Izabela Maria Furtado Kestler (UFRJ) História e filosofia - APA-Rio
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ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
HISTÓRIA E FILOSOFIA DA HISTÓRIA NA OBRA DO JOVEM<br />
FRIEDRICH SCHLEGEL<br />
<strong>Izabela</strong> <strong>Maria</strong> <strong>Furtado</strong> <strong>Kestler</strong> (<strong>UFRJ</strong>)<br />
“As qualidades persistentes do homem são objeto da<br />
ciência pura, as transformações do homem ao contrário, tanto do<br />
homem singular quando da grande massa, são o objeto de uma história<br />
científica da humanidade”. 1<br />
Este trabalho pretende apresentar as principais idéias e fundamentos<br />
da concepção de história e <strong>filosofia</strong> da história em algumas obras do<br />
jovem Friedrich Schlegel: Vom Wert des Studiums der Griechen und<br />
Römer (Sobre o valor do estudo dos gregos e romanos) de 1795/1796;<br />
Über Condorcet: Esquisse d’un Tableau historique des Progrès de<br />
l’Esprit humain (Sobre Condorcet: Esboço de um painel histórico do<br />
progresso do espírito humano) de 1795; e Über das Studium der<br />
griechischen Poesie (Sobre o estudo da poesia grega) de 1795/1797,<br />
mais conhecido como Studium-Aufsatz. Para uma melhor compreensão<br />
do universo filosófico em que estas idéias se movem e se articulam,<br />
exponho a seguir um pequeno panorama do contexto filosófico.<br />
Curto panorama do contexto filosófico<br />
A emergência da consciência histórica e do pensamento sobre a<br />
história, entendida como progresso da humanidade como um todo são<br />
características da reflexão que se delineia no século XVIII a partir do<br />
Iluminismo. Esta conscientização histórica se manifesta no<br />
entendimento de uma historicização do mundo experiencial, de se estar<br />
vivendo numa época de transição e sendo assim tem-se a perspectiva de<br />
um futuro em aberto. 2 Os marcos históricos para a emergência desta<br />
consciência histórica podem ser situados na conscientização das<br />
mudanças econômicas dos primórdios do capitalismo e sobretudo com<br />
o acontecimento ímpar da Revolução Francesa. Já os marcos<br />
filosóficos para a citada emergência encontram-se no caso da <strong>filosofia</strong><br />
1<br />
Schlegel, Friedrich: Über Condorcet: Esquisse d’un tableau historique , In: Schlegel, Friedrich.<br />
Kritische Schriften und Fragmente. Org. por Ernst Behler & Hans Eichner. Vol. I. Paderborn,<br />
Munique, Viena, Zurique: Schöningh, 1988. p. 46.<br />
2<br />
Koselleck, Reinhart: “Das achtzehnte Jahrhundert als Beginn der Neuzeit”, In: Epochenschwelle<br />
und Epochenbewusstsein. Org. por Reinhart Herzog & Reinhart Koselleck. Munique: Wilhem Fink<br />
Verlag, 1987. p. 280.<br />
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da história do idealismo alemão na reflexão sobre a diferença entre<br />
verdades racionais, eternas e necessárias e entendidas como objeto da<br />
<strong>filosofia</strong> e as verdades das experiências, entendidas como acidentais,<br />
contingentes e históricas e portanto objeto da história. O problema<br />
metodológico consiste portanto na seguinte questão: A história<br />
entendida essencialmente como domínio da contigência pode ser objeto<br />
ou não de um conhecimento baseado na razão, ou seja, da <strong>filosofia</strong>? 3 À<br />
diferenciação exposta acima associa-se uma outra de grande<br />
importância para o pensamento filosófico, aquela entre natureza e<br />
liberdade. Natureza vista como reino da necessidade e também como<br />
campo de conhecimento da razão matemática em contraposição à<br />
história entendida como reino da liberdade e pertencente ao campo<br />
de conhecimento da experiência imponderável e contingente. Para que<br />
surja um conhecimento racional da história e portanto uma <strong>filosofia</strong> da<br />
história, é necessário então que ocorra uma superação desta<br />
contradição. Conseqüentemente é necessário se pensar a razão e a<br />
natureza de uma forma diferente. É Espinosa, sobretudo em sua Ética,<br />
publicada em 1677, quem realiza primeiro esta tarefa ao redefinir o<br />
que é natureza ao considerar que esta se mostra enquanto “sub specie<br />
temporis” como uma série de causalidades externas “sub specie<br />
aeternitatis”, ou seja, como produtividade interna da vida sempre<br />
idêntica a si mesma. Além disso, Espinosa redefine a liberdade humana<br />
entendida não mais como livre arbítrio, mas como consciência da<br />
necessidade. O passo seguinte será dado por Kant, que realiza a<br />
superação da contradição entre verdades racionais e verdades dos<br />
fatos. Não há, segundo Kant, nenhum conhecimento da experiência<br />
isolado do entendimento e da razão nem um conhecimento da razão<br />
isolado da experiência, mas sim um conhecimento através da<br />
experiência, a qual por seu turno ordena a “matéria” sensível através<br />
das “formas” do entendimento e só então com isso empresta “realidade<br />
objetiva” às idéias.<br />
“Na Crítica da razão prática, Kant demonstra que a lei moral provém<br />
da idéia de liberdade e que, portanto, a razão pura é por si mesma<br />
prática, no sentido de que a idéia racional de liberdade determina por<br />
si mesma a vida moral e com isso demonstra sua própria realidade. Em<br />
suma, o incondicionado e absoluto (inatingível pela razão no terreno do<br />
conhecimento) seria alcançado verdadeiramente na esfera da<br />
moralidade; a librdade seria a coisa-em-si, o noumenon, almejado pela<br />
3<br />
Vide: Schaeffler, Richard: Einführung in die Geschichtsphilosophie. 4.Ed. Darmstadt:<br />
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1991.<br />
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razão. Nesse sentido, a razão prática tem primazia sobre a razão<br />
pura.” 4<br />
É importante assinalar aqui então que qualquer conhecimento racional<br />
da história e uma <strong>filosofia</strong> da história não é possível sem que se<br />
pressuponha uma história da razão. A crítica da razão empreendida<br />
por Kant é uma espécie de fio condutor para a reconstrução de uma<br />
história da razão. Giambattista Vico, algumas décadas antes, em sua<br />
obra Princípios de uma Ciência Nova, já havia proposto uma<br />
morfologia da história como história da evolução da razão. A<br />
originalidade de Vico consiste em sua concepção de uma história<br />
cíclica (início, apogeu, decadência) em correlação com a filologia. O<br />
caminho do espírito individual do pensamento sensível ao abstrato se<br />
repete como caminho de qualquer povo, cuja evolução histórica se<br />
iniciaria com uma razão poética-contemplativa, passando por uma fase<br />
de domínio despótico da razão de Estado e culminaria numa última<br />
fase de razão abstrato-teórica da ciência. O sujeito da história em Vico<br />
são os povos, apreensíveis como comunidades lingüísticas, ou seja, é no<br />
estudo da história de cada língua que se pode determinar em que<br />
estágio se encontra a comunidade falante desta língua. A história de<br />
cada idioma é portanto um testemunho importante da história da<br />
razão, pois os idiomas em sua evolução perfazem as mesmas fases de<br />
desenvolvimento da razão individual. Pode-se então falar de infância,<br />
juventude, maturidade e velhice das nações entendidas aqui como<br />
comunidades lingüisticas.<br />
Pode-se concluir também da doutrina do direito natural de Rousseau<br />
em suas obras Do Contrato Social de 1762 e Discurso sobre a origem e<br />
os fundamentos da desigualdade entre os homens de 1755, que a<br />
natureza da razão consiste na intermediação do singular com o geral e<br />
que esta natureza tem uma história, que tem por objetivo a criação de<br />
um Estado de cidadãos livres. A contradição imanente do direito<br />
positivo se revela como contradição entre de um lado a racionalidade<br />
natural e a liberdade e de outro a servidão histórico-social dos homens.<br />
Não se espera no entanto que a superação desta contradição ocorra<br />
através de um processo que faça a história retroagir, restabelecendo o<br />
estado de natureza da liberdade racional, mas sim através do<br />
desenvolvimento da razão natural em direção a uma razão política sob<br />
a forma da vontade geral. Rousseau pressupunha também uma<br />
identidade e historicidade da razão, ao propor os estágios da história<br />
da razão: estado natural, implantação da propriedade particular,<br />
desigualdade social e política, estado da vontade geral.<br />
4<br />
Kant, Immanuel: Introdução. Vida e obra. [Coleção Os Pensadores]. São Paulo: Abril Cultural,<br />
1980. p. XVIII.<br />
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Com este panorama sobre as idéias filosóficas sobre a razão, a<br />
liberdade, a natureza, a moralidade e a história completa-se o painel<br />
que irá nortear a reflexão dos filosófos do idealismo alemão sobre a<br />
<strong>filosofia</strong> da história. 5<br />
As <strong>filosofia</strong>s da história dos filosófos do idealismo alemão podem ser<br />
consideradas como diferentes tentativas de se realizar a síntese da<br />
contradição entre <strong>filosofia</strong> (razão) e história (contingência). Tal sintese<br />
