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SUMÁRIO: - Arqshoah

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<strong>SUMÁRIO</strong>:<br />

Nazismo e Antissemitismo, teorias e práticas da exclusão 02<br />

Profª. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro<br />

As Leis de Nuremberg: a Institucionalização da exclusão e das minorias 17<br />

Dr. Túlio Chaves Novaes<br />

Geografia da exclusão e da intolerância: dos Guetos aos Campos de Extermínio 30<br />

Profª. Silvia Lerner<br />

A Música como forma de resistência: canções do gueto 50<br />

Prof. Samuel Belk<br />

Mesa Coordenada: Narrativas sobre o Holocausto 69<br />

Profª Drª. Rachel Mizrahi<br />

Testemunhos de Sobreviventes<br />

Nanette König 74<br />

Arie Yaari 77<br />

Jorge Amado e os sons da Polônia: Considerações sobre o poema<br />

“A canção da judia de Varsóvia” 79<br />

Profª. Drª. Kenia Maria de Almeida Pereira<br />

O Holocausto na literatura brasileira: uma anatomia da memória 85<br />

Profª. Drª. Berta Waldmann<br />

TEXTOS COMPLEMENTARES:<br />

Ensinando o Holocausto através do Diário de Anne Frank 102<br />

Marili Berg<br />

Das matrizes do racismo ao genocídio 120<br />

Profª. Drª. Marion Brephol<br />

1


1. Da reflexão à ação<br />

NAZISMO E ANTISSEMITISMO<br />

TEORIAS E PRÁTICAS DA EXCLUSÃO<br />

Maria Luiza Tucci Carneiro 1<br />

A julgar pelo número de pessoas que hoje negam o Holocausto ou que usam<br />

erroneamente o conceito de genocídio aplicando-o de forma deturpada à casos que não<br />

condizem com a realidade histórica, podemos afirmar que o antissemitismo e o<br />

negacionismo encontram-se na ordem do dia. Apesar dos movimentos sociais<br />

comprometidos com a luta contra a negação do Holocausto 2 e o combate a intolerância,<br />

multiplicam-se pelo mundo -- incluindo aqui o Brasil -- os grupos neonazistas, os sites de<br />

exaltação ao nazismo, os atos de xenofobia e intolerância religiosa, racial ou étnica.<br />

As cartas abertas aos leitores para comentários junto aos grandes jornais brasileiros<br />

(impressos ou nos seus formatos virtuais) devem ser interpretadas como um termômetro<br />

expressivo do grau de ignorância e da força dos mitos que continuam a instigar o ódio e a<br />

violência contra as minorias. Valendo-se de uma linguagem reducionista, estes “leitores”<br />

defendem os feitos de criminosos nazistas minimizando a barbárie cometida em nome de<br />

uma ideologia. Ignoram, sem escrúpulos, ao plano de extermínio arquitetado pelo Terceiro<br />

Reich que, entre 1933-1945, culminou com a morte de 6 milhões de judeus e outros tantos<br />

milhares de ciganos e dissidentes políticos.<br />

O racismo teórico pregado por Hitler em Mein Kampf, infelizmente sobrevive<br />

movido por impulsos irracionais e/ou acobertado por interesses políticos. Não devemos ser<br />

coniventes com a idéia de que, pelo fato de vivermos em uma democracia, temos “o direito<br />

ao erro” ainda que cada um “tenha o direito de viver segundo suas convicções”, retomando<br />

aqui o pensamento de Paulo Ricceur sobre a intolerância. 3<br />

Liberdade de expressão não deve ser confundida com a cultura da indiferença ou<br />

com o silêncio proposital da História. E, com relação ao Holocausto, vivemos momentos<br />

1 Historiadora, Professora Doutora e Livre Doente do Departamento de História (FFLCH/USP),<br />

coordenadora do LEER- Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, onde<br />

desenvolve o projeto <strong>Arqshoah</strong>- Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo. Autora dos livros: O<br />

Antissemitismo na Era Vargas (3ed. Perspectiva); O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Antissemitismo<br />

no Brasil (Perspectiva); Holocausto, Crime contra a Humanidade (Ática), dentre outros.<br />

2 Na primeira semana de agosto de 2010 foi firmado em Israel um compromisso de 87 países para lutar contra<br />

a negação do Holocausto e do antissemitismo no mundo. Uniram-se duas grandes entidades: a “Força de<br />

tarefas Internacional para a Memória do Holocausto (ITF) e o Bureau de Instituições Democráticas e Direitos<br />

Humanos (ODIHR), segmento executivo da Organização para a Segurança e Colaboração Mutua na Europa.<br />

A ITF, que conta com 27 países membros, promove a memória do Holocausto através da educação,<br />

investigação e monumentos recordatórios, enquanto que a ODIHR, da qual são membros 57 países, ocupa-se<br />

de programas educativos e monitoração de manifestações de xenofobia e, em especial, de antissemitismo.<br />

3 RICCEUR, Paul, “Etapa atual do pensamento sobre a intolerância”, em A Intolerância. Direção de Françoise<br />

Barret- Ducrocq. Foro Internacional sobre a Intolerância. Unesco, 27 de março de 1997. Rio de Janeiro,<br />

Bertrand Brasil, 2000, p. 21.<br />

2


críticos da idéia de verdade histórica esfoliada por discursos negacionistas sustentados por<br />

intelectuais e ativistas comprometidos com a reedição da demagogia totalitária. 4 Muitos,<br />

aproveitam-se da vulnerabilidade sócio cultural dos cidadãos -- que nem sempre têm<br />

conhecimento do nosso passado histórico – para impor versões maniqueístas, deturpadas<br />

por matrizes ideológicas comprometidas com avaliações simplistas. Enfim, as velhas<br />

intolerâncias, como muito bem ressaltou Elie Wiesel, “ainda estão presentes, como se sabe:<br />

as xenofobias, o medo ao estrangeiro, o ódio ao que não é como nós, o ódio racial,<br />

religioso, cultural, a exclusão. O ódio tem muitos nomes, mas nunca muda”. 5<br />

Aqueles que endossam o revisionismo histórico que nega o Holocausto, assim como<br />

outros genocídios e massacres -- relembro aqui o genocídio armênio e o massacre de<br />

Ruanda - além de estarem endossando os crimes cometidos pelo Estado contra os cidadãos,<br />

estão também reforçando o ódio e as práticas de aniquilamento de um povo ou grupo. Na<br />

qualidade de educadores e profissionais identificados como “formadores de opinião”<br />

devemos ter em mente que certos valores são inegociáveis: negar o Holocausto é crime,<br />

assim como é crime admitir a apologia da crueldade e o ódio ao Outro. Para combater a<br />

intolerância precisamos ampliar os círculos de responsabilidades pois cabe ao público e o<br />

privado gerar políticas comprometidas com o respeito aos Direitos Humanos. É com este<br />

objetivo – de incentivar o estabelecimento definitivo de sistemas educacionais que ensinem<br />

a não odiar – que proponho o ensino da História e a preservação da memória do Holocausto<br />

sob uma visão multidisciplinar. As universidades, assim como as escolas de ensino médio e<br />

fundamental, devem incentivar pesquisas e debates sobre este tema que extrapola os<br />

estudos sobre a Segunda Guerra Mundial.<br />

A realidade tem demonstrado que para combater a intolerância precisamos ampliar<br />

os círculos de responsabilidades para além do Estado. Não podemos nos esquecer que “há<br />

uma moral universal do gênero humano e que essa moral deve ser ativamente defendida”, 6<br />

independente de qualquer religião, etnia ou grupo político. E esta moral -- que implica num<br />

conjunto de leis universais que são os direitos do homem – deve integrar o contrato<br />

democrático ou seja, o contrato dos cidadãos comprometidos com o respeito ao Outro.<br />

Enfim, não podemos jamais perder a capacidade de nos indignarmos diante do ódio e dos<br />

sofrimentos que o homem inflige ao homem. Mas como passar da reflexão à ação ?<br />

Ensinando, educando para a democracia e a cidadania, pois o tolerância assim como o<br />

racismo não nascem com o homem: são uma conquista para o bem ou para o mal.<br />

2. Temas transversais: nazismo, antissemitismo e Direitos Humanos<br />

Os estudos sistemáticos sobre genocídio, nazismo e antissemitismo nos oferecem<br />

amplas oportunidades para refletirmos sobre o caráter inato da intolerância. Daí a história<br />

do Holocausto, enquanto genocídio singular na História da Humanidade, ser um tema<br />

instigante para avaliarmos os limites da barbárie. Se avaliado sob múltiplos aspectos, o<br />

Holocausto pode alertar sobre as consequências catastróficas dos regimes totalitários e<br />

4 Importante a leitura de VIDAL- NAQUET, Pierre. Os Assassinos da Memória: „Um Eichmann de papel” e<br />

outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas, Papirus, 1988; FERRO, Marc. Os Tabus da História. A face<br />

oculta dos acontecimentos que mudaram o mundo. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.<br />

5 WISSEL, Elie, “Debate entre Elie Wisel, Yehudi Menuhin e Jorge Semprun, conduzida pelo jornalista<br />

Guilhaume Durant”, em A Intolerância, op. cit., p. 209.<br />

6 Retomo aqui as conclusões de Philippe Douste-Blazy, no cap. 3 “A ação dos políticos”, em A Intolerância,<br />

p. 235.<br />

3


autoritários, assim como o perigo das idéias racistas. Tanto o debate sobre nazismo como o<br />

Holocausto passam, necessariamente, pela compreensão dos Direitos Humanos,<br />

possibilitando-nos refletir sobre a responsabilidade do Estado pela preservação da vida do<br />

cidadão. Através de uma análise crítica das teorias e práticas da exclusão implementadas<br />

pelo Terceiro Reich a partir de 1933 ( e que culminaram com o extermínio de milhões de<br />

judeus e não judeus) podemos desenvolver atitudes que favoreçam a convivência<br />

democrática e a construção da cidadania. 7<br />

Com este intuito elaboramos os programas das jornadas interdisciplinares sobre o<br />

ensino da história do Holocausto realizadas, nestes últimos anos, em São Paulo, Rio de<br />

Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Para este ano de 2010, por parte de da coordenação de São<br />

Paulo, optamos por trabalhar os temas da repressão e da resistência, referências importantes<br />

para a reconstrução de um passado que nem todos querem lembrar. Imagens de morte em<br />

massa, fome e degradação humana em todos os níveis se prestam para avaliarmos as<br />

consequências do nazismo para humanidade. Por outro lado, os atos de salvamento, as<br />

ações de solidariedade, a luta pela preservação do judaísmo e da cultura judaica, são<br />

exemplos expressivos de resistência enquanto forma de luta para preservar a dignidade<br />

humana.<br />

Múltiplas são as possibilidades pedagógicas pois através do história do nazismo e<br />

do Holocausto. Através do estudo dos fatos e do debate sobre o uso dos conhecimentos<br />

científicos e do abuso de poder, o papel dos líderes e dos intelectuais nos regimes<br />

totalitário e democrático, a professor poderá orientar o jovem aluno a posicionar-se de<br />

forma crítica, responsável e construtiva em diferentes situações sociais. Aliás, este é um dos<br />

objetivos da escola, seguindo as propostas dos Parâmetros Curriculares: “formar cidadãos<br />

capazes de atuar com competência e dignidade na sociedade atual; eleger, como objeto de<br />

ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada<br />

momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são consideradas essenciais para que<br />

os alunos possam exercer seus direitos e deveres”.<br />

Cabe ao professor criar situações que deixem os alunos intrigados incentivando-os a<br />

fazer pesquisas, indagar, valorizando o resgate da memória histórica e o debate de idéias.<br />

O desafio da escola está em reconhecer a diversidade etnocultural procurando superar<br />

qualquer tipo de discriminação. Dependendo do conteúdo selecionado por cada disciplina,<br />

o professor poderá orientar o aluno a fazer entrevistas com sobreviventes do Holocausto,<br />

pesquisar documentos e fotografias, selecionar matérias de jornais noticiando os fatos e, até<br />

mesmo, incentivá-lo a produzir um texto ou uma exposição iconográfica, produtos a serem<br />

apresentados em um seminário.<br />

O essencial é que os educadores tenham consciência da importância desses conteúdos<br />

garantindo-lhes um tratamento apropriado. A escola e a sociedade devem ser vistas como<br />

espaços vivos onde a cidadania pode ser exercida e aprendida. A própria realidade em que<br />

vivemos pode se prestar como ponto de partida para a abertura do debate: as paisagens<br />

7 Sobre este tema ver GILBERT, Martin. Holocausto. História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra<br />

Mundial. Tradução Samuel Feldberg e Nancy Rosenchan. São Paulo, Hucitec, 2010; CARNEIRO, Maria<br />

Luiza Tucci. Holocausto, Crime contra a Humanidade. São Paulo, Ática, 2007; BANKIER, David. El<br />

Holocausto. Jerusalém, Editorial Magnes; Universidad Hebrea; Yad Vashem, 1986; SELIGMANN-SILVA,<br />

Márcio. 2005. O local da diferença. Ensaios sobre Memória, Arte, Literatura e Tradução, S.Paulo, Editora<br />

34, 2005, pp. 63-80; SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). 2003. História, Memória, Literatura. O<br />

Testemunho na Era das Catástrofes, Campinas, Editora da UNICAMP, 2003.<br />

4


urbanas (com grafites e pichações preconceituosas), os grupos de jovens (punks, darks,<br />

heavy metals, rappers, funkeiros), as comunidades religiosas (judaica, católica,<br />

Testemunhas de Jeová, muçulmana e pequenas seitas), os grupos raciais distintos (negros,<br />

indígenas, brancos, amarelos), etc.<br />

A elaboração de um projeto pedagógico multidisciplinar poderá envolver várias<br />

disciplinas de um programa escolar, com ênfase nos temas transversais e suas<br />

possibilidades de reflexões para um mundo mais tolerante. A seguir apresentamos algumas<br />

possibilidades de cruzamentos temáticos que poderão integrar um projeto temático sobre o<br />

Holocausto, enquanto crime contra a Humanidade 8 , envolvendo um conjunto de<br />

disciplinas:<br />

-História Contemporânea: que certamente colocará em discussão fatos sobre a<br />

República de Weimar, Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, o Nazismo e<br />

Segunda Guerra Mundial, direitos humanos, imigração, matrizes ideológicas,<br />

compromissos e atitudes dos cidadãos, grupos e povos na construção e na reconstrução das<br />

sociedades, o conceito de Estado Totalitário e Democrático, o papel dos líderes na História,<br />

o antissemitismo como um fenômeno político, a Partilha da Palestina, a formação do<br />

Estado de Israel e os atuais conflitos no Oriente Médio.<br />

História Medieval e Moderna: A Inquisição Ibérica e a perseguição aos cristãos-novos;<br />

símbolos e indumentária usada para discriminar os judeus e cristãos-novos; os autos-de-fé<br />

enquanto formas de “purificação” da sociedade Ibérica; legislação discriminatória contra os<br />

judeus na Espanha e Portugal, estratégias de exclusão dos judeus obrigados a residir em<br />

guetos; o mito ariano sacramentado através dos estatutos de pureza de sangue.<br />

-Língua Portuguesa: o poder de persuasão da palavra escrita e oral (discursos<br />

antissemitas); literatura sobre o Holocausto, os livros e discursos antissemitas, diários de<br />

memórias, crítica do discurso antissemita analisando os valores e personagens; o papel dos<br />

livros de infantis entre as crianças alemãs com suas histórias sobre os judeus e os arianos<br />

(ver livros de Karl May, autor popular na Alemanha nazista); as leituras de Adolf Hitler<br />

(livros infantis, as várias edições dos Os Protocolos dos Sábios de Sião, obras antissemitas<br />

do compositor Richard Wagner, de Arthur de Gobineau, e outros teóricos racistas do século<br />

XIX.<br />

- Língua Estrangeira (alemão): estudo das expressões totalitárias (Heil Hitler !) e<br />

antissemitas (judenrein = limpa de judeus).<br />

-Ciência Naturais/Biologia: ciência médica a serviço do nazismo, conceito de raça e<br />

minorias nacionais, o papel social dos médicos e cientistas (os chamados “guerreiros<br />

biológicos”), os programas de eutanásia, o conceito de “sujeira biológica” e de “limpeza<br />

racial”; Albert Einstein contra o nazismo, a moderna tecnologia a serviço da prática do<br />

extermínio.<br />

8 Estas propostas foram por mim abordadas nos livros de minha autoria: Holocausto Crime contra a<br />

Humanidade. São Paulo, Ática, 2000; O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Antissemitismo no Brasil. São<br />

Paulo, Perspectiva, 2003.<br />

5


-Geografia Física, Urbana e Humana: conceito de espaço vital, militarismo e<br />

delimitação de fronteiras, cartografia da Europa antes da ascensão de Hitler, durante e no<br />

após-guerra, índices populacionais, mapeamento dos guetos, campos de concentração e<br />

pontos de massacre, a imigração forçada dos judeus/apátridas que, a partir de 1933, alterou<br />

o mapa populacional da Europa e de vários países das Américas, as trilhas do avanço<br />

nazista (para o Leste) e as rotas de fuga dos refugiados judeus (Oeste), o conceito de países<br />

satélites na época da Segunda Guerra Mundial (Eslováquia, Hungria, Romênia, etc).<br />

-Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie nos campos de<br />

concentração/extermínio. A manipulação dos números e dos dados estatísticos pelas<br />

autoridades do III Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra os judeus,<br />

ciganos, comunistas, etc.<br />

-Geometria: o poder simbólico das formas (suástica, estrela de David, triângulo, cone,<br />

círculo) e das cores (identificação das minorias: homossexuais, judeus, testemunhas de<br />

Jeová, ciganos, etc).<br />

-Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie nos campos de<br />

concentração/extermínio. A manipulação dos números e dos dados estatísticos pelas<br />

autoridades do III Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra os judeus,<br />

ciganos, comunistas, etc.<br />

-Estética: o nazismo como uma empreitada para “embelezar”o mundo, livrando-se de tudo<br />

que era considerado “impuro”, “imperfeito”, “repugnante”; os diferentes caminhos da<br />

estética; os padrões de beleza física adotados pelo III Reich (o culto ao classicismo, o<br />

papel de Speer (o arquiteto oficial do Reich) que projetou a “nova Berlim” segundo o estilo<br />

idealizado pelo regime (o neoclassicismo monumental).<br />

- Os meios de comunicação e a propaganda política: o poder da máquina de<br />

propaganda do III Reich na formação de uma mentalidade racista; a mensagem dos<br />

posteres políticos e antissemitas; os jornais antissemitas enquanto formadores de opinião; o<br />

papel do rádio na transmissão de valores, a força dos gestos (saudações, gritos e<br />

aclamações) e símbolos enquanto expressão da mística nazista.<br />

- Cinema: o cinema enquanto veículo da ideologia nazista e registro da memória, a realidade<br />

forjada e filmada no campo de concentração de Terezin, composição plástica das cenas ( a<br />

linguagem cinematográfica), o emprego de signos (efeitos ideológicos). Nesta categoria se<br />

encaixam os documentários: O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935) e os filmes<br />

Vitória da Fé (Sieg des Glaubens, 1933), Dia da Liberdade: Nosso Exército (Tag der<br />

Freiheit: Unsere Wehrmacht, 1935) e Olympia (1938), produzidos pela cineasta Leni<br />

Riefenstahl.<br />

-Fotografia: a fotografia enquanto veículo de propagação do ideário nazista; o III Reich<br />

fotografado por Heinrich Hoffmann (o fotógrafo oficial de Adolfo Hitler e membro da<br />

Comissão de Exploração da Arte Degenerada) ou as fotografias do “gueto” de Varsóvia<br />

enviadas pelo diplomara brasileiro Jorge Latour para o Itamaraty, em 1936. Importante<br />

discutir o uso que as fotografias podem ter se empregadas na construção da imagem do<br />

grande salvador (no caso Hitler) ou para identificar o inimigo- objetivo, no caso os judeus<br />

6


classificados como “raça inferior” pelo Estado nazista, conceito endossado pelo governo<br />

brasileiro conforme documentação diplomática sob a guarda do Arquivo Histórico do<br />

Itamaraty (consultar o site www.aqrshoah.com.br).<br />

- Artes Plásticas: o papel da arte enquanto instrumento de protesto e de crítica social, o<br />

conceito de arte/raça pura e degenerada ; os “artistas frustrados do III Reich, como Joseph<br />

Goebbels e Adolf Hitler; escultura e símbolos nazistas (águia, caveira), as caricaturas<br />

antissemitas. No caso dos artistas judeus considerados pelo regime nazista como<br />

“produtores de arte degenerada” pode-se analisar o caso do pintor Lasar Segall, radicado no<br />

Brasil, que teve várias de suas obras confiscadas pelos nazistas. Uma visita ao Museu Lasar<br />

Segall, em São Paulo, é uma oportunidade impar para o conhecimento da produção artística<br />

desse pintor que, entre 1937 e 1946, retratou a guerra, a morte nos campos de concentração,<br />

os pogrons, os refugiados e os sobreviventes dos campos de concentração. Este conjunto de<br />

imagens pode ser também consultado no livro Judeus e Judaísmo na Obra de Lasar<br />

Segall. 9<br />

- Arquitetura: analisar a projeção do ideário do Estado alemão através da estética nazista,<br />

da arte e da arquitetura. Em alguns casos é possível interpretar o nazismo enquanto<br />

“empreitada para embelezar o mundo” ou a arquitetura à serviço do totalitarismo, da<br />

exclusão e das minorias éticas consideradas como „indesejadas”. Importante analisar o<br />

espaço e a construção dos campos de concentração, dos guetos e as condições deterioração<br />

da vida humana marcadas pela proliferação da fome, das doenças, da desintegração do “eu‟<br />

e da morte planejada pelo Estado nazista.<br />

- Música: o jazz segundo o nazismo (enquanto música degenerada), os músicos judeus do<br />

campo de Terezin e os pequenos violinistas do gueto de Varsóvia, a música de Richard<br />

Wagner à serviço do Terceiro Reich.<br />

3. Sugestões de questões a serem formuladas para o aluno (com sugestões de<br />

respostas)<br />

Seguem aqui algumas sugestões de perguntas/respostas” ao professor que poderá<br />

ampliá-las discutindo junto aos seus alunos filmes, apresentando imagens através de<br />

equipamentos de multimídia ou analisando textos de época em classe. Antes dos alunos<br />

responderem o questionário, o professor poderá traçar comentários sugerindo novos<br />

conhecimentos e reflexões possíveis. As respostas poderão ser ampliadas tendo como base<br />

as informações e análises aqui sugeridas:<br />

1.Você considera importante o ensino do tema do Holocausto em sala de aula?<br />

Justifique.<br />

Esta questão poderá ser respondida a partir de um debate em classe durante o qual os alunos<br />

devem ser incentivados a dar sua opinião pessoal. O diálogo pode ser antecedido pela<br />

apresentação do filme A Outra História Americana que explora a história de um jovem<br />

neonazista nos EUA de hoje e proporciona a reflexão sobre o emprego da violência entre<br />

9 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; LAFER, Celso. Judeus e Judaísmo na obra de Lasar Segall. São Paulo,<br />

Ateliê Editorial, 2004.<br />

7


um grupo de skinhead . Será importante o aluno comentar acerca dos seguintes itens: a<br />

conseqüência catastróficas dos regimes totalitários e das teorias racistas, a importância de<br />

estudarmos o passado para evitarmos que crimes como o Holocausto sejam praticados<br />

contra a Humanidade, que avaliando os atos de barbárie praticados pelos nazistas teremos<br />

condições de refletir sobre o papel do Estado que deve preservar a vida do cidadão,<br />

reconhecer o perigo da proliferação das práticas racistas e totalitárias, e desenvolver uma<br />

atitude de solidariedade e capacidade de conviver com as diferenças étnicas, culturais e<br />

políticas.<br />

2.Defina o conceito de Estado Totalitário em oposição ao conceito de Estado<br />

Democrático, tendo por base os termos da atual Constituição do seu país.<br />

Totalitarismo pode ser entendido como um sistema de governo característico do século XX.<br />

Tanto o Nazismo na Alemanha como o Stalinismo na ex-União Soviética são exemplospadrão<br />

para os estudos sobre totalitarismo, apesar das diferenças ideológicas que os<br />

distinguem. O III Reich pode ser considerado como a expressão máxima de um Estado<br />

totalitário. Nos países de regime totalitário, as massas são cooptadas por meio da<br />

propaganda e pelo terror. Neste particular, os discursos de Hitler e dos seus generais são<br />

verdadeiros “modelos de propaganda”. O povo acaba por viver uma verdadeira “guerra<br />

psicológica”, sofrendo ameaças . Filmes contemporâneos de ficção sobre o nazismo têm<br />

conseguido ilustrar o fascínio que o movimento nacional-socialista exerceu sobre os<br />

alemães valendo-se da idéia de espetáculo. Dentre estes filmes cabe lembrar O Tambor, de<br />

Volker Schlondorff e Cabaret, dirigido por Bob Fosse.<br />

Neste caso, o Estado detém o poder absoluto, empregando a violência para assustar<br />

o povo, proibindo toda e qualquer crítica ao regime. Ao poder externo corresponde a ordem<br />

jurídica interna do Estado forte, o Estado policial. Vale-se de uma pseudo-ciência, de falsas<br />

estatísticas e de teorias racistas para impor a sua verdade criando um “mundo fictício” que<br />

compete com o mundo real. Funciona como se fosse uma sociedade secreta mantida por<br />

uma Policia que é o principal braço repressor do Estado. No Estado totalitário pode ser<br />

observada uma dupla autoridade : do Partido e do Estado que convivem e atuam em nome<br />

da Ordem. A hierarquia é rígida obedecendo o grau de militância dos seus membros. O<br />

chefe (no caso , o Führer) é apresentado como infalível, sagrado, um agente de forças<br />

superiores. No seu entorno sobrevive uma “elite paramilitar ” composta de homens<br />

poderosos com qualidades demagógicas e burocráticas organizacionais.<br />

O Estado Totalitário opõe-se ao Estado Democrático cujos fundamentos podem ser<br />

identificados na atual Constituição Brasileira: cidadania, dignidade da pessoa humana,<br />

liberdade de expressão, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político.<br />

O Estado Republicano tem por objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária;<br />

erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais;<br />

promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras<br />

formas de discriminação. ((Sobre este conceito, o professor pode consultar a clássica obra<br />

de Hannah Arendt O Sistema Totalitário; de Alcir Lenharo Nazismo, o triunfo da vontade,<br />

citados na bibliografia. Para enriquecer esta questão, o professor pode debater com os<br />

alunos a situação vivenciada pelos negros no Brasil e nos Estados Unidos, países<br />

governados por uma democracia. Solicitar aos alunos que pesquisem o texto original da<br />

atual Constituição Brasileira.<br />

8


3. O que você entende por “relativismo perverso”?<br />

Os adeptos do “relativismo perverso”costumam eximir a responsabilidade do regimes<br />

totalitários da responsabilidade dos crimes contra a Humanidade. É com esta intenção que<br />

os grupos de extrema-direita (como os neonazistas e os revisionistas) procuram banalizar o<br />

sofrimento dos povos calcados em falsas comparações estatísticas e históricas<br />

apresentando grandes dramas humanos (como o Holocausto) como “mero detalhe” ou “um<br />

mal menor”. Através da propagação de livros, panfletos fábulas, histórias em quadrinhos e<br />

revistas especializadas procuram impedir que outros cidadãos tomem consciência da<br />

verdade. Muitas vezes, por motivos políticos, países em conflitos no Oriente Médio e<br />

grupos partidários da extrema-direita na França e Alemanha, tentam minimizar a catástrofe<br />

do Holocausto distorcendo os fatos.<br />

4. Como você situa o Brasil no debate sobre o Holocausto ? É possível afirmar que<br />

“vivemos um eterno relativismo perverso”, em que o autoritarismo, o racismo e o<br />

anti-semitismo são encarados com grande benevolência?<br />

O tema do Holocausto é raramente debatido e estudado nas escolas estaduais e particulares,<br />

com exceção dos centros de ensino gerenciados pela comunidade judaica que procura<br />

manter viva parte desta memória. Podemos afirmar que, somente nesta última década, é que<br />

tais temas -- Holocausto, Nazismo e Racismo -- mereceram espaço especial junto aos livros<br />

didáticos. Autores e professores (não-judeus) sempre se esquivaram deste debate e, muitas<br />

vezes, por falta de orientação. Parte da população brasileira só tomou ciência dos fatos<br />

quando filmes -- como A Lista de Schindler, de Steven Spilberg e A Doce Vida, de Roberto<br />

Begnini, foram premiados com o Oscar em 1994 e 1998. Raras são as pesquisas realizadas<br />

por historiadores brasileiros que tratam da nossa realidade racial e do passado racista do<br />

Brasil. Vale lembrar que, desde o final do século XIX, o governo e intelectuais brasileiros<br />

discriminavam os japoneses, os negros e os mulatos como “raças inferiores”. Durante o<br />

governo de Getúlio Vargas (1930-1945) vigoraram circulares secretas proibindo a entrada<br />

dos judeus e ciganos refugiados do nazismo. Obras anti-semitas, panfletos e propaganda<br />

racista circulam pela Internet (ainda que proibido por lei) propondo a morte de judeus,<br />

negros e homossexuais. No Rio Grande do Sul, a Editora Revisão, de propriedade de S.E.<br />

Castan chegou a publicar várias obras que tratam o Holocausto como a maior mentira do<br />

século. Uma destas obras Holocausto: judeu ou alemão ? esteve entre os livros de nãoficção<br />

mais vendidos em novembro de 1987. (O professor pode ampliar suas leituras<br />

acerca deste tema lendo algumas obras básicas como: Os Assassinos da Memória, de Pierre<br />

Vidal-Naquet; O racismo na História do Brasil: Mito e Realidade; O Anti-semitismo na<br />

Era Vargas, ambos desta autora )<br />

4.Quais seriam as principais diferenças entre as imagens veiculadas sobre os judeus e<br />

os arianos na Alemanha nazista ?<br />

Observação: Antes do aluno responder esta questão, o professor deve orientá-lo na<br />

observação dos cartazes e postais antissemitas que documentam este livro sobre<br />

Holocausto. Avaliar os personagens, cores e símbolos adotados pelo serviço de propaganda<br />

do Reich, dirigido por Goebbels.<br />

Os posters, os álbuns de figurinhas, as fotografias impressas e os cartões –postais<br />

nazistas devem ser avaliados como representações visuais capazes de condensar uma<br />

síntese das principais idéias defendidas pelo regime. Valendo-se de elementos retirados da<br />

realidade, estes artefatos visuais se prestavam para influenciar a opinião pública<br />

9


colaborando para a sustentação de uma “estética nazista”. Através das imagens<br />

reproduzidas por sofisticadas técnicas, podemos identificar aqueles que foram “eleitos”pelo<br />

regime nazista para representar o belo, o puro, a perfeição (o ariano) em contraposição com<br />

o feio, o perigoso, o degenerado (o judeu, o cigano). Nestes materiais de propaganda, os<br />

judeus são representados através de “traços negativos” que expressam a ideia de<br />

malignidade que lhes era atribuída pelo regime. Algumas expressões fisionômicas se<br />

repetem com o objetivo de produzir no “leitor” um sentimento de aversão e ódio. Nestas<br />

imagens os judeus têm o nariz adunco, olhos de ave de rapina, são gordos e barrigudos<br />

representando a figura do capitalista, explorador, ávido de lucros. Sua imagem vem sempre<br />

ligada ao dinheiro, ao lucro fácil, lembrando a figura de Judas que segura as moedas que<br />

recebeu pela traição de Cristo. Em outras situações, sua figura é animalizada tomando a<br />

forma de vampiros, vermes e serpentes viscosas, pois um dos objetivos dos antissemitas é<br />

de identificá-los com seres inumanos, animais perigosos, repelentes. Tais imagens se<br />

prestavam para justificar a prática da eutanásia e do extermínio.<br />

Os arianos, por sua vez, assumem o perfil de cidadãos “iluminados” envolvidos por signos<br />

nazistas. São jovens ingênuos, saudáveis, dignos de respeito e confiança. Os homens<br />

igualam-se aos heróis, expressando altivez, coragem e bravura. As figuras das mulheres<br />

arianas (consideradas como as guardiãs da raça ariana) são perfeitas, louras de olhos azuis,<br />

físico proporcional. Confinada ao lar é apresentada como a fiel companheira do homem,<br />

limitada à condição de “reprodutora de novos arianos” . Esteticamente irradiam beleza,<br />

saúde, alegria e felicidade. Podemos lembrar aqui, algumas cenas do filme O Triunfo da<br />

Vontade e Olympia, de Leni Riefenstal, onde a comunhão entre o povo (ariano) e o Führer<br />

são divinos.<br />

6. Podemos afirmar que havia uma tipologia para os campos ? Você vê diferença entre<br />

campos de concentração e campos de extermínio?<br />

É impossível estudarmos o Holocausto enquanto fenômeno político, se não avaliarmos o<br />

papel da propaganda, a Polícia enquanto agente do terror , os guetos e os campos como<br />

“espaços da exclusão e da morte premeditada”. Nada disto era fortuito. Grande parte dos<br />

conhecimentos que temos do funcionamento deste aparato foram extraídos dos processos<br />

do julgamento de Nuremberg, do processo de Eichmann (julgado em Israel em 1961) e de<br />

pesquisas acadêmicas que, nestas últimas décadas, vasculharam os arquivos secretos do<br />

extinto Reich. A ideologia eliminacionista do Reich e as necessidades econômicas<br />

decorrentes de uma situação de guerra, exigiram a diversificação dos campos de<br />

prisioneiros: campos de trabalhos forçados, , campos de concentração e campos de<br />

extermínio. Além destes existiam outros campos com especificidades próprias: campos de<br />

trânsito, campos para prisioneiros de guerra, campos para prisioneiros civis, campos para<br />

poloneses, campos penais. Em 28 de fevereiro de 1933, a lei para a proteção do povo e do<br />

Estado, possibilitou a abertura dos primeiros campos de concentração que tinham como<br />

principal objetivo „eliminar os inimigos internos do regime, fossem “reais ou imaginários”.<br />

A instalação dos “campos da morte” inauguraram uma nova fase da metódica<br />

eliminação dos judeus na Europa, acompanhada pelo avanço das tropas alemãs em direção<br />

ao Leste europeu. A instalação destes campos acompanha as diferentes fases de<br />

perseguição aos “inimigos do regime” (judeus, comunistas, ciganos, homossexuais,<br />

Testemunhas de Jeová, doentes mentais e físicos). Assim temos:<br />

10


Etapas da<br />

Perseguição<br />

1ª etapa:<br />

1933-1938<br />

2ª etapa:<br />

1939-1941<br />

Categoria e identificação Dados complementares<br />

Campos de concentração: Dachau (criado em<br />

1933, prestou-se como matriz para os demais<br />

campos), Quednau, Königswusterhausen,<br />

Bornim, Hammerstein, Oranienburg,<br />

Ravesnsbrück (campo feminino) e<br />

Mauthausen, Columbia Haus (Berlim).<br />

Campos de trabalho: já existiam na 1ª fase,<br />

mas a tendência se acentou após 1942, na 2ª<br />

etapa da guerra que exigia a abertura de<br />

estradas, fabricação de material bélico,<br />

alimentos e roupas para os soldados. Entre<br />

1940-1941, nas proximidades da fronteira<br />

soviética, foram criados campos de trabalho<br />

forçado para judeus. O mesmo acontecendo<br />

nos campos para prisioneiros civis e campos<br />

de trânsito.<br />

Campos de concentração: passaram por uma<br />

reformulação em decorrência da política antisemita<br />

e da situação de guerra. Deveriam fazer<br />

uso da infra-estrutura e da mão de obra dos<br />

territórios ocupados. Outros campos:<br />

Theresienstadt, Berlim, Vilna, Kovno,<br />

Letônia, Transilvânia e Frankfurt, etc.<br />

Campos para poloneses: criados durante o<br />

confronto com a Polônia em setembro de<br />

1938. Ali eram alojados cidadãos poloneses e<br />

prisioneiros de guerra que seriam deportados<br />

para a Alemanha. Deveriam construir<br />

fortificações para garantir uma infra-estrutura<br />

para a invasão alemã na ex-União Soviética.<br />

Campos de trânsito na Europa ocidental e<br />

Categoria dos presos: judeus,<br />

comunistas e seus<br />

simpatizantes, socialdemocratas,<br />

anarquistas,<br />

ciganos, homossexuais.<br />

Número de presos entre<br />

1933-1939: cerca de 165 mil<br />

a 170 mil Supervisão:<br />

Dachau e Columbia Haus<br />

estavam sob a supervisão da<br />

AS que tinha Himmler como<br />

seu comandante. Os demais<br />

campos foram assumidos<br />

pela SS.<br />

-Grupos de prisioneiros<br />

distintos: os<br />

Aussenkommando (levados<br />

para trabalhar fora dos<br />

campos cuidando da abertura<br />

e preservação de estradas,<br />

trincheiras e aeroportos) e os<br />

Firmenlanger (trabalhavam<br />

nos campos de empresas<br />

encarregadas de produzir<br />

material bélico.<br />

Oswald Pohl, diretor da<br />

WVHA, foi encarregado de<br />

administrar os prisioneiros<br />

dos campos de concentração.<br />

Assassinatos esporádicos e,<br />

posteriormente, de<br />

extermínio, começaram a ser<br />

praticados.<br />

A Polônia, invadida pelos<br />

alemães em 1º de setembro<br />

de 1939, transformou-se no<br />

laboratório da “Solução<br />

final”.<br />

Em 1944, cerca de 13<br />

11


3ª fase:<br />

1941-1945<br />

meridional para onde foram transladados<br />

milhares de judeus: Drancy (França),<br />

Westerbork (Holanda) e Breendonck<br />

(Bélgica), Fossoli e Bolzono (norte da Itália).<br />

Guetos: Bairros fechados e reservados<br />

especialmente para os judeus. Após a invasão<br />

da Polônia pelos alemães, uma grande número<br />

de guetos foram alí construídos em: Pietskow<br />

(1939), Lodz (1940), Varsóvia (1940). Em<br />

abril de 1943 ocorreu a rebelião do gueto de<br />

Varsóvia. Outras rebeliões foram registradas<br />

nos guetos de Minsk, Kovno e Zetl<br />

Campos de extermínio: às categorias<br />

identificadas nas fases anteriores somaram-se<br />

os campos de extermínio: Chelmno (1942:<br />

iniciou o extermínio dos judeus de parte da<br />

Polônia anexada pelo Reich); Belzec (para<br />

onde foram transportados os judeus de Lublin<br />

e Lvov), Treblinka II(para onde foram os<br />

judeus do gueto de Varsóvia). Auschwitz-<br />

Birkenau (principal local de extermínio).<br />

Outros campos: Lublin-Majdanek, Sobibor.<br />

Após 1941 foram construídos na Estônia para<br />

onde levados os judeus dos campos de<br />

Theresienstadt, Berlim, Vilna, Kovno,<br />

Letônia, Transilvânia e Frankfurt. Há registros<br />

de revoltas nos campos de extermínio de<br />

Kruszyna, Kyrchów, Minsk-Mazowiwcki,<br />

Sobibor, Treblinka e Auschwitz.<br />

campos de trânsito foram<br />

construídos em Varsóvia,<br />

sendo Pruszkow o principal<br />

deles.<br />

Um mês após a invasão da<br />

Polônia, Heydrich ordenou<br />

que os judeus fossem<br />

reagrupados nos grandes<br />

centros ferroviários e ali<br />

concentrados nos guetos. Os<br />

Eizatzgruppen cuidaram<br />

dessa operação.<br />

-Os judeus eram<br />

exterminados,inicialmente,<br />

em caminhões a gás,<br />

morrendo por asfixiamento.<br />

Posteriormente, passaram a<br />

ser empregadas câmaras de<br />

gás que tinham aparência de<br />

banheiro coletivo. Outros<br />

morriam de fome, doenças e<br />

desespero.<br />

Observação: O professor deverá orientar os alunos a observarem um mapa que identificando os<br />

locais de massacre (direção a leste) e os campos de extermínio. Algumas cenas do filme A Lista de<br />

Schindler podem ser avaliadas prestando-se para os alunos observarem como os judeus eram<br />

empregados nas indústrias que serviam ao Estado e aos industriais nazistas. Discutir com os alunos<br />

o item “O aparato institucionalizado do terror: etapas da perseguição”. Sugerir-lhes a montagem de<br />

um quadro seguindo o exemplo acima.<br />

7-.Que papel tiveram os membros da SS na execução da “Solução Final” nos campos<br />

de extermínio?<br />

A questão da “Solução Final” não deve ser atribuída, especificamente, a um grupo de<br />

homens. Aliás, a “culpabilidade” é um dos temas mais debatido neste últimos anos,<br />

discussão que ganhou forças após o lançamento do livro Os Carrascos Voluntários de<br />

Hitler, de Daniel Goldhagen (ver bibliografia citada). Muitos daqueles que foram julgados<br />

no Tribunal de Nuremberg, acusados de crimes contra a Humanidade, alegavam que<br />

estavam apenas “cumprindo ordens”, que “serviam à Pátria alemã”. Explicações<br />

12


convencionais procuram mostrar que os alemães (enquanto coletividade nacional) adotaram<br />

posições neutras ou condenatória em relação ao genocídio. Explicavam que cabia aos<br />

membros da hierarquia nazista as “ordens”para a matança. A tese defendida por Goldhagen<br />

