18.04.2013 Views

Pielonefrite enfisematosa. Relato de caso*

Pielonefrite enfisematosa. Relato de caso*

Pielonefrite enfisematosa. Relato de caso*

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jul-ago;10(4):354-7<br />

<strong>Pielonefrite</strong> <strong>enfisematosa</strong>. <strong>Relato</strong> <strong>de</strong> <strong>caso*</strong><br />

Emphysematous pyelonephritis. Case report<br />

Raphael Augusto Gomes <strong>de</strong> Oliveira 1 , Alberto Machado Porto 2 , Itsuzi Fugikaha 3 , Vilmar <strong>de</strong> Paiva Marques 3 ,<br />

Paulo Ricardo Monti 4 , Edson Luiz Fernan<strong>de</strong>s 5<br />

*Recebido da Disciplina <strong>de</strong> Nefrologia do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, MG.<br />

RESUMO<br />

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A pielonefrite <strong>enfisematosa</strong><br />

(PE) é uma infecção necrotizante rara do parênquima renal, geralmente<br />

associada ao diabetes mellitus e a uropatia obstrutiva,<br />

com alta mortalida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>speito do tratamento clínico agressivo<br />

e da abordagem cirúrgica. O objetivo <strong>de</strong>ste estudo foi relatar um<br />

caso <strong>de</strong> PE, com ênfase no manuseio clínico, baseado no suporte<br />

intensivo e antibioticoterapia, sem intervenção cirúrgica.<br />

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 53 anos, diabética,<br />

admitida no pronto-socorro <strong>de</strong> um hospital terciário,<br />

com diagnostico clínico-radiológico compatível com PE, submetida<br />

apenas ao tratamento clínico conservador, com sucesso<br />

terapêutico.<br />

CONCLUSÃO: A PE é uma condição rara e crítica, tradicionalmente<br />

abordada com o manuseio cirúrgico. Contudo, relata-se<br />

um caso <strong>de</strong> PE a<strong>de</strong>quadamente tratado com abordagem<br />

conservadora.<br />

Descritores: Diabetes mellitus, Infecções urinárias, <strong>Pielonefrite</strong>,<br />

Urolitíase.<br />

1. Médico Resi<strong>de</strong>nte do Programa <strong>de</strong> Residência <strong>de</strong> Clínica Médica da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba,<br />

MG, Brasil<br />

2. Médico Resi<strong>de</strong>nte do Programa <strong>de</strong> Residência <strong>de</strong> Urologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medicina da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba,<br />

MG, Brasil<br />

3. Médico do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, MG, Brasil<br />

4. Professor Adjunto da Disciplina <strong>de</strong> Urologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, MG, Brasil<br />

5. Professor Adjunto do Departamento <strong>de</strong> Clínica Médica da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />

da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (UFTM). Uberaba, MG, Brasil<br />

Apresentado em 05 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2011<br />

Aceito para publicação em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2012<br />

Conflito <strong>de</strong> interesses: Nenhum<br />

En<strong>de</strong>reço para correspondência:<br />

Dr. Raphael Augusto Gomes <strong>de</strong> Oliveira<br />

Rua Getúlio Guaritá, s/n<br />

38025-440 Uberaba, MG.<br />

Fone: (34) 3318-5000<br />

E-mail: raphael_ago@yahoo.com.br<br />

© Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Clínica Médica<br />

354<br />

SUMMARY<br />

RELATO DE CASO<br />

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Emphysematous pyelonephritis<br />

(EP) is a rare and severe form of necrotizing infection of<br />

the renal parenchyma, commonly in patients with predisposing<br />

factors like diabetes mellitus and obstructive uropathy, with high<br />

mortality rates, to the <strong>de</strong>triment of clinical and surgical treatment.<br />

The aim of study was <strong>de</strong>scribed a case of EP in one diabetic<br />

female patient, the successfully therapeutic management, critical<br />

care, antibiotic use, and non-surgical treatment.<br />

CASE REPORT: Female patient, 53-years-old, diabetic was referred<br />

to the tertiary hospital`s emergency <strong>de</strong>partment with EP,<br />

successfully managed by non-surgical treatment.<br />

CONCLUSION: EP is a rare and life threatening condition and<br />

its management has traditionally been surgical. Nevertheless,<br />

we report a case of EP fully succee<strong>de</strong>d managed by conservative<br />

treatment.<br />

Keywords: Diabetes mellitus, Pyelonephritis, Urinary tract infections,<br />

Urolithiasis.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A pielonefrite <strong>enfisematosa</strong> (PE) é uma entida<strong>de</strong> clínica rara, caracterizada<br />

