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Luiz Antonio Pacheco de Queiroz - Uesb

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IMAGENS URBANAS DO CENTRO DE SALVADOR (1929-1941)<br />

PRESENÇA DE TODOS?<br />

<strong>Luiz</strong> <strong>Antonio</strong> <strong>Pacheco</strong> <strong>de</strong> <strong>Queiroz</strong><br />

luizpachecoq@pop.com.br<br />

Universida<strong>de</strong> Católica do Salvador<br />

“Por entre luzes feéricas / O que por alli <strong>de</strong>sfile, / Sabe ser –“Duas Américas” / O<br />

“bijou” da Rua Chile”. 1<br />

Assim cantava o senhor Quintor Caffé, participante do bloco<br />

carnavalesco Frangos dagua em <strong>de</strong>savença, no Carnaval <strong>de</strong> 1932 fazendo alusão à loja querida.<br />

Isso ressalta como na Rua Chile, nos primórdios <strong>de</strong> sua ascendência como principal via local da<br />

capital do Estado da Bahia, as lojas exerciam uma gran<strong>de</strong> presença no imaginário coletivo 2<br />

,<br />

resultante das ativida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>sempenhavam, não só no comércio, mas também nas festas<br />

tradicionais da cida<strong>de</strong>. O folião citado, privilegiado por participar do carnaval daquele local, é<br />

um dos sujeitos sociais que protagonizaram o cotidiano do centro urbano <strong>de</strong> Salvador no período<br />

<strong>de</strong> 1928-1941. De acordo com informações dos jornais que circulavam na época muitas foram a<br />

utilização das vias locais <strong>de</strong>sse centro tendo sido mais intensas que os festejos carnavalescos. 3<br />

Com esse texto pretendo apresentar aspectos da reflexão que estou <strong>de</strong>senvolvendo no<br />

estudo do espaço urbano do Centro da Cida<strong>de</strong> do Salvador <strong>de</strong> 1928 a 1941. Percebo que sua<br />

forma surge das percepções dos espaços, pelos sujeitos sociais ao exercerem sua experiência no<br />

cotidiano. Nesse sentido problematizo a presença <strong>de</strong> agentes sociais pertencentes tanto às classes<br />

opressoras como às classes subalternas no <strong>de</strong>senvolvimento da investigação.<br />

As mudanças ocorridas no âmbito das alterações do espaço urbano, especialmente nas<br />

redon<strong>de</strong>zas do Centro <strong>de</strong> Salvador, como alguns acontecimentos sugerem, foram prepon<strong>de</strong>rantes<br />

para a escolha <strong>de</strong>sse tema. A análise <strong>de</strong> documentos exarados pelas repartições do po<strong>de</strong>r<br />

municipal e os <strong>de</strong>mais materiais, como as fontes icnográficas, periódicos, a filmografia e<br />

<strong>de</strong>poimentos orais me permitem discutir ao longo <strong>de</strong>sse período diferentes formas <strong>de</strong><br />

entendimento dos modos <strong>de</strong> viver dos sujeitos sociais.<br />

Num filme 4<br />

patrocinado pela Prefeitura <strong>de</strong> Salvador po<strong>de</strong>-se perceber que no fim da<br />

década <strong>de</strong> 1930, esse carnaval quando festejado em locais fechados e no espaço público do<br />

centro urbano se apresentava para poucos. A maioria dos participantes era das elites e classes<br />

1<br />

Título não i<strong>de</strong>ntificado. Dário <strong>de</strong> Notícias. Nº 8399. Sábado, 23 <strong>de</strong> jan. <strong>de</strong> 1932, p. 2.<br />

2<br />

Cf. VOVELLE, Michel. I<strong>de</strong>ologias e Mentalida<strong>de</strong>s. 1985, p. 21.<br />

3<br />

Festas <strong>de</strong> rua, como o carnaval, aconteciam também em outros meses, como em abril ou maio sob a <strong>de</strong>nominação<br />