é de que o Holocausto foi compartilhado pela maioria do povo alemão que não se limitou<br />

apenas a assistir o espetáculo do horror. Dezenas de outros cidadãos, homens comuns,<br />

foram mobilizados pelo regime aderindo ao programa de extermínio.<br />

Assim, podemos definir o Holocausto como o produto de uma mente maquiavélica e<br />

calculista que, subsidiada pelo aparelho burocrático do Estado, espalhou o ódio contra<br />

judeus, comunistas, ciganos e outras minorias. Importante papel tiveram os médicos e<br />

cientistas conhecidos como os “anjos da morte”. O extermínio de seis milhões de judeus foi<br />

decidido e executado por Hitler e seus homens (além de homens comuns do povo) entre<br />

1939-1944. Os comandantes da polícia política (os Eisatzgruppen) colocaram em execução<br />

as ordens recebidas de Heydrich. A SS, controlada por Himmler e seu auxiliar Heydrich,<br />

foi realmente o maior braço de repressão do regime. Estes estavam divididos em dois<br />

grupos distintos: Wafen SS (que atuavam como divisões militares de guerra) e os<br />

Einsatztruppen (comandos especiais responsáveis pela execução da política de extermínio<br />

na Rússia ocupada e pela segurança dos campos de concentração). Até novembro de 1941,<br />

esses comandos haviam assassinado cerca de meio milhão de judeus.<br />

8. Dois conceitos foram amplamente explorados pelo nazistas: o de raça degenerada e<br />

arte degenerada. Qual a relação deles com o programa de arianização idealizado pelo<br />

Reich?<br />

Um dos principais slogans anti-semitas do III Reich era o de construir uma<br />

Alemanha “limpa de judeus”. Não apenas de judeus, mas “limpa” de tudo que pudesse<br />

comprometer o projeto de arianização da Alemanha cujo povo deveria ser formado por<br />

elementos representativos de uma raça pura, perfeita, bela. Aqueles que apresentassem<br />

desvios (leia-se aqui “defeitos” morais, raciais e ideológicos) deveriam ser eliminados,<br />

ideia pregada por intelectuais desde o século XIX. Hitler, neste caso, foi o elemento<br />

detonador de uma mentalidade antissemita pré-existente. Entre os indesejáveis (inimigos do<br />

regime) estavam : os judeus, os homossexuais, ciganos, comunistas, as Testemunhas de<br />

Jeová, os deficientes físicos e mentais. Para avaliar, selecionar e exterminar os cidadãos<br />

indesejáveis foram criados institutos de pesquisa e uma polícia especial, além do cidadão<br />

comum que foi cooptado pelo regime. Verdades sobre as raças puras e as raças inferiores”<br />

foram “construídas” com o apoio de cientistas, médicos, educadores e filósofos. A partir de<br />

um projeto de arianização, o III Reich “estetizou” a vida alemã, fazendo valer a “vontade<br />

autoritária”, a vontade do Führer. Segundo a terminologia nazista, estes homens<br />

(inferiores) formavam uma categoria biológica e cultural de sub-homens (os<br />

Untermenschen), resultantes de uma degeneração (um desvio). Estes mesmos critérios (de<br />

raça pura/superior e impura/inferior) foi aplicada à arte.Da mesma forma como se proibiam<br />

casamentos entre judeus e arianos, também se proibia o jazz e a pintura moderna. Críticos<br />

de arte, contrários à arte impressionista, chegaram a clamar por uma “depuração da arte” .<br />

O tratamento de “patológica” dado à arte moderna não foi uma invenção do nazismo.<br />

Em 1913, um jornal alemão já havia classificado as obras de Kandinsky como “um sólido<br />

emaranhado de linhas” e o próprio artista como um “pintor insano”, irresponsável pelos<br />

seus atos. Em 1914, o tema foi discutido no Reichstag e o parlamento aprovou uma<br />

resolução contra a “degeneração”da arte. O debate não era exclusivo da Alemanha:<br />

aconteceu em outros países que julgavam os artistas “degenerados” como produtos do<br />

13


liberalismo. Essas idéias foram se tornando mais extremadas à medida que o movimento<br />

nazista ganhava forças. Em 1928, Paul Schultze-Naumberg publicou o livro Arte e Raça,<br />

em que fotografias de pessoas doentes e deformadas, obtidas de textos médicos, eram<br />

colocadas lado a lado com pinturas e esculturas modernas.<br />

Com a ascensão dos nacionais socialistas ao poder, a arte entrou em voga. Alfred<br />

Rosenberg, o ex-teórico da arte, tornou-se cabeça intelectual do partido, assumindo o cargo<br />

de “zelador de todo o treinamento e educação intelectual e espiritual do partido e das<br />

associações coordenadas"” . Artistas “degenerados” perderam os seus cargos; galerias<br />

foram fechadas, obras confiscadas e museus reformulados. Muitos preferiram deixar a<br />

Alemanha pois sequer podiam comprar tintas e pincéis. Deu-se início a um programa de<br />

“purificação da arte” que corria paralelo ao “programa de purificação da raça”. As obras de<br />

Matisse, Van Gogh, Cézanne, Munch e Picasso estavam entre as obras “expurgadas”.<br />

Coleções valiosas de obras confiscadas iam sendo empilhadas no Holfburg e no<br />

Kunsthistorisches Museum. Pilhagem e destruição marcou esta investida nazista contra<br />

objetos e pessoas. POVO, ARTE e ESTADO constituíram um trinômio inseparável no<br />

ideário nazista. Persistia o sentimento de que a multidão e a cultura alemãs deveriam<br />

formar um todo único, perfeito, sem desvios. A Alemanha queria ser uma bloco coeso, sem<br />

degenerações de qualquer espécie (ideológicas, raciais, de gênere e culturais). Caso o<br />

professor queira ter maiores informações sobre este texto deverá consultar a obra Europa<br />

Saqueada. O destino dos tesouros artísticos europeus no Terceiro Reich e na Segunda<br />

Guerra Mundial, de Lynn H. Nicholas. São Paulo: Companhia das letras, 1996). Slides das<br />

pinturas de Picasso, Matisse, Van Gogh e outros, poderão ser mostrados para os alunos<br />

abrindo o debate para esta questão.<br />

9. Qual a relação que pode ser feita entre a Shoah e a criação do Estado de Israel ?<br />

No final do século XIX, Theodor Herzl fundou na Europa um movimento nacionalista<br />

judaico que tinha por objetivo o restabelecimento de um Lar Judaico na Palestina. Este se<br />

tornou vitorioso em 1948 com a criação do Estado de Israel. A idéia de Herzl era de que, a<br />

partir do momento em que os judeus tivessem um lar próprio, o antissemitismo deixaria de<br />

existir. Conseguiu seguidores por toda a Europa e países da América. Com a ascensão de<br />

Hitler ao poder em 1933 e com o incremento da política anti-semita pelo Reich, os judeus<br />

alemães perseguidos pelo nazismo – e adeptos da idéia de terem um lar em terras da<br />

Palestina – começaram a procurar refúgio na Terra de Israel (Eretz Israel). Persistia nesta<br />

época a Política do Livro Branco que limitava a entrada de judeus na Palestina. O Livros<br />

Branco marcou o início da luta final pela formação de um Lar Nacional Judaico na<br />

Palestina e devem ser vistos como símbolo das restrições impostas pelos ingleses à<br />

emigração judaica durante a Segunda Guerra. Até então, um regime de mandato era<br />

estreitamente fundamentado na cooperação entre as autoridades britânicas e o movimento<br />

sionista. A grande fuga dos judeus perseguidos pelos nazistas precipitou o fim desta<br />

política sustentada pelos ingleses. Em 1939, Londres decidiu encerrar o mandato e preparar<br />

o país para a independência, tendo por base os índices demográficos do momento: 2/3 de<br />

árabes e 1/3 de judeus. Prevendo um período transitório de 5 anos, o governo britânico<br />

limitou a imigração judaica e a aquisição de terras na Palestina, de forma a não alterar essa<br />

proporção.<br />

O grupo sionista mais radical liderado por Davi Bem Gurion, decidiu por infringir as<br />

diretrizes dos Livros Brancos incentivando a imigração ilegal em massa para Eretz Israel.<br />

Organismos e comitês judaicos internacionais tentavam apoiar aqueles que estavam<br />

14


interessados em emigrar para a Palestina. Entre o final da guerra e a criação do Estado de<br />

Israel (1948) uma imensa corrente emigratória Ilegal) se intensificou levando refugiados<br />

judeus até a “terra prometida”. A agência clandestina Mossad Aliya Beit conseguiu fazer<br />

chegarem à Palestina cerca de 70.000 pessoas que se somaram a outros 13.000, levados por<br />

outros meios. Vários navios eram aprisionados com sobreviventes dos campos de<br />

concentração à bordo, como aconteceu com o navio Êxodus em 1947.<br />

A partilha da Palestina foi, finalmente, proposta por um projeto encaminhado em 1º de<br />

setembro de 1947 pela Comissão de Inquérito das Nações Unidas (UNSCOP). Meses mais<br />

tarde, em 29 de novembro de 1948, nasceria o Estado de Israel, confirmado pela maioria de<br />

dois terços na Assembléia Geral das Nações Unidas.<br />

10. Você certamente já ouviu falar dos neonazistas. Qual a similaridade das idéias<br />

defendidas por esses grupos com os princípios sustentados pelos nazistas nos anos<br />

1930 e 1940 na Alemanha ?<br />

No dia 31 de janeiro de 2000, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que “cerca de 600<br />

jovens neonazistas desfilaram pela primeira fez, desde a Segunda Guerra Mundial, através<br />

do Portão de Brandembrugo (Arco do século XVIII e o maior símbolo da nação alemã) em<br />

Berlim, num protesto contra um monumento em homenagem aos judeus mortos no<br />

Holocausto (futuro Memorial do Holocausto). Udo Voigt, presidente da ala neonazista do<br />

Partido Nacional Democrático, disse que esse projeto é “uma mancha indesejável na capital<br />

do Reich”. Vale ressaltar que diversos desfiles organizados pelo Partido nazista entre 1933-<br />

1945, foram conduzidos através deste portão que ficou fechado quase 50 anos. Só foi<br />

reaberto após a queda do Muro de Berlim e o processo de reunificação do país. Durante o<br />

ato de protesto, os neonazistas portavam bandeiras imperiais alemãs e vestiam roupas<br />

pretas compondo uma “estética nazista”. As cabeças raspadas compõem o seu visual, além<br />

de portarem suásticas tatuadas no corpo.<br />

Os neonazistas -- considerados como grupo de violência -- defendem, como os nazistas a<br />

supremacia da raça ariana. Adotam o nazismo e a Ku Klux Klan como modelos,<br />

expressando seu ódio contra negros, judeus, mendigos e homossexuais. Têm seguidores<br />

em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde fazem ecoar as clássicas saudações<br />

nazistas: Heil Hitler ! e Sieg Heil ! Hitler é considerado o seu líder espiritual enquanto que<br />

seus atos são valorizados como expressão de heroísmo. Têm profanado cemitérios judaicos,<br />

incendiado ambientes e pessoas consideradas como “indesejáveis”. Alimentam seus<br />

seguidores distribuindo um farto material de propaganda racista e política que circula<br />

através da Internet, catálogos e fanzines (revistas produzidas manualmente). O<br />

comportamento e as idéias do neonazistas americanos poderão ser avaliadas através de um<br />

debate acerca do filme A Outra História Americana.<br />

11.Você já assistiu a algum filme sobre o Holocausto ? Qual? Comente a respeito.<br />

Caberá ao professor, em conjunto com seus alunos e direção da escola, selecionar alguns<br />

dos filmes para serem debatidos em classe. Seria interessante que, antes da exibição,<br />

arrolados algumas elementos à serem observados como por exemplo:<br />

- Se a moral nazista e o discurso antissemita se fazem presentes nos diálogos;<br />

- Reconstituição dos cenários da época (1933-1950): residências dos nazistas e dos judeus,<br />

indumentária dos diferentes grupos (SS, AS, chefes nazistas, judeus, ciganos).<br />

15


- País ou cidade onde se desenvolve o filme procurando observar os diferentes espaços de<br />

segregação (guetos, campos de concentração, prisões militares, etc.), espaços de trabalho<br />

(fábricas, oficinas, campos de trabalho), espaços de lazer (praças públicas, cinemas,<br />

balneários) e espaços de educação (colégios)<br />

- No caso de documentários observar o uso de luz e sombra, a sacralização do Führer, cenas<br />

de exaltação à Alemanha, hinos, a figura do cidadão “ariano” e do cidadão “judeu”, uso de<br />

símbolos ( suástica, águia, estrela-de-davi, etc).<br />

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Intolerância. Unesco, 27 de março de 1997. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.<br />

16


AS LEIS DE NUREMBERG: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA<br />

EXCLUSÃO DE MINORIAS.<br />

Tulio Chaves Novaes 10<br />

I- PROPOSTA PEDAGÓGICA: Uma abordagem histórica sobre o processo de<br />

construção dos direitos humanos na modernidade<br />

O direito, visto como o conjunto de regras e princípios que regulamentam e<br />

organizam a vida social em determinado tempo e espaço, apresentou-se durante o século<br />

XX como um dos instrumentos mais eficazes de sujeição e controle das pessoas através da<br />

força ou autoridade de determinado governo.<br />

Historicamente, o aval oficial de uma lei nacional de referência funcionou<br />

como etapa estratégica pedagógica ao projeto progressivo de dominação global, conduzido<br />

pelo poder totalitário. Todos os atos opressivos, realizados pelo Estado nazista no início da<br />

perseguição aos judeus, por exemplo, foram praticados dentro da mais rigorosa aferição<br />

legal, proveniente de um conjunto de leis concebidas de maneira perfeitamente válida em<br />

sua aparência, mas de forma completamente deplorável em seu conteúdo.<br />

Assim, sob certo viés analítico, o direito, entendido como sinônimo de lei,<br />

não é algo comprometido com a noção de bem ou mal – que são vetores morais<br />

contingentes à determinada conjuntura sócio-cultural. Apesar de admitir diversas<br />

abordagens metodológicas, este ramo do conhecimento humano em si não se confunde com<br />

ciência, filosofia, ou arte tampouco; representa, no entanto, mecanismo instrumental<br />

indispensável à sistematização, organização e controle do poder. Sem o direito o poder é<br />

como um pesado vagão de trem, descendo uma ladeira íngreme, sem freio, nem trilho, nem<br />

maquinista definido!<br />

Este papel estruturante referenciado não diminui a importância pragmática<br />

do universo jurídico na reprodução dos valores sociais vigentes. Muito pelo contrário. Na<br />

Alemanha nazista a desumanização do povo judeu não representou fenômeno vinculado<br />

somente a causas sociológicas ou culturais. A complexa etiologia do holocausto inclui o<br />

incentivo pedagógico, dado pela oficialização da discriminação através da promulgação de<br />

legislação nacional francamente racista e restritiva, no rol de suas causas essenciais.<br />

A partir do momento em que a violência tornou-se juridicamente<br />

institucionalizada, o menosprezo pelo direito à diferença, culminando com a bestialização<br />

de seres humanos, transformou-se em algo trivial. Assim, as “Leis de Nuremberg” de 1935<br />

representaram o passo fundamental ao reforço do discurso ideológico totalitário, praticado<br />

pelo governo nazista em nome da lei, da justiça e da desvirtuada razão de Estado. Não<br />

fortuitamente, destes três últimos elementos listados, a razão de Estado define possibilidade<br />

de ingerência da política no sistema jurídico, propiciando seu condicionamento ideológico.<br />

E foi justamente através da via ideológica que o poder que oprime introduziu no direito<br />

posto suas regras de dominação, criando verdadeiras aberrações jurídicas do ponto de vista<br />

10 Tulio Chaves Novaes é bacharel em direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em direitos<br />

fundamentais e relações sociais pela UFPA; doutorando em direitos humanos pela Universidade de São<br />

Paulo (USP) e membro do LEER/USP desde 2009. Atualmente exerce a profissão de Promotor de Justiça e<br />

professor de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade Luterana do Brasil em Santarém (PA).<br />

17


ético e moral, como as referidas “Leis de Nuremberg”. Opressão institucionalizada e<br />

racismo, desta feita, caminham quase sempre de mãos dadas.<br />

Os mecanismos de ideologização do direito, propostos pela Lei da<br />

Cidadania do Reich e pelas Leis para a Proteção do Sangue e Honra Alemã, promulgadas<br />

pelo Estado alemão em 24 de setembro de 1935, como veremos nos tópicos seguintes,<br />

foram os mais diversos possíveis. Conforme o nível de institucionalização dos vetores e<br />

necessidade de controle das massas, tais elementos variaram da oficialização dos mitos<br />

sociais ao apelo ostensivo ao nacionalismo unificador do discurso do triunfo sobre o<br />

inimigo objetivo.<br />

Ocorre que, apesar do grande malefício provocado ao povo judeu, o resgate<br />

histórico da memória da legislação nazista dos anos 30, em parte, proporcionou a<br />

cristalização moderna daquilo que costumeiramente chamamos direito internacional dos<br />

direitos humanos; ou seja, o conjunto sistemático de normas positivas e princípios<br />

jurídicos, supranacionais, encabeçadas pela Declaração Universal de 1948, que visam<br />

proteger certos valores históricos universais, tidos como pertencentes a todas as pessoas.<br />

Partindo deste ponto específico, portanto, explicitaremos algumas<br />

convicções generalizadas sobre a natureza de tais direitos para, em seguida, entender como<br />

a retirada da cidadania dos judeus representou etapa essencial ao processo de<br />

desumanização perpetrado pelo Estado nazista, que culminou com o genocídio praticado<br />

nos campos de extermínio.<br />

Além de reconhecer o papel da cidadania na construção dos direitos<br />

humanos fundamentais e na prevenção aos influxos autoritários do poder político,<br />

procuraremos demonstrar, com a presente exposição, que, sem a memória dos fatos<br />

opressivos e sem consciência crítica para identificar e combater manifestações pragmáticas<br />

da intolerância moderna, a história da discriminação e do preconceito, como o castigo de<br />

Prometeu, tende a reproduzir em escala seus efeitos na atualidade.<br />

II- Noções Teóricas Sobre Direitos Humanos Fundamentais 11<br />

Existem diversas explicações que procuram conceituar teoricamente o que<br />

seriam os Direitos Humanos Fundamentais. Pela objetividade semântica e didática, bem<br />

como pela profundidade de conteúdo, apresentamos a definição fornecida pelo professor<br />

André de Carvalho Ramos, da Universidade de São Paulo, o qual entende os direitos<br />

humanos da seguinte maneira:<br />

...conjunto mínimo de direitos necessário para assegurar uma vida do ser humano baseada na<br />

liberdade, igualdade e na dignidade 12 .<br />

11 Diante do atual nível de evolução jurídica da disciplina, ficamos com o entendimento de que não mais<br />

existe diferenciação de fundo entre os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, significando<br />

ambas as expressões a mesma coisa. A doutrina clássica identificava diferenças espaciais entre os dois<br />

conceitos, localizando os direitos fundamentais no âmbito das Constituições dos Estados e os direitos<br />

humanos em documentos internacionais. Atualmente, com a crescente aproximação de conteúdo entre as<br />

normas pertencentes aos dois campos, acreditamos não mais existir razão epistemológica para tal divisão.<br />

Contudo, diante da necessidade de se preservar o marco metodológico original e evidenciar ainda a<br />

existência de dualidade de ordens jurídicas a regular a mesma disciplina, preferimos aglutinar as duas<br />

nomenclaturas tradicionais em uma mesma locução intencionalmente pleonástica, qual seja “Direitos<br />

Humanos Fundamentais”.<br />

18


Na definição encontramos alguns elementos estruturais que denotam a raiz<br />

pragmática destes tipos especiais de normas, pois as mesmas são apresentadas como um<br />

conjunto de direitos, evidenciados pela sua necessidade de gozo ou efetivação. Mas, de<br />

fato, que tipos de direitos seriam estes? Qual a sua ontologia? Para responder a estas<br />

perguntas acrescentaríamos à idéia conceitual inicial o referencial histórico que lhes<br />

condiciona e define o conteúdo.<br />

Entendidos desta maneira, os direitos humanos, no seu conjunto,<br />

correspondem à conquista moderna da sociedade humana, resultante da superação de<br />

momentos históricos de opressão e do reconhecimento dos povos da necessidade de<br />

proteção de certos valores fundamentais à vida com dignidade.<br />

Não são direitos unilateralmente prescritos por uma mente privilegiada, ou<br />

por algum outro tipo de fonte inspiradora politicamente conveniente, como ocorria na Idade<br />

Média com o chamado direito natural, ditado pela cúpula da Igreja Católica Romana. Ao<br />

contrário disto, hodiernamente, tais direitos encontram-se vinculados em base socialmente<br />

verificável, determinada pelo consenso internacional e aprendizado histórico proveniente<br />

do reconhecimento de graves erros do passado.<br />

Tendo a condição humana como única exigência, estes direitos especiais<br />

fornecem base concreta para a caracterização do valor dignidade humana 13 , o qual, na sua<br />

essência, firma impossibilidade de se estabelecer qualquer tipo barganha com certos bens<br />

humanos tidos por inalienáveis. São espécies destes bens a liberdade, a privacidade, a<br />

nacionalidade, a propriedade, o trabalho remunerado de forma justa, a educação, a saúde, a<br />

alimentação, a família, a proteção por tribunais oficiais neutros, a integridade física e<br />

mental, a segurança pessoal etc. Bem como outros direitos que venham à lume através do<br />

processo de desenvolvimento dialético histórico.<br />

O significado moral desta injunção reside no entendimento de que o ser<br />

humano não pode ser comparado, nem tratado como coisa fungível ou descartável. Esta<br />

característica ensejaria noção de preço. Já a idéia de dignidade suscitaria propriedade bem<br />

diferente, qualificada pela doutrina kantiana como inegociável.<br />

Próximo ao conceito de história, fornecido por Walter Benjamim 14 antes de<br />

seu suicídio, ocorrido em circunstâncias suspeitas em setembro de 1940, sob a pressão da<br />

invasão nazista à França e diante da instauração da ditadura de Vichy, percebe-se, que a<br />

12 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional; Rio de Janeiro:<br />

Renovar, 2005, p.19.<br />

13 Segundo SARLET, dignidade é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor<br />

de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo<br />

de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho<br />

degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida<br />

saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria<br />

existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” – SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da<br />

Pessoa Humana e Direitos Fundamentais; Porto Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001, p.60 apud RAMOS,<br />

André de Carvalho; op. cit, p.20.<br />

14 Para aprofundamento da temática vide: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura<br />

das Teses “Sobre o Conceito de História”; São Paulo: Boitempo, 2005.<br />

19


ase ético-material desta noção teórica permanece ligada à negação de todos os momentos<br />

históricos em que seres humanos foram tratados como objetos inanimados, passíveis de<br />

submissão ou destruição por parte de outras pessoas ou estruturas políticas totalitárias.<br />

Assim, ao sacralizar tais valores, a ordem jurídica internacional –<br />

simbolicamente através da negação dos campos de concentração, dos pogrons, das<br />

pilhagens e carnificinas organizadas, dos genocídios e etnocídios etc. –, acaba por entender<br />

e determinar a existência de alguns bens que não se sujeitam a nenhum tipo de preterição<br />

ou pechincha, nem mesmo diante do dogma da soberania estatal, hoje em dia não mais<br />

entendida como sinônimo de poder absoluto.<br />

O processo de construção do sistema jurídico internacional de direitos<br />

humanos fundamentais, tomando por base a Declaração Universal de 1948, de forma<br />

fundamental, pode ser dividido em dois momentos estruturalmente distintos:<br />

1) Antes deste marco, tínhamos o que se pode chamar de fase pré-jurídica, onde a força<br />

normativa de certos direitos tidos como inalienáveis ainda se sujeitava sobremaneira<br />

ao empirismo resultante do direito natural e às vicissitudes sócio-culturais de cada<br />

país soberano no exercício de sua boa vontade. Neste primeiro momento, diante da<br />

fragmentação da ordem política internacional – proveniente, mormente, das disputas<br />

bélicas e econômicas que motivaram a Primeira Grande Guerra e da inexistência de<br />

estrutura supranacional consensual, necessária à imposição de certos deveres e<br />

obrigações jurídicas aos entes estatais –, na prática administrativa diária cada Estado<br />

ditava a solução mais conveniente no campo da preservação de valores essenciais 15 .<br />

2) O segundo momento só viria com o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, em 10<br />

de dezembro de 1948, ano da fundação oficial do Estado de Israel em meio à dor<br />

proveniente das seqüelas incuráveis do pós-guerra e diante das imagens das<br />

atrocidades praticadas pelos nazistas nos campos de extermínio, a Assembléia Geral<br />

das Nações Unidas, fundada na legitimidade proveniente de concordância<br />

internacional, promulgou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 16<br />

Tal documento jurídico coroava normativamente uma série de direitos<br />

fundamentais e inalienáveis, tidos como pertencentes a todos os seres humanos,<br />

independentemente do que poderiam definir os Estados nacionais. Na prática o diploma<br />

internacional referido sintetizou diversos direitos históricos, ditos de primeira e segunda<br />

geração.<br />

Os direitos de primeira geração, qualificados como liberdades públicas<br />

essenciais, foram provenientes da declaração francesa de 1789 e representaram os valores<br />

relacionados à liberdade individual do cidadão frente ao Estado. Sua base subjetiva<br />

estabelecia um campo de garantias individuais imune à ingerência estatal, a não ser para<br />

15 Mas o problema primordial não se resumia apenas na ausência de estrutura orgânica e funcional eficiente<br />

para implementar tais direitos – fato que vincula-se muito mais às controvérsias humanísticas de hoje em<br />

dia. A principal característica deste momento inicial, que representava verdadeiro óbice a qualquer iniciativa<br />

de sistematização de leis, estava na ausência de uma base normativa internacional capaz de aglutinar<br />

objetivamente estes direitos em espécie.<br />

16 Para melhorar o entendimento sobre o tema vide PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos; série Rupturas; São Paulo: Editora Lazuli, 2006.<br />

20


eforçá-las e protegê-las. Por isso tais direitos foram também qualificados como liberdades<br />

negativas; ou seja, lugar onde, via de regra, não seria admissível qualquer intromissão<br />

estatal.<br />

Em espécie, classicamente, estas liberdades são as seguintes: liberdade<br />

pessoal, igualdade, proibição de discriminações, o direito à vida, à segurança, proibição de<br />

prisões arbitrárias, presunção de inocência, o direito ao julgamento pelo juiz natural, a<br />

liberdade de ir e vir, o direito de propriedade, a liberdade de pensamento e de crença, a<br />

liberdade de opinião, de reunião, de associação, o direito ao asilo, à nacionalidade, a<br />

liberdade de casar e os chamados direitos políticos 17 .<br />

Concomitantemente vieram os direitos de segunda geração, ou direitos<br />

sociais, que, por sua vez, foram concebidos a partir das conquistas trabalhistas do século<br />

XIX e XX, como as que resultaram na Constituição Mexicana de 1919, ou brasileira de<br />

1934.<br />

A exploração e a ausência de regulamentação da jornada de trabalho, em<br />

primeiro momento, provocaram lutas proletárias intensas que evidenciaram a necessidade<br />

de se resguardar direitos relacionados à esfera social das relações humanas. A vida do<br />

homem em sociedade, diferentemente do homem em suas relações interindividuais, sugeria<br />

a necessidade de intervenção do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas que<br />

dariam azo à diminuição de desigualdades e ao estabelecimento de melhores oportunidades<br />

de vida e subsistência. Por tal característica estes direitos são vistos como liberdades<br />

positivas, onde, ao contrário dos direitos individuais, a regra passa pelo gerenciamento e<br />

controle por parte do Estado.<br />

Estas disposições normativas, em resumo, correspondem à seguridade social,<br />

ao direito ao trabalho, à associação sindical, ao repouso, aos lazeres, à saúde, à educação, à<br />

vida cultural 18 .<br />

Esta base normativa internacional, representada pela Declaração Universal<br />

de 1948 e seus documentos primordiais, soa como verdadeira Constituição Mundial que,<br />

em reação em cadeia, resultou em diversos outros documentos jurídicos internacionais 19 .<br />

Diferentes em abrangência e importância temática, este conjunto de leis suscitou a<br />

subsistência de verdadeiro sistema mundial de disposições defensivas dos direitos humanos<br />

fundamentais.<br />

Com a proeminência de tal sistema jurídico específico a idéia westffaliana de<br />

soberania política, baseada na possibilidade irrestrita dos Estados gerenciarem a vida e os<br />

direitos das pessoas sujeitas ao seu poder, cedeu espaço a outro modelo protetivo, baseado<br />

na possibilidade de interferência internacional em qualquer lugar para a garantia destes<br />

direitos inalienáveis.<br />

17 Rol apresentado em FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais; 10ª. ed., São<br />

Paulo: Saraiva, 2008, p.53.<br />

18 Ibidem.<br />

19 Citamos, pela sua importância, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o<br />

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ambos ratificados pelo Brasil apenas em 1992).<br />

Igualmente mencionamos a Convenção americana sobre Direitos Humanos (conhecida com Pacto de São<br />

José da Costa Rica), que foi aderida pelo Brasil também em 1992.<br />

21


Desta forma, hoje em dia, pelo menos em tese, não há nem mesmo a<br />

necessidade de assinatura de tratados internacionais para obrigar determinado Estado a<br />

respeitar os limites salutares à sobrevivência das pessoas.<br />

As características primordiais dos direitos humanos fundamentais, por seu<br />

turno, podem ser listadas didaticamente através dos seguintes pontos objetivos 20 :<br />

Superioridade normativa: No plano interno ou no internacional as regras e princípios de direitos<br />

humanos sempre ocupam lugar de destaque, revelando superioridade na hierarquia das normas.<br />

Universalidade: Os direitos humanos fundamentais extrapolam a órbita da nacionalidade, ou limites de tempo e<br />

espaço. Adéquam-se a todas as pessoas, em qualquer momento da história, independentemente da idéia de<br />

soberania nacional ou idiossincrasias culturais.<br />

Indivisibilidade: Pois nenhum dos direitos humanos pode ser separado do seu contexto conjuntural, merecendo<br />

igual proteção.<br />

Interdependência: Não se podem desgarrar tais direitos, que se integram e interagem em uma mesma base<br />

intercomplementar; ou seja, não se pode agredir um determinado direito humano fundamental sem agredir os<br />

outros.<br />

Indisponibilidade: Em regra, ninguém pode renunciar aos direitos humanos fundamentais.<br />

Caráter erga homnes: Estes direitos foram criados para englobar não só as pessoas do mundo inteiro, mas<br />

também todos os Estados nacionais, independentemente de assinaturas de tratados ou outros documentos<br />

internacionais.<br />

Exigibilidade: Os direitos humanos fundamentais são eminentemente vinculados a uma necessidade ética; ou seja,<br />

a implementação prática de seus preceitos é crescente e obrigatória.<br />

Abertura: o valor que vivifica seu conteúdo não é imutável; ou seja, tais direitos são suscetíveis à evolução histórica<br />

e ao aprimoramento cultural.<br />

Aplicabilidade imediata: Tais direitos não dependem de outras leis ou quaisquer outros desdobramentos<br />

normativos para se efetivarem, podendo ser invocados de imediato nos Tribunais por parte dos interessados.<br />

Dimensão objetiva: Além de representarem direitos de pessoas, os direitos humanos fundamentais também<br />

denotam aspecto institucional, representado por deveres e garantias que devem ser obedecidos por todos.<br />

Proibição de retrocesso: Como patrimônio da humanidade, os direitos humanos fundamentais só podem ser<br />

ampliados ou aperfeiçoados, vedando-se aos Estados a possibilidade de diminuição ou aviltamento direto ou<br />

indireto do nível de proteção já alcançado.<br />

Eficácia horizontal: Além de validade nas relações entre particulares e o poder público, os mesmos direitos<br />

também valem e devem ser respeitados nas relações entre os próprios particulares.<br />

III- As Leis de Nuremberg<br />

A vigência da noção da soberania estatal como poder absoluto, bem como a<br />

inexistência orgânica e funcional de sistema jurídico internacional apto a fazer valer suas<br />

prescrições normativas, determinaram exemplos históricos contundentes de abusos,<br />

cometidos em nome da lei contra direitos fundamentais.<br />

As chamadas “Leis de Nuremberg”, compostas pelo conjunto integrado de<br />

duas outras legislações – as Leis para a Proteção do Sangue e Honra Alemã e a Lei da<br />

Cidadania do Reich – representam um destes malsinados modelos. Consistiram de per si<br />

em conjunto de normas jurídicas, ligadas a valores culturais segregacionistas e racistas,<br />

outorgadas em 15 de setembro de 1935 na cidade de Nuremberg pelo Parlamento Alemão<br />

(o chamado Raichstag), que, na ocasião, estava composto por integrantes do partido<br />

nazista.<br />

Esta legislação discriminatória prenunciou a perseguição sistemática ao povo<br />

judeu, criando um sistema racial de reconhecimento de cidadania, baseado, sobretudo, em<br />

critérios relacionados à pureza de sangue. Desta forma, quem não se enquadrasse<br />

biologicamente dentro dos padrões étnicos e culturais, definidos pela ordem jurídica como<br />

oficiais, estaria completamente alijado da proteção estatal, sujeitando-se a qualquer tipo de<br />

anátema.<br />

A regulamentação informada estruturava-se em duas direções: uma se<br />

relacionava aos aspectos formais da concessão e do reconhecimento da cidadania alemã; a<br />

20 Rol apresentado por RAMOS, André de Carvalho; op. cit, parte 2, pp. 163-255.<br />

22


outra, objetivando diretamente à marginalização dos judeus, compunha a delimitação e<br />

identificação dos sujeitos destes direitos.<br />

Dentro da primeira definição, modelando as regras da chamada “Lei da<br />

Cidadania do Reich”, relegou-se discricionariamente ao Estado o poder para a concessão da<br />

cidadania alemã como condição ao exercício de certos direitos fundamentais e proteção<br />

estatal. Os artigos desta lei afirmavam o seguinte:<br />

Artigo 1º: I)- Um sujeito do Estado é uma pessoa que pertence à união protetora do Reich alemão e que tem<br />

obrigações particulares com o Reich. II)- O status de sujeito é adquirido conforme providências do Reich e lei<br />

do Estado de Cidadania.<br />

Artigo 2º: I)- Um cidadão do Reich é aquele sujeito que é alemão ou que é de sangue alemão e que provar,<br />

por sua conduta, que deseja servir fielmente ao povo alemão e ao Reich. II)- O Direito de cidadania é<br />

conseguido pela concessão dos documentos de cidadania do Reich. III)- Somente o cidadão do Reich<br />

desfruta de Direitos políticos completos de acordo com as determinações das leis.<br />

Artigo 3º: O Ministro do Interior do Reich e o substituto do Führer emitirão os decretos legais e<br />

administrativos necessários para executar e completar esta lei.<br />

Complementando os objetivos discriminatórios da legislação apresentada,<br />

também em 15 de setembro de 1935, o governo nazista promulgou a chamada “Lei para a<br />

Proteção do Sangue e Honra Alemã”, que privava os judeus de quase todos os direitos civis<br />

individuais e políticos. Com a iniciativa, cindiu-se a sociedade alemã, para rebaixar<br />

oficialmente os judeus à qualidade de cidadãos de terceira categoria. Esta lei foi<br />

estabelecida nestes termos:<br />

Artigo 1º: I)- São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os<br />

casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido<br />

contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei. II)- Só o procurador pode propor a declaração de<br />

nulidade.<br />

Artigo2º: As relações extra-matrimoniais entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são<br />

proibidas.<br />

Artigo 3º: Os judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou<br />

aparentados com menos de 45 anos...<br />

Artigo 4º: I)- Os judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do<br />

Reich. II)- Mas são autorizados a engalanarem-se com as cores judaicas. O exercício dessa autorização é<br />

protegido pelo Estado.<br />

Artigo 5º: I)- Quem infringir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados. II)- Quem infringir os artigos 3º<br />

e 4º será condenado à prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas.<br />

Artigo 6º: O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do Ministro da<br />

Justiça, publicará as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei.<br />

As premissas que fundamentaram esta legislação extravagante ligavam-se,<br />

sobretudo, à necessidade de oficialização dos valores antissemitas no seio da sociedade<br />

alemã. A introdução de tais elementos anímicos no direito posto, por sua vez, consistiu em<br />

etapa secundária dentro do programa de totalização do poder, que não poderia ocorrer<br />

abruptamente de uma hora para outra.<br />

Assim, da maneira como se deu a manipulação das consciências individuais,<br />

o imaginário social, impregnado de referências simbólicas desqualificantes da comunidade<br />

judaica e de outras minorias étnicas, já estava preparado para receber tal legislação. Estes<br />

grupamentos humanos subordinados foram tendenciosamente identificados como inimigos<br />

do bem comum e como estorvo ao desenvolvimento sócio-econômico.<br />

Parte do projeto de recrudescimento do poder político nazista, desta maneira,<br />

passava de forma imprescindível pela necessidade de formação de mentalidade<br />

nacionalista, baseada no discurso da idéia de pureza de raça, e, o que era antes considerado<br />

como simples conveniência social, transformou-se em obrigação e meta política com a<br />

introdução de tais preceitos no sistema jurídico.<br />

IV- Premissas Discriminatórias de Nuremberg<br />

O estudo e o reconhecimento pedagógico da importância da educação para<br />

os direitos humanos através do aprendizado histórico viabilizam a compreensão da<br />

23


cidadania como requisito imprescindível para se viver com dignidade. Neste sentido,<br />

reconhecemos que o processo de desumanização sofrido pelo povo judeu, necessário ao<br />

projeto nazista de extermínio total, desenvolveu-se aos poucos a partir da decomposição<br />

gradual de aspectos centrais ao direito de cidadania daquelas pessoas.<br />

A cidadania pode ser entendida como a possibilidade de realização do<br />

conjunto de prerrogativas legais individuais, políticas e sociais necessárias para que<br />

determinada pessoa possa usufruir os benefícios e gozar isonomicamente as oportunidades<br />

resultantes da vida em sociedade com justiça e equidade. Seguindo a lógica moral dos<br />

valores humanísticos fundamentais, tal condição existencial pode ser simplesmente<br />

compreendida como capacidade de exercício de direitos e garantias essenciais à vida com<br />

dignidade.<br />

Sem a possibilidade de realização das faculdades disponíveis e indisponíveis<br />

que compõem institucionalmente a figura do cidadão não há nem mesmo como assegurar a<br />

noção jurídica de pessoa. Este termo, por seu turno, relaciona-se à possibilidade de se<br />

titularizar direitos e de se vincular a obrigações em determinado cenário legislativo. Em<br />

regra, somente uma pessoa física ou jurídica pode assumir estas qualidades; coisas e<br />

animais, por exemplo, são apenas objetos de direitos, nunca sujeitos.<br />

Desta maneira, a noção dogmática de homem para o direito positivo, revelase<br />

como a somatória dos atributos físicos e morais que determinada ordem jurídica define<br />

como pertinente em momento específico. Para entender melhor a assertiva, imagine retirar<br />

todo o patrimônio jurídico, físico e moral, arregimentado por alguém durante sua existência<br />

– tal como o nome, a honra subjetiva, os predicados pessoais de estado, os direitos civis,<br />

políticos, individuais e sociais, os bens materiais etc –; nesta situação, o que resta?<br />

Biologicamente vemos um membro da espécie humana; mas, na prática, para o mundo<br />

cívico, não temos nada além de um objeto 21 .<br />

Aliás, espalhados amiúde em diversos momentos históricos significativos,<br />

percebemos diversos exemplos em que membros da espécie foram alijados da condição<br />

humana simplesmente por um capricho conceitual da legislação. Assim ocorreu com as<br />

vítimas diretas do escravismo no Brasil, durante quase duas centenas de anos, com os<br />

negros americanos que vivenciaram as leis de “Jim Crow”, no início do século XX, ou com<br />

os judeus que sofreram a perseguição nazista, oficializada com as “Leis de Nuremberg”.<br />

O fato histórico pode até mudar, mas o processo de desumanização<br />

permanece semelhante. Perceba que a retirada oficial das faculdades que compõem a idéia<br />

de cidadania, em regra através de leis discriminatórias, parece sempre representar o passo<br />

antecedente à transformação de seres humanos em coisas descartáveis, com a retirada<br />

completa de todos os direitos e garantias fundamentais<br />

Neste aspecto, a opinião amplifica-se em importância na medida em que se<br />

verifica que a desumanização derradeira, sofrida pelos judeus que se encontravam sujeitos<br />

ao sistema de dominação nazista, fez parte de processo paulatino de transformação da<br />

consciência coletiva, do qual todos nós ainda hoje estamos sujeitos.<br />

21 O que os direitos humanos procuram fazer é vincular parte significativa do potencial<br />

transformativo da ordem jurídica a serviço do próprio homem, libertando sua definição das<br />

vicissitudes e conveniências de alguma legislação politicamente variante no tempo e no<br />

espaço. Com a noção de dignidade da pessoa humana, transmuta-se a idéia de homem do<br />

