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Araraquara 2012 - Prefeitura de Araraquara

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<strong>Araraquara</strong><br />

<strong>2012</strong><br />

Censo e Caracterização da<br />

População em Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

<strong>Prefeitura</strong> do Município <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />

Assistência e Desenvolvimento Social


Censo e Caracterização da<br />

População em Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

<strong>Araraquara</strong><br />

<strong>2012</strong>


Realização Execução<br />

<strong>Prefeitura</strong> do Município <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong> Assistência e<br />

Desenvolvimento Social<br />

Coor<strong>de</strong>nadoria Executiva<br />

Coor<strong>de</strong>nação Técnica<br />

Walter Varanda 1<br />

Cássi Cássio Giorgetti 2<br />

Supervisão<br />

Coor<strong>de</strong>nadoria Executiva<br />

Gerência <strong>de</strong> Proteção Social Especial<br />

Equipe <strong>de</strong> Operacionalização<br />

Casa Transitória “Assad Kan” (Assistente Social, Agentes<br />

Sociais, Agente Administrativo, Motoristas)<br />

Facilitadores<br />

Associação Promocional Santo Padre Pio<br />

Comunida<strong>de</strong> Servos do Cristo Re<strong>de</strong>ntor (Pe. Pedro)<br />

Equipe Técnica e Operacional da Casa Transitória “Assad Kan”<br />

Movimento Estadual da População em Situação <strong>de</strong> Rua - SP<br />

(Robson Mendonça – Coor<strong>de</strong>nador)<br />

1 Doutor em Saú<strong>de</strong> Pública, Psicólogo, com atuação em pesquisas e projetos sócioeducativos para a População<br />

em Situação <strong>de</strong> Rua em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gestão, intervenção psicossocial, capacitação e supervisão.<br />

2 Sociólogo, com atuação na coor<strong>de</strong>nação da abordagem das pessoas em situação <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> São Paulo e gestão<br />

<strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência social e abrigamento público. Livros: O Outro Lado da Noite e Por Trás dos Muros.<br />

ii


ÍNDICE<br />

1. Introdução .................................................................................................................................. 1<br />

2. Metodologia ............................................................................................................................... 3<br />

2.1 Censo .................................................................................................................................. 4<br />

Tabela 2.1.1 - Pontos <strong>de</strong> concentração ........................................................................................ 7<br />

2.2 Caracterização .................................................................................................................... 8<br />

Tabela 2.2.1 – Amostra para entrevistas qualitativas ................................................................... 9<br />

Tabela 2.2.2 – Detalhamento da amostragem ........................................................................... 10<br />

3. Resultados ................................................................................................................................ 12<br />

3.1 Caracterização <strong>de</strong>mográfica ............................................................................................. 13<br />

Tabela 3.1.1 – Distribuição por sexo .......................................................................................... 13<br />

Tabela 3.1.2 – Distribuição por situação <strong>de</strong> abrigamento ........................................................... 13<br />

Tabela 3.1.3 – Distribuição por pontos <strong>de</strong> concentração na rua ................................................. 14<br />

Tabela 3.1.4 – Distribuição por local <strong>de</strong> abrigamento ................................................................ 14<br />

Tabela 3.1.5 – Distribuição por ida<strong>de</strong> ......................................................................................... 14<br />

Tabela 3.1.6 – Distribuição por estado civil ................................................................................ 15<br />

Tabela 3.1.7 – Distribuição por cor ............................................................................................ 15<br />

Tabela 3.1.8 – Distribuição por escolarida<strong>de</strong> ............................................................................. 15<br />

Tabela 3.1.9 – Posse <strong>de</strong> documentos ......................................................................................... 16<br />

Tabela 3.1.10 – Documentos que possui .................................................................................... 16<br />

3.2 Procedência e tempo <strong>de</strong> rua.............................................................................................. 16<br />

Tabela 3.2.1 – Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nascimento ........................................................................................ 17<br />

Tabela 3.2.2 – Estado <strong>de</strong> nascimento ......................................................................................... 17<br />

Tabela 3.2.3 – Última cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência ............................................................................. 17<br />

Tabela 3.2.4 – Penúltima cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência ....................................................................... 18<br />

Tabela 3.2.5 – Tempo que está em <strong>Araraquara</strong> .......................................................................... 18<br />

Tabela 3.2.6 – Tempo que se encontra em situação <strong>de</strong> rua ........................................................ 18<br />

3.3 Trajetórias individuais ...................................................................................................... 19<br />

Tabela 3.3.1 – Motivo atribuído à situação <strong>de</strong> rua ..................................................................... 19<br />

3.4 Estratégias <strong>de</strong> sobrevivência ............................................................................................. 25<br />

iii


3.5 Ocupações profissionais e renda ....................................................................................... 28<br />

Tabela 3.5.1 – Profissão ............................................................................................................. 29<br />

Tabela 3.5.2 – Situação <strong>de</strong> trabalho atual .................................................................................. 29<br />

Tabela 3.5.3 – Possui renda ....................................................................................................... 30<br />

Tabela 3.5.4 – Rendimentos ...................................................................................................... 30<br />

Tabela 3.5.5 – Forma <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda .............................................................................. 31<br />

3.6 Vínculos familiares e sociais .............................................................................................. 33<br />

3.7 Uso <strong>de</strong> psicoativos ............................................................................................................ 35<br />

Tabela 3.7.1 – Uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas ................................................................................... 35<br />

Tabela 3.7.2 – Tempo <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas ................................................................... 35<br />

Tabela 3.7.3 – Drogas utilizadas ................................................................................................. 36<br />

Tabela 3.7.4 – Utilização <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> tratamento para álcool ou drogas ............................ 36<br />

3.8 Situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ............................................................................................................. 39<br />

Tabela 3.8.1 – Deficiência aparente ou auto-referida ................................................................ 39<br />

Tabela 3.8.2 – Problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> auto-referido ....................................................................... 40<br />

3.9 Projeto <strong>de</strong> vida .................................................................................................................. 42<br />

3.10 Relações institucionais ...................................................................................................... 43<br />

Tabela 3.10.1 – Serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> utilizados ................................................................ 43<br />

4. Consi<strong>de</strong>rações finais ................................................................................................................. 48<br />

ANEXO 1 : Comunicado preliminar ............................................................................................... 50<br />

ANEXO 2 : Formulário do Levantamento Censitário ....................................................................... 51<br />

ANEXO 3 : Roteiro para entrevista qualitativa ............................................................................... 53<br />

ANEXO 4 : Termo <strong>de</strong> Consentimento ............................................................................................. 55<br />

ANEXO 5 : Fotos ............................................................................................................................ 56<br />

iv


1. Introdução<br />

Censo e Caracterização da<br />

População em Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

Este documento apresenta os resultados da pesquisa quantitativa e qualitativa da população<br />

em situação <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>, realizada entre setembro e <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2011. Encontramos 176<br />

pessoas utilizando a rua como estratégia <strong>de</strong> sobrevivência. Consi<strong>de</strong>rando que 18 pessoas <strong>de</strong>clararam<br />

possuir residência fixa, a População em Situação <strong>de</strong> Rua da cida<strong>de</strong> totalizou 158 pessoas, sendo 141<br />

homens (89,2 %) e 17 mulheres (10,8 %). Deste universo, trabalhamos com uma amostra <strong>de</strong> 21<br />

pessoas para o aprofundamento e consolidação do estudo no âmbito qualitativo. A pesquisa<br />

procurou i<strong>de</strong>ntificar variáveis e indicadores dos diferentes perfis sócio-<strong>de</strong>mográficos <strong>de</strong>sta população,<br />

trajetórias <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação socioeconômica e estratégias <strong>de</strong> sobrevivência num contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas<br />

emergentes, principalmente nas esferas da assistência social, saú<strong>de</strong>, habitação, trabalho, educação,<br />

direitos humanos e segurança pública.<br />

Nos termos da Política Nacional para a População em Situação <strong>de</strong> Rua 3 , este segmento<br />

compreen<strong>de</strong> “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os<br />

vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência <strong>de</strong> moradia convencional regular, e<br />

que utiliza os logradouros públicos e as áreas <strong>de</strong>gradadas como espaço <strong>de</strong> moradia e <strong>de</strong> sustento, <strong>de</strong><br />

forma temporária ou permanente, bem como as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acolhimento para pernoite ou como<br />

moradia provisória”. Entre seus objetivos indica “a contagem oficial”, “a pesquisa, produção e<br />

divulgação <strong>de</strong> conhecimentos sobre a população em situação <strong>de</strong> rua, contemplando a diversida<strong>de</strong><br />

humana em toda a sua amplitu<strong>de</strong> étnico-racial, sexual, <strong>de</strong> gênero e geracional, nas diversas áreas do<br />

conhecimento”.<br />

Este estudo se orientou pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídios para intervenções realizadas,<br />

articulação dos recursos públicos e solidários disponíveis e engajamento da socieda<strong>de</strong> civil visando<br />

maior efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas ações. Consi<strong>de</strong>rando os anseios <strong>de</strong> consolidação da cidadania, a<br />

compreensão da situação <strong>de</strong> rua po<strong>de</strong>, por outro lado, facilitar a estimulação da contrapartida do<br />

3 Art. 1º do Decreto Nº 7.053 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2009, Presidência da República.<br />

1


sujeito, <strong>de</strong>senvolvendo-se <strong>de</strong>sta forma o seu protagonismo alinhado com as propostas das<br />

instituições que atuam com este segmento populacional. Neste sentido, a generalização das<br />

abordagens e atendimentos po<strong>de</strong>ria resultar em intervenções infrutíferas, e ainda incorrer no risco <strong>de</strong><br />

fixar o sujeito na situação em que ele se encontra, geralmente com uma autoimagem negativa,<br />

cronificando a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência dos serviços institucionais e onerando os serviços públicos.<br />

Em <strong>Araraquara</strong>, estas pessoas vivem em instituições sociais <strong>de</strong> abrigamento temporário ou<br />

em acampamentos precários improvisados em praças, jardins, imóveis <strong>de</strong>socupados, sob viadutos,<br />

marquises <strong>de</strong> estabelecimentos públicos ou comerciais, ou outros dispositivos <strong>de</strong> proteção das<br />

intempéries como carcaças <strong>de</strong> automóveis abandonados. Encontram-se, predominantemente em<br />

ida<strong>de</strong> produtiva com 77,9 % entre 25 e 55 anos, 53,7 % com ensino fundamental incompleto e 7,4 %<br />

que se <strong>de</strong>clararam analfabetos, sendo 46,6 % nascidos na própria cida<strong>de</strong> e 78,0 % nascidos no<br />

estado <strong>de</strong> São Paulo. Correspon<strong>de</strong>m a 0,076 % do total <strong>de</strong> 208.662 pessoas resi<strong>de</strong>ntes na cida<strong>de</strong>,<br />

contabilizadas pelo IBGE em 2010.<br />

Num universo <strong>de</strong> 48 municípios brasileiros com mais <strong>de</strong> 300 mil habitantes e 23 capitais, o<br />

percentual <strong>de</strong> moradores <strong>de</strong> rua em relação à população domiciliada situa-se em torno <strong>de</strong> 0,061 %,<br />

segundo o I Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação <strong>de</strong> Rua realizado em 2008 4 .<br />

Entre as capitais que realizaram o próprio censo da População em Situação <strong>de</strong> Rua, este índice era <strong>de</strong><br />

0,049 % em Belo Horizonte e 0,059 em Recife, em 2005 5 . Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, as pessoas em<br />

situação <strong>de</strong> rua representavam 0,086 % da população total em 2003 (ib<strong>de</strong>m) e aproximadamente<br />

0,12% em 2008 6 .<br />

De maneira geral trata-se <strong>de</strong> um fenômeno social inequívoco <strong>de</strong> natureza multifatorial que<br />

compreen<strong>de</strong> pelo menos três subtipos:<br />

• aqueles que se encontram incapacitados para a sobrevivência autônoma, comumente<br />

<strong>de</strong>vido à ida<strong>de</strong> avançada, transtornos mentais ou outros transtornos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

cronificados e geralmente irreversíveis;<br />

4 Brasil. MDS. Sumário Executivo - Pesquisa Nacional sobre a População em Situação <strong>de</strong> Rua. Brasília, DF: MDS;<br />

Meta Instituto <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> Opinião, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria <strong>de</strong><br />

Avaliação e Gestão da Informação, 2008.<br />

5 Brasil. MDS. Rua: apren<strong>de</strong>ndo a contar: Pesquisa Nacional sobre a População em Situação <strong>de</strong> Rua. Brasília, DF:<br />

MDS; Secretaria <strong>de</strong> Avaliação e Gestão da Informação, Secretaria <strong>de</strong> Assistência Social, 2009.<br />

6 Consi<strong>de</strong>rando 13.606 pessoas, segundo o Censo da População em Situação <strong>de</strong> Rua da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

realizado pela FIPE em 2008 e a população domiciliada <strong>de</strong> 11.253.503 apontada pelo IBGE em 2010.<br />

2


• aqueles que se encontram temporariamente impossibilitados para o trabalho, por<br />

falta <strong>de</strong> qualificação profissional, uso abusivo <strong>de</strong> substâncias químicas ou <strong>de</strong>sajustes<br />

familiares e sociais, que requerem programas <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong> médio e longo prazo<br />

para se reestabelecerem socialmente; e<br />

• aqueles que se encontram nas ruas há pouco tempo, possuem recursos cognitivos e<br />

emocionais suficientes para recuperar uma situação <strong>de</strong> maior dignida<strong>de</strong> e se<br />

esforçam conscientemente para sair das ruas.<br />

Uma classificação semelhante foi apresentada na publicação do primeiro estudo censitário<br />

realizado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo em 1991 (Vieira et al. 1994, p.93) 7 , que distingue “ficar na rua –<br />

circunstancialmente”, “estar na rua – recentemente” e “ser <strong>de</strong> rua – permanentemente”. Esta<br />

distinção <strong>de</strong> situações também ten<strong>de</strong> a uma maior complexida<strong>de</strong> na medida em que se consi<strong>de</strong>ra o<br />

intrincado conjunto <strong>de</strong> fatores que se inter-relacionam no processo <strong>de</strong> ida para a rua e nas práticas<br />

assistenciais existentes.<br />

Alguns indivíduos vivem solitariamente, mas na maioria se aglutinam em grupos, em busca <strong>de</strong><br />

apoio emocional ou suporte para as estratégias coletivas <strong>de</strong> sobrevivência que incluem a coleta<br />

seletiva, trabalhos manuais e a partilha <strong>de</strong> doações. A população que recorre aos serviços públicos se<br />

divi<strong>de</strong> entre aqueles que usam a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e sócio assistenciais, mas continuam<br />

pernoitando nas ruas e aqueles que a<strong>de</strong>rem aos programas institucionais e se abrigam na Casa<br />

Transitória Assad Kan, na Associação Promocional Santo Padre Pio, ou ainda se encontram internados<br />

em clínicas e comunida<strong>de</strong>s terapêuticas com o diagnóstico <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência química.<br />

2. Metodologia<br />

A pesquisa foi conduzida pela equipe <strong>de</strong> profissionais da Casa Transitória <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

vinculada ao programa <strong>de</strong> Proteção Social Especial da Secretaria Municipal <strong>de</strong> Assistência e<br />

Desenvolvimento Social com consultoria externa em todas as fases da pesquisa. Além dos<br />

consultores, responsáveis pela coor<strong>de</strong>nação técnica, a equipe <strong>de</strong> pesquisa foi constituída com uma<br />

supervisora, duas coor<strong>de</strong>nadoras operacionais, 3 entrevistadoras e 4 motoristas. Entre os<br />

7 Vieira MAC, Bezerra EMR, Rosa CMM. População <strong>de</strong> Rua – Quem é, Como Vive, Como é Vista. 2ª ed. São<br />

Paulo: Hucitec; 1994.<br />

3


cooperadores e informantes incluem-se o coor<strong>de</strong>nador do Movimento Estadual da População em<br />

Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> São Paulo, profissionais e voluntários das instituições que compõem a re<strong>de</strong> social<br />

e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que aten<strong>de</strong> esta população no município.<br />

2.1 Censo<br />

Para o trabalho <strong>de</strong> campo foi consi<strong>de</strong>rado objeto <strong>de</strong> pesquisa, rigorosamente todas as<br />

pessoas que se encontravam em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social nos logradouros públicos da<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>, incluindo-se nesse contingente não apenas aquelas que, pela sua condição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>gradação física, visível e literalmente se enquadram como moradores <strong>de</strong> rua, mas também pessoas<br />

em prática <strong>de</strong> mendicância e ativida<strong>de</strong>s laborais precárias - mesmo os que informaram possuir<br />

residência e trabalhadores itinerantes.<br />

Desta forma, adicionalmente ao censo, seria possível distinguir o contingente <strong>de</strong> pessoas que<br />

efetivamente utiliza a rua como moradia do contingente <strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ntes, que utilizam a rua para<br />

complementar renda ou obter qualquer outro tipo <strong>de</strong> ganho ou benefício.<br />

Definimos como itinerante, o entrevistado cujas informações transmitidas enquadram-se nos<br />

seguintes critérios:<br />

• Estar na cida<strong>de</strong> por um período <strong>de</strong> tempo que não ultrapassasse e 60 dias, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando-se<br />

outras passagens ou visitas;<br />

• Possuir histórico <strong>de</strong> procedência contabilizando ao menos duas localida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>;<br />

• Desconhecer ou pouco ter utilizado a re<strong>de</strong> pública e privada <strong>de</strong> serviços – principalmente aqueles<br />

exclusivos ao atendimento da população <strong>de</strong> rua.<br />

Definimos como resi<strong>de</strong>nte, o entrevistado cujas informações transmitidas enquadram-se nos<br />

seguintes critérios:<br />

• Possuir residência – própria ou da família – e retornar à mesma diariamente para dormir;<br />

• Possui vínculo familiar intacto;<br />

• Desconhecer ou utilizar pouco a re<strong>de</strong> pública e privada <strong>de</strong> serviços – principalmente aqueles<br />

exclusivos ao atendimento da população <strong>de</strong> rua.<br />

A coleta <strong>de</strong> dados foi realizada através <strong>de</strong> um formulário <strong>de</strong> 43 itens. Além dos dados <strong>de</strong><br />

caráter censitário, o formulário incluiu questões investigativas sobre a situação geral da saú<strong>de</strong>, uso <strong>de</strong><br />

álcool e drogas e dados i<strong>de</strong>ntificadores do sujeito que permitam o acompanhamento <strong>de</strong> sua trajetória<br />

4


na situação <strong>de</strong> rua e estudos analíticos posteriores, ressalvando-se o direito <strong>de</strong> omitir informações<br />

pessoais ou mesmo <strong>de</strong> usar pseudônimos para preservar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Esta parte da pesquisa foi<br />

realizada em quatro etapas: preparação e planejamento, aproximação do campo, aplicação <strong>de</strong><br />

questionário censitário e processamento dos dados.<br />

Preparação e planejamento<br />

Durante a preparação com a equipe da Casa Transitória os instrumentais <strong>de</strong> pesquisa foram<br />

<strong>de</strong>finidos e aprovados, discutindo-se as formas <strong>de</strong> abordagem, preservando-se a ética e o respeito à<br />

individualida<strong>de</strong> dos entrevistados. Decidimos pela utilização <strong>de</strong> um zoneamento <strong>de</strong> acordo com as<br />

regiões do Orçamento Popular, percorridas rua a rua, i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong><br />

moradores <strong>de</strong> rua, abordagem individual e visitas subsequentes na área central e nos locais <strong>de</strong><br />

permanência já i<strong>de</strong>ntificados anteriormente ou durante a pesquisa, principalmente na região central<br />

da cida<strong>de</strong>. Para a i<strong>de</strong>ntificação dos locais <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong> moradores <strong>de</strong> rua nos bairros distantes<br />

do centro, utilizamos as informações levantadas com comerciantes locais.<br />

Aproximação do campo<br />

Optamos por concentrar o maior esforço dos pesquisadores durante o dia, a partir <strong>de</strong><br />

vínculos previamente estabelecidos e através da campanha <strong>de</strong> divulgação realizada na semana<br />

anterior à pesquisa, em meados <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011, utilizando-se para isto uma filipeta direcionada a<br />

todas as pessoas a serem abordadas, anunciando a pesquisa entre 30 <strong>de</strong> agosto e 02 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2011 visando o “reconhecimento e <strong>de</strong>fesa dos direitos das pessoas que vivem em situação <strong>de</strong> rua”<br />

