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Durval Muniz de Albuquerque Júnior - cchla

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Trilhas urbanas, armadilhas humanas: a construção <strong>de</strong> territórios<br />

<strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong> dor na vivência da homossexualida<strong>de</strong> masculina no<br />

Nor<strong>de</strong>ste brasileiro dos anos setenta e oitenta<br />

<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Professor da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte<br />

Rodrigo Ceballos<br />

Bolsista <strong>de</strong> Iniciação Científica - CNPq/UFPb<br />

Curso <strong>de</strong> História da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba, Campina Gran<strong>de</strong>. 1<br />

Final <strong>de</strong> 1978, tempos <strong>de</strong> abertura política no Brasil, a ditadura militar parece<br />

estar no fim. Os jornais, já menos cerceados pela censura, falam das manifestações<br />

sindicais que ressurgem, <strong>de</strong> um certo otimismo que toma conta dos setores médios,<br />

notadamente dos intelectualizados, que assistem e promovem uma ressurreição da<br />

movimentação cultural que havia sido bruscamente interrompida com o Ato<br />

Institucional n o 5, que marcou o endurecimento <strong>de</strong>finitivo do regime. Os chamados<br />

movimentos sociais vêm novamente ocupar com certa intensida<strong>de</strong> as principais<br />

páginas dos jornais.<br />

Além das mudanças <strong>de</strong> que fala a gran<strong>de</strong> imprensa, este ano é marcado,<br />

também, pelo surgimento da chamada imprensa nanica ou alternativa, ainda muito<br />

ligada aos grupos <strong>de</strong> esquerda, que estavam saindo da clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> a que o<br />

regime os havia submetido. É um momento, portanto, em que no campo da mídia,<br />

notadamente da mídia impressa, novas temáticas estão emergindo, novos sujeitos<br />

sociais começam a ser construídos, em que o que antes parecia inexistir ganha<br />

visibilida<strong>de</strong>. É um momento em que dos subterrâneos das cida<strong>de</strong>s novos<br />

personagens vêm à luz e entram em cena. Estes veículos <strong>de</strong> comunicação<br />

participam da construção <strong>de</strong> novas figuras sociais que antes pareciam não existir. A<br />

abertura política parece significar a oportunida<strong>de</strong> para que práticas antes realizadas<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

em segredo, em escon<strong>de</strong>rijos, pu<strong>de</strong>ssem sair às ruas e tomar conta das praças<br />

públicas.<br />

Esta história parece já ter sido suficientemente contada, principalmente do<br />

ponto <strong>de</strong> vista das mudanças políticas, dos grupos <strong>de</strong> esquerda e dos movimentos<br />

sociais. Seja na aca<strong>de</strong>mia ou fora <strong>de</strong>la, este momento já mereceu inúmeros estudos<br />

atentos para os novos sujeitos sociais que emergiram, notadamente os sujeitos<br />

coletivos e pensados a partir da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais<br />

e políticas coletivas, grupos que por isso se tornaram capazes <strong>de</strong> enfrentar o regime<br />

militar e levar a cabo o seu <strong>de</strong>smantelamento final.<br />

Mesmo os estudos que foram consagrados a movimentos sociais muito<br />

específicos, como os movimentos negro, feminista e homossexual, tomaram este<br />

momento como o marco <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> uma nova era, como um momento <strong>de</strong><br />

construção ou <strong>de</strong> reconstrução, como o momento em que estas questões ganharam<br />

visibilida<strong>de</strong> no país e que a luta em torno da construção <strong>de</strong> um movimento unificado<br />

ganhou fôlego, requerendo, portanto, o <strong>de</strong>bate político em torno da questão da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, feminina e homossexual no país. Estes movimentos estiveram<br />

presentes e inspiraram órgãos <strong>de</strong> comunicação alternativos, que buscavam construir<br />

uma nova dizibilida<strong>de</strong> e uma nova visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes sujeitos antes ausentes do<br />

<strong>de</strong>bate público. Embora órgãos da gran<strong>de</strong> imprensa como a revista Isto É também<br />

tivesse <strong>de</strong>dicado algumas reportagens a este assunto, proclamando um “po<strong>de</strong>r<br />

homossexual”, o que custou aos jornalistas envolvidos um processo por fazer<br />

“apologia malsã do homossexualismo” e o programa do apresentador Flávio<br />

Cavalcanti, na TV Tupi, tivesse colocado em discussão a operação feita para<br />

mudança <strong>de</strong> sexo feita pelo Dr. Farina, no transexual Valdir, já no ano <strong>de</strong> 1978.<br />

Mas é folheando as páginas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stes órgãos <strong>de</strong> imprensa alternativa, o<br />

jornal Lampião da Esquina 2 , i<strong>de</strong>alizado por um grupo <strong>de</strong> intelectuais <strong>de</strong> classe<br />

média, que se assumiam como homossexuais, e que pretendia trazer o sujeito<br />

homossexual à luz do dia, ou da noite (a metáfora do título é dúbia), que<br />

percebemos que outras mudanças, ainda pouco abordadas pelos estudos que se<br />

<strong>de</strong>bruçaram sobre este período, pareciam estar ocorrendo. Neste jornal, ao longo do<br />

período que vai <strong>de</strong> 1978 a 1981, é publicada uma série <strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> leitores que<br />

falam <strong>de</strong> um mundo subterrâneo da homossexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> territórios <strong>de</strong> vivências<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

homoeróticas que estariam vindo à tona em suas cida<strong>de</strong>s, que estariam se<br />

revelando 3 :<br />

Agora vamos ao assunto que me levou a escrever para vocês: São Luís é uma cida<strong>de</strong> que<br />

possui todos os problemas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s e, o que é pior, das provincianas. De alguns<br />

anos para cá ela tomou “ares” <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e procurou soltar suas “plumas”.<br />

Quem vem ao Recife e quer se entrosar na vida guei(sic) da cida<strong>de</strong>, não precisa <strong>de</strong> guia ou<br />

cicerone, pois tudo aqui funciona às claras, sem camuflagens. Nosso movimento guei(sic)<br />

está cada dia melhor e mais aberto. O pessoal está nas ruas, aos bandos, em revoadas nas<br />

noites <strong>de</strong> sexta e sábado pelas ruas centrais...Como diz um dos nossos jornalistas: “A<br />

população já acostumou a vê-los <strong>de</strong>sfilar pelas ruas, <strong>de</strong>scontraídos, mais soltos do que<br />

pensamento <strong>de</strong> anistiado, e tão perdidos quanto o rumo do Skylab”. 4<br />

Estas cartas, escritas a pretexto <strong>de</strong> fornecerem um roteiro dos locais <strong>de</strong><br />

encontro homossexual em cada cida<strong>de</strong>, vão nos <strong>de</strong>screvendo uma outra cida<strong>de</strong>, vão<br />

construindo uma nova imagem do espaço urbano, que “solta as plumas”, que é<br />

riscado pelas trajetórias e <strong>de</strong>ambulações <strong>de</strong> sujeitos que “revoam aos bandos” por<br />

suas praças e ruas, mais livres que pensamento <strong>de</strong> anistiados e mais perdidos do<br />

que um foguete em queda livre. 5<br />

Lugares como os cinemas Jangada e Diogo, em Fortaleza, São Luiz em<br />

Recife, Plaza em Juazeiro do Norte, São Luiz e I<strong>de</strong>al em Maceió são <strong>de</strong>scritos como<br />

sendo quentíssimos, on<strong>de</strong> só ficava <strong>de</strong> mãos abanando quem queria, havendo<br />

noites em que a “pegação” era ampla, geral e irrestrita, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do filme.<br />

Figuras folclóricas circulavam ou estavam sempre postas nos balcões, disponíveis a<br />

quem quer que pintasse. 6<br />

Estas cartas falam <strong>de</strong> um bom número <strong>de</strong> bares exclusivamente gay como:<br />

Gaiola das Loucas em Teresina, o Beco, o Reboco e o Carinhoso em Fortaleza, o<br />

Mustang em Recife, o Atlântico e o Barravento em Olinda, o Beija-Mar, a Cantina do<br />

Ginos, o Bar do Chopp e o Bebaqui em Maceió. Estes são <strong>de</strong>scritos como “castelos<br />

das bichas”, on<strong>de</strong> a pegação é transada em alta escala e os garçons, finíssimos,<br />

adoravam ser chamados para curtir som nos carros. 7<br />

Ainda são citados saunas, hotéis, motéis e, principalmente, as boates ou<br />

discoteques on<strong>de</strong> se dançavam o ritmo que era a coqueluche do momento. Após o<br />

sucesso do filme Embalos <strong>de</strong> Sábado à Noite, travoltear tornou-se uma ativida<strong>de</strong><br />

indispensável para o homossexual que se consi<strong>de</strong>rava mo<strong>de</strong>rno e <strong>de</strong>scolado,<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

mesmo que para isso tivesse que freqüentar dancings <strong>de</strong> duvidosos nomes, como o<br />

Pops Bar em São Luís. Mas boates elegantes voltadas para o público gay existiam,<br />

como a Dora’s na praia do Futuro e a Navy, também chamada <strong>de</strong> Naveguei em<br />

Fortaleza ou a Misty , a Vogue e a Stock em Recife. Quando a cida<strong>de</strong> não dispunha<br />

<strong>de</strong> uma boate gay, como Maceió, o jeito era freqüentar as que chamavam <strong>de</strong><br />

“caretas”, como a Midô-Privê, que, segundo o missivista, era o mais requintado<br />

disco-club do Nor<strong>de</strong>ste, freqüentado pelo jet-set alagoano, mas on<strong>de</strong>, mesmo assim,<br />

era fácil pintar um convite para conhecer algumas coberturas com piscinas da orla. 8<br />

