SUMÁRIO: - Arqshoah
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<strong>SUMÁRIO</strong>:<br />
Nazismo e Antissemitismo, teorias e práticas da exclusão 02<br />
Profª. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro<br />
As Leis de Nuremberg: a Institucionalização da exclusão e das minorias 17<br />
Dr. Túlio Chaves Novaes<br />
Geografia da exclusão e da intolerância: dos Guetos aos Campos de Extermínio 30<br />
Profª. Silvia Lerner<br />
A Música como forma de resistência: canções do gueto 50<br />
Prof. Samuel Belk<br />
Mesa Coordenada: Narrativas sobre o Holocausto 69<br />
Profª Drª. Rachel Mizrahi<br />
Testemunhos de Sobreviventes<br />
Nanette König 74<br />
Arie Yaari 77<br />
Jorge Amado e os sons da Polônia: Considerações sobre o poema<br />
“A canção da judia de Varsóvia” 79<br />
Profª. Drª. Kenia Maria de Almeida Pereira<br />
O Holocausto na literatura brasileira: uma anatomia da memória 85<br />
Profª. Drª. Berta Waldmann<br />
TEXTOS COMPLEMENTARES:<br />
Ensinando o Holocausto através do Diário de Anne Frank 102<br />
Marili Berg<br />
Das matrizes do racismo ao genocídio 120<br />
Profª. Drª. Marion Brephol<br />
1
1. Da reflexão à ação<br />
NAZISMO E ANTISSEMITISMO<br />
TEORIAS E PRÁTICAS DA EXCLUSÃO<br />
Maria Luiza Tucci Carneiro 1<br />
A julgar pelo número de pessoas que hoje negam o Holocausto ou que usam<br />
erroneamente o conceito de genocídio aplicando-o de forma deturpada à casos que não<br />
condizem com a realidade histórica, podemos afirmar que o antissemitismo e o<br />
negacionismo encontram-se na ordem do dia. Apesar dos movimentos sociais<br />
comprometidos com a luta contra a negação do Holocausto 2 e o combate a intolerância,<br />
multiplicam-se pelo mundo -- incluindo aqui o Brasil -- os grupos neonazistas, os sites de<br />
exaltação ao nazismo, os atos de xenofobia e intolerância religiosa, racial ou étnica.<br />
As cartas abertas aos leitores para comentários junto aos grandes jornais brasileiros<br />
(impressos ou nos seus formatos virtuais) devem ser interpretadas como um termômetro<br />
expressivo do grau de ignorância e da força dos mitos que continuam a instigar o ódio e a<br />
violência contra as minorias. Valendo-se de uma linguagem reducionista, estes “leitores”<br />
defendem os feitos de criminosos nazistas minimizando a barbárie cometida em nome de<br />
uma ideologia. Ignoram, sem escrúpulos, ao plano de extermínio arquitetado pelo Terceiro<br />
Reich que, entre 1933-1945, culminou com a morte de 6 milhões de judeus e outros tantos<br />
milhares de ciganos e dissidentes políticos.<br />
O racismo teórico pregado por Hitler em Mein Kampf, infelizmente sobrevive<br />
movido por impulsos irracionais e/ou acobertado por interesses políticos. Não devemos ser<br />
coniventes com a idéia de que, pelo fato de vivermos em uma democracia, temos “o direito<br />
ao erro” ainda que cada um “tenha o direito de viver segundo suas convicções”, retomando<br />
aqui o pensamento de Paulo Ricceur sobre a intolerância. 3<br />
Liberdade de expressão não deve ser confundida com a cultura da indiferença ou<br />
com o silêncio proposital da História. E, com relação ao Holocausto, vivemos momentos<br />
1 Historiadora, Professora Doutora e Livre Doente do Departamento de História (FFLCH/USP),<br />
coordenadora do LEER- Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, onde<br />
desenvolve o projeto <strong>Arqshoah</strong>- Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo. Autora dos livros: O<br />
Antissemitismo na Era Vargas (3ed. Perspectiva); O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Antissemitismo<br />
no Brasil (Perspectiva); Holocausto, Crime contra a Humanidade (Ática), dentre outros.<br />
2 Na primeira semana de agosto de 2010 foi firmado em Israel um compromisso de 87 países para lutar contra<br />
a negação do Holocausto e do antissemitismo no mundo. Uniram-se duas grandes entidades: a “Força de<br />
tarefas Internacional para a Memória do Holocausto (ITF) e o Bureau de Instituições Democráticas e Direitos<br />
Humanos (ODIHR), segmento executivo da Organização para a Segurança e Colaboração Mutua na Europa.<br />
A ITF, que conta com 27 países membros, promove a memória do Holocausto através da educação,<br />
investigação e monumentos recordatórios, enquanto que a ODIHR, da qual são membros 57 países, ocupa-se<br />
de programas educativos e monitoração de manifestações de xenofobia e, em especial, de antissemitismo.<br />
3 RICCEUR, Paul, “Etapa atual do pensamento sobre a intolerância”, em A Intolerância. Direção de Françoise<br />
Barret- Ducrocq. Foro Internacional sobre a Intolerância. Unesco, 27 de março de 1997. Rio de Janeiro,<br />
Bertrand Brasil, 2000, p. 21.<br />
2
críticos da idéia de verdade histórica esfoliada por discursos negacionistas sustentados por<br />
intelectuais e ativistas comprometidos com a reedição da demagogia totalitária. 4 Muitos,<br />
aproveitam-se da vulnerabilidade sócio cultural dos cidadãos -- que nem sempre têm<br />
conhecimento do nosso passado histórico – para impor versões maniqueístas, deturpadas<br />
por matrizes ideológicas comprometidas com avaliações simplistas. Enfim, as velhas<br />
intolerâncias, como muito bem ressaltou Elie Wiesel, “ainda estão presentes, como se sabe:<br />
as xenofobias, o medo ao estrangeiro, o ódio ao que não é como nós, o ódio racial,<br />
religioso, cultural, a exclusão. O ódio tem muitos nomes, mas nunca muda”. 5<br />
Aqueles que endossam o revisionismo histórico que nega o Holocausto, assim como<br />
outros genocídios e massacres -- relembro aqui o genocídio armênio e o massacre de<br />
Ruanda - além de estarem endossando os crimes cometidos pelo Estado contra os cidadãos,<br />
estão também reforçando o ódio e as práticas de aniquilamento de um povo ou grupo. Na<br />
qualidade de educadores e profissionais identificados como “formadores de opinião”<br />
devemos ter em mente que certos valores são inegociáveis: negar o Holocausto é crime,<br />
assim como é crime admitir a apologia da crueldade e o ódio ao Outro. Para combater a<br />
intolerância precisamos ampliar os círculos de responsabilidades pois cabe ao público e o<br />
privado gerar políticas comprometidas com o respeito aos Direitos Humanos. É com este<br />
objetivo – de incentivar o estabelecimento definitivo de sistemas educacionais que ensinem<br />
a não odiar – que proponho o ensino da História e a preservação da memória do Holocausto<br />
sob uma visão multidisciplinar. As universidades, assim como as escolas de ensino médio e<br />
fundamental, devem incentivar pesquisas e debates sobre este tema que extrapola os<br />
estudos sobre a Segunda Guerra Mundial.<br />
A realidade tem demonstrado que para combater a intolerância precisamos ampliar<br />
os círculos de responsabilidades para além do Estado. Não podemos nos esquecer que “há<br />
uma moral universal do gênero humano e que essa moral deve ser ativamente defendida”, 6<br />
independente de qualquer religião, etnia ou grupo político. E esta moral -- que implica num<br />
conjunto de leis universais que são os direitos do homem – deve integrar o contrato<br />
democrático ou seja, o contrato dos cidadãos comprometidos com o respeito ao Outro.<br />
Enfim, não podemos jamais perder a capacidade de nos indignarmos diante do ódio e dos<br />
sofrimentos que o homem inflige ao homem. Mas como passar da reflexão à ação ?<br />
Ensinando, educando para a democracia e a cidadania, pois o tolerância assim como o<br />
racismo não nascem com o homem: são uma conquista para o bem ou para o mal.<br />
2. Temas transversais: nazismo, antissemitismo e Direitos Humanos<br />
Os estudos sistemáticos sobre genocídio, nazismo e antissemitismo nos oferecem<br />
amplas oportunidades para refletirmos sobre o caráter inato da intolerância. Daí a história<br />
do Holocausto, enquanto genocídio singular na História da Humanidade, ser um tema<br />
instigante para avaliarmos os limites da barbárie. Se avaliado sob múltiplos aspectos, o<br />
Holocausto pode alertar sobre as consequências catastróficas dos regimes totalitários e<br />
4 Importante a leitura de VIDAL- NAQUET, Pierre. Os Assassinos da Memória: „Um Eichmann de papel” e<br />
outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas, Papirus, 1988; FERRO, Marc. Os Tabus da História. A face<br />
oculta dos acontecimentos que mudaram o mundo. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.<br />
5 WISSEL, Elie, “Debate entre Elie Wisel, Yehudi Menuhin e Jorge Semprun, conduzida pelo jornalista<br />
Guilhaume Durant”, em A Intolerância, op. cit., p. 209.<br />
6 Retomo aqui as conclusões de Philippe Douste-Blazy, no cap. 3 “A ação dos políticos”, em A Intolerância,<br />
p. 235.<br />
3
autoritários, assim como o perigo das idéias racistas. Tanto o debate sobre nazismo como o<br />
Holocausto passam, necessariamente, pela compreensão dos Direitos Humanos,<br />
possibilitando-nos refletir sobre a responsabilidade do Estado pela preservação da vida do<br />
cidadão. Através de uma análise crítica das teorias e práticas da exclusão implementadas<br />
pelo Terceiro Reich a partir de 1933 ( e que culminaram com o extermínio de milhões de<br />
judeus e não judeus) podemos desenvolver atitudes que favoreçam a convivência<br />
democrática e a construção da cidadania. 7<br />
Com este intuito elaboramos os programas das jornadas interdisciplinares sobre o<br />
ensino da história do Holocausto realizadas, nestes últimos anos, em São Paulo, Rio de<br />
Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Para este ano de 2010, por parte de da coordenação de São<br />
Paulo, optamos por trabalhar os temas da repressão e da resistência, referências importantes<br />
para a reconstrução de um passado que nem todos querem lembrar. Imagens de morte em<br />
massa, fome e degradação humana em todos os níveis se prestam para avaliarmos as<br />
consequências do nazismo para humanidade. Por outro lado, os atos de salvamento, as<br />
ações de solidariedade, a luta pela preservação do judaísmo e da cultura judaica, são<br />
exemplos expressivos de resistência enquanto forma de luta para preservar a dignidade<br />
humana.<br />
Múltiplas são as possibilidades pedagógicas pois através do história do nazismo e<br />
do Holocausto. Através do estudo dos fatos e do debate sobre o uso dos conhecimentos<br />
científicos e do abuso de poder, o papel dos líderes e dos intelectuais nos regimes<br />
totalitário e democrático, a professor poderá orientar o jovem aluno a posicionar-se de<br />
forma crítica, responsável e construtiva em diferentes situações sociais. Aliás, este é um dos<br />
objetivos da escola, seguindo as propostas dos Parâmetros Curriculares: “formar cidadãos<br />
capazes de atuar com competência e dignidade na sociedade atual; eleger, como objeto de<br />
ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada<br />
momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são consideradas essenciais para que<br />
os alunos possam exercer seus direitos e deveres”.<br />
Cabe ao professor criar situações que deixem os alunos intrigados incentivando-os a<br />
fazer pesquisas, indagar, valorizando o resgate da memória histórica e o debate de idéias.<br />
O desafio da escola está em reconhecer a diversidade etnocultural procurando superar<br />
qualquer tipo de discriminação. Dependendo do conteúdo selecionado por cada disciplina,<br />
o professor poderá orientar o aluno a fazer entrevistas com sobreviventes do Holocausto,<br />
pesquisar documentos e fotografias, selecionar matérias de jornais noticiando os fatos e, até<br />
mesmo, incentivá-lo a produzir um texto ou uma exposição iconográfica, produtos a serem<br />
apresentados em um seminário.<br />
O essencial é que os educadores tenham consciência da importância desses conteúdos<br />
garantindo-lhes um tratamento apropriado. A escola e a sociedade devem ser vistas como<br />
espaços vivos onde a cidadania pode ser exercida e aprendida. A própria realidade em que<br />
vivemos pode se prestar como ponto de partida para a abertura do debate: as paisagens<br />
7 Sobre este tema ver GILBERT, Martin. Holocausto. História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra<br />
Mundial. Tradução Samuel Feldberg e Nancy Rosenchan. São Paulo, Hucitec, 2010; CARNEIRO, Maria<br />
Luiza Tucci. Holocausto, Crime contra a Humanidade. São Paulo, Ática, 2007; BANKIER, David. El<br />
Holocausto. Jerusalém, Editorial Magnes; Universidad Hebrea; Yad Vashem, 1986; SELIGMANN-SILVA,<br />
Márcio. 2005. O local da diferença. Ensaios sobre Memória, Arte, Literatura e Tradução, S.Paulo, Editora<br />
34, 2005, pp. 63-80; SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). 2003. História, Memória, Literatura. O<br />
Testemunho na Era das Catástrofes, Campinas, Editora da UNICAMP, 2003.<br />
4
urbanas (com grafites e pichações preconceituosas), os grupos de jovens (punks, darks,<br />
heavy metals, rappers, funkeiros), as comunidades religiosas (judaica, católica,<br />
Testemunhas de Jeová, muçulmana e pequenas seitas), os grupos raciais distintos (negros,<br />
indígenas, brancos, amarelos), etc.<br />
A elaboração de um projeto pedagógico multidisciplinar poderá envolver várias<br />
disciplinas de um programa escolar, com ênfase nos temas transversais e suas<br />
possibilidades de reflexões para um mundo mais tolerante. A seguir apresentamos algumas<br />
possibilidades de cruzamentos temáticos que poderão integrar um projeto temático sobre o<br />
Holocausto, enquanto crime contra a Humanidade 8 , envolvendo um conjunto de<br />
disciplinas:<br />
-História Contemporânea: que certamente colocará em discussão fatos sobre a<br />
República de Weimar, Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes, o Nazismo e<br />
Segunda Guerra Mundial, direitos humanos, imigração, matrizes ideológicas,<br />
compromissos e atitudes dos cidadãos, grupos e povos na construção e na reconstrução das<br />
sociedades, o conceito de Estado Totalitário e Democrático, o papel dos líderes na História,<br />
o antissemitismo como um fenômeno político, a Partilha da Palestina, a formação do<br />
Estado de Israel e os atuais conflitos no Oriente Médio.<br />
História Medieval e Moderna: A Inquisição Ibérica e a perseguição aos cristãos-novos;<br />
símbolos e indumentária usada para discriminar os judeus e cristãos-novos; os autos-de-fé<br />
enquanto formas de “purificação” da sociedade Ibérica; legislação discriminatória contra os<br />
judeus na Espanha e Portugal, estratégias de exclusão dos judeus obrigados a residir em<br />
guetos; o mito ariano sacramentado através dos estatutos de pureza de sangue.<br />
-Língua Portuguesa: o poder de persuasão da palavra escrita e oral (discursos<br />
antissemitas); literatura sobre o Holocausto, os livros e discursos antissemitas, diários de<br />
memórias, crítica do discurso antissemita analisando os valores e personagens; o papel dos<br />
livros de infantis entre as crianças alemãs com suas histórias sobre os judeus e os arianos<br />
(ver livros de Karl May, autor popular na Alemanha nazista); as leituras de Adolf Hitler<br />
(livros infantis, as várias edições dos Os Protocolos dos Sábios de Sião, obras antissemitas<br />
do compositor Richard Wagner, de Arthur de Gobineau, e outros teóricos racistas do século<br />
XIX.<br />
- Língua Estrangeira (alemão): estudo das expressões totalitárias (Heil Hitler !) e<br />
antissemitas (judenrein = limpa de judeus).<br />
-Ciência Naturais/Biologia: ciência médica a serviço do nazismo, conceito de raça e<br />
minorias nacionais, o papel social dos médicos e cientistas (os chamados “guerreiros<br />
biológicos”), os programas de eutanásia, o conceito de “sujeira biológica” e de “limpeza<br />
racial”; Albert Einstein contra o nazismo, a moderna tecnologia a serviço da prática do<br />
extermínio.<br />
8 Estas propostas foram por mim abordadas nos livros de minha autoria: Holocausto Crime contra a<br />
Humanidade. São Paulo, Ática, 2000; O Veneno da Serpente. Reflexões sobre o Antissemitismo no Brasil. São<br />
Paulo, Perspectiva, 2003.<br />
5
-Geografia Física, Urbana e Humana: conceito de espaço vital, militarismo e<br />
delimitação de fronteiras, cartografia da Europa antes da ascensão de Hitler, durante e no<br />
após-guerra, índices populacionais, mapeamento dos guetos, campos de concentração e<br />
pontos de massacre, a imigração forçada dos judeus/apátridas que, a partir de 1933, alterou<br />
o mapa populacional da Europa e de vários países das Américas, as trilhas do avanço<br />
nazista (para o Leste) e as rotas de fuga dos refugiados judeus (Oeste), o conceito de países<br />
satélites na época da Segunda Guerra Mundial (Eslováquia, Hungria, Romênia, etc).<br />
-Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie nos campos de<br />
concentração/extermínio. A manipulação dos números e dos dados estatísticos pelas<br />
autoridades do III Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra os judeus,<br />
ciganos, comunistas, etc.<br />
-Geometria: o poder simbólico das formas (suástica, estrela de David, triângulo, cone,<br />
círculo) e das cores (identificação das minorias: homossexuais, judeus, testemunhas de<br />
Jeová, ciganos, etc).<br />
-Matemática: estatísticas populacionais e da barbárie nos campos de<br />
concentração/extermínio. A manipulação dos números e dos dados estatísticos pelas<br />
autoridades do III Reich com o objetivo de sensibilizar a opinião pública contra os judeus,<br />
ciganos, comunistas, etc.<br />
-Estética: o nazismo como uma empreitada para “embelezar”o mundo, livrando-se de tudo<br />
que era considerado “impuro”, “imperfeito”, “repugnante”; os diferentes caminhos da<br />
estética; os padrões de beleza física adotados pelo III Reich (o culto ao classicismo, o<br />
papel de Speer (o arquiteto oficial do Reich) que projetou a “nova Berlim” segundo o estilo<br />
idealizado pelo regime (o neoclassicismo monumental).<br />
- Os meios de comunicação e a propaganda política: o poder da máquina de<br />
propaganda do III Reich na formação de uma mentalidade racista; a mensagem dos<br />
posteres políticos e antissemitas; os jornais antissemitas enquanto formadores de opinião; o<br />
papel do rádio na transmissão de valores, a força dos gestos (saudações, gritos e<br />
aclamações) e símbolos enquanto expressão da mística nazista.<br />
- Cinema: o cinema enquanto veículo da ideologia nazista e registro da memória, a realidade<br />
forjada e filmada no campo de concentração de Terezin, composição plástica das cenas ( a<br />
linguagem cinematográfica), o emprego de signos (efeitos ideológicos). Nesta categoria se<br />
encaixam os documentários: O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935) e os filmes<br />
Vitória da Fé (Sieg des Glaubens, 1933), Dia da Liberdade: Nosso Exército (Tag der<br />
Freiheit: Unsere Wehrmacht, 1935) e Olympia (1938), produzidos pela cineasta Leni<br />
Riefenstahl.<br />
-Fotografia: a fotografia enquanto veículo de propagação do ideário nazista; o III Reich<br />
fotografado por Heinrich Hoffmann (o fotógrafo oficial de Adolfo Hitler e membro da<br />
Comissão de Exploração da Arte Degenerada) ou as fotografias do “gueto” de Varsóvia<br />
enviadas pelo diplomara brasileiro Jorge Latour para o Itamaraty, em 1936. Importante<br />
discutir o uso que as fotografias podem ter se empregadas na construção da imagem do<br />
grande salvador (no caso Hitler) ou para identificar o inimigo- objetivo, no caso os judeus<br />
6
classificados como “raça inferior” pelo Estado nazista, conceito endossado pelo governo<br />
brasileiro conforme documentação diplomática sob a guarda do Arquivo Histórico do<br />
Itamaraty (consultar o site www.aqrshoah.com.br).<br />
- Artes Plásticas: o papel da arte enquanto instrumento de protesto e de crítica social, o<br />
conceito de arte/raça pura e degenerada ; os “artistas frustrados do III Reich, como Joseph<br />
Goebbels e Adolf Hitler; escultura e símbolos nazistas (águia, caveira), as caricaturas<br />
antissemitas. No caso dos artistas judeus considerados pelo regime nazista como<br />
“produtores de arte degenerada” pode-se analisar o caso do pintor Lasar Segall, radicado no<br />
Brasil, que teve várias de suas obras confiscadas pelos nazistas. Uma visita ao Museu Lasar<br />
Segall, em São Paulo, é uma oportunidade impar para o conhecimento da produção artística<br />
desse pintor que, entre 1937 e 1946, retratou a guerra, a morte nos campos de concentração,<br />
os pogrons, os refugiados e os sobreviventes dos campos de concentração. Este conjunto de<br />
imagens pode ser também consultado no livro Judeus e Judaísmo na Obra de Lasar<br />
Segall. 9<br />
- Arquitetura: analisar a projeção do ideário do Estado alemão através da estética nazista,<br />
da arte e da arquitetura. Em alguns casos é possível interpretar o nazismo enquanto<br />
“empreitada para embelezar o mundo” ou a arquitetura à serviço do totalitarismo, da<br />
exclusão e das minorias éticas consideradas como „indesejadas”. Importante analisar o<br />
espaço e a construção dos campos de concentração, dos guetos e as condições deterioração<br />
da vida humana marcadas pela proliferação da fome, das doenças, da desintegração do “eu‟<br />
e da morte planejada pelo Estado nazista.<br />
- Música: o jazz segundo o nazismo (enquanto música degenerada), os músicos judeus do<br />
campo de Terezin e os pequenos violinistas do gueto de Varsóvia, a música de Richard<br />
Wagner à serviço do Terceiro Reich.<br />
3. Sugestões de questões a serem formuladas para o aluno (com sugestões de<br />
respostas)<br />
Seguem aqui algumas sugestões de perguntas/respostas” ao professor que poderá<br />
ampliá-las discutindo junto aos seus alunos filmes, apresentando imagens através de<br />
equipamentos de multimídia ou analisando textos de época em classe. Antes dos alunos<br />
responderem o questionário, o professor poderá traçar comentários sugerindo novos<br />
conhecimentos e reflexões possíveis. As respostas poderão ser ampliadas tendo como base<br />
as informações e análises aqui sugeridas:<br />
1.Você considera importante o ensino do tema do Holocausto em sala de aula?<br />
Justifique.<br />
Esta questão poderá ser respondida a partir de um debate em classe durante o qual os alunos<br />
devem ser incentivados a dar sua opinião pessoal. O diálogo pode ser antecedido pela<br />
apresentação do filme A Outra História Americana que explora a história de um jovem<br />
neonazista nos EUA de hoje e proporciona a reflexão sobre o emprego da violência entre<br />
9 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; LAFER, Celso. Judeus e Judaísmo na obra de Lasar Segall. São Paulo,<br />
Ateliê Editorial, 2004.<br />
7
um grupo de skinhead . Será importante o aluno comentar acerca dos seguintes itens: a<br />
conseqüência catastróficas dos regimes totalitários e das teorias racistas, a importância de<br />
estudarmos o passado para evitarmos que crimes como o Holocausto sejam praticados<br />
contra a Humanidade, que avaliando os atos de barbárie praticados pelos nazistas teremos<br />
condições de refletir sobre o papel do Estado que deve preservar a vida do cidadão,<br />
reconhecer o perigo da proliferação das práticas racistas e totalitárias, e desenvolver uma<br />
atitude de solidariedade e capacidade de conviver com as diferenças étnicas, culturais e<br />
políticas.<br />
2.Defina o conceito de Estado Totalitário em oposição ao conceito de Estado<br />
Democrático, tendo por base os termos da atual Constituição do seu país.<br />
Totalitarismo pode ser entendido como um sistema de governo característico do século XX.<br />
Tanto o Nazismo na Alemanha como o Stalinismo na ex-União Soviética são exemplospadrão<br />
para os estudos sobre totalitarismo, apesar das diferenças ideológicas que os<br />
distinguem. O III Reich pode ser considerado como a expressão máxima de um Estado<br />
totalitário. Nos países de regime totalitário, as massas são cooptadas por meio da<br />
propaganda e pelo terror. Neste particular, os discursos de Hitler e dos seus generais são<br />
verdadeiros “modelos de propaganda”. O povo acaba por viver uma verdadeira “guerra<br />
psicológica”, sofrendo ameaças . Filmes contemporâneos de ficção sobre o nazismo têm<br />
conseguido ilustrar o fascínio que o movimento nacional-socialista exerceu sobre os<br />
alemães valendo-se da idéia de espetáculo. Dentre estes filmes cabe lembrar O Tambor, de<br />
Volker Schlondorff e Cabaret, dirigido por Bob Fosse.<br />
Neste caso, o Estado detém o poder absoluto, empregando a violência para assustar<br />
o povo, proibindo toda e qualquer crítica ao regime. Ao poder externo corresponde a ordem<br />
jurídica interna do Estado forte, o Estado policial. Vale-se de uma pseudo-ciência, de falsas<br />
estatísticas e de teorias racistas para impor a sua verdade criando um “mundo fictício” que<br />
compete com o mundo real. Funciona como se fosse uma sociedade secreta mantida por<br />
uma Policia que é o principal braço repressor do Estado. No Estado totalitário pode ser<br />
observada uma dupla autoridade : do Partido e do Estado que convivem e atuam em nome<br />
da Ordem. A hierarquia é rígida obedecendo o grau de militância dos seus membros. O<br />
chefe (no caso , o Führer) é apresentado como infalível, sagrado, um agente de forças<br />
superiores. No seu entorno sobrevive uma “elite paramilitar ” composta de homens<br />
poderosos com qualidades demagógicas e burocráticas organizacionais.<br />
O Estado Totalitário opõe-se ao Estado Democrático cujos fundamentos podem ser<br />
identificados na atual Constituição Brasileira: cidadania, dignidade da pessoa humana,<br />
liberdade de expressão, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político.<br />
O Estado Republicano tem por objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária;<br />
erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais;<br />
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras<br />
formas de discriminação. ((Sobre este conceito, o professor pode consultar a clássica obra<br />
de Hannah Arendt O Sistema Totalitário; de Alcir Lenharo Nazismo, o triunfo da vontade,<br />
citados na bibliografia. Para enriquecer esta questão, o professor pode debater com os<br />
alunos a situação vivenciada pelos negros no Brasil e nos Estados Unidos, países<br />
governados por uma democracia. Solicitar aos alunos que pesquisem o texto original da<br />
atual Constituição Brasileira.<br />
8
3. O que você entende por “relativismo perverso”?<br />
Os adeptos do “relativismo perverso”costumam eximir a responsabilidade do regimes<br />
totalitários da responsabilidade dos crimes contra a Humanidade. É com esta intenção que<br />
os grupos de extrema-direita (como os neonazistas e os revisionistas) procuram banalizar o<br />
sofrimento dos povos calcados em falsas comparações estatísticas e históricas<br />
apresentando grandes dramas humanos (como o Holocausto) como “mero detalhe” ou “um<br />
mal menor”. Através da propagação de livros, panfletos fábulas, histórias em quadrinhos e<br />
revistas especializadas procuram impedir que outros cidadãos tomem consciência da<br />
verdade. Muitas vezes, por motivos políticos, países em conflitos no Oriente Médio e<br />
grupos partidários da extrema-direita na França e Alemanha, tentam minimizar a catástrofe<br />
do Holocausto distorcendo os fatos.<br />
4. Como você situa o Brasil no debate sobre o Holocausto ? É possível afirmar que<br />
“vivemos um eterno relativismo perverso”, em que o autoritarismo, o racismo e o<br />
anti-semitismo são encarados com grande benevolência?<br />
O tema do Holocausto é raramente debatido e estudado nas escolas estaduais e particulares,<br />
com exceção dos centros de ensino gerenciados pela comunidade judaica que procura<br />
manter viva parte desta memória. Podemos afirmar que, somente nesta última década, é que<br />
tais temas -- Holocausto, Nazismo e Racismo -- mereceram espaço especial junto aos livros<br />
didáticos. Autores e professores (não-judeus) sempre se esquivaram deste debate e, muitas<br />
vezes, por falta de orientação. Parte da população brasileira só tomou ciência dos fatos<br />
quando filmes -- como A Lista de Schindler, de Steven Spilberg e A Doce Vida, de Roberto<br />
Begnini, foram premiados com o Oscar em 1994 e 1998. Raras são as pesquisas realizadas<br />
por historiadores brasileiros que tratam da nossa realidade racial e do passado racista do<br />
Brasil. Vale lembrar que, desde o final do século XIX, o governo e intelectuais brasileiros<br />
discriminavam os japoneses, os negros e os mulatos como “raças inferiores”. Durante o<br />
governo de Getúlio Vargas (1930-1945) vigoraram circulares secretas proibindo a entrada<br />
dos judeus e ciganos refugiados do nazismo. Obras anti-semitas, panfletos e propaganda<br />
racista circulam pela Internet (ainda que proibido por lei) propondo a morte de judeus,<br />
negros e homossexuais. No Rio Grande do Sul, a Editora Revisão, de propriedade de S.E.<br />
Castan chegou a publicar várias obras que tratam o Holocausto como a maior mentira do<br />
século. Uma destas obras Holocausto: judeu ou alemão ? esteve entre os livros de nãoficção<br />
mais vendidos em novembro de 1987. (O professor pode ampliar suas leituras<br />
acerca deste tema lendo algumas obras básicas como: Os Assassinos da Memória, de Pierre<br />
Vidal-Naquet; O racismo na História do Brasil: Mito e Realidade; O Anti-semitismo na<br />
Era Vargas, ambos desta autora )<br />
4.Quais seriam as principais diferenças entre as imagens veiculadas sobre os judeus e<br />
os arianos na Alemanha nazista ?<br />
Observação: Antes do aluno responder esta questão, o professor deve orientá-lo na<br />
observação dos cartazes e postais antissemitas que documentam este livro sobre<br />
Holocausto. Avaliar os personagens, cores e símbolos adotados pelo serviço de propaganda<br />
do Reich, dirigido por Goebbels.<br />
Os posters, os álbuns de figurinhas, as fotografias impressas e os cartões –postais<br />
nazistas devem ser avaliados como representações visuais capazes de condensar uma<br />
síntese das principais idéias defendidas pelo regime. Valendo-se de elementos retirados da<br />
realidade, estes artefatos visuais se prestavam para influenciar a opinião pública<br />
9
colaborando para a sustentação de uma “estética nazista”. Através das imagens<br />
reproduzidas por sofisticadas técnicas, podemos identificar aqueles que foram “eleitos”pelo<br />
regime nazista para representar o belo, o puro, a perfeição (o ariano) em contraposição com<br />
o feio, o perigoso, o degenerado (o judeu, o cigano). Nestes materiais de propaganda, os<br />
judeus são representados através de “traços negativos” que expressam a ideia de<br />
malignidade que lhes era atribuída pelo regime. Algumas expressões fisionômicas se<br />
repetem com o objetivo de produzir no “leitor” um sentimento de aversão e ódio. Nestas<br />
imagens os judeus têm o nariz adunco, olhos de ave de rapina, são gordos e barrigudos<br />
representando a figura do capitalista, explorador, ávido de lucros. Sua imagem vem sempre<br />
ligada ao dinheiro, ao lucro fácil, lembrando a figura de Judas que segura as moedas que<br />
recebeu pela traição de Cristo. Em outras situações, sua figura é animalizada tomando a<br />
forma de vampiros, vermes e serpentes viscosas, pois um dos objetivos dos antissemitas é<br />
de identificá-los com seres inumanos, animais perigosos, repelentes. Tais imagens se<br />
prestavam para justificar a prática da eutanásia e do extermínio.<br />
Os arianos, por sua vez, assumem o perfil de cidadãos “iluminados” envolvidos por signos<br />
nazistas. São jovens ingênuos, saudáveis, dignos de respeito e confiança. Os homens<br />
igualam-se aos heróis, expressando altivez, coragem e bravura. As figuras das mulheres<br />
arianas (consideradas como as guardiãs da raça ariana) são perfeitas, louras de olhos azuis,<br />
físico proporcional. Confinada ao lar é apresentada como a fiel companheira do homem,<br />
limitada à condição de “reprodutora de novos arianos” . Esteticamente irradiam beleza,<br />
saúde, alegria e felicidade. Podemos lembrar aqui, algumas cenas do filme O Triunfo da<br />
Vontade e Olympia, de Leni Riefenstal, onde a comunhão entre o povo (ariano) e o Führer<br />
são divinos.<br />
6. Podemos afirmar que havia uma tipologia para os campos ? Você vê diferença entre<br />
campos de concentração e campos de extermínio?<br />
É impossível estudarmos o Holocausto enquanto fenômeno político, se não avaliarmos o<br />
papel da propaganda, a Polícia enquanto agente do terror , os guetos e os campos como<br />
“espaços da exclusão e da morte premeditada”. Nada disto era fortuito. Grande parte dos<br />
conhecimentos que temos do funcionamento deste aparato foram extraídos dos processos<br />
do julgamento de Nuremberg, do processo de Eichmann (julgado em Israel em 1961) e de<br />
pesquisas acadêmicas que, nestas últimas décadas, vasculharam os arquivos secretos do<br />
extinto Reich. A ideologia eliminacionista do Reich e as necessidades econômicas<br />
decorrentes de uma situação de guerra, exigiram a diversificação dos campos de<br />
prisioneiros: campos de trabalhos forçados, , campos de concentração e campos de<br />
extermínio. Além destes existiam outros campos com especificidades próprias: campos de<br />
trânsito, campos para prisioneiros de guerra, campos para prisioneiros civis, campos para<br />
poloneses, campos penais. Em 28 de fevereiro de 1933, a lei para a proteção do povo e do<br />
Estado, possibilitou a abertura dos primeiros campos de concentração que tinham como<br />
principal objetivo „eliminar os inimigos internos do regime, fossem “reais ou imaginários”.<br />
A instalação dos “campos da morte” inauguraram uma nova fase da metódica<br />
eliminação dos judeus na Europa, acompanhada pelo avanço das tropas alemãs em direção<br />
ao Leste europeu. A instalação destes campos acompanha as diferentes fases de<br />
perseguição aos “inimigos do regime” (judeus, comunistas, ciganos, homossexuais,<br />
Testemunhas de Jeová, doentes mentais e físicos). Assim temos:<br />
10
Etapas da<br />
Perseguição<br />
1ª etapa:<br />
1933-1938<br />
2ª etapa:<br />
1939-1941<br />
Categoria e identificação Dados complementares<br />
Campos de concentração: Dachau (criado em<br />
1933, prestou-se como matriz para os demais<br />
campos), Quednau, Königswusterhausen,<br />
Bornim, Hammerstein, Oranienburg,<br />
Ravesnsbrück (campo feminino) e<br />
Mauthausen, Columbia Haus (Berlim).<br />
Campos de trabalho: já existiam na 1ª fase,<br />
mas a tendência se acentou após 1942, na 2ª<br />
etapa da guerra que exigia a abertura de<br />
estradas, fabricação de material bélico,<br />
alimentos e roupas para os soldados. Entre<br />
1940-1941, nas proximidades da fronteira<br />
soviética, foram criados campos de trabalho<br />
forçado para judeus. O mesmo acontecendo<br />
nos campos para prisioneiros civis e campos<br />
de trânsito.<br />
Campos de concentração: passaram por uma<br />
reformulação em decorrência da política antisemita<br />
e da situação de guerra. Deveriam fazer<br />
uso da infra-estrutura e da mão de obra dos<br />
territórios ocupados. Outros campos:<br />
Theresienstadt, Berlim, Vilna, Kovno,<br />
Letônia, Transilvânia e Frankfurt, etc.<br />
Campos para poloneses: criados durante o<br />
confronto com a Polônia em setembro de<br />
1938. Ali eram alojados cidadãos poloneses e<br />
prisioneiros de guerra que seriam deportados<br />
para a Alemanha. Deveriam construir<br />
fortificações para garantir uma infra-estrutura<br />
para a invasão alemã na ex-União Soviética.<br />
Campos de trânsito na Europa ocidental e<br />
Categoria dos presos: judeus,<br />
comunistas e seus<br />
simpatizantes, socialdemocratas,<br />
anarquistas,<br />
ciganos, homossexuais.<br />
Número de presos entre<br />
1933-1939: cerca de 165 mil<br />
a 170 mil Supervisão:<br />
Dachau e Columbia Haus<br />
estavam sob a supervisão da<br />
AS que tinha Himmler como<br />
seu comandante. Os demais<br />
campos foram assumidos<br />
pela SS.<br />
-Grupos de prisioneiros<br />
distintos: os<br />
Aussenkommando (levados<br />
para trabalhar fora dos<br />
campos cuidando da abertura<br />
e preservação de estradas,<br />
trincheiras e aeroportos) e os<br />
Firmenlanger (trabalhavam<br />
nos campos de empresas<br />
encarregadas de produzir<br />
material bélico.<br />
Oswald Pohl, diretor da<br />
WVHA, foi encarregado de<br />
administrar os prisioneiros<br />
dos campos de concentração.<br />
Assassinatos esporádicos e,<br />
posteriormente, de<br />
extermínio, começaram a ser<br />
praticados.<br />
A Polônia, invadida pelos<br />
alemães em 1º de setembro<br />
de 1939, transformou-se no<br />
laboratório da “Solução<br />
final”.<br />
Em 1944, cerca de 13<br />
11
3ª fase:<br />
1941-1945<br />
meridional para onde foram transladados<br />
milhares de judeus: Drancy (França),<br />
Westerbork (Holanda) e Breendonck<br />
(Bélgica), Fossoli e Bolzono (norte da Itália).<br />
Guetos: Bairros fechados e reservados<br />
especialmente para os judeus. Após a invasão<br />
da Polônia pelos alemães, uma grande número<br />
de guetos foram alí construídos em: Pietskow<br />
(1939), Lodz (1940), Varsóvia (1940). Em<br />
abril de 1943 ocorreu a rebelião do gueto de<br />
Varsóvia. Outras rebeliões foram registradas<br />
nos guetos de Minsk, Kovno e Zetl<br />
Campos de extermínio: às categorias<br />
identificadas nas fases anteriores somaram-se<br />
os campos de extermínio: Chelmno (1942:<br />
iniciou o extermínio dos judeus de parte da<br />
Polônia anexada pelo Reich); Belzec (para<br />
onde foram transportados os judeus de Lublin<br />
e Lvov), Treblinka II(para onde foram os<br />
judeus do gueto de Varsóvia). Auschwitz-<br />
Birkenau (principal local de extermínio).<br />
Outros campos: Lublin-Majdanek, Sobibor.<br />
Após 1941 foram construídos na Estônia para<br />
onde levados os judeus dos campos de<br />
Theresienstadt, Berlim, Vilna, Kovno,<br />
Letônia, Transilvânia e Frankfurt. Há registros<br />
de revoltas nos campos de extermínio de<br />
Kruszyna, Kyrchów, Minsk-Mazowiwcki,<br />
Sobibor, Treblinka e Auschwitz.<br />
campos de trânsito foram<br />
construídos em Varsóvia,<br />
sendo Pruszkow o principal<br />
deles.<br />
Um mês após a invasão da<br />
Polônia, Heydrich ordenou<br />
que os judeus fossem<br />
reagrupados nos grandes<br />
centros ferroviários e ali<br />
concentrados nos guetos. Os<br />
Eizatzgruppen cuidaram<br />
dessa operação.<br />
-Os judeus eram<br />
exterminados,inicialmente,<br />
em caminhões a gás,<br />
morrendo por asfixiamento.<br />
Posteriormente, passaram a<br />
ser empregadas câmaras de<br />
gás que tinham aparência de<br />
banheiro coletivo. Outros<br />
morriam de fome, doenças e<br />
desespero.<br />
Observação: O professor deverá orientar os alunos a observarem um mapa que identificando os<br />
locais de massacre (direção a leste) e os campos de extermínio. Algumas cenas do filme A Lista de<br />
Schindler podem ser avaliadas prestando-se para os alunos observarem como os judeus eram<br />
empregados nas indústrias que serviam ao Estado e aos industriais nazistas. Discutir com os alunos<br />
o item “O aparato institucionalizado do terror: etapas da perseguição”. Sugerir-lhes a montagem de<br />
um quadro seguindo o exemplo acima.<br />
7-.Que papel tiveram os membros da SS na execução da “Solução Final” nos campos<br />
de extermínio?<br />
A questão da “Solução Final” não deve ser atribuída, especificamente, a um grupo de<br />
homens. Aliás, a “culpabilidade” é um dos temas mais debatido neste últimos anos,<br />
discussão que ganhou forças após o lançamento do livro Os Carrascos Voluntários de<br />