“ter” para o “ser”; ou seja, sob a ótica dos direitos humanos, basta ser homem para ter<br />

direitos fundamentais indisponíveis assegurados.<br />

24


O início deu-se com o apelo simbólico a estigmas sociais personificadores<br />

do inimigo objetivo, passou pela perda gradual de cidadania e alcançou o paroxismo, com a<br />

transformação daqueles seres humanos em coisas completamente substituíveis, aptas ao<br />

descarte através da chamada solução final.<br />

Primo Levi, um dos poucos judeus que sobreviveram a Auschwitz, relata<br />

com precisão este processo de degradação sofrido por todas as vítimas do holocausto, ao<br />

descrever o mecanismo sistemático de desumanização que as pessoas submetidas aos<br />

campos de concentração sofreram no apogeu da administração nazista. Para tanto, de forma<br />

contundente, o grande ativista menciona o seguinte:<br />

Condição humana mais miserável não existe, não dá para imaginar. Nada mais é nosso: tiraram-nos as<br />

roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos escutarão – e, se nos escutarem, não nos<br />

compreenderão. Roubarão também o nosso nome, e, se quisermos mantê-lo, deveremos encontrar dentro<br />

de nós a força para tanto, para que, além do nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos... Mas que<br />

cada um reflita sobre o significado que se encerra mesmo em nossos pequenos hábitos de todos os dias, em<br />

todos esses objetos nossos, que até o mendigo mais humilde possui: um lenço, uma velha carta, a fotografia<br />

de um ser amado. Essas coisas fazem parte de nós, são algo como os órgãos de nosso corpo... Imagine-se,<br />

agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo,<br />

enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e carência,<br />

esquecido de dignidade e discernimento... transformado em algo tão miserável, que facilmente se decidirá<br />

sobre sua vida e sua morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana... Meu nome é 174.517; fomos<br />

batizados, levaremos até a morte essa marca tatuada no braço esquerdo... 22<br />

A demonstração desta característica em vários outros momentos históricos<br />

da humanidade indica a discriminação de minorias como característica arquetípica<br />

constante no projeto multigeracional do poder totalitário, que se disfarça na forma, mas<br />

permanece o mesmo no conteúdo.<br />

A professora Maria Luiza Tucci Carneiro, analisando as características do<br />

processo de dominação do Brasil colônia pela coroa portuguesa, suscita a discriminação do<br />

cristão novo, e sua conseqüente exclusão dos setores participativos da sociedade, como<br />

vetor importantíssimo na formação de espécie de cultura da desconfiança, onde somente os<br />

bem nascidos teriam o merecimento suficiente para gerenciar os interesses da nação 23 .<br />

A autorização velada para a eliminação do diferente, do inimigo objetivo,<br />

permanecia como espécie de etapa necessária à solidificação da consciência nacional e ao<br />

desenvolvimento social inclusive no Brasil colonial. A legislação da ocasião, exposta<br />

dentre outras pérolas através dos chamados “estatutos de pureza de sangue”, demonstrou<br />

elementos jurígenos discriminatórios quase idênticos aos do projeto nazista.<br />

Mais uma vez percebemos a necessidade do estabelecimento de estrutura<br />

jurídica conveniente e de um sistema de leis compatível para se efetivar qualquer projeto<br />

totalitário de dominação e controle.<br />

Neste aspecto, retratando com precisão o processo normativo de<br />

oficialização da exclusão e do racismo como peças integrantes de empreendimento mais<br />

amplo de controle absoluto social, é significativa a seguinte constatação apresentada, de<br />

forma percuciente, pela mencionada Professora:<br />

Através do estudo das narrativas discursivas impressas na legislação, podemos perceber como se<br />

processava o sistema de relações sociais articulado de forma a afastar os cristãos-novos do grupo de status.<br />

No início do século XVI, antes mesmo das leis discriminatórias se institucionalizarem em Portugal através da<br />

legislação geral, os cristãos-novos já eram proibidos de ocupar cargos eclesiásticos, de ter acesso às<br />

confrarias, às Ordens Militares e aos cargos de governos administrativos e militares. Ao impor regras para a<br />

22 LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998; p.25.<br />

23 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: Os Cristãos-Novos e o Mito<br />

da Pureza de Sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005; pp. 58-68.<br />

25


seleção de seus membros, essas instituições definiam onde e como deveriam se processar as práticas<br />

sociais. Dessa forma, as atitudes sociais contra o cristão-novo assumiram as características de um racismo<br />

institucional, passando a limitar as escolhas, os direitos, a mobilidade e o acesso de grupos de cristãosnovos<br />

a certas posições. Posições estas consideradas dignas apenas daqueles que não tinham “mancha” da<br />

raça da gente da Nação 24 .<br />

Identificada com o primeiro grupo – o dos preferidos – de um lado, temos<br />

uma massa de pessoas que reproduzem o discurso dominante e que auferem as vantagens<br />

do poder. Percebidos como inimigo objetivo, do outro lado temos os indivíduos e grupos<br />

minoritários marginalizados e renegados, sujeitos à discriminação social e à perseguição<br />

pelos mecanismos de Estado.<br />

Este verdadeiro arquétipo da discriminação e dominação política<br />

institucionalizada pode também admitir variações quantitativas que servem utilitariamente<br />

para disfarçar qualquer vestígio de perplexidade capaz de dimanar crítica ao sistema de<br />

opressivo, o qual faz questão de esconder sua verdadeira fisionomia.<br />

Em alguns outros exemplos históricos, como o modelo deturpado de<br />

cidadania exposto nas chamadas leis de “Jim Crow”, percebemos que o viés discriminatório<br />

da legislação foi camuflado por concessões, ou favores, emprestados pela estrutura de<br />

dominação aos desonrados que, mesmo diante disto, permaneceram aquém da fronteira dos<br />

escolhidos.<br />

Este conjunto difuso de leis específicas, que vigorou por quase cem anos a<br />

partir de 1876, formou verdadeiro sistema jurídico discriminatório em face de minorias<br />

étnicas existentes nos Estados Unidos, como a dos afro-descendentes americanos e<br />

asiáticos. Oficializou-se com tal modelo jurídico espécie de regime de apartheid naquele<br />

país da América do Norte, diferenciando e segregando entre as hipotéticas raças os direitos<br />

de utilização do espaço e dos serviços públicos que, sob certa ótica salutar, deveriam estar<br />

disponíveis a todo cidadão 25 .<br />

Apesar desta maquiagem perturbadora, utilizada para disfarçar o espanto de<br />

suas incongruências morais, o mecanismo excludente de desumanização do outro<br />

permanece intocável na origem do problema, portando-se, fundamentalmente, como etapa<br />

progressiva sintomática de determinado processo de dominação política autoritária.<br />

V- A Efetivação Obrigatória dos Direitos Humanos Fundamentais<br />

Diante de sua dimensão ética, vocacionada à preservação de certos valores<br />

humanos supremos e indisponíveis na sociedade mundial, a própria implementação destes<br />

respectivos direitos também se porta como direito humano fundamental. A efetividade<br />

destes direitos é, desta forma, obrigatória.<br />

Todavia, o que é efetividade? Tal potencialidade admitiria apenas uma<br />

dimensão pragmática, relacionada à concretização destes direitos? Ou poderíamos entender<br />

a efetividade como parte de mudança estrutural na forma de interpretação da norma jurídica<br />

por parte dos administradores e aplicadores da lei? Acreditamos que a resposta à questão<br />

acaba por admitir as duas possibilidades tratadas nestes mesmos questionamentos.<br />

24 Ibidem, pp. 67-68.<br />

25 A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da segregação escolar resultante destes dispositivos<br />

discriminatórios somente em 1954, no caso Brown versus Board of Education. A revogação completa de<br />

todas as outras demais disposições normativas segregacionista somente ocorreu mais tarde, com o Civil<br />

Rights Act, de 1964.<br />

26


No primeiro aspecto suscitado, ressaltamos que o processo de caminhada da<br />

humanidade, apesar dos tropeços renitentes e cheios de opróbrio, tende à conformação<br />

prática de nova geração de direitos, ligados de várias formas à cultura da paz e do respeito<br />

ao outro.<br />

Neste sentido, sem a efetivação propriamente dita dos direitos humanos<br />

fundamentais, não teríamos condições mínimas de conquistar este novo momento histórico.<br />

Torna-se, assim, importantíssima a seguinte lição do Veccio de Turim, que desde 1951<br />

ensinava o seguinte:<br />

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem<br />

direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as<br />

condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade<br />

dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais;<br />

haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos<br />

não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. 26<br />

Ocorre que efetividade também indica necessidade de estabelecimento de<br />

nova forma menos dogmática de interpretação de preceitos jurídicos relacionados aos<br />

direitos humanos, ligada mais à preservação do conteúdo valorativo dos direitos<br />

fundamentais que à esterilidade estética de formas inanimadas.<br />

Este segundo aspecto tratado é de suma importância, pois a introdução da<br />

idéia de preservação de valores parece romper o paradigma técnico que enxerga na lei<br />

positivada em algum texto normativo o único limite ao direito e à justiça. Aliás, esta<br />

maneira vetusta de interpretar a norma jurídica foi amplamente utilizada pelos arquitetos do<br />

sistema nazista, que alicerçaram todo o seu projeto de extermínio em estrutura legislativa<br />

kelseniana, perfeitamente válida do ponto de vista formal.<br />

O reconhecimento dos direitos fundamentais introduziu a necessidade de<br />

compatibilidade de conteúdo para a validação de determinadas disposições normativas.<br />

Assim, na prática judiciária, não basta apenas perfeição formal, mas também<br />

compatibilidade material de conteúdo, que não pode ferir a estrutura valorativa<br />

preexistente. Sem o cumprimento desta condição de fundo torna-se inválida tanto a regra<br />

produzida, quanto a decisão judicial ou medida administrativa praticada pelo Estado.<br />

Executivo, Legislativo e Judiciário, como as três esferas de competência<br />

tradicionalmente representativas do poder político no modelo constitucional brasileiro, por<br />

exemplo, devem contribuir igualmente dentro de suas funções para a efetivação destes<br />

direitos em todas as suas dimensões, contribuindo para a formação de cultura de inclusão e<br />

igualdade 27 .<br />

VI- Ações Afirmativas e Oportunidades Sociais<br />

26 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; pp.01-02.<br />

27 Poderíamos citar vários casos onde, em detrimento do dever de efetivação dos direitos humanos<br />

fundamentais, percebemos francamente manifestações mais ou menos veladas de autoritarismo estatal no<br />

Brasil. Citamos alguns tristes exemplos: 1- no Judiciário: decisão do STF que determinou a<br />

constitucionalidade da Lei de Anistia; 2- no Legislativo: retirada do regime de cotas do Estatuto da Igualdade<br />

Racial e modificação da proposta inicial relacionada à Lei da Ficha Limpa; 3- no Executivo: Acordo assinado<br />

entre o Brasil e o Vaticano estabelecendo a volta do ensino religioso nas escolas públicas e a demolição de<br />

monumentos estéticos da opressão.<br />

27


John Rawls, procurando entender o processo de formação das crescentes<br />

desigualdades sociais, evidenciadas sintomaticamente pelo capitalismo tardio, desenvolveu<br />

sua teoria da justiça baseando-se em dois princípios estruturais nodais; quais sejam:<br />

Primeiro princípio. Toda pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades<br />

fundamentais iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos.<br />

Segundo princípio. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. A primeira é<br />

que devem estar vinculadas a cargos e posições abertos a todos e em condições de igualdade equitativa de<br />

oportunidades; e a segunda é que devem redundar no maior benefício possível para os membros menos<br />

privilegiados da sociedade. 28<br />

A idéia das ações afirmativas, como instrumento de concretização de justiça<br />

equitativa, encontra-se descrita no final do segundo princípio e surge como instrumento<br />

político, ligado à necessidade de concretização da igualdade material em Estado<br />

comprometido com a implementação de valores democráticos. Ações afirmativas, em linha<br />

geral, são discriminações positivas, efetuadas pelas três esferas de poder, necessárias à<br />

efetivação de direitos fundamentais.<br />

Apesar de todas as pessoas serem formalmente iguais diante da lei, o que<br />

ocorre na prática é que as profundas desigualdades econômicas e sociais, bem como a<br />

concentração de riquezas, originam ostensivas diferenças de oportunidades, determinando<br />

antecipadamente tendência ao fracasso de uns e o sucesso de outros. As ações afirmativas –<br />

como o regime de cotas para negros, as estabelecidas pelo Estatuto do Idoso e como as<br />

gerenciadas pela Lei 9504/96 29 , por exemplo –, servem justamente para balancear este<br />

desnível social de cidadania, cujas causas podem ser históricas, culturais ou políticas.<br />

As “Leis de Nuremberg”, da maneira como foram introduzidas na sociedade<br />

alemã pelo governo nazista, demonstraram com precisão como a perda progressiva da<br />

cidadania, através da retirada das oportunidades de determinado grupo discriminado de<br />

pessoas, por vicissitudes inerentes ao poder totalitário, é capaz de impossibilitar qualquer<br />

tentativa de concretização do ideal da dignidade humana que nos referimos acima.<br />

Amartya Sen, neste sentido, informa que o desenvolvimento humano poderia<br />

ser visto como processo contínuo de expansão das liberdades substantivas reais que as<br />

pessoas deveriam desfrutar através do exercício de oportunidades sociais 30 . O exercício de<br />

tais liberdades substantivas é mediado por valores, que, por sua vez, são gerenciados por<br />

discussões públicas e interações sociais contínuas. O processo é cíclico e contínuo,<br />

retroalimentando-se de maneira a fechar a cadeia de eventos.<br />

Assim, o desenvolvimento humano pode e deve ser visto de maneira<br />

integrada, através da expansão das liberdades substantivas interligadas – como a liberdade<br />

de participação política, de receber educação básica, assistência médica e outras<br />

correlacionadas.<br />

Estes direitos fundamentais, ao contrário do que ocorreu nos regimes de<br />

exceção que apresentamos nesta exposição, devem ser estimulados e aprimorados<br />

substancialmente pelos gestores da coisa pública, pois, como fatores essenciais ao<br />

28 RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000; pp. 344-345.<br />

29 Tal legislação garante 30% no mínimo de presença feminina nas candidaturas dos partidos políticos.<br />

30 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade; São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003; pp. 18-<br />

19.<br />

28


desenvolvimento da sociedade, estão dependentemente interligados, fomentando-se a si<br />

mesmos como os galhos e folhas de uma mesma árvore.<br />

O fato é que, mediante oportunidades sociais adequadas, os indivíduos<br />

aprimoram sua capacidade de autodeterminação, podendo comandar o próprio futuro e o<br />

dos seus semelhantes através do exercício da solidariedade. Bens materiais e valorativos<br />

bons, via de regra, se social e politicamente cultivados, ensejarão valores melhores ainda,<br />

aprimorando em verdadeira reação em cadeia a prática social existente.<br />

Da mesma maneira, só que em sentido contrário, aprimorando e expandindo<br />

a miséria como resultado material, o estímulo às privações originarão outras privações<br />

maiores ainda, sempre em movimento cíclico, contínuo e crescente.<br />

VII- CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O TEMA<br />

A presente reflexão histórica serviu para entendermos melhor como a<br />

necessidade de efetivação da cidadania e de aprimoramento dos direitos humanos<br />

fundamentais portam-se como requisitos primordiais à valorização do homem como sujeito<br />

de direitos, contribuindo para a prevenção de novas possibilidades de opressão a grupos<br />

populacionais desfavorecidos.<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo; São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro:Elsevier; 2004.<br />

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: Os Cristãos-<br />

Novos e o Mito da Pureza de Sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005.<br />

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais; 10ª. ed., São Paulo:<br />

Saraiva, 2008.<br />

LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998.<br />

LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura das Teses “Sobre o<br />

Conceito de História”; São Paulo: Boitempo, 2005.<br />

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional;<br />

Rio de Janeiro: Renovar, 2005.<br />

PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A Declaração Universal dos Direitos<br />

Humanos; série Rupturas; São Paulo: Editora Lazuli, 2006.<br />

RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000.<br />

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais; Porto<br />

Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001.<br />

SCHOENBERNER, Gerhard. A Estrela Amarela: A Perseguição aos Judeus na Europa<br />

1933-1945; Rio de Janeiro: Imago; 1994.<br />

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Editora Cia. das Letras,<br />

2003.<br />

29


INTRODUÇÃO:<br />

Geografia da exclusão e da intolerância:<br />

dos guetos aos campos de extermínio.<br />

Silvia Rosa Nossek Lerner<br />

A diferença entre o antissemitismo tradicional e o antissemitismo moderno consiste<br />

em que o tradicional(aquele) tinha notas religiosas e econômicas, pois os judeus eram mais<br />

ou menos tolerados em função do papel que desempenhavam no jogo histórico: da religião-<br />

como testemunhas teológicas da verdade do cristianismo e da economia - como agentes de<br />

um embrião monetário numa economia tradicional. Viviam porém excluídos do resto da<br />

sociedade, constituindo uma comunidade à parte, dotada de perfil particular e submetida `a<br />

sua própria lei. Em outras palavras, e “ como dizia um jurista alemão do século XVIII,<br />

estavam „in civitate‟, mas não pertenciam à „civitas‟, pois não eram „de civitate‟” 31 . O<br />

antissemitismo moderno, ao contrário, resulta das transformações ocorridas na Europa, a<br />

partir do fim do século XVIII. Entre os importantes fatores deste processo de<br />

transformação cabe mencionar a extensão da cidadania a novos grupos- entre eles os<br />

judeus- que antes não participavam como sujeitos da vida política e social mais ampla. Este<br />

processo de inclusão e assimilação dos judeus e dos outros grupos "civitas" gerou, em<br />

relação aos judeus,<br />

manifestações de intolerância que fizeram do antissemitismo um instrumento<br />

de poder que o prefigura, em suas características, como uma pré-história<br />

do totalitarismo. Neste sentido, o antissemitismo moderno constitui um<br />

elemento de ruptura com a tradição ocidental, como outras tantas rupturas que<br />

no seu conjunto assinalam as tendências históricas do mundo contemporâneo.<br />

ORIGEM DO TERMO GUETO:<br />

O Antissemitismo se apresentou através da História sob várias formas: desde<br />

violentas perseguições e massacres até restrições geográficas. As manifestações geo<br />

restritivas perduraram desde o século XII até a Modernidade na forma clássica de<br />

3 1 Hannah Arendt - Anti-Semitismo, Instrumento do Poder, Ed. Documentário, pág. 13<br />

30


segregação, através da formação de espaços cerrados, amuralhados que se denominavam<br />

GUETO.<br />

Há várias explicações para o termo “GUETO”. Uma delas diz que borgheto, em<br />

italiano, significa um pequeno burgo. Um pequeno burgo quer dizer, um burgo à parte,<br />

periférico.Assim, julga-se que deste diminutivo italiano derivou-se a palavra gueto<br />

significando burgo pequeno, à parte, atrás dos muros, separados, de onde surge o gueto dos<br />

judeus. O termo passa a significar, popularmente o muro, o limite, a barreira que circunda o<br />

bairro judaico, separando-o do resto da cidade.<br />

Em 10 de abril de 1516, os conselheiros da cidade de Veneza decidiram “mandarli<br />

tutti hebrei a star in Geto Nuovo”(mandar todos os judeus para o Gueto Novo), nascendo<br />

assim o termo genérico do bairro judaico separado: GUETO. A palavra veneziana 'ghetto'<br />

era o nome de uma região onde existia uma fundição que fabricava peças para a artilharia<br />

da cidade. Mais tarde, quando os judeus de Veneza foram obrigados a viver nesta região,<br />

fugindo de perseguições, o local passou a designar uma zona isolada onde vivia um povo<br />

confinado. Em 1555, Papa Paulo IV criou o Ghetto Roman através da bula Cum o<br />

absurdum dos nimis, forçando os judeus a viver em uma área especificada. A área de<br />

Roma escolhida para o ghetto era o pedaço mais indesejável da cidade, devido às<br />

constantes inundações causadas pelo Rio Tiber. A área foi designada para conter<br />

aproximadamente 2.000 habitantes. Entretanto, com o passar dos anos a comunidade<br />

judaica cresceu, causando uma superpopulação. Desde que a área não poderia se expandir<br />

horizontalmente (o ghetto era cercado por paredes elevadas), os judeus construíram<br />

adições verticais a suas casas, obstruindo a entrada do sol, tornando as ruas escuras e<br />

estreitas. A vida no Ghetto de Roma era de extrema pobreza, devido às limitações<br />

severas impostas às profissões que foram permitidas aos judeus de executá-las. Este foi<br />

também o último gueto a ser abolido na Europa Ocidental, em 1883.<br />

Em 1602, o Papa Pio IV em sua bula de 27 de fevereiro , usou a palavra gueto<br />

quando autorizou os judeus romanos a abrirem suas lojas “extra ghectum septum<br />

hebraicum” (separados do resto da população).<br />

O Papa Pio V recomendou que todos os estados fronteiriços introduzissem guetos e<br />

no início do século XVII todas as principais cidades tinham um (com as exceções em Itália<br />

31


de Livorno e Pisa). Na Europa Central, guetos existiam em Praga, Frankfurt am Main,<br />

Mainz, entre outros.<br />

Ao separar os judeus dos cristãos, a Igreja visava proteger estes últimos do contato<br />

com a heresia judaica e dos supostos malefícios que a propaganda lhes impunha:o Libelo de<br />

sangue, a profanação da hóstia, o deicidio.<br />

Os judeus do gueto eram obrigados a viver em condições de superpopulação e<br />

sujeira, com suas casas muito próximas umas das outras e sujeitas ao risco de incêndio. A<br />

vida nos guetos teve, no entanto, a vantagem de estimular o auto governo entre os judeus, e<br />

ajudou a evitar a assimilação.<br />

Independente da origem etmológica ou geográfica do termo “gueto”, o fato é que a<br />

instituição nasceu para separar os judeus do resto da população, temendo-se que pudessem<br />

influenciar as populações cristãs , católicas, Uma das primeiras citações do termo "gueto"<br />

pode ser encontrada no preâmbulo do Código das Leis Canônicas esboçado pelo Concílio<br />

da Igreja, realizado em Wroclaw (cidade da Polônia), sob a orientação do Vigário Guido,<br />

em 1266. Neste documento estava expresso o temor da Igreja de que, como o povo polonês<br />

tinha sido recentemente convertido ao cristianismo, pudesse ser influenciado pelos judeus,<br />

pois achavam que os judeus possuíam ensinamentos supersticiosos aliados a uma moral<br />

depravada , sendo preciso defender os cristãos dessa população.Para tanto, foi imposto aos<br />

judeus retirarem-se dos bairros que compartilhavam com os cristãos, isolando-os numa só<br />

“parte da cidade a ser separada das habitações cristãs pelos muros ou fossa” 32 . Na<br />

realidade, o sínodo evocava as decisões muito anteriores do Concílio de Latrão de 1179,<br />

que proibia aos cristãos morarem junto aos judeus.<br />

Nos primeiros documentos da Igreja não há menção ao nome de "gueto" e sim à<br />

antiga designação descritiva bizantina de "Vicus Judaeoran" - que significa, em latim,<br />

bairro judeu.<br />

O temor que introduziu a Igreja a separar os judeus dos cristãos foi causado,<br />

indiscutivelmente, também pela função social e econômica adquirida pelos judeus na Idade<br />

Média, já que eram proibidos de possuir terras.<br />

32 Marcos Margulies , Gueto de Varsóvia – Ed. Documentário, 1974, pág. 47.<br />

32


No gueto, o judeu estava ainda sujeito à legislação que lhe impunha a maneira de trajar,<br />

para ser facilmente identificável: boné triangular , estrela amarela colocada no seu traje,<br />

sendo rejeitado e reconhecido como o “outro”, profissional e religiosamente diferentes ou<br />

estranhos o que facilitou a concentração de antipatias e preconceitos que a homogeneidade<br />

grupal e sua separação geográfica causava no meio da população cristã.<br />

No século XIX, os guetos foram lentamente abolidos e seus muros derrubados, seguindo os<br />

ideais do Iluminismo e da Revolução Francesa.<br />

Porém, a História tem memória e sem a memória não conheceríamos a História. E<br />

esta ultrapassou o tempo fazendo com que velhas idéias retornassem ao século XX.<br />

E os muros subiram novamente.<br />

1 - Velhas idéias, novas roupagens<br />

O que ocorreu aos judeus, às milhares de família judias, em uma realidade na qual as<br />

estruturas políticas, legais e sociais não eram aplicáveis à população judaica, ao mesmo<br />

tempo em que se despojava seus direitos básicos de existência?<br />

Com o advento do nazismo ao poder na Alemanha, em 1933, teve início a política<br />

anti judaica, e que para lograr estes objetivos, os nazistas colocaram em prática três<br />

recursos básicos: a legislação, o terror e a propaganda. Essa política pode ser dividida nos<br />

seguintes períodos:<br />

* de 1933 a 1939:<br />

Processo de exclusão sócio-econômica e cultural, expropriação de bens judaicos<br />

(“arianização” da economia), opressão econômica e incentivo para a emigração do país.<br />

No ano de 1933 foram promulgadas cerca de 40 leis antijudaicas, dentre as quais:<br />

- Boicote contra judeus (01.04): primeira ação antijudaica organizada no âmbito<br />

nacional<br />

- Demissão de serviços públicos (07. 04);<br />

- Queima pública de livros (10.05);<br />

- Exclusão das áreas de literatura, arte, imprensa, música, radiofonia, teatro (22.09).<br />

33


A Queima de Livros em Berlim : início da destruição cultural (10.05.1933)<br />

“Onde se queimam livros, um dia<br />

se queimará home dia se queimará Homens”<br />

* de 1935 a 1938:<br />

Heinrich Heine , poeta alemão<br />

(1797- 1856)<br />

Isolamento e degradação, quando em março de 35 os judeus são excluídos do serviço<br />

militar alemão e se edita as Leis de Nüremberg, também denominada de Lei para a<br />

Proteção do Sangue e da Honra Alemães, em 15 de setembro de 1935 baseadas em<br />

princípios raciais que despojavam os judeus de seus direitos como cidadãos e proibia<br />

casamentos entre “arianos” e judeus. A desobediência a essa lei era punida com a morte.<br />

Também passa a definir quem é Judeu : “a pessoa que descende, pelo menos, de três avós<br />

judeus é racialmente judeu completo”(independente de conversões posteriores). A partir de<br />

então surge um novo conceito: judeu fracionário definido como:<br />

• Judeu ½ = dois avós judeus e que professe a religião judaica<br />

• Judeu ¼ = um(a) avô(ó) judeu ou ser “ariano” casado com um judeu.<br />

* de 1938 a 1941:<br />

Com a Kristallnacht 33 tem início a violência massiva contra os judeus, a expulsão, o<br />

recrudescimento da perseguição e expropriação, a privação completa de todos direitos e a<br />

expansão dessa política para os países ocupados e a “guetoização” 34 .<br />

33 Noite dos Cristais – política de destruição, 8/9 de novembro de 1938, na Alemanha e Áustria<br />

34 Designa o inicio do processo de enclausuramento dos judeus.<br />

34


* de 1941 a 1945<br />

Fase da “Solução Final da Questão Judaica”, ou seja, do extermínio planejado e executado<br />

em escala industrial. A Reunião de Wannsee, em 20 de janeiro de 1942, oficializa a<br />

existência e a construção dos Campos de Extermínio, parte fundamental da implementação<br />

da “Solução Final”(Operação Reinhard), onde 1,7 milhões de judeus foram assassinados, a<br />

maioria entre 1942-3.<br />

OS INDESEJÁVEIS: Quem são as vítimas?<br />

1) A partir de março de 1933: opositores políticos alemães (comunistas, social-<br />

democratas e sindicalistas);<br />

2) A partir de 1935: testemunhas de Jeová e “criminosos trabalhistas”, inseridos no<br />

grupo de antissociais;<br />

3) A partir de 1936: ciganos, homossexuais alemães e austríacos, demais “associais”;<br />

4) A partir de 1938: judeus após a Kristallnacht.<br />

E não sobrou ninguém.<br />

"Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me,<br />

porque, afinal, eu não era comunista.<br />

Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me,<br />

porque, afinal, eu não era social-democrata.<br />

Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei,<br />

porque, afinal, eu não era sindicalista.<br />

Quando levaram os judeus, eu não protestei,<br />

porque, afinal, eu não era judeu.<br />

Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"<br />

Martin Niemoller<br />

35


Martin Niemöller (1892- 1984), pastor<br />

enviado por Adolf Hitler como seu<br />

"prisioneiro pessoal" para o campo de<br />

concentração de Sachsenhausen e depois<br />

Dachau. Ficou preso quase 5 anos, até o<br />

fim da guerra. Recebeu o Prêmio Lenin da<br />

Paz, em 1966.<br />

Quem foram os excluídos da sociedade alemã nazista?<br />

1- Os Roma e Sinti (ciganos), Testemunhas de Jeová, homossexuais, os que possuíam<br />

defeito hereditário ou debilidade mental congênita, não sendo um delito claramente<br />

definido, mas tinham em comum não se encaixarem na sociedade alemã nacional-<br />

socialista e não possuíam a perfeição ariana defendida pelos ideólogos nazistas.<br />

* Testemunhas de Jeová: em novembro de 1933, os primeiros foram colocados em prisões<br />

e em 1935, seu culto é proibido. Esse grupo segue a religião cristã e acreditam na segunda<br />

vinda de Jesus; sua doutrina é contrária ao serviço militar e a símbolos nacionais. Por isso<br />

recusavam-se em servir ao Exército e fazer a saudação "Heil Hitler". Muitos seguidores<br />

passaram a ser internados em campos de reeducação e de concentração onde ficavam<br />

separados dos demais grupos. Os nazistas lhes ofereciam a liberdade, se renunciassem às<br />

suas crenças, mas nenhum deles o fez. Eles também se negaram a fugir e a realizar<br />

resistência ativa.<br />

* As estimativas de Roma e Sinti na Alemanha quando da ascensão de Hitler ao poder, em<br />

1933, variava de 15 mil (0,03% da população total de 60 milhões) a 30 mil (0,045%). O<br />

motivo central para o extermínio dos ciganos foi racial, eles não condiziam com o ideal da<br />

“raça ariana”, sendo discriminados e excluídos da sociedade porque eles não se encaixavam<br />

na sociedade preconizada por Hitler.<br />

36


* Os homossexuais alemães e austríacos (e não da Europa inteira) também vítimas do<br />

nazismo, pois o mesmo era considerado como uma "aberração" e contradizia com o<br />

princípio fundamental da "raça ariana pura". Presos por denunciação eram levados a<br />

campos para serem “reeducados”.<br />

* O Programa de “Eutanásia” foi um dos programas de assassinato das vítimas da política<br />

racista e nacionalista da Alemanha nazista. Era o programa de “eliminação da vida que não<br />

merece ser viviva” visando os deficientes físicos e mentais, também denominado de<br />

Programa T4, por sua administração estar localizada na Rua Tiergarten 4, em Berlim. Ele<br />

teve início na passagem de 1939 a 1940 e foi realizado principalmente na Alemanha. A fim<br />

de evitar a exposição pública deste programa de “purificação” e destruição de deficientes<br />

físicos e mentais, foram erigidos, a partir de outubro de 1940, sete centros de “saúde”, que<br />

eram sanatórios de extermínio: Grafeneck, Hadamar, Bernburg, Sonnenstein, Brandenburg-<br />

Görden, Kaufbeuren e Hartheim. Até o final da guerra, 75 mil deficientes físicos e mentais<br />

foram assassinados.<br />

2- E finalmente, os judeus, pois segundo Hitler “não podem haver dois povos escolhidos,<br />

sendo assim um terá que ser exterminado: os judeus, porque o único povo escolhido é o<br />

alemão.”<br />

O PROCESSO DE “GUETOIZAÇÃO”:<br />

1- A IDENTIFICAÇÃO DO EXCLUÍDO<br />

A obrigação do uso da estrela amarela foi o sinal que a Alemanha instituiu para que os<br />

judeus fossem facilmente identificados. Porém, os primeiros a aplicar esse método foram os<br />

muçulmanos, que no século VII obrigaram os não muçulmanos a distinguir-se por meio de<br />

suas vestimentas. Na Europa, os cristãos impuseram o uso obrigatório desse distintivo a<br />

partir de uma decisão da Igreja católica durante o século XIII: este consistia num chapéu<br />

pontiagudo amarelo.<br />

A Alemanha nazista reinstaurou a obrigação do uso de sinal identificatório a partir de<br />

uma recomendação de Reinhard Reydrich, que se referiu a esses métodos após os eventos<br />

da Kristallnacht. Efetivamente, após a invasão da Polônia, foram publicados os decretos<br />

que obrigavam os judeus a carregar um sinal de identificação.É certo que no inicio não<br />

havia nenhuma decisão acerca da forma ou cor desse sinal. Em decreto de 14 de novembro<br />

37


de 1939 ordenou o uso do bracelete de cor “judaico amarelo”. Em dezembro,uma nova<br />

decisão avisava que apesar do bracelete, deveriam colocar identificações semelhantes no<br />

peito e nas costas. Em setembro de 1941,dois anos após a obrigação de seu uso por parte<br />

dos judeus da Polônia, se publicou uma ordem que obrigava a todos os judeus que estavam<br />

sob o domínio do Reich a usar uma “estrela judaica” sobre suas vestes. A partir de então,<br />

esse sinal se tornou parte dos preparativos da “Solução Final”. A identificação dos judeus<br />

foi adotada como um passo para o processo de sua deportação para o Leste e sua<br />

consequente eliminação.<br />

2 – A SEPARAÇÃO<br />

“Eles visavam reduzir o universo judaico:<br />

A cidade virava bairro,<br />

O bairro se transformava em rua,<br />

A rua em casa,<br />

A casa em quarto,<br />

O quarto em celeiro,<br />

O celeiro em vagão,<br />

O vagão em câmara de gás.”<br />

Elie Wiesel (sobrevivente e Prêmio Nobel da Paz) 35<br />

Durante a Segunda Guerra Mundial, os guetos eram regiões urbanas, em geral<br />

cercadas, onde os alemães concentravam a população judaica local, muitas vezes de outras<br />

regiões, e a forçava a viver sob condições miseráveis. Os guetos isolavam os judeus,<br />

separando-os não só das comunidades envolventes mas também de outros grupos judaicos.<br />

Os alemães estabeleceram pelo menos 1.000 guetos incluindo-se a Polônia, Europa Central<br />

e Oriental. As autoridades alemãs de ocupação estabeleceram o primeiro gueto na Polônia<br />

em Piotrków Trybunalski, no mês de outubro de 1939.<br />

O estabelecimento dos guetos permitiu as autoridades alemãs alcançar determinados<br />

objetivos: os nazistas concentraram os judeus em condições de racionamento e severo<br />

35 Proferido na 1ª. Conferência Mundial de Filhos de Sobreviventes, em Nova York, em 1994<br />

38


controle, expropriação de seus bens, exploração de sua mão de obra, isolamento do mundo<br />

exterior, os converteram em seres desprovidos de força e vontade e incitava a população<br />

local a ter medo de se aproximar da população do gueto. Os alemães também erigiram<br />

guetos nas zonas de ocupação da União Soviética, dos Estados Bálticos e România, entre<br />

1939 e 1942. Em março de 44 quando a Hungria foi conquistada os alemães declararam que<br />

seria estabelecido um gueto em Budapeste. No total, os alemães estabeleceram mais de<br />

1000 guetos na Europa Central e Oriental.<br />

Essa medida excluía o judeu da sua vida cotidiana, de suas atividades profissionais, do seu<br />

círculo social , além de isolá- lo de qualquer contato com a política local e mundial.<br />

Cartaz de entrada do gueto de Lodz: “Moradia dos<br />

judeus: entrada proibida.”<br />

3- O ISOLAMENTO<br />

O gueto de Lodz foi o de maior duração: de<br />

fevereiro de 1940 até 19 de janeiro de 1945.<br />

Embora as ordens e diretrizes viessem geralmente de Berlim, o confinamento<br />

dos judeus em guetos efetivou-se pela iniciativa de cidades e líderes locais. Numa discussão<br />

em novembro de 1939, com Hans Frank e dirigentes de Cracóvia, declarou-se que em<br />

Varsóvia "um gueto separado para judeus deve ser instituído e sua Excelência, o<br />

Governador geral, endossa essa medida". Assim, um gueto oficial foi estabelecido em<br />

Varsóvia, 3 dias depois. Um mapa desse plano foi apresentado ao Judenrat e teve início a<br />

execução da obra. Em agosto de 1940, os alemães anunciaram oficialmente que a cidade<br />

39


seria dividida em 3 setores: alemão, polonês e judaico.<br />

Depois do gueto de Piotrkow Trybunalski, em outubro de 1939 foram paulatinamente<br />

sendo estabelecidos outros guetos na Polônia. Ao todo, foram erigidos mais de 1000 guetos<br />

na Europa Central e Oriental.<br />

O GUETO DE VARSÓVIA<br />

O maior gueto da Polônia foi o de Varsóvia estabelecido formalmente em 2 de<br />

Outubro de 1940. Seis semanas mais tarde, em 15 de Novembro, foi cercado por muros.<br />

No gueto, os direitos dos judeus eram limitados, as suas condições de vida eram<br />

deploráveis e estavam restritos a uma pequena área, facilitando a deportação para os<br />

campos de extermínio. Apesar de que um terço da população era judia, o gueto foi estabelecido<br />

ocupando apenas 2,4% da área municipal., cerca de 2 km quadrados.. A população do gueto<br />

chegou a 450 mil pessoas. Rodeado por muros que foram construídos pelos próprios judeus<br />

e vigiados por guardas de extrema violência, os judeus foram desconectados do mundo<br />

exterior. Porém, dentro do gueto , suas vidas oscilavam entre a desesperada luta para<br />

sobreviver e a morte provocada pela fome e as enfermidades. O gueto excessivamente<br />

povoado se transformou num foco de epidemias e mortalidade que as instituições como o<br />

judenrat e as associações de assistência não conseguiam combater. Ao longo de sua<br />

existência, mais de 80.000 judeus morreram no gueto. Quando as primeiras ordens de<br />

deportação foram recebidas, Adam Czerniakow, chefe do Judenrat 36 , se negou a preparar as<br />

listas de deportados, suicidando-se em 23 de julho de 1942.<br />

Emmanuel Ringelblum, autor do livro Cronica do Ghetto de Varsóvia observou<br />

não ser possível comparar este gueto com o da Idade Média. Naquele tempo, o gueto era<br />

fechado, se tanto, à noite, e embora instituído por decreto hostil, ajudava a manter um modo<br />

de vida judaico e contribuía para a segurança dos judeus. Dentro do gueto, os judeus<br />

estavam protegidos e seguros. O Gueto de Varsóvia, ao contrário, era uma jaula, isolando<br />

mais de 400 mil pessoas como se fossem leprosos. Exceto uns poucos que recebiam<br />

permissão por tempo limitado, de algumas horas ou dias, nenhum judeu jamais saiu para o<br />

outro lado. A única maneira que havia para sair da área do gueto era em vagões de gado<br />

fechados a caminho de campos de concentração ou extermínio.<br />

36 Conselho Judaico que servia de intermediário entre a população encarcerada e os nazistas responsáveis<br />

pelo gueto.<br />

40


Apesar de todas as proibições, dezenas de escolas clandestinas funcionavam dentro<br />

do gueto. Organizações clandestinas conduziam a vida cultural promovendo a cultura<br />

Yidish 37 através de leitura de escritores judeus, emprestando livros, estudando o idioma e a<br />

cultura hebraica, organizando apresentações de Orquestra Sinfônica(com 80 membros),<br />

apresentações teatrais e musicais, além de encontros onde se discutia a política local e<br />

mundial (pois se conseguia jornais). Essas atividades serviam para esquecer a realidade<br />

que viviam dentro do gueto, com a morte e a fome permeando o dia-a-dia dos encarcerados<br />

e proporcionar um pouco de dignidade, apesar da vida indigna que lhes era imposta pelo<br />

domínio nazista.<br />

“No gueto não há crianças, há pequenos judeus...não importa a idade, já trabalham. Esta<br />

criança não tem uma refeição antes de partir para o trabalho...E trabalha durante horas antes<br />

de receber uma sopa aguada...” Yossef Zelkkowicz 38 .<br />

O gueto de Varsóvia foi o maior, mas não o único. O gueto de Lodz foi estabelecido<br />

em maio de 1940, por ser a segunda maior comunidade judaica da Polônia de entreguerras.<br />

“É óbvio que a criação do gueto não é só uma medida conjuntural... Seu objetivo final será<br />

a eliminação total dessa praga” (Instruções de Friederich Ubelhor referindo-se ao<br />

estabelecimento do Gueto de Lodz).<br />

Ainda outros guetos importantes foram estabelecidos nas cidades de Cracóvia,<br />

Bialystok, Lvov, Lublin, Vilna, Kovno, Czestochowas, Minsk e outros mais.. Dezenas de<br />

milhares de judeus da Europa Ocidental também foram deportados para guetos no leste<br />

europeu.<br />

Dos 223 mil judeus que viviam em Lodz em 1939, só sobreviveram 7 mil judeus no<br />

final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Ou seja, aproximadamente, de cada 100 judeus<br />

da cidade de Lodz, somente 3 sobreviveram.<br />

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO:<br />

Logo após a subida dos nazistas ao poder, foi desenvolvida uma nova forma de<br />

perseguição política: os campos de concentração. Na realidade o termo Campo de<br />

Concentração era usado para definir todos os campos que faziam parte do sistema nazi.<br />