Mas as ruas, praças, banheiros públicos, becos, praias, são <strong>de</strong>scritos também<br />

como lugares on<strong>de</strong> os homossexuais estavam construindo seus espaços <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> vivência do homoerostismo, utilizando estratégias e táticas que<br />

eram ensaiadas e aprendidas no cotidiano, na “batalha”. Como diria Certeau, as<br />

cida<strong>de</strong>s estavam sendo re<strong>de</strong>senhadas e poeticamente replanejadas através <strong>de</strong>stas<br />

astúcias e artimanhas, metaforizadas por esta re<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas e <strong>de</strong> pequenos<br />

gestos e intervenções, <strong>de</strong>stas “artes <strong>de</strong> fazer”, literalmente 9 :<br />

Aqui a arte da pesca também é muito praticada , principalmente às margens do rio<br />

Capibaribe, on<strong>de</strong> existe o famoso “quem-me-quer”, um cais <strong>de</strong> ambas as margens - Rua do<br />

Sol e Rua da Aurora, sendo que nesta última, em frente ao Cine São Luís, a pesca<br />

acontece ao contrário - quer dizer, são os peixes que se lançam à pescaria.<br />

Para quem gosta <strong>de</strong> pegação <strong>de</strong> rua, não há como a famosa rua Nova e suas transversais,<br />

da Palma e do Sol. Há <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> travestis bíblicos, passando por tudo que há no meio,<br />

até os midinight cowboys, que geralmente não dispensam o assalto após a “operação”.<br />

Outra praça, também muita apimentada é a Praça das Rodas assim chamada não pelos<br />

motivos que se po<strong>de</strong>ria supor, mas porque em torno <strong>de</strong> cada árvore um antigo prefeito<br />

mandou construir, não se sabe por que, uma enorme roda <strong>de</strong> cimento. Enfim, coisas <strong>de</strong><br />

quem dá ao círculo - ou à roda - qualida<strong>de</strong>s esotéricas... 10<br />

Já outras cartas nos falam <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s ainda camufladas, territórios não<br />

perceptíveis para o estranho, para aquele que não tem uma maior vivência com<br />

estes espaços; territórios, muitas vezes, marcados pela dor, riscados em sangue;<br />

espaços hierarquizados por condição social, por preferências sexuais, por papéis <strong>de</strong><br />

gênero. Mas o próprio ato <strong>de</strong> se dispor a revelar esta cida<strong>de</strong> camuflada, <strong>de</strong> ser<br />

cicerone <strong>de</strong> todos os leitores <strong>de</strong> um jornal <strong>de</strong> circulação nacional, nos revela uma<br />

nova economia dos <strong>de</strong>sejos e novas regras que parecem se impor a estes sujeitos<br />

<strong>de</strong> discurso. O próprio jornal, com a sua sistemática campanha em torno do se<br />

assumir, das injunções <strong>de</strong> se sair do armário, parece contribuir para a emergência<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

progressiva <strong>de</strong> uma nova subjetivida<strong>de</strong> homossexual disposta a se revelar, a se<br />

assumir em praça pública, <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar marcas mais visíveis no espaço<br />

urbano. O missivista, embora raramente assine seu próprio nome, parece se sentir<br />

um herói <strong>de</strong>sta nova causa que é a da revelação das trilhas urbanas que leva ao<br />

prazer homoerótico. Assume com orgulho este novo lugar <strong>de</strong> sujeito que estava<br />

sendo construído pelo movimento gay que emergia, o do homossexual cabeça, do<br />

homossexual assumido, do homossexual <strong>de</strong> classe média, que não disfarçava,<br />

muitas vezes, seu preconceito em relação à bicha pobre, periférica, negra, pintosa,<br />

barra pesada. 11<br />

Já somos uma cida<strong>de</strong> metropolitana, quase 1,5 milhão <strong>de</strong> habitantes, mas muitos visitantes<br />

chegam e não vêem nada. Para os que venham a Fortaleza e quiserem curtir o melhor aqui<br />

vai o roteiro:...<br />

Salvador ainda é, para a maioria dos brasileiros que po<strong>de</strong> se dar ao luxo <strong>de</strong> viajar, o paraíso<br />

das férias. Para os homossexuais, no entanto, a cida<strong>de</strong> nem sempre funciona - se não se<br />

tem um guia, um cicerone, acaba-se passando por lá sem <strong>de</strong>scobrir a vida guei(sic), que lá<br />

é fervilhante mas camuflada. Guia e cicerone baiano, para essas férias <strong>de</strong> julho, nós já<br />

temos: é o Fabíolo Dorô, habitueé da sessão Cartas na Mesa, que com seu verda<strong>de</strong>iro<br />

nome, assina este mini-roteiro <strong>de</strong> Salvador guei(sic) que publicamos abaixo: 12<br />

Num momento em que no Brasil várias práticas e discursos clamam no<br />

sentido <strong>de</strong> se revelar os segredos dos porões da ditadura, uma nova sensibilida<strong>de</strong><br />

social parece estar em gestação nas comunida<strong>de</strong>s homossexuais das principais<br />

cida<strong>de</strong>s do país. Parece estar em gestação uma nova miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos <strong>de</strong> práticas<br />

homoeróticas e os correspon<strong>de</strong>ntes territórios <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong>stas práticas.<br />

Descobrem-se novos lugares nas cida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m se tornar espaços <strong>de</strong><br />

vivências homoeróticas e novos sujeitos parecem ganhar corpos e rostos. Novos<br />

<strong>de</strong>sejos e sonhos parecem ir produzindo, nos textos e nas práticas, novas cida<strong>de</strong>s,<br />

as cida<strong>de</strong>s homoeróticas, questionadoras das cida<strong>de</strong>s da norma, domínios do<br />

macho, branco e heterossexual.<br />

No entanto, estes discursos e estas novas experiências do mundo urbano<br />

não caminham no sentido da reivindicação da criação <strong>de</strong> guetos, <strong>de</strong> bairros ou<br />

espaços segregados para a vivência homossexual. Todos parecem querer<br />

conquistar a cida<strong>de</strong> como um todo, todos parecem reivindicar a aceitação <strong>de</strong> todos<br />

em qualquer lugar. Ao contrário da experiência americana, no Brasil, o movimento<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

homossexual, e mesmo os indivíduos homossexuais, parecem nunca ter se<br />

orientado na direção da construção <strong>de</strong> espaços segregados nas cida<strong>de</strong>s como uma<br />

alternativa para a vivência <strong>de</strong> suas experiências afetivas e sexuais. Talvez porque a<br />

não existência <strong>de</strong> uma legislação punitiva às práticas homoeróticas, mesmo no nível<br />

dos municípios, não tenha requerido por parte dos homossexuais atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

que levassem a se agrupar em <strong>de</strong>terminados espaços das cida<strong>de</strong>s, além da cultura<br />

brasileira ter como uma <strong>de</strong> suas características a erotização dos espaços públicos e<br />

não apenas dos espaços privados. Em artigo mais recente, o jornalista José Manoel<br />

Jr., do Jornal do Comércio do Recife, faz uma história da vida homossexual nesta<br />

cida<strong>de</strong> e seu ponto <strong>de</strong> vista vem corroborar aquilo que nossa pesquisa encontrara<br />

como reivindicação dos leitores <strong>de</strong> Lampião, ou seja, um espaço gay bastante difuso<br />

e disperso por todo o espaço urbano:<br />

Hoje é impossível se falar em gueto gay no Recife. Correto é falar em vários guetos on<strong>de</strong>,<br />

pelo perfil da clientela, se percebe uma divisão por classe e faixa etária. As atrações<br />

artísticas - os transformistas, os travestis e os chamados boys, rapazes <strong>de</strong> tipo atlético que<br />

exibem seus corpos para o <strong>de</strong>leite da platéia - passam ao longo <strong>de</strong>sta divisão. De quarta a<br />

domingo, semanalmente estes se revezam em um circuito que cobre praticamente todas as<br />

casas do gênero na cida<strong>de</strong>. 13<br />

Nota-se também nesta correspondência a associação entre o aparecimento<br />

<strong>de</strong> espaços <strong>de</strong>dicados as práticas homoeróticas e a mo<strong>de</strong>rnização das cida<strong>de</strong>s.<br />

Soltar as plumas parece ser um indício <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s, superando a<br />

condição <strong>de</strong> provincianismo. Embora o surgimento <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> militância<br />

homossexual tenha se dado apenas em algumas capitais do país, notadamente do<br />

Centro-Sul, a correspondência para o jornal Lampião da Esquina fala do<br />

<strong>de</strong>sabrochar <strong>de</strong> novas vivências das cida<strong>de</strong>s em todas as regiões do país. Ainda<br />

que camuflada ou escondida, a sociabilida<strong>de</strong> homoerótica parece estar em<br />

expansão, mesmo em núcleos urbanos <strong>de</strong> menor expressão.<br />

Maceió, capital das Alagoas, a mais prateada morada do sol, com seus 500 milhões <strong>de</strong><br />

habitantes tem muitas coisas para serem mostradas e curtidas. Cida<strong>de</strong> litorânea on<strong>de</strong> o<br />

povo tem o coração hospitaleiro e a mente aberta para aceitar a evolução do mundo. 14<br />

