Rosangela Aparecida Mello. A Necessidade Histórica da Educação
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ROSÂNGELA APARECIDA MELLO<br />
A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA<br />
ESCOLA: a emancipação humana como finali<strong>da</strong>de<br />
FLORIANÓPOLIS<br />
2009
A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA<br />
ESCOLA: a emancipação humana como finali<strong>da</strong>de<br />
Comissão Examinadora<br />
Dr. Lucídio Bianchetti – CED/UFSC (Orientador)<br />
Dra. Celi Nelza Züke Taffarel – UFBA/BA (Examinadora)<br />
Dr. Pedro Jorge de Freitas – UEM/PR (Examinador)<br />
Dra. Nise Jinkings – CED/UFSC – (Examinadora)<br />
Dra.CéliaVendramini – CED/UFSC (Examinadora)<br />
Dr. Ari Paulo Jantsch – CED/UFSC (Suplente)<br />
Dra. Elisa Maria Quartiero – UDESC/SC (Suplente)<br />
Tese submeti<strong>da</strong> ao Colegiado do Curso<br />
de Pós-Graduação em <strong>Educação</strong> do<br />
Centro de Ciências <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> em<br />
cumprimento parcial para a obtenção do<br />
título de Doutora em <strong>Educação</strong> na linha<br />
Trabalho e <strong>Educação</strong>.
ROSÂNGELA APARECIDA MELLO<br />
A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA<br />
ESCOLA: a emancipação humana como finali<strong>da</strong>de<br />
Tese apresenta<strong>da</strong> ao Curso de Pós-<br />
Graduação em <strong>Educação</strong>, Centro de<br />
Ciências <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>, Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal de Santa Catarina, como<br />
requisito parcial à obtenção do título de<br />
Doutora em <strong>Educação</strong> na linha Trabalho<br />
e <strong>Educação</strong>.<br />
Orientador: Prof. Dr. Lucídio Bianchetti<br />
Florianópolis<br />
2009
À Ademir, minha família;<br />
À Billy e Lili;<br />
À Maria Rosymary Coimbra Campos<br />
Sheen (in memorian).
AGRADECIMENTOS<br />
Agradeço a minha família, em especial a meus pais e a minha avó,<br />
ao meu companheiro Ademir;<br />
aos amigos e companheiros Sr. Antônio, D. Maria, Marcos, Thaisa, Ismênia, Amália,<br />
David, Fernan<strong>da</strong>, Tina, Fátima, Rafael, Adriana, Mauro, Bené, Tita, Carol, D. Ci<strong>da</strong>,<br />
Al<strong>da</strong>, Sérgio,Telma, Deiva, Glaudia, Sandra, Pedro Jorge, Mainha e especialmente ao<br />
Fernando;<br />
aos meus amigos <strong>da</strong> pós-graduação;<br />
aos companheiros do Espaço Marx de Maringá;<br />
aos amigos do Departamento de <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> UEM;<br />
aos amigos <strong>da</strong> PPG – UEM;<br />
aos professores do Programa de Pós-Graduação em <strong>Educação</strong> <strong>da</strong> UFSC, especialmente<br />
a Paulo Sérgio Tumolo;<br />
aos professores presentes na Banca de Qualificação,<br />
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES;<br />
ao meu orientador, Lucídio Bianchetti.
A mão que toca um violão<br />
Se for preciso faz a guerra<br />
Mata o mundo, fere a terra<br />
A voz que canta uma canção<br />
Se for preciso canta um hino<br />
Louva a morte<br />
Viola em noite enluara<strong>da</strong><br />
No sertão é como espa<strong>da</strong><br />
Esperança de vingança<br />
O mesmo pé que <strong>da</strong>nça um samba<br />
Se preciso vai a luta,<br />
Capoeira<br />
Quem tem de noite a companheira<br />
Sabe que a paz é passageira<br />
Pra defendê-la se levanta<br />
E grita: Eu vou!<br />
Mão, violão, canção, espa<strong>da</strong><br />
E viola enluara<strong>da</strong><br />
Pelo campo e ci<strong>da</strong>de<br />
Porta-bandeira, capoeira<br />
Desfilando vão cantando<br />
Liber<strong>da</strong>de!<br />
VIOLA ENLUARADA<br />
Paulo Sérgio Valle<br />
Marcos Valle<br />
(1967)
SUMÁRIO<br />
RESUMO......................................................................................................................... 9<br />
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10<br />
Capítulo 1 – A PRÁXIS LEGITIMADORA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA<br />
ESCOLA........................................................................................................................ 17<br />
Capítulo 2 - A GÊNESE ONTOLÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: O<br />
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL .............................................. 47<br />
2.1 – O desenvolvimento contraditório do ser social ................................................. 62<br />
2.1.1 – A relação corpo e consciência .................................................................... 64<br />
2.1.2 – A relação teoria e prática............................................................................ 69<br />
2.2 – A <strong>Educação</strong> Física como um dos complexos do ser social: algumas<br />
possibili<strong>da</strong>des ............................................................................................................. 80<br />
Capítulo 3 - NATUREZA (E ESPECIFICIDADE) DA EDUCAÇÃO .................... 85<br />
3.1 – A Natureza <strong>da</strong> educação: educação é trabalho?................................................. 88<br />
3.2 – <strong>Educação</strong>: trabalho não-material? ..................................................................... 90<br />
3.3 – A Natureza e a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> ...................................................... 97<br />
Capítulo 4 – A GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA<br />
MODERNA ................................................................................................................. 104<br />
4.1 – A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino .......................................... 106<br />
4.2 – O ressurgimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no século XIX ...................................... 118<br />
4.3 – A especifici<strong>da</strong>de brasileira: a formação de um homem biologizado, moral e<br />
competitivo ............................................................................................................... 123<br />
Capítulo 5 - A EDUCAÇÃO FÍSICA NO QUADRO DA REESTRUTURAÇÃO<br />
PRODUTIVA CONTEMPORÂNEA ....................................................................... 133<br />
5.1 – O movimento crítico na <strong>Educação</strong> Física na déca<strong>da</strong> de 1980 ......................... 142<br />
5.2 – Revisão Crítica ou Crítica <strong>da</strong> Crítica............................................................... 151<br />
5. 3 – <strong>Educação</strong> Física e Estado: o ordenamento legal <strong>da</strong> educação física na escola155<br />
Capítulo 6 – ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA<br />
LEGITIMAR A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: MUDAR PARA QUE<br />
TUDO PERMANEÇA COMO ESTÁ? .................................................................... 164
6.1 – O GTT – Epistemologia/1999/2001/2003 ....................................................... 165<br />
6.2 – GTT – Escola................................................................................................... 184<br />
6.2.1 – GTT – Escola/1999................................................................................... 184<br />
6.2.2 – GTT – Escola – 2001................................................................................ 203<br />
6.2.3 – GTT – escola – 2003 ................................................................................ 240<br />
6. 4 - Síntese geral do GTT – epistemologia e do GTT – escola.............................. 259<br />
Quadro 1. Temáticas dos GTT epistemologia – 1999 a 2003 .................................. 260<br />
Quadro 2. Temáticas dos GTT escola – 1999 a 2003............................................... 266<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 268<br />
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 273<br />
Anexos.......................................................................................................................... 282
RESUMO<br />
Esta tese tem como objeto de estudo analisar a necessi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
na escola, no contexto atual de crise do capital. Para tanto, foi empreendi<strong>da</strong> a análise <strong>da</strong><br />
produção científica <strong>da</strong> área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física divulga<strong>da</strong> no CONBRACE – Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte, dos anos de 1999, 2001 e 2003, referente aos GTTs<br />
(Grupo de Trabalho Temático) Escola e o de Epistemologia. Também foi analisa<strong>da</strong> a<br />
produção teórica do autor mais referenciado nos estudos apresentados naqueles<br />
Congressos: Valter Bracht. A matriz teórica que norteou o presente estudo está centra<strong>da</strong><br />
no materialismo histórico fun<strong>da</strong>do por Karl Marx e Friedrich Engels. A compreensão<br />
aqui exposta parte do pressuposto de que as categorias por eles desenvolvi<strong>da</strong>s<br />
pertinentes à crítica do capital e do capitalismo continuam atuais. Também serviram<br />
como referencial teórico alguns autores marxistas do século XX e contemporâneos<br />
como, por exemplo, Georg Lukács, István Mészáros, Ivo Tonet e Sérgio Lessa. Dos<br />
estudos realizados, as principais conclusões extraí<strong>da</strong>s foram as seguintes: a<br />
predominância <strong>da</strong>s várias vertentes teóricas do pensamento pós-moderno na área <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física e, por decorrência, de perspectivas teórico-práticas, postas no sentido<br />
de conformar a atual lógica social, bem como a acentuação de formulações pauta<strong>da</strong>s na<br />
dicotomia corpo e mente, objetivi<strong>da</strong>de e subjetivi<strong>da</strong>de e teoria e prática; a necessi<strong>da</strong>de<br />
de recuperação do pensamento marxiano para aqueles professores <strong>da</strong> área que se<br />
colocam no campo <strong>da</strong> crítica radical em relação à ordem social vigente; por fim, a<br />
necessi<strong>da</strong>de para esses professores atuarem – dentro e fora <strong>da</strong>s instituições educacionais<br />
– no sentido de contribuir com um projeto histórico de emancipação <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de em<br />
relação aos ditames <strong>da</strong> ordem social do capital.<br />
Palavras-chave: <strong>Educação</strong> Física; <strong>Necessi<strong>da</strong>de</strong> <strong>Histórica</strong>; Emancipação Humana;<br />
Ontologia Materialista.
INTRODUÇÃO<br />
A única alternativa histórica viável aos interesses irreparavelmente<br />
conservadores que emanam de forma direta do modo de controle<br />
sociometabólico do capital é a reestruturação revolucionária de to<strong>da</strong> a<br />
ordem social. As autodefinições políticas variáveis de “conservador” e<br />
“liberal” são totalmente irrelevantes a esse respeito.<br />
(MÉSZÁROS, 2007)<br />
Quando anuncio a “necessi<strong>da</strong>de histórica” <strong>da</strong> educação física, não se trata nem<br />
de uma defesa incondicional <strong>da</strong> educação física “na e <strong>da</strong>” escola e nem de uma<br />
determinação histórica de transformação social fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> um uma posição utópica.<br />
No século XIX, Marx e Engels mostram cientificamente (ontologicamente) a<br />
possibili<strong>da</strong>de de superação do modo de produção capitalista. Mostram que essa<br />
possibili<strong>da</strong>de não é uma utopia, mas que faz parte <strong>da</strong>s alternativas postas para a<br />
humani<strong>da</strong>de; e a emancipação humana 1 como alternativa pode ou não se concretizar.<br />
Marx, ao desvelar como se processa o desenvolvimento humano, esclarece que<br />
ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s instituições que formam uma determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de corresponde, na<br />
ver<strong>da</strong>de, à forma assumi<strong>da</strong> por essa socie<strong>da</strong>de, o que significa postular que não havia a<br />
necessi<strong>da</strong>de dessa forma em socie<strong>da</strong>des anteriores e que, possivelmente, não haverá em<br />
uma outra forma societária. Com isto quero enfatizar que as instituições, os complexos<br />
sócias, to<strong>da</strong> a práxis humana, são frutos <strong>da</strong>s relações sociais estabeleci<strong>da</strong>s em<br />
determinados períodos históricos, respondendo a determina<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des humanas.<br />
Partindo desse pressuposto, é fun<strong>da</strong>mental compreender que a educação física<br />
não é um fenômeno social isolado, mas faz parte <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social através <strong>da</strong> qual a<br />
história dos homens se realiza. À medi<strong>da</strong> que a socie<strong>da</strong>de é transforma<strong>da</strong> pelos homens,<br />
transforma-se a forma <strong>da</strong> educação física. Esta, portanto, não é um produto natural, mas<br />
sim o resultado do processo histórico através do qual os homens, a partir do seu<br />
trabalho, constroem a si mesmos e à socie<strong>da</strong>de em que vivem, como afirmou Marx:<br />
A um nível determinado do desenvolvimento <strong>da</strong>s forças produtivas<br />
dos homens corresponde uma forma determina<strong>da</strong> de comércio, de<br />
consumo; correspondem formas determina<strong>da</strong>s de organização social,<br />
uma determina<strong>da</strong> organização <strong>da</strong> família, <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s ou classes: em<br />
resumo: uma determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. A uma socie<strong>da</strong>de civil<br />
determina<strong>da</strong> corresponde uma situação política determina<strong>da</strong> que por<br />
sua vez, na<strong>da</strong> mais é do que a expressão oficial dessa socie<strong>da</strong>de civil<br />
(1985, p. 245).<br />
1 É imprescindível frisar que a “emancipação humana” (produtores livres associados/comunismo) é a<br />
emancipação real e não a “emancipação política” (ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia/capitalismo), tão aclama<strong>da</strong> hoje.
Assim, a <strong>Educação</strong> Física 2 tal qual a conhecemos hoje expressa, de alguma<br />
maneira, a forma como os seres humanos se relacionam no modo societário capitalista.<br />
As modificações do seu conteúdo e <strong>da</strong> forma de aplicá-los, bem como as disposições<br />
legais dessa disciplina no âmbito escolar, tendem a obedecer à lógica <strong>da</strong>s modificações<br />
dessa organização social.<br />
Neste sentido, sabemos que a <strong>Educação</strong> Física nasce antes <strong>da</strong> proposta <strong>da</strong><br />
“escola para todos”, portanto fora do ambiente escolar. Ela foi nele incorpora<strong>da</strong>, no final<br />
do século XIX, momento em que se tentava organizar os Sistemas Nacionais de Ensino<br />
em vários países, inclusive no Brasil.<br />
Em nosso país, desde as primeiras discussões sobre essa disciplina como<br />
conteúdo escolar e suas primeiras concretizações até o final dos anos de 1970, o seu<br />
conteúdo esteve pautado no paradigma <strong>da</strong>s ciências biológicas, volta<strong>da</strong>s para a aptidão<br />
física, higiene e formação moral do trabalhador. A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, essa área<br />
entra no processo que ficou conhecido como “crise de identi<strong>da</strong>de” e começa a<br />
manifestar preocupações com a resolução dessa crise. Muitos pesquisadores passam a<br />
discutir a especifici<strong>da</strong>de de seu conhecimento, a sua legitimi<strong>da</strong>de e a sua<br />
obrigatorie<strong>da</strong>de, fun<strong>da</strong>mentados em algumas vertentes teóricas <strong>da</strong>s ciências humanas,<br />
tecendo críticas diversas à socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
Após reflexões e propostas, alguns teóricos incorporam à visão de <strong>Educação</strong><br />
Física o sentido <strong>da</strong> prática social, de disciplina pe<strong>da</strong>gógica que na escola tematiza os<br />
elementos <strong>da</strong> cultura corporal. Contudo, o paradigma biológico e positivista, mesmo<br />
com outra roupagem, permanece. Além disso, a educação física se expande fora <strong>da</strong><br />
escola, nos clubes, nas escolinhas esportivas, nas academias, nos centros esportivos, nas<br />
empresas, adequando-se às deman<strong>da</strong>s e às necessi<strong>da</strong>des do mercado.<br />
A compensação pela postura inadequa<strong>da</strong>, os desgastes físicos e mentais (estresse<br />
e depressão) provocados pelo trabalho repetitivo e pela pressão por produtivi<strong>da</strong>de<br />
também se dão hoje, na própria empresa que contrata profissionais para trabalhar com<br />
sessões de alongamento e relaxamento durante o período de trabalho, ou nas academias<br />
de ginástica que ain<strong>da</strong> contribuem para o aprimoramento estético.<br />
O “descanso” dos trabalhadores tem sido incorporado como um ramo de negócio<br />
também pelos clubes e associações, os quais oferecem “aulas” de esportes e momentos<br />
de ativi<strong>da</strong>des recreativas que parecem estar subordina<strong>da</strong>s direta ou indiretamente às<br />
2 O termo “<strong>Educação</strong> Física” é utilizado em maiúsculo quando se refere especificamente a uma disciplina<br />
escolar.<br />
11
exigências reprodutivas do capital, fazendo <strong>da</strong>s “horas livres” momentos de<br />
recomposição <strong>da</strong> debilita<strong>da</strong> força de trabalho ou se apropriando dos parcos recursos<br />
<strong>da</strong>queles que ain<strong>da</strong> conseguem reservar algum pecúlio para efetivar essa compensação.<br />
Bruno assinala que:<br />
12<br />
[...] o lazer do trabalhador se modifica, pois seu tempo livre é ca<strong>da</strong> vez<br />
mais utilizado em ativi<strong>da</strong>des que visam incrementar seus atributos<br />
qualificacionais e/ou reconstituí-lo. Não só proliferam as academias<br />
de ginástica onde se busca exercitar o físico ca<strong>da</strong> vez menos solicitado<br />
nos locais de trabalho, mas também enquadrá-lo dentro de um modelo<br />
estético padronizado, já que a aparência física é ca<strong>da</strong> vez mais<br />
importante, especialmente para aquelas ativi<strong>da</strong>des relaciona<strong>da</strong>s com o<br />
atendimento do público. Ao mesmo tempo à medi<strong>da</strong> que a classe<br />
trabalhadora apresenta qualificações mais complexas, a indústria do<br />
entretenimento sofistica-se e hoje é comum a organização de grandes<br />
concertos de massa com pretensões eruditas que visam aos segmentos<br />
qualificados <strong>da</strong> classe trabalhadora (1996, p. 96).<br />
A formação de atletas, mesmo sendo, em regra, política estatal, também é<br />
desloca<strong>da</strong> para as diversas “escolinhas particulares”, fora do ambiente escolar ou em<br />
escolas particulares que também oferecem aulas de treinamento como uma opção a<br />
mais, cobrando, para isto, mensali<strong>da</strong>des à parte.<br />
Com esses redirecionamentos, o movimento crítico que ganhava corpo no<br />
interior <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980 paulatinamente perde espaço<br />
para as tendências pe<strong>da</strong>gógicas que, intencionalmente ou não, estão mais próximas <strong>da</strong>s<br />
orientações do novo ordenamento político e econômico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira e do<br />
capitalismo em geral.<br />
Esse problema não é apenas <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas de todo o sistema escolar,<br />
ao perder a sua especifici<strong>da</strong>de em relação à transmissão do conhecimento para reforçar<br />
comportamentos que colaboram, ou ao menos não se constituam em obstáculos<br />
ideológicos à reprodução <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong>. Tal sociabili<strong>da</strong>de, mantendo<br />
seus princípios fun<strong>da</strong>mentais, apresenta agora uma série de novos elementos, tais como:<br />
mu<strong>da</strong>nças nos processos de trabalho com vista à manutenção <strong>da</strong> extração de mais-valia,<br />
desemprego crônico em ampliação, precarização de postos de trabalho existentes<br />
(trabalho a domicílio, por peça etc.) e outros.<br />
Mesmo diante dessa tendência histórica, os currículos escolares estão recheados<br />
de questões como moral e ética, formação de consumidores aptos e força de trabalho<br />
disciplina<strong>da</strong> que possa acompanhar o desenvolvimento tecnológico, unindo, segundo
seus ideológos, flexibili<strong>da</strong>de e empregabili<strong>da</strong>de. Esse receituário <strong>da</strong>ria aos indivíduos a<br />
possibili<strong>da</strong>de de conquistar as “inúmeras oportuni<strong>da</strong>des ofereci<strong>da</strong>s pelo mercado”.<br />
Duarte (2004) critica veementemente essa postura dos ideólogos educacionais do<br />
status quo vigente 3 ao realizar uma análise pormenoriza<strong>da</strong> do lema “aprender a<br />
aprender”, em que aponta os seus limites apologéticos à ordem do capital, bem como<br />
suas incongruências argumentativas internas, usando os seguintes termos:<br />
13<br />
Para a reprodução do capital torna-se hoje necessária, como foi visto,<br />
uma educação que forme os trabalhadores segundo os novos padrões<br />
de exploração do trabalho. Ao mesmo tempo, há necessi<strong>da</strong>de, no<br />
plano ideológico, de limitar as expectativas dos trabalhadores em<br />
termos de socialização do conhecimento pela escola, difundindo a<br />
idéia de que o mais importante a ser adquirido por meio <strong>da</strong> educação<br />
não é o conhecimento mas sim a capaci<strong>da</strong>de de constante a<strong>da</strong>ptação às<br />
mu<strong>da</strong>nças no sistema produtivo. Há que se difundir a idéia de que o<br />
desemprego e o constante adiamento <strong>da</strong> concretização <strong>da</strong> promessa de<br />
fazer o Brasil ingressar no Primeiro Mundo são conseqüências <strong>da</strong> má<br />
formação dos trabalhadores, <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de anacrônica difundi<strong>da</strong> por<br />
uma escola não adequa<strong>da</strong> aos novos tempos, com seus conteúdos<br />
ultrapassados, seus recursos pe<strong>da</strong>gógicos obsoletos, com professores<br />
sem iniciativa própria, sem criativi<strong>da</strong>de e sem espírito de trabalho<br />
coletivo e ain<strong>da</strong> uma comuni<strong>da</strong>de de pais que não arregaça as mangas<br />
para trabalhar em permanente mutirão de recuperação e preservação<br />
<strong>da</strong>s escolas do bairro. Assim, o discurso sobre a educação possui a<br />
importante tarefa de esconder as contradições do projeto neoliberal de<br />
socie<strong>da</strong>de, isto é, as contradições do capitalismo contemporâneo,<br />
transformando a superação de problemas sociais em uma questão de<br />
mentali<strong>da</strong>de individual que resultaria em última instância, <strong>da</strong><br />
educação (p. 47- 48).<br />
A partir dessa problemática, evidencio que a busca pela legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física elaborando mu<strong>da</strong>nças em seu interior, seja na construção ou na simples<br />
adesão às novas práticas pe<strong>da</strong>gógicas, seja na responsabilização dos professores pela<br />
falta de competência, está tendencialmente fa<strong>da</strong><strong>da</strong> ao fracasso. O problema não se<br />
3 Duarte (2004) se refere no capítulo de onde foi extraí<strong>da</strong> a citação a teóricos como os espanhóis César<br />
Coll, Juan Delval entre outros. Deste último chega a afirmar que o autor postula “uma educação que não<br />
privilegie nenhuma concepção política, científica etc., ele adota niti<strong>da</strong>mente a doutrina liberal sobre o<br />
homem, a socie<strong>da</strong>de e a educação. Ele defende que as crianças devem aprender a ‘conhecer diferentes<br />
opções, valorizando-as e julgando-as’. Como a criança pode aprender a julgar as distintas concepções e a<br />
adotar seu próprio ponto de vista se os adultos que a educam omitirem suas opções e seus julgamentos?<br />
Pode o educador ser neutro do ponto de vista ideológico, ou científico, ou filosófico?” (p. 39). Duarte<br />
discute, também, como no Brasil essas questões chegaram oficialmente com o aval do presidente <strong>da</strong><br />
república Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e do Ministro Paulo Renato de Souza, quando estes<br />
incorporam o relatório Jacques Delors <strong>da</strong> Unesco publicado em 1996 como uma “esperança” para a<br />
educação brasileira. Duarte faz o seguinte comentário este a respeito: “tal esperança manifesta<strong>da</strong> pelo<br />
ministro não pode passar despercebi<strong>da</strong> àqueles que, como nós, vêem a política educacional leva<strong>da</strong> a cabo<br />
pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, como parte do projeto de adequação do Brasil<br />
aos moldes ditados pelo capitalismo mundializado. Essa adequação é, antes de mais na<strong>da</strong>, um processo de<br />
a<strong>da</strong>ptação ao mercado mundial, isto é, um processo de desregulamentação do mercado interno, deixando<br />
o caminho livre para os ditames do capital.” (Idem, p. 45).
encontra somente na especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física e naquele que é responsável por<br />
ela, mas sim na escola edifica<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de capitalista. Dizendo de outra forma:<br />
levantei a hipótese de que a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física é <strong>da</strong><strong>da</strong> pelas necessi<strong>da</strong>des<br />
de manutenção <strong>da</strong>s relações sociais capitalistas e não pela necessi<strong>da</strong>de de seu conteúdo<br />
específico. Portanto, é uma impossibili<strong>da</strong>de histórica legitimar a <strong>Educação</strong> Física a<br />
partir dela mesma – seja em seu modelo conservador ou na perspectiva de emancipação<br />
– dentro dos limites de uma sociabili<strong>da</strong>de que não trás como perspectiva nem a<br />
emancipação humana nem esse conhecimento específico.<br />
Uma perspectiva de pesquisa crítica e revolucionária não deve perguntar pela<br />
legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas por sua necessi<strong>da</strong>de histórica 4 , compreendendo<br />
que em uma socie<strong>da</strong>de de classes as necessi<strong>da</strong>des são, em regra, antagônicas. Logo, é<br />
necessário se perguntar qual é o projeto histórico que objetivamos. Nos termos do<br />
materialismo histórico fun<strong>da</strong>do por Marx e Engels, essa objetivação não pode ser posta<br />
como posição de um desejo arbitrário, mas sim no âmbito <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des históricas<br />
conti<strong>da</strong>s no socialmente existente e nos desdobramentos que nelas estão inscritas. Daí a<br />
importância de termos clareza sobre as posições fins que almejamos nas nossas práticas<br />
sociais, ain<strong>da</strong> que estas não se apresentem como de um devir imediato.<br />
É neste sentido que esta pesquisa objetivou investigar, no contexto atual de crise<br />
e renovação do capital, qual a necessi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola,<br />
segundo as perspectivas societárias concretas <strong>da</strong>s classes e frações que compõem a<br />
socie<strong>da</strong>de.<br />
Os questionamentos se deram no sentido de compreender até que ponto a crise<br />
de identi<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física escolar reflete a crise mais ampla pela<br />
qual passa a escola pública. Até que ponto a <strong>Educação</strong> Física é ain<strong>da</strong> uma disciplina<br />
necessária no ambiente escolar, considerando os possíveis encaminhamentos para a<br />
escola no processo do atual desenvolvimento societário? E ain<strong>da</strong>, em que medi<strong>da</strong> o<br />
professor de <strong>Educação</strong> Física não é um trabalhador sujeito ao mesmo processo de<br />
alienação e estranhamento próprios do trabalho abstrato capitalista, cujo conhecimento<br />
por ele veiculado se torna não só empobrecido como também desnecessário na escola,<br />
do ponto de vista do capital 5 ?<br />
4 <strong>Necessi<strong>da</strong>de</strong>s históricas são construí<strong>da</strong>s pelos homens em seu processo de desenvolvimento e, portanto,<br />
são necessi<strong>da</strong>des transitórias. Seja qual for a particulari<strong>da</strong>de do momento histórico, elas serão sempre<br />
produto <strong>da</strong> relação entre necessi<strong>da</strong>de natural e sociabili<strong>da</strong>de. Essa síntese está fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em<br />
Mészáros (1993) e Engels (2003), e será explicita<strong>da</strong> nos capítulos que seguem.<br />
5 Aqui assumo a definição exposta por Marx (1988, p. 296-7), segundo a qual capital não é uma coisa,<br />
14
Meu pressuposto fun<strong>da</strong>-se no entendimento segundo o qual para entender a<br />
implementação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola faz-se necessário reconhecer que a<br />
educação não é um fenômeno social isolado, mas é parte <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social construí<strong>da</strong><br />
historicamente pelos seres humanos. E à medi<strong>da</strong> que a socie<strong>da</strong>de se transforma,<br />
modifica-se também a forma <strong>da</strong> educação. Esta, portanto, não é um produto natural, mas<br />
o resultado do processo histórico em que os homens, a partir do seu trabalho, constroem<br />
a si mesmos, a socie<strong>da</strong>de em que vivem e to<strong>da</strong>s as suas contradições.<br />
Esta tese contendo estas reflexões foi dividi<strong>da</strong> em seis capítulos. No primeiro,<br />
aponto como se desenvolveu a discussão sobre a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física na<br />
escola a partir <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> produção científica de Valter Bracht, o autor que discute<br />
especificamente essa questão, e ain<strong>da</strong> o mais referenciado na área. Nos dois capítulos<br />
subsequentes, abordo a gênese ontológica 6 <strong>da</strong> educação física, ou seja, mostro como o<br />
trabalho 7 fun<strong>da</strong>nte do ser social é protoforma de to<strong>da</strong>s as outras práxis e, por<br />
conseguinte, <strong>da</strong> educação e de seus temas específicos, dentre eles a educação física.<br />
Aponto como se dá, no processo de construção do ser social, a formulação dos<br />
conceitos-chaves encontrados nos textos dos autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, quais sejam: a<br />
dicotomia corpo/mente, teoria/prática, objetivi<strong>da</strong>de/subjetivi<strong>da</strong>de explícitas ou não na<br />
mas sim uma relação social que se efetiva sob determina<strong>da</strong>s condições históricas específicas. Um dos<br />
momentos em que ele sintetiza com precisão o caráter dessa relação social é sua incisiva crítica a Edward<br />
Gibbon Wakefield (1796-1862), pois este não compreendia o porquê <strong>da</strong>s relações sociais capitalistas não<br />
se estabelecerem espontaneamente nas Colônias Inglesas. Afinal, pensava ele, para lá foram o dinheiro e<br />
os seus legítimos proprietários, os meios e instrumentos de produção e a força de trabalho. A essa<br />
pressuposição respondeu Marx de maneira muito didática nos seguintes termos: “De início, Walkefield<br />
descobriu nas colônias que a proprie<strong>da</strong>de de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de<br />
produção ain<strong>da</strong> não faz de uma pessoa um capitalista se falta o complemento, o trabalhador assalariado,<br />
a outra pessoa, que é obriga<strong>da</strong> a vender a si mesma voluntariamente. Ele descobriu que o capital não é<br />
uma coisa, mas uma relação social entre pessoas intermedia<strong>da</strong> pelas coisas [...] Enquanto o<br />
trabalhador, portanto, pode acumular para si mesmo – e isso pode enquanto permanecer proprietário dos<br />
seus meios de produção – a acumulação capitalista e o modo capitalista de produção são impossíveis.<br />
A classe dos trabalhadores assalariados, imprescindíveis para tanto, falta. Como então, na velha Europa,<br />
se produziu a expropriação do trabalhador de suas condições de trabalho, portanto capital e trabalho<br />
assalariado? [...] a expropriação <strong>da</strong> massa do povo de sua base fundiária constituiu a base do modo de<br />
produção capitalista.” (grifos meus).<br />
6 Trata-se <strong>da</strong> ontologia materialista de Marx resgata<strong>da</strong> por Lukács, cuja compreensão é a de que o ser<br />
social se produz através do trabalho. Lukács (1979, p. 11) discute que: “Quem tenta resumir teoricamente<br />
a ontologia marxiana, encontra-se diante de uma situação paradoxal. Por um lado, qualquer leitor sereno<br />
de Marx não pode deixar de notar que todos os seus enunciados concretos, se interpretados corretamente<br />
(isto é, fora dos preconceitos <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>), são entendidos – em última instância – como enunciados diretos<br />
sobre um certo tipo de ser, ou seja, são afirmações ontológicas. Por um lado, não há nele nenhum<br />
tratamento autônomo de problemas ontológicos; ele jamais se preocupa em determinar o lugar desses<br />
problemas no pensamento, em defini-los com relação à gnosiologia, à lógica etc., de modo sistemático ou<br />
sistematizante.”<br />
7 A maioria dos autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física imputa ora à cultura ora à linguagem o papel de fun<strong>da</strong>nte do<br />
ser social, como demonstro nos capítulos 1 e 6 desta pesquisa.<br />
15
crítica à racionali<strong>da</strong>de (mente/teoria) e na supervalorização <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de<br />
(corpo/prática), e ain<strong>da</strong> a relação indivíduo/socie<strong>da</strong>de.<br />
O esclarecimento sobre a gênese ontológica do processo de constituição do ser<br />
social aju<strong>da</strong> a compreender a sociabili<strong>da</strong>de atual como uma construção humana e que,<br />
portanto, pode ser redefini<strong>da</strong>.<br />
Nos capítulos quatro e cinco, discuto como a <strong>Educação</strong> Física é incorpora<strong>da</strong> à<br />
escola <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista com uma função social defini<strong>da</strong> e que os avanços na<br />
área, em regra, são ajustes dessa disciplina à lógica do capital. Para chegar a essa última<br />
afirmação realizei a leitura analítica de todos os artigos do GTT – Escola e do GTT –<br />
Epistemologia, do evento bianual do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, o<br />
COMBRACE – Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte dos anos de 1999, 2001,<br />
2003. Com a leitura analítica, procurei apontar os objetivos propostos pelos autores dos<br />
referidos artigos e as conclusões a que chegaram, bem como os seus pressupostos<br />
teórico-metodológicos confirmados pelas referências utiliza<strong>da</strong>s por eles. Essas análises<br />
revelam as questões que venho apresentando nesta introdução, entre elas, a colocação<br />
do conhecimento específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física em um plano secundário nas aulas<br />
dessa disciplina; uma ênfase exacerba<strong>da</strong> à sensibili<strong>da</strong>de corporal e na necessi<strong>da</strong>de de<br />
valorizar movimentos livres e espontâneos. E, ain<strong>da</strong>, um abandono dos referenciais<br />
marxistas que se faziam presentes em alguns pesquisadores <strong>da</strong> área e a predominância<br />
<strong>da</strong>s teorias pós-modernas.<br />
Na <strong>Educação</strong> Física histórico-concreta, sua necessi<strong>da</strong>de histórica está atrela<strong>da</strong> às<br />
funções sociais <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de que a criou. Isto implica não só a reprodução social,<br />
mas a reprodução <strong>da</strong>s contradições inerentes a ela. Contradições que abrem<br />
possibili<strong>da</strong>des de impulsionar as relações sociais para além <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de posta,<br />
produzindo a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> busca dos meios para a sua superação radical.<br />
16
Capítulo 1 – A PRÁXIS LEGITIMADORA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA<br />
ESCOLA<br />
Legitimi<strong>da</strong>de significa que há bons argumentos para que um<br />
ordenamento político seja reconhecido como justo e equânime; (...)<br />
Legitimi<strong>da</strong>de significa que um ordenamento político é digno de ser<br />
reconhecido. Com essa definição, sublinha-se que a legitimi<strong>da</strong>de é<br />
uma exigência de vali<strong>da</strong>de contestável; e que é (também) do<br />
reconhecimento (pelo menos) factual dessa exigência que depende a<br />
estabili<strong>da</strong>de de um ordenamento de poder.<br />
(HABERMAS, 1983)<br />
Apesar dos avanços na déca<strong>da</strong> de 1980 em relação à educação física, muitas<br />
questões permanecem em aberto e desafiam o empenho de alguns pesquisadores <strong>da</strong><br />
área. Diria mesmo que algumas questões precisam ser reformula<strong>da</strong>s ou redefini<strong>da</strong>s para<br />
que possamos avançar efetivamente não só em termos de uma compreensão mais ampla<br />
<strong>da</strong> educação física, mas tendo em vista uma ação historicamente fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>.<br />
É neste sentido que apresento o processo de discussão sobre a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
educação física, questionando se esta se constitui realmente na questão fun<strong>da</strong>mental<br />
para aqueles que se colocam no campo <strong>da</strong> revolução socialista. Ou seja, como indico na<br />
introdução desta tese, uma perspectiva crítica e revolucionária deve perguntar pela<br />
legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na socie<strong>da</strong>de capitalista ou pela necessi<strong>da</strong>de<br />
histórica de transformação radical desta socie<strong>da</strong>de?<br />
Neste sentido, apresento a discussão a cerca <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
na escola e de seus desdobramentos, que se inicia com o movimento de<br />
redemocratização do Estado Brasileiro e o fim <strong>da</strong> ditadura militar 8 . Nesse contexto, os<br />
professores de educação física se veem em uma posição desconfortável diante <strong>da</strong> função<br />
social atribuí<strong>da</strong> a essa disciplina e, portanto, a eles. Durante a ditadura militar, a essa<br />
“ativi<strong>da</strong>de”, obrigatória em todos os níveis de ensino e estimula<strong>da</strong> aos trabalhadores em<br />
geral, era atribuí<strong>da</strong> a função de ocupar o tempo dos estu<strong>da</strong>ntes e trabalhadores,<br />
colaborando para desviá-los <strong>da</strong>s discussões econômicas e políticas.<br />
Com o processo de redemocratização, disciplinas escolares como <strong>Educação</strong><br />
Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira, Estudos de Problemas<br />
Brasileiros e a <strong>Educação</strong> Física, distribuí<strong>da</strong>s em todos os níveis de ensino, são<br />
questiona<strong>da</strong>s e perdem o sentido. Questionados também são os programas de ativi<strong>da</strong>des<br />
8 Uma melhor explicitação do processo em questão é apresenta<strong>da</strong> no capítulo 5 desta tese.
físicas oferecidos à população em geral, e grande ênfase é <strong>da</strong><strong>da</strong> aos esportes e às<br />
competições esportivas em detrimento <strong>da</strong> resolução dos graves problemas de miséria<br />
vividos pela maioria do povo brasileiro. Para os professores de educação física, esse<br />
contexto deu origem ao que se chamou de “crise de identi<strong>da</strong>de”. Castellani Filho explica<br />
assim esse processo:<br />
18<br />
Acontece que a <strong>Educação</strong> Física que, segundo o Decreto n. 69.450/71<br />
em seu artigo 3º, §1 tem na aptidão física “a referência fun<strong>da</strong>mental<br />
para orientar o planejamento, controle e avaliação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física,<br />
Desportiva e Recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino”,<br />
tornou-se anacrônica no contexto do processo de democratização <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de brasileira, por dois motivos. O primeiro deles diz respeito<br />
ao modelo educacional que, no que tange à “formação de homens com<br />
consciência do tempo em que vivem”, deixava muito a desejar,<br />
precisando, portanto, ser modificado para sincronizar-se aos “novos<br />
tempos”. (...) O segundo motivo está relacionado com a questão <strong>da</strong><br />
produtivi<strong>da</strong>de. Assistíamos, naqueles anos – dentro do mundo do<br />
trabalho alicerçado no modelo industrial brasileiro, fun<strong>da</strong>do no modo<br />
de produção capitalista –, ao avançar de um processo de automação <strong>da</strong><br />
mão-de-obra, até então to<strong>da</strong> ela apoia<strong>da</strong> na força de trabalho humana,<br />
que fez por secun<strong>da</strong>rizar a importância <strong>da</strong> construção do modelo de<br />
corpo produtivo (1993, p.121, grifo do autor).<br />
Buscar “formação de homens com consciência do tempo em que vivem” significava<br />
redefinir a educação física e buscar por sua “legitimi<strong>da</strong>de”, ou seja, encontrar a sua<br />
“ver<strong>da</strong>deira função social”. Vários professores, entre eles Carmo, apontam que a<br />
“questão <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de ultrapassa em muito os limites <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de” (1990, p. 9),<br />
à medi<strong>da</strong> que mais importante do que a lei é a legitimi<strong>da</strong>de social que pode ser<br />
atribuí<strong>da</strong> a esta área de conhecimento.<br />
No entanto, a partir do momento em que os autores/professores dessa disciplina<br />
se sentem ameaçados de extinção com as discussões <strong>da</strong> LDBEN/96, lutam pela<br />
permanência <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola, sem desistir <strong>da</strong> busca<br />
pela sua legitimi<strong>da</strong>de. Assim, com a manutenção dessa disciplina na grade curricular, no<br />
editorial do Boletim Informativo do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte)<br />
fez-se o alerta:<br />
Sem dúvi<strong>da</strong>s, a manutenção <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de concede à <strong>Educação</strong><br />
Física um status de disciplina escolar que, sem a citação no texto<br />
legal, seria difícil conseguir, haja visto a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s nossas<br />
justificativas (...) É preciso, portanto, que estejamos atentos e<br />
engajados neste objetivo comum para que, num futuro não muito<br />
distante, a simples ameaça de retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física Escolar venha desencadear um movimento de protesto não<br />
apenas <strong>da</strong> sua própria comuni<strong>da</strong>de mas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de como um todo,
consciente <strong>da</strong> importância deste componente curricular, tarefa que<br />
ain<strong>da</strong> estamos por realizar (1996, p. 2).<br />
Durante a déca<strong>da</strong> que se segue a esse alerta, nas pesquisas e experiências<br />
pe<strong>da</strong>gógicas 9 <strong>da</strong>queles que se consideram parte integrante do “movimento crítico” na<br />
educação física agora também denominado “renovador”, a busca pela legitimi<strong>da</strong>de,<br />
procurando mostrar a importância dessa disciplina, surge explícita ou implicitamente<br />
nas discussões relativas a seu conteúdo, aos planejamentos de ensino, às buscas de<br />
novos referenciais teóricos, enfim, em várias temáticas pesquisa<strong>da</strong>s pelos professores.<br />
Com a intenção de demonstrar as referências <strong>da</strong> área nesse processo, destaco as<br />
discussões realiza<strong>da</strong>s por Valter Bracht 10 . Este autor aparece como a grande referência<br />
<strong>da</strong> educação física na perspectiva “progressista”: é o mais citado 11 nos trabalhos que<br />
analisei nos anais do CONBRACE. Também é o autor que manteve em suas<br />
publicações uma discussão sistemática sobre a “identi<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de” <strong>da</strong> educação<br />
física e é a expressão na área <strong>da</strong>s tendências de discussões e ações acerca <strong>da</strong> a educação<br />
física.<br />
Desde o início preocupado em levantar os problemas que mais afligem os<br />
professores de <strong>Educação</strong> Física, Bracht aponta em seus primeiros escritos certa<br />
“negligência” <strong>da</strong> área em relação a sua legitimi<strong>da</strong>de nos seguintes termos: “o professor<br />
de <strong>Educação</strong> Física não soube, até o momento, articular na<strong>da</strong> além de “altos brados de<br />
indignação” e um discurso, na maioria <strong>da</strong>s vezes, teoricamente inconsistente, isto<br />
quando não se apega ou faz um discurso “legalista”, confundindo legali<strong>da</strong>de com<br />
legitimi<strong>da</strong>de” (1992, p.37) 12 . Na tentativa de modificar essa posição, esclarece o<br />
9 Para a consecução do projeto de pesquisa que originou este estudo foi realiza<strong>da</strong> a análise dos trabalhos<br />
apresentados nos GTTs (Grupo de Trabalho Temático) Escola, Epistemologia e Políticas Públicas do<br />
CONBRACE (Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte) de 2003, evento bianual do Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Na execução <strong>da</strong>s pesquisas foi realiza<strong>da</strong> a análise dos trabalhos<br />
também nos GTTs Escola e Epistemologia de 1999, 2001 e 2003.<br />
10 Bracht é natural de Toledo – PR. Licenciou-se em <strong>Educação</strong> Física na Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná<br />
em 1980 e especializou-se na mesma universi<strong>da</strong>de em treinamento desportivo em 1981. Obteve o grau de<br />
mestre em <strong>Educação</strong> Física na Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Maria – RS em 1983 e o título de doutor<br />
pela Universi<strong>da</strong>de de Oldenburg na Alemanha, em 1990. Foi docente <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de<br />
Maringá – PR de 1981 ao final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, quando foi para a Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa<br />
Maria e em segui<strong>da</strong> para a Universi<strong>da</strong>de Federal do Espírito Santo, onde está atualmente como professor<br />
titular do Centro de <strong>Educação</strong> Física e Desporto, coordenando o Laboratório de Estudos em <strong>Educação</strong><br />
Física (LESEF). Foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte por duas gestões – 1991/93<br />
e 1993/95.<br />
11 Bracht aparece como referência para grande parte dos pesquisadores juntamente com o livro<br />
Metodologia do Ensino de <strong>Educação</strong> Física, do qual é co-autor, e nos últimos encontros CONBRACE,<br />
além dele, destacam-se os autores Kunz e Daolio.<br />
12 Nessa publicação de 1992, no livro <strong>Educação</strong> Física e aprendizagem social, o autor organiza textos<br />
anteriormente publicados e um texto inédito. Justifica a publicação à falta de acesso dos professores aos<br />
19
significado desse conceito “fun<strong>da</strong>mental” para a construção de uma “teoria (crítica) para<br />
a <strong>Educação</strong> Física”, a partir de Welffor e Habermas. A sua identificação teórica com<br />
este último autor será marca<strong>da</strong> em suas discussões.<br />
Para Bracht, legitimi<strong>da</strong>de significa:<br />
20<br />
Como lembra Habermas (1983, p.220), “somente ordenamentos<br />
políticos podem ter legitimi<strong>da</strong>de e perde-la; somente eles têm<br />
necessi<strong>da</strong>de de legitimação”. “Legitimi<strong>da</strong>de significa que há bons<br />
argumentos para que um ordenamento político seja reconhecido como<br />
justo e equânime; um ordenamento legítimo merece reconhecimento.<br />
Legitimi<strong>da</strong>de significa que um ordenamento político é digno de ser<br />
reconhecido” (Idem, p.219-220). E neste sentido, como lembra<br />
Weffort (1988) 13 , “a um regime de legitimi<strong>da</strong>de política só pode ser<br />
a democracia. ... E isto porque a democracia é o único regime que<br />
organiza, isto é, institucionaliza, o consentimento popular, sem o<br />
qual a legitimi<strong>da</strong>de perece” (p.24). Eu diria, trazendo a discussão<br />
para o nosso tema, que é só na democracia (ou seja, na luta<br />
democrática entre grupos/partidos para a realização de sua<br />
proposta de democracia), que a questão <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de pode vir à<br />
tona e ser efetivamente coloca<strong>da</strong> (1992, p.37, grifos meus).<br />
A partir dessa compreensão sobre a legitimi<strong>da</strong>de, Bracht explica qual é o<br />
significado de legitimar a <strong>Educação</strong> Física:<br />
Apresentar argumentos plausíveis para a sua permanência ou<br />
inclusão no currículo escolar, apelando exclusivamente para a<br />
força dos argumentos, declinando dos argumentos <strong>da</strong> força (que é<br />
o que acontece quando um regime autoritário “legaliza” alguma<br />
prática social). Esta legitimação precisa integrar-se e apoiar-se<br />
discursivamente numa teoria <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> (Ibid, p.37, grifo meu).<br />
O momento propício para a discussão e legitimação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física era o<br />
retorno à democracia combatendo os modelos de legitimi<strong>da</strong>de até então vigentes na<br />
ditadura ou no período anterior a ela, quando a legitimação de se <strong>da</strong>va a partir de<br />
instituições que não a escolar.<br />
Neste sentido, para este autor, discutir a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
implicava também compreender o que ela era, o que foi e quais os papéis sociais que lhe<br />
foram atribuídos. É possível, para fins didáticos, dividir as suas discussões em três<br />
grupos de problemáticas que representam também o movimento <strong>da</strong>s discussões <strong>da</strong> área.<br />
periódicos <strong>da</strong> área e adverte que, embora “algumas <strong>da</strong>s posições defendi<strong>da</strong>s na época em alguns destes<br />
artigos hoje ser relativa<strong>da</strong>s, e outras tivessem sido supera<strong>da</strong>s pelo autor, decidiu-se pela publicação sem<br />
alterações significativas, de vez que, na essência, as posições permanecem inaltera<strong>da</strong>s” (1992, p.11).<br />
13 Bracht se refere à obra de Habermas Para a reconstrução do Materialismo histórico e ao artigo de<br />
WEFFORT, F. C.. Dilemas <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de política. Revista Lua Nova, São Paulo [s. n.], 1980.v.3, n.3,<br />
p.7-30.
Mas antes de apresentá-las, é imprescindível compreender posições que perpassam to<strong>da</strong><br />
a sua obra.<br />
Uma delas diz respeito à abrangência do termo educação física. Bracht considera<br />
educação física apenas a “disciplina escolar”, contrariando aqueles que julgam que seu<br />
campo de atuação seria mais amplo e argumenta:<br />
21<br />
No seu sentido “restrito” o termo <strong>Educação</strong> Física abrange as<br />
ativi<strong>da</strong>des pe<strong>da</strong>gógicas tendo como tema o movimento corporal<br />
que toma lugar na instituição educacional. No seu sentido “amplo”<br />
tem sido utilizado para designar inadequa<strong>da</strong>mente a meu ver, to<strong>da</strong>s as<br />
manifestações culturais liga<strong>da</strong>s à ludomotrici<strong>da</strong>de humana, que no seu<br />
conjunto parecem-me melhor abarca<strong>da</strong>s com termos como cultura<br />
corporal ou cultura de movimento (1989, p.28, grifo meu).<br />
Atribui, em parte, o sentido amplo aos professores/licenciados em <strong>Educação</strong><br />
física que requerem “para si o direito de atuação profissional com to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des<br />
corporais de movimento – <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, passando pelo desporto, pela <strong>da</strong>nça até à<br />
ginástica de academia.” (Ibid, p.28). No entanto reconhece inicialmente que os cursos<br />
de formação de professores abrangem essas ativi<strong>da</strong>des 14 .<br />
Assim, sempre definirá a educação física como “prática pe<strong>da</strong>gógica” restrita à<br />
escola e o tema “movimento corporal” será tratado como “cultura corporal/movimento”<br />
e depois, “cultura corporal de movimento” 15 .<br />
Essa compreensão referente à especifici<strong>da</strong>de ou tema <strong>da</strong> educação física é<br />
compartilha<strong>da</strong> por Kunz 16 , que como Bracht se fun<strong>da</strong>menta em Habermas 17 . A cultura<br />
corporal de movimento é então explica<strong>da</strong> nos seguintes termos:<br />
14 Essa posição do autor de certa forma prevalece, mesmo aparentemente não sendo a sua intenção, com a<br />
distinção entre o curso de Graduação em <strong>Educação</strong> Física e o de Licenciatura em <strong>Educação</strong> Física,<br />
embora a grade curricular e as exigências para a formação estabeleci<strong>da</strong>s pela resolução n. 007/2004 não<br />
acentuem diferenças significativas entre as duas formações. Interessante também é que Bracht, ao fazer a<br />
distinção entre o sentido amplo e o restrito <strong>da</strong> educação física, em um texto de 1996 sobre a constituição<br />
do campo acadêmico dessa disciplina publicado em 1999a, aponte para a autonomização do campo<br />
acadêmico <strong>da</strong> educação física em relação ao esporte com a criação dos cursos de bacharelado (hoje<br />
graduação em <strong>Educação</strong> Física), alerta que isto “coloca questões para a EF como a de obter,<br />
urgentemente, legitimi<strong>da</strong>de no interior do campo pe<strong>da</strong>gógico, enquanto prática e disciplina acadêmicas,<br />
sob pena de ter sua própria existência ameaça<strong>da</strong> e isso não simplesmente no sentido <strong>da</strong> extinção, mas de<br />
simples substituição pelo esporte (na escola)”. (p.26)<br />
15 Bracht (1999), ao discutir as “expressões-chaves” para identificar a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física,<br />
sintetiza o seguinte: “a) ‘ativi<strong>da</strong>de física’; em alguns casos, ‘ativi<strong>da</strong>des físico-esportivas e recreativas’; b)<br />
‘movimento humano’ ou ‘movimento corporal humano’, ‘motrici<strong>da</strong>de humana’ ou, ain<strong>da</strong>, ‘movimento<br />
humano consciente’; c) ‘cultura corporal’, ‘cultura corporal de movimento’ ou ‘cultura de movimento’.<br />
(p.42 -3). O autor se identifica com a expressão “cultura corporal de movimento”. Sua definição de<br />
<strong>Educação</strong> física pode ser encontra<strong>da</strong> também em Bracht (1989; 1992; 1993; 1996; 1997; 1999 a , entre<br />
outros.)<br />
16 A posição de Kunz é apresenta<strong>da</strong> no capítulo 5 desta tese.<br />
17 É imprescindível lembrar que para Habermas a categoria fun<strong>da</strong>nte do ser humano é a linguagem e não<br />
o trabalho, como explica Marx e Engels e os materialistas históricos. Em Habermas, a dimensão política,
22<br />
O movimentar-se é entendido como forma de comunicação com o<br />
mundo que é constituinte e construtora de cultura, mas, também,<br />
possibilita<strong>da</strong> por ela. É uma linguagem, com especifici<strong>da</strong>de, é claro,<br />
mas que, enquanto cultura habita o mundo simbólico. (...) Ora, o que<br />
qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do<br />
mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente e que o coloca<br />
no plano <strong>da</strong> cultura (BRACHT, 1996, p.24).<br />
Argumenta que não basta se apropriar do termo cultura para que a educação<br />
física seja coloca<strong>da</strong> como progressista, pois este possui vários significados. Neste<br />
sentido, estabelece que:<br />
a análise cultural como o estudo de formas simbólicas deve considerar<br />
os “contextos e processos específicos e socialmente estrutura<strong>da</strong>s<br />
dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são<br />
produzi<strong>da</strong>s, transmiti<strong>da</strong>s e recebi<strong>da</strong>s”. Portanto, o movimentar-se e<br />
mesmo o corpo humano precisam ser entendidos e estu<strong>da</strong>dos como<br />
uma complexa estrutura social de sentido e significado, em contextos<br />
e processos sócio-históricos específicos (Idem, p.25).<br />
Apresenta também o significado de prática pe<strong>da</strong>gógica se posicionando contrário<br />
àqueles que a consideram como área de conhecimento. Esse caráter de “prática” <strong>da</strong><br />
educação física é outra questão fortemente marca<strong>da</strong> na obra do autor. Desta forma, faz<br />
questão de frisar:<br />
Eu acentuo, a <strong>Educação</strong> Física é antes de tudo uma prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica, que como to<strong>da</strong> prática social não é obviamente destituí<strong>da</strong><br />
de pensamento – eu quero com isso me contrapor àquelas posições<br />
que a denominam preferencialmente como área do conhecimento. Ela<br />
elabora um corpo de conhecimentos que tendem a fun<strong>da</strong>mentá-la, pois<br />
to<strong>da</strong> prática exige uma teoria que a constitua e dirija. Mas a<br />
as relações intersubjetivas é que são definidoras; o trabalho relacionado com a “racionali<strong>da</strong>de técnica” é<br />
posto em um plano secundário, no qual a categoria fun<strong>da</strong>mental é a “linguagem” e, a “razão<br />
comunicativa”. Isto impõe uma compreensão específica do que seja o homem, a socie<strong>da</strong>de, a cultura<br />
etc. que é radicalmente impossível ser compartilha<strong>da</strong> pelo materialismo histórico. Como muitos<br />
professores de <strong>Educação</strong> Física se equivocam, antecipo que as posições habermasianas que são<br />
explicita<strong>da</strong>s neste capítulo em na<strong>da</strong> se aproximam <strong>da</strong>s discussões marxianas. O próprio Habermas se<br />
coloca nessa posição. Além dessa diferença radical sobre a questão <strong>da</strong> categoria fun<strong>da</strong>nte do ser social,<br />
existem inúmeras outras. Como, por exemplo, Marx estava preocupado com a emancipação real dos<br />
homens e Habermas preocupado em manter a organização social capitalista em uma perspectiva<br />
eurocêntrica, como é possível constatar nessa entrevista de Anderson e Dews concedi<strong>da</strong> por Habermas em<br />
1986: Pergunta (Perry Anderson e Peter Dews) – “A tradição <strong>da</strong> Escola de Frankfurt como um todo<br />
concentrou suas análises nas socie<strong>da</strong>des capitalistas mais avança<strong>da</strong>s, à custa de qualquer consideração do<br />
capitalismo como um sistema global. Em sua opinião, as concepções do socialismo desenvolvi<strong>da</strong>s no<br />
decorrer <strong>da</strong>s lutas antiimperialistas e anticapitalistas no Terceiro Mundo tem algum significado<br />
para as tarefas do socialismo democrático no mundo capitalista avançado? Reciprocamente, sua<br />
própria análise do capitalismo avançado tem alguma lição para as forças socialistas do Terceiro<br />
Mundo? – Resposta (Habermas): “Estou tentado a responder ‘não’ para ambos os casos. Tenho<br />
consciência de que esta é uma visão eurocêntrica, limita<strong>da</strong>. Eu preferia não responder esta pergunta”.<br />
(apud Mészáros, 2004, p.79, grifo meu). Outra referência sobre a posição de Habermas (1994) pode ser<br />
conferi<strong>da</strong> em seu livro Técnica e ciência como ‘ideologia’ e, críticas a esse autor em Lessa (2002);<br />
Antunes (2000) e Mészáros op. Cit..
23<br />
<strong>Educação</strong> Física é uma prática social de intervenção imediata, e,<br />
não uma prática social cuja característica primeira seja explicar<br />
ou compreender um determinado fenômeno social ou uma<br />
determina<strong>da</strong> parte do real (BRACHT, 1992, p.35, grifo meu).<br />
Em síntese, para o autor existe uma separação entre compreender a reali<strong>da</strong>de e<br />
atuar nela. Essa posição e a definição ou o esclarecimento sobre o que é educação física<br />
e os conceitos que a envolvem não se alteram ou pouco se alteram no desenvolver de<br />
suas discussões. As pequenas alterações que ocorrem nesses e em outros conceitos estão<br />
relaciona<strong>da</strong>s com as incorporações teóricas e, portanto, práticas que o autor irá<br />
estabelecer e que apresento a seguir.<br />
Realiza<strong>da</strong> essas explicações, apresento, com fins didáticos, uma divisão <strong>da</strong>s<br />
discussões do autor em três problemáticas que percorrem 30 anos, do final dos anos de<br />
1980 aos de 2000 e se entrelacem nessas déca<strong>da</strong>s, muitas vezes não havendo separação<br />
temporal entre elas.<br />
A primeira fase ou problemática é caracteriza<strong>da</strong> pela “crise de identi<strong>da</strong>de” <strong>da</strong><br />
educação física e acontece durante a déca<strong>da</strong> de 1980 e início dos anos de 1990. Nesse<br />
período foram realiza<strong>da</strong>s denúncias ao “modelo”, cujo conteúdo e objetivo eram o<br />
esporte. Bracht discute que essa perspectiva de educação física estava relaciona<strong>da</strong> à<br />
“visão biológica” e à “visão bio-psicológica”. Na primeira perspectiva, os professores<br />
assumiam o papel de melhorar a aptidão física e na segun<strong>da</strong>, além <strong>da</strong> aptidão física, a<br />
finali<strong>da</strong>de também era o desenvolvimento intelectual e o equilíbrio afetivo. Segundo o<br />
autor, nessas “visões” a preocupação está em formar um ci<strong>da</strong>dão que se a<strong>da</strong>pte à<br />
estrutura social, desempenhando o melhor possível o seu papel. As considera como “a-<br />
históricas” e estariam no âmbito <strong>da</strong>s tendências “a-críticas” <strong>da</strong> educação a partir de uma<br />
matriz teórica positivista.<br />
Ain<strong>da</strong> em relação a essas perspectivas, questiona a falta de autonomia<br />
pe<strong>da</strong>gógica 18 dessa disciplina na escola, pois ela se subordinou e assumiu os “códigos”<br />
e “sentidos” de outras instituições como a militar e a esportiva, além de não questionar<br />
o próprio papel <strong>da</strong> escola na socie<strong>da</strong>de capitalista. Afirma que nessa instituição, a<br />
escolar, a <strong>Educação</strong> Física geralmente procurou a sua legitimação <strong>da</strong> seguinte forma:<br />
a) contribuição para o desenvolvimento <strong>da</strong> aptidão física para a saúde;<br />
b) contribuição para o desenvolvimento integral <strong>da</strong> criança e, neste<br />
18 Bracht toma como referência para a discussão sobre autonomia a teoria dos sistemas utilizando a<br />
seguinte definição: “A autonomia pressupõe uma determina<strong>da</strong> interdependência, e expressa o grau de<br />
liber<strong>da</strong>de com o qual as relações entre os sistemas e o meio-ambiente podem, através dos critérios<br />
seletivos dos sistemas, serem por ele próprio regula<strong>da</strong>s” (LUHMANN apud BRACHT, 1989, p.28).
24<br />
sentido, a contribuição (específica) <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física era<br />
principalmente sobre o “domínio psicomotor” ou “motor”; c)<br />
contribuição para a massificação esportiva e detecção de talentos<br />
esportivos (a famosa base <strong>da</strong> pirâmide); d) a <strong>Educação</strong> Física trata de<br />
dimensões do comportamento humano que são básicas: o movimento<br />
e o jogo (BRACHT, 1992, p. 47).<br />
Procurando superar esses modelos de legitimação, se identificava com a<br />
perspectiva de educação física que estava em processo de formulação e que era<br />
denomina<strong>da</strong> “revolucionária” e privilegiava a discussão política. Importante ressaltar<br />
que Bracht, ao se identificar com essa perspectiva, esclarece que prefere chamá-la de<br />
“crítica”, e que ele identifica a priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> “dimensão política” com as influências do<br />
marxismo. Neste sentido, argumenta que essa tendência se diferencia <strong>da</strong>s anteriores<br />
porque realiza<br />
a crítica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física a partir de sua contextualização na<br />
socie<strong>da</strong>de capitalista, operando tal crítica a partir <strong>da</strong> tradição teórica<br />
do marxismo e, assim, ressaltando a dimensão política <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> e<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Seus adeptos colocam como elemento norteador<br />
de uma “nova” <strong>Educação</strong> Física, um compromisso político com as<br />
classes oprimi<strong>da</strong>s, com vistas a transformações estruturais na<br />
socie<strong>da</strong>de, condição indispensável para um conviver Humano<br />
(BRACHT, 1989, p. 31).<br />
Bracht busca subsídios a partir do referencial teórico do marxismo 19 , do<br />
estrutural funcionalismo (teoria <strong>da</strong> diferenciação dos sistemas) e principalmente com o<br />
desenvolvimento de suas análises na teoria <strong>da</strong> ação comunicativa formula<strong>da</strong> por<br />
Habermas, ou seja, suas formulações se constroem a partir do ecletismo.<br />
19 Embora Bracht, em publicações recentes afirme a “hegemonia” do materialismo histórico nesse<br />
período, inclusive imputando a esse referencial a responsabili<strong>da</strong>de pela eclosão <strong>da</strong> crise na educação<br />
física, é fun<strong>da</strong>mental frisar dois pontos. Primeiro,que não houve tal hegemonia. Tecer denúncias sobre os<br />
problemas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista não é privilégio dessa teoria, assim, os principais teóricos que<br />
norteavam as discussões na educação física não se utilizavam desse referencial ou o utilizavam em<br />
conjunto com outros, às vezes com posições antagônicas. Como exemplo, Medina (1983), com<br />
referências em Paulo Freire e na fenomenologia; Oliveira (1983,1985), na psicologia de Carl Rogers;<br />
Soares (1992) com leituras de Marx e Engels e também análises de Foucault etc. Segundo ponto, a leitura<br />
do marxismo se dá, em geral, de forma superficial e não há contato direto com a obra marxiana. Este é<br />
feito por intermédio de outros autores (caso específico de Bracht), por exemplo, por intermédio de Demo<br />
(1983), Saviani (1999; 1991; em princípio), Habermas (1983), Schaff (1986) e outros. A obra<br />
Metodologia de ensino <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, escrita pelo que ficou conhecido como “Coletivo de<br />
Autores”, publica<strong>da</strong> em 1992, coloca na perspectiva do materialismo histórico dialético e possui entre<br />
seus autores representantes marxistas (e que continuam marxistas), mas também representantes <strong>da</strong> Teoria<br />
<strong>da</strong> Ação Comunicativa de Habermas (Bracht) e do campo <strong>da</strong> Nova História. Ou seja, nunca houve na<br />
educação física uma hegemonia do materialismo histórico. Houve denúncias sobre os problemas internos<br />
dessa prática social e sobre o capitalismo, um crescimento nos últimos anos do que se chama<br />
“progressista” ou “renovador”, com fun<strong>da</strong>mentação teórica na Fenomenologia, na Teoria Crítica e nas<br />
várias tendências Pós-Modernas. Concordo que no início <strong>da</strong>s discussões era difícil obter essa clareza em<br />
função do tipo de formação do professor de educação física, mas atualmente isto é plenamente possível<br />
e imprescindível.
Alerta que no modelo criticado, cuja matriz teórica é o positivismo, apresentam-<br />
se problemas entre o conhecimento científico produzido na “área” e a sua prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica. Chega a postular que normalmente o conhecimento produzido é inútil para<br />
a prática pe<strong>da</strong>gógica (BRACHT, 1992). O autor parece desconsiderar, assim como os<br />
professores em geral, que na ver<strong>da</strong>de o conhecimento produzido estava relacionado com<br />
uma determina<strong>da</strong> prática, a qual o autor queria transformar. A “matriz positivista”<br />
estava em consonância com a perspectiva de formação de atletas e em conformação<br />
com a organização social. Em desacordo estavam os projetos “revolucionários” ou<br />
“críticos”, visto que o fim <strong>da</strong> ditadura e a redemocratização não transformam a essência<br />
social capitalista, não eliminam a sua lógica e não constroem outra forma de<br />
organização social.<br />
To<strong>da</strong>via, Bracht argumenta que esse tipo de conhecimento, o positivista, enfoca<br />
questões que envolvem “neutrali<strong>da</strong>de e objetivi<strong>da</strong>de científica”, ou seja, envolve<br />
“questões técnicas” e não se preocupa com “questões práticas” nas quais devem ser<br />
toma<strong>da</strong>s “decisões de cunho normativo”. Para confirmar seus argumentos nos remete a<br />
Habermas:<br />
25<br />
Habermas (1988, p.11) 20 lembra que “questões técnicas colocam-se no<br />
sentido <strong>da</strong> organização de meios racionais com vistas a objetivos, e <strong>da</strong><br />
escolha racional entre meios alternativos tendo em vista objetivos<br />
<strong>da</strong>dos (valores e máximas). Questões práticas no entanto, colocam-se<br />
no sentido <strong>da</strong> aceitação ou rejeição de normas, especialmente de<br />
normas de ação, cuja aspiração de vali<strong>da</strong>de nós podemos fun<strong>da</strong>mentar<br />
ou rejeitar racionalmente. Teorias que pela sua estrutura servem para<br />
esclarecer questões práticas, são estrutura<strong>da</strong>s para entrar no âmbito <strong>da</strong><br />
ação comunicativa”. O que é importante ressaltar, é que “os interesses<br />
orientadores do conhecimento técnico e prático não são condutores <strong>da</strong><br />
cognição, que em função <strong>da</strong> aspiração de objetivi<strong>da</strong>de do<br />
conhecimento, precisariam ser colocados fora de ação. Eles muito<br />
mais determinam o aspecto sob o qual a reali<strong>da</strong>de pode ser objetiva<strong>da</strong><br />
e assim torna<strong>da</strong> acessível à experiência” (Idem, p.16) (BRACHT,<br />
1992, p. 40).<br />
Na <strong>Educação</strong> Física, em sua perspectiva, é preciso <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s questões<br />
normativas que envolvem valores, assim, “ela vai refletir (e fazer opções conscientes)<br />
em torno de uma visão (projeto) de mundo, de homem e de socie<strong>da</strong>de” (Ibid, p.41).<br />
Neste sentido, argumenta que na prática pe<strong>da</strong>gógica dessa disciplina as várias<br />
disciplinas científicas que estão envolvi<strong>da</strong>s devem ser teoriza<strong>da</strong>s pe<strong>da</strong>gogicamente, pois<br />
a “pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física enquanto ciência prática, tem seu sentido não na<br />
20 Bracht se refere à obra de Habermas Theorie und Praxis. Frankfurt, Suhrkamp, 1988.
‘compreensão, mas no aperfeiçoamento <strong>da</strong> práxis’” (Ibid, p.42, grifo do autor). Para<br />
uma teoria <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física 21 é preciso:<br />
26<br />
a) poder fun<strong>da</strong>mentar esta prática no currículo escolar, isto é, precisa<br />
dizer a quais necessi<strong>da</strong>des vem atender e <strong>da</strong> indispensabili<strong>da</strong>de de sua<br />
função, caracterizando assim o seu objeto – ou seja, precisa se<br />
defrontar com a pergunta do porquê <strong>Educação</strong> Física na Escola,<br />
legitimá-la (implica discutir os fun<strong>da</strong>mentos filóficoantropológicos,<br />
o significado humano e social <strong>da</strong> ludomotrici<strong>da</strong>de<br />
humana); b) desenvolver e apoiar-se numa concepção de currículo,<br />
definindo, entre outras coisas, a função <strong>da</strong> Escola no contexto societal,<br />
o saber ou o conteúdo de que vai tratar, bem como dos critérios para a<br />
seleção e sistematização destes conteúdos; c) em consonância com os<br />
objetivos e as características dos conteúdos, propor e fun<strong>da</strong>mentar<br />
uma metodologia do ensino; d) explicitar uma proposta para o<br />
problema <strong>da</strong> avaliação do ensino (Ibid, p.42, grifo meu).<br />
Com esses pressupostos, inicialmente propõe uma <strong>Educação</strong> Física que forme<br />
uma uni<strong>da</strong>de dialética entre “educação do, pelo e para o movimento”. Isto pressupõe<br />
que a “educação do movimento” se justifica porque a cultura corporal de movimento<br />
possui um “acervo produzido pelo homem que merece ser veiculado pela instituição<br />
educacional” (Ibid, p.49), com as devi<strong>da</strong>s críticas e superações a esse saber. “Educar<br />
pelo movimento” compreende considerar que os homens ao se relacionarem com o<br />
mundo se apropriam dele através do movimento e, “que as relações que os homens<br />
desenvolvem para com seus corpos (neste processo de apropriação do mundo)<br />
acontecem em condições histórico-sociais específicas e determina<strong>da</strong>s” (Ibid, p.49). E<br />
finalmente, “educar para o movimento” implicaria educar para o “não-trabalho” ou<br />
“lazer”.<br />
Bracht faz questão de repetir que os conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física estão<br />
relacionados com as ativi<strong>da</strong>des lúdicas e não com o trabalho. “Não é porque o trabalho é<br />
importante que a <strong>Educação</strong> Física é importante, mas porque o lazer é importante, a<br />
<strong>Educação</strong> Física é importante. A ‘utili<strong>da</strong>de’ <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física advém do seu caráter<br />
‘inútil’” (Ibid, p.51).<br />
Para o autor isto é fun<strong>da</strong>mental. Implica problemas para a legitimação dessa<br />
prática pe<strong>da</strong>gógica, porque, na escola a preocupação é com a preparação para o<br />
trabalho. Embora explique que com as mu<strong>da</strong>nças no setor produtivo a reprodução <strong>da</strong><br />
21 No mesmo ano que socializa essas idéias, Bracht publica como co-autor o livro Metodologia do Ensino<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Nesse livro, os autores tentam <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s questões que Bracht aponta para uma<br />
teoria <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas como indiquei anteriormente, seus autores possuem em comum: a<br />
tentativa de uma primeira sistematização desta disciplina e perspectivas teóricas distintas. Isto faz com<br />
que os fun<strong>da</strong>mentos e os resultados não sejam aqueles apresentados no desenvolvimento <strong>da</strong>s pesquisas de<br />
Bracht. Sobre o livro em questão, discuto nos capítulos 5 e 6 desta tese.
força de trabalho “se dá muito mais através de uma mais necessária recuperação<br />
psíquica. (...) cresce a importância do lazer também no processo de controle social, pois<br />
o mundo do lazer está colonizado pelo mundo do trabalho (Ibid, p.49-50, grifo do<br />
autor).<br />
Afirma equivoca<strong>da</strong>mente que o controle no lazer é possível em função <strong>da</strong><br />
“rígi<strong>da</strong>” separação entre a “esfera <strong>da</strong> produção” e a “esfera do consumo” e que,<br />
portanto, é necessário, “através de uma <strong>Educação</strong> Física crítica, fazer frente aos efeitos<br />
muitas vezes imbecilizantes <strong>da</strong> indústria cultural” (Ibid, p.50), normalmente<br />
compreendi<strong>da</strong> como a “esfera do consumo”.<br />
Ain<strong>da</strong> equivoca<strong>da</strong>mente propala que o lazer existente em nossa socie<strong>da</strong>de não<br />
precisa ser pensado como “uma função do setor produtivo”, ou seja, ele pode “se<br />
justificar por ele mesmo”. Busca seus argumentos em Marx citado por Galvão, que<br />
enuncia:<br />
brasileira:<br />
27<br />
Somente quando a história já tiver desenvolvido suficientemente<br />
as forças produtivas é que o homem poderá começar a se libertar<br />
do trabalho. Se o modo capitalista de produção trabalha-se para criar<br />
mais riqueza para o capital, o socialismo deveria encaminhar o<br />
trabalho social para a criação de mais liber<strong>da</strong>de, de mais tempo livre e<br />
menos tempo de trabalho socialmente necessário. É por esta razão que<br />
Paul Lafargue dizia que o socialismo seria a realização do direito à<br />
preguiça (GALVÃO apud BRACHT, 1992, p.51, grifo meu).<br />
Assim, Bracht conclui sua problemática e questiona em relação à socie<strong>da</strong>de<br />
Como justificar uma prática pe<strong>da</strong>gógica na Escola tendo como<br />
referência básica para sua fun<strong>da</strong>mentação o lazer, numa socie<strong>da</strong>de que<br />
nem sequer concretizou o acesso ao trabalho, e que mantém<br />
marginaliza<strong>da</strong> grande parte <strong>da</strong> população? (...) A <strong>Educação</strong> Física,<br />
nesta perspectiva, educaria no sentido de instrumentalizar o indivíduo<br />
para ocupar de forma autônoma seu tempo livre também com<br />
ativi<strong>da</strong>des corporais de movimento (com as consequências orgânicas,<br />
motoras, psíquicas e de quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> postula<strong>da</strong>s para as<br />
ativi<strong>da</strong>des corporais de movimento), de instrumentalizar o indivíduo<br />
para entender e se posicionar criticamente frente à nossa cultura<br />
corporal/movimento, e educaria no sentido de desenvolver uma<br />
sociabili<strong>da</strong>de composta de valores que permitam um enfrentamento<br />
crítico com valores dominantes (Ibid, p.51-52). 22<br />
22 É interessante verificar que as conclusões de Bracht se fazem a partir <strong>da</strong> citação de Marx apud Galvão<br />
(na obra Capital ou Estado? São Paulo: Cortez Editora, 1984), mas sem uma compreensão dos<br />
fun<strong>da</strong>mentos marxianos, o que ocasiona os equívocos cometidos pelo autor. A citação de Marx é a<br />
seguinte: “A riqueza efetiva <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e a possibili<strong>da</strong>de de ampliar sempre o processo de reprodução<br />
depende, não <strong>da</strong> duração do trabalho excedente, e sim <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de deste e do grau de eficiência <strong>da</strong>s<br />
condições de produção em que se efetua. De fato, o reino <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de começa onde o trabalho deixa de<br />
ser determinado por necessi<strong>da</strong>de e por utili<strong>da</strong>de exteriormente imposta, por natureza situa-se além <strong>da</strong>
O segundo momento ou fase 23 <strong>da</strong> produção teórica do autor corresponde ao<br />
início dos anos de 1990 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 2000. Nesse período no Brasil ocorre o<br />
desenvolvimento do processo de reestruturação produtiva e as políticas de Estado<br />
neoliberais, ações que compõem o quadro mundial de tentativas de reorganização do<br />
capital. Essa busca de alternativas de manutenção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista se dá em<br />
função <strong>da</strong>s crises provoca<strong>da</strong>s por sua própria lógica interna. Se coloca também uma<br />
descrença nos processos revolucionários socialistas provocados pelo fim <strong>da</strong> URSS.<br />
To<strong>da</strong> essa situação abre espaço para concepções teóricas conservadoras. Netto assim<br />
expõe, o contexto geral:<br />
28<br />
Na entra<strong>da</strong> dos anos noventa, o projeto socialista revolucionário<br />
parece experimentar um refluxo irreversível. A ‘crise do socialismo’<br />
(a razão <strong>da</strong>s aspas se verá em segui<strong>da</strong>) é apresenta<strong>da</strong> como a agonia de<br />
ideários que, prometéicos, buscavam a superação <strong>da</strong> ordem burguesa;<br />
a “pós-moderni<strong>da</strong>de”, sugere-se, é a sepultura <strong>da</strong> revolução – e esta é<br />
mostra<strong>da</strong> como um dinossauro <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de do século XIX. À<br />
base do seu proclamado fracasso, procura-se infirmar o seu o seu<br />
suporte elementar: a teoria social de Marx é desqualifica<strong>da</strong>. A ordem<br />
burguesa recupera a (pseudo) legitimi<strong>da</strong>de que se supunha típica <strong>da</strong><br />
sua apologia mais descara<strong>da</strong>: o velho mito (velha mistificação) do<br />
“fim <strong>da</strong> história” ressurge e ganha ampla ressonância. Em resumo: os<br />
passos em direção a uma ordem social diferente (o comunismo)<br />
revelaram-se um equívoco e sua sustentação (a obra marxiana)<br />
um sistema de erros; há que corrigir o desvio, retomar à<br />
“socie<strong>da</strong>de livre fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no mercado”, tratando de administrá-la<br />
razoável e honestamente – e os melhores candi<strong>da</strong>tos à gestão são<br />
os chamados neoliberais, ain<strong>da</strong> que se tolerem, nalguns casos, as<br />
aspirações de socialistas ditos democráticos”. (2001, p.11).<br />
Na educação física, os autores distanciam-se <strong>da</strong>s discussões relativas à<br />
organização social e, como em Bracht, o enfoque passa a ser a discussão sobre a<br />
produção do conhecimento, vislumbrando que uma possível definição de um objeto e de<br />
uma linguagem própria poderia contribuir para superar a crise de legitimi<strong>da</strong>de.<br />
Problematizar então acerca <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de implicava discutir se a educação física é<br />
esfera <strong>da</strong> produção propriamente dita. O esforço para produzir com menor dispêndio de energia e nas<br />
condições mais condignas com a natureza humana situar-se-á sempre no reino <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de. É além<br />
dele que começa o desenvolvimento <strong>da</strong>s forças humanas como um fim em si mesmo, o reino genuíno <strong>da</strong><br />
liber<strong>da</strong>de, que só pode florescer tendo por base o reino <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de. E a condição fun<strong>da</strong>mental desse<br />
desenvolvimento humano é a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> de trabalho”. Bracht não aponta a página <strong>da</strong> obra de<br />
Galvão de onde extraiu essa citação de Marx.<br />
23 De certa forma, esse segundo momento foi “sintetizado” pelo autor com a publicação, em 1999, do<br />
livro <strong>Educação</strong> Física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Neste, Bracht apresenta, de forma<br />
organiza<strong>da</strong> por temas, os seus artigos publicados durante a déca<strong>da</strong> de 1990. Desta vez sem advertências<br />
quanto a sua concordância com o conteúdo.
uma prática pe<strong>da</strong>gógica e/ou uma ciência?; qual ciência?; é possível a<br />
interdisciplinari<strong>da</strong>de? E, ain<strong>da</strong>, a partir de caminhos encontrados, formulavam-se<br />
tentativas de sistematizar ou indicar como organizar essa disciplina na escola. Na<br />
segun<strong>da</strong> metade dos anos 1990, se acentuam também, na área e no autor em questão, as<br />
discussões e as críticas à razão científica e se aceita que esta está em crise, ou seja,<br />
acompanham o movimento apontado por Netto na citação anterior.<br />
Encaminhando as questões, Bracht, possui inicialmente uma preocupação em<br />
sintetizar o interesse <strong>da</strong> área em avaliar a produção do conhecimento 24 . Isto se dá em<br />
relação à necessi<strong>da</strong>de de orientar o seu desenvolvimento científico. Nesse contexto, o<br />
autor denomina a “área” como EF/CE (<strong>Educação</strong> Física/Ciências do Esporte),<br />
exatamente pela falta de uma definição mais precisa e assevera que esses problemas<br />
acompanhavam os professores/pesquisadores desde a déca<strong>da</strong> de 1970. Entretanto,<br />
naquele momento a preocupação era fortalecer as pesquisas na área com o objetivo de<br />
garantir a eficiência do sistema esportivo. O novo rumo pretendido para a problemática<br />
impulsionava para a tentativa de construir “uma prática científica mais afina<strong>da</strong> com<br />
os interesses democráticos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira” (1993, p.111, grifo meu).<br />
Assim, Bracht (1993; 1995; 1999a) apresenta dois momentos dessas avaliações.<br />
O primeiro, na déca<strong>da</strong> de 1980, com estudos nos quais os pesquisadores se<br />
preocupavam em identificar as “subáreas” e o percentual de pesquisas em ca<strong>da</strong> uma<br />
delas 25 . Como resultado, apresenta que havia uma predominância <strong>da</strong>s ciências naturais<br />
com estudos nas subáreas <strong>da</strong> medicina esportiva, fisiologia e cineantropometria, e<br />
apenas a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980 há um crescimento em pesquisas nas ciências sociais<br />
e humanas, com estudos nas subáreas pe<strong>da</strong>gógicas e socioculturais.<br />
24 Essa produção, em parte, está relaciona<strong>da</strong> à produção do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte). É interessante notar que até a primeira metade <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 Bracht está na presidência do<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte – CBCE e, em suas análises, sem perder o foco <strong>da</strong> educação<br />
física e de sua relação com a ciência na tentativa de legitimação e construção do campo acadêmico, busca<br />
avaliar a produção na área em geral e também no CBCE. Es,e processo de avaliação continua em suas<br />
publicações até o final <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> déca<strong>da</strong>. Essas preocupações são acompanha<strong>da</strong>s pelos professores que<br />
apresentam seus trabalhos no CONBRACE no período analisado nesta tese, conforme os quadros 1 e 2<br />
apresentados no capítulo 6.<br />
25 Esses estudos foram apresentados por Matsudo em Palestra proferi<strong>da</strong> no III Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Guarulhos, 1983; Canfield em Pesquisa e pós-graduação em educação física. In:<br />
Passos, S. C. (org.). <strong>Educação</strong> Física e esportes na universi<strong>da</strong>de. Brasília: MEC, 1988; Tubino em As<br />
tendências internacionais de pesquisa em educação física. Kinesis, número especial, dez., 1984; Faria Jr<br />
em A contribuição <strong>da</strong> pós-graduação para o desenvolvimento do corpo de conhecimentos <strong>da</strong> educação<br />
física (1975 – 1984). Rio de Janeiro, 1987.<br />
29
O segundo momento de avaliações apresentado pelo autor ocorre no início <strong>da</strong><br />
déca<strong>da</strong> de 1990, quando acontece uma preocupação com as “concepções de ciência” 26 .<br />
Os resultados <strong>da</strong>s pesquisas demonstram uma orientação de cunho positivista ou<br />
empírico analítica e um “tímido” surgimento de pesquisas na fenomenologia<br />
hermenêutica e no materialismo histórico dialético.<br />
Além disso, Bracht (1999a) levanta uma série de questões expostas por essas<br />
pesquisas, que sintetizo: aponta que a investigação na área é heterogênea e não há uma<br />
uni<strong>da</strong>de demonstrando uma ausência de paradigma; as pesquisas se direcionam para as<br />
“ciências-mães”, ocasionando a falta de “autonomia científica”, relegando o tema<br />
específico <strong>da</strong>s EF/CE em plano secundário e tornando a prática científica<br />
multidisciplinar no lugar de torná-la interdisciplinar; apresenta problemas de cunho<br />
metodológico, que produzem pesquisas ora com um “objetivismo empirista ingênuo”,<br />
ora pesquisas com um “discurso hiperpolitizado”, que levaram a um descuido do rigor<br />
metodológico, e por fim, não há critérios definidos que separem os pesquisadores que<br />
pertencem às ciências do esporte e os que pertencem à educação física em função dos<br />
professores de educação física pesquisar nessas duas áreas.<br />
Esses resultados levantados levam o autor a se perguntar sobre a legitimi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s ciências do esporte sob vários aspectos, como, por exemplo, “por que e para que<br />
elas existem?”; e “quais as bases (teoria <strong>da</strong> ciência) sobre as quais assenta sua prática<br />
científica, sua produção do conhecimento?” (Idem, p. 84). Assim, busca as raízes <strong>da</strong><br />
problemática na compreensão <strong>da</strong> “moderni<strong>da</strong>de” 27 e a sua relação estreita com o<br />
esporte. Relação, segundo Bracht, permea<strong>da</strong> pela “racionali<strong>da</strong>de científica hegemônica<br />
(denomina<strong>da</strong> pelos frankfurtianos “razão instrumental”), porque está volta<strong>da</strong><br />
26 Os estudos sintetizados por Bracht foram dos pesquisadores Rossana V. S. e Silva em1990 (dissertação<br />
de mestrado); Faria Jr em Produção do conhecimento na educação física brasileira: dos cursos de<br />
graduação à escola de 1º e 2º graus. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol. 13, nº 1, p.45-<br />
53,1991; Gamboa em A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto. In: Fazen<strong>da</strong>, I. (org.).<br />
Metodologia <strong>da</strong> pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989; Francisco Sobral em Problemas <strong>da</strong><br />
investigação científica em ciências do desporto: teses e propostas de orientação. Revista <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física/UEM, n.3, v. 1, p.57-61, 1992;Gaya em As ciências do desporto nos países de língua portuguesa.<br />
Revista Horizonte, Lisboa, IX(53): 165-72, 1993; Fernan<strong>da</strong> Paiva em Ciência e poder simbólico no<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Vitória: UFES, 1994.<br />
27 É interessante observar que no início <strong>da</strong> crise de legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física, nos anos de 1980, a<br />
referência e as críticas eram à socie<strong>da</strong>de capitalista, com a aproximação maior do autor aos teóricos <strong>da</strong><br />
Escola de Frankfurt e de autores pós-modernos, a referencia para tecer críticas aos modelos constuídos na<br />
educação física passa a ser a moderni<strong>da</strong>de. Bracht explica que “A chama<strong>da</strong> EF moderna é filha <strong>da</strong><br />
moderni<strong>da</strong>de. Isso significa que ela surge num quadro social em que a racionali<strong>da</strong>de científica se afirma<br />
como a forma correta de ler a reali<strong>da</strong>de e que o Estado burguês se afirma como forma legítima de<br />
organização do poder e a economia capitalista basea<strong>da</strong> na indústria emerge e se consoli<strong>da</strong>” (BRACHT,<br />
1999a, p.28). Posteriormente apresentará um posicionamento mais definido do que significa a<br />
moderni<strong>da</strong>de.<br />
30
exatamente para o aumento <strong>da</strong> eficiência dos meios, excluindo, por definição, a<br />
discussão em torno dos fins dessa prática” (Idem, p.87). Neste sentido, o que direciona a<br />
produção do conhecimento é o interesse técnico e não “os interesses prático e<br />
emancipatório” 28 . O que o autor reivindica nesse caso é: “uma reflexão sobre a<br />
legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Ciências do Esporte, que ultrapasse uma legitimação funcional pela<br />
obvie<strong>da</strong>de do desporto [e que] busque ancorar-se num projeto emancipatório” (Idem,<br />
90).<br />
Outra reflexão que Bracht faz a partir de to<strong>da</strong>s essas constatações e que<br />
considera fun<strong>da</strong>mental é a “construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de epistemológica” 29 <strong>da</strong> área e, para<br />
isto, é necessário, a busca sobre qual é o objeto <strong>da</strong> educação física. Inicialmente,<br />
concor<strong>da</strong> parcialmente com Go Tani quando este trata <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de distinguir a<br />
educação física enquanto profissão e enquanto disciplina acadêmica. Para Bracht, essa<br />
diferenciação é importante, porém adverte que isto não pode ocasionar algum tipo de<br />
antagonismo:<br />
31<br />
Entendemos que não há antagonismo, mas, reconhecer a EF primeiro<br />
enquanto prática pe<strong>da</strong>gógica é fun<strong>da</strong>mental para o reconhecimento, do<br />
tipo de conhecimento, de saber necessário para orientá-la e para o<br />
reconhecimento do tipo de relação possível/desejável entre a<br />
<strong>Educação</strong> Física e o “saber científico”, ou as disciplinas científicas 30<br />
(1999a, p. 66).<br />
Com essa separação entre o cientista e o professor que normalmente faz questão<br />
de afirmar, ou seja, que a área <strong>da</strong> educação física se caracteriza como um campo de<br />
aplicação do conhecimento e não de sua produção, compreende o autor que a prática<br />
28 Essas diferenciações entre “interesse prático” e “interesse emancipatório”, Bracht toma de Habermas e<br />
explica em nota de ro<strong>da</strong>pé (nota n.12 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> edição) fazendo referencia a este autor: “argumenta que<br />
to<strong>da</strong> produção do conhecimento tem a norteá-la um interesse cognitivo. Ele classifica esses interesses em<br />
técnico, prático e emancipatório. O interesse cognitivo determina como o fenômeno será objectualizado.<br />
‘As ciências estritamente empíricas estão sob as condições transcendentais <strong>da</strong> ação instrumental,<br />
enquanto que as ciências hermenêuticas procedem ao nível <strong>da</strong>s ações comunicativas’” (HABERMAS<br />
apud BRACHT, 1999, p.88).<br />
29 Bracht (1993) aponta que foram também realizados estudos em que os autores se preocuparam com a<br />
identi<strong>da</strong>de epistemológica <strong>da</strong> área. São eles: o filósofo português Manoel Sérgio no livro Motrici<strong>da</strong>de<br />
Humana: uma nova ciência do homem. Lisboa: D.G.D., 1986 ( tese <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> motrici<strong>da</strong>de humana);<br />
Go Tani no texto Pesquisa e pós-graduação em educação física. In: Passos, S. C. E. (org.). <strong>Educação</strong><br />
física e esportes na universi<strong>da</strong>de. Brasília: MEC, 1988; Silvino Santin em <strong>Educação</strong> física: temas<br />
pe<strong>da</strong>gógicos: Porto Alegre: EST/ESEF, 1992; Apolônio A. do Carmo em Estatuto epistemológico <strong>da</strong><br />
educação física. Caderno Pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> Secretaria de Estado <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> do Paraná. Curitiba: SEDU,<br />
1987; Hugo Lovisolo nos textos: <strong>Educação</strong> Física como arte <strong>da</strong> mediação. Ijuí: Contexto & <strong>Educação</strong>,<br />
1993 e <strong>Educação</strong> física arte <strong>da</strong> mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.<br />
30 Exatamente neste ponto do texto o autor insere uma nota de ro<strong>da</strong>pé (nota n.11 <strong>da</strong> presente edição) de<br />
caráter complementar, de suma importância citando Hugo Lovisolo: “Confundir os dois papéis, o do<br />
cientista e o do Bricoleur ou ‘interventor’, é o primeiro e freqüente mal-entendido que encontramos entre<br />
os educadores físicos” (LOVISOLO apud BRACHT, 1999, p.66).
pe<strong>da</strong>gógica deve orientar a “construção <strong>da</strong> problemática teórica”. Entretanto, ao<br />
mesmo tempo, para ele, o objeto não é <strong>da</strong>do ou não está <strong>da</strong>do na reali<strong>da</strong>de, é preciso<br />
construí-lo 31 . Assim:<br />
32<br />
Não são as relações reais entre ‘coisas’ o que constitui o princípio de<br />
delimitação dos diferentes campos científicos, e sim, as relações<br />
conceituais entre problemas. Somente assim, onde se aplica um<br />
método novo a novos problemas e onde, portanto, se descobrem novas<br />
perspectivas nasce uma ‘ciência nova’ (BOURDIEU et al. apud<br />
BRACHT, 1999a, p. 67).<br />
A partir dessas argumentações equivoca<strong>da</strong>s, Bracht conclui que não existe na<br />
educação física/ciências do esporte a construção de um objeto único. Estes são<br />
construídos em função <strong>da</strong>s perspectivas de investigação científica:<br />
Ou seja, na biomecânica, na aprendizagem motora, na sociologia<br />
do esporte, na fisiologia do esforço, etc., o movimento humano<br />
enquanto objeto científico não é o mesmo. Então não temos um<br />
objeto científico. Isto modifica a percepção do problema que se<br />
tem colocado como o <strong>da</strong> fragmentação do conhecimento em<br />
torno do movimento humano. Isto explica porque as chama<strong>da</strong>s<br />
ciências do esporte, ca<strong>da</strong> vez menos mantêm diálogo entre si<br />
(mesmo tendo como ‘objeto’ o movimento humano ou o<br />
esporte) e tendem, ou a criar organizações específicas, na<br />
ver<strong>da</strong>de, fóruns específicos de discussão (...), ou então de<br />
retornarem ou buscarem o abrigo <strong>da</strong>s disciplinas mães<br />
(psicologia, fisiologia, sociologia, etc.) onde a identi<strong>da</strong>de<br />
epistemológica é determina<strong>da</strong> pela disciplina mãe e não pela<br />
especiali<strong>da</strong>de, ou seja, sociologia do esporte ou fisiologia do<br />
esforço não é ciência do esporte e sim ciência sociológica ou<br />
fisiológica (1993, p.115, grifo do autor).<br />
31 Não posso deixar de apresentar que Bracht, no sentido de argumentar sobre a construção do objeto,<br />
recorre à formulação de Bourdieu et al. ao citar Saussure e, mais uma vez compartilha com equívocos em<br />
relação a Marx. Nos termos dos autores: “‘o ponto de vista cria o objeto’ (p.51). Isto é, uma ciência não<br />
pode definir-se por um setor do real que lhe corresponder. Continuam os autores, citando então Marx: ‘a<br />
totali<strong>da</strong>de concreta, como reali<strong>da</strong>de do pensamento é, de fato, um produto do pensamento na concepção’<br />
(Idem, p.51)” (BRACHT 1993, p. 115). A frase de Marx posta desta forma não tem sentido. Sua<br />
compreensão vai na direção oposta à destes pesquisadores. A consciência humana apreende a reali<strong>da</strong>de,<br />
mas a reali<strong>da</strong>de não é um produto do pensamento, ou seja: “O concreto é concreto porque é síntese de<br />
múltiplas determinações, isto é, uni<strong>da</strong>de do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o<br />
processo <strong>da</strong> síntese, como resultado, não como ponto de parti<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que seja o ponto de parti<strong>da</strong> efetivo<br />
e, portanto, o ponto de parti<strong>da</strong> também <strong>da</strong> intuição e <strong>da</strong> representação. No primeiro método, a<br />
representação plena volatiza-se em determinações abstratas; no segundo, as determinações abstratas<br />
conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de<br />
conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofun<strong>da</strong> em si, e se move por<br />
si mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto, não é senão a<br />
maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto<br />
pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo <strong>da</strong> gênese do próprio concreto” (MARX, 1987,<br />
p.16-7, grifo do autor).
Bracht argumenta ain<strong>da</strong> sobre essa questão que, “embora, sob a perspectiva <strong>da</strong><br />
prática, exista realmente um objeto comum, o mesmo não acontece com a<br />
produção do conhecimento” (1999a, p. 93, grifo meu). Isto é possível, segundo o<br />
autor, como já mencionado, exatamente porque o objeto é construído: “Ca<strong>da</strong> método é<br />
uma linguagem e a reali<strong>da</strong>de responde na língua em que é pergunta<strong>da</strong>”. (SANTOS apud<br />
BRACHT, Ibidem, p.93). Desse modo, é evidente que para o autor a linguagem fun<strong>da</strong> o<br />
real e é a partir dessa reali<strong>da</strong>de formula<strong>da</strong> pelos discursos que se constrói o<br />
conhecimento.<br />
Mais um aspecto essencial para o autor nessa discussão, em função de considerar<br />
a educação física uma prática pe<strong>da</strong>gógica, é a questão relativa ao o “olhar” <strong>da</strong><br />
pe<strong>da</strong>gogia 32 , que, conforme Bracht, possui “problemas semelhantes”, ser ou não ser<br />
ciência e construir, “uma disciplina (no caso ain<strong>da</strong> adjetiva<strong>da</strong> de científica) síntese ou<br />
articuladora que pudesse fornecer o saber necessário – ou que pudesse construir esse<br />
saber – para orientar a prática dos educadores” (1993, p. 115).<br />
Seria necessária, de acordo com Bracht, a construção de uma nova ciência cuja<br />
investigação se voltasse para a prática pe<strong>da</strong>gógica 33 . Nova ciência porque esta precisaria<br />
ultrapassar os limites <strong>da</strong> “ciência clássica” e do próprio “teorizar científico”. Seria<br />
necessário que este “teorizar” contemplasse “o biológico, o psicológico o social, mas<br />
também o ético e o estético, numa perspectiva globalizante – portanto numa nova<br />
construção do objeto” (Idem, p.116). Assim, direciona a questão novamente à razão<br />
comunicativa de Habermas:<br />
33<br />
Para que a EF se desse por satisfeita com o conhecimento<br />
científico precisamos ampliar o significado de ciência, ou fazela<br />
operar, como querem K. O. Apel e J. Habermas com um<br />
novo conceito de razão, a razão comunicativa, que<br />
englobaria a razão teórica, a razão prática e a dimensão <strong>da</strong><br />
subjetivi<strong>da</strong>de (Idem, p.116, grifo meu).<br />
Questiona<strong>da</strong> a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pesquisa em “ciências do esporte” e posta a<br />
necessi<strong>da</strong>de de construir uma identi<strong>da</strong>de epistemológica, as discussões na área foram<br />
32 Para Bracht (1996), historicamente o “discurso pe<strong>da</strong>gógico” foi colocado em segundo plano na<br />
educação física e só retorna às principais discussões nas déca<strong>da</strong>s de 1970 e 1980 quando seus professores<br />
freqüentam cursos de pós-graduação na área <strong>da</strong> educação.<br />
33 Sobre essa questão, Bracht utiliza como referência, entre outros, GAMBOA, S.S. Pesquisa em<br />
educação física: as inter-relações necessárias. Motrivivência. V. 5, n.5/6/7, p.34-46, 1994; e explique que<br />
a educação física e a pe<strong>da</strong>gogia “estariam situa<strong>da</strong>s no que chama de “novos campos epistemológicos”,<br />
cuja característica específica seria exatamente a dimensão <strong>da</strong> “ação” (que estou chamando de<br />
‘intervenção’): para este autor, a EF seria então, uma ciência <strong>da</strong> e para a ação” (1996, p.27, grifo do<br />
autor).
encaminha<strong>da</strong>s, segundo o autor, para duas possibili<strong>da</strong>des: ou buscar a uni<strong>da</strong>de<br />
epistemológica ou admitir a fragmentação e estar sujeito a um “diálogo de surdos”.<br />
Entretanto, Bracht aponta para um outro caminho. Ele vê a possibili<strong>da</strong>de para uma saí<strong>da</strong><br />
no chamado “pluralismo científico” e explica:<br />
acrescenta:<br />
34<br />
É preciso não incorrer no equívoco de reduzir a multiplici<strong>da</strong>de,<br />
“nem a uma uni<strong>da</strong>de inconstante, imune à controvérsia, dota<strong>da</strong><br />
de critérios unívocos de cientifici<strong>da</strong>de, nem a uma mera<br />
diversi<strong>da</strong>de, supostamente neutra”, pois, “o conceito de<br />
pluralismo científico abrange uma diversi<strong>da</strong>de antagônica e não<br />
neutra” (Martins, 1993, p.105) 34 . Para que não se busque uma<br />
solução simplista e negativa como a de excluir o antagônico,<br />
parece-nos só existir o lábil caminho <strong>da</strong> democracia interna; a<br />
humil<strong>da</strong>de democrática de não possuir a ver<strong>da</strong>de acaba<strong>da</strong> e<br />
absoluta e ao mesmo tempo reconhecer e fazer valer os<br />
melhores argumentos. Unir a vigilância epistemológica à<br />
vigilância democrática (Idem, p.117).<br />
Sobre a mesma questão, com um maior acúmulo de discussões, Bracht<br />
a <strong>Educação</strong> Física (ou pe<strong>da</strong>gogia, onde o esporte é um dos temas)<br />
oferece uma problemática teórica que pode ser trata<strong>da</strong> também<br />
cientificamente; essa problemática exige exercício/tratamento<br />
interdisciplinar, tanto entre diferentes disciplinas, quanto diferentes<br />
racionali<strong>da</strong>des. (...) viemos construindo a tese de que existe a<br />
possibili<strong>da</strong>de de construir um campo acadêmico a partir de um<br />
elemento integrador do esforço teórico <strong>da</strong> área <strong>da</strong> “EF”. Para tanto<br />
temos de superar o entendimento empirista-ingênuo de que o esporte,<br />
a ativi<strong>da</strong>de física, o movimento ou a motrici<strong>da</strong>de humana podem ser<br />
entendidos como um objeto científico (de uma ou de mais ciências).<br />
Assim, um pressuposto inicial é o de que tal elemento integrador,<br />
ou o nosso objeto, é uma problemática teórica compartilha<strong>da</strong><br />
(1999a, p.94-5 e p. 118, grifo meu).<br />
Caracterizando assim, como tem feitodesde o início de suas reflexões a educação<br />
física enquanto prática pe<strong>da</strong>gógica, reafirma de modo contundente que o corpo de<br />
conhecimentos <strong>da</strong> educação física deve ter como elemento norteador (identi<strong>da</strong>de<br />
‘epistemológica’) o “olhar” pe<strong>da</strong>gógico, é este “olhar” que constrói o objeto<br />
científico <strong>da</strong> área. Bracht então justifica que o conhecimento precisa ser construído na<br />
“problemática” que ele identifica como<br />
o movimentar-se humano e suas objetivações culturais na perspectiva<br />
de sua participação/contribuição para a educação do homem. Portanto,<br />
elemento caracterizador indispensável dessa proposta de problemática<br />
é a intenção pe<strong>da</strong>gógica, ou seja, o olhar que orientará a reflexão (na<br />
34 Bracht se refere a MARTIINS, E. de R. Pluralismo científico. In: STEIN, E., DE BONI, L. A. (org.).<br />
Dialética e Liber<strong>da</strong>de. Petrópolis/Porto Alegre: Vozes/Ed. Da UFRGS, 1993.
35<br />
busca de explicações e compreensões), sobre o movimenta-se humano<br />
e suas objetivações culturais (cultura corporal de movimento), é o<br />
pe<strong>da</strong>gógico (Idem, p.119).<br />
Neste sentido, para Bracht, “o olhar” pe<strong>da</strong>gógico implica tomar decisões<br />
políticas que definem os projetos políticos constituídos de uma perspectiva sobre o<br />
homem ou sobre o que deveria ser o homem. Fun<strong>da</strong>mental nesse processo, como o autor<br />
frisa em vários momentos, é construir o conhecimento a partir <strong>da</strong> prática, realizando um<br />
trabalho de síntese em relação às várias disciplinas científicas que envolvem essa<br />
construção. Quando isto não acontece, pode ocorrer a separação entre teoria e prática,<br />
como pondera Bracht:<br />
A forma como se estruturou o campo acadêmico <strong>da</strong> educação física<br />
levou a uma negligência desta, qual seja, a <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de<br />
articular o conhecimento em função <strong>da</strong> prática. Entendemos<br />
ser esta uma <strong>da</strong>s razões <strong>da</strong> tão identifica<strong>da</strong> distância entre a<br />
teoria e a prática na educação física – entre os teóricos e os<br />
práticos. A produção do conhecimento e os nossos currículos<br />
estão orientados por uma perspectiva cientificista, na qual as<br />
disciplinas se bastam a si próprias, não precisam tomar como<br />
referência as problemáticas <strong>da</strong> prática, podem se ater às suas<br />
próprias problemáticas (<strong>da</strong>s disciplinas de origem) – o professor<br />
de educação física aliás gosta de posar de cientista (1999,<br />
p.100, grifo meu).<br />
Com isto, reclama a negligência <strong>da</strong> área com o saber prático que é<br />
“desqualificado pela academia”. Isto o levará em suas experiências pe<strong>da</strong>gógicas com<br />
grupos de professores a radicalizar no sentido de considerar o cotidiano escolar como se<br />
este fosse destituído de conhecimentos científicos e negligenciar o conhecimento<br />
acumulado sobre as questões escolares.<br />
Nessa perspectiva, há ain<strong>da</strong> mais uma problemática já menciona<strong>da</strong> e que tem<br />
acompanhado o autor, a crítica à moderni<strong>da</strong>de, portanto à ciência moderna e à razão.<br />
Isto se torna mais evidente no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 35 , o que leva o autor a uma maior<br />
35 Como tenho afirmado, Bracht, em suas discussões, expressa o que acontece na área. No período em<br />
questão, conforme análise do CONBRACE, é possível verificar o crescimento vertiginoso <strong>da</strong>s tendências<br />
pós-modernas. Alguns ain<strong>da</strong> com posições ecléticas, outros assumindo radicalmente essas tendências.<br />
Bracht permanecerá no ecletismo (com raízes idealistas). Ao compartilhar com as posições de Habermas<br />
sobre a razão comunicativa, procura uma conciliação com os pós-modernos, principalmente com aqueles<br />
que como este filósofo define a linguagem como fun<strong>da</strong>dora do real. Mas Bracht não assume radicalmente<br />
o irracionalismo presente em vertentes pós-modernas. Neste sentido, deixa explícita como saí<strong>da</strong> para os<br />
problemas <strong>da</strong> relação educação física/ciência a seguinte abor<strong>da</strong>gem: “Como a EF, enquanto prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica, necessariamente envolve a dimensão do ético normativo, para que a ciência (ou a<br />
racionali<strong>da</strong>de científica) possa lhe fornecer a fun<strong>da</strong>mentação necessária, é preciso, ou complementar o<br />
conhecimento científico com a filosofia (...) ou, trabalhar com um novo conceito de racionali<strong>da</strong>de (...) que
consideração às discussões pós-modernas com seu relativismo, jogos de linguagens nas<br />
diferentes racionali<strong>da</strong>des, sem procurar por uni<strong>da</strong>des etc.<br />
Neste sentido, discute que historicamente muitos têm alertado sobre as<br />
limitações do conhecimento científico, mas que essa consciência apenas se fortaleceu<br />
nesse período. Bracht afirma não desconsiderar os avanços científicos, principalmente<br />
nas áreas tecnológicas, genética e outras, mas em se tratando do “conhecimento <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de social”, o conhecimento científico possui mais limites 36 . Isto se dá porque o<br />
conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de modifica a reali<strong>da</strong>de, ou seja:<br />
36<br />
O conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social modifica esta mesma reali<strong>da</strong>de e<br />
pode alterar o decurso de seu movimento, ou seja, as previsões feitas<br />
com base na identificação de leis que regem a reali<strong>da</strong>de não se<br />
confirmam em função <strong>da</strong>s alterações provoca<strong>da</strong>s pelo conhecimento<br />
destas leis ou previsões feitas a partir de teorias. Isto se deve ao fato<br />
de que, no caso <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social, o conhecimento não é exterior à<br />
reali<strong>da</strong>de. (...) Ao ácido lático não ocorrerá modificar seu<br />
comportamento metabólico em função <strong>da</strong>s teorias fisiológicas<br />
poderem prever onde ele é metabolizado após um esforço físico. (...)<br />
as previsões sobre o desempenho econômico modificam o próprio<br />
mercado, fazendo com que as previsões iniciais não se confirmem.<br />
(...) As teorias ou as previsões estão equivoca<strong>da</strong>s? A ciência<br />
econômica não é rigorosa o suficiente? (...) As ciências sociais são<br />
impossíveis? Nem uma coisa nem outra, os exemplos apenas ilustram<br />
os limites <strong>da</strong>s teorias neste campo (Idem, p. 97, grifo do autor).<br />
Ain<strong>da</strong> sobre os problemas <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> ciência moderna, explica<br />
algumas posições de autores que fazem sua crítica e expõe:<br />
As humani<strong>da</strong>des (Geistswissenschaften) devem operar com a<br />
categoria <strong>da</strong> compreensão, ao passo que as ciências naturais<br />
(Naturwissenschaften) operam com a categoria <strong>da</strong> explicação.<br />
Compreender (verstehen) é uma operação diferente <strong>da</strong> de explicar<br />
(erklären) e, para o caso <strong>da</strong>s humani<strong>da</strong>des, o adequado é o primeiro:<br />
compreender o sentido/significado subjetivo <strong>da</strong>s condutas humanas<br />
(BRACHT, 1999a, p. 34-5).<br />
consiga estabelecer a ponte entre o fático e o normativo sem abdicar <strong>da</strong> pretensão à racionali<strong>da</strong>de para<br />
suas assertivas. Esse é o projeto conhecido de J. Habermas, o <strong>da</strong> razão comunicativa. Mas, base para tal<br />
empreendimento é a superação do paradigma científico centrado na relação sujeito-objeto, a favor do<br />
paradigma <strong>da</strong> linguagem (a partir <strong>da</strong> vira<strong>da</strong> lingüística opera<strong>da</strong> pela filosofia analítica e pela<br />
hermenêutica), que se constitui em base do conceito de razão comunicativa. (...) superar o dualismo entre<br />
a racionali<strong>da</strong>de técnica e a racionali<strong>da</strong>de normativa, a teoria <strong>da</strong> ação comunicativa busca uma<br />
racionali<strong>da</strong>de prática de ação comum à procura dos melhores objetivos através do diálogo” (BRACHT,<br />
1999, p.124-25).<br />
36 Bracht nessa discussão também chama a atenção para a questão <strong>da</strong> “neutrali<strong>da</strong>de científica”. Explica<br />
que esta “seria decorrente do postulado <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de (a reali<strong>da</strong>de é um <strong>da</strong>do, esta aí), ou seja, do retrato<br />
fiel <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, que foram transferidos para as ciências sociais e humanas” (1999, p. 97). Argumenta<br />
entre outras coisas que para os cientistas a dimensão política estaria no uso que se faz <strong>da</strong> ciência e não na<br />
sua produção, este equivoco deveria ser superado e a comuni<strong>da</strong>de científica deveria assumir a sua<br />
“responsabili<strong>da</strong>de social”. Para o autor, isto coloca novos problemas, como, “enfrentar as questões éticopolíticas<br />
que quem assume esta posição geralmente faz” (Idem, p. 98).