(anexo).<br />

Trabalhamos em 3 frentes:<br />

• Levantamento <strong>de</strong> informações sobre usuários e pontos <strong>de</strong> pernoite com as instituições que<br />

mantém contato rotineiro com a população <strong>de</strong> rua, como aquelas voltadas exclusivamente ao<br />

atendimento <strong>de</strong>sta população ou aquelas com as quais estas pessoas têm contatos eventuais,<br />

como os Centros <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Assistência Social – CRAS que acolhem pessoas em situação <strong>de</strong><br />

rua que estão vinculados a familiares ou grupos que utilizam o equipamento social:<br />

o Associação Promocional Santo Padre Pio<br />

o CAPS AD – Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas<br />

o Casa Transitória Assad Kan<br />

5


o Comunida<strong>de</strong> Servos do Cristo Re<strong>de</strong>ntor (Pe. Pedro)<br />

o Guarda Civil Municipal<br />

o Hospital Estadual Américo Brasiliense<br />

o Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel<br />

o Irmanda<strong>de</strong> da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

o Pronto Socorro Municipal Amélia Bernardini Cutrale (Melhado)<br />

o UPA – Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pronto Atendimento Vila Xavier<br />

o CRAS Yolanda Ópice<br />

o CRAS Parque das Hortências<br />

o CRAS Vale do Sol<br />

o CRAS Maria Luiza<br />

o CRAS Selmi Dei<br />

o CRAS Parque São Paulo<br />

• Contato e distribuição <strong>de</strong> filipetas às pessoas em situação <strong>de</strong> rua que são visitadas regularmente<br />

pelos serviços <strong>de</strong> assistência na própria rua ou que foram encontradas nas instituições que<br />

prestam atendimento a pessoas em situação <strong>de</strong> rua.<br />

• Contato e distribuição <strong>de</strong> filipetas às pessoas em situação <strong>de</strong> rua contactadas espontaneamente.<br />

Foram contabilizadas 118 pessoas nesta fase da pesquisa.<br />

Aplicação do questionário<br />

A aplicação <strong>de</strong> questionário foi realizada por duplas <strong>de</strong> entrevistadores com abordagem<br />

individual no local <strong>de</strong> permanência da pessoa. Toda a cida<strong>de</strong> foi percorrida nos períodos diurnos<br />

entre os dias 30/08 e 02/09. Para compensar a condição <strong>de</strong> intinerância dos entrevistados, toda a<br />

área central e pontos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> rua foram visitados mais <strong>de</strong> uma<br />

vez. Algumas <strong>de</strong>stas visitas foram realizadas em período noturno e nas duas semanas subsequentes à<br />

pesquisa.<br />

O índice <strong>de</strong> recusa à abordagem ou impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preenchimento <strong>de</strong> todo o formulário<br />

foi <strong>de</strong> apenas 2,5 %, entretanto consi<strong>de</strong>rando-se as questões isoladamente o índice <strong>de</strong> respostas<br />

válidas variou conforme a questão abordada.<br />

6


Tabela 2.1.1 - Pontos <strong>de</strong> concentração<br />

região local quant.<br />

Região 1 – Centro Praça Nossa Sra. Do Carmo / Centro 10<br />

Região 1 – Centro Praça São Geraldo / Bairro São Geraldo 9<br />

Região 1 – Centro Praça da Matriz <strong>de</strong> São Bento / Centro 8<br />

Região 1 – Centro Praça da Santa Cruz / Centro 8<br />

Região 1 – Centro Avenida São José/Centro – Padre Pedro 7<br />

Região 1 – Centro Rua São Bento 6<br />

Região 9 – São José Praça <strong>de</strong> São José – São José 5<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Rua Domingos Paulo Real / Jd. Resi<strong>de</strong>ncial Itália 4<br />

Região 1 – Centro Av. Pe. Fco. Colturaro (av.36) / São Geraldo 3<br />

Região 1 – Centro Rua 9 julho ( Praça do Paliteiro) / Centro 3<br />

Região 8 – Jd. Universal Rua Castro Alves (rua 16) / Vila Santana 3<br />

Região 1 – Centro Rua Padre Duarte / Centro 3<br />

Região 9 – São José Rua Voluntários da Pátria / Jd. Nova América 3<br />

Região 14 – Vila Xavier Av. 22 <strong>de</strong> agosto (pontilhão) – V. Xavier 2<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Av. Adhemar Pereira <strong>de</strong> Barros / Vila Melhado 2<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Av. Padre Manoel da Nóbrega – Pque. Alvorada 2<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Av. Santos Dummont / Jd. Higienópolis 2<br />

Região 9 – São José Av. Julio Ursulino Pedroso (rodoviária) / Jd. Nova América 2<br />

Região 14 – Vila Xavier Praça Santo Antônio – V. Xavier 2<br />

Região 1 – Centro Rua 7 <strong>de</strong> setembro 2<br />

Região 9 – São José Rua do Linhão / Jd. Santa Lúcia 2<br />

Região 9 – São José Rua Luis Mauri / Jd. Nova América 2<br />

Região 1 – Centro Rua Victor Lacorte/ Vila Nossa Sra. Do Carmo 2<br />

Região 8 – Jd. Universal Super Mercado Patrezão / Quitandinha 2<br />

Região 10 – Melhado / Yolanda Via expressa 2<br />

Região 4 – Jd. Botânico Av. Armando Biagioni / Jd. Biagioni 1<br />

Região 1 – Centro Av. Ban<strong>de</strong>irantes / Centro 1<br />

Região 16 – Parque São Paulo Av. Dr. Albert Einstein 1<br />

Região 12 – Cruzeiro Av. João Barceni / Jd. Cruzeiro do Sul 1<br />

Região 16 – Pq. São Paulo Av. Jocelyn Machado / Jd. Sta.Clara 1<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Av. José Fernan<strong>de</strong>s Monteiro Filho / Jd. Das Paineiras 1<br />

Região 15 – Jd. Brasil Av. Paraíba 1<br />

Região 1 – Centro Av. Bento <strong>de</strong> Abreu / Centro 1<br />

Região 9 – São José Jardim Público / Jd. Nova América 1<br />

Região 15 – Brasil/América Praça Daniel Munhoz Garcia Perez / Jd. Silvânia 1<br />

Região 5 – Vale do Sol Rod.Whashington Luiz / Recreio Campestre Idanorma 1<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda Rua 13 <strong>de</strong> maio/ Vila Xavier 1<br />

Região 9 – São José Rua 29 / São José 1<br />

Região 8 – Jd. Universal Rua Aldo Careani/ Vila Santana 1<br />

Região 1 – Centro Rua Antonio Correia da Silva / Centro 1<br />

Região 1 – Centro Rua Carlos Gomes x P<strong>de</strong>. Fco. Sales / Centro 1<br />

Região 14 – Vila Xavier Rua Gertru<strong>de</strong>s Leite Souza Pinto – V. Cida<strong>de</strong> Industrial 1<br />

Região 4 – Jd. Botânico Rua Ozório <strong>de</strong> Souza Melo / Jd. D.Pedro I 1<br />

Total <strong>de</strong>sabrigados 114<br />

7


egião instituição quant.<br />

Região 8 – Jd. Universal Casa Transitória – Rua Castro Alves / Vila Santana 25<br />

Região 8 – Jd. Universal Padre Pio – Av. Presi<strong>de</strong>nte Vargas/ Quitandinha 18<br />

Região 12 – Cruzeiro H Cairbar Schutel – Av. Cairbar Schutel /Jd. Arco Íris 1<br />

Total abrigados 44<br />

Total em situação <strong>de</strong> rua 158<br />

Processamento dos dados<br />

Depois da validação dos dados levantados, eliminando-se os registros duplicados através <strong>de</strong><br />

dados secundários como o nome dos pais, foi feito o mapeamento dos pontos <strong>de</strong> pernoite, o<br />

processamento estatístico dos dados e a sistematização das informações obtidas.<br />

Os dados pessoais dos entrevistados como o nome, nome da mãe e nome do pai, foram<br />

<strong>de</strong>sprezados para fins <strong>de</strong> quantificação e <strong>de</strong>finição do perfil da população em situação <strong>de</strong> rua,<br />

utilizando-se essas informações para a criação <strong>de</strong> um cadastro nominal para acompanhamento<br />

futuro.<br />

Para a <strong>de</strong>terminação dos percentuais dos dados coletados referente a cada uma das questões<br />

analisadas foram consi<strong>de</strong>rados somente os questionários com respostas válidas para a questão. Os<br />

casos <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados nos cálculos estatísticos se referem às informações que não pu<strong>de</strong>ram ser<br />

obtidas no trabalho <strong>de</strong> campo pelas seguintes razões: indisposição ou recusa do entrevistado em<br />

respon<strong>de</strong>r a perguntas específicas, incapacida<strong>de</strong> ou impossibilida<strong>de</strong> do entrevistado em respon<strong>de</strong>r às<br />

perguntas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> embriaguez excessiva, e comprometimento cognitivo ou da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

interativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> aparentes transtornos mentais.<br />

Nos casos extremos, utilizamos como expediente compensatório a coleta das informações<br />

i<strong>de</strong>ntificadas visualmente como en<strong>de</strong>reço, sexo e cor, além da complementação dos dados faltantes,<br />

através dos cadastros equivalentes, quando existentes, disponibilizados pelas equipes da Casa<br />

Transitória e das outras instituições consultadas.<br />

2.2 Caracterização<br />

O estudo etnográfico foi realizado através <strong>de</strong> visitas ao campo, entrevistas em profundida<strong>de</strong> e<br />

análise das informações coletadas. O trabalho <strong>de</strong> aproximação do campo foi iniciado por ocasião do<br />

levantamento censitário permitindo que se estabelecesse uma relação <strong>de</strong> confiança entre os<br />

8


entrevistadores e entrevistados <strong>de</strong> tal forma que na fase <strong>de</strong> caracterização, com a terceira visita ao<br />

campo, houvesse ampla receptivida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> para que as pessoas entrevistadas pu<strong>de</strong>ssem se<br />

comportar <strong>de</strong> forma mais espontânea e participar da pesquisa sem muitas reservas. Esta estratégia<br />

contribuiu para a credibilida<strong>de</strong> da pesquisa para os entrevistados, além <strong>de</strong> facilitar a circulação dos<br />

pesquisadores nos pontos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> rua com esta finalida<strong>de</strong>.<br />

Amostragem<br />

Para a composição da amostra foram <strong>de</strong>finidos como critérios: aprofundar a pesquisa com<br />

pelo menos 10 % da população recenseada, respeitando a sua distribuição por sexo e contemplando<br />

ambas as condições <strong>de</strong> abrigamento, <strong>de</strong>sabrigo e situações específicas <strong>de</strong> pessoas que frequentam o<br />

universo da rua e <strong>de</strong>clararam possuir domicilio, on<strong>de</strong> pernoitam.<br />

A população abrigada foi entrevistada na Casa Transitória Assad Kan e na Associação<br />

Promocional Santo Padre Pio. Os entrevistados que sobrevivem com os recursos encontrados nas<br />

ruas foram abordados na Praça Pedro José Neto, Praça do Carmo, Rodoviária, Jardim Itália e<br />

Quitandinha. Uma vez conhecido o universo <strong>de</strong>ste segmento populacional através do censo realizado<br />

a priori, procuramos dar priorida<strong>de</strong> às pessoas que pu<strong>de</strong>ssem representar a diversida<strong>de</strong> da população<br />

<strong>de</strong> rua nos critérios ida<strong>de</strong>, tempo <strong>de</strong> rua, formas <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda e principalmente quanto ao<br />

uso <strong>de</strong> álcool e outras drogas. Esta amostra totalizou 21 pessoas como se encontra resumido nas<br />

tabelas a seguir.<br />

Tabela 2.2.1 – Amostra para entrevistas qualitativas<br />

individuos sexo ida<strong>de</strong> situação uso <strong>de</strong> psicoativos<br />

21<br />

18 masc<br />

3 fem<br />

1 [até 25]<br />

2 [26 -35]<br />

8 [35-45]<br />

7 [46-55]<br />

2 [56-65]<br />

1 [mais 65]<br />

11 rua<br />

7 abrigo<br />

3 domicilio<br />

9<br />

Foram consi<strong>de</strong>radas as substancias<br />

associadas ao cotidiano da situação <strong>de</strong><br />

rua, entretanto foram relatados usos <strong>de</strong><br />

outras drogas, diferentes combinações<br />

entre elas e com diferentes gradações<br />

<strong>de</strong> princípios ativos ao longo da vida do<br />

sujeito.


Tabela 2.2.2 – Detalhamento da amostragem<br />

individuo sexo ida<strong>de</strong> situação uso <strong>de</strong> psicoativos *<br />

A homem 25 <strong>de</strong>sabrigo álcool, maconha, cocaína / crack (abstinente)<br />

B homem 30 domicilio álcool, cocaína (eventual)<br />

C homem 35 abrigo álcool, maconha, cocaína / crack (abstinente)<br />

D homem 36 domicilio álcool<br />

E homem 37 <strong>de</strong>sabrigo álcool, maconha, cocaína / crack<br />

F homem 42 <strong>de</strong>sabrigo álcool<br />

G homem 44 <strong>de</strong>sabrigo álcool<br />

H homem 44 abrigo álcool > abstinente<br />

I homem 44 <strong>de</strong>sabrigo álcool<br />

J homem 46 <strong>de</strong>sabrigo álcool<br />

K homem 48 abrigo álcool > abstinente<br />

L homem 50 <strong>de</strong>sabrigo nenhum<br />

M homem 54 <strong>de</strong>sabrigo álcool, maconha, crack (abstinente)<br />

N homem 55 abrigo álcool, heroína, cocaína / crack > abstinente<br />

O homem 55 <strong>de</strong>sabrigo álcool<br />

P homem 56 abrigo álcool > abstinente<br />

Q homem 64 abrigo álcool > abstinente<br />

R homem 66 domicilio álcool<br />

S mulher 36 <strong>de</strong>sabrigo maconha (eventual), crack (eventual)<br />

T mulher 36 <strong>de</strong>sabrigo álcool, maconha, cocaína, crack > abstinente<br />

U mulher 47 abrigo nenhum<br />

Entrevistas<br />

* o uso <strong>de</strong> ( ) indica uma substancia, o uso <strong>de</strong> > indica todas as substancias relacionadas<br />

As entrevistas foram realizadas nos locais <strong>de</strong> permanência das pessoas. O primeiro passo<br />

neste sentido era o reconhecimento do sujeito ou uma reapresentação caso o entrevistado tivesse<br />

sido visitado por outro entrevistador na primeira fase da pesquisa. Uma vez justificado o convite para<br />

a realização da entrevista qualitativa passamos ao entrevistado o “termo <strong>de</strong> consentimento <strong>de</strong><br />

entrevistas” que requeria sua assinatura (formulário anexo), ajudando-o com os termos do texto para<br />

o completo entendimento da natureza <strong>de</strong> sua participação neste estudo. Para a entrevista<br />

propriamente dita, procuramos <strong>de</strong>ixar o sujeito livre para seguir sua linha <strong>de</strong> raciocínio, seja ela<br />

cronológica ou orientada pelos fatos marcantes <strong>de</strong> sua trajetória <strong>de</strong> vida. No transcorrer da<br />

entrevista e ao final da apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada sequencia pelo entrevistado, o entrevistador<br />

passava a buscar informações complementares <strong>de</strong> acordo com um “roteiro para entrevistas”<br />

10


previamente elaborado (instrumental anexo), mas não necessariamente numa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminada,<br />

que contemplou:<br />

• Dados i<strong>de</strong>ntificadores da entrevista;<br />

• Esclarecimentos sobre a pesquisa;<br />

• Observação etnográfica;<br />

• Rotina diária do sujeito;<br />

• Situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;<br />

• Trabalho e renda;<br />

• Trajetória <strong>de</strong> vida;<br />

• Exercício da cidadania;<br />

• Projeto <strong>de</strong> vida.<br />

Conforme a autorização do sujeito, o registro das informações foi feito através <strong>de</strong> papel,<br />

caneta, gravador e máquina fotográfica. No caso dos dois instrumentais que estariam sendo<br />

manipulados diante do entrevistado durante a entrevista, optamos por não utilizar o logo da<br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong> Assistência e Desenvolvimento Social visando maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

para o entrevistado, mesmo <strong>de</strong>ixando claro: a natureza, os objetivos e os responsáveis pela pesquisa.<br />

Os agentes sócio-educativos da Casa Transitória participaram <strong>de</strong> todas as visitas à rua. Para o<br />

transporte, foi utilizado o mesmo veiculo das abordagens <strong>de</strong> rua e oferecido água, suco, fruta e<br />

sanduiche durante a entrevista. Salientamos que os registros <strong>de</strong>stas entrevistas ficariam em po<strong>de</strong>r<br />

dos entrevistadores <strong>de</strong>vido à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conter dados sigilosos capazes <strong>de</strong> comprometer,<br />

individualmente, a interação do sujeito com os serviços públicos. Mesmo preservando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

dos entrevistados trabalhamos com a hipótese <strong>de</strong> algumas informações terem sido apresentadas <strong>de</strong><br />

forma incompleta ou <strong>de</strong> forma a omitir <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>talhes.<br />

Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços públicos<br />

A i<strong>de</strong>ntificação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços públicos e a realização <strong>de</strong> uma entrevista com os<br />

coor<strong>de</strong>nadores <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les foram realizadas concomitantemente ao censo.<br />

Análise das entrevistas<br />

11


Como se trata <strong>de</strong> um estudo qualitativo, procuramos utilizar as contribuições <strong>de</strong> diferentes<br />

disciplinas como a psicologia, a antropologia e a sociologia, entretanto este estudo não preten<strong>de</strong><br />

esgotar as análises possíveis em cada uma <strong>de</strong>stas áreas. Estes diferentes olhares foram consi<strong>de</strong>rados<br />

tão somente para o enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados eventos que dão sentido à trajetória <strong>de</strong> vida e<br />

escolhas pessoais do sujeito, para o estudo das relações <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e interação entre as pessoas<br />

em situação rua e as instituições e socieda<strong>de</strong> no seu entorno, e finalmente para i<strong>de</strong>ntificar estratégias<br />

<strong>de</strong> sobrevivência adotadas nesta situação.<br />

Utilizamos aspas para ressaltar expressões próprias dos entrevistados.<br />

3. Resultados<br />

A População em Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong> é vista, neste estudo, a partir <strong>de</strong> dois olhares,<br />

um mais abrangente, que aponta para os dados censitários e outro, com uma aproximação suficiente<br />

para atingir um subgrupo representativo e mergulhar na esfera das suas individualida<strong>de</strong>s.<br />

I<strong>de</strong>ntificamos trajetórias <strong>de</strong> vida, estratégias <strong>de</strong> sobrevivência, ocupações profissionais e renda,<br />

vínculos familiares e sociais, uso <strong>de</strong> psicoativos, situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, projeto <strong>de</strong> vida e relações<br />

institucionais.<br />

O que mais caracteriza as pessoas em situação <strong>de</strong> rua quanto às suas trajetórias <strong>de</strong> vida é a<br />

diversida<strong>de</strong>. A não ser pela proximida<strong>de</strong> com os bolsões <strong>de</strong> pobreza, estas trajetórias apontam para<br />

uma extensa gama <strong>de</strong> situações que concorrem para a <strong>de</strong>gradação até a rua. Para alguns, ir para a<br />

rua foi um pequeno passo para trás (comumente referido como “queda”, “fraqueza”, “erro”) e po<strong>de</strong><br />

ser revertido a qualquer momento, mas este estudo revela que na maioria dos casos se trata <strong>de</strong><br />

longos períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação das relações sociais e familiares on<strong>de</strong> os vínculos foram<br />

enfraquecidos: <strong>de</strong>vido a alguma incompatibilização entre o individuo e o contexto em que viveu,<br />

alterações comportamentais durante <strong>de</strong>terminadas fases <strong>de</strong> sua vida ou por comportamentos hostis<br />

dos seus familiares ou outras pessoas <strong>de</strong> referência.<br />

A <strong>de</strong>gradação econômica ou impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter num <strong>de</strong>terminado status social e<br />

econômico, geralmente associada a rupturas emocionais também aparece relacionada, como causa<br />

ou consequência, ao uso abusivo <strong>de</strong> psicoativos como as bebidas alcoólicas, maconha, cocaína e crack<br />

