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O Parlamentarismo Racionalizado como Condição da Democracia ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ<br />

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - CPGD<br />

PROGRAMA DE DOUTORADO<br />

LINHA DE PESQUISA: CONSTITUIÇÃO E ESTADO CONTEMPORÂNEO<br />

O PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO COMO CONDIÇÃO DA<br />

DEMOCRACIA EM ESTADOS CONTEMPORÂNEOS: FRANÇA,<br />

PORTUGAL E ALEMANHA COMO SISTEMAS PARA ANÁLISE<br />

Orientador: Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold<br />

Tese submeti<strong>da</strong> ao Curso de Pós-Graduação<br />

em Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa<br />

Catarina - UFSC, para obtenção do título de<br />

Doutor em Direito.<br />

MSc Paulo Márcio Cruz<br />

FLORIANÓPOLIS, JULHO DE 1999.


PÁGINA DE APROVAÇÃO<br />

ESTA TESE FOI JULGADA APTA PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE<br />

DOUTOR EM DIREITO DO ESTADO E APROVADA EM SUA FORMA FINAL<br />

PELA COORDENAÇÃO DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO DA<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC<br />

Prof. Doutor Cesar Luiz Pasold - Orientador<br />

Prof. Doutor Ubaldo Cesar Balthazar - Coordenador do CPGD/UFSC<br />

Florianópolis, 21 de julho de 1999.<br />

APRESENTADA PERANTE BANCA EXAMINADORA COMPOSTA DOS<br />

PROFESSORES:<br />

Prof. Doutor Cesar Luiz Pasold - Presidente<br />

Prof. Doutor Dalmo de Abreu Dallari - Membro<br />

Profª. Doutora Sueli Gandolf Dallari - Membro<br />

Prof. Doutor Osvaldo Ferreira de Melo - Membro<br />

Prof. Doutor Antônio Carlos Wolkmer


AGRADECIMENTOS<br />

A Deus, por ter me <strong>da</strong>do vi<strong>da</strong> para chegar até aqui.<br />

Aos meus pais, por tudo que me proporcionaram.<br />

À minha mulher e minhas filhas, por terem entendido meus esforços.<br />

Ao meu orientador e amigo, professor Doutor Cesar Luiz Pasold, pela<br />

compreensão, dedicação e por to<strong>da</strong>s as lições que recebi.<br />

pela aju<strong>da</strong>.<br />

Ao meu amigo professor Doutor Osvaldo Ferreira de Melo, pelo incentivo e<br />

A todos aqueles que comigo colaboraram nesta difícil empreita<strong>da</strong>,<br />

representados pelos professores Doutores Licínio Chainho Pereira e António José<br />

Fernandes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho e pelo professor Doutor José Roberto Provesi, <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de do Vale do Itajaí - UNIVALI<br />

Ao Centro de Pós-Graduação em Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa<br />

Catarina, pela excelência do ensino que me foi oferecido.<br />

À UNIVALI, pelo fun<strong>da</strong>mental estímulo.


Para Alice, Paula e Lygia


RESUMO<br />

Esta Tese busca comprovar que o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, <strong>como</strong><br />

Sistema de Governo, funciona, no Estado Contemporâneo, <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>, analisando três sistemas de Governo <strong>da</strong> Europa Ocidental: os <strong>da</strong> França e<br />

Alemanha após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e o de Portugal após a redemocratização<br />

advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> Revolução dos Cravos.<br />

Para demonstrar esta hipótese básica, o trabalho foi dividido em quatro partes:<br />

a primeira delas destina<strong>da</strong> a revisar os conceitos sobre a <strong>Democracia</strong> no Estado<br />

Contemporâneo, desde já procurando estabelecer as ligações existentes entre estas<br />

duas categorias e o Sistema de Governo. Na segun<strong>da</strong> parte, o que se fez foi<br />

caracterizar o Governo e o <strong>Parlamentarismo</strong> no Estado Contemporâneo democrático,<br />

delimitando a este último o campo de análise <strong>da</strong> pesquisa realiza<strong>da</strong>. Na terceira parte<br />

buscou-se descrever o funcionamento dos sistemas de Governo <strong>da</strong> França, Portugal e<br />

Alemanha, sempre apontando as ligações entre estes sistemas e a <strong>Democracia</strong> efetiva<strong>da</strong><br />

nestes países. Na quarta e última parte, procedeu-se a sistematização de to<strong>da</strong>s as<br />

comprovações aferi<strong>da</strong>s ao longo <strong>da</strong> Tese, aprofun<strong>da</strong>ndo-se as demonstrações <strong>da</strong><br />

conexão entre o regime democrático e a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

A demonstração de que a <strong>Democracia</strong>, nos estados contemporâneos analisados,<br />

teve entre suas principais condições o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> Sistema<br />

de Governo, foi realiza<strong>da</strong> utilizando-se o método dedutivo, tendo <strong>como</strong> técnica de<br />

pesquisa a Pesquisa Bibliográfica.


ABSTRACT<br />

This thesis aims at proving that the Rationalistic Parliamentarism, as a<br />

governmental system, works in the Contemporary State, as one of the conditions of<br />

Democracy, through the analysis of three systems of Government in Western Europe:<br />

the French, the German, after the Second World War, the Portuguese, after the<br />

redemocratization originated from the Cravos Revolution.<br />

In order to show this basic hypothesis, the work was divided into four parts:<br />

the first covers the concepts related to Democracy in the Contemporary State, aiming<br />

at establishing the existing links between these two categories and the Governmental<br />

System. In the second part, the Goverment and the Parliamentarism in the<br />

Contemporary Democratic State were characterized limiting to the latter the field of<br />

analysis of the research which was carried out. In the third part, the aim was to<br />

describe the functioning of the Governmental systems in France, Portugal and<br />

Germany, pointing out the links between the systems and the Democracy accomplished<br />

in these countries. In the fourth and last part, the systematization of all the<br />

confirmation achieved throughout the thesis was developed through a deeper<br />

discussion of the connection between the democratic regime and the rationalization of<br />

the Parliamentarism.<br />

The demonstration that the Democracy, in the analysed contemporary states,<br />

had as one of its main conditions the rationalistic parliamentarism as the Government<br />

System, was carried out by means of the deductive method, having the Bibliographic<br />

Research as the research technique.


RESUMEN<br />

Esta tesis busca comprobar que el <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, <strong>como</strong><br />

Sistema de Gobierno, funciona, en el Estado Contemporáneo, <strong>como</strong> una de las<br />

condiciones de la <strong>Democracia</strong>, analisando tres sistemas de Gobierno de Europa<br />

Occidental: los de Francia y Alemania trás la Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial y el de Portugal<br />

después de la redemocratización aveni<strong>da</strong> de la Revolución de los Claveles.<br />

Para demostrar esta hipótesis básica, se ha dividido el trabajo en cuatro partes:<br />

la primera de ellas, destina<strong>da</strong> a revisar los conceptos sobre la <strong>Democracia</strong> en el Estado<br />

Contemporáneo, buscando ya establecer las ligaciones existentes entre estas dos<br />

categorías y el Sistema de Gobierno. En la segun<strong>da</strong> parte, lo que se hizo fue<br />

caracterizar el Gobierno y el <strong>Parlamentarismo</strong> en el Estado Contemporáneo<br />

democrático, delimitando a este último el campo de análisis de la investigación<br />

realiza<strong>da</strong>. En la tercera parte se buscó describir el funcionamiento de los sistemas de<br />

Gobierno de Francia, Portugal y Alemania, siempre apuntando las ligaciones entre<br />

estes sistemas y la <strong>Democracia</strong> efectiva<strong>da</strong> en estos países. En la cuarta parte, se<br />

procedió a la sistematización de to<strong>da</strong>s las comprovaciones logra<strong>da</strong>s a lo largo de la<br />

tesis, profundizándose las demostraciones de conexión entre el régimen democrático y<br />

la racionalización del <strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

La demostración de que la <strong>Democracia</strong>, en los estados contemporáneos<br />

analisados, tuvo <strong>como</strong> una de las principales condiciones el <strong>Parlamentarismo</strong><br />

Recionalizado <strong>como</strong> Sistema de Gobierno, fue realiza<strong>da</strong> utilizándose el método<br />

Dedutivo, teniendo <strong>como</strong> técnica de investigación la Investigtación Bibliográfica.


RÉSUMÉ<br />

Cette thèse cherche a prouver que le Parlementarisme Rationalisé comme<br />

Système de Gouvernement, fonctionne, <strong>da</strong>ns l’état Contemporain, comme une des<br />

conditions de la Démocretie, tout en analysant trois Systèmes de Gouvernement de<br />

l’Europe Occidentale: ceux de la France et de l’Allemagne après la deuxième Guerre<br />

Mondial et celui du Portugal après la redémocratisation dû a la Révolution des<br />

Oeillets.<br />

Pour demontrer la base de cette hipothèse, le travail a été divisé en quatre<br />

parts: la première se destine a revoir les concepts sur la Démocratie <strong>da</strong>ns l’Ètat<br />

Contemporain, en essayant déjà d’etablir des liaisons existentes entre ces deux<br />

catégorieset le Système de Gouvernement. Dans la deuxiéme partie, on caracterise le<br />

Gouvernement et le Parlementarisme <strong>da</strong>ns l état Contemporain Démocratique,<br />

délimitant a ce dernier, le champ de l’analyse de la recherche réalisée. Dans la<br />

troisíeme partie on décrit le fonctionnement des Systèmes de Gouvernement de la<br />

France, du Portugal et de l’Allemagne, toujours en montrant les liaisons entre ces<br />

Systèmes et la Démocratie efectué <strong>da</strong>ns ces pays. Dans la quatriéme partie on a<br />

réalisés la systématisation de toutes les conclusions obtenues tout au long de la thése,<br />

en approfondent les démonstrations de la connexion entre le régime démocratique et la<br />

rationalisation du Parlementarisme.<br />

La démonstration que la Démocratie, <strong>da</strong>ns les états contemporains analysés, a<br />

eu comme pricipales conditions le parlementarisme Rationalisé comme système de<br />

Gouvernement, a été realisé en utlilisant la méthode déductible, ayant comme<br />

téchnique de recherche, la recherche bibliographique.


SUMÁRIO<br />

AGRADECIMENTOS .............................................................................................................ii<br />

RESUMO..................................................................................................................................iv<br />

ABSTRACT ..............................................................................................................................v<br />

RESUMEN ...............................................................................................................................vi<br />

RÉSUMÉ .................................................................................................................................vii<br />

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1<br />

PARTE I - DEMOCRACIA E ESTADO CONTEMPORÂNEO ........................................8<br />

CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEMOCRACIA ....................................10<br />

1.1 - ORIGENS DA DEMOCRACIA: ABORDAGEM PANORÂMICA ..........................12<br />

1.2 - O SIGNIFICADO CONTEMPORÂNEO DE DEMOCRACIA .................................22<br />

1.3 - DEMOCRACIA E CIDADANIA................................................................................30<br />

CAPÍTULO II - O ESTADO CONTEMPORÂNEO DEMOCRÁTICO..........................33<br />

2.1 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS .........................................................................35<br />

2.2 - PRINCIPAIS ASPECTOS DE CARACTERIZAÇÃO E LEGITIMAÇÃO ...............41<br />

2.3 - MANIFESTAÇÕES RELEVANTES SOBRE A INTERVENÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO NA SOCIEDADE ......................53<br />

PARTE II - GOVERNO E PARLAMENTARISMO NO ESTADO<br />

CONTEMPORÂNEO DEMOCRÁTICO............................................................................58<br />

CAPÍTULO III - GOVERNO E ESTADO CONTEMPORÂNEO DEMOCRÁTICO...59<br />

3.1 - ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ................................................................................59<br />

3.2 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O GOVERNO DEMOCRÁTICO ....64<br />

3.3 - OS SISTEMAS CONTEMPORÂNEOS DEMOCRÁTICOS DE GOVERNO..........68


3.4 - GOVERNO E PARLAMENTARISMO......................................................................86<br />

CAPÍTULO IV - PARLAMENTARISMO COMO SISTEMA DEMOCRÁTICO DE<br />

GOVERNO: REVISÃO.........................................................................................................91<br />

4.1- CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS ..........................................................................99<br />

4.2 - HISTÓRICO ..............................................................................................................102<br />

4.3 - CARACTERIZAÇÃO E MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO ......................107<br />

4.4 - FORMAS CONTEMPORÂNEAS ............................................................................116<br />

CAPÍTULO V - ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA RACIONALIZAÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO PARLAMENTARISMO...............................................................120<br />

5.1 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS .......................................................................122<br />

5.2 - ALGUMAS FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE RACIONALIZAÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO PARLAMENTARISMO ...............................................................128<br />

5.3 - A RACIONALIZAÇÃO DO PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA<br />

DEMOCRACIA: ASPECTOS PRELIMINARES .............................................................136<br />

PARTE III - A RACIONALIZAÇÃO DO PARLAMENTARISMO E<br />

DEMOCRACIA EM TRÊS CASOS: FRANÇA, PORTUGAL E ALEMANHA ..........144<br />

CAPÍTULO VI - O PARLAMENTARISMO FRANCÊS: RACIONALIZAÇÃO<br />

EXTREMA E DEMOCRACIA...........................................................................................145<br />

6.1 - A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE GOVERNO DA Vª REPÚBLICA............149<br />

6.1.1 - O Presidente <strong>da</strong> República ..................................................................................153<br />

6.1.2 - O Parlamento Francês <strong>da</strong> Vª República ..............................................................166<br />

6.1.3 - O Governo...........................................................................................................169<br />

6.1.4 - As Relações Governo - Parlamento ....................................................................179<br />

6.2 - O PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA DEMOCRACIA ..................183<br />

CAPÍTULO VII - O PARLAMENTARISMO PORTUGUÊS E RACIONALIZAÇÃO<br />

EQUILIBRADA ...................................................................................................................187<br />

7.1 - ENQUADRAMENTO HISTÓRICO.........................................................................188<br />

7.2 - CARACTERIZAÇÃO DO ATUAL SISTEMA DE GOVERNO .............................196<br />

7.3 - AS INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE GOVERNO EM PORTUGAL..................199


7.3.1 - O Chefe de Estado...............................................................................................200<br />

7.3.2 - O Parlamento.......................................................................................................206<br />

7.3.3 - O Governo em Portugal.......................................................................................211<br />

7.4 - A INTERAÇÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GOVERNO<br />

PORTUGUÊS.....................................................................................................................214<br />

7.4.1 - As Relações Entre o Presidente <strong>da</strong> República e o Governo................................214<br />

7.4.2 - As Relações Entre o Presidente <strong>da</strong> República e a Assembléia <strong>da</strong> República .....216<br />

7.4.3 - As Relações Entre a Assembléia <strong>da</strong> República e o Governo ..............................217<br />

7.5 - O PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA DEMOCRACIA ..................221<br />

CAPÍTULO VIII - O PARLAMENTARISMO ALEMÃO E RACIONALIZAÇÃO<br />

DE SEGURANÇA ................................................................................................................225<br />

8.1 - A LEI FUNDAMENTAL DE BONN E O TRATADO DE UNIFICAÇÃO DAS<br />

DUAS ALEMANHAS .......................................................................................................228<br />

8.2 - A ORGANIZAÇÃO DOS PODERES NA ALEMANHA ........................................233<br />

8.2.1 - O Presidente Federal ...........................................................................................233<br />

8.2.2 - O Parlamento Federal..........................................................................................236<br />

8.3 - RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE PARTIDOS..................243<br />

8.3.1 - A <strong>Democracia</strong> Cristã na Alemanha.....................................................................245<br />

8.3.2 - A Social-<strong>Democracia</strong> Alemã...............................................................................246<br />

8.3.3 - A Esquer<strong>da</strong> Comunista e a Proibição de Partidos...............................................247<br />

8.3.4 - O Movimento Liberal..........................................................................................249<br />

8.4 - O CHANCELER FEDERAL.....................................................................................251<br />

8.4.1 - A Eleição do Chanceler Federal..........................................................................252<br />

8.4.2 - O Chanceler e os Ministros .................................................................................253<br />

8.4.3 - As Relações do Chanceler com o Bundestag......................................................255<br />

8.4.4 - A Responsabili<strong>da</strong>de do Chanceler Federal Perante o Presidente <strong>da</strong> República..266<br />

8.5 - O PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA DEMOCRACIA ..................269


PARTE IV - DEMOCRACIA E PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO NO<br />

ESTADO CONTEMPORÂNEO.........................................................................................275<br />

CAPÍTULO IX - A DEMOCRACIA EFETIVADA NO PARLAMENTARISMO<br />

RACIONALIZADO .............................................................................................................277<br />

9.1 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO FRANCÊS DA V REPÚBLICA: O SISTEMA<br />

DO PRESIDENTE .............................................................................................................278<br />

9.2 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO PORTUGUÊS APÓS A REVOLUÇÃO DOS<br />

CRAVOS: O REGIME DO EQUILÍBRIO........................................................................285<br />

9.3 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO ALEMÃO APÓS A SEGUNDA GUERRA<br />

MUNDIAL: O REGIME DO CHANCELER ....................................................................289<br />

9.4 - OS PRINCIPAIS ASPECTOS DE CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA DOS<br />

SISTEMAS DE GOVERNO DA FRANÇA, PORTUGAL E ALEMANHA ...................293<br />

9.4.1 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Francês...........294<br />

9.4.2 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Português.......307<br />

9.4.3 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Alemão ..........314<br />

9.5 - O PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO COMO CONTRIBUTO À<br />

DEMOCRACIA .................................................................................................................323<br />

CONCLUSÃO.......................................................................................................................331<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................343


INTRODUÇÃO<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> em estados<br />

contemporâneos: França, Portugal e Alemanha <strong>como</strong> sistemas para análise. Este é o<br />

título desta Tese, que foi concebido já a partir de pesquisas realiza<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong><br />

produção <strong>da</strong> dissertação de Mestrado de seu autor, no Curso de Pós-Graduação em<br />

Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina, que tratava do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>como</strong> Sistema de Governo no Município e que contou com a necessária análise do<br />

sistema de gabinete.<br />

Durante o desenvolvimento <strong>da</strong>quele trabalho, várias evidências foram<br />

encontra<strong>da</strong>s que permitiram a elaboração <strong>da</strong> hipótese principal desta pesquisa: o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, em determinados estados contemporâneos, serviu<br />

<strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s condições de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Quem trabalha com a Teoria do Estado, com a Teoria Constitucional e com a<br />

Teoria Política, normalmente faz, com maior ou menor intensi<strong>da</strong>de, algumas reflexões<br />

sobre as variáveis que sustentam a <strong>Democracia</strong>. Principalmente em relação ao Brasil. É<br />

comum questionar-se o caráter instável e inadequado do regime democrático brasileiro.<br />

Há quem sequer admita que seja realmente uma <strong>Democracia</strong>.<br />

A partir, então, <strong>da</strong>s leituras leva<strong>da</strong>s a efeito sobre os sistemas de Governo em<br />

outros estados, surgiu a intenção de investigar e comprovar o vínculo entre Governo e<br />

<strong>Democracia</strong>, tendo <strong>como</strong> elo de ligação o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> seu<br />

elemento de estabili<strong>da</strong>de.


Com a realização de estudos e análises do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> em<br />

três estados contemporâneos - França, Portugal e Alemanha -, a partir de épocas<br />

delimita<strong>da</strong>s, buscou-se demonstrar sua vinculação com a estabili<strong>da</strong>de democrática,<br />

sempre considerando as características históricas, sociais e políticas de ca<strong>da</strong> uma<br />

destas socie<strong>da</strong>des.<br />

Deve-se ressaltar que a concepção - antes do conceito - de <strong>Democracia</strong> varia<br />

nos três estados estu<strong>da</strong>dos, <strong>como</strong> será mostrado durante o desenvolvimento desta Tese.<br />

As categorias estabili<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de democrática foram criteriosamente<br />

trabalha<strong>da</strong>s de forma a <strong>da</strong>r um sentido uniforme à pesquisa. O <strong>Parlamentarismo</strong> passou<br />

por processos de racionalização legitimamente aceitos pelas socie<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s e,<br />

com isto, proporcionou estabili<strong>da</strong>de democrática aos respectivos sistemas políticos.<br />

O trabalho pretende demonstrar, também, que o <strong>Parlamentarismo</strong>, ao ser<br />

racionalizado para permitir estabili<strong>da</strong>de, realça sua capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação político-<br />

cultural.<br />

A escolha <strong>da</strong> França, Portugal e Alemanha foi provoca<strong>da</strong> pelas peculiari<strong>da</strong>des<br />

encontra<strong>da</strong>s nos processos de racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>da</strong>queles países e<br />

também porque o autor decidiu-se por concentrar os esforços em regimes<br />

reconheci<strong>da</strong>mente democráticos.<br />

A categoria “regimes reconheci<strong>da</strong>mente democráticos” já na defesa do projeto<br />

desta Tese suscitou muita controvérsia. Entretanto, <strong>como</strong> é de exclusiva<br />

responsabili<strong>da</strong>de do autor o estabelecimento de conceitos operacionais que serão<br />

utilizados no decorrer dos trabalhos, deve-se entendê-la <strong>como</strong> sendo regime<br />

democrático que admite, na prática, e não só em teoria ou em fantasias eleitorais, a<br />

2


existência de propostas ideológicas diametralmente opostas com reais possibili<strong>da</strong>des<br />

de ascenderem ao poder.<br />

Claro que foi a decanta<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> dos Estados Unidos <strong>da</strong> América a<br />

responsável por to<strong>da</strong> a polêmica. Por isto, deixa-se muito claro: aquela <strong>Democracia</strong>,<br />

até agora, não abrigou governos de outra orientação ideológica que não os capitalistas<br />

liberais. Portanto não nos serve, sequer, de contraponto para discussão.<br />

Como o recorte eleito foi o do Estado Contemporâneo democrático, foram<br />

escolhidos três sistemas que sofreram racionalizações distintas, mas que se inserem<br />

entre aqueles exemplos de obstinação pela <strong>Democracia</strong> pluralista estável, com o<br />

Governo servindo <strong>como</strong> um dos suportes para o regime.<br />

Estes estados contemporâneos, <strong>como</strong> será visto, são democráticos não só pelo<br />

aspecto formal, mas também pela convivência de inúmeras correntes ideológicas<br />

dentro de um contexto de desenvolvimento econômico e social importante e evidente,<br />

mesmo com to<strong>da</strong>s as agruras que as duas Grandes Guerras - no caso de França e<br />

Alemanha - e a ditadura salazarista de déca<strong>da</strong>s - no caso de Portugal - lhes impôs.<br />

A França foi escolhi<strong>da</strong> <strong>como</strong> um dos estados a serem estu<strong>da</strong>dos por conta <strong>da</strong><br />

proximi<strong>da</strong>de de seu sistema de Governo parlamentarista racionalizado com o<br />

Presidencialismo. Mas o sistema de Governo francês é de matriz parlamentarista, já<br />

que preserva suas características fun<strong>da</strong>mentais, <strong>como</strong> se faz questão de destacar<br />

também desde o início desta Tese.<br />

Como ain<strong>da</strong> será observado, um dos motivos <strong>da</strong> rápi<strong>da</strong> superação dos<br />

problemas do pós-guerra, foi o modelo de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> adotado na<br />

França. Este sistema permitiu, inclusive, a convivência dos princípios democráticos<br />

3


com o General De Gaulle, líder <strong>da</strong> resistência aos nazistas durante a Segun<strong>da</strong> Guerra e<br />

Presidente francês por dois períodos durante a V República.<br />

A Alemanha está neste trabalho por causa de sua proposta de estabili<strong>da</strong>de de<br />

segurança. O <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, desenvolvido na Alemanha Ocidental<br />

nas déca<strong>da</strong>s seguintes à Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, teve papel fun<strong>da</strong>mental em sua<br />

estabili<strong>da</strong>de democrática durante a chama<strong>da</strong> Guerra Fria e, muito especialmente, no<br />

processo de reunificação <strong>da</strong>s duas alemanhas, após a que<strong>da</strong> do muro de Berlim.<br />

Já Portugal apresenta uma proposta intermediária entre a alemã e a francesa,<br />

contemplando aspectos muito peculiares de sua cultura e que, por via de conseqüência,<br />

se aplicam entre nós, no caso de se desejar refletir sobre a possibili<strong>da</strong>de de<br />

implantação do <strong>Parlamentarismo</strong> no Brasil. Mais importante para este trabalho, porém,<br />

é a constatação de que a racionalização do sistema parlamentarista português<br />

viabilizou a rápi<strong>da</strong> transição do regime ditatorial para a <strong>Democracia</strong> após a Revolução<br />

dos Cravos, tendo produzido uma notável estabili<strong>da</strong>de política e social até aqui.<br />

Vale sempre destacar que, apesar e além dos requisitos levantados para<br />

justificar a escolha dos sistemas de França, Portugal e Alemanha, outra grande<br />

motivação foi o caráter de <strong>Democracia</strong> real existente atualmente em ca<strong>da</strong> um deles.<br />

Para atingir os objetivos propostos, a Tese ficou dividi<strong>da</strong> em quatro partes. A<br />

primeira delas destina-se a revisar os principais aspectos <strong>da</strong>s categorias <strong>Democracia</strong> e<br />

Estado Contemporâneo, com um capítulo para ca<strong>da</strong> uma delas.<br />

Com a <strong>Democracia</strong>, o cui<strong>da</strong>do foi com as particulari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> Estado<br />

estu<strong>da</strong>do, já que, <strong>como</strong> se disse anteriormente, as concepções variam de acordo com as<br />

reali<strong>da</strong>des históricas, culturais e sociais.<br />

4


Com relação ao Estado Contemporâneo democrático, a ênfase centrou-se na<br />

condição de legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua intervenção nos domínios econômico, social e cultural<br />

para atingir objetivos de estabili<strong>da</strong>de democrática através <strong>da</strong> satisfação social.<br />

Na segun<strong>da</strong> parte, concebi<strong>da</strong> em dois capítulos, tratou-se de fazer uma<br />

consistente revisão sobre o Governo e suas manifestações no Estado Contemporâneo,<br />

com uma previsível concentração no sistema parlamentar. Além disto, procurou-se<br />

fazer também uma caracterização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, já <strong>como</strong><br />

subsistema derivado de a<strong>da</strong>ptações do sistema original. Neste segundo capítulo desta<br />

parte, destinado à racionalização democrática do sistema parlamentar, já são aponta<strong>da</strong>s<br />

algumas de suas conexões com a <strong>Democracia</strong>, mesmo que de forma preliminar.<br />

A terceira parte é a mais descritiva delas. Em três capítulos fez-se um<br />

profundo estudo dos sistemas de Governo <strong>da</strong> França, Portugal e Alemanha, também<br />

com algumas demonstrações de <strong>como</strong> ca<strong>da</strong> sistema funciona <strong>como</strong> condição <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

Convencionou-se dizer, para atingir os objetivos desta Tese, que o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> francês é de “racionalização extrema”, que o português é de<br />

“racionalização equilibra<strong>da</strong>” e o alemão de “racionalização de segurança”, com ca<strong>da</strong><br />

uma destas categorias indicando algumas <strong>da</strong>s características de ca<strong>da</strong> um deles.<br />

Na última parte desta Tese faz-se a demonstração <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> efetiva<strong>da</strong> no<br />

Estado Contemporâneo através do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, com uma detalha<strong>da</strong><br />

sistematização de todos os aspectos relevantes de consoli<strong>da</strong>ção democrática em ca<strong>da</strong><br />

um dos três estados, que culmina com o estabelecimento <strong>da</strong>s evidências que tornam<br />

5


esta variação do sistema de Governo parlamentar um contributo à <strong>Democracia</strong>.<br />

To<strong>da</strong> esta Tese foi precedi<strong>da</strong> de uma ampla revisão bibliográfica e de um<br />

importante período de seis meses, no qual o autor esteve na Universi<strong>da</strong>de do Minho,<br />

em Braga, Portugal, principalmente selecionando bibliografia e freqüentando<br />

disciplinas de Ciência Política e Teoria Constitucional, que foram fun<strong>da</strong>mentais para a<br />

elaboração dos capítulos descritivos sobre os sistemas de Governo dos três estados<br />

escolhidos para análise.<br />

Também são necessárias algumas explicações prévias sobre as opções que<br />

foram adota<strong>da</strong>s para a estruturação deste trabalho, pois, para não ampliar em demasia o<br />

seu referente, deixou-se de abor<strong>da</strong>r variáveis muito importantes, <strong>como</strong> os partidos<br />

políticos - neste caso só a Alemanha, por sua especifici<strong>da</strong>de, foi contempla<strong>da</strong> e,<br />

mesmo assim, com uma panorâmica abor<strong>da</strong>gem - e outros segmentos sociais muito<br />

significativos. A intenção foi preservar o objetivo específico <strong>da</strong> Tese, sem desvios que<br />

aumentassem, ain<strong>da</strong> mais, sua área de abrangência.<br />

Outro aspecto fun<strong>da</strong>mental a ser destacado nesta introdução é a concepção de<br />

<strong>Democracia</strong>. Esta categoria pode inspirar a produção de várias teses a seu respeito.<br />

Não foi este o objetivo neste trabalho, apesar de se ter escrito um capítulo exclusivo<br />

para o tema. O que se quis foi vincular o conceito de <strong>Democracia</strong> à cultura e a fatos<br />

específicos de ca<strong>da</strong> um dos estados estu<strong>da</strong>dos. Preservado o núcleo duro do conceito<br />

desta categoria, procurou-se demonstrar que, em termos gerais, ca<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de tem<br />

seu entendimento específico sobre Governo democrático e exercício democrático.<br />

Quanto à metodologia, a opção foi pelo método dedutivo que, segundo<br />

PASOLD, destina-se a “estabelecer uma formulação geral e, em segui<strong>da</strong>, buscar as<br />

6


partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral” 1 e pela técnica 2 de<br />

pesquisa bibliográfica, com raras citações advin<strong>da</strong>s de declarações em seminários ou<br />

textos produzidos em aulas de cursos de Mestrado ou Doutorado.<br />

As categorias estratégicas à elaboração desta Tese têm seus conceitos<br />

operacionais expressos ao longo dos capítulos que a compõem.<br />

Quanto à organização formal desta Tese, os parâmetros considerados foram<br />

aqueles adotados pelo Curso de Pós-Graduação em Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de<br />

Santa Catarina - UFSC, em seu programa de Doutorado.<br />

A organização <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> presente Tese foi elabora<strong>da</strong> para possibilitar um<br />

entendimento lógico e interligado do seu conteúdo, com os capítulos obedecendo<br />

critérios de proporcionali<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong>s partes estabeleci<strong>da</strong>s.<br />

autor.<br />

Os textos em língua estrangeira foram traduzidos livremente pelo próprio<br />

Finalmente, o Autor desta tese isenta, expressamente, o Orientador, os<br />

integrantes <strong>da</strong> Banca e o CPGD/UFSC, de qualquer responsabili<strong>da</strong>de no concernente<br />

ao aporte teórico e ideológico adotado.<br />

1<br />

- PASOLD, Cesar Luiz. Prática <strong>da</strong> pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. Florianópolis:<br />

OAB/SC, 1999, p. 83.<br />

2<br />

- Também segundo PASOLD, nesta mesma obra, na página 84, encontra-se a seguinte definição: “Técnica é um conjunto<br />

diferenciado de informações reuni<strong>da</strong>s e aciona<strong>da</strong>s em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o<br />

comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”.<br />

7


PARTE I - DEMOCRACIA E ESTADO CONTEMPORÂNEO<br />

A <strong>Democracia</strong> percorreu um longo caminho até o Estado Contemporâneo.<br />

Como se sabe, as revoluções burguesas de 1789 e 1848 quase transformaram o<br />

ideal democrático em lugar comum do pensamento político moderno.<br />

Todos os que faziam oposição ao regime democrático tinham o cui<strong>da</strong>do de<br />

reverenciar de forma gentil o princípio fun<strong>da</strong>mentalmente reconhecido, ou tentavam se<br />

esconder por detrás de uma máscara prudente de terminologia democrática.<br />

Nas últimas déca<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> Primeira Guerra Mundial, nenhum estadista<br />

importante ou pensador célebre jamais fez qualquer declaração pública a favor <strong>da</strong><br />

autocracia. Aliás, mesmo com a luta de classes, crescente neste período, entre a<br />

burguesia e o proletariado, não havia oposição no que se referia ao Regime de<br />

Governo. Liberalismo e Socialismo não apresentavam diferença ideológica neste<br />

aspecto. <strong>Democracia</strong> era a palavra de ordem que, nos séculos XIX e XX, dominou<br />

quase universalmente o pensamento político.<br />

Entretanto, <strong>como</strong> qualquer palavra <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, a <strong>Democracia</strong> começou, no início<br />

do século XX, a perder o sentido original. Ela foi usa<strong>da</strong> para muitos fins, muitas vezes<br />

contrastantes.<br />

A revolução social, conseqüência, principalmente, <strong>da</strong> Revolução Industrial e<br />

<strong>da</strong> Primeira Grande Guerra, empurra para a revisão este valor político chamado de<br />

<strong>Democracia</strong>.


O Estado Contemporâneo, concebido e forjado neste ambiente, tendeu, com o<br />

máximo de energia, à realização de uma <strong>Democracia</strong> que, em conjunto com os valores<br />

sociais, representa sua essência teórica.<br />

O movimento do socialismo democrático, em determinado momento <strong>da</strong><br />

história, divide-se em duas facções distintas. Uma delas, autocrática, dá origem a<br />

diversos regimes onde a <strong>Democracia</strong> só é leva<strong>da</strong> em consideração para emprestar um<br />

nome de facha<strong>da</strong> ao regime. Já a outra permanece fiel e decidi<strong>da</strong> a preservar os valores<br />

mínimos <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> e dá origem aos estados <strong>da</strong> Europa Ocidental que estão<br />

incluídos no espectro de interesse desta Tese.<br />

Muitos destes movimentos de conciliação entre a <strong>Democracia</strong> e a proposta de<br />

Estado Social funcionaram, <strong>como</strong> será visto em outros capítulos, <strong>como</strong> uma nova<br />

forma de conceituação para o próprio regime democrático.<br />

Antes disto, porém, é preciso tratar <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> sob o ponto de vista de sua<br />

história e de suas tendências no Estado Moderno e no Estado Contemporâneo. É o que<br />

se pretendeu fazer neste primeiro capítulo.<br />

9


CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES SOBRE A DEMOCRACIA<br />

Nenhuma categoria do vocabulário geral <strong>da</strong> teoria do Estado e do Direito<br />

Constitucional é mais impregna<strong>da</strong> de controvérsias do que a <strong>Democracia</strong>.<br />

Usa<strong>da</strong> por Heródoto há quase três milênios, o significado desta categoria vem<br />

mu<strong>da</strong>ndo ao longo do tempo.<br />

A <strong>Democracia</strong> na i<strong>da</strong>de antiga, que começou a ter vi<strong>da</strong> entre os gregos, seis<br />

séculos antes de Cristo, teve uma curta duração. Basta observar o que escreve Eduard<br />

Gonzalo, quando diz que:<br />

no mundo <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de, democracia significava governo de muitos ou<br />

governo popular. Em que pese a curta fase de governo democrático de<br />

algumas ci<strong>da</strong>des-Estado gregas nos séculos VI-IV a C. , o termo não tinha<br />

necessariamente uma conotação positiva. Ao elaborar uma tipologia sobre<br />

quais eram os diferentes tipos de governo de seu tempo, Aristóteles<br />

discriminou entre três tipos puros - monarquia, aristocracia e república - e<br />

três tipos corruptos - tirania, oligarquia e democracia -, sendo a república o<br />

governo exercido pelos muitos em proveito e interesse <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e a<br />

democracia uma variante impura do mesmo governo onde os muitos o<br />

exerciam em seu próprio interesse. 3<br />

Esta distinção entre o interesse <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de <strong>como</strong> algo contrário, por<br />

definição, ao interesse particular é fun<strong>da</strong>mental para entender a mentali<strong>da</strong>de política<br />

dos antigos, no que diz respeito ao interesse geral <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, que não a concebia<br />

<strong>como</strong> uma mera agregação de interesses particulares, mas sim <strong>como</strong> a expressão de um<br />

bem superior, imbricado na infalibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, o que permitia o desenvolvimento<br />

3 - GONZALO, Eduard. Las democracias. Madrid: Tecnos, 1995, p. 179.


geral <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e de seus ci<strong>da</strong>dãos <strong>como</strong> formadores <strong>da</strong> polis.<br />

Já o problema <strong>da</strong> definição de <strong>Democracia</strong> começa na etimologia <strong>da</strong> palavra e<br />

segue por regimes que são ou se dizem democráticos mas que são diferentes entre si.<br />

Darcy Azambuja assevera que:<br />

alguns a definem gramaticalmente, e então se percebe que a <strong>Democracia</strong><br />

nunca existiu e não existirá jamais. Outras procuram descrevê-la tal <strong>como</strong> ela<br />

é, e então verificam que houve e há tantas democracias quantos Estados a<br />

praticaram e praticam. E há os que a conceituam tal <strong>como</strong> devia ser, e nessa<br />

perspectiva a inteligência e a imaginação criam sistemas que vão do provável<br />

ou possível até magníficas e atrozes utopias. 4<br />

A primeira parte desta Tese será, bem entendido, dedica<strong>da</strong> a algumas<br />

abor<strong>da</strong>gens fun<strong>da</strong>mentais sobre a <strong>Democracia</strong>.<br />

A análise tratará, portanto, de abor<strong>da</strong>r a <strong>Democracia</strong> institucionaliza<strong>da</strong> no<br />

ocidente. Estão fora <strong>da</strong> perspectiva deste trabalho outras manifestações que não<br />

aquelas adstritas às origens dos estados a serem analisados.<br />

Tratar-se-á, desta forma, de descrever o surgimento e desenvolvimento dos<br />

ideais democráticos a partir do século XVIII, sem se descui<strong>da</strong>r de seus principais<br />

aspectos históricos, num primeiro momento, com vistas a destacar as formas e<br />

características <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, para, em segui<strong>da</strong>, fazer-se uma análise dos principais<br />

elementos que integram seu conceito.<br />

4 - AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 216.<br />

11


1.1 - ORIGENS DA DEMOCRACIA: ABORDAGEM PANORÂMICA<br />

Na antigüi<strong>da</strong>de, democracia significava Governo de “muitos” ou governo<br />

popular. Mesmo com a experiência de Governo democrático de algumas ci<strong>da</strong>des-<br />

Estado gregas nos séculos VI, V e IV antes de Cristo, o termo não tinha<br />

necessariamente uma conotação positiva.<br />

Ao elaborar uma tipologia sobre quais eram os diferentes tipos de Governo de<br />

sua época, Aristóteles 5 os organizou em três tipos “puros” - Monarquia, Aristocracia e<br />

República - e três tipos “impuros” - Tirania, Oligarquia e <strong>Democracia</strong> -, sendo a<br />

República o Governo exercido pelos “muitos” para atender o interesse <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />

e a <strong>Democracia</strong> uma variante degenera<strong>da</strong> do Governo dos “muitos”, que o exerciam em<br />

seu próprio interesse. 6<br />

Esta distinção entre o interesse <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de significando algo contraposto<br />

por definição ao interesse particular, é fun<strong>da</strong>mental para a compreensão <strong>da</strong><br />

mentali<strong>da</strong>de política <strong>da</strong> cultura antiga, que não entendia o interesse geral <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de <strong>como</strong> uma mera agregação de interesses particulares, mas sim <strong>como</strong> a<br />

expressão de um valor superior, representado pela virtude e pela lei, que permitia o<br />

desenvolvimento cognitivo e moral do ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> polis.<br />

A intenção <strong>da</strong> corrente dominante <strong>da</strong> filosofia grega e romana era conceber um<br />

Governo justo e harmônico em que os ci<strong>da</strong>dãos se subordinavam a esta “enti<strong>da</strong>de” que<br />

5 - ARISTÓTELES. A política. Trad. Nestor Silveira Chaves. 14. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996, p. 52.<br />

6 - O tipo “puro” de Governo dos “muitos” corresponde, no texto original de ARISTÓTELES, à palavra grega politéia,<br />

palavra que foi interpreta<strong>da</strong> <strong>como</strong> res pública, a partir <strong>da</strong> reintrodução de ARISTÓTELES no ocidente, no século XIII.<br />

12


se situava acima dos interesses particulares.<br />

Sobre o pensamento político dos antigos e na mesma linha de raciocínio,<br />

Caminal Badia assinala que<br />

Aristóteles, Políbio e Cícero se inclinavam por um governo `misto’ que, desde<br />

a perspectiva <strong>da</strong> ética heterônima, integraria em um único governo aquilo que<br />

podia ter de positivo os três tipos puros. A opinião mais generaliza<strong>da</strong> na<br />

antigüi<strong>da</strong>de era que qualquer governo dos `muitos’ - dos `pobres’, <strong>como</strong><br />

Aristóteles já tinha tratado de assinalar -, posto que a multidão, se governava,<br />

só podia fazê-lo por motivações inerentes a sua hostili<strong>da</strong>de de classes,<br />

radicalmente refuta<strong>da</strong> pelos elevados fins que deviam guiar o ci<strong>da</strong>dão. Em<br />

outras palavras, se tendia a acreditar que o governo <strong>da</strong> multidão, enquanto<br />

governo <strong>da</strong>queles que não tinham independência econômica nem meios de<br />

vi<strong>da</strong> suficientes, conduzia inevitavelmente à destruição de to<strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

de vi<strong>da</strong> social organiza<strong>da</strong>, já que, implícita ou explicitamente, se assumia que<br />

os `pobres’eram incapazes de fins que transcendessem seus interesses. 7<br />

Esta posição de Carminal Badia evidencia o caráter aristocrático <strong>da</strong><br />

democracia antiga. Na Grécia, o conjunto de ci<strong>da</strong>dãos habilitados ao exercício <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> direta concentrava quase todo poder <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-Estado, graças à soberania<br />

quase ilimita<strong>da</strong> <strong>da</strong> assembléia popular que exercia a <strong>Democracia</strong> direta e determinava<br />

to<strong>da</strong>s as ações legislativas, judiciais e governativas.<br />

Para a teoria política grega e romana, a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia era uma disposição natural<br />

do indivíduo socialmente emancipado 8 , que incluía automaticamente o exercício de<br />

deveres cívicos em relação à comuni<strong>da</strong>de.<br />

Nem o Governo “popular”, nem o Governo “misto” <strong>da</strong> antigüi<strong>da</strong>de se<br />

fun<strong>da</strong>mentavam na separação entre a comuni<strong>da</strong>de política e a comuni<strong>da</strong>de civil.<br />

7 - BADIA, Miguel Caminal et alii. Manual de ciência política. Madrid: Tecnos, 1996, p. 180.<br />

8 - Ci<strong>da</strong>dão emancipado era aquele com posses suficientes para participar do processo democrático, usando a definição de<br />

Garcia Pelayo, em seu “Las Tranformaciones del Estado Contemporâneo”, editado pela Tecnos, em Madrid, 1987, na página<br />

185.<br />

13


A diferença entre este cenário de miscigenação entre o político e o social e a<br />

<strong>Democracia</strong> moderna é a distinção entre a estrutura institucional e administrativa<br />

“pública”, representa<strong>da</strong> pelo Estado, e o conjunto de indivíduos “privados”.<br />

A <strong>Democracia</strong> sempre teve <strong>como</strong> requisitos os direitos inalienáveis, deveres<br />

recíprocos e virtudes perseverantes dos indivíduos. Rousseau escreveu, sobre a<br />

<strong>Democracia</strong>, que “se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente.<br />

Um governo tão perfeito não convém aos homens”. 9<br />

O conceito de <strong>Democracia</strong> que se foi impondo progressivamente desde o<br />

século XIX refere-se às relações entre Estado e Socie<strong>da</strong>de e não aos deveres em<br />

relação à comuni<strong>da</strong>de, e deixava antever um regime de Governo no qual o poder<br />

político do Estado pertenceria, por direito, a to<strong>da</strong> população, ou seja, ao povo,<br />

entendido <strong>como</strong> o conjunto de ci<strong>da</strong>dãos sem exclusões por razões de classe social, raça<br />

ou sexo, e não somente um grupo específico e limitado de pessoas.<br />

A finali<strong>da</strong>de última <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> seria o controle, intervenção e a definição,<br />

pelos ci<strong>da</strong>dãos, de objetivos do poder político, cuja titulari<strong>da</strong>de lhes corresponderia em<br />

parcelas iguais, de acordo com o princípio de que o Governo deve refletir a vontade do<br />

povo.<br />

A <strong>Democracia</strong> moderna é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> por Alain Touraine, referindo-se a<br />

Aristóteles, <strong>da</strong> seguinte maneira: “Essa separação entre vi<strong>da</strong> pública e vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>,<br />

que acaba por beneficiar a primeira, tornar-se-á o sinal mais evidente <strong>da</strong> concepção<br />

cívica <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s ideologias republicanas ou revolucionárias que, no mundo<br />

9 - ROUSSEAU. Jean-Jacques. O contrato social - princípios de direito político. Trad. Antônio de P. Machado. Rio de<br />

Janeiro: Ediouro, s. d., p. 82.<br />

14


moderno, vão reivindicá-la.” 10<br />

Em um Sistema de Governo democrático moderno, a soberania popular seria<br />

sempre delega<strong>da</strong> às instituições estatais, que exerceriam a autori<strong>da</strong>de em nome dos que<br />

a delegaram.<br />

Na prática, o esquema funcional <strong>da</strong> democracia tal <strong>como</strong> se esboçou no século<br />

XVIII e procurou se consoli<strong>da</strong>r no século XIX se fun<strong>da</strong>mentava na separação entre os<br />

poderes do Estado - legislativo, executivo e judiciário - que se ocupavam <strong>da</strong>s ações<br />

públicas em três esferas distintas - elaboração e aprovação <strong>da</strong>s leis; administração e<br />

execução <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des públicas sob a égide <strong>da</strong> lei e a aplicação de sanções àqueles<br />

que não cumprissem a lei ou a solução de conflitos privados entre os ci<strong>da</strong>dãos.<br />

Deve-se sublinhar que a evolução <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> noção genérica -<br />

Governo popular - e <strong>como</strong> prática - <strong>Democracia</strong> representativa - não foi convergente.<br />

A gênese do conceito moderno de <strong>Democracia</strong> teve origem num período de tempo<br />

relativamente curto, com a revolução inglesa do século XVIII, a declaração de<br />

independência dos Estados Unidos e a Revolução francesa. É durante este período,<br />

entre meados do século XVII e princípios do século XVIII, que se configura a idéia de<br />

que uma ordem política não pode ser estabeleci<strong>da</strong> sem a ausculta à vontade popular.<br />

Neste sentido e para ser fiel à cronologia utiliza<strong>da</strong> até aqui, deve-se utilizar a<br />

lição de Jorge Miran<strong>da</strong>. O tratadista português escreve que “ para designar o princípio<br />

democrático, a Revolução Francesa lançou as locuções `soberania do povo’ e<br />

`soberania nacional’, as quais persistem ain<strong>da</strong> em numerosas Constituições, na<br />

10 - TOURAINE, Alain. O que é a democracia? Trad.Guilherme João de Freitas Teixeira. 2 Ed.Petrópolis: Vozes, 1996, p. 40.<br />

15


linguagem doutrinal e na prática.” 11<br />

A noção de Governo popular era poliédrica 12 e apresentava diversas variáveis.<br />

Para algumas teorias sobre a <strong>Democracia</strong> desde o final do século XVIII, a principal<br />

destas variáveis era a <strong>Democracia</strong> direta e não a representativa, identifica<strong>da</strong>, a<br />

primeira, <strong>como</strong> a autêntica <strong>Democracia</strong>, já que todo movimento legislativo seria<br />

resultado <strong>da</strong> deliberação de uma assembléia popular.<br />

Na primeira metade do século XIX, ocorre na Europa uma ferrenha disputa<br />

entre o antigo regime aristocrático e o novo regime democrático.<br />

Em 1831, a Constituição belga consagra um sistema parlamentar semelhante<br />

ao Inglês, no qual o Poder executivo ganha natureza essencialmente ministerial e não<br />

mais real, ficando com o Rei apenas o poder de arbitragem, intervindo somente para<br />

restabelecer a harmonia entre os poderes. Estados <strong>como</strong> a Dinamarca e os Países<br />

Baixos também adotam esse sistema em 1848. A Suécia e a Noruega, com pequenas<br />

variações, também se filiam ao <strong>Parlamentarismo</strong> em 1809 e 1814, respectivamente.<br />

Na segun<strong>da</strong> metade do século XIX, a adesão à <strong>Democracia</strong> liberal é quase<br />

total. Nos Estados Unidos, a vitória do Norte contra o Sul na Guerra de Secessão, em<br />

1865, consolidou este regime e o capitalismo, bem <strong>como</strong> reforçou a Federação e o<br />

Governo democrático.<br />

Na França, o <strong>Parlamentarismo</strong> democrático também se desenvolveu no século<br />

11<br />

- MIRANDA, Jorge. Ciência política - formas de governo. Lisboa: Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Lisboa, 1992, p.<br />

146.<br />

12<br />

- O termo “poliédrica” indica que o Governo popular possuia muitas faces e concepções. É uma expressão utiliza<strong>da</strong> pelo<br />

autor desta Tese.<br />

16


XIX, “apesar <strong>da</strong> Constituição de 1814 ter instituído um regime de monarquia<br />

limita<strong>da</strong>, na qual o Rei dispunha do monopólio <strong>da</strong> iniciativa legislativa, do direito de<br />

veto e do direito de dissolução”, conforme ensina Philippe Lauvaux 13 .<br />

Segundo Duverger, “o sistema parlamentar na França se desenvolveu<br />

lentamente entre os anos de 1814 e 1848 e sobre uma base bastante restrita de<br />

eleitores, sendo que o sufrágio universal apenas foi instaurado em 1848, durante a<br />

Segun<strong>da</strong> República.” 14 Com a Terceira República (1870 a 1940) consolidou-se o<br />

sistema parlamentar e a <strong>Democracia</strong>, muito embora, <strong>como</strong> assinala Samuel Finer, “com<br />

um nítido predomínio do Legislativo sobre o Gabinete de Governo.” 15<br />

As noções de <strong>Democracia</strong> direta e de <strong>Democracia</strong> representativa existiam, no<br />

século XIX, inseri<strong>da</strong>s em muitos movimentos favoráveis ao Governo Constitucional, o<br />

que significava um Governo Parlamentar que apresentava algumas características <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> representativa - separação dos poderes, representação política, eleições,<br />

etc. - mas que limitava, de um modo ou de outro, os poderes do Parlamento e restringia<br />

o direito de voto em função de barreiras para a participação popular determina<strong>da</strong>s por<br />

critérios de proprie<strong>da</strong>de e nível de riqueza.<br />

Já a <strong>Democracia</strong> do século XX foi mol<strong>da</strong><strong>da</strong> através de vários avanços <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> representativa, que acabou por prevalecer, até por questões de<br />

operacionali<strong>da</strong>de. A <strong>Democracia</strong> direta remanesceu em institutos <strong>como</strong> o Referendo e<br />

o Plebiscito, utilizados pelas socie<strong>da</strong>des de estados constitucionalizados em ocasiões<br />

13<br />

- LAUVAUX, Philippe. O parlamentarismo. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p. 28.<br />

14<br />

- DUVERGER, Maurice. Os grandes sistemas políticos. Trad. Fernando Ruivo e Fernando Pinto. Coimbra: Almedina,<br />

1985, p. 33.<br />

15<br />

- FINER, Samuel E. Governo comparado. Brasília: UnB, 1981, p. 257.<br />

17


especiais e relevantes.<br />

As teorias democráticas, contemporaneamente, mantiveram uma grande<br />

diversi<strong>da</strong>de de enfoques. Afora aquelas que são teorias normativas puras, o restante<br />

não tem <strong>como</strong> ponto de parti<strong>da</strong> o debate ideológico sobre a <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> havia<br />

sido iniciado no século XIX.<br />

No século XIX e no início do século XX generalizou-se, no mundo ocidental,<br />

<strong>como</strong> observado anteriormente, o modelo que se convencionou chamar de <strong>Democracia</strong><br />

liberal. C. B. Macpherson, no seu “A <strong>Democracia</strong> Liberal - Origens e evolução”,<br />

escreve que:<br />

o conceito de democracia liberal só se tornou possível quando os teóricos - a<br />

princípio uns poucos, e depois a maioria dos teóricos liberais - descobriram<br />

razões para acreditar que `ca<strong>da</strong> homem um voto’ não seria arriscado para a<br />

proprie<strong>da</strong>de, ou para a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des dividi<strong>da</strong>s em classes. Os<br />

primeiros pensadores sistemáticos a pensarem assim foram Bentham e Johnn<br />

Mill, em princípios do século XIX. 16<br />

O mesmo autor ressalta o surgimento <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> pauta<strong>da</strong> pelo liberalismo.<br />

Macpherson escreve que:<br />

assim, vejo o divisor de águas entre a democracia utópica e a democracia<br />

liberal aparecer em inícios do século XIX. Essa é minha razão para tratar as<br />

teorias de antes do século XIX <strong>como</strong> precursoras <strong>da</strong> democracia liberal, mais<br />

do que tratar qualquer delas, digamos, de Rousseau ou Jefferson ou de<br />

qualquer dos teóricos puritanos do século XVII, <strong>como</strong> parte <strong>da</strong> tradição<br />

liberal-democrática `clássica’. Isso não quer dizer que os conceitos anteriores<br />

ao século XIX tenham sido negligenciados ou esquecidos pelos teóricos do<br />

século XX. 17<br />

Para evitar qualquer confusão de concepção ou conceitual, é importante<br />

16<br />

- MACPHERSON, C. B. A democracia liberal - origens e evolução. Trad. de Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar,<br />

1978, p. 17.<br />

17<br />

- MACPHERSON, C. B. Id. Ibid. p. 18.<br />

18


considerar o que Reale escreve sobre o tema, quando assinala que:<br />

à primeira vista parece que a democracia liberal surgiu a um só tempo, <strong>como</strong><br />

um sistema único e íntegro, a tal ponto que houve mestres de Política e de<br />

Direito segundo os quais o adjetivo `liberal’ seria dispensável, por ser<br />

imanente à idéia de `democracia’. A história, no entanto, demonstra-nos que<br />

não foi assim, pois distintas são as fontes <strong>da</strong>s quais se originam a democracia<br />

e liberalismo, aquela já existente no Mundo Antigo; o outro, expressão típica<br />

<strong>da</strong> Época Moderna. 18<br />

E completa o autor escrevendo que “fica, assim, esclarecido que a democracia<br />

antecede ao liberalismo, assim <strong>como</strong> a democracia liberal precede à social-<br />

democracia.” 19 Esta observação final de Reale é muito importante para esta Tese, no<br />

sentido de localizar o Estado Social, que estará sempre presente nos próximos<br />

capítulos.<br />

Já Burdeau, ao tratar <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> no Estado Liberal, assume uma posição<br />

um tanto diferente de Reale, ao observar que<br />

se é ver<strong>da</strong>de que a democracia se associa à liber<strong>da</strong>de, é <strong>da</strong> interpretação <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de pelo pensamento liberal que deriva a democracia tal <strong>como</strong> foi<br />

realiza<strong>da</strong> no Estado liberal. Esta asserção parece uma ver<strong>da</strong>de de La Palice,<br />

mas na reali<strong>da</strong>de não é assim, pois se apoia numa observação cronológica<br />

essencial: o liberalismo é anterior à democracia. Para contestar esta<br />

cronologia, poder-se-ia evocar a democracia grega. Na reali<strong>da</strong>de, esta teve<br />

uma existência muito breve e apenas sobreviveu no espírito dos homens a<br />

título de um modelo intelectual mais ou menos idealizado. Pode pois dizer-se<br />

que, no momento em que a idéia democrática ressurgiu nos tempos modernos,<br />

a democracia tinha de ser reinventa<strong>da</strong>. 20<br />

De qualquer forma, com a <strong>Democracia</strong> Liberal, consolidou-se a <strong>Democracia</strong><br />

enquanto valor fun<strong>da</strong>mental, vista <strong>como</strong> o regime mais adequado ao atendimento <strong>da</strong>s<br />

necessi<strong>da</strong>des humanas e que mais respeita a natureza do homem. Canotilho ensina que<br />

18<br />

- REALE, Miguel. O estado democrático de direito e o conflito <strong>da</strong>s ideologias. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 25.<br />

19<br />

- REALE, Miguel. Id. Ibid. p. 27.<br />

20<br />

- BURDEAU, Georges. O liberalismo. Trad. de J. Ferreira. Lisboa: Europa-América, 1979, p. 163.<br />

19


“não obstante a tendencial antidemocratici<strong>da</strong>de do liberalismo e do parlamentarismo<br />

liberal, a teoria do governo e <strong>da</strong> democracia representativa acabou por impor-se<br />

quando, nos finais do século XIX e começos do século XX, o sufrágio passou a ser<br />

praticamente universal.” 21<br />

Para realçar mais ain<strong>da</strong> esta assertiva, deve-se ressaltar a afirmação de Dalmo<br />

Dallari, no sentido de que “consolidou-se a idéia de Estado Democrático <strong>como</strong> ideal<br />

supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante,<br />

mesmo quando patentemente totalitários, admitem que não sejam democráticos.” 22<br />

Contemporaneamente, principalmente a partir do segundo pós-guerra, a<br />

<strong>Democracia</strong> liberal experimentou diversas modificações, <strong>da</strong>ndo origem a um novo tipo<br />

de regime que Duverger denomina de “tecnodemocracia” 23 . Tal regime decorreu <strong>da</strong><br />

evolução, ao longo do tempo, <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> liberal e está em vigor até hoje.<br />

O tratadista francês também estabelece um comparativo entre estes dois tipos<br />

de <strong>Democracia</strong>, apontando que:<br />

a <strong>Democracia</strong> liberal de 1870-1939 e a tecnodemocracia posterior a 1945<br />

opõem-se ponto por ponto. A primeira beseava-se na concorrência econômica<br />

e na lei do mercado; a segun<strong>da</strong> assenta em grandes empresas de direção<br />

coletiva que planificam suas ativi<strong>da</strong>des e impõem os seus produtos através <strong>da</strong><br />

publici<strong>da</strong>de e dos `mass midia’. A primeira pretendia um Estado fraco, que<br />

não interviesse no domínio econômico; a segun<strong>da</strong> exige que os governantes<br />

assegurem a coordenação geral <strong>da</strong> produção, do consumo e <strong>da</strong>s trocas,<br />

através de diferentes intervenções e estímulos. A primeira assistia ao<br />

confronto de partidos de quadros, ... ; a segun<strong>da</strong> confronta partidos de<br />

massas, disciplinando seus aderentes e os seus leaders, que eles integram<br />

numa ação coletiva. 24<br />

21 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 402.<br />

22 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 132.<br />

23 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 41.<br />

24 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 41.<br />

20


Manuel Gonçalves Ferreira Filho varia um pouco o enfoque e pondera que “na<br />

<strong>Democracia</strong> providencialista predomina o valor liber<strong>da</strong>de, mas há uma clara ação do<br />

Estado no sentido de se criar uma igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des.” 25<br />

Já Burdeau entende que a <strong>Democracia</strong> Social pode ser resumi<strong>da</strong> na liberação<br />

dos indivíduos em relação a to<strong>da</strong>s as formas de opressão. Para o publicista francês,<br />

“dentro do contexto de idéias no qual situa-se a democracia social, os direitos do<br />

homem não são mais apenas protetores <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, mas exigências de ação do<br />

Estado visando a satisfazer as necessi<strong>da</strong>des humanas, que, se não forem satisfeitas,<br />

impedem ao homem de alcançar a plenitude de seu ser.” 26<br />

Com estas condições, nos dias de hoje, não mais vigora a <strong>Democracia</strong> liberal<br />

mas sim um novo tipo de <strong>Democracia</strong>, que nesta Tese será trazi<strong>da</strong> para as órbitas <strong>da</strong><br />

Teoria Política 27 , <strong>da</strong> Ciência Política 28 e do Direito Constitucional 29 , com um recorte<br />

para o que seria uma de suas condições: o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>.<br />

25<br />

- FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 86.<br />

26<br />

- BURDEAU, Georges. La democrácia. Trad. Hector Morales. Barcelona: Ariel, 1970, p. 58.<br />

27<br />

- Entendi<strong>da</strong>, nesta Tese, <strong>como</strong> a intenção prescritiva <strong>da</strong> doutrina.<br />

28<br />

- Entendi<strong>da</strong>, nesta Tese, <strong>como</strong> a intenção descritiva <strong>da</strong> doutrina.<br />

29<br />

- Entendido, nesta Tese, <strong>como</strong> aquele ramo do Direito que se ocupa <strong>da</strong>s prescrições e previsões<br />

constitucionais.<br />

21


1.2 - O SIGNIFICADO CONTEMPORÂNEO DE DEMOCRACIA<br />

No item anterior discorreu-se, em linhas gerais, sobre as origens <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>. Como se viu, foi um longo desenvolvimento que culminou com sua<br />

consoli<strong>da</strong>ção <strong>como</strong> Regime de Governo no Estado Contemporâneo.<br />

Entretanto, qual é o exato significado atual desta palavra que tão<br />

profun<strong>da</strong>mente marca o pensamento e a vi<strong>da</strong> política contemporânea?<br />

Antes de abor<strong>da</strong>r o significado ou os significados de <strong>Democracia</strong>, cabe aqui<br />

uma pequena observação. O escopo <strong>da</strong> presente Tese é estabelecer o vínculo existente<br />

entre o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> e a <strong>Democracia</strong> institucionaliza<strong>da</strong> nos países<br />

que serão objetos de análise. Este será o objetivo em que esta Tese vai se concentrar.<br />

Nestas condições, este trabalho não contém uma análise filosófica <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>, nem <strong>da</strong>s teorias que se formaram sobre ela. Em conseqüência, os<br />

conceitos que se pretende apresentar para o tema estão situados no âmbito do Direito<br />

Constitucional, <strong>da</strong> Teoria Política e do Direito Constitucional.<br />

Feitas estas observações, ain<strong>da</strong> assim há outra dificul<strong>da</strong>de bem exposta por<br />

Alain Touraine quando afirma que “o que define a <strong>Democracia</strong> não é, portanto,<br />

somente um conjunto de garantias institucionais ou o reino <strong>da</strong> maioria, mas antes de<br />

tudo o respeito pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de<br />

uma liber<strong>da</strong>de pessoal com o direito de identificação com uma coletivi<strong>da</strong>de social,<br />

22


nacional ou religiosa particular.” 30<br />

Apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que este tipo de abor<strong>da</strong>gem enseja, alguns autores<br />

trataram de estu<strong>da</strong>r a <strong>Democracia</strong> com um viés lógico sistemático.<br />

Carl Schmitt, por exemplo, em sua conheci<strong>da</strong> obra sobre a Constituição<br />

definiu a <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> a identi<strong>da</strong>de entre os dominadores e os dominados, entre<br />

os governantes e os governados, entre os que man<strong>da</strong>m e os que obedecem. Para ele, “a<br />

chave <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> é a existência de identificação entre governantes e governados<br />

de modo que a força ou a autori<strong>da</strong>de dos que dominam ou governam deve ser apoia<strong>da</strong><br />

na vontade, no man<strong>da</strong>to e na confiança dos que são governados de forma que esses<br />

governem a si mesmos.” 31<br />

Na mesma direção ensina Arendt Lijphart, ao afirmar que “o governo<br />

democrático ideal seria aquele cujos atos estivessem sempre em perfeita<br />

correspondência com as preferências de todos os ci<strong>da</strong>dãos.” 32 Para este autor, muito<br />

embora tal correspondência jamais tenha sido posta em prática por nenhum Governo,<br />

deve ser uma meta ideal a que todos os regimes democráticos têm que aspirar.<br />

Para Ferreira Filho, a <strong>Democracia</strong> contemporânea gira em torno de dois<br />

valores: a Liber<strong>da</strong>de e a Igual<strong>da</strong>de, valores que ao mesmo tempo se atraem e se<br />

repelem. Assim, conseqüentemente, um regime democrático seria aquele que<br />

garantisse a liber<strong>da</strong>de e a igual<strong>da</strong>de. Para o constitucionalista, “o princípio<br />

democrático significa atribuir o poder ao povo, o que importa numa identificação<br />

entre governantes e governados.” 33<br />

30 - TOURAINE, Alain. Op. Cit. p. 26.<br />

31 - SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Trad. Miguel Pereles. Madrid: Alianza, 1982, p. 230.<br />

32 - LIJPHART, Arendt. As democracias contemporâneas. Trad. Carlos Coutinho. Lisboa: Gradiva, 1989, p. 14.<br />

33 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução <strong>da</strong> democracia. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 30.<br />

23


José Afonso <strong>da</strong> Silva conceitua <strong>Democracia</strong> “não <strong>como</strong> um valor-fim, mas<br />

meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se<br />

traduzem basicamente nos direitos fun<strong>da</strong>mentais do homem.” 34 Para ele, <strong>como</strong> regime<br />

político, a democracia seria defini<strong>da</strong> <strong>como</strong> “um processo de convivência social em que<br />

o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em<br />

proveito do povo.” 35<br />

Interessante é a posição Olavo Brasil de Lima Júnior, quando mostra que<br />

existem forças muito poderosas atuando dentro do sistema político, particularmente<br />

dentro <strong>da</strong>s organizações partidárias. O autor escreve que:<br />

a democracia, por conta do modo particular de organização do partido<br />

moderno, voltado para a organização e mobilização <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de -<br />

enquanto burocracia -, deixou de ser a base para o desenvolvimento potencial<br />

dos indivíduos e transformou-se em método para assegurar a liderança<br />

política nacional efetiva. Transformou-se em democracia plebiscitária e de<br />

liderança: plebiscitária, porque as eleições não mais se distinguem de moções<br />

de confiança; de liderança, porque o que está em jogo é a confiança em<br />

líderes. 36<br />

É <strong>como</strong> acontece na França e, em menor escala, em Portugal e na Alemanha,<br />

<strong>como</strong> será visto mais adiante nesta Tese. Como ain<strong>da</strong> explica Lima Júnior, nestes<br />

países “esse desenvolvimento, que tem <strong>como</strong> motor a extensão progressiva do sufrágio<br />

e a organização dos partidos de massa, levou à erosão do Parlamento <strong>como</strong> centro de<br />

debate e decisão.” 37<br />

Karl Loewenstein entende que nas democracias todo o poder emana do povo,<br />

devendo tanto o Governo <strong>como</strong> o parlamento estar de acordo com a vontade do povo.<br />

34 - SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: RT, 1992, p. 114.<br />

35 - SILVA, José Afonso. Id. Ibid. p. 115.<br />

36 - LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil. Instituições políticas democráticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 20.<br />

37 - LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil. Id. Ibid. p. 20.<br />

24


Acrescenta, ain<strong>da</strong>, ser propósito <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> a ocorrência regular de eleições livres<br />

e honestas, nas quais devem competir to<strong>da</strong>s as ideologias e as forças sociais que as<br />

promovem. Loewenstein entende que nas democracias “há uma conformação<br />

triangular do poder composta pelo Parlamento, pelo Governo e pelo Povo, sendo que<br />

o poder político, por estar distribuído entre vários detentores do poder, está<br />

submetido a um permanente controle.” 38<br />

O jurista e teórico político Norberto Bobbio parte de uma definição mínima de<br />

<strong>Democracia</strong>, que para ele é o conjunto de regras que visam estabelecer quem, num<br />

determinado grupo social, está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais<br />

procedimentos. O ilustre pensador parte <strong>da</strong> idéia segundo a qual “todo grupo social<br />

está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o<br />

objetivo de prover a própria sobrevivência.” 39 To<strong>da</strong>via, estas decisões deverão ser<br />

toma<strong>da</strong>s por indivíduos do grupo (apenas um, alguns, muitos, todos) e para que possam<br />

ser aceitas <strong>como</strong> decisão coletiva impõe-se sejam toma<strong>da</strong>s com base em certas normas,<br />

com Bobbio também assinalando que são aquelas “que estabelecem quais os<br />

indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do<br />

grupo, e à base de quais procedimentos.” 40 Bobbio ain<strong>da</strong> acrescenta, ao analisar o<br />

tema do ponto de vista <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, que <strong>Democracia</strong> também deve significar “um<br />

regime no qual todos os ci<strong>da</strong>dãos adultos têm direitos políticos” 41 Em outras palavras,<br />

a acertiva do pensador italiano quer denotar que <strong>Democracia</strong> é um sistema no qual<br />

deve existir sempre o sufrágio universal.<br />

38 - LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución. Trad. José Liadmantel. Barcelona: Ariel, 1986.<br />

39 - BOBBIO, Norberto. O futuro <strong>da</strong> democracia - uma defesa <strong>da</strong>s regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 18.<br />

40 - BOBBIO, Norberto. Id. Ibid. p. 18.<br />

41 - BOBBIO, Norberto. Id. Ibid. p. 44.<br />

25


Georges Burdeau entende que, politicamente, o objetivo <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> é a<br />

liberação do indivíduo <strong>da</strong>s coações autoritárias, sua participação no estabelecimento<br />

<strong>da</strong>s regras que estará obrigado a observar, enquanto que econômica e socialmente, o<br />

benefício <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> se traduz na existência, no seio <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, de condições<br />

de vi<strong>da</strong> que assegurem a ca<strong>da</strong> um a segurança e a <strong>como</strong>di<strong>da</strong>de adquiri<strong>da</strong>s para seu<br />

destino. Nestas condições, ensina o constitucionalista, “uma socie<strong>da</strong>de democrática é,<br />

pois, aquela em que se excluem as desigual<strong>da</strong>des decorrentes <strong>da</strong> área <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

econômica, em que a fortuna não é uma fonte de poder, em que trabalhadores estejam<br />

defendidos <strong>da</strong> opressão, em que ca<strong>da</strong> um, enfim, possa fazer valer um direito a obter<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de uma proteção contra os riscos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.” 42<br />

Trazendo uma contribuição de muita importância, o professor Pinto Ferreira<br />

afirma existirem pelo menos três correntes doutrinárias a respeito <strong>da</strong> definição de<br />

<strong>Democracia</strong>. Para o tratadista, a <strong>Democracia</strong> tem um sentido clássico de Governo do<br />

povo que expressaria sua vontade por meio de sua maioria. Assim, para os que seguem<br />

esta corrente, <strong>Democracia</strong> seria “o governo <strong>da</strong>s maiorias constitucionais” 43 . Entre os<br />

seguidores desta corrente, o autor destaca Barthélemy e Duez e Esmein e Munro. Neste<br />

sentido, a <strong>Democracia</strong> seria o oposto <strong>da</strong> monarquia por ser esta basea<strong>da</strong> num poder<br />

hereditário. Seria também o oposto de aristocracia, por ser ela o regime de poucos. E<br />

também <strong>da</strong> ditadura, que seria um regime onde uma pessoa ou um grupo se apossa do<br />

poder pela força ou pela violência, governa autoritariamente e não pode ser alijado do<br />

poder senão pelo recurso à violência.<br />

Ain<strong>da</strong> com Pinto Ferreira, pode-se observar que outros publicistas, citados por<br />

42 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 61.<br />

43 - FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5. ed., 1991, p. 86/87.<br />

26


ele, se contrapõem à idéia de <strong>Democracia</strong> significando o governo <strong>da</strong>s maiorias. Entre<br />

eles, o filósofo Johnn Stuart Mill e o jurista Hans Kelsen, para os quais a <strong>Democracia</strong><br />

não pode ser entendi<strong>da</strong> apenas <strong>como</strong> o Governo <strong>da</strong>s maiorias, mas deve ser “um<br />

sistema de vi<strong>da</strong> em que se assegure às minorias políticas a possibili<strong>da</strong>de de existência<br />

legal na vi<strong>da</strong> nacional.” 44 Neste sentido é que deve ser entendi<strong>da</strong> a idéia de<br />

plurali<strong>da</strong>de de partidos políticos, <strong>da</strong> coexistência legal deles dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, do<br />

rodízio <strong>da</strong>s maiorias e do respeito às minorias. Dentro <strong>da</strong> concepção em tela, a<br />

<strong>Democracia</strong> seria um regime no qual a maioria não poderia fazer tudo aquilo que bem<br />

entendesse, mas sim em que deveriam conviver harmonicamente a maioria e a minoria,<br />

ou as maiorias e as minorias, dentro de um conjunto de leis que garantisse não somente<br />

o respeito às minorias, aqui entendi<strong>da</strong>s <strong>como</strong> co-participantes do processo político,<br />

<strong>como</strong> a possibili<strong>da</strong>de de a minoria se tornar maioria pela decisão dos representados.<br />

escrevendo que:<br />

Kelsen expressa sua posição em relação à dialética maioria/minoria<br />

numa democracia, a vontade <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de é sempre cria<strong>da</strong> através de uma<br />

discussão entre maioria e minoria e <strong>da</strong> livre consideração de todos os a favor<br />

e contrários a uma regulamentação determina<strong>da</strong>. Tal discussão não somente<br />

tem lugar no Parlamento, senão também, e sobretudo, em reuniões políticas,<br />

jornais, livros e outros veículos <strong>da</strong> opinião pública. Uma democracia sem<br />

opinião pública é uma contradição. 45<br />

O professor Pinto Ferreira aponta ain<strong>da</strong> a existência de uma terceira concepção<br />

de <strong>Democracia</strong>, sustenta<strong>da</strong> especialmente por Harold Laski. Segundo ela, “a<br />

<strong>Democracia</strong> seria uma técnica de igual<strong>da</strong>de, devendo ser entendi<strong>da</strong> <strong>como</strong> mecanismo<br />

legal de proteção às massas operárias. Visaria ela, em última análise, a possibili<strong>da</strong>de<br />

44 - FERREIRA, Luiz Pinto. Id. Ibid. p. 87.<br />

45 - KELSEN, Hans. Teoria general del derecho y del estado. Ciu<strong>da</strong>d de México: Universi<strong>da</strong>d Nacional de México, 1969, p.<br />

341.<br />

27


<strong>da</strong> existência de uma <strong>Democracia</strong> econômica.” 46<br />

Ao revisar estas três concepções de <strong>Democracia</strong>, Pinto Ferreira acaba por<br />

concluir que para a compreensão exata <strong>da</strong> noção de <strong>Democracia</strong>, é necessário<br />

condensá-las. Assim, o constitucionalista apresenta a seguinte definição para<br />

<strong>Democracia</strong>: “é o governo constitucional <strong>da</strong>s maiorias que, sobre as bases de uma<br />

relativa liber<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de, pelo menos a igual<strong>da</strong>de civil (a igual<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong><br />

lei), proporciona ao povo o poder de representação e fiscalização dos negócios<br />

públicos.” 47<br />

Pode-se notar, por to<strong>da</strong>s estas definições, <strong>como</strong> é tarefa extremamente difícil<br />

formular uma definição única e exata do termo. Na reali<strong>da</strong>de, todos os conceitos e<br />

noções apresentados são corretos no sentido de retratarem ao menos uma faceta do<br />

tema. E deve-se ressaltar que <strong>Democracia</strong> não significa apenas um conjunto de regras e<br />

procedimentos. Com Celso Campilongo pode-se perceber bem isto, quando ele escreve<br />

que<br />

as regras do jogo compõem uma definição mínima de democracia. Um ponto<br />

de parti<strong>da</strong>. No plano estatal, <strong>como</strong> demonstrou Bobbio em diversos trabalhos<br />

e especialmente em O Futuro <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, a regra <strong>da</strong> maioria tem sido<br />

aponta<strong>da</strong> <strong>como</strong> básica. Mas as premissas <strong>da</strong> democracia nas organizações<br />

sociais, nas pequenas comuni<strong>da</strong>des e no direito sistêmico - ain<strong>da</strong> que<br />

vincula<strong>da</strong>s a essa definição mínima - certamente podem combinar-se com<br />

outros critérios de formação <strong>da</strong> vontade coletiva. Esse o duplo desafio <strong>da</strong><br />

teoria do direito e do Estado: de um lado superar as amarras metodológicas<br />

que enclausuram o direito, a soberania e a democracia no espaço estatal; de<br />

outro lado, construir modelos explicativos que dêem conta <strong>da</strong> nova<br />

reali<strong>da</strong>de. 48<br />

Verifica-se também que to<strong>da</strong> noção de <strong>Democracia</strong> está intimamente liga<strong>da</strong> à<br />

46 - FERREIRA, Luiz Pinto. Op. Cit. p. 87-88.<br />

47 - FERREIRA, Luiz Pinto. Op. Cit. p. 88.<br />

48 - CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 104.<br />

28


de um Regime de Governo exercido pelo povo e que dê a ele as necessárias condições<br />

de participação. Neste sentido é que se pretende demonstrar a íntima ligação do<br />

instrumento de Governo - no caso, o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado - com a<br />

<strong>Democracia</strong> efetiva<strong>da</strong>.<br />

Em última análise, pois, a <strong>Democracia</strong> é um Regime de Governo caracterizado<br />

por atribuir a titulari<strong>da</strong>de do poder ao povo. Assim, o Governo democrático é aquele<br />

que desenvolve formas aptas a possibilitar ao povo o exercício direto ou indireto do<br />

poder.<br />

Mesmo assim, esta não é a única característica <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, já que ela<br />

também deve ser entendi<strong>da</strong> <strong>como</strong> um regime no qual os governantes, uma vez<br />

investidos no poder pelo povo, vão exercê-lo de acordo com a vontade dos governados,<br />

ou seja, deve haver razoável harmonia entre governantes e governados, para que o<br />

poder seja exercido efetivamente em nome do povo. Para a existência desta harmonia,<br />

é preciso que os canais de participação e de controle no e do Governo estejam<br />

permanentemente abertos à participação <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de, sem que isto inviabilize ou<br />

retarde a implementação <strong>da</strong>s ações governativas reivindica<strong>da</strong>s pela coletivi<strong>da</strong>de.<br />

29


1.3 - DEMOCRACIA E CIDADANIA<br />

Cometer-se-ia, muito provavelmente, um séria omissão se não fosse trazido a<br />

esta Tese, mesmo que de forma panorâmica, o vínculo <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> com a<br />

Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Não há Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sem que a <strong>Democracia</strong> esteja assegura<strong>da</strong>, pois, <strong>como</strong><br />

ensina Osvaldo Ferreira de Melo, ela é “o pleno gozo dos direitos políticos. O vínculo<br />

entre o indivíduo e o Estado.” 49<br />

Pode-se perceber a importância <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia para a <strong>Democracia</strong>, pelas<br />

palavras de Alain Touraine, quando assevera que “não há ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sem a consciência<br />

de filiação a uma coletivi<strong>da</strong>de política, na maior parte dos casos, a uma nação, assim<br />

<strong>como</strong> a um município, a uma região, ou ain<strong>da</strong> a um conjunto federal, tal <strong>como</strong> aquele<br />

em direção do qual parece avançar a União Européia. A <strong>Democracia</strong> se apoia na<br />

responsabili<strong>da</strong>de dos ci<strong>da</strong>dãos de um país.” 50<br />

A <strong>Democracia</strong>, tal <strong>como</strong> teoricamente concebi<strong>da</strong> contemporaneamente, se<br />

estriba na participação política efetiva dos ci<strong>da</strong>dãos de um país. Caso estes ci<strong>da</strong>dãos<br />

não se sintam responsáveis pelo seu Governo, porque este exerce seu poder em um<br />

território que lhes parece hostil ou estranho, não pode haver representativi<strong>da</strong>de dos<br />

dirigentes ou a livre escolha destes pelos governados.<br />

Neste caso, a <strong>Democracia</strong> também estará comprometi<strong>da</strong>.<br />

Mais especificamente, não é possível se conceber a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sem uma ordem<br />

49 - MELO, Osvaldo Ferreira. Dicionário de direito político. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 18.<br />

50 - TOURAINE, Alain. Op. Cit. p. 93.<br />

30


jurídica que lhe dê guari<strong>da</strong>. Esta ordem, normalmente, expressa-se por três vertentes<br />

básicas: a dos direitos civis, a dos direitos políticos e a dos direitos sociais.<br />

Porém, nesta Tese o que se quer é enfocar a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>como</strong> participação<br />

política e, por isto, deve-se considerar a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>como</strong> dimensão pública <strong>da</strong><br />

participação do homem na vi<strong>da</strong> social e política do Estado. Apesar disto, não se pode<br />

negligenciar os aspectos que digam respeito a elementos culturais, socio-políticos e<br />

históricos, que se apresentam com esta condição do ser social.<br />

Muito freqüentemente vê-se a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>como</strong> expressão do regime político,<br />

no qual o ci<strong>da</strong>dão se confere a possibili<strong>da</strong>de de participar do processo governamental,<br />

especialmente por intermédio do voto.<br />

Quando se trata a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>como</strong> exercício dos direitos políticos, que é a<br />

ótica desta Tese, faz-se mister trazer as impressões de autores <strong>como</strong> Jair Eduardo<br />

Santana, que ensina ser possível fazer-se “a distinção habitual entre ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ativa e<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia passiva, conforme diga respeito ao fato de o ci<strong>da</strong>dão poder escolher e<br />

poder ser escolhido, respectivamente.” 51<br />

José Afonso <strong>da</strong> Silva também exprime pensamento semelhante, ao registrar<br />

que “a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia qualifica os participantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do Estado, é atributo <strong>da</strong>s pessoas<br />

integra<strong>da</strong>s na socie<strong>da</strong>de estatal, atributo político decorrente do direito de participar<br />

no governo e direito de ser ouvido pela representação política.” 52<br />

Como no Estado Contemporâneo não é possível se restringir a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ao<br />

51 - SANTANA, Jair Eduardo. <strong>Democracia</strong> e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 71.<br />

52 - SILVA, José Afonso. Op. Cit. p. 300.<br />

31


ci<strong>da</strong>dão eleitor, conforme anota Jair Eduardo Santana 53 , deve-se entender que o termo<br />

significa a participação política do ci<strong>da</strong>dão, nas suas mais varia<strong>da</strong>s formas, para<br />

atingimento dos fins propostos pelo Estado Democrático de Direito.<br />

É exatamente neste ponto que a Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia assume papel fun<strong>da</strong>mental para a<br />

<strong>Democracia</strong> condiciona<strong>da</strong> pelo <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>. O conceito<br />

operacional de <strong>Democracia</strong>, a ser utilizado durante todo o desenvolvimento desta Tese,<br />

está vinculado à capaci<strong>da</strong>de de participação política do ci<strong>da</strong>dão.<br />

No próximo capítulo, tratar-se-á de conectar a <strong>Democracia</strong> com o Estado<br />

Contemporâneo, <strong>da</strong>ndo-se início à delimitação <strong>da</strong> área de interesse desta Tese.<br />

53 - SANTANA, Jair Eduardo. Op. Cit. p. 73.<br />

32


CAPÍTULO II - O ESTADO CONTEMPORÂNEO DEMOCRÁTICO<br />

Antes de se iniciar esta parte do trabalho, é preciso estabelecer que,<br />

operacionalmente, para esta Tese, o Estado Contemporâneo democrático aqui tratado é<br />

o também chamado de Estado Social, Estado de Bem Estar ou Estado Social-<br />

Democrata, entendido <strong>como</strong> aquele que intervêm na Socie<strong>da</strong>de para garantir<br />

oportuni<strong>da</strong>des iguais a seus ci<strong>da</strong>dãos nos âmbitos econômico, social e cultural, num<br />

conceito ain<strong>da</strong> mais abrangente do aquele utilizado por Pasold, quando escreve que<br />

“pode-se esperar que o Estado Contemporâneo cumpra eficazmente a sua função<br />

principal que deve ser a FUNÇÃO SOCIAL.” 54<br />

Para esta Tese, a intervenção do Estado vai além <strong>da</strong> intervenção estatal por<br />

força <strong>da</strong> função social. Ou, preferindo, basta entender que to<strong>da</strong> intervenção do Estado<br />

contemporâneo destina-se, exatamente, a garantir a sua função social.<br />

O articulado no parágrafo anterior guar<strong>da</strong> semelhança com o conceito ensinado<br />

por Wolkmer. O autor citado escreve que:<br />

finalmente, a crise e a falência do modelo liberal, a eclosão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

industrial de massas, bem <strong>como</strong> as profun<strong>da</strong>s transformações sócioeconômicas<br />

ocorri<strong>da</strong>s em fins do século XIX e começos do século XX,<br />

possibilitaram a complexa experiência de uma estrutura que, por estar ain<strong>da</strong><br />

em curso, assume diversas especifici<strong>da</strong>des, cunha<strong>da</strong> por autores com as<br />

designações de Estado Social, Estado Intervencionista, Estado Tecnocrático,<br />

Estado do Bem Estar, Estado Providência ou Assistencial (Welfare State),<br />

etc. 55<br />

O caráter intervencionista é exatamente o principal diferencial do Estado<br />

54 - PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo. 2. ed. Florianópolis: Estu<strong>da</strong>ntil, 1988, p. 46.<br />

55 - WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990, p. 26.