pela infecção necrotizante grave e potencialmente fatal<br />

do parênquima renal, no qual se observa a formação <strong>de</strong> gás em<br />

seu interior, bem como no sistema coletor ou tecido perinefrético<br />

1 . Evi<strong>de</strong>ncia-se notória relação com o diabetes mellitus e com<br />

a uropatia obstrutiva 2 . Embora apresente síndrome clínica semelhante<br />

à pielonefrite aguda, observa-se frequentemente evolução<br />

<strong>de</strong>sfavorável e grave, com altas taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo<br />

chegar até 70% 3 , a <strong>de</strong>speito do tratamento clínico e cirúrgico.<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste estudo foi relatar o caso <strong>de</strong> paciente diabética<br />

diagnosticada com PE, admitida no pronto-socorro <strong>de</strong> um hospital<br />

universitário terciário, <strong>de</strong>stacando o curso clínico da doença<br />

e o manuseio terapêutico proposto, embasado nos cuidados<br />

intensivos e antibioticoterapia <strong>de</strong> amplo espectro, com sucesso<br />

terapêutico, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento cirúrgico, afastando-<br />

-se do habitualmente relatado na literatura.<br />

RELATO DO CASO<br />

Paciente do sexo feminino, 53 anos, negra, do lar, natural <strong>de</strong> Araxá/<br />

MG e proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Uberaba/MG. Referia história <strong>de</strong>, cinco dias<br />

antes da admissão no pronto-socorro do Hospital <strong>de</strong> Clínicas da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), ter ini-


ciado quadro <strong>de</strong> dor suprapúbica, em cólica, contínua, sem fatores<br />

<strong>de</strong> melhora ou <strong>de</strong> piora progressiva. Apresentava também disúria,<br />

polaciúria e urina com odor fétido. Evoluiu após três dias, com dor<br />

em flanco direito, contínua, <strong>de</strong> forte intensida<strong>de</strong>, associada à febre<br />

(temperatura axilar = 39º C) e calafrios. Negava náuseas e vômitos.<br />

Apresentava, como comorbida<strong>de</strong>s, hipertensão arterial sistêmica,<br />

dislipi<strong>de</strong>mia, obesida<strong>de</strong> grave (índice <strong>de</strong> massa corpórea = 60 kg/<br />

m 2 ), diabetes mellitus recentemente diagnosticado (quatro meses)<br />

e em tratamento regular com antidiabéticos orais. Negava história<br />

<strong>de</strong> manipulação cirúrgica prévia do trato urinário e também<br />

quadro <strong>de</strong> infecções do trato urinário (ITU) <strong>de</strong> repetição.<br />

Procurou atendimento médico em serviço <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> secundária,<br />

após o primeiro episódio febril. Frente à história clínica,<br />

foram solicitados exames laboratoriais, observando-se discreta<br />

anemia (hemoglobina = 11,5 g/dL) e leucocitose sem <strong>de</strong>svio à<br />

esquerda, creatinina sérica <strong>de</strong> 1,1 mg/dL, urina tipo 1 sugestiva<br />

<strong>de</strong> infecção do trato urinário (256.000 leucócitos/mL) e ultrassonografia<br />

<strong>de</strong> rins e vias urinárias, evi<strong>de</strong>nciando rim direito <strong>de</strong><br />

dimensões aumentadas (15,0 cm x 6,5 cm) com imagens ecogênicas<br />

sugestivas <strong>de</strong> gás no sistema coletor <strong>de</strong> pólo renal superior.<br />

Foi iniciada antibioticoterapia empírica com ceftriaxona, sem a<br />

coleta <strong>de</strong> urocultura e hemocultura, e encaminhada ao nosso serviço<br />

para investigação e cuidados especializados.<br />

Apresentava-se estável hemodinamicamente, afebril, porém com<br />

queda do estado geral, toxemia e punho-percussão dolorosa em<br />

flanco direito. Foram colhidos exames laboratoriais, culturas (Tabela<br />

1) e submetida à tomografia computadorizada <strong>de</strong> abdômen<br />

sem contraste, com diagnóstico compatível <strong>de</strong> PE (Figuras 1 e 2).<br />

Iniciado antibioticoterapia <strong>de</strong> amplo espectro, com a prescrição<br />

<strong>de</strong> cefepime e imipenen, além <strong>de</strong> suporte intensivo, com manuseio<br />

cuidadoso dos parâmetros hemodinâmicos, eletrolíticos<br />

e glicêmicos. Fora avaliada pela equipe da Urologia, que optou<br />

pelo tratamento conservador e controle ultrassonográfico após 72<br />

horas (Figura 3) frente à estabilida<strong>de</strong> clínica da paciente.<br />