<strong>de</strong> “micaréne”. Cf. Diário da Bahia, A Tar<strong>de</strong>, O Imparcial e Dário <strong>de</strong> Notícias.<br />

4<br />

Meridional Films. Carnaval <strong>de</strong> 1939. 1939. Editado com narração.


médias da socieda<strong>de</strong>, tendo pouca participação daqueles indivíduos das classes subalternas, que<br />

quando lá apareciam sempre estavam experimentando sua algazarra fora dos cordões<br />

carnavalescos.<br />

A forma como se apresentavam os sujeitos sociais tanto nos dias <strong>de</strong> carnaval como nos<br />

<strong>de</strong>mais, registrados também em fotografias, salientam através das roupas que vestiam o seu<br />

status social. Po<strong>de</strong>-se aferir isto pelos tecidos caros ou até mesmo coloridos e, por outro lado,<br />

com pouca sofisticação e sem riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes. Dessa maneira po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que<br />

classe eles faziam parte.<br />

Os indivíduos vestidos com roupas <strong>de</strong> tecidos mais agradáveis e mais elaborados<br />

transitavam com freqüência pela Praça 15 <strong>de</strong> Novembro e Rua Chile <strong>de</strong>vido aos mais diversos<br />

fins. Os oprimidos, algumas vezes <strong>de</strong>scalços, trajando roupas simples, surradas e normalmente<br />

confeccionadas a partir <strong>de</strong> tecidos sem muita resistência e até ásperos <strong>de</strong>slocavam-se por ali para<br />

transportar mercadorias, ven<strong>de</strong>r seus produtos ou para chegar ao local em que disponibilizariam<br />

sua mão-<strong>de</strong>-obra em uma das lojas dali ou ven<strong>de</strong>ndo quitutes e outros produtos, como folhas<br />

medicinais, no espaço público. Mas isso não quer dizer que estes não aproveitavam o espaço do<br />

centro urbano para o seu lazer. Numa crônica <strong>de</strong> Cosme <strong>de</strong> Farias 5<br />

é possível visualizar como<br />

esses indivíduos experimentaram as possibilida<strong>de</strong>s daqueles locais, enfrentando as restrições das<br />

instituições republicanas.<br />

Com a análise <strong>de</strong> anúncios <strong>de</strong> casas comerciais, como o da Casa Atlas (situada na Rua<br />

Chile, nº 6) 6<br />

que mostra um sapato <strong>de</strong> salto alto e bico fino, po<strong>de</strong>-se avaliar o sentido incutido<br />

nas idéias que direcionavam os sujeitos sociais a enten<strong>de</strong>r o centro urbano como um espaço<br />

público sem a presença <strong>de</strong> indivíduos das parcelas da população correspon<strong>de</strong>nte aos operários e<br />

trabalhadores que viviam do mercado informal. A tentativa <strong>de</strong> branqueamento da população se<br />

fazia através <strong>de</strong>sse pensamento que levava a práticas discriminatórias/elitistas 7<br />

. Nas obras dos<br />

abrigos para passageiros po<strong>de</strong>-se perceber isso também, em <strong>de</strong>cisões que foram motivadas pelo<br />

enaltecimento da área central da cida<strong>de</strong> 8<br />

.<br />

As tentativas <strong>de</strong> transformar tal espaço urbano eram, como será apresentado, refutadas<br />

pelas formas racionais que os outros sujeitos sociais, os oprimidos, aqueles que compunham as<br />

5<br />

Farias relata uma situação ocorrida com dois senhores que ganhavam a vida ven<strong>de</strong>ndo fichas da Companhia Linha<br />

Circular <strong>de</strong> Carris da Bahia (CLC) para a utilização do Elevador Lacerda e do Plano Inclinado foram impedidos pela<br />

policia <strong>de</strong> continuar com tal ativida<strong>de</strong>, mesmo após permissão da CLC. FARIAS, Cosme <strong>de</strong>. Sem título. Diário da<br />