Hitler, de Daniel Goldhagen (ver bibliografia citada). Muitos daqueles que foram julgados<br />
no Tribunal de Nuremberg, acusados de crimes contra a Humanidade, alegavam que<br />
estavam apenas “cumprindo ordens”, que “serviam à Pátria alemã”. Explicações<br />
12
convencionais procuram mostrar que os alemães (enquanto coletividade nacional) adotaram<br />
posições neutras ou condenatória em relação ao genocídio. Explicavam que cabia aos<br />
membros da hierarquia nazista as “ordens”para a matança. A tese defendida por Goldhagen<br />
é de que o Holocausto foi compartilhado pela maioria do povo alemão que não se limitou<br />
apenas a assistir o espetáculo do horror. Dezenas de outros cidadãos, homens comuns,<br />
foram mobilizados pelo regime aderindo ao programa de extermínio.<br />
Assim, podemos definir o Holocausto como o produto de uma mente maquiavélica e<br />
calculista que, subsidiada pelo aparelho burocrático do Estado, espalhou o ódio contra<br />
judeus, comunistas, ciganos e outras minorias. Importante papel tiveram os médicos e<br />
cientistas conhecidos como os “anjos da morte”. O extermínio de seis milhões de judeus foi<br />
decidido e executado por Hitler e seus homens (além de homens comuns do povo) entre<br />
1939-1944. Os comandantes da polícia política (os Eisatzgruppen) colocaram em execução<br />
as ordens recebidas de Heydrich. A SS, controlada por Himmler e seu auxiliar Heydrich,<br />
foi realmente o maior braço de repressão do regime. Estes estavam divididos em dois<br />
grupos distintos: Wafen SS (que atuavam como divisões militares de guerra) e os<br />
Einsatztruppen (comandos especiais responsáveis pela execução da política de extermínio<br />
na Rússia ocupada e pela segurança dos campos de concentração). Até novembro de 1941,<br />
esses comandos haviam assassinado cerca de meio milhão de judeus.<br />
8. Dois conceitos foram amplamente explorados pelo nazistas: o de raça degenerada e<br />
arte degenerada. Qual a relação deles com o programa de arianização idealizado pelo<br />
Reich?<br />
Um dos principais slogans anti-semitas do III Reich era o de construir uma<br />
Alemanha “limpa de judeus”. Não apenas de judeus, mas “limpa” de tudo que pudesse<br />
comprometer o projeto de arianização da Alemanha cujo povo deveria ser formado por<br />
elementos representativos de uma raça pura, perfeita, bela. Aqueles que apresentassem<br />
desvios (leia-se aqui “defeitos” morais, raciais e ideológicos) deveriam ser eliminados,<br />
ideia pregada por intelectuais desde o século XIX. Hitler, neste caso, foi o elemento<br />
detonador de uma mentalidade antissemita pré-existente. Entre os indesejáveis (inimigos do<br />
regime) estavam : os judeus, os homossexuais, ciganos, comunistas, as Testemunhas de<br />
Jeová, os deficientes físicos e mentais. Para avaliar, selecionar e exterminar os cidadãos<br />
indesejáveis foram criados institutos de pesquisa e uma polícia especial, além do cidadão<br />
comum que foi cooptado pelo regime. Verdades sobre as raças puras e as raças inferiores”<br />
foram “construídas” com o apoio de cientistas, médicos, educadores e filósofos. A partir de<br />
um projeto de arianização, o III Reich “estetizou” a vida alemã, fazendo valer a “vontade<br />
autoritária”, a vontade do Führer. Segundo a terminologia nazista, estes homens<br />
(inferiores) formavam uma categoria biológica e cultural de sub-homens (os<br />
Untermenschen), resultantes de uma degeneração (um desvio). Estes mesmos critérios (de<br />
raça pura/superior e impura/inferior) foi aplicada à arte.Da mesma forma como se proibiam<br />
casamentos entre judeus e arianos, também se proibia o jazz e a pintura moderna. Críticos<br />
de arte, contrários à arte impressionista, chegaram a clamar por uma “depuração da arte” .<br />
O tratamento de “patológica” dado à arte moderna não foi uma invenção do nazismo.<br />
Em 1913, um jornal alemão já havia classificado as obras de Kandinsky como “um sólido<br />
emaranhado de linhas” e o próprio artista como um “pintor insano”, irresponsável pelos<br />
seus atos. Em 1914, o tema foi discutido no Reichstag e o parlamento aprovou uma<br />
resolução contra a “degeneração”da arte. O debate não era exclusivo da Alemanha:<br />
aconteceu em outros países que julgavam os artistas “degenerados” como produtos do<br />
13
liberalismo. Essas idéias foram se tornando mais extremadas à medida que o movimento<br />
nazista ganhava forças. Em 1928, Paul Schultze-Naumberg publicou o livro Arte e Raça,<br />
em que fotografias de pessoas doentes e deformadas, obtidas de textos médicos, eram<br />
colocadas lado a lado com pinturas e esculturas modernas.<br />
Com a ascensão dos nacionais socialistas ao poder, a arte entrou em voga. Alfred<br />
Rosenberg, o ex-teórico da arte, tornou-se cabeça intelectual do partido, assumindo o cargo<br />
de “zelador de todo o treinamento e educação intelectual e espiritual do partido e das<br />
associações coordenadas"” . Artistas “degenerados” perderam os seus cargos; galerias<br />
foram fechadas, obras confiscadas e museus reformulados. Muitos preferiram deixar a<br />
Alemanha pois sequer podiam comprar tintas e pincéis. Deu-se início a um programa de<br />
“purificação da arte” que corria paralelo ao “programa de purificação da raça”. As obras de<br />
Matisse, Van Gogh, Cézanne, Munch e Picasso estavam entre as obras “expurgadas”.<br />
Coleções valiosas de obras confiscadas iam sendo empilhadas no Holfburg e no<br />
Kunsthistorisches Museum. Pilhagem e destruição marcou esta investida nazista contra<br />
objetos e pessoas. POVO, ARTE e ESTADO constituíram um trinômio inseparável no<br />
ideário nazista. Persistia o sentimento de que a multidão e a cultura alemãs deveriam<br />
formar um todo único, perfeito, sem desvios. A Alemanha queria ser uma bloco coeso, sem<br />
degenerações de qualquer espécie (ideológicas, raciais, de gênere e culturais). Caso o<br />
professor queira ter maiores informações sobre este texto deverá consultar a obra Europa<br />
Saqueada. O destino dos tesouros artísticos europeus no Terceiro Reich e na Segunda<br />
Guerra Mundial, de Lynn H. Nicholas. São Paulo: Companhia das letras, 1996). Slides das<br />
pinturas de Picasso, Matisse, Van Gogh e outros, poderão ser mostrados para os alunos<br />
abrindo o debate para esta questão.<br />
9. Qual a relação que pode ser feita entre a Shoah e a criação do Estado de Israel ?<br />
No final do século XIX, Theodor Herzl fundou na Europa um movimento nacionalista<br />
judaico que tinha por objetivo o restabelecimento de um Lar Judaico na Palestina. Este se<br />
tornou vitorioso em 1948 com a criação do Estado de Israel. A idéia de Herzl era de que, a<br />
partir do momento em que os judeus tivessem um lar próprio, o antissemitismo deixaria de<br />
existir. Conseguiu seguidores por toda a Europa e países da América. Com a ascensão de<br />
Hitler ao poder em 1933 e com o incremento da política anti-semita pelo Reich, os judeus<br />
alemães perseguidos pelo nazismo – e adeptos da idéia de terem um lar em terras da<br />
Palestina – começaram a procurar refúgio na Terra de Israel (Eretz Israel). Persistia nesta<br />
época a Política do Livro Branco que limitava a entrada de judeus na Palestina. O Livros<br />
Branco marcou o início da luta final pela formação de um Lar Nacional Judaico na<br />
Palestina e devem ser vistos como símbolo das restrições impostas pelos ingleses à<br />
emigração judaica durante a Segunda Guerra. Até então, um regime de mandato era<br />
estreitamente fundamentado na cooperação entre as autoridades britânicas e o movimento<br />
sionista. A grande fuga dos judeus perseguidos pelos nazistas precipitou o fim desta<br />
política sustentada pelos ingleses. Em 1939, Londres decidiu encerrar o mandato e preparar<br />
o país para a independência, tendo por base os índices demográficos do momento: 2/3 de<br />
árabes e 1/3 de judeus. Prevendo um período transitório de 5 anos, o governo britânico<br />
limitou a imigração judaica e a aquisição de terras na Palestina, de forma a não alterar essa<br />
proporção.<br />
O grupo sionista mais radical liderado por Davi Bem Gurion, decidiu por infringir as<br />
diretrizes dos Livros Brancos incentivando a imigração ilegal em massa para Eretz Israel.<br />
Organismos e comitês judaicos internacionais tentavam apoiar aqueles que estavam<br />
14
interessados em emigrar para a Palestina. Entre o final da guerra e a criação do Estado de<br />
Israel (1948) uma imensa corrente emigratória Ilegal) se intensificou levando refugiados<br />
judeus até a “terra prometida”. A agência clandestina Mossad Aliya Beit conseguiu fazer<br />
chegarem à Palestina cerca de 70.000 pessoas que se somaram a outros 13.000, levados por<br />
outros meios. Vários navios eram aprisionados com sobreviventes dos campos de<br />
concentração à bordo, como aconteceu com o navio Êxodus em 1947.<br />
A partilha da Palestina foi, finalmente, proposta por um projeto encaminhado em 1º de<br />
setembro de 1947 pela Comissão de Inquérito das Nações Unidas (UNSCOP). Meses mais<br />
tarde, em 29 de novembro de 1948, nasceria o Estado de Israel, confirmado pela maioria de<br />
dois terços na Assembléia Geral das Nações Unidas.<br />
10. Você certamente já ouviu falar dos neonazistas. Qual a similaridade das idéias<br />
defendidas por esses grupos com os princípios sustentados pelos nazistas nos anos<br />
1930 e 1940 na Alemanha ?<br />
No dia 31 de janeiro de 2000, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que “cerca de 600<br />
jovens neonazistas desfilaram pela primeira fez, desde a Segunda Guerra Mundial, através<br />
do Portão de Brandembrugo (Arco do século XVIII e o maior símbolo da nação alemã) em<br />
Berlim, num protesto contra um monumento em homenagem aos judeus mortos no<br />
Holocausto (futuro Memorial do Holocausto). Udo Voigt, presidente da ala neonazista do<br />
Partido Nacional Democrático, disse que esse projeto é “uma mancha indesejável na capital<br />
do Reich”. Vale ressaltar que diversos desfiles organizados pelo Partido nazista entre 1933-<br />
1945, foram conduzidos através deste portão que ficou fechado quase 50 anos. Só foi<br />
reaberto após a queda do Muro de Berlim e o processo de reunificação do país. Durante o<br />
ato de protesto, os neonazistas portavam bandeiras imperiais alemãs e vestiam roupas<br />
pretas compondo uma “estética nazista”. As cabeças raspadas compõem o seu visual, além<br />
de portarem suásticas tatuadas no corpo.<br />
Os neonazistas -- considerados como grupo de violência -- defendem, como os nazistas a<br />
supremacia da raça ariana. Adotam o nazismo e a Ku Klux Klan como modelos,<br />
expressando seu ódio contra negros, judeus, mendigos e homossexuais. Têm seguidores<br />
em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde fazem ecoar as clássicas saudações<br />
nazistas: Heil Hitler ! e Sieg Heil ! Hitler é considerado o seu líder espiritual enquanto que<br />
seus atos são valorizados como expressão de heroísmo. Têm profanado cemitérios judaicos,<br />
incendiado ambientes e pessoas consideradas como “indesejáveis”. Alimentam seus<br />
seguidores distribuindo um farto material de propaganda racista e política que circula<br />
através da Internet, catálogos e fanzines (revistas produzidas manualmente). O<br />
comportamento e as idéias do neonazistas americanos poderão ser avaliadas através de um<br />
debate acerca do filme A Outra História Americana.<br />
11.Você já assistiu a algum filme sobre o Holocausto ? Qual? Comente a respeito.<br />
Caberá ao professor, em conjunto com seus alunos e direção da escola, selecionar alguns<br />
dos filmes para serem debatidos em classe. Seria interessante que, antes da exibição,<br />
arrolados algumas elementos à serem observados como por exemplo:<br />
- Se a moral nazista e o discurso antissemita se fazem presentes nos diálogos;<br />
- Reconstituição dos cenários da época (1933-1950): residências dos nazistas e dos judeus,<br />
indumentária dos diferentes grupos (SS, AS, chefes nazistas, judeus, ciganos).<br />
15
- País ou cidade onde se desenvolve o filme procurando observar os diferentes espaços de<br />
segregação (guetos, campos de concentração, prisões militares, etc.), espaços de trabalho<br />
(fábricas, oficinas, campos de trabalho), espaços de lazer (praças públicas, cinemas,<br />
balneários) e espaços de educação (colégios)<br />
- No caso de documentários observar o uso de luz e sombra, a sacralização do Führer, cenas<br />
de exaltação à Alemanha, hinos, a figura do cidadão “ariano” e do cidadão “judeu”, uso de<br />
símbolos ( suástica, águia, estrela-de-davi, etc).<br />
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16
AS LEIS DE NUREMBERG: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA<br />
EXCLUSÃO DE MINORIAS.<br />
Tulio Chaves Novaes 10<br />
I- PROPOSTA PEDAGÓGICA: Uma abordagem histórica sobre o processo de<br />
construção dos direitos humanos na modernidade<br />
O direito, visto como o conjunto de regras e princípios que regulamentam e<br />
organizam a vida social em determinado tempo e espaço, apresentou-se durante o século<br />
XX como um dos instrumentos mais eficazes de sujeição e controle das pessoas através da<br />
força ou autoridade de determinado governo.<br />
Historicamente, o aval oficial de uma lei nacional de referência funcionou<br />
como etapa estratégica pedagógica ao projeto progressivo de dominação global, conduzido<br />
pelo poder totalitário. Todos os atos opressivos, realizados pelo Estado nazista no início da<br />
perseguição aos judeus, por exemplo, foram praticados dentro da mais rigorosa aferição<br />
legal, proveniente de um conjunto de leis concebidas de maneira perfeitamente válida em<br />
sua aparência, mas de forma completamente deplorável em seu conteúdo.<br />
Assim, sob certo viés analítico, o direito, entendido como sinônimo de lei,<br />
não é algo comprometido com a noção de bem ou mal – que são vetores morais<br />
contingentes à determinada conjuntura sócio-cultural. Apesar de admitir diversas<br />
abordagens metodológicas, este ramo do conhecimento humano em si não se confunde com<br />
ciência, filosofia, ou arte tampouco; representa, no entanto, mecanismo instrumental<br />
indispensável à sistematização, organização e controle do poder. Sem o direito o poder é<br />
como um pesado vagão de trem, descendo uma ladeira íngreme, sem freio, nem trilho, nem<br />
maquinista definido!<br />
Este papel estruturante referenciado não diminui a importância pragmática<br />
do universo jurídico na reprodução dos valores sociais vigentes. Muito pelo contrário. Na<br />
Alemanha nazista a desumanização do povo judeu não representou fenômeno vinculado<br />
somente a causas sociológicas ou culturais. A complexa etiologia do holocausto inclui o<br />
incentivo pedagógico, dado pela oficialização da discriminação através da promulgação de<br />
legislação nacional francamente racista e restritiva, no rol de suas causas essenciais.<br />
A partir do momento em que a violência tornou-se juridicamente<br />
institucionalizada, o menosprezo pelo direito à diferença, culminando com a bestialização<br />
de seres humanos, transformou-se em algo trivial. Assim, as “Leis de Nuremberg” de 1935<br />
representaram o passo fundamental ao reforço do discurso ideológico totalitário, praticado<br />
pelo governo nazista em nome da lei, da justiça e da desvirtuada razão de Estado. Não<br />
fortuitamente, destes três últimos elementos listados, a razão de Estado define possibilidade<br />
de ingerência da política no sistema jurídico, propiciando seu condicionamento ideológico.<br />
E foi justamente através da via ideológica que o poder que oprime introduziu no direito<br />
posto suas regras de dominação, criando verdadeiras aberrações jurídicas do ponto de vista<br />
10 Tulio Chaves Novaes é bacharel em direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em direitos<br />
fundamentais e relações sociais pela UFPA; doutorando em direitos humanos pela Universidade de São<br />
Paulo (USP) e membro do LEER/USP desde 2009. Atualmente exerce a profissão de Promotor de Justiça e<br />
professor de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade Luterana do Brasil em Santarém (PA).<br />
17
ético e moral, como as referidas “Leis de Nuremberg”. Opressão institucionalizada e<br />
racismo, desta feita, caminham quase sempre de mãos dadas.<br />
Os mecanismos de ideologização do direito, propostos pela Lei da<br />
Cidadania do Reich e pelas Leis para a Proteção do Sangue e Honra Alemã, promulgadas<br />
pelo Estado alemão em 24 de setembro de 1935, como veremos nos tópicos seguintes,<br />
foram os mais diversos possíveis. Conforme o nível de institucionalização dos vetores e<br />
necessidade de controle das massas, tais elementos variaram da oficialização dos mitos<br />
sociais ao apelo ostensivo ao nacionalismo unificador do discurso do triunfo sobre o<br />
inimigo objetivo.<br />
Ocorre que, apesar do grande malefício provocado ao povo judeu, o resgate<br />
histórico da memória da legislação nazista dos anos 30, em parte, proporcionou a<br />
cristalização moderna daquilo que costumeiramente chamamos direito internacional dos<br />
direitos humanos; ou seja, o conjunto sistemático de normas positivas e princípios<br />
jurídicos, supranacionais, encabeçadas pela Declaração Universal de 1948, que visam<br />
proteger certos valores históricos universais, tidos como pertencentes a todas as pessoas.<br />
Partindo deste ponto específico, portanto, explicitaremos algumas<br />
convicções generalizadas sobre a natureza de tais direitos para, em seguida, entender como<br />
a retirada da cidadania dos judeus representou etapa essencial ao processo de<br />
desumanização perpetrado pelo Estado nazista, que culminou com o genocídio praticado<br />
nos campos de extermínio.<br />
Além de reconhecer o papel da cidadania na construção dos direitos<br />
humanos fundamentais e na prevenção aos influxos autoritários do poder político,<br />
procuraremos demonstrar, com a presente exposição, que, sem a memória dos fatos<br />
opressivos e sem consciência crítica para identificar e combater manifestações pragmáticas<br />
da intolerância moderna, a história da discriminação e do preconceito, como o castigo de<br />
Prometeu, tende a reproduzir em escala seus efeitos na atualidade.<br />
II- Noções Teóricas Sobre Direitos Humanos Fundamentais 11<br />
Existem diversas explicações que procuram conceituar teoricamente o que<br />
seriam os Direitos Humanos Fundamentais. Pela objetividade semântica e didática, bem<br />
como pela profundidade de conteúdo, apresentamos a definição fornecida pelo professor<br />
André de Carvalho Ramos, da Universidade de São Paulo, o qual entende os direitos<br />
humanos da seguinte maneira:<br />
...conjunto mínimo de direitos necessário para assegurar uma vida do ser humano baseada na<br />
liberdade, igualdade e na dignidade 12 .<br />
11 Diante do atual nível de evolução jurídica da disciplina, ficamos com o entendimento de que não mais<br />
existe diferenciação de fundo entre os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, significando<br />
ambas as expressões a mesma coisa. A doutrina clássica identificava diferenças espaciais entre os dois<br />
conceitos, localizando os direitos fundamentais no âmbito das Constituições dos Estados e os direitos<br />
humanos em documentos internacionais. Atualmente, com a crescente aproximação de conteúdo entre as<br />
normas pertencentes aos dois campos, acreditamos não mais existir razão epistemológica para tal divisão.<br />
Contudo, diante da necessidade de se preservar o marco metodológico original e evidenciar ainda a<br />
existência de dualidade de ordens jurídicas a regular a mesma disciplina, preferimos aglutinar as duas<br />
nomenclaturas tradicionais em uma mesma locução intencionalmente pleonástica, qual seja “Direitos<br />
Humanos Fundamentais”.<br />
18
Na definição encontramos alguns elementos estruturais que denotam a raiz<br />
pragmática destes tipos especiais de normas, pois as mesmas são apresentadas como um<br />
conjunto de direitos, evidenciados pela sua necessidade de gozo ou efetivação. Mas, de<br />
fato, que tipos de direitos seriam estes? Qual a sua ontologia? Para responder a estas<br />
perguntas acrescentaríamos à idéia conceitual inicial o referencial histórico que lhes<br />
condiciona e define o conteúdo.<br />
Entendidos desta maneira, os direitos humanos, no seu conjunto,<br />
correspondem à conquista moderna da sociedade humana, resultante da superação de<br />
momentos históricos de opressão e do reconhecimento dos povos da necessidade de<br />
proteção de certos valores fundamentais à vida com dignidade.<br />
Não são direitos unilateralmente prescritos por uma mente privilegiada, ou<br />
por algum outro tipo de fonte inspiradora politicamente conveniente, como ocorria na Idade<br />
Média com o chamado direito natural, ditado pela cúpula da Igreja Católica Romana. Ao<br />
contrário disto, hodiernamente, tais direitos encontram-se vinculados em base socialmente<br />
verificável, determinada pelo consenso internacional e aprendizado histórico proveniente<br />
do reconhecimento de graves erros do passado.<br />
Tendo a condição humana como única exigência, estes direitos especiais<br />
fornecem base concreta para a caracterização do valor dignidade humana 13 , o qual, na sua<br />
essência, firma impossibilidade de se estabelecer qualquer tipo barganha com certos bens<br />
humanos tidos por inalienáveis. São espécies destes bens a liberdade, a privacidade, a<br />
nacionalidade, a propriedade, o trabalho remunerado de forma justa, a educação, a saúde, a<br />
alimentação, a família, a proteção por tribunais oficiais neutros, a integridade física e<br />
mental, a segurança pessoal etc. Bem como outros direitos que venham à lume através do<br />
processo de desenvolvimento dialético histórico.<br />
O significado moral desta injunção reside no entendimento de que o ser<br />
humano não pode ser comparado, nem tratado como coisa fungível ou descartável. Esta<br />
característica ensejaria noção de preço. Já a idéia de dignidade suscitaria propriedade bem<br />
diferente, qualificada pela doutrina kantiana como inegociável.<br />
Próximo ao conceito de história, fornecido por Walter Benjamim 14 antes de<br />
seu suicídio, ocorrido em circunstâncias suspeitas em setembro de 1940, sob a pressão da<br />
invasão nazista à França e diante da instauração da ditadura de Vichy, percebe-se, que a<br />
12 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional; Rio de Janeiro:<br />
Renovar, 2005, p.19.<br />
13 Segundo SARLET, dignidade é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor<br />
de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo<br />
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho<br />
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida<br />
saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria<br />
existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” – SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da<br />
Pessoa Humana e Direitos Fundamentais; Porto Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001, p.60 apud RAMOS,<br />
André de Carvalho; op. cit, p.20.<br />
14 Para aprofundamento da temática vide: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura<br />
das Teses “Sobre o Conceito de História”; São Paulo: Boitempo, 2005.<br />
19
ase ético-material desta noção teórica permanece ligada à negação de todos os momentos<br />
históricos em que seres humanos foram tratados como objetos inanimados, passíveis de<br />
submissão ou destruição por parte de outras pessoas ou estruturas políticas totalitárias.<br />
Assim, ao sacralizar tais valores, a ordem jurídica internacional –<br />
simbolicamente através da negação dos campos de concentração, dos pogrons, das<br />
pilhagens e carnificinas organizadas, dos genocídios e etnocídios etc. –, acaba por entender<br />
e determinar a existência de alguns bens que não se sujeitam a nenhum tipo de preterição<br />
ou pechincha, nem mesmo diante do dogma da soberania estatal, hoje em dia não mais<br />
entendida como sinônimo de poder absoluto.<br />
O processo de construção do sistema jurídico internacional de direitos<br />
humanos fundamentais, tomando por base a Declaração Universal de 1948, de forma<br />
fundamental, pode ser dividido em dois momentos estruturalmente distintos:<br />
1) Antes deste marco, tínhamos o que se pode chamar de fase pré-jurídica, onde a força<br />
normativa de certos direitos tidos como inalienáveis ainda se sujeitava sobremaneira<br />
ao empirismo resultante do direito natural e às vicissitudes sócio-culturais de cada<br />
país soberano no exercício de sua boa vontade. Neste primeiro momento, diante da<br />
fragmentação da ordem política internacional – proveniente, mormente, das disputas<br />
bélicas e econômicas que motivaram a Primeira Grande Guerra e da inexistência de<br />
estrutura supranacional consensual, necessária à imposição de certos deveres e<br />
obrigações jurídicas aos entes estatais –, na prática administrativa diária cada Estado<br />
ditava a solução mais conveniente no campo da preservação de valores essenciais 15 .<br />
2) O segundo momento só viria com o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, em 10<br />
de dezembro de 1948, ano da fundação oficial do Estado de Israel em meio à dor<br />
proveniente das seqüelas incuráveis do pós-guerra e diante das imagens das<br />
atrocidades praticadas pelos nazistas nos campos de extermínio, a Assembléia Geral<br />
das Nações Unidas, fundada na legitimidade proveniente de concordância<br />
internacional, promulgou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 16<br />
Tal documento jurídico coroava normativamente uma série de direitos<br />
fundamentais e inalienáveis, tidos como pertencentes a todos os seres humanos,<br />
independentemente do que poderiam definir os Estados nacionais. Na prática o diploma<br />
internacional referido sintetizou diversos direitos históricos, ditos de primeira e segunda<br />
geração.<br />
Os direitos de primeira geração, qualificados como liberdades públicas<br />
essenciais, foram provenientes da declaração francesa de 1789 e representaram os valores<br />
relacionados à liberdade individual do cidadão frente ao Estado. Sua base subjetiva<br />
estabelecia um campo de garantias individuais imune à ingerência estatal, a não ser para<br />
15 Mas o problema primordial não se resumia apenas na ausência de estrutura orgânica e funcional eficiente<br />
para implementar tais direitos – fato que vincula-se muito mais às controvérsias humanísticas de hoje em<br />
dia. A principal característica deste momento inicial, que representava verdadeiro óbice a qualquer iniciativa<br />
de sistematização de leis, estava na ausência de uma base normativa internacional capaz de aglutinar<br />
objetivamente estes direitos em espécie.<br />
16 Para melhorar o entendimento sobre o tema vide PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A<br />
Declaração Universal dos Direitos Humanos; série Rupturas; São Paulo: Editora Lazuli, 2006.<br />
20
eforçá-las e protegê-las. Por isso tais direitos foram também qualificados como liberdades<br />
negativas; ou seja, lugar onde, via de regra, não seria admissível qualquer intromissão<br />
estatal.<br />
Em espécie, classicamente, estas liberdades são as seguintes: liberdade<br />
pessoal, igualdade, proibição de discriminações, o direito à vida, à segurança, proibição de<br />
prisões arbitrárias, presunção de inocência, o direito ao julgamento pelo juiz natural, a<br />
liberdade de ir e vir, o direito de propriedade, a liberdade de pensamento e de crença, a<br />
liberdade de opinião, de reunião, de associação, o direito ao asilo, à nacionalidade, a<br />
liberdade de casar e os chamados direitos políticos 17 .<br />
Concomitantemente vieram os direitos de segunda geração, ou direitos<br />
sociais, que, por sua vez, foram concebidos a partir das conquistas trabalhistas do século<br />
XIX e XX, como as que resultaram na Constituição Mexicana de 1919, ou brasileira de<br />
1934.<br />
A exploração e a ausência de regulamentação da jornada de trabalho, em<br />
primeiro momento, provocaram lutas proletárias intensas que evidenciaram a necessidade<br />
de se resguardar direitos relacionados à esfera social das relações humanas. A vida do<br />
homem em sociedade, diferentemente do homem em suas relações interindividuais, sugeria<br />
a necessidade de intervenção do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas que<br />
dariam azo à diminuição de desigualdades e ao estabelecimento de melhores oportunidades<br />
de vida e subsistência. Por tal característica estes direitos são vistos como liberdades<br />
positivas, onde, ao contrário dos direitos individuais, a regra passa pelo gerenciamento e<br />
controle por parte do Estado.<br />
Estas disposições normativas, em resumo, correspondem à seguridade social,<br />
ao direito ao trabalho, à associação sindical, ao repouso, aos lazeres, à saúde, à educação, à<br />
vida cultural 18 .<br />
Esta base normativa internacional, representada pela Declaração Universal<br />
de 1948 e seus documentos primordiais, soa como verdadeira Constituição Mundial que,<br />
em reação em cadeia, resultou em diversos outros documentos jurídicos internacionais 19 .<br />
Diferentes em abrangência e importância temática, este conjunto de leis suscitou a<br />
subsistência de verdadeiro sistema mundial de disposições defensivas dos direitos humanos<br />
fundamentais.<br />
Com a proeminência de tal sistema jurídico específico a idéia westffaliana de<br />
soberania política, baseada na possibilidade irrestrita dos Estados gerenciarem a vida e os<br />
direitos das pessoas sujeitas ao seu poder, cedeu espaço a outro modelo protetivo, baseado<br />
na possibilidade de interferência internacional em qualquer lugar para a garantia destes<br />
direitos inalienáveis.<br />
17 Rol apresentado em FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais; 10ª. ed., São<br />
Paulo: Saraiva, 2008, p.53.<br />
18 Ibidem.<br />
19 Citamos, pela sua importância, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o<br />
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ambos ratificados pelo Brasil apenas em 1992).<br />
Igualmente mencionamos a Convenção americana sobre Direitos Humanos (conhecida com Pacto de São<br />
José da Costa Rica), que foi aderida pelo Brasil também em 1992.<br />
21
Desta forma, hoje em dia, pelo menos em tese, não há nem mesmo a<br />
necessidade de assinatura de tratados internacionais para obrigar determinado Estado a<br />
respeitar os limites salutares à sobrevivência das pessoas.<br />
As características primordiais dos direitos humanos fundamentais, por seu<br />
turno, podem ser listadas didaticamente através dos seguintes pontos objetivos 20 :<br />
Superioridade normativa: No plano interno ou no internacional as regras e princípios de direitos<br />
humanos sempre ocupam lugar de destaque, revelando superioridade na hierarquia das normas.<br />
Universalidade: Os direitos humanos fundamentais extrapolam a órbita da nacionalidade, ou limites de tempo e<br />
espaço. Adéquam-se a todas as pessoas, em qualquer momento da história, independentemente da idéia de<br />
soberania nacional ou idiossincrasias culturais.<br />
Indivisibilidade: Pois nenhum dos direitos humanos pode ser separado do seu contexto conjuntural, merecendo<br />
igual proteção.<br />
Interdependência: Não se podem desgarrar tais direitos, que se integram e interagem em uma mesma base<br />
intercomplementar; ou seja, não se pode agredir um determinado direito humano fundamental sem agredir os<br />
outros.<br />
Indisponibilidade: Em regra, ninguém pode renunciar aos direitos humanos fundamentais.<br />
Caráter erga homnes: Estes direitos foram criados para englobar não só as pessoas do mundo inteiro, mas<br />
também todos os Estados nacionais, independentemente de assinaturas de tratados ou outros documentos<br />
internacionais.<br />
Exigibilidade: Os direitos humanos fundamentais são eminentemente vinculados a uma necessidade ética; ou seja,<br />
a implementação prática de seus preceitos é crescente e obrigatória.<br />
Abertura: o valor que vivifica seu conteúdo não é imutável; ou seja, tais direitos são suscetíveis à evolução histórica<br />
e ao aprimoramento cultural.<br />
Aplicabilidade imediata: Tais direitos não dependem de outras leis ou quaisquer outros desdobramentos<br />
normativos para se efetivarem, podendo ser invocados de imediato nos Tribunais por parte dos interessados.<br />
Dimensão objetiva: Além de representarem direitos de pessoas, os direitos humanos fundamentais também<br />
denotam aspecto institucional, representado por deveres e garantias que devem ser obedecidos por todos.<br />
Proibição de retrocesso: Como patrimônio da humanidade, os direitos humanos fundamentais só podem ser<br />
ampliados ou aperfeiçoados, vedando-se aos Estados a possibilidade de diminuição ou aviltamento direto ou<br />
indireto do nível de proteção já alcançado.<br />
Eficácia horizontal: Além de validade nas relações entre particulares e o poder público, os mesmos direitos<br />
também valem e devem ser respeitados nas relações entre os próprios particulares.<br />
III- As Leis de Nuremberg<br />
A vigência da noção da soberania estatal como poder absoluto, bem como a<br />
inexistência orgânica e funcional de sistema jurídico internacional apto a fazer valer suas<br />
prescrições normativas, determinaram exemplos históricos contundentes de abusos,<br />
cometidos em nome da lei contra direitos fundamentais.<br />
As chamadas “Leis de Nuremberg”, compostas pelo conjunto integrado de<br />
duas outras legislações – as Leis para a Proteção do Sangue e Honra Alemã e a Lei da<br />
Cidadania do Reich – representam um destes malsinados modelos. Consistiram de per si<br />
em conjunto de normas jurídicas, ligadas a valores culturais segregacionistas e racistas,<br />
outorgadas em 15 de setembro de 1935 na cidade de Nuremberg pelo Parlamento Alemão<br />
(o chamado Raichstag), que, na ocasião, estava composto por integrantes do partido<br />
nazista.<br />
Esta legislação discriminatória prenunciou a perseguição sistemática ao povo<br />
judeu, criando um sistema racial de reconhecimento de cidadania, baseado, sobretudo, em<br />
critérios relacionados à pureza de sangue. Desta forma, quem não se enquadrasse<br />
biologicamente dentro dos padrões étnicos e culturais, definidos pela ordem jurídica como<br />
oficiais, estaria completamente alijado da proteção estatal, sujeitando-se a qualquer tipo de<br />
anátema.<br />
A regulamentação informada estruturava-se em duas direções: uma se<br />
relacionava aos aspectos formais da concessão e do reconhecimento da cidadania alemã; a<br />
20 Rol apresentado por RAMOS, André de Carvalho; op. cit, parte 2, pp. 163-255.<br />
22
outra, objetivando diretamente à marginalização dos judeus, compunha a delimitação e<br />
identificação dos sujeitos destes direitos.<br />
Dentro da primeira definição, modelando as regras da chamada “Lei da<br />
Cidadania do Reich”, relegou-se discricionariamente ao Estado o poder para a concessão da<br />
cidadania alemã como condição ao exercício de certos direitos fundamentais e proteção<br />
estatal. Os artigos desta lei afirmavam o seguinte:<br />
Artigo 1º: I)- Um sujeito do Estado é uma pessoa que pertence à união protetora do Reich alemão e que tem<br />
obrigações particulares com o Reich. II)- O status de sujeito é adquirido conforme providências do Reich e lei<br />
do Estado de Cidadania.<br />
Artigo 2º: I)- Um cidadão do Reich é aquele sujeito que é alemão ou que é de sangue alemão e que provar,<br />
por sua conduta, que deseja servir fielmente ao povo alemão e ao Reich. II)- O Direito de cidadania é<br />
conseguido pela concessão dos documentos de cidadania do Reich. III)- Somente o cidadão do Reich<br />
desfruta de Direitos políticos completos de acordo com as determinações das leis.<br />
Artigo 3º: O Ministro do Interior do Reich e o substituto do Führer emitirão os decretos legais e<br />
administrativos necessários para executar e completar esta lei.<br />
Complementando os objetivos discriminatórios da legislação apresentada,<br />
também em 15 de setembro de 1935, o governo nazista promulgou a chamada “Lei para a<br />
Proteção do Sangue e Honra Alemã”, que privava os judeus de quase todos os direitos civis<br />
individuais e políticos. Com a iniciativa, cindiu-se a sociedade alemã, para rebaixar<br />
oficialmente os judeus à qualidade de cidadãos de terceira categoria. Esta lei foi<br />
estabelecida nestes termos:<br />
Artigo 1º: I)- São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os<br />
casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido<br />
contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei. II)- Só o procurador pode propor a declaração de<br />
nulidade.<br />
Artigo2º: As relações extra-matrimoniais entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são<br />
proibidas.<br />
Artigo 3º: Os judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou<br />
aparentados com menos de 45 anos...<br />
Artigo 4º: I)- Os judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do<br />
Reich. II)- Mas são autorizados a engalanarem-se com as cores judaicas. O exercício dessa autorização é<br />
protegido pelo Estado.<br />
Artigo 5º: I)- Quem infringir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados. II)- Quem infringir os artigos 3º<br />
e 4º será condenado à prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas.<br />
Artigo 6º: O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do Ministro da<br />
Justiça, publicará as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei.<br />
As premissas que fundamentaram esta legislação extravagante ligavam-se,<br />
sobretudo, à necessidade de oficialização dos valores antissemitas no seio da sociedade<br />
alemã. A introdução de tais elementos anímicos no direito posto, por sua vez, consistiu em<br />
etapa secundária dentro do programa de totalização do poder, que não poderia ocorrer<br />
abruptamente de uma hora para outra.<br />
Assim, da maneira como se deu a manipulação das consciências individuais,<br />
o imaginário social, impregnado de referências simbólicas desqualificantes da comunidade<br />
judaica e de outras minorias étnicas, já estava preparado para receber tal legislação. Estes<br />
grupamentos humanos subordinados foram tendenciosamente identificados como inimigos<br />
do bem comum e como estorvo ao desenvolvimento sócio-econômico.<br />
Parte do projeto de recrudescimento do poder político nazista, desta maneira,<br />
passava de forma imprescindível pela necessidade de formação de mentalidade<br />
nacionalista, baseada no discurso da idéia de pureza de raça, e, o que era antes considerado<br />
como simples conveniência social, transformou-se em obrigação e meta política com a<br />
introdução de tais preceitos no sistema jurídico.<br />
IV- Premissas Discriminatórias de Nuremberg<br />
O estudo e o reconhecimento pedagógico da importância da educação para<br />
os direitos humanos através do aprendizado histórico viabilizam a compreensão da<br />
23
cidadania como requisito imprescindível para se viver com dignidade. Neste sentido,<br />
reconhecemos que o processo de desumanização sofrido pelo povo judeu, necessário ao<br />
projeto nazista de extermínio total, desenvolveu-se aos poucos a partir da decomposição<br />
gradual de aspectos centrais ao direito de cidadania daquelas pessoas.<br />
A cidadania pode ser entendida como a possibilidade de realização do<br />
conjunto de prerrogativas legais individuais, políticas e sociais necessárias para que<br />
determinada pessoa possa usufruir os benefícios e gozar isonomicamente as oportunidades<br />