Chamou-nos atenção, principalmente, o fato <strong>de</strong> que esta nova visibilida<strong>de</strong> das<br />

práticas homoeróticas parecem se dar preferencialmente nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s da<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

região Nor<strong>de</strong>ste do país, região tida como uma das mais tradicionais e<br />

conservadoras em seus costumes, on<strong>de</strong> é extremamente valorizada a virilida<strong>de</strong>,<br />

tendo um padrão <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> dominante dos mais rigorosos 15 . O tipo regional<br />

do nor<strong>de</strong>stino foi elaborado por toda uma produção discursiva, no começo <strong>de</strong>ste<br />

século, que o pensou como uma figura masculina, forte, valente, viril, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />

direto dos antigos gran<strong>de</strong>s patriarcas que haviam sido responsáveis pela conquista e<br />

colonização da região. A nor<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> se relaciona, portanto, diretamente com a<br />

masculinida<strong>de</strong>, ela é uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> regional que implica uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero;<br />

ser nor<strong>de</strong>stino é ser macho, é ser masculino, é não ser feminino. Pensado como um<br />

habitante do mundo rural, o estereótipo tradicional do nor<strong>de</strong>stino parece estar em<br />

questão com estes novos códigos que começam a reger as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero<br />

com o advento das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s da região 16 :<br />

Juazeiro do Norte, pra quem não sabe, é a terra do Padre Cícero. Fica no sertão cearense,<br />

tem 120 mil habitantes e um movimento intenso <strong>de</strong> romeiros durante todo o ano. Eu disse<br />

romeiros? Bom, cada um faz a romaria que merece, não é?<br />

A praça dos Capuchinhos, em frente a belíssima Igreja <strong>de</strong> São Francisco, é a que está com<br />

tudo; é ali que se travam efêmeras amiza<strong>de</strong>s que costumam ser infinitas enquanto duram, e<br />

que incen<strong>de</strong>iam, com seus ardores, os matagais próximos. Perto da praça, nas tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

sábado, num espetáculo incomum, num campo <strong>de</strong> futebol improvisado, alguns machões<br />

empe<strong>de</strong>rnidos jogam contra um time <strong>de</strong> bichas públicas e notórias. Dizem que o resultado<br />

do jogo é sempre empate. Po<strong>de</strong>? 17<br />

Aliás, esta associação entre o <strong>de</strong>senvolvimento da vida urbana na região<br />

Nor<strong>de</strong>ste e a emergência da homossexualida<strong>de</strong> como uma nova possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> já aparece em todo o romance regional dos anos trinta.<br />

Autores como José Lins do Rêgo, José Américo <strong>de</strong> Almeida e Graciliano Ramos<br />

associam o surgimento <strong>de</strong> práticas homossexuais com o <strong>de</strong>senvolvimento das<br />

cida<strong>de</strong>s. Estes autores foram influenciados pela produção sociológica <strong>de</strong> Gilberto<br />

Freyre, que via no <strong>de</strong>clínio do que conceituou como sendo a família patriarcal, um<br />

dos indícios claros <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> tradicional nor<strong>de</strong>stina estava em dissolução e<br />

uma nova sociabilida<strong>de</strong> assentada na família nuclear burguesa estava em vias <strong>de</strong> se<br />

implantar, trazendo como uma <strong>de</strong> suas conseqüências a perda dos mecanismos <strong>de</strong><br />

controle tradicionais que os pais exerciam sobre os filhos, notadamente, as filhas,<br />

possibilitando o aparecimento <strong>de</strong> novas opções <strong>de</strong> vida fora do casamento e da<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

família, incluindo aí, o filho solteirão e <strong>de</strong>votado a amigos muito íntimos ou a<br />

sobrinhos nunca antes conhecidos.<br />

Os anos sessenta e setenta, no entanto, foram marcados por um crescimento<br />

vertiginoso das principais cida<strong>de</strong>s dos estados nor<strong>de</strong>stinos, motivado, <strong>de</strong> um lado,<br />

pelo intenso êxodo rural, produto <strong>de</strong> um novo ciclo <strong>de</strong> concentração da proprieda<strong>de</strong><br />

da terra, notadamente, nas regiões produtoras <strong>de</strong> cana <strong>de</strong> açúcar, que passou por<br />

mais um período <strong>de</strong> expansão em sua área cultivada; e, por outro lado, pelo período<br />

<strong>de</strong> expansão da economia brasileira, conhecido como milagre econômico, que<br />

trouxe para as cida<strong>de</strong>s do Nor<strong>de</strong>ste, principalmente com os incentivos fiscais da<br />

SUDENE, um surto <strong>de</strong> industrialização que se materializou na montagem <strong>de</strong> vários<br />

distritos industriais em cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> médio e gran<strong>de</strong> porte. Este crescimento urbano<br />

parecia trazer novos personagens para estas cida<strong>de</strong>s e novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

vivências e experiências das cida<strong>de</strong>s.<br />

Já no final dos anos sessenta, surgiu em Salvador e <strong>de</strong>pois se espalhou para<br />

outras gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s da região, o movimento cultural conhecido como tropicalista,<br />

que tinha como um dos seus traços marcantes a crítica aos costumes conservadores<br />

das elites do país e, notadamente, do Nor<strong>de</strong>ste. Os artistas tropicalistas vão,<br />

inclusive, entrar em choque com os militantes da esquerda marxista mais tradicional,<br />

por suas posturas <strong>de</strong> <strong>de</strong>boche e <strong>de</strong> ridicularização da serieda<strong>de</strong> e da virilida<strong>de</strong> do<br />

corpo militante. Vão, coerentemente com todo o movimento hippie e contracultural<br />

da época, tornar o corpo uma ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta política, vão erotizar o espaço da<br />

política.<br />

Este movimento <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> suas obras e das próprias posturas <strong>de</strong><br />

seus artistas, uma nova forma <strong>de</strong> se lidar com o corpo e com a sexualida<strong>de</strong>,<br />

ultrapassando as dicotomias heterossexual/homossexual, macho/fêmea, que<br />

orientavam as relações <strong>de</strong> gênero. Embora não sejam diretamente militantes<br />

homossexuais, a maior parte dos artistas <strong>de</strong>ste movimento, através <strong>de</strong> suas<br />

<strong>de</strong>clarações públicas, <strong>de</strong> suas atitu<strong>de</strong>s e gestos, das suas formas <strong>de</strong> vestir, <strong>de</strong><br />

andar, <strong>de</strong> dançar, militam no sentido da produção <strong>de</strong> uma nova forma <strong>de</strong> ver e dizer<br />

o homoerotismo. O corpo andrógino tropicalista trabalha no sentido da<br />

<strong>de</strong>sconstrução do corpo másculo e rústico do nor<strong>de</strong>stino. Os novos baianos, como<br />

passam a ser chamados, preten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sconstruir o estereótipo do baiano, forma<br />

como os nor<strong>de</strong>stinos são chamados pejorativamente em São Paulo. Em lugar <strong>de</strong> um<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

homem ru<strong>de</strong>, machista, brigão, analfabeto, trabalhador braçal, o novo baiano é<br />

intelectualizado, mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong>dica-se à arte e à cultura e para ele toda a forma <strong>de</strong><br />

amor vale a pena.<br />

O uso <strong>de</strong> enfeites femininos, <strong>de</strong> roupas <strong>de</strong> mulher, o uso provocante do<br />

rebolado no palco, as letras das canções que falavam sem pejo do amor entre<br />

pessoas do mesmo sexo contribuíram para produzir uma nova sensibilida<strong>de</strong> em<br />

relação à homossexualida<strong>de</strong>, notadamente, a masculina. O impacto <strong>de</strong> práticas<br />

como estas, feitas no programa <strong>de</strong> televisão Divino e Maravilhoso, que passa a ser<br />

apresentado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, duas estrelas <strong>de</strong>ste movimento, na<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong> televisão Tupi, é tão forte, que leva grupos <strong>de</strong> irritadas senhoras <strong>de</strong> classe<br />

média, militantes cristãs fervorosas, a exigir a retirada do programa do ar, o que logo<br />

aconteceu 18 . Mas logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem sido <strong>de</strong>portados do país, outros grupos como<br />

Os Secos e Molhados e o Dzi Croquetes seguem a mesma estética provocativa,<br />

homens andróginos e rebolativos, cheios <strong>de</strong> peles <strong>de</strong> onças e penas <strong>de</strong> pavão, a<br />

dançar e cantar seminus nos palcos brasileiros 19 .<br />

Para se ter uma idéia da importância <strong>de</strong>ste movimento para uma nova<br />

visibilida<strong>de</strong> do homoerotismo basta perceber que numa carta escrita já em 1978,<br />

mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois do início do movimento, o nome <strong>de</strong> um bar gay em<br />

Fortaleza era, exatamente, Doces Bárbaros, nome dado ao grupo <strong>de</strong> cantores<br />

tropicalistas e que virou o título <strong>de</strong> um show apresentado quando do retorno <strong>de</strong><br />

Caetano e <strong>de</strong> Gil ao Brasil. Em 1979, outra carta refere-se a <strong>de</strong>scoberta da porta do<br />

teatro Castro Alves em Salvador como um espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> homossexual,<br />

com a formação do “clube da escada”, exatamente quando dos shows <strong>de</strong> Caetano,<br />