(usos <strong>de</strong> outras drogas como cola, benzina, gasolina, heroína,foram citados eventualmente). A<br />

condição <strong>de</strong> abstinência, entretanto, não é suficiente para livrar o sujeito da situação <strong>de</strong> rua como<br />

12


indicam os relatos <strong>de</strong> pessoas que não fazem o uso regular <strong>de</strong> nenhuma <strong>de</strong>stas substâncias, mas que<br />

apresentam déficits tais como i<strong>de</strong>ntificados e categorizados por Snow & An<strong>de</strong>rson (1998) 8 :<br />

<strong>de</strong>ficiências físicas e mentais, falta <strong>de</strong> capital humano, falta <strong>de</strong> recursos materiais e falta <strong>de</strong> margem<br />

social (p.442).<br />

3.1 Caracterização <strong>de</strong>mográfica<br />

Foram i<strong>de</strong>ntificadas 158 pessoas em situação <strong>de</strong> rua na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>, sendo 89,2 %<br />

do sexo masculino (141 homens) e 10,8 % do sexo feminino (17 mulheres) correspon<strong>de</strong>ndo a 0,076 %<br />

<strong>de</strong> toda a população da cida<strong>de</strong> (208.662 pessoas em 2010). Deste contingente, 27,8 % (44 pessoas)<br />

encontravam-se abrigadas em instituições sociais, religiosas e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e 72,2 % (114 pessoas) foram<br />

encontradas nos logradouros públicos. Outro grupo <strong>de</strong> 18 pessoas que informaram possuir<br />

residência não se enquadra ao conceito <strong>de</strong>scritivo das pessoas em situação <strong>de</strong> rua, mas são<br />

apontados separadamente aqui por utilizarem a rua e a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong>stinados à População em<br />

Situação <strong>de</strong> Rua gerando <strong>de</strong>mandas sociais próprias da situação limítrofe entre a situação <strong>de</strong> rua e<br />

outras <strong>de</strong> alta vulnerabilida<strong>de</strong>.<br />

Tabela 3.1.1 – Distribuição por sexo<br />

Sexo frequência percentual informaram total<br />

residência entrevistados<br />

Masculino 141 89,2 16 157<br />

Feminino 17 10,8 2 19<br />

Total 158 100,0 18 176<br />

Tabela 3.1.2 – Distribuição por situação <strong>de</strong> abrigamento<br />

situação frequência percentual percentual<br />

população <strong>de</strong> rua entrevistados<br />

abrigados 44 27,8 25,0<br />

<strong>de</strong>sabrigados 114 72,2 64,8<br />

subtotal 158 100,0 89,8<br />

com residência 18 - 10,2<br />

total entrevistados 176 - 100,0<br />

8 David Snow e Leon An<strong>de</strong>rson publicaram um extenso estudo sociológico da “subcultura da vida <strong>de</strong> rua” entre<br />

adultos que viveram ou passaram por Austin, Texas, EUA, no final da década <strong>de</strong> 80: Snow DA, An<strong>de</strong>rson L.<br />

Desafortunados. Trad. <strong>de</strong> S Vasconcelos. Petrópolis: Vozes; 1998.<br />

13


Tabela 3.1.3 – Distribuição por pontos <strong>de</strong> concentração na rua<br />

Regiões do Orçamento Popular frequência percentual<br />

Região 1 –Centro 65 57,0<br />

Região 9 – São José 16 14,0<br />

Região 10 – Melhado/Yolanda 14 12,3<br />

Região 8 – Universal 6 5,3<br />

Região 14 – Vila Xavier 5 4,4<br />

Região 15 – Brasil/América 2 1,7<br />

Região 16 –Pq.São Paulo 2 1,7<br />

Região 4 – Botânico 2 1,7<br />

Região 12 – Cruzeiro 1 0,9<br />

Região 5 – Vale do Sol 1 0,9<br />

Total <strong>de</strong>sabrigados 114 100,0<br />

Tabela 3.1.4 – Distribuição por local <strong>de</strong> abrigamento<br />

Regiões do Orçamento Popular<br />

Instituição<br />

frequência percentual<br />

Região 8 – Jd. Universal<br />

Casa Transitória Assad Kan<br />

25 56,8<br />

Região 8 – Jd. Universal<br />

Assoc. Promocional Sto. Padre Pio<br />

18 40,9<br />

Região 12 – Cruzeiro<br />

Hospital Cairbar Schutel *<br />

1 2,3<br />

Total abrigados 44 100,0<br />

* A inclusão do Hospital Cairbar Schutel na tabela acima se <strong>de</strong>ve ao registro <strong>de</strong> uma internação <strong>de</strong> pessoa em<br />

situação <strong>de</strong> rua durante a pesquisa e referências a utilização anterior da instituição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> por 65 pessoas.<br />

Tabela 3.1.5 – Distribuição por ida<strong>de</strong><br />

Ida<strong>de</strong> frequência percentual percentual informaram<br />

válido acumulado residência<br />

18 a 25 anos 12 7,8 7,8 1<br />

26 a 35 anos 42 27,5 35,3 3<br />

36 a 45 anos 42 27,5 62,7 4<br />

46 a 55 anos 35 22,9 85,6 6<br />

56 a 65 anos 21 13,7 99,3 1<br />

mais <strong>de</strong> 65 anos 1 0,7 100,0 2<br />

Subtotal 153 100,0 - 17<br />

sem informação 5 - - 1<br />

Total 158 - - 18<br />

14


Tabela 3.1.6 – Distribuição por estado civil<br />

estado civil frequência percentual percentual informaram<br />

válido acumulado residência<br />

Solteiro 93 64,6 64,6 5<br />

divorciado/separado 27 18,8 83,4 2<br />

Viúvo 8 5,6 89,0 3<br />

casado/amasiado 16 11,1 100,0 7<br />

Subtotal 144 100,0 - 17<br />

sem informação 14 - - 1<br />

Total 158 - - 18<br />

Tabela 3.1.7 – Distribuição por cor<br />

cor informada frequência percentual<br />

válido<br />

branca 71 47,0<br />

negra 40 26,5<br />

parda 40 26,5<br />

subtotal 151 100,0<br />

sem informação 7 -<br />

total 158 -<br />

Tabela 3.1.8 – Distribuição por escolarida<strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong> informada frequência percentual percentual<br />

válido acumulado<br />

analfabeto 11 7,4 7,4<br />

sabe ler e escrever 10 6,7 14,1<br />

fundamental incompleto 80 53,7 67,8<br />

fundamental completo 22 14,8 82,6<br />

médio incompleto 12 8,1 90,6<br />

médio completo 13 8,7 99,3<br />

Outras 1 0,7 100,0<br />

Subtotal 149 100,0 -<br />

sem informação 9 - -<br />

Total 158 - -<br />

15


Tabela 3.1.9 – Posse <strong>de</strong> documentos<br />

Tabela 3.1.10 – Documentos que possui<br />

Foram consi<strong>de</strong>rados possuidores <strong>de</strong> documentação os entrevistados que informaram estar<br />

em posse <strong>de</strong> pelo menos um documento oficial, excluindo-se os casos <strong>de</strong> perda, roubo e extravio <strong>de</strong><br />

documentos. Optamos por levantar o índice <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> 5 documentos i<strong>de</strong>ntificadores da<br />

situação do sujeito.<br />

posse <strong>de</strong> frequência percentual informaram<br />

documentos<br />

válido<br />

residência<br />

Sim 97 65,1 13<br />

não 52 34,9 4<br />

subtotal 149 100,0 17<br />

sem informação 9 - 1<br />

total 158 - 18<br />

documentos frequência percentual<br />

válido<br />

RG 87 61,3<br />

CPF 50 35,2<br />

carteira <strong>de</strong> trabalho 44 31,0<br />

certidão <strong>de</strong> nascimento 26 18,3<br />

certificado <strong>de</strong> reservista 24 16,9<br />

formulários válidos 142 100,0<br />

sem informação 16 -<br />

total 158 -<br />

3.2 Procedência e tempo <strong>de</strong> rua<br />

A seguir, apresentamos uma visão geral da mobilida<strong>de</strong> da população <strong>de</strong> rua baseada no local<br />

<strong>de</strong> nascimento, além da última e penúltima procedências informadas. Com relação aos entrevistados<br />

que nasceram em <strong>Araraquara</strong> e informaram não terem vivido em nenhuma outra localida<strong>de</strong> foi<br />

consi<strong>de</strong>rada como cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência a própria cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>. Para os entrevistados que<br />

nasceram em <strong>Araraquara</strong>, porém informaram terem vivido em outras localida<strong>de</strong>s e retornado para a<br />

cida<strong>de</strong>, foram consi<strong>de</strong>radas como cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> procedência as últimas localida<strong>de</strong>s, por or<strong>de</strong>m<br />

cronológica <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, nas quais o entrevistado informou ter vivido.<br />

16


Tabela 3.2.1 – Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nascimento<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> frequência percentual informaram<br />

nascimento<br />

válido<br />

residência<br />

<strong>Araraquara</strong> 69 46,6 6<br />

São Paulo 5 3,4 1<br />

outras 74 50,0 9<br />

subtotal 148 100,0 16<br />

sem informação 10 - 2<br />

total 158 - 18<br />

Tabela 3.2.2 – Estado <strong>de</strong> nascimento<br />

estado <strong>de</strong> nascimento frequência percentual informaram<br />

válido<br />

residência<br />

São Paulo 117 78,0 13<br />

Paraná 9 6,0 1<br />

Minas Gerais 6 4,0 2<br />

Bahia 4 2,7 -<br />

Pernambuco 4 2,7 1<br />

Mato Grosso do Sul 3 2,0 -<br />

outros estados 7 4,7 -<br />

subtotal 150 100,0 17<br />

sem informação 8 - 1<br />

total 158 - 18<br />

Tabela 3.2.3 – Última cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência<br />

última procedência frequência percentual<br />

válido<br />

<strong>Araraquara</strong> 55 39,0<br />

Matão 9 6,4<br />

São Carlos 7 5,0<br />

Campinas 4 2,8<br />

Ribeirão Preto 4 2,8<br />

Rio Claro 4 2,8<br />

Bebedouro 3 2,1<br />

São José do Rio Preto 3 2,1<br />

São Paulo 3 2,1<br />

Outras cida<strong>de</strong>s 49 34,8<br />

subtotal 141 100,0<br />

sem informação 17 -<br />

total 158 -<br />

17


Tabela 3.2.4 – Penúltima cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedência<br />

penúltima procedência frequência percentual<br />

válido<br />

Limeira 3 8,3<br />

Matão 3 8,3<br />

Brasília 2 5,6<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro 2 5,6<br />

São Carlos 2 5,6<br />

Taquaritinga 1 2,8<br />

Outras cida<strong>de</strong>s 23 63,9<br />

subtotal 36 100,0<br />

sem informação 122 -<br />

total 158 -<br />

Tabela 3.2.5 – Tempo que está em <strong>Araraquara</strong><br />

tempo <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong> frequência percentual<br />

válido<br />

menos <strong>de</strong> 1 mês 15 17,9<br />

<strong>de</strong> 2 a 11 meses 9 10,7<br />

<strong>de</strong> 1 a 4 anos 14 16,7<br />

<strong>de</strong> 5 a 9 anos 3 3,6<br />

<strong>de</strong> 10 a 20 anos 14 16,7<br />

mais <strong>de</strong> 20 anos 29 34,5<br />

subtotal 84 100,0<br />

sem informação 74 -<br />

total 158 -<br />

Tabela 3.2.6 – Tempo que se encontra em situação <strong>de</strong> rua<br />

tempo <strong>de</strong> rua frequência percentual<br />

válido<br />

menos <strong>de</strong> 1 ano 7 20,0<br />

<strong>de</strong> 1 a 4 anos 15 42,9<br />

<strong>de</strong> 5 a 9 anos 2 5,7<br />

<strong>de</strong> 10 a 20 anos 7 20,0<br />

mais <strong>de</strong> 20 anos 4 11,4<br />

subtotal 35 100,0<br />

sem informação 123 -<br />

total 158 -<br />

18


3.3 Trajetórias individuais<br />

O conhecimento das trajetórias dos itinerantes ou pessoas fixadas na situação <strong>de</strong> rua requer<br />

uma avaliação minuciosa da sua mobilida<strong>de</strong> e como ocorre ao longo do tempo, por envolver questões<br />

relativas à oferta <strong>de</strong> trabalho, vínculos sociais e familiares, saú<strong>de</strong> e políticas urbanas locais <strong>de</strong><br />

enfrentamento do problema. A tabela seguinte apresenta os motivos atribuídos à situação <strong>de</strong> rua,<br />

informados durante o levantamento censitário e a seguir apresentamos relatos obtidos através <strong>de</strong><br />

entrevistas em profundida<strong>de</strong> realizados com indivíduos da amostra estudada na fase <strong>de</strong><br />

caracterização.<br />

Tabela 3.3.1 – Motivo atribuído à situação <strong>de</strong> rua<br />

Motivo informado frequência percentual<br />

válido<br />

uso <strong>de</strong> álcool/drogas 89 63,1<br />

conflitos familiares 79 56,0<br />

<strong>de</strong>semprego 26 18,4<br />

itinerância 16 11,3<br />

problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 7 5,0<br />

registros válidos 141 100,0<br />

sem informação 17 -<br />

total 158 -<br />

(respostas múltiplas para a questão)<br />

Sabe-se que ao ser questionado pelas razões que o levaram à situação <strong>de</strong> rua o sujeito ten<strong>de</strong><br />

a utilizar respostas prontas que satisfaçam seus interlocutores evitando consi<strong>de</strong>rações mais<br />

aprofundadas do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação, geralmente multifatorial, pelo qual passou. A baixa<br />

escolarida<strong>de</strong> e baixa qualificação profissional, por exemplo, po<strong>de</strong>m estar relacionadas ao subemprego<br />

e as condições <strong>de</strong> subemprego vividas serem fatores <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>antes <strong>de</strong> rupturas familiares e<br />

mergulho na drogadição. Nesta perspectiva a resposta do sujeito também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sua<br />

percepção <strong>de</strong> quão profunda é a nossa investigação. O questionamento <strong>de</strong> múltipla escolha, ainda<br />

19


que permitisse respostas múltiplas, se limita a revelar o imaginário do sujeito em relação ao seu<br />

histórico <strong>de</strong> vida e situação atual.<br />

Dentro do estudo amostral, o entrevistado <strong>de</strong> 50 anos, um homem <strong>de</strong> baixa estatura, pele<br />

parda e barba com fios já grisalhos é um exemplo da pessoa em situação <strong>de</strong> rua que não faz uso <strong>de</strong><br />

álcool nem <strong>de</strong> outras drogas. O encontramos com uma pochete presa à cintura, gran<strong>de</strong>s óculos<br />

escuros, botas pretas, boné, relógio digital e um crachá pendurando no peito. Estava sentado numa<br />

gran<strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> engraxate na qual estavam pendurados vários objetos como um rádio <strong>de</strong> pilha<br />

sintonizado numa estação local que transmite notícias policiais, um garrafão <strong>de</strong> água e uma corrente<br />

com ca<strong>de</strong>ado. Estava acompanhado <strong>de</strong> dois cães, um <strong>de</strong>les <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>. Relata que quando<br />

criança, o dono <strong>de</strong> um bar lhe <strong>de</strong>u um pouquinho <strong>de</strong> cachaça para experimentar e foi lhe dando mais<br />

e mais até que ficou completamente embriagado. Quando chegou em casa a madrasta o surrou com<br />

um relho e a partir <strong>de</strong> então nunca mais se embriagou. Ele informa que toma uma latinha <strong>de</strong> cerveja<br />

<strong>de</strong> vez em quando, mas nunca experimentou drogas, apesar <strong>de</strong> já terem lhe oferecido muitas vezes.<br />

Diz que fica sempre sozinho na rua e que não gosta da aproximação <strong>de</strong> outros moradores <strong>de</strong> rua, pois<br />

acha que vão “prejudicá-lo”. O pai era “roceiro” e a madrasta cuidava da casa. Seu pai não podia lhe<br />

“dar as coisas, então quer ter agora”, se referindo aos três relógios que guarda na bolsa além do<br />

digital que carrega no pulso. Na infância, quando conseguia as coisas, seu pai batia, pois bebia muito.<br />

Chegou a enfrentá-lo numa ocasião, pois ele estava embriagado e queria bater no irmão. O pai não<br />

podia lhe dar roupas apropriadas para ir à escola e ele diz que tinha vergonha das roupas sujas e<br />

rasgadas que tinha que usar. A madrasta o colocava para trabalhar na rua – por isso se tornou<br />

engraxate – e apanhava se voltasse para casa sem dinheiro. Afirma ser católico, mas não pratica e<br />

não vai à igreja porque acha que as pessoas vão julgá-lo. Acha que “as pessoas que têm dinheiro<br />

julgam os pobres, se acham superiores” e que “o dinheiro manda na socieda<strong>de</strong>. As pessoas apenas<br />

consi<strong>de</strong>ram os bens materiais”.<br />

Este sujeito nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assis e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um conflito com o irmão saiu <strong>de</strong> casa aos<br />

11 anos e passou a viver nas ruas. Relata que madrasta “enchia a cabeça” do pai. Acha que o pai se<br />

esforçou, mas não conseguiu dar condições <strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>quadas à sua família. Quando tinha 18 anos,<br />

foi amasiado com uma viúva <strong>de</strong> 60 anos que cuidava <strong>de</strong>le, lavava suas roupas e cozinhava. Diz que foi<br />

ameaçado pelo genro que era policial e por isso foi embora <strong>de</strong> Assis, indo para Bauru e <strong>de</strong>pois para<br />

Jaú. Ficou aproximadamente 1 ano em cada lugar. Em Jaú foi ameaçado por um policial que o<br />

mandou sumir da cida<strong>de</strong>. Foi para Ribeirão Preto aon<strong>de</strong> viveu 6 anos. Ficava em um quarto <strong>de</strong> hotel<br />

20


em troca da ajuda na limpeza e outras ativida<strong>de</strong>s, mas <strong>de</strong>pois que foi acusado <strong>de</strong> espalhar para os<br />

outros hóspe<strong>de</strong>s que o hotel iria fechar, ameaçaram “bater nele e quebrar-lhe as pernas”. Saindo do<br />

hotel foi morar num quarto, mas foi ameaçado por usuários <strong>de</strong> drogas que queriam lhe extorquir.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se uma pessoa in<strong>de</strong>fesa, mas afirma que é bem tratado pela polícia em <strong>Araraquara</strong>, que<br />

nunca foi tratado como bandido ou malandro e que os policias lhe <strong>de</strong>ram um voto <strong>de</strong> confiança. Já<br />

recebeu a oferta <strong>de</strong> emprego numa chácara, mas recusou por se sentir <strong>de</strong>spreparado para<br />

<strong>de</strong>sempenhar a função, pois não teve “formação” e “estrutura”. Diz que concluiu o ensino<br />

fundamental no Mobral em Assis, mas como acabava o seu trabalho <strong>de</strong> engraxate e ia para a escola,<br />

chegava exausto e acabava dormindo na aula. Quer arrumar outro trabalho, mas acha que antes<br />

precisa ser “instruído”, “orientado” por alguém, argumento que é reiterado várias vezes durante a<br />

entrevista. Diz que quer trocar a prótese <strong>de</strong>ntária, pois a que usa não fixa mais, tendo dificulda<strong>de</strong>s<br />

pra comer em razão disso.<br />

O entrevistado mais jovem, 25 anos, veio para <strong>Araraquara</strong> on<strong>de</strong> a família se estabeleceu<br />

quando ainda era criança, relata que com 5 anos “trabalhava” como pegador <strong>de</strong> bolinhas <strong>de</strong> tênis.<br />

