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download do livro distrair ou potencializar?

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"Parece que foi ontem. tu<strong>do</strong> parecia p<strong>ou</strong>co e agente parececia muito. a <strong>do</strong>r,<br />

sobretu<strong>do</strong>, parecia prazer" - Paulo Leminski<br />

Dedico este <strong>livro</strong> a esta busca estranha, ao que revelam as paixões...<br />

catan<strong>do</strong> palavras que me desenhem<br />

buscan<strong>do</strong> formas que me deslimitem<br />

pinçan<strong>do</strong> sons que me dancem<br />

me deix<strong>ou</strong> destinada, assim, a paixão<br />

sen<strong>do</strong> atravessada por tu<strong>do</strong> que passa<br />

apunhalada por cada novo sol<br />

enforcada pelos meus cabelos, enquanto durmo<br />

me larg<strong>ou</strong> assim, deitada<br />

fúnebre, seguran<strong>do</strong> o peito<br />

queren<strong>do</strong> morrer e sobreviver<br />

sem forças pra punhalada <strong>ou</strong> pra luta<br />

filha da puta<br />

ela s<strong>ou</strong>be me desvendar os olhos<br />

ela s<strong>ou</strong>be me revelar<br />

me tracejar nua. aban<strong>do</strong>nada.<br />

e<br />

despu<strong>do</strong>rada. os olhos arregala<strong>do</strong>s. o coração fora da pele. <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s sur<strong>do</strong>s. me<br />

desnu<strong>do</strong> e descubro: s<strong>ou</strong> tú, desgraça! a própria paixão que me larga. e fico só<br />

esta: estar de paixão.<br />

esta<strong>do</strong> de calamidade interior, paixão. que foge <strong>do</strong> público, só quer o múltiplo<br />

que por hora só me cabe.<br />

fecha a porta. apaga o fora. v<strong>ou</strong>-me calar pra que nada fuja desta paixão que<br />

est<strong>ou</strong> e me larga<br />

... e ao bem estar causa<strong>do</strong> pela esperança!<br />

Espero duas esperanças sem esperar por nada. Depois da fertilização prometo à<br />

vida não mais esperar. Ou tentar não mais esperar. Pretenden<strong>do</strong> o presente prometo<br />

lançar essas esperanças ao mun<strong>do</strong>, não sem antes dar-lhes algumas dicas.<br />

Cruzo as mãos ao centro peito. Passo as palmas pelos cabelos. Respiro fun<strong>do</strong>.<br />

Venham fortes, curiosos e sinceros.<br />

Venham que eu aju<strong>do</strong>.<br />

'A palavra "devir" é originada <strong>do</strong> francês devenir. Significa tornar-se, começar a ser o que não<br />

era antes, vir a ser, transformar-se, <strong>ou</strong> ainda, movimento ininterrupto, atuante como a lei <strong>do</strong><br />

universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes. " (de algum dicionário)<br />

1


Compon<strong>do</strong> o cenário: apartamento 604 <strong>do</strong> número 138 da Rua Marquês de<br />

Abranches. Uma caixa de concreto com vista pra janela onde foi pintada uma<br />

favela. Do la<strong>do</strong> de dentro dela, papéis coloriam a sala toda branca. Um sofá maior,<br />

<strong>ou</strong>tro menor. Um tapete de crochê compra<strong>do</strong> numa feira. Uma mesa de 4 cadeiras<br />

debaixo de vaso com pétalas de pêssego. Logo abaixo de uma santa Rita. No<br />

rodapé, <strong>livro</strong>s e cds preferi<strong>do</strong>s. Em uma das paredes um banner com um cara<br />

careca e simpático to<strong>do</strong> rabisca<strong>do</strong>. Na <strong>ou</strong>tra, uma cerveja pede para ser experimentada<br />

três vezes. Jimmy a experimentara bem mais! Tiago, o namora<strong>do</strong>, era<br />

quem ficava puto com isso. Tiago era brasileiro, e ele inglês. Gustavo assistia a<br />

tu<strong>do</strong> isto, p<strong>ou</strong>cas vezes protagonizava.<br />

Crian<strong>do</strong> o clima: a melhor e mais cara locação era o quarto de Ti, onde p<strong>ou</strong>cas<br />

vezes Gustavo entrava. E p<strong>ou</strong>co importa as coisas que compõem esta caixa.<br />

Importavam o colchão encoberto por um lençol azul, os copos d´água e com<br />

cerveja, os cigarros e o que falavam Lara, Tatiana, Raphael, Tiago e Jim (quan<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>s resolviam falar o inglês, já que este último tava p<strong>ou</strong>co a fim de português):<br />

Meus esta<strong>do</strong>s são flutuantes e vários. Acabo de amar um homem. Outra vez.<br />

Outro homem. Nem pior, nem melhor, diferente. Não quero mais emprego, nem<br />

acho que tenha isso de profissão. Quero ser todas sem ser várias <strong>ou</strong> muitas. Tipo:<br />

dança, palavra, escrita, leitura. Acho que s<strong>ou</strong> todas elas, mas queria era ter<br />

certeza e acreditar saber, sabe? Você sabe de alguma terapia alternativa que<br />

medita o que extrapola tanta ansiedade?<br />

Minha mãe faz Reike.<br />

É uma boa. Trazer uma energia <strong>do</strong> universo que não desenvolva os meus<br />

tumores.<br />

Tem gente que faz <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> sobre a cura com as mãos.<br />

Eu prefiro imagens <strong>do</strong> inconsciente. Preciso me <strong>distrair</strong>. Queria mesmo não mais<br />

<strong>potencializar</strong> perguntas. Vestir uma caipira e bailar quadrilhas. Mas não dá. A<br />

paixão que diz sim a questão não quer calar. Mas isto é ansiedade, melhor tratar<br />

com nicotina. Ou virar incógnita.<br />

Eu já virei. Nem mais comunico. Nem mais digo. Não preciso de nada disso. Disso<br />

de perguntar o que v<strong>ou</strong> ser depois que deixar de ser e o que s<strong>ou</strong> enquanto ainda<br />

s<strong>ou</strong>. Faça-me o favor. Isto é coisa para crianças de olhos hesitantes e curiosos.<br />

Eu cresci faz tempo. Já an<strong>do</strong> a pé, não preciso saber se linguagem comunica <strong>ou</strong><br />

não. Se os valores são meus <strong>ou</strong> se criaram pra mim. Além <strong>do</strong> certo e <strong>do</strong> erra<strong>do</strong>.<br />

2<br />

Moral. Sua moral foi transposta. Vive com isso agora. Dorme com o barulho que<br />

vão fazer na sua cabeça. Resista aos <strong>ou</strong>tros olhares. Desista <strong>do</strong>s seus quereres.<br />

Menina, não tem isso de paraíso não. Abolir a moral é <strong>ou</strong>tra forma de moral.<br />

Eu nem quero mais saber. Sua mãe melhor<strong>ou</strong>?<br />

Pior<strong>ou</strong>.<br />

Vai passar<br />

A mim não importa como passe, desde que passe. O que passa não marca hora.<br />

Só avisa quan<strong>do</strong> vai embora. Ao se passar, novos passos, mais passam. Assim<br />

vai se passan<strong>do</strong> até passar cansar. De tanto dançar, passar cansa. Cans<strong>ou</strong>,<br />

acab<strong>ou</strong>, pass<strong>ou</strong>. Não dá pra dizer pra onde passa quan<strong>do</strong> passar pass<strong>ou</strong> (de tanto<br />

passar por si mesmo). Tem gente que sabe que sabe. O que gente não sabe é que<br />

passa. A mim cabe achar que posso mudar de achar.<br />

Claro! Passo. Pra frente <strong>ou</strong> acolá. Importa-me passar por dentro de tu<strong>do</strong> que<br />

passa. Seja por tangente, dentro, rompen<strong>do</strong>. O esta<strong>do</strong> passar tem que ser atento.<br />

Se não, corre-se o risco de achar que não pass<strong>ou</strong>. Assim não se vai a sítio algum,<br />

não se vê correrem os rios nem se alçarem os vôos. Aliás, só se vê pra onde se<br />

vai. Não o que vai no caminho que dá onde se quer ir. Eu só v<strong>ou</strong> com o que passa.<br />

Se não, paro e não faço nada. Emudeço.<br />

Melhor visualiza<strong>do</strong> por quem anda e não olha só para onde vai.<br />

Por aí. Lembre que as estrelas se movem. Que seu endereço não é pra sempre.<br />

Que o tempo anda destruin<strong>do</strong>, mas constrói. Passe pelo que for preciso. Mas<br />

passe. Sem parar nos sinais vermelhos.<br />

(Tiago e Jim estão alheios, em inglês):<br />

Estamos <strong>do</strong>entes, junto com o resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Penso que nosso reencontro<br />

serviu pra confirmar isto na prática. Por isso competimos tanto. Por isso nos<br />

agredimos fisicamente e verbalmente. Ainda estamos pequenos, aprenden<strong>do</strong> a<br />

amar. Esse verbo ainda soa estranho... E, porque queremos que o SIM para a vida<br />

soe mais alto, refletimos sobre isso. Nem sei se tem isso de cura <strong>ou</strong> glam<strong>ou</strong>r <strong>ou</strong><br />

beleza. Seja qual for o lugar, de concreto <strong>ou</strong> de ar puro, o amor deseja fugir pra<br />

buscar a salvação de seu conceito. Est<strong>ou</strong> buscan<strong>do</strong> encarar e entender o que<br />

acontece de frente. Isto tu<strong>do</strong> é um processo. Nem sei se conseguiremos com tão<br />

p<strong>ou</strong>co tempo. Nem sei se o resulta<strong>do</strong> é para este século. E esta dúvida, de que<br />

fal<strong>ou</strong>, é a possibilita<strong>do</strong>ra de uma possível evolução. Também acredito nela,<br />

mesmo que me confunda.<br />

An<strong>do</strong> debruça<strong>do</strong> sobre algo que me cutuc<strong>ou</strong> - aquilo de falar demais sobre ações,<br />

3


sem agir para que o movimento ocorra. Tenho i<strong>do</strong> a Itacoatiara pensar, anotar,<br />

olhar pra fora, pra dentro, conversar com as pessoas... An<strong>do</strong> quieto e <strong>ou</strong>vinte.<br />

Sem pensar num produto, forma <strong>ou</strong> resulta<strong>do</strong>. Tentan<strong>do</strong> ficar o mais tempo possível<br />

presente. Hoje vi um ângulo lin<strong>do</strong>, de cima de uma pedra que não havia<br />

antes repara<strong>do</strong>. Lá as ondas batem forte, o vento sopra calmo e a vista deslumbra<br />

com uma montanha cheia de verde. É um bom lugar de se ver o dia passar.<br />

Tenho busca<strong>do</strong> os meus lugares no lugar de onde vim. Durmo aqui com um pé pra<br />

fora, na estrada, no porvir.<br />

(Gustavo na porta. Telefone pra Tiago)<br />

Desculpa pela demora? Existe demora pra quem viaja? O que mais gosto na<br />

viagem é justamente esta falta de presa! Como vai você, meu amigo? Feliz, pelo<br />

visto e pelas palavras. Andam se cuidan<strong>do</strong>? Agora ferr<strong>ou</strong>, virei meio pai seu. Olho<br />

vivo pro frio, pra alimentação e pra fritação de cérebro. Falo isso porque costumo<br />

passar mal de frio, comer p<strong>ou</strong>co e pensar demais. Precisan<strong>do</strong>, escreva sempre,<br />

seja qual for o motivo. E as poesias? Anda reescreven<strong>do</strong>-as? Você tem muito a<br />

reescrever, agora que mudaram as perspectivas <strong>do</strong> olhar. Tenho escrito muito. Se<br />

der, te mostro. Tenho saudades suas. As pessoas cariocas são muito carrancudas<br />

(sorte nossa que não são todas!). Mas, sempre que dá, me man<strong>do</strong> pra uma<br />

rocha em Itacoatiara (uma praia bela de Niterói) e fico lá... Conferin<strong>do</strong> se o dia<br />

passa mesmo. Fico len<strong>do</strong>, escreven<strong>do</strong>, conversan<strong>do</strong>, rin<strong>do</strong>, choran<strong>do</strong>, olhan<strong>do</strong><br />

pra fora e pra dentro. Viven<strong>do</strong>. Tenho um grande amigo que está aí também.<br />

Também vai aos shows. O nome dele é Rafael. Uma pessoa linda assim como<br />

você e com o artesanato tão bonito quanto. V<strong>ou</strong> torcer para que se esbarrem.<br />

(Tiago desliga. Rafael resmunga)<br />

Quero ter 72 anos. V<strong>ou</strong> estar n<strong>ou</strong>tro tempo.<br />

(O clima pes<strong>ou</strong>. Lá vem a velha)<br />

Velha, velha? Velha, está surda?<br />

IHHHHHHHHHHHHHHHHH.<br />

Quanto tempo!<br />

Que nada!<br />

Que tem feito?<br />

Água.<br />

Toma.<br />

Grata.<br />

Bobagem.<br />

Olha<br />

(velha arregala re<strong>do</strong>ndamente os olhos pretos)<br />

quê, quê, que é<br />

a senhora está cansada?<br />

4<br />

pergunta estranha... Pergunta!<br />

Que vai ser quan<strong>do</strong> eu crescer mais?<br />

Ninguém.<br />

Mas quero ser alguém.<br />

Ninguém<br />

Mas que senhorita mais velha e niilista. Sai daqui!<br />

Não.<br />

Eu não s<strong>ou</strong> sempre assim.<br />

Eu não s<strong>ou</strong>.<br />

Busco estar.<br />

Ficar, estar <strong>ou</strong> ser?<br />

Não quero mais perguntas!<br />

Não s<strong>ou</strong>.<br />

Feliz, triste.<br />

Est<strong>ou</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> est<strong>ou</strong> muito tempo, canso. De chorar demais, de rir demais. Alterno.<br />

Mentira<br />

Não est<strong>ou</strong>. S<strong>ou</strong>. Triste. Aban<strong>do</strong>no. Nem s<strong>ou</strong> meu <strong>do</strong>no. S<strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tro movimento, por<br />

isso estaciono. Eu não me caibo...<br />

Tamanho!<br />

Eu não est<strong>ou</strong><br />

Já foi!<br />

Eu quero ficar<br />

Mas já vai!<br />

O Rio foi<br />

Desceu!<br />

Eu quero ir<br />

Pra onde?<br />

(To<strong>do</strong>s caem na gargalhada. Jimmy riu porque ach<strong>ou</strong> graça das risadas. Raphael<br />

<strong>do</strong>rmiu, Tati sumiu, Ti e Ji foram brincar e Lara foi escrever e cozinhar)<br />

Voltei à reminiscência de escriba no escuro. Não por opção - falt<strong>ou</strong> luz. Não sei<br />

por quanto tempo, a vela pendula esquivan<strong>do</strong>-se. Eu mal enxergo minhas letras.<br />

O pensamento pára, cego, tatean<strong>do</strong> por idéias. Elas cessam sem enxergar o<br />

impresso. Mas sigo. Para algumas observações apenas, fazen<strong>do</strong> hora enquanto<br />

a canjica está no fogo. A última luz ta in<strong>do</strong>. Mal vejo minha mão. Pressa! No ônibus<br />

tive idéias e pensamentos novos. Há tempo só tinha os antigos. Pressa! A última<br />

vela apag<strong>ou</strong>. Susto com lati<strong>do</strong>s, tosses e a canjica ferven<strong>do</strong>. Barulhos no escuro<br />

dão mais me<strong>do</strong>. As vozes ficam mais altas - que o costume. E a água resolveu pingar.<br />

Outra briga, mais uma quebran<strong>do</strong> o silêncio. Prefiro João com histórias de<br />

acampamento. Se a tinta da caneta tiver acaba<strong>do</strong> amanhã mal saberei que estive<br />

aqui? Sem registro. Mas as idéias <strong>do</strong> ônibus... a canjica! A água pingan<strong>do</strong>. Me<br />

queimo. A cegueira não é a branca de Saramago. Ela não tem cor. Ônibus. Dor,<br />

escuro, briga. A canjica tem gosto de cremogema. A falta <strong>do</strong> visto muda o paladar?<br />