37 Dialeto falado pelos judeus originários da Europa Central e Oriental.<br />

38 Janusz Korczak, Diário de Gueto-<br />

41


Porém, havia diferentes tipos de campos onde a concentração era de uma só forma. Havia<br />

os campos de trabalho, campos de trabalhos forçados, campos de trânsito, campos de<br />

prisioneiros de guerra. A medida que a guerra avançava as condições de vida nos Campos<br />

se tornava cada vez mais intolerável tendo que lidar com as pragas constantes: fome, morte,<br />

doenças, isolamento e racionamento.<br />

O primeiro desses campos , Dachau, foi aberto em março de 1933, perto de<br />

Munich, onde foram aprisionados os oponentes políticos e ideológicos do regime. Os<br />

primeiros prisioneiros eram os comunistas, os Social-Democratas e outros inimigos<br />

políticos do nazismo que necessitavam de reeducação política.<br />

Quando os SS se tornaram a força dominante dentro dos campos de concentração<br />

em lugar da polícia regular, os centros de reeducação foram separados das prisões. Em<br />

1934, Heinrich Himmler, chefe das SS, passou a controlar esses campos estabelecendo um<br />

sistema regular de admissão e supervisão dos prisioneiros. Himmler era a suprema<br />

autoridade e podia se utilizar de qualquer meio de punição inclusive da pena de morte.<br />

Entre 1936 e 1941 um nova categoria de prisioneiros aumentou o número de encarcerados<br />

em Dachau. No inicio de 1937, havia 7.000 prisioneiros, no início de 1939 havia 25.000 e<br />

em meados de 1941 havia 75.000. Todos os aprisionados durante a Kristllnacht foram<br />

enviado para Dachau. Quando os campos, que até então recebiam os antissociais e os<br />

criminosos políticos, passaram a receber uma nova categoria de prisioneiros, os<br />

considerados racialmente inferiores(judeus), o campo passou a ter uma nova função e as<br />

condições de vida passaram a se tornar subumanas. Uma mudança na orientação do campo<br />

ocorreu quando se levou em consideração a situação econômica de época de guerra, a<br />

mão-de-obra dos prisioneiros passou a se integrar com o setor privado da economia. Um<br />

grande número de prisioneiros que possuíam qualificação profissional passaram a integrar<br />

um setor especial de trabalho, sendo enviados para trabalhar em determinadas indústrias.<br />

Porém, com a expulsão dos judeus do Reich, muitos dos prisioneiros que se encontravam<br />

nos campos de concentração na Alemanha, principalmente os que não serviam mais como<br />

mão-de-obra foram removidos para campos na Polônia, que podiam ser de concentração,<br />

de trabalhos forçados ou de extermínio. Até o final da guerra havia campos por todo Reich<br />

e todos territórios dominados.<br />

42


CAMPOS DE EXTERMÍNIO:<br />

Todos esse Campos ficavam situados na Polônia, pois na Alemanha não se faria<br />

“trabalho sujo”. Sua finalidade era exterminar todos os prisioneiros enviados para lá, que<br />

eram os idosos, os improdutivos para o trabalho, doentes e crianças. Cerca de 3.500.000<br />

judeus foram exterminados nos Campos de Extermínio como parte da “Solução Final.”.Os<br />

nazistas iniciaram o assassinato sistemático dos judeus quando invadiram a União<br />

Soviética, em junho de 1941. Inicialmente esse extermínio começou com o fuzilamento,<br />

mas esse método se mostrou pouco eficaz, pois os soldados se queixavam de estar<br />

emocionalmente cansados de tantos fuzilamentos e por outro lado a munição se tornava<br />

cara. Pouco tempo depois, começou a experiência com o gás Zyklon-B, primeiro em<br />

Auschwitz e depois nos outros Campos de Extermínio. Assim que essa experiência se<br />

mostrou eficaz, a hierarquia nazista ordenou que se estudasse a melhor forma para sua<br />

utilização. Desse estudo chegou-se à Câmara de gás. Dentro dessa classificação foram<br />

construídos seis Campos de Extermínio. O primeiro Campo de Extermínio foi Chelmno,<br />

perto de Lodz, operando até o verão de 1944, fazendo uso de “furgões de gás” ,<br />

assassinando cerca de 320.000 vítimas. Maidanek e Auschwitz foi ao mesmo tempo<br />

Campo de Concentração e Extermínio. A seção de Extermínio de Auschwitz foi<br />

estabelecida em Birkenau (daí o nome Auschwitz-Birkenau), em março de 1942<br />

terminando suas atividades em novembro de 1944. Belzec, Sobibor e Treblinka foram<br />

montados em 1942 como resultado da Reunião de Wannseee (Operação Reinhard).<br />

Leve-se em conta que todas essas construções fizeram uso de muitos kms. de extensão ,<br />

para um uso exclusivamente assassino, fruto da técnica e do conhecimento de<br />

engenheiros, arquitetos, químicos, biólogos, diplomados nas Universidades que lançaram<br />

mão da tecnologia e da modernidade.<br />

E PARA ONDE FUGIR?<br />

“Nesta parte do mundo (Europa Central e Oriental), há 11 milhões de judeus... para os<br />

quais o mundo se dividiu em dois: lugares onde não podem viver e lugares para onde não<br />

podem ingressar.” Chaim Weizmann, presidente da Organização Sionista Mundial, 1939<br />

43


RESISTÊNCIA:<br />

“Quando eu vivia num dos campos de concentração da Alemanha Nazista, pude<br />

observar que alguns dos prisioneiros andavam de barraca em barraca, consolando outros,<br />

distribuindo sua últimas fatias de pão. Podem ter sido poucos, mas me ensinaram uma lição<br />

que jamais esqueci: tudo pode ser tirado de um homem, menos a última de suas liberdades:<br />

escolher sua própria atitude, seu próprio caminho, de que maneira vai agir diante das<br />

circunstâncias de seu destino: jejuar no Dia de Yom Kipur ou cantar o Hatikva enquanto<br />

tira suas roupas ante as câmaras de gás, só prova que contrariamente a doutrina Nazista, os<br />

judeus seguiram sendo humanos , mesmo em frente a Auschwitz, mostrando que os valores<br />

judaicos eram importantes até o final e que os judeus queriam declarar sua humanidade<br />

diante de um mundo totalmente desumano.” Viktor E. Frankl (1905-1997) 39<br />

Para Haim Guri y Monia Avrahami 40<br />

Resistir era:<br />

Contrabandear um pão<br />

Ensinar em segredo<br />

Recolher informação e distribuir de forma clandestina<br />

Gritar para advertir<br />

Salvar um rolo de Torá<br />

Falsificar documentos<br />

Passar pessoas através das fronteiras<br />

Registrar fatos e ocultar registros<br />

Estender a mão de ajuda aos necessitados<br />

Ter coragem d e dizer o que pensa, mesmo correndo risco de perder a vida<br />

Enfrentar os criminosos sem armas nas mãos<br />

Fazer contato com o outro lado e contrabandear armas<br />

Lutar com armas, nas ruas, montanhas e bosques<br />

39 De 1933 a 1936, V. Frankl foi diretor do pavilhão das mulheres suicidas do hospital psiquiátrico de Viena. Quando os nazistas tomam<br />

o poder na Áustria, Frankl, correndo risco de vida, sabota as ordens que recebera de proceder à eutanásia de doentes mentais sob seus<br />

cuidados. Em setembro de 1942, Viktor, mulher grávida e família foram deportados para Auschwitz, tendo ele recebido a tatuagem de<br />

prisioneiro nº 119.104. Somente Viktor sobreviveu.<br />

40 Haim Guri y Monia Avrahami, Pnei hamered ,La cara de la rebellion, Buenos Aires, 1985.<br />

44


Rebelar-se nos campos de morte<br />

Sublevar-se nos guetos entre paredes destruídas.<br />

Os judeus reagiram às restrições da vida nos guetos com uma série de tentativas de<br />

resistência. Os resistentes freqüentemente se engajavam nas chamadas “atividades ilegais”,<br />

tais como contrabando de alimentos, medicamentos, armas ou informações obtidas do outro<br />

lado dos muros que os isolavam. Normalmente sem o conhecimento ou aprovação dos<br />

conselhos judaicos, embora alguns deles tolerassem ou encorajassem o comércio ilegal pois<br />

sabiam que aqueles bens eram necessários para a sobrevivência dos moradores dos guetos.<br />

A despeito do fato de que os alemães parecessem dar pouca importância à realização de<br />

cultos religiosos, eventos culturais e reuniões de movimentos juvenis que ocorressem<br />

dentro dos guetos, ao menor sinal de "ameaça à segurança", em quaisquer destas ocasiões,<br />

eles imediatamente encarceravam ou matavam os líderes e participantes das mesmas. Eles<br />

proibiam, sem exceção, qualquer forma de ensino formal ou informal. Porém, estas<br />

continuaram a existir.<br />

O símbolo da Resistência que ficará, para sempre na História:<br />

O LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA.<br />

Foi o movimento mais importante, comandados por Mordechai Anilevitch, os<br />

judeus de todos os movimentos e organizações sionistas, reuniram-se para lutar.<br />

Segundo Israel Gutman no livro Resistência “somente quando não havia mais nenhuma<br />

esperança de sobrevivência foi que começou a resistência armada” . A partir do momento<br />

em que se oficializou a expulsão dos judeus do Gueto de Varsóvia, os integrantes dos<br />

movimentos juvenis se viram diante de dois desafios...contraditórios: garantir a segurança<br />

de seus membros e preparar-se para a luta armada.<br />

Mordechaj (ou Mordechai) Anielewicz (Wyszkow, Polônia, 1920 - 1943), era um<br />

ativista sionista, comandante da Liga Combatente Judaica e líder da Revolta do Gueto de<br />

Varsóvia. Em dezembro de 1942, Anielewicz passou a organizar células armadas de<br />

combate aos alemães, reunindo todas as tendências políticas judaicas. Nesta mesma época,<br />

começaram as deportações em massa de judeus para os campos de extermínio de Treblinka.<br />

Em 1943 foi eleito comandante-em-chefe da Liga Combatente Judaica e estabeleceu<br />

contatos com o governo polonês no exílio, sediado em Londres.<br />

45


Durante os três meses seguintes, todos os habitantes do gueto prepararam-se para aquilo<br />

que eles pensavam poder ser a luta final. Foram cavados túneis por baixo das casas, a<br />

maioria ligadas pelo sistema de esgotos e de abastecimento de água, dando acesso a zonas<br />

mais seguras de Varsóvia.<br />

No dia 9 de janeiro de 1943, Himmler, chefe supremo da Gestapo, chegou, de<br />

surpresa, a Varsóvia, indo até o gueto. Ali se decidiu a ordem de destruí-lo e exterminar<br />

todos os seus habitantes., iniciando a segunda onda de transportes para Treblinka. Cerca de<br />

300.000 das 380.000 pessoas no gueto tinham sido levadas para o campo de extermínio de<br />

Treblinka, onde foram assassinadas imediatamente após a sua chegada, no final do verão de<br />

1942. Assim, no dia 18 de janeiro de 1943, vários batalhões da SS marcharam rumo ao<br />

gueto, mas, pela primeira vez, os alemães foram recebidos ao som de granadas e<br />

metralhadoras. Após sofrerem muitas baixas, as tropas da SS foram obrigadas a retirar. E os<br />

combatentes judeus tiveram algum sucesso: os transportes pararam após 4 dias.<br />

Os líderes da sublevação, encabeçados por Anilevitch, então com 24 anos, fizeram um<br />

apelo ao mundo exterior. Palavras carregadas de emoção foram transmitidas por uma rádio<br />

clandestina: "Declaramos guerra à Alemanha, a declaração de guerra mais desesperada que<br />

já foi feita. Organizamos a defesa do gueto, não para que o gueto possa defender-se, mas<br />

para que o mundo veja a nossa luta desesperada como uma advertência e uma crítica" 41 .<br />

Depois de uma trégua de três meses, em 19 de Abril de 1943, A batalha final começou na<br />

noite de Pessach ( Páscoa judaica) a 19 de abril de 1943. Forças alemãs e colaboracionistas<br />

polacos, ucranianos e lituanos cercaram o gueto. 28 dias durou a luta no gueto.Os<br />

resistentes dispararam e atiraram granadas contra patrulhas alemãs a partir de becos,<br />

esgotos e janelas. Os nazis responderam detonando as casas, bloco por bloco e cercando e<br />

matando todos os judeus que podiam capturar.<br />

A resistência terminou em 16 de Maio de 1943. A revolta foi esmagada pelo<br />

Gruppenführer da SS (então apenas Brigadeführer) Jürgen Stroop. Lutaram não por si, pois<br />

não tinham nenhuma possibilidade de vencer ou escapar. Sabiam, disso. Mas lutaram para<br />

preservar a sua dignidade, resguardar a moral do povo judeu e “não se deixar levar como<br />

cordeirinhos para o matadouro” como dizia Aba Kovner, líder do Gueto de Vilna. Uma<br />

41 Resistência, de Israel Gutman., Ed. Imago, pág. 137<br />

46


centena de judeus escapou pelos esgotos e formou, nas florestas, grupos de guerrilheiros<br />

que continuaram lutando. Alguns tombaram, mas outros se salvaram e puderam contar,<br />

relatar a luta heróica, a luta solitária, desesperada, magnífica, de um punhado de rapazes e<br />

moças, autênticos de um povo, que nunca sonharam em ser heróis, mas tornaram-se heróis.<br />

Mordechai Anielewicz morreu em ação na Rua Mila 18 em abril de 1943, onde se<br />

localizava o bunker e se concentrava todo o comando geral da ZOB 42 e mais 120<br />

combatentes. Nesse local, encontra-se uma pedra gravada com os seguintes dizeres:<br />

"Aqui, no dia 8 de maio de 1943, Mordechai Anielewicz, o Comandante do Levante do<br />

Gueto de Varsóvia, tombou com o Estado Maior de sua organização, ao lado de dezenas de<br />

combatentes, na campanha contra o inimigo nazista".<br />

Após as revoltas, o gueto tornou-se o local onde os prisioneiros e reféns polacos<br />

eram executados pelos alemães. Mais tarde, foi criado um campo de concentração na área<br />

do gueto.<br />

Carta escrita por Mordechai Anilevitch, em Varsóvia, 23 de abril de 1943, durante o<br />

Levante do Gueto:<br />

“Cumpriu-se minha última vontade. Sentimos agora que tudo que passou foi muito pior do<br />

que imaginávamos, e apesar de termos tido idéia do nosso fim, a realidade superou a nossa<br />

imaginação.<br />

Na guerra contra os alemães esforçamo-nos até o máximo de nossas forças, no<br />

entanto, estas se tornam cada vez mais débeis e por fim estão desaparecendo.<br />

Estamos à beira da aniquilação.<br />

Duas vezes obrigamos os alemães a retroceder, porém eles voltaram com<br />

maiores forças. Um dos nossos grupos foi aniquilado após 40 minutos de luta,<br />

outro lutou aproximadamente seis horas.<br />

Nosso depósito de armas explodiu. Sinto que se sucedem acontecimentos<br />

heróicos e que tudo isto, tudo o que fizemos tem um grande valor e uma grande<br />

significação.<br />

Não sou capaz de descrever para vocês a situação em que vivem agora os<br />

judeus no Gueto.<br />

42 Organização de Combatentes Judeus – fundado em Varsóvia em julho de 1942.<br />

47


Pode suceder, talvez um milagre , e que algum dia nos tornemos a ver, mas<br />

duvido, duvido muito que assim seja. O último desejo de minha vida cumpriu-se,<br />

a defesa heróica que ofereceram os judeus teve um grande significado. A<br />

auto-defesa e o desejo de vingança tornaram-se um fato. Sou testemunha das elevadas e<br />

heróicas lutas dos insurretos judeus. Sinto-me feliz por achar-me entre os primeiros<br />

guerrilheiros do Gueto.<br />

Mordechai Anielevitch / Gueto, 23 de abril de 1943.<br />

O levante do Gueto de Varsóvia não foi o único movimento de<br />

resistência armada. Mas o mais importante. Os guetos de Bialistok, Vilna, Lodz, Cracóvia,<br />

Czestechow e Bendzin, também foram palcos de levantes, apesar de que os referidos<br />

guetos terem sido aniquilados. Nos campos de concentração e extermínio também houve<br />

levantes: Treblinka ( 2 de agosto de 1943), Sobibor ( 14 de outubro de 1943), Auschwitz ( 7<br />

de outubro de 1944) e Mathausen (20 de fevereiro de 1945).<br />

----------------------------------------------------------------------------------------------------------<br />

Sugestão de Filmes sobre o tema:<br />

Insurreição - 159‟ – 2001 - Jon Avnet<br />

No Gueto de Varsóvia, em 1942, com as "deportações diárias para o leste", trens levam por<br />

dia seis mil judeus para os campos de concentração, onde eram executados em massa. Um<br />

grupo de judeus, liderados por Mordechai Anielewicz , fizeram a única coisa que os<br />

nazistas nunca esperaram: reagiram.<br />

Fuga em Sobibor – 95‟ - 1987, Jack Gold<br />

Sobibor, campo de Extermínio nazista, foi palco de uma revolta bem sucedida de<br />

prisioneiros em 14 de outubro de 1943. Revoltosos conseguiram matar 11 guardas da SS.<br />

As mortes foram descobertas e 600 prisioneiros fugiram desordenadamente.<br />

* Silvia Rosa Nossek Lerner<br />

Especialização em Estudos do Holocausto pela Escola Internacional De Estudos do<br />

Holocausto – Museu Yad Vashem, Israel<br />

Especialização em História do Século XX pela Universidade Cândido Mendes- RJ<br />

Mestranda em Psicanálise e Arte – Universidade Veiga de Almeida<br />

48


BIBLIOGRAFIA:<br />

ANTOLOGIA – Ghettos- Martirio Y Rebelion – Ensaios y Testemonios , AMIA , Buenos<br />

Aires, 1969.<br />

ARAD, Yitzhak, El Holocausto em Documentos- Yad Vashem, Jerusalém, 1996<br />

ARENDT, Hannah, Origens do Totalitarismo – Anti-Semitismo, instrumento de poder,<br />

Ed. Documentário, São Paulo, 1973.<br />

BAUMAN, Zygmunt , Modernidade e Holocausto, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,<br />

1989.<br />

GUTMAN, Israel – Resistência -O Levante do Gueto de Varsóvia, Rio de Janeiro, Editora<br />

Imago, 1994.<br />

HILBERG, Raul, The Destruction of the European Jews - Holmes & Meier Publishers,<br />

Inc., USA, 1985.<br />

KORCZAK, Janusz, Diário do Gueto, Editora Perspectiva, São Paulo, 1986<br />

LAQUEUR, Walter – The Holocaust Encyclopedia – Yale University Press, 2001.<br />

MARGULIES, Marcos – Gueto de Varsóvia, Rio de Janeiro, Editora Documentário, 1973.<br />

POLIAKOV, Léon – Do Anti-Semitismo ao Anti-Sionismo , São Paulo, Editora Perspectiva<br />

S.A., 1988<br />

49


O HOLOCAUSTO E AS CANÇÕES DO GUETO<br />

1- Contexto histórico<br />

Resistência e repressão<br />

Samuel Belk 43<br />

Os dirigentes da Alemanha, Hitler e Goebels, promoveram a doutrina nazista, com o<br />

objetivo de propagar a idéia de uma raça pura, da qual os alemães seriam descendentes e<br />

transformando como alvo principal os judeus que representariam numa escala decrescente<br />

uma raça inferior. Estas idéias, desenvolvidas por filósofos e pensadores racistas como<br />

Gobineau, Chamberlein, Bauer e Wagner, entre outros, tiveram um desenvolvimento<br />

efetivo depois que eles assumiram a direção do Partido Nacional Socialista dos<br />

Trabalhadores Alemães, na década de 20.<br />

Após a primeira guerra mundial, a Alemanha atravessou uma crise econômica sem<br />

precedentes, com milhões de desempregados. Assim que o Partido assumiu o poder, surgiu<br />

um clima favorável aos nazistas para ganhar a estima do povo alemão e propor a solução<br />

para a crise econômica, jogando sobre os judeus, a responsabilidade pela referida crise,<br />

alem de, como raça inferior, serem considerados os responsáveis pelas pragas, doenças e<br />

outros males que infestavam o país, o que serviu de pretexto aos nazistas para as medidas<br />

discriminatórias.<br />

Para impressionar e obter o apoio popular, eles promoviam grandes espetáculos, paradas<br />

militares imponentes e utilizavam meios de persuasão através do rádio e da imprensa, na<br />

qual se pode destacar o jornal “Der Stürmer”, que eles adquiriram especialmente para<br />

destilar veneno contra judeus, dirigido por Julius Streicher.<br />

Vários meios de propaganda foram utilizados pelos nazistas, como os símbolos da águia e<br />

da cruz swastica, bandeiras, o uso de cores fortes como o vermelho, cor revolucionária<br />

que eles copiaram dos comunistas, a cor preta, uma cor forte que chama a atenção, utilizada<br />

na águia e o branco que corresponde à luz. As cores, que têm conotação cultural foram<br />

também utilizadas posteriormente para identificação de prisioneiros, nos campos de<br />

concentração. Assim prisioneiros políticos eram identificados pela cor vermelha e políticos<br />

judeus, com a estrela de David, também em vermelho.<br />

Outro veículo de propaganda nazista foram as produções cinematográficas de caráter antisemita<br />

e de propaganda subliminar contra os judeus, que eram considerados como um vírus<br />

propagador de doenças mortais. Este veículo foi dirigido por uma “famosa” cineasta<br />

chamada Leni Riefenstahl, que realçou de forma grandiosa os “salvadores” do povo<br />

alemão.<br />

43 *Samuel Belk- Engenheiro, Mestre na Área de Letras, pela Faculdade de Filosofia da USP,<br />

Roteirista, Diretor Musical; Diretor de Pesquisas do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro e Editor<br />

do Informe Mensal.<br />

50


Foi também usado pelos nazistas, o classicismo na arte para sua propaganda política, com a<br />

exaltação da beleza, do respeito aos costumes e à moral, (que não respeitavam), em<br />

contraposição a arte moderna, que era por eles considerada uma perversão.<br />

Finalmente a própria arquitetura se tornou um instrumento nazista do discurso totalitário.<br />

Espaços grandiosos, edifícios altos, linhas retas etc. A arquitetura seria a eternização da<br />

raça superior, tanto é que Hitler já estava prevendo, caso ganhasse a guerra, um projeto<br />

megalomaníaco para a Nova Berlim. Uma avenida monumental, tendo um eixo central,<br />

com 5 quilômetros de extensão, com serviços de lazer de um lado e serviços institucionais<br />

do outro.<br />

A entrada para esta avenida teria um enorme Arco do Triunfo ( eles adoravam a<br />

arquitetura clássica francesa ) e do lado oposto, um edifício envolvente frente a uma<br />

enorme praça, onde seriam realizados os comícios do partido.<br />

Desde 1922 o partido nazista iniciou a preparação de quadros politizados para implementar<br />

a ditadura, o aniquilamento completo das oposições e a destruição do judaísmo europeu.<br />

Ele funda o Movimento Juvenil do partido, rebatizado em 1923 de Juventude Hitlerista. Em<br />

1928, para reforçar ainda mais a formação de alemães obedientes ao culto do nacional<br />

socialismo, cria grupos infantis de 10 a 14 anos na Juventude Hitlerista.<br />

Em 1934, já no governo, ele organiza acampamentos para a doutrinação dos jovens, tendo<br />

somente neste ano preparado 42.387 líderes e instrutores. Logo a seguir tornou<br />

compulsória a filiação de todos os jovens alemães na Juventude Hitlerista.<br />

A perseguição aos judeus na Alemanha<br />

Na década de 30, os nazistas iniciaram as primeiras discriminações contra os judeus<br />

alemães, afastando professores das universidades, proibindo-os de exercer funções<br />

públicas, exercer atividades comerciais, profissões liberais, inclusive a medicina e ainda<br />

freqüentar lugares públicos, manter telefones e rádios em suas residências e outras<br />

mediadas inimagináveis.<br />

Em 15 de novembro de 1935 foram editadas as Leis de Nuremberg. Por elas os judeus não<br />

podiam realizar matrimônios com alemães a fim de preservar a pureza do sangue ariano. A<br />

transgressão era punida com a morte. Todos os estabelecimentos judeus foram confiscados<br />

e entregues a comissários alemães privando-os assim de toda e qualquer sustentação<br />

econômica. Estas leis foram também estendidas para a Áustria, país incorporado pela<br />

Alemanha em 1938. Antes da Segunda Guerra Mundial permaneciam sob controle alemão<br />

cerca de 500.000 judeus.<br />

Por volta de 1938, membros das SS e grupos nazistas deram inicio a uma série de pogroms<br />

em toda Alemanha, com incêndio de sinagogas, casas comercias, depredação, saque de<br />

residências judaicas, prisões e de segregação de judeus em guetos. Foram destruídas cerca<br />

de 7.500 lojas e fábricas no que resultou em 90 mortes e centenas de feridos. Nesta ocasião<br />

milhares de judeus conseguiram emigrar da Alemanha, porem não puderam levar nenhum<br />

51


de seus bens, despojados que foram pelos alemães, tendo emigrado com a coragem e a<br />

roupa do corpo.<br />

A segunda guerra mundial<br />

No dia 1 de setembro de 1939 eclodiu a segunda grande guerra mundial, como parte do<br />

plano de expansão da Alemanha e de domínio do mundo, projeto de um psicopata do qual<br />

até então os países europeus não tinham tomado conhecimento. Os nazistas iniciaram seus<br />

primeiros ataques contra a Polônia. Uma semana antes, a Alemanha tinha assinado um<br />

pacto de não agressão com a Rússia, onde ficou firmado que a Polônia seria dividida entre<br />

eles. Em menos de um mês a Polônia se rendia e logo em seguida foi feita a partilha<br />

combinada, entre os dois parceiros. Nesta ocasião a Polônia tinha uma população judaica de<br />

3.350.000 pessoas, tendo ficado sob o domínio alemão, nesta fase da guerra, cerca de<br />

2.000.000 de judeus poloneses.<br />

Após a agressão à Polônia e quando se deram conta da queda deste país e seu significado, a<br />

França e a Inglaterra declararam em 3 de setembro de 1939 guerra à Alemanha e que mais<br />

tarde começou a envolver um grande número de países. Estes passaram a ser chamados de<br />

“Aliados”, enquanto a Alemanha, com a participação da Itália e do Japão, passou a ser<br />

chamados de “Eixo”.<br />

Os nazistas tomaram sem muito esforço a Noruega, a Bélgica, a França, tendo hasteado em<br />

Paris sua bandeira com a suástica, em 14 de junho de 1940. Logo se renderam a Bulgária,<br />

Iugoslávia e também a Grécia Em junho de 1941, apesar do pacto de não agressão a<br />

Alemanha declarou guerra à Rússia e imediatamente tomou posse da outra metade da<br />

Polônia e avançou em uma grande extensão do território russo, tendo alcançado a cidade de<br />

Tula, situada a 25 quilômetros da capital russa.<br />

Com a dominação quase total dos países europeus, inclusive de toda Polônia e ainda parte<br />

da Rússia, os nazistas tomaram em suas mãos a maioria dos judeus da Europa e iniciaram<br />

progressivamente a colocar em prática seu plano sinistro de aniquilamento da população<br />

judaica. Somente na Polônia havia 3.350.000 judeus, correspondendo a mais de 10% da<br />

população polonesa<br />

Em dezembro de 1941, com os alemães diante de Moscou, os russos começaram uma<br />

contra ofensiva e conseguiram salvar a sua capital. A guerra no entanto continuava.<br />

A solução nazista para o aprimoramento da raça ariana<br />

Nos países dominados, os nazistas iniciaram um verdadeiro terror contra população judaica<br />

e para isso eles ainda contaram com o apoio, na maioria dos países eslavos, com as<br />

autoridades e populações locais. Foram organizados pogroms, com assassinatos<br />

indiscriminados, perseguições, pilhagens de bens e especialmente destruição de sinagogas.<br />

De início, eles obrigaram os judeus a se mudarem das cidades grandes, para povoados das<br />

redondezas. Logo em seguida eles mudaram de idéia preferindo concentrar os judeus em<br />

locais restritos para maior facilidade de controle. Assim criaram então os guetos,<br />

52


especialmente na Polônia, onde concentravam a maioria dos judeus, inclusive aqueles<br />

trazidos de outros países ocupados da Europa, alem da própria Alemanha.<br />

Os guetos eram implantados nas grandes cidades, em bairros paupérrimos, de onde era<br />

retirada a população não judaica. Ao se transferir forçadamente para os guetos os judeus<br />

que eram obrigados abandonar as suas casas onde moravam, somente podiam levar um<br />

número restrito de bens, o equivalente a 25 quilos. Os guetos eram mantidos sem nenhuma<br />

comunicação com o exterior. Eram cercados geralmente por muros altos e as entradas<br />

guarnecidas por soldados alemães e poloneses. Os judeus não tinham permissão para sair<br />

de lá, a não ser que trabalhassem em indústria alemã, fora do gueto e tivessem salvoconduto.<br />

A vida nos guetos se tornou insuportável pelas precárias condições de higiene e em total<br />

promiscuidade, por excesso de população, falta de alimentos e de fontes de sustento. Assim<br />

por exemplo no gueto de Varsóvia, criado em novembro de 1939, foram concentradas<br />

500.000 pessoas, onde cabiam somente 35.000, em condições normais de habitação. No<br />

gueto de Lodz, também criado na mesma época, foram encurralados cerca de 162.000<br />

judeus, num bairro de grande pobreza, onde viviam antes 12.000 pessoas. Também foram<br />

instalados guetos em Bialostok, Cracóvia, Rowno, Lublin, Lvov, Vilna, Riga, Minsk,<br />

Sosnoviec e outras cidades.<br />

Esta primeira fase consistiu na exploração de mão de obra escrava para a indústria nazista,<br />

alem de um aniquilamento lento das pessoas através da fome, doenças, frio e simples<br />

assassinatos efetuados ao acaso.<br />

A segunda fase foi a transferência dos judeus dos guetos para os campos de concentração,<br />

que eram constituídos de enormes barracões de madeira, com camas beliche e dotados de<br />

cercas de arame farpado eletrificadas. Nesta ocasião os judeus eram despojados de suas<br />

roupas, sapatos e a maioria dos objetos pessoais, recebendo um uniforme do tipo<br />

presidiário, tamancos e a tatuagem de um número no braço, que servia de identificação.<br />

Eles eram também separados das esposas e dos filhos.<br />

A terceira fase, conhecida como a “Solução Final” foi a transferência para os campos de<br />

extermínio onde as pessoas eram assassinadas mediante a utilização de gases tóxicos e<br />

incineradas em fornos crematórios.<br />

2- Repressão: Os guetos e a destruição do judaísmo europeu<br />

Para se ter uma idéia da vida da população judaica, na mão dos nazistas nos guetos,<br />

considerada a primeira fase da “Solução Final”, relatamos o que se passou no primeiro<br />

gueto implantado, o gueto da cidade de Lodz, descrição feita por sobreviventes e que serve<br />

de paradigma para o conhecimento das ocorrências nos demais guetos.<br />

Em 17 de setembro de 1939, o exército soviético invadiu a Polônia de acordo com o plano<br />

de divisão acertada com a Alemanha, A parte oeste e central da Polônia coube à Alemanha,<br />

53


onde uma população de 22.000.000 de pessoas ficou sujeita ao regime nazista, a partir de 8<br />

de outubro.<br />

Nesta região incorporada pelos nazistas se situava a cidade industrial polonesa de Lodz,<br />

que possuía a segunda maior população judaica, cerca de 250.000 pessoas. Todas as ruas da<br />

referida cidade passaram a ser rebatizadas com nomes alemães. Lodz era um dos maiores<br />

centros têxtil e de manufatura da Europa Central, tendo passado a servir inteiramente à<br />

máquina de guerra nazista.<br />

Logo que o domínio nazista se estabeleceu em Lodz, implantaram-se regulamentos<br />

específicos anti-judaicos como: proibição de cerimônias religiosas, congelamento de<br />

contas bancárias, confisco de rádios portáteis, proibição de possuir meios de transporte<br />

particular e outros alem de obrigar o uso da estrela de David na roupa, para os judeus<br />

serem facilmente identificados.<br />

Em seguida, os nazistas conceberam enclausurar os judeus em guetos, zonas especialmente<br />

escolhidas e cercadas sob o pretexto de proteger os não judeus de judeus e de controlar os<br />

judeus, pretensamente acusados de cooperar com os inimigos dos alemães. Lodz foi a<br />

primeira cidade polonesa onde se criou um gueto, localizado num bairro da cidade, o mais<br />

pobre e deteriorado e dela retirada a população não judaica.<br />

Na área do gueto, com aproximadamente 4 quilômetros quadrados foram alojadas 250.000<br />

pessoas em condições totalmente subumanas. Não havia água corrente nos apartamentos,<br />

nem eletricidade, tendo sido cortados também serviços públicos como correio e bombeiros.<br />

Para se ter uma idéia da superpopulação, a taxa de ocupação era aproximadamente de 3,5<br />

pessoas por aposento. Todos os bens pessoais foram confiscados durante a mudança de suas<br />

residências.<br />

O gueto de Lodz, onde não era permitido sair, sem salvo conduto, tornou-se logo um campo<br />

de trabalhos forçado, com mão de obra escrava para oficinas e indústrias alemãs, aí<br />

localizadas. Os produtos produzidos por judeus do gueto para uso dos alemães eram<br />

trocados por matérias primas e alimentos. O que saia do gueto era desvalorizado e o que<br />

entrava era super valorizado, uma maneira de empobrecer mais a população, alem de que os<br />

alimentos se tornavam cada vez mais escassos.<br />

A fome, a super população e falta de condições sanitárias, causavam epidemias como o tifo,<br />

resultando então em conseqüência um grande número de mortes quase que diariamente.<br />

Em 2 de junho de 1940 iniciou-se o racionamento de alimentos que passou a ser feito<br />

através de cartões. A direção do gueto era confiada ao chefe da “Administração Judaica”, o<br />

judeu mais idoso, chamado Chaim Rumkowski, uma figura controvertida, escolhida pelos<br />

alemães.<br />

Em 7 de dezembro de 1941 os nazistas criaram o primeiro campo de extermínio em<br />

Chelmno, próximo a Lodz, dando assim prosseguimento ao seu plano sinistro de<br />

extermínio dos judeus em grande escala, programa aprovado na Conferência de Vannsee,<br />

em continuação ao extermínio que se praticava no gueto, “naturalmente”, por doenças e<br />

54


assassinatos ocasionais. Entre janeiro e maio de 1942, 55.000 pessoas, um terço da<br />

população do gueto, foi levada a Chelmno e barbaramente assassinada.<br />

De janeiro de 1942 a abril de 1943 o gueto foi obrigado a fornecer diariamente 1.000<br />

pessoas, escolhidas pelo administrador Rumkowski, segundo critérios não conhecidos e<br />

levados para o campo de extermínio vizinho. Com o esvaziamento gradual do gueto, diante<br />

dos assassinatos planejados, os nazistas começaram a assentar novos moradores, futuras<br />

vítimas, trazidas de outras partes da Europa como Boêmia, Morávia, Áustria, Luxemburgo<br />

e da própria Alemanha.<br />

Em 1944, o gueto de Lodz estava praticamente liquidado. Com o início da derrota alemã e<br />

seu recuo face ao avanço das tropas soviéticas, tinham restado em Lodz exatamente 877<br />

pessoas, e entre elas algumas, que se empenharam em salvar todos os arquivos e<br />

documentos da comunidade judaica<br />

Foi somente em 7 de maio de 1945, com a assinatura no quartel general de Eisenhower, em<br />

Reims, quando se deu a rendição incondicional de todas as forças alemães, é que teve um<br />

paradeiro ao massacre de judeus. A segunda guerra mundial realmente terminou em<br />

setembro de 1945, quando se deu a capitulação do Japão, parceiro dos nazistas e da Itália, o<br />

outro parceiro, que tinha se rendido em 2 de maio. Terminada a guerra, aproximadamente<br />

6.000.000 de judeus tinham sido varridos da face da terra, num espetáculo monstruoso que<br />

jamais podia ser imaginado pelo gênero humano.<br />

3- A música como resistência<br />

As canções do gueto<br />

No século XVI, um grande número de judeus do médio Reno, da Alemanha, se estabeleceu<br />

na Boêmia, Polônia Lituânia e Rússia, em cidades e aldeias. Eles trouxeram de lá a língua<br />

que falavam<br />

o ídish e toda sua bagagem intelectual e seu modo de vida. A Polônia se tornou a partir do<br />

século XVIII, a principal concentração de judeus da Europa e o seu principal centro de<br />

cultura e aprendizado.<br />

As primeiras canções de que se tem conhecimento desta época tem características<br />

marcadamente religiosas. O estudo do Talmud era por todos desejado, entendendo-se que<br />

isso traria segurança econômica na terra e a benção do céu. Uma canção que ilustra esta<br />

tendência é cantada por uma mãe .<br />

Sob o berço de Yankele Yankele estudará torá<br />

Encontra-se um cabrito branco Irá escrever livros<br />

O cabrito saiu para vender Uma pessoa boa e piedosa<br />

Uva passa e amêndoas Ele sempre será.<br />

Esta é a melhor mercadoria<br />

55


As canções dos "shteitlach" (1) judaicos da Europa, especialmente da Polônia, foram se<br />

diversificando aos poucos. De canções sobre casamentos, passou-se a canções de amor,<br />

satíricas e populares que passaram a abordar temas seculares.<br />

De um modo geral as canções que surgiram nos século XVIII XIX e começo do século XX<br />

podem ser classificadas, segundo os critérios adotados pela etnomusicóloga Eleonor<br />

Gordon Mlotec: (8) canções de amor, pobreza, dramas pessoais, alegria, esperança por dias<br />

melhores, tragédias costumes, emancipação da mulher, canções de ninar, perseguições<br />

sofridas e outras.<br />

As canções produzidas nos guetos foram de temática mais restrita, uma vez que refletiam a<br />

vida limitada que os judeus ai levavam, descrevendo assuntos como: superpopulação, falta<br />

de alimentos, anormalidades, humilhações, canções sarcásticas, bem como de esperança por<br />

dias melhores.<br />

“A canção popular judaica da segunda guerra mundial foi criada pelo sofrimento,<br />

privações, degradações, temor, luta, heroísmo e morte. Textos e melodias de autores<br />

conhecidos e desconhecidos descrevem a destruição de uma enorme população judaica,<br />

na mão de uma tirania inigualável da história do mundo. Recordando as crônicas do<br />

século XVII, estas canções memorizam e condenam a força nazista e de seus dirigentes,<br />

que por seis anos se empenharam numa expropriação sádica dos bens judaicos,<br />

deslocando seres humanos de um lugar para outro, explorando e conduzindo-os até a<br />

morte. Este macabro programa de um poder militar organizado, numa brutal guerra<br />

contra uma população de milhões de pessoas desarmadas, é revelado em centenas de<br />

canções escritas por homens, mulheres, crianças, velhos e jovens, num desesperado<br />

esforço de sobreviver”.<br />

O trabalho escravo em condições desumanas e o trabalho forçado de limpeza de ruas<br />

em campos de concentração gerou a seguinte:<br />

Domingo e segunda permanecemos nos buracos<br />

Terça e quarta temos febre<br />

Quinta e sexta partimos pedras<br />

Sábado temos os ossos quebrados<br />

No gueto de Varsóvia, a seguinte canção era utilizada como um meio de defesa,<br />

muitas vezes lançada corajosamente, na face do invasor:<br />

Para que choramos, para que se lamentar<br />

Falaremos ainda kadish (2) por Frank (3)<br />

Fiquemos alegres e contemos piadas<br />

Ainda por Hitler ficaremos de luto<br />

Vamos nos confortar e esquecer nossa tragédia<br />

Em abril de 1943, os nazistas retiraram os últimos 400 judeus da província de Vilna, de<br />

cidades como Sventsian, Osheme, Tal, Vitdz e outras, sob o pretexto de transferi-los para o<br />

gueto de Kovno, porem embarcou-os de trem para Ponar, um campo de extermínio situado<br />

56


10 quilômetros adiante. Os judeus que perceberam a manobra iniciaram uma luta brava<br />

contra os guardas alemães ferindo e matando muitos deles, porem somente alguns<br />

conseguiram escapar. A balada que se segue descreve este trágico acontecimento:<br />

(2) Kadish- Oração pelos mortos<br />

(3) Frank- governador da Polônia ocupada<br />

(4)Sheitl,- plural shteilach- pequenas cidades com população com predominância<br />

judaica<br />

Em Vilna surgiu uma nova ordem<br />

Para trazer os judeus das cidadezinhas<br />

Trouxeram todos, de jovens a velhos<br />

Também até doentes acamados<br />

O campo de concentração foi cercado<br />

Começaram então a selecioná-los:<br />

Judeus de Osheme seriam remanejados para Vilna<br />

E judeus de Sole seriam levados para Kovno<br />

Levaram-nos para fora do campo<br />

Jovens e novas vítimas<br />

Levaram-nos todos juntos<br />

Nos mesmos vagões fechados<br />

O trem se movia vagarosamente<br />

Apitando e tocando sirenes<br />

Estação Ponar, o trem para<br />

Desligam os vagões<br />

Então perceberam que foram enganados<br />

Estão levando-os para a terrível matança<br />

Quebraram as portas dos vagões<br />

E procuraram escapar<br />

Lançaram-se sobre a gestapo<br />

E rasgaram seus uniformes<br />

Alguns alemães mortos<br />

Caíram ao lado dos judeus assassinados<br />

Os guetos da província<br />

Forneceram 400 mártires<br />

E os seus pertences foram levados<br />

De volta, nos mesmos vagões<br />

Shmerke Kaczerginski, poeta e escritor nascido na cidade de Vilna, em 1928, conseguiu<br />

sobreviver no Gueto de Vilna, onde fazia parte do grupo de resistência. Quando tinha 7<br />

anos de idade, seus pais faleceram por falta de alimentos durante a primeira guerra mundial.<br />