vai se apresentar de diferentes maneiras se considerarmos como<br />
primeira tentativa de síntese dos contrários a <strong>filosofia</strong> de Leibniz com<br />
sua idéia de história como uma realização progressiva dos atos divinos<br />
, ou seja, como teodicéia, e a última, a de Hegel, que compreendia a<br />
história como a trajetória do espírito na direção de seu<br />
autoconhecimento. Segundo a <strong>filosofia</strong> da história hegeliana, a história<br />
é vista como um processo necessário, posto que se tratava da trajetória<br />
dialética do espírito em busca de sua auto-realização, ou seja, da<br />
autoconsciência. A história seria então compreendida como a<br />
explicação da natureza do espírito, o qual através desta alienação<br />
(Entäuβerung) se concretiza enquanto consciência e autoconsciência. A<br />
tarefa da <strong>filosofia</strong> nada mais é que traçar o perfil, a silhueta desta<br />
história do mundo, entendida como história do espírito. Para ele<br />
também é só a <strong>filosofia</strong> que apreende o todo e que pode declarar qual é<br />
o rumo, o objetivo da história enquanto totalidade de todas as histórias<br />
anteriores.<br />
Para um melhor entendimento da concepção de <strong>filosofia</strong> da história em<br />
Friedrich Schlegel, é importante mencionar aqui resumidamente as<br />
concepções de seus principais “interlocutores”: Kant e Herder. As<br />
obras de Kant que versam sobre a <strong>filosofia</strong> da história são as seguintes:<br />
Vom ewigen Frieden (À Paz perpétua), Ideen zu einer allgemeinen<br />
Geschichte in weltbürgerlicher Absicht (Idéia de uma história universal<br />
de um ponto de vista cosmopolita) 6 e Mutmaβlicher Anfang der<br />
Menschengeschichte (Suposto início da história da humanidade). Na<br />
primeira obra, Kant traça o panorama de como deve ser a paz mundial<br />
eterna com a constituição de Estados republicanos livres numa<br />
federação. Kant pleiteia aqui um direito civil universal baseado nos<br />
princípios do direito dos povos e dos direitos humanos. A paz perpétua<br />
é segundo ele uma tarefa, não uma idéia vazia sem fundamento, que<br />
pode ser realizada aos poucos e cujo objetivo final estaria bem<br />
próximo: “Se há um dever, se há ao mesmo tempo uma esperança<br />
fundada de tornar efetivo o estado de um direito público, embora<br />
5<br />
Vide: Piepmeier, Rainer: Geschichte und Geschichten. Systematisch-historische Hinweise zu einem<br />
Diskurs: Geschichte. Stuttgart: UTB, 1992. [Philosophische Arbeitsbücher Vol. 4]<br />
6<br />
Kant, Immanuel: Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Tradução de<br />
Rodrigo Naves e Ricardo Terra. São Paulo: Brasiliense, 1986.<br />
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somente em uma aproximação que progride ao infinito, então a paz<br />
perpétua, que sucede os até aqui falsamente denominados tratados de<br />
paz (propriamente armistícios) não é uma idéia vazia, mas uma tarefa<br />
que, solucionada pouco a pouco, aproxima-se continuamente de seu<br />
fim (porque os tempos em que iguais progressos acontecem tornar-seão<br />
oxalá cada vez mais curtos).” 7 A segunda obra é uma tentativa<br />
filosófica de elaborar uma história universal segundo o plano da<br />
natureza, o qual visaria a completa conciliação civil da espécie<br />
humana. Pode-se segundo Kant entender a história da espécie humana<br />
como um todo como a concretização de um plano oculto da natureza,<br />
no sentido de estabelecer também uma constituição estatal perfeita, a<br />
qual seria a única situação na qual todas as habilidades e talentos da<br />
humanidade poderiam se desenvolver. Na última obra, Mutmaβlicher<br />
Anfang der Menschengeschichte, ocorre uma espécie de secularização<br />
da história bíblica com o início da história da humanidade em Adão e<br />
Eva no Paraíso. A expulsão do paraíso é na visão de Kant a transição<br />
de um estado de bestialidade animal para um estado, no qual a<br />
humanidade, livre do domínio do instinto e da natureza deve viver sob<br />
a direção da razão.<br />
Herder tem uma posição singular neste contexto de <strong>filosofia</strong> da<br />
história, pois suas obras sobre a história da humanidade podem ser<br />
abordadas mais sobre a ótica de uma visão antropológica e menos sob<br />
o padrão do questionamento filosófico do iluminismo e da <strong>filosofia</strong><br />
idealista alemã. Autor de uma vasta obra sobre os mais variados temas<br />
- teologia, filologia, historiografia literária, poesia, história e <strong>filosofia</strong> –<br />
não é possível classificá-lo dentro de padrões de especialização<br />
tradicionais.<br />
“A composição argumentativa de um edifício textual hierarquicamente<br />
estruturado cede o lugar a partes correlacionadas e com os mesmos<br />
direitos, e qualquer tentativa de classificação dos segmentos parciais<br />
no sentido de um conceito científico estandardizado corre o risco de<br />
não apreender a idéia básica de conexão das partes, essencial à<br />
intenção autoral de Herder.” 8<br />
E mais ainda: “Herder não tem compromisso com o ideal de uma<br />
sistemática sem fissuras nem com o princípio de identidade da lógica<br />
discursiva (...) Herder concebe natureza e espírito, eu e mundo como<br />
manifestação do Todo-Um (...) Que este ‘Um’ só se manifestaria na<br />
multiplicidade de aparições finitas e que no individual vem à luz a<br />
legalidade geral da natureza circundante, Herder retirou esta idéia da<br />
7<br />
Kant, Immanuel: À Paz Perpétua. Trad. Marco Antonio de A. Zingano. Porto Alegre: L&PM<br />
Editores, 1989. p. 79-80.<br />
8<br />
Bollacher, Martin: “Johann Gottfried Herder”, In: Deutsche Dichter. Leben und Werk<br />
deutschsprachiger Autoren. Org. por Gunter E. Grimm & Frank Rainer Max. Vol. 4: Sturm und<br />
Drang, Klassik. Stuttgart: Philipp Reclam, 1989. p. 30.<br />
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Ética de Espinosa. Além disso, a equiparação espinosana de ‘Deus’<br />
com a ‘natureza’, a qual se associou em seu pensamento a doutrina de<br />
Leibniz da gradação contínua e das mônadas como pontos de força<br />
energéticos, indicou a Herder como solução secular o caminho da<br />
multiplicidade da natureza, história, cultura.” 9<br />
No tocante à história da humanidade, Herder escreve em 1774 a obra<br />
Auch eine Philosophie der Geschichte zur Bildung der Menschheit<br />
(Também uma Filosofia da <strong>História</strong> para a formação da humanidade),<br />
que polemizava não só contra o ceticismo de Voltaire em sua obra de<br />
1765, Philosophie de l’Histoire (Filosofia da história) e em seu Essais<br />
sur l’histoire générale et sur les moeurs et l’esprit des nations depuis<br />
Charlemagne jusqu’a nos jours (Ensaio sobre a história geral e sobre os<br />
costumes e o espírito das nações depois de Carlos Magno até os nossos<br />
dias) de 1769, assim como contra o ideário do Iluminismo, segundo o<br />
qual o sentido da história consistiria na progressão para uma maior<br />
virtude e felicidade de cada indivíduo. Contra Voltaire, Herder<br />
argumenta que não existiria uma natureza humana constante,<br />
imutável em todas as épocas. Nesta primeira obra, Herder busca<br />
conexão, continuidade na história, não negligenciando no entanto sua<br />
discontinuidade: “Folhas do destino voam.(...) Nenhum plano!<br />
Nenhuma progressão! Revolução eterna”. 10<br />
“A negação parcial do tradicional através de cada presente é para<br />
Herder o pressuposto imprescindível para qualquer progressão na<br />
história. O ‘não’ à tradição fundamenta a individualidade de cada um<br />
e o caráter inconfundível de um povo. Na medida em que um povo<br />
cultiva suas particularidades, destruindo o que é tradicional, mas<br />
também assimilando sua essência, faz surgir uma outra forma de<br />
história.” 11<br />
Interessava-o sobretudo assinalar as características da lei natural da<br />
espécie humana, segundo a qual o homem é um ser pensante, ativo,<br />
cujas forças agem no sentido de sua progressão e que pode se realizar<br />
como criatura da linguagem, o que o distingue dos animais e dos outros<br />
seres vivos. Herder realiza em seu opus magnum sobre a história da<br />
humanidade Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschheit<br />
(Idéias sobre a <strong>filosofia</strong> da história da humanidade) de 1784/1791 um<br />
vôo teórico, seguindo o plano de uma historiografia pragmática, no<br />
qual a multiplicidade dos acontecimentos históricos a partir das<br />
origens míticas, passando pelos reinos antigos da Ásia até chegar à<br />
época contemporânea é analisada segundo suas especificidades<br />
9<br />
Id.Ibid. p. 30.<br />
10<br />
Herder, Johann Gottfried: Auch eine Philosophie der Geschichte zur Bildung der Menschheit.<br />
Org. por Hans Dietrich Irmscher. Stuttgart: Philipp Reclam, 1990. p. 37.<br />
11<br />
Posfácio, In: op.cit. p. 148.<br />
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individuais assim como segundo sua contribuição à progressão do<br />
gênero humano. “Assim o ‘selvagem’, o ‘primitivo’ merece tanto<br />