Assume que no caso <strong>da</strong> educação física é fun<strong>da</strong>mental não se posicionar em<br />
favor de uma ou outra abor<strong>da</strong>gem de ciência – naturais ou humanas – porém entender<br />
qual “tipo de conhecimento”, “possibili<strong>da</strong>des” e “limites” <strong>da</strong>s abor<strong>da</strong>gens, pois: “To<strong>da</strong><br />
abor<strong>da</strong>gem científica é “pré-conceituosa”, portanto, oferece explicações/interpretações<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de que são relativas (a um ponto de vista) e, por conseqüência, limita<strong>da</strong>s pelo<br />
aparato teórico-metodológico própria <strong>da</strong>quela disciplina” (Idem, p. 35).<br />
Enfim, para a educação física enquanto uma prática pe<strong>da</strong>gógica o teorizar<br />
deveria ser integrador em relação às várias abor<strong>da</strong>gens, tendo como ponto de referência<br />
“as necessi<strong>da</strong>des específicas” dessa prática. Ain<strong>da</strong> assim se pergunta sobre a existência<br />
de um “saber prático ou corporal” que resista à teorização 37 . Neste sentido, faz a<br />
seguinte reflexão:<br />
37<br />
Racionalizar algo que ao ser racionalizado se descaracteriza. Ou seja,<br />
existiria uma dimensão <strong>da</strong>s experiências/vivências humanas, passíveis<br />
de serem propicia<strong>da</strong>s também pelo movimenta-se (nas diferentes<br />
formas culturais) que “resistiria às palavras”, ou dito de outra forma,<br />
não seria possível pe<strong>da</strong>gogizá-la via descrição científica <strong>da</strong>s mesmas;<br />
fugiria ao controle, à previsão (<strong>da</strong> ciência), seriam de certa forma<br />
únicas, singulares (1996, p.26).<br />
E sintetiza: “Diria que o teorizar na EF precisa ultrapassar as limitações <strong>da</strong><br />
racionali<strong>da</strong>de científica, para integrar no seu teorizar/fazer a dimensão do ético e do<br />
estético.” (1999a, p.39). Bracht parece estar divido entre a possibili<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> de uma<br />
razão (comunicativa) e as colocações atraentes <strong>da</strong>s perspectivas pós-modernas.<br />
No último momento <strong>da</strong>s elaborações teóricas do autor, algumas dessas<br />
discussões descritas tomam uma maior contundência. Trata-se de um<br />
aprofun<strong>da</strong>mento de algumas posições, por isso, di<strong>da</strong>ticamente, trato como um terceiro<br />
momento que se inicia no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, concomitantemente a algumas <strong>da</strong>s<br />
discussões anteriores, e se estende na déca<strong>da</strong> de 2000.<br />
Nesse período, Bracht está envolto com as pesquisas de LESEF (Laboratório de<br />
Estudos em <strong>Educação</strong> Física), realizando trabalhos de formação continua<strong>da</strong> 38 com<br />
professores de educação física de Vitória – ES. Ain<strong>da</strong> discute a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
37 Em vários momentos, ao discutir sobre essa questão Bracht tece elogios à Mauro Betti, autor do artigo<br />
O que a semiótica inspira ao ensino <strong>da</strong> educação física publicado na revista Discorpo, em 1994.<br />
38 Essas pesquisas parecem ter se iniciado em 1996 e foram divulga<strong>da</strong>s no CONBRACE no GTT – Escola<br />
em 1999 e 2001, e se encontram mapea<strong>da</strong>s no capítulo 6 desta tese. Há também a publicação Bracht, V.<br />
et. al..Pesquisa em ação: educação física na escola. Ijuí: Unijuí, 2003 e um artigo: “Bracht, V. et. al. A<br />
prática pe<strong>da</strong>gógica em educação física: a mu<strong>da</strong>nça a partir <strong>da</strong> pesquisa ação. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. Campinas: Autores Associados, v.23, n.2, p.9-29, 2002.
educação física na escola, e sua ênfase está nas críticas à moderni<strong>da</strong>de e à racionali<strong>da</strong>de<br />
científica e busca uma conciliação entre a razão (comunicativa) e os discursos pós-<br />
modernos, que prefere nomear diferentemente ao conhecer os pressupostos teóricos de<br />
Bauman. Assim, os problemas permanecem e as posições se radicalizam.<br />
O autor enuncia ser impossível definir o que é ciência. Por conseguinte, a<br />
discussão sobre a educação física ser ou não ciência deve ser redimensiona<strong>da</strong>. Bracht<br />
explica quais são os seus pressupostos:<br />
38<br />
a) de que a <strong>Educação</strong> Física não é uma ciência, que sua característica<br />
central é a de ser uma prática de intervenção social imediata, que<br />
obviamente não pode prescindir do conhecimento científico para<br />
efetivar tal intervenção;<br />
b) que não é possível satisfazer critérios epistemológicos que<br />
permitam identificar uma ciência (seja <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, do<br />
Movimento Humano ou <strong>da</strong> Motrici<strong>da</strong>de Humana (BRACHT, 2000,<br />
p.55-56).<br />
Nesse novo momento, a avaliação realiza<strong>da</strong> acerca o conhecimento científico na<br />
área é de outra ordem. Bracht indica com maior nitidez as polêmicas que se instalaram<br />
na educação física e as separa “di<strong>da</strong>ticamente” em dois polos: um diz respeito à<br />
existência de “pluralismo, diversi<strong>da</strong>de, diferença, particularismo, fragmentação,<br />
antifun<strong>da</strong>mentalismo, irracionalismo, acaso/caos” (BRACHT, 1999a, p. 131); o outro<br />
diz respeito à “uni<strong>da</strong>de, totali<strong>da</strong>de, universali<strong>da</strong>de, ordem e racionalismo” (Idem). Dito<br />
de outra forma, trata-se de “uma polarização do tipo: modernos ou iluministas versus<br />
pós-modernos ou pós-estruturalistas” (BRACHT; ALMEIDA, 2006, p. 5).<br />
Para os autores, como apresentei antes, a moderni<strong>da</strong>de está em crise 39 e,<br />
subjacente a esse sentimento de crise, o que temos é uma crise do<br />
projeto moderno de civilização elaborado pela Ilustração européia<br />
com base em motivos judeo-clássico-cristãos e aprofun<strong>da</strong>dos em dois<br />
séculos subseqüentes por movimentos como o liberal-capitalismo e o<br />
socialismo. (...) a moderni<strong>da</strong>de gerou (e inúmeros sentidos)<br />
basicamente dois modos de produção: o capitalismo e o socialismo.<br />
Isso significa que concebido como modo de produção, o socialismo<br />
marxista é, tal como o capitalismo, parte constitutiva <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de.<br />
(Santos, 2000). Em outros termos, o programa socialista pode ser<br />
entendido como uma versão do projeto <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, aguçando e<br />
radicalizando a promessa que a socie<strong>da</strong>de moderna como um todo<br />
jurava cumprir (BAUMAN, 1999a) 40 (Idem, p.6 -7).<br />
39 Bracht e Almei<strong>da</strong> explicam, a partir de Bauman, que a crise faz parte <strong>da</strong> essência humana, ou seja, “a<br />
crise, à medi<strong>da</strong> que se refere à invali<strong>da</strong>ção dos jeitos e maneiras costumeiros e à resultante incerteza sobre<br />
como prosseguir, é o estado normal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de humana” (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA<br />
2006, p.37).<br />
40 Bracht e Almei<strong>da</strong> tomam como base para as suas afirmações: ROUANET, S. P. Moderno e pósmoderno.<br />
Rio de Janeiro: Ed. <strong>da</strong> Uerj, 1994; SANTOS, B. S.. A crítica <strong>da</strong> razão indolente: contra o<br />
desperdício <strong>da</strong> razão. São Paulo: Cortez e, BAUMAN, Z.. Moderni<strong>da</strong>de e ambivalência. Rio de
As críticas de Bracht em relação ao modelo de educação física positivista<br />
predominante até a déca<strong>da</strong> de 1970 se estendem às discussões “críticas” que ele chama<br />
agora de “engaja<strong>da</strong>s”, e que ocorreram na déca<strong>da</strong> de 1980. Na ver<strong>da</strong>de, suas críticas se<br />
remetem principalmente ao materialismo histórico (socialismo) 41 .<br />
Aponta como críticos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de a Escola de Frankfurt (teoria crítica,<br />
principalmente Adorno) e os pós-modernos. Nos primeiros, a crítica é ain<strong>da</strong> realiza<strong>da</strong> a<br />
partir <strong>da</strong> perspectiva <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, e nos segundos há “movimento de despedi<strong>da</strong>” e<br />
de “repúdio à moderni<strong>da</strong>de”. Bracht 42 , juntamente com Almei<strong>da</strong>, fazem um balaço <strong>da</strong>s<br />
duas críticas, procurando os pontos positivos e negativos, os encontram e se encantam<br />
com a perspectiva anuncia<strong>da</strong> por Bauman. Os motivos desse encanto, entre outros, são o<br />
fato de sua “sociologia <strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de” apresentar, na “sensibili<strong>da</strong>de pós-moderna” ou<br />
na “moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>”, a “possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teoria e ação crítica” (2006, p. 9), e ain<strong>da</strong><br />
trouxe a possibili<strong>da</strong>de de realizar uma leitura do pós-moderno “sem a ortodoxia de<br />
alguns e sem a celebração acrítica de outros” (Idem, p.162).<br />
Janeiro:Jorge Zahar, 1999ª.<br />
41 Bracht (1999a) expõe sua argumentação apresentando algumas características dessa perspectiva teórica.<br />
São elas: “A opção pelo interesse (político) histórico <strong>da</strong> maioria (classe trabalhadora/proletariado)<br />
conferiria a condição de um acesso privilegiado) em termos de conhecimento (ver<strong>da</strong>deiro), à reali<strong>da</strong>de”<br />
(...) Essa posição desemboca em contradições e está sustenta<strong>da</strong> em bases hoje dificilmente defensáveis e<br />
muitas vezes é alvo de banalização.” (BRACHT, 1999a, p. 133). Acrescenta ain<strong>da</strong> em suas críticas que:<br />
“Numa versão vulgar, essa posição advoga a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> identificação de leis históricas “à<br />
semelhança <strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> natureza) que indicam o proletariado como classe responsável pelo projeto de<br />
emancipação humana; a reconciliação do homem por ele mesmo. Não há maiores problemas, em<br />
princípio, em identificar um grupo, uma classe social responsável por um tal projeto. O problema se<br />
coloca quando se o faz com a pretensão de que essa é uma necessi<strong>da</strong>de histórica inelutável e portanto,<br />
‘cientificamente comprovável’. Entendo ser essa necessi<strong>da</strong>de argumentável, mas não pelo seu caráter<br />
inevitável e sim por razões políticas e éticas.” (Idem). Por fim, questiona também, a “idéia <strong>da</strong> prática<br />
como critério de ver<strong>da</strong>de”, pois, para o autor, o critério de ver<strong>da</strong>de é a “prática interpreta<strong>da</strong>”, quando,<br />
para tal interpretação “ocorrem (pré)conceitos que deman<strong>da</strong>m opções. Ou seja, estamos no plano do<br />
círculo hermenêutico” (1999a, p.134). E conclui que essa posição, “adota a perspectiva <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de<br />
metodológica no sentido de que determina<strong>da</strong> via permite um acesso privilegiado (ver<strong>da</strong>deiro) à reali<strong>da</strong>de,<br />
negando assim, o relativismo e o pluralismo metodológico”. (Idem).<br />
42 Bracht (1999a) analisa duas perspectivas teóricas na área, o materialismo histórico, citado na nota<br />
anterior e a perspectiva pós-moderna tomando, por exemplo, o “liberal irônico” Richard Rorty. Bracht sai<br />
em defesa dos pós-modernos, porque eles rejeitam a universali<strong>da</strong>de, a uni<strong>da</strong>de, a idéia de totali<strong>da</strong>de e<br />
ain<strong>da</strong>, “nega qualquer possibili<strong>da</strong>de de hierarquizar o conhecimento em mais ou menos ver<strong>da</strong>deiro<br />
(portanto, rejeita a idéia de ideologia), propugnando um pluralismo radical, com base no relativismo, e<br />
que de forma conseqüente declara como inimiga a idéia de uni<strong>da</strong>de/totali<strong>da</strong>de, erigindo como princípio a<br />
diferença” (Idem, p.138). Diante destas posições apresenta<strong>da</strong>s, Bracht, naquele momento, se coloca como<br />
fiel a uma terceira perspectiva, a de Habermas que se orienta “pela idéia coloca<strong>da</strong> no horizonte de que<br />
deve valer o melhor argumento, que só pode ser identificado, só terá vali<strong>da</strong>de, se construído por uma<br />
comuni<strong>da</strong>de ilimita<strong>da</strong> de comunicação” (Idem, p.141). É importante frisar que qualquer problema ou<br />
virtude apontado, tanto nos pós-modernos quanto na formulação teórica de Habermas, giram em torno <strong>da</strong><br />
garantia <strong>da</strong> “democracia”.<br />
39
Essas reflexões são encontra<strong>da</strong>s no livro Emancipação e diferença na educação:<br />
uma leitura com Bauman, publicado em 2006. Compreendo que mostrar alguns pontos<br />
expostos nesse livro colabora para conhecer o estágio <strong>da</strong>s discussões de Bracht. Neste<br />
sentido, apresento alguns posicionamentos dos autores em relação ao momento atual,<br />
de “moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>” e algumas <strong>da</strong>s suas questões expostas sobre a educação e a<br />
educação física.<br />
Em relação ao “pós-moderno”, os autores compreendem que este não é um<br />
“movimento unificado” de conceitos ou idéias. Examinam várias posições de autores<br />
que procuram esclarecer o seu significado, autores estes que se posicionam a partir <strong>da</strong><br />
moderni<strong>da</strong>de e que equivoca<strong>da</strong>mente, para Bracht e Almei<strong>da</strong>, “rotulam” várias<br />
perspectivas com a expressão pós-moderna. Sintetizam as rotulações:<br />
40<br />
A lista de definições, comparações e afini<strong>da</strong>des eletivas entre as<br />
diferentes compreensões do pós-modernismo não cessaria por aqui.<br />
Às expressões “pós-modernismo”, “pós-moderni<strong>da</strong>de” e “pósestruturalismo”<br />
poderíamos ain<strong>da</strong> acrescentar como constituintes<br />
dessa “agen<strong>da</strong> pós-moderna” (...) o neopragmatismo (rortyano), o<br />
construcionismo social, o multiculturalismo, os estudos culturais, a<br />
teoria pós-colonial, a teoria feminista, a teoria pós-analítica, a<br />
hermenêutica, certas tensões <strong>da</strong> própria teoria crítica, que, por<br />
inúmeras vezes, são to<strong>da</strong>s enquadra<strong>da</strong>s no rótulo de pós-modernas,<br />
desrespeitando-se, assim, diferenças fun<strong>da</strong>mentais entre elas (Idem,<br />
p.19).<br />
Comentam também sobre o preconceito e confusão semântica em relação a essa<br />
expressão, <strong>da</strong>ndo-lhe uma conotação negativa. Essa situação fez também com que<br />
muitos educadores e professores de educação física deixassem de discutir questões<br />
importantes aponta<strong>da</strong>s na perspectiva pós-moderna. Bracht e Almei<strong>da</strong>, mesmo<br />
afirmando que não existe uma uni<strong>da</strong>de pós-moderna, estão em acordo:<br />
o pós-moderno, no seu núcleo, deve ser visto como um tipo de dúvi<strong>da</strong><br />
(não como uma posição alternativa nova ou um conjunto de posições),<br />
mais bem expressa na palavra de increduli<strong>da</strong>de, ou seja, uma<br />
expressão que não significa negação, refutação ou rejeição, mas<br />
incapaci<strong>da</strong>de de acreditar no moderno ou acreditar nele de um<br />
modo suficiente com a mesma confiança (Idem, p.21).<br />
Dentre as inúmeras críticas realiza<strong>da</strong>s aos pós-modernos, para os autores estão<br />
aquelas realiza<strong>da</strong>s por educadores brasileiros que se colocam com uma orientação<br />
marxista e vinculam essa perspectiva aos “fenômenos como globalização, o<br />
neoliberalismo, o advento <strong>da</strong> nova direita etc.” (Idem, p.22). Bracht e Almei<strong>da</strong><br />
esclarecem que esses educadores “não deixam, em certo sentido de ter razão”, pois “‘os
pós-modernos’ não falam de um lugar ideológica e politicamente neutros, estão<br />
inseridos no contexto do espírito neoliberal” (Idem, p.22).<br />
Além dos educadores marxistas, os autores assinalam que há outros educadores<br />
brasileiros que aderem ao pós-modernismo, e outros ain<strong>da</strong> que embora questionem essa<br />
perspectiva apontam para os problemas importantes que estes trouxeram à tona e<br />
argumentam com fun<strong>da</strong>mentos em Morais (2003) 43 :<br />
41<br />
Nesse bojo, com uma freqüência ca<strong>da</strong> vez maior, emergem temas<br />
candentes nas pesquisas educacionais, tais como os estudos chamados<br />
pós-críticos, as questões de gênero, <strong>da</strong> diferença, <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des, <strong>da</strong><br />
sexuali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s etnias, do multiculturalismo, <strong>da</strong> raça, do meio<br />
ambiente, do imaginário social, <strong>da</strong>s microrrelações, do poder-saber, <strong>da</strong><br />
teoria queer, entre outros (Idem, 23).<br />
Indicam também as discussões pró e contra aos pós-modernos, realiza<strong>da</strong>s por<br />
autores <strong>da</strong> educação física, e propalam existir nessa prática muitos que “se agarram<br />
inadverti<strong>da</strong>mente à estratégia <strong>da</strong> ortodoxia de crítica, são ca<strong>da</strong> vez mais desligados <strong>da</strong>s<br />
reali<strong>da</strong>des correntes e elaboram propostas ca<strong>da</strong> vez mais nebulosas (...) muitos insistem<br />
em travar velhas batalhas” (Idem, p.156). Nessa questão, Bracht e Almei<strong>da</strong> possuem<br />
algumas posições defini<strong>da</strong>s em relação aos caminhos para esta prática pe<strong>da</strong>gógica,<br />
alguns inspirados por Bauman. Entre eles, destaco:<br />
Bracht (2003a, 2003b) irá aventar a hipótese de um descompasso (ou<br />
transição) entre o subuniverso simbólico ain<strong>da</strong> moderno <strong>da</strong> educação<br />
física e o universo simbólico que está sendo construído na<br />
moderni<strong>da</strong>de em seu presente estágio. Trata-se, então de construirmos<br />
um novo subuniverso simbólico a partir do espaço cognitivo <strong>da</strong><br />
moderni<strong>da</strong>de atual, que muitos denominam tardia (Giddens, 1997),<br />
segun<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de (Beck, 1997), hipermoderni<strong>da</strong>de (Lipovetsky,<br />
2004), moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong> (Bauman, 2001) ou, como é mais<br />
corrente, pós-moderni<strong>da</strong>de. Isso não significa, é bom destacar,<br />
a<strong>da</strong>ptação pura e simples aos novos tempos, mas construção de um<br />
novo instrumental teórico que possa superar o “anacronismo” e<br />
enfrentar as novas condições societárias (Idem, p.4).<br />
Asseveram também que as posições de Bauman colaboram para o avanço <strong>da</strong><br />
educação e educação física, porque:<br />
O autor não prescinde de teorizar, como vimos, os problemas de uma<br />
socie<strong>da</strong>de cujas características desregulamenta<strong>da</strong>s, privatiza<strong>da</strong>s e<br />
individualizantes aprofun<strong>da</strong>m o abismo existente entre a<br />
individuali<strong>da</strong>de de jure e a individuali<strong>da</strong>de de facto 44 e lançam os<br />
43 Os autores se referem à MORAES, M. C. M.. O recuo <strong>da</strong> teoria. In: Iluminismo às avessas: produção<br />
de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.<br />
44 Essas expressões significam, de acordo com Bracht e Almei<strong>da</strong> (2006), fun<strong>da</strong>mentados em Bauman,<br />
que: “A individuali<strong>da</strong>de de facto é aquela na qual o indivíduo é capaz de controlar os recursos
42<br />
indivíduos numa condição humana marca<strong>da</strong> por uma profun<strong>da</strong><br />
situação de incerteza, insegurança e falta de garantias. Nesse sentido,<br />
tecerá uma cáustica crítica àquelas teses pós-modernistas que, nas<br />
mãos dos governos neoliberais, dão amplo apoio às forças do mercado<br />
ao mesmo tempo em que prescindem <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de de<br />
promover a justiça social e uma socie<strong>da</strong>de igualitária.(...)<br />
No âmbito <strong>da</strong> educação física (<strong>da</strong> cultura corporal de movimento), na<br />
substituição <strong>da</strong> idéia de que as práticas corporais (por exemplo, a<br />
prática esportiva) são direito do ci<strong>da</strong>dão pela de que as práticas<br />
corporais se inscrevem no âmbito do direito do consumidor de<br />
mercado. Isso significa dizer a transformação, na socie<strong>da</strong>de de<br />
consumidores, do “[...] indivíduo de ci<strong>da</strong>dão político em consumidor<br />
de mercado (Idem, p.156 - 7; 159).<br />
Defendem com Bauman a perspectiva de uma pe<strong>da</strong>gogia crítica que trabalhe na<br />
perspectiva <strong>da</strong> emancipação humana e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. A pe<strong>da</strong>gogia crítica, entre outras<br />
coisas, “trabalharia no sentido de instrumentalizar os indivíduos para exercer<br />
criticamente a tarefa de sua autoconstituição, além de dotá-los <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de<br />
desven<strong>da</strong>r as muitas antinomias que se colocam a essa genuína oportuni<strong>da</strong>de<br />
emancipadora <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>” (Idem, p.108).<br />
Assim, o “principal propósito <strong>da</strong> emancipação” seria “reconectar” o abismo<br />
existente entre o indivíduo de jure e o indivíduo de facto. Neste sentido, a garantia de<br />
indivíduos e de uma socie<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deiramente livres estaria na aceitação de uma<br />
socie<strong>da</strong>de caracteriza<strong>da</strong> pela “falta de significados prefixados, de ver<strong>da</strong>des absolutas, de<br />
normas de conduta preordena<strong>da</strong>s, de fronteira pretraça<strong>da</strong>s entre o certo e o errado, de<br />
regras de ação garanti<strong>da</strong>” (Idem, p.37- 8). Neste sentido, a emancipação significa<br />
essa aceitação de sua própria contingência, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> no<br />
reconhecimento <strong>da</strong> contingência como razão suficiente para viver e ter<br />
permissão de viver. Ela assinala o fim do horror à alteri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
abominação <strong>da</strong> ambivalência. Como a ver<strong>da</strong>de, a emancipação não é<br />
uma quali<strong>da</strong>de de objetos, mas <strong>da</strong> relação entre eles. A relação aberta<br />
pelo ato <strong>da</strong> emancipação é marca<strong>da</strong> pelo fim do medo e o começo <strong>da</strong><br />
tolerância. É na tolerância que o vocabulário <strong>da</strong> contingência como<br />
destino está fa<strong>da</strong>do a ser parasitário para permitir que se formule a<br />
emancipação [...]. Para revelar o potencial emancipatório <strong>da</strong><br />
contingência como destino, não bastaria a humilhação dos outros. É<br />
preciso também respeitá-los – e respeitá-los precisamente na sua<br />
alteri<strong>da</strong>de, nas suas preferências, no seu direito de ter preferências. É<br />
preciso honrar a alteri<strong>da</strong>de no outro, a estranheza no estranho [...] que<br />
o único é o universal, que ser diferente é que nos faz semelhantes uns<br />
aos outros e que eu só posso respeitar a minha própria diferença<br />
indispensáveis à genuína autodeterminação, isto é [...] de ganhar controle sobre seus destinos e tomar<br />
decisões que em ver<strong>da</strong>de desejam” (p.92). e “[...] ser um indivíduo de jure [na moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>]<br />
significa não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria, significa não procurar as causas <strong>da</strong>s<br />
próprias derrotas senão na própria indolência e preguiça, e não procurar outro remédio senão tentar com<br />
mais e mais determinação” (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA, Idem, p.92).
43<br />
respeitando a diferença do outro. A consciência <strong>da</strong> condição pósmoderna<br />
revela a tolerância como sina. Ela também torna possível –<br />
apenas possível – o longo caminho que leva do fado ao destino, <strong>da</strong><br />
tolerância à soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA,<br />
2006, p.100).<br />
Os autores concluem, a partir dos questionamentos a Bauman, que este coloca a<br />
existência de uma possibili<strong>da</strong>de de emancipação, e fazem a seguinte reflexão:<br />
Se a responsabili<strong>da</strong>de (e o fracasso) na escolha de minhas identi<strong>da</strong>des<br />
é responsabili<strong>da</strong>de totalmente individual, a oportuni<strong>da</strong>de<br />
emancipadora <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>, ou seja, levar à conclusão “a<br />
obra de desencaixe”, parece “reintroduzir pela porta dos fundos” a<br />
possibili<strong>da</strong>de de um sujeito (ou subjetivi<strong>da</strong>de) capaz de exercer sua<br />
autonomia e responsabili<strong>da</strong>de no sentido de originar novas formas de<br />
subjetivação que escapassem a to<strong>da</strong> e qualquer forma de coação<br />
(sejam elas de tribo, Estado ou mercado). Em outras palavras, os<br />
indivíduos são confrontados na longa e árdua tarefa de identificação<br />
ou subjetivação de si próprios, jamais concluí<strong>da</strong> (BRACHT;<br />
ALMEIDA, 2006, p.105 - 6).<br />
Enfim, to<strong>da</strong>s essas grandes preocupações dos autores são possíveis pela<br />
existência de uma “moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>”, desregulamenta<strong>da</strong> com o fim de um “Estado<br />
jardineiro” 45 e de um “capitalismo pesado”, transformado em um “capitalismo leve, de<br />
software”, ou seja, “viaja leve, apenas com a bagagem de mão, que incluiu telefone<br />
celular, pasta e computador portátil. Pode saltar em qualquer ponto do caminho e não<br />
precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar a sua satisfação” (Idem,<br />
p. 67).<br />
Destaca<strong>da</strong>s algumas <strong>da</strong>s discussões nessa última fase de Bracht, é importante lembrar<br />
que as suas preocupações com a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física na escola permanecem.<br />
Em conformi<strong>da</strong>de com as posições descritas até agora e fiel também à perspectiva<br />
harbemasiana de “vencer o melhor argumento”, alerta: “coloca-se como tarefa<br />
construir nossa legitimi<strong>da</strong>de no campo pe<strong>da</strong>gógico, convencendo esse campo <strong>da</strong><br />
nossa importância, <strong>da</strong> importância do não trabalho, <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de do lazer, <strong>da</strong><br />
inutili<strong>da</strong>de como em outro momento afirmei” (2001, p.77, grifo meu).<br />
45 Bauman, citado por Bracht e Almei<strong>da</strong> (2006), explica em vários momentos que o estado moderno é um<br />
estado jardineiro; destaco essa passagem: “o estado moderno – que legislou a ordem para a existência e<br />
definiu a ordem como a clareza de aglutinar divisões, classificações, distribuições e fronteiras. Os<br />
estranhos tipicamente modernos foram o refugo do zelo de organização do estado. Foi à visão <strong>da</strong> ordem<br />
que os estranhos modernos não se ajustaram. Quando se traça linhas divisórias e se separa o assim<br />
dividido, tudo o que borra as linhas e atravessa as divisões solapa esse trabalho e destroça-lhe os<br />
produtos” (p.58).
Considera que é importante a mu<strong>da</strong>nça de “status ontológico e epistemológico<br />
do corpo”, ou seja:<br />
44<br />
O corpo é redescoberto ou descoberto como sujeito histórico, no<br />
sentido do reconhecimento de sua importância para entender o<br />
processo histórico. (...) a história do homem é também uma história do<br />
controle sobre o corpo, <strong>da</strong>s ações sobre ele. Outro aspecto importante<br />
é o reconhecimento <strong>da</strong> importância ontológica do corpo, portanto,<br />
para o entendimento do próprio homem, recuperando, assim, para a<br />
sensibili<strong>da</strong>de, para a dimensão sensível ou estética, prestígio em frente<br />
à razão. O corpo, que sempre foi hierarquicamente secun<strong>da</strong>rizado<br />
diante <strong>da</strong> razão, parece começar a recuperar uma certa digni<strong>da</strong>de<br />
ontológica (Idem, p.74).<br />
Entretanto, mesmo com essa “redescoberta do corpo”, demonstra grande<br />
preocupação com a ameaça de extinção <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica <strong>Educação</strong> Física em<br />
função <strong>da</strong>s políticas neoliberais que direcionam a formação escolar para o mercado de<br />
trabalho; ademais, o problema se aprofun<strong>da</strong> quando as políticas públicas do Estado<br />
brasileiro direcionam novamente a educação física na escola para a formação de atletas,<br />
subsidiando o esporte de alto rendimento, tal como na déca<strong>da</strong> de 1970. De acordo o<br />
autor, isto se torna evidente com os argumentos utilizados por alguns setores<br />
vencedores 46 , ao tornarem a educação física obrigatória na LDBEN, e ain<strong>da</strong>, com o<br />
“Programa Esporte na Escola”, vinculado ao Ministério de Esporte e Turismo.<br />
Bracht alerta, juntamente com Almei<strong>da</strong>, que além de trazer alguns problemas, o<br />
esporte na escola não é suficiente para legitimar a educação física, pois este é<br />
confundido com a própria disciplina pe<strong>da</strong>gógica. Como a experiência mostrou, sem o<br />
esporte a educação física não formula justificativas para continuar no ambiente escolar,<br />
ou seja, “a presença do esporte nessa escola não transferiu à disciplina EF garantias de<br />
sua presença indubitável no currículo <strong>da</strong> instituição” (BRACHT; ALMEIDA, 2003, p.<br />
96).<br />
Os autores com suas argumentações não defendem a abolição do esporte, mas<br />
que este seja tratado pe<strong>da</strong>gogicamente “para que se torne educativo numa determina<strong>da</strong><br />
perspectiva (crítica) de educação” (Idem, p. 97). Defendem ain<strong>da</strong>, entre outras coisas,<br />
que “os professores de EF assumam a responsabili<strong>da</strong>de e sua autonomia como agentes<br />
sociais e atuem ressignificando práticas hegemônicas de esporte, <strong>da</strong>ndo origem a uma<br />
cultura escolar do esporte” (Idem, p.99). É necessário, para a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência<br />
<strong>da</strong> educação física, construir urgentemente a sua legitimi<strong>da</strong>de.<br />
46 Seriam os setores esportivos e o Confef (Conselho Federal de <strong>Educação</strong> Física).
Em suma, as posições de Bracht expostas neste capítulo estão em consonância<br />
com as posições <strong>da</strong> maioria dos professores/pesquisadores <strong>da</strong> educação física 47 , com<br />
algumas diferenças, porque a ênfase explicita à sensibili<strong>da</strong>de e ao irracionalismo é<br />
maior nessas pesquisas. Nelas os professores demonstram que, tentando afirmar a<br />
importância dessa disciplina no ambiente escolar, relegam a segundo plano o seu<br />
conteúdo e apontam como principal objetivo a construção de uma melhor convivência<br />
social, tema que também é trabalhado em outras disciplinas escolares. Assim, na<br />
<strong>Educação</strong> Física os professores transformam o seu conhecimento específico a ser<br />
transmitido em uma estratégia de ensino para alcançar determinados valores. Defendem<br />
a construção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, coletivi<strong>da</strong>de e em nenhum momento os<br />
professores/pesquisadores fazem a crítica às bases fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s relações sociais<br />
postas; a questão é sempre coloca<strong>da</strong> em termos individualizados, a ser resolvi<strong>da</strong> no<br />
interior <strong>da</strong> escola.<br />
Esses professores, em suas discussões, se intitulam críticos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
dicotomiza<strong>da</strong>, competitiva, atrela<strong>da</strong> à racionali<strong>da</strong>de e procuram construir um campo de<br />
conhecimento e uma disciplina pe<strong>da</strong>gógica que torne o convívio social ca<strong>da</strong> vez melhor.<br />
Procuram encontrar a legitimi<strong>da</strong>de e a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física apontando ora o<br />
discurso, ora a cultura como formadores <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e definidores do indivíduo –<br />
ser social. Na tentativa de superar a dicotomia entre corpo e mente, acabam por reforçá-<br />
la ain<strong>da</strong> mais, <strong>da</strong>ndo ênfase ao ‘mundo sensível’, cujo locus é o corpo.<br />
Para resolver o problema <strong>da</strong> distância <strong>da</strong>s discussões teóricas em relação à<br />
prática, propõem a formação continua<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ndo-se no conhecimento limitado ao<br />
cotidiano e que prioriza os relacionamentos interpessoais. Via de regra, acabam por<br />
naturalizar e eternizar a sociabili<strong>da</strong>de capitalista, como se tudo acontecesse de forma<br />
independente e aleatória as suas determinações fun<strong>da</strong>mentais, ou seja, apontam para<br />
uma relação dicotômica entre indivíduo e socie<strong>da</strong>de.<br />
Enfim, a legitimi<strong>da</strong>de pretendi<strong>da</strong> e conclama<strong>da</strong> por Bracht a ser conquista<strong>da</strong><br />
com urgência se apresenta atualmente nos mesmos moldes antes criticados, porém com<br />
novas roupagens. Ou seja, legitimar a educação física significa colocá-la em<br />
conformi<strong>da</strong>de com a “pós-moderni<strong>da</strong>de” ou “moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong>”, mu<strong>da</strong>r para que<br />
tudo permaneça como está 48 .<br />
47<br />
Refiro-me especialmente àqueles com trabalhos apresentados no CONBRACE, cuja análise pode ser<br />
encontra<strong>da</strong> no capítulo 6 desta tese.<br />
48<br />
Refiro-me ao romance de Giuseppe Tomasi Di Lampedusa (1896 – 1957) O Leopardo. Naquele<br />
45
Esforço talvez inútil, defendo a tese que se em última instância, não houver<br />
uma transformação radical na organização social (necessi<strong>da</strong>de histórica hoje<br />
posta), a presença ou não <strong>da</strong> educação física na escola continuará a depender <strong>da</strong>s<br />
necessi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> lógica do mercado. Como legitimi<strong>da</strong>de diz respeito a questões<br />
políticas e de Estado, para concluir este capítulo utilizo as reflexões do educador<br />
marxista Sanfelice:<br />
46<br />
Quando o Estado traça as denomina<strong>da</strong>s políticas sociais, não está<br />
fazendo outra coisa a não ser gerenciar regras para esse jogo [do<br />
capital] no qual o resultado não pode ser melhor do que aquele<br />
intrínseco à natureza <strong>da</strong> própria natureza <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista. Os<br />
interesses do capital, precisam sobreviver, dentro de certos contornos<br />
controláveis, de alguma maneira subordinados a ele. O resultado deste<br />
jogo social acaba sendo previsível quando a disputa é entre os fortes<br />
adversários entre si, quando ocorre entre estes e os adversários de<br />
nível médio ou quando é destes com os sempre frágeis perdedores. Há<br />
uma previsibili<strong>da</strong>de, mas não um determinismo, porque como na<br />
Loteria Esportiva, criteriosas previsões matemáticas, sobre as<br />
possibili<strong>da</strong>des dos times envolvidos nas disputas, acabam se<br />
desmoronando com as famosas “zebras”. As “zebras” esportivas vão<br />
contra a lógica matemática e assim é a história dos homens e <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des. (SANFELICE 2002, p. xiv).<br />
romance tratava-se <strong>da</strong> tardia “revolução burguesa” na Sicília; hoje se trata <strong>da</strong> aceitação sem culpa <strong>da</strong><br />
“barbárie”.
Capítulo 2 - A GÊNESE ONTOLÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: O<br />
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL<br />
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela<br />
religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se<br />
distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de<br />
vi<strong>da</strong>, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao<br />
produzir seus meios de vi<strong>da</strong>, os homens produzem, indiretamente, sua<br />
própria vi<strong>da</strong> material.<br />
(MARX; ENGELS, 2007)<br />
Em um primeiro momento pode parecer estranho discutir a origem ontológica<br />
do ser social e <strong>da</strong> educação física 49 . Contudo, para compreender a natureza e a função<br />
<strong>da</strong> educação/educação física 50 e a raiz <strong>da</strong>s suas questões problemáticas é fun<strong>da</strong>mental<br />
buscar desven<strong>da</strong>r como se processa a construção do ser social, como se originam as<br />
categorias fun<strong>da</strong>mentais e como elas se transformam. Isto nos permite apreender que<br />
não existe uma essência a priori dos homens, mas sim o fato dessa essência ser sempre<br />
histórica, ou seja, construí<strong>da</strong> cotidianamente pelos seres humanos.<br />
Essa discussão é imprescindível, considerando que a maioria dos teóricos <strong>da</strong><br />
educação física, principalmente aqueles que se tornaram referência para a área se<br />
colocam em uma posição ou de incompreensão sobre o que são os homens e como se<br />
estabelece o seu processo de construção ou de naturalização <strong>da</strong>s relações sociais,<br />
assumindo como a essência humana o homem cindido <strong>da</strong>s relações capitalistas, ou seja,<br />
naturalizam a socie<strong>da</strong>de capitalista e as teorias que confirmam essa naturalização 51 .<br />
49 Na perspectiva de apontar a falta de uma discussão sobre uma ontologia do ser social na <strong>Educação</strong><br />
Física, Vi<strong>da</strong>lcir Ortigara produziu a tese de doutorado intitula<strong>da</strong>: Ausência senti<strong>da</strong> nos estudos em<br />
educação física: A determinação ontológica do ser social, defendi<strong>da</strong> em 2002, no Programa de Pós-<br />
Graduação em <strong>Educação</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina. No entanto, é importante lembrar<br />
que um autor de fun<strong>da</strong>mental importância como Bracht quando argumenta sobre a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
educação física, chama a atenção para a necessi<strong>da</strong>de de uma discussão ontológica, mas não com uma<br />
perspectiva materialista histórica. Nos termos do autor: “O corpo é redescoberto ou descoberto como<br />
sujeito histórico, no sentido do reconhecimento de sua importância para entender o processo histórico.<br />
(...) a história do homem é também uma história do controle do corpo, <strong>da</strong>s ações sobre ele. Outro aspecto<br />
importante é o reconhecimento <strong>da</strong> importância ontológica do corpo, portanto, para o entendimento do<br />
próprio homem, recuperando, assim, para a sensibili<strong>da</strong>de, para a dimensão sensível ou estética, prestígio<br />
em frente à razão. O corpo, que sempre foi hierarquicamente secun<strong>da</strong>rizado diante <strong>da</strong> razão, parece<br />
começar a recuperar uma certa digni<strong>da</strong>de ontológica. A dimensão corpórea do homem não é menos<br />
importante que a dimensão racional” (2001, p.74, grifo meu).<br />
50 Historicamente, as formas de educar e os conteúdos dessa educação são resultantes <strong>da</strong> compreensão<br />
sobre o que é o homem e sua relação com a socie<strong>da</strong>de. Exemplos podem ser verificados em: Paidéia. A<br />
formação do homem Grego, escrito por Jaeger (1995), ou as propostas educativas de Locke (1986),<br />
Rousseau (1995), entre outros.<br />
51 Marx (1988) em O Capital mostra esse processo de naturalização nos teóricos burgueses em vários
Isto não é um fato isolado nessa área e está relacionado exatamente com o<br />
momento atual, como nos indica Lessa ao apontar o porquê de se recuperar o estudo <strong>da</strong><br />
ontologia:<br />
48<br />
A derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong>s tentativas revolucionárias para superar o capital é de<br />
tal monta, até o presente momento, que gera a ilusão <strong>da</strong><br />
impossibili<strong>da</strong>de de os homens construírem conscientemente a sua<br />
história. A derrota revolucionária revitalizou a concepção liberal<br />
segundo a qual a permanência <strong>da</strong> ordem capitalista se deve ao fato de<br />
ela corresponder a uma pretensa “essência” humana. O homem seria,<br />
segundo esta concepção, de modo essencial e imprescindível, um<br />
proprietário privado que se relaciona com outros pela mediação dos<br />
seus interesses egoístas. Parafraseando Marx, a essência do homem<br />
capitalista foi eleva<strong>da</strong> à essência capitalista do homem (2007, p.13,<br />
grifos do autor).<br />
Lessa responde nessa citação àqueles que se contrapõem à recuperação de<br />
estudos ontológicos realiza<strong>da</strong> por Lukács. Recuperação esta não de qualquer ontologia,<br />
mas <strong>da</strong> ontologia materialista concebi<strong>da</strong> por Marx com a colaboração de Engels.<br />
Argumenta ain<strong>da</strong> o autor que isto é de suma importância, pois:<br />
Para se contrapor à concepção conservadora segundo a qual aos<br />
homens corresponde uma essência a-histórica de proprietários, e que,<br />
por isso, não há como ser supera<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de capitalista, deve-se<br />
comprovar que não há limites ao desenvolvimento humano, a não ser<br />
aqueles construídos pelos próprios homens. (...) a Ontologia<br />
lukacsiana tem por objetivo demonstrar a possibili<strong>da</strong>de ontológica <strong>da</strong><br />
emancipação humana (2007, p.13, grifos do autor).<br />
Tonet, na mesma direção de Lessa, ao apresentar os fun<strong>da</strong>mentos a partir dos<br />
quais faz as suas análises, enfatiza o caráter radicalmente novo <strong>da</strong> perspectiva marxiana<br />
que instaurou um patamar de cientifici<strong>da</strong>de cuja abor<strong>da</strong>gem possui um caráter<br />
ontológico e não gnosiológico. Assim, a questão dos fun<strong>da</strong>mentos “é constituí<strong>da</strong> por um<br />
momentos, como por exemplo, nessa nota explicativa: “Jeremias Bentham é um fenômeno puramente<br />
inglês. Mesmo sem excetuar nosso filósofo, Christian Wolf, em nenhum tempo e em nenhum país o<br />
lugar-comum mais comezinho jamais se instalou com tanta auto-satisfação. O princípio <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de não<br />
foi invenção de Bentham. Ele só reproduziu, sem espírito, o que Helvetius e outros franceses do século<br />
XVIII tinham dito espirituosamente. Se por exemplo se quer saber o que é útil a um cachorro, precisa-se<br />
pesquisar a natureza canina. Essa natureza não se pode construir a partir do ‘princípio de utili<strong>da</strong>de’.<br />
Aplicado ao homem, isso significa que se se quer julgar to<strong>da</strong> a ação, movimento, condições etc. humanos<br />
segundo o princípio <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de, trata-se primeiramente <strong>da</strong> natureza humana em geral e depois <strong>da</strong><br />
natureza humana historicamente modifica<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> época. Bentham não perde tempo com isso. Com a<br />
mais ingênua secura ele supõe o filisteu moderno, especialmente o filisteu inglês, como o ser humano<br />
normal. O que é útil para esse original homem normal e seu mundo é em si e para si útil. E por esse<br />
padrão ele julga então passado, presente e futuro. Assim, por exemplo, a religião cristã é ‘útil’ porque<br />
reprova religiosamente os mesmos delitos que o código penal condena juridicamente. A crítica <strong>da</strong> arte é<br />
nociva porque perturba o prazer que as pessoas honestas encontram em Martin Tupper etc. Com lixo<br />
dessa espécie, o bom homem, cuja divisa é nulla dies sine linea, encheu montanhas de livros. Se eu<br />
tivesse a coragem de meu amigo H. Heine, eu chamava o Sr. Jeremias de um gênio <strong>da</strong> estupidez<br />
burguesa” (p. 176).
conjunto articulado de categorias que expressam o mundo real. E que, além disso,<br />
pressupõe uma articulação essencial – na maioria <strong>da</strong>s vezes não reconheci<strong>da</strong> – entre o<br />
conhecer e o agir” (2005, p. 37).<br />
Neste sentido, Tonet explica que no mundo greco-medieval no “conhecer” havia<br />
a centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de e que no mundo moderno a centrali<strong>da</strong>de passa a ser <strong>da</strong><br />
subjetivi<strong>da</strong>de. Demonstra o significado de objetivi<strong>da</strong>de e subjetivi<strong>da</strong>de para ambos e<br />
acevera também que Marx as supera, ou seja, faz a superação destas perspectivas pela<br />
perspectiva <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de. Por isso, ao discutir objeto e objetivi<strong>da</strong>de e sujeito e<br />
subjetivi<strong>da</strong>de não as trata como uma “simples relação gnosiológica”; considera “o<br />
homem como um ser ativo” que “conhece e faz”, ou seja, reconhece que essas<br />
categorias possuem um estatuto ontológico:<br />
49<br />
Desse modo objeto e objetivi<strong>da</strong>de e sujeito e subjetivi<strong>da</strong>de são<br />
toma<strong>da</strong>s como resultado real <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana que implica<br />
conhecimento e ação. Fica claro, assim que a relação gnosiológica<br />
entre sujeito e objeto é apenas um momento de uma relação mais<br />
ampla, que é a criação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social como totali<strong>da</strong>de (TONET,<br />
2005, p.39).<br />
Essa questão é de fun<strong>da</strong>mental importância, porque ain<strong>da</strong> para Tonet, a<br />
centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de 52 posta pelos modernos continua não só dominante, mas<br />
se coloca em patamares mais elevados, como é possível constatar no caso particular <strong>da</strong><br />
educação física. Em seus termos:<br />
A especial importância <strong>da</strong> superação <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de está no fato de<br />
que esta, além de ser, hoje, o modo de pensar dominante, foi aos<br />
poucos, tomando a forma de algo “natural”, uma espécie de<br />
“pensamento único”, passando a influenciar tanto a elaboração<br />
filosófico-científica quanto a ação prática nas mais diversas<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des. Mais ain<strong>da</strong>, pelo fato de ela estar hoje<br />
superdimensiona<strong>da</strong>, implicando um corte profundo entre consciência e<br />
reali<strong>da</strong>de (2005, p.38).<br />
52 Tonet (2005) explica de forma pormenoriza<strong>da</strong> o processo de passagem <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de<br />
para a subjetivi<strong>da</strong>de, quando no início a burguesia revolucionária mantinha o vínculo com a reali<strong>da</strong>de<br />
objetiva, mas depois necessita realizar uma mu<strong>da</strong>nça. Cito uma pequena passagem conclusiva de sua<br />
argumentação: “No âmbito do conhecimento, o fenômeno era considerado como algo real e não ilusório,<br />
embora o movimento <strong>da</strong> razão individual fosse orientado por normas de caráter transcendental. Após a<br />
vitória <strong>da</strong> revolução burguesa, porém, a necessi<strong>da</strong>de de assegurar o caráter ‘positivo’ (conservador) <strong>da</strong><br />
nova ordem social teve como conseqüência a ampliação ca<strong>da</strong> vez maior desse fosso entre a consciência e<br />
a reali<strong>da</strong>de efetiva, conferindo à ação e à razão um caráter ca<strong>da</strong> vez mais manipulatório. No plano do<br />
conhecimento a passagem <strong>da</strong> regência <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de para a regência <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de foi considera<strong>da</strong><br />
não apenas uma conquista fun<strong>da</strong>mental, mas a descoberta do ‘ver<strong>da</strong>deiro caminho’ para a produção do<br />
conhecimento científico” (p.43-4).
Essa perspectiva superdimensiona<strong>da</strong>, discuti<strong>da</strong> por Tonet como<br />
“hipercentrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de”, em nossa socie<strong>da</strong>de é marca<strong>da</strong> pelo fetichismo <strong>da</strong><br />
mercadoria e na esfera do conhecimento caracteriza-se por uma recusa à possibili<strong>da</strong>de<br />
de compreensão total ou parcial <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de “desde sua forma mais extrema<strong>da</strong>, que<br />
é o irracionalismo, tônica <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s concepções pós-modernas, até as formas mais<br />
modera<strong>da</strong>s, como o neo-iluminismo, o pragmatismo e outras” (2005, p.46). Ademais,<br />
com faces de voluntarismo, politicismo, superficiali<strong>da</strong>de teórica etc., realiza-se uma<br />
rejeição à perspectiva histórico-ontológica e nega-se a possibili<strong>da</strong>de de uma intervenção<br />
radicalmente transformadora na reali<strong>da</strong>de.<br />
50<br />
Desse modo o discurso, apoiando apenas em si mesmo, passa a ter a<br />
exclusiva responsabili<strong>da</strong>de de resolver os problemas teóricos, e às<br />
diversas instâncias <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de, especialmente à política, é<br />
atribuí<strong>da</strong> a tarefa de reger a ação prática. Daí resulta, em resumo, uma<br />
sempre maior afirmação <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de do homem de compreender a<br />
reali<strong>da</strong>de como totali<strong>da</strong>de e, por conseqüência, de intervir para<br />
transformá-la radicalmente (Ibid, 48).<br />
Essa posição aparece em setores no interior do próprio marxismo, fazendo com<br />
que neste desapareça a radicali<strong>da</strong>de 53 e também em pensadores <strong>da</strong> Escola de Frankfurt,<br />
por exemplo, em um caráter antiontológico cujas duas ordens de consequências<br />
fun<strong>da</strong>mentais são, respectivamente, as seguintes:<br />
O resultado disso é, ora uma justaposição entre necessi<strong>da</strong>de e<br />
liber<strong>da</strong>de (inevitabili<strong>da</strong>de do socialismo e apelo à luta revolucionária),<br />
ora uma crítica subjetiva (não subjetivista) do capitalismo, que<br />
permanece incapaz de vislumbrar a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua superação<br />
(Ibid, p.48).<br />
53 Tonet (2005) aponta que nessa per<strong>da</strong> <strong>da</strong> radicali<strong>da</strong>de acaba por predominar no interior do marxismo<br />
uma versão positivista e aponta a influência para isto nas obras maduras de Engels e, depois, o seu<br />
desenvolvimento posterior em Kautsky, Bernstein e outros. Lukács (1979, p. 30-1) expõe essa<br />
problemática, ou seja, os equívocos que transformavam a ontologia materialista em uma gnosiologia<br />
mecanicista, no capítulo <strong>da</strong> Ontologia do ser social intitulado Os princípios ontológicos fun<strong>da</strong>mentais<br />
de Marx, argumentando: “O que existe de ortodoxia marxista é feito de afirmações e conseqüências<br />
singulares extraí<strong>da</strong>s de Marx, freqüentemente mal-compreendi<strong>da</strong>s e sempre coagula<strong>da</strong>s em slogans<br />
extremistas. É assim, por exemplo, que foi desenvolvi<strong>da</strong> – com a aju<strong>da</strong> de Kautsky – a suposta lei <strong>da</strong><br />
pauperização absoluta. Engels busca inutilmente, através sobretudo de críticas e conselhos epistolares,<br />
quebrar com essa rigidez e conduzir as pessoas à dialética autêntica. É muito sintomático que tais cartas<br />
tenham sido publica<strong>da</strong>s pela primeira vez por Bernstein, com a intenção de <strong>da</strong>r força às tendências<br />
revisionistas entre os marxistas. O fato de que a flexibili<strong>da</strong>de exigi<strong>da</strong> por Engels, a recusa <strong>da</strong> vulgarização<br />
coagulante, possam ter sido entendi<strong>da</strong>s desse modo, esse fato mostra que nenhuma <strong>da</strong>s duas orientações<br />
em disputa havia compreendido a essência metodológica <strong>da</strong> doutrina de Marx. Inclusive teóricos que se<br />
revelaram marxistas em muitas questões sigulares, como Rosa Luxemburg ou Franz Mehring, possuíam<br />
escassa sensibili<strong>da</strong>de para as tendências filsóficas essenciais presentes na obra de Marx. Enquanto<br />
Bernstein, Max Adler e muitos outros supõem encontrar na filosofia de Kant uma ‘integração’ ao<br />
marxismo, e enquanto Friedrich Adler (entre outros) busca tal integração em Mach, Mehring – que em<br />
política é um radical – nega que o marxismo tenha alguma coisa a ver com a filosofia.”
E ain<strong>da</strong> argumenta sobre a centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de:<br />
51<br />
É, no entanto, o fato de ser considerado como o ponto de vista que o<br />
torna problemático, pois ao se tornar “natural” ele só admite a<br />
possibili<strong>da</strong>de de divergências no seu interior, mas não de divergências<br />
radicais que o coloquem em questão a partir dos seus fun<strong>da</strong>mentos (...)<br />
Esta perspectiva impregna de tal modo o pensamento atual que faz<br />
com que a abor<strong>da</strong>gem de qualquer fenômeno social de uma<br />
perspectiva radicalmente oposta (histótico-ontológica) seja<br />
considera<strong>da</strong> como uma pretensão totalmente infun<strong>da</strong><strong>da</strong> (Ibid, p.49,<br />
grifo do autor).<br />
Por essa razão – e isso é específico também em relação à educação Física –<br />
torna-se ca<strong>da</strong> vez mais imprescindível para compreender e atuar na atual quadra<br />
histórica recuperar a ontologia materialista e apreender as questões a partir <strong>da</strong>s relações<br />
sociais entre os homens reais e não unilateralmente <strong>da</strong>s “ideias” e “discursos”, como se<br />
estes independessem <strong>da</strong>quelas relações. Na esteira de Marx e Engels é preciso reafirmar<br />
a necessi<strong>da</strong>de de estabelecer a conexão entre as idéias e a reali<strong>da</strong>de e, partir não de<br />
pressupostos arbitrários, mas de “indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais<br />
de vi<strong>da</strong>, tanto aquelas por eles encontra<strong>da</strong>s como as produzi<strong>da</strong>s por sua própria ação”<br />
(2007, p.87). Tarefa extremamente difícil, mas radicalmente necessária.<br />
É então neste sentido que Lukács recupera Marx. O autor húngaro assinala que a<br />
ontologia materialista marxiana estabelece a articulação entre conhecimento científico e<br />
a nova filosofia materialista e, por isso, propala:<br />
Seu espírito científico passou através <strong>da</strong> filosofia e jamais a<br />
abandonou, de modo que to<strong>da</strong> verificação de um fato, to<strong>da</strong> apreensão<br />
de um nexo, não são simplesmente fruto de uma elaboração crítica na<br />
perspectiva de uma correção factual imediata; ao contrário, partem<br />
<strong>da</strong>qui para ir além, para investigar ininterruptamente todo o âmbito do<br />
factual na perspectiva do seu autêntico conteúdo de ser, de sua<br />
constituição ontológica. A ciência se desenvolve a partir <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; e, na<br />
vi<strong>da</strong>, quer saibamos ou não, somos obrigados a nos comportar<br />
espontaneamente de modo ontológico. (...) trata-se aqui, portanto, de<br />
uma cientifici<strong>da</strong>de que não perde jamais a ligação com a atitude<br />
ontologicamente espontânea <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana; ao contrário, o que faz<br />
é depurá-la e desenvolvê-la continuamente a nível crítico, elaborando<br />
conscientemente as determinações ontológicas que estão<br />
necessariamente na base de qualquer ciência (1979, p. 23 - 4).<br />
Em suma, repito: recuperar a ontologia materialista, formula<strong>da</strong> por Marx e<br />
Engels e retoma<strong>da</strong> por Lukács, não significa um confronto de discursos ou de ideias, e<br />
sim a necessi<strong>da</strong>de de analisar objetivamente a prática social para compreender o
processo de desenvolvimento do ser humano, seus nexos, suas leis históricas 54 e a<br />
educação/educação física nesse conjunto. Compreendê-las não como<br />
representações/discursos dos seus professores/teóricos, mas como complexos parciais<br />
que só possuem significado na relação com a totali<strong>da</strong>de social. E é a partir desse<br />
pressuposto que se torna possível compreender os problemas enfrentados pela área e<br />
como parte do gênero humano/socie<strong>da</strong>de compreender/atuar dentro <strong>da</strong>s parcas<br />
possibili<strong>da</strong>des pela transformação radical <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
Diante do exposto, realizo uma aproximação 55 à discussão sobre o que é o ser<br />
social. Essa aproximação é no sentido de apontar que no processo de construção desse<br />
ser as contradições aponta<strong>da</strong>s como dicotomias pelos autores <strong>da</strong> educação física –<br />
corpo/mente, teoria/prática, objetivi<strong>da</strong>de/subjetivi<strong>da</strong>de, indivíduo/socie<strong>da</strong>de – se<br />
constituem em uni<strong>da</strong>des (compreendi<strong>da</strong>s na identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e não<br />
identi<strong>da</strong>de 56 ), mas que no processo de desenvolvimento <strong>da</strong>s relações sociais são<br />
compreendi<strong>da</strong>s como dicotomias insolúveis e naturaliza<strong>da</strong>s.<br />
54 A compreensão <strong>da</strong>s leis históricas não significa incorporar à socie<strong>da</strong>de as leis <strong>da</strong> natureza, mas<br />
compreender os nexos de desenvolvimento do ser social. Marx (1988), ao responder ao periódico<br />
Mensageiro Europeu, utiliza uma citação extensa deste, por ser este o artigo que mais se aproximava <strong>da</strong><br />
compreensão do seu método, mesmo apresentando muitas denominações equivoca<strong>da</strong>s e, nos dá, assim,<br />
uma aproximação <strong>da</strong> compreensão dessas leis. Destaco alguns pontos importantes <strong>da</strong> citação: “Para Marx,<br />
só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é<br />
importante não só a lei que os rege, à medi<strong>da</strong> que eles têm forma defini<strong>da</strong> e estão numa relação que pode<br />
ser observa<strong>da</strong> em determinado período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei de sua modificação,<br />
de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma a outra, de uma ordem de relações para a outra.<br />
Uma vez descoberta essa lei, ele examina detalha<strong>da</strong>mente as conseqüências por meio <strong>da</strong>s quais ela se<br />
manifesta na vi<strong>da</strong> social (...) Mas, dir-se-á, as leis gerais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica são sempre as mesmas, sejam<br />
elas aplica<strong>da</strong>s no presente ou no passado. (...) É exatamente isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis<br />
abstratas não existem. (...) Segundo sua opinião, pelo contrário, ca<strong>da</strong> período histórico possui suas<br />
próprias leis. Assim que a vi<strong>da</strong> já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado<br />
de determinado estágio a outro, começa a ser dirigi<strong>da</strong> por outras leis. (...)” (apud MARX, p.25-6,<br />
grifo meu).<br />
55 Falo em aproximação por dois motivos: primeiro, em função de que discutir tal processo implica uma<br />
complexi<strong>da</strong>de de reflexões que por si só se constituiriam em uma tese e, segundo, porque também<br />
necessita de um longo caminho para um amadurecimento teórico no qual apenas inicio uma trilha. Neste<br />
sentido utilizo como base teórica Marx e Engels que inauguraram a ontologia materialista; Lukács que se<br />
apropria e a desenvolve procurando a compreensão indo à raiz <strong>da</strong>s categorias apreendi<strong>da</strong>s por esses<br />
pensadores e, fun<strong>da</strong>mentalmente, as análises de Lessa e de Tonet sobre a ontologia do ser social.<br />
56 A “identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e não identi<strong>da</strong>de” implica que o trabalho é a protoforma de to<strong>da</strong> a práxis, e<br />
que no desenvolvimento do ser social as outras práxis possuem uma independência relativa do trabalho.<br />
Ou seja, este continua sendo o modelo, mas as várias práxis não se identificam imediatamente com o<br />
trabalho. Lessa, a partir de Lukács, ao explicar o processo de generalização afirma que neste o ser social<br />
se remete para além <strong>da</strong> esfera do trabalho. Assim: “Ao generalizar subjetivamente, por exemplo, dá<br />
origem a conhecimentos e a processos de valoração que em na<strong>da</strong> se relacionam, a não ser mediatamente,<br />
com atos de trabalho enquanto tal. Objetivamente, dão origem a relações e categorias sociais que apenas<br />
mediatamente se articulam com a transformação direta <strong>da</strong> natureza. (...) Entre a esfera do trabalho e a<br />
construção <strong>da</strong> generali<strong>da</strong>de humana se desdobra uma relação de identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> não<br />
identi<strong>da</strong>de: o trabalho dá origem a novas necessi<strong>da</strong>des e as possibili<strong>da</strong>des para o desenvolvimento<br />
humano que não mais se identifica com ele” (p.28).<br />
52
Considero necessário destacar, objetivando desvelar o processo de individuação,<br />
que a constituição do indivíduo humano em hipótese alguma acontece de forma isola<strong>da</strong><br />
do conjunto <strong>da</strong>s relações sociais. O indivíduo não é uma môno<strong>da</strong>: só existe enquanto<br />
generi<strong>da</strong>de. Essa definição aparece de maneira precisa na VI Tese sobre Feuerbach,<br />
quando Marx expõe que “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao<br />
indivíduo isolado. Em sua reali<strong>da</strong>de, ela é o conjunto <strong>da</strong>s relações sociais” (MARX;<br />
ENGELS, 2007, p.538). Os seres humanos se constituem em seres sociais, ou seja, são<br />
os resultados de sua construção enquanto indivíduos e enquanto gênero humano.<br />
Assim, além de social, a essência humana não é <strong>da</strong><strong>da</strong> a priori, ela é histórica, ou<br />
seja, é construí<strong>da</strong> pelos homens nas relações entre si no seu intercâmbio com a natureza.<br />
Apreender a essência humana dessa forma implica na modificação <strong>da</strong> compreensão do<br />
mundo até então predominante. Significa, ain<strong>da</strong>, uma nova concepção de história<br />
também não predominante, como explicam os autores de A Ideologia Alemã:<br />
53<br />
Essa concepção de história consiste, portanto, em desenvolver o<br />
processo real de produção a partir <strong>da</strong> produção material <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
imediata e em conceber a forma de intercâmbio conecta<strong>da</strong> a esse<br />
modo de produção e por ela engendra<strong>da</strong> (...) Ela não tem necessi<strong>da</strong>de,<br />
como na concepção idealista <strong>da</strong> história, de procurar uma categoria<br />
em ca<strong>da</strong> período, mas sim de permanecer constante sobre o solo <strong>da</strong><br />
história real; não de explicar a práxis partindo <strong>da</strong> idéia, mas de<br />
explicar as formações ideais a partir <strong>da</strong> práxis material e chegar, com<br />
isso, ao resultado de que to<strong>da</strong>s as formas e [todos os] produtos <strong>da</strong><br />
consciência não podem ser dissolvidos por obra <strong>da</strong> crítica espiritual,<br />
por sua dissolução na “autoconsciência” ou sua transformação em<br />
“fantasmas”, “espectro”, “visões” etc., mas apenas pela demolição<br />
prática <strong>da</strong>s relações sociais reais [realen] de onde provêm essas<br />
enganações idealistas; não é a crítica, mas a revolução a força<br />
motriz <strong>da</strong> história e também <strong>da</strong> religião, <strong>da</strong> filosofia e de to<strong>da</strong> a<br />
forma de teoria (2007, p.43, grifo meu).<br />
Na compreensão do processo real é necessário partir dos indivíduos reais e estes<br />
não podem ser apreendidos apenas pela contemplação do imediato, mas procurando as<br />
suas conexões, as suas condições efetivas de vi<strong>da</strong>. E é neste âmbito que Marx e Engels<br />
apontam os pressupostos para a compreensão do ser social <strong>da</strong> seguinte forma:<br />
Devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de to<strong>da</strong> a<br />
existência humana e também, portanto, de to<strong>da</strong> a história, a saber, o<br />
pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver<br />
para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo,<br />
de comi<strong>da</strong>, bebi<strong>da</strong>, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O<br />
primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para satisfação<br />
dessas necessi<strong>da</strong>des, a produção <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> material, e este é, sem
54<br />
dúvi<strong>da</strong>, um ato histórico, uma condição fun<strong>da</strong>mental de to<strong>da</strong> a<br />
história, que ain<strong>da</strong> hoje, assim como há milênios, tem de ser cumpri<strong>da</strong><br />
diariamente, a ca<strong>da</strong> hora, simplesmente para manter os homens vivos<br />
(2007, p.32-3).<br />
O primeiro ato histórico, portanto, é a produção dos meios para satisfazer<br />
necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s quais os homens não podem prescindir. Esse ato histórico é o trabalho,<br />
compreendido como relação eterna entre os homens e a natureza. Relação eterna,<br />
porque os homens em qualquer organização social não podem deixar de realizar esse<br />
intercâmbio com a natureza. Por isso o trabalho foi e continuará sendo a categoria<br />
fun<strong>da</strong>nte do ser social, a produção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que não é simplesmente <strong>da</strong><strong>da</strong> pela natureza,<br />
mas é construí<strong>da</strong> socialmente pelos seres humanos. Marx em vários momentos explica o<br />
significado do trabalho, em várias <strong>da</strong>s suas obras, desde a juventude até a maturi<strong>da</strong>de.<br />
Entre essas explicações, destaco a seguinte passagem d’O Capital:<br />
O processo de trabalho (...) é a ativi<strong>da</strong>de orienta<strong>da</strong> a um fim para<br />
produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer<br />
necessi<strong>da</strong>des humanas, condição universal do metabolismo entre o<br />
homem e a Natureza, condição natural eterna <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana e,<br />
portanto, independente de qualquer forma dessa vi<strong>da</strong>, sendo antes<br />
igualmente comum a to<strong>da</strong>s as suas formas sociais (1988, p. 146).<br />
O segundo ato histórico consiste em que a partir do momento em que são<br />
satisfeitas as necessi<strong>da</strong>des modificam-se os homens e a reali<strong>da</strong>de, surgem novas<br />
necessi<strong>da</strong>des e a construção de novos instrumentos para satisfazê-las. Acrescenta-se<br />
ain<strong>da</strong> um terceiro componente nesse processo: os homens produzem e reproduzem não<br />
apenas a sua própria vi<strong>da</strong> individual como a de seu gênero, constituindo sempre novas<br />
relações sociais. Ou seja:<br />
O segundo ponto é que a satisfação dessa primeira necessi<strong>da</strong>de, a ação<br />
de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a<br />
novas necessi<strong>da</strong>des – e essa produção de novas necessi<strong>da</strong>des constitui<br />
o primeiro ato histórico. (...) A terceira condição que já de início<br />
intervém no desenvolvimento histórico é que os homens, que renovam<br />
diariamente sua própria vi<strong>da</strong>, começam a criar outros homens, a<br />
procriar – a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a<br />
família (Marx; Engels, 2007, p. 33).<br />
Segundo esses pensadores, esses três momentos coexistem e se interpenetram<br />
condicionando-se reciprocamente; em suma, os homens para fazer história precisam<br />
estar vivos e para isto é preciso, diferentemente dos outros animais, produzir os meios
necessários. Essa é uma condição fun<strong>da</strong>mental que perpassa a humani<strong>da</strong>de. Ao realizá-<br />
la, criam novas necessi<strong>da</strong>des e novos meios e instrumentos para supri-las. Além disso, a<br />
partir desse ato histórico garantem a sua existência individual e do seu gênero humano.<br />
A produção e reprodução <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> realiza<strong>da</strong> no trabalho é desde o princípio uma<br />
ineliminável relação social. Existe sempre uma uni<strong>da</strong>de entre a produção <strong>da</strong> história e a<br />
produção <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, portanto, dos indivíduos humanos. Dessa forma,<br />
55<br />
desde o princípio, uma conexão materialista dos homens entre si,<br />
conexão que depende <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des e do modo de produção e que é<br />
tão antiga quanto os próprios homens – uma conexão que assume<br />
sempre novas formas e que apresenta, assim, uma “História”, sem que<br />
precise existir qualquer absurdo político ou religioso que também<br />
mantenha os homens unidos (Ibid, p.34).<br />
Lukács, analisando esse processo demonstrado por Marx e Engels e em<br />
concordância com eles, explica o longo processo do salto ontológico 57 do ser biológico<br />
para o ser social e o momento predominante desse salto, o trabalho, uma categoria que<br />
contém to<strong>da</strong>s as características dos atos humanos. Essa categoria, juntamente com<br />
outras como a linguagem, a sociabili<strong>da</strong>de e a divisão do trabalho, formam um complexo<br />
que é o ser social. Ca<strong>da</strong> uma delas apenas pode ser compreendi<strong>da</strong> na sua relação com a<br />
totali<strong>da</strong>de social, mas a protoforma é sempre o trabalho, ele é a base inclusive para as<br />
dicotomias cria<strong>da</strong>s, pois neste “estão grava<strong>da</strong>s in nuce to<strong>da</strong>s as determinações que,<br />
como veremos, constituem a essência de tudo que é novo no ser social. Deste modo, o<br />
trabalho pode ser considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social” (Lukács,<br />
s/d, p. 3).<br />
Na processuali<strong>da</strong>de social – quando os homens procuram suprir suas<br />
necessi<strong>da</strong>des – surge com o trabalho um elemento qualitativamente novo em relação ao<br />
57 O estudo do ser social implica compreender que além desta esfera de ser existem na natureza também a<br />
esfera inorgânica e a orgânica. A primeira existência é <strong>da</strong> esfera inorgânica, na qual o seu ser caracterizase<br />
em um “tornar-se outro”; a esfera orgânica significa o início <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> animal e vegetal e possui a<br />
capaci<strong>da</strong>de de se reproduzir, “repor o mesmo”; a esfera do ser social, sem abandonar sua natureza<br />
inorgânica e orgânica (biológica) caracteriza-se por produzir sempre o novo, num processo contínuo de<br />
autoconstrução. A passagem de um ser para o outro implica, mesmo que o processo se dê por um longo<br />
período, um salto qualitativo, o qual foi chamado por Lukács de “salto ontológico”. O salto (passagem do<br />
animal à humanização) que deu origem ao ser social tem como elemento prioritário o trabalho. O salto de<br />
uma esfera de ser para outra significa que, sem eliminar o ser anterior, surge um ser radicalmente novo,<br />
no caso do ser inorgânico para o orgânico o processo de se dá de forma causal na natureza e estas duas<br />
esferas de ser também se desenvolvem de forma causal. No caso do ser social o processo natural, com o<br />
trabalho, dá lugar a um processo que se desenvolve histórica e socialmente afastando ca<strong>da</strong> vez mais, na<br />
expressão de Marx “as barreiras naturais”. Sobre esse assunto podem ser encontra<strong>da</strong>s discussões em<br />
Marx e Engels (2007); Lukács (s/d), Lessa (2002, 2007); Netto e Braz (2006); entre outros.
processo natural. Esse elemento novo são os atos teleologicamente postos, ou seja, atos<br />
que possuem uma finali<strong>da</strong>de e que alteram a reali<strong>da</strong>de. Esses atos sempre trazem com<br />
eles alternativas novas que só passam a existir com essa intervenção humana.<br />
São apenas os homens que se diferenciam <strong>da</strong> natureza pelo trabalho e que<br />
podem, portanto, colocar finali<strong>da</strong>des em suas ações. Na natureza, no desenvolvimento<br />
histórico e social em si não existe teleologia. São somente os indivíduos que realizam<br />
esse movimento cotidianamente, compreendendo isto ou não 58 . Isto faz deles os únicos<br />
que constantemente constroem uma nova reali<strong>da</strong>de em que a sua substanciali<strong>da</strong>de<br />
também é construí<strong>da</strong> historicamente por seus atos.<br />
Assim, a lógica do processo de desenvolvimento do ser social não é igual e nem<br />
pode ser confundi<strong>da</strong> com a lógica do movimento <strong>da</strong> natureza. A primeira se dá a partir<br />
<strong>da</strong> teleologia, em um desenvolvimento contraditório do ser, a segun<strong>da</strong> estabelece uma<br />
relação de causali<strong>da</strong>de, um movimento sem intencionali<strong>da</strong>de. Lukács assim explica<br />
esses movimentos:<br />
56<br />
enquanto a causali<strong>da</strong>de é um princípio de automovimento que repousa<br />
sobre si mesmo e que mantém este caráter mesmo quando uma série<br />
causal tenha o seu ponto de parti<strong>da</strong> num ato de consciência, a<br />
teleologia, ao contrário, por sua própria natureza, é uma categoria<br />
posta: todo processo teleológico implica numa finali<strong>da</strong>de e, portanto,<br />
numa consciência que estabelece um fim. Por, neste caso, não<br />
significa simplesmente assumir conscientemente, como acontece com<br />
as outras categorias e especialmente com a causali<strong>da</strong>de; ao contrário,<br />
aqui, com o ato de por, a consciência dá início a um processo real,<br />
exatamente ao processo teleológico. Assim, o por tem, neste caso, um<br />
ineliminável caráter ontológico (s/d, p.5).<br />
Teleologia e causali<strong>da</strong>de são partes constitutivas do trabalho, e nesse processo<br />
fazem com que o sujeito, depois do ato de “pôr”, não se identifique mais com o objeto<br />
posto. A nova objetivi<strong>da</strong>de torna-se independente do sujeito que a “pôs” e passa a ter<br />
um desenvolvimento causal, mas uma causali<strong>da</strong>de posta e não uma causali<strong>da</strong>de natural.<br />
Essa causali<strong>da</strong>de posta precisa ser novamente apreendi<strong>da</strong> pelo sujeito para que possa<br />
realizar um novo “pôr” e assim sucessivamente, suprindo as necessi<strong>da</strong>des, construindo<br />
sempre uma nova reali<strong>da</strong>de objetiva e necessitando apreendê-la.<br />
58 Não importa o nível de consciência que uma parte significativa dos homens possua sobre o processo<br />
histórico que estão construindo, mas o fato é que estão construindo, pois são seres sociais cujas ativi<strong>da</strong>des<br />
corroboram com a edificação dos processos sociais mais amplos.
A objetivi<strong>da</strong>de encontra<strong>da</strong> e a posta possuem, assim, uma trajetória<br />
independente do sujeito que a “pôs”. Isto se dá tanto naquilo que Lukács denominou<br />
“pôr teleológico primário”, quando se realiza o trabalho – relação do homem com a<br />
natureza –, quanto ao que ele denominou “pôr teleológico secundário” – práxis que diz<br />
respeito à relação do homem com outros homens 59 . Isso significa que a nova<br />
objetivi<strong>da</strong>de pode ser um instrumento como um machado ou idéias, depois de postas<br />
não se confundem com o sujeito que os objetivou.<br />
Além disso, a objetivi<strong>da</strong>de determina a possibili<strong>da</strong>de ou não de um determinado<br />
por teleológico. Por isso Marx afirma:<br />
57<br />
Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem; não a<br />
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se<br />
defrontam diretamente, lega<strong>da</strong>s e transmiti<strong>da</strong>s pelo passado. A<br />
tradição de to<strong>da</strong>s as gerações mortas oprime como um pesadelo o<br />
cérebro dos vivos (1988, p.7).<br />
O processo teleológico existente no trabalho, portanto existente somente no ser<br />
social, é mediado pela consciência, ou seja, é sempre necessário um ser consciente<br />
“capaz” do pôr teleológico, uma subjetivi<strong>da</strong>de que possua uma finali<strong>da</strong>de, que busque<br />
os meios para realizá-la, que escolha entre as alternativas postas e que objetive aquilo<br />
que foi previamente idealizado. Mas sempre a subjetivi<strong>da</strong>de está inevitavelmente<br />
relaciona<strong>da</strong> a sua materiali<strong>da</strong>de, ou seja, a subjetivi<strong>da</strong>de sem a sua materiali<strong>da</strong>de, sem a<br />
relação com a objetivi<strong>da</strong>de, é uma impossibili<strong>da</strong>de. Lessa assim sintetiza a relação<br />
inextrincável entre objetivi<strong>da</strong>de/subjetivi<strong>da</strong>de:<br />
59 O “por teleológico secundário” faz parte do ser social desde sua gênese, mas tal como afirma Lukács,<br />
ganha maior importância na medi<strong>da</strong> em que as relações sociais se tornam mais complexas. Na passagem a<br />
seguir o filósofo explica esta questão e a diferença entre as posições teleológicas primárias e secundárias:<br />
“Mais importante, porém, é deixar claro o que distingue o trabalho neste sentido <strong>da</strong>s formas mais<br />
evoluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> práxis social. Neste sentido originário e mais restrito, o trabalho é um processo entre<br />
ativi<strong>da</strong>de humana e natureza: seus atos tendem a transformar alguns objetos naturais em valores de uso.<br />
Junto a isto, nas formas ulteriores e mais evoluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> práxis social, se destaca mais acentua<strong>da</strong>mente a<br />
ação sobre outros homens, cujo objetivo é, em última instância – mas somente em última instância –<br />
mediar a produção de valores de uso. Também neste caso o fun<strong>da</strong>mento ontológico-estrutural é<br />
constituído pelas posições teleológicas e pelas séries causais que elas põem em movimento. No entanto, o<br />
conteúdo essencial <strong>da</strong> posição teleológica neste momento – falando em termos gerais e abstratos – é a<br />
tentativa de induzir uma outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar algumas posições<br />
teleológicas concretas. Este problema aparece logo que o trabalho se torna social, no sentido de que<br />
depende <strong>da</strong> cooperação de mais pessoas, e independente do fato de que já esteja presente o problema do<br />
valor de troca ou que a cooperação tenha apenas como objetivo os valores de uso. Por isso, esta segun<strong>da</strong><br />
forma de posição teleológica, na qual o fim posto é imediatamente finali<strong>da</strong>de de outras pessoas, já<br />
pode existir em estágios muito iniciais” (s/d, p.24, grifos meus).
58<br />
O fato de a teleologia ser necessariamente posta pela consciência não<br />
a reduz a mera e simples pulsão <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de. Sem subjetivi<strong>da</strong>de<br />
não há teleologia – mas a consciência, assim como a teleologia,<br />
apenas existe no interior do ser social e, portanto, em relação com a<br />
sua materiali<strong>da</strong>de (2001, p. 71).<br />
A mediação realiza<strong>da</strong> pela consciência é possível porque não existe identi<strong>da</strong>de<br />
entre sujeito/objeto e subjetivi<strong>da</strong>de/objetivi<strong>da</strong>de. Essas são categorias igualmente reais<br />
e, ao mesmo tempo em que são distintas, formam uma uni<strong>da</strong>de. Na primeira categoria<br />
existe a intencionali<strong>da</strong>de, a prévia-ideação e na segun<strong>da</strong> é sempre causali<strong>da</strong>de posta e<br />
neste sentido não se orienta mais com a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência que a “pôs”, ou seja,<br />
não há identi<strong>da</strong>de entre elas, entre a prévia-ideação existente na consciência e o mundo<br />
objetivo.<br />
Dito de outra forma: a prévia-ideação existente na teleologia pressupõe uma<br />
subjetivi<strong>da</strong>de, um ser consciente que a possua e a “ponha”. Depois de posta, objetiva<strong>da</strong>,<br />
se torna causali<strong>da</strong>de, pois faz parte do mundo objetivo que se relaciona com a<br />
subjetivi<strong>da</strong>de que a pôs, mas que em nenhum momento se confunde com ela. Uma vez<br />
“posta”, ela é portadora de uma legali<strong>da</strong>de causal e em hipótese alguma possui uma<br />
intencionali<strong>da</strong>de, uma consciência capaz de pôr 60 . Neste sentido, Lessa explica:<br />
Uma vez objetivado, o ente adquire uma objetivi<strong>da</strong>de independente<br />
(em um grau maior ou menor, conforme o caso) <strong>da</strong> consciência que o<br />
pôs. Assim sendo, as criações humanas (sejam elas objetos singulares<br />
ou a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações sociais) passam a se desenvolver de forma<br />
puramente causal, não-teleológica e, por isso, na cotidiani<strong>da</strong>de, se<br />
confrontam com os indivíduos como uma “segun<strong>da</strong> natureza” (2002,<br />
p. 81).<br />
Por conseguinte, é impossível haver uma teleologia na história, no<br />
desenvolvimento social. A teleologia só existe no ser social media<strong>da</strong> pela consciência -<br />
na totali<strong>da</strong>de de sua práxis, cuja protoforma é o trabalho. Repito, são os homens que<br />
fazem a história.<br />
É com a consciência mediadora <strong>da</strong> práxis que podemos estabelecer relações<br />
entre o passado, o presente e projetar o futuro, mas sempre a partir <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong><strong>da</strong>s,<br />
60 Lessa reforça que: “As interações, portanto, que transformam a causali<strong>da</strong>de de ‘<strong>da</strong><strong>da</strong>’ em ‘posta’ são<br />
aquelas pelas quais são objetiva<strong>da</strong>s as prévias-ideações e jamais são interações que cancelam a distinção<br />
ontológica entre teleologia e causali<strong>da</strong>de” (2002, p.73).
objetiva<strong>da</strong>s. E exatamente pela possibili<strong>da</strong>de de estabelecer essas relações, no<br />
desenvolvimento histórico concreto, é a posição do fim que guia nossas práticas sociais<br />
tanto no processo imediato do trabalho quanto na práxis em que não se tem esse devir<br />
imediato.<br />
59<br />
A história na<strong>da</strong> mais é do que o suceder-se de gerações distintas, em<br />
que ca<strong>da</strong> uma explora os materiais, os capitais e as forças de produção<br />
a ela transmiti<strong>da</strong>s pelas gerações anteriores; portanto, por um lado ela<br />
continua a ativi<strong>da</strong>de anterior sob condições totalmente altera<strong>da</strong>s, e,<br />
por outro, modifica com uma ativi<strong>da</strong>de completamente diferente as<br />
condições antigas (MARX; ENGELS, 2007, p.40)<br />
Lukács categoriza esse domínio <strong>da</strong> posição do fim como o “dever-ser”. Sobre<br />
essa categoria fun<strong>da</strong>mental preconiza:<br />
Quando, então, observamos que o ato decisivo do sujeito é a própria<br />
posição teleológica e sua realização, fica imediatamente evidente que<br />
o momento categorial determinante destes atos implica o surgimento<br />
de uma práxis caracteriza<strong>da</strong> pelo dever-ser. O momento determinante<br />
imediato de qualquer ação que vise à realização não pode deixar de ter<br />
a forma do dever-ser, uma vez que qualquer passo em direção à<br />
realização é decidido verificando se e como ele favorece a obtenção<br />
do fim. O sentido <strong>da</strong> determinação, então, se inverte: na determinação<br />
biológica normal, causal, ou seja, nos animais e também nos homens,<br />
existe um processo causal no qual é sempre inevitavelmente o passado<br />
que determina o presente. Também a a<strong>da</strong>ptação dos seres vivos a um<br />
ambiente transformado é regido pela necessi<strong>da</strong>de causal, na medi<strong>da</strong><br />
em que as proprie<strong>da</strong>des produzi<strong>da</strong>s no organismo passado reagem à<br />
transformação, conservando-se ou anulando-se. A posição de um fim<br />
inverte, como já vimos, este an<strong>da</strong>mento: o fim vem (na<br />
consciência) antes <strong>da</strong> sua realização e, no processo que orienta<br />
todos os passos, todo movimento é guiado pela posição do fim<br />
(futuro) (Lukács, s.n. p. 23, grifo meu).<br />
O dever-ser possui uma função reguladora que age modificando o sujeito que<br />
trabalha. O projetar do futuro implica, para a sua realização, o conhecimento <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de, em escolher entre as várias alternativas, dominar os afetos e, depois de<br />
realizado, avaliar a partir <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de planeja<strong>da</strong>. Assim, essa posição do fim modifica<br />
o comportamento humano 61 . O comportamento efetivo do sujeito, segundo Lukács, é o<br />
ponto de parti<strong>da</strong> para a realização do trabalho. Segundo os argumentos lukacsianos:<br />
61 A essência de um “ser” é o que ele possui de constante, ou seja, aquilo que lhe dá continui<strong>da</strong>de. No ser<br />
social, a essência é a sua processuali<strong>da</strong>de, é a condição de estar em constante transformação e essa<br />
transformação é provoca<strong>da</strong> pelos próprios homens. Esta processuali<strong>da</strong>de é completamente distinta <strong>da</strong><br />
processuali<strong>da</strong>de natural, pois como já afirmei, no ser social, e só neste, existe a teleologia, ou seja, os<br />
homens constroem-se cotidianamente com atos intencionalmente postos e neste processo ao mesmo<br />
tempo se distanciam <strong>da</strong> natureza, a transformam, complexificam as relações entre si e constroem a sua
60<br />
A essência ontológica do dever-ser no trabalho atua sobre o sujeito<br />
que trabalha e determina o comportamento laborativo, mas não<br />
acontece apenas isto, ela determina também o seu comportamento em<br />
relação a si mesmo enquanto sujeito do processo de trabalho. (...) a<br />
constituição do fim, do objeto, dos meios, determina também a<br />
essência <strong>da</strong> postura subjetiva. Em outros termos, também do ponto de<br />
vista do sujeito um trabalho só pode ter sucesso quando realizado com<br />
base numa grande objetivi<strong>da</strong>de, e deste modo a subjetivi<strong>da</strong>de, neste<br />
processo, deve estar a serviço <strong>da</strong> produção. É claro que as quali<strong>da</strong>des<br />
do sujeito (espírito de observação, destreza, habili<strong>da</strong>de, tenaci<strong>da</strong>de,<br />
etc.), influem (...) O autodomínio do homem, que aparece pela<br />
primeira vez no trabalho como efeito necessário do dever-ser, o<br />
domínio crescente de sua inteligência sobre as suas inclinações<br />
biológicas e hábitos espontâneos, etc. são regulados e orientados pela<br />
objetivi<strong>da</strong>de deste processo; ela, por sua vez, se fun<strong>da</strong> no próprio ser<br />
natural do objeto, dos meios, etc. do trabalho (s/d, p.33).<br />
Como outras categorias, o dever-ser está completamente relacionado com as<br />
alternativas concretas dos homens, portanto, o estabelecimento <strong>da</strong> “posição do fim” é<br />
sempre histórico, ou seja, se transforma com a construção histórica realiza<strong>da</strong> pelo ser<br />
social. Dessa forma, o dever-ser não atua como finali<strong>da</strong>de ideal, universal que deve ser<br />
atingi<strong>da</strong> para que um fim a priori seja cumprido. O dever ser também não diz respeito<br />
às posições teleológicas que não podem ser alcança<strong>da</strong>s e, por isso, atuam como<br />
“reguladoras” <strong>da</strong>s atitudes e comportamentos, mas sim é fruto de necessi<strong>da</strong>des e<br />
situações concretas, com possibili<strong>da</strong>des reais de se realizarem. Mas, como<br />
possibili<strong>da</strong>de, pode ou não se concretizar. Daí a afirmação de Lukács segundo a qual:<br />
O dever-ser em si mesmo, já possui, no processo de trabalho,<br />
possibili<strong>da</strong>des muito diversas, objetivas e subjetivas. Quais dessas e<br />
de que modo se tornarão reali<strong>da</strong>de social, é uma coisa que depende do<br />
respectivo desenvolvimento concreto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e – também<br />
sabemos isto – somente post festum se pode compreender de maneira<br />
adequa<strong>da</strong> as determinações concretas de um tal desenvolvimento<br />
(Ibid, p.36).<br />
Como acontece em outras categorias, também no dever-ser as formas mais<br />
complexas não podem ser deduzi<strong>da</strong>s logicamente do dever-ser do trabalho, mas não<br />
representam em hipótese alguma uma duali<strong>da</strong>de em relação a ele. Este continua sendo o<br />
modelo de to<strong>da</strong> práxis. Assim sendo, quando<br />
história. Assim, nos homens, com o “dever-ser” os atos teleológicos invertem o domínio do presente pelo<br />
passado para o domínio do presente pelo futuro. Lessa sintetiza a questão <strong>da</strong> seguinte forma: “O ser é<br />
histórico porque sua essência, em vez de ser <strong>da</strong><strong>da</strong> a priori, se consubstancia ao longo do próprio processo<br />
de desenvolvimento ontológico. (...) no ser social, a essência, em vez de uma ‘determinação geral,<br />
inevitável de todo conteúdo prático’, desenha o horizonte de possibili<strong>da</strong>des dentro do qual pode se<br />
desenvolver o ineliminável caráter de alternativa de todos os atos humanos” (2002, p.51; 56).
61<br />
o fim teleológico é o de induzir outros homens a posições teleológicas<br />
que eles mesmos deverão realizar, a subjetivi<strong>da</strong>de de quem põe<br />
adquire um papel qualitativamente diferente e, ao final, o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong>s relações sociais entre os homens implica que<br />
também a autotransformação do sujeito se torne objeto imediato de<br />
posições teleológicas, cujo conteúdo é um dever-ser. É claro que estas<br />
posições são diferentes <strong>da</strong>quelas que encontramos no processo de<br />
trabalho, não apenas por serem mais complexas, mas, e exatamente<br />
por isto, pela diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de. (...) Em qualquer caso, essas<br />
inegáveis diferenças qualitativas não nos devem fazer esquecer o fato<br />
fun<strong>da</strong>mental comum, isto é, que to<strong>da</strong>s as relações do dever-ser, atos<br />
dos quais não é o passado, na sua espontânea causali<strong>da</strong>de que<br />
determina o presente, mas, ao contrário, é o objetivo futuro,<br />
teleologicamente posto, o princípio determinante <strong>da</strong> práxis (Idem,<br />
p. 36, grifo meu).<br />
As condições objetivas determinam por um lado as ações e a construção <strong>da</strong><br />
história; por outro, é a finali<strong>da</strong>de futura que as impulsiona modificando as condições<br />
objetivas e subjetivas do presente. Esse processo lança o ser social para uma constante<br />
transformação, para mu<strong>da</strong>nças qualitativas, mas que por depender de escolhas entre as<br />
alternativas, podem produzir erros e as transformações qualitativas podem significar<br />
uma inflexão ou uma superação no processo de desenvolvimento.<br />
Relacionado ao dever-ser atuando nessas transformações, estão os valores. Eles<br />
possuem um caráter de objetivi<strong>da</strong>de tal qual o dever-ser e atuam como critério para a<br />
avaliação do produto que foi realizado.<br />
É de fun<strong>da</strong>mental importância compreender que é ontologicamente impossível a<br />
existência <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de sem a prévia existência <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de. A subjetivi<strong>da</strong>de é a<br />
síntese entre teleologia e causali<strong>da</strong>de, ou seja, pressupõe o trabalho, como é sempre bom<br />
lembrar, categoria <strong>da</strong> qual se origina o ser social.<br />
É impossível também a redução <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de aos limites <strong>da</strong>s sensações<br />
corporais em detrimento <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, ou <strong>da</strong> “racionali<strong>da</strong>de técnica”. Se assim<br />
fosse, isto faria com que desaparecesse a subjetivi<strong>da</strong>de, não existiria mais o<br />
distanciamento entre sujeito e o objeto e o ser social, deixando de existir, seria apenas<br />
um dos animais superiores 62 . A dicotomia entre subjetivi<strong>da</strong>de e objetivi<strong>da</strong>de não é<br />
possível.<br />
62 Sobre as diferenças dos animais superiores e o ser social, ver Leontiev (2004).
2.1 – O desenvolvimento contraditório do ser social<br />
O processo de desenvolvimento, o distanciamento entre o sujeito e o objeto é um<br />
processo unitário e contraditório e que gera outras aparentes dicotomias além <strong>da</strong>quela<br />
entre subjetivi<strong>da</strong>de e objetivi<strong>da</strong>de. Esse processo se constrói a partir <strong>da</strong> contradição<br />
entre o fenômeno e a essência realiza<strong>da</strong> a partir do distanciamento entre o sujeito e o<br />
objeto criado no trabalho; é necessária uma autonomia <strong>da</strong> consciência em relação ao<br />
corpo para que isso ocorra, mas esse processo gera na consciência uma falsa percepção,<br />
elimina a contradição e cria uma falsa duali<strong>da</strong>de que objetiva<strong>da</strong> passa a ser<br />
compreendi<strong>da</strong> como ver<strong>da</strong>deira.<br />
A relação sujeito/objeto e o necessário distanciamento que nasce do trabalho, do<br />
salto ontológico do ser natural para o ser social são manifestações humanas e não<br />
podem ser encontra<strong>da</strong>s em outro lugar na natureza. Dessa relação nascem categorias<br />
essenciais à formação do ser social, como, por exemplo, a linguagem 63 . Essa categoria é<br />
uma <strong>da</strong>s bases indispensáveis do ser social. Sua compreensão, juntamente com a <strong>da</strong><br />
formação <strong>da</strong> consciência, fornecem argumentos para entender as dicotomias já cita<strong>da</strong>s.<br />
Marx e Engels, ao discutirem a base material <strong>da</strong> consciência, explicam que:<br />
62<br />
O “espírito” tem em si de antemão a maldição de ser “afetado” pela<br />
matéria, que aqui se faz presente na forma de cama<strong>da</strong>s de ar em<br />
movimento, de sons, em suma de linguagem. A linguagem é tão velha<br />
quanto a consciência – a linguagem é a consciência efetiva, prática<br />
também existente para outros homens, portanto também existente<br />
primeiro para mim mesmo, e assim como a consciência a linguagem<br />
surge somente <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de //Bedürfnis//, <strong>da</strong> emergência de<br />
intercâmbio com outros homens (...) Já de antemão, portanto, a<br />
consciência é um produto social e assim continua enquanto em geral<br />
existirem homens (2003, p. 197, grifo dos autores).<br />
Lukács (s.n.), na esteira desses pensadores, argumenta que a comunicação existe<br />
entre animais superiores e está relaciona<strong>da</strong> à sobrevivência <strong>da</strong> espécie. Faz parte do<br />
63 Embora nas citações que se seguem os autores se refiram à fala, compreendo que a linguagem não é<br />
somente verbal, mas é também gestual, diz respeito às representações feitas por meio de desenhos,<br />
escritas, enfim várias formas que permitam a comunicação entre as pessoas. Ela pressupõe a existência de<br />
uma sociabili<strong>da</strong>de. Assim, as formas de comunicação precisam ser ca<strong>da</strong> vez mais precisas para a<br />
realização do trabalho e promove o desenvolvimento ca<strong>da</strong> vez mais preciso <strong>da</strong> fala. Lukács (s.n., p. 48)<br />
retoma Engels quando este “observa com justeza que a linguagem surgiu porque os homens ‘tinham<br />
alguma coisa para dizer-se. A necessi<strong>da</strong>de desenvolveu o órgão necessário para isso’”.
caráter biológico desess animais. E o que os diferencia dos seres humanos é exatamente<br />
o fato desses últimos realizarem o distanciamento, ou seja, os homens são capazes de,<br />
pela capaci<strong>da</strong>de de abstração, se distinguirem dos outros homens e de todo o mundo que<br />
os cerca. Isto acontece com o afastamento do objeto em relação a sua existência<br />
imediata em dois sentidos: primeiro, porque o entende como independente <strong>da</strong> sua<br />
existência humana imediata e, depois, por tentar precisar ca<strong>da</strong> vez mais concretamente<br />
este objeto afastado, conceituando-o e representando-o através de signos. Esses signos<br />
são ca<strong>da</strong> vez mais precisos e capazes de serem mutuamente compreendidos, assim,<br />
permitem a compreensão do objeto afastado nas condições mais diversas. Então, do<br />
mesmo modo que no trabalho ocorre o distanciamento entre sujeito e objeto e que dele<br />
origina a linguagem, simultaneamente esta também produz o distanciamento entre o<br />
objeto concreto e o seu conceito criado. Lukács explica que<br />
63<br />
[...] os seus meios de expressão, as suas designações são tais que<br />
permitem muito bem a ca<strong>da</strong> sinal figurar em contextos completamente<br />
diferentes. De modo que a reprodução realiza<strong>da</strong> através do signo<br />
verbal se separa dos objetos designados por ela e, por conseguinte,<br />
também do sujeito que a realiza, tornando-se expressão conceptual de<br />
um grupo inteiro de fenômenos determinados, que podem ser<br />
utilizados de modo análogo por sujeitos inteiramente diferentes (s.n,<br />
p.48).<br />
O distanciamento que ocorre tanto no trabalho como na linguagem é sempre<br />
diferente, porque todo o processo laboral, mesmo o mais simples, realiza uma “relação<br />
nova entre imediatici<strong>da</strong>de e mediação” (Idem, 48). Essa relação é sempre diferente, pois<br />
os seres humanos, ao objetivarem o trabalho, transformam tanto a necessi<strong>da</strong>de quanto a<br />
forma de mediar a sua satisfação. Ambas deixam de ser naturais para transformarem-se<br />
em construções humanas. Por isso Lukács afirma: “A contraditorie<strong>da</strong>de desse estado de<br />
coisas é reforça<strong>da</strong> pela circunstância, também ineliminável, de que todo produto do<br />
trabalho, quando está terminado, tem para o homem que o utiliza, uma nova<br />
imediatici<strong>da</strong>de, não mais natural” (Ibid, p.48).<br />
A essa questão o filósofo húngaro acrescenta que, à medi<strong>da</strong> que o trabalho se<br />
desenvolve, as mediações entre o homem e o fim imediato a que ele objetiva se tornam<br />
ca<strong>da</strong> vez mais complexas. Há nesse processo, desde o início, uma diferenciação entre as<br />
finali<strong>da</strong>des imediatas e as mais mediatas, de maneira que “só o distanciamento<br />
conceptual dos objetos por meio <strong>da</strong> linguagem é capaz de fazer com que o<br />
distanciamento real que se realizou no trabalho seja comunicável e seja fixado como um<br />
patrimônio comum de uma socie<strong>da</strong>de” (Ibid, p.49).
A generalização <strong>da</strong>s experiências se torna possível através <strong>da</strong> linguagem, o que<br />
permite que estas se tornem práxis social. O autor argumenta que com a linguagem<br />
também foi possível um salto do ser natural para o ser social. Ela faz parte <strong>da</strong>s<br />
categorias que constituem esse ser. Assim, explica:<br />
64<br />
É suficiente um olhar muito superficial ao ser social para perceber a<br />
inextricável imbricação em que se encontram suas categorias decisivas<br />
como o trabalho, a linguagem, a cooperação e a divisão do trabalho e<br />
para perceber que aí surgem novas relações <strong>da</strong> consciência com a<br />
reali<strong>da</strong>de e, em decorrência, consigo mesma, etc. Nenhuma destas<br />
categorias pode ser adequa<strong>da</strong>mente compreendi<strong>da</strong> se for considera<strong>da</strong><br />
isola<strong>da</strong>mente (Ibid, p.1).<br />
Entretanto, é sempre bom lembrar que embora o ser social seja a “inextrincável<br />
imbricação” de algumas categorias, o trabalho é aquela fun<strong>da</strong>nte, ou seja, as outras<br />
categorias são desdobramentos do ser social constituído. O trabalho é a única categoria<br />
que possui em sua essência, como já afirmei anteriormente, “uma inter-relação entre<br />
homem (socie<strong>da</strong>de) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto de<br />
trabalho, etc.) como orgânica, (...) mas antes de mais na<strong>da</strong> assinala a passagem, no<br />
homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social” (Ibid, p. 2).<br />
2.1.1 – A relação corpo e consciência<br />
No processo de inter-relação, ao surgir o distanciamento entre o sujeito e o<br />
objeto, entre o objeto e seu conceito, se constrói a consciência. Ela é um<br />
desdobramento do distanciamento entre sujeito e objeto ocorrido no salto ontológico a<br />
partir do trabalho. Em seu desenvolvimento, a consciência ca<strong>da</strong> vez mais pode ter um<br />
domínio sobre o corpo e, os homens, ao criarem as representações sobre si mesmos,<br />
acabam por estabelecer uma cisão entre a consciência e o corpo. Assim:<br />
Esse domínio <strong>da</strong> consciência sobre o seu próprio corpo, que também<br />
se estende a uma parte <strong>da</strong> esfera <strong>da</strong> consciência, aos hábitos, aos<br />
instintos, aos afetos, é uma condição elementar do trabalho mais<br />
primitivo, e por isso não pode deixar de marcar profun<strong>da</strong>mente as<br />
representações que o homem faz de si mesmo, uma vez que exige,<br />
para consigo mesmo, uma atitude qualitativamente diferente,<br />
inteiramente heterogênea em relação à condição animal, e uma vez<br />
que tais exigências são postas por todo tipo de trabalho (Ibid, p.49).<br />
Entretanto, a consciência humana está indissociavelmente liga<strong>da</strong> ao processo de<br />
reprodução biológica de seu corpo. Neste contexto, existe um contínuo “recuo dos
limites naturais 64 ”, mas nunca a sua completa supressão. Por isso,<br />
65<br />
o trabalho modifica, por sua própria natureza, também a natureza do<br />
homem que o realiza. A linha através <strong>da</strong> qual se efetiva este processo<br />
de mu<strong>da</strong>nça é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela posição teleológica e pela sua realização<br />
prática (...) o ponto central do processo de transformação interna do<br />
homem consiste em chegar a um domínio consciente sobre si mesmo.<br />
Não somente o objetivo existe na consciência antes de realiza-se<br />
praticamente, como essa estrutura dinâmica do trabalho se estende a<br />
ca<strong>da</strong> movimento singular: o homem que trabalha deve planejar<br />
antecipa<strong>da</strong>mente ca<strong>da</strong> um dos seus movimentos e controlar<br />
continuamente, conscientemente, a realização do seu plano, se quer<br />
obter o melhor resultado concreto possível (Ibid, p. 49).<br />
A partir disso a consciência, ao torna-se portadora <strong>da</strong>s posições teleológicas <strong>da</strong><br />
práxis, deixa de ser um epifenômeno para ser essencialmente ativa. Esse processo faz<br />
com que nasça no homem a ideia equivoca<strong>da</strong> de que se é a consciência que domina o<br />
corpo, ela deve possuir uma substanciali<strong>da</strong>de independente e autônoma em relação a<br />
ele, mas a consciência do homem está indissociavelmente liga<strong>da</strong> ao processo de<br />
reprodução biológica de seu corpo. Não existe sem a materiali<strong>da</strong>de do corpo, portanto,<br />
por maiores transformações que possam acontecer, “na<strong>da</strong> mu<strong>da</strong> quanto à relação<br />
ontológica última <strong>da</strong> consciência com o processo vital do corpo” (Ibid, p.50).<br />
Essa questão parece ser indiscutível, mas os desdobramentos <strong>da</strong> consciência<br />
podem levar ao entendimento equivocado sobre a relação entre o ser natural e o social,<br />
ou seja: “o desdobramento <strong>da</strong> consciência cria posições socialmente relevantes que na<br />
própria vi<strong>da</strong> cotidiana podem caminhar para uma estra<strong>da</strong> erra<strong>da</strong> a intentio recta<br />
ontológica” (Ibid, p. 50).<br />
Aparentemente o que se produz é uma dicotomia entre consciência e corpo, em<br />
que a primeira subordina o segundo. Por isso a necessi<strong>da</strong>de de se compreender para<br />
além do fenômeno dessa cisão, e se chegar à concretude <strong>da</strong> relação do caráter<br />
insuprimivel entre a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência e corpo.<br />
A partir dessa compreensão de Lukács há dois componentes explicativos que<br />
parecem ser opostos. Um diz respeito ao que ele chama de ‘ontológico-objetivo’, ou<br />
64 Essa definição lukacsiana toma<strong>da</strong> de Marx diz respeito à ampliação <strong>da</strong> sociali<strong>da</strong>de humana através do<br />
seu controle ca<strong>da</strong> vez mais ampliado sobre a natureza. O pensador húngaro expõe a questão <strong>da</strong> seguinte<br />
forma: “Existem, certamente, categorias sociais puras, ou, melhor, apenas o conjunto delas constitui a<br />
especifici<strong>da</strong>de do ser social; to<strong>da</strong>via, esse ser não apenas se desenvolve no processo concreto-material de<br />
sua gênese a partir do ser <strong>da</strong> natureza, mas também se reproduz constantemente nesse quadro e não pode<br />
jamais se separar de modo completo – precisamente em sentido ontológico – dessa base. (...) A tendência<br />
principal do processo que assim tem lugar é o constante crescimento, quantitativo e qualitativo, <strong>da</strong>s<br />
componentes pura ou predominantemente sociais, aquilo que Marx costuma chamar de ‘recuo dos limites<br />
naturais’” (Ibid, p. 19-20).
seja, a ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência está liga<strong>da</strong> indissoluvelmente à trajetória biológica do<br />
organismo vivo, assim “ca<strong>da</strong> consciência individual – e não existem outras – nasce e<br />
morre junto com seu corpo” (Ibid, p. 50). O outro aspecto diz respeito à consciência ter<br />
uma função dirigente em relação ao corpo que se apresenta como órgão executivo. Isto<br />
acontece porque no processo de trabalho o homem planeja antecipa<strong>da</strong>mente o que<br />
pretende realizar e procura controlar esse processo para obter um resultado melhor<br />
possível.<br />
Mesmo não existindo nenhuma prova a respeito <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong> consciência, a<br />
não ser a simples aparência, existe aqui, como em outros momentos, uma contradição<br />
entre fenômeno e essência. Na aparente dicotomia, afirma Lukács, existe uma uni<strong>da</strong>de<br />
ontológica:<br />
66<br />
É preciso dizer que, do ponto de vista ontológico, é possível a<br />
existência de um corpo sem consciência quando, por exemplo, por<br />
causa de uma doença, esta deixa de funcionar, ao passo que uma<br />
consciência sem a base biológica não pode existir. Isto não contradiz o<br />
papel autônomo, dirigente e planificador <strong>da</strong> consciência nas suas<br />
relações com o corpo, pelo contrário, é o seu fun<strong>da</strong>mento ontológico<br />
(Ibid, p. 50).<br />
Ain<strong>da</strong> de acordo com Lukács, essa percepção está liga<strong>da</strong> a uma necessi<strong>da</strong>de<br />
religiosa subjetiva. Esse problema deve ser pensado levando em consideração que,<br />
nesse caso, a autonomia <strong>da</strong> alma em relação ao corpo se baseia em uma ideia<br />
equivoca<strong>da</strong>. Existe a autonomia do agir <strong>da</strong> consciência em relação ao corpo, mas como<br />
‘fatos objetivos <strong>da</strong> ontologia do ser social’ e, em função disto,<br />
quando a consciência toma a própria autonomia em relação ao corpo<br />
como ver<strong>da</strong>de ontológica absoluta, não erra ao fixar imediatamente no<br />
pensamento o fenômeno, como acontece no caso do sistema<br />
planetário, mas apenas na medi<strong>da</strong> em que considera o modo<br />
fenomênico – que é ontologicamente necessário – como fun<strong>da</strong>do<br />
direta e adequa<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> própria coisa (p.51).<br />
Tanto na história <strong>da</strong>s religiões quanto na história <strong>da</strong> filosofia torna-se muito<br />
difícil a superação do dualismo 65 . Isto é decorrente <strong>da</strong><br />
dificul<strong>da</strong>de em apreender esse erro <strong>da</strong> intentio recta ontológica <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> cotidiana e também <strong>da</strong> filosofia aumenta na medi<strong>da</strong> [rever<br />
original em que o ser social vai se desenvolvendo, mesmo que o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> ciência biológica forneça sempre argumentos<br />
novos e melhores para afirmar que consciência e ser são inseparáveis<br />
65 Lukács adverte que isto acontece mesmo com aqueles filósofos que procuram romper com o dualismo<br />
advindo <strong>da</strong> religião.
e que uma “alma” como substância autônoma não pode existir (Ibid,<br />
p. 51).<br />
No entanto, adverte Lukács, o processo <strong>da</strong> complexificação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social<br />
reforça o sentido oposto. Nesse caso, o aspecto discutido por ele refere-se ao sentido<br />
que todo homem necessita <strong>da</strong>r a sua vi<strong>da</strong> e a dos seus semelhantes. Dar sentido a sua<br />
existência é parte constitutiva do ser social. “Vi<strong>da</strong>, nascimento, morte estão, enquanto<br />
fenômenos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> natural, para além do sentido, não são nem sensatos nem absurdos.<br />
Só na medi<strong>da</strong> em que o homem, em socie<strong>da</strong>de, procura um sentido para a sua própria<br />
vi<strong>da</strong> e essa fracassa, só então surge também o seu oposto, o absurdo” (Ibid, p.51).<br />
No princípio, nas socie<strong>da</strong>des primitivas, isso se <strong>da</strong>va de forma espontânea,<br />
diferentemente <strong>da</strong>quilo que acontece em socie<strong>da</strong>des mais desenvolvi<strong>da</strong>s, em que a<br />
aparente autonomia individual é capaz de produzir a autonomia <strong>da</strong> “alma” em relação<br />
ao corpo e a seus afetos espontâneos. Embora isto não seja uma regra absoluta, a<br />
existência individual que possui um sentido aparece como parte de um plano maior,<br />
como por exemplo, a premissa religiosa <strong>da</strong> salvação do mundo. Por isso, postula Lukács<br />
67<br />
é irrelevante se o coroamento <strong>da</strong> cadeia teleológica é constituído pela<br />
beatitude celeste ou pela dissolução de si mesmo numa feliz nãoobjetivi<strong>da</strong>de,<br />
num salvífico não-ser. O importante é que a vontade de<br />
conservar uma sensata integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de – que a partir de<br />
um determinado estágio é um problema social relevante – encontra<br />
uma base de apoio espiritual numa ontologia fictícia nasci<strong>da</strong> a partir<br />
dessas necessi<strong>da</strong>des (Ibid, p.51-2).<br />
O autor argumenta que essas explicações tão media<strong>da</strong>s pela interpretação<br />
ontologicamente falsa <strong>da</strong> relação consciência e corpo são importantes para demonstrar o<br />
quanto é abrangente esse processo de humanização do homem pelo trabalho. Durante<br />
to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de pode ser observa<strong>da</strong> a dominação <strong>da</strong> consciência em<br />
relação ao corpo e a outros aspectos humanos, por isso o “comportamento crítico-<br />
distanciado, assim obtido, <strong>da</strong> consciência humana sobre a sua própria pessoa.” (Ibid, p.<br />
52). Isto vai acontecer <strong>da</strong>s formas mais varia<strong>da</strong>s e com conteúdos diversamente novos.<br />
Mas o autor sempre reforça que é no trabalho que se encontra a gênese do processo e de<br />
qualquer percepção que se possa ter. Expõe, neste sentido, o exemplo dos sonhos. É<br />
equivocado procurar a origem <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong> “alma” nos sonhos.<br />
Explica, também, que alguns animais superiores sonham, mas isto não os faz<br />
superar sua consciência epifenomênica. Para os homens, “o sonho é uma experiência<br />
interior insegura exatamente porque o seu sujeito, interpretado como “alma”, toma
caminhos que parecem estar mais ou menos em contradição com seu domínio normal <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong>.” (Ibid, p. 52). O sonho pode levar a uma construção transcendental quando a<br />
autonomia <strong>da</strong> alma se torna um elemento <strong>da</strong> imaginação do homem a partir <strong>da</strong>s<br />
experiências do trabalho.<br />
Outro aspecto apontado por Lukács para entender a construção <strong>da</strong> relação<br />
dicotômica entre a consciência e o corpo é a magia. Mas adverte: “No entanto, na<strong>da</strong><br />
disto permite esquecer que tanto a aspiração <strong>da</strong> magia a dominar as forças naturais não<br />
domina<strong>da</strong>s de outro modo, quanto as concepções religiosas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em deuses<br />
criadores têm como modelo, em última análise, o trabalho humano” (Ibid, p. 52).<br />
Lukács retoma Engels quando este discute a questão e busca a gênese <strong>da</strong><br />
concepção de mundo filosófico-idealista a partir <strong>da</strong> análise dos primórdios <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>. Nessa análise, expõe a separação entre corpo e consciência como<br />
consequência <strong>da</strong> separação entre trabalho intelectual e físico, ou seja, na expressão de<br />
Engels, “a cabeça organizadora do trabalho pôde fazer executar por outras mãos o<br />
trabalho planejado.” (Apud Lukács, p.52). Lukács acrescenta a isso que “é sem dúvi<strong>da</strong><br />
correto para aquelas socie<strong>da</strong>des nas quais as classes dominantes já deixaram de<br />
trabalhar elas mesmas e nas quais por isso o trabalho físico realizado pelos escravos é<br />
objeto de desprezo social, como na polis helênica evoluí<strong>da</strong>” (Ibid, p. 52).<br />
Por mais mistificadoras que sejam as representações que os homens façam <strong>da</strong><br />
sua existência elas terão, em última instância, explicação na reali<strong>da</strong>de terrena cuja base<br />
ontológica está no trabalho. Portanto, a necessária separação ontológica entre<br />
consciência e corpo produz essas representações.<br />
A magia possuía um caráter ‘fantástico’, mas estava liga<strong>da</strong> ao domínio <strong>da</strong>s<br />
forças naturais. Ademais, a idéia de transcendentali<strong>da</strong>de pós-morte está relaciona<strong>da</strong> à<br />
incompletude <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> terrena, ou seja, a não concretização do sentido terreno <strong>da</strong>do à<br />
vi<strong>da</strong>. Esses aspectos estão inevitavelmente relacionados mediatamente e muitas vezes<br />
imediatamente às relações sociais concretas, à produção e à reprodução <strong>da</strong> existência<br />
em determinado período.<br />
Hoje, relaciona<strong>da</strong> à conservação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, com a crença de impotência<br />
diante do mundo, a dicotomia corpo/consciência se torna muito presente, como é<br />
possível constatar nos textos sobre a educação física. Na tentativa de mostrar a<br />
legitimi<strong>da</strong>de dessa área, sem questionar a totali<strong>da</strong>de social na qual se quer ser legítima,<br />
68
se reforça essa dicotomia, ora por tratar o corpo como um instrumento de um espírito<br />
independente deste, ora por tratá-lo, como o próprio homem sensível, perceptivo, lúdico<br />
independente <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de. O corpo se torna a própria subjetivi<strong>da</strong>de compreendi<strong>da</strong><br />
como sentimentos, vontades, desejos.<br />
2.1.2 – A relação teoria e prática<br />
Além <strong>da</strong> falsa dicotomia entre consciência e corpo,outro aspe cto de<br />
fun<strong>da</strong>mental importância é criado no distanciamento entre sujeito e objeto: a falsa<br />
dicotomia entre teoria e prática. A raiz <strong>da</strong> questão problemática dessa dicotomia está<br />
na relação entre teleologia e causali<strong>da</strong>de, na forma como estas se apresentam no<br />
desenvolvimento dos complexos <strong>da</strong> práxis social originados no trabalho 66 . Por isso<br />
torna-se necessário compreender melhor essas categorias e suas relações.<br />
Neste sentido, é preciso reafirmar que existe sim o distanciamento entre sujeito e<br />
objeto; é radicalmente necessário que eles não se confun<strong>da</strong>m. Mas ao mesmo tempo em<br />
que se distanciam, formam necessariamente uma uni<strong>da</strong>de. Teleologia e causali<strong>da</strong>de não<br />
se separam. Lukács coloca a questão nos seguintes termos:<br />
69<br />
É apenas a partir <strong>da</strong> coexistência ontológica entre teleologia e<br />
causali<strong>da</strong>de no trabalho (prática) do homem que deriva o fato de que,<br />
no plano do ser, teoria e práxis, <strong>da</strong><strong>da</strong> a sua essência social, são<br />
momentos de um único e idêntico complexo do ser, o ser social, o que<br />
66 Lukács (s/d) esclarece que historicamente se pensa a teoria como contemplação de maneira que esta<br />
não tem relação ou nasce descola<strong>da</strong> <strong>da</strong> prática social. Isto porque se atribui à natureza e a história uma<br />
teleologia e, à causali<strong>da</strong>de atribui-se a função de “fim último”. Isto acontece com o idealismo e, também,<br />
no materialismo sensitivo quando este tenta inverter o processo e acaba por retirar do homem a teleologia.<br />
Nesses casos, não se compreende que o único ser a ter teleologia é o ser social. É Marx quem soluciona o<br />
problema do desenvolvimento do pensamento humano colocando a questão corretamente. Ele faz a crítica<br />
tanto ao idealismo quanto ao materialismo sensitivo, rompe com a compreensão de que as questões sobre<br />
o conhecimento devem ser trata<strong>da</strong>s a partir do primado gnosiológico e busca a resposta na origem, nos<br />
fun<strong>da</strong>mentos ontológicos – no trabalho - como é possível verificar na primeira tese Ad Feuerbach<br />
(1845): “O principal defeito de todo o materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o<br />
objeto [Gegenstand], a reali<strong>da</strong>de, o sensível, só é apreendido sob a forma do Objeto [Objekt] ou <strong>da</strong><br />
contemplação, mas não como ativi<strong>da</strong>de humana sensível, como prática, não subjetivamente. Daí o lado<br />
ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo – que,<br />
naturalmente, não conhece a ativi<strong>da</strong>de real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis<br />
[sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a<br />
própria ativi<strong>da</strong>de humana como ativi<strong>da</strong>de objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Razão pela qual ele<br />
enxerga, n’A essência do cristianismo, apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano,<br />
enquanto a prática é apreendi<strong>da</strong> e fixa<strong>da</strong> apenas em sua forma de manifestação ju<strong>da</strong>ica, suja. Ele não<br />
entende, por isso, o significado <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de “revolucionária”, “prático-crítica” (MARX; ENGELS, 2007,<br />
p.533, grifo dos autores).
