

A este direis:—Meu mano,<<strong>br</strong> />

vós sais galante que farte:<<strong>br</strong> />

mas «Pan y vino anda el camino, que<<strong>br</strong> />

no mozo garrido».<<strong>br</strong> />

Outros em cada teatro<<strong>br</strong> />

por ofício lhe ouvireis<<strong>br</strong> />

que se matarán con tres<<strong>br</strong> />

y lo mismo harán <strong>com</strong> cuatro.<<strong>br</strong> />

Prezam-se <strong>de</strong> dar respostas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> palavras bem <strong>com</strong>postas;<<strong>br</strong> />

mas, se lhe meteis a mão,<<strong>br</strong> />

na paz mostram coração,<<strong>br</strong> />

na guerra mostram as costas:<<strong>br</strong> />

porque «Aqui torce a porca o rabo».<<strong>br</strong> />

Outros vejo por aqui,<<strong>br</strong> />

a que se acha mal o fundo,<<strong>br</strong> />

que andam emendando o mundo<<strong>br</strong> />

e não se emendam a si.<<strong>br</strong> />

Estes respon<strong>de</strong>m a quem<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>les não enten<strong>de</strong> bem<<strong>br</strong> />

el dolor que está secreto;<<strong>br</strong> />

mas porém quem for discreto<<strong>br</strong> />

respon<strong>de</strong>r-lhe há muito bem:<<strong>br</strong> />

«Assi entrou o mundo, assi há-<strong>de</strong> sair».<<strong>br</strong> />

Achareis rafeiro velho,<<strong>br</strong> />

que se quer ven<strong>de</strong>r por galgo:<<strong>br</strong> />

diz que o dinheiro é fidalgo,<<strong>br</strong> />

que o sangue todo é vermelho.<<strong>br</strong> />

Se ele mais alto o dissera,<<strong>br</strong> />

este pelote pusera;<<strong>br</strong> />

que o seu eco lhe responda,<<strong>br</strong> />

que su padre era <strong>de</strong> Ronda,<<strong>br</strong> />

y su madre <strong>de</strong> Antequera<<strong>br</strong> />

e «Quer co<strong>br</strong>ir o céu cüa joeira».<<strong>br</strong> />

Fraldas largas, grave aspeito


para senador romano.<<strong>br</strong> />

Õ que grandíssimo engano!<<strong>br</strong> />

Que Momo lhe a<strong>br</strong>isse o peito!<<strong>br</strong> />

Consciência que sobeja,<<strong>br</strong> />

siso, <strong>com</strong> que o mundo reja,<<strong>br</strong> />

mansidão outro que si;<<strong>br</strong> />

mas que lobo está em ti,<<strong>br</strong> />

metido em pele <strong>de</strong> oveja!<<strong>br</strong> />

E sabem-no poucos.<<strong>br</strong> />

Guardai-vos d'uns meus senhores,<<strong>br</strong> />

que ainda <strong>com</strong>pram e ven<strong>de</strong>m;<<strong>br</strong> />

uns que é certo que <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m<<strong>br</strong> />

da geração <strong>de</strong> pastores;<<strong>br</strong> />

mostram-se-vos bons amigos,<<strong>br</strong> />

mas, se vos vêm em perigos,<<strong>br</strong> />

escarram-vos nas pare<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong> fora dormire<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

irmão, que é tempo <strong>de</strong> figos;<<strong>br</strong> />

porque «De rabo <strong>de</strong> porco nunca<<strong>br</strong> />

bom virote».<<strong>br</strong> />

[Que dizeis duns, qu'as entranhas<<strong>br</strong> />

lhe estão ar<strong>de</strong>ndo em cobiça?<<strong>br</strong> />

E, se têm mando, a justiça<<strong>br</strong> />

fazem <strong>de</strong> teias <strong>de</strong> aranhas,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> suas hipocrisias<<strong>br</strong> />

que são <strong>de</strong> vós as espias?<<strong>br</strong> />

Para os pequenos, uns Neros;<<strong>br</strong> />

para os gran<strong>de</strong>s, tudo feros.<<strong>br</strong> />

Pois tu, parvo, não sabias<<strong>br</strong> />

que «Lá vão leis, on<strong>de</strong> querem<<strong>br</strong> />

cruzados»?<<strong>br</strong> />

Mas tornando a uns enfadonhos<<strong>br</strong> />

cujas cousas são notórias;<<strong>br</strong> />

uns, que contam mil histórias<<strong>br</strong> />

mais <strong>de</strong>smanchadas que sonhos;<<strong>br</strong> />

uns, mais parvos que zamboas,<<strong>br</strong> />

que estudam palavras boas,<<strong>br</strong> />

[a que ignorancia os atiça;]<<strong>br</strong> />

estes paguem por justiça,<<strong>br</strong> />

que têm morto mil pessoas,<<strong>br</strong> />

por vida <strong>de</strong> quanto quero<<strong>br</strong> />

Adón<strong>de</strong> ienen las mentes<<strong>br</strong> />

uns secretos trovadores,


que fazem cartas d'amores,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que ficam mui contentes?<<strong>br</strong> />

Não querem sair à praça;<<strong>br</strong> />

trazem trova por negaça;<<strong>br</strong> />

e se lha gabais, que é boa,<<strong>br</strong> />

diz que é <strong>de</strong> certa pessoa.<<strong>br</strong> />

Ora que quereis que faça,<<strong>br</strong> />

senão ir-me por esse mundo?<<strong>br</strong> />

Ó tu, <strong>com</strong>o me atarracas,<<strong>br</strong> />

escu<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> solia,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> bocais <strong>de</strong> fidalguia,<<strong>br</strong> />

trazidos quase <strong>com</strong> vacas;<<strong>br</strong> />

importuno a importunar,<<strong>br</strong> />

morto por <strong>de</strong>senterrar<<strong>br</strong> />

parentes que cheiram já!<<strong>br</strong> />

Voto a tal, que me fará<<strong>br</strong> />

um <strong>de</strong>stes nunca falar<<strong>br</strong> />

mais <strong>com</strong> viva alma.<<strong>br</strong> />

Uns que falam muito, vi,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que quisera fugir;<<strong>br</strong> />

uns que, enfim, sem se sentir,<<strong>br</strong> />

andam falando entre si;<<strong>br</strong> />

porfiosos sem razão;<<strong>br</strong> />

e dês que tomam a mão,<<strong>br</strong> />

falam sem necessida<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

e se algüa hora é verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve ser na confissão;<<strong>br</strong> />

porque «Quem não mente...» Já me<<strong>br</strong> />

[enten<strong>de</strong>is.<<strong>br</strong> />

Õ vós, quem quer que me le<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

que haveis <strong>de</strong> ser avisado,<<strong>br</strong> />

que dizeis ao namorado<<strong>br</strong> />

que caça vento <strong>com</strong> re<strong>de</strong>s?<<strong>br</strong> />

Jura por vida da Dama,<<strong>br</strong> />

fala consigo na cama,<<strong>br</strong> />

passa <strong>de</strong> noite, e escarra;<<strong>br</strong> />

por falsete na guitarra<<strong>br</strong> />

põe sempre: viva quem ama,<<strong>br</strong> />

porque calça a seu propósito.<<strong>br</strong> />

Mas <strong>de</strong>ixemos, se quiser<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

por um pouco as travessuras<<strong>br</strong> />

porque entre quatro maduras<<strong>br</strong> />

leveis também cinco ver<strong>de</strong>s.


Deitemo-nos mais ao mar;<<strong>br</strong> />

e, se algum se arrecear,<<strong>br</strong> />

passe três ou quatro trovas.<<strong>br</strong> />

E vós tomais cores novas?<<strong>br</strong> />

Mas não é para espantar;<<strong>br</strong> />

que «Quem porcos há menos, em cada<<strong>br</strong> />

[mouta lhe roncam».<<strong>br</strong> />

Ó vós, que sois secretários<<strong>br</strong> />

das conciências reais,<<strong>br</strong> />

que entre os homens estais<<strong>br</strong> />

por senhores ordinários;<<strong>br</strong> />

porque não pon<strong>de</strong>s um freio<<strong>br</strong> />

ao roubar que vai sem meio,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> bom governo?<<strong>br</strong> />

Pois um pedaço d'inferno<<strong>br</strong> />

por pouco dinheiro alheio<<strong>br</strong> />

se ven<strong>de</strong> a Mouro e a Ju<strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />

Porque a mente, afeiçoada<<strong>br</strong> />

sempre à real dignida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

vos faz julgar por bonda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

a malícia <strong>de</strong>sculpada.<<strong>br</strong> />

Move a presença real<<strong>br</strong> />

üa afeição natural,<<strong>br</strong> />

que logo inclina ao juiz<<strong>br</strong> />

a seu favor; e não diz<<strong>br</strong> />

um rifão muito geral<<strong>br</strong> />

que «O aba<strong>de</strong> don<strong>de</strong> canta,<<strong>br</strong> />

[daí janta»?<<strong>br</strong> />

E vós bailhais a esse som?<<strong>br</strong> />

Por isso, gentis pastores,<<strong>br</strong> />

vos chama a vós mercadores<<strong>br</strong> />

um que só foi pastor bom.]<<strong>br</strong> />

2.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

A este cantar velho:<<strong>br</strong> />

Sauda<strong>de</strong> minha,<<strong>br</strong> />

quando vos veria?


Este tempo vão,<<strong>br</strong> />

esta vida escassa,<<strong>br</strong> />

para todos passa,<<strong>br</strong> />

só para mim não.<<strong>br</strong> />

Os dias se vão<<strong>br</strong> />

sem ver este dia,<<strong>br</strong> />

quando vos veria?<<strong>br</strong> />

Ve<strong>de</strong> esta mudança<<strong>br</strong> />

se está bem perdida,<<strong>br</strong> />

em tão curta vida<<strong>br</strong> />

tão longa esperança!<<strong>br</strong> />

Se este bem se alcança,<<strong>br</strong> />

tudo sofreria,<<strong>br</strong> />

quando vos veria.<<strong>br</strong> />

Saudosa dor,<<strong>br</strong> />

eu bem vos entendo;<<strong>br</strong> />

mas não me <strong>de</strong>fendo,<<strong>br</strong> />

porque ofendo Amor.<<strong>br</strong> />

Se fôsseis maior,<<strong>br</strong> />

em maior valia<<strong>br</strong> />

vos estimaria.<<strong>br</strong> />

Minha sauda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

caro penhor meu,<<strong>br</strong> />

a quem direi eu<<strong>br</strong> />

tamanha verda<strong>de</strong>?<<strong>br</strong> />

Na minha vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> noite e <strong>de</strong> dia<<strong>br</strong> />

sempre vos teria.<<strong>br</strong> />

91.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Com razão queixar-me posso<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vós, que mel vos queixais;<<strong>br</strong> />

pois, Senhora, vos sangrais,<<strong>br</strong> />

que seja num corpo vosso.


Eu, para levar a palma<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que ser vosso mereça,<<strong>br</strong> />

quero que o corpo pa<strong>de</strong>ça<<strong>br</strong> />

por vós, que <strong>de</strong>le sois alma.<<strong>br</strong> />

Vós do corpo vos queixais,<<strong>br</strong> />

eu queixar-me <strong>de</strong> vós posso,<<strong>br</strong> />

porque, tendo um corpo vosso,<<strong>br</strong> />

na minh'alma vos sangrais.<<strong>br</strong> />

E sem fazer diferença<<strong>br</strong> />

no que <strong>de</strong> mim possuís,<<strong>br</strong> />

pelo pouco que sentis,<<strong>br</strong> />

dais à minh'alma doença.<<strong>br</strong> />

Pois que dous aventurais<<strong>br</strong> />

oh! não seja o dano nosso:<<strong>br</strong> />

sangre-se este corpo vosso,<<strong>br</strong> />

porque, minh'alma, vivais.<<strong>br</strong> />

E inda, se atentar<strong>de</strong>s bem,<<strong>br</strong> />

seguis medicina errada,<<strong>br</strong> />

porque para ser sangrada<<strong>br</strong> />

üa alma sangue não tem.<<strong>br</strong> />

E pois em mim sarar posso<<strong>br</strong> />

males, que à minha alma dais,<<strong>br</strong> />

se inda outra vez vos sangrais,<<strong>br</strong> />

seja neste corpo vosso.<<strong>br</strong> />

13.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Eu sou boa testemunha<<strong>br</strong> />

que Amor tem por cousa má<<strong>br</strong> />

que olhos, que são homens já,<<strong>br</strong> />

se nomeiem sem alcunha,<<strong>br</strong> />

pois o coração apunha<<strong>br</strong> />

e diz: olhos, pois vós ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

chamai-me coração Men<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

a este moto [seu?]<<strong>br</strong> />

Com vossos olhos Gonçalves,<<strong>br</strong> />

Senhora, cativo ten<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

este meu coração Men<strong>de</strong>s.


48.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Falsos loores os dan,<<strong>br</strong> />

que essas centellas tan raras<<strong>br</strong> />

no son nel cielo más claras<<strong>br</strong> />

que en los ojos don<strong>de</strong> están.<<strong>br</strong> />

Porque cuando miro en ellas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>com</strong>o alum<strong>br</strong>an el suelo<<strong>br</strong> />

no sé que serán nel cielo;<<strong>br</strong> />

mas sé que acá son estrellas.<<strong>br</strong> />

Ni se pue<strong>de</strong> presumir<<strong>br</strong> />

que al cielo suban, Senora,<<strong>br</strong> />

que la lum<strong>br</strong>e que en vos mora<<strong>br</strong> />

no tiene más que subir;<<strong>br</strong> />

mas pienso que dán querellas<<strong>br</strong> />

a Dios nel octavo cielo,<<strong>br</strong> />

porque son acá en el suelo,<<strong>br</strong> />

dos tan hermosas estrellas.<<strong>br</strong> />

65.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Foi a Esperança julgada<<strong>br</strong> />

por sentença da Ventura,<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

De vuestros ojos centellas,<<strong>br</strong> />

que encien<strong>de</strong>n pechos <strong>de</strong> hielo<<strong>br</strong> />

suben por el aire al cielo,<<strong>br</strong> />

y en llegando son estrellas.<<strong>br</strong> />

a este mato seu:<<strong>br</strong> />

Enforquei minha esperança;<<strong>br</strong> />

mas Amor foi tão madraço<<strong>br</strong> />

que lhe cortou o baraço.


que, pois me teve à pendura,<<strong>br</strong> />

que fosse <strong>de</strong>pendurada.<<strong>br</strong> />

Vem Cupido co a espada,<<strong>br</strong> />

corta-lhe cerco o baraço.<<strong>br</strong> />

Cupido, foste madraço!<<strong>br</strong> />

88.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Já'gora certo conheço<<strong>br</strong> />

ser milhor todo tormento<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> o arrependimento<<strong>br</strong> />

se <strong>com</strong>pra por justo preço.<<strong>br</strong> />

Enganou-me um bom <strong>com</strong>eço;<<strong>br</strong> />

mas o fim me diz agora<<strong>br</strong> />

que o mal milhor me fora.<<strong>br</strong> />

Quando um bem é tão danoso<<strong>br</strong> />

que, sendo bem, dá cuidado,<<strong>br</strong> />

o dano fica o<strong>br</strong>igado<<strong>br</strong> />

a ser menos perigoso.<<strong>br</strong> />

Mas se a mim, por <strong>de</strong>sditoso,<<strong>br</strong> />

co bem me foi mal, Senhora,<<strong>br</strong> />

co vosso mal bem me fora.<<strong>br</strong> />

57.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

a este moto alheio<<strong>br</strong> />

Vosso bem querer, Senhora:<<strong>br</strong> />

vosso mal milhor me fora.<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Esconjuro-te, Domingas,<<strong>br</strong> />

pois me dás tanto cuidado,<<strong>br</strong> />

que me digas se te vingas:<<strong>br</strong> />

viverei menos penado.


Juravas-me que outras ca<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />

folgavas <strong>de</strong> apacentar;<<strong>br</strong> />

eu, por nao me magoar,<<strong>br</strong> />

fingia que eram palavras.<<strong>br</strong> />

Agora d'arte te vingas<<strong>br</strong> />

d'algum meu doudo pecado,<<strong>br</strong> />

qu'inda [que] queiras, Domingas,<<strong>br</strong> />

não posso ser enganado.<<strong>br</strong> />

Qualquer cousa busca o seu;<<strong>br</strong> />

a fonte vai para o Tejo,<<strong>br</strong> />

e tu para o teu <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

por te vingares do meu.<<strong>br</strong> />

De mi te esqueces, Domingas,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o eu faço do meu gado.<<strong>br</strong> />

Praza a Deus que, se te vingas,<<strong>br</strong> />

que moura <strong>de</strong>sesperado.<<strong>br</strong> />

Na fantasia te pinto;<<strong>br</strong> />

falo-te, respon<strong>de</strong> o monte;<<strong>br</strong> />

busco o rio, busco a fonte,<<strong>br</strong> />

endou<strong>de</strong>ço, e não o sinto.<<strong>br</strong> />

Domingas! no vale <strong>br</strong>ado;<<strong>br</strong> />

respon<strong>de</strong> o eco:—Domingas!<<strong>br</strong> />

E tu ainda te não vingas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> me ver doudo tornado?<<strong>br</strong> />

53.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Leva na cabeça o pote,<<strong>br</strong> />

o testo nas mãos <strong>de</strong> prata,<<strong>br</strong> />

cinta <strong>de</strong> fina escarlata,<<strong>br</strong> />

sainho <strong>de</strong> chamalote;<<strong>br</strong> />

traz a vasquinha <strong>de</strong> cote,<<strong>br</strong> />

mais <strong>br</strong>anca que a nove pura;<<strong>br</strong> />

vai fermosa, e não segura.<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Descalça vai para a fonte<<strong>br</strong> />

Leanor pela verdura;<<strong>br</strong> />

vai fermosa, e não segura.