respeito quanto o ‘civilizado’, e Herder separa radicalmente a história<br />
dos poderosos e dos opressores da história da humanidade que se<br />
desdobra.” 12<br />
Esta obra vasta de cunho enciclopédico, que é também um tratado<br />
sobre geografia com seus comentários sobre clima, zonas de ocupação<br />
humanas e sem dúvida também um compêndio de história natural, não<br />
propõe nem um relativismo histórico nem uma idéia normativa do<br />
processo de progressão da história. Seguindo a correlação panteísta de<br />
natureza e história, de mundo humano e mundo da natureza, Herder<br />
apresenta o homem como um segundo criador, cujo andar ereto lhe<br />
coloca na posição de domínio sobre a criação e lhe possibilita a<br />
liberdade e a racionalidade. As leis de formação (Bildungsgesetze)<br />
unindo as naturezas orgânica, universal e anorgânica em ascensão<br />
assinalam também a determinação filosófica do homem: sua<br />
humanidade: “Humanidade é o objetivo da natureza humana e Deus<br />
concedeu ao nosso gênero com esta determinação seu próprio destino<br />
em nossas mãos.”<br />
13 Mesmo reconhecendo as características<br />
individuais do mundo histórico, Herder não corrobora nenhum tipo de<br />
relativismo histórico. “A relação dialética de exemplariedade e de<br />
irrepetibilidade atuante na história e válida na época contemporânea<br />
permanece comprometida na concepção de Herder a um sentido<br />
dominante, que é evocado como a ‘trajetória de Deus sobre as nações’,<br />
como iluminismo, razão universal e humanidade”. 14<br />
Segundo Márcio Suzuki, há pontos de convergência entre as <strong>filosofia</strong>s<br />
da história de Kant e de Herder: “Tal como em Herder, a história da<br />
humanidade tem, em Kant, algo de genial: pode-se supor atuando nela<br />
um ‘plano oculto’ da natureza que, em detrimento dos fins conscientes<br />
dos indivíduos e do necessário conflito entre suas vontades, levará ao<br />
aperfeiçoamento de todas as disposições naturais da espécie humana.<br />
Existe, portanto, um pressuposto comum nas duas <strong>filosofia</strong>s da<br />
história: o reconhecimento de que, por um plano secreto<br />
independentemente da participação individual, a natureza tende a uma<br />
Bildung das aptidões humanas. Mas em Herder o raciocínio implica<br />
circularidade entre o desígnio e a revelação divina (a Previdência<br />
preside a formação do gênio, que por sua vez é testemunha dela), como<br />
ocorre nas provas físico-teleológicas: evoca-se ‘o conceito de Deus para<br />
se tornar explicável a finalidade da natureza e, depois, precisa-se de<br />
nova dessa finalidade para provar que há um Deus’. Em Kant, ao<br />
12 Bollacher, Martin: op.cit. p. 46.<br />
13 Citado segundo: Id.Ibid. p. 45.<br />
14 Id.Ibid. p. 45.<br />
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contrário, a natureza também tem que favorecer os gênios (Günstlinge<br />
der Natur), mas estes são incapazes de revelar o seu próprio ou<br />
qualquer outro mistério: a historicidade do gênio e a genialidade da<br />
história não são simetricamente complementares em virtude de uma<br />
mesma intervenção divina. Mas é claro que se pode traçar um paralelo<br />
entre elas: desde que sejam pensadas a partir de Idéias reguladoras, é<br />
como se uma genialidade desconhecida comandasse tanto o<br />
aperfeiçoamento histórico quanto o aperfeiçoamento individual, em<br />
ambos os casos visando um estado ideal de completo desenvolvimento e<br />
vivacidade das faculdades humanas. Tanto um aperfeiçoamento<br />
quanto outro exprimem, de modo diverso, uma mesma finalidade dos<br />
homens, pela qual são como que magnetizados: a natureza os impele a<br />
agir, mesmo inconscientemente, no sentido da formação de todas as<br />
habilidades humanas.” 15<br />
Como resposta aos acontecimentos da Revolução Francesa, Herder<br />
escreve sua última obra de cunho histórico-antropológico, intitulada<br />
Briefe zur Beförderung der Humanität (Cartas para a promoção da<br />
humanidade) de 1793/1797. O credo humanitário e a confiança na<br />
perfectibilidade humana apesar de todos os erros e retrocessos e da<br />
falibilidade humana é patente nesta obra. “Humanidade é o tesouro e o<br />
produto de todos os esforços humanos, ao mesmo tempo que é a arte de<br />
nossa espécie. A formação, o cultivo de humanidade é uma obra que<br />
deve ser continuada ininterruptamente, ou então nós afundamos,<br />
estratos superiores e inferiores, à animalidade tosca, à brutalidade.” 16<br />
A importância da obra de Herder como um todo é indubitável. Ele é<br />
considerado o pai do movimento literário Sturm und Drang, assim<br />
como o precursor da literatura nacional alemã e fundador do<br />
historismo. Muitas das idéias de Herder tiveram continuação<br />
posteriormente – nos campos da história e da lingüística, na estética,<br />
poética e historiografia literária, na psicologia e na antropologia, na<br />
teologia e na <strong>filosofia</strong>.<br />
Perfectibilidade inatingível e aproximação infinita<br />
“A aspiração do ser humano está em constante fluxo e, se me é<br />
permitido comparar a trajetória da vida com a peregrinação de<br />
Ulisses, então só uns poucos homens chegam a Ítaca. A maioria esquece<br />
bem cedo até mesmo o desejo de alcançá-la. E se um tem ainda forças<br />
para se salvar da ilha de Calipso, então é somente talvez para se tornar<br />
15<br />
Suzuki, Márcio: O gênio romântico. Crítica e história da <strong>filosofia</strong> em Friedrich Schlegel. São<br />
Paulo: Iluminuras 1998. p. 66-67. Suzuki cita aqui nesta passagem sobre o conceito de Deus a<br />
seguinte obra: Hume, David.: Diálogos sobre a religião natural. Parte II. Tradução de José Oscar de<br />
A. Marques. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 34-35.<br />
16<br />
Citado segundo: Id.Ibid. p. 46.<br />
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uma presa das sereias. Quanto mais ainda acontece então, quando o<br />
objetivo não é algo determinado e particular, mas sim um todo<br />
indeterminado? Os progressos aqui são tão lentos, que épocas e povos<br />
só avançam uns poucos degraus para a frente. Lançado ao meio do<br />
turbilhão, como o navegante sem compasso no mar tempestuoso, o<br />
homem mal é capaz freqüentemente de atravessar a escuridão, que<br />
envolve a meta distante e ao mesmo tempo os empecilhos, e descobrir a<br />
direção do caminho eterno-verdadeiro. (...) A aspiração do<br />
entendimento não deveria ter nenhum outro objetivo que não seja o<br />
conhecimento, nenhuma outra lei que não seja a verdade, nenhuma<br />
outra consideração que não seja a humanidade”. 17<br />
“Formação (Bildung) ou desenvolvimento da liberdade é a<br />
conseqüencia necessária de todo o fazer e sofrimento humanos, o<br />
resultado final de qualquer relação de ação recíproca<br />
(Wechselwirkung) da liberdade e da natureza.” 18<br />
A idéia da perfectibilidade inantigível através da aproximação infinita<br />
(endlose Annäherung), núcleo central da concepção de história e<br />
<strong>filosofia</strong> da história em Friedrich Schlegel, não é nenhuma criação<br />
original do autor. Trata-se aqui de uma questão comum ao<br />
pensamento europeu do século XVIII, como exposto acima. Não há<br />
praticamente nenhuma dúvida quanto à questão da perfectibilidade<br />
humana no Iluminismo. Para Leibniz por exemplo a perfectibilidade<br />
era o atributo fundamental de qualquer existência. Condorcet<br />
apresenta em sua Esquisse d’un Tableau historique des progrès de<br />
l’esprit humain de 1794 como idéia central a tese da capacidade de<br />
aperfeiçoamento ilimitado do homem. Madame de Stael em sua obra<br />
de 1802 De la littérature também reafirma a visão da perfectibilidade<br />
como determinante na evolução da literatura européia. Mas, enquanto<br />
que em pensadores como Condorcet, Benjamin Constant de Rebecque<br />
e Madame de Stael a idéia da perfectibilidade adquire tons mais<br />
otimistas, nos casos de Kant, Herder, Schiller e Fichte de um modo<br />
geral verificam-se nuances mais diferenciadas. Kant postula em sua<br />
Crítica da razão prática de 1788 o progresso infinito como princípio<br />
fundamental do aperfeiçoamento moral. Mas são as idéias de Fichte,<br />
expostas em suas Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten<br />
(Lições sobre a vocação do sábio) de 1794, sobre a perfectibilidade<br />
como fim inantingível e infinito que inspiram a concepção de história e<br />
<strong>filosofia</strong> de história na obra do jovem Schlegel: “Submeter a si tudo o<br />
que é desprovido de razão, dominá-lo livremente e segundo a sua<br />
17<br />
Schlegel, Friedrich: Vom Wert des Studiums der Griechen und Römer, In: Schlegel, Friedrich:<br />
Kritische Schriften und Fragmente 1794-1797. Org. por Ernst Behler & Hans Eichner… p. 29.<br />
18<br />
Schlegel, Friedrich: Über das Studium der griechischen Poesie, In: Schlegel, Friedrich: Kritische<br />
Schriften und Fragmente… p. 74.<br />
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própria lei, é o derradeiro fim último do homem; fim último que é<br />
totalmente inacessível e deve permanecer eternamente inacessível, se o<br />