Contemporâneo.<br />

Não é demais registrar que, até pela natureza desta Tese, o Estado<br />

Contemporâneo a ser abor<strong>da</strong>do será o Democrático, entendido <strong>como</strong> aquele que<br />

intervém nos domínios econômico, social e cultural obedecidos os parâmetros mínimos<br />

de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia política, justiça, legali<strong>da</strong>de e legitimi<strong>da</strong>de.<br />

E é também fun<strong>da</strong>mental ressalvar que o Estado Democrático varia de lugar<br />

para lugar e de Socie<strong>da</strong>de para Socie<strong>da</strong>de. Como se vai estu<strong>da</strong>r o Estado democrático<br />

em três reali<strong>da</strong>des distintas, a lição de Dallari é basilar quando trata <strong>da</strong> “Eliminação <strong>da</strong><br />

rigidez formal”, assinalando que:<br />

o Estado Democrático, para que realmente o seja, depende de várias<br />

condições substanciais, que podem ser favoreci<strong>da</strong>s ou prejudica<strong>da</strong>s pelos<br />

aspectos formais, mas que não se confundem com estes. Para que um Estado<br />

seja democrático precisa atender à concepção dos valores fun<strong>da</strong>mentais de<br />

certo povo numa época determina<strong>da</strong>. Como essas concepções são<br />

extremamente variáveis de povo para povo, de época para época, é evidente<br />

que o Estado deve ser flexível, para se a<strong>da</strong>ptar às exigências de ca<strong>da</strong><br />

circunstância. Isso já demonstra que, embora a idéia de Estado Democrático<br />

seja universal quanto aos elementos substanciais, não é possível a fixação de<br />

uma forma de democracia váli<strong>da</strong> para todos os tempos e todos os lugares. 56<br />

Estas considerações acerca do Estado Democrático são fun<strong>da</strong>mentais para o<br />

entendimento <strong>da</strong>s “diferenças democráticas” que serão encontra<strong>da</strong>s nos três países que<br />

são analisados nesta Tese.<br />

56 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 256.<br />

34


2.1 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS<br />

O Estado Contemporâneo democrático é aquele Estado que se contrapôs ao<br />

Estado liberal a partir principalmente <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XIX evoluindo,<br />

durante todo o século XX, para uma posição interventiva, ou <strong>como</strong> escreve Pasold, “a<br />

participação do Estado na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de passa de uma fase de tolerância<br />

crescente até a de exigência, de modo que, hoje, são poucos os que admitem um<br />

comportamento omisso do Estado frente ao encaminhamento e à solução dos grandes<br />

problemas sociais.” 57 Apesar de parecer simples, a tarefa de conceituar, com um<br />

mínimo de precisão, o Estado Contemporâneo democrático, não é <strong>da</strong>s mais fáceis. É<br />

<strong>como</strong> se expressa Bobbio, quando escreve que:<br />

uma definição de Estado Contemporâneo envolve numerosos problemas,<br />

derivados principalmente <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de de analisar exaustivamente as<br />

múltiplas relações que se criaram entre o Estado e o complexo social e de<br />

captar, depois, os seus efeitos sobre a racionali<strong>da</strong>de interna do sistema<br />

político. Uma abor<strong>da</strong>gem que se revela particularmente útil na investigação<br />

referente aos problemas subjacentes ao desenvolvimento do Estado<br />

contemporâneo é o <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> difícil coexistência <strong>da</strong>s formas do Estado de<br />

direito com os conteúdos do Estado social. 58<br />

Note-se que a “racionali<strong>da</strong>de” aponta<strong>da</strong> por Bobbio refere-se ao sistema de<br />

Governo, que é o canal de comunicação <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de com o braço executivo do<br />

Estado.<br />

Georges Burdeau, em sua obra “O Estado”, faz uma observação também<br />

extremamente importante sobre as características do Estado Contemporâneo<br />

57 - PASOLD, Cesar Luiz. Op. Cit. p. 32.<br />

58 - BOBBIO, Norberto et alii. Dicionário de política. Trad. Carmen C. Varrialle, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira e Luís<br />

Guerreiro Pinto Cascais. 6. ed. Brasília: UNB, 1994, p. 401.<br />

35


democrático, ao abor<strong>da</strong>r a “solução <strong>da</strong> democracia pluralista”, para usar as palavras<br />

deste autor. Fazendo ponderações que procuram preservar parte do caráter liberal do<br />

Estado, mas reconhecendo seu viés social, Burdeau escreve que:<br />

há uma terceira solução para os problemas <strong>da</strong>s relações entre o Estado e a<br />

estrutura social, que é a <strong>da</strong>s democracias ocidentais contemporâneas e que se<br />

situa na tradição liberal em virtude de não procurar violentar a socie<strong>da</strong>de.<br />

Ela aceita o pluralismo social, mas em vez de abstrair <strong>da</strong>í o corpo político por<br />

uma operação intelectual que lhe assegure a uni<strong>da</strong>de, faz <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de<br />

inteira, na sua autentici<strong>da</strong>de sociológica, a base do poder estatal. Ela confia<br />

nas soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des que a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna, especialmente no<br />

plano econômico, estabelece entre as diferentes categorias sociais a fim de<br />

atenuar, mediante uma coesão técnica, a ausência de homogenei<strong>da</strong>de<br />

espiritual. 59<br />

As constituições contemporâneas que se confessam instituidoras do Estado<br />

Social Democrático foram elabora<strong>da</strong>s sob a égide de uma liber<strong>da</strong>de formal e<br />

material.<br />

Paulo Bonavides escreve que “sem Estado social e sem Constituição, não há<br />

<strong>como</strong> criar a ordem econômica e social de uma democracia pluralista, mormente<br />

numa socie<strong>da</strong>de de massas do século XX.” 60 , e continua o tratadista brasileiro<br />

afirmando que “o Estado Social é hoje a única alternativa flexível que a democracia<br />

ocidental, a nosso ver, ain<strong>da</strong> possui; a aspiração máxima dos juristas <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<br />

perante a opção negativa e fatal de uma socie<strong>da</strong>de repressiva e totalitária.” 61<br />

Como conceito de Estado Contemporâneo em Bonavides, pode-se trazer a<br />

lição escrita por ele ao final de seu Teoria do Estado, quando leciona que:<br />

em suma, compendiando todos os conceitos expostos, de natureza histórica e<br />

ideológica, que gravitam em torno <strong>da</strong> Ordem Econômica e Social nas<br />

59<br />

- BURDEAU, Georges. O estado. Trad. Cascais Franco. Póvoa do Varzim: Europa-América, 1970, p. 144.<br />

60<br />

- BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 225.<br />

61<br />

- BONAVIDES, Paulo. Id. Ibid. p. 225.<br />

36


Constituições do pluralismo democrático, logramos a seguinte conclusão:<br />

assim <strong>como</strong> o Estado Liberal foi a revolução <strong>da</strong> burguesia e o Estado<br />

socialista, a revolução do proletariado, o Estado social é a terceira revolução<br />

<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de moderna: a revolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. 62<br />

De Norberto Bobbio temos várias obras escritas a respeito do Estado e suas<br />

variações ideológicas, <strong>como</strong> “Estado, Governo, Socie<strong>da</strong>de”, “A Teoria <strong>da</strong>s Formas de<br />

Governo” e “As Ideologias e o Poder em Crise”, junto com o grande debate atual<br />

acerca do Futuro <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, tema objeto também de um livro do autor italiano.<br />

Foi nesta obra que Bobbio provavelmente se exprimiu com maior objetivi<strong>da</strong>de e<br />

precisão sobre a transição do Estado Liberal para o Estado Social. O autor cita os seus<br />

ansaios editados em Milão, em 1977, nos quais escreveu que “<strong>como</strong> pude afirmar nas<br />

mais diversas ocasiões, a passagem do estado liberal para o estado social é<br />

assinala<strong>da</strong> pela passagem de um direito com função predominantemente protetora-<br />

repressiva para um direito ca<strong>da</strong> vez sempre mais promocional.” 63 . Mesmo não sendo<br />

exatamente um conceito, a afirmação de Bobbio delimita o Estado Contemporâneo,<br />

permitindo seu entendimento a partir de um pressuposto básico, ou seja, a promoção de<br />

valores coletivos.<br />

Já David Owen, ao escrever sobre o Estado Contemporâneo na Alemanha e na<br />

Inglaterra, explica que esta proposta de perfil ideológico de Estado “... não é, <strong>como</strong><br />

muitos pensam, uma forma consensual ou uma forma estagna<strong>da</strong> de socialismo, eis que<br />

apresenta comprovado índice de políticas socialistas de caráter pioneiro com vistas<br />

ao bem estar e à distribuição <strong>da</strong> riqueza e do poder.” 64<br />

62 - BONAVIDES, Paulo. Id. Ibid. p. 232.<br />

63 - BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p. 112.<br />

64 - OWEN, David. A social-democracia alemã e o trabalhismo inglês. Trad. simultânea sem especificação. Brasília: UNB,<br />

1982, p. 17.<br />

37


O conceito de Heller assume papel de importância incontestável num trabalho<br />

<strong>como</strong> este. No item seguinte deste capítulo, poder-se-á observar a contribuição<br />

fun<strong>da</strong>mental deste autor alemão para a caracterização do Estado Contemporâneo. A<br />

certa altura de seu Teoria do Estado, ele escreveu que<br />

a formação social que se chama Estado deve ser diferencia<strong>da</strong> restritivamente,<br />

não só do ponto de vista objetivo mas, além disso, metodológico, de to<strong>da</strong><br />

estrutura de sentido. O Estado não é espírito objetivo e quem tentar objetiválo<br />

perante sua subsistência humana psicofísica, verá que na<strong>da</strong> lhe ficará nas<br />

mãos, O Estado não é, pois, outra coisa senão uma forma de vi<strong>da</strong> humanosocial,<br />

vi<strong>da</strong> em forma e forma que nasce <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. 65<br />

Este conceito está impregnado por um compreensível desejo de “socialização”<br />

<strong>da</strong> função do Estado, já que a cita<strong>da</strong> obra foi escrita quando do período de<br />

sedimentação doutrinária do Estado Contemporâneo.<br />

Sahid Maluf, em seu Teoria Geral do Estado, também traz um conceito<br />

marcante de Estado Contemporâneo, ao registrar que:<br />

o Estado social-democrático é necessariamente evolucionista, para<br />

acompanhar o dinamismo do mundo moderno e fazer face aos novos<br />

problemas que surgem a ca<strong>da</strong> passo no panorama social. Se não fosse assim,<br />

estaria em contradição com aquela ver<strong>da</strong>de imperiosa salienta<strong>da</strong> por Von<br />

Ihering: não se pode esperar que a vi<strong>da</strong> se dobre aos princípios; são os<br />

princípios que se devem modelar pela vi<strong>da</strong>. 66<br />

E completa o tratadista dizendo que “evidentemente, a evolução democrática<br />

segue o impulso <strong>da</strong>quele `sopro de socialização que agita o mundo’, <strong>como</strong> previu Rui<br />

Barbosa. E, fatalmente, caminha para a democracia socialista.” 67 Como este livro foi<br />

escrito e publicado em 1954, pode-se perceber claramente a conjunção do Estado<br />

65 - HELLER, Hermann. Teoria do estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 65.<br />

66 - MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 307.<br />

67 - MALUF, Sahid. Id. Ibid. p. 307.<br />

38


Contemporâneo com a <strong>Democracia</strong>.<br />

A principal motivação dos defensores do Estado Contemporâneo <strong>como</strong> Estado<br />

de Intervenção foi, exatamente, o resgate <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> enquanto valor e pressuposto<br />

de atuação deste tipo de Estado. É por este motivo que muitos dos conceitos e<br />

considerações sobre este modelo estatal fazem este tipo de referência.<br />

Mesmo Marcelo Caetano, para quem a categoria <strong>Democracia</strong> não ocupava<br />

papel de destaque entre as suas preferi<strong>da</strong>s, traz uma posição conceitual esclarecedora<br />

sobre o Estado Contemporâneo. O autor lusitano ponderou que:<br />

o Estado converteu-se, em todos os países, numa empresa gigantesca: produz<br />

bens, fornece energia, domina a circulação de produtos e <strong>da</strong>s idéias através<br />

de transportes e <strong>da</strong>s comunicações, controla a moe<strong>da</strong>, orienta o crédito,<br />

regula a repartição de rendimentos e nos períodos críticos intervém no<br />

consumo, ao mesmo tempo que ministra a instrução e se ocupa ca<strong>da</strong> vez mais<br />

de todos os graus de cultura. Esta hipertrofia do fim econômico e cultural do<br />

Estado verifica<strong>da</strong> nos nossos dias exerce profun<strong>da</strong> influência na sua estrutura<br />

e não pode deixar de estar sempre presente em quem estu<strong>da</strong> os problemas<br />

contemporâneos <strong>da</strong> Ciência Política. 68<br />

O conceito de Estado Contemporâneo também aparece, não raramente, ligado<br />

ao de “racionalização” do Estado, o que, se acredita, levou também às técnicas de<br />

racionalização do Sistema de Governo parlamentarista. Dalmo Dallari, em obra<br />

intitula<strong>da</strong> “O Futuro do Estado”, expressa muito bem esta tendência. O professor<br />

paulista escreve que:<br />

os adeptos dessa idéia admitem, e exaltam <strong>como</strong> vantagem, o caráter racional<br />

do processo político no Estado de Bem-Estar, negando, porém, que isso<br />

contrarie os princípios democráticos. Pelo contrário, pretendem que o Mundo<br />

do Bem-Estar, em que todos se sentirão livres porque suas necessi<strong>da</strong>des<br />

fun<strong>da</strong>mentais serão atendi<strong>da</strong>s e no qual haverá igual<strong>da</strong>de porque a todos será<br />

garantido um mínimo de bem-estar, será plenamente democrático e capaz de<br />

68 - CAETANO, Marcelo. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 1996, p. 147.<br />

39


estabelecer a harmonia espontânea e permanente. 69<br />

Esta assertiva de Dallari atinge dois aspectos fun<strong>da</strong>mentais desta Tese: a<br />

racionalização do Sistema de Governo enquanto item fun<strong>da</strong>mental do processo político<br />

e a opção pela <strong>Democracia</strong>.<br />

69 - DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado. São Paulo: USP, 1972, p. 191.<br />

40


2.2 - PRINCIPAIS ASPECTOS DE CARACTERIZAÇÃO E LEGITIMAÇÃO<br />

É fun<strong>da</strong>mental para o desenvolvimento <strong>da</strong> presente Tese, uma revisão<br />

minimamente consistente sobre a caracterização e os principais aspectos de<br />

legitimação deste Estado Contemporâneo em que se pretende pesquisar o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

O chamado Estado Contemporâneo democrático é o recorte que se vai utilizar<br />

<strong>como</strong> parâmetro, dividido em dois pressupostos básicos: a intervenção na Socie<strong>da</strong>de e<br />

o seu caráter democrático.<br />

Para a junção destas duas quali<strong>da</strong>des do Estado, é preciso, logo a princípio,<br />

localizar historicamente o Estado Contemporâneo e para isto vamos utilizar a lição de<br />

Pasold, ao asseverar que “se operarmos com o referente `discurso constitucional’,<br />

podemos, por convenção, precisar o surgimento do Estado Contemporâneo na segun<strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> do presente século: em 1917, com a Constituição Mexicana e, em 1919, com a<br />

Constituição de Weimar.” 70 Ou, <strong>como</strong> escreve Toshio Mukai, comentando o clamor<br />

que havia pela atuação do Estado para disciplinar a vi<strong>da</strong> econômica, diante do<br />

gigantismo dos monopólios, quando diz que “nesse clima, surgem as primeiras<br />

constituições contemplando, além dos direitos políticos do homem, direitos<br />

concernentes à sua posição econômica e social, sendo pioneira nesse sentido, a<br />

Constituição de Weimar (1919).” 71 Mukai completa seu raciocínio ensinando que<br />

“nasce na Alemanha a concepção do Estado Social, defluindo <strong>da</strong>í o moderno<br />

70 - PASOLD, Cesar Luiz. Op. Cit. p. 43.<br />

71 - MUKAI, Toshio. Participação do estado na ativi<strong>da</strong>de econômica - limites jurídicos. São Paulo: RT, 1079, p. 10.<br />

41


pensamento econômico e jurídico do Estado Social de Direito.” 72<br />

Como elementos de caracterização, pode-se adotar o que ain<strong>da</strong> ensina Pasold,<br />

ao escrever que o Estado Contemporâneo deve ter dois requisitos básicos a serem<br />

cumpridos: “1 - priori<strong>da</strong>de para a realização de valores fun<strong>da</strong>mentais do homem<br />

(saúde, educação, trabalho, liber<strong>da</strong>de, igual<strong>da</strong>de); 2 - ambiente político-jurídico de<br />

constante legitimi<strong>da</strong>de, portanto, com prática permanente <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s clássicas de<br />

legitimi<strong>da</strong>de dos detentores do poder governamental e <strong>da</strong>s ações estatais (isto é,<br />

eleições diretas, secretas, universais e periódicas; plebiscitos; referendos).” 73<br />

Para completar o raciocínio sobre a caracterização do Estado Contemporâneo,<br />

deve-se continuar com Cesar Pasold, que destaca, com rara proprie<strong>da</strong>de, um esquema<br />

que diz o seguinte: “Fixamo-nos em três pontos destacáveis <strong>da</strong>s considerações antes<br />

apresenta<strong>da</strong>s, colocando-as na ordem que nos é conveniente: a) a condição<br />

instrumental do Estado; b) o seu compromisso intrínseco com o Bem Comum ou<br />

Interesse Coletivo; c) a interferência na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de.” 74<br />

As diversas mu<strong>da</strong>nças sociais que tiveram lugar no século passado,<br />

principalmente aquelas liga<strong>da</strong>s aos direitos do proletariado, podem ser considera<strong>da</strong>s<br />

<strong>como</strong> a gênese do Estado Contemporâneo, ou <strong>como</strong> prefere Jordi Sánches, são seus<br />

“fatores desencadeantes” 75 . Estas mu<strong>da</strong>nças podem ser percebi<strong>da</strong>s <strong>como</strong> uma<br />

interação entre a revolução industrial e a revolução política. Para esta Tese, é<br />

importante destacar a extensão <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> aconteci<strong>da</strong> no final do século XIX e<br />

72 - MUKAI, Toshio. Id. Ibid. p. 10.<br />

73 - PASOLD, Cesar Luiz. Op. Cit. p. 87.<br />

74 - PASOLD, Cesar Luiz. Id. Ibid. p. 33.<br />

75 - SÁNCHES, Jordi. El estado de bienestar. Madrid: Tecnos, 1996, p. 239.<br />

42


começo do século XX e que se consolidou após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

José Eduardo Faria destaca o Estado Contemporâneo sob a ótica do Governo,<br />

ressaltando que, neste tipo de Estado, pode-se observar que:<br />

<strong>como</strong> vetor tanto do progresso material quanto <strong>da</strong> justiça social, o Executivo<br />

se converteu em instrumento de consecução de objetivos concretos; seu<br />

sistema jurídico é, então, concebido <strong>como</strong> técnica de gestão e regulação <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de; e, sob a forma clássica <strong>da</strong>s regras gerais, abstratas e impessoais, a<br />

legislação passa a proteger ou favorecer determinados interesses privados<br />

erigidos em interesses públicos. Desse modo, o Estado deixou de ser aquela<br />

associação `ordenadora’ típica do Estado de Direito clássico, que tinha a<br />

legitimi<strong>da</strong>de do uso <strong>da</strong> coação jurídica, renunciando, em contraparti<strong>da</strong>, a<br />

intervir no campo econômico e social; e se tornou uma associação<br />

eminentemente `reguladora’, na perspectiva de um Estado Social de Direito. 76<br />

A possível influência dos efeitos <strong>da</strong> revolução industrial na pré-configuração<br />

do Estado Contemporâneo é difusa e não se esgota com a enumeração <strong>da</strong>s<br />

conseqüências políticas, sociais e econômicas <strong>da</strong> industrialização. Sem dúvi<strong>da</strong>, é<br />

preciso destacar outros fatores, que estão resumidos a seguir:<br />

a - A tradição de criação de associações de trabalhadores que buscavam, entre<br />

outras finali<strong>da</strong>des, objetivos sociais. Seu âmbito era claramente sindical e seu<br />

funcionamento ocorria à margem do Estado. As associações operárias eram uma<br />

tentativa de oferecer uma resposta às múltiplas disfunções sociais provoca<strong>da</strong>s pela<br />

revolução industrial;<br />

b - O aparecimento <strong>da</strong> miséria <strong>como</strong> conseqüência do processo de<br />

industrialização e a formação de grandes aglomerados urbanos. O surgimento <strong>da</strong><br />

miséria endêmica provocou a derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong>s instituições de cari<strong>da</strong>de e assistência<br />

social clássicas, com o aparecimento de providências por parte <strong>da</strong>s instituições<br />

76 - FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 7.<br />

43


públicas. Num primeiro momento, estas providências são toma<strong>da</strong>s no âmbito estrito<br />

dos municípios;<br />

c - A crise do princípio <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong> entre o trabalhador<br />

e a empresa no que dizia respeito aos acidentes de trabalho. A razão desta foi a<br />

importância numérica que os acidentes de trabalho haviam adquirido no segmento dos<br />

trabalhadores e suas graves conseqüências sociais. Este fato impulsiona o<br />

questionamento do modelo de Estado Mínimo, próprio do liberalismo clássico.<br />

Uma <strong>da</strong>s conclusões que se pode extrair destas constatações é a existência de<br />

uma multiplici<strong>da</strong>de de varáveis interrelaciona<strong>da</strong>s e que o surgimento do Estado<br />

Contemporâneo é inseparável de tendências e processos sociais, econômicos e<br />

políticos. Pode-se dizer que o conceito de Estado Contemporâneo deve ser construído<br />

com base em parâmetros que considerem a evolução e as mu<strong>da</strong>nças que se processaram<br />

em diversos âmbitos.<br />

Mesmo assim, não é aconselhável o afastamento de noções mais próximas do<br />

Direito Constitucional, <strong>como</strong> expõe Toshio Mukai, ao escrever que “a inserção do<br />

Estado Social no Estado de Direito traduz um tempo que impõe ao Estado<br />

contemporâneo, sua ingerência no domínio particular, isto é, no todo social. E isto<br />

fica claro se examinarmos algumas <strong>da</strong>s mais expressivas constituições<br />

contemporâneas, <strong>como</strong> a <strong>da</strong> França de 1958 e a <strong>da</strong> Itália de 1947.” 77<br />

Sem abandonar a Tese <strong>da</strong> análise multidimensional, que explica, de forma<br />

consistente, o aparecimento do Estado Contemporâneo, alguns autores, <strong>como</strong><br />

77 - MUKAI, Toshio. Op. Cit. p. 10.<br />

44


Bonavides 78 e Reale 79 preferiram também oferecer uma visão cronológica <strong>da</strong> evolução<br />

do Estado Contemporâneo. Pode-se conciliar as diversas contribuições <strong>da</strong> seguinte<br />

forma:<br />

a - A Fase Experimental, que iria de 1870 a 1925. Deve-se notar que o aspecto<br />

central desta fase é a articulação em torno <strong>da</strong>s relações entre responsabili<strong>da</strong>de social e<br />

<strong>Democracia</strong>;<br />

b - A fase de Consoli<strong>da</strong>ção, que se inicia a partir <strong>da</strong> crise dos anos 30. A<br />

principal novi<strong>da</strong>de nesta segun<strong>da</strong> fase é a concepção Keynesiana 80 , assim <strong>como</strong> uma<br />

ampliação <strong>da</strong> confiança do conjunto <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de na intervenção do Estado e na<br />

legitimação <strong>da</strong>s garantias sociais em forma de direitos inerentes ao ci<strong>da</strong>dão;<br />

c - A Fase de Expansão, que se situa a partir <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e que<br />

teve seu apogeu nas déca<strong>da</strong>s de 1950 a 1970. A característica principal deste período é<br />

a relação que se estabelece entre investimento social, expansão econômica e<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

É exatamente nesta última fase que vai se concentrar a presente Tese, pois foi<br />

a partir deste período, ultrapassa<strong>da</strong>s as turbulências e a difícil tarefa de reconstrução<br />

provoca<strong>da</strong>s pelas duas grandes guerras, que se iniciaram as construções democráticas<br />

basea<strong>da</strong>s na racionalização dos Sistemas de Governo, mormente o <strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

78<br />

- BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 187.<br />

79<br />

- REALE, Miguel. Op. Cit. p.27.<br />

80<br />

- Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política elaborado em conjunto com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino,<br />

editado pela UNB em 1994, diz que ‘é com J. M. Keynes, nomea<strong>da</strong>mente com a publicação <strong>da</strong> sua famosa “Teoria Geral do<br />

Emprego, Juro e Moe<strong>da</strong>”, que se supera pela primeira vez e de forma decisiva a interpretação <strong>da</strong> política econômica<br />

liberalista, tal <strong>como</strong> foi apresenta<strong>da</strong> pelas escolas marginalistas. Keynes critica asperamente a política deflacionária<br />

aconselha<strong>da</strong> para debelar a depressão. Não se pode afirmar - sustenta o economista de Cambridge - que uma maior<br />

parcimônia na economia, <strong>como</strong> a provoca<strong>da</strong> pela redução de salários, represente maior volume de investimentos.”<br />

45


Quanto ao aspecto democrático do Estado Contemporâneo, basta analisar mais<br />

deti<strong>da</strong>mente a Constituição alemã de Weimar 81 (1919-1933), uma <strong>da</strong>s constituições<br />

precursoras deste Estado, para entender os seus principais pontos.<br />

A positivação de preceitos constitucionais encontrados na Carta de Weimar foi<br />

proveniente de um debate exclusivamente jurídico, iniciado muitas déca<strong>da</strong>s antes,<br />

<strong>como</strong> já se viu, com a discussão sobre a idéia de um Estado de direito democrático e<br />

social.<br />

Este debate serviu a alguns Constitucionalistas alemães, entre os quais se<br />

destaca Hermann Heller 82 , para introduzir os direitos sociais no terreno jurídico e<br />

defender a transformação <strong>da</strong> noção de <strong>Democracia</strong> social em norma jurídica<br />

fun<strong>da</strong>mental - ou constitucional.<br />

Analisados por uma perspectiva histórica, os esforços de Heller para<br />

caracterizar a Constituição de Weimar <strong>como</strong> uma construção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> social<br />

foram muito importantes. Eles se contrapunham frontalmente com a opinião de outros<br />

Constitucionalistas, que defendiam que o espírito <strong>da</strong> Constituição de Weimar estava<br />

contemplado no artigo 48 (este artigo outorgava ao Presidente <strong>da</strong> República funções<br />

especiais, muito próximas <strong>da</strong>s de um ditador).<br />

O debate entre os juristas alemães durante a República de Weimar permite<br />

estabelecer um paralelismo com as formulações sobre um Estado de Direito<br />

democrático e social que começam a ganhar corpo em diversos países europeus a partir<br />

81 - A Constituição alemã ganhou este nome por ter sido elabora<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Weimar, já que Berlim tinha suas entra<strong>da</strong>s<br />

bloquea<strong>da</strong>s e boa parte de seus edifícios tinham sido destruídos.<br />

82 - A obra mais importante de Heller edita<strong>da</strong> no Brasil é Teoria do Estado, publicado pela Editora Mestre Jou, em São Paulo,<br />

em 1968. Esta obra é a principal criação teórica <strong>da</strong> intervenção do Estado no domínio social escrita quando dos debates sobre<br />

o Estado de Bem Estar.<br />

46


<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e, muito especialmente, com a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn<br />

de 1949.<br />

Para Heller, o colapso que podia surgir do fascismo e do desenvolvimento do<br />

capitalismo poderia ser evitado sem a renuncia ao Estado de Direito, com a<br />

incorporação de conteúdos econômicos e sociais a este Estado que possibilitariam o<br />

avanço até uma nova ordem.<br />

A idéia do Estado social de Heller tinha <strong>como</strong> eixo central a incorporação<br />

jurídica <strong>da</strong>s relações trabalhistas. O Estado social, segundo este mesmo autor,<br />

implicava na autonomia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para regulamentar o Direito do Trabalho pela<br />

negociação entre patrões e empregados. Esta regulamentação provocaria um avanço<br />

social por conta, entre outros motivos, <strong>da</strong> redução do Estado de classe e policial<br />

existente então.<br />

A atitude reformista de Heller foi a que permitiu a afirmação de um Estado<br />

social de Direito e democrático frente ao nazi-facismo e ao auge econômico do<br />

capitalismo. Trazi<strong>da</strong> para os dias atuais, com a crise do capitalismo globalizado, a<br />

história se repete.<br />

Posteriormente, nas fases mais adianta<strong>da</strong>s de consoli<strong>da</strong>ção e expansão do<br />

Estado Contemporâneo democrático, os debates sobre o grande consenso que passou a<br />

existir, principalmente nas três primeiras déca<strong>da</strong>s após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, não<br />

afetaram a <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> pressuposto de Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Esta posição é corrobora<strong>da</strong> por Paulo Bonavides, quando escreve que “o<br />

Estado social <strong>da</strong> democracia distingue-se, em suma, do Estado social dos sistemas<br />

47


totalitários por oferecer, concomitantemente, na sua feição jurídico-constitucional, a<br />

garantia tutelar dos direitos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de” 83 , numa clara alusão ao escopo<br />

democrático do Estado Contemporâneo.<br />

Deve-se citar ain<strong>da</strong> Bonavides para justificar a escolha <strong>da</strong> França e <strong>da</strong><br />

Alemanha <strong>como</strong> modelos de análise para esta Tese, quando ele escreve que:<br />

a Constituição francesa de 1946, tão prolixa na discriminação dos direitos<br />

sociais e tão sóbria respeitante aos direitos fun<strong>da</strong>mentais e tradicionais, <strong>como</strong><br />

direitos perante o Estado, juntamente com a Constituição de Bonn, que<br />

fundou, sem rodeios, um Estado social, denotam a irrefrágável<br />

preponderância <strong>da</strong> idéia de social no constitucionalismo contemporâneo, mas<br />

nem por isso enfraquecem as esperanças de que esse princípio generoso e<br />

humano de justiça não se possa compadecer com a Tese não menos nobre e<br />

verídica <strong>da</strong> independência <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. 84<br />

E conclui: “vencidos os escolhos que apontamos, o Estado social <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> realizará este equilíbrio.” 85<br />

Entretanto, para a manutenção desta <strong>Democracia</strong>, foi preciso elaborar modelos<br />

renovados de Governo calcados, principalmente, na racionali<strong>da</strong>de e na estabili<strong>da</strong>de.<br />

Para finalizar, são necessárias algumas considerações sobre a legitimação do<br />

Estado Contemporâneo. Sobre isto são fun<strong>da</strong>mentais duas observações muito<br />

pertinentes:<br />

a) Quando o mercado não pode realizar as funções que lhe são próprias, de<br />

modo a garantir a legitimação do poder, o Estado, através de seu Governo, tende a<br />

assegurar os mecanismos de intervenção para garantir a legitimação. Juán Picó assinala<br />

83 - BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 204.<br />

84 - BONAVIDES, Paulo. Id. Ibid. p. 205.<br />

85 - BONAVIDES, Paulo. Id. Ibid. p. 204.<br />

48


que “quando isto acontece, o Estado adota a correspondente função de integração<br />

social.” 86<br />

b) A expansão do intervencionismo do Estado provoca um aumento <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong>de de legitimação. Neste caso, ca<strong>da</strong> vez mais setores <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de se<br />

politizam e ficam interagindo com o Estado, que passa a exercer certo controle sobre<br />

estes setores. Isto provoca um aumento de participação dos ci<strong>da</strong>dãos e o Estado estará<br />

obrigado a responder aos anseios sociais, sob pena de sofrer uma crise de legitimi<strong>da</strong>de.<br />

Usando as premissas cita<strong>da</strong>s acima, diversos autores propõem novos<br />

fun<strong>da</strong>mentos inerentes aos princípios legitimadores do Estado Contemporâneo, que<br />

podem ser resumidos a três critérios que se relacionam entre si. Que são:<br />

a) A análise sistêmica indica que a capaci<strong>da</strong>de de satisfazer as necessi<strong>da</strong>des<br />

sociais concretas é um dos aspectos que sustenta a legitimi<strong>da</strong>de do Estado<br />

Contemporâneo. Garcia Pelayo, neste sentido, ensina que “uma <strong>da</strong>s conseqüências de<br />

tal capaci<strong>da</strong>de do Estado Contemporâneo é o surgimento de um novo modelo de<br />

autori<strong>da</strong>de: a autori<strong>da</strong>de operacional. Esta autori<strong>da</strong>de se baseia na outorga de<br />

autori<strong>da</strong>de às pessoas mais capacita<strong>da</strong>s para aperfeiçoar a funcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

instituições.” 87<br />

b) Sob a ótica <strong>da</strong> legitimação racional, pode-se analisar os princípios de<br />

eficiência e eficácia <strong>como</strong> núcleos legitimadores do Estado Contemporâneo. Se o<br />

Estado não pode satisfazer a Socie<strong>da</strong>de com a utilização eficiente dos recursos<br />

arreca<strong>da</strong>dos com os tributos para evitar crises de crescimento e desenvolvimento, o<br />

86 - PICÓ, Juán. Teorias sobre el estado del bienestar. Madrid: Siglo XXI, 1987, p. 307.<br />

87 - PELAYO, Manuel Garcia. Las transformaciones del estado contemporâneo. Madrid: Alianza, 1987, p. 203.<br />

49


esultado será uma diminuição de legitimação. Offe assinala que “o ponto de<br />

equilíbrio entre a legitimi<strong>da</strong>de e a eficiência acontece quando a aceitação <strong>da</strong>s regras<br />

de legitimação dos regimes democráticos é reforça<strong>da</strong> com os resultados <strong>da</strong>s políticas<br />

governamentais, que devem ser eficientes, isto é, que promovam, restituam e<br />

mantenham as relações de intercâmbio para todos os ci<strong>da</strong>dãos e suas necessi<strong>da</strong>des.” 88<br />

Esta posição de Offe consubstancia a Tese de que o Governo funciona <strong>como</strong><br />

uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> no Estado Contemporâneo.<br />

c) O último elemento relacionado com a criação de uma faixa de consenso<br />

legitimador do Estado Contemporâneo vem <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “<strong>Democracia</strong> política”. Sobre<br />

este aspecto, Jordi Sanches leciona que “o grau de participação e de integração <strong>da</strong><br />

elite e o voto <strong>da</strong>s massas são aspectos importantes a considerar ao analisar o<br />

consenso, assim <strong>como</strong> a participação geral nos processos de formação <strong>da</strong> vontade<br />

política.” 89<br />

Konrad Hesse também traz uma importante lição sobre a necessi<strong>da</strong>de de<br />

legitimi<strong>da</strong>de política democrática para o Estado Contemporâneo. O autor observa que a<br />

legitimação livre do domínio do povo pressupõe, não somente a liber<strong>da</strong>de do<br />

próprio procedimento de legitimação, mas também a possibili<strong>da</strong>de de uma<br />

eleição livre entre vários grupos e correntes políticas, na qual<br />

simultaneamente a responsabili<strong>da</strong>de do grupo condutor até agora pode ser<br />

realiza<strong>da</strong> por ser nega<strong>da</strong> a ele a nova legitimação e legitimado um outro<br />

grupo. A ordem democrática deve, por conseguinte, impedir que um grupo<br />

condutor possa, uma vez para sempre, pôr-se na posse do poder político e<br />

então não mais carecer de nova legitimação. 90<br />

88 - OFFE, Claus. Contradiciones en el estado de bienestar. Madrid: Alianza, 1990, p. 73.<br />

89 - SANCHES, Jordi. Op. Cit. p. 253.<br />

90 - HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional <strong>da</strong> república federal <strong>da</strong> Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto<br />

Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 134.<br />

50


Para José Eduardo Faria, a legitimi<strong>da</strong>de tem estreita ligação com a estabili<strong>da</strong>de<br />

do sistema político no Estado Contemporâneo. Sobre isto ele escreve que “afinal,<br />

<strong>como</strong> o Estado Contemporâneo requer um conjunto de respostas imediatas, flexíveis e<br />

por vezes sigilosas para fazer frente às exigências de gestão sobre a economia,<br />

segurança nacional e política externa, sua estabili<strong>da</strong>de e seu desenvolvimento estão<br />

intimamente dependentes <strong>da</strong> eficiência <strong>da</strong> estrutura do sistema de decisões<br />

públicas.” 91<br />

O mesmo autor citado no parágrafo anterior faz referência à necessi<strong>da</strong>de de<br />

racionalização do sistema político <strong>como</strong> forma de legitimar o poder do Estado, ao<br />

escrever que<br />

<strong>como</strong> o Estado Contemporâneo encontra-se em constante mutação - na medi<strong>da</strong><br />

em que o sistema político, ao funcionar, se transforma e atua sobre o meio<br />

ambiente - requerendo sempre novas decisões para o exercício adequado de<br />

uma função hierárquica de gestão, uma questão se faz necessária: em que<br />

condições uma socie<strong>da</strong>de pode mu<strong>da</strong>r seu comportamento, por intermédio do<br />

sistema político, procurando formas mais racionais para resolver suas<br />

dificul<strong>da</strong>des e para introduzir novos modos de coexistência social? 92<br />

Sobre a interligação <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> com a legitimi<strong>da</strong>de nos sistemas políticos,<br />

José Eduardo Faria também assinala que:<br />

diante de um bom volume de informações, sua racionali<strong>da</strong>de é sempre<br />

amplia<strong>da</strong>. A capaci<strong>da</strong>de de voice é que torna possível, por exemplo, a<br />

compatibilização dos interesses dos detentores do poder e os valores<br />

reclamados pelos diversos grupos sociais. Já os mecanismos de leal<strong>da</strong>de<br />

implicam um reconhecimento tácito <strong>da</strong>s regras a partir <strong>da</strong>s quais os sistemas<br />

políticos operam a seleção de seus programas de ação, convertendo<br />

juridicamente as preferências individuais numa decisão pública. Nesse<br />

sentido, a natureza ver<strong>da</strong>deiramente democrática dos regimes políticos está<br />

sempre condiciona<strong>da</strong> à manutenção <strong>da</strong>s regras do jogo ... 93<br />

91 - FARIA, José Eduardo. Poder e legitimi<strong>da</strong>de. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 107.<br />

92 - FARIA, José Eduardo. Id. Ibid. p. 108.<br />

93 - FARIA, José Eduardo. Id. Ibid. p. 110.<br />

51


A conexão entre a <strong>Democracia</strong> e a legitimi<strong>da</strong>de também pode ser observa<strong>da</strong><br />

em diversos autores, <strong>como</strong> é o caso de Konrad Hesse. Para ele, a racionalização e a<br />

estabilização, juntamente com a garantia <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des públicas, dependem <strong>da</strong><br />

legitimação democrática direta, com base na vontade livre dos ci<strong>da</strong>dãos e na<br />

publici<strong>da</strong>de dos atos do Parlamento. Por isto, este autor escreve que:<br />

a legitimação democrática é capaz de proporcionar melhor uma decisão pelo<br />

parlamento democraticamente eleito. O procedimento democrático, que<br />

conduz a essa decisão, somente pode ser aquele de um processo de formação<br />

de vontade política livre que se consuma em publici<strong>da</strong>de plena e garante<br />

consideração ótima, assim <strong>como</strong> compensação ótima <strong>da</strong>s aspirações<br />

diferentes. 94<br />

Portanto, a legitimi<strong>da</strong>de que até aqui foi trata<strong>da</strong>, deve ser entendi<strong>da</strong> <strong>como</strong> a<br />

legitimi<strong>da</strong>de alcança<strong>da</strong> pelo exercício do poder em consonância com os anseios <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de. Para que fique claro a que legitimi<strong>da</strong>de se está referindo, quer-se adotar a<br />

lição de Pasold, que exprime bem o sentido que se quer <strong>da</strong>r, quando escreve que:<br />

além <strong>da</strong>s ‘medi<strong>da</strong>s clássicas’ e <strong>da</strong>s `não-ortodoxas’, admite-se que a<br />

legitimi<strong>da</strong>de possa ser conferi<strong>da</strong> através de medi<strong>da</strong>s que, à falta de melhor<br />

denominação, chamo de `pela eficácia’. Elas consistem em verificação <strong>da</strong><br />

legitimi<strong>da</strong>de através <strong>da</strong> resposta fatual dos destinatários do ato em questão.<br />

Nestes casos ocorre que o ato político (ou econômico, ou social, ou cultural)<br />

gerador de fatos, tem sua legitimi<strong>da</strong>de verifica<strong>da</strong> pelo transcorrer dos<br />

acontecimentos e o resultado efetivo alcançado. 95<br />

É desta eficácia, que deve ser democrática, que se estará tratando nesta Tese.<br />

Pôde-se observar, portanto, que as propostas de desempenho interventivo<br />

democrático do Estado Contemporâneo, através do Governo, desde que legítimas, são<br />

ti<strong>da</strong>s <strong>como</strong> fun<strong>da</strong>mentais para a <strong>Democracia</strong> leva<strong>da</strong> a efeito neste mesmo Estado.<br />

94 - HESSE, Konrad. Op. Cit. p. 382.<br />

95 - PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito. 2. ed., Florianópolis: Estu<strong>da</strong>ntil, 1986, p. 23.<br />

52


2.3 - MANIFESTAÇÕES RELEVANTES SOBRE A INTERVENÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO NA SOCIEDADE<br />

Dallari lembra que “o Estado Contemporâneo é onipresente em nossas<br />

vi<strong>da</strong>s”. 96 Esta onipresença cita<strong>da</strong> pelo mestre paulista significa, em outras palavras,<br />

que o Estado, de meados do século XIX até hoje, tornou-se ca<strong>da</strong> vez mais interventivo<br />

na vi<strong>da</strong> social e econômica de seus ci<strong>da</strong>dãos.<br />

Não há <strong>como</strong> estu<strong>da</strong>r o Estado Contemporâneo, em nenhum de seus aspectos,<br />

sem considerar a sua característica fun<strong>da</strong>mental: o seu caráter interventivo e regulador.<br />

Como conceito operacional para a categoria Intervenção do Estado na Ordem<br />

Econômica e Social usar-se-á a lição de Osvaldo Ferreira de Melo, quando escreve que<br />

é o “controle pelo governo <strong>da</strong> ordem econômica e social” 97<br />

O Estado Contemporâneo Democrático, liberal em sua estrutura e socialista no<br />

seu programa de ação, vem se mostrando <strong>como</strong> uma “democracia orgânica”, conforme<br />

declara Maluf. Segundo ele, “junto com a declaração dos direitos fun<strong>da</strong>mentais do<br />

homem, também veio a declaração dos direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. O homem<br />

é entendido <strong>como</strong> um ser com duas faces: <strong>como</strong> pessoa humana, titular de direitos<br />

individuais, e <strong>como</strong> uni<strong>da</strong>de do corpo social, sujeito a determinados deveres e<br />

obrigações” 98 . O mesmo tratadista também observou que:<br />

sobre os escombros <strong>da</strong>s doutrinas liberais estruturaram-se as doutrinas do<br />

direito social. Os direitos individuais passaram a subordinar-se aos direitos<br />

96 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 79.<br />

97 - MELO, Osvaldo Ferreira. Op. Cit. p. 65.<br />

98 - MALUF, Sahid. Op. Cit. p. 307.<br />

53


<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, até onde fosse necessário para o restabelecimento do equilíbrio<br />

social, sob a supervisão do Estado que se tornara intervencionista. Admitiu<br />

assim, em princípio, a antítese de Stuart Mill: a liber<strong>da</strong>de consiste em se fazer<br />

ou deixar de fazer tudo o que, praticado ou deixado de ser praticado, não<br />

desagregue a socie<strong>da</strong>de nem lhe impeça os movimentos. 99<br />

Sobre o caráter interventivo do Estado Contemporâneo, Maluf ain<strong>da</strong> escreve<br />

que “em tais condições, a ação intervencionista do Estado se exerce amplamente até<br />

onde houver interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tendo por limites os direitos naturais<br />

imprescritíveis <strong>da</strong> pessoa humana. Entre os direitos sociais e os direitos individuais, o<br />

Estado social-democrático é um aparelhamento de equilíbrio, um fator de harmonia,<br />

um órgão coordenador <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des essenciais e promotor <strong>da</strong> justiça social.” 100<br />

O Estado Contemporâneo intervêm em praticamente to<strong>da</strong>s as áreas de atuação<br />

<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de. Dallari ensina que “até mesmo no âmbito econômico, que lhe era<br />

rigorosamente interdito, ele tem participação direta e intensa, mas também aí é<br />

impossível a identificação dos seus precisos limites. Acompanhando a gra<strong>da</strong>tiva<br />

penetração do Estado nessa área, vemos que <strong>da</strong> interdição absoluta passou-se a<br />

admitir a intervenção regulamentar, ou de funcionamento.” 101<br />

Para Bobbio, a intervenção do Estado fica muito clara, se analisa<strong>da</strong> sob a ótica<br />

<strong>da</strong> socialização dos setores econômicos mais desenvolvidos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. Desta<br />

forma, o Estado tem uma cota de participação constante nas ativi<strong>da</strong>des econômicas<br />

gerais, aí incluí<strong>da</strong>s, muito especialmente, as sociais, destina<strong>da</strong> a moderar a acumulação<br />

do lucro. O tratadista italiano escreve que:<br />

99 - MALUF, Sahid. Id. Ibid. p. 297-298.<br />

100 - MALUF, Sahid. Id. Ibid. p. 307.<br />

101 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 82.<br />

54


o paradigma mudou: a política econômica do Estado interfere agora<br />

diretamente, não só através de medi<strong>da</strong>s protecionistas em relação ao capital<br />

monopólico, mas também <strong>da</strong>s manobras do Banco Central e, pouco a pouco,<br />

mediante a criação de condições infra-estruturais favoráveis à valorização do<br />

capital industrial. De um ponto de vista teórico, isto implica a passagem <strong>da</strong><br />

economia política à analise e crítica <strong>da</strong> política econômica do Estado. 102<br />

A intervenção democrática do Estado Contemporâneo, que afinal de contas é o<br />

objeto principal deste item nesta Tese, começou a ser forja<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> Primeira<br />

Guerra Mundial. Os esforços de guerra começaram a romper definitivamente com os<br />

últimos vestígios do Estado liberal que remanesciam então.<br />

No período entre guerras, houve a conheci<strong>da</strong> depressão de 1929, que obrigou o<br />

presidente norte americano Franklin Delano Roosevelt a instituir o New Deal,<br />

enfrentando a maior <strong>da</strong>s resistências por parte dos capitalistas liberais. Dallari, sobre<br />

isto, escreve que “a própria suprema corte norte americana criou obstáculos para a<br />

implantação dessa nova política, mas as solicitações sociais eram intensas, os<br />

resultados começaram a demonstrar o acerto <strong>da</strong> orientação e, afinal, o<br />

intervencionismo tornou-se irreversível.” 103<br />

Este modelo de intervenção, entretanto, que mais tarde seria abandonado pelos<br />

americanos do norte e substituído, novamente, por políticas de orientação liberal,<br />

firmou uma forma de atuação estatal diferente <strong>da</strong>quelas perpetra<strong>da</strong>s nos estados nazista<br />

e fascista que se viu entre as duas grandes guerras, qual seja a “intervenção<br />

democrática do Estado”.<br />

Este tipo de intervenção democrática havi<strong>da</strong> nos Estados Unidos inspirou os<br />

102 - BOBBIO, Norberto et alii. Op. Cit. p. 402.<br />

103 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 236.<br />

55


estados europeus após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial na implantação de seu modelo de<br />

Estado de Bem-Estar Social, ou Estado Social Democrata, ou mesmo Estado Social,<br />

dependendo <strong>da</strong> designação escolhi<strong>da</strong>. Como ensina Wolkmer, “to<strong>da</strong>s essas são<br />

rotulações que justificam e legitimam momentos do Estado Contemporâneo, os quais<br />

indistintamente do modelo político-econômico de que se servem, quer seja o<br />

Capitalismo, quer seja o Socialismo estatizante...” 104<br />

Esta posição é corrobora<strong>da</strong> por Alberto Venâncio Filho quando escreve que:<br />

na Inglaterra, o esforço do Gabinete trabalhista, dirigido pelo Premier<br />

Clement Atlee, logo após o término <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial (1946-1950),<br />

realizando uma intensa política de nacionalização, as quais foram, na<br />

maioria, manti<strong>da</strong>s pelo Gabinete Conservador que se seguiu no poder; na<br />

França, as tentativas do Gabinete León Blum, sob a égide do `Front<br />

Populaire’, em 1936, e que se segue, logo após a libertação em 1945, uma<br />

extensa política de nacionalização que vai encontrar sua plena<br />

fun<strong>da</strong>mentação legal no dispositivo do preâmbulo <strong>da</strong> Constituição francesa <strong>da</strong><br />

IV República, de 27 de outubro de 1946, que dispõe que `todo bem, to<strong>da</strong><br />

empresa cuja exploração tem ou adquire as características de um serviço<br />

público nacional ou de um monopólio de fato deve tornar-se proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

coletivi<strong>da</strong>de’, iniciando-se logo em segui<strong>da</strong>, com o Plano Monet um dos mais<br />

significativos esforços de planejamento democrático. Também na Itália, após<br />

o malogro do regime fascista, permanece uma política acentua<strong>da</strong> de<br />

intervenção, com grande parte <strong>da</strong> economia do país sob controle estatal, <strong>como</strong><br />

é o caso do Instituto de Risconstruzione Industriale (IRI), empreendendo-se<br />

também uma política de desenvolvimento <strong>da</strong>s regiões menos evoluí<strong>da</strong>s do Sul,<br />

através sobretudo <strong>da</strong> Cassa del Mezzogiorno. 105<br />

A mesma tendência pode ser observa<strong>da</strong> em outros países <strong>da</strong> Europa Ocidental,<br />

<strong>como</strong> Espanha e Áustria. A exceção, nesta Tese, será exatamente Portugal, que só<br />

passou a ser um Estado Contemporâneo democrático a partir <strong>da</strong> Revolução dos Cravos<br />

em 1974, mais especificamente com a posse de Mário Soares <strong>como</strong> Primeiro-Ministro,<br />

alguns anos depois, inaugurando o Estado Social interventivo lusitano.<br />

104 - WOLKMER, Antônio Carlos. Op. Cit. p. 26.<br />

105 - VENÂNCIO FILHO, Alberto. Intervenção do estado no domínio econômico. Rio de janeiro: FGV, 1968, p. 14.<br />

56


Em conclusão, a intervenção do Estado Contemporâneo democrático no<br />

domínio econômico e social deve ser entendido <strong>como</strong> uma exigência <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de do<br />

pós-guerra e esta intervenção foi respal<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo exercício democrático do poder neste<br />

tipo de Estado.<br />

A lição de Dallari, comentando os ensinamentos de Burdeau, serve<br />

perfeitamente para finalizar-se este item, quando escreve que “a constatação dessa<br />

reali<strong>da</strong>de levou Burdeau a admitir que o Estado ocupa tal lugar em nossa vi<strong>da</strong><br />

cotidiana, `que ele não poderá ser retirado sem que, ao mesmo tempo, sejam<br />

comprometi<strong>da</strong>s nossas possibili<strong>da</strong>des de viver’.” 106<br />

No próximo capítulo, vai-se tratar de estabelecer as relações entre o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> sistema de Governo e o Estado Contemporâneo.<br />

Considerando-se que, a exemplo <strong>da</strong> Parte I desta Tese, a Parte II também tem<br />

por objetivo o estabelecimento <strong>da</strong>s bases teóricas para o seu desenvolvimento, ain<strong>da</strong><br />

será possível observar muitas considerações de caráter genérico, o que torna-se<br />

perfeitamente aceitável a partir destas premissas.<br />

106 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 71.<br />

57


PARTE II - GOVERNO E PARLAMENTARISMO NO ESTADO<br />

CONTEMPORÂNEO DEMOCRÁTICO<br />

Nesta parte <strong>da</strong> Tese, a intenção é estabelecer os conceitos operacionais para as<br />

categorias Governo e <strong>Parlamentarismo</strong>, bem <strong>como</strong> iniciar a demonstração <strong>da</strong>s<br />

conexões existentes entre elas e a <strong>Democracia</strong>.<br />

Mesmo sem desprezar os aspectos históricos acerca do Governo e do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>, a ênfase será <strong>da</strong><strong>da</strong> aos seus aspectos contemporâneos, mormente<br />

após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

Também serão observados os ensinamentos de diversos autores sobre a<br />

classificação <strong>da</strong> categoria Governo, com abor<strong>da</strong>gens contemporâneas, que serão<br />

aplica<strong>da</strong>s em outras partes desta Tese.<br />

Além disto, no Capítulo IV será feita uma revisão do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>como</strong><br />

Sistema de Governo democrático, já com um recorte mais específico em direção ao<br />

objeto desta Tese.


CAPÍTULO III - GOVERNO E ESTADO CONTEMPORÂNEO<br />

DEMOCRÁTICO<br />

3.1 - ASPECTOS INTRODUTÓRIOS<br />

Desde que o homem se deu conta de ser capaz de pensar e de ter consciência<br />

de ser, também descobriu que esta era sua principal característica de proeminência<br />

sobre as outras espécies vivas. Os poetas <strong>da</strong> antiga Grécia renderam homenagens à<br />

capaci<strong>da</strong>de discursiva <strong>da</strong> mente humana. Sófocles, em Antígone, permite que se<br />

conheça, quem sabe, o mais delicado e inteligente destes atributos. O notável pensador<br />

escreveu que:<br />

há muitas coisas terríveis e maravilhosas, mas nenhuma mais formosa e<br />

poderosa que o homem. Ele que abre caminho sobre as águas do mar varrido<br />

por tempestades e corta a terra com seu arado. Se apodera dos animais<br />

selvagens, tornando-os dóceis e serviçais. Foi capaz de ensinar-se a si<br />

próprio a falar e a pensar rápido <strong>como</strong> o vento. Aprendeu também os hábitos<br />

relacionados com o Governo. Contra tudo o que enfrenta pode inventar algum<br />

recurso. Somente contra a morte não possui nenhum recurso. 107<br />

O estudo <strong>da</strong> arte de governar é coisa muito antiga. Os gregos, os romanos e<br />

outros povos, escreveram vários tratados sobre esse tema 108 , com inúmeros preceitos<br />

sobre a natureza do Governo e muitas considerações sobre sua prática.<br />

Contudo, a maioria dos autores não concor<strong>da</strong> com o que alguns deles chamam<br />

107 - SÓFOCLES. Antígone. Trad. de J. B. Mello e Souza. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 83.<br />

108 - Ver, sobre isto, José Antonio Gonzales Casanova, em seu Instituciones Políticas y Derecho Constitucional, p. 174, citado<br />

nesta Tese ou o Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, editado em 1994, pela<br />

Editora <strong>da</strong> UNB, p.555 e seguintes.


de “Ciência do Governo”.<br />

Deve-se anotar que a maioria dos publicistas, quando fala de “Ciência do<br />

Governo” não está colocando em dúvi<strong>da</strong> a existência <strong>da</strong> Ciência Política, segundo o<br />

conceito utilizado por Bobbio, quando ensina que “em resumo, Ciência política, em<br />

sentido estrito e técnico, corresponde à ciência empírica <strong>da</strong> política ou à ciência <strong>da</strong><br />

política, trata<strong>da</strong> com base na metodologia <strong>da</strong>s ciências empíricas mais desenvolvi<strong>da</strong>s,<br />

<strong>como</strong> a física, a biologia, etc.” 109 Há, isto sim, <strong>como</strong> se sabe, um importantíssimo<br />

conjunto de conhecimentos sobre o Estado, sobre as condições em que podem emergir<br />

diferentes tipos de Governo e também sobre as diferenças entre eles ou quanto à<br />

relação entre governantes e governados nas várias épocas <strong>da</strong> história. Acontece mesmo<br />

que esse conjunto de conhecimentos até poderia ser chamado de “ciência”, com todo o<br />

respeito àqueles que discor<strong>da</strong>m desta afirmação.<br />

Na reali<strong>da</strong>de, o que há é um movimento contrário à pretensão de que pode<br />

existir um conjunto sistemático de conhecimentos capaz de servir de guia definitivo ao<br />

homem de Estado, constituindo uma “ciência” de <strong>como</strong> governar. Uma “ciência”<br />

destina<strong>da</strong> a fazer em seu terreno a descrição <strong>da</strong>s relações de poder entre governantes e<br />

governados no Estado.<br />

Robert Mac´iver, em seu Teoria del Gobierno, comentando esta posição de<br />

alguns setores <strong>da</strong> doutrina atual, escreve que:<br />

os homens sempre sonharam com uma ciência do governo e alguns, inclusive,<br />

pretendem havê-la inventado. Desde Platão a George Bernard Shaw não<br />

faltaram os campeões do ponto de vista de que no desenvolvimento deste tipo<br />

de ciência está a salvação <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Platão estava dominado por um<br />

complexo mito e Shaw por outro, e assim será sempre. O que pode ser então<br />

109 - BOBBIO, Norberto et alii. Op. Cit. p. 164.<br />

60


uma ciência do governo completa? Uma ciência de <strong>como</strong> são governados os<br />

homens ? Muito há acumulado em material científico útil para isto, mas tratase,<br />

na maioria <strong>da</strong>s vezes, de descricões históricas e não de conhecimentos<br />

sistemáticos. Uma ciência de <strong>como</strong> deveriam ser governados os homens? Mas<br />

tenhamos em conta que a expressão `deveriam´ sempre supõe o complexo<br />

mítico do pensador e está sujeita constantemente aos seus pressupostos<br />

mentais e, portanto, fora do âmbito estritamente científico. Neste caso se<br />

estaria falando de uma Teoria do Governo. O qual, por suposto, não minora<br />

sua importância social. Uma ciência sobre <strong>como</strong> devem ser governados os<br />

homens? Quem sabe isto nos crie mais esperanças. Maquiavel apresentou o<br />

exemplo a todo o mundo moderno - de oferecer ao governante regras<br />

pragmáticas para seu trabalho e orientação. 110<br />

O mesmo autor, sobre este assunto, ain<strong>da</strong> assevera que:<br />

quem teve uma profun<strong>da</strong> experiência em assuntos públicos: homens de Estado,<br />

diplomatas, políticos, chefes de partido, conselheiros de presidentes ou de<br />

soberanos, nos legaram um conjunto de memórias nas quais expõem, segundo<br />

suas experiências, quais são os segredos do êxito político. Os psicólogos,<br />

publicistas e especialistas em publici<strong>da</strong>de, ou em análise de mercado,<br />

propagan<strong>da</strong>, estu<strong>da</strong>ram os modos e maneiras <strong>da</strong> resposta <strong>da</strong>s massas e os<br />

truques com os quais esta resposta pode ser manipula<strong>da</strong>. Por mais<br />

esclarecedores que tais memórias, avisos, lições e conclusões sejam, não<br />

chegam a cumprir os requisitos de uma autêntica ciência. São reflexões,<br />

observações sobre a arte de governar, mas também <strong>da</strong>dos aproveitáveis para<br />

uma ciência do governo. 111<br />

Já Heller, numa posição obviamente mais próxima dos conceitos tradicionais e<br />

que coloca o Governo <strong>como</strong> objeto <strong>da</strong> Ciência Política, assinala que:<br />

assim, pois, esta ciência ocupa-se, preferentemente, dos problemas que surjam<br />

em torno do Governo e <strong>da</strong> legislação, e não dispensará a sua atenção, ou só o<br />

fará em circunstâncias especiais, aos <strong>da</strong> Jurisdição e Administração. Não<br />

obstante, nos casos em que os órgãos judiciais e administrativos se achem<br />

capacitados a alterar, de forma substancial, a distribuição do poder político<br />

mediante decisões autonômas, <strong>como</strong> é o caso - para citar só um exemplo muito<br />

conhecido <strong>da</strong> Suprema Corte Federal dos Estados Unidos; ou então, quando a<br />

ativi<strong>da</strong>de judicial ou administrativa presumir um entrave ou um estímulo para<br />

o Governo ou a Legislação, <strong>como</strong> nas ditaduras, em que se realiza a<br />

concentração dos poderes, em um e outro caso tais formas <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

estatal incluem-se, imediatamente, no círculo de problemas pertecentes à<br />

110 - MAC’IVER, Robert. Teoria del gobierno. Trad. Marita Sanches. 7. ed. , Madrid: Tecnos, 1966, p. 76.<br />

111 - MAC’IVER, Robert. Id. Ibid. p. 76.<br />

61


Ciência Política. 112<br />

Mesmo com eventuais afirmações que são, no mínimo, exagera<strong>da</strong>s, <strong>como</strong> a de<br />

Mac´Iver, é certo que o tema Governo sempre mereceu as mais profun<strong>da</strong>s reflexões<br />

por parte <strong>da</strong>queles preocupados com a Ciência Política, com a Ciência do Direito e<br />

com a Teoria do Estado, porquanto ser de fun<strong>da</strong>mental importância para a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des modernas que sejam ca<strong>da</strong> vez mais ajusta<strong>da</strong>s e aperfeiçoa<strong>da</strong>s as relações<br />

democráticas entre governantes e governados.<br />

O Governo distingue-se de algumas funções do Estado, por ter sua origem nas<br />

socie<strong>da</strong>des democráticas, na vontade do povo, o que o torna naturalmente proeminente<br />

diante de alguns outros poderes estatais. Nas ditaduras, a reali<strong>da</strong>de é ain<strong>da</strong> mais<br />

eluci<strong>da</strong>tiva, quando o Governo normalmente legisla, julga e administra ao mesmo<br />

tempo. Basta analisar alguns regimes não democráticos, <strong>como</strong> aqueles existentes no<br />

Oriente Médio e na Indochina, por exemplo, para se ter a comprovação desta<br />

afirmação.<br />

Bobbio escreve sobre este conflito de entendimento, assinalando que:<br />

... o Estado não é senão uma <strong>da</strong>s formas que a organização política <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de assumiu no decorrer <strong>da</strong> história (a mais evoluí<strong>da</strong> e a mais<br />

complexa), na qual se manifestou um poder de Governo. Se o Estado é um tipo<br />

de organização política relativamente recente (habitualmente sua origem se<br />

situa no início do século XVI), a formação de um poder de governo remonta a<br />

uma fase histórica muito anterior. Por exemplo, a ci<strong>da</strong>de-Estado e o Império<br />

feu<strong>da</strong>l são formas pré-estatais de organização política nas quais é possível<br />

identificar um poder de Governo. 113<br />

A evolução <strong>da</strong> divisão do trabalho foi o que determinou a formação <strong>da</strong>s<br />

112 - HELLER, Hermann. Op. Cit. p. 234.<br />

113 - BOBBIO, Norberto et alii. Op. Cit. p. 553.<br />

62


elações sociais mais complexas. Isto, junto com a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s profun<strong>da</strong>s<br />

desigual<strong>da</strong>des sociais entre os indivíduos e os grupos, criaram problemas tão graves<br />

que acarretou a necessi<strong>da</strong>de de organizar a população sob o comando de um chefe, a<br />

quem foi confia<strong>da</strong> a função de impor as regras necessárias para limitar os efeitos<br />

desagregadores de tais problemas. Segundo Bobbio, “acontece assim, em seus termos<br />

mais gerais, a passagem <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de primitiva para a organização política <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, na qual aparece uma primeira forma rudimentar de Governo.” 114<br />

É sempre para a função Governo que to<strong>da</strong>s as atenções sociais se voltam, em<br />

qualquer regime.<br />

Pode-se dizer que nas socie<strong>da</strong>des contemporâneas, mesmo naquelas em que o<br />

poder é multicentrado, na perspectiva de Niklas Luhmann 115 , o exercício do poder de<br />

governar é aquele que atende às necessi<strong>da</strong>des de atenção principal às reivindicações do<br />

todo social, sem com isto, evidentemente, querer-se dizer ser esta uma função mais<br />

importante que a de legislar ou de julgar.<br />

114 - BOBBIO, Norberto et alii. Id. Ibid. p. 554.<br />

115 - LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Tomos I e II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p. 212 e 252.<br />

63


3.2 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O GOVERNO DEMOCRÁTICO<br />

É fun<strong>da</strong>mental, para um estudo do tipo que se está propondo, uma revisão<br />

bibliográfica dos conceitos básicos do termo Governo, fornecendo assim o devido<br />

suporte teórico para os demais capítulos deste trabalho.<br />

escreveu que:<br />

Pode-se começar com Aristóteles, no seu A Política, quando o pensador grego<br />

visto que as palavras Constituição e Governo significam a mesma coisa, visto<br />

que o Governo é a autori<strong>da</strong>de suprema do Estado e que, forçosamente, esta<br />

autori<strong>da</strong>de suprema deve repousar nas mãos de um só, ou de vários, ou <strong>da</strong><br />

multidão, segue-se que desde que um só, ou vários, ou a multidão, usem <strong>da</strong><br />

autori<strong>da</strong>de, com vistas ao interesse geral, a Constituição é pura e será<br />

forçosamente; ao contrário, se governa com vistas ao interesse particular, isto<br />

é, ao interesse de um só, ou de vários, ou <strong>da</strong> multidão, a constituição é vicia<strong>da</strong><br />

e corrompi<strong>da</strong>, porque de duas coisas uma: é preciso declarar que os ci<strong>da</strong>dãos<br />

não participam do interesse geral ou dele participam. 116<br />

Osvaldo Ferreira de Melo registra que, conceitualmente, Governo é:<br />

1. Strictu Sensu, direção de um Estado, correspondendo ao Chefe Supremo e<br />

seus auxiliares imediatos. 2. Lato Sensu, to<strong>da</strong>s as pessoas e instituições do<br />

Poder Executivo. 3. Período em que se estabelece uma gestão governamental.<br />

Nesta acepção, o mesmo que governança. 4. Mecanismo utilizado pelo Estado<br />

para a gerência de suas funções. 5. Conjunto de magistraturas através <strong>da</strong>s<br />

quais o Estado procura realizar sua finali<strong>da</strong>de. 6. Diz. -se `de fato´ o governo<br />

ain<strong>da</strong> não reconhecido na ordem externa. Quanto ao seu desempenho e aos<br />

sistemas, o governo pode ser: a. constitucional; b. absoluto; c. representativo;<br />

d. presidencial; e. parlamentar e f. de gabinete. 117<br />

Claro que numa exposição <strong>como</strong> esta, com uma assinala<strong>da</strong> opção pela técnica<br />

<strong>da</strong> pesquisa bibliográfica, pode-se incorrer em algumas repetições, mas que se<br />

116 - ARISTÓTELES. Op. Cit. p. 115.<br />

117 - MELO, Osvaldo Ferreira. Op. Cit. p. 56.<br />

64


justificam pela busca de um razoável conjunto de autores que, às vezes, comungam <strong>da</strong><br />

mesma linha teórica.<br />

Continuando, então, pode-se afirmar que Governo, num sentido mais genérico,<br />

significa “conduta” ou “ação pessoal conduzi<strong>da</strong> ou dirigi<strong>da</strong> a um fim”. Permite-se<br />

dizer que to<strong>da</strong> ação deste tipo implica um poder de Governo. Este poder normalmente<br />

é, ao mesmo tempo, mais ou menos coercitivo e consensual.<br />

O poder consensual de Governo implica que uns aceitem o posto de comando<br />

de outros e, segundo a lição de Gonzales Casanova, “para que guie é que o guia deve<br />

seguir a orientação fun<strong>da</strong>mental que foi <strong>da</strong><strong>da</strong>, já que o consenso se baseia no acordo<br />

comum do `até onde se pode ir´.” 118<br />

É <strong>como</strong> ensina Kelsen, ao assinalar que a chama<strong>da</strong> “vontade do povo” não<br />

existe, sendo uma figura de retórica. Ele escreveu que:<br />

... a forma de governo defini<strong>da</strong> <strong>como</strong> `governo do povo’ não pressupõe uma<br />

vontade do povo volta<strong>da</strong> para a realização <strong>da</strong>quilo que, segundo a opinião<br />

deste, constitui o bem comum. O termo designa um governo no qual o povo<br />

participa direta ou indiretamente, ou seja, um governo exercido pelas<br />

decisões majoritárias de uma assembléia popular, ou por um corpo de<br />

indivíduos, ou até mesmo por um único indivíduo eleito pelo povo. Os<br />

indivíduos eleitos pelo povo são chamados seus representantes. Essa<br />

representação do povo significa a relação, constituí<strong>da</strong> por eleição, entre o<br />

eleitorado e os eleitos. 119<br />

A doutrina ensina que ao governante não se outorga uma confiança cega, pois<br />

o figurino democrático é aquele onde todos os seguidores saibam e vejam para onde se<br />

vai e se se vai bem. Isto é o que se chama de controle do Governo, que pode ser objeto<br />

118<br />

- CASANOVA, José António Gonzales. Instituciones políticas y derecho constitucional. Barcelona: Vicens Vives, 1991,<br />

p. 277.<br />

119<br />

- KELSEN, Hans. A democracia. Trad. Ivoni Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 141-142.<br />

65


de longo e detalhado estudo, <strong>da</strong><strong>da</strong>s suas inúmeras formas atuais.<br />

Vale observar o que Goulart, ao abor<strong>da</strong>r o tema Governo, ensina quanto à sua<br />

importância, ao escrever que:<br />

governar é, acima de tudo, desempenhar as funções próprias do Estado, em<br />

busca <strong>da</strong> realização do bem estar comum. Segundo essa linha de raciocínio, a<br />

ação governamental se revela em qualquer <strong>da</strong>s seguintes hipóteses: a. quando<br />

são elabora<strong>da</strong>s as normas disciplinadoras <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; b. quando se<br />

implementam concretamente estas normas, através <strong>da</strong> realização de obras e<br />

serviços destinados à melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> de todo o corpo social; c.<br />

quando são dirimidos conflitos, reconhecidos direitos e prerrogativas e<br />

aplica<strong>da</strong>s sanções, com vistas à manutenção <strong>da</strong> ordem e à realização <strong>da</strong><br />

justiça. 120<br />

Goulart continua, na mesma obra e agora já emitindo o seu conceito,<br />

escrevendo que “destarte, podemos definir o governo <strong>como</strong> sendo o conjunto de<br />

instituições e de órgãos oficiais que, no exercício de suas competências<br />

constitucionais, diligencia a promoção do bem estar social.” 121<br />

Já Maurice Duverger, em seu Os Grandes Sistemas Políticos, ao analisar as<br />

relações do Poder Executivo com outros poderes do Estado, assinala que:<br />

a palavra governo é mais difícil de precisar, porque tem vários sentidos: 1º<br />

pode designar o conjunto de órgãos políticos do Estado, incluindo o<br />

Parlamento; 2º pode designar um órgão governamental particular,<br />

correspondendo à noção de poder executivo na teoria liberal, que se opõe<br />

assim ao Parlamento, que encarna o poder legislativo; 3º pode também<br />

designar apenas um elemento deste Executivo, o ministério ou gabinete<br />

ministerial, por oposição ao Chefe do Estado. Esta imprecisão do termo é<br />

lamentável, mas impossível de evitar em virtude <strong>da</strong> força do hábito. Na<br />

prática, o contexto evita geralmente qualquer confusão. Quando se fala de<br />

Governo em relação com o Parlamento, <strong>como</strong> se faz aqui, trata-se,<br />

120<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. Formas e sistemas de governo - uma alternativa para a democracia brasileira. Porto<br />

Alegre: Sérgio Fabris, 1995, p. 36.<br />

121<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 36.<br />

66


evidentemente, do segundo sentido. 122<br />

Feitas estas considerações, estriba<strong>da</strong>s nos conceitos emitidos pelos autores<br />

citados, este trabalho passará a se dedicar aos sistemas de Governo encontrados em<br />

estados contemporâneos democráticos.<br />

122 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 17.<br />

67


3.3 - OS SISTEMAS CONTEMPORÂNEOS DEMOCRÁTICOS DE GOVERNO<br />

Está-se apresentando, nesta Tese, uma forma própria de analisar e qualificar os<br />

sistemas de Governo, sempre levando em consideração sua estrutura orgânica, que é<br />

observa<strong>da</strong> sob diversos pontos. O primeiro deles é a análise constitucional <strong>da</strong>s<br />

instituições de poder do Estado (considerando-se aí os processos de composição e<br />

escolha de seus titulares). O segundo é o estudo do elenco de poderes e competências<br />

que a ca<strong>da</strong> um são atribuídos. O terceiro é a análise <strong>da</strong>s interrelações dos órgãos de<br />

soberania, assim <strong>como</strong> dos processos de controle recíprocos que entre eles se<br />

estabelecem.<br />

Constata-se que há sistemas de Governo que são mais compatíveis com<br />

regimes democráticos, <strong>como</strong> o sistema parlamentar, mas que também podem existir em<br />

sistemas ditatoriais ou autocráticos. É certo também que a estrutura orgânica de poder<br />

do Estado reflete, em parte, o perfil <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de política e civil desse Estado. Pode-se<br />

dizer que o Sistema de Governo reflete a opção ideológica de ca<strong>da</strong> Estado.<br />

Para uma revisão bibliográfica mais adequa<strong>da</strong> sobre o Governo, serão<br />

utiliza<strong>da</strong>s as lições de alguns tratadistas escolhidos por sua dedicação à matéria.<br />

As variações de modelos contemporâneos que em segui<strong>da</strong> serão expostos não<br />

esgotam, evidentemente, os que existem. Vai-se utilizar, especificamente, os<br />

ensinamentos de Karl Loewenstein, Maurice Duverger, Marcello Caetano, Armando<br />

Marques Guedes, Gomes Canotilho e Dalmo de Abreu Dallari, trazendo considerações<br />

68


acerca do pensamento dos citados autores.<br />

a. Karl Lowenstein<br />

Logo de início, deve-se registrar que o resumo feito não reflete,<br />

necessariamente, to<strong>da</strong> a contribuição deste autor para a matéria, mas é o suficiente<br />

para mostrar a sua posição doutrinária.<br />

O critério preponderante no modelo proposto por Karl Lowenstein é o <strong>da</strong><br />

“distinção entre distribuição e concentração do exercício do poder político” 123 , isto é,<br />

conforme uma e outra circunstância, ter-se-ia governos constitucionais democráticos<br />

ou governos autocráticos.<br />

Nos governos constitucionais seria possível distinguir os seguintes modelos de<br />

Sistema de Governo: 1. de <strong>Democracia</strong> direta; 2. de assembléia; 3. parlamentar; 4. de<br />

gabinete; 5. presidencial e 6. diretorial.<br />

Os governos autocráticos são representados pelos seguintes tipos: 1.<br />

monarquia absoluta; 2. cesarismo plebiscitário napoleônico e 3. Neo-presidencialismo.<br />

A designação Neo-presidencialismo utiliza<strong>da</strong> por Lowenstein, na<strong>da</strong> tem a ver com o<br />

Sistema de Governo que corresponde ao presidencialismo parlamentarizado, <strong>da</strong><br />

autoria de Clóvis Goulart 124 . Aquele seria o sistema de Governo que, na tradição<br />

napoleônica, era autocrático-autoritário, no qual a estrutura orgânica estava domina<strong>da</strong><br />

pelo Chefe de Estado - o Presidente - que exerce o poder sem qualquer controle real <strong>da</strong><br />

sua atuação, ain<strong>da</strong> que não abrisse mão, em alguns casos, de outros órgãos superiores -<br />

123 - LOEWENSTEIN, Karl. Op. Cit. p. 73.<br />

124 - GOULART, Clóvis. Op. Cit. p. 146.<br />

69


ou de soberania -, tais <strong>como</strong> o Parlamento, o Gabinete, os tribunais, entre outros. No<br />

entanto, só formalmente é que estes órgãos gozam de independência perante o Chefe<br />

de Estado. Na prática, é este que governa sem limites. As autocracias poderiam ain<strong>da</strong>,<br />

segundo o autor em tela, ser qualifica<strong>da</strong>s <strong>como</strong> bran<strong>da</strong>s, autoritárias e totalitárias.<br />

Nas primeiras, o exercício do poder é de natureza concentracionista, ou seja, é detido<br />

por uma única autori<strong>da</strong>de, que o exerce sem qualquer controle real. No entanto, deixa<br />

ain<strong>da</strong> um espaço de liber<strong>da</strong>de à Socie<strong>da</strong>de civil, já que “o regime autoritário se<br />

satisfaz com o controle político do Estado sem pretender dominar a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

sócio - econômica <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, ou determinar sua atitude espiritual de acordo com<br />

sua própria imagem” 125 . Já nas autocracias totalitárias a presença e o domínio do<br />

Estado estendem-se a to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> social, muito além <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de política.<br />

Para Lowenstein, a diferença entre os diversos sistemas de Governo<br />

autocráticos e constitucionais, é feita de acordo com critérios orgânicos, tendo em<br />

vista a natureza dos órgãos de ca<strong>da</strong> modelo e a atribuição e distribuição de poderes e<br />

competências, que entre eles se encontra estabeleci<strong>da</strong>.<br />

b. Maurice Duverger.<br />

O eminente constitucionalista francês Maurice Duverger, com uma<br />

contribuição incontestável ao estudo dos sistemas políticos e de Governo, considera,<br />

na sua obra já referi<strong>da</strong>, “Os Grandes Sistemas Políticos”, que devem ser atendidos dois<br />

pressupostos para a qualificação do que entende genericamente por sistemas políticos:<br />

a estrutura <strong>da</strong>s instituições políticas (o regime político, para o autor) e o ambiente<br />

125 - LOEWENSTEIN, Karl. Op. Cit. p. 76.<br />

70


sócio-econômico em que estão inseri<strong>da</strong>s.<br />

Pela análise <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong>s instituições políticas pode-se distinguir os<br />

regimes liberais dos regimes autoritários.<br />

Já com a análise do ambiente social em que se inserem distinguem-se os<br />

sistemas capitalistas e os sistemas socialistas.<br />

Os sistemas políticos, segundo Duverger, resultam do cruzamento desses dois<br />

elementos, de que se podem obter os seguintes resultados: 1. as democracias<br />

capitalistas - encontra<strong>da</strong>s nos países ditos do mundo ocidental; 2. os regimes<br />

autoritários capitalistas - monarquias arcaicas e ditaduras fascistas ou conservadoras;<br />

3. as ditaduras socialistas - sistema dos países que pertenceram ao leste europeu e de<br />

alguns poucos países hoje espalhados pelo planeta <strong>como</strong>, por exemplo, Cuba -; e 4.<br />

democracia socialista, cujo modelo só é disponível em teoria.<br />

Sendo estes os sistemas políticos apontados por Duverger, deve-se ain<strong>da</strong> expôr<br />

os sistemas de Governo, os quais o autor chama de regimes políticos 126 . Claro que eles<br />

só podem ser encontrados nos três primeiros tipos de sistemas políticos apontados<br />

acima, considerando que o último - a democracia socialista - ain<strong>da</strong> não foi posto em<br />

prática, não sendo possível assim, a observação de nenhum modelo concreto. Os três<br />

primeiros regimes admitem os seguintes sistemas de Governo:<br />

a. As democracias capitalistas estruturam os seus sistemas de Governo de duas<br />

formas puras e uma mista: as primeiras são: 1. o <strong>Parlamentarismo</strong> e 2. o<br />

126 - Alguns autores, principalmente os franceses, <strong>como</strong> Duverger, utilizam a categoria Regime Político para designar o<br />

Regime de Governo. Para esta Tese, Sistema de Governo refere-se a <strong>Parlamentarismo</strong>, Presidencialismo e Sistema Diretorial<br />

Suíço; Forma de Governo refere-se a República e Monarquia e Regime de Governo refere-se a <strong>Democracia</strong> e Autocracia.<br />

71


Presidencialismo. A segun<strong>da</strong> 3. o Semipresidencialismo. A essas Duverger acrescenta<br />

um quarto tipo, cuja posição, <strong>como</strong> se verá, não esclarece com rigor: 4. o sistema de<br />

assembléia, mas que, sabe-se, diz respeito ao singular sistema Diretorial suíço.<br />

1. O sistema parlamentar é aquele em que “o Governo está dividido em dois<br />

elementos, dos quais um - o Gabinete ou Governo no sentido mais restrito do termo - é<br />

responsável perante o Parlamento e tem o direito de o dissolver.” 127 Neste aspecto, a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política do Governo perante o Parlamento deverá ser ti<strong>da</strong> <strong>como</strong> o<br />

mais significativo elemento do modelo parlamentar. Até atingir na Europa sua forma<br />

clássica, o <strong>Parlamentarismo</strong> conheceu algumas variações em sua evolução. São elas:<br />

- a Monarquia limita<strong>da</strong> (em que, apesar de existir já um parlamento com<br />

alguns poderes, o sistema de Governo continua a privilegiar o princípio do governo<br />

monárquico);<br />

- o <strong>Parlamentarismo</strong> orleanista (em homenagem a Luís Filipe, Duque de<br />

Orleães e que desenvolveu este sistema de Governo, na França, entre 1830 e 1848, que<br />

se caracteriza por um reforço dos poderes do Parlamento, coexistindo com um Chefe<br />

de Estado igualmente interventor. Pode-se dizer assim, que o Governo está obrigado a<br />

uma dupla confiança).<br />

2. Quanto ao sistema presidencialista, as suas características são mais<br />

evidentes, com a concentração do Poder Executivo no Chefe de Estado, que o exerce<br />

com livre discricionarie<strong>da</strong>de. Entretanto, hodiernamente existem vários modelos de<br />

presidencialismo, com destaque para aqueles baseados na repressão <strong>da</strong> população<br />

127 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 139.<br />

72


através de ditaduras que se mantêm sem a observância <strong>da</strong>s regras mínimas <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> e dos direitos fun<strong>da</strong>mentais do homem. Nesses tipos de presidencialismo,<br />

a legitimi<strong>da</strong>de do sistema é basea<strong>da</strong> na força militar, normalmente com um partido<br />

único ou com um partido oficial.<br />

3. As ditaduras socialistas, próprias dos então denominados países do leste<br />

europeu, possuíam as mesmas características <strong>da</strong>s ditaduras capitalistas. Para distingui-<br />

las umas <strong>da</strong>s outras, Duverger escreve que “enquanto as primeiras baseavam o seu<br />

sistema produtivo na coletivização, as segun<strong>da</strong>s mantinham os sistemas de<br />

apropriação priva<strong>da</strong> dos meios de produção.” 128<br />

c. Marcello Caetano<br />

É com Marcello Caetano - e isto é majoritário nos meios acadêmicos em<br />

Portugal - e a partir de Marcello Caetano que a doutrina portuguesa para os sistemas<br />

de Governo se afirma e adquire contornos de originali<strong>da</strong>de.<br />

Marcello Caetano, nas páginas finais do seu Manual de Ciência Política 129 ,<br />

considera existirem duas grandes famílias de regimes de Governo: a autocrática e a<br />

democrática. O critério proposto para caracterizá-las é ain<strong>da</strong> o que foi utilizado<br />

durante séculos pelos clássicos: o número de detentores do poder. Sendo detido por<br />

apenas uma pessoa - monocracia - ou por um grupo reduzido - aristocracia ou<br />

oligarquia -, estaríamos diante <strong>da</strong>s formas de Governo autocráticas. Estando o poder<br />

nas mãos do povo, está-se diante dos regimes democráticos. Entretanto, nem todos os<br />

regimes democráticos manifestam idênticas formas de exercício do poder. Elas<br />

128 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 359.<br />

129 - CAETANO, Marcello. Op. Cit. 405 p.<br />

73


devem ser dividi<strong>da</strong>s conforme a representativi<strong>da</strong>de dos órgãos do poder: a. direta: b.<br />

representativa; e c. semi-direta. Estes são os tipos mais importantes que serão tratados<br />

a seguir:<br />

1. O sistema democrático de governo direto “consiste no exercício integral<br />

<strong>da</strong>s funções próprias do Poder político pela assembléia geral dos ci<strong>da</strong>dãos ativos do<br />

Estado.” 130 Equivale, portanto, ao sistema de assembléia, já citado anteriormente.<br />

2. O sistema democrático de governo representativo, o mais complexo de<br />

todos os enunciados e o que interessa, afinal de contas, para esta Tese, baseia-se na<br />

idéia <strong>da</strong> representação direta, através dos titulares dos órgãos de Governo. Conforme a<br />

estrutura orgânica, seriam eles divididos em: a. sistema de Governo representativo<br />

convencional - ou de democracia popular -; b. sistema de Governo representativo<br />

parlamentar - predomínio do Parlamento -; e c. sistema de Governo representativo<br />

pessoal - predomínio do Chefe de Estado - que assume dois sub-tipos diferentes:<br />

monarquia representativa - Chefe de Estado hereditário - e a república presidencialista<br />

- Chefe de Estado eleito -.<br />

3. O sistema democrático de Governo semi-direto é a combinação <strong>da</strong>s duas<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des anteriores, combinando o “exercício do Governo pelos ci<strong>da</strong>dãos eleitores<br />

com o dos seus representantes.” 131<br />

d. Armando Marques Guedes<br />

O modelo sugerido por Marques Guedes é, sem dúvi<strong>da</strong>s, o mais original até<br />

130 - CAETANO, Marcello. Id. Ibid. p. 361.<br />

131 - CAETANO, Id. Ibid. p. 371.<br />

74


aqui analisado, segundo o ponto de vista do autor desta Tese.<br />

Em primeiro lugar, o critério fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> classificação sugeri<strong>da</strong> já não é o<br />

do número dos detentores do poder mas, segundo o autor “o modo <strong>como</strong> são exerci<strong>da</strong>s<br />

as funções soberanas. Desse modo, distinguem-se, em primeiro lugar, os sistemas<br />

centralizadores (ou absolutistas) dos de separação de poderes - ou<br />

constitucionais.” 132 Dentro de ca<strong>da</strong> uma destas famílias existem diferentes<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de sistemas de Governo, sendo feita a sua classificação novamente em<br />

função <strong>da</strong> forma de exercício do poder e, também, <strong>da</strong> construção jurídico- institucional<br />

de ca<strong>da</strong> modelo.<br />

Segundo Marques Guedes, os sistemas centralizados compreendem as<br />

seguintes formas de Governo: 1. monocracia; 2. governo de assembléia; e 3.<br />

sovietismo.<br />

1. As monocracias se identificam com o exercício pessoal absoluto do poder,<br />

sob forma de monarquias absolutistas ou <strong>da</strong>s ditaduras pessoais carismáticas;<br />

2. O Governo de assembléia - ou convencional - coincide exclusivamente com<br />

o regime jacobino francês que vigorou entre o fim de 1792 e 1795;<br />

3. O sovietismo representava, no essencial, o modelo de Governo <strong>da</strong> extinta<br />

URSS que, baseando-se no sistema de assembléia, evoluiu, <strong>como</strong> reconhece o autor,<br />

para uma espécie de semipresidencialismo, no qual o presidente do Soviet Supremo<br />

desempenhava a função suprema do Estado. A sua característica dominante seria o<br />

caráter colegiado do órgão político supremo, donde resultava um órgão executivo na -<br />

75


pelo menos teoricamente - dependência do Presidente do Soviet Supremo. Deste modo,<br />

podem ser encontra<strong>da</strong>s algumas semelhanças com o sistema convencional, havendo<br />

autores que preferem integrar esta experiência concreta nesse modelo.<br />

Já os sistemas de separação de poderes subdividem-se em três grandes grupos:<br />

1. nas formas de exercício independente do poder; 2. nas formas de exercício<br />

correlacionado e 3. nas formas mistas. O critério principal de análise reside na<br />

estrutura orgânica dos poderes executivo e legislativo. Como são exatamente os mais<br />

importantes diante do tema deste trabalho, vale assinalar o que Marques Guedes diz a<br />

respeito. É o seguinte:<br />

1. Nas formas de exercício independente, o Executivo e o Legislativo mantêm-<br />

se rigorosamente separados, sendo três os seus modelos: monarquia representativa ou<br />

constitucional pura, presidencialismo e Governo de Chanceler. A monarquia<br />

representativa e o presidencialismo divergem somente no caráter monárquico ou<br />

republicano <strong>da</strong> chefia do Estado, a quem corresponde também, num caso e no outro, o<br />

poder executivo. O Governo de Chanceler - <strong>como</strong> na Constituição Imperial alemã de<br />

1871 - mantém igualmente separados o Legislativo do Executivo. O que acontece é<br />

que o Governo, neste caso, não está apenas em um só órgão, mas em dois diferentes -<br />

Chefe de Estado e Chefe de Governo -, existindo, assim, o que o autor chama de um<br />

“bicefalismo” do Poder Executivo;<br />

2. As formas de exercício correlaciona<strong>da</strong>s enquadram-se num esquema de<br />

cooperação de dois dos poderes do Estado (Legislativo e Executivo). Daí resulta o<br />

sistema parlamentar, que conhece duas versões diferentes: o sistema parlamentar de<br />

132 - GUEDES, Armando Marques. Introdução ao estudo do direito político. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e<br />