Nesta ocasião afirma que não sabia o que era beber, mas começou a experimentar pinga com<br />

Conhaque Presi<strong>de</strong>nte. Devido a um conflito <strong>de</strong> rua cometeu um homicídio aos 10 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e<br />

ficou recluso na Fundação Casa até os 12. Conheceu as drogas e entrou no tráfico. Com 18 conheceu<br />

a mulher, com quem teve duas filhas gêmeas, “pagou” 6 anos <strong>de</strong> penitenciaria pelo tráfico e está há<br />

mais <strong>de</strong> um ano e meio em liberda<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> não viver regularmente com a mulher teve outro<br />

filho com ela que já está com dois meses. Afirma que os familiares, com quem mantém contato<br />

regularmente não o aceitam em casa por causa da bebida. A mulher e os filhos moram com os pais<br />

<strong>de</strong>la, mas o visitam a cada 15 dias quando se encontram na casa <strong>de</strong> seus pais.<br />

Mesmo sendo muito jovem, este sujeito, tem uma longa história <strong>de</strong> convívio com a violência,<br />

com a <strong>de</strong>linquência, com o tráfico e com o uso abusivo <strong>de</strong> álcool e drogas. Quando não existem<br />

princípios morais e uma ética suficientemente consolidados para impedir o acesso à criminalida<strong>de</strong>, o<br />

risco <strong>de</strong> ser preso novamente po<strong>de</strong> inibir a dinâmica da <strong>de</strong>linquência, entretanto a condição <strong>de</strong> rua e<br />

as relações <strong>de</strong>senvolvidas com alguns benfeitores e com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência po<strong>de</strong>m atuar como<br />

fatores prepon<strong>de</strong>rantes para que o sujeito <strong>de</strong>senvolva certa resiliência à situação <strong>de</strong> rua e resista<br />

para não a<strong>de</strong>ntrar novamente nas zonas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>.<br />

Apesar da sua ida<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> um exemplo <strong>de</strong> cronificação na condição <strong>de</strong> liminarida<strong>de</strong><br />

social, on<strong>de</strong> a trajetória do sujeito é permeada por ocorrências emocionalmente <strong>de</strong>sestruturantes.<br />

21


I<strong>de</strong>ntificamos como “<strong>de</strong>sestruturantes”, as experiências cumulativas ao longo da vida, que “em vez <strong>de</strong><br />

fortalecer os recursos pessoais que capacitam o indivíduo para enfrentar os <strong>de</strong>safios que a vida lhe<br />

oferece, minam seu potencial <strong>de</strong> organização interna, sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação com o meio em<br />

que vive, sua autoimagem, autoestima e sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do grupo” (Varanda e Adorno, 2004,<br />

p.62) 9 .<br />

Outro individuo em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrigo aponta para indicadores <strong>de</strong> nível socioeconômico<br />

mais confortável na infância e adolescência: a família mora em bairro <strong>de</strong> classe média com televisores<br />

em todos os dormitórios e equipada com utensílios e eletro eletrônicos como micro-ondas e<br />

computadores. Com 19 anos viajou por 3 meses num trabalho evangélico para o norte do país, foi<br />

jogador <strong>de</strong> basquete, mo<strong>de</strong>lo, <strong>de</strong>sfilou em São Paulo e Ribeirão Preto. Conheceu as drogas através <strong>de</strong><br />

amigos <strong>de</strong> uma namorada. Passou por vários tratamentos: um ano e meio numa casa dia em Rio<br />

Claro, quatro meses em Jaú e outros tratamentos psicoterapêuticos. Pegou 5 anos <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia em<br />

Taquaritinga porque um policial “o pegou com baseado e forjou 5 pedras”. Também passou pela<br />

ca<strong>de</strong>ia masculina: “... por conta da cocaína, ... cheirava muito, ... mais <strong>de</strong> 10 gramas por dia”.<br />

Trabalhou como garçom, segurança, auxiliar <strong>de</strong> escritório, contabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> clube,<br />

empacotador <strong>de</strong> supermercado, porteiro <strong>de</strong> prédio – em períodos curtos <strong>de</strong> 3 a 7 meses. Afirma que<br />

a família tem dinheiro, mas “com as recaídas largaram <strong>de</strong> mão”. Depois do crack não trabalhou mais.<br />

Fica até “um mês com a mesma roupa”. Não rouba nada, mas arranja dinheiro pedindo. Ficou uns 6<br />

a 7 meses em casa e está há uns 4 meses na rua <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atritos com a sobrinha que mora com a sua<br />

irmã e a mãe na mesma casa. A mãe lhe compra os cigarros, mas existe uma ameaça <strong>de</strong> “chamarem<br />

a polícia” se for à casa da família. Ele próprio se culpabiliza pelo uso intenso da bebida, “acorda<br />

tremendo, (...) todo dia, toda hora”, e do crack, “4 ... 5 ... 6 pedras por dia”. Afirma que o pai morreu<br />

com 53 anos “por causa da pinga”. Até o tio que o encaminhou para tratamentos “era adicto<br />

também”.<br />

Mesmo sendo incomum, encontramos pessoas em situação <strong>de</strong> rua que vieram <strong>de</strong> famílias<br />

socialmente estabelecidas e economicamente bem sucedidas. Quando questionados sobre os fatores<br />

que contribuíram para conduzir à situação <strong>de</strong> rua, 63 % dos recenseados informaram o uso <strong>de</strong> álcool<br />

e drogas e 56 % informaram conflitos familiares. A natureza dos conflitos familiares apresenta uma<br />

gran<strong>de</strong> variabilida<strong>de</strong>, no caso acima, a informação <strong>de</strong> que o pai morreu aos 53 “por causa da pinga”<br />

9 Varanda W, Adorno RCF. Descartáveis Urbanos: discutindo a complexida<strong>de</strong> da população <strong>de</strong> rua e o <strong>de</strong>safio<br />

para políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Saú<strong>de</strong> e Socieda<strong>de</strong> V. 13, n. 1, p. 56-69. São Paulo: USP e APSP; 2004.<br />

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evela transtornos familiares anteriores à adicção do próprio entrevistado que po<strong>de</strong>m estar<br />

relacionados com o seu processo <strong>de</strong> ida para as ruas, ou mais especificamente que dificultaram e<br />

ainda dificultam sua recuperação.<br />

A maioria dos entrevistados revela uma trajetória <strong>de</strong> perdas significativas, tanto na esfera<br />

emocional quanto econômica. Um dos homens, 44 anos, <strong>de</strong>clara que “tinha casa mobiliada, carro na<br />

garagem” e que per<strong>de</strong>u tudo “por causa <strong>de</strong> bebida e mulher”: “...errado fui eu, me senti culpado,<br />

coloquei as coisas no carro e sai”. “Deixei a casa pra ela, para as crianças. Me separei numa boa”.<br />

Nesta época tinha 35 anos. Passou um tempo morando com um amigo que se mostrou traiçoeiro:<br />

“...tem gente que fala que é seu amigo e apunhala pelas costas, se tem um dinheiro, coisa <strong>de</strong> valor,<br />

anel ..., te embriaga pra levar estas coisas”. O amigo bateu o seu carro, que acabou per<strong>de</strong>ndo: “saí <strong>de</strong><br />

lá pra não ferrar ele”. “Rodou” pela Baixada Santista, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Campinas e voltou para<br />

<strong>Araraquara</strong> por causa dos pais e filhos, seu plano era parar com a bebida e arranjar um trabalho fixo:<br />

“...é importante ganhar dinheiro e outras coisas dignamente, viver uma vida <strong>de</strong> ser humano digno. O<br />

espelho dos filhos são os pais, ...não ser um espelho trincado, ... como vai chegar pro teu filho?”.<br />

Contabiliza 7 anos “<strong>de</strong> rua”. Passou pela Casa Transitória, por uma internação no Cairbar, mas voltou<br />

para a rua e a bebida. O encontramos no “Pe. Pio”, on<strong>de</strong> pleiteia uma vaga numa comunida<strong>de</strong><br />

terapêutica: “...quando cheguei aqui, tava feio. Foram 3 lt <strong>de</strong> soro no PS, 5 na Santa Casa, o braço<br />

enfaixado, a perna queimada, muita dor, a coluna fora do lugar, já tinha chegado ao fundo do poço”.<br />

Elogia os serviços da re<strong>de</strong> pública que utilizou: “me trataram como ser humano”.<br />

Atribui a situação <strong>de</strong> rua à bebida e coerentemente afirma beber <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 18 anos, mas foi<br />

quando se separou da mulher que “mergulhou <strong>de</strong> pé e cabeça no álcool, antes não bebia muito”.<br />

Trabalhou 10 anos na prefeitura. “Trabalhava com pré-moldados, ajudante <strong>de</strong> caminhão, ajudante <strong>de</strong><br />

transporte. “Tirava 1.300 [reais] mais ou menos, até mais”. Devido aos adicionais, “ganhava mais que<br />

motorista”. “Entrava às duas da manhã, pegava o transporte coletivo que chamam <strong>de</strong> corujão para ir<br />

trabalhar e fazia a meta<strong>de</strong> do caminho a pé”. Trabalhava a semana inteira até sábado meio-dia.<br />

“Bebia com os amigos pra ficar alegre”. Nunca gostou <strong>de</strong> droga. Como não era concursado per<strong>de</strong>u o<br />

emprego. Ficou <strong>de</strong>cepcionado, “era um serviço bom, ganhava hora extra, insalubrida<strong>de</strong>, e pelo<br />

serviço noturno”. Depois trabalhou “com bicos, na lavoura, na laranja”. Fala da dificulda<strong>de</strong> em<br />

apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminados serviços por ser “praticamente analfabeto e hoje a tecnologia tá muito<br />

avançada”. Numa empresa, “queria um serviço <strong>de</strong> faxina, mas pediam o segundo grau completo”.<br />

No seu caso, a inviabilida<strong>de</strong> em se manter como provedor familiar no nível socioeconômico<br />

23


conquistado até os 35 anos po<strong>de</strong> ter sido o fator <strong>de</strong>terminante para provocar a separação. Diz que<br />

entrou em <strong>de</strong>pressão e pensava: “vou beber pra esquecer estas coisas, mas não esquece. Bebe pra<br />

esquecer, mas lembra mais”.<br />

Entre 17 mulheres, 10 indicaram conflitos familiares como motivo para estar em situação <strong>de</strong><br />

rua, 5 indicaram o uso <strong>de</strong> álcool e drogas e pelo menos 3 <strong>de</strong>clararam problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 10 . A<br />

entrevistada <strong>de</strong> 47 anos tem um histórico <strong>de</strong> várias internações no Hospital Cairbar, acolhimento na<br />

Casa Transitória e tratamento no CAPS. Declarando dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem, diz que entrou no<br />

Mobral mas não apren<strong>de</strong>u nada. Afirma que trabalhou na lavoura e costurou um pouco. Morou em<br />

Sorocaba, Campinas, Campo Limpo e Indaiatuba. Em meados <strong>de</strong> 2006 houve uma <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> maus<br />

tratos do marido, que era seu curador, a ela e aos filhos. O beneficio que recebia foi suspenso, as<br />

crianças foram abrigadas e por <strong>de</strong>terminação judicial ela foi encaminhada à Casa Transitória, on<strong>de</strong> a<br />

encontramos durante a pesquisa.<br />

As outras duas mulheres entrevistadas têm um histórico <strong>de</strong> adoção e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

relacionamento com os pais adotivos. Uma <strong>de</strong>las fez o “magistério no segundo grau” e seguiu este<br />

caminho por insistência da mãe, porque <strong>de</strong> fato queria estudar veterinária. “Já vivia com mãe” e não<br />

quis trabalhar na mesma área que ela. Afirma que o pai não concordou com a sua adoção e não a<br />

aceita. Passou por uma relação conjugal tumultuada: “fui traída <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 8 anos com o pai dos dois<br />

filhos”, um com 18 anos trabalha num empresa <strong>de</strong> renome e mora com o pai <strong>de</strong>le e a filha com 12<br />

anos, que mora com os seus pais. “O que ele não gosta <strong>de</strong> mim, ele gosta <strong>de</strong>la”. Outros dois filhos<br />

não chegaram e nascer. Quando estava grávida <strong>de</strong> 4 meses <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les, foi picada por escorpião,<br />

relatando muita dor <strong>de</strong>vido ao veneno: “... foi até o sétimo mês, mas o feto não tinha estrutura<br />

óssea”. Em outra gestação, estava com 8 meses, “só faltava estourar a pelinha do ovo, mas enroscou<br />

o cordão e morreu no ventre, (...) ficou 15 dias morto”. Não bebe, mas fuma maconha às vezes. Não<br />

compra, mas ganha <strong>de</strong> vez em quando: “lesa um pouco a cabeça”.<br />

10 No processamento do censo encontramos 13 registros válidos quanto ao quesito “motivo atribuído à situação<br />

<strong>de</strong> rua” entre as 17 mulheres recenseadas. Em se tratando <strong>de</strong> respostas múltiplas para a questão, encontramos<br />

10 indicações <strong>de</strong> conflitos familiares, 5 <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> álcool/drogas, 3 <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, 1 <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e 1<br />

<strong>de</strong> itinerância. Entre 141 homens, com 138 registros válidos neste quesito, 84 indicaram uso <strong>de</strong> álcool/drogas,<br />

69 conflitos familiares, 25 <strong>de</strong>semprego, 15 itinerância e 4 problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

24


A outra mulher, 36 anos, atribui à “<strong>de</strong>pendência química” uma sequência <strong>de</strong> rompimentos <strong>de</strong><br />

vínculos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua primeira separação, mas relata “muita revolta” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os pais exigiram que<br />

ela se casasse aos 14 anos <strong>de</strong>pois da primeira relação sexual. Separou-se quando a primeira filha<br />

estava com dois meses, a filha ficou com seus pais e <strong>de</strong>pois com o pai <strong>de</strong>la e ela foi para a rua pela<br />

primeira vez. Depois <strong>de</strong> “idas e vindas” conheceu o segundo marido com quem viveu 11 anos e teve<br />

mais duas filhas. Na rua novamente, “caiu” na prostituição. Em Piracicaba conheceu um argentino<br />

que a levou para Mar Del Plata. De volta a Piracicaba recebeu um convite para “trabalhar como<br />

dançarina <strong>de</strong> streep na Suiça”. Afirma que morou em Berna, Genebra, Zurick, e passou por vários<br />

lugares pela Europa como Veneza, Liechtenstein, Champagne, Paris, sempre com contratos <strong>de</strong> 1 mês<br />

<strong>de</strong> trabalho. Estava com um namorado suíço, quando teve o seu quarto filho, mas ele a abandonou<br />

<strong>de</strong>pois que um teste <strong>de</strong> DNA revelou que ele não era o pai. Hoje, há 3 anos sem nenhum contato<br />

com a família luta para <strong>de</strong>ixar as drogas e o álcool e vive com um companheiro <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> 24 anos,<br />

também alcoolista.<br />

Tanto os homens quanto as mulheres geralmente se culpabilizam pela situação em que se<br />

encontram, mas carregam muitas mágoas alimentadas por relacionamentos <strong>de</strong>sgastados e nem<br />

sempre compreen<strong>de</strong>m a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores conjunturais que influenciaram ou <strong>de</strong>terminaram<br />

<strong>de</strong>cisões equivocadas capazes <strong>de</strong> comprometer suas trajetórias <strong>de</strong> vida. É comum que se <strong>de</strong>ixem<br />

embalar por sentimentos nostálgicos mergulhando na <strong>de</strong>sesperança ou que alimentem sonhos <strong>de</strong> se<br />

refazerem e reeditarem os vínculos <strong>de</strong>sfeitos, comumente em relação aos filhos, indicando a<br />

preservação do instinto parental, mesmo em situações <strong>de</strong> transtornos emocionais ou<br />

comprometimento psíquico.<br />

3.4 Estratégias <strong>de</strong> sobrevivência<br />

A rotina diária <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, higiene, alimentação, trabalho, obtenção <strong>de</strong> recursos,<br />

sociabilida<strong>de</strong> e lazer, apresenta particularida<strong>de</strong>s inerentes ao contexto sócio cultural <strong>de</strong> procedência<br />

e às relações que o sujeito mantém com a socieda<strong>de</strong> à sua volta.<br />

Na situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrigo, as pessoas usam como locais <strong>de</strong> repouso: vestiários públicos, casas<br />

abandonadas, acampamentos em terrenos baldios, marquises, viadutos e outros lugares que<br />

ofereçam alguma proteção nos períodos <strong>de</strong> repouso e contra as intempéries como carcaças <strong>de</strong><br />

veículos abandonados. Estes lugares se tornam locais <strong>de</strong> moradia temporários ou permanentes<br />

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quando po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar seus pertences, no caso <strong>de</strong> acampamentos, ou são usados precariamente, fora<br />

dos horários comerciais, para não incomodar proprietários e frequentadores. Nestes casos, é comum<br />

que o sujeito carregue seus pertences em mochilas e bolsas <strong>de</strong> viagem, carrinhos <strong>de</strong> compras ou<br />

carroças <strong>de</strong> coleta seletiva. Quando se usam colchões ou espumas para a improvisação <strong>de</strong> camas,<br />

eles são guardados em locais <strong>de</strong> difícil acesso ou <strong>de</strong>scartados quando se muda <strong>de</strong> local <strong>de</strong> pernoite.<br />

Alguns usam sacolas pequenas com documentos, fotos, peças <strong>de</strong> roupa e bebida, enquanto os<br />

pertences menos valiosos ou menos importantes ficam nos locais <strong>de</strong> pernoite.<br />

Os horários <strong>de</strong> higiene a alimentação são ajustados conforme as programações das<br />

instituições que oferecem este tipo <strong>de</strong> serviço. A Comunida<strong>de</strong> Servos do Cristo Re<strong>de</strong>ntor (Padre<br />

Pedro), por exemplo, disponibiliza o banho e alimentação três vezes por semana. Nos casos <strong>de</strong> ajuda<br />

espontânea da comunida<strong>de</strong>, sejam restaurantes que fornecem refeições após o horário comercial <strong>de</strong><br />

almoço ou vizinhos que oferecem alimentos e roupas, estes horários geralmente também são<br />

pre<strong>de</strong>terminados. Somente em alguns casos o uso <strong>de</strong> torneiras privadas, públicas ou <strong>de</strong> postos <strong>de</strong><br />

combustíveis po<strong>de</strong> ser feito a qualquer hora do dia. As pessoas que adotam o achaque tem mais<br />

facilida<strong>de</strong> para pedir dinheiro nos semáforos ou alimentos em domicílios do seu percurso. A<br />

corruptela “acharque” é mais usada para <strong>de</strong>signar as historias ou artimanhas usadas para conseguir a<br />

doação <strong>de</strong> dinheiro. Quando estes argumentos são criados exclusivamente para sensibilizar o doador<br />

são também referidos como 171, conforme a indicação <strong>de</strong> estelionato no código penal.<br />

Um entrevistado <strong>de</strong> 44 anos conta que pe<strong>de</strong> comida nas casas nos bairros próximos ao<br />

centro. Diz que algumas pessoas lhe dão comida e outras não. No centro, consegue “marmitex <strong>de</strong><br />

graça” num restaurante. Pega água na biblioteca, local no qual fez amiza<strong>de</strong> com os funcionários, que<br />

lhe “dão até café”. Às vezes cata latinhas para conseguir alguns trocados. Dorme em frente a um<br />

supermercado ou em frente à biblioteca.<br />

A higiene pessoal diária é comum entre as pessoas em situação <strong>de</strong> rua. Salvo as exceções <strong>de</strong><br />

portadores <strong>de</strong> transtornos mentais ou pessoas cronificadas na situação <strong>de</strong> rua, que durante crises <strong>de</strong><br />

alcoolismo ou drogadição passam vários dias ou semanas sem cuidar a<strong>de</strong>quadamente <strong>de</strong> si, a maioria<br />

procura meios para a higiene pessoal diária e possuem roupas extras para trocas eventuais. Nem<br />

sempre possuem colchões ou po<strong>de</strong>m mantê-los limpos e secos por muito tempo. Costumam forrar<br />

alguns cantos protegidos por marquises e beirais contra as chuvas e friagens intensas com papelões,<br />

lonas ou cobertores. O uso da bebida começa logo cedo na maioria dos casos, e quase sempre<br />

coletivamente, o que costuma ser referido como “roda <strong>de</strong> fogo”. Este espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />

ser no próprio local <strong>de</strong> dormida ou lugares públicos como algumas praças da cida<strong>de</strong>.<br />