Gil, Gal e Simone. Estes artistas, por suas atitu<strong>de</strong>s e suas obras, passaram a<br />

significar muito para as pessoas i<strong>de</strong>ntificadas como homossexuais, reunindo em<br />

torno <strong>de</strong>les, inclusive, a possibilida<strong>de</strong> da formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> convívio nas<br />

gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s do país. 20<br />

Eles passam a ser referência, também, para um número crescente <strong>de</strong><br />

homossexuais que encontram no palco uma ativida<strong>de</strong> profissional capaz <strong>de</strong> mantêlos<br />

longe da prostituição praticada pelos travestis. É justamente no início dos anos<br />

oitenta, e ao longo <strong>de</strong> toda esta década, que ocorre um crescimento do número <strong>de</strong><br />

casas <strong>de</strong> show, cinemas, boates, teatros, saunas, bares voltados para o público<br />

homossexual. A maior visibilida<strong>de</strong> alcançada pelas práticas homoeróticas parece ter<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

influenciado no sentido <strong>de</strong> que surgisse um mercado <strong>de</strong> arte e lazer voltado para<br />

este público específico:<br />

Des<strong>de</strong> o início dos anos oitenta, quando as primeiras casas gay da cida<strong>de</strong>, a Stock e a<br />

Vogue, foram abertas - ambas numa galeria localizada ao lado do cinema São Luís, no<br />

centro da cida<strong>de</strong> - quase todos os tabus caíram por terra e um mercado específico se<br />

proliferou ao longo da última década.<br />

Uma das precursoras <strong>de</strong>sse mercado informal foi a Misty, localizada na rua das Ninfas, uma<br />

transversal da avenida Con<strong>de</strong> da Boa Vista. Consi<strong>de</strong>rada durante muitos anos como o<br />

templo gay da cida<strong>de</strong>, a boate trocou <strong>de</strong> público e, segundo seus antigos freqüentadores,<br />

<strong>de</strong>scaracterizou-se.<br />

Um dos objetivos do empresário Abrahão Allis é evitar que aconteça com a Araras - casa<br />

que possui no terceiro andar do edifício do Cine Arte Boa Vista, na Conselheiro Aguiar - o<br />

mesmo que ocorreu na Misty. “Nossa casa foi criada para aten<strong>de</strong>r o público gay e não nos<br />

interessa mudar <strong>de</strong> clientela”, antecipa o empresário.<br />

Motivos não lhe faltam para seguir tal raciocínio. Allis, um joalheiro bastante conhecido na<br />

cida<strong>de</strong> por apresentar os comerciais <strong>de</strong> TV <strong>de</strong> suas lojas, garante ter recuperado em um ano<br />

os Cr$ 40 milhões que investiu na Araras, uma casa com dois ambientes e capacida<strong>de</strong> para<br />

receber 800 pessoas por noite. O diretor <strong>de</strong> arte e gerente do lugar, José Carlos <strong>de</strong> Lima,<br />

reforça a teoria <strong>de</strong> seu patrão com um argumento econômico: “Em época <strong>de</strong> crise, o gay é<br />

um consumidor potencial, porque seu orçamento é individual. Ele não tem mulher para<br />

sustentar, filhos para colocar na escola e outras <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> um homem comum”, teoriza. 21<br />

Isto permite que um número crescente <strong>de</strong> homossexuais <strong>de</strong>diquem o seu dia<br />

a dia à preparação <strong>de</strong> performances, dublagens, quadros humorísticos com os quais<br />

sonham em ser estrelas por alguns minutos. Muitos adquirem fama não só local,<br />

mas até em nível nacional, a partir do momento que a televisão abre espaço para a<br />

apresentação <strong>de</strong> quadros que têm como atração artistas transformistas, o que<br />

também contribui para a emergência <strong>de</strong> uma nova visibilida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> uma nova sensibilida<strong>de</strong> em relação ao homossexualismo. Hélio Silva, fazendo<br />

uma pesquisa entre travestis do Rio <strong>de</strong> Janeiro, po<strong>de</strong> constatar que, além do<br />

pequeno cachê que estas apresentações proporcionavam, estes programas tiveram<br />

uma importante contribuição para a melhoria da auto-estima <strong>de</strong> muitos<br />

homossexuais, que passam a se ver como estrelas <strong>de</strong> televisão e a contribuição que<br />

estas aparições televisivas tiveram para a aceitação <strong>de</strong> muitos homossexuais por<br />

suas famílias, principalmente pelas mães que passam a ficar “orgulhosas” <strong>de</strong> seus<br />

filhos que aparecem no Sílvio ou no Bolinha. 22<br />

Na escolha dos nomes artísticos, passando pelas músicas e visual que<br />

assumem, nota-se a influência crescente dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> que são<br />

veiculados pela mídia, notadamente pela televisão, pelo cinema e pelas revistas.<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Não só a expressão gay, que começa a ser usada com insistência neste momento<br />

para alterar a própria imagem <strong>de</strong> tristeza e <strong>de</strong>cadência que estariam associados ao<br />

homossexualismo, é importada dos Estados Unidos. Embora se diferencie quanto às<br />

aspirações e formas <strong>de</strong> organização, a gran<strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> alcançada pela<br />

comunida<strong>de</strong> homossexual americana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos sessenta, associada a toda<br />

uma invasão da produção cultural americana no Brasil, dos anos setenta, tornam os<br />

homossexuais americanos e as estrelas ligadas ao show bussinnes daquele país<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> a serem incorporadas pelos candidatos ao estrelato no<br />

país. Estes signos do estrelato americano são incorporados, no entanto, numa<br />

colagem com signos da própria tradição brasileira <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong> revista, chanchada,<br />

humor radiofônico e televisivo, o que termina por dar a estas estrelas um tom<br />

caricatural e farsesco, que relativiza e põe em questão os próprios mo<strong>de</strong>los que se<br />

propõe a copiar. Aliás, a caricatura, a ironia, a sátira parece ser uma forma<br />

constante dos homossexuais brasileiros lidarem, não só com os próprios mo<strong>de</strong>los<br />

dominantes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero, notadamente os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>,<br />

mas com os próprios mo<strong>de</strong>los sérios que são oferecidos para o ser homossexual 23 .<br />

A mudança <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a mascarada, a fantasia, parece ser uma constante numa<br />

cultura carnavalizada como a brasileira. Parece-me revelador que os homossexuais<br />

estejam tão ligados à indústria do carnaval e sejam muito valorizados e expostos na<br />

mídia neste momento especial. Momento <strong>de</strong> espetacularização do homoerotismo, do<br />

qual os shows noturnos em casas <strong>de</strong> freqüência homossexual são apenas uma<br />

miniatura :<br />

Durante o dia eles se chamam Erivaldo Vieira, Fábio Paulino e Josivânio Soares. Vivem<br />

como pessoas normais, trabalham, andam <strong>de</strong> ônibus, assistem TV. Em algumas noites,<br />

entretanto, uma metamorfose se opera. Ao invés do anonimato <strong>de</strong> cidadãos comuns,<br />

encarnam uma aura magnética e transformam-se em Tammy Suely, Formiga e Mymy<br />

Mastroianni, três estrelas da noite gay do Recife.<br />

As milhares <strong>de</strong> pessoas que trafegam diariamente diante do número 241 da Avenida<br />

Herculano Ban<strong>de</strong>ira, uma das mais movimentadas do Recife - liga o centro da cida<strong>de</strong> à zona<br />

sul -, no Pina, não imaginam que naquele lugar brilham tantas estrelas. A partir da meianoite<br />

das sextas e sábados, o ambiente se transforma. O centro das atenções no bar Kit<br />

Lanches - uma lanchonete igual a qualquer outra <strong>de</strong> subúrbio, com mesinhas cobertas <strong>de</strong><br />

toalhas floridas e garçons <strong>de</strong> uniformes surrados - transfere-se para os fundos da casa.<br />

Sob luzes coloridas <strong>de</strong> um palco improvisado, Tammy Suely e Mimy Mastroianni revelam<br />

suas verda<strong>de</strong>iras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Qualquer sinal <strong>de</strong> timi<strong>de</strong>z que insista em abalar este<br />

momento <strong>de</strong> glória é imediatamente afastado por uma performance sensual, lânguida. “No<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

palco eu me transformo em uma estrela, sou única, esqueço minha vida normal”, revela<br />

Mimmy que, à luz do dia, é um cabeleireiro <strong>de</strong> 24 anos do bairro do Pina. 24<br />

Numa das cartas enviadas à redação <strong>de</strong> Lampião da Esquina, a própria<br />

referência a um dos fatos marcantes da luta homossexual nos Estados Unidos, o<br />

conflito entre polícia e homossexuais na porta do boate Stonewall, que <strong>de</strong>u origem<br />

ao Dia <strong>de</strong> Afirmação Gay, é retraduzido para as ruas <strong>de</strong> uma das menores capitais<br />

nor<strong>de</strong>stinas, <strong>de</strong>monstrando como as experiências americanas servem <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

para se pensar, dizer e ver a luta dos homossexuais por ocuparem espaços <strong>de</strong><br />

maior visibilida<strong>de</strong> nas cida<strong>de</strong>s brasileiras. Ao mesmo tempo, o mito, ao ser<br />

retrabalhado por dados locais soa <strong>de</strong>sfocado e risível, principalmente porque o<br />

missivista parece querer <strong>de</strong>monstrar a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> crescente <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>, como<br />

esta está ligada com os acontecimentos mundiais - o título da carta é <strong>de</strong> Teresina<br />

para o mundo - e a própria disposição dos homossexuais para virem à luz brigar por<br />

seus espaços na cida<strong>de</strong>, construindo novos territórios para a vivência do<br />

homoerotismo, <strong>de</strong>ixando claro que os espaços da cida<strong>de</strong> são construções políticas,<br />

fruto <strong>de</strong> disputas e conflitos:<br />

Bar Gaiola das Loucas, na zona do Baixo Meretrício <strong>de</strong> Teresina, Piauí. Fica na rua João<br />

Cabral, no Paissandu. Gaiola instalada num tabique do que já foi um gran<strong>de</strong> galpão (café?<br />

cacau? Bofes?).<br />

Freqüentadores assíduos: Vanusa, Eliana Pittman, Regina Duarte. Passatempo: sinuca.<br />