E ain<strong>da</strong>:<br />
quer dizer que só podem ser compreendi<strong>da</strong>s de modo adequado<br />
tomando como ponto de parti<strong>da</strong> esta relação recíproca (p.27-8).<br />
70<br />
O objeto só pode tornar-se uma coisa <strong>da</strong> consciência quando esta<br />
procura agarrá-lo mesmo no caso de não haver interesses biológicos<br />
imediatos que liguem o objeto com o organismo portador dos<br />
movimentos. Por outro lado, o sujeito se torna sujeito exatamente<br />
quando tem esse tipo de atitude para com os objetos do mundo<br />
exterior. Fica claro, então, que a posição do fim teleológico e a dos<br />
meios para executá-lo, que funcionam de modo causal, jamais se<br />
dão, enquanto atos de consciência, independente uma <strong>da</strong> outra.<br />
Neste complexo constituído pela execução de um trabalho reflete e<br />
se realiza a conexão inseparável entre teleologia e causali<strong>da</strong>de<br />
posta (p.29-30, grifo meu).<br />
No processo de trabalho sob a forma originária, ou seja, produtor de coisas úteis<br />
se torna mais fácil perceber a uni<strong>da</strong>de entre teleologia e causali<strong>da</strong>de posta. No entanto,<br />
na construção <strong>da</strong>s relações sociais desenvolvem-se complexos que possuem uma relação<br />
extremamente media<strong>da</strong> com esse trabalho, assim, uma série de questões se coloca e é<br />
mais difícil compreender a existência <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de. O “por teleológico secundário” – ação<br />
dos homens sobre os outros homens – passa a ter uma função ca<strong>da</strong> vez mais importante<br />
e os interesses sociais, intervém inevitavelmente. Mas, em última instância, essas<br />
posições secundárias estão sempre relaciona<strong>da</strong>s com o processo produtivo.<br />
Para compreender a questão <strong>da</strong> relação entre teoria e prática, inicialmente é mais<br />
tranquilo nos remetermos ao processo de trabalho. Para tanto, é necessário retomar<br />
algumas questões.<br />
Como tenho insistido, o trabalho é a protoforma de to<strong>da</strong> a práxis social. Isto<br />
significa que não há a possibili<strong>da</strong>de de práxis sociais em que não existam atos<br />
teleológicos. De acordo com Lukács: “O fato simples de que no trabalho se realiza uma<br />
posição teleológica é uma experiência elementar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana de todos os homens,<br />
tornando-se isto um componente ineliminável de qualquer pensamento; desde os<br />
discursos cotidianos até a economia e a filosofia” (s/d, p.4).<br />
Além disso, a teleologia existe apenas e unicamente no ser social e torna-se<br />
reali<strong>da</strong>de somente ao ser posta. Isso significa dizer que qualquer processo de trabalho<br />
pressupõe uma posição teleológica que só se confirma ao se realizar esse processo.
Lukács, ao se referir a Marx e afirmar como ele responde corretamente à questão <strong>da</strong><br />
teleologia, confirma que,<br />
71<br />
para Marx, o trabalho não é uma <strong>da</strong>s formas fenomênicas <strong>da</strong> teleologia<br />
em geral, mas o único lugar onde se pode demonstrar ontologicamente<br />
a presença de um ver<strong>da</strong>deiro por teleológico como momento efetivo<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de material (...) antes de mais na<strong>da</strong>, a característica real<br />
decisiva <strong>da</strong> teleologia, isto é, o fato de que ela só pode adquirir<br />
reali<strong>da</strong>de quando for posta, recebe um fun<strong>da</strong>mento simples, óbvio,<br />
real: nem é preciso repetir Marx para entender que qualquer trabalho<br />
seria impossível se ele não fosse precedido de um tal por, que<br />
determina o processo em to<strong>da</strong>s as suas fases (s/d, p.6-7, grifo meu).<br />
Na teleologia, além <strong>da</strong> determinação <strong>da</strong> “posição do fim” – finali<strong>da</strong>de a ser<br />
alcança<strong>da</strong> para satisfação de uma necessi<strong>da</strong>de – existe também a “busca dos meios”<br />
para realizar a finali<strong>da</strong>de almeja<strong>da</strong>. Isto pressupõe que para se chegar ao fim proposto<br />
de modo eficiente torna-se necessário conhecer a reali<strong>da</strong>de, ou “as cadeias de nexos<br />
causais” que a compõe. No processo de trabalho, segundo Lessa:<br />
Para que a teleologia possa converter a causali<strong>da</strong>de em causali<strong>da</strong>de<br />
posta é fun<strong>da</strong>mental que a subjetivi<strong>da</strong>de capture, na medi<strong>da</strong><br />
minimamente necessária para ca<strong>da</strong> objetivação, as determinações do<br />
real. Desse modo, ain<strong>da</strong> que um conhecimento absoluto <strong>da</strong><br />
totali<strong>da</strong>de do existente seja uma impossibili<strong>da</strong>de ontológica (acima<br />
de tudo porque o real está permanentemente em movimento), sem<br />
um mínimo de conhecimento do ser-precisamente-assim existente o<br />
trabalho não pode ser bem-sucedido (2002, p.93, grifo meu).<br />
Posto nesses termos, o momento predominante de to<strong>da</strong> a ação humana,<br />
de todo o pôr teleológico, é a posição do fim. Essa posição orienta todo o processo. Mas<br />
entre o início, a idéia e a realização <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de, está o que Lukács chama de “a busca<br />
dos meios” 67 . Assim:<br />
A busca dos meios para realizar o fim não pode deixar de implicar um<br />
conhecimento objetivo do sistema causal dos objetos e dos processos<br />
cujo movimento pode levar a alcançar o fim posto (...) a busca tem<br />
dupla função: de um lado evidenciar aquilo que em si mesmo governa<br />
os objetos em questão independente de to<strong>da</strong> consciência; de outro,<br />
descobrir neles aquelas novas conexões, aquelas novas possíveis<br />
funções que, quando postas em movimento, tornam efetivável o fim<br />
teleologicamente posto (Lukács, s/d, p.8).<br />
Essa busca significa a compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de em sua totali<strong>da</strong>de, não de forma<br />
absoluta, mas apreendendo <strong>da</strong> melhor forma possível os “nexos causais” necessários ao<br />
67 Lukács atribui a distinção entre “a posição do fim” e “a busca dos meios” como momentos <strong>da</strong><br />
teleologia a Nicolas Hartmann (1954).
pôr teleológico, pois se fosse necessário compreender “todos” os nexos causais<br />
“infinitos”, o trabalho não se realizaria, principalmente nos momentos dos primórdios<br />
<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, quando o conhecimento sobre a natureza era ínfimo. O conhecimento<br />
dos nexos causais incide no sucesso do trabalho imediato, mas este pode ser realizado<br />
sem que se tenha um total domínio <strong>da</strong>s várias conexões. Segundo Lukács:<br />
72<br />
Este fato é realçado não apenas porque está presente a possibili<strong>da</strong>de<br />
objetiva de um desenvolvimento ilimitado do trabalho, mas também<br />
porque deriva com clareza como um por correto, um por que apanhe<br />
com aquela adequação concretamente requeri<strong>da</strong> pela finali<strong>da</strong>de<br />
concreta os momentos causais necessários para o fim em questão, tem<br />
a possibili<strong>da</strong>de de ser realizado com sucesso também nos casos em<br />
que as representações gerais acerca dos objetos, dos processos, <strong>da</strong>s<br />
conexões, etc. <strong>da</strong> natureza ain<strong>da</strong> são inteiramente inadequa<strong>da</strong>s<br />
enquanto conhecimento <strong>da</strong> natureza em sua totali<strong>da</strong>de (s/d, p.9,<br />
grifo meu).<br />
Junto a essa possibili<strong>da</strong>de há também um fato inquestionável. Para se concretizar<br />
a posição do fim é necessário que se tenha historicamente alcançado um<br />
desenvolvimento adequado na “busca dos meios”. Caso isto não ocorra, a finali<strong>da</strong>de a<br />
ser conquista<strong>da</strong> se torna uma utopia. Como exemplifica Lukács: “o vôo foi um sonho<br />
desde Ícaro até Leonardo e até um bom tempo depois” (s.n., p.9). Há então, sempre o<br />
limitador <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de, ou seja, só se pode ter como finali<strong>da</strong>de o que é possível 68<br />
realizar.<br />
Somado a isso, importa ressaltar que conhecer os nexos causais é<br />
imprescindível, mas não garante a efetivação do pôr. Embora exista a necessi<strong>da</strong>de de<br />
apreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de posta, esta nem sempre é apreendi<strong>da</strong> corretamente (ou mesmo<br />
que isto aconteça) nem sempre se efetiva o “pôr” <strong>da</strong> forma idealiza<strong>da</strong>. Ou seja, existe a<br />
possibili<strong>da</strong>de do erro. Essa possibili<strong>da</strong>de está sempre presente nas análises humanas.<br />
Como consciência e objeto são heterogêneos e o reflexo 69 deste último não pode ser sua<br />
68 No processo de trabalho, quando na consciência se reflete ou se apreende a reali<strong>da</strong>de surge o “caráter<br />
de possibili<strong>da</strong>de”. Isto significa que mesmo uma finali<strong>da</strong>de não se efetivando na prática social ela pode<br />
estar presente como “potência”. Uma possibili<strong>da</strong>de latente que existe quando a realização é<br />
momentaneamente impedi<strong>da</strong> como no exemplo de Leonardo <strong>da</strong> Vinci e Ícaro em relação ao voo. Neste<br />
sentido, Tonet explica a categoria do possível a partir de Aristóteles, <strong>da</strong> seguinte forma: “o possível é um<br />
conjunto de determinações do objeto que podem ou não vir a se realizar. Em princípio, to<strong>da</strong>s as coisas são<br />
possíveis” (2003, p.44). Para este autor, a não possibili<strong>da</strong>de existe quando se estabelece determinados fins<br />
que são contrários àquilo que se pretende efetivar, como por exemplo, na conformação social, buscar a<br />
liber<strong>da</strong>de tendo como meta <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
69 Lukács explica o reflexo <strong>da</strong> seguinte forma: “No reflexo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, a reprodução se destaca <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de produzi<strong>da</strong>, coagulando-se numa ‘reali<strong>da</strong>de’ própria <strong>da</strong> consciência. Pusemos entre aspas a<br />
palavra reali<strong>da</strong>de, porque, na consciência, ela é apenas reproduzi<strong>da</strong>; nasce uma nova forma de<br />
objetivi<strong>da</strong>de, mas não uma reali<strong>da</strong>de, e – exatamente em sentido ontológico – não é possível que a
“cópia perfeita”, e como nessa apreensão do objeto são realiza<strong>da</strong>s aproximações ca<strong>da</strong><br />
vez mais concretas <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de, mas não de forma finita, há sempre possibili<strong>da</strong>des de<br />
equívocos. Esse fato não significa de modo algum uma dicotomia entre teoria e prática,<br />
mas ao contrário, indica que elas só existem em relação.<br />
Assim, o conhecimento pode fazer com que se chegue à finali<strong>da</strong>de planeja<strong>da</strong>,<br />
idealiza<strong>da</strong>, ou pode levar a realizações não previstas. Lukács (s/d) também argumenta<br />
que quando isto acontece, mesmo não se atingindo o fim proposto, pode-se chegar a<br />
descobertas que proporcionem outras ações teleológicas que façam parte <strong>da</strong> construção<br />
de uma objetivi<strong>da</strong>de não espera<strong>da</strong>.<br />
Nessa discussão, é importante destacar que para se chegar à posição do fim<br />
prevista ou não, necessariamente “na busca dos meios” se tem a construção do<br />
conhecimento sobre a reali<strong>da</strong>de. E que embora a finali<strong>da</strong>de no processo de trabalho<br />
singular seja determinante para a objetivação, domine e regule os meios, este último é<br />
imprescindível e é ele que permanece ao ser generalizado no processo de<br />
desenvolvimento humano.<br />
Nesse âmbito, a finali<strong>da</strong>de que orienta a ação pode desaparecer ao ser supri<strong>da</strong> a<br />
necessi<strong>da</strong>de histórica social que lhe deu origem, mas na “busca dos meios” o<br />
conhecimento adquirido, principalmente se apanhou corretamente os nexos causais,<br />
subsiste ao tempo, pois é incorporado nas relações sociais, é generalizado e pode ser<br />
utilizado para as mais varia<strong>da</strong>s finali<strong>da</strong>des que em princípio na<strong>da</strong> lembram e não se<br />
parecem com as finali<strong>da</strong>des que lhe deram origem. Os meios possuem uma<br />
sobrevivência histórica e não os fins. Assim:<br />
73<br />
Uma vez que a pesquisa <strong>da</strong> natureza, indispensável ao trabalho, está,<br />
antes de mais na<strong>da</strong>, concentra<strong>da</strong> na preparação dos meios, são estes o<br />
principal instrumento de garantia social de que os resultados dos<br />
processos de trabalho permaneça fixados, que haja uma continui<strong>da</strong>de<br />
na experiência de trabalho e especialmente que haja um<br />
desenvolvimento ulterior. É por isso que o conhecimento mais<br />
adequado que fun<strong>da</strong>menta os meios (utensílio, etc.) é, muitas vezes,<br />
reprodução seja <strong>da</strong> mesma natureza <strong>da</strong>quilo que ela reproduz e muito menos idêntica a ela. Pelo contrário,<br />
no plano ontológico o ser social se subdivide em dois momentos heterogêneos, que do ponto de vista do<br />
ser não só estão defronte um ao outro como coisas heterogêneas, mas são até mesmo opostos: o ser e o<br />
seu reflexo na consciência.” (s/d, p.14-15). Sobre a questão <strong>da</strong> ‘reali<strong>da</strong>de’ destes momentos hetrogêneos<br />
faço uma discussão no “Capítulo III no item 3.2 – <strong>Educação</strong>: Trabalho não-material?”. Outro ponto<br />
fun<strong>da</strong>mental sobre a categoria do “reflexo” é que, segundo Lessa, ela foi indevi<strong>da</strong>mente apropria<strong>da</strong> pelo<br />
“marxismo vulgar” tornando-se necessário esclarecer que “o reflexo não fun<strong>da</strong> o real e, por si só, não<br />
fun<strong>da</strong> a subjetivi<strong>da</strong>de. Nem a consciência pode ser reduzi<strong>da</strong> ao reflexo, nem o objeto é pura e<br />
simplesmente o refletido. Novamente temos aqui o tertium <strong>da</strong>tur lukacsiano, ou seja, nem identi<strong>da</strong>de<br />
sujeito objeto, nem marxismo vulgar” (2002, p. 97).
para o ser social, mais importante do que a satisfação <strong>da</strong>quela<br />
necessi<strong>da</strong>de (finali<strong>da</strong>de) (Lukács, s/d, p.10).<br />
O resultado desse processo é também a gênese <strong>da</strong> ciência. Esta, na<br />
complexificação <strong>da</strong>s relações sociais, se distancia do trabalho imediato e ganha uma<br />
autonomia relativa em relação a ele. Como os outros complexos desenvolvidos pelo ser<br />
social, também a ciência possui “autonomia relativa” e “dependência ontológica” em<br />
relação ao trabalho. Isto significa que em última instância a ciência está relaciona<strong>da</strong><br />
com o processo produtivo e possui suas raízes nele. Lukács apresenta a gênese <strong>da</strong><br />
ciência em vários momentos e em um deles faz a seguinte afirmação esclarecedora:<br />
74<br />
Na medi<strong>da</strong> em que as experiências de um trabalho concreto são<br />
utiliza<strong>da</strong>s num outro trabalho, elas se tornam gra<strong>da</strong>tivamente<br />
autônomas – em um sentido relativo – ou seja, são generaliza<strong>da</strong>s e<br />
fixa<strong>da</strong>s determina<strong>da</strong>s observações que já não se referem de modo<br />
exclusivo e direto a um determinado procedimento, mas, ao contrário,<br />
adquirem certo caráter de generali<strong>da</strong>de como observações que se<br />
referem a fatos <strong>da</strong> natureza em geral. São estas generalizações que<br />
formam os germes <strong>da</strong>s futuras ciências, cujos inícios, no caso <strong>da</strong><br />
geometria e <strong>da</strong> aritmética, se perdem na noite dos tempos. Mesmo sem<br />
que se tenha uma clara consciência disto, tais generalizações apenas<br />
iniciais já contêm princípios decisivos de futuras ciências de fato<br />
autônomas (s/d, p. 25).<br />
O fato <strong>da</strong> ciência se desenvolver paralelamente e não diretamente liga<strong>da</strong> ao<br />
trabalho gera confusões. Tem-se a impressão de que são coisas completamente distintas<br />
e que o desenvolvimento do conhecimento científico está totalmente descolado <strong>da</strong>s<br />
relações de produção. Que a teoria se desenvolve como forma ideal e dota<strong>da</strong> de<br />
autonomia absoluta em relação à produção econômica. Contrapondo-se a esse tipo de<br />
assertiva, Lukács pondera que<br />
a autonomia do reflexo do mundo externo e interno é um pressuposto<br />
indispensável para que o trabalho surja e se desenvolva. E no entanto<br />
a ciência, a teoria como processo auto-operante e independente <strong>da</strong>s<br />
posições teleológico-causais origina<strong>da</strong>s no trabalho, mesmo quando<br />
chegou ao grau máximo de desenvolvimento, não pode nunca romper<br />
inteiramente esta relação de última instância com a sua própria origem<br />
(LUKÁCS, s/d, p. 26).<br />
A captura dos nexos causais, a autonomia relativa <strong>da</strong> busca dos meios que<br />
origina a ciência só é possível com o desenvolvimento <strong>da</strong> consciência. Já apresentei<br />
anteriormente alguns fun<strong>da</strong>mentos em relação à consciência ao discutir a sua uni<strong>da</strong>de<br />
com o corpo. Nesta discussão sobre a uni<strong>da</strong>de entre teoria e prática é necessário resgatar
e acrescentar alguns pontos. Ou seja, como já apresentei, no processo de trabalho o<br />
distanciamento entre sujeito e objeto, entre o objeto e o seu conceito faz surgir a<br />
consciência humana. Lukács argumenta:<br />
75<br />
Essa separação torna<strong>da</strong> consciente entre sujeito e objeto é um produto<br />
necessário do processo de trabalho e com isso a base para o modo de<br />
existência especificamente humano. Se o sujeito, enquanto separado<br />
na consciência do mundo objetivo, não fosse capaz de observar e de<br />
reproduzir no seu ser-em-si este último, jamais aquela posição do fim,<br />
que é o fun<strong>da</strong>mento do trabalho, mesmo do mais primitivo, poderia<br />
realizar-se (s/d, p. 14).<br />
O homem que trabalha planeja antecipa<strong>da</strong>mente. A sua consciência é a portadora<br />
<strong>da</strong>s posições teleológicas <strong>da</strong> práxis. Só os homens são capazes de elaborar conceitos, ter<br />
uma compreensão conceitual <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, de reproduzir na consciência o mundo<br />
objetivo e de expressá-lo por meio <strong>da</strong> linguagem. Assim, os nexos causais <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
e o reflexo correto desses nexos capturados pelo sujeito são combinações indispensáveis<br />
à realização de uma finali<strong>da</strong>de.<br />
Junto a isso está a “escolha entre alternativas”. Esta é também um ato só<br />
existente na consciência humana e não é condiciona<strong>da</strong> biologicamente. O caráter de<br />
escolha entre alternativas está presente no processo de apreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e também<br />
é necessária para a efetivação de uma finali<strong>da</strong>de.<br />
Essas escolhas não são garantia de acerto, mas são decisões baliza<strong>da</strong>s pelo que é<br />
“certo” ou “errado” a partir <strong>da</strong> realização, <strong>da</strong> efetivação do fim proposto. Neste sentido,<br />
as alternativas no processo de trabalho nem são to<strong>da</strong>s do mesmo tipo e nem possuem a<br />
mesma importância para a efetivação do pôr. Quanto mais um reflexo é apanhado<br />
corretamente pela consciência, mais se amplia o leque <strong>da</strong>s alternativas. Essa ampliação<br />
também se dá porque mesmo depois de concluído o trabalho as alternativas continuam a<br />
operar como controle e supervisão.<br />
Entretanto, é de fun<strong>da</strong>mental importância lembrar que um projeto que foi<br />
elaborado com reflexos corretos, se não for objetivado, não existe. Sua existência<br />
depende de uma subjetivi<strong>da</strong>de que transforme a causali<strong>da</strong>de em causali<strong>da</strong>de posta. Ou<br />
seja, só ganha reali<strong>da</strong>de se “a alternativa <strong>da</strong>quela pessoa (ou <strong>da</strong>quele coletivo de<br />
pessoas) que põe em movimento o processo <strong>da</strong> execução material através do trabalho,<br />
pode efetivar essa transformação <strong>da</strong> potenciali<strong>da</strong>de em um ser existente” (LUKÁCS s/d,<br />
p. 19).
Enfim, “o momento intelectual do projeto” é fun<strong>da</strong>mental. É importante na<br />
busca dos meios, no reflexo correto <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, na escolha entre alternativas, mas este<br />
momento só possui sentido se responder a necessi<strong>da</strong>des sociais concretas e se for<br />
objetivado, se transformar a reali<strong>da</strong>de em reali<strong>da</strong>de posta. Mais uma vez, o fato de todo<br />
esse processo ser um ato de consciência, que só pode ser realizado pela consciência<br />
humana, não separa teoria e prática, mas confirma a relação unitária entre elas. Lukács<br />
sintetiza assim essas questões:<br />
76<br />
As alternativas orienta<strong>da</strong>s para o trabalho sempre são decidi<strong>da</strong>s em<br />
circunstâncias concretas, quer se trate do problema de fazer um<br />
machado de pedra ou do modelo de um automóvel para ser produzido<br />
às centenas. Isto implica, em primeiro lugar, que a racionali<strong>da</strong>de<br />
depende <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de concreta que aquele produto singular<br />
deve satisfazer. Esta satisfação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e também as idéias<br />
próprias para isso são, deste modo, componentes que determinam a<br />
estrutura do projeto, a seleção e a reunião dos pontos de vista, tanto<br />
quanto a tentativa de refletir corretamente as relações causais <strong>da</strong><br />
efetivação. Em última análise, todos estes aspectos fun<strong>da</strong>m-se na<br />
singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> realização projeta<strong>da</strong>. (...) to<strong>da</strong> alternativa (e to<strong>da</strong><br />
cadeia de alternativas) no trabalho pode se referir à reali<strong>da</strong>de em geral,<br />
mas é uma escolha concreta entre caminhos cuja meta (em última<br />
análise a satisfação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de) foi produzi<strong>da</strong> não pelo sujeito<br />
que decide, mas pelo ser social no qual ele vive e opera (Idem, p.<br />
20).<br />
O trabalho, ao ser a mediação entre a necessi<strong>da</strong>de imediata e a sua satisfação,<br />
produz a superação <strong>da</strong> “espontanei<strong>da</strong>de do instinto biológico” para um ato cognitivo e<br />
consciente. Dominar os instintos e transformar a reali<strong>da</strong>de criando novas necessi<strong>da</strong>des e<br />
alternativas produz fun<strong>da</strong>mentalmente a transformação do sujeito que trabalha. Ou seja,<br />
é o processo de transformação do homem em homem que implica no domínio ca<strong>da</strong> vez<br />
maior <strong>da</strong> consciência sobre o instinto para a realização do trabalho.<br />
Para a execução dessa ativi<strong>da</strong>de é então necessário, de acordo segundo Lukács:<br />
“eliminar tudo o que seja meramente instintivo, sentimental, etc. e que poderia<br />
atrapalhar a visão objetiva. Esta é a forma pela qual a consciência torna-se dominante<br />
sobre o instinto, conhecimento sobre a emoção” (s/d, p. 21).<br />
Enfim, esse homem é “o iniciador <strong>da</strong> posição do fim, <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong>s<br />
cadeias causais refleti<strong>da</strong>s em cadeias causais postas e <strong>da</strong> efetivação real de to<strong>da</strong>s estas<br />
posições no processo de trabalho. Ou seja, o sujeito realiza todo um conjunto de<br />
posições diversas, de caráter teórico e prático” (Ibid, p. 23, grifo meu). Dessa forma,
o êxito no trabalho que depende do domínio consciente, <strong>da</strong>s escolhas corretas tanto para<br />
determinar a finali<strong>da</strong>de quanto para a sua realização faz com que, nesse caso, a prática<br />
seja o critério de correção (ver<strong>da</strong>de) de uma teoria.<br />
Lukács explica que nos experimentos científicos a prática também pode ser<br />
critério de ver<strong>da</strong>de para a teoria. Como no trabalho, o resultado de uma experiência<br />
tende a confirmar, ao ser objetivado, a sua correção ou não de acordo com a finali<strong>da</strong>de<br />
proposta. Essa confirmação deve ocorrer com um grau mais elevado, pois to<strong>da</strong> a<br />
experiência é desenvolvi<strong>da</strong> com o objetivo de generalização para uma práxis futura. Em<br />
suas palavras:<br />
77<br />
A experiência pode nos permitir fazer um julgamento sobre o certo e o<br />
errado com a mesma clareza do trabalho e, além do mais, elabora este<br />
julgamento num nível mais alto de generalização, aquele de uma<br />
interpretação matematicamente formulável dos nexos quantitativos<br />
factuais que caracterizam este complexo fenomênico. Assim quando<br />
utilizamos este resultado para aperfeiçoar o processo de trabalho, não<br />
parece de nenhum modo problemático tomar a práxis como critério <strong>da</strong><br />
teoria. A questão se torna mais complexa quando se quer utilizar o<br />
conhecimento assim obtido para ampliar o próprio conhecimento (s/d,<br />
p. 30).<br />
Isto ocorre porque nesse e em outros processos é sempre a totali<strong>da</strong>de social que<br />
os orienta. Nesse ponto <strong>da</strong> complexificação <strong>da</strong>s relações sociais, a questão <strong>da</strong> práxis<br />
como critério de ver<strong>da</strong>de para a teoria se torna também complexa, principalmente<br />
quando se confrontam posições de classes antagônicas e a produção de novos<br />
conhecimentos.<br />
Nesses casos, entra em questão a conexão ou a articulação de vários<br />
conhecimentos sobre “o ser” adquiridos cientificamente como aspectos químicos,<br />
biológicos, físicos do fenômeno em questão. Isto direciona, conforme Lukács, para uma<br />
“interpretação ontológica”, ou seja, remete para a questão sobre o que é “o ser”.<br />
Faz com que na base <strong>da</strong>s explicações científicas esteja a concepção sobre o que é<br />
o homem, o que é a natureza e a história. Essas concepções podem não interferir<br />
especificamente nos experimentos ou no trabalho em si, mas lhes dão um determinado<br />
sentido ou significado social.<br />
Independente do grau de consciência, to<strong>da</strong>s as representações<br />
ontológicas dos homens são amplamente influencia<strong>da</strong>s pela socie<strong>da</strong>de,<br />
não importando se o componente predominante é a vi<strong>da</strong> cotidiana, a fé<br />
religiosa, etc. Essas idéias perfazem uma parte muito grande <strong>da</strong> práxis
social dos homens e muitas vezes se cristalizam num poder social<br />
(Ibid, p. 30).<br />
Essas “representações ontológicas” podem ser ver<strong>da</strong>deiras, possuindo uma<br />
explicação objetiva, real e comprova<strong>da</strong>, ou apenas a criação de representações falsas,<br />
mas que ao serem objetiva<strong>da</strong>s adquirem corpo social.<br />
Esse processo pode acontecer em momentos <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de e que o próprio<br />
nível de domínio sobre a natureza faz surgir explicações mágicas, mas que não<br />
impedem a realização do trabalho e o seu processo de generalização, colaborando para o<br />
desenvolvimento correto de práticas científicas e tecnológicas 70 . Ou em momentos com<br />
um elevado nível de desenvolvimento científico, compreensão <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong>s<br />
relações sociais em que as falsas representações também podem ganhar força, porque a<br />
teoria (a construção <strong>da</strong> ciência), por estar sempre relaciona<strong>da</strong> com a totali<strong>da</strong>de social,<br />
também está permea<strong>da</strong> pelos possíveis interesses sociais antagônicos nas socie<strong>da</strong>des de<br />
classes. Dessa maneira:<br />
78<br />
Nas posições <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de de tipo superior, isto é, mais sociais, é<br />
inevitável uma intervenção, uma influência do por teleológico<br />
[secundário] sobre as reproduções espirituais. Mesmo quando este<br />
último ato já se transformou em ciência, em fator – relativamente –<br />
autônomo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, é uma ilusão, quando vistas as coisas em<br />
termos ontológicos, pensar que se possa obter uma reprodução<br />
inteiramente imparcial e, por esse meio, também <strong>da</strong>s causali<strong>da</strong>des<br />
naturais, que se possa chegar a uma forma de confronto direto e<br />
exclusivo entre natureza e homem mais pura do que no próprio<br />
trabalho (Ibid, p. 28).<br />
Como já anunciei no início desta discussão a respeito <strong>da</strong> relação entre teoria e<br />
prática, com a complexificação <strong>da</strong>s relações sociais o “por teleológico secundário”<br />
ganha maior importância. No trabalho – relação homem/natureza – o caráter cognitivo<br />
70 Lukács explica esse movimento ao discutir as novas categorias que se “desdobram” do trabalho com o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> consciência humana e as suas implicações para a gênese <strong>da</strong>s ciências. Nos oferece<br />
uma argumentação sobre a relação entre ideias místicas e o desenvolvimento <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> seguinte<br />
forma: “O obstinado imbricamento destes conceitos com idéias mágicas e míticas, que acontece ao longo<br />
<strong>da</strong> história, mostra como, na consciência dos homens, o agir finalisticamente necessário, sua correta<br />
preparação no pensamento e sua execução podem <strong>da</strong>r origem a formas superiores de práxis que se<br />
misturam com idéias falsas acerca de coisas que não existem e são ti<strong>da</strong>s como ver<strong>da</strong>deiras e como<br />
fun<strong>da</strong>mento último. Isso mostra que a consciência relativa às tarefas, ao mundo, ao próprio sujeito, brota<br />
<strong>da</strong> reprodução <strong>da</strong> própria existência (e, junto com essa, <strong>da</strong>quela do ser <strong>da</strong> espécie), como instrumento<br />
indispensável de uma tal reprodução. Essa consciência se torna certamente sempre mais difusa, sempre<br />
mais autônoma, e no entanto continua ineliminavelmente, embora através de mediações, em última<br />
análise, um instrumento <strong>da</strong> reprodução do homem” (s/d, p. 26).
dos atos aparecem “com maior pureza” do que nos momentos mais complexos onde a<br />
relação homem/homem (homem/socie<strong>da</strong>de) possui uma interferência mais significativa<br />
no desenvolvimento humano, ou seja, nessas relações as interferências<br />
biológico/naturais, sem deixar de existir, ca<strong>da</strong> vez mais cedem lugar para as<br />
interferências sociais postas pelos homens.<br />
No ato de trabalho, o reflexo falso ou ver<strong>da</strong>deiro conduz ao fracasso ou sucesso<br />
do processo, porque a necessi<strong>da</strong>de de efetivar a finali<strong>da</strong>de está sempre em primeiro<br />
plano. Mas quando o objetivo é interferir ou transformar a consciência de outros<br />
homens 71 para que esses tenham determina<strong>da</strong>s ações, o “interesse social” com certeza<br />
influenciará na efetivação do fim.<br />
Entretanto, os interesses podem ser distintos ou mesmo antagônicos, fazendo<br />
com que a consciência, ou seja, a subjetivi<strong>da</strong>de a ser transforma<strong>da</strong> também possua<br />
“motivações sociais e individuais” que influenciem neste processo. Lukács apresenta a<br />
questão <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> posição teleológica secundária <strong>da</strong> seguinte forma:<br />
79<br />
Assim, esse tipo de posição pretende mu<strong>da</strong>r, isto é, reforçar ou<br />
enfraquecer certas tendências na consciência dos homens, e por isso<br />
trabalha sobre um material que em si mesmo não é indiferente, mas,<br />
ao contrário, já tem em si movimentos favoráveis ou desfavoráveis,<br />
tende a colocar-se objetivos. A própria indiferença eventual dos<br />
homens nos confrontos de intenções desse tipo só tem em comum o<br />
nome com a indiferença antes referi<strong>da</strong> do material natural (...) a<br />
indiferença dos homens para com estas intenções é um modo<br />
concreto de comportar-se, que tem motivações sociais e<br />
individuais concretas e que, em certas circunstâncias, é<br />
modificável (s/d, p. 28, grifo meu).<br />
A práxis, seja ela qual for, desde a construção de teorias científicas e filosóficas,<br />
às ações cotidianas, políticas, religiosas etc., sempre se desenvolve em um ambiente e<br />
representações ontológicas e esse acontecimento é inevitável no ser social. É por isso<br />
que Lukács assim diferencia a atuação do homem sobre a natureza em relação àquela do<br />
homem sobre o homem:<br />
No que se refere à natureza, estes problemas, no seu genuíno ser em<br />
si, são completamente deferentes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s suas<br />
necessi<strong>da</strong>des, são inteiramente neutros em relação a elas e, no entanto,<br />
a ontologia que entra na consciência nunca poderá ser indiferente<br />
71 Isto não significa que essa influência já não acontecia nos primórdios <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, mas que naquele<br />
momento as determinações naturais, os limites impostos sobre o conhecimento <strong>da</strong> natureza prevaleciam<br />
em relação às determinações sociais.
80<br />
para nenhuma práxis social, no sentido mais mediato acima<br />
referido. A relação estreita entre teoria e práxis implica<br />
necessariamente o fato de que esta última sofra, nas suas formas<br />
sociais concretas de aparecer, em grau bastante elevado, a influência<br />
<strong>da</strong>s idéias ontológicas que os homens tem a respeito <strong>da</strong> natureza. Por<br />
sua vez, a ciência, quando procura compreender com serie<strong>da</strong>de e<br />
de modo adequado a reali<strong>da</strong>de, não pode deixar de lado tais<br />
questões ontológicas; que isto aconteça conscientemente ou não,<br />
que as perguntas e as respostas sejam certas ou erra<strong>da</strong>s, que ele<br />
negue a possibili<strong>da</strong>de de responder de maneira racional a tais<br />
questões, não tem nenhuma importância neste nível, porque esta<br />
negação, de qualquer modo, age ontologicamente dentro <strong>da</strong><br />
consciência social (LUKÁCS, s/d, p. 29, grifo meu).<br />
Enfim, não existe nenhuma teoria que não seja relaciona<strong>da</strong> à prática. A teoria só<br />
surge como apreensão consciente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de possibilita<strong>da</strong> pelo reconhecimento <strong>da</strong><br />
separação/relação entre a subjetivi<strong>da</strong>de e objetivi<strong>da</strong>de. Pode estar relaciona<strong>da</strong> com uma<br />
ontologia fictícia, pode aparentar não ter fun<strong>da</strong>mentação histórica, mas é formula<strong>da</strong> a<br />
partir <strong>da</strong> práxis. Pode estar relaciona<strong>da</strong> com o trabalho imediato de forma precisa ou<br />
permea<strong>da</strong> por interesses sociais que necessitam se pautar em teorias gerais equivoca<strong>da</strong>s<br />
para a perpetuação <strong>da</strong>s relações sociais, ou seja, continui<strong>da</strong>de de determina<strong>da</strong> produção<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Não obstante, na existência do ser social teoria e prática, apesar de<br />
heterogêneas, só existem em relação, sempre formam uma uni<strong>da</strong>de.<br />
2.2 – A <strong>Educação</strong> Física como um dos complexos do ser social: algumas possibili<strong>da</strong>des<br />
Apresento em linhas gerais a possibili<strong>da</strong>de de uma discussão sobre a origem<br />
ontológica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, ou seja, como essa ativi<strong>da</strong>de passa a fazer parte <strong>da</strong><br />
construção do ser social. Em princípio, não ain<strong>da</strong> como “ativi<strong>da</strong>de educativa” (cultura<br />
corporal) como na atuali<strong>da</strong>de, mas como ativi<strong>da</strong>des físicas ou corporais que possuem<br />
um outro sentido/significado nas relações sócio-históricas que se estabeleciam. Assim,<br />
considero fun<strong>da</strong>mental enunciar que a sua construção se realiza no processo de<br />
desenvolvimento do ser humano e o acompanha mediatamente as transformações<br />
ocorri<strong>da</strong>s nesse processo.<br />
É fun<strong>da</strong>mental realçar que o processo de desenvolvimento humano é histórico e<br />
não natural, portanto, a educação física que conhecemos na socie<strong>da</strong>de capitalista não é<br />
natural, mas sim um produto do desenvolvimento complexo e contraditório do ser
social. Desenvolvimento provocado pelo próprio ser social, diretamente relacionado<br />
com a totali<strong>da</strong>de construí<strong>da</strong>.<br />
O trabalho protoforma do ser social proporciona desde o início o impulso, no ser<br />
social, para a criação do novo e, desde o início, contém a possibili<strong>da</strong>de de produzir mais<br />
do que o necessário para a sobrevivência <strong>da</strong>quele que trabalha 72 . Além disso, o ser<br />
social não se resume ao trabalho. Ele é a síntese entre teleologia e causali<strong>da</strong>de que<br />
origina uma totali<strong>da</strong>de de complexos que vão muito além do trabalho originário.<br />
Dessa forma, a totali<strong>da</strong>de social no processo de reprodução é o momento<br />
predominante de todos os complexos parciais que surgem no processo de<br />
desenvolvimento do ser social. Esses complexos se reproduzem sempre com uma<br />
autonomia relativa em relação à totali<strong>da</strong>de social, ou seja, se constituem em estruturas<br />
ou até instituições com fins próprios. Lessa explicita <strong>da</strong> seguinte forma a categoria <strong>da</strong><br />
totali<strong>da</strong>de social: “Totali<strong>da</strong>de social é, para Lukács, a mediação ineliminável entre o<br />
momento predominante exercido pela troca orgânica homem/natureza via trabalho e a<br />
história de ca<strong>da</strong> um dos complexos parciais” (2007, p. 93, grifos do autor).<br />
Lukács também faz uma distinção entre os complexos que acompanham todo o<br />
desenvolvimento do ser social e aqueles de caráter transitório. Os primeiros se<br />
modificam em conjunto com as novas necessi<strong>da</strong>des cria<strong>da</strong>s pelas novas organizações do<br />
trabalho, e os segundos complexos transitórios surgem em determinado momento<br />
específico e depois desaparecem quando não forem mais necessários. Como exemplo de<br />
complexos que não desaparecem, o autor cita a “fala”, e como aqueles transitórios, cita<br />
o “direito”.<br />
Compreendo a educação física como um dos complexos que acompanham todo<br />
o desenvolvimento do ser social. A reprodução biológica (física) é a base <strong>da</strong> reprodução<br />
do ser social. Mas é preciso deixar claro que essa posição na<strong>da</strong> tem a ver com as<br />
vertentes teóricas de caráter biologicistas. Trata-se aqui <strong>da</strong> compreensão do ser social<br />
que é dotado de uma ineliminável base biológica, mas que se modifica histórica e<br />
socialmente. O fun<strong>da</strong>mento teórico dessa compreensão foi formulado por Marx e Engels<br />
em A ideologia alemã, quando afirmaram que: “O primeiro pressuposto de to<strong>da</strong> a<br />
história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro<br />
72 De acordo com Lukács, a partir de Marx, esse processo de produzir além do necessário está na base,<br />
por exemplo, tanto <strong>da</strong> escravidão como do socialismo. Assim, “O reino <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de no socialismo, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de um tempo livre com sentido também repousa sobre esta peculiari<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental do<br />
trabalho produzir mais do quanto é necessário para reprodução do trabalhador” (s.n.a, p. 2).<br />
81
fato a constatar é, pois, a organização corporal desses indivíduos e, por meio dela,<br />
sua relação <strong>da</strong><strong>da</strong> com o restante <strong>da</strong> natureza” (2007, p. 87, grifos meus).<br />
É preciso não perder de vista, no entanto, que com o processo de<br />
desenvolvimento e complexificação do ser social e, por conseguinte, o afastamento <strong>da</strong>s<br />
barreiras naturais, até mesmo as mais elementares funções biológicas são determina<strong>da</strong>s<br />
socialmente. Lukács exemplifica essa determinação, utilizando Marx, por meio do<br />
exemplo <strong>da</strong> alimentação:<br />
82<br />
É fato inevitável para a reprodução biológica de ca<strong>da</strong> ser humano<br />
enquanto ser vivo, e aqui tornaremos a citar Marx: “A fome é a fome,<br />
mas a fome que se satisfaz com carne cozi<strong>da</strong>, comi<strong>da</strong> com garfo e<br />
faca, é uma fome diferente <strong>da</strong>quela que devora carne crua, com o<br />
auxílio <strong>da</strong>s mãos, unhas e dentes.” Aqui é enuncia<strong>da</strong> com clareza a<br />
dupla determinação: o caráter insuprimivelmente biológico <strong>da</strong> fome e<br />
<strong>da</strong> sua satisfação, e, ao mesmo tempo, o fato de que to<strong>da</strong>s as formas<br />
concretas dessa última são funções do desenvolvimento econômicosocial.<br />
Porém, seríamos superficiais e não iríamos além dos aspectos<br />
externos se entendêssemos a fome biológica como supra-histórica e a<br />
forma social <strong>da</strong> sua satisfação como “superestrutura” variável que a<br />
deixa imutável. Deixando completamente de lado a questão que a<br />
passagem dos homens à alimentação carnívora não pode senão ter<br />
provocado também conseqüências biológicas, permanece o fato de<br />
que a regulamentação social <strong>da</strong> posse <strong>da</strong> comi<strong>da</strong> tem,<br />
indubitavelmente, efeitos biológicos (s.n.a, p. 14).<br />
Da mesma maneira, as ativi<strong>da</strong>des físicas, não obstante o seu caráter<br />
ineliminavelmente biológico, são ca<strong>da</strong> vez mais determina<strong>da</strong>s pelas relações sociais.<br />
Isso só reafirma o princípio pelo o qual, em qualquer forma de socie<strong>da</strong>de, os homens<br />
terão que manter o seu bom funcionamento orgânico, caso contrário, definham ou<br />
padecem definitivamente. Mesmo aquelas ativi<strong>da</strong>des físicas predominantemente liga<strong>da</strong>s<br />
à saúde possuem esse caráter social. Por isso a dicotomia entre “corpo” (homem) e<br />
socie<strong>da</strong>de não existe efetivamente 73 .<br />
Outro aspecto que também pode ser relacionado com as ativi<strong>da</strong>des físicas é a<br />
comunicação. Lukács apresenta a fala como um dos complexos fun<strong>da</strong>mentais para a<br />
realização do trabalho, visto que, desde o início, pelo seu caráter social, se faz presente<br />
a divisão do trabalho 74 . Em função disso, o ser social na sua comunicação transforma<br />
“os sinais emitidos” em uma linguagem mais precisa. Neste sentido, a fala surge com a<br />
73 Como já expus anteriormente neste capítulo, trata-se de uma falsa ontologia.<br />
74 Essa divisão do trabalho em princípio é realiza<strong>da</strong> a partir de determinantes biológicos, como i<strong>da</strong>de e<br />
sexo. Com a complexificação <strong>da</strong>s relações sociais, a divisão do trabalho passa a ser determina<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vez<br />
mais por condicionantes sociais.
necessi<strong>da</strong>de de expressar como conceito o que o objeto realmente é. Devido a isso<br />
concordo plenamente com a definição lukacsiana, segundo a qual<br />
83<br />
a fala é um instrumento para fixar conhecimentos e exprimir a<br />
essência dos objetos existentes, através de pontos de vista que se<br />
tornam ca<strong>da</strong> vez mais ver<strong>da</strong>deiros, um instrumento para comunicar as<br />
múltiplas e mutáveis formas de relacionamento dos homens entre si,<br />
em contraposição aos sinais, por mais precisos e desenvolvidos que os<br />
animais trocam entre si e que transmitem conexões fixas, sempre<br />
volta<strong>da</strong>s a uma determina<strong>da</strong> constelação importante de sua vi<strong>da</strong> (s.n.a<br />
p. 2).<br />
Os gestos também eram utilizados para a comunicação; mas com a crescente<br />
necessi<strong>da</strong>de de aprimorar a comunicação com o desenvolvimento <strong>da</strong> fala esta se torna<br />
mais precisa do que apenas os gestos. To<strong>da</strong>via os gestos continuam fazendo parte do<br />
desenvolvimento social, e também, como forma de comunicação relaciona<strong>da</strong> a rituais<br />
religiosos, estéticos, à sexuali<strong>da</strong>de, etc. Enfim, como uma <strong>da</strong>s formas de transmissão de<br />
comportamentos humanos. A mímica, a <strong>da</strong>nça e outros se desenvolvem e, dessa forma,<br />
os gestos que antes eram necessários como comunicação se tornam também arte e são<br />
desenvolvidos como tal.<br />
Em relação às ativi<strong>da</strong>des esportivas, as desenvolvi<strong>da</strong>s atualmente não são as<br />
mesmas <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de. O <strong>da</strong>rdo é lançado para quebrar recordes, e junto com as outras<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des esportivas, movimentar milhões. Não é mais para matar o inimigo em uma<br />
guerra, ou abater um animal para matar a fome do grupo, como na socie<strong>da</strong>de primitiva.<br />
Antes ain<strong>da</strong>, os movimentos humanos de correr, saltar etc. possuem uma<br />
finali<strong>da</strong>de, ou seja, são movimentos teleologicamente postos. Não são como os<br />
movimentos instintivos dos animais, cujas ações são determina<strong>da</strong>s biologicamente para<br />
assegurar sua sobrevivência e a<strong>da</strong>ptação às condições naturais. Daí que o correr, o<br />
saltar, o na<strong>da</strong>r etc. dos seres humanos modifica-se, já que são ativi<strong>da</strong>des histórico-<br />
sociais que atendem a determina<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des produzi<strong>da</strong>s e não mais puramente<br />
biológicas.<br />
As ativi<strong>da</strong>des de caça, guerreira, artística fazem parte de outra dimensão<br />
desenvolvi<strong>da</strong> no ser social, o lúdico. A dimensão lúdica do homem também é marca<strong>da</strong><br />
pela teleologia, portanto, ela não está mais circunscrita aos limites biofísicos<br />
espontâneos dos outros animais. Além disso, no desenvolvimento social essas<br />
ativi<strong>da</strong>des se relacionam de forma diferente com a organização <strong>da</strong> produção, sendo<br />
inclusive muitas delas sendo considera<strong>da</strong>s profanas como na socie<strong>da</strong>de feu<strong>da</strong>l, ou como<br />
forma de alcançar a plenitude espiritual nos povos orientais.
Com a socie<strong>da</strong>de de classe também torna-se necessária a preparação físico-<br />
militar. Então, a ativi<strong>da</strong>de física na socie<strong>da</strong>de escravista, feu<strong>da</strong>l e capitalista se relaciona<br />
com a questão militar. O que antes era uma ativi<strong>da</strong>de para proteger o grupo dos outros<br />
grupos humanos (disputa por caça, alimentos coletados, água, abrigo etc.) ou dos<br />
animais passa a ser uma ativi<strong>da</strong>de para lutar com outros homens a fim de submetê-los à<br />
escravidão ou a outras formas de exploração econômica com o objetivo de acumular<br />
priva<strong>da</strong>mente a riqueza socialmente produzi<strong>da</strong>.<br />
Na socie<strong>da</strong>de capitalista, as manifestações dessas ativi<strong>da</strong>des às quais chamamos<br />
de cultura corporal – pois são os sentidos e significados construídos pelo ser social<br />
historicamente – estão relaciona<strong>da</strong>s com a lógica dessa socie<strong>da</strong>de, ou seja,<br />
tendencialmente to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des se tornam mercadorias. Desde aquelas para<br />
manutenção <strong>da</strong> saúde, a arte, as esportivas e lúdicas, acrescentando aquelas que surgem<br />
para aju<strong>da</strong>r a compensar os problemas de saúde causados pela forma de organização do<br />
processo de trabalho.<br />
Em uma possível socie<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deiramente livre, ou seja, dos produtores<br />
livremente associados (comunista), as ativi<strong>da</strong>des que fazem parte <strong>da</strong> cultura corporal<br />
com certeza modificarão radicalmente as suas funções sociais. Mesmo sem poder<br />
afirmar precisamente quais seriam elas, estariam relaciona<strong>da</strong>s com a nova totali<strong>da</strong>de<br />
cujo eixo social seria o trabalho associado.<br />
84
Capítulo 3 - NATUREZA (E ESPECIFICIDADE) DA EDUCAÇÃO<br />
A compreensão <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> educação passa pela compreensão <strong>da</strong><br />
natureza humana (...) diferente dos outros animais, que se a<strong>da</strong>ptam à<br />
reali<strong>da</strong>de natural tendo a sua existência garanti<strong>da</strong> naturalmente, o<br />
homem necessita produzir continuamente sua própria existência.<br />
(DERMEVAL SAVIANI, 1991)<br />
Compreendo que quando se discute a “necessi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
na escola” torna-se fun<strong>da</strong>mental compreender a natureza <strong>da</strong> educação e, mais ain<strong>da</strong>, a<br />
sua especifici<strong>da</strong>de na socie<strong>da</strong>de capitalista onde a escola é um dos locus de transmissão<br />
<strong>da</strong> cultura. Isto possibilita discutir a educação física como parte ou não do processo<br />
educativo.<br />
Optei por fazer esta discussão partindo <strong>da</strong>s elaborações teóricas de Saviani. Essa<br />
opção metodológica possui várias razões, dentre elas, por ser este um autor de<br />
fun<strong>da</strong>mental importância desde a déca<strong>da</strong> de 1980 por introduzir nas discussões sobre<br />
educação a matriz teórica marxista e a partir dela construir uma proposta pe<strong>da</strong>gógica em<br />
uma perspectiva revolucionária. Assim, a “Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica”, sistematiza<strong>da</strong><br />
pelo autor, se apresenta ain<strong>da</strong> como a referência teórico-metodológica dessa<br />
perspectiva, embora comecem a surgir as primeiras críticas no campo do marxismo no<br />
sentido de superá-la 75 .<br />
Outra razão é o fato de Saviani ser um dos autores importantes para as<br />
discussões que aconteceram na <strong>Educação</strong> Física também na déca<strong>da</strong> de 1980, sendo<br />
também uma <strong>da</strong>s referências para a tentativa de mu<strong>da</strong>nça de paradigma nessa área. Sua<br />
Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica influenciou na construção <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Crítico-Superadora<br />
na <strong>Educação</strong> Física, única concepção que se fun<strong>da</strong>menta no Materialismo Histórico.<br />
E decisivamente o que me remete a este autor é por este não considerar a<br />
disciplina de <strong>Educação</strong> Física como conteúdo curricular. Para Saviani, a especifici<strong>da</strong>de<br />
75 Refiro-me às críticas elabora<strong>da</strong>s por Tonet (2003) não especificamente a Saviani, mas à chama<strong>da</strong><br />
“esquer<strong>da</strong> educacional”; às críticas elabora<strong>da</strong>s por Lessa (2007) no livro Trabalho e proletariado no<br />
capitalismo contemporâneo. É necessário deixar claro que embora eu não concorde com a concepção<br />
expressa por Lessa sobre o proletariado, considero fun<strong>da</strong>mentais suas análises quando discute, não apenas<br />
as posições de Dermeval Saviani na educação, mas também as posições de Maril<strong>da</strong> Iamamoto para o<br />
serviço social e Ricardo Antunes nas ciências sociais. Lessa toma para a discussão estes pesquisadores<br />
pela importância que possuem em suas áreas e setores <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> e movimentos sociais, e discute a<br />
incompreensão deste sobre a categoria trabalho e seus desdobramentos. Na mesma direção de procurar<br />
avançar na construção de uma teoria revolucionária, há também a tese em an<strong>da</strong>mento no Programa de<br />
Pós-Graduação em <strong>Educação</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina de Ademir Quintilio Lazarini,<br />
cujo título provisório é A relação entre capital e educação escolar: apontamentos para a esquer<strong>da</strong><br />
educacional e que pretende um estudo minucioso sobre Saviani, apontando equívocos deste autor na sua<br />
compreensão <strong>da</strong> relação entre “capital e educação escolar”.
<strong>da</strong> educação é decorrente de sua natureza, e sua compreensão desta interdita a<br />
possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física fazer parte do currículo escolar. Em outros termos, a<br />
partir <strong>da</strong> sua compreensão de educação o autor discute quais são os conteúdos<br />
específicos para a escola, e entre eles não se encontra a <strong>Educação</strong> Física.<br />
Uma última questão é a possibili<strong>da</strong>de de contribuir na recuperação <strong>da</strong> matriz<br />
teórica marxista, apreendendo o seu significado de educação e contribuindo para<br />
recolocá-la efetivamente nas discussões referentes à educação física na busca de<br />
avançar em relação ao que foi construído a partir déca<strong>da</strong> de 1980, lembrando que a<br />
questão central desta tese á a compreensão <strong>da</strong> “necessi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> educação física<br />
na escola: a emancipação humana como finali<strong>da</strong>de”.<br />
Para empreender esta tarefa, meu ponto de parti<strong>da</strong> é o texto de Saviani, Sobre a<br />
natureza e especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação 76 . Texto que é para muitos que se pretendem em<br />
uma posição crítica diante <strong>da</strong> educação e <strong>da</strong> organização social vigente, um estudo de<br />
fun<strong>da</strong>mental importância, devido à relevância de seu autor nessa área de conhecimento.<br />
Considero importante ressaltar que para compreender a posição de Saviani – e<br />
isto vale para qualquer outro pesquisador – não basta a leitura de um único texto,<br />
mesmo porque este faz parte de um conjunto de trabalhos realizados por Saviani e que<br />
culminam no processo de construção denominado por ele Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica.<br />
Por isso, alguns esclarecimentos são necessários. O próprio autor, na apresentação do<br />
livro Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica: primeiras aproximações, descreve a sequência de<br />
discussões realiza<strong>da</strong>s desde o livro Escola e Democracia 77 . Argumenta que a construção<br />
dessa pe<strong>da</strong>gogia crítica é um trabalho coletivo, e que sua contribuição particular e sem<br />
prazo de conclusão se dá na pesquisa, cujo objetivo é:<br />
86<br />
Rastrear o percurso <strong>da</strong> educação desde suas origens remotas tendo<br />
como guia o conceito de “modo de produção”. Trata-se de explicar<br />
como as mu<strong>da</strong>nças <strong>da</strong>s formas de produção <strong>da</strong> existência humana<br />
foram gerando historicamente novas formas de educação as quais, por<br />
sua vez, exerceram influxo sobre o processo de transformação do<br />
modo de produção correspondente. É um estudo que não se move sob<br />
o acicate <strong>da</strong>s urgências imediatas de conjuntura, mas que se propõe a<br />
captar o movimento orgânico definidor do processo histórico (...)<br />
Pretende-se assim revelar as bases sobre as quais se assenta a<br />
pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica de modo a viabilizar a configuração<br />
76 Texto publicado no livro Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica: primeiras aproximações e que, segundo Saviani,<br />
resulta de uma comunicação proferi<strong>da</strong> no “Seminário organizado pelo INEP e realizado em Brasília (DF),<br />
em 1984. Ao texto <strong>da</strong> comunicação se incorporou, já na origem, a palestra proferi<strong>da</strong> em Olin<strong>da</strong> (PE) em<br />
1983, cujo texto foi denominado ‘o papel <strong>da</strong> escola básica no processo de democratização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira’”, (SAVIANI 1991).<br />
77 Livro publicado pela primeira vez em 1983.
consistente do sistema educacional em seu conjunto sob o ponto de<br />
vista dessa concepção educacional (SAVIANI, 1991, p. 10).<br />
Esse trabalho de longo prazo é vinculado a uma perspectiva de construção de<br />
uma pe<strong>da</strong>gogia crítica que para Saviani poderia ser chama<strong>da</strong> de Pe<strong>da</strong>gogia Dialética.<br />
Entretanto não o fez, em função <strong>da</strong>s conotações equivoca<strong>da</strong>s que poderiam ser<br />
atribuí<strong>da</strong>s ao termo ‘dialética’; optando por denominá-la Pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica,<br />
explicando que:<br />
E ain<strong>da</strong>:<br />
87<br />
O que eu quero traduzir com a expressão “Pe<strong>da</strong>gogia Históricocrítica”<br />
é o empenho em compreender a questão educacional a partir<br />
do desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção<br />
pressuposta nesta visão <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica é o<br />
materialismo histórico, ou seja, a compreensão <strong>da</strong> história a partir do<br />
desenvolvimento material, <strong>da</strong> determinação <strong>da</strong>s condições materiais<br />
<strong>da</strong> existência humana (SAVIANI, 1991, p. 91).<br />
Uma visão crítico-dialética, portanto histórico-crítica, <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>, é<br />
o que queremos traduzir com a expressão Pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica.<br />
Esta formulação envolve a necessi<strong>da</strong>de de se compreender a <strong>Educação</strong><br />
no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por conseqüência, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de se articular uma proposta pe<strong>da</strong>gógica cujo ponto de<br />
referência, cujo compromisso, seja a transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e<br />
não sua manutenção, a sua perpetuação (SAVIANI, 1991, p. 95 - 6).<br />
Em suma, para discutir as questões que desafiam o autor é imprescindível situá-<br />
las no conjunto <strong>da</strong>s suas elaborações teóricas. O autor, na apresentação do livro<br />
Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica, além do exposto acima, indica como pontos centrais de<br />
sua discussão e como parâmetro teórico-metodológico: 1) a condição <strong>da</strong> natureza<br />
humana não ser naturalmente <strong>da</strong><strong>da</strong>, mas de ser produzi<strong>da</strong> historicamente pelo trabalho<br />
sobre sua base bio-física; 2) a definição <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> educação como um trabalho não-<br />
material; 3) o saber objetivo, e não outro saber, como ponto central <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Histórico-Crítica; 4) a escola historicamente posta como locus do saber objetivo e como<br />
determinante <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação.<br />
Pretendo então estabelecer algumas reflexões relativas à natureza <strong>da</strong> educação,<br />
correspondentes aos dois primeiros itens supracitados, procurando não perder, dentro do<br />
possível, o contexto maior <strong>da</strong> sua obra. Esclareço que o contato com a obra de Lessa<br />
(2007) foi imprescindível para a formulação de alguns questionamentos e para a<br />
realização de várias análises, mas que fun<strong>da</strong>mentalmente tenho como referências as<br />
obras de Marx (1988; 2004) e o capítulo O Trabalho <strong>da</strong> Ontologia do ser social de<br />
Lukács (s.n.a.).
3.1 – A Natureza <strong>da</strong> educação: educação é trabalho?<br />
Sobre a natureza <strong>da</strong> educação, temos duas questões a partir <strong>da</strong>s leituras de<br />
Saviani. A primeira relaciona-se à identi<strong>da</strong>de entre trabalho e educação, e a segun<strong>da</strong> diz<br />
respeito à educação ser um trabalho não-material.<br />
Quanto à identi<strong>da</strong>de entre trabalho e educação, talvez a confusão esteja em<br />
considerar como trabalho to<strong>da</strong> ação humana, em função de possuírem teleologia. Na<br />
ver<strong>da</strong>de, a confusão se dá em estabelecer o que é trabalho, principalmente nos dias de<br />
hoje, quando, segundo Lessa (2002), se confunde “trabalho”, categoria fun<strong>da</strong>nte do ser<br />
social e “trabalho abstrato”, aquele relacionado à produção de mais-valia e próprio <strong>da</strong><br />
sociabili<strong>da</strong>de capitalista.<br />
Embora Saviani em determinado momento passe a identificar “trabalho” com a<br />
“educação”, ele compreende acerta<strong>da</strong>mente que a educação é própria dos seres humanos<br />
e que entender sua natureza significa compreender a própria natureza humana. Neste<br />
sentido afirma:<br />
88<br />
Diferentemente dos outros animais, que se a<strong>da</strong>ptam à reali<strong>da</strong>de natural<br />
tendo a sua existência garanti<strong>da</strong> naturalmente, o homem necessita<br />
produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de<br />
se a<strong>da</strong>ptar à natureza, ele tem que a<strong>da</strong>ptar a natureza a si, isto é,<br />
transformá-la.(...) o que diferencia o homem dos outros animais é o<br />
trabalho. (...) o trabalho não é qualquer tipo de ativi<strong>da</strong>de, mas uma<br />
ação adequa<strong>da</strong> a finali<strong>da</strong>des. É, pois, uma ação intencional<br />
(SAVIANI, 1991, p. 19).<br />
Além disso, assinala que ao transformar a natureza para garantir sua<br />
existência,cria “um mundo humano” (o mundo <strong>da</strong> cultura). A partir de então, afirma que<br />
a educação é “uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria,<br />
um processo de trabalho” (SAVIANI, 1991, p.19), ou seja, identifica, como pontua<br />
Lessa, trabalho e educação.<br />
Parece-me necessário retomar o significado <strong>da</strong> categoria 78 trabalho para explicar<br />
o que é educação. Marx considera que o trabalho, em qualquer formação social, é<br />
78 Lukács explica o significado de “categoria” para Marx <strong>da</strong> seguinte forma: “a totali<strong>da</strong>de não é um fato<br />
formal do pensamento, mas constitui a reprodução mental do realmente existente, as categorias não são<br />
elementos de uma arquitetura hierárquica e sistemática; ao contrário, são na reali<strong>da</strong>de ‘formas de ser,<br />
determinações <strong>da</strong> existência’, elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais, dinâmicos,<br />
cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a complexos ca<strong>da</strong> vez mais abrangentes, em sentido tanto<br />
extensivo quanto intensivo” (1979, p. 28).
89<br />
um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o<br />
homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu<br />
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria<br />
natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças<br />
naturais pertencentes à sua corporei<strong>da</strong>de, braços e pernas, cabeça e<br />
mão, a fim de apropriar-se <strong>da</strong> matéria natural numa forma útil para a<br />
sua vi<strong>da</strong>. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza<br />
externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua<br />
própria natureza (1988, p. 142).<br />
Como afirmei anteriormente, o trabalho é próprio do ser humano, distinguindo-<br />
o dos outros animais porque estes realizam suas tarefas de forma instintiva, por mais<br />
que sejam bem elabora<strong>da</strong>s. O ser humano é diferente. Ele projeta idealmente o que vai<br />
realizar em seu trabalho. É uma ação planeja<strong>da</strong> que pode ser altera<strong>da</strong> ao surgirem<br />
imprevistos. Pode ain<strong>da</strong> se modificar em função de condições geográficas e históricas. É<br />
uma ação que possui uma finali<strong>da</strong>de, um objetivo previamente elaborado.<br />
Trabalho é a categoria fun<strong>da</strong>nte do ser social. Ao transformar a natureza para<br />
suprir suas necessi<strong>da</strong>des, os homens se constroem enquanto homens. Isto significa que<br />
nesse processo de autoconstrução constroem a sua sociabili<strong>da</strong>de, a sua forma de<br />
existência enquanto gênero humano e sua constante modificação. Ao mesmo tempo, os<br />
homens modificam a si mesmos, ou seja, criam novas estruturas internas, constroem sua<br />
individuali<strong>da</strong>de.<br />
Em suma, mesmo com o salto ontológico o ser social possui uma ineliminável<br />
condição biológica que o faz prescindir inevitavelmente do ser inorgânico e orgânico,<br />
ou seja, extraí-los <strong>da</strong> natureza para se mantererem vivos. O ser social precisa estabelecer<br />
em qualquer que seja a forma social o intercâmbio com a natureza, e essa relação é<br />
media<strong>da</strong> pelo trabalho. Embora o trabalho contenha todos os elementos de to<strong>da</strong> a práxis,<br />
ou seja, de ser a sua protoforma, ele só pode ser compreendido na relação com a<br />
totali<strong>da</strong>de social. Ademais, faz do ser social o único capaz de construir incessantemente<br />
o novo; o faz capaz de escolher entre alternativas e criar uma nova objetivi<strong>da</strong>de a partir<br />
de atos teleologicamente postos e, portanto, ontologicamente distintos <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de<br />
natural.<br />
Fica claro que o trabalho, mediador <strong>da</strong> relação ineliminável e eterna entre o<br />
homem e a natureza, não pode ser confundido com a educação. Ela está no processo<br />
<strong>da</strong> relação entre os homens. E a educação, como todos os outros complexos, pressupõe<br />
o salto ontológico, pressupõe a existência do ser social.
Insisto que todos os elementos que compõem a práxis social surgem do trabalho,<br />
mas não podem ser confundidos com este. O que possuem em comum, exatamente por<br />
ser o trabalho a categoria fun<strong>da</strong>nte, protoforma de to<strong>da</strong>s as outras, é que to<strong>da</strong>s as<br />
ativi<strong>da</strong>des humanas têm um caráter teleológico que pode resultar em uma causali<strong>da</strong>de<br />
posta. Todos possuem como base a relação ontológica entre subjetivi<strong>da</strong>de e<br />
objetivi<strong>da</strong>de, o distanciamento entre sujeito e objeto. Assim: “A essência do trabalho é,<br />
em Lukács, uma peculiar e exclusiva articulação entre teleologia e causali<strong>da</strong>de.<br />
Exclusiva e peculiar porque apenas no mundo dos homens a teleologia se faz presente”<br />
(LESSA, 2002, p. 70).<br />
Como já expus, o caráter teleológico do trabalho significa que o ser humano é o<br />
único capaz de pôr uma finali<strong>da</strong>de em sua ação, é o único que se orienta pelo fim, pelo<br />
objetivo a ser conquistado. Neste sentido, uma consciência (subjetivi<strong>da</strong>de) ao realizar o<br />
ato de pôr produz algo completamente distinto e independente de si mesma. Esse ‘algo’<br />
passa a pertencer a uma outra esfera que possui uma legali<strong>da</strong>de própria e não segue<br />
mais a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consciência que a pôs, portanto o que era teleologia se transforma<br />
em “princípio de automovimento que repousa sobre si mesmo”, este não possui<br />
subjetivi<strong>da</strong>de, não se transforma em subjetivi<strong>da</strong>de, não é capaz de planejar, ou seja, é<br />
uma causali<strong>da</strong>de, mas não mais natural e sim uma causali<strong>da</strong>de posta pelos homens. Ao<br />
transformar a causali<strong>da</strong>de natural em causali<strong>da</strong>de posta, não se retira <strong>da</strong> natureza a sua<br />
essência, a natureza nunca deixa de existir, mas cria-se ca<strong>da</strong> vez mais um mundo<br />
humano, aquilo que chamamos de cultura.<br />
Enfim, esse processo, ou essa relação entre teleologia e causali<strong>da</strong>de faz parte de<br />
to<strong>da</strong> a práxis social, porque to<strong>da</strong> a práxis tem como modelo o trabalho. Por isso, tanto<br />
no processo de trabalho como na educação existe teleologia e causali<strong>da</strong>de, mas isto de<br />
forma alguma os identifica. Trabalho continua sendo uma relação ineliminável entre os<br />
homens e a natureza e educação uma relação que se estabelece entre os homens, relação<br />
que também participa na criação de uma nova objetivi<strong>da</strong>de. Embora as relações<br />
homem/natureza e homem/homem sejam distintas, formam uma uni<strong>da</strong>de, pois ambas<br />
constituem o ser social.<br />
3.2 – <strong>Educação</strong>: trabalho não-material?<br />
90
Outra questão que me chama atenção é que ao considerar a identi<strong>da</strong>de entre<br />
trabalho e educação, Saviani realiza uma cisão na categoria trabalho. O processo que<br />
produz os “bens materiais” necessários à produção <strong>da</strong> existência é “trabalho material” e<br />
o processo mental de representação, planejamento dos objetivos propostos ele chama de<br />
“trabalho não-material”. Seus termos são os seguintes:<br />
91<br />
Para produzir materialmente, o homem necessita antecipar em idéias<br />
os objetivos reais, o que significa que ele representa mentalmente os<br />
objetivos reais. Essa representação inclui o aspecto de conhecimento<br />
<strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de<br />
simbolização (arte). Tais aspectos, na medi<strong>da</strong> em que são objeto de<br />
preocupação explícita e direta, abrem a perspectiva de uma outra<br />
categoria de produção que pode ser traduzi<strong>da</strong> pela rubrica “trabalho<br />
não-material”. Trata-se aqui <strong>da</strong> produção de idéias, conceitos, valores,<br />
símbolos, hábitos, atitudes, habili<strong>da</strong>des. Numa palavra, trata-se <strong>da</strong><br />
produção do saber, seja sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura,<br />
isto é, o conjunto <strong>da</strong> produção humana (SAVIANI, 1979, p. 20).<br />
Na área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, essa compreensão <strong>da</strong> educação como trabalho não-<br />
material foi incorpora<strong>da</strong> por autores que fazem as seguintes interpretações:<br />
A própria história <strong>da</strong> escola indica que ela cresceu separa<strong>da</strong> do mundo<br />
do trabalho (...) A escola não está desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, assim<br />
como, não está totalmente determina<strong>da</strong> por ela, nem totalmente livre<br />
dela. (...) A organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola, é<br />
desvinculado <strong>da</strong> prática, porque não é vinculado ao trabalho<br />
material; pois é no trabalho material que se garante a<br />
indissociabili<strong>da</strong>de entre teoria e prática social e exige<br />
interdisciplinarie<strong>da</strong>de. É por isso que a pe<strong>da</strong>gogia socialista vê no<br />
trabalho material uma categoria central para a educação (...) a<br />
fragmentação do conhecimento e a ausência do trabalho como<br />
princípio educativo são dois aspectos fun<strong>da</strong>mentais que<br />
caracterizam a atual relação conteúdo/forma <strong>da</strong> escola capitalista,<br />
com repercussões diretas para os métodos e ensino empregados<br />
em seu interior (CARVALHO, 1999, p. 197, grifo meu).<br />
E, também, autores que defendem uma “socie<strong>da</strong>de democrática e participativa”,<br />
justificando, a partir disso, sua opção teórica pelo materialismo histórico. Nesse âmbito<br />
anunciam que:<br />
Isto requer a clareza de que o conhecimento com o qual a escola<br />
trabalha: a) não é uma proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> do professor nem de<br />
ninguém, mas sim um produto que foi produzido por uma coletivi<strong>da</strong>de<br />
dentro <strong>da</strong>s relações de produção e dentro dos limites impostos pelo<br />
modo de produção (o Capitalismo); b) que por ser proprie<strong>da</strong>de de<br />
todos precisa ser socializado; e ain<strong>da</strong>, c) que o mediador entre este<br />
processo de produção/socialização é o Professor. Logo, se a estrutura<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista não permite socializar o que a<br />
humani<strong>da</strong>de produz na forma material, isso não ocorre (em<br />
partes) quando se menciona a produção “não material” (Marx,
s/d), onde ain<strong>da</strong> há condições de se executar tal socialização<br />
(DIETTRICH et al, 2001, p. 3, grifos meus).<br />
Essa questão do trabalho não-material precisa, com certeza, ser esclareci<strong>da</strong> para<br />
evitar caminhos equivocados. É certo que, como explicitei anteriormente, o definidor do<br />
ser social é a capaci<strong>da</strong>de de pôr finali<strong>da</strong>des, de conhecer os nexos causais para melhor<br />
escolher entre as muitas ou poucas alternativas e transformar a reali<strong>da</strong>de em reali<strong>da</strong>de<br />
posta. Este é o trabalho. Mas a aparência produz uma dicotomia entre corpo e mente, em<br />
que esta subordina aquele. Como a consciência tem uma função dirigente em relação ao<br />
corpo que se apresenta como órgão executivo, isto dá a ideia de que a consciência é<br />
autônoma, embora não exista nenhuma prova a respeito disso. Historicamente, a<br />
separação entre trabalho intelectual e físico, principalmente com o desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des de classes, reforça essa impressão de cisão entre corpo e alma, e ain<strong>da</strong> que<br />
são trabalhos diferentes. Mas no trabalho (definidor do ser social) descrito por Marx não<br />
há cisão, pelo contrário, é justamente essa capaci<strong>da</strong>de de planejar e antecipar que o<br />
caracteriza. O pensador alemão foi enfático sobre essa questão ao afirmar que:<br />
92<br />
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha<br />
envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos<br />
de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto <strong>da</strong><br />
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de<br />
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um<br />
resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador,<br />
e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação <strong>da</strong><br />
forma <strong>da</strong> matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural<br />
seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo<br />
de sua ativi<strong>da</strong>de e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa<br />
subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que<br />
trabalham, é exigi<strong>da</strong> a vontade orienta<strong>da</strong> a um fim, que se manifesta<br />
como atenção durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais<br />
quanto menos esse trabalho, pelo próprio conteúdo e pela espécie e<br />
modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele<br />
aproveita, como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais<br />
(1988, p. 142-3).<br />
Saviani, ao apontar dois tipos de trabalho, o material e o não-material, não<br />
estaria reforçando uma perspectiva filosófica idealista?<br />
Além disso, outra questão diz respeito ao resultado do “trabalho-não material”,<br />
ou seja, de acordo com Saviani, “trata-se aqui <strong>da</strong> produção de idéias, conceitos, valores,<br />
símbolos, hábitos, atitudes, habili<strong>da</strong>des (...) produção do saber” (1991, p.20). Esses<br />
elementos apontados não são “trabalho”.
Essas capaci<strong>da</strong>des somente existem a partir do processo de trabalho, e no<br />
desenvolvimento complexo do ser nas outras práxis sociais que têm no trabalho o seu<br />
modelo. O trabalho, categoria fun<strong>da</strong>nte do ser social, tem como essência a relação entre<br />
teleologia e causali<strong>da</strong>de, que são ontologicamente distintas, mas igualmente reais e<br />
formam uma uni<strong>da</strong>de cuja síntese é o ser social. Assim, os outros complexos <strong>da</strong> práxis<br />
social (que fazem parte <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de desse ser) possuem também uma materiali<strong>da</strong>de,<br />
possuem objetivi<strong>da</strong>de. Como exemplo o caso dos valores, tal como argumenta Lessa:<br />
93<br />
Fora <strong>da</strong> peculiar conversão <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de em causali<strong>da</strong>de posta, via<br />
trabalho, não é possível a existência <strong>da</strong> também peculiar relação entre<br />
teleologia e a causali<strong>da</strong>de que consubstancia o valor e os processos<br />
valorativos. Salientemos que isso não significa que a valoração seja<br />
uma processuali<strong>da</strong>de meramente subjetiva. Ela só pode valorar o<br />
existente com base em finali<strong>da</strong>des projeta<strong>da</strong>s no escopo do trabalho –<br />
portanto apenas pode operar no interior <strong>da</strong> complexa articulação<br />
teleologia/causali<strong>da</strong>de que fun<strong>da</strong> o ser social.(...) Tal como no caso do<br />
reflexo, temos aqui uma forma de objetivi<strong>da</strong>de que é tão real quanto a<br />
objetivi<strong>da</strong>de de uma pedra, ain<strong>da</strong> que distinta desta última porque<br />
apenas pode existir e se desenvolver no interior do complexo<br />
ontológico que é o trabalho (2002, p. 130-1)<br />
Enfim, um trabalho não-material poderia reforçar a falsa ideia <strong>da</strong> independência<br />
<strong>da</strong> consciência em relação ao “mundo material” e ain<strong>da</strong> que a materiali<strong>da</strong>de estaria<br />
apenas nos “bens materiais” produzidos pela relação homem/natureza e a produção <strong>da</strong><br />
existência humana estaria reduzi<strong>da</strong> a essa materiali<strong>da</strong>de 79 .<br />
To<strong>da</strong>via a objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teleologia é distinta <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de material, pois<br />
como nos mostra Lessa:<br />
A teleologia é necessariamente uma categoria posta pela consciência,<br />
sempre articula<strong>da</strong> e ontologicamente distinta <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de, de tal<br />
modo que a transformação <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de em causali<strong>da</strong>de posta não<br />
significa, em momento algum, nenhuma diluição <strong>da</strong> distinção<br />
ontológica entre teleologia e causali<strong>da</strong>de. Sendo assim, a objetivi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> teleologia não pode ser a mesma <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> que sejam<br />
categorias objetivas no interior do trabalho, apenas a causali<strong>da</strong>de<br />
exibe um caráter material. O que não significa que, pelo processo de<br />
objetivação, a teleologia não venha a exercer uma força de<br />
transformação material <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de; to<strong>da</strong>via, isso apenas é possível<br />
por meio de outras mediações (além <strong>da</strong> teleologia) que se apresentam<br />
no ato de trabalho. Portanto, num primeiro momento, temos a<br />
distinção entre objetivi<strong>da</strong>de e materiali<strong>da</strong>de: no interior do ser social –<br />
ao contrário do que ocorre na natureza - há uma objetivi<strong>da</strong>de nãomaterial.<br />
Essa objetivi<strong>da</strong>de, por enquanto, é peculiar à teleologia<br />
(2002, p. 113).<br />
79 Os desdobramentos dessa concepção de natureza <strong>da</strong> educação podem ser decisivos na discussão sobre<br />
qual a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação e que tipo de conhecimento é ou não importante para a constituição do<br />
ser social.
Essa é uma questão muito complexa, e que pressupõe o domínio de muitas<br />
outras categorias, mas posso provisoriamente pensar que a teleologia como um<br />
momento <strong>da</strong> consciência possui uma objetivi<strong>da</strong>de diferente <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
causali<strong>da</strong>de. A objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> teleologia seria não-material, e a <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de,<br />
material. Neste sentido, não importa se a objetivi<strong>da</strong>de material <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de é uma<br />
árvore, ou se a objetivi<strong>da</strong>de material <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de são ideias já postas, e também<br />
não importa se a objetivi<strong>da</strong>de teleológica não-material é o projeto de uma mesa ou o<br />
projeto de uma revolução. Esses projetos só ganham objetivi<strong>da</strong>de material depois de<br />
postos e transformados em causali<strong>da</strong>de posta 80 .<br />
É objetivi<strong>da</strong>de teleológica “não-material”, não porque está na consciência, mas<br />
porque precisa ser posta, objetiva<strong>da</strong>, ser transforma<strong>da</strong> em causali<strong>da</strong>de posta, se<br />
desprender do sujeito consciente, não ter mais identi<strong>da</strong>de entre eles, possuir outra<br />
legali<strong>da</strong>de independente do sujeito que a pôs. Enfim, é ain<strong>da</strong> uma potenciali<strong>da</strong>de real<br />
que precisa ser objetiva<strong>da</strong> para ganhar força material, e por ser potenciali<strong>da</strong>de, pode ou<br />
não se materializar. Destaco que essa materiali<strong>da</strong>de pode ser a de ideias, valores ou<br />
outros que se generalizaram.<br />
Não existe trabalho não-material. O momento não-material é o momento do<br />
reflexo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de na consciência no processo de prévia-ideação. Reflexo necessário<br />
para agir, projetar sobre os nexos causais postos ou não, em um desenvolvimento<br />
complexo no qual ca<strong>da</strong> vez mais o mundo se constitui de causali<strong>da</strong>des postas e torna-se<br />
ca<strong>da</strong> vez mais social.<br />
Contudo Saviani chegou a essa afirmação a partir <strong>da</strong> leitura do Capítulo VI<br />
Inédito 81 , no qual Marx (2004) faz a discussão sobre o que é trabalho produtivo e<br />
improdutivo, explicando que:<br />
94<br />
(No caso <strong>da</strong> produção não material, mesmo quando é efetua<strong>da</strong> com<br />
vista exclusivamente à troca e mesmo que crie mercadorias, existem<br />
duas possibili<strong>da</strong>des:<br />
80 Não é necessário que a revolução seja feita, mas que exista como força material e faça parte <strong>da</strong><br />
causali<strong>da</strong>de posta, ou seja, do mundo dos homens, interferindo no seu desenvolvimento.<br />
81 Saviani, na introdução do livro Pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica: primeiras aproximações, faz referência ao<br />
texto Trabalhadores em educação e crise na universi<strong>da</strong>de. Nesse artigo, busca fun<strong>da</strong>mentar-se em Marx<br />
para argumentar sobre a natureza <strong>da</strong> educação como um trabalho não-material. Considera<br />
equivoca<strong>da</strong>mente que o caminho para conceituar o trabalho em educação não está na característica de ser<br />
produtivo ou improdutivo, mas na “contraposição” entre trabalho material e trabalho não-material,<br />
afirmando que “o trabalho produtivo, independente de gerar ou não riqueza material, independente de<br />
produzir bens utilitários ou supérfluos, ele é produtivo na medi<strong>da</strong> em que gera mais-valia. Neste sentido,<br />
mesmo o trabalho não material pode ser produtivo” (SAVIANI, 1987, p.79).
95<br />
1) O seu resultado são mercadorias que existem separa<strong>da</strong>mente do<br />
produtor, ou seja, podem circular como mercadorias no intervalo<br />
entre a produção e o consumo; por exemplo, livros, quadros, todos<br />
os produtos artísticos que existem separa<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />
artística do seu criador e executante. A produção capitalista só se<br />
pode aplicar aqui de maneira muito limita<strong>da</strong>. Estas pessoas,<br />
sempre que não tomem oficiais etc., na quali<strong>da</strong>de de escultores<br />
(sculptors. Ing.) etc., em geral (salvo caso sejam independentes)<br />
trabalham para um capital comercial, como, por exemplo, editores<br />
livreiros, uma relação que constitui tão só uma forma de transição<br />
para o modo de produção só formalmente capitalista. Que nestas<br />
formas de transição alcance a exploração do trabalho um grau<br />
superlativo, tal não modifica em na<strong>da</strong> a essência do problema.<br />
2) O produto não é separável do ato <strong>da</strong> produção. Também aqui o<br />
modo capitalista de produção só tem lugar de maneira limita<strong>da</strong>, e<br />
só pode tê-lo, devido à natureza <strong>da</strong> coisa, em algumas esferas.<br />
(Necessito do médico e não do seu menino de recados.) Nas<br />
instituições de ensino, por exemplo, para o empresário <strong>da</strong> fábrica<br />
de conhecimentos os docentes podem ser meros assalariados.<br />
Casos similares não devem ser tidos em conta quando se analisa o<br />
conjunto <strong>da</strong> produção capitalista (p.119 - 20).<br />
Essa citação não autoriza Saviani a afirmar a existência de um trabalho não-<br />
material para Marx. Ele discute no conjunto desse texto e, particularmente nessa<br />
citação, o que é trabalho produtivo e improdutivo no caso específico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
capitalista, ou seja, não se trata aqui de discutir o que é trabalho (relação ineliminável<br />
entre o homem e a natureza em qualquer modo societário), mas de discutir o que é ou<br />
não produtivo para o capital. Especificamente nessa citação Marx explica como<br />
“serviços” ou a “prestação de serviços” – cujo resultado é uma ativi<strong>da</strong>de e não um<br />
objeto – pode ou não ser produtivo para o capital; de maneira que: “A determinação do<br />
trabalho produtivo (e, por conseguinte também a do improdutivo, como seu contrário)<br />
baseia-se pois no fato de a produção do capital ser produção de mais-valia e de o<br />
trabalho por ela empregado ser trabalho produtor de mais-valia” (MARX, 2004, p.120).<br />
Um aspecto destacado é que na socie<strong>da</strong>de capitalista há uma tendência de que<br />
tudo se torne mercadoria e muitos se tornem assalariados, inclusive aqueles<br />
considerados como profissionais liberais, médicos, advogados etc. Esse fato, o de se<br />
tornarem assalariados, por si só não os faz trabalhadores produtivos 82 , embora possam<br />
82 Marx (2004) explica que erroneamente pode se confundir o trabalhador assalariado com o trabalhador<br />
produtivo, mas não é essa a condição. Mesmo que o trabalhador seja assalariado, só é produtivo se<br />
produzir mais-valia, se estiver diretamente ligado ao processo de valorização do capital. Assim, “todo<br />
trabalhador produtivo é um assalariado mas, nem todo assalariado é um trabalhador produtivo. Quando se<br />
compra um trabalho para o consumir como valor de uso, como serviço, não para colocar como fator vivo<br />
no lugar do valor do capital variável e o incorporar no processo capitalista de produção, o trabalho não é<br />
produtivo e o trabalhador assalariado não é trabalhador produtivo” (2004, p. 111).
se tornar produtivos, dependendo <strong>da</strong> relação que estabelecem com o processo de<br />
produção do capital. Assim, propala Marx:<br />
96<br />
Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora<br />
improdutiva. Na medi<strong>da</strong> em que vende o seu canto é uma assalaria<strong>da</strong><br />
ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contrata<strong>da</strong> por um<br />
empresário (entrepeneur. Fr.) que a põe a cantar para ganhar dinheiro,<br />
é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital. Um<br />
mestre-escola que ensina outras pessoas não é um trabalhador<br />
produtivo. Porém, um mestre-escola que contratado com outros para<br />
valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário <strong>da</strong><br />
instituição que trafica com o conhecimento (Knowledge mongering<br />
instituion. Ing.) é um trabalhador produtivo. Mesmo assim, a maior<br />
parte desses trabalhadores, do ponto de vista <strong>da</strong> forma, apenas se<br />
submetem formalmente ao capital: pertencem às formas de transição<br />
(2004, p. 115).<br />
Essa diferenciação explica<strong>da</strong> por Marx entre o produto em forma de objeto<br />
realizado pelo conjunto dos operários e o produto em forma de ativi<strong>da</strong>de origina-se do<br />
fato de que os operários possuem uma participação muito mais significativa na<br />
produção <strong>da</strong> mais-valia do que os prestadores de serviços.<br />
Saviani, após afirmar a existência do trabalho não-material 83 , desdobra sua<br />
reflexão concluindo que a natureza <strong>da</strong> educação consiste em ela mesma ser um trabalho<br />
não-material. Para ele,<br />
trata-se aqui <strong>da</strong> produção de idéias, conceitos, valores, símbolos,<br />
hábitos, atitudes, habili<strong>da</strong>des, Numa palavra, trata-se <strong>da</strong> produção do<br />
saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto<br />
é, o conjunto <strong>da</strong> produção humana. Obviamente, a educação se situa<br />
nessa categoria do trabalho não material (1991, p.20).<br />
Como enunciei anteriormente, esses elementos não são trabalho, e a educação<br />
não é trabalho. Por isso, compartilho <strong>da</strong> posição teórica de Tonet (2003, p. 38), segundo<br />
a qual:<br />
Na esteira de Marx, entendemos que o trabalho é o fun<strong>da</strong>mento<br />
ontológico do ser social. E que to<strong>da</strong>s as outras dimensões sociais – a<br />
exemplo <strong>da</strong> política, do direito, <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong> arte etc. – mantêm com<br />
ele uma relação de dependência ontológica e de autonomia relativa.<br />
Ao trabalho, pois este caráter matrizador que nenhuma <strong>da</strong>s outras<br />
dimensões pode assumir. Quanto às outras dimensões, embora se<br />
originem a partir do trabalho, sua natureza e legali<strong>da</strong>de específicas<br />
mostram que elas não são uma expressão direta e mecânica dele.<br />
83 Saviani, ao deslocar a discussão para algo inexistente, o trabalho não-material, abandona o que é<br />
fun<strong>da</strong>mental, ou seja, abandona a discussão sobre o que é ou não produtivo para o capital e neste sentido a<br />
relação do professor, trabalhador assalariado, com a lógica societária capitalista.
Mas, o que é educação? Com certeza ela faz parte <strong>da</strong>s “outras dimensões” que<br />
constituem a totali<strong>da</strong>de do ser social.<br />
A compreensão <strong>da</strong> sua especifici<strong>da</strong>de também se torna fun<strong>da</strong>mental, pois dela<br />
depende a inclusão ou não <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola. Embora Saviani, por exemplo,<br />
se aproxime <strong>da</strong> compreensão de educação que tento apreender, ao propor que:<br />
97<br />
A natureza humana não é <strong>da</strong><strong>da</strong> ao homem mas é por ele produzi<strong>da</strong><br />
sobre a base <strong>da</strong> natureza bio-física. Consequentemente, o trabalho<br />
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em ca<strong>da</strong><br />
individuo singular, a humani<strong>da</strong>de que é produzi<strong>da</strong> histórica e<br />
coletivamente pelo conjunto dos homens (1991, p.14).<br />
Quando discute a especifici<strong>da</strong>de decorrente dessa compreensão, ele informa que<br />
a escola é na socie<strong>da</strong>de capitalista o locus <strong>da</strong> educação, e que cabe a ela a transmissão<br />
do “saber sistematizado”. Assim sendo:<br />
A opinião, o conhecimento que produz palpites, não justifica a<br />
existência <strong>da</strong> escola. Do mesmo modo, a sabedoria basea<strong>da</strong> na<br />
experiência de vi<strong>da</strong> dispensa e até mesmo desdenha a experiência<br />
escolar, o que, inclusive, chegou a se cristalizar em ditos populares<br />
como: “mais vale a prática do que a gramática” e “as crianças<br />
aprendem apesar <strong>da</strong> escola”. É a exigência de apropriação do<br />
conhecimento sistematizado por parte <strong>da</strong>s novas gerações que torna<br />
necessária a existência <strong>da</strong> escola. (...) A escola existe, pois, para<br />
propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao<br />
saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos<br />
desse saber (Ibid, p. 23).<br />
Neste sentido, complementa definindo que o “conteúdo fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> escola<br />
elementar” é: “ler, escrever, contar, os rudimentos <strong>da</strong>s ciências naturais e <strong>da</strong>s ciências<br />
sociais (história e geografia humanas)” (Ibid, p. 23). Portanto, não faz menção ao<br />
conhecimento específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, bem como de artes em geral. A ausência<br />
dessas especifici<strong>da</strong>des educacionais não empobrece a formação do ser social?<br />
Responder a essa questão implica compreender a relação <strong>da</strong> educação em geral e<br />
de suas especifici<strong>da</strong>des no desenvolvimento do ser social.<br />
3.3 – A Natureza e a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Em relação à natureza <strong>da</strong> educação em termos ontológicos, considero importante<br />
retomar, tal como apresento na citação de Tonet, que o trabalho não é a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
práxis social. Lukács assinala que junto ao trabalho originário no processo de
constituição do ser social surgem outros complexos que formam a totali<strong>da</strong>de social,<br />
como, por exemplo, a fala, o direito, a arte etc.<br />
Nesse processo de constituição, é fun<strong>da</strong>mental que as descobertas humanas, a<br />
sua apreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, enfim, o conhecimento produzido seja generalizado para<br />
que aconteça a reprodução social 84 . São os indivíduos na sua cotidiani<strong>da</strong>de que realizam<br />
a apreensão do real, mas se suas descobertas não foram generaliza<strong>da</strong>s, se não se tornam<br />
de domínio do gênero humano, em na<strong>da</strong> contribuem, na ver<strong>da</strong>de não existem enquanto<br />
objetivação humano-social. É nesse processo que se faz necessária a educação. Lessa<br />
nos dá essa indicação a partir <strong>da</strong>s reflexões de Lukács, ao afirmar que<br />
98<br />
são as articulações genéricas do real que possibilitam que a<br />
subjetivi<strong>da</strong>de humana se movimente no sentido <strong>da</strong> generalização <strong>da</strong>s<br />
experiências singulares. Independente do grau de consciência que se<br />
tenha dessa situação, independente mesmo de se haver ou não<br />
desenvolvido a capaci<strong>da</strong>de de sua generalização por meio <strong>da</strong><br />
discussão metodológica, há a necessi<strong>da</strong>de, que brota <strong>da</strong> própria<br />
constituição do em-si do pôr teleológico, de um processo de<br />
generalização e fixação dos conhecimentos do ser-precisamenteassim,<br />
obtidos nos atos singulares, em um conhecimento genérico<br />
aplicável às mais diferentes situações. Esse impulso à generalização<br />
<strong>da</strong>s experiências cotidianas está, como veremos, na gênese de<br />
complexos sociais como a arte, a filosofia, a religião etc. Mutatis<br />
Mutandis, o impulso à generalização do conhecimento do serprecisamente-assim<br />
existente compõe a gênese <strong>da</strong> ciência (2002,<br />
p.89).<br />
Leontiev, a partir <strong>da</strong>s reflexões de Marx e Engels e, com muita proximi<strong>da</strong>de à<br />
discussão de Lukács, justifica que esse processo educativo é necessário porque os<br />
homens, diferentemente dos animais, não possuem em seu desenvolvimento um<br />
determinante prioritariamente biológico, mas sim ca<strong>da</strong> vez mais é regido pelas leis<br />
histórico-sociais: Para ele, “A passagem do homem a uma vi<strong>da</strong> em que sua cultura é<br />
ca<strong>da</strong> vez mais eleva<strong>da</strong> não exige mu<strong>da</strong>nças biológicas hereditárias” (2004, p. 281).<br />
Para o fato desse constante “afastamento <strong>da</strong>s barreiras naturais”, Leontiev alerta<br />
que isto não significa que as influências hereditárias deixem de existir, mas que suas<br />
transformações são ca<strong>da</strong> vez mais dirigi<strong>da</strong>s pela totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações sociais<br />
construí<strong>da</strong>s pelos próprios homens. Nos termos do autor,<br />
84 Lembrando que me refiro à “reprodução social” no sentido ontológico. Não estou discutindo nenhuma<br />
especifici<strong>da</strong>de social, como, por exemplo, o capitalismo ou qualquer outra socie<strong>da</strong>de de classes. Tonet<br />
(2005) nos aju<strong>da</strong> a compreender que se trata de reprodução, pois “a maior parte do tempo e <strong>da</strong>s energias<br />
no processo educativo é gasto na assimilação de elementos já existentes, sem os quais não se poderia criar<br />
o novo e sem os quais o próprio indivíduo não se constituiria como indivíduo” (p. 216 - 17).
99<br />
as aptidões e caracteres especificamente humanos 85 não se transmitem<br />
de modo algum por hereditarie<strong>da</strong>de biológica, mas adquirem-se no<br />
decurso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> por um processo de apropriação <strong>da</strong> cultura cria<strong>da</strong><br />
pelas gerações precedentes. (...)<br />
Podemos dizer que ca<strong>da</strong> indivíduo aprende a ser um homem. O que a<br />
natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em socie<strong>da</strong>de.<br />
É-lhe ain<strong>da</strong> preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do<br />
desenvolvimento histórico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de humana. (...)<br />
Criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas. É visto que<br />
se diferencia do processo de aprendizagem dos animais. Enquanto este<br />
último é o resultado de uma a<strong>da</strong>ptação individual do comportamento<br />
genérico a condições de existência complexas e mutantes, a<br />
assimilação no homem é um processo de reprodução, nas<br />
proprie<strong>da</strong>des do indivíduo, <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des e aptidões historicamente<br />
forma<strong>da</strong>s na espécie humana (Idem, p. 285 - 6, grifo do autor).<br />
Lukács, neste sentido, alerta para o erro, “segundo o qual seria a sua<br />
peculiari<strong>da</strong>de biológica que faria o homem se desenvolver mais lentamente como<br />
exemplar autônomo <strong>da</strong> espécie” (s.n.a, p.18). Na ver<strong>da</strong>de, as mu<strong>da</strong>nças são sociais,<br />
estas também retroagem na constituição biológica dos homens, mas com caráter<br />
prioritariamente social. O filósofo húngaro traz o seguinte exemplo:<br />
Se hoje nas fábricas não trabalham mais as crianças, como no início<br />
do século XIX, não é por razões biológicas, mas pelo<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> indústria e sobretudo pela luta de classes. Se hoje,<br />
nos países civilizados, é generaliza<strong>da</strong> a obrigatorie<strong>da</strong>de escolar e os<br />
rapazes ficam fora do trabalho em tempo relativamente longo, também<br />
este tempo deixado livre para a educação é um produto do<br />
desenvolvimento industrial (Idem, p. 18 - 9).<br />
Sendo assim, a educação, em seu sentido estrito, é o resultado <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />
sociais surgi<strong>da</strong>s em determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Esta exige determinados comportamentos e<br />
habili<strong>da</strong>des que precisam ser apreendi<strong>da</strong>s. No entanto, Lukács adverte que ao<br />
permanecer inaltera<strong>da</strong> a forma de educação durante algum tempo em determina<strong>da</strong> classe<br />
social, reforçando determinados comportamentos e conhecimentos, isso provoca efeitos<br />
também na “constituição física e psíquica” nessas classes. Esse fato pode causar a falsa<br />
85 É importante destacar o que o psicólogo russo compreende, a partir de Marx, por “aptidões e caracteres<br />
especificamente humanos”: “Foi Karl Marx, o fun<strong>da</strong>dor do socialismo científico, o primeiro que forneceu<br />
a análise teórica <strong>da</strong> natureza social do homem e do seu desenvolvimento sócio-histórico: ‘to<strong>da</strong>s as suas<br />
(trata-se do homem) relações humanas com o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato, o<br />
pensamento, a contemplação, o sentimento, a vontade, a ativi<strong>da</strong>de, o amor, em resumo, todos os órgãos <strong>da</strong><br />
sua individuali<strong>da</strong>de que, na sua forma, são imediatamente órgãos sociais, são no seu comportamento<br />
objetivo ou na sua relação com o objeto a apropriação deste, a apropriação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de humana’. Mais de<br />
cem anos se passaram depois que Marx escreveu estas linhas, mas as idéias que elas encerram<br />
permanecem até os nossos dias a expressão mais profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>da</strong>s aptidões humanas<br />
ou, como dizia Marx, ‘<strong>da</strong>s forças essenciais do homem’ (Wesenskräfte des Menschen)”. (LEONTIEV,<br />
2004, p. 286, grifo do autor).
impressão de que essas características são hereditárias, ou seja, diferenças hereditárias<br />
entre os homens que os fazem parecer não pertencentes ao mesmo gênero humano.<br />
100<br />
Leontiev também discute essa questão, afirmando que a desigual<strong>da</strong>de é<br />
“produto <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de econômica, <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de de classes e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de<br />
consecutiva <strong>da</strong>s suas relações com as aquisições que encarnam to<strong>da</strong>s as aptidões e<br />
facul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> natureza humana, forma<strong>da</strong>s no decurso de um processo sócio-histórico”<br />
(2004, p. 293).<br />
Retomando, o “indivíduo aprende a ser um homem”. Esse aprender a ser homem, em<br />
sentido do desenvolvimento ontológico, processo de generalização é o impulso para a<br />
gênese <strong>da</strong> ciência, arte etc., mas é também a generalização de valores, comportamentos,<br />
linguagem, sentimentos, enfim, <strong>da</strong>quilo que forma as individuali<strong>da</strong>des. Lembrando<br />
sempre que estas não podem existir fora <strong>da</strong> relação com a totali<strong>da</strong>de do ser social.<br />
Portanto, com Lessa,<br />
o ser social é a síntese dos atos singulares dos indivíduos em<br />
tendências, forças etc. genéricas. Neste contexto, a substância concreta<br />
que distingue uma individuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s demais, bem como <strong>da</strong><br />
totali<strong>da</strong>de social, é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela quali<strong>da</strong>de, pela direção etc. <strong>da</strong> cadeia de<br />
decisões alternativas que adota ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. É a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
relações que estabelece com o mundo que caracteriza a<br />
substanciali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> indivíduo singular (2002, p. 146 - 7, grifo<br />
meu).<br />
Seguindo esse raciocínio, posso entender que a educação é uma ativi<strong>da</strong>de<br />
humana, na relação homem/homem, que possui sua gênese no trabalho, também é<br />
constituí<strong>da</strong> de uma teleologia e causali<strong>da</strong>de, mas que não pode ser confundi<strong>da</strong> com a<br />
relação homem/natureza, trabalho. Mais uma vez concordo com Tonet (2005, p.218)<br />
quando este pontua:<br />
O ato educativo, ao contrário do trabalho, supõe uma relação não entre<br />
um sujeito e um objeto, mas entre um sujeito e um objeto que é ao<br />
mesmo tempo também sujeito. Trata-se, aqui, de uma ação sobre uma<br />
consciência visando induzí-la a agir de determina<strong>da</strong> forma. No<br />
trabalho, se dispusermos dos conhecimentos e <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des<br />
necessários e realizarmos as ações adequa<strong>da</strong>s, é certo que, salvo<br />
intervenção do acaso, atingiremos o objetivo desejado. No caso do ato<br />
educativo, o mesmo conjunto de elementos está longe de garantir a<br />
consecução do objetivo, pois não podemos prever como reagirá o<br />
educando.<br />
Na mesma direção dessas assertivas, Leontiev argumenta:<br />
As aquisições do desenvolvimento histórico <strong>da</strong>s aptidões humanas não<br />
são simplesmente <strong>da</strong><strong>da</strong>s aos homens nos fenômenos objetivos <strong>da</strong><br />
cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí postas. Para
101<br />
se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, ‘os<br />
órgãos <strong>da</strong> sua individuali<strong>da</strong>de’, a criança, o ser humano, deve entrar<br />
em relação com os fenômenos do mundo circun<strong>da</strong>nte através de outros<br />
homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a<br />
criança aprende a ativi<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong>. Pela sua função este processo,<br />
é, portanto, um processo de educação (2004, p. 290, grifo do autor).<br />
Dessa forma, o processo educativo faz parte <strong>da</strong> reprodução social, tanto no<br />
sentido <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>s individuali<strong>da</strong>des quanto no sentido de constituição do gênero<br />
humano. Esse processo, em conformi<strong>da</strong>de com Lukács, possui a sua essência em<br />
influenciar os homens para que estes estejam aptos a atuaram frente as novas<br />
alternativas que encontrarão durante suas vi<strong>da</strong>s. Essa atuação, para que se reproduzam<br />
às relações sociais, devem ser aquelas espera<strong>da</strong>s, ou seja, é necessário que os homens<br />
“reajam no modo socialmente desejado”. Entretanto, argumenta o autor que “este<br />
propósito se realiza sempre – em parte – e isto contribui para manter a continui<strong>da</strong>de na<br />
transformação <strong>da</strong> reprodução do ser social; mas ele a longo prazo fracassa” (s/d.a, p.<br />
19).<br />
Esse fracasso não elimina o fato de que os seres humanos devem apreender<br />
aquilo que já foi construído; ao contrário, só existe a possibili<strong>da</strong>de de avançar porque<br />
existe esse processo de generalização na mesma geração e nas novas gerações, ou seja,<br />
porque existe o processo educativo. Dessa forma, Leontiev argumenta:<br />
Ca<strong>da</strong> geração começa, portanto, a sua vi<strong>da</strong> num mundo de objetos e de<br />
fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se <strong>da</strong>s<br />
riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas<br />
diversas formas de ativi<strong>da</strong>de social e desenvolvendo assim as aptidões<br />
especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse<br />
mundo. Com efeito, mesmo a aptidão para usar a linguagem articula<strong>da</strong><br />
só se forma, em ca<strong>da</strong> geração, pela aprendizagem <strong>da</strong> língua que se<br />
desenvolveu num processo histórico, em função <strong>da</strong>s características<br />
objetivas <strong>da</strong> língua. O mesmo se passa com o desenvolvimento do<br />
pensamento ou <strong>da</strong> aquisição do saber. Está fora de questão que a<br />
experiência individual do homem, por mais rica que seja, baste para<br />
produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato<br />
e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vi<strong>da</strong>,<br />
mas mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração<br />
formam-se a partir <strong>da</strong> apropriação dos resultados <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />
cognitiva <strong>da</strong>s gerações precedentes (2004, p. 84).<br />
Essa apropriação é imprescindível, mas ela não deve ser a finali<strong>da</strong>de última do<br />
processo educativo. Este consiste ao mesmo tempo na apropriação do construído e na<br />
formulação <strong>da</strong>s novas condições individuais e sociais para atuar frente à nova reali<strong>da</strong>de<br />
posta.
102<br />
O fracasso parcial <strong>da</strong> educação a longo prazo, apontado por Lukács na<br />
reprodução do ser social:<br />
é o reflexo psíquico não só do fato que tal reprodução se realiza de<br />
modo desigual, que ela produz continuamente movimentos novos e<br />
contraditórios, aos quais nenhuma educação, por mais prudente, pode<br />
preparar suficientemente, mas também do fato que nestes movimentos<br />
novos se exprimem – de maneira desigual e contraditória – o processo<br />
objetivo do ser social no curso de sua reprodução (s.n.a, p.19-20).<br />
Nesse processo, com um futuro imprevisível, o filósofo complementa que: “A<br />
sua vi<strong>da</strong> [do indivíduo], se se dá o caso, pode terminar numa socie<strong>da</strong>de de caráter<br />
totalmente distinto, com exigências que são completamente diversas <strong>da</strong>quelas para as<br />
quais a educação – em sentido estrito – o havia preparado” (s.n.a, p. 18).<br />
Enfim, no sentido objetivo-ontológico, o processo de reprodução, ao construir o<br />
gênero humano, torna as individuali<strong>da</strong>des humanas ca<strong>da</strong> vez mais sociais, mais<br />
“multilaterais” 86 . Na complexificação <strong>da</strong>s relações sociais a tarefa <strong>da</strong> educação também<br />
se torna mais complexa. De acordo com Leontiev,<br />
Quanto mais progride a humani<strong>da</strong>de, mais rica é a prática sóciohistórica<br />
acumula<strong>da</strong> por ela, mais cresce o papel específico <strong>da</strong><br />
educação e mais complexa é a sua tarefa (...) o tempo que a socie<strong>da</strong>de<br />
consagra à educação <strong>da</strong>s gerações aumenta; criam-se estabelecimentos<br />
de ensino, a instrução toma formas especializa<strong>da</strong>s, diferencia-se o<br />
trabalho do educador do professor; os programas de estudo<br />
enriquecem-se, os métodos pe<strong>da</strong>gógicos aperfeiçoam-se, desenvolvese<br />
a ciência pe<strong>da</strong>gógica (2004, p. 291).<br />
A complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações sociais, além de se expressar nas relações de<br />
trabalho, na ciência, na filosofia, por exemplo, também é expressa nas artes, nas<br />
ativi<strong>da</strong>des físicas, nas línguas etc., e estas precisam ser apreendi<strong>da</strong>s, já que fazem parte<br />
do desenvolvimento do gênero humano.<br />
Logo, também precisam ser sistematiza<strong>da</strong>s, para que de modo adequado possam<br />
ser transmiti<strong>da</strong>s às novas gerações. Esses conteúdos fazem parte <strong>da</strong> educação no sentido<br />
<strong>da</strong> reprodução humana, no sentido de apropriação <strong>da</strong> “cultura”, no processo de tornar-se<br />
homem dos indivíduos humanos. Em uma socie<strong>da</strong>de complexa, devem fazer parte <strong>da</strong><br />
86 No entanto, nas socie<strong>da</strong>des de classes, esse processo pode significar o afastamento de grande parte <strong>da</strong><br />
humani<strong>da</strong>de do acesso ao processo de humanização conquistado pelo gênero humano: “A uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
espécie humana parece ser praticamente inexistente não em virtude <strong>da</strong>s diferenças de cor <strong>da</strong> pele, <strong>da</strong><br />
forma dos olhos ou de quaisquer outros traços exteriores, mas sim <strong>da</strong>s enormes diferenças e condições do<br />
modo de vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> riqueza <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de material e mental, do nível de desenvolvimento <strong>da</strong>s formas e<br />
aptidões intelectuais” (LEONTIEV, 2004, p. 293).
educação formula<strong>da</strong>, porque, também fazem parte <strong>da</strong>s “aquisições” necessárias ao<br />
“desenvolvimento histórico <strong>da</strong>s aptidões humanas”.<br />
103
Capítulo 4 – A GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA<br />
MODERNA<br />
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários,<br />
dogmas, mas pressupostos reais, de que só se pode abstrair na<br />
imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições<br />
materiais de vi<strong>da</strong>, tanto aquelas por eles já encontra<strong>da</strong>s como as<br />
produzi<strong>da</strong>s por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto,<br />
constatáveis por via puramente empírica.<br />
(MARX; ENGELS, 2007)<br />
Não devemos confundir a questão ontológica com a questão histórico-concreta,<br />
sob pena de se tratar particulari<strong>da</strong>des do desenvolvimento do ser social de maneira<br />
universal abstrata. Feito esse alerta trato do capitalismo, uma socie<strong>da</strong>de com sua lógica,<br />
suas leis sociais fun<strong>da</strong>mentais que foram explica<strong>da</strong>s por Marx e <strong>da</strong> educação física<br />
como um complexo particular possível de ser compreendi<strong>da</strong> somente em relação à<br />
totali<strong>da</strong>de, no caso, a socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
Apresento, na construção do ser social na socie<strong>da</strong>de capitalista como a <strong>Educação</strong><br />
Física é incorpora<strong>da</strong> na escola dessa socie<strong>da</strong>de e sofre modificações em função <strong>da</strong>s<br />
necessi<strong>da</strong>des que são engendra<strong>da</strong>s nessas relações sociais. Não tenho a intenção de<br />
recontar a história <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, o que tem sido amplamente feito com maior ou<br />
menor profundi<strong>da</strong>de por vários pesquisadores <strong>da</strong> área desde a déca<strong>da</strong> de 1980. Minha<br />
intenção é mostrar a função social que essa disciplina pe<strong>da</strong>gógica assumiu ao ser<br />
incorpora<strong>da</strong> à escola, bem como as suas funções no desenvolvimento dessa<br />
sociabili<strong>da</strong>de. Com isso, obtenho um parâmetro balizador a fim de afirmar que os seus<br />
avanços na área nas últimas déca<strong>da</strong>s, em regra, são a<strong>da</strong>ptações para conformar a<br />
<strong>Educação</strong> Física à lógica do capital. Desse modo, as discussões de alguns autores,<br />
permea<strong>da</strong>s por um matiz revolucionário com base em correntes do materialismo<br />
histórico, vão gra<strong>da</strong>tivamente desaparecendo.<br />
A inclusão <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física enquanto uma disciplina escolar <strong>da</strong>ta do final do<br />
século XIX, momento em que se tentava organizar os Sistemas Nacionais de Ensino em<br />
vários países 87 . Essa preocupação não era uma questão isola<strong>da</strong> de uma determina<strong>da</strong><br />
87 Sobre essa questão, Leonel (1994), em sua tese de doutorado Contribuições à história <strong>da</strong> escola<br />
pública: elementos para a crítica <strong>da</strong> teoria liberal, demonstra a construção não apenas do Sistema<br />
Nacional de Ensino francês e suas influências em outros países como o Brasil, mas explica como essa<br />
criação dos SNE é um dos resultados do processo de criação e desenvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa e<br />
com a sua consequente duali<strong>da</strong>de entre o “burguês egoísta” e o “ci<strong>da</strong>dão político”.
locali<strong>da</strong>de. Ca<strong>da</strong> país possuía suas especifici<strong>da</strong>des histórico-concretas, mas todos<br />
estavam ligados pela universali<strong>da</strong>de do modo de produção capitalista. Embora questões<br />
sobre a educação em geral, a educação física em particular ou sobre outros setores<br />
sociais possam parecer exclusivas de determina<strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des, são desdobramentos de<br />
um mesmo movimento, o processo de expansão do capital.<br />
105<br />
Neste sentido, ao tratar de educação física estou discutindo uma prática concreta,<br />
ou seja, construí<strong>da</strong> nas relações sociais capitalistas e que traz as determinações e<br />
contradições dessa socie<strong>da</strong>de. A educação física tal como a conhecemos é uma<br />
produção <strong>da</strong>s relações capitalistas; portanto, nasce com o capitalismo e transforma-se<br />
com este. Embora em civilizações antigas como a chinesa ou grega já existisse a prática<br />
de exercícios corporais, estes apresentavam o sentido e significados próprios <strong>da</strong> sua<br />
organização social, diferentes <strong>da</strong>queles vividos hoje. No ressurgimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física, não se trata mais <strong>da</strong> antiga educação guerreira ou <strong>da</strong> educação cortesã, mas <strong>da</strong><br />
formação do ci<strong>da</strong>dão moderno. Nessa educação, os exercícios físicos funcionariam<br />
como higienizadores, disciplinadores do caráter e <strong>da</strong> vontade, formadores do sentido<br />
patriótico que colaboraria na formação (Alemanha, Japão e Itália), manutenção e<br />
aperfeiçoamento (França, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos) dos Estados Nacionais.<br />
Atualmente reconhecemos que a <strong>Educação</strong> Física Escolar surge junto com os<br />
Sistemas Nacionais de Ensino, quando, ao se organizar a escola, a educação do corpo<br />
aparece como um quesito importante no contexto dos objetivos definidos para essa<br />
instituição. Logo, a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física Escolar é apenas um aspecto<br />
particular de uma questão mais ampla: a necessi<strong>da</strong>de de criação dos Sistemas Nacionais<br />
de Ensino e a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação para todos. Entender, então, os motivos que<br />
levaram os homens desse momento a sentirem necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
enquanto um conteúdo escolar implica compreender o processo e as razões para a<br />
construção <strong>da</strong> escola pública e universal.<br />
Tendo presente essa postura metodológica, organizei este capítulo em duas<br />
partes. Na primeira, procuro sintetizar o processo histórico de constituição dos Sistemas<br />
Nacionais de Ensino e, na segun<strong>da</strong>, analiso a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
enquanto disciplina a ser incluí<strong>da</strong> nos currículos escolares.