26


O almoço po<strong>de</strong> ser obtido nas instituições, <strong>de</strong>pois do atendimento dos fregueses em<br />

restaurantes, ou ser preparado coletivamente em fogareiros a lenha ou a álcool, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se tenha<br />

pelo menos uma panela para o fogo e algum outro utensílio para o consumo ou armazenamento dos<br />

alimentos não consumidos.<br />

Por outro lado, um entrevistado que hoje se encontra abrigado, relata a instabilida<strong>de</strong> da<br />

situação <strong>de</strong> rua. Diz que quando chegou à instituição tinha queimadura <strong>de</strong> segundo grau na perna e<br />

<strong>de</strong>slocamento no braço: “tropeçou na guia do jardim, caiu e o braço ficou pra trás”. Ressaltou a<br />

humilhação que sente na rua: “tem dia que você acha um lugar para uma ducha <strong>de</strong>cente, mas às<br />

vezes não tinha lugar pra banho, jantar, almoço... (...). A vida <strong>de</strong> rua não é fácil. O Zé P. se envolveu<br />

numa briga por causa <strong>de</strong> bebida e o cara esfaqueou ele (...). Na rua, o cara entra na droga e vai<br />

<strong>de</strong>scontar em você. Tem liberda<strong>de</strong> para ir aqui e ali ... não vai nesta que é fria...”.<br />

Quando encontramos pessoas vivendo praticamente sozinhas, evitando a companhia<br />

permanente dos outros, observamos que este comportamento é adotado como forma <strong>de</strong> evitar a<br />

exposição ao assédio sexual (no caso das mulheres), quando a companhia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecido<br />

ameaça a segurança pessoal, para evitar constrangimentos por alterações comportamentais<br />

resultantes do abuso <strong>de</strong> álcool e drogas ou <strong>de</strong>vido a transtornos da saú<strong>de</strong> mental.<br />

De maneira geral, as pessoas em situação <strong>de</strong> rua se agrupam em duplas ou pequenos grupos<br />

on<strong>de</strong> os seus integrantes assumem papeis distintos, sejam os <strong>de</strong> segurança, cuidados da saú<strong>de</strong>,<br />

recursos <strong>de</strong> subsistência, li<strong>de</strong>rança ou simplesmente como animadores e elementos <strong>de</strong> coesão<br />

grupal. Nas rodas <strong>de</strong> bebida ou nos ajuntamentos em torno das conversas ou ainda como parceiros<br />

<strong>de</strong> caminhada pela cida<strong>de</strong> as pessoas trocam experiências, planejam movimentos conjuntos, se<br />

divertem com piadas e encontram interlocutores para os diálogos que os reportam a situações já<br />

vividas <strong>de</strong> aventuras e <strong>de</strong>sventuras, conquistas e perdas ou simplesmente <strong>de</strong> maior conforto e<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Uma mulher entrevistada mora com o amásio em uma barraca doada pelo padre da igreja<br />

local. Conseguem roupas, calçados e alimentos pedindo pelo bairro e complementam seus recursos<br />

com o ganho da coleta <strong>de</strong> materiais recicláveis. Quando não recebe as refeições prontas prepara a<br />

alimentação em um fogareiro improvisado com álcool. Tomam banho em uma torneira da praça com<br />

o auxílio <strong>de</strong> um bal<strong>de</strong>, também utilizado para lavar as roupas. Na entrevista, afirma estar um mês<br />

sem a bebida, <strong>de</strong>monstrando orgulho por estar “tomando banho todos os dias” e com boa aparência.<br />

O lazer hoje, se restringe ao som <strong>de</strong> um pequeno rádio, que também serve para ouvir as noticias e<br />

27


“ficar por <strong>de</strong>ntro do que se passa por aí”. Sente “muita falta <strong>de</strong> assistir TV, ir ao cinema, ao shopping<br />

e <strong>de</strong> ouvir música ao vivo”.<br />

As pessoas que usam os serviços assistenciais ou <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e participam <strong>de</strong> programas sócio-<br />

educativos cumprem uma agenda que incluem tais programas, mas por outro lado a liberda<strong>de</strong> da rua<br />

e principalmente liberda<strong>de</strong> para a ingestão <strong>de</strong> álcool e drogas e repouso após o uso, representa um<br />

impeditivo para a a<strong>de</strong>rência a alguns <strong>de</strong>stes programas, principalmente quando há maior rigor na<br />

observação <strong>de</strong> regras que limitam a participação das pessoas sob o efeito das substancias psicoativas.<br />

Um entrevistado afirma dormir em casa “com rádio e televisão”, on<strong>de</strong> aparentemente vive<br />

com o pai e o irmão, mas aponta para “os moradores <strong>de</strong> rua” como a sua família. Se beneficia da<br />

alimentação e roupas da comunida<strong>de</strong> “Pe. Pedro” além <strong>de</strong> pedir nas casas e se utilizar <strong>de</strong><br />

restaurantes que “distribuem comida <strong>de</strong>pois das 14:00 h”. Sua condição <strong>de</strong> homossexual é associada<br />

por ele próprio ao papel <strong>de</strong> cuidador quando afirma “sou mãe <strong>de</strong> praça”. Relata que prestou serviço<br />

voluntário aos “moradores <strong>de</strong> rua” por vários anos. Outro homem ressalta a consi<strong>de</strong>ração dos<br />

amigos, pela ajuda recebida: “... irmãozinho <strong>de</strong> rua”.<br />

É comum a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação dos excessos da alimentação aos pedintes, seja em<br />

restaurantes ou vizinhos domiciliados em locais próximo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se alojam. Por outro lado,<br />

verificamos certa hostilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comerciantes que se sentem prejudicados com a presença <strong>de</strong>stas<br />

pessoas em locais próximos aos seus estabelecimentos. A ajuda, nestes casos, combina a<br />

solidarieda<strong>de</strong> com a estratégia <strong>de</strong> mantê-los afastados.<br />

3.5 Ocupações profissionais e renda<br />

Além das ocupações profissionais informadas procuramos obter informações quanto à<br />

situação <strong>de</strong> trabalho atual consi<strong>de</strong>rando <strong>de</strong>sempregado todos os entrevistados que informaram<br />

espontaneamente estarem em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, bem como aqueles que respon<strong>de</strong>ram a<br />

pergunta “situação <strong>de</strong> trabalho” informando estarem em situação <strong>de</strong> mendicância e ativida<strong>de</strong><br />

eventual.<br />

28


Tabela 3.5.1 – Profissão<br />

Tabela 3.5.2 – Situação <strong>de</strong> trabalho atual<br />

A questão relativa à renda também visa i<strong>de</strong>ntificar estratégias <strong>de</strong> sobrevivência nas ruas<br />

através <strong>de</strong> expedientes diversos, <strong>de</strong>ntre eles a mendicância, realização <strong>de</strong> bicos, ativida<strong>de</strong>s eventuais<br />

e trabalhos informais. Tal questão requeria do entrevistado informações sobre o montante e a<br />

periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obtenção da renda informada, sendo admitidas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> renda diária,<br />

semanal e mensal.<br />

profissão informada frequência percentual<br />

válido<br />

pedreiro/servente <strong>de</strong> pedreiro 21 15,8<br />

auxiliar <strong>de</strong> serviços gerais 19 14,3<br />

lavrador 8 6,0<br />

empregada doméstica 7 5,3<br />

motorista 4 3,0<br />

outras profissões 69 51,9<br />

não possui profissão 5 3,8<br />

subtotal 133 100,0<br />

sem informação 25 -<br />

total 158 -<br />

trabalho atual frequência percentual<br />

válido<br />

<strong>de</strong>sempregado 124 86,7<br />

trabalho informal 7 4,9<br />

empregado 2 1,4<br />

aposentado 10 7,0<br />

subtotal 143 100,0<br />

sem informação 15 -<br />

total 158 -<br />

29


Com relação à renda diária, ressaltamos que o valor informado correspon<strong>de</strong> à remuneração<br />

ou doação recebida nos dias em que a ativida<strong>de</strong> para a obtenção da renda tenha sido realizada, não<br />

significando, necessariamente, que tal ativida<strong>de</strong> ocorra diariamente.<br />

Para distinguir as formas <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda foram consi<strong>de</strong>rados:<br />

• Mendicância – Ativida<strong>de</strong> realizada sem frequência ou periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finidas, porém habitual, na<br />

qual a obtenção da renda <strong>de</strong>corre da ação <strong>de</strong> pedir, publicamente, dinheiro a pretexto <strong>de</strong><br />

pobreza ou necessida<strong>de</strong>;<br />

• Ativida<strong>de</strong> eventual (bico) – Ativida<strong>de</strong> informal realizada sem benefícios ou periodicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finidos, na qual a obtenção da renda <strong>de</strong>corre da realização <strong>de</strong> trabalhos e serviços esporádicos<br />

e que não gera ganhos financeiros fixos.<br />

• Trabalho informal – Ativida<strong>de</strong> informal, <strong>de</strong>sassistida <strong>de</strong> garantias e direitos previstos nas leis<br />

trabalhistas, realizada com benefícios ou periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finidos, na qual a obtenção da renda<br />

<strong>de</strong>corre da realização <strong>de</strong> trabalhos e serviços contínuos e que gera ganhos financeiros fixos;<br />

• Trabalho formal – Ativida<strong>de</strong> formal, assistida das garantias e direitos previstos nas leis<br />

trabalhistas, realizada com benefícios ou periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finidos, na qual a obtenção da renda<br />

<strong>de</strong>corre da realização <strong>de</strong> trabalhos e serviços contínuos e que gera ganhos financeiros fixos.<br />

• Benefícios previ<strong>de</strong>nciários – Obtenção <strong>de</strong> renda fixa através <strong>de</strong> benefícios continuados<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> aposentadoria ou invali<strong>de</strong>z por meio dos programas do INSS ou BPC.<br />

Tabela 3.5.3 – Possui renda<br />

Possui renda Frequência percentual informaram<br />

válido<br />

residência<br />

sim 84 58,7 11<br />

não 59 41,3 6<br />

subtotal 143 100,0 17<br />

sem informação 15 - 1<br />

total 158 - 18<br />

Tabela 3.5.4 – Rendimentos<br />

rendimentos informados frequência percentual percentual<br />

válido acumulado<br />

Entre 1 e 15 reais por dia 21 30,0 30,0<br />

Entre 20 e 50 reais por dia 24 34,3 64,3<br />

Entre 50 e 100 reais por dia 4 5,7 70,0<br />

30


Entre 200 e 600 reais por mês 17 24,3 94,3<br />

Mais <strong>de</strong> 600 reais por mês 4 5,7 100,0<br />

subtotal 70 100,0 -<br />

sem informação 88 - -<br />

total 158 - -<br />

Tabela 3.5.5 – Forma <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda<br />

forma <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda frequência percentual informaram<br />

válido residência<br />

bico/ativida<strong>de</strong> informal 31 39,2 3<br />

mendicância 25 31,6 2<br />

benefícios 10 12,7 2<br />

trabalho informal 7 8,9 4<br />

mendicância e ativida<strong>de</strong> informal 3 3,8 -<br />

trabalho formal 2 2,5 -<br />

auxílio da família 1 1,3 -<br />

subtotal 79 100,0 11<br />

sem informação 79 - 7<br />

total 158 - 18<br />

A baixa qualificação profissional e baixa escolarida<strong>de</strong> são prepon<strong>de</strong>rantes na população em<br />

situação <strong>de</strong> rua. Mesmo se tratando <strong>de</strong> uma população em ida<strong>de</strong> produtiva, aproximadamente 78 %<br />

<strong>de</strong> 25 a 55 anos, a velhice chega mais cedo em <strong>de</strong>corrência da permanência por longos períodos em<br />

condições insalubres, intempéries, transtornos emocionais e uso <strong>de</strong> psicoativos. A falta <strong>de</strong> referência<br />

domiciliar, currículos profissionais inconsistentes, baixa escolarida<strong>de</strong> e ainda a condição <strong>de</strong> egressos<br />

<strong>de</strong> presídios em alguns casos, comprometem a admissão em empregos “com carteira assinada”.<br />

Além disso, 35 % <strong>de</strong> toda esta população <strong>de</strong>clarou não possuir documentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. As<br />

ocupações profissionais já exercidas, informadas nas entrevistas por amostragem são: eletricista,<br />

chefe <strong>de</strong> oficina autoelétrica, montador <strong>de</strong> catracas, montador <strong>de</strong> portas <strong>de</strong> aço, operador <strong>de</strong><br />

máquinas, pintor, pedreiro, servente <strong>de</strong> pedreiro, agricultor, cortador <strong>de</strong> cana, colhedor <strong>de</strong> laranjas,<br />

a<strong>de</strong>strador <strong>de</strong> animais, comprador <strong>de</strong> ferro velho, empacotador, borda<strong>de</strong>ira, costureira, lava<strong>de</strong>ira,<br />

enfermeiro, babá, dançarina, ajudante <strong>de</strong> cozinha, serviços gerais, carregador, operador <strong>de</strong> máquinas,<br />

ajudante <strong>de</strong> caminhão, ambulante, parque <strong>de</strong> diversões.<br />

31


Como a rua está associada à itinerância, é comum o relato <strong>de</strong> pessoas que circulam por<br />

outras cida<strong>de</strong>s em busca <strong>de</strong> trabalhos temporários e até mesmo para se distanciar <strong>de</strong> situações<br />

<strong>de</strong>sconfortáveis na família, mas uma vez tendo passado pela situação <strong>de</strong> rua é comum voltar a esta<br />

situação ao per<strong>de</strong>r o emprego ou enfrentar novos conflitos familiares. O sujeito <strong>de</strong> 48 anos relata<br />

que se separou da primeira mulher quando estava com 34 anos e per<strong>de</strong>u tudo, inclusive o contato<br />

com o casal <strong>de</strong> filhos <strong>de</strong> 6 e 7 anos: “comecei a beber <strong>de</strong>mais, fui pra rua, fiquei uns 4 meses na praça<br />

do Carmo (...), a Magda 11 saia <strong>de</strong> carro, foi on<strong>de</strong> conheci ela. Ela mandou pra uma clínica, não fiquei<br />

por causa do cigarro, no Cairbar Schutel fiquei quatro meses, <strong>de</strong>pois mais 21 dias na chácara do<br />

Machado, era da <strong>Prefeitura</strong>. Parei <strong>de</strong> beber, fui para a Baixada Santista, fiquei 2 anos trabalhando no<br />

cais, no meio da bebida e da droga. Tudo bem, acabou o serviço, fui trabalhar em várias cida<strong>de</strong>s na<br />

mesma empresa (...). Fui pra Santos, com outros serviços em outras empresas. Depois trabalhei com<br />

pintura em São Vicente, sem beber, frequentando Igreja. Aí arrumei uma mulher com 5 filhos,<br />

ajuntamo os trapos, aceitei os filhos <strong>de</strong>la. Ai veio uma menina, 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000”. Afirma que<br />

até aí tudo ia bem, veio para Borborema motivado pela doença <strong>de</strong> um sobrinho. “A mulher gostou,<br />

trabalho só na roça, trabalhava <strong>de</strong> fiscal”. Rompeu com esta relação ao se <strong>de</strong>senten<strong>de</strong>r com o<br />

enteado <strong>de</strong> 15 anos que até então morava coma avó, ele estava envolvido com maconha e furtos:<br />

“ele era só tranqueira, maconha, policia batendo em casa, eu não podia fazer nada, a mãe protegia,<br />

fiquei aguentando isso ai 2 anos, sem beber, nunca <strong>de</strong>ixei faltar nada.<br />

Quando existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho formal, a baixa remuneração diante das <strong>de</strong>spesas<br />

domiciliares se contrapõe à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência sem os ônus <strong>de</strong> alugueis, contas <strong>de</strong> água e<br />

luz e outras <strong>de</strong>spesas. Neste sentido, quando viver na situação <strong>de</strong> rua se torna mais cômodo,<br />

também se torna “um vício”. A generalização exagerada <strong>de</strong> pessoas exasperadas com a própria<br />

situação é contun<strong>de</strong>nte: “na rua você vegeta, per<strong>de</strong> a vergonha, o caráter, não vê o tempo passar, só<br />

bebe e dorme”.<br />

De fato, sobrevive-se com muito pouco nas ruas. A meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a população em situação<br />

<strong>de</strong> rua não informou meios <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda, aproximadamente 50 % informou ativida<strong>de</strong>s<br />

informais, “bicos” esporádicos, mendicância, benefícios previ<strong>de</strong>nciários e auxilio <strong>de</strong> familiares.<br />

Apenas duas pessoas <strong>de</strong>clararam trabalho formal. As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coleta seletiva são a alternativa<br />

mais comum neste meio, mas também observamos relatos recorrentes <strong>de</strong> vigilância <strong>de</strong> carros<br />

estacionados nas vias públicas e serviços <strong>de</strong> limpeza: “10 reais pra limpar uma calçada, 20 pra carpir<br />

um quintal, dinheiro pro cigarro e bebida”. O dinheiro é necessário, além dos gastos com bebidas e<br />

11 I<strong>de</strong>alizadora da Associação Promocional Santo Padre Pio.<br />

32


drogas, para a aquisição <strong>de</strong> alimentos quando faltam as doações, para o transporte quando em visita<br />

a conhecidos e familiares, para a manutenção <strong>de</strong> parcerias ou para o sexo na prostituição.<br />

A perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como trabalhador reforça o estigma da vagabundagem levando o<br />

sujeito a se a<strong>de</strong>quar a outros papéis sociais, adotando posturas infantilizadas ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência dos<br />

serviços públicos. Esta condição favorece a permanência na condição <strong>de</strong> alcoolista ou drogadicto,<br />

justificando o comportamento outsi<strong>de</strong>r 12 e reforçando uma subcultura e o confinamento em círculos<br />

<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> entre iguais nas condições <strong>de</strong> liminarida<strong>de</strong>.<br />

Esta dinâmica atinge igualmente as mulheres. Uma <strong>de</strong>las, que relatou ter viajado pela Europa<br />

enquanto morava lá e trabalhava nos cabarés afirma que fala italiano, francês, inglês, alemão,<br />

castelhano e outros dialetos, mas ainda que tenha aprendido somente os rudimentos <strong>de</strong>stas línguas,<br />

vive sem nenhuma ocupação profissional ou renda, numa condição inferior ao seu potencial<br />

produtivo e <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. Outra mulher que <strong>de</strong>clarou vários cursos profissionalizantes, inclusive<br />

o magistério, dormia ao lado <strong>de</strong> quatro sacos <strong>de</strong> materiais recicláveis coletados na noite anterior.<br />

Depois da entrevista ela foi a um <strong>de</strong>pósito e voltou com o resultado da venda: 2 reais.<br />

3.6 Vínculos familiares e sociais<br />

A situação <strong>de</strong> rua geralmente <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma longa trajetória permeada por rupturas das<br />

relações familiares e dos grupos sociais <strong>de</strong> origem. O uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas e drogas costuma ser<br />

apresentado como o principal motivo para o afastamento da família ou rejeição por parte da mesma,<br />

mas observamos que os <strong>de</strong>sentendimentos costumam serem anteriores e às vezes concorrem para o<br />

agravamento do abuso das substancias químicas psicoativas.<br />

O entrevistado <strong>de</strong> 55 anos, alcoolista, <strong>de</strong>sabrigado, indica situações <strong>de</strong> inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vínculos consistentes e confiáveis. Relata que foi abandonado pela mãe aos 3 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e criado<br />

num orfanato religioso. O pai encaminhou os três filhos ao orfanato, pois não tinha condição <strong>de</strong> criá-<br />

los. Expressa gratidão ao pai, que faleceu aos 80 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e diz compreen<strong>de</strong>r as razões pelas<br />

quais o pai os <strong>de</strong>ixou no orfanato. Conta que se sente perdido e se vê como uma criança, a mesma<br />

criança que freqüentava o orfanato, on<strong>de</strong> “as freiras batiam muito” e “passava fome”. Sente revolta<br />

por não ter recebido o carinho da mãe e pelo abandono que sofreu. Não tem contato com os irmãos.<br />