76


gabinete e o sistema parlamentar de assembléia. Traço comum a ambos e, por isso<br />

Política Ultramarina, 1969, p. 18.<br />

77


mesmo, dominante nos dois tipos pela relação estreita entre o Legislativo e o<br />

Executivo, através <strong>da</strong> origem e permanência em funções do Governo a partir do<br />

Parlamento, perante o qual responde politicamente. O que varia é a recíproca posição<br />

do Parlamento e do Governo. No primeiro dos dois casos citados, é o Governo, através<br />

do seu Chefe, que assume uma posição dominante, podendo também promover a<br />

dissolução do Parlamento (modelo Inglês). No segundo caso, as posições se invertem e<br />

prepondera o órgão legislativo, podendo este subsistir com a que<strong>da</strong> - e fazendo cair -<br />

do Executivo, <strong>como</strong> na Constituição portuguesa de 1911. Não se deve, entretanto,<br />

confundir os governos de assembléias ou convencionais, com governos parlamentares<br />

de assembléia. Enquanto aqueles não conhecem a separação de poderes, estes a têm<br />

<strong>como</strong> pressuposto;<br />

3. Já as formas mistas são duas: parlamentarismo racionalizado e semi -<br />

presidencialismo. Nestes sistemas os poderes do Chefe de Estado são ampliados.<br />

Marques Guedes reconhece que se deve atribuir a Maurice Duverger a<br />

expressão “semipresidencialismo” e que o citado sistema é similar ao Governo de<br />

Chanceler. O tratadista português explica que sua posição deriva do fato de que estes<br />

são casos típicos de “bicefalismo” do Executivo, nuns casos com predomínio do Chefe<br />

de Estado e, em outros, com predomínio do Chefe de Governo. Assim sendo, quase<br />

que a denominação “semipresidencialismo” se torna inadequa<strong>da</strong>. Quer parecer que se<br />

trata de uma forma atenua<strong>da</strong> de Presidencialismo. Efetivamente não o é.<br />

Por outro lado, as novas tendências contemporâneas caminham mais no<br />

sentido do chamado Governo de Chanceler, ensina o autor.<br />

78


e. Gomes Canotilho.<br />

J. J. Gomes Canotilho identifica os sistemas de Governo com a “organização<br />

constitucional dos poderes, sendo esta a forma de separação e interdependência de<br />

vários órgãos de soberania.” 133 Nessa perspectiva, o constitucionalista de Coimbra<br />

qualifica-os levando em conta dois aspectos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> estrutura orgânica<br />

constitucional: as relações de controle e as relações de responsabili<strong>da</strong>de que se<br />

estabelecem entre os órgãos de soberania. As primeiras são as “que se exercem em<br />

relação aos titulares dos órgãos sobre os atos desses órgãos.” 134 A responsabili<strong>da</strong>de<br />

política, intimamente liga<strong>da</strong> ao conceito anterior, segundo Canotilho “exprime a<br />

situação do controlado face ao controlante.” 135<br />

Da análise destas relações de controle político que se estabelecem entre vários<br />

órgãos de soberania nascem, caso a caso, os sistemas de Governo, que se caracterizam<br />

por uma estrutura orgânica específica. Assim sendo, são observados cinco modelos<br />

estruturais: 1. a estrutura dualista monárquico-representativa; 2. a estrutura<br />

presidencial; 3. estrutura diretorial; 4. estrutura parlamentar republicana; e 5. estrutura<br />

mista parlamentar - presidencial. Pode-se mostrá - las <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

1. a estrutura monárquico-representativa, equivale praticamente à idéia de<br />

monarquia constitucional, na qual, apesar de haver uma separação e controle de<br />

poderes, o princípio monárquico é o princípio estruturante fun<strong>da</strong>mental do Estado.<br />

Assim, verifica-se a responsabili<strong>da</strong>de do Primeiro-Ministro perante o Rei, e a ausência<br />

de responsabili<strong>da</strong>de deste último perante o Parlamento ou qualquer outro órgão de<br />

133 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 715.<br />

134 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Id. Ibid. p. 716-17.<br />

135 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Id. Ibid. p. 717.<br />

79


controle. O Rei é, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe de Governo;<br />

2. a estrutura presidencial corresponde, evidentemente, ao sistema<br />

presidencialista, no qual o Chefe de Estado dispõe de legitimi<strong>da</strong>de democrática direta,<br />

acumulando a chefia do Poder Executivo. Nele não existe Gabinete, nem há qualquer<br />

relação de controle político entre o Presidente e o Parlamento (impossibili<strong>da</strong>de de<br />

dissolução e de moções de censura);<br />

3. a estrutura diretorial, ou Sistema de Governo de diretório, caracteriza-se<br />

pela existência de um órgão colegiado - o Diretório - eleito pelo Parlamento para um<br />

período de tempo determinado, do qual não pode ser destituído, mas apenas<br />

“orientado” pelo Parlamento. Neste sistema, o Diretório exerce funções executivas e o<br />

Parlamento as suas tradicionais;<br />

4. a estrutura parlamentar republicana (ou monárquica) equivale ao sistema de<br />

Governo parlamentar. Nele verifica-se a responsabili<strong>da</strong>de do Gabinete perante o<br />

Parlamento, que o pode destituir ao votar uma moção de censura ou desconfiança. Por<br />

outro lado, sabe-se também que o Parlamento pode ser dissolvido pelo Chefe de Estado<br />

a pedido do Primeiro-Ministro, quando se estabelece uma dupla e recíproca<br />

responsabili<strong>da</strong>de;<br />

5. a estrutura mista parlamentar-presidencial possui os elementos do sistema<br />

de Governo semi-presidencialista, na terminologia de Maurice Duverger, que pode ir<br />

do “<strong>Parlamentarismo</strong> Presidencializado” até o “Presidencialismo Parlamentarizado”,<br />

agora usando a terminologia concebi<strong>da</strong> pelo constitucionalista brasileiro Clóvis<br />

80


Goulart 136 . Nestas variações do modelo parlamentar - já que em havendo a existência<br />

dos elementos mínimos caracterizadores (<strong>como</strong> a responsabili<strong>da</strong>de política do Governo<br />

perante o Parlamento e a possibili<strong>da</strong>de deste ser dissolvido) são modelos de matriz<br />

parlamentarista - existe uma estrutura orgânica com um bicefalismo democrático,<br />

considerando que o Chefe de Estado e o Parlamento são eleitos pelo voto direto,<br />

secreto e universal. Com o aumento <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do Chefe de Estado - o Presidente<br />

<strong>da</strong> República, no caso -, que dá origem à dupla responsabili<strong>da</strong>de do Governo perante<br />

estes dois órgãos. Por outro lado, se o Parlamento for dissolvido pelo Chefe de Estado<br />

sem a solicitação do Governo, o Gabinete pode ser demitido pelo Parlamento em<br />

função do resultado de uma votação de censura ou confiança.<br />

Esses cinco modelos propostos por Gomes Canotilho, possuem a virtude <strong>da</strong><br />

simplici<strong>da</strong>de. Contudo, o autor lusitano exclui os sistemas de Governo com<br />

concentração de poderes, considerando que neles não há Constituição.<br />

f. Dalmo Dallari.<br />

Com Dalmo Dallari, ilustre professor titular de Teoria Geral do Estado <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de São Paulo e um dos mais renomados doutrinadores brasileiros,<br />

alcança-se também uma abor<strong>da</strong>gem muito didática e eluci<strong>da</strong>tiva.<br />

Quando trata <strong>da</strong>s “tendências do Governo no Estado Contemporâneo” 137 , o<br />

autor abor<strong>da</strong> o surgimento de novas concepções de organização do mecanismo<br />

governativo e diz que, por conta do aparecimento, num lapso de tempo muito curto, de<br />

vários fatores de influência, que modificam fun<strong>da</strong>mentalmente o papel do<br />

136 - GOULART, Clóvis de Souto. Op. Cit. p. 146.<br />

137 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 209.<br />

81


Estado e com inúmeras conseqüências sobre os sistemas de Governo.<br />

Conforme o publicista em tela, as mu<strong>da</strong>nças não aconteceram uniformemente<br />

em todos os Estados, já que o Governo nas socie<strong>da</strong>des democráticas é a conjunção de<br />

fatores históricos, políticos, econômicos e sociais, mas pode-se perceber certas linhas<br />

comuns, mesmo que poucas, que servem para se verificar o contexto histórico de ca<strong>da</strong><br />

um.<br />

Segundo Dallari, também é certo que para os estudiosos <strong>da</strong> Ciência Política<br />

não é tarefa fácil distinguir entre os pilares fun<strong>da</strong>mentais permanentes dos sistemas de<br />

Governo em alguns Estados Contemporâneos e as a<strong>da</strong>ptações havi<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> um<br />

deles.<br />

Esta dificul<strong>da</strong>de faz com que a teorização do assunto leve à formação de<br />

modelos que, sem abandonar os já citados traços fun<strong>da</strong>mentais, começam a consoli<strong>da</strong>r<br />

novos tipos de sistema de Governo. Tanto é assim que se pode destacar a parte em que<br />

Dallari escreve que “ por tal motivo é que surgem com freqüência expressões <strong>como</strong><br />

formas atípicas, sistemas não clássicos, sistemas impuros, formas ecléticas ou mistas,<br />

não faltando também o prefixo neo, quando se quer afirmar ou sugerir que se trata<br />

apenas de uma forma nova de exteriorização de uma idéia antiga.” 138<br />

De acordo com o tratadista, o estudo <strong>da</strong>s situações atuais mostra que os<br />

sistemas clássicos de Governo estão gra<strong>da</strong>tivamente desaparecendo, o que acontece<br />

pela presença de novos fatores, próprios <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas que buscam<br />

respostas às suas aspirações fora dos padrões tradicionais.<br />

138 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 209.<br />

82


Deve-se anotar, segundo Dallari, que mesmo os dois sistemas preponderantes -<br />

o <strong>Parlamentarismo</strong> e o Presidencialismo - surgiram por evolução histórica, <strong>como</strong><br />

rupturas com os sistemas anteriores, o que não quer dizer que os sistemas de Governo<br />

sejam apenas conseqüência de outros fatores e que não tenham influído na criação de<br />

novas reali<strong>da</strong>des. Pode-se até afirmar que o Sistema de Governo determina certa ordem<br />

e certos comportamentos. Mas estes estão ligados num processo dialético e participam,<br />

por sua vez, <strong>da</strong> criação de novas reali<strong>da</strong>des. Neste ponto é que acontece a<br />

transformação, já que as estruturas antigas ficam muito distantes <strong>da</strong>s novas reali<strong>da</strong>des<br />

sociais, o que determina uma nova configuração do Sistema de Governo.<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> foi formado ao longo <strong>da</strong> história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, resultado<br />

de uma longa sucessão de acontecimentos, o que atendeu a determina<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des.<br />

Certamente que o processo de retira<strong>da</strong> do poder dos monarcas não se deu de imediato e<br />

sem resistências. O mesmo aconteceu com o Presidencialismo, que tendo surgido por<br />

conta de fatores absolutamente novos, rompendo de forma definitiva com a monarquia,<br />

não foi imediatamente compreendido e aceito, com muitos estudiosos <strong>da</strong> época<br />

acusando-o de ser apenas um disfarce do antigo sistema.<br />

Dallari ensina que:<br />

precisamos aceitar, portanto, que o <strong>Parlamentarismo</strong> e o Presidencialismo já<br />

não são fun<strong>da</strong>mentais para a formação de um Governo. É comum que o<br />

demasiado apego às fórmulas consagra<strong>da</strong>s, à tendência de formar as coisas<br />

segundo um figurino já conhecido, ou mesmo o temor de ser excessivamente<br />

inovador, conduzem à aceitação passiva dos modelos consagrados. Este<br />

comportamento muitas vezes é nocivo, quando se trata de um sistema de<br />

Governo, porque condiciona as novas tendências a limites de sistemas<br />

antigos. 139<br />

139 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 214.<br />

83


De acordo com o autor, já houve inúmeras oportuni<strong>da</strong>des, em diferentes<br />

Estados, em que todos os debates sobre a adoção de um novo modelo de Governo<br />

giraram em torno <strong>da</strong> adoção de formas puras ou modifica<strong>da</strong>s do <strong>Parlamentarismo</strong> ou do<br />

Presidencialismo, não se admitindo a criação de um sistema completamente novo que<br />

não fosse derivado <strong>da</strong>queles dois.<br />

Dallari afirma que, para a análise <strong>da</strong>s atuais tendências, nenhum fenômeno<br />

momentâneo deve ser aceito <strong>como</strong> modelo fun<strong>da</strong>mental. Para um estudo deste tipo, só<br />

as diretrizes já defini<strong>da</strong>s e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s podem ser considera<strong>da</strong>s, ou seja, aquelas que<br />

possam ser ti<strong>da</strong>s <strong>como</strong> gerais e permanentes. Desta forma, só as tendências que<br />

apresentem alguma longevi<strong>da</strong>de é que podem ser considera<strong>da</strong>s, tendo um tratamento<br />

científico sistemático, enquadra<strong>da</strong>s em um conjunto geral. Quando isto acontecer, o<br />

novo sistema, então, estará consoli<strong>da</strong>do e poderá receber uma denominação própria.<br />

Segundo Dalmo Dallari e <strong>como</strong> já foi citado anteriormente, pode-se, então,<br />

considerar duas tendências atuais que, salvo algum fato superveniente muito<br />

importante, deverão ser incorpora<strong>da</strong>s aos novos sistemas atualmente em elaboração: a<br />

racionalização do Governo e o fortalecimento democrático do Governo. Para este<br />

tratadista, estas tendências consistem no seguinte:<br />

a - Racionalização do Governo - o próprio <strong>Parlamentarismo</strong> do pós Iª Guerra<br />

Mundial serviu para “racionalizar” o Governo, superando o empirismo que então<br />

dominava as ativi<strong>da</strong>des governamentais. A diferença fun<strong>da</strong>mental entre esta tendência<br />

anterior e a atual dá-se no sentido de transformar a ativi<strong>da</strong>de atual de Governo numa<br />

ativi<strong>da</strong>de com muito auxílio técnico, sem a pretensão descabi<strong>da</strong> de transformar esta<br />

ativi<strong>da</strong>de, que é política por excelência, numa mera “mecanização” do Governo,<br />

84


incompatível com as socie<strong>da</strong>des democráticas contemporâneas.<br />

O autor assevera que, neste sentido, há um esforço atual, cujo objetivo é<br />

aproveitar os recursos modernos de comunicação e organização disponíveis para aju<strong>da</strong>r<br />

os governantes a decidir com precisão e agir com mais eficácia;<br />

b - Fortalecimento democrático do Governo - Este fortalecimento dá-se no<br />

bom sentido, quando o sentido <strong>da</strong> palavra “fortalecimento” deve ser entendi<strong>da</strong> <strong>como</strong> a<br />

capaci<strong>da</strong>de do Estado de atuar no meio social para satisfazer as necessi<strong>da</strong>des básicas<br />

dos seus ci<strong>da</strong>dãos, não devendo ser confundi<strong>da</strong> com modelos autoritários e violentos,<br />

que na<strong>da</strong> têm a ver com um Estado democraticamente forte. Usando as expressões de<br />

Dallari, podemos escrever que “na ver<strong>da</strong>de, há uma exigência de maior presença do<br />

Estado na vi<strong>da</strong> social, e isso, associado ao esforço de racionalização, leva à<br />

elaboração de planejamentos globais para melhor equacionamento dos problemas e<br />

aproveitamento mais adequado dos recursos. Mas há também a exigência de que esse<br />

fortalecimento seja democrático.” 140<br />

Esta permanente ausculta ao conjunto <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de é, segundo ele,<br />

fun<strong>da</strong>mental para que o Estado forte não seja apenas um regime de força. Ao se<br />

ressaltar este aspecto, faz-se para não permitir que argumentos falsos, do tipo “o povo<br />

é incapaz de escolher por si só”, sejam utilizados para justificar qualquer Governo não<br />

democrático, que só afasta a participação de quem não pertença à burocracia e que não<br />

aceite os métodos utilizados pelo Governo. Dallari diz que “quando isto ocorre, não<br />

se tem o fortalecimento do Estado, mas sua degeneração.” 141<br />

140 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 213.<br />

141 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 213.<br />

85


O pensamento de Dallari quanto ao Governo no Estado Contemporâneo pode<br />

ser resumido ao se ressaltar que os sistemas atuais visam à racionalização do Governo<br />

e o fortalecimento democrático do Estado, numa perspectiva de participação e<br />

eficiência. Esta assertiva permite que as hipóteses básicas desta Tese ganhem robustez,<br />

por conta <strong>da</strong> perfeita harmonia entre a proposta <strong>da</strong> pesquisa e a tendência aponta<strong>da</strong><br />

pelo ilustre publicista.<br />

86


3.4 - GOVERNO E PARLAMENTARISMO<br />

Em se tratando de Sistema de Governo, somente alguns países merecem<br />

atenção para os efeitos desta Tese. Quer-se tratar de Sistemas de Governo<br />

constitucionais e democráticos que, além disto, se destacam por serem países<br />

ocidentais, que influíram e influem em maior ou menor medi<strong>da</strong> no Direito<br />

Constitucional e na vi<strong>da</strong> política e social de outros estados.<br />

Estar-se-á, com efeito, ante um grupo de países com uma grande tradição<br />

constitucional - interrompi<strong>da</strong> sim, por vezes de forma brutalmente bélica - que<br />

representam, ao mesmo tempo, a vanguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> corrente democratizadora do mundo. É<br />

importante esclarecer que sempre que se refere à Constituição, faz-se em seu<br />

significado garantista - ou seja, <strong>como</strong> garantia de um Governo limitado pelo Direito,<br />

quer coletivo quer individual - e principalmente, à <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> valor principal.<br />

Este é um esclarecimento importante num mundo repleto de pseudo-constituições e de<br />

fantasias democráticas.<br />

Estes países, que podem ser considerados avançados no que diz respeito<br />

estritamente ao Governo dos respectivos povos, compartilham certas características<br />

políticas.<br />

A primeira destas características é a realização periódica de eleições livres<br />

para escolher seus governantes. Isto implica, no Estado Contemporâneo, no<br />

reconhecimento dos partidos políticos e na capaci<strong>da</strong>de de sufrágio dos ci<strong>da</strong>dãos<br />

maiores de i<strong>da</strong>de não incapazes. A segun<strong>da</strong> característica é a configuração dos órgãos<br />

87


de Governo vinculados ao princípio <strong>da</strong> separação e interrelação dos poderes que, na<br />

prática, principalmente no sistema parlamentarista, funciona <strong>como</strong> uma contínua<br />

relação dialética entre a maioria governamental e a minoria <strong>da</strong> oposição. A terceira<br />

característica é a vigência de uma série de liber<strong>da</strong>des individuais - <strong>como</strong> as de<br />

expressão, reunião, circulação, associação, etc - e de direitos - de acesso à justiça, ao<br />

voto democrático, etc - que se constituem em limites, cuja infração determina o início<br />

de um processo de reparação dos mesmos. A quarta e última característica é,<br />

exatamente, a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>como</strong> Sistema de Governo atuando<br />

<strong>como</strong> condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Como resultado dessas características, o desenvolvimento político decorre de<br />

fatores de normali<strong>da</strong>de e previsibili<strong>da</strong>de. Mesmo com eventuais manifestações de<br />

violência, os conflitos acontecem dentro de níveis suportáveis e as mu<strong>da</strong>nças sociais<br />

encontram condições adequa<strong>da</strong>s para irem acontecendo de acordo com os avanços <strong>da</strong><br />

própria Socie<strong>da</strong>de, com a <strong>Democracia</strong> e a paz - objetivos últimos de todo esforço<br />

estatal - prevalecendo.<br />

Os três sistemas de Governo democráticos atuais - parlamentarista,<br />

presidencialista e diretorial suíço - neste trabalho ficam reduzidos ao <strong>Parlamentarismo</strong>,<br />

já que o Presidencialismo só tem mostrado eficiência democrática na singular<br />

organização política dos Estados Unidos <strong>da</strong> América do Norte e o sistema diretorial<br />

também está presente unicamente na Suíça, também por conta de sua organização<br />

política e sua composição étnica muito próprias.<br />

É importante, mais uma vez, recorrer ao professor Clóvis Goulart para que se<br />

possa justificar esta posição vincula<strong>da</strong> ao <strong>Parlamentarismo</strong>. A certa altura de seu<br />

88


Formas e Sistemas e Governo, o mestre catarinense escreve que “não é possível<br />

governar sem provocar desequilíbrio ao processo político-democrático quando à<br />

mesma pessoa são confia<strong>da</strong>s as atribuições de Chefe de Estado e de Chefe de<br />

Governo.” 142<br />

Continua Clóvis Goulart ensinando que:<br />

não se pode conceber, por inconciliável, que o Presidente <strong>da</strong> República,<br />

enquanto Chefe de Estado, se invista <strong>da</strong> condição de ver<strong>da</strong>deiro árbitro<br />

imparcial no jogo de interesses político-partidários, colocando acima destes<br />

e, se necessário, contra estes, o interesse maior <strong>da</strong> Nação e, <strong>como</strong> Chefe de<br />

Governo, na posição de líder do partido dominante, participe diretamente <strong>da</strong><br />

luta eleitoral, empenhando-se ao máximo, <strong>como</strong> seria de seu dever, na<br />

consecução dos objetivos programáticos que norteiam a ação partidária. 143<br />

É <strong>como</strong> também assinala Almino Affonso, destacando as virtudes<br />

democráticas do <strong>Parlamentarismo</strong>, ao escrever que:<br />

as instituições parlamentaristas, expondo-se às deman<strong>da</strong>s sociais, tendem a<br />

atendê-las na medi<strong>da</strong> extrema do possível e não se omitem de fazê-lo, porque<br />

o povo tem condutos ao seu alcance através dos quais pode fiscalizá-las. É<br />

dessa dinâmica democrática que se forja a eficiência do <strong>Parlamentarismo</strong>, no<br />

exato sentido de que assegura o funcionamento ativo <strong>da</strong> vontade popular,<br />

através do domínio <strong>da</strong> maioria em favor do bem público, sob fiscalização e<br />

crítica <strong>da</strong> minoria atuante. 144<br />

Kelsen também fez importantes considerações sobre o <strong>Parlamentarismo</strong>,<br />

vinculando-o, de forma definitiva, à <strong>Democracia</strong>. Ele afirmou que “não se pode<br />

duvi<strong>da</strong>r seriamente de que o parlamentarismo não seja a única forma real possível em<br />

que possa realizar-se, na reali<strong>da</strong>de social hodierna, a idéia de democracia; por isso, a<br />

condenação do parlamentarismo é, ao mesmo tempo, a condenação <strong>da</strong><br />

142 - GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 12.<br />

143 - GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid.. p. 13.<br />

144 - AFFONSO, Almino. <strong>Parlamentarismo</strong> e governo do povo. São Paulo: Letras e Letras, 1993, p. 19.<br />

89


democracia.” 145<br />

Kelsen ain<strong>da</strong> conceituou o sistema de Governo parlamentar com uma<br />

abor<strong>da</strong>gem muito objetiva, ao escrever que o “<strong>Parlamentarismo</strong> é formação <strong>da</strong><br />

vontade normativa do Estado mediante um órgão colegiado eleito pelo povo com base<br />

no sufrágio universal e igual para todos, isto é, democraticamente, portanto segundo o<br />

princípio de maioria.” 146<br />

Na reali<strong>da</strong>de, a maioria dos sistemas de Governo ditos parlamentaristas atuais<br />

são, em ver<strong>da</strong>de, <strong>como</strong> já foi dito, versões racionaliza<strong>da</strong>s do sistema original.<br />

O Presidencialismo, <strong>como</strong> está concebido em muitos países sub-<br />

desenvolvidos, tem se mostrado uma ver<strong>da</strong>deira usina geradora de regimes ditatoriais e<br />

autoritários, enquanto que o <strong>Parlamentarismo</strong> clássico só é aplicável em algumas<br />

poucas democracias tradicionais.<br />

Como se pode claramente perceber, mesmo com algumas posições divergentes<br />

em pontos muito particulares, há um entendimento quase que generalizado sobre o<br />

surgimento de sistemas combinados, que respeitam as tendências sociais atuais - <strong>como</strong><br />

já foi visto - e que visam <strong>da</strong>r maior consistência, principalmente democrática, ao<br />

Governo do Estado.<br />

É com Kelsen, novamente, que se pode entender esta tendência do Estado<br />

contemporâneo para a racionalização democrática do Governo, quando escreveu que:<br />

o caráter racionalista <strong>da</strong> democracia manifesta-se sobretudo na tendência em<br />

estabelecer a ordem jurídica do Estado <strong>como</strong> um sistema de normas gerais<br />

145 - KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 112.<br />

146 - KELSEN, Hans. Id. Ibid. p. 113.<br />

90


cria<strong>da</strong>s, com essa finali<strong>da</strong>de, por um procedimento bem organizado. Existe<br />

uma clara intenção de determinar, mediante uma lei pré-estabeleci<strong>da</strong>, os atos<br />

individuais dos tribunais e dos órgãos administrativos, de modo a torná-los -<br />

o máximo possível - calculáveis. Há uma franca necessi<strong>da</strong>de de racionalizar o<br />

processo no qual o poder do Estado se manifesta. 147<br />

Está muito claro o entendimento do autor no sentido <strong>da</strong> racionalização<br />

democrática do Governo.<br />

No próximo capítulo vai-se tratar de aspectos básicos <strong>da</strong> vinculação do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> com a <strong>Democracia</strong> sem, contudo, envi<strong>da</strong>r-se muitos esforços para<br />

caracterizar a racionalização democrática do sistema, o que será objeto de análise num<br />

outro capítulo.<br />

147 - KELSEN, Hans. Id. Ibid. p. 185.<br />

91


CAPÍTULO IV - PARLAMENTARISMO COMO SISTEMA<br />

DEMOCRÁTICO DE GOVERNO: REVISÃO<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong>, deve-se sublinhar já de início, é um sistema de governo<br />

que é inerente à <strong>Democracia</strong>. Basta registrar o que escreveu Phillipe Lauvaux sobre<br />

ele, ao ensinar que:<br />

sem dúvi<strong>da</strong>, a quali<strong>da</strong>de do funcionamento do parlamentarismo varia de<br />

muito, segundo os países. A do modelo britânico, tão freqüentemente imita<strong>da</strong>,<br />

jamais foi alcança<strong>da</strong>, na ver<strong>da</strong>de. Mas essa vocação para a expansão do<br />

regime parlamentar é atesta<strong>da</strong>, desde já, pela diversi<strong>da</strong>de de seus aspectos no<br />

mundo contemporâneo. Como a expressão mais funcional <strong>da</strong> democracia<br />

representativa, o parlamentarismo é o regime mais apto a garantir o Estado<br />

de direito. 148<br />

No <strong>Parlamentarismo</strong>, o Governo é baseado na confiança política do<br />

Parlamento, é uma emanação <strong>da</strong> maioria parlamentar, é responsável politicamente<br />

perante o Parlamento, e este pode ser dissolvido pelo Chefe de Estado. Este é um<br />

conceito geral, com a concretização política assumindo formas muito diferentes, com<br />

as próprias formas jurídicas podendo variar muito, desde o <strong>Parlamentarismo</strong> clássico<br />

até o chamado <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado, cuja “racionalização” assume muitas<br />

formas.<br />

No sistema parlamentarista o Governo existe, normalmente, <strong>como</strong> um órgão<br />

colegiado, que pode ser constituído de maneiras diferentes, <strong>como</strong> será visto ain<strong>da</strong>, com<br />

mais detalhes, no decorrer deste trabalho.<br />

148 - LAUVAUX, Phillipe. Op. Cit. p. 181.


Um Governo parlamentarista - ou de matriz parlamentarista - pode ter sua<br />

composição resultante única e exclusivamente <strong>da</strong> vontade de seu Chefe - Primeiro-<br />

Ministro, Presidente do Conselho de Ministros ou Chanceler, que são seus nomes mais<br />

comuns -, ou de responsabili<strong>da</strong>de partilha<strong>da</strong> entre este e o Chefe de Estado, no caso <strong>da</strong><br />

França, por exemplo. Mas, ain<strong>da</strong> que na formação do Governo o Chefe de Estado tenha<br />

uma intervenção pouco mais do que simbólica e protocolar - <strong>como</strong> no Reino Unido,<br />

Itália e na República Federal <strong>da</strong> Alemanha -, a nomeação do Primeiro-Ministro é<br />

sempre <strong>da</strong> sua responsabili<strong>da</strong>de. Portanto, o Governo pode ser um resultado direto <strong>da</strong>s<br />

eleições parlamentares, <strong>como</strong> no Reino Unido, ou ser resultado de um conjunto de<br />

resultados eleitorais, <strong>como</strong> na França, no qual são pesados os números <strong>da</strong>s eleições<br />

parlamentares e as presidenciais, também diretas e universais.<br />

Na França, o Presidente <strong>da</strong> República nomeia o Primeiro-Ministro<br />

considerando o quadro parlamentar, mas dispõe de vastos poderes executivos,<br />

chegando ao ponto de, <strong>como</strong> aconteceu recentemente naquele país, manter governos<br />

sem maioria parlamentar, enquanto o Parlamento não manifeste expressamente sua<br />

desconfiança.<br />

O Sistema de Governo parlamentarista é, até hoje, o mais difundido na Europa<br />

ocidental, com suas versões monárquica ou republicana, já que em ca<strong>da</strong> um destes<br />

casos o Poder Executivo aparece com dois órgãos distintos: um Chefe de Estado<br />

politicamente irresponsável (e portanto, com funções especiais e limita<strong>da</strong>s) e um<br />

Gabinete (constituído por um Presidente do Gabinete, Chanceler ou Primeiro-Ministro<br />

e vários ministros) que define a orientação política do Governo, é responsável perante<br />

o Parlamento e deve ser demitido quando perder a sua confiança. Pode-se dizer que<br />

93


ambas as relações permitem alcançar a virtude essencial do sistema parlamentarista de<br />

Governo, que consiste em manter a inamovibili<strong>da</strong>de ao Chefe de Estado (de forma<br />

vitalícia, se é o Rei e por tempo determinado, se é o Presidente <strong>da</strong> República),<br />

assegurando assim ao Sistema um elemento estável de continui<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que o Poder<br />

Executivo fique extremamente sensível à opinião pública.<br />

Muito relevante para esta Tese é a contraposição entre o que se convencionou<br />

chamar de Governo Parlamentar Clássico e Governo Parlamentar <strong>Racionalizado</strong>. O<br />

que se pretende indicar com parlamentarismo racionalizado são aquelas várias formas<br />

de <strong>Parlamentarismo</strong> adota<strong>da</strong>s desde o final <strong>da</strong> Primeira Guerra Mundial e que foram<br />

sendo racionaliza<strong>da</strong>s, ou seja, traduzindo em termos jurídicos, de forma teórica, o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> que só funcionava com base em critérios políticos.<br />

O Governo parlamentar clássico (surgido no século XVIII, na Inglaterra, em<br />

sua forma pura) tende, ao contrário <strong>da</strong> divisão clássica dos poderes, a manter uma<br />

constante colaboração entre o Legislativo e o Executivo, tratando de equilibrar suas<br />

respectivas autori<strong>da</strong>des pelos chamados votos ou moções de censura ou desconfiança,<br />

formulados pelo Parlamento e o poder de dissolução do mesmo pelo Chefe de<br />

Estado.<br />

Essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de pode ser dividi<strong>da</strong> em duas formas muito pareci<strong>da</strong>s, mas<br />

diferentes em suas concepções funcionais: a) Governo parlamentar clássico do tipo<br />

inglês, com predominância política do Gabinete e, dentro dele, do Chefe de Governo, o<br />

Primeiro-Ministro, Chanceler ou Presidente do Governo e b) Governo parlamentar<br />

clássico do tipo europeu continental, com claro predomínio político <strong>da</strong> ou <strong>da</strong>s<br />

Câmaras, especialmente as eleitas pelo povo, quando em modelos bicamerais, nas<br />

94


quais uma delas é indica<strong>da</strong> indiretamente. Estas considerações remetem a análise à<br />

possibili<strong>da</strong>de de diferenciar o <strong>Parlamentarismo</strong> entre Governo parlamentar de<br />

Gabinete e Governo parlamentar de Assembléia, baseados nas regras do sistema<br />

eleitoral e no sistema de partidos de ca<strong>da</strong> Estado.<br />

Jorge Miran<strong>da</strong>, neste particular, permite a caracterização de ambos os tipos,<br />

ensinando que “o sistema parlamentar de gabinete é o de matriz britânica,<br />

traduzindo-se em governos de legislatura e exige dissolução do parlamento sempre<br />

que o Governo é por ele derrubado. O sistema parlamentar de assembléia é o de<br />

matriz francesa, e traduz-se em maior dependência efetiva do Governo ao Parlamento<br />

e admite sucessão de governos durante a mesma legislatura.” 149<br />

O tratadista português ain<strong>da</strong> se refere a uma variação do Governo parlamentar<br />

de Gabinete, denominado de sistema parlamentar racionalizado, que nesta Tese é<br />

tratado <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, escrevendo que “o chamado sistema<br />

parlamentar racionalizado baseia-se na definição de regras jurídicas capazes de<br />

propiciarem estabili<strong>da</strong>de ministerial, numa tentativa de a<strong>da</strong>ptação do esquema<br />

fun<strong>da</strong>mental de funcionamento do sistema britânico a outros países (<strong>como</strong> a Alemanha<br />

ou a Espanha desde a Constituição de 1978). A sua regra mais conheci<strong>da</strong> é a <strong>da</strong><br />

moção de censura construtiva.” 150<br />

No <strong>Parlamentarismo</strong>, para se explicar teoricamente sua concepção funcional,<br />

existem três órgãos políticos - o Chefe de Estado (Rei ou Presidente), o Parlamento e o<br />

Governo -, em que o Chefe de Estado ou é puramente simbólico ou as suas<br />

149 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 135.<br />

150 - MIRANDA, Jorge. Id. Ibid. p. 136.<br />

95


competências são muito condiciona<strong>da</strong>s ou, para serem exerci<strong>da</strong>s, precisam de<br />

referendo ministerial. Diferentemente, no sistema presidencialista e no sistema<br />

diretorial, existem dois órgãos, o Parlamento e o Presidente ou o Colégio Diretorial. Já<br />

na maioria dos sistemas ditos racionalizados, também são três os órgãos políticos<br />

ativos - não só o Parlamento e o Governo - mas também o Chefe de Estado.<br />

Na existência deste terceiro centro autônomo de poder está a principal<br />

característica dos sistemas parlamentaristas racionalizados atuais e sua principal<br />

vinculação com o sistema parlamentarista clássico, ain<strong>da</strong> que este poder possa variar<br />

muito. Existem modelos nos quais o Governo é responsável politicamente tanto<br />

perante o Chefe de Estado <strong>como</strong> perante o Parlamento. Já em outros tipos, o Chefe de<br />

Estado tem função somente de moderação política.<br />

Os sistemas parlamentaristas racionalizados são também designados <strong>como</strong><br />

parlamentarismos presidencializados. António Fernandes adota a designação “Sistema<br />

Misto Semipresidencialista”. O tratadista português escreve que “o semi-<br />

presidencialismo é uma mescla de presidencialismo e de parlamentarismo. O esquema<br />

institucional do semi-presidencialismo é muito parecido com o do sistema<br />

parlamentar, pois também existe um Chefe de Governo e um Chefe de Estado, e o<br />

executivo só pode governar se tiver a confiança do Parlamento.” 151<br />

É importante frisar que a confiança do Governo perante o Parlamento é uma<br />

<strong>da</strong>s características do <strong>Parlamentarismo</strong> e o que o diferencia fun<strong>da</strong>mentalmente do<br />

Presidencialismo.<br />

151 - FERNANDES, António José. Ciência política - teoria, métodos e tendências. Lisboa: Escola Superior de Polícia, 1991,<br />

p. 198.<br />

96


que:<br />

António Fernandes, sobre o citado sistema semipresidencial, ain<strong>da</strong> escreve<br />

no entanto, o Chefe do Estado, eleito por sufrágio universal, não se limita a<br />

exercer as funções representativas que lhe correspondem no sistema<br />

parlamentar. Pelo contrário, é ele que dirige o Governo e que toma as<br />

grandes decisões políticas, sem ser responsável por elas perante o<br />

Parlamento. Além disso, tem a facul<strong>da</strong>de de assumir poderes extraordinários,<br />

em caso de emergência. O Chefe de Estado desfruta, de fato, de amplos<br />

poderes, sendo isso o elemento central do sistema. 152<br />

Esta afirmação serve, salvo melhor juízo, somente para a França, não podendo,<br />

portanto, ser generaliza<strong>da</strong> para os sistemas parlamentaristas racionalizados <strong>como</strong> um<br />

todo.<br />

Segundo os autores que se ocupam deste tema, os sistemas de Governo mistos<br />

podem estar organizados com preponderância dos elementos presidencialistas ou com<br />

predominância dos elementos parlamentaristas. Os mesmos autores usam<br />

denominações <strong>como</strong> “sistema de governo semipresidencialistas” ou<br />

“semiparlamentaristas”, o que, segundo a posição adota<strong>da</strong> nesta Tese, são variações do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>, porquanto mantêm suas características fun<strong>da</strong>mentais.<br />

É com Clóvis Goulart, quando utiliza denominações muito precisas para<br />

referir-se aos dois modelos, que encontramos, salvo juízo mais adequado, as melhores<br />

designações para os sistemas mistos, quando escreve que se fosse instado<br />

... a designar essas formas mais ou menos híbri<strong>da</strong>s de sistemas de governo,<br />

chamaríamos, a primeira, de parlamentarismo presidencializado e, a segun<strong>da</strong>,<br />

de presidencialismo parlamentarizado. As designações ora proposta, ain<strong>da</strong><br />

que passíveis de crítica, tem, no mínimo, o mérito de, por um lado, preservar<br />

a natureza do sistema e, por outro, de assinalar uma conotação marcante. 153<br />

152 - FERNANDES, António José. Id. Ibid. p. 198.<br />

153 - GOULART, Clóvis de Souto. Op. Cit. p. 146.<br />

97


Goulart, portanto, divide as formas de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> em<br />

duas variáveis abrangentes, o que se entende <strong>como</strong> muito procedente.<br />

O esquema apresentado por Fernandes, comparando os sistemas de Governo <strong>da</strong><br />

França e Portugal, na sua obra Ciência Política 154 , que a seguir está reproduzido, é<br />

muito eluci<strong>da</strong>tivo.<br />

Observe-se que se usado o padrão proposto por Clóvis Goulart, o primeiro é<br />

Presidencialismo Parlamentarizado e o segundo é <strong>Parlamentarismo</strong><br />

Presidencializado. Senão vejamos:<br />

VARIÁVEIS SISTEMA DE GOVERNO<br />

FRANCÊS<br />

1 - Designação do Chefe de<br />

Estado.<br />

SISTEMA DE GOVERNO<br />

PORTUGUÊS<br />

Sufrágio Universal. * Sufrágio Universal. *<br />

2 - Composição do Governo. O Chefe do Estado é o Presidente<br />

do Conselho de Ministros,<br />

existindo também um Primeiro-<br />

Ministro. *<br />

3 - Responsabili<strong>da</strong>de política do<br />

Governo.<br />

O Governo depende do<br />

Parlamento quanto à formação e<br />

subsistência. **<br />

4 - Dissolução do Parlamento. O Chefe do Estado pode<br />

dissolver o Parlamento. **<br />

5 - Separação de poderes e de<br />

funções.<br />

Os membros do Governo não<br />

pertencem ao Parlamento, e viceversa.<br />

*<br />

6 - Papel do eleitorado. Julga a ação do Governo e o<br />

Chefe do Estado. */**<br />

O Chefe do Estado não faz parte<br />

do Governo e só preside à<br />

reunião do Conselho de<br />

Ministros se, para o efeito, for<br />

convi<strong>da</strong>do pelo Chefe de<br />

Governo. **<br />

O Governo depende do<br />

Parlamento quanto à formação e<br />

subsistência. **<br />

O Chefe do Estado pode<br />

dissolver o Parlamento. **<br />

98<br />

Os membros do Governo não<br />

pertencem ao Parlamento e viceversa.<br />

*<br />

Julga o Primeiro Ministro e a<br />

ação do Governo (e<br />

eventualmente o Chefe do<br />

Estado). */**<br />

7 - Sede aparente do Poder. O Chefe do Estado. * O Parlamento. **<br />

SISTEMA DE GOVERNO SEMI-PRESIDENCIALISTA SEMI-PARLAMENTAR<br />

* - Características do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

** - Características do Presidencialismo<br />

154 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 200


Importante também assinalar, outra vez, que o sistema parlamentar de gabinete<br />

é o de matriz britânica, traduz-se em governos de legislatura e exige dissolução do<br />

Parlamento sempre que o Governo é por ele derrubado. O sistema parlamentar de<br />

assembléia é o de matriz francesa, traduz-se na maior importância efetiva do<br />

Parlamento e admite sucessão de governos durante a mesma legislatura.<br />

99


4.1- CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS<br />

Para se começar a conceituar o sistema parlamentarista de Governo, invoca-se<br />

o que assinala Osvaldo Ferreira de Melo, no seu “Dicionário de Direito Político”, no<br />

qual registra que é a “organização de governo em que se estabelece um regime de<br />

colaboração solidária e equilibra<strong>da</strong> entre o Executivo e o Parlamento, por intermédio<br />

do Conselho de Ministros, ao qual compete a gestão governamental. O Conselho de<br />

Ministros é responsável perante o Parlamento, de cuja confiança depende, e seu 1º<br />

Ministro é o Chefe do Governo.” 155<br />

Jorge Miran<strong>da</strong>, por sua vez, ensina que “no sistema parlamentar, o Governo<br />

assenta na confiança política do Parlamento, é uma emanação <strong>da</strong> maioria<br />

parlamentar, é responsável politicamente perante o Parlamento, e este pode ser<br />

dissolvido pelo Chefe de Estado.” 156<br />

Pinto Ferreira traz um conceito muito preciso para o sistema parlamentarista,<br />

assinalando que “é aquele regime em que, sobre a base de uma separação atenua<strong>da</strong> de<br />

poderes, o governo é praticamente exercido por um gabinete dependente <strong>da</strong> maioria<br />

parlamentar e revogável pela vontade desta.” 157<br />

Fernandes discorre com rara competência sobre o sistema parlamentarista,<br />

conceituando que:<br />

100<br />

o <strong>Parlamentarismo</strong> é um sistema político de governo que se caracteriza<br />

essencialmente pelas seguintes regras jurídicas fun<strong>da</strong>mentais comuns:<br />

155 - MELO, Osvaldo Ferreira. Op. Cit. p. 96.<br />

156 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 316.<br />

157 - FERREIRA, Luiz Pinto. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 618.


101<br />

responsabili<strong>da</strong>de do Governo perante o Parlamento, reconhecimento do<br />

Parlamento <strong>como</strong> fonte de todos os poderes, ausência de democracia direta,<br />

não eleição do Chefe de Estado por sufrágio universal, direito de dissolução<br />

do Parlamento pelo Chefe do Estado e acumulação de poderes e de funções. 158<br />

Já o publicista francês Maurice Hauriou construiu a seguinte definição para o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>:<br />

é uma forma de governo tendo por base o regime representativo, com<br />

separação atenua<strong>da</strong> de poderes, no qual se estabelece entre o Poder Executivo<br />

e o Parlamento, composto de uma ou duas Câmaras, uma íntima colaboração<br />

e contato permanente por intermédio de um órgão executivo, que é o Gabinete<br />

de Ministros, o qual partilha com o Chefe de Estado a direção do Governo,<br />

mas que não governa sem ter a confiança contínua do Parlamento, perante<br />

quem é politicamente responsável. 159<br />

Para Duguit, o <strong>Parlamentarismo</strong> “repousa essencialmente sobre a igual<strong>da</strong>de<br />

dos dois órgãos do Estado, o Parlamento e o Governo, sua íntima colaboração em<br />

to<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de do Estado e na ação que exercem um sobre o outro para se limitarem<br />

reciprocamente.” 160<br />

Vale acrescentar, neste espaço destinado à conceituação do sistema<br />

parlamentarista, que este costuma ser chamado por vários nomes, <strong>como</strong> “Governo<br />

Parlamentar”, “Governo de Responsabili<strong>da</strong>de Solidária”, “Governo de Partidos”,<br />

“Governo de Gabinete”, “<strong>Parlamentarismo</strong>”, etc. Ca<strong>da</strong> uma destas denominações<br />

indica algo sobre características isola<strong>da</strong>s e parciais do tipo de sistema parlamentarista<br />

que está sendo citado, porque apontam a importância do Parlamento, a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política do Gabinete exigi<strong>da</strong> pelo Parlamento, a necessi<strong>da</strong>de de<br />

poucos partidos com organização coerente, a existência de um órgão principal, o<br />

Gabinete, que serve de nexo entre as duas esferas. Estes nomes, inclusive, advertem<br />

158 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 194.<br />

159 - HAURIOU, Maurice. Direito constitucional. Trad. António Vasconcelos. Lisboa: Juris, 1959, p. 158.<br />

160 - DUGUIT, León. Tratado de derecho constitucional. Tomo II. Madrid: Fuentes, 1967, p. 805.


para os riscos de excesso de ingerência do Parlamento nas questões do Governo, crítica<br />

muito utiliza<strong>da</strong> pelos opositores do <strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

Para não haver risco de repetições desnecessárias, encerra-se aqui a<br />

conceituação do <strong>Parlamentarismo</strong>, não sem antes destacar a lição muito bem elabora<strong>da</strong><br />

de Darcy Azambuja, que em seu Teoria Geral do Estado ensina ser o sistema<br />

parlamentar “dúctil, complexo e a<strong>da</strong>ptável às circunstâncias imperiosas do momento e<br />

sendo, antes de tudo, uma criação do espírito nacional, expressão dinâmica do<br />

temperamento político de ca<strong>da</strong> povo, do seu nível cultural, do seu sistema de<br />

representação e <strong>da</strong>s suas organizações partidárias.” 161<br />

161 - AZAMBUJA, Darcy. Op. Cit. p. 306.<br />

102


4.2 - HISTÓRICO<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> é uma criação inglesa, devido às circunstâncias especiais<br />

<strong>da</strong> evolução <strong>da</strong>quele povo e formado paulatinamente, empiricamente, por obra de<br />

circunstâncias muito próprias <strong>da</strong> Inglaterra e não elaborado no laboratório cerebral <strong>da</strong><br />

doutrina. Esta forma de concepção torna muito difícil a determinação de <strong>da</strong>tas para o<br />

surgimento <strong>da</strong> prática parlamentar de Governo.<br />

Mesmo Heller, em seu Teoria do Estado, faz menção ao processo histórico<br />

Inglês, escrevendo que “o aparecimento do poder estatal monista produziu-se segundo<br />

formas e etapas muito diferentes nas diversas nações. A atomização triunfou<br />

primeiramente na Inglaterra. Foi este o único reino em que, graças à energia dos reis<br />

normandos, se consegue criar, já no século XI, uma organização política<br />

relativamente forte no meio <strong>da</strong> hierarquia feu<strong>da</strong>l.” 162<br />

No advento <strong>da</strong> Casa de Orange se pôde notar pela primeira vez que do<br />

Governo só participavam políticos com afini<strong>da</strong>de à nova situação política e em 1695 só<br />

participavam do Governo os membros <strong>da</strong> maioria parlamentar, o que, segundo<br />

Gonzales Casanova “seria o primeiro gabinete autêntico <strong>da</strong> história do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>.” 163<br />

Ao começar o século XVIII, foi-se concretizando a dependência do Gabinete<br />

em relação ao Parlamento. A atitude passiva dos reis <strong>da</strong> Casa de Hannover - Jorge I e<br />

162 - HELLER, Hermann. Op. Cit. p. 161.<br />

163 - CASANOVA, José António Gonzales. Op. Cit. p. 238.<br />

103


Jorge II - permitiu, desta forma, que o Gabinete atuasse <strong>como</strong> corpo autônomo. Sobre<br />

este evento, Dallari escreve que:<br />

104<br />

com o falecimento <strong>da</strong> Rainha Ana, em agosto de 1714, o príncipe alemão<br />

Jorge, eleitor de Brunswick-Lunerburg e que governava de Hannover os seus<br />

territórios, foi considerado o herdeiro legítimo <strong>da</strong> Coroa britânica, subindo<br />

ao trono <strong>da</strong> Inglaterra com o título de Jorge I. Nem ele, nem seu sucessor<br />

Jorge II, tinham conhecimento dos problemas políticos ingleses, e não<br />

revelavam o menor interesse por eles. Como registram os historiadores,<br />

nenhum dos dois falava inglês e quando se dirigiam ao Parlamento faziam-no<br />

em latim. Uma <strong>da</strong>s principais conseqüências de to<strong>da</strong>s essas circunstâncias foi<br />

que o Gabinete continuou a se reunir e a tomar decisões, sem a presença do<br />

Rei. E logo um dos ministros, membro do Gabinete, foi se destacando dos<br />

demais, liderando o Gabinete e passando a expor e defender suas decisões<br />

perante o Parlamento. Esse ministro, Robert Walpole, foi chamado, de início,<br />

por ironia, Primeiro-Ministro, por sua ascendência sobre os demais e no<br />

controlar o Rei. Mas sua atuação teve importância decisiva para que, com a<br />

redução <strong>da</strong> participação e <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do monarca nas decisões políticas,<br />

ficasse claramente delineado um dos pontos básicos do parlamentarismo: a<br />

distinção entre o Chefe de Governo, que passou a ser o Primeiro Ministro, e o<br />

Chefe de Estado, que continuou sendo o monarca. 164<br />

Pouco a pouco foram-se afirmando as características essenciais do sistema:<br />

Gabinete homogêneo, escolhido <strong>da</strong> maioria parlamentar e responsável perante esta. Se<br />

antes era o monarca que formava livremente seu ministério, no momento seguinte viu-<br />

se obrigado a formá-lo com base no partido majoritário no Parlamento. Finalmente, se<br />

o Rei podia demitir sem limitações o Gabinete, a facul<strong>da</strong>de de provocar uma crise<br />

passou para o Parlamento e, ain<strong>da</strong> seguindo o processo, uma dissolução do mesmo,<br />

acompanha<strong>da</strong> de uma nova eleição para os seus membros, colocava limites a uma<br />

possível “ditadura parlamentar”.<br />

Passando para o continente, foi na França, em 1814, 1848 e 1875, que o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> teve sua primeira previsão em estruturas constitucionais<br />

164 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 198.


contemporâneas. Da França, a partir de 1875, é que ele se expandiu por to<strong>da</strong> a Europa.<br />

A passagem deste <strong>Parlamentarismo</strong> para o atual sistema ocorreu, na Inglaterra,<br />

sem grandes traumas e representou, sem dúvi<strong>da</strong>s, um processo de evolução e<br />

desenvolvimento <strong>da</strong>s idéias democráticas. Ele levou à consoli<strong>da</strong>ção do conceito de<br />

legitimi<strong>da</strong>de democrática fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no princípio <strong>da</strong> eleição dos representantes, em<br />

oposição à legitimi<strong>da</strong>de real, basea<strong>da</strong> na hereditarie<strong>da</strong>de. Com a ascensão <strong>da</strong><br />

burguesia, triunfa a idéia <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de democrática, enfraquecendo totalmente a<br />

idéia de o Rei possuir poderes de Governo. Duverger reflete muito bem estas<br />

transformações ao escrever que “na monarquia limita<strong>da</strong>, a legitimi<strong>da</strong>de popular é<br />

ain<strong>da</strong> débil em relação à legitimi<strong>da</strong>de hereditária. No parlamentarismo orleanista, as<br />

duas estão mais ou menos em igual<strong>da</strong>de de circunstâncias. No parlamentarismo<br />

moderno, a primeira e a outra não é mais do que um vestígio, que desaparece<br />

completamente nas repúblicas parlamentares.” 165<br />

Em torno destas linhas fun<strong>da</strong>mentais surgiram inúmeros sistemas, manti<strong>da</strong>,<br />

entretanto, a diretriz básica representa<strong>da</strong> pela atribuição de competência ao Parlamento<br />

para a fixação <strong>da</strong> política do Estado. Em alguns casos foram admiti<strong>da</strong>s a participação<br />

do Chefe de Estado no exercício de algumas funções políticas, razão pela qual alguns<br />

autores passaram a chamar de dualista esta última forma, denominando monista a<br />

primeira. Ain<strong>da</strong> em função <strong>da</strong>s variações introduzi<strong>da</strong>s no <strong>Parlamentarismo</strong>, fala-se em<br />

regime de Gabinete, quando o sistema é niti<strong>da</strong>mente monista e o Executivo é <strong>como</strong> que<br />

representante <strong>da</strong> maioria do parlamento. Esta hipótese corresponde, na reali<strong>da</strong>de, ao<br />

figurino parlamentarista com um sistema bipartidário. Pode-se chamar de sistema de<br />

165 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 140.<br />

105


assembléia aquele em que o executivo é uma espécie de delegado do Parlamento e atua<br />

de comum acordo com ele, o que seria típico do <strong>Parlamentarismo</strong> num sistema<br />

pluripartidário.<br />

Dallari, sobre estas variações do <strong>Parlamentarismo</strong>, escreve que:<br />

106<br />

na ver<strong>da</strong>de, porém, essas peculiari<strong>da</strong>des não chegam a criar um novo tipo de<br />

Governo, razão pela qual to<strong>da</strong>s elas são considera<strong>da</strong>s variações do tipo inglês<br />

de Governo. Quanto às razões que determinam seu aparecimento, não é difícil<br />

explicá-las, já que houve, antes de tudo, o temor dos excessos do poder<br />

pessoal e, em conseqüência, o desejo de transferir a maior soma de poder<br />

político para os Parlamentos. Isso ficou muito evidente depois <strong>da</strong> I Guerra<br />

Mundial quando em to<strong>da</strong> Europa os Estados adotaram novas constituições<br />

introduzindo o parlamentarismo. 166<br />

E prossegue Dalmo Dallari escrevendo o seguinte:<br />

Observando o fenômeno, MIRKINE-GUETZÉVITCH assinalou que a<br />

tendência essencial do constitucionalismo europeu <strong>da</strong>quele período era a<br />

procura de racionalização do poder. E compreendendo que o problema básico<br />

dessa racionalização estava nas relações entre o legislativo e o executivo,<br />

deram preferência absoluta à predominância do legislativo, acreditando-o o<br />

mais equilibrado e menos sujeito aos riscos do personalismo. E ele próprio<br />

acentuou que a lembrança <strong>da</strong> guerra e dos grandes erros <strong>da</strong>s monarquias<br />

estava contribuindo para acentuar esse desejo de organizar governos<br />

racionais, tomando o parlamentarismo por modelo. 167<br />

Jorge Miran<strong>da</strong> faz menção às variações do sistema parlamentarista, escrevendo<br />

que “o sistema jurídico semi-parlamentar tem duas manifestações históricas. No<br />

século XIX, é a monarquia orleanista (de Luiz Felipe de Orleães) ou monarquia<br />

constitucional de relativo equilíbrio entre o Rei e o Parlamento, a meio caminho entre<br />

a monarquia limita<strong>da</strong> e a monarquia parlamentar.” 168 E, alcançando o nosso tempo,<br />

arremata: “No século XX, na República, é o semi-presidencialismo - ou os<br />

166 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 200.<br />

167 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 200.<br />

168 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 76.


semipresidencialismos (tão variados eles são, em resposta a problemas políticos bem<br />

diversos).” 169<br />

No próximo item, vai-se caracterizar este Sistema de Governo e apontar seus<br />

mecanismos de funcionamento.<br />

169 - MIRANDA, Jorge. Id. Ibid. p. 76.<br />

107


4.3 - CARACTERIZAÇÃO E MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO<br />

Ao se comparar vários sistemas de Governo em estados contemporâneos,<br />

pode-se notar que, apesar <strong>da</strong> mesma matriz - no caso dos parlamentaristas - ca<strong>da</strong> um<br />

tem seu próprio modelo, assentado em sua cultura política e seus costumes e tradições.<br />

Clóvis Goulart, sobre isto, escreve que “não é provável, por mais que se<br />

aprofunde na pesquisa, que se venha a constatar a existência de dois Estados<br />

exercitando o mesmo modelo, ou seja, que <strong>da</strong> mesma forma organizem estruturalmente<br />

o Governo, com idêntica distribuição de competência a seus diferentes órgãos.” 170<br />

Mesmo assim, com esta imensa variação do sistema em suas diversas<br />

manifestações contemporâneas, sempre se pode notar a presença de dois institutos<br />

característicos do sistema e que emprestam o necessário equilíbrio ao mesmo, que são<br />

a Moção de Censura, <strong>como</strong> símbolo <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de política do Governo e a<br />

dissolução do Parlamento, com igual sentido, com relação ao Parlamento.<br />

O Governo, na maioria <strong>da</strong>s vezes, não passa de uma representação do<br />

Parlamento e por este designado, o que torna natural sua responsabili<strong>da</strong>de política<br />

perante o mesmo e que só possa exercer o Governo enquanto tiver a confiança deste<br />

mesmo Parlamento.<br />

escreve que:<br />

Sobre a responsabili<strong>da</strong>de política do Governo perante o Parlamento, Dallari<br />

170 - GOULART, Clóvis de Souto. Op. Cit. p. 138.<br />

108


109<br />

o Chefe de Governo, aprovado pelo Parlamento, não tem man<strong>da</strong>to com prazo<br />

determinado, podendo permanecer no cargo por alguns dias ou por muitos<br />

anos, ambas as hipóteses já tendo ocorrido na prática. Há dois fatores que<br />

podem determinar a demissão do Primeiro-Ministro e de seu Gabinete (ou a<br />

que<strong>da</strong> do Governo, segundo a gíria política): a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> maioria parlamentar<br />

ou o voto de desconfiança. Num sistema bipartidário, quando se realizam<br />

eleições para o Parlamento, a chefia do governo está sempre em jogo. Se o<br />

partido a que pertence o Primeiro-Ministro conseguir manter a maioria<br />

parlamentar, ele permanece no cargo. Se, pelo contrário, o maior número de<br />

cadeiras for conquistado por outro partido, este, automaticamente, adquire a<br />

chefia do governo, devendo ser escolhido entre os seus membros o novo<br />

Primeiro-Ministro. 171<br />

Nos sistemas parlamentaristas racionalizados atuais, é evidente a preocupação<br />

em não se admitir a que<strong>da</strong> de um Governo por conta <strong>da</strong> ação isola<strong>da</strong> de um dos seus<br />

ministros.<br />

Ca<strong>da</strong> vez mais os gabinetes de Governo estão sob a liderança de um Presidente<br />

ou Primeiro-Ministro, em cuja pessoa recai a maior parcela de responsabili<strong>da</strong>de<br />

política. Tanto isto é ver<strong>da</strong>de, que atualmente é muito difícil acontecer a que<strong>da</strong> de um<br />

Gabinete motiva<strong>da</strong> por atos de um de seus ministros. Os gabinetes são substituídos, na<br />

maioria <strong>da</strong>s vezes, por conta <strong>da</strong> alternância <strong>da</strong> maioria parlamentar, no início de ca<strong>da</strong><br />

legislatura ou devido a alterações havi<strong>da</strong>s nos blocos majoritários, resultantes de novos<br />

acordos partidários, o que neste caso pode ocorrer em qualquer tempo dentro de uma<br />

mesma legislatura.<br />

escreve que:<br />

Ain<strong>da</strong> sobre isto, deve-se registrar a lição de Maurice Duverger, quando<br />

chama-se responsabili<strong>da</strong>de política do Gabinete perante o Parlamento ao fato<br />

de o Parlamento poder obrigar o Gabinete a demitir-se através de um voto de<br />

desconfiança. A responsabili<strong>da</strong>de política não é outra coisa senão uma<br />

espécie de revogação do Governo pelas assembléias, que funciona sob forma<br />

171 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 199.


110<br />

dum voto de desconfiança emitido por estas últimas, na sequência do qual os<br />

ministros devem retirar-se. Observe-se, por outro lado, que nem todo o voto<br />

hostil <strong>da</strong>s Câmaras põe em jogo a responsabili<strong>da</strong>de política do Gabinete, mas<br />

apenas os que recaem sobre uma `moção de confiança´ expressamente<br />

apresenta<strong>da</strong> pelo Governo ou sobre uma `moção de censura´ apresenta<strong>da</strong> por<br />

deputado. A responsabili<strong>da</strong>de política do Governo perante o Parlamento,<br />

assim defini<strong>da</strong>, constitui o elemento essencial do regime parlamentar. Mesmo<br />

que os outros dois elementos não existam (por exemplo, se não houver<br />

dualismo do Executivo, <strong>como</strong> no Governo provisório francês de 1945-1946, ou<br />

direito de dissolução) este basta para que haja regime parlamentar. A<br />

responsabili<strong>da</strong>de política é coletiva: é todo o Gabinete que é atingido pelo<br />

voto hostil do Parlamento e que se demite. Se apenas um ministro é atacado,<br />

normalmente todo o Gabinete se soli<strong>da</strong>riza com ele: é o princípio <strong>da</strong><br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de ministerial. No entanto, acontece por vezes que o Chefe do<br />

Governo se desembarace dum ministro em relação ao qual o Parlamento seja<br />

hostil em virtude dos seus atos pessoais. 172<br />

Num sistema parlamentar, o Governo tem geralmente o direito de dissolver o<br />

Parlamento, ou, mais especificamente, aquela assembléia que é eleita por voto direto,<br />

secreto e universal, perante a qual o Gabinete é responsável. O direito de dissolução<br />

está muitas vezes sujeito a certas limitações. Umas destina<strong>da</strong>s a evitar que a<br />

representação nacional esteja sujeita a dissoluções demasiado repeti<strong>da</strong>s, o que tem<br />

criado intervalos de tempo mínimos entre uma dissolução e outra, com outras tendendo<br />

a impedir, simplesmente, que o Governo utilize o instituto <strong>da</strong> dissolução, <strong>como</strong> é o<br />

caso <strong>da</strong> França, nas Constituições de 1875, 1946 e 1958, nos quais a dissolução está<br />

liga<strong>da</strong> ao Chefe de Estado.<br />

Duverger, sobre isto, ain<strong>da</strong> escreve que:<br />

no regime parlamentar clássico, tal <strong>como</strong> os teóricos o descrevem, o direito<br />

do Gabinete dissolver o Parlamento constitui o pendente necessário do direito<br />

do Parlamento fazer cair o Gabinete. A dissolução é assim considera<strong>da</strong> <strong>como</strong><br />

uma <strong>da</strong>s chaves-mestras do parlamentarismo, porque só ela permite<br />

contrabalançar a influência do Parlamento sobre os ministros, por meio <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de política. Sem a dissolução, o Gabinete encontra-se<br />

praticamente desarmado face a um Parlamento que o pode derrubar a seu<br />

172 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 367.


111<br />

gosto. A dissolução restabelece o equilíbrio dos poderes: perante um voto de<br />

desconfiança <strong>da</strong> Câmara, o Gabinete solicitará a dissolução ao Chefe de<br />

Estado e os eleitores serão chamados a resolver o conflito. A arbitragem do<br />

povo, pela via <strong>da</strong>s eleições gerais, é assim a pedra angular do regime<br />

parlamentar. Tal análise não é inexata, mas peca por ser demasiado<br />

formal. 173<br />

Dallari, em seu “Elementos de Teoria do Estado”, trata de <strong>da</strong>r um enfoque<br />

menos formal ao instituto <strong>da</strong> dissolução do Parlamento, ensinando que:<br />

uma <strong>da</strong>s características importantes do sistema inglês é a possibili<strong>da</strong>de de ser<br />

dissolvido o Parlamento, considerando-se extinto o man<strong>da</strong>to dos membros do<br />

Parlamento antes do prazo normal. Isso pode ocorrer quando o Primeiro-<br />

Ministro percebe que só conta com uma pequena maioria e acredita que a<br />

realização de eleições gerais irá resultar numa ampliação dessa maioria. Ou<br />

então, e isto se aplica mais aos sistemas pluripartidários, quando o Primeiro.<br />

-Ministro recebe um voto de desconfiança mas entende que o Parlamento é<br />

que se acha em desacordo com a vontade popular. Nesses casos ele pode pedir<br />

ao Chefe de Estado que declare extintos os man<strong>da</strong>tos e, pelo mesmo ato,<br />

convoque novas eleições gerais. Realiza<strong>da</strong>s as eleições, seu resultado<br />

determinará a permanência do Primeiro-Ministro, se continuar com a<br />

maioria, ou sua demissão, se contar apenas com a minoria dos novos<br />

representantes eleitos. 174<br />

As considerações até aqui leva<strong>da</strong>s a efeito procuram esclarecer o papel<br />

respectivo dos quatro “elementos” necessários para o funcionamento do sistema<br />

parlamentarista, ou seja: o Parlamento, o Governo, o corpo eleitoral e o Chefe de<br />

Estado, sem considerar, claro, a atuação do Poder judiciário para dirimir os conflitos<br />

de atribuição entre os poderes do Estado.<br />

Ao Parlamento compete confirmar inicialmente ao Governo sua investidura e,<br />

segui<strong>da</strong>mente, quando presente uma crise, provocar a sua demissão. Compete também<br />

ao Parlamento estabelecer as diretrizes políticas do Governo, aprovando-lhe os planos<br />

e fiscalizando sua atuação.<br />

173 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 138.<br />

174 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 199.


Duverger, com muita precisão, escreve que:<br />

112<br />

o Parlamento é assim a sede dum debate permanente entre os ci<strong>da</strong>dãos e o<br />

Governo, entre a oposição e a maioria. É a tribuna pública onde se exprimem<br />

as reivindicações e os desacordos. A publici<strong>da</strong>de dos debates parlamentares é<br />

a este respeito essencial, <strong>como</strong> o é em matéria de controle do Governo por<br />

meio de perguntas, interpelações e comissões de inquérito. O fato de o<br />

Governo dever se explicar em público e de as reivindicações dos ci<strong>da</strong>dãos<br />

serem formula<strong>da</strong>s publicamente é mesmo um elemento do poder parlamentar.<br />

Esta publici<strong>da</strong>de dos debates é assegura<strong>da</strong> pela publicação integral no Jornal<br />

Oficial e eventualmente pela reportagem direta que a televisão faça dos<br />

debates. 175<br />

O Governo, por outro lado, é conduzido de forma mais concreta pelo seu<br />

Chefe - o Primeiro-Ministro, Chanceler ou Presidente do Governo - que conduz a<br />

política do Estado e mantém a uni<strong>da</strong>de de orientação política e administrativa<br />

promovendo e coordenando as ativi<strong>da</strong>des do ministério e em tipos contemporâneos de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> goza de maior estabili<strong>da</strong>de, através de artifícios que permitem aos<br />

parlamentos as manifestações de desacordo sobre assuntos em particular, sem contudo<br />

implicar, necessariamente, em demissão, ou seja, deixando ao juízo do próprio<br />

Governo e do Chefe de Estado as consequências <strong>da</strong> simples retira<strong>da</strong> de propostas<br />

envia<strong>da</strong>s ao Parlamento ou a demissão do ministro ou dos ministros signatários <strong>da</strong><br />

mesma, modelo que se pode observar na Alemanha, por exemplo.<br />

Dallari, sobre isso, leciona que:<br />

o Chefe de Governo, por sua vez, é a figura central do <strong>Parlamentarismo</strong>, pois<br />

é ele que exerce o poder executivo. Como já foi assinalado, ele é apontado<br />

pelo Chefe de Estado para compor o Governo e só se torna Primeiro-Ministro<br />

depois de obter a aprovação do Parlamento. Por esse motivo é que muitos<br />

consideram o Chefe de Governo, no <strong>Parlamentarismo</strong>, um delegado do<br />

Parlamento, pois ele só pode assumir a Chefia do Governo e permanecer nela,<br />

<strong>como</strong> se verá em segui<strong>da</strong>, com a aprovação <strong>da</strong> maioria parlamentar. Como<br />

assinalou LOEWENSTEIN, não há <strong>como</strong> sustentar que no <strong>Parlamentarismo</strong> se<br />

175 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 127.


preserve a separação de poderes. 176<br />

Neste item, ousamos discor<strong>da</strong>r de Dallari, por conta do sistema francês que,<br />

apesar de ser um tipo de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> - ou um Presidencialismo<br />

Parlamentarizado -, não tem o Chefe de Governo <strong>como</strong> a figura central do processo<br />

político, <strong>da</strong><strong>da</strong> a proeminência do Presidente <strong>da</strong> República, conforme se verá.<br />

Logo em segui<strong>da</strong>, sobre o Governo com responsabili<strong>da</strong>de política, Dallari<br />

também assinala que:<br />

113<br />

num sistema pluripartidário é preciso verificar se ain<strong>da</strong> subsiste a coligação<br />

majoritária, para que se mantenha o Primeiro-Ministro. A coligação pode ser<br />

desfeita por desentendimentos entre seus componentes, ou pode tornar-se<br />

minoritária em conseqüência do resultado de novas eleições. Em ambos os<br />

casos o Primeiro-Ministro perde sua base de sustentação política e deve<br />

demitir-se. Outro fator que determina a demissão do Primeiro-Ministro é a<br />

aprovação de um voto de desconfiança pelo Parlamento. Se um parlamentar,<br />

com apoio de um certo número de colegas, desaprova, no todo ou num<br />

importante aspecto particular, a política desenvolvi<strong>da</strong> pelo Primeiro-Ministro,<br />

propõe um voto de desconfiança. Se este for aprovado pela maioria<br />

parlamentar, isso revela que o Chefe de Governo está contrariando a vontade<br />

<strong>da</strong> maioria do povo, de quem os parlamentares são representantes. Assim<br />

sendo, devem demitir-se. Às vezes, embora muito raramente, o Primeiro-<br />

Ministro considera o voto de desconfiança produto de um desentendimento<br />

ocasional ou secundário e não se considera obrigado a demitir-se. Nesse<br />

caso, o comportamento <strong>da</strong> maioria em novas votações é que decide se ele deve<br />

ou não continuar no cargo. 177<br />

O Governo parlamentarista recebe considerações precisas na obra “Os Grandes<br />

Sistemas Políticos”, de Maurice Duverger, onde o tratadista francês escreve que:<br />

o Gabinete assume o essencial <strong>da</strong>s funções governamentais. Chama-se-lhe<br />

também `Ministério´ ou `Governo´ (a terminologia permanece vaga: a palavra<br />

`Gabinete´ designa também o conjunto dos colaboradores pessoais dum<br />

ministro, <strong>como</strong> se verá adiante. A palavra `Ministério´ designa também um<br />

176 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 198.<br />

177 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Id. Ibid. p. 199.


114<br />

departamento ministerial, <strong>como</strong> quando se fala do Ministério <strong>da</strong> Agricultura<br />

ou do Ministério do Interior). Os membros do Gabinete chamam-se ministros,<br />

mas existe muitas vezes uma hierarquia entre eles: há super-ministros e subministros.<br />

O Gabinete é um órgão coletivo: as decisões são toma<strong>da</strong>s em<br />

comum. À cabeça deste órgão coletivo está colocado o Chefe do Governo, que<br />

se distingue do Chefe do Estado. A este Chefe de Governo chama-se,<br />

consoantes os países, Primeiro-Ministro, Presidente do Conselho ou<br />

Chanceler. O Chefe do Governo escolhe os outros membros do Gabinete, que<br />

submete à aprovação (formal) do Chefe do Estado; preside às reuniões do<br />

Gabinete realiza<strong>da</strong>s sem a presença deste último, a que se chamam `<br />

Conselhos de Ministros ´, que se desenrolam na presença do Chefe do Estado;<br />

fala em nome de todo o Gabinete perante as assembléias. 178<br />

O terceiro elemento fun<strong>da</strong>mental ao <strong>Parlamentarismo</strong> é o corpo eleitoral, que<br />

se insere diretamente no sistema pela possibili<strong>da</strong>de de eleições antecipa<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s<br />

eleições periódicas. Em alguns modelos, o eleitorado também se manifesta, em alguns<br />

casos, através de Referendo, que serve, entre outras coisas, para induzir o Parlamento a<br />

manter-se em contínuo contato com o povo.<br />

Sobre o corpo eleitoral, é importante trazer a lição de António José Fernandes,<br />

quando considera que:<br />

no que concerne aos governantes, a eleição consiste na sua escolha feita<br />

através <strong>da</strong> expressão dos votos de uma plurali<strong>da</strong>de de pessoas - os eleitores.<br />

O conjunto de pessoas que preenchem os requisitos legais <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />

eleitoral forma o corpo eleitoral ou colégio eleitoral. O corpo eleitoral varia<br />

de país para país e até <strong>da</strong> eleição de um órgão para a eleição de outro órgão<br />

dentro do mesmo país, e tem aumentado muito ao longo do tempo, à medi<strong>da</strong><br />

que o sufrágio restrito (censitário e capacitário) foi <strong>da</strong>ndo lugar ao sufrágio<br />

universal. E as condições de elegibili<strong>da</strong>de e os processos de escrutínio<br />

também variam muito de uns países para outros, conforme o sistema eleitoral<br />

adotado. 179<br />

Mas a função mais recente e interessante é a exerci<strong>da</strong> pelo Presidente <strong>da</strong><br />

República, que está colocado nos sistemas parlamentaristas racionalizados<br />

178 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 136.<br />

179 - FERNADES, António José. Op. Cit. p. 181.


contemporâneos, <strong>como</strong> representante do Estado e controlador e facilitador do<br />

funcionamento de todo o sistema. Enquanto a função de orientação política e<br />

administrativa é do Gabinete, o Chefe de Estado não se imiscui nas questões político-<br />

administrativas, estando acima <strong>da</strong>s diferenças entre a maioria e a minoria.<br />

Alguns autores, <strong>como</strong> Canotilho 180 , em função exatamente <strong>da</strong>s variações nas<br />

funções do Chefe de Estado, passaram a adotar a denominação de <strong>Parlamentarismo</strong><br />

Monista - quando o centro do poder é o Parlamento, sendo o Gabinete uma espécie de<br />

seu delegado - também conhecido <strong>da</strong> doutrina e <strong>como</strong> já foi anotado anteriormente de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> de Assembléia, com o Presidente <strong>da</strong> República - neste caso eleito<br />

indiretamente - ou o Monarca exercendo papel meramente simbólico, <strong>como</strong><br />

representante do Estado, sem qualquer influência nos destinos do Governo. Por outro<br />

lado, quando o modelo adotado permite ao Chefe de Estado alguns poderes, dividindo<br />

certas atribuições com o Gabinete, os tratadistas convencionaram chamá-lo de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> Dualista, ou, <strong>como</strong> também já se viu anteriormente,<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> de Gabinete.<br />

A estrutura funcional do <strong>Parlamentarismo</strong> está sujeita à obediência de<br />

determina<strong>da</strong>s características. Canotilho, sobre o que ele próprio denomina de<br />

“critérios”, escreve o seguinte:<br />

115<br />

a) Critérios institucionais<br />

1) Compatibili<strong>da</strong>de do cargo de Deputado com o de Ministro;<br />

2) O Primeiro-Ministro é, em regra, membro do Parlamento;<br />

3) Responsabili<strong>da</strong>de ministerial, conducente à demissão do governo em caso<br />

de retira<strong>da</strong> de confiança por parte do órgão parlamentar;<br />

4) controle do Governo através de interpelações;<br />

5) investidura do governo, após expresso voto de confiança do Parlamento;<br />

180 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 709.


6) dissolução do Parlamento pelo Chefe de Estado para contrabalançar a<br />

dependência do Governo perante o Parlamento;<br />

b) Critérios estruturais<br />

1) existência de partidos organizados;<br />

2) alto grau de homogenei<strong>da</strong>de e ação solidária do Gabinete;<br />

3) a existência de um Primeiro-Ministro que trace as diretivas políticas;<br />

4) a existência de uma oposição legal;<br />

5) a existência de uma cultura política favorável ao parlamentarismo. 181<br />

No próximo item far-se-á a descrição de algumas formas contemporâneas de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>, deriva<strong>da</strong>s do sistema clássico.<br />

181 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Id. Ibid. p. 1106.<br />

116


4.4 - FORMAS CONTEMPORÂNEAS<br />

Nos sistemas contemporâneos derivados do <strong>Parlamentarismo</strong> clássico, o<br />

Presidente <strong>da</strong> República, <strong>como</strong> Chefe de Estado, quando eleito por voto direto, secreto<br />

e universal, tem geralmente prerrogativas jurídicas mais importantes do que as<br />

<strong>da</strong>queles eleitos indiretamente ou às dos Monarcas, nas monarquias constitucionais<br />

democráticas. Como eleito diretamente pelo povo - e também, por conseqüência, <strong>como</strong><br />

seu representante - o Presidente <strong>da</strong> República, em alguns modelos parlamentaristas -<br />

<strong>como</strong> o Francês - encontra-se colocado ao mesmo nível do Parlamento e niti<strong>da</strong>mente<br />

acima do Primeiro-Ministro e dos ministros, com alguns setores <strong>da</strong> doutrina,<br />

representados, principalmente, por Maurice Duverger, passando a chamá-los -<br />

incorretamente, <strong>como</strong> já se registrou anteriormente - de semipresidencialista.<br />

De qualquer forma, deve-se insistir na premissa de que, mesmo com algumas<br />

características próprias, os modelos derivados, ou pelo menos a maioria deles, são<br />

efetivamente Parlamentaristas, já que conservam os traços fun<strong>da</strong>mentais do sistema.<br />

Mesmo a França é Parlamentarista, onde o Presidente <strong>da</strong> República é também<br />

Presidente do Conselho de Ministros, podendo, de fato, exercer tarefas de Governo.<br />

Neste caso, usar-se-á a denominação de Clóvis Goulart, que o chama de<br />

Presidencialismo Parlamentarizado, <strong>como</strong> também citado anteriormente.<br />

No sistema parlamentarista clássico, o Chefe de Estado é, ou um monarca<br />

hereditário, ou um Presidente <strong>da</strong> República eleito indiretamente, sem a chancela<br />

popular para seu man<strong>da</strong>to. Tanto um <strong>como</strong> outro estão bem longe <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de<br />

popular do Primeiro-Ministro e não representam a nação. Representam formalmente o<br />

117


Estado, o que é bem diferente.<br />

Maurice Duverger, sobre isto, escreve que:<br />

118<br />

o dualismo do Executivo é mais aparente do que real: a própria natureza do<br />

Chefe de Estado faz com que ele seja mais um símbolo do que uma autori<strong>da</strong>de<br />

governamental. Isto é evidente quando se trata de um rei, que corresponde a<br />

uma legitimi<strong>da</strong>de antiga, hoje ultrapassa<strong>da</strong>: já ninguém acredita que o poder<br />

político se adquira por hereditarie<strong>da</strong>de. Os Presidentes <strong>da</strong> República<br />

parlamentares são menos contrários ao sistema de valores democráticos, mas<br />

o Governo e o Primeiro-Ministro, agindo com a confiança do Parlamento que<br />

representa diretamente a nação, são naturalmente mais poderosos do que eles.<br />

Exercem, pois, em seu lugar os poderes nominais que a Constituição lhes<br />

atribui. Sem o referendo ministerial obrigatório, o Chefe de Estado na<strong>da</strong> pode<br />

fazer e a sua própria assinatura não passa de uma formali<strong>da</strong>de. A situação<br />

altera-se se o Presidente <strong>da</strong> República for eleito por sufrágio universal e tiver<br />

ele mesmo a quali<strong>da</strong>de de representante do povo. Pode não exercer, por si<br />

próprio e efetivamente, os seus poderes constitucionais e tornar -se o órgão<br />

essencial do Governo. Mas nem sempre o faz. 182<br />

Nos modelos racionalizados contemporâneos, com a eleição direta, secreta e<br />

universal, o Presidente <strong>da</strong> República tem assumido um papel muito mais relevante no<br />

contexto dos poderes do Estado. Eles nasceram por causa <strong>da</strong>s falhas apresenta<strong>da</strong>s pelo<br />

sistema original, principalmente onde a história institucional fora muito diferente <strong>da</strong><br />

Inglaterra. Um dos enquadramentos existentes para o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> é<br />

o que Duverger e outros autores chamam de semipresidencialismo e sobre ele o autor<br />

francês escreve que “o sistema semipresidencialista nasceu dessas falhas do sistema<br />

parlamentarista. A investidura popular do primeiro magistrado <strong>da</strong> República teve por<br />

objetivo fazer um governo irremovível e poderoso. Não se elege um presidente por<br />

sufrágio universal para que ele inaugure exposições, mas sim para que ele atue.” 183<br />

Sobre a distinção entre o Chefe de Estado e Chefe de Governo, Dallari escreve<br />

182<br />

- DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 115.<br />

183<br />

- DUVERGER, Maurice. O regime semipresidencialista. Trad. de Noêmia de Arantes Ramos e Elzira Rezende Arantes.<br />

São Paulo: Sumaré, 1993, p. 17.


que:<br />

119<br />

o Chefe de Estado, monarca ou Presidente <strong>da</strong> República, não participa <strong>da</strong>s<br />

decisões políticas, exercendo preponderantemente uma função de<br />

representação do Estado. Sendo secundária sua posição, em termos políticos,<br />

é normal nas repúblicas parlamentares que sua escolha seja feita por eleição<br />

no Parlamento e que seu man<strong>da</strong>to seja relativamente longo. É inegável,<br />

to<strong>da</strong>via, que o Chefe de Estado é uma figura importante, pois, além <strong>da</strong>s<br />

funções de representação e além de atuar <strong>como</strong> vínculo moral do Estado,<br />

colocado acima <strong>da</strong>s disputas políticas, ele desempenha um papel de especial<br />

relevância nos momentos de crise, quando é necessário indicar um novo<br />

Primeiro-Ministro à aprovação do Parlamento. Essa indicação é<br />

extremamente difícil, muita vezes, nos sistemas pluripartidários, pois deve ser<br />

escolhido alguém que revele estar em condições de compor um Gabinete que<br />

obtenha a aprovação <strong>da</strong> maioria parlamentar. 184<br />

Atualmente, o Chefe de Estado, nos sistemas parlamentaristas racionalizados,<br />

possue algumas funções de arbitragem e, até, de supervisão do Governo, <strong>como</strong> é o caso<br />

<strong>da</strong> França e que será analisado mais adiante.<br />

Canotilho faz um importante resumo analítico <strong>da</strong>s variações do sistema<br />

parlamentarista quanto às idéias de controle e responsabili<strong>da</strong>de, o que nos permite<br />

então, após isto, encerrar este capítulo e introduzir o seguinte. A lição do professor <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de Coimbra tem o seguinte teor:<br />

Estrutura dualista monárquico-representativa<br />

1) - Responsabili<strong>da</strong>de do Primeiro-Ministro perante o rei e irresponsabili<strong>da</strong>de<br />

do Executivo ou do Gabinete em face do Parlamento.<br />

2) - Controle primário do Rei sobre a Câmara alta (entre nós: Câmara dos<br />

Pares), nomea<strong>da</strong>mente quando esta foi fun<strong>da</strong>mentalmente composta por<br />

membros de nomeação régia.<br />

3) - Irresponsabili<strong>da</strong>de do Rei, <strong>como</strong> Chefe do Executivo, perante o órgão<br />

representativo-parlamentar.<br />

Estrutura parlamentar republicana<br />

1) - Responsabili<strong>da</strong>de do Gabinete perante o Parlamento (o Gabinete ou o<br />

Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente <strong>da</strong> República, mas deve antes<br />

obter a confiança do Parlamento, havendo a obrigação de demitir-se no caso<br />

de aprovação de moções de censura ou de rejeição de votos de confiança).<br />

2) - Dissolução do Parlamento pelo Presidente <strong>da</strong> República, sob proposta do<br />

184 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 198.


120<br />

Gabinete (do Primeiro-Ministro). A dissolução é feita por decreto<br />

presidencial, mas trata-se de um ato de iniciativa do Gabinete que assume a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política do mesmo através <strong>da</strong> referen<strong>da</strong>.<br />

3) - Eleição do Presidente <strong>da</strong> República pelo Parlamento, mas ficando com o<br />

estatuto constitucional de irresponsabili<strong>da</strong>de política perante o mesmo.<br />

Estrutura mista parlamentar-presidencial.<br />

1) - Dois órgãos (Presidente <strong>da</strong> República e o Parlamento) eleitos por<br />

sufrágio direto.<br />

2) - Dupla responsabili<strong>da</strong>de do Governo (Gabinete) perante o Presidente <strong>da</strong><br />

República e perante o Parlamento.<br />

3) - Dissolução do Parlamento por decisão e iniciativa autônomas do<br />

Presidente <strong>da</strong> República (ao contrário do que existe quer no regime<br />

presidencial quer no regime parlamentar).<br />

4) - O Gabinete <strong>como</strong> órgão constitucional autônomo (diversamente do regime<br />

presidencial e analogamente ao regime parlamentar).<br />

5) - O Presidente <strong>da</strong> República com poderes de direção política próprios (à<br />

semelhança do regime presidencial, mas diversamente do regime<br />

parlamentar). 185<br />

Com o registro desta lição de Canotilho, pode-se passar ao capítulo seguinte,<br />

que irá abor<strong>da</strong>r a racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> em seus vários<br />

aspectos.<br />

185 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 704-707.


CAPÍTULO V - ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA RACIONALIZAÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO PARLAMENTARISMO<br />

Principalmente após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial - antes este movimento era<br />

notado em países <strong>como</strong> a Alemanha - começou a tomar corpo uma nova proposta de<br />

sistema de Governo que, ao mesmo tempo, pudesse conciliar estabili<strong>da</strong>de, eficácia e<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> já estava consagrado <strong>como</strong> o sistema preferido pelos<br />

europeus, principalmente entre aqueles que não abriam mão do regime democrático.<br />

Entretanto, a instabili<strong>da</strong>de e a incapaci<strong>da</strong>de de responder adequa<strong>da</strong>mente às aspirações<br />

sociais no tocante ao desenvolvimento <strong>da</strong>s políticas públicas fizeram com que muitos<br />

países, <strong>como</strong> França, Portugal e Alemanha, passassem a promover ajustes em seus<br />

sistemas parlamentaristas de Governo.<br />

Estes estados conviveram com parlamentarismos, na maioria <strong>da</strong>s vezes, sem<br />

equilíbrio entre o exercício democrático do poder e a necessi<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r estabili<strong>da</strong>de<br />

ao Governo. É <strong>como</strong> escreve Felippe Cocuza, quando diz que:<br />

um <strong>Parlamentarismo</strong> exagerado cria problemas à Nação. Se o<br />

parlamentarismo separa o Estado e Governo, é evidente que o Chefe de<br />

Governo não pode interferir em coisas de Estado, e as Forças Arma<strong>da</strong>s e as<br />

Relações Exteriores pertencem à esfera do Estado, que é permanente. Os<br />

governos é que mu<strong>da</strong>m e precisam mu<strong>da</strong>r, se deixam de governar bem. 186<br />

O modelo parlamentarista clássico teve que se a<strong>da</strong>ptar.<br />

186 - COCUZA, Felippe. O parlamentarismo e o voto distrital. São Paulo: Transcendental, 1991, p. 71.


