as facetas do poder infantil na cultura contemporânea - cedic
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Entre a ficção e a realidade: <strong>as</strong> facet<strong>as</strong> <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> <strong>contemporânea</strong><br />
1. Introdução<br />
Salga<strong>do</strong>, Raquel Gonçalves<br />
Universidade Federal de Mato Grosso/Ron<strong>do</strong>nópolis, Br<strong>as</strong>il<br />
Fi<strong>na</strong>nciamento: CAPES e CNPq<br />
Adultos cada vez mais distantes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da infância; crianç<strong>as</strong> que se unem para<br />
salvar o mun<strong>do</strong> como demonstração de <strong>poder</strong> e sabe<strong>do</strong>ria; crianç<strong>as</strong> defenden<strong>do</strong>-se sozinh<strong>as</strong> e<br />
cert<strong>as</strong> de que não podem contar com o apoio <strong>do</strong>s adultos porque eles já não atestam mais<br />
competênci<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong> válid<strong>as</strong> para a demanda <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>infantil</strong>; est<strong>as</strong> são cen<strong>as</strong><br />
recorrentes em quadrinhos, desenhos anima<strong>do</strong>s e filmes que, atualmente, circulam no<br />
cotidiano de crianç<strong>as</strong> e adultos de grande parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Com esses parceiros virtuais,<br />
representa<strong>do</strong>s por crianç<strong>as</strong> autônom<strong>as</strong>, <strong>poder</strong>os<strong>as</strong>, geniais, empreende<strong>do</strong>r<strong>as</strong>, destemid<strong>as</strong> e que<br />
se apresentam como verdadeiros heróis, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> de carne e osso têm dialoga<strong>do</strong>, em su<strong>as</strong><br />
fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong>, jogos e brincadeir<strong>as</strong>, construin<strong>do</strong> valores e compon<strong>do</strong> su<strong>as</strong> identidades.<br />
Tais reflexões são produzid<strong>as</strong> no contexto de uma pesquisa realizada com 21<br />
crianç<strong>as</strong> de cinco a seis anos, de uma turma de Educação Infantil, com o objetivo de<br />
compreender os valores que el<strong>as</strong> constroem, em su<strong>as</strong> brincadeir<strong>as</strong> e jogos, ao interagirem com<br />
os desenhos anima<strong>do</strong>s contemporâneos (Salga<strong>do</strong>, 2005) 1 . Para tanto, são desenvolvid<strong>as</strong><br />
oficin<strong>as</strong> de TV como espaços abertos ao diálogo entre crianç<strong>as</strong> e adultos, desencadea<strong>do</strong> a<br />
partir <strong>do</strong> momento em que ambos <strong>as</strong>sistem a episódios de desenhos anima<strong>do</strong>s e os <strong>as</strong>sumem<br />
como objetos de discussão no grupo.<br />
Ao longo da pesquisa, priorizamos o trabalho com desenhos anima<strong>do</strong>s que, além<br />
de serem conheci<strong>do</strong>s pelo grupo de crianç<strong>as</strong> em foco e fazerem parte de seus cotidianos, têm<br />
como temática principal a criança como protagonista 2 . Desenhos estes que, respeitad<strong>as</strong> su<strong>as</strong><br />
diferenç<strong>as</strong>, origens e cultur<strong>as</strong>, trazem como cenários mun<strong>do</strong>s imaginários, cujos habitantes<br />
não são mais brux<strong>as</strong>, fad<strong>as</strong> e duendes, m<strong>as</strong> sim holografi<strong>as</strong>, perso<strong>na</strong>gens virtuais ou<br />
produzi<strong>do</strong>s por experiênci<strong>as</strong> científic<strong>as</strong> com alta tecnologia, por onde transitam heróis, <strong>na</strong> pele<br />
1 Esta pesquisa foi desenvolvida em uma d<strong>as</strong> unidades <strong>do</strong> Serviço Social e <strong>do</strong> Comércio (SESC), da cidade <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro. Foram realiza<strong>do</strong>s encontros sema<strong>na</strong>is, de aproximadamente três hor<strong>as</strong>, com <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> e <strong>as</strong><br />
professor<strong>as</strong> responsáveis pela turma durante um semestre letivo.<br />
2 Dentre os desenhos anima<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>s durante a pesquisa, estão: Pokémon, Digimon, As Menin<strong>as</strong><br />
Super<strong>poder</strong>os<strong>as</strong>, Jimmy Neutron e Yugioh.<br />
1
de crianç<strong>as</strong>, cuj<strong>as</strong> marc<strong>as</strong> são muito mais a autonomia, a competência, o saber e a busca de<br />
reconhecimento por mérito próprio <strong>do</strong> que os <strong>poder</strong>es mágicos e sobre<strong>na</strong>turais.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, interessa-nos aqui refletir sobre o que <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> têm a dizer sobre<br />
ser criança e ter <strong>poder</strong>, <strong>as</strong>sim como os senti<strong>do</strong>s que constroem a respeito dessa questão, seja a<br />
partir <strong>do</strong>s textos midiáticos, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s desenhos anima<strong>do</strong>s que trazem a representação da<br />
criança como herói, seja a partir de su<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> cotidian<strong>as</strong> no interior da família, da<br />
instituição educativa e <strong>na</strong> relação com outr<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, em brincadeir<strong>as</strong> e jogos. Além disso, é<br />
também nosso foco compreender como tais senti<strong>do</strong>s participam de seus processos de<br />
subjetivação <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> <strong>contemporânea</strong>, em que o <strong>poder</strong> aparece como <strong>as</strong>pecto relevante.<br />
Muit<strong>as</strong> são <strong>as</strong> faces que o <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> <strong>as</strong>sume <strong>na</strong> visão d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>. Do <strong>poder</strong> mágico,<br />
muito próximo àquele que caracteriza diversos heróis da ficção, ao <strong>poder</strong> pragmático, atributo<br />
marcante no perfil <strong>do</strong>s pequenos heróis <strong>do</strong>s desenhos anima<strong>do</strong>s contemporâneos, cujo alcance<br />
é defini<strong>do</strong> em termos de efeitos práticos e eficácia, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> vão tecen<strong>do</strong>, em su<strong>as</strong> relações<br />
