Conectado no aqui e agora - Revista Pesquisa FAPESP
Conectado no aqui e agora - Revista Pesquisa FAPESP
Conectado no aqui e agora - Revista Pesquisa FAPESP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
esenhas<br />
<strong>Conectado</strong> <strong>no</strong> <strong>aqui</strong> e <strong>agora</strong><br />
neldson Marcolin<br />
Fernando Henrique Cardoso<br />
cumpre o que promete em seu<br />
mais recente livro – espontaneidade<br />
<strong>no</strong> falar e uma visão ampla<br />
de temas contemporâneos. Talvez a<br />
atitude provoque alguma estranheza<br />
em quem se acostumou a lê-lo como<br />
um intelectual preocupado com<br />
o rigor acadêmico das ciências sociais<br />
ou como o político que defende<br />
ideias de partido ou de gover<strong>no</strong>.<br />
Ocorre que a graça de A soma e o<br />
resto – Um olhar sobre a vida aos 80<br />
a<strong>no</strong>s (Civilização Brasileira, 2011) é<br />
exatamente a de oferecer opiniões<br />
pessoais de um personagem importante<br />
da vida pública brasileira livre<br />
dos dois compromissos que o acompanharam<br />
pela vida afora. O primeiro,<br />
de intelectual engajado, cujos textos eram<br />
sempre apoiados em estudos de campo ou por<br />
teorias sociais, políticas, filosóficas ou econômicas.<br />
O segundo, de político com cargos relevantes,<br />
cujas declarações devem ser bem avaliadas antes<br />
de expressas, sob o risco de se voltarem contra o<br />
seu próprio gover<strong>no</strong>.<br />
O livro partiu de depoimentos dados a Miguel<br />
Darcy de Oliveira, do Instituto Fernando Henrique<br />
Cardoso, entre maio e julho de 2011, e surgiu<br />
como uma homenagem aos 80 a<strong>no</strong>s do ex-presidente.<br />
A ideia é apresentar algumas questões<br />
sobre as quais ele se debruçou depois que saiu<br />
da Presidência da República (1995-2002), como<br />
as transformações sociais e econômicas globais<br />
e o esforço para entendê-las. Um dos temas que<br />
mais parecem interessá-lo é a alta conectividade<br />
entre as pessoas. “Vivemos numa sociedade em<br />
que o importante é compartilhar. Hoje, o grande<br />
divertimento dos jovens é contar o que fizeram.<br />
(...) A privacidade, que era o bem maior da sociedade<br />
dita burguesa, bem estabelecida, passa a<br />
ser coisa secundária. O que se quer é o contrário,<br />
que os outros saibam o que estamos fazendo”,<br />
constata. Algumas poucas páginas depois diz,<br />
perplexo, “a sociedade que está emergindo é estranha<br />
e complexa. O que é uma maneira elegante<br />
de dizer que não se sabe exatamente o que ela é,<br />
como funciona e para onde está indo”.<br />
92 | fevereiro De 2012<br />
a soma e o resto – Um olhar<br />
sobre a vida aos 80 a<strong>no</strong>s<br />
Fernando Henrique Cardoso<br />
Civilização Brasileira<br />
196 páginas, R$ 29,90<br />
Essa pluriconectividade, como<br />
ele a chama, cria pessoas egoístas,<br />
isoladas, fechadas em si mesmas<br />
ou esses relacionamentos<br />
múltiplos estariam gerando uma<br />
consciência que cada um tem de<br />
se mover de vez em quando por<br />
certas causas e valores? Ou seriam<br />
ambas as coisas? Mais uma vez,<br />
ele admite, não se sabe a melhor<br />
resposta. A transformação da sociedade<br />
se dá em um mundo multipolar<br />
e pluricultural ainda por<br />
ser entendido.<br />
Há também o fenôme<strong>no</strong> de deslocamento<br />
de poder <strong>no</strong> mundo,<br />
embora os Estados Unidos se mantenham<br />