Participou de organizações políticas tendo se destacado na produção de canções<br />

revolucionárias que se espalharam pelo mundo judaico.<br />

57


Foi preso, pela polícia polonesa, tendo passado algum tempo na cadeia. Nesta ocasião<br />

escreveu diversos contos de conteúdo social bem como algumas reportagens sobre a vida<br />

do trabalhador na Polônia. Um de seus livros “Eu, que era um Partizan” foi publicado em<br />

português. Em 1929, ele funda o grupo “Jovem Vilna”, uma sociedade literária, do qual se<br />

tornou um dos dirigentes e foi também correspondente do jornal novaiorquino “Morgen<br />

Fraihait”.<br />

Enquanto esteve internado no gueto de Vilna coletou cerca de 250 canções lá produzidas,<br />

e editadas pela Cico Bicher Farlag, de Nova York, em 1948. Faleceu em 23 de abril de<br />

1954, num acidente de aviação, na Argentina, onde estava realizando palestras, nas cidades<br />

de Mendonça e Buenos Aires.<br />

Entre 1942 e 1945 ocorreram revoltas em guetos e campos de concentração, evidentemente<br />

com pouco resultado prático. Uma população totalmente desarmada e confinada,<br />

dificilmente poderia ter êxito contra um exército nazista, armado até os dentes.<br />

A mais expressiva revolta, conhecida como o Levante do Gueto de Varsóvia, ocorreu em<br />

abril de 1943, onde os judeus conseguiram manter uma ofensiva de quase um mês contra<br />

uma máquina de guerra alemã, que muitos países com seus exércitos, não conseguiram<br />

suportar, sequer durante uma semana.<br />

O que restou mesmo foram as canções, a única arma com que os judeus se mantiveram<br />

enquanto vivos e que nos transmitiram através delas, sua coragem, sua luta pela<br />

sobrevivência e seus anseios de vida, até finalmente o seu quase total aniquilamento, pela<br />

barbárie nazista.<br />

A Conferência de Wannsee<br />

Em 20 de janeiro de 1942 a alta cúpula nazista se reuniu em Am Gossen Wannsee,<br />

num subúrbio de Berlim, na conhecida Conferência de Wannsee, para decidir o modo<br />

operacional de implantação da assim chamada Solução Final (a terceira etapa como<br />

nos já referimos).<br />

A reunião não durou mais do que uma hora e meia, tendo depois sido servido drinks e<br />

almoço. “Uma íntima reunião social” como a consideraram os chefes nazistas,<br />

destinada a fortalecer os contatos pessoais necessários para implementação do<br />

“grandioso” programa. O termo Solução Final foi por eles utilizada como regra de<br />

linguagem, para encobrir diante da opinião pública mundial e das próprias vítimas, os<br />

termos: extermínio, assassinato ou eliminação.<br />

De acordo com as diretrizes traçadas nesta Conferência, em setembro deste mesmo<br />

ano, os nazistas iniciaram a deportação das crianças com menos de dez anos e dos<br />

anciãos com mais de sessenta e cinco anos de idade, dos guetos para os campos de<br />

extermínio.<br />

Um observador judeu do gueto de Lodz escreveu em 16 de setembro posteriormente à<br />

deportação:<br />

58


"As pessoas foram retiradas das casas, filhos arrancados das mães e pais dos filhos.<br />

A evacuação das crianças e dos anciãos se tornou uma triste realidade<br />

As crianças eram carregadas em carretas puxadas por cavalos. Elas nunca tinham<br />

visto cavalos de verdade e esperavam um passeio alegre.”<br />

Muitas crianças se salvaram utilizando esconderijos. Outras foram levadas por suas<br />

mães para fora do gueto e entregues para orfanatos ou famílias polonesas e instruídas<br />

para esquecer seus nomes judaicos e se manterem discretas.<br />

Muitas vezes eram abandonados à própria sorte junto à porta de casas polonesas. Este<br />

trágico acontecimento foi descrito numa canção, “Uma Criança Judia”, de autoria<br />

de Chana Weinstein, uma sobrevivente dos campos de concentração.<br />

Num povoado lituano distante In a litvish derfl vait<br />

Há uma casa isolada Shteit a shtibl in a zait.<br />

Através de uma janela pequena Duch a fenster nit kein grois<br />

Crianças observam a rua, Kukn kinderlech arois,<br />

Meninos com mentes vivas, Ingelech mit flinke kep,<br />

Meninas com tranças loiras, Meidelech mit blonde tzep,<br />

E lá junto com eles Und tsuzamen dort mit zei<br />

Dois olhos negros observam Kukn oign shvartse tsvei<br />

Olhos negros cheios de charme, Shvartse oign ful mit chein,<br />

Tem um nariz bonito e pequeno, Hot a nezele a klein,<br />

Lábios prontos para beijar, Lipelech tzum kushn nor,<br />

Cabelos negros fortemente ondulados, Shtark gelokte shvatze hor,<br />

A mãe o trouxe aqui S’hot di mame im gebracht<br />

Envolto na escuridão da noite, Aingeviklt in der nacht,<br />

Beija-o fortemente e lamenta, Shtark gekusht un geklogt,<br />

Ela lhe diz baixinho Shtilerheit tzu im gezogt:<br />

Aqui meu filho, será tua morada, Do main kind, vet zain dain<br />

ort,<br />

Preste atenção na palavra de tua mãe Her je tzu dain mames vort<br />

Eu te escondo aqui, porque Ich bahalt dich do derfar,<br />

Sua vida se acha em perigo, Vail dain lebn drot gefar,<br />

Brinque tranqüilo com estas crianças, Mit di kinder shpil zich fain,<br />

E permaneça quieto e comportado, Shtil gehorchzam zolstu zain,<br />

Nem mais uma palavra em ídish ou canção Mer kein idish vort, kein lid<br />

Porque você não é mais judeu. Vail du bist nit mer kein id.<br />

A criança pede insistentemente para ela Bet zich shtark dos kind bai ir<br />

Mãe, quero somente ficar com você Mame, ch’vil nor zain mit dir<br />

Não me deixe aqui sozinho Loz nit iber mich alein<br />

A criança desaba num choro. S’kind fargeit zich in gevein.<br />

59


Ela lhe dá muitos beijos Git zi kushn im a sach<br />

Porem não adianta nada Ober s’helft ir nit kein zach<br />

A criança protesta: não e não S’kind nor tained:-nein un<br />

nein<br />

Não quero ficar aqui sozinho Ch’vil nit blaibn do alein.<br />

Ela o toma nos braços, In di orems nemt zi im,<br />

E com suavidade de sua voz Un mit veichkeit in ir shtim<br />

Ela canta: filhinho meu Zingt zi: ingele du main,<br />

E assim ela o adormece, Un zi vigt im azoi ain.<br />

Depois disso chora à vontade Noch dem veint zi frai zich ois<br />

E então ela abandona a casa Un zi tret fun shtub arois<br />

Cheia de preocupação e medo Ongefilt mit zorg un shrek<br />

E desaparece no meio da noite. Un zi geit in nacht avek.<br />

Lá fora faz frio e venta, Kalt in droisn un a vint,<br />

Ouve-se uma voz: Oh! meu filho, Hert a kol zich: oi main kind,<br />

Deixei- te em mãos estranhas, Dich gelost oif fremde hent,<br />

Eu não tinha outra solução. Andersh hob ich nit gekent.<br />

Vai a mãe, falando sozinha, Geit a mame, mit zich redt,<br />

E lá fora é tarde e faz frio, Un in droisn-kalt un shpet,<br />

O vento lhe bate no rosto- S’veit in punem ir der vint-<br />

“Deus, proteja meu único filho” Got, bashits main eintsik kind<br />

Casa estranha cheia de gente, Fremde shtub mit mentshn fil,<br />

O menino permanece mudo e quieto, S’ingele iz shtum un shtil,<br />

Não fala, não pede, não tem desejos, Redt nit, bet nit, vil kein zach,<br />

Raramente ele dá um sorriso, Zeltn ven er tut a lach,<br />

Não há dia e nem noite para ele, Nit kein tog un nit kein nacht,<br />

Não dorme e nem fica acordado. Nit er shloft un nit er vacht.<br />

Vasilko, um nome estranho Vasilko, a nomen fremd<br />

Que lhe faz doer o coração. Oif zain hertsl drikt un klemt.<br />

A mãe anda meio perdida, Mame voglt vu arum,<br />

Calada, como seu Iossele, Vi ir Iossele oich shtum<br />

Ninguém a conhece nem se preocupa, Keiner veist nit, keinem art<br />

Ela espera, espera, espera... Un zi vart, un vart, un vart...<br />

Como Yocheved ela se assemelha<br />

Tsu Yocheved iz zi glaich<br />

Que deixou Moisés no rio Vail vi Moishe oifn taich<br />

Sozinho, desamparado ao vento Elnt, ainzam oifn vint<br />

E perdeu seu único filho. Iz farlozt ir eintzik kind<br />

Da coleção de canções populares coletadas por Kaczerginski e as por ele escritas<br />

selecionamos algumas que refletem bem a vida do povo judeu nos guetos nazistas, bem<br />

como a canção Varsóvia, produzida por ele no fim da guerra, em sua visita à esta cidade.<br />

60


TODOS ME CHAMAM ZÁMELE<br />

( Gueto de Lublin ) Letra: Autor desconhecido<br />

Música: Bernardo Feuer<br />

Esta canção mostra o drama vivido por um órfão, que perdeu seus pais e irmãos,<br />

considerando- se um trapo por ser judeu. Também lamenta a perda de seu lar e invoca<br />

Deus do céu, para que observe a terra onde seu povo está sendo sacrificado.<br />

Ieder ruft mich Zámele, Todos me chamam Zámele<br />

Ai, vi mir is shver. Ai, como me é difícil<br />

Ch‟hob gehat a mamele Eu tive uma mãe querida<br />

Ch‟hob zi shoin nisht mer. Não a tenho mais.<br />

Ch‟ob gehat a tátele, Tive um pai querido<br />

Hot er mir gehit. Que me cuidava<br />

Itst bin ich a shmátele Agora sou um trapo,<br />

Vail ich bin a id Porque sou judeu<br />

Ch‟ob gehat a shvesterl, Tive uma irmãzinha,<br />

Iz zi mer nito. Ela não mais existe<br />

Ach vu bistu Esterl Oh! onde estás querida Ester<br />

In der shverer sho? Nesta hora difícil?<br />

Ergets bai a beimele, Em algum lugar junto à uma árvore,<br />

Ergets bai a ploit, Em algum lugar junto à um muro,<br />

Ligt main bruder Shloimele, Se encontra meu irmão Shloimele<br />

Fun a daitsh getoit Por um alemão assassinado.<br />

Ch‟hob gehat a heimele, Eu tive um lar feliz<br />

Itster is mir shlecht. Agora as coisa estão ruins.<br />

Ich bin vi a beheimele, Sou como um animalzinho,<br />

Vos der talien shecht. Que o açougueiro sacrifica<br />

Got, du kuk fun himele, Deus, olhe do belo céu,<br />

Of dain erd arop, Para seu mundo lá em baixo,<br />

Kuk tsu dain blímele, Olhe como o açougueiro<br />

Rais der talien op. Está arrancando sua florzinha.<br />

O MENINO DO TRANSPORTE<br />

Letra: Kasriel Broida<br />

Canção escrita por Kasriel Broida ( 1907- 1945 ), que dirigia shows e teatro no gueto de<br />

Varsóvia, era cantada pelos órfãos do gueto de Vilna, organizados numa associação de<br />

transporte. Puxando ou empurrando carrinhos, como se fossem animais, eles transportavam<br />

bens dentro do gueto e o que ganhavam neste tipo de negócio, ia para uma caixa comum.<br />

61


O menino lamenta perda do lar e dos pais. Com saudades relembra o orgulho dos pais em<br />

seus desejos que ele fosse médico Quando se viu assolado pela fome, pois não havia nada<br />

neste dia no caixa, pensou em roubar uma roupa que viu pendurada num varal. Logo<br />

porém, mal pensou, alguém já gritava ladrão prendam-no. Isto porque, no gueto todos<br />

ficavam de alerta, contra qualquer movimento suspeito que pudesse assinalar a polícia<br />

alemã. Ele se arrepende por seu pensamento em respeito a sua mãe, e não pretende roubar.<br />

Gehat amol a heim, a tate mame Um dia eu tinha um lar, mãe e pai.<br />

Geshikt mich lernen:Altz main kind far dir Mandaram-me estudar. Tudo para você.<br />

Gemeint ich vil doctor zain mistam Pensaram que talvez eu fosse médico<br />

Getsatsket un getsertlt zich mit mir Brincaram e se orgulharam comigo<br />

Nor plutsim, s‟hot a shturem zich tzehuliet Mas de repente apareceu uma tormenta<br />

Geblibn bin ich ainzam vi a shtein Fiquei solitário como uma pedra<br />

Biz gute muntshn hobn tzugetuliet Até que gente boa me abrigou<br />

Un itzt bin ich shoin nit alein Agora já não estou mais sozinho<br />

Ich bin fun transport Eu sou do transporte<br />

Mich ken aieder in gas. Todos na rua me conhecem<br />

Ich bin fun transport Eu sou do transporte<br />

Ich choizek, lach in ich shpas. Eu gracejo, rio e zombo<br />

Hei! zet main vogn Hei! vejam meu carrinho<br />

Er helft dem shvern ioch mir trogn Ele me auxilia a puxar a canga pesada<br />

Un mit shtols ken ich aich zogn É com orgulho que posso vos dizer<br />

As fun transport bin ich! Que sou do transporte<br />

Gevein a nacht a koitike, a calte Era uma noite feia e gelada<br />

A gantsn tog in moil gornit gehat, O dia inteiro não pus nada na boca<br />

Nor pltsim ch‟ze a shmate hengt, a alte. De repente vejo uma roupa velha<br />

S‟vet zain oif broit,hob ich geton a tracht Servirá para o pão, assim pensei<br />

Nor plutsim, ch‟veis nit vi azoi fun vanen, Porem de repente não sei de onde<br />

A ganef, firt im glaich in politzai! Ladrão, levem-no para a delegacia”<br />

Icgh a ganef?-oi, ven s‟hert main mame!” Eu ladrão? Oh! se minha mãe ouvisse<br />

Itzt shoin ober tu ich nit azoi Agora porem não procedo desta maneira<br />

A VENDEDORA DE PÃO<br />

( Gueto de Varsóvia )<br />

Autor da letra: S.Sheyinkinder<br />

Autor da música: Herman Yablokoff<br />

Num clima péssimo, Rifke, se encontra na rua, desabrigada, apregoando sua mercadoria,<br />

pão, que ela vende com muita dificuldade para o sustento. Lamenta que se não conseguir<br />

pelo menos alguns centavos, poderá morrer de fome. A canção denota bem as dificuldades<br />

de sobrevivência dos judeus no gueto, a viuvez face aos assassinatos dos maridos, os<br />

62


órfãos em face do assassinato dos pais e a falta de compradores para sua mercadoria, pela<br />

quase inexistência de dinheiro no gueto.<br />

In droisn is triber tog, Fora é um dia nebuloso<br />

A vint, sis kalt un nas,<br />

Um vento, está frio e úmido<br />

Es gist a regn vi a mabl,<br />

Chove como um dilúvio<br />

Shtil un pust in gas A rua está quieta e vazia<br />

Nor in vinkl fun a toier Mas no canto junto a um portão<br />

Nebn a farmachtn moier Junto a um muro fechado<br />

Shteit zich Rifke,aingebeign,blas Se encontra Rifke encurvada e pálida<br />

Shnel, men loift farbai,men varft Rápido as pessoas passam<br />

Tzum koishl broit a blik, E olham a cesta de pães<br />

Der vos geit fun dort avec Aqueles que passam junto dela<br />

Der kumt shoin nit tzurik. Estes não voltam mais.<br />

Itkes oign betn, rufn: Os olhos de Itke, clamam, imploram<br />

A klainem broitl aich farkoifn, Eu vendo até um pãozinho<br />

Ch‟vil oich esn, s‟ungert mich un drikt Também quero comer, tenho fome<br />

Koift bai mir a frishe shitke! Comprem pão preto e quente<br />

Ich ken mich nit, ich bin di sheine Itke Não me reconheço, sou a linda Itke<br />

Koift bai mir a luksusove Comprem uma bengala de pão<br />

Ch‟bin doch Itke fun Targove, Sou todavia Itke de Tarkove,<br />

S‟hot mit mir gekocht a gantse velt Todo mundo me admirava<br />

Zeipt, main lebn vert farloshn- Vejam, minha vida está se apagando<br />

Git mir tsu fardinem a por groshn Deixem me ganhar alguns centavos.<br />

Ch‟shtei azoi shoin fun baginen, Estou assim de pé desde cedo<br />

Keiner git nit tsu fardinen, Não ganho nada de ninguém<br />

Shtarbn vel ich fun hunger un fun noit. Morrerei de fome e de necessidade.<br />

S‟hot ieder mich amol gelibt Antigamente todos gostavam de mim<br />

S‟hot ieder mich gekent Todos me conheciam<br />

Geglet di sheine blonde hor Acariciavam os belos cabelos loiros<br />

Gekusht di tzarte hent Beijavam as mãos delicadas<br />

Nor zint dos umglik hot getrofn Porem desde que a tragédia aconteceu<br />

Is tzvei iur shoin lang farlofn Já passaram dois longos anos.<br />

Der tate is in krig gefaln O pai se perdeu na guerra<br />

Di mame ligt in grib A mãe se encontra numa cova<br />

Geblibn zeinen kinder fir Sobraram quatro crianças<br />

Zai hungern in shtib Eles passam fome em casa<br />

Iedn tog ich ze aich loifn Todos os dias eu vos vejo correr<br />

Keiner vil bai mir nit koifn Ninguém quer comprar de mim<br />

Un dos koishl broitlech altz ich halt Eu continuo segurando a cesta de pães.<br />

63


Koift bai mir a frishe shitke! Comprem de mim pão preto e quente<br />

Ich ken mich nit, ich bin di sheine Itke Não me reconheço, sou a linda Itke<br />

Koift bai mir a luksusove Comprem de mim uma bengala de pão<br />

Ch‟bin doch Itke fun Targove, Sou todavia Itke de Tarkove,<br />

Itke nit gevust hot fun kain noit Itke que nunca passava por necessidades<br />

Koift un shtelt nit langue shales Comprem e não façam muitas perguntas<br />

Maine broitlech hobn ale males Meus pães têm todas as qualidades<br />

Beser vet ir nit gefinem, Melhores vocês não acharão<br />

Koift un git mir tzu fardinen Comprem e deixem-me ganhar<br />

Far di kinder oif a shtikl broit Um pedaço de pão para meus filhos<br />

Ysrolik<br />

( Gueto de Vilna )<br />

Texto: L.Rosenthal<br />

Música: Nine Gershtein<br />

Ë a história de um menino órfão, vendedor de sacarina e cigarros, que apregoa sua<br />

mercadoria com lucro insignificante, pois a vida não vale mais do que um níquel. Ele<br />

recorda que não nasceu na rua e que já teve pai e mãe. Ele chora quando ninguém vê,<br />

porem pretende esquecer a tristeza para “não deixar o coração aflito” Sempre o mesmo<br />

tema: os pais morreram de doença ou assassinados pelos alemães. e os órfãos lutando com<br />

dificuldades para sobreviver.<br />

Nu koift she papirosn Bem, comprem cigarros<br />

Nu koift she sacarin Bem, comprem sacarina<br />

Gevorn is haint sroire bilik vert A mercadoria hoje se tornou barata<br />

A lebn far a groshn A vida por um níquel<br />

Aprute a fardinst Lucro insignificante<br />

Fun gueto handler hot ir dos gehert De um mascate do gueto vocês ouviram<br />

Che’is Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />

Ich bin dos kind fun gueto Sou o menino do gueto<br />

Che’is Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />

A hefkedriker ing Um rapaz brincalhão<br />

Chot’sh farblibn gole neto Se bem que fiquei sozinho<br />

Derlang ich altz, noch Ainda assim obtenho tudo, depois<br />

A svitshe, un a zung De um assobio e de um cantarolar<br />

A mantl on a kragn Um casaco sem a gola<br />

Sachsoinim fun a zak Roupa intima de um saco<br />

Kaloshn hob ich-s‟felt nor di shich Tenho galochas, só faltam os sapatos<br />

Un ver es vet nor vagn E quem se atrever<br />

64


Tzu lachn,oi, assach A rir , bastante<br />

Dem vel ich nor bavaizn ver ich bin Para este mostrarei quem sou<br />

Nish maint mich hot geboirn Não pensem que eu nasci<br />

Di hefkedike gas Na rua viciada<br />

Bai tate mame oich geven a kind Fui também criança de pai e mãe<br />

Ch‟ob baide ongevoirn Perdi os dois<br />

Nisht maint: es is a shpas Não pensem que é uma brincadeira<br />

Ich bin geblibn, vi in feld der vint. Fiquei como o vento no campo<br />

Ch’eis Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />

Nor ven kainer zet nisht Mas quando ninguém vê<br />

Vish ich shtil zich Limpo quietinho<br />

Fun oig arop a trer As lágrimas de meus olhos<br />

Nor fun main troier Porem da minha tristeza<br />

Beser as men ret nisht Melhor não falar<br />

Tzu vos dermonen Para que relembrar<br />

Un machn dos hartz zich shver. E deixar o coração aflito.<br />

VARSÓVIA<br />

Letra: S.Kaczerginski<br />

Música: M. Gelbart<br />

Este poema é uma canção de amor à cidade de Varsóvia que o poeta revisita depois da<br />

guerra na expectativa de reencontrar o seu passado, a sua história. Mas o desastre fora<br />

completo: da sua Varsóvia nada mais existe e ao poeta sobram o luto e a memória.<br />

Eu vim de longe Varsóvia ver você Ich bin tzu dir Varshe, fun vait gekumen<br />

Permaneço enlutado, permaneço mudo Ich shtei a fartroierter, ich shtei vi a shtumer<br />

Voei para vê-la por terras e mares Gefloign tzu dir duch iaboshe un iamen<br />

E não encontrei meu pai nem minha mãe Un hob nisht getrofn main tatn main mamen<br />

Lembro-me aqui dos anos de minha infância Dermon ich do o meine kindershe iorn<br />

Você, Varsóvia, não sai de minha mente S‟geit mir nisht Varshe arois fun zikorn<br />

Com Varsóvia no coração In hartzn mit Varshe<br />

Errante pelas estradas Oif vander un vegn<br />

E se por acaso alguém ousar a pergunta Un tomer vet emetzer vagn tzu fregn<br />

Por que estão de luto, num mundo bonito? Vos troiert ir idn a velt aza sheine<br />

Porque Varsóvia judia havia somente uma A ídiche Varshe is geven nor eine<br />

Vejo suas ruínas envoltas em fumaça e chamas Ich ze dain churves in roich un flamen<br />

Onde estão os corpos dos judeus sepultados Vu s‟lign di ídiche k‟doishim farshotn<br />

Estou à procura de um sinal dos conterrâneos Ich zuch vu a simen fun maine geshtamen<br />

65


A mão dos bandidos os matou todos Di merderishe hant hot zei ale oisgerotn<br />

Lembro-me do que você era e o que é hoje Dermon ich zich dos vos geven un gevoren<br />

Levo você, Varsóvia, triturada em minha mente .Ch‟nem mit zich Varshe farkritz in zikorn<br />

Com Varsóvia no coração In hartzn mit Varshe<br />

Errante pelas estradas Oif vander un vegn<br />

E se por acaso alguém ousar a pergunta: Un tomer vet emetzer vagn tzu fregn:<br />

Por que estão de luto, num mundo bonito? Vos troiert ir idn a velt aza sheine?<br />

Porque Varsóvia judia havia somente uma. A ídiche Varshe is geven, nor eine<br />

7- Conclusão.<br />

No presente trabalho procuramos mostrar as atividades bárbaras do nazismo alemão e suas<br />

trágicas conseqüências, quando a população judaica da Europa, constituída de milhares de<br />

pessoas, totalmente desarmadas, foi praticamente dizimada, sem nenhum motivo e sem<br />

direito à defesa, na mão de verdadeiros monstros, fato sem similar na história do mundo,<br />

pela sua crueldade, preparação premeditada ao longo de muitos anos e planejada com<br />

verdadeiro rigor “cientifico” em pleno século 20.<br />

Esta tragédia praticamente teve início quando Hitler, um austríaco desconhecido vai servir<br />

o exército alemão e se destaca em atos de bravura durante a primeira guerra mundial.<br />

Casualmente ele comparece a um comício do Partido dos Trabalhadores Alemães em<br />

missão de investigação por parte do exército e é convidado a se manifestar na reunião. O<br />

líder do partido ficou tão impressionado com seu discurso que o convida para se associar á<br />

entidade.<br />

Sem muito esforço e em tempo recorde Hitler assume a direção do partido e muda seu<br />

nome para Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cria um programa<br />

racista e depois de alguns anos assume a direção do governo, transformando a república<br />

alemã, numa violenta ditadura militar com conotação nazista. Agora a aplicação do<br />

racismo e perseguições aos judeus que antes tinham um caráter partidário, se é assim que<br />

podemos chamar, passou a ser um programa oficial de governo.<br />

Depois da perseguição violenta contra os judeus alemães, com a expropriação de seus bens<br />

particulares, o afastamento do serviço público, a proibição de exercer profissões liberais, a<br />

tomada de seus negócios e fábricas e outras discriminações, com a retirada dos mais<br />

elementares direitos, que limitavam a própria existência humana, eles acabaram sendo<br />

segregados em guetos e campos de isolamento.<br />

Esta experiência dantesca começou a ser aplicada aos judeus europeus que caíram na mão<br />

dos alemães quando se iniciou a segunda guerra mundial, em que a maioria dos países<br />

europeus ocupada por tropas nazistas. Os primeiros tempos de segregação dos judeus<br />

europeus nos guetos foram de relativa tranqüilidade porque os serviços comunitários e<br />

sociais funcionaram quase todos até o final de 1941, como o sistema escolar, os orfanatos,<br />

os teatros, as sessões literárias e musicais e outras.<br />

66


Aos poucos porem, estes serviços comunitários foram sendo extintos, quando os locais<br />

onde funcionavam, passaram a ser usados para outros fins, como centros de recepção no<br />

gueto de judeus transferidos de outras cidades. Os instrumentos musicais também foram<br />

sendo confiscados de modo que somente restou aos judeus as canções e a revolta contra a<br />

opressão nazista, estas porem com grandes limitações.<br />

Entre 1942 e 1945 ocorreram revoltas em guetos e campos de concentração evidentemente<br />

com pouco resultado prático. Uma população totalmente desarmada e confinada,<br />

dificilmente poderia ter êxito contra um exército nazista, armado até os dentes. A mais<br />

expressiva revolta, conhecida como o Levante do Gueto de Varsóvia, ocorreu em abril de<br />

1943, onde os judeus conseguiram manter uma ofensiva de quase um mês contra uma<br />

máquina de guerra alemã, que os poloneses, com todo seu exército, não conseguiram<br />

suportar sequer durante uma semana.<br />

Assim, o que restou mesmo, foram as canções, a única arma com que os judeus se<br />

mantiveram enquanto vivos e que nos transmitiram através delas, sua coragem, sua luta<br />

pela sobrevivência e seus anseios de vida, até finalmente quase o seu total aniquilamento,<br />

pela barbárie nazista.<br />

A quase trezentas canções, entre as produzidas e coletadas por Kaczerginki e de outros<br />

poetas, também nos leva a ter uma visão ampla deste período trágico, por que passou o<br />

povo judeu.<br />

8- Bibliografia<br />

1- ABRAHAM, Ben. Holocausto, O Massacre de Seis Milhões. São Paulo: Ed. WG<br />

Comunicações<br />

e Produções, 1990.<br />

2- ADELSON, Alan and LAPIDES, Robert.(Compilação). Lodz Gueto-Inside a<br />

Community Under Siege. New York:<br />

Penguin Group, 1989.<br />

3- ARONEAU, Eugene. Inside the concentration camps. USA: Grenwood Publication<br />

Groop,1996.<br />

4- CARTIER, Raimond. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Primor,<br />

1975.<br />

5- FLAM, Gila. Singing for Survival. Chicago: University of Illinois Press, 1992.<br />

6- FONTETE, François. História do Antissemitismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,<br />

1989.<br />

7- KACZERGINSKI, S.-.Songs of The Guetos and Concentration Camps. New York:<br />

Cyco, 1948.<br />

8- MLOTEK, Eleonor Gordon, Mir Trogn a GeZang. New York: Workman's Circle, 1987.<br />

9- PASTERNAK, Velvel, Songs Never Silenced. USA: Tara Publications, 2003.<br />

10- RUBIN, Ruth. Voice of a People-The Story of Yidish Folksongs. Philadelphia: Jewish<br />

Publication<br />

of America, 1979.<br />

11- SCHOENBERNER, Gerhard, A estrela Amarela. Rio de Janeiro-Editora Imago,1994<br />

12- SORLIN, Pierre. O Antisemitismo Alemão. São Paulo-Editora Perspectiva, sem data.<br />

67


13- SHERBOK, Dan Cohn. Atlas of Jewish History. London- New York: Ed. Routledge,<br />

1996.<br />

14- BELK, Samuel B.- A memória e a História do "Shteitl" na Canção Popular Judaica,<br />

2003 (5)<br />

9- LEITURA RECOMENDADA<br />

a) GUTMAN, Israel. O levante do Gueto de Varsóvia. Rio de Janeiro-Imago Editora, 1995.<br />

b) Hackett, David. O Relatório de Buchenwald- organização.Rio de janeiro: Editora<br />

Record, 1998.<br />

c) STIVELMAN, Michael e Raquel. A Marca do Genocídio. Rio de Janeiro: Imago<br />

Editora, 2001.<br />

d) FRANKL,Viktor E. Um psicólogo no campo de concentração .Petrópolis: Editora<br />

Vozes/ Sinodal. e) Ver número 11 e 12 e 14<br />

(5) Dissertação de mestrado disponível no site da USP. Pode ser também obtida a partir do Google<br />

digitando o nome completo do autor: Samuel B. Belk. (Email: belk@uol.com.br).<br />

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REPRESSÃO E RESISTÊNCIA<br />

Rachel Mizrahi 44<br />

Assim que os nazistas assumiram o poder em 1933, teve inicio o mais trágico período da<br />

história alemã e européia. Inseridos na desigualdade, os filiados ao partido do Nacional<br />

Socialismo, buscaram uma sociedade milenar liderada por arianos - seres superiores -, em<br />

frontal oposição ao judeu, membro de uma “sub-raça”, destinada à eliminação. Esta<br />

ideologia foi proposta no - “Minha Luta” -, livro escrito por Adolf Hitler, em 1922.<br />

O programa de extermínio, surpreendentemente aceito por uma nação culturalmente<br />

avançada, foi metodicamente cumprido por todos os que estavam ligados ao sistema e,<br />

adotado pelos países aliados e conquistados, transformados, também, em genocidas do<br />

povo judeu em terras da Europa.<br />

Para conseguir eficiência da extrema proposta foi necessário o apoio da sociedade. A<br />

população alemã foi condicionada a participar da verdade oficial através dos meios de<br />

comunicação, em especial o rádio, de alto alcance popular. Em 1935, as “Leis em<br />

Nuremberg” foram promulgadas, definindo os direitos de cidadania da população. Os<br />

500.000 judeus alemães perderam os direitos civis, as propriedades, o exercício de<br />

profissões e excluídos dos cargos públicos: transformaram-se em marginais do sistema e<br />

destinados a desaparecer, ainda que expressivos nomes fizessem parte da história cultural<br />

alemã, entre os quais o físico Albert Einstein e, o médico psicanalista, Sigmund Freud.<br />

O programa nazista de extermínio apresentou as seguintes etapas:<br />

1 – A política de Guetoização (1939): a concentração de todos os judeus em áreas<br />

fechadas, próximas de ferrovias. Os guetos eram administrados pelos “Judenrat”,<br />

compostos por judeus incumbidos de cuidar das necessidades como a alimentação, a<br />

segurança e a saúde da população. Os objetivos de extermínio foram atingidos pela falta<br />

absoluta de alimentos, exigüidade de espaço e das péssimas condições higiênicas que<br />

favoreceram a mortandade de grande número de crianças, idosos e adultos.<br />

2 - Os Einsentzgruppen (grupos de ação): eram unidades móveis de assassinatos. Os<br />

judeus eram aniquilados pelo gás quando transportados em caminhões, cujos canos de<br />

escapamento estavam voltados para o interior dos veículos.<br />

Era comum, também, a eliminação de judeus em fuzilamentos coletivos, perto de valas<br />

abertas pelas próprias vítimas, onde seriam, depois, enterrados.<br />

3 - Os Campos de Extermínio (1942): Buscando a concretização massiva do extermínio,<br />

os tecnocratas do regime reuniram-se, secretamente, em Berlim (Wansee) e decidiram que<br />

os 11.500.000 judeus da Europa seriam eliminados em campos de concentração,<br />

especialmente preparados. Esta foi a “Solução Final” para o problema judaico, porque<br />

executada de forma rápida e limpa. Utilizavam-se as linhas férreas de toda a Europa<br />

conquistada ao encaminhamento aos campos de extermínio, construídos no leste, na<br />

44 Pesquisadora Dra. do Arquivo Virtual sobre o Holocausto e Antissemitismo, responsável pelo link Histórias<br />

de Vida de sobreviventes e refugiados judeus do Holocausto, no Brasil do LEER/USP. Autora do A Inquisição<br />

no Brasil: Miguel Telles da Costa, o capitão mor judaizante de Paraty (2ª Ed., no prelo) e, Imigrantes Judeus<br />

do Oriente Médio em São Paulo e no Rio de Janeiro. São Paulo, Ateliê Editorial, 2003.<br />

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Polônia, completamente conquistada e participante do assassinato. Os judeus eram<br />

gazeados (pelo Zyklon B) e seus corpos incinerados. No trabalho, os executores<br />

priorizaram as mulheres, bebês, crianças e velhos, símbolos da reprodução e continuidade<br />

da vida.<br />

A força de trabalho de jovens (maiores de 16 anos) e adultos saudáveis deveria ser utilizada<br />

como mão de obra escrava em múltiplos serviços entre os quais, a fabricação de armas,<br />

munições, construção e manutenção de obras públicas, desativação de bombas (jogadas<br />

pelos aliados), nas confecções de uniformes ao exercito e, etc. A fome, as doenças e as<br />

péssimas condições de vida os levaram, em pouco tempo, à morte natural ou, aos campos<br />

de extermínio.<br />

Em 1945, terminada a guerra, seis milhões de judeus pereceram. Eram procedentes da<br />

Alemanha, Áustria, Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, França, Holanda, Iugoslávia,<br />

Itália, Países Bálticos e mais países ocupados pelas tropas nazistas durante a II Grande<br />

Guerra. No conjunto, 1.500.000 crianças. No aprimoramento da raça ariana, os nazistas se<br />

propuseram a eliminar os deficientes físicos, os dissidentes políticos e religiosos, as<br />

“Testemunhas de Jeová” e os homossexuais.<br />

A Emigração<br />

Posicionados em terras do continente europeu desde antigos tempos, o judeu, em<br />

comunidades, mantinha o judaísmo pela fé e tradições, herdadas de seus antepassados.<br />

Apesar do milenar antissemitismo - causa das grandes migrações regionais e internacionais<br />

–, as idéias liberais e da emancipação do povo permitiram a convivência e o<br />

desenvolvimento de diversos segmentos religiosos judaicos, entre os quais, os liberais, os<br />

tradicionais e os ortodoxos. Na Alemanha predominava o judaísmo liberal e a célere<br />

assimilação.<br />

Quando a política antissemita foi colocada em prática pela máquina burocrática do III<br />

Reich, famílias judias alemãs e de outras nacionalidades, bem posicionadas, buscaram<br />

emigrar. Outras, não querendo expor seus filhos às discriminações (nas ruas e nas escolas),<br />

prevendo violências e acreditando que tal sistema não pudesse durar, concordaram em<br />

enviar seus filhos para adoção por famílias na Grã Bretanha, através de um programa de<br />

salvação, conhecido como Kindertransport.<br />

Mesmo oprimidos, humilhados e esgotados, os judeus da Polônia apresentavam-se com<br />

grande vitalidade e enorme poder espiritual. Diante da ocupação nazista, as comunidades<br />

judaicas polonesas (cerca de 3.500.000 pessoas) se desestruturaram, particularmente pelo<br />

grande número de líderes e dirigentes comunitários que buscaram refugiar-se em terras<br />

livres da Europa e da América.<br />

A Resistência:<br />

Em esquema organizado pelo Estado, um movimento de reação de massa era impossível:<br />

Ninguém estava preparado para tal magnitude de opressão. Em cada judeu adulto pesava<br />

uma grande responsabilidade, pois uma nova situação havia sido criada do ponto de vista<br />

histórico, político e sociológico. Embora nas comunidades judaicas européias sob o<br />

nazismo se desenvolvessem formas conscientes ou instintivas de sobrevivência, os judeus<br />

não tiveram tempo de preparar a resistência organizada. O plano da conquista alemã, a<br />

aplicação da Solução Final e o segredo levaram a que algumas comunidades fossem<br />

destruídas assim que os nazistas chegavam em suas aldeias. As reações só se iniciaram em<br />

1943 quando a massa dos judeus já se encontrava nos guetos ou em campos.<br />

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Por outro lado, a reação alemã à resistência judaica assumia proporções imensas e dirigidas<br />

contra o próprio gueto até a aniquilação total. Como exemplo, citamos a aldeia de Lídice,<br />

na Tchecoslováquia, 15 km da cidade de Praga. Em 27 de março de 1942, o comandante<br />

Heydrich foi morto pelos partisans nas cercanias da aldeia. Como vingança, os alemães<br />

arrasaram a aldeia, assassinaram todos os homens e enviaram as mulheres a campos de<br />

concentração, apesar dos partisans não terem nenhuma ligação com a aldeia. A mesma<br />

situação ocorreu na aldeia francesa de Oradour sur Glane, em junho de 1944. Dos 652<br />

moradores, 642 foram mortos. Hoje, a aldeia foi reconstruída convertendo-se em símbolo<br />

da barbárie nazista.<br />

Resistência Cultural dos guetos<br />

Apesar da opressão, foi nos guetos que a resistência cultural subsistiu impedindo que se<br />

cumprisse a vontade nazista de exterminar a existência do judaísmo como expressão<br />

cultural, religiosa, espiritual e existencial. Ao tomarem conhecimento dos campos de<br />

extermínio, jovens líderes judeus conduziram com enormes dificuldades e poucas armas o<br />

levante armado no Gueto de Varsóvia. Os movimentos sionistas com ideologia clara e de<br />

caráter militante da juventude judia foram os portadores da bandeira da resistência armada.<br />

Resistência nos campos de concentração<br />

Nos campos de concentração, a vontade de sobreviver fez com que adultos e jovens<br />

engajarem-se em quaisquer formas de trabalho para minorar a fome e não se deixar morrer.<br />

Nos campos havia a impossibilidade de fuga, pois os mesmos eram eletrificados e os<br />

seguranças tinham metralhadoras que impossibilitavam tentativas de fuga;<br />

Os partisans – O refúgio nos Bosques<br />

As possibilidades de fugas, em busca de refúgio, eram comuns em regiões montanhosas,<br />

dominadas pelos nazistas. Esconder-se nos bosques foi estratégia dos movimentos<br />

clandestinos de oposição ao nazifascismo, conduzidos pelos partisans. Esconder-se nos<br />

bosques, próximos aos guetos, foi estratégia seguida por adultos e jovens judeus em busca<br />

da sobrevivência e possibilidades de movimentar-se em busca de alimentos e segurança.<br />

Infelizmente, o antissemitismo ou, a não aceitação completa de judeus, dificultou maior<br />

inserção judaica ao movimento.<br />

Os Justos entre as nações<br />

A compaixão e o espírito de solidariedade levaram algumas famílias católicas a recolher<br />

crianças órfãs ou separadas de seus pais. Esta decisão era perigosa e arriscada,<br />

principalmente depois de 1941, quando em decreto se instituiu a pena de morte a quem<br />

protegesse judeus. Grupos de resistência nos bosques, também acolheram crianças<br />

foragidas dos guetos. Esconder um menor era menos perigoso do que adultos. No conjunto,<br />

o número de meninas superou o dos meninos, pois a circuncisão facilmente os<br />

denunciaria 45 . No gueto, poucos conseguiram fugir, abrigando-se em granjas, sótãos, poços<br />

e cubículos.<br />

Os salvadores tinham características comuns eram motivadas por ações humanitárias que<br />

provinham de crenças religiosas políticas ou pessoais e, as que pretendiam ganhar<br />

benefícios materiais.<br />

Trechos de alguns depoimentos....<br />

“Quando a Polônia foi ocupada pelos nazistas, meu pai se preocupou. Para escapar das<br />

perseguições, a família mudou de endereços e, assim vivemos por seis meses. Meu pai<br />