com a <strong>cultura</strong>, os valores que ess<strong>as</strong> dimensões <strong>do</strong> <strong>poder</strong> têm para <strong>as</strong> su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>.<br />
2. Ser criança <strong>poder</strong>osa <strong>na</strong> ficção e <strong>na</strong> vida<br />
Ter <strong>poder</strong>, autonomia e adquirir competênci<strong>as</strong> para tor<strong>na</strong>r-se um expert – estes são<br />
alguns <strong>do</strong>s desejos que mobilizam <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> <strong>na</strong> ficção e <strong>na</strong> vida real. Ess<strong>as</strong> demand<strong>as</strong> são<br />
atravessad<strong>as</strong> pelo discurso da criança sábia, autônoma, competente e empreende<strong>do</strong>ra, que<br />
prontamente se tor<strong>na</strong> independente <strong>do</strong>s adultos e apresenta desenvoltura ao lidar com o<br />
ambiente tecnológico que a cerca. Discurso este que se consolida como o protótipo da criança<br />
<strong>poder</strong>osa, tão em voga em divers<strong>as</strong> <strong>na</strong>rrativ<strong>as</strong> midiátic<strong>as</strong> da contemporaneidade.<br />
A questão <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong>, presente logo n<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> relações da criança com o<br />
outro, é amplamente abordada no campo da psicanálise e da psicologia <strong>infantil</strong>. Para a<br />
psicanálise, por exemplo, a onipotência vivida pela criança é decorrente de um momento<br />
primordial da vida huma<strong>na</strong> marca<strong>do</strong> pela indistinção entre su<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> intern<strong>as</strong> e <strong>as</strong> que<br />
vêm <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior. A criança, ao não se reconhecer como uma entidade separada <strong>do</strong><br />
outro, com quem se relacio<strong>na</strong> e supre su<strong>as</strong> necessidades primordiais de sobrevivência,<br />
incorpora-o imagi<strong>na</strong>riamente como parte constitutiva de seu ser, dan<strong>do</strong> origem ao que Freud<br />
(1914) denomi<strong>na</strong> de <strong>na</strong>rcisismo primário e Winnicott (1975) define como onipotência<br />
ilusória 3 .<br />
3 Para maiores informações sobre esse <strong>as</strong>sunto, sugerimos a consulta d<strong>as</strong> seguintes obr<strong>as</strong>: FREUD, S. Sobre o<br />
<strong>na</strong>rcisismo: uma introdução (1914). In: Obr<strong>as</strong> Psicológic<strong>as</strong> Complet<strong>as</strong> de Sigmund Freud. Edição Standard<br />
2
Buck-Morss (1987) trata <strong>do</strong> processo de conquista de autonomia da criança e,<br />
portanto, de uma forma de <strong>poder</strong> que ela p<strong>as</strong>sa a adquirir sobre seu ambiente como um<br />
para<strong>do</strong>xo central <strong>na</strong> experiência <strong>infantil</strong>, que se define pelo desejo de tor<strong>na</strong>r-se autônoma,<br />
estan<strong>do</strong> ao mesmo tempo dependente <strong>do</strong>s adultos. Desse mo<strong>do</strong>, temos a submissão <strong>infantil</strong> à<br />
autoridade adulta – e, para isso, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> precisam abrir mão de sua onipotência ilusória –<br />
como forma de adquirir <strong>poder</strong> sobre o seu entorno, ou melhor, como uma forma de obter<br />
conhecimento e <strong>poder</strong> para se rebelar contra essa autoridade.<br />
Dependência, <strong>poder</strong> e autonomia são experiênci<strong>as</strong> que ganham senti<strong>do</strong> n<strong>as</strong><br />
relações tecid<strong>as</strong> entre crianç<strong>as</strong> e adultos. Relações est<strong>as</strong> que não se mantêm intact<strong>as</strong> ao longo<br />
<strong>do</strong> tempo, dad<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> dimensões histórica e <strong>cultura</strong>l 4 . Imagens e expectativ<strong>as</strong> que cada um<br />
constrói sobre si próprio e o outro, valores que se alteram ao se confrontarem com a<br />
experiência alheia são mobiliza<strong>do</strong>s no interior de relações entre crianç<strong>as</strong> e adultos, marcad<strong>as</strong><br />
pela alteridade. Ness<strong>as</strong> relações, <strong>as</strong>sistimos a cen<strong>as</strong> em que tensões e contradições dão o tom<br />
nos mo<strong>do</strong>s como esses sujeitos vivem seus dilem<strong>as</strong> no mun<strong>do</strong> contemporâneo. Trazemos à<br />
to<strong>na</strong> algum<strong>as</strong> del<strong>as</strong>: crianç<strong>as</strong> como consumi<strong>do</strong>r<strong>as</strong> incessantes que cobram <strong>do</strong>s pais o pronto<br />
atendimento aos seus apelos; crianç<strong>as</strong> autônom<strong>as</strong> que, desde muito ce<strong>do</strong>, <strong>as</strong>sumem taref<strong>as</strong><br />
<strong>do</strong>méstic<strong>as</strong> e trabalham, contribuin<strong>do</strong> muit<strong>as</strong> vezes para o sustento da família; crianç<strong>as</strong> que<br />
tomam iniciativ<strong>as</strong> importantes <strong>na</strong> vida e driblam os problem<strong>as</strong> cotidianos, prescindin<strong>do</strong> da<br />
presença adulta; crianç<strong>as</strong> que cumprem obrigações e taref<strong>as</strong> diári<strong>as</strong>, motivad<strong>as</strong> por <strong>as</strong>pirações<br />
que provêm muito mais <strong>do</strong>s adultos <strong>do</strong> que del<strong>as</strong> própri<strong>as</strong>, como é o c<strong>as</strong>o daquel<strong>as</strong> que, ainda<br />
muito pequen<strong>as</strong>, se deparam com agend<strong>as</strong> lotad<strong>as</strong> de atividades desti<strong>na</strong>d<strong>as</strong> à formação de um<br />
adulto bem-sucedi<strong>do</strong> e empreende<strong>do</strong>r no futuro, com vist<strong>as</strong> aos apelos de visibilidade e<br />
competitividade da sociedade de consumo.<br />
3. O <strong>poder</strong> mágico<br />
Em nosso diálogo sobre o filme Jimmy Neutron – O menino gênio 5 , o tema da<br />
criança <strong>poder</strong>osa aparece como objeto de polêmica. Existe ou não criança com <strong>poder</strong> – eis a<br />
Br<strong>as</strong>ileira. Rio de Janeiro: Imago, 1974 e WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago,<br />
1975.<br />