Desco<strong>br</strong>e a touca a garganta,<<strong>br</strong> />

cabelos d'ouro o trançado,<<strong>br</strong> />

—fita, <strong>de</strong> cor d'encarnado,<<strong>br</strong> />

tão linda que o mundo espanta—;<<strong>br</strong> />

chave nela graça tanta<<strong>br</strong> />

que dá graça à fermosura;<<strong>br</strong> />

vai fermosa, e não segura.<<strong>br</strong> />

89.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Madre, si me fuere,<<strong>br</strong> />

dó quiera que vó,<<strong>br</strong> />

no lo quiero yo,<<strong>br</strong> />

que el Amor lo quiere.<<strong>br</strong> />

Aquél niño fiero<<strong>br</strong> />

hace que me muera,<<strong>br</strong> />

por un marinero<<strong>br</strong> />

á ser marinera.<<strong>br</strong> />

Él, que todo pue<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

madre, no podrá,<<strong>br</strong> />

pues el alma vá,<<strong>br</strong> />

que el cuerpo se que<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Con él, por quién muero,<<strong>br</strong> />

voy, porque no muera;<<strong>br</strong> />

que, si es marinero,<<strong>br</strong> />

seré marinera.<<strong>br</strong> />

Es tirana ley,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>l niño Señor,<<strong>br</strong> />

que por un amor<<strong>br</strong> />

se <strong>de</strong>senhe un Rey:<<strong>br</strong> />

pues <strong>de</strong>sta manera<<strong>br</strong> />

quiere, yo me quiero<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Irme quieto, madre,<<strong>br</strong> />

á aquella galera,<<strong>br</strong> />

con el marinero<<strong>br</strong> />

á ser marinera.


por un marinero<<strong>br</strong> />

hacer marinera.<<strong>br</strong> />

Decid, ondas, ¿cuándo<<strong>br</strong> />

vistes vos doncella,<<strong>br</strong> />

siendo tierna y bella,<<strong>br</strong> />

andar navegando?<<strong>br</strong> />

|Pues| más no se espera<<strong>br</strong> />

daquel niño fiero,<<strong>br</strong> />

vea yo quién quiero,<<strong>br</strong> />

sea marinera.<<strong>br</strong> />

40.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Menina mais que na ida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

se, para me querer bem,<<strong>br</strong> />

vos não vejo ter vonta<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

é porque outrem vo-la tem;<<strong>br</strong> />

tem-vo-la, e faz-vo-la crua.<<strong>br</strong> />

Porém eu<<strong>br</strong> />

já tomara não ser meu,<<strong>br</strong> />

se vós não fôreis tão sua.<<strong>br</strong> />

Nos olhos e na feição<<strong>br</strong> />

vos vi, quando vos olhava,<<strong>br</strong> />

tanta graça que vos dava<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> graça este coração;<<strong>br</strong> />

não no quisestes <strong>de</strong> crua,<<strong>br</strong> />

por ser meu:<<strong>br</strong> />

se outrem vos <strong>de</strong>ra o seu<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong> ser fôreis mais sua.<<strong>br</strong> />

Menina, ten<strong>de</strong> maneira<<strong>br</strong> />

que ainda não venha a ser<<strong>br</strong> />

—pois não quereis quem vos quer, —<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Menina fermosa e crua,<<strong>br</strong> />

bem sei eu<<strong>br</strong> />

quem <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser seu,<<strong>br</strong> />

se vós quiséreis ser sua.


que queirais quem vos não queira.<<strong>br</strong> />

Olhai, não me sejais crua;<<strong>br</strong> />

que pois eu<<strong>br</strong> />

quero ser vosso e não meu,<<strong>br</strong> />

se<strong>de</strong> vós minha e não sua.<<strong>br</strong> />

68.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Mi corazón me han robado,<<strong>br</strong> />

y Amor, viendo mis enojos,<<strong>br</strong> />

me dijo: fuéte llevado<<strong>br</strong> />

por los más hermosos hojos<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>sque vivo he mirado.<<strong>br</strong> />

Gracias so<strong>br</strong>enaturales,<<strong>br</strong> />

te lo tienen en prisión,<<strong>br</strong> />

y si Amor tiene razón,<<strong>br</strong> />

Señora, por la señales<<strong>br</strong> />

vos tenéis mi corazón.<<strong>br</strong> />

69.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Mi nueva y dulce querella,<<strong>br</strong> />

es invisible á la gente;<<strong>br</strong> />

el alma sola la siente,<<strong>br</strong> />

que el cuerpo no es dino <strong>de</strong>lla.<<strong>br</strong> />

Como la viva centena<<strong>br</strong> />

se encu<strong>br</strong>a en el pe<strong>de</strong>rnal<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro tengo mi mal.<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Vos tenéis mi corazón.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

De <strong>de</strong>ntro tengo mi mal,<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong> fuera no hay señal.


86.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS SUAS<<strong>br</strong> />

N'alma üa só ferida<<strong>br</strong> />

faz na vida mil sinais;<<strong>br</strong> />

tanto se <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>e mais<<strong>br</strong> />

quanto é mais escondida.<<strong>br</strong> />

Se esta dor tão conhecida<<strong>br</strong> />

me não vêm, porque não querem,<<strong>br</strong> />

que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />

Se se pu<strong>de</strong>sse bem ver<<strong>br</strong> />

quanto calo, e quanto sento,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spois <strong>de</strong> tanto tormento<<strong>br</strong> />

cuidaria alegre ser.<<strong>br</strong> />

Mas se não me querem crer<<strong>br</strong> />

olhos que tão mal me ferem,<<strong>br</strong> />

que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />

100.<<strong>br</strong> />

Esparsa<<strong>br</strong> />

Não posso chegar ao cabo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tamanho <strong>de</strong>sarranjo,<<strong>br</strong> />

que sendo vós, Senhora, «Anjo»,<<strong>br</strong> />

vos queira tanto o «diabo».<<strong>br</strong> />

Dais manifesto sinal<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> minha muita firmeza,<<strong>br</strong> />

que os «diabos» querem mal<<strong>br</strong> />

aos «Anjos», por natureza.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Se alma ver-se não po<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> pensamentos ferem,<<strong>br</strong> />

que farei para me crerem?<<strong>br</strong> />

ao mesmo assunto


43.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Não sabendo Amor curar,<<strong>br</strong> />

foi a doença fazer<<strong>br</strong> />

fermosa, para se ver,<<strong>br</strong> />

doce para se passar.<<strong>br</strong> />

Então, vendo a diferença<<strong>br</strong> />

que há <strong>de</strong> vós a toda a gente,<<strong>br</strong> />

mandou que fôsseis doente<<strong>br</strong> />

para glória da doença.<<strong>br</strong> />

E digo-vos, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

que a saú<strong>de</strong> anda envejosa,<<strong>br</strong> />

por ver estar tão fermosa<<strong>br</strong> />

em vós essa enfermida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Não façais logo <strong>de</strong>tença,<<strong>br</strong> />

Senhora, em estar doente,<<strong>br</strong> />

porque adoecerá a gente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> <strong>de</strong>sejos da doença.<<strong>br</strong> />

Que eu, por ter, fermosa Dama,<<strong>br</strong> />

a doença que em vós vejo,<<strong>br</strong> />

vos confesso que <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cair convosco em cama.<<strong>br</strong> />

Se consentis que me vença<<strong>br</strong> />

este mal, não houve gente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> tão contente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o eu serei da doença.<<strong>br</strong> />

19.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Deu, Senhora, por sentença<<strong>br</strong> />

Amor, que fôsseis doente,<<strong>br</strong> />

para fazer<strong>de</strong>s à gente<<strong>br</strong> />

doce e fermosa a doença.<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Minina fermosa<<strong>br</strong> />

dizei: <strong>de</strong> que vem


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Não sei quem assela<<strong>br</strong> />

vossa fermosura;<<strong>br</strong> />

que quem é tão dura<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong> ser bela.<<strong>br</strong> />

Vós sereis fermosa,<<strong>br</strong> />

mas a razão tem<<strong>br</strong> />

que quem é irosa<<strong>br</strong> />

não parece bem.<<strong>br</strong> />

A mostra é <strong>de</strong> bela,<<strong>br</strong> />

as o o<strong>br</strong>as são cruas;<<strong>br</strong> />

pois qual <strong>de</strong>stas duas<<strong>br</strong> />

ficará na sela?<<strong>br</strong> />

Se ficar irosa<<strong>br</strong> />

não vos está bem.<<strong>br</strong> />

fique antes fermosa,<<strong>br</strong> />

que mais força tem.<<strong>br</strong> />

O Amor, fermoso<<strong>br</strong> />

se pinta e se chama:<<strong>br</strong> />

se é amor, ama,<<strong>br</strong> />

se ama, é piadoso.<<strong>br</strong> />

Diz agora a grosa<<strong>br</strong> />

que este texto tem,<<strong>br</strong> />

que quem é fermosa<<strong>br</strong> />

há-<strong>de</strong> querer bem.<<strong>br</strong> />

Havei dó, minina,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ssa fermosura;<<strong>br</strong> />

que se a terra é dura,<<strong>br</strong> />

seca-se a bonina.<<strong>br</strong> />

Se<strong>de</strong> piadosa;<<strong>br</strong> />

não veja ninguém<<strong>br</strong> />

que, por rigorosa,<<strong>br</strong> />

percais tanto bem.<<strong>br</strong> />

55.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

ser<strong>de</strong>s rigorosa<<strong>br</strong> />

a quem vos quer bem?


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Não vos guar<strong>de</strong>i, quando vinha,<<strong>br</strong> />

em torre, força, ou engenho;<<strong>br</strong> />

que mais guardada vos tenho<<strong>br</strong> />

em vós, que sois alma minha.<<strong>br</strong> />

Ali, nem frio nem calma,<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>m ter jurdição;<<strong>br</strong> />

na vida sim, porém não<<strong>br</strong> />

em vós, que tenho por alma.<<strong>br</strong> />

8.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Ninguém vos po<strong>de</strong> tirar<<strong>br</strong> />

[o] ser<strong>de</strong>s bem assom<strong>br</strong>ada;<<strong>br</strong> />

mas heis-me <strong>de</strong> perdoar,<<strong>br</strong> />

que os olhos não valem nada.<<strong>br</strong> />

Fostes mal aconselhada<<strong>br</strong> />

em querer que fossem ver<strong>de</strong>s:<<strong>br</strong> />

trabalhai <strong>de</strong> os escon<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

A vossa testa é jardim,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> Amor se <strong>de</strong>senfada;<<strong>br</strong> />

é <strong>br</strong>anca e bem talhada,<<strong>br</strong> />

que parece <strong>de</strong> marfim.<<strong>br</strong> />

Assim é; e, quanto a mim,<<strong>br</strong> />

isso nasce <strong>de</strong> a ter<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

tão perto dos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Os cabelos <strong>de</strong>satados<<strong>br</strong> />

o mesmo Sol escurecem;<<strong>br</strong> />

senão que, por serem ondados,<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Ferro, fogo, frio e calma,<<strong>br</strong> />

todo o mundo acabarão;<<strong>br</strong> />

mas nunca vos tirarão,<<strong>br</strong> />

alma minha da minh'alma!<<strong>br</strong> />

a este cantar velho:<<strong>br</strong> />

Sois fermosa e tudo ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.


algum tanto <strong>de</strong>smerecem:<<strong>br</strong> />

mas, à fé, que se parecem<<strong>br</strong> />

a furto dos olhos ver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

não vos pese <strong>de</strong> os ter<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

As pestanas têm mostrado<<strong>br</strong> />

ser raios que a<strong>br</strong>asam vidas;<<strong>br</strong> />

se não foram tão <strong>com</strong>pridas<<strong>br</strong> />

tudo o mais era pintado:<<strong>br</strong> />

elas me tinham levado<<strong>br</strong> />

já sem o vós saber<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

se não foram os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

O mimo <strong>de</strong>sse carão<<strong>br</strong> />

nem pôr-lhe os olhos consente:<<strong>br</strong> />

e ser liso e transparente<<strong>br</strong> />

rouba todo o coração.<<strong>br</strong> />

Inda assim achareis gente<<strong>br</strong> />

que lhe não pese <strong>de</strong> o ter<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

mas não seja cos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Esse riso é <strong>com</strong>posto<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quantas graças nasceram;<<strong>br</strong> />

senão que alguns me disseram<<strong>br</strong> />

vos faz covinhas no rosto.<<strong>br</strong> />

Na vonta<strong>de</strong> tenho posto<<strong>br</strong> />

dar-vos a alma, se quiser<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

a troco dos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Nunca se viu, nem se escreve<<strong>br</strong> />

boca nem graça igual,<<strong>br</strong> />

se não fora <strong>de</strong> coral<<strong>br</strong> />

e os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> cor <strong>de</strong> neve.<<strong>br</strong> />

Dou-me a Deus, que me leve!<<strong>br</strong> />

Sofrerei quanto tiver<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

não me tenhais os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Essa garganta merece<<strong>br</strong> />

outras palavras, não minhas,<<strong>br</strong> />

senão que é feita em rosquinhas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> alfenim, o que parece.<<strong>br</strong> />

Eu sei quem se ofrece<<strong>br</strong> />

a tomar tudo o que ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

e também os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Essas mãos são ferropeias,<<strong>br</strong> />

só o vê-las, enfeitiça;


senão que são alvas e cheias,<<strong>br</strong> />

e têm a feição roliça,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que apelais por justiça,<<strong>br</strong> />

pera <strong>com</strong> elas pren<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

quem vê vossos olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

A vossa galantaria<<strong>br</strong> />

matará a quem falar<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

ten<strong>de</strong>s uns <strong>de</strong>sdéns e tar<strong>de</strong>s<<strong>br</strong> />

que eu logo vos roubaria.<<strong>br</strong> />

Dou-me a Santa Maria!<<strong>br</strong> />

Sou cujo <strong>de</strong> quanto ten<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

também <strong>de</strong>sses olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

5.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Nos seus olhos belos<<strong>br</strong> />

tanto Amor se atreve,<<strong>br</strong> />

que a<strong>br</strong>asa entre a neve<<strong>br</strong> />

quantos ousam vê-los.<<strong>br</strong> />

Não solta os cabelos<<strong>br</strong> />

Aurora mais bela:<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.<<strong>br</strong> />

Não teve esta serra<<strong>br</strong> />

no meio da altura<<strong>br</strong> />

mais que a fermosura<<strong>br</strong> />

que nela se encerra.<<strong>br</strong> />

Bem céu fica a terra<<strong>br</strong> />

que tem tal estrela:<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.<<strong>br</strong> />

Sendo entre pastores<<strong>br</strong> />

causa <strong>de</strong> mil males,<<strong>br</strong> />

não se ouvem nos vales<<strong>br</strong> />

senão seus louvores.<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Pastora da serra,<<strong>br</strong> />

da serra da Estrela,<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.


Eu só por amores<<strong>br</strong> />

não sei falar nela:<<strong>br</strong> />

sei morrer por ela.<<strong>br</strong> />

De alguns que, sentindo,<<strong>br</strong> />

seu mal vão mostrando,<<strong>br</strong> />

se ri, não cuidando<<strong>br</strong> />

que inda paga, rindo.<<strong>br</strong> />

Eu, triste, enco<strong>br</strong>indo<<strong>br</strong> />

só meus males <strong>de</strong>la,<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.<<strong>br</strong> />

Se flores <strong>de</strong>seja<<strong>br</strong> />

por ventura <strong>de</strong>las,<<strong>br</strong> />

das que colhe, belas,<<strong>br</strong> />

mil morrem <strong>de</strong> enveja.<<strong>br</strong> />

Não há quem não veja<<strong>br</strong> />

todo o milhor nela:<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.<<strong>br</strong> />

Se na água corrente<<strong>br</strong> />

seusolhos inclina,<<strong>br</strong> />

faz luz cristalina<<strong>br</strong> />

parar a corrente.<<strong>br</strong> />

Tal se vê, que sente,<<strong>br</strong> />

por ver-se, água nela:<<strong>br</strong> />

perco-me por ela.<<strong>br</strong> />

64.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Nüa casada fui pôr<<strong>br</strong> />

os olhos, <strong>de</strong> si senhores;<<strong>br</strong> />

cui<strong>de</strong>i que fossem amores,<<strong>br</strong> />

eles fizeram-se Amor.<<strong>br</strong> />

Faz-se o <strong>de</strong>sejo maior<<strong>br</strong> />

don<strong>de</strong> o remédio não val<<strong>br</strong> />

em perigo <strong>de</strong> meu mal.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Amores <strong>de</strong> ua casada<<strong>br</strong> />

que eu vi pelo meu mel.


Não me pareceu que Amor<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>sse tanto <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />

que don<strong>de</strong> entra por amigo<<strong>br</strong> />

se levante por senhor.<<strong>br</strong> />

Leva-me <strong>de</strong> dor em dor<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> sinal em sinal,<<strong>br</strong> />

cada vez para mor mal.<<strong>br</strong> />

84.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Nunca em prazeres passados<<strong>br</strong> />

tive firmeza segura,<<strong>br</strong> />

antes tão arrebatados<<strong>br</strong> />

que inda não eram chegados<<strong>br</strong> />

quando mos levou ventura.<<strong>br</strong> />

E <strong>com</strong>o quem <strong>de</strong>sconfia<<strong>br</strong> />

ter em tal sorte mudança,<<strong>br</strong> />

no meio <strong>de</strong>sta porfia,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quanto bem pretendia<<strong>br</strong> />

foi-se gastando a esperança.<<strong>br</strong> />

Não tive por <strong>de</strong>satino<<strong>br</strong> />

a ocasião <strong>de</strong> perdê-la;<<strong>br</strong> />

mas foi culpa do <strong>de</strong>stino,<<strong>br</strong> />

que a ninguém, <strong>com</strong>o mais dino,<<strong>br</strong> />

Amor pu<strong>de</strong>ra sustê-la.<<strong>br</strong> />

Dei-lhe tudo o que era seu,<<strong>br</strong> />

não receando tais danos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ste, a quem alma lhe <strong>de</strong>u;<<strong>br</strong> />

quando já não era meu,<<strong>br</strong> />

foi enten<strong>de</strong>ndo os enganos.<<strong>br</strong> />

Fiquei, <strong>de</strong>ste mal sobejo<<strong>br</strong> />

a quem a causa <strong>com</strong>pete,<<strong>br</strong> />

dizer-lhe tudo o que vejo,<<strong>br</strong> />

que Amor aceita o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Foi-se gastando a esperança,<<strong>br</strong> />

fui enten<strong>de</strong>ndo os enganos;<<strong>br</strong> />

do mal ficaram meus danos<<strong>br</strong> />

e do bem só a lem<strong>br</strong>ança.


mas mente no que promete.<<strong>br</strong> />

Que, se a mim se me o<strong>br</strong>igou<<strong>br</strong> />

a dar-me bens soberanos,<<strong>br</strong> />

foi engano que or<strong>de</strong>nou,<<strong>br</strong> />

que do bem tudo levou,<<strong>br</strong> />

do mal ficaram meus danos.<<strong>br</strong> />

E se <strong>de</strong> dor tão <strong>de</strong>sigual<<strong>br</strong> />

sofro em mim <strong>com</strong> pa<strong>de</strong>cê-los,<<strong>br</strong> />

quero <strong>de</strong> novo sofrê-los;<<strong>br</strong> />

que, por a causa ser tal,<<strong>br</strong> />

não <strong>de</strong>termino ofendê-los.<<strong>br</strong> />

Do<strong>br</strong>e-se o mal, falte a vida,<<strong>br</strong> />

creça a fé, falte a esperança,<<strong>br</strong> />

pois foi mal agra<strong>de</strong>cida;<<strong>br</strong> />

fique a dor n'alma imprimida,<<strong>br</strong> />

e do bem só a lem<strong>br</strong>ança.<<strong>br</strong> />

29.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

GLOSA<<strong>br</strong> />

Nunca o prazer se conhece<<strong>br</strong> />

senão <strong>de</strong>spois da tormenta;<<strong>br</strong> />

tão pouco o bem permanece<<strong>br</strong> />

que, se o <strong>de</strong>scanso florece,<<strong>br</strong> />

logo o trabalho arrebenta.<<strong>br</strong> />

Sempre os bens se lograriam,<<strong>br</strong> />

mas os males tudo atalham;<<strong>br</strong> />

porém, já que assi porfiam,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansos trabalham,<<strong>br</strong> />

trabalhos <strong>de</strong>scansariam.<<strong>br</strong> />

Qualquer trabalho me fora<<strong>br</strong> />

por vós grão contentamento;<<strong>br</strong> />

nada sentira, Senhora,<<strong>br</strong> />

a este mato alheio:<<strong>br</strong> />

Trabalhos <strong>de</strong>scansariam<<strong>br</strong> />

se para vós trabalhasse;<<strong>br</strong> />

tempos tristes passariam<<strong>br</strong> />

se algüa hora vos lem<strong>br</strong>asse.


se vira disto algüa hora<<strong>br</strong> />

em vós um conhecimento.<<strong>br</strong> />

Por mal que o mal me tratasse<<strong>br</strong> />

tudo por bem tomaria;<<strong>br</strong> />

posto que o corpo cansasse,<<strong>br</strong> />

a alma <strong>de</strong>scansaria,<<strong>br</strong> />

se para vós trabalhasse.<<strong>br</strong> />

Quem vossas cruezas já<<strong>br</strong> />

sofreu, a tudo se pôs;<<strong>br</strong> />

costumado ficará;<<strong>br</strong> />

e muito milhor será,<<strong>br</strong> />

se trabalhar para vós.<<strong>br</strong> />

Tristezas esqueceriam,<<strong>br</strong> />

posto que mal me trataram;<<strong>br</strong> />

anos não me lem<strong>br</strong>ariam,<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong>o estoutros passaram,<<strong>br</strong> />

tempos tristes passariam.<<strong>br</strong> />

Se fosse galardoado<<strong>br</strong> />

este trabalho tão duro,<<strong>br</strong> />

não vivera magoado;<<strong>br</strong> />

mas não o foi o passado,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o será o futuro?<<strong>br</strong> />

De cansar não cansaria,<<strong>br</strong> />

se quiséreis que cansasse;<<strong>br</strong> />

cansar, morrer, fá-lo-ia,<<strong>br</strong> />

tudo, enfim, me esqueceria,<<strong>br</strong> />

se algüa hora vos lem<strong>br</strong>asse.<<strong>br</strong> />

66.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

O coração envejoso<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o dos olhos andava,<<strong>br</strong> />

sempre remoques me dava<<strong>br</strong> />

que não era o meu mimoso:<<strong>br</strong> />

a este moto seu:<<strong>br</strong> />

Pus o coração nos olhos<<strong>br</strong> />

e os olhos pus no chão,<<strong>br</strong> />

por vingar o coração.