12 Termo genérico, que perpassa os estudos sociais das últimas décadas. Vi<strong>de</strong> Becker HS. Outsi<strong>de</strong>rs – Estudos<br />

na Sociologia do Desvio. New York: The Free Press; 1973.<br />

33


Um mora no Japão e o outro na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barretos. Tem um primo irmão que trabalha no Fórum <strong>de</strong><br />

<strong>Araraquara</strong> e vez por outra passa por lá para lhe pedir dinheiro.<br />

Algumas pessoas mantêm o contato com seus familiares regular ou esporadicamente através<br />

<strong>de</strong> visitas rápidas. O mais novo entre os entrevistados, parece manter os vínculos familiares<br />

preservados. Dorme num estacionamento on<strong>de</strong> já trabalhou e eventualmente, ate duas vezes por<br />

semana visita a casa dos pais: o pai <strong>de</strong> 57 anos, a mãe <strong>de</strong> 69, uma irmã e um irmão mais velhos e três<br />

sobrinhos. Usa a casa dos pais para se encontrar com a mulher e seus três filhos a cada 15 dias,<br />

quando ele pernoita no quintal da casa “para liberar o quarto com cama <strong>de</strong> casal para a mulher e as<br />

crianças”. Afirma que os pais não o aceitam em casa <strong>de</strong>vido ao uso da bebida. Até pouco tempo<br />

atrás fazia uso do crack e “roubava tudo <strong>de</strong> casa para obter a droga”. Diz que parou com o crack há<br />

dois meses a pedido das filhas e apesar <strong>de</strong> continuar bebendo manifesta o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> regularizar os<br />

documentos, trabalhar e juntar a família.<br />

O entrevistado <strong>de</strong> 37 anos, também tem um histórico <strong>de</strong> contato com a família, mas os atritos<br />

em casa fizeram com que a mãe não queira falar com ele no momento. Tem um histórico <strong>de</strong><br />

períodos em clínicas para <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes químicos, períodos que vive com os familiares e períodos que<br />

vive na rua. Outro relato indica que quando alguém “exagera <strong>de</strong>mais, fica alterado, xinga as pessoas<br />

e acaba causando transtorno para a permanência no local”.<br />

Uma das mulheres diz que foi internada em uma clínica <strong>de</strong> Franca após pedir a ajuda dos pais,<br />

mas ficou 5 meses sem “conseguir ir até o final”. Por outro lado, informa que os pais solicitaram<br />

“or<strong>de</strong>m judicial <strong>de</strong>terminando que permaneça a uma distância mínima <strong>de</strong> 500 metros <strong>de</strong>les”. Às<br />

vezes entra na internet na biblioteca municipal e “espia as fotos dos filhos pelo Orkut, ... dos amigos<br />

antigos”. Um dos filhos, ainda criança a recebeu bem há três anos, quando se encontrou com ele<br />

pela ultima vez, mas as filhas mais velhas, que conhecem a sua história não querem manter contato.<br />

Afirma que tem vergonha do ponto em que chegou e da situação em que se encontra. Afirma que na<br />

rua têm apenas conhecidos, jamais amigos: “...todos ficam em torno <strong>de</strong> aproveitar uns dos outros e<br />

da agressivida<strong>de</strong>”.<br />

As igrejas são os locais públicos mais acessíveis e referidos para quem se encontra na rua,<br />

entretanto, encontramos referências ao uso <strong>de</strong> bibliotecas, instalações com internet, exposições,<br />

parada gay, feiras, “biqueiras” 13 e zonas <strong>de</strong> prostituição. Também é comum o relato <strong>de</strong> vínculos<br />

pessoais com ex-empregadores, vizinhos e fieis <strong>de</strong> igrejas. Um entrevistado se refere a um Sr. que o<br />

pegava <strong>de</strong> carro e o levava à “Universal”: “este Sr. ajudou muito, dava comida, roupa...”.<br />

13 Pontos <strong>de</strong> comercialização <strong>de</strong> drogas para o usuário final.<br />

34


Por outro lado, também encontramos a expressão <strong>de</strong> intolerância extremada contra a<br />

população em situação <strong>de</strong> rua nas palavras <strong>de</strong> um comerciante local. Ao nos ver, durante a fase <strong>de</strong><br />

campo da pesquisa, saindo <strong>de</strong> um veiculo com o logo da prefeitura e interessados em “moradores <strong>de</strong><br />

rua”, se exaltou associando-os a gran<strong>de</strong>s ameaças sociais: “tem que dar veneno pra eles”. No seu<br />

discurso adota uma perspectiva individualista que provavelmente está associada à sua repulsa e<br />

<strong>de</strong>sconhecimento do problema: “... cada pai, que cui<strong>de</strong> dos seus filhos!”. O <strong>de</strong>sconhecimento da<br />

complexida<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong> rua também aparece na fala <strong>de</strong> um entrevistado: “Na rua, as pessoas<br />

que te vêem atravessa a rua com medo, (...) o morador <strong>de</strong> rua é pisoteado, ninguém dá valor”.<br />

3.7 Uso <strong>de</strong> psicoativos<br />

O uso das substâncias psicoativas assume significados específicos em diferentes fases da vida.<br />

Po<strong>de</strong> ser uma escolha consciente, entre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência, socialização e prazer que<br />

o individuo dispõe no presente ou po<strong>de</strong> estar relacionado a <strong>de</strong>terminados acontecimentos em sua<br />

trajetória <strong>de</strong> vida. As tabelas seguintes apresentam as informações gerais obtidas na fase <strong>de</strong><br />

recenseamento e em seguida são apresentados alguns casos da amostra do estudo qualitativo.<br />

Tabela 3.7.1 – Uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas<br />

faz uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas frequência percentual<br />

válido<br />

Sim 131 93,6<br />

não 9 6,4<br />

Subtotal 140 100,0<br />

sem informação 18 -<br />

Total 158 -<br />

Tabela 3.7.2 – Tempo <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas<br />

há quanto tempo faz uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas frequência percentual<br />

válido<br />

De 1 a 5 anos 5 5,3<br />

De 6 a 10 anos 10 10,5<br />

De 11 a 16 anos 17 17,9<br />

De 17 a 22 anos 19 20,0<br />

Mais <strong>de</strong> 22 anos 44 46,3<br />

Subtotal 95 100,0<br />

sem informação 63 -<br />

Total 158 -<br />

35


Tabela 3.7.3 – Drogas utilizadas<br />

faz uso <strong>de</strong> drogas frequência percentual<br />

válido<br />

somente maconha 7 5,2<br />

Somente crack 13 9,7<br />

Somente cocaína 1 0,7<br />

Mais <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> droga 9 6,7<br />

Mais <strong>de</strong> dois tipos <strong>de</strong> drogas 10 7,5<br />

Não especificou os tipos <strong>de</strong> drogas 11 8,2<br />

Não usa drogas 83 61,9<br />

Subtotal 134 100,0<br />

sem informação 24 -<br />

Total 158 -<br />

Tabela 3.7.4 – Utilização <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> tratamento para álcool ou drogas<br />

programas <strong>de</strong> tratamento frequência percentual<br />

válido<br />

Clínica <strong>de</strong> recuperação 60 56,1<br />

Comunida<strong>de</strong> terapêutica 24 22,4<br />

CAPS AD 11 10,3<br />

Alcoólicos anônimos 13 12,1<br />

Subtotal 107 100,0<br />

sem informação 51 -<br />

Total 158 -<br />

Aproximadamente meta<strong>de</strong> da população entrevistada não consi<strong>de</strong>ra o uso <strong>de</strong> bebidas<br />

alcoólicas um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mas 65,9 % <strong>de</strong> 123 pessoas respon<strong>de</strong>ram já terem participado <strong>de</strong><br />

algum programa <strong>de</strong> tratamento. Esta contradição é apenas aparente, pois a forma, frequência,<br />

intensida<strong>de</strong> e significados <strong>de</strong>ste uso, abusivo ou não, varia com o tempo e para cada pessoa. Muitas<br />

vezes o problema não é associado ao costume <strong>de</strong> beber, mas a outras situações daí <strong>de</strong>correntes.<br />

Um entrevistado domiciliado que frequenta as “rodas <strong>de</strong> fogo”, procura se distinguir dos<br />

“moradores <strong>de</strong> rua”: “meu pai era pingaiada – pingaiada é aquele que vive pra lá e pra cá, não tem<br />

família, não tem mulher, não tem nada, mora sozinho...”. Ele bebe junto com pessoas em situação <strong>de</strong><br />

rua, mas ressalta que tem “duas casinhas”, criou família e tem filho advogado. Por outro lado, um<br />

homem <strong>de</strong> 55 anos relata que quando exagera na bebida literalmente <strong>de</strong>smaia e acaba dormindo em<br />

36


qualquer lugar. Quando não bebe, dorme em alguma das praças da região central. De vez em quando<br />

come “no Padre Pedro”, mas não tem conseguido se alimentar “por causa da bebida”. “A comida não<br />

<strong>de</strong>sce”. Só consegue tomar sopa.<br />

O aprendizado do uso apareceu, em vários casos, durante o processo <strong>de</strong> afirmação i<strong>de</strong>ntitária<br />

no período da adolescência através <strong>de</strong> uma tendência consciente ou não, variável conforme a<br />

natureza dos vínculos parentais, <strong>de</strong> reprodução do comportamento dos pais e <strong>de</strong> outras figuras <strong>de</strong><br />

referência significativas na sua vida.<br />

Um sujeito <strong>de</strong> 36 anos, que refere a si mesmo no feminino, realça <strong>de</strong>terminados<br />

características <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e eventos performáticos da sua vida, por exemplo, quando afirma<br />

que colocavam pinga na sua mama<strong>de</strong>ira. Relata ter tido uma mãe alcoólatra que o <strong>de</strong>ixou com 6<br />

meses, tendo vivido com o pai e irmãos. Afirma ter sido estuprado pelo irmão quando tinha 10 anos<br />

e o irmão 11. Com 12 optou pela homossexualida<strong>de</strong>, nesta época começou <strong>de</strong> fato a beber com os<br />

amigos. Encontra-se afastado do trabalho há 10 anos, como ele afirma, em <strong>de</strong>corrência do<br />

alcoolismo.<br />

O uso da bebida associado à fragilida<strong>de</strong> emocional aparece com frequência nos relatos <strong>de</strong><br />

perda <strong>de</strong> familiares por morte dos pais ou separações conjugais. O entrevistado <strong>de</strong> 48 anos, que<br />

viveu 11 anos com a primeira mulher e 13 com a segunda, foi para a rua nas duas separações: “... eu<br />

queria ter relação com ela e ela queria que eu fugisse. Vendi duas barracas e fugi com ela. Cabeça<br />

fraca. (...) Aí casei e fiquei sustentando sogro, sogra e o cunhado que foi morar comigo. (...) O<br />

cunhado começou a beber também, queria mandar, brigava. Até que não aguentei e sai <strong>de</strong> casa. Fui<br />

pra rua, ai comi o pão que o diabo amassou”. Com esforço pessoal e suporte clínico voltou a<br />

trabalhar, foi para Santos e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo conheceu a segunda mulher, “nada a reclamar<br />

<strong>de</strong>la, trabalha<strong>de</strong>ira, não saia com ela da praia”. Foram 13 anos juntos, mas não conseguiu superar as<br />

dificulda<strong>de</strong>s com o enteado adolescente quando ele passou a morar com eles: “Perdi vó, vô que<br />

adorava, perdi mãe, pai, não recai. Por causa <strong>de</strong> um bosta dum garoto recaí. Chega em casa cansado,<br />

um bando <strong>de</strong> maloqueiro, som alto. (...) A mulher não aceitou colocar o filho pra fora. Bati boca, ela<br />

passando a mão na cabeça. Saí, fui pro posto <strong>de</strong> gasolina. Depois <strong>de</strong> 3 dias estava sem rumo, estava<br />

perdido. Recaída. Recaída <strong>de</strong> calcinha é foda”.<br />

Um entrevistado que relata o uso <strong>de</strong> bebida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância, já usou todos os tipos <strong>de</strong><br />

drogas. Relata episódios on<strong>de</strong> bebiam álcool e gasolina <strong>de</strong> posto <strong>de</strong> combustíveis nas rodas <strong>de</strong> pinga,<br />

comprando 25 centavos do combustível e misturando ao suco Tang em recipientes <strong>de</strong> 600 ml:<br />

“passei um ano bebendo isto”. Quando usava crack era <strong>de</strong> 25 a 30 gramas por dia. Afirma que não<br />

37


usa mais crack há alguns meses a pedido das filhas, mas continua a beber e fazer o uso <strong>de</strong> maconha.<br />

Afirma que se <strong>de</strong>ixar é capaz <strong>de</strong> beber até um corote (500 ml) <strong>de</strong> uma vez. O uso <strong>de</strong> álcool <strong>de</strong> posto<br />

<strong>de</strong> gasolina aparece eventualmente nos relatos individuais: “... já tomei álcool <strong>de</strong> posto, com limão e<br />

açúcar, (...) quando precisava ia lá e bebia”.<br />

No auge do abuso da bebida alcoólica, se fala do consumo <strong>de</strong> até 6 garrafas por dia, mas<br />

como este tipo <strong>de</strong> uso geralmente é coletivo, varia conforme a sensibilida<strong>de</strong> aos efeitos da substancia<br />

e conforme o nível <strong>de</strong> tolerância <strong>de</strong>senvolvida, torna-se difícil estabelecer padrões <strong>de</strong> consumo. O<br />

entrevistado <strong>de</strong> 37 anos diz que “acorda tremendo” por causa <strong>de</strong> bebida. Bebe todo dia, o dia todo,<br />

até 3 garrafas com os amigos da rua, a barrigudinha (500 ml) bebe “sozinho em meia hora”. Estava<br />

“há 3 dias sem crack”, mas gasta até 60 reais por dia com a pedra, que gosta <strong>de</strong> fumar sozinho.<br />

Afirma que pe<strong>de</strong> dinheiro, mas não rouba nada.<br />

Outro afirma beber <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os doze, hoje bebe até “dois corotinhos por dia”, mas já usou todo<br />

tipo <strong>de</strong> droga. Hoje se consi<strong>de</strong>ra em recuperação, mas quando está “seco” <strong>de</strong>clara ficar “estúpido,<br />

agressivo, bravo”. Descreve os sintomas da irritabilida<strong>de</strong>, ansieda<strong>de</strong>, angústia e paranoia. Quando<br />

está abstinente usa carbamazepina e diazepam, se não tomar é tomado pelas preocupações, “pensa<br />

em tudo, o pensamento corrói, <strong>de</strong>strói a cabeça, ...fica com o pensamento formigando, não fixando<br />

em muitos pontos”. Usa maconha frequentemente, mas a consi<strong>de</strong>ra um problema: “perco a<br />

motivação, o <strong>de</strong>sempenho, perco o <strong>de</strong>sempenho para mulher”. O baseado traz o prazer... um<br />

prazerzinho, pensa. “O prazer da droga é conhecido, fica cutucando o dragão, ele vai dar uma<br />

acordada...”. Fala da estrutura psicológica necessária para dominar um outro eu: “...trabalhar <strong>de</strong><br />

maneira correta para este outro eu não me dominar”. A saída da rua, na sua perspectiva, é uma<br />

necessida<strong>de</strong>, “se ficar na droga morre, vários amigos já morreram”. Ao <strong>de</strong>screver sua passagem pela<br />

“cracolândia” na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, relata: “quando pisei lá sabia que era um pedaço do inferno, a<br />

polícia passava e daí a pouco todo mundo lá <strong>de</strong> novo... mãe com foto <strong>de</strong> filho ... sem sentimento ...<br />

esse ai já era ... <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> drogadictos”. Sente vergonha <strong>de</strong> não dar assistência à filha. Critica a<br />

experiência <strong>de</strong> ter sido internado em várias clínicas apesar <strong>de</strong> ter também trabalhado em 3 <strong>de</strong>las: “...<br />

tenho que saber me envolver no meio social e conquistar o meu espaço. Não adianta ficar preso, sair<br />

e recair. Não adianta fugir do meu caminho, da realida<strong>de</strong>. Tenho que saber que algumas coisas não<br />

foram feitas para mim. Para algumas coisa sou fraco. Fraco para administrar situações que mexem<br />

com o meu psicológico”.<br />

A passagem por clínicas e comunida<strong>de</strong>s terapêuticas, neste caso, aparece num discurso que<br />

revela indicadores <strong>de</strong> transtornos psicológicos e relacionais, uma ansieda<strong>de</strong> pré-existente, a visão da<br />

38


substância como agente patogênico e o arrependimento pelas perdas atribuídas ao uso <strong>de</strong><br />

substancias químicas. Este discurso, se consi<strong>de</strong>rado apenas superficialmente, costuma mascarar<br />

outros fatores que concorreram para tais perdas, geralmente <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m financeira ou emocional, e<br />

não necessariamente <strong>de</strong>terminados pelo uso das substancias químicas. A conotação religiosa<br />

permite outras explicações para os transtornos associados ao uso <strong>de</strong> drogas e para o processo <strong>de</strong><br />

recuperação: “Não existe recuperação sem conversão! ... a lei espiritual não <strong>de</strong>ixa os bichos te<br />

pegarem”. “Descobri que Deus existe na rua, já me senti nos braços <strong>de</strong>le ... ele brinca <strong>de</strong> várias<br />

formas: uma mulher, um amigo, um carro que para e oferece uma coisinha...”.<br />

Alguns entrevistados que <strong>de</strong>clararam possuir domicilio e ficam na rua temporária ou<br />

permanentemente refletem uma zona <strong>de</strong> intercessão entre a situação <strong>de</strong> rua e a situação <strong>de</strong><br />

instabilida<strong>de</strong> característica <strong>de</strong> usuários abusivos <strong>de</strong> álcool e outras drogas que encontram na rua a<br />

liberda<strong>de</strong> para o uso.<br />

3.8 Situação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

A exposição às intempéries e a irregularida<strong>de</strong> alimentar comprometem inquestionavelmente<br />

a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta população como no caso <strong>de</strong> doenças respiratórias e tuberculose, mas também são<br />

relatados problemas ortopédicos, cardíacos, gástricos, <strong>de</strong>rmatológicos, diabetes, HIV e transtornos<br />

emocionais. Apesar <strong>de</strong> inúmeros relatos elogiosos em relação ao atendimento no sistema público <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> é comum mencionarem a procura <strong>de</strong>stes recursos em último caso, com a saú<strong>de</strong> bastante<br />

comprometida. A violência é sempre lembrada como um agravante aos que estão mais expostos.<br />

Um dos homens mais idosos lembra: “quantas vezes posei num jardim...”. Lembrando dos “colegas<br />

<strong>de</strong> rua, tudo matado...” conclui: “a vida <strong>de</strong> rua não é boa não”.<br />

Tabela 3.8.1 – Deficiência aparente ou auto-referida<br />

<strong>de</strong>ficiência aparente ou autoreferida frequência percentual<br />

válido<br />

física 18 12,2<br />

mental 18 12,2<br />

não possui 111 75,5<br />

subtotal 147 100,0<br />

sem informação 11 -<br />

total 158 -<br />

39


Tabela 3.8.2 – Problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> auto-referido<br />

problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> autoreferido frequência percentual<br />

válido<br />

tuberculose 7 5,1<br />

diabetes 6 4,4<br />

HIV 5 3,7<br />

hipertensão arterial 4 2,9<br />

hepatite 2 1,5<br />

problemas na coluna 2 1,5<br />

outros problemas 14 10,3<br />

não possui 96 70,6<br />

ubtotal 136 100,0<br />

sem informação 22 -<br />

total 158 -<br />

O constrangimento do retorno contínuo aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a recriminação velada ou<br />

explícita <strong>de</strong> alguns profissionais po<strong>de</strong>m estar relacionados ao fato <strong>de</strong> nem sempre estarem com<br />

roupas e aparência a<strong>de</strong>quadas para circular em ambulatórios médicos. Além disso, se <strong>de</strong>param com<br />

dificulda<strong>de</strong>s para cumprir uma agenda <strong>de</strong> retorno e aquisição <strong>de</strong> medicamentos. Nesta situação <strong>de</strong><br />

exclusão, os cuidados com a saú<strong>de</strong> são negligenciados e geralmente ocorrem por intermédio e<br />

iniciativa <strong>de</strong> profissionais que mantém um contato mais frequente e mais próximo da pessoa.<br />