resultantes da vida em sociedade com justiça e equidade. Seguindo a lógica moral dos<br />
valores humanísticos fundamentais, tal condição existencial pode ser simplesmente<br />
compreendida como capacidade de exercício de direitos e garantias essenciais à vida com<br />
dignidade.<br />
Sem a possibilidade de realização das faculdades disponíveis e indisponíveis<br />
que compõem institucionalmente a figura do cidadão não há nem mesmo como assegurar a<br />
noção jurídica de pessoa. Este termo, por seu turno, relaciona-se à possibilidade de se<br />
titularizar direitos e de se vincular a obrigações em determinado cenário legislativo. Em<br />
regra, somente uma pessoa física ou jurídica pode assumir estas qualidades; coisas e<br />
animais, por exemplo, são apenas objetos de direitos, nunca sujeitos.<br />
Desta maneira, a noção dogmática de homem para o direito positivo, revelase<br />
como a somatória dos atributos físicos e morais que determinada ordem jurídica define<br />
como pertinente em momento específico. Para entender melhor a assertiva, imagine retirar<br />
todo o patrimônio jurídico, físico e moral, arregimentado por alguém durante sua existência<br />
– tal como o nome, a honra subjetiva, os predicados pessoais de estado, os direitos civis,<br />
políticos, individuais e sociais, os bens materiais etc –; nesta situação, o que resta?<br />
Biologicamente vemos um membro da espécie humana; mas, na prática, para o mundo<br />
cívico, não temos nada além de um objeto 21 .<br />
Aliás, espalhados amiúde em diversos momentos históricos significativos,<br />
percebemos diversos exemplos em que membros da espécie foram alijados da condição<br />
humana simplesmente por um capricho conceitual da legislação. Assim ocorreu com as<br />
vítimas diretas do escravismo no Brasil, durante quase duas centenas de anos, com os<br />
negros americanos que vivenciaram as leis de “Jim Crow”, no início do século XX, ou com<br />
os judeus que sofreram a perseguição nazista, oficializada com as “Leis de Nuremberg”.<br />
O fato histórico pode até mudar, mas o processo de desumanização<br />
permanece semelhante. Perceba que a retirada oficial das faculdades que compõem a idéia<br />
de cidadania, em regra através de leis discriminatórias, parece sempre representar o passo<br />
antecedente à transformação de seres humanos em coisas descartáveis, com a retirada<br />
completa de todos os direitos e garantias fundamentais<br />
Neste aspecto, a opinião amplifica-se em importância na medida em que se<br />
verifica que a desumanização derradeira, sofrida pelos judeus que se encontravam sujeitos<br />
ao sistema de dominação nazista, fez parte de processo paulatino de transformação da<br />
consciência coletiva, do qual todos nós ainda hoje estamos sujeitos.<br />
21 O que os direitos humanos procuram fazer é vincular parte significativa do potencial<br />
transformativo da ordem jurídica a serviço do próprio homem, libertando sua definição das<br />
vicissitudes e conveniências de alguma legislação politicamente variante no tempo e no<br />
espaço. Com a noção de dignidade da pessoa humana, transmuta-se a idéia de homem do<br />
“ter” para o “ser”; ou seja, sob a ótica dos direitos humanos, basta ser homem para ter<br />
direitos fundamentais indisponíveis assegurados.<br />
24
O início deu-se com o apelo simbólico a estigmas sociais personificadores<br />
do inimigo objetivo, passou pela perda gradual de cidadania e alcançou o paroxismo, com a<br />
transformação daqueles seres humanos em coisas completamente substituíveis, aptas ao<br />
descarte através da chamada solução final.<br />
Primo Levi, um dos poucos judeus que sobreviveram a Auschwitz, relata<br />
com precisão este processo de degradação sofrido por todas as vítimas do holocausto, ao<br />
descrever o mecanismo sistemático de desumanização que as pessoas submetidas aos<br />
campos de concentração sofreram no apogeu da administração nazista. Para tanto, de forma<br />
contundente, o grande ativista menciona o seguinte:<br />
Condição humana mais miserável não existe, não dá para imaginar. Nada mais é nosso: tiraram-nos as<br />
roupas, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos escutarão – e, se nos escutarem, não nos<br />
compreenderão. Roubarão também o nosso nome, e, se quisermos mantê-lo, deveremos encontrar dentro<br />
de nós a força para tanto, para que, além do nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos... Mas que<br />
cada um reflita sobre o significado que se encerra mesmo em nossos pequenos hábitos de todos os dias, em<br />
todos esses objetos nossos, que até o mendigo mais humilde possui: um lenço, uma velha carta, a fotografia<br />
de um ser amado. Essas coisas fazem parte de nós, são algo como os órgãos de nosso corpo... Imagine-se,<br />
agora, um homem privado não apenas dos seres queridos, mas de sua casa, seus hábitos, sua roupa, tudo,<br />
enfim, rigorosamente tudo que possuía; ele será um ser vazio, reduzido a puro sofrimento e carência,<br />
esquecido de dignidade e discernimento... transformado em algo tão miserável, que facilmente se decidirá<br />
sobre sua vida e sua morte, sem qualquer sentimento de afinidade humana... Meu nome é 174.517; fomos<br />
batizados, levaremos até a morte essa marca tatuada no braço esquerdo... 22<br />
A demonstração desta característica em vários outros momentos históricos<br />
da humanidade indica a discriminação de minorias como característica arquetípica<br />
constante no projeto multigeracional do poder totalitário, que se disfarça na forma, mas<br />
permanece o mesmo no conteúdo.<br />
A professora Maria Luiza Tucci Carneiro, analisando as características do<br />
processo de dominação do Brasil colônia pela coroa portuguesa, suscita a discriminação do<br />
cristão novo, e sua conseqüente exclusão dos setores participativos da sociedade, como<br />
vetor importantíssimo na formação de espécie de cultura da desconfiança, onde somente os<br />
bem nascidos teriam o merecimento suficiente para gerenciar os interesses da nação 23 .<br />
A autorização velada para a eliminação do diferente, do inimigo objetivo,<br />
permanecia como espécie de etapa necessária à solidificação da consciência nacional e ao<br />
desenvolvimento social inclusive no Brasil colonial. A legislação da ocasião, exposta<br />
dentre outras pérolas através dos chamados “estatutos de pureza de sangue”, demonstrou<br />
elementos jurígenos discriminatórios quase idênticos aos do projeto nazista.<br />
Mais uma vez percebemos a necessidade do estabelecimento de estrutura<br />
jurídica conveniente e de um sistema de leis compatível para se efetivar qualquer projeto<br />
totalitário de dominação e controle.<br />
Neste aspecto, retratando com precisão o processo normativo de<br />
oficialização da exclusão e do racismo como peças integrantes de empreendimento mais<br />
amplo de controle absoluto social, é significativa a seguinte constatação apresentada, de<br />
forma percuciente, pela mencionada Professora:<br />
Através do estudo das narrativas discursivas impressas na legislação, podemos perceber como se<br />
processava o sistema de relações sociais articulado de forma a afastar os cristãos-novos do grupo de status.<br />
No início do século XVI, antes mesmo das leis discriminatórias se institucionalizarem em Portugal através da<br />
legislação geral, os cristãos-novos já eram proibidos de ocupar cargos eclesiásticos, de ter acesso às<br />
confrarias, às Ordens Militares e aos cargos de governos administrativos e militares. Ao impor regras para a<br />
22 LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998; p.25.<br />
23 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: Os Cristãos-Novos e o Mito<br />
da Pureza de Sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005; pp. 58-68.<br />
25
seleção de seus membros, essas instituições definiam onde e como deveriam se processar as práticas<br />
sociais. Dessa forma, as atitudes sociais contra o cristão-novo assumiram as características de um racismo<br />
institucional, passando a limitar as escolhas, os direitos, a mobilidade e o acesso de grupos de cristãosnovos<br />
a certas posições. Posições estas consideradas dignas apenas daqueles que não tinham “mancha” da<br />
raça da gente da Nação 24 .<br />
Identificada com o primeiro grupo – o dos preferidos – de um lado, temos<br />
uma massa de pessoas que reproduzem o discurso dominante e que auferem as vantagens<br />
do poder. Percebidos como inimigo objetivo, do outro lado temos os indivíduos e grupos<br />
minoritários marginalizados e renegados, sujeitos à discriminação social e à perseguição<br />
pelos mecanismos de Estado.<br />
Este verdadeiro arquétipo da discriminação e dominação política<br />
institucionalizada pode também admitir variações quantitativas que servem utilitariamente<br />
para disfarçar qualquer vestígio de perplexidade capaz de dimanar crítica ao sistema de<br />
opressivo, o qual faz questão de esconder sua verdadeira fisionomia.<br />
Em alguns outros exemplos históricos, como o modelo deturpado de<br />
cidadania exposto nas chamadas leis de “Jim Crow”, percebemos que o viés discriminatório<br />
da legislação foi camuflado por concessões, ou favores, emprestados pela estrutura de<br />
dominação aos desonrados que, mesmo diante disto, permaneceram aquém da fronteira dos<br />
escolhidos.<br />
Este conjunto difuso de leis específicas, que vigorou por quase cem anos a<br />
partir de 1876, formou verdadeiro sistema jurídico discriminatório em face de minorias<br />
étnicas existentes nos Estados Unidos, como a dos afro-descendentes americanos e<br />
asiáticos. Oficializou-se com tal modelo jurídico espécie de regime de apartheid naquele<br />
país da América do Norte, diferenciando e segregando entre as hipotéticas raças os direitos<br />
de utilização do espaço e dos serviços públicos que, sob certa ótica salutar, deveriam estar<br />
disponíveis a todo cidadão 25 .<br />
Apesar desta maquiagem perturbadora, utilizada para disfarçar o espanto de<br />
suas incongruências morais, o mecanismo excludente de desumanização do outro<br />
permanece intocável na origem do problema, portando-se, fundamentalmente, como etapa<br />
progressiva sintomática de determinado processo de dominação política autoritária.<br />
V- A Efetivação Obrigatória dos Direitos Humanos Fundamentais<br />
Diante de sua dimensão ética, vocacionada à preservação de certos valores<br />
humanos supremos e indisponíveis na sociedade mundial, a própria implementação destes<br />
respectivos direitos também se porta como direito humano fundamental. A efetividade<br />
destes direitos é, desta forma, obrigatória.<br />
Todavia, o que é efetividade? Tal potencialidade admitiria apenas uma<br />
dimensão pragmática, relacionada à concretização destes direitos? Ou poderíamos entender<br />
a efetividade como parte de mudança estrutural na forma de interpretação da norma jurídica<br />
por parte dos administradores e aplicadores da lei? Acreditamos que a resposta à questão<br />
acaba por admitir as duas possibilidades tratadas nestes mesmos questionamentos.<br />
24 Ibidem, pp. 67-68.<br />
25 A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da segregação escolar resultante destes dispositivos<br />
discriminatórios somente em 1954, no caso Brown versus Board of Education. A revogação completa de<br />
todas as outras demais disposições normativas segregacionista somente ocorreu mais tarde, com o Civil<br />
Rights Act, de 1964.<br />
26
No primeiro aspecto suscitado, ressaltamos que o processo de caminhada da<br />
humanidade, apesar dos tropeços renitentes e cheios de opróbrio, tende à conformação<br />
prática de nova geração de direitos, ligados de várias formas à cultura da paz e do respeito<br />
ao outro.<br />
Neste sentido, sem a efetivação propriamente dita dos direitos humanos<br />
fundamentais, não teríamos condições mínimas de conquistar este novo momento histórico.<br />
Torna-se, assim, importantíssima a seguinte lição do Veccio de Turim, que desde 1951<br />
ensinava o seguinte:<br />
Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem<br />
direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as<br />
condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade<br />
dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais;<br />
haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos<br />
não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo. 26<br />
Ocorre que efetividade também indica necessidade de estabelecimento de<br />
nova forma menos dogmática de interpretação de preceitos jurídicos relacionados aos<br />
direitos humanos, ligada mais à preservação do conteúdo valorativo dos direitos<br />
fundamentais que à esterilidade estética de formas inanimadas.<br />
Este segundo aspecto tratado é de suma importância, pois a introdução da<br />
idéia de preservação de valores parece romper o paradigma técnico que enxerga na lei<br />
positivada em algum texto normativo o único limite ao direito e à justiça. Aliás, esta<br />
maneira vetusta de interpretar a norma jurídica foi amplamente utilizada pelos arquitetos do<br />
sistema nazista, que alicerçaram todo o seu projeto de extermínio em estrutura legislativa<br />
kelseniana, perfeitamente válida do ponto de vista formal.<br />
O reconhecimento dos direitos fundamentais introduziu a necessidade de<br />
compatibilidade de conteúdo para a validação de determinadas disposições normativas.<br />
Assim, na prática judiciária, não basta apenas perfeição formal, mas também<br />
compatibilidade material de conteúdo, que não pode ferir a estrutura valorativa<br />
preexistente. Sem o cumprimento desta condição de fundo torna-se inválida tanto a regra<br />
produzida, quanto a decisão judicial ou medida administrativa praticada pelo Estado.<br />
Executivo, Legislativo e Judiciário, como as três esferas de competência<br />
tradicionalmente representativas do poder político no modelo constitucional brasileiro, por<br />
exemplo, devem contribuir igualmente dentro de suas funções para a efetivação destes<br />
direitos em todas as suas dimensões, contribuindo para a formação de cultura de inclusão e<br />
igualdade 27 .<br />
VI- Ações Afirmativas e Oportunidades Sociais<br />
26 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; pp.01-02.<br />
27 Poderíamos citar vários casos onde, em detrimento do dever de efetivação dos direitos humanos<br />
fundamentais, percebemos francamente manifestações mais ou menos veladas de autoritarismo estatal no<br />
Brasil. Citamos alguns tristes exemplos: 1- no Judiciário: decisão do STF que determinou a<br />
constitucionalidade da Lei de Anistia; 2- no Legislativo: retirada do regime de cotas do Estatuto da Igualdade<br />
Racial e modificação da proposta inicial relacionada à Lei da Ficha Limpa; 3- no Executivo: Acordo assinado<br />
entre o Brasil e o Vaticano estabelecendo a volta do ensino religioso nas escolas públicas e a demolição de<br />
monumentos estéticos da opressão.<br />
27
John Rawls, procurando entender o processo de formação das crescentes<br />
desigualdades sociais, evidenciadas sintomaticamente pelo capitalismo tardio, desenvolveu<br />
sua teoria da justiça baseando-se em dois princípios estruturais nodais; quais sejam:<br />
Primeiro princípio. Toda pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades<br />
fundamentais iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos.<br />
Segundo princípio. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. A primeira é<br />
que devem estar vinculadas a cargos e posições abertos a todos e em condições de igualdade equitativa de<br />
oportunidades; e a segunda é que devem redundar no maior benefício possível para os membros menos<br />
privilegiados da sociedade. 28<br />
A idéia das ações afirmativas, como instrumento de concretização de justiça<br />
equitativa, encontra-se descrita no final do segundo princípio e surge como instrumento<br />
político, ligado à necessidade de concretização da igualdade material em Estado<br />
comprometido com a implementação de valores democráticos. Ações afirmativas, em linha<br />
geral, são discriminações positivas, efetuadas pelas três esferas de poder, necessárias à<br />
efetivação de direitos fundamentais.<br />
Apesar de todas as pessoas serem formalmente iguais diante da lei, o que<br />
ocorre na prática é que as profundas desigualdades econômicas e sociais, bem como a<br />
concentração de riquezas, originam ostensivas diferenças de oportunidades, determinando<br />
antecipadamente tendência ao fracasso de uns e o sucesso de outros. As ações afirmativas –<br />
como o regime de cotas para negros, as estabelecidas pelo Estatuto do Idoso e como as<br />
gerenciadas pela Lei 9504/96 29 , por exemplo –, servem justamente para balancear este<br />
desnível social de cidadania, cujas causas podem ser históricas, culturais ou políticas.<br />
As “Leis de Nuremberg”, da maneira como foram introduzidas na sociedade<br />
alemã pelo governo nazista, demonstraram com precisão como a perda progressiva da<br />
cidadania, através da retirada das oportunidades de determinado grupo discriminado de<br />
pessoas, por vicissitudes inerentes ao poder totalitário, é capaz de impossibilitar qualquer<br />
tentativa de concretização do ideal da dignidade humana que nos referimos acima.<br />
Amartya Sen, neste sentido, informa que o desenvolvimento humano poderia<br />
ser visto como processo contínuo de expansão das liberdades substantivas reais que as<br />
pessoas deveriam desfrutar através do exercício de oportunidades sociais 30 . O exercício de<br />
tais liberdades substantivas é mediado por valores, que, por sua vez, são gerenciados por<br />
discussões públicas e interações sociais contínuas. O processo é cíclico e contínuo,<br />
retroalimentando-se de maneira a fechar a cadeia de eventos.<br />
Assim, o desenvolvimento humano pode e deve ser visto de maneira<br />
integrada, através da expansão das liberdades substantivas interligadas – como a liberdade<br />
de participação política, de receber educação básica, assistência médica e outras<br />
correlacionadas.<br />
Estes direitos fundamentais, ao contrário do que ocorreu nos regimes de<br />
exceção que apresentamos nesta exposição, devem ser estimulados e aprimorados<br />
substancialmente pelos gestores da coisa pública, pois, como fatores essenciais ao<br />
28 RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000; pp. 344-345.<br />
29 Tal legislação garante 30% no mínimo de presença feminina nas candidaturas dos partidos políticos.<br />
30 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade; São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003; pp. 18-<br />
19.<br />
28
desenvolvimento da sociedade, estão dependentemente interligados, fomentando-se a si<br />
mesmos como os galhos e folhas de uma mesma árvore.<br />
O fato é que, mediante oportunidades sociais adequadas, os indivíduos<br />
aprimoram sua capacidade de autodeterminação, podendo comandar o próprio futuro e o<br />
dos seus semelhantes através do exercício da solidariedade. Bens materiais e valorativos<br />
bons, via de regra, se social e politicamente cultivados, ensejarão valores melhores ainda,<br />
aprimorando em verdadeira reação em cadeia a prática social existente.<br />
Da mesma maneira, só que em sentido contrário, aprimorando e expandindo<br />
a miséria como resultado material, o estímulo às privações originarão outras privações<br />
maiores ainda, sempre em movimento cíclico, contínuo e crescente.<br />
VII- CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O TEMA<br />
A presente reflexão histórica serviu para entendermos melhor como a<br />
necessidade de efetivação da cidadania e de aprimoramento dos direitos humanos<br />
fundamentais portam-se como requisitos primordiais à valorização do homem como sujeito<br />
de direitos, contribuindo para a prevenção de novas possibilidades de opressão a grupos<br />
populacionais desfavorecidos.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo; São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; Rio de Janeiro:Elsevier; 2004.<br />
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia: Os Cristãos-<br />
Novos e o Mito da Pureza de Sangue. São Paulo: Perspectiva, 2005.<br />
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais; 10ª. ed., São Paulo:<br />
Saraiva, 2008.<br />
LEVI, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1998.<br />
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio: Uma Leitura das Teses “Sobre o<br />
Conceito de História”; São Paulo: Boitempo, 2005.<br />
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional;<br />
Rio de Janeiro: Renovar, 2005.<br />
PEDROSO, Regina Célia. 10 de Dezembro de 1948 – A Declaração Universal dos Direitos<br />
Humanos; série Rupturas; São Paulo: Editora Lazuli, 2006.<br />
RAWLS, John. O Liberalismo Político; 2ª. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000.<br />
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais; Porto<br />
Alegre: Ed. Livraria dos Advogados, 2001.<br />
SCHOENBERNER, Gerhard. A Estrela Amarela: A Perseguição aos Judeus na Europa<br />
1933-1945; Rio de Janeiro: Imago; 1994.<br />
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Editora Cia. das Letras,<br />
2003.<br />
29
INTRODUÇÃO:<br />
Geografia da exclusão e da intolerância:<br />
dos guetos aos campos de extermínio.<br />
Silvia Rosa Nossek Lerner<br />
A diferença entre o antissemitismo tradicional e o antissemitismo moderno consiste<br />
em que o tradicional(aquele) tinha notas religiosas e econômicas, pois os judeus eram mais<br />
ou menos tolerados em função do papel que desempenhavam no jogo histórico: da religião-<br />
como testemunhas teológicas da verdade do cristianismo e da economia - como agentes de<br />
um embrião monetário numa economia tradicional. Viviam porém excluídos do resto da<br />
sociedade, constituindo uma comunidade à parte, dotada de perfil particular e submetida `a<br />
sua própria lei. Em outras palavras, e “ como dizia um jurista alemão do século XVIII,<br />
estavam „in civitate‟, mas não pertenciam à „civitas‟, pois não eram „de civitate‟” 31 . O<br />
antissemitismo moderno, ao contrário, resulta das transformações ocorridas na Europa, a<br />
partir do fim do século XVIII. Entre os importantes fatores deste processo de<br />
transformação cabe mencionar a extensão da cidadania a novos grupos- entre eles os<br />
judeus- que antes não participavam como sujeitos da vida política e social mais ampla. Este<br />
processo de inclusão e assimilação dos judeus e dos outros grupos "civitas" gerou, em<br />
relação aos judeus,<br />
manifestações de intolerância que fizeram do antissemitismo um instrumento<br />
de poder que o prefigura, em suas características, como uma pré-história<br />
do totalitarismo. Neste sentido, o antissemitismo moderno constitui um<br />
elemento de ruptura com a tradição ocidental, como outras tantas rupturas que<br />
no seu conjunto assinalam as tendências históricas do mundo contemporâneo.<br />
ORIGEM DO TERMO GUETO:<br />
O Antissemitismo se apresentou através da História sob várias formas: desde<br />
violentas perseguições e massacres até restrições geográficas. As manifestações geo<br />
restritivas perduraram desde o século XII até a Modernidade na forma clássica de<br />
3 1 Hannah Arendt - Anti-Semitismo, Instrumento do Poder, Ed. Documentário, pág. 13<br />
30
segregação, através da formação de espaços cerrados, amuralhados que se denominavam<br />
GUETO.<br />
Há várias explicações para o termo “GUETO”. Uma delas diz que borgheto, em<br />
italiano, significa um pequeno burgo. Um pequeno burgo quer dizer, um burgo à parte,<br />
periférico.Assim, julga-se que deste diminutivo italiano derivou-se a palavra gueto<br />
significando burgo pequeno, à parte, atrás dos muros, separados, de onde surge o gueto dos<br />
judeus. O termo passa a significar, popularmente o muro, o limite, a barreira que circunda o<br />
bairro judaico, separando-o do resto da cidade.<br />
Em 10 de abril de 1516, os conselheiros da cidade de Veneza decidiram “mandarli<br />
tutti hebrei a star in Geto Nuovo”(mandar todos os judeus para o Gueto Novo), nascendo<br />
assim o termo genérico do bairro judaico separado: GUETO. A palavra veneziana 'ghetto'<br />
era o nome de uma região onde existia uma fundição que fabricava peças para a artilharia<br />
da cidade. Mais tarde, quando os judeus de Veneza foram obrigados a viver nesta região,<br />
fugindo de perseguições, o local passou a designar uma zona isolada onde vivia um povo<br />
confinado. Em 1555, Papa Paulo IV criou o Ghetto Roman através da bula Cum o<br />
absurdum dos nimis, forçando os judeus a viver em uma área especificada. A área de<br />
Roma escolhida para o ghetto era o pedaço mais indesejável da cidade, devido às<br />
constantes inundações causadas pelo Rio Tiber. A área foi designada para conter<br />
aproximadamente 2.000 habitantes. Entretanto, com o passar dos anos a comunidade<br />
judaica cresceu, causando uma superpopulação. Desde que a área não poderia se expandir<br />
horizontalmente (o ghetto era cercado por paredes elevadas), os judeus construíram<br />
adições verticais a suas casas, obstruindo a entrada do sol, tornando as ruas escuras e<br />
estreitas. A vida no Ghetto de Roma era de extrema pobreza, devido às limitações<br />
severas impostas às profissões que foram permitidas aos judeus de executá-las. Este foi<br />
também o último gueto a ser abolido na Europa Ocidental, em 1883.<br />
Em 1602, o Papa Pio IV em sua bula de 27 de fevereiro , usou a palavra gueto<br />
quando autorizou os judeus romanos a abrirem suas lojas “extra ghectum septum<br />
hebraicum” (separados do resto da população).<br />
O Papa Pio V recomendou que todos os estados fronteiriços introduzissem guetos e<br />
no início do século XVII todas as principais cidades tinham um (com as exceções em Itália<br />
31
de Livorno e Pisa). Na Europa Central, guetos existiam em Praga, Frankfurt am Main,<br />
Mainz, entre outros.<br />
Ao separar os judeus dos cristãos, a Igreja visava proteger estes últimos do contato<br />
com a heresia judaica e dos supostos malefícios que a propaganda lhes impunha:o Libelo de<br />
sangue, a profanação da hóstia, o deicidio.<br />
Os judeus do gueto eram obrigados a viver em condições de superpopulação e<br />
sujeira, com suas casas muito próximas umas das outras e sujeitas ao risco de incêndio. A<br />
vida nos guetos teve, no entanto, a vantagem de estimular o auto governo entre os judeus, e<br />
ajudou a evitar a assimilação.<br />
Independente da origem etmológica ou geográfica do termo “gueto”, o fato é que a<br />
instituição nasceu para separar os judeus do resto da população, temendo-se que pudessem<br />
influenciar as populações cristãs , católicas, Uma das primeiras citações do termo "gueto"<br />
pode ser encontrada no preâmbulo do Código das Leis Canônicas esboçado pelo Concílio<br />
da Igreja, realizado em Wroclaw (cidade da Polônia), sob a orientação do Vigário Guido,<br />
em 1266. Neste documento estava expresso o temor da Igreja de que, como o povo polonês<br />
tinha sido recentemente convertido ao cristianismo, pudesse ser influenciado pelos judeus,<br />
pois achavam que os judeus possuíam ensinamentos supersticiosos aliados a uma moral<br />
depravada , sendo preciso defender os cristãos dessa população.Para tanto, foi imposto aos<br />
judeus retirarem-se dos bairros que compartilhavam com os cristãos, isolando-os numa só<br />
“parte da cidade a ser separada das habitações cristãs pelos muros ou fossa” 32 . Na<br />
realidade, o sínodo evocava as decisões muito anteriores do Concílio de Latrão de 1179,<br />
que proibia aos cristãos morarem junto aos judeus.<br />
Nos primeiros documentos da Igreja não há menção ao nome de "gueto" e sim à<br />
antiga designação descritiva bizantina de "Vicus Judaeoran" - que significa, em latim,<br />
bairro judeu.<br />
O temor que introduziu a Igreja a separar os judeus dos cristãos foi causado,<br />
indiscutivelmente, também pela função social e econômica adquirida pelos judeus na Idade<br />
Média, já que eram proibidos de possuir terras.<br />
32 Marcos Margulies , Gueto de Varsóvia – Ed. Documentário, 1974, pág. 47.<br />
32
No gueto, o judeu estava ainda sujeito à legislação que lhe impunha a maneira de trajar,<br />
para ser facilmente identificável: boné triangular , estrela amarela colocada no seu traje,<br />
sendo rejeitado e reconhecido como o “outro”, profissional e religiosamente diferentes ou<br />
estranhos o que facilitou a concentração de antipatias e preconceitos que a homogeneidade<br />
grupal e sua separação geográfica causava no meio da população cristã.<br />
No século XIX, os guetos foram lentamente abolidos e seus muros derrubados, seguindo os<br />
ideais do Iluminismo e da Revolução Francesa.<br />
Porém, a História tem memória e sem a memória não conheceríamos a História. E<br />
esta ultrapassou o tempo fazendo com que velhas idéias retornassem ao século XX.<br />
E os muros subiram novamente.<br />
1 - Velhas idéias, novas roupagens<br />
O que ocorreu aos judeus, às milhares de família judias, em uma realidade na qual as<br />
estruturas políticas, legais e sociais não eram aplicáveis à população judaica, ao mesmo<br />
tempo em que se despojava seus direitos básicos de existência?<br />
Com o advento do nazismo ao poder na Alemanha, em 1933, teve início a política<br />
anti judaica, e que para lograr estes objetivos, os nazistas colocaram em prática três<br />
recursos básicos: a legislação, o terror e a propaganda. Essa política pode ser dividida nos<br />
seguintes períodos:<br />
* de 1933 a 1939:<br />
Processo de exclusão sócio-econômica e cultural, expropriação de bens judaicos<br />
(“arianização” da economia), opressão econômica e incentivo para a emigração do país.<br />
No ano de 1933 foram promulgadas cerca de 40 leis antijudaicas, dentre as quais:<br />
- Boicote contra judeus (01.04): primeira ação antijudaica organizada no âmbito<br />
nacional<br />
- Demissão de serviços públicos (07. 04);<br />
- Queima pública de livros (10.05);<br />
- Exclusão das áreas de literatura, arte, imprensa, música, radiofonia, teatro (22.09).<br />
33
A Queima de Livros em Berlim : início da destruição cultural (10.05.1933)<br />
“Onde se queimam livros, um dia<br />
se queimará home dia se queimará Homens”<br />
* de 1935 a 1938:<br />
Heinrich Heine , poeta alemão<br />
(1797- 1856)<br />
Isolamento e degradação, quando em março de 35 os judeus são excluídos do serviço<br />
militar alemão e se edita as Leis de Nüremberg, também denominada de Lei para a<br />
Proteção do Sangue e da Honra Alemães, em 15 de setembro de 1935 baseadas em<br />
princípios raciais que despojavam os judeus de seus direitos como cidadãos e proibia<br />
casamentos entre “arianos” e judeus. A desobediência a essa lei era punida com a morte.<br />
Também passa a definir quem é Judeu : “a pessoa que descende, pelo menos, de três avós<br />
judeus é racialmente judeu completo”(independente de conversões posteriores). A partir de<br />
então surge um novo conceito: judeu fracionário definido como:<br />
• Judeu ½ = dois avós judeus e que professe a religião judaica<br />
• Judeu ¼ = um(a) avô(ó) judeu ou ser “ariano” casado com um judeu.<br />
* de 1938 a 1941:<br />
Com a Kristallnacht 33 tem início a violência massiva contra os judeus, a expulsão, o<br />
recrudescimento da perseguição e expropriação, a privação completa de todos direitos e a<br />
expansão dessa política para os países ocupados e a “guetoização” 34 .<br />
33 Noite dos Cristais – política de destruição, 8/9 de novembro de 1938, na Alemanha e Áustria<br />
34 Designa o inicio do processo de enclausuramento dos judeus.<br />
34
* de 1941 a 1945<br />
Fase da “Solução Final da Questão Judaica”, ou seja, do extermínio planejado e executado<br />
em escala industrial. A Reunião de Wannsee, em 20 de janeiro de 1942, oficializa a<br />
existência e a construção dos Campos de Extermínio, parte fundamental da implementação<br />
da “Solução Final”(Operação Reinhard), onde 1,7 milhões de judeus foram assassinados, a<br />
maioria entre 1942-3.<br />
OS INDESEJÁVEIS: Quem são as vítimas?<br />
1) A partir de março de 1933: opositores políticos alemães (comunistas, social-<br />
democratas e sindicalistas);<br />
2) A partir de 1935: testemunhas de Jeová e “criminosos trabalhistas”, inseridos no<br />
grupo de antissociais;<br />
3) A partir de 1936: ciganos, homossexuais alemães e austríacos, demais “associais”;<br />
4) A partir de 1938: judeus após a Kristallnacht.<br />
E não sobrou ninguém.<br />
"Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me,<br />
porque, afinal, eu não era comunista.<br />
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me,<br />
porque, afinal, eu não era social-democrata.<br />
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei,<br />
porque, afinal, eu não era sindicalista.<br />
Quando levaram os judeus, eu não protestei,<br />
porque, afinal, eu não era judeu.<br />
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"<br />
Martin Niemoller<br />
35
Martin Niemöller (1892- 1984), pastor<br />
enviado por Adolf Hitler como seu<br />
"prisioneiro pessoal" para o campo de<br />
concentração de Sachsenhausen e depois<br />
Dachau. Ficou preso quase 5 anos, até o<br />
fim da guerra. Recebeu o Prêmio Lenin da<br />
Paz, em 1966.<br />
Quem foram os excluídos da sociedade alemã nazista?<br />
1- Os Roma e Sinti (ciganos), Testemunhas de Jeová, homossexuais, os que possuíam<br />
defeito hereditário ou debilidade mental congênita, não sendo um delito claramente<br />
definido, mas tinham em comum não se encaixarem na sociedade alemã nacional-<br />
socialista e não possuíam a perfeição ariana defendida pelos ideólogos nazistas.<br />
* Testemunhas de Jeová: em novembro de 1933, os primeiros foram colocados em prisões<br />
e em 1935, seu culto é proibido. Esse grupo segue a religião cristã e acreditam na segunda<br />
vinda de Jesus; sua doutrina é contrária ao serviço militar e a símbolos nacionais. Por isso<br />
recusavam-se em servir ao Exército e fazer a saudação "Heil Hitler". Muitos seguidores<br />
passaram a ser internados em campos de reeducação e de concentração onde ficavam<br />
separados dos demais grupos. Os nazistas lhes ofereciam a liberdade, se renunciassem às<br />
suas crenças, mas nenhum deles o fez. Eles também se negaram a fugir e a realizar<br />
resistência ativa.<br />
* As estimativas de Roma e Sinti na Alemanha quando da ascensão de Hitler ao poder, em<br />
1933, variava de 15 mil (0,03% da população total de 60 milhões) a 30 mil (0,045%). O<br />
motivo central para o extermínio dos ciganos foi racial, eles não condiziam com o ideal da<br />
“raça ariana”, sendo discriminados e excluídos da sociedade porque eles não se encaixavam<br />
na sociedade preconizada por Hitler.<br />
36
* Os homossexuais alemães e austríacos (e não da Europa inteira) também vítimas do<br />
nazismo, pois o mesmo era considerado como uma "aberração" e contradizia com o<br />
princípio fundamental da "raça ariana pura". Presos por denunciação eram levados a<br />
campos para serem “reeducados”.<br />
* O Programa de “Eutanásia” foi um dos programas de assassinato das vítimas da política<br />
racista e nacionalista da Alemanha nazista. Era o programa de “eliminação da vida que não<br />
merece ser viviva” visando os deficientes físicos e mentais, também denominado de<br />
Programa T4, por sua administração estar localizada na Rua Tiergarten 4, em Berlim. Ele<br />
teve início na passagem de 1939 a 1940 e foi realizado principalmente na Alemanha. A fim<br />
de evitar a exposição pública deste programa de “purificação” e destruição de deficientes<br />
físicos e mentais, foram erigidos, a partir de outubro de 1940, sete centros de “saúde”, que<br />
eram sanatórios de extermínio: Grafeneck, Hadamar, Bernburg, Sonnenstein, Brandenburg-<br />
Görden, Kaufbeuren e Hartheim. Até o final da guerra, 75 mil deficientes físicos e mentais<br />
foram assassinados.<br />
2- E finalmente, os judeus, pois segundo Hitler “não podem haver dois povos escolhidos,<br />
sendo assim um terá que ser exterminado: os judeus, porque o único povo escolhido é o<br />
alemão.”<br />
O PROCESSO DE “GUETOIZAÇÃO”:<br />
1- A IDENTIFICAÇÃO DO EXCLUÍDO<br />
A obrigação do uso da estrela amarela foi o sinal que a Alemanha instituiu para que os<br />
judeus fossem facilmente identificados. Porém, os primeiros a aplicar esse método foram os<br />
muçulmanos, que no século VII obrigaram os não muçulmanos a distinguir-se por meio de<br />
suas vestimentas. Na Europa, os cristãos impuseram o uso obrigatório desse distintivo a<br />
partir de uma decisão da Igreja católica durante o século XIII: este consistia num chapéu<br />
pontiagudo amarelo.<br />
A Alemanha nazista reinstaurou a obrigação do uso de sinal identificatório a partir de<br />
uma recomendação de Reinhard Reydrich, que se referiu a esses métodos após os eventos<br />
da Kristallnacht. Efetivamente, após a invasão da Polônia, foram publicados os decretos<br />
que obrigavam os judeus a carregar um sinal de identificação.É certo que no inicio não<br />
havia nenhuma decisão acerca da forma ou cor desse sinal. Em decreto de 14 de novembro<br />
37
de 1939 ordenou o uso do bracelete de cor “judaico amarelo”. Em dezembro,uma nova<br />
decisão avisava que apesar do bracelete, deveriam colocar identificações semelhantes no<br />
peito e nas costas. Em setembro de 1941,dois anos após a obrigação de seu uso por parte<br />
dos judeus da Polônia, se publicou uma ordem que obrigava a todos os judeus que estavam<br />
sob o domínio do Reich a usar uma “estrela judaica” sobre suas vestes. A partir de então,<br />
esse sinal se tornou parte dos preparativos da “Solução Final”. A identificação dos judeus<br />
foi adotada como um passo para o processo de sua deportação para o Leste e sua<br />
consequente eliminação.<br />
2 – A SEPARAÇÃO<br />
“Eles visavam reduzir o universo judaico:<br />
A cidade virava bairro,<br />
O bairro se transformava em rua,<br />
A rua em casa,<br />
A casa em quarto,<br />
O quarto em celeiro,<br />
O celeiro em vagão,<br />
O vagão em câmara de gás.”<br />
Elie Wiesel (sobrevivente e Prêmio Nobel da Paz) 35<br />
Durante a Segunda Guerra Mundial, os guetos eram regiões urbanas, em geral<br />
cercadas, onde os alemães concentravam a população judaica local, muitas vezes de outras<br />
regiões, e a forçava a viver sob condições miseráveis. Os guetos isolavam os judeus,<br />
separando-os não só das comunidades envolventes mas também de outros grupos judaicos.<br />
Os alemães estabeleceram pelo menos 1.000 guetos incluindo-se a Polônia, Europa Central<br />
e Oriental. As autoridades alemãs de ocupação estabeleceram o primeiro gueto na Polônia<br />
em Piotrków Trybunalski, no mês de outubro de 1939.<br />
O estabelecimento dos guetos permitiu as autoridades alemãs alcançar determinados<br />
objetivos: os nazistas concentraram os judeus em condições de racionamento e severo<br />
35 Proferido na 1ª. Conferência Mundial de Filhos de Sobreviventes, em Nova York, em 1994<br />
38
controle, expropriação de seus bens, exploração de sua mão de obra, isolamento do mundo<br />
exterior, os converteram em seres desprovidos de força e vontade e incitava a população<br />
local a ter medo de se aproximar da população do gueto. Os alemães também erigiram<br />
guetos nas zonas de ocupação da União Soviética, dos Estados Bálticos e România, entre<br />
1939 e 1942. Em março de 44 quando a Hungria foi conquistada os alemães declararam que<br />
seria estabelecido um gueto em Budapeste. No total, os alemães estabeleceram mais de<br />
1000 guetos na Europa Central e Oriental.<br />