45 Pela circuncisão, estabelece-se a necessária ligação entre homem-Deus.<br />

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chegou a comprar um abrigo, um sótão para nos escondemos. Éramos ajudados por cristãos<br />

que nos levavam alimentos”.<br />

“A vantajosa situação familiar financeira, a aparência “ariana” de muitos de nós (cabelos<br />

claros e olhos azuis), e por falarmos fluentemente o polonês, levaram meu pai e seus quatro<br />

irmãos tomar a decisão de “comprar documentos novos” para todos os membros de nossa<br />

família. Os documentos vinham, inclusive, acompanhados por fotos. Assim, meus pais, eu<br />

e minha irmã e toda a família vivemos o período de Guerra como verdadeiros poloneses.<br />

Depois de conseguir novas identidades em 1942, transferimo-nos de Przemysl para<br />

Varsóvia, cidade onde não éramos conhecidos”.<br />

Isaak Pesso nos fez um curioso relato. Seus pais, originários da Espanha e Portugal<br />

(Calderon e Brandão) viviam na Macedônia Ocidental, fronteira da antiga Iugoslávia.<br />

Quando Mussolini invadiu a Grécia em 1940, seu pai Gabriel Pesso e os tios foram<br />

convocados para o exército. Depois da derrota italiana, os nazistas passaram a controlar<br />

toda a Grécia. Gabriel Pesso, acompanhando o remanescente exército real, conseguiu<br />

chegar à Ilha de Creta, “último bastião da resistência grega”. Em batalha heróica, Pesso<br />

matou à baioneta, 17 soldados alemães. O resistente grupo militar, liderado pelo único<br />

judeu do batalhão, acabou confinado em campo de trabalhos forçados. O fato de não ter<br />

nome, nem “feições judaicas” e por conhecer vários idiomas conseguiu passar-se por<br />

búlgaro, formal aliado dos nazistas, no período. Gabriel Pesso afirmava, categoricamente,<br />

que ali estava por puro engano. Como falava o alemão, os nazistas lhe deram crédito:<br />

libertaram-no e o enviaram para Atenas. Pesso, ao invés de se dirigir à capital ocupada, foi<br />

para Fiorina, sua cidade natal, também sitiada pelos alemães. Os 1.500 judeus da cidade,<br />

nada sabendo do horror praticado pelos nazistas, estavam a espera do embarque: seriam<br />

“levados para trabalhar em fábricas na Alemanha”. Gabriel conseguiu convencer sua<br />

família próxima e amigos a não atender às ordens alemãs: deveriam fugir. Cerca de 150<br />

judeus, às ocultas, conseguiram escapar à noite para as montanhas, permanecendo no local<br />

até a guerra acabar. Os demais judeus de Fiorina, inclusive familiares distantes dos Pesso,<br />

encaminhados à Alemanha, nunca mais retornaram.<br />

A opressão do nazifascismo aos judeus na II Guerra Mundial foi acontecimento “único na<br />

história da humanidade”, porque resultante de verdadeiro massacre administrativo, de<br />

acordo com as normas técnicas da burocracia em calculado e prolongado programa,<br />

executado por milhares de pessoas que tinham conhecimentos técnicos para a tarefa. O<br />

programa foi, por doze anos, fielmente concretizado porque contava decidida e totalmente<br />

com a estrutura do Estado que se utilizou de todos os meios possíveis à concretização do<br />

propósito.<br />

Dos males nazistas dirigidos aos judeus, o maior deles foi o de tê-los colocado à frente não<br />

só das ações administrativas nos guetos e campos - Kapos - mas, especialmente, como<br />

executores de seu próprio povo nos “grupos especiais de extermínio”, permitindo que a<br />

maldade humana atingisse magnitude extrema.<br />

Na primeira década do século XXI, sessenta e cinco anos depois da tragédia, os últimos<br />

sobreviventes judeus dos campos, posicionados em Israel e em vários países do mundo que<br />

os acolheram, ainda se dispõem a testemunhar sua vivência no terror, particularmente<br />

movidos pelos revisionistas e por àqueles que, veementemente, negam o acontecido.<br />

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BIBLIOGRAFIA:<br />

www.arqshoah.com.br (Links consultados: depoimentos dos sobreviventes)<br />

Bankier, David. Trabalhos históricos sobre a Alemanha e a II Grande Guerra. Publicados<br />

pelo Yad Vashen, Jerusalem, Israel;<br />

Golhagen, Daniel Jonah. Os carrascos voluntários de Hitler. São Paulo, Cia. Das Letras,<br />

1997.<br />

Holocausto: Análise Shalom. São Paulo, Janeiro de 1979.<br />

Milmman, Luiz & Vizentini, Paulo Fagundes (org.). Neonazismo, Negacionismo e<br />

Extremismo Político. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,<br />

2000.<br />

O Holocausto – um estudo histórico – Israel, Universidade Aberta, Dor Hemshej, 1987.<br />

Wang, Diana. Los Niños Escondidos. Del Holocausto a Buenos Aires. Buenos Aiires,<br />

Marea, 2005.<br />

___________ Hijos de La Guerra – La segunda generación de sobreviventes de La Shoá.<br />

Buenos Aires, Marea, 2007.<br />

Wistrich, Robert S. Hitler e o Holocausto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.<br />

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NANETTE BLITZ KONIG<br />

Nacionalidade: Holandesa. Data de nascimento: abril/1929.<br />

Entrevistado por: Rosana Meiches, Ana Carolina Duarte e Lilian F. Souza –<br />

Núcleo de História Oral <strong>Arqshoah</strong><br />

Data da entrevista: 28/11/2008<br />

Nasci em Amsterdã, Holanda, em abril de 1929. Meu pai chamava-se Martijn<br />

Willem Blitz, natural da Holanda, atuava na gerência do Banco de Amsterdã. Minha mãe<br />

Helene Victoria Davids nasceu em Kimberley na África do Sul onde morava sua família<br />

que, durante a Primeira Guerra Mundial, retornou à Inglaterra. Meu irmão Bernard Martijn<br />

nasceu em agosto de 1927 e meu irmão mais novo, Willem, em 1932. Ele faleceu em<br />

novembro de 1936. Em casa falávamos o holandês e o inglês. Tínhamos aula de religião<br />

com um rabino. Tive uma juventude feliz. Estudava numa escola pública diferenciada, em<br />

função de uma vizinhança privilegiada. Meu pai recebia muitas visitas do exterior porque<br />

ele trabalhava com papéis estrangeiros. Chegamos a ir em férias à Suíça,<br />

Inglaterra...Quando os nazistas invadiram a Holanda em 1940, todas as famílias judias<br />

tiveram que se registrar na prefeitura. Usávamos a estrela amarela, desde 1942. Exigiram<br />

também que os judeus das províncias viessem para Amsterdã. As autoridades do governo<br />

de Amsterdã deram para os alemães mapas identificando os locais onde residiam a maioria<br />

dos judeus, o que facilitou o trabalho da deportação.<br />

Minha deportação demorou um pouco mais, porque minha mãe, por ter nascido na<br />

África do Sul, alegava que não era judia. Nada conseguiu com a tentativa... Foi nessa<br />

época que encontrei Anne Frank, em outubro de 1941 no liceu judaico, quando não era<br />

mais permitido aos alunos judeus freqüentar escolas públicas. Fui a única aluna da classe,<br />

que encontrou Anne em Bergen-Belsen, um mês antes dela falecer. Falei com ela várias<br />

vezes e durante estas conversas contou-me que queria usar o diário que estava escrevendo<br />

como base de um livro a ser publicado depois da guerra. Tenho comigo ainda a carta que<br />

seu pai me mandou depois da guerra. Seu pai Otto Frank, chegou a visitar-me em outubro<br />

de 1945 no sanatório em Santpoor, próximo de Haarlem onde eu estava me recuperando de<br />

um ferimento. Contou-me que pretendia publicar o diário de sua filha Anne. Ainda hoje<br />

mantenho contato com os outros alunos da minha classe.<br />

74


Por ocasião da invasão dos nazistas à Holanda, meu pai foi impedido de trabalhar no<br />

banco, tendo acatado a orientação de se demitir. Foi colocado junto com a família numa<br />

lista de judeus que deveriam ir para a Palestina, supostamente, para sermos trocados por<br />

prisioneiros de guerra. Meu pai faleceu em 24 de novembro de 1944, antes desta ordem ser<br />

executada.<br />

Em 29 de setembro de 1943 fomos levados para Westerbork, um campo de<br />

transição. Todas as terças-feiras saiam de Westerbork um trem com 2 mil judeus que eram<br />

transportados direto para Bergen-Belsen e para os campos de extermínio em Auschwitz -<br />

Birkenau, Sobibor.<br />

Meu pai chegou a enviar uma carta a um conhecido na Suíça, que trabalhava em<br />

banco. Nesta carta, meu pai dizia que podia receber pacotes. Após a guerra, este senhor me<br />

escreveu e me enviou, em anexo, a carta que meu pai lhe havia escrito e disse que sentia<br />

muito não ter-lhe dado resposta. Eu guardei estas cartas.<br />

No dia 15 de fevereiro de 1944 fomos levados para Bergen Belsen em um trem<br />

comum.<br />

Nesse campo eu ajudava a cuidar das crianças e fazia mais alguns serviços... Os<br />

nazistas faziam os homens trabalhar como cavalos, Foi horrível... No dia 4 de dezembro,<br />

meu irmão Bernard foi deportado para Oranienburg perto de Sachsenhausen. Foi morto<br />

assim que chegou ao campo. Minha mãe foi deportada para uma mina de sal em Beendorf<br />

onde funcionava uma fábrica para produzir peças para aviões. Ali, as condições de trabalho<br />

eram terríveis. Em abril de 1945 ela morreu no trem que eventualmente chegou até à<br />

Suécia.<br />

Eu continuei em Bergen Belsen, junto com minhas primas. Em 15 de abril de 1945,<br />

os ingleses entraram. Eu pesava apenas 32 kg. e estava com tifo. Consegui manter meus<br />

documentos comigo e quando os ingleses me encontraram, entrei em coma. Tive<br />

pneumonia e tuberculose. Perto de Bergen-Belsen funcionava uma escola militar, que foi<br />

usada para alojar alguns dos ex-prisioneiros. Acordei no chão num colchonete, numa das<br />

barracas onde os prisioneiros alemães foram compelidos a „cuidar‟ dos doentes. Um major<br />

inglês me viu e achou que eu fosse inglesa. Por causa disso fui transferida para uma cama e<br />

recebi a visita de um oficial médico que cuidou do ferimento que eu havia contraído<br />

anteriormente. Fui transferida para um hospital em Celle de onde fui transportada de avião<br />

para Eindhoven, na Holanda. No outono fui levada para um sanatório em Santpoort perto<br />

de Haarlem, onde fiquei durante três anos, recuperando-me. Uma enfermeira, que cuidou<br />

do meu falecido irmãozinho, veio ao sanatório e se ofereceu para cuidar de mim. Somente<br />

em maio de 1948 obtive alta do sanatório.<br />

Minhas duas primas que também sobreviveram. Na época tinham dois e oito anos.<br />

Foram colocadas num trem que foi libertado pelos russos. Os seus pais não sobreviveram.<br />

Elas ficaram em um orfanato em Amsterdã. Várias famílias holandesas adotaram crianças<br />

judias durante a guerra, salvando-as dos alemães nazistas. Muitas destas famílias, após a<br />

guerra, não devolveram estas crianças aos seus pais e, muitas elas não sabem sequer que<br />

foram adotadas, infelizmente.<br />

Um amigo de meu pai foi meu tutor na Holanda, pois meu pai havia deixado uma<br />

carta com nomes de pessoas que poderiam nos ajudar, caso ele faltasse. Tenho estes nomes<br />

comigo ainda hoje. Eu procurei pelo dinheiro de meu pai, mas me disseram que o dinheiro<br />

dos judeus havia sido transferido para o banco, e que este banco não existia mais. O banco<br />

onde papai havia trabalhado me pagava uma importância mensal, como sua descendente.<br />

Depois, meu tutor aconselhou-me a abrir mão deste valor, pois “já era suficiente”.<br />

75


Minha tia, irmã de minha mãe insistiu para que eu morasse na Inglaterra. Mudei em<br />

abril de 1949. Estudei e formei-me em secretária bilíngüe. Trabalhei num banco comercial<br />

no centro financeiro até me casar, em agosto de 1953, com John Konig, nascido em<br />

Budapeste, engenheiro formado na Inglaterra, cujos pais faleceram pouco tempo após o<br />

final guerra. Em 1951, John veio ao Brasil, à trabalho. Logo após nosso casamento,<br />

emigramos para o Brasil e em junho do ano seguinte nasceu nossa primeira filha, Elizabeth<br />

Helene.<br />

Em dezembro de 1956 resolvemos nos mudar para os Estados Unidos, pois John iria<br />

trabalhar para uma companhia multinacional. Em setembro de 1957 nasceu Judith Marion,<br />

nossa segunda filha. Em janeiro 1959 John foi enviado para Argentina onde residimos por<br />

cinco meses, enquanto John participava do início das operações da fábrica da empresa onde<br />

trabalhava. Em maio de 1959 regressamos ao Brasil. Meu terceiro filho Martin Joseph<br />

nasceu em maio de 1962, em São Paulo.<br />

Sou muitas vezes convidada dar apresentações sobre as minhas experiências durante<br />

a guerra, especialmente por causa da minha ligação de amizade com Anne Frank.<br />

A lembrança mais forte que guardo dessa época foi quando fomos arrancados de<br />

casa. Até hoje escuto a batida na porta, a gritaria, a baixaria. Uma coisa que não se<br />

transmite são os cheiros, os gritos e a desumanização! As pessoas não eram nada... Pouco<br />

antes dos ingleses entrarem em Bergen Belsen, eu estava em uma fila para buscar água e,<br />

de repente, o guarda me tirou de lado e apontou-me a arma. Eu demonstrei indiferença: e<br />

daí, diante da minha indiferença, ele atirou no ar. Acho que ele não tinha prazer em me<br />

matar. Ainda hoje eu me pergunto, se mataram tantos porque não me mataram também?<br />

Recordo-me também de outro momento, que nós ficamos em pé, em uma fila para<br />

ser contados em Bergen-Belsen: a gente nunca sabia quem ia ser tirado da fila. Eu enfrentei<br />

Joseph Kramer que me chamou, e naquela hora poderia ter sido condenada à morte, foram<br />

todos, e eu fiquei. Eu não era nem melhor nem pior... O que lamento é a falta de<br />

conhecimento da história do Holocausto, da história européia. Há um total desinteresse<br />

sobre o Holocausto. Eu não acredito que existam pessoas que negam o que aconteceu.<br />

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ARIE YAARI<br />

Nacionalidade: Polonês. Data de nascimento: 30/07/1922.<br />

Entrevistado por: Rachel Mizrahi– Núcleo de História Oral - <strong>Arqshoah</strong><br />

Data da entrevista: 09/05/2010<br />

Nasci em Katowice, perto da Cracóvia na Silésia, Polônia em 30 de julho de 1922.<br />

A cidade fazia fronteira com a Alemanha e a maioria dos habitantes falava alemão,<br />

inclusive minha família. A cidade tinha 200.000 habitantes. Cosnoviec, 10 km distante<br />

tinha uma população predominantemente judaica. Uma casamenteira havia unido meus<br />

pais. Minha mãe era de uma cidade grande.<br />

Tinha dois irmãos, Moshé e Jacob. Nosso pai era alfaiate, produzia calças e camisas<br />

e os vendia na feira local. Era, portanto, um pequeno comerciante. Frequentávamos a<br />

sinagoga, mas não éramos ortodoxos. Frequentei uma escola judaica pública. Depois uma<br />

outra só pública.<br />

Senti o antissemitismo na Polônia e acho que o polonês já nasce um antissemita e<br />

senti isso diretamente ao jogar futebol com poloneses que me discriminaram. Mas em<br />

minha cidade brincava com amigos alemães e não os achava antissemitas.<br />

Em 1939, ao iniciar a guerra já havia piquetes nas cidades polonesas contra as lojas<br />

dos judeus. Nesse ano minha família mudou-se para uma cidade maior, mais próxima a<br />

Cracóvia. Em Chanov aprendi o oficio de encanador na oficina de um serralheiro. Assim<br />

que os alemães entraram na Polônia, as condições médias de minha família não permitiram<br />

que emigrássemos. Perto de nós vivia uma tia materna Keila, casada com Zalmon Sterenziz<br />

com quatro filhos e como eram pobres, passavam os shabat com a nossa família. Meu<br />

irmão mais velho tinha dezoito anos, eu dezessete, e um caçula tinha nove anos, quando a<br />

guerra estourou.<br />

Um decreto alemão exigiu de cada família judia, um jovem trabalhador, para<br />

substituir os que estavam na guerra. Em 1940 fui o escolhido. Fui para o sul da Alemanha,<br />

onde passei toda a guerra, transferido de campo em campo, em um total de onze campos de<br />

trabalho. Como era encanador, meu trabalho era de muita utilidade. Eram campos de<br />

trabalho forçado. O primeiro foi o Wisal. Do segundo entraram 1.500 homens e saíram 250,<br />

1200 morreram em quatro meses. Trabalhava com trilhos de trens. Na temperatura muito<br />

baixa, as mãos esfolavam e as infecções não tratadas mataram muitos. As condições de<br />

77


sobrevivência eram péssimas. Mas, eu, diferentemente dos outros, elemento útil, conseguia<br />

me alimentar melhor e o meu trabalho não era tão pesado.<br />

Cinco anos depois fui libertado pelos russos. Estava com vinte e dois anos. Fui para<br />

a Polônia em busca de minha família e soube que eles foram enviados para campos de<br />

extermínio. Meu irmão mais velho que tinha sido levado para campo de trabalho,<br />

sobreviveu. Na Alemanha fiquei na região sob controle dos americanos. Lá conheci Fela<br />

Goldfreind com quem me casei. Nosso primeiro filho nasceu na Alemanha. Depois de dois<br />

anos fomos para o Estado de Israel. Meu irmão já lá estava. Minha mulher e meu filho<br />

puderam emigrar a Israel legalmente pela Agência Judaica, assim que se inscreveram. Fui<br />

seis meses depois e no meu documento constava o nome de um soldado inglês. Quando<br />

cheguei a Israel (janeiro de 1948) - Askalon - consegui um terceiro nome, Arie Yaari, nome<br />

de minha família traduzido para o hebraico.<br />

Na Polônia fiz o exército e lutei na Guerra da Independência. Participei de<br />

movimentos juvenis sionistas. Minha esposa também que foi sobrevivente de campos de<br />

trabalho. Quis emigrar aos EUA em busca de vida melhor.<br />

Um comitê de ajuda me ofereceu vir ao Brasil. Aceitamos, porque depois iríamos<br />

aos EUA. Chegamos ao porto de Santos em 1954. Ao chegar fiquei sensibilizado quando<br />

um trabalhador do porto me ofereceu sua própria comida, ao dizer "Está servido?"<br />

A JOINT (American Jewish Joint Distribuition Committee) me ajudou por algum<br />

tempo. Depois mudamos para Santo André e ao invés de trabalhar como encanador,<br />

profissão sem importância no Brasil, transformei-me em vendedor ambulante. Conheci<br />

Samuel Klein que se tornou um homem muito rico com o trabalho do comércio ambulante<br />

e prestamista. Depois me tornei construtor de casas e depois empreiteiro - construtor.<br />

Quando soube que a Alemanha estava pagando indenização aos sobreviventes,<br />

reivindiquei esse direito e dele sobrevivo ainda hoje.<br />

Ao conhecer Campos do Jordão, gostando do clima que me lembrava a Europa,<br />

resolvi construir um hotel na cidade e tive sucesso, pois organizava eventos no hotel,<br />

atraindo público. Eram as Semanas italianas, Espanholas, Judaicas, etc. O hotel atingiu<br />

auge em 1979/89. Os embaixadores davam endereços de grupos de música e dança típica<br />

de seus países.<br />

Hoje meu filho mais velho, Josef dirige o hotel. Tenho mais duas filhas: Soshana,<br />

nascida em Israel em 1948, casada com um sefaradita egípcio, Abrahão Antar e Paulina<br />

nascida em São Paulo em 1955. Seu primeiro marido foi Sérgio Shuckman e o atual é Osias<br />

Alves. Tenho dez netos e quinze bisnetos.<br />

Hoje faço depoimentos em escolas de Taubaté e escrevi um livro, O Leão da<br />

Montanha. O sucesso destas palestras me levaram a produzir uma aula cênica em DVD, sob<br />

a direção de Sidney Bretanha e Gabriel Miziara de São Paulo. Sou conhecido pelo hotel,<br />

pelas palestras das quais participo e meu DVD. Olívia, minha 2ª esposa, me ajuda neste<br />

trabalho.<br />

78


CRÔNICA<br />

JORGE AMADO E A JUDIA DE VARSÓVIA: UM AUTOR E SUAS<br />

MÚLTIPLAS VOZES<br />

Kenia Maria de Almeida Pereira 46<br />

Eu sempre gostei muito de Jorge Amado. Houve uma época em que eu admirava<br />

principalmente aquele Jorge inventado pela Rede Globo e o cinema. Na adolescência, na<br />

década de 1970, por exemplo, como a maioria dos brasileiros, me deliciava com as<br />

aventuras impetuosas e eróticas da nordestina Gabriela e o árabe Nacib. O tempo passou, já<br />

adulta, me peguei sonhando, nos anos 1990, desta vez, com o romance incendiário de Betty<br />

Faria no papel de Tieta e José Mayer, fazendo Osnar. Mas antes, em 1976, eu já tinha me<br />

divertido e dado boas risadas no cinema com o filme Dona Flor e seus dois maridos:a bela<br />

e cômica história dirigida por Bruno Barreto.<br />

O tempo passou, virei professora de literatura brasileira na universidade, fiquei um<br />

pouco mais chata, mas nunca abandonei Jorge Amado. Desta vez, minha atenção se voltou<br />

para aquele Jorge mais elaborado esteticamente e mais preocupado com as desventuras<br />

humanas e com as nossas crises de identidade.<br />

Assim, sempre sugiro aos meus alunos que leiam um dos contos mais intrigantes e<br />

inteligentes deste autor: A morte e a morte de Quincas Berro D´água. A força principal<br />

desta narrativa está no personagem Quincas: o pacato funcionário público que resolve<br />

“chutar o balde” depois que se aposenta. Quincas abandona a vida pacata e burguesa que<br />

levava junto à família para viver uma vida desregrada de bar em bar, de prostíbulo em<br />

prostíbulo. Esta mudança radical é uma metáfora da ambigüidade da alma humana,<br />

alegoria de nossos desejos mais secretos e que nem sempre podemos ou temos coragem de<br />

experimentar. Além de ler o livro, agora também podemos ver o filme, que estreou no<br />

cinema em maio deste ano, com o talentoso ator Paulo José, fazendo o trágico-hilário<br />

Quincas Berro D´água. .<br />

Outra coisa que me encanta em Jorge Amado é sua diversidade de temas e de<br />

enfoques literários. Em 1930, com apenas 18 anos de idade, publica seu primeiro romance,<br />

O Pais do Carnaval. Nesta obra, já encontramos as sementes das primeiras discussões de<br />

viés político-ideológico de esquerda: críticas ao governo Vargas, às classes sociais<br />

abandonadas, aos desmandos do capitalismo e aos sonhos deteriorados da elite. Todos estes<br />

ingredientes acompanharão diretamente ou metaforicamente outros de seus principais<br />

romances engajados: Cacau, Suor, Jubiabá e Mar Morto.<br />

Semana passada, bisbilhotando as estantes de uma livraria, esbarrei com um livro de<br />

crônicas de Jorge Amado. Eu não sabia, mas de 1942 a 1945, quando ele voltou do exílio<br />

46 – Professora do Mestrado em Teoria Literária da Universidade Federal de Uberlândia-MG. Pesquisadora<br />

do LEER/USP. Publicou pela editora Annablume o livro “A Poética da Resistência em Bento Teixeira e<br />

Antônio da Silva, O Judeu” e pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo organizou “Obras do Diabinho da<br />

Mão Furada”.Atualmente pesquisa sobre judaísmo e Holocausto na poesia brasileira.<br />

79


no Uruguai e Argentina, foi cronista do jornal baiano o Imparcial. Neste período, Jorge se<br />

engajara na luta contra o nazi fascismo e começara a redigir textos em protesto contra a<br />

estupidez da Segunda Guerra Mundial. Nestas crônicas, as principais temáticas estão<br />

relacionadas com os abusos e as atrocidades de Hitler. Jorge Amado protesta<br />

principalmente contra a perseguição aos intelectuais judeus, contra o fechamento das<br />

universidades dirigidas pelos semitas. Podemos ler também críticas contra a perseguição de<br />

escritores de esquerda, a queima de livros em praça pública, o fuzilamento de Lorca, o<br />

suicídio de Zweig, dentre outros assuntos sombrios. Jorge Amado deixa claro, em muitas<br />

destas crônicas, que o fascismo é a Idade Media reeditada: um ódio explícito à inteligência<br />

e à diversidade de idéias, onde poucos detêm o saber para que poucos detenham o poder.<br />

Todos estas reflexões podem ser lidas em A hora da guerra, o qual traz 103 crônicas,<br />

organizadas e selecionadas por Myriam Fraga e Ilana Goldestein. O livro foi publicado pela<br />

Companhia das Letras em 2008. Tal obra pode ser, aliás, ótima ferramenta de trabalho para<br />

professores do ensino fundamental e médio que queiram trabalhar com a temática da<br />

Segunda Guerra e sua recepção no Brasil. Jorge Amado escreve estas crônicas num estilo<br />

simples, com inúmeras referências históricas, além das pontuais denúncias aos maus tratos<br />

e torturas da Gestapo sobre o povo Judeu.<br />

Se Jorge Amado cronista me encantou, principalmente pela sua coragem de se<br />

posicionar objetivamente, na imprensa, em plena ditadura Vargas, a favor dos judeus e dos<br />

intelectuais de esquerda, o que mais me surpreendeu foi o Jorge Amado poeta. Sim, poeta.<br />

Creio que são pouquíssimas as pessoas que saibam deste Jorge dos versos. Jorge de<br />

estrofes e rimas. Em 1938, o autor de Jubiabá publicou também um livrinho de poesias<br />

intitulado A estrada do mar. Descobri isto por acaso, num destes passeios labirínticos e<br />

virtuais pela Internet. Depois de visitar vários sites sobre Jorge Amado, cai na interessante<br />

página de Antônio Miranda no<br />

endereçohttp://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/jorge_amado.html<br />

Neste site, Miranda comenta que Estrada do Mar é livro raríssimo e que, com<br />

certeza, deve ainda existir um exemplar nos arquivos da Fundação Casa de Jorge Amado,<br />

na Bahia.<br />

Confesso que fiquei com uma curiosidade danada de poder ver, tocar, cheirar e ler<br />

este livrinho raro. Fiquei pensando no que eu encontraria nestas estrofes: os conflitos do<br />

amor ou da política? A exaltação à pátria em sonetos ou a crítica ferrenha destilada em<br />

versos irregulares?<br />

Mas o que atualmente se conhece de Jorge Amado como poeta e que transita no<br />

mundo virtual é a bela poesia intitulada A canção da Judia de Varsóvia. É um longo poema<br />

em que o autor dá voz ao desespero de uma bela moça judia, a qual, durante a Segunda<br />

Guerra, foi covardemente arrastada para um Campo de Concentração Nazista, em Varsóvia,<br />

capital da Polônia.<br />

O autor intitula seus versos de Canção. Uma canção fúnebre em que a personagem<br />

depois de perder seu noivo, seus pais, sua pátria, perde também a dignidade, já que<br />

pertencia a uma massa informe: aos judeus sem nome. Mas, talvez, o que mais constrange o<br />

leitor é que, como esta moça, foram dezenas, centenas, milhares de belas garotas que<br />

terminaram seus dias sem nunca mais ver a primavera, exterminadas pela fome, pelo<br />

fuzilamento ou nas câmeras de gás, num dia de inverno qualquer da gelada Varsóvia.<br />

Durante a leitura, imediatamente nos lembramos de outras mulheres tão trágicas, tão<br />

joviais e belas quanto esta garota polonesa. Outras mulheres judias, que, em plena<br />

mocidade, também foram exterminadas nos Campos. Como nos esquecermos de Olga<br />

80


Benário, morta aos 34 anos, no campo de extermínio de Bernburg? A memória também nos<br />

remete a Anne Frank, que perdeu a vida aos 15 anos no Campo de Bergen –Belsen. Sem<br />

nos esquecermos ainda de Elise Sabrowski, a Sabo, que com menos de 40 anos também foi<br />

exterminada em Bernburg.<br />

Também somos levados a nos recordar do Levante do Gueto de Varsóvia, afinal, é<br />

um dos episódios mais famosos e importantes da resistência judaica ao genocídio. Fico<br />

imaginando os judeus num caótico gueto, durante a guerra, em 1943, depois de muita<br />

morte, tortura, estupro e humilhação, resolvem se rebelar contra os nazis. Posso imaginar as<br />

centenas de jovens judeus sionistas revoltosos, lutando contra tangues de guerras<br />

poderosos, metralhadoras potentes, tendo em mãos para se defender nada mais que algumas<br />

pequenas bombas caseiras, pedras, estilingues, facas, gritos, lágrimas e principalmente<br />

coragem. “As flores se acabaram../.<br />

As criancinhas também”, canta a judia de Varsóvia neste poema doloroso em que ela não<br />

tem nome, tem apenas uma identificação “sobre o peito, uma marca feita com ferro em<br />

brasa”. Exterminado o último judeu do gueto, ouve-se ainda, num gesto de resistência<br />

poética, a canção da moça polonesa, indagando: “As aves, para onde foram?”<br />

Interessante pensar que se Jorge Amado deu voz a Carlos Prestes em seu famoso<br />

livro O Cavaleiro da esperança e se deixou falar o poeta dos escravos em o ABC de<br />

Castro Alves, também não se esqueceu de dar voz à judia polonesa. Jorge Amado, escritor<br />

polifônico, procurou ouvir várias vozes para compor a sinfonia de sua obra.<br />

O poema, A Canção da Judia de Varsóvia, é belo e extenso. Sua leitura pode<br />

devolver, no momento mesmo em que se lê, a integridade e o nome desta judia anônima,<br />

representante das milhares de vítimas femininas que nunca mais voltaram a ver a primavera<br />

em seus países. Leremos na íntegra o poema. Não se deve mutilar uma obra de arte,<br />

principalmente uma preciosidade estética de Jorge Amado, o Jorge de Todos os Santos, de<br />

todas as vozes, de todas as lutas. Um Jorge das inesquecíveis personagens femininas que<br />

transitou do erotismo de Gabriela e de Tieta ao triste e anônimo canto da Judia de Varsóvia.<br />

Um Jorge de quem gosto cada vez mais e que precisa ser cada vez mais lido e interpretado,<br />

principalmente nas salas de aula deste país. Boa leitura:<br />

OLGA BENÁRIO<br />

http://geraldofreire.uol.com.br/olga_benario.jpg<br />

81


ANNE FRANK<br />

http://revistalivro.files.wordpress.com/2010/04/anne-frank.jpg<br />

Canção da Judia de Varsóvia<br />

Jorge Amado.<br />

Meu nome, já não o sei..<br />

Só de Judia me chamam.<br />

Meu rosto já foi bonito, na primavera em Varsóvia.<br />

Um dia, chegou o inverno,<br />

Trazido pelos nazistas;<br />

E nunca mais quis ir embora.<br />

Um dia já fui bonita,<br />

Tive noivo, e tive sonhos.<br />

Trazidos pelos nazistas<br />

Veio o terror, veio a morte.<br />

As flores se acabaram...<br />

As criancinhas também.<br />

Meu noivo foi fuzilado na madrugada do inverno.<br />

Alegres jardins de outrora hoje já não existem.<br />

Nunca mais verei as flores.<br />

As criancinhas morreram de fome, pelas sarjetas,<br />

Furadas de baionetas, nas diversões dos nazistas..<br />

Morreram as flores também.<br />

As aves, para onde foram?<br />

Cadê Varsóvia sorrindo?<br />

Está Varsóvia gemendo...<br />

Está Varsóvia morrendo...<br />

Tão lindo era meu nome, poema para o meu noivo!<br />

82


Riu o nazi junto a mim:<br />

"Judia que és bonita"<br />

- Judia não tem beleza, judia nem nome tem...<br />

Tomou da minha beleza nas suas mãos assassinas,<br />

Quem me dera ter morrido na madrugada do inverno!<br />

Sou pobre moça judia na cidade de Varsóvia...<br />

Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe.<br />

Em campo de concentração minha beleza acabou.<br />

Meu nome, já não o sei - só de judia me chamam.<br />

Nunca fiz mal a ninguém,<br />

E tanto mal que me fizeram!<br />

Coração não têm os nazis...<br />

São feras que se soltaram pelas ruas de Varsóvia.<br />

Inverno que não acaba, só há desgraça e tristeza,<br />

Soluços de toda a gente e as gargalhadas dos nazis!<br />

Antes, nas tardes alegres,<br />

Meu noivo vinha à rua,<br />

Seus olhos nos meus pousavam,<br />

Meus lábios só tinham risos.<br />

Mas um dia.... Eles chegaram.<br />

Vestiam camisas pardas.<br />

Coração? Eles não tinham.<br />

Meu noivo havia partido, tão belo, com o seu fuzil!<br />

Mataram-no de madrugada, nesse inverno que chegava...<br />

Esse campo não tem flores...<br />

Mais parece um cemitério...<br />

Em campo de concentração<br />

São mil judias comigo, mas nenhuma nome tem.<br />

Só, sobre o peito, uma marca feita com ferro em brasa,<br />

Como um rebanho de gado<br />

Para os açougues dos nazis.<br />

Minha beleza se foi...<br />

Meus lábios já não sorriem.<br />

Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe;<br />

Meus olhos são secos, secos não restou nenhuma lágrima.<br />

Uma coisa me disseram - quem dera fosse verdade...<br />

Disseram que em outras terras,<br />

83


Judias e não judias, moças que nem nome têm,<br />

Em armas se levantaram,<br />

Que guerrilheiras se chamam, que matam nazis nas noites,<br />

Que vingam os noivos e a honra! Quem dera fosse verdade!<br />

Por que... Se fosse verdade, mulheres matando nazis,<br />

Nesse campo desgraçado uma alegria eu teria, uma esperança também.<br />

Dizem que em outras terras lutam mulheres em armas...<br />

Quem dera fosse verdade por que... Se fosse verdade,<br />

Um dia para Varsóvia, com certeza chegaria,<br />

em que o Inverno se fosse e os nazistas se acabassem.<br />

E a primavera encheria de cantos Varsóvia inteira,<br />

Nas ruas de criancinhas, nos alegres jardins de flores,<br />

Nos olhos dos namorados...<br />

Tudo seria uma canção!<br />

E, moça judia então, nome de novo eu teria!<br />

BIBLIOGRAFIA DE APOIO PARA O PROFESSOR TRABALHAR COM A<br />

TEMÁTICA DAS MULHERES NO HOLOCAUSTO<br />

AMADO, Jorge. Hora da Guerra. A Segunda Guerra Mundial vista da Bahia. Crônicas (1942-<br />

1944).São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Organização de Myriam Fraga e Ilana Seltzer<br />

Goldstein.<br />

BAUMAN, Janina. Inverno da manhã: uma jovem no gueto de Varsóvia. São Paulo: Jorge Zahar,<br />

2000.<br />

FRANK, Otto H. & PRESSLER, Mirjam. O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Editora<br />

Record,2008.<br />

MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.<br />

SAIDEL, Rochelle G. As judias do Campo de Concentração de Ravensbrück. São Paulo:<br />

EDUSP, 2000.<br />

84


O Holocausto na Literatura Brasileira: uma<br />

pequena anatomia da memória<br />

Berta Waldmann<br />

O Holocausto é hoje um tema privilegiado na pauta de discussão de disciplinas<br />

distintas das ciências humanas e das artes, em outras partes do mundo e também no Brasil.<br />

Disseminado em estudos inseridos na rubrica “testemunho na literatura”, esse tema e seus<br />

desdobramentos compõem um campo inter-disciplinar de pesquisas realizadas em<br />

diferentes contextos em fase de ampliação e aprofundamento. Trata-se de um work in<br />

progress na medida em que o campo de estudos está se delineando e a bibliografia<br />

específica ainda é relativamente escassa. O tema marca presença em livros, revistas<br />

acadêmicas e simpósios, tendo inclusive transposto essas fronteiras chegando aos jornais,<br />

nos idos de 1999, por ocasião dos debates em torno do livro Fragmentos, de Binjamin<br />

Wilkomirski, cujo autor fraudou sua identidade ao se apresentar como sobrevivente de um<br />

campo de concentração, tendo sido depois de algum tempo desmistificado 47 . Mas a<br />

polêmica, incrementada também através de fotos e filmes sobre o Holocausto, levantou<br />

uma questão ética que continua sendo debatida: quem tem legitimidade para narrar as<br />

atrocidades cometidas pelos nazistas?<br />

Sabe-se que, no Brasil, foram escritos textos sobre o Holocausto, por<br />

sobreviventes e imigrantes judeus. Sabe-se também que, durante a Segunda Guerra<br />

Mundial, mesmo os judeus distanciados geograficamente da catástrofe, foram atingidos ao<br />

sofrerem perdas de familiares e amigos. Os escritores resguardaram-se, em geral, de<br />

escrever suas memórias ou de tratar ficcionalmente da Shoá 48 , guardando o tempo<br />

necessário para trabalhar e acomodar as lembranças de uma experiência vivida fora do<br />

Brasil e também para ajustar sua sensibilidade ao novo território em que passaram a viver.<br />

47 Cf. de Márcio Seligmann-Silva, “ A literatura do trauma”, “Wilkomirski: Os fragmentos de uma farsa”. In<br />

Cult, n.23, junho, 1999, pp. 40-47, 60-63.<br />

48 Nome hebraico, em português “catástrofe”, para designar o assassinato em massa perpetrado durante a<br />

Segunda Guerra Mundial. Muitos preferem essa designação a Holocausto, devido ao sentido de imolação,<br />

sacrifício, expiação que o segundo termo carrega.<br />

85


Sabe-se ainda que os sobreviventes, após tantos anos da experiência vivida, tiveram<br />

que se valer da memória para elaborar seus textos. É preciso frisar, no entanto, que a<br />

memória não se opõe ao esquecimento. Ela funciona no meio fio da supressão e da<br />

conservação do vivido. Por isso diz-se que ela é seletiva, isto é, ela apreende alguns dados,<br />

quando outros passam despercebidos. Além disso, ela é descontínua, lacunar, e sua<br />

organização é sempre um artefato de que o memorialista lança mão , preservando ou não<br />

os vazios e hiatos que pontuam sua descontinuidade. O livro de Primo Levi É Isto um<br />

Homem 49 , por exemplo, mimetiza esse modo de operar da memória ao apresentar-se de<br />

forma fragmentária, mantendo, assim, os buracos e os silêncios, entre as partes, oferecendo<br />

ao leitor uma descontinuidade metonímica, que potencializa, no entanto, o aflorar de uma<br />

figura única: a metáfora do horror.<br />

Esse tipo de narrativa baseada na experiência luta para transformar a memória do<br />

passado numa possibilidade do “esquecimento”, no sentido de aliviar as angústias e, assim,<br />

criar o solo ou a promessa de um futuro. São narrativas catárticas que enfocam a dor, o<br />

sofrimento, as injustiças cometidas a pessoas inocentes.<br />

Elas implicam sempre num pacto entre aquele que conta ou escreve e aquele que<br />

ouve ou lê. Esse pacto enfatiza o conteúdo de verdade do que está sendo transmitido e a<br />

esse relato chamamos de literatura de testemunho, gênero que abarca, num primeiro plano,<br />

memórias, depoimentos, autobiografia, onde alguém, no presente, remete à experiência<br />

passada. O relato pode também organizar-se em forma de diário, cartas, gêneros que se<br />

compõem a partir de uma relativa sincronia dos tempos, isto é, relata-se quase ao mesmo<br />

tempo em que se vive a experiência. De qualquer modo, o testemunho exige que aquele<br />

que relata tenha vivido a experiência contada, restringindo-se à matéria crua de uma<br />

vivência concreta, e é isso que daria suporte ao conteúdo de verdade do texto. A<br />

condição do testemunho é o compromisso com a verdade, embora não lhe sejam cobradas<br />

provas materiais para que se firme esse compromisso.<br />

Já o campo de forças que articula a literatura de testemunho resume-se à<br />

necessidade de narrar e à insuficiência da linguagem em recobrir o real, pondo de manifesto<br />

49 Levi, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988. (trad. Luigi del Re)<br />

86


a cisão entre linguagem e evento, criando-se, assim, a polarização paradoxal entre<br />

necessidade e impossibilidade, pesando sobre a segunda os limites expressivos da<br />

transmitida 50 .<br />

linguagem, como também a categoria excessiva e inverossímil de realidade a ser<br />