4 Sobre <strong>as</strong> transformações históric<strong>as</strong> e <strong>cultura</strong>is nos mo<strong>do</strong>s como adultos e crianç<strong>as</strong> se relacio<strong>na</strong>m, ver ARIÉS, P.<br />
História da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Gua<strong>na</strong>bara, 1981.<br />
5 O enre<strong>do</strong> principal deste desenho anima<strong>do</strong>, produzi<strong>do</strong> pela Nickelodeon, trata d<strong>as</strong> aventur<strong>as</strong> de um menino<br />
gênio, que inventa engenhoc<strong>as</strong> de alta tecnologia, m<strong>as</strong>, ao mesmo tempo, não deixa de ser considera<strong>do</strong> como um<br />
menino comum, que freqüenta a escola, convive com crianç<strong>as</strong> de sua idade e vive conflitos com os pais,<br />
sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> estes o proíbem de fazer o que gosta. O longa-metragem Jimmy Neutron – O menino gênio,<br />
que tem origem no desenho anima<strong>do</strong>, é um texto midiático que traz claramente a criança como protagonista e<br />
3
questão que mobiliza <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> a tomar uma posição, contrária ou favorável, em relação ao<br />
<strong>as</strong>sunto e justificá-la. Em meio a esse debate, há aquel<strong>as</strong> que defendem a existência de criança<br />
<strong>poder</strong>osa apen<strong>as</strong> no registro da fant<strong>as</strong>ia, <strong>do</strong> sonho e da imagi<strong>na</strong>ção. É nessa dimensão que o<br />
<strong>poder</strong> mágico aparece como possível de pertencer à criança. Embarcan<strong>do</strong> <strong>na</strong> fant<strong>as</strong>ia, algum<strong>as</strong><br />
crianç<strong>as</strong> admitem a existência da criança <strong>poder</strong>osa, falan<strong>do</strong> de seus <strong>poder</strong>es mágicos ao<br />
mesmo tempo em que fazem de nosso diálogo pretexto para o faz-de-conta que criam.<br />
Edson: Existe menino com <strong>poder</strong>es?<br />
Ricar<strong>do</strong>: Eu existo!<br />
Gustavo: Eu existo!<br />
Suza<strong>na</strong>: Você tem <strong>poder</strong>es?<br />
Ricar<strong>do</strong>: Tenho.<br />
Suza<strong>na</strong>: Qual o seu <strong>poder</strong>?<br />
Ricar<strong>do</strong>: Poder mágico. E depois eu posso transformar isso aqui num colégio<br />
público.<br />
Dessa forma, o <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> tor<strong>na</strong>-se apen<strong>as</strong> possível quan<strong>do</strong> presente em um<br />
contexto lúdico. Na esfera <strong>do</strong> faz-de-conta, <strong>as</strong> form<strong>as</strong> de manifestação <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong><br />
aparecem como mecanismos para superar a contradição entre o desejo da criança de agir e a<br />
impossibilidade de realizá-lo, devi<strong>do</strong> aos limites impostos pela realidade e, principalmente,<br />
pelos adultos. Nesse senti<strong>do</strong>, ter <strong>poder</strong> <strong>na</strong> brincadeira significa, para a criança, resolver <strong>as</strong><br />
contradições entre o me deixa, que remete ao seu desejo de agir, e o não faça, que provém <strong>do</strong>s<br />
adultos (Leontiev, 1994). Imers<strong>as</strong> <strong>na</strong> dimensão lúdica, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> buscam artifícios para<br />
justificar o <strong>poder</strong> mágico que possuem, como faz Gabriel com sua roupa de Super-Homem.<br />
Gabriel: Você sabia que eu sou o homem mais forte porque eu tenho uma<br />
roupa <strong>do</strong> Super-Homem. E se alguém jogar uma faca em direção desse<br />
quadra<strong>do</strong> (Gabriel aponta para o centro <strong>do</strong> peito), bate e volta.<br />
Raquel: Nesse quadra<strong>do</strong> aqui? Se a faca atingir esse quadra<strong>do</strong>, ela volta<br />
porque a sua roupa é <strong>poder</strong>osa?<br />
Gabriel: É, que é <strong>do</strong> Super-Homem.<br />
Embora a imagem da criança <strong>poder</strong>osa tenha senti<strong>do</strong> no âmbito da fant<strong>as</strong>ia, já que<br />
o <strong>poder</strong> mágico é o que a caracteriza, esta não deixa de pertencer à realidade da criança.<br />
Ainda que no registro da brincadeira, a fant<strong>as</strong>ia, diz Leontiev (1994), não é algo construí<strong>do</strong><br />
arbitrariamente em um mun<strong>do</strong> puramente imaginário, m<strong>as</strong> sim engendra<strong>do</strong> pela forma como a<br />
criança, ao brincar, penetra <strong>na</strong> realidade. Toda e qualquer brincadeira exige regr<strong>as</strong>, ainda que<br />
herói, tratan<strong>do</strong> com tom polêmico <strong>as</strong> implicações da ausência <strong>do</strong>s adultos <strong>na</strong> vida d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>. Sua história se<br />
incrementa quan<strong>do</strong> Jimmy e seus amigos se deparam com o desaparecimento de seus pais e com a descoberta de<br />
que foram captura<strong>do</strong>s por alienígen<strong>as</strong>. Diante disto, criam vári<strong>as</strong> estratégi<strong>as</strong> para resgatar os pais, prisioneiros em<br />
um planeta distante. No entanto, antes de sentirem saudade <strong>do</strong>s pais, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> são tomad<strong>as</strong> por uma intensa<br />
euforia ao se verem sozinh<strong>as</strong> e livres <strong>do</strong>s adultos, dedican<strong>do</strong>-se a fazer tu<strong>do</strong> que os pais proíbem.<br />
4
não sejam explícit<strong>as</strong>, como é o c<strong>as</strong>o <strong>do</strong> faz-de-conta. Na relação com seu entorno social e com<br />
a <strong>cultura</strong> de seu tempo, a criança observa condut<strong>as</strong>, apropria-se de valores e significa<strong>do</strong>s,<br />
compon<strong>do</strong> um repertório d<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> que tecem os diversos papéis sociais. São ess<strong>as</strong> regr<strong>as</strong> de<br />
comportamento trazid<strong>as</strong> pela criança para a ce<strong>na</strong> imaginária que a brincadeira representa<br />
(Vygotsky, 1991; Leontiev, 1994).<br />
Como conteú<strong>do</strong> da brincadeira, a construção da imagem da criança <strong>poder</strong>osa dá-se<br />
no entrecruzamento da fant<strong>as</strong>ia com a realidade, nos mo<strong>do</strong>s como <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> apropriam-se de<br />
seu entorno e, em especial, <strong>do</strong>s discursos sobre os heróis que circulam <strong>na</strong> mídia e como el<strong>as</strong><br />