homem não houver de deixar de ser homem e tornar-se Deus. O<br />
conceito de homem implica que o seu postremo fito é inatingível, que o<br />
seu caminho para o mesmo deve ser infinito. Por conseguinte, o<br />
destino do homem não é atingir semelhante meta. Mas ele pode e deve<br />
aproximar-se sempre mais deste fito e, por isso acercar-se<br />
indefinidamente desta meta constitui a sua verdadeira vocação como<br />
homem, isto é, como ser racional mas finito, sensível mas livre. Se<br />
agora à plena consonância consigo mesmo se der o nome de perfeição,<br />
no sentido mais elevado da palavra como certamente se pode<br />
denominar, então a perfeição é a meta suprema e inacessível do<br />
homem; mas o aperfeiçoamento até ao infinito é a sua vocação. Ele está<br />
aí para se tornar sempre moralmente melhor, e tornar tudo melhor, à<br />
sua volta, do ponto de vista sensível, e se ele se olhar na sociedade,<br />
também moralmente melhor, tornando-se deste modo a si mesmo cada<br />
vez mais feliz.” 19<br />
Além disso, a variante alemã da idéia de perfectibilidade é<br />
determinada pelo antagonismo acentuado, tanto na visão de Kant<br />
quanto de Schiller 20 , entre liberdade e natureza, segundo a qual no<br />
início da história da formação humana teria ocorrido a supremacia da<br />
natureza sobre a liberdade e o percurso do aperfeiçoamento se<br />
manifesta portanto como uma ascensão e superação infinita dos<br />
grilhões da natureza e da menoridade. A concepção de história e de<br />
<strong>filosofia</strong> da história no jovem Friedrich Schlegel também está<br />
relacionada indissoluvelmente à consciência de estar vivendo e<br />
presenciando uma transição profunda na evolução da humanidade,<br />
praticamente uma revolução. Não se trata aqui de uma revolução<br />
política, como a que se verifica na França revolucionária, mas sim de<br />
uma revolução no terreno do espírito e por extensão no campo<br />
filosófico-estético-literário. O autor se vê no limiar de uma revolução<br />
estética. As idéias de Schlegel portanto no que concerne à história e à<br />
<strong>filosofia</strong> da história se encontram no campo poetológico e mais<br />
amplamente, no que contemporaneamente se denomina âmbito<br />
cultural.<br />
Além disso, pode-se observar nos textos que serão abordados a seguir<br />
mais uma diferenciação do pensamento de matriz alemã sobre a<br />
perfectibilidade, manifesta também nas idéias de Schiller e de Goethe e<br />
de outros pensadores da primeira fase do romantismo: a recorrência<br />
19<br />
Fichte, J.G.: Lições sobre a vocação do sábio/ Reivindicação da liberdade de pensamento. Trad. e<br />
apres. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1999. p. 27-28. Vide também: Seidel, Helmut: Johann<br />
Gottlieb Fichte. Zur Einführung. Hamburg: Junius Verlag, 1997.<br />
20<br />
Vide: Schiller, Friedrich: A educação estética do homem numa série de cartas. Trad. Roberto<br />
Schwarz e Márcio Suzuki. 3.Ed. São Paulo: Iluminuras, 1995.<br />
78
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
ao paradigma da perfeição greco-romana. As obras de Johann<br />
Joachim Winckelmann, Gedanken über die Nachahmung der<br />
griechischen Werke in der Malerei und in der Bildhauerkunst<br />
(Pensamentos sobre a imitação das obras gregas na pintura e na<br />
escultura) de 1755 e Geschichte der Kunst des Altertums (<strong>História</strong> da<br />
arte da antigüidade) de 1764, contribuem para configurar uma<br />
imagem idealizada da Grécia antiga, uma espécie de utopia no passado<br />
a qual se quer retornar no futuro. A Antigüidade funciona também<br />
como um contraste utópico à estreiteza, uniformidade e fragmentação<br />
do mundo presente. Era também um lugar comum a idéia de que os<br />
gregos eram mais vinculados à natureza, mais ingênuos no sentido<br />
positivo que lhes dá Schiller em seu tratado Über naive und<br />
sentimentalische Dichtung (Poesia ingênua e sentimental) de 1795: “São<br />
o que nós fomos, são o que devemos vir a ser de novo. Fomos natureza<br />
como eles e nossa cultura deve nos reconduzir à natureza pelo caminho<br />
da razão e da liberdade.” 21 A convergência de idéias estético-filosóficas<br />
entre os autores do assim chamado classicismo alemão, Goethe e<br />
Schiller, e os autores da primeiro Romantismo fundamenta-se de um<br />
lado no paradigma da Antigüidade clássica e na premissa da<br />
autonomia da arte, tal como formulada por Kant em sua Kritik der<br />
Urteilskraft (Crítica da faculdade do juízo) e na obra Über die bildende<br />
Nachahmung des Schönen (Sobre a imitação constitutiva do belo) de<br />
Karl Philipp Moritz de 1788. Tal convergência configuraria segundo<br />
vários autores o Kunstperiode (período da arte) que caracteriza a<br />
produção estético-literária dos dois grupos. 22 Ambos os grupos partem<br />
do princípio de que um renascimento estético-literário na época<br />
moderna só poderia acontecer a partir do espírito da antigüidade. 23<br />
Com o intuito de responder à questão levantada por Herder em seus<br />
Fragmente über die neuere deutsche Literatur (Fragmentos sobre a mais<br />
recente literatura alemã) de 1767, Schlegel pretende em sua juventude<br />
realizar no campo da poesia grega o que Winckelmann realizou no<br />
tocante à arte grega. Herder se perguntara: “Mas onde está então um<br />
Winckelmann alemão, que nos descortine tão bem o templo da<br />
sabedoria e da arte poética gregas quanto mostrou aos artistas de<br />
longe o segredo dos gregos? Um Winckelmann com a intenção de<br />
21<br />
Schiller, Friedrich: Poesia ingênua e sentimental. Trad., apres., notas Márcio Suzuki. São Paulo:<br />
Iluminuras 1991. p. 44.<br />
22<br />
Vide: <strong>Kestler</strong>, <strong>Izabela</strong> <strong>Maria</strong> <strong>Furtado</strong>: O período da arte (Kunstperiode): convergências entre<br />
classicismo e a primeira fase do romantismo alemão, In: Forum Deutsch. Revista brasileira de<br />
estudos germânicos. Vol. IV, 2000, Nr. 1.; e <strong>Kestler</strong>, <strong>Izabela</strong> <strong>Maria</strong> <strong>Furtado</strong>: A autonomia estética e<br />
o paradigma da Antigüidade clássica no classicismo e na primeira fase do romantismo alemão, In:<br />
Forum Deutsch. Revista brasileira de estudos germânicos. Vol. VI,2002.<br />
23<br />
Behler, Ernst: “ Die Wirkung Goethes und Schillers auf die Brüder Schlegel“, In: Behler, Ernst:<br />
Studien zur Romantik und zur idealistischen Philosophie. Vol. 1. Paderborn, Munique, Viena,<br />
Zurique: Schöningh, 1988. p. 266.<br />
79
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
abordar a arte só poderia florescer em Roma; mas um Winckelmann<br />
com o objetivo de nos ensinar a poesia grega só pode surgir na<br />
Alemanha”. 24 O objetivo de escrever a história da poesia clássica<br />
Schlegel alcançou não só nos textos que serão discutidos aqui, mas<br />
também em sua Geschichte der Poesie der Griechen und Römer<br />
(<strong>História</strong> da poesia dos gregos e romanos) de 1798. Com isto tudo o<br />
autor pretendia não só traçar um panorama o mais completo possível<br />
do passado, mas também estabelecer os parâmetros a serem seguidos<br />
na poesia contemporânea e futura. Schlegel vai mais além: ele não<br />
transpõe simplesmente os ensinamentos de seu mestre Winckelmann<br />
da história da arte para a literatura. Ele procura fundamentar sua<br />
história da literatura com as concepções de <strong>filosofia</strong> de história<br />
apreendidas em Kant e sobretudo em Fichte. O problema que ele tem<br />
que resolver teoricamente é a questão de como conciliar a concepção<br />
de perfectibilidade compartilhada por ele com outros filósofos do<br />
iluminismo, como vimos anteriormente, com sua crença arraigada na<br />
perfeição atingida na Antigüidade clássica. A seguir examinaremos<br />
como Schlegel consegue em termos de uma <strong>filosofia</strong> da história de<br />
caráter original conciliar estas duas concepções.<br />
Em sua crítica à obra do filosófo iluminista francês Condorcet,<br />
intitulada Über Condorcet: Esquisse d’un Tableau historique des<br />
Progrès de l’Esprit humain, Schlegel tece considerações sobre o fato de<br />
que a <strong>filosofia</strong> da história ainda está muito longe de se constituir numa<br />
ciência, o que torna a obra de Condorcet, ainda que uma tentativa<br />
imperfeita, digna de atenção. Com estas observações iniciais, Schlegel<br />
enfatiza a necessidade de se estabelecer uma <strong>filosofia</strong> da história. A<br />
seguir comenta que Condorcet certamente tinha consciência de que<br />
deveriam existir leis da história humana. Em outra passagem<br />
posterior, Schlegel critica a convicção presente na obra de Condorcet<br />
de que a espécie humana trilha um caminho de aperfeiçoamento<br />
ilimitado. Tal crença, própria do iluminismo, não é mais partilhada<br />
por Schlegel, pelo menos não neste sentido. Schlegel fundamenta esta<br />
crítica, não só quando desaprova o fato de Condorcet ter ignorado os<br />
gregos e romanos em sua obra, mas também quando afirma: “O<br />
problema na verdade da história é a desigualdade das progressões nas<br />
diferentes parcelas da formação [Bildung] humana geral, sobretudo a<br />