4.1 – A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino<br />
106<br />
A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino tem início em meados do<br />
século XVIII e se consoli<strong>da</strong>, em muitos países, no final do século XIX. Nesse período, a<br />
socie<strong>da</strong>de capitalista se define, deixando explícitas as suas contradições, sendo que a<br />
mais latente e potencialmente explosiva era a apropriação priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção social <strong>da</strong><br />
riqueza por uma minoria detentora dos meios e instrumentos fun<strong>da</strong>mentais de produção<br />
e, como consequência, a miséria para a maior parte <strong>da</strong> população, ou seja, para aqueles<br />
que só possuíam a força de trabalhado como única mercadoria a ser troca<strong>da</strong> 88 . É<br />
também para estes últimos que será estendi<strong>da</strong> a educação escolar pública e laica. Como<br />
parte desse processo, ressurge a educação física, entendi<strong>da</strong> não mais como as antigas<br />
práticas do passado (educação guerreira, educação cortesã), mas vista “como parte<br />
essencial <strong>da</strong> formação do homem, que somente a Grécia antiga conhecera e<br />
desenvolvera em formas originais” (MANACORDA, 1989, p. 188 - 9).<br />
A valorização <strong>da</strong> educação física para o aprimoramento do “corpo humano”<br />
começa a se manifestar no pensamento de significativos autores desde o início <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de moderna, entendendo-se essa valorização do exercício físico como parte de<br />
uma “boa educação” que não necessariamente acontecia no incipiente ambiente escolar.<br />
Podemos observar essa postura em Michel de Montaigne (1533 - 1592), que em<br />
seu ensaio <strong>Educação</strong> <strong>da</strong>s Crianças, publicado por volta de 1580, enfatiza a necessi<strong>da</strong>de<br />
de se cui<strong>da</strong>r e educar o “corpo” 89 , argumentando que: “quem quiser fazer do menino um<br />
homem não deve poupar na juventude nem deixar de infringir amiúde os preceitos dos<br />
médicos: ‘que viva ao ar livre e no meio dos perigos’. Não basta fortalecer-lhe a alma, é<br />
preciso desenvolver-lhe, os músculos” (1984, p. 78).<br />
A valorização do “corpo”, no entanto, não acontece de forma isola<strong>da</strong>, mas é<br />
fruto <strong>da</strong>s transformações na vi<strong>da</strong> moderna que determina, inclusive, uma nova forma de<br />
educação. Esta não é um epifenômeno, mas suas raízes estão finca<strong>da</strong>s nas<br />
88 Uma pesquisa minuciosa sobre as condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> classe trabalhadora dos países mais<br />
industrializados (Inglaterra e Bélgica) do final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1860 e início 1870 pode ser encontra<strong>da</strong> em O<br />
Capital. No capítulo XXIII (Lei Geral <strong>da</strong> Acumulação Capitalista) dessa obra, Marx expõe<br />
pormenoriza<strong>da</strong>mente a relação entre a lógica <strong>da</strong> produção capitalista e a situação social <strong>da</strong> classe<br />
trabalhadora, acrescentando que essas condições se deterioram quando ocorrem crises cíclicas de<br />
acumulação do capital.<br />
89 É comum entre os professores de educação física falar em “corpo” e, era comum desde a gestação <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de capitalista utilizar essa expressão em função <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de corpo e mente que permanece. Como<br />
apresentei no capítulo 2, essa separação é uma impossibili<strong>da</strong>de. O que se educa são os homens. Por isso<br />
utilizo a denominação corpo entre aspas referindo-me à compreensão dicotômica entre corpo e mente do<br />
período em questão.
determinações sociais emergentes <strong>da</strong>quele momento histórico, ou seja, na lógica<br />
concreta do capital mercantil que se chocava com o conjunto <strong>da</strong> ordem social feu<strong>da</strong>l<br />
que, sob inúmeros aspectos, se faziam ain<strong>da</strong> presentes na socie<strong>da</strong>de européia do século<br />
XVI, tal qual é o caso <strong>da</strong> França de Montaigne.<br />
107<br />
É, então, nesse contexto que aparecem as primeiras discussões específicas em<br />
relação à educação do trabalhador. João Amós Comenius (1592 - 1670), autor de<br />
Didática Magna e um dos expoentes intelectuais que expressam os interesses do capital<br />
mercantil e manufatureiro, manifesta a necessi<strong>da</strong>de de formar homens aptos para o<br />
funcionamento dessa socie<strong>da</strong>de. É neste sentido que nesta obra aparece a seguinte<br />
prescrição:<br />
Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a<br />
todos. Isto não quer dizer, to<strong>da</strong>via, que ergamos a todos o<br />
conhecimento de to<strong>da</strong>s as ciências e de to<strong>da</strong>s as artes (sobretudo se se<br />
trata de um conhecimento reto e profundo). Com efeito, isso nem de<br />
sua natureza, é útil, nem, pela brevi<strong>da</strong>de de nossa vi<strong>da</strong>, é possível a<br />
qualquer dos homens. (...) Pretendemos apenas que se ensine a todos a<br />
conhecer os fun<strong>da</strong>mentos, as razões e os objetivos de to<strong>da</strong>s as coisas<br />
principais, <strong>da</strong>s que existem na natureza como <strong>da</strong>s que se fabricam,<br />
pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de<br />
espectadores, mas também de atores. Deve, portanto, providenciar-se<br />
e fazer-se um espaço para que ninguém, enquanto está neste mundo,<br />
surja qualquer coisa que não lhe seja de tal modo desconheci<strong>da</strong> que<br />
sobre ela não possa <strong>da</strong>r modestamente o seu juízo e dela se não possa<br />
servir prudentemente para um determinado uso, sem cair em erros<br />
nocivos ([198 - ?], p. 145 - 6).<br />
É importante lembrar que essas posições teórico-educacionais estavam<br />
articula<strong>da</strong>s imediata ou mediatamente à quebra <strong>da</strong> hegemonia católica na Europa e,<br />
portanto, ao conjunto de relações sociais que lhe eram correspondentes. Foi por isso que<br />
Comenius e sua família sentiram diretamente os efeitos <strong>da</strong> “Guerra dos 30 Anos”, sendo<br />
alvo <strong>da</strong>s mais intensas perseguições <strong>da</strong> Contra Reforma Católica.<br />
Na segun<strong>da</strong> metade do século XVII, John Locke (1632 - 1704), encarnando o<br />
espírito <strong>da</strong> burguesia inglesa em ascensão, preocupa-se em traçar um projeto educativo<br />
para o gentleman, no qual inclui a prática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. No seu Pensamentos<br />
sobre a <strong>Educação</strong>, discute que,<br />
o educar bem às crianças, é de tal maneira o dever e a missão dos pais,<br />
e o bem-estar e a prosperi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s nações depende tanto deste fato,<br />
que eu gostaria de colocar essa convicção no coração de todos; e que<br />
depois de ter examinado o que a fantasia, o costume ou a razão<br />
ensinou sobre este tema, contribuíssem auxiliando a expandir essa<br />
convicção de que o modo de educar a juventude, tendo em conta sua<br />
diversa condição, é também a maneira mais fácil, breve e adequa<strong>da</strong>
108<br />
para produzir homens virtuosos, hábeis e úteis em suas distintas<br />
vocações; e que aquela vocação ou profissão de que mais devemos<br />
cui<strong>da</strong>r é a do gentleman. Porque se os dessa posição são colocados<br />
pela educação no caminho certo, eles colocarão rapi<strong>da</strong>mente em<br />
ordem os demais (LOCKE, 1986, p. 26 - 7).<br />
Ain<strong>da</strong> sobre esta questão, para não deixar margem de dúvi<strong>da</strong>s a quem ele se<br />
refere, seus termos são inequívocos:<br />
Além disso, creio que um príncipe, um aristocrata e o filho de um<br />
burguês comum, deveriam ter diferentes formas de criação. Mas aqui<br />
somente se tem exposto alguns pontos de vista gerais, referidos ao fim<br />
principal e aos objetivos <strong>da</strong> educação, e pensados para o filho de um<br />
burguês (Ibid, p. 275).<br />
Preocupado com a saúde e com o vigor do novo homem de Estado e de<br />
negócios, que além <strong>da</strong>s preocupações imediatas na Inglaterra tinham diante de si a<br />
Europa e o mundo como locus dos seus interesses estatais e privados, propõe a inclusão<br />
de ativi<strong>da</strong>des físicas nessa educação. Argumenta, então, que:<br />
ninguém ignora que o saber na<strong>da</strong>r é uma grande vantagem, e que isto<br />
salva a vi<strong>da</strong> diariamente de muitos; e os romanos o consideravam tão<br />
necessário, que o colocavam no mesmo lugar que as letras e era frase<br />
comum, para designar a um mal educado e inútil para tudo, que não<br />
tinha aprendido nem a ler nem a na<strong>da</strong>r (Ibid, p. 42).<br />
Na ver<strong>da</strong>de, Locke também estava falando de si próprio, pois ele mesmo era um<br />
latifundiário absenteísta 90 , que após a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> monarquia absoluta na Inglaterra em<br />
1689, com a chama<strong>da</strong> “Revolução Gloriosa”, tornou-se funcionário do novo Estado<br />
inglês, exercendo ali inúmeros cargos, dentre eles, o de funcionário <strong>da</strong> Junta Comercial<br />
Inglesa em Londres, recebendo 1.500 libras anuais por seus serviços. Nele já se<br />
expressavam as contradições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa emergente, porque não teve<br />
dúvi<strong>da</strong>s em defender a perspectiva dos pobres receberem “a penny per dien” (um<br />
centavo ao dia) (BOURNE apud MÉSZÁROS, 2005).<br />
Esses exemplos indicam que a preocupação em preparar o “homem” para a<br />
emergente socie<strong>da</strong>de capitalista, <strong>da</strong>ndo-lhe oportuni<strong>da</strong>des ou “sucesso” nessa nova<br />
organização social, remonta aos seus primórdios e que, entre os conteúdos necessários a<br />
essa preparação, estão incluídos os exercícios físicos. Mas é importante assinalar que a<br />
preocupação com a educação física no pensamento dos autores liberais estava volta<strong>da</strong><br />
para a formação do burguês ou do “indivíduo egoísta”. A educação do trabalhador tinha<br />
90 Termo utilizado para designar um proprietário de terras que não vivia nelas.
pouca expressão nas concepções educacionais desse período 91 . Somente a partir do<br />
século XVIII, essa educação começa a despontar como elemento importante de<br />
reflexão, muito embora possam ser aponta<strong>da</strong>s diferenças fun<strong>da</strong>mentais quanto aos<br />
objetivos a serem alcançados, como veremos neste capítulo.<br />
109<br />
Em síntese, é necessário pontuar que: a) a preocupação em preparar o “homem”<br />
para a nascente socie<strong>da</strong>de capitalista, a acompanha desde seu início; b) os primeiros<br />
sinais de uma escola de massas, ou seja, a ampliação obrigatória para todos, se deram no<br />
sentido de respal<strong>da</strong>r as novas formas de trabalho desenvolvi<strong>da</strong>s no modo de produção<br />
capitalista no século XVIII.<br />
A reali<strong>da</strong>de social se constitui como um todo complexo, em que vários são os<br />
seus determinantes. Dentro <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des deste texto, considero pertinente resgatar<br />
que o alicerce dessa socie<strong>da</strong>de está fun<strong>da</strong>do na organização social do trabalho e seus<br />
desdobramentos, ou seja, é necessário compreender como essa socie<strong>da</strong>de se organiza<br />
para garantir a sua existência, o que inclui a sua organização política e as diferentes<br />
formas de pensar essa mesma reali<strong>da</strong>de. Marx explica que a base de sustentação dessa<br />
socie<strong>da</strong>de está calca<strong>da</strong> no terreno contraditório <strong>da</strong>s relações entre compradores e<br />
vendedores <strong>da</strong> força de trabalho. Para ele,<br />
duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de<br />
defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possuidores de dinheiro,<br />
de meios de produção e meios de subsistência, que se propõem a<br />
valorizar a soma-valor que possuem mediante compra de força de<br />
trabalho alheia; do outro, trabalhadores livres, vendedores <strong>da</strong> própria<br />
força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. (...) A relaçãocapital<br />
pressupõe a separação entre os trabalhadores e a proprie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> realização do trabalho (...) esses recém-libertados só<br />
se tornaram vendedores de si mesmo depois que todos os seus meios<br />
de produção e to<strong>da</strong>s as garantias de sua existência, ofereci<strong>da</strong>s pelas<br />
velhas instituições feu<strong>da</strong>is, lhe foram roubados. E a história dessa sua<br />
expropriação está inscrita nos anais <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de com traços de<br />
sangue e fogo (MARX, 1985, p. 262).<br />
91 Um exemplo ilustrativo é a obra de Locke, pois o precursor do Iluminismo e do Liberalismo propunha<br />
que a educação dos filhos <strong>da</strong> classe trabalhadora se resumisse à férrea disciplina laborativa e<br />
doutrinarismo religioso. No seu Memorandum on the reform of the poor law a sintetiza essa proposição<br />
<strong>da</strong> seguinte forma: “Os filhos <strong>da</strong>s pessoas trabalhadoras são um corriqueiro fardo para a paróquia, e<br />
normalmente são manti<strong>da</strong>s na ociosi<strong>da</strong>de, de forma que geralmente também se perde o que produziriam<br />
para a população até eles completarem doze ou catorze anos de i<strong>da</strong>de. Para esse problema, a solução mais<br />
eficaz que somos capazes de conceber, e que portanto humildemente propomos, é a de que, (...) seja<br />
determinado, (....) que se criem escolas profissionalizantes em to<strong>da</strong>s as paróquias, as quais os filhos de<br />
todos, na medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> paróquia, entre quatro e treze anos de i<strong>da</strong>de (...) devem ser<br />
obrigados a freqüentar. Outra vantagem de se levar as crianças a uma escola profissionalizante é que,<br />
desta forma, elas seriam obriga<strong>da</strong>s a ir à Igreja todos os domingos, juntamente com os seus professores<br />
ou professoras e teriam alguma compreensão <strong>da</strong> religião; ao passo que agora, sendo cria<strong>da</strong>s, em geral, no<br />
ócio e sem rédeas, elas são totalmente alheias tanto à religião e à morali<strong>da</strong>de como são para a diligência.”<br />
(LOCKE apud MÉSZÁROS, 2005, p. 41 - 2, grifos do autor).
110<br />
Nessa socie<strong>da</strong>de, a relação entre os homens é media<strong>da</strong> pela mercadoria e o<br />
objetivo é a valorização do capital através <strong>da</strong> exploração do trabalho excedente<br />
realizado pelo trabalhador livre. Este último não possui outra forma para garantir a sua<br />
existência a não ser vendendo sua força de trabalho, já que foi expropriado dos meios de<br />
produção. Trabalhadores e capitalistas se relacionam no mercado como produtores<br />
independentes, e ao mesmo tempo em que o trabalhador necessita vender a sua força de<br />
trabalho, o capitalista precisa para produzir mercadorias 92 , comprá-la. Além disso, a<br />
força de trabalho é a única mercadoria que, no processo de produção ao ser consumi<strong>da</strong>,<br />
produz um valor excedente – a mais-valia – que pertence ao capitalista.<br />
No interior <strong>da</strong> lógica de produção e reprodução do capital existem leis<br />
imanentes, dentre elas, a <strong>da</strong> concorrência inter-capitalista. Isto significa que para a<br />
sobrevivência do capitalista individual este precisa aumentar a força produtiva do<br />
trabalho, tornando mais baratas as suas mercadorias, e assim, se manter em uma posição<br />
de vantagem na disputa com outros capitalistas. Para que isto aconteça, é necessário<br />
diminuir o tempo social médio para a produção <strong>da</strong>s mercadorias. Nesse processo, os<br />
capitalistas em seu conjunto acabam por baixar o valor <strong>da</strong>s mercadorias que fazem parte<br />
dos meios de subsistência do trabalhador, diminuindo o valor <strong>da</strong> sua força de trabalho.<br />
Assim, reduzindo esse valor, reduz-se o trabalho necessário e aumenta-se o trabalho<br />
excedente.<br />
Por isso, é impulso imanente e tendência constante do capital<br />
aumentar a força produtiva do trabalho para baratear a mercadoria e,<br />
mediante o barateamento <strong>da</strong> mercadoria, baratear o próprio<br />
trabalhador. (...) O desenvolvimento <strong>da</strong> força produtiva do trabalho,<br />
no seio <strong>da</strong> produção capitalista, tem por finali<strong>da</strong>de encurtar a parte <strong>da</strong><br />
jorna<strong>da</strong> de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para<br />
si mesmo, justamente para prolongar a outra parte <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> de<br />
trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente ao capitalista<br />
(MARX, 1988, p. 242 - 3).<br />
Neste sentido, é imanente às relações fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s no capital que os proprietários<br />
dos meios de produção busquem promover modificações no processo de trabalho com o<br />
objetivo de aumentar a extração de mais-valia e valorizar o capital.<br />
92 Marx (1988, p. 45) define mercadoria como: “antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas<br />
suas próprias proprie<strong>da</strong>des satisfaz necessi<strong>da</strong>des humanas de qualquer espécie. A natureza dessas<br />
necessi<strong>da</strong>des, se elas se originam do estômago ou <strong>da</strong> fantasia, não altera na<strong>da</strong> na coisa. Aqui também não<br />
se trata de como a coisa satisfaz a necessi<strong>da</strong>de humana, se imediatamente, como meio de subsistência,<br />
isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção”. Ou seja, tanto faz produzir<br />
software, armas nucleares, doces, arte, força de trabalho; na sociabili<strong>da</strong>de capitalista tudo pode ser<br />
mercadoria.
111<br />
Na manufatura, 93 o trabalhador que na fase artesanal produzia uma mercadoria<br />
por inteiro e tinha total domínio sobre o seu trabalho passa a ser responsável por apenas<br />
uma parcela <strong>da</strong> produção, ou seja, realiza apenas uma tarefa na produção de<br />
mercadorias, fazendo com que um produto passe pelas mãos de muitos trabalhadores até<br />
estar concluído. O trabalhador individual perde seu valor enquanto tal, só fazendo<br />
sentido, segundo Marx, enquanto trabalhador coletivo:<br />
A maquinaria específica do período manufatureiro permanece o<br />
trabalhador coletivo, combinação de muitos trabalhadores parciais. As<br />
diferentes operações que são executa<strong>da</strong>s alterna<strong>da</strong>mente pelo produtor<br />
de uma mercadoria e que se entrelaçam no conjunto de seu processo<br />
de trabalho apresentam-lhe exigências diferentes. Numa ele tem de<br />
desenvolver mais força, em outra mais habili<strong>da</strong>de, numa terceira mais<br />
atenção mental etc., e o mesmo indivíduo não possui essas quali<strong>da</strong>des<br />
no mesmo grau. Depois <strong>da</strong> separação, autonomização e isolamento<br />
<strong>da</strong>s diferentes operações, os trabalhadores são separados, classificados<br />
e agrupados segundo suas quali<strong>da</strong>des dominantes. Se suas<br />
peculiari<strong>da</strong>des naturais formam a base sobre a qual se monta a divisão<br />
do trabalho, a manufatura desenvolve, uma vez introduzi<strong>da</strong>, força de<br />
trabalho que por natureza só são aptas para funções específicas<br />
unilaterais. (...) A unilaterali<strong>da</strong>de e mesmo imperfeição do trabalhador<br />
parcial tornam-se sua perfeição como membro do trabalhador coletivo<br />
(1998, p. 202 - 3).<br />
O trabalhador coletivo, aliado à especialização <strong>da</strong>s ferramentas, produz um<br />
aumento considerável na quanti<strong>da</strong>de de mercadorias a ser produzi<strong>da</strong>s e,<br />
concomitantemente, reduz o tempo necessário para essa produção.<br />
Entretanto, essa divisão do trabalho que o simplifica e gera riquezas simplifica e<br />
empobrece o trabalhador individual, tanto em função <strong>da</strong>s tarefas simples e repetitivas<br />
quanto pela hierarquia cria<strong>da</strong> entre os trabalhadores em função de suas habili<strong>da</strong>des;<br />
hierarquia que faz com que o salário seja diferenciado. Ademais, quanto mais simples as<br />
tarefas, menores também os gastos para aprender a sua função, chegando a serem<br />
inexistentes em alguns casos. Isto também acaba tendo influência no rebaixamento dos<br />
salários. Baixos salários significam, entre outras coisas, reduzir a um mínimo as<br />
condições de existência, ou seja, os trabalhadores adquirem apenas o mínimo necessário<br />
para continuar se reproduzindo 94 . Nos argumentos de Marx:<br />
93 Marx (1985; 1988) ao explicar a produção <strong>da</strong> mais-valia relativa, analisa as modificações necessárias<br />
no processo de trabalho para essa produção. As formas de organização do trabalho são caracteriza<strong>da</strong>s em<br />
três fases, a cooperação, a manufatura e a grande indústria. Estamos discutindo a partir <strong>da</strong> manufatura por<br />
se tratar do período em que se inicia a “desqualificação do trabalhador” e surge a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola<br />
para todos.<br />
94 Os gastos com a formação dos trabalhadores e a hierarquia em função <strong>da</strong>s tarefas, não são os únicos<br />
determinantes do seu salário. Sabemos que o valor <strong>da</strong> força de trabalho é calculado como o de qualquer
112<br />
Ao lado <strong>da</strong> graduação hierárquica surge a simples separação dos<br />
trabalhadores em qualificados e não qualificados. Para os últimos os<br />
custos de aprendizagem desaparecem por inteiro, para os primeiros<br />
esses custos se reduzem, em comparação com o artesão, devido à<br />
função simplifica<strong>da</strong>. Em ambos os casos cai o valor <strong>da</strong> força de<br />
trabalho. (...) A desvalorização relativa <strong>da</strong> força de trabalho, que<br />
decorre <strong>da</strong> eliminação ou <strong>da</strong> redução dos custos de aprendizagem,<br />
implica diretamente uma valorização maior do capital, pois tudo que<br />
reduz o tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de<br />
trabalho amplia os domínios do mais-trabalho (1988, p. 263).<br />
Além dessa questão, o trabalhador também é destituído de sua autonomia e<br />
criativi<strong>da</strong>de no processo produtivo, e praticamente não dispõe de outro espaço para<br />
fazê-lo, porque sua capaci<strong>da</strong>de de trabalho só é coloca<strong>da</strong> em movimento se vendi<strong>da</strong> ao<br />
capitalista.<br />
As consequências de todo esse quadro são desastrosas para o trabalhador. Este<br />
vive em condições precárias, é degra<strong>da</strong>do física e intelectualmente. Há uma grande<br />
concorrência entre os trabalhadores, permanecendo os mais hábeis e que tiveram uma<br />
maior preparação para as tarefas mais difíceis. Além disso, em todo esse período os<br />
trabalhadores são “indisciplinados” em virtude de suas próprias condições, forçando os<br />
capitalistas a tomarem providências. Marx comenta tal situação ao citar a formulação de<br />
um destes: “ ‘A fraqueza humana’, exclama o amigo Ure, ‘é tão grande que quanto mais<br />
hábil for o trabalhador, tanto mais ele se torna voluntarioso e mais difícil de ser tratado<br />
e, por conseguinte, causa grande <strong>da</strong>no ao mecanismo global, por meio de seus caprichos<br />
tolos’” (1988, p. 275).<br />
A<strong>da</strong>m Smith (1723 - 1790), expoente <strong>da</strong> Economia Política Clássica e defensor<br />
ardoroso <strong>da</strong> divisão do trabalho, não deixou de sublinhar suas consequências nefastas<br />
para o trabalhador. Ele compreendeu que a manufatura, ao simplificar o trabalho,<br />
simplificou também o trabalhador, e este, como resultado,<br />
torna-se geralmente tão estúpido e ignorante quanto é possível<br />
conceber-se uma criatura humana. O torpor de seu raciocínio torna-se<br />
não só incapaz de saborear ou tomar parte em qualquer conversa<br />
racional como também de conceber qualquer sentimento generoso,<br />
outra mercadoria, isto é, representa o tempo social médio necessário para reproduzi-la, portanto, o tempo<br />
para obter a soma dos valores dos meios necessários à subsistência do trabalhador e de sua família. Isto<br />
envolve todo o processo de produção. No livro A miséria <strong>da</strong> filosofia, Marx aponta essa questão, mesmo<br />
já sendo um leitor crítico <strong>da</strong> Economia Política ain<strong>da</strong> não faz a distinção fun<strong>da</strong>mental entre “trabalho” e<br />
“força de trabalho”. Em suas palavras: “Quando forem necessárias menos despesas para pôr em<br />
movimento a máquina que produz as mercadorias, as coisas indispensáveis para sustentar esta máquina<br />
que se chama trabalhador custarão igualmente menos. Se to<strong>da</strong>s as mercadoria estiverem mais baratas, o<br />
trabalho, que é também uma mercadoria baixará também de preço, e, como veremos mais tarde, este<br />
trabalho-mercadoria baixará proporcionalmente muito mais do que as outras mercadorias” ([196 - ?] p.<br />
172).
113<br />
nobre ou terno e, por conseqüência, até incapaz de formar qualquer<br />
julgamento sensato no que diz respeito a muitos dos deveres comuns<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> (SMITH, 1993, p. 417).<br />
O economista recomen<strong>da</strong> a escola para os trabalhadores como forma de<br />
compensar os problemas causados. A educação não é uma necessi<strong>da</strong>de de preparação<br />
para a execução de suas tarefas simplifica<strong>da</strong>s, isto o trabalhador aprende no trabalho,<br />
mas é um paliativo para as consequências <strong>da</strong> própria divisão do trabalho. Consequências<br />
senti<strong>da</strong>s em todos os momentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> desse trabalhador. Mészáros, ao se referir à<br />
preocupação de Smith em relação à educação dos trabalhadores, expõe que:<br />
esse arguto observador <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> Inglaterra sob o avanço<br />
triunfante do “espírito comercial” não encontra outra solução a não ser<br />
uma denúncia moralizadora dos efeitos degra<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong>s forças ocultas,<br />
culpando os próprios trabalhadores em vez do sistema que lhes impõe<br />
essa situação infeliz.(...)<br />
Considerar que A<strong>da</strong>m Smith gostaria de ter instituído algo mais<br />
elevado do que uma utilização inescrupulosa e insensível do “tempo<br />
de lazer” dos jovens não altera o fato de que até o discurso dessa<br />
grande figura do Iluminismo escocês é completamente incapaz de se<br />
dirigir às causas mas deve permanecer aprisionado no círculo vicioso<br />
dos efeitos condenados. Os limites objetivos <strong>da</strong> lógica do capital<br />
prevalecem mesmo quando nos referimos a grandes figuras que<br />
conceituam o mundo a partir do ponto de vista do capital, e mesmo<br />
quando eles tentam expressar subjetivamente, com um espírito<br />
iluminado, uma preocupação humanitária genuína (2005, p. 29-30).<br />
Com o surgimento <strong>da</strong> grande indústria, ain<strong>da</strong> no final do século XVIII –<br />
resultante do processo de tentativa de aumentar a produtivi<strong>da</strong>de para extrair uma<br />
quanti<strong>da</strong>de maior de mais-valia – as questões referentes à educação se tornam mais<br />
complexas. Ao desenvolver-se no século XIX, a grande indústria se caracteriza pela<br />
introdução <strong>da</strong> máquina no processo de trabalho, principalmente <strong>da</strong>quela que não<br />
necessita ter como força motriz o trabalhador. Uma mesma máquina é capaz de<br />
movimentar várias outras, e a divisão do trabalho dentro <strong>da</strong> fábrica é organiza<strong>da</strong> a partir<br />
<strong>da</strong> combinação de várias máquinas que realizam trabalhos parciais. Ao produzir<br />
máquinas através de máquinas, cria ain<strong>da</strong> “uma base técnica” necessária à sua<br />
sustentação e desenvolvimento. Na explicação de Marx:<br />
Como máquina, o meio de trabalho adquire um modo de existência<br />
material que pressupõe a substituição <strong>da</strong> força humana por forças<br />
naturais e <strong>da</strong> rotina empírica pela ampliação consciente <strong>da</strong>s ciências<br />
<strong>da</strong> Natureza. (...) no sistema de máquinas, a grande indústria tem um<br />
mecanismo de produção inteiramente objetivo, que o operário já<br />
encontra pronto, como condição de produção material (1985, p. 17).
114<br />
Neste sentido, há uma divisão do trabalho mais intensa fazendo, com que não<br />
sejam necessários grandes conhecimentos e habili<strong>da</strong>des do operário para a realização<br />
<strong>da</strong>s tarefas; estas se tornam tão simplifica<strong>da</strong>s que qualquer um pode executá-las, e o<br />
trabalhador passa, então, a ser apenas uma peça a mais nas engrenagens 95 .<br />
O conhecimento que antes estava no trabalhador transfere-se para a máquina, se<br />
materializa nesta, e se antes o processo de trabalho é ajustado ao trabalhador, na<br />
produção mecaniza<strong>da</strong> o trabalhador é que se ajusta à máquina, perdendo o controle<br />
sobre o seu próprio trabalho. Mais do que o controle, a máquina libera muitos<br />
trabalhadores nesse processo, ao mesmo tempo em que sobrecarrega de trabalho uma<br />
outra parte.<br />
A ciência manifesta-se portanto nas máquinas, e aparece como<br />
estranha e exterior ao operário. O trabalho vivo encontra-se<br />
subordinado ao trabalho materializado, que age como autônomo.<br />
Nessa altura, o operário é supérfluo, a menos que sua ação não seja<br />
determina<strong>da</strong> pela necessi<strong>da</strong>de do capital (...). o conjunto do processo<br />
de produção já não está, então, subordinado à habili<strong>da</strong>de do operário;<br />
tornou-se numa aplicação tecnológica <strong>da</strong> ciência (MARX, 1980, p.<br />
41).<br />
É interessante compreender que nesse processo a utilização <strong>da</strong> máquina<br />
desqualifica a grande massa de trabalhadores e substitui uma imensa parte deles, ao<br />
mesmo tempo em que exige uma maior qualificação de alguns setores para continuar o<br />
desenvolvimento dos meios de produção, pois tal desenvolvimento é essencial em uma<br />
socie<strong>da</strong>de basea<strong>da</strong> na concorrência. Esse desenvolvimento acaba liberando ain<strong>da</strong> mais<br />
trabalhadores que não podem ser absorvidos pela indústria, e aliado a outros fatores,<br />
aumenta a crise econômica e social. 96<br />
Contudo, se apenas uma pequena parcela de trabalhadores necessita de uma<br />
95 Marx (1985) nos mostra que nesse período, em função <strong>da</strong> simplificação do trabalho, há a apropriação<br />
do trabalho feminino e infantil de forma degra<strong>da</strong>nte. Crianças e jovens submetidos ao trabalho intenso se<br />
desenvolvem sem adquirirem traços mínimos de humani<strong>da</strong>de. Além disso, o alto índice de mortali<strong>da</strong>de<br />
infantil deve-se, não só às precárias condições de trabalho, mas também ao fato de que mães ao<br />
trabalharem nas fábricas não sabem e não cui<strong>da</strong>m adequa<strong>da</strong>mente de seus filhos. As mulheres operárias<br />
deixam de aprender e realizar suas tarefas domésticas. A alimentação, a confecção de roupas, entre outras,<br />
ficam prejudica<strong>da</strong>s e aquilo que antes era produzido em casa, passa a ser comprado, o que encarece mais<br />
ain<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> do trabalhador.<br />
96 Embora não seja intenção discutir as crises, considero importante resgatar que Marx as explica como<br />
periódicas e inerentes ao modo de produção capitalista. Como, por exemplo, na passagem que se segue,<br />
ao discutir o desenvolvimento <strong>da</strong> grande indústria: “A enorme capaci<strong>da</strong>de de expansão aos saltos do<br />
sistema fabril e sua dependência do mercado mundial produzem necessariamente produção febril e<br />
conseqüente saturação dos mercados, cuja contração provoca estagnação. A vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> indústria se<br />
transforma numa seqüência de períodos de vitali<strong>da</strong>de média, prosperi<strong>da</strong>de, superprodução, crise e<br />
estagnação. A insegurança e a instabili<strong>da</strong>de a que a produção mecaniza<strong>da</strong> submete a ocupação e, com<br />
isso, a situação de vi<strong>da</strong> dos trabalhadores tornam-se normais com essas oscilações periódicas do ciclo<br />
industrial” (1985, p. 64).
maior qualificação, por que nessa nova socie<strong>da</strong>de se torna necessária a extensão <strong>da</strong><br />
educação a todos?<br />
115<br />
Vimos que desde o século XVIII se desenvolve com a divisão social do trabalho<br />
a preocupação com a formação <strong>da</strong> classe trabalhadora em duas perspectivas: uma no<br />
sentido de compensar os problemas do trabalho simplificado, e a outra com o propósito<br />
de formar força de trabalho altamente qualifica<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de ao<br />
aperfeiçoamento tecnológico 97 . A escola para todos trata muito mais <strong>da</strong> primeira<br />
proposição do que <strong>da</strong> segun<strong>da</strong>. É fun<strong>da</strong>mental à sobrevivência do capital a crescente<br />
base técnico-científica, mas esta não é necessária à ocupação de todos os trabalhadores.<br />
Por conseguinte, a extensão <strong>da</strong> escola para todos significa muito mais <strong>da</strong>r instrução<br />
básica e educação moral àqueles cuja função dentro <strong>da</strong> fábrica exige qualificações<br />
mínimas, além de <strong>da</strong>r essa mesma formação a todos os assalariados em potencial.<br />
Para manter a ordem na produção dentro <strong>da</strong> fábrica, o capitalista necessita<br />
inculcar a ordem e a disciplina nos trabalhadores que teimam em não se sujeitar ao<br />
trabalho degra<strong>da</strong>nte. Uma <strong>da</strong>s respostas parece estar na compreensão do papel <strong>da</strong><br />
maioria <strong>da</strong> população na construção ou, como gostariam os burgueses, na manutenção<br />
dessa organização social e na compreensão de que a classe oponente à burguesia não é<br />
mais a dos senhores feu<strong>da</strong>is, mas o proletariado.<br />
A organização escolar, ou a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola aparece junto com a<br />
necessi<strong>da</strong>de burguesa de reprodução do capitalismo, no sentido de continuar<br />
aprimorando os recursos tecnológicos para a produção, mas também na condição de<br />
classe contra-revolucionária, impregnar no trabalhador a lógica do trabalho capitalista,<br />
embora a própria lógica produtiva imponha aos trabalhadores a sua submissão ao<br />
capital. Marx mostra que:<br />
Da especiali<strong>da</strong>de por to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em manejar uma ferramenta parcial<br />
surge, agora, a especiali<strong>da</strong>de por to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em servir a uma máquina<br />
parcial. Abusa-se <strong>da</strong> maquinaria para transformar o próprio<br />
trabalhador, desde a infância, em parte de uma máquina parcial. Não<br />
só diminuem assim os custos necessários para sua própria reprodução<br />
de modo significativo, mas, ao mesmo tempo, completa-se sua<br />
irremediável dependência <strong>da</strong> fábrica como um todo e, portanto, do<br />
capitalista (1985, p. 43).<br />
Nesse período, marcado por crises provoca<strong>da</strong>s pela própria estrutura do<br />
capitalismo, há um aumento do número de desempregados, os salários tornam-se ca<strong>da</strong><br />
97 Não discutirei neste capítulo, em função dos seus limites, embora considere de suma importância, a<br />
criação dos centros de formação tecnológica para o trabalhador.
vez mais baixos e as precárias condições de vi<strong>da</strong> a que foi submeti<strong>da</strong> a população<br />
trabalhadora pioram, deixando explícitas as contradições desse modo de produção.<br />
Dentre essas contradições, a produção sem limites de riquezas se dá concomitantemente<br />
ao aumento sem precedentes <strong>da</strong> miséria, além <strong>da</strong> apropriação particular de uma<br />
produção coletivamente realiza<strong>da</strong> com o processo de divisão do trabalho 98 .<br />
116<br />
Ao serem explicita<strong>da</strong>s as contradições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista se tornam<br />
também explícitas as novas classes em luta, isto é, os representantes <strong>da</strong> burguesia, agora<br />
contra-revolucionária, empenhados em continuar reproduzindo as relações capitalistas e<br />
os representantes do proletariado, empenhados em transformar essas relações. Essa<br />
necessi<strong>da</strong>de de transformação não é apenas vontade, ideias que partem <strong>da</strong> cabeça de<br />
insatisfeitos, mas é a necessi<strong>da</strong>de concreta de transformar um modo de produção que<br />
não garante ao conjunto dos homens as condições básicas de sobrevivência, mesmo<br />
produzindo um grande excedente em escala ca<strong>da</strong> vez mais amplia<strong>da</strong>.<br />
A classe operária, que crescia ca<strong>da</strong> vez mais em número e organização política<br />
na Europa, luta contra a opressão social que lhe era imposta, ora dentro <strong>da</strong>s marcas <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de capitalista, ao exigir direitos que lhe garantiam participação política (como no<br />
caso do movimento cartista na Inglaterra, 1839-1848) e melhores condições de trabalho<br />
(luta pela redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> de trabalho) 99 , ora no campo <strong>da</strong> revolução anticapitalistta<br />
aberta, como foi o caso dos movimentos de Julho de 1848 e a Comuna de Paris em<br />
1871. Portanto, o medo <strong>da</strong>s insurreições proletárias que surge aos olhos <strong>da</strong> burguesia de<br />
maneira bastante insipiente ain<strong>da</strong> durante a Revolução Francesa 100 ganha contornos<br />
nítidos após 1848 quando, nas palavras de Marx:<br />
Isto não era mera figura de retórica, questão de mo<strong>da</strong> ou tática<br />
partidária. A burguesia tinha uma noção exata do fato de que to<strong>da</strong>s as<br />
armas contra o feu<strong>da</strong>lismo voltavam seu gume contra ela, que todos os<br />
meios de cultura que criara rebelavam-se contra sua própria<br />
civilização, que todos os deuses que inventara a tinham abandonado.<br />
Compreendia que to<strong>da</strong>s as chama<strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des burguesas e órgãos<br />
de progresso atacavam e ameaçavam seu domínio de classe, e se<br />
tinham, portanto, convertido em “socialista”. ([198-?], p. 237, grifos<br />
do autor).<br />
Essa contradição ontológica <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de do capital manifestava-se<br />
98 Marx (1988) faz a diferenciação entre a divisão do trabalho dentro <strong>da</strong> fábrica e a divisão do trabalho na<br />
socie<strong>da</strong>de. Na primeira, muitos trabalhadores são necessários para a objetivação de uma mercadoria, ou<br />
seja, esta é produto não do trabalhador individual, mas do coletivo; na segun<strong>da</strong>, a divisão social do<br />
trabalho se dá em uma relação entre proprietários de mercadorias diferentes que se confrontam no<br />
mercado.<br />
99 Ver em Marx (1985).<br />
100 Ver em Engels (1986).
politicamente de uma maneira que não poderia ser elimina<strong>da</strong> nos seus próprios limites.<br />
Pode-se, tal como ocorria à época de Marx, tentar camuflá-la, mas não é possível<br />
superá-la com palavras bem coloca<strong>da</strong>s e/ou com a truculência mais brutal.<br />
117<br />
Esse mesmo modo de produção, que produz necessi<strong>da</strong>des antagônicas, produz<br />
também soluções antagônicas. Uma, na perspectiva de conservação dessa socie<strong>da</strong>de;<br />
outra, na perspectiva de sua transformação 101 .<br />
Surge ca<strong>da</strong> vez mais forte na burguesia a necessi<strong>da</strong>de de controlar sua classe<br />
oponente, educar esse novo ci<strong>da</strong>dão que nesse período conquistava espaço nas decisões<br />
políticas e já tinha mostrado sinais de sua força. Além disso, educar essa nova classe<br />
significava livrar a burguesia <strong>da</strong>s graves doenças trazi<strong>da</strong>s pelos “péssimos hábitos<br />
morais e higiênicos” dos trabalhadores. Ou seja, na relação social fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na<br />
produção/reprodução do capital se impõe ao trabalhador condições degra<strong>da</strong>ntes de<br />
sobrevivência e, ao mesmo tempo, imputam-lhe a responsabili<strong>da</strong>de individual por isto.<br />
O Estado Moderno, expressão política e jurídica <strong>da</strong> ordem social do capital,<br />
começa a ser pressionado para assumir a responsabili<strong>da</strong>de dessa educação. A<br />
preocupação é “apaziguar” as contradições <strong>da</strong> nova forma de ser do homem e lutar<br />
contra a ameaça dos movimentos proletários de cunho revolucionários 102 . Como vemos<br />
no caso <strong>da</strong> Inglaterra, citado por Marx:<br />
A devastação intelectual, artificialmente produzi<strong>da</strong> pela<br />
transformação de pessoas imaturas em meras máquinas de produção<br />
de mais-valia – que deve ser bem distingui<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela ignorância<br />
natural que deixa o espírito ocioso sem estragar sua capaci<strong>da</strong>de de<br />
desenvolvimento, sua fecundi<strong>da</strong>de natural –, obrigou, finalmente, até<br />
o Parlamento inglês a fazer do ensino primário a condição legal para o<br />
uso “produtivo” de crianças com menos de 14 anos em to<strong>da</strong>s as<br />
indústrias sujeitas às leis fabris 103 (1985, p. 26).<br />
As primeiras preocupações com a educação popular, e que originaram escolas<br />
precárias – cubículos onde são ‘ deposita<strong>da</strong>s’ crianças de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des, por um<br />
101 Considero importante destacar, mesmo não discutindo esse aspecto <strong>da</strong> questão, que o surgimento <strong>da</strong><br />
escola pública vem atender às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa e <strong>da</strong> conformação desta em relação às<br />
reivindicações <strong>da</strong> classe trabalhadora no que diz respeito à educação. Apenas a título de exemplo, cito<br />
algumas pontuações sobre a comuna de Paris: “A comuna, em matéria de ensino, não teve tempo de <strong>da</strong>r a<br />
sua medi<strong>da</strong>. A Circular Vaillant indica, contudo, que ela pretendia realizar uma reforma socialista <strong>da</strong><br />
escola. A instrução integral, tendendo a fazer homens completos, a desenvolver harmonicamente to<strong>da</strong>s as<br />
facul<strong>da</strong>des, a ligar a cultura intelectual à cultura física e ao ensino técnico, era uma <strong>da</strong>s reivindicações <strong>da</strong><br />
Associação Internacional dos Trabalhadores” (COGGIOLA, 2002, p. 54).<br />
102 Essa preocupação em educar as classes trabalhadoras para que estas se conformassem à ordem social<br />
burguesa pode ser encontra<strong>da</strong> em alguns dos seus expoentes intelectuais <strong>da</strong>quele momento histórico,<br />
como por exemplo: Comte (1996), Tocquevile [198 - ?], Guizot (1872).<br />
103 As referi<strong>da</strong>s Leis Fabris <strong>da</strong>tam de 1844.
período irrisório e onde são encontrados professores analfabetos –, se constituem em<br />
muitos países nas discussões em torno <strong>da</strong> organização dos Sistemas Nacionais de<br />
Ensino. Estes, conforme Leonel, não surgem como algo natural, mas como forma <strong>da</strong><br />
obrigatorie<strong>da</strong>de imposta pelo medo <strong>da</strong> insurreição:<br />
118<br />
Tratava-se, na ver<strong>da</strong>de, de defender os interesses burgueses frente à<br />
grande crise do capital, na esteira <strong>da</strong> qual seguiram as lutas<br />
concorrenciais por novos mercados, dificultados pelo enfraquecimento<br />
<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de nacional que o movimento operário provocava. Ora, se os<br />
interesses burgueses têm que passar pelo sufrágio universal e a<br />
socie<strong>da</strong>de se encontra dividi<strong>da</strong> em classes antagônicas, a escola<br />
pública não pode mais ser adia<strong>da</strong>. É preciso educar o novo soberano,<br />
transformando o sujeito submetido aos antigos poderes, em ci<strong>da</strong>dão<br />
defensor <strong>da</strong> pátria ama<strong>da</strong>; substituir seus “deveres para com Deus”<br />
pelos seus “deveres para com o Estado” (1994, p. 184 - 5).<br />
Tendo a educação como mediação, se constrói um forte sentido nacionalista e<br />
patriótico, uma forte preocupação com a questão moral. Era preciso moralizar os<br />
homens no sentido de conformá-los à ordem social hegemônica. O que não se conseguia<br />
com a instrução, e o dia-a-dia não fornecia; como postula Compayré, “a prática <strong>da</strong><br />
virtude, o cumprimento do dever em to<strong>da</strong>s as suas formas, eis as metas supremas <strong>da</strong><br />
educação humana. A instrução não vale a não ser que ten<strong>da</strong> e conduza a fins morais”<br />
(COMPAYRÉ apud LEONEL, 1994, p. 20).<br />
Os discursos sobre o corpo mostrando a importância dos exercícios físicos na<br />
educação não possuem tonali<strong>da</strong>des diferentes do exposto até então.<br />
4.2 – O ressurgimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no século XIX<br />
A preocupação com o “corpo”, como já afirmamos, está presente desde o início<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, quando, nas discussões de vários pensadores, estes apresentam<br />
a necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r hábitos e valores para a construção de um novo homem livre e<br />
independente que respon<strong>da</strong> à nova forma de produção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em detrimento <strong>da</strong>s<br />
relações feu<strong>da</strong>is. A nova forma de organização forja nos indivíduos a sua<br />
independência, torna-os diretamente independentes uns dos outros. Ca<strong>da</strong> um tem em si<br />
uma proprie<strong>da</strong>de que não é mais a terra, mas o seu corpo, sua força de trabalho e deve<br />
cui<strong>da</strong>r dela. Passa a ser necessário que ca<strong>da</strong> um, se preciso, possa dispor de meios para<br />
garantir sua vi<strong>da</strong>, uns vendendo sua força de trabalho, outros comprando-a. Desta<br />
maneira, a preocupação com um corpo forte, saudável, disciplinado se torna presente
nos discursos educacionais. No século XIX, antes <strong>da</strong> formação dos Sistemas Nacionais<br />
de Ensino, quando foi incorpora<strong>da</strong> a <strong>Educação</strong> Física, a educação do corpo se vê<br />
difundi<strong>da</strong> como essencial para livrar a nova socie<strong>da</strong>de de muitos dos seus males como,<br />
por exemplo, problemas de saúde pública. Isso fez com que fosse atribuí<strong>da</strong> aos médicos<br />
higienistas a função de <strong>da</strong>r à população essa educação. Assim, como constata Soares,<br />
esses médicos,<br />
119<br />
Irão impor-se no sentido de alterar hábitos, costumes, crenças e<br />
valores. Têm a pretensão de realizar uma assepsia neste meio físico –<br />
fonte de to<strong>da</strong>s as misérias – na mesma medi<strong>da</strong> em que pretendem<br />
impor-se à família, ditando-lhe uma educação física, moral intelectual<br />
e sexual. O discurso higienista na Europa do século XIX veiculava a<br />
idéia de que as classes populares viviam mal por possuírem um<br />
espírito vicioso, uma vi<strong>da</strong> imoral, libera<strong>da</strong> de regras e que, portanto,<br />
era premente a necessi<strong>da</strong>de de garantir-lhes não somente a saúde, mas<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente a educação higiênica e os bons hábitos morais<br />
(2001, p. 25).<br />
A sistematização de muitos métodos de ginástica em diversos países também<br />
antecede à <strong>Educação</strong> Física escolar. Esses, embora elaborados com características<br />
regionais, expressam também um movimento maior de expansão capitalista,<br />
contribuindo para a inculcação de medi<strong>da</strong>s higiênicas, reforçando responsabili<strong>da</strong>des<br />
individuais, formando indivíduos doutrinados para o trabalho e fortalecendo os<br />
movimentos para a edificação ou o fortalecimento dos Estados Nacionais.<br />
Como discuti anteriormente, no século XIX havia o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
maquinaria que, em regra, tornava desnecessária muita habili<strong>da</strong>de do trabalhador,<br />
chegando-se ao ponto de se contratar para o trabalho um grande número de crianças.<br />
Além disso, uma <strong>da</strong>s principais características do capitalismo está na divisão do<br />
trabalho dentro <strong>da</strong> fábrica, na qual alguns realizam o trabalho intelectual e muitos<br />
apenas executam tarefas repetitivas. A simplificação do trabalho transforma o<br />
trabalhador em apenas uma peça a mais na engrenagem. Por que então a defesa <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física como uma <strong>da</strong>s disciplinas do currículo escolar?<br />
Não é, então, no desenvolvimento <strong>da</strong> habili<strong>da</strong>de do trabalhador que está a<br />
participação dessa disciplina nesse período. Soares nos indica com precisão essa<br />
questão:<br />
a <strong>Educação</strong> Física, seja aquela que se estrutura no interior <strong>da</strong><br />
instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, será a<br />
expressão de uma visão biologiza<strong>da</strong> e naturaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e dos<br />
indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia <strong>da</strong> hierarquia, <strong>da</strong><br />
ordem, <strong>da</strong> disciplina, <strong>da</strong> fixidez, do esforço individual, <strong>da</strong> saúde como<br />
responsabili<strong>da</strong>de individual. Na socie<strong>da</strong>de do capital, constituir-se-á
120<br />
em valioso instrumento de disciplinarização <strong>da</strong> vontade, de adequação<br />
e reorganização de gestos e atitudes necessários à manutenção <strong>da</strong><br />
ordem. Está organicamente liga<strong>da</strong> ao social biologizado ca<strong>da</strong> vez mais<br />
pesquisado e sistematizado ao longo do século XIX, pesquisas e<br />
sistematizações estas que vêm responder, paulatinamente, a um maior<br />
número de problemas que se coloca à classe no poder (2001, p. 14).<br />
As péssimas condições em que vivia a classe trabalhadora, condições estas<br />
resultantes <strong>da</strong> lógica do capital, como a falta de higiene e doenças 104 , prejudicavam e<br />
atingiam também a burguesia, que necessitava controlar esses problemas. Os exercícios<br />
físicos funcionavam como higienizadores, nos quais eram trabalhados os cui<strong>da</strong>dos com<br />
o corpo. A saúde – física, moral e social – era vista como responsabili<strong>da</strong>de do<br />
indivíduo.<br />
To<strong>da</strong> a fun<strong>da</strong>mentação dos exercícios físicos tinha como pressuposto teórico a<br />
biologia e a medicina, num período em que era altamente valorizado o homem em seu<br />
aspecto biológico. Não é sem razão que isto acontece neste período, já que a concepção<br />
de ciência e a ideologia dominante definiam o homem como sendo um ser biológico, tal<br />
como afirma Soares:<br />
As leis biológicas ao longo de todo o século XIX subordinam as leis<br />
sócio-históricas. A “ideologia <strong>da</strong>s aptidões naturais” permeia os<br />
estudos científicos e as práticas sociais deles decorrentes. As leis<br />
biológicas aprisionam o homem ao seu organismo, percebem as suas<br />
necessi<strong>da</strong>des apenas como necessi<strong>da</strong>des orgânicas e biológicas,<br />
“esquecendo-se” que, embora algumas necessi<strong>da</strong>des sejam desta<br />
ordem, elas são satisfeitas socialmente (2001, p. 16).<br />
Os exercícios físicos possuem um respaldo duplamente científico à medi<strong>da</strong> que,<br />
além do respaldo biológico, contribuíam para uma assepsia social. Duplici<strong>da</strong>de em<br />
104 Marx (1985), a partir do relatório <strong>da</strong>s comissões de inquérito periódicas sobre as condições de higiene,<br />
trabalho <strong>da</strong>s crianças, educação, segurança, entre outras, nos dá vários exemplos <strong>da</strong>s condições de<br />
trabalho e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos trabalhadores. Dentre eles: “O excesso de trabalho, para maiores e menores de<br />
i<strong>da</strong>de, assegurou a diversas gráficas de jornais e livros o honroso nome de “matadouro”. [...] Um dos<br />
trabalhos mais infames, sujos e mal pagos, para o qual são emprega<strong>da</strong>s de preferência mocinhas e<br />
mulheres, é o de classificar trapos.[...] As classificadoras de trapos tornam-se transmissoras de varíola e<br />
de outras doenças contagiosas, cujas primeiras vítimas são elas mesmas” (p. 72). E na sequência, uma<br />
outra citação tendo por base o referido relatório: “É impossível a uma criança passar pelo purgatório de<br />
uma olaria sem grande degra<strong>da</strong>ção moral. (...) A linguagem baixa que tem de ouvir desde a mais tenra<br />
i<strong>da</strong>de, os hábitos obscenos, indecentes e desavergonhados, entre os quais as crianças crescem<br />
inconscientes e meio selvagens, tornam-nas, para o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, sem-lei, vis e dissolutas. [...] Os corpos<br />
estão tão exaustos pela grande transpiração que de nenhum modo são observa<strong>da</strong>s as regras de higiene, de<br />
limpeza ou de decência. [...] O maior mal desse sistema, que emprega mocinhas para esta espécie de<br />
trabalho, reside em que, em regra, ele as amarra, desde a infância, por todo o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,à corja mais<br />
abjeta. Elas se tornam rudes rapagões desbocados (rough, foul-mouthed boys) antes mesmo de a Natureza<br />
tê-las ensinado que são mulheres. Vesti<strong>da</strong>s com poucos trapos imundos, pernas desnu<strong>da</strong>s até bem acima<br />
dos joelhos, cabelos e rostos manchados com sujeira, aprendem a tratar com desprezo todos os<br />
sentimentos de decência e pudor. Durante o intervalo <strong>da</strong>s refeições, deitam-se estica<strong>da</strong>s pelos campos ou<br />
espiam os rapazes que tomam banho num canal próximo. Concluído, afinal, seu pesado labor cotidiano,<br />
vestem roupas melhores e acompanham os homens às tabernas” (p. 73).
virtude do rumo que tomava a ciência, negando qualquer outra explicação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
que não fosse a conferi<strong>da</strong> pelas ciências naturais que discutiam inclusive a própria<br />
socie<strong>da</strong>de a partir de seus prismas.<br />
121<br />
A educação do físico aju<strong>da</strong>va no combate às doenças e agia muito mais como<br />
disciplinadora <strong>da</strong> vontade. Os métodos de ginástica, que embora tivessem em ca<strong>da</strong> país<br />
características específicas, de uma forma geral não estavam direcionados somente à<br />
saúde física. Esses educariam moralmente os homens para lhes <strong>da</strong>r um forte sentido<br />
patriótico, <strong>da</strong> mesma forma que a escola. Deveriam, como enuncia Soares em sua<br />
síntese,<br />
regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e<br />
de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vi<strong>da</strong>);<br />
desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia e, finalmente,<br />
desenvolver a moral (que na<strong>da</strong> mais é do que uma intervenção nas<br />
tradições e nos costumes dos povos) (2001, p. 52).<br />
Em alguns países, como a Alemanha e a Suécia, eram realiza<strong>da</strong>s festas de<br />
ginástica procurando envolver a população em um forte espírito nacionalista para<br />
formar o ci<strong>da</strong>dão e o sol<strong>da</strong>do. Na França, o método de ginástica foi desenvolvido por<br />
militares, o que não o distancia <strong>da</strong> escola, pois como destaca Leonel (1994, p. 206 - 7),<br />
Em 1882, é vota<strong>da</strong> uma lei introduzindo o ensino militar na escola. A<br />
uni<strong>da</strong>de desse ensino moral, cívico e militar deverá desenvolver na<br />
criança o dever e honra, de amor à Pátria e o ver<strong>da</strong>deiro patriota é<br />
aquele que traz no seu coração o culto <strong>da</strong> Pátria; que está decidido a<br />
sacrificar tudo por ela, mesmo sua vi<strong>da</strong>. A formação desse ci<strong>da</strong>dão é a<br />
finali<strong>da</strong>de última <strong>da</strong> escola e to<strong>da</strong>s as disciplinas deverão concorrer<br />
para esta educação.<br />
A ideia é que to<strong>da</strong>s as disciplinas que compunham o currículo escolar tivessem a<br />
mesma finali<strong>da</strong>de: a formação do ci<strong>da</strong>dão. Nesse caso, a <strong>Educação</strong> Física, cuja<br />
especifici<strong>da</strong>de estava liga<strong>da</strong> às questões de saúde e higiene, na totali<strong>da</strong>de do universo<br />
escolar tinha as mesmas funções que as demais disciplinas.<br />
Postas essas questões, uma outra aparece: havia outra possibili<strong>da</strong>de para o<br />
entendimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física? Marx e Engels, embora não escrevessem<br />
especificamente sobre educação, fazem menção à questão educacional em vários<br />
momentos e, por ora, consideramos importante realçar que esses críticos <strong>da</strong> ordem<br />
burguesa propõem uma educação para o trabalhador do seu tempo, ou seja, para a classe<br />
trabalhadora composta de homens que precisam ser preparados para o trabalho e que<br />
precisam desenvolver to<strong>da</strong>s as suas possibili<strong>da</strong>des tendo como meta a construção <strong>da</strong>
socie<strong>da</strong>de socialista.<br />
122<br />
Dessa educação faz parte, junto com a educação intelectual e a formação<br />
tecnológica, a ginástica, conteúdo <strong>da</strong> educação física nesse período. Esta é sempre<br />
menciona<strong>da</strong> como sendo a mesma dos métodos de ginástica utilizados em vários países<br />
e a ginástica militar. Tomemos como exemplo a seguinte citação de Marx e Engels:<br />
Por educação entendemos três coisas:<br />
1-<strong>Educação</strong> intelectual.<br />
2-<strong>Educação</strong> corporal, tal como a que se consegue com os exercícios de<br />
ginástica e militares.<br />
3-<strong>Educação</strong> tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter<br />
científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia<br />
as crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares<br />
dos diversos ramos industriais (1992, p. 60).<br />
Em síntese, provisoriamente, pontuo que a preocupação com a educação física<br />
está presente desde o início <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, quando nas discussões de vários<br />
pensadores clássicos estes apontam a necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r hábitos e valores para a<br />
construção de um novo homem livre e independente que respondesse à nova forma de<br />
produção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em detrimento <strong>da</strong>s relações feu<strong>da</strong>is. A <strong>Educação</strong> Física se torna<br />
historicamente necessária, como conhecimento sistematizado na escola, ao aparecerem<br />
os problemas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
Sob essas condições, a preocupação com um “corpo” forte, saudável,<br />
disciplinado se torna presente nos discursos educacionais. A “educação do corpo” se vê<br />
difundi<strong>da</strong> como essencial para livrar a nova socie<strong>da</strong>de de muitos dos seus males como,<br />
por exemplo, problemas de saúde pública, sendo atribuí<strong>da</strong> aos médicos higienistas a<br />
função de propiciar à população esta educação.<br />
A <strong>Educação</strong> Física, em seu início, além de valoriza<strong>da</strong> por suas bases científicas e<br />
de ter suma importância enquanto higienizadora em um momento em que a socie<strong>da</strong>de<br />
era produtora de enfermi<strong>da</strong>des, contribuía então para a formação do caráter,<br />
disciplinando a vontade, pois era necessário apaziguar os ânimos, formando o ci<strong>da</strong>dão<br />
ca<strong>da</strong> vez mais responsável por si e pela manutenção <strong>da</strong> ordem social. Isto contribuiu<br />
também com os movimentos de formação dos Estados Nacionais, capitaneados pela<br />
burguesia.
4.3 – A especifici<strong>da</strong>de brasileira: a formação de um homem biologizado, moral e<br />
competitivo<br />
123<br />
O Brasil do final do século XIX, mesmo não sendo naquele momento um país<br />
industrializado e não possuir internamente movimentos de cunho revolucionário<br />
socialista como na Europa, também sofreu as consequências do processo de expansão<br />
capitalista. De acordo com Ribeiro (1993), existia grande disponibili<strong>da</strong>de de capitais,<br />
tanto externos como internos, que promoveram significativas alterações na socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira 105 .<br />
Dentre as transformações, aparecem as preocupações e depois a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />
passagem do trabalho escravo em trabalho assalariado. A discussão sobre essa transição<br />
ocupará durante muito tempo a “elite” brasileira, e será importante aspecto a influenciar<br />
as discussões em relação à organização <strong>da</strong> escola (SCHELBAUER, 1997).<br />
Dentre esses aspectos aparecem a formação <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de e a preparação <strong>da</strong><br />
força de trabalho. Segundo Schelbauer (1997, p. 44):<br />
A preocupação com a criação de escolas para treinamento de mão-deobra<br />
surge vincula<strong>da</strong> aos debates sobre a transição para o trabalho<br />
livre, uma vez que ao se libertar o escravo, seu encaminhamento ao<br />
trabalho não mais poderia ser feito pelo chicote, mas, agora, pela<br />
persuasão 106 . Logo, a disciplina e o amor ao trabalho passam a<br />
embasar os discursos que, na época, se ocupavam <strong>da</strong> questão <strong>da</strong><br />
transição e, conseqüentemente, <strong>da</strong> educação.<br />
Na Europa, os trabalhadores que haviam sido expropriados dos seus meios de<br />
subsistência tinham como alternativa vender sua força de trabalho ou “tentar a sorte”<br />
como imigrantes nos novos continentes. Os proprietários de terras brasileiros<br />
necessitavam comprar força de trabalho e buscavam contratar europeus. No Brasil, em<br />
função <strong>da</strong> grande abundância natural, o povo não se sentia obrigado a sujeitar-se a esse<br />
105 Além disso, “em 1852, tinha início o movimento regular de constituição <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas; na<br />
mesma <strong>da</strong>ta fun<strong>da</strong>-se o segundo Banco do Brasil (...); em 1852, inaugura-se a primeira linha telegráfica<br />
na ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro. Em 1853 fun<strong>da</strong>-se o Banco Rural e Hipotecário (...). Em 1854 abre-se ao<br />
tráfego a primeira linha de estra<strong>da</strong>s de ferro do país (...). A segun<strong>da</strong>, que irá <strong>da</strong> Corte à capital <strong>da</strong><br />
província de São Paulo, começa a construir-se em 1855” (HOLANDA apud RIBEIRO, 1993, p.64).<br />
106 É impresindível esclarecer que as contribuições de Schelbauer são extremamente importantes para a<br />
compreenção <strong>da</strong>s discussões sobre a educação para a formação <strong>da</strong> força de trabalho no Brasil do final do<br />
século XIX, mas não posso deixar de expor que a autora está equivoca<strong>da</strong> ao afirmar que o trabalhador<br />
livre deve ser persuadido para o trabalho. Apresentei no início deste capítulo que a socie<strong>da</strong>de capitalista<br />
possui em sua base de sustentação, a relação entre compradores e vendedores <strong>da</strong> força de trabalho, ou<br />
seja, retomando Marx: “A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a proprie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> realização do trabalho” (1985, p. 262). Assim, o trabalhador desprovido dos meios<br />
fun<strong>da</strong>mentais de produção não possui outra alternativa a não ser vender a sua força de trabalho,<br />
portanto, o trabalhador não é persuadido.
trabalho 107 . Isto gerava no país um tom diferente ao debate sobre a questão <strong>da</strong> educação<br />
enquanto formadora <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de, como afirma Leonel (1994, p.197):<br />
124<br />
Essa mesma preocupação com a educação popular com o objetivo de<br />
criar a uni<strong>da</strong>de nacional, tem seu desdobramento desse lado do<br />
mundo. Nas discussões que se faz, no Brasil, sobre a criação de um<br />
sistema nacional de ensino, aparece o outro lado <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>. À revelia<br />
<strong>da</strong> Constituição, que dá autonomia ao Estado quanto à educação, se<br />
propõe passar às mãos <strong>da</strong> União a direção e controle de um sistema de<br />
ensino capaz de criar uma tal uni<strong>da</strong>de, tendo em vista, de um lado, a<br />
imigração dos deser<strong>da</strong>dos europeus, principalmente, os alemães, os<br />
italianos e depois, os japoneses que para aqui vieram com o espírito<br />
altamente desenvolvido pelo nacionalismo de seu país de origem, de<br />
outro, as disputas imperialistas por novos mercados.<br />
Nesse período, então, será amplamente defendi<strong>da</strong> a formação do ideário do povo<br />
brasileiro, do amor à Pátria e do amor ao trabalho. A orientação militar na <strong>Educação</strong><br />
Física serve bem a esses propósitos.<br />
Vários foram aqueles que se dedicaram às questões <strong>da</strong> educação no final do<br />
século XIX e início do século XX e deram suas contribuições à <strong>Educação</strong> Física, como,<br />
por exemplo: Rui Barbosa, José Veríssimo e Fernando de Azevedo 108 .<br />
Reforço que, embora ca<strong>da</strong> país tenha sua especifici<strong>da</strong>de, permanece na sua<br />
estrutura a mesma trama social inexorável ao capitalismo. Nessa lógica também está o<br />
Brasil, que apresentará características comuns às novas repúblicas que antes eram<br />
colônias. Assim:<br />
Ao mesmo tempo que tornam o trabalhador livre com a abolição <strong>da</strong><br />
escravatura, e tem necessi<strong>da</strong>de de submetê-lo ao capital pela<br />
persuasão, e não mais pelo chicote, recebem numerosos contingentes<br />
de trabalhadores deser<strong>da</strong>dos de diferentes nacionali<strong>da</strong>des e por isso<br />
mesmo, tem necessi<strong>da</strong>de de dissolver to<strong>da</strong>s essas nacionali<strong>da</strong>des na<br />
uni<strong>da</strong>de nacional. A educação vai representar a solução para todos<br />
esses problemas (LEONEL, 1994, p. 196 - 7).<br />
No Brasil, a educação e a <strong>Educação</strong> Física também são idealiza<strong>da</strong>s como solução<br />
dos problemas de higiene causados pela falta de estrutura <strong>da</strong>s crescentes ci<strong>da</strong>des<br />
107 Schelbauer, em sua dissertação de mestrado intitula<strong>da</strong> Idéias que não se realizam: O debate sobre a<br />
<strong>Educação</strong> do Povo no Brasil de 1870 a 1914, ao mostrar a discussão em torno <strong>da</strong> substituição do escravo<br />
como força de trabalho, explica o seguinte: “Joaquim Alvares dos Santos e Silva foi um dos oradores que<br />
durante as discussões do Congresso do Rio de Janeiro se mostrou contrário a utilização <strong>da</strong> população<br />
nacional qualificando-a como inapta aos serviços <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s por sua “natural indolência”, que impedia<br />
um trabalho contínuo e regular: ‘O nosso povo é de um natural indolente e não se presta geralmente ao<br />
serviço <strong>da</strong> agricultura. Os operários nacionais entendem que com esse serviço se degra<strong>da</strong>m e não o<br />
querem prestar, preferindo comer lá no seu canto um pe<strong>da</strong>ço de rapadura e beber uma xícara de café, a<br />
adquirir por meio do trabalho agrícola nas fazen<strong>da</strong>s os meios de alimentarem-se melhor em suas<br />
choupanas’” (1997, p.39-40).<br />
108 Sobre essas questões, tomo como referência Ferreira Netto (1999).
asileiras no limiar <strong>da</strong> sua industrialização e em função dos péssimos hábitos <strong>da</strong>s<br />
populações <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s. Esses problemas são tidos como responsabili<strong>da</strong>de do<br />
indivíduo e este, portanto, deve ser educado para assumi-los.<br />
125<br />
As reformas educacionais brasileiras <strong>da</strong> primeira metade do século XX<br />
expressaram as débeis tentativas 109 de corroborar com o processo de modernização do<br />
país que, saído <strong>da</strong>s bases escravocratas do final do século XIX, mantinha-se preso ao<br />
modelo agrário exportador no quadro <strong>da</strong> divisão internacional do trabalho. Essa situação<br />
será parcialmente altera<strong>da</strong> durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)<br />
quando, devido à escassez de produtos industrializados decorrentes deste conflito, o país<br />
experimentou um relativo crescimento industrial. 110<br />
O Manifesto dos Pioneiros <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> de 1932 foi o primeiro conjunto de<br />
ideias sistematiza<strong>da</strong>s sobre educação que a tratou como uma questão social. Os seus<br />
signatários, em regra, se fun<strong>da</strong>mentavam nas premissas escolanovistas de John Dewey<br />
(1859-1952) e, portanto, compreendiam a educação escolar como instrumento<br />
fun<strong>da</strong>mental para o desenvolvimento de uma socie<strong>da</strong>de urbana e industrial nos moldes<br />
<strong>da</strong> Europa Ocidental e Estados Unidos 111 .<br />
Entretanto, nesse período, a <strong>Educação</strong> Física estava atrela<strong>da</strong> ao Ministério <strong>da</strong><br />
Guerra e o seu modelo educacional seguia o método de ginástica francês, desenvolvido<br />
pelo exército <strong>da</strong>quele país e adotado pelos militares brasileiros.<br />
Com a Constituição Brasileira promulga<strong>da</strong> em 1937, a <strong>Educação</strong> Física torna-se<br />
obrigatória no ensino primário e secundário e facultativa no ensino superior. Essa<br />
disciplina, juntamente com <strong>Educação</strong> Moral e Cívica, estavam relaciona<strong>da</strong>s com a Lei<br />
de Segurança Nacional do Estado Novo, que temia, conforme Castellani Filho, os<br />
perigos internos – relacionados principalmente à intentona comunista em 1935 – e, aos<br />
perigos externos – a iminência de uma guerra mundial.<br />
Nessa perspectiva, os pilares do ensino seriam a “moralização do corpo pelo<br />
exercício físico”, o “aprimoramento eugênico” e o “preparo físico para o trabalho”.<br />
109<br />
A respeito <strong>da</strong>s limitações <strong>da</strong>s reformas educacionais brasileira <strong>da</strong> primeira metade do século XX ver<br />
Romanelli (2003).<br />
110<br />
Sobre essas questões, ver: Caio Prado Jr (1994); Chasin (1978); Lenine (1986).<br />
111<br />
Vale lembrar que embora essas ideias educacionais fossem extremamente avança<strong>da</strong>s para o Brasil, na<br />
União Soviética de então a questão que se punha como resultado <strong>da</strong> Revolução de 1917 era a efetivação<br />
<strong>da</strong> educação socialista. Na Europa Ocidental e Estados Unidos, as propostas fun<strong>da</strong>mentais de educação<br />
que se confrontavam eram aquelas de caráter afirmador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista versus as socialistas.<br />
(RIBEIRO, 1993). Embora houvesse no Brasil o movimento socialista cuja expressão maior foi a<br />
Intentona Comunista de 1935, ele carecia de vigor para apresentar propostas sistemáticas aos mais<br />
diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, inclusive o educacional (KONDER, 2003).
Além desses pilares no âmbito educacional, havia a preocupação em controlar os<br />
trabalhadores no seu tempo livre para aumentar a capaci<strong>da</strong>de de produção e também<br />
amenizar os conflitos “capital - trabalho”, descaracterizando a classe trabalhadora<br />
enquanto classe. Para isto, foram criados em 1942 o SENAI – Serviço Nacional de<br />
Aprendizagem Industrial e o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial,<br />
com essa finali<strong>da</strong>de:<br />
126<br />
A coletivi<strong>da</strong>de verá de perto os benefícios que o sistema trará ao país,<br />
criando uma nova mentali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s classes trabalhadoras, para que<br />
melhor exerçam suas ativi<strong>da</strong>des, sem ressentimentos e sem<br />
desarmonia, num justo equilíbrio de ação, para maior estabili<strong>da</strong>de e<br />
grandeza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional (MINISTRO CAPANEMA apud<br />
CASTELLANI FILHO, 2007 p. 96).<br />
E ain<strong>da</strong> a prática do desporto nessas instituições e nas indústrias serviriam para<br />
compensar o desgaste no trabalho:<br />
Restabelecer convenientemente a compensação dos desgastes de<br />
força, mediante a prática dos exercícios adequados, constitui a missão<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física nos estabelecimentos fabris. Este revigoramento e<br />
fortalecimento corporais, mediante os desportos e jogos ao ar livre e<br />
ao sol, devem compensar o esforço realizado no desempenho <strong>da</strong><br />
profissão, proporcionando forças, alegria e saúde (...) A organização<br />
<strong>da</strong>s instituições com o objetivo de colocar ao alcance do operário as<br />
possibili<strong>da</strong>des de divertir-se, melhorando a saúde depois de um dia de<br />
trabalho, é deveras empolgante pelos seus mais amplos benéficos<br />
resultados (Idem, p. 97 - 8).<br />
No final do século XIX e na primeira metade do século XX, a <strong>Educação</strong> Física<br />
permanece liga<strong>da</strong> às questões de higiene, saúde e formação do homem sempre pronto a<br />
servir a Pátria e ser um trabalhador eficiente. Sua cientifici<strong>da</strong>de estava relaciona<strong>da</strong> à<br />
biologia e ao positivismo. Havia uma grande preocupação de que fizesse parte dos<br />
currículos escolares e contribuísse para a formação do povo brasileiro, assim como já<br />
acontecia com a organização escolar em outros países.<br />
Após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial até a déca<strong>da</strong> de 1970 no Brasil, o suporte<br />
teórico <strong>da</strong> educação física continuava dominado pelas ciências biológicas na perspectiva<br />
<strong>da</strong> aptidão física, mas direcionado para o esporte como único conteúdo. Em âmbito<br />
mundial essa fase se caracterizou pela expansão do capital monopolista e pela guerra<br />
fria. Essas características, alia<strong>da</strong>s às condições internas do Estado Brasileiro, constroem<br />
contornos muito significativos tanto para a economia quanto para a política,<br />
determinando os rumos <strong>da</strong> educação bem como definindo a razão de ser <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>
Física no universo escolar.<br />
127<br />
De acordo com Tavares (1980), havia interesse em investimentos no Brasil, em<br />
especial dos Estados Unidos, principalmente em função <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de manutenção<br />
dos mercados norte-americanos conquistados anteriormente à Segun<strong>da</strong> Guerra. Também<br />
estava em tela nesse momento a necessi<strong>da</strong>de de prevenção, diante <strong>da</strong> ameaça dos países<br />
socialistas, e o controle de novos mercados nas áreas subdesenvolvi<strong>da</strong>s. 112<br />
O Estado brasileiro, em função de seu projeto de crescimento, estabeleceu<br />
acordos que propiciaram inúmeros projetos de assistência econômico-financeira e<br />
assistência técnica, com investimentos em vários setores como o agrícola, o industrial, o<br />
administrativo, o <strong>da</strong> saúde, o educacional em todos os níveis etc. Esses acordos de aju<strong>da</strong><br />
financeira firmados entre agências americanas e o Brasil tiveram seus processos<br />
iniciados a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950 e foram consoli<strong>da</strong>dos em 1961.<br />
Esta intensificação na entra<strong>da</strong> de capitais foi vista e aceita como<br />
necessária à execução do projeto de desenvolvimento, diante <strong>da</strong>s<br />
mu<strong>da</strong>nças na estrutura interna. As necessi<strong>da</strong>des imediatasΩ de capital<br />
eram grandes não só pela crise econômica atravessa<strong>da</strong> durante o<br />
governo anterior, como pelo fato de a indústria estar passando para a<br />
Segun<strong>da</strong> fase do processo de substituição de importações, que não se<br />
caracterizava pela instalação <strong>da</strong> indústria leve de consumo e sim pela<br />
ênfase na produção de equipamentos, bens de consumo duráveis e<br />
produtos químicos, o que, conseqüentemente, requeria capitais mais<br />
elevados (RIBEIRO, 1993, p.153).<br />
Esses acordos não são aceitos com tranquili<strong>da</strong>de por alguns setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira que se mostram resistentes, principalmente no início dos anos de 1960,<br />
quando crescem e ganham força grupos de centro-esquer<strong>da</strong>. Esses grupos dividiam-se<br />
em dois setores fun<strong>da</strong>mentais: um, que pretendia reformas democrático-burguesas<br />
tentando viabilizar o capitalismo no Brasil, e outro grupo, mais à esquer<strong>da</strong>, cujos<br />
integrantes “negavam o modelo econômico que ia sendo gestado, não em nome de uma<br />
compatibilização com o modelo político do nacional-desenvolvimentismo de base<br />
capitalista e sim de uma compatibilização econômico-política de base socialista”<br />
(RIBEIRO,1993, p. 156, grifos <strong>da</strong> autora).<br />
O golpe militar de 1964 praticamente dissipou as forças sociais resistentes às<br />
estratégias de expansão do capitalismo monopolista para países periféricos como o<br />
Brasil. Para Ribeiro, esse golpe,<br />
112 A Revolução Cubana que contou com a aju<strong>da</strong> soviética fez com que se intensificassem as ações<br />
imperialistas norte-americanas na América Latina.
128<br />
em ver<strong>da</strong>de, isto é, analisando os atos dos governos militares que<br />
se seguem, representou a possibili<strong>da</strong>de de instalação, pela força,<br />
de um Estado que tinha como tarefa concreta a eliminação dos<br />
obstáculos à expansão do capitalismo internacional, agora em sua<br />
fase monopolista. Um Estado, portanto, transformado em instrumento<br />
político de generalização e consoli<strong>da</strong>ção de um modelo econômico<br />
encontrado numa fase embrionária de 1955 a 1964 (1993, p. 182, grifo<br />
do autor).<br />
Após o golpe, o Estado brasileiro opta por um desenvolvimento com segurança,<br />
ou seja, adota o modelo político de Segurança Nacional com um forte aparato ao<br />
combate do que chamam de subversão. No sentido de corroborar nesse processo, as<br />
agências de assistência técnica operam contribuindo para uma reformulação <strong>da</strong> política<br />
educacional e procuram mol<strong>da</strong>r o ensino na direção de uma concepção de eficiência e<br />
tecnicismo. A ação <strong>da</strong>s agências de financiamento estadunidense 113 voltam-se<br />
fortemente às universi<strong>da</strong>des brasileiras e iniciam os projetos de convênios entre essas<br />
instituições (FINOCCHIO, 1991).<br />
A partir de 1970 reforçam-se as investi<strong>da</strong>s nesse setor, em função <strong>da</strong> grande<br />
resistência por parte de estu<strong>da</strong>ntes e professores. Mesmo não estando colocados de<br />
forma explicita, é possível perceber alguns objetivos <strong>da</strong> política estadunidense em<br />
relação à educação no sentido de atingir seus objetivos mais gerais. Esses objetivos<br />
seriam:<br />
1) a assistência no campo <strong>da</strong> educação visa a fortalecer a “ideologia<br />
democrática” entre as novas gerações; 2) os acordos e convênios<br />
educacionais pretendem aprofun<strong>da</strong>r as bases para o futuro<br />
beneficiamento dos interesses econômicos e financeiros americanos<br />
no país; 3) a aju<strong>da</strong> às iniciativas educacionais procura criar entre os<br />
brasileiros a imagem do “amigo americano”, empenhado na melhoria<br />
<strong>da</strong>s condições sócio-culturais do país (TAVARES, 1980, p. 10).<br />
Este mesmo autor, citando parte de um dos relatórios de uma <strong>da</strong>s agências, deixa<br />
claro que essa reestruturação se mostra importante em função de que, no Brasil, é<br />
necessária uma formação em tecnologia, agricultura, medicina, educação, e que:<br />
Necessita de professores de ensino médio que tenham sido treinados<br />
nas Facul<strong>da</strong>des de Filosofia (...) Necessita de administradores públicos<br />
e de empresas para a expansão <strong>da</strong> sua estrutura governamental e<br />
comercial. O número de pessoas atualmente em processo de formação<br />
nas escolas profissionais é ridiculamente pequeno para atender as<br />
necessi<strong>da</strong>des de uma socie<strong>da</strong>de rapi<strong>da</strong>mente em mu<strong>da</strong>nça. Além do<br />
113 Se é ver<strong>da</strong>de que a agência estadunidense teve hegemonia na educação brasileira no período do<br />
Regime Militar, não devemos esquecer a participação de organismos de outros países ocidentais como,<br />
por exemplo, a Fun<strong>da</strong>ção Konrad Adenauer (FKA) <strong>da</strong> Alemanha Ocidental, cujos investimentos no<br />
Brasil se centraram na tele-educação (EVANGELISTA, 1997).
129<br />
mais, a guerra fria é uma batalha para o intelecto do homem (...) Se<br />
nós pudermos aju<strong>da</strong>r as universi<strong>da</strong>des a exaltar a ver<strong>da</strong>de, a<br />
encontrá-la, e a ensiná-la, então nós teríamos a maior segurança<br />
de que o Brasil seria uma socie<strong>da</strong>de livre e um amigo leal dos<br />
Estados Unidos (RELATÓRIO DA AID- WASHINGTON apud<br />
TAVARES, 1980, p. 24, grifo do autor).<br />
Em todos os níveis de escolarização, os melhores profissionais ganhavam bolsas<br />
para estu<strong>da</strong>rem em universi<strong>da</strong>des nos Estados Unidos, e ao retornarem ao Brasil<br />
tornavam-se dirigentes e consultores em seus locais específicos de trabalho. Isto<br />
colaborava na formação de uma ideologia americaniza<strong>da</strong>, além de garantir a aquisição e<br />
a utilização de seus produtos, sendo que a familiarização e o aprendizado dos técnicos<br />
estavam ligados a eles.<br />
Nesse período de forte determinação tecnicista, o sistema educacional<br />
incorporou em seu interior os mesmos princípios <strong>da</strong> empresa taylorista-fordista, ou seja,<br />
rendimento, produtivi<strong>da</strong>de, eficiência, eficácia. É o período de predomínio dos objetivos<br />
operacionais, <strong>da</strong> fragmentação dos conteúdos, <strong>da</strong> ênfase na organização do processo<br />
educacional, nos métodos e nas técnicas de ensino.<br />
A política interna de desenvolvimento que, pós-golpe de 1964, contava com<br />
forte repressão no país, alia<strong>da</strong> à ação externa no sentido de formar uma ideologia<br />
brasileira que favorecesse economicamente os EUA e setores significativos <strong>da</strong>s elites<br />
econômicas brasileiras é o ambiente onde se desenvolvem na <strong>Educação</strong> Física os<br />
mesmos ideais. Esses ideais de desenvolvimento têm no desporto o seu foco de<br />
principal atenção.<br />
O desporto fortalecido torna-se hegemônico em todo o mundo 114 após a Segun<strong>da</strong><br />
Guerra Mundial. Essa ativi<strong>da</strong>de nasce na Inglaterra no século XIX e torna-se o principal<br />
elemento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física estadunidense. No Brasil, esse conteúdo inicia sua<br />
expansão a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950 e ganha maior força com a ditadura militar, alia<strong>da</strong><br />
ao modelo pe<strong>da</strong>gógico tecnicista na educação. Para Teixeira e Pini, um teórico <strong>da</strong><br />
educação física naquele período:<br />
É ponto firmado, atualmente, que a educação física escolar deve ser<br />
ca<strong>da</strong> vez mais esportiva, conduzindo o aluno para a prática do esporte,<br />
despertando nele o gosto pela ativi<strong>da</strong>de física ao ar livre (...) que<br />
contribuem de maneira decisiva para o seu desenvolvimento orgânico,<br />
114 O esporte nasceu na Inglaterra como uma distinção <strong>da</strong> classe burguesa em relação a outras. É o<br />
principal conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física nesse país e nos Estados Unidos. Após a Segun<strong>da</strong> Guerra, esse<br />
conteúdo movimenta em suas várias ativi<strong>da</strong>des um enorme mercado. Além disto, servirá para divulgar<br />
pelo mundo a identi<strong>da</strong>de americana, e é concebido ain<strong>da</strong> como forma de mostrar a soberania dos países<br />
vencedores em competições internacionais.
130<br />
funcional e psíquico, plasmando a sua personali<strong>da</strong>de e o seu caráter,<br />
afinal, a sua maneira de ser na socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual é integrante (1978, p.<br />
34).<br />
A tendência esportiva se fará presente em todos os níveis de ensino. No ensino<br />
superior, no que diz respeito à formação profissional, ocorre uma expansão nos cursos<br />
de <strong>Educação</strong> Física e na organização de cursos de pós-graduação. Os teóricos <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física se perguntam sobre a sua cientifici<strong>da</strong>de e buscam resolver a questão<br />
reforçando sua ligação às ciências biológicas, no sentido de <strong>da</strong>r suporte ao esporte de<br />
rendimento.<br />
O “Diagnóstico <strong>da</strong> EF /Desportos no Brasil” (Costa, 1971) apontou<br />
uma deficiência no âmbito <strong>da</strong> medicina desportiva, considera<strong>da</strong> uma<br />
<strong>da</strong>s razões <strong>da</strong> deficiência na área. A partir <strong>da</strong>í investimentos foram<br />
orientados para melhorar o nível de desenvolvimento científico <strong>da</strong><br />
“área”, como o incentivo à pós-graduação e os investimentos em<br />
laboratórios de fisiologia do exercício. Neste contexto é fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, no<br />
final dos anos 70, uma nova enti<strong>da</strong>de científica, o Colégio Brasileiro<br />
de Ciências do Esporte (CBCE) (BRACHT, 1999, p. 20).<br />
A formação acadêmica do professor de <strong>Educação</strong> Física se vê liga<strong>da</strong> às<br />
ciências naturais como a biologia, a física e a fisiologia. Seus esforços são direcionados<br />
no sentido de contribuir para a ‘grandeza do Brasil’, por meio <strong>da</strong>s me<strong>da</strong>lhas<br />
conquista<strong>da</strong>s em competições internacionais.<br />
A <strong>Educação</strong> Física na escola, com o Decreto Federal 69.450 de 1971, torna-se<br />
obrigatória em todos os níveis de ensino, inclusive no superior, estabelecendo para este<br />
último os mesmos objetivos e conteúdos dos outros níveis de ensino.<br />
Nas séries iniciais, a preocupação se <strong>da</strong>va em função de uma formação técnica<br />
para o desporto, e as aulas confundiam-se com treinamento. Essa posição muitas vezes<br />
não se torna explícita e se esconde atrás de objetivos ligados a determinados valores. A<br />
<strong>Educação</strong> Física passa a ser responsável, na visão de autores como Negrine (1983) e<br />
Borsari (1980), pela formação <strong>da</strong>s crianças no sentido de desenvolver-lhes o domínio do<br />
seu próprio corpo, preparando-o para o melhor desempenho em habili<strong>da</strong>des futuras,<br />
como o esporte.<br />
Enfatizam também que, além <strong>da</strong>s aspirações de melhor preparação física,<br />
higiene e saúde, a <strong>Educação</strong> Física trabalha e deve ser respeita<strong>da</strong> em função disso, para<br />
a incorporação eficaz de valores, entre os quais se destacam a disposição para assumir e<br />
aceitar lideranças e a disciplina, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de para com a Nação e, enfim, a educação<br />
para a a<strong>da</strong>ptação à vi<strong>da</strong> nessa socie<strong>da</strong>de. Evidenciam a importância <strong>da</strong> competição para
corrigir comportamentos anti-sociais e reforçar as boas condutas, sendo que, “a<br />
finali<strong>da</strong>de primeira <strong>da</strong> escola e <strong>da</strong>s disciplinas do currículo é o ajustamento social do<br />
indivíduo ao meio em que vive” (NEGRENI, 1983, p. 66).<br />
131<br />
Essa formação desportiva funcionava como selecionadora de talentos para<br />
‘fortalecer o esporte nacional’ na tentativa de formar a imagem do Brasil enquanto um<br />
país em pleno desenvolvimento, e também agia como força discriminatória em relação<br />
aos alunos menos habilidosos.<br />
Ressalto que essa força era duplamente discriminatória, pois além de separar<br />
fortes e fracos, preocupava-se apenas com uma formação esportiva e negligenciava<br />
outras possibili<strong>da</strong>des de conteúdo nessa disciplina. O movimento humano reduziu-se a<br />
apenas um gesto motor e técnico, reforçando a dicotomia entre corpo e mente.<br />
Além disso, esse modelo para a <strong>Educação</strong> Física tinha como objetivo ocupar o<br />
tempo, principalmente dos estu<strong>da</strong>ntes, para que estes não se comprometessem com<br />
movimentos que poderiam abalar a ordem estabeleci<strong>da</strong>. Esse tipo de formação foi<br />
caracterizado por Castellani Filho como “Corpo Apolítico”:<br />
No final dos anos sessenta, esteve ela também associa<strong>da</strong> à estratégia<br />
de minimização <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de rearticulação do movimento<br />
estu<strong>da</strong>ntil, que fora violentamente atingido - como de resto todos os<br />
demais setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que exigiam a volta do país à<br />
normali<strong>da</strong>de institucional democrática - pelo aparelho repressivo do<br />
Estado, vindo a colaborar, com seu caráter lúdico-esportivo, para<br />
desviar as atenções dos estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong>s questões de ordem<br />
sociopolítica (1993, p. 120).<br />
Em relação ao trabalhador, Souza (apud GHIRALDELLI JUNIOR, 1989)<br />
demonstra estar clara esaa mesma intenção do Estado, como podemos observar nesse<br />
excerto de um artigo publicado na Revista Brasileira de <strong>Educação</strong> Física, do Ministério<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> e Cultura:<br />
Não tenho dúvi<strong>da</strong> em afirmar que o papel <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física se<br />
ombreia aos ensinamentos de cunho religioso. Pois se, às vezes as<br />
convicções religiosas afastam pessoas, grupos <strong>da</strong> convivência social, a<br />
<strong>Educação</strong> Física, principalmente através dos desportos, aproxima, une,<br />
dirime dissidências, extingue preconceitos (...)<br />
Se fatigarmos o corpo e orientarmos o espírito sem rumo desocupado,<br />
do ocioso, ele buscará a recuperação no leito, no descanso, e não no<br />
bar, nas esquinas (...)<br />
Se dermos ao operário de corpo cansado, após uma jorna<strong>da</strong> laboriosa,<br />
uma ativi<strong>da</strong>de desportiva sadia, o seu repouso será mais reconfortante,<br />
sofreando nele, por vezes, a revolta contra os patrões, contra a própria<br />
ativi<strong>da</strong>de funcional.<br />
Se na escola aplicamos uma ativi<strong>da</strong>de física adequa<strong>da</strong>, aju<strong>da</strong>mos os<br />
jovens a suportar os desajustes familiares.
132<br />
Quanto mais quadras de esporte, menos hospitais e menos prisões.<br />
Quanto mais calção, menos pijamas de enfermos e menos uniformes<br />
de presidiários (p. 32).<br />
Percebemos a clara intenção de amenizar problemas estruturais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
com medi<strong>da</strong>s que são, na ver<strong>da</strong>de, paliativas e que contribuem apenas para uma<br />
tentativa de reorganização, colocando ca<strong>da</strong> um em seu devido lugar, sem que isto<br />
resulte em protestos.<br />
No exposto até o momento, aponto alguns aspectos que demonstram os sentidos<br />
atribuídos à <strong>Educação</strong> Física. Podemos verificar que desde o século XIX a presença<br />
desse conteúdo na escola era defendi<strong>da</strong> pelos teóricos <strong>da</strong> educação brasileira, ou seja,<br />
havia grande preocupação no sentido de que a <strong>Educação</strong> Física fizesse parte dos<br />
currículos escolares, contribuindo para a formação do povo brasileiro, assim como já<br />
acontecia com a organização escolar em outros países. Esse processo se mantém,<br />
apresentando várias nuanças, durante quase todo o século XX; ora formando um sujeito<br />
com bases higiênicas-eugênicas, ora formando a força de trabalho disciplina<strong>da</strong>, ora<br />
formando o sujeito ‘amigo dos Estados Unidos’ e atletas para a ‘grandeza nacional’.<br />
Contudo, sempre a partir do entendimento do ser humano biologicamente determinado e<br />
moralmente disciplinado para melhor se a<strong>da</strong>ptar à lógica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
Esses sentidos atribuídos à <strong>Educação</strong> Física brasileira sofrem questionamentos<br />
apenas quando cessa a pressão <strong>da</strong> ditadura militar, que dicorro a seguir.
Capítulo 5 - A EDUCAÇÃO FÍSICA NO QUADRO DA REESTRUTURAÇÃO<br />
PRODUTIVA CONTEMPORÂNEA<br />
Temos vivido, nas últimas déca<strong>da</strong>s, mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s em setores importantes<br />
do capitalismo, que mexem com a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações de produção, especialmente<br />
nas nações mais desenvolvi<strong>da</strong>s ou naquelas (ditas em desenvolvimento, como o Brasil)<br />
que possuem setores intrinsecamente articulados aos principais ramos <strong>da</strong> produção<br />
capitalista. Essas mu<strong>da</strong>nças (tecnológicas e de novas formas de organização produtiva<br />
nos processos de trabalho) têm sua gênese e desenvolvimento na “crise 115 estrutural” do<br />
capitalismo eclodi<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 1970 e que se estende aos nossos dias.<br />
Mészáros (2004) preconiza que ela não é como as outras “crises cíclicas” do<br />
capital, tendo como característica o fato de ser uma “crise estrutural”, visto que interfere<br />
ao mesmo tempo em “três dimensões fun<strong>da</strong>mentais do sistema capitalista – produção,<br />
consumo e circulação/realização” (p. 4). O filósofo justifica:<br />
A novi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> nossa crise estrutural manifesta-se em quatro<br />
temas principais: 1. Mais do que restringido a uma esfera particular<br />
(por exemplo, financeira, comercial ou de outro ramo <strong>da</strong> produção, ou<br />
de um outro setor particular de trabalho com a sua gama específica de<br />
capaci<strong>da</strong>des e grau de produtivi<strong>da</strong>de etc.), o seu carácter é universal;<br />
2. mais do que limitado a uma série particular de países (como foram<br />
to<strong>da</strong>s as mais importantes crises do passado, incluindo a “grande crise<br />
mundial” de 1929-1933), o seu alcance é realmente global no sentido<br />
mais extrema<strong>da</strong>mente literal do termo); 3. mais do que restrita e<br />
cíclica, como foram to<strong>da</strong>s as crises anteriores do capitalismo a sua<br />
escala temporal é alarga<strong>da</strong>, contínua – permanente, se se quiser – e 4.<br />
no que respeita à sua mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de desenvolvimento, definí-la como<br />
sub-reptícia poderia ser uma descrição adequa<strong>da</strong> – em contraste com<br />
as erupções e desmoronamentos mais espetaculares do passado -, com<br />
a advertência de que não se excluem para o futuro nem mesmo as<br />
mais veementes e violentas convulsões uma vez quebra<strong>da</strong> aquela<br />
complexa máquina hoje activamente empenha<strong>da</strong> na “gestão” <strong>da</strong> crise<br />
e na transferência mais ou menos provisória <strong>da</strong>s crescentes<br />
contradições (Idem, p. 9).<br />
115 É necessário lembrar, como mencionei no capítulo anterior, que Marx, ao explicitar o processo de<br />
produção do capital, afirma que as crises não são anomalias, mas são inerentes a esse processo de<br />
produção.
134<br />
Antunes, também ao discutir essa crise 116 esclarece que ela se inicia depois de<br />
um período de grande acumulação capitalista, <strong>da</strong> fase keynesiana 117 associa<strong>da</strong> ao<br />
modelo taylorista-fordista no processo de produção. Explica assim sua gênese: “as<br />
raízes <strong>da</strong> estagnação e <strong>da</strong> crise atual estão na compressão dos lucros do setor<br />
manufatureiro que se originou no excesso de capaci<strong>da</strong>de e de produção fabril, que era<br />
em si a expressão <strong>da</strong> acirra<strong>da</strong> competição internacional” (BRENNER apud ANTUNES,<br />
2000, p. 30).<br />
Esse processo resultou em um “deslocamento de capital” para o setor financeiro<br />
que se expandiu em grandes proporções em detrimento do setor produtivo. Esse<br />
crescimento do chamado “capital financeiro” foi combinado com o esgotamento do<br />
estado de bem-estar social – modelo keynesiano e do taylorismo-fordismo.<br />
Com o esgotamento do keynesianismo, são recuperados princípios do<br />
pensamento liberal, agora conceituado como neoliberalismo e surgem questionamentos<br />
sobre o papel do Estado enquanto regulador <strong>da</strong> economia 118 . Entretanto, o que ocorre<br />
116 Sobre essa questão <strong>da</strong> crise, Ricardo Antunes faz uma síntese dos seus sinais mais evidentes. Vejamos<br />
o que diz o sociólogo: “1) que<strong>da</strong> <strong>da</strong> taxa de lucro, <strong>da</strong><strong>da</strong>, dentre outros elementos causais, pelo aumento do<br />
preço <strong>da</strong> força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela intensificação <strong>da</strong>s lutas sociais<br />
dos anos 60, que objetivaram o controle social <strong>da</strong> produção. A conjugação desses elementos levou a uma<br />
redução dos níveis de produtivi<strong>da</strong>de do capital, acentuando a tendência decrescente <strong>da</strong> taxa de lucro; 2) o<br />
esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em ver<strong>da</strong>de era a expressão<br />
mais fenomênica <strong>da</strong> crise estrutural do capital), <strong>da</strong>do pela incapaci<strong>da</strong>de de responder à retração do<br />
consumo que se acentuava. Na ver<strong>da</strong>de, tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural<br />
que então se iniciava; 3) hipertrofia <strong>da</strong> esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos<br />
capitais produtivos, o que também já era expressão <strong>da</strong> própria crise estrutural do capital e seu sistema de<br />
produção, colocando-se o capital financeiro como um campo prioritário para a especulação, na nova fase<br />
do processo de internacionalização; 4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as<br />
empresas monopolistas e oligopolistas; 5) a crise do welfare state ou do “Estado do bem-estar social” e<br />
dos seus mecanismo de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessi<strong>da</strong>de de<br />
retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 6) incremento acentuado <strong>da</strong>s<br />
privatizações, tendência generaliza<strong>da</strong> às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos<br />
mercados e <strong>da</strong> força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse novo<br />
quadro crítico” (2000, p. 29-30).<br />
117 De acordo com Jinkings, a fase keynesiana se refere ao “período imediatamente posterior à Segun<strong>da</strong><br />
Guerra Mundial que se consolidou e complexificou o intervencionismo social e econômico do Estado,<br />
agora fun<strong>da</strong>mentados nos estudos de John M. Keynes desenvolvidos durante a depressão <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de<br />
1930, segundo os quais o capitalismo alcançaria seu equilíbrio caso fossem aplicados adequa<strong>da</strong>mente<br />
instrumentos de política econômica do Estado” (2005, p. 90). Esse modelo, cujo período áureo se situa<br />
entre os anos de 1947-1973, se estendeu a alguns países <strong>da</strong> Europa Ocidental e Nórdica, Estados Unidos,<br />
Canadá e parcialmente o Japão, podemos afirmar que não se estendeu a 15% do total <strong>da</strong> população<br />
mundial. Além disso, trata-se de um modelo que não é possível ser universalizado. Assim, nos países<br />
“periféricos do capital”, o que ocorreu foram “melhorias pouco significativas no padrão de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
populações e um desenvolvimento restrito do fornecimento de bens coletivos pelo Estado eram<br />
acompanhados de forma de opressão econômica, política e culturais que se aprofun<strong>da</strong>vam sua<br />
dependência e subordinação <strong>da</strong>s potências capitalistas centrais” (Idem, p.90).<br />
118 Sobre o “afastamento do estado”, Mészáros comenta em entrevista concedi<strong>da</strong> no programa Ro<strong>da</strong> Viva<br />
<strong>da</strong> TV Cultura em 2002 no dia 08 de julho, ocasião do lançamento no Brasil do seu livro Para além do<br />
capital, que “o capitalismo não sobreviveria nem um dia sequer sem a intervenção do estado”. E<br />
argumenta no artigo Marx, nosso contemporâneo, e o seu conceito de globalização, publicado em 2004
não é o afastamento <strong>da</strong>s questões relaciona<strong>da</strong>s diretamente com a “economia<br />
capitalista”, mas o afastamento do Estado em relação às questões sociais.<br />
135<br />
A crise é atribuí<strong>da</strong> à organização sindical e aos direitos adquiridos em relação<br />
aos salários e à seguri<strong>da</strong>de social conquistados durante o período keynesiano. Jinkings,<br />
a partir <strong>da</strong>s discussões de Perry Anderson, assinala que os neoliberais, para a superação<br />
dos problemas causados, propõem uma conjugação de medi<strong>da</strong>s, dentre elas:<br />
A subjugação total dos sindicatos e a imposição de duras reformas<br />
políticas e econômicas que “libertassem” o capital dos limites a eles<br />
impostos pelas ativi<strong>da</strong>des regulatórias do Estado. Tais idéias<br />
transformam-se em programas práticos quando se consolidou o<br />
predomínio de governos conservadores na Europa e nos Estados<br />
Unidos na déca<strong>da</strong> de 1980, conjugando políticas de<br />
desregulamentação e privatização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e econômica a<br />
medi<strong>da</strong>s políticas de ataque sistemático aos direitos democráticos<br />
(JINKINGS, 2005, p. 94).<br />
Essas políticas nos setores sociais fazem parte do que se configurava<br />
como um novo estágio de acumulação capitalista presidido pelo chamado processo de<br />
globalização. Mészáros pontua que esse processo, tão idealizado nesse período, na<br />
ver<strong>da</strong>de, é uma tendência que “emana <strong>da</strong> natureza do capital desde o seu início” e que<br />
significa na reali<strong>da</strong>de: “o desenvolvimento necessário de um sistema internacional<br />
de dominação e subordinação” (2002, p. 111, grifo meu). Assim explica ao discutir as<br />
“taxas diferenciais de exploração <strong>da</strong> força de trabalho”:<br />
Com essa globalização em an<strong>da</strong>mento, que se apresenta como muito<br />
benéfica, na<strong>da</strong> se oferece aos “países subdesenvolvidos” além <strong>da</strong><br />
perpetuação <strong>da</strong> taxa diferencia<strong>da</strong> de exploração. Isto está muito bem<br />
ilustrado pelos números reconhecidos até mesmo pela revista The<br />
Economist de Londres, segundo a qual, nas fábricas norte-americanas<br />
recentemente estabeleci<strong>da</strong>s na região <strong>da</strong> fronteira norte do México, os<br />
trabalhadores não ganham mais do que 7 por cento do que recebe a<br />
força de trabalho norte-americana para fazer o mesmo trabalho na<br />
Califórnia (Idem, p. 64).<br />
Confirmando os posteriores desdobramentos do processo de globalização<br />
como um sistema internacional de subordinação, o teórico estadunidense James Petras,<br />
utilizando como fonte de pesquisa “os critérios e cálculos utilizados pelo Financial<br />
que mesmo essa constante intervenção do estado não é capaz de paralisar essa crise estrutural, ou seja,<br />
“na atuali<strong>da</strong>de, nenhuma medi<strong>da</strong> de ‘aju<strong>da</strong> extra-econômica’ de garantias políticas, nem mesmo quando é<br />
acompanha<strong>da</strong> de financiamentos estatais calculados em números astronômicos (de muitos milhares de<br />
milhões de dólares) pode ser considera<strong>da</strong> suficiente para satisfazer a voraci<strong>da</strong>de do sistema. A hibri<strong>da</strong>ção<br />
do capitalismo, ca<strong>da</strong> vez mais intensifica<strong>da</strong> no século XX através <strong>da</strong> injeção <strong>da</strong> contínua ‘aju<strong>da</strong> extraeconômica’<br />
e econômica mais ou menos oculta, não tem aparentemente limites, embora seja apresenta<strong>da</strong><br />
com a falsa morali<strong>da</strong>de – e na ver<strong>da</strong>de também de má fé – <strong>da</strong> ‘retira<strong>da</strong> do Estado dos assuntos<br />
econômicos’” (2004, p. 8).
Times em seu documento Special Report FT Global 500, de 27 de maio de 2004”<br />
(PETRAS, 2007, p. 11), sistematizou que o real poder <strong>da</strong>s 500 maiores empresas<br />
transnacionais do mundo contemporâneo divide-se <strong>da</strong> seguinte maneira 119 :<br />
136<br />
Os Estados Unidos <strong>da</strong> América (EUA) continuam sendo o poder<br />
dominante em termos absolutos e relativos: contam com 227 (45%)<br />
<strong>da</strong>s 500 EMNs 120 mais importantes, seguidos pela Europa Ocidental,<br />
com 141 (28%), e Ásia, 92 (18%). Esses três blocos regionais<br />
controlam 91% <strong>da</strong>s principais EMNs do mundo. A “globalização”<br />
pode ser entendi<strong>da</strong> em seu sentido mais geral como o poder<br />
derivado <strong>da</strong>s EMNs estabeleci<strong>da</strong>s nos três blocos de poder citados,<br />
que lhes permite movimentar capitais, controlar o comércio, o<br />
crédito, o financiamento e o espetáculo. Quase três quartos (73%)<br />
<strong>da</strong>s grandes instituições corporativas encontram-se na esfera de poder<br />
configura<strong>da</strong> pela Europa e EUA (Idem, p. 12, grifo meu).<br />
Mais um aspecto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> tentativa de superação <strong>da</strong> crise estrutural e <strong>da</strong><br />
reorganização do capital, apontado anteriormente, foi o esgotamento do taylorismo-<br />
fordismo. De acordo com Antunes:<br />
O capital deflagrou, então, várias transformações no processo<br />
produtivo, por meio <strong>da</strong> constituição <strong>da</strong>s formas de acumulação<br />
flexível, do downsizing, <strong>da</strong>s formas de gestão organizacional, do<br />
119 Considerando alguns dos principais ramos econômicos do capitalismo contemporâneo, Petras extraiu<br />
os seguintes <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> pesquisa acima referi<strong>da</strong>: “COMÉRCIO VAREJISTA: as empresas estadunidenses<br />
dedica<strong>da</strong>s ao comércio varejista ocupam oito lugares entre os dez primeiros. Não é surpreendente,<br />
considerando que a economia estadunidense baseia-se em grande medi<strong>da</strong> no consumo dos particulares,<br />
nas bolhas especulativas e em altos níveis de endivi<strong>da</strong>mento. (...) TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO<br />
(TI): Os EUA dominam o setor de tecnologia <strong>da</strong> informação, com oito <strong>da</strong>s dez principais empresas – o<br />
restante são européias –, em parte como resultado <strong>da</strong>s subvenções estatais obti<strong>da</strong>s do gasto militar, e<br />
também <strong>da</strong> fraude/do mito do ‘ano 2000’ (o ‘cenário de fim do mundo’, que permitiu canalizar milhares<br />
de dólares para novas empresas <strong>da</strong> TI), e a bolha especulativa <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990. (...) MEIOS DE<br />
COMUNICAÇÃO DE MASSA E ENTRETENIMENTO: As EMNs dos EUA dominam em todo o<br />
mundo o setor dos meios de comunicação de massa e entretenimento: Quase 80% <strong>da</strong>s principais EMNs<br />
(11 de 14) são controla<strong>da</strong>s por capital estadunidense. (...) O COMPLEXO MILITAR-INDUSTIAL: As<br />
EMNs estadunidenses ocupam os primeiros lugares na lista <strong>da</strong>s indústrias militares relaciona<strong>da</strong>s com a<br />
guerra e a construção do império: <strong>da</strong>s onze firmas gigantes deste setor que se encontram entre as ‘top<br />
500’, nove são estadunidenses e duas européias. O militarismo vem potencializando a expansão industrial<br />
estadunidense nos últimos 65 anos, e foi o que permitiu aos EUA sair <strong>da</strong> Grande Depressão dos anos de<br />
1930 (...) PROGRAMAS E SERVIÇO DE INFORMÁTICA: Neste setor, as EMNs dos EUA são também<br />
dominantes, com seis <strong>da</strong>s dez principais firmas. Entretanto, a supremacia dos EUA está ameaça<strong>da</strong> pelo<br />
Japão e pela Europa, ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s quais possuindo duas <strong>da</strong>s dez maiores empresas. (...) SISTEMA<br />
FINANCEIRO: O capital financeiro e bancário dos EUA cresceu a ponto de se transformar na principal<br />
força <strong>da</strong> economia mundial. Os bancos multinacionais dos EUA representam 60% dos dez principais<br />
bancos do mundo, seguidos pelos europeus com três e os japoneses com 1.(...) Em matéria de petróleo e<br />
gás, EUA e Europa possuem quatro ca<strong>da</strong> um, e Rússia e Brasil, uma ca<strong>da</strong> um. A mesma ‘pari<strong>da</strong>de’ existe<br />
entre as empresas farmacêuticas, nas quais EUA e Europa dominam as dez primeiras. A expressão mais<br />
clara <strong>da</strong> concorrência intercapitalista pode ser encontra<strong>da</strong> na indústria manufatureira, tanto a leve como a<br />
pesa<strong>da</strong>, na eletrônica, entre outras. As maiores empresas <strong>da</strong> indústria leve são dividi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> seguinte<br />
forma: EUA possuem 44%, Europa 48% e Japão 8%. A proporção na indústria pesa<strong>da</strong> é a seguinte: 32%<br />
<strong>da</strong>s 100 principais são estadunidenses, 30% são européias, 22% japonesas, 7% de outros países asiáticos,<br />
e o restante divide-se entre outros cinco países” (PETRAS, 2007, p. 14 - 8).<br />
120 EMNs significa “Empresas Multinacionais”.
137<br />
avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio<br />
taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o “toyotismo” ou<br />
o modelo japonês. Essas transformações, decorrentes <strong>da</strong> própria<br />
concorrência intercapitalista (num momento de crises e de disputas<br />
intensifica<strong>da</strong>s entre os grandes grupos transnacionais e monopolista)<br />
e, por outro lado, <strong>da</strong> própria necessi<strong>da</strong>de de controlar as lutas sociais<br />
oriun<strong>da</strong>s do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua<br />
crise estrutural (2000, p.47-8).<br />
Nos processos de trabalho, na déca<strong>da</strong> de 1980, há um grande avanço<br />
tecnológico, avanço mais especificamente em relação à microeletrônica, à automação e<br />
à robótica, o que faz com que o modelo de organização taylorista-fordista, hegemônico<br />
como forma de organização do trabalho, divi<strong>da</strong> certo espaço com outro modelo, o<br />
toyotismo. Segundo Chesnais, “to<strong>da</strong>s as virtudes atribuí<strong>da</strong>s ao ‘toyotismo’ estão<br />
dirigi<strong>da</strong>s a obter a máxima intensi<strong>da</strong>de do trabalho e o máximo rendimento de uma<br />
mão-de-obra totalmente flexível, à qual se volta a contestar, ca<strong>da</strong> vez mais (até nos<br />
relatórios do Banco Mundial), o direito de organização sindical” (1996, p. 17).<br />
Nessa nova forma de organização, trabalha-se com estoque mínimo e<br />
flexibilização <strong>da</strong> produção 121 para atender às deman<strong>da</strong>s do mercado e não mais às<br />
produções em série <strong>da</strong>s linhas de montagem taylorista, além de um grande controle de<br />
quali<strong>da</strong>de.<br />
Mu<strong>da</strong>-se o próprio operário, de maneira que:<br />
E ain<strong>da</strong>:<br />
Esta flexibilização do aparato produtivo então, rompe a relação<br />
presente no fordismo, de um homem com a máquina. Apenas a título<br />
de exemplo, no toyotismo a relação é de um homem com cinco<br />
máquinas. Isto faz com que o trabalhador não seja mais típico <strong>da</strong> linha<br />
de montagem fordista, mas um trabalho em equipe, em grupo<br />
(ANTUNES, 1996, p. 09).<br />
Leva o “estranhamento” do trabalhador ao limite, à alienação do<br />
trabalho ao limite, fazendo com que as respostas ao mundo do<br />
trabalho encontrem-se em algumas situações num quadro muito<br />
defensivo. [...] Ele é déspota de si mesmo, sem chicote, ele não se<br />
121 De acordo com Harvey, esse processo <strong>da</strong> “acumulação flexível” se caracteriza “por um confronto<br />
direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibili<strong>da</strong>de dos processos de trabalho, dos mercados<br />
de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção<br />
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,<br />
sobretudo, taxas altamente de intensifica<strong>da</strong>s de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A<br />
acumulação flexível envolve rápi<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre<br />
setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no<br />
chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então<br />
subdesenvolvi<strong>da</strong>s (tais como a ‘Terceira Itália’, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não<br />
falar <strong>da</strong> vasta profusão de ativi<strong>da</strong>des dos países recém-industrializados)” (2004, p. 140).