5


(come a canjica e vislumbra uma auto-ajuda)<br />

A luz volt<strong>ou</strong>! Mas dói tentar manter a minha acessa. Mas há valia. A tomada consciente<br />

de algumas coisas acalantam. Que o movimento é meu. Que s<strong>ou</strong> meu<br />

centro. Que o motivo para a ação deve estar no meu dentro.Que no meu fora existem<br />

forças conspiran<strong>do</strong> por mim. Que elas também me movem. Que o amor que<br />

sinto existe e é meu. Que ele está aqui, comigo. Não vai sair, sumir <strong>ou</strong> morrer,<br />

aconteça o que acontecer.Que a <strong>do</strong>r também existe e não devo nega-la, renegala,<br />

fingir que não a sinto. Mas que também não devo querer prolonga-la, e deixar<br />

de curti-la em seu limite. Que não devo buscar respostas às questões <strong>do</strong>s <strong>ou</strong>tros.<br />

Adivinhar-lhes as questões. Transferi-lhes meu mun<strong>do</strong> com minhas soluções. Que<br />

não devo adivinhar, especular o <strong>ou</strong>tro sentimento. Mas me preparar dan<strong>do</strong> boas<br />

noites e adeus.Que devo valorizar minhas qualidades e atentar para os defeitos.<br />

Que cresço e que morro. Que gosto de mim, da minha companhia, da minha presença.<br />

E, portanto, devo cuidar de mim. Estar num ambiente que mereça. Que<br />

est<strong>ou</strong> aqui, me sinto. E devo sentir o sol de lá fora quan<strong>do</strong> der vontade. Que<br />

Fernão campelo gaivota pode alçar vôos mais rápi<strong>do</strong>s e altos.<br />

(Raphael e Tatiana acordam porque querem <strong>do</strong>rmir no colchão de solteiro <strong>do</strong> quarto<br />

de empregada da Lara)<br />

Fico pensan<strong>do</strong> no TEMPO - no visual. Formalmente que beleza. Um T um E um<br />

M um P um O . Ungidas, quanta significância. Ainda prometo prometer designear<br />

com esta palavra. Talvez um projeto sobre as suas formas. A<strong>do</strong>ro prometer sem o<br />

compromisso de cumprir. Ainda melhor quan<strong>do</strong> se trata deste descompromisso<br />

com o TEMPO. E TEMPO anda bem presente nos meus pensamentos. Num<br />

tempo de fora: na capa da revista, nas músicas, na poesia, nas aulas sobre<br />

Bérgson, nas conversas... Aliás, sempre estiveram, mas andam vin<strong>do</strong> à tona. E<br />

uma vez, assim, tão na superfície, senti-me na emergência de delatá-lo pra vocês.<br />

Acho que é o Quintana quem diz - Fiz um acor<strong>do</strong> com o tempo. Nem eu o procuro,<br />

nem ele me persegue. Um dia agente se encontra.<br />

Eu não persigo o devir nem ele a mim. É um constante no que vivo. E que sua<br />

constância permaneça acesa - no que penso, no que vivo, no que almejo, no que<br />

sinto. É gostoso isso de desejar mudanças boas a si próprio. Gostoso ter esta vontade<br />

de multiplicar potências, de ultrapassar contornos. É dionisíaco! Viver a<br />

desmedida, lembran<strong>do</strong>-se de Apolo. Gil dizia: o movimento está para o rep<strong>ou</strong>so<br />

assim como o sofrimento está para o gozo.<br />

Que tal o TEMPO como deus? Um Chronos (Saturno) que vomita seus filhos, dentre<br />

eles o rebela<strong>do</strong> Zeus, que origina os homens? Penso mais, em rezar ao<br />

Cronos hoje. Pedin<strong>do</strong> um tempo. Do trabalho, das pessoas conhecidas, <strong>do</strong>s<br />

espaços preenchi<strong>do</strong>s. Do tempo.<br />

6<br />

A velha quer vir.<br />

Está tarde!<br />

(vem a velha)<br />

Em tempos remotos existiram fatos cuja nenhuma memória cognisciva foi capaz<br />

de guardar. Em tempos de agora, um padre humilde, que fala latim na Europa,<br />

encarn<strong>ou</strong> o espírito de Chico Xavier e, travesti<strong>do</strong> com seu santo sudário, vem a<br />

nós trazer a tona este passa<strong>do</strong>.Conta o padre: Há muito, muito tempo, no tempo<br />

em que padres usavam só meia, Javé habitava o pacífico reino de Isseque. O<br />

cotidiano era um coisa <strong>do</strong>s deuses! Pela manhã: vinde a mim as criancinhas fazer<br />

Rapel. De tarde: vinde a mim as an<strong>do</strong>rinhas sobrevoa<strong>do</strong>ras de cabeças. A noite:<br />

fazia Uêeeee, como Shiva, parin<strong>do</strong> novos filhos. Depois de vários deles percebeu<br />

o belo feito e descans<strong>ou</strong>. Então sonh<strong>ou</strong> com animais estranhos que gritavam<br />

Quec<strong>ou</strong>. Deu este som aos seres que cham<strong>ou</strong> Patos, os últimos prodígios por ele<br />

pari<strong>do</strong>. Numa calma manhã, na qual ensinava-os a arte <strong>do</strong> Rapel, eis que um <strong>do</strong>s<br />

Patos desapareceu. Javé chor<strong>ou</strong> três dias e sete noites em sua barraca e gritava<br />

Quec<strong>ou</strong> desesperadamente, no intuito de trazer seu Pato de volta. Na oitava noite<br />

todas as suas meias sumiram. Só rest<strong>ou</strong> uma, presa numa das arvóres próximas<br />

a sua cabana. Dentro dela havia o bilhete: "Seu Pato estima<strong>do</strong> comigo está,<br />

penan<strong>do</strong> dentro de uma garrafa. Ass. Velha da Gudéia. Javé, desespera<strong>do</strong>, tom<strong>ou</strong><br />

meio litro de cachaça e pergunt<strong>ou</strong> a Esfinge das Verdades e das Conseqüências:<br />

o que faço eu, ó mãe das palavras e atos? A Esfinge estava com fome e só<br />

resmungava UUIIIIII! Desiludi<strong>do</strong>, Javé arrum<strong>ou</strong> sua mochila, pôs o seu chapéu de<br />

sorte da<strong>do</strong> pelo velho Jones e peg<strong>ou</strong> a trilha até o Reino da Gudéia".<br />

(Velha sumiu antes <strong>do</strong> final)<br />

Que tu<strong>do</strong>! Outro dia velha disse que escreveu um evangelho que foi proibi<strong>do</strong> pela<br />

igreja papal. Papal fal<strong>ou</strong> que ela era cria<strong>do</strong>ra de idéias que não "condiziam com a<br />

verdade da realidade de forma realmente verossímil"<br />

E o que ela disse?<br />

Que verdade realidade realmente verossímil era a mais besta das ilusões.<br />

Entendeu?<br />

Quem sabe mais tarde?<br />

(Tiago tenta mas não <strong>do</strong>rme. Sua prática de visualização - bola cain<strong>do</strong> da escada,<br />

menino atrás da bola, bola e menino encontram um cachorro, cachorro late e corre<br />

atrás da bola, bola some, menino procura a bola, cachorro espera.... Tiago cai no<br />

sono - não quer funcionar. Então levanta e vai pro quarto de Lara)<br />

7


Tenho as sensações. Elas ainda insistem. Num troço l<strong>ou</strong>co de ruim e bom.<br />

Est<strong>ou</strong> confusa. Permanentemente.<br />

Est<strong>ou</strong>. Coisa estranha isso de estar. É, agente está! Eu est<strong>ou</strong> assim: cheia de sensações<br />

e confusões. E curiosa para saber como v<strong>ou</strong> estar depois deste esta<strong>do</strong><br />

passar.<br />

Tenho uma relação estranha com os pensamentos. Gosto deles tanto quanto os<br />

acho extremamente chatos. Delicio-me com as aulas de filosofia e depois acho<br />

tu<strong>do</strong> besteira. E então vem a vontade de falar besteira e mandar tu<strong>do</strong> "praquelelugar".<br />

E quan<strong>do</strong> falo bastante besteira me canso e fico pensan<strong>do</strong> em conceitos<br />

como o Tempo, Percepção, Difusão, Movimento, Ser ... esses troços. E vira um<br />

círculo. Leio Nietzsche, acho foda, depois acho droga. Céus! Como est<strong>ou</strong> confusa.<br />

Sabe qual o ridículo da filosofia? É que o que pensa é sempre a tentativa de se<br />

tornar o que pensa. Um que penso queren<strong>do</strong> me tornar <strong>do</strong> que pensa o que se<br />

pensa. Ou o que pensa brincan<strong>do</strong> com quem pensa <strong>ou</strong>, quem pensa brigan<strong>do</strong> com<br />

o que pensa de quem?<br />

Meu bem, você só pensa que é, não é?<br />

Não, não é. Você é que é! E não precisa me entender que eu mesma não est<strong>ou</strong><br />

entenden<strong>do</strong> nada <strong>do</strong> que está acontecen<strong>do</strong>.<br />

Mas especulo: isto tu<strong>do</strong> deve ser alguma espécie de carência, da ordem das afetivas.<br />

Deve ser... Tantas coisas andam acontecen<strong>do</strong>, mudan<strong>do</strong>, que est<strong>ou</strong> precisan<strong>do</strong><br />

me achar: <strong>ou</strong> de novo <strong>ou</strong> um <strong>ou</strong>tro <strong>ou</strong> o mesmo, mesmo. Esse estar sozinha é<br />

uma besteira. O estar com qualquer um, babaquice à qual não me presto.<br />

Enquanto Nietzsche filosofava com o martelo, Kant o fazia ao som <strong>do</strong>s tic tacs.<br />

Que carinha mecanicista (pra não dizer chato). A tal analítica <strong>do</strong> sublime é história<br />

pra acertar relógio.<br />

(To<strong>do</strong>s <strong>do</strong>rmem. To<strong>do</strong>s acordam. Tiago vai pra rocha em Itacoatiara, Jim tomar<br />

umas. Mas antes...)<br />

Eu v<strong>ou</strong> te buscar. Vai ser a última coisa antes de ir. V<strong>ou</strong> te pedir que venha comigo.<br />

Pra gente escrever o que não viveu. Se você quiser vamos a qualquer lugar.<br />

Me importa ser junto. Se não, não me importa ir.<br />

(Porque fic<strong>ou</strong>, Lara escreve longas cartas pra ningúem: “Lá mesmo esqueci que o<br />

destino sempre me quiz só. No deserto, sem saudade, sem remorso, só. Sem<br />

amarras, barco embriaga<strong>do</strong> ao mar. Algo que jamais se esclareceu. Onde foi<br />

8<br />

exatamente que larguei naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei” -<br />

Antonio Cícero)<br />

Escrevo porque est<strong>ou</strong> com saudades.<br />

An<strong>do</strong> corren<strong>do</strong>, mas logo v<strong>ou</strong> descansar. Pra p<strong>ou</strong>sar no Maranhão.<br />

Pena, mas Belém vai ficar pra <strong>ou</strong>tra. São apenas 20 dias, não dá pra muita<br />

coisa.<br />

Você bem podia vir, me dar um abraço.<br />

Ou eu ir, te dar um beijo.<br />

Enquanto não vens <strong>ou</strong> v<strong>ou</strong>, agente imagina.<br />

Que nem tá tão longe.<br />

Que a saudade nem é tão grande.<br />

Mas voa o beijo. Segura, que a saudade é grande.<br />

Sopre notícias de volta!<br />

(Finalmente vai. Os <strong>ou</strong>tros ficam).<br />

É difícil ter <strong>ou</strong>tro alguém<br />

Gostar, então, é <strong>ou</strong>tra história.<br />

Por ser <strong>ou</strong>tra, deixa de ser a mesma, então não quero! Não quero não, não agora.<br />

Pode ser mais tarde? Já est<strong>ou</strong> sain<strong>do</strong>, deixa só terminar de arrumar minhas<br />

coisas.<br />

É que a lua está pra cheia e você não entende. Algumas coisas são indissociáveis:<br />

olhar a lua e ver nela um coelho. Um estar no automático.<br />

Ta bom!<br />

(Lara vai abstrair. Raphael põe comida pra Ozzy, o gato e Tati, Maria Betânia)<br />

Ta tu<strong>do</strong> acesso em mim. Ta tu<strong>do</strong> assim, tão claro...<br />

Os gatos se atiram pela janela porque não sabem interpretar. Porque não falam e<br />

parecem não pensar. Porque não vêem no pular o signo da morte. Eles só<br />

querem. E pulam o puro desejar.<br />

(Quase um mês depois Ozzy pul<strong>ou</strong> da janela)<br />

Eu interpreto <strong>do</strong> meu jeito. Que é tão meu que ta inun<strong>do</strong> de <strong>ou</strong>tros.<br />

(Vem a velha)<br />

Oh! Vontade! Sagra<strong>do</strong> profano Sim. Juntai-se ao Me<strong>do</strong> que não a paralise. Oh!<br />

9


Vontade! Diz Não, tão Não e Ir. Que a Hora quer Espaço de Querer. Oh! Vontade!<br />

Vá, e se demore um p<strong>ou</strong>co. Vá vontade vã.<br />

(To<strong>do</strong>s juntos!)<br />

Vontade, já que estais na terra.<br />

Barrento seja o vosso piso.<br />

V<strong>ou</strong> a vós, ao vosso peito.<br />

Seja feita aquela vontade.<br />

No céu, na terra como no céu.<br />

Diga não to<strong>do</strong>s os dias, menos hoje.<br />

Esqueça as minhas ofensas<br />

Assim como profano to<strong>do</strong>s os que tenho ofendi<strong>do</strong>.<br />

E me deixeis cair e levantar.<br />

Não nos livrais de nada não,<br />

Oh não!<br />

Dizia Lirinha em 2010 numa música massa <strong>do</strong> Otto:<br />

“O desejo é um tempo para<strong>do</strong><br />

É quan<strong>do</strong> se trocam as datas <strong>do</strong>s bichos e das flores<br />

É quan<strong>do</strong> aumenta a rachadura da velha parede<br />

É quan<strong>do</strong> se vira a folha, a folha da história<br />

É quan<strong>do</strong> se pinta um fio branco na cabeleira preta<br />

...É quan<strong>do</strong> se endurece o rastro de sorriso<br />

No canto <strong>do</strong>s olhos<br />

Eu sei que a viagem é longa<br />

A voz vai e vem<br />

Você ta aí?<br />

Você ta aí?<br />

Ei, voce est aí?<br />

Vontade de abraçar o infinito”<br />

(Tatiana vai ao Parque Laje. Lara saiu da abstração e fala com Raphael)<br />

Você acha que não está sozinho porque está com ele. Ele não faz parte de você.<br />

Isto é você (toca ele), isso é ele, <strong>ou</strong> eles, tanto fez (toca o vento).<br />

Mas eu olhava fora e diria que seria to<strong>do</strong> afora. Via pequenos aviões a kilômetros<br />

de distância e queria muito ser aquele que pisca a luz no céu. Não o avião, mas<br />

quem invent<strong>ou</strong> aquela luz. Eu queria ser tu<strong>do</strong> o que cabia nas biografias: da bravura<br />

de Napoleão a demência de Nietzsche. E agora s<strong>ou</strong> só o que rest<strong>ou</strong> de mim.<br />

Reclamão! O que te resta é só o que você pode possuir. Isso enquanto existir.<br />

10<br />

(Raphael cora ao fazer a ligação)<br />

Larguei tu<strong>do</strong> por você. To<strong>do</strong>s os valores. Meu amarelo nicotina. Aquele estável<br />

emprego. Fugi <strong>do</strong> meu lugar. Fui longe te encontrar pra achar sua ausência personificada<br />

por minhas fantasias. Seu rosto vi pela última vez. Até seus cabelos<br />

estavam lá. Só você não estava. Veio pra cá enquanto eu lá descobria que... Não<br />

larguei nada por você, mas por mim. Que não fui lá te ver, mas a mim.<br />

(desliga. Silêncio)<br />

(Tati volta <strong>do</strong> Parque Laje)<br />

Nem a laje nem o parque guardam você. Dela não cai, dele não sai. Seus cachos<br />

eram rabos de peixe. Sua paquera, o esconder da árvore, tímida. Que desce o<br />

olhar pela escada. Os olhos <strong>do</strong>s meninos-crianças eram da cor <strong>do</strong>s teus. E deu<br />

de parecer menina. 8 anos. Vamos ver se <strong>do</strong>rmem os morcegos? E nos encher de<br />

gatos e pêlos? Decoramos os nomes científicos <strong>do</strong>s peixes amazônicos.<br />