grande divergência no grau de formação moral e intelectual; os<br />
retrocessos e estagnações, mesmo os menores e mais parciais; mas<br />
sobretudo a grande ruína dos gregos e romanos.” 25<br />
24<br />
Herder, Johann Gottfried: Fragmente über die neuere deutsche Literatur, In: Herders sämtliche<br />
Werke. Org. por Bernhard Suphan & alii. Vol. 1. Berlim, 1887-1913, p. 293 et seqs. Citado segundo:<br />
Eichner, Hans: „Einleitung“, In: Schlegel, Friedrich: Über Goethes Meister. Gespräch über die<br />
Poesie. Org. por Hans Eichner. Paderborn, Munique, Viena, Zurique: Schöningh, 1985. p. 15.<br />
25<br />
Schlegel: Über Condorcet.... p. 48.<br />
80
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
Helmut Koopmann, comentando esta passagem, afirma: “Torna-se<br />
manifesto aqui o que determinará o pensamento histórico assim como<br />
as reflexões políticas de Schlegel daí em diante até o fim do século<br />
XVIII: a avaliação de tudo, até mesmo dos acontecimentos políticos da<br />
modernidade, a partir do paradigma da antigüidade, mais<br />
precisamente: a partir das concepções de Estado da antigüidade.” 26<br />
Além disso, Schlegel, embora parta do princípio de uma história<br />
universal, apreende o curso da história de uma forma diferente do<br />
iluminista francês, ou seja determinado por forças divergentes e<br />
caracterizado pela seqüência de épocas sem nenhum caráter<br />
homogêneo. Quanto ao próprio ofício do historiador, há neste texto um<br />
interessante comentário que merece ser mencionado aqui, porque<br />
inscreve Schlegel no contexto do idealismo filosófico.<br />
“Se se quer considerar a totalidade (ou também apenas uma parte) do<br />
acontecido como exposição de uma idéia e apresentar a história do<br />
acontecido segundo esta idéia: o que aliás o historiador tem que<br />
realizar, se seu produto deve ser mais que uma multiplicidade de<br />
seqüências, ou seja, um todo, uma obra de arte- assim sendo o<br />
acontecido tem que se adequar à idéia, e a idéia ao acontecido, ou seja,<br />
não deve ser necessário torcer os acontecimentos para encontrar ali<br />
representado a idéia; e não deve ser necessário um tratamento forçado<br />
do conteúdo, para se apresentá-lo segundo a idéia. A capacidade de<br />
apreender a idéia, e o conhecimento do material, considerado como a<br />
apresentação da idéia e o qual se quer apresentar segundo esta idéia,<br />
constituem juntos o artista histórico. Quem apenas apercebeu-se da<br />
idéia em algum lugar, quem não está suficientemente familiarizado<br />
com o material da história como um todo ou em parte para saber se o<br />
material corresponde à idéia, não pode reivindicar a denominação de<br />
historiador e não é nem de longe um artista histórico. A quem falta a<br />
capacidade de apreender a idéia, e que com todo o seu conhecimento<br />
histórico até os mínimos detalhes, os quais coletou com muito esforço e<br />
que expõe com grande arrogância, não é nada mais que um<br />
escrevinhador de crônicas e nunca se tornará um artista histórico.” 27<br />
Da resenha crítica sobre a obra de Condorcet pode-se filtrar uma<br />
primeira aproximação de Schlegel à questão da história e da <strong>filosofia</strong><br />
da história, que será aprofundada nos textos posteriores. Em sua<br />
pequena obra Vom Wert des Studiums der Griechen und Römer de<br />
1795/1796, Schlegel apresenta de forma compacta e ainda<br />
extremamente ligado ao paradigma de perfeição da Antigüidade greco-<br />
26<br />
Koopmann, Helmut: Freiheitssonne und Revolutionsgewitter. Reflexe der Französischen<br />
Revolution im literarischen Deutschland zwischen 1789 und 1840. Tübingen: Max Niemeyer<br />
Verlag, 1989. p. 65-66.<br />
27<br />
Schlegel: Über Condorcet... p. 49.<br />
81
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
romana suas próprias concepções sobre história e <strong>filosofia</strong> da história.<br />
Para Schlegel, como já exposto anteriormente, história é sempre<br />
história universal, história da humanidade como um todo. Há também<br />
a reafirmação do paradigma da história como ciência da totalidade e<br />
da unicidade. “A história deve ser lembrada sempre da exigência<br />
necessária da unidade, da concordância futura com a ciência pura (...)<br />
Quão mais rica for a multiplicidade, mais decididamente se torna a<br />
necessidade de uma unidade, quanto mais as diferentes formas de<br />
conexão tiverem se desenvolvido e se encontrarem em disputa, mais<br />
aguda se torna a necessidade de uma completude.” 28 Em passagem<br />
posterior, Schlegel explicita o que é história da humanidade, a qual<br />
“não pode ser outra coisa senão (...) a história completa da espécie<br />
humana, que teria uma ordem sistemática, um fundamento científico e<br />
um sentido válido de forma geral. O objeto desta história não são<br />
somente as ações e mudanças públicas de um povo determinado, mas<br />
sim costumes e época, arte e estado, crenças e ciência, em resumo todos<br />
os atos, qualidades e condições puramente humanos: formação<br />
humana, ou a luta da liberdade e natureza.” 29 Em outras palavras, isto<br />
significa que a concepção de história para Schlegel se encontra não só<br />
nos parâmetros do Iluminismo, mas que também é considerada sob o<br />
ponto de vista de uma antropologia cultural, ou melhor, de uma<br />
formação (Bildung) do gênero humano. Mais adiante, ele lamenta o<br />
fato de que “falta tanto à formação moderna a simetria, o equilíbrio, a<br />
concatenação, a concordância e a completude, as forças pensante e<br />
atuante estão separadas por um abismo tão intransponível, os limites e<br />
direitos da razão e da experiência estão tão indeterminados, a<br />
humanidade tão dilacerada e portanto os conceitos sobre o valor das<br />
coisas tão confusos, que esta apologia da história não parece<br />
redundante. Quase se poderia dizer que a história merece o desprezo<br />
generalizado e ruidoso dos pensadores puros, pois existe uma história<br />
da natureza cientificamente sistematizada dos animais e plantas, mas<br />
não há nenhuma história da espécie humana, a qual mereceria ser<br />
chamada de científica.” 30 Completando esta idéia, Schlegel afirma a<br />
seguir que o homem só se apropria da experiência através da ordem,<br />
da sistematização, cujos degraus encontramos nos gregos, os quais<br />
apesar de terem escalado os primeiros degraus não alcançaram os<br />
superiores. A intenção de Schlegel se torna mais clara ainda quando<br />
ele afirma como é difícil a tarefa de encontrar uma unidade<br />
incondicional, um fio condutor da disposição a priori para a história<br />
universal, a qual satisfaria tanto a razão teórica quanto a prática, sem<br />
28<br />
Schlegel: Vom Wert des Studiums der Griechen und Römer… p. 30.<br />
29<br />
Id.Ibid. p. 33.<br />
30<br />
Id.Ibid. p. 34.<br />
82
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
insultar os direitos do entendimento nem violentar os fatos da<br />
experiência. Em sua argumentação Schlegel prossegue traçando um<br />
panorama crítico das obras de sua época neste campo. Em primeiro<br />
lugar, comenta elogiosamente a obra de Herder sobre a <strong>filosofia</strong> da<br />
história, assinalando no entanto que falta a esta não só um fio<br />
condutor, que unifique as suas partes, mas também que ela não é um<br />
todo completo em si mesmo. A obra de Kant, Idee zu einer allgemeinen<br />
Geschichte in weltbürgerlicher Absicht, abordada a seguir é criticada<br />
pelo fato de ela querer provar a impossibilidade de uma história da<br />
humanidade. Além de Kant, Schlegel critica acidamente o ceticismo de<br />
outros iluministas, como Voltaire e Hume, que não enxergavam<br />
nenhum sentido na história nem valor algum no ser humano.<br />
Depois destas críticas, Schlegel desenvolve e expõe então suas idéias<br />
sobre a história e a <strong>filosofia</strong> da história. A originalidade de sua<br />
concepção encontra-se no fato de que ela tem por fundamento a idéia<br />
de uma relação de ação recíproca (Wechselwirkung) entre liberdade e<br />
natureza. “Se a liberdade e a natureza cada uma por si estão<br />
submetidas a leis, se há uma liberdade (pois isto é o que negam os<br />
adeptos coerentes da assistematicidade e da ausência de leis na<br />
história: este é o fundamento de suas opiniões), se as idéias do ser<br />
humano são um todo conexo – um sistema, então a ação recíproca<br />
entre liberdade e natureza, a história estão submetidas a leis<br />
necessárias e imutáveis. Se há uma tal ação recíproca, há história,<br />
assim portanto tem que haver um sistema de leis necessárias a priori.<br />
Se supusermos como fato da experiência ou pelo menos como caso<br />
possível, que a liberdade no homem singular ou mesmo na massa de<br />
povos singulares tenha tido ou poderia ter tido um peso<br />
preponderante, que tenha havido homens e povos educados (gebildete),<br />
então o único sistema da história que poderia satisfazer plenamente a<br />
razão teórica, sem insultar os direitos do entendimento e da<br />
experiência, é o sistema cíclico (System des Kreislaufs). Se ponderarmos<br />