Bahia. Nº 57. Terça-feira, 08 <strong>de</strong> mar. <strong>de</strong> 1932, Últimas Notícias, p. 10.<br />

6<br />

Pelo conteúdo dos textos e intenção em divulgar os costumes preferidos pela burguesia e pelas classes<br />

intelectualizadas o acesso a tais lojas era limitado a indivíduos com relativo e almejado po<strong>de</strong>r aquisitivo. Revista<br />

Unica, ano 2, nº 12, mar <strong>de</strong> 1931. Sem numeração <strong>de</strong> páginas.<br />

7<br />

Para compreen<strong>de</strong>r o imaginário popular republicano e os símbolos e mitos para o controle social na República cf.<br />

CARVALHO, José Murilo <strong>de</strong>. A Formação das Almas. 1990, p. 10.<br />

8<br />

Relatório do Prefeito do Município do Salvador Engº Civil Durval Neves da Rocha. 1942, p. 89.<br />

2


classes subalternas, se <strong>de</strong>sdobravam para garantir sua sobrevivência ou nos seus locais <strong>de</strong><br />

moradia. E os locais mais freqüentados do Centro da cida<strong>de</strong> sentiram a presença <strong>de</strong> todos, e <strong>de</strong><br />

acordo com o que afirma Burke, numa convivência em que foi vivida uma interação <strong>de</strong> culturas. 9<br />

É correto afirmar que a presença <strong>de</strong> indivíduos das classes pobres no centro urbano <strong>de</strong><br />

Salvador aconteceu <strong>de</strong> forma constante e, principalmente, para fins <strong>de</strong> luta pela sobrevivência.<br />

Muitas das ativida<strong>de</strong>s realizadas nesse local foram <strong>de</strong>senvolvidas por trabalhadores que não se<br />

inseriam nos ofícios consi<strong>de</strong>rados como dignos por setores das camadas intermediárias e das<br />

classes dominantes existentes na cida<strong>de</strong>.<br />

Estes sujeitos sociais, pela experiência 10<br />

que tinham, sabiam a classe que pertenciam,<br />

tendo até se organizado em sindicatos, como os carroceiros 11<br />

. É <strong>de</strong>ssa forma que eles<br />

vivenciaram sua resistência, inseridos pela exploração que sofriam e consolidada pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> materiais, que permaneceram concomitantemente<br />

às conduções movidas por combustível ou tração elétrica (como os bon<strong>de</strong>s).<br />

Figura 1 – Início da Rua Chile e Rua Rui Barbosa no fim da década <strong>de</strong> 1930.<br />

Fonte: Prefeitura Municipal. 12<br />

Na imagem acima é possível visualizar como acontecera a presença <strong>de</strong> tantos<br />

trabalhadores. É evi<strong>de</strong>nte que o ângulo <strong>de</strong> interesse da fotografia não enfoca os agentes sociais a<br />

9<br />

Para compreen<strong>de</strong>r a participação <strong>de</strong> todas as classes sociais na cultura popular cf. BURKE, Peter. Cultura Popular<br />

na Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, 1989.<br />

10<br />

Utilizo experiência a partir da abordagem <strong>de</strong> Thompson, enten<strong>de</strong>ndo que o ser social <strong>de</strong>termina a consciência<br />

social. Cf. THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. 1978, p. 10.<br />

11<br />

Conforme solicitação <strong>de</strong> pagamento por serviços prestados à Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Salvador nos primeiros anos<br />

da década <strong>de</strong> 1930 por trabalhadores associados ao Sindicato dos Trabalhadores em Carroças. Diretoria Geral do<br />

Expediente. 28 <strong>de</strong> abr. <strong>de</strong> 1936. Documento nº 1225, folha 457.<br />