São muitos os sobreviventes 51 que expressaram a incredulidade dos ouvintes em<br />

relação às primeiras notícias dos campos de extermínio nazistas. A noção de absurdo foi<br />

instrumentalizada pelos perpetradores do genocídio, que queriam apagar os rastros de seus<br />

atos, sabendo que poderiam contar com a incredulidade do público . É o próprio Lévi que<br />

cita em seu livro Os Afogados e os Sobreviventes um episódio contado por Simon<br />

Wiesenthal que reproduz a fala de um nazista: “Seja qual for o fim desta guerra, a guerra<br />

contra vocês nós ganhamos; não restará ninguém para dar testemunho, mas mesmo que<br />

alguém escape, o mundo não lhe dará crédito.”<br />

O peso maior em relação à impossibilidade de narrar recai sobre o trauma vivido,<br />

que funciona como um bumerangue que retorna sempre a seu lugar de origem. Sabe-se<br />

através de Freud que a experiência traumática é aquela que não pode ser totalmente<br />

assimilada enquanto ocorre, resistindo, assim, à simbolização. Neste caso, o testemunho<br />

seria a narração não tanto dos fatos violentos vividos, mas da resistência à compreensão dos<br />

mesmos. Por mais que a linguagem tente cercar e estabelecer limites àquilo que não foi<br />

submetido a uma forma , ela fracassa, e ao derrapar promove a repetição da cena<br />

traumática 52 .<br />

50 A propósito, vale lembrar a passagem da Poética de Aristóteles, em que o autor afirma: “ Deve-se preferir<br />

o que é impossível, mas verossímil, ao que é possível, mas não persuasivo.” E, ainda, de Boileau (século<br />

XVIII): “O espírito não se emociona com o que ele não acredita.” (Arte Poética, III, 5 a )<br />

51 Cf. Levi, Primo, Os Afogados e os Sobreviventes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. (trad.Luiz Henriques)<br />

52 Cf. de Márcio Seligmann-Silva, “O Testemunho: Entre a Ficção e o “Real” e “Reflexões sobre a Memória,<br />

a História e o Esquecimento” .In História, Memória, Literatura (O testemunho na Era das Catástrofes)<br />

Campinas: Editora da Unicamp, 2003, pp.59-90, 375-390.<br />

87


Há quem argumente que é a história e não o relato da experiência vivida que é capaz<br />

de levar a um grau de compreensão do acontecido durante a Segunda Guerra Mundial 53 . O<br />

que está em questão em relação ao ocorrido em Auschwitz, diriam os defensores da<br />

história, não é a morte individual, que pode ser contada pela memória, mas o genocídio de<br />

um povo executado por um Estado moderno no coração da Europa em pleno século XX.<br />

Ao historiador, aos pesquisadores, cientistas sociais, caberia recuperar as memórias, os<br />

fragmentos individuais e demais rastros e torná-los compreensíveis. A eles caberia superar<br />

a barreira do intangível para entender a organização do Estado alemão a partir de 1933,<br />

para articular a gramática interna da ideologia, sua potência, sua atuação em esferas da vida<br />

social e psicológica, a emergência dessa ideologia na história da Alemanha e da Europa e<br />

como ela se apossou do Estado e como este organizou, pela primeira vez na história, um<br />

plano sistemático de destruição de todo um povo 54 .<br />

Por outro lado, há também aqueles que argumentam (entre eles eu me incluo) que<br />

se a vivência da barbárie do século XX coube a alguns milhões de seres humanos, a<br />

experiência do extermínio é de todos nós. E só a literatura poderia desafiar a<br />

intraduzibilidade do Holocausto, transmitindo-a de maneira mais cabal.<br />

Como conjugar os dois apelos inconciliáveis - a necessidade de contar e sua<br />

impossibilidade - a não ser através da palavra literária? Da palavra que significa pelo que<br />

diz e pelo que cala, capaz de estimular um encontro mais efetivo com o vivido, e, por seu<br />

intermédio, frear os sentidos estratificados e estabelecidos de uma experiência de abismo<br />

tateável, porém intangível?<br />

No domínio estritamente estético, o abalo da razão e da linguagem tem<br />

conseqüências drásticas para a produção artística. Criar em arte e também no pensamento<br />

de modo geral após Auschwitz significa não só rememorar os mortos, mas também acolher,<br />

no próprio movimento de rememoração, a presença do sofrimento. A inclusão do<br />

sentimento na linguagem demanda a palavra literária. A escolha do tom, da forma, do<br />

53 Cf. de Roney Cytrynowicz, “O Silêncio do Sobrevivente: Diálogo e Rupturas entre Memória e História do<br />

Holocausto”. In História, Memória , Literatura (O testemunho na Era das Catástrofes)<br />

org. Márcio Seligmann-Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, pp. 125-140.<br />

54 Cf. de Zigmunt Bauman, Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: jorge Zahar, 1999 (trad. Marcus<br />

Penchel)<br />

88


andamento narrativo, são traços inerentes à criação. A capacidade de aludir sem dizer, de<br />

fazer emergir metáforas sem explicitá-las, tudo isso é trabalho artístico que alcança mais do<br />

que qualquer tipo de linguagem chegar perto da “verdade” do ser e da vida.<br />

Criar uma obra de arte e não um relato, não implica em omitir os fatos relativos a<br />

uma época e aos acontecimentos que se desenvolveram nela. Primeiro, porque a ficção<br />

relacionada à Shoá lida como fatos históricos e não imaginários. Segundo, porque a arte<br />

representativa também ela aspira a desvelar-nos a “verdade” do mundo. Quando a história<br />

serve de ponto de partida à ficção, são permitidas ao escritor algumas liberdades em relação<br />

ao desenvolvimento exato dos fatos, mas elas servem de alavanca para chegar a um ponto<br />

escondido, submerso, de difícil acesso. É a possibilidade de construir esse atalho que<br />

atribui superioridade à poesia sobre a história, como já afirmavam os antigos.<br />

Claude Lanzmann, diretor do célebre filme Shoah, pensa nessa mesma direção<br />

quando afirma: “ O filme pode ser algo mais que um documento, pode ser uma obra de arte,<br />

e pode ser igualmente verídico.” 55<br />

Também o filósofo Emanuel Lévinas, após sua leitura do polêmico Iossl Rákover<br />

dirige-se a Deus, de Zvi Kolitz, 56 releva o texto ficcional em detrimento do documento:<br />

“Acabo de ler um texto belo e verdadeiro, verdadeiro como só a ficção pode ser.” É claro<br />

que são necessários todos os cuidados para não transformar a lembrança do horror em mais<br />

um produto cultural a ser consumido. Para que isso não ocorra, a estilização artística não<br />

pode tornar Auschwitz digerível, transformando a experiência traumática em mercadoria<br />

de sucesso. A dimensão ética da matéria precisa ser preservada acima de tudo, exigência<br />

obedecida de diferentes maneiras pelos escritores que trataram do Holocausto.<br />

No âmbito da literatura brasileira, um apanhado relativamente completo até agora<br />

do que se escreveu sobre a Shoá está elencado no livro de Regina Igel Imigrantes<br />

Judeus/Escritores Brasileiros 57 . O propósito deste ensaio é trazer para a reflexão alguns<br />

exemplos de como a literatura brasileira configurou as atrocidades perpetradas durante a<br />

55 Todorov, Tzetan. Em face do extremo. Campinas: Papirus, 1995, p.278.<br />

56 Kolitz, Zvi, Iossl Rákover dirige-se a Deus. trad. Fábio Landa. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.79.<br />

57 São Paulo: Perspectiva, 1997.<br />

89


Segunda Guerra Mundial, de que modo diferentes gerações, em diferentes tempos, no<br />

Brasil, a representaram.<br />

1.Jacó Guinsburg, nasceu na Bessarábia e aportou no Brasil com sua família aos três anos<br />

de idade, pouco depois da Revolução de 1924. Editor, ensaísta, tradutor, professor de teatro<br />

e de literatura, Guinsburg foi o primeiro a publicar ficção sobre a Shoá. Seu conto "O<br />

retrato" , escrito em 1946, foi publicado em 1949 58 .<br />

A narrativa enfoca a guerra vista a partir do Brasil, provavelmente São Paulo, num<br />

relato que se faz em primeira pessoa, através de um narrador-personagem jovem, filho de<br />

pais emigrados da Romênia.<br />

O conto focaliza a família composta por um filho, pai e mãe, divididos entre o seu<br />

lugar de origem, país em guerra, e o Brasil, sua nova terra. A notícia da guerra chega ao<br />

país principalmente através do jornal. Neste, estão as manchetes bombásticas e<br />

altissonantes, que contracenam com um modo restrito, silencioso e individual de<br />

comunicação – a carta, esperada pela família desde o início do conto, sendo o presumido<br />

emissor um tio que vivia com a família na Bessarábia. A carta seria o aval de sua<br />

sobrevivência.<br />

Em âmbito familiar, a Europa distante fixa-se simbolicamente no retrato de um<br />

primo jovem da Bessarábia. Esse retrato ocupa lugar estratégico na sala de estar da casa,<br />

funcionando como ponto de confluência de olhares, pensamentos, e também como<br />

marcação de uma ausência, de uma falta.<br />

Os dois planos tensionados – fora e dentro, distante e próximo, ausência e presença<br />

- vão interagir durante a narrativa. Fora, a guerra, que chega através da notícia de jornal,<br />

que corre em meio a um mundo estranho a ela, soando na mesma toada que a música no<br />

rádio do vizinho, no mesmo cenário que ocupa a prostituta na esquina recostada num poste<br />

à espera de um freguês. Aqui (no Brasil), em meio a uma indiferença geral, o conto releva<br />

a ansiedade de uma família judaica à espera de notícias sobre a sorte dos entes queridos.<br />

O narrador, um jovem adaptado ao país, quer desvincular-se do destino dos judeus,<br />

ainda que sejam seus familiares. O retrato do primo mais jovem é, na sua visão, um objeto<br />

entre outros da casa, notação que vai se alterando ao longo do relato. Sua rotina é a de todo<br />

58 Revista O reflexo, n.8<br />

90


jovem de sua geração. Inclui a visita às prostitutas da zona, a cervejinha nos bares, e o<br />

sonho de ampliação de seu horizonte de ação, viajando, quem sabe, para os EUA. Enquanto<br />

isso, as notícias de jornal anunciam:<br />

Ultimato de Hitler! O bárbaro crime! Olha a Folha! Olha o Diário! (p.60)<br />

-Hitler invadiu a Polônia! Começou a guerra! (p.62)<br />

Assinada a paz! A paz! (p.64)<br />

Em quatro páginas, o conto marca o transcurso de duração da guerra, tempo<br />

suficiente para o jovem narrador ir se deslocando de sua posição de indiferença com relação<br />

à sua origem e passar a identificar-se com ela através do pai, vindo a sofrer com ele os<br />

desastres de um mundo que, ao final, tinha sido desmantelado, sobrando dele apenas um<br />

retrato na moldura, e o silêncio de uma carta que não chega.<br />

2. Samuel Rawet, imigrante polonês nascido na pequena aldeia de Klimotow, em<br />

1931, aos sete anos desloca-se, com a mãe e os irmãos, para seguir o pai, que já havia<br />

emigrado para o Brasil uns anos antes. Instalam-se na periferia do Rio de Janeiro e a marca<br />

do descentramento sela sua obra como um todo.<br />

O conto “O Profeta” insere-se no livro Contos do Imigrante, que data de 1956 59 .<br />

Aí, um narrador em terceira pessoa dirige a cena literária, ao mesmo tempo que o<br />

protagonista permanece em silêncio. Como que prosseguindo o conto “O retrato”, mas<br />

mudando seu desfecho, toma parte dessa cena um sobrevivente sem nome dos campos de<br />

extermínio, recém chegado ao país, para encontrar seus parentes já fixados no Brasil há<br />

cerca de trinta anos. Estes ridicularizam o recém chegado numa língua ininteligível para<br />

ele, acuando-o ao silêncio e apartando-o do convívio familiar, organizado em torno de um<br />

novo eixo. O aburguesamento da família sinalizado no conto pelo deslizar do automóvel<br />

último tipo, do apartamento luxuoso, se faz acompanhar de novos hábitos, como o jogo de<br />

cartas, risadas tolas e fuxicos. A felicidade e o conforto conquistados não condizem com<br />

59 Rawet, Samuel. Contos do Imigrante. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.<br />

91


uma disposição humanitária de ouvir a história que o velho tinha a contar – para que se<br />

fixar na tristeza?, dizem eles. Essa recusa coloca o velho num lugar de estranhamento do<br />

qual ele não sairá. Com seu capote preto e as barbas brancas, passa a ser chamado<br />

pejorativamente entre os familiares de “profeta”. Também na sinagoga ele é ridicularizado<br />

e chamado do mesmo modo. Os profetas na Bíblia tinham por função conduzir o povo por<br />

um caminho determinado por Deus, sua voz precisava ser ouvida. No conto, a palavra do<br />

profeta está em baixa. O alheamento familiar prevalece e ninguém ouve o sobrevivente,<br />

porque ouvi-lo implicaria em quebrar a carapaça da alienação. Ao final, o velho arruma<br />

sua mala e parte sem ter para onde ir, marcando o não-lugar como sendo o que resta aos<br />

que sobreviveram ao Holocausto. Neste ponto, vale lembrar que vários sobreviventes<br />

especificam em seus relatos a dificuldade em contar a bárbarie a que tinham sido<br />

submetidos, porque não lhes davam crédito, porque suas histórias entristeciam os ouvintes<br />

que as recusavam.<br />

Marcando sua solidariedade com aquele que sofre, o narrador recorta a frase<br />

permeando-a de pausas, para criar no plano estilístico uma homologia com aquilo que é<br />

contado. Assim, o conto deve ser entendido através da palavra e do silêncio, que aqui<br />

significa toda uma história que está sendo omitida.<br />

3. Meir Kucinski, em Imigrantes, Mascates & Doutores lançado em 2002 60 , apresenta<br />

narrativas publicadas originalmente em Israel, em 1963. Imigrante proveniente da Europa<br />

Oriental, Polônia, Kucinski chegou ao Brasil aos 29 anos, em 1935, e aqui desempenhou<br />

papel importante na vida intelectual judaica, tendo se dedicado, entre outras atividades, ao<br />

jornalismo e ao ensino do ídich e de sua literatura, no Colégio Renascença. Sua língua de<br />

expressão foi o ídich, tendo suas narrativas sido traduzidas para o português.<br />

O conto “Mitzves, Boas Ações” põe em evidência os conflitos entre os judeus já<br />

estabelecidos no Brasil e aqueles que vieram na qualidade de sobreviventes da Shoá. As<br />

partes em conflito são as mesmas que as apresentadas por Rawet, em “O Profeta”. Só que<br />

elas não representam parentes consagüíneos, mas pessoas originárias da mesma<br />

cidadezinha – Scheradz (Polônia). Os primeiros imigrantes dessa região já haviam<br />

60 Kucinski, Meir. Imigrantes, Mascates & Doutores. (Coord. Rifka Berezin e Hadassa Cytrynowicz) São<br />

Paulo: Perspectiva, 2002<br />

92


organizado sua associação de ajuda mútua em São Paulo e chegara a hora de recepcionar e<br />

apoiar uma família (Iossl, sua mulher, Sara e os dois filhos) sobrevivente do Holocausto.<br />

Se o gesto é positivo e informa os modos de organização dos judeus imigrados na<br />

nova terra - eles montam uma sapataria para o sustento de Iossl e sua família - alia-se a ele<br />

um traço de onipotência, já que Iossl não foi consultado se desejaria trabalhar nessa<br />

profissão. De certo modo, o bom gesto foi mal direcionado e acabou por gerar efeitos<br />

catastróficos, por reduzir o suposto beneficiado a objeto sem direito a opinião. A ação é<br />

corrigida no segundo auxílio espontâneo que a família recebe, vindo, dessa vez, de<br />

vizinhos judeus da Bessarábia, que atuam segundo um padrão ético de respeito ao outro.<br />

O mesmo núcleo de conflito reaparece no conto “O Tio”, do mesmo autor, que<br />

contrapõe a família de Moische Wolf, já perfeitamente ajustada ao Brasil, ao recém<br />

chegado Iossl, sobrinho do primeiro e sobrevivente do Holocausto. O autor não romantiza<br />

nem idealiza as relações familiares. Os que pertencem à mesma linhagem e formam uma<br />

família consangüínea são estranhos uns aos outros e não há afeto desinteressado<br />

permeando o contacto. O diferente, o que veio de longe e traz uma marca de sofrimento, é<br />

evitado. Sua chegada não deve interferir na rotina familiar, ele não deve contar a ninguém<br />

sua experiência nos campos, espera-se que apague a expressão de dor desenhada em seu<br />

rosto e que atue como os demais que não passaram pelo Holocausto, porque já estavam no<br />

Brasil, onde trabalharam duro, mas venceram, isto é, juntaram negócio, casa própria e a<br />

possibilidade de proporcionar estudo aos filhos. Quem sabe Iossl poderia vir a ser o genro<br />

que buscavam, casando com sua filha única?<br />

Do jovem saía um odor envelhecido de campo de concentração. Os andrajos que<br />

vestia como que contavam do trabalho de “desinfecção”, dos vapores dos barracões, de<br />

alguém que se apresentava para o serviço militar. (p.194)<br />

Transformá-lo à força em genro, não podiam, mas o jovem não escaparia de ser<br />

mascate, refazendo o destino do tio e de tantos outros judeus aqui chegados. O narrador em<br />

terceira pessoa, para acentuar a solidão do sobrevivente, mostra-o perdido na língua<br />

portuguesa que desconhece:<br />

Iossl, com as mãos deformadas pelos pesados trabalhos forçados no campo de<br />

concentração, com o número tatuado no braço, não entendia claramente nem o que eles<br />

93


chamavam “pegar no batente”, nem o que queria dizer “progredir”, apesar de o tio falar e<br />

resmungar, desde o primeiro minuto essas palavras. (p.195)<br />

Recusando-se a apagar a violência inerente às relações humanas e, particularmente,<br />

negando-se a tratar do judeu como um bloco homogêneo, Kucinski mostra a “família”<br />

judaica em estado de conflito, empenhada em ocultar e reprimir uma história indesejada.<br />

Cego à sua responsabilidade em relação ao outro, o tio reproduz a lógica assassina<br />

instaurada pelo nazismo, reduzindo o sobrinho a um número de matrícula sem rosto, ao<br />

mesmo tempo em que desmorona o edifício de princípios éticos que devem reger a conduta<br />

de judeus e não-judeus. O conto termina lançando o sobrevivente numa bruma de<br />

incompreensão, espaço em que a lei moral está suspensa:<br />

Iossl, com as pernas bem abertas, a ossuda face em chamas e o olhar vago, olhava<br />

sem entender para o pacote, como para um cadáver. Lembrou-se do chicote, no campo de<br />

concentração, que silvava como as palavras do tio: “No Brasil, se a gente quer, a gente é<br />

um tio, se não quer, não se comporta como um tio...” (p.196)<br />

4. Exemplar em termos de cruzamento de culturas é um fragmento de A guerra no<br />

Bom Fim , romance de Moacyr Scliar 61 , em que o autor traz a barbárie nazista para Porto<br />

Alegre. Brasileiro, nascido em Porto Alegre em 1937, filho de imigrantes da Europa<br />

oriental, Scliar é o escritor mais fecundo da literatura brasileira contemporânea de temática<br />

judaica. Autor de numerosos romances e contos, sua obra está traduzida para diferentes<br />

idiomas.<br />

Ao longo do romance mencionado, o autor vai oferecendo ao leitor pistas que lhe<br />

permitam chegar ao episódio em que os filhos do alemão Ralph Schmidt prendem e matam<br />

o velho judeu Samuel e, não sabendo o que fazer com o corpo, transformam-no num<br />

churrasco de domingo. Repetidas vezes o alemão, o polonês e o negro no romance fazem<br />

ameaças de transformar os judeus em churrasco, numa alusão clara aos fornos crematórios.<br />

O narrador em terceira pessoa informa também que o Brasil havia acolhido uma grande<br />

leva de alemães nazisttas depois da Segunda Guerra Mundial. Assim, quando os filhos do<br />

alemão Ralph Schmidt resolvem prender o velho Samuel para presenteá-lo ao pai no dia de<br />

61 Scliar, Moacyr, A Guerra no Bom Fim. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972.<br />

94


seu [do pai] aniversário, já tinham sido criados os suportes de verossimilhança. O autor,<br />

entretanto, terá que usar o fantástico e enquadrar o episódio no carnaval, momento de<br />

inversão da ordem, para levar adiante os aspectos grotescos e mórbidos dos<br />

acontecimentos.<br />

Quando os filhos de Ralph matam gratuitamente o velho judeu e o transformam em<br />

churrasco, eles estão promovendo a passagem de uma expressão metafórica em literal, e<br />

alçando a situação ao plano fantástico. É a mulata Maria, mãe das crianças criminosas que,<br />

em sua ignorância (ela não sabe o que os filhos e o leitor sabem), começa a comer o corpo<br />

de Samuel. Para além dos aspectos macabros que o episódio suscita, podemos interpretá-lo<br />

pelo viés antropofágico. Quando Maria come a carne humana, o autor a transforma em<br />

canibal nativa. Ela é a autóctone em oposição ao marido e aos filhos que se parecem ao pai,<br />

o europeu civilizado, branco. Através do comportamento do branco europeu e do nativo, o<br />

leitor é levado a avaliar uma das conseqüências banais da colonização: a corrupção dos<br />

nativos pelo europeu, este o verdadeiro bárbaro, numa inversão clara da óptica colonialista.<br />

Com este episódio, o autor ilustra um crime macabro que indicia o extermínio nazista, ao<br />

mesmo tempo que iclui uma tomada de posição com relação ao processo bárbaro de<br />

colonização a que o branco e europeu submeteu o Brasil e a América Latina.<br />

5. Já em Memorial de um herege 62 , romance de Samuel Reibscheid, médico<br />

nascido em São Paulo e filho de pais imigrantes -- , o autor cria uma narrativa que se<br />

estrutura a partir do anárquico relato de Guenia Bronia, médium praticante de artes ocultas,<br />

transcrito pelo narrador conforme mensagem psicocomputadorizada recebida do além. De<br />

viés bem brasileiro, esse influxo místico é usado como recurso de criação de<br />

verossimilhança, sendo caudatário dos numerosos documentos, cartas, bilhetes, encontrados<br />

por acaso e que se desdobraram em tantos romances do século XIX e mesmo do século XX.<br />

Ele é, entretanto, apenas a ante-sala de um relato escrito aos jorros, onde a ironia e o<br />

humor ácido oxidam a letra expandida numa pluralização de narrativas interligadas a partir<br />

de um evento vivido pelo protagonista, o médico Isaac Ben Maimon, preso numa cidade do<br />

interior de São Paulo e envolvido num processo kafkiano, já que se desconhecem os<br />

motivos da acusação. Esse é o dínamo que desencadeia uma torrente de horror. Segundo as<br />

62 Reibscheid, Samuel. Memorial de um herege. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.<br />

95


homologias criadas no relato, somos levados a pensar que o autor crê haver uma<br />

continuidade nos atos de manifestação do autoritarismo através dos tempos. Mudam as<br />

vítimas, mudam os poderes, o processo é idêntico. Assim, justapõem-se e misturam-se as<br />

ações da Santa Inquisição com os horrores do Holocausto e com os atos de tortura<br />

perpetrados pelas ditaduas latino-americanas e outras. A partir desse princípio de<br />

equivalência, as partes vão sendo costuradas, juntando-se peste bubônica e Aids; Hitler e<br />

Eichmann que dançam uma valsa antes de serem despejados num esgoto; o rei Davi e<br />

Moshé Dayan; Inquisição e os porões da ditadura; gritos de horror escancarado e vozes de<br />

crianças brincando, tendo como fundo pregões de vendedores de iguarias. Tudo registrado<br />

pelo olho de uma polaróide pós-moderna que não teme o excesso. O excremento, a<br />

mutilação, a morte, orquestrados para relevar a desordem do irracionalismo, não poupam o<br />

leitor, lançado também ele num espetáculo do qual se subtrai qualquer moldura de<br />

referências de um mundo em progresso.<br />

Memorial de um herege sustenta-se numa história que sistematicamente vitimiza as<br />

minorias. O preconceito e a intolerância estão à espreita violentando e liquidando<br />

prostitutas, comunistas, anarquistas, pobres, negros, doentes terminais, judeus,<br />

homossexuais, o cidadão comum. O tratamento que o autor atribui ao Holocausto equaliza<br />

outras vitimizações que afligem o homem moderno e contemporâneo, tirando daquela<br />

catástrofe o caráter particular e único que os autores anteriores esforçam-se em delinear. É<br />

como se fosse da natureza humana subjugar e aniquilar o outro, o diferente, o mais fraco.<br />

Assim, o autor transpõe as guaritas dos campos de concentração de Auschwitz para fincá-<br />

las contra o céu azul dos trópicos, mais particularmente do Brasil, denunciando atrocidades<br />

enterradas na vala comum do silêncio e do esquecimento.<br />

6.Dando um salto de cerca de duas décadas, a coletânea de contos de Roney Cytrynowicz 63 ,<br />

publicada em 1994, marca a presença de uma terceira geração de escritores pós Shoá.<br />

Um dos eixos de sua ficção é a figura do avô, que nos leva de volta ao Bom<br />

Retiro, no bairro da Luz, em São Paulo, bairro de concentração judaica até há bem pouco<br />

tempo e que foi sendo ocupado por coreanos, grupo pertencente a uma leva imigratória<br />

mais recente. É ali que o avô estrangeiro vive e ali o narrador criança o visita, dormindo em<br />

63 Cytrynowicz, Roney, A Vida Secreta dos Relógios e Outras Histórias. São Paulo: Página Aberta, 1994.<br />

96


sua casa às sextas feiras, embalado por uma língua que lhe é estranha – o ídisch – que os<br />

mais velhos utilizam. É também ali que o narrador presencia, através do empenho do avô,<br />

um colecionador de relógios, o modo como ele consertava suas batidas, numa simbiose<br />

íntima e perfeita com eles. Mas os relógios e seus ritmos são incontroláveis. Mudam de<br />

lugar à noite, aparecem e desaparecem, e a sincronia entre todos torna-se uma tarefa<br />

inalcançável, sinalizando para tudo aquilo que escapa ao domínio do homem. O conserto<br />

dos relógios alude ao conserto do mundo – em hebraico tikun olam – que, segundo a<br />

tradição, aponta para a necessidade de retornar à perfeição através da obediência dos<br />

proceitos. Metaforicamente diz-se que uma única letra errada compromete a existência do<br />

mundo. Mesmo cuidando de apenas quatro letras combinadas em duas palavras -tic tac- a<br />

missão do avô não se cumpre, tarefa impossível num mundo marcado pelo absurdo e pelo<br />

extermínio. É através da figura do avô e dos de sua geração que o autor traz à tona as<br />

reminiscências dos campos de concentração nazista nesta e em outras narrativas.<br />

7. Construído como uma autobiografia, Mameloshn - memória em carne viva 64 , de<br />

Halina Grynberg , configura o relato de sua vida como uma espécie de texto de formação<br />

pontuado pela Shoá.<br />

Pertencente à segunda geração pós-catástrofe, a autora empreende o esforço de<br />

desvencilhar-se de uma história marcada pela destruição e pelo trauma vivenciados por ela<br />

como herança da história dos pais. Sua mãe, nascida em Varsóvia, escapa do gueto e, após<br />

uma fuga mirabolante, encontra refúgio num Campo da Sibéria, onde se torna garçonete no<br />

refeitório de oficiais. Enquanto isso, a família materna morre nos campos de concentração.<br />

De seu pai pouco se trata. Sabe-se que nasceu numa aldeia da Polônia central -- Goworowo,<br />

e que aprendeu a profissão de padeiro/confeiteiro com o pai, tendo saído ileso da guerra. O<br />

exílio da família passa por Haifa, Marselha, Paris, etapas anteriores à chegada ao Brasil, e<br />

a violência a que estavam submetidos internaliza-se, expande, e eles aliam à condição de<br />

vítimas ( da Guerra, da Shoá ) a de agressores na relação consigo próprios. É a narradora<br />

adulta que recusa o fardo dessa herança ambígua, e enxerga a si, criança demandante,<br />

insisitindo em se aproximar dos pais, mas ao mesmo tempo resistindo em deixar-se anular<br />

como sujeito.<br />

64 Halina Grynberg, Mameloshn- memória em carne viva.Rio de Janeiro: Record, 2004.<br />

97


"Eu me salvei: por dentro disse não!" (p.51)<br />

O que significa dizer "não"? Para a segunda geração do Holocausto, a catástrofe pode não<br />

estar no passado, mas no presente, quando os efeitos do trauma original se fazem sentir<br />

através de configurações distintas e distantes do golpe primordial 65 . Neste sentido, em<br />

cada criança, filha de sobrevivente, existiria um Holocausto particular. O evento histórico<br />

já está distante, inalcançável, e não é ele que ganha espaço neste livro. Ao dizer "não!" a<br />

narradora recusa o fardo de uma herança e desvencilha-se do pacto de compartilhar o<br />

legado de lembrar a catástrofe, ao menos em moldes canônicos, que escamoteiam o efeito<br />

do evento em cada um.<br />

O legado da memória 66 , um dos fundamentos do judaísmo, que deve ser assumido<br />

coletiva e individualmente de modo a preservar o passado no presente sob forma<br />

reatualizada, encontra na Shoá um lugar privilegiado. Ali, um depósito de lembranças,<br />

misto de reminiscências individuais, familiares e coletivas de dizimação e extermínio não<br />

podem ser negligenciadas nem esquecidas. Mas a pergunta que fica é: a obrigação de<br />

lembrar deve ser cumprida segundo uma forma, um modelo, ou é possível abrir-se para a<br />

multiplicidade de modos de impressão na memória?<br />

A problematização de como carregar esse legado, ou mesmo se carregar o legado,<br />

ou ainda para quê e para quem se deve transmitir a memória da Shoá deve ser silenciada?<br />

De quem é essa memória? Trata-se de uma memória que metaforiza a desumanidade que<br />

recai apenas sobre os judeus ou ela é de propriedade universal? Deve essa memória<br />

incluir a memória de deficientes físicos e mentais, ciganos, homossexuais, prisioneiros<br />

políticos e outras vítimas do nazismo? De quem é essa memória, afinal?<br />

Esse questionamento implícito em Mameloshn está explicitado em alguns textos da<br />

literatura judaica como Adam ben Kelev 67 (1969), de Yoram Kaniuk, Aien erech: ahavá,<br />

de David Grossman 68 , por exemplo, e obrigam o leitor a encarar o problema. O primeiro<br />

65 Efraim Ficher (ed ) Breaking Crystal: Writing and memory after Auschwitz. Urbana and Chicago:<br />

University of Illinois Press, 1998.<br />

66 Cf. Yossef Hayim Yerushalmi, Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. Washington: University of<br />

Washington Press, 1982.<br />

67 Em tradução de Nancy Rozenchan para o português, Adam filho de cão. São Paulo: Globo, 2003.<br />

98


descreve Israel como o maior manicômio do mundo, por se tratar de um estado fundado a<br />

partir do Holocausto. Altamente irônico e agressivamente cínico, o romance de Kaniuk<br />

despreza várias noções convencionais, incluindo as de sanidade e loucura, numa tentiva<br />

vigorosa de entender a Shoá. A necessidade de se apartar do trauma dos mais velhos e<br />

firmar uma identidade própria está presente também no segundo romance mencionado,<br />

onde o Holocausto passa para um registro que rebate muitas das coordenadas do cânone<br />

oficial. Grossman e Kaniuk não idealizam as vítimas; suas propostas são as de tornar<br />

inteligíveis os efeitos das atrocidades no sobrevivente. A disrupção entre gerações ocorre e<br />

não há como vedá-la no tratamento que esses escritores dão ao tema.<br />

No livro de Halina Grynberg, o sujeito que narra constrói um discurso que enlaça a<br />

fala do outro, principalmente a da mãe e a do pai, constituindo um discurso direto livre, 69<br />

que indicia, desde o início, planos de continuidade/descontinuidade distintos entre os três.<br />

A continuidade impossível e tudo o que ela acarreta forja basicamente a experiência<br />

relatada, transformando o narrado numa arena de luta onde o sujeito se procura e se perde,<br />

se reencontra, à medida que vai dando forma a seu nome próprio-- Guítele, Aline, Halina,<br />

em contexto brasileiro.<br />

O nomadismo e a situação de exílio geográfico não impedem que a família carregue<br />

consigo a língua materna -- o mameloshn -- solo dos afetos, da tradição e da cultura. O<br />

ídiche ganha uma contraface depois da Segunda Guerra Mundial, pois passa a registrar<br />

em si os escombros e o fantasma da destruição dos judeus da Europa. Ao mesmo tempo<br />

em que transmite toda uma história dos judeus da Europa Oriental, inclusive daqueles que<br />

foram dizimados na Shoá, esse idioma chega ao Brasil e desdobra-se no uso que dele se<br />

faz, além de atuar como força perturbadora que acena a um pertencimento.<br />

Uma vez no Brasil, em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, a família vai<br />

aderindo a alguns sinais externos que designam outros imigrantes judeus pobres no país: a<br />

68 Em tradução de Nancy Rozenchan para o portugues, Ver:Amor. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira,<br />

1993.<br />

69 Entendo por discurso direto livre aquele que em primeira pessoa traz para si marcas da fala do outro,<br />

mesclando os limites entre as falas do eu e do outro.<br />

99


filha entra para a escola pública e em seguida para o Ginásio Israelita I.L.Peretz; o pai<br />

mascateia pelos labirintos do baixo meretrício; a mãe cuida da casa. Marcando esse<br />

encontro de mundos contrastantes, a linguagem da narradora mescla impressões enquanto<br />

vai-se operando sua inserção no país:<br />

O pó dos cremados bailava na escuridão até pousar sobre mim, Quarta-Feira de<br />

Cinzas em mim sempre. (p.9 )<br />

As cinzas misturam a morte dos judeus com o sacrifício de Cristo, criando uma<br />

sobreposição entre ambos.<br />

No episódio em que a mãe força a filha a comer, temerosa que ela morresse, como<br />

tantas crianças nos guetos e campos de concentração, há dois sinais antagônicos<br />

transmitidos simultaneamente: o desejo de alimentar (vida) e a tortura na forma de<br />

alimentar (morte) . Assim também em relação ao uso da mameloshn. "A mão que sufoca é<br />

a mesma que dá de comer" ( p.70 ) : eis o bordão que atravessa o relato.<br />

Mamãe me reclinava de costas sobre seu colo. Com o cotovelo esquerdo forçava minha<br />

cabeça para baixo enquanto tapava-me as narinas com os dedos livres. Sufocada em<br />

terror, o grito retido por detrás dos dentes cerrados, acabaria por entreabrir os lábios<br />

para a colher empunhada pela mão direita que empurrava a comida goela abaixo (p.69 ).<br />

É ainda no interior dessa ambigüidade que se pode entender a relação entre pais e<br />

filha, todos "parceiros na incoerência" (p.18) . As figuras materna e paterna dominam<br />

explicitamente o projeto autobiográfico, pois o livro trata de uma subjetividade que emerge<br />

de uma história familiar. Além de importante presença, pai e mãe cumprem a função de<br />

marcar uma identidade, uma cultura e a história dos judeus que se transmite através deles.<br />

Mas há uma cesura que se instaura entre a geração dos pais e a da filha, cujo esforço é o de<br />

criar um enredo de vida diverso da história de seus pais. Ao final, a filha dá à mãe o lugar<br />

de continente de sua escritura e estabelece com ela uma relação de pertinência. É em<br />

mameloshn que se nomeiam os capítulos deste livro - cuja imagem inicial traz mãe e filha<br />

enoveladas, suplantada na imagem final em que a filha abandona simbolicamente pai e<br />

mãe no ventre da noite, ciente de que para perdoar é preciso não esquecer. Quanto à nossa<br />

obrigação de lembrar, certos textos da literatura de testemunho mais recente não nos<br />

deixam esquecer que os mortos podem mudar de lugar dentro de nós.<br />

Cada um dos textos apresentados procura, a seu modo, retomar a Shoá, o<br />

extermínio nazista durante a segunda Guerra Mundial. Eles estão submetidos a injunções<br />

100


próprias ao tema: podem relatar, mas não distorcer, escapar; podem descrever<br />

acontecimentos, mas não dotá-los de autonomia e liberdade própria a outro tipo de ficção.<br />

A literatura relacionada à Shoá, permanece cativa de seu material bruto e talvez essa seja<br />

uma obrigação moral inerente a ela 70 . Apesar de não resgatar nem explicar o que foi<br />

aniquilado, os textos trazem em sua estruturação ecos de uma história ocorrida na Europa,<br />

que vitimizou os judeus, os ciganos e outras minorias, mas vivenciada no Brasil. Essa<br />

peculiaridade traça uma linha que liga a Europa e a América, o judaísmo europeu e a<br />

modalidade de judaísmo que vem se desenvolvendo no Brasil, pondo em relevo os efeitos<br />

da condensação em grau máximo das possibilidades de destruição do século XX 71 .<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

AGAMBEN, Giorgio, Quel che resta di Auschwitz. L'archivio e il testimone. Torino:<br />

Bollati Boringhieri editore, 1998.<br />

CARUTH, Cathy (org.), Trauma. Explorations in Memory. Baltimore/London: Johns<br />

Hopkins University Press, 1995.<br />

FELMAN, Shoshana e LAUB, Dori, Testimony: Crises of Witnessing in Literature,<br />

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FRIEDLÄNDER, Saul, Probing the limits of representation. Nazism and the Final<br />

Solution. Cambridge, Londres: Harvard University Press, 1992.<br />

FICHER, Efraim (edited by) Breaking Crystal: Writing and memory after Auschwitz.<br />

Urbana and Chicago:University of Illinois Press, 1998<br />

KOGAN, Ilany: The Cry of Mute Children: A psychoanalytic Perspective of the Second<br />

Generation of the Holocaust. London: TJ Press, 1995.<br />

LEAK, Andrew e PAIZIS, George (edit.) The Holocaust and the Text-- Speaking the<br />

Unspeakable. Great Britain: Macmillan Press Ltd, 2000<br />

LEBERT, Norbert & Stephan, Tu Carregas meu nome - A herança dos filhos de nazistas<br />

notórios. (trad.Kristina Michaelles) Rio de Janeiro: Record, 2004.<br />

SELIGMANN-SILVA, Márcio e NESTROVSKI, Artur. (org) Catástrofe e Representação.<br />

São Paulo: Escuta, 2000.<br />

YERUSHALMI, Yossef Hayim, Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. Washington:<br />

University of Washington Press, 1982.<br />

70 Howe, Irving, “A Escrita e o Holocausto”. In Cadernos de Língua e Literatura Hebraica, n.2. Org Nancy<br />

Rozenchan. São Paulo: Humanitas, 1999, p.25.<br />

71 Veja-se, a propósito, de Renato Franco, “Literatura e Catástrofe no Brasil: anos 70, onde o autor trata da<br />

literatura que registra a produção literária relacionada com a ditadura militar no Brasil (1964-1985). In<br />

História, Memória, Literatura(O testemunho na Era das Catástrofes). Op. cit., pp.375-390.<br />

101


“ENSINANDO O HOLOCAUSTO ATRAVÉS DO DIÁRIO DE<br />

ANNE FRANK”<br />

O MUNDO DE ANNE FRANK ( 1929-1945)<br />

“ Ela foi uma jovem escritora maravilhosa. Era um<br />

assombro para uma menina de 13 anos. Vê-la ganhar<br />

domínio sobre as coisas é como assistir a um filme<br />

acelerado de um feto que vai ganhando rosto...<br />

De repente ela descobre a reflexão,há retratos<br />

de pessoas,esboços de personagens,há episódios<br />

longos,cheios de acontecimentos intrincados,tão<br />

lindamente narrados que parecem ter passado por<br />

por uma dúzia de rascunhos .E,nenhum desejo<br />

venenoso de ser interessante ou séria.<br />

Ela simplesmente é ... ”<br />

Philip Roth , Diário de uma ilusão .<br />

Marili Berg<br />

O diário foi escrito enquanto Anne Frank esteve escondida em uma casa em Amsterdã<br />

durante a ocupação nazista da Holanda. Seus pais, Otto e Edith Frank ,<br />

chegaram na Holanda em 1933,vindos da Alemanha.Quando começou a expulsão massiva<br />

dos judeus da Holanda,a família Frank decidiu esconder-se por não acreditar nas promessas<br />

alemãs de um reassentamento dos judeus em campos de trabalho na Europa.<br />

Entre 09 de julho de 1942 e 04 de agosto de 1945, Anne Frank e sua família viveram<br />

escondidos com outros quatro judeus no Anexo de uma casa em Amsterdã,recebendo a<br />

ajuda de quatro amigos não judeus .<br />

Depois de descobertos pela polícia alemã , a família Frank foi transferida para o<br />

Campo de Westerbork e , em setembro de 1944 , para o Campo de Auschwitz. Pouco<br />

tempo depois,transferida com sua irmã Margot para o Campo de Bergen-Belsen, Anne<br />

Frank ,doente , faleceu em março de 1945.<br />

Durante o tempo em que viveu escondida no Anexo Secreto ,Anne Frank escreveu<br />

vários contos e iniciou uma novela. Tornou-se famosa graças ao seu diário ,encontrado por<br />

