UNB osman lins
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Um dos textos atribuídos a Hermes Trismegisto, a Tábua de Esmeralda, contém o<br />
princípio “expresso pela fórmula grega En to pan – Um no todo –” (UTÉZA, 1994, p. 419).<br />
É verdade, sem mentira, certo e muito verdadeiro:<br />
O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o<br />
que está embaixo; por essas várias coisas se fazem os milagres de uma só coisa.<br />
E como todas as coisas existem e provêm do UM, pela mediação do Um, assim<br />
todas as coisas nascem dessa coisa única por adaptação (idem, p. 416) (itálico<br />
do texto).<br />
Esse princípio ecoa no fragmento S 9: “No fundo da cisterna, diz o poema em que o<br />
livro se inspira, olho através das águas e entrevejo o Todo. Sol e peixes misturam-se”<br />
(LINS, 1974, p. 74).<br />
O meticuloso cálculo apontado pelo autor em Guerra sem testemunhas para a<br />
execução da obra (“e passa a ser executada com cálculo”) deixa-se perceber na<br />
continuidade da linha programática, se lermos A rainha dos cárceres da Grécia de forma<br />
complementar, agora com o pêndulo se movimentando na direção da recepção.<br />
Estava nos meus planos comentar o fato, expressão de um fenômeno assíduo na<br />
história da literatura: a presença, em obras impregnadas do tempo em que<br />
surgem, de temas errantes, egressos de uma tradição remota, como este do nexo<br />
entre a mão e o mundo, tendo no homem – resumo do cosmos – o intermediário.<br />
(LINS, 1977, p. 32)<br />
[…] mais uma unidade da composição que, à semelhança de um texto, ante nós se<br />
organiza e da qual somos parte (pois não seria incompleta e, em certo sentido,<br />
perdida, inútil, se aqui não houvesse alguma consciência que, contemplando-a,<br />
apreendesse o sentido que contém ou, ao menos, simula conter e a seu modo<br />
a traduzisse?) (LINS, 1974, R 10. p. 84)<br />
Se em Avalovara as micronarrativas encaixadas nos levam a um exercício de<br />
recomposição para o estabelecimento de relações com o todo, em busca de uma unidade<br />
que justapõe em equilíbrio o micro e o macrocosmos, em A rainha dos cárceres da Grécia<br />
as relações se dão de forma explícita. A ficção se apresenta como um ensaio/diário no<br />
momento de sua composição, pondo em questionamento aspectos fundamentais da arte<br />
literária, com destaque para os efeitos e modos de leitura, em correlação com o contexto<br />
histórico imediato que se projeta também para o passado, numa confluência espaciotemporal<br />
que se presentifica em estratégia discursiva de tom reflexivo/irônico/poético.<br />
E só o cuidado – assimilado talvez no livro mesmo que estudo – de evitar o vício<br />
programático, isto e ainda o senso da oportunidade, quase sempre agudo nos<br />
tímidos, tem impedido que eu mencione aqui o ruído intolerável de máquinas –<br />
serras mecânicas, removedoras de terra, betoneiras – fundo habitual e exasperante<br />
deste meu trabalho.<br />
Contudo, sem receio deveria fazê-lo. Isto acrescentaria ao texto, que pode acaso<br />
parecer tecido no silêncio, uma espécie de fundo e um sentido de resistência: no<br />
âmago da balbúrdia e da aspereza, ele tenta constituir-se em melodia. (LINS,<br />
1977, p.117)