138<br />
avilta com o chicote, ele se avilta no plano ideário. A empresa é vista<br />
como a “sua empresa”, a produtivi<strong>da</strong>de é a produtivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> “sua<br />
empresa” (Ibid, p. 10).<br />
Há uma considerável redução do número de trabalhadores fabris nos países<br />
capitalistas centrais e nos setores industrialmente avançados dos países periféricos.<br />
Aqueles que permanecem em seus postos de trabalho precisam ter certa flexibili<strong>da</strong>de e<br />
um conhecimento geral de todo o processo produtivo, visto que todos os integrantes <strong>da</strong><br />
empresa, não importando o cargo, devem estar prontos a melhorar o desempenho <strong>da</strong><br />
‘sua empresa’, solucionando problemas que possam causar per<strong>da</strong>s na produção. Neste<br />
sentido:<br />
Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitar a<br />
explorar a força de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os<br />
de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas<br />
compartimentações estritas do taylorismo e do fordismo, podiam<br />
multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes<br />
organizativos, a capaci<strong>da</strong>de de cooperação, to<strong>da</strong>s as virtuali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
inteligência. (...) Um trabalhador que raciocina no ato do trabalho e<br />
conhece mais processos tecnológicos e econômicos do que os aspectos<br />
estritos do seu âmbito imediato é um trabalhador que pode ser tornado<br />
polivalente (BERNARDO apud ANTUNES, 2000, p. 45).<br />
Jinkings, objetivando mostrar que na tentativa de controlar “ações de<br />
confronto com as classes trabalhadoras” são incorpora<strong>da</strong>s nesses novos processos de<br />
trabalho as suas reivindicações, cujo resultado pode ser visto na comparação entre o<br />
modelo taylorista-fordita com as novas transformações do trabalho:<br />
Assim, o trabalho repetitivo e rotineiro disciplinado sob o sistema<br />
taylorista-fordista, a acumulação flexível contrapôs a ativi<strong>da</strong>de<br />
apresenta<strong>da</strong> como polivalente e enriqueci<strong>da</strong> de conteúdo; ao operário<br />
dócil, o trabalhador dotado de inteligência e criativi<strong>da</strong>de; à rígi<strong>da</strong><br />
cisão entre concepção e execução do trabalho, a participação e o<br />
envolvimento do assalariado nas questões relativas à sua ativi<strong>da</strong>de<br />
laboral. To<strong>da</strong>via, no contexto mundial de aumento drástico dos níveis<br />
de desemprego e de desmontagem de direitos sociais e do trabalho, a<br />
reali<strong>da</strong>de do cotidiano laboral está longe do quadro ideal pintado pelos<br />
ideólogos <strong>da</strong> reestruturação produtiva (2007, p. 98).<br />
Além disso, em combinação com a per<strong>da</strong> de direitos conquistados e a<br />
desregulamentação do trabalho assalariado 122 , multiplica-se, inclusive, o trabalho<br />
122 Mészáros discute o retrocesso no “campo do trabalho” com os seguintes <strong>da</strong>dos: “reaparecimento –<br />
ca<strong>da</strong> vez mais perturbador – <strong>da</strong> ‘mais-valia absoluta’ (na forma de swatshops etc.) em países que incluem<br />
as ‘democracias ocidentais’, já para não falar do chamado ‘Terceiro Mundo’, onde sempre foi muito<br />
evidente. Existem também algumas tendências, quase incompreensíveis, para inverter a diminuição dos<br />
horários de trabalho nos países mais avançados. Para referir apenas três: 1. No Japão, uma lei recente
escravo 123 , noticiado pelos telejornais “escan<strong>da</strong>lizados”. Coexistem setores altamente<br />
avançados e outros quase que arcaicos voltados ao artesanato: fábricas de fundo de<br />
quintal e crescimento vertiginoso dos setores chamados informais e de prestação de<br />
serviços. Como expõe Antunes:<br />
139<br />
No caso do “trabalho em domicílio”, sua utilização não pode abranger<br />
inúmeros setores produtivos, como a empresa automobilística, a<br />
siderurgia, a petroquímica etc. Mas onde ela tem proliferado, seu<br />
vínculo com o sistema produtivo capitalista é muito mais evidente,<br />
sua subordinação ao capital é direta, sendo um mecanismo de<br />
reintrodução de formas pretéritas de trabalho, como o trabalho por<br />
peça, de que falou Marx, o qual o capitalismo <strong>da</strong> era <strong>da</strong> mundialização<br />
está recuperando em grande escala. Basta lembrar o caso <strong>da</strong><br />
monumental expansão <strong>da</strong> Benetton, <strong>da</strong> Nike, em tantas partes do<br />
mundo, dentre as inúmeras experiências de trabalho realizado no<br />
espaço domiciliar, doméstico ou pequenas uni<strong>da</strong>des (2000, p. 115,<br />
grifos do autor).<br />
Com essas mu<strong>da</strong>nças no processo de trabalho, junto à retoma<strong>da</strong> de velhas<br />
posturas liberais recupera-se também a ideia de que está na educação a solução para os<br />
problemas inerentes à ordem social regi<strong>da</strong> pelo capital ao mesmo tempo em que o<br />
Estado se desobriga de investir neste setor. Conforme Silva:<br />
No âmbito educacional, cristalizaram-se as políticas e estratégias<br />
dirigi<strong>da</strong>s para a descentralização administrativa e financeira: ênfase<br />
nos resultados e na racionalização de recursos públicos; priori<strong>da</strong>des<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nos critérios econômicos de produtivi<strong>da</strong>de, quali<strong>da</strong>de e<br />
competitivi<strong>da</strong>de; criação do sistema nacional de informação e <strong>da</strong>dos<br />
estatísticos; institucionalização de parcerias; políticas volta<strong>da</strong>s para o<br />
auto-financiamento; manutenção <strong>da</strong>s práticas autoritárias nos<br />
processos decisórios na educação pública; recentralização do processo<br />
de avaliação institucional e estreitamento de vínculos entre educação e<br />
trabalho através <strong>da</strong> política de educação profissional (2002, p. 06).<br />
Entretanto, enfatizo que as mu<strong>da</strong>nças nos processos de trabalho em na<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>m<br />
a lógica <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de capitalista de valorização do valor. Pelo contrário, essas<br />
aumentou o horário de trabalho semanal de 48 para 52 horas; e para sublinhar o absurdo dessas práticas,<br />
enquanto o horário semanal é aumentado, ao mesmo tempo o desemprego, já a um nível recorde, continua<br />
a aumentar; 2. Na Alemanha, um acordo recente entre a direção <strong>da</strong> Volkswagen e os sindicatos alargou o<br />
horário ‘normal’ de trabalhado (quer dizer, o que não chega ao horário extraordinário com aumento de<br />
pagamento) de 35 para 42 horas; além disso, inclusivamente na Alemanha, o desemprego é<br />
ameaçadoramente elevado (mais de 4,5 milhões atualmente); e 3. Em Itália, a introdução <strong>da</strong>s ’35 horas’<br />
projeta<strong>da</strong> pela lei concedi<strong>da</strong> pelo governo de Prodi aos sindicatos e ao Partido <strong>da</strong> Refun<strong>da</strong>ção antes de se<br />
dividir em dois, suscitou a hostili<strong>da</strong>de aberta do patronato; o chefe <strong>da</strong> Confindustria, Giorgio Fossa (cujo<br />
nome diz tudo) declarou que organizará uma ‘grande coligação’ para sepultar esta lei. (Depois <strong>da</strong><br />
mu<strong>da</strong>nça de governo a favor de Berlusconi, isso deverá ser uma brincadeira de crianças se a esquer<strong>da</strong> nos<br />
sindicatos e nos movimentos políticos não conseguir mobilizar as massas dos seus apoiantes para a defesa<br />
<strong>da</strong>quela lei, na reali<strong>da</strong>de muito modesta)” (2004, p. 9).<br />
123 A Revista National Geographic (2003) em matéria pormenoriza<strong>da</strong> sobre os escravos do século XXI –<br />
que envolve desde crianças até idosos – calcula que existam 27 milhões de escravos pelo mundo. Isto<br />
demonstra que o trabalho escravo continua coexistindo e complementando a produção capitalista.
mu<strong>da</strong>nças sempre ocorrem no sentido de <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de a essa lógica segundo as<br />
necessi<strong>da</strong>des e possibili<strong>da</strong>des existentes. As medi<strong>da</strong>s empreendi<strong>da</strong>s na educação e o<br />
perfil do trabalhador a ser formado podem parecer novos, mas mesmo com roupagens<br />
diferentes estão na direção <strong>da</strong> reprodução societária.<br />
140<br />
Esse “quadro” histórico de crise e tentativa de recomposição do capital 124 foi<br />
também caracterizado pelo desenvolvimento do movimento intelectual (cuja gênese é<br />
anterior 125 ) que atinge a arte, a arquitetura, a literatura, a filosofia etc. e que ficou<br />
conhecido como pós-moderno. Não há obviamente uma relação direta, mas certamente<br />
existe uma relação mediata entre a emergência predominante desse matiz teórico<br />
cultural multifacetário e a referi<strong>da</strong> crise estrutural. Daí a coerência <strong>da</strong>s seguintes<br />
assertivas de David Harvey:<br />
Façamos o que quisermos com o conceito, não devemos ler o pósmodernismo<br />
como uma corrente artística autônoma; seu enraizamento<br />
na vi<strong>da</strong> cotidiana é uma de suas características mais patentemente<br />
claras. (...)<br />
O pós-modernismo também deve ser considerado algo que imita as<br />
práticas sociais, econômicas e políticas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Mas, por imitar<br />
facetas distintas dessas práticas, apresenta-se com aparências bem<br />
varia<strong>da</strong>s. A superposição, em tantos romances pós-modernos, de<br />
diferentes mundos entre os quais prevalece uma ‘alteri<strong>da</strong>de’<br />
incomunicativa num espaço de coexistência tem uma estranha relação<br />
com a crescente favelização, enfraquecimento e isolamento <strong>da</strong><br />
pobreza e <strong>da</strong>s populações minoritárias no centro ampliado <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des<br />
britânicas e norte-americana” (2004, p. 65 e p. 109).<br />
124 Vale lembrar em termos breves que, no momento em que este estudo se desenvolve, irrompeu no<br />
centro do capitalismo mundial – os EUA – uma “nova” crise do capital (como tenho apresentado, a partir<br />
de Mészáros e outros, uma crise cujas causas vinham sendo gesta<strong>da</strong>s há anos) sob a forma de crise<br />
financeira. A sua intensi<strong>da</strong>de pode ser medi<strong>da</strong>, por exemplo, pela doação direta de dinheiro que o governo<br />
dos EUA tem <strong>da</strong>do aos seus principais bancos, comprando títulos podres (sem lastro) por enormes<br />
quantias que atingem a casa de 1 trilhão de dólares (a confirmação <strong>da</strong> farsa neoliberal <strong>da</strong> não intervenção<br />
do Estado na economia). A extensão <strong>da</strong> crise pode ser avalia<strong>da</strong>, por exemplo, pela que<strong>da</strong> continua <strong>da</strong>s<br />
bolsas de valores nas principais centros financeiros do planeta. Mas é preciso ter claro que a raiz não está<br />
nas bolsas e nos créditos, a raiz está na produção capitalista e na que<strong>da</strong> <strong>da</strong>s taxas de lucro que são<br />
imanentes a essa forma social. Neste sentido, tenho concordância com a análise do economista marxista<br />
brasileiro José Martins: “Nestes momentos de pânico, deve-se acompanhar em primeiro lugar o<br />
rendimento dos títulos do Tesouro. E o preço do ouro. São mais importantes para análise do que os<br />
populares índices <strong>da</strong> bolsa de valores. O ouro é essa ‘relíquia bárbara’ que ressurge nos períodos de crise<br />
com força, como a última e a mais concreta forma-valor do equivalente universal <strong>da</strong>s trocas entre as<br />
mercadorias. Antes dessa especialíssima semana, o preço do ouro girava em torno de US$ 700 a onça<br />
troy. No final <strong>da</strong> quinta-feira, 18, alcançava US$901,30. Isso reflete um processo mais geral de crise, em<br />
que rompe a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> valorização: o abstrato valor de troca distancia-se abruptamente do concreto valor<br />
de uso. A uni<strong>da</strong>de contraditória do duplo caráter do trabalho contido na mercadoria só poderá ser<br />
restaura<strong>da</strong> de forma altamente violenta” (MARTINS, 2008, p. 2).<br />
125 Para essa questão, é interessante a obra de Perry Anderson: ANDERSON, P. As origens <strong>da</strong> pósmoderni<strong>da</strong>de.<br />
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
141<br />
Harvey também alerta, com sua investigação, que momentos de crise de<br />
superprodução, como aquela eclodi<strong>da</strong> nos anos de 1970, resultam em uma “vira<strong>da</strong> para<br />
a estética”. Assim, argumenta:<br />
As respostas estéticas a condições de compressão do tempo-espaço<br />
são importantes, e assim têm sido desde que a separação, ocorri<strong>da</strong> no<br />
século XVIII, entre o conhecimento científico e julgamento moral<br />
criou para elas um papel distintivo. A confiança de uma época pode<br />
ser avalia<strong>da</strong> pela largura do fosso entre o raciocínio científico e a<br />
razão moral. Em períodos de confusão e incerteza, a vira<strong>da</strong> para a<br />
estética (de qualquer espécie) fica mais pronuncia<strong>da</strong>. Como fases<br />
de compreensão do tempo-espaço são disruptivas, podemos esperar<br />
que a vira<strong>da</strong> para a estética e para as forças <strong>da</strong> cultura, tanto como<br />
explicações quanto como loci de luta ativa, seja particularmente agu<strong>da</strong><br />
nesses momentos. Sendo típico <strong>da</strong>s crises de superacumulação<br />
catalisar a busca de soluções temporais e espaciais que criam, por<br />
sua vez, um sentido avassalador de compressão do tempo-espaço,<br />
também podemos esperar que as crises de superacumulação sejam<br />
segui<strong>da</strong>s por fortes movimentos estéticos (Idem, p. 293, grifo meu).<br />
Harvey também conclui que existe muito mais continui<strong>da</strong>de no movimento pós-<br />
moderno em relação ao moderno do que diferenças. E considera mais interessante tratar<br />
o pós-modernismo como um “tipo particular de crise” do modernismo que se completa<br />
satisfatoriamente à lógica do mercado. Nesse contexto, trata-se de:<br />
Uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero, caótico <strong>da</strong><br />
formulação de Baudelarie (o lado que Marx disseca tão<br />
admiravelmente como parte integrante do modo capitalista de<br />
produção), enquanto exprime um profundo ceticismo diante de<br />
to<strong>da</strong> prescrição particular sobre como conceber, representar ou<br />
exprimir o eterno e imutável. Mas o pós-modernismo, com sua<br />
ênfase na efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jouissance, sua instância na<br />
impenetrabili<strong>da</strong>de do outro, sua concentração antes no texto do que na<br />
obra, sua inclinação pela descontrução que beira o niilismo, sua<br />
preferência pela estética, em vez <strong>da</strong> ética, leva as coisas longe demais.<br />
Ele as conduz além do ponto em que acaba a política coerente,<br />
enquanto a corrente que busca uma acomo<strong>da</strong>ção pacífica com o<br />
mercado o envere<strong>da</strong> firmemente pelo caminho de uma cultura<br />
empreendimentalista que é o marco do neoconservadorismo<br />
reacionário (Idem, p. 111 - 2, grifo meu).<br />
Enfim, o autor esclarece que as mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s não são novas e que embora<br />
os pós-modernistas afirmem a impossibili<strong>da</strong>de de qualquer compreensão que abarque a<br />
totali<strong>da</strong>de e que seja mais precisa na compreensão real desse período histórico, isto não<br />
é ver<strong>da</strong>deiro. E argumenta:<br />
O pós-modernismo quer que aceitemos as reificações e partições,<br />
celebrando a ativi<strong>da</strong>de de mascaramento e de simulação, todos os<br />
fetichismos de locali<strong>da</strong>de, de lugar ou de grupo social, enquanto nega<br />
o tipo de metateoria capaz de apreender os processos políticos<br />
econômicos, (fluxos de dinheiro, divisões internacionais do trabalho,
142<br />
mercados finanças etc.), que estão se tornando ca<strong>da</strong> vez mais<br />
universalizantes em sua profundi<strong>da</strong>de, intensi<strong>da</strong>de, alcance e poder<br />
sobre a vi<strong>da</strong> cotidiana.<br />
Pior do que isso, enquanto abre uma perspectiva radical mediante o<br />
reconhecimento <strong>da</strong> autentici<strong>da</strong>de de outras vozes, o pensamento pósmoderno<br />
ve<strong>da</strong> imediatamente essas outras vozes o acesso a fontes<br />
mais universais de poder, circunscrevendo-se num gueto de alteri<strong>da</strong>de<br />
opaco, <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de de um outro jogo de linguagem (Idem, p.<br />
112).<br />
Concluindo sobre as mu<strong>da</strong>nças:<br />
O esboço histórico que propus aqui sugere, no entanto, que mu<strong>da</strong>nças<br />
dessa espécie de modo algum são novas, e que a sua versão mais<br />
recente por certo está ao alcance <strong>da</strong> pesquisa materialistahistórica,<br />
podendo até ser teoriza<strong>da</strong> com base na metanarrativa<br />
do desenvolvimento capitalista que Marx formulou. (Idem, p. 294,<br />
grifo meu).<br />
Essas afirmações de Harvey estão em direção radicalmente opostas às posições<br />
toma<strong>da</strong>s por Bracht e Almei<strong>da</strong>, expostas no capítulo 1, bem como aquelas <strong>da</strong> maioria<br />
dos professores de educação física cujos trabalhos sintetizo no capítulo 6. Expostas<br />
algumas <strong>da</strong>s determinações sociais fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> reestruturação produtiva, trato, a<br />
seguir, <strong>da</strong>s suas conseqüências para a área <strong>da</strong> educação física.<br />
5.1 – O movimento crítico na <strong>Educação</strong> Física na déca<strong>da</strong> de 1980<br />
Entendo o “movimento crítico na educação física dos anos de 1980” como<br />
manifestação de uma consciência histórica que corresponde à organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira no período que compreende o fim <strong>da</strong> ditadura militar e o restabelecimento <strong>da</strong><br />
democracia e que, em determinado momento, questiona a produção social capitalista.<br />
Esse movimento concretizou-se na produção teórica e na luta política de significativo<br />
segmento dos profissionais <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física brasileira.<br />
Ao mesmo tempo em que vivíamos internamente a luta pelo fim <strong>da</strong> ditadura,<br />
mundialmente configurava-se um novo estágio de acumulação capitalista descrito<br />
anteriormente, ou seja, o chamado processo de globalização, com questionamentos<br />
sobre o papel do Estado enquanto regulador <strong>da</strong> economia e pelas mu<strong>da</strong>nças em alguns<br />
setores produtivos fun<strong>da</strong>mentais.<br />
Internamente, o fim <strong>da</strong> ditadura militar provoca um crescimento dos movimentos<br />
sociais, uma grande mobilização sindical que aconteceu, em um primeiro momento, no
setor privado, depois ganhou enorme força no setor público. As greves se tornaram a<br />
expressão maior na luta desses sindicatos contra o arrocho salarial. Incluíam-se nesse<br />
movimento setores ligados à educação que antes haviam sido imobilizados pela<br />
repressão.<br />
143<br />
Nas paralisações dos professores, além <strong>da</strong> luta por melhores salários,<br />
apresentava-se a luta por uma escola pública de quali<strong>da</strong>de que se fazia através de<br />
discussões e propostas de mu<strong>da</strong>nças de encaminhamento pe<strong>da</strong>gógico e de conteúdos.<br />
Nesse momento, se tornava explícito para alguns educadores que a educação<br />
estava intimamente liga<strong>da</strong> aos processos de construção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, fosse no sentido<br />
de conservar ou transformar radicalmente as relações sociais capitalistas. Para aqueles<br />
educadores que se punham contra a ordem social vigente, fazia-se necessária uma<br />
toma<strong>da</strong> de decisão no sentido <strong>da</strong> transformá-la. Voltava à tona a Pe<strong>da</strong>gogia Libertadora<br />
de Paulo Freire 126 formula<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 1960 e reprimi<strong>da</strong> pela ditadura militar, e<br />
começava a ser construí<strong>da</strong>, tornando-se decisiva, a Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica<br />
formula<strong>da</strong> por Dermeval Saviani 127 . Essas duas correntes se transformaram nas<br />
principais referências para a maioria dos educadores que se posicionaram no campo <strong>da</strong><br />
“esquer<strong>da</strong> educacional”.<br />
Se, em princípio, a <strong>Educação</strong> Física continuasse com seu discurso apolítico,<br />
pautado em ciências que advogavam a neutrali<strong>da</strong>de, formando o homem unilateral, teria<br />
ela encontrado eco na escola em um momento em que a preocupação estava em formar<br />
126 Freire, na déca<strong>da</strong> de 1960, trabalhava no Programa Nacional de Alfabetização de Adultos com seu<br />
método único, interrompido pela ditadura militar. No exílio, continuou a discutir e escrever sobre<br />
educação e suas ideias ganham muita força com o final <strong>da</strong> ditadura. “O “convite” de Freire ao<br />
alfabetizado adulto é, inicialmente, para que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e<br />
produzindo em determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Convi<strong>da</strong> o analfabeto a sair <strong>da</strong> apatia e do conformismo de<br />
“demitido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>” em que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também<br />
um fazedor de cultura, fazendo-o apreender o conceito antropológico de cultura. O “ser-menos” <strong>da</strong>s<br />
cama<strong>da</strong>s populares é trabalhado para não ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como<br />
determinação do contexto econômico-político-ideológico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que vivem. [...] A eficácia e<br />
vali<strong>da</strong>de do “Método” consistem em partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de do alfabetizando, do que ele já conhece, do valor<br />
pragmático <strong>da</strong>s coisas e fatos de sua vi<strong>da</strong> cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso<br />
comum e dele partindo, Freire propõe a sua superação” (FREIRE, 1996, p. 37 - 9).<br />
127 A Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica, como mencionei no primeiro capítulo, tornava-se a base para a<br />
elaboração de vários currículos e passa ser o principal eixo para a reformulação <strong>da</strong> escola. Para esta<br />
pe<strong>da</strong>gogia é fun<strong>da</strong>mental que a classe trabalhadora tenha acesso ao acúmulo cultural, ao conhecimento<br />
produzido historicamente pelos homens. Esse conhecimento é também entendido como a expressão <strong>da</strong>s<br />
contradições e <strong>da</strong> luta de classes, constituindo-se num importante instrumento de formação crítica e de<br />
luta para a transformação <strong>da</strong>s relações sociais. Trata-se <strong>da</strong> reapropriação pelo trabalhador do<br />
conhecimento produzido no interior dessas relações. Os alicerces teóricos dessa proposta pe<strong>da</strong>gógica<br />
estão no pensamento socialista clássico de Marx, Engels e Gramsci.
o homem crítico, em uma ciência comprometi<strong>da</strong> com posicionamentos políticos e com a<br />
formação do homem omnilateral?<br />
144<br />
Algumas questões necessitavam de discussão na <strong>Educação</strong> Física. Tornou-se<br />
imprescindível questionar seu “suporte teórico”, até então dominado pelas ciências<br />
biológicas na perspectiva <strong>da</strong> aptidão física, questionar seus papéis historicamente<br />
determinados e sua última função socialmente estabeleci<strong>da</strong>, que colocava o esporte<br />
como único conteúdo. Esses questionamentos geraram uma crise de identi<strong>da</strong>de, levando<br />
os profissionais <strong>da</strong> área a in<strong>da</strong>gar a respeito do que é <strong>Educação</strong> Física e de qual é sua<br />
legitimi<strong>da</strong>de como disciplina escolar, conforme vimos no capítulo 1.<br />
Identi<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de passaram a ser o foco principal <strong>da</strong> atenção de alguns<br />
pesquisadores, que buscam outra orientação para a educação física nas ciências<br />
humanas não vincula<strong>da</strong>s ao positivismo.<br />
A déca<strong>da</strong> de 1980 colocava uma tarefa a ser cumpri<strong>da</strong>, como expressa Castellani<br />
Filho em entrevista concedi<strong>da</strong> a Ferreira Netto (1996), referindo-se também a<br />
companheiros <strong>da</strong>quele momento:<br />
Nós tínhamos uma questão complexa. Vivíamos um momento político<br />
onde o que mais se cogitava era resgatar nossa capaci<strong>da</strong>de de<br />
intervenção na reali<strong>da</strong>de. E nós, enquanto profissionais <strong>da</strong> educação,<br />
queríamos intervir na <strong>Educação</strong> brasileira, na configuração de<br />
políticas educacionais, na administração e planejamento dessas<br />
políticas, e na construção de projetos curriculares. Esse era o problema<br />
concreto (1996, p. 211).<br />
Neste sentido, a mu<strong>da</strong>nça interna na <strong>Educação</strong> Física se esboçava na crítica ao<br />
seu paradigma pautado nas ciências naturais e humanas de cunho positivista,<br />
direciona<strong>da</strong> à aptidão física e vincula<strong>da</strong> à saúde e ao esporte. Busca suporte na<br />
fenomenologia, no materialismo histórico, na psicologia humanista de Carl Rogers e em<br />
autores <strong>da</strong> Escola de Frankfurt. 128<br />
Temos como expressão desse momento de crítica autores como: Medina<br />
(1983) 129 , Oliveira (1985,1987) 130 , Bracht (1987, 1989, 1992), entre outros. A partir <strong>da</strong>s<br />
128 Parece-me que a grande influência dessa escola de pensadores na <strong>Educação</strong> Física brasileira tem início<br />
com os programas de cooperação técnica internacional com agências alemãs (cujo maior exemplo é o<br />
Instituto de Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de Internacional vinculado à Fun<strong>da</strong>ção Adenauer) realizados ain<strong>da</strong> durante a<br />
ditadura militar. No princípio, isso se deu com a formação de técnicos para o desenvolvimento do esporte<br />
de alto nível e suas raízes na escola. Mais tarde, pesquisadores brasileiros de descendência alemã, com o<br />
fim <strong>da</strong> ditadura, na tentativa de responder às problemáticas que surgem na área se beneficiam desses<br />
programas, trazendo para o Brasil algumas respostas. A Teoria Crítica parece esclarecer para muitos<br />
professores de <strong>Educação</strong> Física as questões pertinentes ao esporte tecnicista e de sua grande<br />
mercadorização ao realizarem suas críticas à racionali<strong>da</strong>de técnica e à indústria cultural.<br />
129 Medina entende que a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> crise pela qual passa a socie<strong>da</strong>de, a educação e a educação física está<br />
no resgate de valores humanos, no diálogo, no combate à superficiali<strong>da</strong>de do relacionamento interpessoal.
eflexões destes e de outros professores de educação física, essa disciplina passa a ser<br />
defendi<strong>da</strong> por um grupo de profissionais, não mais como ativi<strong>da</strong>de física, mas como<br />
uma disciplina pe<strong>da</strong>gógica que na escola tematiza os elementos <strong>da</strong> cultura corporal <strong>da</strong><br />
qual fazem parte os jogos, o esporte, as lutas, a <strong>da</strong>nça, a ginástica etc. Mas este não é o<br />
consenso. Os posicionamentos em relação ao que é <strong>Educação</strong> Física e qual a sua função<br />
na escola ou qual seria a sua relação com a socie<strong>da</strong>de continuam divergentes.<br />
145<br />
Essas divergências se mostraram presentes durante a déca<strong>da</strong> de 1980 e<br />
permanecem até hoje. Existe em princípio uma preocupação com a cientifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física que parece ser comum a todos. Mas a partir do momento em que é<br />
denunciado o forte conteúdo ideológico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, bem como a sua restrição à<br />
aptidão física e ao esporte, o que não deixa de ser também um componente ideológico,<br />
os grupos se distanciam.<br />
Alguns teóricos incorporam à visão de <strong>Educação</strong> Física o sentido de prática<br />
social, de disciplina pe<strong>da</strong>gógica que na escola tematiza os elementos <strong>da</strong> cultura<br />
corporal, mas continuam reforçando seu caráter biológico e apolítico, além <strong>da</strong> ideia de<br />
que o que se tem a fazer é tentar contribuir para a organização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tal como<br />
ela se apresenta. Isto porque passa<strong>da</strong> a luta política contra a ditadura cessam, para<br />
muitos profissionais <strong>da</strong> área, as críticas ao modo de produção capitalista.<br />
A partir desses posicionamentos são esboça<strong>da</strong>s propostas pe<strong>da</strong>gógicas para a<br />
<strong>Educação</strong> Física, tanto no sentido de uma <strong>Educação</strong> Física crítica quanto em seu sentido<br />
mais conservador. Os primeiros sinais de propostas resultantes do “movimento crítico”<br />
começam a ser esboçados nas propostas curriculares <strong>da</strong>s Secretarias de <strong>Educação</strong> de<br />
alguns estados, como é o caso do Paraná, de Pernambuco, Santa Catarina e resultam nas<br />
concepções crítico-superadora e a crítico-emancipatória, no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990.<br />
Como perspectiva conservadora temos em princípio a Abor<strong>da</strong>gem Desenvolvimentista,<br />
além <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> perspectiva tecnicista já menciona<strong>da</strong>.<br />
Considero importante apresentar sucintamente essas concepções, pois elas se<br />
Define a educação física como “a arte <strong>da</strong> ciência e do movimento humano que através de ativi<strong>da</strong>des<br />
específicas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos, renovando-os e transformando-os<br />
no sentido de sua auto-realização e em conformi<strong>da</strong>de com a própria realização de uma socie<strong>da</strong>de mais<br />
justa e livre” (1989, p. 83).<br />
130 Oliveira demonstra uma preocupação com o adestramento imposto nas aulas de educação física com a<br />
supervalorização <strong>da</strong> técnica e sua forte ligação com a saúde, pois assim abandona o “ver<strong>da</strong>deiro sentido<br />
<strong>da</strong> educação física”: formar o homem total. Baseia-se principalmente em Carl Rogers e propõe a<br />
educação física humanista. Define a educação física como educação quando a mesma apresenta uma<br />
reflexão em relação aos seus conteúdos e métodos, mas somente “a medi<strong>da</strong> em que reconhece o homem<br />
como arquiteto de si mesmo e <strong>da</strong> construção de uma socie<strong>da</strong>de melhor e mais humana” (1987, p. 105).
tornam as referências para o desenvolvimento <strong>da</strong> educação física.<br />
146<br />
A concepção crítico-superadora é uma proposição pe<strong>da</strong>gógica para a<br />
organização escolar e não é uma proposta direciona<strong>da</strong> apenas para a <strong>Educação</strong> Física.<br />
Na área, ela se torna conheci<strong>da</strong> com a publicação do livro Metodologia do Ensino de<br />
<strong>Educação</strong> Física, que além de apresentar essa concepção, discute a especifici<strong>da</strong>de dessa<br />
disciplina. É considera<strong>da</strong> a propostas mais sistematiza<strong>da</strong> para a <strong>Educação</strong> Física; foi<br />
construí<strong>da</strong> por um grupo que se autodenominou “Coletivo de Autores”, do qual fazem<br />
parte os professores Valter Bracht, Lino Castellani Filho, Celi Taffarel, Carmen Lúcia<br />
Soares, Elizabeth Varjal e Micheli Escobar.<br />
O Coletivo de Autores (1992) explica que, ao tratar os temas em seu livro,<br />
considera as “reais condições” dos professores, qual seja, “limitações materiais <strong>da</strong><br />
escola”, “baixos salários”, desvalorização <strong>da</strong> profissão e do seu trabalho”, e também a<br />
disposição para “transformar a sua prática”.<br />
Além disso, compreendem que a socie<strong>da</strong>de é composta por classes antagônicas<br />
identifica<strong>da</strong>s como “classe trabalhadora” e “classe proprietária”. Se posicionam<br />
claramente a favor <strong>da</strong> “classe trabalhadora”, afirmando que os “interesses históricos”<br />
dessa classe se expressam “através <strong>da</strong> luta e <strong>da</strong> vontade política para tomar a direção <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de, construindo a hegemonia popular. Essa luta se expressa através de uma ação<br />
prática, no sentido de transformar a socie<strong>da</strong>de de forma que os trabalhadores possam<br />
usufruir do resultado do seu trabalho” (Idem, p. 24).<br />
Explicitam que uma pe<strong>da</strong>gogia que aten<strong>da</strong> aos interesses de classe deve ser<br />
diagnóstica, judicativa e teleológica; assim, todo educador deve definir o seu projeto<br />
político-pe<strong>da</strong>gógico a partir <strong>da</strong> compreensão sobre as questões: “qual o projeto de<br />
socie<strong>da</strong>de e de homem que persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais<br />
os valores, a ética e a moral que elege para consoli<strong>da</strong>r através de sua prática? Como<br />
articula suas aulas com este projeto maior de homem e socie<strong>da</strong>de?” (Idem, p. 26).<br />
Trabalham com a perspectiva de “currículo ampliado”, pois esta proporciona a<br />
possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> “constatação, a interpretação, a compreensão e a explicação <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de social complexa e contraditória” (Idem, p. 28). Assim, a organização escolar<br />
não pode ser <strong>da</strong> forma convencional, mas ter a perspectiva de que o aluno adquira uma<br />
“visão de totali<strong>da</strong>de”, compreendi<strong>da</strong> como uma “síntese, no seu pensamento [do aluno],<br />
<strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s diferentes ciências para a explicação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de” (Idem, p. 28).<br />
Neste sentido:
147<br />
Ca<strong>da</strong> matéria ou disciplina deve ser considera<strong>da</strong> na escola como um<br />
componente curricular que só tem sentido pe<strong>da</strong>gógico à medi<strong>da</strong> que<br />
seu objeto se articula aos diferentes objetos dos outros componentes<br />
do currículo (Línguas, Geografia, Matemática, História, <strong>Educação</strong><br />
Física etc.). Pode-se afirmar que uma disciplina é legítima ou<br />
relevante para essa perspectiva de currículo quando a presença do seu<br />
objeto de estudo é fun<strong>da</strong>mental para a reflexão pe<strong>da</strong>gógica do aluno e<br />
a sua ausência compromete a perspectiva de totali<strong>da</strong>de dessa reflexão<br />
(Idem, p. 29).<br />
A legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s disciplinas, incluindo a <strong>Educação</strong> Física, se <strong>da</strong>ria pela<br />
necessi<strong>da</strong>de de articulação dos conhecimentos sistematizados em ca<strong>da</strong> área, e desta<br />
forma, sem essa articulação a compreensão <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de estaria comprometi<strong>da</strong>.<br />
Nesta proposta, os autores apontam um “novo objeto do conhecimento” para a<br />
<strong>Educação</strong> Física na escola: “a expressão corporal como linguagem e como saber ou<br />
conhecimento” (Idem, p. 42) e, a definem, “provisoriamente”, como: “uma prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de ativi<strong>da</strong>des expressivas corporais<br />
como: jogo, esporte, <strong>da</strong>nça, ginástica, formas estas que configuram uma área de<br />
conhecimento que podemos chamar de cultura corporal” (Idem,1992, p. 50).<br />
Os elementos que formam essa cultura corporal são produzidos historicamente<br />
nas relações sociais e precisam ser sistematizados para a escola. Essa sistematização não<br />
é a simples incorporação de formas de movimento à <strong>Educação</strong> Física, mas a análise dos<br />
condicionantes históricos sociais que os produziram para a busca de um entendimento<br />
crítico desse saber pelos alunos. Desta forma, na dinâmica curricular, deve-se procurar:<br />
Buscar desenvolver uma reflexão pe<strong>da</strong>gógica sobre o acervo de<br />
formas de representação do mundo que o homem tem produzido no<br />
decorrer <strong>da</strong> história, exteriorizados pela expressão corporal: jogos,<br />
<strong>da</strong>nça, lutas, exercícios ginásticos, esportes, malabarismo,<br />
contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como<br />
formas de representação simbólica de reali<strong>da</strong>des vivi<strong>da</strong>s pelo homem,<br />
historicamente cria<strong>da</strong>s e culturalmente desenvolvi<strong>da</strong>s. (Idem, p. 38).<br />
Como a proposta do Coletivo de Autores compreende uma organização escolar<br />
vincula<strong>da</strong> a um projeto político-pe<strong>da</strong>gógico, não apenas para uma disciplina específica,<br />
mas para to<strong>da</strong> a escola, a organização escolar se dá a partir de ciclos que são assim<br />
identificados: o primeiro como Ciclo de <strong>Educação</strong> Infantil (Pré-Escolar) e Ciclo de<br />
organização e identificação <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong>de (1ª a 3ª séries do Ensino Fun<strong>da</strong>mental); o<br />
segundo corresponde ao Ciclo de Iniciação ao Conhecimento Sistematizado (4ª a 6ª<br />
séries do Ensino Fun<strong>da</strong>mental); o terceiro é o Ciclo de Ampliação do Conhecimento<br />
Sistematizado (7ª a 8ª séries do Ensino Fun<strong>da</strong>mental) e o último é o Ciclo de
Aprofun<strong>da</strong>mento do Conhecimento (1ª a 3ª séries do Ensino Médio).<br />
148<br />
Os autores apresentam, também, modelos de aulas como propostas de trabalho<br />
pe<strong>da</strong>gógico nas aulas de <strong>Educação</strong> Física. Conjugado a isso, discutem uma proposta de<br />
avaliação, entendendo-a como um momento diagnóstico que colabora com o<br />
crescimento do aluno.<br />
Outra perspectiva “crítico-emancipatória” para a <strong>Educação</strong> Física tem em<br />
Eleonor Kunz o principal referencial de sua construção. Este pesquisador tece críticas à<br />
educação física por esta não ser compatível às exigências <strong>da</strong> educação escolar, porque<br />
essa disciplina, na escola, possui como conteúdo exclusivo o esporte com seu caráter de<br />
competição e concorrência. Acredita, então, ser necessário desenvolver na <strong>Educação</strong><br />
Física funções sociais e políticas inerentes à ação pe<strong>da</strong>gógica e <strong>da</strong>r-lhe legitimi<strong>da</strong>de<br />
teórica. Considera ain<strong>da</strong> que as críticas elabora<strong>da</strong>s a partir do marxismo e <strong>da</strong><br />
psicomotrici<strong>da</strong>de não surtiram efeito.<br />
A divulgação de seu trabalho se dá principalmente por meio de duas publicações<br />
no início dos anos de 1990: a primeira, resultado de sua tese de doutorado finaliza<strong>da</strong> em<br />
1987 e publica<strong>da</strong> em 1991, com o título <strong>Educação</strong> Física: ensino & mu<strong>da</strong>nças; a<br />
segun<strong>da</strong>, intitula<strong>da</strong> Transformação Didático-pe<strong>da</strong>gógica do Esporte, foi publica<strong>da</strong> em<br />
1994, dá continui<strong>da</strong>de aos estudos anteriores e apresenta mais detalha<strong>da</strong>mente sua<br />
proposta pe<strong>da</strong>gógica.<br />
Na segun<strong>da</strong> obra, o autor demonstra uma aproximação muito maior e decisiva<br />
com a “Teoria Crítica <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de” <strong>da</strong> Escola de Frankfurt, encontrando em Habermas<br />
sua maior fun<strong>da</strong>mentação. Além de autores <strong>da</strong> Escola de Frankfurt, se fun<strong>da</strong>menta em<br />
autores <strong>da</strong> fenomenologia, como Merleau-ponty e Paulo Freire 131 , este último citado<br />
principalmente na primeira publicação.<br />
Suas críticas dizem respeito também à escola, que para o autor deve procurar<br />
desenvolver uma educação libertadora basea<strong>da</strong> no diálogo, conhecendo o “Mundo<br />
Vivido” 132 do aluno e compreendendo-o como sujeito de sua própria ação. O ensino<br />
escolar deve, então, tornar-se uma parte <strong>da</strong> educação que desenvolva a competência<br />
131<br />
Paulo Freire se considerava eclético e fun<strong>da</strong>mentava-se prioritariamente na Fenomenologia e no<br />
Existencialismo Cristão.<br />
132<br />
De acordo com Kunz, para Habermas “Mundo Vivido” é “o horizonte de possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s pessoas na<br />
busca de entendimentos no mundo social, objetivo ou subjetivo. É um mundo comum a todos e que se<br />
apresenta às pessoas, intuitivamente sem nunca ser problematizado.” (KUNZ, 1994, p.59); e nas palavras<br />
de Habermas em seu livro Theorie des Kommunikativen Handelns: “As estruturas do mundo vivido são as<br />
formas de sociabili<strong>da</strong>de do entendimento possível: O mundo vivido é o lugar transcendental de encontro<br />
entre falantes e ouvintes, o lugar onde ambos levantem pretensões de vali<strong>da</strong>de, e têm possibili<strong>da</strong>des de<br />
testá-las, conseguindo, assim, um consenso fun<strong>da</strong>do” (HABERMAS apud KUNZ 1994, p. 59).
crítica e emancipa<strong>da</strong>.<br />
149<br />
Neste sentido, a <strong>Educação</strong> Física tem uma posição importante no processo<br />
educativo, pois o “Movimento Humano”, entendido pelo autor como objeto <strong>da</strong> educação<br />
física, “consiste de experiências significativas e individuais, onde pelo seu se-<br />
movimentar o Indivíduo realiza sempre um contato e um confronto com o Mundo<br />
material e social, bem como consigo mesmo” (KUNZ, 1991, p. 165). O movimento,<br />
segundo sua análise, deve ser interpretado como um diálogo entre o homem e o mundo:<br />
O Se-movimentar, entendido como diálogo entre Homem e Mundo,<br />
envolve o Sujeito deste acontecimento, sempre na sua<br />
Intencionali<strong>da</strong>de. E é através desta intencionali<strong>da</strong>de que se constitui o<br />
Sentido/significado e Intencionali<strong>da</strong>de têm assim uma relação muito<br />
estreita na concepção dialógica do Movimento (Ibid, p. 174).<br />
O Movimento Humano assim compreendido não pode ser confundido com a<br />
forma do esporte encontrado nas aulas de <strong>Educação</strong> Física. É necessária uma<br />
transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte, principalmente por considerar esse<br />
conteúdo de suma importância e que, portanto, deve ser preservado.<br />
O entendimento do esporte deve ser amplo, ou seja, contemplar várias<br />
manifestações do movimento e não somente aquelas liga<strong>da</strong>s à instituição esportiva.<br />
Embora seja preciso destacar que em seus exemplos de aulas trabalhe especificamente<br />
com as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des oficiais. Nas aulas, esse conteúdo deve atender ao desenvolvimento<br />
do aluno nas competências <strong>da</strong> autonomia, <strong>da</strong> interação social e objetiva.<br />
Discute e faz críticas à ciência que, a serviço do esporte de alto nível, só se<br />
interessa por questões tecnológicas e de rendimento. Nessa especifici<strong>da</strong>de, o homem<br />
não chega a ser substituído pela máquina, mas se torna uma máquina de rendimentos.<br />
Suas críticas se dão a partir <strong>da</strong>s críticas dos teóricos <strong>da</strong> Escola de Frankfurt sobre a<br />
racionali<strong>da</strong>de técnica e em relação à indústria cultural.<br />
Ao tomar como princípios a Teoria <strong>da</strong> Ação Comunicativa elabora<strong>da</strong> por<br />
Habermas, explica que a partir <strong>da</strong> ação comunicativa 133 os homens devem chegar ao<br />
esclarecimento 134 , emancipando e adquirindo a maiori<strong>da</strong>de: “Maiori<strong>da</strong>de ou<br />
emancipação devem ser coloca<strong>da</strong>s como tarefa fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>, isto implica,<br />
principalmente, num processo de esclarecimento racional e se estabelece num processo<br />
comunicativo” (KUNZ, 1994, p. 31).<br />
133<br />
Lembrando que para Habermas a ação comunicativa é a ativi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental que diferencia os<br />
homens dos animais.<br />
134<br />
Para a questão do esclarecimento, Kunz se reporta à discussão feita por Habermas em obra já cita<strong>da</strong>,<br />
sobre Kant em Was ist Aufklärung? (O que é Esclarecimento?).
Para que isto se desenvolva, é necessário um processo de auto-reflexão:<br />
150<br />
Uma emancipação só seria possível quando os agentes sociais, pelo<br />
esclarecimento, reconhecem a origem e os determinantes <strong>da</strong><br />
dominação e <strong>da</strong> alienação. Os agentes sociais são levados assim, à<br />
auto-reflexão. Pela reflexão, estes podem perceber que sua forma de<br />
consciência é ideologicamente falsa e que a coerção que sofrem é<br />
auto-imposta (Ibid, p. 33).<br />
Ain<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> teoria de Habermas, desenvolve suas teses para a<br />
transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte e para a preparação <strong>da</strong>s aulas de<br />
educação física três categorias: a do Trabalho, a <strong>da</strong> Interação e a <strong>da</strong> linguagem. À<br />
primeira corresponde a competência objetiva e diz respeito à aprendizagem técnica; a<br />
segun<strong>da</strong> está relaciona<strong>da</strong> à competência social e significa discutir as relações<br />
socioculturais, apreender os papéis sociais e o agir solidário e cooperativo; à terceira<br />
corresponde a competência comunicativa e possui o papel decisivo para a educação<br />
crítico-emancipatória, no que tange à linguagem verbal e de movimento.<br />
Partindo desses pressupostos, as ‘situações de ensino’ apresentam como<br />
conteúdo os esportes, as <strong>da</strong>nças e as ativi<strong>da</strong>des lúdicas. Os dois últimos enfatizando seu<br />
caráter de sensibili<strong>da</strong>de e libertador <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de humana, <strong>da</strong> submissão e <strong>da</strong><br />
obediência.<br />
O autor não apresenta proposta de seriação dos conteúdos, mas exemplos de<br />
aulas nas quais são trabalha<strong>da</strong>s as competências considera<strong>da</strong>s necessárias para atingir os<br />
objetivos supracitados.<br />
Representando o entendimento conservador na área, temos a Abor<strong>da</strong>gem<br />
Desenvolvimentista, incorpora<strong>da</strong> por uma grande parte dos professores. Nessa<br />
abor<strong>da</strong>gem, a discussão parte do princípio de que a <strong>Educação</strong> Física carece de uma<br />
fun<strong>da</strong>mentação teórica com uma base científica. Fato este que, em consonância com<br />
Tani et.al.(1988), tem criado incertezas junto aos profissionais <strong>da</strong> área.<br />
Essa fun<strong>da</strong>mentação é busca<strong>da</strong> nos processos de desenvolvimento e de<br />
aprendizagem motora, em que o profissional para “atender às reais necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
criança necessita ter como ponto de parti<strong>da</strong> a compreensão <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças no seu<br />
comportamento motor, com o objetivo de identificar estas necessi<strong>da</strong>des” (TANI, 1987,<br />
p. 20).<br />
O movimento é considerado como tema <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, sendo que este<br />
possui dois aspectos. Ao mesmo tempo em que o movimento é um comportamento que<br />
pode ser observado, ele é o resultado de um processo interno do indivíduo que ocorre no
sistema nervoso. É este último aspecto, e não simplesmente o produto, que analisa e<br />
leva em consideração para a formulação dos objetivos e conteúdos.<br />
151<br />
Os conteúdos devem ser trabalhados para que se desenvolvam as habili<strong>da</strong>des<br />
básicas e depois as específicas, em que:<br />
Convém acrescentar que as habili<strong>da</strong>des básicas são importantes para a<br />
aprendizagem de to<strong>da</strong>s as habili<strong>da</strong>des específicas ou culturalmente<br />
determina<strong>da</strong>s, requisita<strong>da</strong>s no trabalho, na vi<strong>da</strong> social, enfim na vi<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>s pessoas, e não somente para a aprendizagem <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des<br />
desportivas (TANI et al. 1988, p. 89).<br />
Consideram que, ao se trabalhar com as habili<strong>da</strong>des básicas e específicas,<br />
automaticamente será contemplado o desenvolvimento afetivo-social, no qual estão<br />
envolvidos fenômenos sociais como liderança, conflitos, competição etc. Os fenômenos<br />
sociais restringem-se, aqui, à psicologia individual, descontextualizados, não se levando<br />
em conta sua produção histórica. Ademais, partem de um conceito natural de criança,<br />
eliminando as desigual<strong>da</strong>des sociais como determinantes nos processos de seu<br />
desenvolvimento.<br />
Com o exposto, podemos perceber que os anos de 1980 e início de 1990 são<br />
marcados, na <strong>Educação</strong> Física, por uma intensa busca pela ruptura de suas proposições<br />
teóricas e encaminhamentos pe<strong>da</strong>gógicos e até mesmo por uma maior busca de<br />
pressupostos que a legitime como matéria científica na perspectiva de transformar ou de<br />
conservar o já existente. Essas perspectivas dizem respeito tanto ao caso particular <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física quanto a um entendimento mais geral em relação à escola e em alguns<br />
poucos casos chegando-se à totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de capitalista. Temos como<br />
hipótese que essa discussão, em um momento muito específico do capitalismo, como<br />
apresentamos brevemente no início deste item, colabora para que algumas perspectivas<br />
avancem e outras sejam trata<strong>da</strong>s como propostas derrota<strong>da</strong>s, ou seja, com o processo de<br />
globalização ou mundialização do capital, as perspectivas que apontavam para uma<br />
crítica mais radical <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista perdem espaço para aquelas que<br />
explicitamente defendem essa sociabili<strong>da</strong>de e para aquelas que se autodenominam de<br />
críticas, porém trabalham na mesma lógica do capital.<br />
5.2 – Revisão Crítica ou Crítica <strong>da</strong> Crítica
152<br />
Se na déca<strong>da</strong> de 1980 a educação física ficou marca<strong>da</strong> pelas críticas ao<br />
tecnicismo, pela busca de sua identi<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de, nos anos de 1990, além <strong>da</strong><br />
continui<strong>da</strong>de dessas problemáticas e de novas propostas pe<strong>da</strong>gógicas, inicia-se um<br />
processo conhecido como “crítica <strong>da</strong> crítica”, cuja tentativa seria a de <strong>da</strong>r melhor<br />
quali<strong>da</strong>de às discussões.<br />
Os autores que realizam a chama<strong>da</strong> “crítica <strong>da</strong> crítica” procuram analisar o<br />
“movimento crítico” no sentido de repensarem as denúncias, os debates, refletirem<br />
sobre os possíveis avanços, detectarem as falhas. Esses pesquisadores são<br />
representantes de perspectivas distintas, mas também não escapam às contradições do<br />
processo de produção e reprodução do capitalismo. Na ver<strong>da</strong>de, compreender o real não<br />
é uma tarefa fácil, não foi para o “movimento crítico”, e também não foi e não é para<br />
aqueles que fazem sua crítica. É preciso entender que viver um processo dinâmico de<br />
contínua construção social implica um processo de contínua reflexão. Neste sentido, as<br />
questões estão longe de se esgotarem.<br />
Parece importante destacar, dentre as muitas existentes, algumas dessas<br />
críticas 135 . Em síntese, apresentamos dois autores: Oliveira (1994) 136 , que indica como<br />
araiz dos problemas vividos pela área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física a estrutura social capitalista e,<br />
Caparroz (1997), autor que se intitula um órfão dessa déca<strong>da</strong>, pois segundo ele as<br />
críticas eram de ordem macroestrutural e não deram conta <strong>da</strong>s especifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
disciplina no interior <strong>da</strong> escola.<br />
Oliveira (1994) analisa a produção teórica na <strong>Educação</strong> Física utilizando como<br />
critério as produções de maior veiculação a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, tendo a<br />
preocupação de detectar o quanto essa produção está comprometi<strong>da</strong> com o que ele<br />
denomina “Pe<strong>da</strong>gogia do Consenso” ou com o que define como “Pe<strong>da</strong>gogia do<br />
Conflito”.<br />
A Pe<strong>da</strong>gogia do Consenso apoia-se na “neutrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s práticas corporais”,<br />
assume uma postura conservadora e atua na manutenção <strong>da</strong> ordem social. A Pe<strong>da</strong>gogia<br />
do Conflito entende a <strong>Educação</strong> Física como uma prática social vincula<strong>da</strong> às relações<br />
sociais. Neste sentido, busca compreendê-la a partir <strong>da</strong>s contradições e dos<br />
135 Além <strong>da</strong>s críticas de Oliveira (1994) e Caparroz (1997), surgiram como alternativas – tanto para as<br />
tendências aponta<strong>da</strong>s como conservadoras quanto para as tendências aponta<strong>da</strong>s como críticas – as<br />
seguintes concepções de <strong>Educação</strong> Física: a fenomenológica, a sociológica, a cultural, a construtivista e a<br />
concepção de aulas abertas.<br />
136 Este autor, citado anteriormente pela importância que adquiriu com as suas elaborações teóricas nos<br />
anos de 1980, procura, nesse período, superar as discussões iniciais <strong>da</strong> área, inclusive revendo suas<br />
próprias posições.
questionamentos à socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
153<br />
O autor adverte que muitos teóricos defendem uma posição conservadora e<br />
chama a atenção para que mesmo com a grande produção dentro <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia do<br />
Conflito, os autores nem sempre percebem o modo de produção capitalista como<br />
gerador <strong>da</strong> “injustiça social”, e por isso mesmo, ao buscarem uma transformação,<br />
acabam por adotar uma postura conciliatória.<br />
Propõe a recuperação de valores marxistas que passem pela “elaboração do nível<br />
de consciência dos trabalhadores” e <strong>da</strong> “alteração <strong>da</strong> base econômica”, porque<br />
E conclui:<br />
a existência de classes sociais inviabiliza qualquer tentativa de se<br />
viver em uma socie<strong>da</strong>de justa. As nossas utopias de liber<strong>da</strong>de e<br />
igual<strong>da</strong>de não se realizarão sem a necessária socialização dos meios<br />
de produção, condição para a construção do comunismo, única forma<br />
de organizar a socie<strong>da</strong>de que poderá viabilizar a realização plena do<br />
ser humano (OLIVEIRA,1994, p. 185 - 6).<br />
As novas formas de <strong>da</strong>r aula estão vincula<strong>da</strong>s a um novo conteúdo que<br />
emergirá do processo de construção de uma nova moral, de uma nova<br />
cultura e de um novo humanismo. Essa é uma questão pe<strong>da</strong>gógica,<br />
pois trata, antes de mais na<strong>da</strong>, de luta por hegemonia. Esta dependerá<br />
<strong>da</strong> produção de um outro consenso, bem diverso <strong>da</strong>quele que aponta<br />
para o fim <strong>da</strong> História. Esse novo consenso será sempre provisório,<br />
pois resulta <strong>da</strong> identificação e <strong>da</strong> superação de uma sucessão de<br />
conflitos (Ibid, p. 187).<br />
Com outro foco de discussão, Caparroz (1997), ao analisar também a produção<br />
teórica <strong>da</strong> área na déca<strong>da</strong> de 1980, apresenta como preocupação central a questão <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física enquanto componente curricular, mais especificamente procura<br />
entender como essa questão foi analisa<strong>da</strong>, e embora perceba fortes diferenças de<br />
posicionamento na produção teórica, traça algumas conclusões mais gerais.<br />
Tais conclusões resultam em críticas aos autores que, ao tentar explicar a<br />
marginali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong> Física no currículo escolar, incorrem no equívoco<br />
determinista de estabelecer explicações mecânicas entre as estruturas sócioeconômicas e<br />
a referi<strong>da</strong> disciplina. É por isso que reclama <strong>da</strong> carência de discussões centra<strong>da</strong>s a partir<br />
<strong>da</strong>s relações peculiares estabeleci<strong>da</strong>s no interior <strong>da</strong> escola. Ou seja:<br />
Observa-se que há uma interlocução entre <strong>Educação</strong> Física e<br />
<strong>Educação</strong>, mas não no sentido de penetrar nas peculiari<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
própria área, de estabelecer os traços principais do currículo, com o<br />
objetivo de levantar-se o tratamento que deve ser <strong>da</strong>do e quais<br />
aspectos devem estar presentes para que se possa caracterizar a
154<br />
<strong>Educação</strong> Física, no sentido de buscar concepções que conformariam<br />
as práticas pe<strong>da</strong>gógicas. Tem-se a impressão de que a <strong>Educação</strong> Física<br />
não consegue olhar para o seu interior e visualizar as questões <strong>da</strong><br />
prática pe<strong>da</strong>gógica, do componente curricular, <strong>da</strong> didática (Ibid, p. 15<br />
- 6).<br />
As saí<strong>da</strong>s apresenta<strong>da</strong>s, na acepção deste autor, na tentativa de <strong>da</strong>r à <strong>Educação</strong><br />
Física o mesmo status <strong>da</strong>s outras disciplinas, acabam por <strong>da</strong>r-lhe características<br />
genéricas, deixando de apreender e discutir sua especifici<strong>da</strong>de. Alguns, tentando atribuir<br />
a ela um caráter educativo, incorporam um “discurso sóciopolítico” sem analisar, no<br />
entanto, o que a caracteriza enquanto componente curricular. Neste sentido, a análise<br />
torna-se idealista,<br />
pois perspectiva aliar a <strong>Educação</strong> Física escolar às condições sociais e<br />
históricas, sem entretanto se aprofun<strong>da</strong>r sobre o que caracteriza esta<br />
área no currículo, ou seja, as considerações sobre <strong>Educação</strong> Física se<br />
dão de forma descola<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua prática como componente curricular<br />
(Ibid, p. 159).<br />
Mostra também que um grupo tenta estabelecer a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física colocando como seu objeto “o movimento humano, sendo que este não pode ser<br />
entendido de forma abstrata, tornando-se necessário compreendê-lo em seu caráter<br />
sócio-histórico-cultural” (Ibid, p. 168). O mesmo grupo apresenta como conteúdo os<br />
elementos que fazem parte <strong>da</strong> “cultura corporal”. Nesse caso, concor<strong>da</strong> com os autores,<br />
mas entende como problema estes desconsiderarem que a <strong>Educação</strong> Física, na ver<strong>da</strong>de,<br />
sempre trabalhou com elementos <strong>da</strong> cultura corporal.<br />
Enfim, o autor parece identificar-se especialmente com o Coletivo de Autores e<br />
com Bracht, haja vista que estes respondem mais as suas expectativas, e observa que<br />
“essa produção se circunscreve num determinado limite, quando não consegue<br />
ultrapassar o nível genérico, e isso não pode ser entendido como insuficiência de seus<br />
autores, mas como decorrência <strong>da</strong> própria trajetória dos estudos referentes à <strong>Educação</strong><br />
Física escolar” (CAPARROZ, 1997, p. 169). Essas críticas se desenvolveram no<br />
contexto de avanço <strong>da</strong>s políticas neoliberais e o setor mais conservador, aquele que<br />
trabalha a perspectiva <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física tecnicista e desenvolvimentista se fortaleceu,<br />
pois o esporte de rendimento continuava predominante. E, em princípio, no tocante à<br />
permanência <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola, nem esse grupo conservador havia<br />
conseguido justificá-la.
5. 3 – <strong>Educação</strong> Física e Estado: o ordenamento legal <strong>da</strong> educação física na escola<br />
155<br />
Neste item, faço um esboço <strong>da</strong> implementação <strong>da</strong> Lei de Diretrizes de Bases <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Nacional de 1996 no que se refere à <strong>Educação</strong> Física. Momento em que se<br />
mostra com maior força a fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> educação física como prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica no ambiente escolar.<br />
Antes, considero importante esclarecer o caráter de classe do Estado Moderno<br />
expresso também na questão <strong>da</strong> conformação dos Sistemas Nacionais de <strong>Educação</strong> aos<br />
interesses funcionais de manutenção e desenvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista. Esse<br />
caráter classista do Estado foi expresso desde a Revolução Francesa 137 através de suas<br />
proposições mais avança<strong>da</strong>s, a saber: a edificação <strong>da</strong> democracia e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Marx, embora nunca tenha conseguido realizar o seu projeto de empreender um<br />
estudo centrado e sistematizado sobre o significado histórico do Estado, em seus<br />
estudos apreende que o Estado foi e só pode ser um órgão de dominação de classe, cujo<br />
fim último é sempre legitimar a exploração econômica de uma classe pela outra 138 . O<br />
pensador alemão nunca nutriu ilusões quanto ao significado sócio-histórico do Estado<br />
Moderno, principalmente naquilo que tange ao seu papel de suporte imprescindível à<br />
constituição e desenvolvimento <strong>da</strong> ordem social do capital, tal como está exposto na<br />
passagem referente à “acumulação primitiva do capital”, ao comentar métodos<br />
coercitivos <strong>da</strong> exploração colonial e <strong>da</strong> luta contra a ordem feu<strong>da</strong>l:<br />
Esses métodos baseiam-se, em parte, sobre a mais brutal violência,<br />
por exemplo, o sistema colonial. Todos, porém, utilizam o poder do<br />
Estado, a violência concentra<strong>da</strong> e organiza<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, para ativar<br />
artificialmente o processo de transformação do modo feu<strong>da</strong>l de<br />
produção em capitalista e para abreviar a transição. (1988, t. 2, p.<br />
276).<br />
É importante frisar, também, que Marx nunca limitou a sua compreensão do<br />
papel do Estado Burguês a um mero instrumento direto de coerção <strong>da</strong> burguesia contra<br />
os trabalhadores. Ao contrário, ele foi capaz de compreender que essa dominação pode<br />
assumir formas que realmente correspon<strong>da</strong>m, na aparência, à ideia de um ‘Estado<br />
137 Isso aparece em sua plenitude na Constituição Republicana de 1793, quando foi proclama<strong>da</strong> a<br />
“Déclaration dês droits de l´ homme et du citoyen” (Declaração dos direitos do homem e do ci<strong>da</strong>dão)<br />
(MARX, 1991).<br />
138 Sobre essas questões, é interessante o livro de Celso Frederico O Jovem Marx. As origens <strong>da</strong> ontologia<br />
do der social.
mediador’ colocado acima dos interesses de classe. O “Estado democrático de direito”<br />
em sua plenitude é a forma mais plena (mas não a única) de conformação política <strong>da</strong><br />
exploração do trabalho assalariado pelo capital e, por consequência, <strong>da</strong> legitimação<br />
política <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meios e instrumentos de produção com vistas à<br />
produção e reprodução do capital.<br />
156<br />
É no e pelo controle dos meios e instrumentos de produção que se dá o poder<br />
social, cuja representação política pode ser expressa nos parlamentos, no poder<br />
judiciário ou nos palácios de governos. O poder político que surgiu com as socie<strong>da</strong>des<br />
de classes nunca existiu de forma autônoma; ele deriva <strong>da</strong>s condições sob as quais são<br />
apropriados os referidos meios e instrumentos. Esse fun<strong>da</strong>mento essencial surgido com<br />
a escravidão antiga e reiterado com o feu<strong>da</strong>lismo não pode ser rompido no interior dos<br />
próprios limites <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, porque esta possui como objetivo central<br />
produzir e valorizar o capital.<br />
A supressão do Estado pode se <strong>da</strong>r com a supressão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, ou<br />
seja, com a construção de uma socie<strong>da</strong>de em que não haja a exploração do homem pelo<br />
homem. Marx, de maneira enfática, explica que o objetivo <strong>da</strong>s revoluções socialistas<br />
não é eternizar o proletariado no poder político e econômico, mas sim a dissolução desta<br />
e <strong>da</strong>s demais classes que compõem a socie<strong>da</strong>de burguesa com vistas à edificação de<br />
uma socie<strong>da</strong>de sem classes em âmbito mundial fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no “livre trabalho associado”.<br />
No Manifesto do Partido Comunista, escrito conjuntamente com Engels, em 1848,<br />
propalam que:<br />
Se o proletariado na luta contra a burguesia necessariamente se unifica<br />
em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe<br />
dominante suprime pela força as velhas relações de produção, então<br />
suprime juntamente com estas relações de produção as condições de<br />
existência do antagonismo de classes, as classes em geral, e, com isto,<br />
o seu próprio domínio de classe (MARX; ENGELS, 198-?, p. 54,<br />
grifos meus).<br />
Vale ain<strong>da</strong> lembrar que o jovem Marx, em 1843, em seu livro A Questão<br />
Ju<strong>da</strong>ica, apresentou sua tese sobre a subordinação <strong>da</strong> emancipação política ain<strong>da</strong><br />
identifica<strong>da</strong> com o “reino <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> e do dinheiro 139 ”. Seus termos são os<br />
seguintes:<br />
[...] A emancipação política <strong>da</strong> religião não é a emancipação <strong>da</strong><br />
religião de modo radical e isento de contradições, porque a<br />
139 Posteriormente, Marx identificará essas limitações como subordina<strong>da</strong>s ao “reino do capital e suas<br />
relações de proprie<strong>da</strong>de correspondentes”.
157<br />
emancipação política não é o modo radical e isento de contradições <strong>da</strong><br />
emancipação humana (...)<br />
Não há dúvi<strong>da</strong> que a emancipação política representa um grande<br />
progresso. Embora não seja a última etapa <strong>da</strong> emancipação humana<br />
em geral, ela se caracteriza como a derradeira etapa <strong>da</strong> emancipação<br />
humana dentro do contexto atual. É óbvio que nos referimos à<br />
emancipação real, à emancipação prática (1991, p. 23-28, grifos do<br />
autor).<br />
Marx havia compreendido que o ci<strong>da</strong>dão moderno é, por excelência, a expressão<br />
jurídica e política mais plena dos indivíduos na socie<strong>da</strong>de burguesa e, por conseguinte, a<br />
personalização de uma socie<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meios e<br />
instrumentos de produção. Em termos sistêmicos, isso não está em contradição com a<br />
existência dos não proprietários privados dos referidos meios, pois na condição de<br />
ci<strong>da</strong>dãos livres e iguais, não havendo ninguém subordinado a outro por laços de<br />
servidão ou escravidão, todos estão dotados <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de política e econômica para<br />
tornarem-se proprietários. Entretanto, o jovem Marx, mesmo sem contar naquele<br />
momento com o instrumental <strong>da</strong> crítica à economia política burguesa e, portanto, <strong>da</strong><br />
relação social do capital, mas com um senso <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concretamente posto, foi<br />
capaz de compreender que a essência social dualista e irreconciliável que contrapõe o<br />
“homem” ao “ci<strong>da</strong>dão” não se constitui em anomalia para o funcionamento <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de burguesa. Ao contrário, ela é expressão política e jurídica dessa forma social,<br />
cuja igual<strong>da</strong>de formal busca conformar a desigual<strong>da</strong>de social real que se constitui no<br />
seu fun<strong>da</strong>mento.<br />
Como as críticas de Marx não conseguiram ganhar substanciali<strong>da</strong>de<br />
revolucionária que o autor objetivava, o “reino do capital e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>”<br />
permaneceu vigente, as referi<strong>da</strong>s proposições sociais pertinentes a essa ordem social são<br />
sempre retoma<strong>da</strong>s. É isso que acontece na atuali<strong>da</strong>de, por exemplo, com as propostas de<br />
<strong>Educação</strong>. A constatação disso pode ser identifica<strong>da</strong> em todos os principais documentos<br />
que norteiam as práticas educacionais em todo o mundo 140 .<br />
Isto se reflete no processo de construção <strong>da</strong> Lei de Diretrizes e Bases de 1996<br />
em relação à disciplina <strong>Educação</strong> Física. Mesmo com os autores do “movimento<br />
crítico” tentando <strong>da</strong>r à <strong>Educação</strong> Física um status de disciplina pe<strong>da</strong>gógica e não mais<br />
140 Os documentos dizem respeito às Conferências Internacionais de <strong>Educação</strong> cujo conteúdo, vêm<br />
parametrando as práticas <strong>da</strong> educação formal nas últimas déca<strong>da</strong>s no Brasil. Por exemplo, o Plano<br />
Decenal de <strong>Educação</strong> (1993-2003), os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996, são totalmente<br />
articulados à “Declaração Mundial sobre a <strong>Educação</strong> Para Todos – Satisfação <strong>da</strong>s <strong>Necessi<strong>da</strong>de</strong>s Básicas”<br />
realiza<strong>da</strong> no ano de 1990, em Jomtien (Tailândia) sob a coordenação <strong>da</strong> ONU.
de ativi<strong>da</strong>de exclusivamente física, esta não aparece como importante na construção <strong>da</strong><br />
LDBEN. Aparentemente, primeiro por seu entendimento estar atrelado aos papéis que<br />
ela assumira até o final <strong>da</strong> ditadura militar e, depois, durante o processo de votações na<br />
Câmara e no Senado, parece não ter sido imprescindível aos novos interesses que se<br />
colocavam em proeminência no Brasil.<br />
158<br />
Nas primeiras discussões realiza<strong>da</strong>s pela comuni<strong>da</strong>de educacional, que<br />
resultaram na publicação de um artigo na Revista ANDES, em 1987, sob o nome de “Lei<br />
de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Nacional”, redigido por Dermeval Saviani, não são<br />
menciona<strong>da</strong>s questões relativas à <strong>Educação</strong> Física.<br />
No projeto apresentado à Câmara dos Deputados em 1988 pelo Deputado Otávio<br />
Elísio, de Minas Gerais, também não há menção à <strong>Educação</strong> Física. Apenas no Artigo<br />
27, que trata <strong>da</strong> educação anterior ao 1.º grau, há referência ao objetivo de desenvolver<br />
nas crianças os aspectos físico, emocional e intelectual.<br />
No projeto Substitutivo relatado pelo Deputado Jorge Hage do PSDB <strong>da</strong> Bahia,<br />
que teve início em junho de 1988 e obteve aprovação final em maio de 1993, a<br />
<strong>Educação</strong> Física é proposta apenas como componente curricular na educação básica,<br />
além de uma menção no Artigo 43, que versa sobre a educação infantil, em relação à<br />
‘proporcionar condições para o desenvolvimento físico’. A ênfase maior é <strong>da</strong><strong>da</strong> ao<br />
desporto, ignorando, de certa forma, as discussões <strong>da</strong> área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física.<br />
Embora não contemple as questões levanta<strong>da</strong>s pela área (o motivo ain<strong>da</strong> há de se<br />
buscar, pois o CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte participara <strong>da</strong>s<br />
discussões), o Substitutivo foi resultado de ampla discussão na comuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação<br />
que, segundo Saviani (1997, p. 57),<br />
E ain<strong>da</strong>:<br />
manteve-se mobiliza<strong>da</strong> principalmente através do Fórum em Defesa<br />
<strong>da</strong> Escola Pública na LDB que reunia aproxima<strong>da</strong>mente 30 enti<strong>da</strong>des<br />
de âmbito nacional: ANDE, ANDES-SN, ANPAE, ANPEd, CBCE,<br />
CEDES, CGT, CNTE, CNTEEC, CONAM, CONARCFE (depois<br />
ANFOPE), CONSED, CONTAG, CRUB, CUT, FASUBRA,<br />
FBAPEF, FENAJ, FENASE, FENOE (as duas últimas, depois se<br />
integram à CNTE), OAB, SBF, SBPC, UBES, UNDIME e UNE, além<br />
<strong>da</strong>s seguintes enti<strong>da</strong>des convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s: CNBB, INEP e AEC.<br />
Já no primeiro semestre de 1989 foram ouvi<strong>da</strong>s em audiências<br />
públicas cerca de 40 enti<strong>da</strong>des e instituições. E no segundo semestre<br />
do mesmo ano foram promovidos seminários temáticos com<br />
especialistas convi<strong>da</strong>dos para discutir os pontos polêmicos do<br />
substitutivo que o relator vinha construindo (Ibid, p. 58).
159<br />
Na LDBEN sanciona<strong>da</strong> em 1996, que teve como base o Projeto do Senador<br />
Darcy Ribeiro do PDT do Rio de Janeiro, a educação física é apresenta<strong>da</strong> como<br />
componente curricular no Ensino Fun<strong>da</strong>mental e Médio, e facultativa no ensino<br />
noturno. Esta inclusão se deu a partir de uma pressão do movimento realizado em prol<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física e que tinha como suporte, docentes e o movimento estu<strong>da</strong>ntil <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física:<br />
Pressões do movimento estu<strong>da</strong>ntil e docente <strong>da</strong> educação física, trouxe<br />
o retorno ao texto original, na forma <strong>da</strong> nova LDB nº 9.394/96, onde<br />
“A <strong>Educação</strong> Física, integra<strong>da</strong> à proposta pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> escola, é<br />
componente curricular <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Básica, ajustando-se às faixas<br />
etárias e às condições <strong>da</strong> população escolar, sendo facultativa no<br />
ensino noturno” (Brasil, 1996). Desta feita, o movimento organizado<br />
<strong>da</strong> educação física conseguiu defender-se, momentaneamente, de sua<br />
exclusão no campo <strong>da</strong> educação formal (NOZAKI, 1999, p. 08).<br />
Mas a obrigatorie<strong>da</strong>de parcial não garantiu a sua legitimi<strong>da</strong>de. Após a<br />
promulgação <strong>da</strong> lei, configurou-se uma situação que já se estabelecera desde a déca<strong>da</strong><br />
de 1980, qual seja, o esgotamento <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no ambiente<br />
escolar:<br />
[...] esgotamento de uma <strong>Educação</strong> Física que, tendo balizado sua<br />
prática pe<strong>da</strong>gógica pelo parâmetro <strong>da</strong> aptidão física, vinculado-a a<br />
caracteres inerentes à - que entendia ser sua - função higiênica e<br />
eugênica, acopla<strong>da</strong> à idéia do rendimento físico-esportivo, que abriu o<br />
precedente para o pensar de novos papéis sociais para ela, em uma<br />
socie<strong>da</strong>de que se desejava justa e democrática (CASTELLANI<br />
FILHO, 1993, p. 121).<br />
Essa situação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física se torna conflitante com os desdobramentos <strong>da</strong><br />
lei, pois a interpretação desta se apresenta dúbia, e em muitas escolas, em vários<br />
Estados, essa disciplina tem sua carga horária reduzi<strong>da</strong> ou até mesmo fica sem espaço<br />
em cursos de Ensino Médio e ensino noturno, não fazendo mais parte do currículo<br />
desses cursos.<br />
Outra questão aparece com a organização e posterior divulgação dos Parâmetros<br />
Curriculares Nacionais, nos quais se ignorou a parte mais crítica do referencial teórico<br />
produzido a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980. Mais ain<strong>da</strong>, em conformi<strong>da</strong>de com Taffarel,<br />
os PCNs colocam-se na perspectiva de referências ideológicas<br />
idealistas que, se valendo dos mecanismos <strong>da</strong> inversão, do<br />
silenciamento e <strong>da</strong> manipulação do imaginário popular, asseguram os<br />
interesses do grande capital internacional que se articula através dos<br />
seus agentes financiadores - BANCO MUNDIAL - orientando<br />
políticas educacionais (1997, p. 36).
160<br />
A exclusão <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física não acontece de forma aleatória. Alguns<br />
denunciam que esse processo pode estar ligado à necessi<strong>da</strong>de de “deixar espaço” na<br />
grade curricular para outras disciplinas que contribuam para a formação de força de<br />
trabalho qualifica<strong>da</strong> ou semiqualifica<strong>da</strong>, pronta para competir no mercado de trabalho,<br />
levando em conta o perfil do “novo” trabalhador. É neste sentido que Bruno esclarece:<br />
Atualmente, a etapa que estamos começando a atravessar caracterizase<br />
exatamente pela predominância dos componentes intelectuais <strong>da</strong><br />
força de trabalho, especialmente <strong>da</strong>quela em processo de formação.<br />
Trata-se hoje, pelo menos nos setores mais dinâmicos <strong>da</strong> economia<br />
mundial, de explorar não mais as mãos do trabalhador, mas seu<br />
cérebro (1996, p. 92).<br />
Outros pesquisadores trabalham com outras causas para a exclusão, procuram<br />
respostas no despreparo dos professores em acompanhar as novas estratégias<br />
metodológicas e atribuem à competência profissional a saí<strong>da</strong> para a legitimação <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física. Como exemplo, temos as afirmações de Oliveira (1997, p. 22):<br />
Infelizmente a <strong>Educação</strong> Física é entendi<strong>da</strong> como ativi<strong>da</strong>de dentro do<br />
processo educacional, é resolvi<strong>da</strong> como uma prática sem interesse<br />
para a formação integral dos educandos e assim por diante. Uma prova<br />
bastante evidente deste fato foi a última medi<strong>da</strong> adota<strong>da</strong> pela<br />
Secretaria de <strong>Educação</strong> do Estado de São Paulo que retirou a<br />
<strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong>s séries iniciais, através de regulamentação<br />
estadual (1995). Isso é prova, mais do que evidente, de que o trabalho<br />
que temos pela frente é muito grande e necessita de muita força de<br />
vontade, de persistência e, acima de tudo, de competência<br />
profissional. E é contando com a competência profissional que<br />
podemos vir a legitimar a <strong>Educação</strong> Física dentro do sistema<br />
educacional.<br />
Não pretendo desconsiderar a importância <strong>da</strong> competência do professor, fator<br />
essencial nesse processo ou em qualquer outra circunstância em que se preten<strong>da</strong> uma<br />
socie<strong>da</strong>de mais humaniza<strong>da</strong>. Mas a real questão está em entender que a redução de<br />
carga horária e até mesmo a redução de salas de aulas, como “se esqueceu” de<br />
mencionar o autor citado acima 141 , fazem parte <strong>da</strong>s repercussões no sistema educacional<br />
<strong>da</strong> política econômica posta em curso na atuali<strong>da</strong>de, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na redução de gastos com<br />
setores sociais.<br />
141 Um exemplo pontual que caracteriza a precarização <strong>da</strong>s condições de ensino pode ser encontrado no<br />
fato de que “Quarenta e uma mil classes foram fecha<strong>da</strong>s pela Secretaria de <strong>Educação</strong> do Estado de São<br />
Paulo nos últimos seis anos (...) até 1995, a rede estadual possuía 148.572 turmas em 625 ci<strong>da</strong>des. Em<br />
2000, as turmas diminuíram para 107.309. O número <strong>da</strong>s escolas na rede caiu de 6.800 para 6.392, entre<br />
1995 e 2000, conforme a Apeoesp.” (NASCIMENTO, 2001, p. 51).
161<br />
Quando mais se falou em “inclusão escolar” como forma de corrigir as<br />
distorções sociais a fim de promover a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, mais os Estados, através <strong>da</strong>s suas<br />
políticas econômicas, cortaram investimentos em educação. Neste sentido, o caso<br />
brasileiro é exemplar, visto que a deman<strong>da</strong> por educação pública aumentou no país na<br />
déca<strong>da</strong> de 1990, enquanto os investimentos nesse setor foram drasticamente reduzidos.<br />
Isso pode ser constatado através <strong>da</strong>s assertivas que se seguem:<br />
Estudos efetuados por Carlos Eduardo Baldijão, professor <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de de São Paulo, sobre Orçamento Geral <strong>da</strong> União mostram<br />
uma contínua evolução negativa, no primeiro governo FHC, dos<br />
valores autorizados para a <strong>Educação</strong> e Cultura (em bilhões de reais:<br />
1995: 14.010.293.873; 1996: 12.252.383.350; 1997: 12.220.174.739;<br />
1998: 11.269.810.530). (...) Contudo, estes números não são<br />
inteiramente fiéis, uma vez que apontam somente os recursos<br />
autorizados, que não correspondem ao que foi efetivamente aplicado;<br />
a aplicação, em geral, tem sido menor que a dotação (assim, em 1995,<br />
aplicou-se somente 82,23%; em 1996, 86,18% e em 1997, até finais<br />
de outubro, 55,33%). Enquanto cresciam as deman<strong>da</strong>s, o governo<br />
FHC sistematicamente cortava recursos, e isto em todos os programas<br />
<strong>da</strong> área <strong>da</strong> educação – conforme o comprovam os mesmos estudos de<br />
Baldijão (considerando apenas os recursos autorizados): no programa<br />
“<strong>Educação</strong> de crianças de 0 a 6 anos”, o corte, entre 1995 e 1998, foi<br />
17,74%; no programa de “Ensino Fun<strong>da</strong>mental”, no mesmo período, o<br />
corte foi 15,28%; no “Programa de Ensino Médio”, ao longo do<br />
primeiro governo FHC, o corte foi de 31,51%; no programa “Ensino<br />
Superior” o corte, entre 1995 e 1998, chegou a 28,7% (aqui, os dois<br />
subprogramas, “Ensino de graduação” e “Ensino de pós-graduação”,<br />
também foram objeto de cortes). Noutro campo fun<strong>da</strong>mental, o <strong>da</strong><br />
Ciência e Tecnologia, a tesoura de FHC também funcionou com<br />
sofreguidão: no conjunto, esta área perdeu, entre 1995 e 1998, 56%.<br />
No programa “Ensino Supletivo”, o corte, no primeiro governo FHC,<br />
foi <strong>da</strong> ordem de 82,17% (NETTO, 1999, p. 82). 142<br />
Nessas circunstâncias, há ain<strong>da</strong> a ressaltar uma outra questão: temos no<br />
cotidiano <strong>da</strong> escola e nas discussões teóricas as lutas internas entre as várias concepções<br />
de <strong>Educação</strong> Física aqui apresenta<strong>da</strong>s, e que tentam justificá-la a partir <strong>da</strong>s mais<br />
varia<strong>da</strong>s perspectivas. Ca<strong>da</strong> uma dessas concepções parte de pressupostos teóricos que,<br />
em sua maioria, não extrapolam os limites <strong>da</strong> própria área, tratando-a de uma maneira<br />
idealiza<strong>da</strong>.<br />
Os grupos conservadores, além de apostarem na competência profissional,<br />
tentam justificar a educação física na escola através de sua importância para o<br />
desenvolvimento motor, para a saúde e para a formação de talentos esportivos.<br />
142 Sabemos que essa tendência de cortes se acentuou durante o segundo governo de FHC (1999 – 2002) e<br />
no primeiro governo de Lula (2003-). Os <strong>da</strong>dos pormenorizados desses cortes deverão ser apresentados<br />
no texto final desta pesquisa.
162<br />
Este último, em especial, tem ganhado força em função dos resultados aquém do<br />
esperado do esporte brasileiro na olimpía<strong>da</strong> realiza<strong>da</strong> em Sidney no ano 2000 e foi<br />
reforçado com os resultados em Atenas no ano de 2004. O fracasso olímpico é creditado<br />
às aulas de educação física que, portanto, devem ser confirma<strong>da</strong>s como obrigatórias,<br />
tendo como conteúdo o esporte de rendimento para aju<strong>da</strong>r o Brasil a ganhar me<strong>da</strong>lhas<br />
nas competições oficiais. Essa defesa está a pleno vapor, tendo a sua frente o Ministério<br />
do Esporte e Turismo e o Ministério <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>.<br />
De acordo com Bracht (2003, p. 92),<br />
O poder público, mostrando-se sensível aos “anseios populares”,<br />
sente-se ain<strong>da</strong> responsável por ações políticas liga<strong>da</strong>s ao setor<br />
esportivo. Esse foi um motivo assaz útil para que dois segmentos de<br />
nossa socie<strong>da</strong>de se manifestassem e pleiteassem alguma<br />
responsabili<strong>da</strong>de nesse processo: trata-se dos interesses do sistema<br />
esportivo e dos interesses corporativos <strong>da</strong> educação física, estes<br />
últimos representados pelo Conselho Federal de <strong>Educação</strong> Física<br />
(Confef). Os resultados foram, por um lado, a criação do Programa<br />
Esporte na Escola e, por outro, o processo de revisão <strong>da</strong> Lei de<br />
Diretrizes e Bases <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Nacional (LDBEN), fruto, talvez, do<br />
próprio Programa.<br />
Essas intervenções, principalmente as relaciona<strong>da</strong>s ao CONFEF 143 , resultaram<br />
na alteração <strong>da</strong> LDBEN/1996, confirmando a educação física como componente<br />
curricular obrigatório 144 .<br />
Isto causa certa tranquili<strong>da</strong>de, pois garante a permanência <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na<br />
escola no âmbito <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Básica e, com ela, o emprego de muitos professores; mas<br />
provoca também muito desconforto, em parte pelo crescimento do CONFEF, que<br />
interfere ca<strong>da</strong> vez mais, inclusive nas Diretrizes Curriculares para os cursos de<br />
graduação. Esse desconforto se dá porque a obrigatorie<strong>da</strong>de posta nesses termos, além<br />
de retomar as condições muito próximas <strong>da</strong>s coloca<strong>da</strong>s a essa disciplina nos tempos <strong>da</strong><br />
143 O CONFEF (Conselho Nacional de <strong>Educação</strong> Física) foi criado com a Lei 9.696/98, estabelecendo<br />
com ele a criação de conselhos regionais denominados CREF. O Conselho nacional teve como bandeira<br />
para a sua criação a eliminação dos chamados leigos que atuavam no setor informal <strong>da</strong> educação física<br />
(clubes, associações, academias etc.). Esse conselho tem sido combatido desde as primeiras discussões<br />
referentes a sua criação. As denúncias são feitas em relação ao seu caráter corporativista e a sua ligação<br />
com setores patronais o que em na<strong>da</strong> contribui para a defesa do trabalhador <strong>da</strong> área. Aliás os problemas e<br />
conflitos só têm aumentado. Na impossibili<strong>da</strong>de do CONFEF definir qual o seu campo de atuação, visto<br />
que esbarra em outras profissões que também trabalham com o corpo e o movimento humano,<br />
acrescentou em seus “programas” de trabalho a intervenção na escola, o que tem criado ain<strong>da</strong> mais<br />
problemas para o próprio conselho e para os professores. Atua contra o CONFEF o Movimento Nacional<br />
Contra a Regulamentação (MNCR). Discussões sobre este tema podemos encontrar em Castellani Filho<br />
(1998), Gonçalves de Carvalho e Taffarel (1997), Nozaki (1999), Nozaki (2004), entre outros.<br />
144 Segundo Bracht (2003, p. 94), a revisão <strong>da</strong> LDBEN “resultou na promulgação <strong>da</strong> lei n. 10.328, de 12<br />
de dezembro de 2001, retificando a LDBEN/1996, mais precisamente seu artigo 26, mediante a inclusão<br />
<strong>da</strong> palavra obrigatório à frente <strong>da</strong> expressão curricular.”
ditadura militar 145 , reforça a ideia de que os fracassos estão relacionados à falta de<br />
competência dos professores.<br />
163<br />
Obrigatorie<strong>da</strong>de não garante a legitimi<strong>da</strong>de tão pretendi<strong>da</strong>, e esta continua a ser<br />
a grande busca dos teóricos e professores atuantes nas escolas, mesmo que isto nem<br />
sempre apareça explicitamente. Existe a procura, como veremos a seguir, por<br />
referenciais teórico-metodológicos, por uma nova concepção de corpo, por novas<br />
formas de ensinar que proporcionem à disciplina <strong>Educação</strong> Física e aos seus professores<br />
o mesmo status <strong>da</strong>s outras disciplinas.<br />
145 As propagan<strong>da</strong>s divulga<strong>da</strong>s pelo Ministério do Esporte em muito lembram aquelas do período <strong>da</strong><br />
ditadura. Além disso, retoma a ideia de que a escola tem a função de formar atletas, pois o esporte seria<br />
uma <strong>da</strong>s formas de mostrar a grandeza do país.
Capítulo 6 – ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA<br />
LEGITIMAR A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: MUDAR PARA QUE<br />
TUDO PERMANEÇA COMO ESTÁ?<br />
Neste capítulo, apresento um mapeamento com posicionamento dos trabalhos de<br />
professores e estu<strong>da</strong>ntes de <strong>Educação</strong> Física que atuam em diversos níveis de ensino e<br />
também são professores. Esses professores e estu<strong>da</strong>ntes procuram contribuir para a<br />
construção de uma teoria para a <strong>Educação</strong> Física, no sentido de fun<strong>da</strong>mentar e legitimar<br />
esta área ou como ciência ou como prática pe<strong>da</strong>gógica.<br />
Em síntese, nos trabalhos que analiso é possível verificar que eles estão em<br />
consonância com a discussão apresenta<strong>da</strong> no capítulo 1 desta pesquisa, ou seja, no<br />
período que corresponde ao final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 2000 as<br />
grandes preocupações que ocuparam a área giram em torno <strong>da</strong> “construção/ procura de<br />
novas abor<strong>da</strong>gens – geralmente relaciona<strong>da</strong> às vertentes pós-modernas – e a construção<br />
de uma prática pe<strong>da</strong>gógica que também possui como referência teórica essas mesmas<br />
abor<strong>da</strong>gens.<br />
Os trabalhos analisados correspondem aos anos de 1999, 2001 e 2003 e foram<br />
apresentados no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte – CONBRACE, nos anos<br />
de 1999, 2001 e 2003.<br />
Esse evento é bienal e organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte, maior enti<strong>da</strong>de científica <strong>da</strong> educação física e possui atualmente 12 GTTs<br />
(Grupos de Trabalhos Temáticos) intitulados: ativi<strong>da</strong>de física e saúde; comunicação e<br />
mídia; corpo e cultura; epistemologia; escola; formação de professores e mundo do<br />
trabalho; memórias <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física e esportes; movimentos sociais; pessoas<br />
portadoras de necessi<strong>da</strong>des especiais; políticas públicas; recreação e lazer;<br />
treinamento esportivo. Embora esses GTTs sejam permanentes, podem ocorrer<br />
modificações a ca<strong>da</strong> CONBRACE, de acordo com a avaliação dos associados. 146<br />
Nos eventos, além de apresentação de artigos nos GTTs, também se oferecem<br />
cursos e são organiza<strong>da</strong>s mesas que discutem questões relaciona<strong>da</strong>s à temática geral do<br />
evento. Desta forma, o CONBRACE de 1999 (XI Congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte), realizado na ci<strong>da</strong>de de Florianópolis, teve como tema geral do evento<br />
146 Os Grupos de Trabalhos Temáticos começaram a fazer parte <strong>da</strong> estrutura do CBCE a partir de 1997 e<br />
desde essa <strong>da</strong>ta sofreram pequenas modificações de acordo com as decisões dos sócios após a realização<br />
<strong>da</strong>s avaliações do evento.
<strong>Educação</strong> Física/Ciências do Esporte: Intervenção e Conhecimento; o CONBRACE de<br />
2001 (XII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte) foi realizado em Caxambu com<br />
a temática Socie<strong>da</strong>de, Ciência e Ética: Desafios para a <strong>Educação</strong> Física/Ciências do<br />
Esporte e, o CONBRACE de 2003 (XIII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte)<br />
foi realizado também em Caxambu, tendo como tema 25 Anos de História: O Percurso<br />
do CBCE na <strong>Educação</strong> Física Brasileira.<br />
165<br />
Dentre os GTTs, foram escolhidos para análise, considerando a proximi<strong>da</strong>de<br />
com o objetivo <strong>da</strong> pesquisa, dois grupos: epistemologia e escola 147 . Nos GTTs de<br />
Epistemologia e Escola foram analisados um total de 130 artigos, vindos de to<strong>da</strong>s a<br />
regiões do Brasil.<br />
Os artigos são resultado de trabalhos de mestrado, doutorado, graduação (PIBIC<br />
e TCC), projetos de professores universitários, projetos entre universi<strong>da</strong>des públicas e<br />
governos municipais e estaduais. Muitos apresentam experiências de ensino ou estudos<br />
de caso em Ensino Fun<strong>da</strong>mental e Médio, revelando também a posição dos seus<br />
professores e alunos em relação à <strong>Educação</strong> Física.<br />
Na análise dos artigos, busquei informações sobre como os autores têm<br />
procurado justificar a <strong>Educação</strong> Física na escola, quais as referências teórico-<br />
metodológicas apresenta<strong>da</strong>s, quais as concepções de <strong>Educação</strong> Física presentes nas suas<br />
abor<strong>da</strong>gens, bem como sua compreensão sobre a dicotomia corpo e mente, teoria e<br />
prática, indivíduo e socie<strong>da</strong>de.<br />
Enfim, o caminho escolhido tem se mostrado muito revelador e tem aberto<br />
várias possibili<strong>da</strong>des. Entendo que as discussões apresenta<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> que sobre os<br />
aspectos gerais dos artigos, poderão colaborar na compreensão dos rumos tomados<br />
pelos professores e pesquisadores <strong>da</strong> área.<br />
6.1 – O GTT – Epistemologia/1999/2001/2003<br />
147 O GTT – epistemologia tem como objetivo: “Estudos dos pressupostos teórico-filosóficos, presentes<br />
nos diferentes projetos de delimitação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, como possível campo acadêmico/científico.<br />
Estudos sobre os fun<strong>da</strong>mentos teóricos balizadores dos distintos discursos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, na<br />
condição de área de conhecimento, voltados para o fomentar <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de epistemológica como<br />
interrogação dos saberes construídos” (www.cbce.org.br). O GTT– escola tem como proposta o: “Estudo<br />
sobre a inserção <strong>da</strong> disciplina curricular, <strong>Educação</strong> Física, no âmbito <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Escolar, ao seu<br />
ordenamento legal e distintas perspectivas metodológicas animadoras <strong>da</strong>s suas práticas pe<strong>da</strong>gógicas”<br />
(Idem).
166<br />
Do GTT – epistemologia/1999, optei por dividir os artigos em temas, a partir <strong>da</strong>s<br />
indicações dos autores, no sentido de facilitar a exposição. Além disso, procuro mostrar<br />
quais são as perspectivas teóricas e concepções de <strong>Educação</strong> Física predominantes. Os<br />
temas encontrados foram “conteúdo específico”, “concepção de corpo”, “construção do<br />
campo acadêmico” e a busca de “novas abor<strong>da</strong>gens” para a construção desse campo.<br />
Foram apresentados três trabalhos sobre conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, um<br />
sobre a ginástica e dois sobre o esporte. O artigo sobre a ginástica foi escrito por<br />
Martins (1999) 148 , <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Paraíba, que procurou mostrar como ela<br />
recebe a influência estética do movimento Expressionista ocorrido na <strong>da</strong>nça no início do<br />
século XX. Apresenta, também, como essa influência se estendeu à ginástica enquanto<br />
desporto. Suas referências principais são Diem, Legrand & Legaillerie e Baril 149 .<br />
No primeiro artigo sobre esporte, Freitas Júnior (1999) discute a dinâmica <strong>da</strong><br />
transformação de uma ativi<strong>da</strong>de informal, prazerosa e espontânea, para uma instituição<br />
com regras, normas e que se tornou “altamente comercializável”. Discute, também, o<br />
caso específico <strong>da</strong> administração do futebol brasileiro. A pesquisa foi realiza<strong>da</strong> no<br />
Centro Universitário Positivo/PR e as suas principais referências são Bourdieu e<br />
Proni 150 .<br />
O segundo artigo refrente o esporte foi elaborado por Vaz (1999), docente <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina, que possui como referência autores <strong>da</strong> Escola<br />
de Frankfurt e procura mostrar o “caráter de cruel<strong>da</strong>de” com o corpo e o irracionalismo<br />
presentes nos espetáculos esportivos. Trata a violência como inerente ao esporte e<br />
compara as academias de ginástica com a pornografia. As referências utiliza<strong>da</strong>s foram<br />
Adorno e Horkheimer 151 .<br />
Sobre a temática “concepções de corpo”, também foram apresentados três<br />
artigos, sendo um resultado de dissertação de mestrado e os outros dois de tese de<br />
148 As referências completas dos artigos analisados neste capítulo encontram-se nos anexos.<br />
149 Os autores citados no texto e que são referências nos artigos analisados terão sua referência<br />
bibliográfica somente em notas de ro<strong>da</strong>pé, não contando <strong>da</strong>s referências bibliográficas <strong>da</strong> tese. Quando<br />
houver mais de uma obra cita<strong>da</strong>, apresentarei apenas a primeira. Assim: DIEM, C. História de los<br />
deportes. Barcelona: Luís de Caralt Editor, 1966.<br />
LEGRAND, F. & LEGAILLERIE, J. L’Éducacion physique au XIX et XX siécle – en france et a<br />
l’étranger. Paris: Librarie Armand, 1974. (Colletion Bourellie).<br />
BARIL, J. La <strong>da</strong>nza moderna. Barcelona: Ediciones Paidós, 1985.<br />
150 BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.<br />
PRONI, M. W. Esporte espetáculo x futebol empresa. Tese (Doutorado). Campinas. Facul<strong>da</strong>de de<br />
<strong>Educação</strong> Física, 1998.<br />
151 ADORNO, T. Erziehung zur entbarbarbarisierung. In: Erziehung zur mündigkeit. Vorträge und<br />
Gespräche mit Helmt Becker. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1978.<br />
HORKHEIMER, M. The end of reason. Studies in philosophy and social science. New York City:<br />
Institut of Social Research, 1941.
doutorado. As três pesquisas apontam como referência teórico-metodológica a<br />
Fenomenologia. No primeiro, Almei<strong>da</strong> (1999) faz uma crítica à análise marxista sobre a<br />
duali<strong>da</strong>de corpo e mente, apontando que é necessário reavaliar essa discussão. Segundo<br />
o autor, a duali<strong>da</strong>de é trata<strong>da</strong> como um legado dos gregos, especificamente de Platão,<br />
mas deve ser compreendi<strong>da</strong> como um legado <strong>da</strong> “ciência positiviza<strong>da</strong>” identifica<strong>da</strong> com<br />
o Renascimento e o Iluminismo. Suas principais referências são Schochodlski, Soares,<br />
Heidegger e Merleau-Ponty 152 .<br />
167<br />
Os outros dois artigos objetivam a construção de uma teoria acerca <strong>da</strong><br />
corporei<strong>da</strong>de a partir <strong>da</strong> obra de Merleau-Ponty 153 . Nóbrega e Moreira (1999) utilizam<br />
também como referência Nietzsche, Morin, Maffesoli 154 entre outros; já Silva (1999),<br />
além de Marleau-Ponty, embasa seu pensamento em Guatarri e Assmann 155 .<br />
Nos artigos que discutem a formação do campo acadêmico, existe uma<br />
preocupação com a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, problematizando se é ou não<br />
necessário que ela seja uma ciência para se tornar legítima. As preocupações se dão no<br />
sentido de contribuir para o debate sobre a crise de identi<strong>da</strong>de, procurando entender qual<br />
o seu objeto de estudos, qual teoria do conhecimento que melhor <strong>da</strong>ria suporte à<br />
<strong>Educação</strong> Física.<br />
Há dois artigos nos quais os autores estão preocupados com a definição do<br />
objeto <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Marchi Júnior e Pilatti (1999) tecem críticas ao modelo<br />
clássico de ciência, propõem uma abor<strong>da</strong>gem holística e indicam o “corpo humano” e<br />
suas práticas, ou seja, a <strong>da</strong>nça, o esporte, os jogos e outros como objeto de estudo <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física. Fun<strong>da</strong>mentados em autores <strong>da</strong> Fenomenologia, propõem, então, uma<br />
construção interdisciplinar em que atuem tanto as ciências bio-médicas quanto as<br />
histórico-sociais. Suas principais referências são Capra, Alves, Gebara e Manuel Sergio<br />
Vieira e Cunha 156 .<br />
152 SUCHODOLSKI, B. A pe<strong>da</strong>gogia e grandes correntes filosóficas. 3. ed. Lisboa: Horizonte, 1984.<br />
SOARES, C. L. Imagens <strong>da</strong> educação do corpo: um estudo a partir <strong>da</strong> ginástica francesa no século XIX.<br />
Anais do X Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Goiânia, 1997.<br />
Os outros autores citados não constam <strong>da</strong>s referências do artigo.<br />
153 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />
154 NIETZSCHE, F. A origem <strong>da</strong> tragédia. São Paulo: Morais, 19[?].<br />
MORIN, E. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1986.<br />
MAFFESOLI, M. Elogio <strong>da</strong> razão sensível. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.<br />
155 GUATARRI, F. Pulsões políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1989.<br />
ASSMANN, H. Paradigmas educacionais e corporei<strong>da</strong>de. 3. ed. Piracicaba: Unimep, 1995.<br />
156 CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: [s.n.], 1990.<br />
ALVES, R. A filosofia <strong>da</strong> ciência. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.<br />
GEBARA, A. A pesquisa em história e em sociologia <strong>da</strong> educação física e esporte. Simpósio Paulista de<br />
<strong>Educação</strong> Física. Anais. Rio Claro/SP: Unesp, 1989.
168<br />
Em outro artigo, Loi e Barros (1999) demonstram preocupação com a adequação<br />
do termo “<strong>Educação</strong> Física”, pois esse reforçaria a duali<strong>da</strong>de corpo e mente. Concluem,<br />
depois de várias argumentações, que esse termo ain<strong>da</strong> é o mais adequado para expressar<br />
o que é realizado pela área. Como referência citam Bracht, Nahas 157 entre outros.<br />
Há três pesquisas nos quais os autores procuram avaliar determina<strong>da</strong>s teorias que<br />
estão presentes na <strong>Educação</strong> Física. São elas a Ciência <strong>da</strong> Motrici<strong>da</strong>de Humana, a<br />
Teoria de Herbert Marcuse e as Ciências bio-médicas. Em relação à primeira, Santos e<br />
Bracht (1999) discutem a evolução interna dessa teoria procurando compreender se esta<br />
é necessária e possível. Os autores concluem que é impossível pensar um campo de<br />
conhecimento único na <strong>Educação</strong> Física, porque seu objeto pode ser visto de diferentes<br />
maneiras, dependendo <strong>da</strong> “condição epistemológica” e <strong>da</strong>s disciplinas que possuem esse<br />
objeto. Suas principais referências são Bracht e Japiassu 158 .<br />
Em relação ao segundo artigo, Pina (1999) analisa a Teoria de Herbert Marcuse<br />
que é pensa<strong>da</strong> como uma possibili<strong>da</strong>de de aprofun<strong>da</strong>mento sobre o campo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física, pois esta permite compreender essa disciplina como um campo que pode tender<br />
tanto para a libertação quanto para a restrição e controle dos homens. Apresenta como<br />
referências Foucault, Freud, Marcuse, Eagleton e Arendt 159 , entre outros.<br />
No último artigo, Silva (1999) faz críticas à construção do conhecimento nas<br />
ciências biomédicas, realizando também uma crítica à racionali<strong>da</strong>de científica<br />
encontra<strong>da</strong> nessas ciências. Suas principais referências são Heidegger, Horkheimer,<br />
Adorno, Bordo, Illich 160 , entre outros.<br />
VIEIRA e CUNHA, M. S. Para uma epistemologia <strong>da</strong> motrici<strong>da</strong>de humana. Lisboa: Compendium,<br />
1987.<br />
157 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física: a busca <strong>da</strong> autonomia pe<strong>da</strong>gógica. Revista <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física/UEM,<br />
v. 1, n. 0, p. 28-33, 1989.<br />
NAHAS, M. V.; BEM, M. F. L. de. Perspectivas e tendências <strong>da</strong> relação teoria e prática na <strong>Educação</strong><br />
Física. Motriz, v. 3, n. 2, dez, p.73-79, 1997.<br />
158 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.<br />
JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.<br />
159 FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento <strong>da</strong> prisão. Petrópolis: Vozes, 1994.<br />
FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago Editores, 1974. (Edição Estan<strong>da</strong>rt<br />
Brasileira <strong>da</strong>s obras psicológicas completas de Sigmund Freud).<br />
MARCUSE, H. Eros e civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8. ed.Rio de<br />
Janeiro: Zahar Editores,1981.<br />
EAGLETON, T. A ideologia <strong>da</strong> estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.<br />
ARENDT, H. Origini Del totalitarismo. Milano: Comunità, 1967.<br />
160 HEIDEGGER, M. A questão <strong>da</strong> técnica. Cadernos de tradução. São Paulo: Editora <strong>da</strong> USP, n. 2,<br />
1997.<br />
HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.<br />
BORDO, S. Il peso Del corpo. Milano: Feltrinelli, 1993.<br />
ILLICH, I. L’odsession de la santé parfaite. Lê monde diplomatique. Paris, mars, 1999.
169<br />
Há um grupo de três artigos nos quais os autores criticam o saber fragmentado e<br />
especializado que tem predominado na <strong>Educação</strong> Física. Ferraz (1999) argumenta que<br />
essa especialização tem levado à construção de novos campos e, além disso, tem<br />
conduzido a um abandono <strong>da</strong>s questões específicas. Isso se dá quando os pesquisadores,<br />
ao procurarem uma proximi<strong>da</strong>de com as chama<strong>da</strong>s “ciências-mãe”, constroem como<br />
produto <strong>da</strong>s suas pesquisas conclusões próximas ao campo de conhecimento <strong>da</strong>s<br />
referi<strong>da</strong>s ciências matriciais em detrimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física.<br />
Lopes e Oro (1999) são unânimes em afirmar a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
interdisciplinari<strong>da</strong>de tanto na teoria quanto na prática pe<strong>da</strong>gógica. Em comum também<br />
possuem como referência Japiassu 161 e, individualmente, Piaget 162 .<br />
Nesse grupo de artigos, há um de Bartholo (1999) que propõe, além do esforço<br />
interdisciplinar, uma “práxis social transformadora” que mantenha os princípios<br />
democráticos <strong>da</strong> interação social, do “diálogo entre as classes” e <strong>da</strong> busca de um novo<br />
modelo de organização do cotidiano. Suas referências são, além de Japiassu, Bobbio,<br />
Gramsci e Vazquez 163 .<br />
Em outro grupo de pesquisas, os autores demonstram, através dos seus artigos, a<br />
preocupação em buscar novas abor<strong>da</strong>gens teórico-metodológicas para a construção do<br />
campo acadêmico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Prevalecem numericamente as teses de<br />
doutorado, cujas abor<strong>da</strong>gens teóricas são similares.<br />
No primeiro artigo, Pardo (1999) tece críticas à escrita científica e defende uma<br />
escrita livre e própria. Assinala que rir é o melhor remédio contra a ameaça <strong>da</strong> escrita.<br />
Suas referências são Nietzsche, Foucault e Deleuze 164 .<br />
No segundo, Silva (1999) busca uma alternativa para a análise na <strong>Educação</strong><br />
Física, o pesquisador critica as teses que postulam o trabalho como fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong><br />
161 JAPIASSU, H. Interdiciplinari<strong>da</strong>de e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.<br />
162 PIAGET, J. Problemas gerais <strong>da</strong> investigação interdisciplinar e mecanismos comuns. Lisboa:<br />
Bertrand, 1973.<br />
163 JAPIASSU, H. Nascimento e morte <strong>da</strong>s ciências humanas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.<br />
BOBBIO, N. Estado, governo, socie<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.<br />
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização <strong>da</strong> cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.<br />
VAZQUEZ, A. S. Filosofia <strong>da</strong> práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.<br />
164 NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro:<br />
Bertrand Brasil, 1995.<br />
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia <strong>da</strong>s ciências humanas. São Paulo: Martins<br />
Fontes, 1987.<br />
DELEUZE, G. Crítica e Clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.
socie<strong>da</strong>de e afirma que se deve abandonar o “monopólio <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de científica”.<br />
Suas principais referências são Arendt, Maffesoli e Santin 165 , entre outros.<br />
170<br />
Há dois artigos similares e seus autores fazem críticas à racionali<strong>da</strong>de científica<br />
e às teorias pós-modernas. Em um deles, escrito por Bracht (1999), são critica<strong>da</strong>s,<br />
também, as teorias que produzem “leis históricas” para a socie<strong>da</strong>de. Ambos indicam<br />
como solução para a superação dessas teorias a “racionali<strong>da</strong>de comunicativa de<br />
Habermas”. Bracht conclui que nessa teoria existe uma garantia <strong>da</strong> democracia e, ain<strong>da</strong>,<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente, a garantia de que o melhor argumento é o que ganha vali<strong>da</strong>de.<br />
Possui como referência, além de Habermas, Laclau 166 . Souza (1999) conclui que é<br />
necessário retomar a filosofia e esta deve estar relaciona<strong>da</strong> ao agir político. Suas<br />
referências são Bracht, Vaz 167 , entre outros.<br />
O quinto artigo escrito por Tavares (1999) apresenta uma investigação sobre as<br />
contribuições que a “Antropologia <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas” pode trazer para a<br />
área. O autor tem a preocupação em superar a “Teoria Estrutural-funcionalista”. Para<br />
tanto, busca referência principalmente em Boudon e também em Feldman-Bianco,<br />
Geertz, Boissevain 168 .<br />
O próximo artigo elaborado por Oliveira, Correa e Votre (1999) traz reflexões<br />
acerca <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> “Teoria <strong>da</strong> Representação Social” para compreender a<br />
subjetivi<strong>da</strong>de humana e a intersubjetivi<strong>da</strong>de. Aspectos que, conforme os autores, têm se<br />
tornado objeto <strong>da</strong>s ciências sociais. Suas referências são Castoriadis, Jodelet 169 , entre<br />
outros.<br />
165<br />
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983.<br />
MAFFESOLI, M. A comunicação pós-moderna como cultura. Textos de Cultura e Comunicação.<br />
Salvador: Dep. De comunicação/UFBa, n1, 1985.<br />
SANTIN, S. <strong>Educação</strong> Física: Uma abor<strong>da</strong>gem filosófica <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de. Ijuí: Unijuí, 1987.<br />
166<br />
HABERMAS, J. Der philosophische diskurs der moderne. Frankfurt : Suhrkamp, 1988.<br />
LACLAU, E. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.<br />
167<br />
BRACHT, V. Epistemologia <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. CARVALHO, M. & MAIA, A. (Orgs.). Ensaios:<br />
<strong>Educação</strong> Física e Esporte. Vitória: UFES, Centro de <strong>Educação</strong> Física e Desportos, 1997.<br />
VAZ, A. F. A filosofia na <strong>Educação</strong> Física: soltando as amarras, e a capaci<strong>da</strong>de de ser negativi<strong>da</strong>de. In:<br />
FERREIRA Netto, A.; GOELLNER, S. V. & BRACHT, V. (Orgs.). As ciências do esporte no Brasil.<br />
Campinas: Autores Associados, 1995.<br />
168<br />
BOUDON, R. Ação. _______. (Org.) Tratado de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.<br />
27-64.<br />
FELDMAN-BIANCO, B. Introdução. _______. (Org.). Antropologia <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas.<br />
São Paulo: Global, 1987, p.7-48.<br />
GEERTZ, C. Interpretação <strong>da</strong>s culturas. Rio de Janeiro: Guanabara – Koogan, 1989.<br />
BOISSEVAIN, J. Apresentando “Amigos de amigos: redes sociais, manipuladores e coalizões”. In:<br />
FELDMAN-BIANCO, B. (Org.) Antropologia <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas. São Paulo: Global,<br />
1987, p.195-226.<br />
169<br />
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.<br />
JODELET, D. R’presentation sociales: um domaine em expansion. JODELET, D. Les representations
171<br />
No último artigo, Ferreira (1999) propõe que os autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
façam uma aproximação com a “Dialética Materialista <strong>Histórica</strong>”, entendendo-a como<br />
método, lógica e teoria do conhecimento. Critica a neutrali<strong>da</strong>de científica e abor<strong>da</strong> o<br />
cientista como parte <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social. Tece críticas também ao positivismo, ao<br />
estruturalismo e aos pós-modernos. Suas referências são Freitas e Lowy 170 , entre outros.<br />
No GTT – epistemologia 2001, a divisão temática dos artigos contemplou<br />
“tempo livre”, “doping”, “ética”, “prática pe<strong>da</strong>gógica”, “avaliação <strong>da</strong> produção <strong>da</strong><br />
área”, “construção do campo acadêmico”, “novas abor<strong>da</strong>gens teóricas” e “concepção de<br />
corpo”. Nesse evento, foi apresentado o maior número de trabalhos, totalizando 25.<br />
A primeira pesquisa apresenta<strong>da</strong> por Farias e Rodrigues (2001) teve como objeto<br />
de investigação o “tempo livre”. Os autores discutem o objeto a partir do referencial<br />
teórico de Adorno 171 , quando este assevera que a administração <strong>da</strong> organização social<br />
está mais eficiente por ser pauta<strong>da</strong> na evolução tecnológica. Questionam, a partir disso,<br />
se o tempo livre escaparia ao controle dessa administração.<br />
Apontam que nessa socie<strong>da</strong>de, com o desenvolvimento <strong>da</strong>s forças produtivas, o<br />
homem tem se separado ca<strong>da</strong> vez mais <strong>da</strong> sua liber<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> busca por “experiências<br />
formativas autônomas”. Neste sentido, o tempo livre também está sujeito às mesmas<br />
condições de opressão que o “tempo de trabalho”, evitando-se, assim, o choque entre<br />
eles.<br />
Propõem que sejam construí<strong>da</strong>s as “experiências formativas” que não<br />
fragmentem o aspecto cultural e intelectual (como na escola), na tentativa de cultivar<br />
um tempo livre em que se tenha a reflexão e a capaci<strong>da</strong>de imaginativa não encontra<strong>da</strong>s<br />
no tempo de trabalho. Utilizam também como referência Marcelino 172 e outros.<br />
No segundo artigo, Tavares (2001) tem a preocupação de discutir o que pode ou<br />
não ser considerado como doping no esporte. Possui referências como Grupe e Lenk 173 ,<br />
sociales. Paris: Presses Universitaires de France, 1989.<br />
170<br />
FREITAS, L. C. Crítica <strong>da</strong> organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico e <strong>da</strong> didática. Campinas: Papirus,<br />
1995.<br />
LOWY, M. Ideologia e Ciência Social. São Paulo: Cortez, 1988.<br />
171<br />
ADORNO, T. W. Capitalismo tardio ou socie<strong>da</strong>de industrial. Theodor W. Adorno (Org.). COHN, G.<br />
São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).<br />
172<br />
MARCELINO, N. C. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.<br />
173<br />
GRUPE, O. The sport culture and the sportization of culture: identily, legitimacy, sense and monsense<br />
of modern sport as a cultural phenomenon. In: LANDRY, F. et el (eds.) Sport… the third millenium.<br />
Quebec: Les Presses de I’Université Laval, 1992.<br />
LENK, H. Toward a social philosophy of the Olympies: values, aims and reality of modern olympic<br />
movement. In: GRAHAM, P. J. e UEBERHORST, H. (eds.) The modern olympics. West Point: Leisure<br />
Press, 1976.
entre outros. Demonstra que o doping se constitui como algo ilegal em um determinado<br />
momento <strong>da</strong> história quando passam a ser considerados os argumentos<br />
técnico/científicos, sócioculturais, éticos e políticos.<br />
172<br />
Apresenta a superação desses argumentos, principalmente dos<br />
técnicos/científicos e éticos, em favor de uma discussão volta<strong>da</strong> para a “essência<br />
simbólica <strong>da</strong> prática esportiva”, evidenciando o que o autor chama de “ver<strong>da</strong>deiro limite<br />
humano na competição física”.<br />
O terceiro artigo escrito por Silva (2001) procura contribuir com a discussão<br />
sobre a relação entre ética e o discurso científico. Pontua que o afastamento desses<br />
polos se deu quando se inseriu a ver<strong>da</strong>de como componente do mundo objetivo<br />
(ciência) e a virtude como componente do mundo subjetivo (ética). Ou seja, a ciência<br />
assumiu o “postulado <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de” e, com isto, se desvincula do “mundo vivido”,<br />
<strong>da</strong>s particulari<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> produção subjetiva do conhecimento.<br />
Faz a defesa <strong>da</strong> filosofia e <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, de maneira que esta última seria<br />
o espaço privilegiado para a discussão <strong>da</strong> ética por trabalhar diretamente com a<br />
sensibili<strong>da</strong>de, o corpo e as “infinitas formas de movimento”. Suas referências são<br />
Monod, Atlan, Freitag, Maffesoli 174 , entre outros.<br />
Em relação ao tema “prática pe<strong>da</strong>gógica”, há dois artigos. O primeiro é um<br />
projeto de tese de doutorado apresentado por Montenegro e Garcia (2001), no qual os<br />
autores se preocupam com a exclusão realiza<strong>da</strong> na aula de <strong>Educação</strong> Física. Segundo<br />
eles, em geral, valorizam-se os mais aptos fisicamente em detrimento dos menos<br />
habilidosos. Sugerem que a educação/educação física deve ser orienta<strong>da</strong> pelo fim<br />
almejado, e que esse fim deve ser a formação do homem. Nesse âmbito, é preciso que<br />
essa formação procure ir ao encontro <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des dos alunos e dos valores que os<br />
movem, tanto na escola quanto fora dela.<br />
Entendem assim que o ensino deve ser inclusivo e compreendem a inclusão<br />
como um processo legal e legítimo <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica. Afirmam, como necessário<br />
investigar as “representações sociais” que os professores possuem nas aulas de<br />
<strong>Educação</strong> Física, além de compreender as contradições dessas representações e suas<br />
interferências no processo de inclusão nas aulas. Destacam como referências<br />
174 MONOD, J. O acaso e a necessi<strong>da</strong>de. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1989.<br />
ATLAN, H. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro: Jorge<br />
Zahar, 1992.<br />
FREITAG, B. Itinerários de Antígona. Campinas: Papirus, 1992.<br />
MAFFESOLI, M. A comunicação pós-moderna como cultura. In: Textos de Cultura e Comunicação.<br />
Salvador: Departamento de Comunicação/UFBa, 1985.