A paciente apresentou evolução favorável, mantendo-se afebril durante<br />

toda a internação, e com melhora clínica evi<strong>de</strong>nte apenas com<br />

o tratamento clínico, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção cirúrgica.<br />

Recebeu alta hospitalar, após 14 dias <strong>de</strong> antibioticoterapia, com<br />

melhora completa da sintomatologia e normalização dos exames<br />

laboratoriais.<br />

Tabela 1 – Resultados exames laboratoriais na admissão.<br />

Eritrócitos 4,09 x 106 /mm3 Hemoglobina 11,6 g/dL<br />

Hematócrito 35%<br />

Leucócitos 16.890/mm3 (6% bastões /85% segmentados)<br />

Plaquetas 265.000/mm3 Ureia 27,3 mg/dL<br />

Creatinina 0,78 mg/dL<br />

Sódio 136 mEq/L<br />

Potássio 4,09 mEq/L<br />

PCR 254,2 mg/dL<br />

Hb1Ac 6,35%<br />

Hemocultura NHCB<br />

Urocultura NHCB<br />

Hb1Ac = hemoglobina glicada; NHCB = não houve crescimento bacteriano.<br />

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jul-ago;10(4):354-7<br />

<strong>Pielonefrite</strong> <strong>enfisematosa</strong>. <strong>Relato</strong> <strong>de</strong> caso<br />

Após a alta hospitalar, a paciente foi encaminhada para acompanhamento<br />

clínico ambulatorial, e no primeiro retorno, 30 dias<br />

após, queixava-se <strong>de</strong> urina <strong>de</strong> coloração escura e odor fétido,<br />

afebril, sem disúria ou outras alterações genitourinárias, quadro<br />

este, iniciado há 10 dias. Apresentava urina tipo I com 20.000<br />

Figura 1 – Tomografia computadorizada <strong>de</strong> abdômen na admissão<br />

(corte axial).<br />

Rim direito com dimensões aumentadas, com coleção gasosa intraparenquimatosa<br />

em pólo superior, medindo 3,8 cm, com <strong>de</strong>bris em seu interior.<br />

Figura 2 – Tomografia computadorizada <strong>de</strong> abdômen na admissão<br />

(corte axial).<br />

Rim direito com dimensões aumentadas, com outra coleção gasosa intraparenquimatosa<br />

em terço médio, medindo 2,2 cm.<br />

355


Figura 3 – Ultrassonografia das lojas renais, após controle <strong>de</strong> 72 horas.<br />

Rim direito com dimensões aumentadas (460 mL), com presença <strong>de</strong> imagem<br />

ecogênica preenchendo os grupos calicinais superiores e médio, com sombra posterior<br />

<strong>de</strong> conteúdo gasoso.<br />

leucócitos/mm 3 e urocultura evi<strong>de</strong>nciando crescimento <strong>de</strong> Enterobacter<br />

aerogenes, sensível a amicacina, aztreonan, tetraciclina e<br />

imipenen, com resistência à quinolonas e cefalosporinas. Optou-<br />

-se por tratamento ambulatorial da ITU e conseguinte instituição<br />

<strong>de</strong> antibioticoterapia profilática com macrodantina.<br />

Houve melhora do quadro, com evolução assintomática da paciente,<br />

em reavaliações mensais subsequentes, com controles laboratoriais<br />

não evi<strong>de</strong>nciando novas infecções. Realizado também, após 12<br />

semanas do tratamento, controle tomográfico das lojas renais, não<br />

se visualizando gases no trato genitourinário (Figura 4).<br />

Figura 4 – Tomografia computadorizada <strong>de</strong> abdômen após controle <strong>de</strong><br />

12 semanas (corte axial).<br />

Rim direito <strong>de</strong> dimensões preservadas, não se visualizando gás em seu interior.<br />

356<br />

Oliveira RAG, Porto AM, Fugikaha I e col.<br />

DISCUSSÃO<br />

A PE foi <strong>de</strong>scrita pela primeira vez na literatura, em 1898 4 , quando<br />

Kelly e Mac Callum chamaram-na <strong>de</strong> “pneumatúria”. O termo<br />

PE foi introduzido, em 1962, por Schultz e Klorfein 5 . Trata-<br />

-se <strong>de</strong> uma condição rara e potencialmente fatal 1 .<br />

Epi<strong>de</strong>miologicamente, apresenta maior incidência no sexo feminino<br />