Comida: pastéis e quibe <strong>de</strong> zona. Em 76, a polícia tentou moralizar o ambiente. A bicharada<br />

se entrincheirou atrás <strong>de</strong> mesas e ca<strong>de</strong>iras. Há informações <strong>de</strong> que a polícia foi enfrentada<br />

a socos, puxões <strong>de</strong> cabelos, golpes <strong>de</strong> salto <strong>de</strong> sapato e <strong>de</strong>ntadas. Resultado: o Bar Gaiola<br />

das Loucas existe até hoje e tem um bloco carnavalesco on<strong>de</strong> se misturam,<br />

<strong>de</strong>mocraticamente, peões <strong>de</strong> obra, estudantes, bichas <strong>de</strong> todas as origens e classes sociais.<br />

Um furdúncio. Viva o Piauí. 25<br />

Nestas cartas, o que também nos chama atenção é que os espaços <strong>de</strong><br />

vivência homossexual são hierarquizados, não apenas através das diferenças <strong>de</strong><br />

classe e condição social, mas principalmente através da faixa etária e das formas<br />

diferenciadas <strong>de</strong> se viver a própria homossexualida<strong>de</strong>. A maioria das cartas são<br />

escritas nitidamente por jovens homossexuais <strong>de</strong> classe média, que vêem com<br />

muito preconceito não só a bicha pobre ou barra pesada, mas também, as tias, a<br />

bicha pintosa e o travesti. Mesmo os territórios <strong>de</strong>senhados pelas <strong>de</strong>ambulações,<br />

<strong>de</strong>sejos, afetos e encontros homossexuais apresentam <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> fronteiras<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

bem nítidas, que separam e segmentam em sub-grupos os homossexuais.<br />

Territórios <strong>de</strong> prazer, <strong>de</strong> alegria, <strong>de</strong> beleza, espaços feéricos e luxuosos são<br />

contrapostos a territórios <strong>de</strong> violência, <strong>de</strong> tristeza, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, espaços<br />

periféricos e chamados <strong>de</strong> barra-pesada. O mapa da cida<strong>de</strong> é re<strong>de</strong>senhado e<br />

retraçado por trilhas que levam à alegria e ao luxo e outras que levam à violência , à<br />

<strong>de</strong>cadência e à dor. 26<br />

O próprio surgimento <strong>de</strong> lugares direcionados a prática do consumo ou do<br />

lazer, seja especificamente homossexual ou não, parece servir <strong>de</strong> suporte para as<br />

segmentações entre os homossexuais chics, ou antenados com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que<br />

po<strong>de</strong>m freqüentar estes lugares, e aqueles cafonas e por fora, que não po<strong>de</strong>m ou<br />

não gostam <strong>de</strong> freqüentar tais lugares por não serem mo<strong>de</strong>rnos. A <strong>de</strong>scoberta do<br />

público homossexual como consumidor proporcionou também uma alteração da<br />

visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste grupo e um retrabalhar dos lugares <strong>de</strong> sujeito antes reservados<br />

para estes. Estes espaços para o consumo e para o lazer permitem uma presença<br />

mais constante dos homossexuais nos espaços <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong>. Das<br />

sombras <strong>de</strong> seus apartamentos ou casas, <strong>de</strong> seus bares e boates na periferia, para<br />

as lojas do Shopping Center, para os cinemas , bares, saunas e boates do Centro da<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

Perto daí, no bairro Fazenda Garcia, logo no começo, há um “beco” on<strong>de</strong> um francês<br />

inaugurou também pela mesma época do verão um barzinho e restaurante. O barzinho era<br />

freqüentado pelo “clube da escada” e por outros gueis(sic), em geral classes B e A, que<br />

<strong>de</strong>sfilavam os seus mais recentes mo<strong>de</strong>los via Paris ou mesmo Iguatemi (Shopping Center).<br />

Com o tempo, o francês viu que era preciso atingir a classe média e, no mesmo beco,<br />

inaugurou-se um outro bar. Este é melhor e mais humanizado que o outro, e aí freqüentam<br />

muitos estudantes e pessoas menos favorecidas financeiramente.<br />

De uns tempos para cá, os certinhos <strong>de</strong>scobriram o beco, mas não chegaram a invadi-lo. É<br />

um lugar on<strong>de</strong> gueis(sic) assumidos po<strong>de</strong>m se sentir bem, e outros, mais enrustidos, não<br />

chegam a se sentir mal.<br />

Para gueis(sic) mais “barra pesada”(não há discriminação no tempo: somos todos iguais na<br />

noite, e no dia também), existem bares na rua Carlos Gomes on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> encontrar<br />

companhia e bebida barata. Perto daí, inclusive, há ruelas escuras, on<strong>de</strong> se acham pessoas<br />

fáceis <strong>de</strong> serem caçadas. É claro que é muito perigoso, mas vai a opção <strong>de</strong> qualquer jeito,<br />

para quem gosta e quer procurar no parceiro um possível carrasco.<br />

No Carinhoso, on<strong>de</strong> as pintosas não entram, você sempre encontra aquelas tias tranqüilas,<br />

a bebericar com rapazes. Mas tudo discretamente. Nada <strong>de</strong> travestis, nem <strong>de</strong> pintosas <strong>de</strong><br />

outras marcas. 27<br />

As cartas falam também <strong>de</strong> um fenômeno que anunciam como novo, o<br />

crescimento do número <strong>de</strong> lugares e pessoas chamados <strong>de</strong> entendidos, ou seja,<br />

13


<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

lugares ou pessoas que, embora não sejam i<strong>de</strong>ntificados como homossexuais,<br />

permitem o convívio, a aproximação e até o relacionamento dos i<strong>de</strong>ntificados como<br />

heterossexuais com os homossexuais. Embora alguns missivistas achem que estes<br />

lugares ainda impõem as regras <strong>de</strong> convivência heterossexual e façam restrição a<br />

lugares como estes, outras cartas tratam como um avanço esta convivência que<br />

chamam <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e que, acham, favorecem, inclusive, novos encontros,<br />

novas experiências, já que permitem que os homossexuais saiam dos limites <strong>de</strong><br />

guetos. Parece-nos que se confrontam aí formas diferentes <strong>de</strong> encarar a própria luta<br />

pela afirmação do que seria uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> homossexual:<br />

Temos bares exclusivamente gueis(sic), como também recantos, restaurantes e bares on<strong>de</strong><br />

não há exclusivida<strong>de</strong>, mas existe gran<strong>de</strong> percentagem <strong>de</strong> pessoas entendidas e assumidas,<br />

muito aceitas e curtindo as suas.<br />

Nos bairros da Vitória e Barra há também bares para gueis(sic) classe A. É óbvio que neles<br />

se misturam heteros radicais, e é um ambiente hipócrita, on<strong>de</strong> ninguém po<strong>de</strong> assumir. A<br />

barra, na minha opinião, é pesada, e os preconceitos - apesar <strong>de</strong> aparentemente não<br />

existirem - são fortes.<br />

No Terreiro, Pelourinho e adjacências, é fácil a pegação barra pesadíssima, com michês. O<br />

guei-machismo(sic) aí é super-difundido. Há hotéis também, mas eu não cito, nem<br />

aconselho: é bem provável se amanhecer no Paraíso no dia seguinte. Na minha mo<strong>de</strong>sta<br />

opinião, o clube da escada é o melhor local para quem vem <strong>de</strong> fora. Todo mundo ali aceita<br />

todo mundo (há exceções raras) e o mundo hetero, com suas normas, não aparece entre os<br />

homossexuais, como é comum acontecer em lugares entendidos. E ainda tem o fato <strong>de</strong> que<br />

se encontra aí pessoas <strong>de</strong> nível cultural alto, com quem se po<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> transar um ótimo<br />

relacionamento sexual, trocar idéias, sensibilida<strong>de</strong>s, talentos, vida. 28<br />

Estas posturas diferenciadas não existem apenas por parte dos leitores, mas<br />

os próprios articulistas do jornal parecem ter percepções diferenciadas <strong>de</strong> como<br />

conquistar a visibilida<strong>de</strong> e o respeito <strong>de</strong>sejado para o que consi<strong>de</strong>ram ser o<br />

“homossexual”. Para alguns, a afirmação passa pela afirmação da radical diferença<br />

dos homossexuais e por marcar nitidamente as fronteiras que os separam dos<br />

heterossexuais, vistos com maus olhos, até como seres atrasados e estúpidos, que<br />

<strong>de</strong>vem ser atacados até se conscientizarem do direito <strong>de</strong> existência dos<br />

homossexuais. Eles <strong>de</strong>vem assumir <strong>de</strong> uma forma agressiva a sua própria condição,<br />

<strong>de</strong>ve “fechar” para afirmar o seu direito à livre expressão <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo, não<br />

<strong>de</strong>vendo aceitar as regras colocadas pelo socieda<strong>de</strong> heterossexual. Outros parecem<br />

militar no sentido <strong>de</strong> ter uma aceitação por parte da socieda<strong>de</strong> e dos heterossexuais,<br />

conquistando a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos e o respeito por suas opções diferenciadas,<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

aceitando portanto algumas regras que são colocadas por esta socieda<strong>de</strong>, como a<br />

da discrição, da serieda<strong>de</strong>, do recato. Enquanto João Antônio Mascarenhas afirmava<br />

que “em várias ocasiões, a fúria punitiva é tal que somente cada um <strong>de</strong> nós,<br />

individualmente acha-se habilitado a <strong>de</strong>cidir quando e como po<strong>de</strong>rá arcar com as<br />

conseqüências <strong>de</strong> uma ostensiva rejeição dos preconceitos dominantes”, ou seja,<br />

nem sempre se assumir era possível ou <strong>de</strong>sejável, João Silvério Trevisan, afirmava:<br />