Montenegro, Habermas, Teves, Orlandi, Bourdieu, Lüdke & André e Haguette 175 , entre<br />
outros.<br />
173<br />
No segundo artigo dessa temática, Nogueira (2001) discute se os professores de<br />
natação ou aqueles, atuantes na construção <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> natação”<br />
desconsideram as descobertas científicas <strong>da</strong> biomecânica em suas ativi<strong>da</strong>des. Seu<br />
referencial teórico é Bracht, Lovisolo, Hall 176 , entre outros.<br />
Compreende a <strong>Educação</strong> Física como a “arte <strong>da</strong> mediação”, prática de<br />
intervenção pe<strong>da</strong>gógica socialmente construí<strong>da</strong> e relaciona<strong>da</strong> ao “mito de recriação<br />
corporal”. Após a análise <strong>da</strong> relação entre estudos biomecânicos e o ensino <strong>da</strong> natação,<br />
conclui que nem os pesquisadores dessa ciência possuem tal preocupação – pois<br />
priorizam a formação de atletas – nem os professores fazem uso <strong>da</strong>s descobertas<br />
científicas.<br />
Em relação ao tema “avaliação <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> área”, há três artigos. No<br />
primeiro, Cunha et al (2001) realizam uma avaliação <strong>da</strong> produção científica <strong>da</strong> área<br />
utilizando o Diretório dos Grupos de Pesquisa, versão 3.0 (1997) e a versão 4.0 (2000)<br />
do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os<br />
autores encontraram 83 grupos de pesquisa ca<strong>da</strong>strados que desenvolvem investigações,<br />
principalmente na área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física e áreas afins.<br />
No artigo, apresentam o número de pesquisas por região, por instituição e<br />
informam a existência de 272 linhas de pesquisas. Explicam que nas pesquisas são<br />
utilizados diferentes enfoques e metodologias para ca<strong>da</strong> situação, havendo uma<br />
“plurali<strong>da</strong>de de abor<strong>da</strong>gens”, o que, segundo eles, provoca processos de fragmentação e<br />
especialização na área <strong>da</strong> educação física. O referencial dos autores é Jesuíno et al,<br />
Lawson, Gaya 177 e outros.<br />
175 MONTENEGRO, E. L. L. A <strong>Educação</strong> Física e o desenvolvimento moral do indivíduo numa<br />
perspectiva Kohlberguiana. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: UGF, 1994.<br />
HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.<br />
TEVES, N. (Org.). Imaginário social e educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1992.<br />
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987.<br />
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Beltrand do Brasil, 2000.<br />
LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abor<strong>da</strong>gens qualitativas. São Paulo:<br />
EPU, s/d.<br />
HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987.<br />
176 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e ciência. Cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Editora Unijuí, 1999.<br />
LOVISOLO, H. <strong>Educação</strong> Física. A arte <strong>da</strong> mediação. Rio de janeiro: Sprint, 1995.<br />
HALL, J. G. Biomecânica <strong>da</strong> técnicas desportivas. Rio de Janeiro: Interamericana, 1991.<br />
177 JESUÍNO, J. C. et al. A comuni<strong>da</strong>de científica portuguesa nos finais do século XX;<br />
comportamentes, atitudes e expectativas. Oeiras: Celta, 1995.<br />
LAWSON, H. Future research on physical education teacher education professors. Journal of Teaching<br />
in Physical Education, n. 10, p. 229-248.
174<br />
O segundo artigo escrito por Nóbrega et al (2001) se refere a uma pesquisa em<br />
an<strong>da</strong>mento e procura compreender, através dos trabalhos apresentados nos<br />
CONBRACEs na déca<strong>da</strong> de 1990, o conceito de epistemologia; os principais<br />
interlocutores; as temáticas que foram privilegia<strong>da</strong>s; e os sentidos <strong>da</strong>s várias<br />
contribuições para a produção em <strong>Educação</strong> Física. As análises se encontram em fase<br />
inicial e não apresentam resultados. As referências utiliza<strong>da</strong>s são Morin, Ricoeur, Gallo,<br />
Bardin, Bracht 178 e outros.<br />
No terceiro artigo, Malina e Oliveira (2001) analisam dois artigos publicados na<br />
Revista Movimento, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sobre a<br />
questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Para completar a análise dos artigos, os seus<br />
autores foram entrevistados. Os pesquisadores se pautam, para a análise, em Kosik,<br />
Goldmann, Gramsci e Manheim 179 . Possuem como preocupação de fundo verificar os<br />
dicursos dos intelectuais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física e sua função social em relação à<br />
área e à socie<strong>da</strong>de.<br />
O primeiro artigo foi escrito por Gaya 180 , e o segundo por Taffarel e Escobar 181<br />
como resposta ao primeiro. Dentre as conclusões, revelam que a discussão de Gaya se<br />
aproxima de uma vertente empírico-analítica; opõe-se ao conservadorismo<br />
predominante na área; sua proposta epistemológica possui um fim em si mesma. Na<br />
discussão de Taffarel e Escobar, demonstram que a “radicalização” <strong>da</strong>s autoras acaba<br />
por ocultar as contradições que elas apontam no texto de Gaya; auxiliam<br />
contraditoriamente os que combatem o marxismo; suas críticas eram pertinentes;<br />
revelam autentici<strong>da</strong>de teórica dos princípios e valores do marxismo; coerência interna<br />
na argumentação teórica.<br />
GAYA, A. C. A. As ciências do desporto nos países de língua portuguesa; uma abor<strong>da</strong>gem<br />
epistemológica. Porto: FCDEF/UP, 1994.<br />
178 MORIN, E. O método III: O conhecimento do conhecimento. 2. ed. Lisboa: Publicação Europa-<br />
América, 1996.<br />
RICOEUR, P. Teoria <strong>da</strong> interpretação. Lisboa: Edições 70, 1978.<br />
GALLO, S. Conhecimento, transversali<strong>da</strong>de e educação. Impulso. Revista de Ciências Sociais e<br />
Humanas <strong>da</strong> UNIMEP, Piracicaba: Editora Unimep, v. 10, n. 21, 1997.<br />
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.<br />
BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1999.<br />
179 KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.<br />
GOLDMANN, L.. Ciências humanas e filosofia. São Paulo: DIFEL, 1980.<br />
GRAMSCI, A. Concepção dialética <strong>da</strong> história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.<br />
MANNHEIM, K. Sociologia <strong>da</strong> cultura. In: FORACCHI, M. M. (Org.). Karl Mannhein: sociologia. São<br />
Paulo: Ática, 1982. (Coleção: Grandes Cientistas Sociais).<br />
180 GAYA, A. C. A. Mas, afinal, o que é <strong>Educação</strong> Física? Revista Movimento, Porto Alegre: UFRGS,<br />
n. 1, p. 29-34, 1994.<br />
181 TAFFAREL, C. N. Z. ; ESCOBAR, M. O. Mas, afinal, o que é <strong>Educação</strong> Física?: Um exemplo de<br />
simplismo intelectual. Revista Movimento, Porto Alegre: UFRGS, n. 1, p. 35-40, 1994.
175<br />
Sobre a temática “constituição do campo acadêmico” foram apresentados quatro<br />
artigos. No primeiro artigo, Sautchuk (2001) procura alertar para a importância de se<br />
refletir a respeito <strong>da</strong> regulamentação <strong>da</strong> profissão de <strong>Educação</strong> Física – o que constituiu<br />
o CONFEF – e seus efeitos na discussão epistemológica. Para tanto, busca<br />
fun<strong>da</strong>mentação em Weber 182 , quando este discute a “dominação burocrática”. Ou seja,<br />
argumenta como as características dessa dominação respal<strong>da</strong>m o processo de<br />
regulamentação ou, conforme caracteriza o autor: “burocratização <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física”.<br />
Finaliza questionando que o processo de burocratização traz uma perspectiva<br />
epistemológica pauta<strong>da</strong> nas “ativi<strong>da</strong>des físicas comerciais” e que se faz necessário que<br />
esse processo seja discutido. Além de Max Weber, também utiliza como referência<br />
Fensterseifer e Foucault 183 .<br />
No segundo artigo, Pich (2001) procura analisar as propostas que na área <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física indicam como objeto de estudos a “cultura corporal” e a “cultura<br />
corporal de movimento”. Seu interesse é o de contribuir para a legitimação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física como uma área de conhecimento. Suas referências para empreender a análise são<br />
Bordieu, Cuche, Laraia, Mauss 184 , entre outros.<br />
As propostas escolhi<strong>da</strong>s para serem analisa<strong>da</strong>s foram a do Coletivo de Autores<br />
(cultura corporal), Betti (cultura corporal de movimento), Bracht (cultura corporal de<br />
movimento), Kunz (objetivações culturais de movimento). Embora a nomenclatura seja<br />
similar, o seu significado não é o mesmo. O autor destaca pontos importantes <strong>da</strong>s<br />
propostas e as questiona. Identifica-se com Bracht quando este afirma que as ativi<strong>da</strong>des<br />
<strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física estão relaciona<strong>da</strong>s ao lúdico, e também com Kunz porque a<br />
proposição deste dá ao movimento a “identi<strong>da</strong>de com um grupo cultural específico”.<br />
Propõe que as “objetivações culturais de movimento” podem ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong>s<br />
ciências sociais, mas predominantemente na sub-área <strong>da</strong> antropologia, a antropologia<br />
corporal.<br />
No próximo artigo, Velozo (2001), a fim de compreender as implicações <strong>da</strong><br />
incorporação de práticas científicas na <strong>Educação</strong> Física, discute o estatuto científico <strong>da</strong><br />
182 WEBER, M. Economia e socie<strong>da</strong>de. Brasília: Editora UnB, 1999, v. 1 e 2.<br />
183 FENSTERSEIFER, P. Conhecimento, epistemologia e intervenção. In: GOELLNER, S. V. <strong>Educação</strong><br />
física/ciência do esporte: intervenção e conhecimento. Florianópolis: CBCE, 1999.<br />
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1999.<br />
184 BORDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.<br />
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999.<br />
LARAIA, R. Cultura: um conceito antropológico. [s.l; s.n.].<br />
MAUSS, M. Noção de técnica corporal. En: _______. Sociologia y antropologia. São Paulo: EPU, 1974,<br />
v. 2.
área e do seu objeto de estudo, as concepções metodológicas de ciência e a<br />
compreensão <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong>de científica”. Conclui que a <strong>Educação</strong> Física é uma prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica que também veicula conhecimentos científicos. É um campo de<br />
conhecimento interdisciplinar que possui como objeto de estudos a cultura corporal e o<br />
movimento humano. Conclui ain<strong>da</strong> que embora exista na área a hegemonia de<br />
determina<strong>da</strong>s disciplinas como, por exemplo, a biomecânica, é necessário que se<br />
conheça várias formas de construção do conhecimento para não se deter a um “método<br />
rígido” e a uma “ver<strong>da</strong>de absoluta”. Suas referências são Bracht, Feyranbend, Japiassu,<br />
Popper 185 , entre outros.<br />
176<br />
Por fim, Silva (2001) aponta as discussões que permeiam a área sobre sua<br />
cientifici<strong>da</strong>de e sobre quais ciências estariam vincula<strong>da</strong>s à <strong>Educação</strong> Física. Ou ain<strong>da</strong> se<br />
esta não seria uma área de intervenção social que necessita do conhecimento científico.<br />
Entre as questões abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no texto, a autora enfatiza a preocupação <strong>da</strong> demarcação ou<br />
construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de científica em função <strong>da</strong> concessão de recursos (fomentos à<br />
pesquisa) que possam ser recebidos. Discute essa indefinição do campo acadêmico em<br />
função <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de corpo e mente presente na ciência moderna e propõe<br />
algumas reflexões: a concepção de phisis dos gregos clássicos; a compreensão <strong>da</strong><br />
relação entre cultura e natureza; o papel fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> emoção na corporei<strong>da</strong>de, entre<br />
outros. Suas referências são Bracht, Gramsci, Abrantes, Damásio, Marx e Foucault 186 .<br />
No que concerne à temática “novas abor<strong>da</strong>gens teóricas”, foram apresentados<br />
cinco artigos. No primeiro, Teves (2001) discute a importância <strong>da</strong>s pesquisas na<br />
<strong>Educação</strong> Física a partir <strong>da</strong> teoria do “imaginário social”. A discussão perpassa pela<br />
crítica ao “modelo tradicional de ciência” e ao “cientificismo metodológico”. Propõe a<br />
teoria do imaginário social como uma alternativa “não irracionalista” que traz<br />
discussões relativas às questões do campo simbólico e <strong>da</strong>s representações sociais,<br />
trabalhando com o real, o imaginário e o simbólico. Indica vários autores que defendem<br />
185<br />
BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e ciência: cenas de um casamento (in) feliz. Ijuí: Editora Unijui, 1999.<br />
FEYERANBEND, P. Contra o método. São Paulo: Francisco Alves, 1988.<br />
JAPIASSU, H. Interdisciplinari<strong>da</strong>de e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.<br />
POPPER, K. A lógica <strong>da</strong> pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1989.<br />
186<br />
BRACHT. V. <strong>Educação</strong> Física/ciências do esporte: que ciência é essa? Revista Brasileira de Ciências<br />
do Esporte, v. 14, n. 3, p. 111-7, 1993.<br />
GRAMSCI, A. Concepção dialética <strong>da</strong> história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.<br />
ABRANTES, P. C. C. Imagens <strong>da</strong> natureza, imagens <strong>da</strong> ciência. Campinas: Papirus, 1998.<br />
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. São Paulo: Cia <strong>da</strong>s Letras, 1996.<br />
MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Ática, 1985.<br />
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia <strong>da</strong>s ciências humanas. São Paulo: Martins<br />
Fontes, 1992.
essa perspectiva, e dentre eles estão as suas referências teóricas: Lefebvre, Castoriadis,<br />
Morin, Maffesoli 187 , entre outros.<br />
177<br />
No próximo artigo, Correa e Teves (2001) também apresentam a teoria do<br />
imaginário social. Nesse caso, discutem a proposta de Castoriadis 188 objetivando buscar<br />
parcerias teórico-metodológicas que tornem essa perspectiva mais efetiva na realização<br />
<strong>da</strong>s pesquisas de campo. As pesquisadoras apresentam as convergências e divergências<br />
entre Castoriadis, Orlandi e Rorty 189 . Tomam, também como referências Barbie e<br />
Culler 190 .<br />
No quarto artigo dessa temática, Gauthier e Castro Júnior (2001) procuram<br />
mostrar a “sociopoética” como uma perspectiva de pesquisa que permite legitimar a<br />
produção do conhecimento com a participação efetiva dos seus integrantes. Isso<br />
acontece em um movimento de “conci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia” do grupo pesquisador, em que o<br />
imaginário social e individual é fun<strong>da</strong>mental no processo de pesquisa e o pesquisador<br />
atua como um mediador. Suas referências são Gauthier, Kosik, Freire, Assman 191 , entre<br />
outros.<br />
No artigo que se segue, Bichara (2001) descreve os pressupostos teóricos<br />
desenvolvidos por Reich 192 denominado “funcionalismo orgonômico”. Compreende<br />
essa teoria como uma “ferramenta do pensamento”, na qual se trabalha o movimento<br />
energético corporal e entende as sensações como fun<strong>da</strong>mentais para a construção<br />
187 LEFEBRVE, H. A vi<strong>da</strong> cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.<br />
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.<br />
MORIN, E. O método III. O conhecimento do conhecimento. Lisboa: Publicações Europa-América,<br />
1986.<br />
MAFFESOLI, M. O tempo <strong>da</strong>s tribos: o declínio do individualismo nas socie<strong>da</strong>des de massa. Rio de<br />
Janeiro: Forense Universitária, 1988.<br />
188 CASTORIADIS, C. Op. cit.<br />
189 ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. Campinas: Cortez, 1988.<br />
RORTY, R. Contingência, ironia e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de. Lisboa: Presença, 1994.<br />
190 BARBIE, R. Sobre o imaginário. Em Aberto. Brasília: INEP-MEC, n. 61, p. 15-23, 1994.<br />
CULLER, J. Em defesa <strong>da</strong> superinterpretação. In: ECO, U. (Org.). Interpretação e superinterpretação.<br />
São Paulo: Martins Fontes, 1997.<br />
191 GALTHIER, J. Sociopoética – encontro entre arte, ciência e democracia na pesquisa em ciências<br />
humanas e sociais, enfermagem e educação. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 1999.<br />
KOSIK, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.<br />
FREIRE, P. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> esperança. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.<br />
ASSMAN, H. Reencantar a educação: rumo a uma socie<strong>da</strong>de aprendente. 2. ed. Petrópolis: Vozes,<br />
1998.<br />
192 REICH, W. A análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.<br />
_______. Funcionalismo orgonômico. Sobre o desenvolvimento histórico do funcionalismo<br />
orgonômico. 1991. (mimeo).
humana. Considera que essa teoria pode ser fun<strong>da</strong>mental para que a <strong>Educação</strong> Física<br />
contribua para o desenvolvimento do ser humano em sua plenitude.<br />
178<br />
Ain<strong>da</strong> sobre o tema “novas abor<strong>da</strong>gens teóricas”, Rodrigues (2001) discute a<br />
importância de se compreender o processo “impulso” (instinto e pulsão), porque o seu<br />
entendimento pode contribuir com as definições <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de educativa. Ou seja, para<br />
educar, conforme o autor, é necessário compreender como acontece a relação entre os<br />
sujeitos e a “pulsão de saber”. Se essa pulsão leva à construção ou à destruição, o autor<br />
não consegue responder. Sua abor<strong>da</strong>gem fica nos limites <strong>da</strong> crítica à escola que adestra<br />
e silencia, e também ressalta que somente a descarga <strong>da</strong> pulsão pode levar a “atitudes<br />
psicóticas”. Suas referências são Freud, Gallo, Nietzsche 193 , entre outros.<br />
No último artigo dessa temática, Guimarães (2001) discorre sobre a teoria de<br />
Fleck como sugestão para a avaliação <strong>da</strong> produção teórica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, pois a<br />
partir dela é possível identificar os “estilos de pensamento” e as varie<strong>da</strong>des que podem<br />
surgir nestes. Suas referências são Fleck, Lowy, Kuhn, Delizoicov 194 .<br />
A última temática diz respeito à “concepção de corpo”. No primeiro artigo,<br />
Oliveira e Silva (2001) explicam os pressupostos de Descartes (1596-1650),<br />
principalmente em seu Tratado do Homem (1664), procurando identificar seus<br />
desdobramentos na moderni<strong>da</strong>de e as consequências naquilo que concerne à duali<strong>da</strong>de<br />
corpo e mente na instituição escolar. Discutem que essa leitura dualista do homem leva<br />
ao entendimento do corpo como objeto que é analisado e controlado pela ciência. Na<br />
construção <strong>da</strong> instituição escolar predomina, segundo os autores, essa mesma concepção<br />
de corpo. Pontuam a necessi<strong>da</strong>de de se repensar a racionali<strong>da</strong>de instrumental e buscar<br />
um processo educativo pautado em visão de homem que não seja reducionista e que<br />
conduza a uma reflexão ética e estética. Suas referências são Vaz, Silva, Vago,<br />
Bracht 195 , entre outros.<br />
193 FREUD, S. La moral sexual “cultural” y la nervosi<strong>da</strong>d moderna. In: _______. Obras completas.<br />
Buenos Aires: amorrortu editores, 1993, v. 9.<br />
GALLO, S. Anotações de sala de aula. In: _______. Fun<strong>da</strong>mentos filosóficos <strong>da</strong> educação. Campinas:<br />
Unicamp, 2001.<br />
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia<br />
<strong>da</strong>s Letras, 2000.<br />
194 FLECK, L. La génesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza Editorial, 1986.<br />
LOWY, I. Ludwik Fleck e a presente história <strong>da</strong>s ciências. História, Ciência e Saúde. Manguinhos:<br />
Fiocruz, p. 7-18, jul-out. 1994.<br />
DELIZOICOV, D. et al. Sociogênese do conhecimento e pesquisa em ensino: contribuições a partir do<br />
referencial fleckiano. Valinhos: LI ENPEC, 1999.<br />
195 VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no
179<br />
No segundo artigo, Grasel (2001) relata uma pesquisa em an<strong>da</strong>mento cuja meta é<br />
a construção de uma proposta metodológica para a educação física permanente,<br />
preocupação que surge para a autora em função do aumento <strong>da</strong> longevi<strong>da</strong>de humana.<br />
Especificamente nesse artigo, abor<strong>da</strong> as concepções de corpo e movimento presentes na<br />
educação física que, para a autora, são “o paradigma <strong>da</strong> ciência natural” e o <strong>da</strong><br />
“fenomenologia”. Sua opção, ao final do artigo, é pela fenomenologia, na qual o<br />
movimento é compreendido como “diálogo entre o homem e o mundo” e a corporei<strong>da</strong>de<br />
como a forma de “ser e estar no mundo”. Suas referências são Merleau-Ponty, Paulo<br />
Freire 196 , entre outros.<br />
No próximo artigo, Rocha (2001) abor<strong>da</strong> a concepção dicotômica de homem a<br />
partir de Descartes 197 e a concepção de corpo trata<strong>da</strong> por Merleau-Ponty como o “ser no<br />
mundo”. Realiza entrevistas com professores de educação física e descobre que o corpo<br />
é concebido por eles como biológico e reduzido à dimensão fisiológica, aproximando-<br />
se, portanto, <strong>da</strong> concepção cartesiana. Neste sentido, de acordo com a autora, o corpo é<br />
desvalorizado em relação à alma e, em regra, a educação física é justifica<strong>da</strong> na escola<br />
por trabalhar com valores desenvolvidos pela socie<strong>da</strong>de. Propõe que os professores se<br />
aproximem <strong>da</strong> concepção de Merleau-Ponty, porque nesta o corpo é compreendido<br />
como manifestação fenomênica <strong>da</strong> existência humana, como uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de do ser no<br />
mundo.<br />
No quarto artigo sobre “concepção de corpo”, Lima (2001) abor<strong>da</strong> os inevitáveis<br />
problemas traduzidos pela evolução <strong>da</strong> técnica para a espécie humana, especialmente os<br />
perigos trazidos pela engenharia genética. Nesse sentido discute aquilo que chama de<br />
“biopoder” nas relações <strong>da</strong> “biopolítica” e critica as tentativas de descobertas que<br />
procuram prolongar a vi<strong>da</strong>, contrariando a “condição humana”. Suas referências são<br />
Heidegger, Arendt, Foucault, Nietzsche, Sloterdijk 198 , entre outros.<br />
treinamento corporal. Cadernos Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 89-108, 1999.<br />
SILVA, A. M. Elementos para compreender a moderni<strong>da</strong>de do corpo numa socie<strong>da</strong>de racional. Cadernos<br />
Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 7-29, 1999.<br />
VAGO, T. M. Início e fim do século XX: maneiras de se fazer educação física na escola. Cadernos<br />
Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 30-51, 1999.<br />
BRACHT, V. A constituição <strong>da</strong>s teorias pe<strong>da</strong>gógicas de educação física. Cadernos Cedes. Campinas:<br />
Unicamp, n. 48, p. 69-88, 1999.<br />
196<br />
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.<br />
FREIRE, P. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz<br />
e Terra, 1998.<br />
197<br />
DESCARTES, R. As paixões <strong>da</strong> alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />
MERLEAU-PONTY, M. Op. cit.<br />
198<br />
HEIDEGGER, M. Conferencias y artículos. Barcelona: Ediciones Del Serbal, 1994.
180<br />
No próximo artigo, Almei<strong>da</strong> (2001) procura mostrar que a duali<strong>da</strong>de corpo e<br />
mente entre os gregos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de foi mal interpreta<strong>da</strong>. A partir <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de<br />
discursiva, rediscute essa duali<strong>da</strong>de, assumindo que a racionali<strong>da</strong>de/duali<strong>da</strong>de<br />
construí<strong>da</strong> naquele momento histórico não pode ser descarta<strong>da</strong>, visto que faz parte <strong>da</strong><br />
compreensão assumi<strong>da</strong> sobre a ideia de homem. Negar a duali<strong>da</strong>de seria, conforme o<br />
autor, negar essa ideia. Entre as suas principais referências estão Merleau-Ponty e<br />
Platão 199 .<br />
O sexto artigo tem como conteúdo um projeto no qual os pesquisadores estão<br />
preocupados em compreender como se processam as relações <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
ludici<strong>da</strong>de entre os professores/pesquisadores <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saúde. Pires e Santos (2001)<br />
criticam a priori<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> exclusivamente ao processo racional de elaborar o<br />
conhecimento. Assim, deve-se compreender, de acordo com os autores, que a pós-<br />
moderni<strong>da</strong>de é marca<strong>da</strong> pelo resgate do “sensível”. A pesquisa, então, deve ser pauta<strong>da</strong><br />
pelo novo espírito científico “intuitivo e simbólico”. E ain<strong>da</strong>, compreender a<br />
subjetivi<strong>da</strong>de, os sentimentos, a sensibili<strong>da</strong>de, as emoções como importantes para se<br />
construir “o próprio saber no experienciar”. Suas referências são Morin, Bachelard,<br />
Maffesoli, Shiller 200 , entre outros.<br />
No último artigo, Borges (2001) apresenta a compreensão segundo a qual a<br />
linguagem é o elemento fun<strong>da</strong>nte do “mundo dos homens”. A partir disso analisa a<br />
dicotomia corpo, mente e espírito, assinalando a necessi<strong>da</strong>de de pensar o “ser no<br />
mundo” como uma totali<strong>da</strong>de. Abor<strong>da</strong>, também, que essa dicotomia se desdobra em<br />
outras como sujeito e objeto, teoria e prática. Esse processo interfere na formação<br />
profissional, <strong>da</strong>ndo maior status às disciplinas relaciona<strong>da</strong>s ao “ser biológico”. Na<br />
educação física, na acepção o autor, o objeto de estudo é a “cultura de movimento” e o<br />
ARENDT. H. A condição humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.<br />
FOUCAULT, M. Em defesa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. São Paulo: Martins Fontes, 1999.<br />
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos (ou como filosofar com o martelo). Rio de Janeiro: Relume<br />
Dumará, 2000.<br />
SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o<br />
humanismo. São Paulo: Estação Liber<strong>da</strong>de, 1999.<br />
199 MERLEAU-PONTY, M. Elogio <strong>da</strong> filosofia. [s.n.; s.l.].<br />
PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção: Os Pensadores).<br />
200 MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985.<br />
(Coleção: Biblioteca Tempo Universitário – 12).<br />
MAFFESOLI, M. Elogio <strong>da</strong> razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.<br />
SHILLER, F. Cartas sobre a educação estética <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. São Paulo: EPU, 1991.
professor deve tentar diminuir essa grande separação entre corpo (sensível) e a mente<br />
(intelecto). Suas referências são Gonçalves, Vaz, Marques, Daolio 201 , entre outros.<br />
181<br />
No que diz respeito aos trabalhos do GTT-epistemologia/2003, a divisão por<br />
temas obedece à mesma lógica dos eventos anteriores. Os temas encontrados foram<br />
questões sobre a bioética; sobre a prática pe<strong>da</strong>gógica na escola; a avaliação <strong>da</strong><br />
divulgação e <strong>da</strong> produção científica; a busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área e construção do seu<br />
campo acadêmico; a pós-moderni<strong>da</strong>de; e a discussão sobre a concepção de corpo.<br />
Em relação à “bioética”, encontrei apenas um artigo escrito por Silva (2003) que<br />
indica a necessi<strong>da</strong>de de incluir estudos do assunto para a realização de pesquisas, ou<br />
seja, discutir os aspectos morais dos procedimentos científicos que, conforme a<br />
pesquisa, são negligenciados pela área. Suas referências são Santin, Dias, Baudrillard,<br />
Engelhardt 202 e outros.<br />
Temos, também, apenas uma pesquisa que discute a “prática pe<strong>da</strong>gógica”. Essa<br />
discussão é realiza<strong>da</strong> por Rosa (2003) com base em autores <strong>da</strong> Teoria Crítica. Parte do<br />
entendimento <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física como área do conhecimento que versa sobre a cultura<br />
corporal. Procura demonstrar que com o desenvolvimento civilizatório há o<br />
desenvolvimento do que os autores chamam de “mais-repressão”. Esse processo pode<br />
ser transformado com a <strong>Educação</strong> Física, pois ela representaria a possibili<strong>da</strong>de de uma<br />
<strong>Educação</strong> Libertária desde que seja formado um professor crítico e reflexivo. Suas<br />
referências são Marcuse, Adorno e Horkheimer 203 .<br />
No que tange à temática <strong>da</strong> “avaliação <strong>da</strong> divulgação e <strong>da</strong> produção científica”,<br />
foram apresentados três trabalhos com o intuito de facilitar o cruzamento de <strong>da</strong>dos para<br />
as futuras pesquisas, tornando-os de fácil manuseio. Alguns pesquisadores, como Lima<br />
et al (2003) e Nascimento (2003), procuraram verificar a quali<strong>da</strong>de dos catálogos e <strong>da</strong>s<br />
201<br />
GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: corporei<strong>da</strong>de e educação. Campinas: Papirus, 1994.<br />
VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no<br />
treinamento corporal. Cadernos Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 89-108, 1999.<br />
MARQUES, M. O. A escola no computador: Linguagens articula<strong>da</strong>s educação outra. Ijuí: Editora<br />
Unijuí, 1999.<br />
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1994.<br />
202<br />
SANTIN, S. <strong>Educação</strong> Física: educar e profissionalizar. Porto Alegre: EST, 1999.<br />
DIAS, J. M. Bioética e a <strong>Educação</strong> Física. Revista <strong>Educação</strong> Física, Rio de Janeiro: CONFEF, ano 1, n.<br />
4, set. 2002.<br />
BAUDRILLARD, J. A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. 2. ed. Campinas:<br />
Papirus, 1992.<br />
ENGELHARDT, H. T. J. Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> bioética. São Paulo: Loyola, 1998.<br />
203<br />
MARCUSE, H. Eros e civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8. ed. Rio<br />
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1966.<br />
ADORNO, T. W. <strong>Educação</strong> e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.<br />
HORKHEIMER, M. Teoria crítica: uma documentação. São Paulo: Perspectiva, 1990.
evistas específicas, opinando sobre sua melhora; outras, como a de Oliveira et al<br />
(2003) se preocupam em propiciar uma visualização <strong>da</strong>s pesquisas contribuindo para<br />
sua melhora qualitativa. Buscam identificar quais as áreas <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física de maior<br />
interesse, quais as problemáticas mais discuti<strong>da</strong>s e quais as tendências teórico-<br />
metodológicas que as norteiam. Esta última pesquisa apresenta como resultado o<br />
aumento <strong>da</strong>s pesquisas com fun<strong>da</strong>mentação em autores <strong>da</strong> “fenomenologia-<br />
compreensiva” e “críticos-dialéticos”. Suas referências são, respectivamente, Meadows,<br />
Miran<strong>da</strong> e Pereira, Mueller, Pino 204 ; Ferreira Netto 205 ; Sanchez Gamboa 206 , entre outros.<br />
182<br />
A temática sobre a “busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área e construção do seu campo<br />
acadêmico” conta com a apresentação de cinco trabalhos que procuram demonstrar<br />
como determina<strong>da</strong>s teorias podem colaborar para que a <strong>Educação</strong> Física encontre sua<br />
identi<strong>da</strong>de, seu status de ciência, enfim, construa seu campo acadêmico.<br />
Nesses trabalhos, aparecem como respostas a “linguística e a praxiologia”<br />
apresenta<strong>da</strong> por Ramos (2003), cuja principal referência é Parlebas 207 ; o “anarquismo<br />
epistemológico” discutido por Veloso, que tem como principais referências Feyerabend,<br />
Nietzsche e Daolio 208 ; o “pós-estruturalismo” explicitado por Nogueira (2003), tendo<br />
como referências Silva, Hall, Veiga-Neto e Foucault 209 . A conclusão a que chegam é<br />
que as diferenças teóricas estão apenas nas ideias e representam lutas entre grupos. Essa<br />
compreensão é explicita<strong>da</strong> principalmente por Rocha Jr. (2003), que se fun<strong>da</strong>menta em<br />
Guiraldelli Jr., Bracht, Lovisolo, Bordieu 210 e outros. Alguns tentam, ain<strong>da</strong>, verificar<br />
204 MEADOWS, J. A. Comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 1999.<br />
MIRANDA, D.B.; PEREIRA, M.N.F. O periódico científico como veículo de comunicação: uma revisão<br />
de literatura. Ciência <strong>da</strong> Informação, Brasília, v. 25, n. 3, p. 375-383, set/dez. 1996.<br />
MUELLER, S. P. M. O círculo vicioso que prende os periódicos nacionais. DataGramaZero – Revista<br />
de Ciência <strong>da</strong> Informação. N. zero, dez., 1999.<br />
PINO, I. Editoração de revistas científicas no campo <strong>da</strong> educação. In: BUENO, B. O.; AQUINO, J. G.;<br />
CARVALHO, M. P. (Orgs.). Política de publicação científica em educação no Brasil hoje. São Paulo:<br />
FEUSP, 2002.<br />
205 FERREIRA NETTO, A. (Org.). Catálogo de periódicos de educação física e esporte (1930 – 2000).<br />
Vitória: Próteoria, 2002.<br />
206 SANCHEZ GAMBOA, S. Epistemologia <strong>da</strong> pesquisa em educação. São Paulo: Práxis, 1995.<br />
207 PARLEBAS, P. Contribition a um lexique communté em Science de l’action motrice. Paris:<br />
INSEP Publications, 1981.<br />
208 FEYERABEND, P. K. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.<br />
NIETZSCHE, F. W. Obras incompletas. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção: Os Pensadores).<br />
DAOLIO, J. <strong>Educação</strong> Física e cultura. Revista Corpoconsciência, Santo André: FEFISA, n. 1, 1998.<br />
209 SILVA, T.T. Documentos de identi<strong>da</strong>de: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:<br />
Autêntica, 2002.<br />
HALL, S. A centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. <strong>Educação</strong> &<br />
Reali<strong>da</strong>de, Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 15-46, jul/dez., 1997.<br />
VEIGA-NETO, A. As i<strong>da</strong>des do corpo: (material)i<strong>da</strong>des, (divers)i<strong>da</strong>des, (corporal)i<strong>da</strong>des, (ident)i<strong>da</strong>des ...<br />
. In: GARCIA, R. L. (Org.). O corpo que fala dentro e fora <strong>da</strong> escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.<br />
210 GUIRALDELLI JÚNIOR, P. <strong>Educação</strong> Física progressista: a pe<strong>da</strong>gogia crítico-social dos conteúdos
como outros países têm enfrentado essa questão, mas sem encontrarem respostas, tal<br />
qual é o caso de Reppold Fiho (2003), cujas referências são Bambra, Best, Start,<br />
Hirst 211 , entre outros.<br />
183<br />
Embora nos trabalhos dessa temática exista a preocupação central com a<br />
construção do campo acadêmico, em todos os outros discutidos no GTT – epistemologia<br />
está coloca<strong>da</strong> a apresentação de formas de tratamento do objeto <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no<br />
sentido de <strong>da</strong>r-lhe a identi<strong>da</strong>de e a legitimi<strong>da</strong>de almeja<strong>da</strong>s pela área.<br />
Em relação à “pós-moderni<strong>da</strong>de”, ao que parece o pano de fundo de quase to<strong>da</strong>s<br />
as discussões, esta se constitui como objeto específico em três pesquisas, que discutem a<br />
interferência positiva <strong>da</strong>s críticas de autores pós-modernos, destacando-as em relação à<br />
razão e às metanarrativas, conforme as abor<strong>da</strong>gens de Nogueira e Lovisolo (2003) e<br />
Pires (2003). Em outro artigo, escrito por Almei<strong>da</strong> (2003), as resposta às questões pós-<br />
modernas são postas no campo <strong>da</strong> política, ou seja, seria o fim do reino <strong>da</strong> justificação<br />
espistemológica e o início do reinado <strong>da</strong> política.<br />
O maior número de artigos apresentados, no total de sete, discutem a “concepção<br />
de corpo” veicula<strong>da</strong> na <strong>Educação</strong> Física relaciona<strong>da</strong> com a dicotomia entre corpo e<br />
mente, bem como a proposição de outra perspectiva.<br />
Dentre os trabalhos, apenas um procurou ter como referência teórica o<br />
materialismo histórico, como é o caso de Silva (2003), mas entra em contradição ao<br />
afirmar que vivemos na pós-moderni<strong>da</strong>de e utiliza-se desse conceito para aju<strong>da</strong>r na<br />
compreensão <strong>da</strong> problemática. Suas principais referências são Marx, Fromm, Paula<br />
Silva e Galeano 212 .<br />
As outras pesquisas utilizam, em grande parte, como referência teórica a<br />
fenomenologia, destacando-se também a Teoria Crítica e a Teoria <strong>da</strong> Estruturação. Seus<br />
e a <strong>Educação</strong> Física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.<br />
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES, 1997.<br />
LOVISOLO, H. <strong>Educação</strong> Física: a arte <strong>da</strong> mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.<br />
BORDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.<br />
211<br />
BAMBRA, A. J. An address on future of physical education. Bulletin of Physical Education, Special<br />
Supplemente, n. 5, p. 41-52, 1964.<br />
BEST, D. The slipperiness of movement. Journal of Human Movement Studies, n. 2. p. 182-190, 1976.<br />
START, K. B. Physical education as a university discipline. Bulletin Of Physical Education, v. 6, n. 7,<br />
p. 4-17, 1965.<br />
HIRST, P. Knowledge and the curriculum: a collection of philosophical papers. London: Rotledge and<br />
Kegan Paul, 1974.<br />
212<br />
MARX, K. O capital: edição resumi<strong>da</strong> por Julien Borchardt. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.<br />
FROMM, E. Conceito marxista do homem. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.<br />
PAULA SILVA, M. C. O esporte na proposta pe<strong>da</strong>gógica de educação física do colégio Grambery:<br />
uma compreensão histórica. Dissertação (mestrado em educação física), Rio de Janeior:PPGEF/UGF,<br />
1998.<br />
GALEANO, E. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM, 1999.
autores são Porpino e Almei<strong>da</strong> (2003), Lima (2003), Mendes e Nóbrega (2003), Lima,<br />
Dias e Nóbrega (2003), Bassani e Vaz (2003) e Gomes (2003). Alguns veem o discurso<br />
como o formador <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, e por isso alertam para a necessi<strong>da</strong>de dos ‘atores’ <strong>da</strong> área<br />
em construir novas significações, distintas <strong>da</strong> visão de ‘corpo máquina’.<br />
6.2 – GTT – Escola<br />
184<br />
Essas questões que aprecem no GTT – Epistemologia também estão presentes no<br />
GTT – escola, embora não de forma tão explícita. Apresento a seguir uma síntese dos<br />
artigos desse GTT, procurando mostrar como os autores têm discutido e realizado essa<br />
disciplina na escola. Foram analisados 64 artigos de diversas partes do país. No evento<br />
de 1999, a maior parte deles resulta de dissertações de mestrado, seguidos pelas<br />
pesquisas institucionais e teses de doutorado. Em 2001, são em igual número<br />
dissertações e pesquisas institucionais, e em 2003, a grande maioria resulta de pesquisas<br />
institucionais.<br />
6.2.1 – GTT – Escola/1999<br />
Na análise do GTT – escola/1999, optei por subdividir os artigos de acordo com<br />
as temáticas abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos autores <strong>da</strong> seguinte forma: gênero (1), concepções de<br />
educação física (2), educação e saúde (1), psicanálise (1), legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação<br />
física (3), planejamento de ensino e propostas curriculares (4), conhecimento específico<br />
(8) 213 .<br />
Inicio com o único artigo que discute a “questão de gênero”. A pesquisa é<br />
resultado de dissertação de mestrado defendi<strong>da</strong> em 1988 na UFMG (Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal de Minas Gerais). A autora <strong>da</strong> pesquisa observou aulas, o horário de recreio e os<br />
jogos escolares. Entrevistou “meninos e meninas” e os professores de quatro turmas de<br />
5ª. séries. Seu objetivo, em função <strong>da</strong> lei que estabelece turmas mistas nas aulas<br />
<strong>Educação</strong> Física, era “compreender como meninos e meninas constroem as relações de<br />
gênero na <strong>Educação</strong> Física” (ALTMANN, 1999, p. 112).<br />
213 Os números entre parênteses ao lado <strong>da</strong>s temáticas, em todo este capítulo, representam a quanti<strong>da</strong>de de<br />
artigos.
185<br />
Como referência teórica, a autora privilegia Scott 214 , o qual discute questões de<br />
gênero e sexuali<strong>da</strong>de e Foucault 215 . Embora tenha estas referências, as discussões<br />
apresenta<strong>da</strong>s no artigo são descrições dos comportamentos <strong>da</strong>s crianças, um relato de<br />
suas ações cotidianas, enfim, análises superficiais que a conduziu à seguinte conclusão:<br />
Enfim, separar turmas por sexo é estabelecer uma decisão polariza<strong>da</strong><br />
entre os gêneros; é exagerar uma generificação <strong>da</strong>s diferenças entre as<br />
pessoas, desconsiderando variações no gênero e considerando apenas<br />
diferenças de gênero como importantes numa aula; é tornar as<br />
fronteiras <strong>da</strong>s divisões de gênero mais rígi<strong>da</strong>s do que de fato são e<br />
negar a meninas e meninos a possibili<strong>da</strong>de de cruza-las; é furtar-se de<br />
antemão a possibili<strong>da</strong>de de escolha entre estarem juntos ou separados.<br />
(Ibid, p. 116).<br />
Os dois artigos referentes a “concepções de educação física” resultam de<br />
dissertações de mestrado. O primeiro corresponde à dissertação defendi<strong>da</strong> em 1998 na<br />
Unimep e o segundo à defesa em 1999 na UFPE (Universi<strong>da</strong>de Federal de<br />
Pernambuco).<br />
No artigo de Colpas (1999), a preocupação principal do autor é mostrar como<br />
pode ser construído, durante as aulas de um período letivo, um conceito de educação<br />
física em uma perspectiva crítica que supere a concepção de “ativi<strong>da</strong>de motora” até<br />
então predominante.<br />
O pesquisador trabalhou com alunos <strong>da</strong> 4ª. série de uma mesma escola, tendo<br />
como referência para a mu<strong>da</strong>nça de concepção dos alunos a teorização de Vygotsky 216 .<br />
Discute a escola como o local onde a elaboração conceitual dos fenômenos e conteúdos<br />
torna-se científica, partindo de Saviani 217 . Apresenta ain<strong>da</strong> como referência Paulo<br />
Freire 218 , e principalmente o Coletivo de Autores 219 , sendo que o último é que dá<br />
suporte para todo a sua compreensão de <strong>Educação</strong> Física.<br />
Tendo sempre o diálogo e a participação coletiva como princípios norteadores,<br />
dividiu a estrutura do processo de ensino em dois níveis. O primeiro nível compreende:<br />
214 SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. <strong>Educação</strong> e Reali<strong>da</strong>de. Porto Alegre. v.<br />
20, n. 2, p. 71-99. Jul/dez, 1995.<br />
215 FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organizado e traduzido de Roberto Machado. Rio de Janeiro:<br />
Graal, 1995.<br />
216 VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br />
217 SAVIANI, D. Pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez; Campinas:<br />
Autores Associados,1991.<br />
218 FREIRE, P. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5. ed. São Paulo: Paz e<br />
Terra, 1996. (Coleção Leitura).<br />
219 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino <strong>da</strong> educação física. São Paulo: Cortez, 1993.<br />
(Coleção Magistério 2 o . grau, Série formação do professor).
eflexão sobre o tema; prática <strong>da</strong>s variações do já conhecido; reflexão sobre a prática. O<br />
segundo nível: aprofun<strong>da</strong>mento com apoio <strong>da</strong> literatura.<br />
186<br />
Todo o esforço em internalizar nos alunos uma compreensão <strong>da</strong> educação física<br />
associa<strong>da</strong> à “cultura corporal” e não à “ativi<strong>da</strong>de motora” não garantiu ao próprio autor<br />
superar a dicotomia entre corpo e mente; ação e reflexão. Assim, temos:<br />
E ain<strong>da</strong>:<br />
A presença <strong>da</strong> ação verbal nas aulas de educação Física, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de reflexão (pensamento) por parte dos alunos<br />
durante as aulas, pode se <strong>da</strong>r no início ou em qualquer outro<br />
momento, caso seja necessário. Só por meio <strong>da</strong> práxis, a ação<br />
projeta<strong>da</strong>, refleti<strong>da</strong>, consciente, é capaz de produzir transformações<br />
sociais (COLPAS, 1999, p. 133, grifo meu).<br />
Como as expressões iniciais indicavam, aproximavam-se de uma<br />
concepção associa<strong>da</strong> predominantemente à ativi<strong>da</strong>de motora. A partir<br />
dessa dimensão atuei metodologicamente no sentido de uma<br />
compreensão vincula<strong>da</strong> à cultura corporal, reconheci<strong>da</strong> como uma<br />
área de conhecimento que se utiliza do corpo e de seus<br />
movimentos para o desenvolvimento potencial e unitário <strong>da</strong>s<br />
dimensões humanas (Ibid, p. 135 - 6, grifo meu).<br />
O segundo artigo, diferentemente do primeiro, procura recuperar que no ser<br />
humano as ações são conscientes e que não é possível separar teoria e prática. Para a<br />
discussão, utiliza como referência Sanches Vasquez 220 e argumenta: “o que não<br />
podemos perder de vista é que a ativi<strong>da</strong>de humana, com poucas exceções, é uma<br />
ativi<strong>da</strong>de consciente, portanto não cabível de ser compreendi<strong>da</strong> como fazer sem saber,<br />
um agir sem saber” (SOUZA JUNIOR, 1999, p. 209).<br />
O autor realiza uma pesquisa “bibliográfica/documental” (análise de conteúdo) e<br />
faz o trabalho de campo de “estilo etnográfico”. Sua preocupação principal é:<br />
“ultrapassar uma conotação de que seus conteúdos escolares se constituem num mero<br />
‘fazer prático destituído de uma reflexão teórica’ e assumir a responsabili<strong>da</strong>de de<br />
oferecer aos alunos o exercício <strong>da</strong> sistematização do conhecimento – um fazer crítico-<br />
reflexivo” (Ibid, p. 207, grifo do autor).<br />
Analisa a história dos currículos e <strong>da</strong>s disciplinas e discute que as escolhas “não<br />
acontecem com fun<strong>da</strong>mentos de uma lógica imparcial, neutra e desinteressa<strong>da</strong> e, sim,<br />
são resultados de conflitos e confrontos entre concepções sociais e pe<strong>da</strong>gógicas<br />
diferentes” (Ibid, p. 208). E na análise de dois professores de <strong>Educação</strong> Física com<br />
posturas diferentes, depois de apresentar vários argumentos, conclui que, entre outros<br />
220 VÁSQUEZ, A. S. Filosofia <strong>da</strong> práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997.
aspectos, há elementos indicadores <strong>da</strong> existência de aproximação <strong>da</strong> compreensão dessa<br />
disciplina como parte integrante <strong>da</strong> escola. No entanto, um entende que ela é<br />
desprestigia<strong>da</strong> em sua função; para a outra ela tem uma contribuição importante para a<br />
“formação/reflexão” dos alunos.<br />
do autor:<br />
187<br />
Como conclusão <strong>da</strong> apresentação desse artigo, apresento as seguintes posições<br />
Procurando superar uma <strong>Educação</strong> Física que vem se caracterizando,<br />
ao longo <strong>da</strong> história, como um mero “fazer prático destituído de uma<br />
reflexão teórica”, devemos assumir a responsabili<strong>da</strong>de de oferecer aos<br />
alunos o exercício <strong>da</strong> sistematização e <strong>da</strong> compreensão acerca de um<br />
corpo de conhecimentos específicos diante <strong>da</strong> organização curricular.<br />
(...) Primamos pela construção de uma reali<strong>da</strong>de educacional escolar<br />
em que todos os componentes curriculares venham a se caracterizar<br />
como uma ativi<strong>da</strong>de, mas não num sentido pejorativo, restrito e<br />
mecânico e, sim, entendendo a ativi<strong>da</strong>de educacional, portanto<br />
humana, como algo produtivo, consciente, com finali<strong>da</strong>de, reflexivo.<br />
Neste entendimento, o saber e o fazer constituem-se como um par<br />
dialético (Ibid, p. 213).<br />
No que concerne ao tema “educação e saúde”, há um artigo resultante de uma<br />
pesquisa institucional na UFG, em que o autor discute a obra de Comenius (1592-1670),<br />
buscando nela a base teórica para analisar o vínculo entre educação e saúde.<br />
Abor<strong>da</strong> a obra de Comenius tendo como foco os objetivos desse pensador.<br />
Enfatiza a sua capaci<strong>da</strong>de de antever consequências sobre algumas áreas do<br />
conhecimento antes mesmo que as investigações científicas as iluminassem. Cita como<br />
exemplo a condenação que Comenius faz ao excesso de trabalho, considerando-o<br />
pernicioso para a saúde humana. Afirma ain<strong>da</strong> que para ele o que importava não era a<br />
duração <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas a quali<strong>da</strong>de de como vivemos, pois “gastamos” a vi<strong>da</strong> de forma<br />
“perdulária”, por isso o sentimento de que ela é insuficiente.<br />
O autor apresenta as ideias de Comenius de forma descontextualiza<strong>da</strong>, ou seja,<br />
as premissas do autor não aparecem relaciona<strong>da</strong>s às determinações fun<strong>da</strong>mentais do seu<br />
tempo histórico e ain<strong>da</strong> as projeta para o nosso tempo histórico. Além disso, o autor, ao<br />
explicitar suas próprias idéias demonstra uma compreensão dualista de homem e<br />
pontua: “Se o dualismo mente/corpo ou espírito/carne é forte, não menos fortes são as<br />
vontades de estabelecer as pontes vinculantes. Portanto, a formação <strong>da</strong> mente, formação<br />
dos sentimentos morais e estéticos e educação física formadora do corpo pareceria que<br />
podem e devem caminhar juntas” (LOVISOLO, 1999, p. 165). Apresenta a mesma<br />
fragmentação ao discutir a função <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física quando expõe: “Como arte
pe<strong>da</strong>gógica deve contribuir para os processos de autoformação, de autonomia do<br />
aprender do espírito. Como arte médica, corporal e esportiva, deve cultivar a autonomia<br />
dos homens nos cui<strong>da</strong>dos e usos do corpo, prolongando a vi<strong>da</strong> e aumentando sua<br />
quali<strong>da</strong>de e potência” (Ibid, p. 166).<br />
188<br />
No tocante ao tema “psicanálise”, há um artigo, resultado de dissertação de<br />
mestrado apresenta<strong>da</strong> na Unicamp (Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campinas), cujo autor tem<br />
como objetivo “explicitar uma visão geral sobre o entendimento de Freud acerca <strong>da</strong>s<br />
possibili<strong>da</strong>des de uma educação volta<strong>da</strong> à profilaxia <strong>da</strong>s neuroses e suas relações com a<br />
educação moral, sobretudo no que diz respeito às perversões – tais como a cruel<strong>da</strong>de –,<br />
que encontram na <strong>Educação</strong> Física um lugar propício para a sua manifestação”<br />
(RODRIGUES, 1999, p. 171).<br />
Além de Freud (1856 - 1936) possui como referências teóricas Foucault 221 e<br />
principalmente Adorno 222 . To<strong>da</strong> a discussão se dá no sentido de compreender porque<br />
somos cruéis e se existe a possibili<strong>da</strong>de de nos educarmos para sermos diferentes. Neste<br />
sentido, para o autor do artigo a educação é sinônimo de repressão e a civilização está<br />
em oposição à felici<strong>da</strong>de, ou seja, ser cruel é o impulso natural que deve ser reprimido<br />
com a educação e a felici<strong>da</strong>de é uma impossibili<strong>da</strong>de.<br />
Quanto ao tema “legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física”, foram apresentados três<br />
artigos, dos quais dois são resultado de dissertações de mestrado. Um elaborado na<br />
UFMG (Universi<strong>da</strong>de Federal de Minas Gerais) e o outro na UFSM (Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal de Santa Maria); o terceiro é proveniente de pesquisa institucional <strong>da</strong> UFES<br />
(Universi<strong>da</strong>de Federal do Espírito Santo) 223 .<br />
A pesquisa realiza<strong>da</strong> em Minas Gerais discute a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
no CEFET-MG e as outras pesquisas debatem essa disciplina nas escolas públicas de<br />
Ensino Fun<strong>da</strong>mental em seus respectivos locais de origem.<br />
O primeiro artigo, sobre o CEFET, tem como objetivo “construir um conjunto de<br />
argumentações concisas e articula<strong>da</strong>s que legitime a presença <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no<br />
interior dos currículos dos Cursos de Engenharia Industrial do Centro Federal de<br />
<strong>Educação</strong> Tecnológica de Minas Gerais” (GARIGLIO, 1999, p. 151). Utiliza como<br />
referência teórica autores que discutem o “mundo do trabalho” como Deluiz, Azevedo,<br />
221<br />
FOUCALT, M. A ver<strong>da</strong>de e as Formas jurídicas. Tradução: Roberto de Melo Machado e Eduardo<br />
Jardins Morais. Rio de janeiro: NAU, 1996.<br />
222<br />
ADORNO, T. W. <strong>Educação</strong> e Emancipação. Tradução: Wolfang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e<br />
Terra, 1995.<br />
223<br />
O artigo <strong>da</strong> UFES pertence ao LESEF – Laboratório de Estudos em <strong>Educação</strong> Física e Desportos.
Machado e, na <strong>Educação</strong> Física, Bracht 224 , e procurando mostrar que a <strong>Educação</strong> Física<br />
pode contribuir com a educação do trabalhador brasileiro, principalmente com as<br />
modificações do “mundo do trabalho” ocorri<strong>da</strong>s após a crise estrutural do capitalismo<br />
nos anos de 1970.<br />
189<br />
O “novo papel do trabalhador” nessa nova ordem produtiva exigiria, segundo o<br />
autor, uma qualificação polivalente; são necessárias competências relaciona<strong>da</strong>s com a<br />
comunicabili<strong>da</strong>de, espírito de equipe, cooperação, sociabili<strong>da</strong>de, entre outros. A<br />
contribuição dessa disciplina seria no sentido <strong>da</strong> formação relacional e comunicativa do<br />
trabalhador, no “mundo do lazer” e para a ativi<strong>da</strong>de física e saúde. A contribuição se<br />
<strong>da</strong>ria por ser uma disciplina que promove “vivências e experiências coletivas e de<br />
intensa ação comunicativa (...), suas estruturas internas estão liga<strong>da</strong>s não somente ao<br />
universo do trabalho mas também ao mundo do lazer” (Ibid, p. 153-154). A sua<br />
importância também se revela quanto à saúde preventiva, pois esta, conforme o autor,<br />
tem sido objeto de grande divulgação na mídia.<br />
Enfim, além de separar o “mundo do trabalho” do “mundo do lazer”, está<br />
preocupado em melhorar a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> dos trabalhadores sem questionar em<br />
nenhum momento a lógica social. Ou seja, em sua concepção a <strong>Educação</strong> Física se<br />
legitima por adequar o trabalhador aos ajustes do capitalismo.<br />
O segundo artigo tem como objetivo “identificar elementos que viabilizem a<br />
inserção <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na proposta político-pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> escola, determinando o<br />
seu papel na estruturação do currículo escolar” (GOEDERT, 1999, p. 222).<br />
A pesquisadora trabalha com fontes documentais, observações e participações<br />
em reuniões e palestras de uma escola pública. Além dessas fontes, ela faz entrevistas e<br />
debates no período de 1996 a 1998, quando se construía na escola o projeto político 225 .<br />
Sua referência teórica é Bracht, o Coletivo de Autores 226 , entre outros.<br />
Apresenta como caminhos para a superação dos problemas percebidos:<br />
224 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.<br />
DELUIZ, N. A formação do trabalhador no contexto de mu<strong>da</strong>nça tecnológica. Boletim Técnico do<br />
SENAC. Rio de Janeiro. V. 20, n.1, p.14-25, jan./abr. 1994.<br />
AZEVEDO, J. <strong>Educação</strong> tecnológica: anos 90. Portugal: Asa, 1991.<br />
MACHADO, L. R. de S. Recurso humanos com qualificações sóli<strong>da</strong>s: a redistribuição do saber e <strong>da</strong>s<br />
competências na nova era <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de. Cadernos de RH. Belo Horizonte: IEDRHU,<br />
1993, p.19-31.<br />
225 A autora cursou o mestrado em Santa Maria/RS na UFSM, mas a pesquisa foi realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de<br />
Curitiba com o auxílio de alunos participantes de um projeto do curso de <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná.<br />
226 BRACHT, V. Considerações acerca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física. UFSM/RS,1994. (mimeo)<br />
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.
190<br />
a) reconhecimento <strong>da</strong>s concepções pe<strong>da</strong>gógicas presentes no ensino <strong>da</strong><br />
educação Física, de modo que estabeleçam ligações entre o mundo<br />
social, o educacional e o do educando, intentando ao surgimento <strong>da</strong><br />
ação pe<strong>da</strong>gógica através <strong>da</strong> mediação entre teoria e prática, e<br />
relacionando a <strong>Educação</strong> Física com a educação intelectual e política<br />
crítica; b) esclarecimento quanto ao saber em torno do qual se<br />
constitui a <strong>Educação</strong> Física, frente às diferentes matrizes<br />
epistemológicas e legitimações que constituem este saber; c)<br />
construção de propostas didático-metodológicas coerentes com uma<br />
<strong>Educação</strong> Física comprometi<strong>da</strong> e atuante nas transformações sociais<br />
(Ibid, p. 225).<br />
Como limites que dificultam esse processo a autora aponta:<br />
a) lacunas relaciona<strong>da</strong>s a conhecimentos e competências de ação do<br />
professor para organizar o seu trabalho escolar, com base na assunção<br />
do aluno como um ser concreto;<br />
b) Falta de assessoramento e de políticas públicas bem defini<strong>da</strong>s para<br />
a capacitação dos professores, no tocante ao domínio dos pressupostos<br />
político-metodológicos que avançam numa perspectiva progressista <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> (Ibid, p. 225).<br />
A pesquisadora também questiona a falta de articulação dos professores com as<br />
questões sociais mais amplas. Mesmo considerando a relevância do problema<br />
levantado, relata a falta de “vontade política” para a concretização do projeto político<br />
pe<strong>da</strong>gógico e enxerga a resposta na articulação entre “Estado, Escola e Universi<strong>da</strong>de”,<br />
ou seja, também não consegue ir à raiz <strong>da</strong>s questões, relações sociais, e direciona seus<br />
esforços para as políticas públicas.<br />
O terceiro artigo que discute a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física propõe “captar e<br />
compreender alguns elementos presentes no imaginário do professor de EF acerca do<br />
seu trabalho pe<strong>da</strong>gógico quanto à relevância <strong>da</strong> EF na escola, aos conteúdos que ensina,<br />
à importância de ensiná-los e ao seu planejamento educacional” (BRACHT et al., 1999,<br />
p.184). O grupo de pesquisadores informa que essa investigação faz parte de um projeto<br />
mais amplo que visa avaliar a <strong>Educação</strong> Física enquanto um componente curricular nas<br />
escolas de todo o Estado do Espírito Santo. Trabalham a análise de respostas <strong>da</strong><strong>da</strong>s a<br />
um questionário, em uma amostra de 62 escolas de to<strong>da</strong>s as regiões do estado.<br />
Para fun<strong>da</strong>mentar o trabalho, utilizam-se <strong>da</strong>s contribuições de Bracht,<br />
Perrenoud 227 , entre outros. E como estão em busca de compreender o imaginário do<br />
227 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1997.<br />
PERRENOUD, P. Práticas pe<strong>da</strong>gógicas, profissão docente e formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote,<br />
1997.
professor, o fio condutor <strong>da</strong> análise é a apreensão do discurso individual. Por isso<br />
esclarece:<br />
191<br />
O discurso individual de ca<strong>da</strong> professor manifesta o universo<br />
subjetivo que ele constrói a partir <strong>da</strong>s suas vivências objetivas/sociais.<br />
Essa carga subjetiva também redimensiona e reconstrói, em certa<br />
medi<strong>da</strong>, esta mesma reali<strong>da</strong>de. Desta forma, para um projeto que<br />
pretende contribuir para a mu<strong>da</strong>nça na prática pe<strong>da</strong>gógica do<br />
professor de EF, torna-se relevante apreender e compreender a<br />
representação que este professor tem acerca de seu trabalho, pois esta<br />
representação é constituí<strong>da</strong> e constituidora <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social na qual<br />
ele se insere (Ibid, p.185).<br />
Ao final, os autores chegam à conclusão de que o esporte é ain<strong>da</strong> o conteúdo<br />
predominante nas aulas, seguido pela recreação e noções de saúde. A maioria dos<br />
professores assevera que dedica tempo à preparação <strong>da</strong>s aulas, mas uma parcela revela<br />
que, por terem experiência, não necessitam desse tempo. Embora relatem que utilizam<br />
livros para a preparação <strong>da</strong>s aulas, não conseguem indicar bibliografia. Enfim, a<br />
pesquisa indica fun<strong>da</strong>mentalmente que:<br />
O professor de EF justifica a importância <strong>da</strong> EF na escola vincula<strong>da</strong><br />
especificamente ao “desenvolvimento do aluno”, à “socialização” e à<br />
“educação interdisciplinar”; nessas três principais justificativas, o<br />
professor revela impossibili<strong>da</strong>de de perceber a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> EF<br />
enquanto um componente curricular; (...) Esses elementos nos<br />
permitem considerar que os professores de EF <strong>da</strong>s escolas estaduais<br />
do Espírito Santo estabelecem um certo estranhamento com facetas de<br />
seu próprio trabalho pe<strong>da</strong>gógico. As contradições e ambigüi<strong>da</strong>des<br />
desse processo de estranhamento constituem o ponto de parti<strong>da</strong> de um<br />
possível projeto de intervenção rumo a mu<strong>da</strong>nças na sua prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica (Ibid, p.192).<br />
Sem desconsiderar a importância <strong>da</strong> pesquisa e de algumas de suas conclusões, o<br />
grupo se mostra eclético em seu referencial, mas com uma perspectiva idealista e<br />
subjetivista no trato com as questões.<br />
Sobre o assunto “planejamento de ensino e propostas pe<strong>da</strong>gógicas” foram<br />
apresentados quatro artigos no GTT - escola. Dois deles são resultado de pesquisas<br />
realiza<strong>da</strong>s no mestrado na UFES (Universi<strong>da</strong>de Federal do Espírito Santo) e na UFU<br />
(Universi<strong>da</strong>de Federal de Uberlândia). Os outros dois são resultado de pesquisa<br />
institucional, sendo um do grupo NepeccUFU e o outro <strong>da</strong> disciplina de Prática de<br />
Ensino do curso de <strong>Educação</strong> física <strong>da</strong> UFPR (Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná).<br />
A autora do primeiro artigo postula que seu estudo “pretendeu trabalhar e<br />
analisar o desenvolvimento <strong>da</strong> práxis político-pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no ensino<br />
de 1º. grau, com base na teoria pe<strong>da</strong>gógica de Paulo Freire” (VENTORIM, 1999, p.
239). Seu referencial teórico estava fun<strong>da</strong>mentado no Coletivo de Autores, Bracht e<br />
principalmente em Kunz e Paulo Freire 228 . Sua pesquisa-ação, como denomina a autora,<br />
foi realiza<strong>da</strong> durante 39 encontros com uma turma de 8ª. série <strong>da</strong> escola pública. O<br />
conteúdo a ser trabalhado foi decidido coletivamente, ficando estabelecido que as aulas<br />
versariam sobre futebol.<br />
192<br />
Após a descrição <strong>da</strong>s aulas, a pesquisadora relata, entre outras questões, que<br />
houve a tentativa de equacionar problemas como a tensão entre liber<strong>da</strong>de e autori<strong>da</strong>de e<br />
a dicotomia entre aulas teóricas e práticas, trabalhando no sentido <strong>da</strong> interdependência<br />
<strong>da</strong>s mesmas. Revela ain<strong>da</strong> grande dificul<strong>da</strong>de com as “ações dialógicas” que foram<br />
supera<strong>da</strong>s, ou seja:<br />
Mesmo rejeitando as ações dialógicas os estu<strong>da</strong>ntes revelaram que a<br />
práxis pe<strong>da</strong>gógica, orienta<strong>da</strong> pela abertura ao diálogo e pela busca <strong>da</strong><br />
compreensão dos problemas cotidianos, apresenta-se como referência<br />
para a melhoria nas relações professor/alunos/conhecimento (Ibid, p.<br />
243).<br />
A abertura democrática e dialógica <strong>da</strong> professora garantiu como conteúdo <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física o esporte que é hegemônico, mais especificamente o futebol que<br />
normalmente é ‘praticado’ nas aulas de <strong>Educação</strong> Física. Será que os alunos possuem<br />
condições para escolher qual é o conteúdo de uma disciplina pe<strong>da</strong>gógica? Não deveria<br />
ser papel do professor?<br />
O segundo artigo, também resultado de dissertação de mestrado, tem por<br />
objetivo tratar <strong>da</strong> “organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico e produção de conhecimento na<br />
construção do projeto-pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola” (CARVALHO, 1999, p. 193). Tem como<br />
um dos princípios o trabalho coletivo que deve se estender em to<strong>da</strong> a organização do<br />
trabalho pe<strong>da</strong>gógico. Compreende que o projeto político-pe<strong>da</strong>gógico deve se <strong>da</strong>r <strong>da</strong><br />
seguinte forma:<br />
Projeto com uma orientação, uma direção, a partir de uma ação<br />
intencional, como um compromisso assumido coletivamente. Desta<br />
forma, o projeto político-pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola deve estar<br />
essencialmente/intimamente articulado ao compromisso sócio-político<br />
dos interesses coletivos reais <strong>da</strong> classe trabalhadora. (...) E este<br />
processo de construção se dá – enquanto organização do processo de<br />
trabalho <strong>da</strong> escola, permitindo determinados princípios de vivência<br />
democrática – na participação de todos os sujeitos <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />
escolar no exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia (Ibid, p. 194).<br />
228 COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.<br />
BRACHT, V. <strong>Educação</strong> física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.<br />
KUNZ, E. <strong>Educação</strong> física: ensino & mu<strong>da</strong>nça. Ijuí: Unijuí,1991.<br />
FREIRE, P. Uma educação para a liber<strong>da</strong>de. 4. ed. Porto: Textos Marginais, 1994.
193<br />
Além disso, aponta o “trabalho como princípio educativo” como importante,<br />
pois, sua ausência junto à fragmentação do conhecimento caracteriza a relação conteúdo<br />
e forma <strong>da</strong> “escola capitalista”. Chega a essa afirmação discutindo com base em<br />
Vázquez e Freitas 229 . A partir dessas referências explica o significado <strong>da</strong> categoria<br />
trabalho e particularmente o seu significado no capitalismo, bem como as características<br />
dessa socie<strong>da</strong>de, o processo de trabalho e a introdução de novas tecnologias. Na esteira<br />
de Saviani, considera o trabalho do professor como não-material, discute a necessi<strong>da</strong>de<br />
de socialização do conhecimento, confunde trabalho com educação e afirma:<br />
A própria história <strong>da</strong> escola indica que ela cresceu separa<strong>da</strong> do mundo<br />
do trabalho (...) A escola não está desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, assim<br />
como, não está totalmente determina<strong>da</strong> por ela, nem totalmente livre<br />
dela. (...) A organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola, é<br />
desvinculado <strong>da</strong> prática, porque não é vinculado ao trabalho<br />
material; pois é no trabalho material que se garante a<br />
indissociabili<strong>da</strong>de entre teoria e prática social e exige<br />
interdisciplinarie<strong>da</strong>de. É por isso que a pe<strong>da</strong>gogia socialista vê no<br />
trabalho material uma categoria central para a educação (...) a<br />
fragmentação do conhecimento e a ausência do trabalho como<br />
princípio educativo são dois aspectos fun<strong>da</strong>mentais que caracterizam a<br />
atual relação conteúdo/forma <strong>da</strong> escola capitalista, com repercussões<br />
diretas para os métodos de ensino empregados em seu interior (Ibid, p.<br />
197, grifo meu).<br />
E ain<strong>da</strong>, buscando uma síntese provisória à superação <strong>da</strong> dicotomia<br />
teoria/prática, enuncia que:<br />
A articulação <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Crítico-superadora, perpassa pela<br />
apreensão do materialismo histórico-dialético, enquanto<br />
epistemologia, gnosiologia e lógica; especialmente como referencial<br />
do Projeto Histórico-Socialista. Para que haja uma compreensão mais<br />
ampla dos <strong>da</strong>dos demonstrados pela reali<strong>da</strong>de escolar, concretizando<br />
assim uma intervenção coletiva de quali<strong>da</strong>de (Ibid, p. 199, grifo meu).<br />
A autora traz referências fun<strong>da</strong>mentais para a discussão <strong>da</strong> área <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física, principalmente considerando a época em que foi realiza<strong>da</strong> a pesquisa. Seu texto<br />
é avançado inclusive para a atuali<strong>da</strong>de, porque as discussões sofreram retrocesso. No<br />
entanto, há a necessi<strong>da</strong>de de avançar e superar questões que hoje entendo como<br />
equívocos cometidos não só pela autora, mas também por muitos teóricos que se<br />
orientam pelo referencial marxista. Dentre os equívocos, chamo a atenção para educar<br />
para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como proposta socialista; a incompreensão <strong>da</strong> categoria trabalho e<br />
como consequência a sua especifici<strong>da</strong>de na socie<strong>da</strong>de capitalista; a incompreensão <strong>da</strong><br />
229 VÁZQUEZ, A. S. Op. Cit.<br />
FREITAS, L. C. de. O trabalho como princípio articulador na Prática de ensino e nos Estágios.<br />
Campinas: Papirus, 1995.
categoria de totali<strong>da</strong>de; enfim, a incompreensão do significado do materialismo<br />
histórico.<br />
194<br />
O terceiro artigo, resultante de pesquisa institucional <strong>da</strong> mesma universi<strong>da</strong>de e<br />
grupo de pesquisa do artigo anterior, tem como objetivo<br />
apresentar o processo de elaboração, desenvolvimento e avaliação<br />
crítica de uma estratégia de ensino fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> no jogo<br />
enquanto instrumento do agir comunicativo, que vem sendo<br />
desenvolvi<strong>da</strong> no contexto do Planejamento Coletivo do Trabalho<br />
Pe<strong>da</strong>gógico PCTP dos/as professores de <strong>Educação</strong> Física que<br />
ministram aula na rede Municipal de Ensino de Uberlândia, MG<br />
(CAMARGO et. al., 1999, p. 159, grifo meu).<br />
Suas referências teóricas são Habermas 230 , Mumñoz Palafox, Kunz, Berger e<br />
Lukmamn 231 . Desse referencial deriva a compreensão pela qual a aprendizagem deve<br />
ser volta<strong>da</strong> para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia crítica, o que resulta em uma “situação de ensino dinâmico-<br />
dialógica” na qual se faz a análise dos comportamentos nas aulas e como consequência<br />
se procura resolver as situações de conflito que surgem durante o processo. Os conflitos<br />
são, então, resolvidos pelo consenso ou pelo voto, elevando, conforme os autores, a<br />
consciência dos alunos acerca <strong>da</strong> “importância <strong>da</strong> cooperação, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de mediar<br />
criticamente seus interesses individuais com os coletivos e de construir a prática <strong>da</strong><br />
alteri<strong>da</strong>de” (Ibid, p.159).<br />
Apontam ain<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de superação <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de instrumental pela<br />
constituição de uma racionali<strong>da</strong>de dialética, que tem como fun<strong>da</strong>mento o agir<br />
comunicativo. O grupo apresenta ain<strong>da</strong> um plano de ativi<strong>da</strong>des completo com o título<br />
“Conhecendo, modificando e criando novos jogos coletivamente pelo agir<br />
comunicativo”, em que as dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s para a realização <strong>da</strong>s aulas foram a<br />
resistência dos alunos; a indisciplina; e a ausência dos professores no trabalho coletivo.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, a proposta do grupo perde a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, haja<br />
vista que o “jogo” é apenas uma estratégia para melhorar a conduta dos alunos e<br />
professores na tentativa de atingir sua meta, qual seja, a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Possui como<br />
principal referência Habermas, que também acredita nas modificações internas na<br />
230 O autor é citado no artigo, mas não consta <strong>da</strong>s referências bibliográficas.<br />
231 MUMÑOZ PALAFOX, G. Implicações do processo ensino-aprendizagem na construção <strong>da</strong><br />
personali<strong>da</strong>de do educando. Revista em busca de novos caminhos: pré-escola, 1 o .graus. Uberlândia,<br />
1(1):43-50.1995.<br />
KUNZ, E. Transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte. Ijuí. Unijuí. 1994.<br />
BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Petrópolis. Vozes. 1974.
socie<strong>da</strong>de pela comunicação, consenso, política, desconsiderando a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
relações de produção.<br />
195<br />
O quarto artigo foi escrito na UFPR (Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná) e tem<br />
como objetivo:<br />
Analisar as dificul<strong>da</strong>des presentes no cotidiano escolar, relaciona<strong>da</strong>s<br />
com o processo de elaboração e implementação de uma proposta<br />
pe<strong>da</strong>gógica para a educação física, numa perspectiva crítica de ensino,<br />
a partir dos limites e possibili<strong>da</strong>des que historicamente vêm<br />
condicionando a prática pe<strong>da</strong>gógica dos professores de educação<br />
física, como é o caso também, <strong>da</strong> formação profissional e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
concreta <strong>da</strong> escola onde se processa a experiência docente (FRATTI,<br />
1999, p. 201).<br />
As principais referências do autor são Bracht, Coletivo de Autores, Gadotti e<br />
Saviani 232 . Para a realização <strong>da</strong> pesquisa, o autor organizou e ministrou um ano de aulas<br />
em uma turma de 5ª. série, no ano de 1998. Sua grande preocupação era que mesmo<br />
com todos os limites encontrados fosse possível realizar “intervenções contra-<br />
hegemônicas no contexto escolar que sustentem uma nova postura político pe<strong>da</strong>gógica<br />
para a educação física/educação que se contraponha ao sistema capitalista” (Ibid, p.<br />
201).<br />
Esse projeto de organização curricular pode ser realizado, na concepção do<br />
autor, por ter “mergulhado” no cotidiano escolar e perceber que este é muito mais<br />
amplo e envolve questões como, por exemplo, diferentes níveis de escolari<strong>da</strong>de,<br />
políticas públicas, crenças religiosas, entre outras.<br />
Trabalha como eixo temático gênero, classe, raça, local, mas sem perder de vista<br />
os conteúdos específicos como: esporte, ginástica, <strong>da</strong>nça e jogos. Indica como<br />
diretrizes:<br />
a) promover dentro <strong>da</strong> disciplina de educação física a produção<br />
coletiva do conhecimento; b) estimular que os alunos se tornassem<br />
sujeitos do processo de construção do conhecimento; c) discutir sobre<br />
categorias essenciais que sustentem o trabalho coletivo: <strong>da</strong> produção<br />
individual à cooperação, do individualismo à consciência coletiva, <strong>da</strong><br />
submissão à liderança, <strong>da</strong> alienação ao pensamento crítico, do<br />
autoritarismo à democracia (Ibid, p. 203).<br />
O trabalho possui pontos relevantes, já que procura manter a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física e entendê-la em uma totali<strong>da</strong>de, embora não faça uma previsão do<br />
232 BRACHT, V. Op. Cit.<br />
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.<br />
GADOTTI, M. Pensamento pe<strong>da</strong>gógico brasileiro. 6. ed. São Paulo: Ática, 1995 (Série Fun<strong>da</strong>mentos).<br />
SAVIANI, D. Op. Cit.
planejamento como um todo. O autor confunde classe trabalhadora com classes<br />
populares e se coloca em uma posição de fora dessas classes. Aponta que um dos<br />
problemas do município onde realiza o trabalho é ter apenas um vereador do PT<br />
(Partido dos Trabalhadores), o que demonstra que o autor faz uma grande aposta na<br />
intervenção política partidária institucional.<br />
196<br />
Em relação ao tema que denominei “conhecimento específico”, foram<br />
apresentados oito artigos. Um que discute o conhecimento em <strong>Educação</strong> Física, outro<br />
sobre capoeira e os outros são artigos referente à <strong>da</strong>nça, esporte e ginástica geral. Os<br />
textos se originam de diversas partes do país, como o do Rio de Janeiro, Florianópolis,<br />
Campinas, Salvador, Porto Alegre e Recife, possibilitando mostrar as preocupações com<br />
o conteúdo específico <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong> Física de forma mais abrangente.<br />
O artigo que trata do conhecimento específico do professor de <strong>Educação</strong> Física é<br />
resultado de dissertação de mestrado <strong>da</strong> UFRGS (Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande<br />
do Sul). O objetivo <strong>da</strong> pesquisa é, a partir <strong>da</strong> interpretação e <strong>da</strong> observação de 20<br />
professores de Porto Alegre,<br />
responder na perspectiva de seus participantes as seguintes<br />
perguntas: a) Que conhecimentos são importantes para seu<br />
trabalho na escola pública de Porto Alegre? b) que<br />
conhecimentos produzem e como os incorporam à sua ativi<strong>da</strong>de<br />
diária na escola? c) que expectativas têm as outras parcelas <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de escolar quanto a seu conhecimento? d) que relação<br />
mantém o coletivo com o conhecimento produzido no âmbito de<br />
sua disciplina? (MOLINA, 1999, p. 214).<br />
Molina tem como principais referências teóricas Shulman, Shön, Martínez<br />
Bonafé e Elbaz 233 . Após fazer uma síntese de suas posições, o pesquisador expõe:<br />
Os autores citados coincidem em que o conhecimento do professorado<br />
se constrói e se organiza a partir <strong>da</strong> experiência de ca<strong>da</strong> docente, que<br />
mesmo sendo pessoal, está delimita<strong>da</strong> pelo marco <strong>da</strong>s interações<br />
produzi<strong>da</strong>s em contextos sociais e culturais, fato que permite<br />
identificar suas características comuns em ca<strong>da</strong> coletivo em particular<br />
(Ibid, p. 216).<br />
233 SHULMAN, L. S. Paradigmas y programas de investigación en el estudio de la enseñanza: Una<br />
perspectiva contemporanea. En: WITTROK, M. C. La investigación de la enseñanza, I. Enfoques,<br />
teorías y métodos. Barcelona: Paidós-MEC, p. 09-91, 1989.<br />
SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos. Madrid: Paidós-MEC, 1992.<br />
MARTINÉZ BONAFÉ, J. Renovación pe<strong>da</strong>gógica y emancipación profesional. Valencia: Servei de<br />
Publicacions, Universitat de Valencia.<br />
ELBAZ, F. Cuestiones en el estudio del conocimiento de los profesores. En. VILLAR ANGULO, L. M.<br />
Conocimiento, creencias y teorías de los profesores. Acoy: Marfil, p. 87-97, 1988.
197<br />
Em outro momento do texto, deixa claro que os contextos aos quais se refere são<br />
os ambientes em que o professor está inserido e com o qual estabelece relações<br />
imediatas. Assim:<br />
Logo que alguém é iniciado numa prática docente passa a compartir as<br />
tradições de uma comuni<strong>da</strong>de docente, um conjunto de significados e<br />
de compreensões, além de interrogações comuns. Para Schön (1992),<br />
nesse caso, o iniciante aprende a linguagem, o sistema, o sistema de<br />
valores, o repertório (Ibid, p. 215).<br />
No decorrer do artigo, faz várias considerações sobre os professores<br />
investigados, como o fato de não haver acordo entre eles sobre qual é o conhecimento<br />
mais adequado a ser ministrado; a questão de considerarem como “missão” a<br />
socialização do conhecimento; reclamarem a falta de livros na área; sofrerem muito<br />
preconceito na escola. Para o pesquisador:<br />
A estratégia mais eficaz [dos professores] é sua capaci<strong>da</strong>de de resolver<br />
problemas para viabilizar sua aula, seja buscando novos recursos<br />
didáticos, ou superando situações adversas, como por exemplo,<br />
desenvolver um artefato alternativo. Entretanto a de maior impacto na<br />
comuni<strong>da</strong>de escolar é quando fazem público seu conhecimento sobre<br />
como conectar com o aluno, estando este em situação de liber<strong>da</strong>de de<br />
movimentos, isto é, fora <strong>da</strong> aula (Ibid, p. 217).<br />
O pesquisador sugere uma revisão <strong>da</strong> formação inicial e formação permanente<br />
em função <strong>da</strong> distância entre a produção acadêmica e a prática dos professores. Em seu<br />
seu texto fica explícito que para os professores as relações interpessoais são mais<br />
importantes do que o conteúdo, e a “sensibili<strong>da</strong>de na experiência” mais importante que<br />
o conhecimento. Neste sentido, os conteúdos só têm importância se facilitam essas<br />
situações. Enfim, o conhecimento específico é secundário.<br />
O outro artigo abor<strong>da</strong> o conteúdo <strong>da</strong> capoeira. Embora não explicitado, parece<br />
tratar-se de uma pesquisa institucional <strong>da</strong> UFBA (Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>da</strong> Bahia). O<br />
referencial teórico utilizado pelos autores diz respeito às produções que tratam do<br />
referido tema e também o livro do Coletivo de Autores. Os pesquisadores propõem<br />
como objetivo:<br />
Discutir a importância <strong>da</strong> capoeira enquanto instrumento pe<strong>da</strong>gógico<br />
de intervenção no âmbito <strong>da</strong> escola, sobretudo no que se refere ao<br />
universo constituído pelo público mais carente, priorizando um<br />
processo que enfatize a aquisição <strong>da</strong> auto-estima, autonomia e<br />
construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de por parte dos alunos. Relata também a<br />
experiência do Festival de Capoeira na Escola. (CASTRO; ABIB,<br />
1999, p. 177).
198<br />
Os autores defendem a capoeira como um conteúdo que aju<strong>da</strong>ria no<br />
enfrentamento dos obstáculos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e na construção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. E assim:<br />
A partir de alguns anos de experiência com processos pe<strong>da</strong>gógicos<br />
envolvendo a Capoeira, sobretudo junto a crianças e adolescentes<br />
provenientes de um nível sócio-econômico mais baixo, é que um dos<br />
elementos que mais tem servido como indicador <strong>da</strong> importância desse<br />
trabalho, reside justamente na valorização <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> autoestima<br />
desses jovens (incluindo-se também aí os adultos) que ao se<br />
integrarem ao universo <strong>da</strong> Capoeira, começam a estabelecer uma<br />
relação mais próxima com a história de seu povo, de sua cultura e<br />
conseqüentemente, de sua idiossincrasia (Ibid, p.179).<br />
Apontam ain<strong>da</strong> a capoeira como conteúdo que pode ampliar as discussões para<br />
além dos problemas raciais e étnicos, levando as preocupações para as questões de<br />
classe social no capitalismo e afirmam que “a essa altura do século torna-se impossível,<br />
até para educadores medianamente conscientes, desligar as implicações econômicas,<br />
sociais e políticas de suas ativi<strong>da</strong>des pe<strong>da</strong>gógicas” (Ibid, p. 181). E ain<strong>da</strong>, torna-se<br />
imprescindível a “formação de uma consciência crítica e reflexiva sobre a reali<strong>da</strong>de que<br />
cerca o aluno, que por sua vez, tem a possibili<strong>da</strong>de de se reconhecer como sujeito de<br />
uma práxis político-pe<strong>da</strong>gógica, dentro dos princípios de uma educação libertadora”<br />
(Ibid, p. 181).<br />
Embora procurem uma direção de crítica à sociabili<strong>da</strong>de capitalista, os autores<br />
se mostram equivocados ao propor a construção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como saí<strong>da</strong> para o<br />
capitalismo. Essa compreensão sobre a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é comum dentre alguns autores<br />
marxistas, o que não é o caso dos autores. Confundem ain<strong>da</strong> a crise do capital com a<br />
crise <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, fortalecendo implicitamente a compreensão pós-moderna como<br />
saí<strong>da</strong>. E ain<strong>da</strong> em relação ao conteúdo, para destacar a capoeira não apontam os outros<br />
conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, não mencionam em nenhum momento que esse conteúdo<br />
deve ser desenvolvido junto a outros.<br />
Ain<strong>da</strong> no que tange ao tema “conhecimentos específicos” <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, há<br />
dois artigos com abor<strong>da</strong>gens distintas acerca do conteúdo <strong>da</strong>nça. O primeiro, produzido<br />
por uma professora de escola municipal do Rio de Janeiro, é resultado de uma pesquisa<br />
bibliográfica que pretende “analisar na literatura brasileira como a <strong>da</strong>nça tem sido<br />
considera<strong>da</strong> e refleti<strong>da</strong> enquanto tematização na educação física” (PACHECO, 1999, p.<br />
117). O segundo artigo, organizado em Florianópolis, investiga “nas séries iniciais a<br />
utilização <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça como conteúdo <strong>da</strong>s aulas de <strong>Educação</strong> Física, analisando a<br />
importância que os professores dessas escolas oferecem à <strong>da</strong>nça e propô-la ain<strong>da</strong> como
componente do desenvolvimento <strong>da</strong>s crianças em i<strong>da</strong>de escolar” (SOARES, 1999, p.<br />
124).<br />
199<br />
No primeiro artigo, a autora faz críticas ao tecnicismo e justifica que é<br />
necessário legitimar a <strong>Educação</strong> Física, reconhecendo que o ser humano é corpo. Por<br />
isso a escola deve ser entendi<strong>da</strong> também como um espaço de resistência, pois “se a<br />
escola reproduz estruturas predominantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pensar sua corporei<strong>da</strong>de, as<br />
ativi<strong>da</strong>des físicas e a <strong>da</strong>nça, a própria escola pode torna-se um espaço de resistência, de<br />
transformação e de superação de manifestações discriminatórias” (PACHECO, 1999, p.<br />
122).<br />
Pontua ain<strong>da</strong> que a <strong>da</strong>nça é construí<strong>da</strong> fora <strong>da</strong> escola e deve receber uma<br />
“filtragem crítica” ao se tornar um conteúdo escolar. Como referência teórica destas<br />
discussões a autora apresenta pesquisadores <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> física como Vago 234<br />
e, também, o filósofo Santin 235 .<br />
O segundo artigo sobre <strong>da</strong>nça possui um enfoque diferenciado do anterior. A<br />
pesquisadora em alguns momentos cita o Coletivo de Autores, mas tem como referência<br />
principal Kunz 236 .<br />
Para a autora, a <strong>da</strong>nça se justificaria na escola por contribuir para o resgate <strong>da</strong><br />
subjetivi<strong>da</strong>de, desenvolver a afetivi<strong>da</strong>de, a autoestima, a sociabili<strong>da</strong>de e a expressão<br />
corporal. Assim: “A <strong>da</strong>nça como componente curricular <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física não pode<br />
ser esqueci<strong>da</strong>, pois através <strong>da</strong> cultura de movimento dos alunos é possível que se possa<br />
desenvolver a criativi<strong>da</strong>de, coeducação e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e o resgate do ser humano na Era<br />
<strong>da</strong> tecnologização” (SOARES, 1999, p. 124). E ain<strong>da</strong> ao citar Soares et. al. (1998, p.<br />
124) 237 complementa que a <strong>da</strong>nça contribui para estabelecer uma “socie<strong>da</strong>de ética, mais<br />
eqüitativa e solidária”.<br />
Nos conceitos de cultura de movimento, <strong>Educação</strong> Física e a crítica ao esporte, a<br />
autora toma os conceitos de Kunz. Também sempre retoma a ideia de resgate histórico e<br />
cultural <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça para tratá-la como conteúdo, mas não é esse o tratamento <strong>da</strong>do pela<br />
autora. A <strong>da</strong>nça é justifica<strong>da</strong> no decorrer de todo o texto, como já apontei, como<br />
estratégia para atingir determinados valores. A socie<strong>da</strong>de é sempre <strong>da</strong><strong>da</strong> e não<br />
234<br />
VAGO, T. M. O ‘esporte na escola’ e o ‘esporte <strong>da</strong> escola’: Da negação radical para uma relação de<br />
tensão permanente. Porto Alegre, Movimento. Ano 3, n. 5, p. 4-17, 1996/2.<br />
235<br />
Embora utilizado como referência no artigo, o autor não consta <strong>da</strong>s referências bibliográficas.<br />
236<br />
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.<br />
KUNZ, E. <strong>Educação</strong> Física: Ensino e mu<strong>da</strong>nça. Ijuí: Unijuí, 1995.<br />
237<br />
SOARES, A., ANDRADE, C. G., SOUZA, E. C. & SARAIVA-KUNZ, M. C. Improvisação e <strong>da</strong>nça:<br />
conteúdos para a <strong>da</strong>nça na educação física. Florianópolis/UFSC: Imprensa Universitária, 1998.
questiona<strong>da</strong>. O questionamento sempre recai à per<strong>da</strong> <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de num mundo <strong>da</strong><br />
“tecnologização”.<br />
200<br />
O enfoque teórico-metodológico é diferente nos dois artigos. Implicitamente, o<br />
primeiro está no campo <strong>da</strong> fenomenologia e o segundo no campo <strong>da</strong> teoria crítica <strong>da</strong><br />
Escola de Frankfurt.<br />
Foram apresentados também dois artigos referentes à ginástica geral de<br />
diferentes autoras, mas ambas são participantes do mesmo grupo de ginástica geral <strong>da</strong><br />
Unicamp. Os dois artigos partem <strong>da</strong> crítica à esportivização <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Um<br />
deles é uma apresentação <strong>da</strong> concepção de ginástica geral desenvolvi<strong>da</strong> pelo grupo, e o<br />
outro é parte de uma tese de doutorado em que a autora afirma que quer compartilhar,<br />
no artigo, suas reflexões construí<strong>da</strong>s no seu estudo de doutorado sobre a perspectiva <strong>da</strong><br />
ginástica geral para a <strong>Educação</strong> Física.<br />
No artigo em que a autora apresenta o trabalho do grupo de pesquisa, a meta a<br />
ser atingi<strong>da</strong> é “a facilitação <strong>da</strong> interação social entre os participantes, por meio <strong>da</strong><br />
vivência motora e <strong>da</strong> exploração dos recursos de materiais tradicionais e/ou a<strong>da</strong>ptados”<br />
(SOUZA, 1999, p. 233). Define ginástica geral como “uma manifestação <strong>da</strong> cultura<br />
corporal, que reúne as diferentes interpretações <strong>da</strong> Ginástica, integra<strong>da</strong>s às demais<br />
formas de expressão do ser humano, de forma livre e criativa” (Ibid, p. 233).<br />
Nos dois artigos, a proposta é que a aula seja construí<strong>da</strong> com os alunos, de<br />
maneira que o professor os ensine a vivenciar valores humanos, como “cooperação,<br />
responsabili<strong>da</strong>de, a amizade, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, o respeito a si próprio e aos demais”<br />
(Ibid, p. 234) (grifo meu). Somam-se a esses ensinamentos “a criativi<strong>da</strong>de, o respeito às<br />
normas e leis do grupo e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de como um todo, o espírito crítico, a honradez, a<br />
afetivi<strong>da</strong>de, a liber<strong>da</strong>de, a disponibili<strong>da</strong>de” (Ibid, p. 235). Assim sendo,<br />
na Ginástica Geral, o principal alvo de atenção deve ser a pessoa que a<br />
pratica, sendo as metas fun<strong>da</strong>mentais promover a integração entre as<br />
pessoas e grupos e desenvolver o interesse pela prática <strong>da</strong> Ginástica<br />
com prazer e criativi<strong>da</strong>de. A ludici<strong>da</strong>de, a liber<strong>da</strong>de de expressão<br />
e a criativi<strong>da</strong>de são pontos marcantes na Ginástica Geral (AYOUB,<br />
1999, p. 139, grifo <strong>da</strong> autora).<br />
Constata-se que na aula se tem um caráter livre e espontâneo e a ginástica geral<br />
não é utiliza<strong>da</strong> como conteúdo, mas como estratégia para vivenciar determinados<br />
valores. O conteúdo <strong>da</strong> ginástica estruturado historicamente não é mencionado nessas<br />
aulas.
201<br />
Os dois últimos artigos tratam do conteúdo esporte. O primeiro, organizado a<br />
partir de um projeto de doutorado <strong>da</strong> FE/UFRJ ( Facul<strong>da</strong>de de <strong>Educação</strong>/ Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal do Rio de Janeiro), tem como objetivo discutir,<br />
como o professor trabalha o esporte enquanto conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física e como essa cultura esportiva é mercantiliza<strong>da</strong> pelo próprio<br />
professor, quando o espaço físico, os recursos materiais, as condições<br />
objetivas de vi<strong>da</strong> dos alunos e as condições de trabalho são<br />
consideráveis para uma aula de quali<strong>da</strong>de (MORAES, 1999, p. 147).<br />
Como referencial teórico-metodológico, o pesquisador utiliza as teorias de<br />
representações sociais de Serge Moscovici e a teoria crítico-emancipatória de Kunz 238 .<br />
Trabalha com a perspectiva <strong>da</strong>s três dimensões do esporte classifica<strong>da</strong>s por Tubino 239 , o<br />
esporte de participação, o educacional e o de rendimento, pontuando que nas três<br />
dimensões o processo pe<strong>da</strong>gógico está presente. Denuncia ain<strong>da</strong> os problemas do<br />
esporte como o doping, o treinamento precoce, argumentando que:<br />
Minha concepção de esporte é que se trata de um objeto social que<br />
envolve grupos complexos e diferenciados em diversos aspectos<br />
sociais e culturais. Apesar disso, a prática do esporte nos diversos<br />
ambientes se apresenta de forma sistematiza<strong>da</strong> e universal, tendo no<br />
topo do sistema a competição, o auto rendimento técnico, físico e<br />
tático como de produção coletiva, mesmo quando o discurso <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de deixa predominar as questões pe<strong>da</strong>gógicas (Ibid, p.147).<br />
Assevera também que na escola o esporte faz parte <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des<br />
extracurriculares, assim chamando a atenção de pais e alunos sobre a escola. Isto para os<br />
professores representa um aumento nos rendimentos, e a <strong>Educação</strong> Física se torna uma<br />
amostra do esporte que o aluno pode praticar fora <strong>da</strong> aula. Por fim, conclui enunciando<br />
que,<br />
desse modo podemos entender que o professor deixa de agir como no<br />
passado, quando formava grupos de “elite” de alunos hábeis para<br />
determina<strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des esportivas, e passa a formar grupos a partir<br />
de interesses dos alunos com ou sem habili<strong>da</strong>des mas que tenham<br />
condições de pagar pela aula que supostamente oferecerá melhores<br />
(condições?) de ensino e aproveitamento (Ibid, p. 148).<br />
238<br />
MOSCOVICI, S. A representação social <strong>da</strong> psicanálise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:<br />
Zhar Editores, 1978.<br />
KUNZ, E. Op. Cit.<br />
239<br />
TUBINO, M. J. G. Uma visão paradigmática do esporte para o início do século XXI. In: MOREIRA,<br />
W. W. (Org.). <strong>Educação</strong> física & esportes: Perspectivas para o século XXI. Campinas-SP: Papirus,<br />
1993.
202<br />
Como se trata de um projeto de doutorado, a pesquisa não está concluí<strong>da</strong>,<br />
embora apresente algumas constatações sobre o que acontece em escolas, afirmando o<br />
seu propósito no objetivo enunciado.<br />
O segundo artigo é resultado de uma dissertação de mestrado <strong>da</strong> UFPE e tem<br />
como objetivo questionar “como o esporte – forma cultural que ritualiza elementos<br />
fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista – pode participar de um projeto político-<br />
pe<strong>da</strong>gógico emancipatório?” (Oliveira, 1999, p. 226). O autor possui como referências<br />
teóricas Bourdieu, o Coletivo de Autores e principalmente Bracht 240 .<br />
Tece considerações sobre o surgimento do esporte moderno, aponta as críticas<br />
que se faz ao esporte na socie<strong>da</strong>de capitalista, reconhece essas críticas e indica a<br />
superação:<br />
O caminho a perseguir é o de uma reinvenção do esporte, uma<br />
reorientação no seu sentido e significado, uma alteração no seu papel<br />
social. O ponto crucial parece ser o acesso real e refletido à cultura<br />
corporal, através <strong>da</strong> prática efetiva <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des, mas de uma prática<br />
capaz de aquisição e compreensão <strong>da</strong> expressivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem<br />
corporal, refletindo sobre o significado e os valores do mundo por ela<br />
representado e, também, construído (Ibid, p. 229).<br />
Neste sentido, o autor compreende que a escola é um espaço que não só<br />
reproduz a socie<strong>da</strong>de, mas pode ser também um espaço de atuação contra-hegemônica.<br />
Portanto, sendo o esporte um elemento <strong>da</strong> cultura corporal trabalhado na escola pela<br />
disciplina <strong>Educação</strong> Física, ele pode ser transformado e apreendido de uma forma<br />
crítica, ou seja:<br />
Um esporte que sai <strong>da</strong> condição de conteúdo prioritário ou exclusivo<br />
<strong>da</strong> organização <strong>da</strong>s aulas, para ser tratado no âmbito de um programa<br />
que contempla o amplo acervo de conteúdos ou temas <strong>da</strong> cultura<br />
corporal, sem hierarquia. Um esporte que foge <strong>da</strong> ditadura dos gestos,<br />
modelos e regras, que tem suas normas questiona<strong>da</strong>s e é a<strong>da</strong>ptado à<br />
reali<strong>da</strong>de social e cultural dos alunos. Um esporte desmistificado<br />
porque conhecido, praticado de forma prazerosa, com vivências de<br />
sucesso para todos. Um esporte adquirido como bem cultural, cuja<br />
prática passa a ser compreendi<strong>da</strong> como direito (Ibid, p. 231).<br />
Para isso, além de outros pontos mencionados no artigo, o pesquisador assevera<br />
que é necessário que o professor constantemente tenha um projeto político e um projeto<br />
histórico de superação do capitalismo. O autor não deixa claro se a estratégia dessa luta<br />
240<br />
BOURDIEU, P. Programa para uma sociologia do esporte. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro:<br />
Marco Zero, 1983.<br />
COLETIVO DE AUTORES. OP. Cit.<br />
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES/CEFED,1997.
é a transformação do esporte nas aulas ou a sua compreensão e apreensão concreta com<br />
vistas à transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
6.2.2 – GTT – Escola – 2001<br />
203<br />
Na análise do GTT – escola/2001, a subdivisão dos artigos foi feita de acordo<br />
com as temáticas abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos autores e sofreu uma pequena alteração em relação à<br />
anterior em função do acréscimo e supressão de temas apresentados e organizados <strong>da</strong><br />
seguinte forma: <strong>Educação</strong> Física infantil (1), gênero (2), concepções de educação física<br />
(2), legislação sobre a educação física (1), discussão sobre currículo (1), planejamento<br />
de ensino e propostas curriculares (8), conhecimento específico (7).<br />
No que tange ao tema “<strong>Educação</strong> Física Infantil”, nesse evento foi apresentado<br />
um artigo em que a pesquisadora tem como preocupação o encaminhamento <strong>da</strong>do à<br />
<strong>Educação</strong> Infantil e mais precisamente sobre a <strong>Educação</strong> Física em seu interior. Sua<br />
pesquisa está vincula<strong>da</strong> ao mestrado em <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> Unicamp e também faz<br />
parte <strong>da</strong>s reflexões do Gepia – Grupo de Estudos e Pesquisa Infância e Aprendizagem.<br />
Utiliza como referência autores que discutem a <strong>Educação</strong> Infantil e autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física envolvidos com esse tema. Entre eles cito Sayão, Cerisara, Silva, Pinto, Coletivo<br />
de Autores 241 .<br />
A autora delimita sua discussão acerca <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Infantil às instituições<br />
educacionais como creches e pré-escolas. Informa que estas surgem em meados do<br />
século XIX com a consoli<strong>da</strong>ção do capitalismo, que cria a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s mulheres<br />
trabalharem, não tendo como cui<strong>da</strong>r de seus filhos. Essas instituições tinham caráter<br />
assistencialista e higienista, educando a classe trabalhadora para a submissão, para a<br />
cordiali<strong>da</strong>de, entre outros objetivos. Afirma ain<strong>da</strong> que no Brasil possuíam as mesmas<br />
características, sendo inicia<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> Lei do Ventre Livre e se destinando à<br />
educação dos filhos de escravos.<br />
241 SAYÃO, D. T. A hora de … A <strong>Educação</strong> Física na Pré-escola. Anais. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte, n.10, p. 261-268, 1997. Goiânia.<br />
CERISARA, A. B. A produção acadêmica na área <strong>da</strong> educação infantil a partir <strong>da</strong> análise de pareceres<br />
sobre o Referencial Curricular Nacional <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Infantil: primeira aproximações. In: DE FARIA, A.<br />
L. G., PALHARES, M. (Orgs). <strong>Educação</strong> Infantil Pós-LDB: Rumos e desafios. 2. ed. Campinas/SP:<br />
Autores Associados, 2000.<br />
SILVA, A. S. <strong>Educação</strong> Infantil: Simplesmente complexa. Campo Grande, 2001. (Mimeografado).<br />
PINTO, R. N. A relação Estado/Infância/Socie<strong>da</strong>de: primeiras palavras. Goiânia, 2000.<br />
(Mimeografado).<br />
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. São Paulo: Cortez, 1992.
204<br />
A autora também explica que o debate sobre a <strong>Educação</strong> Infantil no Brasil<br />
começa no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, mas é somente a partir<br />
dos anos de1990 que há um pequeno avanço.<br />
Neste sentido, discute a legislação que garante a educação <strong>da</strong>s crianças de 0 a 6<br />
anos, mostrando a sua obrigatorie<strong>da</strong>de. Abor<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> como o processo de construção<br />
dos Referenciais Curriculares Nacionais para a <strong>Educação</strong> Infantil – RCNEI foi realizado<br />
de forma equivoca<strong>da</strong>. No seu início, participavam vários grupos de pesquisadores de<br />
diversos locais, mas depois suas posições foram ignora<strong>da</strong>s e o documento construído<br />
por um “grupo de especialistas”.<br />
Em relação à <strong>Educação</strong> Física, após apresentar um breve histórico, a<br />
pesquisadora demonstra preocupação pela falta de preparo dos professores dessa<br />
disciplina e, também, dos professores de “sala” em relação a ela. Comenta a disputa<br />
desses professores pelo espaço de aula e a discussão sobre a possível fragmentação do<br />
trabalho pe<strong>da</strong>gógico com a presença de especialistas na educação Infantil. E argumenta:<br />
No entanto, entendemos que o fato de o especialista “entrar” no<br />
currículo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Infantil não “causa” a fragmentação, até porque<br />
devido à própria falta de formação/qualificação do professor “de sala”,<br />
este é um ponto que merece séria reflexão e se constitui enquanto uma<br />
<strong>da</strong>s principais causas desta fragmentação (OLIVEIRA, 2001, p.6).<br />
Diante de todo o exposto, apresenta as questões que considera fun<strong>da</strong>mentais e<br />
que, para as responder, é preciso ser radical, ou seja, ir à raiz do problema. Suas<br />
questões são:<br />
Para além dos problemas no bojo <strong>da</strong> discussão mais ampla <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Infantil, como legitimar uma prática de <strong>Educação</strong> Física que<br />
aten<strong>da</strong> as reais necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> criança, se a nossa própria formação<br />
profissional não dá conta disso? E ain<strong>da</strong>, para além desta questão,<br />
como pode se <strong>da</strong>r o convívio com os demais profissionais, como<br />
garantir um trabalho integrado, se estamos em uma área onde os<br />
demais profissionais envolvidos também não possuem formação<br />
qualifica<strong>da</strong>? As respostas para estas questões, talvez sejam a médio ou<br />
longo prazo. Uma certeza porém temos: A criança enquanto um ser<br />
ci<strong>da</strong>dão tem direito a uma educação de quali<strong>da</strong>d (Ibid, p. 6).<br />
A respeito do tema “discussão sobre currículo”, foi apresenta<strong>da</strong> uma pesquisa<br />
que é parte de uma dissertação de mestrado <strong>da</strong> UFES (Universi<strong>da</strong>de Federal do Espírito<br />
Santo). Nesse estudo, os autores pretendem desenvolver uma análise de artigos<br />
selecionados entre os relacionados à discussão sobre currículo na Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte, partindo <strong>da</strong> hipótese que a atuação dos docentes em geral, é
condiciona<strong>da</strong> pelo seu papel na construção do currículo. Explica que essa pesquisa faz<br />
parte de um estudo mais abrangente que analisa 18 periódicos.<br />
205<br />
A referência teórica para a análise é a Sociologia e Teoria Crítica do Currículo<br />
de Silva, Moreira e Giroux 242 . Nessa perspectiva teórica há uma classificação <strong>da</strong>s teorias<br />
do currículo em: Teorias Tradicionais, Teorias críticas e Teorias Pós-críticas 243 . Assim,<br />
assume uma concepção de currículo a partir dessa referência “como um conjunto de<br />
to<strong>da</strong>s as experiências de conhecimento proporciona<strong>da</strong>s aos/às estu<strong>da</strong>ntes, como um<br />
núcleo do processo institucionalizado de educação, como um espaço de poder e<br />
identi<strong>da</strong>des sociais” (AROEIRA; FERREIRA NETO, 2001, p. 1).<br />
Embasados nessa concepção de currículo e na referi<strong>da</strong> classificação <strong>da</strong>s teorias,<br />
os autores propalam durante todo o texto que fazem a análise a partir <strong>da</strong> compreensão<br />
<strong>da</strong>s Teorias Críticas, em que a crítica recai sobre as Teorias Tradicionais. No entanto,<br />
considerando a classificação apresenta<strong>da</strong> pelos autores, suas afirmações demonstram<br />
estarem mais próximos <strong>da</strong>s Teorias Pós-críticas, como vemos nessa passagem:<br />
Nesse sentido, entendemos, a partir <strong>da</strong>s teorias, que não se pode estar<br />
esquecendo, neste contexto, de outras relações aí envolvi<strong>da</strong>s, como: de<br />
gênero e raça, conceitos, preocupações que envolvam as fronteiras<br />
artificiais entre política e educação, entre currículo e ensino e<br />
questões de poder cultural, político e econômico (Ibid, p. 6).<br />
E também na síntese <strong>da</strong> análise realiza<strong>da</strong> pelos autores afirmam existir uma<br />
“relação superficial” entre o debate sobre o currículo e o contexto educacional mais<br />
amplo e ain<strong>da</strong> o desconhecimento <strong>da</strong>s concepções de currículo na atuali<strong>da</strong>de. Essa falta<br />
senti<strong>da</strong> nas discussões atuais pelos autores parece ser a discussão realiza<strong>da</strong> pela<br />
Sociologia e Teoria do Currículo.<br />
Foi apresentado, também, um artigo em que a autora está preocupa<strong>da</strong> com o<br />
tema “legislação sobre a <strong>Educação</strong> Física”. Neste são discutidos os PCN’s, e sua<br />
242 SILVA, T. T. <strong>da</strong>. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna. In:<br />
SILVA, T. T. <strong>da</strong>, MOREIRA, A. F. (Ogrs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas<br />
políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.<br />
MOREIRA, A. F., SILVA, T. T. <strong>da</strong> (Orgs). Currículo, cultura e socie<strong>da</strong>de. 3. ed. São Paulo: Cortez,<br />
1999.<br />
GIROUX, H. A. Rumo a uma nova sociologia do currículo. In: GIROUX, H. A. (Org.). Os professores<br />
como intelectuais: rumo a uma pe<strong>da</strong>gogia crítica <strong>da</strong> aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.<br />
243 Segundo os autores, os principais conceitos dessas teorias são: “Teorias tradicionais: ensino;<br />
aprendizagem; avaliação; metodologia; didática; organização; planejamento; eficiência e objetivos.<br />
Teorias Críticas: ideologia; reprodução cultural e social; poder; classe social; capitalismo; relações<br />
sociais de produção; conscientização; emancipação e liber<strong>da</strong>de; currículo oculto; resistência. Teorias Póscríticas:<br />
identi<strong>da</strong>de; alteri<strong>da</strong>de; diferença; subjetivi<strong>da</strong>de; significação e discurso; saber-poder;<br />
representação; cultura; gênero; raça; etnia; sexuali<strong>da</strong>de; multiculturalismo” (AROEIRA; FERREIRA<br />
NETO 2001, p. 3, grifo meu).
elaboração é resultante <strong>da</strong> dissertação de mestrado defendi<strong>da</strong> na FEF/UFG (Facul<strong>da</strong>de<br />
de <strong>Educação</strong> Física/Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás). A autora se propõe a refletir sobre<br />
“o sentido e a gênese dos PCN’s, buscando apreender seus desdobramentos para a<br />
educação física, suas priori<strong>da</strong>des e seus compromissos” (RODRIGUES, 2001, p. 1).<br />
Algumas <strong>da</strong>s suas referências são Cheptulin, Chauí, Frigotto, Coletivo de Autores,<br />
Kunz 244 .<br />
206<br />
A autora explica o processo de elaboração do documento assinalando que não<br />
houve a ampla participação de educadores brasileiros como consta no documento, mas<br />
sim a elaboração por uma equipe de especialistas cujos nomes não foram explicitados.<br />
Pontua também que houve influência dos organismos internacionais nessa elaboração.<br />
Explica de maneira crítica que o documento introdutório apresenta várias contradições,<br />
<strong>da</strong>s quais, a seguir, exponho algumas de forma sintetiza<strong>da</strong>.<br />
A pesquisadora discute que no documento se fala em ensino para formar o<br />
ci<strong>da</strong>dão crítico, mas a ênfase recai na formação do profissional para atender a deman<strong>da</strong><br />
do mercado; anuncia-se a autonomia <strong>da</strong> escola, porém a captação de recursos depende<br />
do projeto político pe<strong>da</strong>gógico fun<strong>da</strong>mentado nos PCN’s; possui um aparente caráter<br />
democrático, mas não houve o debate, não está explicita<strong>da</strong> a participação dos diversos<br />
segmentos sociais como movimentos do campo, experiências pe<strong>da</strong>gógica de diferentes<br />
ci<strong>da</strong>des e escolas do Brasil; há uma ênfase no “aprender a viver juntos” e a “boa<br />
educação” como forma de resolver problemas e conflitos de classes e etnias; enfim,<br />
fala-se em integração social desconsiderando-se as relações “capital - trabalho”.<br />
Explica como é trata<strong>da</strong> a <strong>Educação</strong> Física nos PCN’s de 5 a . à 8 a . séries e afirma<br />
que há uma ênfase nos aspectos prescritivos e um aligeiramento no tratamento dos<br />
conceitos. Também há a presença do ecletismo no referencial teórico, exemplifica<strong>da</strong><br />
com a definição do objeto <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, sendo que existe uma sobreposição <strong>da</strong>s<br />
concepções de Kunz com aquelas do Coletivo de Autores.<br />
A autora faz uma discussão sobre o tratamento <strong>da</strong>do aos princípios norteadores,<br />
sendo eles: “inclusão, integração, diversi<strong>da</strong>de, aprender a aprender, e o convívio social<br />
ou aprender a viver juntos” (Ibid, p. 4). Mostra os problemas de todos eles, discutindo<br />
244<br />
CHEPTLIN, A. A dialética materialista: categorias e leis <strong>da</strong> dialética. Tradução de Le<strong>da</strong> R. C.<br />
Ferraz. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.<br />
CHAUÍ, M. de S. A reforma do ensino. Revista Discurso, n. 8, p.148 a 160. São Paulo: Hucitec, maio de<br />
1978.<br />
FRIGOTTO, G. <strong>Educação</strong> e crise do capitalismo real. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.<br />
COLETIVO DE AUTORES. Op. cit.<br />
KUNZ, E. Transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.
que não se leva em consideração a luta de classes que caracteriza o capitalismo.<br />
Também faz a discussão relativa aos os conceitos ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, ética, aos temas<br />
transversais, aos conteúdos e a sua organização, indústria cultural e conclui que no<br />
documento estes nunca são tratados considerando a raiz <strong>da</strong>s questões.<br />
207<br />
A pesquisadora, além dessas conclusões, ressalta algumas outras. Postula que os<br />
PCN’s expressam o ideário neoliberal no sentido do:<br />
cumprimento <strong>da</strong>s reais funções do Estado capitalista (...), ação<br />
coercitiva que busca justificar e manter sua hegemonia, além de<br />
utilizá-la como instrumento para a conquista do consentimento <strong>da</strong><br />
classe domina<strong>da</strong> através de um discurso com a aparência crítica e<br />
democrática (Ibid, p. 7).<br />
No caso específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, expõe que neste se apresenta uma<br />
atualização do discurso <strong>da</strong>ndo a impressão de critici<strong>da</strong>de, mas a atualização é para<br />
adequá-la às “novas exigências do processo de globalização para a socie<strong>da</strong>de brasileira”<br />
(Ibid, p. 8). Assim, defende-se a <strong>Educação</strong> Física,<br />
para a formação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia com base em princípios de inclusão,<br />
integração, e diversi<strong>da</strong>de como se isso significasse um rompimento<br />
com a exclusão social e as injustiças provenientes <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des<br />
sociais. Entretanto, as bases conceituais de reali<strong>da</strong>de social, educação,<br />
escola, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, e educação física ao serem vincula<strong>da</strong>s ao discursso<br />
<strong>da</strong> integração e formação para o convívio social continua presa a<br />
velhos interesses ideológicos, porém travestidos de uma roupagem<br />
para as novas necessi<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptação ao perfil atual de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
(neoliberal) e às novas exigências do capital para a formação do<br />
trabalhador: autonomia, múltiplas habili<strong>da</strong>des, policognição,<br />
polivalência, formação abstrata, capaci<strong>da</strong>des e competências liga<strong>da</strong>s à<br />
flexibili<strong>da</strong>de, participação, trabalho em equipe e competitivi<strong>da</strong>de<br />
(Ibid, p. 7).<br />
Enfim, os PCN’s trazem uma “visão de integração social”; de “ênfase ao<br />
convívio social”; de priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s experiências; formando valores e competências para<br />
a integração em grupos; “desprestígio do conhecimento”; “cotidianização <strong>da</strong> escola e <strong>da</strong><br />
educação física”. Ain<strong>da</strong> segundo a autora, em função <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola, entre<br />
outras coisas, “podem aju<strong>da</strong>r a cristalizar práticas e idéias na dimensão de senso<br />
comum” (Ibid, p. 9). Nesse contexto, afirma sua posição no sentido de superação do<br />
existente, ou seja, superação <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica em direção ao humano-genérico, que,<br />
no sentido <strong>da</strong>do por Heller (1970) 245 significa a formação do sujeito<br />
coletivo, a emancipação do “nós”, a articulação com a produção do<br />
saber científico e com a reflexão filosófica. Essas são as<br />
245 HELLER, A. O cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 1970.
208<br />
possibili<strong>da</strong>des que o trabalho educativo pode assumir: ação<br />
transforma<strong>da</strong> em práxis e pensamento em teoria (Ibid, p. 9).<br />
Neste sentido, encerra com a seguinte assertiva:<br />
Acreditamos que os PCNs podem ser utilizados como ponto de parti<strong>da</strong><br />
para reflexão sobre os compromissos e priori<strong>da</strong>des que a prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> educação física e <strong>da</strong> escola cumprem quando são<br />
assimilados acriticamente. Na conjuntura atual, esta é a única<br />
possibili<strong>da</strong>de que visualizamos: o diálogo crítico entre os PCNs, o<br />
conhecimento produzido historicamente como ciência, filosofia,<br />
política, arte, cultura, a prática pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> educação física, e<br />
as contradições <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social (Ibid, p. 9, grifo meu).<br />
É possível constatar o trabalho minucioso <strong>da</strong> autora desvelando questões<br />
fun<strong>da</strong>mentais que foram incorpora<strong>da</strong>s pela escola. No entanto, apresento cinco questões<br />
que também considero fun<strong>da</strong>mentais. A primeira diz respeito à definição de<br />
“categorias” feita a partir de Cheptulin como “imagens ideais que expressam os<br />
aspectos e os laços correspondentes <strong>da</strong> aparência <strong>da</strong>s coisas materiais (o fenômeno).<br />
Entendendo, inclusive, que a essência nem sempre coincide com o fenômeno, podendo<br />
se diferenciar e até contradizê-lo” (RODRIGUES, 2001, p. 1). Essa definição de<br />
categoria corresponde à matriz teórica proposta pela autora? Ou seja, ao materialismo<br />
histórico? Lembrando que seu autor matricial discute categoria como “formas de modos<br />
de ser, determinações <strong>da</strong> existência” (MARX, 1996, p. 45).<br />
Outra questão também se refere à matriz teórica. Ao afirmar que é necessário ter<br />
a “ação transforma<strong>da</strong> em práxis e pensamento em teoria” não seria um equívoco? To<strong>da</strong><br />
ação humana é práxis e pensamento é teoria.<br />
Na terceira, ao discutir ecletismo em relação às concepções de <strong>Educação</strong> Física,<br />
não fica clara a posição <strong>da</strong> autora em relação à concepção crítico-superadora e à crítico-<br />
emancipatória. A autora também parece incorporar as duas ao <strong>da</strong>r destaque ao objeto <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física.<br />
Ficam também dúvi<strong>da</strong>s acerca dos os conceitos de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e democracia. A<br />
autora critica a forma como eles são utilizados, mas não esclarece sua posição ou sua<br />
compreensão acerca desses conceitos.<br />
O último ponto, embora a autora apresente o Estado e suas respectivas<br />
instituições e políticas como a expressão do capital, indica como resposta aos problemas<br />
levantados a construção de outra política pública. A autora não estaria avançando e<br />
depois recuando em suas posições?