A “racionalização” dos governos parlamentaristas <strong>da</strong> Europa Ocidental seguiu<br />

uma tendência de procura por estabili<strong>da</strong>de e fortalecimento do Estado democrático.<br />

Deve-se repetir o que Dallari escreve sobre este assunto. O tratadista brasileiro<br />

assinala que “duas são as tendências que já podem ser considera<strong>da</strong>s e que, salvo<br />

algum imprevisto de grande significação, deverão incorporar-se aos novos regimes<br />

atualmente em elaboração: a racionalização do governo e o fortalecimento<br />

democrático do governo.” 187<br />

É exatamente isto que se buscará demonstrar com esta Tese, com base nas<br />

experiências de três estados contemporâneos: França, Alemanha e Portugal. O esforço<br />

será no sentido de comprovar que a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>como</strong> Sistema<br />

de Governo foi um dos pressupostos <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> naqueles estados.<br />

187 - DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 212.<br />

122


5.1 - CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS<br />

O conceito de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> está, nesta Tese, intimamente<br />

vinculado à <strong>Democracia</strong>. Não há sentido, sob a ótica deste trabalho, em racionalizar o<br />

Sistema de Governo a não ser para assegurar maior estabili<strong>da</strong>de política e democrática<br />

ao Estado Contemporâneo, através <strong>da</strong> participação efetiva <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de. Nisto,<br />

também está imbrica<strong>da</strong> a estabili<strong>da</strong>de do Governo.<br />

Como se pretende estabelecer, de forma sistemática, a vinculação <strong>da</strong><br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> com a <strong>Democracia</strong>, os conceitos que serão<br />

apresentados também buscam esta ligação.<br />

Valmireh Chacon assinala que já na Grécia se procurava uma forma de<br />

racionalizar o Governo, quando este esforço era entendido através <strong>da</strong> premissa de que<br />

“tratar-se-ia de um regime simultâneo de Monarquia, aristocracia e <strong>Democracia</strong> -<br />

sem cair nos extremos de Tirania, Oligarquia e Demagogia através de um Executivo<br />

centralizado, um legislativo parti<strong>da</strong>riamente seletivo e um Judiciário também eleito<br />

embora apartidário. Tudo oriundo de assembléias populares, suas fontes e seus<br />

fiscais.” 188<br />

Guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as devi<strong>da</strong>s diferenças e proporções, o objetivo, na Grécia de então,<br />

era equilibrar o regime político através <strong>da</strong> racionalização do Governo. O mesmo<br />

fenômeno observa-se atualmente, com a agregação de um outro objetivo, que é a<br />

188 - CHACOM, Valmireh. O novo parlamentarismo. Brasília: Fun<strong>da</strong>ção Milton Campos, 1978, p. 15.<br />

123


consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Darcy Azambuja, por seu turno, numa abor<strong>da</strong>gem genérica, mas muito<br />

esclarecedora, aponta que o Governo parlamentar instituído por várias <strong>da</strong>s atuais<br />

constituições européias é, na ver<strong>da</strong>de, um tipo racionalizado de <strong>Parlamentarismo</strong>. O<br />

mestre gaúcho escreveu que:<br />

124<br />

desde que o Ministério ou Gabinete tenha direito de imprimir uma orientação<br />

própria aos negócios públicos, o parlamentarismo existe. Não será mais o<br />

parlamentarismo clássico, mas uma forma que evoluiu no sentido <strong>da</strong><br />

supremacia do Parlamento, muito semelhante ao parlamentarismo francês,<br />

onde a dissolução <strong>da</strong> Câmara não era mais pratica<strong>da</strong>, e muito diversa do<br />

inglês, no qual, ao contrário do que muitos supõem, a supremacia cabe ao<br />

Gabinete. 189<br />

Para Marcelo Rebelo de Souza, constitucionalista e então Deputado português,<br />

líder do Partido Social Democrata - PSD, referindo-se ao <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado, somente que com outra denominação - semipresidencialismo - escreve<br />

que “um sistema de governo semipresidencial se define pela convergência <strong>da</strong><br />

legitimi<strong>da</strong>de do sufrágio direto e universal <strong>como</strong> forma de designação do chefe de<br />

Estado, com a manutenção dos mecanismos de efetivação <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de política<br />

do Governo perante o Parlamento.” 190 .<br />

Referindo-se também ao <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado <strong>como</strong><br />

“semipresidencialismo”, Manuel Gonçalves Ferreira Filho comenta que:<br />

na ver<strong>da</strong>de, esses regimes semipresidenciais parecem ser sistemas<br />

parlamentaristas sob forte influência presidencial, o que redun<strong>da</strong> em regimes<br />

ora quase-parlamentaristas, ora quase-presidencialistas (ou<br />

semipresidenciais), de acordo com o momento. Ou, conforme predomine, no<br />

momento considerado, a força do Presidente, em geral quando não há maioria<br />

189<br />

- AZAMBUJA, Darcy. Op. Cit p. 309.<br />

190<br />

- SOUZA, Marcelo Rebelo. O sistema de governo português. 4. ed., Lisboa: Associação Acadêmica <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de<br />

Direito de Lisboa, 1992, p. 14.


parlamentar coesa que a ela se opõe. 191<br />

É muito difícil não fazer um pequeno e respeitoso comentário acerca <strong>da</strong><br />

afirmação do professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Na ver<strong>da</strong>de, o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> se “racionalizou” na Europa Ocidental muito mais para garantir a<br />

<strong>Democracia</strong>, através de governos estáveis e sintonizados com as aspirações do corpo<br />

social, conforme se vai demonstrar mais adiante. A instabili<strong>da</strong>de política funcionava -<br />

e funciona - <strong>como</strong> ameaça à <strong>Democracia</strong>.<br />

Entretanto, ao conceituar o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, Ferreira Filho<br />

esclarece que “chama-se de parlamentarismo racionalizado o modelo que procura,<br />

por técnicas jurídicas, aperfeiçoar a prática do parlamentarismo, especialmente<br />

evitando a instabili<strong>da</strong>de governamental.” 192<br />

Gomes Canotilho e Vital Moreira, abor<strong>da</strong>ndo a racionalização do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>, trazem os exemplos <strong>da</strong> França e <strong>da</strong> Alemanha, que criaram<br />

mecanismos de estabili<strong>da</strong>de democrática aos seus sistemas. Os tratadistas portugueses<br />

escrevem que “tais preocupações incidiram em duas áreas distintas. Por um lado, no<br />

campo <strong>da</strong> relação de dependência do governo face à assembléia; por outro, e em<br />

contraparti<strong>da</strong>, na criação de um segundo pólo autônomo de poder ao lado do<br />

parlamento, o presidente <strong>da</strong> república, igualmente eleito por sufrágio direto, de modo<br />

a contrabalançar a dependência parlamentar do Governo.” 193<br />

Ain<strong>da</strong> de acordo com os dois professores <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra, os<br />

primeiros movimentos para a racionalização do sistema passaram pela reformulação do<br />

191 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 21.<br />

192 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Id. Ibid. p. 47.<br />

193 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 202.<br />

125


papel do Governo diante <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República, no caso de Portugal, reforçando<br />

a posição do primeiro, tornando-o mais independente e <strong>da</strong>ndo mais previsibili<strong>da</strong>de às<br />

ações do Parlamento. No dizer de Canotilho e Moreira, “tratava-se de criar<br />

instrumentos práticos que, sem pôr em causa a depedência do governo em relação ao<br />

parlamento lhe assegurem uma maior estabili<strong>da</strong>de, impedindo crises frequentes e<br />

imprevistas. Tais instrumentos dizem respeito ao regime de formação do governo, ao<br />

processo de nomeação e investidura, à disciplina do voto de desconfiança.” 194 Note-se<br />

que to<strong>da</strong>s estas providências se deram sem a renúncia aos princípios democráticos.<br />

A mu<strong>da</strong>nça no papel do Chefe de Estado também é destaca<strong>da</strong> por Canotilho e<br />

Vital Moreira, quando ensinam que:<br />

126<br />

a segun<strong>da</strong> vertente do movimento de reconsideração e qualificação do sistema<br />

de governo parlamentar consistiu essencialmente em tornar o governo<br />

dependente, em maior ou menor medi<strong>da</strong>, também do Presidente <strong>da</strong> República,<br />

o qual é autonomizado <strong>como</strong> órgão de poder, sendo para o efeito diretamente<br />

eleito, tal <strong>como</strong> o parlamento. Primeiramente ensaia<strong>da</strong> logo na constituição<br />

republicana alemã de Weimar (1919), esta solução veio a encontrar fortuna<br />

sobretudo após a II Guerra Mundial, sendo hoje uma característica essencial<br />

do sistema de governo de um número significativo de países, na Europa e fora<br />

dela. Ela traduz-se na criação de uma estrutura de três órgãos, cujos pólos<br />

são o presidente e a assembléia, ficando o governo dependente de ambos. 195<br />

Canotilho e Vital Moreira também ensinam que:<br />

os esforços de racionalização centraram-se essencialmente nos seguintes<br />

aspectos, separa<strong>da</strong> ou cumulativamente: a) autonomização <strong>da</strong> figura do<br />

primeiro-ministro face aos restantes ministros, cabendo-lhe a função de<br />

dirigir a ação do governo; b) dispensa de um expresso voto de investidura<br />

parlamentar ou <strong>da</strong> apresentação do governo, uma vez nomeado, perante o<br />

parlamento para obter um voto de confiança; c) reforço <strong>da</strong> posição<br />

governamental nas suas relações com a assembléia (iniciativa legislativa,<br />

fixação <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> parlamentar, etc.); d) limitação <strong>da</strong> que<strong>da</strong> parlamentar do<br />

governo aos casos de aprovação de moção de censura, ou de derrota de uma<br />

194 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 202.<br />

195 - CONOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 203.


127<br />

moção de confiança expressa a propósito uma declaração de política geral; e)<br />

restrição <strong>da</strong>s moções de censura, exigindo-se um número mínimo de<br />

deputados proponentes e uma maioria qualifica<strong>da</strong> para sua aprovação e<br />

estabelecendo-se sanções políticas para os signatários no caso de essas<br />

moções não serem aprova<strong>da</strong>s; f) exigência de ligar a moção de censura à<br />

apresentação de uma solução alternativa de governo, com um candi<strong>da</strong>to a<br />

chefe do governo (a chama<strong>da</strong> moção de censura construtiva), de modo a evitar<br />

o derrube de governos por `coligações negativas’, incapazes depois de<br />

formarem um governo. 196<br />

Canotilho e Vital Moreira aparecem entre os principais autores lusitanos que<br />

se dedicam a esta matéria. Diante desta constatação, resolveu-se trazer, <strong>como</strong> acorreu<br />

acima, várias citações destes autores, junto com um pedido de desculpas pelos<br />

eventuais excessos de trechos reproduzidos dos citados tratadistas.<br />

Paulo Bonavides, por seu turno, assinala que foi Mirkine-Guetzévitch o<br />

principal estudioso <strong>da</strong>s modificações do <strong>Parlamentarismo</strong>, através de formas<br />

racionalizadoras contemporâneas. O tratadista brasileiro escreve que:<br />

entende esse autor que desde a República de Weimar a racionalização do<br />

parlamentarismo em diversas Constituições européias vem sendo<br />

gra<strong>da</strong>tivamente enceta<strong>da</strong>. Verifica-se então que depois de ter profusa<br />

aplicação, sugeri<strong>da</strong> pelas práticas dos mais celebrados exemplos <strong>da</strong><br />

Inglaterra, Bélgica e França, o parlamentarismo ingressa numa fase teórica,<br />

de construção doutrinária, formulação de regras propostas à observância<br />

constitucional, para o exercício do regime segundo novos modelos de<br />

experiência, ou segundo a pauta de uma `doutrina homogênea e rígi<strong>da</strong>’. É<br />

assim que Preuss intervém no parlamentarismo de Weimar e Kelsen faz a<br />

Constituição <strong>da</strong> Áustria. 197<br />

Jorge Miran<strong>da</strong> traz uma lição tipicamente conceitual sobre a racionalização do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> ao escrever que:<br />

o chamado sistema parlamentar racionalizado baseia-se na definição de<br />

regras jurídicas capazes de propiciarem estabili<strong>da</strong>de ministerial, numa<br />

tentativa de a<strong>da</strong>ptação do esquema fun<strong>da</strong>mental de funcionamento do sistema<br />

196 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 202.<br />

197 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. , São Paulo: Malheiros, 1995, p. 335.


128<br />

britânico a outros países (<strong>como</strong> a Alemanha ou a Espanha desde a<br />

Constituição de 1978). A sua regra mais conheci<strong>da</strong> é a <strong>da</strong> moção de censura<br />

construtiva. 198<br />

Em outra obra sua, Jorge Miran<strong>da</strong> traz também uma importante afirmação<br />

sobre o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado, desta feita declarando, explicitamente, sua<br />

ligação com a <strong>Democracia</strong> e com o desempenho do Governo. O autor escreve que:<br />

o princípio democrático, mitigado pelo princípio <strong>da</strong> separação de poderes em<br />

certa acepção, deu ain<strong>da</strong> origem a uma forma intermédia: o governo<br />

parlamentar, conquanto com características muito diferentes <strong>da</strong>s do sistema<br />

inglês. O sistema parlamentar aparece então um pouco <strong>como</strong> a síntese entre<br />

predomínio <strong>da</strong>s Assembléias e do Poder Executivo e, ao mesmo tempo, entre<br />

democracia e eficácia governativa. 199<br />

A seguir serão trata<strong>da</strong>s as formas contemporâneas de racionalização<br />

democrática do sistema paralmentar.<br />

198 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 135.<br />

199 - MIRANDA, Jorge. Direito constitucional - o estado e os sistemas constitucionais. 4. ed. Coimbra: Coimbra, Tomo II,<br />

1990, p. 167.


5.2 - ALGUMAS FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE RACIONALIZAÇÃO<br />

DEMOCRÁTICA DO PARLAMENTARISMO<br />

Todo o sistema político sofreu modificações e a<strong>da</strong>ptações em razão <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong>de crescente de racionalização do Sistema de Governo parlamentarista. Desde<br />

as técnicas legislativas até a representação política tiveram seus procedimentos e seu<br />

perfil mu<strong>da</strong>dos. Max Weber, em seu “<strong>Parlamentarismo</strong> e Governo”, já destacava as<br />

mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s pela racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> referindo-se<br />

à profissionalização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de política, escrevendo que:<br />

129<br />

dentro e fora do Parlamento uma figura característica é necessária: o político<br />

profissional, um homem que pelo menos idealmente, mas quase sempre<br />

materialmente, considera a política partidária <strong>como</strong> o cerne de sua vi<strong>da</strong>.<br />

(Repetindo mais uma vez:) Esta figura, quer a amemos ou a odiemos, é na sua<br />

atual forma o produto inevitável <strong>da</strong> racinalização e <strong>da</strong> especialização de<br />

ativi<strong>da</strong>des sectárias na base de eleição de massa. Aqui, novamente, não faz<br />

diferença qual o grau de influência política e de responsabili<strong>da</strong>de que cabe<br />

aos partidos em virtude do avanço do parlametarismo. 200<br />

Também por isto, <strong>como</strong> escreveu Max Weber, os partidos políticos ganharam<br />

dimensões e importância nunca antes observa<strong>da</strong>s. Foi também dependendo <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de partidária, que a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> tomou suas formas<br />

atuais.<br />

Os Países democráticos contemporâneos, com sistema parlamentarista<br />

bipartidário, praticamente ignoraram as crises ministeriais, convivendo com governos<br />

geralmente estáveis. Nestes países a racionalização deu-se, muito mais, no sentido de<br />

200 - WEBER, Max. <strong>Parlamentarismo</strong> e governo. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril, 1974, p. 76.


eficiência governamental, e não no de estabili<strong>da</strong>de política do sistema <strong>como</strong> um todo.<br />

Já os sistemas multipartidários não bipolarizados possuem freqüentes crises<br />

ministeriais gerando, quase sempre, um quadro eminentemente instável. Nestes<br />

últimos, a instituição <strong>da</strong> dissolução do parlamento, geralmente, não é instrumento<br />

adequado para garantir a almeja<strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de, pois, mesmo com novas eleições, não<br />

há garantia de formação de maioria.<br />

Mesmo assim, nos países onde o multiparti<strong>da</strong>rismo é regra, a dissolução do<br />

Parlamento é utiliza<strong>da</strong> com muito mais freqüência, “o que acaba sendo um sintoma<br />

visível de instabili<strong>da</strong>de neles existentes.” 201 , <strong>como</strong> assinala Lauvaux.<br />

Na maioria <strong>da</strong>s vezes, os mecanismos tradicionais do sistema parlamentar não<br />

foram, fora <strong>da</strong> órbita <strong>da</strong> Inglaterra e dos países inspirados pelo seu biparti<strong>da</strong>rismo, por<br />

si só, capazes de gerar ou de criar sistemas dotados <strong>da</strong> necessária estabili<strong>da</strong>de. Maurice<br />

Duverger nos permite entender ain<strong>da</strong> melhor a tendência aconteci<strong>da</strong> com a<br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>, quando escreve sobre a Tecnodemocracia, ou seja,<br />

a <strong>Democracia</strong> concebi<strong>da</strong> após a Socie<strong>da</strong>de contemporânea ter-se tornado muito<br />

complexa e domina<strong>da</strong> por técnicas e tecnologias até então inexistentes. Ele afirma que<br />

“o desenvolvimento do Executivo e a per<strong>da</strong> de substância do Parlamento constituem a<br />

diferença mais aparente entre a organização política <strong>da</strong> tecnodemocracia de hoje e a<br />

democracia liberal de ontem.” 202<br />

A tecnodemocracia, cita<strong>da</strong> por Duverger, teve seu Governo construído com os<br />

201 - LAUVAUX, Philippe. Op. Cit. p. 169.<br />

202 - DUVERGER, Maurice. As modernas tecnodemocracias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 168.<br />

130


processos de racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>. A evolução técnica e tecnológica não<br />

permitiram mais que o Parlamento tivesse a mesma burocracia cerimoniosa<br />

característica dos períodos anteriores às grandes guerras mundiais. O autor francês<br />

chega a afirmar que, durante a transição para os parlamentarismos racionalizados,<br />

131<br />

o crescimento do Executivo é mais proporcional ao esvaziamento do<br />

legislativo. O Governo não só herdou os poderes perdidos pelas assembléias,<br />

por exemplo, quando regula por decreto o que antes era regulado por lei. Ele<br />

não tira seu poder somente do fato de os deputados não mais poderem<br />

derrubá-lo tão facilmente nem <strong>da</strong> circunstância <strong>da</strong> maioria lhe ser<br />

subordina<strong>da</strong>, através <strong>da</strong> disciplina dos partidos. 203<br />

Por conseqüência, visando a criar certas condições de estabili<strong>da</strong>de<br />

governamental, contemporaneamente, alguns ordenamentos jurídicos estabeleceram<br />

novos mecanismos para o funcionamento do seu <strong>Parlamentarismo</strong>. A este movimento<br />

convencionou-se chamar de “racionalização”.<br />

Um destes mecanismos é a chama<strong>da</strong> “moção de censura construtiva” prevista<br />

na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn em seu artigo 67, com o nome de “voto de desconfiança<br />

construtivo”. Rogeiro leciona que o citado artigo traz a<br />

definição <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva, <strong>como</strong> é conheci<strong>da</strong> na doutrina<br />

constitucional de forma a obstar aos excessos de `irracionalização<br />

parlamentar’ típicos do 2 Reich (República de Weimar). Esta fórmula foi<br />

usa<strong>da</strong> em 1982, quando o FDP 204 decidiu aceitar a coligação proposta pela<br />

CDU/CSU 205 e derrubar o chanceler Helmut Schmidt, uma figura histórica do<br />

SPD. 206<br />

Por este mecanismo, que será analisado mais detalha<strong>da</strong>mente nos próximos<br />

capítulos, o Parlamento alemão somente pode aprovar uma moção de censura contra o<br />

203 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 169.<br />

204 - FDP - Partido Liberal Democrata.<br />

205 - CDU - União Cristã Democrática; CSU - União Social Cristã.<br />

206 - ROGEIRO, Nuno. A lei fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> república federal <strong>da</strong> Alemanha. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 182.


Chanceler, desde que já esteja indicado um substituto, apoiado expressamente pela<br />

maioria de seus membros. Ele é um bom exemplo de racionalização.<br />

Philippe Lauvaux escreve, sobre a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> leva<strong>da</strong> a<br />

efeito durante o processo de elaboração <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, que:<br />

132<br />

uma <strong>da</strong>s questões essenciais para o constituinte era estabelecer a autori<strong>da</strong>de<br />

do executivo. A Constituição de Weimar fracassara principalmente nesse<br />

ponto, ao querer combinar diferentes princípios de governo que na prática<br />

tinham sido comprova<strong>da</strong>mente incompatíveis. Querendo evitar um regresso às<br />

práticas do regime precedente, o constituinte <strong>da</strong> República de Bonn afastou,<br />

por um lado, os princípios dualistas <strong>da</strong> Constituição de Weimar e, por outro,<br />

levou a um ponto extremo a racionalização <strong>da</strong>s regras parlamentares relativas<br />

à responsabili<strong>da</strong>de política. As garantias instituí<strong>da</strong>s tendem a reforçar a<br />

estabili<strong>da</strong>de do Executivo, ou seja, essencialmente do chefe de governo, o<br />

chanceler federal, que é o único a ser diretamente investido <strong>da</strong> confiança do<br />

Bundestag, e o único responsável perante ele. 207<br />

Para fortalecer ain<strong>da</strong> mais as demonstrações sobre o processo de<br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>, é importante ressaltar o que sublinha Karl Deutsch<br />

sobre o Chefe de Governo alemão. O autor escreve que no <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong> alemão, “o cargo mais poderoso no governo federal é o do Chanceler.<br />

Com efeito, ele nomeia e demite todos os membros do Gabinete; nesses assuntos, o<br />

Presidente limita-se a seguir a suas propostas.” 208 E evidencia ain<strong>da</strong> mais a<br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> alemão ao escrever que “o Chanceler guia,<br />

geralmente, a política pública. Dentro dos limites <strong>da</strong> lei básica, ele especifica os<br />

limites de jurisdição entre os ministérios. Não pode ser impugnado; e só pode ser<br />

derrubado se uma maioria legislativa acor<strong>da</strong>r quanto ao seu sucessor.” 209<br />

Vale ressaltar que a existência <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva na<br />

207<br />

- LAUVAUX, Philippe. Op. Cit. P. 57.<br />

208<br />

- DEUTSCH, Karl. Política e governo. Trad. Maria José Matoso Miran<strong>da</strong> Mendes. Brasília: UNB, 1983, p. 438.<br />

209<br />

- DEUTSCH, Karl. Id. Ibid. p. 438.


Alemanha, um país estruturalmente estável, mostra que a estabili<strong>da</strong>de política não está,<br />

necessariamente, liga<strong>da</strong> à estabili<strong>da</strong>de social ou à econômica. A Itália é um bom<br />

exemplo disto.<br />

Nestas condições, o sistema alemão, ao eliminar a possibili<strong>da</strong>de de que<strong>da</strong> de<br />

um Gabinete sem que outro seja constituído, elimina muitos fatores de instabili<strong>da</strong>de,<br />

com vantagens notórias ao aperfeiçoamento do regime democrático. Konrad Hesse<br />

escreve um eluci<strong>da</strong>tivo parágrafo sobre a intenção do regime alemão, quando afirma<br />

que:<br />

133<br />

<strong>Democracia</strong> é, na estrutura constitucional <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn,<br />

forma de racionalização do processo político. Ela cria racionali<strong>da</strong>de pelo seu<br />

próprio procedimento de formação <strong>da</strong> vontade política e pela publici<strong>da</strong>de<br />

desse procedimento. O procedimento democrático de formação <strong>da</strong> vontade<br />

política conduz a uma mol<strong>da</strong>gem <strong>da</strong>s direções de vontade não-mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Ele<br />

possibilita decisão segundo regras firmes. Ele fun<strong>da</strong>menta responsabili<strong>da</strong>de e<br />

cria possibili<strong>da</strong>des de realizar essa responsabili<strong>da</strong>de. 210<br />

Outro exemplo de instituto que visa a criar condições de estabili<strong>da</strong>de<br />

governamental é o constante do artigo 49-3 <strong>da</strong> Constituição francesa.<br />

Mesmo que o Sistema de Governo francês adotado pela Constituição de 1958<br />

não possa ser classificado <strong>como</strong> puramente parlamentar, por ter elementos também do<br />

Presidencialismo, sem dúvi<strong>da</strong> contém os elementos fun<strong>da</strong>mentais caracterizadores do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

O citado dispositivo constitucional pode ser estu<strong>da</strong>do <strong>como</strong> um mecanismo<br />

estabilizador próprio do sistema francês, sobre o qual se escreverá mais adiante,<br />

quando <strong>da</strong> análise específica <strong>da</strong>quele sistema.<br />

210 - HESSE, Konrad. Op. Cit. p. 122.


Pelo citado artigo 49-3 <strong>da</strong> Constituição francesa, o Primeiro-Ministro pode<br />

empenhar a sua responsabili<strong>da</strong>de quando <strong>da</strong> votação de um texto que, nesse caso será<br />

considerado aprovado salvo se for aprova<strong>da</strong>, por maioria absoluta, moção de censura,<br />

apresenta<strong>da</strong> dentro de 24 (vinte e quatro) horas.<br />

Inverte-se, desta maneira, o ônus <strong>da</strong> rejeição do projeto, por não poder ser ele<br />

derrubado pela maioria ordinária. Caso queira, deste modo, rejeitar o projeto e<br />

questionar a responsabili<strong>da</strong>de do Primeiro-Ministro, deve o Parlamento formar uma<br />

“maioria positiva”, destina<strong>da</strong> a aprovar e não só uma “maioria negativa”, afeita a<br />

rejeitar.<br />

Através deste dispositivo, a Constituição francesa procurou dificultar a<br />

possibili<strong>da</strong>de de o Parlamento criar situações de instabili<strong>da</strong>de governamental,<br />

assegurando condições de permanência para vários governos, desde 1958.<br />

O referendo de 28 de outubro de 1962, instituindo a eleição do Chefe de<br />

Estado francês por sufrágio universal direto, é outro bom exemplo de racionalização<br />

do <strong>Parlamentarismo</strong>. Sobre isto, vale citar o que escreveu Karl Deutsch ao comentar<br />

que “a quinta República foi concebi<strong>da</strong> para evitar a fraqueza de suas predecessoras.<br />

Vastos poderes executivos foram <strong>da</strong>dos ao Presidente, não ao Primeiro-Ministro. O<br />

seu Presidente é forte e eleito diretamente pelo povo.” 211<br />

As eleições legislativas que se seguiram à implantação do sufrágio universal,<br />

direto e secreto para a escolha do Chefe de Estado, possibilitaram, pela primeira vez<br />

na França, o surgimento de uma maioria estável na Assembléia Nacional.<br />

211 - DEUTSCH, Karl. Op. Cit. p. 408.<br />

134


Assim, a premissa que traduzia a necessi<strong>da</strong>de de autonomia governamental<br />

perante o Parlamento tornou-se reali<strong>da</strong>de política. É <strong>como</strong> Javier Garcia Fernandez<br />

escreve, ao abor<strong>da</strong>r a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> francês. Ele diz que:<br />

135<br />

não obstante, é preciso mostrar mecanismos muito importantes que limitam a<br />

iniciativa política do Parlamento: obstáculos à moção de censura, predomínio<br />

governamental através <strong>da</strong> questão de confiança, obstáculos ao controle<br />

tributário, influência do Governo na organização dos debates, etc. A isto<br />

deve-se acrescentar a limitação <strong>da</strong> iniciativa legislativa, pois a Constituição<br />

estabeleceu uma estrita reserva, que entra também na capaci<strong>da</strong>de de<br />

regulamentação do Governo. 212<br />

O sistema <strong>da</strong> dupla confiança é suplantado pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de política que liga<br />

o Chefe de Estado, o Governo e a maioria na Assembléia Nacional.<br />

To<strong>da</strong>s estas modificações serviram de base à construção de uma <strong>Democracia</strong><br />

contemporânea estável na França.<br />

A Constituição francesa de 1958, com as modificações introduzi<strong>da</strong>s em 1962,<br />

serviu de modelo para outras duas constituições parlamentares européias; as de<br />

Portugal e <strong>da</strong> Grécia. A Constituição portuguesa de 1975, com suas revisões<br />

posteriores, instituiu um executivo dualista, segundo o modelo francês, com um<br />

Presidente eleito por sufrágio universal e um Primeiro-Ministro responsável perante a<br />

Assembléia Nacional.<br />

Mauro Volpi, em seu “Forma de Governo e Revisão <strong>da</strong> Constituição”, dedica<br />

um capítulo completo para discutir a V República Francesa, e a certa altura escreve<br />

que “sem dúvi<strong>da</strong>, o modelo estabelecido pela Constituição francesa de 1958, com as<br />

modificações introduzi<strong>da</strong>s em 1962, influenciou decisivamente muitos sistemas de<br />

212 - FERNANDEZ, Javier Garcia. Ciência política. Barcelona : Teide, 1984, p. 76.


governo em estados europeus, <strong>como</strong> Portugal, onde o semipresidencialismo é menos<br />

intenso no que diz respeito aos poderes do Chefe de Estado, mas tão democrático<br />

<strong>como</strong> o sistema francês.” 213<br />

Em sua versão de 1976, a Constituição portuguesa passou a conferir ao Chefe<br />

de Estado poderes mais importantes que aqueles <strong>da</strong> Constituição francesa, motivados<br />

por aspectos muito específicos do processo de transição democrática pelo qual passava<br />

Portugal naquele momento. Ele podia exonerar livremente o Primeiro-Ministro e<br />

dispunha do direito de veto em matéria legislativa, que só poderia ser derrubado em<br />

segun<strong>da</strong> votação, por maioria qualifica<strong>da</strong>.<br />

O texto constitucional e a prática conferiram ao <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong> português, inegavelmente, um caráter dualista, <strong>como</strong> já se registrou<br />

acima.<br />

A revisão constitucional de 1982, que democratizou definitivamente Portugal,<br />

reduziu os poderes do Presidente <strong>da</strong> República, e promoveu a racionalização definitiva<br />

do Sistema de Governo, garantindo, até agora, uma incontestável estabili<strong>da</strong>de<br />

democrática.<br />

213 - VOLPI, Mauro. Forma di governo e revisione della constituzione. Torino: G. Giappichelle, 1998, p. 91.<br />

136


5.3 - A RACIONALIZAÇÃO DO PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA<br />

DEMOCRACIA: ASPECTOS PRELIMINARES<br />

As liber<strong>da</strong>des públicas e o sufrágio universal foram os grandes propulsores<br />

para a transformação do liberalismo original em liberalismo democrático.<br />

A diferença entre um e outro conceito é importante, <strong>da</strong>do que foram<br />

necessários dois séculos para a evolução do sufrágio censitário para o sufrágio<br />

universal e, a partir <strong>da</strong>í, a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des públicas e <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong><br />

representativa. Mesmo assim, Badia mostra que “atualmente, só um terço dos Estados<br />

existentes no mundo - mais ou menos 190 - podem ser entendidos <strong>como</strong> democráticos e<br />

destes, quase a metade pratica a <strong>Democracia</strong> representativa.” 214<br />

O Parlamento é a instituição estatal que mostra de forma mais transparente as<br />

mu<strong>da</strong>nças havi<strong>da</strong>s no sistema político, se considerado o pluralismo eleitoral. O Estado<br />

Liberal e, depois <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, o Estado Democrático Social de Direito,<br />

ampliaram este pluralismo pela extensão dos direitos políticos à maioria dos ci<strong>da</strong>dãos.<br />

Com isto, também foram alarga<strong>da</strong>s as áreas de atuação do Governo que,<br />

gra<strong>da</strong>tivamente, passou a buscar de forma obstina<strong>da</strong> três aspectos: estabili<strong>da</strong>de,<br />

eficácia e democratici<strong>da</strong>de.<br />

É <strong>como</strong> escreveu Kelsen, referindo-se à racionalização do sistema parlamentar,<br />

quando ensinou que “o parlamentarismo pode ser corrigido, seja para aumentar a sua<br />

democratici<strong>da</strong>de (ou seja, maior liber<strong>da</strong>de dos ci<strong>da</strong>dãos; por exemplo, com o<br />

214 - BADIA, Miguel Carminal et alii. Op. Cit. p. 383.<br />

137


eferendo ou com as várias formas de iniciativa legislativa popular), seja para<br />

diminuí-la (princípio <strong>da</strong>s maiorias qualifica<strong>da</strong>s, sistemas eleitorais majoritários, etc.),<br />

mas não pode ser eliminado.” 215<br />

Os partidos políticos tornam-se os novos centros de poder <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong><br />

representativa, promovendo uma estreita relação entre a socie<strong>da</strong>de civil e o Estado,<br />

representados, <strong>como</strong> afirma Badia, “pelos atores políticos que atuam no cenário <strong>da</strong>s<br />

instituições estatais e em suas administrações.” 216<br />

Os velhos poderes do Estado Liberal, o Poder Executivo e o Poder legislativo<br />

foram transformados em duas instituições do Estado Democrático, com o Governo e o<br />

Parlamento operando <strong>como</strong> resultado <strong>da</strong> atuação dos partidos políticos.<br />

Os parlamentos liberais se apresentavam <strong>como</strong> a representação dos interesses<br />

gerais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, mas na reali<strong>da</strong>de representavam os setores mais abastados do<br />

conjunto social. Apesar <strong>da</strong>s diferenças políticas, eram órgãos homogêneos e atuavam,<br />

invariavelmente, na defesa dos interesses <strong>da</strong> burguesia dominante.<br />

Já os parlamentos democráticos contemporâneos passaram a ser muito mais<br />

representativos, porque nenhum segmento social estaria excluído, desde que detentor<br />

de coesão e organização para eleger seus representantes.<br />

A representativi<strong>da</strong>de e o pluralismo são duas características democráticas dos<br />

parlamentos contemporâneos, o que conduziu ao chamado <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong>.<br />

215 - KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 13.<br />

216 - BADIA, Miguel Carminal et alii. Op. Cit. p. 384.<br />

138


O <strong>Parlamentarismo</strong> foi objeto de um intenso debate durante as três primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s do século XX, ante a disputa entre a <strong>Democracia</strong> e o autoritarismo,<br />

principalmente em países <strong>como</strong> Alemanha, Itália e França.<br />

Carl Schmitt destacou a contradição básica <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> parlamentar em<br />

relação ao liberalismo: “enquanto no liberalismo a desigual<strong>da</strong>de econômica era liga<strong>da</strong><br />

à desigual<strong>da</strong>de política, na democracia a igual<strong>da</strong>de, ou homogenei<strong>da</strong>de política se<br />

contrapõe às desigual<strong>da</strong>des econômicas.” 217<br />

A crítica do pensador alemão deve ser contextualiza<strong>da</strong> historicamente na<br />

República de Weimar, nos anos vinte, marca<strong>da</strong> pelas conseqüências <strong>da</strong> Primeira<br />

Guerra Mundial, pela revolução Russa de 1917 e pela profun<strong>da</strong> crise econômica e<br />

social de então.<br />

Hans Kelsen, por sua vez, teceu críticas pesa<strong>da</strong>s a Carl Schmitt, quando este<br />

construiu um modelo ideal para contrastar com a reali<strong>da</strong>de, <strong>como</strong> escreve Garcia<br />

Pelayo. Considerando que a democracia direta não era possível nos estados modernos,<br />

a crítica à <strong>Democracia</strong> parlamentar implicava num aval para as soluções anti-<br />

parlamentares e autoritárias. Era preciso, assim, defender a única <strong>Democracia</strong> possível,<br />

que era a <strong>Democracia</strong> parlamentar, entendi<strong>da</strong> pelo jurista austríaco <strong>como</strong> “a formação<br />

<strong>da</strong> vontade decisiva do Estado por meio de um órgão colegiado, eleito pelo povo em<br />

função do direito do sufrágio universal e igual, e atuando com base no princípio <strong>da</strong><br />

maioria.” 218<br />

Depois <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, com a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> de<br />

217 - SCHMITT, Carl. A crise <strong>da</strong> democracia parlamentar. São Paulo: Scritta, 1996, p. 47.<br />

218 - PELAYO, Manuel Garcia. Derecho constitucional comparado. Madrid: Alianza, 1984, p. 214.<br />

139


partidos, os sistemas parlamentares de Governo, e o próprio Estado de Bem Estar se<br />

estabilizaram.<br />

A estabili<strong>da</strong>de se deve, por uma lado, pela sedimentação e consenso sobre o<br />

Estado Contemporâneo de intervenção econômica e social e, por outro, pela<br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>como</strong> sistema de Governo. A integração <strong>da</strong> maioria<br />

dos partidos representados no Parlamento, assim <strong>como</strong> <strong>da</strong>s forças econômica e sociais,<br />

no sistema político e econômico do Estado democrático e social de direito constituiu a<br />

base principal <strong>da</strong> estabilização do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>como</strong> Governo democrático.<br />

A partir <strong>da</strong>í, a <strong>Democracia</strong> do Estado Contemporâneo foi, ca<strong>da</strong> vez mais,<br />

condiciona<strong>da</strong> a aspectos de “racionalização” do modelo parlamentar de Governo.<br />

Requejo anota que algumas medi<strong>da</strong>s destina<strong>da</strong>s a racionalizar a <strong>Democracia</strong><br />

parlamentar foram toma<strong>da</strong>s para assegurar o seu funcionamento eficaz. São elas:<br />

140<br />

a) a constituição de grupos parlamentares com disciplina de voto e que<br />

dependem de acordos que estabelecem os órgãos de direção partidária ou as<br />

principais figuras do partido político; e b) a garantia de estabili<strong>da</strong>de<br />

institucional do sistema político ao fixar mecanismos compensadores ante<br />

aquelas composições do parlamento que sejam demasiado pulveriza<strong>da</strong>s. Os<br />

sistemas eleitorais que favorecem os partidos majoritários e evitam um<br />

excessivo fracionamento do parlamento, a eleição de um presidente <strong>da</strong><br />

república com prerrogativas políticas ou a adoção de medi<strong>da</strong>s constitucionais<br />

que facilitem a eleição e dificultem a demissão do Presidente do Governo são<br />

exemplos desta necessi<strong>da</strong>de de fazer compatível a representação com a<br />

estabili<strong>da</strong>de institucional e seu eficaz funcionamento. 219<br />

No <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, a representação parlamentar está<br />

submeti<strong>da</strong> a mecanismos “racionalizadores” que funcionam no sentido de garantir a<br />

continui<strong>da</strong>de do Estado democrático de Direito. Basta verificar o que escreve Konrad<br />

Hesse ao tratar <strong>da</strong> função legislativa do Parlamento na Alemanha, quando assinala que<br />

219 - REQUEJO, Ferran. O estado democrático e social. Madrid: Tecnos, 1995, p. 179.


a “legislação, to<strong>da</strong>via, não se esgota nisto, que seja decidido e que seja decidido em<br />

legitimação democrática e de modo democrático. Trata-se, ademais, de por o decidido<br />

em forma clara, determina<strong>da</strong> e visível e assegurar a ele duração e obrigatorie<strong>da</strong>de -<br />

relativa - efetuar aquela racionalização, estabilização e alívio, que caracteriza a<br />

ordem estatal-jurídica <strong>da</strong> lei Fun<strong>da</strong>mental.” 220<br />

A <strong>Democracia</strong> enceta<strong>da</strong> no Estado Contemporâneo perdeu sua característica de<br />

concentração no Parlamento <strong>como</strong> fonte única de representação <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de.<br />

É <strong>como</strong> mostra Maurice Duverger, ao escrever sobre o Semipresidencialismo<br />

que, <strong>como</strong> já se destacou, é um tipo de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>. O autor<br />

francês assinala que:<br />

141<br />

o termo `semipresidencialista’ define bem um regime no qual o chefe de<br />

Estado tem apenas uma parte <strong>da</strong>s prerrogativas de seu homólogo americano.<br />

Embora tenha sido eleito, <strong>como</strong> o outro, por sufrágio universal, não possui a<br />

totali<strong>da</strong>de do poder executivo, do qual o essencial fica nas mãos do primeiroministro<br />

e sua equipe, que dirigem normalmente a política <strong>da</strong> nação de acordo<br />

com um parlamento que pode destituí-los. O presidente dispõe de poderes de<br />

regulamentação, de pressão e até de substituição. Mas não pode conservar o<br />

governo e seu chefe, a menos que a Assembléia Nacional concorde. Depois de<br />

um voto de desconfiança ou de censura, ele precisa formar um novo<br />

ministério, a não ser que ele determinine a dissolução. Nesse caso deverá, de<br />

qualquer maneira, inclinar-se diante <strong>da</strong> vontade <strong>da</strong> nova câmara. Ele tem no<br />

máximo alguns meios de pressionar as decisões do primeiro-ministro e de seus<br />

colaboradores, ou até de suprimí-los excepcionalmente, mas não pode agir de<br />

forma permanente em lugar deles, ou de fazê-los simples executores de sua<br />

política. Esse é, pelo menos, o esquema jurídico do sistema<br />

semipresidencialista. 221<br />

No final <strong>da</strong> citação anterior, Duverger, provavelmente, quis dizer que, na<br />

prática, em alguns casos, o Chefe de Estado intervém além <strong>da</strong>quilo que a Constituição<br />

prevê. A <strong>Democracia</strong> não segue um padrão estático em todos os países que possuem<br />

220 - HESSE, Konrad. Op. Cit. p. 383.<br />

221 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 25.


um sistema parlamentar racionalizado. Diante desta constatação e <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de em<br />

positivar com celeri<strong>da</strong>de normas para a a<strong>da</strong>ptação frente às situações inusita<strong>da</strong>s, quem<br />

arbitra, baseado na conjuntura, é o Chefe de Estado. Mesmo, em alguns casos, fora <strong>da</strong><br />

Constituição.<br />

O mesmo Duverger, ain<strong>da</strong> nesta obra sua intitula<strong>da</strong> “O Semipresidencialismo”<br />

volta a abor<strong>da</strong>r esta forma de <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, ensinando que:<br />

142<br />

<strong>como</strong> seu nome indica, o regime semi-presidencial é intermediário entre o<br />

parlamentarismo europeu e o presidencialismo americano. A direção efetiva<br />

do governo é reparti<strong>da</strong> entre dois personagens: o Primeiro Ministro, que os<br />

deputados podem obrigar a se demitir, <strong>como</strong> no regime parlamentar; o<br />

Presidente eleito em sufrágio universal <strong>como</strong> no regime presidencialista.<br />

Sendo escolhido diretamente pelo povo, este último não está reduzido a um<br />

papel puramente honorífico de um chefe de Estado parlamentar. É necessário<br />

ain<strong>da</strong> que a Constituição lhe reconheça poderes reais e que ele os possa<br />

exercer. 222<br />

Atualmente, no Estado Contemporâneo democrático, muitos grupos atuam com<br />

decisiva intervenção e/ou influência nas suas ações. O poder econômico, junto com<br />

outros poderes organizados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil são forças que devem ser considera<strong>da</strong>s,<br />

sob pena <strong>da</strong> derroca<strong>da</strong> do esquema político que está no poder naquele momento. Com a<br />

globalização, isto ficou ain<strong>da</strong> mais visível, <strong>como</strong> assinala José Eduardo Faria, quando<br />

analisa a crise do Estado nacional, ao escrever que:<br />

por um lado, o Estado já não pode mais almejar regular a socie<strong>da</strong>de civil<br />

nacional por meio de seus instrumentos jurídicos tradicionais, <strong>da</strong><strong>da</strong> sua<br />

crescente redução de seu poder de intervenção, controle, direção e indução.<br />

Por outro lado, ele é obrigado a compartilhar sua soberania com outras<br />

forças que transcendem o nível nacional. Ao promulgar suas leis, portanto, o<br />

Estados nacionais acabam sendo obrigados a levar em conta o contexto<br />

econômico-financeiro internacional, para saber o que podem regular e quais<br />

de suas normas serão efetivamente respeita<strong>da</strong>s. 223<br />

222 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 193.<br />

223 - FARIA, José Eduardo et alii. Op. Cit. p. 11.


A estabili<strong>da</strong>de democrática e institucional demonstra<strong>da</strong> por países do ocidente<br />

europeu, principalmente aqueles que serão objeto de estudo nesta Tese - e<br />

instabili<strong>da</strong>de de outros, que se valem de sistemas de Governo distintos do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> -, refletem a importância de se determinar, com<br />

precisão, os instrumentos utilizados para a consecução deste objetivo tão almejado por<br />

quase to<strong>da</strong>s as nações. É <strong>como</strong> assinala Bonavides, ao escrever que:<br />

143<br />

cumpre-se, pois, um esforço de racionalização nas aplicações práticas do<br />

parlamentarismo ocidental, a fim de fazer <strong>da</strong>quele poder que emana<br />

exclusivamente do povo, ain<strong>da</strong> que o seja apenas de modo nominal, em<br />

algumas democracias impuras, um poder efetivamente capaz de restituir aos<br />

mecanismos de governo o rompido equilíbrio do executivo e do legislativo. 224<br />

E é também o que pretende mostrar Paulino Jacques, ao assinalar o caráter de<br />

a<strong>da</strong>ptação do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado. Referindo-se à mu<strong>da</strong>nça havi<strong>da</strong> na<br />

França, na déca<strong>da</strong> de 80, ele leciona que:<br />

em <strong>da</strong>ta de 10 de maio de 1981, foi eleito Presidente <strong>da</strong> República francesa o<br />

líder socialista François Mitterrand, por voto direto do povo, vencendo o<br />

Presidente conservador Valery Giscard d’Estaing, por longa margem de<br />

sufrágios. O Presidente vitorioso incluiu em seu programa de Governo a<br />

`nacionalização dos bancos e <strong>da</strong> grande indústria’, peculiar ao Estado<br />

socialista. De acordo com o regime vigente na França, o Presidente<br />

certamente dissolverá a Câmara dos Deputados e convocará novas eleições, a<br />

fim de realizar a referi<strong>da</strong> reforma econômico-financeira, com apoio <strong>da</strong><br />

Câmara, que representa o povo - sem violências ou derramamento de sangue.<br />

Eis a excelência do governo parlamentar. 225<br />

A lição de Paulino Jacques, registra<strong>da</strong> no parágrafo anterior, mostra que o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> francês, por exemplo, soube responder muito bem às<br />

mu<strong>da</strong>nças na orientação ideológica de Governo naquela ocasião, sem que houvesse<br />

224 - BONAVIDES, Paulo. Op. Cit p. 137.<br />

225 - JACQUES, Paulino. O governo parlamentar e a crise brasileira. Brasília: UNB, 1982, p. 26.


qualquer questionamento quanto à manutenção do regime democrático.<br />

Também Mauro Volpi faz uma interessante declaração sobre a importância do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado para a consoli<strong>da</strong>ção democrática na França <strong>da</strong> V<br />

República, escrevendo que:<br />

144<br />

um dos exemplos mais claros <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação do sistema parlamentar francês à<br />

democracia é a coabitação. Mesmo com a evidente proeminência do Chefe de<br />

Estado, há ocasiões em que o poder de decisão, necessariamente, deve ser<br />

repartido entre o Presidente e o Primeiro Ministro de forma equilibra<strong>da</strong>, sob<br />

pena de a socie<strong>da</strong>de se insurgir, de diversas formas, contra a situação<br />

política. 226<br />

Mais uma vez, e isto estará registrado ao longo desta Tese, deve-se ressaltar<br />

que não há modelos acabados nem possíveis de serem copiados de um Estado para<br />

outro. E tampouco há fórmulas jurídicas infalíveis ou que, por si só, possam resolver<br />

os problemas relativos ao Governo e sua conexão com os preceitos democráticos.<br />

Há, sabe-se, exemplos. Estes serão mostrados durante o desenvolvimento do<br />

presente trabalho. Mas, absolutamente, não são soluções para aplicação pura e simples<br />

em outras reali<strong>da</strong>des culturais, econômicas e sociais. É <strong>como</strong> escreve Jorge Miran<strong>da</strong>:<br />

“Não bastam as fórmulas constitucionais, por melhores que sejam, para prevenir ou<br />

resolver os problemas políticos - e isto deve ser, para os juristas, suficiente convite à<br />

humil<strong>da</strong>de.” 227<br />

Os três próximos capítulos serão dedicados ao <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong><br />

<strong>da</strong> França, Portugal e Alemanha, no sentido de se descrever os seus sistemas de<br />

Governo e sua vinculação com a <strong>Democracia</strong>.<br />

226 - VOLPI, Mauro. Op. Cit. p. 96.<br />

227 - MIRANDA, Jorge. Id. Ibid. p. 208.


PARTE III - A RACIONALIZAÇÃO DO PARLAMENTARISMO E<br />

DEMOCRACIA EM TRÊS CASOS: FRANÇA, PORTUGAL E<br />

ALEMANHA<br />

Esta terceira parte, forma<strong>da</strong> por três capítulos, um para ca<strong>da</strong> sistema<br />

escolhido, destina-se a detalhar a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> e indicar os seus<br />

vínculos com a <strong>Democracia</strong>.<br />

O sistema francês será analisado a partir <strong>da</strong> Constituição de 1958, instituidora<br />

<strong>da</strong> V República, com as modificações havi<strong>da</strong>s em 1962.<br />

O sistema de Governo de Portugal e sua vinculação com a <strong>Democracia</strong> será<br />

estu<strong>da</strong>do a partir do movimento revolucionário de 1974, mas com ênfase ao modelo<br />

surgido <strong>da</strong> revisão de 1982.<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> de segurança alemão e sua conexão com a <strong>Democracia</strong> será<br />

objeto de estudo desde sua gênese, em 1949, com a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, até a<br />

unificação <strong>da</strong>s duas alemanhas.<br />

A pesquisa relata<strong>da</strong> a seguir é fruto de uma tarefa de descrição detalha<strong>da</strong> dos<br />

três sistemas, destina<strong>da</strong> a ressaltar as ações racionalizadoras e suas justificativas, o que<br />

explica a razoável quanti<strong>da</strong>de de informações que serão mostra<strong>da</strong>s no decorrer dos<br />

próximos capítulos.<br />

Apesar de descritivo, o estudo também teve <strong>como</strong> objetivo a seleção de<br />

impressões que iniciam a conexão entre o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> e a<br />

<strong>Democracia</strong>.


CAPÍTULO VI - O PARLAMENTARISMO FRANCÊS:<br />

RACIONALIZAÇÃO EXTREMA E DEMOCRACIA<br />

O atual sistema político - e por via de conseqüência, o de Governo - francês<br />

foi iniciado com a passagem <strong>da</strong> IVª para a Vª República, que ocorreu sem traumas ou<br />

convulsões sociais, mas conforme as regras constitucionais vigentes na época.<br />

A primeiro de junho de 1958, o General De Gaulle recebeu <strong>da</strong> última<br />

Assembléia Nacional <strong>da</strong> IVª República o poder necessário para elaborar uma nova<br />

Constituição. Nela, De Gaulle, com a liderança obti<strong>da</strong> durante a resistência francesa ao<br />

nazismo, influiu de forma decisiva para o reforço <strong>da</strong>s funções do Poder Executivo, a<br />

racionalização <strong>da</strong>s funções do Parlamento e para o início <strong>da</strong> implantação de um<br />

modelo de <strong>Democracia</strong> que seria consoli<strong>da</strong>do nas duas déca<strong>da</strong>s seguintes.<br />

Seguindo um procedimento peculiar francês, o projeto de Constituição foi<br />

aprovado pelo Conselho de Ministros, com parecer prévio favorável do Comitê<br />

Consultivo Constitucional e do Conselho de Estado e submetido a referendo popular<br />

em 28 de setembro de 1958, tendo sido promulga<strong>da</strong> a nova Constituição em 4 de<br />

outubro do mesmo ano.<br />

Note-se que o uso do referendo <strong>como</strong> instrumento de consulta popular, já<br />

indicava a opção inequívoca por processos democráticos de consulta direta à<br />

Socie<strong>da</strong>de.<br />

Esta mesma Constituição <strong>da</strong> Vª República sofreu várias modificações até


agora, mas a mais importante delas foi a de 1962, com uma emen<strong>da</strong> que transformou a<br />

eleição do Presidente <strong>da</strong> República - até então realiza<strong>da</strong> por um Colégio de Notáveis -<br />

em eleição direta, secreta e universal, o que deu ao Chefe de Estado a legitimi<strong>da</strong>de<br />

própria dos representantes escolhidos pelo povo. Naquele momento, a racionalização<br />

do sistema francês ganhou corpo e passou a ter um outro centro de legitimi<strong>da</strong>de<br />

democrática: o Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Marcello Caetano, ao tratar do processo histórico-constitucional na França, fez<br />

uma interessante observação sobre as razões que levaram o Presidente De Gaulle a<br />

propor as alterações de 1962, quando escreveu que “a eleição direta foi justifica<strong>da</strong><br />

pelo próprio Presidente De Gaulle <strong>como</strong> solução necessária para evitar o ` retorno do<br />

desgraçado regime dos partidos ´ (alocução de 18 de outubro de 1962) e visa o<br />

reforço <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do Chefe de Estado.” 228<br />

A racionalização do sistema parlamentar francês reforçou o poder do<br />

Executivo, concentrando parte dele nas mãos do Chefe de Estado, colocando-o no<br />

mesmo nível do Parlamento e dos partidos políticos, por conta de acontecimentos<br />

muito peculiares à França, principalmente os ligados à resistência aos nazistas durante<br />

a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

Entretanto, para conservar essa situação privilegia<strong>da</strong>, os presidentes franceses<br />

- mormente após De Gaulle - passaram a necessitar de maioria eleitoral e parlamentar,<br />

excluindo a possibili<strong>da</strong>de de qualquer tipo de manifestação de per<strong>da</strong> de confiança <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de.<br />

228 - CAETANO, Marcello. Op. Cit. p. 116.<br />

147


Pela peculiari<strong>da</strong>de do sistema francês, a demissão do Primeiro-Ministro,<br />

quando aliado do Chefe de Estado ou a derrota em um referendo, pressupõe também a<br />

per<strong>da</strong> <strong>da</strong> confiança no Presidente <strong>da</strong> República já que, mesmo não sendo sua obrigação<br />

constitucional, numa situação assim, seu sentido de autori<strong>da</strong>de quase que o obriga à<br />

demissão (<strong>como</strong> fez De Gaulle em 1968, quando pôs seu cargo em jogo devido ao<br />

referendo de 1969).<br />

Os mais entusiasmados com o modelo francês, <strong>como</strong> Manoel Gonçalves<br />

Ferreira Filho 229 e Garcia Pelayo 230 , entendem que o equilíbrio entre as instituições<br />

democráticas <strong>da</strong>quele país, atualmente, chegam a requintes de perfeição. Apesar de<br />

exagera<strong>da</strong>, esta posição reflete muito bem a <strong>Democracia</strong>, em seu melhor sentido, sendo<br />

sustenta<strong>da</strong> pela racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

O sistema francês <strong>da</strong> Vª República, apesar de ter sido qualificado por<br />

Loewenstein <strong>como</strong> “neo-presidencialista” 231 e de não ter coincidência com o sistema<br />

parlamentarista clássico, <strong>como</strong> desejou De Gaulle, possui os traços fun<strong>da</strong>mentais desse<br />

sistema, o que permite dizer que o mesmo possui, se não todos os mecanismos<br />

caracterizadores, mas a matriz do sistema parlamentarista, presente em algumas de<br />

suas instituições e na sua forma de funcionamento, numa posição um pouco diferente<br />

<strong>da</strong>quela de Fernandes, que ao ensinar sobre o Sistema de Governo francês escreve que<br />

“trata-se de um sistema de governo semi-presidencialista, intermédio entre o<br />

parlamentarismo <strong>da</strong> Europa Ocidental e o presidencialismo dos Estados Unidos <strong>da</strong><br />

229<br />

- Além de uma descrição meramente científica, o autor, em pontos específicos, deixa transparecer sua admiração pela<br />

estabili<strong>da</strong>de consegui<strong>da</strong> com o sistema adotado pela V República, principalmente em seu “O <strong>Parlamentarismo</strong>”, bastante<br />

citado neste trabalho.<br />

230<br />

- Garcia Pelayo, em seu “Derecho Constitucional Comparado” também deixa evidente seu entusiasmo com a estabili<strong>da</strong>de<br />

do modelo francês.<br />

231<br />

- LOEWENSTEIN, Karl. Op. Cit. p. 98.<br />

148


América, e diferente dos sistemas que vigoraram em França até essa <strong>da</strong>ta. A sua<br />

estruturação colheu ensinamentos dos sistemas anteriores.” 232<br />

Darcy Azambuja, por seu turno, trouxe uma importante observação, citando o<br />

sistemas francês, ao ensinar que:<br />

149<br />

desde que o Ministério ou Gabinete tenha direito a imprimir uma orientação<br />

própria aos negócios públicos, o parlamentarismo existe. Não será mais o<br />

parlamentarismo clássico, mas uma forma que evoluiu no sentido <strong>da</strong><br />

supremacia do Parlamento, muito semelhante ao parlamentarismo francês,<br />

onde a dissolução <strong>da</strong> Câmara não era mais pratica<strong>da</strong>, e muito diversa do<br />

inglês, no qual, ao contrário do que muitos supõem, a supremacia cabe ao<br />

Gabinete. 233<br />

Vale acrescentar, ain<strong>da</strong> nesta parte introdutória do sistema francês, que o<br />

Governo concebido para a Vª República, principalmente após 1962, é caracterizado<br />

por sua duali<strong>da</strong>de de comando. Quando reunido em Conselho de Ministros para<br />

decisões políticas mais relevantes, o Governo <strong>da</strong> França é exercido pelo Presidente <strong>da</strong><br />

República, que o preside. Já, quando reunido em Gabinete, para as decisões<br />

administrativas menos importantes, quem preside o Governo francês é o Primeiro-<br />

Ministro. Essa “bicefalia” é a marca registra<strong>da</strong> do sistema de Governo na França, <strong>como</strong><br />

poderá ser observado mais adiante.<br />

Como acordo semântico para esta Tese, vamos adotar a designação<br />

“Presidencialismo Parlamentarizado” 234 , utiliza<strong>da</strong> por Clóvis Goulart, para identificar<br />

tecnicamente o Sistema de Governo Francês.<br />

232<br />

- FERNANDES, António José. Os sistemas político-constitucionais francês e alemão - análise comparativa. Braga:<br />

Uminho, 1985, p. 15.<br />

233<br />

- AZAMBUJA, Darcy. Op. Cit. p. 309.<br />

234<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. Op. Cit. p. 146.


6.1 - A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE GOVERNO DA Vª REPÚBLICA<br />

A Constituição de 1958 nasceu com o objetivo de pôr fim ao<br />

“<strong>Parlamentarismo</strong> absoluto”, ou seja, o sistema de Assembléia <strong>da</strong> IVª República que,<br />

inevitavelmente, gerava confusões que beneficiavam o Parlamento e de consagrar um<br />

sistema parlamentarista dualista, para garantir a estabili<strong>da</strong>de política e democrática <strong>da</strong><br />

França de De Gaulle.<br />

Os Constituintes de 1958 adotaram uma concepção inicial de separação<br />

funcional de poderes, estabelecendo a necessi<strong>da</strong>de de uma colaboração orgânica,<br />

entendido por muitos autores <strong>como</strong> “um sistema parlamentarista muito<br />

racionalizado.” 235<br />

O objetivo principal <strong>da</strong> Constituição instituidora <strong>da</strong> Vª República foi o de<br />

garantir a estabili<strong>da</strong>de democrática do Governo mediante uma série de princípios, que<br />

estão elencados a seguir:<br />

1º - O Governo não deriva somente do Parlamento, mas também do Presidente<br />

<strong>da</strong> República, que o escolhe e nomeia, sem qualquer proposta de ação governamental<br />

previamente aprova<strong>da</strong> por aquele. Ao separar a formação do Governo <strong>da</strong> vontade do<br />

Parlamento, a política governamental deixou de ser defini<strong>da</strong> por blocos parlamentares<br />

corporativos, tão comuns na IIIª e IVª Repúblicas;<br />

2º - Uma vez nomeado, o Governo passa a existir oficialmente, sem<br />

235 - AMARES, Jorge. Ciência política. Barcelona: Sanes, 1991, p. 78.<br />

150


necessi<strong>da</strong>de, <strong>como</strong> assinalado acima, de qualquer exigência de confiança <strong>da</strong><br />

Assembléia Nacional;<br />

3º - A Assembléia Nacional pode exigir a responsabili<strong>da</strong>de política do<br />

Governo, porém essa exigência deve ser efetiva<strong>da</strong> por meio de uma Moção de Censura<br />

cui<strong>da</strong>dosamente elabora<strong>da</strong>;<br />

4º - A supremacia do Poder Executivo e, em seu centro, o Chefe de Estado ou<br />

o Presidente <strong>da</strong> República;<br />

5º - É o Governo e não o Parlamento quem define e orienta a política nacional.<br />

A Constituição francesa de 1958 é, principalmente, um produto <strong>da</strong>s<br />

concepções ditas “gaullistas” do poder, ou seja, para a separação e o equilíbrio entre os<br />

poderes do Estado é preciso colocar em seu comando um ver<strong>da</strong>deiro árbitro, que possa<br />

dispor de meios constitucionais suficientes para convocar a população em caso de crise<br />

ou obstrução política ao Governo.<br />

Marcel Pacaut, ao analisar o sistema político francês, facilita a compreensão<br />

dos objetivos e o perfil do Governo <strong>da</strong> Vª República, ensinando que:<br />

151<br />

a Constituição de 1958, embora seja uma constituição do tipo parlamentar,<br />

caracteriza-se pela restrição dos poderes do Parlamento, tanto do ponto de<br />

vista legislativo <strong>como</strong> no que respeita à sua função de controle do Executivo,<br />

e correlativamente pela extensão dos poderes do Presidente <strong>da</strong> República, que<br />

dispõe não somente <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de total de dissolução do Parlamento, <strong>como</strong><br />

também <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de recorrer ao Referendo e ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de<br />

suspender as disposições constitucionais. 236<br />

A renovação do <strong>Parlamentarismo</strong> francês passou, fun<strong>da</strong>mentalmente, pela<br />

236 - PACAUT, Marcel. El mundo contemporâneo - 1945-1975. Trad. Miguel Eradis, Madrid: Eceres, 1976, p. 236.


evisão do papel do Chefe de Estado, que veio a ter uma posição privilegia<strong>da</strong> em<br />

relação ao Governo e ao Parlamento.<br />

Michel Canterrant conta, em uma de suas obras, uma anedota atribuí<strong>da</strong> ao<br />

Presidente De Gaulle. Escreveu ele:<br />

República.<br />

“- O que estou tratando de fazer é uma síntese entre a Monarquia e a<br />

- Uma República Monárquica ? pergunta seu interlocutor.<br />

- Digamos que seja uma Monarquia Republicana, respondeu o General.” 237<br />

Assim, desde suas origens, o Presidente <strong>da</strong> República é o principal detentor do<br />

poder na Vª República. Esta proeminência é encontra<strong>da</strong> não só nos objetivos dos<br />

Constituintes de 1958, mas também no exercício político desde a entra<strong>da</strong> em vigor<br />

desta Constituição.<br />

Está claro que o General De Gaulle pretendeu restabelecer a pari<strong>da</strong>de<br />

democrática entre o Poder Executivo e o Legislativo, tornando o primeiro, em grande<br />

parte, independente do segundo. Foi o Presidente <strong>da</strong> República quem passou a garantir<br />

esta independência, a qual ficou definitivamente consagra<strong>da</strong> na reforma constitucional<br />

de 1962, que deu ao Chefe de Estado a legitimi<strong>da</strong>de democrática necessária - pela via<br />

<strong>da</strong> eleição direta, pois até então era eleito por um Colégio Eleitoral - e um caráter<br />

altamente representativo.<br />

A mu<strong>da</strong>nça ocorri<strong>da</strong> em 1962 democratizou o sistema francês, que estava<br />

237 - CANTERRANT, Michel. La V República de Francia. Trad. Carlos Penet, Madrid: CEC, 1987, p. 107.<br />

152


ain<strong>da</strong> sob certa influência <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “ditadura do Parlamento”, que desvirtuava o<br />

regime, a exemplo do que aconteceu com muito mais intensi<strong>da</strong>de durante a IVª<br />

República, produzindo segui<strong>da</strong>s crises que poderiam ameaçar a <strong>Democracia</strong> no país<br />

através <strong>da</strong> fragilização do Governo.<br />

Maurice Duverger, ao comparar os sistemas político-constitucionais <strong>da</strong> França<br />

e Alemanha, realça o caráter prevalente do Chefe de Estado francês, ao escrever que:<br />

153<br />

de fato, a revisão de 1962 modificou profun<strong>da</strong>mente o sistema estabelecido em<br />

1958. Em aparência, modificou somente o sistema de designação do<br />

Presidente <strong>da</strong> República, desde então eleito por sufrágio universal e direto em<br />

vez de ser designado por um colégio de cerca de 82. 000 notáveis,<br />

majoritariamente rurais. Na reali<strong>da</strong>de, esta eleição por sufrágio universal<br />

atribui ao Presidente uma influência nova. Ele já não é um Chefe de Estado<br />

parlamentar, sem prestígio, nem poderes, mas sim o Chefe supremo do<br />

Governo, exercendo efetivamente as funções que a Constituição lhe<br />

reconhece, em vez de ser o seu titular nominal. 238<br />

O caráter proeminente do Presidente <strong>da</strong> República vem sendo confirmado por<br />

aqueles que sucederam De Gaulle. François Mitterrand, por exemplo, conforme<br />

apontam alguns autores, enquanto esteve na oposição denunciou incisivamente os<br />

excessos de poder atribuídos ao Chefe de Estado, mas quando esteve exercendo esta<br />

função nunca preocupou-se em alterar essa situação.<br />

Também Fernandes assinala essa mu<strong>da</strong>nça no sistema francês depois <strong>da</strong><br />

revisão de 1962, escrevendo que:<br />

o centro <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política francesa, de acordo com as disposições <strong>da</strong><br />

Constituição e particularmente depois <strong>da</strong> revisão de 1962, é pois o Presidente<br />

<strong>da</strong> República. Eleito por sete anos por sufrágio universal e direto, o<br />

Presidente <strong>da</strong> República é o árbitro do funcionamento regular dos poderes<br />

públicos e o garante <strong>da</strong> constituição e <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de e integri<strong>da</strong>de do<br />

Estado. Compete-lhe não só a nomeação do Primeiro-Ministro e, sob proposta<br />

238 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 118.


154<br />

deste, dos restantes membros do Governo, <strong>como</strong> a presidência do Conselho de<br />

Ministros, a promulgação <strong>da</strong>s leis e a utilização do direito de veto suspensivo,<br />

a assinatura dos regulamentos e dos decretos deliberados em Conselho de<br />

Ministros, a dissolução <strong>da</strong> Assembléia Nacional, a representação externa, a<br />

chefia <strong>da</strong>s forças arma<strong>da</strong>s e as nomeações dos cargos civis e militares do<br />

Estado, o exercício do direito de clemência, e tem ain<strong>da</strong>, em circunstâncias de<br />

particular gravi<strong>da</strong>de e depois de ouvidos o Primeiro-Ministro e os Presidentes<br />

<strong>da</strong>s Assembléias e do Conselho Constitucional, a facul<strong>da</strong>de de assumir<br />

poderes excepcionais. 239<br />

Vale, inclusive, registrar que, enquanto a pesquisa para este trabalho estava<br />

sendo feita, na Universi<strong>da</strong>de do Minho, em Portugal, o Presidente <strong>da</strong> França, Jacques<br />

Chirac, dissolveu o Parlamento, convocando eleições parlamentares para o mês de<br />

junho de 1997, com o fim de conseguir nova base de apoio para medi<strong>da</strong>s duras de<br />

contenção de imigração e ajustes econômicos de perfil neo-liberal, com isso<br />

atendendo, em parte, à pressão dos nacionalistas de direita de Jean Marie Le Pen, que<br />

na ocasião tinham crescente apoio <strong>da</strong> opinião pública francesa.<br />

6.1.1 - O Presidente <strong>da</strong> República<br />

um Presidente.<br />

Na França, se diz que a IVª República foi uma Assembléia e a Vª República é<br />

Todos estes poderes <strong>da</strong>dos ao Presidente <strong>da</strong> França permitiram a De Gaulle<br />

imprimir durante dez anos uma política de controle institucional, de submissão dos<br />

partidos políticos, subjugados pelo chamado partido “gaullista” - uma união de várias<br />

tendências que tinha maioria na Assembléia Nacional - e de restauração do prestígio<br />

239 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 37.


do Poder Executivo, “racionalizando” de forma radical o <strong>Parlamentarismo</strong> francês que,<br />

durante a IVª República - época de muita influência <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> francesa - caminhou,<br />

na prática, para um sistema de assembléia, <strong>como</strong> já se assinalou antes.<br />

Os presidentes posteriores - George Pompidou, Valery Giscard d´Estaing e<br />

François Mitterrand muito aproveitaram a ascendência do Poder presidencial sobre as<br />

outras instituições na vi<strong>da</strong> político-constitucional francesa. Na prática, é o Presidente<br />

que determina e dirige a política nacional, enquanto o Primeiro-Ministro por ele<br />

escolhido se limita à execução e coordenação <strong>da</strong>s tarefas administrativas, onde a<br />

burocracia altamente qualifica<strong>da</strong>, que tanto orgulha os franceses, assegura a<br />

consecução de ditas tarefas. A exceção dá-se nos períodos de coabitação, quando a<br />

relação entre o Chefe de Estado e o de Governo fica bastante equilibra<strong>da</strong>, já que a<br />

maioria <strong>da</strong> Assembléia Nacional é alia<strong>da</strong> do Primeiro-Ministro.<br />

Tudo isto, dentro de regras democráticas perfeitamente aceitas pela Socie<strong>da</strong>de<br />

francesa, que entende ser necessário um mínimo de estabili<strong>da</strong>de governamental - via<br />

racionalização - para a manutenção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

a) - A Eleição do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Desde a reforma de 1962, o Presidente <strong>da</strong> República é eleito pelo voto direto,<br />

secreto e universal dos franceses maiores de dezoito anos, para um man<strong>da</strong>to de 7 anos,<br />

com direito a concorrer à reeleição. A eleição é efetua<strong>da</strong> por um sistema majoritário<br />

uninominal de dois turnos, desde que nenhum dos candi<strong>da</strong>tos tenha obtido a maioria<br />

absoluta dos votos no primeiro.<br />

155<br />

Javier Garcia Fernandez, ao ensinar o sistema político <strong>da</strong> França, trata <strong>da</strong>


eleição do Presidente <strong>da</strong> República e explica que:<br />

156<br />

o sistema eleitoral, perfeitamente regulado no artigo 7º <strong>da</strong> Constituição, se<br />

realiza desde 1962 por sufrágio universal direto. É um sistema denominado de<br />

dois turnos, de modo que passam para o segundo turno somente os candi<strong>da</strong>tos<br />

com maior número de votos. Alguns autores justificam este segundo turno pela<br />

eleição do vencedor por forte maioria do corpo eleitoral, mas o certo é que na<br />

eleição presidencial de 1969, o vencedor, George Pompidou, obteve só 58,<br />

21% dos votos emitidos, que representaram 37, 5% dos votos. Alguns autores<br />

têm destacado <strong>como</strong> este tipo de eleição incita ao voto útil e a bipolarização<br />

entre a direita e a esquer<strong>da</strong> (à exceção <strong>da</strong> eleição de 1969, em que se<br />

enfrentaram no segundo turno dois candi<strong>da</strong>tos conservadores, o que explica<br />

precisamente a eleva<strong>da</strong> abstenção), o que possivelmente seja um dos fatores<br />

que incitou De Gaulle a realizar a mu<strong>da</strong>nça constitucional de 1962. 240<br />

Para ser candi<strong>da</strong>to a Presidente <strong>da</strong> França é preciso ser francês nato, ter 23<br />

anos ou mais e “digni<strong>da</strong>de moral”, segundo decisão do Conselho Constitucional de 18<br />

de abril de 1974 (não foi encontra<strong>da</strong>, na literatura disponível, qualquer análise dessa<br />

decisão, cujo conteúdo está impregnado de subjetivi<strong>da</strong>de). Mesmo assim, desde a Lei<br />

Orgânica de 18 de junho de 1976, para ser candi<strong>da</strong>to a Presidente <strong>da</strong> República é<br />

necessário ser apresentado por, pelo menos, 500 ci<strong>da</strong>dãos que pertençam a alguma <strong>da</strong>s<br />

seguintes instituições:<br />

1) o Parlamento;<br />

2) o Conselho de Paris,<br />

3) os Conselhos Gerais; e<br />

4) as Assembléias Territoriais ou Prefeituras que representem pelo menos 30<br />

departamentos municipais.<br />

O Presidente <strong>da</strong> República francesa perde suas funções por morte, demissão,<br />

240 - FERNANDEZ, Javier Garcia. Op. Cit. p. 78.


fim de seu man<strong>da</strong>to ou destituição pelo Tribunal Supremo - por alta traição -, assim<br />

<strong>como</strong> por impedimento definitivo se este é constatado pelo Conselho Constitucional.<br />

Neste caso, entra em funcionamento a Presidência interina <strong>da</strong> República, que<br />

não pode ir além de 35 dias, exerci<strong>da</strong> pelo presidente do Senado ou, no seu<br />

impedimento, pelo Primeiro-Ministro.<br />

O Conselho Constitucional pode, em se tratando de enfermi<strong>da</strong>de<br />

comprova<strong>da</strong>mente tratável e com perspectivas concretas de cura, prorrogar a<br />

interini<strong>da</strong>de. Em ambos os casos - dentro do prazo de 35 dias ou com prorrogação - o<br />

Presidente interino exerce o Poder com a plenitude de suas competências. As únicas<br />

limitacões estão na impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> dissolução <strong>da</strong> Assembléia Nacional e a<br />

convocação de referendo, também sendo proibi<strong>da</strong> a aprovação de qualquer modificação<br />

na Constituição <strong>da</strong> República durante a interini<strong>da</strong>de.<br />

b) - As Funções do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

O Presidente <strong>da</strong> República francesa é um Chefe de Estado com muitos<br />

poderes, e não só a mais alta autori<strong>da</strong>de moral <strong>da</strong> República. Assim, a Constituição <strong>da</strong><br />

França diz que o Presidente <strong>da</strong> República deve ser, acima de tudo, o principal protetor<br />

<strong>da</strong> Constituição. Através de sua arbitragem, o Chefe de Estado assegura o<br />

funcionamento regular dos Poderes do Estado, assim <strong>como</strong> a continui<strong>da</strong>de do Estado,<br />

além de garantir a integri<strong>da</strong>de do território, o respeito dos acordos e tratados<br />

legitimamente firmados e os princípios democráticos do regime.<br />

A Constituição francesa distingue duas categorias de poderes do Presidente <strong>da</strong><br />

República, que são divididos em Poderes Próprios - que ele exerce pessoalmente e sem<br />

157


eferendo ministerial - e Poderes Compartilhados - que são exercidos junto com o<br />

Primeiro-Ministro.<br />

É importante sempre ressaltar que há duas instâncias de Governo no sistema<br />

francês. Uma, o Conselho de Ministros, é presidido pelo Presidente <strong>da</strong> República, e se<br />

destina às decisões políticas mais relevantes. A outra, o Gabinete, tem <strong>como</strong><br />

competência as decisões <strong>da</strong> rotina administrativa e presidido pelo Primeiro-Ministro.<br />

Fernandes explica que:<br />

158<br />

na quali<strong>da</strong>de de Presidente do Governo, o Presidente <strong>da</strong> França preside ao<br />

Conselho de Ministros, que exerce os poderes atribuídos pela Constituição ao<br />

Governo, sem outra precisão. Aliás, um conjunto de poderes do Governo não<br />

pode ser exercido senão em Conselho de Ministros ou depois de deliberação<br />

do Conselho de Ministros, tais <strong>como</strong>: deliberações sobre projetos de lei e<br />

sobre certos decretos, autorizações concedi<strong>da</strong>s ao Primeiro-Ministro para<br />

colocar à Assembléia Nacional a responsabili<strong>da</strong>de do Governo, decisões de<br />

proclamar o `estado de sítio´. 241<br />

E complementa dizendo que “... enquanto as deliberações importantes são<br />

toma<strong>da</strong>s em Conselho de Ministros, sob a presidência do Presidente <strong>da</strong> República, a<br />

sua execução cabe ao Gabinete (composto pelo Primeiro-Ministro, ministros e<br />

secretários de Estado), sob a orientação do Primeiro-Ministro.” 242<br />

Deve-se enfatizar que esta proeminência do Presidente <strong>da</strong> República francesa<br />

está estriba<strong>da</strong>, exatamente, em aspectos democráticos. Eleito diretamente pela<br />

Socie<strong>da</strong>de, o Presidente francês goza de legitimi<strong>da</strong>de democrática para exercer poderes<br />

de Governo, diferentemente de presidentes eleitos indiretamente, <strong>como</strong> em outros<br />

sistemas parlamentaristas racionalizados.<br />

241 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 38.<br />

242 - FERNANDES, António José. Id. Ibid. p. 38.


A seguir, serão abor<strong>da</strong>dos os poderes próprios e os poderes compartilhados do<br />

Presidente <strong>da</strong> República francesa.<br />

b. 1) - Os Poderes Próprios.<br />

Estes poderes são expressamente enumerados pela Constituição e o Presidente<br />

<strong>da</strong> República francesa pode decidir unilateralmente - mesmo quando deva ouvir outros<br />

órgãos ou instituições - sem o referendo do Primeiro-Ministro ou de outros membros<br />

do Governo.<br />

Agesta, sobre os poderes próprios do Presidente francês, escreve que:<br />

159<br />

a nomeação do Primeiro Ministro, a apelação ao referendo, a dissolução <strong>da</strong><br />

Assembléia Nacional, o exercício destes poderes extraordinários, o direito de<br />

mensagem e apelação ao Conselho constitucional são atos do Presidente <strong>da</strong><br />

República que não estão sujeitos a referendo ministerial e que entranham uma<br />

decisão e uma responsabili<strong>da</strong>de plena em seu exercício, só matiza<strong>da</strong> pela<br />

proposta do Governo ou a consulta a outros órgãos que se exigem em certos<br />

casos. 243<br />

Também Garcia Fernandez se manifesta sobre os poderes próprios do<br />

presidente francês, salientando que:<br />

está claro, por conseguinte, que são poderes próprios do Chefe de Estado os<br />

que não necessitam de referendo do Primeiro-Ministro, a saber: nomear o<br />

Primeiro Ministro e por fim às suas funções (artigo 8º); submeter a referendo<br />

um projeto de lei, por proposta do Governo ou <strong>da</strong>s Câmaras (artigo 11);<br />

dissolver a Assembléia Nacional (artigo 12); tomar medi<strong>da</strong>s excepcionais<br />

(artigo 16); dirigir-se às Câmaras mediante mensagens, que não <strong>da</strong>rão lugar<br />

a debate (artigo 18); requerer ao Conselho Constitucional para que se<br />

pronuncie sobre a colisão de um tratado internacional com a Constituição<br />

(artigo 54); nomear três membros do Conselho Constitucional e o seu<br />

Presidente (artigo 56); submeter as leis ordinárias, antes de sua<br />

promulgação, ao Conselho Constitucional (artigo 61). 244<br />

243 - AGESTA, Luiz Sanches. Derecho constitucional comparado. Madrid: Universi<strong>da</strong>d de Madrid, 1988, p. 291.<br />

244 - FERNANDEZ, Javier Garcia. Op. Cit. p. 80.


Com base nessas considerações, pode-se enumerar e comentar as seguintes<br />

atribuições exclusivas do Presidente <strong>da</strong> República:<br />

Nomeação do Primeiro Ministro.<br />

A não exigência de referendo que era obrigatório durante a IIIª e a IVª<br />

Repúblicas traduz o caráter discricionário <strong>da</strong> nomeação do Primeiro-Ministro pelo<br />

Presidente <strong>da</strong> República, mesmo que seja necessário levar em consideração, por conta<br />

<strong>da</strong> matriz parlamentarista do sistema de Governo francês, a maioria no Parlamento.<br />

Alguns setores <strong>da</strong> doutrina francesa conseguem ver na Vª República uma<br />

espécie de ressurreição do “orleanismo” 245 , ou seja, um tipo de sistema baseado na<br />

dupla confiança: a do Chefe de Estado e a do Parlamento, na mesma linha de<br />

raciocínio de Duverger, quando ensina que “a situação do Presidente <strong>da</strong> República e a<br />

dos membros do Governo no sentido estrito do termo são muito diferentes, quanto à<br />

sua designação e ao seu estatuto. À independência total do Presidente <strong>da</strong> República<br />

em relação ao Governo e ao Parlamento, opõe-se a dependência do Governo<br />

relativamente ao Parlamento e ao Presidente.” 246<br />

Mesmo com a Constituição francesa <strong>da</strong> Vª República não fazendo qualquer<br />

previsão de demissão do Primeiro-Ministro pelo Chefe de Estado, a doutrina e a<br />

prática política francesa mostram que não é comum a manutenção de um Primeiro-<br />

Ministro em desacordo com o Presidente <strong>da</strong> República. Quando isso ocorre,<br />

normalmente acontece a dissolução do Parlamento que, em última análise, subtrai ao<br />

245 - Referente ao período monárquico de Luís Filipe de Orleãs do século XIX, quando existiu, na França, uma monarquia<br />

constitucional de relativo equilíbrio entre o Rei e o Parlamento, a meio caminho entre a monarquia limita<strong>da</strong> e a monarquia<br />

parlamentar.<br />

246 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 138.<br />

160


Governo a confiança devi<strong>da</strong> para a continuação <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de política do sistema.<br />

Duverger esclarece este tópico com muita clareza ao trazer a interpretação de<br />

De Gaulle sobre a possibili<strong>da</strong>de de demissão do Primeiro-Ministro pelo Chefe de<br />

Estado. Ele registra que “quando Paul Reynaud perguntara: `O primeiro-ministro,<br />

designado pelo Presidente <strong>da</strong> República, poderá ser exonerado por ele?’ De Gaulle<br />

respondera na ocasião: `Não! (...) O primeiro-ministro é responsável diante do<br />

parlamento, e não diante do chefe de Estado, naquilo que se refere à conjuntura<br />

política.” 247<br />

Em situações muito especiais, é possível que um Primeiro-Ministro seja de<br />

uma tendência política de oposição ao Presidente <strong>da</strong> República, o que os publicistas<br />

chamam de “coabitação”, <strong>como</strong> será explicado mais adiante.<br />

Dissolução <strong>da</strong> Assembléia Nacional.<br />

É outra prerrogativa pessoal do Presidente francês imbrica<strong>da</strong> em sua função de<br />

arbitragem política e na relação plebiscitária entre o Chefe de Estado e o povo.<br />

A Constituição de 1958 permite ao Presidente <strong>da</strong> República dissolver a<br />

Assembléia Nacional, mediante prévia consulta ao Primeiro-Ministro e aos presidentes<br />

<strong>da</strong>s Câmaras, consulta esta que deve preceder à dissolucão, mas não é vinculante para<br />

a decisão do Chefe de Estado.<br />

Nesta direção, Jean Ca<strong>da</strong>rt estabelece a cronologia <strong>da</strong>s dissoluções ocorri<strong>da</strong>s<br />

nesse período de vigência <strong>da</strong> atual Constituição, mostrando que:<br />

247 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 125.<br />

161


162<br />

a vi<strong>da</strong> política francesa <strong>da</strong> Vª República vem sendo marca<strong>da</strong> por três<br />

dissoluções. Em 1962, De Gaulle dissolveu para resolver suas diferenças com<br />

a Assembléia Nacional que considerava inconstitucional o procedimento pelo<br />

qual se reformou a Constituição, no que se refere à eleição do Chefe de<br />

Estado. Em 1968, a dissolução foi o meio utilizado novamente por De gaulle<br />

para renovar sua confiança. E em 1981, imediatamente depois de sua eleição<br />

<strong>como</strong> Presidente <strong>da</strong> República, Mitterrand dissolveu a Assembléia Nacional<br />

para tratar de conseguir uma maioria parlamentar com afini<strong>da</strong>de à sua<br />

política. 248<br />

Convocação de Referendo Legislativo.<br />

Esta é uma <strong>da</strong>s atribuições deriva<strong>da</strong>s do papel de árbitro entre o Parlamento e<br />

o Governo exercido pelo Presidente <strong>da</strong> República, podendo convocar referendo para a<br />

aprovação de projetos de lei que tratem sobre o funcionamento dos poderes públicos.<br />

Na prática, mesmo que a decisão de recorrer ao referendo seja uma<br />

prerrogativa do Presidente <strong>da</strong> República, são o Governo e o Parlamento que devem<br />

fazer a proposta ao Chefe de Estado.<br />

A propósito, Fernandes, ao analisar o sistema político francês leciona que “...<br />

o poder legislativo do Parlamento encontra-se limitado pelas disposições<br />

constitucionais, que autorizam o Presidente <strong>da</strong> República a passar por cima do<br />

Parlamento pela via do referendo, por um lado, e que reservam um estreito domínio à<br />

lei, fora do qual o Parlamento não poder agir, por outro.” 249<br />

Poderes Excepcionais em Caso de Crise<br />

Os Constituintes franceses de 1958 estiveram preocupados com a continui<strong>da</strong>de<br />

do Estado. Por isto, o artigo 16 <strong>da</strong> Constituição permite ao Presidente <strong>da</strong> República<br />

248 - CADART, Jean. La constitución de la república francesa. Madrid: Marterres, 1989, p. 109.<br />

249 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 40.


adotar to<strong>da</strong>s as medi<strong>da</strong>s necessárias - <strong>como</strong> a suspensão dos direitos constitucionais e<br />

dos direitos individuais - desde que exista uma ameaça grave e imediata. Sobre isto<br />

Agesta ensina que:<br />

163<br />

o presidente <strong>da</strong> República se constitui <strong>como</strong> uma magistratura extraordinária<br />

para a defesa <strong>da</strong>s instituições ou <strong>da</strong> independência <strong>da</strong> nação em<br />

circunstâncias excepcionais em que se interrompe o funcionamento regular<br />

dos poderes públicos constitucionais (art. 16). Esses poderes extraordinários<br />

que se conferem em circunstanciais especiais estão condicionados pelas<br />

causas que os motivam (ameaça grave e imediata <strong>da</strong>s instituições <strong>da</strong><br />

República, independência <strong>da</strong> nação, integri<strong>da</strong>de de seu território ou execução<br />

de suas obrigações internacionais e interrupção do funcionamento regular dos<br />

poderes públicos constitucionais) e por seu fim : a vontade de assegurar aos<br />

poderes constitucionais, no mais breve prazo possível, os meios possíveis para<br />

o cumprimento de sua missão. Esta determinação é tão vaga, que é<br />

praticamente ilimita<strong>da</strong>, mesmo quando a Constituição exija a consulta, sobre<br />

o assunto, ao Conselho Constitucional. As condições de procedimento são<br />

mais precisas: o Presidente <strong>da</strong> República deve informar à nação mediante<br />

uma mensagem; o Parlamento se reúne de pleno direito e a Assembléia<br />

Nacional não pode ser dissolvi<strong>da</strong> durante o exercício dos poderes<br />

extraordinários. Pesou sobre esse discutido artigo, que lembra as cláusulas de<br />

poderes especiais <strong>da</strong>s constituições americanas, as experiências <strong>da</strong> passa<strong>da</strong><br />

guerra e é curioso advertir que este preceito, que parecia prever um hipótese<br />

muito rara, já teve ocasião de ser aplicado. 250<br />

A extensão dos poderes do Presidente, caso aplicado o dispositivo do artigo<br />

16, não é ilimita<strong>da</strong>. Em primeiro lugar, as medi<strong>da</strong>s que sejam adota<strong>da</strong>s pelo Chefe de<br />

Estado devem ser absolutamente exigi<strong>da</strong>s pelas circunstâncias. Em segundo lugar,<br />

essas medi<strong>da</strong>s devem ter <strong>como</strong> alvo a garantia às instituições constitucionais dos meios<br />

para cumprir suas funções. Em terceiro e último lugar, a Assembléia Nacional não<br />

pode ser dissolvi<strong>da</strong> durante o exercício dos poderes excepcionais, <strong>como</strong> se viu com<br />

Agesta.<br />

Os chamados “poderes excepcionais” do Presidente <strong>da</strong> República francesa,<br />

250 - AGESTA, Luiz Sanches. Op. Cit. p. 291.


inspirados claramente na Constituição alemã de Weimar, só foram levados a efeito<br />

uma vez, quando <strong>da</strong> rebelião dos generais em Argel, em abril de 1961.<br />

Dirigir Mensagens ao Parlamento.<br />

Com estas mensagens, o Presidente <strong>da</strong> República pode transmitir ao<br />

Parlamento sua posição sobre certos temas, sem que ensejem qualquer debate<br />

parlamentar.<br />

Nomear o Presidente do Conselho Constitucional e Três de Seus Membros.<br />

Esta prerrogativa, apesar de parecer menos importante, na prática, garante ao<br />

Presidente <strong>da</strong> França certa influência na Corte Constitucional francesa, o que às vezes<br />

é decisivo em determinados embates jurídicos que podem ensejar interpretações<br />

diversas.<br />

Muito a propósito e de forma a esclarecer a importância do Conselho<br />

Constitucional <strong>da</strong> França, Fernandes ensina que:<br />

164<br />

a interpretação e apreciação <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis está a cargo do<br />

Conselho Constitucional. Com efeito, o Conselho Constitucional é um gênero<br />

de jurisdição política suprema, encarrega<strong>da</strong> de controlar a<br />

constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis e a regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações presidenciais e<br />

parlamentares. A sua função é a de um juiz, mas é exerci<strong>da</strong> sobre matérias<br />

que prosseguem objetivos políticos; os seus membros devem ter a<br />

independência dos magistrados, mas o seu recrutamento é fun<strong>da</strong>mentalmente<br />

político. 251<br />

E continua o publicista lusitano escrevendo que sendo:<br />

composto por nove membros nomeados por um período de nove anos não<br />

renovável, três dos quais nomeados pelo Presidente <strong>da</strong> República, três pelo<br />

Presidente <strong>da</strong> Assembléia Nacional e três pelo Presidente do Senado, sendo<br />

251 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 40.