12<br />

Fig. Fotografia nº 1564, [193].<br />

3


serem, especialmente, registrados, mas a fotografia 13<br />

tem a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer personagens<br />

não perceptíveis em outros materiais. Na imagem um carroceiro e outro indivíduo, na parte<br />

inferior à direita, avançam levando produtos que provavelmente abasteceriam uma das lojas<br />

localizadas na Rua Chile. Pelos trajes do condutor da carroça po<strong>de</strong>-se ratificar que ele vendia sua<br />

força <strong>de</strong> trabalho para sustentar sua família.<br />

Para fins <strong>de</strong> sobrevivência é que, principalmente, os indivíduos das classes subalternas se<br />

<strong>de</strong>slocavam por ali, haja vista a oferta <strong>de</strong> serviços nas ruas e que para além do transporte <strong>de</strong><br />

cargas precisava <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra especializada. Isso é notório <strong>de</strong> ser referido por causa das<br />

diversas obras ocorridas no espaço público <strong>de</strong>sse local durante a Primeira República e por toda a<br />

década <strong>de</strong> 1930, tendo que utilizar o trabalho <strong>de</strong> pedreiros e mestres <strong>de</strong> obras por exemplo. 14<br />

Locais <strong>de</strong> moradia, lazer, trabalho, <strong>de</strong>slocamento...<br />

Os distritos da Sé, Conceição da Praia e São Pedro, situados nas redon<strong>de</strong>zas do espaço<br />

mais concorrido do centro urbano, eram extremamente populosos, tendo muitas moradias. Eram<br />

então locais em que a presença da população <strong>de</strong> baixa renda já acontecia para efeito <strong>de</strong><br />

habitação. Era nas praças Cairú, Municipal, Castro Alves, 15 <strong>de</strong> Novembro, Rua Chile, Porto <strong>de</strong><br />

Salvador, e outros lugares que concentravam uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s para a realização<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que gerassem rendimentos, que os indivíduos das classes subalternas tentavam<br />

ganhar a vida na área do centro urbano da cida<strong>de</strong>.<br />

A utilização das ruas do centro <strong>de</strong> Salvador se <strong>de</strong>u, para além <strong>de</strong> outras necessida<strong>de</strong>s,<br />

como vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento. Ali se moviam muitos bon<strong>de</strong>s das principais linhas para o transporte<br />

entre a Cida<strong>de</strong> Baixa e a Cida<strong>de</strong> Alta. E os indivíduos que prestavam serviços para garantir o<br />

funcionamento dos transportes urbanos formavam uma parcela representativa do operariado.<br />

Motorneiros e condutores <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> aluguel, dos ascensores, encarregados da<br />

limpeza exerceram sua experiência nas ruas do centro, experimentando mudanças no <strong>de</strong>senho<br />

das vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento e também permanências dos hábitos e costumes inerentes à socieda<strong>de</strong>.<br />

A proximida<strong>de</strong> das habitações <strong>de</strong> outros trabalhadores que moravam ali por perto - como<br />

os balconistas e ven<strong>de</strong>dores das lojas localizadas no centro da cida<strong>de</strong> – afirmam como o centro<br />

urbano lhes trazia privilégios. D. Hil<strong>de</strong>th em seu belo <strong>de</strong>poimento narra isso em outras palavras.<br />

“Era ótimo a Rua Chile. A Rua Chile era o ponto principal. Chegava no domingo aí eu dizia que<br />

ia ver as vitrines e aí as vitrines já sabia o que era... andá com o namorado pra baixo e pra<br />

13<br />

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 1989.<br />

14<br />

Sobre os profissionais especializados que surgiram no <strong>de</strong>correr da Primeira República cf. SANTOS, Mário<br />

Augusto da Silva. Novas e velhas ocupações na Salvador republicana (1889-1930). 1992, p. 258 e 259.<br />

4


cima...” 15<br />

A Rua Chile parecia mais uma vitrine aos olhos <strong>de</strong> muitos daqueles que se dirigiam ao<br />

seu espaço. Adolfo Colatino em um <strong>de</strong> seus muitos poemas publicados nas páginas da Revista<br />