lhes atribuem outros senti<strong>do</strong>s, compon<strong>do</strong>, <strong>as</strong>sim, o texto que dá origem ao seu faz-de-conta. É<br />
desse mo<strong>do</strong> que o botão sob a pele de Alexandre, capaz de dar soco, existe de fato. Mesmo<br />
como construção imaginária, o botão <strong>poder</strong>oso adquire realidade, para ele, porque participa de<br />
sua vida como brincadeira, que consiste <strong>na</strong> forma como ele se relacio<strong>na</strong> com o mun<strong>do</strong>,<br />
significa e experimenta a <strong>cultura</strong> de seu tempo, como podemos observar a seguir.<br />
Alexandre: Sabe qual é o meu <strong>poder</strong>? Eu tenho, eu tenho um botão dentro<br />
da minha pele que eu aperto, aí vem um soco, bate forte <strong>na</strong> pessoa.<br />
Raquel: Deixa eu dar uma olhada. Como é que é essa coisa <strong>do</strong> <strong>poder</strong>? Tá<br />
aqui dentro da sua mão?<br />
Alexandre: É.<br />
Raquel: M<strong>as</strong> ele existe mesmo de verdade? Sabe que eu pensei que isso fosse<br />
coisa de desenho anima<strong>do</strong>? E não é não?<br />
Alexandre: Não.<br />
Raquel: Acontece <strong>na</strong> nossa vida mesmo?<br />
Alexandre: Acontece <strong>na</strong> minha.<br />
No entanto, admitir a existência desse <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong>, apesar de su<strong>as</strong> característic<strong>as</strong><br />
fantástic<strong>as</strong> e de se realizar <strong>na</strong> esfera lúdica, está longe de ser consensual entre <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>. Em<br />
outra oc<strong>as</strong>ião, quan<strong>do</strong> <strong>as</strong>sistimos ao episódio Oh, Dy<strong>na</strong>mo <strong>do</strong> desenho anima<strong>do</strong> As Menin<strong>as</strong><br />
Super<strong>poder</strong>os<strong>as</strong> 6 , a polêmica sobre a existência ou não de crianç<strong>as</strong> com <strong>poder</strong> volta a<br />
aparecer, só que agora com novos contornos. Edson, que, desde a nossa primeira conversa<br />
6 A história deste desenho anima<strong>do</strong>, produzi<strong>do</strong> pelo Cartoon Network, trata d<strong>as</strong> façanh<strong>as</strong> heróic<strong>as</strong> de três<br />
menin<strong>as</strong> pequenin<strong>as</strong> que se tor<strong>na</strong>m <strong>poder</strong>os<strong>as</strong> devi<strong>do</strong> a um acidento químico ocorri<strong>do</strong> durante a experiência de<br />
laboratório que lhes dá origem. O episódio da série em questão retrata um confronto entre valores e<br />
representações de infância <strong>as</strong>sumid<strong>as</strong> por crianç<strong>as</strong> e adultos <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> <strong>contemporânea</strong>, pon<strong>do</strong> em xeque a<br />
estabilidade e rigidez <strong>do</strong>s papéis convencio<strong>na</strong>is atribuí<strong>do</strong>s a esses sujeitos. O Professor, responsável pela<br />
gestação cientifica d<strong>as</strong> menin<strong>as</strong> e, ao mesmo tempo, sua referência pater<strong>na</strong>, vê-se no compromisso de protegê-l<strong>as</strong><br />
e fazer valer sua autoridade ao exigir que el<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sem a utilizar o enorme robô que constrói como forma de evitar<br />
os sérios riscos que correm ao defender a cidade contra o crime organiza<strong>do</strong>. As menin<strong>as</strong>, por outro la<strong>do</strong>, se<br />
rebelam contra o discurso da fragilidade <strong>infantil</strong>, que legitima os atos de cuida<strong>do</strong> e proteção <strong>do</strong> Professor,<br />
recusan<strong>do</strong>-se a serem vist<strong>as</strong> e tratad<strong>as</strong> como vulneráveis e indefes<strong>as</strong>.<br />
5
sobre o <strong>as</strong>sunto, já havia manifesta<strong>do</strong> suspeit<strong>as</strong> em relação à possibilidade de existência de<br />
criança <strong>poder</strong>osa, afirma categoricamente, dessa vez, ser impossível existir criança com<br />
<strong>poder</strong>, a não ser nos sonhos e <strong>na</strong> televisão. No trânsito da fant<strong>as</strong>ia à realidade, <strong>do</strong> <strong>poder</strong><br />
sobre<strong>na</strong>tural ao <strong>poder</strong> com efeitos práticos, Edson desloca-se para o extremo em que o real<br />
tem peso maior. Resguardan<strong>do</strong> <strong>as</strong> fronteir<strong>as</strong> entre realidade e fant<strong>as</strong>ia, no senti<strong>do</strong> de mantê-l<strong>as</strong><br />
nítid<strong>as</strong>, o menino escapa da mediação lúdica para tratar <strong>do</strong> <strong>poder</strong>, colocan<strong>do</strong> em dúvida o<br />
<strong>poder</strong> mágico, que antes havia se firma<strong>do</strong> como típico <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ficcio<strong>na</strong>l e d<strong>as</strong> brincadeir<strong>as</strong><br />
infantis, e dan<strong>do</strong> ênf<strong>as</strong>e a uma face <strong>do</strong> <strong>poder</strong> diretamente vinculada à realidade. Para ele, ter<br />
<strong>poder</strong> significa alterar concretamente o real. É <strong>as</strong>sim que afirma a inexistência da criança<br />
<strong>poder</strong>osa, já que esta só <strong>poder</strong>ia ser porta<strong>do</strong>ra de <strong>poder</strong>es sobre<strong>na</strong>turais, possíveis de se<br />
realizar apen<strong>as</strong> <strong>na</strong> ficção e <strong>na</strong> fant<strong>as</strong>ia.<br />
Edson: Não existe criança com <strong>poder</strong> aqui.<br />
Raquel: Não existe. Por que que você acha que não existe, Edson?<br />
Edson: Eu nunca vi. Só existe <strong>na</strong> televisão.<br />
Raquel: Só <strong>na</strong> televisão.<br />
Edson: Também você pode sonhar, pensar.<br />
Raquel: No sonho existe criança com <strong>poder</strong>?<br />
Edson: Existe também. Você pode sonhar.<br />
Edson, ainda não convenci<strong>do</strong> se havia si<strong>do</strong> enfático o suficiente em sua<br />
defesa, aproxima-se de mim, após o debate com <strong>as</strong> demais crianç<strong>as</strong>, para<br />
continuar justifican<strong>do</strong> sua opinião.<br />
Edson: Sabe, não existe criança com <strong>poder</strong>. Sabia, um dia eu vi um bandi<strong>do</strong><br />
ali para<strong>do</strong> e tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> que não tinham <strong>poder</strong>... foram embora. Não<br />
existe nenhuma criança com <strong>poder</strong>, sabia?<br />