165<br />

um terço (1/3) renovado trienalmente, e pelos ex-Presidentes <strong>da</strong> República,<br />

que nele têm assento vitalício, o Conselho Constitucional tem competência<br />

para estatuir sobre a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis antes <strong>da</strong> sua promulgação,<br />

para deliberar sobre a delimitação entre os domínios legislativo e<br />

regulamentar, sobre os tratados, acordos e convenções constitucionais, que<br />

contrariem a Constituição, sobre a vacatura <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República e<br />

sobre a regulari<strong>da</strong>de dos atos eleitorais e <strong>da</strong>s operações de referendo, e para<br />

se pronunciar consultivamente sempre que, em circunstâncias excepcionais, o<br />

Presidente <strong>da</strong> República resolva assumir plenos poderes. 252<br />

Provocar o Conselho Constitucional Para Que se Pronuncie Sobre a<br />

Constitucionali<strong>da</strong>de de Uma Lei ou de um Tratado.<br />

Esta sim, é uma <strong>da</strong>s prerrogativas menos importantes do Presidente <strong>da</strong><br />

República, considerando que outras instituições também podem argüir a<br />

inconstitucionali<strong>da</strong>de de normas jurídicas.<br />

b. 2) - Os Poderes Compartilhados.<br />

Junto com os poderes presidenciais que não precisam de referendo ministerial<br />

e que a Constituição francesa traz de forma expressa, o texto constitucional de 1958<br />

elenca outra série de atribuições - dentro de uma perspectiva parlamentarista - que o<br />

Presidente <strong>da</strong> República compartilha com o Primeiro-Ministro e com o Governo <strong>como</strong><br />

um todo e cujo exercício precisa de referendo, <strong>como</strong>, por exemplo, a nomeação dos<br />

Ministros por proposta do Primeiro-Ministro, a promulgação <strong>da</strong>s leis, o direito de<br />

graça ou clemência, entre outros e que serão estu<strong>da</strong>dos quando for abor<strong>da</strong>do o Governo<br />

<strong>da</strong> França.<br />

c) A Responsabili<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

A Constituição francesa <strong>da</strong> Vª República preceitua, em seu artigo 17º, que “o<br />

252 - FERNANDES, António José. Id. Ibid. p. 41.


Presidente <strong>da</strong> República não é responsável pelos atos realizados no exercício de suas<br />

funções, a não ser em casos de alta traição à nação.” 253 Em função desse dispositivo,<br />

fica evidente a irresponsabili<strong>da</strong>de política do Chefe de Estado.<br />

Sem embargo, esta constatação admite várias interpretações. Hauriou<br />

considera que “se o Presidente <strong>da</strong> República permanece em segundo plano, sua<br />

irresponsabili<strong>da</strong>de política é efetiva, mas se sua sorte está vincula<strong>da</strong> ao êxito de um<br />

referendo ou aos resultados <strong>da</strong>s eleições gerais (principalmente depois <strong>da</strong> dissolução<br />

<strong>da</strong> Assembléia Nacional), então ele mesmo organiza sua própria responsabili<strong>da</strong>de<br />

política e pode obrigar-se à demissão.” 254<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> francês, na hipótese descrita por Hauriou,<br />

encaminha democraticamente o Presidente <strong>da</strong> República a coabitar, no caso de maioria<br />

oposiconista na Assembléia Nacional. Em caso de derrota num referendo, o caminho<br />

consensual é a renúncia.<br />

Pode-se falar, <strong>como</strong> o faz Pablo Lucas Verdu, que o Presidente francês tem<br />

“responsabili<strong>da</strong>de política extraconstitucional” 255 , quando põe em jogo a<br />

continui<strong>da</strong>de de seu man<strong>da</strong>to político. Assim aconteceu com o Presidente De Gaulle<br />

após o referendo de 27 de abril de 1969. A posição defendi<strong>da</strong> pelo general foi<br />

derrota<strong>da</strong> e ele se demitiu.<br />

Em síntese, é permitido dizer que a responsabili<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong><br />

República ocorre perante a nação, através <strong>da</strong> opinião pública, que obriga o Chefe de<br />

253<br />

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FRANCESA. Trad. Carlos Paredes. Coimbra: Almedina, 1996, p. 27.<br />

254<br />

- HAURIOU, André. Derecho constitucional e instituciones políticas. Trad. Federico Jimenez, Barcelona: Ariel, 1971, p.<br />

83.<br />

255<br />

- VERDU, Pablo Lucas. Curso de derecho constitucional. Madrid: Tecnos, 1974, p. 266.<br />

166


Estado a manter-se dentro dos limites estabelecidos pelo Estado Democrático de<br />

Direito.<br />

6.1.2 - O Parlamento Francês <strong>da</strong> Vª República<br />

Fiel à tradição republicana inicia<strong>da</strong> em 1875, o Parlamento Francês é bi-<br />

cameral, composto pela Assembléia Nacional e pelo Senado.<br />

O bi-cameralismo de 1958 corresponde a duas vontades do Presidente De<br />

Gaulle, que queria o Senado moderando os extremismos <strong>da</strong> Assembléia Nacional,<br />

eleita por voto direto, secreto e universal, ao contrário do Senado. Este último também<br />

representa os interesses dos municípios franceses.<br />

a) - A Assembléia Nacional.<br />

A Assembléia Nacional <strong>da</strong> França é composta por 577 deputados, eleitos por<br />

voto direto, secreto e universal, em eleição majoritária realiza<strong>da</strong> por distritos<br />

eleitorais, em dois turnos. Agesta aju<strong>da</strong> a explicar a eleição dos deputados franceses ao<br />

escrever que “os deputados <strong>da</strong> Assembléia Nacional são eleitos por sufrágio direto<br />

dos maiores de dezoito anos ... a Constituição não previu o regime eleitoral. Este, em<br />

virtude <strong>da</strong> regulamentação de 13 de outubro de 1958, voltou a fun<strong>da</strong>r-se no sistema de<br />

distritos uninominais com eleição em dois turnos, exigindo no primeiro turno a<br />

maioria absoluta dos votos emitidos, e no segundo, a maioria simples.” 256<br />

256 - AGESTA, Luiz Sanches. Op. Cit. p. 296.<br />

167


A adoção desse sistema eleitoral - decorrente de um acordo entre gaullitas e<br />

socialistas - favorece a formação de maiorias parlamentares sóli<strong>da</strong>s e homogêneas.<br />

O man<strong>da</strong>to dos deputados é de 5 anos.<br />

b) - O Senado<br />

O Senado (cujo número de membros varia de acordo com o aumento <strong>da</strong><br />

população francesa, segundo a Lei Orgânica de 1976) é eleito indiretamente,<br />

representando as coletivi<strong>da</strong>des territoriais <strong>da</strong> República, assim <strong>como</strong> os franceses que<br />

residem no exterior.<br />

Lapierre ensina que:<br />

168<br />

o Senado, por sua parte, compõe-se atualmente de 283 membros eleitos por<br />

sufrágio indireto por um colégio eleitoral de aproxima<strong>da</strong>mente 75. 000<br />

membros, onde estão incluídos os deputados, os conselheiros gerais, os<br />

conselheiros municipais dos municípios com mais de 9. 000 habitantes e um<br />

determinado número de eleitores designados pelos conselhos municipais. O<br />

Senado tem man<strong>da</strong>to de 9 anos, mas é renovado por terços a ca<strong>da</strong> três anos e<br />

não pode sofrer dissolução. 257<br />

Em ca<strong>da</strong> Departamento francês é constituído um Colégio Eleitoral composto<br />

de Deputados, Conselheiros Gerais e Delegados dos Conselhos Municipais. Gonçalves<br />

Pereira ensina que:<br />

a fórmula eleitoral varia segundo o número de Senadores correspondente a<br />

ca<strong>da</strong> Departamento. Quando o número de Senadores a serem eleitos for<br />

menor do que 5, o método utilizado é o majoritário de dois turnos e quando se<br />

trata de 5 Senadores ou mais é aplicado o sistema proporcional com listas<br />

bloquea<strong>da</strong>s, que consiste em estabelecer a proporcionali<strong>da</strong>de a ca<strong>da</strong> lista de<br />

partidos ou coligações apresenta<strong>da</strong>s nos Departamentos. 258<br />

257 - LAPIERRE, Jean Willian. Análise dos sistemas políticos atuais. Trad. Carmo Rodrigues. Lisboa: Rolim, 1980, p. 102.<br />

258 - PEREIRA, André Gonçalves. Curso de direito constitucional. Lisboa: Gradiva, 1970, p. 58.


O Senado francês já foi objeto de muita polêmica por vários motivos. Seja por<br />

sua escolha pouco democrática ou pela super representação <strong>da</strong>s pequenas ci<strong>da</strong>des do<br />

interior em detrimento dos grandes centros urbanos. Entretanto, mesmo com as<br />

críticas, o Senado, de acordo com a literatura consulta<strong>da</strong>, tem se mostrado sempre mais<br />

equilibrado e apegado aos princípios republicanos e democráticos do que a maioria <strong>da</strong><br />

Assembléia Nacional, não raro domina<strong>da</strong> por grupos corporativos e blocos ideológicos<br />

dispersos.<br />

c) - As Funções do Parlamento.<br />

O bicameralismo francês não é paritário. Mesmo com o Senado dispondo de<br />

certos poderes, a Constituição atribui uma clara proeminência à Assembléia Nacional,<br />

por conta de sua origem incontestavelmente democrática e representativa.<br />

que:<br />

Sobre o funcionamento do Parlamento francês, Francisco de La Peña leciona<br />

169<br />

o regime de funcionamento <strong>da</strong>s Câmaras mostra com fideli<strong>da</strong>de a concepção<br />

gaullista do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado, frente à soberania parlamentar<br />

<strong>da</strong> IIIª e <strong>da</strong> IVª Repúblicas. O instituto característico <strong>da</strong> autonomia orgânica<br />

<strong>da</strong>s Câmaras, a incapaci<strong>da</strong>de de autorregulamentação, fica notavelmente<br />

expressa por obra do artigo 61º <strong>da</strong> Constituição, que a obriga a submeter os<br />

regulamentos, antes de serem promulgados, ao Conselho Constitucional, para<br />

que este órgão se pronuncie sobre sua constitucionali<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> que alguns<br />

autores escrevam a favor desse controle, é sem dúvi<strong>da</strong>s um procedimento<br />

atentatório à soberania <strong>da</strong> Assembléia, que se vê interferi<strong>da</strong> por um órgão que<br />

carece de legitimi<strong>da</strong>de eleitoral e que, <strong>como</strong> ficou comprovado anteriormente,<br />

atua de forma eficaz, pois em 1959 declarou inconstitucionais 14 artigos do<br />

Regimento <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República e 12 do Senado. 259<br />

A Constituição francesa de 1958 elenca as seguintes atribuições do<br />

259 - PEÑA, Francisco. Instituciones políticas de Francia. Madrid: Eceres, 1987, p. 174.


Parlamento:<br />

a) Função Legislativa : O Parlamento pode iniciar o processo legislativo e<br />

aprova as leis. A Constituição francesa, seguindo a tradição ocidental, estabelece um<br />

elenco de matérias legisláveis pelo Parlamento. As que não estão elenca<strong>da</strong>s é porque<br />

são de competência privativa do Primeiro-Ministro ou do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Assim sendo, a Constituição francesa estabelece uma ver<strong>da</strong>deira “reserva normativa”,<br />

ao Chefe de Governo e ao Chefe de Estado;<br />

b) Função Financeira : ain<strong>da</strong> que a iniciativa dos projetos de lei que tratem de<br />

matéria financeira pertençam ao Governo - aí compreendidos o Conselho de Ministros<br />

e o Gabinete -, o Parlamento as aprecia e aprova;<br />

Constituição;<br />

c) Atribuições Judiciais : aprova os membros do Tribunal Supremo;<br />

d) Funções Constitucionais : compartilha a iniciativa para a reforma <strong>da</strong><br />

e) Função de Controle : mesmo com a função controladora do Governo<br />

compartilha<strong>da</strong> com o Senado, é a Assembléia Nacional que pode exigir-lhe a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política.<br />

6.1.3 - O Governo<br />

O Governo racionalizado francês está regulamentado no Título III <strong>da</strong><br />

Constituição <strong>da</strong> França, mas na reali<strong>da</strong>de carece de um tratamento normativo exato,<br />

170


por conta <strong>da</strong>s lacunas do texto constitucional e <strong>da</strong>s práticas políticas <strong>da</strong> Vª República.<br />

Com o que está previsto na Constituição não é possível saber-se <strong>como</strong> é a composição<br />

do Governo. Na falta dos regulamentos específicos, são os decretos deliberados no<br />

Conselho de Ministros que organizam o Poder Executivo <strong>da</strong> França.<br />

Garcia Pelayo permite a compreensão do Governo francês quando escreve que<br />

171<br />

a primeira dificul<strong>da</strong>de encontra<strong>da</strong> ao se tratar de eluci<strong>da</strong>r a natureza do<br />

Governo é o alcance jurídico desse conceito. Do Título III <strong>da</strong> Constituição,<br />

especialmente o previsto no artigo 21º, prevendo ser `o Primeiro-Ministro<br />

dirige a ação do Governo´, pode-se chegar à conclusão de que o Governo está<br />

formado pelos ministros, que formam o Conselho. Porém, essa primeira<br />

impressão se desvanece com o artigo 9º do texto constitucional, que preceitua<br />

que ` o Presidente <strong>da</strong> República preside o Conselho de Ministros ´,<br />

presidência que é conferi<strong>da</strong> excepcionalmente ao Primeiro-Ministro (artigo<br />

21º). Em virtude desta atribuição, o Presidente convoca o Conselho,<br />

estabelece a sua ordem do dia e dirige os debates. Pode-se dizer que o<br />

Conselho de Ministros é uma instância distinta do Governo e que tem,<br />

inclusive, proeminência sobre este (em todo o Título III só é feita uma menção<br />

ao Conselho de Ministros, no artigo 21, para conferir de forma excepcional<br />

sua presidência ao Primeiro-Ministro). 260<br />

a) - Composição.<br />

O Governo francês é um órgão colegiado, solidário e hierarquizado, composto<br />

pelo Primeiro-Ministro e pelos outros membros. A saber:<br />

a) Os Ministros, titulares de uma pasta ministerial e responsáveis por uma área<br />

específica <strong>da</strong> administração pública;<br />

b) Os Ministros de Estado, encarregados de certos departamentos do Governo<br />

e ligados diretamente ao Primeiro-Ministro, normalmente são personali<strong>da</strong>des cujas<br />

funções anteriores conferem um peso político importante;<br />

260 - PELAYO, Manuel Garcia. Op. Cit. p. 253.


c) Os Ministros Delegados, aos quais o Primeiro-Ministro delega<br />

competências específicas, normalmente de caráter técnico;<br />

d) Os Secretários de Estado, que podem estar ligados a ministérios ou<br />

diretamente ao Primeiro-Ministro, neste último caso para tarefas relevantes e<br />

específicas.<br />

Como já destacado anteriormente, o Governo pode reunir-se em Conselho de<br />

Ministros, sob a presidência do Presidente <strong>da</strong> República e em Gabinete, presidido pelo<br />

Primeiro-Ministro. O primeiro é mais importante do que o segundo.<br />

Como remate desta parte, pode-se usar a lição de Arendt Lijphart sobre o<br />

Executivo Francês, quando escreve que:<br />

172<br />

o Governo, pois, está formado pelo Primeiro-Ministro, os Ministros e os<br />

Secretários de Estado. Resulta difícil estabelecer com clareza as diferenças<br />

jurídicas existentes entre estas diversas categorias, já que os critérios de<br />

composição do Governo não têm sido uniformes. Em função <strong>da</strong> evolução<br />

destes cargos, pode-se assinalar a existência de duas categorias: os<br />

ordinários e os de Estado, sendo estes últimos uma espécie de `supra-<br />

Ministros´, com funções mais amplas. Da mesma maneira, os Secretários de<br />

Estado, que em determinados períodos <strong>da</strong> Vª República foram autônomos, sem<br />

estar vinculados a nenhum Ministro, são designados por diversas razões,<br />

<strong>como</strong> a de <strong>da</strong>r participação aos dirigentes de outros partidos <strong>da</strong> maioria<br />

parlamentar ou <strong>da</strong>r mais importância - e inclusive mais autonomia -, a um<br />

determinado setor administrativo. 261<br />

b) - Formação do Governo.<br />

Já foi registrado também que a Constituição francesa <strong>da</strong> Vª República confere<br />

ao Presidente o poder de nomear, discricionariamente, o Primeiro-Ministro, por<br />

decreto que não precisa ser referen<strong>da</strong>do por nenhum outro órgão. Volta-se a repetir: a<br />

261 - LIJPHART, Arendt. Op. Cit. p. 82.


nomeação de um Primeiro-Ministro diferente do líder do partido ou <strong>da</strong> coligação de<br />

partidos vencedora <strong>da</strong>s eleições parlamentares não resiste à pressão <strong>da</strong> opinião pública,<br />

atenta ao cumprimento dos princípios democráticos norteadores do sistema político e<br />

de Governo <strong>da</strong> França.<br />

Teoricamente, deve o Presidente <strong>da</strong> República observar a composição <strong>da</strong><br />

Assembléia Nacional e escolher <strong>como</strong> Primeiro-Ministro uma pessoa de sua confiança.<br />

É interessante notar que alguns autores <strong>da</strong> doutrina francesa entendem que o Primeiro-<br />

Ministro, após nomeado, deve solicitar a confiança <strong>da</strong> Assembléia Nacional antes de<br />

ser investido no cargo. Isto é na teoria. Na prática, o que vale é a escolha do Presidente<br />

<strong>da</strong> República.<br />

Georges Burdeau abor<strong>da</strong> com rara precisão esse assunto, ao escrever que:<br />

173<br />

a formação do Governo é um dos traços mais inovadores <strong>da</strong> Vª República. Em<br />

virtude do artigo 8º <strong>da</strong> Constituição, o Chefe de Estado nomeia o Primeiro-<br />

Ministro e, por proposta deste, designa e demite os outros membros do<br />

Governo. A particulari<strong>da</strong>de desta fórmula é a ausência de voto de investidura<br />

parlamentar, com o que se quebra um dos princípios básicos <strong>da</strong>s democracias<br />

ocidentais, pois para formar e constituir o Governo não é preciso a confiança<br />

do Parlamento. O paradoxo <strong>da</strong> situação é que o Presidente <strong>da</strong> República não<br />

pode demitir o Primeiro-Ministro, ain<strong>da</strong> que a prática <strong>da</strong> Vª República alterou<br />

este princípio constitucional, de modo que todos os Primeiro-Ministros<br />

deixaram o cargo por vontade do Chefe de Estado. 262<br />

Quando a maioria presidencial e a parlamentar coincidem, não há qualquer<br />

problema para a nomeação do Primeiro-Ministro, já que, nesse caso, existe a confiança<br />

do Chefe de Estado e do Parlamento. Porém, a situação se altera completamente<br />

quando o Chefe de Estado tem que enfrentar uma maioria hostil na Assembléia <strong>da</strong><br />

República. Este enfrentamento é possível por conta <strong>da</strong> diacronia existente entre a<br />

262 - BURDEAU, Georges. Derecho constitucional e instituciones políticas. Trad. Sérgio Moncayo. Madrid: Nación, 1981, p.<br />

594.


eleição do Presidente <strong>da</strong> República e dos membros <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República.<br />

Mesmo que ocorram ao mesmo tempo, a duração dos man<strong>da</strong>tos é diferente.<br />

Em caso de um conflito de maiorias, o Presidente <strong>da</strong> República deve optar por<br />

uma <strong>da</strong>s seguintes alternativas:<br />

a) O Presidente pode nomear para Primeiro-Ministro um dos membros de seu<br />

partido que, com to<strong>da</strong> certeza, não poderá governar, já que necessita também <strong>da</strong><br />

confiança <strong>da</strong> Assembléia Nacional;<br />

b) O Presidente pode utilizar o mecanismo <strong>da</strong> dissolução <strong>como</strong> meio de<br />

retomar a harmonia entre a maioria presidencial e a parlamentar. Foi assim que,<br />

imediatamente após ser eleito, o Presidente socialista François Mitterrand dissolveu a<br />

Assembléia - que era controla<strong>da</strong> por forças de centro-direita eleitas em 1978 -<br />

permitindo ao eleitorado escolher uma maioria parlamentar muito grande para apoiar o<br />

Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Esta decisão, sem dúvi<strong>da</strong>s, constitui-se num grande risco para o Presidente,<br />

pois se não for eleita a maioria espera<strong>da</strong>, ao Chefe de Estado não restaria outra saí<strong>da</strong><br />

se não passar a um segundo plano, aceitando um Governo compartilhado, ou mesmo a<br />

renúncia;<br />

c) O Presidente pode, ain<strong>da</strong>, nomear o Primeiro-Ministro entre a maioria<br />

parlamentar hostil, o que o obriga a adotar uma postura menos interventiva nas<br />

questões de Governo, porém mais de acordo com a função de um Chefe de Estado<br />

parlamentarista. Isto aconteceu em 1986 logo após a vitória eleitoral <strong>da</strong> coligação de<br />

centro-direita lidera<strong>da</strong> por Jackes Chirac, quando o Presidente era François Mitterrand,<br />

174


e que inaugurou a chama<strong>da</strong> “República de coabitação”. Pela primeira vez na história<br />

<strong>da</strong> Vª República foi aplicado estritamente o sistema dualista, com o Presidente<br />

arbitrando e o Governo determinando e conduzindo a política nacional.<br />

Este é outro traço democrático importante produzido pelo modelo de<br />

racionalização francês. Ao mesmo tempo que permite ao Presidente <strong>da</strong> República<br />

funções de Governo, também prevê uma coabitação entre tendências ideológicas<br />

opostas.<br />

Neste sentido Carlos Fernandez escreve que “as instituições <strong>da</strong> Vª República<br />

permitiram ao Primeiro-Ministro - apoiado pela Assembléia - converter-se no centro<br />

de impulsão política, contrariando a prática inicia<strong>da</strong> por De Gaulle e segui<strong>da</strong> por<br />

outros presidentes.” 263 Em outras palavras, em 1986 foi produzi<strong>da</strong> uma<br />

“parlamentarização” do sistema francês, que diminuiu, pelo menos enquanto perdurou<br />

aquela situação, a importância do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Alguns setores <strong>da</strong> doutrina francesa ressaltam que a reeleição de François<br />

Mitterrand em 1988 e o retorno de uma maioria parlamentar favorável ao Presidente,<br />

talvez não indiquem, necessariamente, a mu<strong>da</strong>nça do sistema de coabitação entre o<br />

Presidente e o Gabinete.<br />

Esta posição pode ser justifica<strong>da</strong> por conta <strong>da</strong> falta de maioria absoluta na<br />

Assembléia Nacional e também porque a coabitação deixou marcas profun<strong>da</strong>s na<br />

prática política francesa, com o Parlamento e o Governo reivindicando mais liber<strong>da</strong>de<br />

de ação.<br />

263 - FERNANDEZ, Carlos. Francia y La V República. Barcelona: Universi<strong>da</strong>d de Barcelona: 1989, p. 213.<br />

175


Note-se que, mais uma vez, o sistema francês sofreu um aprimoramento<br />

democrático efetivo quando assimila<strong>da</strong> pela Socie<strong>da</strong>de a necessi<strong>da</strong>de de estabili<strong>da</strong>de<br />

democrática e governamental.<br />

O exemplo mais oportuno de coabitação aconteceu exatamente durante a<br />

pesquisa feita para a elaboração desta Tese. A nomeação de Lionel Jospin para<br />

Primeiro-Ministro francês em 03 de junho de 1997 inaugurou a terceira coabitação <strong>da</strong><br />

Vª República. Democraticamente, passaram a conviver um Presidente de direita e um<br />

Primeiro-Ministro de esquer<strong>da</strong>.<br />

A tradução política <strong>da</strong> coabitação francesa pode ser feita pela necessi<strong>da</strong>de que<br />

tem o Presidente <strong>da</strong> República, em determinados momentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional, de<br />

coabitar com a oposição, dividindo com ela determina<strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des. O recente<br />

exemplo do Presidente Jacques Chirac é bastante eluci<strong>da</strong>tivo quando ele, pelo menos<br />

aparentemente, arriscou e perdeu.<br />

Chirac venceu Jospin na corri<strong>da</strong> presidencial francesa de 1995 e elegeu ampla<br />

maioria na Assembléia Nacional, <strong>da</strong>ndo-lhe a possibili<strong>da</strong>de de montar um Governo<br />

perfeitamente afinado com ele.<br />

Ao perceber que o Governo de seu partido e seu aliado, com Alain Juppé na<br />

função de Primeiro-Ministro mostrava-se claudicante diante de vários desafios - entre<br />

eles a complica<strong>da</strong> engenharia política <strong>da</strong> União Européia e sua moe<strong>da</strong> única, as<br />

privatizações e as relações com os imigrantes - Chirac dissolveu a Assembléia<br />

Nacional e convocou eleições parlamentares.<br />

176<br />

Dia 01 de junho de 1997 foi realizado o segundo turno nos distritos em que


não houve um vencedor com maioria absoluta no primeiro turno. A coligação lidera<strong>da</strong><br />

pelo Presidente Chirac perdeu e a Assembléia Nacional francesa, forma<strong>da</strong> por 577<br />

deputados, ficou com a seguinte composição:<br />

Partido/Coalizão Número Atual Número Anterior Liderança<br />

Coalizão Socialista 273 deputados 75 deputados Lionel Jospim<br />

Coalizão de Direita RPR/UDF 249 deputados 464 deputados Jaques Chirac<br />

Partido Comunista 38 deputados 24 deputados Michel Ranter<br />

Verdes 8 deputados Nenhum deputado Difusa<br />

Frente Nacional 01 deputado Nenhum Jean Marie Le Pen<br />

Outros Direitistas 08 deputados 13 deputados Difusa<br />

Se vencesse, Chirac poderia encaminhar as questões políticas <strong>como</strong> bem<br />

entendesse, com sua legitimi<strong>da</strong>de reforça<strong>da</strong> e confirma<strong>da</strong>. Como foi derrotado, passou<br />

a coabitar com Jospin na função de Primeiro-Ministro, dividindo com ele o ônus <strong>da</strong>s<br />

medi<strong>da</strong>s impopulares e difíceis que viriam a ser adota<strong>da</strong>s.<br />

No sistema francês é muito difícil o Presidente <strong>da</strong> República perder de fato.<br />

Como, politicamente, segundo as análises de especialistas franceses, não seria possível<br />

dissolver a Assembléia Nacional tão cedo, a ordem foi coabitar com a oposição. Mas<br />

não faltou quem lhe sugerisse a renúncia. Chirac fez de conta que não era com ele.<br />

c) - As Funções do Governo.<br />

A atual Constituição francesa separa as atribuições do Primeiro-Ministro,<br />

<strong>como</strong> órgão singular, e as do Governo <strong>como</strong> órgão colegiado. Para melhor<br />

compreensão desse assunto, mostrar-se-á o que escreve André Demichel quando<br />

177


assinala que:<br />

seguintes:<br />

178<br />

ao Primeiro-Ministro corresponde o poder regulamentador, a direção <strong>da</strong> ação<br />

do Gabinete, a defesa nacional e as nomeações civis e militares, assim <strong>como</strong><br />

as relações com o Parlamento previstas no título V. São reserva<strong>da</strong>s ao<br />

Governo em seu conjunto o poder regulamentador de ca<strong>da</strong> área, assim <strong>como</strong> a<br />

determinação <strong>da</strong>s linhas de ação de ca<strong>da</strong> ministério. Ao Conselho de Ministro,<br />

e não ao Governo, pertence a iniciativa legislativa, a declaração de Estado de<br />

Sítio e a questão de confiança que pode ser apresenta<strong>da</strong> ao Parlamento. 264<br />

É possível enumerar, <strong>como</strong> as principais atribuições do Primeiro-Ministro, as<br />

a) dirigir as ações do Governo;<br />

b) propor ao Presidente <strong>da</strong> República a nomeação e a demissão dos outros<br />

membros do Governo;<br />

c) referen<strong>da</strong>r os regulamentos ministeriais;<br />

d) ser responsável pela defesa nacional, mesmo que as grandes decisões nessa<br />

área pertençam ao Chefe de Estado.<br />

Como órgão colegiado, a Constituição atribui ao Governo a função de<br />

assessorar o Primeiro-Ministro na política estabeleci<strong>da</strong> por ele e o Presidente <strong>da</strong><br />

República, <strong>como</strong> descrito acima, na condição de Presidente do Conselho de Ministros;<br />

<strong>como</strong> órgão colegiado, o Governo pode declarar o Estado de Sítio, participa nas<br />

decisões do Governo e pode solicitar do Parlamento autorização, através de<br />

“ordenanças”, para medi<strong>da</strong>s que normalmente são de competência <strong>da</strong> Lei.<br />

É importante - e interessante - registrar que a Vª República criou uma situação<br />

264 - DEMICHEL, André. El gobierno francés de la v república. Trad. Luiz Cerrant. Madrid: Labor, 1986, p. 84.


muito peculiar com relação a alguns critérios para o exercício <strong>da</strong> função de Ministro de<br />

Estado na França, proibindo, por exemplo, qualquer vinculação <strong>da</strong>queles com o<br />

Parlamento. Foi com Agesta que se encontrou a melhor descrição para esse detalhe do<br />

sistema francês. O autor madrilenho ressalta que:<br />

179<br />

o princípio <strong>da</strong> separação dos órgãos tem uma segun<strong>da</strong> conseqüência, que<br />

constitui uma <strong>da</strong>s mais chamativas novi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> nova Constituição francesa.<br />

A função de membro do Governo, diz o artigo 23, é incompatível com o<br />

exercício de todo man<strong>da</strong>to parlamentar, de to<strong>da</strong> função de representação<br />

profissional de caráter nacional e todo emprego público ou ativi<strong>da</strong>de<br />

profissional pública. Uma lei orgânica fixa as condições para a substituição<br />

caso algum ministro esteja exercendo algumas dessas funções ou empregos. A<br />

substituição do man<strong>da</strong>to parlamentar terá lugar mediante a convocação do<br />

deputado suplente, que substituirá o parlamentar que passe a ocupar uma<br />

pasta ministerial (artigo 25º). 265<br />

Agesta continua seu raciocínio apontando os objetivos e as justificativas deste<br />

dispositivo, ponderando que:<br />

poderia pensar-se que nos encontramos perante um princípio clássico do<br />

sistema presidencialista. O alcance dessa medi<strong>da</strong> tem um significado mais<br />

modesto e mais prático: tende simplesmente a cortar o que se chamava de<br />

carreira por trás <strong>da</strong>s pastas ministeriais, que era uma <strong>da</strong>s causas endêmicas<br />

<strong>da</strong> instabili<strong>da</strong>de ministerial <strong>como</strong> fonte perene de intrigas para determinar<br />

uma crise. É possível que, por sua vez, esta medi<strong>da</strong> tenha outras<br />

conseqüências, <strong>da</strong>ndo preferência nas pastas ministeriais a quadros<br />

profissionais altamente qualificados. Inclusive foram nomeados Primeiro-<br />

Ministros que não tinham man<strong>da</strong>tos parlamentares, <strong>como</strong> foi com Pompidou e<br />

Barre. 266<br />

E complementa o mesmo autor dizendo que “com isso fica completo esse<br />

original sistema parlamentar em que os ministros, responsáveis perante o Parlamento<br />

e com participação em suas funções, não procedem, sem embargo, nem por sua<br />

investidura nem por um man<strong>da</strong>to parlamentar, <strong>da</strong> Assembléia com a qual<br />

265 - AGESTA, Luiz Sanches. Op. Cit. p. 293.<br />

266 - AGESTA, Luiz Sanches. Id. Ibid. p. 293.


colabora.” 267<br />

Esta característica, mais comum nos sistemas presidencialistas, contraria a<br />

tendência <strong>da</strong> maioria dos sistemas parlamentaristas <strong>da</strong> Europa Ocidental, nos quais o<br />

Primeiro-Ministro e os ministros de Estado, em sua maioria, são provenientes do<br />

Parlamento e não precisam licenciar-se para o exercício de suas funções.<br />

6.1.4 - As Relações Governo - Parlamento<br />

A Vª República instituiu uma marca claramente parlamentarista e democrática<br />

nas relações Governo - Parlamento.<br />

O Governo responde soli<strong>da</strong>riamente perante a Assembléia Nacional, segundo o<br />

que preceitua a Constituição francesa de 1958, com o Senado estando numa posição de<br />

inferiori<strong>da</strong>de, já que não pode exigir responsabili<strong>da</strong>de política ao Governo.<br />

Pablo Lucas Murillo observa muito bem o mecanismo de controle do sistema<br />

francês, ao afirmar que:<br />

180<br />

as relações políticas do Governo com a Assembléia Nacional se articulam<br />

basicamente em torno <strong>da</strong> Questão de Confiança (a Constituição não utiliza<br />

esse termo parlamentarista) e o voto de censura. A Questão de Confiança<br />

pode ser suscita<strong>da</strong> pelo Primeiro-Ministro, após prévia deliberação do<br />

Conselho de Ministros, sobre o programa de Governo ou, eventualmente,<br />

sobre uma declaração de política geral. 268<br />

Murillo ain<strong>da</strong> levanta um fato muito interessante sobre a Questão de<br />

267 - AGESTA, Luiz Sanches. Id. Ibid. p. 293.<br />

268 - MURILLO, Pablo Lucas et alii. Sistemas políticos contemporâneos. Barcelona: Teide, 1984, p. 83.


Confiança, inclusive ligando-a ao <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, argumentando que:<br />

181<br />

este tradicional instituto parlamentarista suscita, no sistema francês, uma<br />

importante dúvi<strong>da</strong>: O Governo, após constituído, deve solicitar a confiança <strong>da</strong><br />

Assembléia Nacional? Muitos autores, depois de minuciosos estudos dos<br />

antecedentes e <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção do artigo 49º <strong>da</strong> Constituição, chegam à conclusão<br />

que é necessário este trâmite, que veio a substituir ao <strong>da</strong> investidura. Sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, esta concepção, defendi<strong>da</strong> pela esquer<strong>da</strong> desde 1958, nem sempre foi<br />

posta em prática, pois alguns Primeiro-Ministros compareceram com seu<br />

programa perante a Assembléia, <strong>como</strong> Pompidou, mas outros se negaram a<br />

fazê-lo e o comparecimento de Pierre Mauroy em 1981 perante a Assembléia<br />

Nacional recém eleita não permite saber se foi propósito do Governo<br />

socialista tentar implantar o costume. Quem sabe pode-se pensar, <strong>como</strong><br />

sustentam muitos escritores franceses, que a confiança <strong>da</strong> Assembléia<br />

Nacional no Governo está implícita na Vª República, o que ficaria melhor com<br />

a idéia do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>. Há também um procedimento,<br />

certamente polêmico, de comprometer a confiança do Governo e é ele que está<br />

regulamentado no parágrafo terceiro do artigo 49º, em virtude do qual, o<br />

Primeiro-Ministro pode pedir a votação de um texto, que se considera<br />

aprovado sem debate nem votação quando não se apresenta uma moção de<br />

censura no prazo de vinte e quatro horas. 269<br />

Pode-se observar, então, que dois são os instrumentos com os quais a<br />

Assembléia Nacional pode exigir responsabili<strong>da</strong>de política do Governo. São eles:<br />

a) - A Moção de Censura.<br />

O sistema francês está construído sobre o pressuposto de que o Governo deve<br />

ter a confiança <strong>da</strong> Assembléia Nacional, confiança esta que só pode ser retira<strong>da</strong> de<br />

forma expressa pela maioria dos Deputados. A lição de Burdeau é eluci<strong>da</strong>tiva quando<br />

ensina que:<br />

a moção de censura é regula<strong>da</strong> pelo pressuposto <strong>da</strong> confiança implícita ao<br />

Governo, e que só os votos a favor <strong>da</strong> moção - que se `desconta´ <strong>da</strong> confiança<br />

implícita - são computados, já que os votos nulos, as ausências e as<br />

abstenções `votam´ a favor do Governo. Por esse motivo, é um instituto com<br />

uma configuração muito restrita, já que tem que ser assina<strong>da</strong> por um décimo<br />

dos deputados, que não poderão apresentar outra moção de censura no<br />

mesmo período legislativo, além de precisar <strong>da</strong> maioria absoluta dos votos<br />

269 - MURILLO, Pablo Lucas et alii. Id. Ibid. p. 83.


para ser aprova<strong>da</strong>. 270<br />

Mesmo assim, o procedimento previsto pela Constituição <strong>da</strong> Vª República para<br />

a proposição de uma Moção de Censura não é tão claro <strong>como</strong> o <strong>da</strong> anterior<br />

Constituição de 1946, mas pode-se listar os seguintes requisitos:<br />

Número Mínimo de Assinaturas.<br />

A Moção de Censura deve ser assina<strong>da</strong>, pelo menos, por um décimo dos<br />

Deputados <strong>da</strong> Assembléia Nacional;<br />

Prazo de Reflexão.<br />

A Moção de Censura não poderá ser aprecia<strong>da</strong> nas primeiras 48 horas após sua<br />

apresentação, para impedir que uma medi<strong>da</strong> com esta magnitude seja vota<strong>da</strong> no embalo<br />

de emoções ou no calor de algum enfrentamento político inicial;<br />

Exigência de Maioria Para Aprovação.<br />

A Moção de Censura, para ser aprova<strong>da</strong>, deve ter o voto favorável <strong>da</strong> maioria<br />

absoluta dos Deputados, sem o que é considera<strong>da</strong> rejeita<strong>da</strong>;<br />

Penalização dos Signatários.<br />

Os deputados que tenham assinado a propositura de uma Moção de Censura<br />

que tenha sido rejeita<strong>da</strong>, não poderão subscrever outra durante o mesmo período<br />

legislativo, não devendo ser confundido com a Legislatura, que é o tempo de man<strong>da</strong>to<br />

dos Deputados <strong>da</strong> Assembléia Nacional.<br />

270 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 595.<br />

182


Desde 1958, ano <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> Vª República, foram<br />

apresenta<strong>da</strong>s muitas Moções de Censura, mas só a apresenta<strong>da</strong> em 1962, contra o então<br />

Primeiro-Ministro George Pompidou foi aprova<strong>da</strong>.<br />

b) A Questão de Confiança.<br />

Mesmo que a Constituição francesa <strong>da</strong> Vª República não traga expressamente<br />

a “Questão de Confiança”, seu artigo 49 prevê duas situações em que o Primeiro-<br />

Ministro, após prévia deliberação do Conselho de Ministros, pode solicitar a<br />

confirmação <strong>da</strong> confiança <strong>da</strong> Assembléia Nacional. São elas:<br />

Para seu Programa de Governo ou uma declaração de Política Geral;<br />

Para um texto legislativo, que será automaticamente aprovado caso não seja<br />

acolhi<strong>da</strong> uma Moção de Censura que tenha sido apresenta<strong>da</strong> nas 24 horas subsequentes<br />

à apresentação <strong>da</strong> Questão de Confiança.<br />

Lijphart facilita a compreensão <strong>da</strong> “Questão de Confiança” do sistema francês,<br />

quando anota que:<br />

183<br />

este é um instrumento de utilização conjunta <strong>da</strong> Questão de Confiança e a<br />

Moção de Censura que persegue a eliminação do chamado `fenômeno <strong>da</strong><br />

dissolução de maiorias´, muito freqüente durante a IVª República: quando o<br />

Governo solicitava uma questão de confiança vincula<strong>da</strong> a um projeto de lei e<br />

não obtinha a maioria suficiente para sua aprovação, retirava a proposta. A<br />

Constituição <strong>da</strong> Vª República eliminou tal possibili<strong>da</strong>de e permitiu ao<br />

Governo aprovar seu projeto de lei sem tê-lo votado e aprovado pelos<br />

representantes do povo, sempre e quando não seja apresenta<strong>da</strong> uma Moção de<br />

Censura no prazo de 24 horas após apresentado o projeto de lei, ou que seja<br />

apresenta<strong>da</strong> e rejeita<strong>da</strong>. É importante insistir que o que se vota é a Moção de<br />

Censura e não o texto legislativo. 271<br />

271 - LIJPHART, Arendt. Op. Cit. p. 147.


6.2 - O PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA DEMOCRACIA<br />

Foi, sem dúvi<strong>da</strong>s, o sistema francês que trouxe maiores dificul<strong>da</strong>des para o<br />

estabelecimento <strong>da</strong> conexão entre o Sistema de Governo e a <strong>Democracia</strong>.<br />

A hipótese com que se trabalhou sempre se mostrou consistente: a França, um<br />

dos países mais desenvolvidos do planeta no que diz respeito à <strong>Democracia</strong> e aos<br />

direitos humanos, teve em seu <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> um dos sustentáculos<br />

para atingir este grau de desenvolvimento.<br />

Pois bem. Num primeiro momento, quando se foi à bibliografia para embasar<br />

esta hipótese, o que se encontrou foram afirmações tais <strong>como</strong> “o atual Sistema de<br />

Governo <strong>da</strong> França nasceu de um golpe de Estado” ou “o sistema de Governo francês é<br />

uma monarquia republicana” ou ain<strong>da</strong> “o sistema de Governo <strong>da</strong> França dá ao<br />

Presidente <strong>da</strong> República poderes imperiais”.<br />

Entretanto, depois de uma análise detalha<strong>da</strong>, o pesquisador mais atento<br />

começa a entender que o processo democrático francês foi muito diferente <strong>da</strong>queles<br />

mais tradicionais, calcados na luta de maiorias alija<strong>da</strong>s do poder contra minorias<br />

autoritárias.<br />

O que aconteceu na França foi que uma sucessão de fatores passaram a<br />

contribuir para a criação de uma consciência democrática basea<strong>da</strong> na preocupação em<br />

limitar os excessos <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> parlamentar, tão comum durante a IVª República.<br />

184<br />

Considerado isto, é possível concluir, com boa segurança, que os franceses


optaram por uma democratização “regressiva”, ou seja, pela estabilização do sistema<br />

político, <strong>como</strong> um todo, através de um processo de regresso à <strong>Democracia</strong> equilibra<strong>da</strong>.<br />

Isto, <strong>como</strong> em qualquer movimento destinado a equilibrar situações, levou, no<br />

início, a uma certa radicalização de métodos, principalmente com o General De Gaulle.<br />

Observe-se o que diz Javier Garcia Fernandez, a certa altura de sua obra, sobre<br />

o caráter progressivo <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção democrática na França. O autor, mesmo com as<br />

ressalvas comuns ao sistema francês, assinala que:<br />

185<br />

a estreitíssima conexão entre o regime constitucional <strong>da</strong> V República e a<br />

expressão <strong>da</strong> política conservadora obriga a reivindicar-se a continui<strong>da</strong>de do<br />

regime depois de que, após as eleições presidenciais e parlamentares de 1981,<br />

a esquer<strong>da</strong> voltava, depois de tantos anos, ao poder. É certo, <strong>como</strong> disse<br />

Olivier Duhamel, que a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> supõe a legitimação de um<br />

regime nascido depois de um golpe de Estado, e que tudo isso se produziu sem<br />

a menor ruptura <strong>da</strong>s previsões constitucionais, as quais permitiram, inclusive,<br />

o ajuste entre o poder presidencial e a maioria parlamentar. A prática <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong> mostra, inclusive, que a diferença dos anos do gaullismo, não parece<br />

tender a uma confusão de poderes Executivo-Legislativo, o que mostra que a<br />

estrutura institucional <strong>da</strong> V República não parece, de momento, em perigo. 272<br />

Javier Garcia Fernandez escreveu este livro há 18 anos atrás. Até hoje o<br />

sistema francês demonstra sua flexibili<strong>da</strong>de e a<strong>da</strong>ptação.<br />

Já se observaram vários tipos de composição política, de coabitação e de<br />

crises, com o Sistema de Governo <strong>da</strong> França sempre se apresentando <strong>como</strong> adequado<br />

ao exercício <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>. É <strong>como</strong> observa Duverger, en seu “Os Grandes Sistemas<br />

Políticos” ao abor<strong>da</strong>r o atual sistema de Governo naquele país, ao escrever que “não<br />

obstante, o regime francês continua a ser parlamentar. O Primeiro-Ministro e os<br />

ministros formam um Gabinete responsável perante a Assembléia Nacional, que pode<br />

272 - FERNADEZ, Javier Garcia. Op. Cit. p. 103.


obrigá-lo a demitir-se através de um voto de desconfiança. O governo não pode<br />

governar se não dispuser de maioria na Assembléia.” 273<br />

Ain<strong>da</strong> com Duverger, só que agora em obra denomina<strong>da</strong> O Regime<br />

Semipresidencialista, é possível observar-se a importância <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de<br />

governamental para a <strong>Democracia</strong> francesa. Como a estabili<strong>da</strong>de governamental deu-<br />

se, naquele país, através <strong>da</strong> racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong>, o tratadista gaulês<br />

escreve que “a introdução de tal sistema na França se deu em uma velha democracia<br />

que nunca havia conhecido maioria e não parecia capaz de conhecê-la nos próximos<br />

dias: justamente para mitigar os defeitos dessa ausência de maioria.” 274<br />

Buscou-se no ex-Presidente Francês Valery Giscard d’Estaing, em sua obra<br />

<strong>Democracia</strong> Francesa, quando abor<strong>da</strong> o desenvolvimento democrático de seu país,<br />

também um depoimento que pudesse reforçar esta posição. Segundo o que ele<br />

escreveu, os processos ocorridos na Inglaterra e na Alemanha são exemplos de<br />

evolução <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> social engendra<strong>da</strong> após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, quando<br />

aqueles países iniciaram, antes <strong>da</strong> França, o combate efetivo às desigual<strong>da</strong>des sociais.<br />

E mostra que o desenvolvimento democrático francês do pós-guerra deu-se com a<br />

implantação do sistema de Governo <strong>da</strong> Vª República, esclarecendo que:<br />

186<br />

em primeiro lugar, porque ela se cumpriu num período de excepcional<br />

estabili<strong>da</strong>de política. Nossas instituições, fixa<strong>da</strong>s em 1958 e 1962 sob a<br />

inspiração do General De Gaulle, após terem sido violentamente combati<strong>da</strong>s<br />

por uma fração do corpo político, na reali<strong>da</strong>de não são mais contesta<strong>da</strong>s.<br />

Numa situação ver<strong>da</strong>deiramente excepcional em nossa história, os franceses<br />

têm o sentimento de dispor, em seu conjunto, de um sistema político a<strong>da</strong>ptado<br />

à governança de um Estado moderno. 275<br />

273 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 276.<br />

274 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. III, do prefácio.<br />

275 - d’ESTAING, Valery Giscard. <strong>Democracia</strong> francesa. Trad. Paulo Brossard. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977, p. 19.


Em segui<strong>da</strong> d’Estaing aponta as complexi<strong>da</strong>des do processo de estabilização<br />

<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> francesa, após 1958, que ensejou, por conta desta estabili<strong>da</strong>de, uma<br />

profun<strong>da</strong> reformulação na Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele país. O autor escreveu que “em segundo<br />

lugar, porque a estabili<strong>da</strong>de do poder político, e por conseguinte a dos homens que o<br />

manejam, devi<strong>da</strong> simplesmente à fideli<strong>da</strong>de à <strong>Democracia</strong>, proporcionou uma ilusão<br />

de imutabili<strong>da</strong>de, quando o país se transformava desde seus alicerces.” 276<br />

Como se pôde notar durante o desenvolvimento deste capítulo, todos os<br />

instrumentos do Sistema de Governo <strong>da</strong> França <strong>da</strong> Vª República convergiram para<br />

objetivos bem definidos, <strong>como</strong> estabili<strong>da</strong>de governamental e democrática.<br />

Deve-se realçar, conforme se procurou demonstrar, que a racionalização do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> francês, que o levou para tão próximo do Presidencialismo, obedeceu<br />

critérios muito próprios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de francesa. Atualmente, não há mais a<br />

proeminência do Chefe de Estado sobre as outras instituições democráticas.<br />

Ca<strong>da</strong> vez mais os franceses reconhecem em seu Sistema de Governo o<br />

equilíbrio necessário para assegurar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia política a to<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de.<br />

É uma <strong>Democracia</strong> construí<strong>da</strong> sobre outra <strong>Democracia</strong>, cabendo um pedido de<br />

desculpas pela utilização de uma afirmação não usual <strong>como</strong> esta.<br />

A <strong>Democracia</strong> existe sob várias formas e depende <strong>da</strong> convergência Socie<strong>da</strong>de-<br />

Governo-Estado para uma faixa de consenso sobre sua operacionali<strong>da</strong>de e sua<br />

capaci<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r respostas adequa<strong>da</strong>s às aspirações dos ci<strong>da</strong>dãos que vivem para<br />

exercitá-la.<br />

276 - d’ESTAING, Valery Giscard. Id. Ibid. p. 20.<br />

187


CAPÍTULO VII - O PARLAMENTARISMO PORTUGUÊS E<br />

RACIONALIZAÇÃO EQUILIBRADA<br />

Portugal possui um sistema de Governo que pode ser caracterizado <strong>como</strong><br />

“<strong>Parlamentarismo</strong> Presidencializado” 277 , ao contrário do sistema francês, no qual,<br />

<strong>como</strong> já foi observado nesta Tese, o Presidencialismo é Parlamentarizado.<br />

Sendo assim, o sistema de Governo parlamentarista em Portugal foi<br />

racionalizado de forma distinta, <strong>como</strong> veremos nesta parte do trabalho.<br />

Considerando a denominação <strong>da</strong><strong>da</strong> ao modelo português, optou-se, na<br />

introdução a este capítulo, pelas idéias do publicista catarinense Clóvis de Souto<br />

Goulart, que dedica significativa atenção em sua obra, Formas e Sistemas de Governo<br />

- Uma Alternativa Para a <strong>Democracia</strong> Brasileira, à definição e caracterização <strong>da</strong>s<br />

formas mistas de <strong>Parlamentarismo</strong>. Consultou-se muitos outros autores, do porte, por<br />

exemplo, de Canotilho, Dallari e Agesta, mas não se conseguiu encontrar algum com<br />

tanta clareza e precisão <strong>como</strong> o faz o autor mencionado. Opondo-se à designação <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

ao atual modelo parlamentarista lusitano, Goulart assinala que “... a improprie<strong>da</strong>de em<br />

denominar os sistemas de governo adotados em Portugal e França, de semi-<br />

presidencialismo, não tem, apenas, a nossa acusação. Ela é ressalta<strong>da</strong>, com<br />

irrefutável argumentação lógica pelos autores portugueses Canotilho e Moreira,<br />

insuspeitos conhecedores <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de política de seu país.” 278<br />

277 - GOULART, Clóvis de Souto. Op. Cit p. 146.<br />

278 - GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 145.


Clóvis Goulart prossegue citando os dois autores referidos, ponderando que:<br />

189<br />

depois de ressalvarem o fato de que a denominação do sistema é relativamente<br />

irrelevante, exceto se se quiser a ela atribuir qualquer valor normativo,<br />

lecionam: ` A solução depende, não apenas <strong>da</strong> análise do esquema<br />

configurado na Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, mas, também, <strong>da</strong><br />

própria definição típica de ca<strong>da</strong> um dos sistemas tradicionais. De qualquer<br />

forma, se se entender que a característica essencial do sistema parlamentar é<br />

a dependência do executivo perante o Parlamento, e que a do sistema<br />

presidencial é a chefia do executivo pelo Presidente e sua independência<br />

perante o Parlamento, então o esquema <strong>da</strong> CRP comporta a primeira, mas<br />

não a segun<strong>da</strong>. Nesses termos, afigura-se que, se se quiser <strong>da</strong>r um nome ao<br />

sistema, então ele terá de pôr em relevo a sua natureza mista, é certo, mas de<br />

dominante parlamentar. 279<br />

Goulart continua ain<strong>da</strong> com Canotilho e Moreira, escrevendo que:<br />

e, julgando mais apropria<strong>da</strong>s designações <strong>como</strong> `governo parlamentar com<br />

uma componente presidencial’ ou `forma de governo misto parlamentarpresidencial’,<br />

arrematam: To<strong>da</strong>via vulgarizou-se entre nós a designação de<br />

regime semi-presidencial, que se tornou corrente na literatura portuguesa<br />

sobre o tema, por influência francesa. A ver<strong>da</strong>de é que tal designação, além<br />

de equivoca<strong>da</strong> (caracteriza o sistema de referência à forma de governo<br />

presidencial, silenciando a sua referência à forma de governo parlamentar,<br />

que to<strong>da</strong>via é a dominante), não corresponde adequa<strong>da</strong>mente ao perfil do<br />

esquema <strong>da</strong> CRP, visto que, a to<strong>da</strong>s as luzes, ele está longe de revestir metade<br />

<strong>da</strong>s características do regime presidencial, faltando-lhe mesmo a sua<br />

principal característica (<strong>como</strong> acima se mostrou). 280<br />

Certamente que os doutrinadores portugueses estão se referindo, muito<br />

especialmente, a autores <strong>como</strong> Maurice Duverger, o qual, por inúmeras vezes, em suas<br />

obras, generaliza os sistemas mistos <strong>como</strong> semi-presidenciais.<br />

279 - GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 146.<br />

280 - GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 146.


7.1 - ENQUADRAMENTO HISTÓRICO<br />

Atualmente, Portugal é, constitucionalmente, uma República democrática<br />

representativa, organiza<strong>da</strong> em um Estado unitário centralizado e basea<strong>da</strong> nos direitos e<br />

liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais de seus ci<strong>da</strong>dãos.<br />

A <strong>Democracia</strong> portuguesa é muito recente. Só em 25 de abril de 1974, após<br />

déca<strong>da</strong>s de ditadura, foi restaura<strong>da</strong> curiosamente através de um golpe militar, pondo<br />

fim a um regime que Fernandes chama de “ditatorial e corporativista” 281<br />

Este regime ditatorial e corporativista empurrou Portugal, já na déca<strong>da</strong> de 70,<br />

para guerras coloniais na África, contra as guerrilhas patrocina<strong>da</strong>s pelos movimentos<br />

de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. No entanto, amplos setores <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de portuguesa entendiam que a solução para as colônias africanas era política e<br />

não militar, o que precipitou o fim <strong>da</strong> ditadura inicia<strong>da</strong> por Salazar, com um golpe de<br />

Estado patrocinado pelas forças arma<strong>da</strong>s.<br />

Já nos primeiros momentos do movimento de 25 de abril os militares<br />

apresentaram um programa à Nação Portuguesa, que ficou denominado <strong>como</strong><br />

Programa do Movimento <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s ou Programa do MFA. Este programa<br />

previa, entre outras coisas, a liber<strong>da</strong>de de reunião e de associação, a formação de<br />

agremiações políticas e a eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte, para levar<br />

281 - FERNANDES, António José. Os sistemas político-constitucionais português e espanhol - Análise Comparativa. Lisboa:<br />

Europa, 1986, p. 41.<br />

190


o país à <strong>Democracia</strong> e aprovar uma nova Constituição para Portugal.<br />

Em 11 de março de 1975, houve uma outra tentativa de golpe dentro <strong>da</strong>s<br />

próprias forças arma<strong>da</strong>s, com um ataque a um quartel em Lisboa, o que acarretou<br />

mu<strong>da</strong>nças significativas no comando do MFA. Vários oficiais de alta patente foram<br />

afastados de suas funções ou mesmo foram para o exílio. Este fato mudou<br />

completamente a orientação político-ideológica do movimento de 25 de abril:<br />

desaparece o escopo liberal e entra em cena o perfil ideológico que orienta a vi<strong>da</strong><br />

política portuguesa até hoje - resistindo até agora ao neo-liberalismo que varre a<br />

Europa ocidental - e que orientaria a elaboração <strong>da</strong> nova Constituição, a Social-<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

A Assembléia Constituinte foi eleita em 25 de abril de 1975 e iniciou seus<br />

trabalhos em 2 de junho do mesmo ano. O novo texto foi promulgado em 2 de abril de<br />

1976, após muita polêmica, o que levou os militares a quase tutela de todo o processo,<br />

inclusive com a celebração do primeiro pacto entre o MFA e os Partidos políticos.<br />

Muito rapi<strong>da</strong>mente o golpe de Estado de 25 de abril de 1974 foi-se<br />

transformando em Revolução, que começou pela substituição <strong>da</strong> Junta de Salvação<br />

Nacional - o que, há de se convir, era um título um tanto pretensioso - pelo Conselho<br />

<strong>da</strong> Revolução, que passa a ser o órgão detentor do poder político-militar.<br />

O primeiro Pacto MFA-Partidos Políticos, celebrado em 10 de abril de 1975,<br />

estabeleceu <strong>como</strong> órgãos soberanos do Estado o Presidente <strong>da</strong> República, o Conselho<br />

<strong>da</strong> Revolução, a Assembléia do MFA, a Assembléia Legislativa, o Governo e os<br />

Tribunais, com o Presidente <strong>da</strong> República, <strong>da</strong>do o perfil do sistema político adotado,<br />

191


sendo o presidente do Conselho <strong>da</strong> Revolução e Coman<strong>da</strong>nte Supremo <strong>da</strong>s Forças<br />

Arma<strong>da</strong>s.<br />

O Presidente <strong>da</strong> República era eleito por um Colégio Eleitoral, formado pela<br />

Assembléia do MFA 282 e pela Assembléia Legislativa.<br />

Foi então instaurado constitucionalmente um “... `regime semi-democrático´ e<br />

um `sistema directorial militar´, <strong>da</strong>do que a Assembléia do MFA não resultava <strong>da</strong><br />

manifestação <strong>da</strong> vontade popular através de eleições livres e diretas, e o Conselho <strong>da</strong><br />

Revolução ocupava uma posição dominante (posição de tutela sobre os órgãos<br />

legislativos e executivos) na estrutura dos órgãos do Poder do Estado.” 283<br />

Por conta do ambiente altamente conturbado que acompanhava a elaboração <strong>da</strong><br />

Constituição e com a derrota dos militares mais radicais na batalha intestina <strong>da</strong>s Forças<br />

Arma<strong>da</strong>s e com os vencedores entendendo que, numa <strong>Democracia</strong> de fato, o Presidente<br />

não poderia continuar sendo eleito indiretamente, foi necessária a celebração de outro<br />

Pacto MFA-Partidos Políticos, em 27 de fevereiro de 1976.<br />

O chamado segundo Pacto MFA-Partidos Políticos foi diferente do primeiro<br />

em pontos muito importantes, principalmente ao deixar em segundo plano a<br />

Assembléia do MFA, mantendo o Conselho <strong>da</strong> Revolução com poderes reduzidos e<br />

prevendo a eleição do Presidente <strong>da</strong> República por voto direto, secreto e universal,<br />

<strong>da</strong>ndo a este amplos poderes.<br />

282 - Conforme António José Fernandes, na disciplina “Instituições Políticas e Sociais dos Países Membros <strong>da</strong> União<br />

Européia”, leciona<strong>da</strong> durante a realização do III Curso de Mestrado em Estudos Europeus, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, a<br />

Assembléia do MFA era constituí<strong>da</strong> por 240 representantes <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, sendo 120 do exército, 60 <strong>da</strong> marinha e 60<br />

<strong>da</strong> Força Aérea, entre os quais deveriam estar, obrigatoriamente, os membros do Conselho <strong>da</strong> Revolução.<br />

283 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 43.<br />

192


Ficou estabeleci<strong>da</strong>, neste segundo pacto, também a responsabili<strong>da</strong>de do<br />

Governo perante o Presidente <strong>da</strong> República e também perante a Assembléia<br />

Legislativa.<br />

O modelo do segundo pacto foi introduzido na Constituição que entrou em<br />

vigor no dia 25 de abril de 1976.<br />

A Constituição <strong>da</strong> República de 1976 implantou um sistema sem precedentes e<br />

que não pode ser identificado com qualquer modelo contemporâneo (parlamentar,<br />

presidencial, diretorial ou misto), considerando que a sede do poder passou a ser o<br />

Conselho <strong>da</strong> Revolução.<br />

escrevendo que:<br />

António Fernandes explica muito bem o esquema implantado naquela ocasião,<br />

193<br />

por isso se diz que a CRP de 1976 define um sistema de governo híbrido, que<br />

não é parlamentar nem presidencialista, e muito menos é um sistema de<br />

convenção ou assembléia, nem se identifica com o sistema semipresidencialista<br />

francês. Pelo simples fato de consagrar um órgão de<br />

soberania de índole militar - o Conselho <strong>da</strong> Revolução - a Lei Fun<strong>da</strong>mental de<br />

1976 definiu um modelo novo de sistema político de governo, que alguns<br />

autores denominaram de `modelo misto semipresidencial e diretorial militar´<br />

e outros do `modelo de semipresidencialismo´, mas que nós preferimos<br />

qualificar de `sistema híbrido´, portador de elementos característicos dos<br />

sistemas presidencialistas (eleição do Chefe de Estado por sufrágio universal,<br />

direto e secreto, e separação de poderes e de funções), dos sistemas<br />

parlamentares (responsabili<strong>da</strong>de política do Governo perante o Parlamento e<br />

facul<strong>da</strong>de de dissolução deste pelo Chefe de Estado), e dos sistemas<br />

diretoriais militares (consagração de um órgão diretorial militar - o Conselho<br />

<strong>da</strong> Revolução - com funções legislativas no domínio militar e de fiscalização<br />

política <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de dos outros órgãos de soberania). 284<br />

A Constituição de 1976 já trouxe uma previsão de revisão após a primeira<br />

284 - FERNANDES, António José. Id. Ibid. p. 44.


legislatura parlamentar 285 , que culminou com a aprovação pela Assembléia <strong>da</strong><br />

República <strong>da</strong> Lei Constitucional n. º 1/82, que entrou em vigor após a sua promulgação<br />

em 24 de setembro desse ano, consumando-se desta forma a revisão <strong>da</strong> Constituição<br />

portuguesa de 1976.<br />

Com a revisão de 1982, o regime político tornou-se ver<strong>da</strong>deiramente<br />

democrático, já que todos os órgãos de direção superior do Estado passaram a ser<br />

eleitos pelo voto popular e o Sistema de Governo deixou de ser o que Fernandes<br />

chamou de “Diretorial Militar”. O Conselho <strong>da</strong> Revolução foi extinto, sendo<br />

substituído pelo Conselho de Estado, com competências apenas consultivas. Instituiu o<br />

Tribunal Constitucional, destinado ao controle <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s normas<br />

jurídicas. Aumentou as competências <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República, tanto em matéria<br />

legislativa, <strong>como</strong> em matéria eletiva e de fiscalização política, com a redução de duas<br />

para uma moção de censura para derrubar o Governo, além de ter mu<strong>da</strong>do o sistema de<br />

relações entre os órgãos de direção superior do Estado, <strong>como</strong> o Parlamento, o Chefe de<br />

Estado e o Governo. Canotilho aju<strong>da</strong> a entender o Sistema de Governo em Portugal<br />

após a primeira revisão, ensinando que “as relações entre os vários órgãos de<br />

soberania estabeleci<strong>da</strong>s na Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa apontam para um<br />

regime misto parlamentar-presidencial, onde são visíveis elementos típicos do<br />

presidencialismo e elementos caracterizadores do regime parlamentar.” 286<br />

A partir deste momento, todos os esforços <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de portuguesa deram-se<br />

285 - O artigo 286 <strong>da</strong> CRP prescrevia a primeira revisão constitucional nos seguintes termos: a) Na II legislatura, a<br />

Assembléia <strong>da</strong> República tem poderes de revisão constitucional, que se esgotam com a aprovação <strong>da</strong> lei de revisão; b) As<br />

alterações <strong>da</strong> Constituição terão de ser aprova<strong>da</strong>s por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior ã<br />

maioria absoluta dos Deputados em efetivi<strong>da</strong>de de funções, e o Presidente <strong>da</strong> República não poderá recusar a promulgação <strong>da</strong><br />

lei de revisão.<br />

286 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 709.<br />

194


no sentido de garantir estabili<strong>da</strong>de democrática ao sistema político, com a<br />

racionalização do Sistema de Governo, <strong>como</strong> será visto mais adiante.<br />

Após cinco anos <strong>da</strong> primeira revisão, a Assembléia <strong>da</strong> República<br />

automaticamente ganhou poderes de revisão 287 . Depois disto duas outras revisões já se<br />

realizaram sem, contudo, provocar alterações substanciais no sistema político e de<br />

Governo de Portugal instituídos em 1982.<br />

Durante a elaboração desse capítulo desta Tese, foi possível freqüentar - <strong>como</strong><br />

seminário para o Programa de Doutorado ao qual o autor desta Tese encontra-se<br />

vinculado - a disciplina “Instituições Políticas e Sociais dos Países <strong>da</strong> União<br />

Européia”, no curso de mestrado em Estudos Europeus <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, em<br />

Portugal, ministra<strong>da</strong> pelo professor doutor António José Fernandes, na qual teve-se<br />

oportuni<strong>da</strong>de de discutir a evolução dos sistemas político e de Governo <strong>da</strong>quele país.<br />

Na ocasião foi apresentado o seguinte esquema:<br />

287<br />

- Segundo o inciso 1 do artigo 284, a Assembléia <strong>da</strong> República pode rever a Constituição decorridos cinco anos após a<br />

<strong>da</strong>ta de promulgação de qualquer lei de revisão.<br />

195


Síntese <strong>da</strong> Evolução <strong>da</strong>s Instituições Políticas - Órgãos de Soberania, Regime<br />

Político e Sistema de Governo:<br />

25 de abril de 1974<br />

1 Pacto MFA-Partidos<br />

Políticos<br />

2 Pacto MFA-Partidos<br />

Políticos<br />

1 Revisão <strong>da</strong> CRP (12/08/82)<br />

Órgãos de Soberania Sistema de Governo<br />

- Junta de Salvação Nacional<br />

- Assembléia do MFA<br />

- Governo<br />

- Tribunais<br />

- Presidente <strong>da</strong> República<br />

eleito indiretamente<br />

- Conselho <strong>da</strong> Revolução<br />

- Assembléia do MFA (240<br />

membros)<br />

- Assembléia Legislativa (250<br />

membros)<br />

- Governo<br />

- Tribunais<br />

- Assembléia Legislativa (250<br />

membros)<br />

- Presidente <strong>da</strong> República<br />

eleito diretamente<br />

- Conselho <strong>da</strong> Revolução<br />

- Governo<br />

Tribunais<br />

- Assembléia <strong>da</strong> República<br />

- Presidente <strong>da</strong> República<br />

- Governo<br />

- Tribunais<br />

- Diretorial Militar<br />

- Semi-Democrático<br />

- Diretorial Militar<br />

- Regime Semi-Democrático<br />

- <strong>Parlamentarismo</strong> restrito<br />

(por conta do Conselho <strong>da</strong><br />

Revolução)<br />

- Regime Semi-Democrático<br />

- Regime Democrático<br />

-<strong>Parlamentarismo</strong><br />

Presidencializado<br />

Revisões Posteriores mantiveram os mesmos órgãos sem alterações<br />

Deve-se observar que a 1ª Revisão <strong>da</strong> CRP eliminou o Conselho <strong>da</strong> Revolução<br />

e criou o Conselho de Estado para o substituir nas funções consultivas do Presidente<br />

<strong>da</strong> República e instituiu o Tribunal Constitucional em substituição à Comissão<br />

Constitucional que funcionava junto do Conselho <strong>da</strong> Revolução. 288<br />

288 - Quadro elaborado pelo Prof. Doutor António José Fernandes na disciplina Instituições Políticas e Sociais dos Países <strong>da</strong><br />

União Européia do Curso de Mestrado em Estudos Europeus <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, em Braga, Portugal, 1997.<br />

196


7.2 - CARACTERIZAÇÃO DO ATUAL SISTEMA DE GOVERNO<br />

O sistema de Governo português remete o pesquisador a algumas<br />

considerações importantes, antes de começar a dissecar um a um seus elementos, de<br />

modo a clarear ao máximo possível esta exposição.<br />

Inicialmente, quer-se salientar que o Chefe de Estado e o Parlamento têm o<br />

mesmo grau de legitimi<strong>da</strong>de democrática, pois ambos são eleitos por voto popular.<br />

Fernandes destaca este detalhe do sistema lusitano ao escrever que:<br />

197<br />

o Chefe de Estado e o Parlamento têm ambos legitimi<strong>da</strong>de democrática, que<br />

lhes advém de sua eleição por sufrágio universal. To<strong>da</strong>via, segundo o<br />

articulado na Lei Fun<strong>da</strong>mental, a vontade do Presidente <strong>da</strong> República não<br />

deve sobrepor-se à vontade do Parlamento. É certo que o Chefe de Estado<br />

pode demitir o Governo para assegurar o regular funcionamento <strong>da</strong>s<br />

instituições democráticas (n. º 2 do artigo 198º) e pode dissolver o<br />

Parlamento, mas dificilmente o fará contra a vontade dos principais partidos<br />

nele representados, nomea<strong>da</strong>mente se estes dispuserem <strong>da</strong> maioria absoluta<br />

dos deputados, e muito menos se dispuserem de dois terços dos seus membros.<br />

Além disso, a formação e manutenção do Governo dependem dos resultados<br />

eleitorais e <strong>da</strong> composição <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República. 289 O Presidente <strong>da</strong><br />

República pode nomear um qualquer Primeiro-Ministro e este formar o seu<br />

Governo, mas se não desfrutar do apoio majoritário no Parlamento<br />

dificilmente poderá subsistir, pois a rejeição do seu programa, que deve ser<br />

submetido à apreciação <strong>da</strong> Assembléia Parlamentar no prazo de dez dias após<br />

a sua nomeação, implica a demissão do Executivo. Não basta o Governo<br />

dispor <strong>da</strong> confiança política do Presidente <strong>da</strong> República, precisa<br />

necessariamente do apoio parlamentar. 290<br />

Depois, é fun<strong>da</strong>mental destacar que a formação e subsistência do Governo<br />

dependem do Presidente <strong>da</strong> República e do Parlamento, perante os quais é responsável.<br />

289 - De acordo com o artigo 190 <strong>da</strong> CRP, o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente <strong>da</strong> República ouvidos os partidos<br />

políticos representados na Assembléia <strong>da</strong> República e tendo em conta os resultados eleitorais.<br />

290 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 59.


O Chefe de Estado nomeia o Primeiro-Ministro tendo em conta os resultados <strong>da</strong>s<br />

eleições parlamentares, levando em consideração a composição <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong><br />

República após o pleito, já que o Governo tem que ter a confiança <strong>da</strong> mesma.<br />

Ain<strong>da</strong> é preciso considerar que o Presidente <strong>da</strong> República, <strong>como</strong> garantidor<br />

<strong>da</strong>s instituições e árbitro do processo político possui poderes significativos, mas que<br />

precisam, na maioria <strong>da</strong>s vezes, <strong>da</strong> aprovação de outros órgãos do Estado, o que<br />

proporciona certo equilíbrio ao sistema.<br />

Este equilíbrio foi alcançado, exatamente, pela implantação de um modelo de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado, destinado a <strong>da</strong>r estabili<strong>da</strong>de à <strong>Democracia</strong>.<br />

O Tribunal Constitucional, <strong>como</strong> órgão encarregado de zelar pela legali<strong>da</strong>de e<br />

constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s normas jurídicas, pode declarar nulos os atos praticados por<br />

qualquer instituição de direção superior do Estado.<br />

Deve ficar claro também que o sistema de Governo de Portugal não se<br />

identifica, <strong>como</strong> já foi assinalado, com o sistema francês, pois no modelo português o<br />

Presidente <strong>da</strong> República não é membro do Governo, nem pode convocar o Conselho de<br />

Ministros - prerrogativas próprias do Presidente <strong>da</strong> França - podendo, no entanto,<br />

presidir o gabinete por solicitação do Primeiro-Ministro.<br />

As principais características do sistema português são a responsabili<strong>da</strong>de<br />

política do Governo perante o Parlamento, a facul<strong>da</strong>de do Primeiro-Ministro, por sua<br />

demissão ou por meio de uma Moção de Confiança, contribuir para a dissolução do<br />

Parlamento, além <strong>da</strong> competência do Presidente <strong>da</strong> República para dissolver a<br />

198


Assembléia <strong>da</strong> República.<br />

As características aponta<strong>da</strong>s no parágrafo anterior evidenciam um sistema de<br />

Governo de matriz claramente parlamentarista, de relação democrática equilibra<strong>da</strong><br />

entre os três centros de poder.<br />

199


7.3 - AS INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE GOVERNO EM PORTUGAL<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado português é baseado num sistema de<br />

interrelação democrática entre o Parlamento (Assembléia <strong>da</strong> República), o Presidente<br />

<strong>da</strong> República e o Governo.<br />

Com um sistema partidário de dois partidos dominantes, normalmente com um<br />

deles tendo maioria absoluta no Parlamento ou, no máximo, em coligação ou com o<br />

apoio de partidos menores, os Governos têm tido condições de estabili<strong>da</strong>de razoáveis.<br />

O atual Governo do Primeiro-Ministro António Guterres, do partido socialista, conta<br />

com a simpatia do Presidente, também socialista, Jorge Sampaio. Isto não aconteceu<br />

com os dois Governos anteriores do professor Aníbal Cavaco Silva, quando Mário<br />

Soares era Presidente <strong>da</strong> República, não tendo havido, porém, qualquer problema de<br />

relacionamento institucional e, após dois períodos no poder, o Governo Social-<br />

Democrata foi substituído pelo Socialista pela via <strong>da</strong> eleição ordinária para os<br />

membros do Parlamento.<br />

Este fato indica, mais uma vez, que o modelo de racionalização do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> português está sendo eficiente na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> recente<br />

<strong>Democracia</strong> <strong>da</strong>quele país.<br />

Destaque-se, mais uma vez, que, mesmo com Chefe de Estado e Chefe de<br />

Governo de partidos diferentes, as relações institucionais não sofreram qualquer tipo<br />

de abalo.<br />

200<br />

Deve-se registrar também que o Tribunal Constitucional, apesar de não ter


funções governativas ou arbitrais no sistema de Portugal, tem papel fun<strong>da</strong>mental ao<br />

exercer a tutela à Constituição, à legali<strong>da</strong>de e à relação jurídica entre os órgãos de<br />

direção superior do Estado, conformse será visto a seguir.<br />

7.3.1 - O Chefe de Estado<br />

O Presidente <strong>da</strong> República é o Chefe de Estado na República Portuguesa e tem<br />

<strong>como</strong> tarefa principal garantir a soberania e a uni<strong>da</strong>de do Estado, a arbitragem política<br />

entre o Parlamento e o Governo, garantir as instituições democráticas e coman<strong>da</strong>r as<br />

forças arma<strong>da</strong>s.<br />

A Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, em seu artigo 123º, define o<br />

Presidente <strong>da</strong> República <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

“O Presidente <strong>da</strong> República representa a República Portuguesa, garante a<br />

independência nacional, a uni<strong>da</strong>de do Estado e o regular funcionamento <strong>da</strong>s<br />

instituições democráticas e é, por inerência, Coman<strong>da</strong>nte Supremo <strong>da</strong>s Forças<br />

Arma<strong>da</strong>s.” 291<br />

O Presidente <strong>da</strong> República Portuguesa, portanto, não é um Chefe de Estado<br />

simbólico, nos moldes dos países parlamentaristas clássicos, mas sim um ativo<br />

participante nas relações institucionais do sistema político português, já que goza de<br />

legitimi<strong>da</strong>de eleitoral. A CRP atribui ao Presidente <strong>da</strong> República significativas<br />

competências no exercício <strong>da</strong> sua magistratura. Pode-se observar o que dizem<br />

291 - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. Coimbra: Almedina, 1996, p. 70.<br />

201


Canotilho e Vital Moreira sobre o Presidente <strong>da</strong> República Portuguesa, quando<br />

escrevem que:<br />

202<br />

os tópicos concretos que permitirão caracterizar o sistema português, no que<br />

respeita ao estatuto constitucional do PR, são os seguintes: a) o PR é<br />

diretamente eleito, por maioria absoluta sob candi<strong>da</strong>tura direta dos ci<strong>da</strong>dãos<br />

(e não dos partidos); b) o seu man<strong>da</strong>to é de cinco anos, maior do que a<br />

legislatura <strong>da</strong> AR, não podendo ser destituído antes do final de seu man<strong>da</strong>to;<br />

c) o PR detém grandes poderes institucionais que se apresentam <strong>como</strong> poderes<br />

efetivos, não meramente nominais, entre os quais sobressaem o direito de<br />

veto, a dissolução <strong>da</strong> AR, a demissão do Governo; d) a função presidencial<br />

exerce-se com pequenos poderes de intervenção direta na condução política<br />

do país, a qual pertence ao governo, com autonomia face ao PR; boa parte<br />

dos atos mais graves do PR estão, porém, condicionados a prévio parecer do<br />

Conselho de Estado, à proposta do Governo ou à ratificação parlamentar. 292<br />

O Sistema de Governo de Portugal colocou, portanto, o Presidente <strong>da</strong><br />

República <strong>como</strong> um ver<strong>da</strong>deiro guardião do processo democrático, o que é traduzido<br />

pela função, ressalta<strong>da</strong> pelos publicistas, de árbitro do processo político.<br />

a) - Eleição.<br />

A Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, em seu artigo 124, disciplina a<br />

eleição <strong>da</strong> Chefe de Estado <strong>da</strong> seguinte forma:<br />

“1. O Presidente <strong>da</strong> República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto<br />

dos ci<strong>da</strong>dãos portugueses eleitores, recenseados no território nacional. O direito de<br />

voto é exercido presencialmente no território nacional.” 293<br />

Jorge Miran<strong>da</strong> comenta o preceituado pelo citado artigo escrevendo que:<br />

a eleição do PR por sufrágio universal direto é um dos elementos<br />

determinantes do seu estatuto constitucional. Embora não exista uma relação<br />

necessária entre o modo de eleição e os poderes do PR, a ver<strong>da</strong>de é que a<br />

292 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. Cit. p. 555.<br />

293 - CONSTITUIÇÃO <strong>da</strong> República Portuguesa. Op. Cit. p. 72.


203<br />

eleição direta não seria coerente com um estatuto desprovido de poderes de<br />

intervenção (ao menos nominais) no sistema político, tal <strong>como</strong> a eleição<br />

indireta não seria congruente com um estatuto de eminência do PR no sistema<br />

de governo. 294<br />

O Presidente <strong>da</strong> República Portuguesa é, assim, eleito por voto, direto, secreto<br />

e universal pelos ci<strong>da</strong>dãos eleitores, alistados no território nacional, para um man<strong>da</strong>to<br />

de cinco anos, admiti<strong>da</strong> uma recondução. Os ci<strong>da</strong>dãos portugueses cujo domicílio<br />

eleitoral seja no estrangeiro ou Macau não participam <strong>da</strong>s eleições presidenciais,<br />

apenas escolhendo representantes à Assembléia <strong>da</strong> República, o que dá a esta última<br />

mais legitimi<strong>da</strong>de de representação que ao primeiro.<br />

Canotilho contribui para o entendimento desta limitação imposta aos<br />

residentes no exterior para as eleições presidenciais, ensinando que:<br />

na eleição do PR participarão, nos termos do nº1 do artigo 124 <strong>da</strong> CRP, os<br />

ci<strong>da</strong>dãos portugueses residentes em território nacional à <strong>da</strong>ta do último<br />

recenseamento. Em relação à eleição do Presidente <strong>da</strong> República a<br />

Constituição afastou explicitamente a possibili<strong>da</strong>de de participação dos não<br />

residentes no território nacional, ao contrário do que expressamente admitiu<br />

quanto às eleições de deputados. A questão que pode levantar-se é a de saber<br />

se os ci<strong>da</strong>dãos residentes em Macau poderão votar na eleição do PR. Nos<br />

termos do artigo 292º-1, o território de Macau não é considerado território<br />

português, mas apenas território sob administração portuguesa, pelo que deve<br />

considerar-se afasta<strong>da</strong> a participação <strong>da</strong>queles na eleição presidencial. 295<br />

A exclusão dos portugueses residentes no exterior nas eleições para Presidente<br />

<strong>da</strong> República é justifica<strong>da</strong> pela doutrina portuguesa <strong>como</strong> uma questão de manutenção<br />

<strong>da</strong> independência e uni<strong>da</strong>de do Estado, pelos problemas que pode acarretar um grande<br />

número de eleitores residentes no estrangeiro e sem intimi<strong>da</strong>de com os problemas do<br />

país. Pelo menos é a desculpa corrente, com a qual um setor minoritário de publicistas<br />

294 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 124.<br />

295 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 456.


lusitanos não concor<strong>da</strong>. De qualquer forma, isto deve ser entendido <strong>como</strong> um dos<br />

traços <strong>da</strong> racionalização do sistema de Governo português, já que contribui para o<br />

equilíbrio <strong>da</strong>s relações institucionais.<br />

A i<strong>da</strong>de mínima para a candi<strong>da</strong>tura ao cargo de Presidente <strong>da</strong> República em<br />

Portugal é de 35 anos e para a apresentação de uma candi<strong>da</strong>tura, são necessárias um<br />

mínimo de 7. 500 e um máximo de 15. 000 de assinaturas de ci<strong>da</strong>dãos eleitores.<br />

É permiti<strong>da</strong>, <strong>como</strong> já foi anotado anteriormente, apenas uma reeleição, ou dois<br />

man<strong>da</strong>tos consecutivos.<br />

O sistema eleitoral para a eleição é o majoritário com dois turnos, caso<br />

nenhum dos candi<strong>da</strong>tos consiga, no mínimo, metade mais um dos votos válidos no<br />

primeiro turno. Em caso de segundo turno, concorrem os dois candi<strong>da</strong>tos mais votados<br />

no primeiro turno.<br />

b) - Funções e Competências.<br />

Quando se trata <strong>da</strong>s funções e competências do Presidente <strong>da</strong> República<br />

Portuguesa faz-se mister, logo de início, citar o que escreve António Fernandes,<br />

quando ensina que:<br />

204<br />

com efeito, a CRP atribui ao PR competências significativas inerentes ao<br />

exercício <strong>da</strong> sua magistratura. Dessas competências, umas respeitam às suas<br />

relações com os outros órgãos do Estado (art. 136º), outras concernem à<br />

prática de atos próprios (art. 137º), e outras decorrem <strong>da</strong> sua coresponsabili<strong>da</strong>de<br />

nas relações internacionais do Estado e <strong>da</strong> sua coparticipação<br />

no processo legislativo (arts. 138º e 139º); mas to<strong>da</strong>s elas são<br />

competências essencialmente políticas. 296<br />

296 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 51.