Unica nas edições dos anos 1929/30, fazendo alusão ao movimento das sessões especiais <strong>de</strong> fim<br />

<strong>de</strong> tar<strong>de</strong> às quintas-feiras traz uma contribuição para a análise <strong>de</strong> como esses locais exerciam<br />

marcante significação no imaginário coletivo:<br />

“Quinta-feira. De tar<strong>de</strong>. O / Está cheio <strong>de</strong> moças e rapazes. / Quanto<br />

perfume bom! / Eclat, Coty / Quantos vestidos rubros e lizares! / Vem andando, num passo<br />

ca<strong>de</strong>nciado, / Miss Bahia a Miss Tentação... / Deixa no andar seguro e musicado / Um som<br />

<strong>de</strong> uma orchestração / Ali <strong>de</strong>fronte do espelho uma menina / que mora em Nazareth, lá no<br />

Cabral, / fica olhando um dandy <strong>de</strong> calça fina / e que não passa <strong>de</strong> um bello animal...” / (...)<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um alado <strong>de</strong> / corre, esvoaça como um <strong>de</strong>sfile... / O bando lindo<br />

<strong>de</strong>ssas bonequinhas / vae direitinho para a rua Chile / E a rua Chile fica transbordada / <strong>de</strong><br />

perfumes, sorrisos, malmequeres... / Quinta-feira. De tar<strong>de</strong>. É a revoada / <strong>de</strong> aves do céo em<br />

forma <strong>de</strong> mulheres.” 16<br />

Locais pitorescos como o Cine Teatro Guarany consolidou-se como local <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />

tendo em vista não só as apresentações cinematográficas como também a oferta <strong>de</strong> ofícios no seu<br />

espaço interno e nas suas imediações.<br />

Um aspecto urbano a ser consi<strong>de</strong>rado envolve o serviço <strong>de</strong> viação, e é o que elucida<br />

também como a população se <strong>de</strong>slocava nas apertadas ruas do centro da Cida<strong>de</strong> do Salvador. Na<br />

década <strong>de</strong> 1930 tornou-se intensa a concorrência das marinettis com os bon<strong>de</strong>s. A Companhia<br />

Linha Circular <strong>de</strong> Carris da Bahia (CLC), empresa <strong>de</strong>tentora da exploração <strong>de</strong>sse serviço nessa<br />

parte da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1929, sofrera perdas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o evento do quebra-bon<strong>de</strong>s não conseguindo se<br />

restabelecer nos anos subseqüentes.<br />

O periódico Dário <strong>de</strong> Notícias, se referindo a tal assunto avalia as mudanças perpetradas<br />

pelo ímpeto reformador imbuído pelos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> progresso dos <strong>de</strong>sígnios positivistas.<br />

“As conquistas do progresso modificam em tudo, os aspectos urbanos. As cida<strong>de</strong>s, á<br />

proporção que vão sofrendo a ação reformadora dos po<strong>de</strong>res publicos e recebendo as<br />

remo<strong>de</strong>lações introduzidas pelas iniciativas particulares, transformam-se, na sua<br />

physionomia, <strong>de</strong> modo a ressurgirem, mo<strong>de</strong>rnizadas aos olhos <strong>de</strong> seus próprios habitantes e<br />

muito mais ainda ás vistas do que, só <strong>de</strong> longe em longe, as revêem, lembrados do que ellas<br />

foram e do que passaram a ser”. 17<br />

Seria essa a forma em que os indivíduos que fruíram a urbanização em suas andanças<br />

conceberam o centro da cida<strong>de</strong>? As evidências direcionam a acreditar que, especialmente, os<br />

habitantes do centro urbano e proprietários <strong>de</strong> pequenos estabelecimentos comerciais não<br />

15<br />

Depoimento citado <strong>de</strong> d. Hil<strong>de</strong>th Carmélia Paz.<br />