venho eu, <strong>de</strong> piadoso<<strong>br</strong> />

do senhor meu coração,<<strong>br</strong> />

boto os meus olhos no chão.<<strong>br</strong> />

42.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Olhai que dura sentença<<strong>br</strong> />

foi Amor dar contra mi:<<strong>br</strong> />

que, porque em vós me<<strong>br</strong> />

perdi, em vós me busca a doença.<<strong>br</strong> />

Claro está<<strong>br</strong> />

que em vós só me achará;<<strong>br</strong> />

que em mim, se me vem buscar,<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>rá mais achar<<strong>br</strong> />

que a forma do que eu fui já.<<strong>br</strong> />

Que se em vós Amor se pôs,<<strong>br</strong> />

Senhora, é forçado assi<<strong>br</strong> />

que o mal, que me busca a mi,<<strong>br</strong> />

que vos faça mal a vós.<<strong>br</strong> />

Sem mentir,<<strong>br</strong> />

Amor me quis <strong>de</strong>struir<<strong>br</strong> />

por modo nunca cuidado,<<strong>br</strong> />

pois vos há-<strong>de</strong> ser forçado<<strong>br</strong> />

pesar-vos <strong>de</strong> vos servir.<<strong>br</strong> />

Mas sois tão <strong>de</strong>sconhecida,<<strong>br</strong> />

e são meus males <strong>de</strong> sorte<<strong>br</strong> />

que vos ameaça a morte<<strong>br</strong> />

porque me negais a vida.<<strong>br</strong> />

Se por boa<<strong>br</strong> />

tal justiça se pregoa,<<strong>br</strong> />

quando <strong>de</strong>sta sorte for,<<strong>br</strong> />

havei vós perdão <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />

que a parte já vos perdoa.<<strong>br</strong> />

Mas o que mais temo, enfim,<<strong>br</strong> />

é que nesta diferença<<strong>br</strong> />

que se não torne a doença<<strong>br</strong> />

se me não tornais a mim.<<strong>br</strong> />

De verda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

a üa dama doente


que já vossa humanida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> que se queixe não tem;<<strong>br</strong> />

pois para as almas também<<strong>br</strong> />

fez Amor enfermida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

116.<<strong>br</strong> />

Esparsa<<strong>br</strong> />

Os bons vi sempre passar<<strong>br</strong> />

no mundo graves tormentos;<<strong>br</strong> />

e, para mais m'espantar,<<strong>br</strong> />

os maus vi sempre nadar<<strong>br</strong> />

em mar <strong>de</strong> contentamentos.<<strong>br</strong> />

Cuidando alcançar assim<<strong>br</strong> />

o bem tão mal or<strong>de</strong>nado,<<strong>br</strong> />

fui mau, mas fui castigado.<<strong>br</strong> />

Assim que, só para mim<<strong>br</strong> />

anda o mundo concertado.<<strong>br</strong> />

82.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Os gostos, que tantas dores<<strong>br</strong> />

fizeram já valer menos,<<strong>br</strong> />

não os aceita pequenas,<<strong>br</strong> />

quem nunca teve maiores.<<strong>br</strong> />

Bem parecem vãos favores,<<strong>br</strong> />

pois tão tar<strong>de</strong> me quereis<<strong>br</strong> />

qu'inda me não conheceis.<<strong>br</strong> />

Ofereceis-me alegria,<<strong>br</strong> />

tendo-me já cego e mouco:<<strong>br</strong> />

do Autor ao <strong>de</strong>sconcerto do mundo<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Pequenos contentamentos,<<strong>br</strong> />

i buscar quem contenteis,<<strong>br</strong> />

que a mim não me conheceis,


é baixeza aceitar pouco<<strong>br</strong> />

quem tanto vos merecia.<<strong>br</strong> />

I<strong>de</strong>-vos por outra via,<<strong>br</strong> />

pois o bem que me <strong>de</strong>veis<<strong>br</strong> />

nunca mo satisfareis.<<strong>br</strong> />

52.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Os privilégios que os reis<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>m dar, po<strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />

que faz qualquer amador<<strong>br</strong> />

livre das humanas leis.<<strong>br</strong> />

Mortes e guerras cruéis,<<strong>br</strong> />

ferro, frio, fogo e neve,<<strong>br</strong> />

tudo sofre quem o serve.<<strong>br</strong> />

Moça fermosa <strong>de</strong>spreza<<strong>br</strong> />

todo o frio e toda a dor<<strong>br</strong> />

(olhai quanto po<strong>de</strong> Amor<<strong>br</strong> />

mais que a própria natureza):<<strong>br</strong> />

medo nem <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za<<strong>br</strong> />

lhe impe<strong>de</strong> que passe a nove;<<strong>br</strong> />

assi faz quem Amor serve.<<strong>br</strong> />

Por mais trabalhos que leve,<<strong>br</strong> />

a tudo se ofreceria;<<strong>br</strong> />

passa pela nove fria,<<strong>br</strong> />

mais alva que a própria neve;<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> todo o frio se atreve;<<strong>br</strong> />

ve<strong>de</strong> em que fogo ferve<<strong>br</strong> />

o triste que o Amor serve.<<strong>br</strong> />

49.<<strong>br</strong> />

Improviso<<strong>br</strong> />

a este mato seu:<<strong>br</strong> />

Descalça vai pela neve:<<strong>br</strong> />

assi faz quem Amor serve.


Para evitar dias maus<<strong>br</strong> />

da vida triste que passo,<<strong>br</strong> />

man<strong>de</strong>m-me dar um baraço,<<strong>br</strong> />

que já cá tenho três paus.<<strong>br</strong> />

20.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Peço-vos que me digais<<strong>br</strong> />

as orações que rezastes<<strong>br</strong> />

se são pelos que matastes,<<strong>br</strong> />

se por vós, que assi matais?<<strong>br</strong> />

Se são por vós, sãoperdidas;<<strong>br</strong> />

que, qual será a oração<<strong>br</strong> />

que seja satisfação,<<strong>br</strong> />

Senhora, <strong>de</strong> tantas vidas?<<strong>br</strong> />

Que, se ve<strong>de</strong>s quantos vêm<<strong>br</strong> />

a só vida vos pedir,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o vos há Deus ouvir<<strong>br</strong> />

se vós não ouvis ninguém?<<strong>br</strong> />

Não po<strong>de</strong>is ser perdoada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> mãos a matar tão prontas,<<strong>br</strong> />

que, se nüa trazeis contas,<<strong>br</strong> />

na outra trazeis espada<<strong>br</strong> />

Se dizeis que en<strong>com</strong>endando<<strong>br</strong> />

os que matastes andais,<<strong>br</strong> />

se rezais por quem matais,<<strong>br</strong> />

para que matais rezando?<<strong>br</strong> />

Que, se na força do orar<<strong>br</strong> />

levantais as mãos aos<<strong>br</strong> />

Céus, não as ergueis para Deus,<<strong>br</strong> />

erguei-las para matar.<<strong>br</strong> />

E quando os olhos cerrais<<strong>br</strong> />

A üas Senhoras que, jogando<<strong>br</strong> />

perto <strong>de</strong> üa janela, Ihes cairam<<strong>br</strong> />

«três paus» e <strong>de</strong>ram na cabeça<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> <strong>Camões</strong>:<<strong>br</strong> />

a üa Senhora que estava<<strong>br</strong> />

rezando por üas contas


todaenlevada na fé,<<strong>br</strong> />

cerram-se os <strong>de</strong> quem vos vê,<<strong>br</strong> />

para nunca verem mais.<<strong>br</strong> />

Pois se assi forem tratados<<strong>br</strong> />

os que vos vêm quando orais,<<strong>br</strong> />

essas horas que rezais<<strong>br</strong> />

são as horas dos finados.<<strong>br</strong> />

Pois logo, se sais servida<<strong>br</strong> />

que tantos mortos não sejam,<<strong>br</strong> />

não rezeis on<strong>de</strong> vos vejam,<<strong>br</strong> />

ou ve<strong>de</strong> para dar vida.<<strong>br</strong> />

Ou, se quereis escusar<<strong>br</strong> />

estes males que causastes,<<strong>br</strong> />

ressuscitai quem matastes,<<strong>br</strong> />

não tereis por quem rezar.<<strong>br</strong> />

24.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Pelo meu apartamento<<strong>br</strong> />

se arrasaram todos d'água.<<strong>br</strong> />

Quem cuidou que em tanta mágoa<<strong>br</strong> />

achasse contentamento?<<strong>br</strong> />

Julgue todo entendimento<<strong>br</strong> />

qual mais sentir se <strong>de</strong>via:<<strong>br</strong> />

se esta dor, se esta alegria!<<strong>br</strong> />

Quando mais perdido estive,<<strong>br</strong> />

então <strong>de</strong>u a esta alma minha<<strong>br</strong> />

na maior mágoa que tinha<<strong>br</strong> />

o maior gosto que tive.<<strong>br</strong> />

Assi, se minh'alma vive<<strong>br</strong> />

foi porque me <strong>de</strong>fendia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sta dor esta alegria.<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Vi chorar uns claros olhos<<strong>br</strong> />

quando <strong>de</strong>les me partia.<<strong>br</strong> />

Oh! que mágoa! Oh! que alegria!


O bem que Amor me não <strong>de</strong>u no<<strong>br</strong> />

tempo que o <strong>de</strong>sejei,<<strong>br</strong> />

quando <strong>de</strong>le me apartei<<strong>br</strong> />

me confessou que era meu.<<strong>br</strong> />

Agora, que farei eu<<strong>br</strong> />

se a fortuna me <strong>de</strong>svia<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> lograr esta alegria?<<strong>br</strong> />

Não sei se foi enganado,<<strong>br</strong> />

pois me tinha <strong>de</strong>fendido<<strong>br</strong> />

das iras <strong>de</strong> mal querido<<strong>br</strong> />

no mel <strong>de</strong> ser apartado.<<strong>br</strong> />

Agora peno do<strong>br</strong>ado,<<strong>br</strong> />

achando no fim do dia<<strong>br</strong> />

o princípio d'alegria.<<strong>br</strong> />

72.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Para quem vos soube olhar,<<strong>br</strong> />

tão impossível foi ser<<strong>br</strong> />

o po<strong>de</strong>r-vos merecer,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o não vos <strong>de</strong>sejar.<<strong>br</strong> />

Pois logo a meu pensamento<<strong>br</strong> />

nenhum remédio lhe vejo,<<strong>br</strong> />

senão se <strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

asas ao merecimento.<<strong>br</strong> />

92.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto sei:<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong> meu mal me contento,<<strong>br</strong> />

é porque para vós vejo<<strong>br</strong> />

em todo o mundo <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

e em ninguém merecimento.<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia<<strong>br</strong> />

Perdigão per<strong>de</strong>u a pena,<<strong>br</strong> />

não há mal que lhe não venha:


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Perdigão, que o pensamento<<strong>br</strong> />

subiu em alto lugar,<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong> a pena do voar,<<strong>br</strong> />

ganha a pena do tormento.<<strong>br</strong> />

Não tem no ar nem no vento<<strong>br</strong> />

asas, <strong>com</strong> que se sustenha:<<strong>br</strong> />

não há mal que lhe não venha.<<strong>br</strong> />

Quis voar a üa alta torre<<strong>br</strong> />

mas achou-se <strong>de</strong>sasado;<<strong>br</strong> />

e, vendo-se <strong>de</strong>penado,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> puro penado morre.<<strong>br</strong> />

Se a queixumes se socorre,<<strong>br</strong> />

lança no fogo mais lenha:<<strong>br</strong> />

não há mal que lhe não venha.<<strong>br</strong> />

27.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Pois a tantas perdições,<<strong>br</strong> />

Senhoras, quereis dar vida,<<strong>br</strong> />

ditosa seja a ferida<<strong>br</strong> />

que tem tais cerurgiões!<<strong>br</strong> />

Pois ventura<<strong>br</strong> />

me subiu a tanta altura<<strong>br</strong> />

que me sejais valedoras,<<strong>br</strong> />

ditosa seja a tristura<<strong>br</strong> />

que se cura<<strong>br</strong> />

por vossos rogos, Senhoras!<<strong>br</strong> />

Ser minha pena mortal,<<strong>br</strong> />

já que enten<strong>de</strong>is que é assim,<<strong>br</strong> />

não quero falar por mim,<<strong>br</strong> />

que por mim fala meu mal.<<strong>br</strong> />

Sois fermosas,<<strong>br</strong> />

haveis <strong>de</strong> ser piadosas,<<strong>br</strong> />

por ser tudo düa cor;<<strong>br</strong> />

a üna Senhoras que haviam <strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

terceiras para <strong>com</strong> üa Dama sua


que pois Amor vos fez rosas<<strong>br</strong> />

milagrosas,<<strong>br</strong> />

fazei milagres d'amor.<<strong>br</strong> />

Pedi a quem vós sabeis<<strong>br</strong> />

que saiba <strong>de</strong> meu trabalho,<<strong>br</strong> />

não pelo que eu nisso valho,<<strong>br</strong> />

mas pelo que vós valeis.<<strong>br</strong> />

Que o valer<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vosso alto merecer,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> lho pedir <strong>de</strong> giolhos,<<strong>br</strong> />

fará que em meu pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />

possa ver<<strong>br</strong> />

o po<strong>de</strong>r que têm seus olhos.<<strong>br</strong> />

Vossa muita fermosura<<strong>br</strong> />

co a sua tanto val<<strong>br</strong> />

que me rio <strong>de</strong> meu mal<<strong>br</strong> />

quando cuido em quem mo cura.<<strong>br</strong> />

A meus ais<<strong>br</strong> />

peço-vos que lhe valhais,<<strong>br</strong> />

Damas <strong>de</strong> Amor tão validas,<<strong>br</strong> />

que nunca tal dor sintais<<strong>br</strong> />

que queirais<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> não sejais queridas.<<strong>br</strong> />

103.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

—Deus te salve, Vasco amigo<<strong>br</strong> />

Não me falas ? Como assi ?<<strong>br</strong> />

—Bofé, Gil, não estava aqui<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Pois on<strong>de</strong> te hão-<strong>de</strong> falar,<<strong>br</strong> />

se não estás on<strong>de</strong> apareces?<<strong>br</strong> />

—Se Madanela conheces,<<strong>br</strong> />

nela me po<strong>de</strong>s achar.<<strong>br</strong> />

—E <strong>com</strong>o te hão-<strong>de</strong> ir buscar,<<strong>br</strong> />

a este vilancete pastoril


aon<strong>de</strong> fogem <strong>de</strong> ti?<<strong>br</strong> />

—Pois nem eu estou em mi.<<strong>br</strong> />

Porque te não acharei<<strong>br</strong> />

em ti, <strong>com</strong>o em Madanela?<<strong>br</strong> />

—Porque me fui per<strong>de</strong>r nela<<strong>br</strong> />

o dia que me ganhei.<<strong>br</strong> />

—Quem tão bem fala, não sei<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o anda fora <strong>de</strong> si.<<strong>br</strong> />

—Ela fala <strong>de</strong>ntro em mi.<<strong>br</strong> />

Como estás aqui presente,<<strong>br</strong> />

se lá tens a alma e a vida?<<strong>br</strong> />

—Porque é <strong>de</strong> üa alma perdida<<strong>br</strong> />

aparecer sempre à gente.<<strong>br</strong> />

—Se és morto, bem se consente<<strong>br</strong> />

que todos fujam <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />

—Eu também fujo <strong>de</strong> mi.<<strong>br</strong> />

45.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Pois o ver-vos tenho em mais<<strong>br</strong> />

que mil vidas que me <strong>de</strong>is,<<strong>br</strong> />

assi <strong>com</strong>o a que me dais,<<strong>br</strong> />

meu bem, já que mo negais,<<strong>br</strong> />

meus olhos, não mos negueis.<<strong>br</strong> />

E se a tal estado vim,<<strong>br</strong> />

guiado <strong>de</strong> minha estrela,<<strong>br</strong> />

quando houver<strong>de</strong>s dó <strong>de</strong> mim,<<strong>br</strong> />

minha vida, dai-lhe a fim,<<strong>br</strong> />

minha alma. lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong>la.<<strong>br</strong> />

17.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Minha alma, lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong>la.<<strong>br</strong> />

a este cantar velho:<<strong>br</strong> />

Coifa <strong>de</strong> beirame<<strong>br</strong> />

namorou Joane.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

por cousa tão pouca<<strong>br</strong> />

andas namorado?<<strong>br</strong> />

Amas a toucado<<strong>br</strong> />

e não quem o touca?<<strong>br</strong> />

Ando cega e louca<<strong>br</strong> />

por ti, meu Joane;<<strong>br</strong> />

tu, pelo beirame.<<strong>br</strong> />

Amas o vestido?<<strong>br</strong> />

És falso amador.<<strong>br</strong> />

Tu não vês que Amor<<strong>br</strong> />

se pinta <strong>de</strong>spido?<<strong>br</strong> />

Cego e perdido<<strong>br</strong> />

andas por beirame,<<strong>br</strong> />

e eu por ti, Joane.<<strong>br</strong> />

Se alguém te vir,<<strong>br</strong> />

que dirá <strong>de</strong> ti?<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong>ixas a mi<<strong>br</strong> />

por cousa tão vil!<<strong>br</strong> />

Terá bem que rir,<<strong>br</strong> />

pois amas beirame,<<strong>br</strong> />

e a mim não, Joane.<<strong>br</strong> />

Quem ama assi<<strong>br</strong> />

há-<strong>de</strong> ser amada;<<strong>br</strong> />

ando maltratada<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> amores, por ti.<<strong>br</strong> />

Ama-me a mi,<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong>ixa o beirame,<<strong>br</strong> />

que é razão, Joane!<<strong>br</strong> />

A todos encanta<<strong>br</strong> />

tua parvoíce;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tua doudice<<strong>br</strong> />

Gonçalo se espanta<<strong>br</strong> />

e zombando canta:<<strong>br</strong> />

—Coifa <strong>de</strong> beirame<<strong>br</strong> />

namorou Joane!<<strong>br</strong> />

Eu não sei que viste<<strong>br</strong> />

neste meu toucado,<<strong>br</strong> />

que tão namorado


<strong>de</strong>le te sentiste.<<strong>br</strong> />

Não te veja triste:<<strong>br</strong> />

ama-me, Joane,<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong>ixa o beirame!<<strong>br</strong> />

(Joane gemia,<<strong>br</strong> />

Maria chorava,<<strong>br</strong> />

assi lamentava<<strong>br</strong> />

o mal que sentia;<<strong>br</strong> />

os olhos feria,<<strong>br</strong> />

e não o beirame<<strong>br</strong> />

que matou Joane.)<<strong>br</strong> />

Não sei <strong>de</strong> que vem<<strong>br</strong> />

Amares vestido;<<strong>br</strong> />

que o mesmo Cupido<<strong>br</strong> />

vestido não tem.<<strong>br</strong> />

Sabes <strong>de</strong> que vem<<strong>br</strong> />

amares beirame?<<strong>br</strong> />

Vem <strong>de</strong> ser Joane.<<strong>br</strong> />

59.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Posible es a mi cuidado<<strong>br</strong> />

po<strong>de</strong>rme hacer satisfecho,<<strong>br</strong> />

si fuera posible al hado<<strong>br</strong> />

hacer no echo lo echo,<<strong>br</strong> />

y futuro lo pasado.<<strong>br</strong> />

Si olvido pudiera haber,<<strong>br</strong> />

fuera remedio sufrible;<<strong>br</strong> />

mas ya que no pue<strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />

para contento me hacer,<<strong>br</strong> />

todo es poco lo posible.<<strong>br</strong> />

54.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

ao mesmo moto


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Posto o pensamento nele,<<strong>br</strong> />

porque a tudo o Amor a o<strong>br</strong>iga,<<strong>br</strong> />

cantava, mas a cantiga<<strong>br</strong> />

eram suspiros por ele.<<strong>br</strong> />

Nisto estava Leanor<<strong>br</strong> />

o seu <strong>de</strong>sejo enganando,<<strong>br</strong> />

às amigas perguntando:<<strong>br</strong> />

vistes lá o meu amor?<<strong>br</strong> />

O rosto so<strong>br</strong>e üa mão,<<strong>br</strong> />

os olhos no chão pregados,<<strong>br</strong> />

que, do chorar já cansados,<<strong>br</strong> />

algum <strong>de</strong>scanso lhe dão.<<strong>br</strong> />

Desta sorte Leanor<<strong>br</strong> />

suspen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quando em quando<<strong>br</strong> />

sua dor; e, em si tornando,<<strong>br</strong> />

mais pesada sente a dor.<<strong>br</strong> />

Não <strong>de</strong>ita dos olhos água,<<strong>br</strong> />

que não quer que a dor se a<strong>br</strong>an<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