Raquel: M<strong>as</strong>, o que aconteceu com o bandi<strong>do</strong>? As pesso<strong>as</strong> saíram corren<strong>do</strong>?<br />
Edson: A polícia matou e ele morreu.<br />
Trazen<strong>do</strong> à to<strong>na</strong> essa ce<strong>na</strong> da vida cotidia<strong>na</strong>, Edson reitera a idéia de que o <strong>poder</strong><br />
possível é apen<strong>as</strong> aquele que se exerce <strong>na</strong> vida real por pesso<strong>as</strong> que têm autoridade para pô-lo<br />
em prática. Nenhuma d<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> próxim<strong>as</strong> ao bandi<strong>do</strong> pôde detê-lo, apen<strong>as</strong> o policial, que,<br />
com arma e autoridade, teve inclusive o <strong>poder</strong> de retirar-lhe a vida.<br />
A intervenção de Edson, sem dúvida alguma, promove uma reviravolta <strong>na</strong> questão<br />
sobre o <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> e <strong>na</strong> forma como <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sam a se posicio<strong>na</strong>r diante dela. Com<br />
sua convicção de que crianç<strong>as</strong> <strong>poder</strong>os<strong>as</strong> não existem, Edson abre brech<strong>as</strong> para que <strong>as</strong><br />
crianç<strong>as</strong> se embrenhem em uma discussão que remete às divers<strong>as</strong> facet<strong>as</strong> que o <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong><br />
pode vir a <strong>as</strong>sumir, permitin<strong>do</strong>-lhes ir muito além da polêmica se existe ou não criança com<br />
<strong>poder</strong>. O foco <strong>do</strong> debate, portanto, deixa de ser o <strong>poder</strong> em si, como um conceito abstrato, e<br />
p<strong>as</strong>sa a ser os contextos em que este adquire múltiplos senti<strong>do</strong>s. A partir de então, uma outra<br />
6
faceta <strong>do</strong> <strong>poder</strong>, diversa <strong>do</strong> <strong>poder</strong> mágico, aparece como pertencente à vida <strong>infantil</strong>: o <strong>poder</strong><br />
pragmático.<br />
4. O <strong>poder</strong> pragmático<br />
Entendemos por <strong>poder</strong> pragmático aquele que, ao contrário <strong>do</strong> <strong>poder</strong> mágico,<br />
atravessa<strong>do</strong> pela fant<strong>as</strong>ia, visível <strong>na</strong> brincadeira e no jogo, produz efeitos práticos e se realiza<br />
em divers<strong>as</strong> esfer<strong>as</strong> da vida cotidia<strong>na</strong> e não apen<strong>as</strong> no contexto lúdico. Desenhan<strong>do</strong> <strong>as</strong><br />
fronteir<strong>as</strong> entre fant<strong>as</strong>ia e realidade e experimentan<strong>do</strong>-<strong>as</strong> <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong>, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> vão<br />
construin<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>s sobre o que é ter <strong>poder</strong> e ser <strong>poder</strong>oso. Desse mo<strong>do</strong>, o reconhecimento<br />
dessa outra faceta <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> por parte d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> jamais descarta a presença <strong>do</strong> <strong>poder</strong><br />
mágico em su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong>, principalmente no que diz respeito à dimensão lúdica. Interessa-nos<br />
aqui compreender como amb<strong>as</strong> <strong>as</strong> facet<strong>as</strong> <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> representam os significa<strong>do</strong>s que o<br />
<strong>poder</strong> <strong>as</strong>sume <strong>na</strong> vida d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> e como estes participam de seus processos de subjetivação.<br />
Dan<strong>do</strong> continuidade à polêmica instaurada por Edson, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sam a<br />
discutir quem é de fato <strong>poder</strong>oso ou não.<br />
Gustavo: Eu tenho <strong>poder</strong> de verdade.<br />
Raquel: Poder de verdade mesmo?<br />
Heitor: É mentira!<br />
Edson e Heitor: É mentira! É mentira! É mentira!<br />
Gustavo: Então, por que você faz mal-criação em c<strong>as</strong>a, hein?! Por que você<br />
faz mal-criação em c<strong>as</strong>a com a sua família? Eu sei que você faz mal-criação<br />
em c<strong>as</strong>a com a sua família.<br />
Raquel: Criança <strong>poder</strong>osa é criança que faz mal-criação em c<strong>as</strong>a?<br />
Gustavo: Eu não sou <strong>poder</strong>oso.<br />
Edson: Eu não tenho nenhum <strong>poder</strong>.<br />
Gustavo: Você faz muita mal-criação pra tua mãe.<br />
Gustavo é quem aponta para o <strong>as</strong>pecto pragmático <strong>do</strong> <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong>, em contr<strong>as</strong>te<br />
com o <strong>poder</strong> mágico, quan<strong>do</strong> afirma que tem <strong>poder</strong> de verdade e questio<strong>na</strong> o fato de os outros<br />
meninos fazerem mal-criação em c<strong>as</strong>a com a família. As outr<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, inclusive Edson,<br />
entretanto, reiteram a impossibilidade de existência de <strong>poder</strong> <strong>na</strong> criança, b<strong>as</strong>ean<strong>do</strong>-se no <strong>poder</strong><br />
mágico que só é possível <strong>na</strong> brincadeira e <strong>na</strong> fant<strong>as</strong>ia. O <strong>poder</strong> de verdade a que Gustavo se<br />
refere coloca em questão um <strong>poder</strong> concreto que a criança possui e se efetiva n<strong>as</strong> relações<br />
estabelecid<strong>as</strong> com os adultos. Assim, fazer mal-criação em c<strong>as</strong>a com a sua família significa<br />
ter <strong>poder</strong> sobre os adultos, o qual pode se manifestar através de barganh<strong>as</strong>, rebeldi<strong>as</strong>,<br />
chantagens e diversos outros mecanismos utiliza<strong>do</strong>s para conseguir <strong>do</strong>s adultos aquilo que se<br />
deseja. É interessante observar que Gustavo, embora seja quem traz à to<strong>na</strong> o <strong>poder</strong> concreto –<br />
de verdade –, entra em contradição ao afirmar, por fim, que não é <strong>poder</strong>oso. Mesmo ciente de<br />
7
que esse <strong>poder</strong> existe e se realiza de fato <strong>na</strong> sua vida e <strong>na</strong> d<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong>, Gustavo, por<br />