16<br />

COLATINO, Adolfo. Ciranda Crepuscular I, Revista Unica. Ano 1, nº 1, 04 <strong>de</strong> out. <strong>de</strong> 1929, sem numeração <strong>de</strong><br />

páginas.<br />

17<br />

As novida<strong>de</strong>s da vida urbana. Dário <strong>de</strong> Notícias. Nº 8620. Sexta-feira, 14 <strong>de</strong> out. <strong>de</strong> 1932, p. 2.<br />

5


efletiam em suas ações as consi<strong>de</strong>rações do discurso cientificista.<br />

Para as pessoas que utilizavam os serviços será que a CLC tinha uma significação <strong>de</strong><br />

usurpadores? A tarifa cobrada valia pelo serviço prestado? “Eu ainda alcancei em mil<br />

novecentos e trinta a duzentos réis (...) Mas o pobre <strong>de</strong> modo geral usava muito as la<strong>de</strong>iras. Era<br />

da Conceição, era da Misericórdia” 18<br />

Para os indivíduos das classes subalternas <strong>de</strong>slocar-se<br />

pelas la<strong>de</strong>iras significava, além da economia, exercer sua liberda<strong>de</strong> nas ruas que não impediam o<br />

transporte <strong>de</strong> mercadorias como nos ascensores localizados no centro.<br />

Figura 2 – Rua Silva Jardim (mais conhecida como La<strong>de</strong>ira do Taboão), importante via <strong>de</strong> acesso entre a Cida<strong>de</strong><br />

Alta e a Cida<strong>de</strong> Baixa, retratada após a reforma que sofreu, sendo alargada <strong>de</strong> 4 para 10 metros <strong>de</strong> largura. 19<br />

Na figura 2 a imagem apresenta uma feição perdida do passado, numa perspectiva<br />

exigida pela Prefeitura Municipal para o registro fotográfico do espaço urbano. Contudo isso não<br />

impe<strong>de</strong> o surgimento <strong>de</strong> elementos ocultos ou que foram registrados sem a intenção do fotógrafo.<br />

Assim po<strong>de</strong>-se observar a presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> indivíduos, que se <strong>de</strong>slocavam por aquela rua<br />

com as mais diversas motivações, com seus trajes simples, grossos e amarrotados ou <strong>de</strong> tecidos<br />

macios, o que indica a utilização daquele espaço público por diversas camadas da população.<br />

Ali havia um movimento constante <strong>de</strong> trabalhadores vindos <strong>de</strong> toda a parte, alguns<br />

<strong>de</strong>scalços carregando na cabeça caixas ou tabuleiros com suas mercadorias para fazer entregas<br />

ou para ven<strong>de</strong>r em outras partes do centro urbano. Em meio a tantos indivíduos percebe-se até<br />

aqueles que permaneciam na própria rua para garantir a sua sobrevivência. Esta parcela dos<br />

sujeitos sociais que utilizaram tal la<strong>de</strong>ira vivenciaram seu cotidiano <strong>de</strong> pobreza, exclusão social e<br />

contrarieda<strong>de</strong> ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> comportamento social europeizado.<br />

O projeto republicano incorpora as reformas urbanas em um permanente inicio. Ao longo<br />

da década <strong>de</strong> 1930 as transformações urbanas na área mais central da Cida<strong>de</strong> do Salvador<br />

18<br />

Depoimento citado do Sr. Geraldo da Costa Leal.<br />

19<br />

Fig. Relatório do Prefeito do Município do Salvador, Engº Civil Durval Neves da Rocha. 1942, p. 58.<br />