Amor, porque em mágoa gran<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

seca as lágrimas a mágoa.<<strong>br</strong> />

Que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> seu amor<<strong>br</strong> />

soube novas, perguntando,<<strong>br</strong> />

d'emproviso a vi chorando.<<strong>br</strong> />

Olhai que extremos <strong>de</strong> dor!<<strong>br</strong> />

30.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Na fonte está Leanor<<strong>br</strong> />

lavando a talha e chorando,<<strong>br</strong> />

as amigas perguntando:<<strong>br</strong> />

vistes lá o meu amor?<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Ojos, herido me habéis,<<strong>br</strong> />

acabad ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />

mas, muerto, volve á mirarme,<<strong>br</strong> />

por que me resucitéis.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Pues me distes tal herida,<<strong>br</strong> />

con gana <strong>de</strong> darme muerte,<<strong>br</strong> />

el morir me es dulce suerte,<<strong>br</strong> />

pues con morir me dais vida.<<strong>br</strong> />

Ojos, ¿qué os <strong>de</strong>tenéis?<<strong>br</strong> />

Acabad ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />

mas muerto volved á mirarme,<<strong>br</strong> />

por que me resuscitéis.<<strong>br</strong> />

La llaga cierto ya es mía,<<strong>br</strong> />

aunque, ojos, vos no queráis;<<strong>br</strong> />

mas si la muerte me dais,<<strong>br</strong> />

el morir me es alegría.<<strong>br</strong> />

Y así digo que acabéis,<<strong>br</strong> />

ojos, ya <strong>de</strong> matarme;<<strong>br</strong> />

mas muerto, volved á mirarme,<<strong>br</strong> />

por que me resucitéis.<<strong>br</strong> />

23.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Quando me quer enganar<<strong>br</strong> />

a minha bela perjura,<<strong>br</strong> />

para mais me confirmar<<strong>br</strong> />

o que quer certificar,<<strong>br</strong> />

pelos seus olhos mo jura.<<strong>br</strong> />

Como meu contentamento<<strong>br</strong> />

todo se rege por eles,<<strong>br</strong> />

imagina o pensamento<<strong>br</strong> />

que se faz agravo a eles<<strong>br</strong> />

não crer tão grão juramento.<<strong>br</strong> />

Porém, <strong>com</strong>o em casos tais<<strong>br</strong> />

ando já visto e corrente,<<strong>br</strong> />

sem outros certos sinais,<<strong>br</strong> />

quanto me ela jura mais<<strong>br</strong> />

tanto mais cuido que mente.<<strong>br</strong> />

Então, vendo-lhe ofen<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

uns tais olhos <strong>com</strong>o aqueles,<<strong>br</strong> />

a üa Dama que lhe jurara<<strong>br</strong> />

sempre por seus olhos


<strong>de</strong>ixo-me antes tudo crer,<<strong>br</strong> />

só pela não constranger<<strong>br</strong> />

a jurar falso por eles.<<strong>br</strong> />

3.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Quando vos eu via,<<strong>br</strong> />

esse bem lograva,<<strong>br</strong> />

a vida estimava;<<strong>br</strong> />

mais então vivia,<<strong>br</strong> />

porque vos servia<<strong>br</strong> />

só para vos ver.<<strong>br</strong> />

Já que vos não vejo,<<strong>br</strong> />

para que é viver?<<strong>br</strong> />

Vivo sem rezão,<<strong>br</strong> />

porque em minha dor<<strong>br</strong> />

não a pôs Amor,<<strong>br</strong> />

que inimigos são.<<strong>br</strong> />

Mui gran<strong>de</strong> treição<<strong>br</strong> />

me o<strong>br</strong>iga a fazer<<strong>br</strong> />

que viva, Senhora,<<strong>br</strong> />

sem vos po<strong>de</strong>r ver.<<strong>br</strong> />

Não me atrevo já,<<strong>br</strong> />

minha tão querida,<<strong>br</strong> />

a chamar-vos vida,<<strong>br</strong> />

porque a tenho má.<<strong>br</strong> />

Ninguém cuidará,<<strong>br</strong> />

que isto po<strong>de</strong> ser,<<strong>br</strong> />

sendo-me vós vida,<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>r viver!<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Vida da minh'alma<<strong>br</strong> />

não vos posso ver:<<strong>br</strong> />

isto não é vida<<strong>br</strong> />

para se sofrer!


109.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Que diabo há tão danado<<strong>br</strong> />

que não tema a cutilada<<strong>br</strong> />

dos fios secos da espada<<strong>br</strong> />

do fero Miguel armado?<<strong>br</strong> />

Pois se tanto um golpe seu<<strong>br</strong> />

soa na infernal ca<strong>de</strong>ia,<<strong>br</strong> />

do que o <strong>de</strong>mónio arreceia,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o não fugirei eu?<<strong>br</strong> />

Com razão lhe fugiria,<<strong>br</strong> />

se contra ele, e contra tudo,<<strong>br</strong> />

não tivesse um forte escudo<<strong>br</strong> />

só em Vossa Senhoria.<<strong>br</strong> />

Portanto, Senhor, proveja,<<strong>br</strong> />

pois me tem ao remo atado,<<strong>br</strong> />

que, antes que seja embarcado,<<strong>br</strong> />

eu <strong>de</strong>sembargado seja.<<strong>br</strong> />

108.<<strong>br</strong> />

Esparsa<<strong>br</strong> />

Quem no mundo quiser ser<<strong>br</strong> />

havido por singular,<<strong>br</strong> />

para mais se engran<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />

há-<strong>de</strong> trazer sempre o dar<<strong>br</strong> />

nas ancas do prometer.<<strong>br</strong> />

E já que vossa mercê<<strong>br</strong> />

largueza tem por divisa,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o todo mundo vê,<<strong>br</strong> />

há mister que tanto dê<<strong>br</strong> />

que o Autor mandou da ca<strong>de</strong>ia<<strong>br</strong> />

em que o tinha embargado por<<strong>br</strong> />

üa dívida Miguel Roiz, «Fios-Secos»<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> alcunha, que se embarcava para fora,<<strong>br</strong> />

ao Con<strong>de</strong> do Redondo, Vizo-Rei, pedindo-lhe<<strong>br</strong> />

o fizesse <strong>de</strong>sembargar<<strong>br</strong> />

a um fidaldo, na Índia, que lhe<<strong>br</strong> />

tardava <strong>com</strong> uma camisa galante,<<strong>br</strong> />

que lhe prometera


que venha [a] dar a camisa.<<strong>br</strong> />

36.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Quem põe suas confianças<<strong>br</strong> />

em meninas sem assento,<<strong>br</strong> />

ofereça o sofrimento<<strong>br</strong> />

a duzentas mil mudanças.<<strong>br</strong> />

Mostram no ar esperanças,<<strong>br</strong> />

mas em seus olhos se vê<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o não têm n'alma fé.<<strong>br</strong> />

Enganam ao parecer,<<strong>br</strong> />

porque, no caso <strong>de</strong> amar,<<strong>br</strong> />

são mulheres no matar<<strong>br</strong> />

e meninas no querer.<<strong>br</strong> />

Quem em seus olhos se crer,<<strong>br</strong> />

cem mil graças neles vê;<<strong>br</strong> />

vê-las, sim, mas não ter fé.<<strong>br</strong> />

Amostram-vos num momento<<strong>br</strong> />

favores assi a molhos;<<strong>br</strong> />

mas na mudança dos olhos<<strong>br</strong> />

se lhe muda o pensamento.<<strong>br</strong> />

Em nada têm assento,<<strong>br</strong> />

e o que mais neles se vê<<strong>br</strong> />

é fermosura sem fé.<<strong>br</strong> />

99.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Quem se confia em olhos,<<strong>br</strong> />

nas meninas <strong>de</strong>les vê,<<strong>br</strong> />

que meninas não têm fé.<<strong>br</strong> />

a uma Dama <strong>de</strong> apelido Anjos,<<strong>br</strong> />

que lhe chamou diabo<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Senhora, pois me chamais


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Quem quer que viu, ou que leu,<<strong>br</strong> />

terá por novo e mo<strong>de</strong>rno<<strong>br</strong> />

ter quem vive no Inferno<<strong>br</strong> />

o pensamento no Céu.<<strong>br</strong> />

Mas se a vós vos pareceu<<strong>br</strong> />

que me estava bem tal nome,<<strong>br</strong> />

esse diabo vos tome.<<strong>br</strong> />

Perdido mais que ninguém<<strong>br</strong> />

confesso, Senhora, ser;<<strong>br</strong> />

mas «diabo» não quer<<strong>br</strong> />

aos «Anjos» tamanho bem.<<strong>br</strong> />

Pois logo não me convém,<<strong>br</strong> />

ou se me convém tal nome<<strong>br</strong> />

será para que vos tome.<<strong>br</strong> />

Se vos benzeis <strong>com</strong> cautela,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o <strong>de</strong> Anjo, e não <strong>de</strong> luz,<<strong>br</strong> />

mal po<strong>de</strong> fugir da Cruz<<strong>br</strong> />

quem vós ten<strong>de</strong>s posto nela.<<strong>br</strong> />

Mas já que foi minha estrela,<<strong>br</strong> />

ser «diabo», e ter tal nome,<<strong>br</strong> />

guardai-vos, que vos não tome<<strong>br</strong> />

Já que chegais tanto ao cabo,<<strong>br</strong> />

co as mãos postas aos Céus,<<strong>br</strong> />

vou sempre pedindo a Deus<<strong>br</strong> />

que vos leve este «diabo».<<strong>br</strong> />

Eu, Senhora, não me gabo;<<strong>br</strong> />

mas, pois que me dais tal nome,<<strong>br</strong> />

tomo-o, para que vos tome.<<strong>br</strong> />

79.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

tão sem razão tão mau nome,<<strong>br</strong> />

inda o diabo vos tome,<<strong>br</strong> />

a üa Dama mal empregada<<strong>br</strong> />

MOTO SEU:


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Quem tão mal vos empregou,<<strong>br</strong> />

pouco <strong>de</strong> mi se doía,<<strong>br</strong> />

pois não viu quanto me ia<<strong>br</strong> />

em tirar-me o que tirou.<<strong>br</strong> />

O<strong>br</strong>iga o primor que tem<<strong>br</strong> />

lin<strong>de</strong>za tão extremada<<strong>br</strong> />

que digam quantos a vêm:<<strong>br</strong> />

— Fermosa e mal empregada!<<strong>br</strong> />

Tomastes da fermosura<<strong>br</strong> />

quanto <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sejastes,<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong> ela me guardastes<<strong>br</strong> />

para tão triste ventura.<<strong>br</strong> />

Matáveis sendo solteira,<<strong>br</strong> />

matais agora em casada;<<strong>br</strong> />

matais <strong>de</strong> toda a maneira;<<strong>br</strong> />

Fermosa e mal empregada!<<strong>br</strong> />

80.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Quem viveu sempre num ser,<<strong>br</strong> />

inda que seja em po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />

não viu o bem da riqueza,<<strong>br</strong> />

nem o mal <strong>de</strong> empo<strong>br</strong>ecer:<<strong>br</strong> />

não ganhou para per<strong>de</strong>r;<<strong>br</strong> />

mas ganhou <strong>com</strong> vida igual<<strong>br</strong> />

não ter bem nem sentir mal.<<strong>br</strong> />

Minina, não sei dizer,<<strong>br</strong> />

vendo vos tão acabada,<<strong>br</strong> />

quão triste estou por vos ver<<strong>br</strong> />

fermosa e mal empregada.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Há um bem que chega e foge;<<strong>br</strong> />

e chama-se este bem tal,<<strong>br</strong> />

ter bem para sentir mal.


039.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Querendo Amor escon<strong>de</strong>r-vos<<strong>br</strong> />

em parte que vos não visse,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> extremos <strong>de</strong> querer-vos<<strong>br</strong> />

cegou-me os olhos <strong>com</strong> ver-vos,<<strong>br</strong> />

levou-os, sem que vos visse.<<strong>br</strong> />

Eu, cego, mas atinado,<<strong>br</strong> />

quando vi que vos não via,<<strong>br</strong> />

do mesmo Amor indinado,<<strong>br</strong> />

já ve<strong>de</strong>s qual ficaria<<strong>br</strong> />

sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />

006.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

Querendo escrever um dia<<strong>br</strong> />

o mal que tanto estimei,<<strong>br</strong> />

cuidando no que poria,<<strong>br</strong> />

vi Amor que me dizia:<<strong>br</strong> />

escreve, que eu notarei.<<strong>br</strong> />

E <strong>com</strong>o para se ler<<strong>br</strong> />

não era história pequena<<strong>br</strong> />

a que <strong>de</strong> mim quis fazer,<<strong>br</strong> />

das asas tirou a pena<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que me fez escrever.<<strong>br</strong> />

E, logo <strong>com</strong>o a tirou,<<strong>br</strong> />

me disse: Aviva os espritos,<<strong>br</strong> />

que, pois em teu favor sou,<<strong>br</strong> />

esta pena que te dou<<strong>br</strong> />

fará voar teus escritos.<<strong>br</strong> />

E dando-me a pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />

tudo o que quis que pusesse,<<strong>br</strong> />

pu<strong>de</strong>, enfim, <strong>de</strong>le dizer<<strong>br</strong> />

que me <strong>de</strong>u <strong>com</strong> que escrevesse<<strong>br</strong> />

ao mesmo moto<<strong>br</strong> />

a uma Dama,<<strong>br</strong> />

em forma <strong>de</strong> carta


o que me <strong>de</strong>u a escrever.<<strong>br</strong> />

Eu, qu' este engano entendi,<<strong>br</strong> />

disse-lhe:—que escreverei ?<<strong>br</strong> />

Respon<strong>de</strong>u, dizendo assi:<<strong>br</strong> />

—Altos afeitos <strong>de</strong> ti,<<strong>br</strong> />

e daquela a quem te <strong>de</strong>i.<<strong>br</strong> />

E já que te manifesto<<strong>br</strong> />

todas minhas estranhezas,<<strong>br</strong> />

escreve, pois que te prezas,<<strong>br</strong> />

milagres dum claro gesto<<strong>br</strong> />

e, <strong>de</strong> quem o viu, tristezas.<<strong>br</strong> />

Ah! Senhora, em quem se apura,<<strong>br</strong> />

a fé <strong>de</strong> meu pensamento!<<strong>br</strong> />

Escutai e estai a tento,<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong> vossa fermosura,<<strong>br</strong> />

iguala Amor meu tormento.<<strong>br</strong> />

E, posto que tão remota<<strong>br</strong> />

estejais <strong>de</strong> me escutar,<<strong>br</strong> />

por me não remediar,<<strong>br</strong> />

ouvi, que, pois Amor nota,<<strong>br</strong> />

milagres se hão-<strong>de</strong> notar:<<strong>br</strong> />

Nota<<strong>br</strong> />

Escrevem vários autores,<<strong>br</strong> />

que, junto da clara fonte<<strong>br</strong> />

do Ganges, os moradores<<strong>br</strong> />

vivem do cheiro das flores<<strong>br</strong> />

que nascem naquele monte.<<strong>br</strong> />

Se os sentidos po<strong>de</strong>m dar<<strong>br</strong> />

mantimento ao viver,<<strong>br</strong> />

não é, logo, d'espantar,<<strong>br</strong> />

se estes vivem <strong>de</strong> cheirar,<<strong>br</strong> />

que viv' eu só <strong>de</strong> vos ver.<<strong>br</strong> />

üa árvore se conhece,<<strong>br</strong> />

que, na geral alegria,<<strong>br</strong> />

ela só tanto entristece, que,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o é noite, florece,<<strong>br</strong> />

e per<strong>de</strong> as flores <strong>de</strong> dia.<<strong>br</strong> />

Eu, que em ver-vos sinto o preço<<strong>br</strong> />

que em vossa vista consiste,<<strong>br</strong> />

em a vendo me entristeço,<<strong>br</strong> />

porque sei que não mereço


a glória <strong>de</strong> viver triste.<<strong>br</strong> />

Um rei <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> veneno foi criado,<<strong>br</strong> />

porque, sendo costumado,<<strong>br</strong> />

não lhe pu<strong>de</strong>sse empecer<<strong>br</strong> />

se <strong>de</strong>spois lhe fosse dado.<<strong>br</strong> />

Eu, que criei <strong>de</strong> pequena<<strong>br</strong> />

a vida a quanto pa<strong>de</strong>ce,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sta sorte me acontece,<<strong>br</strong> />

que não me faz mal a pena<<strong>br</strong> />

senão quando me falece.<<strong>br</strong> />

Quem da doença real,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> longe, enfermo se sente,<<strong>br</strong> />

por segredo natural<<strong>br</strong> />

fica são, vendo somente<<strong>br</strong> />

um volátil animal.<<strong>br</strong> />

Do mal que Amor em mim cria,<<strong>br</strong> />

quando aquela Fénix vejo,<<strong>br</strong> />

são <strong>de</strong> todo ficaria;<<strong>br</strong> />

mas fica-me hidropesia,<<strong>br</strong> />

que quanto mais, mais <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />

Da bívora é verda<strong>de</strong>iro<<strong>br</strong> />

se a consorte vai buscar,<<strong>br</strong> />

que, em se querendo juntar,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixa a peçonha primeiro,<<strong>br</strong> />

porque lhe impe<strong>de</strong> o gerar.<<strong>br</strong> />

Assi quando me apresento<<strong>br</strong> />

à vossa vista inumana,<<strong>br</strong> />

a peçonha do tormento<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixo a parte, porque dana<<strong>br</strong> />

tamanho contentamento.<<strong>br</strong> />

Querendo Amor sustentar-se,<<strong>br</strong> />

fez üa vonta<strong>de</strong> esquiva<<strong>br</strong> />

düa estátua namorar-se;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spois, por manifestar-se,<<strong>br</strong> />

converteu-a em mulher viva.<<strong>br</strong> />

De quem me irei queixando,<<strong>br</strong> />

ou quem direi que m'engana,<<strong>br</strong> />

se vou seguindo e buscando<<strong>br</strong> />

üa imagem que, <strong>de</strong> humana,<<strong>br</strong> />

em pedra se vai tornando?<<strong>br</strong> />

De üa fonte se sabia,


da qual certo se provava<<strong>br</strong> />

que, quem so<strong>br</strong>' ela jurava,<<strong>br</strong> />

se falsida<strong>de</strong> dizia,<<strong>br</strong> />

dos olhos logo cegava.<<strong>br</strong> />

Vós, que minha liberda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

Senhora, tiranizais,<<strong>br</strong> />

injustamente mandais<<strong>br</strong> />

quando vos falo verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que vos não possa ver mais.<<strong>br</strong> />

Da palma se escreve e canta<<strong>br</strong> />

ser tão dura e tão forçosa,<<strong>br</strong> />

que peso não a que<strong>br</strong>anta,<<strong>br</strong> />

mas antes, <strong>de</strong> presunçosa,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ele mais se levanta.<<strong>br</strong> />

Co peso do mal que dais,<<strong>br</strong> />

a constancia que em mim vejo<<strong>br</strong> />

não somente ma do<strong>br</strong>ais,<<strong>br</strong> />

mas do<strong>br</strong>a-se meu <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que então vos quero mais.<<strong>br</strong> />