<strong>no</strong> topo. Para Fernando<br />
Henrique, isso acontece em grande<br />
parte graças a sua e<strong>no</strong>rme capacidade não<br />
apenas de produzir tec<strong>no</strong>logias <strong>no</strong>vas, mas de<br />
difundi-las com facilidade e rapidez pela sociedade,<br />
“talvez a característica mais marcante do<br />
capitalismo america<strong>no</strong> contemporâneo”. A China<br />
entra <strong>no</strong> jogo com força, mas não se contrapõe<br />
como uma expansão do comunismo, e sim como<br />
um capitalismo de Estado com poder político<br />
centralizado. O ex-presidente fala ainda de outros<br />
temas internacionais, como a América Latina, a<br />
modernização do mundo islâmico, e repete seu<br />
já conhecido discurso sobre as drogas – “uma<br />
guerra perdida”.<br />
No início do livro é onde estão algumas questões<br />
mais pessoais, como as influências que recebeu<br />
e os pontos de inflexão de suas carreiras<br />
acadêmica e política. Na parte final do depoimento<br />
surge um Fernando Henrique me<strong>no</strong>s conhecido,<br />
em que comenta o sentido da vida, fala<br />
de literatura, lembra-se de Ruth Cardoso e dos<br />
amigos que já se foram. Também dá uma definição<br />
precisa de si mesmo como sociólogo, que<br />
ajuda a entender seus interesses atuais: “O que<br />
sempre me interessou foi fazer a sociologia do<br />
emergente, captar e buscar entender o <strong>no</strong>vo, o<br />
que está surgindo. (...) Não me preocupo com o<br />
que já está. Me interessa o que vem vindo”. Não<br />
espanta, portanto, seu fascínio pelas <strong>no</strong>vas relações<br />
sociais de um mundo tão conectado.<br />
fotos eDuarDo Cesar e leo ramos
um telhado<br />
para as estrelas<br />
entre 1639 e 1643 funcio<strong>no</strong>u<br />
<strong>no</strong> telhado do casarão em Recife<br />
em que residia o conde<br />
Maurício de Nassau, governador<br />
do Brasil holandês, um observatório<br />
astronômico inspirado <strong>no</strong> da<br />
famosa Universidade de Leiden e<br />
dotado da melhor instrumentação<br />
da época, inclusive de uma luneta.<br />
O alemão George Marcgrave (1610-<br />
1644), um dos naturalistas trazidos<br />
para cá por Nassau, foi o responsável pela abertura<br />
dessa janela para os céus em terras tropicais<br />
e seu único usuário. O livro O observatório <strong>no</strong><br />
telhado, de Oscar T. Matsuura, professor aposentado<br />
do Instituto de Astro<strong>no</strong>mia, Geofísica e<br />
Ciências Atmosféricas da Universidade de São<br />
Paulo e atual pesquisador associado do Museu<br />
de Astro<strong>no</strong>mia e Ciências Afins (Mast), reconta<br />
a história dessa empreitada científica e dos estudos<br />
feitos por Marcgrave nesse campo específico<br />
do conhecimento.<br />
Mais conhecido por seus trabalhos em história<br />
natural e cartografia feitos durante sua estada<br />
<strong>no</strong> Brasil, de 1638 a 1643, Marcgrave é pouco<br />
lembrado por suas observações astronômicas. No<br />
livro, Matsuura enfoca justamente esse lado B do<br />
alemão, <strong>no</strong>rmalmente ofuscado por ele ter sido<br />
coautor, ao lado do médico Guilherme Piso, outro<br />
integrante da comitiva de Nassau, do clássico<br />
Historia naturalis brasiliae, publicado em 1648.<br />
Segundo o pesquisador do Mast, Marcgrave, que<br />
estudou em Leiden (entre outros lugares) antes<br />
de vir para o Novo Mundo, foi um dos pioneiros<br />
<strong>no</strong> uso da luneta para observações astronômicas<br />