Corremos pra cortar caminho. Cantamos de <strong>ou</strong>vir ecos. E havia alguma mão dada<br />

e curtos e grandes apertos. Eu parecia mãe dela e ela parecia você.<br />

O filho que eu quero ter vem na hora em que o filho que ainda s<strong>ou</strong> cansar de tanto<br />

patinar nos plays <strong>do</strong>s meus anos. Quan<strong>do</strong> eu saudar minhas idas brincadeiras<br />

v<strong>ou</strong>, aos olhos <strong>do</strong> meu filho, filho retornar. Porque é muito bom brincar de palhaço<br />

quan<strong>do</strong> dá vontade de chorar.<br />

Faremos uma filha. Esta casa precisa <strong>do</strong>s gritos alegres de uma menina. Se<br />

chamará Fran. Vamos inventar suas histórias, viagens, choros, paixões... To<strong>do</strong>s os<br />

seus existenciais mudarão os nossos. Tiago vai acha-la aban<strong>do</strong>nada no metrô.<br />

Jim vai achar que Tiago tem uma amante e brigarão. Eu ensino a ela a tapar <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s<br />

para as leis e mandamentos. Lara dá de mamar e Tatiana de curar. Aposto<br />

como to<strong>do</strong>s chorarão quan<strong>do</strong> a historia acabar.<br />

Tem que acabar?<br />

Tem. Você não vai acabar?<br />

(Tati e Lara vão para Aventureiro enquanto Fran preferiu acampar no Abraão)<br />

Segura a menina! A senhorita não vai!<br />

Vai menino! Você não sai!<br />

Quem distingue e por que? O filho que eu quero ter não vai ter da cultura, gênero,<br />

mas humano.<br />

11


(e conheceram uma senhora)<br />

Uma mulher tão senhora, tão sabida, que a to<strong>do</strong>s curava com histórias. De mãos<br />

macias e imensas tratava as diversas feridas com pomada que, na bula, dizia: uso<br />

destina<strong>do</strong> às partes baixas. Distribuía o creme, acarinhava a pele e sorria quan<strong>do</strong>,<br />

nem demora, a picada que o mosquito dera na filha sumira com a <strong>do</strong>r.<br />

(Tati estava linda. Lara, feminina)<br />

Estamos lindas! Femininas. Estampamos nossa cara de mãe. De nós, <strong>do</strong>s transeuntes.<br />

Do filho que não geramos, mas que cresce e suscita desejos. Sabemos o<br />

que é sentir isso. Nossos cabelos são de mãe. Nossa barriga esconde um filho<br />

que não tem, mas que é. Estamos grávidas e sabemos disso.<br />

Da mãe que protege os filhos <strong>do</strong> sofrer. Instinto este que prefere o silêncio, o ocultamento<br />

da profunda <strong>do</strong>r que é existir <strong>ou</strong> subsistir, para quem sente mais, olha<br />

além. Eu não busco os mesmos meios dela, mas uma ela tão completa e evoluída<br />

que me lembre bem a ela. Parecer ser parecida com ela difere da i<strong>do</strong>latria por<br />

situá-la ao la<strong>do</strong>, e não acima. É mesmo no espelho que aparece não o que no<br />

fun<strong>do</strong> é. Depende <strong>do</strong> la<strong>do</strong> que se esteja. Depende <strong>do</strong> que o momento é.<br />

Tem um imenso longo cordão boian<strong>do</strong> na minha Baia de Guanabara. E não é<br />

ponte só Rio-Niterói. É umbilical. Por isso não dá pra ir muito longe por muito<br />

tempo.<br />

E agora que est<strong>ou</strong> grávida? V<strong>ou</strong> parir o que?<br />

Fiquei tão, tão, mas tão grávida que voltei a nadar em placenta.<br />

Quem me disse que só se gravidam filhos? Eu gravi<strong>do</strong>, grafito. V<strong>ou</strong> parir galhos,<br />

gargalhar e falar com gralhas. Graças!<br />

(Elas voltam. Fran fica. To<strong>do</strong>s na sala, mais Ju)<br />

Gosto da sua gargalhada. Nós costumamos gargalhar juntos <strong>do</strong>s tantos sonhos,<br />

quan<strong>do</strong> queremos tanto pro céu avoar.<br />

O que avoa foge <strong>do</strong> que pisa. Porque tem piso que gela. E se voar mais rente ao<br />

chão? Ouvir mais sim no não?<br />

Vi na sua gargalhada um momento próximo ao meu. Um riso muito perto. Estamos<br />

juntos nas questões e separa<strong>do</strong>s na história. Agente se ajuda a descobrir, rin<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

que vem.<br />

Sonhar custa muito. Encobre mun<strong>do</strong>s. Sonhar pode não ser ponto de partida,<br />

12<br />

mas, se for um pit stop? Se é sonho que muito pretende, se quer o que transcende,<br />

não há quem agüente o far<strong>do</strong> <strong>do</strong> muito sonhar. Já quan<strong>do</strong> sonhar é feito<br />

somar, mais fácil curar. Sonhar vira aviso. Sinal <strong>do</strong> passo adiante. Candeeiro no<br />

tortuoso caminho. Lunário indica<strong>do</strong>r. Aponta que é pra lá que eu v<strong>ou</strong>. Não ta em<br />

letreiro, nem no disco voa<strong>do</strong>r. Isto que direciona está cá dentro de tu<strong>do</strong> que s<strong>ou</strong>.<br />

Isto foi um elogio à produtividade <strong>ou</strong> uma oração flagelada?<br />

(quase juntos acendem um cigarro à velha)<br />

Vocês são to<strong>do</strong>s os seus vários personagens. E seu único, toda a multiplicante<br />

trupe. Se tensão são ansiosos a<strong>do</strong>lescentes, de mãos pedin<strong>do</strong> cigarro, em vozes<br />

vezes tímidas, n<strong>ou</strong>tras estridentes. Se seguros, são mulheres de salto baixo.<br />

Balançam o cabelo, olham fun<strong>do</strong>, sorriem mesmo. Os <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s crescem, a boca<br />

emudece, calma, pelo não dizer pro <strong>ou</strong>tro tanto eu. Fora <strong>do</strong> eu, são anciões.<br />

Antigos, trazem muitas vidas. Caem fora <strong>do</strong> tempo pra se verem passar. Olham<br />

por cima, rabiscam, pra depois contar. São o seu fora mais externo. Tanta vida,<br />

to<strong>do</strong>s vivos no que gira sobre as próprias dermes. Debruçam observan<strong>do</strong> os pêlos<br />

da epiderme e caem por dentro dela e...<br />

(velha foi-se)<br />

Puta merda! Começo a me surpreender com tu<strong>do</strong> que s<strong>ou</strong> e desconheço. E cresce<br />

o me<strong>do</strong>. E acen<strong>do</strong> um cigarro pedin<strong>do</strong> a<strong>do</strong>lescer.<br />

Eu parei de fumar só para ter a sensação da falta de nicotina no meu corpo. Pra<br />

vê se existe mesmo isto de abstinência. Posso voltar a qualquer instante pra ver<br />

como é voltar a fumar depois que se para.<br />

Tive um sonho. Eu ia sozinho. Surgiram mãe e irmã até parte <strong>do</strong> caminho. O guarda<br />

diz que só faz mal pra mulher porque tem onça. Pintada. Eu levava o gato<br />

Ozzy, mas seu nome era Chaula. Ele correu e entr<strong>ou</strong> numa caverna pra brincar<br />

com o lobo. Pareciam crianças. Me descuidei e quan<strong>do</strong> olhei, Chaula sangrava.<br />

Eu gritava sem querer ver.<br />

Se me permitisse acreditar em minhas <strong>ou</strong>tras reencarnações teria a certeza:<br />

minha alma já pass<strong>ou</strong> pisan<strong>do</strong> sementes. Tal prazer não deve ser gratuito. Pisar<br />

coquinhos caí<strong>do</strong>s no jardim me suspende deste mun<strong>do</strong>. Agente acostuma: a ir a<br />

faculdade pra não ter aula, a ser esbarrada na Voluntários da Pátria, a chegar<br />

atrasada... Então fica tu<strong>do</strong> bem!<br />

Não sei se tem alguém comigo. Eu sinto, é diferente. Esses dias ele veio e fal<strong>ou</strong><br />

coisas que me fizeram chorar. Pôs a mão em minha face pra segurar o derreter.<br />

Foi comigo pro sofá, me envolveu nos braços e depois pediu escrever. Ele só fala<br />

comigo quan<strong>do</strong> muito preciso. Ou pra proteger <strong>ou</strong> indicar o caminho. Sua mão já<br />

13


me <strong>livro</strong>u de um estupro, de um incêndio e agora pede para seguir reto para onde<br />

<strong>ou</strong>ço. Onde me entenda, onde compreenda. Quase disse o nome <strong>do</strong> que é. Sei<br />

<strong>do</strong> que se trata. Confio em meu camarada!<br />

Do que se trata?<br />

Pergunta besta.<br />

Quem é camarada?<br />

No terreno <strong>ou</strong> no astral?<br />

No terreiro.<br />

Pai-de-santo, mar e rio, chão, superfície, devir no barro.<br />

No astral?<br />

Céu com lua, meta, avião, anjos em caudas de cometas. Pode ser uma árvore<br />

também.<br />

(acaba o dia. Outro dia)<br />

V<strong>ou</strong> escrever um <strong>livro</strong> que não é um <strong>livro</strong>. Mas se tem que ter leitor tem que parecer<br />

um: com nome, capa, autora.... O nome v<strong>ou</strong> chamar de A r<strong>ou</strong>pa da Outra. A<br />

capa deixa que eu faço. A autora acho que vai ser eu mesma.<br />

Comprarei um exemplar.<br />

Amanhã v<strong>ou</strong> viajar por um mês. Só v<strong>ou</strong> saber pra onde depois que entrar no<br />

ônibus.<br />

(Amanhã chega. Rapha leva Ju na ro<strong>do</strong>viária) (Tiago decide ir com Jim pra Angra)<br />

(Raphael e Tatiana lêem carta que Ju post<strong>ou</strong>)<br />

Encontro já, comigo e somente, neste momento em que me ensimesmo a tratar<br />

das paisagens passadas.<br />

Valeu-me de primeira as 33 horas avançadas Minas-Bahia. Curioso comparar os<br />

kilômetros roda<strong>do</strong>s com as linhas desenhadas no mapa a tiracolo. Traduziam em<br />

cenas reais e accessíveis as belas imagens passean<strong>do</strong> na janela, num desfile<br />

inerte adentran<strong>do</strong> o pensamento. Exibidas numa vitrine transparente, mas<br />

mutante. Imagens que passavam por mim <strong>ou</strong> seria eu quem passava por elas?<br />

Imagens que passam e ficam como novidades aos meus senti<strong>do</strong>s que, por sua<br />

14<br />

vez, remetiam-me às lembranças antes vividas. Tão distantes como não percorrera<br />

estas. De <strong>ou</strong>trora, Fortaleza em infância. De agora, o pensamento no futuro<br />

costumava acalmar a ansiedade de quem estava in<strong>do</strong> não saben<strong>do</strong> o que encontrar,<br />

com quem falar <strong>ou</strong> o que viver. Certeza única de ir, pairan<strong>do</strong> sobre a dúvida<br />

da interrogação deixada em casa.<br />

Pensamentos estes assaltavam desordena<strong>do</strong>s. Por ora dispersa<strong>do</strong>s por alguma<br />

paisagem incógnita e acordada pelo dia. Que importâncias dar às dúvidas e ao<br />

me<strong>do</strong> ante a paisagem da passagem <strong>do</strong> rio Paragua? Bela que, ao mesmo tempo<br />

em que dispersa, atiça os senti<strong>do</strong>s a impulsionar o corpo à lá desembarcar para<br />

um banho. Ímpeto logo reprimi<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> por sujeito desta ação não mais a força<br />

repreensora dantes, mas a desatenção devida ao que veria e viria (<strong>do</strong>s verbos ver<br />

e vir).<br />

Do ver, já via (<strong>do</strong>s verbos deslumbrar-se, gozar-se). Do vir, já ia (<strong>do</strong>s verbos devir,<br />

porque devir não deve ser um verbo só). E assim segui ven<strong>do</strong>: as pessoas (os<br />

olhares (fun<strong>do</strong>s, perdi<strong>do</strong>s, vezes sumi<strong>do</strong>s), as r<strong>ou</strong>pas (talvez sujas, <strong>ou</strong> rasgadas<br />

<strong>ou</strong> sabe-se lavadas com sabão de coco), as personalidades (a simplicidade, a<br />

imponência, a impotência), os juazeiros (o juá, os troncos, a resistência ao sol, a<br />

sombra), os matulões (inúmeros, diversos, diversos <strong>do</strong>nos, mas to<strong>do</strong>s trazen<strong>do</strong> <strong>ou</strong><br />

levan<strong>do</strong> coisas com lembranças), as águas (os seixos, as margens, os surubins,<br />

os vapores), as espécies cantarolantes (às quais não <strong>do</strong>u nomes, que cantam e<br />

cantam e cantam infinito, tanto que encantam). Isto e mais alguma coisa que sempre<br />

são mais algumas coisas.<br />

Dos pontos, portos. Dos pontos, <strong>ou</strong>tros. Cada um, só um. Um uno de várias<br />

histórias, dessas que quero <strong>ou</strong>vir. Dessas, algumas guardar. E resgatar quan<strong>do</strong><br />

lembrar <strong>do</strong>s portos. Quero ter algumas histórias.<br />

Transbor<strong>do</strong>.............. os senti<strong>do</strong>s adentra<strong>do</strong>s, pareciam virgens. Rompi<strong>do</strong>s e inun<strong>do</strong>s<br />

não cabiam em si. De alguma forma precisava transbordar. Então sorria pra<br />

caber mais. Acho que este sorriso não quis mais sair. Me lembro bem, bem dele!<br />

E <strong>do</strong> bem que sentia. Em mim cabia toda a noção de caridade: eu era todas as<br />

cruzes vermelhas diante da fé <strong>do</strong> cre<strong>do</strong> sertanejo. Seria capaz de amar qualquer<br />

pessoa, de <strong>do</strong>ar qualquer coisa, tanto que transbordei - no sorriso. Quan<strong>do</strong> cansava<br />

de sorrir, chorava. Chorava de sorriso. Ta, ás vezes de saudade, às vezes. Nem<br />

sei bem de quem <strong>ou</strong> <strong>do</strong> quê. Mas sentia saudades, uma saudade boa. De uma<br />

falta deliciosa. Lembro-me agora que, a<strong>do</strong>lescente, vivia buscan<strong>do</strong>. Buscava o<br />

que não sabia, mas buscava. Agora sinto saudade <strong>do</strong> que não sei, mas sinto.<br />

Cheguei - Juazeiro - Rio São Francisco.<br />

Acho incrível a capacidade que Ju tem de encher-se de vontade de fazer algo, de<br />

planejar mun<strong>do</strong>s...<br />

15


(Ju volta)<br />

Fiz uma viagem simplesmente esplen<strong>do</strong>rosa. Com a compania ideal, a cachoeira<br />

ideal, as panorâmicas ideais e, dentre demais intervalos ideais, a nascente <strong>do</strong> rio<br />

que tanto mexe comigo. Ainda hei de me mexer para morar ás margens <strong>do</strong> Velho<br />

Chico. Mas, enquanto isto de futuro não chega, me mu<strong>do</strong> para um cantinho que<br />

importa por ser meu. Que me cabe direitinho. E está fican<strong>do</strong> a minha cara. Um<br />

novo endereço, um novo ano despontan<strong>do</strong> e uma antiga paixão à tona.<br />