Essa medida excluía o judeu da sua vida cotidiana, de suas atividades profissionais, do seu<br />
círculo social , além de isolá- lo de qualquer contato com a política local e mundial.<br />
Cartaz de entrada do gueto de Lodz: “Moradia dos<br />
judeus: entrada proibida.”<br />
3- O ISOLAMENTO<br />
O gueto de Lodz foi o de maior duração: de<br />
fevereiro de 1940 até 19 de janeiro de 1945.<br />
Embora as ordens e diretrizes viessem geralmente de Berlim, o confinamento<br />
dos judeus em guetos efetivou-se pela iniciativa de cidades e líderes locais. Numa discussão<br />
em novembro de 1939, com Hans Frank e dirigentes de Cracóvia, declarou-se que em<br />
Varsóvia "um gueto separado para judeus deve ser instituído e sua Excelência, o<br />
Governador geral, endossa essa medida". Assim, um gueto oficial foi estabelecido em<br />
Varsóvia, 3 dias depois. Um mapa desse plano foi apresentado ao Judenrat e teve início a<br />
execução da obra. Em agosto de 1940, os alemães anunciaram oficialmente que a cidade<br />
39
seria dividida em 3 setores: alemão, polonês e judaico.<br />
Depois do gueto de Piotrkow Trybunalski, em outubro de 1939 foram paulatinamente<br />
sendo estabelecidos outros guetos na Polônia. Ao todo, foram erigidos mais de 1000 guetos<br />
na Europa Central e Oriental.<br />
O GUETO DE VARSÓVIA<br />
O maior gueto da Polônia foi o de Varsóvia estabelecido formalmente em 2 de<br />
Outubro de 1940. Seis semanas mais tarde, em 15 de Novembro, foi cercado por muros.<br />
No gueto, os direitos dos judeus eram limitados, as suas condições de vida eram<br />
deploráveis e estavam restritos a uma pequena área, facilitando a deportação para os<br />
campos de extermínio. Apesar de que um terço da população era judia, o gueto foi estabelecido<br />
ocupando apenas 2,4% da área municipal., cerca de 2 km quadrados.. A população do gueto<br />
chegou a 450 mil pessoas. Rodeado por muros que foram construídos pelos próprios judeus<br />
e vigiados por guardas de extrema violência, os judeus foram desconectados do mundo<br />
exterior. Porém, dentro do gueto , suas vidas oscilavam entre a desesperada luta para<br />
sobreviver e a morte provocada pela fome e as enfermidades. O gueto excessivamente<br />
povoado se transformou num foco de epidemias e mortalidade que as instituições como o<br />
judenrat e as associações de assistência não conseguiam combater. Ao longo de sua<br />
existência, mais de 80.000 judeus morreram no gueto. Quando as primeiras ordens de<br />
deportação foram recebidas, Adam Czerniakow, chefe do Judenrat 36 , se negou a preparar as<br />
listas de deportados, suicidando-se em 23 de julho de 1942.<br />
Emmanuel Ringelblum, autor do livro Cronica do Ghetto de Varsóvia observou<br />
não ser possível comparar este gueto com o da Idade Média. Naquele tempo, o gueto era<br />
fechado, se tanto, à noite, e embora instituído por decreto hostil, ajudava a manter um modo<br />
de vida judaico e contribuía para a segurança dos judeus. Dentro do gueto, os judeus<br />
estavam protegidos e seguros. O Gueto de Varsóvia, ao contrário, era uma jaula, isolando<br />
mais de 400 mil pessoas como se fossem leprosos. Exceto uns poucos que recebiam<br />
permissão por tempo limitado, de algumas horas ou dias, nenhum judeu jamais saiu para o<br />
outro lado. A única maneira que havia para sair da área do gueto era em vagões de gado<br />
fechados a caminho de campos de concentração ou extermínio.<br />
36 Conselho Judaico que servia de intermediário entre a população encarcerada e os nazistas responsáveis<br />
pelo gueto.<br />
40
Apesar de todas as proibições, dezenas de escolas clandestinas funcionavam dentro<br />
do gueto. Organizações clandestinas conduziam a vida cultural promovendo a cultura<br />
Yidish 37 através de leitura de escritores judeus, emprestando livros, estudando o idioma e a<br />
cultura hebraica, organizando apresentações de Orquestra Sinfônica(com 80 membros),<br />
apresentações teatrais e musicais, além de encontros onde se discutia a política local e<br />
mundial (pois se conseguia jornais). Essas atividades serviam para esquecer a realidade<br />
que viviam dentro do gueto, com a morte e a fome permeando o dia-a-dia dos encarcerados<br />
e proporcionar um pouco de dignidade, apesar da vida indigna que lhes era imposta pelo<br />
domínio nazista.<br />
“No gueto não há crianças, há pequenos judeus...não importa a idade, já trabalham. Esta<br />
criança não tem uma refeição antes de partir para o trabalho...E trabalha durante horas antes<br />
de receber uma sopa aguada...” Yossef Zelkkowicz 38 .<br />
O gueto de Varsóvia foi o maior, mas não o único. O gueto de Lodz foi estabelecido<br />
em maio de 1940, por ser a segunda maior comunidade judaica da Polônia de entreguerras.<br />
“É óbvio que a criação do gueto não é só uma medida conjuntural... Seu objetivo final será<br />
a eliminação total dessa praga” (Instruções de Friederich Ubelhor referindo-se ao<br />
estabelecimento do Gueto de Lodz).<br />
Ainda outros guetos importantes foram estabelecidos nas cidades de Cracóvia,<br />
Bialystok, Lvov, Lublin, Vilna, Kovno, Czestochowas, Minsk e outros mais.. Dezenas de<br />
milhares de judeus da Europa Ocidental também foram deportados para guetos no leste<br />
europeu.<br />
Dos 223 mil judeus que viviam em Lodz em 1939, só sobreviveram 7 mil judeus no<br />
final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Ou seja, aproximadamente, de cada 100 judeus<br />
da cidade de Lodz, somente 3 sobreviveram.<br />
CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO:<br />
Logo após a subida dos nazistas ao poder, foi desenvolvida uma nova forma de<br />
perseguição política: os campos de concentração. Na realidade o termo Campo de<br />
Concentração era usado para definir todos os campos que faziam parte do sistema nazi.<br />
37 Dialeto falado pelos judeus originários da Europa Central e Oriental.<br />
38 Janusz Korczak, Diário de Gueto-<br />
41
Porém, havia diferentes tipos de campos onde a concentração era de uma só forma. Havia<br />
os campos de trabalho, campos de trabalhos forçados, campos de trânsito, campos de<br />
prisioneiros de guerra. A medida que a guerra avançava as condições de vida nos Campos<br />
se tornava cada vez mais intolerável tendo que lidar com as pragas constantes: fome, morte,<br />
doenças, isolamento e racionamento.<br />
O primeiro desses campos , Dachau, foi aberto em março de 1933, perto de<br />
Munich, onde foram aprisionados os oponentes políticos e ideológicos do regime. Os<br />
primeiros prisioneiros eram os comunistas, os Social-Democratas e outros inimigos<br />
políticos do nazismo que necessitavam de reeducação política.<br />
Quando os SS se tornaram a força dominante dentro dos campos de concentração<br />
em lugar da polícia regular, os centros de reeducação foram separados das prisões. Em<br />
1934, Heinrich Himmler, chefe das SS, passou a controlar esses campos estabelecendo um<br />
sistema regular de admissão e supervisão dos prisioneiros. Himmler era a suprema<br />
autoridade e podia se utilizar de qualquer meio de punição inclusive da pena de morte.<br />
Entre 1936 e 1941 um nova categoria de prisioneiros aumentou o número de encarcerados<br />
em Dachau. No inicio de 1937, havia 7.000 prisioneiros, no início de 1939 havia 25.000 e<br />
em meados de 1941 havia 75.000. Todos os aprisionados durante a Kristllnacht foram<br />
enviado para Dachau. Quando os campos, que até então recebiam os antissociais e os<br />
criminosos políticos, passaram a receber uma nova categoria de prisioneiros, os<br />
considerados racialmente inferiores(judeus), o campo passou a ter uma nova função e as<br />
condições de vida passaram a se tornar subumanas. Uma mudança na orientação do campo<br />
ocorreu quando se levou em consideração a situação econômica de época de guerra, a<br />
mão-de-obra dos prisioneiros passou a se integrar com o setor privado da economia. Um<br />
grande número de prisioneiros que possuíam qualificação profissional passaram a integrar<br />
um setor especial de trabalho, sendo enviados para trabalhar em determinadas indústrias.<br />
Porém, com a expulsão dos judeus do Reich, muitos dos prisioneiros que se encontravam<br />
nos campos de concentração na Alemanha, principalmente os que não serviam mais como<br />
mão-de-obra foram removidos para campos na Polônia, que podiam ser de concentração,<br />
de trabalhos forçados ou de extermínio. Até o final da guerra havia campos por todo Reich<br />
e todos territórios dominados.<br />
42
CAMPOS DE EXTERMÍNIO:<br />
Todos esse Campos ficavam situados na Polônia, pois na Alemanha não se faria<br />
“trabalho sujo”. Sua finalidade era exterminar todos os prisioneiros enviados para lá, que<br />
eram os idosos, os improdutivos para o trabalho, doentes e crianças. Cerca de 3.500.000<br />
judeus foram exterminados nos Campos de Extermínio como parte da “Solução Final.”.Os<br />
nazistas iniciaram o assassinato sistemático dos judeus quando invadiram a União<br />
Soviética, em junho de 1941. Inicialmente esse extermínio começou com o fuzilamento,<br />
mas esse método se mostrou pouco eficaz, pois os soldados se queixavam de estar<br />
emocionalmente cansados de tantos fuzilamentos e por outro lado a munição se tornava<br />
cara. Pouco tempo depois, começou a experiência com o gás Zyklon-B, primeiro em<br />
Auschwitz e depois nos outros Campos de Extermínio. Assim que essa experiência se<br />
mostrou eficaz, a hierarquia nazista ordenou que se estudasse a melhor forma para sua<br />
utilização. Desse estudo chegou-se à Câmara de gás. Dentro dessa classificação foram<br />
construídos seis Campos de Extermínio. O primeiro Campo de Extermínio foi Chelmno,<br />
perto de Lodz, operando até o verão de 1944, fazendo uso de “furgões de gás” ,<br />
assassinando cerca de 320.000 vítimas. Maidanek e Auschwitz foi ao mesmo tempo<br />
Campo de Concentração e Extermínio. A seção de Extermínio de Auschwitz foi<br />
estabelecida em Birkenau (daí o nome Auschwitz-Birkenau), em março de 1942<br />
terminando suas atividades em novembro de 1944. Belzec, Sobibor e Treblinka foram<br />
montados em 1942 como resultado da Reunião de Wannseee (Operação Reinhard).<br />
Leve-se em conta que todas essas construções fizeram uso de muitos kms. de extensão ,<br />
para um uso exclusivamente assassino, fruto da técnica e do conhecimento de<br />
engenheiros, arquitetos, químicos, biólogos, diplomados nas Universidades que lançaram<br />
mão da tecnologia e da modernidade.<br />
E PARA ONDE FUGIR?<br />
“Nesta parte do mundo (Europa Central e Oriental), há 11 milhões de judeus... para os<br />
quais o mundo se dividiu em dois: lugares onde não podem viver e lugares para onde não<br />
podem ingressar.” Chaim Weizmann, presidente da Organização Sionista Mundial, 1939<br />
43
RESISTÊNCIA:<br />
“Quando eu vivia num dos campos de concentração da Alemanha Nazista, pude<br />
observar que alguns dos prisioneiros andavam de barraca em barraca, consolando outros,<br />
distribuindo sua últimas fatias de pão. Podem ter sido poucos, mas me ensinaram uma lição<br />
que jamais esqueci: tudo pode ser tirado de um homem, menos a última de suas liberdades:<br />
escolher sua própria atitude, seu próprio caminho, de que maneira vai agir diante das<br />
circunstâncias de seu destino: jejuar no Dia de Yom Kipur ou cantar o Hatikva enquanto<br />
tira suas roupas ante as câmaras de gás, só prova que contrariamente a doutrina Nazista, os<br />
judeus seguiram sendo humanos , mesmo em frente a Auschwitz, mostrando que os valores<br />
judaicos eram importantes até o final e que os judeus queriam declarar sua humanidade<br />
diante de um mundo totalmente desumano.” Viktor E. Frankl (1905-1997) 39<br />
Para Haim Guri y Monia Avrahami 40<br />
Resistir era:<br />
Contrabandear um pão<br />
Ensinar em segredo<br />
Recolher informação e distribuir de forma clandestina<br />
Gritar para advertir<br />
Salvar um rolo de Torá<br />
Falsificar documentos<br />
Passar pessoas através das fronteiras<br />
Registrar fatos e ocultar registros<br />
Estender a mão de ajuda aos necessitados<br />
Ter coragem d e dizer o que pensa, mesmo correndo risco de perder a vida<br />
Enfrentar os criminosos sem armas nas mãos<br />
Fazer contato com o outro lado e contrabandear armas<br />
Lutar com armas, nas ruas, montanhas e bosques<br />
39 De 1933 a 1936, V. Frankl foi diretor do pavilhão das mulheres suicidas do hospital psiquiátrico de Viena. Quando os nazistas tomam<br />
o poder na Áustria, Frankl, correndo risco de vida, sabota as ordens que recebera de proceder à eutanásia de doentes mentais sob seus<br />
cuidados. Em setembro de 1942, Viktor, mulher grávida e família foram deportados para Auschwitz, tendo ele recebido a tatuagem de<br />
prisioneiro nº 119.104. Somente Viktor sobreviveu.<br />
40 Haim Guri y Monia Avrahami, Pnei hamered ,La cara de la rebellion, Buenos Aires, 1985.<br />
44
Rebelar-se nos campos de morte<br />
Sublevar-se nos guetos entre paredes destruídas.<br />
Os judeus reagiram às restrições da vida nos guetos com uma série de tentativas de<br />
resistência. Os resistentes freqüentemente se engajavam nas chamadas “atividades ilegais”,<br />
tais como contrabando de alimentos, medicamentos, armas ou informações obtidas do outro<br />
lado dos muros que os isolavam. Normalmente sem o conhecimento ou aprovação dos<br />
conselhos judaicos, embora alguns deles tolerassem ou encorajassem o comércio ilegal pois<br />
sabiam que aqueles bens eram necessários para a sobrevivência dos moradores dos guetos.<br />
A despeito do fato de que os alemães parecessem dar pouca importância à realização de<br />
cultos religiosos, eventos culturais e reuniões de movimentos juvenis que ocorressem<br />
dentro dos guetos, ao menor sinal de "ameaça à segurança", em quaisquer destas ocasiões,<br />
eles imediatamente encarceravam ou matavam os líderes e participantes das mesmas. Eles<br />
proibiam, sem exceção, qualquer forma de ensino formal ou informal. Porém, estas<br />
continuaram a existir.<br />
O símbolo da Resistência que ficará, para sempre na História:<br />
O LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA.<br />
Foi o movimento mais importante, comandados por Mordechai Anilevitch, os<br />
judeus de todos os movimentos e organizações sionistas, reuniram-se para lutar.<br />
Segundo Israel Gutman no livro Resistência “somente quando não havia mais nenhuma<br />
esperança de sobrevivência foi que começou a resistência armada” . A partir do momento<br />
em que se oficializou a expulsão dos judeus do Gueto de Varsóvia, os integrantes dos<br />
movimentos juvenis se viram diante de dois desafios...contraditórios: garantir a segurança<br />
de seus membros e preparar-se para a luta armada.<br />
Mordechaj (ou Mordechai) Anielewicz (Wyszkow, Polônia, 1920 - 1943), era um<br />
ativista sionista, comandante da Liga Combatente Judaica e líder da Revolta do Gueto de<br />
Varsóvia. Em dezembro de 1942, Anielewicz passou a organizar células armadas de<br />
combate aos alemães, reunindo todas as tendências políticas judaicas. Nesta mesma época,<br />
começaram as deportações em massa de judeus para os campos de extermínio de Treblinka.<br />
Em 1943 foi eleito comandante-em-chefe da Liga Combatente Judaica e estabeleceu<br />
contatos com o governo polonês no exílio, sediado em Londres.<br />
45
Durante os três meses seguintes, todos os habitantes do gueto prepararam-se para aquilo<br />
que eles pensavam poder ser a luta final. Foram cavados túneis por baixo das casas, a<br />
maioria ligadas pelo sistema de esgotos e de abastecimento de água, dando acesso a zonas<br />
mais seguras de Varsóvia.<br />
No dia 9 de janeiro de 1943, Himmler, chefe supremo da Gestapo, chegou, de<br />
surpresa, a Varsóvia, indo até o gueto. Ali se decidiu a ordem de destruí-lo e exterminar<br />
todos os seus habitantes., iniciando a segunda onda de transportes para Treblinka. Cerca de<br />
300.000 das 380.000 pessoas no gueto tinham sido levadas para o campo de extermínio de<br />
Treblinka, onde foram assassinadas imediatamente após a sua chegada, no final do verão de<br />
1942. Assim, no dia 18 de janeiro de 1943, vários batalhões da SS marcharam rumo ao<br />
gueto, mas, pela primeira vez, os alemães foram recebidos ao som de granadas e<br />
metralhadoras. Após sofrerem muitas baixas, as tropas da SS foram obrigadas a retirar. E os<br />
combatentes judeus tiveram algum sucesso: os transportes pararam após 4 dias.<br />
Os líderes da sublevação, encabeçados por Anilevitch, então com 24 anos, fizeram um<br />
apelo ao mundo exterior. Palavras carregadas de emoção foram transmitidas por uma rádio<br />
clandestina: "Declaramos guerra à Alemanha, a declaração de guerra mais desesperada que<br />
já foi feita. Organizamos a defesa do gueto, não para que o gueto possa defender-se, mas<br />
para que o mundo veja a nossa luta desesperada como uma advertência e uma crítica" 41 .<br />
Depois de uma trégua de três meses, em 19 de Abril de 1943, A batalha final começou na<br />
noite de Pessach ( Páscoa judaica) a 19 de abril de 1943. Forças alemãs e colaboracionistas<br />
polacos, ucranianos e lituanos cercaram o gueto. 28 dias durou a luta no gueto.Os<br />
resistentes dispararam e atiraram granadas contra patrulhas alemãs a partir de becos,<br />
esgotos e janelas. Os nazis responderam detonando as casas, bloco por bloco e cercando e<br />
matando todos os judeus que podiam capturar.<br />
A resistência terminou em 16 de Maio de 1943. A revolta foi esmagada pelo<br />
Gruppenführer da SS (então apenas Brigadeführer) Jürgen Stroop. Lutaram não por si, pois<br />
não tinham nenhuma possibilidade de vencer ou escapar. Sabiam, disso. Mas lutaram para<br />
preservar a sua dignidade, resguardar a moral do povo judeu e “não se deixar levar como<br />
cordeirinhos para o matadouro” como dizia Aba Kovner, líder do Gueto de Vilna. Uma<br />
41 Resistência, de Israel Gutman., Ed. Imago, pág. 137<br />
46
centena de judeus escapou pelos esgotos e formou, nas florestas, grupos de guerrilheiros<br />
que continuaram lutando. Alguns tombaram, mas outros se salvaram e puderam contar,<br />
relatar a luta heróica, a luta solitária, desesperada, magnífica, de um punhado de rapazes e<br />
moças, autênticos de um povo, que nunca sonharam em ser heróis, mas tornaram-se heróis.<br />
Mordechai Anielewicz morreu em ação na Rua Mila 18 em abril de 1943, onde se<br />
localizava o bunker e se concentrava todo o comando geral da ZOB 42 e mais 120<br />
combatentes. Nesse local, encontra-se uma pedra gravada com os seguintes dizeres:<br />
"Aqui, no dia 8 de maio de 1943, Mordechai Anielewicz, o Comandante do Levante do<br />
Gueto de Varsóvia, tombou com o Estado Maior de sua organização, ao lado de dezenas de<br />
combatentes, na campanha contra o inimigo nazista".<br />
Após as revoltas, o gueto tornou-se o local onde os prisioneiros e reféns polacos<br />
eram executados pelos alemães. Mais tarde, foi criado um campo de concentração na área<br />
do gueto.<br />
Carta escrita por Mordechai Anilevitch, em Varsóvia, 23 de abril de 1943, durante o<br />
Levante do Gueto:<br />
“Cumpriu-se minha última vontade. Sentimos agora que tudo que passou foi muito pior do<br />
que imaginávamos, e apesar de termos tido idéia do nosso fim, a realidade superou a nossa<br />
imaginação.<br />
Na guerra contra os alemães esforçamo-nos até o máximo de nossas forças, no<br />
entanto, estas se tornam cada vez mais débeis e por fim estão desaparecendo.<br />
Estamos à beira da aniquilação.<br />
Duas vezes obrigamos os alemães a retroceder, porém eles voltaram com<br />
maiores forças. Um dos nossos grupos foi aniquilado após 40 minutos de luta,<br />
outro lutou aproximadamente seis horas.<br />
Nosso depósito de armas explodiu. Sinto que se sucedem acontecimentos<br />
heróicos e que tudo isto, tudo o que fizemos tem um grande valor e uma grande<br />
significação.<br />
Não sou capaz de descrever para vocês a situação em que vivem agora os<br />
judeus no Gueto.<br />
42 Organização de Combatentes Judeus – fundado em Varsóvia em julho de 1942.<br />
47
Pode suceder, talvez um milagre , e que algum dia nos tornemos a ver, mas<br />
duvido, duvido muito que assim seja. O último desejo de minha vida cumpriu-se,<br />
a defesa heróica que ofereceram os judeus teve um grande significado. A<br />
auto-defesa e o desejo de vingança tornaram-se um fato. Sou testemunha das elevadas e<br />
heróicas lutas dos insurretos judeus. Sinto-me feliz por achar-me entre os primeiros<br />
guerrilheiros do Gueto.<br />
Mordechai Anielevitch / Gueto, 23 de abril de 1943.<br />
O levante do Gueto de Varsóvia não foi o único movimento de<br />
resistência armada. Mas o mais importante. Os guetos de Bialistok, Vilna, Lodz, Cracóvia,<br />
Czestechow e Bendzin, também foram palcos de levantes, apesar de que os referidos<br />
guetos terem sido aniquilados. Nos campos de concentração e extermínio também houve<br />
levantes: Treblinka ( 2 de agosto de 1943), Sobibor ( 14 de outubro de 1943), Auschwitz ( 7<br />
de outubro de 1944) e Mathausen (20 de fevereiro de 1945).<br />
----------------------------------------------------------------------------------------------------------<br />
Sugestão de Filmes sobre o tema:<br />
Insurreição - 159‟ – 2001 - Jon Avnet<br />
No Gueto de Varsóvia, em 1942, com as "deportações diárias para o leste", trens levam por<br />
dia seis mil judeus para os campos de concentração, onde eram executados em massa. Um<br />
grupo de judeus, liderados por Mordechai Anielewicz , fizeram a única coisa que os<br />
nazistas nunca esperaram: reagiram.<br />
Fuga em Sobibor – 95‟ - 1987, Jack Gold<br />
Sobibor, campo de Extermínio nazista, foi palco de uma revolta bem sucedida de<br />
prisioneiros em 14 de outubro de 1943. Revoltosos conseguiram matar 11 guardas da SS.<br />
As mortes foram descobertas e 600 prisioneiros fugiram desordenadamente.<br />
* Silvia Rosa Nossek Lerner<br />
Especialização em Estudos do Holocausto pela Escola Internacional De Estudos do<br />
Holocausto – Museu Yad Vashem, Israel<br />
Especialização em História do Século XX pela Universidade Cândido Mendes- RJ<br />
Mestranda em Psicanálise e Arte – Universidade Veiga de Almeida<br />
48
BIBLIOGRAFIA:<br />
ANTOLOGIA – Ghettos- Martirio Y Rebelion – Ensaios y Testemonios , AMIA , Buenos<br />
Aires, 1969.<br />
ARAD, Yitzhak, El Holocausto em Documentos- Yad Vashem, Jerusalém, 1996<br />
ARENDT, Hannah, Origens do Totalitarismo – Anti-Semitismo, instrumento de poder,<br />
Ed. Documentário, São Paulo, 1973.<br />
BAUMAN, Zygmunt , Modernidade e Holocausto, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,<br />
1989.<br />
GUTMAN, Israel – Resistência -O Levante do Gueto de Varsóvia, Rio de Janeiro, Editora<br />
Imago, 1994.<br />
HILBERG, Raul, The Destruction of the European Jews - Holmes & Meier Publishers,<br />
Inc., USA, 1985.<br />
KORCZAK, Janusz, Diário do Gueto, Editora Perspectiva, São Paulo, 1986<br />
LAQUEUR, Walter – The Holocaust Encyclopedia – Yale University Press, 2001.<br />
MARGULIES, Marcos – Gueto de Varsóvia, Rio de Janeiro, Editora Documentário, 1973.<br />
POLIAKOV, Léon – Do Anti-Semitismo ao Anti-Sionismo , São Paulo, Editora Perspectiva<br />
S.A., 1988<br />
49
O HOLOCAUSTO E AS CANÇÕES DO GUETO<br />
1- Contexto histórico<br />
Resistência e repressão<br />
Samuel Belk 43<br />
Os dirigentes da Alemanha, Hitler e Goebels, promoveram a doutrina nazista, com o<br />
objetivo de propagar a idéia de uma raça pura, da qual os alemães seriam descendentes e<br />
transformando como alvo principal os judeus que representariam numa escala decrescente<br />
uma raça inferior. Estas idéias, desenvolvidas por filósofos e pensadores racistas como<br />
Gobineau, Chamberlein, Bauer e Wagner, entre outros, tiveram um desenvolvimento<br />
efetivo depois que eles assumiram a direção do Partido Nacional Socialista dos<br />
Trabalhadores Alemães, na década de 20.<br />
Após a primeira guerra mundial, a Alemanha atravessou uma crise econômica sem<br />
precedentes, com milhões de desempregados. Assim que o Partido assumiu o poder, surgiu<br />
um clima favorável aos nazistas para ganhar a estima do povo alemão e propor a solução<br />
para a crise econômica, jogando sobre os judeus, a responsabilidade pela referida crise,<br />
alem de, como raça inferior, serem considerados os responsáveis pelas pragas, doenças e<br />
outros males que infestavam o país, o que serviu de pretexto aos nazistas para as medidas<br />
discriminatórias.<br />
Para impressionar e obter o apoio popular, eles promoviam grandes espetáculos, paradas<br />
militares imponentes e utilizavam meios de persuasão através do rádio e da imprensa, na<br />
qual se pode destacar o jornal “Der Stürmer”, que eles adquiriram especialmente para<br />
destilar veneno contra judeus, dirigido por Julius Streicher.<br />
Vários meios de propaganda foram utilizados pelos nazistas, como os símbolos da águia e<br />
da cruz swastica, bandeiras, o uso de cores fortes como o vermelho, cor revolucionária<br />
que eles copiaram dos comunistas, a cor preta, uma cor forte que chama a atenção, utilizada<br />
na águia e o branco que corresponde à luz. As cores, que têm conotação cultural foram<br />
também utilizadas posteriormente para identificação de prisioneiros, nos campos de<br />
concentração. Assim prisioneiros políticos eram identificados pela cor vermelha e políticos<br />
judeus, com a estrela de David, também em vermelho.<br />
Outro veículo de propaganda nazista foram as produções cinematográficas de caráter antisemita<br />
e de propaganda subliminar contra os judeus, que eram considerados como um vírus<br />
propagador de doenças mortais. Este veículo foi dirigido por uma “famosa” cineasta<br />
chamada Leni Riefenstahl, que realçou de forma grandiosa os “salvadores” do povo<br />
alemão.<br />
43 *Samuel Belk- Engenheiro, Mestre na Área de Letras, pela Faculdade de Filosofia da USP,<br />
Roteirista, Diretor Musical; Diretor de Pesquisas do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro e Editor<br />
do Informe Mensal.<br />
50
Foi também usado pelos nazistas, o classicismo na arte para sua propaganda política, com a<br />
exaltação da beleza, do respeito aos costumes e à moral, (que não respeitavam), em<br />
contraposição a arte moderna, que era por eles considerada uma perversão.<br />
Finalmente a própria arquitetura se tornou um instrumento nazista do discurso totalitário.<br />
Espaços grandiosos, edifícios altos, linhas retas etc. A arquitetura seria a eternização da<br />
raça superior, tanto é que Hitler já estava prevendo, caso ganhasse a guerra, um projeto<br />
megalomaníaco para a Nova Berlim. Uma avenida monumental, tendo um eixo central,<br />
com 5 quilômetros de extensão, com serviços de lazer de um lado e serviços institucionais<br />
do outro.<br />
A entrada para esta avenida teria um enorme Arco do Triunfo ( eles adoravam a<br />
arquitetura clássica francesa ) e do lado oposto, um edifício envolvente frente a uma<br />
enorme praça, onde seriam realizados os comícios do partido.<br />
Desde 1922 o partido nazista iniciou a preparação de quadros politizados para implementar<br />
a ditadura, o aniquilamento completo das oposições e a destruição do judaísmo europeu.<br />
Ele funda o Movimento Juvenil do partido, rebatizado em 1923 de Juventude Hitlerista. Em<br />
1928, para reforçar ainda mais a formação de alemães obedientes ao culto do nacional<br />
socialismo, cria grupos infantis de 10 a 14 anos na Juventude Hitlerista.<br />
Em 1934, já no governo, ele organiza acampamentos para a doutrinação dos jovens, tendo<br />
somente neste ano preparado 42.387 líderes e instrutores. Logo a seguir tornou<br />
compulsória a filiação de todos os jovens alemães na Juventude Hitlerista.<br />
A perseguição aos judeus na Alemanha<br />
Na década de 30, os nazistas iniciaram as primeiras discriminações contra os judeus<br />
alemães, afastando professores das universidades, proibindo-os de exercer funções<br />
públicas, exercer atividades comerciais, profissões liberais, inclusive a medicina e ainda<br />
freqüentar lugares públicos, manter telefones e rádios em suas residências e outras<br />
mediadas inimagináveis.<br />
Em 15 de novembro de 1935 foram editadas as Leis de Nuremberg. Por elas os judeus não<br />
podiam realizar matrimônios com alemães a fim de preservar a pureza do sangue ariano. A<br />
transgressão era punida com a morte. Todos os estabelecimentos judeus foram confiscados<br />
e entregues a comissários alemães privando-os assim de toda e qualquer sustentação<br />
econômica. Estas leis foram também estendidas para a Áustria, país incorporado pela<br />
Alemanha em 1938. Antes da Segunda Guerra Mundial permaneciam sob controle alemão<br />
cerca de 500.000 judeus.<br />
Por volta de 1938, membros das SS e grupos nazistas deram inicio a uma série de pogroms<br />
em toda Alemanha, com incêndio de sinagogas, casas comercias, depredação, saque de<br />
residências judaicas, prisões e de segregação de judeus em guetos. Foram destruídas cerca<br />
de 7.500 lojas e fábricas no que resultou em 90 mortes e centenas de feridos. Nesta ocasião<br />
milhares de judeus conseguiram emigrar da Alemanha, porem não puderam levar nenhum<br />
51
de seus bens, despojados que foram pelos alemães, tendo emigrado com a coragem e a<br />
roupa do corpo.<br />
A segunda guerra mundial<br />
No dia 1 de setembro de 1939 eclodiu a segunda grande guerra mundial, como parte do<br />
plano de expansão da Alemanha e de domínio do mundo, projeto de um psicopata do qual<br />
até então os países europeus não tinham tomado conhecimento. Os nazistas iniciaram seus<br />
primeiros ataques contra a Polônia. Uma semana antes, a Alemanha tinha assinado um<br />
pacto de não agressão com a Rússia, onde ficou firmado que a Polônia seria dividida entre<br />
eles. Em menos de um mês a Polônia se rendia e logo em seguida foi feita a partilha<br />
combinada, entre os dois parceiros. Nesta ocasião a Polônia tinha uma população judaica de<br />
3.350.000 pessoas, tendo ficado sob o domínio alemão, nesta fase da guerra, cerca de<br />
2.000.000 de judeus poloneses.<br />
Após a agressão à Polônia e quando se deram conta da queda deste país e seu significado, a<br />
França e a Inglaterra declararam em 3 de setembro de 1939 guerra à Alemanha e que mais<br />
tarde começou a envolver um grande número de países. Estes passaram a ser chamados de<br />
“Aliados”, enquanto a Alemanha, com a participação da Itália e do Japão, passou a ser<br />
chamados de “Eixo”.<br />
Os nazistas tomaram sem muito esforço a Noruega, a Bélgica, a França, tendo hasteado em<br />
Paris sua bandeira com a suástica, em 14 de junho de 1940. Logo se renderam a Bulgária,<br />
Iugoslávia e também a Grécia Em junho de 1941, apesar do pacto de não agressão a<br />
Alemanha declarou guerra à Rússia e imediatamente tomou posse da outra metade da<br />
Polônia e avançou em uma grande extensão do território russo, tendo alcançado a cidade de<br />
Tula, situada a 25 quilômetros da capital russa.<br />
Com a dominação quase total dos países europeus, inclusive de toda Polônia e ainda parte<br />
da Rússia, os nazistas tomaram em suas mãos a maioria dos judeus da Europa e iniciaram<br />
progressivamente a colocar em prática seu plano sinistro de aniquilamento da população<br />
judaica. Somente na Polônia havia 3.350.000 judeus, correspondendo a mais de 10% da<br />
população polonesa<br />
Em dezembro de 1941, com os alemães diante de Moscou, os russos começaram uma<br />
contra ofensiva e conseguiram salvar a sua capital. A guerra no entanto continuava.<br />
A solução nazista para o aprimoramento da raça ariana<br />
Nos países dominados, os nazistas iniciaram um verdadeiro terror contra população judaica<br />
e para isso eles ainda contaram com o apoio, na maioria dos países eslavos, com as<br />
autoridades e populações locais. Foram organizados pogroms, com assassinatos<br />
indiscriminados, perseguições, pilhagens de bens e especialmente destruição de sinagogas.<br />
De início, eles obrigaram os judeus a se mudarem das cidades grandes, para povoados das<br />
redondezas. Logo em seguida eles mudaram de idéia preferindo concentrar os judeus em<br />
locais restritos para maior facilidade de controle. Assim criaram então os guetos,<br />
52
especialmente na Polônia, onde concentravam a maioria dos judeus, inclusive aqueles<br />
trazidos de outros países ocupados da Europa, alem da própria Alemanha.<br />
Os guetos eram implantados nas grandes cidades, em bairros paupérrimos, de onde era<br />
retirada a população não judaica. Ao se transferir forçadamente para os guetos os judeus<br />
que eram obrigados abandonar as suas casas onde moravam, somente podiam levar um<br />
número restrito de bens, o equivalente a 25 quilos. Os guetos eram mantidos sem nenhuma<br />
comunicação com o exterior. Eram cercados geralmente por muros altos e as entradas<br />
guarnecidas por soldados alemães e poloneses. Os judeus não tinham permissão para sair<br />
de lá, a não ser que trabalhassem em indústria alemã, fora do gueto e tivessem salvoconduto.<br />
A vida nos guetos se tornou insuportável pelas precárias condições de higiene e em total<br />
promiscuidade, por excesso de população, falta de alimentos e de fontes de sustento. Assim<br />
por exemplo no gueto de Varsóvia, criado em novembro de 1939, foram concentradas<br />
500.000 pessoas, onde cabiam somente 35.000, em condições normais de habitação. No<br />
gueto de Lodz, também criado na mesma época, foram encurralados cerca de 162.000<br />
judeus, num bairro de grande pobreza, onde viviam antes 12.000 pessoas. Também foram<br />
instalados guetos em Bialostok, Cracóvia, Rowno, Lublin, Lvov, Vilna, Riga, Minsk,<br />
Sosnoviec e outras cidades.<br />
Esta primeira fase consistiu na exploração de mão de obra escrava para a indústria nazista,<br />
alem de um aniquilamento lento das pessoas através da fome, doenças, frio e simples<br />
assassinatos efetuados ao acaso.<br />
A segunda fase foi a transferência dos judeus dos guetos para os campos de concentração,<br />
que eram constituídos de enormes barracões de madeira, com camas beliche e dotados de<br />
cercas de arame farpado eletrificadas. Nesta ocasião os judeus eram despojados de suas<br />
roupas, sapatos e a maioria dos objetos pessoais, recebendo um uniforme do tipo<br />
presidiário, tamancos e a tatuagem de um número no braço, que servia de identificação.<br />
Eles eram também separados das esposas e dos filhos.<br />
A terceira fase, conhecida como a “Solução Final” foi a transferência para os campos de<br />
extermínio onde as pessoas eram assassinadas mediante a utilização de gases tóxicos e<br />
incineradas em fornos crematórios.<br />
2- Repressão: Os guetos e a destruição do judaísmo europeu<br />
Para se ter uma idéia da vida da população judaica, na mão dos nazistas nos guetos,<br />
considerada a primeira fase da “Solução Final”, relatamos o que se passou no primeiro<br />
gueto implantado, o gueto da cidade de Lodz, descrição feita por sobreviventes e que serve<br />
de paradigma para o conhecimento das ocorrências nos demais guetos.<br />
Em 17 de setembro de 1939, o exército soviético invadiu a Polônia de acordo com o plano<br />
de divisão acertada com a Alemanha, A parte oeste e central da Polônia coube à Alemanha,<br />
53
onde uma população de 22.000.000 de pessoas ficou sujeita ao regime nazista, a partir de 8<br />
de outubro.<br />
Nesta região incorporada pelos nazistas se situava a cidade industrial polonesa de Lodz,<br />
que possuía a segunda maior população judaica, cerca de 250.000 pessoas. Todas as ruas da<br />
referida cidade passaram a ser rebatizadas com nomes alemães. Lodz era um dos maiores<br />
centros têxtil e de manufatura da Europa Central, tendo passado a servir inteiramente à<br />
máquina de guerra nazista.<br />
Logo que o domínio nazista se estabeleceu em Lodz, implantaram-se regulamentos<br />
específicos anti-judaicos como: proibição de cerimônias religiosas, congelamento de<br />
contas bancárias, confisco de rádios portáteis, proibição de possuir meios de transporte<br />
particular e outros alem de obrigar o uso da estrela de David na roupa, para os judeus<br />
serem facilmente identificados.<br />
Em seguida, os nazistas conceberam enclausurar os judeus em guetos, zonas especialmente<br />
escolhidas e cercadas sob o pretexto de proteger os não judeus de judeus e de controlar os<br />
judeus, pretensamente acusados de cooperar com os inimigos dos alemães. Lodz foi a<br />
primeira cidade polonesa onde se criou um gueto, localizado num bairro da cidade, o mais<br />
pobre e deteriorado e dela retirada a população não judaica.<br />
Na área do gueto, com aproximadamente 4 quilômetros quadrados foram alojadas 250.000<br />
pessoas em condições totalmente subumanas. Não havia água corrente nos apartamentos,<br />
nem eletricidade, tendo sido cortados também serviços públicos como correio e bombeiros.<br />
Para se ter uma idéia da superpopulação, a taxa de ocupação era aproximadamente de 3,5<br />
pessoas por aposento. Todos os bens pessoais foram confiscados durante a mudança de suas<br />
residências.<br />
O gueto de Lodz, onde não era permitido sair, sem salvo conduto, tornou-se logo um campo<br />
de trabalhos forçado, com mão de obra escrava para oficinas e indústrias alemãs, aí<br />
localizadas. Os produtos produzidos por judeus do gueto para uso dos alemães eram<br />
trocados por matérias primas e alimentos. O que saia do gueto era desvalorizado e o que<br />
entrava era super valorizado, uma maneira de empobrecer mais a população, alem de que os<br />
alimentos se tornavam cada vez mais escassos.<br />
A fome, a super população e falta de condições sanitárias, causavam epidemias como o tifo,<br />
resultando então em conseqüência um grande número de mortes quase que diariamente.<br />
Em 2 de junho de 1940 iniciou-se o racionamento de alimentos que passou a ser feito<br />
através de cartões. A direção do gueto era confiada ao chefe da “Administração Judaica”, o<br />
judeu mais idoso, chamado Chaim Rumkowski, uma figura controvertida, escolhida pelos<br />
alemães.<br />
Em 7 de dezembro de 1941 os nazistas criaram o primeiro campo de extermínio em<br />
Chelmno, próximo a Lodz, dando assim prosseguimento ao seu plano sinistro de<br />
extermínio dos judeus em grande escala, programa aprovado na Conferência de Vannsee,<br />
em continuação ao extermínio que se praticava no gueto, “naturalmente”, por doenças e<br />
54
assassinatos ocasionais. Entre janeiro e maio de 1942, 55.000 pessoas, um terço da<br />
população do gueto, foi levada a Chelmno e barbaramente assassinada.<br />
De janeiro de 1942 a abril de 1943 o gueto foi obrigado a fornecer diariamente 1.000<br />
pessoas, escolhidas pelo administrador Rumkowski, segundo critérios não conhecidos e<br />
levados para o campo de extermínio vizinho. Com o esvaziamento gradual do gueto, diante<br />
dos assassinatos planejados, os nazistas começaram a assentar novos moradores, futuras<br />
vítimas, trazidas de outras partes da Europa como Boêmia, Morávia, Áustria, Luxemburgo<br />
e da própria Alemanha.<br />
Em 1944, o gueto de Lodz estava praticamente liquidado. Com o início da derrota alemã e<br />
seu recuo face ao avanço das tropas soviéticas, tinham restado em Lodz exatamente 877<br />
pessoas, e entre elas algumas, que se empenharam em salvar todos os arquivos e<br />
documentos da comunidade judaica<br />
Foi somente em 7 de maio de 1945, com a assinatura no quartel general de Eisenhower, em<br />
Reims, quando se deu a rendição incondicional de todas as forças alemães, é que teve um<br />
paradeiro ao massacre de judeus. A segunda guerra mundial realmente terminou em<br />
setembro de 1945, quando se deu a capitulação do Japão, parceiro dos nazistas e da Itália, o<br />