Segundo a Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, as relações do Presidente <strong>da</strong><br />

República com os outros órgãos de direção superior do Estado dão-se nas seguintes<br />

atribuições:<br />

a - presidir o Conselho de Estado e o Conselho Superior de Defesa Nacional;<br />

b - convocar extraordinariamente, dirigir-lhe mensagens e dissolver a<br />

Assembléia <strong>da</strong> República;<br />

c - nomear e exonerar o Primeiro-Ministro e os membros do Governo, demitir<br />

o Governo e presidir o Conselho de Ministros por solicitação do Primeiro-Ministro;<br />

d - nomear cinco membros do Conselho de Estado e dois vogais do Conselho<br />

Superior <strong>da</strong> magistratura;<br />

Madeira; e<br />

e - dissolver os órgãos de Governo <strong>da</strong>s Regiões autônomas dos Açores e <strong>da</strong><br />

f - marcar o dia <strong>da</strong>s eleições do Presidente <strong>da</strong> República, dos deputados à<br />

Assembléia <strong>da</strong> República, dos deputados do Parlamento Europeu e dos deputados às<br />

Assembléias Legislativas <strong>da</strong>s Regiões Autônomas.<br />

No exercício <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República, cabe ao Chefe de Estado exercer as<br />

seguintes funções:<br />

a - a de Coman<strong>da</strong>nte Supremo <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s;<br />

205<br />

b - a de promulgação, veto e publicação <strong>da</strong>s leis, os decretos-lei e os decretos-


egulamentares;<br />

c - a de submeter a referendo questões de relevante interesse nacional;<br />

d - a de requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva de leis,<br />

decretos-lei e convenções internacionais;<br />

e - a de declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de de normas jurídicas;<br />

f - a de decretar o Estado de Sítio ou de Emergência;<br />

g - a de indultar e comutar penas; e<br />

h - a de conferir condecorações.<br />

No âmbito <strong>da</strong>s relações internacionais, são as seguintes as funções do<br />

Presidente <strong>da</strong> República:<br />

a - a de nomear os representantes diplomáticos nacionais e acreditar os<br />

representantes diplomáticos estrangeiros;<br />

e<br />

b - a de ratificar os tratados internacionais, depois de devi<strong>da</strong>mente aprovados;<br />

c - a de declarar a guerra e fazer a paz.<br />

Como se pôde perceber, este extenso rol de competências do Presidente <strong>da</strong><br />

República Portuguesa expressa o seu perfil institucional <strong>como</strong> órgão de regulação e<br />

moderação em um sistema parlamentarista racionalizado democrático, no qual o<br />

206


Governo depende não só do Parlamento, mas também do Chefe de Estado.<br />

Deve-se destacar que as normas jurídicas produzi<strong>da</strong>s pelo Governo dependem<br />

de sanção do Presidente <strong>da</strong> República, que pode vetar de forma absoluta e definitiva -<br />

diferente do veto às normas produzi<strong>da</strong>s pela Assembléia <strong>da</strong> República - ou seja, sem<br />

qualquer possibili<strong>da</strong>de de apelação.<br />

Distinto do papel desempenhado pelo Presidente <strong>da</strong> República em modelos<br />

parlamentares clássicos, em Portugal ele possui, <strong>como</strong> se viu, importantes poderes<br />

institucionais, entre os quais podemos destacar o direito de veto, o poder de dissolução<br />

<strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República e o poder de demissão do Governo. Não sendo sua<br />

competência dirigir o Poder Executivo, diferentemente do sistema presidencial,<br />

também não pode se imiscuir nas ações do Governo, competindo-lhe, entretanto,<br />

acompanhar o desenvolvimento <strong>da</strong> política geral do país e zelar pelo regular<br />

funcionamento <strong>da</strong>s instituições estatais podendo, em determinados casos, influir na<br />

definição de políticas do Estado, principalmente na defesa do regime democrático.<br />

7.3.2 - O Parlamento<br />

O Parlamento português, monocameral, é a Assembléia <strong>da</strong> República, que<br />

representa o povo de Portugal. É o principal centro de legitimi<strong>da</strong>de democrática do<br />

Estado.<br />

A Assembléia <strong>da</strong> República é o órgão representativo dos ci<strong>da</strong>dãos portugueses<br />

e, portanto, deve ser composta por representantes escolhidos com ampla participação<br />

207


<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e representando todos os setores e correntes políticas com repercussão<br />

junto aos ci<strong>da</strong>dãos, num total, desde 1989, de 230 deputados.<br />

Canotilho e Vital Moreira, sobre o Parlamento, escrevem que “a Assembléia<br />

<strong>da</strong> República ocupa um lugar de relevo no sistema de órgãos do poder político. É<br />

órgão legislativo por excelência; é a base <strong>da</strong> formação do executivo, que perante ela é<br />

responsável; é o principal fórum de debate político e de fiscalização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

governamental.” 297<br />

a) - Composição e Eleição.<br />

A Assembléia <strong>da</strong> República é composta por 230 deputados eleitos em distritos<br />

eleitorais por listas de votação em todo o território nacional, nas Regiões Autônomas e<br />

no exterior, em escrutínio proporcional, para um man<strong>da</strong>to de 4 anos, sem restrições<br />

para reeleições.<br />

O artigo 152 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa ordena as eleições para<br />

a Assembléia <strong>da</strong> República, com o seguinte teor:<br />

208<br />

1. Os deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos<br />

na lei, a qual pode também determinar a existência de um círculo eleitoral<br />

nacional.<br />

O número de Deputados por ca<strong>da</strong> círculo do território nacional, excetuando o<br />

círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de ci<strong>da</strong>dãos<br />

eleitores nele inscritos.<br />

Os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos. 298<br />

Sobre as eleições para os deputados à Assembléia <strong>da</strong> República em distritos<br />

eleitorais e suas eventuais deformações, Canotilho ensina que:<br />

297 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 619.<br />

298 - CONSTITUIÇÃO <strong>da</strong> República Portuguesa. Op. Cit. p. 73.


209<br />

a fixação dos círculos eleitorais é o único dos elementos essenciais do sistema<br />

eleitoral que não está definido na própria Constituição, tendo-o esta remetido<br />

para a lei eleitoral. Contudo a liber<strong>da</strong>de legislativa está longe de ser total.<br />

Em primeiro lugar, a divisão dos círculos eleitorais não pode ser arbitrária,<br />

tendo de basear-se em critérios objetivos, tomando em conta designa<strong>da</strong>mente<br />

a divisão administrativa do território. Em segundo lugar, o sistema de<br />

representação proporcional, que é o princípio fun<strong>da</strong>mental de direito<br />

eleitoral, implica que os círculos eleitorais devem ter uma dimensão mínima<br />

que não defraude aquele sistema. Estes limites são tanto mais importantes<br />

quanto é certo que a manipulação do número e <strong>da</strong> divisão dos círculos<br />

eleitorais tem sido, em Portugal e no estrangeiro, um dos mais privilegiados<br />

instrumentos de arbitrarie<strong>da</strong>de política, especialmente no sentido de<br />

`fabricar´ maiorias artificiais. 299<br />

Atualmente, Portugal encontra-se dividido em 22 (vinte e dois) distritos<br />

eleitorais, sendo 18 (dezoito) no continente, 1 (um) nos Açores, 1 (um) na Madeira, 1<br />

(um) para os portugueses residentes em outros países <strong>da</strong> Europa e outro para os<br />

portugueses residentes nos países do “resto do mundo”, para usar uma expressão muito<br />

ao gosto de Fernandes.<br />

b) - Funções e Competências.<br />

A Assembléia <strong>da</strong> República Portuguesa possui funções e competências que<br />

podem ser dividi<strong>da</strong>s em legislativa, financeira, de fiscalização política e eletiva.<br />

A competência Legislativa <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República traduz-se pela<br />

iniciativa legislativa e de referendos, conforme o artigo 170 <strong>da</strong> CRP, na discussão e<br />

aprovação dos projetos de lei e na homologação dos decretos-lei aprovados pelo<br />

Governo, excetuados aqueles de competência privativa do Governo.<br />

299 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 622.


Existe, previsto nos artigos 167 e 168 <strong>da</strong> CRP 300 , um rol de matérias de<br />

competência legislativa exclusiva <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República, salvo quando aprova<strong>da</strong><br />

lei delega<strong>da</strong> específica, com previsão do seu período de vigência e abrangência.<br />

A competência financeira <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República está liga<strong>da</strong> ao<br />

300<br />

- Diz o artigo 167 <strong>da</strong> CRP (Reserva Absoluta de Competência Legislativa) - “É <strong>da</strong> exclusiva Competência <strong>da</strong> Assembléia<br />

<strong>da</strong> República legislar sobre as seguintes matérias:<br />

a) Eleição dos titulares dos órgãos de soberania;<br />

b) Regime de referendo;<br />

c) Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional;<br />

d) Organização <strong>da</strong> defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais <strong>da</strong> organização, do funcionamento e<br />

<strong>da</strong> disciplina <strong>da</strong>s forças arma<strong>da</strong>s;<br />

e) Regimes do Estado de Sítio e do Estado de Emergência;<br />

f) Aquisição, per<strong>da</strong> e reaquisição <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia portuguesa;<br />

g) Definição dos limites <strong>da</strong>s águas territoriais, <strong>da</strong> zona econômica exclusiva e dos direitos de Portugal aos fundos marinhos<br />

contíguos;<br />

h) Associações e partidos políticos;<br />

i) Bases do sistema de ensino;<br />

j) Eleições dos titulares dos órgãos de governo próprio <strong>da</strong>s regiões autônomas e do poder local, bem <strong>como</strong> dos resultantes<br />

órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio direto e universal;<br />

l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem <strong>como</strong> dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos<br />

por sufrágio direto e universal;<br />

m) Inclusão na jurisdição dos trinunais militares de crimes dolosos equiparáveis aos crimes essencialmente militares, nos<br />

termos do ítem 2 do artigo 215;<br />

n) Regime de criação, extinção e modificação territorial <strong>da</strong>s autarquias locais;<br />

o) Consultas diretas aos ci<strong>da</strong>dãos eleitores a nível local;<br />

p) Restrição ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo.<br />

Artigo 168 (Reserva relativa de competência legislativa) - É <strong>da</strong> exclusiva competência <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República legislar<br />

sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:<br />

a) Estado e capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas;<br />

b) Direitos, liber<strong>da</strong>des e garantias;<br />

c) Definição dos crimes, penas, medi<strong>da</strong>s de segurança e respectivos pressupostos, bem <strong>como</strong> processo criminal;<br />

d) Regime geral <strong>da</strong> requisição e <strong>da</strong> expropriação por utili<strong>da</strong>de pública;<br />

e) Bases do sistema de proteção <strong>da</strong> natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;<br />

f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;<br />

g) Regime geral do arren<strong>da</strong>mento rural e urbano;<br />

h) Criação de impostos;<br />

i) Definição dos setores de proprie<strong>da</strong>de dos meios de produção, incluindo a dos setores básicos nos quais é ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de<br />

às empresas priva<strong>da</strong>s e a outras enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> mesma natureza;<br />

j) Meios e forma de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de<br />

interesse público, bem <strong>como</strong> critérios de fixação, naqueles casos, de indenizações;<br />

l) Sistema de planejamento e composição do Conselho Econômico e Social;<br />

m) Bases <strong>da</strong> política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des de exploração agrícola<br />

priva<strong>da</strong>s;<br />

n) Sistema monetário e padrão de pesos e medi<strong>da</strong>s;<br />

o) Regime geral de elaboração e organização dos orçamentos do Estado, <strong>da</strong>s regiões autônomas e <strong>da</strong>s autarquias locais;<br />

p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respsctivos magistrados, bem <strong>como</strong> <strong>da</strong>s<br />

enti<strong>da</strong>des não jurisdicionais de composição de conflitos;<br />

q) Regime dos serviços de informação e do segredo de Estado;<br />

r) Estatuto <strong>da</strong>s autarquias locais, incluindo o regime <strong>da</strong>s finanças locais;<br />

s) Participação <strong>da</strong>s organizações de moradores no exercício do poder local;<br />

t) Associações públicas, garantias dos administradores e responsabili<strong>da</strong>de civil <strong>da</strong> Administração;<br />

u) Bases do regime e âmbito <strong>da</strong> função pública;<br />

v) Bases gerais do estatuto <strong>da</strong>s empresas públicas;<br />

x) Definição e regime dos bens do domínio público;<br />

z) Regime dos meios de produção integrados no setor cooperativo e social de proprie<strong>da</strong>de.”<br />

210


exercício <strong>da</strong> competência legislativa e diz respeito à aprovação dos orçamentos gerais<br />

do Estado e <strong>da</strong>s leis que criam ou alteram tributos.<br />

A Competência de fiscalização política é exerci<strong>da</strong> pela Assembléia <strong>da</strong><br />

República por interpelações orais aos membros do Governo e também por questões<br />

escritas ou requerimentos de informação sobre as ativi<strong>da</strong>des do Executivo, apreciando<br />

os relatórios anuais <strong>da</strong> Administração e, principalmente, através <strong>da</strong> votação de Moção<br />

de Censura ao Governo.<br />

A competência eletiva <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República diz respeito à eleição de<br />

cinco membros do Conselho de Estado, cinco membros <strong>da</strong> Alta Autori<strong>da</strong>de para a<br />

Comunicação Social e os membros do Conselho Superior do Ministério Público que<br />

lhe competir designar, bem <strong>como</strong> a eleição, por maioria de dois terços dos deputados<br />

presentes à sessão, desde que o resultado seja igual ou superior à maioria absoluta dos<br />

deputados componentes do Parlamento, de dez juízes do Tribunal Constitucional, do<br />

Provedor de Justiça, do Presidente do Conselho Econômico e Social, de sete vogais do<br />

Conselho Superior <strong>da</strong> Magistratura e dos membros de outros órgãos constitucionais<br />

cuja designação seja cometi<strong>da</strong> à Assembléia <strong>da</strong> República, conforme as alíneas g e h<br />

do artigo 166º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa. Sobre a competência eletiva<br />

<strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República, Fernandes ain<strong>da</strong> ensina que “o exercício <strong>da</strong>s<br />

competências eletivas <strong>da</strong> AR obedece ao disposto nos preceitos constitucionais nos<br />

artigos 278º a 281º do regimento <strong>da</strong> AR, os quais regulam os processos eleitorais que<br />

têm lugar na AR para eleger os titulares dos cargos exteriores à Assembléia cuja<br />

designação lhe compete.” 301<br />

301 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 49.<br />

211


7.3.3 - O Governo em Portugal<br />

O Governo Parlamentarista Presidencializado de Portugal é formado pelo<br />

Primeiro-Ministro, pelos Vice-Primeiros-Ministros, quando houver, pelos Ministros e<br />

pelos Secretários e Sub-Secretários de Estado, conforme o artigo 186º <strong>da</strong> Constituição<br />

<strong>da</strong> República Portuguesa, com um Conselho de Ministros por eles formado, podendo<br />

haver Conselhos de Ministros especializados, previstos no artigo 187º <strong>da</strong> mesma CRP.<br />

a) - A Formação do Governo.<br />

O Governo português é formado com base nos resultados <strong>da</strong>s eleições<br />

parlamentares, quando o Presidente <strong>da</strong> República toma a iniciativa de escolher o<br />

Primeiro-Ministro no seio do partido majoritário na Assembléia <strong>da</strong> República. Os<br />

outros ministros são indicados pelo Primeiro-Ministro e nomeados pelo Presidente <strong>da</strong><br />

República. O Governo é obrigado a apresentar o seu programa de ação à Assembléia<br />

<strong>da</strong> República no prazo máximo de dez dias após sua nomeação e a rejeição do mesmo<br />

implica em sua demissão.<br />

O Governo depende <strong>da</strong> confiança <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República, que pode ser<br />

explícita, <strong>como</strong> quando <strong>da</strong> aprovação do programa de Governo ou de um voto de<br />

confiança, ou pode ser tácita, quando o Parlamento não aprovar uma Moção de<br />

Censura às ações do Executivo.<br />

se.<br />

A não obtenção <strong>da</strong> confiança, tácita ou explícita, obriga ao Governo demitir-<br />

212


O Governo português obedece aos princípios <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de coletiva. Com isto, todos os membros do Governo são, de forma<br />

solidária, politicamente responsáveis perante a Assembléia <strong>da</strong> República e perante o<br />

Chefe de Estado.<br />

A racionalização democrática do sistema de Governo português torna-o<br />

responsável perante os outros dois centros de poder, o que, deve-se repetir, é o seu<br />

principal mecanismo de equilíbrio e estabili<strong>da</strong>de.<br />

b) -Funções e Competências.<br />

O Governo é o órgão de condução <strong>da</strong> política geral do País e o órgão superior<br />

<strong>da</strong> administração pública (art. 185º). Goza, por isso, de competências políticas -<br />

através <strong>da</strong> orientação política do Poder Executivo e <strong>da</strong>s suas diversas áreas de atuação<br />

-, legislativas - através <strong>da</strong> iniciativa legislativa, de decretos-lei, no caso de matérias<br />

autoriza<strong>da</strong>s pela Assembléia <strong>da</strong> República e na elaboração de decretos regulamentares<br />

às leis - e administrativas - que concerne à elaboração e execução <strong>da</strong>s metas<br />

estabeleci<strong>da</strong>s no plano de Governo no âmbito <strong>da</strong> administração pública, <strong>da</strong> execução<br />

do orçamento do Estado e a produção de atos necessários à satisfação do<br />

desenvolvimento geral <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

Canotilho e Vital Moreira ensinam, sobre o Executivo português, que:<br />

213<br />

o Governo é, constitucionalmente, o órgão de coordenação <strong>da</strong> política geral<br />

do país (art. 185º), dispondo dos pertinentes poderes de ordem política e<br />

administrativa (arts. 200 e segs.). To<strong>da</strong>via, não é totalmente independente<br />

nesta matéria. Exerce-a de acordo com um programa de governo que deve<br />

apresentar à discussão <strong>da</strong> AR (mas não à sua aprovação); as principais<br />

medi<strong>da</strong>s políticas têm de consubstanciar-se em opções de política econômica e<br />

financeira cujos instrumentos (o plano e o orçamento) têm de ser aprovados


214<br />

pela AR (arts. 93 e 109); enfim, muitas decisões políticas implicam alterações<br />

legislativas e, embora o Governo detenha entre nós poderes legislativos<br />

originários, a ver<strong>da</strong>de é que, em muitas áreas (as constitucionalmente<br />

considera<strong>da</strong>s mais importantes), só a AR pode legislar (arts. 167º e 168º). Por<br />

outro lado, Governo está também condicionado pelos poderes do PR,<br />

nomea<strong>da</strong>mente pelos seus poderes de bloqueio (veto, etc.). 302<br />

302 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. Cit. p. 213.


7.4 - A INTERAÇÃO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GOVERNO<br />

PORTUGUÊS<br />

Um dos traços característicos do <strong>Parlamentarismo</strong> Presidencializado de<br />

Portugal é sua relação política tri-lateral, ao contrário do que acontece com os sistemas<br />

parlamentaristas e presidencialistas clássicos, onde a relação é bi-lateral, já que no<br />

primeiro as relações acontecem entre o Parlamento e o Governo, com o Chefe de<br />

Estado exercendo funções meramente simbólicas e, no segundo, onde o Presidente <strong>da</strong><br />

República acumula as funções de Chefe de Estado e de Governo, a relação tripartite<br />

também não acontece.<br />

A Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa articula, portanto, um modelo de três<br />

instituições democráticas atuantes politicamente, com uma intrinca<strong>da</strong> rede de inter-<br />

dependência e de poderes e controles recíprocos, que analisaremos a seguir.<br />

7.4.1 - As Relações Entre o Presidente <strong>da</strong> República e o Governo<br />

Na primeira Constituição depois do golpe de Estado de 1974, o Presidente <strong>da</strong><br />

República detinha amplos poderes sobre o Governo e podia demiti-lo a qualquer<br />

momento.<br />

Com as revisões posteriores, passou a existir autonomia do Governo perante o<br />

Presidente <strong>da</strong> República, com funcionamento independente. Foi altera<strong>da</strong>, assim, a<br />

215


elação de responsabili<strong>da</strong>de do Governo perante o Presidente <strong>da</strong> República. As únicas<br />

responsabili<strong>da</strong>des que o Chefe de Governo ain<strong>da</strong> tem perante o Chefe de Estado são as<br />

de prestar informações e contas sobre a direção política interna e externa do país<br />

(artigo 204, 1).<br />

Claro que a relação do Presidente <strong>da</strong> República com o Primeiro-Ministro<br />

depende muito do apoio que tem o Governo na Assembléia <strong>da</strong> República. Caso o apoio<br />

seja amplamente majoritário na Assembléia <strong>da</strong> República, o Gabinete pouco depende<br />

do Chefe de Estado. Caso contrário, com confiança “negativa” no Parlamento, o<br />

Governo só pode subsistir com o apoio decidido do Presidente, que pode proporcionar<br />

uma “sobre-vi<strong>da</strong>” ao Governo minoritário.<br />

Além disto, <strong>como</strong> assinalam Canotilho e Vital Moreira,<br />

216<br />

... existem várias manifestações de interdependência institucional entre os<br />

dois órgãos: a) certos atos do Presidente <strong>da</strong> República dependem <strong>da</strong> iniciativa<br />

do Governo (art. 136º / h, l, m e p e art. 138º / a e c), <strong>da</strong> sua audição prévia<br />

(art. 137º / c e e, sobre a declaração do Estado de emergência, concessão de<br />

indultos e comutação de penas), ou <strong>da</strong> sua co-rresponsabilização através <strong>da</strong><br />

referen<strong>da</strong> (art. 143º), <strong>como</strong> acontece no caso de dissolução dos órgãos <strong>da</strong>s<br />

regiões autônomas (art. 136º / j), de promulgação de leis, decretos-lei e<br />

decretos regulamentares (art. 137º / b) e de ratificação de tratados (art. 138º /<br />

b); b) certos atos do Governo exigem intervenção do Presidente <strong>da</strong> República<br />

sob pena de inexistência (exemplo: promulgação de atos legislativos e<br />

assinatura de decretos). 303<br />

Outro aspecto a ser considerado é a hipótese do artigo 136º, alínea i, quando o<br />

Presidente <strong>da</strong> República, a convite do Primeiro-Ministro, pode presidir o Conselho de<br />

Ministro. Esta prática reitera<strong>da</strong> pode ter conseqüências muito importantes nos rumos<br />

do Governo.<br />

303 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 214.


Ain<strong>da</strong> sobre este assunto, é importante trazer o ensinamento de António<br />

Fernandes, ao lecionar que:<br />

217<br />

as relações entre o Chefe de Estado e o Governo revestem uma forma de<br />

colaboração no respeito pelo princípio <strong>da</strong> separação de poderes e funções e<br />

pelo princípio <strong>da</strong> interdependência dos órgãos superiores do Estado. Ao<br />

Presidente <strong>da</strong> República cabe nomear e exonerar o primeiro-ministro e os<br />

outros membros do Governo, presidir ao Conselho de Ministros quando o<br />

Primeiro-Ministro lhe solicitar, promulgar e man<strong>da</strong>r publicar os decretos-lei<br />

e os decretos regulamentares emanados do Governo, ou vetá-los, e colaborar<br />

com o Executivo no domínio <strong>da</strong>s relações internacionais do Estado. Por sua<br />

vez, o Governo, que é responsável perante o Presidente <strong>da</strong> República, está<br />

obrigado a informar o Chefe de Estado através do Primeiro-Ministro, acerca<br />

dos assuntos respeitantes à condução <strong>da</strong> política externa do país, e a<br />

referen<strong>da</strong>r os atos do Presidente <strong>da</strong> República, nos termos do art. 143º, <strong>da</strong><br />

CRP, e desfruta <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de se pronunciar sobre a declaração de estado<br />

de sítio ou do estado de emergência e de propor ao Chefe de Estado a<br />

sujeição de questões de relevante interesse nacional, bem <strong>como</strong> a declaração<br />

de guerra e a feitura <strong>da</strong> paz. 304<br />

7.4.2 - As Relações Entre o Presidente <strong>da</strong> República e a Assembléia <strong>da</strong> República<br />

descritas.<br />

As relações entre o Chefe de Estado e o Parlamento não são difíceis de serem<br />

O Presidente <strong>da</strong> República pode dissolver e convocar a Assembléia <strong>da</strong><br />

República, além de dirigir-lhe mensagens e vetar suas normas jurídicas aprova<strong>da</strong>s.<br />

A Assembléia <strong>da</strong> República não pode destituir ou censurar o Presidente <strong>da</strong><br />

República. Na arbitragem democrática do sistema português, o árbitro só pode ser<br />

substituído ao término de seu man<strong>da</strong>to, por crime ou doença, já que não é responsável<br />

304 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 57.


politicamente perante a Assembléia <strong>da</strong> República e muito menos perante o Governo.<br />

O mais significativo dos poderes do Presidente <strong>da</strong> República perante a<br />

Assembléia <strong>da</strong> República é, com certeza, o de dissolução, dependente apenas <strong>da</strong><br />

consulta ao Conselho de Estado e de audiência aos partidos com representação no<br />

Parlamento. A revisão <strong>da</strong> Constituição ocorri<strong>da</strong> em 1982 apenas introduziu limites de<br />

prazo para a dissolução, conforme disposto no artigo 175º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong><br />

República Portuguesa, que em seu caput diz o seguinte:<br />

218<br />

1. A Assembléia <strong>da</strong> República não pode ser dissolvi<strong>da</strong> nos seis meses<br />

posteriores à sua eleição, no último semestre do man<strong>da</strong>to do Presidente <strong>da</strong><br />

República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de<br />

emergência.<br />

A inobservância do disposto no número anterior determina a inexistência<br />

jurídica do decreto de dissolução.<br />

A dissolução <strong>da</strong> Assembléia não prejudica a subsistência do man<strong>da</strong>to dos<br />

Deputados, nem <strong>da</strong> competência <strong>da</strong> Comissão Permanente, até a primeira<br />

reunião <strong>da</strong> Assembléia após as subsequentes eleições. 305<br />

O Presidente <strong>da</strong> República arbitra o processo político resolvendo as crises<br />

provoca<strong>da</strong>s pela incapaci<strong>da</strong>de do conjunto parlamentar que existe exatamente para, ao<br />

contrário, proporcionar soluções ao Governo e também para desfazer maiorias que<br />

tenham, eventualmente, perdido apoio junto à Socie<strong>da</strong>de.<br />

7.4.3 - As Relações Entre a Assembléia <strong>da</strong> República e o Governo<br />

A regra constitucional portuguesa institui uma relação de “<strong>Parlamentarismo</strong><br />

Negativo”, ou seja, o Governo não precisa ser de origem parlamentar ou ter a<br />

305 - CONSTITUIÇÃO <strong>da</strong> República Portuguesa. Op. Cit. p. 97.


confiança <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República. Não pode, isto sim, é ter a sua desconfiança.<br />

Sobre isto, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ensinam que “o principal princípio<br />

constitucional em matéria de relações entre o Governo e a AR é o de que o Governo<br />

não é necessariamente de origem parlamentar nem tem de gozar <strong>da</strong> sua confiança<br />

positiva, mas não pode existir contra ela ou com sua desconfiança ativa.” 306<br />

Claro que o Governo não entra na plenitude de suas funções sem a<br />

apresentação de seu programa à Assembléia <strong>da</strong> República, mesmo dispensando<br />

qualquer aprovação de confiança ou investidura formal.<br />

O programa do Governo não precisa ser votado e só pode ser rejeitado - com a<br />

conseqüente demissão do Governo - pelo voto <strong>da</strong> maioria absoluta dos deputados em<br />

exercício do man<strong>da</strong>to. Não é preciso uma maioria a favor para mantê-lo, mas é<br />

indispensável uma maioria contrária para derrubar o Governo.<br />

A Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa também impõe limites à apresentação<br />

<strong>da</strong> Moção de Censura, instrumento utilizado pelo Parlamento para aferir a confiança <strong>da</strong><br />

Assembléia <strong>da</strong> República ao Governo, cuja aprovação resulta na sua demissão e, até,<br />

na dissolução do próprio Parlamento, dependendo <strong>da</strong> arbitragem do Presidente <strong>da</strong><br />

República. Esta restrição existe para impedir a banalização <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>, evitando que a<br />

Moção de Censura seja utiliza<strong>da</strong> indiscrimina<strong>da</strong>mente para atacar o Governo.<br />

No caso <strong>da</strong> Moção de Censura, basta que a proposta não atinja a maioria<br />

absoluta dos membros <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República para que seja considera<strong>da</strong> rejeita<strong>da</strong>.<br />

Quanto a isto, vale registrar o que diz o artigo 198º <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República<br />

306 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. Cit. p. 215.<br />

219


Portuguesa:<br />

220<br />

1. Implicam a demissão do Governo:<br />

O início de nova legislatura;<br />

A aceitação pelo Presidente <strong>da</strong> República do pedido de demissão apresentado<br />

pelo Primeiro-Ministro;<br />

A morte ou a impossibili<strong>da</strong>de física duradoura do Primeiro-Ministro;<br />

A rejeição do programa do Governo;<br />

A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados<br />

em efetivi<strong>da</strong>de de funções.<br />

2. O Presidente <strong>da</strong> República só pode demitir o Governo quando tal se torne<br />

necessário para assegurar o regular funcionamento <strong>da</strong>s instituições<br />

democráticas, ouvido o Conselho de Estado. 307<br />

Mesmo com a existência do voto inicial para a investidura do Governo, com a<br />

aprovação do seu programa, este pode apresentar à Assembléia <strong>da</strong> República a<br />

solicitação de um Voto de Confiança que, se aprovado, expressa a confiança do<br />

Parlamento ao Governo, diferentemente <strong>da</strong> Moção de Censura, que é proposta pela<br />

Assembléia <strong>da</strong> República. Mesmo a maioria para aprovação do Voto de Confiança é<br />

diferente <strong>da</strong>quela exigi<strong>da</strong> para a investidura do Governo ou para a aprovação de uma<br />

Moção de Censura, pois enquanto a primeira depende de maioria relativa, as duas<br />

últimas precisam de maioria absoluta.<br />

O Governo precisa <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República para a aprovação dos<br />

instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas metas, <strong>como</strong> as propostas de<br />

orçamento e empréstimos, além de estar sujeito à sua fiscalização, podendo ver seus<br />

atos submetidos às comissões parlamentares de inquérito.<br />

Como fica nítido no estudo <strong>da</strong>s relações institucionais, a racionalização do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> português possui um viés diferente <strong>da</strong>quela do sistema francês. A<br />

estabili<strong>da</strong>de democrática persegui<strong>da</strong> pelo modelo lusitano foi sendo construí<strong>da</strong> em<br />

307 - CONSTITUIÇÃO <strong>da</strong> República Portuguesa. Op. Cit. p. 107.


ordem crescente, ou seja, partindo de um regime semi-democrático, logo após o golpe<br />

de Estado, para uma <strong>Democracia</strong> plena.<br />

Diante desta constatação, não fica difícil compreender o caráter de<br />

<strong>Democracia</strong> equilibra<strong>da</strong>, presente no sistema de Governo, <strong>como</strong> adiante vai-se procurar<br />

demonstrar.<br />

221


7.5 - O PARLAMENTARISMO COMO CONDIÇÃO DA DEMOCRACIA<br />

Demonstrar a conexão existente entre o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado de<br />

Portugal e a <strong>Democracia</strong> pratica<strong>da</strong> naquele país não é uma tarefa tão complica<strong>da</strong> <strong>como</strong><br />

foi com a França.<br />

Em primeiro lugar, porque Portugal nunca viveu um “excesso” de <strong>Democracia</strong>,<br />

<strong>como</strong> aconteceu com a IVª República francesa. Portanto, a racionalização democrática<br />

foi progressiva e não regressiva. To<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de compreendeu perfeitamente a<br />

necessi<strong>da</strong>de de práticas democráticas, uma <strong>da</strong>s condições para que o país pudesse, no<br />

futuro, ingressar no fechado clube <strong>da</strong> União Européia.<br />

Em segundo lugar, devido à explicita opção pelo equilíbrio <strong>da</strong>s instituições<br />

democráticas com base na racionalização de seu sistema de Governo. É <strong>como</strong> diz<br />

Fernandes, ao escrever que “assim, a Lei Fun<strong>da</strong>mental em vigor, além de consagrar os<br />

direitos e liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais dos ci<strong>da</strong>dãos, comporta os mecanismos legais de<br />

defesa e perpetuação do regime democrático e pluralista e prescreve a forma política<br />

do Estado e o sistema político de governo.” 308<br />

Portugal e seu sistema de Governo são citados por Joaquim Lleixà, que diz ser<br />

o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado originário dos modelos de Weimar e <strong>da</strong> Vª República<br />

Francesa. O autor escreve que:<br />

Áustria, Finlândia, Islândia e Portugal são outros países europeus que devem<br />

308 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 45.<br />

222


223<br />

ser citados. A situação cria<strong>da</strong> nestes casos evoca o dualismo característico <strong>da</strong><br />

monarquia constitucional européia quando avançava para sua<br />

parlamentarização. Nesta monarquia houve uma dialética entre a legitimi<strong>da</strong>de<br />

de origem liberal-democrática e a legitimi<strong>da</strong>de tradicional, entre o<br />

parlamento e a coroa. Nos semipresidencialismos republicanos do século XX,<br />

as duas legitimi<strong>da</strong>des eventualmente confronta<strong>da</strong>s têm, ambas, origem<br />

democrática: tanto o Presidente <strong>da</strong> República - exceto no caso <strong>da</strong> Finlândia -<br />

<strong>como</strong> o parlamento são eleitos direta e democraticamente pelo conjunto dos<br />

ci<strong>da</strong>dãos. Quanto ao governo, aqui perfeitamente definido <strong>como</strong> órgão<br />

colegiado e dirigido por seu presidente de governo, é baseado numa dupla<br />

confiança. 309<br />

Logo a seguir, o mesmo autor assinala que “os semipresidencialismos formam<br />

parte integrante de um modelo de experiências chama<strong>da</strong>s de <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado.” 310<br />

A procura por equilíbrio no sistema português fica clara com a lição de<br />

Canotilho, quando escreve que “através <strong>da</strong> recusa de um regime de `confusão’ de<br />

poderes (em benefício do executivo ou do legislativo) a CRP pretendeu estabelecer um<br />

processo estrutural (estructural due process) onde os dois elementos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong><br />

teoria clássica <strong>da</strong> divisão dos poderes ficassem salvaguar<strong>da</strong>dos: 1) proteção dos<br />

direitos fun<strong>da</strong>mentais; 2) estrutura institucional e funcional justa do Estado.” 311<br />

Canotilho também assinala que o “trialismo” do sistema português, que visa a<br />

manutenção e o aperfeiçoamento <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, enseja que:<br />

a prática política conduziu, de forma tendencial, a uma `condenação ao<br />

entendimento’, <strong>da</strong>do:<br />

- existir um PR que pouco pode sem o governo;<br />

- governo que também na<strong>da</strong> pode sem a confiança (pelo menos negativa) <strong>da</strong><br />

AR;<br />

- AR que pode ser dissolvi<strong>da</strong> pelo PR. 312<br />

309 - LLEIXÀ, Joaquim et alii. El gobierno. Madrid: Tecnos, 1996, p. 402.<br />

310 - LLEIXÀ, Joaquim et alii. Id. Ibid. p. 403.<br />

311 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 708.<br />

312 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Id. Ibid. p. 716.


Canotilho e Vital Moreira escreveram juntos o que se considera uma <strong>da</strong>s<br />

melhores obras portuguesas de Direito Constitucional, intitula<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />

Constituição. Neste livro, os autores fazem um pormenorizado estudo do princípio<br />

democrático inscrito na Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa.<br />

É na referi<strong>da</strong> obra que se encontram algumas <strong>da</strong>s mais interessantes conexões<br />

entre a organização governamental portuguesa e a <strong>Democracia</strong> pretendi<strong>da</strong> naquele<br />

país.<br />

Note-se o que escrevem Canotilho e Moreira sobre o princípio democrático<br />

<strong>como</strong> princípio normativo. Os professores de Coimbra assinalam que “o princípio<br />

democrático é um princípio jurídico normativo e não um simples modelo ou teoria<br />

abstrata. Como impulso global dirigente, ele aponta para a idéia de democracia <strong>como</strong><br />

forma de vi<strong>da</strong>, <strong>como</strong> forma de racionalização do processo político e <strong>como</strong> forma de<br />

legitimação do poder.” 313<br />

É com Jorge Miran<strong>da</strong> que se tem a mais níti<strong>da</strong> percepção <strong>da</strong> importância <strong>da</strong><br />

organização do sistema de Governo para a consoli<strong>da</strong>ção do regime democrático. O<br />

professor <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Lisboa, ao analisar o princípio<br />

democrático do Estado português assinala que “no sistema de Governo instituído pela<br />

atual Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, com sua revisões de 1982 e 1987, é<br />

condição vital à <strong>Democracia</strong> a plurali<strong>da</strong>de de órgãos governativos, independentes ou<br />

interdependentes quanto à sua subsistência, e com funções distintas, competindo,<br />

nomea<strong>da</strong>mente, ao Parlamento o primado <strong>da</strong> função legislativa.” 314<br />

313 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. Cit p. 77.<br />

314 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 189.<br />

224


E conclui o publicista lusitano escrevendo que “o conceito de Estado de<br />

Direito Democrático é, pois, o conceito - a nível de regime político e de forma de<br />

governo - destinado a abranger o máximo possível de Estado de Direito e de<br />

<strong>Democracia</strong> no conjunto de suas diferentes implicações substantivas e adjetivas.” 315<br />

To<strong>da</strong> a intrinca<strong>da</strong> construção constitucional portuguesa atual conduz a uma<br />

interação geral <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des políticas e sociais para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Como na França, a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> português, que os<br />

autores ora chamam por este nome, ora pelo de “semipresidencialismo”, obedeceu,<br />

principalmente, a critérios histórico-culturais.<br />

O importante, em ca<strong>da</strong> análise efetua<strong>da</strong> sobre o <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado, é assinalar a capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação deste sistema à consciência<br />

democrática <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s. Ca<strong>da</strong> uma com suas próprias características e<br />

seu próprio conceito de <strong>Democracia</strong> <strong>como</strong> valor universal, que devem ser totalmente<br />

respeitados.<br />

315 - MIRANDA, Jorge. Id, Ibid. p. 191.<br />

225


CAPÍTULO VIII - O PARLAMENTARISMO ALEMÃO E<br />

RACIONALIZAÇÃO DE SEGURANÇA<br />

Entre os três países pesquisados para esta Tese, foi a Alemanha que nos<br />

proporcionou maiores dificul<strong>da</strong>des, por conta de sua recentíssima reunificação e a<br />

conseqüente falta de bibliografia atualiza<strong>da</strong>, apesar de que muitos dos preceitos<br />

anteriores <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn tenham permanecido intactos.<br />

A lembrança <strong>da</strong> nefasta experiência nazista e a do sistema de Governo <strong>da</strong><br />

República de Weimar e a presença do bloco socialista europeu liderado pela extinta<br />

União Soviética numa parte <strong>da</strong> nação até 1990 explicam as preocupações fun<strong>da</strong>mentais<br />

quanto ao sistema de Governo alemão.<br />

escrevendo que:<br />

Manuel Vilarinho, discorre sobre o sistema de Governo <strong>da</strong> Alemanha<br />

este sistema se caracteriza por constituir um `sistema de mecanismos de<br />

segurança´. A racionalização, neste sentido, é total, pois abun<strong>da</strong>m as<br />

disposições de previsão: os partidos extremistas (nazistas e comunistas) são<br />

postos fora <strong>da</strong> lei ou se exige um alto número mínimo de votos para ter acesso<br />

ao Parlamento (5%), o qual impede a proliferação de partidos e a presença<br />

parlamentar de partidos pequenos, uma vez legalizados. A Federação, por sua<br />

vez, multiplica seus controles e intervenções sobre os Lander. O processo de<br />

designação do Chanceler equilibra o poder de eleição do Presidente do<br />

Parlamento, mas o primeiro pode decidir a dissolução <strong>da</strong> Câmara se entende<br />

que o Chanceler eleito não vai poder governar com o apoio necessário. O voto<br />

construtivo de censura impede, por meio <strong>da</strong> persuasão, críticas que possam<br />

obrigar o Chanceler a demitir-se. O Presidente se constitui em chefe potencial<br />

de um `Governo de reserva´ para apoiar a um Chanceler com minoria no<br />

Parlamento e pode permitir-lhe que legisle sem apoios parlamentares<br />

mediante a `declaração de necessi<strong>da</strong>de legislativa´. Os conflitos entre as duas


Câmaras são solucionados por uma Comissão de Conciliação. 316<br />

Pode-se perceber então, que tudo no sistema alemão tende a assegurar um<br />

funcionamento estável do Governo, sem sobressaltos ou acidentes, do sistema de<br />

Governo e do Estado e em definitivo do sistema político e do regime democrático.<br />

Na Alemanha, o centro do poder é o Governo e seu chefe, o Chanceler, é quem<br />

conduz a política, tendo ao seu lado, <strong>como</strong> proteção oficial, de reserva, o Presidente <strong>da</strong><br />

República e o Senado.<br />

Deve-se ressaltar, a propósito, que o Presidente <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong><br />

Alemanha, ao contrário do que se imagina, tem - apesar de modera<strong>da</strong> - influência no<br />

sistema de Governo, <strong>como</strong> veremos mais adiante.<br />

O sistema de partidos na Alemanha também colabora ativamente para a<br />

segurança do sistema de Governo.<br />

Gonzales Casanova, sobre a atuação dos partidos alemães depois de 1949, se<br />

manifesta escrevendo que:<br />

227<br />

a primeira fase de partido dominante (a democracia cristã acaudilha<strong>da</strong> pelo<br />

Chanceler Adenauer) foi sucedi<strong>da</strong> por um sistema de biparti<strong>da</strong>rismo<br />

imperfeito, com o partido liberal sendo o fiel <strong>da</strong> balança (em espanhol o autor<br />

usa o termo `pivô´). Já a Grande Coalizão cristã-socialista demonstrou - com<br />

suas reformas constitucionais autoritárias e centralizadoras - que a<br />

aproximação ideológica an<strong>da</strong>va junto com a prosperi<strong>da</strong>de do capitalismo<br />

alemão, convenientemente apoiado pelos Estados Unidos. Ao perder suas<br />

últimas componentes marxistas, o Partido Social-Democrata se aproximou<br />

mais do trabalhismo britânico ou <strong>da</strong> Social-<strong>Democracia</strong> escandinava que dos<br />

socialistas do sul <strong>da</strong> Europa. Tudo isto não deixou de ser um incentivo para a<br />

utilização do grande aparelho burocrático dos sindicatos socialistas em apoio<br />

a uma `socie<strong>da</strong>de de bem estar´, perto <strong>da</strong> opulência. Sem outras oposições que<br />

não a <strong>Democracia</strong> Cristã, as alternativas progressistas estão condena<strong>da</strong>s ao<br />

fracasso e começa a emergir uma oposição radical, anarquista e violenta, à<br />

316 - VILARINHO, Manuel. Anatomia <strong>da</strong> Alemanha. Lisboa: Bertrand, 1976, p. 178.


qual o aparelho de segurança do sistema sabe <strong>da</strong>r contundente resposta. 317<br />

Portanto, pode-se notar que a racionalização radical do sistema parlamentarista<br />

alemão tende a assegurar, o máximo possível, o controle do jogo político pelo Governo<br />

e pelo Chanceler. O Corpo eleitoral alemão aparece ca<strong>da</strong> vez menos dividido em suas<br />

escolhas e proporciona aos dois grandes partidos os votos necessários para, em<br />

coligação com um pequeno partido ou coligados entre si, o exercício do poder, o que<br />

passou a ser chamado por alguns autores de “sistema de dois partidos e meio”, numa<br />

clara tendência de desideoligização do povo, num processo já observado nos Estados<br />

Unidos e na Grã-Bretanha.<br />

Fernandes, após assinalar que de 1941 a 1961 a Alemanha foi caracteriza<strong>da</strong><br />

pelo convívio de muitos partidos, escreve que:<br />

228<br />

... as eleições de 1961 marcam o fim do multiparti<strong>da</strong>rismo e o início do<br />

`sistema de dois partidos e meio´. Com efeito, os resultados destas eleições<br />

trouxeram novos <strong>da</strong>dos à cena política alemã: os democratas-cristãos perdem<br />

28 lugares e deixam de ter maioria absoluta no Bundestag, pois sua<br />

percentagem de man<strong>da</strong>tos passa de 54, 3% para 48, 5%, enquanto os sociaisdemocratas<br />

ganham 21 lugares e ultrapassando a barreira dos 35% de<br />

man<strong>da</strong>tos ao obterem 38, 1%; e ao mesmo tempo, os liberais, passando de 41<br />

para 67 man<strong>da</strong>tos (13, 4%), adquirem uma importância decisiva no<br />

Parlamento. Pela primeira vez, os três partidos obtêm a totali<strong>da</strong>de dos<br />

assentos do Bundestag, e os pequenos partidos deixam de ter representação<br />

parlamentar. 318<br />

Alguns autores, <strong>como</strong> Verdu, escrevem que “... o povo alemão conduz ao<br />

Governo, com muitas seguranças, eficientes administradores de sua prosperi<strong>da</strong>de.” 319<br />

317 - CASANOVA, José António Gonzales. Op. Cit. p. 359.<br />

318 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 118.<br />

319 - VERDU, Pablo Lucas. Op. Cit. p. 247.


8.1 - A LEI FUNDAMENTAL DE BONN E O TRATADO DE UNIFICAÇÃO DAS<br />

DUAS ALEMANHAS<br />

A criação <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha foi determina<strong>da</strong> pela conjuntura<br />

internacional do período <strong>da</strong> guerra e do pós-guerra, tendo sido obra <strong>da</strong>s nações alia<strong>da</strong>s.<br />

A política de rendição incondicional fez com que os aliados tivessem total<br />

responsabili<strong>da</strong>de em relação à Alemanha. Foi um período muito difícil e de muita<br />

indefinição, já que muitas nações estavam envolvi<strong>da</strong>s no processo de sua<br />

reorganização. A divisão <strong>da</strong> Alemanha logo ganhou contornos muito parecidos com a<br />

disputa Leste-Oeste, consoli<strong>da</strong>ndo ain<strong>da</strong> mais a sua separação. Henri Menudier, em<br />

relação a esse fato, escreveu que “quatro anos após a sua derrota total, a Alemanha<br />

ocupa<strong>da</strong> assistia à formação de dois Estados antagônicos, os dois inseridos nos<br />

campos que os legitimaram e tornavam-se simultaneamente vítimas e símbolos <strong>da</strong>s<br />

novas relações de força a nível internacional.” 320<br />

Foi no “Acordo de Pots<strong>da</strong>m”, de agosto de 1945, que, segundo Fernandes<br />

“decidiu-se descentralizar a Alemanha, mas sem a dividir, tratando-a economicamente<br />

<strong>como</strong> um todo e criando um certo número de departamentos centrais, e acordou-se em<br />

que a vi<strong>da</strong> política <strong>da</strong> Alemanha deveria ser reconstruí<strong>da</strong> numa base democrática,<br />

permitindo-se a existência de todos os partidos políticos não fascistas, direito de<br />

reunião e a discussão de todos os problemas políticos.” 321<br />

Na reunião dos Ministros-Presidentes <strong>da</strong> zona ocidental em Rittersturzt, ficou<br />

320 - MENUDIER, Henri. A vi<strong>da</strong> política <strong>da</strong> Alemanha Federal. Trad. António Landeira e Isabel Auyn, 1980, p. 78.<br />

321 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 96.<br />

229


decidi<strong>da</strong> a elaboração de uma norma fun<strong>da</strong>mental para os Estados alemães que ficaram<br />

sob ocupação dos aliados. Em agosto do mesmo ano, a Conferência de Delegados<br />

Parlamentares de tais Estados reuniu-se no lago Herrerchiem e elegeu um Conselho<br />

Parlamentar, que ficou encarregado <strong>da</strong> elaboração de uma Lei Fun<strong>da</strong>mental para a<br />

Alemanha Ocidental.<br />

O Conselho Parlamentar reuniu-se em Bonn em setembro de 1948 e,<br />

trabalhando com muita discrição e de acordo com os interesses aliados, aprovou, em 8<br />

de maio de 1949, a Lei Fun<strong>da</strong>mental, que foi ratifica<strong>da</strong> pelos Parlamentos dos Lander<br />

e aprova<strong>da</strong>, com alguma contrarie<strong>da</strong>de, pelos governadores militares aliados.<br />

Nuno Rogeiro faz uma eluci<strong>da</strong>tiva observação sobre a reali<strong>da</strong>de alemã na<br />

época <strong>da</strong> aprovação de sua Lei Fun<strong>da</strong>mental, assinalando que “apesar <strong>da</strong> paixão<br />

mortal centralizadora do Nacional-Socialismo, a ver<strong>da</strong>de é que os Estados e Regiões<br />

<strong>da</strong> Velha Alemanha tinham permanecido intactos, e preparavam-se para erguer uma<br />

nova ordem constitucional.” 322<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn entrou em vigor no mesmo dia de sua publicação,<br />

em 23 de maio de 1949.<br />

Tanto o preâmbulo <strong>como</strong> o artigo 23 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> Alemanha<br />

Ocidental previu que a Constituição só teria vali<strong>da</strong>de e vigência nos Lander, que<br />

estavam delimitados arbitrariamente pelos aliados. Os Constituintes alemães, mesmo<br />

sabendo que não passava de um devaneio, não deixaram de declarar solenemente que<br />

estavam “representando os alemães que estavam impedidos de participar <strong>da</strong>quela<br />

322 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 51.<br />

230


obra” e que “o povo alemão ficava comprometido a completar aquela obra por sua<br />

livre deliberação” 323 . Para o Constituinte alemão ocidental ficou claro que se tratava<br />

de um texto temporário.<br />

A humilhação <strong>da</strong> divisão terminou mais de quarenta anos depois. Perez<br />

Serrano expressa muito bem esse acontecimento ao escrever que:<br />

231<br />

o velho sonho alemão fez-se inespera<strong>da</strong>mente reali<strong>da</strong>de (ninguém podia<br />

imaginar então o vertiginoso curso dos acontecimentos) graças, em parte, aos<br />

processos de mu<strong>da</strong>nças, econômicas e políticas, empreendi<strong>da</strong>s por Gorbachov<br />

na União Soviética desde sua chega<strong>da</strong> ao poder em 1985, e que tiveram<br />

diretas e irreversíveis conseqüências nos países <strong>da</strong> Europa do Leste que se<br />

encontravam sob sua tutela. A que<strong>da</strong> do `muro <strong>da</strong> vergonha´ que dividia<br />

fisicamente Berlim, em dezembro de 1989, o beneplácito dos soviéticos e dos<br />

aliados <strong>da</strong> II Guerra Mundial - expresso no Tratado de Moscou de 12 de<br />

setembro de 1990 para a restituição plena <strong>da</strong> soberania <strong>da</strong> Alemanha - a<br />

superação, ao menos aparentemente, do receio dos seus vizinhos, permitiram<br />

à Alemanha levar a cabo seu desejado processo de unificação em 3 de outubro<br />

de 1990. A uni<strong>da</strong>de alemã se materializou num Tratado de Unificação entre a<br />

República Federal <strong>da</strong> Alemanha e a República Democrática <strong>da</strong> Alemanha,<br />

assinado em Berlim a 31 de agosto de 1990, em virtude do art. 23 <strong>da</strong> Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, que contemplou a possibili<strong>da</strong>de de que o âmbito<br />

territorial de vigência <strong>da</strong>quela pudesse se estender `a outras partes <strong>da</strong><br />

Alemanha´, através de um ato unilateral de adesão <strong>da</strong> Republica Federal, com<br />

efeito vinculante para o povo alemão ocidental e suas instituições estatais. 324<br />

Este tratado de Unificação, que entrou em vigor em 3 de outubro de 1990,<br />

modificou em parte a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, já que seu artigo 5º previa um<br />

processo de reforma constitucional para a modificação ou complementação <strong>da</strong>quela,<br />

principalmente em relação aos pontos vitais <strong>da</strong> unificação alemã. Podemos enumerar<br />

alguns pontos <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental que sofreram modificações em razão <strong>da</strong>quele<br />

tratado. Os principais são os seguintes:<br />

323 - LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 131.<br />

324 - SERRANO, Federico Perez. La ley fun<strong>da</strong>mental de Bonn. Madrid; CEC, 1993, p. 124.


- as relações entre a Federação e os Lander, de acordo com a Resolução<br />

conjunta de 5 de julho de 1990;<br />

Fun<strong>da</strong>mental;<br />

- a reordenação <strong>da</strong> área de Berlin-Bradenburg;<br />

- a inclusão de normas sobre assuntos estatais estratégicos na Lei<br />

- a aplicação do art. 146 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental, ou seja, a elaboração de uma<br />

nova Constituição, a ser aprovado pelo povo alemão por um referendo.<br />

Com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> adesão <strong>da</strong> República Democrática Alemã à<br />

República Federal <strong>da</strong> Alemanha, a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn (com as modificações<br />

leva<strong>da</strong>s a efeito pelo Tratado de Unificação) está em vigor desde 03 de outubro de<br />

1990 nos dez Lander <strong>da</strong> República Federal e nos cinco <strong>da</strong> antiga e extinta Alemanha<br />

Oriental e na Berlim unifica<strong>da</strong>.<br />

Outro caminho diferente para a reunificação <strong>da</strong>s duas alemanhas, defendido<br />

pela parte minoritária <strong>da</strong> doutrina alemã, era o previsto pelo artigo 146 <strong>da</strong> Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, segundo o qual esta perderia sua vigência quando fosse<br />

aprova<strong>da</strong> uma nova Constituição pelo povo alemão. Representante <strong>da</strong> corrente<br />

majoritária, Arnold Sheneider, em seu <strong>Democracia</strong> y Constitución en Alemania, ensina<br />

que:<br />

232<br />

a eficácia demonstra<strong>da</strong> durante quarenta anos pela Lei Fun<strong>da</strong>mental,<br />

desenvolvi<strong>da</strong> e aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Tribunal Constitucional Federal, era motivo<br />

mais que suficiente para as forças representativas alemãs, que não tiveram<br />

dúvi<strong>da</strong>s em eleger o artigo 23 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental <strong>como</strong> o procedimento mais<br />

apropriado para levar a cabo a unificação, ou seja, através <strong>da</strong> adesão <strong>da</strong>


República Democrática <strong>da</strong> Alemanha à República Federal. 325<br />

Quer parecer que, no caso <strong>da</strong> adesão <strong>da</strong> antiga Alemanha Oriental, houve a<br />

aplicação do mesmo critério quando <strong>da</strong> adesão do Land de Sarre, em 01 de janeiro de<br />

1957, previsto no artigo 23 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental. A diferença entre os dois processos se<br />

dá no âmbito dos diplomas legais que regulamentaram as duas adesões. Enquanto que<br />

o primeiro caso foi uma lei constitucional, no segundo foi uma simples lei ordinária.<br />

325 SCHNEIDER, Arnold. <strong>Democracia</strong> y constitución en Alemania. Trad. Emília Esteros. Barcelona: Vicens Vives, 1992, p.<br />

187.<br />

233


8.2 - A ORGANIZAÇÃO DOS PODERES NA ALEMANHA<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn traz de forma expressa o princípio tradicional de<br />

separação de poderes.<br />

O reconhecimento constitucional de titulares distintos para as três funções<br />

clássicas do Estado alemão não significa, de nenhuma maneira, a falta de conexão<br />

entre os poderes estatais.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn articulou um sistema de colaboração entre os<br />

poderes do Estado que estabelece um Sistema parlamentarista. Sobre isso, Fernandes<br />

escreve que “a arquitetura constitucional <strong>da</strong> Alemanha Federal colocou efetivamente<br />

o Bundestag no centro <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política alemã, definindo um ‘sistema de governo<br />

parlamentar’. 326<br />

Em conseqüência, o executivo federal alemão é coman<strong>da</strong>do pelo Chanceler<br />

Federal, que precisa <strong>da</strong> confiança <strong>da</strong> Câmara Baixa do Parlamento Federal, o<br />

Bundestag.<br />

8.2.1 - O Presidente Federal<br />

Atualmente o Presidente federal tem uma participação menor na ativi<strong>da</strong>de<br />

326 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 101.<br />

234


política, se comparado aos <strong>da</strong> República de Weimar.<br />

Esta mu<strong>da</strong>nça fica muito bem caracteriza<strong>da</strong> quando considera<strong>da</strong> sua eleição<br />

indireta por uma assembléia composta pelos membros do Bundestag e representantes<br />

dos Lander.<br />

O Presidente não tem a independência necessária para desempenhar um papel<br />

mais relevante na vi<strong>da</strong> política <strong>da</strong> Alemanha.<br />

a) - A Eleição do Presidente Federal.<br />

Como foi escrito acima, a eleição do Presidente Federal é realiza<strong>da</strong> por uma<br />

Assembléia Federal, forma<strong>da</strong> pelo Bundestag e de um número igual de membros,<br />

eleitos pelas representações do povo dos Lander, através de uma eleição proporcional.<br />

Sobre este tema, Rogeiro nos ensina que “... o Colégio Eleitoral (Assembléia Federal)<br />

procura reproduzir, mais uma vez, o princípio federal e de participação política dos<br />

Lander.” 327<br />

A Assembléia Federal reúne-se até trinta dias após o término do man<strong>da</strong>to ou<br />

impedimento do Presidente <strong>da</strong> República, sendo convoca<strong>da</strong> pelo Presidente do<br />

Parlamento Federal.<br />

Pode ser eleito Presidente Federal, qualquer alemão maior de 40 anos. Seu<br />

man<strong>da</strong>to é de cinco anos, permiti<strong>da</strong> uma reeleição.<br />

Fernandes ain<strong>da</strong> complementa o que se escreveu sobre a eleição do Presidente<br />

Federal ensinando que “para a eleição do Presidente <strong>da</strong> República realizar-se-ão, no<br />

327 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 175.<br />

235


máximo, três voltas eleitorais. Se nas duas primeiras nenhum candi<strong>da</strong>to obtém os<br />

votos <strong>da</strong> maioria dos membros do Congresso Federal, procede-se a uma terceira<br />

votação, sendo eleito o candi<strong>da</strong>to que obtiver a maioria dos votos expressos.” 328<br />

b) - As Funções do Presidente Federal.<br />

O Presidente <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha é um Chefe de Estado típico<br />

de um sistema parlamentarista com funções de representação, mas não exerce, na<br />

opinião majoritária <strong>da</strong> doutrina, nenhum poder efetivo. Entretanto, os poderes de<br />

intervenção que possuí lhe conferem uma influência considerável na vi<strong>da</strong> política<br />

alemã.<br />

Menudier escreve um esclarecedor parágrafo sobre as funções do Presidente<br />

Alemão, afirmando que:<br />

236<br />

o Presidente federal representa a uni<strong>da</strong>de nacional, a nível interno e externo.<br />

O seu principal poder reside na nomeação do Chanceler ou, em caso de crise,<br />

na dissolução do Bundestag (artigo 63) A designação do chanceler, que<br />

segui<strong>da</strong>mente deverá ser confirma<strong>da</strong> pelo Bundestag, não passa de simples<br />

formali<strong>da</strong>de na medi<strong>da</strong> em que o nome do Chanceler é decidido pelos<br />

partidos. O Presidente pode também dissolver o Bundestag, sob proposta do<br />

Chanceler, no caso do Bundestag recusar a confiança solicita<strong>da</strong> pelo Chefe de<br />

Governo (artigo 68). O estado de emergência no plano legislativo<br />

(Gesetzgebungsnotstand) permite ao Presidente, nos termos do artigo 81,<br />

declarar <strong>como</strong> váli<strong>da</strong>s as leis prepara<strong>da</strong>s por um Governo minoritário e<br />

rejeita<strong>da</strong>s pelo Bundestag. Este tipo de consideração é meramente teórico, já<br />

que não se registram ain<strong>da</strong> crises desta índole e as mu<strong>da</strong>nças de poder têm<br />

sido feitas segundo esquemas que não justificam o exercício dos poderes do<br />

Presidente. 329<br />

Todos os atos e decretos do Presidente federal alemão devem ser referen<strong>da</strong>dos<br />

pelo Chanceler ou pelo Ministro <strong>da</strong> área correspondente. Mesmo assim, a Lei<br />

328 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 105.<br />

329 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 145.


Fun<strong>da</strong>mental dispensa de referendo ministerial os seguintes atos do Presidente Federal:<br />

a - a nomeação e demissão do Chanceler Federal, conforme artigo 63, inciso 2º<br />

<strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental;<br />

b - a dissolução discricionária do Bundestag quando este não eleja o Chanceler<br />

por maioria absoluta de seus membros no prazo de quatorze dias depois de ter negado<br />

a confiança ao candi<strong>da</strong>to indicado pelo Presidente, conforme o artigo 68, inciso 1º <strong>da</strong><br />

Lei Fun<strong>da</strong>mental ;<br />

c- o requerimento para a permanência obrigatória do Chanceler Federal em<br />

suas funções até a nomeação de seu sucessor, conforme o artigo 69, inciso 3º <strong>da</strong> Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental.<br />

Mesmo nomeando e exonerando o Chanceler Federal, o Presidente Federal não<br />

preside o Conselho de Ministro.<br />

8.2.2 - O Parlamento Federal<br />

Como é normal em todo Estado Federal, o Parlamento alemão é bi-cameral. O<br />

Bundestag representa o conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de alemã, com o Bundesrat ou Conselho<br />

Federal representando os governos dos Lander.<br />

Ao tratar do sistema alemão, Duverger explica que:<br />

237<br />

o Parlamento é composto por duas Câmaras: o Bundestag, que representa a<br />

federação (os deputados são eleitos proporcionalmente à população), e o<br />

Bundesrat, que representa os Estados. Trata-se de um federalismo


238<br />

inigualitário: consoante as suas dimensões, ca<strong>da</strong> Land (país) tem direito a um<br />

número de deputados compreendido entre três e cinco (mas a desigual<strong>da</strong>de é<br />

menor do que na época <strong>da</strong> Constituição de Weimar, em que este número<br />

variava entre 1 e 26; os deputados de ca<strong>da</strong> Land em bloco, num só e mesmo<br />

sentido. As duas Câmaras não são iguais. O Bundesrat não participa <strong>da</strong><br />

investidura do Chanceler e não pode derrubar o Governo; tem apenas direito<br />

de veto em matéria legislativa; o Bundestag pode ultrapassar este veto (mas<br />

se o veto for formulado pelo Bundesrat por maioria de dois terços, exige-se a<br />

mesma maioria do Bundestag). Quanto a algumas categorias de leis<br />

importantes, relativas ao sistema federal ou aos interesses dos Lander, as<br />

duas Câmaras têm poderes iguais e é necessário o seu acordo para que a<br />

decisão seja toma<strong>da</strong>; o mesmo acontece em matéria constitucional. 330<br />

a) - O Bundestag.<br />

O Bundestag, ou parlamento federal, vê metade dos seus deputados eleitos em<br />

todo o território federal e a outra metade por listas partidárias apresenta<strong>da</strong>s nos<br />

distritos correspondentes aos Lander.<br />

que:<br />

Mellado Prado, a respeito <strong>da</strong> eleição do Bundestag, se pronuncia ensinando<br />

após a unificação, os deputados eleitos pelo povo dos Lander orientais<br />

passaram a representar entre 1/5 e 1/6 do total de parlamentares (127 em<br />

662, na 12ª legislatura, 1990-1994). A lei eleitoral estabelece o princípio do<br />

`mínimo´. Ou seja, a representação do Bundestag está sujeita à satisfação de<br />

uma percentagem mínima de votos (5%). Esta medi<strong>da</strong>, se não reduziu a<br />

representação parlamentar a um biparti<strong>da</strong>rismo puro, fez mesmo assim que de<br />

11 partidos representados em 1949 restassem não mais de 4 a 6, desde aí. 331<br />

b) - Composição e Eleição do Bundestag.<br />

O Tratado de Unificação não modificou nenhum preceito <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental<br />

de Bonn no que diz respeito ao Bundestag. Apenas uma <strong>da</strong>s disposições transitórias do<br />

Tratado (parágrafo 42) previu uma derrogação provisória <strong>da</strong> parte que trata <strong>da</strong> eleição<br />

330 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 256.<br />

331 - PRADO, Pillar Mellado. Sistemas polítos en Europa. Madrid: Eceres, 1992, p. 166.


dos deputados do Bundestag para o período compreendido entre 13 de outubro de 1990<br />

(<strong>da</strong>ta de entra<strong>da</strong> em vigor do tratado) e 2 de dezembro desse mesmo ano (eleições do<br />

primeiro Bundestag <strong>da</strong> Alemanha unifica<strong>da</strong>) quando os 144 deputados dos novos<br />

Lander e <strong>da</strong> zona oriental de Berlim foram designados pela Câmara Popular ou<br />

Parlamento <strong>da</strong> antiga República Democrática <strong>da</strong> Alemanha.<br />

Atualmente, o Bundestag é composto por 662 deputados eleitos para man<strong>da</strong>to<br />

de 4 anos por voto direto, secreto e universal de todos os ci<strong>da</strong>dãos alemães maiores de<br />

i<strong>da</strong>de (18 anos), através de um sistema mitigado, <strong>como</strong> escrevemos na introdução deste<br />

item, que recebe o nome de “eleição proporcional parcialmente personaliza<strong>da</strong>”. O<br />

sistema funciona com as vagas distribuí<strong>da</strong>s proporcionalmente entre as listas de<br />

candi<strong>da</strong>tos que concorrem às eleições, sendo eleitos aqueles que recebam mais votos<br />

em ca<strong>da</strong> um dos distritos eleitorais em que se divide o território nacional. Ca<strong>da</strong> eleitor,<br />

sendo assim, utiliza um cédula dupla, com uma <strong>da</strong>s partes destina<strong>da</strong> à escolha <strong>da</strong> lista<br />

sua predileta e outra destina<strong>da</strong> ao nome do candi<strong>da</strong>to de sua preferência.<br />

Esse procedimento eleitoral foi um compromisso assumido entre a<br />

<strong>Democracia</strong>-Cristã, que queria um sistema majoritário puro e a proposta proporcional<br />

apoia<strong>da</strong> pelos pequenos partidos. Foram os Social-Democratas que propuseram uma<br />

fórmula intermediária, que fundiu os dois sistemas e que satisfez a todos, com um<br />

processo que é majoritário e proporcional ao mesmo tempo.<br />

Além disso, a Lei Eleitoral Federal <strong>da</strong> Alemanha exige, <strong>como</strong> também já<br />

vimos antes, um mínimo de 5% dos votos a nível federal para os partidos terem<br />

representação no Bundestag. Esse princípio possibilitou a simplificação e estabili<strong>da</strong>de<br />

do sistema de partidos alemão, com muitos autores enaltecendo a formula adota<strong>da</strong>,<br />

239


<strong>como</strong> Diheter Noellen, que o qualifica <strong>como</strong> o “milagre eleitoral alemão.” 332<br />

c) - As Funções do Bundestag.<br />

O Bundestag tem uma posição proeminente em relação a outra Câmara do<br />

Parlamento Federal, já que é o Bundestag o órgão de deliberação e controle político<br />

que aprova a confiança ao Chanceler Federal e exige dele a responsabili<strong>da</strong>de política<br />

através de dois mecanismos típicos de sistemas parlamentaristas: a Moção de Censura<br />

e a Questão de Confiança.<br />

Além disso, com exceção de algumas matérias relevantes para os Lander,<br />

quando as duas Câmaras ficam em pari<strong>da</strong>de, o Bundesrat não pode negar-se, na<br />

prática, a aprovar os projetos aprovados pelo Bundestag. Caso o faça, o Bundestag<br />

pode aprovar definitivamente o texto através de uma segun<strong>da</strong> aprovação com maioria<br />

absoluta.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn prevê, de qualquer forma, uma Comissão de<br />

Conciliação, forma<strong>da</strong> por membros <strong>da</strong>s duas Câmaras, que se encarrega de dirimir<br />

possíveis conflitos.<br />

d) - O Bundesrat.<br />

Os Lander participam, por meio do Conselho Federal, <strong>da</strong> produção legislativa<br />

<strong>da</strong> Alemanha e <strong>da</strong> administração <strong>da</strong> Federação e nos assuntos relacionados à União<br />

Européia, <strong>como</strong> escreve Bernhard Vogel, ao ensinar que “por isso, o conselho federal<br />

criou recentemente um órgão especial de deliberação, a chama<strong>da</strong> Câmara <strong>da</strong><br />

332 - NOELLEN, Diheter. El sistema eleitoral alemán. Artigo in Revista de Estúdios Jurídicos. Madrid: Universi<strong>da</strong>d<br />

Complutense de Madrid, 1995, n. 64, p. 07.<br />

240


Comuni<strong>da</strong>de Européia, incumbi<strong>da</strong> de votar rapi<strong>da</strong>mente os pronunciamentos, inclusive<br />

fora do ritmo normal <strong>da</strong>s sessões.” 333<br />

Conselho Federal - Bundesrat - é composto por membros dos governos dos<br />

Lander, por estes nomeados e exonerados. Eles podem ser substituídos por outros<br />

membros destes mesmos governos.<br />

Ca<strong>da</strong> Land tem pelo menos três votos. Os Lander com mais de dois milhões de<br />

habitantes têm quatro votos, aqueles com mais de seis milhões de habitantes têm cinco<br />

votos e os com mais de sete milhões têm seis votos.<br />

Os representantes de ca<strong>da</strong> Land são obrigados a votar em bloco, com a Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental de Bonn não permitindo divergências entre eles.<br />

Autores há, <strong>como</strong> o professor Gonzales Casanova, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />

Barcelona, que mostram com muito realismo o papel <strong>da</strong> Câmara representante dos<br />

governos estaduais. O catedrático catalão escreve que “pode-se entender o Bundesrat<br />

<strong>como</strong> uma Câmara Alta típica e extremamente poderosa, por representar não<br />

diretamente o povo, mas o poder político supremo dos Lander, independentemente de<br />

os considerarmos ver<strong>da</strong>deiros Estados ou regiões.” 334<br />

E Bernhardt Vogel completa esta afirmação acerca <strong>da</strong> importância do<br />

Bundesrat ao afirmar que “o Conselho Federal goza de grande prestígio junto à<br />

população; dele vieram quatro dos seis chanceleres federais. Suas iniciativas<br />

lançaram marcos em âmbitos importantes, <strong>como</strong>, por exemplo, a proteção<br />

333 - VOGEL, Bernhard. O federalismo na Alemanha. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Konrad-Adenauer-Stiftung, 1995, p. 57.<br />

334 - CASANOVA, José António Gonzales. Op. Cit. p. 359.<br />

241


ambiental.” 335<br />

e) - A Composição do Bundesrat.<br />

O Bundesrat ou Conselho Federal é a Câmara de representação dos Governos<br />

dos Lander. É um órgão permanente não eletivo, que atualmente (dezembro de 1996) é<br />

composto por 68 membros.<br />

Faz-se mister trazer o ensinamento de Pablo Lucas Murillo, quando escreve<br />

sobre o Bundesrat afirmando que:<br />

242<br />

o Conselho Federal, ver<strong>da</strong>deiramente, é, <strong>como</strong> diz a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn<br />

em seu artigo 50, o meio pelo qual os Estados cooperam na legislação e na<br />

administração de justiça e, <strong>como</strong> pode-se ver, concentra em si competências<br />

muito superiores às de órgãos análogos em outros Estados federais Não<br />

obstante, cabe ressaltar que quanto mais eficaz é o Bundesrat na realização<br />

de suas funções (de controle, correção e coordenação), menos capaz é de<br />

marcar a pauta em assuntos de importância política fun<strong>da</strong>mental; não é<br />

provável, em todo caso, que chegue a alcançar a importância do Parlamento e<br />

do Governo. 336<br />

A forma de escolha dos delegados no Bundesrat e o modo de funcionamento<br />

dessa Câmara mostram uma outra originali<strong>da</strong>de do sistema federal alemão.<br />

O Conselho Federal ou Bundesrat não é escolhido por voto direto dos ci<strong>da</strong>dãos<br />

dos Lander. O chamado “Parlamento dos Governos dos Lander” é formado por<br />

membros dos governos dos dezesseis Lander e são nomeados e demitidos de seu cargo<br />

por opção de seus respectivos governos.<br />

O Bundesrat traz um sistema de man<strong>da</strong>to imperativo até certo modo<br />

surpreendente, já que parece estar, em seu espírito e sua forma, mais perto de uma<br />

335 - VOGEL, Bernhard. Op. Cit. p. 59.<br />

336 - MURILLO, Pablo Lucas et alii. Op. Cit. p. 224.


Confederação do que propriamente de uma Federação, não fosse pela clara<br />

proeminência do Bundestag.<br />

f) - As Funções do Bundesrat.<br />

A construção constitucional alemã coloca em destaque três funções<br />

fun<strong>da</strong>mentais do Bundesrat, que estão elenca<strong>da</strong>s a seguir:<br />

dos Lander; e<br />

representar os interesses dos Estados membros junto ao Estado Federal;<br />

subsidiar o Governo <strong>da</strong> Federação com a experiência político-administrativa<br />

zelar pela Federação em seu conjunto.<br />

Menudier descreve as funções do Bundesrat enfatizando que:<br />

243<br />

através do Bundesrat, os Lander exercem influência sobre o Bund e<br />

prolongam uma sóli<strong>da</strong> tradição institucional que determina igualmente que o<br />

Estado Federal utilize os Lander para man<strong>da</strong>r executar as suas leis e<br />

regulamentos, à custa de certas emen<strong>da</strong>s. Muito forte em 1871, a posição do<br />

Reicharat viu-se niti<strong>da</strong>mente enfraqueci<strong>da</strong> em 1919; a Lei Fun<strong>da</strong>mental<br />

escolheu uma posição intermédia ao decidir: `Por intermédio do Bundesrat,<br />

os Lander participam na legislação e na administração <strong>da</strong> Federação´ (art.<br />

50). Os regulamentos de administração geral preparados pelo Governo<br />

federal devem ser aprovados pelo Bundesrat, as leis federais são-lhe<br />

submeti<strong>da</strong>s se o Bundestag não tiver sido citado. O Bundesrat deve emitir a<br />

sua opinião em todo o conjunto de medi<strong>da</strong>s administrativas. 337<br />

337 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 175.


8.3 - RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE PARTIDOS<br />

É importante, particularmente para a Alemanha, salientar alguns aspectos de<br />

seus partidos políticos, já que estes não estão, de forma nenhuma, dissociados do<br />

modelo de <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado deste país e também do modelo de<br />

<strong>Democracia</strong> adotado após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

A República Federal <strong>da</strong> Alemanha tinha <strong>como</strong> objetivos não só a consoli<strong>da</strong>ção<br />

<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> mas, também, o combate ao totalitarismo <strong>da</strong> Alemanha Oriental e do<br />

mundo soviético.<br />

Para isto, procurou implantar um processo de “condicionamento democrático”<br />

em relação aos seus partidos políticos. Muitas vezes os partidos de orientação não<br />

democrática foram considerados ilegais, contrariando as regras <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> liberal,<br />

o que é explicado por sua história recente liga<strong>da</strong> ao nazismo.<br />

Nota-se esta preocupação ao se verificar que a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn não<br />

considera que sejam os partidos os únicos canais democráticos entre a Socie<strong>da</strong>de e as<br />

estruturas governamentais, mas consagrou-os no artigo 21, no qual prevê<br />

genericamente a liber<strong>da</strong>de interna e externa dos mesmos, liga<strong>da</strong> aos princípios<br />

constitucionais genéricos de associação.<br />

A cláusula dos 5% <strong>como</strong> estipulado na Lei Fun<strong>da</strong>mental, ou seja, a regra<br />

segundo a qual tem de existir um mínimo nacional de votos que permita a um partido<br />

ter representação no Parlamento Federal, é, para os estudiosos <strong>da</strong> Ciência Política, o<br />

244


maior obstáculo à formação de novos partidos.<br />

Por outro lado, os incentivos iniciais à formação de novos grupos, <strong>como</strong> a<br />

isenção fiscal de tributos, previstos na primeira lei ordinária sobre partidos na<br />

Alemanha, foram muito contestados nas jurisprudências do Tribunal Constitucional<br />

Federal, que considerou que a regra prevista na cita<strong>da</strong> lei favorecia às tendências<br />

apoia<strong>da</strong>s pelos grandes grupos econômicos e empresariais, <strong>como</strong> o CDU (União Cristã<br />

Democrática) e o FDP (Partido Liberal Democrata), e prejudicava partidos cuja base<br />

era os sindicatos e as associações classistas, <strong>como</strong> o SPD (Partido Social-Democrata).<br />

Desde então passou-se a entender que só seriam isentas de impostos as contribuições<br />

inferiores a uma determina<strong>da</strong> quantia.<br />

A partir de 1959 foram cria<strong>da</strong>s disposições legais que permitiram a subvenção<br />

parcial dos partidos pelo Estado, quando passaram a ser considerados, oficialmente,<br />

potenciais formadores <strong>da</strong> própria decisão <strong>da</strong> política pública e <strong>como</strong> veículo efetivo <strong>da</strong><br />

vontade democrática do povo.<br />

Atualmente, os cinco principais partidos (CDU-União Cristã Democrata, CSU-<br />

União Social Cristã, SPD-Partido Social-Democrata, FDP-Partido Liberal Democrata e<br />

Verdes-Ecologistas), mantêm fun<strong>da</strong>ções próprias financia<strong>da</strong>s pelo Estado, o que<br />

demonstra a significação dos valores repassados pela Federação e pelos Lander.<br />

O biparti<strong>da</strong>rismo atual alemão é imperfeito, num duplo sentido, já que uma <strong>da</strong>s<br />

forças dominantes é o CDU/CSU, ou seja, duas tendências coliga<strong>da</strong>s, e por conta <strong>da</strong><br />

existência de um partido que é o “fiel <strong>da</strong> balança” na formação dos Governos.<br />

245<br />

Entre os dois grandes partidos alemães - União Cristã Democrata/União Social


Cristã, por um lado, e o Partido Social Democrata, por outro - insere-se o Partido<br />

Liberal Democrata (FDP), que, historicamente, coliga-se à direita ou à esquer<strong>da</strong> para<br />

eleger e sustentar o Governo.<br />

As eleições de 1961 acabaram por terminar com o multiparti<strong>da</strong>rismo e<br />

iniciaram uma fase de biparti<strong>da</strong>rismo relativo, com os Democratas-Cristãos atingindo<br />

48, 5% dos lugares, os Social-Democratas ficando com 35% <strong>da</strong>s cadeiras e a ascensão<br />

dos Liberais, que atingem 13, 4% de lugares no Parlamento, adquirindo uma<br />

importância nunca antes alcança<strong>da</strong>. Fernandes explica muito bem esta tendência, ao<br />

escrever que “estes resultados são o prenúncio do `tripartismo´ (leia-se `sistema de<br />

dois partidos e meio´), cuja tendência se viu confirma<strong>da</strong> nos atos eleitorais<br />

posteriores...” 338<br />

votos válidos.<br />

O FDP, mesmo em sua fase mais prestigiosa, sempre ficou entre 8% e 13% dos<br />

8.3.1 - A <strong>Democracia</strong> Cristã na Alemanha<br />

A CDU e a CSU tiveram sua formação oficial muito recentemente, deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

aceitação <strong>da</strong> Doutrina Social <strong>da</strong> Igreja e <strong>da</strong> aliança entre uma idéia de “Estado Social<br />

de Direito”, permea<strong>da</strong>s por contribuições vin<strong>da</strong>s do conservadorismo europeu.<br />

Rogeiro explica que:<br />

o aspecto confederativo <strong>da</strong> aliança CDU/CSU (a CDU não se expande para a<br />

338 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 118.<br />

246


247<br />

Baviera, a CSU não se expande para fora <strong>da</strong> Baviera) representa, para muitos<br />

analistas, uma espécie de apelo bifronte às tradições do conservadorismo<br />

`iluminado´ alemão: por um lado as classes sociais mais `móveis´,<br />

essencialmente urbanas e embrenha<strong>da</strong>s na economia de mercado que olha na<br />

democracia cristã um casamento feliz de tradicionalismo e modernização, por<br />

outro as velhas classes tradicionais, que destacam, sobretudo no programa<br />

bávaro, as noções de ordem, segurança, uni<strong>da</strong>de nacional na diversi<strong>da</strong>de,<br />

projeção cultural no exterior, anticomunismo, antisocialismo e progresso<br />

econômico. 339<br />

A figura mítica dos primeiros vinte anos <strong>da</strong> CDU, Konrad Adenauer, uniu e<br />

dividiu a direita alemã. Ao mesmo tempo que soube exercer o poder em circunstâncias<br />

muito difíceis, levando a Alemanha a formar uma quase simbiose com o ocidente dos<br />

norte-americanos e rejeitando qualquer aproximação com o coletivismo oriental e anti-<br />

cristão do mundo soviético, também excluiu nacionalistas partidários <strong>da</strong> neutrali<strong>da</strong>de<br />

ante o capitalismo e o comunismo, molestando setores que o consideravam demasiado<br />

permissivo ao “materialismo sem cérebro” 340 dos Estados Unidos, para se usar uma<br />

expressão de Schwarz.<br />

8.3.2 - A Social-<strong>Democracia</strong> Alemã<br />

O SPD nasceu formalmente em 1875, resultante <strong>da</strong> fusão de grupos políticos<br />

de origem sindical e de associações de trabalhadores.<br />

Nos seus primeiros tempos esteve filiado ao marxismo, evoluindo, até 1959,<br />

para a defesa <strong>da</strong> economia mista e para uma maior fiscalização do Parlamento sobre o<br />

Governo. O SPD notabilizou-se pela luta a favor do voto universal, do direito de<br />

339 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 92.<br />

340 - SCHWARZ, Hanz. Adenauer - el hombre de estado - 1952 - 1967. Trad. Henrique Iañes. Madrid: Campus, 1991, p. 76.


coligação, pelo relacionamento relativamente cordial com o partido oficial <strong>da</strong><br />

Alemanha comunista, o SED, e principalmente pela proposta de união alemã a longo<br />

prazo, num quadro de reformas institucionais na Europa, o que acabou por acelerar o<br />

processo de reunificação, que culminou com a que<strong>da</strong> do Muro de Berlim e o<br />

desmantelamento do socialismo “real”.<br />

8.3.3 - A Esquer<strong>da</strong> Comunista e a Proibição de Partidos<br />

Os comunistas entraram, por eleição, no Parlamento de Weimar, após o pleito<br />

de junho de 1920.<br />

Ao se tratar <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> alemã, não se pode esquecer que as revoluções<br />

urbanas do século XIX foram altamente influencia<strong>da</strong>s pelo movimento comunista<br />

internacional, capitaneado por dois alemães: Karl Marx, doutorado em filosofia e<br />

Friedrich Engels, um prussiano fascinado por estratégias e movimentos voluntaristas.<br />

Por outro lado, um acontecimento interessante liga a revolução russa à<br />

Alemanha, já que Lenin vai para Moscou num trem alemão fretado pelos militares, que<br />

acreditavam no enfraquecimento do leste com a revolução bolchevique, quando a 1ª<br />

Guerra Mundial já estava às portas <strong>da</strong> Europa.<br />

Até 1934, a Alemanha conhece um movimento comunista relativamente forte,<br />

apesar de muito dividido, com grupos ligados ao trotsquismo, comunistas<br />

independentes, partidários de um aliança estratégica com URSS e adeptos de um<br />

“comunismo nacional”, tornando a República de Weimar um momento de muitas<br />

248


polêmicas políticas.<br />

A partir de 1949, to<strong>da</strong>s as tendências anteriores transferem-se para a República<br />

Democrática <strong>da</strong> Alemanha e formam o SED, partido oficial e que se encarrega de<br />

selecionar o pessoal político para os cargos mais importantes <strong>da</strong> Alemanha comunista.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental proibiu os ditos partidos anti-liberais, ao prever que “são<br />

inconstitucionais os partidos que, pelos seus objetivos ou pelas atitudes dos seus<br />

adeptos, preten<strong>da</strong>m prejudicar ou subverter a ordem fun<strong>da</strong>mental liberal e<br />

democrática ou que ponham em perigo a existência <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong><br />

Alemanha. Cabe ao Tribunal Constitucional Federal decidir sobre a questão <strong>da</strong><br />

inconstitucionali<strong>da</strong>de.” 341<br />

A possibili<strong>da</strong>de de proibição de partidos, prevista, <strong>como</strong> vimos, no parágrafo<br />

2º do artigo 21 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental, gerou inúmeras controvérsias. A parte que fala em<br />

“pôr em perigo a existência <strong>da</strong> República Federal” poderia, teoricamente, tornar-se um<br />

obstáculo à reunificação. Diante dessa preocupação, só foram decreta<strong>da</strong>s duas<br />

proibições, a do SRP-de orientação fascista, e a do KPD-comunista, o que demonstra<br />

que a aplicação desse dispositivo não foi fácil.<br />

O Governo Federal apresentou queixa contra o SRP em 19 de novembro de<br />

1951, pois era um partido de extrema direita, composto e dirigido por antigos nazistas.<br />

O Tribunal Federal Constitucional aceita a queixa e em 15 de julho de 1952 um<br />

despacho provisório coloca o SRP na ilegali<strong>da</strong>de. Logo em segui<strong>da</strong> a proibição e a<br />

dissolução são definitivas. Da<strong>da</strong> a conjuntura do pós-guerra, não é difícil entender a<br />

341 LEI FUNDAMENTAL <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha. Op. Cit. p. 150.<br />

249


dissolução de partidos de orientação nazista. Muito mais difícil foi explicar a proibição<br />

do partido comunista. Menudier permite uma melhor compreensão sobre o fato citado<br />

ao escrever que “a proibição do Partido Comunista <strong>da</strong> Alemanha, o KPD, foi menos<br />

bem aceito que a do SRP. Embora a queixa contra o KPD tenha sido apresenta<strong>da</strong><br />

apenas três dias depois, em 22 de novembro de 1952, a sentença foi proferi<strong>da</strong> muito<br />

mais tarde, em 17 de agosto de 1956.” 342 Continua o mesmo autor explicando outras<br />

questões importantes sobre o partido comunista na Alemanha ensinando que:<br />

250<br />

quando os aliados, em 1945, autorizaram o KPD, fun<strong>da</strong>mentaram-se<br />

essencialmente no conceito de antifascismo. Mas os juizes de Karlsruhe<br />

constataram que, posteriormente, este partido recusara um conjunto de<br />

valores mais amplo. Na sua opinião, o marxismo-leninismo, que analisam<br />

pormenoriza<strong>da</strong>mente do ponto de vista ideológico, é incompatível com a<br />

`ordem fun<strong>da</strong>mental, liberal e democrática´: assinalam também que este<br />

partido, por força <strong>da</strong> sua própria ideologia, tem uma tendência natural para<br />

praticar atos anticonstitucionais. A proibição só poderia ser levanta<strong>da</strong> em<br />

caso de eleições em to<strong>da</strong> a Alemanha. Esta sentença foi ain<strong>da</strong> mais mal aceita<br />

por todos os que, não sendo anticomunistas por princípio, viam que se proibia<br />

um partido que estava em vias de desaparecimento <strong>da</strong> cena política: em 1953<br />

obtinha apenas 2, 2% dos votos e abandonava o Bundestag. O sistema<br />

eleitoral, com efeito, levava à eliminação progressiva dos pequenos<br />

partidos. 343<br />

Depois <strong>da</strong> reunificação, o SPD sucede aos velhos grupos comunistas.<br />

8.3.4 - O Movimento Liberal<br />

Atualmente o FDP é o partido do liberalismo político na Alemanha.<br />

As atuais regras políticas <strong>da</strong> Alemanha ameaçam, com muita freqüência, a<br />

342 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 71.<br />

343 - MENUDIER, Henri. Id. Ibid. p. 71.


extinção <strong>da</strong> representação do FDP, que tem preferido estar aliado ao CDU para as<br />

composições de Governo, tendo participado diretamente nas grandes transformações<br />

dos últimos dez anos.<br />

Aproveitando a oportuni<strong>da</strong>de histórica <strong>da</strong> reunificação, os liberais têm<br />

conduzido a proposta <strong>da</strong> integração européia, aproveitando a própria União Européia,<br />

<strong>da</strong> qual são os maiores entusiastas e a aju<strong>da</strong> a novos e antigos países do Leste europeu,<br />

<strong>como</strong> bandeiras de sua proposta política.<br />

251


8.4 - O CHANCELER FEDERAL<br />

O ver<strong>da</strong>deiro poder político na República Federal <strong>da</strong> Alemanha reside no<br />

Governo e, muito especificamente, na figura de seu Chanceler, que goza de uma<br />

posição muito sóli<strong>da</strong> e tem competências muito amplas.<br />

A proeminência do Governo é tão intensa, que alguns autores denominam o<br />

sistema alemão de “democracia do Chanceler” 344 . Dentro dessa ótica e demonstrando<br />

alguma apreensão, Duverger escreve que “o sistema é acompanhado por um<br />

extraordinário poder reconhecido ao Chanceler, que excede visivelmente a noção de<br />

regime parlamentar e que pode vir a tornar-se perigoso.” 345<br />

Agesta destaca também a figura do Chefe de Governo, com menos<br />

preocupações que Duverger, assinalando que “é o Chanceler Federal quem encarna a<br />

função de governo na organização de poderes. A ele corresponde fixar as linhas e as<br />

diretrizes <strong>da</strong> política do governo e, ao mesmo tempo, é ele que responde pelo êxito ou<br />

pelo fracasso desta política.” 346<br />

A Constituição alemã organiza o Governo Federal dentro dos limites do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>.<br />

344 - Autores <strong>como</strong> Henri Menudier e Ramón Garcia Cotarelo, que será citado, neste sentido, no final deste capítulo, usam<br />

esta expressão.<br />

345 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 257.<br />

346 - AGESTA, Luiz Sanches. Op. Cit. p. 329.<br />

252


8.4.1 - A Eleição do Chanceler Federal<br />

O Chanceler Federal é aprovado sem debate pelo Bundestag, por proposta do<br />

Presidente Federal. Para tanto é necessário que haja maioria absoluta <strong>da</strong> Câmara, após<br />

o que é nomeado pelo Presidente <strong>da</strong> República.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental alemã prevê a possibili<strong>da</strong>de de o Bundestag, num prazo de<br />

quatorze dias, eleger Chanceler, também com maioria absoluta, uma pessoa diferente<br />

<strong>da</strong>quela indica<strong>da</strong> pelo Chefe de Estado. Caso numa segun<strong>da</strong> votação nenhum candi<strong>da</strong>to<br />

seja eleito com esta maioria, o Chanceler poderá ser escolhido por maioria simples<br />

numa terceira votação. Neste caso, o Presidente Federal poderá optar entre nomear o<br />

Chanceler escolhido por maioria simples ou dissolver o Bundestag.<br />

Sobre o Chanceler Federal, Henri Menudier explica que no sistema alemão o<br />

Chefe de Governo<br />

253<br />

é eleito pelo Bundestag, sem debate, sob proposta do Presidente, devendo<br />

conseguir a maioria absoluta. Se este candi<strong>da</strong>to não for eleito, o Bundestag<br />

pode escolher outro que será eleito chanceler se obtiver a maioria absoluta<br />

nos catorze dias subsequentes do primeiro escrutínio. No caso de nenhuma<br />

votação se verificar neste prazo, devido a confrontos parlamentares ou por<br />

desacordo com o Presidente <strong>da</strong> República, proceder-se-á a novo escrutínio,<br />

sendo eleito o candi<strong>da</strong>to com maior número de votos - verificando-se a<br />

maioria absoluta o Presidente <strong>da</strong> República deve proceder à nomeação nos<br />

sete dias que se seguem à eleição; se registrar apenas uma maioria relativa<br />

pode proceder à nomeação ou à dissolução do Bundestag. 347<br />

347 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 152.