(sorrisos)<br />

Já voltei faz um tempo. E no p<strong>ou</strong>co tempo que pass<strong>ou</strong> não tem torna<strong>do</strong> mais fácil<br />

o duro retorno às buzinas, acotoveladas por disputa de espaço e mais a série de<br />

coisas detonadas pelo clima de uma cidade como esta.<br />

(sorri a velha)<br />

Quan<strong>do</strong> se deseja muito aquilo que se é o corpo fica fraco. É o desejo sen<strong>do</strong> mais<br />

forte <strong>do</strong> que Parece que o corpo é. O peso <strong>do</strong> desejo é tão tonelada quanto o<br />

chumbo <strong>do</strong> valor. Te cabe a escolha.<br />

A mim o peso <strong>do</strong> desejo soa ainda muito mais pluma que leve. Os ceguetas<br />

querem saber para onde vão. Desejam terrenos firmes e seguros. Baldios? Só<br />

para bani<strong>do</strong>s. Não querem o estrangeiro, mas raízes fundas. Colocam tu<strong>do</strong> em<br />

seu devi<strong>do</strong> lugar: arrumam a casa, perfumam o ar. Andam depressa pra rápi<strong>do</strong><br />

chegar. Eles sabem para onde vão. É deles toda a razão.<br />

(Tiago liga de Angra)<br />

Eu faria coisas pra te trazer pra cá. Que não enumero. É chato! Eu faria. Não qualquer<br />

coisa, mas algumas, que já são muitas. Não são condições, não é pra ter<br />

troca. Eu apenas faria. A troca é só comigo. Um perdão por não ter i<strong>do</strong>. Não se<br />

trata de culpa, mas de cortesia. V<strong>ou</strong> te fazer entender meus conceitos. Se quiser,<br />

é só criar, o que já faz. Agente se vê no que ama. Amamos aquilo que nos dizem.<br />

Você disse tanto sem falar que vê-se espírito, <strong>do</strong>s sóli<strong>do</strong>s. Fala tocan<strong>do</strong> pífano<br />

pros órgãos. Que mun<strong>do</strong>! Inaudível! Fabuloso! Que toca em você e ao meu re<strong>do</strong>r.<br />

(a velha quer falar com Tiago. Fala da velha em vários personagens)<br />

Que <strong>do</strong>r, tamanha <strong>do</strong>r, que <strong>do</strong>r - Exclama a <strong>do</strong>r<br />

Como dói, corrói, destrói - sente quem s<strong>ou</strong><br />

Que nome chama isso? - pergunta o que penso que s<strong>ou</strong><br />

Pra que isso, Tiago? Não vê que <strong>do</strong>r não se diz, se berra? Mas não acorde seus<br />

vizinhos.<br />

(velha deixa <strong>ou</strong>tro falar com Tiago)<br />

16<br />

Eu também não sei <strong>do</strong> seu futuro - se voltará a se enroscar em <strong>ou</strong>tras pernas, se<br />

vai arrumar um puta emprego <strong>ou</strong> se vai para o Peru ensimesmar-se sobre o rumo<br />

a tomar, com vários <strong>livro</strong>s de filosofia a tiracolo (se montar uma academia me<br />

chama!). Mas... Seja o que acontecer, acontece! Parece redundante, mas é preciso<br />

que aconteça. Acontecer é mudança. Mas o que quero dizer é: seja qual for<br />

o caminho que escolher eu acredito em você!<br />

Acordei atlanticada e, ao invés de almoçar, cortei o cabelo.<br />

(Tiago desliga e traduz a carta de Amanda pra Jim)<br />

Estava fugin<strong>do</strong> de escrever pra vocês. Primeiro porque est<strong>ou</strong> cansada de muitas<br />

coisas e escrever frustrações soa como forma de reafirma-las, mais que desabafo.<br />

Não é fuga. Est<strong>ou</strong> ciente delas, mas preciso <strong>do</strong> silêncio para pensar melhor.<br />

Sempre necessitei <strong>do</strong> silêncio pra me <strong>ou</strong>vir melhor, me reconhecer nas atitudes<br />

que me são estranhas. Voltei a terapia para tentar achar um lugar (espaço) com o<br />

qual me identificasse e assim me encontrar. Já não me reconhecia em nada: no<br />

trabalho, nos relacionamentos, na minha casa, na minha cidade, nas amizades.<br />

Punha a culpa em todas estas coisas e achava que a solução era simples: iria me<br />

mudar, ponto. Simples, assim - pra Recife! Hoje! Já não descarto esta mudança<br />

espacial, mas reconheço a importância da minha mudança pessoal. Ainda preciso<br />

tratar algumas questões <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> que vêm à superfície quebrar os silêncios de<br />

que necessito. Às vezes o passa<strong>do</strong> vêm com força como no <strong>do</strong>mingo passa<strong>do</strong>.<br />

Fazem barulho! Quebram limites! E me faz ver que a minha relação com os<br />

<strong>ou</strong>tros ainda vive sob uma fachada, que se quebra como uma máscara de barro.<br />

É ainda frágil e não é o tempo que vai consolidar. Pronto! Peguei três horas de<br />

engarrafamento. Como uma hora bastava para que acabasse de ler o Evangelho<br />

segun<strong>do</strong> Jesus Cristo fiquei pensan<strong>do</strong>... E como não queria pensar nas coisas que<br />

estava pensan<strong>do</strong> resolvi cantar. Fiquei canta<strong>do</strong> enquanto o velho da poltrona ao<br />

la<strong>do</strong> me encarava com uma asquerosa, por não desejada e imprópria, cobiça<br />

sexual. Abstrain<strong>do</strong>, continuei...<br />

Não vai se perder meu riso para coisas simples. Pequenas. Meu olhar olha simples.<br />

Vê longe. Com a idade usarei óculos, pois já enxergo melhor.<br />

Quero ter 72 anos. V<strong>ou</strong> estar n<strong>ou</strong>tro tempo.<br />

Tenho muito povo pra olhar. Muita conversa a tratar. Muito a dar. E farei tu<strong>do</strong> isso,<br />

mesmo que morra amanhã. Nem morta eu não v<strong>ou</strong> fazer cada coisa que s<strong>ou</strong>.<br />

Porque nem consigo mais dizer que não. Que não. Não! Que não tem sim. Porque<br />

depois que <strong>ou</strong>vi sim, ensurdeci. Nada mais tem um som a sua altura, a sua eloqüência.<br />

17


Meus sonhos estão mais densos. Alta madrugada ficam dúvidas de tu<strong>do</strong>.<br />

"Perigo na chuva, proibi<strong>do</strong> parar, antes de chegar a mim. Minha vida absurda e<br />

a terra a girar. Quem escuta o meu sim?!<br />

O meu sim. Sempre que <strong>ou</strong>vi-lo v<strong>ou</strong> lembrar <strong>do</strong> que realmente mesmo desejo.<br />

"talvez o sim não seja nada e o esta<strong>do</strong> seja tu<strong>do</strong>”<br />

Tu<strong>do</strong> de novo. Agora mesmo. Aproveite. Tu<strong>do</strong> de novo. Mesmos <strong>livro</strong>s, cantigas,<br />

fotos, cenários. Mesma r<strong>ou</strong>pa de cama, florida. Mesma estante, de patos em cima.<br />

Mesma transa e quase as mesmas células. Quase nem passa o relógio. Quase.<br />

De novo. De volta tu<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u. É preciso ver tu<strong>do</strong> de novo. Assistir o mun<strong>do</strong> nesta<br />

perspectiva. Ver as mesmas coisas dizen<strong>do</strong>-se diferentes. Os olhos são <strong>ou</strong>tros <strong>ou</strong><br />

tu<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u de lugar. Não enxergo mais com o que você usa pra olhar. Minha<br />

cegueira é branda, branca, que muito vê.<br />

(Ju se irrita)<br />

Vai! Toma aqui! Vai tomar lá que o que sente não pensa! Some, mas vê se tenta.<br />

Esquece <strong>do</strong> que se lembra pra você ver. Vê se me esquece. Me devolve tu<strong>do</strong> o<br />

que pens<strong>ou</strong> de mim. Quem és pra tentar me tirar assim <strong>do</strong> que s<strong>ou</strong>? Não saio,<br />

ninguém tira. O que descubro não vai, só muda. Pensa que sai barato? Nem<br />

queira saber! O avião já vai partir, nem perca. Nem se perca pra tentar ficar aqui.<br />

Chega pra lá e sai da frente que o trem já me chama pra ir. Segura a última coisa,<br />

de todas: cuspa a saliva, o meu em cima e te a<strong>do</strong>rmeces de mim. Você não<br />

entende o que enten<strong>do</strong> dizer. Você só quer saber e achar que sabe. Vai! Pega o<br />

avião! Tira a mão! Sai daqui! V<strong>ou</strong> ter sempre pra onde ir! O aeroporto não leva<br />

nada <strong>ou</strong> ninguém a lugar nenhum. Isto é coisa pras canções. Nenhum meio que<br />

transporta nos leva a algum lugar. Ou a perna não é sua? Ou o que quer não é<br />

seu? Quem te pôs esta mania de achar que são os de fora que te movem? Vamos<br />

corrigir a linguagem. Quem leva é o mesmo de quem traz. Só que bem diferente!<br />

Porque o agora que vem depois, vem depois. Porque agora é mais importante.<br />

Porque agora você não ta. Só por isto. Entenda o que te digo: agora eu enten<strong>do</strong>,<br />

agora vi, que me importa sentir. Não dizem que o óbvio é óbvio demais?<br />

(e vai embora. Vantuil chora e Raphael descontrai)<br />

Eu penso o que fomos, como estamos. Quan<strong>do</strong> muda o momento mudam os<br />

planos. E quase nem lembro os que fiz pra você. E mal consigo escrever o passa<strong>do</strong>.<br />

Porque é este o momento. O momento que é o melhor lugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> agora.<br />

Agora é de <strong>ou</strong>tro jeito. Agora é bem melhor. Melhor é o agora que vem depois.<br />

Qual a diferença entre a vontade e o racional?<br />

18<br />

Um anda bonito, o <strong>ou</strong>tro elegante.<br />

Eu não penso nada em política, em inglês e espanhol. V<strong>ou</strong> dar uma volta pra ver se é.<br />

Não liga se te falar que é pra estar só<br />

A minha alma vaga pelos terrenos da sinceridade<br />

Quer brincar de ser franca comigo<br />

Neste momentos, precisa atenção<br />

(lá fora: muita distração)<br />

Para que o vagar dê lugar ao andar dê lugar ao dançar<br />

Meu terreno deve estar mais firme<br />

Est<strong>ou</strong> qual uma obreira - passiva<br />

Capino, arauto, escavo e semeio só com o pensamento e algumas destas<br />

palavras que teimam cuspir<br />

Enfim, tá trabalhoso este jardim<br />

Mas tá massa preparar a terra<br />

arenosa > argilosa (isto <strong>do</strong> por-vir)<br />

mas v<strong>ou</strong> ao que quero contar<br />

A enxada é chumbo. Pesa <strong>do</strong>r! Exclama?<br />

O que arria o camelo exclama e quer dividir.<br />

(dividen<strong>do</strong>s que dão em soma)<br />

Esta soma que quer saltar<br />

Acho que damos um cal<strong>do</strong>. Uma bossa. Essa troca. Ouço música no que<br />

tocamos. Vamos em frente? Que atrás não serve.<br />

Amiga, é como te chamo. Agora, e por isso, e por <strong>ou</strong>tras, todas, por mais.<br />

Demais!<br />

Obrigada, é como retribuo. Não mero "valeu" sociabiliza<strong>do</strong>r. Estamos além disto.<br />

Obrigada! E vamos juntas porém separadas.<br />

Distraídas venceremos<br />

Ontem sob o céu <strong>do</strong> rio que não brilha lua quanto menos estrelas. Feio. Beijo.<br />

Pro seu la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>.<br />

Sabe qual a minha diferença pra você? Os momentos. A época. As pessoas das<br />

trocas. O lugar. Sabe o que importa? Que agente chega perto. Sei que tu cantas<br />

o que penso e diz o que de mim queria sair. Estamos bem pensan<strong>do</strong> juntos. Vai<br />

na frente que eu v<strong>ou</strong> depois. Mais acolá agente cruza. S<strong>ou</strong> mestre em atacar<br />

biografias buscan<strong>do</strong> modelos de ser.<br />

(Lara acorda da conversa com Tati e acha que o hoje está passan<strong>do</strong> e foi<br />

estranho. Que difícil e <strong>do</strong>lori<strong>do</strong> é ser humano.)<br />

Me sinto anulada, fraca e peço colo aos invisíveis porque est<strong>ou</strong> atolada nos<br />

meus ideais e em minha busca pelo riso.<br />

Meu corpo pes<strong>ou</strong> ao levantar. O café estava amargo e o pão embol<strong>ou</strong> no meu<br />

19


estômago. Ninguém cozinh<strong>ou</strong> <strong>ou</strong> arrum<strong>ou</strong> a casa.<br />

Não se pentearam os cabelos e com apatia se escoraram os dentes.<br />

O aparelho de som neg<strong>ou</strong>-se a tocar. Meu nariz pinga... Imunológico baixíssimo,<br />

gripe vin<strong>do</strong>.<br />

Sinto-me mal. Tomo uma cerveja. Fumo um atrás <strong>do</strong> <strong>ou</strong>tro depois de dias sem<br />

cigarro. Repenso a construção da casa. Quero colo, sexo, risos.<br />

Quero uma amanhã melhor e não consigo <strong>do</strong>rmir.<br />

Nas saídas de casa, putz! Sol a pino nas cucas ao levar Fran à escola. Putz! Ta<br />

tu<strong>do</strong> erra<strong>do</strong>. Sem amor e atenção nas orações, Jesus, pátria. Esses conceitos<br />

que deveriam já ter si<strong>do</strong> mortos ainda reinam nas filas formadas por<br />

pequenos forma<strong>do</strong>s que mais tarde formarão esta forma estranha de se<br />

compreender o mun<strong>do</strong>. No qual ainda se reza à um jesus passa<strong>do</strong> <strong>ou</strong> à uma<br />

pátria malfadada de governantes egocêntricos.<br />

Vejo que não é o que as crianças, por mais <strong>ou</strong>virem, o pedem. Uma escola onde<br />

o choro deve ser cala<strong>do</strong> com promessas de <strong>do</strong>ces <strong>ou</strong> com um não, não pode<br />

chorar. Pobres pequenos.<br />

Est<strong>ou</strong> e s<strong>ou</strong> triste por isto. Est<strong>ou</strong> sozinha com estes pensamentos. Mãos<br />

atadadas, sola. Quem fará por onde? S<strong>ou</strong> fraca e tenho <strong>do</strong>is pequenos que pûs<br />

no mun<strong>do</strong>. Que faço? Putz, não posso me entregar à tristeza e voltar a sucumbir<br />

aos velhos vícios que havia enterra<strong>do</strong>.<br />

Energéticamente a depressão assol<strong>ou</strong> meu lar de agora e sei que espíritos<br />

obsessores foram convida<strong>do</strong>s a minha casa.<br />

Hoje v<strong>ou</strong> morrer, mas amanhã v<strong>ou</strong> brilhar. Com as crianças na escola buscarei<br />

ajuda de meus pais invisíveis que moram numa casa que vi na estrada.<br />

Se hoje não fui forte, amanha ao acordar sentirei a força que hoje me falt<strong>ou</strong>.<br />

Sofrerei a abstinência <strong>do</strong> vicio ao qual hoje sucumbi.<br />

V<strong>ou</strong> mandar a merda to<strong>do</strong>s esses velhos conceitos e seus preconceitos. Viverei<br />

quieta e em paz até encontrar terras férteis onde possa agir.<br />

Sem que isto seja ideal. Não o quero.<br />

Venha sono, venha. Venha amanha, que a lua está crescen<strong>do</strong>. Sim v<strong>ou</strong> ser feliz<br />

porque assim eu quero.<br />

20<br />

Pingo no nariz e espirro hoje o velhote que morreu ontem.<br />

Deleuze já disse avelha: "É ao mesmo, no mesmo lance, que nos tornamos<br />

maiores <strong>do</strong> que éramos e que nos fazemos menores <strong>do</strong> que nos tornamos."<br />

(to<strong>do</strong>s saem, o quarto fica vazio com velha contan<strong>do</strong> pro nada histórias antepassadas).<br />

Boa Noite. A lua me cont<strong>ou</strong> uma história. De você. Ainda agora. A cena era:<br />

Primeiro a estrela Dalva. A nossa. Depois ela, a minguar porque não estamos.<br />

Então se contenta em riso inclina<strong>do</strong> para o coração. Um riso molda<strong>do</strong> pelo tempo.<br />