outro parceiro, que tinha se rendido em 2 de maio. Terminada a guerra, aproximadamente<br />
6.000.000 de judeus tinham sido varridos da face da terra, num espetáculo monstruoso que<br />
jamais podia ser imaginado pelo gênero humano.<br />
3- A música como resistência<br />
As canções do gueto<br />
No século XVI, um grande número de judeus do médio Reno, da Alemanha, se estabeleceu<br />
na Boêmia, Polônia Lituânia e Rússia, em cidades e aldeias. Eles trouxeram de lá a língua<br />
que falavam<br />
o ídish e toda sua bagagem intelectual e seu modo de vida. A Polônia se tornou a partir do<br />
século XVIII, a principal concentração de judeus da Europa e o seu principal centro de<br />
cultura e aprendizado.<br />
As primeiras canções de que se tem conhecimento desta época tem características<br />
marcadamente religiosas. O estudo do Talmud era por todos desejado, entendendo-se que<br />
isso traria segurança econômica na terra e a benção do céu. Uma canção que ilustra esta<br />
tendência é cantada por uma mãe .<br />
Sob o berço de Yankele Yankele estudará torá<br />
Encontra-se um cabrito branco Irá escrever livros<br />
O cabrito saiu para vender Uma pessoa boa e piedosa<br />
Uva passa e amêndoas Ele sempre será.<br />
Esta é a melhor mercadoria<br />
55
As canções dos "shteitlach" (1) judaicos da Europa, especialmente da Polônia, foram se<br />
diversificando aos poucos. De canções sobre casamentos, passou-se a canções de amor,<br />
satíricas e populares que passaram a abordar temas seculares.<br />
De um modo geral as canções que surgiram nos século XVIII XIX e começo do século XX<br />
podem ser classificadas, segundo os critérios adotados pela etnomusicóloga Eleonor<br />
Gordon Mlotec: (8) canções de amor, pobreza, dramas pessoais, alegria, esperança por dias<br />
melhores, tragédias costumes, emancipação da mulher, canções de ninar, perseguições<br />
sofridas e outras.<br />
As canções produzidas nos guetos foram de temática mais restrita, uma vez que refletiam a<br />
vida limitada que os judeus ai levavam, descrevendo assuntos como: superpopulação, falta<br />
de alimentos, anormalidades, humilhações, canções sarcásticas, bem como de esperança por<br />
dias melhores.<br />
“A canção popular judaica da segunda guerra mundial foi criada pelo sofrimento,<br />
privações, degradações, temor, luta, heroísmo e morte. Textos e melodias de autores<br />
conhecidos e desconhecidos descrevem a destruição de uma enorme população judaica,<br />
na mão de uma tirania inigualável da história do mundo. Recordando as crônicas do<br />
século XVII, estas canções memorizam e condenam a força nazista e de seus dirigentes,<br />
que por seis anos se empenharam numa expropriação sádica dos bens judaicos,<br />
deslocando seres humanos de um lugar para outro, explorando e conduzindo-os até a<br />
morte. Este macabro programa de um poder militar organizado, numa brutal guerra<br />
contra uma população de milhões de pessoas desarmadas, é revelado em centenas de<br />
canções escritas por homens, mulheres, crianças, velhos e jovens, num desesperado<br />
esforço de sobreviver”.<br />
O trabalho escravo em condições desumanas e o trabalho forçado de limpeza de ruas<br />
em campos de concentração gerou a seguinte:<br />
Domingo e segunda permanecemos nos buracos<br />
Terça e quarta temos febre<br />
Quinta e sexta partimos pedras<br />
Sábado temos os ossos quebrados<br />
No gueto de Varsóvia, a seguinte canção era utilizada como um meio de defesa,<br />
muitas vezes lançada corajosamente, na face do invasor:<br />
Para que choramos, para que se lamentar<br />
Falaremos ainda kadish (2) por Frank (3)<br />
Fiquemos alegres e contemos piadas<br />
Ainda por Hitler ficaremos de luto<br />
Vamos nos confortar e esquecer nossa tragédia<br />
Em abril de 1943, os nazistas retiraram os últimos 400 judeus da província de Vilna, de<br />
cidades como Sventsian, Osheme, Tal, Vitdz e outras, sob o pretexto de transferi-los para o<br />
gueto de Kovno, porem embarcou-os de trem para Ponar, um campo de extermínio situado<br />
56
10 quilômetros adiante. Os judeus que perceberam a manobra iniciaram uma luta brava<br />
contra os guardas alemães ferindo e matando muitos deles, porem somente alguns<br />
conseguiram escapar. A balada que se segue descreve este trágico acontecimento:<br />
(2) Kadish- Oração pelos mortos<br />
(3) Frank- governador da Polônia ocupada<br />
(4)Sheitl,- plural shteilach- pequenas cidades com população com predominância<br />
judaica<br />
Em Vilna surgiu uma nova ordem<br />
Para trazer os judeus das cidadezinhas<br />
Trouxeram todos, de jovens a velhos<br />
Também até doentes acamados<br />
O campo de concentração foi cercado<br />
Começaram então a selecioná-los:<br />
Judeus de Osheme seriam remanejados para Vilna<br />
E judeus de Sole seriam levados para Kovno<br />
Levaram-nos para fora do campo<br />
Jovens e novas vítimas<br />
Levaram-nos todos juntos<br />
Nos mesmos vagões fechados<br />
O trem se movia vagarosamente<br />
Apitando e tocando sirenes<br />
Estação Ponar, o trem para<br />
Desligam os vagões<br />
Então perceberam que foram enganados<br />
Estão levando-os para a terrível matança<br />
Quebraram as portas dos vagões<br />
E procuraram escapar<br />
Lançaram-se sobre a gestapo<br />
E rasgaram seus uniformes<br />
Alguns alemães mortos<br />
Caíram ao lado dos judeus assassinados<br />
Os guetos da província<br />
Forneceram 400 mártires<br />
E os seus pertences foram levados<br />
De volta, nos mesmos vagões<br />
Shmerke Kaczerginski, poeta e escritor nascido na cidade de Vilna, em 1928, conseguiu<br />
sobreviver no Gueto de Vilna, onde fazia parte do grupo de resistência. Quando tinha 7<br />
anos de idade, seus pais faleceram por falta de alimentos durante a primeira guerra mundial.<br />
Participou de organizações políticas tendo se destacado na produção de canções<br />
revolucionárias que se espalharam pelo mundo judaico.<br />
57
Foi preso, pela polícia polonesa, tendo passado algum tempo na cadeia. Nesta ocasião<br />
escreveu diversos contos de conteúdo social bem como algumas reportagens sobre a vida<br />
do trabalhador na Polônia. Um de seus livros “Eu, que era um Partizan” foi publicado em<br />
português. Em 1929, ele funda o grupo “Jovem Vilna”, uma sociedade literária, do qual se<br />
tornou um dos dirigentes e foi também correspondente do jornal novaiorquino “Morgen<br />
Fraihait”.<br />
Enquanto esteve internado no gueto de Vilna coletou cerca de 250 canções lá produzidas,<br />
e editadas pela Cico Bicher Farlag, de Nova York, em 1948. Faleceu em 23 de abril de<br />
1954, num acidente de aviação, na Argentina, onde estava realizando palestras, nas cidades<br />
de Mendonça e Buenos Aires.<br />
Entre 1942 e 1945 ocorreram revoltas em guetos e campos de concentração, evidentemente<br />
com pouco resultado prático. Uma população totalmente desarmada e confinada,<br />
dificilmente poderia ter êxito contra um exército nazista, armado até os dentes.<br />
A mais expressiva revolta, conhecida como o Levante do Gueto de Varsóvia, ocorreu em<br />
abril de 1943, onde os judeus conseguiram manter uma ofensiva de quase um mês contra<br />
uma máquina de guerra alemã, que muitos países com seus exércitos, não conseguiram<br />
suportar, sequer durante uma semana.<br />
O que restou mesmo foram as canções, a única arma com que os judeus se mantiveram<br />
enquanto vivos e que nos transmitiram através delas, sua coragem, sua luta pela<br />
sobrevivência e seus anseios de vida, até finalmente o seu quase total aniquilamento, pela<br />
barbárie nazista.<br />
A Conferência de Wannsee<br />
Em 20 de janeiro de 1942 a alta cúpula nazista se reuniu em Am Gossen Wannsee,<br />
num subúrbio de Berlim, na conhecida Conferência de Wannsee, para decidir o modo<br />
operacional de implantação da assim chamada Solução Final (a terceira etapa como<br />
nos já referimos).<br />
A reunião não durou mais do que uma hora e meia, tendo depois sido servido drinks e<br />
almoço. “Uma íntima reunião social” como a consideraram os chefes nazistas,<br />
destinada a fortalecer os contatos pessoais necessários para implementação do<br />
“grandioso” programa. O termo Solução Final foi por eles utilizada como regra de<br />
linguagem, para encobrir diante da opinião pública mundial e das próprias vítimas, os<br />
termos: extermínio, assassinato ou eliminação.<br />
De acordo com as diretrizes traçadas nesta Conferência, em setembro deste mesmo<br />
ano, os nazistas iniciaram a deportação das crianças com menos de dez anos e dos<br />
anciãos com mais de sessenta e cinco anos de idade, dos guetos para os campos de<br />
extermínio.<br />
Um observador judeu do gueto de Lodz escreveu em 16 de setembro posteriormente à<br />
deportação:<br />
58
"As pessoas foram retiradas das casas, filhos arrancados das mães e pais dos filhos.<br />
A evacuação das crianças e dos anciãos se tornou uma triste realidade<br />
As crianças eram carregadas em carretas puxadas por cavalos. Elas nunca tinham<br />
visto cavalos de verdade e esperavam um passeio alegre.”<br />
Muitas crianças se salvaram utilizando esconderijos. Outras foram levadas por suas<br />
mães para fora do gueto e entregues para orfanatos ou famílias polonesas e instruídas<br />
para esquecer seus nomes judaicos e se manterem discretas.<br />
Muitas vezes eram abandonados à própria sorte junto à porta de casas polonesas. Este<br />
trágico acontecimento foi descrito numa canção, “Uma Criança Judia”, de autoria<br />
de Chana Weinstein, uma sobrevivente dos campos de concentração.<br />
Num povoado lituano distante In a litvish derfl vait<br />
Há uma casa isolada Shteit a shtibl in a zait.<br />
Através de uma janela pequena Duch a fenster nit kein grois<br />
Crianças observam a rua, Kukn kinderlech arois,<br />
Meninos com mentes vivas, Ingelech mit flinke kep,<br />
Meninas com tranças loiras, Meidelech mit blonde tzep,<br />
E lá junto com eles Und tsuzamen dort mit zei<br />
Dois olhos negros observam Kukn oign shvartse tsvei<br />
Olhos negros cheios de charme, Shvartse oign ful mit chein,<br />
Tem um nariz bonito e pequeno, Hot a nezele a klein,<br />
Lábios prontos para beijar, Lipelech tzum kushn nor,<br />
Cabelos negros fortemente ondulados, Shtark gelokte shvatze hor,<br />
A mãe o trouxe aqui S’hot di mame im gebracht<br />
Envolto na escuridão da noite, Aingeviklt in der nacht,<br />
Beija-o fortemente e lamenta, Shtark gekusht un geklogt,<br />
Ela lhe diz baixinho Shtilerheit tzu im gezogt:<br />
Aqui meu filho, será tua morada, Do main kind, vet zain dain<br />
ort,<br />
Preste atenção na palavra de tua mãe Her je tzu dain mames vort<br />
Eu te escondo aqui, porque Ich bahalt dich do derfar,<br />
Sua vida se acha em perigo, Vail dain lebn drot gefar,<br />
Brinque tranqüilo com estas crianças, Mit di kinder shpil zich fain,<br />
E permaneça quieto e comportado, Shtil gehorchzam zolstu zain,<br />
Nem mais uma palavra em ídish ou canção Mer kein idish vort, kein lid<br />
Porque você não é mais judeu. Vail du bist nit mer kein id.<br />
A criança pede insistentemente para ela Bet zich shtark dos kind bai ir<br />
Mãe, quero somente ficar com você Mame, ch’vil nor zain mit dir<br />
Não me deixe aqui sozinho Loz nit iber mich alein<br />
A criança desaba num choro. S’kind fargeit zich in gevein.<br />
59
Ela lhe dá muitos beijos Git zi kushn im a sach<br />
Porem não adianta nada Ober s’helft ir nit kein zach<br />
A criança protesta: não e não S’kind nor tained:-nein un<br />
nein<br />
Não quero ficar aqui sozinho Ch’vil nit blaibn do alein.<br />
Ela o toma nos braços, In di orems nemt zi im,<br />
E com suavidade de sua voz Un mit veichkeit in ir shtim<br />
Ela canta: filhinho meu Zingt zi: ingele du main,<br />
E assim ela o adormece, Un zi vigt im azoi ain.<br />
Depois disso chora à vontade Noch dem veint zi frai zich ois<br />
E então ela abandona a casa Un zi tret fun shtub arois<br />
Cheia de preocupação e medo Ongefilt mit zorg un shrek<br />
E desaparece no meio da noite. Un zi geit in nacht avek.<br />
Lá fora faz frio e venta, Kalt in droisn un a vint,<br />
Ouve-se uma voz: Oh! meu filho, Hert a kol zich: oi main kind,<br />
Deixei- te em mãos estranhas, Dich gelost oif fremde hent,<br />
Eu não tinha outra solução. Andersh hob ich nit gekent.<br />
Vai a mãe, falando sozinha, Geit a mame, mit zich redt,<br />
E lá fora é tarde e faz frio, Un in droisn-kalt un shpet,<br />
O vento lhe bate no rosto- S’veit in punem ir der vint-<br />
“Deus, proteja meu único filho” Got, bashits main eintsik kind<br />
Casa estranha cheia de gente, Fremde shtub mit mentshn fil,<br />
O menino permanece mudo e quieto, S’ingele iz shtum un shtil,<br />
Não fala, não pede, não tem desejos, Redt nit, bet nit, vil kein zach,<br />
Raramente ele dá um sorriso, Zeltn ven er tut a lach,<br />
Não há dia e nem noite para ele, Nit kein tog un nit kein nacht,<br />
Não dorme e nem fica acordado. Nit er shloft un nit er vacht.<br />
Vasilko, um nome estranho Vasilko, a nomen fremd<br />
Que lhe faz doer o coração. Oif zain hertsl drikt un klemt.<br />
A mãe anda meio perdida, Mame voglt vu arum,<br />
Calada, como seu Iossele, Vi ir Iossele oich shtum<br />
Ninguém a conhece nem se preocupa, Keiner veist nit, keinem art<br />
Ela espera, espera, espera... Un zi vart, un vart, un vart...<br />
Como Yocheved ela se assemelha<br />
Tsu Yocheved iz zi glaich<br />
Que deixou Moisés no rio Vail vi Moishe oifn taich<br />
Sozinho, desamparado ao vento Elnt, ainzam oifn vint<br />
E perdeu seu único filho. Iz farlozt ir eintzik kind<br />
Da coleção de canções populares coletadas por Kaczerginski e as por ele escritas<br />
selecionamos algumas que refletem bem a vida do povo judeu nos guetos nazistas, bem<br />
como a canção Varsóvia, produzida por ele no fim da guerra, em sua visita à esta cidade.<br />
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TODOS ME CHAMAM ZÁMELE<br />
( Gueto de Lublin ) Letra: Autor desconhecido<br />
Música: Bernardo Feuer<br />
Esta canção mostra o drama vivido por um órfão, que perdeu seus pais e irmãos,<br />
considerando- se um trapo por ser judeu. Também lamenta a perda de seu lar e invoca<br />
Deus do céu, para que observe a terra onde seu povo está sendo sacrificado.<br />
Ieder ruft mich Zámele, Todos me chamam Zámele<br />
Ai, vi mir is shver. Ai, como me é difícil<br />
Ch‟hob gehat a mamele Eu tive uma mãe querida<br />
Ch‟hob zi shoin nisht mer. Não a tenho mais.<br />
Ch‟ob gehat a tátele, Tive um pai querido<br />
Hot er mir gehit. Que me cuidava<br />
Itst bin ich a shmátele Agora sou um trapo,<br />
Vail ich bin a id Porque sou judeu<br />
Ch‟ob gehat a shvesterl, Tive uma irmãzinha,<br />
Iz zi mer nito. Ela não mais existe<br />
Ach vu bistu Esterl Oh! onde estás querida Ester<br />
In der shverer sho? Nesta hora difícil?<br />
Ergets bai a beimele, Em algum lugar junto à uma árvore,<br />
Ergets bai a ploit, Em algum lugar junto à um muro,<br />
Ligt main bruder Shloimele, Se encontra meu irmão Shloimele<br />
Fun a daitsh getoit Por um alemão assassinado.<br />
Ch‟hob gehat a heimele, Eu tive um lar feliz<br />
Itster is mir shlecht. Agora as coisa estão ruins.<br />
Ich bin vi a beheimele, Sou como um animalzinho,<br />
Vos der talien shecht. Que o açougueiro sacrifica<br />
Got, du kuk fun himele, Deus, olhe do belo céu,<br />
Of dain erd arop, Para seu mundo lá em baixo,<br />
Kuk tsu dain blímele, Olhe como o açougueiro<br />
Rais der talien op. Está arrancando sua florzinha.<br />
O MENINO DO TRANSPORTE<br />
Letra: Kasriel Broida<br />
Canção escrita por Kasriel Broida ( 1907- 1945 ), que dirigia shows e teatro no gueto de<br />
Varsóvia, era cantada pelos órfãos do gueto de Vilna, organizados numa associação de<br />
transporte. Puxando ou empurrando carrinhos, como se fossem animais, eles transportavam<br />
bens dentro do gueto e o que ganhavam neste tipo de negócio, ia para uma caixa comum.<br />
61
O menino lamenta perda do lar e dos pais. Com saudades relembra o orgulho dos pais em<br />
seus desejos que ele fosse médico Quando se viu assolado pela fome, pois não havia nada<br />
neste dia no caixa, pensou em roubar uma roupa que viu pendurada num varal. Logo<br />
porém, mal pensou, alguém já gritava ladrão prendam-no. Isto porque, no gueto todos<br />
ficavam de alerta, contra qualquer movimento suspeito que pudesse assinalar a polícia<br />
alemã. Ele se arrepende por seu pensamento em respeito a sua mãe, e não pretende roubar.<br />
Gehat amol a heim, a tate mame Um dia eu tinha um lar, mãe e pai.<br />
Geshikt mich lernen:Altz main kind far dir Mandaram-me estudar. Tudo para você.<br />
Gemeint ich vil doctor zain mistam Pensaram que talvez eu fosse médico<br />
Getsatsket un getsertlt zich mit mir Brincaram e se orgulharam comigo<br />
Nor plutsim, s‟hot a shturem zich tzehuliet Mas de repente apareceu uma tormenta<br />
Geblibn bin ich ainzam vi a shtein Fiquei solitário como uma pedra<br />
Biz gute muntshn hobn tzugetuliet Até que gente boa me abrigou<br />
Un itzt bin ich shoin nit alein Agora já não estou mais sozinho<br />
Ich bin fun transport Eu sou do transporte<br />
Mich ken aieder in gas. Todos na rua me conhecem<br />
Ich bin fun transport Eu sou do transporte<br />
Ich choizek, lach in ich shpas. Eu gracejo, rio e zombo<br />
Hei! zet main vogn Hei! vejam meu carrinho<br />
Er helft dem shvern ioch mir trogn Ele me auxilia a puxar a canga pesada<br />
Un mit shtols ken ich aich zogn É com orgulho que posso vos dizer<br />
As fun transport bin ich! Que sou do transporte<br />
Gevein a nacht a koitike, a calte Era uma noite feia e gelada<br />
A gantsn tog in moil gornit gehat, O dia inteiro não pus nada na boca<br />
Nor pltsim ch‟ze a shmate hengt, a alte. De repente vejo uma roupa velha<br />
S‟vet zain oif broit,hob ich geton a tracht Servirá para o pão, assim pensei<br />
Nor plutsim, ch‟veis nit vi azoi fun vanen, Porem de repente não sei de onde<br />
A ganef, firt im glaich in politzai! Ladrão, levem-no para a delegacia”<br />
Icgh a ganef?-oi, ven s‟hert main mame!” Eu ladrão? Oh! se minha mãe ouvisse<br />
Itzt shoin ober tu ich nit azoi Agora porem não procedo desta maneira<br />
A VENDEDORA DE PÃO<br />
( Gueto de Varsóvia )<br />
Autor da letra: S.Sheyinkinder<br />
Autor da música: Herman Yablokoff<br />
Num clima péssimo, Rifke, se encontra na rua, desabrigada, apregoando sua mercadoria,<br />
pão, que ela vende com muita dificuldade para o sustento. Lamenta que se não conseguir<br />
pelo menos alguns centavos, poderá morrer de fome. A canção denota bem as dificuldades<br />
de sobrevivência dos judeus no gueto, a viuvez face aos assassinatos dos maridos, os<br />
62
órfãos em face do assassinato dos pais e a falta de compradores para sua mercadoria, pela<br />
quase inexistência de dinheiro no gueto.<br />
In droisn is triber tog, Fora é um dia nebuloso<br />
A vint, sis kalt un nas,<br />
Um vento, está frio e úmido<br />
Es gist a regn vi a mabl,<br />
Chove como um dilúvio<br />
Shtil un pust in gas A rua está quieta e vazia<br />
Nor in vinkl fun a toier Mas no canto junto a um portão<br />
Nebn a farmachtn moier Junto a um muro fechado<br />
Shteit zich Rifke,aingebeign,blas Se encontra Rifke encurvada e pálida<br />
Shnel, men loift farbai,men varft Rápido as pessoas passam<br />
Tzum koishl broit a blik, E olham a cesta de pães<br />
Der vos geit fun dort avec Aqueles que passam junto dela<br />
Der kumt shoin nit tzurik. Estes não voltam mais.<br />
Itkes oign betn, rufn: Os olhos de Itke, clamam, imploram<br />
A klainem broitl aich farkoifn, Eu vendo até um pãozinho<br />
Ch‟vil oich esn, s‟ungert mich un drikt Também quero comer, tenho fome<br />
Koift bai mir a frishe shitke! Comprem pão preto e quente<br />
Ich ken mich nit, ich bin di sheine Itke Não me reconheço, sou a linda Itke<br />
Koift bai mir a luksusove Comprem uma bengala de pão<br />
Ch‟bin doch Itke fun Targove, Sou todavia Itke de Tarkove,<br />
S‟hot mit mir gekocht a gantse velt Todo mundo me admirava<br />
Zeipt, main lebn vert farloshn- Vejam, minha vida está se apagando<br />
Git mir tsu fardinem a por groshn Deixem me ganhar alguns centavos.<br />
Ch‟shtei azoi shoin fun baginen, Estou assim de pé desde cedo<br />
Keiner git nit tsu fardinen, Não ganho nada de ninguém<br />
Shtarbn vel ich fun hunger un fun noit. Morrerei de fome e de necessidade.<br />
S‟hot ieder mich amol gelibt Antigamente todos gostavam de mim<br />
S‟hot ieder mich gekent Todos me conheciam<br />
Geglet di sheine blonde hor Acariciavam os belos cabelos loiros<br />
Gekusht di tzarte hent Beijavam as mãos delicadas<br />
Nor zint dos umglik hot getrofn Porem desde que a tragédia aconteceu<br />
Is tzvei iur shoin lang farlofn Já passaram dois longos anos.<br />
Der tate is in krig gefaln O pai se perdeu na guerra<br />
Di mame ligt in grib A mãe se encontra numa cova<br />
Geblibn zeinen kinder fir Sobraram quatro crianças<br />
Zai hungern in shtib Eles passam fome em casa<br />
Iedn tog ich ze aich loifn Todos os dias eu vos vejo correr<br />
Keiner vil bai mir nit koifn Ninguém quer comprar de mim<br />
Un dos koishl broitlech altz ich halt Eu continuo segurando a cesta de pães.<br />
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Koift bai mir a frishe shitke! Comprem de mim pão preto e quente<br />
Ich ken mich nit, ich bin di sheine Itke Não me reconheço, sou a linda Itke<br />
Koift bai mir a luksusove Comprem de mim uma bengala de pão<br />
Ch‟bin doch Itke fun Targove, Sou todavia Itke de Tarkove,<br />
Itke nit gevust hot fun kain noit Itke que nunca passava por necessidades<br />
Koift un shtelt nit langue shales Comprem e não façam muitas perguntas<br />
Maine broitlech hobn ale males Meus pães têm todas as qualidades<br />
Beser vet ir nit gefinem, Melhores vocês não acharão<br />
Koift un git mir tzu fardinen Comprem e deixem-me ganhar<br />
Far di kinder oif a shtikl broit Um pedaço de pão para meus filhos<br />
Ysrolik<br />
( Gueto de Vilna )<br />
Texto: L.Rosenthal<br />
Música: Nine Gershtein<br />
Ë a história de um menino órfão, vendedor de sacarina e cigarros, que apregoa sua<br />
mercadoria com lucro insignificante, pois a vida não vale mais do que um níquel. Ele<br />
recorda que não nasceu na rua e que já teve pai e mãe. Ele chora quando ninguém vê,<br />
porem pretende esquecer a tristeza para “não deixar o coração aflito” Sempre o mesmo<br />
tema: os pais morreram de doença ou assassinados pelos alemães. e os órfãos lutando com<br />
dificuldades para sobreviver.<br />
Nu koift she papirosn Bem, comprem cigarros<br />
Nu koift she sacarin Bem, comprem sacarina<br />
Gevorn is haint sroire bilik vert A mercadoria hoje se tornou barata<br />
A lebn far a groshn A vida por um níquel<br />
Aprute a fardinst Lucro insignificante<br />
Fun gueto handler hot ir dos gehert De um mascate do gueto vocês ouviram<br />
Che’is Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />
Ich bin dos kind fun gueto Sou o menino do gueto<br />
Che’is Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />
A hefkedriker ing Um rapaz brincalhão<br />
Chot’sh farblibn gole neto Se bem que fiquei sozinho<br />
Derlang ich altz, noch Ainda assim obtenho tudo, depois<br />
A svitshe, un a zung De um assobio e de um cantarolar<br />
A mantl on a kragn Um casaco sem a gola<br />
Sachsoinim fun a zak Roupa intima de um saco<br />
Kaloshn hob ich-s‟felt nor di shich Tenho galochas, só faltam os sapatos<br />
Un ver es vet nor vagn E quem se atrever<br />
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Tzu lachn,oi, assach A rir , bastante<br />
Dem vel ich nor bavaizn ver ich bin Para este mostrarei quem sou<br />
Nish maint mich hot geboirn Não pensem que eu nasci<br />
Di hefkedike gas Na rua viciada<br />
Bai tate mame oich geven a kind Fui também criança de pai e mãe<br />
Ch‟ob baide ongevoirn Perdi os dois<br />
Nisht maint: es is a shpas Não pensem que é uma brincadeira<br />
Ich bin geblibn, vi in feld der vint. Fiquei como o vento no campo<br />
Ch’eis Ysrolik Me chamo Ysrolik<br />
Nor ven kainer zet nisht Mas quando ninguém vê<br />
Vish ich shtil zich Limpo quietinho<br />
Fun oig arop a trer As lágrimas de meus olhos<br />
Nor fun main troier Porem da minha tristeza<br />
Beser as men ret nisht Melhor não falar<br />
Tzu vos dermonen Para que relembrar<br />
Un machn dos hartz zich shver. E deixar o coração aflito.<br />
VARSÓVIA<br />
Letra: S.Kaczerginski<br />
Música: M. Gelbart<br />
Este poema é uma canção de amor à cidade de Varsóvia que o poeta revisita depois da<br />
guerra na expectativa de reencontrar o seu passado, a sua história. Mas o desastre fora<br />
completo: da sua Varsóvia nada mais existe e ao poeta sobram o luto e a memória.<br />
Eu vim de longe Varsóvia ver você Ich bin tzu dir Varshe, fun vait gekumen<br />
Permaneço enlutado, permaneço mudo Ich shtei a fartroierter, ich shtei vi a shtumer<br />
Voei para vê-la por terras e mares Gefloign tzu dir duch iaboshe un iamen<br />
E não encontrei meu pai nem minha mãe Un hob nisht getrofn main tatn main mamen<br />
Lembro-me aqui dos anos de minha infância Dermon ich do o meine kindershe iorn<br />
Você, Varsóvia, não sai de minha mente S‟geit mir nisht Varshe arois fun zikorn<br />
Com Varsóvia no coração In hartzn mit Varshe<br />
Errante pelas estradas Oif vander un vegn<br />
E se por acaso alguém ousar a pergunta Un tomer vet emetzer vagn tzu fregn<br />
Por que estão de luto, num mundo bonito? Vos troiert ir idn a velt aza sheine<br />
Porque Varsóvia judia havia somente uma A ídiche Varshe is geven nor eine<br />
Vejo suas ruínas envoltas em fumaça e chamas Ich ze dain churves in roich un flamen<br />
Onde estão os corpos dos judeus sepultados Vu s‟lign di ídiche k‟doishim farshotn<br />
Estou à procura de um sinal dos conterrâneos Ich zuch vu a simen fun maine geshtamen<br />
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A mão dos bandidos os matou todos Di merderishe hant hot zei ale oisgerotn<br />
Lembro-me do que você era e o que é hoje Dermon ich zich dos vos geven un gevoren<br />
Levo você, Varsóvia, triturada em minha mente .Ch‟nem mit zich Varshe farkritz in zikorn<br />
Com Varsóvia no coração In hartzn mit Varshe<br />
Errante pelas estradas Oif vander un vegn<br />
E se por acaso alguém ousar a pergunta: Un tomer vet emetzer vagn tzu fregn:<br />
Por que estão de luto, num mundo bonito? Vos troiert ir idn a velt aza sheine?<br />
Porque Varsóvia judia havia somente uma. A ídiche Varshe is geven, nor eine<br />
7- Conclusão.<br />
No presente trabalho procuramos mostrar as atividades bárbaras do nazismo alemão e suas<br />
trágicas conseqüências, quando a população judaica da Europa, constituída de milhares de<br />
pessoas, totalmente desarmadas, foi praticamente dizimada, sem nenhum motivo e sem<br />
direito à defesa, na mão de verdadeiros monstros, fato sem similar na história do mundo,<br />
pela sua crueldade, preparação premeditada ao longo de muitos anos e planejada com<br />
verdadeiro rigor “cientifico” em pleno século 20.<br />
Esta tragédia praticamente teve início quando Hitler, um austríaco desconhecido vai servir<br />
o exército alemão e se destaca em atos de bravura durante a primeira guerra mundial.<br />
Casualmente ele comparece a um comício do Partido dos Trabalhadores Alemães em<br />
missão de investigação por parte do exército e é convidado a se manifestar na reunião. O<br />
líder do partido ficou tão impressionado com seu discurso que o convida para se associar á<br />
entidade.<br />
Sem muito esforço e em tempo recorde Hitler assume a direção do partido e muda seu<br />
nome para Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, cria um programa<br />
racista e depois de alguns anos assume a direção do governo, transformando a república<br />
alemã, numa violenta ditadura militar com conotação nazista. Agora a aplicação do<br />
racismo e perseguições aos judeus que antes tinham um caráter partidário, se é assim que<br />
podemos chamar, passou a ser um programa oficial de governo.<br />
Depois da perseguição violenta contra os judeus alemães, com a expropriação de seus bens<br />
particulares, o afastamento do serviço público, a proibição de exercer profissões liberais, a<br />
tomada de seus negócios e fábricas e outras discriminações, com a retirada dos mais<br />
elementares direitos, que limitavam a própria existência humana, eles acabaram sendo<br />
segregados em guetos e campos de isolamento.<br />
Esta experiência dantesca começou a ser aplicada aos judeus europeus que caíram na mão<br />
dos alemães quando se iniciou a segunda guerra mundial, em que a maioria dos países<br />
europeus ocupada por tropas nazistas. Os primeiros tempos de segregação dos judeus<br />
europeus nos guetos foram de relativa tranqüilidade porque os serviços comunitários e<br />
sociais funcionaram quase todos até o final de 1941, como o sistema escolar, os orfanatos,<br />
os teatros, as sessões literárias e musicais e outras.<br />
66
Aos poucos porem, estes serviços comunitários foram sendo extintos, quando os locais<br />
onde funcionavam, passaram a ser usados para outros fins, como centros de recepção no<br />
gueto de judeus transferidos de outras cidades. Os instrumentos musicais também foram<br />
sendo confiscados de modo que somente restou aos judeus as canções e a revolta contra a<br />
opressão nazista, estas porem com grandes limitações.<br />
Entre 1942 e 1945 ocorreram revoltas em guetos e campos de concentração evidentemente<br />
com pouco resultado prático. Uma população totalmente desarmada e confinada,<br />
dificilmente poderia ter êxito contra um exército nazista, armado até os dentes. A mais<br />
expressiva revolta, conhecida como o Levante do Gueto de Varsóvia, ocorreu em abril de<br />
1943, onde os judeus conseguiram manter uma ofensiva de quase um mês contra uma<br />
máquina de guerra alemã, que os poloneses, com todo seu exército, não conseguiram<br />
suportar sequer durante uma semana.<br />
Assim, o que restou mesmo, foram as canções, a única arma com que os judeus se<br />
mantiveram enquanto vivos e que nos transmitiram através delas, sua coragem, sua luta<br />
pela sobrevivência e seus anseios de vida, até finalmente quase o seu total aniquilamento,<br />
pela barbárie nazista.<br />
A quase trezentas canções, entre as produzidas e coletadas por Kaczerginki e de outros<br />
poetas, também nos leva a ter uma visão ampla deste período trágico, por que passou o<br />
povo judeu.<br />
8- Bibliografia<br />
1- ABRAHAM, Ben. Holocausto, O Massacre de Seis Milhões. São Paulo: Ed. WG<br />
Comunicações<br />
e Produções, 1990.<br />
2- ADELSON, Alan and LAPIDES, Robert.(Compilação). Lodz Gueto-Inside a<br />
Community Under Siege. New York:<br />
Penguin Group, 1989.<br />
3- ARONEAU, Eugene. Inside the concentration camps. USA: Grenwood Publication<br />
Groop,1996.<br />
4- CARTIER, Raimond. A Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Primor,<br />
1975.<br />
5- FLAM, Gila. Singing for Survival. Chicago: University of Illinois Press, 1992.<br />
6- FONTETE, François. História do Antissemitismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,<br />
1989.<br />
7- KACZERGINSKI, S.-.Songs of The Guetos and Concentration Camps. New York:<br />
Cyco, 1948.<br />
8- MLOTEK, Eleonor Gordon, Mir Trogn a GeZang. New York: Workman's Circle, 1987.<br />
9- PASTERNAK, Velvel, Songs Never Silenced. USA: Tara Publications, 2003.<br />
10- RUBIN, Ruth. Voice of a People-The Story of Yidish Folksongs. Philadelphia: Jewish<br />
Publication<br />
of America, 1979.<br />
11- SCHOENBERNER, Gerhard, A estrela Amarela. Rio de Janeiro-Editora Imago,1994<br />
12- SORLIN, Pierre. O Antisemitismo Alemão. São Paulo-Editora Perspectiva, sem data.<br />
67
13- SHERBOK, Dan Cohn. Atlas of Jewish History. London- New York: Ed. Routledge,<br />
1996.<br />
14- BELK, Samuel B.- A memória e a História do "Shteitl" na Canção Popular Judaica,<br />
2003 (5)<br />
9- LEITURA RECOMENDADA<br />
a) GUTMAN, Israel. O levante do Gueto de Varsóvia. Rio de Janeiro-Imago Editora, 1995.<br />
b) Hackett, David. O Relatório de Buchenwald- organização.Rio de janeiro: Editora<br />
Record, 1998.<br />
c) STIVELMAN, Michael e Raquel. A Marca do Genocídio. Rio de Janeiro: Imago<br />
Editora, 2001.<br />
d) FRANKL,Viktor E. Um psicólogo no campo de concentração .Petrópolis: Editora<br />
Vozes/ Sinodal. e) Ver número 11 e 12 e 14<br />
(5) Dissertação de mestrado disponível no site da USP. Pode ser também obtida a partir do Google<br />
digitando o nome completo do autor: Samuel B. Belk. (Email: belk@uol.com.br).<br />
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REPRESSÃO E RESISTÊNCIA<br />
Rachel Mizrahi 44<br />
Assim que os nazistas assumiram o poder em 1933, teve inicio o mais trágico período da<br />
história alemã e européia. Inseridos na desigualdade, os filiados ao partido do Nacional<br />
Socialismo, buscaram uma sociedade milenar liderada por arianos - seres superiores -, em<br />
frontal oposição ao judeu, membro de uma “sub-raça”, destinada à eliminação. Esta<br />
ideologia foi proposta no - “Minha Luta” -, livro escrito por Adolf Hitler, em 1922.<br />
O programa de extermínio, surpreendentemente aceito por uma nação culturalmente<br />
avançada, foi metodicamente cumprido por todos os que estavam ligados ao sistema e,<br />
adotado pelos países aliados e conquistados, transformados, também, em genocidas do<br />
povo judeu em terras da Europa.<br />
Para conseguir eficiência da extrema proposta foi necessário o apoio da sociedade. A<br />
população alemã foi condicionada a participar da verdade oficial através dos meios de<br />
comunicação, em especial o rádio, de alto alcance popular. Em 1935, as “Leis em<br />
Nuremberg” foram promulgadas, definindo os direitos de cidadania da população. Os<br />
500.000 judeus alemães perderam os direitos civis, as propriedades, o exercício de<br />
profissões e excluídos dos cargos públicos: transformaram-se em marginais do sistema e<br />
destinados a desaparecer, ainda que expressivos nomes fizessem parte da história cultural<br />
alemã, entre os quais o físico Albert Einstein e, o médico psicanalista, Sigmund Freud.<br />
O programa nazista de extermínio apresentou as seguintes etapas:<br />
1 – A política de Guetoização (1939): a concentração de todos os judeus em áreas<br />
fechadas, próximas de ferrovias. Os guetos eram administrados pelos “Judenrat”,<br />
compostos por judeus incumbidos de cuidar das necessidades como a alimentação, a<br />
segurança e a saúde da população. Os objetivos de extermínio foram atingidos pela falta<br />
absoluta de alimentos, exigüidade de espaço e das péssimas condições higiênicas que<br />
favoreceram a mortandade de grande número de crianças, idosos e adultos.<br />
2 - Os Einsentzgruppen (grupos de ação): eram unidades móveis de assassinatos. Os<br />
judeus eram aniquilados pelo gás quando transportados em caminhões, cujos canos de<br />
escapamento estavam voltados para o interior dos veículos.<br />
Era comum, também, a eliminação de judeus em fuzilamentos coletivos, perto de valas<br />
abertas pelas próprias vítimas, onde seriam, depois, enterrados.<br />
3 - Os Campos de Extermínio (1942): Buscando a concretização massiva do extermínio,<br />
os tecnocratas do regime reuniram-se, secretamente, em Berlim (Wansee) e decidiram que<br />
os 11.500.000 judeus da Europa seriam eliminados em campos de concentração,<br />
especialmente preparados. Esta foi a “Solução Final” para o problema judaico, porque<br />
executada de forma rápida e limpa. Utilizavam-se as linhas férreas de toda a Europa<br />
conquistada ao encaminhamento aos campos de extermínio, construídos no leste, na<br />
44 Pesquisadora Dra. do Arquivo Virtual sobre o Holocausto e Antissemitismo, responsável pelo link Histórias<br />
de Vida de sobreviventes e refugiados judeus do Holocausto, no Brasil do LEER/USP. Autora do A Inquisição<br />
no Brasil: Miguel Telles da Costa, o capitão mor judaizante de Paraty (2ª Ed., no prelo) e, Imigrantes Judeus<br />
do Oriente Médio em São Paulo e no Rio de Janeiro. São Paulo, Ateliê Editorial, 2003.<br />
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Polônia, completamente conquistada e participante do assassinato. Os judeus eram<br />
gazeados (pelo Zyklon B) e seus corpos incinerados. No trabalho, os executores<br />
priorizaram as mulheres, bebês, crianças e velhos, símbolos da reprodução e continuidade<br />
da vida.<br />
A força de trabalho de jovens (maiores de 16 anos) e adultos saudáveis deveria ser utilizada<br />
como mão de obra escrava em múltiplos serviços entre os quais, a fabricação de armas,<br />
munições, construção e manutenção de obras públicas, desativação de bombas (jogadas<br />
pelos aliados), nas confecções de uniformes ao exercito e, etc. A fome, as doenças e as<br />
péssimas condições de vida os levaram, em pouco tempo, à morte natural ou, aos campos<br />
de extermínio.<br />
Em 1945, terminada a guerra, seis milhões de judeus pereceram. Eram procedentes da<br />
Alemanha, Áustria, Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, França, Holanda, Iugoslávia,<br />
Itália, Países Bálticos e mais países ocupados pelas tropas nazistas durante a II Grande<br />
Guerra. No conjunto, 1.500.000 crianças. No aprimoramento da raça ariana, os nazistas se<br />
propuseram a eliminar os deficientes físicos, os dissidentes políticos e religiosos, as<br />
“Testemunhas de Jeová” e os homossexuais.<br />
A Emigração<br />
Posicionados em terras do continente europeu desde antigos tempos, o judeu, em<br />
comunidades, mantinha o judaísmo pela fé e tradições, herdadas de seus antepassados.<br />
Apesar do milenar antissemitismo - causa das grandes migrações regionais e internacionais<br />
–, as idéias liberais e da emancipação do povo permitiram a convivência e o<br />
desenvolvimento de diversos segmentos religiosos judaicos, entre os quais, os liberais, os<br />
tradicionais e os ortodoxos. Na Alemanha predominava o judaísmo liberal e a célere<br />
assimilação.<br />
Quando a política antissemita foi colocada em prática pela máquina burocrática do III<br />
Reich, famílias judias alemãs e de outras nacionalidades, bem posicionadas, buscaram<br />
emigrar. Outras, não querendo expor seus filhos às discriminações (nas ruas e nas escolas),<br />
prevendo violências e acreditando que tal sistema não pudesse durar, concordaram em<br />
enviar seus filhos para adoção por famílias na Grã Bretanha, através de um programa de<br />
salvação, conhecido como Kindertransport.<br />
Mesmo oprimidos, humilhados e esgotados, os judeus da Polônia apresentavam-se com<br />
grande vitalidade e enorme poder espiritual. Diante da ocupação nazista, as comunidades<br />
judaicas polonesas (cerca de 3.500.000 pessoas) se desestruturaram, particularmente pelo<br />
grande número de líderes e dirigentes comunitários que buscaram refugiar-se em terras<br />
livres da Europa e da América.<br />
A Resistência:<br />
Em esquema organizado pelo Estado, um movimento de reação de massa era impossível:<br />
Ninguém estava preparado para tal magnitude de opressão. Em cada judeu adulto pesava<br />
uma grande responsabilidade, pois uma nova situação havia sido criada do ponto de vista<br />
histórico, político e sociológico. Embora nas comunidades judaicas européias sob o<br />
nazismo se desenvolvessem formas conscientes ou instintivas de sobrevivência, os judeus<br />
não tiveram tempo de preparar a resistência organizada. O plano da conquista alemã, a<br />
aplicação da Solução Final e o segredo levaram a que algumas comunidades fossem<br />
destruídas assim que os nazistas chegavam em suas aldeias. As reações só se iniciaram em<br />
1943 quando a massa dos judeus já se encontrava nos guetos ou em campos.<br />
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Por outro lado, a reação alemã à resistência judaica assumia proporções imensas e dirigidas<br />