8.4.2 - O Chanceler e os Ministros<br />

Como foi dito acima, o Chanceler fixa as diretrizes políticas do Governo e tem<br />

a responsabili<strong>da</strong>de pelo resultado <strong>da</strong>s mesmas. Dessa forma, a responsabili<strong>da</strong>de<br />

política é exigível somente do Chanceler Federal, de quem os Ministros são meros<br />

subordinados e colaboradores.<br />

O âmbito <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de política do Chanceler depende, por um lado, de<br />

sua própria vontade - por meio de uma Questão de Confiança por ele próprio proposta<br />

- e, por outro lado, <strong>da</strong> vontade do Bundestag - por meio de uma Moção de Censura<br />

Construtiva -. Claro está que a orientação política do Governo não é só um poder do<br />

Chanceler, mas também um dever. Diante desse fato, o Chefe de Governo responde<br />

também por suas omissões, já que essas podem prejudicar a coesão do Governo.<br />

Como é lógico, a responsabili<strong>da</strong>de política do Chanceler está imbrica<strong>da</strong> com a<br />

de seus Ministros, conforme dispõe o artigo 69, inciso II, <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de<br />

Bonn, ao dispor que “... as funções de um Ministro termina também com qualquer<br />

outro termo <strong>da</strong>s funções do Chanceler Federal.” É assim que podemos observar a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política solidária de todo o Gabinete com seu Chanceler, de tal forma<br />

que o Bundestag não pode exigir responsabili<strong>da</strong>de política do Primeiro-Ministro sem<br />

também envolver todo o Gabinete em qualquer solução que venha a ser adota<strong>da</strong>.<br />

Apesar destas constatações, há autores que questionam a impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

demissão individual dos Ministros pertencentes ao Gabinete de Governo, mas a Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental alemã descarta este mecanismo de forma enfática. Portanto, pode-se<br />

254


considerar que em termos de responsabili<strong>da</strong>de política, apenas o Bundestag e o<br />

Chanceler são relevantes.<br />

que:<br />

Georges Burdeau, sobre a responsabili<strong>da</strong>de política no sistema alemão, aponta<br />

255<br />

o Chanceler é o dono e o senhor de seu Governo, cuja coesão interna não<br />

pode ser perturba<strong>da</strong> por uma votação <strong>da</strong> Câmara Baixa contra um ou vários<br />

Ministros. Em definitivo, o Bundestag não pode obrigar um ou vários<br />

Ministros a solicitar demissão de forma isola<strong>da</strong>, mas pode manifestar sua<br />

desconfiança através <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s `missbilligungsbeschulss´ (Moção de<br />

Reprovação); mas essa Câmara do Parlamento só supõe a manifestação de<br />

uma opinião sem eficácia jurídica alguma. Esta forte e majoritária corrente<br />

doutrinária que nega a existência de uma responsabili<strong>da</strong>de política dos<br />

Ministros ante o Bundestag foi contesta<strong>da</strong> por alguns autores que admitem<br />

uma responsabili<strong>da</strong>de política indireta dos Ministros federais ante o<br />

Bundestag ou mesmo os entendem <strong>como</strong> sujeitos de uma autêntica<br />

responsabili<strong>da</strong>de política. 348<br />

Mesmo que os Ministros não sejam responsáveis perante o Parlamento, com<br />

certeza o são ante o Chanceler Federal. A Lei Fun<strong>da</strong>mental e o Regulamento interno<br />

do Governo Federal os obriga a respeitar as normas de ação política defini<strong>da</strong>s pelo<br />

Chanceler, que se constituem na base <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de interna do Gabinete. Desta forma, os<br />

Ministros federais devem prestar contas de suas ativi<strong>da</strong>des administrativas e políticas<br />

ao Chefe de Governo, que sobre eles exerce controle.<br />

Menudier também faz importante abor<strong>da</strong>gem sobre a responsabili<strong>da</strong>de política<br />

dos Ministros ao escrever que:<br />

a oposição aos ministros é ambivalente já que, dependendo unicamente do<br />

Chanceler, não podem ser demitidos pelo Bundestag (<strong>como</strong> em Weimar)<br />

embora este disponha de meios eficazes para, eventualmente, expressar o seu<br />

desacordo. Oberlander em 1960 e Kruger em 1964, Ministros dos Refugiados,<br />

foram obrigados a pedir demissão <strong>da</strong>do o seu passado no III Reich. Strauss<br />

retirou-se em fins de dezembro de 1962 porque, no caso Spiegel, exorbitou os<br />

348 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 259.


256<br />

seus poderes omitindo a ver<strong>da</strong>de ao Bundestag. Em caso de conflito com o<br />

Chanceler os ministros não podem procurar apoio no Bundestag. Mas a força<br />

de que dispõe no âmbito do Governo varia em função dos grupos de interesses<br />

ou <strong>da</strong>s tendências que representam. O peso de um Ministro advém não apenas<br />

<strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de mas também <strong>da</strong> importância do setor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nacional<br />

que fica sob sua responsabili<strong>da</strong>de. 349<br />

8.4.3 - As Relações do Chanceler com o Bundestag<br />

O Chanceler Federal mantém com o Bundestag uma estreita relação de<br />

confiança, que se inicia com a votação de sua indicação e que perdura enquanto o<br />

Bundestag não retirar expressamente essa confiança por meio <strong>da</strong> votação de uma<br />

Moção de Censura ou a rejeição de uma Questão de Confiança.<br />

a) - A Moção de Censura Construtiva.<br />

O artigo 67 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn é, sem dúvi<strong>da</strong>s, o preceito mais<br />

célebre e comentado de to<strong>da</strong>s as disposições relativas à organização <strong>da</strong> República<br />

Federal <strong>da</strong> Alemanha. A chama<strong>da</strong> “Moção de Censura Construtiva” foi idealiza<strong>da</strong> para<br />

ser a garantia mais forte e eficiente <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de governamental e seu mais importante<br />

fator de estabili<strong>da</strong>de.<br />

Como se pode facilmente constatar, este instrumento criado pelos alemães é o<br />

mais sofisticado entre todos os que foram concebidos para racionalizar o sistema<br />

parlamentarista nascido na Europa, no período entreguerras e que tem seu ápice em<br />

algumas Constituições do pós-guerra.<br />

349 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 154.


A Moção de Censura Construtiva exclui de forma veemente a obstrução<br />

negativa e inútil verifica<strong>da</strong> no período de Weimar, <strong>da</strong>ndo ao executivo uma clara<br />

proeminência.<br />

Esta fórmula, encontra<strong>da</strong> na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, que permite ao<br />

Parlamento controlar o Governo mas, ao mesmo tempo, não deixando que aquele se<br />

aposse de todo o processo político, nos remete às experiências recentes aconteci<strong>da</strong>s no<br />

Brasil, quando um Congresso Nacional irresponsável politicamente, praticamente<br />

“engessa” o Governo e retar<strong>da</strong> reformas estruturais fun<strong>da</strong>mentais para o país, movido<br />

por sentimentos corporativistas e nacionalismos ultrapassados. No caso do Brasil, o<br />

que se observa é uma má formação do sistema, que apresenta lacunas vitais a todo<br />

processo político-governamental.<br />

O sistema previsto na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn é, em princípio, obediente às<br />

regras clássicas <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de política governamental, já que só o Bundestag<br />

pode derrubar o Chanceler Federal e, conseqüentemente, seu Governo. Nem o<br />

Presidente Federal, nem o Bundesrat podem fazer qualquer coisa contra um Governo<br />

que tem a confiança do Bundestag.<br />

Os Constituintes de Bonn consagraram um sistema no qual o Bundestag não<br />

pode derrubar o Governo sem substituí-lo por outro. Portanto, um voto de<br />

desconfiança não significa automaticamente a que<strong>da</strong> do Gabinete. Só depois que o<br />

Bundestag escolher outro Chanceler é que o anterior será afastado de suas funções.<br />

A razão principal que levou o sistema de Governo alemão a adotar este<br />

processo foi evitar que falsas - ou eventuais - maiorias parlamentares sejam forma<strong>da</strong>s<br />

257


com o único fim de derrubar o Chanceler, não estando sóli<strong>da</strong>s para chegar a um acordo<br />

para a escolha de um novo Chanceler.<br />

Mellado Prado remata muito bem este tema, quando escreve que:<br />

258<br />

realmente não creio que a importância teórica e prática do artigo 67 seja tal<br />

que possa ser considera<strong>da</strong> um fator determinante <strong>da</strong> forma de Estado, mas sim<br />

que o dito preceito dá à Lei Fun<strong>da</strong>mental to<strong>da</strong> a sua originali<strong>da</strong>de, ao<br />

assegurar ao Chanceler sua proeminência em relação ao Bundestag,<br />

proeminência que é produto de um processo de concentração de poder nas<br />

mãos do Primeiro-Ministro. 350<br />

b) - Requisitos <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva.<br />

A Moção de Censura Construtiva possui determinados requisitos para sua<br />

apresentação, <strong>como</strong> no processo legislativo ordinário, sem os quais não pode produzir<br />

seus efeitos.<br />

os seguintes:<br />

Os requisitos para a apresentação de uma Moção de Censura Construtiva são<br />

a - Iniciativa - Em primeiro lugar, a iniciativa para apresentar uma Moção de<br />

Censura é exclusiva do Bundestag. A proposta de uma Moção de Censura, para<br />

começar a tramitar, necessita do apoio prévio de, pelo menos, uma Quarta parte dos<br />

membros do Bundestag;<br />

b - Indicação do Candi<strong>da</strong>to Alternativo - Esse traço muito particular, <strong>como</strong> já<br />

dissemos, do sistema alemão, está inserido no Regulamento do Bundestag, impondo<br />

que na Moção de Censura deve haver também uma manifestação de desconfiança e, o<br />

mais original, a indicação de um candi<strong>da</strong>to a Chanceler Federal. Estas duas<br />

350 - PRADO, Pillar Mellado. Op. Cit. p. 153.


providências são indissociáveis, inclusive no momento <strong>da</strong> votação.<br />

Alguns autores consideram que a apresentação conjunta <strong>da</strong> manifestação de<br />

desconfiança e a eleição de um novo Chanceler confunde duas fases <strong>da</strong> atuação do<br />

Parlamento, cuja lógica política sugere a separação.<br />

Unir a derruba<strong>da</strong> do Gabinete com a investidura de um novo Governo é, na<br />

opinião de Burdeau, “estabelecer uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de artificial entre duas questões que<br />

são totalmente diferentes é colocar os representantes do povo num dilema dificilmente<br />

tolerável para a democracia representativa. Dessa forma não há oposição, já que para<br />

existir essa oposição tem que se unir sobre um programa positivo.” 351<br />

Para alguns setores <strong>da</strong> doutrina, o artigo 67 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental menospreza os<br />

princípios do <strong>Parlamentarismo</strong> ao ignorar um de seus traços fun<strong>da</strong>mentais que é a crise<br />

ministerial.<br />

Jiménez de Parga chega a firmar que:<br />

259<br />

a crise ministerial é insubstituível em um sistema multipartidário, pois obriga<br />

a atenuar os antagonismos dos partidos e a tomar consciência de suas<br />

responsabili<strong>da</strong>des comuns. Portanto, ao suprimir esta possibili<strong>da</strong>de que é a<br />

crise ministerial, pode-se temer que a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn tenha<br />

suprimido, repentinamente, as possibili<strong>da</strong>des de uma mu<strong>da</strong>nça de Governo.<br />

Definitivamente, muitos consideram que a supressão <strong>da</strong> sanção <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de ministerial deriva<strong>da</strong> do artigo 67 é pagar um preço muito<br />

alto pela estabili<strong>da</strong>de do Governo. 352<br />

Na prática, o que se observa, é que o povo alemão não faz restrições a esta<br />

supremacia do Governo, <strong>como</strong> facilmente se nota com a leitura de livros de autores<br />

<strong>como</strong> Duverger, Menudier ou Fernandes. A economia mais forte <strong>da</strong> Europa e uma <strong>da</strong>s<br />

351 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 274.<br />

352 - PARGA, Carlos Jimenéz. Los régimes políticos contemporáneos. Madrid: Universi<strong>da</strong>d de Madrid, 1994, p. 173.


maiores do planeta, alia<strong>da</strong> a uma estabili<strong>da</strong>de política e democrática de déca<strong>da</strong>s, faz<br />

com que a Alemanha atual tenha um modelo de socie<strong>da</strong>de quase que completamente<br />

sedimentado;<br />

c - Número Mínimo de Assinaturas - O Regulamento do Bundestag, exige para<br />

a apresentação de uma Moção de Censura, a aquiescência de um quarto dos deputados<br />

do Bundestag, fazendo dela uma facul<strong>da</strong>de coletiva e não individual. Dessa forma, só<br />

as propostas conseqüentes, vin<strong>da</strong>s de grupos parlamentares importantes, podem ser<br />

leva<strong>da</strong>s em consideração, evitando assim a per<strong>da</strong> de tempo em discussões de uma<br />

Moção de Confiança com poucas possibili<strong>da</strong>des de êxito.<br />

Rogeiro, ao comentar a Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, anota que:<br />

260<br />

a definição <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva, <strong>como</strong> é conheci<strong>da</strong> na doutrina<br />

constitucional contemporânea, é a forma de obstar com veemência os excessos<br />

de chama<strong>da</strong> `irracionalização parlamentar´ típicos do 2º Reich (República de<br />

Weimar). Esta fórmula foi usa<strong>da</strong> em 1982, quando o FDP decidiu aceitar a<br />

coligação proposta pela coligação CDU/CSU e derrubar o chanceler Helmut<br />

Schmidt, uma figura histórica do SPD. 353<br />

c) - Os Efeitos <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva.<br />

Quando a maioria absoluta dos membros do Bundestag vota a favor de uma<br />

Moção de Censura, também está elegendo o candi<strong>da</strong>to alternativo a Chanceler Federal,<br />

que houvera sido incluído, obrigatoriamente, no texto <strong>da</strong> Moção.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn não é muito clara sobre em que condições o Chefe<br />

de Estado providenciará a saí<strong>da</strong> do antigo Chanceler, não prevendo qualquer prazo<br />

para que isto aconteça. Na prática, o prazo utilizado é o do artigo 63, imposto ao<br />

353 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 182.


Presidente <strong>da</strong> República para a nomeação do Chanceler.<br />

Menudier resume com rara precisão este processo ao escrever que “o<br />

Bundestag só pode levar um Chefe de Governo à demissão através de um voto de<br />

desconfiança construtivo (artigo 67); os deputados elegem um sucessor por maioria<br />

absoluta e convi<strong>da</strong>m o Presidente <strong>da</strong> República a demitir o Chanceler em<br />

exercício.” 354<br />

d) - A Questão de Confiança.<br />

O Chanceler Federal pode utilizar o mecanismo <strong>da</strong> Questão de Confiança para<br />

prevenir a ameaça de uma Moção de Censura, precipitando assim a crise que poderia<br />

advir.<br />

Agesta permite um melhor entendimento deste ponto escrevendo que “em<br />

qualquer momento o Chanceler Federal pode verificar se o desenvolvimento de seu<br />

programa político continua contando com a anuência do Bundestag. Para tanto, pode<br />

solicitar a chama<strong>da</strong> `questão de confiança´.” 355<br />

A Questão de Confiança prevista no artigo 68 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn<br />

permite ao Chanceler, quando sua base de sustentação parlamentar mostra-se vacilante,<br />

utilizar procedimentos pelos quais possa exercer uma certa pressão sobre a coligação<br />

ou sobre seu próprio partido. Permite também que o Chanceler, quando em minoria,<br />

utilize certos procedimentos que torne inútil a obstrução do Bundestag.<br />

Dessa forma, sendo a condição para ser proposta a dissolução do Parlamento<br />

354 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 152.<br />

355 - AGESTA, Luiz Sanches. Op. Cit. p. 334.<br />

261


ou a adoção do “Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa”, a Questão de Confiança adquire<br />

um novo e peculiar contorno que a diferencia de outros instrumentos de controle<br />

parlamentar no Estado contemporâneo.<br />

escrever que:<br />

Continuamos com Agesta, que ain<strong>da</strong> tem uma posição muito eluci<strong>da</strong>tiva, ao<br />

262<br />

proposta a votação de confiança pelo Chanceler e se os membros do<br />

Bundestag não expressam sua confiança, se abre uma dupla possibili<strong>da</strong>de de<br />

atuação do Presidente <strong>da</strong> Federação, que atua a pedido do Chanceler:<br />

dissolver o Bundestag dentro de um prazo de vinte e um dias, convocando o<br />

corpo eleitoral para a eleição de outro Chanceler ou, também a pedido do<br />

Governo, proclamar o Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa... 356<br />

Nos dois casos, o Chanceler permanece em suas funções, diferente de outras<br />

formas de racionalização do sistema parlamentarista.<br />

O direito de dissolver o Bundestag se extingue quando termina o prazo de<br />

vinte e um dias, já citado acima, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> negativa à confiança solicita<strong>da</strong>.<br />

Também se extingue esse direito, por óbvio, se o Bundestag elege outro Chanceler.<br />

e) - Requisitos e Efeitos <strong>da</strong> Questão de Confiança.<br />

A Proposta <strong>da</strong> Questão de Confiança.<br />

O Chanceler Federal pode solicitar ao Parlamento uma Questão de Confiança.<br />

Essa facul<strong>da</strong>de do Chefe de Governo não é compartilha<strong>da</strong> com os outros Ministros,<br />

pois tem caráter singular e pessoal.<br />

Evidentemente que o partido do Chanceler ou a maioria que o apoia podem<br />

356 - AGESTA, Luiz Sanches. Id. Ibid. p. 334.


sugerir esta medi<strong>da</strong>, mas não passa de uma sugestão que não vincula juridicamente o<br />

Chefe de Governo.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental não prevê qualquer trâmite para a Questão de Confiança.<br />

Ramón Garcia Cotarelo, ao analisar a Questão de Confiança, pondera que a<br />

falta de regulamentação sobre a matéria enseja muitas variações na sua propositura,<br />

mas assevera que é o Chanceler Federal que tem legitimi<strong>da</strong>de para propô-la. Assim,<br />

escreve que:<br />

263<br />

apesar disso, um grupo de Deputados do Bundestag pode, sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

solicitar <strong>da</strong> Câmara um `voto de confiança´ pelo qual se manifeste o apoio<br />

parlamentar ao Governo. Esta medi<strong>da</strong> tem, quando a oposição mostra-se<br />

especialmente dura em sua crítica ao Governo, o valor de uma aclamação.<br />

Mas devemos assinalar que estas propostas de `voto de confiança´ que nascem<br />

<strong>da</strong> Câmara não constituem, no sentido técnico do artigo 68, questões de<br />

confiança e, portanto, delas não se depreende nenhum dos efeitos jurídicos<br />

derivados <strong>da</strong> Questão de Confiança stricto sensu, salvo se o próprio<br />

Chanceler assumir <strong>como</strong> sua tal proposta parlamentar. 357<br />

Maioria Exigi<strong>da</strong>.<br />

Como na aprovação <strong>da</strong> indicação do Chanceler, a maioria exigi<strong>da</strong> para que se<br />

considere aprova<strong>da</strong> a confiança ao Governo é também a absoluta.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental alemã não faz diferença de maioria para a formação do<br />

Governo e para a sua continuação;<br />

Efeitos <strong>da</strong> Questão de Confiança.<br />

A apresentação de uma Questão de Confiança ao Bundestag pode suscitar três<br />

situações distintas. São elas:<br />

357 - COTARELO, Ramón Garcia. La república federal de Alemania. Madrid: Teide, 1984, p. 97.


1 - a primeira hipótese ocorre quando o Chanceler e seu Governo obtêm a<br />

confiança do Parlamento, reforçando o prestígio e a autori<strong>da</strong>de do Gabinete;<br />

2 - a segun<strong>da</strong> hipótese é aquela em que o Bundestag nega a confiança ao<br />

Governo de forma positiva, substituindo o Chanceler em exercício por outro, conforme<br />

o procedimento previsto no artigo 67 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental;<br />

3 - a terceira hipótese é a de o Bundestag negar a confiança ao Governo, sem<br />

escolher o substituto para o Chanceler Federal (não é obrigado a fazê-lo, <strong>como</strong> no caso<br />

<strong>da</strong> Moção de Censura, quando os dois procedimentos estão constitucionalmente<br />

unidos). Neste caso, nos deparamos com outras três hipóteses, que são as seguintes:<br />

- apesar de não ter esta obrigação, o Chanceler se demite ao comprovar que<br />

não possui uma maioria sóli<strong>da</strong> que o apoie;<br />

- o Chanceler pode propor ao Presidente Federal que dissolva o Bundestag,<br />

com o Governo transformando-se em interino, até que a nova maioria se forme;<br />

- a última hipótese ocorre quando a confiança é nega<strong>da</strong> pelo Parlamento e o<br />

Presidente Federal não o dissolve. Neste caso, o Chanceler passa a ter muitas<br />

dificul<strong>da</strong>des, principalmente quanto aos projetos de lei que são encaminhados ao<br />

Bundestag. A rejeição constante dos projetos de lei pode levar o Chefe de Governo a<br />

propor ao Presidente Federal a declaração do “Estado de Emergência Legislativa”,<br />

conforme o estabelecido nos artigos 68 e 81 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental, que será vista a<br />

seguir.<br />

264


f) - A Declaração do Estado de Necessi<strong>da</strong>de ou Emergência Legislativa.<br />

A Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn exige, para a declaração do “Estado de<br />

Necessi<strong>da</strong>de Legislativa”, uma estreita colaboração entre o Chanceler, seu Governo, o<br />

Presidente <strong>da</strong> República Federal e o Bundesrat ou conselho federal. Isto significa que<br />

um Governo minoritário pode legislar e governar, durante determinado tempo, sem a<br />

confiança do Bundestag.<br />

Duverger, sobre o Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa, explica que:<br />

265<br />

se o Chanceler tiver apresentado um voto de confiança e não tiver obtido a<br />

maioria nem pedido a dissolução, e se o Bundestag rejeitar em segui<strong>da</strong> os<br />

projetos que o Governo considere urgentes, o Presidente Federal pode, se tal<br />

tiver sido pedido pelo Governo e aprovado pelo Bundesrat, proclamar o<br />

Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa para estes projetos: se o Bundestag os<br />

rejeitar de novo dentro do prazo de um mês, basta um voto do Bundesrat para<br />

se converterem em leis. O Chanceler só pode voltar a utilizar este mecanismo<br />

no prazo de seis meses, findo o qual não pode voltar a recorrer a ele. Esta<br />

ressurreição - muito atenua<strong>da</strong> - do `estado de necessi<strong>da</strong>de´ do artigo 48 <strong>da</strong><br />

Constituição de Weimar permite, pois, a um Chanceler que tenha sido posto<br />

em minoria pela assembléia popular, não só permanecer no poder, mas até<br />

legislar durante seis meses, desde que tenha o acordo do Presidente e do<br />

Bundesrat (eleito por sufrágio indireto). 358<br />

Depreende-se disto, fun<strong>da</strong>mentalmente, que o Chanceler está obrigado a<br />

dividir as decisões políticas com o seu Gabinete, já que a Lei Fun<strong>da</strong>mental reza que o<br />

Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa “nasce do Governo Federal”, e não do Chanceler<br />

Federal. Claro que a intenção, nesse caso específico, é usar também o prestígio do<br />

conjunto do Governo para sensibilizar o Parlamento a aprovar as suas propostas<br />

legislativas.<br />

Este mecanismo, de certa forma, é uma exceção ao espírito <strong>da</strong> Lei<br />

358 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 257.


Fun<strong>da</strong>mental, que ressalta a proeminência do Chanceler nas relações institucionais.<br />

Pode-se observar também que enquanto a Lei Fun<strong>da</strong>mental confere ao<br />

Chanceler o direito de propor ao Presidente a dissolução do Bundestag, para a<br />

solicitação do Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa é exigi<strong>da</strong> a intervenção do Governo.<br />

Para Cotarelo:<br />

266<br />

existem motivos e razões de peso para admitir a intervenção do Governo.<br />

Pleitear a Questão de Confiança ou dissolver o Bundestag são atos que afetam<br />

e interessam ao Chefe de Governo em relação à sua maioria e ao Parlamento<br />

Federal. Sem dúvi<strong>da</strong>, no Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa não se trata <strong>da</strong><br />

relação de confiança entre o Chanceler e o Parlamento, posto que esta<br />

confiança desapareceu. O que importa, simplesmente, é permitir a um<br />

Governo permanecer, continuar no poder, sendo imprescindível que na origem<br />

desta convivência difícil, o Governo dê provas de coesão interna. 359<br />

Outro requisito indispensável para a declaração do Estado de Necessi<strong>da</strong>de<br />

Legislativa é a aprovação do Bundesrat, o Conselho Federal.<br />

A declaração do Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa possui limites na Lei<br />

Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, para que este mecanismo não se torne um instrumento<br />

meramente discricionário.<br />

Estes limites são temporais, na medi<strong>da</strong> em que esta mesma Lei Fun<strong>da</strong>mental<br />

diz que deve ser observado o prazo de seis meses entre uma declaração de Estado de<br />

Necessi<strong>da</strong>de Legislativa e outra. Os limites materiais implicam na obediência, por<br />

parte do legislador, <strong>da</strong> repartição de competências entre a Federação e os Lander e na<br />

supremacia <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental, que não pode, absolutamente, ser contraria<strong>da</strong> por<br />

qualquer outra norma aprova<strong>da</strong>, em qualquer circunstância, na República Federal <strong>da</strong><br />

359 - COTARELO, Ramón Garcia. Op. Cit. p. 146.


Alemanha.<br />

8.4.4 - A Responsabili<strong>da</strong>de do Chanceler Federal Perante o Presidente <strong>da</strong> República<br />

Também por conta do turbulento período de Weimar, os Constituintes de Bonn<br />

trataram de introduzir mu<strong>da</strong>nças fun<strong>da</strong>mentais nas relações do Chefe de Estado com o<br />

Chanceler Federal.<br />

Em primeiro lugar, mesmo sendo do Presidente a indicação do Chanceler, o<br />

primeiro não pode fazer cair o Governo e o segundo, em momento nenhum, pode se<br />

transformar no “Chanceler do Presidente”.<br />

Em princípio, se falarmos em termos constitucionais, o Chanceler só responde<br />

politicamente perante o Bundestag e, por via de conseqüência, só dele necessita<br />

confiança. Porém, os poderes presidenciais são maiores do que se pode supor, mesmo<br />

com o ambiente político alemão preferindo que o Chefe de Estado seja um apoio e não<br />

uma espa<strong>da</strong> sobre a cabeça do Chanceler.<br />

Menudier facilita o entendimento <strong>da</strong>s relações entre o Chanceler e o Presidente<br />

Federal na Alemanha quando escreve que:<br />

267<br />

o Presidente controla os atos do Governo através <strong>da</strong> nomeação dos juizes, dos<br />

funcionários, dos oficiais e subalternos (artigo 60, par. 1º), <strong>da</strong> promulgação<br />

<strong>da</strong>s leis (artigo 82, parágrafo 1º) e <strong>da</strong> assinatura de tratados. Já rebentou<br />

uma polêmica a propósito de se saber se o Presidente tinha direito de veto<br />

quanto a nomeação de certos Ministros (artigo 64, parágrafo 1º). Theodor<br />

Heuss opusera-se à nomeação de Tomas Dehler <strong>como</strong> Ministro <strong>da</strong> Justiça,<br />

sendo forçado a ceder face a pressão de Adenauer. O mesmo aconteceu com<br />

Heinrich Lubke que recusara a nomeação de Georg Schroder para os<br />

Negócios Estrangeiros. Tendo no seu papel uma concepção mais política que


268<br />

seu antecessor, conseguiu impedir a designação de certos altos funcionários.<br />

Apressou a saí<strong>da</strong> do Governo de Franz Josef Strauss, quando do escân<strong>da</strong>lo<br />

Spiegel mas, ao defender uma grande coligação acabou por facilitar a sua<br />

reeleição em 1964. Mas esta tentativa de alargar as competências do<br />

Presidente foi mal recebi<strong>da</strong>. Registraram-se as mesmas reações quando<br />

Walter Scheel manifestou propósitos idênticos. 360<br />

Deve-se lembrar também que, caso o Chanceler perca a maioria que o apóia<br />

durante determinado período de seu Governo, é o Presidente que intervém e somente<br />

ele pode reforçar a posição do Chefe de Governo minoritário ante o Parlamento, o que<br />

não dá ao Chefe de Estado a condição de intervir a qualquer momento.<br />

Resta saber quais as opções do Presidente Federal para reforçar a posição do<br />

Chanceler. De acordo com esta pesquisa, tem-se duas possibili<strong>da</strong>des:<br />

1º - No caso de o Chanceler minoritário, perdi<strong>da</strong> a votação <strong>da</strong> Questão de<br />

Confiança, pedir a dissolução do Bundestag, cabe ao Presidente Federal decidir sobre<br />

qual a melhor decisão a ser toma<strong>da</strong>, dependendo <strong>da</strong>s relações de confiança existentes<br />

entre eles. No caso do Chanceler contar com a confiança do Presidente, este dissolverá<br />

o Parlamento e reforçará a sua posição. Caso contrário, negará a dissolução e forçará a<br />

demissão do Chefe do Governo;<br />

2º - A Segun<strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de se dá quando o Chanceler perde a votação de<br />

uma Questão de Confiança e propõe ao Presidente Federal a declaração do Estado de<br />

Necessi<strong>da</strong>de Legislativa para um projeto de lei. Neste caso pode-se, outra vez,<br />

observar que a permanência do Chanceler está vincula<strong>da</strong> a uma decisão unilateral do<br />

Chefe de Estado, que poderá manter, ao menos por seis meses, um Governo<br />

minoritário, legislando sem o apoio do Bundestag, com o consentimento do Bundesrat.<br />

No caso de negar a declaração do Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa, o Presidente<br />

360 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 146.


Federal estará forçando o Chanceler a se demitir.<br />

Como se pode perceber, a posição do Presidente Federal <strong>da</strong> Alemanha não está<br />

restrita à Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn e suas funções, além <strong>da</strong>s formalmente previstas,<br />

avançam bastante na direção <strong>da</strong> efetiva arbitragem do sistema germânico.<br />

Como observa Cotarelo,<br />

269<br />

o Chefe de Estado alemão constitui um `Poder de Reserva´ cuja importância,<br />

não somente prática, senão também jurídica, varia segundo o espírito de<br />

uni<strong>da</strong>de que permeie o Bundestag. Claramente diferente, nestes casos, de<br />

outros Chefes de Estado republicanos o Presidente Federal alemão supre a<br />

inativi<strong>da</strong>de dos representantes do povo soberano: `a autori<strong>da</strong>de supre à<br />

política, ao direito de agir’. 361<br />

361 - COTARELO, Ramón Garcia . Op. Cit. p. 153.


8.5 - O PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO COMO CONDIÇÃO DA<br />

DEMOCRACIA<br />

Apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des de se encontrar, <strong>como</strong> já dito antes, bibliografia<br />

atualiza<strong>da</strong> tratando <strong>da</strong> Alemanha unifica<strong>da</strong>, o mesmo não aconteceu com a vinculação<br />

do sistema germânico de Governo com a <strong>Democracia</strong>.<br />

Devido à disputa estabeleci<strong>da</strong> com o antigo bloco soviético, principalmente<br />

com a extinta República Democrática <strong>da</strong> Alemanha, a República Federal <strong>da</strong> Alemanha,<br />

ou a Alemanha Ocidental, <strong>como</strong> ficou conheci<strong>da</strong>, viu-se obriga<strong>da</strong> a lutar de to<strong>da</strong>s as<br />

formas pela manutenção e, principalmente, pelo “sucesso” <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>. O regime<br />

democrático não podia ser só uma filosofia de vi<strong>da</strong> do Estado alemão, tinha que ser<br />

mais, deveria ser um símbolo de desenvolvimento econômico e social, para servir de<br />

contraponto à autocracia <strong>da</strong> Alemanha Oriental.<br />

Note-se, por exemplo, o que escreve O<strong>da</strong>ir de Oliveira, em sua obra Alemanha<br />

Ocidental - <strong>Democracia</strong> em Evolução, quando conclui afirmando que:<br />

270<br />

a República Federal <strong>da</strong> Alemanha está transforma<strong>da</strong>, portanto, na principal<br />

trincheira <strong>da</strong> luta contra o comunismo internacional. Será inexpugnável, pois<br />

a subversão e o ódio vermelho jamais conseguirão atravessar a cerca<br />

divisória ou o muro de Berlim. Realiza a ver<strong>da</strong>deira revolução democrática<br />

que há de ser, na defesa e combate ao comunismo, muito mais eficaz que as<br />

armas mais aperfeiçoa<strong>da</strong>s. 362<br />

Em função deste obstinado objetivo, foi criado um sistema de Governo<br />

baseado em um <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado destinado a, também, cumprir uma<br />

362 - OLIVEIRA, O<strong>da</strong>ir. Alemanha Ocidental - democracia em evolução. Belo Horizonte: Itatiaia, 1968, p. 158.


tarefa ideológica fun<strong>da</strong>mental, resgatando os princípios democráticos do período entre-<br />

guerras.<br />

Mesmo assim, é importante destacar que a <strong>Democracia</strong> “negativa” de Weimar<br />

foi duramente combati<strong>da</strong> na Alemanha do pós-guerra, com a adoção de mecanismos,<br />

inseridos no sistema de Governo, que asseguram uma <strong>Democracia</strong> equilibra<strong>da</strong> e<br />

“positiva”, <strong>como</strong> ocorreu, também, na França.<br />

Duverger explica este fenômeno escrevendo que:<br />

271<br />

quis-se evitar que se reproduzisse o fenômeno que provocou a que<strong>da</strong> do<br />

regime de Weimar: a conjunção de extremos (nacionalismo de direita e<br />

comunistas) que fornece uma maioria negativa, que derruba todos os governos<br />

mas é incapaz de apoiar qualquer um. Por essa razão, inventou-se um sistema<br />

engenhoso: O Bundestag só pode derrubar o ministério elegendo (por maioria<br />

de seus membros) um sucessor do Chanceler. 363<br />

Observe-se que prevalece, também na Alemanha, o modelo democrático de<br />

equilíbrio, <strong>como</strong> em Portugal. Mas com a diferença, segundo vários tratadistas, <strong>como</strong><br />

Menudier 364 , de ser o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado alemão “de segurança”. Todos os<br />

mecanismos existentes apontam para uma estabili<strong>da</strong>de extrema num regime<br />

democrático equilibrado.<br />

Basta, para se ter a comprovação do que está escrito no parágrafo anterior,<br />

examinar o tempo de permanência de ca<strong>da</strong> Chanceler alemão, no poder, desde a<br />

implantação <strong>da</strong> República de Bonn. Helmut Koll, por exemplo, ficou quatorze anos<br />

governando.<br />

Outra marca indelével <strong>da</strong> influência do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado alemão<br />

363 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 257.<br />

364 - MENUDIER, Henri. Op. Cit. p. 254.


em seu regime democrático diz respeito à forma de eleição dos deputados ao<br />

Bundestag. A base de formação do Governo na República Federal <strong>da</strong> Alemanha é a<br />

composição desta sua Câmara Baixa, onde estão os representantes do povo.<br />

Deve-se notar, então, que os deputados alemães são eleitos através de um<br />

sistema distrital misto ou “mitigado”, <strong>como</strong> preferem alguns autores. Para equilibrar a<br />

representação democrática, ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão eleitor vota duas vezes: uma na lista de<br />

candi<strong>da</strong>tos à eleição proporcional e outra no candi<strong>da</strong>to de seu distrito eleitoral. Esta<br />

fórmula, que racionaliza a representação popular, foi proposta pelo partido Social-<br />

Democrata, <strong>como</strong> se viu durante o desenvolvimento deste capítulo, com base em<br />

critérios de correção do sistema eleitoral, que passou, assim, a equilibrar a participação<br />

de representantes de trabalhadores e de representantes apoiados por grandes<br />

conglomerados econômicos e industriais.<br />

Muitos autores, <strong>como</strong> Menudier, ressaltam as virtudes do modelo democrático<br />

alemão, <strong>como</strong> a estabili<strong>da</strong>de política e o consenso social, que nenhuma crise séria foi<br />

capaz de abalar durante os últimos cinqüenta anos. O autor escreve que:<br />

272<br />

poucos estados no mundo podem apresentar um balanço <strong>como</strong> este. A<br />

concentração <strong>da</strong>s forças políticas, o bom equilíbrio dos poderes entre maioria<br />

governamental e oposição, entre Estado federal e Länder, a estreita<br />

associação <strong>da</strong>s forças econômicas e sociais às grandes decisões, o<br />

crescimento econômico regular, a ativa inserção nas relações internacionais<br />

depois de longa recusa de admitir certas reali<strong>da</strong>des não são estranhos a este<br />

balanço bastante favorável. 365<br />

Diferente <strong>da</strong> França e de Portugal, o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado alemão<br />

nasceu dos debates no Bundestag e não <strong>da</strong> vontade de Adenauer, <strong>como</strong> muitos<br />

acreditam, cuja maioria entendeu a necessi<strong>da</strong>de de manter o sistema parlamentar,<br />

365 - MENUDIER, Henri. Id. Ibid. p. 248.


apoiado em estabili<strong>da</strong>de democrática e desenvolvimento econômico e social. O mesmo<br />

Menudier, ao tratar do Parlamento alemão, aponta este detalhe, ao registrar que “foram<br />

os parlamentares e não os militares, os funcionários ou uma classe particular <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de que, sob o olhar vigilante dos ocupantes, elaboraram um modelo<br />

democrático, inspirado no dos Americanos e dos Ingleses.” 366<br />

Este modelo democrático foi construído sobre um sistema de Governo<br />

destinado a garantir, <strong>como</strong> já bastante ressaltado, a solidez e estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

instituições democráticas. Tanto é assim, que Cotarelo escreve que:<br />

273<br />

desde o começo se tratou de garantir a existência de um governo democrático,<br />

eficaz, responsável e estável. A imagem <strong>da</strong> atribula<strong>da</strong> República de Weimar e<br />

<strong>da</strong> ditadura hitleriana funcionaram <strong>como</strong> um ponto de referência abrigado na<br />

articulação do atual sistema de Governo alemão. Isto explica os traços mais<br />

característicos do ordenamento: o regime de direitos e liber<strong>da</strong>des<br />

democráticas, a figura do Presidente <strong>da</strong> República, o sistema federal, a moção<br />

de censura construtiva, a hegemonia do Governo e a função arbitral do Poder<br />

Judiciário. O que todos estes elementos acabaram caracterizando, no seu jogo<br />

de responsabili<strong>da</strong>des recíprocas, foi uma <strong>Democracia</strong> do Chanceler, com uma<br />

solidez incontestável. 367<br />

Para melhor demonstrar os vínculos do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> alemão<br />

com a estabili<strong>da</strong>de democrática, é importante realçar alguns pontos destacados neste<br />

capítulo. Quando se escreveu que a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> alemão é<br />

abun<strong>da</strong>nte, fez-se esta observação com base, por exemplo, no que escreve Vilarinho 368 ,<br />

evidenciando que os partidos extremistas são colocados fora <strong>da</strong> lei e a federação tem<br />

diversas armas para controlar os Lander.<br />

Além disto, pode ser destaque também a “racionalização eleitoral” alemã, com<br />

366 - MENUDIER, Henri. Id. Ibid. p. 167.<br />

367 - COTARELO, Ramón Garcia. Op. Cit. p. 199.<br />

368 - VILARINHO, Manuel. Op. Cit. p. 168.


seu sistema de dois partidos e meio. Isto, na ver<strong>da</strong>de, é outro fator de estabili<strong>da</strong>de, sem<br />

a pulverização típica dos sistemas pluripartidários.<br />

Outro fator de preservação <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de democrática é o papel do<br />

Bundesrat. Este Conselho Federal atua <strong>como</strong> instituição de correção e moderação do<br />

sistema, servindo <strong>como</strong> um contraponto aos excessos do Bundestag, principalmente<br />

quanto ao apoio para o Chanceler, evitando algumas tentativas de fragilizá-lo, muito<br />

comuns no jogo democrático.<br />

Alguns autores, <strong>como</strong> Burdeau 369 e Jiménez de Parga 370 , citados também neste<br />

capítulo, fazem referência ao caráter pouco democrático, por exemplo, <strong>da</strong> Moção de<br />

Censura Construtiva, que obriga o Parlamento, ao aprovar a desconfiança ao<br />

Chanceler, a indicar, no mesmo ato, um substituto. Mas deve-se entender que são<br />

mecanismos de estabilização política e democrática. Com todo respeito aos dois<br />

tratadistas, o instituto <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva do modelo alemão tem que ser<br />

contextualizado para ser convenientemente analisado. A <strong>Democracia</strong>, na Alemanha, e a<br />

literatura mostram isto, significa estabili<strong>da</strong>de política do Governo, que está sujeito<br />

somente às mu<strong>da</strong>nças promovi<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong>s regras democráticas elabora<strong>da</strong>s para<br />

garantir esta mesma estabili<strong>da</strong>de.<br />

Mesmo o Presidente Federal, <strong>como</strong> também foi visto neste capítulo, na<br />

Alemanha, atua <strong>como</strong> elemento de racionalização do Sistema de Governo, ao servir de<br />

apoio ao Chanceler.<br />

Um Chanceler enfraquecido pela per<strong>da</strong> momentânea <strong>da</strong> maioria no Bundestag,<br />

369 - BURDEAU, George. Op. Cit. p. 107.<br />

370 - PARGA, Carlos Jiménez. Op. Cit. p. 217.<br />

274


pode contar com a aju<strong>da</strong> decisiva do Presidente Federal, principalmente para a<br />

Declaração de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa, outro instrumento típico de racionalização,<br />

destinado a viabilizar o Governo em tempos de crise, impedindo assim a<br />

desestabilização de todo o sistema.<br />

275


PARTE IV - DEMOCRACIA E PARLAMENTARISMO<br />

RACIONALIZADO NO ESTADO CONTEMPORÂNEO<br />

Tudo o que se registrou até agora, nesta Tese, pretendeu assinalar o esforço<br />

empreendido, por parte de determinados estados contemporâneos, no sentido de<br />

consoli<strong>da</strong>r a <strong>Democracia</strong> através <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de, eficiência e eficácia de seus sistemas<br />

de Governo. Como exemplo, pode-se citar Norberto Bobbio, em seu livro “As<br />

Ideologias e o Poder Em Crise”, no qual mostra claramente sua preocupação pela falta<br />

de racionalização do sistema de Governo italiano. Observe-se o que ensina o autor<br />

quando refere-se ao mau Governo: “Onde falta um centro unificador, os centros de<br />

poder se multiplicam. E, multiplicando-se, contribuem para criar um estado de<br />

confusão permanente que caracteriza a vi<strong>da</strong> pública italiana.” 371<br />

O filósofo italiano, em outra obra sua, ressalta a importância do Governo para<br />

a <strong>Democracia</strong>. Bobbio escreve que:<br />

para quem considera a democracia <strong>como</strong> o ideal do `bom governo’ (no sentido<br />

clássico <strong>da</strong> palavra, ou seja, no sentido de que ela está melhor capacita<strong>da</strong> do<br />

que qualquer outro para realizar o bem comum), outro tema objeto de<br />

contínuo debate é o que se poderia chamar de `insucessos’ <strong>da</strong> democracia’.<br />

Grande parte do que hoje se escreve sobre a democracia pode ser incluído na<br />

denúncia, ora amargura<strong>da</strong> ora triunfante, destes insucessos. Nela cabem o<br />

tema já clássico <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s elites e o tema ain<strong>da</strong> mais clássico do contraste<br />

entre democracia formal e democracia substancial. Nela cabem, enfim, o tema<br />

<strong>da</strong> ingovernabili<strong>da</strong>de, que emergiu nestes últimos anos. 372<br />

Assim <strong>como</strong> Bobbio, um robusto conjunto de autores, atualmente, se ocupa de<br />

371 - BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Brasília: UNB, 1995, p. 202.<br />

372 - BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p. 83.


ponderar sobre a relação vital existente entre Governo e <strong>Democracia</strong>. Um bom<br />

exemplo é Mauro Volpi, quando leciona que “a Itália, já faz muito tempo, procura<br />

racionalizar seu sistema de governo para <strong>da</strong>r estabili<strong>da</strong>de a seu regime político,<br />

sempre as voltas com dissoluções do Parlamento e que<strong>da</strong>s de Gabinete.” 373<br />

O Governo, <strong>como</strong> instrumento de consecução de objetivos estatais, com suas<br />

variações contemporâneas de intervenção nos domínios econômico e social, funciona<br />

atualmente <strong>como</strong> o principal parâmetro <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, tendo até suplantado algumas<br />

características dos mecanismos clássicos do regime.<br />

Demonstrar esta Tese significou extrair <strong>da</strong> presente pesquisa os vários<br />

aspectos que vinculam o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> Sistema de Governo e a<br />

consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> em vários países, de um modo geral, e em particular, nos<br />

três estados escolhidos <strong>como</strong> modelos de análise para este trabalho. É o que se<br />

pretende com o capítulo a seguir.<br />

373 - VOLPI, Mauro. Op. Cit. p. 140.<br />

277


CAPÍTULO IX - A DEMOCRACIA EFETIVADA NO<br />

PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO<br />

No último capítulo desta Tese, o que se pretende é revisar os principais<br />

aspectos, presentes nos sistemas de Governo <strong>da</strong> França, Portugal e Alemanha, e<br />

organizá-los de forma lógica, servindo para construção de paradigmas aplicáveis ao<br />

estudo dos parlamentarismos racionalizados presentes em estados contemporâneos, de<br />

forma genérica.<br />

Para ca<strong>da</strong> Estado estu<strong>da</strong>do pretendeu-se produzir um elenco de itens que<br />

pudessem demonstrar a comprovação <strong>da</strong> hipótese básica estabeleci<strong>da</strong>.<br />

Assim, tantos os mecanismos <strong>como</strong> as posições doutrinárias foram conecta<strong>da</strong>s<br />

de modo a fornecer consistência à demonstração.<br />

Mais uma vez é importante ressaltar que o único Estado, entre os três<br />

estu<strong>da</strong>dos, que mereceu um item para o partidos políticos foi a Alemanha, o que é<br />

justificado pelo fato de seu sistema de partidos ter uma forte contribuição para o<br />

modelo de racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> naquele país.<br />

é a França.<br />

Obedecendo a ordem de abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> Tese, o primeiro Estado a ser analisado


9.1 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO FRANCÊS DA Vª REPÚBLICA: O<br />

SISTEMA DO PRESIDENTE<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>da</strong> França, instituído pela Constituição de<br />

1958, tornou eficazes o Governo e o regime democrático naquele país. Tanto um <strong>como</strong><br />

outro foram assentados no princípio de presunção de confiança em relação ao<br />

Governo, que se tornou o bastião <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de política e do desenvolvimento<br />

econômico e social nas déca<strong>da</strong>s que sucederam à Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

Para isto, concorreram dois fatores, a destacar: por primeiro a<br />

presidencialização do <strong>Parlamentarismo</strong>, que segundo Lauvaux “incutiu todo o seu<br />

valor ao princípio constitucional não escrito, enunciado pelo general De Gaulle em<br />

1946, segundo o qual o governo procede do Chefe de Estado, impôs o uso que permite<br />

ao primeiro-ministro abster-se de solicitar um voto de confiança acerca do programa<br />

governamental.” 374 Em segundo lugar, e principalmente, o artigo 49, item 3 375 <strong>da</strong><br />

Constituição <strong>da</strong> República Francesa, que traz as eficientes condições através <strong>da</strong>s quais<br />

a presunção de confiança continua beneficiando o Governo, enquanto este existir.<br />

O disposto no artigo 49 não contraria o <strong>Parlamentarismo</strong> e nem deve levar a se<br />

pensar que é possível governar sem maioria. Muito pelo contrário, já que permite a<br />

manutenção e, se for o caso, a criação de nova maioria pela bipolarização de forças no<br />

374 - LAUVAUX, Philippe. Op. Cit. p. 172.<br />

375 - Diz o item 3 do artigo 49 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República Francesa que “o Primeiro-Ministro poderá, após deliberação do<br />

Conselho de Ministros, assumir a responsabili<strong>da</strong>de do Governo perante a Assembléia Nacional sobre a votação de um texto.<br />

Neste caso, o texto será considerado aprovado a menos que uma moção de censura, apresenta<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong>s vinte e quatro<br />

horas seguintes, seja aprova<strong>da</strong> nas condições estabeleci<strong>da</strong>s no parágrafo anterior”.<br />

279


debate político.<br />

Esta bipolarização do embate político na França, feita especialmente pelo<br />

agrupamento ideológico de partidos e não, necessariamente, pela existência de dois<br />

partidos, alimenta<strong>da</strong> pelo sistema eleitoral majoritário de dois turnos, criou as<br />

melhores condições para a eficácia do procedimento racionalizado do artigo 49 que,<br />

junto com a permanência dos mecanismos tradicionais do <strong>Parlamentarismo</strong>, <strong>como</strong> a<br />

possibili<strong>da</strong>de de dissolução do Parlamento, proporciona estabili<strong>da</strong>de democrática ao<br />

sistema francês.<br />

Veja-se o que Lauvaux também escreve sobre a aplicação do artigo 49 <strong>da</strong><br />

Constituição francesa. O autor diz que:<br />

280<br />

com efeito, a ameaça de dissolução basta para impedir a aliança de um<br />

componente <strong>da</strong> maioria com a oposição, a fim de derrubar o governo, pois<br />

semelhante comportamento seria fatal no plano eleitoral, em virtude <strong>da</strong><br />

bipolarização do próprio eleitorado. Assim, o artigo 49-3, concebido<br />

originalmente <strong>como</strong> procedimento excepcional, tornou-se em certos períodos -<br />

<strong>como</strong> entre 1978 e 1981 - um ver<strong>da</strong>deiro método de governo, garantindo a<br />

sobrevivência de uma maioria cuja coesão se encontrava profun<strong>da</strong>mente<br />

abala<strong>da</strong>. Pôde-se denunciar o caráter artificial desse prolongamento; mas<br />

nem por isso é menos ver<strong>da</strong>de que, nessa hipótese, as disposições de<br />

parlamentarismo racionalizado demonstram sua plena eficácia. 376<br />

A racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>da</strong> França teve <strong>como</strong><br />

objetivo principal a modificação <strong>da</strong> estrutura de poder existente nas repúblicas<br />

pretéritas, de modo a <strong>da</strong>r a este poder estabili<strong>da</strong>de. Esta estabili<strong>da</strong>de tem sentido de<br />

governabili<strong>da</strong>de, <strong>como</strong> escreve Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao ensinar que é “a<br />

possibili<strong>da</strong>de de ação governamental eficaz, quer dizer, a aptidão de um Estado<br />

determinado realizar os objetivos a que se propõe - a sua missão -, não em abstrato,<br />

376 - LAUVAUX, Philippe. Op. Cit. p. 173.


mas diante de um quadro concreto.” 377<br />

O principal objetivo a ser atingido, na França <strong>da</strong> Vª República, foi a<br />

estabili<strong>da</strong>de política e democrática, que existiu de forma efêmera desde a Terceira<br />

República.<br />

O grande problema foi o de estabelecer o modus operandi do sistema político<br />

para atingir esta estabili<strong>da</strong>de. A <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> Vª República francesa teve <strong>como</strong><br />

pressupostos, para tanto, <strong>como</strong> já foi comentado acima, a legitimi<strong>da</strong>de e a eficácia<br />

decisória do sistema de Governo.<br />

Para se ter uma idéia <strong>da</strong> importância destes dois pressupostos em um regime<br />

que pretende ser democrático, pode-se trazer os ensinamento de Bobbio, quando<br />

escreve que “é provável que exista uma correlação positiva entre legitimi<strong>da</strong>de e<br />

eficácia decisória por um lado, e a Estabili<strong>da</strong>de por outro. Quanto maior é a<br />

legitimi<strong>da</strong>de e mais eleva<strong>da</strong> é a eficácia decisória, tanto mais estável será um sistema<br />

político democrático.” 378<br />

A <strong>Democracia</strong> francesa <strong>da</strong> Vª República foi estrutura<strong>da</strong> sobre o carisma de De<br />

Gaulle. A Constituição de 1958 reforçou os poderes do Chefe de Estado, e em última<br />

análise, do Poder Executivo diante do Parlamento. Naquele primeiro momento, o que<br />

se procurou foi estabili<strong>da</strong>de através deste movimento de concentração de poder nas do<br />

Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Restava, portanto, a legitimação. Esta foi alcança<strong>da</strong> graças ao citado carisma<br />

377 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Constituição e governabili<strong>da</strong>de. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 3.<br />

378 - BOBBIO, Norberto et alii. Op. Cit. p. 399.<br />

281


de De Gaulle, construído, principalmente, durante a resistência ao nazismo.<br />

A posição de líder carismático exigia, algumas vezes, ações no sentido de<br />

manter De Gaulle em sintonia com o povo. Para tanto, o general valia-se de vários<br />

expedientes, <strong>como</strong> a expectativa em torno de um pronunciamento seu e, para continuar<br />

governando com estas características, ações extraordinárias e inespera<strong>da</strong>s, <strong>como</strong> as<br />

ocorrências na Argélia, a eleição direta para o Presidente <strong>da</strong> República, a recusa em<br />

convocar o Parlamento em sessão extraordinária e as modificações no Senado.<br />

Bobbio, no “Dicionário de Política”, assinala que “consciente de ser um líder<br />

cujo carisma aumentava em tempos de crise, De Gaulle era mestre em criar, de vez em<br />

quando, através do estilo e <strong>da</strong> temática de sua política externa, situações de tensão,<br />

pequenas crises, que tornavam atuais os seus apelos.” 379<br />

Um dos instrumentos mais utilizados por De Gaulle para transformar as<br />

questões específicas numa escolha entre a sua pessoa ou o caos foram os referendos.<br />

Através deste expediente, pedia o Presidente a adesão dos ci<strong>da</strong>dãos, num plano<br />

pessoal, <strong>como</strong> confiança a si. A questão jurídico-institucional ficava em segundo<br />

plano. O modo de coerção era a declaração de que, em caso de derrota, o Presidente se<br />

demitiria. O que acabou acontecendo em 1969.<br />

Com esta legitimação carismática de De Gaulle, o centro de decisão foi<br />

transferido do Parlamento para o Chefe de Estado, tendo sido alcança<strong>da</strong> a tão almeja<strong>da</strong><br />

estabili<strong>da</strong>de política. Através <strong>da</strong>s transformações institucionais, políticas e até<br />

sociológicas, foi estabelecido um novo sistema de Governo na França, nos moldes<br />

379 - BOBBIO, Norberto et alii. Id. Ibid. p. 542.<br />

282


pretendidos pelos elaboradores do texto constitucional <strong>da</strong> Vª República.<br />

Porém, fazia-se necessário a mol<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> francesa surgi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Vª<br />

República. Para isto, fez-se necessário a transferência desta legitimação para as<br />

instituições cria<strong>da</strong>s constitucionalmente, a fim de <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de à situação de<br />

estabili<strong>da</strong>de cria<strong>da</strong> então.<br />

Pode-se encontrar ain<strong>da</strong>, no mesmo “Dicionário de Política” de Bobbio,<br />

Matteucci e Pasquino, outra citação muito procedente sobre a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> francesa, quando escrevem que “não obstante a oposição teórica entre o<br />

caráter pessoal do carisma e o caráter formal <strong>da</strong> instituição, esta forma de<br />

transmissão faz coincidir os dois termos, somando a força dos dois diversos tipos de<br />

autori<strong>da</strong>de que aí se reúnem: a autori<strong>da</strong>de legal, burocrática e a autori<strong>da</strong>de por<br />

dádiva excepcional. A instituição assim legitima<strong>da</strong> possuirá um poder interno de<br />

controle social e um poder de continui<strong>da</strong>de elevadíssimos.” 380<br />

Desta forma, a legitimação que antes dependia <strong>da</strong> figura do líder carismático,<br />

que não era muito firme, ficou inseri<strong>da</strong> nas instituições, contribuindo decisivamente<br />

para a continui<strong>da</strong>de do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado francês e para a sua<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

A autori<strong>da</strong>de presidencial restou institucionaliza<strong>da</strong>, agora menos liga<strong>da</strong> a um<br />

líder carismático e mais ao sistema de Governo e à <strong>Democracia</strong> francesa. Desta forma<br />

foi criado o atual sistema político <strong>da</strong> França, que é ain<strong>da</strong> motivo de muita polêmica<br />

entre os doutrinadores.<br />

380 - BOBBIO, Norberto et alii. Id. Ibid. p. 365.<br />

283


O sistema é tão controvertido que nas reuniões dos chefes de Governo <strong>da</strong><br />

União Européia, a França é sempre a única com dois representantes: O Presidente e o<br />

Primeiro-Ministro.<br />

Deve-se ressaltar que, mesmo tendo sido o Presidencialismo Parlamentarizado<br />

francês de 1958 aplicado em sua plenitude pela ação de Charles De Gaulle, o sistema<br />

foi adotado e teve sua continuação assegura<strong>da</strong> pelos presidentes franceses que o<br />

sucederam. O caso mais interessante é o de François Mitterrand, em seus quatorze anos<br />

de poder.<br />

O texto constitucional <strong>da</strong> Vª República se a<strong>da</strong>ptou às diferentes situações<br />

políticas aconteci<strong>da</strong>s desde 1981.<br />

Logo que assumiu o poder, Mitterrand viu-se no meio de um grande dilema:<br />

<strong>como</strong> governar a França por instituições tão combati<strong>da</strong>s por ele e por seu partido<br />

socialista? Pouco tempo de Governo bastou para convencê-lo <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de manter<br />

o esquema existente, até porque já tinha sido incorporado à cultura política <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de francesa.<br />

Mitterrand não estimulou nenhuma revisão constitucional para diminuir o<br />

poder do Chefe de Estado. Com isto, resguardou a autori<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong><br />

República no modelo constitucional estipulado pela V República, nos termos<br />

concebidos por De Gaulle, seu adversário histórico. Burdeau registra com precisão este<br />

fato ao escrever que “Mitterrand se instalou na presidência com facili<strong>da</strong>de, apesar de<br />

vivamente ter criticado sua amplidão quando estava na oposição. Não somente ele<br />

encarnava o Poder de Estado <strong>da</strong> maneira entendi<strong>da</strong> por De Gaulle mas ain<strong>da</strong>, mais do<br />

284


qualquer de seus predecessores, ele detinha a autori<strong>da</strong>de governamental.” 381<br />

É preciso acrescentar que De Gaulle e Mitterrand, mesmo com a participação<br />

também importante de outros presidentes, foram os dois personagens que melhor<br />

refletiram a definição de <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de francesa.<br />

A prova maior, porém, <strong>da</strong> condição democrática do sistema de Governo<br />

francês ocorre quando <strong>da</strong> coabitação, <strong>como</strong> esta que acontece, enquanto esta Tese está<br />

sendo escrita, com Jacques Chirac, ligado aos setores <strong>da</strong> direita francesa, e Lionel<br />

Jospin, do partido socialista.<br />

Desta forma, ocorre a já menciona<strong>da</strong> dupla interpretação do texto<br />

constitucional francês, com o regime democrático assegurando a convivência entre a<br />

maioria parlamentar e a proeminência do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

É lícito afirmar que a racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> francês<br />

atingiu os objetivos de estabili<strong>da</strong>de e desenvolvimento almejados por aquela<br />

Socie<strong>da</strong>de, alavanca<strong>da</strong> por modificações no Direito positivo, mas também por<br />

influência de fatores políticos e sociais.<br />

A <strong>Democracia</strong> Francesa está mol<strong>da</strong><strong>da</strong>, portanto, também pelo sistema de<br />

Governo adotado pelo Estado francês e legitimado pelos seus ci<strong>da</strong>dãos.<br />

381 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 442.<br />

285


9.2 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO PORTUGUÊS APÓS A REVOLUÇÃO DOS<br />

CRAVOS: O REGIME DO EQUILÍBRIO<br />

A busca por um modelo democrático efetivo para Portugal após a Revolução<br />

dos Cravos, em 1974, fez com que o sistema de Governo - um <strong>Parlamentarismo</strong><br />

Presidencializado - fosse concebido para garantir um equilíbrio de poderes e a<br />

consecução de ações que efetivassem a <strong>Democracia</strong> Econômica, Social e Cultural<br />

inscrita na Constituição <strong>da</strong>quele país.<br />

O que mostra Fernandes, ao comentar a tentativa ultra-revolucionária ensaia<strong>da</strong><br />

durante o verão de 1975 que culminou com a derrota dos radicais e na restauração do<br />

jogo democrático, mostra bem o caráter <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> portuguesa, ao lecionar que:<br />

286<br />

nessa contingência, tornou-se necessário rever a plataforma de acordo<br />

constitucional MFA-Partidos Políticos, pois os militares democratas não<br />

concebiam que, numa democracia, o Presidente <strong>da</strong> República fosse escolhido<br />

por um colégio restrito, muito menos se esse colégio fosse constituído pela<br />

Assembléia Legislativa e pela Assembléia do Movimento <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s,<br />

sem o povo participar na eleição desta última, <strong>como</strong>, aliás, estava previsto. 382<br />

Como se percebe, o modelo democrático atual de Portugal nasceu de uma<br />

necessi<strong>da</strong>de de “<strong>Democracia</strong> Positiva”, motiva<strong>da</strong> pelas déca<strong>da</strong>s de ditadura de Salazar.<br />

Para a satisfação <strong>da</strong> ânsia democrática de muitos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de portuguesa, o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> deveria ser racionalizado de modo a garantir um regime democrático<br />

equilibrado, mas onde o Chefe de Estado fosse eleito pelo povo, <strong>como</strong> forma de<br />

defenestrar, definitivamente, a lembrança do regime ditatorial. Os portugueses, pelas<br />

382 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 43.


experiências passa<strong>da</strong>s, principalmente no período anterior ao de Salazar, sabiam que<br />

era preciso, de forma decidi<strong>da</strong>, promover esta racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> para<br />

<strong>da</strong>r-lhe não só estabili<strong>da</strong>de, mas mobili<strong>da</strong>de e capaci<strong>da</strong>de de ação efetivas, para que a<br />

inoperância do Governo não criasse novas crises políticas incontornáveis.<br />

Como ain<strong>da</strong> vai-se realçar muitas vezes, as condições históricas e sociológicas<br />

existentes quando do retorno <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> em Portugal exigiram, <strong>como</strong> também<br />

aconteceu na França e na Alemanha, a formulação de um modelo típico, que passou a<br />

ser efetivado através <strong>da</strong>s ações políticas em geral e do Governo em particular.<br />

Canotilho e Vital Moreira são precisos nesta constatação quando escrevem<br />

que, na Constituição Portuguesa, “o princípio democrático é um princípio jurídico<br />

normativo e não um simples modelo ou teoria abstrata. Como impulso global<br />

dirigente, ele aponta para a idéia de democracia <strong>como</strong> forma de vi<strong>da</strong>, <strong>como</strong> forma de<br />

racionalização do processo político e <strong>como</strong> forma de legitimação do poder” 383<br />

Nesta lição de Canotilho e Vital Moreira estão incluídos os aspectos mais<br />

importantes desta Tese em relação ao <strong>Parlamentarismo</strong> português <strong>como</strong> condição <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>. Ao afirmarem que a <strong>Democracia</strong> em Portugal é um princípio “global<br />

dirigente”, não fica difícil concluir que isto se aplica a todos os setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e,<br />

muito especialmente, aos órgãos de direção superior do Estado, aí incluído, com<br />

destaque, o Governo, já que é dele o principal papel de “direção”, através do que<br />

Luhmann chama de “legitimação pelo procedimento” 384<br />

383 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. Cit. p. 77.<br />

384 - LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, Tomo I,<br />

1983.<br />

287


Jorge Miran<strong>da</strong> aponta este aspecto <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> portuguesa, registrando o<br />

seguinte: “acrescente-se, para além de tudo, que não parece exato qualificar a<br />

democracia representativa <strong>como</strong> simplesmente formal, sem conteúdo. Ela tem um<br />

conteúdo: precisamente o que é <strong>da</strong>do pela legitimi<strong>da</strong>de, pela participação, pelo<br />

pluralismo e pela divisão do poder.” 385<br />

Também é de se ressaltar a menção dos autores à “racionalização do processo<br />

político”. Isto significa que a relação entre órgãos envolvidos no Sistema de Governo<br />

possui um perfil racional. O Presidente <strong>da</strong> República, eleito democraticamente, não<br />

governa mas arbitra e influi. A Assembléia <strong>da</strong> República não é a detentora de todo<br />

poder político mas é o centro de referência democrática. O Governo, por sua vez, é<br />

responsável perante a Assembléia <strong>da</strong> República mas não está sujeito às ditas “maiorias<br />

negativas”, possuindo a estabili<strong>da</strong>de necessária para buscar a legitimi<strong>da</strong>de deseja<strong>da</strong>.<br />

O Governo, em Portugal, está vinculado aos princípios democráticos por<br />

conta, principalmente, de suas atribuições. São elas que dão sustentação à <strong>Democracia</strong><br />

econômica, social e cultural portuguesa. É, também, este caráter contemporâneo que<br />

permite ao regime lusitano a manutenção de seu equilíbrio.<br />

Sobre a vinculação <strong>da</strong>s ações do Governo com a <strong>Democracia</strong>, ain<strong>da</strong> é<br />

pertinente trazer à tela os ensinamento de Canotilho e Vital Moreira, quando escrevem<br />

que:<br />

288<br />

em síntese, são possíveis duas concepções materiais de governo: a) um sentido<br />

amplo, em que se concebe o governo <strong>como</strong> um domínio ou âmbito funcional<br />

que, em parte, pertence ao governo em sentido orgânico-institucional e,<br />

385 - MIRANDA Jorge. Op. Cit. p. 187.


289<br />

noutra parte, aos outros órgãos de soberania (PR, AR); b) em sentido restrito,<br />

equivalente à função a cargo do governo orgânico-constitucionalmente<br />

referenciado, e que pode definir-se <strong>como</strong> a conexão de funções legislativas<br />

regulamentares, planificadoras, administrativas e militares, de natureza<br />

econômica, social, financeira e cultural, dirigi<strong>da</strong>s à `gestão dos negócios<br />

públicos’ (conforme art. 189-5), dentro dos fins constitucionalmente<br />

estabelecidos e observados os poderes e respeita<strong>da</strong>s as funções dos demais<br />

órgãos de soberania. 386<br />

Em Portugal, segundo ain<strong>da</strong> Jorge Miran<strong>da</strong>, é voz corrente entre a doutrina<br />

que a <strong>Democracia</strong> não teria êxito sem sua estreita vinculação com as ações de<br />

desenvolvimento econômico, social e cultural do Governo, <strong>como</strong> forma de corrigir e<br />

prevenir falhas graves do período <strong>da</strong> ditadura. O tratadista escreve que “assim <strong>como</strong><br />

poderá esta ou aquela Constituição ligar a democracia à democracia econômica,<br />

social e cultural (expressis verbis referi<strong>da</strong>, <strong>como</strong> sucede na Constituição Portuguesa<br />

atual no art. 2). Será uma decisão de certo poder constituinte, uma solução bem<br />

localiza<strong>da</strong> de Direito Público positivo, não uma exigência universal comprova<strong>da</strong> pelo<br />

Direito comparado.” 387 Nota-se, na lição do tratadista português, o caráter de opção<br />

por este modelo de <strong>Democracia</strong>. Para que esta prescrição se realize, é preciso que o<br />

Governo, <strong>como</strong> acontece em Portugal, esteja adequado à consecução destes objetivos.<br />

Principalmente quando estão previstos de forma tão clara <strong>como</strong> na Constituição <strong>da</strong><br />

República Portuguesa.<br />

386 - CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. Cit. p. 188.<br />

387 - MIRANDA, Jorge. Op. Cit. p. 188.


9.3 - A DEMOCRACIA E O GOVERNO ALEMÃO APÓS A SEGUNDA GUERRA<br />

MUNDIAL: O REGIME DO CHANCELER<br />

To<strong>da</strong> a leitura feita para a construção desta Tese, principalmente as mais<br />

específicas, mostram que os países - <strong>como</strong> França, Alemanha e Portugal - que<br />

empreenderam processos de racionalização de seus sistemas de Governo<br />

parlamentaristas, o fizeram considerando questões fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> cultura<br />

democrática de seus povos.<br />

Os alemães tiveram que considerar, em primeiro lugar, as lições que a história<br />

lhes legou. A experiência de Weimar e, principalmente, o nazismo, marcaram<br />

profun<strong>da</strong>mente o conceito de <strong>Democracia</strong> naquele país.<br />

Bonn,<br />

Neste sentido, Cotarelo escreve que, na Alemanha <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de<br />

290<br />

desde o começo se tratou de garantir a existência de um governo democrático,<br />

eficaz, responsável e estável. A imagem <strong>da</strong> atribula<strong>da</strong> República de Weimar e<br />

<strong>da</strong> ditadura hitleriana funcionaram <strong>como</strong> ponto de referência para a<br />

articulação do atual sistema político alemão. Isto explica, conseqüentemente,<br />

os traços mais característicos do ordenamento constitucional e que<br />

estu<strong>da</strong>remos com maior detalhe na parte seguinte: o regime de direitos e<br />

liber<strong>da</strong>des, a figura do Presidente <strong>da</strong> República, o sistema federal, a moção<br />

de censura construtiva, a hegemonia do governo e a função arbitral do Poder<br />

Judiciário. 388<br />

Pôde-se notar também, durante as pesquisas para esta Tese, um turbilhão de<br />

críticas ao sistema adotado na Alemanha. Desde a acusação de “Estado Policial”,<br />

passando por “Ditadura <strong>da</strong> Prosperi<strong>da</strong>de”, até o denominado “Governo do Chanceler”,<br />

388 - COTARELO, Ramón Garcia. Op. Cit. p. 199.


menos pejorativo que as duas primeiras, mas não menos acusatória de desvios dos<br />

princípios democráticos. Antes de qualquer tipo de conclusão, deve-se considerar seus<br />

muito aspectos históricos e sociais que motivaram a construção deste modelo.<br />

Juntados todos os ingredientes que formaram o Governo e a <strong>Democracia</strong> alemã<br />

<strong>da</strong> Constituição de Bonn, pode-se perceber claramente os motivos que levaram a<br />

Alemanha a adotar um sistema tão rígido em seus critérios de estabili<strong>da</strong>de política.<br />

Como conceber algo diferente em um país que provocou todos os problemas<br />

<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, que se rendeu incondicionalmente, que teve a maioria de<br />

seus recursos humanos e materiais comprometidos pelo referido conflito e que,<br />

principalmente, foi dividi<strong>da</strong> física e ideologicamente?<br />

O primeiro Chanceler alemão no pós-guerra, Konrad Adenauer, um político<br />

veterano, de 79 anos, conservador e com objetivos bem definidos, que levavam em<br />

consideração, principalmente, a reconstrução econômica do país e sua luta ideológica<br />

contra a hoje extinta e incorpora<strong>da</strong> República Democrática <strong>da</strong> Alemanha, influiu<br />

decisivamente para a racionalização estabilizadora do sistema político, aí incluídos o<br />

Governo e a <strong>Democracia</strong>.<br />

Vamireh Chacon ressalta as principais características do modelo implantado<br />

sob inspiração de Adenauer. E anota que foi<br />

291<br />

tudo coroado pelo Chanceler: por isto, seus adversários ironizavam a fórmula<br />

<strong>como</strong> sendo uma `<strong>Democracia</strong> do Chanceler’, o que não ofendeu Adenauer,<br />

interessado, com seus novos contrapesos, em evitar não só outro Hitler,<br />

quanto também um novo Hindenburg, emergíveis sob pretextos carismáticos<br />

remontando a Bismarck. Em síntese, na Visão de Adenauer `<strong>Democracia</strong> +


República = Autori<strong>da</strong>de política e estabili<strong>da</strong>de: <strong>Democracia</strong> do Chanceler. 389<br />

Determinados mecanismos, <strong>como</strong> será observado em item seguinte deste<br />

capítulo, podem parecer deslocados num contexto que se pretende democrático, <strong>como</strong><br />

a proibição <strong>da</strong> “maioria negativa”, através <strong>da</strong> “Moção de censura Construtiva”,<br />

prevista no artigo 67 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn. Alguns autores chegam mesmo a<br />

condená-la, <strong>como</strong> ressalta Pillar Mellado Prado, quando escreve que “para um setor <strong>da</strong><br />

doutrina, o artigo 67 menospreza o sentido do sistema parlamentarista ao ignorar a<br />

virtude de um de seus traços essenciais: a crise ministerial. A seu juízo, ela é<br />

insubstituível em um sistema multipartidário, pois obriga a atenuar os antagonismos<br />

dos partidos e a tomar consciência de suas responsabili<strong>da</strong>des.” 390<br />

Por outro lado, um também significativo setor <strong>da</strong> doutrina alemã considera a<br />

Moção de Censura Construtiva um elemento fun<strong>da</strong>mental para a estabili<strong>da</strong>de do<br />

sistema. Como exemplo, pode-se citar Cotarelo, quando escreve que:<br />

292<br />

a solidez do Governo alemão deve-se atribuir também ao complexo<br />

mecanismo que a Constituição estabelece para regular a moção de censura<br />

(moção de censura construtiva) em seu artigo 67, cuja finali<strong>da</strong>de é garantir a<br />

estabili<strong>da</strong>de do Governo ante o Parlamento, coisa que conseguiu com tanta<br />

eficácia que, até hoje, só um Governo perdeu uma moção de censura, ain<strong>da</strong><br />

assim por que ele mesmo quis. 391<br />

A <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> Alemanha foi concebi<strong>da</strong> com base em critérios de<br />

estabili<strong>da</strong>de. Para isto o <strong>Parlamentarismo</strong> foi racionalizado de maneira a não permitir<br />

que<strong>da</strong>s freqüentes de governos, já que foi um dos fatores determinantes do insucesso<br />

<strong>da</strong> República de Weimar.<br />

389 - CHACON, Vamireh. Op. Cit. p. 45.<br />

390 - PRADO, Pillar Mellado. Op. Cit. p. 141.<br />

391 - COTARELO, Ramón Garcia. Op. Cit. p. 234.