Se alguém os olhos quiser<<strong>br</strong> />

as andorinhas que<strong>br</strong>ar,<<strong>br</strong> />

logo a mãe, sem se <strong>de</strong>ter,<<strong>br</strong> />

üa erva lhe vai buscar,<<strong>br</strong> />

que lhe faz outros nascer.<<strong>br</strong> />

Eu, que os olhos tenho a tento<<strong>br</strong> />

nos vossos, que estrelas são,<<strong>br</strong> />

cegam-se os do entendimento,<<strong>br</strong> />

mas nascem-me os da razão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> folgar <strong>com</strong> meu tormento.<<strong>br</strong> />

Lá para on<strong>de</strong> o sol sai<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos, navegando,<<strong>br</strong> />

um novo rio admirando,<<strong>br</strong> />

que o lenho que nele cai,<<strong>br</strong> />

em pedra se vai tornando.<<strong>br</strong> />

Não se espantem disto as gentes;<<strong>br</strong> />

mais razão será que espante<<strong>br</strong> />

um coração tão possante<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong> lágrimas ar<strong>de</strong>ntes,<<strong>br</strong> />

se converte em diamante.<<strong>br</strong> />

Po<strong>de</strong> um mudo nadador<<strong>br</strong> />

na linha e cana influir<<strong>br</strong> />

tão venenoso vigor<<strong>br</strong> />

que faz mais não se bulir


o <strong>br</strong>aço do pescador.<<strong>br</strong> />

Se <strong>com</strong>eçam <strong>de</strong> beber<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ste veneno excelente<<strong>br</strong> />

meus olhos, sem se <strong>de</strong>ter,<<strong>br</strong> />

não se sanem mais mover<<strong>br</strong> />

a nada que se apresente.<<strong>br</strong> />

Isto são claros sinais<<strong>br</strong> />

do muito que em mim po<strong>de</strong>is:<<strong>br</strong> />

nem po<strong>de</strong>is <strong>de</strong>sejar mais;<<strong>br</strong> />

que, se ver-vos <strong>de</strong>sejais,<<strong>br</strong> />

em mim claro vos vereis.<<strong>br</strong> />

E quereis ver a que fim<<strong>br</strong> />

em mim tanto bem se pôs?<<strong>br</strong> />

Porque quis Amor assim<<strong>br</strong> />

que, por vos ver<strong>de</strong>s a vós,<<strong>br</strong> />

também me vísseis a mim.<<strong>br</strong> />

Dos males que me or<strong>de</strong>nais,<<strong>br</strong> />

que inda tenho por pequenos,<<strong>br</strong> />

sabei, se mos escutais,<<strong>br</strong> />

que ja não sei dizer mais,<<strong>br</strong> />

nem vós po<strong>de</strong>is saber menos.<<strong>br</strong> />

Mas já que a tanto tormento<<strong>br</strong> />

não se acha quem resista,<<strong>br</strong> />

eu, Senhora, me contento<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ter<strong>de</strong>s meu sofrimento<<strong>br</strong> />

por alvo <strong>de</strong> vossa vista.<<strong>br</strong> />

Quantos contrários consente<<strong>br</strong> />

Amor, por mais pa<strong>de</strong>cer!<<strong>br</strong> />

Que aquela vista excelente,<<strong>br</strong> />

que me faz viver contente,<<strong>br</strong> />

me faça tão triste ser!<<strong>br</strong> />

Mas dou este entendimento<<strong>br</strong> />

ao mal que tanto me ofen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o na vela se enten<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que, se se apaga co vento,<<strong>br</strong> />

co mesmo vento se acen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Exprimentou-se algüa hora<<strong>br</strong> />

da ave que chamam Camão,<<strong>br</strong> />

que, se da casa on<strong>de</strong> mora<<strong>br</strong> />

vê adúltera a senhora,<<strong>br</strong> />

morre <strong>de</strong> pura paixão.<<strong>br</strong> />

A dor é tão sem medida,<<strong>br</strong> />

que remédio lhe não val;


mas, oh ditoso animal,<<strong>br</strong> />

que po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a vida<<strong>br</strong> />

quando vê tamanho mal!<<strong>br</strong> />

Nos gostos <strong>de</strong> vos querer<<strong>br</strong> />

estava agora enlevado,<<strong>br</strong> />

se não fora salteado<<strong>br</strong> />

das lem<strong>br</strong>anças <strong>de</strong> temer<<strong>br</strong> />

ser por outrem <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />

Estas suspeitas tão frias,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que o pensamento sonha,<<strong>br</strong> />

são assi <strong>com</strong>o as Harpias,<<strong>br</strong> />

que as mais doces iguarias,<<strong>br</strong> />

vão converter em peçonha.<<strong>br</strong> />

Faz-me este mal infinito<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong>r já mais dizer,<<strong>br</strong> />

por não vir a corromper<<strong>br</strong> />

os gostos que tenho escrito<<strong>br</strong> />

cos males que hei-<strong>de</strong> escrever.<<strong>br</strong> />

Não quero que se apregoe<<strong>br</strong> />

mal tanto para enco<strong>br</strong>ir,<<strong>br</strong> />

porque, enquanto aqui se ouvir,<<strong>br</strong> />

nenhüa outra coisa soe<<strong>br</strong> />

que a glória <strong>de</strong> vos servir.<<strong>br</strong> />

107.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Querer<strong>de</strong>s profano amor<<strong>br</strong> />

em Coresma, é consciência:<<strong>br</strong> />

açoutes e penitência<<strong>br</strong> />

vos está muito milhor.<<strong>br</strong> />

a üa mulher que foi açoutada<<strong>br</strong> />

por um homem <strong>de</strong> apelido<<strong>br</strong> />

Quaresma, na Índia<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Não estejais agravada,<<strong>br</strong> />

senão se for <strong>de</strong> vós mesma;<<strong>br</strong> />

porque a mulher que é errada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> razão pela Coresma<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sciprinada.


Não fiqueis disto afrontada,<<strong>br</strong> />

pois a culpa é vossa mesma;<<strong>br</strong> />

que mulher que é tão malvada<<strong>br</strong> />

é bem que pela Coresma<<strong>br</strong> />

seja bem <strong>de</strong>sciprinada.<<strong>br</strong> />

Se a penitência vos val,<<strong>br</strong> />

mui bem açoutada estais;<<strong>br</strong> />

pois por Coresma pagais<<strong>br</strong> />

vossos vícios do carnal.<<strong>br</strong> />

Não torneis a ser errada,<<strong>br</strong> />

nem con<strong>de</strong>neis a vós mesma,<<strong>br</strong> />

pois estais já emendada;<<strong>br</strong> />

e não sereis por Coresma<<strong>br</strong> />

outra vez <strong>de</strong>sciprinada.<<strong>br</strong> />

090.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Reinando Amor em dous peitos,<<strong>br</strong> />

tece tantas falsida<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

que, <strong>de</strong> conformes vonta<strong>de</strong>s,<<strong>br</strong> />

faz <strong>de</strong>sconformes efeitos.<<strong>br</strong> />

Igualmente vive em nós;<<strong>br</strong> />

mas, por <strong>de</strong>sconcerto seu,<<strong>br</strong> />

vos leva, se venho eu,<<strong>br</strong> />

me leva, se vin<strong>de</strong>s vós.<<strong>br</strong> />

061.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a üa Dama a quem<<strong>br</strong> />

não podia encontrar<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Qual terá culpa <strong>de</strong> nós<<strong>br</strong> />

neste mal que todo é meu?<<strong>br</strong> />

quando vin<strong>de</strong>s, não vou eu,<<strong>br</strong> />

quando vou, não vin<strong>de</strong>s vós<<strong>br</strong> />

a üa Dama que estava


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong> dó vestida andais<<strong>br</strong> />

por quem já vida não tem,<<strong>br</strong> />

porque não no haveis <strong>de</strong> quem<<strong>br</strong> />

vós tantas vezes matais?<<strong>br</strong> />

Que <strong>br</strong>ado sem ser ouvido,<<strong>br</strong> />

e nunca vejo senão<<strong>br</strong> />

cruezas no coração,<<strong>br</strong> />

e gran<strong>de</strong> dó no vestido.<<strong>br</strong> />

018.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong>rivais da verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

esta palavra Sitim,<<strong>br</strong> />

achareis, sem falsida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

que após o Si, tem o Tim,<<strong>br</strong> />

que tine em toda a cida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Bem vejo que me enten<strong>de</strong>is;<<strong>br</strong> />

mas porque não fale em vão,<<strong>br</strong> />

sabei que a esta nação<<strong>br</strong> />

tanto que o Si conce<strong>de</strong>is<<strong>br</strong> />

o Tim logo está na mão.<<strong>br</strong> />

E quem da fama se arreda,<<strong>br</strong> />

que tudo vai <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>ir,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ve sempre <strong>de</strong> fugir<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sitins, porque da seda<<strong>br</strong> />

seu natural é rugir.<<strong>br</strong> />

Mas pano fino e <strong>de</strong>lgado,<<strong>br</strong> />

qual raxa e outros assi,<<strong>br</strong> />

dura, aquenta e é calado,<<strong>br</strong> />

vestida <strong>de</strong> dó<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

De atormentado e perdido,<<strong>br</strong> />

já vos não peço senão<<strong>br</strong> />

que tenhais no coração<<strong>br</strong> />

o que ten<strong>de</strong>s no vestido.<<strong>br</strong> />

a üa Senhora a quem <strong>de</strong>ram um<<strong>br</strong> />

pedaço <strong>de</strong> cetim amarelo pera hüa<<strong>br</strong> />

filha <strong>de</strong> quem se tinha suspeita


amoroso, e dá <strong>de</strong> si,<<strong>br</strong> />

mais que sitim, nem borcado.<<strong>br</strong> />

Mas estes, que sedas são<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> quem s'enganam mil Damas,<<strong>br</strong> />

mais vos tomam do que dão;<<strong>br</strong> />

prometem, mas não darão<<strong>br</strong> />

senão nódoas para as famas.<<strong>br</strong> />

E se não me quereis crer,<<strong>br</strong> />

ou tomais outro caminho,<<strong>br</strong> />

por exemplo o po<strong>de</strong>is ver,<<strong>br</strong> />

quando lá vir<strong>de</strong>s ar<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

a casa <strong>de</strong> algum vezinho.<<strong>br</strong> />

Ó feminina simpreza,<<strong>br</strong> />

don<strong>de</strong> estão culpas a pares,<<strong>br</strong> />

que por um Dom <strong>de</strong> no<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixam dões <strong>de</strong> natureza,<<strong>br</strong> />

mais altos e singulares<<strong>br</strong> />

—um dom que anda enxertado<<strong>br</strong> />

no nome, e nas o<strong>br</strong>as não!—<<strong>br</strong> />

(Falo <strong>com</strong>o exprimentado;<<strong>br</strong> />

que, sitim <strong>de</strong>sta feição,<<strong>br</strong> />

eu tenho muito cortado.)<<strong>br</strong> />

Dizem-me que era amarelo;<<strong>br</strong> />

a quem assi o quis dar,<<strong>br</strong> />

só para me Deus vingar,<<strong>br</strong> />

se vem à mão, amarelo,<<strong>br</strong> />

o que eu não posso cuidar.<<strong>br</strong> />

Porque quem sabe viver<<strong>br</strong> />

por estas artes manhosas<<strong>br</strong> />

(isto bem po<strong>de</strong> não ser),<<strong>br</strong> />

dá a mininas fermosas<<strong>br</strong> />

somente polas fazer.<<strong>br</strong> />

Quem vos isto diz, Senhora,<<strong>br</strong> />

serviu nas vossas armadas<<strong>br</strong> />

muito, mas anda já fora;<<strong>br</strong> />

e po<strong>de</strong> ser que inda agora<<strong>br</strong> />

traz abertas as frechadas.<<strong>br</strong> />

E, posto que <strong>de</strong>sfavores<<strong>br</strong> />

o tiram <strong>de</strong> servidor,<<strong>br</strong> />

quer-vos ventura milhor;<<strong>br</strong> />

que dos antigos amores<<strong>br</strong> />

inda lhe fica este amor.


021.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

morrerei ou não,<<strong>br</strong> />

meus olhos dirão<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim a verda<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Por eles me atrevo<<strong>br</strong> />

a lançar as águas<<strong>br</strong> />

que mostrem as mágoas<<strong>br</strong> />

que nesta alma levo.<<strong>br</strong> />

As águas que em vão<<strong>br</strong> />

me fazem chorar,<<strong>br</strong> />

se elas são do mar<<strong>br</strong> />

estas d'amar são.<<strong>br</strong> />

Por elas relevo<<strong>br</strong> />

todas minhas mágoas;<<strong>br</strong> />

que, se força d'águas<<strong>br</strong> />

me leva, eu as levo.<<strong>br</strong> />

Todas me entristecem,<<strong>br</strong> />

todas são salgadas;<<strong>br</strong> />

porém as choradas<<strong>br</strong> />

doces me parecem.<<strong>br</strong> />

Correi, doces águas,<<strong>br</strong> />

que, se em vós me enlevo,<<strong>br</strong> />

não doem as mágoas<<strong>br</strong> />

que no peito levo!<<strong>br</strong> />

076.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este mato alheio:<<strong>br</strong> />

Se me levam águas<<strong>br</strong> />

nos olhos as levo.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Ve<strong>de</strong> bem se nos meus dias<<strong>br</strong> />

os <strong>de</strong>sgostos vi sobejos,<<strong>br</strong> />

pois tenho medo a <strong>de</strong>sejos


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se <strong>de</strong>sejos fui já ter,<<strong>br</strong> />

serviram <strong>de</strong> atormentar-me;<<strong>br</strong> />

se algum pô<strong>de</strong> alegrar-me,<<strong>br</strong> />

quis-me antes entristecer.<<strong>br</strong> />

Passei anos, passei dias,<<strong>br</strong> />

em <strong>de</strong>sgostos tão sobejas<<strong>br</strong> />

que, só por não ter <strong>de</strong>sejos,<<strong>br</strong> />

per<strong>de</strong>rei mil alegrias.<<strong>br</strong> />

087.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se me for, e vos <strong>de</strong>ixar<<strong>br</strong> />

(ponho, por caso, que possa),<<strong>br</strong> />

esta alma minha, que é vossa,<<strong>br</strong> />

convosco me há-<strong>de</strong> ficar.<<strong>br</strong> />

Assi que, só por levar<<strong>br</strong> />

a minh'alma, se me for,<<strong>br</strong> />

vos levarei, meu amor.<<strong>br</strong> />

Que mal po<strong>de</strong> maltratar-me<<strong>br</strong> />

que convosco seja mal?<<strong>br</strong> />

Ou que bem po<strong>de</strong> ser tal<<strong>br</strong> />

que sem vós possa alegrar-me?<<strong>br</strong> />

O mal não po<strong>de</strong> enojar-me,<<strong>br</strong> />

o bem me será maior<<strong>br</strong> />

se vos levar, meu amor.<<strong>br</strong> />

097.<<strong>br</strong> />

Esparsa<<strong>br</strong> />

e quero mal a alegrias.<<strong>br</strong> />

a esta cantiga alheia:<<strong>br</strong> />

Se me <strong>de</strong>sta terra for,<<strong>br</strong> />

eu vos levarei, amor.


Se na alma e no pensamento<<strong>br</strong> />

por vosso me manifesto,<<strong>br</strong> />

não me pesa do que sento;<<strong>br</strong> />

que, se não sofrer tormento,<<strong>br</strong> />

faço ofensa a vosso gesto.<<strong>br</strong> />

E, pois quanto Amor or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />

e quanto esta alma <strong>de</strong>seja<<strong>br</strong> />

tudo à morte me con<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

não quero senão que seja<<strong>br</strong> />

tudo pena, pena, pena.<<strong>br</strong> />

113.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

A primeira iguaria foi posta<<strong>br</strong> />

a Casco <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong>. entre dous pratos,<<strong>br</strong> />

e diria assim:<<strong>br</strong> />

Se não quereis pa<strong>de</strong>cer<<strong>br</strong> />

üa ou duas horas tristes,<<strong>br</strong> />

sabeis que haveis <strong>de</strong> fazer?<<strong>br</strong> />

Volveros por do venistes,<<strong>br</strong> />

que aqui não há que <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />

E posto que aqui leiais<<strong>br</strong> />

trovinha que vos enleia,<<strong>br</strong> />

corrido não estejais;<<strong>br</strong> />

porque por mais que corrais<<strong>br</strong> />

não heis-<strong>de</strong> alcançar a ceia.<<strong>br</strong> />

A segunda, a D. Franeisco d'Almeida:<<strong>br</strong> />

Heliogábalo zombava<<strong>br</strong> />

das pessoas convidadas,<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> sorte as enganava<<strong>br</strong> />

que as iguarias que dava<<strong>br</strong> />

vinham nos pratos pintadas.<<strong>br</strong> />

Não temais tal travessura,<<strong>br</strong> />

pois já não po<strong>de</strong> ser nova;<<strong>br</strong> />

a üa Dama por quem penava<<strong>br</strong> />

que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> fez, na Índia,<<strong>br</strong> />

a certos fidalgos a quem convidara para cear


que a ceia está mui segura<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vos não vir em pintura,<<strong>br</strong> />

mas há-<strong>de</strong> vir toda em trova.<<strong>br</strong> />

A terecira, a Heitor da Silveira:<<strong>br</strong> />

Ceia não a papareis;<<strong>br</strong> />

contudo, porque não minta,<<strong>br</strong> />

para beber achareis,<<strong>br</strong> />

não Caparica, mas tinta,<<strong>br</strong> />

e mil cousas que papeis.<<strong>br</strong> />

E vós torceis o focinho,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> esta anfibologia?<<strong>br</strong> />

Pois sabei que a Poesia<<strong>br</strong> />

vos dá aqui tinta por vinho,<<strong>br</strong> />

e papéis por iguaria.<<strong>br</strong> />

A quarta foi posta a João Lopes Leitão,<<strong>br</strong> />

a quem o Autor mandou um moto,<<strong>br</strong> />

que vai adiante, so<strong>br</strong>e uma peça<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cacha, que este mandas ü a da Dama:<<strong>br</strong> />

Porque os que vos convidaram<<strong>br</strong> />

vosso estâmago não danem,<<strong>br</strong> />

por justa causa or<strong>de</strong>naram,<<strong>br</strong> />

se trovas vos enganaram,<<strong>br</strong> />

que trovas vos <strong>de</strong>senganem.<<strong>br</strong> />

Vós tereis isto por tacha,<<strong>br</strong> />

converter tudo em trovar;<<strong>br</strong> />

pois se me vir<strong>de</strong>s zombar,<<strong>br</strong> />

não cui<strong>de</strong>is, Senhor, que é cacha,<<strong>br</strong> />

que aqui não há cachar.<<strong>br</strong> />

Finge que, respon<strong>de</strong> João Lopes Leitão:<<strong>br</strong> />

Pesar ora não <strong>de</strong> São!<<strong>br</strong> />

Eu juro pelo Céu bento<<strong>br</strong> />

se <strong>de</strong> <strong>com</strong>er me não dão,<<strong>br</strong> />

que eu não sou camaleão<<strong>br</strong> />

que me hei-<strong>de</strong> manter do vento.<<strong>br</strong> />

Finge que respon<strong>de</strong> o Autor:<<strong>br</strong> />

Senhor, não vos agasteis,<<strong>br</strong> />

porque Deus vos proverá;<<strong>br</strong> />

e se mais saber quereis,<<strong>br</strong> />

nas costas <strong>de</strong>ste lereis


as iguarias que há.<<strong>br</strong> />

Vira o papel, que dizia assi:<<strong>br</strong> />

Ten<strong>de</strong>s nem migalha assada,<<strong>br</strong> />

cousa ne~nua <strong>de</strong> molho,<<strong>br</strong> />

e nada feito em empada,<<strong>br</strong> />

e vento <strong>de</strong> tigelada,<<strong>br</strong> />

picar no <strong>de</strong>nte em remalho.<<strong>br</strong> />

De fumo ten<strong>de</strong>s tassalhos,<<strong>br</strong> />

aves da pena que sente<<strong>br</strong> />

quem <strong>de</strong> fome anda doente;<<strong>br</strong> />

bocejar <strong>de</strong> vinho e <strong>de</strong> alhos,<<strong>br</strong> />

manjar em <strong>br</strong>anco excelente.<<strong>br</strong> />

A quinta e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira iguaria foi posta<<strong>br</strong> />

a Francisco <strong>de</strong> Melo e dizia:<<strong>br</strong> />

De um homem que teve o ceptro<<strong>br</strong> />

da veia maravilhosa,<<strong>br</strong> />

não foi cousa duvidosa<<strong>br</strong> />

que se lhe tornava em metro<<strong>br</strong> />

o que ia a dizer em prosa.<<strong>br</strong> />

De mim vos quero apostar<<strong>br</strong> />

que faça cousas mais novas<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quanto po<strong>de</strong>is cuidar:<<strong>br</strong> />

esta ceia, que é manjar,<<strong>br</strong> />

vos faça na boca em trovas.<<strong>br</strong> />

034.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Se só no ver puramente<<strong>br</strong> />

me transformei no que vi,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vista tão excelente<<strong>br</strong> />

mal po<strong>de</strong>rei ser ausente<<strong>br</strong> />

enquanto o não for <strong>de</strong> mi.<<strong>br</strong> />

Porque a alma namorada<<strong>br</strong> />

a traz tão bem <strong>de</strong>buxada,<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Vejo-a n'alma pintada<<strong>br</strong> />

quando me pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

o natural que não vejo.