“Direitas e esquerdas do sistema estão querendo tonar-nos consumidores <strong>de</strong><br />

homossexualismo, e com isso recuperar-nos. Trata-se <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> nos iludir com o<br />

po<strong>de</strong>r a neutralizar o potencial subversor. A única maneira <strong>de</strong> garantir nossa subversão e<br />

impossibilitar esta recuperação é ser cada vez mais viado e sapatona, portanto mais<br />

malditos e menos cobiçados por todas as formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (or<strong>de</strong>m), do tipo partidos,<br />

publicida<strong>de</strong>, família, mídia.” 29<br />

Parecem se digladiar nesta polêmica visões diferenciadas sobre o próprio<br />

país. Alguns articulistas do jornal, como João Silvério Trevisan, <strong>de</strong>nunciam que a<br />

postura da socieda<strong>de</strong> brasileira diante dos homossexuais era a mesma daquela em<br />

relação aos negros. Ou seja, embora não exista discriminação oficializada e exista<br />

aparentemente uma convivência <strong>de</strong>mocrática e pacífica entre heterossexuais e<br />

homossexuais, isto encobriria apenas um preconceito velado que se manifestaria <strong>de</strong><br />

várias formas nas relações cotidianas, nas imagens e textos difundidos sobre o<br />

homossexualismo, como na própria crescente violência, poucas vezes <strong>de</strong>nunciada<br />

contra pessoas <strong>de</strong> preferências sexuais diferenciadas. Esta discriminação sutil e<br />

insidiosa dificultaria inclusive a organização dos homossexuais e o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> um maior sentimento coletivo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> entre eles. Outros articulistas e<br />

leitores acham que a socieda<strong>de</strong> brasileira é realmente mais tolerante em relação ao<br />

homossexualismo e que se preconceito ocorria era por falta <strong>de</strong> informação e<br />

ignorância que seriam superadas exatamente pela militância e presença constante<br />

dos homossexuais em todos os meios <strong>de</strong> comunicação e espaços <strong>de</strong> informação e<br />

educação. Daí a importância que enxergavam no próprio jornal e na participação dos<br />

homossexuais no mundo da cultura e da política e na construção <strong>de</strong> novos espaços<br />

<strong>de</strong> convivência homoeróticas nas cida<strong>de</strong>s do país:<br />

Dizem que temos que “assumir”. Um dos pontos chave do movimento guei(sic) dos Estados<br />

Unidos foi <strong>de</strong> que “homossexuais” <strong>de</strong>veriam sair dos “closets” - <strong>de</strong>veriam assumir a sua<br />

condição.<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Agora no Brasil fala-se muito em assumir. Cada um tem que assumir o que realmente é,<br />

assim se libertando e assim por diante.<br />

Creio que está tudo muito mal, e que o assumir, longe <strong>de</strong> ser uma liberação do indivíduo,<br />

constitui-se no mais sutil endossar dos interesses da socieda<strong>de</strong> patriarcal, pois, o assumir<br />

acaba reforçando a idéia <strong>de</strong> que as pessoas que transam com pessoas do mesmo sexo são<br />

realmente diferentes, assim garantindo o comportamento “normal” das outras. 30<br />

Mas esta maior visibilida<strong>de</strong> alcançada pelas práticas homoeróticas e a própria<br />

existência <strong>de</strong> uma imprensa mais interessada por esta temática, além da emergente<br />

organização do movimento homossexual que se torna capaz <strong>de</strong> ter voz na mídia, faz<br />

emergir também com uma assustadora intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violências físicas,<br />

morais e assassinatos contra homossexuais nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s do país,<br />

notadamente do Nor<strong>de</strong>ste. Parece que, ao lado dos novos espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />

homossexual, que parecem remeter à alegria e ao prazer, as gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s<br />

também abrigam territórios <strong>de</strong> dor e terror para aqueles indivíduos que se assumem<br />

como homossexuais. Quase cotidianamente as manchetes escandalosas dos jornais<br />

da gran<strong>de</strong> imprensa ou indignados manifestos, reportagens e cartas no jornal<br />

Lampião da Esquina, falam <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> vivência do homoerotismo e outros<br />

espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> homossexual quase sempre <strong>de</strong>sprezados pelos discursos<br />

tanto daqueles hostis aos homossexuais quanto daqueles que se dizem ser seus<br />

representantes e <strong>de</strong>fensores, pois, embora nem sempre se refira à pessoas das<br />

camadas populares, se referem a homossexuais que por não terem coragem <strong>de</strong><br />

assumir a sua condição se expõem a todo tipo <strong>de</strong> chantagem e exploração e a<br />

medida que vivem clan<strong>de</strong>stinamente suas experiências eróticas, quase sempre<br />

freqüentam lugares on<strong>de</strong> se tornam vulneráveis à variadas formas <strong>de</strong> violência e até<br />

ao assassinato.<br />

O que emerge <strong>de</strong>stes relatos são figuras <strong>de</strong> sujeito, relatos <strong>de</strong> práticas e <strong>de</strong><br />

espaços <strong>de</strong> vivência cotidiana do homoerotismo que têm ficado sistematicamente à<br />

margem <strong>de</strong> qualquer abordagem, inclusive acadêmica. Num momento em que o<br />

imperativo do discurso militante homossexual é assumir a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e construir<br />

territórios <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong>, estes sujeitos, práticas e espaços que ainda teimam<br />

em viver nas sombras parecem incomodar não só os heterossexuais, mas os<br />

próprios porta-vozes do mundo homossexual. Relatos que falam <strong>de</strong> sujeitos<br />

errantes, fragmentados, entregues as fugas do <strong>de</strong>sejo, que resistem a submeter<br />

suas práticas e vivências ao discurso e ao mo<strong>de</strong>lo da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> homossexual.<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Práticas que re<strong>de</strong>senham geografia <strong>de</strong> corpos e espaços e que muitas vezes tocam<br />

a perigosa fronteira que separa o prazer da dor, a paixão da loucura, a vida da<br />

morte.<br />

Estes sujeitos homossexuais parecem ganhar visibilida<strong>de</strong> apenas quando,<br />

literalmente dilacerados por seus parceiros, aparecem nas manchetes <strong>de</strong> jornal,<br />

incomodando a todos, ao saírem da vida infame para a fugaz fama <strong>de</strong> um único dia.<br />

Crimes que, estampados nos jornais, pesam como uma ameaça e como uma lição a<br />

ser seguida por todos aqueles que teimam em burlar normas e regras, signo<br />

sangrento do que po<strong>de</strong> acontecer a quem se arrisca a viver experiências <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sterritorialização do <strong>de</strong>sejo, que não segue as próprias regras dos manuais <strong>de</strong><br />

sobrevivência divulgados pela militância homossexual 31 :<br />

Acompanha esta carta trecho do Diário (pinga sangue) da Noite, do dia 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />

1979. Lembrando várias <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> nosso Lampião sobre a violência contra o mundo<br />

homo, venho acrescentar mais um triste acontecimento.<br />

O recorte em questão conta como foi o assalto às Termas Recife, invadida por um rapaz<br />

que esfaqueou e roubou vários clientes, fugindo <strong>de</strong>pois. O ladrão, no mesmo dia, voltou ao<br />

local do crime, sendo então preso.<br />

Estou terrivelmente abalado com o acontecido. As Termas Recife, apesar <strong>de</strong> mal cuidada e<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, era um local (único entendido) divertido e gostoso em todos os sentidos. Além<br />

daquele algo mais, haviam pessoas interessantes e inteligentes, para conversar. Fofocas<br />

políticas eram comentadas, negócios mil eram fechados, festas e encontros eram marcados<br />

entre as quatro pare<strong>de</strong>s azulejadas do banho turco.<br />

Músico atuando no Gran<strong>de</strong> Hotel e no Miramar, foi assassinado em Recife, o pianista Evar<br />

Lemoine Silva, o Bamba, com cerca <strong>de</strong> 40 anos. O crime aconteceu na manhã do dia 6 <strong>de</strong><br />

maio, terça feira em seu apartamento do Edifício Holliday, no elegante bairro da Boa<br />

Viagem. Além <strong>de</strong> uma pancada forte na cabeça, o corpo estava cravado <strong>de</strong> facas, garfos e<br />

chaves <strong>de</strong> fenda, em verda<strong>de</strong>ira orgia <strong>de</strong> sadismo. 32<br />

O medo <strong>de</strong> enfrentar um mundo que aceita apenas a heterossexualida<strong>de</strong> para<br />

a constituição do sujeito leva os homossexuais a buscarem a diversão e o prazer em<br />

lugares escuros e pouco recomendados para uma família tipicamente burguesa, tais<br />

como cinemas escondidos em galerias, saunas, boates e bares. Estes lugares<br />

terminam <strong>de</strong>marcando uma territorialida<strong>de</strong> muitas vezes <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> “espaço<br />

gay”. Um espaço que se transforma do dia para noite: uma praça que era dos<br />

ven<strong>de</strong>dores ambulantes e dos transeuntes passa a ser, algumas horas mais tar<strong>de</strong>, o<br />

lugar da prostituição e dos travestis. Estes espaços, por encobrirem e, no mesmo<br />

instante, levarem a público, através da imprensa “séria” ou “marrom”, práticas que<br />

escapam às normas e regras dos “bons costumes”, terminam sendo discriminados,<br />