Marcan<strong>do</strong> o nosso tempo. Contan<strong>do</strong> os dias em que não estamos. Contan<strong>do</strong> o<br />

tempo pra encher de novo. Marcan<strong>do</strong> o meu tempo me preparan<strong>do</strong> pra você.<br />

Est<strong>ou</strong> me arruman<strong>do</strong> bem para te receber. Ela acab<strong>ou</strong> de sair daqui. Ela e Dalva.<br />

Esconderam-se atrás das montanhas. Já estão chegan<strong>do</strong> aí, levan<strong>do</strong> o meu sorriso<br />

pra você. Agora fic<strong>ou</strong> escuro lá fora. Todas as luzes eu enviei pra aí. Até os<br />

reflexos no rio que quero que veja se foram. Est<strong>ou</strong> em um cenário novo. O cenário<br />

que pensei ver antes de você. Agente ainda não sabia que ia ser. Mas lanço o<br />

céu cenário para você. A seta <strong>do</strong> cruzeiro <strong>do</strong> sul aponta a sua direção. O céu ta<br />

to<strong>do</strong> moven<strong>do</strong> pra que mesmo longe possamos ver o mesmo céu. Guardan<strong>do</strong> o<br />

mesmo de nós mesmos. Guarda. Daquele la<strong>do</strong>. Segura e depois me mostra nas<br />

próximas luas cheias. Elas vão vir mais bonitas. Com agente no mesmo cenário.<br />

Quan<strong>do</strong> a paisagem passar o necessário, quan<strong>do</strong> o rio daqui estiver mais próximo<br />

das águas daí, você vai descer <strong>do</strong> mapa. Segue as linhas <strong>do</strong> seu nome escrito<br />

nele. Ele está envolto num círculo lunar. Eu pintei com aquela lua que prate<strong>ou</strong><br />

agente. Um presente da gente. Pensan<strong>do</strong> na gente. Boa noite pra sempre.<br />

(Tiago e Jim voltam elétricos por Angra. Aguardam os demais para a conversa<br />

com os cosmos)<br />

Apaga a luz. Não é pra ter luz. Ficamos sós nós. Qual o problema <strong>do</strong> ser visto?<br />

Quero ver. O que é tão terrível, que pode parecer?<br />

Não sei. Existe problema em mostrar-se o que se é?<br />

Maldita herança esta máscara que um deus jog<strong>ou</strong>.<br />

Se não tivesse luz, eu não esqueceria o que desejo. O meu desejo grita, grita. É<br />

que têm muita sirene, muitos passos, muitos postes, muitos. Eu só quero um<br />

p<strong>ou</strong>co.<br />

Mas tem uns gritos que saem surtos. E te surtam. E fica um surta<strong>do</strong> queren<strong>do</strong> o<br />

que deseja.<br />

Pode parecer l<strong>ou</strong>co, mas eu v<strong>ou</strong> mais longe. Por isso preciso de malas prontas, a<br />

alma tonta e os pés no chão de barro. Por isso o desejo grita IR. E ainda, depois<br />

de grito, sussurra: a busca não termin<strong>ou</strong>!<br />

21


Não sei apontar no mapa, mas é pra lá. Lá nem é tão longe, nem vem!<br />

Eu já sei que é pra ir, há um tempão. Mas só agora est<strong>ou</strong> descobrin<strong>do</strong> motivos de<br />

não ir.<br />

Pensar isto é massa. É aquela: depois que nota-se o peso que carrega fica mais<br />

fácil o descarrega. Mas eis que<br />

(alguém liga, <strong>do</strong> exterior)<br />

- ora, que isto me dá?<br />

um dúbio ser, entre acender e apagar.<br />

penso em você e vai passar.<br />

s<strong>ou</strong> um zen revoltoso<br />

não leio jornal, quero saber <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>is dias sem banho, um demora<strong>do</strong><br />

<strong>ou</strong>tra demora em concentrar-me<br />

ler <strong>ou</strong>tras histórias esquecen<strong>do</strong> a minha<br />

ora, que isto me dá?<br />

que quero apagar?<br />

que quero pintar?<br />

cansei de ser só. revolta.<br />

est<strong>ou</strong> com sono. não quero me entregar.<br />

hoje depositei uma aposta. não sei no que vai dar.<br />

quero colo de mãe. você não está.<br />

- desculpa. não est<strong>ou</strong> pra ninguém. não quero sair e ver passeios de mãos<br />

dadas. quero que se explodam os passeios de mãos dadas. pois est<strong>ou</strong> me<br />

implodin<strong>do</strong> em uma puta egoísta.<br />

- que me dá?<br />

agora quan<strong>do</strong> varro a madrugada, eu e a filosofia, me dá <strong>do</strong>r de barriga.<br />

que foi? serão meus orgãos queren<strong>do</strong> o mesmo?<br />

(estão certos em por pra fora)<br />

(assim pomos nós, pomares de fora, desenha<strong>do</strong>s no papel)<br />

- que isto? de amor?<br />

quem promete? a quem fala? que pede em troca? quer só dar?<br />

que busca quan<strong>do</strong> afunda? e o dragão? que dizem suas escamas?<br />

que berra quan<strong>do</strong> cala? tá fora, dentro, quer saltar?<br />

vai machucar? alhures, em qual lugar? algoz, pensa voar?<br />

quer se atirar <strong>ou</strong> afogar? audaz feroz fulgaz? e se é isto, o amor<br />

têmpora <strong>ou</strong> temporal? cabe no tempo? muda com o vento?<br />

escala marés? quem te cham<strong>ou</strong>? como cheg<strong>ou</strong>? tarda <strong>ou</strong> depressa?<br />

crepuscular <strong>ou</strong> aurora? quem te disse, de amor? quem te chama de amor?<br />

22<br />

que isto, de amor?<br />

(em silêncio planejam uma vida na Inglaterra. Lara entra reclaman<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho<br />

e toman<strong>do</strong> lactobacilos vivos)<br />

Tenho inveja da Clarisse. De sua forma de narrar o que não se diz na forma como<br />

quero dizer. Lispector, eu seria como ela, mas um Porto me é consoante. Este<br />

lugar de amarrar navios enquanto sonho embarcar nos meus. Antes naufraga, resgata.<br />

Chamem a palavra busca que ela pergunta: cadê?<br />

Umplugeead as tamboras. Senhoras, apresento-lhes a anacoreta: a velha! (rufam<br />

os tambores): Velha veio num dia disfarça<strong>do</strong> de chuva. Veio ventan<strong>do</strong>-chuvan<strong>do</strong>raian<strong>do</strong>,<br />

caiu. No mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s homens que queriam demasia<strong>do</strong> humano. Dos<br />

homens da caverna da época que não haviam mais cavernas. To<strong>do</strong>s vestiam atraso.<br />

To<strong>do</strong>s estavam eretos para a verdade. To<strong>do</strong>s arreganha<strong>do</strong>s para a penetração<br />

da verdade. Verdade é coisa Velha. Verdade, ninguém quer ver. Por isso correm<br />

para alcançar ela, enquanto ela não é matéria. Por isso lutam por um gole dela,<br />

enquanto ela não é liquida. Por isso comer-lhe <strong>do</strong> prato até lamber-lhe as beiras,<br />

enquanto ela não é pros seus intestinos. Verdade digerida não se come, não se<br />

lambe, não se esconde. Verdade não dá pra ver, pegar, sentir, pensar. Antes seria<br />

preciso um excretar resquícios de consciência. Anuncio-lhes a primavera e lhes<br />

mandarei bons amigos. Reuni-vos to<strong>do</strong>s mais três para que chovam flores.<br />

(Velha vai e volta. Lara, Raphael, Bruno, Germana, Virgínia e Juliana se encontram<br />

na hora em que o sol atinge seu equinócio. Velha abraça a primeira mudança<br />

meteorológica).<br />

Estejamos primaveris e vernais como em nenhuma <strong>ou</strong>tra estação. Soemos poéticos,<br />

pois, num mero acaso, no Brasil fez-se primavera.<br />

(Virgínia medit<strong>ou</strong>, Lara toc<strong>ou</strong> pandeiro, Raphael fal<strong>ou</strong> de corpo, Germana pôs um<br />

cd e Juliana pediu teatro. Velha então determin<strong>ou</strong> a Lara ser Cruz, a Raphael ser<br />

cre<strong>do</strong>, e as demais, narra<strong>do</strong>ras e fofoqueiras.)<br />

(velha lê o título - Roteiro 05 (ano Tormenta Celeste Azul): Difunta Ela - e se cala)<br />

- Vixe!<br />

- Cruz!<br />

- Cre<strong>do</strong> acendeu a luz!<br />

Ele fic<strong>ou</strong> mais claro. Mais perto de entender.<br />

Antes fora saquea<strong>do</strong>, intercepta<strong>do</strong>...<br />

- Cruz! Olhe Cre<strong>do</strong> crucifica<strong>do</strong>.<br />

- A causa é paixão. O efeito tom<strong>ou</strong>-lhe, destroç<strong>ou</strong>-lhe, decep<strong>ou</strong>-lhe...<br />

- Perdeu-se, oh pobre!<br />

23


Olha pro la<strong>do</strong> e só A vê. Só tem Ela. Só isso Dela pulsan<strong>do</strong> frenética em todas as<br />

coisas. Cada coisinha, coisona, esquisita, legal, torn<strong>ou</strong>-se Ela.<br />

- Como pode isso de "tu<strong>do</strong> vir<strong>ou</strong> ela?" A flor, o cachorro, o vizinho? Tu<strong>do</strong>?<br />

- Tu<strong>do</strong>! Até tiroteio na favela?<br />

- Mas, como pareciam com Ela?<br />

Bem, parecia. Mas não era. O Cre<strong>do</strong> bobo andante andava com um espelho cola<strong>do</strong><br />

no retrato Dela. Toda a realidade refletida, transeunte, passageira, defunta, se<br />

difundia Nela.<br />

Mas no dia em que Cre<strong>do</strong> grit<strong>ou</strong> quan<strong>do</strong> Ela rasg<strong>ou</strong> sua r<strong>ou</strong>pa, acab<strong>ou</strong>.<br />

Ela sumiu.<br />

Ele volt<strong>ou</strong>...<br />

Aos valores sociais<br />

(que brigavam com sua paixão)<br />

Ao olhar desvio com <strong>ou</strong>tros olhares desvios<br />

(que não carregavam sua nhanhão)<br />

A caber em sociedades<br />

(que antes não cabia não)<br />

Compr<strong>ou</strong> nome, telefone, uniforme, armadura...<br />

Cans<strong>ou</strong> <strong>do</strong> exercício, quer mais não...<br />

- Mutil<strong>ou</strong>-se? Suport<strong>ou</strong>-se? Agüent<strong>ou</strong>-a? Ressentiu-se?<br />

... quer mais não. Milit<strong>ou</strong>-se. Arm<strong>ou</strong>-se de lentes e muito caramanchão. Bateu a<br />

<strong>do</strong>r nos dentes. Pisote<strong>ou</strong> todas as sementes. Engoliu cada miléssimos ais, segun<strong>do</strong>s<br />

depois da transferência, logo após a transfusão. Só no ano <strong>do</strong> Macaco Astral,<br />

por acaso, apaixon<strong>ou</strong>-se por um revolucionário ponta-de-estoque. Só 48 luas<br />

depois. Estavam sain<strong>do</strong> da condicional quan<strong>do</strong>, no restaurante, concordavam em<br />

não comer carne alguma de origem animal. É que um produzia toxinas em demasia<br />

para si e o <strong>ou</strong>tro estava completamente só. Temperaram com óleo de linhaça<br />

e pronto! Cre<strong>do</strong> gost<strong>ou</strong> de Cruz logo de cara:<br />

- Sua áurea é azul!<br />

- Como sabe?<br />

- Meu olhar é rapino. Tem vezes, onisciente.<br />

- Eu só vejo pelo filtro consciente.<br />

- Vamos! Tem mais lá na frente!<br />

Deram á sala, samambaias que verdejam e um verde bonsai. Ao teto, as estrelas<br />

e o nome da estrela chamada dalva. Ao chão, passos pro carnaval e as folhas,<br />

24<br />

variantes da estação:<br />

- No inverno, <strong>do</strong>rmimos incrédulos<br />

- No verão, dançamos estóicos<br />

- Na primavera, dia 22, na varanda, lembra?<br />

- É <strong>ou</strong>tono mas... não chore não.<br />

Começ<strong>ou</strong> devagar...<br />

Um agradecia agradeci<strong>do</strong>, o <strong>ou</strong>tro muito obriga<strong>do</strong>!<br />

Um por gentileza, o <strong>ou</strong>tro por favor!<br />

Um dizia que queria ir, enquanto o <strong>ou</strong>tro preferia ficar.<br />

Cre<strong>do</strong> partiria pra pegar <strong>ou</strong>tro ar, Cruz quebraria o seu violão,<br />

Muitas luas novas cresceram, se encheram pra depois minguar.<br />

Muita terra brinc<strong>ou</strong> de rodar, se rodar a girar com sol.<br />

Muita pedra caiu, muito rio correu, muita gente morreu.<br />

Muita festa tar<strong>do</strong>u, muita semente sec<strong>ou</strong>, muita coisa pariu.<br />

Cruz nem viu Cre<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> passeava na Voluntários. Este carregan<strong>do</strong> um espelho<br />

de tamanho maior que o seu, pra mo<strong>do</strong> de pagar promessa atendida. Gritan<strong>do</strong>:<br />

PátriaEssa! Repare-se <strong>do</strong> infortúnio. A minha cruz é o meu espelho. Disse não à<br />

vaidade e eis que não mais me reflito. O mesmo acontece contigo? Levante comigo<br />

a imagem que há fora de você. Rumemos a abolição <strong>do</strong> parecer <strong>do</strong> próprio ser.<br />

Cre<strong>do</strong> nem viu Cruz quan<strong>do</strong> pediu - Oh de Cima, queimai este costume moral, que<br />

há muito passa<strong>do</strong> pass<strong>ou</strong>! Sempre plantei o que pediu colher, porque o clima<br />

sec<strong>ou</strong>? Há tempos muito choro e p<strong>ou</strong>ca sangria. Desatada! P<strong>ou</strong>co jorrei dessa<br />

vida, desgraçada! Ninguém merece essa água desaguada depois de tanta estrada<br />

rodada. Como chamo este tumor que tenho? Ressentimento, <strong>ou</strong> é melhor<br />

descontentamento?<br />

Cre<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u-se <strong>do</strong> Rio e nunca mais o viu.<br />

Cruz mu<strong>do</strong>u-se pra Tijuca e nunca mais o viu.<br />

Cruz queria que Cre<strong>do</strong> o visse grande Profeta:<br />

- Se s<strong>ou</strong>besse o endereço mandaria a matéria que saiu no Globo.<br />

Cre<strong>do</strong> queria que Cruz reconhecesse nele um grande Poeta:<br />

- Se a rua fosse a mesma os Correios não devolveriam os <strong>livro</strong>s.<br />

Cruz não fic<strong>ou</strong> com <strong>ou</strong>tros homens, buscava o amor espiritual.<br />

Cre<strong>do</strong> cas<strong>ou</strong>-se com Ela, mas fugiu no carnaval.<br />

Cruz tomb<strong>ou</strong> no chão, Cre<strong>do</strong> mir<strong>ou</strong> o teto.<br />

Cada um tomava por cruz a própria crença. E maldiziam os nomes, por<br />

desavença.<br />

25


Nunca mais se deram - nem em cruzamento - nem um esbarrão...<br />

Nem mão nem braço nem pica nem abraço<br />

Quiçá palavra, conceito, sujeito-objeto.<br />

Quer saber a causa de tanto projeto?<br />

É que Cruz queria Cre<strong>do</strong> que queria Cruz que queria morrer<br />

E isto justo no exato momento em que o mun<strong>do</strong> não queria nada, nem mesmo<br />

padecer.<br />

Não queria treva, nem acendia a luz. Nem queria trégua, muito menos juz.<br />

Nem muito de nada, nem um p<strong>ou</strong>co de tu<strong>do</strong>.<br />

Cruz queria nada, desde que fosse com Cre<strong>do</strong><br />

Cre<strong>do</strong> queria tu<strong>do</strong>, desde que fosse com Cruz.<br />