sistemáticas. Da sede do poder <strong>no</strong> Brasil holandês,<br />
Marcgrave acompanhou e fez a<strong>no</strong>tações, sempre<br />
sozinho, sem auxiliares, de alguns fenôme<strong>no</strong>s celestes,<br />
sobretudo eclipses lunares e solares.<br />
Astrô<strong>no</strong>mo de formação, Matsuura comenta<br />
tecnicamente cada observação feita por Marcgrave<br />
em solo brasileiro e também discute a polêmica<br />
histórica em tor<strong>no</strong> da localização exata<br />
do observatório <strong>no</strong> telhado. Fez ainda reconstituições<br />
em três dimensões de como teriam sido<br />
os instrumentos e o próprio observatório, que<br />
descreve como o primeiro das Américas e do<br />
Novo Mundo. Marcos Pivetta<br />
O observatório<br />
<strong>no</strong> telhado<br />
Oscar T. Matsuura<br />
Companhia Editora<br />
de Pernambuco<br />
160 páginas<br />
R$ 25,00<br />
embarcações do<br />
recôncavo –<br />
Um estudo de<br />
origens<br />
Pedro Agostinho<br />
Iphan e<br />
Oiti Editora<br />
160 páginas<br />
RS 100,00<br />
(venda: www.<br />
vivasaveiro.org)<br />
DNa dos<br />
barcos baia<strong>no</strong>s<br />
em seu trabalho Embarcações do Recôncavo<br />
– Um estudo de origens, publicado originalmente<br />
em 1973 e <strong>agora</strong> reeditado pela<br />
Oiti Editora, Pedro Agostinho, mestre em antropologia,<br />
se debruça sobre a caravela latina e<br />
a caravela redonda para entender a gênese dos<br />
saveiros baia<strong>no</strong>s.<br />
A navegação, usada <strong>no</strong> comércio e na pesca, foi<br />
durante séculos a principal via de transporte da<br />
região que viu florescer diversos tipos de embarcação<br />
de cabotagem. Construídas basicamente de<br />
madeira, até hoje fazem parte da vida litorânea,<br />
mas há décadas, com o advento de <strong>no</strong>vas técnicas<br />
e materiais para os barcos, indaga-se por quanto<br />
tempo resistirão na paisagem costeira. Segundo<br />
Pedro Agostinho, somente aquelas que se adaptem<br />
às <strong>no</strong>vas condições técnicas e econômicas<br />
poderão sobreviver.<br />
Ajuda o leitor a imergir <strong>no</strong> tema uma edição<br />
cuidadosamente ilustrada com fotografias, mapas<br />
e gravuras comparativas das embarcações. O livro<br />
conta inclusive com imagens preciosas de Pierre<br />
Verger. São escolhas criteriosas que contribuem<br />
para o entendimento do assunto. As descrições técnicas<br />
funcionam como escopo<br />
para o autor procurar as origens<br />
desses barcos, que estão<br />
ligadas ao patrimônio cultural<br />
das etnias que numa época ou<br />
<strong>no</strong>utra povoaram o litoral. As<br />
embarcações baianas estudadas<br />
originam-se da caravela<br />
redonda, surgida em começos<br />
do século XVI; seu DNA<br />
recebe influências portuguesa,<br />
holandesa e indígena.<br />
Massame, moitão, amura, verga e ostaga. Quem<br />
não é um velho lobo do mar, afeito a jargões marítimos,<br />
em princípio, quando esbarrar nessas<br />
palavras, pode ir a pique. O livro de Pedro Agostinho,<br />
longe de ser um tratado técnico sobre barcos,<br />
conduz o leitor nas profundezas do universo<br />
do transporte marítimo e suas origens; é fruto de<br />
um trabalho de campo completo, sistemático e<br />
original. Edição esmerada, para obter êxito completo,<br />
deveria possuir um glossário que elucidasse,<br />
por exemplo, que massame são cabos que se<br />
empregam nas embarcações a vela. Leo ramos<br />
PesQUIsa FaPesP 192 | 93