Os entrevistados mais jovens apresentam uma boa saú<strong>de</strong>, mas com o avançar da ida<strong>de</strong><br />

relatam comprometimentos significativos. Um das mulheres diz que “além da <strong>de</strong>pendência química,<br />

é cardíaca e tem síndrome do pânico, mas só faz tratamento para a abstinência”. É “<strong>de</strong>pressiva” e<br />

“tudo <strong>de</strong>sconta no álcool”. Não usa drogas há aproximadamente três anos, mas quando bebe tem<br />

alterações comportamentais e “fica agressiva” o que atribui ao contato com o circuito <strong>de</strong> tráfico<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um relacionamento com um traficante. Em relação às doenças sexualmente transmissíveis,<br />

se refere ao relacionamento atual como sendo estável e <strong>de</strong> mútua confiança, razão pela qual não<br />

usam preservativos nem métodos anticoncepcionais, pois é “laqueada”.<br />

O consumo abusivo <strong>de</strong> substâncias psicoativas aliado a períodos <strong>de</strong> isolamento faz com que<br />

se improvisem locais <strong>de</strong> permanência nas proximida<strong>de</strong>s dos circuitos <strong>de</strong> sobrevivência: “...ficava nos<br />

<strong>de</strong>graus do barzinho Sete Quedas, perto da Casa Transitória, mas neste local a chuva ao contrário<br />

molhava e pegava friagem”. Apesar da liberda<strong>de</strong> que a rua oferece estes circuitos são relativamente<br />

40


estritos durante <strong>de</strong>terminados períodos e não oferecem alternativas saudáveis <strong>de</strong> abrigamento:<br />

“...não ficava em praça, ficava na Uniara, pedia dinheiro para os estudantes, na rodoviária (...), pedia<br />

roupa, tomava banho no “Pau Seco”, não comia arroz e feijão, (...) na rua não é fácil, chuva, frio. (...)<br />

Era do pronto socorro pro hospital, do hospital para o pronto socorro, fiquei 2 anos e meio nesta<br />

situação. Não comia, queria fazer besteira, ir atrás da mulher, matar ela. Não mato nem galinha”.<br />

A população abrigada tem mais recursos para tratar da saú<strong>de</strong> com os encaminhamentos dos<br />

educadores e acompanhantes e este é um gran<strong>de</strong> motivador para <strong>de</strong>ixar a situação <strong>de</strong> rua. Na<br />

situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrigo, entretanto, per<strong>de</strong>-se a noção da gravida<strong>de</strong> dos transtornos orgânicos e é<br />

comum que não relatem problemas crônicos, às vezes mascarados pela embriaguez. Enquanto os<br />

problemas <strong>de</strong> fundo não são resolvidos, as internações recorrentes também costumam ser adotadas<br />

para se recuperarem temporariamente, “só para dar um <strong>de</strong>scanso pro fígado”. Noutros casos o<br />

comprometimento da saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser tão grave que não restam alternativas: “Cheguei aqui no fundo<br />

do poço, se não chegasse aqui estava no cemitério (...), tem que se apegar em Deus”.<br />

Os transtornos mentais mais graves assumem gran<strong>de</strong>s proporções aos olhos da socieda<strong>de</strong>, na<br />

medida em que provocam <strong>de</strong>svios comportamentais significativos e exigem intervenções<br />

psiquiátricas específicas, praticamente impossíveis sem o auxilio da família ou amparo institucional.<br />

A mulher <strong>de</strong> 47 anos foi para a Casa Transitória porque o marido, enquanto Curador, não cumpria<br />

com suas responsabilida<strong>de</strong>s em relação aos cuidados com ela e também com os filhos. Ele <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong><br />

ministrar a medicação para o tratamento psiquiátrico, não seguia as orientações do CAPS e com isso<br />

ela ficava com o comportamento alterado e vagava pelas ruas e bares do bairro on<strong>de</strong> morava.<br />

Também gastava todo o benefício previ<strong>de</strong>nciário com coisas alheias ao bem estar da família.<br />

O abrigamento compulsório se torna um problema quando as instituições existentes precisam<br />

se reorganizar para acolher casos que fogem ao escopo <strong>de</strong> suas programações e regimentos internos.<br />

Isto indica uma lacuna na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência, pois entre os serviços sociais e os <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

encontramos a <strong>de</strong>manda dos portadores <strong>de</strong> transtornos mentais e egressos das instituições que<br />

tratam a <strong>de</strong>pendência química. Quando há resistência ao acolhimento por parte da família ou<br />

quando os vínculos familiares foram <strong>de</strong>sfeitos, estas pessoas voltam à situação anterior com gran<strong>de</strong>s<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reativação ou agravamento dos transtornos em questão.<br />

Os relatos também indicam gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s para tratamentos odontológicos e obtenção<br />

<strong>de</strong> próteses. A solução <strong>de</strong>stes problemas é encontrada através da intermediação dos educadores<br />

sociais e agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, porém os recursos existentes são escassos.<br />

41


3.9 Projeto <strong>de</strong> vida<br />

A situação <strong>de</strong> rua representa, comumente, uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência ou <strong>de</strong>sesperança em<br />

relação a si mesmo. Os sonhos costumam reproduzir expectativas existentes no passado que não se<br />

concretizaram ou compreen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> recuperar situações já vividas quando eram mais jovens e<br />

com mais recursos financeiros. Ainda que isto alimente certo grau <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong> diante das<br />

dificulda<strong>de</strong>s cotidianas, atua contraditoriamente no esvaziamento <strong>de</strong> um possível projeto <strong>de</strong> vida que<br />

se torna cada vez mais inviável e inconsistente.<br />

Quando sondamos as suas expectativas nos <strong>de</strong>paramos com <strong>de</strong>safios elementares como a<br />

regularização <strong>de</strong> documentos ou complexos como o abandono do uso das substancias químicas e a<br />

conquista <strong>de</strong> trabalho e renda compatível às necessida<strong>de</strong>s da família. De forma geral, as pessoas<br />

adotam uma postura positiva, alimentando o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> recuperar vínculos e conquistar maior<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, mas i<strong>de</strong>ntificamos um certo vazio em relação a projetos viáveis a médio e longo<br />

prazos. O imediatismo da sobrevivência cotidiana parece dificultar a percepção <strong>de</strong> si mesmo em<br />

perspectiva ao longo do tempo.<br />

O indivíduo <strong>de</strong> 25 anos manifesta o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> regularizar os documentos e arranjar trabalho,<br />

preten<strong>de</strong>ndo se juntar com a mulher e filhos com quem se encontra regularmente, entretanto nunca<br />

viveu com eles por muito tempo. Afirma que é fiel à mulher e acredita que o seu amor por eles irá<br />

motivá-lo para sair da rua. As vitórias no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> autocontrole em relação ao uso das<br />

substancias químicas e persistência em trabalhos produtivos alimenta a esperança <strong>de</strong> “sair da rua”.<br />

Uma das mulheres que afirma estar sem beber a um mês, orgulha-se <strong>de</strong> sua aparência, “mais<br />

gordinha”, sente-se bem fisicamente e reitera que sua vaida<strong>de</strong> é muito maior do que isso, que “vai<br />

melhorar ainda e muito”, lembrando que já teve uma vida “normal”, quando “planejava festas e<br />

viagens com os amigos e familiares”.<br />

A manutenção dos vínculos ajuda a preservar o sonho <strong>de</strong> recuperação da saú<strong>de</strong> e da condição<br />

<strong>de</strong> provedor para os homens. O sujeito <strong>de</strong> 48 anos afirma <strong>de</strong>sejar <strong>de</strong>ixar o abrigo, “trabalhar e<br />

procurar a filhinha: para isso quero localizar meu filho <strong>de</strong> 20 anos, casado há dois meses, pra ajudar”.<br />

Costumam <strong>de</strong>positar nos filhos adultos, a esperança <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>, mas geralmente se sentem<br />

envergonhados para procurá-los ou não tem liberda<strong>de</strong> suficiente para pedir ajuda, mesmo porque<br />

são conhecedores dos casos que os filhos se recusaram a um contato mais frequente com pais em<br />

situação <strong>de</strong> rua.<br />

42


As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> concretização dos projetos pessoais reforçam o estigma da inviabilida<strong>de</strong><br />

enquanto trabalhadores, cidadãos e chefes <strong>de</strong> família: “O caminho certo é o estreito. A pessoa não<br />

quer o estreito, quer o largo que oferece muitas coisas”.<br />

3.10 Relações institucionais<br />

No censo, a questão relativa à utilização da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> oferecia a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respostas múltiplas entre as alternativas levantadas na fase <strong>de</strong> aproximação do<br />

campo.<br />

Tabela 3.10.1 – Serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> utilizados<br />

serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> frequência percentual<br />

válido<br />

Casa Transitória Assad Kan 123 83,7<br />

PS Municipal 111 75,5<br />

Associação Promocional Santo Padre Pio 69 46,9<br />

Comunida<strong>de</strong> Servos do Cristo Re<strong>de</strong>ntor 69 46,9<br />

Hospital Cairbar Schutel 65 44,2<br />

CAPS 13 8,8<br />

CAPS AD 11 7,5<br />

Santa Casa 2 1,4<br />

Outros serviços 9 6,2<br />

registros válidos 147 100,0<br />

sem informação 11 -<br />

total 158 -<br />

(respostas múltiplas para a questão)<br />

A re<strong>de</strong> social que serve <strong>de</strong> apoio à população em situação <strong>de</strong> rua se constitui <strong>de</strong> instituições<br />

públicas, instituições religiosas, comerciantes e vizinhos domiciliados. Apesar <strong>de</strong> não estarem no<br />

âmbito <strong>de</strong>ste estudo, estas pessoas também se beneficiam eventual ou indiretamente <strong>de</strong> outras<br />

instituições da socieda<strong>de</strong> civil através <strong>de</strong> programas solidários <strong>de</strong> escolas, associações <strong>de</strong> classe,<br />

sindicatos e outras Organizações da Socieda<strong>de</strong> Civil <strong>de</strong> Interesse Público.<br />

Os indivíduos abrigados adotam uma rotina com horários <strong>de</strong>terminados pelas programações<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s internas das instituições visando a manutenção da abstinência do uso <strong>de</strong> álcool e outras<br />

drogas, o <strong>de</strong>senvolvimento pessoal e encaminhamentos <strong>de</strong> casos individuais no âmbito da saú<strong>de</strong> e<br />

inserção social. A Casa Transitória, enquanto um núcleo público <strong>de</strong> serviços sociais oferece a<br />

43


possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o usuário <strong>de</strong>ixar o local para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s na cida<strong>de</strong>, mesmo<br />

que recomen<strong>de</strong> a permanência do usuário no local quando ele está motivado para abstinência. A<br />

Associação Promocional Santo Padre Pio procura <strong>de</strong>senvolver um percurso <strong>de</strong> recuperação<br />

promovendo o afastamento do sujeito do contexto da rua, “evita as saídas para a pessoa não recair<br />

no vicio do álcool e das drogas e no vicio da rua”. As pessoas internadas em clínicas psiquiátricas ou<br />

para <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes químicos, <strong>de</strong> cunho terapêutico e ou religioso, a<strong>de</strong>rem igualmente às rotinas<br />

institucionais com maior ou menor cobrança para a participação nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

Casa Transitória Assad Kan, Rua Castro Alves, 2697: É uma unida<strong>de</strong> pública municipal que<br />

oferece os serviços <strong>de</strong> albergue para Itinerantes e on<strong>de</strong> funciona o Programa <strong>de</strong> Atendimento aos<br />

Moradores <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>. Está sob a responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria <strong>de</strong> Assistência e<br />

Desenvolvimento Social na Gerência <strong>de</strong> Proteção social Especial. Oferece serviços <strong>de</strong> banho, refeição<br />

e pernoite aos moradores <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>, proporcionando orientação e atendimento às<br />

<strong>de</strong>mandas, além <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sócio-educativos, oficinas <strong>de</strong> artes, exposições em eventos públicos,<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer, cultura e comemorações coletivas. Eventualmente, faz encaminhamentos para a<br />

re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e para o Programa <strong>de</strong> Acompanhamento e Assistência aos Depen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong><br />

Substâncias, no caso <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong> álcool e drogas motivados para o tratamento. Aos itinerantes,<br />

além dos serviços básicos <strong>de</strong> banho, refeição e pernoite é oferecida a passagem rodoviária<br />

intermunicipal (Boa Esperança, Jaú, Ribeirão Preto, Matão e São Carlos).<br />

Por outro lado, a Casa Transitória operacionaliza um serviço <strong>de</strong> abordagem permanente nas<br />

ruas, aten<strong>de</strong>ndo as situações <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento para pessoas em situação <strong>de</strong> rua,<br />

motivando a busca <strong>de</strong> soluções para as situações individuais, respeitando seus direitos <strong>de</strong> cidadania.<br />

Associação Promocional Santo Padre Pio – Av. Pres. Vargas, 2386: Apesar <strong>de</strong> não se<br />

configurar como instituição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, focaliza a situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> na rua e o uso <strong>de</strong> bebidas<br />

alcoólicas e outras drogas. Além do abrigamento em tempo integral <strong>de</strong> 21 pessoas adultas na época<br />

da pesquisa, <strong>de</strong>senvolve programas terapêuticos e sócio-educativos através <strong>de</strong> um corpo <strong>de</strong> 26<br />

voluntários e parcerias com outras instituições. Desta forma proporciona alfabetização, regularização<br />

<strong>de</strong> documentos, benefícios previ<strong>de</strong>nciários, encaminhamentos para comunida<strong>de</strong>s terapêuticas,<br />

acompanhamento psicológico, médico e odontológico, reuniões <strong>de</strong> Alcoólicos Anônimos, ginástica,<br />

aulas <strong>de</strong> canto e percussão e outras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas por voluntários, o que inclui interação<br />

com a comunida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> doações <strong>de</strong> roupas e brechó, eventos culturais e religiosos. A casa <strong>de</strong><br />

apoio, como é referida por seus coor<strong>de</strong>nadores, procura estabelecer uma rotina disciplinada por<br />

44


horários e procedimentos que exigem a contrapartida dos usuários na limpeza, arrumação e<br />

manutenção do local, bem como na participação das ativida<strong>de</strong>s religiosas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

Comunida<strong>de</strong> Servos do Cristo Re<strong>de</strong>ntor (Padre Pedro) – Av. São José, 812: O atendimento à<br />

população <strong>de</strong> rua é uma das linhas <strong>de</strong> atuação promocional da instituição religiosa. Congrega<br />

voluntários que aten<strong>de</strong>m as pessoas em situação <strong>de</strong> rua às quartas, quintas e sextas feiras. Os<br />

atendimentos no local da instituição se dão através do acolhimento para banho, corte <strong>de</strong> cabelo,<br />

alimentação e troca <strong>de</strong> roupas. Às quintas feiras o atendimento com a distribuição <strong>de</strong> alimentação é<br />

realizada nas ruas através <strong>de</strong> uma ronda com um veiculo utilitário pelos locais <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong><br />

pessoas em situação <strong>de</strong> rua na região central da cida<strong>de</strong>. Como se trata <strong>de</strong> uma programação fixa,<br />

geralmente algumas pessoas aguardam pela passagem da equipe <strong>de</strong> rua nos itinerários e horários<br />

<strong>de</strong>terminados, com as quais estabelecem vínculos e relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> no contexto <strong>de</strong> suporte<br />

assistencial.<br />

Casa Cairbar Schutel (Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel) – av. Cairbar Schutel, 454,<br />

Jardim Arco Iris: A instituição aten<strong>de</strong> entre os seus pacientes regulares, aos encaminhamentos <strong>de</strong><br />

outras instituições que trabalham diretamente com a população <strong>de</strong> rua. Acolhe as pessoas através <strong>de</strong><br />

uma central reguladora (Departamento Regional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>), pronto atendimento ou serviços<br />

ambulatoriais do município por meio <strong>de</strong> carta <strong>de</strong> internação e mediante a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vagas.<br />

O atendimento ocorre através <strong>de</strong> equipes <strong>de</strong> referência constituída <strong>de</strong> médicos psiquiatras,<br />

terapeutas ocupacionais, assistente social, psicólogos, enfermeiros, oficineiros e educadores físicos,<br />

visando o “transtorno mental e a <strong>de</strong>pendência química”. Possui 120 leitos <strong>de</strong> internação, 120 vagas<br />

ambulatoriais e informou, na época da pesquisa, o atendimento <strong>de</strong> aproximadamente 10 pessoas em<br />

situação <strong>de</strong> rua por mês.<br />

PS Municipal Amélia Bernardini Cutrale (Melhado) - Rua Heitor Bin, 90: Além dos serviços<br />

específicos da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, conta com assistentes sociais que proporcionam condições <strong>de</strong><br />

higienização viabilizando o acesso às <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>pendências da unida<strong>de</strong> e encaminham os casos que<br />

requeiram atendimentos externos, conforme cada caso, para o CAPS, CRASMA, ambulatórios,<br />

tratamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência química e transtornos mentais no Hospital Cairbar, abrigamento na Casa<br />

Transitória, Associação Pe. Pio, Centro <strong>de</strong> Referência da Mulher, bem como localização <strong>de</strong> familiares.<br />

Costuma aten<strong>de</strong>r até 4 pessoas em situação <strong>de</strong> rua por dia. Numa referência amostral <strong>de</strong> um mês<br />

contabilizou 6 encaminhamentos para a Casa Transitória, 12 encaminhamentos para o Hospital<br />

Cairbar (30 % em situação <strong>de</strong> rua), 27 internações para tratamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (40 % em situação <strong>de</strong><br />

rua) e 70 internações pen<strong>de</strong>ntes por falta <strong>de</strong> vagas (a maioria justificada pela <strong>de</strong>pendência química).<br />

45


Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pronto Atendimento Vila Xavier – Rua José do Patrocínio, s/n.: Realiza<br />

atendimentos emergenciais, principalmente através do acolhimento em períodos <strong>de</strong> baixa<br />

temperatura e chuvas prolongadas, e encaminhamentos do SAMU. Além <strong>de</strong> promover a estabilização<br />

clínica, após a triagem com os serviços <strong>de</strong> enfermagem e atendimentos médicos quando é o caso, o<br />

atendimento social procura aten<strong>de</strong>r as solicitações do paciente para encaminhamentos para a Santa<br />

Casa, Hospital Cairbar, CAPS, CRASMA e comunida<strong>de</strong>s terapêuticas. Na época da pesquisa o registro<br />

<strong>de</strong>stes atendimentos se restringia a dois casos ao longo do mês.<br />

Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia – Av. José Bonifácio, 794: Como <strong>de</strong>senvolve atendimento a um<br />

público variado, não possui registros específicos para o atendimento <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> rua,<br />

porém relata procedimentos especiais como alguns casos que requereram internações por longos<br />

períodos e utilização da imprensa para a tentativa <strong>de</strong> contato com familiares. Os atendimentos à<br />

população <strong>de</strong> rua se dão através da recepção geral e solicitações <strong>de</strong> emergência. Aten<strong>de</strong> a<br />

solicitações do SAMU, do PS Melhado, UPA da Vila Xavier e <strong>de</strong> consultórios médicos.<br />

Hospital Estadual Américo Brasiliense – Alameda Aldo Lupo, 1260: No dia da visita ao<br />

hospital não havia registro <strong>de</strong> pacientes oriundos da população <strong>de</strong> rua, entretanto também é um<br />

serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> referencia que acolhe pacientes em situação <strong>de</strong> rua, geralmente, pelo PS do<br />

Melhado e SAMU, <strong>de</strong>sdobrando-se em atendimentos mais ou menos longo conforme a <strong>de</strong>manda. É<br />

comum a entrada <strong>de</strong>vido a pneumonia, suspeita <strong>de</strong> tuberculose, contágio <strong>de</strong> HIV, quadro <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>snutrição, mordida <strong>de</strong> cachorro e <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido o uso <strong>de</strong> álcool ou drogas. O serviço <strong>de</strong><br />

assistência social do hospital auxilia na regularização <strong>de</strong> documentos e localização <strong>de</strong> familiares.<br />