Cruz fic<strong>ou</strong> sem Cre<strong>do</strong><br />

Cre<strong>do</strong> fic<strong>ou</strong> sem Cruz.<br />

Um seguiu reto<br />

O <strong>ou</strong>tro esqueceu da luz.<br />

(Quase no verão, Lara - que ainda era designer - scanne<strong>ou</strong> suas r<strong>ou</strong>pas floridas<br />

e pôs o site <strong>do</strong> encontro em www.revistagavea.com.br/estacoes).<br />

Não tiveram <strong>ou</strong>tros encontros: uma insemin<strong>ou</strong>, a <strong>ou</strong>tro engravi<strong>do</strong>u. Dois foram pra<br />

Inglaterra e não sabem se voltam. Um é apresenta<strong>do</strong>r de TV de tanto querer ser<br />

cantor. Outra cheg<strong>ou</strong> a tocar, uma vez, no palco com Maria Betânia. Já a Lara<br />

conheceu João no ponto de ônibus. Ficaram juntos quase um mês. Lara cans<strong>ou</strong><br />

da história e foi pra longe. Não sem antes abrir e fechar um escritório de design<br />

no qual cham<strong>ou</strong> devir e disse assim:<br />

“Devir é tu<strong>do</strong> aquilo que já-veio pra dar lugar ao que já-vem.<br />

O “já-vem” da gente já pass<strong>ou</strong> por muito. É só dar uma olhadinha pra trás:<br />

pra´quela cidade que tá longe <strong>do</strong> seu seu mapa de agora, pro porta retrato no<br />

fun<strong>do</strong> da armário, pras músicas que já te tocaram... Aposto que tem <strong>ou</strong>tras<br />

coisas que nos tocam intuitivamente agitan<strong>do</strong> o devir que nos cerca e o devir<br />

que cercamos. Seu por-vir é vi-a-ser, tornar-se! Com exclamação, porque esta<br />

visão torna a vida inaudita, em suas formas e senti<strong>do</strong>s!<br />

Condutor de esta<strong>do</strong>s, devir é o conceito-nome deste novo escritório de design,<br />

que protagoniza e assiste à vida e seu desfile de imagens, signos e conceitos<br />

que são interpreta<strong>do</strong>s, acolhi<strong>do</strong>s, rejeita<strong>do</strong>s, estampa<strong>do</strong>s, pinta<strong>do</strong>s, designea<strong>do</strong>s,<br />

experimenta<strong>do</strong>s, senti<strong>do</strong>s... vivi<strong>do</strong>s.<br />

Justificada está a mistura de design com escrita. filosofia e antropologia. Vivas á<br />

estes saberes que investigam, estruturam e aprofundam o querer conhecer<br />

desenhar e escrever o que se esconde e o que dá (<strong>ou</strong> é) pra mostrar.”<br />

26<br />

Velha fic<strong>ou</strong> onde sempre está. João fic<strong>ou</strong> como sempre fica. Esqueceu Lara quase<br />

um mês depois. Bacana, ela. Ele não morava com ninguém, nem no Flamengo<br />

nem em rua de Marquês. Era é pedreiro. Acordava ce<strong>do</strong>. Falava com to<strong>do</strong>s:<br />

cimento, tijolo, argamassa.<br />

Um dia um tal de Pedro vir<strong>ou</strong> e lhe disse:<br />

Não vais trocar de pele? Mas... o filme já acab<strong>ou</strong>, não vê que <strong>ou</strong>tras pessoas<br />

quererem entrar? Essa poltrona é de quem ainda não viu. Quanto tempo vai ficar<br />

senta<strong>do</strong> aí?<br />

Até abolirem essa escuridão. Até que a última nuvem chova. Até que minhas<br />

pernas resolvam desatrofiar. Até que vaca cuspa de tanto tossir.<br />

Aboliram a escuridão. Caiu molhada a nuvem <strong>do</strong> céu. João fic<strong>ou</strong> quieto de tanto<br />

parar de andar e resolveu se mover antes que a vaca tussa. Num dia claro, fit<strong>ou</strong><br />

a clara <strong>do</strong> ovo borbulhan<strong>do</strong> na quentura. Quão quente estava este verão! Que tal<br />

uma volta na Lagoa?<br />

Já na Rodrigo de Freitas discutia freneticamente com o jornaleiro sobre o quanto<br />

era desnecessário aquele mangue imun<strong>do</strong>. Mas seu Francisco queria mesmo era<br />

falar de futebol e <strong>do</strong> último Acidente Cardio Vascular que um (re)conheci<strong>do</strong> artista<br />

teve semanas atrás, coisa que João não queria <strong>ou</strong>vir. Mesmo assim fal<strong>ou</strong>, não<br />

importava que não o <strong>ou</strong>vissem. Queria mesmo que não o vissem.<br />

Aquele corpo tinha um tubo, profun<strong>do</strong>, fecun<strong>do</strong>. Foi buraco de adentrar paixões<br />

que querem morrer de si. Querem aforgar-se em sêmem para falecerem claustrofóbicas.<br />

De tão si não querem sair, mas dentro, dentro, cada vez mais dentro.<br />

Até sufocar aborto - suicida covarde! Engravidaste partir!<br />

(o jornaleiro continuava - agora com histórias de erro médico)<br />

Não há certeza! Nada. Tem acho... Pode ser que ainda... que fique. Mesmo que<br />

vá. Não há claro pra olhar. O instante <strong>do</strong> acho que não há nada tão certo. Tu<strong>do</strong><br />

certo? Mesmo que... E se..? Quem sabe?<br />

Tu<strong>do</strong> o que penso é acha<strong>do</strong>. Acho que é. Acho que acertei bastante coisa. Que<br />

quanto mais acho mais procuro achar pra achar mudar. Procuro no achar mudar<br />

de esta<strong>do</strong>s para <strong>ou</strong>tros mais longes. Adiantes. Avantei!<br />

Eu intelecto. Me viro. Me caibo. Extrapolo. Intelecto você, fantasia. Imagina...<br />

desvira... te parto! E reparto. Te destruo pra ver quem você é.<br />

Ora bolas, caraminholas!<br />

27


(velha baixa em jornaleiro que aquieta a boca alertan<strong>do</strong> os <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s)<br />

Passa<strong>do</strong> o momento da abertura e <strong>do</strong> descabi<strong>do</strong> amor, jornaleiro se esvazia.<br />

Resta a corrida para o transbordar <strong>do</strong> seu líqui<strong>do</strong> límpi<strong>do</strong>. É esta a sua ansiedade<br />

que quer respostas para o que fazer, onde ir, quan<strong>do</strong>, com quem e porque. Mas<br />

seu espírito pede serenar sobre o moment ff f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f f o<br />

de agora.<br />

(João suspira, sai fora daquela banca, entra na livraria)<br />

Nunca leio o mesmo <strong>livro</strong> duas vezes. Tanto eu, quanto o <strong>livro</strong>, somos <strong>ou</strong>tros.<br />

Nunca leio o mesmo <strong>livro</strong> mais de duas vezes. Tanto eu, quanto o <strong>livro</strong>, viramos o<br />

mesmo. E o pior: mesmo completamente diferente <strong>do</strong> <strong>ou</strong>tro.<br />

(escolhe um <strong>livro</strong> pela capa)<br />

Este aqui Parece um <strong>livro</strong>, mas não é. (Arrancar das palavras seus senti<strong>do</strong>s: brincadeira<br />

instintiva.) Este não é um <strong>livro</strong>: nem pretende, nem quer parecer. Livro.<br />

Isto não são letras, palavras, pauta, nem isto é papel. Nem é lixo, menos ainda<br />

cortesias de impulsionar sonhos. Isto foi. E entende-se no que ainda é. É, contu<strong>do</strong>,<br />

tu<strong>do</strong> o que o corpo grav<strong>ou</strong>. Toda a digital da pele decompon<strong>do</strong>-se. Crian<strong>do</strong>-se<br />

em renovar-se. Isto existe e resiste. Este ri da vida, v<strong>ou</strong> levar querida.<br />

Pra presente?<br />

Sim.<br />

(volta pra lagoa e dá a primeira mulher jovem que encontra)<br />

Presente!<br />

Bela capa!<br />

Também achei!<br />

Não tem autor?<br />

Isto não é um <strong>livro</strong>?<br />

E você? É quem?<br />

(sem resposta, João correu toda a Lagoa até esbarrar de novo com a jovem mulher.)<br />

Posso responder amanhã?<br />

Que horas?<br />

Aqui, às 7.<br />

Tá.<br />

(ali, as sete e meia)<br />

Não tenho a resposta.<br />

Esta é a melhor resposta.<br />

28<br />

Que vai fazer amanhã?<br />

Nada.<br />

Vamos pra Jeri?<br />

Coacara?<br />

Porque não?<br />

Porque não?<br />

(foram. Na janela, Lara se pensava para ficar melhor)<br />

Acostumei a andar por lugares em que andam me contan<strong>do</strong> histórias.<br />

Atenta, me esforço por compreender o que não costumo viver.<br />

E tento imaginar-me:<br />

20 dias à deriva <strong>do</strong> rio, só com o céu. E só o céu, as águas, os peixes entran<strong>do</strong><br />

nas redes. "Prás crianças levar"<br />

De pesca<strong>do</strong>r, viro mulher de tear. E passo horas a fio. Trançan<strong>do</strong> fios, motivos<br />

de copiar. Pensan<strong>do</strong> na vida a passar. Ora fibra crua, ora queimada. Pra vender<br />

por 3 reá. Que vira 20 prá turista. Isso porque Buriti é igual à vaca, tu<strong>do</strong> dá.<br />

Quero ser Dona Raimunda, na fresta a espreitar.<br />

Quero nadar como Neto, com a desenvoltura de quem nasceu volta<strong>do</strong> pro mar.<br />

Quero manejar as redes como o pesca<strong>do</strong>r de Ribamar.<br />

E olhar a natureza com os olhos da filha de Dona Luzia.<br />

E receber as pessoas em minha vida como se recebe em Barreirinhas.<br />

Quero a coragem e o encanto de Malibar. Ainda v<strong>ou</strong> rezar à Deus como ele.<br />

Quero <strong>ou</strong>vir mais queridas com o sotaque de Raquel.<br />

Quero agir aberta e desenvolta como Danilo de Alcântara.<br />

Quero o carinho e a atenção de amigos como Jobert.<br />

Quero um beijo espanhol.<br />

E o sabor <strong>do</strong> camarão de Dona Luzia. E brincar com as crinaças no quintal de<br />

Dona Luzia.<br />

Eu ainda v<strong>ou</strong> morar como mora Dona Luzia: de um la<strong>do</strong> dunas, <strong>do</strong> <strong>ou</strong>tro o mar.<br />

E tem pássaros, verde e lua nas bandas de lá.<br />

29


Eu não tenho pressa. An<strong>do</strong> bem devagar. Não há pelo quê correr aqui. Sem<br />

pressa de chegar <strong>ou</strong> sair. Apenas a tranquilidade de quem só vive. Onde as<br />

coisas vem, não há a pressa de se buscar.<br />

As coisas aqui vão vin<strong>do</strong>. Então v<strong>ou</strong> in<strong>do</strong> com as coisas.<br />

E tu<strong>do</strong> demora. Bem devagar. O banho, o andar, o almoço, às vezes o jantar.<br />

As dunas demoram. Mas mudam de lugar. Não vão sozinhas. O vento as guia<br />

pra o mar.<br />

Quero ser como as dunas: vão-se devagar, acompanhadas, ruman<strong>do</strong> ao horizonte.<br />

Que o vento me leve. Devagar e pra frente. Que eu demoro, mas v<strong>ou</strong> chegar!<br />

(Na volta pararam na Bahia de São Salva<strong>do</strong>r, mas esta é pra <strong>ou</strong>tra história.)<br />

O caso é que lá havia um sujeito que parecia estranho. Que toda vez que a via,<br />

corria e a abraçava. A via, corria (não fisicamente, isto foi num Teatro na Lapa<br />

cheio de <strong>ou</strong>tras pessoas) (mas sua cara se esticava para as extremidades iluminan<strong>do</strong><br />

toda a sua pessoa) e a abraçava. E desajeita<strong>do</strong> procurava sua boca. Ela<br />

fic<strong>ou</strong> com me<strong>do</strong>, mas a noite era de se entregar. Tem horas que o corpo desespera.<br />

É tanta presença que não vê sinal, trânsito Cala tu<strong>do</strong>! Só ele respira!<br />

Então veio o carnaval. Então João e Lara se separaram. Então Lara pens<strong>ou</strong> que<br />

se alguem quiser me achar no carnaval <strong>do</strong> rio não precisa procurar:<br />

estarei em to<strong>do</strong>s os blocos que meu corpo conseguir ocupar.<br />

quan<strong>do</strong> a rotina ameaça<br />

invento<br />

durmo com a cabeça pra baixo<br />

assim alguma coisa muda<br />

ao menos<br />

hoje enraizei olhan<strong>do</strong> um alizante para cabelos ondula<strong>do</strong>s<br />

mau sinal!<br />

acabaram as sementes.<br />

as que eu não pisei, que não brotaram - endurecem<br />

serão cocos verdes<br />

tempos atrás, nesta época, eu estava odalisca.<br />

porque toda cara de revista assume um namoro?<br />

o que é bem isso de assumir um namoro?<br />

eu não protagonizo a cultura <strong>do</strong> espetáculo.<br />

Então veio o carnaval. E o tomara que chova 6 dias sem parar porque o sol já<br />

queim<strong>ou</strong> nossa cara e to<strong>do</strong>s estes personagens bandearam para bandas remotas<br />

30<br />

que não mais cabem nessas páginas...<br />

(Então, a jovem mulher lê o <strong>livro</strong> escrito por uma velha, da<strong>do</strong> por um João:)<br />

É uma fluidez na ira que extrapola e exagera. Mas não se intimide, continue<br />

len<strong>do</strong>. É apenas um seixo num leito em fluxo criativo. Tentemos nos escancarar<br />

para o que há de mais repugnante e assim ver se nos tornamos mais autênticos<br />

e paremos de imitar o velho, o dito.<br />

Faz mal a quem: tem pressão alta, baixa, filho na barriga, só transa como a mãe<br />

fazia, não bebe porque dá azia. Se você faz porque o senso comum manda, <strong>ou</strong><br />

não faz porque sua culpa católica deixa, não leia. Você já morreu de me<strong>do</strong>!<br />

Nossas avós não nos entendem. Nós ainda rimos das suas calçolas. Devemos<br />

denunciar o ridículo de nosso tempo, com propriedade. Mas, não tem que!<br />

Não é um processo fácil. Nossos olhos foram habitua<strong>do</strong>s a perceber as formas<br />

com seu contorno, tempo e movimento de acor<strong>do</strong> com nossa captura visual.<br />

Lutar contra a natureza requer um certo esforço e quebrar paradigmas causa<br />

resistência e desconforto. Mas ainda assim fazemos uma proposta, <strong>ou</strong> melhor,<br />

um desafio.<br />

Mudemos nossa forma de olhar! De <strong>ou</strong>vir! Mudemos o foco, desfocamos.<br />

Mudemos o alvo, fragmentamos. O ócio de ver as mesmas coisas, nos mesmos<br />

dias, tão iguais e rotineiros terão os mesmos dias conta<strong>do</strong>s. Mudar a nossa<br />

forma de olhar! Eis a cura para o ócio sofri<strong>do</strong> pela retina. Nossos bastonetes<br />

nunca mais reclamarão pela cor e nossos cones vibrarão com o magenta.<br />

Tendemos a juntar as partes pela síntese <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Pela busca da forma, da bendita<br />

boa forma. Mas, quais mistérios quardam as partes> Quais as suas propriedades><br />

Peculiaridades> O que querem comunicar> Eis então que foquemos<br />

nosso olhar nas partes. Eis que depois desfoquemos nosso olhar nas partes.<br />

Qual será a sensação> Havera senti<strong>do</strong>?> Senão, buscar o não-senti<strong>do</strong> nas<br />

coisas justifica-se em prol da eterna e incessante mania de nomear e conceituar<br />

as coisas.<br />

Porque as coisas são inconceituaveis pelo devir que trazem em si. Como conceituar<br />

algo que em segun<strong>do</strong>s transmuda-se n<strong>ou</strong>tro> Não há como. Como conceituar<br />

um rosto perdi<strong>do</strong> entre tantos que num mínimo retorno a qualquer instinto<br />

se transfigura. Como descobrir tanto mistério> O fato existe e ele é como é <strong>ou</strong><br />

se apresenta.<br />

Se o devir descarta o conceito, as coisas nada mais são que movimento. E só!<br />