não querer admitir em público sua faceta rebelde e <strong>poder</strong>osa porque está diante de outros,<br />
adultos – professor<strong>as</strong> e pesquisa<strong>do</strong>ra – e crianç<strong>as</strong>, interlocutores que supostamente <strong>poder</strong>iam<br />
reprovar tal atitude, acaba por negar ser uma criança <strong>poder</strong>osa.<br />
Por realizar-se n<strong>as</strong> relações entre adultos e crianç<strong>as</strong>, que <strong>cultura</strong>l e historicamente<br />
se <strong>as</strong>sentam em hierarqui<strong>as</strong> bem definid<strong>as</strong>, esse <strong>as</strong>pecto <strong>do</strong> <strong>poder</strong> pragmático, aponta<strong>do</strong> por<br />
Gustavo como algo que a criança exerce em su<strong>as</strong> relações cotidian<strong>as</strong> com os adultos,<br />
aproxima-se, e muito, d<strong>as</strong> considerações de Foucault (1993) sobre os múltiplos exercícios de<br />
<strong>poder</strong> que se instauram <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong>. O autor constrói uma análise <strong>do</strong> <strong>poder</strong> voltada para<br />
<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> sociais e mecanismos que penetram e se espalham pelo teci<strong>do</strong> social. Apesar de<br />
considerar que tais prátic<strong>as</strong> e mecanismos possam ser coopta<strong>do</strong>s por instrumentos mais<br />
amplos de <strong>poder</strong>, Foucault não se detém em compreender o <strong>poder</strong> como um mecanismo que<br />
se origi<strong>na</strong> em uma esfera centraliza<strong>do</strong>ra para, então, se pulverizar em minúscul<strong>as</strong> redes<br />
sociais. Para ele, o <strong>poder</strong> é autônomo e anônimo, visto que se relacio<strong>na</strong> diretamente com seu<br />
alvo para produzir efeitos reais e concretos. Além disso, por ser circular, microscópico e<br />
capilar, o <strong>poder</strong> atua em redes, fazen<strong>do</strong> com que os indivíduos exerçam e sofram sua ação<br />
simultaneamente. Nesse senti<strong>do</strong>, Foucault af<strong>as</strong>ta-se de uma concepção de <strong>poder</strong> que postula,<br />
de um la<strong>do</strong>, a intervenção <strong>do</strong>s que o detêm e, de outro, a submissão daqueles que sofrem sua<br />
ação, afirman<strong>do</strong> a existência de uma trama em que o próprio exercício de <strong>poder</strong> participa da<br />
constituição <strong>do</strong>s sujeitos. Em sua teoria, o <strong>poder</strong> materializa-se nos corpos, nos gestos, nos<br />
discursos, em cada espaço da vida cotidia<strong>na</strong>. Sua realidade e manifestação são plurais, daí a<br />
importância de nos referirmos, <strong>na</strong> abordagem foucaultia<strong>na</strong>, à existência de <strong>poder</strong>es que estão<br />
ao mesmo tempo em toda parte e em nenhum lugar, constituin<strong>do</strong>-se como mecanismos<br />
errantes e anônimos que penetram e se enredam n<strong>as</strong> tram<strong>as</strong> <strong>do</strong> cotidiano.<br />
O reconhecimento desse <strong>poder</strong> microscópico e capilar, que se efetiva n<strong>as</strong> relações<br />
cotidian<strong>as</strong> com o outro e mediante negociações entre valores e demand<strong>as</strong>, faz-se presente <strong>na</strong><br />
argumentação de Gustavo. No mun<strong>do</strong> contemporâneo, onde a criança, dia após dia, interpela<br />
os adultos com seus apelos e reclama pelo direito de ser ouvida e atendida nesses apelos,<br />
reivindican<strong>do</strong> reconhecimento de seu lugar <strong>na</strong> <strong>cultura</strong>, não resta dúvida de que o <strong>poder</strong><br />
exerci<strong>do</strong> pel<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> <strong>na</strong> relação com os adultos tem se tor<strong>na</strong><strong>do</strong> cada vez mais explícito. É<br />
óbvio que admitir esse fato não significa afirmar a dissolução por completo da autoridade e <strong>do</strong><br />
<strong>poder</strong> adultos sobre a criança. Ao contrário disto, o que aparece como questão n<strong>as</strong> relações<br />
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entre adultos e crianç<strong>as</strong> <strong>na</strong> vida <strong>contemporânea</strong> são os novos contornos que a autoridade<br />
adulta p<strong>as</strong>sa a <strong>as</strong>sumir e não tanto se esta perde ou não sua eficácia.<br />
No debate desencadea<strong>do</strong> pelo filme Jimmy Neutron – O menino gênio, Gustavo,<br />
em resposta à questão sobre o que <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> fariam se seus pais desaparecessem, novamente<br />
apresenta um outro <strong>as</strong>pecto característico <strong>do</strong> <strong>poder</strong> pragmático e que está volta<strong>do</strong> para a busca<br />
de competência e expertise.<br />
Gustavo: Oh, gente! Já pensou se existisse o Pânico com uma faca e ele, ele<br />
entr<strong>as</strong>se dentro da nossa c<strong>as</strong>a escondi<strong>do</strong> de noite e a gente sozinho em<br />
c<strong>as</strong>a?<br />
Raquel: E aí?<br />
Gustavo: Eu ia fazer sabe o quê? Eu ia, eu ia lutar contra ele. Eu vou lutar<br />
pra me proteger, proteger, que eu sou forte. Eu vou me proteger pra<br />
caramba. Sabe o que que eu faço? Eu como muito e bebo muita água.<br />
Raquel: É mesmo? Só pra ficar forte desse jeito?<br />
Gustavo: E também eu vejo muita televisão, vejo muita televisão, e também<br />
faço sabe o quê? Eu fico brincan<strong>do</strong>. E às vezes, agora que eu ganhei, que eu<br />
tenho uma corda em c<strong>as</strong>a, eu pulei com ela uns di<strong>as</strong> e pulei até aqui no<br />
colégio.<br />
Raquel: Você acha que ver televisão faz você ficar <strong>poder</strong>oso?<br />
Gustavo: É claro! Ver televisão é como se fosse <strong>as</strong>sim: você, é como se você<br />
fosse joga<strong>do</strong>r de futebol, você fazia uns gol, um montão de gol, fazia um gol<br />
e a bola voltava, você fazia outro gol e a bola voltava, você fazia outro gol e<br />
a bola voltava e você ficava mais forte ainda, pra lutar muito contra<br />
bandi<strong>do</strong>, contra o Pânico e contra a polícia, se a polícia fosse mau. Eu ia<br />
fazer isso mesmo. Eu ia lutar pela minha justiça.<br />
Embora Gustavo faça menção à força para se proteger e defender, o <strong>poder</strong>, em sua<br />
fala, aparece como uma relação entre treino, exercício e aquisição de conhecimentos. Ter<br />