É provável que, com a unificação leva<strong>da</strong> a efeito em 1990, o atual modelo<br />

democrático alemão já tenha sofrido algumas modificações em suas premissas. O fim<br />

do bloco soviético retirou o componente ideológico do sistema. Mas isto ain<strong>da</strong> não é<br />

possível de ser averiguado pela falta de estudos sistemáticos completos sobre este<br />

assunto.<br />

De qualquer forma, o sistema alemão está assentado numa proposta de<br />

proteção ao Chanceler, na qual o Presidente Federal atua <strong>como</strong> um “poder de reserva”<br />

para proporcionar estabili<strong>da</strong>de ao Governo. O Parlamento, com legitimi<strong>da</strong>de<br />

democrática, representado pelo Bundestag, por sua vez, além de suas funções<br />

legislativas exerce, junto com a Federação, através do Bundesrat, um importante<br />

“poder de moderação”, que tem sido fun<strong>da</strong>mental para a <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> Alemanha.<br />

293


9.4 - OS PRINCIPAIS ASPECTOS DE CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA DOS<br />

SISTEMAS DE GOVERNO DA FRANÇA, PORTUGAL E ALEMANHA<br />

A intenção, neste item, é a de selecionar os aspectos mais destacados de ca<strong>da</strong><br />

um dos três sistemas, que formam o arcabouço de ligação entre a <strong>Democracia</strong> e o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> típico de ca<strong>da</strong> um deles.<br />

Os referidos aspectos, desde que elencados de forma sistemática, demonstram<br />

muito bem o princípio democrático inscrito em ca<strong>da</strong> um dos sistemas de Governo<br />

analisados.<br />

É <strong>como</strong> dizer que a <strong>Democracia</strong> francesa <strong>da</strong> V República foi-se consoli<strong>da</strong>ndo<br />

pela aplicação <strong>da</strong>s disposições jurídico-políticas previstas para o seu <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado, que pôde conciliar as aspirações de um regime de afirmação<br />

internacional do período carismático de De Gaulle, com a obediência aos pressupostos<br />

mínimos <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

O mesmo ocorreu com a Alemanha, onde a necessi<strong>da</strong>de de um regime estável e<br />

seguro era a maior aspiração naquele momento difícil do pós-segun<strong>da</strong> guerra, nas<br />

disputas <strong>da</strong> guerra fria e no intrincado processo de unificação ain<strong>da</strong> em curso. O<br />

desafio foi consoli<strong>da</strong>r um modelo democrático que levasse em consideração os muitos<br />

aspectos específicos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de histórica e cultural <strong>da</strong>quele povo. O <strong>Parlamentarismo</strong><br />

teve a virtude de se amol<strong>da</strong>r àquelas condições sem abrir mão <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Em Portugal, as dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> redemocratização foram equaciona<strong>da</strong>s, <strong>como</strong><br />

já assinalado, pela implantação de um sistema de Governo balanceado, numa relação<br />

294


tri-lateral, com a <strong>Democracia</strong> se consoli<strong>da</strong>ndo pela consecução de políticas<br />

interventivas muito intensas, controla<strong>da</strong>s por um complexo sistema de equilíbrio entre<br />

os órgãos de soberania do Estado, sempre limitado aos pressupostos <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong><br />

econômica, social e cultural que, diga-se de novo, são explícitos na Constituição <strong>da</strong><br />

República Portuguesa.<br />

9.4.1 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Francês<br />

O grande problema a ser resolvido na França <strong>da</strong> Vª República, principalmente<br />

pelo ambiente do pós-guerra, era o “excesso de <strong>Parlamentarismo</strong>”, que foi a marca<br />

registra<strong>da</strong> <strong>da</strong> IVª República, que vigorou, ain<strong>da</strong>, imediatamente após o fim <strong>da</strong> segun<strong>da</strong><br />

grande guerra mas que se mostrava inadequado para a difícil tarefa de reconstruir o<br />

país em diversos aspectos, mas principalmente nos âmbitos político, econômico e<br />

social.<br />

Naquele modelo, as ditas “maiorias negativas” e a pulverização partidária<br />

impediam qualquer estabili<strong>da</strong>de democrática do regime. A Assembléia Nacional era<br />

evidentemente proeminente, porém não conseguia as condições necessárias para a<br />

manutenção de um Governo por um período de tempo suficiente para a implementação<br />

de políticas com um mínimo de consistência.<br />

Com a implantação <strong>da</strong> Vª República, os franceses trataram de implementar um<br />

sistema de Governo que pudesse, ao mesmo tempo, ancorar a <strong>Democracia</strong> e ser<br />

eficiente para o difícil momento por que passava o País.<br />

295


Para a viabilização de um modelo que se enquadrasse neste perfil, foram<br />

acrescentados os seguintes instrumentos democráticos ao <strong>Parlamentarismo</strong>, <strong>como</strong><br />

forma de racionalizá-lo:<br />

1 - A utilização do Referendo <strong>como</strong> alternativa à <strong>Democracia</strong> representativa.<br />

Com base no artigo 11 <strong>da</strong> Constituição francesa, o Presidente <strong>da</strong> República,<br />

após proposição do Primeiro-Ministro ou dos presidente <strong>da</strong>s casas do Parlamento, pode<br />

submeter a referendo popular um projeto de lei. Desta maneira, o povo torna-se<br />

legislador, decidindo diretamente se deverá ser alterado o ordenamento jurídico<br />

francês.<br />

Pode-se dizer, sem margem de erro, que o referendo é um instrumento de<br />

<strong>Democracia</strong> semi-direta, <strong>como</strong> acontece em alguns estados contemporâneos.<br />

Entretanto, sabe-se que existe, no sistema francês, a intenção de fortalecer o Chefe de<br />

Estado, através deste mecanismo, em detrimento do Parlamento.<br />

As regras do artigo 11 392 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> França são uma clara<br />

demonstração <strong>da</strong>s modificações leva<strong>da</strong>s a efeito para a racionalização democrática do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>da</strong> França. O raciocínio é simples: se o Presidente <strong>da</strong> República tem<br />

sua legitimi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na eleição direta pelo povo, na<strong>da</strong> mais natural do que o<br />

recurso a um instrumento direto de ligação sua com o povo. Principalmente para<br />

moderar os excessos do Parlamento.<br />

392 - O artigo 11 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> França diz o seguinte: “O Presidente <strong>da</strong> República, mediante proposta do Governo<br />

durante os períodos <strong>da</strong>s sessões ou mediante proposta conjunta <strong>da</strong>s duas assembléias, publica<strong>da</strong>s no diário oficial, pode<br />

submeter a referendo qualquer projeto de lei que se refira à organização dos poderes públicos, que envolva a aprovação de<br />

um acordo <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de ou que autorize a ratificação de um tratado que, sem ser contrário à Constituição, possa afetar o<br />

funcionamento <strong>da</strong>s instituições. Quando o resultado for favorável à adoção do projeto, o Presidente <strong>da</strong> República o<br />

promulgará dentro do prazo de quinze dias.”<br />

296


O autor <strong>da</strong> presente Tese, em estudos já publicados sobre o sistema de<br />

Governo <strong>da</strong> Vª República registra que “esta é uma <strong>da</strong>s atribuições deriva<strong>da</strong>s do papel<br />

de árbitro entre o Parlamento e o Governo exercido pelo Presidente <strong>da</strong> República,<br />

podendo convocar referendo para a aprovação de projetos de lei que tratem sobre o<br />

funcionamento dos poderes públicos.” 393<br />

Na prática, os presidentes franceses têm usado o referendo sempre que<br />

acreditam haver alguma intransigência do Parlamento em relação a determina<strong>da</strong><br />

matéria. Ligá-la ao funcionamento dos poderes públicos é sempre muito fácil.<br />

A propósito, Fernandes, ao analisar o sistema político francês, mostra que “o<br />

poder legislativo do Parlamento encontra-se limitado pelas disposições<br />

constitucionais, que autorizam o Presidente <strong>da</strong> República a passar por cima do<br />

Parlamento pela via do referendo, por um lado, e que reservam um estreito domínio à<br />

lei, fora <strong>da</strong> qual o Parlamento não pode agir, por outro.” 394<br />

É certo que existem algumas limitações 395 no texto constitucional, mas que,<br />

em regra, não impedem a adoção do sistema quando assim o deseja o Chefe de Estado.<br />

Neste sentido e ressaltando o caráter democrático do sistema, Adriano Moreira<br />

escreve que “com efeito, em matéria legislativa o referendo do artigo 11 realiza uma<br />

substituição pelo povo do Parlamento, respondendo a uma dupla justificativa: de uma<br />

parte deixa a democracia mais efetiva, o que corresponde à idéia de participação do<br />

393 - CRUZ, Paulo Márcio. <strong>Parlamentarismo</strong> em estados contemporâneos: os modelos <strong>da</strong> Inglaterra, Portugal, França e<br />

Alemanha. Itajaí/Blumenau: UNIVALI/FURB, 1998, p. 113.<br />

394 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 40.<br />

395 - A limitação diz respeito à necessi<strong>da</strong>de de ser a proposta de referendo apresenta<strong>da</strong> ou pelo Governo ou por proposta<br />

conjunta <strong>da</strong>s duas casas do Parlamento. Nas coabitações, evidentemente, o poder do Presidente de convocar referendos fica<br />

limitado, <strong>da</strong>do que não tem o Primeiro-Ministro de seu lado e, provavelmente, o presidente <strong>da</strong> Assembléia Nacional.<br />

297


povo no exercício direto do poder; de outra, melhora o funcionamento do regime<br />

parlamentar, o que sustenta necessariamente a idéia de arbitragem popular.” 396 O<br />

mais adequado pode ser a arbitragem do Presidente <strong>da</strong> República através <strong>da</strong><br />

manifestação popular.<br />

Na <strong>Democracia</strong> francesa, <strong>como</strong> se nota, o papel do referendo é concebido<br />

<strong>como</strong> de regulação democrática dos mecanismos políticos, na medi<strong>da</strong> em que ele<br />

permite a moderação <strong>da</strong>s relações entre os órgãos de soberania, evitando o recurso à<br />

questão de confiança ou mesmo à dissolução do Parlamento. Burdeau chega a afirmar<br />

que “o referendo é somente um substituto democrático, um complemento do direito de<br />

dissolução, finalmente, um meio colocado à disposição do Presidente <strong>da</strong> República,<br />

desde então considerado um árbitro, situando-se acima dos partidos.” 397<br />

O referendo foi utilizado por Charles De Gaulle por quatro vezes: duas<br />

relativas a leis ordinárias e duas pretendendo a modificação <strong>da</strong> Constituição. Georges<br />

Pompidou o fez uma só vez, a fim de aprovar o ingresso do país na então Comuni<strong>da</strong>de<br />

Econômica Européia. Valery Giscard d’Estaing não o utilizou. François Mitterrand<br />

obteve sucesso em 1988, quando foi aprovado um projeto regulando a independência<br />

<strong>da</strong> Nova Caledônia. Num outro, quando pretendia alargar a abrangência do artigo 11<br />

<strong>da</strong> Constituição, sofreu um revés, perdendo a votação, <strong>como</strong> ensina Lauvaux. 398<br />

Chirac, até agora, não o utilizou.<br />

2 - O Conselho de Ministros presidido pelo Chefe de Estado.<br />

396<br />

- MOREIRA, Adriano. Ciência política. Lisboa: Bertarnd, 1979, p. 176.<br />

397<br />

- BURDEAU, Georges. Derecho constitucional e instituciones políticas. Trad. Carlos Marenes. Madrid: Nacional, 1981,<br />

p. 594.<br />

398<br />

- LAUVAUX, Philippe. Op. Cit. p. 112.<br />

298


Outro dispositivo <strong>da</strong> Constituição Francesa destinado à racionalização<br />

democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> é a função que tem o Presidente <strong>da</strong> República de<br />

presidir o Conselho de Ministros.<br />

As decisões mais importantes relativas ao Governo são toma<strong>da</strong>s em colegiado,<br />

ou seja, através do Conselho de Ministros, no qual são, inclusive, discuti<strong>da</strong>s as<br />

políticas a serem implementa<strong>da</strong>s. Sendo assim, a participação do Presidente <strong>da</strong><br />

República na determinação <strong>da</strong> linha de conduta do Governo ganha ain<strong>da</strong> mais<br />

intensi<strong>da</strong>de.<br />

O sistema de Governo francês traz implícito o princípio <strong>da</strong> maior legitimi<strong>da</strong>de<br />

democrática do Presidente <strong>da</strong> República, contra o perfil difuso <strong>da</strong> Assembléia<br />

Nacional. Esta última seria o centro de legitimi<strong>da</strong>de democrática de representação,<br />

servindo <strong>como</strong> um canal comunicante, através do Primeiro-Ministro, com o centro de<br />

legitimi<strong>da</strong>de democrática de execução, encarnado no Chefe de Estado.<br />

Apesar de ser pouco convencional nos modelos parlamentaristas <strong>da</strong> Europa<br />

Ocidental, este sistema equilibra a representação democrática <strong>da</strong> Assembléia Nacional.<br />

3 - A eleição direta para o Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Para alcançar os objetivos de equilíbrio demonstrados no item anterior, o<br />

sistema francês adotou a eleição direta para o Presidente <strong>da</strong> República.<br />

A chave do sistema reside nas modificações introduzi<strong>da</strong>s na competência do<br />

Chefe de Estado. É a principal idéia para a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> na<br />

França.<br />

299


Como já foi ressaltado, as modificações advieram em função de De Gaulle,<br />

personagem histórico <strong>da</strong> política francesa. Citado por Chevallier, o General -<br />

Presidente descreve a atuação do Presidente, muito vincula<strong>da</strong> à sua personali<strong>da</strong>de, mas<br />

muito bem assimila<strong>da</strong> por aqueles que o sucederam. Neste texto estão as modificações<br />

perpetra<strong>da</strong>s na Constituição francesa com relação ao Chefe de Estado, estando escrito<br />

que Charles De Gaulle disse que a previsão é<br />

300<br />

que o Presidente seja, <strong>como</strong> está formulado, `o garantidor <strong>da</strong> independência<br />

nacional, <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de do território e do respeito dos tratados e assegure,<br />

por sua arbitragem, o funcionamento regular dos poderes públicos e a<br />

continui<strong>da</strong>de do Estado’ o que somente exprime o papel capital que é o meu a<br />

meus olhos e aos ci<strong>da</strong>dãos. Certamente existe um Governo que `determina a<br />

política <strong>da</strong> nação’. Mas todo mundo sabe e espera que ele proce<strong>da</strong> de minha<br />

escolha e atue em virtude de minha confiança. Certamente existe um<br />

Parlamento, onde uma <strong>da</strong>s Câmaras tem o poder de censurar os ministros.<br />

Mas a massa nacional e eu mesmo não vemos aqui na<strong>da</strong> que limite minha<br />

responsabili<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> mais porque eu tenho o poder jurídico de dissolver a<br />

Assembléia de oposição, de solicitar ao país diretamente, através do<br />

referendo, acima do Parlamento e, em caso de perigo público de tomar as<br />

medi<strong>da</strong>s que me pareçam necessárias. 399<br />

O texto acima referido, traduzido em uma <strong>da</strong>s aulas do Curso de Mestrado em<br />

Estudos Europeus <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, mostra, com singular clareza, mais uma<br />

vez, a motivação que orientou a elaboração do atual sistema de Governo francês.<br />

A modificação <strong>da</strong> relação Parlamento / Governo passava necessariamente pela<br />

alteração <strong>da</strong> forma de escolha do Presidente <strong>da</strong> República que, nas repúblicas<br />

anteriores, era feita por um colégio eleitoral de representação um tanto duvidosa.<br />

A idéia de Charles De Gaulle era de que o mais importante era assegurar ao<br />

Presidente <strong>da</strong> República a inteira independência dos outros poderes constituídos. Para<br />

399<br />

- CHEVALLIER, Jean-Jacques. Histoire des institutions et des régimes politiques de la France de 1789 à nos jours. 7. ed.<br />

Paris: Dalloz, 1985, p. 290.


isso, o Chefe de Estado necessitaria <strong>da</strong> legitimação <strong>da</strong><strong>da</strong> pela eleição popular.<br />

Charles De Gaulle sabia que sua própria legitimação advinha dos fatos<br />

históricos e <strong>da</strong> liderança por ele desenvolvi<strong>da</strong> durante os anos anteriores, mas tinha<br />

muitas preocupações com o futuro <strong>da</strong> instituições.<br />

A eleição direta e democrática do Chefe de Estado teve, na França, deste<br />

modo, ligação intrínseca com o fortalecimento do poder do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Tal posição é comenta<strong>da</strong> por Prélot, quando escreve que:<br />

301<br />

o General De Gaulle estimava-se depositário de uma legitimi<strong>da</strong>de histórica<br />

pessoal, mas considerava que seus sucessores, em não a tendo, retornassem<br />

fatalmente à impotência. Assim, para salvaguar<strong>da</strong>r uma presidência já<br />

dominante é que ele concebeu a eleição direta. Ele considerava que ela era a<br />

única capaz de dotar seus herdeiros <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de de onde tirariam sua<br />

forças. Historicamente, e contrariamente a uma idéia pré-concebi<strong>da</strong>, a eleição<br />

por sufrágio universal foi uma conseqüência de potência do Presidente, antes<br />

de ser uma causa. Como previsto e querido pelo fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> V República,<br />

essa conseqüência, por seu turno, tornou-se a fonte <strong>da</strong> perpetuação do<br />

sistema. 400<br />

Ain<strong>da</strong> com Prélot, pode-se observar o objetivo democrático <strong>da</strong> eleição direta<br />

do Presidente <strong>da</strong> República francesa. Ele continua asseverando que:<br />

a introdução <strong>da</strong> eleição do Presidente <strong>da</strong> República por sufrágio universal<br />

direto pelo referendo de 28 de outubro de 1962 não cria um novo equilíbrio de<br />

poderes. Ela consagra aquilo que o General De Gaulle instaurou. Ela confere<br />

a seus sucessores o meio de fazer prevalecer o sistema político sobre as<br />

instituições. O fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> V República quis que, após ele, os presidentes<br />

seguintes dispusessem eles também de uma legitimi<strong>da</strong>de inegável. Ele a tinha<br />

largamente pela história. Ela permitia aos chefes de Estado que deviam seguílo<br />

de retirá-la <strong>da</strong> vontade geral democrática. Tal fato teve maior sucesso que<br />

todo o sistema político nesse sentido. 401<br />

400 - PRÉLOT, Marcel. Instituciones políticas y derecho constitucional. 3. ed. Trad. Marita Sanches. Madrid: Tecnos, 1987, p.<br />

334.<br />

401 - PRELÓT, Marcel. Id. Ibid. p. 335.


Além de demonstrar a níti<strong>da</strong> vinculação do sistema de Governo com a<br />

<strong>Democracia</strong> francesa, esta parte do trabalho também indica a oportuni<strong>da</strong>de do uso do<br />

plebiscito e do referendo para fazer frente a eventuais posições corporativas ou<br />

regionalistas do Parlamento. Para o Brasil, isto responde de forma razoável à pergunta<br />

de <strong>como</strong> reformar o sistema político para torná-lo justo e realmente representativo.<br />

4 - Irresponsabili<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong> República perante o Parlamento.<br />

Uma <strong>da</strong>s características do sistema parlamentarista é a irresponsabili<strong>da</strong>de do<br />

Chefe de Estado perante o Parlamento. No caso francês, diante <strong>da</strong> eleição do<br />

Presidente <strong>da</strong> República pelo sufrágio universal, passou a existir a independência deste<br />

em relação à Assembléia Nacional. Entretanto, disto decorre sua responsabili<strong>da</strong>de<br />

perante a Socie<strong>da</strong>de.<br />

A não existência de responsabili<strong>da</strong>de política do Presidente <strong>da</strong> República<br />

francesa perante outros poderes e sua legitimi<strong>da</strong>de democrática deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> eleição por<br />

sufrágio universal é a base e o fun<strong>da</strong>mento de sua atuação. Sem o apoio popular ele<br />

estará obrigado politicamente - não juridicamente - a mu<strong>da</strong>r os rumos de sua política<br />

ou mesmo a demitir-se do cargo.<br />

Serge Sur, também citado durante as aulas do Curso de Mestrado em Estudos<br />

Europeus <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Minho, em Braga, Portugal, em sua edição de 1997,<br />

escreveu que:<br />

302<br />

Charles De Gaulle, que foi o presidente que mais utilizou-se desse respaldo<br />

popular, sobretudo através de consultas diretas, colocava sempre sua<br />

responsabili<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong> nação em jogo quando pretendia uma modificação<br />

na legislação através de referendo. Foi assim que, declarando que pediria<br />

demissão caso não aprovado o referendo de 1969 sobre as modificações na


composição do Senado, foi levado renunciar ao cargo diante <strong>da</strong> derrota<br />

popular a que foi submetido. 402<br />

Pode-se concluir, então, que na Vª República foi engendrado um<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, tendo <strong>como</strong> ponto de apoio a responsabili<strong>da</strong>de do<br />

Chefe de Estado perante o povo, o que lhe dá legitimi<strong>da</strong>de democrática para arbitrar o<br />

processo político e garantir a independência <strong>da</strong> nação.<br />

É <strong>como</strong> escreve Duverger, quando assinala que “o Presidente eleito por<br />

sufrágio universal, ao contrário, invoca uma autêntica investidura popular, que não<br />

pode ser contesta<strong>da</strong>. Por mais ambígua que seja em seus vários aspectos, sua<br />

legitimi<strong>da</strong>de não é discutível em uma nação democrática.” 403<br />

5 - A função de arbitragem do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Como se viu até aqui, as disposições <strong>da</strong> Constituição francesa <strong>da</strong> Vª República<br />

em matéria de poderes do Chefe de Estado não devem ser interpreta<strong>da</strong>s <strong>como</strong><br />

aleatórias ou resultado <strong>da</strong> tradição, sem qualquer implicação prática para a manutenção<br />

e o aperfeiçoamento <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> naquele país. A definição de arbitragem trazi<strong>da</strong><br />

pelo artigo 5 <strong>da</strong> Constituição francesa de 1958 reflete bem isto, ao dispor que “o<br />

Presidente <strong>da</strong> República vela pelo respeito à Constituição. Ele assegura, por sua<br />

arbitragem, o funcionamento regular dos poderes públicos, bem <strong>como</strong> a continui<strong>da</strong>de<br />

do Estado.” 404<br />

Apesar <strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de do significado <strong>da</strong> palavra arbitragem, esta previsão<br />

está na Constituição francesa para ampliar os poderes de intervenção do Chefe de<br />

402 - SUR, Serge. Le système politique de la V Repblique. Paris: P. U. F., 1981, p. 278.<br />

403 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 61.<br />

404 - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FRANCESA. Op. Cit. p. 78.<br />

303


Estado para arbitrar os conflitos porventura existentes no sistema de Governo, sempre<br />

com o objetivo de garantir a proposta de <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> França <strong>da</strong> Vª República.<br />

A prática constitucional, na França, demonstra que a arbitragem corresponde,<br />

isto sim, a um exercício de poder efetivo pelo Presidente <strong>da</strong> República, que pode<br />

impor sua vontade para viabilizar a solução de questões políticas específicas. Alguns<br />

autores, <strong>como</strong> André Hauriou, mostram que “a expressão foi adota<strong>da</strong> porque tinha<br />

duplo sentido: de um lado a noção de árbitro, <strong>como</strong> no campo esportivo, imparcial,<br />

exterior às partes em conflito, habilitado a regular tais conflitos; por outro lado, um<br />

poder de decisão autônomo.” 405<br />

Assim, a função presidencial, pelo texto do artigo 5, não é somente aquela de<br />

mediador de conflitos, mas também a de agente atuante na relação democrática de<br />

poderes e na consecução <strong>da</strong>s políticas públicas.<br />

6 - As interações democráticas entre o Parlamento, o Presidente <strong>da</strong> República<br />

e o Primeiro-Ministro.<br />

Com um perfil claramente racionalizado, o <strong>Parlamentarismo</strong> francês pode ser<br />

caracterizado pela eleição direta do Chefe de Estado, por seus poderes, por sua<br />

influência no Governo e pela limitação do Parlamento. O Presidente é eleito para um<br />

man<strong>da</strong>to de sete anos, em eleição de dois turnos, por voto direto, secreto e universal.<br />

O Presidente <strong>da</strong> República, na França, tem poderes que um Chefe de Estado no<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> clássico não tem.<br />

405 - HAURIOU, André. Derecho constitucional e instituciones políticas. Trad. Lamert Jimenez. Barcelona: Pine<strong>da</strong>, 1980, p.<br />

178.<br />

304


Esta situação faz parte <strong>da</strong> proposta de fortalecimento do Executivo, que tem o<br />

Presidente <strong>da</strong> República na presidência do Conselho de Ministros, <strong>como</strong> forma de <strong>da</strong>r<br />

o máximo de estabili<strong>da</strong>de ao sistema.<br />

Mesmo a nomeação do Primeiro-Ministro decorre <strong>da</strong> vontade do Chefe de<br />

Estado. Com maioria na Assembléia Nacional, escolherá alguém de sua confiança.<br />

Com minoria, irá coabitar, <strong>como</strong> acontece atualmente com Chirac e Jospin.<br />

Quando possui maioria, o Presidente <strong>da</strong> República influi, inclusive, na escolha<br />

dos ministros. Como assinala Georges Burdeau sobre o sistema francês, ao escrever<br />

que “num Governo existem Ministros do Presidente e Ministros do Chefe de Governo,<br />

sendo que tal prerrogativa de escolha ou de veto de nomes para compor o Ministério<br />

foi utiliza<strong>da</strong> por todos os Presidentes <strong>da</strong> Vª República.” 406 Mesmo na coabitação<br />

cita<strong>da</strong>, de Chirac e Jospin, dois ministros foram indicados pelo Chefe de Estado e<br />

aceitos pelo Primeiro-Ministro: o <strong>da</strong> Cultura e o de Relações Exteriores.<br />

Isto demonstra que a <strong>Democracia</strong> francesa <strong>da</strong> Vª República é também<br />

cultiva<strong>da</strong> pelo Governo. Não fosse esta condição, as coabitações estariam fora de<br />

cogitação.<br />

O relacionamento democrático entre o Presidente <strong>da</strong> República e o Primeiro-<br />

Ministro dá-se com a interveniência do Parlamento.<br />

No sistema francês, a competência legislativa, que originalmente esteve a<br />

cargo <strong>da</strong> Assembléia Nacional, atualmente é gra<strong>da</strong>tivamente conduzi<strong>da</strong> pelo Poder<br />

Executivo. É <strong>como</strong> escreve Jean Gicquel, ao afirmar que “em definitivo, a iniciativa<br />

406 - BURDEAU, Georges. Op. Cit. p. 234.<br />

305


parlamentar é reduzi<strong>da</strong> à insignificância. Depositando um projeto de lei, os eleitos<br />

cumprem um gesto ritual, sem grandes esperanças de vê-lo aprovado, de uma certa<br />

maneira para justificar sua ativi<strong>da</strong>de perante seus eleitores. Ela está nas mãos do<br />

Ministério, que a reduz a praticamente na<strong>da</strong>.” 407<br />

Já a nomeação do Chefe de Governo é conseqüência <strong>da</strong> vontade do Presidente<br />

<strong>da</strong> República. Mesmo sendo fruto de um acordo com a maioria na Assembléia<br />

Nacional, a decisão do nome é de inteira responsabili<strong>da</strong>de do Chefe de Estado.<br />

Com a conformação democrática do Sistema de Governo instaurado pela Vª<br />

República, o controle político sobre o Governo também sofreu modificações em<br />

relação ao padrão parlamentarista clássico. A responsabilização do Governo perante o<br />

Parlamento tornou-se mais uma forma de manifestação de descontentamento do que<br />

uma possibili<strong>da</strong>de de derruba<strong>da</strong> do Gabinete.<br />

Somente uma vez a Assembléia Nacional derrubou um Governo (1962),<br />

fazendo cessar as funções do Gabinete de Georges Pompidou, <strong>como</strong> ensina<br />

Fernandes. 408<br />

Durante a IIIª e IVª repúblicas, o Parlamento era o centro <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política<br />

francesa. O proeminência <strong>da</strong> Assembléia Nacional deu lugar a do Executivo,<br />

representado pelo Primeiro-Ministro e, principalmente, pelo Presidente <strong>da</strong> República.<br />

7 - A Responsabili<strong>da</strong>de do Governo diante do Presidente.<br />

Uma <strong>da</strong>s características do <strong>Parlamentarismo</strong> é a responsabili<strong>da</strong>de política do<br />

407 - GICQUEL, Jean. Derecho constitucional e instituciones políticas. Trad. Isabel Paredes. Madrid: Tecnos, 1991, p. 179.<br />

408 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 72.<br />

306


Primeiro-Ministro diante do Parlamento.<br />

Este princípio, entretanto, sofreu modificações na França <strong>da</strong> Vª República.<br />

Está aqui uma <strong>da</strong>s características básicas <strong>da</strong> racionalização democrática do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> francês, prevista na Constituição e pratica<strong>da</strong> nas últimas quatro<br />

déca<strong>da</strong>s.<br />

Mesmo com a previsão constitucional, típica dos sistemas parlamentaristas, <strong>da</strong><br />

nomeação do Primeiro-Ministro pelo Chefe de Estado, no sistema francês ela não é<br />

somente soleni<strong>da</strong>de, mas poder real.<br />

Com a coincidência <strong>da</strong> maioria parlamentar ser alia<strong>da</strong> ao Presidente <strong>da</strong><br />

República, não há discussão quanto a quem orienta politicamente o Governo.<br />

Esta prerrogativa, porém, é fortemente diminuí<strong>da</strong> em períodos de coabitação,<br />

ou seja, quando é eleita para a Assembléia Nacional uma maioria de oposição. Neste<br />

caso, apesar de ter ain<strong>da</strong> alguma liber<strong>da</strong>de de escolha, fica claro que o Presidente, para<br />

poder coabitar, nomeia alguém saído <strong>da</strong> maioria parlamentar. Manoel Gonçalves<br />

Ferreira Filho, a propósito, escreve que “aí tem-se uma necessária coabitação, que<br />

parece redun<strong>da</strong>r num poder de frenagem em mãos do Presidente, ficando o Gabinete<br />

com a iniciativa política. O regime assume então o caráter parlamentarista, embora o<br />

de um parlamentarismo bloqueado pelo contrapeso <strong>da</strong> vontade presidencial.” 409<br />

No lugar de “bloqueado”, o ideal seria dizer “racionalizado” de forma<br />

atenua<strong>da</strong>, por conta de um eventual elemento de equilíbrio, a maioria de oposição ao<br />

Presidente, advin<strong>da</strong> do processo eleitoral.<br />

409 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit. p. 57.<br />

307


9.4.2 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Português<br />

A racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> em Portugal, <strong>como</strong> já foi<br />

assinalado, teve motivações decorrentes <strong>da</strong> vontade de implantação de uma<br />

<strong>Democracia</strong> Social, em contraponto às déca<strong>da</strong>s de ditadura do período de Salazar.<br />

Entretanto, os líderes oposicionistas portugueses, mormente Mário Soares,<br />

estiveram exilados em outros países do ocidente europeu, especialmente na França.<br />

Com isto, conviveram com os processos de ajuste democrático naqueles países, o que<br />

foi decisivo para a conformação do modelo de Governo democrático implantado em<br />

Portugal após 1974. Duverger escreve sobre a influência <strong>da</strong> experiência francesa sobre<br />

o sistema português, porém faz questão de mostrar uma diferença básica entre elas:<br />

“Mas em Portugal trata-se de um gaullismo institucional e não de um gaullismo<br />

pessoal.” 410 Para os dias atuais, esta afirmação seria um tanto exagera<strong>da</strong>. Mas para a<br />

época, servia muito bem.<br />

A Socie<strong>da</strong>de portuguesa e, principalmente, aquelas lideranças políticas,<br />

sabiam que era preciso conceber um Sistema de Governo que pudesse contemplar<br />

<strong>Democracia</strong> e estabili<strong>da</strong>de ao mesmo tempo, alimenta<strong>da</strong>s por um Executivo capaz de<br />

responder de forma conveniente aos reclamos do povo português, aço<strong>da</strong>dos pelo atraso<br />

econômico e social e pelo isolamento cultural a que foram submetidos durante a<br />

ditadura.<br />

Para atingir estes objetivos, além <strong>da</strong> convivência política com os militares até<br />

410 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. 73.<br />

308


a completa democratização, em 1982, a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> em<br />

Portugal contemplou, principalmente, os seguintes aspectos:<br />

1 - Eleição direta do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Um dos principais traços de racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> português é a<br />

eleição direta do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

Diferente do que acontece na França, o Presidente <strong>da</strong> República portuguesa<br />

não tem, necessariamente, vinculação com os partidos políticos ou com uma proposta<br />

política.<br />

República que:<br />

Canotilho e Vital Moreira ensinam, sobre a eleição direta do Presidente <strong>da</strong><br />

309<br />

sendo o primeiro dos órgãos de soberania na respectiva ordenação<br />

constitucional (arts. 113 e 123), eleito diretamente por sufrágio popular e por<br />

maioria exigente (arts. 124 e 129), tendo um man<strong>da</strong>to mais longo do que o <strong>da</strong><br />

legislatura parlamentar (arts. 131 e 174), imune à destituição ou à revogação<br />

do man<strong>da</strong>to (arts. 131 e sgts.), o Presidente <strong>da</strong> República detém uma<br />

legitimi<strong>da</strong>de e uma estabili<strong>da</strong>de institucional singulares no contexto dos<br />

órgãos titulares do poder político. 411<br />

Tanto é condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> portuguesa a eleição direta, secreta e<br />

universal do Chefe de Estado, que o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> praticado naquele<br />

país não condiciona a eleição do Presidente <strong>da</strong> República à eleição <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong><br />

República. Os mesmos Canotilho e Vital Moreira tratam deste assunto ensinando que<br />

“a eleição presidencial não gera uma `maioria presidencial’ sobreposta - e muito<br />

menos oposta - à eventual maioria parlamentar. Por detrás do desempenho<br />

constitucional do Presidente <strong>da</strong> República está inequivocamente - ain<strong>da</strong> que apenas de<br />

411 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Os poderes do presidente <strong>da</strong> república. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 27.


modo implícito - um concepção de autonomia e independência do Presidente <strong>da</strong><br />

República em relação aos partidos políticos.” 412<br />

Esta desvinculação com os partidos políticos, diferentemente <strong>da</strong> França, onde<br />

o Chefe de Estado pode governar, indica uma proeminência <strong>da</strong>s funções de arbitragem<br />

do Presidente <strong>da</strong> República Portuguesa, o que será visto no próximo item.<br />

2 - A função de arbitragem do Presidente <strong>da</strong> República<br />

Em Portugal, diferentemente também do que acontece na França, o Presidente<br />

<strong>da</strong> República não participa do Governo, apesar de poder sugerir e, se convi<strong>da</strong>do, estar<br />

presente a reuniões do Gabinete. Sua principal tarefa é moderar o jogo político através<br />

<strong>da</strong> arbitragem.<br />

Canotilho e Vital Moreira, mais uma vez são chamados a explicar a função de<br />

arbitragem do Chefe de Estado português e o vínculo desta função com a <strong>Democracia</strong>.<br />

Os constitucionalistas afirmam que “o Presidente <strong>da</strong> República não é titular <strong>da</strong> função<br />

governamental, nem detém poderes de co-gestão governamental, mas possui<br />

importantes poderes de intervenção institucional e comparticipa <strong>da</strong> função de<br />

orientação e de conformação política do Estado.” 413 E ain<strong>da</strong> ensinam os dois autores<br />

que “na ver<strong>da</strong>de, todos os Chefes de Estado desempenham algum papel constitucional.<br />

No sistema racionalizado de Portugal, o Presidente <strong>da</strong> República não somente dispõe<br />

de especiais poderes para desempenhar essa tarefa <strong>como</strong> também possui outras<br />

importantes funções.” 414<br />

412 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 28.<br />

413 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 33.<br />

414 - CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 31.<br />

310


Os poderes a que se referem Canotilho e Moreira são aqueles previstos no art.<br />

123 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa que, além de definir o cargo de<br />

Presidente <strong>da</strong> República, identifica igualmente as suas principais funções, que são: a)<br />

representar a República; b) garantir a independência nacional, a uni<strong>da</strong>de do Estado e o<br />

regular funcionamento <strong>da</strong>s instituições democráticas; e c) coman<strong>da</strong>r as Forças<br />

Arma<strong>da</strong>s.<br />

O Presidente não faz parte <strong>da</strong> dialética Governo - Oposição, maioria - minoria.<br />

Isto acontece no terreno partidário. Nesta disputa, o Presidente mantém sempre uma<br />

distância arbitral. Como dizem Canotilho e Vital Moreira: “Nesse conflito o<br />

Presidente <strong>da</strong> República é árbitro (entre o Governo e a Assembléia, entre a maioria e<br />

a oposição), polícia (do Governo, controlando a sua conduta) e, em caso de crise,<br />

bombeiro do sistema (demissão do Governo, dissolução <strong>da</strong> Assembléia <strong>da</strong> República,<br />

declaração do estado de exceção, etc.)”. 415<br />

3 - A irresponsabili<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong> República perante o Parlamento e a<br />

Legitimi<strong>da</strong>de Democrática Compartilha<strong>da</strong><br />

O Presidente <strong>da</strong> República Portuguesa divide a legitimi<strong>da</strong>de democrática com<br />

o Parlamento e O Governo. Entretanto, diferente deste último, ele não provém de uma<br />

maioria parlamentar ou de uma eleição indireta por um colégio eleitoral.<br />

A eleição por sufrágio direto, secreto e universal do Chefe de Estado<br />

português faz com que ele seja irresponsável politicamente perante o Parlamento.<br />

Mesmo porque, uma <strong>da</strong>s condições para ser Presidente <strong>da</strong> República, em Portugal, é<br />

415 - CONOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Id. Ibid. p. 30.<br />

311


sua desvinculação do partido político ao qual pertenceu até a sua eleição.<br />

Especificamente quanto à irresponsabili<strong>da</strong>de política do Presidente <strong>da</strong><br />

República perante o Parlamento e o caráter democrático deste fato, faz-se mister trazer<br />

a lição de António Fernandes, quando escreve que “as relações entre o Chefe de<br />

Estado e o Parlamento processam-se de acordo com o princípio <strong>da</strong> independência, <strong>da</strong><br />

legitimi<strong>da</strong>de democrática e em pleno respeito pela legali<strong>da</strong>de constitucional. De fato,<br />

tanto o Presidente <strong>da</strong> República <strong>como</strong> o Parlamento são eleitos por sufrágio<br />

universal, direto e secreto, não dependendo um do outro quanto à sua natureza e<br />

constituição” 416<br />

Mais uma vez pode-se perceber o sentido de equilíbrio democrático presente<br />

no sistema português.<br />

República<br />

4 - A dissolução do Parlamento e a demissão do Governo pelo Presidente <strong>da</strong><br />

Neste item de análise, também fica evidente a vinculação do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong> de Portugal com a <strong>Democracia</strong>.<br />

Como o objetivo não é, nesta parte deste capítulo, o de se estender demais, já<br />

que são muitos aspectos dos três sistemas que são trazidos à demonstração, usar-se-á<br />

apenas as lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em um dos parágrafos de seu<br />

livro denominado “o <strong>Parlamentarismo</strong>” e também um parágrafo <strong>da</strong> obra “Direito<br />

Constitucional”, de J. J. Gomes Canotilho, que por si só são bastante eluci<strong>da</strong>tivos.<br />

416 - FERNANDES, António José. Op. Cit. p. 55.<br />

312


Ao comentar os poderes do Presidente <strong>da</strong> República, Ferreira Filho diz que<br />

“um, é o de poder exonerar o Primeiro-Ministro, desde que enten<strong>da</strong> `necessário para<br />

assegurar o regular funcionamento <strong>da</strong>s instituições democráticas’, condicionado<br />

simplesmente a ouvir o Conselho de Estado.” 417<br />

Note-se que a demissão do Governo, antes de mais na<strong>da</strong>, está vincula<strong>da</strong> a<br />

critérios de preservação do regime democrático.<br />

Já a dissolução do Parlamento é um mecanismo que, no sistema Português,<br />

assegura o equilíbrio democrático entre este e o Presidente <strong>da</strong> República. Assim <strong>como</strong><br />

o Governo depende <strong>da</strong> maioria existente na Assembléia <strong>da</strong> República e por ela pode<br />

ser derrubado através de uma moção de censura, a falta de estabili<strong>da</strong>de democrática na<br />

sua composição autoriza o Chefe de Estado a dissolvê-la para recompor a maioria e<br />

formar um Governo minimamente estável. Canotilho, ao tratar <strong>da</strong>s relações entre o<br />

Presidente <strong>da</strong> República e a Assembléia <strong>da</strong> República anota que:<br />

313<br />

a interdependência institucional entre o PR e AR resulta do direito de<br />

dissolução <strong>como</strong> poder próprio e efetivo do Presidente <strong>da</strong> República (cfr. Art.<br />

136). Trata-se, <strong>como</strong> já se disse, de uma dissolução do tipo royale e não do<br />

tipo governamental. Ela serve para evitar impasses ou bloqueamentos no<br />

funcionamento <strong>da</strong>s instituições, <strong>como</strong> são os eventualmente resultantes <strong>da</strong><br />

dupla responsabili<strong>da</strong>de do governo e, num plano mais global, <strong>da</strong> confrontação<br />

direta entre o PR e a AR.<br />

A dissolução do tipo “royale”, cita<strong>da</strong> por Canotilho, é aquela destina<strong>da</strong> a<br />

restabelecer o equilíbrio democrático entre as instituições de direção superior do<br />

Estado, sem preocupações de cunho governativo.<br />

Já a dissolução governamental é decorrente do descumprimento, por opção ou<br />

417 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit. p. 61.


incapaci<strong>da</strong>de, do programa de Governo pelo Gabinete.<br />

5 - A legitimi<strong>da</strong>de democrática compartilha<strong>da</strong> entre o Parlamento e o<br />

Presidente <strong>da</strong> República<br />

Tem muita importância este aspecto do parlamentarismo português - mais até<br />

que no sistema francês - porque a legitimi<strong>da</strong>de compartilha<strong>da</strong> no sistema de Governo<br />

de Portugal, <strong>como</strong> assinalou Canotilho no item anterior, é do tipo royale, e não<br />

governamental.<br />

Isto significa que esta convivência não tem por objetivo a correção de aspectos<br />

governativos, que porventura estejam apresentando problemas e que precisam de uma<br />

mu<strong>da</strong>nça de rumo, mas sim o de assegurar o regular funcionamento democrático <strong>da</strong>s<br />

instituições.<br />

6 - O pressuposto <strong>da</strong> “confiança negativa” no Governo<br />

Este é, ain<strong>da</strong>, outro aspecto que também demonstra, senão a vinculação do<br />

sistema de Governo português com a <strong>Democracia</strong>, mas sua construção basea<strong>da</strong> em<br />

estabili<strong>da</strong>de e eficiência.<br />

Como a Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa prevê, de forma cristalina, a<br />

responsabili<strong>da</strong>de política do Governo perante o Parlamento, o sistema é<br />

parlamentarista.<br />

Mesmo assim, seus aspectos presidencialistas de racionalização forçam a sua<br />

coabitação com a interferência do Presidente <strong>da</strong> República, principalmente quanto à<br />

demissão do Governo, a dissolução do Parlamento e quanto à escolha do Primeiro-<br />

314


Ministro.<br />

A escolha do Chefe de Governo pelo Presidente <strong>da</strong> República deve levar em<br />

conta os resultados eleitorais e a posição dos partidos com assento no Parlamento, com<br />

a rejeição do programa de Governo necessitando do voto contrário <strong>da</strong> maioria absoluta<br />

dos deputados em exercício de suas funções.<br />

A “confiança negativa” pode ser explica<strong>da</strong> também pela lição de Manoel<br />

Gonçalves Ferreira Filho que, ao comentar as relações entre o Governo e o Parlamento<br />

em Portugal, escreve que “assim, está aí aberta a possibili<strong>da</strong>de de um Primeiro-<br />

Ministro minoritário, ou seja, de um Primeiro-Ministro que não tenha a seu favor a<br />

maioria parlamentar, mas, graças à abstenção, não tenha a maioria absoluta <strong>da</strong><br />

Assembléia contra.” 418<br />

9.4.3 - Aspectos Relevantes de Consoli<strong>da</strong>ção Democrática do Sistema Alemão<br />

Na República Federal <strong>da</strong> Alemanha, o que prevaleceu foi um conjunto de<br />

fatores ligados, principalmente, à situação atípica <strong>da</strong>quele país após a denomina<strong>da</strong><br />

segun<strong>da</strong> grande guerra.<br />

Além <strong>da</strong>s preocupações com o caráter de propulsor <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, que<br />

deveria ser <strong>da</strong>do ao sistema de Governo, ain<strong>da</strong> havia o grande problema <strong>da</strong> disputa<br />

ideológica com a hoje extinta e incorpora<strong>da</strong> Alemanha do leste, que era a<br />

418 - FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Id. Ibid. p. 63.<br />

315


epresentação ativa do bloco soviético.<br />

Diante disto, os alemães <strong>da</strong> República de Bonn precisavam ter, ao mesmo<br />

tempo, um modelo democrático que desse coerência ideológica à sua vinculação com o<br />

ocidente democrático, e um sistema de Governo que propiciasse, ao máximo,<br />

segurança ao regime, sem as ameaças de crises e instabili<strong>da</strong>des, que poderiam ser<br />

fatais na disputa com o socialismo bolchevique.<br />

Como ressalta Cotarelo, na Alemanha de Bonn<br />

316<br />

desde o começo se tratou de garantir a existência de um governo democrático,<br />

eficaz, responsável e estável. A imagem <strong>da</strong> atribula<strong>da</strong> República de Weimar e<br />

<strong>da</strong> ditadura hitleriana funcionaram <strong>como</strong> ponto de referência para a<br />

articulação do atual sistema político alemão. Isto explica, consequentemente,<br />

os traços mais característicos do ordenamento constitucional e que<br />

estu<strong>da</strong>remos com maior detalhe na parte seguinte: o regime de direitos e<br />

liber<strong>da</strong>des, a figura do Presidente <strong>da</strong> República, o sistema federal, a moção<br />

de censura construtiva, a hegemonia do governo e a função arbitral do Poder<br />

Judiciário. 419<br />

O enfoque, <strong>como</strong> se pode perceber, foi diferente <strong>da</strong>quele <strong>da</strong>do aos sistemas <strong>da</strong><br />

França e de Portugal. O que se observa, mais uma vez, é a condição de a<strong>da</strong>ptabili<strong>da</strong>de<br />

do <strong>Parlamentarismo</strong>, através de modelos de racionalização diferentes, <strong>como</strong><br />

instrumento de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

Mais próximo do <strong>Parlamentarismo</strong> clássico do que os modelos anteriores, os<br />

aspectos mais destacados de racionalização democrática do sistema alemão são os<br />

seguintes:<br />

419 - COTARELO, Ramón Garcia. Op. Cit. p. 199.


1 - O Chanceler Federal<br />

Todo sistema alemão está assentado na estabili<strong>da</strong>de e fortalecimento de seu<br />

Chefe de Governo. O Chanceler é a grande âncora democrática do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado <strong>da</strong> Alemanha.<br />

A experiências com sistemas passados, principalmente com o de Weimar,<br />

construíram um conceito de <strong>Democracia</strong> vinculado ao desempenho do Governo, de<br />

preferência com tempo suficiente para desenvolvimento completo de suas propostas de<br />

ação.<br />

É de Konrad Adenauer a principal contribuição teórica para a atual arquitetura<br />

democrática <strong>da</strong> Alemanha. Conservador e político veterano, ele influiu decisivamente<br />

para a racionalização estabilizadora do Governo. Neste sentido, Vamireh Chacon<br />

ressalta as principais características do sistema, escrevendo que os alemães procuraram<br />

sintetizar vários aspectos,<br />

317<br />

tudo coroado pelo Chanceler: por isto, seus adversários ironizavam a fórmula<br />

<strong>como</strong> sendo uma `<strong>Democracia</strong> do Chanceler’, o que não ofendeu Adenauer,<br />

interessado, com seus novos contrapesos, em evitar não só outro Hitler,<br />

quanto também um novo Hindenburg, emergíveis sob pretextos carismáticos<br />

remontando a Bismarck. Em síntese, na Visão de Adenauer `<strong>Democracia</strong> +<br />

República = Autori<strong>da</strong>de política e estabili<strong>da</strong>de: <strong>Democracia</strong> do Chanceler. 420<br />

2 - A Moção de Censura Construtiva<br />

Já foi anotado no capítulo destinado exclusivamente ao sistema alemão, que a<br />

Moção de Censura Construtiva, prevista no artigo 67 <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn<br />

constitui-se no preceito mais célebre e comentado de to<strong>da</strong>s as disposições relativas ao<br />

420 - CHACON, Vamireh. Op. Cit. p. 45.


sistema de Governo <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha. Neste sentido, já se registrou<br />

que “a chama<strong>da</strong> `Moção de Censura Construtiva’ foi idealiza<strong>da</strong> para ser a garantia<br />

mais forte e eficiente <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de governamental e seu mais importante fator de<br />

estabili<strong>da</strong>de.” 421<br />

Ao condicionar a demissão do Chanceler à indicação de um substituto no<br />

mesmo ato, o sistema de Governo alemão impõe uma “<strong>Democracia</strong> positiva”, cujo<br />

conceito está em visível conexão com os aspectos históricos e culturais <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de<br />

alemã, já apontados anteriormente.<br />

3 - O Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa<br />

Esta é outra circunstância que tipifica a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> e<br />

sua vinculação à estabili<strong>da</strong>de democrática do sistema.<br />

Caso o Governo tenha rejeita<strong>da</strong> uma moção de confiança que tenha<br />

apresentado e o Chanceler decidir não dissolver o Bundestag, tendo importantes<br />

projetos de lei para serem aprovados, preferindo continuar em suas funções, pode<br />

solicitar ao Presidente Federal a declaração do “estado de necessi<strong>da</strong>de legislativa”.<br />

Neste caso, os projetos de lei que venham a ser rejeitados pelo Bundestag,<br />

podem ser aprovados pela câmara representante dos Lander, o Bundesrat, que ganha<br />

assim importância numa situação excepcional.<br />

Esta fato ganha mais importância considerando-se que este “estado de<br />

necessi<strong>da</strong>de” (que não pode exceder a seis meses) depende ain<strong>da</strong> inteiramente <strong>da</strong><br />

421 - CRUZ, Paulo Márcio. Op. Cit. p. 141.<br />

318


câmara representante dos Lander.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, se o Bundestag, no prazo máximo de um mês após a declaração<br />

pelo Presidente Federal, continuar na oposição ao Chanceler, a decisão final pertence<br />

ao Bundesrat. Caso ele aprove o diploma do Governo, este passa a vigorar sem<br />

restrições.<br />

Pode-se, assim, conceber uma situação política na qual, em face <strong>da</strong><br />

incapaci<strong>da</strong>de do Bundestag, o sistema pode ser governado por uma aliança política<br />

pela estabili<strong>da</strong>de entre o Governo e a câmara dos representantes <strong>da</strong> federação, de modo<br />

a assegurar que a “maioria negativa” não possa prevalecer e comprometer a<br />

<strong>Democracia</strong> alemã, <strong>como</strong> aconteceu com a República de Weimar.<br />

Entretanto, <strong>como</strong> forma de preservar o caráter democrático do sistema, o<br />

“estado de necessi<strong>da</strong>de legislativa” não pode ser usado indiscrimina<strong>da</strong>mente, já que<br />

“... possui limites na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, para que este mecanismo não se torne<br />

um instrumento meramente discricionário.” 422<br />

São limites temporais, com o prazo de seis meses de vigência, <strong>como</strong> já<br />

observado, e limites materiais, impostos pela própria Lei Fun<strong>da</strong>mental, que não pode<br />

ser contraria<strong>da</strong> por qualquer outra norma aprova<strong>da</strong>, em qualquer circunstância, na<br />

República Federal <strong>da</strong> Alemanha.<br />

Chanceler<br />

4 - O Presidente Federal <strong>como</strong> um “poder de reserva” para auxiliar o<br />

422 - CRUZ, Paulo Márcio. Id. Ibid. p. 148.<br />

319


Diz-se que o Presidente Federal é um “poder de reserva” porque sua atuação<br />

mais efetiva se dá no caso <strong>da</strong>s flutuações que existem na maioria que deveria apoiar o<br />

Chefe de Governo.<br />

Um Chanceler minoritário depende do Presidente Federal para declarar o<br />

“estado de necessi<strong>da</strong>de legislativa”, que lhe dá uma sobrevi<strong>da</strong> de, pelo menos, seis<br />

meses.<br />

Este mecanismo existe na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn para evitar as<br />

manifestações de maiorias negativas eventuais, que podem travar o Governo e<br />

comprometer sua eficácia e sua estabili<strong>da</strong>de.<br />

É <strong>como</strong> escreve Rogeiro, ao ensinar que “em minoria, o Chanceler vale-se do<br />

poder de reserva do Presidente Federal. Com maioria a favor do Governo, o<br />

Presidente Federal apaga-se.” 423<br />

escrever que há<br />

Ou <strong>como</strong> assinala Konrad Hesse ao referir-se ao Presidente Federal alemão, ao<br />

320<br />

um lado especial <strong>da</strong> função de governo na função do chefe de estado. Nela, o<br />

elemento <strong>da</strong> configuração ativa recua a favor do elemento de preservação <strong>da</strong><br />

uni<strong>da</strong>de estatal. A função constitucional do Presidente federal está na<br />

conservação e na representação dessa uni<strong>da</strong>de. Por certo, na democracia uma<br />

única pessoa não é capaz de garantir uni<strong>da</strong>de estatal. Porém, uma conciliação<br />

ou mediação pelo Presidente Federal aparece <strong>como</strong> força neutra e quanto<br />

mais ele, por causa de sua neutrali<strong>da</strong>de, ganhou a confiança do opositor. 424<br />

5 - As relações entre o Governo e o Parlamento<br />

A racionalização democrática do sistema de Governo que está prevista na Lei<br />

423 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 76.<br />

424 - HESSE, Konrad. Op. Cit. p. 401.


Fun<strong>da</strong>mental de Bonn é exerci<strong>da</strong>, principalmente, na relação do Chanceler Federal com<br />

o Bundestag.<br />

Rogeiro mostra, sobre o <strong>Parlamentarismo</strong> alemão, que “procurou-se conciliar<br />

o princípio <strong>da</strong> governabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de e a regra <strong>da</strong> fiscalização e do<br />

controle político parlamentar.” 425<br />

Esta assertiva do constitucionalista português retrata com fideli<strong>da</strong>de o espírito<br />

que preside as relações entre o Governo, a câmara dos representantes do povo e a<br />

representação <strong>da</strong>s regiões assenta<strong>da</strong>s no Bundesrat.<br />

Foram aliados o princípio <strong>da</strong> discussão e do debate democrático pleno e a<br />

necessi<strong>da</strong>de de precisão, proficiência e celeri<strong>da</strong>de na decisão administrativa.<br />

Neste sentido, a arquitetura do sistema foi idealiza<strong>da</strong> de modo a levar a noção<br />

de “segurança” ao extremo.<br />

Ao mesmo tempo que preserva traços do <strong>Parlamentarismo</strong> puro, manifestados<br />

pela necessi<strong>da</strong>de de o Governo contar com a confiança de uma maioria de deputados<br />

no Bundestag e nos vários instrumentos de responsabilização e fiscalização do<br />

executivo pela Parlamento, a instituição de mecanismos <strong>como</strong> a “moção de censura<br />

construtiva”, já estu<strong>da</strong><strong>da</strong> anteriormente, cui<strong>da</strong>ram de prevenir os excessos<br />

parlamentares que existiam no modelo de Weimar.<br />

Mesmo quando o Bundestag experimenta alguma proeminência, o Bundesrat e<br />

o Presidente Federal entram em cena para retomar o equilíbrio de “segurança” do<br />

425 - ROGEIRO, Nuno. Op. Cit. p. 72.<br />

321


sistema.<br />

A dita “<strong>Democracia</strong> do Chanceler”, realmente, significa que crises e<br />

instabili<strong>da</strong>des governamentais, na Alemanha, representam exercícios democráticos<br />

muito pouco apreciados pela Socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele país.<br />

6 - A proibição de partidos políticos de orientação não-democrática<br />

É consabido que o sistema partidário alemão - diferente dos outros dois países<br />

estu<strong>da</strong>dos - teve e tem um papel fun<strong>da</strong>mental em todo o desenvolvimento <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>, atuando <strong>como</strong> outra importante condição para a sua consoli<strong>da</strong>ção.<br />

Mas, <strong>como</strong> não é o propósito desta Tese afastar-se <strong>da</strong> delimitação proposta,<br />

apenas teceu-se rápi<strong>da</strong>s considerações sobre os partidos políticos na Alemanha e, de<br />

forma muito tangente, na França e em Portugal. Aliás, fez-se esta ressalva logo na<br />

introdução.<br />

Mesmo assim, pela seu indefectível papel de sustentação ao sistema<br />

parlamentarista racionalizado alemão, não é possível deixar de sublinhar a proibição<br />

expressa, existente na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn, aos partidos de orientação “não<br />

democrática”, <strong>como</strong> está previsto no seu artigo 21, parágrafo segundo, rezando que<br />

“são inconstitucionais os partidos que, pelos seus objetivos ou pelas atitudes dos seus<br />

adeptos, preten<strong>da</strong>m prejudicar ou subverter a ordem fun<strong>da</strong>mental liberal e<br />

democrática, ou ponham em perigo a existência <strong>da</strong> República Federal <strong>da</strong> Alemanha.<br />

Cabe ao Tribunal Constitucional decidir sobre a questão <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de.” 426<br />

426 - SERRANO, Federico Perez. Op. Cit. p. 150.<br />

322


Este dispositivo, junto com a “cláusula dos 5%”, ou seja, a regra segundo a<br />

qual tem de existir um mínimo nacional de votos que permita a um partido aspirar à<br />

representação no Parlamento - pois só a partir <strong>da</strong>í é que começa a contar a repartição<br />

proporcional - não permitem a proliferação desenfrea<strong>da</strong> de partidos de representação<br />

duvidosa, segundo a concepção <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de germânica.<br />

Ao não permitir partidos políticos com orientação “não democrática”, junto<br />

com a barreira dos 5%, a Socie<strong>da</strong>de alemã acabou por optar pelo “biparti<strong>da</strong>rismo<br />

imperfeito”, com duas agremiações partidárias muito fortes junto com uma terceira,<br />

que serve também <strong>como</strong> elemento de equilíbrio e segurança ao sistema.<br />

É muito difícil criticar este modelo, diante de tantas distorções que se observa<br />

em outros estados, onde muitos partidos, praticamente sem representação, são<br />

ver<strong>da</strong>deiros balcões de negócios espúrios, prestando, isto sim, um desserviço à<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

323


9.5 - O PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO COMO CONTRIBUTO À<br />

DEMOCRACIA<br />

Neste item final, a intenção foi trazer citações que mostrem, explítica ou<br />

implicitamente, que o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> funcionou e funciona <strong>como</strong> uma<br />

<strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>. Embora sabendo que existem estudos que procuraram<br />

vincular o <strong>Parlamentarismo</strong> com a <strong>Democracia</strong> ou o Governo com a <strong>Democracia</strong>, o<br />

objetivo central desta pesquisa foi estabelecer os contributos do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado ao processo democrático, buscando evidências existentes na literatura<br />

disponível sobre o tema.<br />

Portanto, para esta Tese, a delimitação foi muito específica, ou seja, o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, com base no conceito operacional estabelecido na<br />

parte introdutória, entendendo-o <strong>como</strong> condição de consoli<strong>da</strong>ção democrática em<br />

estados contemporâneos. Como objetivo secundário, quis-se demonstrar, também, que<br />

este tipo de construção jurídico-política deve, sempre, obedecer a critérios específicos<br />

de ca<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de, para que não haja o entendimento equivocado de que modelos<br />

políticos ou sistemas de Governo podem, simplesmente, ser transplantados. Deve-se<br />

sempre ter em conta que, desde que convenientemente concebidos, modelos<br />

parlamentaristas racionalizados podem contribuir, efetivamente, para o<br />

desenvolvimento democrático de um país, <strong>como</strong> aconteceu na França, em Portugal e na<br />

Alemanha.<br />

Afinal, pode-se chegar à conclusão de que o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>,<br />

encontrado nos estados analisados, funcionou e funciona <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong><br />

324


<strong>Democracia</strong> porque, exatamente, obedeceu a critérios históricos e sociais. Tanto é<br />

assim, que ca<strong>da</strong> modelo possui aspectos muito próprios. Genericamente, o que se<br />

encontrou foi uma busca intensa, pelos países estu<strong>da</strong>dos, por modelos democráticos<br />

adequados aos perfis de suas socie<strong>da</strong>des, com observância <strong>da</strong>s regras básicas do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>. Mas, indubitavelmente, ca<strong>da</strong> modelo foi construído de modo<br />

diferente.<br />

É <strong>como</strong> vai-se notar na análise final do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong><br />

condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> no Estado Contemporâneo, utilizando-se as hipóteses básicas<br />

desta Tese. Com o livro intitulado “O Regime Semipresidencialista”, de Maurice<br />

Duverger, por exemplo, estas constatações ficam muito evidentes.<br />

Como já foi dito na introdução desta Tese, por <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong><br />

são entendidos todos os sistemas derivados do modelo original que tenham sofrido<br />

a<strong>da</strong>ptações democráticas para garantir legitimi<strong>da</strong>de, estabili<strong>da</strong>de, eficiência e eficácia<br />

ao Governo, de modo a sustentar a <strong>Democracia</strong>. Portanto, mais uma vez, deve-se<br />

ressaltar que o “semipresidencialismo” de Duverger, que é a tônica <strong>da</strong> obra cita<strong>da</strong> no<br />

parágrafo anterior, é <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>.<br />

Já que parece não haver, segundo se constatou, uma obra que trate<br />

especificamente deste aspecto, o esforço deste trabalho consistiu em identificar, numa<br />

plêiade de autores, aqueles pontos que sustentassem esta Tese e que estão descritos ao<br />

longo de seus capítulos.<br />

Já a cita<strong>da</strong> obra de Duverger é especialmente pródiga no sentido de fornecer<br />

elementos para a sustentação científica <strong>da</strong> hipótese básica deste trabalho.<br />

325


O autor, apesar de ter tido, <strong>como</strong> objetivo principal, no acima referido livro, a<br />

caracterização do sistema misto, que ele chama de “semipresidencialismo” 427 ,<br />

adentrou, muitas vezes, nos aspectos relacionados com a efetivação <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> nos<br />

estados por ele analisados.<br />

Isto pode ser observado em vários pontos <strong>da</strong> obra do tratadista francês. Note-<br />

se que, ao destacar que em muitos estados contemporâneos o sistema de governo<br />

parlamentar racionalizado funcionou <strong>como</strong> um viabilizador <strong>da</strong> transição democrática,<br />

Duverger escreve que “no plano prático, o regime semipresidencialista mostrou a sua<br />

a<strong>da</strong>ptação à transição dos regimes ditatoriais em direção à democracia.” 428<br />

Observe-se o ensinamento do autor quando se refere especificamente ao<br />

sistema francês. Pode-se perceber claramente, nas suas palavras, a níti<strong>da</strong> intenção de<br />

realçar a forma <strong>como</strong> o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> funcionou <strong>como</strong> elemento de<br />

consoli<strong>da</strong>ção de um modelo democrático adequado àquela Socie<strong>da</strong>de. Duverger ensina<br />

que:<br />

326<br />

a introdução do sistema na França se deu em uma velha democracia que<br />

nunca havia conhecido maioria e não parecia capaz de conhecê-la nos<br />

próximos dias: justamente para mitigar os defeitos dessa ausência de maioria.<br />

Em todos esses casos, a eleição do Chefe de Estado por sufrágio universal e a<br />

atribuição de prerrogativas importantes a esse presidente eleito pelo povo<br />

tinham por objetivo estabelecer um ponto de atracação que permitiria mitigar<br />

a fraqueza dos governos em face de parlamentos anárquicos. 429<br />

Note-se ain<strong>da</strong> o que escreve Duverger quando, neste livro sobre o<br />

Semipresidencialismo, trata-o <strong>como</strong> um regime de transição para a <strong>Democracia</strong> e <strong>como</strong><br />

427 - Para esta Tese, o semipresidencialismo, conforme concebido por Duverger, insere-se no rol dos modelos de<br />

<strong>Parlamentarismo</strong>s racionalizados e que são objeto deste estudo.<br />

428 - DUVERGER, Maurice. Op. Cit. p. II.<br />

429 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. III.


o principal instrumento para a democratização de países que acabaram de sair de<br />

regimes de força. O autor francês escreve que “no país onde o comunismo foi mais<br />

duro e estreito, o mecanismo semipresidencialista fez funcionar uma democracia mais<br />

sóli<strong>da</strong> do que esperávamos.” 430<br />

Duverger, em 1978, quatro anos após o golpe de Estado que destituiu Salazar<br />

em Portugal, já escrevia sobre a experiência portuguesa com o semipresidencialismo,<br />

implantado paulatinamente após a Revolução dos Cravos e destacava seu aspecto<br />

democratizante ao afirmar que o general Eanes, naquele momento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política<br />

portuguesa, deixa claro que “sua ambição é, sem dúvi<strong>da</strong>, chegar a uma democracia de<br />

pleno exercício, na qual as armas ce<strong>da</strong>m totalmente ao sufrágio universal.” 431 E foi o<br />

que se observou em Portugal. O regime semipresidencialista - ou o <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong> - foi um eficiente instrumento de consoli<strong>da</strong>ção democrática.<br />

É de Duverger, também, uma afirmação que mostra qual o figurino de<br />

<strong>Democracia</strong> pretendido pelos franceses na Vª República e sua vinculação com o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>. Ele escreve que “o sistema francês assenta na<br />

soberania dos ci<strong>da</strong>dãos, que a exprimem através do voto em eleições competitivas.<br />

Trata-se de uma democracia representativa para a eleição dos parlamentares; de uma<br />

democracia direta, não mediatisa<strong>da</strong>, para a eleição do Presidente <strong>da</strong> República e de<br />

uma democracia semi-direta (no sentido literal do termo), para o referendo.” 432<br />

Ao comentar a renúncia de De Gaulle após a derrota no referendo de 1969,<br />

430<br />

- DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. III.<br />

431<br />

- DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 30.<br />

432<br />

- DUVERGER, Maurice. Instituciones políticas y derecho constitucional: el sistema político francês. Trad. Carlos Molina.<br />

3. ed. Madrid: Tierra, 1980, p. 157.<br />

327


Duverger, mais uma vez, conecta o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado com a <strong>Democracia</strong>,<br />

ao escrever que “a abdicação de 27 de abril de 1969 selou o caráter democrático <strong>da</strong><br />

nova instituição. Seu germe já estava ali desde a origem” e complementa ressaltando<br />

que “a reforma foi prepara<strong>da</strong> por uma longa campanha de educação cívica inicia<strong>da</strong><br />

em 1956, para demonstrar que a eleição do chefe de governo por sufrágio universal<br />

<strong>da</strong>ria à França um regime de democracia eficaz.” 433 Note-se que estão juntas, nesta<br />

assertiva de Duverger, as duas principais preocupações presentes nos<br />

parlamentarismos racionalizados: <strong>Democracia</strong> e eficácia do Governo, com a segun<strong>da</strong><br />

sendo condição <strong>da</strong> primeira.<br />

Outros autores, <strong>como</strong> Paulo Bonavides, também têm afirmações importantes<br />

que expressam, com muita convicção, a busca democrática do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

<strong>Racionalizado</strong>, inclusive enfatizando que os modelos são diferentes em estados<br />

diversos. Este publicista, após realçar outras vantagens do <strong>Parlamentarismo</strong>, escreve<br />

que:<br />

328<br />

tomado o parlamentarismo na sua acepção corrente e democrática de governo<br />

<strong>da</strong>s maiorias, temos a base simples e homogênea sobre a qual ca<strong>da</strong> Estado<br />

erguerá uma superestrutura jurídica com as chama<strong>da</strong>s técnicas de<br />

racionalização do poder parlamentar, tendo em vista sempre a eficácia<br />

crescente e progressiva <strong>da</strong>s instituições políticas, de modo que possam estas<br />

atender desembaraça<strong>da</strong>mente aos cui<strong>da</strong>dos e anseios materiais ca<strong>da</strong> vez mais<br />

largos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, no interesse <strong>da</strong> paz, <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de de<br />

to<strong>da</strong>s as classes, anima<strong>da</strong>s <strong>como</strong> se acham por impaciente consciência<br />

reivindicatória de melhoria social. 434<br />

Também o professor Themístocles Brandão Cavalcanti, ao analisar a<br />

racionalização do Governo em países parlamentaristas, faz interessantes observações<br />

433 - DUVERGER, Maurice. Id. Ibid. p. 60.<br />

434 - BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 338.


que se encaixam muito bem na sustentação do postulado geral desta Tese, que procura<br />

demonstrar que governos eficientes e eficazes são condições de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>. O diretor do Instituto de Direito Público <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas<br />

assinala que “multiplicaram-se os países que adotaram o regime presidencial, e o<br />

parlamentarismo sofreu correções que visaram a reduzir os perigos <strong>da</strong> instabili<strong>da</strong>de<br />

política e administrativa, <strong>da</strong>ndo novo conceito à pessoa do Primeiro-Ministro ou do<br />

Chanceler. Assim fizeram a França e a Alemanha, entre outros.” 435 E continua, o<br />

mesmo autor, fazendo outras observações de muita pertinência, inclusive anotando que<br />

o sistema parlamentar se racionalizou para se a<strong>da</strong>ptar. Ele escreve que “... essas<br />

formas parlamentaristas, <strong>como</strong> já disse, evoluíram muito no sentido de maior<br />

autori<strong>da</strong>de e estabili<strong>da</strong>de do Presidente <strong>da</strong> República e do Primeiro-Ministro.” 436<br />

Cavalcanti ain<strong>da</strong> escreve que “na França, a V República procurou restaurar a<br />

força do Executivo, ou seja, restaurar o poder governamental, na palavra dos críticos<br />

do regime.” 437 E assinala que o processo administrativo do <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado democrático “foi uma estrutura, entretanto, que progrediu sabiamente.<br />

Assimilou todos os modernos processos <strong>da</strong> administração científica, nacionalizou<br />

numerosos serviços públicos essenciais, bastando citar os trens e a eletrici<strong>da</strong>de, criou<br />

numerosas empresas públicas, de origem tradicionalmente francesa e cresceu de<br />

forma a atender a to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong>des de um bom serviço público.” 438<br />

As lições de Themístocles Cavalcanti demonstram o vínculo efetivo do<br />

435 - CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Teoria do estado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 432.<br />

436 - CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Id. Ibid. p. 433.<br />

437 - CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Id. Ibid. p. 437.<br />

438 - CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Id. Ibid. p. 437.<br />

329


<strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado com a eficiência governativa destina<strong>da</strong> a garantir a<br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

Mas foi com Clóvis Goulart que se encontrou as afirmações mais decidi<strong>da</strong>s<br />

sobre a vinculação do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado <strong>como</strong> contributo à <strong>Democracia</strong><br />

em estados contemporâneos. Escreve este autor, preliminarmente, que “os ideais<br />

democráticos, seja quanto ao controle político pelo povo, seja no que respeita à<br />

realização desta filosofia de vi<strong>da</strong> de que falamos, encontram, no regime<br />

parlamentarista, o caminho mais transitável e claro para a sua efetiva<br />

concretização.” 439<br />

Continua o publicista ensinando que:<br />

330<br />

o parlamentarismo, por ser o regime natural de governo democrático,<br />

difundiu-se por to<strong>da</strong> Europa e parte de outros continentes, principalmente<br />

com o processo de reconstitucionalização dos Estados, após a Segun<strong>da</strong><br />

Grande Guerra Mundial. As técnicas parlamentaristas passaram a inscreverse<br />

no corpo <strong>da</strong>s construções jurídico-políticas dos Estados que as adotaram.<br />

Realizou-se, assim, a racionalização do governo parlamentar. 440<br />

E conclui Goulart lecionando que “... a idéia de democracia, de governo <strong>da</strong><br />

maioria sob a vigilância constante <strong>da</strong>s minorias, vai-se consoli<strong>da</strong>ndo na Europa, sob<br />

a égide e o equilíbrio <strong>da</strong>s técnicas parlamentaristas.” 441<br />

Constatado isto, juntamente com tudo que se verificou durante o<br />

desenvolvimento desta Tese, pode-se afirmar que não foi o <strong>Parlamentarismo</strong> “per si”,<br />

uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>, pelo menos nos países estu<strong>da</strong>dos. Seu figurino<br />

439<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. <strong>Parlamentarismo</strong> - regime natural de governo democrático. Florianópolis: Fun<strong>da</strong>ção Nereu<br />

Ramos, s. d., p. 59.<br />

440<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 60.<br />

441<br />

- GOULART, Clóvis de Souto. Id. Ibid. p. 60.


clássico só foi estável e consoli<strong>da</strong>do, democraticamente, em países do Reino Unido e<br />

do Common Law, com a Inglaterra à frente.<br />

Foi o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong>, isto sim, com suas várias<br />

denominações, com sua capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação democrática à cultura de ca<strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de que serviu, realmente, <strong>como</strong> contributo ao regime democrático.<br />

Desta forma, quando prevaleceu a convicção de que a <strong>Democracia</strong> é o melhor<br />

regime de Governo, mesmo com concepções diferentes, mas manti<strong>da</strong>s suas premissas<br />

básicas, as técnicas de racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> funcionaram <strong>como</strong><br />

fun<strong>da</strong>mentais pressupostos para a sua consoli<strong>da</strong>ção.<br />

Apesar de não ser uma receita que possa ser aplica<strong>da</strong> indistintamente, as<br />

reflexões acerca deste fato podem contribuir, de forma efetiva, para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> em muitos estados que se debatem, há déca<strong>da</strong>s, para alcançar um modelo<br />

equilibrado, eficiente e justo.<br />

331


CONCLUSÃO<br />

Esta Tese buscou, fun<strong>da</strong>mentalmente, organizar de forma lógica e<br />

cientificamente concebi<strong>da</strong>, uma seqüência de capítulos que pudessem satisfazer à<br />

demonstração <strong>da</strong> hipótese básica proposta, ou seja, o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong><br />

funciona, em determinados estados contemporâneos, <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>.<br />

Para isto, foi necessário fazer uma revisão direciona<strong>da</strong> sobre a <strong>Democracia</strong> no<br />

Estado Contemporâneo. Desde este momento, começou-se a promover a ligação entre<br />

o sistema de Governo e o regime democrático. Deve-se notar, portanto, que alguns<br />

capítulos desta Tese já apresentaram considerações conclusivas muito importantes e<br />

que não serão aqui repeti<strong>da</strong>s.<br />

Desde o início do exame <strong>da</strong> passagem <strong>da</strong> denomina<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> Liberal para<br />

a denomina<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> Social, o que se percebeu foi a estreita conexão existente<br />

entre estas duas categorias. A ênfase, por óbvio, foi <strong>da</strong><strong>da</strong> à <strong>Democracia</strong> Social, que é,<br />

teoricamente, própria do Estado Contemporâneo.<br />

Notou-se ain<strong>da</strong> que a <strong>Democracia</strong> efetiva<strong>da</strong> no Estado Contemporâneo<br />

encontra-se vincula<strong>da</strong> a conceitos de Legitimi<strong>da</strong>de. Todo o processo político passou a<br />

depender, desde o início do presente século, do procedimento legitimador pelo qual os<br />

governos são escolhidos e exercem suas ativi<strong>da</strong>des, entendidos <strong>como</strong> uma emanação<br />

do Parlamento.<br />

Firmou-se, então, a percepção de que a estabili<strong>da</strong>de e a eficiência do Governo


deveriam ser sustenta<strong>da</strong>s por um sistema que permitisse a existência de tais premissas.<br />

A análise histórica demonstrou que o Estado Contemporâneo democrático perseguiu<br />

modelos que pudessem contemplar, ao mesmo tempo, os princípios democráticos e a<br />

satisfação <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de através <strong>da</strong> atuação de seu instrumento governativo. A<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia mostrou-se, também, vincula<strong>da</strong> à <strong>Democracia</strong> e ao exercício eficiente do<br />

poder, entendido <strong>como</strong> elemento de satisfação social, <strong>como</strong> foi dito neste parágrafo.<br />

O Estado examinado foi o Contemporâneo, caracterizado, <strong>como</strong> é consabido,<br />

por sua intervenção nos domínios econômico, social e cultural, tendo ficado níti<strong>da</strong> a<br />

vinculação desta com a racionalização do Sistema de Governo parlamentarista.<br />

Para ser democrático e eficiente, o Estado Contemporâneo necessariamente<br />

passou a ser interventivo. Na parte <strong>da</strong> presente Tese em que se tratou desta ligação, a<br />

maioria dos autores, nas obras cita<strong>da</strong>s, ressaltaram que a <strong>Democracia</strong> passou a<br />

depender <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de do Estado, através do Governo, de responder aos anseios do<br />

Socie<strong>da</strong>de.<br />

A evolução do denominado Estado Social deu-se, <strong>como</strong> visto, para<br />

acompanhar o dinamismo <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de contemporânea, que passou ca<strong>da</strong> vez mais a<br />

exigir governos estáveis, legítimos - também pelo procedimento - e eficazes.<br />

Foi exatamente o compromisso com a consecução <strong>da</strong> função social do Estado<br />

Contemporâneo que provocou a necessi<strong>da</strong>de de governos democráticos e eficientes,<br />

concebidos com base em sistemas estáveis.<br />

O Estado Constitucional Liberal, surgido <strong>da</strong> Revolução Francesa, concebido<br />

para intervir o mínimo possível nos domínios econômico, social e cultural apesar de,<br />

333


<strong>como</strong> foi constatado no decorrer <strong>da</strong> pesquisa leva<strong>da</strong> a efeito para esta Tese, perseguir o<br />

regime democrático, não teve sua atuação governamental comprometi<strong>da</strong> com critérios<br />

de estabili<strong>da</strong>de.<br />

O contraponto ao Estado Liberal, o Estado Máximo socialista, por sua<br />

concepção totalitária, também não foi objeto de preocupações de ordem democrática e<br />

de estabili<strong>da</strong>de.<br />

A preocupação com a <strong>Democracia</strong> estável surgiu com a adoção do Estado<br />

Contemporâneo Democrático acolhido, na prática, inicialmente, por países <strong>da</strong> Europa<br />

Ocidental.<br />

Preocupados em estabelecer um “meio termo” entre as propostas de<br />

intervenção mínima do Estado Liberal e de intervenção máxima do Estado Socialista,<br />

no período compreendido entre as duas guerras mundiais e, mais intensamente, depois<br />

<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, os regimes democráticos passaram a perseguir modelos<br />

políticos com estabili<strong>da</strong>de, para garantir a própria <strong>Democracia</strong>.<br />

Isto é muito perceptível quando se analisam as considerações contempla<strong>da</strong>s no<br />

Capítulo II desta Tese, que trata do Estado Contemporâneo democrático. Naquela<br />

parte, pôde-se perceber que a legitimação democrática deste Estado - aí incluído o<br />

Governo - passou a ter <strong>como</strong> um dos principais elementos a capaci<strong>da</strong>de do Estado de<br />

responder aos anseios sociais. Para tanto, o processo de racionalização democrática do<br />

sistema parlamentarista atuou <strong>como</strong> um dos elementos decisivos.<br />

O início instável do Estado Contemporâneo democrático derivou para modelos<br />

assentados em bases racionais. Isto passou a permitir o funcionamento de sistemas<br />

334


estáveis e capazes de responder às deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de <strong>como</strong> um todo.<br />

A intervenção democrática do Estado passou a ser uma exigência, uma<br />

condição, e não só uma opção política em determinados períodos ou governos.<br />

Nesta linha, o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado passou a ser um dos elementos<br />

principais para a manutenção e aperfeiçoamento <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>. O desenvolvimento<br />

do sistema político democrático também passou a exigir a presença de fatores de<br />

normali<strong>da</strong>de e previsibili<strong>da</strong>de. A reali<strong>da</strong>de social contemporânea, <strong>como</strong> idéia de<br />

<strong>Democracia</strong>, passou a ter neste sistema de Governo um de seus principais suportes,<br />

<strong>como</strong> restou demonstrado no Capítulo III desta Tese.<br />

O termo “racionalizado” passou a significar “democraticamente estável e<br />

eficiente”. A racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> começou, portanto, a fazer parte <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong> contemporânea.<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado, <strong>como</strong> se constatou, em suas versões<br />

republicanas ou monárquicas, desenvolveu-se no sentido de enfatizar a racionalização<br />

e o fortalecimento democrático do Governo, exatamente para garantir a subsistência <strong>da</strong><br />

<strong>Democracia</strong>. Sem estes elementos, necessários à estabili<strong>da</strong>de e eficiência, o<br />

comprometimento do regime democrático seria inevitável.<br />

No Capítulo V mostrou-se que a racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> teve<br />

motivação claramente volta<strong>da</strong> para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>. Notou-se, por<br />

exemplo, que um dos mecanismos utilizados foi a implantação <strong>da</strong> eleição democrática<br />

do Chefe de Estado quando a Forma de Governo é a República, para atuar <strong>como</strong><br />

árbitro no sistema e, principalmente, entre os órgãos envolvidos nas funções<br />

335


governativas, <strong>como</strong> o Governo e o Parlamento.<br />

Os sistemas trazidos para análise proporcionaram constatações inequívocas<br />

sobre a atuação do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong>.<br />

França, Portugal e Alemanha, com processos distintos de racionalização democrática<br />

do parlamentarismo - e isto mostrou-se muito importante, <strong>da</strong><strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de<br />

a<strong>da</strong>ptação - mostraram-se arquétipos de organização racionaliza<strong>da</strong> muito procedentes<br />

para a pesquisa proposta.<br />

A pesquisa sobre a França trouxe a possibili<strong>da</strong>de de se constatar a atuação do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado <strong>como</strong> condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> em sua acepção mais<br />

profun<strong>da</strong>, <strong>como</strong> se pode verificar ao longo do Capítulo IV desta Tese.<br />

Após o detalhado relato descritivo sobre o sistema francês, chega-se à<br />

conclusão de que naquele país foi encetado um processo de “<strong>Democracia</strong> regressiva”,<br />

de modo a proporcionar estabili<strong>da</strong>de a um sistema de muita instabili<strong>da</strong>de <strong>como</strong> era o<br />

<strong>da</strong> IVª República.<br />

Demonstrar a conexão existente entre o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado <strong>da</strong><br />

França e a <strong>Democracia</strong> implanta<strong>da</strong> e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> naquele país exigiu que fosse<br />

considera<strong>da</strong> sua história recente, a partir <strong>da</strong> implantação <strong>da</strong> Vª República e <strong>da</strong> ascensão<br />

de Charles De Gaulle ao poder.<br />

Este fato provocou, nos meios políticos e acadêmicos, muitas discussões sobre<br />

o caráter democrático do sistema francês, já que o General procurou, por to<strong>da</strong>s as<br />

formas, fazer valer seu carisma sobre as instituições democráticas. O que se acabou<br />

por constatar foi que mesmo este recorte histórico, muito específico <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong><br />

336


<strong>Democracia</strong> francesa, acabou sendo absorvido pela racionalização democrática <strong>da</strong>quele<br />

sistema.<br />

Pode-se, portanto, dizer que o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado francês<br />

“absorveu” o caráter proeminente do Presidente <strong>da</strong> República e o “incorporou” ao<br />

Sistema de Governo.<br />

Mesmo assim, o instituto <strong>da</strong> “coabitação” - situação na qual o Presidente <strong>da</strong><br />

República divide efetivamente seu poder e sua legitimi<strong>da</strong>de democrática com o<br />

Primeiro Ministro - funciona <strong>como</strong> um elemento de moderação e <strong>como</strong> uma<br />

possibili<strong>da</strong>de para a Socie<strong>da</strong>de francesa fazer valer suas aspirações democráticas.<br />

Aliás, a coabitação põe por terra todos os argumentos em favor <strong>da</strong><br />

caracterização do sistema francês <strong>como</strong> sendo uma variação do Presidencialismo, e não<br />

do <strong>Parlamentarismo</strong>. Neste sentido, a conclusão é a de que não há, em estados<br />

contemporâneos, sistema presidencialista que permita a convivência estável - ou<br />

compartilhamento do poder - entre opções ideológicas antagônicas. Na França, com o<br />

respeito devido àqueles que discor<strong>da</strong>m desta afirmação, estão preservados os<br />

elementos caracterizadores do <strong>Parlamentarismo</strong>: a possibili<strong>da</strong>de de dissolução do<br />

Parlamento, a indicação do Primeiro Ministro com base na maioria existente neste<br />

mesmo Parlamento e a possibili<strong>da</strong>de de cessação <strong>da</strong>s funções deste mesmo Primeiro<br />

Ministro a qualquer tempo, seja pela ineficiência governativa ou pela per<strong>da</strong> de<br />

confiança no Parlamento.<br />

Foi, indubitavelmente, o <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado francês, <strong>como</strong><br />

possibili<strong>da</strong>de de sistema de exercício do poder de forma compartilha<strong>da</strong>, construído<br />

jurídica e politicamente <strong>como</strong> sistema de Governo, um dos fatores decisivos que<br />

337


permitiram a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> naquele país.<br />

Já a “<strong>Democracia</strong> Progressiva” de Portugal, adota<strong>da</strong> após a Revolução dos<br />

Cravos, também contou com o concurso decisivo do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong><br />

<strong>como</strong> Sistema de Governo.<br />

As experiências de outros países europeus, trazi<strong>da</strong>s por seus líderes pós-<br />

revolucionários, permitiu que a tardia <strong>Democracia</strong> portuguesa fosse concebi<strong>da</strong> com<br />

base em critérios de racionalização muito precisos, traduzidos, principalmente, pela<br />

função de arbitragem do Presidente <strong>da</strong> República.<br />

A criação deste terceiro centro de legitimação democrática traduziu a vontade<br />

<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de portuguesa em eliminar, de uma vez por to<strong>da</strong>s, os resquícios do regime<br />

liderado por Salazar.<br />

Mas foi o Sistema de Governo que traduziu os anseios sociais por <strong>Democracia</strong>,<br />

estabili<strong>da</strong>de e eficiência. A convivência de um Chefe de Estado, eleito<br />

democraticamente, com um Chefe de Governo de oposição a ele, demonstra muito bem<br />

<strong>como</strong> a racionalização democrática do <strong>Parlamentarismo</strong> concebi<strong>da</strong> naquele país atingiu<br />

um dos seus objetivos.<br />

Este tipo de “Racionalização Equilibra<strong>da</strong>” do <strong>Parlamentarismo</strong> teve o mérito<br />

de traduzir as expectativas <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de portuguesa com relação à atuação de seu<br />

Governo.<br />

Mesmo sem instrumentos de efeito, <strong>como</strong> nos casos <strong>da</strong> França - <strong>como</strong> já foi<br />

considerado - e <strong>da</strong> Alemanha - que é concluído adiante, o Sistema de Governo<br />

português demonstra que o <strong>Parlamentarismo</strong> permite formas de racionalização que<br />

338


conseguem traduzir, com bastante fideli<strong>da</strong>de, a cultura política de ca<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de.<br />

Com isto, a <strong>Democracia</strong> passa a contar com um elemento de consoli<strong>da</strong>ção<br />

fun<strong>da</strong>mental, pois é difícil imaginar um regime democrático que consiga continuar<br />

funcionando num ambiente de instabili<strong>da</strong>de e ineficiência. Um dos raríssimos casos<br />

conhecidos é o <strong>da</strong> Itália, onde a Socie<strong>da</strong>de já discute, intensamente, formas de<br />

racionalização efetiva de seu sistema parlamentarista.<br />

Nota-se, no Capítulo VII desta Tese, dedicado ao sistema português, que a<br />

Constituição <strong>da</strong>quele país busca um regime de equilíbrio, através <strong>da</strong> rejeição de um<br />

regime de “confusão”, <strong>como</strong> está já registrado pelas palavras de CANOTILHO.<br />

Segundo este mesmo autor, o sistema político português conduziu a uma expressa<br />

“condenação ao entendimento” <strong>como</strong> forma de legitimação democrática do exercício<br />

do poder político.<br />

A relação tri-lateral equilibra<strong>da</strong> do <strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado português<br />

criou as condições fun<strong>da</strong>mentais à <strong>Democracia</strong> calca<strong>da</strong> em princípios de Justiça Social<br />

e na efetivi<strong>da</strong>de do Estado de Direito.<br />

No estudo sobre a República Federal <strong>da</strong> Alemanha, o que se observou foi o<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> racionalizado funcionando <strong>como</strong> condição de uma “<strong>Democracia</strong> de<br />

Segurança”, contraposta ao regime comunista <strong>da</strong> extinta - e anexa<strong>da</strong> - Alemanha<br />

Democrática.<br />

Naquele país a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> não foi somente uma opção <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong>de alemã, mas também uma imposição <strong>da</strong> disputa ideológica que perdurou até<br />

1989, entre o bloco ocidental democrático e a extinta União <strong>da</strong>s Repúblicas Socialistas<br />

339


Soviéticas.<br />

No Capítulo VIII, desta Tese, inteiramente dedicado ao <strong>Parlamentarismo</strong><br />

racionalizado alemão, pode-se observar que a <strong>Democracia</strong> foi sustenta<strong>da</strong> também por<br />

alguns instrumentos de racionalização presentes no Sistema de Governo.<br />

A instabili<strong>da</strong>de, marca registra<strong>da</strong> do Sistema de Governo <strong>da</strong> República de<br />

Weimar, foi supera<strong>da</strong> principalmente pela adoção destes instrumentos de<br />

racionalização previstos na Lei Fun<strong>da</strong>mental de Bonn.<br />

Como principais exemplos é possível destacar a atuação do Presidente Federal<br />

e a existência <strong>da</strong> Moção de Censura Construtiva.<br />

Com uma <strong>Democracia</strong> que leva em conta a federação <strong>como</strong> um dos pilares<br />

básicos do sistema, o Presidente Federal - representante dos Lander - tem um papel<br />

muito relevante quando se trata de auxiliar o Chanceler a manter sua estabili<strong>da</strong>de,<br />

principalmente através do Estado de Necessi<strong>da</strong>de Legislativa.<br />

Com governos democráticos com muita estabili<strong>da</strong>de e eficiência, a República<br />

Federal <strong>da</strong> Alemanha deve muito destas características à Moção de Censura<br />

Construtiva.<br />

O fato de só poder derrubar um Governo se puder, no mesmo ato, indicar<br />

outro, levou o Parlamento alemão a exercitar o que se convencionou chamar de<br />

“maioria positiva”, em contraposição à “maioria negativa” <strong>da</strong> República de Weimar,<br />

que servia para destruir, mas não conseguia “construir” governos.<br />

340<br />

Deve-se considerar, também, que o tipo de racionalização adotado na


Alemanha teve sua gênese nos debates do Parlamento, enquanto que na França foi<br />

influenciado por De Gaulle e em Portugal contou com a tutela dos militares. Este<br />

registro é importante para evitar conclusões incorretas, influencia<strong>da</strong>s pelas condições<br />

em que foram mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s as linhas mestras do sistema, em meio a um ambiente<br />

transtornado pela rendição incondicional <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e pela ocupação<br />

alia<strong>da</strong> de então.<br />

Como aconteceu na França, a <strong>Democracia</strong> <strong>da</strong> Alemanha no pós Segun<strong>da</strong><br />

Guerra Mundial foi construí<strong>da</strong> com base em fatores de estabili<strong>da</strong>de, com uma<br />

racionalização do <strong>Parlamentarismo</strong> destina<strong>da</strong> a não permitir que<strong>da</strong>s freqüentes de<br />

governos ou mu<strong>da</strong>nças bruscas de rumo em suas políticas sociais e econômicas.<br />

Desta forma, notou-se que o <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> pôde<br />

desempenhar sua função de condição <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> em três reali<strong>da</strong>des sociais<br />

distintas, o que denota sua capaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação e de incorporação dos princípios<br />

democráticos.<br />

No Capítulo IX desta Tese, no qual foram arrolados, de forma também<br />

conclusiva, os principais aspectos de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> proporcionados pela<br />

adoção do <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> nos três países pesquisados, pode-se<br />

perceber claramente os muitos vínculos existentes entre estas duas categorias, ali de<br />

forma muito objetiva e cristalina.<br />

É nesta parte que a hipótese básica do trabalho ficou melhor comprova<strong>da</strong>,<br />

pois, ao trazer várias lições de diversos autores, permite a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Tese<br />

coloca<strong>da</strong> para investigação.<br />

341


Esta Tese também teve <strong>como</strong> objetivo, além de comprovar a conexão do<br />

<strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> com a <strong>Democracia</strong>, o de proporcionar elementos<br />

teóricos e práticos para a discussão acadêmica e política sobre os sistemas de Governo<br />

democráticos, principalmente no Brasil.<br />

Um outro objetivo também alcançado, secundário mas não menos importante,<br />

foi o de confeccionar um trabalho sistemático com informações que são raras ou de<br />

difícil acesso para investigadores brasileiros que se dedicam a esta matéria, já que a<br />

fase de pesquisa realiza<strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de do Minho, em Portugal, possibilitou a<br />

coleta de material muito específico naquela e em outras universi<strong>da</strong>des européias<br />

visita<strong>da</strong>s durante aquele período.<br />

Apesar de tudo que foi tratado nesta Tese, é fun<strong>da</strong>mental ressaltar, mais uma<br />

vez, que não há sistema de Governo que seja a panacéia universal para todos os males.<br />

Ca<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de precisa encontrar - com a necessária participação de seus<br />

setores acadêmicos dedicados à pesquisa <strong>da</strong> matéria - o seu próprio Sistema de<br />

Governo adequado à sua reali<strong>da</strong>de social, econômica e cultural.<br />

Com os interesses legítimos <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de levados em conta, é<br />

natural que seja encontra<strong>da</strong> a forma adequa<strong>da</strong>.<br />

O <strong>Parlamentarismo</strong> <strong>Racionalizado</strong> <strong>como</strong> Sistema de Governo democrático<br />

deve ser considerado <strong>como</strong> uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des, mas não <strong>como</strong> a única. A<br />

criativi<strong>da</strong>de e a competência técnica, alia<strong>da</strong>s à sensibili<strong>da</strong>de e à busca incessante por<br />

Justiça - principalmente a Social - podem, e isto está também de certa forma<br />

demonstrado nesta Tese, elaborar um modelo de Governo que ajude a resolver de uma<br />

342


vez por to<strong>da</strong>s o problema crônico do subdesenvolvimento brasileiro e que proporcione<br />

vi<strong>da</strong> digna aos milhares de excluídos deste país. Sem isto, todo o esforço terá sido em<br />

vão.<br />

Vale lembrar, enfim, que sem Justiça Social to<strong>da</strong> <strong>Democracia</strong> será efêmera.<br />

343


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