e a memória tanto voa<<strong>br</strong> />

que se a não vejo em pessoa,<<strong>br</strong> />

vejo-a n'alma pintada.<<strong>br</strong> />

O <strong>de</strong>sejo, que se esten<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

ao que menos se conce<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e vós pe<strong>de</strong> e preten<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o doente que pe<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

o que mais se lhe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Eu, que em ausência não vejo,<<strong>br</strong> />

tenho piada<strong>de</strong> e pejo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> me ver tão po<strong>br</strong>e estar,<<strong>br</strong> />

que então não tenho que dar<<strong>br</strong> />

quando me pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

Como aquele que cegou<<strong>br</strong> />

é cousa vista e notória<<strong>br</strong> />

que a natureza or<strong>de</strong>nou<<strong>br</strong> />

que se lhe do<strong>br</strong>e em memória<<strong>br</strong> />

o que em vista lhe faltou;<<strong>br</strong> />

assi a mim, que não rejo<<strong>br</strong> />

os olhos ao que <strong>de</strong>sejo,<<strong>br</strong> />

na memória e na firmeza<<strong>br</strong> />

me conce<strong>de</strong> a natureza<<strong>br</strong> />

o natural que não vejo.<<strong>br</strong> />

025.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se trocar <strong>de</strong>sejo<<strong>br</strong> />

o amor entre nós,<<strong>br</strong> />

é para que em vós<<strong>br</strong> />

vejais o que vejo.<<strong>br</strong> />

E sendo trocado<<strong>br</strong> />

este amor <strong>com</strong>igo,<<strong>br</strong> />

ser-vos-á castigo<<strong>br</strong> />

a este mato alheio:<<strong>br</strong> />

Trocai o cuidado,<<strong>br</strong> />

Senhora, <strong>com</strong>igo;<<strong>br</strong> />

vereis o perigo<<strong>br</strong> />

que é ser <strong>de</strong>samado.


ter<strong>de</strong>s meu cuidado.<<strong>br</strong> />

Ten<strong>de</strong>s o sentido<<strong>br</strong> />

d'amor livre e isento;<<strong>br</strong> />

e cuidais que é vento<<strong>br</strong> />

ser tão mal querido.<<strong>br</strong> />

Não seja o cuidado<<strong>br</strong> />

tão vosso inimigo<<strong>br</strong> />

que queira o perigo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />

Mas nunca foi tal<<strong>br</strong> />

este meu querer,<<strong>br</strong> />

que a quem tanto quer<<strong>br</strong> />

queira tanto mal.<<strong>br</strong> />

Seja eu maltratado,<<strong>br</strong> />

e nunca o castigo<<strong>br</strong> />

vos mostre o perigo<<strong>br</strong> />

que é ser <strong>de</strong>samado.<<strong>br</strong> />

050.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Se vos quereis embarcar<<strong>br</strong> />

e para isso estais no cais,<<strong>br</strong> />

entrai logo; que tardais?<<strong>br</strong> />

Olhai que está preiamar!<<strong>br</strong> />

E se outrem, por vos fretar,<<strong>br</strong> />

vos disser que esta que pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

dir-lhe hei, mana, que mente.<<strong>br</strong> />

Esta barca é <strong>de</strong> carreira,<<strong>br</strong> />

tem seus aparelhos novos;<<strong>br</strong> />

não há <strong>com</strong>o ela outra em Povos,<<strong>br</strong> />

boa <strong>de</strong> leme e veleira.<<strong>br</strong> />

Mas, se por ser a primeira,<<strong>br</strong> />

vos disser alguém que pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

dir-lhe hei, mana, que mente.<<strong>br</strong> />

este moto:<<strong>br</strong> />

Quem disser que a barca pen<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

dir-lhe hei, mana, que mente.


098.<<strong>br</strong> />

Esparsa<<strong>br</strong> />

Sem olhos vi o mal claro<<strong>br</strong> />

que dos olhos se seguiu:<<strong>br</strong> />

pois «cara-sem-olhos» viu<<strong>br</strong> />

olhos que lhe custam caro.<<strong>br</strong> />

De olhos não faço menção,<<strong>br</strong> />

pois quereis que olhos neo sejam;<<strong>br</strong> />

vendo-vos, olhos sobejam,<<strong>br</strong> />

não vos vendo olhos não são.<<strong>br</strong> />

114.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Sendo os restos envidados<<strong>br</strong> />

e vós <strong>de</strong> cachas mil contos,<<strong>br</strong> />

sabeis <strong>com</strong> quão poucos pontos<<strong>br</strong> />

que lhos achastes que<strong>br</strong>ados.<<strong>br</strong> />

Se o que tem, isso vos dá,<<strong>br</strong> />

vós mui bem lho merecestes,<<strong>br</strong> />

porque, se a cacha lhe <strong>de</strong>stes,<<strong>br</strong> />

tinha-vo-la feita já.<<strong>br</strong> />

a üa Dama que lhe chamou<<strong>br</strong> />

«cara-sem-olhos»<<strong>br</strong> />

a João Lopez, Leitão, na Índia,<<strong>br</strong> />

por causa <strong>de</strong>~ua peça <strong>de</strong> cacha<<strong>br</strong> />

que este mandou a ~ua Dama<<strong>br</strong> />

que se lhe fazia donzela<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Se vossa dama vos dá<<strong>br</strong> />

tudo quanto vós quisestes,<<strong>br</strong> />

dizei: para que lhe <strong>de</strong>stes<<strong>br</strong> />

o que vos ela fez já?


001.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Senhora, se eu alcançasse<<strong>br</strong> />

no tempo que ler quereis,<<strong>br</strong> />

que a dita dos meus papéis<<strong>br</strong> />

pola minha se trocasse;<<strong>br</strong> />

e por ver<<strong>br</strong> />

tudo o que posso escrever<<strong>br</strong> />

em mais <strong>br</strong>eve relação,<<strong>br</strong> />

indo eu on<strong>de</strong> eles vão,<<strong>br</strong> />

por mim só quisésseis ler;<<strong>br</strong> />

Depois <strong>de</strong> ver um cuidado<<strong>br</strong> />

tão contente <strong>de</strong> seu mal,<<strong>br</strong> />

veríeis o natural<<strong>br</strong> />

do que aqui ve<strong>de</strong>s pintado;<<strong>br</strong> />

que o perfeito<<strong>br</strong> />

Amor, <strong>de</strong> que sou sujeito,<<strong>br</strong> />

vereis áspero e cruel,<<strong>br</strong> />

aqui <strong>com</strong> tinta e papel,<<strong>br</strong> />

em mim co sangue no peito.<<strong>br</strong> />

Que um contino imaginar<<strong>br</strong> />

naquilo que Amor or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

é pena que, enfim, por pena<<strong>br</strong> />

se não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar;<<strong>br</strong> />

que, se eu levo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ntro n'alma quanto <strong>de</strong>vo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> trasladar em papéis,<<strong>br</strong> />

ve<strong>de</strong> qual melhor lereis:<<strong>br</strong> />

se a mim, se aquilo que escrevo?<<strong>br</strong> />

095.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a uma Dama que lhe mandou<<strong>br</strong> />

pedir algumas o<strong>br</strong>as suas<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Dó la mi ventura?<<strong>br</strong> />

Que no veo alguna.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Sepa quién pa<strong>de</strong>ce<<strong>br</strong> />

que en la sepultura<<strong>br</strong> />

se escon<strong>de</strong> ventura <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

quién la merece.<<strong>br</strong> />

Allá me parece<<strong>br</strong> />

que quiere fortuna<<strong>br</strong> />

que yo halle alguna.<<strong>br</strong> />

Naciendo mezquino,<<strong>br</strong> />

dolor fué mi cama;<<strong>br</strong> />

tristeza fué el ama,<<strong>br</strong> />

cuidado el padrino.<<strong>br</strong> />

Vestióse el <strong>de</strong>stino,<<strong>br</strong> />

negra vestidura;<<strong>br</strong> />

huyó la ventura.<<strong>br</strong> />

No se halló tormento,<<strong>br</strong> />

que allí no se hallase;<<strong>br</strong> />

ni bien que pasase,<<strong>br</strong> />

sino <strong>com</strong>o viento.<<strong>br</strong> />

¡Oh, que nacimiento,<<strong>br</strong> />

que luego en la cuna<<strong>br</strong> />

me seguió fortuna!<<strong>br</strong> />

Esta dicha mía,<<strong>br</strong> />

que siempre busqué,<<strong>br</strong> />

buscandola, hallé<<strong>br</strong> />

que no la hallaría;<<strong>br</strong> />

que quién nace en día<<strong>br</strong> />

d'estrella tan dura,<<strong>br</strong> />

nunca halla ventura.<<strong>br</strong> />

No puso mi estrella<<strong>br</strong> />

más ventura en mí;<<strong>br</strong> />

así vive en fin<<strong>br</strong> />

quién nace sin ella.<<strong>br</strong> />

No me quejo <strong>de</strong>lla;<<strong>br</strong> />

quéjome que atura<<strong>br</strong> />

vida tan escura.<<strong>br</strong> />

118.<<strong>br</strong> />

SUPER FLUMINA ...


Sôbolos rios que vão<<strong>br</strong> />

por Babilónia, m'achei,<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> sentado chorei<<strong>br</strong> />

as lem<strong>br</strong>anças <strong>de</strong> Sião<<strong>br</strong> />

e quanto nela passei.<<strong>br</strong> />

Ali o rio corrente<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> meus olhos foi manado,<<strong>br</strong> />

e tudo bem <strong>com</strong>parado,<<strong>br</strong> />

Babilónia ao mal presente,<<strong>br</strong> />

Sião ao tempo passado.<<strong>br</strong> />

Ali, lem<strong>br</strong>anças contentes<<strong>br</strong> />

n'alma se representaram,<<strong>br</strong> />

e minhas cousas ausentes<<strong>br</strong> />

se fizeram tão presentes<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o se nunca passaram.<<strong>br</strong> />

Ali, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> acordado,<<strong>br</strong> />

co rosto banhado em água,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ste sonho imaginado,<<strong>br</strong> />

vi que todo o bem passado<<strong>br</strong> />

não é gosto, mas é mágoa.<<strong>br</strong> />

E vi que todos os danos<<strong>br</strong> />

se causavam das mudanças<<strong>br</strong> />

e as mudanças dos anos;<<strong>br</strong> />

on<strong>de</strong> vi quantos enganos<<strong>br</strong> />

faz o tempo às esperanças.<<strong>br</strong> />

Ali vi o maior bem<<strong>br</strong> />

quão pouco espaço que dura,<<strong>br</strong> />

o mal quão <strong>de</strong>pressa vem,<<strong>br</strong> />

e quão triste estado tem<<strong>br</strong> />

quem se fia da ventura.<<strong>br</strong> />

Vi aquilo que mais val,<<strong>br</strong> />

que então se enten<strong>de</strong> milhor<<strong>br</strong> />

quanto mais perdido for;<<strong>br</strong> />

vi o bem suce<strong>de</strong>r mal,<<strong>br</strong> />

e o mal, muito pior.<<strong>br</strong> />

E vi <strong>com</strong> muito trabalho<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prar arrependimento;<<strong>br</strong> />

vi nenhum contentamento,<<strong>br</strong> />

e vejo-me a mim, que espalho<<strong>br</strong> />

tristes palavras ao vento.<<strong>br</strong> />

Bem são rios estas águas,


<strong>com</strong> que banho este papel;<<strong>br</strong> />

bem parece ser cruel<<strong>br</strong> />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mágoas<<strong>br</strong> />

e confusão <strong>de</strong> Babel.<<strong>br</strong> />

Como homem que, por exemplo<<strong>br</strong> />

dos transes em que se achou,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spois que a guerra <strong>de</strong>ixou,<<strong>br</strong> />

pelas pare<strong>de</strong>s do templo<<strong>br</strong> />

suas armas pendurou:<<strong>br</strong> />

Assi, <strong>de</strong>spois que assentei<<strong>br</strong> />

que tudo o tempo gastava,<<strong>br</strong> />

da tristeza que tomei nos<<strong>br</strong> />

salgueiros pendurei os órgãos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que cantava.<<strong>br</strong> />

Aquele instrumento ledo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixei da vida passada,<<strong>br</strong> />

dizendo:—Música amada,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ixo-vos neste arvoredo<<strong>br</strong> />

à memória consagrada.<<strong>br</strong> />

Frauta minha que, tangendo,<<strong>br</strong> />

os montes fazíeis vir<<strong>br</strong> />

para on<strong>de</strong> estáveis, correndo;<<strong>br</strong> />

e as águas, que iam <strong>de</strong>cendo,<<strong>br</strong> />

tornavam logo a subir:<<strong>br</strong> />

jamais vos não ouvirão<<strong>br</strong> />

os tigres, que se amansavam,<<strong>br</strong> />

e as ovelhas, que pastavam,<<strong>br</strong> />

das ervas se fartarão<<strong>br</strong> />

que por vos ouvir <strong>de</strong>ixavam.<<strong>br</strong> />

Já não fareis docemente<<strong>br</strong> />

em rosas tornar a<strong>br</strong>olhos<<strong>br</strong> />

na ribeira florecente;<<strong>br</strong> />

nem poreis freio à corrente,<<strong>br</strong> />

e mais, se for dos meus olhos.<<strong>br</strong> />

Não movereis a espessura,<<strong>br</strong> />

nem po<strong>de</strong>reis já trazer<<strong>br</strong> />

atrás vós a fonte pura,<<strong>br</strong> />

pois não pu<strong>de</strong>stes mover<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sconcertos da ventura<<strong>br</strong> />

Ficareis oferecida<<strong>br</strong> />

à Fama, que sempre vela,<<strong>br</strong> />

frauta <strong>de</strong> mim tão querida;<<strong>br</strong> />

porque, mudando-se a vida,<<strong>br</strong> />

se mudam os gostos <strong>de</strong>la.


Acha a tenta mocida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

prazeres a<strong>com</strong>odados,<<strong>br</strong> />

e logo a maior ida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

já sente por pouquida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

aqueles gostos passados.<<strong>br</strong> />

Um gosto que hoje se alcança,<<strong>br</strong> />

amanhã já o não vejo;<<strong>br</strong> />

assi nos traz a mudança<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> esperança em esperança,<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo em <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />

Mas em vida tão escassa<<strong>br</strong> />

que esperança será forte?<<strong>br</strong> />

Fraqueza da humana sorte,<<strong>br</strong> />

que, quanto da vida passa<<strong>br</strong> />

está receitando a morte!<<strong>br</strong> />

Mas <strong>de</strong>ixar nesta espessura<<strong>br</strong> />

o canto da mocida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

não cui<strong>de</strong> a gente futura<<strong>br</strong> />

que será o<strong>br</strong>a da ida<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

o que é força da ventura.<<strong>br</strong> />

Que ida<strong>de</strong>, tempo, o espanto<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ver quão ligeiro passe,<<strong>br</strong> />

nunca em mim pu<strong>de</strong>ram tanto<<strong>br</strong> />

que, posto que <strong>de</strong>ixe o canto,<<strong>br</strong> />

a causa <strong>de</strong>le <strong>de</strong>ixasse.<<strong>br</strong> />

Mas, em tristezas e enojas<<strong>br</strong> />

em gosto e contentamento,<<strong>br</strong> />

por sol, por neve, por vento,<<strong>br</strong> />

terné presente a los ojos<<strong>br</strong> />

por quien muero tan contento.<<strong>br</strong> />

Orgãos e frauta <strong>de</strong>ixava,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>spojo meu tão querido,<<strong>br</strong> />

no salgueiro que ali estava<<strong>br</strong> />

que para troféu ficava<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> quem me tinha vencido.<<strong>br</strong> />

Mas lem<strong>br</strong>anças da afeição<<strong>br</strong> />

que ali cativo me tinha,<<strong>br</strong> />

me perguntaram então:<<strong>br</strong> />

que era da música minha<<strong>br</strong> />

que eu cantava em Sião?<<strong>br</strong> />

Que foi daquele cantar<<strong>br</strong> />

das gentes tão cele<strong>br</strong>ado?<<strong>br</strong> />

Porque o <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> usar?