31


Prendem sua identidade e os nomes que costumamos chamar. Caos!<br />

Movimento, só!<br />

Pessoas movimentan<strong>do</strong>-se a to<strong>do</strong> instante, carros traspassam avenidas por<br />

onde transitam pessoas, ônibus carregam pessoas, as pessoas carregam coisas<br />

e coisas carregam pessoas. Banco comportam pessoas, num levantar e<br />

rep<strong>ou</strong>sar infinito. A calcada recebe prédios, passos, comporta os bancos com<br />

pessoas, os veículos, o olhar das pessoas se perde na calcada em busca de<br />

algo. O asfalto sustenta os postes, sinais, os ambulantes carregan<strong>do</strong> as coisas<br />

... Quanto movimento, o movimento e tanto. Num misto de ação e rep<strong>ou</strong>so que<br />

se fundi numa mesma coisa/ a cidade, o to<strong>do</strong>. Nas pessoas in<strong>do</strong> e vin<strong>do</strong> de<br />

lugar nenhum. A busca <strong>do</strong> nada pelo to<strong>do</strong>.<br />

É isso que vemos to<strong>do</strong>s os dias no curto perío<strong>do</strong> de tempo da hora <strong>do</strong> almoço.<br />

E de tão atola<strong>do</strong>s e submersos em pensamentos, em nosso próprio movimento,<br />

na verdade não vemos nada, percebemos apenas esse movimento confundi<strong>do</strong><br />

com o to<strong>do</strong>.<br />

Vemos tu<strong>do</strong> e como o tu<strong>do</strong> e tanto, não apreendemos nada. A não ser o nosso<br />

próprio corpo, moven<strong>do</strong>-se pelas ruas, esbarran<strong>do</strong> nas pessoas, desvian<strong>do</strong><br />

olhares, negan<strong>do</strong> a piedade <strong>ou</strong> caridade. In<strong>do</strong> para algum lugar para depois<br />

voltar. E amanha repetir exatamente o mesmo, como o mesmo hora, o mesmo<br />

dia ... sempre ao meio dia.<br />

Deixamos com isto de ver o feio, o belo, o trágico, o pobre, o pombo. Estamos tão<br />

concentramos no lugar para onde vamos que só vemos ele, o to<strong>do</strong>, o movimento.<br />

E quanta beleza há nas partes, em sua unidade. Na roda <strong>do</strong> ônibus, na placa de<br />

pedestres, nos cartazes rasga<strong>do</strong>s, na busca por algo perdi<strong>do</strong> numa lixeira de<br />

uma esquina qualquer, no menino perden<strong>do</strong> o olhar no chão, no amen<strong>do</strong>im de<br />

saquinho, no guarda sol, na barraquinha de mata rato, no lixeiro <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, no<br />

FHC picha<strong>do</strong>, na escultura perdida, na santinha <strong>do</strong> caminhão, no beco que se<br />

perde ao longe, na estrutura de séculos, na faixa no chão, nos pombos no chão,<br />

na migalha no chão, atras <strong>do</strong> vidro da carrocinha de pipoca, no quadro <strong>do</strong> velho<br />

pintor, nas cores <strong>do</strong> quadro <strong>do</strong> velho pintor, na noticia <strong>do</strong> jornal, nos detalhes.<br />

Quantos detalhes são perdi<strong>do</strong>s por nossa ânsia? Quantas belezas deixamos de<br />

perceber por me<strong>do</strong> de vermos nela tristezas!<br />

Mudemos nossa forma de olhar! Temos total controle sobre nossa visão. O cérebro<br />

ainda e mais forte. Desafiemos nossa visão a perceber as particularidades<br />

inseridas no breve tempo de meio dia a uma da tarde, no breve espaço entre<br />

duas esquinas. Percebamos os detalhes desapercebi<strong>do</strong>s!<br />

32<br />

Que tal mais? Mudemos o tempo. Façamos-lo mais rápi<strong>do</strong> <strong>ou</strong> lento para experimentarmos<br />

diferentes sensações. Adiantamos <strong>ou</strong> retardamos um fluxo da forma<br />

que nos convir. Quantas surpresas! Mudamos a cor da forma que mais destoar<br />

<strong>ou</strong> melhor se adaptar a uma particularidade. Descartamos a cor de uma<br />

unidade e n<strong>ou</strong>tra colorimos com uma cor forte <strong>ou</strong> fria, quente <strong>ou</strong> neutra e<br />

percebemos as mudanças que tal coisa sofre.<br />

Ousaremos mais adiante. Permitiremos que nossos senti<strong>do</strong>s experimentem sensações<br />

adversas e diversas. Não só o olhar, pois este senti<strong>do</strong> não costuma agir<br />

sozinho, mas podemos fazer com que assim seja. Percamos a audição, silencio!<br />

Que sons atribuímos as imagens que vemos? Serão os reais? Certamente nos<br />

surpreenderemos ao trazer a este senti<strong>do</strong> o seu esta<strong>do</strong> normal. Equivoco! Mais,<br />

invertemos. Eis que ficamos cegos, som! Som urbano, vozes! Que imagens terão?<br />

Quais formas traduzem? Imagine e abra os olhos. A imagem lá não esta. E a que<br />

esta, e esta e a real <strong>ou</strong> real e a imaginada? Enganamos nossa percepção.<br />

E se desprendermos o som da imagem? Não é assim que percebemos as<br />

coisas nesse turbilhão de acontecimentos? O som que <strong>ou</strong>vimos e sempre o<br />

mesmo visto? E a imagem vista corresponde ao som <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>?<br />

Se percebemos tantas imagens e sons ao mesmo tempo, como atribuir-lhes<br />

coerência? Por similaridade? Por costume? Por habito? E se não h<strong>ou</strong>véssemos<br />

si<strong>do</strong> assim condiciona<strong>do</strong>s?<br />

Proposta feita! mudemos nossa forma de ver. De <strong>ou</strong>vir. De perceber.<br />

Diversificamos nossos senti<strong>do</strong>s propon<strong>do</strong> a estes experiências múltiplas, longe<br />

das a priori, previamente concebidas. Mudemos seu tempo, senti<strong>do</strong>, seu rumo,<br />

seu som. Talvez assim percebamos as coisas desapercebidas, ao inundas de<br />

beleza, tristeza <strong>ou</strong> tragicidade. Conferimos as coisas um <strong>ou</strong>tro contexto, invertemos<br />

a figura pelo fun<strong>do</strong>, tornamos o simétrico assimétrico, paramos de conceituar<br />

as coisas a fim de atentarmos para as unidades que compõe o to<strong>do</strong>. Para o<br />

que não tem um conceito a não ser o de que o conceito nada mais e que o seu<br />

vinculo com o desconceituo. Lancemos nosso olhar ao inusita<strong>do</strong>, ao desconheci<strong>do</strong>,<br />

ao temi<strong>do</strong>.<br />

Tal como um velho fotógrafo que num breve clicar desapropria da imagem o<br />

movimento, <strong>do</strong> acontecimento o seu som. Mas que mantém sua ociosidade<br />

exibin<strong>do</strong> na parede <strong>do</strong> estabelecimento o letreiro/ fotos na hora.<br />

Viva você mesmo esta experiência, estas sensações e tire suas próprias conclusões.<br />

Se de nada lhe servir, descarte-a como foi descartada a fotografia 3x4<br />

em preto e branco de uma menina desconhecida numa calcada da rua<br />

Uruguaiana, disputan<strong>do</strong> espaço com o lixo da rua e lutan<strong>do</strong> contra a forca <strong>do</strong><br />

vento. Foi mudan<strong>do</strong> o nosso olhar que percebemos tal cena. Que cena! Um<br />

33


etrato que não era só o de uma menina, retratava ainda o século que se foi.<br />

Na volta a rotina pegue um ônibus. Olhe como o tempo e as coisas mudam com<br />

seu movimento. Como elas tomam um <strong>ou</strong>tro contexto quan<strong>do</strong> este para pegar<br />

alguém. Atente para o que vê. São as pessoas que passam pela janela <strong>ou</strong> nos<br />

que passamos por elas? Saberia, em alta velocidade distinguir um poste de<br />

alguém? O movimento tem este poder de tirar <strong>do</strong> to<strong>do</strong> o particular. Atente para a<br />

voz <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r que tenta lhe persuadir a ajuda0lo em prol da continuidade de<br />

sua rotina. Atente para a porta fechan<strong>do</strong> e abrin<strong>do</strong> a cada passageiro embarca<strong>do</strong><br />

<strong>ou</strong> desembarca<strong>do</strong>. Atente para o som que esta emite, pra o som da buzina,<br />

para o som <strong>do</strong> freio. Perceba cada um deles em separa<strong>do</strong> e depois num só<br />

momento. E esta a vida/ um turbilhão de imagens e sons adentran<strong>do</strong> os nossos<br />

senti<strong>do</strong>s e fazen<strong>do</strong> com que não consigamos perceber a unidade.<br />

Salte e perceba o ônibus in<strong>do</strong>, in<strong>do</strong>... Note que em sua traseira ele vai levan<strong>do</strong> a<br />

frase Feliz Ano Novo!<br />

De volta a rotina imagine que todas estas imagens percebidas cabem num monitor<br />

de TV. Seu olho e a lente e seus <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s, grava<strong>do</strong>res. E você e o telespecta<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> ruman<strong>do</strong> ao o novo. Se gostar da experiência grave-a<br />

num pen drive.<br />

Se o mun<strong>do</strong> não vai bem a seus olhos use lente. Ou mude o mun<strong>do</strong>. Ótica olho<br />

vivo agradece a preferencia! - Mário Quintana<br />

(Mas olha! Custa baratinho ver. Tira o som dessa TV. O tempo a ser gasto nem é tão<br />

caro quanto o que te vendem. Você vai ver, depois de passar pelos 221 aforismos<br />

<strong>do</strong> <strong>livro</strong>. Depois você assiste. Depois você liga a TV. Que quase tu<strong>do</strong> vai ser exemplo<br />

da maré que embarcamos. Dá pra assisti-los: exemplos saltitantes e felizes, brincan<strong>do</strong><br />

em ondas cromáticas das novelas das oito. As celebridades da sociedade <strong>do</strong><br />

espetáculo vão desfilar pra você. Elas vão te sorrir, te seduzir. Sorria de ironia!)<br />

... exeto a velha que é atemporal e transita por todas as bandas da sabe<strong>do</strong>ria. Num<br />

dia desses disse a Pedro em sonho:<br />

QUE VENHA NOVOS<br />

Que esses velhos morram.<br />

Que essas músicas parem.<br />

Isto há bimilênios atrás...<br />

Há quantos metros de profundidade ficam as civilizações mais antigas?<br />

Ou aquela que não s<strong>ou</strong>be da vaca tirar o leite <strong>ou</strong> ao pássaro respeitar-lhe a<br />

liberdade?<br />

34<br />

Ou aquela daquela moça que escrevia cartas ao passa<strong>do</strong>?<br />

De que tempo somos? Para que tempo vamos?<br />

(ao tempo <strong>do</strong>s heróis que têm capas de estrelas e nos cintos, cometas)<br />

Os cachorros que <strong>ou</strong>trora tiveram seus pescoços amarra<strong>do</strong>s à troncos podem<br />

ter vira<strong>do</strong> planetas soltos que giram numa ciranda desamarrada.<br />

OU<br />

Habitam quintais de casas reais onde são <strong>do</strong>nos de tu<strong>do</strong> por a nada pertencerem.<br />

Quanto tempo faz que a ultima cultura sucumbiu e deu lugar a estas florestas,<br />

flores, frutos.<br />

A esses insetos fecunda<strong>do</strong>res de cores, cheiros e sabores?<br />

Já foi dita a ultima lei, a terra já engoliu o ultimo poder? O ego já comeu a<br />

posse, implodin<strong>do</strong>? A ultima nota vir<strong>ou</strong> grama e a moeda vil metal?<br />

Cuidem de suas vadas, cantem suas canções como pássaros. Vão pastar!<br />

Cantar! Dançar! Com tu<strong>do</strong> isto aí.<br />

Virem pó - os que são <strong>do</strong> pó.<br />

Subam ao ar - os que são <strong>do</strong> ar.<br />

Deixem-me com meus ideais que eles são possivelmente reativos de se<br />

realizarem.<br />

Este é o sim de expansão onde não cabem velhas <strong>do</strong>res, vovós ressentistas,<br />

bibliotecas poeirentas.<br />

A verdade é que o mun<strong>do</strong> nem está coberto nem rechea<strong>do</strong> dessas verdades<br />

saltitantes que são por muitos lançadas.<br />

Calem a boca. Ouçam a lua encher, a grama crescer, a fruta cair.<br />

Por isto est<strong>ou</strong> aqui. Por isto me perco.<br />

Pois é pois é pois é.<br />

Bem vin<strong>do</strong> ao século onde tu<strong>do</strong> o que começa é passa<strong>do</strong>.<br />

(De volta, as baquetas caem sozinhas quan<strong>do</strong> <strong>ou</strong>vem pascoal.)<br />

35


Pedro <strong>ou</strong>ve a música que acab<strong>ou</strong> de gerar, mas que é bem antiga.<br />

Me chamo as dúvidas que tenho. E chamo as respostas. Mas <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s humanos<br />

só se <strong>ou</strong>vem chaman<strong>do</strong>. chaman<strong>do</strong>. chaman<strong>do</strong>. A voz chaman<strong>do</strong> - o instrumento<br />

tocan<strong>do</strong>. Forma de falar de dentro o que se sabe de fora. Fora adentrar para saltar<br />

pra fora e cair dentro. Eu v<strong>ou</strong>. Ela vai.<br />

Pedro ainda <strong>ou</strong>via o pensamento dela toda vez que ventava. Ou nas vezes em<br />

que as nuvens escondiam o dia para amenizar a noite.<br />

“Gosto e s<strong>ou</strong> feita de sol. Meus olhos encerram ao olhá-lo. Tem brilho aqui também.<br />

Sempre s<strong>ou</strong>be, agora quero mais ver. Gosto de sol e das sombras que<br />

causa. Sinto frio para ir às Cordilheiras. Caibo certinho na linha <strong>do</strong> trópico. Ou no<br />

Equa<strong>do</strong>r.“<br />

Que me deixem ver hoje a lua. Ou sentí-la que não acima, pode ser que abaixo <strong>do</strong>s<br />

pés. Que aqui na cidade, para se falar com deus, carece britadeira de arrancar<br />

cimento. Aí da chuva que caí aqui. Tóxica. E dá esperança aos peixes da lagoa.<br />

Dia desses pass<strong>ou</strong> pela orla de Icaraí e viu um pássaro <strong>do</strong> qual não sabia o nome.<br />

Ele surgiu depois <strong>do</strong> último derramammmmmennnto de óleo. Ou só o viu depois de.<br />

Depois de. Depois que. Mas não logo após.<br />

Precisa tempo. Precisa terremoto. Ainda. E nada disso era certeza.<br />

E dá trabalho, cansa. Quan<strong>do</strong> se bastava, Pedro mudava de linguagem.<br />

E ficava quieto. Por horas <strong>ou</strong> dias.<br />

Sei que é preciso esse escuro<br />

Este não v<strong>ou</strong> se não sei se quero.<br />

Sei que cortinas fecham sozinhas<br />

Se tá muito sol.<br />

Que o que é pede descobrir o que é.<br />

Quietinho, manhoso, ciumento<br />

Chora carente, grita delinquente<br />

Se o sol não aurora, não crepuscula.<br />

(Pass<strong>ou</strong>, o fim de semana. Muita coisa pra trabalhar depois deste. O que não foi<br />

fala<strong>do</strong>, mexeu. O fala<strong>do</strong>, mais ainda. est<strong>ou</strong> piran<strong>do</strong> e não quero lucidez. Dê-me<br />

algum remédio, vida, que est<strong>ou</strong> fechan<strong>do</strong>... )<br />

36<br />

Se voltava a falar era de <strong>ou</strong>tras coisas. Mas de dentro o que comunicava estava<br />

além <strong>do</strong>s signos. Não tinha significa<strong>do</strong>, não era nada mas era enorme. Significava<br />

sol, centro da mão perfumada de mato, lua de dia, sol <strong>do</strong> <strong>ou</strong>tro la<strong>do</strong>. Significava<br />

uma renúncia. Um não preciso. Hum, eu já sei. Significa eu explodin<strong>do</strong> só energia.<br />