que a natureza em tempo algum é aniquilada pela liberdade, que o<br />
infinito em tempo algum poderia se tornar real, então o único sistema<br />
da história, o qual satisfaria a razão prática, sem ofender o<br />
entendimento, é o sistema da progressividade infinita (System der<br />
unendlichen Fortschreitung). Não poderiam talvez estes dois sistemas<br />
em linha reta e opostos ser unificados e desta forma não poderiam ser<br />
satisfeitas a razão prática e a teórica ao mesmo tempo? (...) a história<br />
antiga e a moderna seriam então dois todos diversos, que poderiam se<br />
basear em leis completamente diferentes ...?” 31 Completando este<br />
panorama de duas histórias diferentes, Schlegel apresenta então a idéia<br />
31 Id.Ibid. p. 36.<br />
83
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
de que a ação recíproca entre liberdade e natureza, a dupla forma de<br />
formação (Bildung), ou seja de história seria possível. Esta dupla<br />
forma de formação é explicitada então da seguinte maneira:<br />
correspondente ao sistema cíclico teria havido uma formação natural<br />
(natürliche) e ao sistema de progressividade infinita corresponderia<br />
uma formação artificial (künstliche), sendo que a formação natural, a<br />
história cíclica é anterior à formação artificial, à história como<br />
progressividade infinita. A história cíclica é a história dos gregos e<br />
romanos, considerada por Schlegel como a metade mais importante da<br />
história da humanidade. Apesar da relevância com que ele enfatiza o<br />
estudo dos antigos, há em seu texto uma decidida opção pelos<br />
modernos. Mas isso não acontece de forma cega ou melhor sem levar<br />
em conta a grande perfeição alcançada pelos antigos.<br />
“A maioria dos amigos dos antigos pagam caro por seus<br />
conhecimentos da antigüidade com a ignorância completa e o desprezo<br />
cego do novo: eles vêm em sua época nada além das ruínas de uma<br />
humanidade destruída, a vida deles não é mais que uma elegia diante<br />
da urna do passado.” 32<br />
Prosseguindo em sua argumentação, Schlegel assinala que a formação<br />
entre os gregos e romanos constituía uma totalidade e que “a formação<br />
entre os gregos e romanos alcançou um máximo, não o máximo<br />
absoluto, que é o objetivo da história moderna, o qual não pode<br />
ocorrer em nenhuma época e em nenhuma história, mas sim o máximo,<br />
que era possível no sistema cíclico, o máximo de formação natural, ou<br />
seja um máximo relativo.” 33 Encontramos aqui também nesta idéia de<br />
máximo relativo uma antecipação do que Schlegel vai escrever algum<br />
tempo mais tarde em seu Studium-Aufsatz sobre a poesia grega, ou<br />
seja, realizando então uma transposição dessa idéia de formação do<br />
campo histórico para o estético. Além disso, o estudo dos gregos e<br />
romanos é de fundamental importância para os modernos e para a<br />
humanidade como um todo, porque enquanto o belo e o bom continuar<br />
sendo segredo de umas poucas almas nobres e não for propriedade<br />
pública, a formação moderna permanece próxima demais de sua<br />
origem bárbara: “A imagem primordial (Urbild) da humanidade no<br />
patamar superior da formação antiga é o único fundamento possível<br />
da formação moderna como um todo...” 34 E também: “a visão<br />
constante da imagem primeva atrás de nós, o objetivo superior diante<br />
de nós, nos preservará do desânimo, nos ensinará, que não é nossa<br />
destinação, viver como mendigos das esmolas do mundo passado, nem<br />
como servos no trabalho braçal para o mundo futuro, pois como<br />
32 Id.Ibid. p. 32.<br />
33 Id.Ibid. p. 38.<br />
34 Id.Ibid. p. 41.<br />
84
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
qualquer homem singular não existe em função da espécie, mas sim<br />
como finalidade em si mesmo, então também uma época não pode<br />
perder através da postergação condicional seus direitos inalienáveis<br />
por isonomia incondicional.” 35 Aqui nesta passagem Schlegel recupera<br />
a idéia de Herder de isonomia, ou seja de igualdade de direitos, de<br />
todas as épocas, pois em sua visão de história moldada pelo princípio<br />
da perfectibilidade infinita nenhuma época alcançou o Absoluto. 36 Por<br />
outro lado, Schlegel não aceita a idéia mais cara à Herder, ou seja, a<br />
valorização de cada uma das épocas históricas através de suas<br />
manifestações poéticas e artísticas: “O método de considerar cada<br />
florescimento da arte, sem avaliação, somente segundo o local, o tempo<br />
e o tipo, levaria finalmente à nenhuma outra conclusão senão a de que<br />
tudo deveria ser o que é e o que foi.” 37<br />
Ainda no mesmo texto, Schlegel assinala qual teria sido a origem da<br />
história moderna, ou melhor, onde terminaria uma história, a cíclica<br />
(com início, desenvolvimento, apogeu, decadência e fim) e começaria a<br />
outra, a progressiva. “O antigo e o novo sistema se separam, se<br />
dissociam da forma mais clara, onde em lugar das religiões nacionais<br />
apareceu uma religião universal”. 38 Trata-se do cristianismo, a religião<br />
universal que suplantou as religões locais e/ou nacionais. Mais adiante<br />
Schlegel determina também que a história antiga não terminou<br />
abruptamente com a instauração de uma religião universal e que as<br />
manifestações de decadência moral dos fins da história antiga ainda<br />
perdurariam até hoje. Por outro lado, as primeiras sementes da<br />
história moderna já estariam prefiguradas na <strong>filosofia</strong> racional de um<br />
Sócrates ou mais anteriormente até em Pitágoras, o primeiro a ousar<br />
estabelecer os costumes e o Estado em conformidade com as idéias da<br />
razão pura. Sobre isso comenta Ernst Behler: “No campo da<br />
literatura, <strong>filosofia</strong> e também no pensamento político a questão quanto<br />
ao início da modernidade conduz a uma data surpreendentemente<br />
antiga. Schlegel não esquivou-se em responder a esta questão,<br />
apontando na tragédia grega, como Nietzsche mais tarde, em<br />
Eurípedes o início da modernidade e a dissolução do mito através do<br />
racionalismo e do ceticismo”. 39 Aliás, Schlegel enxerga resquícios,<br />
35<br />
Id.Ibid. p. 43.<br />
36<br />
Behler, Ernst: “’ Die Theorie der Kunst ist ihre Geschichte’: Herder und die Brüder Schlegel“,<br />
In: Behler, Ernst: Studien zur Romantik und zur idealistischen Philosophie. Vol. 2. Paderborn,<br />
Munique, Viena, Zurique: Schöningh, 1993. p. 193.<br />
37<br />
Schlegel, Friedrich: Herders Briefe zur Beförderung der Humanität (1796), In: Schlegel, Friedrich:<br />
Kritische Schriften und Fragmente. Vol. 1. Org. por Ernst Behler & Hans Eichner. Paderborn,<br />
Munique, Viena, Zurique: Schöningh, 1988, p. 176.<br />
38<br />
Schlegel, Friedrich: Vom Wert des Studiums der Griechen und Römer… p. 39.<br />
39<br />
Behler, Ernst: „Einleitung: Friedrich Schlegels Studium-Aufsatz und der Ursprung der<br />
romantischen Literaturtheorie“, In: Schlegel, Friedrich: Über das Studium der griechischen Poesie:<br />
1795-1797. Org. por Ernst Behler. Paderborn, Viena, Zurique: Schöningh, 1981, p. 106.<br />
85
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
sementes da origem artificial da poesia moderna sempre onde encontra<br />
traços de predominância de conceitos do entendimento sobre a<br />
natureza. Segundo Ernst Behler, a virada da história acontece para<br />
Schlegel quando há uma transição da natureza para a liberdade. “Com<br />
isso manifesta-se ao mesmo tempo o conceito de formação<br />
(Bildungsbegriff) de Schlegel, o qual dá conteúdo e sentido ao processo<br />
histórico. Formação era para Schlegel não como para Herder ‘obra do<br />
destino’, nem ‘resultado de milhares de causas atuantes’, mas sim uma<br />
obra da liberdade dos homens, ‘luta renhida de vida ou morte com o<br />
poder terrivel, de cujas garras ele nunca pode escapar.’” 40 Isto<br />
significa que a história em Schlegel tem como motor, se é que podemos<br />
usar este conceito mecânico, a eterna luta entre natureza e liberdade,<br />
ou seja, a luta entre as circunstâncias que condicionam interna e<br />
externamente o homem e a livre autodeterminação. Para resolver este<br />
dilema, Schlegel utiliza o conceito, já mencionado acima, de relação de<br />
ação recíproca (Wechselwirkung) entre natureza e liberdade. “Partindo<br />
destes princípios de <strong>filosofia</strong> da história, a trajetória da humanidade<br />
parece ser na visão de jovem Schlegel como uma luta de morte para se<br />
escapar da necessidade da natureza e conquistar gradualmente a<br />
autodeterminação em liberdade. Já se assinalou com razão, que esta<br />
<strong>filosofia</strong> da história centrada na autodeterminação progressiva da<br />
humanidade superou o pensamento de um Lessing, Herder e Kant,<br />
ainda com idéias latentes de um plano divino ou de uma providência, e<br />
que Schlegel mais radicalmente que estes pensadores concebia a<br />
história como obra da própria humanidade.” 41<br />
No texto a ser abordado a seguir, Über das Studium der griechischen<br />
Poesie (Sobre o estudo da poesia grega) de 1795-1797, verifica-se a<br />
transposição destas idéias de história e <strong>filosofia</strong> da história, sobretudo<br />