O atendimento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se constitui dos serviços <strong>de</strong> enfermagem, estabilização clínica, coleta<br />

<strong>de</strong> materiais para exame, leitos <strong>de</strong> enfermaria, além dos atendimentos clínicos tradicionais e núcleos<br />

<strong>de</strong> especialida<strong>de</strong>s médicas. Em casos tuberculose multi resistente se faz o encaminhamento para a<br />

unida<strong>de</strong> Dr. Nestor Goulart no mesmo complexo hospitalar e outros casos específicos são<br />

encaminhados para outras instituições sociais ou <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Após a alta médica costuma lidar com a<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encaminhamento <strong>de</strong>vido à ausência <strong>de</strong> domicilio.<br />

CAPS AD – Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas – Av. Sete <strong>de</strong> Setembro, 432.:<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> recém instalada com acolhida, atendimentos psicoterapêuticos<br />

individuais e coletivos, atendimentos médicos, enfermagem, terapia ocupacional e assistência social.<br />

Nos casos <strong>de</strong> maior vulnerabilida<strong>de</strong> presta apoio com vale transporte, orientações sobre benefícios<br />

previ<strong>de</strong>nciários e encaminhamentos para cursos. Na época da pesquisa havia o registro <strong>de</strong> 280<br />

prontuários em 3 meses <strong>de</strong> funcionamento e entre eles 7 casos reconhecidos como sendo <strong>de</strong> pessoas<br />

46


em situação <strong>de</strong> rua. Consi<strong>de</strong>rando a situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, a unida<strong>de</strong> proporciona condições<br />

para banho, corte <strong>de</strong> barba e cabelo, troca e lavagem <strong>de</strong> roupas. Mantém parceria com outras<br />

instituições, como é o caso da Casa Transitória, o que facilita o acompanhamento dos casos atendidos<br />

através <strong>de</strong> agendamentos na unida<strong>de</strong>.<br />

CAPS – Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial: Não foi possível o contato com esta unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

durante a pesquisa, mas foi citada como um serviço <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para os portadores <strong>de</strong><br />

transtornos mentais que requerem intervenção psiquiátrica. Oferece atendimentos no âmbito das<br />

intervenções psicossociais.<br />

CRASMA – Centro <strong>de</strong> Referência Ambulatorial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental do Adulto: Não foi possível o<br />

contato com esta unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> durante a pesquisa, mas foi citada como um recurso bastante<br />

utilizado por portadores <strong>de</strong> transtornos mentais. Oferece atendimento psiquiátrico, psicológico,<br />

terapia ocupacional e <strong>de</strong> enfermagem para a população adulta da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong> e região.<br />

CRAS – Centros <strong>de</strong> Referência e Assistência Social: Foram consultados os CRAS Yolanda Ópice<br />

Av. Waldomiro Blundi, 138; CRAS Pq. das Hortências, Av. Remo Frontarolli, 450; CRAS Vale do Sol, Av.<br />

José Palamone Lepre, 791; CRAS Maria Luiza, Av. Alfeu Gonçalves Belchior, 75; e CRAS Selmi Dei, Av.<br />

Luis Ribeiro Filho, 402; e CRAS Pq. São Paulo, Av. Segunda Cia Barreto Leme, 236. Os CRAS<br />

geralmente contam com assistentes sociais, psicólogos, educadores, oficineiros, administrativos e<br />

facilitadores que <strong>de</strong>senvolvem atendimentos psicossociais, acompanhamentos familiares, programas<br />

sócio-educativos, oficinas culturais, <strong>de</strong> artesanatos e transferência <strong>de</strong> renda. Os atendimentos são<br />

direcionados para resi<strong>de</strong>ntes cadastrados, entretanto foi reportado o registro <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> um<br />

casal que tem terreno próprio, mas não tem recursos para a construção <strong>de</strong> residência e permanecem<br />

em situação <strong>de</strong> rua e outras duas pessoas que estão em situação <strong>de</strong> rua, ocupam imóveis<br />

abandonados e utilizam os recursos do CRAS <strong>de</strong> sua região.<br />

Guarda Civil Municipal – Rua Nove <strong>de</strong> Julho, 3419: Com um efetivo <strong>de</strong> 94 agentes da<br />

segurança pública, aten<strong>de</strong> às solicitações da prefeitura e população em geral. Eventualmente presta<br />

apoio às ações da Secretaria <strong>de</strong> Assistência e Desenvolvimento Social, principalmente na localização e<br />

contatos com grupos <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> rua.<br />

Nos seus relatos, os entrevistados, via <strong>de</strong> regra, afirmam ser bem atendidos em toda a re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> serviços, citando mais freqüentemente os locais conhecidos há mais tempo e <strong>de</strong> mais fácil acesso<br />

como a Casa Transitória, o “Pe. Pio”, o “Pe. Pedro”, o “PS do Melhado”, o CRASMA, o Hospital Cairbar<br />

e a Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia.<br />

47


Os relatos também apontam para outras clínicas e comunida<strong>de</strong>s terapêuticas fora da área <strong>de</strong><br />

circulação <strong>de</strong>stas pessoas, geralmente em outras cida<strong>de</strong>s, cuja internação é viabilizada por familiares<br />

ou encaminhamentos sociais. Ainda que esta re<strong>de</strong> <strong>de</strong> clínicas e comunida<strong>de</strong>s terapêuticas esteja fora<br />

do âmbito <strong>de</strong>ste estudo, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que algumas instituições são mantidas através <strong>de</strong> convênios<br />

públicos, mas são predominantes os locais dirigidos por li<strong>de</strong>ranças religiosas com ou sem auxílio<br />

financeiro governamental. Geralmente, os vínculos estabelecidos com voluntários e profissionais das<br />

instituições se mostram tão significativos quando os serviços oferecidos através <strong>de</strong> procedimentos<br />

operacionais. Um entrevistado mostra o quanto se sente agra<strong>de</strong>cido pelo suporte recebido por uma<br />

<strong>de</strong>stas pessoas: “Ela e Deus, que colocou no coração <strong>de</strong>la... Agra<strong>de</strong>ço a Deus que colocou este anjo<br />

no meu caminho, graças a ela esten<strong>de</strong>r a mão que saí do fundo do poço. Correu pro médico, chamou<br />

o Samu, falou com o PS. Ela fica preocupada, quer saber o que está acontecendo, é uma segunda<br />

mãe da gente”.<br />

4. Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

As pessoas em situação <strong>de</strong> rua apresentam uma autocrítica, segundo substratos morais<br />

preexistentes e segundo as referências socioculturais do contexto urbano e geralmente expressam a<br />

ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> sobrevivência. Mesmo quando estão adaptadas a esta situação ou<br />

voltem a ela recorrentemente aspiram condições <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Os sujeitos abrigados, sóbrios, costumam incluir a abstinência <strong>de</strong> bebidas alcoólicas, maconha<br />

e crack como uma condição para melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, mesmo que se sintam impotentes<br />

diante do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uso. Na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrigo é mais comum encontrarmos pessoas que<br />

acreditam que a situação <strong>de</strong> rua é a única possibilida<strong>de</strong> que lhes restou e <strong>de</strong>vem se a<strong>de</strong>quar a ela da<br />

melhor forma possível e conforme a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> que dispõem o que inclui,<br />

contraditoriamente, o álcool e outras drogas. Geralmente se culpabilizam e mais raramente atribuem<br />

a situação <strong>de</strong> rua e a compulsão para o uso <strong>de</strong>stas substâncias a outras pessoas ou a fatores<br />

conjunturais socioeconômicos.<br />

No segmento da população em situação <strong>de</strong> rua que não faz uso regular <strong>de</strong> nenhum psicoativo<br />

também é comum o comprometimento da autoimagem e autoestima, mas também são relatadas<br />

situações através das quais o sujeito atribui a sua trajetória <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação a fatores externos, seja <strong>de</strong><br />

48


or<strong>de</strong>m socioeconômica ou relacionados a pessoas que lhes impuseram maus tratos ou inibiram o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s.<br />

As pessoas que passaram por situações emocionalmente <strong>de</strong>sestruturantes, requerem uma<br />

resignificação <strong>de</strong> eventos da sua vida e uma reor<strong>de</strong>nação do pensamento, positivando-o e<br />

qualificando-se para o retorno ao contexto da cidadania. A culpabilização, autoimposta ou não, atua<br />

no sentido inverso à i<strong>de</strong>ntificação e reconhecimento <strong>de</strong> seus potenciais e qualificações.<br />

Os vínculos interpessoais se mostram indispensáveis ao <strong>de</strong>senvolvimento pessoal e à<br />

reintegração social, salvo raras exceções <strong>de</strong> transtornos mentais. Neste sentido também se observa a<br />

<strong>de</strong>manda por acolhimento, que se contrapõe a experiências <strong>de</strong> confinamento ou reclusão<br />

compulsória. Um entrevistado observa: “se não ama, o traficante vai adotar”. Os vínculos<br />

qualificados com familiares ou com profissionais e voluntários das instituições acolhedoras são um<br />

fator <strong>de</strong> preservação emocional importante. Quando restringidos às outras pessoas em situação <strong>de</strong><br />

rua ou usuárias <strong>de</strong> álcool e drogas funcionam como estabilizadores na condição em que se<br />

encontram.<br />

A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>mográfica e a caracterização da população em situação <strong>de</strong> rua <strong>de</strong><br />

<strong>Araraquara</strong> respon<strong>de</strong>m aos anseios <strong>de</strong>sta mesma população e da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência neste contexto,<br />

além <strong>de</strong> serem instrumentos <strong>de</strong> responsabilização ética da gestão municipal, alinhadas com os<br />

ditames do SUS, SUAS e da Política Nacional para a População em Situação <strong>de</strong> Rua.<br />

49


ANEXO 1 : Comunicado preliminar<br />

COMUNICADO IMPORTANTE<br />

PARA O RECONHECIMENTO E DEFESA DOS DIREITOS DAS<br />

PESSOAS QUE VIVEM EM SITUAÇÃO DE RUA,<br />

PRECISAMOS CONHECÊ-LAS.<br />

COLABORE PRESTANDO INFORMAÇÕES SOBRE A SUA SITUAÇÃO,<br />

DIVULGUE ESTA PESQUISA E NOS AJUDE A AJUDAR !<br />

DIAS 30 DE AGOSTO A 2 DE SETEMBRO<br />

ACOLHA O PESQUISADOR, ELE ESTÁ DO SEU LADO !<br />

50


ANEXO 2 : Formulário do Levantamento Censitário<br />

51


Levantamento Censitário da População em Situação <strong>de</strong> Rua<br />

Nº Registro:__________ Data: ____ / ____ / 11 Entrevistador: _______________________________________________<br />

Dados Pessoais<br />

01 Nome:<br />

02 Apelido:<br />

03 Data <strong>de</strong> Nascimento: 04 Ida<strong>de</strong>:<br />

05 Sexo: M ( ) F ( ) 06 Estado Civil:<br />

07 En<strong>de</strong>reço on<strong>de</strong> se encontra:<br />

08 Documentos: Sim ( ) Não ( ) 09 Tipo: RG ( ) CPF ( ) Cert.Nasc. ( ) Cert.Res. ( ) Cart. <strong>de</strong> Trabalho ( )<br />

10 Número do Documento:_________________________________________________________________________________________<br />

11 Outros documentos:<br />

12 Nome do Pai:<br />

13 Nome da Mãe:<br />

14 Local <strong>de</strong> Nascimento: 15 Estado:<br />

16 Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Procedência/percurso/tempo:__________________________________________________________<br />

Dados Gerais<br />

17 Tempo que está em <strong>Araraquara</strong>:<br />

18 Tempo que está no local:<br />

19 Motivo <strong>de</strong> estar na rua: Desemprego ( ) Conflitos Familiares ( ) Problemas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> ( ) Itinerante ( )<br />

Uso <strong>de</strong> álcool/drogas ( ) Trabalhador informal/ possui residência ( ) Outros ( )<br />

20 Especificar outros:<br />

21 Cor: Branca ( ) Negra ( ) Parda ( )<br />

22 Escolarida<strong>de</strong>: Analfabeto ( ) Sabe ler e escrever ( )<br />

Fundamental incompleto ( ) Fundamental Completo ( )<br />

Médio incompleto ( ) Médio Completo ( )<br />

Superior incompleto ( ) Superior Completo ( ) Outra:<br />

23 Possui renda: Sim ( ) Não ( ) 24 Forma <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> renda: ______________________________________<br />

25 Renda média: diária ( ) semanal ( ) mensal ( )<br />

26 Profissão: 27 Des<strong>de</strong> quando?<br />

28 Situação <strong>de</strong> trabalho atual:<br />

29 Já utilizou serviços <strong>de</strong> atendimento: Sim ( ) Não ( ) 30 Porque não? ____________________________________________<br />

31 Casa Transitória ( ) Cairbar ( ) Padre Pio ( ) Padre Pedro ( ) Caps ( ) CapsAD ( ) PS Muncipal ( )<br />

32 Tempo: ______________|_______________|________________|_________________|_______________|______________|<br />

33 Outros tipos <strong>de</strong> ajuda:<br />

34 Possui algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência aparente ou autoreferida: Física ( ) Mental ( )<br />

35 Possui algum problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>? Sim ( ) Não ( ) 36 Quais?: ______________________________________________________<br />

_________________________________________________________________________________________________<br />

37 Como lida/trata:____________________________________________________________________________________<br />

38 Faz uso <strong>de</strong> álcool e/ou drogas? Álcool ( ) Drogas ( ________________________________) 39 Des<strong>de</strong> quando? _______________<br />

40 Intensida<strong>de</strong> e freqüência autoreferida: ___________________________________________________________________________________<br />

41 Consi<strong>de</strong>ra isto um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>? Sim ( ) Não ( ) 42 Já participou <strong>de</strong> algum programa <strong>de</strong> tratamento? Sim ( ) Não ( )<br />

43 Tipo: Clínica <strong>de</strong> Recuperação ( ) Comunida<strong>de</strong> Terapêutica ( ) CapsAD ( ) AA ( ) Outros:<br />

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ANEXO 3 : Roteiro para entrevista qualitativa<br />

Caracterização da População em Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong><br />

Dados i<strong>de</strong>ntificadores <strong>de</strong> cada entrevista:<br />

Roteiro para entrevista<br />

□ Data, entrevistador, entrevistado, ida<strong>de</strong>, sexo, local, duração.<br />

Conversa Introdutória:<br />

□ Natureza da pesquisa.<br />

□ Coleta <strong>de</strong> informações sobre o entrevistado e seu conhecimento da situação <strong>de</strong> rua.<br />

□ Termo <strong>de</strong> consentimento.<br />

Observação etnográfica no momento da entrevista:<br />

□ Como o sujeito se veste, postura, como se relaciona, com quem se relaciona<br />

Rotina diária:<br />

Saú<strong>de</strong><br />

□ Alimentação: como, on<strong>de</strong>, dificulda<strong>de</strong>s.<br />

□ Vestuário: como consegue, dificulda<strong>de</strong>s.<br />

□ Descanso: como dorme, como enfrenta o frio, sol e chuva.<br />

□ Higiene<br />

□ Lazer<br />

□ Sexualida<strong>de</strong>: que tipo <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> é possível na situação <strong>de</strong> rua.<br />

□ Situação, aparência: O que pensa <strong>de</strong> si, o que pensa que os outros acham.<br />

□ O que pensa sobre os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

□ O que pensa dos serviços sociais <strong>de</strong> alimentação, abrigamento e assistência social.<br />

□ Mobilida<strong>de</strong>: circuitos que utiliza.<br />

□ Vínculos na rua: amigos, benfeitores, parcerias, familiares.<br />

□ Problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> passados, atuais.<br />

□ Como convive, lida e trata.<br />

□ Saú<strong>de</strong> na esfera emocional, social.<br />

□ Uso <strong>de</strong> tabaco, álcool e outras drogas: freqüência, intensida<strong>de</strong>, rituais (como consegue, uso solitário/coletivo,<br />

local <strong>de</strong> consumo, ao longo do dia/noite), efeitos, alterações comportamentais, relação com outras pessoas,<br />

envolvimento com o tráfico.<br />

Trabalho e renda:<br />

□ Habilida<strong>de</strong>s e qualificações<br />

□ Ocupações formais e informais<br />

□ Renda: quanto, freqüência, limitações.<br />

53


Trajetória <strong>de</strong> vida:<br />

□ Eventos marcantes na vida.<br />

□ Histórico <strong>de</strong> vínculos familiares e sociais: casamentos, filhos, rupturas.<br />

□ Formação escolar e profissional.<br />

□ Cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> morou, por quanto tempo, em que condições.<br />

Cidadania<br />

□ Participação em eventos públicos.<br />

□ Participação em eleições.<br />

□ Visitação <strong>de</strong> locais públicos (cinema, biblioteca, igrejas).<br />

□ Espiritualida<strong>de</strong>.<br />

Projeto <strong>de</strong> vida<br />

□ Planos <strong>de</strong> saída das ruas.<br />

□ Recuperação/reconstrução <strong>de</strong> vínculos familiares e sociais.<br />

□ Melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

54


ANEXO 4 : Termo <strong>de</strong> Consentimento<br />

TERMO DE CONSENTIMENTO DE ENTREVISTAS<br />

Eu, _________________________________________, RG ______________, CIC<br />

_______________________, abaixo assinado, dou o meu consentimento para ser entrevistado pelo pesquisador<br />

__________________________________, para a coleta <strong>de</strong> dados da pesquisa <strong>de</strong> Caracterização da População em<br />

Situação <strong>de</strong> Rua <strong>de</strong> <strong>Araraquara</strong>, e <strong>de</strong>claro estar ciente dos seguintes aspectos:<br />

• Esta pesquisa tem por objetivo levantar informações que permitam o reconhecimento da história <strong>de</strong> vida das<br />

pessoas que vivem em situação <strong>de</strong> rua e suas relações com a população em geral, consi<strong>de</strong>rando que a situação <strong>de</strong><br />

rua expõe gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sta população a riscos para a sua saú<strong>de</strong> e a prejuízos nas suas relações sociais;<br />

• O enfrentamento <strong>de</strong>sta situação no município requer estudos e pesquisas como esta que está sendo realizada<br />

neste momento, exige a participação do individuo e o suporte <strong>de</strong> políticas públicas voltadas para o cidadão que vive<br />

nestas condições;<br />

• O interesse pelo uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas e outras drogas está voltado para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenções<br />

sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em processos <strong>de</strong> reabilitação das funções produtivas ou situações <strong>de</strong> maior qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida;<br />

• Estou ciente que posso expressar quaisquer opiniões a respeito dos assuntos tratados, po<strong>de</strong>ndo me recusar a<br />

respon<strong>de</strong>r qualquer pergunta ou falar <strong>de</strong> qualquer assunto, conforme minha livre e espontânea vonta<strong>de</strong>. Nada do<br />

que for dito por mim, será usado para dificultar o meu o acesso ou <strong>de</strong> qualquer outra pessoa em situação <strong>de</strong> rua aos<br />

serviços públicos existentes no município;<br />

• Na divulgação <strong>de</strong>sta pesquisa, serão usados nomes fictícios ou apenas as iniciais dos entrevistados para preservar<br />

sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> só será divulgada, mediante minha autorização expressa, para toda a entrevista<br />

ou parte <strong>de</strong>la;<br />

• Os registros escritos, gravações e fotos que porventura sejam utilizados ficarão em po<strong>de</strong>r dos pesquisadores 14 ,<br />

cabendo a eles mantê-la sob sua guarda e sigilo;<br />

• Este termo <strong>de</strong> consentimento será feito em duas vias, ficando uma <strong>de</strong>las comigo e a outra com o pesquisador.<br />

<strong>Araraquara</strong>, ____ <strong>de</strong> ______________ <strong>de</strong> ______.<br />

________________________________________________<br />

14 Local para eventuais esclarecimentos sobre a pesquisa: Casa Transitória Assad-Kan, rua Castro Alves, n. 2697.<br />

55


ANEXO 5 : Fotos<br />

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