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<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

tornando-se lugares marginalizados, guetos escuros e perigosos, recanto também<br />

para os tóxicos e a violência. O jornal “Lampião da Esquina” vem, por sua vez, a<br />

partir do final da década <strong>de</strong> 70, elaborar discursos que tentam <strong>de</strong>sconstruir esta<br />

imagem que liga o homossexual simplesmente aos guetos, mostrando exemplos <strong>de</strong><br />

vidas felizes, homens que transitam em bares e boates que mesclam “homos” com<br />

heterossexuais. Um novo mundo emerge das sombras, mostrando múltiplas<br />

territorialida<strong>de</strong>s e, com suas fronteiras móveis, passa a invadir outros territórios,<br />

mesclando-se e apresentando novas práticas, como afirmam os próprios missivistas<br />

que escrevem em gran<strong>de</strong> escala para um meio <strong>de</strong> comunicação formado e dirigido<br />

essencialmente para esta categoria sexual. Entretanto, ao lado <strong>de</strong> um novo<br />

homossexual, emergem também atitu<strong>de</strong>s que encontravam-se escondidas e<br />

camufladas: a violência e o preconceito contra as práticas homoeróticas. O jornal<br />

“Lampião da Esquina” passa a apresentar não apenas uma vida feliz do<br />

homossexual, mas também a cotidiana violência a que é submetido nas cida<strong>de</strong>s.<br />

Por outro lado, neste caminho tortuoso e conflitante, um bom número <strong>de</strong><br />

homossexuais começam a se mostrar e apresentar à imprensa as discriminações<br />

que sofrem, as violências cotidianas a que são submetidos. O “Lampião da<br />

Esquina”, reclama do temor <strong>de</strong> muitos companheiros que, ao não prestarem queixa<br />

à polícia por motivo <strong>de</strong> roubo ou violência, <strong>de</strong>ixam impunes uma série <strong>de</strong> prováveis<br />

assassinos. Assim ocorreu no caso das “Termas Recife”, sauna típica <strong>de</strong> encontros<br />

<strong>de</strong> homossexuais que foi invadida por um rapaz que esfaqueou e roubou clientes. O<br />

assaltante tinha tanta confiança que não seria <strong>de</strong>nunciado que, no dia seguinte,<br />

retornou ao local do crime sendo, então, preso. De nada adiantando, pois ninguém<br />

teve a coragem <strong>de</strong> se expor e <strong>de</strong>nunciar o assassino, tendo este que ser libertado<br />

logo <strong>de</strong>pois. O jornal “Lampião” reclama <strong>de</strong>sta penumbra inútil em que o<br />

homossexual insiste em se escon<strong>de</strong>r pois, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, seus nomes<br />

terminam sendo expostos em jornais “pinga-sangue”, sempre alertas a qualquer<br />

ruído <strong>de</strong> tiros. Estes homossexuais “não-assumidos” preferem acreditar que<br />

continuam anônimos, com suas vidas “(a)normais”, e seguirão, certamente,<br />

freqüentando a sauna como se o ocorrido fosse mais uma fatalida<strong>de</strong>, sempre<br />

presente para alguém que tem preferências sexuais distintas da maioria. Isto, no<br />

entanto, apenas contribui para que a socieda<strong>de</strong> sempre relacione a<br />

18


<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

homossexualida<strong>de</strong> com a violência e o “Lampião da Esquina”, tendo noção disto,<br />

não <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> sua crítica aos “homossexuais encardidos”:<br />

(...) Estas pessoas parecem reafirmar o lema <strong>de</strong>sses tarados que matam um homossexual<br />

com 25 facadas pra <strong>de</strong>pois roubar um rádio <strong>de</strong> pilha e 250 cruzeiros: ‘bicha tem mais é que<br />

morrer... 33<br />

O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo e principal função do jornal “Lampião da Esquina” foi <strong>de</strong><br />

trazer à tona estas figuras obscuras, macabras e doentias, como eram entendidos<br />

os homossexuais, e formar uma nova visibilida<strong>de</strong> e dizibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les através <strong>de</strong><br />

discursos que mostrem um homem feliz por assumir sua homossexualida<strong>de</strong>, com<br />

“roteiros homossexuais” que mostrem os bons e maus lugares para se divertir e<br />

obter os melhores parceiros para uma vida em comum. Territórios <strong>de</strong> prazer e dor<br />

entre os quais se dividiria e nos quais passaria a vida dos homossexuais.<br />

19


Notas<br />

<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

1 Este texto, escrito a quatro mãos, é resultado da pesquisa financiada pelo CNPq intitulada<br />

“Nor<strong>de</strong>stino: uma invenção do ‘falo’: uma história do gênero masculino no Brasil”.<br />

2 O número zero do Lampião da Esquina foi publicado no Rio <strong>de</strong> Janeiro em abril <strong>de</strong> 1978, era<br />

mensal, tinha formato tablói<strong>de</strong> com vinte páginas ilustradas com fotos, <strong>de</strong>senhos e caricaturas, com<br />

tiragem inicial <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil exemplares, logo alcançou quinze mil exemplares vendidos. Foi inicialmente<br />

financiado com recursos dos próprios editores e contou com a ajuda <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 12 mil<br />

homossexuais <strong>de</strong> todo Brasil, que contatados contribuíram financeiramente para o jornal ser lançado.<br />

Eram responsáveis por sua publicação os jornalistas Adão Costa, Aguinaldo Silva, Antônio<br />

Chrysóstomo, Clóvis Marques, Francisco Bittencourt, Gasparino Damata, João Antônio Mascarenhas,<br />

o pintor Darci Penteado, o crítico <strong>de</strong> cinema Jean-Clau<strong>de</strong> Berna<strong>de</strong>t, o escritor e cineasta João Silvério<br />

Trevisan e o antropólogo Peter Fry. Em junho <strong>de</strong> 1981 saiu seu último número, o 37.<br />

3 A pesquisa se ateve aos 37 números do jornal e privilegiou as cartas <strong>de</strong> leitores porque este<br />

material, ao contrário das matérias redigidas pelos editorialistas, traz informações sobre o cotidiano<br />

da vida homossexual nas cida<strong>de</strong>s da região Nor<strong>de</strong>ste, que era o objeto <strong>de</strong> nossa pesquisa.<br />

4 Tony, Cartas na Mesa - Notícias do Maranhão, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jornal Lampião da Esquina, Ano 1, n<br />

5, outubro <strong>de</strong> 1978, p. 15, c. 3; Jota Elle, Esquina - Escolha seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jornal<br />

Lampião da Esquina, Ano 2, n 17, outubro <strong>de</strong> 1979, p. 6, c. 3.<br />

5 Soltar as plumas - expressão usada para se referir a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> se liberar, <strong>de</strong> expressar livremente<br />

sua condição homossexual.<br />

6 Pegação - Expressão usada no meio homossexual para se referir à procura <strong>de</strong> parceiros em lugares<br />

públicos.<br />

Ver EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 14,<br />

julho <strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2; JOTTA ELLE, Esquina - escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro Lampião da<br />

Esquina, Ano 2, n 17, outubro <strong>de</strong> 1979, p. 6, c. 3; GELO, Esquina - Escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 20, janeiro <strong>de</strong> 1980, p. 6, c. 4; UVA, Escolha o seu roteiro -<br />

Maceió, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 23, abril <strong>de</strong> 1980, p. 15, c. 2.<br />

7 Ver EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 14,<br />

julho <strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2; JOTTA ELLE, Esquina - escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro Lampião da<br />

Esquina, Ano 2, n 17, outubro <strong>de</strong> 1979, p. 6, c. 3; GELO, Esquina - Escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 20, janeiro <strong>de</strong> 1980, p. 6, c. 4; UVA, Escolha o seu roteiro -<br />

Maceió, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 23, abril <strong>de</strong> 1980, p. 15, c. 2.<br />

8 Careta - Expressão usada popularmente nos anos 70 e 80 para se referir a quem tinha atitu<strong>de</strong>s<br />

conservadoras em relação a hábitos, costumes ou valores.<br />

Ver EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 14,<br />

julho <strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2; JOTTA ELLE, Esquina - escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro Lampião da<br />

Esquina, Ano 2, n 17, outubro <strong>de</strong> 1979, p. 6, c. 3; GELO, Esquina - Escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 20, janeiro <strong>de</strong> 1980, p. 6, c. 4; UVA, Escolha o seu roteiro -<br />

Maceió, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 23, abril <strong>de</strong> 1980, p. 15, c. 2.<br />

9 Batalha - Expressão usada no meio homossexual para se referir, quase sempre, à busca <strong>de</strong><br />

parceiros em praças e ruas, mais usada também particularmente por travestis para se referirem ao<br />

seu ofício.<br />

CERTEAU, Michel <strong>de</strong>, A Invenção do Cotidiano, vol. 1, Petrópolis, Vozes, 1994.<br />

10 JOTTA ELLE, Esquina - escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro Lampião da Esquina, Ano 2, n 17,<br />

outubro <strong>de</strong> 1979, p. 6, c. 3; GELO, Esquina - Escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da<br />

Esquina, Ano 2, n 20, janeiro <strong>de</strong> 1980, p. 6, c. 4<br />

11 Não terá sido mera coincidência que um dos maiores sucessos da música popular brasileira neste<br />

ano tenha sido a canção <strong>de</strong> Clodô e Clésio, cantada por Fagner que tem o título Revelação.<br />