<strong>poder</strong> e ser <strong>poder</strong>oso remete a um processo de busca de competência a ser trabalhada e<br />
exercitada. Comer muito, beber muita água, ver televisão e brincar são atividades que, uma<br />
vez reunid<strong>as</strong>, participam desse processo. Vale destacar que tal como a comida e a água,<br />
elementos indispensáveis para a sobrevivência, a televisão e a brincadeira são apontad<strong>as</strong> pelo<br />
menino como alimentos para sua imagi<strong>na</strong>ção e, portanto, como ingredientes necessários para<br />
que seja forte e <strong>poder</strong>oso. No entanto, não b<strong>as</strong>ta ter to<strong>do</strong>s esses elementos reuni<strong>do</strong>s, a<br />
conquista desse <strong>poder</strong>, que aqui claramente se <strong>as</strong>socia à competência e expertise, envolve uma<br />
forma de manipulá-los para potencializá-los. É aí que aparece a função <strong>do</strong> treino e <strong>do</strong><br />
exercício quan<strong>do</strong> Gustavo refere-se à forma como brinca com a corda – eu tenho uma corda<br />
em c<strong>as</strong>a, eu pulei com ela uns di<strong>as</strong> e pulei até aqui no colégio – e ao significa<strong>do</strong> que atribui<br />
para o fato de ver televisão e ficar <strong>poder</strong>oso – é como se você fosse joga<strong>do</strong>r de futebol, você<br />
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fazia uns gol, um montão de gol, fazia um gol e a bola voltava, você fazia outro gol e a bola<br />
voltava, você fazia outro gol e a bola voltava e você ficava mais forte ainda. Nesse último<br />
<strong>as</strong>pecto, o que se coloca em destaque é o mo<strong>do</strong> como se obtém conhecimento <strong>na</strong> relação com<br />
a televisão, marcada por um tipo de treino e exercício, que aparecem sob a forma da repetição.<br />
Essa imagem <strong>do</strong> treino fica nítida quan<strong>do</strong> Gustavo traz a ilustração <strong>do</strong> joga<strong>do</strong>r de futebol que,<br />
ao fazer um gol, tem a bola de volta repetid<strong>as</strong> vezes, como forma de se tor<strong>na</strong>r cada vez mais<br />
forte e <strong>poder</strong>oso.<br />
Entretanto, não é apen<strong>as</strong> o treino a marca exclusiva dessa relação que a criança<br />
estabelece com a televisão. Se considerarmos o ato de ver televisão também como<br />
brincadeira, temos a repetição como uma atividade que a caracteriza. Fazer de novo, repetir<br />
du<strong>as</strong> ou até mil vezes, se <strong>as</strong>sim for possível, são mo<strong>do</strong>s pelos quais <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> lapidam cada<br />
experiência e saboreiam a intensidade de vitóri<strong>as</strong> e triunfos (Benjamin, 1985). A bola que vai<br />
e volta, como alusão à repetição, é a expressão <strong>do</strong> hábito como marca da brincadeira. “Fazer<br />
sempre de novo” mais <strong>do</strong> que “fazer como se”, diz Benjamin (1985, p. 253. Grifos <strong>do</strong> autor),<br />
é a essência <strong>do</strong> ato de brincar, n<strong>as</strong>ce<strong>do</strong>uro <strong>do</strong> hábito que se traduz em prazer.<br />
5. Considerações fi<strong>na</strong>is<br />
Autonomia, <strong>poder</strong>, saberes e competênci<strong>as</strong> são alguns <strong>do</strong>s atributos que <strong>as</strong><br />
crianç<strong>as</strong>, no mun<strong>do</strong> da animação <strong>contemporânea</strong>, reúnem para compor su<strong>as</strong> identidades como<br />
heróis. Ao tratar d<strong>as</strong> relações entre <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> e os contos de fada, Buck-Morss (1987)<br />
considera que el<strong>as</strong> descobrem n<strong>as</strong> históri<strong>as</strong> uma possibilidade de resolver o para<strong>do</strong>xo entre<br />
conquistar autonomia e ser dependente <strong>do</strong>s adultos, no senti<strong>do</strong> de superar o <strong>do</strong>mínio d<strong>as</strong><br />
figur<strong>as</strong> de autoridade por meio da identificação com a coragem expressa por est<strong>as</strong>. Traçan<strong>do</strong><br />
paralelos entre <strong>as</strong> considerações da autora e <strong>as</strong> manifestações de <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> nos desenhos<br />
anima<strong>do</strong>s, vemos que, se, <strong>na</strong> relação com os contos de fad<strong>as</strong>, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> identificam-se com<br />
figur<strong>as</strong> de autoridade, com os desenhos anima<strong>do</strong>s da nova geração, el<strong>as</strong> tomam como<br />
referência a imagem de outr<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> que p<strong>as</strong>sam a <strong>as</strong>sumir o lugar de autoridade. Os<br />
pequenos heróis que hoje habitam o imaginário d<strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> já resolveram o para<strong>do</strong>xo<br />
existencial – tor<strong>na</strong>ram-se tão sábios e <strong>poder</strong>osos quanto os adultos ou, às vezes, mais sábios e<br />
<strong>poder</strong>osos <strong>do</strong> que eles. Em divers<strong>as</strong> situações, chegam a demonstrar <strong>poder</strong> mediante a<br />
desconstrução da autoridade adulta ao manifestarem competênci<strong>as</strong>, saberes e atitudes que,<br />
muit<strong>as</strong> vezes, independem da relação com os adultos.<br />
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Substituir ou superar os pais é uma meta que os heróis <strong>do</strong>s contos de fada e <strong>do</strong>s<br />
desenhos anima<strong>do</strong>s têm em comum. A diferença entre ambos está <strong>na</strong> forma como atingem<br />
esse objetivo. Bettelheim (2002) mostra que, nos contos de fada, superar os pais só é possível,<br />
para o herói, mediante <strong>poder</strong>es sobre<strong>na</strong>turais. Já nos desenhos anima<strong>do</strong>s, o que leva os heróis,<br />
ainda crianç<strong>as</strong>, a concretizar esse feito é o saber, a informação, a competência, necessários<br />
para que eles não apen<strong>as</strong> se coloquem em posição de destaque em relação aos adultos, m<strong>as</strong><br />
também atestem capacidade de lidar com os desafios de seu tempo. Cada vez mais próxim<strong>as</strong> e<br />
semelhantes, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> real” aprendem com <strong>as</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> midiático que, para ser<br />