contra o próprio gueto até a aniquilação total. Como exemplo, citamos a aldeia de Lídice,<br />
na Tchecoslováquia, 15 km da cidade de Praga. Em 27 de março de 1942, o comandante<br />
Heydrich foi morto pelos partisans nas cercanias da aldeia. Como vingança, os alemães<br />
arrasaram a aldeia, assassinaram todos os homens e enviaram as mulheres a campos de<br />
concentração, apesar dos partisans não terem nenhuma ligação com a aldeia. A mesma<br />
situação ocorreu na aldeia francesa de Oradour sur Glane, em junho de 1944. Dos 652<br />
moradores, 642 foram mortos. Hoje, a aldeia foi reconstruída convertendo-se em símbolo<br />
da barbárie nazista.<br />
Resistência Cultural dos guetos<br />
Apesar da opressão, foi nos guetos que a resistência cultural subsistiu impedindo que se<br />
cumprisse a vontade nazista de exterminar a existência do judaísmo como expressão<br />
cultural, religiosa, espiritual e existencial. Ao tomarem conhecimento dos campos de<br />
extermínio, jovens líderes judeus conduziram com enormes dificuldades e poucas armas o<br />
levante armado no Gueto de Varsóvia. Os movimentos sionistas com ideologia clara e de<br />
caráter militante da juventude judia foram os portadores da bandeira da resistência armada.<br />
Resistência nos campos de concentração<br />
Nos campos de concentração, a vontade de sobreviver fez com que adultos e jovens<br />
engajarem-se em quaisquer formas de trabalho para minorar a fome e não se deixar morrer.<br />
Nos campos havia a impossibilidade de fuga, pois os mesmos eram eletrificados e os<br />
seguranças tinham metralhadoras que impossibilitavam tentativas de fuga;<br />
Os partisans – O refúgio nos Bosques<br />
As possibilidades de fugas, em busca de refúgio, eram comuns em regiões montanhosas,<br />
dominadas pelos nazistas. Esconder-se nos bosques foi estratégia dos movimentos<br />
clandestinos de oposição ao nazifascismo, conduzidos pelos partisans. Esconder-se nos<br />
bosques, próximos aos guetos, foi estratégia seguida por adultos e jovens judeus em busca<br />
da sobrevivência e possibilidades de movimentar-se em busca de alimentos e segurança.<br />
Infelizmente, o antissemitismo ou, a não aceitação completa de judeus, dificultou maior<br />
inserção judaica ao movimento.<br />
Os Justos entre as nações<br />
A compaixão e o espírito de solidariedade levaram algumas famílias católicas a recolher<br />
crianças órfãs ou separadas de seus pais. Esta decisão era perigosa e arriscada,<br />
principalmente depois de 1941, quando em decreto se instituiu a pena de morte a quem<br />
protegesse judeus. Grupos de resistência nos bosques, também acolheram crianças<br />
foragidas dos guetos. Esconder um menor era menos perigoso do que adultos. No conjunto,<br />
o número de meninas superou o dos meninos, pois a circuncisão facilmente os<br />
denunciaria 45 . No gueto, poucos conseguiram fugir, abrigando-se em granjas, sótãos, poços<br />
e cubículos.<br />
Os salvadores tinham características comuns eram motivadas por ações humanitárias que<br />
provinham de crenças religiosas políticas ou pessoais e, as que pretendiam ganhar<br />
benefícios materiais.<br />
Trechos de alguns depoimentos....<br />
“Quando a Polônia foi ocupada pelos nazistas, meu pai se preocupou. Para escapar das<br />
perseguições, a família mudou de endereços e, assim vivemos por seis meses. Meu pai<br />
45 Pela circuncisão, estabelece-se a necessária ligação entre homem-Deus.<br />
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chegou a comprar um abrigo, um sótão para nos escondemos. Éramos ajudados por cristãos<br />
que nos levavam alimentos”.<br />
“A vantajosa situação familiar financeira, a aparência “ariana” de muitos de nós (cabelos<br />
claros e olhos azuis), e por falarmos fluentemente o polonês, levaram meu pai e seus quatro<br />
irmãos tomar a decisão de “comprar documentos novos” para todos os membros de nossa<br />
família. Os documentos vinham, inclusive, acompanhados por fotos. Assim, meus pais, eu<br />
e minha irmã e toda a família vivemos o período de Guerra como verdadeiros poloneses.<br />
Depois de conseguir novas identidades em 1942, transferimo-nos de Przemysl para<br />
Varsóvia, cidade onde não éramos conhecidos”.<br />
Isaak Pesso nos fez um curioso relato. Seus pais, originários da Espanha e Portugal<br />
(Calderon e Brandão) viviam na Macedônia Ocidental, fronteira da antiga Iugoslávia.<br />
Quando Mussolini invadiu a Grécia em 1940, seu pai Gabriel Pesso e os tios foram<br />
convocados para o exército. Depois da derrota italiana, os nazistas passaram a controlar<br />
toda a Grécia. Gabriel Pesso, acompanhando o remanescente exército real, conseguiu<br />
chegar à Ilha de Creta, “último bastião da resistência grega”. Em batalha heróica, Pesso<br />
matou à baioneta, 17 soldados alemães. O resistente grupo militar, liderado pelo único<br />
judeu do batalhão, acabou confinado em campo de trabalhos forçados. O fato de não ter<br />
nome, nem “feições judaicas” e por conhecer vários idiomas conseguiu passar-se por<br />
búlgaro, formal aliado dos nazistas, no período. Gabriel Pesso afirmava, categoricamente,<br />
que ali estava por puro engano. Como falava o alemão, os nazistas lhe deram crédito:<br />
libertaram-no e o enviaram para Atenas. Pesso, ao invés de se dirigir à capital ocupada, foi<br />
para Fiorina, sua cidade natal, também sitiada pelos alemães. Os 1.500 judeus da cidade,<br />
nada sabendo do horror praticado pelos nazistas, estavam a espera do embarque: seriam<br />
“levados para trabalhar em fábricas na Alemanha”. Gabriel conseguiu convencer sua<br />
família próxima e amigos a não atender às ordens alemãs: deveriam fugir. Cerca de 150<br />
judeus, às ocultas, conseguiram escapar à noite para as montanhas, permanecendo no local<br />
até a guerra acabar. Os demais judeus de Fiorina, inclusive familiares distantes dos Pesso,<br />
encaminhados à Alemanha, nunca mais retornaram.<br />
A opressão do nazifascismo aos judeus na II Guerra Mundial foi acontecimento “único na<br />
história da humanidade”, porque resultante de verdadeiro massacre administrativo, de<br />
acordo com as normas técnicas da burocracia em calculado e prolongado programa,<br />
executado por milhares de pessoas que tinham conhecimentos técnicos para a tarefa. O<br />
programa foi, por doze anos, fielmente concretizado porque contava decidida e totalmente<br />
com a estrutura do Estado que se utilizou de todos os meios possíveis à concretização do<br />
propósito.<br />
Dos males nazistas dirigidos aos judeus, o maior deles foi o de tê-los colocado à frente não<br />
só das ações administrativas nos guetos e campos - Kapos - mas, especialmente, como<br />
executores de seu próprio povo nos “grupos especiais de extermínio”, permitindo que a<br />
maldade humana atingisse magnitude extrema.<br />
Na primeira década do século XXI, sessenta e cinco anos depois da tragédia, os últimos<br />
sobreviventes judeus dos campos, posicionados em Israel e em vários países do mundo que<br />
os acolheram, ainda se dispõem a testemunhar sua vivência no terror, particularmente<br />
movidos pelos revisionistas e por àqueles que, veementemente, negam o acontecido.<br />
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BIBLIOGRAFIA:<br />
www.arqshoah.com.br (Links consultados: depoimentos dos sobreviventes)<br />
Bankier, David. Trabalhos históricos sobre a Alemanha e a II Grande Guerra. Publicados<br />
pelo Yad Vashen, Jerusalem, Israel;<br />
Golhagen, Daniel Jonah. Os carrascos voluntários de Hitler. São Paulo, Cia. Das Letras,<br />
1997.<br />
Holocausto: Análise Shalom. São Paulo, Janeiro de 1979.<br />
Milmman, Luiz & Vizentini, Paulo Fagundes (org.). Neonazismo, Negacionismo e<br />
Extremismo Político. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,<br />
2000.<br />
O Holocausto – um estudo histórico – Israel, Universidade Aberta, Dor Hemshej, 1987.<br />
Wang, Diana. Los Niños Escondidos. Del Holocausto a Buenos Aires. Buenos Aiires,<br />
Marea, 2005.<br />
___________ Hijos de La Guerra – La segunda generación de sobreviventes de La Shoá.<br />
Buenos Aires, Marea, 2007.<br />
Wistrich, Robert S. Hitler e o Holocausto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.<br />
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NANETTE BLITZ KONIG<br />
Nacionalidade: Holandesa. Data de nascimento: abril/1929.<br />
Entrevistado por: Rosana Meiches, Ana Carolina Duarte e Lilian F. Souza –<br />
Núcleo de História Oral <strong>Arqshoah</strong><br />
Data da entrevista: 28/11/2008<br />
Nasci em Amsterdã, Holanda, em abril de 1929. Meu pai chamava-se Martijn<br />
Willem Blitz, natural da Holanda, atuava na gerência do Banco de Amsterdã. Minha mãe<br />
Helene Victoria Davids nasceu em Kimberley na África do Sul onde morava sua família<br />
que, durante a Primeira Guerra Mundial, retornou à Inglaterra. Meu irmão Bernard Martijn<br />
nasceu em agosto de 1927 e meu irmão mais novo, Willem, em 1932. Ele faleceu em<br />
novembro de 1936. Em casa falávamos o holandês e o inglês. Tínhamos aula de religião<br />
com um rabino. Tive uma juventude feliz. Estudava numa escola pública diferenciada, em<br />
função de uma vizinhança privilegiada. Meu pai recebia muitas visitas do exterior porque<br />
ele trabalhava com papéis estrangeiros. Chegamos a ir em férias à Suíça,<br />
Inglaterra...Quando os nazistas invadiram a Holanda em 1940, todas as famílias judias<br />
tiveram que se registrar na prefeitura. Usávamos a estrela amarela, desde 1942. Exigiram<br />
também que os judeus das províncias viessem para Amsterdã. As autoridades do governo<br />
de Amsterdã deram para os alemães mapas identificando os locais onde residiam a maioria<br />
dos judeus, o que facilitou o trabalho da deportação.<br />
Minha deportação demorou um pouco mais, porque minha mãe, por ter nascido na<br />
África do Sul, alegava que não era judia. Nada conseguiu com a tentativa... Foi nessa<br />
época que encontrei Anne Frank, em outubro de 1941 no liceu judaico, quando não era<br />
mais permitido aos alunos judeus freqüentar escolas públicas. Fui a única aluna da classe,<br />
que encontrou Anne em Bergen-Belsen, um mês antes dela falecer. Falei com ela várias<br />
vezes e durante estas conversas contou-me que queria usar o diário que estava escrevendo<br />
como base de um livro a ser publicado depois da guerra. Tenho comigo ainda a carta que<br />
seu pai me mandou depois da guerra. Seu pai Otto Frank, chegou a visitar-me em outubro<br />
de 1945 no sanatório em Santpoor, próximo de Haarlem onde eu estava me recuperando de<br />
um ferimento. Contou-me que pretendia publicar o diário de sua filha Anne. Ainda hoje<br />
mantenho contato com os outros alunos da minha classe.<br />
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Por ocasião da invasão dos nazistas à Holanda, meu pai foi impedido de trabalhar no<br />
banco, tendo acatado a orientação de se demitir. Foi colocado junto com a família numa<br />
lista de judeus que deveriam ir para a Palestina, supostamente, para sermos trocados por<br />
prisioneiros de guerra. Meu pai faleceu em 24 de novembro de 1944, antes desta ordem ser<br />
executada.<br />
Em 29 de setembro de 1943 fomos levados para Westerbork, um campo de<br />
transição. Todas as terças-feiras saiam de Westerbork um trem com 2 mil judeus que eram<br />
transportados direto para Bergen-Belsen e para os campos de extermínio em Auschwitz -<br />
Birkenau, Sobibor.<br />
Meu pai chegou a enviar uma carta a um conhecido na Suíça, que trabalhava em<br />
banco. Nesta carta, meu pai dizia que podia receber pacotes. Após a guerra, este senhor me<br />
escreveu e me enviou, em anexo, a carta que meu pai lhe havia escrito e disse que sentia<br />
muito não ter-lhe dado resposta. Eu guardei estas cartas.<br />
No dia 15 de fevereiro de 1944 fomos levados para Bergen Belsen em um trem<br />
comum.<br />
Nesse campo eu ajudava a cuidar das crianças e fazia mais alguns serviços... Os<br />
nazistas faziam os homens trabalhar como cavalos, Foi horrível... No dia 4 de dezembro,<br />
meu irmão Bernard foi deportado para Oranienburg perto de Sachsenhausen. Foi morto<br />
assim que chegou ao campo. Minha mãe foi deportada para uma mina de sal em Beendorf<br />
onde funcionava uma fábrica para produzir peças para aviões. Ali, as condições de trabalho<br />
eram terríveis. Em abril de 1945 ela morreu no trem que eventualmente chegou até à<br />
Suécia.<br />
Eu continuei em Bergen Belsen, junto com minhas primas. Em 15 de abril de 1945,<br />
os ingleses entraram. Eu pesava apenas 32 kg. e estava com tifo. Consegui manter meus<br />
documentos comigo e quando os ingleses me encontraram, entrei em coma. Tive<br />
pneumonia e tuberculose. Perto de Bergen-Belsen funcionava uma escola militar, que foi<br />
usada para alojar alguns dos ex-prisioneiros. Acordei no chão num colchonete, numa das<br />
barracas onde os prisioneiros alemães foram compelidos a „cuidar‟ dos doentes. Um major<br />
inglês me viu e achou que eu fosse inglesa. Por causa disso fui transferida para uma cama e<br />
recebi a visita de um oficial médico que cuidou do ferimento que eu havia contraído<br />
anteriormente. Fui transferida para um hospital em Celle de onde fui transportada de avião<br />
para Eindhoven, na Holanda. No outono fui levada para um sanatório em Santpoort perto<br />
de Haarlem, onde fiquei durante três anos, recuperando-me. Uma enfermeira, que cuidou<br />
do meu falecido irmãozinho, veio ao sanatório e se ofereceu para cuidar de mim. Somente<br />
em maio de 1948 obtive alta do sanatório.<br />
Minhas duas primas que também sobreviveram. Na época tinham dois e oito anos.<br />
Foram colocadas num trem que foi libertado pelos russos. Os seus pais não sobreviveram.<br />
Elas ficaram em um orfanato em Amsterdã. Várias famílias holandesas adotaram crianças<br />
judias durante a guerra, salvando-as dos alemães nazistas. Muitas destas famílias, após a<br />
guerra, não devolveram estas crianças aos seus pais e, muitas elas não sabem sequer que<br />
foram adotadas, infelizmente.<br />
Um amigo de meu pai foi meu tutor na Holanda, pois meu pai havia deixado uma<br />
carta com nomes de pessoas que poderiam nos ajudar, caso ele faltasse. Tenho estes nomes<br />
comigo ainda hoje. Eu procurei pelo dinheiro de meu pai, mas me disseram que o dinheiro<br />
dos judeus havia sido transferido para o banco, e que este banco não existia mais. O banco<br />
onde papai havia trabalhado me pagava uma importância mensal, como sua descendente.<br />
Depois, meu tutor aconselhou-me a abrir mão deste valor, pois “já era suficiente”.<br />
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Minha tia, irmã de minha mãe insistiu para que eu morasse na Inglaterra. Mudei em<br />
abril de 1949. Estudei e formei-me em secretária bilíngüe. Trabalhei num banco comercial<br />
no centro financeiro até me casar, em agosto de 1953, com John Konig, nascido em<br />
Budapeste, engenheiro formado na Inglaterra, cujos pais faleceram pouco tempo após o<br />
final guerra. Em 1951, John veio ao Brasil, à trabalho. Logo após nosso casamento,<br />
emigramos para o Brasil e em junho do ano seguinte nasceu nossa primeira filha, Elizabeth<br />
Helene.<br />
Em dezembro de 1956 resolvemos nos mudar para os Estados Unidos, pois John iria<br />
trabalhar para uma companhia multinacional. Em setembro de 1957 nasceu Judith Marion,<br />
nossa segunda filha. Em janeiro 1959 John foi enviado para Argentina onde residimos por<br />
cinco meses, enquanto John participava do início das operações da fábrica da empresa onde<br />
trabalhava. Em maio de 1959 regressamos ao Brasil. Meu terceiro filho Martin Joseph<br />
nasceu em maio de 1962, em São Paulo.<br />
Sou muitas vezes convidada dar apresentações sobre as minhas experiências durante<br />
a guerra, especialmente por causa da minha ligação de amizade com Anne Frank.<br />
A lembrança mais forte que guardo dessa época foi quando fomos arrancados de<br />
casa. Até hoje escuto a batida na porta, a gritaria, a baixaria. Uma coisa que não se<br />
transmite são os cheiros, os gritos e a desumanização! As pessoas não eram nada... Pouco<br />
antes dos ingleses entrarem em Bergen Belsen, eu estava em uma fila para buscar água e,<br />
de repente, o guarda me tirou de lado e apontou-me a arma. Eu demonstrei indiferença: e<br />
daí, diante da minha indiferença, ele atirou no ar. Acho que ele não tinha prazer em me<br />
matar. Ainda hoje eu me pergunto, se mataram tantos porque não me mataram também?<br />
Recordo-me também de outro momento, que nós ficamos em pé, em uma fila para<br />
ser contados em Bergen-Belsen: a gente nunca sabia quem ia ser tirado da fila. Eu enfrentei<br />
Joseph Kramer que me chamou, e naquela hora poderia ter sido condenada à morte, foram<br />
todos, e eu fiquei. Eu não era nem melhor nem pior... O que lamento é a falta de<br />
conhecimento da história do Holocausto, da história européia. Há um total desinteresse<br />
sobre o Holocausto. Eu não acredito que existam pessoas que negam o que aconteceu.<br />
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ARIE YAARI<br />
Nacionalidade: Polonês. Data de nascimento: 30/07/1922.<br />
Entrevistado por: Rachel Mizrahi– Núcleo de História Oral - <strong>Arqshoah</strong><br />
Data da entrevista: 09/05/2010<br />
Nasci em Katowice, perto da Cracóvia na Silésia, Polônia em 30 de julho de 1922.<br />
A cidade fazia fronteira com a Alemanha e a maioria dos habitantes falava alemão,<br />
inclusive minha família. A cidade tinha 200.000 habitantes. Cosnoviec, 10 km distante<br />
tinha uma população predominantemente judaica. Uma casamenteira havia unido meus<br />
pais. Minha mãe era de uma cidade grande.<br />
Tinha dois irmãos, Moshé e Jacob. Nosso pai era alfaiate, produzia calças e camisas<br />
e os vendia na feira local. Era, portanto, um pequeno comerciante. Frequentávamos a<br />
sinagoga, mas não éramos ortodoxos. Frequentei uma escola judaica pública. Depois uma<br />
outra só pública.<br />
Senti o antissemitismo na Polônia e acho que o polonês já nasce um antissemita e<br />
senti isso diretamente ao jogar futebol com poloneses que me discriminaram. Mas em<br />
minha cidade brincava com amigos alemães e não os achava antissemitas.<br />
Em 1939, ao iniciar a guerra já havia piquetes nas cidades polonesas contra as lojas<br />
dos judeus. Nesse ano minha família mudou-se para uma cidade maior, mais próxima a<br />
Cracóvia. Em Chanov aprendi o oficio de encanador na oficina de um serralheiro. Assim<br />
que os alemães entraram na Polônia, as condições médias de minha família não permitiram<br />
que emigrássemos. Perto de nós vivia uma tia materna Keila, casada com Zalmon Sterenziz<br />
com quatro filhos e como eram pobres, passavam os shabat com a nossa família. Meu<br />
irmão mais velho tinha dezoito anos, eu dezessete, e um caçula tinha nove anos, quando a<br />
guerra estourou.<br />
Um decreto alemão exigiu de cada família judia, um jovem trabalhador, para<br />
substituir os que estavam na guerra. Em 1940 fui o escolhido. Fui para o sul da Alemanha,<br />
onde passei toda a guerra, transferido de campo em campo, em um total de onze campos de<br />
trabalho. Como era encanador, meu trabalho era de muita utilidade. Eram campos de<br />
trabalho forçado. O primeiro foi o Wisal. Do segundo entraram 1.500 homens e saíram 250,<br />
1200 morreram em quatro meses. Trabalhava com trilhos de trens. Na temperatura muito<br />
baixa, as mãos esfolavam e as infecções não tratadas mataram muitos. As condições de<br />
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sobrevivência eram péssimas. Mas, eu, diferentemente dos outros, elemento útil, conseguia<br />
me alimentar melhor e o meu trabalho não era tão pesado.<br />
Cinco anos depois fui libertado pelos russos. Estava com vinte e dois anos. Fui para<br />
a Polônia em busca de minha família e soube que eles foram enviados para campos de<br />
extermínio. Meu irmão mais velho que tinha sido levado para campo de trabalho,<br />
sobreviveu. Na Alemanha fiquei na região sob controle dos americanos. Lá conheci Fela<br />
Goldfreind com quem me casei. Nosso primeiro filho nasceu na Alemanha. Depois de dois<br />
anos fomos para o Estado de Israel. Meu irmão já lá estava. Minha mulher e meu filho<br />
puderam emigrar a Israel legalmente pela Agência Judaica, assim que se inscreveram. Fui<br />
seis meses depois e no meu documento constava o nome de um soldado inglês. Quando<br />
cheguei a Israel (janeiro de 1948) - Askalon - consegui um terceiro nome, Arie Yaari, nome<br />
de minha família traduzido para o hebraico.<br />
Na Polônia fiz o exército e lutei na Guerra da Independência. Participei de<br />
movimentos juvenis sionistas. Minha esposa também que foi sobrevivente de campos de<br />
trabalho. Quis emigrar aos EUA em busca de vida melhor.<br />
Um comitê de ajuda me ofereceu vir ao Brasil. Aceitamos, porque depois iríamos<br />
aos EUA. Chegamos ao porto de Santos em 1954. Ao chegar fiquei sensibilizado quando<br />
um trabalhador do porto me ofereceu sua própria comida, ao dizer "Está servido?"<br />
A JOINT (American Jewish Joint Distribuition Committee) me ajudou por algum<br />
tempo. Depois mudamos para Santo André e ao invés de trabalhar como encanador,<br />
profissão sem importância no Brasil, transformei-me em vendedor ambulante. Conheci<br />
Samuel Klein que se tornou um homem muito rico com o trabalho do comércio ambulante<br />
e prestamista. Depois me tornei construtor de casas e depois empreiteiro - construtor.<br />
Quando soube que a Alemanha estava pagando indenização aos sobreviventes,<br />
reivindiquei esse direito e dele sobrevivo ainda hoje.<br />
Ao conhecer Campos do Jordão, gostando do clima que me lembrava a Europa,<br />
resolvi construir um hotel na cidade e tive sucesso, pois organizava eventos no hotel,<br />
atraindo público. Eram as Semanas italianas, Espanholas, Judaicas, etc. O hotel atingiu<br />
auge em 1979/89. Os embaixadores davam endereços de grupos de música e dança típica<br />
de seus países.<br />
Hoje meu filho mais velho, Josef dirige o hotel. Tenho mais duas filhas: Soshana,<br />
nascida em Israel em 1948, casada com um sefaradita egípcio, Abrahão Antar e Paulina<br />
nascida em São Paulo em 1955. Seu primeiro marido foi Sérgio Shuckman e o atual é Osias<br />
Alves. Tenho dez netos e quinze bisnetos.<br />
Hoje faço depoimentos em escolas de Taubaté e escrevi um livro, O Leão da<br />
Montanha. O sucesso destas palestras me levaram a produzir uma aula cênica em DVD, sob<br />
a direção de Sidney Bretanha e Gabriel Miziara de São Paulo. Sou conhecido pelo hotel,<br />
pelas palestras das quais participo e meu DVD. Olívia, minha 2ª esposa, me ajuda neste<br />
trabalho.<br />
78
CRÔNICA<br />
JORGE AMADO E A JUDIA DE VARSÓVIA: UM AUTOR E SUAS<br />
MÚLTIPLAS VOZES<br />
Kenia Maria de Almeida Pereira 46<br />
Eu sempre gostei muito de Jorge Amado. Houve uma época em que eu admirava<br />
principalmente aquele Jorge inventado pela Rede Globo e o cinema. Na adolescência, na<br />
década de 1970, por exemplo, como a maioria dos brasileiros, me deliciava com as<br />
aventuras impetuosas e eróticas da nordestina Gabriela e o árabe Nacib. O tempo passou, já<br />
adulta, me peguei sonhando, nos anos 1990, desta vez, com o romance incendiário de Betty<br />
Faria no papel de Tieta e José Mayer, fazendo Osnar. Mas antes, em 1976, eu já tinha me<br />
divertido e dado boas risadas no cinema com o filme Dona Flor e seus dois maridos:a bela<br />
e cômica história dirigida por Bruno Barreto.<br />
O tempo passou, virei professora de literatura brasileira na universidade, fiquei um<br />
pouco mais chata, mas nunca abandonei Jorge Amado. Desta vez, minha atenção se voltou<br />
para aquele Jorge mais elaborado esteticamente e mais preocupado com as desventuras<br />
humanas e com as nossas crises de identidade.<br />
Assim, sempre sugiro aos meus alunos que leiam um dos contos mais intrigantes e<br />
inteligentes deste autor: A morte e a morte de Quincas Berro D´água. A força principal<br />
desta narrativa está no personagem Quincas: o pacato funcionário público que resolve<br />
“chutar o balde” depois que se aposenta. Quincas abandona a vida pacata e burguesa que<br />
levava junto à família para viver uma vida desregrada de bar em bar, de prostíbulo em<br />
prostíbulo. Esta mudança radical é uma metáfora da ambigüidade da alma humana,<br />
alegoria de nossos desejos mais secretos e que nem sempre podemos ou temos coragem de<br />
experimentar. Além de ler o livro, agora também podemos ver o filme, que estreou no<br />
cinema em maio deste ano, com o talentoso ator Paulo José, fazendo o trágico-hilário<br />
Quincas Berro D´água. .<br />
Outra coisa que me encanta em Jorge Amado é sua diversidade de temas e de<br />
enfoques literários. Em 1930, com apenas 18 anos de idade, publica seu primeiro romance,<br />
O Pais do Carnaval. Nesta obra, já encontramos as sementes das primeiras discussões de<br />
viés político-ideológico de esquerda: críticas ao governo Vargas, às classes sociais<br />
abandonadas, aos desmandos do capitalismo e aos sonhos deteriorados da elite. Todos estes<br />
ingredientes acompanharão diretamente ou metaforicamente outros de seus principais<br />
romances engajados: Cacau, Suor, Jubiabá e Mar Morto.<br />
Semana passada, bisbilhotando as estantes de uma livraria, esbarrei com um livro de<br />
crônicas de Jorge Amado. Eu não sabia, mas de 1942 a 1945, quando ele voltou do exílio<br />
46 – Professora do Mestrado em Teoria Literária da Universidade Federal de Uberlândia-MG. Pesquisadora<br />
do LEER/USP. Publicou pela editora Annablume o livro “A Poética da Resistência em Bento Teixeira e<br />
Antônio da Silva, O Judeu” e pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo organizou “Obras do Diabinho da<br />
Mão Furada”.Atualmente pesquisa sobre judaísmo e Holocausto na poesia brasileira.<br />
79
no Uruguai e Argentina, foi cronista do jornal baiano o Imparcial. Neste período, Jorge se<br />
engajara na luta contra o nazi fascismo e começara a redigir textos em protesto contra a<br />
estupidez da Segunda Guerra Mundial. Nestas crônicas, as principais temáticas estão<br />
relacionadas com os abusos e as atrocidades de Hitler. Jorge Amado protesta<br />
principalmente contra a perseguição aos intelectuais judeus, contra o fechamento das<br />
universidades dirigidas pelos semitas. Podemos ler também críticas contra a perseguição de<br />
escritores de esquerda, a queima de livros em praça pública, o fuzilamento de Lorca, o<br />
suicídio de Zweig, dentre outros assuntos sombrios. Jorge Amado deixa claro, em muitas<br />
destas crônicas, que o fascismo é a Idade Media reeditada: um ódio explícito à inteligência<br />
e à diversidade de idéias, onde poucos detêm o saber para que poucos detenham o poder.<br />
Todos estas reflexões podem ser lidas em A hora da guerra, o qual traz 103 crônicas,<br />
organizadas e selecionadas por Myriam Fraga e Ilana Goldestein. O livro foi publicado pela<br />
Companhia das Letras em 2008. Tal obra pode ser, aliás, ótima ferramenta de trabalho para<br />
professores do ensino fundamental e médio que queiram trabalhar com a temática da<br />
Segunda Guerra e sua recepção no Brasil. Jorge Amado escreve estas crônicas num estilo<br />
simples, com inúmeras referências históricas, além das pontuais denúncias aos maus tratos<br />
e torturas da Gestapo sobre o povo Judeu.<br />
Se Jorge Amado cronista me encantou, principalmente pela sua coragem de se<br />
posicionar objetivamente, na imprensa, em plena ditadura Vargas, a favor dos judeus e dos<br />
intelectuais de esquerda, o que mais me surpreendeu foi o Jorge Amado poeta. Sim, poeta.<br />
Creio que são pouquíssimas as pessoas que saibam deste Jorge dos versos. Jorge de<br />
estrofes e rimas. Em 1938, o autor de Jubiabá publicou também um livrinho de poesias<br />
intitulado A estrada do mar. Descobri isto por acaso, num destes passeios labirínticos e<br />
virtuais pela Internet. Depois de visitar vários sites sobre Jorge Amado, cai na interessante<br />
página de Antônio Miranda no<br />
endereçohttp://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/jorge_amado.html<br />
Neste site, Miranda comenta que Estrada do Mar é livro raríssimo e que, com<br />
certeza, deve ainda existir um exemplar nos arquivos da Fundação Casa de Jorge Amado,<br />
na Bahia.<br />
Confesso que fiquei com uma curiosidade danada de poder ver, tocar, cheirar e ler<br />
este livrinho raro. Fiquei pensando no que eu encontraria nestas estrofes: os conflitos do<br />
amor ou da política? A exaltação à pátria em sonetos ou a crítica ferrenha destilada em<br />
versos irregulares?<br />
Mas o que atualmente se conhece de Jorge Amado como poeta e que transita no<br />
mundo virtual é a bela poesia intitulada A canção da Judia de Varsóvia. É um longo poema<br />
em que o autor dá voz ao desespero de uma bela moça judia, a qual, durante a Segunda<br />
Guerra, foi covardemente arrastada para um Campo de Concentração Nazista, em Varsóvia,<br />
capital da Polônia.<br />
O autor intitula seus versos de Canção. Uma canção fúnebre em que a personagem<br />
depois de perder seu noivo, seus pais, sua pátria, perde também a dignidade, já que<br />
pertencia a uma massa informe: aos judeus sem nome. Mas, talvez, o que mais constrange o<br />
leitor é que, como esta moça, foram dezenas, centenas, milhares de belas garotas que<br />
terminaram seus dias sem nunca mais ver a primavera, exterminadas pela fome, pelo<br />
fuzilamento ou nas câmeras de gás, num dia de inverno qualquer da gelada Varsóvia.<br />
Durante a leitura, imediatamente nos lembramos de outras mulheres tão trágicas, tão<br />
joviais e belas quanto esta garota polonesa. Outras mulheres judias, que, em plena<br />
mocidade, também foram exterminadas nos Campos. Como nos esquecermos de Olga<br />
80
Benário, morta aos 34 anos, no campo de extermínio de Bernburg? A memória também nos<br />
remete a Anne Frank, que perdeu a vida aos 15 anos no Campo de Bergen –Belsen. Sem<br />
nos esquecermos ainda de Elise Sabrowski, a Sabo, que com menos de 40 anos também foi<br />
exterminada em Bernburg.<br />
Também somos levados a nos recordar do Levante do Gueto de Varsóvia, afinal, é<br />
um dos episódios mais famosos e importantes da resistência judaica ao genocídio. Fico<br />
imaginando os judeus num caótico gueto, durante a guerra, em 1943, depois de muita<br />
morte, tortura, estupro e humilhação, resolvem se rebelar contra os nazis. Posso imaginar as<br />
centenas de jovens judeus sionistas revoltosos, lutando contra tangues de guerras<br />
poderosos, metralhadoras potentes, tendo em mãos para se defender nada mais que algumas<br />
pequenas bombas caseiras, pedras, estilingues, facas, gritos, lágrimas e principalmente<br />
coragem. “As flores se acabaram../.<br />
As criancinhas também”, canta a judia de Varsóvia neste poema doloroso em que ela não<br />
tem nome, tem apenas uma identificação “sobre o peito, uma marca feita com ferro em<br />
brasa”. Exterminado o último judeu do gueto, ouve-se ainda, num gesto de resistência<br />
poética, a canção da moça polonesa, indagando: “As aves, para onde foram?”<br />
Interessante pensar que se Jorge Amado deu voz a Carlos Prestes em seu famoso<br />
livro O Cavaleiro da esperança e se deixou falar o poeta dos escravos em o ABC de<br />
Castro Alves, também não se esqueceu de dar voz à judia polonesa. Jorge Amado, escritor<br />
polifônico, procurou ouvir várias vozes para compor a sinfonia de sua obra.<br />
O poema, A Canção da Judia de Varsóvia, é belo e extenso. Sua leitura pode<br />
devolver, no momento mesmo em que se lê, a integridade e o nome desta judia anônima,<br />
representante das milhares de vítimas femininas que nunca mais voltaram a ver a primavera<br />
em seus países. Leremos na íntegra o poema. Não se deve mutilar uma obra de arte,<br />
principalmente uma preciosidade estética de Jorge Amado, o Jorge de Todos os Santos, de<br />
todas as vozes, de todas as lutas. Um Jorge das inesquecíveis personagens femininas que<br />
transitou do erotismo de Gabriela e de Tieta ao triste e anônimo canto da Judia de Varsóvia.<br />
Um Jorge de quem gosto cada vez mais e que precisa ser cada vez mais lido e interpretado,<br />
principalmente nas salas de aula deste país. Boa leitura:<br />
OLGA BENÁRIO<br />
http://geraldofreire.uol.com.br/olga_benario.jpg<br />
81
ANNE FRANK<br />
http://revistalivro.files.wordpress.com/2010/04/anne-frank.jpg<br />
Canção da Judia de Varsóvia<br />
Jorge Amado.<br />
Meu nome, já não o sei..<br />
Só de Judia me chamam.<br />
Meu rosto já foi bonito, na primavera em Varsóvia.<br />
Um dia, chegou o inverno,<br />
Trazido pelos nazistas;<br />
E nunca mais quis ir embora.<br />
Um dia já fui bonita,<br />
Tive noivo, e tive sonhos.<br />
Trazidos pelos nazistas<br />
Veio o terror, veio a morte.<br />
As flores se acabaram...<br />
As criancinhas também.<br />
Meu noivo foi fuzilado na madrugada do inverno.<br />
Alegres jardins de outrora hoje já não existem.<br />
Nunca mais verei as flores.<br />
As criancinhas morreram de fome, pelas sarjetas,<br />
Furadas de baionetas, nas diversões dos nazistas..<br />
Morreram as flores também.<br />
As aves, para onde foram?<br />
Cadê Varsóvia sorrindo?<br />
Está Varsóvia gemendo...<br />
Está Varsóvia morrendo...<br />
Tão lindo era meu nome, poema para o meu noivo!<br />
82
Riu o nazi junto a mim:<br />
"Judia que és bonita"<br />
- Judia não tem beleza, judia nem nome tem...<br />
Tomou da minha beleza nas suas mãos assassinas,<br />
Quem me dera ter morrido na madrugada do inverno!<br />
Sou pobre moça judia na cidade de Varsóvia...<br />
Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe.<br />
Em campo de concentração minha beleza acabou.<br />
Meu nome, já não o sei - só de judia me chamam.<br />
Nunca fiz mal a ninguém,<br />
E tanto mal que me fizeram!<br />
Coração não têm os nazis...<br />
São feras que se soltaram pelas ruas de Varsóvia.<br />
Inverno que não acaba, só há desgraça e tristeza,<br />
Soluços de toda a gente e as gargalhadas dos nazis!<br />
Antes, nas tardes alegres,<br />
Meu noivo vinha à rua,<br />
Seus olhos nos meus pousavam,<br />
Meus lábios só tinham risos.<br />
Mas um dia.... Eles chegaram.<br />
Vestiam camisas pardas.<br />
Coração? Eles não tinham.<br />
Meu noivo havia partido, tão belo, com o seu fuzil!<br />
Mataram-no de madrugada, nesse inverno que chegava...<br />
Esse campo não tem flores...<br />
Mais parece um cemitério...<br />
Em campo de concentração<br />
São mil judias comigo, mas nenhuma nome tem.<br />
Só, sobre o peito, uma marca feita com ferro em brasa,<br />
Como um rebanho de gado<br />
Para os açougues dos nazis.<br />
Minha beleza se foi...<br />
Meus lábios já não sorriem.<br />
Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe;<br />
Meus olhos são secos, secos não restou nenhuma lágrima.<br />
Uma coisa me disseram - quem dera fosse verdade...<br />
Disseram que em outras terras,<br />
83
Judias e não judias, moças que nem nome têm,<br />
Em armas se levantaram,<br />
Que guerrilheiras se chamam, que matam nazis nas noites,<br />
Que vingam os noivos e a honra! Quem dera fosse verdade!<br />
Por que... Se fosse verdade, mulheres matando nazis,<br />
Nesse campo desgraçado uma alegria eu teria, uma esperança também.<br />
Dizem que em outras terras lutam mulheres em armas...<br />
Quem dera fosse verdade por que... Se fosse verdade,<br />
Um dia para Varsóvia, com certeza chegaria,<br />
em que o Inverno se fosse e os nazistas se acabassem.<br />
E a primavera encheria de cantos Varsóvia inteira,<br />
Nas ruas de criancinhas, nos alegres jardins de flores,<br />
Nos olhos dos namorados...<br />
Tudo seria uma canção!<br />
E, moça judia então, nome de novo eu teria!<br />
BIBLIOGRAFIA DE APOIO PARA O PROFESSOR TRABALHAR COM A<br />
TEMÁTICA DAS MULHERES NO HOLOCAUSTO<br />
AMADO, Jorge. Hora da Guerra. A Segunda Guerra Mundial vista da Bahia. Crônicas (1942-<br />
1944).São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Organização de Myriam Fraga e Ilana Seltzer<br />
Goldstein.<br />
BAUMAN, Janina. Inverno da manhã: uma jovem no gueto de Varsóvia. São Paulo: Jorge Zahar,<br />
2000.<br />
FRANK, Otto H. & PRESSLER, Mirjam. O diário de Anne Frank. Rio de Janeiro: Editora<br />
Record,2008.<br />
MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.<br />
SAIDEL, Rochelle G. As judias do Campo de Concentração de Ravensbrück. São Paulo:<br />
EDUSP, 2000.<br />
84
O Holocausto na Literatura Brasileira: uma<br />
pequena anatomia da memória<br />
Berta Waldmann<br />
O Holocausto é hoje um tema privilegiado na pauta de discussão de disciplinas<br />
distintas das ciências humanas e das artes, em outras partes do mundo e também no Brasil.<br />
Disseminado em estudos inseridos na rubrica “testemunho na literatura”, esse tema e seus<br />
desdobramentos compõem um campo inter-disciplinar de pesquisas realizadas em<br />
diferentes contextos em fase de ampliação e aprofundamento. Trata-se de um work in<br />
progress na medida em que o campo de estudos está se delineando e a bibliografia<br />
específica ainda é relativamente escassa. O tema marca presença em livros, revistas<br />
acadêmicas e simpósios, tendo inclusive transposto essas fronteiras chegando aos jornais,<br />
nos idos de 1999, por ocasião dos debates em torno do livro Fragmentos, de Binjamin<br />
Wilkomirski, cujo autor fraudou sua identidade ao se apresentar como sobrevivente de um<br />
campo de concentração, tendo sido depois de algum tempo desmistificado 47 . Mas a<br />
polêmica, incrementada também através de fotos e filmes sobre o Holocausto, levantou<br />
uma questão ética que continua sendo debatida: quem tem legitimidade para narrar as<br />
atrocidades cometidas pelos nazistas?<br />
Sabe-se que, no Brasil, foram escritos textos sobre o Holocausto, por<br />
sobreviventes e imigrantes judeus. Sabe-se também que, durante a Segunda Guerra<br />
Mundial, mesmo os judeus distanciados geograficamente da catástrofe, foram atingidos ao<br />
sofrerem perdas de familiares e amigos. Os escritores resguardaram-se, em geral, de<br />
escrever suas memórias ou de tratar ficcionalmente da Shoá 48 , guardando o tempo<br />
necessário para trabalhar e acomodar as lembranças de uma experiência vivida fora do<br />
Brasil e também para ajustar sua sensibilidade ao novo território em que passaram a viver.<br />
47 Cf. de Márcio Seligmann-Silva, “ A literatura do trauma”, “Wilkomirski: Os fragmentos de uma farsa”. In<br />
Cult, n.23, junho, 1999, pp. 40-47, 60-63.<br />
48 Nome hebraico, em português “catástrofe”, para designar o assassinato em massa perpetrado durante a<br />
Segunda Guerra Mundial. Muitos preferem essa designação a Holocausto, devido ao sentido de imolação,<br />
sacrifício, expiação que o segundo termo carrega.<br />
85
Sabe-se ainda que os sobreviventes, após tantos anos da experiência vivida, tiveram<br />
que se valer da memória para elaborar seus textos. É preciso frisar, no entanto, que a<br />
memória não se opõe ao esquecimento. Ela funciona no meio fio da supressão e da<br />
conservação do vivido. Por isso diz-se que ela é seletiva, isto é, ela apreende alguns dados,<br />
quando outros passam despercebidos. Além disso, ela é descontínua, lacunar, e sua<br />
organização é sempre um artefato de que o memorialista lança mão , preservando ou não<br />
os vazios e hiatos que pontuam sua descontinuidade. O livro de Primo Levi É Isto um<br />
Homem 49 , por exemplo, mimetiza esse modo de operar da memória ao apresentar-se de<br />
forma fragmentária, mantendo, assim, os buracos e os silêncios, entre as partes, oferecendo<br />
ao leitor uma descontinuidade metonímica, que potencializa, no entanto, o aflorar de uma<br />
figura única: a metáfora do horror.<br />
Esse tipo de narrativa baseada na experiência luta para transformar a memória do<br />