20


<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

A expressão bicha pintosa se refere ao homossexual que se esmera em fazer trejeitos femininos,<br />

muitos se consi<strong>de</strong>rando “uma mulher” ou “uma lady”. Bicha barra pesada se refere àquele<br />

homossexual que freqüenta lugares perigosos ou que está envolvido com o mundo do crime ou é<br />

violento e ten<strong>de</strong> a brigar em público.<br />

12 Mo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> Souza, Fortaleza: um gay-gui<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 1, n 7,<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1978, p. 4, c. 3; Paulo Emanuel, Passe as férias na Bahia..., Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião<br />

da Esquina, Ano 2, n 14, julho <strong>de</strong> 1979, p. 2, c. 2.<br />

13 MANOEL JR, José, O lado gay do Recife, Recife, Jornal do Comércio, 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1991,<br />

Ca<strong>de</strong>rno C.<br />

Embora tenha sido publicado num período posterior ao da pesquisa, este artigo, que me foi<br />

indicado por um colega do Recife, é interessante pois faz uma história da vida homossexual nesta<br />

cida<strong>de</strong>.<br />

14 UVA - União dos Viados <strong>de</strong> Alagoas, Escolha o seu roteiro - Maceió, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da<br />

Esquina, Ano 2, n 23, abril <strong>de</strong> 1980, p. 15, c. 2.<br />

15 Em seus 37 números o jornal Lampião da Esquina publicou 299 cartas <strong>de</strong> leitores, <strong>de</strong>ste total 42<br />

cartas foram enviadas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s nor<strong>de</strong>stinas, ou seja 14% do total. A cada número era publicada<br />

uma média <strong>de</strong> 8 cartas sendo que pelo menos uma provinha <strong>de</strong>sta região.<br />

16 Ver a este respeito outros textos fruto <strong>de</strong>sta pesquisa, como: ALBUQUERQUE JR, <strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong><br />

<strong>de</strong>, O Engenho <strong>de</strong> Meninos: literatura e história <strong>de</strong> gênero em José Lins do Rêgo, Juiz <strong>de</strong> Fora,<br />

Revista Locus, NHR/UFJF, v. 5, 1999, pp. 113-126; Breve, lento, mas compensador: a construção do<br />

sujeito nor<strong>de</strong>stino no discurso sócio-antropológico e biotipológico da década <strong>de</strong> trinta, Salvador, Afro-<br />

Ásia, n o 19/20, CEAO/UFBa, 1997, pp. 95-108; “Quem é froxo não se mete”: violência e<br />

masculinida<strong>de</strong> como elementos constitutivos da imagem do nor<strong>de</strong>stino, São Paulo, Projeto História,<br />

n o 19, EDUC, nov/1999, pp. 173-188.<br />

17 GELO, Esquina - Escolha o seu roteiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 20, janeiro<br />

<strong>de</strong> 1980, p. 6, c. 4.<br />

18 O programa Divino e Maravilhoso, comandado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, era apresentado<br />

uma vez por semana, nos domingos à tar<strong>de</strong>, na TV Tupi, teve existência curtíssima, novembro à<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1968. Sua exibição foi interrompida antes dos dois cantores serem presos pelo aparato<br />

<strong>de</strong> repressão da ditadura militar no dia 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro daquele ano. A emissora passou a receber<br />

cartas e abaixo-assinado <strong>de</strong> grupos auto<strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> senhoras católicas do Ceará, Piauí, etc,<br />

que pediam para tirar o programa do ar por esse significar um atentado à moral e aos bons costumes.<br />

Mesmo tendo durado um curto espaço <strong>de</strong> tempo ele tornou os dois cantores ídolos do meio<br />

homossexual como mostra as inúmeras referências a este programa no Jornal Lampião.<br />

19 Os Secos e Molhados era composto por Ney Matogrosso, João Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo<br />

Frias, teve carreira curta, apenas <strong>de</strong> 1971 a 1974 e lançou dois discos “Secos e Molhados 73” e<br />

“Secos e Molhados 74”, mas lançou o cantor Ney Matogrosso um dos ícones da homossexualida<strong>de</strong><br />

brasileira. A referência que faço no texto sobre a importância <strong>de</strong>ste grupo e dos Dzi Croquetes para a<br />

emergência <strong>de</strong> uma outra visibilida<strong>de</strong> da homossexualida<strong>de</strong> no país se dá pela referências e<br />

reportagens que aparecem no jornal o Lampião. Os Dzi Croquetes era um grupo <strong>de</strong> teatro que pela<br />

ousadia <strong>de</strong> suas peças tiveram que se auto-exilarem em 1970, fazendo carreira <strong>de</strong> sucesso na<br />

Europa só voltando ao Brasil no início dos anos 80 quando passam a apresentar a peça “TV<br />

Croquetes, Canal Dzi” que teve ampla repercussão no jornal.<br />

20 Mo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> Souza, Fortaleza: um gay-gui<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 1, n 7,<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1978, p. 4, c. 3; EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião<br />

da Esquina, Ano 2, n 14, julho <strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2;<br />

21 MANOEL JR, José, Op. Cit.<br />

22 O mais conhecido <strong>de</strong>stes programas era chamado <strong>de</strong> Clube do Bolinha apresentado na Re<strong>de</strong><br />

Ban<strong>de</strong>irantes <strong>de</strong> Televisão todos os sábados à tar<strong>de</strong>. Com o sucesso <strong>de</strong>ste quadro ele foi copiado<br />

por outros programas, inclusive pelo programa <strong>de</strong> maior audiência no país nas tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> domingo,<br />

o Programa Sílvio Santos, que no seu Show <strong>de</strong> Calouros passou a incluir uma sessão <strong>de</strong>dicada<br />

exclusivamente a artistas transformistas. Ver SILVA, Hélio, Travesti: a invenção do feminino, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, Relume-Dumará:ISER, 1993.<br />

23 Marylin Monroe, Greta Garbo, Elizabeth Taylor, Tina Turner, Liza Minelli, por exemplo, servem<br />

constantemente <strong>de</strong> inspiração para performances nos palcos brasileiros. Já em 1958, ao vir passar o<br />

Carnaval no Brasil, um dos maiores símbolos <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong> e virilida<strong>de</strong> no cinema americano,<br />

Rock Hudson, <strong>de</strong> quem se ignorava, ainda, sua condição <strong>de</strong> homossexual, foi fotografado pela revista<br />

21


<strong>Durval</strong> <strong>Muniz</strong> <strong>de</strong> <strong>Albuquerque</strong> <strong>Júnior</strong><br />

Manchete portando alegremente uma faixa <strong>de</strong> Princesa do Carnaval, ou seja, parece que o que é<br />

sério acima da linha do Equador se carnavaliza ao vir para o sul. Ver sobre a carnavalização como<br />

um dos traços da vida homossexual brasileira: GREEN, James N., Além do Carnaval:<br />

homossexualida<strong>de</strong> masculina no Brasil do século XX, São Paulo, EDUNESP, 2000.<br />

24<br />

MANOEL JR, José, O lado gay do Recife, Recife, Jornal do Comércio, 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1991,<br />

Ca<strong>de</strong>rno C.<br />

25 RAFAELA MAMBABA, De Teresina para o mundo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 1, n<br />

2, 25 <strong>de</strong> junho a 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1978, p. 4, c. 3.<br />

O sucesso da versão francesa do filme Gaiola das Loucas, estrelado por Marcelo Mastroiani, e o<br />

fracasso da versão americana entre os homossexuais brasileiros acho que é revelador <strong>de</strong> como a<br />

postura escrachada e carnavalizada da primeira versão se coaduna mais com a sensibilida<strong>de</strong><br />

dominante entre a comunida<strong>de</strong> gay brasileira mais do que a postura séria e militante, porque não<br />

dizer tragicômica e melosa da segunda versão.<br />

26 Tia é uma expressão usada no meio homossexual para se referir ao homossexual <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong><br />

ou velho que manteria romances com jovens a quem chama <strong>de</strong> sobrinhos.<br />

27 Mo<strong>de</strong>sto <strong>de</strong> Souza, Fortaleza: um gay-gui<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 1, n 7,<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1978, p. 4, c. 3; EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião<br />

da Esquina, Ano 2, n 14, julho <strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2;<br />

28<br />

EMANUEL, Paulo, Passe as férias na Bahia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 14, julho<br />

<strong>de</strong> 1979, p. 4, c. 2;<br />

29<br />

O artigo <strong>de</strong> João Antônio Mascarenhas foi publicado na edição do jornal Lampião da Esquina <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 1978, p. 2 e o artigo <strong>de</strong> João Silvério Trevisan aparece no número <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1980, p. 10.<br />

30<br />

IMPÉRIO, Guilherme, Cartas na mesa - Assumir o quê?, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano<br />

1, n 1, 25 <strong>de</strong> maio a 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1978, p. 14, c. 3.<br />

31<br />

Uma das preocupações do emergente movimento homossexual e conseqüentemente da própria<br />

imprensa voltada para este público era orientar os homossexuais para que evitassem situações que<br />

os expusessem ao perigo e à violência. Manuais <strong>de</strong> sobrevivência são distribuídos em lugares <strong>de</strong><br />

freqüência homossexual e publicados no jornal Lampião da Esquina. Estes roteiros sempre incluía<br />

como uma das suas recomendações a <strong>de</strong> que o homossexual se assumisse, torna-se pública sua<br />

condição.<br />

32<br />

JOÃO L. S., Cartas na mesa - Recife sangrenta, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 17,<br />

outubro 1979, p. 19, c. 1; CARNEIRO, João, Recife: Bamba assassinado, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião<br />

da Esquina, Ano 3, n 25, junho <strong>de</strong> 1980, p. 5, c. 3.<br />

33 o<br />

JOÃO L. S., Cartas na mesa – Recife sangrenta, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Lampião da Esquina, Ano 2, n 17,<br />

Outubro <strong>de</strong> 1979, p. 19, c.1.<br />

22

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