Isso deve ser saber da morte em vida e viva. Experimentá-la sem tornár-se<br />

morbi<strong>do</strong>. E ela se Parece com a felicidade buscada porque há que ter de esperar<br />

esperança. Não há motivos de não querer esse bem a si se esse “si” foi embora<br />

com a suspensão e compreensão das interpretações. Não há mais briga com a<br />

vida, mas um in<strong>do</strong> com ela junto dela por ela. Atravessar ela. Tangenciá-la.<br />

Pedro cai junto com o sol. Essa luz... esse fim... esse começo... esse retorno. Está<br />

escurecen<strong>do</strong> e o amarelo das flores rapidamente des(N)atura. Esta hora limiar é<br />

boa para segurar as coisas no peito. Prender o que nos presta. Tinha muita<br />

merda dentro até não ter mais dentro. Até esse dentro ser o mesmo que o fora.<br />

Precisa-se aspirar o esta<strong>do</strong>. Há força. Justiça. Hã?<br />

a bondade morreu de boa<br />

eu quero parir além<br />

além são fantasmas paupáveis<br />

estenda-se e agarre<br />

se eles pularem as janelas<br />

salte-os<br />

a bondade morreu de boa<br />

eu quero partir além<br />

"Não me Parece excessivo julgar tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar<br />

tais defeitos não nos leve à cegueira acerca <strong>do</strong>s nossos. Estimo que é<br />

mais bárbaro comer um homem vivo <strong>do</strong> que comer depois de morto; e é pior<br />

esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos p<strong>ou</strong>cos, <strong>ou</strong><br />

entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o<br />

lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos contemporâneos.<br />

Na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra."<br />

MeuDeus! Montaigne escreveu isso no século XVI. Não acredito que estamos<br />

500 anos depois disto. Estamos?<br />

Se me permitisse acreditar em minhas <strong>ou</strong>tras reencarnações<br />

teria a certeza:<br />

minha alma já pass<strong>ou</strong> pisan<strong>do</strong> sementes.<br />

tal prazer não deve ser gratuito.<br />

pisar coquinhos caí<strong>do</strong>s no jardim me suspende deste mun<strong>do</strong>.<br />

agente acostuma:<br />

a ir a faculdade pra não ter aula<br />

a ser esbarrada na voluntários da pátria<br />

37


a chegar atrasada...<br />

então fica tu<strong>do</strong> bem!<br />

(devia me acostumar a coisas bem piores)<br />

Eu já dancei na vida, agora v<strong>ou</strong> protagonizar.<br />

(estranhas as nossas promessas inatingíveis. Motores de propulsão para desejos<br />

de recalque. Dá pra <strong>ou</strong>ví-los?)<br />

Agente fala demais.<br />

Eu tenho problemas com pílula, celular e chegar na hora. Vai me conhecen<strong>do</strong>...<br />

Se der tempo, este ano eu quero... fazer nada!<br />

Um amargo café para estar menos amarga. Tragam-me mais açúcar!<br />

Para<strong>do</strong>xos me atraem. Os de Heidegger me chamam, mais. Quan<strong>do</strong> digo algo<br />

sobre "EU", o faço no mo<strong>do</strong> impróprio. O meu ser-no-mun<strong>do</strong>-com-os-<strong>ou</strong>tros se<br />

dá, de início e mais seguidamente, na forma imprópria. Onde está minha propriedade?<br />

Eu chego perto, quase a pego, nos momentos de insimesmamento. Mas catuca<br />

a angústia, meu EU resmunga e corre para se <strong>distrair</strong>. Então pego o controle e<br />

ligo no Big Brother.<br />

Lá fora também pulsa. Como a pica encaixa. Como a pica pulsante. Coração<br />

esbafori<strong>do</strong> pra fora quren<strong>do</strong> voltar pra dentro. Então ela, quente, tem cheiro de<br />

bicho que tem cheiro de rio e das cores. E que tá no cio. E que se permite não ter<br />

pu<strong>do</strong>r sem perder a natureza da sua timidez. E isso que fez. A entrega. Não pra<br />

ela, não pra ele. Pra isso.<br />

pois quan<strong>do</strong> se transam,<br />

que transe!<br />

tocam as cordas <strong>do</strong> meu universo musical<br />

e masturbo o tambor que tem cá dentro<br />

emano o som lá fora<br />

sai o barulho que eu sei <strong>ou</strong>vir<br />

quan<strong>do</strong> desta orquestra s<strong>ou</strong> platéia<br />

bato palminhas, balanço palmeiras<br />

l<strong>ou</strong>vo punhetas<br />

roço a coceira<br />

desta aflição<br />

cessada a ode a mim<br />

soam sinos de contrações<br />

agrandecen<strong>do</strong>...<br />

Isso que é tu<strong>do</strong> isso. Tão redundante quanto.<br />

Forte. Cala. Quieto. Quente. Tá refrescan<strong>do</strong>. Vai fazer boa noite.<br />

38<br />

Gostaria de desejar um muito boa noite............ desejei. A noite já está boa. A lua<br />

enchen<strong>do</strong>.<br />

Esquizo, Pedro não se chama mais Pedro. Em 2005 <strong>ou</strong>ve Coldplay por não conseguir<br />

tocar Lamentos no ban<strong>do</strong>lim. Um vírus é o que o impete. Este vírus tá dentro<br />

dele fazen<strong>do</strong>-o engravidar e virar mulher.<br />

Agora o vírus vir<strong>ou</strong> semente.<br />

Não mais lhe importa o nome. O nome das coisas. Como chama o que chamam<br />

de. Amoral, independe de identidades. Do natural chama-se borboleta e chama<br />

chuva quan<strong>do</strong> o verde tá quase palha.<br />

Vai abrir uma editora e publicar publicar publicar.<br />

Isto em 2007. Ganhar 3 mil reais. Gastar mil. Dormir. Matar e multiplicar as células<br />

da vida tão banal e, creiam, interessante.<br />

Que banalidade a vida que não tem senti<strong>do</strong>. Longe <strong>do</strong> pesimismo <strong>ou</strong> niilismo, mas<br />

que graça têm esta coisa grande e sem senti<strong>do</strong>. Você não sabe, bebês não<br />

sabem. Oscar Niemayer vai fazer 100 anos e não sabe.<br />

(velha se despede)<br />

Sagra<strong>do</strong> só não é profano pra quem profana<br />

Acenda 7 velas, por 7 dias, 7 mil vezes. Sua fé entra pelos 7 buracos. Sua fé!<br />

Tente 7 vezes - se 7 vezes for mais de 100 - sente e continue.<br />

Tente 7 vezes - se 7 vezes for menos - deite e esqueça que podiam ser mais .<br />

o que permanece em si não flui, evolui<br />

como arrancar às coisas e à nós, a duração?<br />

como tirarmos o vir a ser?<br />

dá pra subtrai-nos o por-vir?<br />

ora! deixe-nos ir!<br />

<strong>ou</strong> só dá pra acreditar em rios, que só de olhar se diz: ah sim, estes sim vão.<br />

vejo-os partir. cegos, não enxergam. não conseguem ver o que não dá. tamp<strong>ou</strong>co<br />

escutam o inaudível que conta o mun<strong>do</strong>. não sabem bailar. esquecem <strong>do</strong><br />

corpo pois têm a alma eterna. eu moro cá na terra. e enquanto durar v<strong>ou</strong> morar.<br />

mesmo que olhe pra cima, cá est<strong>ou</strong> fincada. respeito este momento que durar o<br />

mun<strong>do</strong>. e quan<strong>do</strong> olho pra cima é pra admirar. não para perguntar o que tem lá<br />

quan<strong>do</strong> eu acabar. quan<strong>do</strong> cessar o fluxo, não se vai durar. então é provável<br />

que, finada a primavera das questões, o inverno das exclamações, não caibam<br />

39


mais perguntas. eu interrogo agora. mas em <strong>ou</strong>tro agora, <strong>ou</strong>tras questões. que<br />

podem evoluir das anteriores <strong>ou</strong> extingui-las. uma brincadeira com o "eterno presente".<br />

as crianças sabem jogar com as questões. constrói castelos de areia e,<br />

logo depois, os destrói.<br />

O que preten<strong>do</strong> com isto? - se alguém pergunta<br />

Colar. Colar um ban<strong>do</strong> de mim. Tu<strong>do</strong>, qualquer, coisa<br />

Colan<strong>do</strong> momentos, frases, despedidas, surtos<br />

Algum susto<br />

Surpresa!<br />

Tô de novo por aqui, de passagem.<br />

Queren<strong>do</strong> ser dançarina e mais feminina.<br />

Pois quero <strong>ou</strong> dançar sozinha e pendurar-me penduricalhos<br />

<strong>ou</strong> bailar nos clubes e visar espelhos.<br />

"ela é mais sentimental que eu, então fica bem se eu sofro um p<strong>ou</strong>co mais"<br />

"to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é pareci<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> sente <strong>do</strong>r" (to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tem umbigo)<br />

A minha <strong>do</strong>r está miudinha. Está prometen<strong>do</strong> uma fria frente de falta.<br />

Vinda <strong>do</strong> sul.<br />

Não me ilu<strong>do</strong>! Começo de ano não quer dizer começo de coisas novas. Coisas<br />

novas não vêem porque muda o ano. O meu momento é o mesmo.<br />

Pode até conscindir, a mudança, mas é o mesmo. Est<strong>ou</strong> com a grande preguiça<br />

de me expressar. De falar. Só me disponho a <strong>ou</strong>vir, a sentir.<br />

Parece-me que nada <strong>do</strong> que eu fale <strong>ou</strong> sinta será bem interpreta<strong>do</strong>.<br />

Será entendi<strong>do</strong>. Não quero ninguém me escutan<strong>do</strong>.<br />

Não me ponham rotulos. Bem... também v<strong>ou</strong> dar um tempo nos julgamentos.<br />

Muita teorização e montoeiras de críticas me torna chata.<br />

An<strong>do</strong> meio cansada. Gostaria de deitar embaixo das vinheiras da casa <strong>do</strong> rui,<br />

que estão crescentes.<br />

no chão uma abelha briga com formiga.<br />

é urgente o projeto <strong>do</strong> que realmente importa.<br />

O que simplesmente importa?<br />

não escrevo pra ninguém.<br />

escrever pra alguém tem que explicar.<br />

me deixa ser subjetiva.<br />

v<strong>ou</strong> enfiar os <strong>do</strong>is de<strong>do</strong>s nos <strong>do</strong>is olhos de papainoel<br />

eu prefiro tom zé - andar com o pé eu v<strong>ou</strong> que o pé se acostuma a dançar.<br />

muita mais shiva, nietzsche, muito mais terra que gil.<br />

o que não tira o realce <strong>do</strong> gil.<br />

suave coisa nenhuma... (joão ricar<strong>do</strong> fala aí <strong>do</strong> amor)<br />

suave porra nenhuma mesmo.<br />

v<strong>ou</strong> acabar prefirin<strong>do</strong> andar com fé. dói menos.<br />

Você prefere o que dói menos?<br />

40<br />

Quero saber pra onde vai<br />

isto de mim<br />

isto de mim deve saber<br />

mas tá queren<strong>do</strong> dizer<br />

o que est<strong>ou</strong> afim de <strong>ou</strong>vir.<br />

est<strong>ou</strong> concordante, consoante com mim<br />

entenda (eu diria que não ia explicar)<br />

mim não s<strong>ou</strong> eu<br />

não fala ao ego<br />

finge existir<br />

mim não tá em mim<br />

nem fora nem dentro<br />

ele finge que tá<br />

quan<strong>do</strong> já foi<br />

finjo acreditar<br />

- então tá!<br />

Agente tá aqui só pra criar e escrever <strong>livro</strong>s? Plantar temperos e pôr pra pegar sol<br />

e chuva? Pisar sementes? Habitar apartamentos e pequenos sonhos diverti<strong>do</strong>s<br />

nas ilusões. Meia de gude, meio salão, meia calça, meias. Surtos, l<strong>ou</strong>curas.<br />

Sensatez, bom senso. Meios termos sob meios pontos de vistas. Ufa. Nem sei.<br />

Este é o melhor argumento para tornar-se nada. Para invalidar to<strong>do</strong>s os <strong>livro</strong>s.<br />

Para perguntar: pra quê? Potencializar <strong>ou</strong> Distrair?<br />

FIM<br />

41


Velha canta uma antiga ciranda<br />

das Crianças e das Folhas de Hortelã:<br />

Viver no presente!!!!!!<br />

esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar<br />

esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar<br />

esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar<br />

esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar<br />

esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar esperar<br />

esperar esperar esperar esperar.<br />

presente!<br />

a praia, a festa, os peixes, as flores, tu<strong>do</strong> crescen<strong>do</strong> crescen<strong>do</strong> crescen<strong>do</strong> pra<br />

esperar crescer crescer crescer crescer crescer crescercrescer crescer crescercrescer<br />

crescer crescercrescer crescer crescercrescer crescer crescer crescer<br />

crescer crescercrescer crescer crescer crescer crescer crescer crescer crescer<br />

crescer<br />

Andan<strong>do</strong> na terra cimento areia mar mármore<br />

Deitan<strong>do</strong> na rede, no chao, no chuveiro, da cama pro chão<br />

..... como os gatos<br />

Comem de tu<strong>do</strong> querem ver tu<strong>do</strong><br />

E esperam o disco desconheci<strong>do</strong> onde um conheci<strong>do</strong> estrangeiro gosta de nos<br />

olhar. Antropólogos, mandam músicas pro nosso computa<strong>do</strong>r.<br />

42<br />

ANEXO<br />

"uma vida de cada vez"<br />

Em S.V. acostumei-me ao silêncio <strong>do</strong> só cantar <strong>do</strong>s pássaros. Acostumei-me a<br />

só passar os dias - sem expectativas, cigarros <strong>ou</strong> companhias. Que seriam<br />

desses dias sem as crianças?<br />

Que paz esta a de não buscar! Que paralização a de não sonhar. Este esta<strong>do</strong> de<br />

não querer ver além, contentan<strong>do</strong>-me apenas ao que a vista alcança.<br />

Me dispo <strong>do</strong> senso crítico toda manhã nula de planos, em que, à tarde, vago a<br />

mercê <strong>do</strong> clima e da nulidade de acontecimentos pois aqui, neste cenário, nada<br />

acontece, a não ser uma chuva esporádica que espanta os insetos <strong>ou</strong> a promessa<br />

<strong>do</strong> anoitecer - diário. Amanhã - igual. As abelhas - iguais.<br />

To<strong>do</strong> novo <strong>livro</strong> é o mesmo velho. Um delicioso tédio de questões que atravessam<br />

séculos. As crianças crescem deslumbran<strong>do</strong>-se com descobertas que já<br />

fiz...<br />

Aqui permaneço - por forças cardíacas e por (IM)pulsos sobreviventes. Pois<br />

nada, <strong>ou</strong> quase nada me impressiona. Sabores, ar, sonhos, dias, tu<strong>do</strong> o mesmo,<br />

<strong>ou</strong> quase, <strong>ou</strong> só um p<strong>ou</strong>co: diferente!<br />

Nenhuma paixão me move e se gozo é por conveniência aos hormônios <strong>ou</strong> a<br />

transição lunar. Se me aventuro a alguma alienação, seja por intoxicação <strong>ou</strong><br />

embriagues, passo por fulgaz euforia que só me traz ao que já se foi.<br />

Não sei se trata aqui de um pedi<strong>do</strong> de mudança porque curto este ir sem<br />

sofreguidão <strong>ou</strong> ânsia. Raridade nesta minha passagem.<br />

Não respiro, suspiro. Não lamento, espero. Não critico: cultivo - calo a voz e faço<br />

sur<strong>do</strong> os <strong>ou</strong>vi<strong>do</strong>s. Nada mais soa absur<strong>do</strong> nas relações humanas.<br />

Tu<strong>do</strong> possível, chato e calmo. E me dá um sono...<br />

e<br />

Foi neste ócio e graças ao interesse de possíveis leitores que resolvi reunir aqui<br />

esses sentimentos advin<strong>do</strong>s sei lá de onde e muito menos por que.<br />

Amote.<br />

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