Pois sempre ajuda a passar<<strong>br</strong> />

qualquer trabalho passado.<<strong>br</strong> />

Canta o caminhante ledo<<strong>br</strong> />

no caminho trabalhoso.<<strong>br</strong> />

por antr'o espesso arvoredo<<strong>br</strong> />

e, <strong>de</strong> noite, o temeroso<<strong>br</strong> />

cantando, refreia o medo.<<strong>br</strong> />

Canta o preso documente<<strong>br</strong> />

os duros grilhões tocando;<<strong>br</strong> />

canta o segador contente;<<strong>br</strong> />

e o trabalhador, cantando,<<strong>br</strong> />

o trabalho menos sente.<<strong>br</strong> />

Eu, qu'estas cousas senti<<strong>br</strong> />

n'alma, <strong>de</strong> mágoas tão cheia<<strong>br</strong> />

Como dirá, respondi,<<strong>br</strong> />

quem tão alheio está <strong>de</strong> si<<strong>br</strong> />

doce canto em terra alheia?<<strong>br</strong> />

Como po<strong>de</strong>rá cantar<<strong>br</strong> />

quem em choro banh'o peito?<<strong>br</strong> />

Porque se quem trabalhar<<strong>br</strong> />

canta por menos cansar,<<strong>br</strong> />

eu só <strong>de</strong>scansos enjeito.<<strong>br</strong> />

Que não parece razão<<strong>br</strong> />

nem seria cousa idónea,<<strong>br</strong> />

por a<strong>br</strong>andar a paixão,<<strong>br</strong> />

que cantasse em Babilónia<<strong>br</strong> />

as cantigas <strong>de</strong> Sião.<<strong>br</strong> />

Que, quando a muita graveza<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> que<strong>br</strong>ante<<strong>br</strong> />

esta vital fortaleza,<<strong>br</strong> />

antes moura <strong>de</strong> tristeza<<strong>br</strong> />

que, por a<strong>br</strong>andá-la, cante.<<strong>br</strong> />

Que se o fino pensamento<<strong>br</strong> />

só na tristeza consiste,<<strong>br</strong> />

não tenho medo ao tormento<<strong>br</strong> />

que morrer <strong>de</strong> puro triste,<<strong>br</strong> />

que maior contentamento?<<strong>br</strong> />

Nem na frauta cantarei<<strong>br</strong> />

O que passo, e passei já,<<strong>br</strong> />

nem menos o escreverei,<<strong>br</strong> />

porque a pena cansará,<<strong>br</strong> />

e eu não <strong>de</strong>scansarei.<<strong>br</strong> />

Que, se vida tão pequena


se acrecenta em terra estranha,<<strong>br</strong> />

e se amor assi o or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

razão é que canse a pena<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> escrever pena tamanha.<<strong>br</strong> />

Porém se, para assentar<<strong>br</strong> />

o que sente o coração,<<strong>br</strong> />

a pena já me cansar<<strong>br</strong> />

não canse para voar<<strong>br</strong> />

a memória em Sião.<<strong>br</strong> />

Terra bem-aventurada,<<strong>br</strong> />

se, por algum movimento,<<strong>br</strong> />

d'alma me fores mudada,<<strong>br</strong> />

minha pena seja dada<<strong>br</strong> />

a perpétuo esquecimento.<<strong>br</strong> />

A pena <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>sterro,<<strong>br</strong> />

que eu mais <strong>de</strong>sejo esculpida<<strong>br</strong> />

em pedra, ou em duro ferro,<<strong>br</strong> />

essa nunca sela ouvida,<<strong>br</strong> />

em castigo <strong>de</strong> meu erro.<<strong>br</strong> />

E se eu cantar quiser,<<strong>br</strong> />

em Babilónia sujeito,<<strong>br</strong> />

Hierusalém, sem te ver,<<strong>br</strong> />

a voz, quando a mover,<<strong>br</strong> />

se me congele no peito.<<strong>br</strong> />

A minha língua se apegue<<strong>br</strong> />

às fauces, pois te perdi,<<strong>br</strong> />

se, enquanto viver assi,<<strong>br</strong> />

houver tempo em que te negue<<strong>br</strong> />

ou que me esqueça <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />

Mas ó tu, terra <strong>de</strong> Glória,<<strong>br</strong> />

se eu nunca vi tua essência,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o me lem<strong>br</strong>as na ausência?<<strong>br</strong> />

Não me lem<strong>br</strong>as na memória,<<strong>br</strong> />

senão na reminiscência.<<strong>br</strong> />

Que a alma é tábua rasa,<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong> a escrita doutrina<<strong>br</strong> />

celeste, tanto imagina,<<strong>br</strong> />

que voa da própria casa<<strong>br</strong> />

e sobe à pátria divina.<<strong>br</strong> />

Não é, logo, a sauda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

das terras on<strong>de</strong> naceu<<strong>br</strong> />

a carne, mas é do Céu,<<strong>br</strong> />

daquela santa cida<strong>de</strong>,


don<strong>de</strong> esta alma <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>u.<<strong>br</strong> />

E aquela humana figura,<<strong>br</strong> />

que cá me pô<strong>de</strong> alterar,<<strong>br</strong> />

não é quem se há-<strong>de</strong> buscar:<<strong>br</strong> />

é raio <strong>de</strong> fermosura,<<strong>br</strong> />

que só se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> amar.<<strong>br</strong> />

Que os olhos e a luz que ateia<<strong>br</strong> />

o fogo que cá sujeita,<<strong>br</strong> />

não do sol, mas da can<strong>de</strong>ia,<<strong>br</strong> />

é som<strong>br</strong>a daquela I<strong>de</strong>ia<<strong>br</strong> />

que em Deus está mais perfeita.<<strong>br</strong> />

E os que cá me cativaram<<strong>br</strong> />

são po<strong>de</strong>rosos afeitos<<strong>br</strong> />

que os corações têm sujeitos;<<strong>br</strong> />

sofistas que me ensinaram<<strong>br</strong> />

maus caminhos por direitos.<<strong>br</strong> />

Destes, o mando tirano<<strong>br</strong> />

me o<strong>br</strong>iga, <strong>com</strong> <strong>de</strong>satino,<<strong>br</strong> />

a cantar ao som do dano<<strong>br</strong> />

cantares d'amor profano<<strong>br</strong> />

por versos d'amor divino.<<strong>br</strong> />

Mas eu, lustrado co santo<<strong>br</strong> />

Raio, na terra <strong>de</strong> dor,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> confusão e <strong>de</strong> espanto,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o hei-<strong>de</strong> cantar o canto<<strong>br</strong> />

que só se <strong>de</strong>ve ao Senhor?<<strong>br</strong> />

Tanto po<strong>de</strong> o beneficio<<strong>br</strong> />

da Graça, que dá saú<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

que or<strong>de</strong>na que a vida mu<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

e o que tomei por vício<<strong>br</strong> />

me faz grau para a virtu<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

e faz que este natural<<strong>br</strong> />

amor, que tanto se preza,<<strong>br</strong> />

suba da som<strong>br</strong>a ao Real,<<strong>br</strong> />

da particular beleza<<strong>br</strong> />

para a Beleza geral.<<strong>br</strong> />

Pique logo pendurada<<strong>br</strong> />

a frauta <strong>com</strong> que tangi,<<strong>br</strong> />

ó Hierusalém sagrada,<<strong>br</strong> />

e tome a lira dourada,<<strong>br</strong> />

para só cantar <strong>de</strong> ti.<<strong>br</strong> />

Não cativo e ferrolhado<<strong>br</strong> />

na Babilónia infernal,<<strong>br</strong> />

mas dos vícias <strong>de</strong>satado,


e cá <strong>de</strong>sta a ti levado,<<strong>br</strong> />

Pátria minha natural.<<strong>br</strong> />

E se eu mais <strong>de</strong>r a cerviz<<strong>br</strong> />

a mundanos aci<strong>de</strong>ntes,<<strong>br</strong> />

duros, tiranos e urgentes,<<strong>br</strong> />

risque-se quanto já fiz<<strong>br</strong> />

do grão livro dos viventes.<<strong>br</strong> />

E tomando já na mão<<strong>br</strong> />

a lira santa, e capaz<<strong>br</strong> />

doutra mais alta invenção,<<strong>br</strong> />

cale-se esta confusão,<<strong>br</strong> />

cante-se a visão da paz.<<strong>br</strong> />

Ouça-me o pastor e o Rei,<<strong>br</strong> />

retumbe este acento santo,<<strong>br</strong> />

mova-se no mundo espanto,<<strong>br</strong> />

que do que já mal cantei<<strong>br</strong> />

a palinódia já canto.<<strong>br</strong> />

A vós só me quero ir,<<strong>br</strong> />

Senhor e grão Capitão<<strong>br</strong> />

da alta torre <strong>de</strong> Sião,<<strong>br</strong> />

à qual não posso subir<<strong>br</strong> />

se me vós não dais a mão.<<strong>br</strong> />

No grão dia singular<<strong>br</strong> />

que na lira o douto som<<strong>br</strong> />

Hierusalém cele<strong>br</strong>ar,<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ai-vos <strong>de</strong> castigar<<strong>br</strong> />

os ruins filhos <strong>de</strong> Edom.<<strong>br</strong> />

Aqueles que tintos vão<<strong>br</strong> />

no po<strong>br</strong>e sangue inocente,<<strong>br</strong> />

soberbos co po<strong>de</strong>r vão,<<strong>br</strong> />

arrasai-os igualmente,<<strong>br</strong> />

conheçam que humanos são.<<strong>br</strong> />

E aquele po<strong>de</strong>r tão duro<<strong>br</strong> />

dos afeitos <strong>com</strong> que venho,<<strong>br</strong> />

que encen<strong>de</strong>m alma e engenho,<<strong>br</strong> />

que já me entraram o muro<<strong>br</strong> />

do livre alvídrio que tenho;<<strong>br</strong> />

estes, que tão furiosos<<strong>br</strong> />

gritando vêm a escalar-me,<<strong>br</strong> />

maus espíritos danosos,<<strong>br</strong> />

que querem <strong>com</strong>o forçosos<<strong>br</strong> />

do alicerce <strong>de</strong>rrubar-me;<<strong>br</strong> />

Derrubui-os, fiquem sós,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> forças fracos, imbeles,


porque não po<strong>de</strong>mos nós<<strong>br</strong> />

nem <strong>com</strong> eles ir a Vós,<<strong>br</strong> />

nem sem Vós tirar-nos <strong>de</strong>les.<<strong>br</strong> />

Não basta minha fraqueza,<<strong>br</strong> />

para me dar <strong>de</strong>fensão,<<strong>br</strong> />

se vós, santo Capitão,<<strong>br</strong> />

nesta minha fortaleza<<strong>br</strong> />

não puser<strong>de</strong>s guarnição.<<strong>br</strong> />

E tu, ó carne que encantas,<<strong>br</strong> />

filha <strong>de</strong> Babel tão feia,<<strong>br</strong> />

toda <strong>de</strong> misérias cheia,<<strong>br</strong> />

que mil vezes te levantas,<<strong>br</strong> />

contra quem te senhoreia:<<strong>br</strong> />

beato só po<strong>de</strong> ser<<strong>br</strong> />

quem co a ajuda celeste<<strong>br</strong> />

contra ti prevalecer,<<strong>br</strong> />

e te vier a fazer<<strong>br</strong> />

o mal que lhe tu fizeste;<<strong>br</strong> />

Quem <strong>com</strong> disciplina crua<<strong>br</strong> />

se fere mais que üa vez,<<strong>br</strong> />

cuja alma, <strong>de</strong> vícios nua,<<strong>br</strong> />

faz nódoas na carne sua,<<strong>br</strong> />

que já a carne n'alma fez.<<strong>br</strong> />

E boato quem tomar<<strong>br</strong> />

seus pensamentos recentes<<strong>br</strong> />

e em nacendo os afogar,<<strong>br</strong> />

por não virem a parar<<strong>br</strong> />

em vícios graves e urgentes;<<strong>br</strong> />

Quem <strong>com</strong> eles logo <strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

na pedra do furar santo,<<strong>br</strong> />

e, batendo, os <strong>de</strong>sfizer<<strong>br</strong> />

na Pedra, que veio a ser<<strong>br</strong> />

enfim cabeça do Canto;<<strong>br</strong> />

Quem logo, quando imagina<<strong>br</strong> />

nos vícios da carne má,<<strong>br</strong> />

os pensamentos <strong>de</strong>clina<<strong>br</strong> />

àquela Carne divina<<strong>br</strong> />

que na Cruz esteve já.<<strong>br</strong> />

Quem do vil contentamento<<strong>br</strong> />

cá <strong>de</strong>ste mundo visível,<<strong>br</strong> />

quanto ao homem for possível,<<strong>br</strong> />

passar logo o entendimento<<strong>br</strong> />

para o mundo inteligível:<<strong>br</strong> />

ali achará alegria


em tudo perfeita e cheia,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tão suave harmonia<<strong>br</strong> />

que nem, por pouca, recreia,<<strong>br</strong> />

nem, por sobeja, enfastia.<<strong>br</strong> />

Ali verá tão-profundo<<strong>br</strong> />

mistério na suma alteza<<strong>br</strong> />

que, vencida a natureza,<<strong>br</strong> />

os mores faustos do mundo<<strong>br</strong> />

julgue por maior baixesa<<strong>br</strong> />

Ó tu, divino aposento,<<strong>br</strong> />

minha pátria singular!<<strong>br</strong> />

Se só <strong>com</strong> te imaginar<<strong>br</strong> />

tanto sobe o entendimento,<<strong>br</strong> />

que fará se em ti se achar?<<strong>br</strong> />

Ditoso quem se partir<<strong>br</strong> />

para ti, terra excelente,<<strong>br</strong> />

tão justo e tão penitente<<strong>br</strong> />

que, <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> a ti subir<<strong>br</strong> />

lá <strong>de</strong>scanse eternamente.<<strong>br</strong> />

094.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Só porque é rapaz ruim,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>i-lhe um bofete, zombando;<<strong>br</strong> />

diz-me:—Ó mau, estais-me dando<<strong>br</strong> />

porque sois maior que mim?<<strong>br</strong> />

pois se vos eu <strong>de</strong>scarrego...<<strong>br</strong> />

Em dizendo isto, chaz!<<strong>br</strong> />

torna-m'outra. Tá! rapaz,<<strong>br</strong> />

que dás porrada <strong>de</strong> cego!<<strong>br</strong> />

a este moto seu:<<strong>br</strong> />

Venceu-me Amor, não o nego;<<strong>br</strong> />

tem mais força qu'eu assaz;<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong>o é cego, e rapaz,<<strong>br</strong> />

dá-me porrada <strong>de</strong> cego!


016.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

Suspeitas, que me quereis?<<strong>br</strong> />

Que eu vos quero dar lugar,<<strong>br</strong> />

que, <strong>de</strong> certas, me mateis,<<strong>br</strong> />

se a causa <strong>de</strong> que nasceis<<strong>br</strong> />

vos quisesse confessar.<<strong>br</strong> />

Que <strong>de</strong> não lhe achar <strong>de</strong>sculpa<<strong>br</strong> />

a gran<strong>de</strong> mágoa passada<<strong>br</strong> />

me tem a alma tão cansada<<strong>br</strong> />

que, se me confessa a culpa,<<strong>br</strong> />

tê-la-ei por <strong>de</strong>sculpada.<<strong>br</strong> />

Ora ve<strong>de</strong> que perigos<<strong>br</strong> />

têm cercado o coração,<<strong>br</strong> />

que, no meio da opressão,<<strong>br</strong> />

a seus próprios inimigos<<strong>br</strong> />

vai pedir a <strong>de</strong>fensão!<<strong>br</strong> />

Que, suspeitas, eu bem sei,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o se claro vos visse,<<strong>br</strong> />

que é certo o que já cui<strong>de</strong>i;<<strong>br</strong> />

que nunca mal suspeitei<<strong>br</strong> />

que certo me não saísse.<<strong>br</strong> />

Mas queria esta certeza<<strong>br</strong> />

daquela que me atormenta;<<strong>br</strong> />

por que em tamanha estreiteza<<strong>br</strong> />

ver que disso se contenta<<strong>br</strong> />

é <strong>de</strong>scanso da tristeza.<<strong>br</strong> />

Porque se esta só verda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

me confessa, limpa e nua<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cautela e falsida<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

não po<strong>de</strong> a minha vonta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>sconformar-se da sua.<<strong>br</strong> />

Por segredo namorado<<strong>br</strong> />

é certo estar conhecido<<strong>br</strong> />

que o mal <strong>de</strong> ser enjeitado<<strong>br</strong> />

mais atormenta sabido,<<strong>br</strong> />

mil vezes, que suspeitado.<<strong>br</strong> />

Mas eu só, em quem se or<strong>de</strong>na<<strong>br</strong> />

novo modo <strong>de</strong> querela,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> medo da dor pequena,<<strong>br</strong> />

a üas suspeitas


venho achar na maior pena<<strong>br</strong> />

o refrigério para ela.<<strong>br</strong> />

Já nas iras me inflamei,<<strong>br</strong> />

nas vinganças, nos furores<<strong>br</strong> />

que já, doudo, imaginei;<<strong>br</strong> />

e já mais doudo o jurei<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> arrancar d'alma os amores.<<strong>br</strong> />

Já <strong>de</strong>terminei mudar-me<<strong>br</strong> />

pra outra parte <strong>com</strong> ira;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>pois vim a concertar-me que<<strong>br</strong> />

era bom certificar-me<<strong>br</strong> />

no que mostrava a mentira.<<strong>br</strong> />

Mas <strong>de</strong>pois já <strong>de</strong> cansadas<<strong>br</strong> />

as fúrias do imaginar,<<strong>br</strong> />

vinha enfim a arrebentar<<strong>br</strong> />

em lágrimas magoadas<<strong>br</strong> />

e bem para magoar.<<strong>br</strong> />

E <strong>de</strong>ixando-se vencer<<strong>br</strong> />

os meus fingidos enganos,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tão claros <strong>de</strong>senganos<<strong>br</strong> />

não posso menos fazer<<strong>br</strong> />

que contentar-me cos danos.<<strong>br</strong> />

E pedir que me tirassem<<strong>br</strong> />

este mal <strong>de</strong> suspeitar<<strong>br</strong> />

que me vejo atormentar,<<strong>br</strong> />

ainda que me confessassem<<strong>br</strong> />

quanto me po<strong>de</strong> matar.<<strong>br</strong> />

Olhai bem se me trazeis,<<strong>br</strong> />

Senhora, posto no fim;<<strong>br</strong> />

pois neste estado a que vim,<<strong>br</strong> />

para que vós confesseis<<strong>br</strong> />

se dão os tratos a mim.<<strong>br</strong> />

Mas para que tudo possa<<strong>br</strong> />

Amor, que tudo encaminha,<<strong>br</strong> />

tal justiça lhe convinha;<<strong>br</strong> />

porque da culpa que é vossa<<strong>br</strong> />

venha a ser a morte minha.<<strong>br</strong> />

Justiça tão mal olhada,<<strong>br</strong> />

olhai <strong>com</strong> que-cor se doura,<<strong>br</strong> />

que quer, no fim da jornada,<<strong>br</strong> />

que vós sejais confessada<<strong>br</strong> />

para que eu seja o que moura!


Pois confessai-vos já' gora,<<strong>br</strong> />

inda que tenho temor<<strong>br</strong> />

que nem nest' última hora<<strong>br</strong> />

me há-<strong>de</strong> perdoar Amor<<strong>br</strong> />

vossos pecados, Senhora.<<strong>br</strong> />

E assi vou <strong>de</strong>sesperado,<<strong>br</strong> />

porque estes são os costumes<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> amor que é mal empregado,<<strong>br</strong> />

do qual vou já con<strong>de</strong>nado<<strong>br</strong> />

ao inferno, <strong>de</strong> ciúmes!<<strong>br</strong> />

028.<<strong>br</strong> />

Glosas<<strong>br</strong> />

Mas porém a que cuidados ?<<strong>br</strong> />

1ª.<<strong>br</strong> />

Tanto maiores tormentos<<strong>br</strong> />

foram sempre os que sofri,<<strong>br</strong> />

daquilo que cabe em mi,<<strong>br</strong> />

que não sei que pensamentos<<strong>br</strong> />

são os para que nasci.<<strong>br</strong> />

Quando vejo este meu peito<<strong>br</strong> />

a perigos arriscados<<strong>br</strong> />

inclinado, bem suspeito<<strong>br</strong> />

que a cuidados sou sujeito;<<strong>br</strong> />

Mas porém a que cuidados ?<<strong>br</strong> />

2ª.<<strong>br</strong> />

Que vin<strong>de</strong>s em mim buscar,<<strong>br</strong> />

cuidados, que sou cativo,<<strong>br</strong> />

e não tenho que vos dar?<<strong>br</strong> />

Se vin<strong>de</strong>s a me matar,<<strong>br</strong> />

já há muito que não vivo;<<strong>br</strong> />

se vin<strong>de</strong>s, porque me dais<<strong>br</strong> />

tormentos <strong>de</strong>sesperados,<<strong>br</strong> />

eu, que sempre sofri mais,<<strong>br</strong> />

não digo que não venhais;<<strong>br</strong> />

ao moto que lhe enviou Dona<<strong>br</strong> />

Francisca <strong>de</strong> Aragão para que Iho<<strong>br</strong> />

glosasse:


Mas porém a quê, cuidados?<<strong>br</strong> />

3ª.<<strong>br</strong> />

Se as penas que Amor me <strong>de</strong>u<<strong>br</strong> />

vêm por tão suaves meios,<<strong>br</strong> />

não há que temer receios,<<strong>br</strong> />

que val um cuidado meu<<strong>br</strong> />

por mil <strong>de</strong>scansos alheios.<<strong>br</strong> />

Ter nuns olhos tão fermosos<<strong>br</strong> />

os sentidos enlevados,<<strong>br</strong> />

bem sei que em baixos estados<<strong>br</strong> />

são cuidados perigosos;<<strong>br</strong> />

Mas porém, ah! que cuidados!<<strong>br</strong> />

Carta<<strong>br</strong> />

que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> mandou<<strong>br</strong> />

a Dona Francisca <strong>de</strong> Aragão,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as glosas acima:<<strong>br</strong> />

Senhora<<strong>br</strong> />

Deixei-me enterrar no esquecimento <strong>de</strong> v. m., crendo me<<strong>br</strong> />

seria assi mais seguro: mas agora que é servida <strong>de</strong> me<<strong>br</strong> />

tornar a ressuscitar, por mostrar seus po<strong>de</strong>res, lem<strong>br</strong>o-lhe<<strong>br</strong> />

que üa vida trabalhosa é menos <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer que üa<<strong>br</strong> />

morte <strong>de</strong>scansada. Mas se esta vida, que agora <strong>de</strong> novo<<strong>br</strong> />

me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se <strong>de</strong>la, não<<strong>br</strong> />

me fica mais que <strong>de</strong>sejar, que po<strong>de</strong>r acertar <strong>com</strong> este<<strong>br</strong> />

moto <strong>de</strong> v. m., ao qual <strong>de</strong>i três entendimentos, segundo as<<strong>br</strong> />

palavras <strong>de</strong>le pu<strong>de</strong>ram sofrer: se forem bons, é o moto <strong>de</strong><<strong>br</strong> />

v. m.; se maus, são as glosas minhas.<<strong>br</strong> />

046.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Tem tal jurdição Amor<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Tudo po<strong>de</strong> üa afeição.


n'alma don<strong>de</strong> se aposenta<<strong>br</strong> />

e <strong>de</strong> que se faz senhor,<<strong>br</strong> />

que a liberta e isenta<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> todo o humano temor.<<strong>br</strong> />

E <strong>com</strong> mui justa razão,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o senhor soberano,<<strong>br</strong> />

que Amor não consente dano;<<strong>br</strong> />

e pois me sofre tenção,<<strong>br</strong> />

gritarei por <strong>de</strong>sengano:<<strong>br</strong> />

tudo po<strong>de</strong> üa afeição.<<strong>br</strong> />

070.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Tenho-me persuadido,<<strong>br</strong> />

por razão conveniente,<<strong>br</strong> />

que não posso ser contente,<<strong>br</strong> />

pois que pu<strong>de</strong> ser nacido.<<strong>br</strong> />

Anda sempre tão unido<<strong>br</strong> />

o meu tormento <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />

que eu mesmo sou meu perigo.<<strong>br</strong> />

E se <strong>de</strong> mi me livrasse,<<strong>br</strong> />

nenhum gosto me seria;<<strong>br</strong> />

que, não sendo eu, não teria<<strong>br</strong> />

mal que esse bem me tirasse.<<strong>br</strong> />

Força é logo que assi passe,<<strong>br</strong> />

ou <strong>com</strong> <strong>de</strong>sgosto <strong>com</strong>igo,<<strong>br</strong> />

ou sem gosto e sem perigo.<<strong>br</strong> />

047.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto seu:<<strong>br</strong> />

De que me serve fugir<<strong>br</strong> />

da morte, dor e perigo,<<strong>br</strong> />

se me eu levo <strong>com</strong>igo?<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

¿Para que me dan tormento,<<strong>br</strong> />

aprovechando tan poco?