209<br />
Foram apresentados dois artigos acerca <strong>da</strong> “questão de gênero”, um deles pela<br />
mesma autora que havia discutido esse tema no COMBRACE/1999. Na época era sua<br />
dissertação de mestrado e nesse evento trata-se de uma pesquisa para o curso de<br />
doutorado na PUC-Rio (Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica). A autora possui como<br />
objetivo “analisar a presença <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de nos parâmetros Curriculares Nacionais,<br />
buscando identificar a singulari<strong>da</strong>de histórica desta proposta e seus possíveis efeitos na<br />
escola e, mais especificamente, na <strong>Educação</strong> Física” (ALTMAN, 2001, p. 1).<br />
Sua principal referência teórica é Foucault 246 . No decorrer do texto, ao<br />
apresentar e discutir sobre sexuali<strong>da</strong>de nos PCN’s, remete a discussão para questões de<br />
poder e controle discuti<strong>da</strong>s por esse autor.<br />
A pesquisadora compreende que a sexuali<strong>da</strong>de é uma discussão que está “na<br />
ordem do dia” na escola e que essa instituição é chama<strong>da</strong> à responsabili<strong>da</strong>de pela<br />
educação sexual. Explica a origem do conceito “sexuali<strong>da</strong>de” no século XVII na Europa<br />
e depois no Brasil relacionados a doenças e a “desvios sexuais”. Na atuali<strong>da</strong>de, essa<br />
discussão se dá em função do grande número de gravidez indeseja<strong>da</strong> na adolescência e<br />
riscos de contaminação pelo HIV.<br />
A autora, preocupa<strong>da</strong> com a “inserção <strong>da</strong> orientação sexual na escola”, indica<br />
que os PCN’s possuem uma proposta para fomentar essa discussão nesse ambiente. Para<br />
ela, com a evidência de várias pesquisas, esse documento tem sido utilizado e<br />
incorporado nas escolas, por isso sua análise é de fun<strong>da</strong>mental importância. Neste<br />
sentido, explica como no documento aparece a organização do conteúdo “sexuali<strong>da</strong>de”,<br />
além de mostrar algumas contradições e pontos positivos do documento.<br />
Para a <strong>Educação</strong> Física, embora não apareça especificamente o tema <strong>da</strong><br />
sexuali<strong>da</strong>de em seus conteúdos, este é contemplado no bloco “conhecimentos sobre o<br />
corpo” e quando se trata <strong>da</strong> questão de gênero, a autora argumenta:<br />
Um dos principais objetivos apontados pelos PCN’s <strong>da</strong> orientação<br />
sexual na escola é fomento de atitudes de autocui<strong>da</strong><strong>da</strong>do, preparando<br />
sujeitos autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua<br />
sexuali<strong>da</strong>de, sujeitos que incorporem a mentali<strong>da</strong>de preventiva e a<br />
pratiquem sempre. A <strong>Educação</strong> Física aparece como um espaço<br />
privilegiado para isto, seja devido aos seus conteúdos e dinâmica<br />
de aula, seja pela relação que se estabelece entre professores e<br />
alunos nestas aulas (Idem, p. 6, grifo meu).<br />
246 FOUCAULT, M. A história <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de 2. O uso dos prazeres. 8. ed. Tradução Maria Thereza de<br />
Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1998.<br />
_______________ A história <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de 1. A vontade de saber. 12. ed. Tradução Maria Thereza de<br />
Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1997.
E conclui o artigo, pontuando:<br />
210<br />
O tema orientação sexual não tem apenas um caráter informativo,<br />
como sugerem os PCN’s, mas sobretudo um efeito de intervenção no<br />
interior do espaço escolar. (...) os PCN’s incitam a escola a, através de<br />
práticas pe<strong>da</strong>gógicas diversas, construir e mediar a relação do sujeito<br />
consigo mesmo (...) Através <strong>da</strong> colocação do sexo em discurso, parece<br />
haver um complexo aumento do controle exercido sobre os<br />
indivíduos, o qual se exerce não tanto através de proibições, mas<br />
através de mecanismos, metodologias e práticas que visam produzir<br />
sujeitos autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua<br />
sexuali<strong>da</strong>de. De maneiras diversas, meninos e meninas também<br />
exercem formas de controle uns sobre os outros, bem como escapam e<br />
resistem a este poder (Ibid, p. 7).<br />
O segundo artigo referente à “questão de gênero” é uma pesquisa institucional<br />
<strong>da</strong> UFPR, em que os pesquisadores defendem a <strong>Educação</strong> Co-educativa. Utilizam vários<br />
autores como referência teórica, dentre eles Talbot, Saraiva, Pérez de Lara, Urruzola 247 .<br />
A partir destes, fazem a defesa <strong>da</strong> co-educação em função de que a educação tradicional<br />
tem como uma de suas funções<br />
apresentar condutas diferencia<strong>da</strong>s para os indivíduos de ambos os<br />
sexos (...) De maneira geral, as meninas e meninos “escolarizados”,<br />
recebem educação diferencia<strong>da</strong>, conseqüência dos diferentes papeis<br />
que eram requisitados para os mesmos, ou seja, para as meninas ser<br />
boa esposa e mãe e, para os meninos bastava ser bons trabalhadores<br />
para sustentar a casa (COSTA; SILVA, 2001, p. 1).<br />
Os pesquisadores ain<strong>da</strong> afirmam que com os movimentos feministas as escolas<br />
passam a ser mistas, mas o que houve foi incorporar a mulher numa escola de modelo<br />
masculino. Assim:<br />
Na reali<strong>da</strong>de, a escola tem ignorado a dupla socialização, a meta foi<br />
educar as meninas a<strong>da</strong>ptando-as ao modelo masculino (...) Dessa<br />
forma o modelo de escola mista não levou em consideração a<br />
diversi<strong>da</strong>de, oferecendo alternativas que valorizam apenas o modelo<br />
masculino. Com isto, as meninas acabam sofrendo discriminações,<br />
em função <strong>da</strong> falta de condições pe<strong>da</strong>gógicas para o<br />
desenvolvimento de suas potenciali<strong>da</strong>des (Ibid, p. 2).<br />
Para os autores, esses problemas levantados se fazem presentes nas aulas de<br />
<strong>Educação</strong> Física, pois esse espaço talvez seja para as meninas “a única possibili<strong>da</strong>de<br />
247 TALBOT, M. A gendered physical education: Equality and sexism. EVANS, J. (ed.) Equality,<br />
education & physical education. London: Falmer Press, p.74-89, 1993.<br />
SARAIVA, M. do C. Co- educação física e esporte:quando a diferença é mito. Ijuí: Ed.Unijuí, 1999.<br />
PÉREZ de LARA, N. Feminismo, multiculturalismo y educacion especial. Cuadernos de Pe<strong>da</strong>gogia. n.<br />
253, p. 86-91, 1994.<br />
URRUZOLA, M. J. Coeducar para el desarrolo físico. RAMOS, G. J. (Coord.). El camino hacia uma<br />
escuela coeducativa. Sevilla: Morón. 1998.
para aprender e desenvolver as ativi<strong>da</strong>des físicas e corporais” (Ibid, p.4). Então sugerem<br />
um suporte pe<strong>da</strong>gógico que auxilie as meninas através do diálogo e algumas ativi<strong>da</strong>des<br />
que não se balize pela questão de gênero 248 . A saí<strong>da</strong>, segundo eles, é a co-educação que<br />
trabalha com “eqüi<strong>da</strong>de” entre os sexos e cria um clima de desenvolvimento social,<br />
motor, intelectual e psicológico tanto para a formação do sexo feminino quanto para o<br />
masculino, valorizando suas contribuições e habili<strong>da</strong>des diferencia<strong>da</strong>s.<br />
Na <strong>Educação</strong> Física, a co-educação:<br />
211<br />
Não deve ser pauta<strong>da</strong> na comparação dos meninos com as meninas ou<br />
<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de destreza na <strong>da</strong>nça por parte dos meninos e do<br />
futebol por parte <strong>da</strong>s meninas. O mais importante é valorizar a<br />
diferença e a contribuição individual para todos os meninos e<br />
meninas, sendo ofereci<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des femininas e masculinas,<br />
ampliando, desta forma, a sua oferta e proporcionando um maior<br />
elenco de ativi<strong>da</strong>des (Ibid, p. 5).<br />
Referente ao tema “concepções de educação física”, foram apresentados dois<br />
trabalhos. No primeiro, o autor expõe em seu texto a concepção de “<strong>Educação</strong> Física<br />
Plural”, tendo como referência teórica Daolio, Geertz 249 e Mauss 250 . Inicia com uma<br />
discussão a respeito <strong>da</strong>s várias conotações <strong>da</strong> “expressão cultura corporal” e sobre a<br />
utilização de outras expressões como “cultura física, cultura motora, cultura de<br />
movimento e cultura corporal de movimento” (CELANTE, 2001, p. 1), utiliza<strong>da</strong>s como<br />
sinônimos, mas que expressam conceitos distintos que dependem do referencial teórico<br />
em que se fun<strong>da</strong>menta.<br />
Discute a utilização desses termos nos autores Betti 251 , Coletivo de Autores,<br />
Kunz, Bracht e reafirma a sua opção por Daolio, que utiliza a expressão “cultura<br />
corporal” na perspectiva <strong>da</strong> “<strong>Educação</strong> Física Plural”. Feito isso, dedica-se, no artigo, a<br />
explicar essa concepção.<br />
Apresenta o objetivo principal, que “consiste em considerar o contexto<br />
sociocultural onde ela ocorre e, por conseguinte, as diferenças entre os alunos, fazendo<br />
delas condição de igual<strong>da</strong>de ao invés de critério para justificar discriminações e<br />
248 Para ilustrar, os pesquisadores tomam como referência Urruzola, cujas propostas são: “a) não falar ou<br />
escrever no masculino ou neutro quando a referência for o sexo feminino; b) considerar a importância <strong>da</strong>s<br />
opiniões femininas; c) incentivar e reforçar a participação <strong>da</strong>s meninas para aumento <strong>da</strong> auto-estima; d)<br />
levantar polêmica na oportuni<strong>da</strong>de na qual meninos ridicularizam as meninas e e) valorizar nos meninos<br />
quali<strong>da</strong>des “ditas” femininas” ( COSTA; SILVA, 2001, p.3).<br />
249 DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1995.<br />
GEERTZ, C. A interpretação <strong>da</strong>s culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.<br />
250 Embora este autor seja referência no artigo, não consta <strong>da</strong>s referências bibliográficas.<br />
251 BETTI, M. Cultura corporal e cultura esportiva. São Paulo. Revista Paulista de <strong>Educação</strong> física. V.7,<br />
n.12, p. 44-51, 1993.
preconceitos”. (Ibid, p. 4). Neste sentido, assinala que o que mais chama a sua atenção<br />
nessa vertente, é a concepção de homem e de cultura emprega<strong>da</strong> por Daolio e explica<br />
que o autor se fun<strong>da</strong>menta para isso, na antropologia de Geertz e Mauss.<br />
212<br />
A partir disso, faz uma crítica à <strong>Educação</strong> Física “biologicista, tecnicista e<br />
desportivista, pelo fato desta ter estabelecido alguns movimentos corporais como sendo<br />
melhores, “corretos”, desconsiderando, assim as demais formas de movimento” (Ibid,<br />
p.5).<br />
Sugere trabalhar com a “eficácia simbólica”, pois compreende que o movimento<br />
humano possui sentido/significado particular de acordo com o contexto onde ocorre.<br />
Assim afirma que a “Eficácia que pode, algumas vezes, não funcionar em termos<br />
biomecânicos, fisiológicos ou de rendimento esportivo, mas é a forma cultural como os<br />
alunos utilizam as técnicas corporais” (DAOLIO apud CELANTE, 2001, p. 5, grifo do<br />
autor).<br />
Para perceber a “eficácia simbólica”, é necessário o “chamado ‘olhar<br />
antropológico’, compreendendo o outro e compreendendo a si mesmo através do outro,<br />
num processo de constante reavaliação <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica”. (CELANTE, 2001, p.5).<br />
O autor ain<strong>da</strong> apresenta os objetivos que devem ser contemplados no Ensino<br />
Fun<strong>da</strong>mental e Médio e contêm três aspectos: “vivencial, relacional e reflexivo”. Depois<br />
de apresentar estes aspectos nas fases de ensino, explica:<br />
Apesar <strong>da</strong> ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> um dos três aspectos do conhecimento<br />
(vivencial, relacional e reflexivo), um não suprime o outro. Portanto,<br />
apesar do aluno do Ensino Médio possuir estrutura cognitiva para<br />
desenvolver uma reflexão acerca <strong>da</strong> cultura corporal, é de fun<strong>da</strong>mental<br />
importância que não seja privado <strong>da</strong>s dimensões vivencial e relacional<br />
do conhecimento, evitando assim que a <strong>Educação</strong> Física se torne uma<br />
disciplina teórica por excelência (Ibid, p.6-7).<br />
O autor também enuncia que, independentemente do conteúdo <strong>da</strong> cultura<br />
corporal a ser trabalhado nos aspectos supracitados, há ain<strong>da</strong> princípios que precisam<br />
ser observados, quais sejam, “alteri<strong>da</strong>de, plurali<strong>da</strong>de, inclusão, cooperação e<br />
autonomia”. Nesta última, afirma a importância do “aprender a aprender”; nas outras<br />
estão presentes a “relativização <strong>da</strong> imagem do outro”; “vivenciar os movimentos na<br />
maior diversi<strong>da</strong>de”; aceitação de movimentos corporais mesmo que estes não sejam<br />
“adequados”; realizar práticas cooperativas.<br />
No segundo artigo sobre “concepções de educação física”, os autores têm como<br />
objetivo “analisar a proposta de Iniciação Esportiva Universal de autoria de Pablo Greco
e Rodolfo Novellino Ben<strong>da</strong>, sendo esta, direciona<strong>da</strong> à aplicação no trabalho<br />
desenvolvido nas escolas, clubes e escolinhas” (SILVA; LANDIM, 2001, p. 1).<br />
Analisam a obra dos autores em função <strong>da</strong> ampla divulgação e também aceitação dessa<br />
proposta, que defende como sendo o papel <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola a “preparação<br />
para o esporte de rendimento, demonstrando-se, de modo mais geral, orgânica aos<br />
valores do mercado” (Ibid, p. 1).<br />
213<br />
Os pesquisadores realizam, no artigo, uma descrição dessa concepção de<br />
<strong>Educação</strong> Física e depois apontam suas considerações críticas que resumo a seguir. Eles<br />
discutem que os mentores <strong>da</strong> proposta em questão fazem a “apropriação degra<strong>da</strong>nte” do<br />
termo “cultura corporal” elabora<strong>da</strong> pelo Coletivo de Autores. Cometem um equívoco ao<br />
considerarem como sinônimo as correntes humanistas e a corrente crítico-social, pois<br />
esta última é fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> no materialismo histórico dialético e a primeira na<br />
fenomenologia.<br />
Apresentam de forma equivoca<strong>da</strong> as “concepções críticas ao esporte” e<br />
erroneamente criticam a não formação de equipes na escola 252 , porque desconsideram<br />
que uma <strong>da</strong>s questões concernentes às concepções críticas é o tratamento do esporte<br />
“como um conteúdo, pois somente quando abor<strong>da</strong>do como uma produção histórico-<br />
cultural, considerando seus fatores internos e externos, o esporte poderá ser considerado<br />
um conteúdo educacional” (Ibid, p. 4).<br />
Os autores também criticam que na Iniciação Esportiva Universal o “tema<br />
jogos” se constitui em um instrumento para o aprendizado do esporte. E ain<strong>da</strong> nessa<br />
proposta se fala em “atuação social” e utilizam equivoca<strong>da</strong>mente a “formação do<br />
ci<strong>da</strong>dão” como “individualista, competitivo, flexível e a<strong>da</strong>ptado ao mercado de trabalho,<br />
respeitando a hierarquia presente no esporte, no trabalho e na vi<strong>da</strong>, como algo<br />
proveniente do mérito pessoal” (Ibid, p. 4).<br />
Enfim, que “esta proposta não é nova, nem alternativa e sim a concepção<br />
esportivizante/tecnicista, com uma nova roupagem, ou seja, uma espécie de<br />
neoesportivização/neotecnicismo” (Ibid, p. 5).<br />
É possível constatar, pela descrição dos autores, que suas críticas à “Iniciação<br />
Esportiva Universal” têm procedência, mas me suscitam alguns questionamentos. O<br />
primeiro, quando os autores afirmam que na proposta tentam “transplantar políticas<br />
252 Os autores do artigo defendem a não formação de equipes para jogos, fun<strong>da</strong>mentados em Saviani no<br />
seu livro Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica, quando este afirma que o trabalho pe<strong>da</strong>gógico na escola deve ser<br />
organizado levando-se em conta o “saber sistematizado”.
esportivas de países desenvolvidos, porque não levam em consideração a precarie<strong>da</strong>de<br />
material, as péssimas condições de saúde, alimentação, habitação, transporte e educação<br />
<strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong> população brasileira” (Ibid, p. 5). Não seria a precarie<strong>da</strong>de um dos<br />
fatores que levam muitas crianças e adolescentes a ingressarem no esporte de<br />
rendimento, almejando tornarem-se atletas porque veem no esporte a chance de<br />
mobili<strong>da</strong>de social? As concepções críticas do esporte não discutem essa questão?<br />
214<br />
Outro aspecto diz respeito à utilização <strong>da</strong> justificativa <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física pelo<br />
viés <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica. Os autores desconsideram que Saviani também não<br />
inclui a disciplina <strong>Educação</strong> Física como parte do saber sistematizado.<br />
No tocante à temática “planejamento de ensino e propostas curriculares”, houve<br />
um aumento dos trabalhos se comparado com o GTT – escola/1999. Foram<br />
apresentados um total de sete artigos que exponho a seguir.<br />
O primeiro artigo tem por objetivo: “Descrever o cotidiano <strong>da</strong> relação professor-<br />
aluno durante o transcorrer <strong>da</strong>s aulas de educação física em uma instituição secular de<br />
ensino religioso Tomista 253 <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro, identificando atitudes do<br />
comportamento docente que permitam qualificá-lo ou não como autori<strong>da</strong>de” (GAMA;<br />
RETONDAR 2001, p. 1).<br />
Os autores justificam a pesquisa pela necessi<strong>da</strong>de senti<strong>da</strong> na <strong>Educação</strong> Física de<br />
se estu<strong>da</strong>r particulari<strong>da</strong>des raciais, linguísticas, religiosas, entre outras. A opção então se<br />
deu pela Pe<strong>da</strong>gogia Tomista, e dentro dela o princípio <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de. Para discutir o<br />
princípio <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de, utiliza como referência Arendt, Fromm e Benjamin 254 .<br />
A Pe<strong>da</strong>gogia Tomista se torna fun<strong>da</strong>mental para os autores por “explorar<br />
racionalmente a sensibili<strong>da</strong>de dos alunos e dirigir a transição de suas experiências<br />
sensíveis ao desenvolvimento intelectual e moral” (Ibid, p. 1).<br />
A disciplina <strong>Educação</strong> Física tem um papel importante nessa pe<strong>da</strong>gogia por<br />
colocar em confronto o sensível e o intelecto. Para seu êxito, a autori<strong>da</strong>de é<br />
fun<strong>da</strong>mental, junto com o domínio efetivo dos conteúdos específicos que o professor<br />
precisa ter.<br />
253 A Pe<strong>da</strong>gogia Tomista, segundo os autores, explora “racionalmente a sensibili<strong>da</strong>de dos alunos e dirigi a<br />
transição de suas experiências sensíveis ao desenvolvimento intelectual e moral (...) Santo Tomás de<br />
Aquino é o responsável por destacar com radicali<strong>da</strong>de a fé <strong>da</strong> razão, demarcando, dentro <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
divina, um espaço de afirmação do homem segundo suas quali<strong>da</strong>des naturais. A valorização <strong>da</strong> ciência<br />
humana em na<strong>da</strong> invali<strong>da</strong> as ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong> fé, porque o teor de suas ver<strong>da</strong>des é superior” (p. 1 e 3).<br />
254 ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.<br />
FROMM, E. Análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.<br />
BENJAMIN, V. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984.
215<br />
Com a observação <strong>da</strong>s aulas de <strong>Educação</strong> Física e fazendo uma comparação com<br />
os pressupostos teóricos, os pesquisadores levantaram as categorias <strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong>de e<br />
passivi<strong>da</strong>de. A primeira relaciona<strong>da</strong> aos alunos e a segun<strong>da</strong> ao professor. Após a análise<br />
<strong>da</strong>s duas categorias, relacionam o problema à falta de autori<strong>da</strong>de do professor e<br />
afirmam:<br />
O risco do professor se tornar impotente perante o universo infantil<br />
implica diminuir a importância do papel <strong>da</strong> escola como instituição<br />
formadora de juízos, ao mesmo tempo que outorga à criança a árdua<br />
tarefa de discernirem sozinhas as esferas públicas e priva<strong>da</strong>s (Ibid,<br />
p.5).<br />
Concluem que existe uma separação entre a teoria e a prática, ou seja, o<br />
professor não consegue pôr em prática a teoria tomista e sugerem que a agressivi<strong>da</strong>de<br />
dos alunos pode acontecer nas aulas em função disso, ou seja, <strong>da</strong> falta de autori<strong>da</strong>de do<br />
professor.<br />
Em suma, é possível observar que, no artigo, os pesquisadores partem do<br />
pressuposto <strong>da</strong> dicotomia entre corpo e mente, em que o corpo é parte do sensível. Não<br />
negam a razão e buscam a conciliação tendo como meio as aulas de <strong>Educação</strong> Física. O<br />
insucesso que aparece na agressivi<strong>da</strong>de dos alunos é de responsabili<strong>da</strong>de do professor,<br />
que não aplica corretamente a teoria. Desconsideram os fatores externos às aulas que<br />
formam tanto os alunos quanto os professores, mesmo admitindo a “violência” que<br />
existe fora do ambiente escolar.<br />
O segundo artigo relata um projeto <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Viçosa que<br />
envolve uma graduan<strong>da</strong> e duas professoras. As pesquisadoras pretendem vivenciar com<br />
professoras regentes de classe uma nova proposta pe<strong>da</strong>gógica denomina<strong>da</strong> “Dança<br />
Educativa Moderna” formula<strong>da</strong> por Rudolf Laban 255 . Nessa proposta, a <strong>da</strong>nça é<br />
utiliza<strong>da</strong> como estratégia de ensino para a matemática, ciências, português etc.<br />
Essa estratégia se justifica em função <strong>da</strong>s péssimas condições <strong>da</strong>s escolas em<br />
vários aspectos, <strong>da</strong>s rotinas de aprendizagem, como afirmam as autoras:<br />
E ain<strong>da</strong>:<br />
A rotina de aprendizagem numa escola nem sempre estimula a livre<br />
movimentação <strong>da</strong> criança obrigando-a a passar a maior parte do tempo<br />
senta<strong>da</strong> na carteira, prestando atenção nas informações e cui<strong>da</strong>ndo de<br />
suas tarefas que se restringem ao papel e caneta. Isso pode<br />
desestimular a criança em sua maior forma de se expressar, que é com<br />
seu próprio corpo em movimento (COSTA; LIMA; VIEIRA, 2001, p.<br />
1).<br />
255 LABAN, R. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone,1999.
216<br />
Em nosso ambiente escolar o aluno foi estimulado a deixar suas<br />
emoções, a escola era uma ambiente se trabalharia a razão, sem<br />
influências <strong>da</strong>s emoções, sem levar em conta as experiências<br />
pessoais. Na escola os alunos iriam apenas para adquirir<br />
conhecimentos, esses distantes <strong>da</strong>s suas reali<strong>da</strong>des. Sabendo que só se<br />
aprende quando parte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>s experiências vivi<strong>da</strong>s e sobre<br />
elas se desenvolve a aplicação de conhecimentos. O intuito era<br />
somente a produção (socie<strong>da</strong>de industrial) sem deixar as emoções e os<br />
valores pessoais interferirem no processo (Ibid, p. 5, grifo meu).<br />
O projeto estava no início, e o artigo relata dois semestres nos quais as<br />
professoras regentes assistiram as aulas que foram observa<strong>da</strong>s e também comenta<strong>da</strong>s<br />
por elas e pela estagiária. Alguns dos resultados são possíveis de serem observados<br />
nessas passagens: “As regentes de classe vivenciaram movimentos que levaram ao<br />
conhecimento do próprio corpo, bem como um instrumento de comunicação e de<br />
interação no mundo” (Ibid, p. 2) e ain<strong>da</strong>: “As regentes conseguiram perceber a fluidez<br />
como ocorre o aprendizado de forma criativa, através <strong>da</strong> expressão corporal e se<br />
diferenciando um pouco <strong>da</strong> forma como o ensino é tratado de uma maneira geral” (Ibid,<br />
p. 4).<br />
Em suma, a <strong>da</strong>nça livre e criativa enquanto estratégia de ensino é entendi<strong>da</strong><br />
como o momento de prazer para os alunos, e essas ativi<strong>da</strong>des prazerosas são momentos<br />
importantes para as professoras regentes ao final de um dia estressante. Nesse caso,<br />
não se trata do conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, na ver<strong>da</strong>de os conteúdos devem ser<br />
vivenciados através <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça. Fica explícito ain<strong>da</strong> que, na tentativa de se entender o “ser<br />
como uno”, sobressai-se o reforço <strong>da</strong> dicotomia corpo e mente, no qual é<br />
supervalorizado o corpo/sensível em detrimento <strong>da</strong> mente/razão.<br />
No terceiro artigo, a pesquisadora se contrapõe à forma tradicional de<br />
organização do ensino em favor do que ela chama de “práticas educativas inovadoras”,<br />
considerando serem essas mais democráticas e inclusivas. Neste sentido, afirma:<br />
O discurso que fun<strong>da</strong>menta as propostas pe<strong>da</strong>gógicas considera<strong>da</strong>s<br />
inovadoras aponta para uma educação comprometi<strong>da</strong> com a<br />
emancipação do sujeito e o pleno exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia,<br />
compromisso esse que deve impregnar a ativi<strong>da</strong>de educativa desde a<br />
organização do tempo até a seleção de conteúdos a serem abor<strong>da</strong>dos.<br />
Aponta também para a construção de uma escola configura<strong>da</strong> como<br />
tempo/espaço de vivência cultural e de produção coletiva (MAZONI,<br />
2001, p. 1).<br />
A partir disso, objetiva “investigar o papel que a <strong>Educação</strong> Física – componente<br />
curricular que tem como objeto a cultura corporal – está desempenhando nos
estabelecimentos de ensino que aderiram à Escola Plural 256 , e as maneiras pelas quais a<br />
disciplina está se apropriando do processo de transformação promovido pelo projeto”<br />
(Ibid, 2001, p. 6).<br />
217<br />
A autora escolhe como locus de pesquisa o Projeto Escola Plural desenvolvido<br />
no município de Belo Horizonte desde 1994. Esse projeto está entre os que o PT<br />
(Partido dos Trabalhadores) tem desenvolvido em algumas administrações. A Escola<br />
Plural em específico recebe influência <strong>da</strong>s experiências espanholas e tem como um de<br />
seus idealizadores Miguel Arroyo 257 .<br />
Nessa escola, mu<strong>da</strong>m-se o tempo escolar e o tratamento do conteúdo. As<br />
ativi<strong>da</strong>des funcionam a partir de projetos, e não de disciplinas. A maioria desses<br />
projetos está relaciona<strong>da</strong> com a cultura corporal e artística. A pesquisadora não<br />
menciona como são trabalhados os outros conteúdos, mas assevera que a escola é<br />
compreendi<strong>da</strong> como o “espaço de vivência, construção e expressão de cultura” (Ibid, p.<br />
3). Por outro lado, não deixa explícita a compreensão de cultura, apenas o modelo de<br />
escola que extrapola a ativi<strong>da</strong>de intelectual que é enfatiza<strong>da</strong> no modelo tradicional.<br />
Em sua pesquisa, a autora utiliza como referência teórica os construtores <strong>da</strong><br />
Escola Plural 258 . No caso <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, que é o foco de interesse <strong>da</strong> pesquisa,<br />
após realizar uma discussão sobre questões relaciona<strong>da</strong>s ao corpo cuja principal<br />
referência é Bracht 259 , afirma identificar-se com as concepções crítico-superadora e<br />
crítico-emamcipatória, <strong>da</strong>ndo maior ênfase à segun<strong>da</strong>.<br />
Mesmo com a pesquisa ain<strong>da</strong> no início, a pesquisadora faz algumas<br />
constatações. Como seu foco é estu<strong>da</strong>r as ativi<strong>da</strong>des corporais, ela descobriu que vários<br />
projetos estão relacionados a essas ativi<strong>da</strong>des. Assim se manifesta:<br />
Por enquanto é possível dizer que elas acontecem nos mais diferentes<br />
256<br />
A Escola Plural possui os seguintes eixos norteadores: “1. Uma intervenção coletiva mais radical; 2.<br />
Sensibili<strong>da</strong>de com a Totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Formação Humana; 3. A Escola como tempo de vivência cultural; “4.<br />
Escola experiência de produção coletiva; 5. As virtuali<strong>da</strong>des educativas <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola; 6. A<br />
vivência de ca<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de de formação sem interrupção; 7. Socialização adequa<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de-ciclo de<br />
formação; 8. Nova identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola, nova identi<strong>da</strong>de do seu Profissional.”<br />
(www.rebidia.org.br/notícias/educação/rede8461.html). Essa escola funciona ain<strong>da</strong>, segundo Mazoni<br />
(2001, p.2) com os “ciclos de i<strong>da</strong>de de formação”, dispostos <strong>da</strong> seguinte forma no ensino fun<strong>da</strong>mental:<br />
“1 o . ciclo (<strong>da</strong> infância): 6, 7 e 8 anos; 2 o . ciclo (<strong>da</strong> pré-adolescência): 9, 10 e 11 anos; 3 o . ciclo (<strong>da</strong><br />
adolescência): 12, 13 e 14 anos”. Nesse projeto de Escola Plural, para combater a repetência e corrigir as<br />
distorções entre a i<strong>da</strong>de e a série, inclui-se ain<strong>da</strong>, o projeto Sistema de Promoção de Avanços Sucessivos,<br />
o Projeto Alfa/ Aceleração de Estudos e o Ciclo Básico de Alfabetização.<br />
257<br />
ARROYO, M. G. Experiências de inovação educativa: o currículo na prática <strong>da</strong> escola. In.<br />
MOREIRA, A. F. (Org.). Currículo: políticas e práticas. Campinas- SP: Papirus, 1999.<br />
258<br />
BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Escola Plural; propospata político-pe<strong>da</strong>gógica. Belo<br />
Horizonte: PBH/SMED, out. 1994.<br />
259<br />
BRACHT, V. A constituição <strong>da</strong>s teorias pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong> educação física. Cadernos Cedes. Campinas<br />
– SP, n. 48, p. 69-88, 1999.
218<br />
espaços, dentro e fora do currículo. Entretanto, creio que os elementos<br />
observados já permitem a confirmação de que existe uma correlação<br />
positiva entre um projeto pe<strong>da</strong>gógico inovador e uma maior abertura<br />
para as vivências corporais no contexto escolar (Ibid, p. 9).<br />
Embora Mazoni aponte para a abertura <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des corporais, ela também<br />
constata que acontece “uma ‘desmobilização’ <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física como área de<br />
conhecimento à medi<strong>da</strong> que seus conteúdos são ‘diluídos’ entre diferentes projetos e<br />
levando-se em conta que as ativi<strong>da</strong>des corporais nem sempre são ministra<strong>da</strong>s por<br />
professores <strong>da</strong> área” (Ibid, p. 9).<br />
No quarto artigo, os autores relatam o trabalho desenvolvido durante quatro anos<br />
por oito professores de <strong>Educação</strong> Física em uma escola particular católica de Belo<br />
Horizonte, onde procuravam desenvolver uma proposta basea<strong>da</strong> no Coletivo de Autores<br />
e na abor<strong>da</strong>gem crítico-social dos conteúdos discuti<strong>da</strong> por Luckesi 260 . Utilizam também<br />
como referência Vago, Castellani Filho, Kunz e outros 261 .<br />
Embora a proposta do grupo esteja basea<strong>da</strong> na concepção crítico-superadora,<br />
para definirem a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física utilizam “cultura de movimento<br />
humano”, nomenclatura defendi<strong>da</strong> por Kunz e não “cultura corporal”, como faz o<br />
Coletivo de Autores. Neste sentido, para justificar a <strong>Educação</strong> Física na escola, afirmam<br />
que:<br />
O movimento humano é uma forma de expressão cultural e que por<br />
isso, carrega em si elementos históricos, éticos, técnicos, políticos,<br />
filosóficos, étnicos que devem ser estu<strong>da</strong>dos e praticados na escola<br />
(...) não há outra prática pe<strong>da</strong>gógica que se ocupe <strong>da</strong> dimensão<br />
cultural de que só a <strong>Educação</strong> Física trata que é a cultura de<br />
movimento humano (...) Temos que <strong>da</strong>r nossa contribuição para que<br />
nosso aluno possa conhecer, escolher, vivenciar, transformar, planejar<br />
e ser capaz de julgar os valores associados à pratica <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />
física, mais do que apenas praticar sem entender essa prática,<br />
simplesmente aderindo (ou não) à mo<strong>da</strong> <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de física (PINTO;<br />
SILVEIRA, 2001, p. 1).<br />
Discutem brevemente as relações entre <strong>Educação</strong> Física e conhecimento,<br />
<strong>Educação</strong> Física e a formação para o lazer e <strong>Educação</strong> Física e ludici<strong>da</strong>de. Destacam<br />
como princípios norteadores a ludici<strong>da</strong>de, a inclusão, o conhecimento, a co-educação, a<br />
participação, o questionamento, a transformação, a diversi<strong>da</strong>de de conteúdos.<br />
260 COLETIVO de AUTORES, Op.Cit.<br />
LUCKESI, C. C. Filosofia <strong>da</strong> educação. São Paulo: Cortez, 1992.<br />
261 VAGO, T. M. Rumos <strong>da</strong> EF escolar: o que foi, o que é, o que poderia ser. UFMG, 1997. (digit.)<br />
CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e educação física. Campinas: Autores Associados,<br />
1998.<br />
KUNZ, E. Op. Cit.
219<br />
Expressam a compreensão de currículo que envolve tanto as ativi<strong>da</strong>des nas aulas<br />
quanto as ativi<strong>da</strong>des extraclasse, exemplificando no artigo com o Festival de Jogos 262 ,<br />
que envolveu to<strong>da</strong>s as manifestações culturais apreendi<strong>da</strong>s nas aulas e que foi<br />
organizado com a participação de todos os alunos. Consideram esse festival mais um<br />
espaço para construir a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Para as aulas, apresentam um plano de curso e um currículo mínimo para ca<strong>da</strong><br />
série, que é ampliado em um momento específico do ano com ativi<strong>da</strong>des sugeri<strong>da</strong>s e<br />
organiza<strong>da</strong>s pelos alunos. No currículo mínimo e nas ativi<strong>da</strong>des organiza<strong>da</strong>s pelos<br />
alunos estão os conteúdos sugeridos pelo Coletivo de Autores (jogos, <strong>da</strong>nça, esportes<br />
coletivos, ginástica, lutas e outros).<br />
Para efeito didático, os professores atribuem para ca<strong>da</strong> conteúdo os seguintes<br />
aspectos: quanto ao “saber fazer” – aspectos técnicos e táticos, regras, saber-fazer<br />
social, ludici<strong>da</strong>de x alto rendimento e produção de uma cultura escolar; quanto ao<br />
“saber sobre”, os professores dividem em dois grupos, o primeiro contempla os aspectos<br />
sócioculturais como história, evolução sóciocultural, conteúdo como campo de trabalho,<br />
lazer e tempo livre, mitos, mídia; o segundo contempla os aspectos fisiológicos <strong>da</strong><br />
prática corporal, primeiros socorros, doping, lesões na prática corporal, planejamento de<br />
práticas corporais.<br />
A avaliação é compreendi<strong>da</strong>, no sentido diagnóstico <strong>da</strong> aprendizagem, pelos<br />
professores e pelos próprios alunos. Por fim, os professores acreditam que embora eles<br />
tenham obstáculos a serem superados, realizam um bom trabalho no sentido <strong>da</strong><br />
transformação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física.<br />
Considero importante frisar que ao discutirem a <strong>Educação</strong> Física na relação com<br />
o lazer, partem de uma compreensão equivoca<strong>da</strong> <strong>da</strong> ampliação do tempo de não-<br />
trabalho na nossa socie<strong>da</strong>de, o que justificaria também, nas aulas de <strong>Educação</strong> Física, a<br />
preparação do ci<strong>da</strong>dão para uma vivência crítica desse tempo e não de uma forma<br />
compensatória ou de controle social como normalmente acontece. Assim:<br />
Todo ci<strong>da</strong>dão tem hoje grande envolvimento com elementos <strong>da</strong><br />
262 Os professores organizam anualmente o “festival de Jogos”, juntamente com os alunos, com o objetivo<br />
de encaixar “to<strong>da</strong>s as manifestações <strong>da</strong> cultura corporal: jogos, brincadeiras, ginástica e <strong>da</strong>nça, esportes,<br />
capoeira e lutas (...) realizar uma arbitragem compartilha<strong>da</strong> pelas próprias equipes participantes (...)<br />
extinguir a premiação tradicional, substituindo-as por uma lembrança troca<strong>da</strong> entre todos os alunos de<br />
to<strong>da</strong>s as salas (...) realizar paralelamente ao Festival de Jogos, eventos como mostras esportivo-culturais e<br />
palestras sobre as práticas corporais e as políticas públicas de esporte e lazer (...) ter, em ca<strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />
do Festival de Jogos, 3 tempos: um feminino, um masculino e um misto” (PINTO; SILVEIRA, 2001, p.<br />
9).
220<br />
cultura de movimento, seja na prática ou como espectadores e/ou<br />
consumidores na escola, na rua, nos parques, nos clubes, nos estádios,<br />
nas academias e escolas de esporte e através <strong>da</strong> mídia. Entretanto, a<br />
escola é o único espaço em que esta prática pode ser vivencia<strong>da</strong>,<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e discuti<strong>da</strong> ancora<strong>da</strong> em valores éticos e, por isso, não<br />
podemos fugir ao dever de preparar para este tempo do não-trabalho<br />
(e não apenas para o tempo do trabalho, como normalmente se faz na<br />
escola) (Idem, p. 2).<br />
O próximo artigo é resultado de uma pesquisa institucional do<br />
LESEF/CEFD/UFES. Esse grupo de pesquisa parte <strong>da</strong> constatação de que na déca<strong>da</strong> de<br />
1990, para as Pe<strong>da</strong>gogias Progressistas ou Críticas na <strong>Educação</strong> e na <strong>Educação</strong> Física,<br />
se colocava a tarefa de “mu<strong>da</strong>r a prática”. Essa tarefa, no entanto, não foi efetiva<strong>da</strong> entre<br />
os professores, mesmo sabendo-se que existe uma “adesão teórica” às perspectivas<br />
progressistas. Diante dessa questão, propõem os seguintes objetivos:<br />
a) verificar em que medi<strong>da</strong> a metodologia <strong>da</strong> pesquisa-ação traz<br />
resultados positivos quando o objetivo é operar mu<strong>da</strong>nças na prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica em EF; b) identificar no processo os elementos de ordem<br />
sócio-estrutural e psico-social que se colocam como obstáculos para a<br />
mu<strong>da</strong>nça, permitindo colher informações para pensar estratégias mais<br />
eficientes; c) produzir relatos de experiência e material didáticope<strong>da</strong>gógico<br />
para ser utilizado em outros programas de formação<br />
continua<strong>da</strong> de professores, bem como, fornecer subsídios para o<br />
próprio desenvolvimento <strong>da</strong>s propostas pe<strong>da</strong>gógicas em EF<br />
(BRACHT et. al. 2001, p. 2).<br />
Para concretizar esses objetivos, propõem como metodologia a pesquisa-ação,<br />
que é também alvo de investigação a respeito de sua vali<strong>da</strong>de. Elencam vários autores<br />
como referência, dentre eles Thiollent, Elliot, Perrenoud, Pimenta, Hernandéz 263 .<br />
A pesquisa-ação foi desenvolvi<strong>da</strong> no curso de especialização promovido pelo<br />
LESEF que contou com a participação de 15 professores. Dentre eles, predominam<br />
professores formados na UFES na déca<strong>da</strong> de 1990, com o currículo que havia passado<br />
de “uma formação técnico-instrumental para uma formação de caráter mais crítico-<br />
263 THIOLLENT, M. Metodologia <strong>da</strong> pesquisa-ação. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.<br />
ELLIOT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, C. M. G. et al.<br />
(Orgs.) Cartografias do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado de<br />
Letras/ALB, 1998, p.137-152.<br />
PERRENOUD, P. Práticas pe<strong>da</strong>gógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas.<br />
Lisboa: Dom Quixote, 1997.<br />
PIMENTA, S. G. A pesquisa em didática – 1996 a 1999. In: CANDAU, V. (Org.) Didática, currículo e<br />
saberes escolares. Rio Janeiro: DP&A, 2000.<br />
HERNANDÉZ, F. A formação do professorado e a investigação sobre a aprendizagem dos docentes. In:<br />
MOLINA NETO, V. e TRIVIÑOS, A. N. S. (Orgs.) A pesquisa qualitativa na <strong>Educação</strong> Física. Porto<br />
Alegre: Ed. Univ. UFRGS/Sulina, 1999.
eflexivo” (Ibid, p. 2). Havia também um significativo número de professores que não<br />
possuía estabili<strong>da</strong>de empregatícia.<br />
221<br />
Foram utilizados para a pesquisa depoimentos dos professores, relatórios<br />
elaborados por eles e monografias de conclusão de curso. Foi um amplo trabalho<br />
coletivo que o grupo de pesquisadores desenvolveu junto com os professores,<br />
procurando enfatizar desde o início que:<br />
Era nosso entendimento que não dispúnhamos de um conhecimento<br />
“superior” ou “mágico” que lhes pudesse ser oferecido e que faria<br />
então que sua prática pe<strong>da</strong>gógica se aperfeiçoasse. Neste sentido, foi<br />
importante a discussão com base em texto de Pérez-Goméz (1997) 264<br />
sobre os limites <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de instrumental como orientadora <strong>da</strong>s<br />
ações docentes (Ibid, p. 3).<br />
Os pesquisadores apresentam no artigo, em detalhes, os resultados e discussões.<br />
Para tanto, classificam os problemas e dificul<strong>da</strong>des nos dois seguintes grupos: “A)<br />
aqueles relacionados especificamente à EF, e B) aqueles de ordem mais geral ou não<br />
ligados especificamente à EF. Por sua vez, no grupo A encontramos dois subtipos: 1) os<br />
que dizem respeito <strong>da</strong> EF com a escola e 2) aqueles relacionados com<br />
problemas/questões internas à EF” (Ibid, p. 4).<br />
Os resultados apresentados pelo grupo de pesquisa, de uma maneira geral,<br />
indicam que as aulas de <strong>Educação</strong> Física são vistas na escola relaciona<strong>da</strong>s ao esporte.<br />
Seu papel enquanto disciplina parece não ser claro e é secundário. O professor <strong>da</strong><br />
disciplina funciona mais como um “quebra galho”. Em relação às questões internas, não<br />
se sabe quais são seus conteúdos, como avaliar, como tratar os conteúdos, qual sua<br />
importância para formar o ci<strong>da</strong>dão etc. E ain<strong>da</strong> em relação às questões mais gerais,<br />
citam-se a falta de projeto político pe<strong>da</strong>gógico, a ausência de uma interação maior na<br />
escola e a dificul<strong>da</strong>de para integrar às discussões os professores em fim de carreira.<br />
Na tentativa de solucionar os problemas, o grupo detalha várias ações, como, por<br />
exemplo, a discussão <strong>da</strong>s pe<strong>da</strong>gogias progressistas; sobre a função social <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física; sobre que tipo de formação se quer com essa disciplina, entre outras. Uma <strong>da</strong>s<br />
respostas encontra<strong>da</strong>s foi “a formação do ci<strong>da</strong>dão crítico”, no entanto, isso gerou uma<br />
discussão sobre o que é esse ci<strong>da</strong>dão, pergunta para a qual não houve uma resposta<br />
consensual.<br />
Para finalizar, os pesquisadores fazem os seguintes destaques:<br />
264 PÉREZ-GOMÉZ, A. O pensamento prático do professor. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e<br />
a sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
222<br />
1) ficou claro que a prática docente envolve a vivência de situações e<br />
problemas não solucionáveis com a simples aplicação do<br />
conhecimento técnico-teórico disponível, e por outro, expõe o<br />
professor a deman<strong>da</strong>s que se modificam. Essas circunstâncias exigem<br />
a toma<strong>da</strong> de decisões e a construção de soluções por parte dos<br />
próprios professores e não simplesmente a aplicação de soluções préconforma<strong>da</strong>s.<br />
2) Confirmou-se a idéia de que as diferentes concepções<br />
dos professores relativas aos diversos elementos do processo ensinoaprendizagem<br />
modelam e influenciam suas percepções, sua<br />
compreensão dos eventos em sala de aula e na quadra e,<br />
conseqüentemente, sua prática pe<strong>da</strong>gógica. Somente haverá chance de<br />
mu<strong>da</strong>nça se forem ofereci<strong>da</strong>s aos professores condições para que<br />
tomem consciência de suas concepções e atitudes, analisando-as<br />
criticamente em situações extensivas e dinâmicas, que possibilitem o<br />
exame pessoal e o de outras pessoas, o confronto direto de opiniões e<br />
de alternativas de ação para superá-las. 3) O curso, em função do seu<br />
aporte metodológico, permitiu o estabelecimento de uma relação de<br />
confiança e segurança mútua entre as partes envolvi<strong>da</strong>s, em que as<br />
‘máscaras’ e as ‘defesas’ tiveram a oportuni<strong>da</strong>de de cair e pode haver<br />
o confronto entre o declarado e o realizado (Ibid, p. 7).<br />
Os pesquisadores realizaram ain<strong>da</strong> uma avaliação sobre a pesquisa-ação,<br />
chegando à conclusão de que essa estratégia metodológica é decisiva quando se<br />
almejam professores autônomos e crítico-reflexivos. Alertam para possíveis distorções e<br />
para os limites de “ordem macro” encontrados, e que se relacionam com as políticas<br />
públicas e de “ordem micro”, relacionados à escola e à sala de aula. Salientam entre<br />
esses limites o modelo adotado pelo governo federal no Brasil, que se aproxima do<br />
enfoque tecnológico.<br />
Reforçam a importância do trabalho coletivo, <strong>da</strong> formação continua<strong>da</strong> e <strong>da</strong><br />
formação de professores reflexivos. E ain<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de programas de formação<br />
permanente que extrapolem as disciplinas específicas.<br />
É possível constatar nesse artigo a valorização do trabalho coletivo, a procura<br />
por um caminho cujo ponto de chega<strong>da</strong> é o ci<strong>da</strong>dão crítico e a formação do professor<br />
crítico-reflexivo que participe do projeto político-pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola e que construa<br />
práticas progressistas. Constata-se também a dificul<strong>da</strong>de em relacionar as questões<br />
particulares com as mais amplas.<br />
O sexto artigo apresenta o processo de construção <strong>da</strong> proposta de Ensino <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física para o município de Camaragibe/PE. Esse município completava 19<br />
anos de emancipação política e era governado por uma coligação “de esquer<strong>da</strong>” 265 ,<br />
pauta<strong>da</strong> por uma gestão de caráter “democrática popular” e que organizava uma<br />
265 Os partidos <strong>da</strong> coligação são: PT, PSB, PC do B, PCB e PV.
proposta para o ensino e, dentro dela, uma proposta para a <strong>Educação</strong> Física, contando<br />
com um total de cinco professores dessa disciplina para atender todo o município. Com<br />
a reduzi<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de professores, foram privilegia<strong>da</strong>s algumas escolas escolhi<strong>da</strong>s<br />
pelos seguintes critérios: “escolas que apresentavam uma melhor estrutura física (espaço<br />
para a prática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física); escolas que apresentavam um alto percentual de<br />
alunos evadidos; e escolas que apresentavam alunos com maior dificul<strong>da</strong>de de conduta”.<br />
(ARAÚJO; SANTOS, 2001, p. 1).<br />
223<br />
A construção <strong>da</strong> proposta para a <strong>Educação</strong> Física se deu a partir <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de<br />
de se compreender várias questões, dentre elas o papel dessa disciplina na escola e<br />
também pela inexistência de um programa específico para ela. Assim, a partir de<br />
critérios como competência técnica, compromisso político em relação a questões sociais<br />
e com a educação, escolheu-se um “capacitor” 266 que organizou o processo.<br />
No artigo, os autores apresentam todos os procedimentos para a elaboração <strong>da</strong><br />
proposta que se iniciou com a conceituação dos termos projeto político pe<strong>da</strong>gógico,<br />
currículo e programa de ensino, fun<strong>da</strong>mentados no Coletivo de Autores, Piletti e<br />
Saviani 267 . A partir disso, organizaram seis módulos caracterizados pela reflexão e<br />
construção coletiva. Nesses módulos, partiu-se de discussões mais amplas como<br />
“globalização, políticas públicas, neoliberalismo, pós-moderni<strong>da</strong>de” (Ibid, p. 2),<br />
passando por questões históricas e problemáticas específicas à <strong>Educação</strong> Física. Além<br />
dessas, foram contempla<strong>da</strong>s as diretrizes político/administrativas <strong>da</strong> Secretaria<br />
Municipal de <strong>Educação</strong>, culminando com a escolha de uma concepção específica de<br />
<strong>Educação</strong> Física, qual seja, a proposta do Coletivo de Autores. Essa opção se deu após a<br />
realização de uma análise, na qual foram também avalia<strong>da</strong>s outras duas propostas: a<br />
desenvolvimentista e a construtivista.<br />
Percorrido o caminho, os autores apresentam uma síntese do programa de<br />
ensino, que contempla:<br />
Introdução – Traz elementos <strong>da</strong> história, conceito e argumentos que<br />
justificam a <strong>Educação</strong> Física na escola (...). A Opção Político-<br />
Pe<strong>da</strong>gógica – Construí<strong>da</strong> a partir de uma análise conjuntural <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de, aponta para o papel fun<strong>da</strong>metal que a educação exerce no<br />
esforço de cumprir o desafio de uma administração democrática e<br />
popular de “mobilizar a sua população para construir coletivamente<br />
266<br />
Professor escolhido em função <strong>da</strong> afini<strong>da</strong>de com a proposta do grupo e que é o responsável por<br />
organizar to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des.<br />
267<br />
COLETIVO DE AUTORES, op. cit.<br />
PILETTI, C. Didática geral. 10. ed. Campinas, SP: Ática, 1980.<br />
SAVIANI, N. Saber escolar, currículo e didática: problemas <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de conteúdo/método no processo<br />
pe<strong>da</strong>gógico. Campinas, SP: Autores Associados, 1994.
224<br />
uma socie<strong>da</strong>de ver<strong>da</strong>deiramente democrática”. (...) A Concepção de<br />
Ensino-Aprendizagem – Apresenta o caminho percorrido e a<br />
justificativa para a escolha <strong>da</strong> perspectiva crítico-superadora <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física. (...) A Orientação Metodológica – Apresenta como<br />
eixo básico de intervenção pe<strong>da</strong>gógica a capaci<strong>da</strong>de de reflexão do<br />
aluno (...) Para potencializar este eixo buscará privilegiar três<br />
princípios gerais para nortear as intervenções: A reflexão pe<strong>da</strong>gógica,<br />
a participação efetiva e a dialogi<strong>da</strong>de. (...) Algumas Palavras sobre a<br />
Avaliação – Busca uma referência que não considere padrões fixos,<br />
que não tentem homogeneizar os alunos, mas que considere que os<br />
conhecimentos <strong>da</strong> cultura corporal e sua expressão se diferenciam de<br />
aluno para aluno de acordo com a sua reali<strong>da</strong>de. (...) Conteúdos<br />
Programáticos – Critérios utilizados na escolha dos conteúdos: “a<br />
tradição que aponta que conteúdos vêm sendo tematizados nas aulas<br />
de <strong>Educação</strong> Física; a relevência que garante o reconhecimento de<br />
temas com maior significado para crianças e jovens (Ibid, p. 4, grifos<br />
dos autores).<br />
Concluem o artigo destacando a participação democrática com o envolvimento<br />
de todos e no trato dos conteúdos, em que o conhecimento foi realizado,<br />
contextualizando “nossa socie<strong>da</strong>de contraditória, dinâmica e dialética” (Ibid, p. 5).<br />
Constata-se mais uma vez a importância atribuí<strong>da</strong> à formação para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia,<br />
quando, ao discutir as questões do primeiro módulo, revelam a necessi<strong>da</strong>de de situar o<br />
debate em relação a propostas que pretendem formar o “novo trabalhador” e aquelas<br />
que priorizam a “formação do ci<strong>da</strong>dão”. No caso específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, chama<br />
a atenção não só o fato <strong>da</strong> opção pelo Coletivo de Autores, mas também na escolha <strong>da</strong>s<br />
escolas onde a proposta seria efetiva<strong>da</strong>, que teve como critério o alto índice de evadidos<br />
e com problemas de conduta.<br />
No penúltimo artigo, os autores integram os grupos de pesquisa: Grupo de<br />
<strong>Educação</strong> Física Escolar e Grupo de Ginástica Geral <strong>da</strong> FEF/Unicamp. Possuem como<br />
objetivo “analisar a linguagem verbal do professor, mediando a ação dos alunos nas<br />
aulas de <strong>Educação</strong> Física, verificando como a linguagem (discurso verbal) desses<br />
professores contribui para mediar também as interações professor-aluno e aluno-aluno”<br />
(GALLARDO, et al., 2001, p. 1).<br />
Essa preocupação dos autores dá-se em função do descuido de muitos<br />
professores com sua linguagem, principalmente quando se compreende a linguagem<br />
como “instrumento maximizador do movimento como fator de ligação entre a<br />
aprendizagem e o movimento” (Ibid, p. 1).
225<br />
Fun<strong>da</strong>mentam a pesquisa em Piaget e Vygotsky 268 . Para analisar a fala do<br />
professor e a consequente movimentação dos alunos, utilizam o instrumento elaborado<br />
por Underwood 269 . Desse instrumento, trabalharam apenas três <strong>da</strong>s sete categorias<br />
propostas pelo autor. São elas:<br />
A categoria 1: (Fala do professor – Resposta) (...) Os principais<br />
comportamentos observados nesta categoria são: elogiar ou criticar<br />
comportamentos dos alunos; encorajar os alunos; criticar ou<br />
chamar atenção dos alunos após a manifestação de um<br />
comportamento deles; fazer uma retificação <strong>da</strong> aprendizagem;<br />
efetuar uma avaliação <strong>da</strong> aprendizagem. (...) categoria 2: Fala do<br />
professor – Iniciativa) (...) Os principais comportamentos referentes a<br />
esta categoria são: impor regras de conduta; impor procedimentos<br />
de trabalho e organização; expor, <strong>da</strong>r informações, propor<br />
perguntas sobre posições, exercícios, movimentos, testes, situações<br />
didáticas e padrões de performance. (...) categoria 7: (Movimento<br />
<strong>da</strong> classe – Resposta) (...) Os principais comportamentos dessa<br />
categoria são: execução dos exercícios propostos pelo professor;<br />
movimentos feitos pelos alunos durante o jogo; movimentos<br />
desenvolvidos pelos alunos ao carregar um material; movimentos<br />
que precedem uma formação (círculo, oval, semi – círculo, fileiras<br />
paralelas (Ibid, p. 2, grifos dos autores).<br />
Os autores apresentam algumas conclusões que passo a sintetizar. A primeira<br />
explicita qual é a forma de expressão do professor considera<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental ao processo<br />
comunicativo, comprovando que “as falas” maximizam as ações dos alunos; a segun<strong>da</strong>,<br />
que existe uma relação de autori<strong>da</strong>de e de poder. Os autores cometam: “os alunos<br />
movimentam-se conforme suas ordens [do professor] e com isso nota-se uma restrição<br />
sensível no número de movimentos realizados. Não entramos no mérito se a aula foi boa<br />
ou ruim por causa desse comportamento” (Ibid, p. 5). A terceira conclusão é que “as<br />
falas” dos professores possuem um padrão e são repetitivas; a quarta é que houve<br />
muitas ocorrências de categorias como:<br />
Fazer retificação <strong>da</strong> aprendizagem, criticar ou chamar atenção de um<br />
ou mais alunos após a manifestação de um comportamento deles,<br />
elogiar ou criticar comportamento dos alunos, impor regras de<br />
conduta, impor procedimentos de trabalho e organização, execução de<br />
exercícios propostos pelo professor (Idem, p. 4).<br />
268 PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho. Imagem e representação.<br />
Trad. de Álvaro Cabral e Cristiano Monteiro Oiticia, 2. ed. Zahar, RJ. 1975.<br />
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. Nova York. Wiley. 1962.<br />
269 UNDERWOOD, G. L. An ivestigacion into the teaching of a basktball lessin using intericon analysis<br />
teckniques. Pieron M. (ed) Towards a Science of Teaching Physical Education Teaching Analysis.<br />
Liége, AIESEP, vol.2. 1978.
226<br />
Por fim, manifestam que pretendem prosseguir na investigação, estu<strong>da</strong>ndo<br />
aspectos como “ameaças; prêmios; castigos; imitação; competição, entre outros” (Ibid,<br />
p. 7).<br />
O último artigo desse tema é resultado <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s em 1998 no<br />
projeto “Fazendo Escola”, na Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Seus autores<br />
apresentam como objetivo “discutir alternativas de entendimento para os principais<br />
fenômenos presentes na <strong>Educação</strong> Física Escolar no que tange à compreensão dos seus<br />
objetivos e conteúdos” (DIETTRICH et. al., 2001, p.1). Se preocupam especificamente<br />
em encontrar respostas para as questões relaciona<strong>da</strong>s com a “sistematização dos<br />
conteúdos” e os seus “encaminhamentos metodológicos”.<br />
As principais referências teóricas são Kunz, Saviani e Cheptulin 270 . Daí definem<br />
como conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física a “cultura do movimento humano”, partindo <strong>da</strong><br />
definição de cultura discuti<strong>da</strong> por Saviani como:<br />
O processo pelo qual o homem transforma a natureza, bem como os<br />
resultados desta transformação. No processo de autoproduzir-se, o<br />
homem produz, simultaneamente em ação recíproca, a cultura. Isto<br />
significa que não existe cultura sem homem, <strong>da</strong> mesma forma que não<br />
existe homem sem cultura (Ibid, p. 2, grifo dos autores).<br />
Procuram deixar clara a sua opção teórica pelo materialismo histórico,<br />
fun<strong>da</strong>mentado em Cheptulin, a partir do qual discutem o conhecimento e a organização<br />
<strong>da</strong>s aulas. Este autor postula que existe a reprodução infinita do ciclo de construção do<br />
conhecimento e <strong>da</strong> consciência nos seguintes termos:<br />
Estando ligado organicamente à ativi<strong>da</strong>de laboriosa dos homens e à<br />
prática, o conhecimento (...) funciona a partir <strong>da</strong> prática e desenvolvese<br />
<strong>da</strong> intuição viva ao pensamento abstrato, e do pensamento abstrato<br />
à prática, como critério de ver<strong>da</strong>de. Repetindo um número infinito de<br />
vezes o ciclo: intuição viva – pensamento abstrato – prática, o<br />
conhecimento desenvolve-se, descobre novos aspectos e ligações e,<br />
em um certo estágio de seu desenvlvimento, começa a captar e a<br />
distinguir as proprie<strong>da</strong>des e as ligações universais e a tomar<br />
consciência <strong>da</strong>s leis universais <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s formas<br />
universais do ser (CHEPTULIN apud DIETTICH et. al. , 2001, p. 2,<br />
grifos dos autores).<br />
270 Kunz, E. Op. Cit.<br />
SAVIANI, D. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.<br />
CHEPTULIN, A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
227<br />
Os autores justificam a perspectiva metodológica escolhi<strong>da</strong> por defenderem uma<br />
socie<strong>da</strong>de democrática e participativa tanto no que se refere à “produção” quanto à<br />
fruição” do produzido. Neste sentido, afirmam:<br />
Isto requer a clareza de que o conhecimento com o qual a escola<br />
trabalha: a) não é uma proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> do professor nem de<br />
ninguém, mas sim um produto que foi produzido por uma coletivi<strong>da</strong>de<br />
dentro <strong>da</strong>s relações de produção e dentro dos limites impostos pelo<br />
modo de produção (o Capitalismo); b) que por ser proprie<strong>da</strong>de de<br />
todos precisa ser socializado; e ain<strong>da</strong>, c) que o mediador entre este<br />
processo de produção/socialização é o Professor. Logo, se a estrutura<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista não permite socializar o que a<br />
humani<strong>da</strong>de produz na forma material, isso não ocorre (em<br />
partes) quando se menciona a produção “não material” (Marx,<br />
s/d), onde ain<strong>da</strong> há condições de se executar tal socialização.<br />
(DIETTRICH et. al., 2001, p. 3, grifo meu).<br />
Os pesquisadores, então, apresentam no texto os conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
para as séries iniciais, que são constituídos por “temas de movimento” e “jogos”.<br />
Aproveitando o tempo escolar, no primeiro semestre trabalham com os primeiros e no<br />
último semestre com os segundos. Ao mostrarem a forma de organizar esses conteúdos,<br />
realizam uma transposição <strong>da</strong>s afirmações de Cheptulin para as aulas, como, por<br />
exemplo, através <strong>da</strong> seguinte assertiva: “A participação do aluno na construção e<br />
reconstrução de jogos e brincadeiras simples, nos quais possa ser trabalhado o que os<br />
alunos já aprenderam, tendo a partir <strong>da</strong>í a compreensão do seu mundo de relações”<br />
(Ibid, p. 4). E complementam:<br />
Pode-se observar a lei do movimento do conhecimento de uma<br />
categoria a outra no desenvolvimento dos conhecimentos científicos.<br />
Pelo fato de que as categorias são graus do desenvolvimento do<br />
conhecimento social, o movimento de umas às outras deve<br />
necessariamente surgir em qualquer domínio do saber (CHEPTULIN<br />
apud DIETRICHT et al, 2001, p. 4).<br />
Para os autores, os “temas de movimento” são as formas mais varia<strong>da</strong>s possíveis<br />
de “correr, lançar, rolamento, para<strong>da</strong> de mão, saltos (distância e altura), rebater, chutar”<br />
(DIETRICHT et. al., 2001,p. 5). No segundo semestre, trabalham-se com os jogos<br />
“voleibol com bola gigante, bate-ombro, caçador, futebol, e outros similares” (IbIdem,<br />
p. 5), relacionando-os com os “temas de movimento”.<br />
Os autores ain<strong>da</strong> asseveram que seguindo esses passos os alunos <strong>da</strong>s séries<br />
iniciais do Ensino Fun<strong>da</strong>mental irão aprender os sentidos/significados dos jogos,<br />
compreendendo que eles são construídos culturalmente.
228<br />
A leitura desse artigo remete a muitas questões importantes e controversas, <strong>da</strong>s<br />
quais ressalto algumas. A primeira diz respeito aos conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física que<br />
nas séries iniciais ficam reduzidos ao que os autores chamam de “temas de movimento”<br />
e “jogos”, desconsiderando to<strong>da</strong>s as outras formas de “movimento corporal” 271 . Ain<strong>da</strong><br />
sobre o conteúdo, os autores sempre tratam <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ampliação do<br />
conhecimento, mas essa ampliação fica restrita aos movimentos em si e, no máximo, na<br />
relação entre temas de movimento de jogos.<br />
Outra questão se refere à afirmação de terem como pressuposto teórico-<br />
metodológico o materialismo histórico, porém a adoção do conceito “cultura de<br />
movimento”. O tratamento <strong>da</strong>do ao conteúdo mais se aproxima <strong>da</strong> concepção crítico-<br />
emancipatória de Kunz, cujo fun<strong>da</strong>mento é a Teoria Comunicativa de Habermas.<br />
Outro ponto seria a apropriação de Cheptulin com o seu ciclo de construção do<br />
conhecimento e <strong>da</strong> consciência, formulado de forma equivoca<strong>da</strong>. No materialismo<br />
histórico (levando-se em consideração o autor matricial), não se parte <strong>da</strong> intuição viva<br />
(sujeito), mas do empírico (objeto) e o ponto de chega<strong>da</strong> é o concreto. Os autores, ao<br />
tomarem as definições de Cheptulin, além de as transplantarem diretamente para as<br />
aulas, resumem a “prática” (ponto de chega<strong>da</strong>) à execução de suas aulas.<br />
Por fim, a apropriação <strong>da</strong> ideia de Saviani segundo a qual existe uma produção<br />
“não-material” conduz os autores a preconizar a socialização dessa produção por meio<br />
<strong>da</strong> escola.<br />
No que tange ao tema “conhecimento específico”, foi apresentado um grande<br />
número de artigos, totalizando sete, mantendo-se praticamente igual ao evento anterior.<br />
O autor do primeiro artigo coordena o Grupo de Estudos sobre o Esporte Escolar<br />
<strong>da</strong> FEF/UFG (Facul<strong>da</strong>de de <strong>Educação</strong> Física/Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás) e<br />
apresenta “algumas considerações sobre a adoção do treinamento desportivo<br />
especializado no ambiente escolar como alternativa de trabalho, por parte dos<br />
professores de educação física” (GUIMARÃES, 2001, p. 1). Suas considerações<br />
representam o posicionamento do seu grupo a partir <strong>da</strong>s observações no ano de 2000, do<br />
“planejamento, execução e avaliação dos Jogos Estu<strong>da</strong>ntis do Estado de Goiás, através<br />
de parceria estabeleci<strong>da</strong> com o Programa Educacional <strong>da</strong> Secretaria Estadual de<br />
<strong>Educação</strong> (Ibid, p. 1).<br />
271 A forma como tratam dessa questão remete à Abor<strong>da</strong>gem desenvolvimentista <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física.
229<br />
O fato que originou as preocupações do grupo é o projeto <strong>da</strong> Secretaria de<br />
<strong>Educação</strong> Estadual de Goiás – PrDE – Programa de Desporto Educacional, que permite<br />
aos professores de <strong>Educação</strong> Física, através de projeto específico, completar a sua carga<br />
horária com treinamento esportivo.<br />
Os pesquisadores discutem a legali<strong>da</strong>de e a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> questão. Para tanto,<br />
utilizam como referências Vago, Bracht, Rodrigues et. al. 272 , entre outros. Fazem uma<br />
retrospectiva histórica e legal a respeito do esporte na escola, culminando com a<br />
LDBEN/96 e os PCNs/98. Isso porque, na primeira, a <strong>Educação</strong> Física se torna<br />
componente curricular obrigatório na <strong>Educação</strong> Básica e facultativa no ensino noturno e<br />
superior; no segundo, destacam “o universo de conhecimentos/conteúdos a serem<br />
tematizados pela área de educação física (elementos <strong>da</strong> cultura corporal de movimento)<br />
deveriam obedecer princípios como critici<strong>da</strong>de, a participação, a cooperação, a inclusão<br />
e a educação para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia” (Ibid, p. 2).<br />
Afirmam ser um problema a falta de “capaci<strong>da</strong>de/qualificação” dos professores<br />
para construírem os projetos específicos para os treinamentos desportivos. Mais do que<br />
isso, os pesquisadores descobriram que a maior dificul<strong>da</strong>de está na falta de<br />
compreensão dos professores a respeito <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong> Física.<br />
Para esses professores, essa disciplina é supri<strong>da</strong> com os treinamentos. Segundo os<br />
autores, os dois problemas não tiveram solução satisfatória.<br />
Quanto à legali<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de, os pesquisadores chegam à conclusão de que<br />
o projeto tem amparo legal e que também possui legitimi<strong>da</strong>de, mesmo indo na “contra-<br />
mão” <strong>da</strong>s discussões, pois tem a aceitação dos professores, que ca<strong>da</strong> vez mais<br />
participam <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des esportivas. Alertam, então, para a importância de se continuar<br />
com a reflexão e somente depois desta realizar ações que intervenham na prática do<br />
professor e no cotidiano <strong>da</strong> escola. Nesse âmbito, é necessário:<br />
Uma reflexão que possibilite a compreensão do treinamento<br />
desportivo escolar como uma ativi<strong>da</strong>de extra-curricular e distinta <strong>da</strong><br />
educação física escolar e que passe, como condição sine qua non, pela<br />
compreensão do esporte escolar enquanto uma <strong>da</strong>s manifestações do<br />
fenômeno esportivo e enquanto um dos elementos <strong>da</strong> cultura corporal<br />
de movimento de que é dotado todo ser humano. Tal reflexão deve ser<br />
272 VAGO, T. M. Das escrituras à escola pública: a educação física nas séries iniciais do 1 o . grau.<br />
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Facul<strong>da</strong>de de <strong>Educação</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Minas<br />
Gerais, 1993.<br />
BRACHT, V. A constituição <strong>da</strong>s teorias pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong> educação física. Cadernos Cedes, ano XIX, n.<br />
48, agosto, Campinas, p. 69-88, 1999.<br />
RODRIGUES, A. T. et al. Da improprie<strong>da</strong>de de substituir a educação física <strong>da</strong> escola por ativi<strong>da</strong>des<br />
físicas e/ou esportivas realizados em academias, clubes, escolinhas. Pensar a Prática, Goiânia:<br />
FEF/UFG. v.3, p.127-132, 1999/2000.
230<br />
capaz, também, de possibilitar aos professores de educação física a<br />
compreensão de seu papel no contexto dos mecanismos de<br />
legitimação (ou não!) dos eventos esportivos escolares (Ibid, p. 3).<br />
O artigo revela a falta de compreensão e legitimação não do treinamento, mas <strong>da</strong><br />
disciplina <strong>Educação</strong> Física, mesmo tendo sua obrigatorie<strong>da</strong>de garanti<strong>da</strong> legalmente.<br />
No segundo artigo, o autor propõe as seguintes questões de pesquisa: “Como os<br />
professores apresentam a inclusão <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de na sua prática pe<strong>da</strong>gógica? Quais as<br />
perspectivas aponta<strong>da</strong>s pelos professores para a construção do saber docente na área de<br />
<strong>Educação</strong> Física que valorize a dimensão <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de? (PIRES, 2001, p. 1).<br />
Pires tem como princípio que a educação não pode mais se vincular apenas à<br />
transmissão de conhecimentos e ao racionalismo que prevalece no mundo atual. Propõe<br />
a busca <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de em uma perspectiva educacional em que a corporei<strong>da</strong>de seja o<br />
eixo norteador.<br />
Sua referência teórica é Assmann 273 e também autores relacionados à<br />
fenomenologia como Santin, Moreira, Manuel Sérgio, Merleau-Ponty 274 , e outros.<br />
Demonstra ain<strong>da</strong> um profundo encanto com a descoberta de Schiller 275 (1759-1805),<br />
por este ser “o principal expoente teórico que percebeu na educação estética uma<br />
alternativa não revolucionária para a transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de” (Ibid, p. 3). Quanto<br />
aos outros autores citados, enaltece o fato de discutirem a corporei<strong>da</strong>de e colocá-la<br />
como algo fun<strong>da</strong>mental para a formação do ser e também por estabelecerem discussões<br />
sobre a sensibili<strong>da</strong>de e o corpo, possibilitando a emergência <strong>da</strong> razão sensível que<br />
não é nenhuma novi<strong>da</strong>de para os que acompanham o que já estava<br />
presente no sensualismo, no romantismo, no empirismo, ou em<br />
Nietzsche, Merleau-Ponty e Foucault, que tomam o corpo como<br />
objeto de suas reflexões em seus escritos. Convergem nesse<br />
entendendimento os defensores <strong>da</strong> “Inteligência Emocional”, “Das<br />
Inteligências Múltiplas”, Da Razão sensível” ou <strong>da</strong>s diferentes razões<br />
que se constitui o ser humano e que também podem ser representa<strong>da</strong>s<br />
numa única razão dentro de uma concepção de totali<strong>da</strong>de, na qual o<br />
sensível e o inteligível estão presentes (Ibid, 3).<br />
273 ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à socie<strong>da</strong>de aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.<br />
274 SANTIN, S. <strong>Educação</strong> física: uma abor<strong>da</strong>gem filosófica <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de. Ijuí: Unijuí, 1987.<br />
MOREIRA, W. W. <strong>Educação</strong> física escolar: uma abor<strong>da</strong>gem fenomenológica. 2. ed. Campinas:<br />
Unicamp, 1992.<br />
VIEIRA E CUNHA, M.S. Motrici<strong>da</strong>de humana, um paradigma emergente. Blumenau: Furb, 1995.<br />
MERLEAU-Ponty, M. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />
275 SHILLER, F. Cartas sobre a educação estética <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Tradução e notas de Anatol<br />
Rosenfild. São Paulo: EPU, 1991.
231<br />
Na <strong>Educação</strong> Física, discute a importância <strong>da</strong> presença <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
sensibili<strong>da</strong>de, e para responder às questões apresenta<strong>da</strong>s o autor acompanha os<br />
professores do Curso de Especialização em <strong>Educação</strong> Física Infantil e apresenta as<br />
conclusões aponta<strong>da</strong>s a seguir.<br />
Os professores buscam o curso para o aprofun<strong>da</strong>mento de seus conhecimentos.<br />
No início, suas “narrativas” sobre a formação inicial mostravam que a sensibili<strong>da</strong>de não<br />
estava presente e havia a “prática esportiva e o desenvolvimento de habili<strong>da</strong>des<br />
motoras, desenvolvi<strong>da</strong> de forma tecnicista, desprovi<strong>da</strong> de reflexões e autocrítica,<br />
elementos motivadores e recriadores <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica” (Ibid, p. 4). Essa concepção<br />
foi mu<strong>da</strong><strong>da</strong> com o enfoque do curso de especialização, na Ciência <strong>da</strong> Motrici<strong>da</strong>de<br />
Humana de Manuel Sérgio Vieira e Cunha (1995).<br />
O autor cita depoimentos dos professores que apontam nessa direção e ain<strong>da</strong> os<br />
conteúdos utilizados, argumentando que:<br />
Destaca-se, em to<strong>da</strong>s as narrativas, a importância e o espaço que a<br />
sensibili<strong>da</strong>de tem no âmbito <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica dos professores.<br />
Nesse sentido, as justificativas partem <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se considerar<br />
o desenvolvimento <strong>da</strong> criança, pelas possibili<strong>da</strong>des de compreensão,<br />
cooperação, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e fraterni<strong>da</strong>de que a sensibili<strong>da</strong>de<br />
representa, e, ain<strong>da</strong>, pelas experiências significativas desperta<strong>da</strong>s pela<br />
sensibili<strong>da</strong>de para a formação de seres humanos críticos, criativos e<br />
equilibrados (razão e emoção, natureza e cultura...) (Ibid, p.5).<br />
E conclui, pontuando que a humani<strong>da</strong>de não pode mais se desenvolver apenas<br />
pela via <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, é preciso realçar as outras dimensões. Reafirma o corpo ou a<br />
corporei<strong>da</strong>de como o lugar do sensível.<br />
No terceiro artigo, embora não apareça de forma explícita, a pesquisa parece<br />
resultar de uma dissertação de mestrado apresenta<strong>da</strong> na FAE/UFMG (Facul<strong>da</strong>de de<br />
<strong>Educação</strong>/Universi<strong>da</strong>de Federal de Minas Gerias). A autora tem como objetivo<br />
“compreender a produção de usos e significados do esporte na escola” (FARIA, 2001,<br />
p.3).<br />
Para responder ao objetivo proposto, ela analisa o cotidiano de duas escolas<br />
públicas de Belo Horizonte que trabalham na perspectiva <strong>da</strong> “Escola Plural”. Procurou<br />
entrevistar alunos e professores e observar sua prática e o “discurso dos atores” nas<br />
aulas de <strong>Educação</strong> Física, no horário de entra<strong>da</strong> e saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> escola e no horário do<br />
recreio.
232<br />
Fun<strong>da</strong>menta-se em autores como Linhales, Bracht, Chervel, Vago, Chauí 276 .<br />
Desses autores, extrai alguns apontamentos sobre os esportes, destacando sua<br />
hegemonia em relação a outras ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> “cultura corporal de movimento” e suas<br />
características, como o fato de reproduzir normas e valores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de moderna, além<br />
de ain<strong>da</strong> ampliar determinado consumo de bens e serviços.<br />
Discute uma certa autonomia do esporte denomina<strong>da</strong> “cultura esportiva” e a<br />
influência <strong>da</strong>s análises de cunho marxista que indicam no esporte valores <strong>da</strong> classe<br />
dominante.<br />
A autora discute, também, a escola não apenas como local de reprodução social,<br />
mas o local de contradições que cria novos significados culturais. Compreende cultura<br />
no sentido de que “to<strong>da</strong> cultura requer uma ativi<strong>da</strong>de, um modo de apropriação, uma<br />
adoção e uma transformação pessoais, um intercâmbio instaurado em um grupo social”<br />
(Ibid, p. 3). Por isso, justifica a importância de buscar a prática cotidiana do esporte na<br />
escola.<br />
E após descrever como acontece essa prática e levantar algumas questões, como,<br />
por exemplo, a predominância do futebol, a pesquisadora conclui que não é possível<br />
afirmar a hegemonia do esporte na escola, pois não há “o ‘esporte escolar’, mas sim<br />
‘esportes escolares’ (práticas plurais), ou seja, várias maneiras de praticar esporte são<br />
constituí<strong>da</strong>s na particulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> escola, apesar de traços, influências, usos e<br />
significações comuns aos diferentes estabelecimentos de ensino” (Ibid, p. 8). Assinala<br />
também que nas aulas os alunos são os “atores” que tomam to<strong>da</strong>s as decisões e fazem o<br />
mesmo que nos outros tempos escolares, ou seja,<br />
formas de seleção de grupos, exaltam o direito dos mais habilidosos,<br />
premiam os “vencedores” e punem os “perdedores” com a exclusão<br />
dos jogos, produzem competição e rivali<strong>da</strong>de, fazem <strong>da</strong>s regras uma<br />
“lei” a ser segui<strong>da</strong>, produzem hierarquia nas relações de gênero. (...)<br />
Para além dos aspectos de regulação, aula de <strong>Educação</strong> Física é um<br />
espaço de acesso aos esportes, visto que as políticas implementa<strong>da</strong>s<br />
nesse setor não os têm privilegiado como direito social (...) a ausência<br />
de intervenções docentes [nas aulas] mostrou-se como um dificultador<br />
(...) Nas escolas pesquisa<strong>da</strong>s, as práticas de esporte não eram<br />
276 LINHALES, M. A. A trajetória do esporte no Brasil: interesses envolvidos, setores excluídos.<br />
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1996.<br />
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES, 1997.<br />
CHERVEL, A. História <strong>da</strong>s disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e<br />
<strong>Educação</strong>. Porto Alegre, n. 2, p.177-229, 1990.<br />
VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação phisica e gymnastica como práticas<br />
constitutivas dos corpos de crianças no ensino público de Belo Horizonte (1897-1920). Tese (Doutorado)<br />
São Paulo: USP, Facul<strong>da</strong>de de <strong>Educação</strong>, 1999.<br />
CHAUÍ, M. Conformismo e resistência: aspectos <strong>da</strong> cultura popular no Brasil. 6. ed. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1996.
233<br />
assimila<strong>da</strong>s pelos atores como simulacro de dominação, alienação e<br />
passivi<strong>da</strong>de. (...) Ca<strong>da</strong> escola, portanto, numa mescla de reprodução,<br />
apropriação e produção, é capaz de produzir significados que<br />
tensionam padrões culturais, os modelos esportivos (Ibid, p. 8-9).<br />
O próximo artigo é fruto de pesquisa institucional <strong>da</strong> Unesp e do SESI de Rio<br />
Claro e <strong>da</strong>s Facul<strong>da</strong>des Integra<strong>da</strong>s de Ribeirão Pires. Seus autores possuem como<br />
objetivo “verificar como se processa o que seria uma ramificação <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />
voleibol, especificamente aquele jogado na rua, mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de esta que se tornou mais<br />
evidente com o advento <strong>da</strong>s conquistas do selecionado brasileiro a partir do final <strong>da</strong><br />
déca<strong>da</strong> de 80” (Oliveira e Galdino, 2001, p. 1). Utilizam como referência teórica<br />
Huizinga, Paes, Piccolo, Dencker 277 e outros.<br />
Os autores compreendem que o que separa o “jogo” do esporte é a liber<strong>da</strong>de e a<br />
ludici<strong>da</strong>de e afirmam, fun<strong>da</strong>mentados em Huizinga, que o homem, antes de se tornar<br />
“faber” ou “sapiens” era “ludens”. Assim, argumentam que “talvez o lúdico <strong>da</strong>s ruas e o<br />
direcionamento pe<strong>da</strong>gógico do que contém o desporto coletivo possam orientar alguns<br />
caminhos ain<strong>da</strong> inexplorados pela pe<strong>da</strong>gogia esportiva” (Ibid, p. 1).<br />
Formulam duas questões que pretendem responder: “Por que a rua tornou-se um<br />
bom lugar para se jogar voleibol? Será este um refúgio dos excluídos de nossas aulas?<br />
Eles sentem-se melhor na rua ou na escola para a prática do voleibol?” (Ibid, p. 1). Para<br />
responder às questões, os pesquisadores aplicaram um questionário para crianças entre<br />
11 e 14 anos que praticavam o voleibol de rua. Os autores mostraram no artigo, através<br />
de vários gráficos percentuais, os resultados <strong>da</strong> pesquisa.<br />
O interessante é que os <strong>da</strong>dos revelam que as crianças, em sua maioria<br />
responderam que gostam mais de jogar na rua porque é divertido 278 . Mas a pesquisa<br />
também mostra que a maioria joga com bola oficial, aprendeu a jogar na escola,<br />
preferem jogar na escola porque aprendem mais. Embora a descrição dos pesquisadores<br />
e os gráficos indiquem isto, eles concluem que:<br />
As informações coleta<strong>da</strong>s neste estudo demonstram que muitos jovens<br />
preferem jogar voleibol na rua pois desta forma o que está em jogo<br />
não é o “jogar melhor” e sim “o prazer que o jogar proporciona” (...)<br />
Não se sabe ao certo como efetivamente a aprendizagem do voleibol<br />
277 HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Plexus, 1994.<br />
PAES, R. R. A aprendizagem e competição precoce: O caso do basquetebol. Campinas: Ed. Unicamp,<br />
1992.<br />
PICCOLO, V. L. (Org.). Pe<strong>da</strong>gogia dos Esportes. Campinas: Papirus, 1999.<br />
DENCKER, A. de F. M. Pesquisa empírica em ciências humanas. São Paulo: Futura, 2001.<br />
278 Algumas crianças responderam que aprendem voleibol jogando neste espaço e que para isto é preciso<br />
sempre improvisar.
234<br />
ocorre na rua pois todos os entrevistados freqüentavam as aulas de<br />
<strong>Educação</strong> Física o que não descarta a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aprendizagem<br />
ter ocorrido naquele local (Ibid, p. 9).<br />
O quarto artigo é resultado de uma monografia de especialização em <strong>Educação</strong><br />
Física Escolar <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Pelotas. Sua autora é professora <strong>da</strong> rede<br />
municipal de ensino de Porto Alegre – Escola Ci<strong>da</strong>dã, e por ter uma grande<br />
preocupação com a infância e com o brincar, tem como objetivo “abor<strong>da</strong>r a brincadeira<br />
através de alguns elementos sócio-históricos, analisando mais especificamente sua<br />
presença na escola” (PETERSON, 2001, p. 1). Para concretizar esse objetivo, a autora<br />
se fun<strong>da</strong>menta principalmente em Santin, seguido de Benjamin, Enguita 279 e outros. Sua<br />
base empírica é a escola onde trabalha com alunos em i<strong>da</strong>de pré-escolar.<br />
A pesquisadora tem como ponto de parti<strong>da</strong> suas “memórias de infância” e as<br />
descreve concluindo que: “Revisitando minha infância, pude perceber o corte entre as<br />
minhas experiências e aquelas que estão sendo vivi<strong>da</strong>s pela infância que está constituí<strong>da</strong><br />
e constituindo-se atualmente” (Ibid, p. 3).<br />
A pesquisadora também afirma ser o brincar uma “ativi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> nossa<br />
humani<strong>da</strong>de, quase como uma segun<strong>da</strong> natureza” (Ibid, p. 1). Como professora de<br />
<strong>Educação</strong> Física, compreende essa disciplina como um componente curricular que<br />
“trabalha o corpo e o movimento” e que a brincadeira é fun<strong>da</strong>mental nas séries iniciais.<br />
A partir dessas considerações, tece críticas ao primado <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de utilizando-se <strong>da</strong><br />
seguinte passagem de Santin: “desde que a racionali<strong>da</strong>de tornou-se a única maneira<br />
respeita<strong>da</strong> <strong>da</strong>s manifestações do homem, o brinquedo foi banido para os espaços<br />
periféricos <strong>da</strong> existência humana” (apud PETERSON, 2001, p. 2).<br />
A autora faz uma breve apresentação histórica sobre a sua concepção de<br />
infância, sobre sua concepção de escola basea<strong>da</strong> em Benjamin e Enguita,<br />
respectivamente, e depois relata as suas experiências e observações referentes ao brincar<br />
na escola e em especial no horário do recreio, expondo que:<br />
Falar sobre a brincadeira na escola remete necessariamente à uma<br />
reflexão sobre os corpos que vivem e convivem nesse espaço. Corpos<br />
brincantes que desde muito cedo são obrigados a horas e horas de<br />
estudo, muitas vezes de uma forma não tão agradável assim. Corpos<br />
submetidos a horas a fio sentados e imobilizados em suas classes.<br />
Corpos que esperam o recreio e as aulas de <strong>Educação</strong> Física com uma<br />
279<br />
SANTIN, S. <strong>Educação</strong> Física: <strong>da</strong> alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto Alegre:<br />
EST/ESEF, 1994.<br />
BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. 5. ed. São Paulo: Summus, 1984.<br />
ENGUITA, M. A face oculta <strong>da</strong> escola. Porto Alegra: Artes Médicas, 1992.
complementa:<br />
235<br />
ansie<strong>da</strong>de quase que incontrolável. Isso de fato! Corpos que emanam<br />
uma agitação inversamente proporcional à vontade do professor, que é<br />
a de corpos silenciosos e prestativos. Corpos dóceis! (Ibid, p. 6).<br />
E conclui que a criança brinca “porque sim”, não tem motivo específico e<br />
A brincadeira está presente nas aulas de <strong>Educação</strong> Física, seja<br />
utiliza<strong>da</strong> com outros fins que não o próprio brincar, seja como um<br />
espaço de livre expressão <strong>da</strong> ludici<strong>da</strong>de. (...) Para mim, a riqueza de<br />
experiências propicia<strong>da</strong>s durantes as ativi<strong>da</strong>des lúdicas é muito maior,<br />
está relaciona<strong>da</strong> com o desenvolvimento do ser humano enquanto ser<br />
humano, em relação com outros seres humanos. O que passa inclusive<br />
pelo desenvolvimento corporal, se é que podemos desmembrar assim<br />
as pessoas. (...) Ao professor cabe a sensibili<strong>da</strong>de de criar espaços<br />
onde essa postura de vi<strong>da</strong> possa ser estimula<strong>da</strong> e desenvolvi<strong>da</strong>, e não<br />
posta de lado e substituí<strong>da</strong> por outros valores (Ibid, p. 8).<br />
A sexta pesquisa sobre o tema “conhecimento específico” foi realiza<strong>da</strong> no curso<br />
de mestrado na CDS/UFSC, e o autor tem como objetivo “analisar a cultura corporal<br />
dos alunos nas aulas de <strong>Educação</strong> Física, o esporte na escola, e sua influência nos<br />
modos de ocupação do espaço físico <strong>da</strong> escola” (Perim, 2001, p. 1). Apresenta, também,<br />
as seguintes questões: “Como a constituição do espaço físico valoriza a cultura corporal<br />
dos alunos? E ain<strong>da</strong>, como o esporte normatizado, com seu espaço físico consagrado na<br />
escola, influencia o conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física?” (Ibid, p. 1).<br />
O pesquisador realiza a pesquisa qualitativa do “tipo etnográfica”, cuja forma é o<br />
estudo de caso. Fun<strong>da</strong>menta-se em autores como Daolio, Betti, Bracht, Vago, Kunz,<br />
Santos 280 , entre outros. Realiza a pesquisa em uma escola pública, com um espaço físico<br />
privilegiado, em um bairro <strong>da</strong> periferia de Santa Maria, RS. Faz uma descrição <strong>da</strong><br />
escola, dos professores, dos alunos e <strong>da</strong> carga horária <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong> Física.<br />
Faz uma apresentação <strong>da</strong> discussão sobre “cultura corporal”, “esporte” e o<br />
“espaço escolar”. Discute também algumas questões como a influência <strong>da</strong> mídia na<br />
cultura física <strong>da</strong>s crianças e que nela to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de corporal é denomina<strong>da</strong> esporte;<br />
considera que a <strong>Educação</strong> Física tem se legitimado na escola pelo esporte e que este<br />
280 DAOLIO, J. Op. Cit.<br />
BETTI, M. <strong>Educação</strong> Física e socie<strong>da</strong>de. São Paulo: Movimento, 1991.<br />
BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.<br />
VAGO, T. M. O “esporte na escola” e o “esporte <strong>da</strong> escola”. CARVALHO, S. (Org.). Comunicação,<br />
movimento e mídia na <strong>Educação</strong> Física – Caderno I. Santa Maria: CEFD/UFSM, 1993.<br />
KUNZ, E. Op. Cit.<br />
SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: HUCITEC, 1982.
eproduz códigos e sentidos <strong>da</strong> instituição esportiva, tornando-se “instrumento de<br />
legitimação do sistema capitalista de produção” (Ibid, p. 5).<br />
236<br />
Revela que para a organização dos espaços físicos na escola não se considera a<br />
cultura corporal do aluno, mas sim o esporte, e que este determina o “modo de agir de<br />
seus atores”. Então, discute que a <strong>Educação</strong> Física deve construir sua autonomia e junto<br />
com a escola construir a cultura escolar, assim, “a escola pode ser reconheci<strong>da</strong> como um<br />
local de produção de cultura. Para a <strong>Educação</strong> Física Escolar é a possibili<strong>da</strong>de de<br />
construção de novos modos de apropriação do esporte” (Ibid, p. 5).<br />
O autor, ao mesmo tempo em que deseja a “cultura corporal dos alunos” na<br />
escola, vive a seguinte contradição:<br />
Somente a apropriação de determinado conteúdo, em função deste ser<br />
praticado pelos alunos, não basta para assegurar que o mesmo assuma<br />
códigos e valores próprios <strong>da</strong> cultura escolar, visto que, são os alunos<br />
que são influenciados pelo conteúdo escolar, reproduzindo os códigos<br />
do “esporte instituição” no seu cotidiano, contaminando, desse modo,<br />
a cultura <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de onde vive (Ibid, p. 7).<br />
Enfim, o autor do artigo busca uma legitimi<strong>da</strong>de para a <strong>Educação</strong> Física na<br />
escola que não seja <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo esporte. Além disso, almeja a sua autonomia e a <strong>da</strong><br />
escola, para terem uma cultura própria e que esta intervenha na “cultura esportiva”.<br />
É possível constatar que o autor trabalha em uma perspectiva dicotômica entre a<br />
escola e a socie<strong>da</strong>de ou, pelo menos, na tentativa dessa separação. Uma questão que<br />
chama a atenção é que o autor transcreve frases dos alunos como esta: “É, jogamos<br />
bola, né, só. Porque o professor chega, só larga a bola prá nós e nós jogamos só.” (Ibid,<br />
p. 4). Utiliza essas frases para mostrar a hegemonia do esporte na escola e não faz<br />
nenhuma menção ao fato revelado de que o professor não dá aula, apenas “ larga a bola<br />
pra nós e nós jogamos só”.<br />
No sétimo artigo, a autora apresenta uma síntese <strong>da</strong> sua dissertação de mestrado<br />
defendi<strong>da</strong> na UFPE (Universi<strong>da</strong>de Federal de Pernambuco), que tem como objetivo<br />
contribuir nas discussões acerca de problemáticas significativas <strong>da</strong><br />
prática pe<strong>da</strong>gógica, entre as quais destaca-se a questão do<br />
conhecimento no currículo escolar, apresentando como objeto de<br />
estudo o trato com o conhecimento Dança, em aulas de <strong>Educação</strong><br />
Física, a partir de práticas pe<strong>da</strong>gógicas na Teoria Crítica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
(BRASILEIRO, 2001, p. 1).
237<br />
Para responder a esse objetivo, a autora faz uma pesquisa de abor<strong>da</strong>gem<br />
qualitativa, a pesquisa-ação, em quatro turmas de Ensino Fun<strong>da</strong>mental e Médio de uma<br />
escola pública de Pernambuco.<br />
Explica, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em Sader & Gentili 281 , que a escola está pauta<strong>da</strong> por<br />
políticas públicas sob a hegemonia neoliberal. Aponta como referências na educação a<br />
Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica de Saviani e as discussões de Freitas 282 sobre a organização<br />
do trabalho pe<strong>da</strong>gógico. Faz uma discussão relativa ao currículo a partir de Forquin,<br />
Silva e Moreira 283 , se posicionando na perspectiva <strong>da</strong> teoria crítica do currículo.<br />
Em relação à <strong>Educação</strong> Física, afirma que esta tem se justificado na escola por<br />
vários motivos que não o seu conteúdo específico. Indica como obra principal o<br />
Coletivo de Autores, que para a autora é a expressão <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica na<br />
<strong>Educação</strong> Física. Assevera que não houve, após o livro do Coletivo de Autores, uma<br />
sistematização do conteúdo, embora haja algumas tentativas, como no Estado de<br />
Pernambuco, locus de sua pesquisa. Propõe, então, contribuir para essa sistematização,<br />
discutindo o conteúdo <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça.<br />
Neste sentido, expõe que a <strong>da</strong>nça normalmente não faz parte do currículo escolar<br />
e que, além disso, há uma discussão sobre qual profissional deveria <strong>da</strong>r conta desse<br />
conteúdo na escola, ou seja, se o professor de <strong>Educação</strong> Física ou o profissional <strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>nça. No entanto, sua preocupação é com a formação profissional. Desse modo,<br />
considera importante “discutir sobre as possibili<strong>da</strong>des, já historicamente em construção,<br />
de qualificação profissional” (Ibid, p. 4). Sobre a <strong>da</strong>nça, afirma:<br />
No contexto <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça temos os elementos históricos, culturais e<br />
sociais <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, tais como, o trato com a história, música, estética,<br />
apreciação e crítica etc. A <strong>da</strong>nça é entendi<strong>da</strong>, na proposta <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física em Pernambuco, como uma <strong>da</strong>s formas de linguagem do<br />
homem, expressiva e representativa de diversos aspectos de sua vi<strong>da</strong>,<br />
privilegiando de seus momentos festivos. (...) Nas poucas experiências<br />
relata<strong>da</strong>s de aulas de <strong>Educação</strong> Física, vemos o privilégio do universo<br />
popular, caracterizado como resgate cultural. Reconhecemos a<br />
importância de repertórios <strong>da</strong> cultura local, porém faz-se necessário<br />
281<br />
SADER, E. & GENTILI, P. (Org.) Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia?<br />
Petrópolis: Vozes, 1999.<br />
282<br />
SAVIANI, D. Op. Cit.<br />
FREITAS, L. C. Crítica <strong>da</strong> organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico e <strong>da</strong> didática. Campinas: Papirus,<br />
1995.<br />
283<br />
FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto<br />
Alegre: Artes Médicas, 1993.<br />
SILVA, T. T. <strong>da</strong>. Documentos de identi<strong>da</strong>de: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:<br />
Autêntica, 1999.<br />
MOREIRA, A. F. A crise <strong>da</strong> teoria curricular crítica. Cadernos de <strong>Educação</strong>. Pelotas: FaE/UFPel, ano 6,<br />
n.8, jan/jun, p.49-73, 1997.
238<br />
conhecer/explorar as referências acerca <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça e seus diferentes<br />
repertórios bem como as possibili<strong>da</strong>des de improvisação e<br />
(re)construção coreográfica (Ibid, p. 5).<br />
Depois de relatar como foram os trabalhos na escola, conclui que ao ter um<br />
projeto histórico socialista, compreende a escola como um espaço de luta que possui<br />
como função primeira a “aquisição/sistematização/produção do conhecimento” (Ibid, p.<br />
8) e que essa função deve ser recupera<strong>da</strong> e garanti<strong>da</strong>. Compreende, também, que as<br />
discussões sobre as Teorias Críticas estão inacaba<strong>da</strong>s.<br />
Na <strong>Educação</strong> Física, aponta que esta continua a reforçar “práticas pe<strong>da</strong>gógicas<br />
assistemáticas” e que “apesar <strong>da</strong> ampliação <strong>da</strong> referências, é evidenciado um fosso entre<br />
o que diz a teoria e a reali<strong>da</strong>de prática <strong>da</strong>s aulas” (Ibid, p. 8).<br />
A partir <strong>da</strong> experiência de sua pesquisa, a autora indica possibili<strong>da</strong>des concretas<br />
sobre o trato do conhecimento sintetizando-as <strong>da</strong> seguinte forma:<br />
Planejamento participativo; problematização; recuperação do acervo<br />
dos alunos; pesquisa escolar; produção coletiva para a sistematização<br />
<strong>da</strong>s aulas; avaliação sistemática interativa. Os limites: relações de<br />
poder; questões de comportamento e relação interpessoal; contexto<br />
escolar e suas interferências na aula; sendo destacado na avaliação<br />
amplia<strong>da</strong> a superação dos limites, frente à discussão sistemática por<br />
alunos e professora (Ibid, p. 8).<br />
Enfim, pontua que a <strong>da</strong>nça “é uma produção do homem em suas relações com o<br />
mundo e que explicita diferentes relações na sua constituição” (Ibid, p. 9). Apresenta<br />
como referência importante para a discussão<br />
Vasquez 284 , quando discute sobre a Estética, sendo essa “a ciência de<br />
um modo específico de apropriação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, vinculado a outros<br />
modos de apropriação humana do mundo e com as condições<br />
históricas, sociais e culturais em que ocorre” (1999, p. 47) (Ibid, p. 9,<br />
grifo <strong>da</strong> autora).<br />
No último artigo, que trata <strong>da</strong> temática “conhecimento específico”, a<br />
pesquisadora se propõe a responder às questões:<br />
Qual (is) as dimensões metodológicas do jogo presentes nas<br />
diferentes abor<strong>da</strong>gens, concepções ou proposições pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física Escolar, hoje, sistematiza<strong>da</strong>s no Brasil? Nessas<br />
abor<strong>da</strong>gens, o jogo caracteriza-se como um<br />
conhecimento/conteúdo fun<strong>da</strong>mental por excelência <strong>da</strong> educação<br />
Física ou como um caminho facilitador para outros conhecimentos<br />
(recurso ou estratégia pe<strong>da</strong>gógica, instrumento metodológico ou<br />
meio para aprendizagem de habili<strong>da</strong>des?) (ARAÚJO, 2001, p. 2,<br />
284 VASQUEZ, A. S. Convite à Estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
grifo <strong>da</strong> autora).<br />
239<br />
A autora assinala a abrangência dos termos quando se fala em jogo e o define a<br />
partir de Huizinga como<br />
uma ativi<strong>da</strong>de livre, conscientemente toma<strong>da</strong> como não séria e<br />
exterior à vi<strong>da</strong> habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o<br />
jogador de maneira intensa e total. É uma ativi<strong>da</strong>de desliga<strong>da</strong> de todo<br />
e qualquer interesse material, com o qual não se pode obter qualquer<br />
lucro, praticado dentro de limites espaciais e temporais próprios,<br />
segundo uma certa ordem e certas regras (HUIZINGA apud<br />
ARAÚJO, 2001, p. 1).<br />
Procura destacar também a importância de se definir a infância por esta ter uma<br />
relação com a ludici<strong>da</strong>de, considerando “a infância como fenômeno/categoria concreta<br />
determina<strong>da</strong> pelas relações sociais, econômicas e culturais do contexto em que está<br />
inseri<strong>da</strong>” (Ibid, p. 1).<br />
Para responder as suas questões, faz um levantamento sobre como são<br />
classifica<strong>da</strong>s as concepções de <strong>Educação</strong> Física e dá preferência à classificação de<br />
Daolio. As concepções estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s são: “Sistêmica, Desenvolvimentista, Construtivista –<br />
Interacionista e Crítico-superadora” (Ibid, p. 2). Apresenta, então, ca<strong>da</strong> concepção e<br />
seus mentores em relação especificamente ao tratamento atribuído ao jogo nessas<br />
concepções, chegando às conclusões: A abor<strong>da</strong>gem Sistêmica de Betti inclui os jogos<br />
como conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas não apresenta nenhuma proposta teórico-<br />
metodológica. A abor<strong>da</strong>gem desenvolvimentista não discute o jogo, mas o apresenta<br />
como um meio para a aprendizagem de outras habili<strong>da</strong>des e outras dimensões, como,<br />
por exemplo, os aspectos cognitivo e afetivo-social. Na abor<strong>da</strong>gem construtivista, o<br />
jogo tem um papel central, faz parte <strong>da</strong> proposta organiza<strong>da</strong> pelo autor, não como um<br />
conteúdo específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas sim como um meio de ensino. A<br />
abor<strong>da</strong>gem crítico-superadora, para a autora, é a única que explicita o jogo como<br />
conteúdo, ou seja, apresenta<br />
o jogo como conhecimento/conteúdo específico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física a<br />
ser transmitido e assimilado pelos alunos e apresenta uma proposta<br />
sistematiza<strong>da</strong> para o seu ensino, nas diferentes etapas de escolarização<br />
apontando diretrizes metodológicas e critérios de seleção <strong>da</strong>s<br />
ativi<strong>da</strong>des (Ibid, p. 6).<br />
Conclui afirmando que o jogo “deve se configurar, na escola, como conteúdo<br />
próprio <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, mas também pode estar presente para outras áreas do
conhecimento como um recurso pe<strong>da</strong>gógico, uma estratégia metodológica” (Ibid, p. 6).<br />
Ou seja, para a autora to<strong>da</strong>s as abor<strong>da</strong>gens são váli<strong>da</strong>s.<br />
6.2.3 – GTT – escola – 2003<br />
240<br />
No GTT-escola/2003, há os subtemas, a partir <strong>da</strong>s indicações dos autores,<br />
Avaliação do GTT-escola (2), <strong>Educação</strong> Física Infantil (1), Legislação sobre a<br />
<strong>Educação</strong> Física (1), Avaliação (1), Concepções de <strong>Educação</strong> Física (3), Planejamento<br />
de Ensino e Propostas Curriculares (12), Conhecimento Específico (2).<br />
Inicio com os artigos que pretendem uma “avaliação” do GTT- escola. Foram<br />
apresentados os resultados de duas pesquisas. A primeira faz a análise <strong>da</strong> Jorna<strong>da</strong><br />
Preparatória realiza<strong>da</strong> em Pernambuco no ano de 2001. Observamos nos autores uma<br />
forte influência de Paulo Freire 285 , sendo este a única referência teórica do artigo.<br />
Os autores fazem uma síntese <strong>da</strong>s discussões ocorri<strong>da</strong>s no evento e mostram que,<br />
nos trabalhos apresentados naquela região, a maioria relatava experiências de ensino,<br />
tinham como referencial metodológico a pesquisa-ação e como base teórica para a<br />
<strong>Educação</strong> Física escolar a perspectiva crítico-superadora. Além disso, propalam que<br />
Paulo Freire é a principal referência teórica nos trabalhos apresentados. Desse autor<br />
procuram salientar os princípios <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> práxis, <strong>da</strong> conscientização e do<br />
diálogo. E concluem:<br />
Freire também pode ser lembrado mediante uma metodologia que lê o<br />
mundo <strong>da</strong> natureza partindo <strong>da</strong> condição dos sujeitos num aprender<br />
praticando, <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de principalmente dos recifenses oprimidos, e do<br />
mundo <strong>da</strong> cultura que parte do popular, busca o universal e recria o<br />
conhecimento, processo este que envolve: pesquisa, planejamento,<br />
implementação, avaliação. Paulo Freire diz que aprendemos com o<br />
corpo todo, construindo um paradigma educacional que abarca o todo<br />
do mundo social e do mundo <strong>da</strong> natureza. Isto nos faz refletir sobre as<br />
possibili<strong>da</strong>des de diálogo na área de <strong>Educação</strong> Física aberta ao<br />
referencial freireano, não para ‘seguirmos’ Paulo freire, mas para<br />
reinventa-lo, para ressignificá-lo diante do tipo de conhecimento <strong>da</strong><br />
referi<strong>da</strong> área (BRASILEIRO; LORENZINE, 2003, p. 4).<br />
285 FREIRE, P. <strong>Educação</strong> como prática <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.<br />
_______. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.<br />
_______. Pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,<br />
1998.
241<br />
A segun<strong>da</strong> pesquisa foi desenvolvi<strong>da</strong> pelo LEPEL 286 e possui o intuito de criar<br />
um banco de <strong>da</strong>dos acerca <strong>da</strong> produção do conhecimento pertinente à <strong>Educação</strong> Física<br />
Escolar. Sua análise incide sobre o GTT- escola nos eventos realizados nos anos de<br />
1997, 1999 e 2001.<br />
A síntese dos <strong>da</strong>dos foi realiza<strong>da</strong> a partir de uma organização que indicou o<br />
número total de trabalhos, as instituições envolvi<strong>da</strong>s, a participação por regiões, pelo<br />
número de pessoas que desenvolveram as pesquisas e pela identificação de grupos de<br />
pesquisas. Foram também levanta<strong>da</strong>s quais as temáticas e metodologias utiliza<strong>da</strong>s, bem<br />
como o nível <strong>da</strong>s produções, ou seja, iniciação científica, mestrado e doutorado.<br />
Utilizaram como referência teórico-metodológica principalmente Sanchez<br />
Gamboa e Souza e Silva 287 ; a investigação é realiza<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> “análise de<br />
conteúdos”. Dentre os resultados, destaco que, sobre as temáticas, em um total de 14,<br />
são de maior incidência aquelas relaciona<strong>da</strong>s aos conteúdos específicos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física, educação infantil, prática pe<strong>da</strong>gógica e educação do corpo. A maioria dos<br />
estudos é constituí<strong>da</strong> por relatos de experiências, análise de literatura, de discurso, de<br />
conteúdo, entre outros.<br />
Dentre as diversas considerações, o grupo conclui que:<br />
No cruzamento <strong>da</strong>s informações observamos que apesar <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças<br />
do nível acadêmico dos autores as temáticas mantiveram-se em<br />
essência o predomínio por análise de fenômenos específicos –<br />
conteúdos específicos, prática pe<strong>da</strong>gógica; propostas pe<strong>da</strong>gógicas –<br />
ocorrendo em número ain<strong>da</strong> bastante reduzido as temáticas sobre<br />
questões sobre a estrutura <strong>da</strong> cultura escolar e <strong>da</strong> cultura corporal tais<br />
como: políticas públicas, fun<strong>da</strong>mentos teóricos metodológicos,<br />
políticas educacionais discutidos a partir de concepção filosófica,<br />
ontológicas, e epistemológica, inerentes à produção científica. As<br />
problemáticas objetivas do campo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> e <strong>Educação</strong><br />
Física, e <strong>da</strong>s questões sociais mais amplas, determinantes <strong>da</strong>s<br />
condições objetivas do trabalho socialmente útil e transformador<br />
não tem expressão significativa nos registros do GTT Escola. Tal<br />
fato reflete uma produção de pesquisa pauta<strong>da</strong> em interesses<br />
específicos, alheio às questões sociais e educativas mais gerais,<br />
bem como, gera<strong>da</strong> pelo aligeiramento <strong>da</strong> formação acadêmica nos<br />
cursos de pós-graduação no Brasil, resultado dos baixos<br />
investimentos na <strong>Educação</strong> no Brasil (CRUZ et. al., 2003, p. 7,<br />
grifo meu).<br />
286<br />
LEPEL – Linha de Estudos e Pesquisa em <strong>Educação</strong> Física & Esporte e Lazer <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
<strong>da</strong> Bahia.<br />
287<br />
SANCHEZ GAMBOA, S. Epistemologia <strong>da</strong> pesquisa em educação. Tese (Doutorado). Campinas<br />
UNICAMP, 1987.<br />
SOUZA e SILVA, R. V. Mestrados em <strong>Educação</strong> Física no Brasil: pesquisando suas pesquisas.<br />
Dissertação (Mestrado). Santa Maria. Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Maria, 1990.