herói, não é mais necessário ter si<strong>do</strong> agracia<strong>do</strong>, desde o n<strong>as</strong>cimento, por <strong>poder</strong>es sobre<strong>na</strong>turais<br />
ou mágicos. Tor<strong>na</strong>r-se herói significa pôr em prática um <strong>poder</strong> que não mais advém de uma<br />
varinha de condão, m<strong>as</strong> <strong>as</strong>sume um caráter pragmático, cujos efeitos práticos concretizam-se<br />
mediante atitudes que expressam obsti<strong>na</strong>ção e esforço próprio. Esse <strong>poder</strong> pragmático, bem<br />
distinto da magia concedida por fad<strong>as</strong> ou magos, independe <strong>do</strong> suporte de uma entidade<br />
fantástica, pois advém de condut<strong>as</strong> e atitudes realizad<strong>as</strong> pelo próprio sujeito, uma vez que seu<br />
motor <strong>na</strong>da mais é <strong>do</strong> que a determi<strong>na</strong>ção pessoal de obtê-lo. Competência e <strong>poder</strong> formam<br />
uma parceria presente, desde a mais tenra idade, <strong>na</strong> vida de meninos e menin<strong>as</strong> que se<br />
definem como <strong>poder</strong>osos.<br />
Como signos que refletem e refratam a realidade (Bakhtin, 1995), os desenhos<br />
anima<strong>do</strong>s ora acentuam o abismo entre <strong>as</strong> gerações, <strong>na</strong>turalizan<strong>do</strong> prátic<strong>as</strong> sociais defini<strong>do</strong>r<strong>as</strong><br />
de hierarqui<strong>as</strong> de novo tipo, como é o c<strong>as</strong>o da apologia ao <strong>poder</strong> <strong>infantil</strong> em detrimento da<br />
autoridade adulta, ora convidam crianç<strong>as</strong> e adultos a dialogarem sobre su<strong>as</strong> relações, papéis e<br />
lugares sociais <strong>na</strong> <strong>cultura</strong> <strong>contemporânea</strong>.<br />
Além disso, os desenhos anima<strong>do</strong>s são discursos midiáticos que possuem estreit<strong>as</strong><br />
conexões com o universo lúdico <strong>infantil</strong> e, por isto, consistem em ric<strong>as</strong> fontes simbólic<strong>as</strong> de<br />
onde <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> retiram <strong>na</strong>rrativ<strong>as</strong> para compor fabulações, perso<strong>na</strong>gens e regr<strong>as</strong> que tomam<br />
corpo em su<strong>as</strong> brincadeir<strong>as</strong> e jogos. É, neste senti<strong>do</strong>, que <strong>as</strong>sumir o brincar como viés <strong>do</strong><br />
trabalho pedagógico de um projeto educativo orienta<strong>do</strong> por compromissos éticos e estéticos<br />
apresenta-se como um desafio a ser enfrenta<strong>do</strong> <strong>na</strong> educação de crianç<strong>as</strong> <strong>do</strong> nosso tempo.<br />
Trabalhar com brincadeir<strong>as</strong> e jogos não se limita à definição, enquadre ou administração<br />
pedagógica dess<strong>as</strong> atividades em sala de aula. Significa, também, penetrar no universo lúdico<br />
da criança como interlocutor, não apen<strong>as</strong> para compreender o que ela faz ou diz, m<strong>as</strong> para<br />
aproximar-se de seus valores, sua <strong>cultura</strong> e <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s como ela traduz os signos de seu<br />
tempo e os transforma em fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong>, me<strong>do</strong>s, desafios, heróis, ogros e brinque<strong>do</strong>s. Brincan<strong>do</strong>,<br />
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jogan<strong>do</strong> e crian<strong>do</strong> <strong>na</strong>rrativ<strong>as</strong>, <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> estão falan<strong>do</strong> de si própri<strong>as</strong>, de seus me<strong>do</strong>s,<br />
coragem, angústi<strong>as</strong>, sonhos e ideais. Estão falan<strong>do</strong> de seu tempo, da <strong>cultura</strong> em que vivem,<br />
aprendem e se desenvolvem, d<strong>as</strong> promess<strong>as</strong> e mal-estar dessa mesma <strong>cultura</strong>. Estão falan<strong>do</strong><br />
também de nós, adultos, de noss<strong>as</strong> expectativ<strong>as</strong> e projetos, de nossa presença e silêncio, de<br />
noss<strong>as</strong> certez<strong>as</strong> e dúvid<strong>as</strong>.<br />
Fazer <strong>do</strong> lúdico um espaço dialógico entre crianç<strong>as</strong> e adultos abre a possibilidade<br />
de participarmos da vida da criança e de sua <strong>cultura</strong> como um outro que traz experiênci<strong>as</strong>,<br />
históri<strong>as</strong>, visões e valores distintos e, por ocupar um outro lugar social e olhar para a vida sob<br />
outr<strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong>, apresenta mo<strong>do</strong>s diversos de interpretar e lidar com a <strong>cultura</strong><br />
<strong>contemporânea</strong>. Esse outro olhar, comprometi<strong>do</strong> com a crítica da <strong>cultura</strong>, não pode deixar<br />
ilesa a lógica <strong>do</strong> empreende<strong>do</strong>rismo neoliberal que fundamenta a tríade entre competência,<br />
competição e <strong>poder</strong>, que se entranha <strong>na</strong> vida da infância e revela sua faceta trágica ao tomar o<br />
outro como ameaça ou alguém a ser descarta<strong>do</strong>.<br />
6. Referênci<strong>as</strong> bibliográfic<strong>as</strong><br />
BAKHTIN. M. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.<br />
BENJAMIN, W. Obr<strong>as</strong> Escolhid<strong>as</strong>: Magia e técnica, arte e política. 2. ed. v. 1. São Paulo:<br />
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(org.). Critical theories of Psychological Developmental. New York e Lon<strong>do</strong>n: Plenum<br />
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de Sigmund Freud. Edição Standard Br<strong>as</strong>ileira. Rio de Janeiro: Imago. v. XIV, 1974.<br />
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L. S., LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. (orgs.). Linguagem, desenvolvimento e<br />
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142.<br />
SALGADO, R. G. Ser criança e herói no jogo e <strong>na</strong> vida: a infância <strong>contemporânea</strong>, o<br />
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Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica <strong>do</strong> Rio de Janeiro, 2005.<br />
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.<br />
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WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.<br />
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