6


marcaram a população com novida<strong>de</strong>s que se solidificaram no imaginário coletivo. Os traumas<br />

se agregaram às vivências dos protagonistas dos eventos que interagiram com as alterações do<br />

espaço urbano, bem como dos costumes e tradições que seriam aceitos. Estes últimos foram<br />

indivíduos que fruíram as diversas mudanças do ímpeto reformador da República, em suas<br />

formas comuns e tão aceitáveis ou execradas <strong>de</strong> viver.<br />

7


FONTES<br />

BPEB - Biblioteca Pública do Estado da Bahia<br />

- Setor <strong>de</strong> periódicos raros:<br />

Dário <strong>de</strong> Notícias, 1930-33.<br />

Dário da Bahia, 1930-33.<br />

A Tar<strong>de</strong>, 1929-33.<br />

O Imparcial, 1929-33.<br />

ABI - ASSOCIAÇÃO BAIANA DE IMPRENSA<br />

- BIBLIOTECA DE COMUNICAÇÃO JORGE CALMON:<br />

Revista Unica. Bahia: 1929-32 .<br />

FGM – FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE MATOS<br />

AHM - ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE SALVADOR:<br />

- Setor audiovisual:<br />

Carnaval <strong>de</strong> 1939. Direção Ruy Galvão. Duração 19’ 32’’. NE: 05573 – 19. Meridional Films:<br />

1939.<br />

Fotografia nº 1564, pasta nº 253, [193]. Tamanho 14x18 cm. Fundo: Prefeitura Municipal.<br />

- Arquivo permanente:<br />

Diretoria Geral do Expediente, 1930-40.<br />

Departamento <strong>de</strong> Obras, Indústria e Viação do Município, 1930-38.<br />

Relatório do Engenheiro Civil José Americano da Costa, Prefeito do Município do Salvador.<br />

Exercício apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Landulfo Alves <strong>de</strong> Almeida, Interventor Fe<strong>de</strong>ral no<br />

Estado, pelo Engº Civil Durval Neves da Rocha, Prefeito. Período <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1940 a 31<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1941. Bahia: Indicador Baiano, 1942.<br />

8


DEPOIMENTOS<br />

Geraldo da Costa Leal, 82 anos, odontólogo aposentado e memorista, morador do bairro do<br />

Barbalho. Entrevista realizada em 05 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2003.<br />

Hil<strong>de</strong>th Carmélia Paz, 86 anos, aposentada como ven<strong>de</strong>dora, mora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1928 no Centro<br />

Histórico. Entrevista concedida em 03 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BURKE, Peter. Cultura Popular na Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna. Europa, 1500-1800. 2ª edição. Tradução:<br />

Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

CARVALHO, José Murilo <strong>de</strong>. A Formação das Almas. O imaginário da República no Brasil.<br />

São Paulo: Companhia das Letras, 1990.<br />

KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ática, 1989.<br />

SANTOS, Mário Augusto da Silva. Novas e velhas ocupações na Salvador republicana (1889-<br />

1930) In: FERNANDES, Ana & GOMES, Marco Aurélio A. <strong>de</strong> Figueiras (org.). Cida<strong>de</strong> e<br />

História: Mo<strong>de</strong>rnização das cida<strong>de</strong>s brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: MAU. FA.<br />

UFBa/ANPUR, 1992. p. 257-262.<br />

THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. I. A árvore da liberda<strong>de</strong>.<br />

Tradução: Wlatensir Dutra. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1978.<br />

VOVELLE, Michel. I<strong>de</strong>ologias e Mentalida<strong>de</strong>s. 2ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.<br />

OBRAS CONSULTADAS<br />

ANDRADE, Maria Margarida <strong>de</strong>. Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. 6ª edição.<br />

São Paulo: Atlas, 2003.<br />

SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem Tudo Era Italiano: São Paulo e Pobreza (1890-1915).<br />

São Paulo: Annablume, 1998.<br />

THOMPSON, E. P. A economia moral revisitada. In: ______. Costumes em Comum: Estudos<br />

sobre a cultura popular tradicional. Tradução: Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 1998.<br />

WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cida<strong>de</strong>. Tradução: Paulo Henriques Brito. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1988.<br />

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