242<br />
No tocante à “<strong>Educação</strong> Física Infantil”, encontrei uma pesquisa – continui<strong>da</strong>de<br />
do trabalho apresentado no evento anterior – que identifica o conceito de infância na<br />
produção <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física pré-escolar no período de 1980 a 2002, procurando<br />
estabelecer sua íntima relação com a educação. Demonstra a preocupação em justificar<br />
a presença, tanto <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong> Física quanto do seu professor específico para<br />
o ensino infantil. Entre as referências teóricas estão, Charlot, Kramer e Minayo, Sayão,<br />
Gouvêa 288 .<br />
Reconhece que a predominância de propostas tem sido em relação à<br />
psicomotrici<strong>da</strong>de e ao desenvolvimento motor. Define essas tendências teóricas como<br />
possuidoras de uma concepção abstrata de infância, o que resulta em um entendimento<br />
idealista de ser humano. Essa postura provoca uma visão fragmenta<strong>da</strong>, ou seja,<br />
dicotômica em relação a corpo/mente; sala/pátio; teoria/prática.<br />
Procura demonstrar a historici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> infância com relação à<br />
reali<strong>da</strong>de social, com a cultura e com as classes. Compreende, a partir de Sayão, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de superação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física existente realizando uma aproximação<br />
com Vigotsky 289 e com o Coletivo de Autores 290 , ambos com base teórica no<br />
materialismo histórico. Mas ao mesmo tempo em que tem essa proposta como<br />
possibili<strong>da</strong>de de superação, parte contraditoriamente do pressuposto de que é a<br />
linguagem que constitui a humani<strong>da</strong>de como tal e que para justificar a <strong>Educação</strong> Física<br />
na escola o centro <strong>da</strong>s discussões deve ser o movimento, a linguagem e a expressão<br />
lúdica 291 . Nesse âmbito, expõe:<br />
Gouvêa (2001) lembra-nos que, etmologicamente, a palavra infância<br />
advém do termo infant ou in-fans, que significa aquele que “não sabe<br />
falar”. Neste sentido, se partimos do entendimento de que a<br />
humani<strong>da</strong>de se constitui na e através <strong>da</strong> linguagem, como afirma a<br />
autora, a ausência desta transmite simbolicamente, no sentido do<br />
termo infant, a idéia de criança como um ser alienado como sujeito<br />
(OLIVEIRA, 2003, p. 2, grifo <strong>da</strong> autora).<br />
288<br />
CHARLOT, B. A mistificação pe<strong>da</strong>gógica: reali<strong>da</strong>des sociais e processos ideológicos na teoria <strong>da</strong><br />
educação. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.<br />
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1995.<br />
MINAYO, M. C. De S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criativi<strong>da</strong>de. Petrópolis, Vozes, 1994.<br />
SAYÃO, D. T. <strong>Educação</strong> Física na educação infantil: riscos, conflitos e controvérsias. Motrivivência:<br />
Petrópolis, ano XI, n.13, p.221-238, nov. 1999.<br />
GOUVÊA, M. C. S. Infância: entre a anteriori<strong>da</strong>de e a alteri<strong>da</strong>de. CONGRESSO BRASILEIRO DE<br />
CIÊNCIAS DO ESPORTE, n.12, 2001. Caxambu. Campinas: CBCE, 2001. (CD-ROM).<br />
289<br />
VIGOTSKI, L. S. A formação Social <strong>da</strong> mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />
290<br />
COLETIVO de AUTORES. Op. Cit.<br />
291<br />
Neste caso existe uma aproximação não explícita com as proposições de Kunz e Habermas.
243<br />
No que diz respeito à <strong>Educação</strong> Física, compreende que esta deve ter um projeto<br />
para a <strong>Educação</strong> Infantil, o qual,<br />
deve superar o discurso “pobre” do desenvolvimentismo, focando na<br />
dimensão lúdica do movimento humano, em que o movimento, a<br />
linguagem e a expressão lúdica estejam no centro <strong>da</strong>s discussões,<br />
possibilitando às crianças efetivarem-se como sujeitos de suas<br />
aprendizagens. Segundo Sayão (1999b, 1999), para que a <strong>Educação</strong><br />
física possa concretizar-se no âmbito <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Infantil, necessário<br />
se faz que seu projeto educativo ultrapasse a fragmentação,<br />
reconhecendo a singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças e concebendo-as como<br />
não-escolares (Ibid, p. 4).<br />
Em relação à questão <strong>da</strong> “Legislação sobre a <strong>Educação</strong> Física”, foi apresentado<br />
um artigo que a discute no sentido de pensá-la no ensino de 5ª a 8ª séries, em virtude <strong>da</strong><br />
quase inexistência de literatura para essas séries.<br />
Os autores demonstram ter como base teórico-metodológica a perspectiva de<br />
<strong>Educação</strong> Física desenvolvimentista, e possuem como referencial teórico autores como<br />
Gallardo e Charles 292 .<br />
Na pesquisa, não se apresenta nenhum problema em relação à legitimi<strong>da</strong>de ou<br />
legali<strong>da</strong>de, apenas uma averiguação de como se estrutura a legislação sobre a formação<br />
de professores, incluindo a LDBEN, PCN’s, com o intuito de ter respaldo legal na<br />
continui<strong>da</strong>de dos estudos.<br />
Apresentam também “as características humanas básicas do aluno de 5 a . a 8 a .<br />
séries” no que tange aos aspectos motor e biológico, cognitivo e o afetivo, discutindo<br />
estes últimos com relação ao comportamento social, fazem os seguintes comentários:<br />
Quanto ao comportamento social, cremos que a aula de <strong>Educação</strong><br />
Física Escolar propicia um ótimo espaço para interações sociais, pois<br />
não se joga só bola ou só se exercita em uma aula, pois há também as<br />
ações de torcedores, dirigentes, “palpiteiros”, atualização de<br />
informações pessoais e de grupo, etc., diferentemente de uma aula<br />
dentro de uma sala. Além do mais, o contato é mais estreito e<br />
“tocável”. Cremos que o que torna a <strong>Educação</strong> “especial” é justamente<br />
essas possíveis interações no contexto <strong>da</strong> aula (CAMPOS; PÉREZ<br />
GALLARDO, 2003, p. 5).<br />
Acerca dessa temática, os autores acrescentam:<br />
Às vezes, em reuniões pe<strong>da</strong>gógicas, adotando uma postura<br />
provocativa destacamos o seguinte: “como um professor vai ensinar o<br />
conceito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia se ele não quer e não gosta de lutar por<br />
melhores salários? Entendemos que discutir melhores salários na<br />
292<br />
PÉREZ GALLARDO, J. S. Disciplina FF129 A – <strong>Educação</strong> Física Escolar. Campinas: FEF.<br />
UNICAMP: Anotações em sala de aula, 2002.<br />
CHARLES, C. M. Piaget ao alcance dos professores. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1975.
244<br />
educação seja um ato ci<strong>da</strong>dão. Luta pelos direitos, claro não<br />
esquecendo ao deveres. Essa criança, nessa fase [5 a . a 8 a .], observa<br />
muito essas questões. Não queremos dizer com isso que o professor<br />
deve estimular a rebeldia sem propósito ou com qualquer propósito,<br />
entendemos que o espaço <strong>da</strong> aula, as interações sociais que propiciam<br />
devem ser considera<strong>da</strong>s e em uma aula de <strong>Educação</strong> Física Escolar<br />
poderá haver espaço para reflexões assim. Elas podem ser possíveis,<br />
as discussões, quando professor e aluno se deparam com as questões<br />
<strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de e punição, por exemplo (Ibid, p. 6).<br />
O tema “avaliação” também foi apresentado em apenas um artigo, como<br />
resultado de pesquisa institucional <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Espírito Santo, cujo<br />
objetivo em princípio era analisar o “estado <strong>da</strong> arte” sobre a avaliação nos periódicos <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física. Nesse artigo tratam do Catálogo de Periódicos de educação física e<br />
esporte (1930-2000).<br />
Faz a análise a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, mostrando o desenvolvimento do<br />
interesse pelo tema e <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças de abor<strong>da</strong>gens. Possui como pressuposto para<br />
discutir a avaliação a proposta educacional <strong>da</strong> “ação-reflexão-ação”. Suas referências<br />
teórico-metodológicas são Catani e Souza, Barreto 293 , entre outros.<br />
Em algumas <strong>da</strong>s conclusões, informam que as discussões relativas à avaliação<br />
têm acompanhado as discussões na educação, e ain<strong>da</strong> que sentem carência na área de<br />
uma investigação sobre a avaliação no “fazer pe<strong>da</strong>gógico” do professor. Esse objetivo<br />
será o objeto de investigação na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pesquisa. Assim:<br />
Outro ponto crucial emergente do estudo refere-se ao número de<br />
artigos que investigaram a prática pe<strong>da</strong>gógica do professor sobre a<br />
temática em questão. Dos trinta e três artigos que compunham o lócus<br />
<strong>da</strong> pesquisa, apenas quatro abor<strong>da</strong>ram a prática do cotidiano escolar.<br />
Esse problema não é específico <strong>da</strong> avaliação e sim de to<strong>da</strong> uma<br />
produção <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980 a 1990 no campo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
escolar, como enfatizam Oliveira (2001) e Caparroz (2001) 294 ao<br />
indicarem a necessi<strong>da</strong>de de um aprofun<strong>da</strong>mento e amadurecimento<br />
que levam à reflexão sobre o que está dentro <strong>da</strong> escola, principalmente<br />
no que tange à <strong>Educação</strong> Física, pois, caso não se compreen<strong>da</strong> isso,<br />
293 CATANI, D. B.; SOUZA, C. P. de. A geração de instrumentos de pesquisa em história <strong>da</strong> educação:<br />
estudos sobre revistas de ensino. In: VIDAL, D. G,; HILSDORF, M. L. S. (Orgs.). Brasil 500 anos:<br />
tópicos em história <strong>da</strong> educação. São Paulo: Edusp, 2001.<br />
BARRETO, E. S. de S.; PINTO, R. P. Avaliação na educação básica (1990-1998). Brasília:<br />
MEC/Inep/Comped, 2001.<br />
294 OLIVEIRA, M. A. T. de. Para uma crítica <strong>da</strong> historiografia: ditadura militar, educação física e negação<br />
<strong>da</strong> experiência do professor. In: FERREIRA NETTO, A. (Org). Pesquisa histórica na educação física.<br />
Vitória: PROTEORIA, 2001, v.6.<br />
CAPARROZ, F. E. Perspectivas para compreender e transformar as contribuições <strong>da</strong> educação física na<br />
constituição dos saberes escolares. In: In: FERREIRA NETTO, A. (Org). Pesquisa histórica na<br />
educação física. Vitória: PROTEORIA, 2001, v.6.
245<br />
dificilmente se poderá falar de contribuições para a constituição dos<br />
saberes escolares (SANTOS, et al., 2003, p. 7).<br />
No que se refere ao tema “conhecimentos específicos”, foram apresentados dois<br />
artigos, um do “Laboratório de Estudos Pe<strong>da</strong>gógicos em <strong>Educação</strong> Física e esportes” do<br />
Departamento de Ginástica <strong>da</strong> UFRJ (Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro) e o outro<br />
do Departamento de <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> UFRN (Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio do<br />
Norte).<br />
No primeiro, a pesquisadora tem a preocupação de relatar suas experiências com<br />
o conteúdo “Ginástica Rítmica”, no sentido de desmistificar que essa ativi<strong>da</strong>de seja<br />
exclusivamente para meninas, além de mostrar os “sentidos e significados de suas ações<br />
motoras” (ALONSO, 2003, p. 1).<br />
Os principais autores utilizados como referência nesse artigo são Kunz, Freire,<br />
Lê Bouch e Bronfenbrenner 295 . Em relação ao método de ensino, a autora expõe:<br />
O método de trabalho aqui mencionado tem, como proposta, um<br />
ensino centrado no aluno, tendo o professor como facilitador <strong>da</strong><br />
aprendizagem. (...) nesta fase [métodos e avaliação de ensino]<br />
decidimos o caminho pelo qual iremos atingir o objetivo maior na<br />
formação <strong>da</strong> criança, que é proporcionar o desenvolvimento de forma<br />
integra<strong>da</strong> no meio ambiente em que ela se relaciona, possibilitandolhe<br />
descobrir, sustentar ou alterar suas proprie<strong>da</strong>des cognitiva, motora<br />
e afetivo-social, seja na matemática, nas artes, na educação física e<br />
nos esportes (Ibid, p. 2).<br />
Após explicar todo o trabalho desenvolvido, sem perder de vista o “inter-<br />
relacionamento <strong>da</strong>s ações motora/cognitiva/afetivo-social” (Ibid, p. 2), a autora, entre as<br />
conclusões, explica que:<br />
Este estudo nos faz acreditar que estamos alcançando uma proposta<br />
pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> Ginástica Rítmica que poderá ser atingi<strong>da</strong> por todos,<br />
pois é possível ensinar a GR buscando o seu entendimento como<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de esportiva e indo além do gesto técnico, acrescentando a<br />
este a compreensão a respeito <strong>da</strong> própria ação. E, segundo Freire<br />
(1996, p. 48), a criança, quando de posse <strong>da</strong> compreensão, “pode se<br />
libertar <strong>da</strong>s amarras <strong>da</strong> situação específica em que ocorreu a<br />
aprendizagem e dispor de seu conhecimento livremente para utilizá-lo<br />
de acordo com suas decisões” (Ibid, p. 6).<br />
295 KUNZ, E. Transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1994.<br />
FREIRE, J. B. Pe<strong>da</strong>gogia do esporte. Coletânea do 3 o . Congresso Latino-Americano de Esporte,<br />
<strong>Educação</strong> e Saúde no Movimento Humano. Foz de Iguaçu, p. 38-49, 1996.<br />
LE BOUCH, J. A educação pelo movimento: a psicocinética na i<strong>da</strong>de escolar. Porto Alegre: Artes<br />
Médicas, 1985.<br />
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e<br />
planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
246<br />
No segundo artigo, o autor discute a metodologia para se trabalhar com a<br />
consciência corporal e como “um grupo específico de professores migra essas<br />
orientações para seu fazer pe<strong>da</strong>gógico” (MELO, 2003, p. 1). As referências do autor<br />
são, principalmente, Claro, Campelo, Del Nero e Nóbrega 296 .<br />
O autor faz uma reflexão relativas às práticas corporais volta<strong>da</strong>s à consciência<br />
corporal, normalmente realiza<strong>da</strong>s em consultórios por terapeutas corporais e como isso<br />
é “migrado” para as aulas de <strong>Educação</strong> Física. Apresenta o depoimento dos professores<br />
entrevistados e analisados sobre essa questão e pontua que:<br />
deve existir (...) uma preocupação na adequação metodológica, uma<br />
vez que os mesmos procedimentos verificados nos consultórios de<br />
terapias corporais diferem do que cremos ser a metodologia mais<br />
viável para tratar a temática <strong>da</strong> consciência corporal nas aulas de<br />
educação física (Ibid, p. 4).<br />
Ain<strong>da</strong> sobre essa questão, acrescenta:<br />
Tratar a consciência corporal nas aulas de educação física é ir além<br />
dos exercícios de sensibilização, é, em primeira instância, acessar os<br />
alunos a uma reflexão de corpo, mas necessariamente transitar pelas<br />
relações que esse corpo vivencia e, também, compreender a dinâmica<br />
<strong>da</strong>s manifestações motoras que este produz no seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, não<br />
só praticando-as, mas entendendo o seu enraizamento social, o<br />
momento histórico que os corpos as produzem e a sua transmissão<br />
cultural (Ibid, p. 5).<br />
O autor distingue e explica também três dimensões no trabalho de consciência<br />
corporal, quais sejam, potenciali<strong>da</strong>de para realizar o movimento, afetivi<strong>da</strong>de e<br />
sexuali<strong>da</strong>de e a relação sujeito/mundo (exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia). A partir disso, vê na<br />
consciência corporal a possibili<strong>da</strong>de de “regate <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de plena” destruí<strong>da</strong> pelas<br />
“condições nas quais o homem se encontra, que o transforma muitas vezes em máquina,<br />
em utensílio de produção para a classe dominante, que só visa ao lucro, podem provocar<br />
doenças do caráter que são passa<strong>da</strong>s de geração à geração” (Ibid, p. 6).<br />
Acerca do tema que denominamos “Concepções de <strong>Educação</strong> Física”, foram<br />
apresentados três artigos que propõem a necessi<strong>da</strong>de de transformação na <strong>Educação</strong><br />
Física para que esta se torne legítima no âmbito escolar. Nos dois primeiros artigos, a<br />
296<br />
CLARO, E. Método <strong>da</strong>nça-educação física – uma reflexão sobre consciência corporal e profissional.<br />
São Paulo: Robe, 1995.<br />
CAMPELO, C. R. Cal(e)idóscorpos: um estudo semiótico do corpo e seus códigos. São Paulo:<br />
ANNABLUME, 1996.<br />
DEL NERO, H. S. O sítio <strong>da</strong> mente: pensamento, emoção e vontade do cérebro humano. São Paulo:<br />
Collegium Cognitio, 1997.<br />
NÓBREGA, T. P. Corporei<strong>da</strong>de e educação física: do corpo-objeto ao corpo-sujeito. Natal: EDUFRN,<br />
2000.
cultura é aponta<strong>da</strong> como categoria central não apenas no processo escolar, mas também<br />
na formação <strong>da</strong> essência humana. No último, há uma preocupação mais ampla na<br />
discussão em direção à transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista.<br />
247<br />
No primeiro artigo 297 , é feita a defesa <strong>da</strong> “escola viva e plural”, onde a rigidez, o<br />
conhecimento fragmentado e o distanciamento entre teoria e prática docente existentes<br />
hoje nas escolas são substituídos por práticas interdiciplinares que articulam teoria e<br />
prática, ação e reflexão, subjetivi<strong>da</strong>de e objetivi<strong>da</strong>de. Entre as referências teóricas<br />
utiliza<strong>da</strong>s na defesa dessa substituição estão Arroyo, Freire, Morin, Geertz e Adorno 298 .<br />
Nessa transformação, a centrali<strong>da</strong>de do processo interdiciplinar deve estar na<br />
interculturali<strong>da</strong>de 299 . Nesse contexto, o conhecimento deve ser construído em sala de<br />
aula pelos professores e alunos, ou seja:<br />
É uma concepção de produção/construção de conhecimento em sala<br />
de aula, que perpassa não somente pela crítica radical aos modelos<br />
pe<strong>da</strong>gógicos, mas também de uma concepção epistemológica, onde<br />
alunos e alunas e professores e professoras aprendem juntos, elaboram<br />
o seu próprio material didático, ressignificam suas relações e<br />
representações. Para que isso ocorra, é imprescindível assumirmos as<br />
práticas educacionais, como “espaço/tempo de redes de múltiplas<br />
relações e movimento que permitem a criação, rica e turbulenta de<br />
novos conhecimentos” (ALVES; GARCIA 300 apud ANDRADE, 2003,<br />
p. 3).<br />
A <strong>Educação</strong> Física, nesse processo, pode ser o “carro-chefe” na escola, pois<br />
conforme o autor sua especifici<strong>da</strong>de é justamente o trabalho com os elementos <strong>da</strong><br />
cultura corporal, no qual se encontram to<strong>da</strong>s as dimensões humanas. Em suas palavras:<br />
Se a <strong>Educação</strong> Física, até então, preocupou-se principalmente com a<br />
formação de um tipo ideal de corpo, de talentos esportivos e de<br />
performances, talvez seja hora de aprendermos um pouco com Adorno<br />
(1995), assumindo uma atuação pe<strong>da</strong>gógica mais plural, volta<strong>da</strong> ao<br />
atendimento de indivíduos com desejos, sonhos e expectativas<br />
297<br />
Pesquisa realiza<strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina.<br />
298<br />
ARROYO, M. (Org.) <strong>Educação</strong> e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: quem educa o ci<strong>da</strong>dão. São Paulo: Cortez: Autores<br />
Associados, 1987.<br />
FREIRE, P. Pe<strong>da</strong>gogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.<br />
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand do<br />
Brasil, 2001.<br />
GEERTZ, C. A interpretação <strong>da</strong>s culturas. São Paulo: Zahar, 1978.<br />
ADORNO, T. W. <strong>Educação</strong> e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.<br />
299<br />
O termo “interculturali<strong>da</strong>de” utilizado pelo autor é fun<strong>da</strong>mentado em Fleuri e “diferencia-se de outros<br />
processos que envolvem a relação entre as culturas, pela sua intencionali<strong>da</strong>de, proposta de mu<strong>da</strong>nças e de<br />
projetuali<strong>da</strong>de” (ANDRADE, 2003, p. 2). Neste sentido, Fleuri apud Andrade, aponta que “a educação<br />
intercultural não se reduz a uma simples relação de conhecimentos: trata-se <strong>da</strong> interação entre<br />
sujeitos...relação de troca e de reciproci<strong>da</strong>de entre pessoas vivas, com rostos e nomes próprios,<br />
reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua digni<strong>da</strong>de. Uma relação que vai além dos sujeitos e<br />
envolve suas respectivas identi<strong>da</strong>des culturais diferentes” (2003, p. 2).<br />
300<br />
ALVES, N. & GARCIA, R. L. O sentido <strong>da</strong> escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
248<br />
diversifica<strong>da</strong>s, conjectura<strong>da</strong>s em contextos sociais distintos,<br />
contribuindo e participando de um projeto social pautado na<br />
emancipação humana (ANDRADE, 2003, p. 4).<br />
Em outro artigo, a ênfase é <strong>da</strong><strong>da</strong> às dificul<strong>da</strong>des para se efetivar a proposta de<br />
<strong>Educação</strong> Física a partir <strong>da</strong> cultura corporal 301 , dificul<strong>da</strong>de verifica<strong>da</strong> com o<br />
desenvolvimento do “Projeto Esporte Ci<strong>da</strong>dão” na Disciplina de Estágio<br />
Supervisionado I, II, III no Centro Universitário Vila Velha.<br />
Para analisar as representações sociais em relação à proposta <strong>da</strong> “Cultura<br />
Corporal”, o autor utilizou como referência metodológica a etnografia, para a “análise<br />
<strong>da</strong>s práticas e por meio do discurso dos sujeitos (professores e estagiários). Essas<br />
representações sociais foram analisa<strong>da</strong>s sob a luz do referencial teórico subjacente à<br />
perspectiva pe<strong>da</strong>gógica trabalha<strong>da</strong>. Por meio dessa análise, percebemos o grau de<br />
inconsistência <strong>da</strong>s mesmas” (MELLO, 2003, p. 1).<br />
Utiliza como referencial teórico autores como Geertz, Leontiev, Daolio, Sá,<br />
Betti, Bracht 302 , entre outros.<br />
Ao discutir a relação entre a <strong>Educação</strong> Física e a cultura, preconiza:<br />
Os movimentos expressam a cultura do ser humano, explicitam as<br />
determinações de caráter político, econômico, religioso, etc. dos<br />
contextos nos quais os sujeitos estão inseridos. Para Daolio (1997) “O<br />
corpo é uma síntese <strong>da</strong> cultura, porque expressa elementos específicos<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual faz parte. O homem, por meio do seu corpo, vai<br />
se apropriando de valores, normas e costumes sociais, num processo<br />
de inCORPOração...” (...) A educação física, segundo nossa ótica, é<br />
entendi<strong>da</strong> como uma área de intervenção social, comprometi<strong>da</strong> com a<br />
aquisição crítica do saber para o processo de emancipação social.<br />
Neste sentido, precisa considerar a cultura como referência para<br />
compreensão do corpo e do movimento humano (Ibid, p. 2).<br />
O autor identificou como problemas alguns fatores, entre eles, as representações<br />
sociais dos professores em relação a essa proposta; a falta de experiências concretas em<br />
301<br />
Neste caso, a referência para o trabalho com a Cultura Corporal é o livro Metodologia do Ensino <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física do Coletivo de Autores.<br />
302<br />
GEERTZ, C. Op. Cit.<br />
LEONTIEV, A. R. O homem e a cultura. In: O papel <strong>da</strong> cultura nas ciências sociais. Porto Alegre: Vila<br />
Martha, 1980.<br />
DAOLIO, J. Cultura: educação física e futebol. Campinas/SP: Editora <strong>da</strong> Unicamp, 1997.<br />
SÁ, C. P. Núcleo central <strong>da</strong>s representações sociais. Petrópolis/RJ: Vozes, 1996.<br />
BETTI, M. O que a semiótica inspira no ensino <strong>da</strong> educação física. Discorpo. São Paulo: EDUC, n.3,<br />
1994.<br />
BRACHT, V. A constituição <strong>da</strong>s teorias pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong> educação física. In: Cadernos Cedes 48.<br />
Campinas/SP: Unicamp, 1999.
elação à mesma; a contínua hegemonia de perspectivas orienta<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> aptidão<br />
física e do esporte.<br />
249<br />
O terceiro artigo é aquele que busca <strong>da</strong>r um enfoque mais crítico em relação ao<br />
tema em tela. Resulta de uma tese de doutorado em an<strong>da</strong>mento na UFRJ (Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal do Rio de Janeiro). Os autores procuram, através do “método dialético”,<br />
analisar o “trabalho pe<strong>da</strong>gógico” e a “didática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física Escolar”, e neste<br />
sentido afirmam:<br />
O que será analisado são as contradições <strong>da</strong> escola capitalista e as<br />
possíveis superações do seu método, compreendendo que o processo<br />
de superação deve partir do entendimento dessas construções no<br />
interior <strong>da</strong> própria escola. Para tanto, deve-se compreender o contexto<br />
escolar em suas múltiplas determinações e não somente num<br />
procedimento específico, ou num local próprio (o espaço <strong>da</strong> sala de<br />
aula). (...) A proposta, nesse sentido, é uma nova organização do<br />
trabalho pe<strong>da</strong>gógico e <strong>da</strong> didática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física Escolar (EFE),<br />
admitindo-se que a escola (sua organização, seus objetivos e métodos)<br />
deve, também, estar sob, análise, uma vez que todos esses níveis são<br />
históricos e, portanto, mutáveis no fluxo <strong>da</strong> própria história (SILVA;<br />
SILVA, 2003, p. 1).<br />
Para essa análise, o principal autor tomado como referência é Freitas, sendo<br />
utilizado, entre outros, Saviani 303 . Além disso, a vinculação <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física às<br />
perspectivas destes autores se justifica pela necessi<strong>da</strong>de de “ampliar as ações de ensino<br />
para além de concepções de aula, implica uma contextualização do trabalho<br />
pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola com o trabalho material produtivo” (Ibid, p. 2, grifo meu).<br />
Essa posição se põe quando os autores, ao apresentarem as críticas que a Pe<strong>da</strong>gogia<br />
Histórico-Crítica recebe, na tentativa de defendê-la argumentam:<br />
Mesmo admitindo que a aula e suas sistematizações são produtos <strong>da</strong><br />
escola capitalista e que sempre haverá aluno, matéria e professor, além<br />
de objetivos e condições concretas, Freitas (1995) indica a recusa do<br />
confinamento pe<strong>da</strong>gógico aos domínios do trabalho não-material do<br />
tipo “aula”, admitindo tal como Saviani (1991), que a ativi<strong>da</strong>de<br />
pe<strong>da</strong>gógica é um trabalho não-material, mas deve-se distinguir<br />
com cui<strong>da</strong>do o trabalho não-material produtivo do trabalho nãomaterial<br />
não produtivo, não bastando para isso selecionar conteúdos<br />
de forma crítica (Ibid, p. 3, grifo meu).<br />
Em relação às críticas que recebe a concepção crítico-superadora na <strong>Educação</strong><br />
Física, os autores afirmam:<br />
Mesmo partindo de alguns conceitos próprios <strong>da</strong> escola capitalista, a<br />
303 FREITAS, L. C. de. Crítica <strong>da</strong> organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico e <strong>da</strong> didática. São Paulo:<br />
Papirus, 1995.<br />
SAVIANI, D. Op. Cit.
250<br />
proposta consegue, em relação à área, não eleger, pelo menos<br />
diretamente, a aula como centro do processo. Para muitos, as críticas à<br />
metodologia apresenta<strong>da</strong> pelo Coletivo de Autores encontram-se,<br />
exatamente, na pouca ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> aos processos de ensino (aula).<br />
Reclamam <strong>da</strong> pouca objetivi<strong>da</strong>de no trato <strong>da</strong>s sistematizações,<br />
deixando em aberto como se “organizam as aulas” nessa nova<br />
perspectiva. É justamente o avanço, em relação às teorias<br />
existentes e até à própria Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica, que é<br />
criticado, demonstrando o longo percurso que a área <strong>da</strong> EFE ain<strong>da</strong><br />
necessita percorrer (Ibid, p. 3, grifo meu).<br />
Os autores ain<strong>da</strong> apresentam e criticam a Pe<strong>da</strong>gogia dos Conflitos Sociais<br />
defendi<strong>da</strong> por Santos 304 , e concluem o artigo assinalando que:<br />
Saviani captou a essência do método dialético, de movimento, de<br />
processo, de reflexão sobre a ação. Ao invés de alimentar expectativas<br />
salvadoras ou procedimentos infalíveis de ensino, pode-se construir<br />
dialeticamente o processo de intervenção a partir <strong>da</strong>s sínteses dos<br />
diversos contextos <strong>da</strong> escola capitalista, compreendendo a sua lógica e<br />
a partir dela produzir meios de sua superação (Ibid, p. 4).<br />
Em relação à temática a qual denominamos “Propostas curriculares e<br />
experiências de ensino”, encontramos a maior concentração de artigos apresentados,<br />
totalizando 12. Alguns derivam de teses e dissertações que avaliam as tentativas de<br />
experimentar nas escolas as propostas pe<strong>da</strong>gógicas desenvolvi<strong>da</strong>s como contraponto à<br />
<strong>Educação</strong> Física existente. Outros são resultados de pesquisas desenvolvi<strong>da</strong>s em<br />
universi<strong>da</strong>des públicas que procuram, através de experiências pe<strong>da</strong>gógicas, construírem<br />
novas propostas curriculares e estratégias de ensino para a <strong>Educação</strong> Física.<br />
Dois dos trabalhos apresentados procuram fazer a crítica à socie<strong>da</strong>de capitalista<br />
e têm como meta a sua superação. Pensam a educação como um dos elementos que<br />
pode contribuir para a transformação social e a <strong>Educação</strong> Física como um dos<br />
componentes dessa educação. Procuram formular experiências de ensino a partir <strong>da</strong><br />
Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-Crítica e <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física Superadora.<br />
O primeiro artigo origina-se de um projeto de pesquisa <strong>da</strong> FADEP/PR<br />
(Facul<strong>da</strong>de de Pato Branco) com o objetivo de realizar um diagnóstico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong><br />
Física nas escolas do sudoeste do Paraná. Para tanto, procura identificar suas<br />
concepções, a relação entre elas e o projeto político pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola, bem como a<br />
304 SANTOS, O. Princípios de uma pe<strong>da</strong>gogia dos conflitos sociais. Tese (Doutorado). Belo Horizonte:<br />
FAE-UFMG, 1991.
prática do professor para encaminhar uma proposta de “<strong>Educação</strong> Física progressista ou<br />
revolucionária (BRACHT 305 , 1997)”.<br />
251<br />
A partir <strong>da</strong> síntese de Darido 306 , apresentam um breve histórico e as concepções<br />
de <strong>Educação</strong> Física, a abor<strong>da</strong>gem desenvolvimentista, a construtivista-interacionista, a<br />
educação física humanista, a abor<strong>da</strong>gem crítico-superadora e a abor<strong>da</strong>gem sistêmica.<br />
Concluem postulando que a <strong>Educação</strong> Física é uma disciplina “marginal” na<br />
escola e que é necessário legitimá-la <strong>da</strong>ndo-lhe uma fun<strong>da</strong>mentação autônoma. Estão<br />
em pleno acordo com Bracht, quando o autor sugere que a <strong>Educação</strong> Física se efetive<br />
como:<br />
a) <strong>Educação</strong> através do movimento: conferindo historici<strong>da</strong>de à<br />
fun<strong>da</strong>mentação autônoma; b) <strong>Educação</strong> do movimento: veiculando de<br />
forma crítica o acervo <strong>da</strong> cultura corporal/movimento produzi<strong>da</strong> pelo<br />
homem, superando-a; c) <strong>Educação</strong> para o movimento: utilizando<br />
como referência os momentos do não-trabalho, o lazer (HARTMAN<br />
et al., 2003, p. 3, grifos dos autores).<br />
O segundo artigo trata de uma experiência de ensino realiza<strong>da</strong> em um estágio<br />
por alunos <strong>da</strong> UFJF (Universi<strong>da</strong>de Federal de Juiz de Fora), que procura trabalhar o<br />
conteúdo “voleibol” na perspectiva crítico-superadora. Os autores utilizados como<br />
referência teórica são Enguita, Saviani, Neves, Coletivo de Autores 307 , entre outros.<br />
A opção teórica se dá a partir de uma determina<strong>da</strong> concepção de escola<br />
fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica, e neste sentido, argumentam:<br />
Considerando que a escola é uma instituição responsável pela<br />
formação humana dos futuros ci<strong>da</strong>dãos-trabalhadores livres, e<br />
esta formação só se justifica a partir <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de do<br />
conhecimento, acreditamos que a inserção pe<strong>da</strong>gógica de qualquer<br />
outra área, em especial a EF, não pode se constituir por fora desta<br />
definição histórico-conceitual defendi<strong>da</strong> pela pe<strong>da</strong>gogia históricocrítica<br />
(SILVA et. al, 2003, p. 2, grifo meu).<br />
Após uma descrição dos princípios <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem crítico-superadora e também<br />
<strong>da</strong>s aulas realiza<strong>da</strong>s no estágio, concluem que:<br />
A EF, ao trabalhar com a linha esportiviza<strong>da</strong> na escola, não só<br />
305 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e Aprendizagem Social. 2. ed. Porto Alegre: Magister, 1997.<br />
306 DARIDO, S. C. <strong>Educação</strong> Física na Escola: Questões e reflexões, 1999. (a referência é apresenta<strong>da</strong><br />
pelos autores de forma incompleta).<br />
307 ENGUITA, M. F. A face oculta <strong>da</strong> escola: educação, trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes<br />
Médicas, 1989.<br />
NEVES, L. M. W. <strong>Educação</strong> e política no Brasil de hoje. São Paulo: Cortez, 1994.<br />
SAVIANI, D. Pe<strong>da</strong>gogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez/Autores<br />
Associados, 1992.<br />
COLETIVO DE AUTORES, Op. Cit.
252<br />
enfatiza a aprendizagem correta <strong>da</strong>s técnicas e táticas, limitandose<br />
a elas, mas também reforça a lógica do modelo capitalista no<br />
espaço escolar. Por isso, trabalhamos com paciência para romper<br />
com as dificul<strong>da</strong>des e limitações impostas pela cultura<br />
esportivizante <strong>da</strong> EF, internaliza<strong>da</strong> pelos alunos, tendo como<br />
referência a incorporação de uma nova forma de pensar-agir<br />
frente ao voleibol. Acreditamos que esta experiência vem somar à<br />
tentativa de se criar uma práxis pe<strong>da</strong>gógica que esteja firmemente<br />
articula<strong>da</strong> com a função <strong>da</strong> escola, garantindo a EF enquanto<br />
disciplina e a escola como instrumento que pode estar a serviço <strong>da</strong><br />
transformação social (Ibid, p. 4, grifo meu).<br />
Diferentemente desses artigos citados, há ain<strong>da</strong> outro trabalho referente à<br />
temática “Propostas curriculares e experiências de ensino” que não parte de nenhuma<br />
crítica específica, mas procura organizar a <strong>Educação</strong> Física tanto em relação ao tempo<br />
escolar como em relação aos conteúdos.<br />
Esse artigo é uma elaboração empreendi<strong>da</strong> por uma professora do Cesumar<br />
(Centro Universitário de Maringá) e UEM (Universi<strong>da</strong>de Estadual de Maringá). Ela<br />
pretende contribuir com a elaboração <strong>da</strong> proposta pensa<strong>da</strong> por Oliveira 308 , “Planejando a<br />
<strong>Educação</strong> Física Escolar” com a organização dos conteúdos do núcleo temático “O<br />
movimento em expressão e ritmo” desde o jardim I até a 3 a . série do Ensino Médio. A<br />
autora apresenta no artigo a proposta de maneira sistematiza<strong>da</strong>.<br />
Nessa proposta, intitula<strong>da</strong> “Planejando a <strong>Educação</strong> Física Escolar”, além do<br />
tema desenvolvido pela autora, Oliveira (2003) divide os conteúdos nos seguintes<br />
núcleos temáticos: “a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas<br />
manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; o movimento<br />
e a saúde” (LARA, 2003, p. 2).<br />
Como referências teóricas toma por base Merleau-Ponty, Manuel Sérgio,<br />
Hildebrandt e Laging, Grupo de Trabalho Pe<strong>da</strong>gógico, Gallardo, Oliveira e Avarña 309 ,<br />
concluindo que:<br />
Embora possa parecer pragmática a estruturação de um “modelo”<br />
dessa natureza, as reflexões em torno <strong>da</strong> proposta levam a perceber<br />
308 OLIVEIRA, A. A.B. de. Planejando a <strong>Educação</strong> Física escolar. In: VIEIRA, J. L. L. (Org.) <strong>Educação</strong><br />
Física e esporte; estudos e proposições. Maringá: EDUEM, 2003.<br />
309 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />
SÉRGIO, M. Motrici<strong>da</strong>de humana. Contribuições para um paradigma emergente. Lisboa – Portugal:<br />
Instituto Piaget, 1995.<br />
HILDEBRANDT, R. e LACING, R. Concepções abertas do Ensino <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Rio de<br />
janeiro: Ao Livro Técnico, 1986.<br />
GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO. Visão didática <strong>da</strong> educação física: análises críticas e<br />
exemplos práticos de aulas. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1991.<br />
GALLARDO, J.; OLIVEIRA, A. A. B. de e ARAVEÑA, C. Didática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. A criança em<br />
movimento: jogo, prazer e transformação. São Paulo: FTD, 1998.
253<br />
que a preocupação maior é fornecer elementos que possam orientar o<br />
trabalho docente rumo a uma <strong>Educação</strong> Física legítima no setor<br />
escolar. E, nesse sentido, o “modelo” é flexível em essência, passível<br />
de modificações, constituindo um referencial extremamente relevante<br />
a profissionais que anseiam por sistematizações que possam nortear<br />
sua prática profissional (Ibid, p. 8).<br />
Os demais artigos possuem um encaminhamento muito próximo e são<br />
originários de várias partes do país. Há um artigo <strong>da</strong> UFRGS (Universi<strong>da</strong>de Federal do<br />
Rio grande do Sul), resultado de uma pesquisa institucional, que teve como objetivo<br />
“compreender os significados atribuídos pelos professores de educação física ao<br />
planejamento de ensino e à sua prática educativa cotidiana nas escolas dessa Rede de<br />
Ensino” (BOSSLE; BOND, 2003, p. 1).<br />
Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica em escolas <strong>da</strong> rede<br />
municipal de ensino de Porto Alegre, onde existe a “Proposta Político-Pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong><br />
Escola Ci<strong>da</strong>dã” 310 . Para realizar essa pesquisa, dentre as referências teóricas utiliza<strong>da</strong>s<br />
pelos autores, destaco Freire, André, Schön, Nóvoa, Arroyo, Perrenoud 311 .<br />
A partir <strong>da</strong>s informações colhi<strong>da</strong>s nas escolas, foram construí<strong>da</strong>s sete categorias<br />
apresenta<strong>da</strong>s e discuti<strong>da</strong>s no artigo. São elas: <strong>da</strong> formação institucional à prática<br />
educativa; orientações e encaminhamentos pe<strong>da</strong>gógicos; espaços e tempos de planejar;<br />
proposta político-pe<strong>da</strong>gógica e a perspectiva dos professores; contexto singular <strong>da</strong>s<br />
escolas; autonomia na prática educativa; concepção e construção do planejamento de<br />
ensino.<br />
Das conclusões, é possível destacar que para os professores o planejamento<br />
expressa apenas uma formali<strong>da</strong>de na escola; o planejamento é realizado de forma<br />
individualiza<strong>da</strong> e isola<strong>da</strong>; existe uma distância entre a “literatura especializa<strong>da</strong> sobre o<br />
planejamento de ensino e o que ocorre no cotidiano escolar” (Ibid, p.7); na <strong>Educação</strong><br />
310 O autores explicam que: “A partir de 1993 a Secretaria Municipal de <strong>Educação</strong> (SMED) adota o<br />
Projeto Escola Ci<strong>da</strong>dã, contemplando a proposta de reinvenção <strong>da</strong> escola defendi<strong>da</strong> por Paulo Freire<br />
(2000) na construção de uma escola fun<strong>da</strong>mentalmente comprometi<strong>da</strong> com as classes populares. A Rede<br />
Municipal de Ensino de Porto Alegre passa a adotar o currículo organizado por ciclos de formação,<br />
complexos temáticos, turmas de progressão, interdisciplinari<strong>da</strong>de e o planejamento coletivo dos<br />
professores” (BOSSLE; BOND, 2003, p. 2).<br />
311 FREIRE, P. A educação na Ci<strong>da</strong>de. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
ANDRÉ, M. E. D. A etnografia <strong>da</strong> prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.<br />
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem.<br />
Porto Alegre: ARTMED, 2000.<br />
NÓVOA, A. A racionalização do ensino e a profissão docente. Inovação. Porto: v. 4, 1991.<br />
ARROYO, M. G. A escola possível é possível? In: ____. Da escola carente à escola possível. São Paulo:<br />
Loyola, 1991.<br />
PERRENOUD, P. A pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> escola <strong>da</strong>s diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso.<br />
Porto Alegre: ARTMED, 2001.
Física existe grande ênfase no tecnicismo tanto no planejamento quanto nas aulas; e<br />
ain<strong>da</strong>, em geral:<br />
254<br />
A lógica de planejar e de realizar obedece à racionali<strong>da</strong>de técnica de<br />
que os professores são profissionais que, diante de determina<strong>da</strong>s<br />
situações previstas, devem empregar soluções preestabeleci<strong>da</strong>s. O<br />
cotidiano escolar e a dinâmica <strong>da</strong>s relações que acontecem dentro <strong>da</strong>s<br />
escolas, porém, não podem obedecer a um programa de soluções<br />
técnicas, mas considerar o planejamento como processo de construção<br />
coletiva (Ibid, p. 7).<br />
Os pesquisadores também reforçam a necessi<strong>da</strong>de de se considerar “o cotidiano<br />
e a rotina nas escolas como perspectiva de análise” (Ibid, p. 6), e a necessi<strong>da</strong>de do<br />
planejamento participativo, ou seja:<br />
Mesmo reconhecendo a complexi<strong>da</strong>de do cotidiano <strong>da</strong>s Escolas em<br />
que realizamos o estudo, consideramos que o planejamento<br />
participativo poderia ser uma possibili<strong>da</strong>de de construção <strong>da</strong> proposta<br />
inclusiva. O planejamento participativo já é fato na Realização do<br />
Orçamento Participativo na Ci<strong>da</strong>de de Porto Alegre, e na decisão<br />
sobre a destinação <strong>da</strong>s verbas nas escolas, de acordo com as<br />
priori<strong>da</strong>des aponta<strong>da</strong>s pela comuni<strong>da</strong>de escolar. O processo de<br />
construção participativa no planejamento de ensino dos professores de<br />
educação física pode contribuir para a superação de limitações<br />
apresenta<strong>da</strong>s neste estudo, sob a perspectiva dialógica, fun<strong>da</strong>mental<br />
para o entendimento e esclarecimento dos homens e mulheres no<br />
mover-se no mundo (Ibid, p. 7).<br />
As autoras desse próximo artigo objetivaram interpretar o “fazer docente de uma<br />
professora de <strong>Educação</strong> Física Escolar, visando a identificar e discutir diferentes<br />
aspectos de sua atuação pe<strong>da</strong>gógica com base nos referências <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
educação para a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de (BEZERRA; CAVALCANTI, 2003, p. 1). Utilizaram<br />
como metodologia a “História de vi<strong>da</strong>” e a “etnografia”, e suas principais referências,<br />
entre outras, são Assmann, Elias, Bauman, Resende, Daolio 312 .<br />
Fazem a crítica à escola e à socie<strong>da</strong>de; criticam também o excesso de<br />
“competitivismo” e a ideia dualista “na qual o ‘eu pessoa’ corresponde a uma visão<br />
externa do corpo, sendo o corpo a sua sede” (Ibid, p. 2). Buscam uma “corporei<strong>da</strong>de<br />
ci<strong>da</strong>dã” e almejam uma <strong>Educação</strong> Física que seja “movi<strong>da</strong> por outra sensibili<strong>da</strong>de, por<br />
uma ética solidária exigindo um novo fazer pe<strong>da</strong>gógico, é necessário identificar os<br />
312 ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à socie<strong>da</strong>de aprendente. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.<br />
ELIAS, N. A socie<strong>da</strong>de dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge zahar, 1994.<br />
BAUMANN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.<br />
RESENDE, H. G. <strong>Necessi<strong>da</strong>de</strong>s <strong>da</strong> educação motora na escola. In: DE MARCO, A. (Org.) Pensando a<br />
educação motora. Campinas/SP: Papirus, 1995.<br />
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. São Paulo: Papirus, 1995.
nexos existentes entre essa reali<strong>da</strong>de educacional e o legado que o processo civilizatório<br />
nos marcou até os dias atuais de uma socie<strong>da</strong>de globaliza<strong>da</strong>” (Ibid, p. 1).<br />
e concluem:<br />
255<br />
Após explicar essas questões, apresentam a trajetória de vi<strong>da</strong> de uma professora<br />
O corpo, como linguagem e expressivi<strong>da</strong>de pela gestuali<strong>da</strong>de dos<br />
alunos, é fonte de conhecimento para o agir <strong>da</strong> professora, pois<br />
são gestos e expressões que precisam ser utilizados<br />
sistematicamente como fonte de conhecimento no seu cotidiano<br />
escolar, visto que lhe dão indícios sobre a corporei<strong>da</strong>de dos alunos. É<br />
no campo <strong>da</strong>s emoções, sentimentos e valores que a corporei<strong>da</strong>de<br />
pode contribuir para construir homens mais participantes,<br />
democráticos, livres e felizes, e apenas os sentidos refinados<br />
podem construir harmonias para o viver. Enfim, sintetizando o<br />
fazer pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> professora Iracyara, vislumbrando uma prática<br />
docente em consonância com concepções crítico-transformadoras<br />
evidencia<strong>da</strong>s no seu discurso, caracterizando o papel do professor<br />
como mediador que substancia sua ação no diálogo e na reflexão,<br />
tendo como molas propulsoras do seu agir o espaço profissional<br />
conquistado – por isso a liber<strong>da</strong>de do agir -, a filosofia <strong>da</strong> escola é<br />
incorpora<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> ação e o seu compromisso amoroso com seus<br />
alunos e sua profissão (Ibid, p. 6, grifo meu).<br />
Os próximos três artigos são de participantes do NEPECC/UFU – Núcleo de<br />
Estudos e Planejamento e Metodologias do Ensino <strong>da</strong> Cultura Corporal <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal de Uberlândia e possuem a mesma fun<strong>da</strong>mentação teórica e compreensão de<br />
<strong>Educação</strong> Física.<br />
O NEPECC/UFU é coordenado pelo professor Gabriel Munõs Palafox, o qual<br />
realiza um trabalho conjunto com professores <strong>da</strong> rede municipal e estadual de<br />
Uberlândia desde 1993. Possuem três “marcos teóricos de referência”, que são<br />
explicados nos três artigos. São eles:<br />
•Análise <strong>da</strong>s Competências Instrumental, Social e Comunicativa<br />
(KUNZ, 1991; MUÑOZ PALAFOX, et al; 1997) 313 , como base para a<br />
compreensão <strong>da</strong> formação amplia<strong>da</strong> do ser humano.<br />
•A teoria de Aprendizagem Sócio-Crítica subjacente às vivências<br />
dinâmico-dialógicas que ocorrem durante as estratégias de ensino e no<br />
cotidiano escolar, onde procura tomar-se consciência <strong>da</strong>s diferentes e<br />
varia<strong>da</strong>s formas de comportamento e de participação que exigem<br />
reflexão por parte dos alunos e do professor no momento <strong>da</strong><br />
construção coletiva de normas constitutivas e/ou regulativas, cujas<br />
implicações são individuais e sociais (BRACHT, 1992;<br />
313 KUNZ, E. Transformação didático-pe<strong>da</strong>gógica do esporte. Ijuí: Editora Unijuí, 1991.<br />
MUMÑOZ PALAFOX, G. H.; TERRA, D. V.; PIROLO, A. L. <strong>Educação</strong> Física: uma abor<strong>da</strong>gem<br />
histórico-cultural de educação. Revista <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Maringá, v.8,<br />
n.1 p.3-09, 1997.
256<br />
HILDEBRANDT, 1986) 314 .<br />
•O Multiculturalismo Crítico, considerando a necessi<strong>da</strong>de de<br />
promover ações comprometi<strong>da</strong>s com a produção de saberes e sua<br />
apreensão para a construção de uma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia capaz de coordenar<br />
planos de ação compreendendo e agindo criticamente diante <strong>da</strong>s<br />
condições de gênero, geração, etnia/raça, sexuali<strong>da</strong>de, diferenças de<br />
habili<strong>da</strong>des motoras e corporais, etc. que, dentre outros, aspectos<br />
procuram explicar os diversos preconceitos que impedem a construção<br />
<strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de social e suas implicações individuais e sociais<br />
(MCLAREN, 1997; BELLO, 2001) 315 (FARIA et. al., 2003, p. 3).<br />
Outra questão que os pesquisadores sempre reiteram é a relevância do trabalho<br />
coletivo, apontando que para sua realização é necessário “desejo, esforço pessoal e<br />
vontade política para assumir com transparência e sem ingenui<strong>da</strong>de a responsabili<strong>da</strong>de<br />
de colocar-nos, historicamente, na contramão de tudo aquilo que criticamos e que está<br />
posto no cotidiano escolar. (ANDRADE et. al., 2003, p.5, grifo dos autores). Além<br />
disso, ressaltam a relação dinâmico-dialógica, o aluno como sujeito e o professor como<br />
orientador e facilitador, porém todos contribuindo para alcançar o objetivo do PCTP<br />
(Planejamento Coletivo do Trabalho Pe<strong>da</strong>gógico), qual seja:<br />
Refletir criticamente o sentido e significado deste componente<br />
curricular e, ao mesmo tempo, implementar, tanto uma proposta<br />
pe<strong>da</strong>gógica, bem como Estratégias de Ensino orienta<strong>da</strong>s por uma<br />
perspectiva Emancipatória de <strong>Educação</strong> em parceria com a área de<br />
<strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> UFU, através do Núcleo de Estudos em<br />
Planejamento e Metodologias de Ensino <strong>da</strong> Cultura Corporal –<br />
NEPECC/UFU (Ibid, p. 1).<br />
Em todos os artigos são apresenta<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des desenvolvi<strong>da</strong>s com seus<br />
respectivos objetivos e resultados, demonstrando que os conteúdos são estratégias para<br />
se conseguir objetivos outros. No primeiro artigo consta um plano básico para a<br />
<strong>Educação</strong> Física Infantil, tendo a fun<strong>da</strong>mentação teórica, além do já exposto, a partir<br />
principalmente de Vigotsky e de Piaget apud Kamil e Devries. 316<br />
O segundo artigo procura mostrar a experiência com alunos <strong>da</strong> 3 a . e 4 a . séries do<br />
Ensino Fun<strong>da</strong>mental no sentido de criar uma “Estratégia de Ensino” construí<strong>da</strong><br />
coletivamente na tentativa de resolver os conflitos de “interação e convivência social<br />
314 BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.<br />
HILDEBRANDT, R. Concepções abertas no ensino <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Rio de Janeiro: Ao Livro<br />
Técnico, 1986.<br />
315 McLAREN, P. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.<br />
BELLO, L. Multiculturalismo e educação crítica. In. Planejamento Coletivo do Trabalho Pe<strong>da</strong>gógico:<br />
a experiência de Uberlândia. Uberlândia: Linograf/Casa do Livro, 2002.<br />
316 VIGOSTSKY, L. S. A formação social <strong>da</strong> mente. São Paulo: Ícone/Edusp, 1984.<br />
KAMIL, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na <strong>Educação</strong> Física Infantil: Implicações na Teoria de<br />
Piaget. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
entre os alunos” (Ibid, p. 2). Neste sentido, o “jogo” foi utilizado como estratégia,<br />
considerando que:<br />
257<br />
A partir de situações de conflito social que ocorrem cotidianamente na<br />
escola, promover a assimilação/internalização de conhecimento<br />
instrumental, social e comunicativo, socialmente relevante, capaz de<br />
estimular entre os alunos, a reflexão crítica de suas dificul<strong>da</strong>des e<br />
problemas de interação social, ao mesmo tempo em que<br />
oportunizamos a vivência de processos de construção coletiva de<br />
normas necessárias à sua superação (Ibid, p. 1).<br />
O terceiro artigo foi elaborado por funcionárias <strong>da</strong> Prefeitura Municipal de<br />
Uberlândia, que realizam o trabalho com o NEPECC/UFU. O objetivo também era<br />
apresentar uma “Estratégia de Ensino” desenvolvi<strong>da</strong> de forma coletiva, mas agora, com<br />
o “Eixo Temático Esporte Indivíduo e Socie<strong>da</strong>de”. Ao final, afirmam que:<br />
A construção de uma prática reflexiva e <strong>da</strong> autonomia docente está<br />
vincula<strong>da</strong> à inclusão dos problemas <strong>da</strong> prática em uma perspectiva de<br />
análise que vai além de nossas intenções e atuações pessoais. Implica<br />
com contexto coletivo de ação e participação social para tomar<br />
decisões frente à reali<strong>da</strong>de. Tais capaci<strong>da</strong>des só podem ser<br />
conquista<strong>da</strong>s através de práticas inovadoras nas quais os professores<br />
são livres para experimentar propostas de ensino, sem perder de vista<br />
seu compromisso com uma formação crítica e emancipa<strong>da</strong><br />
(VALADARES, 2002). Estabelecendo uma outra forma crítica de<br />
relação com os alunos e, por outro lado favorecendo a possibili<strong>da</strong>de de<br />
que estes últimos possam vivenciar de uma maneira menos coercitiva<br />
e mais autônoma, seus referenciais de vi<strong>da</strong> individual e social.<br />
(MUÑOS PALAFOX, 1995) (ANTUNES et. al., 2003, p. 8).<br />
Os dois últimos artigos que versam sobre o tema “Propostas curriculares e<br />
experiências de ensino” discutem a “Escola Plural” de Belo Horizonte. O primeiro é<br />
resultado de uma dissertação de mestrado 317 defendi<strong>da</strong> na UFMG (Universi<strong>da</strong>de Federal<br />
de Minas Gerais), cujo objetivo foi verificar as relações desse projeto de escola com as<br />
“práticas corporais” que, conforme a autora, acontecem tanto nas aulas de <strong>Educação</strong><br />
Física quanto em outros “tempos/espaços”. Dentre as muitas referências cita<strong>da</strong>s pela<br />
autora, saliento Arroyo, Bracht, Game 318 .<br />
317<br />
O projeto dessa dissertação foi apresentado no COMBRACE/2001. No projeto a autora expõe to<strong>da</strong>s as<br />
características <strong>da</strong> “Escola Plural”.<br />
318<br />
ARROYO, M. Os movimentos sociais e a construção <strong>da</strong> concepção e prática <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Básica<br />
Universal (Minicurso). Reunião Anual <strong>da</strong> Anped, n. 23, 2000, Caxambu. Notas.<br />
BRACHT, V. Pesquisa pe<strong>da</strong>gógica em educação física: o estado <strong>da</strong> arte. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte, n.12, 2001, Caxambu. Anais, CBCE, 2001.<br />
GAME. Avaliação <strong>da</strong> implantação do projeto político-pe<strong>da</strong>gógico Escola Plural. Belo Horizonte:<br />
GAME/FaE/UFMG, 2000.
258<br />
A autora identifica-se com o modelo <strong>da</strong> “Escola Plural” e apregoa que esta tem<br />
como preocupação a “emancipação humana do sujeito e o pleno exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia”<br />
(MAZONI, 2003, p. 1) e ain<strong>da</strong> que sua pesquisa apontou para “a construção de uma<br />
escola atenta à dimensão corporal de seus alunos e aberta ao envolvimento de práticas<br />
corporais em seu cotidiano” (Ibid, p. 2).<br />
Neste sentido, mostra os vários aspectos que a aju<strong>da</strong>ram a responder suas<br />
questões. Entre eles, ressalto: a “flexibili<strong>da</strong>de e autonomia” na organização escolar não<br />
presas a um programa de ensino rígido 319 , de maneira que a escola funcione com a<br />
organização de projetos permitindo uma maior vivência <strong>da</strong>s práticas corporais 320 ; uma<br />
mu<strong>da</strong>nça no “clima <strong>da</strong> escola”, com uma ênfase maior à liber<strong>da</strong>de de movimentação e<br />
expressão corporal, onde a centrali<strong>da</strong>de está no aluno, compreendendo-o como “sujeito<br />
do presente” e não como preparação para etapas futuras; a escola como “espaço de<br />
socialização, não apenas no que tange às relações interpessoais, mas também no que diz<br />
respeito à construção de papéis, identi<strong>da</strong>des e valores éticos” (Ibid, p. 4); ampliação<br />
sobre a concepção de saberes escolares; sobre a <strong>Educação</strong> Física explica que seu<br />
conteúdo e sua “existência” na escola depende <strong>da</strong>s decisões dos professores e aponta<br />
que esta disciplina precisa mu<strong>da</strong>r seus paradigmas. Enfim, chamo a atenção para as<br />
conclusões:<br />
A forma de organização <strong>da</strong> escola pesquisa<strong>da</strong> e as próprias diretrizes<br />
do Programa Escola Plural conduzem a uma discussão <strong>da</strong> qual não se<br />
pode fugir: a questão <strong>da</strong> organização dos saberes escolares em<br />
disciplinas. Em um momento em que a flexibili<strong>da</strong>de curricular e a<br />
integração de diferentes saberes vêm se impondo como direção a ser<br />
toma<strong>da</strong> em face <strong>da</strong>s atuais deman<strong>da</strong>s educacionais, é necessário que a<br />
<strong>Educação</strong> física problematiza o seu “lugar” na escola (Ibid, p. 6).<br />
O segundo artigo também é resultado de uma dissertação de mestrado defendi<strong>da</strong><br />
na UFSC (Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina) e tem como objetivo discutir a<br />
“relação entre corpo e temporali<strong>da</strong>de na Escola Plural” (OLIVEIRA, 2003, p. 1). A<br />
preocupação do autor é com a organização escolar em relação ao tempo necessário à<br />
aprendizagem.<br />
Utilizou a investigação técnica de “análise de conteúdo” para analisar os<br />
documentos produzidos pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em relação a esse<br />
319 Mesmo concor<strong>da</strong>ndo com a proposta a autora aponta que a “ausência de uma diretriz curricular no<br />
projeto-político pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> escola faz com que muitas <strong>da</strong>s práticas se percam em seu próprio<br />
experimentalismo, gerando nos professores sentimentos de angústia e insegurança.” (Ibid, p.3).<br />
320 Uma preocupação nas avaliações realiza<strong>da</strong>s pelo GAME (Grupo de Avaliação e Medi<strong>da</strong>s Educacionais<br />
<strong>da</strong> FaE/UFMG) é com a falta de continui<strong>da</strong>de dos projetos.
modelo de escola. Dentre os autores utilizados como referência estão Viñao-Frago,<br />
Daolio, Triviños, Thompson e Bracht 321 .<br />
259<br />
Expõe os princípios e to<strong>da</strong> a forma de organização <strong>da</strong> “Escola Plural”, discute a<br />
concepção de “tempo escolar” 322 e indica os diferentes “usos” <strong>da</strong>s “práticas corporais”<br />
nesse modelo escolar. Neste contexto, as práticas corporais são compreendi<strong>da</strong>s como:<br />
Patrimônio que constituiu a identi<strong>da</strong>de cultural dos educandos (...) um<br />
recurso para obter outras aprendizagens (...) relaciona<strong>da</strong> aos processos<br />
de desenvolvimento humano (...) como forma de criar um “clima<br />
favorável” na escola (...) como forma de linguagem, na qual serviriam,<br />
inclusive, de recursos para a avaliação e diagnóstico dos alunos (Ibid,<br />
p.4-5).<br />
A partir disso, o autor conclui que existem duas possibili<strong>da</strong>des para compreender<br />
o “movimentar-se dos sujeitos nas práticas pe<strong>da</strong>gógicas”. A primeira é apreendê-lo<br />
como forma de compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, ou seja, uma “compreensão-do-mundo-pela-<br />
ação”; a segun<strong>da</strong>, no sentido de entender as práticas corporais como<br />
um saber, produzido pela cultura e na cultura. (...) Patrimônio que,<br />
segundo BRACHT (1997, p.18) encerraria um duplo caráter: “ser um<br />
saber que se traduz num saber fazer, num realizar ‘corporal’; ser um<br />
saber sobre este realizar corporal”. O “movimentar-se” e o “refletir<br />
sobre ele” an<strong>da</strong>riam de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s (Ibid, p. 5).<br />
6. 4 - Síntese geral do GTT – epistemologia e do GTT – escola<br />
Em uma perspectiva geral nos GTT – epistemologia é possível verificarmos uma<br />
preocupação constante com a construção do campo acadêmico <strong>da</strong> educação física e com<br />
as novas abor<strong>da</strong>gens epistemológicas, como lustra o quadro 1, abaixo:<br />
321 VIÑAO-FRAGO, A. Tiempos escolares, tiempos sociales; la distribuicíon del tiempo y del trabajo en<br />
la enseñanza primaria en España (1838-1936). Barcelona: Ariel, 1998.<br />
DAOLIO, J. <strong>Educação</strong> física e cultura. Corpoconsciência. Santo André: Facul<strong>da</strong>de de <strong>Educação</strong> Física<br />
de Santo André, v. l. p.12-28, 1 sem. 1998.<br />
TRIVIÑOS, A. N. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São<br />
Paulo: Atlas, 1987.<br />
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1998.<br />
BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física; conhecimento e especifici<strong>da</strong>de. In: VAGO, T. M., SOUZA, E. (Orgs.).<br />
Trilhas & Partilhas; <strong>Educação</strong> Física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura,<br />
1997. p. 13-24.<br />
322 O autor assume a concepção de Viña-Frago que explica: “o tempo escolar é um tempo por sua vez<br />
institucional, pessoal, cultural e individual. Desde um ponto de vista institucional se mostra como um<br />
tempo prescrito e uniforme. E efetivamente o é, ao menos em sua intenção. No entanto, desde uma<br />
perspectiva individual, é um tempo plural e diverso. Não há um tempo, e sim uma varie<strong>da</strong>de de tempos”.<br />
(VIÑA-FRAGO apud OLIVEIRA, 2003, p. 3).
Quadro 1. Temáticas dos GTT epistemologia – 1999 a 2003<br />
TEMAS 1999 2001 2003 TOTAL<br />
Avaliação <strong>da</strong> produção - 3 3 6<br />
Conhecimento específico 3 - - 3<br />
Construção do campo acadêmico 5 4 5 14<br />
Novas abor<strong>da</strong>gens 7 5 3 15<br />
Concepção de corpo 3 7 7 17<br />
Tempo livre - 1 1<br />
Dopping - 1 - 1<br />
Ética - 1 1 2<br />
Prática pe<strong>da</strong>gógica - 2 1 3<br />
TOTAL 18 24 17 47<br />
(Fonte: Elaborado pela autora)<br />
260<br />
A preocupação exposta acontece no sentido <strong>da</strong>quele anunciado por Bracht, ou<br />
seja, preocupação em reformular ou abandonar as “velhas” abor<strong>da</strong>gens positivistas e<br />
marxistas para se posicionarem criticamente ou assumi<strong>da</strong>mente nas novas perspectivas<br />
pós-modernas, muito mais apropria<strong>da</strong>s à “reali<strong>da</strong>de atual”.<br />
Dentre as temáticas, as questões sobre o “corpo” também possuem grande<br />
relevo. Não por acaso, nessas perspectivas não só o indivíduo é tomado como isolado,<br />
diferente, único, como também é subjetivi<strong>da</strong>de sensível, na qual é necessário abandonar<br />
a “repressora” racionali<strong>da</strong>de e fazer com que o homem se reencontre na sensibili<strong>da</strong>de<br />
corporal.<br />
Assim, em geral a dicotomia entre corpo e mente mostra<strong>da</strong> é discuti<strong>da</strong> como<br />
parte <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de construí<strong>da</strong> na tradição cultural ocidental, e a mente diz respeito à<br />
racionali<strong>da</strong>de, sempre critica<strong>da</strong>. Procuram construir uma outra perspectiva, que<br />
enxergue o corpo relacionado com a sensibili<strong>da</strong>de, a qual, por sua vez deve ser
procura<strong>da</strong>; ou seja: o corpo tem seu locus privilegiado no mundo atual, pois pode ser<br />
utilizado para combater um mundo dominado pela racionali<strong>da</strong>de. É o lugar <strong>da</strong> expressão<br />
<strong>da</strong> cultura e, principalmente, a própria manifestação do sensível e <strong>da</strong> linguagem,<br />
também sensível. A <strong>Educação</strong> Física, por trabalhar com essas temáticas, encontra nessa<br />
perspectiva a legitimi<strong>da</strong>de necessária para sua manutenção não apenas na escola, mas na<br />
vi<strong>da</strong> humana. Os autores comuns tomados como referências nesses artigos são Adorno,<br />
Horkheimer, Maffesoli, Merleau-Ponty, Foucault e Morin 323 .<br />
261<br />
Com raras exceções, destaca-se uma heterogenei<strong>da</strong>de de temáticas e um<br />
ecletismo teórico como base – mas sempre apoiados na teoria crítica e nas vertentes<br />
pós-modernas. Ademais, em alguns artigos existe a compreensão sobre o que é o ser<br />
humano, em sintonia com a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista: o indivíduo môna<strong>da</strong>,<br />
agora o corpo môna<strong>da</strong>.<br />
No GTT – escola/1999 é possível encontrarmos uma preocupação em<br />
compreender o cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, em alguns artigos os autores tratam<br />
<strong>da</strong> dicotomia existente entre teoria e prática, e isso é muitas vezes traduzido na distância<br />
do conhecimento produzido na universi<strong>da</strong>de e o que acontece no cotidiano <strong>da</strong> escola.<br />
Essa situação leva, em muitos casos, a reforçar a preocupação com o cotidiano escolar<br />
em detrimento <strong>da</strong> teoria produzi<strong>da</strong>, reforçando a falsa compreensão de que é na escola,<br />
com o trabalho “coletivo” entre professores e alunos, que se dá a produção do<br />
conhecimento.<br />
Trabalha-se também na perspectiva <strong>da</strong> formação do professor para o “fazer<br />
crítico-reflexivo”, ou, como preferem alguns, a formação <strong>da</strong> “consciência crítica e<br />
reflexiva”.<br />
Em relação à perspectiva teórica, muitos pesquisadores utilizam como método a<br />
“análise de conteúdo” e o “estilo etnográfico” de pesquisa. Alguns se mostram também<br />
ecléticos, ou seja, se fun<strong>da</strong>mentam em autores que tecem críticas à escola, à <strong>Educação</strong><br />
Física volta<strong>da</strong> para a aptidão física e ao esporte 324 , mas não levam em consideração que<br />
323<br />
ADORNO, T. W. Mínima morália: reflexionen aus dem beschädigten Leben. Gesammelte Schiften 4.<br />
Frankfut am Main: Suhrkamp, 1997.<br />
HORKHEIMER, M. Eclipse <strong>da</strong> razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976.<br />
MAFFESOLI, M. No fundo <strong>da</strong>s aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.<br />
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia <strong>da</strong> percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.<br />
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento <strong>da</strong> prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.<br />
MORIN, E. O paradigma perdido: a natureza humana. 5. ed. Lisboa: Publicações Europa/América,<br />
1973.<br />
324<br />
As críticas em relação à <strong>Educação</strong> Física tecnicista começam a ser realiza<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> crítica à<br />
racionali<strong>da</strong>de instrumental sob a influência <strong>da</strong> Escola de Frankfurt.
essas críticas podem ser realiza<strong>da</strong>s por questões e objetivos diferentes e acabam por<br />
utilizar autores cuja compreensão sobre o mundo e o ser social são incompatíveis. É<br />
possível, por exemplo, encontrarmos, entre os pesquisadores, fun<strong>da</strong>mentação em<br />
autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, cuja referência é o Materialismo Histórico ao lado de<br />
autores que possuem como fun<strong>da</strong>mento a Teoria <strong>da</strong> Ação Comunicativa de Habermas;<br />
ou ain<strong>da</strong> artigos que mesclam Paulo Freire e Dermeval Saviani.<br />
262<br />
Podemos constatar que os autores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física mais citados são o<br />
Coletivo de Autores e Bracht, seguidos por Kunz. Os dois últimos se fun<strong>da</strong>mentam na<br />
Teoria de Habermas e suas ideias são melhores incorpora<strong>da</strong>s pelos autores, mesmo<br />
quando citados juntamente com o Coletivo de Autores 325 . Deste, incorpora-se<br />
normalmente o termo “cultura corporal”, destituído do sentido/significado proposto<br />
pelos autores.<br />
Os pesquisadores têm ain<strong>da</strong> ampliado suas referências teóricas para autores <strong>da</strong><br />
psicologia, filosofia, sociologia e, especialmente, educação, incorporando as<br />
perspectivas ‘inovadoras’ ou pós-modernas.<br />
Outro aspecto observado no que se referem às posições a cerca <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de,<br />
conhecimento específico, planejamento e propostas de ensino. Particularmente sobre a<br />
legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, os autores não conseguem chegar à raiz <strong>da</strong>s questões.<br />
Explicita ou implicitamente, conscientemente ou não, reforçam as relações que<br />
dificultam a legitimi<strong>da</strong>de almeja<strong>da</strong>, ora enfatizando como problema as questões<br />
políticas, ora enfatizando a falta de competência dos professores.<br />
Além disso, na tentativa de se legitimar essa disciplina, perdem sua<br />
especifici<strong>da</strong>de na escola. Mesmo ao serem apresentados vários artigos sobre os<br />
conteúdos <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, estes são justificados não por suas características<br />
próprias, mas por desenvolverem determinados valores como a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, a<br />
cooperação, a criativi<strong>da</strong>de, promoção <strong>da</strong> interação social, o resgate <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />
autoestima. Alguns abor<strong>da</strong>m a eqüi<strong>da</strong>de social, a expressão livre e criativa e a maioria<br />
tem como objetivo último formar o ci<strong>da</strong>dão 326 .<br />
Para conseguir êxito, parte dos pesquisadores utilizam como estratégia o<br />
“trabalho coletivo”, a “soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de” e o “diálogo” ou o ensino “dinâmico-dialógico”.<br />
325 Embora Valter Bracht faça parte do grupo Coletivo de Autores, em sua produção individual e com<br />
outros pesquisadores não tem se pautado pelo Materialismo Histórico como referência.<br />
326 Na época <strong>da</strong> Ditadura Militar, por exemplo, para justificar a <strong>Educação</strong> Física/esporte na escola se<br />
utilizavam também dos valores a serem internalizados, como assumir e aceitar lideranças, formação<br />
integral, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, ajustamento do indivíduo ao meio em que vive, amor à Pátria etc.
Uma questão que vem à tona não é ser contra o trabalho coletivo, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, mas<br />
questionarmos que se o objetivo final é formar o ci<strong>da</strong>dão para um melhor convívio em<br />
socie<strong>da</strong>de, estaremos apenas educando para atingir as “deman<strong>da</strong>s do mercado”,<br />
formando trabalhadores que tenham “autonomia”, saibam trabalhar em grupo, sejam<br />
solidários para manter e aprimorar a socie<strong>da</strong>de capitalista (BRUNO, 1996).<br />
263<br />
Nos trabalhos que se posicionam com uma filiação teórica no Materialismo<br />
Histórico ou apontam a superação do capitalismo como meta, algumas dessas questões<br />
também aparecem, principalmente a formação para ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a escola como<br />
produtora de conhecimento, a educação como trabalho não-material e, às vezes, a<br />
incompreensão do que seja o Materialismo Histórico.<br />
As pesquisas apresenta<strong>da</strong>s no GTT – escola/2001 dão continui<strong>da</strong>de às questões<br />
apresenta<strong>da</strong>s no evento anterior, com um aumento significativo do número de trabalhos<br />
apresentados sobre a temática “Planejamento de Ensino e Propostas Curriculares”.<br />
Neste sentido, existe uma preocupação com a falta de preparo dos professores de<br />
<strong>Educação</strong> Física em vários aspectos <strong>da</strong> sua formação. Para superar o problema,<br />
propõemcomo necessária a formação do professor autônomo e crítico-reflexivo. Existe<br />
ain<strong>da</strong> uma preocupação com a formação continua<strong>da</strong> e com o trabalho coletivo do<br />
professor, porém não com tanta ênfase como no evento anterior. Dessa forma, foi<br />
apresentado um número maior de relatos de experiências pessoais.<br />
Os pesquisadores, ao realizarem críticas à escola tradicional, buscam uma nova<br />
organização escolar que seja mais livre, que possibilite ao professor e aos alunos novas<br />
condutas que priorizem o corpo/sensível, as emoções, e em alguns casos existe também<br />
a preocupação com a formação do professor para a sensibili<strong>da</strong>de, evidenciando, em<br />
muitos casos, a dicotomia corpo/mente.<br />
Foi constatado, também, um qualitativo esvaziamento ao se tratar de conteúdos,<br />
tanto no que diz respeito aos seus aspectos técnicos quanto <strong>da</strong>s características que lhes<br />
são próprias. Embora se tenha apresentado um grande número de artigos versando sobre<br />
o “conhecimento específico”, em regra o que se valorizam são movimentos livres –<br />
mesmo que sua ação biomecânica esteja erra<strong>da</strong> – e são enalteci<strong>da</strong>s também as vivências<br />
emotivas dos conteúdos, além <strong>da</strong>s críticas ao esporte por este continuar a ser<br />
hegemônico.<br />
Quanto à perspectiva teórica, alguns autores citam como “tipo de pesquisa” a<br />
etnografia e a pesquisa-ação ou pesquisa participativa. Em relação aos autores mais<br />
utilizados como referência, permanece a mesma lógica do evento anterior e, na
<strong>Educação</strong> Física os mais citados são o Coletivo de Autores, Bracht, Kunz e Vago,<br />
seguidos de Daolio. A apropriação do Coletivo de Autores também ocorre, na maioria<br />
<strong>da</strong>s vezes, sem a compreensão do seu arcabouço teórico.<br />
264<br />
Foram apresentados alguns artigos que mesmo ecleticamente se posicionam em<br />
uma perspectiva progressista. Apenas um deles apresenta a organização e a<br />
sistematização de todo o conteúdo <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, tomando como referência Kunz<br />
e o Coletivo de Autores. Três pesquisas tomam como referência explícita autores do<br />
Materialismo Histórico, mas em geral apresentando problemas teóricos, em função do<br />
ecletismo.<br />
Nos trabalhos analisados no GTT – escola/2003, os pesquisadores, em regra,<br />
estão preocupados em compreender a reali<strong>da</strong>de escolar e construir uma <strong>Educação</strong> Física<br />
condizente com essa reali<strong>da</strong>de. Os temas apresentados sobre a temática “Planejamneto<br />
de Ensino e propostas pe<strong>da</strong>gógicas” aumentam significativamente em relação a to<strong>da</strong>s as<br />
outras temáticas.<br />
As formas de pesquisas utiliza<strong>da</strong>s especificamente nos artigos são a etnografia,<br />
história de vi<strong>da</strong>, relato de experiência, relacionados à descrição do cotidiano na escola<br />
ou do cotidiano de um ou mais professores, e ain<strong>da</strong> a análise de conteúdo relacionado a<br />
documentos oficiais.<br />
Alguns buscam principalmente como referência teórica a fenomenologia, de<br />
maneira que, para muitos, Paulo Freire é o referencial. Outros se fun<strong>da</strong>mentam na<br />
Teoria Crítica, no Multiculturalismo Crítico, ou todos esses referenciais aparecem em<br />
um só texto. São poucos os que buscam uma fun<strong>da</strong>mentação no Materialismo Histórico.<br />
Em relação aos autores mais citados <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, nesse evento houve uma<br />
pulverização, ou seja, Bracht continua sendo o mais citado, mas há uma distribuição<br />
quase igualitária entre todos, apresentando-se o Coletivo de Autores, Kunz, Daolio e<br />
outros.<br />
Existe uma preocupação comum, qual seja, transformar a <strong>Educação</strong> Física em<br />
uma disciplina necessária. Esse propósito é objetivado <strong>da</strong> seguinte maneira: superar o<br />
modelo tecnicista juntamente com sua competição excessiva e sua cultura <strong>da</strong><br />
indiferença; superar a dicotomia entre teoria e prática, principalmente porque os<br />
conteúdos estu<strong>da</strong>dos nos cursos de graduação em na<strong>da</strong> estão relacionados com o<br />
cotidiano escolar; romper com a forma de organização <strong>da</strong> escola e criar um modelo de<br />
maior liber<strong>da</strong>de, eliminando aquele produzido pela racionali<strong>da</strong>de técnica; superar o
distanciamento cultural entre professores e alunos; superar a falta de tempo para o<br />
planejamento de ensino.<br />
265<br />
To<strong>da</strong> essa transformação justificaria, segundo os pesquisadores que a assumem,<br />
a presença dessa disciplina na escola, porque com isto contribuiria para alcançar o<br />
objetivo último, qual seja, formar para a prática <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, construindo a<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, a democracia e a equi<strong>da</strong>de social.<br />
Para a concretização desses objetivos, os pesquisadores apontam como<br />
necessi<strong>da</strong>de compreender a proposta pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> escola, conhecer o seu cotidiano e a<br />
sua rotina e, ain<strong>da</strong>, realizar o planejamento coletivamente.<br />
Defendem que para empreender a superação <strong>da</strong> dicotomia entre teoria e prática e<br />
do planejamento de ensino baseado na racionali<strong>da</strong>de técnica, a construção do<br />
planejamento, além de coletiva, deve acontecer cotidianamente. Isso significa que as<br />
soluções dos problemas devem ser pensa<strong>da</strong>s conforme eles apareçam, deve-se “aprender<br />
fazendo”. Nesse âmbito, os professores precisam desenvolver novas competências para<br />
agir no cotidiano escolar em um processo de formação continua<strong>da</strong>.<br />
Os objetivos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s aulas de <strong>Educação</strong> Física são aprender o trabalho<br />
coletivo, ser solidário, desenvolver uma “outra” sensibili<strong>da</strong>de que se despren<strong>da</strong> <strong>da</strong> busca<br />
pela razão, enfim, desenvolver “boas emoções” e “sentimentos”. As estratégias de<br />
ensino devem ser prazerosas, e o movimento corporal deve ser concebido como a<br />
linguagem que expressa a produção <strong>da</strong> cultura. Tais estratégias são direciona<strong>da</strong>s para<br />
atingir o objetivo último que é a formação para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Em relação aos eventos analisados, há uma pequena ampliação do número de<br />
trabalhos que possuem como referência o Materialismo Histórico (quatro trabalhos),<br />
mas mesmo nesses trabalhos com referências em autores marxistas permanecem<br />
problemas como, por exemplo, a questão do trabalho não-material e a formação do<br />
“ci<strong>da</strong>dão-trabalhador”.<br />
Na maioria dos artigos apresentados no GTT - escola 1999/2001/2003, foi<br />
possível constatar, nessa análise, entre outras questões, que a <strong>Educação</strong> Física perde sua<br />
especifici<strong>da</strong>de, porque os objetivos apontados dizem respeito à interações interpessoais<br />
e formação do ci<strong>da</strong>dão e poderiam ser trabalhados por qualquer disciplina, ou seja,<br />
deixa de ser uma disciplina com um conhecimento específico a ser transmitido e torna-<br />
se uma estratégia de ensino para alcançar determinados valores pertinentes à<br />
conformação <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de vigente. Ou seja, os professores <strong>da</strong> disciplina <strong>Educação</strong>
Física continuam procurando legitimá-la não por seu conteúdo específico, mas porque<br />
ela pode contribuir para a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e para a formação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
266<br />
As temáticas se modificaram gra<strong>da</strong>tivamente nos eventos, destacando-se no<br />
evento de 2003 uma preocupação maior em organizar a disciplina na escola, ou seja,<br />
uma quantificação maior <strong>da</strong> temática relaciona<strong>da</strong> com o planejamento de ensino e com<br />
propostas pe<strong>da</strong>gógicas. Essa tendência pode ser constata<strong>da</strong> no quadro abaixo:<br />
Quadro 2. Temáticas dos GTT escola – 1999 a 2003<br />
TEMAS 1999 2001 2003 TOTAL<br />
Avaliação do GTT – escola - - 2 2<br />
Conhecimento específico 8 7 2 17<br />
Concepções de <strong>Educação</strong> Física 2 2 3 7<br />
<strong>Educação</strong> Física Infantil - 1 1 2<br />
Legislação sobre <strong>Educação</strong> Física - 1 1 2<br />
Avaliação - - 1 1<br />
Planejamento de ensino e propostas curriculares 4 8 12 24<br />
Questões de gênero 1 2 - 3<br />
Legitimi<strong>da</strong>de 3 - - 3<br />
<strong>Educação</strong> e saúde 1 - - 1<br />
Psicanálise 1 - - 1<br />
Discussão sobre currículo - 1 - 1<br />
TOTAL 20 22 22 64<br />
(Fonte: Elaborado pela autora)<br />
Outra questão passível de observação nas pesquisas apresenta<strong>da</strong>s foi o<br />
diagnóstico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na escola, ou seja, em várias pesquisas os autores<br />
apresentaram os resultados de análises, entrevistas e observações dos professores e de<br />
aulas dessa disciplina em várias regiões do país.<br />
Os resultados apresentados nessas pesquisas demonstram que o esporte ain<strong>da</strong> é o<br />
conteúdo hegemônico, mas que a maioria dos professores não prepara aulas, e também<br />
que grande parte deles não sabe para que serve seu conteúdo na escola. Na maioria <strong>da</strong>s<br />
vezes, ignoram até mesmo com quais conteúdos devem trabalhar e como devem ser<br />
feitas as avaliações.
267<br />
Ademais, as pesquisas sugerem que os professores sofrem preconceito na escola<br />
e são tidos como “quebra-galhos”. Para tentar superar isso, aproveitam <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de<br />
afetiva com o aluno e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de que possuem para resolver problemas ao viabilizar<br />
a aula.<br />
Enfim, nos GTTs epistemologia e escola, ao se tentar abandonar o paradigma <strong>da</strong><br />
aptidão física e buscar se justificar pela “cultura corporal de movimento”, na ver<strong>da</strong>de<br />
os professores mu<strong>da</strong>ram o enfoque, mas continuam a justificá-la pelos possíveis valores<br />
e normas de conduta. Fica evidenciado, assim, que a compreensão do que é ser “crítico”<br />
na <strong>Educação</strong> Física está relaciona<strong>da</strong> à rejeição à técnica, à racionali<strong>da</strong>de científica (ou a<br />
qualquer racionali<strong>da</strong>de), à disciplina e está próxima <strong>da</strong> ‘liber<strong>da</strong>de de movimentos’,<br />
‘sensibili<strong>da</strong>de’, ‘autonomia’ etc.<br />
A <strong>Educação</strong> Física em construção hoje, com nova roupagem, em muito se parece<br />
com aquela do século XIX, quando era necessário formar o caráter, ou seja, formar o<br />
ci<strong>da</strong>dão para a socie<strong>da</strong>de capitalista. Ao que parece, as mu<strong>da</strong>nças realiza<strong>da</strong>s ou<br />
pretendi<strong>da</strong>s são ajustes dessa disciplina à reorganização para a manutenção <strong>da</strong> mesma<br />
lógica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, e não há em seus professores qualquer posicionamento<br />
em direção a uma possibili<strong>da</strong>de ou necessi<strong>da</strong>de de um rompimento radical com essa<br />
lógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
No conjunto <strong>da</strong>s reflexões empreendi<strong>da</strong>s neste estudo, busquei mostrar que<br />
necessi<strong>da</strong>des históricas são causali<strong>da</strong>des postas, ou novos nexos causais desencadeados<br />
pelos atos teleologicamente postos. Dito de outra forma, os homens, ao agirem<br />
intencionalmente, transformam o mundo e se transformam, criam necessi<strong>da</strong>des e<br />
buscam meios para satisfazê-las. Essas necessi<strong>da</strong>des não são naturais, são construí<strong>da</strong>s<br />
pelos homens, são histórico-sociais. Portanto, a necessi<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> educação<br />
física ou de qualquer campo social é a construção <strong>da</strong> emancipação humana.<br />
Por isso, considero que houve um retrocesso entre os professores de educação<br />
física. Retrocesso porque no início <strong>da</strong>s discussões, após a ditadura militar, nascia uma<br />
preocupação em criticar a situação social posta, qual seja, educar os indivíduos para a<br />
convivência harmoniosa na socie<strong>da</strong>de capitalista e, a partir disso, uma preocupação em<br />
relação à educação física, pois esta vinha servindo adequa<strong>da</strong>mente a esse propósito.<br />
Alguns apontavam que a desigual<strong>da</strong>de social estava relaciona<strong>da</strong> à própria<br />
organização social e que era necessário transformá-la. Entretanto, como demonstrei nos<br />
capítulo 1 e 6, as perspectivas a partir <strong>da</strong>s quais procuravam fazer a crítica radical à<br />
socie<strong>da</strong>de vigente se reduziram consideravelmente. E mesmo dentre aqueles que se<br />
posicionam a favor de uma superação desta socie<strong>da</strong>de, há os que defen<strong>da</strong>m como<br />
finali<strong>da</strong>de a ser alcança<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, ou seja, a “emancipação política” e não a<br />
“emancipação humana” de fato 327 .<br />
Muitas <strong>da</strong>s problemáticas encontra<strong>da</strong>s entre os professores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física<br />
são comuns aos demais educadores. A escola constituí<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de capitalista, e a<br />
educação física como um dos seus conteúdos, esteve sempre atrela<strong>da</strong> à conformação de<br />
padrões de conduta para a reprodução dessa socie<strong>da</strong>de, tal como tenho insistido nesta<br />
tese.<br />
Assim, o que ocorre hoje com as chama<strong>da</strong>s “novas teorias e práticas <strong>da</strong><br />
educação” pode ser considerado como uma supervalorização desse papel conformador<br />
sob a forma de prescrição de valores éticos e morais em detrimento <strong>da</strong> transmissão do<br />
conhecimento, que se constituiu historicamente na sua especifici<strong>da</strong>de basilar. Essa<br />
situação também pode ser constata<strong>da</strong> na especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física, conforme<br />
327 Neste sentido, é bom lembrar que alguns professores de <strong>Educação</strong> Física como Bracht (2006), se<br />
apropriam do conceito de “emancipação humana”, e equivoca<strong>da</strong>mente o tratam como sinônimo de<br />
“emancipação política”.
aquilo que está exposto na maioria dos artigos analisados no capítulo 6. Neste sentido,<br />
as perspectivas pós-modernas, nas suas várias tendências, assim como outras<br />
perspectivas aponta<strong>da</strong>s, vêm ao encontro dessa conformação, ain<strong>da</strong> que a maioria dos<br />
seus autores se denominem “críticos” 328 .<br />
269<br />
Considero fun<strong>da</strong>mental ter a compreensão de que a escola é apenas um<br />
complexo parcial <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social e que a sua “legitimi<strong>da</strong>de” e a “legitimi<strong>da</strong>de” de<br />
suas disciplinas são media<strong>da</strong>s por essa totali<strong>da</strong>de. Ao deslocar a questão <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de<br />
para a necessi<strong>da</strong>de histórica, a discussão ganha um novo patamar: ao invés de buscar<br />
compreender a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> educação física por ela mesma (autonomia), é preciso<br />
compreender que essa legitimi<strong>da</strong>de é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela dinâmica <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social capitalista<br />
de acordo com os interesses de seus agentes. Esses interesses se modificam buscando o<br />
que é ou não necessário para a produção e realização <strong>da</strong> mais-valia, ou seja, para o<br />
incessante processo de valorização do valor.<br />
Deslocar para a questão <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de histórica significa recolocar no leque de<br />
alternativas, para além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se reproduzir do capital, prioritariamente a<br />
necessi<strong>da</strong>de de reprodução <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Significa compreender que, em<br />
contraposição à legitimi<strong>da</strong>de posta pelo capital, o “pôr teleológico” deve estar<br />
direcionado à emancipação humana, ou seja, ter como finali<strong>da</strong>de a construção de uma<br />
outra organização social que possibilite a todos os homens usufruírem <strong>da</strong>quilo que o<br />
gênero humano tem conquistado.<br />
Como a “posição do fim” é o momento predominante de to<strong>da</strong> a ação humana, é<br />
ela que orienta a busca do conhecimento sobre a reali<strong>da</strong>de, a escolha entre as várias<br />
alternativas, o domínio dos afetos, e também possibilita a modificação <strong>da</strong>s condições<br />
objetivas e subjetivas do presente e impulsiona para a transformação.<br />
Estabelecer a posição do fim é sempre uma posição histórica, ou seja, essa<br />
posição se transforma com a construção histórica realiza<strong>da</strong> pelo ser social. Não é a<br />
busca de algo ideal, mas é a formulação do fim, a partir <strong>da</strong>s condições concretas<br />
objetivas. Condições concretas e objetivamente postas que se expressam no gigantesco<br />
desenvolvimento <strong>da</strong>s forças produtivas que possibilitariam a redução do tempo<br />
socialmente necessário para a produção <strong>da</strong> riqueza e o atendimento progressivo <strong>da</strong>s<br />
multifacetárias necessi<strong>da</strong>des de to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong>de. Contraditoriamente, sob a lógica <strong>da</strong><br />
328 Compreendo que em muitos casos existe uma posição sincera no sentido de contribuir para que as<br />
pessoas tenham uma vi<strong>da</strong> melhor, procurando reformas no interior <strong>da</strong> educação física e <strong>da</strong> educação. No<br />
entanto, a melhor <strong>da</strong>s intenções não pode fazer com que somente mu<strong>da</strong>nças internas nos complexos<br />
parciais alterem o eixo <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social.
ordem social do capital, esse desenvolvimento inaudito, construído e acumulado<br />
historicamente pelos homens não objetiva, por si mesmo, a sua superação. Ao<br />
contrário, a atual lógica produtiva e reprodutiva ca<strong>da</strong> vez se efetiva sob o ônus <strong>da</strong><br />
miserabilização física e espiritual <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, que serve de meio direto<br />
ou indireto para a acumulação priva<strong>da</strong> de riqueza. A contundência dessa situação, tal<br />
como nos informa Mészáros, é de tal ordem que até mesmo a ONU (Organização <strong>da</strong>s<br />
Nações Uni<strong>da</strong>s) admite, em seus relatórios sobre desenvolvimento humano, que:<br />
270<br />
o 1% mais rico do mundo aufere tanta ren<strong>da</strong> quanto os 57% mais<br />
pobres. A proporção, no que se refere aos rendimentos, entre os 20%<br />
mais ricos e os 20% mais pobres no mundo aumentou de 30 para 1 em<br />
1960, para 60 para 1 em 1990 e para 74 para 1 em 1999, e estima-se<br />
que atinja 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas<br />
viviam com menos de 2 dólares por dia, 840 milhões estavam<br />
subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a nenhuma forma<br />
aprimora<strong>da</strong> de serviço de saneamento, e uma em ca<strong>da</strong> seis crianças em<br />
i<strong>da</strong>de de freqüentar a escola primária não estava na escola. Estima-se<br />
que cerca de 50% <strong>da</strong> força de trabalho não-agrícola esteja<br />
desemprega<strong>da</strong> ou subemprega<strong>da</strong> (2005, p. 73 - 4).<br />
Vale lembrar que essa situação não se constitui em uma anomalia para a lógica<br />
do capital, mas é a confirmação de uma tendência intrínseca a sua forma de ser, que só<br />
tende a se aprofun<strong>da</strong>r. Daí que a posição fim para garantir a continui<strong>da</strong>de do gênero<br />
humano sob patamares de organização social superiores aos estabelecidos atualmente só<br />
pode ser a busca <strong>da</strong> emancipação humana.<br />
A escola e a educação física, como um dos seus conteúdos, pouco pode fazer<br />
para a superação radical desta socie<strong>da</strong>de degra<strong>da</strong><strong>da</strong>. Mas é preciso ter clareza que,<br />
dentro dos limites e possibili<strong>da</strong>des atuais, só é possível pensar a cultura corporal para a<br />
emancipação humana se o foco, a direção for a emancipação humana. Dessa forma, a<br />
finali<strong>da</strong>de última deve ser a transformação radical <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista em prol<br />
dessa emancipação.<br />
A necessi<strong>da</strong>de histórica que se apresenta atualmente para a humani<strong>da</strong>de é esta.<br />
Ao continuar o capital, constrói-se ca<strong>da</strong> vez mais a barbárie e é ela que como totali<strong>da</strong>de<br />
social determinará em última instância os rumos <strong>da</strong> educação física, <strong>da</strong> escola e dos<br />
indivíduos. Lessa (2007a, p. 138), ao recuperar Lukács, afirma que é preciso ficar claro<br />
que só é possível a “construção de uma generali<strong>da</strong>de humana autêntica” com a<br />
superação do capital.<br />
Isto significa a construção <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social não media<strong>da</strong>, na base <strong>da</strong> sua<br />
organização <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> riqueza, pelo antagonismo de classe. Antagonismo este que,
na socie<strong>da</strong>de vigente, tem como eixo matricial a produção e valorização do capital por<br />
meio <strong>da</strong> apropriação priva<strong>da</strong> dos meios e instrumentos fun<strong>da</strong>mentais de produção e pela<br />
compra <strong>da</strong> mercadoria força de trabalho.<br />
271<br />
A necessi<strong>da</strong>de histórica de se contrapor ao capital é muito mais importante do<br />
que legitimar a educação física na socie<strong>da</strong>de capitalista. São grandes os limites e<br />
pequenas as possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> educação/educação física em contribuir no processo de<br />
construção de alternativas sociais transcendentes à sociabili<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong>. Concordo<br />
com Mészáros quando postula que<br />
a educação formal não é a força ideologicamente primária que<br />
consoli<strong>da</strong> o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só,<br />
fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma <strong>da</strong>s funções<br />
principais <strong>da</strong> educação formal nas nossas socie<strong>da</strong>des é produzir tanta<br />
conformi<strong>da</strong>de ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por<br />
meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente<br />
sancionados. Esperar <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de mercantiliza<strong>da</strong> uma sanção ativa –<br />
ou mesmo mera tolerância – de um man<strong>da</strong>to que estimule as<br />
instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa<br />
histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de romper com a lógica do<br />
capital no interesse <strong>da</strong> sobrevivência humana, seria um milagre<br />
monumental. É por isso que, também no âmbito educacional, as<br />
soluções “não podem ser formais; elas devem ser essenciais”. Em<br />
outras palavras, elas devem abarcar a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s práticas<br />
educacionais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong> (2005, p. 45, grifo do autor).<br />
A concordância com Mészáros se dá no sentido de não se alimentar ilusões<br />
quanto às possibili<strong>da</strong>des de intervenção dos educadores formais que buscam a<br />
emancipação humana. Essa posição não é conformista e muito menos derrotista; ao<br />
contrário, ela é parametradora <strong>da</strong>quilo que pode ser feito sob as condições hostis <strong>da</strong>s<br />
instituições formais de educação. Essa posição se complementa com a formulação de<br />
Tonet, quando este discute os limites e as possibili<strong>da</strong>des coloca<strong>da</strong>s objetivamente aos<br />
professores que se posicionam como críticos radicais dessa socie<strong>da</strong>de:<br />
O que é possível fazer, hoje, ao nosso ver, são ativi<strong>da</strong>des educativas<br />
que apontem no sentido <strong>da</strong> emancipação (além, obviamente, <strong>da</strong><br />
disputa com o capital no terreno <strong>da</strong>s políticas educacionais). (...) Mas,<br />
para isso, além de ter clareza quanto ao objetivo final a ser atingido,<br />
também é necessário compreender bem a lógica que preside a<br />
socie<strong>da</strong>de capitalista e a natureza atual <strong>da</strong> crise; ter clareza acerca <strong>da</strong><br />
natureza e <strong>da</strong>s funções sociais <strong>da</strong> educação, de modo a nem<br />
subestimá-la nem superestimá-la; ter um domínio tal <strong>da</strong> área com a<br />
qual se trabalha que permita oferecer o melhor conhecimento possível<br />
aos educandos e, finalmente, articular as lutas específicas dos<br />
educadores com as lutas mais gerais (2003, p. 47 - 8).
272<br />
Assim, de acordo com a compreensão aqui expressa, o Coletivo de Autores<br />
acerta quanto à proposição do conteúdo específico <strong>da</strong> educação física na escola, quais<br />
sejam, os “elementos <strong>da</strong> cultura corporal” – a <strong>da</strong>nça, os jogos, os esportes, a ginástica,<br />
as lutas, mímicas, malabarismos e outros. Também acerta em aspectos do tratamento<br />
<strong>da</strong>do a esse conteúdo e em relação à avaliação. A sistematização realiza<strong>da</strong> pelo Coletivo<br />
de Autores, portanto, poderia continuar sendo o ponto de parti<strong>da</strong> para a prática<br />
pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física escolar. Mas de forma alguma essa proposição esgota as<br />
práticas – dentro e fora do ambiente escolar – dos professores postados na perspectiva<br />
<strong>da</strong> emancipação humana.<br />
Erram de maneira visceral todos os que pensam que o professor, por estar na<br />
escola, tem um espaço privilegiado para a formação revolucionária. Acrescenta-se ao<br />
que foi exposto sobre as instituições escolares o fato de que o professor está sujeito aos<br />
mesmos processos de contradições que os outros trabalhadores e são igualmente<br />
vendedores de força de trabalho, seja para o estado capitalista (como trabalhadores<br />
improdutivos para o capital), ou para a rede priva<strong>da</strong> em geral (como trabalhadores<br />
produtivos para o capital). Os professores <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física não são seres supra-<br />
históricos, eles também não deixam de ser trabalhadores assalariados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
capitalista. As suas ativi<strong>da</strong>des, por conseguinte, não estão isentas do processo de<br />
subordinação a essa forma social.<br />
A tarefa pe<strong>da</strong>gógica dos professores postados no campo <strong>da</strong> critica radicalmente<br />
superadora <strong>da</strong> ordem social estabeleci<strong>da</strong>, como de qualquer outro revolucionário, não<br />
pode se limitar ao seu ambiente de trabalho. Essa tarefa também pode e deve ser<br />
media<strong>da</strong> ali, mas como ser social consciente dos objetivos que pretende atingir, o<br />
revolucionário deve estabelecer as mediações críticas onde quer que as possibili<strong>da</strong>des se<br />
apresentem. No caso específico dos professores de <strong>Educação</strong> Física, espaços como<br />
academias, centros esportivos, clubes ou qualquer outro campo de atuação não podem<br />
ser negligenciados. Mas não se pode esquecer que o campo privilegiado para a ação<br />
revolucionária são os partidos e sindicatos postados no campo revolucionário, bem<br />
como os movimentos sociais e organizações sóciopolíticas pauta<strong>da</strong>s por esse objetivo.
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(Coleção Fronteiras <strong>da</strong> <strong>Educação</strong>).<br />
WOOD, E. M.; FOSTER, J. B. (Orgs.). Em defesa <strong>da</strong> história: marxismo e pósmodernismo.<br />
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
Anexos<br />
1 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Epistemologia/1999<br />
ALMEIDA, L. E. 1 o . fragmento para uma antropologia em <strong>Educação</strong> Física.. Revista<br />
Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1263-1266, set/1999.<br />
BARTHOLO, M. F. A <strong>Educação</strong> Física, o esporte e as ciências humanas indicações<br />
para uma práxis social transformadora. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI<br />
congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1243-1248, set/1999.<br />
BRACHT, V. Epistemologia e política: e o CBCE? Revista Brasileira de Ciências do<br />
Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p. 1208-1213, set/1999.<br />
FERRAZ, M. V. M. Inquietações acerca <strong>da</strong> cerca que cerca o conhecimento em<br />
<strong>Educação</strong> Física ou considerações históricas sobre o campo do conhecimento <strong>da</strong><br />
<strong>Educação</strong> Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro<br />
de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.<br />
1225-1231, set/1999.<br />
FERREIRA, A. C. P. Ciência e reali<strong>da</strong>de social: A epistemologia dialética materialista<br />
histórica e a intervenção social do trabalhador científico. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1191-1196, set/1999.<br />
FREITAS JR, M. A. de. Algumas reflexões sobre o esporte espetáculo: Como vai o<br />
nosso futebol? Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1197-<br />
1201, set/1999.<br />
LOI, L. S. de M. e BARROS, M. V. G. <strong>Educação</strong> Física: comparação de características<br />
de diferentes concepções disciplinares. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI<br />
congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1240-1243, set/1999.<br />
LOPES, M. A. e ORO, U. Convergências entre concepções de interdisciplinari<strong>da</strong>de.<br />
Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1281-1286,<br />
set/1999.<br />
MARCHI JR, W. A possibili<strong>da</strong>de de construção de uma abor<strong>da</strong>gem multidisciplinar na<br />
educação física: Uma questão epistemológica. Revista Brasileira de Ciências do<br />
Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1286-1291, set/1999.
MARTINS, I. M. de L. Expressionismo, ginástica e desporto: esferas de influências.<br />
Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1214-1219,<br />
set/1999.<br />
NÓBREGA, T. P. e MOREIRA, W. W. Elementos para uma compreensão teórica <strong>da</strong><br />
corporei<strong>da</strong>de. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1201-<br />
1207, set/1999.<br />
OLIVEIRA, A. B. C. de; CORREIA, A. M.; VOTRE, S. J. Imaginário e representação<br />
social: Contribuições teóricas à educação física. Revista Brasileira de Ciências do<br />
Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1219-1225, set/1999.<br />
PARDO, E. Abrir as palavras: porque a escrita pode rir também. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1253-1258, set/1999.<br />
PINA, Alex. Prazer e desempenho na <strong>Educação</strong> Física à luz <strong>da</strong> era e civilização – uma<br />
interpretação filosófica do pensamento de Freud, de Herbert Marcuse. Revista<br />
Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1266-1270, set/1999.<br />
SANTOS, K. C. dos ; BRACHT, V. <strong>Educação</strong> Física e epistemologia: Analisando a tese<br />
<strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> motrici<strong>da</strong>de humana de Manuel Sérgio. Revista Brasileira de Ciências<br />
do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis:<br />
Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1232-1239, set/1999.<br />
SILVA, A. M. A técnica médica e seus fun<strong>da</strong>mentos: o tratamento do humano. Revista<br />
Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1271-1276, set/1999.<br />
SILVA, M. R. S. <strong>da</strong>. A <strong>Educação</strong> Física e o mundo do trabalho. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1175-1182, set/1999.<br />
SILVA, P. N. G. <strong>da</strong>. Corporei<strong>da</strong>de: um traçado epistemológico entre Merleau-Ponty,<br />
Guatarri e Assmann. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n.<br />
1, p.1259-1263, set/1999.<br />
SOUZA, M. <strong>da</strong> S. A <strong>Educação</strong> Física e racionali<strong>da</strong>de: Contraposição na moderni<strong>da</strong>de.<br />
Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, p.1277-1281,<br />
set/1999.<br />
TAVARES, O. Contribuições <strong>da</strong> teoria antropológica para o conhecimento em educação<br />
física/ciências do esporte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n.<br />
1, p.1249-1253, set/1999.<br />
VAZ, A. F. Dos fenômenos sociais e suas ambigüi<strong>da</strong>des: comentário de Theodor W.<br />
Adorno sobre o esporte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n.<br />
1, p.1183-1190, set/1999.
2 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Epistemologia/2001<br />
ALMEIDA, L. E. de. I fragmento para o entendimento <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
BICHARA, V. E. A. Funcionalismo orgonômico: Uma nova forma de pensar o ser<br />
humano. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE /<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
BORGES, T. F. de. Corpo, mente, espírito, alma. Os signos “radicais” <strong>da</strong> divisão<br />
humana: Elementos para discussão <strong>da</strong> formação profissional em educação física.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
CORREIA, A. M. e FERREIRA, N. T. Imaginário social nos estudos em educação<br />
física, esporte e lazer: Algumas contribuições teórico-metodológicas. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
CUNHA, F. J. de P.; NASCIMENTO, J. V. do; COLLA, D. de P.; BORGES, P. A.<br />
Produção do conhecimento em educação física no Brasil: O caso dos grupos de pesquisa<br />
no período de 1987 a 2000. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do<br />
XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001.<br />
CD – Rom.<br />
FARIAS, M. N.; RODRIGUES, L. A. Tempo livre: Um mytho nas socie<strong>da</strong>des<br />
administra<strong>da</strong>s? Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII<br />
COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD –<br />
Rom.<br />
GAUTHIER, J.; CASTRO JR, L. V. <strong>Educação</strong> Física, capoeira e sociopoética. Por uma<br />
epistemologia <strong>da</strong> práxis. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII<br />
COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD –<br />
Rom.<br />
GRASEL, C. E. Perspectivas de uma educação física permanente – o princípio de uma<br />
reflexão desafiante. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII<br />
COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD –<br />
Rom.<br />
GUIMARÃES, S. M. A produção do mestrado em <strong>Educação</strong> Física <strong>da</strong> UFSC. Um<br />
estudo dos resumos <strong>da</strong>s dissertações de 1998 a 2000. Congresso Brasileiro de Ciências<br />
do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.
LIMA, H. L. A. de. Nas fronteiras do biopoder: a produção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nua como horizonte<br />
biotecnológico. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII<br />
COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD –<br />
Rom.<br />
MALINA, A.; OLIVEIRA, V. M. de. Um olhar sobre os intelectuais <strong>da</strong> educação física<br />
a partir do debate epistemológico <strong>da</strong> revista movimento. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
MONTENEGRO, E. L. L.; GARCIA, R. P. <strong>Educação</strong> Física e inclusão social.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
NÓBREGA, T. P. <strong>da</strong>; DANTAS, E. R.; ARAÚJO, J. P. C. de; DIAS, J. C. N. de S. e N.;<br />
MEDEIROS, R. M. N. de. <strong>Educação</strong> Física e epistemologia: Interpretando os anais do<br />
congresso brasileiro de ciências do esporte na déca<strong>da</strong> de 90. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
NOGUEIRA, L. Do “diálogo de surdos” no âmbito <strong>da</strong> articulação do conhecimento de<br />
bimecânica com a prática pe<strong>da</strong>gógico dos professores de natação. Congresso Brasileiro<br />
de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências<br />
do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
OLIVEIRA, C. M.; SILVA, A. M. Reflexões sobre a filosofia de Descartes: Subsídios<br />
para compreender as relações entre corpo e educação. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.
PICH, S. Encontros e desencontros <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
PIRES, E. F.; SANTOS, F. N. dos. Corporei<strong>da</strong>de e ludici<strong>da</strong>de no processo de produção<br />
do conhecimento sobre quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>: Um estudo com pesquisadores <strong>da</strong> área de<br />
saúde. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE /<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
ROCHA, C. A. O “re-conhecimento” do corpo na educação física escolar como modo<br />
do ser-no-mundo. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII<br />
COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD –<br />
Rom.<br />
RODRIGUES, R. A educação física como a arte de controlar: instinto ou pulsão.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
SAUTCHUK, C. E. Regulamentação <strong>da</strong> educação física, dominação burocrática e saber:<br />
Uma questão epistemológica. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do<br />
XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001.<br />
CD – Rom.<br />
SILVA, A. M. Os saberes <strong>da</strong> carne: Da cientifici<strong>da</strong>de em educação física e <strong>da</strong>s<br />
possibili<strong>da</strong>des de uma problematização epistemológica <strong>da</strong> corporei<strong>da</strong>de. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
SILVA, M. R. S. <strong>da</strong>. O debate ético e científico na educação física. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
TAVARES, O. O esporte e as drogas notas para um exame dos argumentos anti-doping.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
TEVES, N. Pesquisas qualitativas em educação física: Contribuições do imaginário<br />
social. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XII COMBRACE /<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.<br />
VELOSO, E. L. A construção do pensamento científico <strong>da</strong> educação física brasileira e<br />
suas implicações para a prática pe<strong>da</strong>gógica. Congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais do XII COMBRACE / Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Caxambú, MG. 2001. CD – Rom.
3 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Epistemologia/2003<br />
ALMEIDA, F. Q. de. Moderni<strong>da</strong>de versus pós-moderni<strong>da</strong>de: Desafios para uma<br />
pe<strong>da</strong>gogia crítica <strong>da</strong> educação física. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu,<br />
MG. 2003. CD – Rom.<br />
ANGELI, E.; ANNECCHINI, M.; PANCIERI, T.; PEREIRA, V.; PEREIRA JR, V.;<br />
RIBEIRO, P.; SILVA, E.; TAVARES, O. Análise <strong>da</strong> produção sobre <strong>Educação</strong> Física<br />
Escolar na Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
BASSANI, J. J.; VAZ, A. F. <strong>Educação</strong> do corpo e autoreflexão crítica: Uma<br />
investigação na dimensão pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> obra de Theodor W. Adorno. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
GOMES, I. M. Reflexivi<strong>da</strong>de Institucional e o corpo: Possibili<strong>da</strong>des de compreensão <strong>da</strong><br />
educação física a partir <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Estruturação. Congresso Brasileiro de Ciências<br />
do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
LIMA, A. T. P. de; DIAS, J. C. N. de S. e N.; NÓBREGA, T. P. Corpo, gesto e técnicas<br />
corporais. Elementos para pensar o conhecimento <strong>da</strong> educação física. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
LIMA, H. L. A. de. Dispositivos biotecnológicos e a produção de corpos pós-humanos.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
LIMA, L. F de; PINHEIRO, M. do C. M.; SILVA, R. P. de S. e; SILVA, C. P. <strong>da</strong>;<br />
MELO, R. S. M. de. Catalogação e análise <strong>da</strong> produção monográfica em educação física<br />
& esportes na Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás/Campus de Catalão no período 1993 –<br />
2002. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
MENDES, M. I. B. de S.; NÓBREGA, T. P. <strong>da</strong>. Corpo e cultura de movimento:<br />
Cenários epistêmicos e educativos. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu,<br />
MG. 2003. CD – Rom.<br />
NASCIMENTO, A. C. S. Editoração de periódicos científicos no campo <strong>da</strong> educação<br />
física. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
NOGEIRA, L. M. Len<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>...Ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>...O impulso romântico ao esporte.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.
NOGUEIRA, Q. W. C. Contribuições pós-estruturalistas para a educação física.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
OLIVEIRA, A. F. S. de.; TAFFAREL, C. N. Z.; ALBUQUERQUE, J. de O.;<br />
SÁNCHEZ GAMBOA, S.; SILVA, T. I. P. de M. A produção de pesquisas em<br />
educação física no nordeste brasileiro (Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e<br />
Sergipe). Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/<br />
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
PIRES, E. F. O jogo crítico e criativo <strong>da</strong> construção de conhecimento na vi<strong>da</strong> de<br />
professores-pesquisadores em corporei<strong>da</strong>de. Congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
PORPINO, K, de O. Dança é educação: interfaces entre corporei<strong>da</strong>de e estética.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
RAMOS, J. R. <strong>da</strong> S. Lingüística, praxiologia e educação física: Análise e aplicação a<br />
partir de um jogo popular. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do<br />
XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003.<br />
CD – Rom.<br />
REPPOLD FILHO, A. R. “Campo de estudos do movimento humano”: A educação<br />
física em busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de acadêmica. Congresso Brasileiro de Ciências do<br />
Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
ROCHA JR, C. P. <strong>da</strong>. A construção do campo <strong>da</strong> educação física e seus obstáculos.<br />
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
SILVA, M. C. de P. Do corpo objeto ao sujeito histórico: o materialismo dialético<br />
histórico e a educação física. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do<br />
XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003.<br />
CD – Rom.<br />
SILVA, M. R. S. <strong>da</strong>. <strong>Educação</strong> Física e bioética: A relação necessária. Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003. CD – Rom.<br />
VELOSO, E. L. O anarquismo epistemológico de Paul Karl Feyerabend: contribuições<br />
para o estudo <strong>da</strong> educação física. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais<br />
do XIII COMBRACE/ Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Caxambu, MG. 2003.<br />
CD – Rom.
4 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Escola/1999<br />
ALTMANN, H. Rompendo fronteiras de gênero: Marias (e) homens na <strong>Educação</strong><br />
Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências<br />
do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
AYOUB, E. Perspectivas <strong>da</strong> ginástica geral para a <strong>Educação</strong> Física escolar: imaginando<br />
um projeto. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
DIAS, A.; BRACHT, V.; SANTOS, E. C. dos; PAIVA, F.; CAPARROZ, F. E.;<br />
POLATI, G. V.; FRADE, J. C.; SOUZA, N. A. S.; AROEIRA, K. P.; SHINEIDER, O.;<br />
PIRES, R. M. S.; DELLA FONTE, S. S.. Diagnóstico <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física escolar no<br />
Estado do Espírito Santo: O imaginário social do professor. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
CAMARGO, A. S. F; AMARAL, G. A. do; PALAFOX, G. H. M.. Jogo e Agir<br />
Comunicativo: Construindo uma estratégia de Ensino na <strong>Educação</strong> Física no contexto<br />
do PCTP <strong>da</strong> AME/UDI/MG. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI Congresso<br />
Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n.<br />
1, set/1999.<br />
CARVALHO, A. C. D. A Organização do trabalho pe<strong>da</strong>gógico e a produção de<br />
conhecimento em busca <strong>da</strong> real articulação teoria-prática. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
CASTRO JR, L. V. de e ABIB, P. R. J. Capoeira: intervenção e conhecimento no<br />
espaço escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI Congresso Brasileiro de<br />
Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
COLPAS, R. D. <strong>Educação</strong> Física: A construção de um conceito. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
FRATTI, R. G. Uma proposta político/pe<strong>da</strong>gógica para a <strong>Educação</strong> Física: dificul<strong>da</strong>des,<br />
limites e possibili<strong>da</strong>des de uma intervenção. Revista Brasileira de Ciências do<br />
Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
GARIGLIO, J. Â. Proposta de inserção <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física no currículo dos cursos de<br />
engenharia industrial do CEFET – MG. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. XI
Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais. Florianópolis: Editora<br />
NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
GOEDERT, R. T. A inserção <strong>da</strong> <strong>Educação</strong> Física na proposta político-pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong><br />
escola e sua participação na estruturação curricular: possibili<strong>da</strong>des e limites. Revista<br />
Brasileira de Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte.<br />
Anais. Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
LOVISOLO, H. R.. Prolongar a Vi<strong>da</strong>: Da didática à fisiologia. Revista Brasileira de<br />
Ciências do Esporte. XI congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais.<br />
Florianópolis: Editora NEPEF/UFSC. v. 21, n. 1, set/1999.<br />
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