a questão da perfectibilidade infinita, para o campo da estética e da<br />
teoria poética. Este pequena obra inscreve-se, juntamente com a obra<br />
Über naive und sentimentalische Dichtung (Poesia ingênua e<br />
sentimental) de Schiller de 1795-1796, no contexto maior de uma<br />
resposta na Alemanha à célebre Querelle des anciens et des modernes ,<br />
aquela contenda importante sobre a origem da modernidade, sobre a<br />
diferenciação absoluta entre antigo e moderno e e sobre a manutenção<br />
ou não da Antigüidade como paradigma de excelência, travada na<br />
França e Inglaterra no final do século XVII e início do XVIII. Não<br />
cabe aqui traçar um painel desta continuação da querela em solo<br />
alemão, ou melhor, da especificidade desta querela no pensamento<br />
estético nos autores citados acima, e das diferenças que o singularizam<br />
em relação ao pensamento estético na França. É interessante no<br />
40 Id.Ibid. p. 107.<br />
41 Id.Ibid. p. 108.<br />
86
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
entanto apenas assinalar, que enquanto na Alemanha constituía-se um<br />
projeto de classicismo com a idéia não de imitar os clássicos da<br />
Antigüidade, mas de apreender o espírito de perfeição destes mesmos<br />
clássicos, na França empreendia-se desde o início do século XVIII a<br />
valorização da modernidade e a historicização da Antigüidade,<br />
colocando-a num passado remoto e sem retorno. Segundo Hans-Robert<br />
Jauβ: “Este é o dilema do classicismo alemão, surgido do fato de que se<br />
acreditava, em disputa com os ‘franceses’, poder conduzir a literatura<br />
alemã ainda pelo caminho de uma ‘aproximação com a Antigüidade’ a<br />
um classicismo nacional, embora já se havia começado após a querela<br />
francesa a considerar a Antigüidade clássica com Herder e<br />
Winckelmann historicamente, na ‘absoluta diferenciação dos antigos e<br />
dos modernos’. Aqui surge uma distinção fundamental na constituição<br />
dos classicismos francês e alemão: enquanto que o classicismo do siècle<br />
de Louis XIV iniciou-se sob a vigência inquestionável do princípio de<br />
imitation des anciens e terminou numa querelle, a qual realizou a<br />
transição da concepção normativa para a histórica da Antigüidade, o<br />
classicismo de Weimar começou com uma tentativa contra o<br />
Iluminismo, de fazer de uma imagem histórica da Antigüidade de novo<br />
uma idealista, um modelo único para ser imitado. Os tratados<br />
concomitantes de Schlegel e de Schiller trazem à luz a aporia desta<br />
tentativa e procuram de maneiras distintas, ainda que ambos levando<br />
em conta o pensamento histórico do Iluminismo, libertar o classicismo<br />
alemão de sua contradição interna.” 42<br />
Examinando o texto de Schlegel do ponto de vista da <strong>filosofia</strong> da<br />
história, percebe-se nele, como exposto acima, a transposição da idéia<br />
de perfectibilidade infinita, de absoluto nunca alcançável ao campo da<br />
teoria poética e da história literária, mais precisamente ao<br />
entendimento da evolução histórica da poesia moderna. Schlegel aplica<br />
aqui os postulados da <strong>filosofia</strong> da história e da história concebidos no<br />
texto anterior.<br />
“A arte é infinitamente perfectível e um máximo absouto não é possível<br />
em seu desenvolvimento permanente: um máximo relativo no entanto,<br />
um próximo fixo insuperável é possível. “ 43 Este máximo relativo seria<br />
a poesia grega, entendida como a imagem primordial da arte e do<br />
gosto.<br />
Em sua argumentação, Schlegel aplica o postulado de formação<br />
natural em correlação com história cíclica, assinalando que a arte<br />
antiga é a “última fronteira da formação natural da arte e do gosto”. 44<br />
42<br />
Jauβ, Hans Robert:“ Schlegels und Schillers Replik auf die ‚Querelle des Anciens et des<br />
Modernes’”, In: Jauβ, Hans Robert: Literaturgeschichte als Provokation. Frankfurt am Main:<br />
Suhrkamp 1970. p. 78-79.<br />
43<br />
Schlegel, Friedrich: Über das Studium der griechischen Poesie... p. 102.<br />
44<br />
Id.Ibid. p. 101.<br />
87
ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
Nomeia esta época a seguir de era dourada, afirmando também que:<br />
“A poesia grega em massa é o máximo e o cânone da poesia natural. (..)<br />
Nela está concluída e completada todo o ciclo do desenvolvimento<br />
orgânico da arte.” 45 ; “O ápice da formação natural das belas artes<br />
permanece então para todos os tempos a imagem primordial elevada<br />
da progressividade artificial”. 46 Ao enfatizar o caráter cíclico da<br />
formação da poesia grega, afirma: “A formação grega era original e<br />
nacional, um todo completo em si mesmo, o qual através de seu<br />
desenvolvimento interno alcançou um patamar elevado, e num<br />
movimento cíclico completo também acabou por se afundar em si<br />
mesma.” 47<br />
Schlegel pretende com este texto não só apresentar o estudo e o cultivo<br />
da poesia grega como corretivos ao estado desolador da poesia<br />
moderna, fragmentada, sem unicidade, que busca apenas o chocante,<br />
o bizarro, o escandaloso e os modismos de toda espécie, mas também<br />
indicar à poesia moderna um sentido, um direcionamento. A visão<br />
panorâmica do passado ajudaria na visão de Schlegel assim a se chegar<br />
ao aperfeiçoamento da poesia moderna. Para ele é necessário um<br />
aperfeiçoamento, porque haveria uma predominância do<br />
característico, do individual e do interessante na grande massa da<br />
poesia moderna, uma espécie de anarquia estética, que não forma um<br />
todo nem uma unidade. “Salta aos olhos que a poesia moderna ou não<br />
alcançou ainda o objetivo, ao qual ela almeja, ou que seus esforços não<br />
têm nenhum fim determinado, sua formação nenhuma direção, a<br />
massa de sua história nenhuma conexão legítima, o todo nenhuma<br />
unidade.” 48 ; “Falta de caráter parece o único caráter da poesia<br />
moderna, confusão parece a convergência de sua massa, ilegalidade o<br />
espírito de sua história, e ceticismo o resultado de sua teoria.” 49 Depois<br />
deste diagnóstico aniquilador, Schlegel propõe, como já mencionado<br />
acima, o corretivo da poesia grega, cuja história “é a história natural<br />
geral da arte poética”. 50 Por outro lado, Schlegel não propõe aqui uma<br />
simples imitação da poesia grega, e sim o conhecimento profundo desta<br />
poesia: “Somente aquele que conhece-a totalmente, pode imitá-la.<br />
Somente a imita verdadeiramente, quem se apropria da objetividade<br />
da massa completa, do belo espírito de poetas singulares, e do estilo<br />
perfeito da era dourada.” 51 Mas no meio desta visão desoladora, na<br />
qual predominam a anarquia do interessante, o modismo, o feio e o<br />
45 Id.Ibid. p. 111.<br />
46 Id.Ibid. p. 104.<br />
47 Id.Ibid. p. 109.<br />
48 Id.Ibid. p. 67.<br />
49 Id.Ibid. p. 70.<br />
50 Id.Ibid. p. 96.<br />
51 Id.Ibid. p. 121.<br />
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ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
chocante, Schlegel enxerga os primeiros indícios de uma revolução<br />
estética, pois “o momento para uma revolução estética parece estar<br />
maduro, revolução esta , na qual o objetivo na formação estética dos<br />
modernos poderia ser dominante.” 52 O indício mais forte é a poesia de<br />
Goethe, considerada por Schlegel como a aurora da arte autêntica e a<br />
poesia pura. Ele estaria numa posição intermediária entre o<br />
interessante e o belo, entre o maneirismo e o objetivo. Além disso, “este<br />
grande artista nos abre a perspectiva de uma nova fase da formação<br />
estética. Suas obras são o atestado irrefutável, de que o objetivo é<br />
possível e de que a esperança do belo não é nenhum delírio vazio da<br />
razão.” 53 O outro fundamento desta visão otimista encontra-se na<br />
concepção da perfectibilidade infinita e em sua visão de que a arte<br />
moderna pode e deve se transformar para melhor. A seguir ele discute<br />
quais são os pilares desta revolução estética: objetividade, moralidade,<br />
busca da harmonia: “Uma legislação estética perfeita seria o primeiro<br />
passo da revolução estética. Sua determinação seria dirigir a força<br />
cega, harmonizar e equilibrar as disputas, submeter o ilegal à<br />
harmonia; conferir à formação estética um fundamento seguro, um<br />
rumo visível e um ânimo legal.” 54 Só a teoria é que pode ser o princípio<br />
diretor desta formação.<br />
Schlegel prossegue sua argumentação historicizando a poesia moderna,<br />
cujo desenvolvimento e evolução são determinados pela<br />
progressividade infinita: “A história da formação da poesia moderna<br />
não representa nada além do que a disputa permanente entre o talento<br />
subjetivo e a tendência objetiva da capacidade estética e a<br />
predominância paulatina da última. Com cada modificação essencial<br />
da relação entre objetivo e subjetivo começa uma nova fase de<br />
formação. A poesia moderna já percorreu dois grandes periódos de<br />
formação, que não se sucederam como períodos isolados, mas sim<br />
penentrando um no outro como elos de uma corrente. (...) Os<br />
sintomas, característicos da crise de transição do segundo para o<br />