passado numa possibilidade do “esquecimento”, no sentido de aliviar as angústias e, assim,<br />
criar o solo ou a promessa de um futuro. São narrativas catárticas que enfocam a dor, o<br />
sofrimento, as injustiças cometidas a pessoas inocentes.<br />
Elas implicam sempre num pacto entre aquele que conta ou escreve e aquele que<br />
ouve ou lê. Esse pacto enfatiza o conteúdo de verdade do que está sendo transmitido e a<br />
esse relato chamamos de literatura de testemunho, gênero que abarca, num primeiro plano,<br />
memórias, depoimentos, autobiografia, onde alguém, no presente, remete à experiência<br />
passada. O relato pode também organizar-se em forma de diário, cartas, gêneros que se<br />
compõem a partir de uma relativa sincronia dos tempos, isto é, relata-se quase ao mesmo<br />
tempo em que se vive a experiência. De qualquer modo, o testemunho exige que aquele<br />
que relata tenha vivido a experiência contada, restringindo-se à matéria crua de uma<br />
vivência concreta, e é isso que daria suporte ao conteúdo de verdade do texto. A<br />
condição do testemunho é o compromisso com a verdade, embora não lhe sejam cobradas<br />
provas materiais para que se firme esse compromisso.<br />
Já o campo de forças que articula a literatura de testemunho resume-se à<br />
necessidade de narrar e à insuficiência da linguagem em recobrir o real, pondo de manifesto<br />
49 Levi, Primo. É Isto um Homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988. (trad. Luigi del Re)<br />
86
a cisão entre linguagem e evento, criando-se, assim, a polarização paradoxal entre<br />
necessidade e impossibilidade, pesando sobre a segunda os limites expressivos da<br />
transmitida 50 .<br />
linguagem, como também a categoria excessiva e inverossímil de realidade a ser<br />
São muitos os sobreviventes 51 que expressaram a incredulidade dos ouvintes em<br />
relação às primeiras notícias dos campos de extermínio nazistas. A noção de absurdo foi<br />
instrumentalizada pelos perpetradores do genocídio, que queriam apagar os rastros de seus<br />
atos, sabendo que poderiam contar com a incredulidade do público . É o próprio Lévi que<br />
cita em seu livro Os Afogados e os Sobreviventes um episódio contado por Simon<br />
Wiesenthal que reproduz a fala de um nazista: “Seja qual for o fim desta guerra, a guerra<br />
contra vocês nós ganhamos; não restará ninguém para dar testemunho, mas mesmo que<br />
alguém escape, o mundo não lhe dará crédito.”<br />
O peso maior em relação à impossibilidade de narrar recai sobre o trauma vivido,<br />
que funciona como um bumerangue que retorna sempre a seu lugar de origem. Sabe-se<br />
através de Freud que a experiência traumática é aquela que não pode ser totalmente<br />
assimilada enquanto ocorre, resistindo, assim, à simbolização. Neste caso, o testemunho<br />
seria a narração não tanto dos fatos violentos vividos, mas da resistência à compreensão dos<br />
mesmos. Por mais que a linguagem tente cercar e estabelecer limites àquilo que não foi<br />
submetido a uma forma , ela fracassa, e ao derrapar promove a repetição da cena<br />
traumática 52 .<br />
50 A propósito, vale lembrar a passagem da Poética de Aristóteles, em que o autor afirma: “ Deve-se preferir<br />
o que é impossível, mas verossímil, ao que é possível, mas não persuasivo.” E, ainda, de Boileau (século<br />
XVIII): “O espírito não se emociona com o que ele não acredita.” (Arte Poética, III, 5 a )<br />
51 Cf. Levi, Primo, Os Afogados e os Sobreviventes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. (trad.Luiz Henriques)<br />
52 Cf. de Márcio Seligmann-Silva, “O Testemunho: Entre a Ficção e o “Real” e “Reflexões sobre a Memória,<br />
a História e o Esquecimento” .In História, Memória, Literatura (O testemunho na Era das Catástrofes)<br />
Campinas: Editora da Unicamp, 2003, pp.59-90, 375-390.<br />
87
Há quem argumente que é a história e não o relato da experiência vivida que é capaz<br />
de levar a um grau de compreensão do acontecido durante a Segunda Guerra Mundial 53 . O<br />
que está em questão em relação ao ocorrido em Auschwitz, diriam os defensores da<br />
história, não é a morte individual, que pode ser contada pela memória, mas o genocídio de<br />
um povo executado por um Estado moderno no coração da Europa em pleno século XX.<br />
Ao historiador, aos pesquisadores, cientistas sociais, caberia recuperar as memórias, os<br />
fragmentos individuais e demais rastros e torná-los compreensíveis. A eles caberia superar<br />
a barreira do intangível para entender a organização do Estado alemão a partir de 1933,<br />
para articular a gramática interna da ideologia, sua potência, sua atuação em esferas da vida<br />
social e psicológica, a emergência dessa ideologia na história da Alemanha e da Europa e<br />
como ela se apossou do Estado e como este organizou, pela primeira vez na história, um<br />
plano sistemático de destruição de todo um povo 54 .<br />
Por outro lado, há também aqueles que argumentam (entre eles eu me incluo) que<br />
se a vivência da barbárie do século XX coube a alguns milhões de seres humanos, a<br />
experiência do extermínio é de todos nós. E só a literatura poderia desafiar a<br />
intraduzibilidade do Holocausto, transmitindo-a de maneira mais cabal.<br />
Como conjugar os dois apelos inconciliáveis - a necessidade de contar e sua<br />
impossibilidade - a não ser através da palavra literária? Da palavra que significa pelo que<br />
diz e pelo que cala, capaz de estimular um encontro mais efetivo com o vivido, e, por seu<br />
intermédio, frear os sentidos estratificados e estabelecidos de uma experiência de abismo<br />
tateável, porém intangível?<br />
No domínio estritamente estético, o abalo da razão e da linguagem tem<br />
conseqüências drásticas para a produção artística. Criar em arte e também no pensamento<br />
de modo geral após Auschwitz significa não só rememorar os mortos, mas também acolher,<br />
no próprio movimento de rememoração, a presença do sofrimento. A inclusão do<br />
sentimento na linguagem demanda a palavra literária. A escolha do tom, da forma, do<br />
53 Cf. de Roney Cytrynowicz, “O Silêncio do Sobrevivente: Diálogo e Rupturas entre Memória e História do<br />
Holocausto”. In História, Memória , Literatura (O testemunho na Era das Catástrofes)<br />
org. Márcio Seligmann-Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, pp. 125-140.<br />
54 Cf. de Zigmunt Bauman, Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: jorge Zahar, 1999 (trad. Marcus<br />
Penchel)<br />
88
andamento narrativo, são traços inerentes à criação. A capacidade de aludir sem dizer, de<br />
fazer emergir metáforas sem explicitá-las, tudo isso é trabalho artístico que alcança mais do<br />
que qualquer tipo de linguagem chegar perto da “verdade” do ser e da vida.<br />
Criar uma obra de arte e não um relato, não implica em omitir os fatos relativos a<br />
uma época e aos acontecimentos que se desenvolveram nela. Primeiro, porque a ficção<br />
relacionada à Shoá lida como fatos históricos e não imaginários. Segundo, porque a arte<br />
representativa também ela aspira a desvelar-nos a “verdade” do mundo. Quando a história<br />
serve de ponto de partida à ficção, são permitidas ao escritor algumas liberdades em relação<br />
ao desenvolvimento exato dos fatos, mas elas servem de alavanca para chegar a um ponto<br />
escondido, submerso, de difícil acesso. É a possibilidade de construir esse atalho que<br />
atribui superioridade à poesia sobre a história, como já afirmavam os antigos.<br />
Claude Lanzmann, diretor do célebre filme Shoah, pensa nessa mesma direção<br />
quando afirma: “ O filme pode ser algo mais que um documento, pode ser uma obra de arte,<br />
e pode ser igualmente verídico.” 55<br />
Também o filósofo Emanuel Lévinas, após sua leitura do polêmico Iossl Rákover<br />
dirige-se a Deus, de Zvi Kolitz, 56 releva o texto ficcional em detrimento do documento:<br />
“Acabo de ler um texto belo e verdadeiro, verdadeiro como só a ficção pode ser.” É claro<br />
que são necessários todos os cuidados para não transformar a lembrança do horror em mais<br />
um produto cultural a ser consumido. Para que isso não ocorra, a estilização artística não<br />
pode tornar Auschwitz digerível, transformando a experiência traumática em mercadoria<br />
de sucesso. A dimensão ética da matéria precisa ser preservada acima de tudo, exigência<br />
obedecida de diferentes maneiras pelos escritores que trataram do Holocausto.<br />
No âmbito da literatura brasileira, um apanhado relativamente completo até agora<br />
do que se escreveu sobre a Shoá está elencado no livro de Regina Igel Imigrantes<br />
Judeus/Escritores Brasileiros 57 . O propósito deste ensaio é trazer para a reflexão alguns<br />
exemplos de como a literatura brasileira configurou as atrocidades perpetradas durante a<br />
55 Todorov, Tzetan. Em face do extremo. Campinas: Papirus, 1995, p.278.<br />
56 Kolitz, Zvi, Iossl Rákover dirige-se a Deus. trad. Fábio Landa. São Paulo: Perspectiva, 2002, p.79.<br />
57 São Paulo: Perspectiva, 1997.<br />
89
Segunda Guerra Mundial, de que modo diferentes gerações, em diferentes tempos, no<br />
Brasil, a representaram.<br />
1.Jacó Guinsburg, nasceu na Bessarábia e aportou no Brasil com sua família aos três anos<br />
de idade, pouco depois da Revolução de 1924. Editor, ensaísta, tradutor, professor de teatro<br />
e de literatura, Guinsburg foi o primeiro a publicar ficção sobre a Shoá. Seu conto "O<br />
retrato" , escrito em 1946, foi publicado em 1949 58 .<br />
A narrativa enfoca a guerra vista a partir do Brasil, provavelmente São Paulo, num<br />
relato que se faz em primeira pessoa, através de um narrador-personagem jovem, filho de<br />
pais emigrados da Romênia.<br />
O conto focaliza a família composta por um filho, pai e mãe, divididos entre o seu<br />
lugar de origem, país em guerra, e o Brasil, sua nova terra. A notícia da guerra chega ao<br />
país principalmente através do jornal. Neste, estão as manchetes bombásticas e<br />
altissonantes, que contracenam com um modo restrito, silencioso e individual de<br />
comunicação – a carta, esperada pela família desde o início do conto, sendo o presumido<br />
emissor um tio que vivia com a família na Bessarábia. A carta seria o aval de sua<br />
sobrevivência.<br />
Em âmbito familiar, a Europa distante fixa-se simbolicamente no retrato de um<br />
primo jovem da Bessarábia. Esse retrato ocupa lugar estratégico na sala de estar da casa,<br />
funcionando como ponto de confluência de olhares, pensamentos, e também como<br />
marcação de uma ausência, de uma falta.<br />
Os dois planos tensionados – fora e dentro, distante e próximo, ausência e presença<br />
- vão interagir durante a narrativa. Fora, a guerra, que chega através da notícia de jornal,<br />
que corre em meio a um mundo estranho a ela, soando na mesma toada que a música no<br />
rádio do vizinho, no mesmo cenário que ocupa a prostituta na esquina recostada num poste<br />
à espera de um freguês. Aqui (no Brasil), em meio a uma indiferença geral, o conto releva<br />
a ansiedade de uma família judaica à espera de notícias sobre a sorte dos entes queridos.<br />
O narrador, um jovem adaptado ao país, quer desvincular-se do destino dos judeus,<br />
ainda que sejam seus familiares. O retrato do primo mais jovem é, na sua visão, um objeto<br />
entre outros da casa, notação que vai se alterando ao longo do relato. Sua rotina é a de todo<br />
58 Revista O reflexo, n.8<br />
90
jovem de sua geração. Inclui a visita às prostitutas da zona, a cervejinha nos bares, e o<br />
sonho de ampliação de seu horizonte de ação, viajando, quem sabe, para os EUA. Enquanto<br />
isso, as notícias de jornal anunciam:<br />
Ultimato de Hitler! O bárbaro crime! Olha a Folha! Olha o Diário! (p.60)<br />
-Hitler invadiu a Polônia! Começou a guerra! (p.62)<br />
Assinada a paz! A paz! (p.64)<br />
Em quatro páginas, o conto marca o transcurso de duração da guerra, tempo<br />
suficiente para o jovem narrador ir se deslocando de sua posição de indiferença com relação<br />
à sua origem e passar a identificar-se com ela através do pai, vindo a sofrer com ele os<br />
desastres de um mundo que, ao final, tinha sido desmantelado, sobrando dele apenas um<br />
retrato na moldura, e o silêncio de uma carta que não chega.<br />
2. Samuel Rawet, imigrante polonês nascido na pequena aldeia de Klimotow, em<br />
1931, aos sete anos desloca-se, com a mãe e os irmãos, para seguir o pai, que já havia<br />
emigrado para o Brasil uns anos antes. Instalam-se na periferia do Rio de Janeiro e a marca<br />
do descentramento sela sua obra como um todo.<br />
O conto “O Profeta” insere-se no livro Contos do Imigrante, que data de 1956 59 .<br />
Aí, um narrador em terceira pessoa dirige a cena literária, ao mesmo tempo que o<br />
protagonista permanece em silêncio. Como que prosseguindo o conto “O retrato”, mas<br />
mudando seu desfecho, toma parte dessa cena um sobrevivente sem nome dos campos de<br />
extermínio, recém chegado ao país, para encontrar seus parentes já fixados no Brasil há<br />
cerca de trinta anos. Estes ridicularizam o recém chegado numa língua ininteligível para<br />
ele, acuando-o ao silêncio e apartando-o do convívio familiar, organizado em torno de um<br />
novo eixo. O aburguesamento da família sinalizado no conto pelo deslizar do automóvel<br />
último tipo, do apartamento luxuoso, se faz acompanhar de novos hábitos, como o jogo de<br />
cartas, risadas tolas e fuxicos. A felicidade e o conforto conquistados não condizem com<br />
59 Rawet, Samuel. Contos do Imigrante. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.<br />
91
uma disposição humanitária de ouvir a história que o velho tinha a contar – para que se<br />
fixar na tristeza?, dizem eles. Essa recusa coloca o velho num lugar de estranhamento do<br />
qual ele não sairá. Com seu capote preto e as barbas brancas, passa a ser chamado<br />
pejorativamente entre os familiares de “profeta”. Também na sinagoga ele é ridicularizado<br />
e chamado do mesmo modo. Os profetas na Bíblia tinham por função conduzir o povo por<br />
um caminho determinado por Deus, sua voz precisava ser ouvida. No conto, a palavra do<br />
profeta está em baixa. O alheamento familiar prevalece e ninguém ouve o sobrevivente,<br />
porque ouvi-lo implicaria em quebrar a carapaça da alienação. Ao final, o velho arruma<br />
sua mala e parte sem ter para onde ir, marcando o não-lugar como sendo o que resta aos<br />
que sobreviveram ao Holocausto. Neste ponto, vale lembrar que vários sobreviventes<br />
especificam em seus relatos a dificuldade em contar a bárbarie a que tinham sido<br />
submetidos, porque não lhes davam crédito, porque suas histórias entristeciam os ouvintes<br />
que as recusavam.<br />
Marcando sua solidariedade com aquele que sofre, o narrador recorta a frase<br />
permeando-a de pausas, para criar no plano estilístico uma homologia com aquilo que é<br />
contado. Assim, o conto deve ser entendido através da palavra e do silêncio, que aqui<br />
significa toda uma história que está sendo omitida.<br />
3. Meir Kucinski, em Imigrantes, Mascates & Doutores lançado em 2002 60 , apresenta<br />
narrativas publicadas originalmente em Israel, em 1963. Imigrante proveniente da Europa<br />
Oriental, Polônia, Kucinski chegou ao Brasil aos 29 anos, em 1935, e aqui desempenhou<br />
papel importante na vida intelectual judaica, tendo se dedicado, entre outras atividades, ao<br />
jornalismo e ao ensino do ídich e de sua literatura, no Colégio Renascença. Sua língua de<br />
expressão foi o ídich, tendo suas narrativas sido traduzidas para o português.<br />
O conto “Mitzves, Boas Ações” põe em evidência os conflitos entre os judeus já<br />
estabelecidos no Brasil e aqueles que vieram na qualidade de sobreviventes da Shoá. As<br />
partes em conflito são as mesmas que as apresentadas por Rawet, em “O Profeta”. Só que<br />
elas não representam parentes consagüíneos, mas pessoas originárias da mesma<br />
cidadezinha – Scheradz (Polônia). Os primeiros imigrantes dessa região já haviam<br />
60 Kucinski, Meir. Imigrantes, Mascates & Doutores. (Coord. Rifka Berezin e Hadassa Cytrynowicz) São<br />
Paulo: Perspectiva, 2002<br />
92
organizado sua associação de ajuda mútua em São Paulo e chegara a hora de recepcionar e<br />
apoiar uma família (Iossl, sua mulher, Sara e os dois filhos) sobrevivente do Holocausto.<br />
Se o gesto é positivo e informa os modos de organização dos judeus imigrados na<br />
nova terra - eles montam uma sapataria para o sustento de Iossl e sua família - alia-se a ele<br />
um traço de onipotência, já que Iossl não foi consultado se desejaria trabalhar nessa<br />
profissão. De certo modo, o bom gesto foi mal direcionado e acabou por gerar efeitos<br />
catastróficos, por reduzir o suposto beneficiado a objeto sem direito a opinião. A ação é<br />
corrigida no segundo auxílio espontâneo que a família recebe, vindo, dessa vez, de<br />
vizinhos judeus da Bessarábia, que atuam segundo um padrão ético de respeito ao outro.<br />
O mesmo núcleo de conflito reaparece no conto “O Tio”, do mesmo autor, que<br />
contrapõe a família de Moische Wolf, já perfeitamente ajustada ao Brasil, ao recém<br />
chegado Iossl, sobrinho do primeiro e sobrevivente do Holocausto. O autor não romantiza<br />
nem idealiza as relações familiares. Os que pertencem à mesma linhagem e formam uma<br />
família consangüínea são estranhos uns aos outros e não há afeto desinteressado<br />
permeando o contacto. O diferente, o que veio de longe e traz uma marca de sofrimento, é<br />
evitado. Sua chegada não deve interferir na rotina familiar, ele não deve contar a ninguém<br />
sua experiência nos campos, espera-se que apague a expressão de dor desenhada em seu<br />
rosto e que atue como os demais que não passaram pelo Holocausto, porque já estavam no<br />
Brasil, onde trabalharam duro, mas venceram, isto é, juntaram negócio, casa própria e a<br />
possibilidade de proporcionar estudo aos filhos. Quem sabe Iossl poderia vir a ser o genro<br />
que buscavam, casando com sua filha única?<br />
Do jovem saía um odor envelhecido de campo de concentração. Os andrajos que<br />
vestia como que contavam do trabalho de “desinfecção”, dos vapores dos barracões, de<br />
alguém que se apresentava para o serviço militar. (p.194)<br />
Transformá-lo à força em genro, não podiam, mas o jovem não escaparia de ser<br />
mascate, refazendo o destino do tio e de tantos outros judeus aqui chegados. O narrador em<br />
terceira pessoa, para acentuar a solidão do sobrevivente, mostra-o perdido na língua<br />
portuguesa que desconhece:<br />
Iossl, com as mãos deformadas pelos pesados trabalhos forçados no campo de<br />
concentração, com o número tatuado no braço, não entendia claramente nem o que eles<br />
93
chamavam “pegar no batente”, nem o que queria dizer “progredir”, apesar de o tio falar e<br />
resmungar, desde o primeiro minuto essas palavras. (p.195)<br />
Recusando-se a apagar a violência inerente às relações humanas e, particularmente,<br />
negando-se a tratar do judeu como um bloco homogêneo, Kucinski mostra a “família”<br />
judaica em estado de conflito, empenhada em ocultar e reprimir uma história indesejada.<br />
Cego à sua responsabilidade em relação ao outro, o tio reproduz a lógica assassina<br />
instaurada pelo nazismo, reduzindo o sobrinho a um número de matrícula sem rosto, ao<br />
mesmo tempo em que desmorona o edifício de princípios éticos que devem reger a conduta<br />
de judeus e não-judeus. O conto termina lançando o sobrevivente numa bruma de<br />
incompreensão, espaço em que a lei moral está suspensa:<br />
Iossl, com as pernas bem abertas, a ossuda face em chamas e o olhar vago, olhava<br />
sem entender para o pacote, como para um cadáver. Lembrou-se do chicote, no campo de<br />
concentração, que silvava como as palavras do tio: “No Brasil, se a gente quer, a gente é<br />
um tio, se não quer, não se comporta como um tio...” (p.196)<br />
4. Exemplar em termos de cruzamento de culturas é um fragmento de A guerra no<br />
Bom Fim , romance de Moacyr Scliar 61 , em que o autor traz a barbárie nazista para Porto<br />
Alegre. Brasileiro, nascido em Porto Alegre em 1937, filho de imigrantes da Europa<br />
oriental, Scliar é o escritor mais fecundo da literatura brasileira contemporânea de temática<br />
judaica. Autor de numerosos romances e contos, sua obra está traduzida para diferentes<br />
idiomas.<br />
Ao longo do romance mencionado, o autor vai oferecendo ao leitor pistas que lhe<br />
permitam chegar ao episódio em que os filhos do alemão Ralph Schmidt prendem e matam<br />
o velho judeu Samuel e, não sabendo o que fazer com o corpo, transformam-no num<br />
churrasco de domingo. Repetidas vezes o alemão, o polonês e o negro no romance fazem<br />
ameaças de transformar os judeus em churrasco, numa alusão clara aos fornos crematórios.<br />
O narrador em terceira pessoa informa também que o Brasil havia acolhido uma grande<br />
leva de alemães nazisttas depois da Segunda Guerra Mundial. Assim, quando os filhos do<br />
alemão Ralph Schmidt resolvem prender o velho Samuel para presenteá-lo ao pai no dia de<br />
61 Scliar, Moacyr, A Guerra no Bom Fim. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972.<br />
94
seu [do pai] aniversário, já tinham sido criados os suportes de verossimilhança. O autor,<br />
entretanto, terá que usar o fantástico e enquadrar o episódio no carnaval, momento de<br />
inversão da ordem, para levar adiante os aspectos grotescos e mórbidos dos<br />
acontecimentos.<br />
Quando os filhos de Ralph matam gratuitamente o velho judeu e o transformam em<br />
churrasco, eles estão promovendo a passagem de uma expressão metafórica em literal, e<br />
alçando a situação ao plano fantástico. É a mulata Maria, mãe das crianças criminosas que,<br />
em sua ignorância (ela não sabe o que os filhos e o leitor sabem), começa a comer o corpo<br />
de Samuel. Para além dos aspectos macabros que o episódio suscita, podemos interpretá-lo<br />
pelo viés antropofágico. Quando Maria come a carne humana, o autor a transforma em<br />
canibal nativa. Ela é a autóctone em oposição ao marido e aos filhos que se parecem ao pai,<br />
o europeu civilizado, branco. Através do comportamento do branco europeu e do nativo, o<br />
leitor é levado a avaliar uma das conseqüências banais da colonização: a corrupção dos<br />
nativos pelo europeu, este o verdadeiro bárbaro, numa inversão clara da óptica colonialista.<br />
Com este episódio, o autor ilustra um crime macabro que indicia o extermínio nazista, ao<br />
mesmo tempo que iclui uma tomada de posição com relação ao processo bárbaro de<br />
colonização a que o branco e europeu submeteu o Brasil e a América Latina.<br />
5. Já em Memorial de um herege 62 , romance de Samuel Reibscheid, médico<br />
nascido em São Paulo e filho de pais imigrantes -- , o autor cria uma narrativa que se<br />
estrutura a partir do anárquico relato de Guenia Bronia, médium praticante de artes ocultas,<br />
transcrito pelo narrador conforme mensagem psicocomputadorizada recebida do além. De<br />
viés bem brasileiro, esse influxo místico é usado como recurso de criação de<br />
verossimilhança, sendo caudatário dos numerosos documentos, cartas, bilhetes, encontrados<br />
por acaso e que se desdobraram em tantos romances do século XIX e mesmo do século XX.<br />
Ele é, entretanto, apenas a ante-sala de um relato escrito aos jorros, onde a ironia e o<br />
humor ácido oxidam a letra expandida numa pluralização de narrativas interligadas a partir<br />
de um evento vivido pelo protagonista, o médico Isaac Ben Maimon, preso numa cidade do<br />
interior de São Paulo e envolvido num processo kafkiano, já que se desconhecem os<br />
motivos da acusação. Esse é o dínamo que desencadeia uma torrente de horror. Segundo as<br />
62 Reibscheid, Samuel. Memorial de um herege. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.<br />
95
homologias criadas no relato, somos levados a pensar que o autor crê haver uma<br />
continuidade nos atos de manifestação do autoritarismo através dos tempos. Mudam as<br />
vítimas, mudam os poderes, o processo é idêntico. Assim, justapõem-se e misturam-se as<br />
ações da Santa Inquisição com os horrores do Holocausto e com os atos de tortura<br />
perpetrados pelas ditaduas latino-americanas e outras. A partir desse princípio de<br />
equivalência, as partes vão sendo costuradas, juntando-se peste bubônica e Aids; Hitler e<br />
Eichmann que dançam uma valsa antes de serem despejados num esgoto; o rei Davi e<br />
Moshé Dayan; Inquisição e os porões da ditadura; gritos de horror escancarado e vozes de<br />
crianças brincando, tendo como fundo pregões de vendedores de iguarias. Tudo registrado<br />
pelo olho de uma polaróide pós-moderna que não teme o excesso. O excremento, a<br />
mutilação, a morte, orquestrados para relevar a desordem do irracionalismo, não poupam o<br />
leitor, lançado também ele num espetáculo do qual se subtrai qualquer moldura de<br />
referências de um mundo em progresso.<br />
Memorial de um herege sustenta-se numa história que sistematicamente vitimiza as<br />
minorias. O preconceito e a intolerância estão à espreita violentando e liquidando<br />
prostitutas, comunistas, anarquistas, pobres, negros, doentes terminais, judeus,<br />
homossexuais, o cidadão comum. O tratamento que o autor atribui ao Holocausto equaliza<br />
outras vitimizações que afligem o homem moderno e contemporâneo, tirando daquela<br />
catástrofe o caráter particular e único que os autores anteriores esforçam-se em delinear. É<br />
como se fosse da natureza humana subjugar e aniquilar o outro, o diferente, o mais fraco.<br />
Assim, o autor transpõe as guaritas dos campos de concentração de Auschwitz para fincá-<br />
las contra o céu azul dos trópicos, mais particularmente do Brasil, denunciando atrocidades<br />
enterradas na vala comum do silêncio e do esquecimento.<br />
6.Dando um salto de cerca de duas décadas, a coletânea de contos de Roney Cytrynowicz 63 ,<br />
publicada em 1994, marca a presença de uma terceira geração de escritores pós Shoá.<br />
Um dos eixos de sua ficção é a figura do avô, que nos leva de volta ao Bom<br />
Retiro, no bairro da Luz, em São Paulo, bairro de concentração judaica até há bem pouco<br />
tempo e que foi sendo ocupado por coreanos, grupo pertencente a uma leva imigratória<br />
mais recente. É ali que o avô estrangeiro vive e ali o narrador criança o visita, dormindo em<br />
63 Cytrynowicz, Roney, A Vida Secreta dos Relógios e Outras Histórias. São Paulo: Página Aberta, 1994.<br />
96
sua casa às sextas feiras, embalado por uma língua que lhe é estranha – o ídisch – que os<br />
mais velhos utilizam. É também ali que o narrador presencia, através do empenho do avô,<br />
um colecionador de relógios, o modo como ele consertava suas batidas, numa simbiose<br />
íntima e perfeita com eles. Mas os relógios e seus ritmos são incontroláveis. Mudam de<br />
lugar à noite, aparecem e desaparecem, e a sincronia entre todos torna-se uma tarefa<br />
inalcançável, sinalizando para tudo aquilo que escapa ao domínio do homem. O conserto<br />
dos relógios alude ao conserto do mundo – em hebraico tikun olam – que, segundo a<br />
tradição, aponta para a necessidade de retornar à perfeição através da obediência dos<br />
proceitos. Metaforicamente diz-se que uma única letra errada compromete a existência do<br />
mundo. Mesmo cuidando de apenas quatro letras combinadas em duas palavras -tic tac- a<br />
missão do avô não se cumpre, tarefa impossível num mundo marcado pelo absurdo e pelo<br />
extermínio. É através da figura do avô e dos de sua geração que o autor traz à tona as<br />
reminiscências dos campos de concentração nazista nesta e em outras narrativas.<br />
7. Construído como uma autobiografia, Mameloshn - memória em carne viva 64 , de<br />
Halina Grynberg , configura o relato de sua vida como uma espécie de texto de formação<br />
pontuado pela Shoá.<br />
Pertencente à segunda geração pós-catástrofe, a autora empreende o esforço de<br />
desvencilhar-se de uma história marcada pela destruição e pelo trauma vivenciados por ela<br />
como herança da história dos pais. Sua mãe, nascida em Varsóvia, escapa do gueto e, após<br />
uma fuga mirabolante, encontra refúgio num Campo da Sibéria, onde se torna garçonete no<br />
refeitório de oficiais. Enquanto isso, a família materna morre nos campos de concentração.<br />
De seu pai pouco se trata. Sabe-se que nasceu numa aldeia da Polônia central -- Goworowo,<br />
e que aprendeu a profissão de padeiro/confeiteiro com o pai, tendo saído ileso da guerra. O<br />
exílio da família passa por Haifa, Marselha, Paris, etapas anteriores à chegada ao Brasil, e<br />
a violência a que estavam submetidos internaliza-se, expande, e eles aliam à condição de<br />
vítimas ( da Guerra, da Shoá ) a de agressores na relação consigo próprios. É a narradora<br />
adulta que recusa o fardo dessa herança ambígua, e enxerga a si, criança demandante,<br />
insisitindo em se aproximar dos pais, mas ao mesmo tempo resistindo em deixar-se anular<br />
como sujeito.<br />
64 Halina Grynberg, Mameloshn- memória em carne viva.Rio de Janeiro: Record, 2004.<br />
97
"Eu me salvei: por dentro disse não!" (p.51)<br />
O que significa dizer "não"? Para a segunda geração do Holocausto, a catástrofe pode não<br />
estar no passado, mas no presente, quando os efeitos do trauma original se fazem sentir<br />
através de configurações distintas e distantes do golpe primordial 65 . Neste sentido, em<br />
cada criança, filha de sobrevivente, existiria um Holocausto particular. O evento histórico<br />
já está distante, inalcançável, e não é ele que ganha espaço neste livro. Ao dizer "não!" a<br />
narradora recusa o fardo de uma herança e desvencilha-se do pacto de compartilhar o<br />
legado de lembrar a catástrofe, ao menos em moldes canônicos, que escamoteiam o efeito<br />
do evento em cada um.<br />
O legado da memória 66 , um dos fundamentos do judaísmo, que deve ser assumido<br />
coletiva e individualmente de modo a preservar o passado no presente sob forma<br />
reatualizada, encontra na Shoá um lugar privilegiado. Ali, um depósito de lembranças,<br />
misto de reminiscências individuais, familiares e coletivas de dizimação e extermínio não<br />
podem ser negligenciadas nem esquecidas. Mas a pergunta que fica é: a obrigação de<br />
lembrar deve ser cumprida segundo uma forma, um modelo, ou é possível abrir-se para a<br />
multiplicidade de modos de impressão na memória?<br />
A problematização de como carregar esse legado, ou mesmo se carregar o legado,<br />
ou ainda para quê e para quem se deve transmitir a memória da Shoá deve ser silenciada?<br />
De quem é essa memória? Trata-se de uma memória que metaforiza a desumanidade que<br />
recai apenas sobre os judeus ou ela é de propriedade universal? Deve essa memória<br />
incluir a memória de deficientes físicos e mentais, ciganos, homossexuais, prisioneiros<br />
políticos e outras vítimas do nazismo? De quem é essa memória, afinal?<br />
Esse questionamento implícito em Mameloshn está explicitado em alguns textos da<br />
literatura judaica como Adam ben Kelev 67 (1969), de Yoram Kaniuk, Aien erech: ahavá,<br />
de David Grossman 68 , por exemplo, e obrigam o leitor a encarar o problema. O primeiro<br />
65 Efraim Ficher (ed ) Breaking Crystal: Writing and memory after Auschwitz. Urbana and Chicago:<br />
University of Illinois Press, 1998.<br />
66 Cf. Yossef Hayim Yerushalmi, Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. Washington: University of<br />
Washington Press, 1982.<br />
67 Em tradução de Nancy Rozenchan para o português, Adam filho de cão. São Paulo: Globo, 2003.<br />
98
descreve Israel como o maior manicômio do mundo, por se tratar de um estado fundado a<br />
partir do Holocausto. Altamente irônico e agressivamente cínico, o romance de Kaniuk<br />
despreza várias noções convencionais, incluindo as de sanidade e loucura, numa tentiva<br />
vigorosa de entender a Shoá. A necessidade de se apartar do trauma dos mais velhos e<br />
firmar uma identidade própria está presente também no segundo romance mencionado,<br />
onde o Holocausto passa para um registro que rebate muitas das coordenadas do cânone<br />
oficial. Grossman e Kaniuk não idealizam as vítimas; suas propostas são as de tornar<br />
inteligíveis os efeitos das atrocidades no sobrevivente. A disrupção entre gerações ocorre e<br />
não há como vedá-la no tratamento que esses escritores dão ao tema.<br />
No livro de Halina Grynberg, o sujeito que narra constrói um discurso que enlaça a<br />
fala do outro, principalmente a da mãe e a do pai, constituindo um discurso direto livre, 69<br />
que indicia, desde o início, planos de continuidade/descontinuidade distintos entre os três.<br />
A continuidade impossível e tudo o que ela acarreta forja basicamente a experiência<br />
relatada, transformando o narrado numa arena de luta onde o sujeito se procura e se perde,<br />
se reencontra, à medida que vai dando forma a seu nome próprio-- Guítele, Aline, Halina,<br />
em contexto brasileiro.<br />
O nomadismo e a situação de exílio geográfico não impedem que a família carregue<br />
consigo a língua materna -- o mameloshn -- solo dos afetos, da tradição e da cultura. O<br />
ídiche ganha uma contraface depois da Segunda Guerra Mundial, pois passa a registrar<br />
em si os escombros e o fantasma da destruição dos judeus da Europa. Ao mesmo tempo<br />
em que transmite toda uma história dos judeus da Europa Oriental, inclusive daqueles que<br />
foram dizimados na Shoá, esse idioma chega ao Brasil e desdobra-se no uso que dele se<br />
faz, além de atuar como força perturbadora que acena a um pertencimento.<br />
Uma vez no Brasil, em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, a família vai<br />
aderindo a alguns sinais externos que designam outros imigrantes judeus pobres no país: a<br />
68 Em tradução de Nancy Rozenchan para o portugues, Ver:Amor. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira,<br />
1993.<br />
69 Entendo por discurso direto livre aquele que em primeira pessoa traz para si marcas da fala do outro,<br />
mesclando os limites entre as falas do eu e do outro.<br />
99
filha entra para a escola pública e em seguida para o Ginásio Israelita I.L.Peretz; o pai<br />
mascateia pelos labirintos do baixo meretrício; a mãe cuida da casa. Marcando esse<br />
encontro de mundos contrastantes, a linguagem da narradora mescla impressões enquanto<br />
vai-se operando sua inserção no país:<br />
O pó dos cremados bailava na escuridão até pousar sobre mim, Quarta-Feira de<br />
Cinzas em mim sempre. (p.9 )<br />
As cinzas misturam a morte dos judeus com o sacrifício de Cristo, criando uma<br />
sobreposição entre ambos.<br />
No episódio em que a mãe força a filha a comer, temerosa que ela morresse, como<br />
tantas crianças nos guetos e campos de concentração, há dois sinais antagônicos<br />
transmitidos simultaneamente: o desejo de alimentar (vida) e a tortura na forma de<br />
alimentar (morte) . Assim também em relação ao uso da mameloshn. "A mão que sufoca é<br />
a mesma que dá de comer" ( p.70 ) : eis o bordão que atravessa o relato.<br />
Mamãe me reclinava de costas sobre seu colo. Com o cotovelo esquerdo forçava minha<br />
cabeça para baixo enquanto tapava-me as narinas com os dedos livres. Sufocada em<br />
terror, o grito retido por detrás dos dentes cerrados, acabaria por entreabrir os lábios<br />
para a colher empunhada pela mão direita que empurrava a comida goela abaixo (p.69 ).<br />
É ainda no interior dessa ambigüidade que se pode entender a relação entre pais e<br />
filha, todos "parceiros na incoerência" (p.18) . As figuras materna e paterna dominam<br />
explicitamente o projeto autobiográfico, pois o livro trata de uma subjetividade que emerge<br />
de uma história familiar. Além de importante presença, pai e mãe cumprem a função de<br />
marcar uma identidade, uma cultura e a história dos judeus que se transmite através deles.<br />
Mas há uma cesura que se instaura entre a geração dos pais e a da filha, cujo esforço é o de<br />
criar um enredo de vida diverso da história de seus pais. Ao final, a filha dá à mãe o lugar<br />
de continente de sua escritura e estabelece com ela uma relação de pertinência. É em<br />
mameloshn que se nomeiam os capítulos deste livro - cuja imagem inicial traz mãe e filha<br />
enoveladas, suplantada na imagem final em que a filha abandona simbolicamente pai e<br />
mãe no ventre da noite, ciente de que para perdoar é preciso não esquecer. Quanto à nossa<br />
obrigação de lembrar, certos textos da literatura de testemunho mais recente não nos<br />
deixam esquecer que os mortos podem mudar de lugar dentro de nós.<br />
Cada um dos textos apresentados procura, a seu modo, retomar a Shoá, o<br />
extermínio nazista durante a segunda Guerra Mundial. Eles estão submetidos a injunções<br />
100
próprias ao tema: podem relatar, mas não distorcer, escapar; podem descrever<br />
acontecimentos, mas não dotá-los de autonomia e liberdade própria a outro tipo de ficção.<br />
A literatura relacionada à Shoá, permanece cativa de seu material bruto e talvez essa seja<br />
uma obrigação moral inerente a ela 70 . Apesar de não resgatar nem explicar o que foi<br />
aniquilado, os textos trazem em sua estruturação ecos de uma história ocorrida na Europa,<br />
que vitimizou os judeus, os ciganos e outras minorias, mas vivenciada no Brasil. Essa<br />
peculiaridade traça uma linha que liga a Europa e a América, o judaísmo europeu e a<br />
modalidade de judaísmo que vem se desenvolvendo no Brasil, pondo em relevo os efeitos<br />
da condensação em grau máximo das possibilidades de destruição do século XX 71 .<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
AGAMBEN, Giorgio, Quel che resta di Auschwitz. L'archivio e il testimone. Torino:<br />
Bollati Boringhieri editore, 1998.<br />
CARUTH, Cathy (org.), Trauma. Explorations in Memory. Baltimore/London: Johns<br />
Hopkins University Press, 1995.<br />
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Urbana and Chicago:University of Illinois Press, 1998<br />
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Unspeakable. Great Britain: Macmillan Press Ltd, 2000<br />
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notórios. (trad.Kristina Michaelles) Rio de Janeiro: Record, 2004.<br />
SELIGMANN-SILVA, Márcio e NESTROVSKI, Artur. (org) Catástrofe e Representação.<br />
São Paulo: Escuta, 2000.<br />
YERUSHALMI, Yossef Hayim, Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. Washington:<br />
University of Washington Press, 1982.<br />
70 Howe, Irving, “A Escrita e o Holocausto”. In Cadernos de Língua e Literatura Hebraica, n.2. Org Nancy<br />
Rozenchan. São Paulo: Humanitas, 1999, p.25.<br />
71 Veja-se, a propósito, de Renato Franco, “Literatura e Catástrofe no Brasil: anos 70, onde o autor trata da<br />
literatura que registra a produção literária relacionada com a ditadura militar no Brasil (1964-1985). In<br />
História, Memória, Literatura(O testemunho na Era das Catástrofes). Op. cit., pp.375-390.<br />
101
“ENSINANDO O HOLOCAUSTO ATRAVÉS DO DIÁRIO DE<br />
ANNE FRANK”<br />
O MUNDO DE ANNE FRANK ( 1929-1945)<br />
“ Ela foi uma jovem escritora maravilhosa. Era um<br />
assombro para uma menina de 13 anos. Vê-la ganhar<br />
domínio sobre as coisas é como assistir a um filme<br />
acelerado de um feto que vai ganhando rosto...<br />
De repente ela descobre a reflexão,há retratos<br />
de pessoas,esboços de personagens,há episódios<br />
longos,cheios de acontecimentos intrincados,tão<br />
lindamente narrados que parecem ter passado por<br />
por uma dúzia de rascunhos .E,nenhum desejo<br />
venenoso de ser interessante ou séria.<br />
Ela simplesmente é ... ”<br />
Philip Roth , Diário de uma ilusão .<br />