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Tiempo perdido es aquel<<strong>br</strong> />

que se pasa en darme afán,<<strong>br</strong> />

pues quanto más me lo dán<<strong>br</strong> />

tanto menos siento <strong>de</strong>l.<<strong>br</strong> />

¿Que <strong>de</strong>scu<strong>br</strong>a lo que siento?<<strong>br</strong> />

No lo haré, que no es tan poco;<<strong>br</strong> />

que no pue<strong>de</strong> ser tan loco<<strong>br</strong> />

quién tiene tal pensamiento.<<strong>br</strong> />

Sepan que me manda Amor,<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong> tan dulce querella,<<strong>br</strong> />

a nadie dé parte <strong>de</strong>lla,<<strong>br</strong> />

porque la sienta mayor.<<strong>br</strong> />

Es tan dulce mi tormento<<strong>br</strong> />

que aun se me antoja poco;<<strong>br</strong> />

y si es mucho, quedo loco<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> gusto <strong>de</strong> lo que siento.<<strong>br</strong> />

044.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Todo o trabalhado bem<<strong>br</strong> />

promete gostoso fruito,<<strong>br</strong> />

mas os trabalhos que vêm<<strong>br</strong> />

para quem dita não tem,<<strong>br</strong> />

valem pouco e custam muito.<<strong>br</strong> />

Rompe toda a pedra dura,<<strong>br</strong> />

faz os homens imortais<<strong>br</strong> />

o trabalho, quando atura;<<strong>br</strong> />

mas querer achar ventura<<strong>br</strong> />

sem ventura, é por <strong>de</strong> mais.<<strong>br</strong> />

Perdido, mas no tan loco<<strong>br</strong> />

que <strong>de</strong>scu<strong>br</strong>a lo que siento.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Sem ventura é por <strong>de</strong> mais.


075.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Trataram-me <strong>com</strong> cautela<<strong>br</strong> />

por me enganar mais asinha;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>i-lhe posse da alma minha,<<strong>br</strong> />

foram-me fugir co ela.<<strong>br</strong> />

Não há vê-los, nem há vê-la,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim tão longe...<<strong>br</strong> />

Falsos amores,<<strong>br</strong> />

falsos, maus, enganadores!<<strong>br</strong> />

Entreguei-lhe a liberda<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

e enfim, da vida o milhor:<<strong>br</strong> />

foram-se, e do <strong>de</strong>samor<<strong>br</strong> />

fizeram necessida<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Quem teve a sua vonta<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim tão longe?<<strong>br</strong> />

Falsos amores,<<strong>br</strong> />

e tão cruéis matadores!<<strong>br</strong> />

Não se pôs serra nem mar<<strong>br</strong> />

entre nós, que fora em vão;<<strong>br</strong> />

pôs-se vossa condição,<<strong>br</strong> />

que não doce é <strong>de</strong> passar.<<strong>br</strong> />

Só ela vos quis leixar<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim tão longe!<<strong>br</strong> />

Falsos amores!<<strong>br</strong> />

...e oxalá que enganadores!<<strong>br</strong> />

009.<<strong>br</strong> />

Outras voltas ao mesmo moto<<strong>br</strong> />

Tudo ten<strong>de</strong>s singular,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que os corações ren<strong>de</strong>is,<<strong>br</strong> />

senão que rindo fazeis<<strong>br</strong> />

a esta cantiga velha:<<strong>br</strong> />

Apartaram-se os meus olhos<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> mim tão longe...<<strong>br</strong> />

Falsos amores,<<strong>br</strong> />

falsos, maus, enganadores !


covinhas para enterrar;<<strong>br</strong> />

e para ressuscitar<<strong>br</strong> />

em força a graça que ten<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s.<<strong>br</strong> />

Tudo, Senhora, alcançais,<<strong>br</strong> />

quanto ser fermosa alcança;<<strong>br</strong> />

senão que dais esperança<<strong>br</strong> />

cos olhos <strong>com</strong> que matais.<<strong>br</strong> />

Se acaso os alevantais,<<strong>br</strong> />

[é para as almas ren<strong>de</strong>r<strong>de</strong>s;<<strong>br</strong> />

senão que ten<strong>de</strong>s os olhos ver<strong>de</strong>s].<<strong>br</strong> />

067.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

üa Dama, <strong>de</strong> malvada,<<strong>br</strong> />

tomou seus olhos na mão<<strong>br</strong> />

e tirou me üa pedrada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> eles ao coração.<<strong>br</strong> />

Armei minha funda então,<<strong>br</strong> />

e pus os meus olhos nela:<<strong>br</strong> />

trape! que<strong>br</strong>o-lh'a janela.<<strong>br</strong> />

078.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

a este moto seu:<<strong>br</strong> />

Pus meus olhos nüa funda,<<strong>br</strong> />

e fiz um tiro <strong>com</strong> ela<<strong>br</strong> />

às gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> üa janela.<<strong>br</strong> />

a três Damas que lhe diziam<<strong>br</strong> />

que o amavam<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Não sei se me engana Helena,<<strong>br</strong> />

se Maria, se Joana,<<strong>br</strong> />

não sei qual <strong>de</strong>las me engana.


Üa diz que me quer bem,<<strong>br</strong> />

outra jura que mo quer;<<strong>br</strong> />

mas, em jura <strong>de</strong> mulher<<strong>br</strong> />

quem crerá, se elas não crêm?<<strong>br</strong> />

Não posso não crer a Helena,<<strong>br</strong> />

a Maria, nem Joana,<<strong>br</strong> />

mas não sei qual mais me engana.<<strong>br</strong> />

Üa faz-me juramentos<<strong>br</strong> />

que só meu amor estima;<<strong>br</strong> />

a outra diz que se fina;<<strong>br</strong> />

Joana, que bebe os ventos.<<strong>br</strong> />

Se cuido que mente Helena,<<strong>br</strong> />

também mentirá Joana;<<strong>br</strong> />

mas quem mente, não me engana.<<strong>br</strong> />

058.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Ved que enganos señorea<<strong>br</strong> />

nuestro juicio tan loco,<<strong>br</strong> />

que por mucho que se crea,<<strong>br</strong> />

todo el bien que se <strong>de</strong>sea,<<strong>br</strong> />

alcançado, queda poco.<<strong>br</strong> />

Un bien <strong>de</strong> cualquiera grado,<<strong>br</strong> />

si <strong>de</strong> haberse es imposible,<<strong>br</strong> />

queda mucho <strong>de</strong>seado,<<strong>br</strong> />

mas para mucho, alcanzado,<<strong>br</strong> />

todo es poco lo posible<<strong>br</strong> />

104.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

Todo es poco lo posible.<<strong>br</strong> />

a üa mulher que se chamava Grada <strong>de</strong> Morais<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Olhos em que estão mil flores<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong> tanta graça olhais,<<strong>br</strong> />

que parece que os Amores<<strong>br</strong> />

moram on<strong>de</strong> vós morais.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Vêm-se rosas e boninas,<<strong>br</strong> />

olhos, nesse vosso ver;<<strong>br</strong> />

vêm-se mil almas ar<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

no fogo <strong>de</strong>ssas mininas.<<strong>br</strong> />

E di-lo hão minhas dores,<<strong>br</strong> />

meus suspiros, e meus ais;<<strong>br</strong> />

e dirão mais, que os Amores<<strong>br</strong> />

moram on<strong>de</strong> vós morais.<<strong>br</strong> />

037.<<strong>br</strong> />

Glosa<<strong>br</strong> />

Vendo amor que, <strong>com</strong> vos ver,<<strong>br</strong> />

mais levemente sofria<<strong>br</strong> />

os males que me fazia,<<strong>br</strong> />

não me po<strong>de</strong> isto sofrer;<<strong>br</strong> />

conjurou-se <strong>com</strong> meu fado,<<strong>br</strong> />

um novo mal me or<strong>de</strong>nou;<<strong>br</strong> />

ambos me levam forçado<<strong>br</strong> />

não sei on<strong>de</strong>, pois que sou<<strong>br</strong> />

sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado.<<strong>br</strong> />

Não sei qual é mais estranho<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>stes dous males que sigo,<<strong>br</strong> />

se não vos ver, se <strong>com</strong>igo<<strong>br</strong> />

levar imigo tamanho.<<strong>br</strong> />

O que fica e o que vem,<<strong>br</strong> />

um me mata, outro <strong>de</strong>sejo.<<strong>br</strong> />

Com tal mal e sem tal bem,<<strong>br</strong> />

em tais extremos me vejo:<<strong>br</strong> />

olhai <strong>com</strong> quem e sem quem,<<strong>br</strong> />

074.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este moto:<<strong>br</strong> />

Sem vós e <strong>com</strong> meu cuidado<<strong>br</strong> />

Olha; <strong>com</strong> quem e sem quem.


VOLTAS<<strong>br</strong> />

Vi-o moço e pequenino,<<strong>br</strong> />

e a mesma ida<strong>de</strong> ensina<<strong>br</strong> />

que se incline üa minina,<<strong>br</strong> />

às mostras <strong>de</strong> um minino.<<strong>br</strong> />

Ouvi-lhe chamar Amor,<<strong>br</strong> />

pelo nome me venci;<<strong>br</strong> />

nunca tal engano vi,<<strong>br</strong> />

nem tamanho <strong>de</strong>samor.<<strong>br</strong> />

Creceu-me <strong>de</strong> dia em dia<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a ida<strong>de</strong> a afeição,<<strong>br</strong> />

porque amor <strong>de</strong> criação,<<strong>br</strong> />

n'alma e na vida se cria.<<strong>br</strong> />

Criou-se em mim este amor,<<strong>br</strong> />

e senhoreou-se <strong>de</strong> mi:<<strong>br</strong> />

agora que o conheci,<<strong>br</strong> />

mata-me <strong>com</strong> <strong>de</strong>sfavor.<<strong>br</strong> />

As flores me torna a<strong>br</strong>olhos,<<strong>br</strong> />

a morte me <strong>de</strong>termina<<strong>br</strong> />

quem eu trouxe <strong>de</strong> minina<<strong>br</strong> />

nas mininas dos meus olhos.<<strong>br</strong> />

Desta mágoa e <strong>de</strong>sta dor<<strong>br</strong> />

tenho sabido enfim,<<strong>br</strong> />

por amor me perco a mim,<<strong>br</strong> />

por quem <strong>de</strong> mim per<strong>de</strong> o amor.<<strong>br</strong> />

Parece ser caso estranho<<strong>br</strong> />

o que Amor em mim or<strong>de</strong>na,<<strong>br</strong> />

que em ida<strong>de</strong> tão pequena<<strong>br</strong> />

haja tormento tamanho.<<strong>br</strong> />

milagres <strong>de</strong> Amor,<<strong>br</strong> />

hei-os <strong>de</strong> sofrer assi,<<strong>br</strong> />

até que haja dó <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />

quem enten<strong>de</strong>r esta dor.<<strong>br</strong> />

a este moto alheio:<<strong>br</strong> />

De pequena tomei Amor,<<strong>br</strong> />

porque o não entendi;<<strong>br</strong> />

agora que o conheci,<<strong>br</strong> />

mata-me <strong>com</strong> <strong>de</strong>sfavor.


111.<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

VOLTAS<<strong>br</strong> />

Viver eu, sendo mortal,<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> cuidados ro<strong>de</strong>ado,<<strong>br</strong> />

parece meu natural;<<strong>br</strong> />

que a peçonha não faz mal<<strong>br</strong> />

a quem foi nela criado.<<strong>br</strong> />

Tanto sou meu inimigo,<<strong>br</strong> />

que, por não tirar <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />

cuidados, <strong>com</strong> que naci,<<strong>br</strong> />

porei a vida em perigo.<<strong>br</strong> />

Oxalá que fora assi!<<strong>br</strong> />

Tanto vim a acrecentar<<strong>br</strong> />

cuidados, que nunca amansam<<strong>br</strong> />

enquanto a vida durar,<<strong>br</strong> />

que canso já <strong>de</strong> cuidar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o cuidados não cansam.<<strong>br</strong> />

Se estes cuidados que digo<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>ssem fim a mi e a si,<<strong>br</strong> />

fariam pazes <strong>com</strong>igo;<<strong>br</strong> />

que pôr a vida em perigo,<<strong>br</strong> />

o bom fora para mi.<<strong>br</strong> />

110.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

a este moto que lhe mandou<<strong>br</strong> />

o Vizo-Rei, na Índia, para<<strong>br</strong> />

que <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> lhe<<strong>br</strong> />

fizesse üas voltas<<strong>br</strong> />

MOTO:<<strong>br</strong> />

Muito sou meu inimigo,<<strong>br</strong> />

pois que não tiro <strong>de</strong> mi<<strong>br</strong> />

cuidados <strong>com</strong> que nasci,<<strong>br</strong> />

que põem a vida em perigo.<<strong>br</strong> />

Oxalá que fora assi!<<strong>br</strong> />

que Heitor da Silveira mandou ao<<strong>br</strong> />

mesmo Con<strong>de</strong>, invernando em Goa


Vossa Senhoria creia<<strong>br</strong> />

que não apura o engenho<<strong>br</strong> />

fome, se é <strong>com</strong>o a que tenho,<<strong>br</strong> />

mas afraca e corta a veia.<<strong>br</strong> />

E quem o contrário sente<<strong>br</strong> />

está farto em toda a hora,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o estou faminto agora.<<strong>br</strong> />

Mas Marta, se está contente,<<strong>br</strong> />

dá-lhe pouco <strong>de</strong> quem chora.<<strong>br</strong> />

E pois Vossa Senhoria,<<strong>br</strong> />

em geral, a tudo aco<strong>de</strong>,<<strong>br</strong> />

acuda a mim, que só<<strong>br</strong> />

dar-me no engenho valia.<<strong>br</strong> />

Esperte esta musa minha,<<strong>br</strong> />

que o tempo traz sonorenta,<<strong>br</strong> />

valha-me nesta tormenta<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> essa doce mezinha<<strong>br</strong> />

que só dá vida e a contenta.<<strong>br</strong> />

Acuda <strong>com</strong> provisão<<strong>br</strong> />

não <strong>de</strong> papel, mas provida<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> ouro e prata: que esta vida<<strong>br</strong> />

não sustentam papéis, não.<<strong>br</strong> />

De feitor a tesoureiro<<strong>br</strong> />

ser-me hia trabalho gran<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

Vossa Senhoria man<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

algum remédio primeiro<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que a morte o ferro a<strong>br</strong>an<strong>de</strong>.<<strong>br</strong> />

Ajuda <strong>de</strong> <strong>Luís</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong>:<<strong>br</strong> />

Nos livros doutos se trata,<<strong>br</strong> />

que o gran<strong>de</strong> Aquiles insano<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong>u a morte a Heitor troiano;<<strong>br</strong> />

mas agora a fome mata<<strong>br</strong> />

o nosso Heitor lusitano.<<strong>br</strong> />

Só ela o po<strong>de</strong> acabar,<<strong>br</strong> />

se essa vossa condição<<strong>br</strong> />

liberal e singular<<strong>br</strong> />

não mete entre eles bastão<<strong>br</strong> />

bastante para o fartar.


96.<<strong>br</strong> />

Trovas<<strong>br</strong> />

{Vós} sois üa dama<<strong>br</strong> />

das feias do mundo;<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> toda a má fama<<strong>br</strong> />

sois cabo profundo.<<strong>br</strong> />

A vossa figura<<strong>br</strong> />

não é para ver;<<strong>br</strong> />

em vosso po<strong>de</strong>r<<strong>br</strong> />

não há fermosura.<<strong>br</strong> />

{Vós} fostes dotada<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> toda a malda<strong>de</strong>;<<strong>br</strong> />

perfeita belda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> vós é tirada.<<strong>br</strong> />

Sois muito acabada<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> tacha e <strong>de</strong> glosa:<<strong>br</strong> />

pois, quanto a fermosa,<<strong>br</strong> />

em vós não há nada.<<strong>br</strong> />

De grão merecer<<strong>br</strong> />

sois bem apartada;<<strong>br</strong> />

andais alongada<<strong>br</strong> />

do bem parecer.<<strong>br</strong> />

Bem claro mostrais<<strong>br</strong> />

em vós fealda<strong>de</strong>:<<strong>br</strong> />

não há i malda<strong>de</strong><<strong>br</strong> />

que não precedais.<<strong>br</strong> />

De fresco carão<<strong>br</strong> />

vos vejo ausente;<<strong>br</strong> />

em vós é presente<<strong>br</strong> />

a má condição.<<strong>br</strong> />

De ter perfeição<<strong>br</strong> />

mui alheia estais;<<strong>br</strong> />

mui muito alcançais<<strong>br</strong> />

<strong>de</strong> pouca razão.<<strong>br</strong> />

102<<strong>br</strong> />

Cantiga<<strong>br</strong> />

a este vilancete pastoril:<<strong>br</strong> />

—¿Porqué no miras, Giraldo,<<strong>br</strong> />

mi zampoña <strong>com</strong>o suena ?


VOLTAS<<strong>br</strong> />

—Vuelve acá, no estês pasmado,<<strong>br</strong> />

¡mira que gentil sonar!<<strong>br</strong> />

—¿Como te podrá mirar quién<<strong>br</strong> />

no pue<strong>de</strong> ser mirado?<<strong>br</strong> />

—{¡Y} que bueno enamorado!<<strong>br</strong> />

¿No dirás, si es mala o buena?<<strong>br</strong> />

—No, que me hizo mudo Elena.<<strong>br</strong> />

—Mira tan dulce armonía,<<strong>br</strong> />

déjate <strong>de</strong>sos enojes.<<strong>br</strong> />

—Tengo clavados los ojos<<strong>br</strong> />

con que mirar te podía.<<strong>br</strong> />

—Así Dios te <strong>de</strong> alegría:<<strong>br</strong> />

¿no vés cuán dulce y serena?<<strong>br</strong> />

—No, porque no veo Elena.<<strong>br</strong> />

—Porque no me mira Elena.

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