terceiro periodo da poesia moderna, são conhecidos amplamente, e<br />
aqui e ali já se manifestam os inícios inequívocos da arte e do gosto<br />
objetivos.” 55 A estes sintomas Schlegel acrescenta no campo teórico a<br />
luta da <strong>filosofia</strong> crítica contra o ceticismo, empreendida por Kant e por<br />
Fichte e o empenho acentuado no estudo da poesia grega. “Mas desde<br />
que através de Fichte o fundamento da <strong>filosofia</strong> crítica foi descoberto,<br />
há um princípio seguro para retificar, completar e concretizar o<br />
arcabouço da <strong>filosofia</strong> prática kantiana. (...) Também o estudo dos<br />
52 Id.Ibid. p. 93.<br />
53 Id.Ibid. p. 89.<br />
54 Id.Ibid. p. 94.<br />
55 Id.Ibid. p. 131.<br />
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ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
gregos e da poesia grega encontra-se sobretudo em nossa época no<br />
limiar de uma nova fase.” 56<br />
Quais seriam os marcos destas duas fases da poesia moderna? O<br />
primeiro ciclo estaria determinado pelos “modernos antigos”, e teria se<br />
iniciado com Dante. A essa fase teria se seguido a segunda, na qual<br />
Shakespeare teria sido o início, o apogeu e o fim. Depois deste período<br />
teria ocorrido uma estagnação sem par durante mais de 200 anos na<br />
poesia européia, a qual estaria em vias de terminar, dando lugar à<br />
terceira fase. Como já dito acima, Goethe seria o indicio de uma<br />
transição da segunda para a terceira fase.<br />
Da mesma forma que na obra discutida anteriormente sobre a história<br />
moderna, progressiva, e a história grega, cíclica, aponta Schlegel<br />
também a necessidade de uma relação de ação recíproca<br />
(Wechselwirkung) entre as duas histórias poéticas, na medida em que a<br />
transição para a terceira fase parece estar próxima com a acentuação<br />
da objetividade, típica da poesia grega. Ele segue aqui também a idéia<br />
já exposta no texto anterior sobre o início da história moderna ainda<br />
no bojo da história dos gregos e romanos, e de um fim não abrupto, ou<br />
melhor de uma continuidade dialética entre a poesia grega e a<br />
moderna. “A formação natural e a formação artificial se encaixam<br />
uma na outra, e os últimos da poesia antiga são ao mesmo tempo os<br />
precursores da moderna.” 57 Além disso, ele enxerga o renascimento da<br />
poesia na terceira fase da literatura moderna “essencialmente como<br />
uma reconstituição do espírito objetivo da Antigüidade na época<br />
moderna”. 58 Não há na obra de Schlegel uma separação abrupta da<br />
Antigüidade e da modernidade, mas sim uma tentativa de conciliação<br />
do essencialmente moderno com o essencialmente antigo, que se<br />
apresenta inicialmente através da explanação da diferença absoluta<br />
entre ambos para então depois se manifestar a necessidade de uma<br />
relação recíproca para que se atinja o ideal da poesia, o qual só pode<br />
ser alcançado através da aproximação infinita. “Antigüidade e<br />
modernidade aparecem aqui numa relação dialética tensa, a qual não<br />
ocorreu no tratamento da questão da querela nem na França nem na<br />
Inglaterra. A modernidade não se dissocia aqui do clássico, (...) mas<br />
sim ela se coloca numa relação recíproca vital com este. A<br />
modernidade ruim, poder-se-ia formular, consiste numa mera<br />
separação, num mero progredir, na elevação constante do interessante,<br />
num ‘empenho irrefreável e insaciável pelo novo, o picante, o<br />
escandaloso, no qual a ânsia no entanto permanece insatisfeita’. A<br />
modernidade genuína encontra-se numa relação de igual para igual<br />
56<br />
Id.Ibid. p. 132.<br />
57<br />
Id.Ibid. p. 64.<br />
58<br />
Behler, Ernst: „Einleitung: Friedrich-Schlegels Studiumaufsatz... p. 100.<br />
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ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
com o clássico e se manifesta numa disputa, num agon [luta mortal]<br />
com ele.” 59 Da mesma forma, numa carta a seu irmão August Wilhelm<br />
de 27 de fevereiro de 1794, Friedrich Schlegel assim se expressa sobre<br />
esta questão: “O problema de nossa poesia me parece ser a fusão do<br />
essencialmente moderno com o essencialmente antigo; e se eu<br />
acrescentar que Goethe, o primeiro de nosso totalmente novo período<br />
da arte, já deu os primeiros passos no sentido de atingir esse objetivo,<br />
você irá compreender bem meu ponto de vista.” 60<br />
Concluindo a apresentação e discussão deste texto, cito aqui Ernst<br />
Behler: “Indubitavelmente a temática e a disposição do estudo sobre a<br />
poesia grega originam-se ainda da primeira fase do idealismo e do<br />
antagonismo, característico desta fase, entre liberdade e natureza,<br />
homem e mundo, sujeito e objeto. De fato o estudo faz até uma<br />
importante contribuição a esta problemática filosófica, quando<br />
Schlegel deduz o conceito da formação exatamente destes princípios e<br />
determina-o como ‘relação de ação recíproca da liberdade e da<br />
natureza’ e mais acentuadamente como ‘guerra da humanidade e do<br />
destino’. Além disso, o estudo como um todo pode ser considerado<br />
como uma transposição deste antagonismo da liberdade e da natureza<br />
ao campo da estética e da teoria literária, na medida em que estes<br />
princípios filosóficos fundamentam aqui a poesia natural (natureza) e<br />
a poesia artificial (liberdade) e mais ainda na medida em que a<br />
elaboração deste antagonismo agudo ou até da oposição absoluta da<br />
antigüidade e da modernidade constitui o primeiro passo deste tratado.<br />
Na aproximação dialética de ambos os contrários mostra-se no entanto<br />
também, que Schlegel na época já estava a caminho de uma <strong>filosofia</strong> da<br />
identidade e operava do ponto de vista da identidade, a partir do qual<br />
a oposição cerrada entre natureza e liberdade, classicismo e<br />
modernidade se transformou numa cooperação amigável. No<br />
fragmento 149 do Athenäum de 1798 dedicado a Winckelmann a<br />
‘diferença absoluta entre antigüidade e modernidade’ é vista apenas<br />
como primeiro alicerce de um novo posicionamento estético e sua<br />
completude passa a depender de um ponto de identidade, ou seja da<br />
‘identidade absoluta do antigo e do moderno que existiu, ou<br />
existirá’.” 61<br />
59<br />
Id.Ibid. p. 83-84.<br />
60<br />
Citado segundo: Pikulik, Lothar: Frühromantik. Epoche, Werke, Wirkung. Munique: C.H. Beck,<br />
1992. p. 149.<br />
61<br />
Behler, Ernst: “Einleitung”... p. 85. O fragmento mencionado é o seguinte: O sistemático<br />
Winckelmann, que por assim dizer, lia todos os antigos como um único autor, via tudo no todo e<br />
concentrava toda a sua força nos gregos, estabeleceu, pela percepção da diferença absoluta entre<br />
antigo e moderno, o primeiro fundamento de uma doutrina material da antigüidade. Somente<br />
quando forem encontrados o ponto de vista e as condições de identidade absoluta que existiu, existe<br />
ou existirá entre antigo e moderno, se poderá dizer que ao menos o contorno da ciência está pronto,<br />
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ESPECIAL: FRIEDRICH SCHLEGEL E A MODERNIDADE FD7 (2003)<br />
A tentativa de harmonizar classicismo e romantismo, Antigüidade e<br />
modernidade, ainda é uma idéia constante no período imediatamente<br />
posterior da obra de Schlegel, ou seja, na época da revista Athenäum,<br />
ainda que se verifiquem aqui e ali algumas nuances. Em 1797, no<br />
entanto, Schlegel refuta na revista Lyceum a poética do estudo sobre a<br />
poesia grega com as seguintes palavras: “Meu ensaio sobre a poesia<br />
grega é um hino amaneirado, em prosa, àquilo que é objetivo na<br />
poesia. A completa falta da indispensável ironia me parece o que nele<br />
há de pior; e o melhor, a confiante suposição de que a poesia é<br />
infinitamente valiosa, com se isso fosse uma coisa indiscutível.” 62<br />
Não cabe aqui traçar o percurso empreendido por Schlegel nos anos<br />
seguintes, que o afastam cada vez mais e radicalmente do paradigma<br />
da Antigüidade clássica, fazendo com que ele abrace com bastante<br />
empenho o projeto da modernidade literária. A idéia da<br />
perfectibilidade infinita, no entanto, é mantido em seus estudos<br />
posteriores: “O desejo revolucionário de realizar o reino de Deus é o<br />
ponto elástico da formação progressiva e o início da história moderna.<br />
Nela, o que não tem referência alguma ao reino de Deus é apenas<br />
acessório.” 63 ; “A poesia romântica é uma poesia universal progressiva.<br />
(...) O gênero poético romântico ainda está em devir; sua verdadeira<br />
essência é mesmo a de que só pode vir a ser, jamais ser de maneira<br />
perfeita e acabada.” 64<br />
e agora se poderá pensar na execução metódica. Citado segundo: Schlegel, Friedrich: O dialeto dos<br />
fragmentos. Trad., apres. e notas de Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1997. p. 71.<br />
62<br />
Schlegel, Friedrich: O dialeto dos fragmentos... p. 21.<br />
63<br />
Fragmento 222, In: Schlegel, Friedrich: O Dialeto dos fragmentos.. p.85..<br />
64<br />
Id.Ibid. Fragmento nr. 116. p. 64-65.<br />
92