Marili Berg<br />
O diário foi escrito enquanto Anne Frank esteve escondida em uma casa em Amsterdã<br />
durante a ocupação nazista da Holanda. Seus pais, Otto e Edith Frank ,<br />
chegaram na Holanda em 1933,vindos da Alemanha.Quando começou a expulsão massiva<br />
dos judeus da Holanda,a família Frank decidiu esconder-se por não acreditar nas promessas<br />
alemãs de um reassentamento dos judeus em campos de trabalho na Europa.<br />
Entre 09 de julho de 1942 e 04 de agosto de 1945, Anne Frank e sua família viveram<br />
escondidos com outros quatro judeus no Anexo de uma casa em Amsterdã,recebendo a<br />
ajuda de quatro amigos não judeus .<br />
Depois de descobertos pela polícia alemã , a família Frank foi transferida para o<br />
Campo de Westerbork e , em setembro de 1944 , para o Campo de Auschwitz. Pouco<br />
tempo depois,transferida com sua irmã Margot para o Campo de Bergen-Belsen, Anne<br />
Frank ,doente , faleceu em março de 1945.<br />
Durante o tempo em que viveu escondida no Anexo Secreto ,Anne Frank escreveu<br />
vários contos e iniciou uma novela. Tornou-se famosa graças ao seu diário ,encontrado por<br />
Miep Gies e entregue ao seu pai ,Otto Frank , libertado de Auschwitz após a guerra e o<br />
único sobrevivente de todos os ocupantes do Anexo .<br />
Em seu diário, Anne Frank descreve com fidelidade as condições de vida do<br />
esconderijo, o medo e a opressão constantes .O “ Diário de Anne Frank” trata da guerra de<br />
Hitler contra os judeus , da situação da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial e da<br />
invasão aliada da Europa descrita por uma jovem menina judia alemã escondida dentro do<br />
Anexo secreto de uma casa na Holanda ocupada.<br />
Hoje a casa que serviu de esconderijo para a família Frank é um museu histórico, o<br />
Museu Anne Frank .<br />
102
A partir do “ Diário de Anne Frank “ podemos traçar um projeto formulando<br />
questões fundamentais e pertinentes sob a perspectiva histórica para o estudo do<br />
Holocausto nas salas de aula do ensino fundamental , médio e universitário .A tarefa é um<br />
grande desafio a ser assumido pelos professores ,pois a guerra nazista contra os judeus é<br />
uma narrativa aterradora que poderia chocar os alunos , de tal forma que talvez levassem os<br />
professores a hesitar em trabalhar com um episódio histórico marcado por tanto<br />
ódio,crueldade e mortes.<br />
O ensino do Holocausto gera em si uma série de dilemas e reflexões desafiadoras<br />
e,dentre elas,a que diz respeito a dificuldade em tratar o tema da Solução Final ,ou seja , a<br />
experiência dos Campos de Concentração e de Extermínio. Há alguns que defendem a<br />
posição de evitar tratar o tema em salas de aula. Mas ,muitos são aqueles que assumem a<br />
firme posição de ser imprescindível tratar o tema, argumentando que o Holocausto<br />
terminou nos campos de concentração e de extermínio ,e a omissão do estudo destes fatos<br />
terminaria por descaracterizar o próprio Holocausto , como a planificada aniquilação total<br />
de um grupo nacional e étnico e a ideologia apocalíptica que o motivou. Em outras palavras<br />
,se eliminarmos do Holocausto a verdade básica de que foi a planificada aniquilação total<br />
do povo judeu e o concreto assassinato de seis milhões deles , o Holocausto perde o seu<br />
sentido .<br />
Ao mesmo tempo , é fundamental ter sempre presente de que não foi aquilo que os<br />
nazistas disseram sobre os judeus , que já representava um fato novo e único na história do<br />
antissemitismo , mas sim propriamente aquilo que fizeram .<br />
Anne Frank foi uma das vítimas do Holocausto , uma criança judia dentre as 1,5<br />
milhão de crianças judias que perderam suas vidas .<br />
Conhecer a história e manter viva a memória sempre foi e continuará sendo uma<br />
questão vital para todos os tempos, pois está diretamente associada à importância de educar<br />
as novas gerações sobre os conceitos fundamentais de democracia, liberdade, tolerância<br />
,respeito mútuo,direitos humanos e , principalmente , o direito de “ser”humano.<br />
Podemos evitar a banalização do mal e educar cidadãos conscientes,tendo presente<br />
que a história consiste de fatos e é dever dos historiadores e educadores registrar esses<br />
acontecimentos do modo mais completo possível. Agindo desta forma, além de garantir um<br />
futuro melhor para as novas gerações , estaremos possibilitando um diagnóstico mais<br />
correto do presente , a partir da demarcação do conhecimento do passado .<br />
A HISTÓRIA DE ANNE FRANK : Anne, A Família, O Anexo Secreto ,O Diário .<br />
1925 – A vida na Alemanha – Anos Felizes<br />
Anne e Margot com o pai Otto Frank Anne e Margot com a mãe Edith<br />
103
1933- Crise e Antissemitismo<br />
Em 30 de janeiro de 1933 , Hitler tornou-se Chanceler da Alemanha.<br />
Em março de 1933, a família Frank decide mudar-se para a Holanda.<br />
Em 1940, os nazistas ocupam a Holanda e a vida da família Frank muda.<br />
A família Frank . Amsterdã,1941<br />
104
Exemplo de carta de convocação para campo de trabalho forçado<br />
1942-1944- O Esconderijo<br />
105
106
107
Os quatro judeus escondidos no Anexo secreto com a família Frank<br />
Fritz Pfeffer Peter Van Pels<br />
Hermann Van Pels Auguste Van Pels<br />
108
Os quatro amigos não judeus que ajudaram os ocupantes do Anexo secreto<br />
fornecendo comida,roupas,livros e outros itens de necessidade .<br />
Sentados(a partir da esquerda) Miep Gies,Otto Frank e Bep Voskuijl<br />
Johannes Kleiman e Victor Kugler<br />
04 de agosto de 1944 – A prisão dos ocupantes do Anexo<br />
Os moradores do Anexo são deportados para o Campo de Westerbork e depois<br />
109
para o Campo de Auschwtiz.<br />
110
O diário original entregue por Miep Gies a Otto Frank<br />
Publicação do”Diário de Anne Frank” em vários idiomas<br />
111
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A HOLANDA OCUPADA<br />
Em apenas um ano após ser eleito Chanceler da Alemanha, Hitler consolidou todos os<br />
poderes. Inicialmente, os campos de concentração foram estabelecidos para os oponentes<br />
políticos,em especial, os comunistas e os líderes sindicais e , em seguida ,para os<br />
judeus,ciganos,homossexuais e todos aqueles que eram considerados inferiores ou<br />
discordavam de Hitler.<br />
A partir de 1933,toda a vida na Alemanha foi orientada na preparação para a guerra.<br />
Em 1939, a Segunda Guerra Mundial iniciou com a invasão da Polônia. Em maio de<br />
1940,a Holanda foi ocupada e o regime nazista introduzido. A economia era totalmente<br />
orientada pela Alemanha e muitos holandeses foram obrigados ao trabalho escravo nas<br />
indústrias alemãs.<br />
Em 1941,a perseguição dos 140.000 judeus da Holanda iniciou e 25.000 judeus eram<br />
refugiados da Alemanha,como a família Frank. Poucos conseguiram escapar dos campos de<br />
concentração e das câmaras de gás. A ocupação da Holanda representou 5 anos de<br />
repressão ,trabalho escravo,terror, ódio e medo. E ,afinal, causou um enorme número de<br />
perdas de vida de pessoas inocentes .<br />
Anne Frank foi uma delas. Sua história é a história de uma menina comum que tornouse<br />
vítima de um regime que acreditava no princípio da superioridade racial.<br />
A história da Alemanha nazista é a de um país que expulsou da sociedade os judeus<br />
e outras pessoas consideradas inferiores ,os oprimiu e,finalmente , os exterminou. O<br />
processo foi lento,planejado e cruel.<br />
Com a ocupação da Holanda,a guerra causou a morte de 240.000 holandeses, sendo<br />
106.000 deles judeus .<br />
Até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945 , o número aproximado total de vítimas<br />
era de 55 milhões de pessoas, dentre elas, 6 milhões de judeus, na sua maioria assassinados<br />
nos campos de concentração e de extermínio. Em toda a Europa, aproximadamente 17<br />
milhões de pessoas morreram na guerra e 20 milhões de russos. Outros 11 milhões,foram<br />
oponentes políticos,homossexuais , ao menos 250.000 ciganos e 6 milhões de judeus ,todos<br />
cruelmente assassinados .<br />
O ENSINO DO HOLOCAUSTO E O “ DIÁRIO DE ANNE FRANK”<br />
Roteiro para o professor<br />
A leitura do “ Diário de Anne Frank “ ou de trechos selecionados do diário<br />
permite abordar vários temas a serem explorados em sala de aula ,tais como :<br />
A importância do diário no processo da auto compreensão e como documento de registro<br />
histórico ;<br />
A legalização do preconceito e da exclusão na Segunda Guerra Mundial ;<br />
O valor da vida e da coragem na luta pela preservação das liberdades e direitos individuais ;<br />
A tolerância pelas diferenças ;<br />
A importância da educação e do conhecimento ;<br />
A importância da atitude individual na luta contra a violência e na defesa dos direitos<br />
humanos ;<br />
O valor da luta pela liberdade ,justiça,verdade e tolerância ;<br />
Situação do jovem que sente-se excluído na sociedade atual;<br />
Importância na preservação dos valores da sociedade democrática<br />
10. riscos decorrentes dos regimes totalitários.<br />
O trabalho deve objetivar um resultado final ,que poderá ser :<br />
a) um relatório dos estudantes ;<br />
112
) um ensaio ou apresentação sobre o tema;<br />
c) uma exposição de fotografias ,desenhos, colagens ou outro trabalho artístico;<br />
d) apresentação de peça teatral.<br />
Os alunos devem sempre receber informações suplementares sobre a história<br />
da<br />
Segunda Guerra Mundial e , em especial , sobre a história interna da Alemanha,desde a<br />
ascensão do nazismo,o nacionalismo e a criação de bodes expiatórios ,o expurgo de seres<br />
humanos considerados inferiores e até o Holocausto judeu. O estudo da história<br />
interna da Alemanha deve abranger os fatos anteriores à ascensão do regime nazista,o<br />
antissemitismo racial e o judeu na ideologia nazista.<br />
Ao tratar o tema da política nazista antissemita ,é importante analisar<br />
cronologicamente o boicote(1933) ,as leis de exclusão de Nuremberg (1935), a<br />
reorganização da política nazista (1937) , a concentração dos judeus em guetos e a” Noite<br />
dos Cristais “(1939 ) e a Solução Final nos campos de extermínio ( 1941).<br />
Os estudantes também devem ser estimulados a buscar sua própria informação de<br />
forma a se sentirem mais envolvidos e motivados , seja através da pesquisa bibliográfica ,<br />
de links na internet ou realizando entrevistas .<br />
Sugestão Didática<br />
O “ Diário de Anne Frank” deve ser apresentado aos alunos como um importante<br />
registro histórico da Segunda Guerra Mundial .<br />
Ao introduzir o tema da guerra,inserimos a história de Anne , desde seu nascimento<br />
até a sua morte , através de trechos selecionados de seu diário em uma linha<br />
cronológica,acompanhando os acontecimentos anteriores e durante a Segunda Guerra<br />
Mundial na Alemanha e outros países.<br />
LINHA CRONOLÓGICA<br />
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1925<br />
Em 12/5/1925,Otto Frank e Edith Hollander casam em Aken, na Alemanha<br />
1926<br />
Em 16/2/1926, Margot Frank nasce em Frankfurt ,na Alemanha.<br />
1929<br />
Em 12/6/1929, Anne Frank nasce em Frankfurt ,na Alemanha .<br />
“ Meu pai ,o mais adorável que já vi, só se casou com minha mãe<br />
quando tinha 36 anos, e ela 25.Minha irmã Margot nasceu em Frankfurt am<br />
Main,na Alemanha, em 1926.Eu nasci em 12 de junho de 1929.Morei em<br />
Frankfurt até fazer quatro anos.Como éramos judeus,meu pai emigrou<br />
para a Holanda em 1933,quando se tornou diretor administrativo da Dutch Opekta<br />
Company,que fabrica produtos usados para fazer geléia.” ( DAF, 20 junho<br />
1942).<br />
NA ALEMANHA<br />
1925<br />
Em 18/7/1925 , o livro de Hitler “Mein Kampf” é publicado.<br />
1929<br />
Em 25/10/1929 , a crise econômica começa. O dinheiro perde seu valor e milhões de<br />
pessoas perdem seus empregos.<br />
113
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1933<br />
Em 15/9/1933,Otto Frank funda a empresa Opetka em Amsterdã.<br />
Em 5/12/1933 , Edith e Margot Frank mudam-se para Amsterdã.<br />
1934<br />
Em 16/2/1934,Anne é trazida para Amsterdã por seus tios.<br />
NA ALEMANHA<br />
1933<br />
EM 30/1/1933 , Hitler torna-se Chanceler,o líder do governo alemão.<br />
Em 01/04/1933, Boicote aos estabelecimentos ,médicos e advogados judeus alemães.<br />
Em 14/7/1933 , o governo de Hitler proíbe todos os outros partidos políticos. A Alemanha<br />
torna-se uma ditadura.<br />
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1934<br />
Em 16/2/1934, Anne Frank é trazida para Amsterdã por seus tios.<br />
1938<br />
Em 08/12/1938, Fritz Pfeffer chega em Amsterdã,vindo da Alemanha.<br />
“ Nossas vidas não eram isentas de ansiedade,já que nossos parentes na<br />
Alemanha estavam sofrendo com as leis de Hitler contra os judeus.<br />
Depois dos progroms de 1938 meus dois tios (irmãos de minha mãe)<br />
fugiram da Alemanha,encontrando refúgio na América do Norte. Minha<br />
avó idosa veio morar conosco.Na época estav com 73 anos “ ( DAF,20<br />
junho 1942)<br />
NA ALEMANHA<br />
1934<br />
Em 19/8/1934, Hitler assume a presidência da Alemanha ,dando a si mesmo o título de<br />
Fuhrer e Chanceler do Reich .<br />
1935<br />
Em 15/9/1935 ,lei racial subtraindo os direitos dos judeus alemães. Judeus e não-judeus não<br />
têm mais permissão para casar.<br />
1938<br />
Em 09/11/1938, os nazistas destroem sinagogas,lojas e casas de judeus. Mais de 30.000<br />
judeus são presos, 200 são assassinados. Conhecida como “ Noite dos Cristais”.<br />
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1940<br />
Anne sofre o impacto de ser apontada como “ judia” ,perde suas liberdades e é obrigada a<br />
usar a estrela amarela .<br />
1941<br />
Em 01/9/1941 , Anne e Margot são proibidas de frequentarem escolas com crianças nãojudias<br />
e vão para uma escola judaica em Amsterdã .<br />
“ Depois de maio de 1940 os bons tempos foram poucos e muito<br />
espaçados:primeiro veio a guerra,depois a capitulação,e em seguida a<br />
chegada dos alemães,e foi então que começaram os problemas para os<br />
judeus.Nossa liberdade foi seriamente restringida com uma série de<br />
114
decretos antissemitas:os judeus deveriam usar uma estrela amarela; os<br />
judeus eram proibidos de andar nos bondes;os judeus eram proibidos de andar de<br />
carro,mesmo que fossem carros deles;os judeus deveriam fazer suas compras entre três e<br />
cinco horas da tarde;os judeus só deveriam frequentar barbearias e salões de beleza de<br />
proprietários judeus;os judeus eram proibidos de sair às ruas entre oito da noite e<br />
seis da manhã;os judeus eram proibidos de comparecer a teatros,<br />
cinemas ou qualquer forma de diversão;os judeus eram proibidos de<br />
frequentar piscinas,quadras de tênis ,campos de hóquei ou qualquer<br />
outro campo de atletismo;os judeus eram proibidos de ficar em seus<br />
jardins ou nos de amigos depois das oito da noite;os judeus eram<br />
proibidos de visitar casas de cristãos;os judeus deviam frequentar<br />
escolas judias etc. Você não podia fazer isso nem aquilo,mas a vida<br />
continuava. Jacque sempre me di “<br />
Eu não ouso fazer mais nada,porque tenho medo de que não seja<br />
permitido.”<br />
( DAF ,20 junho 1942)<br />
NA ALEMANHA<br />
1939<br />
Em 01/9/1939, a Alemanha invade a Polônia. A Inglaterra e a França declaram guerra<br />
contra a Alemanha . Início da Segunda Guerra Mundial .<br />
1940<br />
Em 09/4/1940 , O exército alemão ataca a Dinamarca e a Noruega.<br />
Em 22/6/1940, a França se rende à Alemanha.<br />
Em 10/7/1940, A “ Batalha Britânica” inicia. É a luta aérea entre Alemanha e Inglaterra<br />
pelo controle do espaço aéreo britânico .<br />
Em 27/9/1940 , Alemanha,Japão e Itália assinam tratado.<br />
1941<br />
Em 22/6/1941, a Alemanha ataca a Rússia.<br />
Em 14/8/1941 , EUA e Inglaterra decidem secretamente atacar juntos a Alemanha.<br />
Em 03/9/1941 , as primeiras vítimas das câmaras de gás em Auschwitz .<br />
1942<br />
Em 20/1/1942 , Conferência de Wannsee. Decisão sobre “ A Solução final” :matar todos<br />
os 11 milhões de judeus da Europa .<br />
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1942<br />
Em 12/6/1942, Anne Frank ganha seu diário ao completar 13 anos .<br />
Em 05/7/1942,Margot Frank recebe uma convocação para se apresentar em campo de<br />
trabalho na Alemanha.<br />
Em 06/7/1942,a família Frank vai para o esconderijo.<br />
Em 13/7/1942 , a família Van Pels vai para o esconderijo no anexo secreto.<br />
Em 16/11/1942 , Fritz Pfeffer vai para o esconderijo no anexo secreto.<br />
“ ...Margot apareceu na porta da cozinha,parecendo muito agitada.<br />
Papai recebeu uma notificação da SS... Quando ela e eu<br />
estávamos sentadas em nosso quarto, Margot falou que a<br />
notificação não era para papai, e sim para ela. Com esse<br />
115
segundo choque comecei a chorar... Margot e eu começamos a<br />
colocar nossos pertences mais importantes numa pasta de<br />
escola. A primeira coisa que agarrei foi este diário,e depois<br />
rolinhos de cabelos,lenço livros da escola,um pente e algumas<br />
cartas antigas...”( DAF , 08 julho 1942)<br />
“Não poder sair me deixa mais chateada do que posso dizer e<br />
me sinto aterrorizada com a possibilidade de nosso esconderijo<br />
ser descoberto e sermos mortos a tiros. Esta,claro é uma<br />
perspectiva muito desanimadora.”(DAF ,acrescentado por Anne em 28 set 1942).<br />
“Hoje só tenho notícias tristes e deprimentes a contar. Nossos<br />
muitos amigos e conhecidos judeus estão sendo levados aos<br />
montes. A Gestapo está tratando todos eles muito mal, e<br />
transportando-os em vagões de gado para Westerbork ...para<br />
onde estão mandando todos os judeus. Miep contou sobre alguém que conseguiu<br />
escapar de lá. Deve ser terrível em Westerbork. As pessoas não têm praticamente nada<br />
para comer,muito menos para beber, já só existe água uma hora por dia, e há somente um<br />
toalete e uma pia para vários milhares de pessoas. Homens e mulheres dormem no mesmo<br />
cômodo, e as mulheres e as crianças costumam ter as cabeças raspadas.<br />
Fugir é quase impossível...<br />
Se está tão ruim na Holanda , como estará nos lugares distantes e pouco civilizados para<br />
onde os alemães os estão mandando ? Presumimos que a maioria está sendo assassinada.<br />
A rádio inglesa diz que eles estão sendo mortos por gás . Talvez seja o modo mais rápido<br />
de morrer.”( DAF, 09 outubro 1942)<br />
NA ALEMANHA<br />
1942<br />
Em 11/6/1942, Adolf Eichmann discute com os nazistas planos para deportar os judeus<br />
da França,Bélgica e Holanda.<br />
Em 05/10/1942, Heinrich Himmler dá ordem para transportar os judeus dos campos de<br />
concentração da Alemanha para o Campo de extermínio de Auschwitz.<br />
VIDA DE ANNE FRANK<br />
1942 até a prisão em 04/8/1944<br />
A família Frank e os quatro ocupantes continuam escondidos no anexo secreto .<br />
“ Rauter , um figurão alemão,fez recentemente um discurso: “ Todos os<br />
judeus devem sair dos territórios ocupados pela Alemanha antes de 01 de julho. A<br />
província de Utrecht ficará livre de judeus ( como se eles fossem baratas) entre 01 de<br />
abril e 01 de maio,e as províncias do norte e do sul da Holanda entre 01 de maio e 01 de<br />
junho.” Essa pobre gente está sendo embarcada para matadouros imundos como um<br />
rebanho de gado doente e maltratado.Mas não direi mais nada sobre<br />
isso. Meus próprios pensamentos me dão pesadelos.”<br />
( DAF , 27 março 1943)<br />
“ Todos os estudantes universitários estão precisando assinar uma<br />
declaração oficial dizendo que “simpatizam com os alemães e aprovam a Nova<br />
Ordem”. Oitenta por cento decidiram obedecer à consciência ,mas a penalidade será<br />
severa. Qualquer estudante que se recuse a assinar será mandado a um campo de<br />
116
trabalho alemão. O que acontecerá com a juventude do país se todos forem fazer serviço<br />
braçal na Alemanha ?”<br />
( DAF , 18 maio 1943)<br />
“ As coisas vão bem na arena política. A Itália baniu o Partido Fascista.<br />
O povo luta contra os fascistas em muitos lugares- até mesmo o<br />
exército juntou-se à luta. Como é que um país como aquele pode<br />
continuar a guerra contra a Inglaterra?”(DAF, 03 agosto 1943).<br />
“ Na quarta-feira , 8 de setembro ,estávamos acompanhando o noticiário<br />
das sete horas quando ouvimos o anúncio:“Eis aqui a melhor notícia da<br />
guerra até hoje: a Itália capitulou. …<br />
Em seguida tocaram … o hino nacional americano e a Internacional<br />
russa.Como sempre, o programa holandês se mostrava animado sem ser otimista<br />
demais .”(DAF,10 set 1943) .<br />
“ … devo dizer onde os russos se encontram no momento. Chegaram à<br />
fronteira da Polônia e ao rio Prut , na Romênia. Estão perto de Odessa<br />
...Toda noite esperamos um comunicado extra de Stalin...<br />
A Hungria foi ocupada por tropas alemãs. Ainda há um milhão de judeus vivendo lá; eles<br />
também estão condenados.” ( DAF , 31 março „ 1944)<br />
“ Fala-se ,em alguns círculos da clandestinidade,que os judeus<br />
imigrados para a Holanda antes da guerra , e que agora foram<br />
mandados para a Polônia ,não deveriam ter permissão de voltar para cá.<br />
Eles receberam asilo na Holanda,mas depois que Hitler for embora devem voltar à<br />
Alemanha. Quando ouvimos isso , começamos a nos perguntar por que lutamos nessa<br />
guerra longa e difícil. Sempre nos disseram que estamos lutando pela liberdade ,pela<br />
verdade e pela justiça! A guerra ainda nem terminou , e já há divergências e os judeus<br />
são vistos como seres inferiores... Para ser honesta ,não consigo entender como os<br />
holandeses ,pessoas boas, honestas e direitas ,possam estar nos julgando assim...”(DAF,<br />
22 maio 1944)<br />
“ O mundo virou de cabeça para baixo. As pessoas mais decentes são<br />
mandadas para campos de concentração ,prisões e solitárias,enquanto os mais<br />
baixos dos mais baixos governam jovens e velhos ,ricos e pobres. Um é preso por<br />
negociar no mercado negro,outro por esconder judeus ou pessoas desafortunadas .Se você<br />
não é nazista ,não sabe o que vai lhe acontecer de um dia para outro .” ( DAF , 25 maio<br />
1944)<br />
“ Este é o “ Dia D” , anunciou a BBC ao meio-dia. “ Este é o dia “. A<br />
invasão começou! …<br />
Ah Kitty, o melhor da invasão é que tenho a sensação de que são amigos chegando.<br />
Aqueles terríveis alemães nos oprimiram e ameaçaram durante tanto tempo que a idéia de<br />
amigos e de salvação significa tudo para nós! Agora não são apenas os judeus ,mas a<br />
Holanda e toda a Europa ocupada .Talvez,como diz Margot, eu até<br />
mesmo possa voltar para a escola em setembro ou outubro .” ( DAF , 06 junho<br />
1944)<br />
“ Finalmente estou ficando otimista. Agora, finalmente , as coisas vão<br />
bem ! De verdade! Ótimas notícias! Tentaram assassinar Hitler,e pela<br />
primeira vez não foram comunistas judeus ou capitalistas ingleses, mas um general<br />
alemão que não somente é um conde, mas também é jovem. O Fuhrer deve sua vida à<br />
117
“Providência Divina” escapou, infelizmente, apenas com algumas queimaduras e<br />
arranhões. Vários oficiais e generais que estavam perto foram mortos ou feridos. O chefe<br />
da conspiração foi morto . Até agora esta é a melhor prova de que<br />
muitos oficiais e generais estão cheios da guerra e gostariam de ver<br />
Hitler afundando num poço sem fundo ,para que possam estabelecer<br />
uma ditadura militar,declarar paz com os Aliados, se rearmar e , depois<br />
de algumas décadas começar uma nova guerra...” ( DAF ,21 julho<br />
1944).<br />
NA ALEMANHA<br />
1943<br />
Em 28/11/1943 , a Itália se rende.<br />
1944<br />
Em 25/3/1944 ,os Aliados bombardeiam intensamente a Alemanha.( 7.000 aviões)<br />
Em 15/6/1944, os Aliados bombardeiam o Japão.<br />
Em 20/7/1944, o Cel.Claus Stauffenberg falha na tentativa de assassinar Hitler.<br />
Em 30/10/1944, os nazistas operam as câmaras de gás em Auschwitz-Birkenau pela<br />
última vez .<br />
Em 08/5/1945 , a Europa é libertada do Nazismo Alemão . Conhecido como o dia da<br />
Vitória .<br />
Em 24/10/1945, é criada a ONU ( Organização das Nações Unidas)<br />
Em 20/11/1945 ,líderes nazistas são julgados pelo Tribunal de Nuremberg (Julgamentos de<br />
Nuremberg) .<br />
Em 25/6/1947 ,é lançada a primeira edição do “ Diário de Anne Frank” .<br />
Em 10/12/1948 , 51 membros da ONU assinam a Declaração Universal dos Direitos<br />
Humanos .<br />
Em 03/5/1960 ,é inaugurado no anexo secreto em Amsterdã o “ Museu Anne Frank” .<br />
Em 19/8/1980 , Otto Frank morre na Basiléia , Suíça .<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
“ Dentre os muitos que através da história( em tempos<br />
de grande perda e sofrimento ) se pronunciaram pela<br />
dignidade humana , nenhuma voz é mais contundente do<br />
que a de Anne Frank”<br />
John F. Kennedy<br />
O ensino do Holocausto através do “ Diário de Anne Frank” consiste em fazer<br />
com que o estudante possa se colocar no lugar do “ outro” e colabora para a afirmação de<br />
um conjunto de princípios democráticos que devem reger a vida social e política de todas as<br />
Nações que valorizam a dignidade humana, a tolerância e a igualdade de direitos de seus<br />
cidadãos.<br />
Um dos aspectos mais importantes do legado de Anne Frank é fazer com que o<br />
educador e o jovem estudante desenvolvam os valores da solidariedade e a capacidade para<br />
conviver com as diferenças , reconhecendo o perigo que representa a proliferação das<br />
práticas racistas e totalitárias ainda presentes na sociedade do século XXI .<br />
Referências Bibliográficas<br />
BANKIER , David (org.) El Holocausto . Jerusalém, Ed.Magnes/Universidad Hebrea,Yad<br />
Vashem, 1986.<br />
BETTELHEIM, Bruno. Sobrevivência e outros estudos. Porto Alegre,Artes Médicas,1989.<br />
118
BURRIN , Philippe. Hitler e os judeus .Gênese de um genocídio. Porto<br />
Alegre,L&PM,1990.<br />
CARNEIRO , Maria Luiza Tucci . Holocausto,Crime contra a Humanidade. São Paulo,<br />
Ed. Ática, 2002.<br />
FRANK , Anne . O Diário de Anne Frank – Edição Definitiva Rio de Janeiro.São Paulo<br />
,Record , 2007.<br />
KORCZAK , Janusz . Como amar uma criança . Rio de Janeiro, Record.<br />
_________________ Quando eu voltar a ser criança . São Paulo , Summus, 1981<br />
_________________ Diário do gueto . São Paulo , Perspectiva , 1986.<br />
LAZMANN , Claude . Shoah,Vozes e faces do Holocausto . São Paulo, Brasiliense,1987.<br />
LEVI, Primo . É isto um homem ? Rio de Janeiro, Rocco , 1988.<br />
__________ . Os afogados e os sobreviventes . Rio de Janeiro , Paz e Terra , 1990.<br />
POLIAKOV, Léon . De Cristo aos judeus da corte . São Paulo,Perspectiva, 1985.<br />
_______________ A Europa suicida . São Paulo , Perspectiva , 1985.<br />
SORLIN , Pierre . O Anti-Semitismo Alemão . São Paulo , Perspectiva, 1974 .<br />
WIESEL , Elie .Canto de uma geração perdida. Holocausto . Rio de<br />
Janeiro,Documentário,1987<br />
WIESENTHAL , Simon . O caçador de nazistas . Rio de Janeiro ., Bloch,1967 .<br />
LINKS ( Sites Internet)<br />
www.annefrank.org<br />
www.annefrank.com<br />
www.annefrankguide.net<br />
www.yadvashem.org.<br />
Www.fmh.org.ar<br />
www.ushmm.org<br />
www.arqshoah.com.br<br />
VÍDEOS<br />
A Lista de Shindler<br />
Adeus Meninos<br />
Arquitetura da destruição<br />
Filhos da guerra<br />
O Pianista<br />
Primavera para Hitler<br />
Trem da vida<br />
Prisioneiro sem nome , cela sem número<br />
Porque choram os homens<br />
Anjos da guerra<br />
Triunfo do espírito .<br />
119
Classificação das espécies humanas<br />
Das matrizes do racismo ao genocídio<br />
Documentos, conceitos e fontes<br />
Material de apoio para a palestra<br />
Marion Brepohl<br />
Universidade Federal do Paraná<br />
Homem selvagem: quadrúpede, mudo, peludo<br />
a- Americano: cor de cobre; colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espessoi, narinas<br />
largas, semblante rude, barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se por finas tintas<br />
vermelhas e guia-se por costumes.<br />
b- Europeu: claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondulado, olhos<br />
azuis, delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis<br />
c- Asiático: Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros, olhos escuros, severo,<br />
orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestes soltas. Governado por ambições<br />
Africano: Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos, pele acetinada; nariz<br />
achatado, lábios túmidos, engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com gordura.<br />
Governado pelo capricho Eugenia<br />
John Burke. The wild man `s pedigree, 1758.<br />
120
Prof. José Roberto Goldim<br />
Ao longo da história da humanidade, vários povos, tais como os gregos, celtas, fueginos (indígenas<br />
sul-americanos), eliminavam as pessoas deficientes, as mal-formadas ou as muito doentes.<br />
O termo Eugenia foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como:<br />
O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as<br />
qualidades raciais das futuras gerações seja fisica ou mentalmente.<br />
Galton publicou, em 1865, um livro "Hereditary Talent and Genius" onde defende a idéia de que a<br />
inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Parte destas conclusões<br />
ele obteve estudando 177 biografias, muitas de sua própria família.<br />
Galton era parente de Charles Darwin (1809-1882). Erasmus Darwin era avô de ambos, porém com<br />
esposas diferentes, Darwin descendeu da primeira, por parte de pai, e Galton da segunda, por parte<br />
de mãe. Darwin havia publicado "A Origem das Espécies" em 1858.<br />
No seu livro, Galton propunha que "as forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do<br />
progresso, devem ser substituidas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os<br />
conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de<br />
promover o progresso físico e moral no futuro".<br />
O argentino José Ingenieros publicou, em 1900, um texto, posteriormente divulgado como um livro,<br />
denominado "La simulación en la lucha por la vida". Neste texto incluem-se algumas considerações<br />
eugênicas, tais como:<br />
"Por acaso, os homens do futuro, educando seus sentimentos dentro de uma moral que<br />
reflita os verdadeiros interesses da espécie, possam tender até uma medicina superior,<br />
seletiva; o cálculo sereno desvanecería uma falsa educação sentimental, que contribui para a<br />
conservação dos degenerados, com sérios prejuízos para a espécie".<br />
Em 1908, foi fundada a "Eugenics Society" em Londres, primeira organização a defender estas<br />
idéias de forma organizada e ostensiva. Um de seus líderes era Leonard Darwin (1850-1943), oitavo<br />
dos dez filhos de Charles Darwin. Ele era militar e engenheiro. Em vários países europeus<br />
(Alemanha, França, Dinamarca, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suiça e União<br />
Soviética, dentre outros) e americanos (Estados Unidos, Brasil, Argentina, Perú) proliferaram<br />
sociedades semelhantes.<br />
Segundo Oliveira, a Sociedade Paulista de Eugenia, foi a primeira do Brasil, tendo sido fundada em<br />
1918.<br />
Na edição de 1920, Ingenieros ressaltou, em nota de rodapé, que as suas opiniões haviam sido<br />
confirmadas pela rápida difusão das idéias eugenistas em diferentes partes do mundo.<br />
121
O 1o. Congresso Brasileiro de Eugenismo foi realizado no Rio de Janeiro, em 1929. Um dos temas<br />
abordado era "O Problema Eugênico da Migração". O Boletim de Eugenismo propunha a exclusão<br />
de todas as imigrações não-brancas. Em março de 1931 foi criada a Comissão Central de<br />
Eugenismo, sendo o seu presidente Renato Kehl e o Prof. Belisário Pena um dos membros da<br />
diretoria. Os objetivos desta Comissão eram os seguintes:<br />
1. manter o interesse do estudo de questões eugenistas no país;<br />
2. difundir o ideal de regeneração física, psíquica e moral do homem;<br />
3. prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam<br />
dignas de consideração.<br />
Em vários países foram propostas políticas de "higiene ou profilaxia social", com o intuito de<br />
impedir a procriação de pessoas portadoras de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de<br />
eliminar os portadores de problemas físicos ou mentais incapacitantes.<br />
Jiménez de Asúa defendeu a idéia de que as políticas alemã, italiana e espanhola nesta área não<br />
eram eugenistas, mas sim "racismo" oriundo do nacional-socialismo alemão. Vale lembrar que as<br />
idéias alemãs se originaram do trabalho do Conde de Gobineau - "Ensaio sobre a desigualdade das<br />
raças humanas" - publicado em 1854. Antes, portanto, das idéias darwinistas terem sido divulgadas<br />
e do termo Eugenia ter sido criado. O Conde de Gobineau esteve no Brasil, onde coletou dados.<br />
Neste ensaio foi feita a proposta da superioridade da "raça ariana", posteriormente levada a extremo<br />
pelos teóricos do nazismo Günther e Rosenberg nos anos de 1920 a 1937. Outro autor alemão,<br />
Gauch, afirmava que havia menos diferenças anatômicas e histológicas entre o homem e os animais,<br />
do que as verificadas entre um nórdico (ariano) e as demais "raças". Isto acabou sendo objeto de<br />
legislação em 1935, através das " Leis de Nuremberg", que proibiam o casamento e o contato sexual<br />
de alemães com judeus, o casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou<br />
hereditárias. Para casar era preciso obter um certificado de saúde. Em 1933 já haviam sido<br />
publicadas as leis que propunham a esterilização de pessoas com problemas hereditários e a<br />
castração dos delinquentes sexuais.<br />
Jiménez de Asúa propunha que a Eugenia deveria se ocupar de três grandes grupos de problemas: a<br />
obtenção de uma descendência saudável (profilaxia), a consecução de matrimônios eugênicos<br />
(realização) e a paternidade e maternidade consciente (perfeição).<br />
A profilaxia seria obtida através de ações tais como: combate às doenças venéreas,<br />
prostituição e pela caracterização do delito de contágio venéreo.<br />
A realização ocorreria através da casais eugênicos e do reconhecimento médico prématrimonial.<br />
A perfeição proporia meios para que fosse possível a limitação da natalidade, os meios<br />
anticoncepcionais, a esterilização, o aborto e a eutanásia.<br />
122
Princípios defendidos pela Liga Pangermânica em 1890:<br />
1. Propugnar por uma lei que dê conta de organizar a marinha de guerra<br />
2. Colocação de um cabo de Tsing-tao a Porto Artur.<br />
3. Fortalecimento da presença alemã em Tsing-tao<br />
4. Posto de abastecimento de carvão e estações de cabos no Mar Vermelho,<br />
nas Índias Ocidentais e ao longo de Singapura<br />
5. Posse da Samoa<br />
6. Subsídios para o estabelecimento de rotas marítimas para Tsing-tao e<br />
Coréia<br />
7. Estabelecer negociações com a França, Espanha, Portugal e Países Baixos<br />
sobre a colocação de um cabo independente do Congo até a África Oriental Alemã,<br />
Madagascar, Batavia e Tonkim para Tsing-tao.<br />
8. Desenvolvimento do porto Swakopmund na África de Sudoeste alemã.<br />
9. Concessão para negócios e implantação de indústrias na Ásia Menor<br />
10. Levantamento de fundos para a construção de escolas alemãs em países<br />
estrangeiros.<br />
11. Dotação de100 milhões de marcos para a Comissão de Colonização<br />
12. Transferência para o ocidente de todos oficiais e militares locais de origem<br />
polonesa.<br />
13. Garantia de aumento dos soldos para oficiais alemães na parte polonesa da<br />
Província do leste.<br />
14. Extensão e propriedades imperiais na Alsácia-Lorena e na fronteira<br />
dinamarquesa com a Silésia<br />
15. Garantir emprego exclusivamente a trabalhadores alemães em todos os<br />
domínios alemães<br />
16. Proibição de imigração de inaptos no Império Alemão<br />
17. Requisitar que todos os alemães residentes em países estrangeiros adotem<br />
sua cidadania alemã<br />
18. Taxação de firmas de língua estrangeira<br />
19. Proibição de uso de línguas estrangeiras em clubes e encontros<br />
20. Germanização de todos os espaços do Império Alemão<br />
21. Estabelecimento de um consulado geral na região alemã da Boêmia<br />
22. Aumento numérico de cônsules comerciais no Levante, no Oriente, na<br />
África do Sul, América Central e América do Sul.<br />
23. Aumento de livrarias nas províncias orientais, na Silésia e na Alsacia<br />
Lorena<br />
24. Fundos no tesouro do Departamento Colonial para que as escolas possam<br />
subsidiar a educação de filhos dos alemães residentes no exterior em escolas na Alemanha<br />
25. Germanização de palavras estrangeiras no idioma oficial, como por<br />
exemplo, de Kommandant para Befehlshaber 72<br />
Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o<br />
imperialismo. Uberlândia: EDUFU, 2010.<br />
72 SNYDER, Louis. Macro-nationalism : a history of the pan-movements. Connecticut, Grewnwood Press,<br />
1984. p.47-48<br />
123
Ilustrações alusivas à presença de membros da Liga Pangermânica na África<br />
O cacique escolhe um marido europeu para sua filha<br />
Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o imperialismo. Uberlândia:<br />
EDUFU, 2010.<br />
Legenda : Saudações de Kiao – Tschau<br />
Fonte: Fonte: Brepohl, Marion. Imaginação literária e política: os alemães e o imperialismo.<br />
Uberlândia: EDUFU, 2010.<br />
124
Cartão postal, cuja legenda, em tradução livre, é a seguinte: Um caixão com crânios de<br />
herreros foi recentemente lacrado e enviado ao Instituto Patológico de Berlim, onde devem<br />
ser utilizados para mensurações científicas. As mulheres herreros removeram a carne, a<br />
pele e o cabelo destes crânios utilizando cacos de vidros. Os crânios são de herreros<br />
mortos em ação ou presos.<br />
Fonte: www.ezakwantu.com/ gallery/herrero<br />
Pesquisa realizada em 15 de outubro de 2009<br />
O papel do mais forte é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco,<br />
sacrificando assim a grandeza própria. ... Esse instinto que vigora em toda a<br />
natureza, essa tendência à purificação racial, tem por conseqüência, não só<br />
levantar uma barreira poderosa entre cada raça e o mundo exterior, como<br />
também uniformizar as disposições naturais. A raposa é sempre raposa, o<br />
ganso, o ganso, o tigre, o tigre, etc. ... A América do Norte, cuja população,<br />
decididamente, na sua maior parte, se compõe de elementos germânicos, que só<br />
muito pouco se misturaram com povos inferiores e de cor, apresenta outra<br />
humanidade e cultura do que a América Central e do Sul, onde os imigrantes,<br />
quase todos latinos, se fundiram em grande número, com os habitantes<br />
indígenas. Bastaria esse exemplo para fazer conhecer clara e distintamente, o<br />
efeito da fusão de raças. O germano do continente americano elevou-se até a<br />
dominação deste, por se ter conservado mais puro e sem mistura; ali<br />
continuará a imperar, enquanto não se deixa vitimar pelo pecado da mistura de<br />
sangue.<br />
Trecho do livro , Minha Luta<br />
Adolf Hitler<br />
125
Estigmas/ marcas utilizadas nos campos de concentração; com respeito aos judeus, estes<br />
eram obrigados a portar a estrela de Davi mesmo quando ainda não prisioneiros nos campos<br />
Cores básicas:<br />
Amarelo: Judeu<br />
<br />
Verde: Criminosos<br />
<br />
Azul: emigrantes<br />
<br />
Preto: assocais,<br />
ciganos e feministas<br />
<br />
Roxos:<br />
testemunhade Jeová<br />
<br />
Vermelho: Presos<br />
políticos<br />
Triângulo com um<br />
traço em cima: reincidentes<br />
Triângulo com um pequeno<br />
círculo em baixo:<br />
corrigíveis<br />
Duas estrelas: jedeus e<br />
variáveis de nacionalidade,<br />
orientação política, de<br />
gênero ou julgados<br />
criminosos<br />
126