Miep Gies e entregue ao seu pai ,Otto Frank , libertado de Auschwitz após a guerra e o<br />

único sobrevivente de todos os ocupantes do Anexo .<br />

Em seu diário, Anne Frank descreve com fidelidade as condições de vida do<br />

esconderijo, o medo e a opressão constantes .O “ Diário de Anne Frank” trata da guerra de<br />

Hitler contra os judeus , da situação da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial e da<br />

invasão aliada da Europa descrita por uma jovem menina judia alemã escondida dentro do<br />

Anexo secreto de uma casa na Holanda ocupada.<br />

Hoje a casa que serviu de esconderijo para a família Frank é um museu histórico, o<br />

Museu Anne Frank .<br />

102


A partir do “ Diário de Anne Frank “ podemos traçar um projeto formulando<br />

questões fundamentais e pertinentes sob a perspectiva histórica para o estudo do<br />

Holocausto nas salas de aula do ensino fundamental , médio e universitário .A tarefa é um<br />

grande desafio a ser assumido pelos professores ,pois a guerra nazista contra os judeus é<br />

uma narrativa aterradora que poderia chocar os alunos , de tal forma que talvez levassem os<br />

professores a hesitar em trabalhar com um episódio histórico marcado por tanto<br />

ódio,crueldade e mortes.<br />

O ensino do Holocausto gera em si uma série de dilemas e reflexões desafiadoras<br />

e,dentre elas,a que diz respeito a dificuldade em tratar o tema da Solução Final ,ou seja , a<br />

experiência dos Campos de Concentração e de Extermínio. Há alguns que defendem a<br />

posição de evitar tratar o tema em salas de aula. Mas ,muitos são aqueles que assumem a<br />

firme posição de ser imprescindível tratar o tema, argumentando que o Holocausto<br />

terminou nos campos de concentração e de extermínio ,e a omissão do estudo destes fatos<br />

terminaria por descaracterizar o próprio Holocausto , como a planificada aniquilação total<br />

de um grupo nacional e étnico e a ideologia apocalíptica que o motivou. Em outras palavras<br />

,se eliminarmos do Holocausto a verdade básica de que foi a planificada aniquilação total<br />

do povo judeu e o concreto assassinato de seis milhões deles , o Holocausto perde o seu<br />

sentido .<br />

Ao mesmo tempo , é fundamental ter sempre presente de que não foi aquilo que os<br />

nazistas disseram sobre os judeus , que já representava um fato novo e único na história do<br />

antissemitismo , mas sim propriamente aquilo que fizeram .<br />

Anne Frank foi uma das vítimas do Holocausto , uma criança judia dentre as 1,5<br />

milhão de crianças judias que perderam suas vidas .<br />

Conhecer a história e manter viva a memória sempre foi e continuará sendo uma<br />

questão vital para todos os tempos, pois está diretamente associada à importância de educar<br />

as novas gerações sobre os conceitos fundamentais de democracia, liberdade, tolerância<br />

,respeito mútuo,direitos humanos e , principalmente , o direito de “ser”humano.<br />

Podemos evitar a banalização do mal e educar cidadãos conscientes,tendo presente<br />

que a história consiste de fatos e é dever dos historiadores e educadores registrar esses<br />

acontecimentos do modo mais completo possível. Agindo desta forma, além de garantir um<br />

futuro melhor para as novas gerações , estaremos possibilitando um diagnóstico mais<br />

correto do presente , a partir da demarcação do conhecimento do passado .<br />

A HISTÓRIA DE ANNE FRANK : Anne, A Família, O Anexo Secreto ,O Diário .<br />

1925 – A vida na Alemanha – Anos Felizes<br />

Anne e Margot com o pai Otto Frank Anne e Margot com a mãe Edith<br />

103


1933- Crise e Antissemitismo<br />

Em 30 de janeiro de 1933 , Hitler tornou-se Chanceler da Alemanha.<br />

Em março de 1933, a família Frank decide mudar-se para a Holanda.<br />

Em 1940, os nazistas ocupam a Holanda e a vida da família Frank muda.<br />

A família Frank . Amsterdã,1941<br />

104


Exemplo de carta de convocação para campo de trabalho forçado<br />

1942-1944- O Esconderijo<br />

105


106


107


Os quatro judeus escondidos no Anexo secreto com a família Frank<br />

Fritz Pfeffer Peter Van Pels<br />

Hermann Van Pels Auguste Van Pels<br />

108


Os quatro amigos não judeus que ajudaram os ocupantes do Anexo secreto<br />

fornecendo comida,roupas,livros e outros itens de necessidade .<br />

Sentados(a partir da esquerda) Miep Gies,Otto Frank e Bep Voskuijl<br />

Johannes Kleiman e Victor Kugler<br />

04 de agosto de 1944 – A prisão dos ocupantes do Anexo<br />

Os moradores do Anexo são deportados para o Campo de Westerbork e depois<br />

109


para o Campo de Auschwtiz.<br />

110


O diário original entregue por Miep Gies a Otto Frank<br />

Publicação do”Diário de Anne Frank” em vários idiomas<br />

111


A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A HOLANDA OCUPADA<br />

Em apenas um ano após ser eleito Chanceler da Alemanha, Hitler consolidou todos os<br />

poderes. Inicialmente, os campos de concentração foram estabelecidos para os oponentes<br />

políticos,em especial, os comunistas e os líderes sindicais e , em seguida ,para os<br />

judeus,ciganos,homossexuais e todos aqueles que eram considerados inferiores ou<br />

discordavam de Hitler.<br />

A partir de 1933,toda a vida na Alemanha foi orientada na preparação para a guerra.<br />

Em 1939, a Segunda Guerra Mundial iniciou com a invasão da Polônia. Em maio de<br />

1940,a Holanda foi ocupada e o regime nazista introduzido. A economia era totalmente<br />

orientada pela Alemanha e muitos holandeses foram obrigados ao trabalho escravo nas<br />

indústrias alemãs.<br />

Em 1941,a perseguição dos 140.000 judeus da Holanda iniciou e 25.000 judeus eram<br />

refugiados da Alemanha,como a família Frank. Poucos conseguiram escapar dos campos de<br />

concentração e das câmaras de gás. A ocupação da Holanda representou 5 anos de<br />

repressão ,trabalho escravo,terror, ódio e medo. E ,afinal, causou um enorme número de<br />

perdas de vida de pessoas inocentes .<br />

Anne Frank foi uma delas. Sua história é a história de uma menina comum que tornouse<br />

vítima de um regime que acreditava no princípio da superioridade racial.<br />

A história da Alemanha nazista é a de um país que expulsou da sociedade os judeus<br />

e outras pessoas consideradas inferiores ,os oprimiu e,finalmente , os exterminou. O<br />

processo foi lento,planejado e cruel.<br />

Com a ocupação da Holanda,a guerra causou a morte de 240.000 holandeses, sendo<br />

106.000 deles judeus .<br />

Até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945 , o número aproximado total de vítimas<br />

era de 55 milhões de pessoas, dentre elas, 6 milhões de judeus, na sua maioria assassinados<br />

nos campos de concentração e de extermínio. Em toda a Europa, aproximadamente 17<br />

milhões de pessoas morreram na guerra e 20 milhões de russos. Outros 11 milhões,foram<br />

oponentes políticos,homossexuais , ao menos 250.000 ciganos e 6 milhões de judeus ,todos<br />

cruelmente assassinados .<br />

O ENSINO DO HOLOCAUSTO E O “ DIÁRIO DE ANNE FRANK”<br />

Roteiro para o professor<br />

A leitura do “ Diário de Anne Frank “ ou de trechos selecionados do diário<br />

permite abordar vários temas a serem explorados em sala de aula ,tais como :<br />

A importância do diário no processo da auto compreensão e como documento de registro<br />

histórico ;<br />

A legalização do preconceito e da exclusão na Segunda Guerra Mundial ;<br />

O valor da vida e da coragem na luta pela preservação das liberdades e direitos individuais ;<br />

A tolerância pelas diferenças ;<br />

A importância da educação e do conhecimento ;<br />

A importância da atitude individual na luta contra a violência e na defesa dos direitos<br />

humanos ;<br />

O valor da luta pela liberdade ,justiça,verdade e tolerância ;<br />

Situação do jovem que sente-se excluído na sociedade atual;<br />

Importância na preservação dos valores da sociedade democrática<br />

10. riscos decorrentes dos regimes totalitários.<br />

O trabalho deve objetivar um resultado final ,que poderá ser :<br />

a) um relatório dos estudantes ;<br />

112


) um ensaio ou apresentação sobre o tema;<br />

c) uma exposição de fotografias ,desenhos, colagens ou outro trabalho artístico;<br />

d) apresentação de peça teatral.<br />

Os alunos devem sempre receber informações suplementares sobre a história<br />

da<br />

Segunda Guerra Mundial e , em especial , sobre a história interna da Alemanha,desde a<br />

ascensão do nazismo,o nacionalismo e a criação de bodes expiatórios ,o expurgo de seres<br />

humanos considerados inferiores e até o Holocausto judeu. O estudo da história<br />

interna da Alemanha deve abranger os fatos anteriores à ascensão do regime nazista,o<br />

antissemitismo racial e o judeu na ideologia nazista.<br />

Ao tratar o tema da política nazista antissemita ,é importante analisar<br />

cronologicamente o boicote(1933) ,as leis de exclusão de Nuremberg (1935), a<br />

reorganização da política nazista (1937) , a concentração dos judeus em guetos e a” Noite<br />

dos Cristais “(1939 ) e a Solução Final nos campos de extermínio ( 1941).<br />

Os estudantes também devem ser estimulados a buscar sua própria informação de<br />

forma a se sentirem mais envolvidos e motivados , seja através da pesquisa bibliográfica ,<br />

de links na internet ou realizando entrevistas .<br />

Sugestão Didática<br />

O “ Diário de Anne Frank” deve ser apresentado aos alunos como um importante<br />

registro histórico da Segunda Guerra Mundial .<br />

Ao introduzir o tema da guerra,inserimos a história de Anne , desde seu nascimento<br />

até a sua morte , através de trechos selecionados de seu diário em uma linha<br />

cronológica,acompanhando os acontecimentos anteriores e durante a Segunda Guerra<br />

Mundial na Alemanha e outros países.<br />

LINHA CRONOLÓGICA<br />

VIDA DE ANNE FRANK<br />

1925<br />

Em 12/5/1925,Otto Frank e Edith Hollander casam em Aken, na Alemanha<br />

1926<br />

Em 16/2/1926, Margot Frank nasce em Frankfurt ,na Alemanha.<br />

1929<br />

Em 12/6/1929, Anne Frank nasce em Frankfurt ,na Alemanha .<br />

“ Meu pai ,o mais adorável que já vi, só se casou com minha mãe<br />

quando tinha 36 anos, e ela 25.Minha irmã Margot nasceu em Frankfurt am<br />

Main,na Alemanha, em 1926.Eu nasci em 12 de junho de 1929.Morei em<br />

Frankfurt até fazer quatro anos.Como éramos judeus,meu pai emigrou<br />

para a Holanda em 1933,quando se tornou diretor administrativo da Dutch Opekta<br />

Company,que fabrica produtos usados para fazer geléia.” ( DAF, 20 junho<br />

1942).<br />

NA ALEMANHA<br />

1925<br />

Em 18/7/1925 , o livro de Hitler “Mein Kampf” é publicado.<br />

1929<br />

Em 25/10/1929 , a crise econômica começa. O dinheiro perde seu valor e milhões de<br />

pessoas perdem seus empregos.<br />

113


VIDA DE ANNE FRANK<br />

1933<br />

Em 15/9/1933,Otto Frank funda a empresa Opetka em Amsterdã.<br />

Em 5/12/1933 , Edith e Margot Frank mudam-se para Amsterdã.<br />

1934<br />

Em 16/2/1934,Anne é trazida para Amsterdã por seus tios.<br />

NA ALEMANHA<br />

1933<br />

EM 30/1/1933 , Hitler torna-se Chanceler,o líder do governo alemão.<br />

Em 01/04/1933, Boicote aos estabelecimentos ,médicos e advogados judeus alemães.<br />

Em 14/7/1933 , o governo de Hitler proíbe todos os outros partidos políticos. A Alemanha<br />

torna-se uma ditadura.<br />

VIDA DE ANNE FRANK<br />

1934<br />

Em 16/2/1934, Anne Frank é trazida para Amsterdã por seus tios.<br />

1938<br />

Em 08/12/1938, Fritz Pfeffer chega em Amsterdã,vindo da Alemanha.<br />

“ Nossas vidas não eram isentas de ansiedade,já que nossos parentes na<br />

Alemanha estavam sofrendo com as leis de Hitler contra os judeus.<br />

Depois dos progroms de 1938 meus dois tios (irmãos de minha mãe)<br />

fugiram da Alemanha,encontrando refúgio na América do Norte. Minha<br />

avó idosa veio morar conosco.Na época estav com 73 anos “ ( DAF,20<br />

junho 1942)<br />

NA ALEMANHA<br />

1934<br />

Em 19/8/1934, Hitler assume a presidência da Alemanha ,dando a si mesmo o título de<br />

Fuhrer e Chanceler do Reich .<br />

1935<br />

Em 15/9/1935 ,lei racial subtraindo os direitos dos judeus alemães. Judeus e não-judeus não<br />

têm mais permissão para casar.<br />

1938<br />

Em 09/11/1938, os nazistas destroem sinagogas,lojas e casas de judeus. Mais de 30.000<br />

judeus são presos, 200 são assassinados. Conhecida como “ Noite dos Cristais”.<br />

VIDA DE ANNE FRANK<br />

1940<br />

Anne sofre o impacto de ser apontada como “ judia” ,perde suas liberdades e é obrigada a<br />

usar a estrela amarela .<br />

1941<br />

Em 01/9/1941 , Anne e Margot são proibidas de frequentarem escolas com crianças nãojudias<br />

e vão para uma escola judaica em Amsterdã .<br />

“ Depois de maio de 1940 os bons tempos foram poucos e muito<br />

espaçados:primeiro veio a guerra,depois a capitulação,e em seguida a<br />

chegada dos alemães,e foi então que começaram os problemas para os<br />

judeus.Nossa liberdade foi seriamente restringida com uma série de<br />

114


decretos antissemitas:os judeus deveriam usar uma estrela amarela; os<br />

judeus eram proibidos de andar nos bondes;os judeus eram proibidos de andar de<br />

carro,mesmo que fossem carros deles;os judeus deveriam fazer suas compras entre três e<br />

cinco horas da tarde;os judeus só deveriam frequentar barbearias e salões de beleza de<br />

proprietários judeus;os judeus eram proibidos de sair às ruas entre oito da noite e<br />

seis da manhã;os judeus eram proibidos de comparecer a teatros,<br />

cinemas ou qualquer forma de diversão;os judeus eram proibidos de<br />

frequentar piscinas,quadras de tênis ,campos de hóquei ou qualquer<br />

outro campo de atletismo;os judeus eram proibidos de ficar em seus<br />

jardins ou nos de amigos depois das oito da noite;os judeus eram<br />

proibidos de visitar casas de cristãos;os judeus deviam frequentar<br />

escolas judias etc. Você não podia fazer isso nem aquilo,mas a vida<br />

continuava. Jacque sempre me di “<br />

Eu não ouso fazer mais nada,porque tenho medo de que não seja<br />

permitido.”<br />

( DAF ,20 junho 1942)<br />

NA ALEMANHA<br />

1939<br />

Em 01/9/1939, a Alemanha invade a Polônia. A Inglaterra e a França declaram guerra<br />

contra a Alemanha . Início da Segunda Guerra Mundial .<br />

1940<br />

Em 09/4/1940 , O exército alemão ataca a Dinamarca e a Noruega.<br />

Em 22/6/1940, a França se rende à Alemanha.<br />

Em 10/7/1940, A “ Batalha Britânica” inicia. É a luta aérea entre Alemanha e Inglaterra<br />

pelo controle do espaço aéreo britânico .<br />

Em 27/9/1940 , Alemanha,Japão e Itália assinam tratado.<br />

1941<br />

Em 22/6/1941, a Alemanha ataca a Rússia.<br />

Em 14/8/1941 , EUA e Inglaterra decidem secretamente atacar juntos a Alemanha.<br />

Em 03/9/1941 , as primeiras vítimas das câmaras de gás em Auschwitz .<br />

1942<br />

Em 20/1/1942 , Conferência de Wannsee. Decisão sobre “ A Solução final” :matar todos<br />

os 11 milhões de judeus da Europa .<br />

VIDA DE ANNE FRANK<br />

1942<br />

Em 12/6/1942, Anne Frank ganha seu diário ao completar 13 anos .<br />

Em 05/7/1942,Margot Frank recebe uma convocação para se apresentar em campo de<br />

trabalho na Alemanha.<br />

Em 06/7/1942,a família Frank vai para o esconderijo.<br />

Em 13/7/1942 , a família Van Pels vai para o esconderijo no anexo secreto.<br />

Em 16/11/1942 , Fritz Pfeffer vai para o esconderijo no anexo secreto.<br />

“ ...Margot apareceu na porta da cozinha,parecendo muito agitada.<br />

Papai recebeu uma notificação da SS... Quando ela e eu<br />

estávamos sentadas em nosso quarto, Margot falou que a<br />

notificação não era para papai, e sim para ela. Com esse<br />

115


segundo choque comecei a chorar... Margot e eu começamos a<br />

colocar nossos pertences mais importantes numa pasta de<br />

escola. A primeira coisa que agarrei foi este diário,e depois<br />

rolinhos de cabelos,lenço livros da escola,um pente e algumas<br />

cartas antigas...”( DAF , 08 julho 1942)<br />

“Não poder sair me deixa mais chateada do que posso dizer e<br />

me sinto aterrorizada com a possibilidade de nosso esconderijo<br />

ser descoberto e sermos mortos a tiros. Esta,claro é uma<br />

perspectiva muito desanimadora.”(DAF ,acrescentado por Anne em 28 set 1942).<br />

“Hoje só tenho notícias tristes e deprimentes a contar. Nossos<br />

muitos amigos e conhecidos judeus estão sendo levados aos<br />

montes. A Gestapo está tratando todos eles muito mal, e<br />

transportando-os em vagões de gado para Westerbork ...para<br />

onde estão mandando todos os judeus. Miep contou sobre alguém que conseguiu<br />

escapar de lá. Deve ser terrível em Westerbork. As pessoas não têm praticamente nada<br />

para comer,muito menos para beber, já só existe água uma hora por dia, e há somente um<br />

toalete e uma pia para vários milhares de pessoas. Homens e mulheres dormem no mesmo<br />

cômodo, e as mulheres e as crianças costumam ter as cabeças raspadas.<br />

Fugir é quase impossível...<br />

Se está tão ruim na Holanda , como estará nos lugares distantes e pouco civilizados para<br />

onde os alemães os estão mandando ? Presumimos que a maioria está sendo assassinada.<br />

A rádio inglesa diz que eles estão sendo mortos por gás . Talvez seja o modo mais rápido<br />

de morrer.”( DAF, 09 outubro 1942)<br />

NA ALEMANHA<br />

1942<br />

Em 11/6/1942, Adolf Eichmann discute com os nazistas planos para deportar os judeus<br />

da França,Bélgica e Holanda.<br />

Em 05/10/1942, Heinrich Himmler dá ordem para transportar os judeus dos campos de<br />

concentração da Alemanha para o Campo de extermínio de Auschwitz.<br />

VIDA DE ANNE FRANK<br />

1942 até a prisão em 04/8/1944<br />

A família Frank e os quatro ocupantes continuam escondidos no anexo secreto .<br />

“ Rauter , um figurão alemão,fez recentemente um discurso: “ Todos os<br />

judeus devem sair dos territórios ocupados pela Alemanha antes de 01 de julho. A<br />

província de Utrecht ficará livre de judeus ( como se eles fossem baratas) entre 01 de<br />

abril e 01 de maio,e as províncias do norte e do sul da Holanda entre 01 de maio e 01 de<br />

junho.” Essa pobre gente está sendo embarcada para matadouros imundos como um<br />

rebanho de gado doente e maltratado.Mas não direi mais nada sobre<br />

isso. Meus próprios pensamentos me dão pesadelos.”<br />

( DAF , 27 março 1943)<br />

“ Todos os estudantes universitários estão precisando assinar uma<br />

declaração oficial dizendo que “simpatizam com os alemães e aprovam a Nova<br />

Ordem”. Oitenta por cento decidiram obedecer à consciência ,mas a penalidade será<br />

severa. Qualquer estudante que se recuse a assinar será mandado a um campo de<br />

116


trabalho alemão. O que acontecerá com a juventude do país se todos forem fazer serviço<br />

braçal na Alemanha ?”<br />

( DAF , 18 maio 1943)<br />

“ As coisas vão bem na arena política. A Itália baniu o Partido Fascista.<br />

O povo luta contra os fascistas em muitos lugares- até mesmo o<br />

exército juntou-se à luta. Como é que um país como aquele pode<br />

continuar a guerra contra a Inglaterra?”(DAF, 03 agosto 1943).<br />

“ Na quarta-feira , 8 de setembro ,estávamos acompanhando o noticiário<br />

das sete horas quando ouvimos o anúncio:“Eis aqui a melhor notícia da<br />

guerra até hoje: a Itália capitulou. …<br />

Em seguida tocaram … o hino nacional americano e a Internacional<br />

russa.Como sempre, o programa holandês se mostrava animado sem ser otimista<br />

demais .”(DAF,10 set 1943) .<br />

“ … devo dizer onde os russos se encontram no momento. Chegaram à<br />

fronteira da Polônia e ao rio Prut , na Romênia. Estão perto de Odessa<br />

...Toda noite esperamos um comunicado extra de Stalin...<br />

A Hungria foi ocupada por tropas alemãs. Ainda há um milhão de judeus vivendo lá; eles<br />

também estão condenados.” ( DAF , 31 março „ 1944)<br />

“ Fala-se ,em alguns círculos da clandestinidade,que os judeus<br />

imigrados para a Holanda antes da guerra , e que agora foram<br />

mandados para a Polônia ,não deveriam ter permissão de voltar para cá.<br />

Eles receberam asilo na Holanda,mas depois que Hitler for embora devem voltar à<br />

Alemanha. Quando ouvimos isso , começamos a nos perguntar por que lutamos nessa<br />

guerra longa e difícil. Sempre nos disseram que estamos lutando pela liberdade ,pela<br />

verdade e pela justiça! A guerra ainda nem terminou , e já há divergências e os judeus<br />

são vistos como seres inferiores... Para ser honesta ,não consigo entender como os<br />

holandeses ,pessoas boas, honestas e direitas ,possam estar nos julgando assim...”(DAF,<br />

22 maio 1944)<br />

“ O mundo virou de cabeça para baixo. As pessoas mais decentes são<br />

mandadas para campos de concentração ,prisões e solitárias,enquanto os mais<br />

baixos dos mais baixos governam jovens e velhos ,ricos e pobres. Um é preso por<br />

negociar no mercado negro,outro por esconder judeus ou pessoas desafortunadas .Se você<br />

não é nazista ,não sabe o que vai lhe acontecer de um dia para outro .” ( DAF , 25 maio<br />

1944)<br />

“ Este é o “ Dia D” , anunciou a BBC ao meio-dia. “ Este é o dia “. A<br />

invasão começou! …<br />

Ah Kitty, o melhor da invasão é que tenho a sensação de que são amigos chegando.<br />

Aqueles terríveis alemães nos oprimiram e ameaçaram durante tanto tempo que a idéia de<br />

amigos e de salvação significa tudo para nós! Agora não são apenas os judeus ,mas a<br />

Holanda e toda a Europa ocupada .Talvez,como diz Margot, eu até<br />

mesmo possa voltar para a escola em setembro ou outubro .” ( DAF , 06 junho<br />

1944)<br />

“ Finalmente estou ficando otimista. Agora, finalmente , as coisas vão<br />

bem ! De verdade! Ótimas notícias! Tentaram assassinar Hitler,e pela<br />

primeira vez não foram comunistas judeus ou capitalistas ingleses, mas um general<br />

alemão que não somente é um conde, mas também é jovem. O Fuhrer deve sua vida à<br />

117


“Providência Divina” escapou, infelizmente, apenas com algumas queimaduras e<br />

arranhões. Vários oficiais e generais que estavam perto foram mortos ou feridos. O chefe<br />

da conspiração foi morto . Até agora esta é a melhor prova de que<br />

muitos oficiais e generais estão cheios da guerra e gostariam de ver<br />

Hitler afundando num poço sem fundo ,para que possam estabelecer<br />

uma ditadura militar,declarar paz com os Aliados, se rearmar e , depois<br />

de algumas décadas começar uma nova guerra...” ( DAF ,21 julho<br />

1944).<br />

NA ALEMANHA<br />

1943<br />

Em 28/11/1943 , a Itália se rende.<br />

1944<br />

Em 25/3/1944 ,os Aliados bombardeiam intensamente a Alemanha.( 7.000 aviões)<br />

Em 15/6/1944, os Aliados bombardeiam o Japão.<br />

Em 20/7/1944, o Cel.Claus Stauffenberg falha na tentativa de assassinar Hitler.<br />

Em 30/10/1944, os nazistas operam as câmaras de gás em Auschwitz-Birkenau pela<br />

última vez .<br />

Em 08/5/1945 , a Europa é libertada do Nazismo Alemão . Conhecido como o dia da<br />

Vitória .<br />

Em 24/10/1945, é criada a ONU ( Organização das Nações Unidas)<br />

Em 20/11/1945 ,líderes nazistas são julgados pelo Tribunal de Nuremberg (Julgamentos de<br />

Nuremberg) .<br />

Em 25/6/1947 ,é lançada a primeira edição do “ Diário de Anne Frank” .<br />

Em 10/12/1948 , 51 membros da ONU assinam a Declaração Universal dos Direitos<br />

Humanos .<br />

Em 03/5/1960 ,é inaugurado no anexo secreto em Amsterdã o “ Museu Anne Frank” .<br />

Em 19/8/1980 , Otto Frank morre na Basiléia , Suíça .<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

“ Dentre os muitos que através da história( em tempos<br />

de grande perda e sofrimento ) se pronunciaram pela<br />

dignidade humana , nenhuma voz é mais contundente do<br />

que a de Anne Frank”<br />

John F. Kennedy<br />

O ensino do Holocausto através do “ Diário de Anne Frank” consiste em fazer<br />

com que o estudante possa se colocar no lugar do “ outro” e colabora para a afirmação de<br />

um conjunto de princípios democráticos que devem reger a vida social e política de todas as<br />

Nações que valorizam a dignidade humana, a tolerância e a igualdade de direitos de seus<br />

cidadãos.<br />

Um dos aspectos mais importantes do legado de Anne Frank é fazer com que o<br />

educador e o jovem estudante desenvolvam os valores da solidariedade e a capacidade para<br />

conviver com as diferenças , reconhecendo o perigo que representa a proliferação das<br />

práticas racistas e totalitárias ainda presentes na sociedade do século XXI .<br />

Referências Bibliográficas<br />

BANKIER , David (org.) El Holocausto . Jerusalém, Ed.Magnes/Universidad Hebrea,Yad<br />

Vashem, 1986.<br />

BETTELHEIM, Bruno. Sobrevivência e outros estudos. Porto Alegre,Artes Médicas,1989.<br />

118


BURRIN , Philippe. Hitler e os judeus .Gênese de um genocídio. Porto<br />

Alegre,L&PM,1990.<br />

CARNEIRO , Maria Luiza Tucci . Holocausto,Crime contra a Humanidade. São Paulo,<br />

Ed. Ática, 2002.<br />

FRANK , Anne . O Diário de Anne Frank – Edição Definitiva Rio de Janeiro.São Paulo<br />

,Record , 2007.<br />

KORCZAK , Janusz . Como amar uma criança . Rio de Janeiro, Record.<br />

_________________ Quando eu voltar a ser criança . São Paulo , Summus, 1981<br />

_________________ Diário do gueto . São Paulo , Perspectiva , 1986.<br />

LAZMANN , Claude . Shoah,Vozes e faces do Holocausto . São Paulo, Brasiliense,1987.<br />

LEVI, Primo . É isto um homem ? Rio de Janeiro, Rocco , 1988.<br />

__________ . Os afogados e os sobreviventes . Rio de Janeiro , Paz e Terra , 1990.<br />

POLIAKOV, Léon . De Cristo aos judeus da corte . São Paulo,Perspectiva, 1985.<br />

_______________ A Europa suicida . São Paulo , Perspectiva , 1985.<br />

SORLIN , Pierre . O Anti-Semitismo Alemão . São Paulo , Perspectiva, 1974 .<br />

WIESEL , Elie .Canto de uma geração perdida. Holocausto . Rio de<br />

Janeiro,Documentário,1987<br />

WIESENTHAL , Simon . O caçador de nazistas . Rio de Janeiro ., Bloch,1967 .<br />

LINKS ( Sites Internet)<br />

www.annefrank.org<br />

www.annefrank.com<br />

www.annefrankguide.net<br />

www.yadvashem.org.<br />

Www.fmh.org.ar<br />

www.ushmm.org<br />

www.arqshoah.com.br<br />

VÍDEOS<br />

A Lista de Shindler<br />

Adeus Meninos<br />

Arquitetura da destruição<br />

Filhos da guerra<br />

O Pianista<br />

Primavera para Hitler<br />

Trem da vida<br />

Prisioneiro sem nome , cela sem número<br />

Porque choram os homens<br />

Anjos da guerra<br />

Triunfo do espírito .<br />

119


Classificação das espécies humanas<br />

Das matrizes do racismo ao genocídio<br />

Documentos, conceitos e fontes<br />

Material de apoio para a palestra<br />

Marion Brepohl<br />

Universidade Federal do Paraná<br />

Homem selvagem: quadrúpede, mudo, peludo<br />

a- Americano: cor de cobre; colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espessoi, narinas<br />

largas, semblante rude, barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se por finas tintas<br />

vermelhas e guia-se por costumes.<br />

b- Europeu: claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondulado, olhos<br />

azuis, delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis<br />

c- Asiático: Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros, olhos escuros, severo,<br />

orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestes soltas. Governado por ambições<br />

Africano: Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos, pele acetinada; nariz<br />

achatado, lábios túmidos, engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com gordura.<br />

Governado pelo capricho Eugenia<br />

John Burke. The wild man `s pedigree, 1758.<br />

120


Prof. José Roberto Goldim<br />

Ao longo da história da humanidade, vários povos, tais como os gregos, celtas, fueginos (indígenas<br />

sul-americanos), eliminavam as pessoas deficientes, as mal-formadas ou as muito doentes.<br />

O termo Eugenia foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como:<br />

O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as<br />

qualidades raciais das futuras gerações seja fisica ou mentalmente.<br />

Galton publicou, em 1865, um livro "Hereditary Talent and Genius" onde defende a idéia de que a<br />

inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Parte destas conclusões<br />

ele obteve estudando 177 biografias, muitas de sua própria família.<br />

Galton era parente de Charles Darwin (1809-1882). Erasmus Darwin era avô de ambos, porém com<br />

esposas diferentes, Darwin descendeu da primeira, por parte de pai, e Galton da segunda, por parte<br />

de mãe. Darwin havia publicado "A Origem das Espécies" em 1858.<br />

No seu livro, Galton propunha que "as forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do<br />

progresso, devem ser substituidas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os<br />

conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de<br />

promover o progresso físico e moral no futuro".<br />

O argentino José Ingenieros publicou, em 1900, um texto, posteriormente divulgado como um livro,<br />

denominado "La simulación en la lucha por la vida". Neste texto incluem-se algumas considerações<br />

eugênicas, tais como:<br />

"Por acaso, os homens do futuro, educando seus sentimentos dentro de uma moral que<br />

reflita os verdadeiros interesses da espécie, possam tender até uma medicina superior,<br />

seletiva; o cálculo sereno desvanecería uma falsa educação sentimental, que contribui para a<br />

conservação dos degenerados, com sérios prejuízos para a espécie".<br />

Em 1908, foi fundada a "Eugenics Society" em Londres, primeira organização a defender estas<br />

idéias de forma organizada e ostensiva. Um de seus líderes era Leonard Darwin (1850-1943), oitavo<br />

dos dez filhos de Charles Darwin. Ele era militar e engenheiro. Em vários países europeus<br />

(Alemanha, França, Dinamarca, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suiça e União<br />

Soviética, dentre outros) e americanos (Estados Unidos, Brasil, Argentina, Perú) proliferaram<br />

sociedades semelhantes.<br />

Segundo Oliveira, a Sociedade Paulista de Eugenia, foi a primeira do Brasil, tendo sido fundada em<br />

1918.<br />

Na edição de 1920, Ingenieros ressaltou, em nota de rodapé, que as suas opiniões haviam sido<br />

confirmadas pela rápida difusão das idéias eugenistas em diferentes partes do mundo.<br />

121


O 1o. Congresso Brasileiro de Eugenismo foi realizado no Rio de Janeiro, em 1929. Um dos temas<br />

abordado era "O Problema Eugênico da Migração". O Boletim de Eugenismo propunha a exclusão<br />

de todas as imigrações não-brancas. Em março de 1931 foi criada a Comissão Central de<br />

Eugenismo, sendo o seu presidente Renato Kehl e o Prof. Belisário Pena um dos membros da<br />

diretoria. Os objetivos desta Comissão eram os seguintes:<br />

1. manter o interesse do estudo de questões eugenistas no país;<br />

2. difundir o ideal de regeneração física, psíquica e moral do homem;<br />

3. prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam<br />

dignas de consideração.<br />

Em vários países foram propostas políticas de "higiene ou profilaxia social", com o intuito de<br />

impedir a procriação de pessoas portadoras de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de<br />

eliminar os portadores de problemas físicos ou mentais incapacitantes.<br />

Jiménez de Asúa defendeu a idéia de que as políticas alemã, italiana e espanhola nesta área não<br />

eram eugenistas, mas sim "racismo" oriundo do nacional-socialismo alemão. Vale lembrar que as<br />

idéias alemãs se originaram do trabalho do Conde de Gobineau - "Ensaio sobre a desigualdade das<br />

raças humanas" - publicado em 1854. Antes, portanto, das idéias darwinistas terem sido divulgadas<br />

e do termo Eugenia ter sido criado. O Conde de Gobineau esteve no Brasil, onde coletou dados.<br />

Neste ensaio foi feita a proposta da superioridade da "raça ariana", posteriormente levada a extremo<br />

pelos teóricos do nazismo Günther e Rosenberg nos anos de 1920 a 1937. Outro autor alemão,<br />

Gauch, afirmava que havia menos diferenças anatômicas e histológicas entre o homem e os animais,<br />

do que as verificadas entre um nórdico (ariano) e as demais "raças". Isto acabou sendo objeto de<br />

legislação em 1935, através das " Leis de Nuremberg", que proibiam o casamento e o contato sexual<br />

de alemães com judeus, o casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou<br />

hereditárias. Para casar era preciso obter um certificado de saúde. Em 1933 já haviam sido<br />

publicadas as leis que propunham a esterilização de pessoas com problemas hereditários e a<br />

castração dos delinquentes sexuais.<br />

Jiménez de Asúa propunha que a Eugenia deveria se ocupar de três grandes grupos de problemas: a<br />

obtenção de uma descendência saudável (profilaxia), a consecução de matrimônios eugênicos<br />

(realização) e a paternidade e maternidade consciente (perfeição).<br />

A profilaxia seria obtida através de ações tais como: combate às doenças venéreas,<br />

prostituição e pela caracterização do delito de contágio venéreo.<br />

A realização ocorreria através da casais eugênicos e do reconhecimento médico prématrimonial.<br />

A perfeição proporia meios para que fosse possível a limitação da natalidade, os meios<br />

anticoncepcionais, a esterilização, o aborto e a eutanásia.<br />

122


Princípios defendidos pela Liga Pangermânica em 1890:<br />

1. Propugnar por uma lei que dê conta de organizar a marinha de guerra<br />

2. Colocação de um cabo de Tsing-tao a Porto Artur.<br />

3. Fortalecimento da presença alemã em Tsing-tao<br />

4. Posto de abastecimento de carvão e estações de cabos no Mar Vermelho,<br />

nas Índias Ocidentais e ao longo de Singapura<br />

5. Posse da Samoa<br />

6. Subsídios para o estabelecimento de rotas marítimas para Tsing-tao e<br />

Coréia<br />

7. Estabelecer negociações com a França, Espanha, Portugal e Países Baixos<br />

sobre a colocação de um cabo independente do Congo até a África Oriental Alemã,<br />

Madagascar, Batavia e Tonkim para Tsing-tao.<br />

8. Desenvolvimento do porto Swakopmund na África de Sudoeste alemã.<br />

9. Concessão para negócios e implantação de indústrias na Ásia Menor<br />

10. Levantamento de fundos para a construção de escolas alemãs em países<br />

estrangeiros.<br />

11. Dotação de100 milhões de marcos para a Comissão de Colonização<br />

12. Transferência para o ocidente de todos oficiais e militares locais de origem<br />

polonesa.<br />

13. Garantia de aumento dos soldos para oficiais alemães na parte polonesa da<br />

Província do leste.<br />

14. Extensão e propriedades imperiais na Alsácia-Lorena e na fronteira<br />

dinamarquesa com a Silésia<br />

15. Garantir emprego exclusivamente a trabalhadores alemães em todos os<br />

domínios alemães<br />

16. Proibição de imigração de inaptos no Império Alemão<br />

17. Requisitar que todos os alemães residentes em países estrangeiros adotem<br />

sua cidadania alemã<br />

18. Taxação de firmas de língua estrangeira<br />

19. Proibição de uso de línguas estrangeiras em clubes e encontros<br />

20. Germanização de todos os espaços do Império Alemão<br />

21. Estabelecimento de um consulado geral na região alemã da Boêmia<br />

22. Aumento numérico de cônsules comerciais no Levante, no Oriente, na<br />

África do Sul, América Central e América do Sul.<br />

23. Aumento de livrarias nas províncias orientais, na Silésia e na Alsacia<br />

Lorena<br />

24. Fundos no tesouro do Departamento Colonial para que as escolas possam<br />

subsidiar a educação de filhos dos alemães residentes no exterior em escolas na Alemanha<br />

25. Germanização de palavras estrangeiras no idioma oficial, como por<br />

exemplo, de Kommandant para Befehlshaber 72<br />

Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o<br />

imperialismo. Uberlândia: EDUFU, 2010.<br />

72 SNYDER, Louis. Macro-nationalism : a history of the pan-movements. Connecticut, Grewnwood Press,<br />

1984. p.47-48<br />

123


Ilustrações alusivas à presença de membros da Liga Pangermânica na África<br />

O cacique escolhe um marido europeu para sua filha<br />

Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o imperialismo. Uberlândia:<br />

EDUFU, 2010.<br />

Legenda : Saudações de Kiao – Tschau<br />

Fonte: Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o imperialismo.<br />

Uberlândia: EDUFU, 2010.<br />

124


Cartão postal, cuja legenda, em tradução livre, é a seguinte: Um caixão com crânios de<br />

herreros foi recentemente lacrado e enviado ao Instituto Patológico de Berlim, onde devem<br />

ser utilizados para mensurações científicas. As mulheres herreros removeram a carne, a<br />

pele e o cabelo destes crânios utilizando cacos de vidros. Os crânios são de herreros<br />

mortos em ação ou presos.<br />

Fonte: www.ezakwantu.com/ gallery/herrero<br />

Pesquisa realizada em 15 de outubro de 2009<br />

O papel do mais forte é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco,<br />

sacrificando assim a grandeza própria. ... Esse instinto que vigora em toda a<br />

natureza, essa tendência à purificação racial, tem por conseqüência, não só<br />

levantar uma barreira poderosa entre cada raça e o mundo exterior, como<br />

também uniformizar as disposições naturais. A raposa é sempre raposa, o<br />

ganso, o ganso, o tigre, o tigre, etc. ... A América do Norte, cuja população,<br />

decididamente, na sua maior parte, se compõe de elementos germânicos, que só<br />

muito pouco se misturaram com povos inferiores e de cor, apresenta outra<br />

humanidade e cultura do que a América Central e do Sul, onde os imigrantes,<br />

quase todos latinos, se fundiram em grande número, com os habitantes<br />

indígenas. Bastaria esse exemplo para fazer conhecer clara e distintamente, o<br />

efeito da fusão de raças. O germano do continente americano elevou-se até a<br />

dominação deste, por se ter conservado mais puro e sem mistura; ali<br />

continuará a imperar, enquanto não se deixa vitimar pelo pecado da mistura de<br />

sangue.<br />

Trecho do livro , Minha Luta<br />

Adolf Hitler<br />

125


Estigmas/ marcas utilizadas nos campos de concentração; com respeito aos judeus, estes<br />

eram obrigados a portar a estrela de Davi mesmo quando ainda não prisioneiros nos campos<br />

Cores básicas:<br />

Amarelo: Judeu<br />

<br />

Verde: Criminosos<br />

<br />

Azul: emigrantes<br />

<br />

Preto: assocais,<br />

ciganos e feministas<br />

<br />

Roxos:<br />

testemunhade Jeová<br />

<br />

Vermelho: Presos<br />

políticos<br />

Triângulo com um<br />

traço em cima: reincidentes<br />

Triângulo com um pequeno<br />

círculo em baixo:<br />

corrigíveis<br />

Duas estrelas: jedeus e<br />

variáveis de nacionalidade,<br />

orientação política, de<br />

gênero ou julgados<br />

criminosos<br />

126

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