(5,9: 1) 7 em torno da 5ª década <strong>de</strong> vida. Como fatores subjacentes;<br />

frequentemente apontados como responsáveis pelo seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, encontram-se a glicemia elevada, a diminuição<br />

da perfusão tecidual, as alterações imunológicas do hospe<strong>de</strong>iro e<br />

a uropatia obstrutiva 6 . Destes, <strong>de</strong>staca-se a importante e estreita<br />

relação da doença com o diabetes mellitus (90%) e a obstrução<br />

do trato urinário (40%). Geralmente, <strong>de</strong>monstra acometimento<br />

unilateral, apresentando-se bilateralmente apenas em 5% a 10%<br />

dos casos. Em aproximadamente 50% dos casos, apresenta extensão<br />

extrarrenal 2 .<br />

Os dados clínicos observados nesse caso entram em consonância<br />

com a literatura, pois se trata <strong>de</strong> uma paciente do sexo feminino,<br />

logo após a 5ª década <strong>de</strong> vida, apresentando diabetes mellitus tipo<br />

2 como comorbida<strong>de</strong>. Entretanto, não foi observada litíase no<br />

trato genitourinário no caso em questão.<br />

Devido à rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta condição, observa-se ainda uma fisiopatogenia<br />

obscura e incerta 6 . Acredita-se que a somatória dos<br />

fatores <strong>de</strong>scritos, crie as condições ambientais a<strong>de</strong>quadas para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da doença, nas quais os baixos níveis <strong>de</strong> oxigênio<br />

tecidual resultantes induzam o metabolismo anaeróbico das<br />

bactérias anaeróbicas facultativas, as quais iniciam a fermentação<br />

da glicose, com a produção <strong>de</strong> gás, que se acumula no trato genitourinário<br />

e adjacências, característica fundamental da doença<br />

6 . O agente etiológico mais comum é a Escherichea coli (50% a<br />

70%) 8,9 , seguida pelo Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa,<br />

Klebsiella sp e raramente por anaeróbios 9 . Há também relatos <strong>de</strong><br />

casos secundários a Salmonela do grupo D 10 e Candida albicans 11 .<br />

Nesse caso, embora os resultados da hemocultura e urocultura<br />

<strong>de</strong>scritos, colhidos na admissão, não tenham apresentado crescimento<br />

bacteriano, o diagnóstico <strong>de</strong> PE se impõe, uma vez que<br />

os dados clínicos e radiológicos corroboram-no. O diagnóstico<br />

<strong>de</strong>ssa condição é radiológico, após a <strong>de</strong>monstração, por métodos<br />

<strong>de</strong> imagem, da presença <strong>de</strong> gás no trato genitourinário 7 , associado<br />

à síndrome clínica condizente. Provavelmente, os resultados obtidos<br />

foram prejudicados <strong>de</strong>vido à prescrição prévia <strong>de</strong> cefalosporina<br />

<strong>de</strong> 3ª geração em facultativo, sem a coleta <strong>de</strong> culturas antes do<br />

inicio da antibioticoterapia.<br />

Clinicamente, a PE apresenta sinais e sintomas semelhantes à<br />

pielonefrite aguda grave, cursando com febre, toxemia, vômitos<br />

e dor lombar 12 , usualmente evoluindo para sepse grave e choque<br />

séptico, caso a terapia não seja precoce e a<strong>de</strong>quadamente instituída.<br />

Além disso, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> trombocitopenia, insuficiência<br />

renal aguda, alterações do nível <strong>de</strong> consciência e do choque<br />

per si 7 , estão associados à pior prognóstico, sendo o aumento dos<br />

níveis séricos da creatinina, o preditor mais significativo 12 .<br />

O que se observa nesse caso, é que embora a paciente tenha apresentados<br />

sinais e sintomas característicos da doença, a evolução<br />

tornou-se favorável, uma vez que o diagnóstico foi firmado precocemente<br />

e a terapia a<strong>de</strong>quadamente imposta, e nenhum dos<br />

fatores associados à pior prognóstico fora observado.<br />

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jul-ago;10(4):354-7


Segundo Michaeli e col. 1 , variáveis como ida<strong>de</strong>, sexo, níveis séricos<br />

<strong>de</strong> uréia e glicose, foram consi<strong>de</strong>rados como fatores <strong>de</strong> risco<br />

não relevantes. Em outro estudo, a proteinúria foi consi<strong>de</strong>rada<br />

fator <strong>de</strong> risco in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para pior prognóstico 7 .<br />

O exame consi<strong>de</strong>rado padrão-ouro para o diagnóstico é a tomografia<br />

computadorizada (CT) do abdômen, que permite ainda a<br />

classificação da doença conforme sua gravida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> estabelecer<br />

a<strong>de</strong>quada avaliação prognóstica e melhor <strong>de</strong>cisão terapêutica 7 .<br />

A radiografia simples <strong>de</strong> abdômen po<strong>de</strong> auxiliar no diagnóstico,<br />

embora apresente baixa sensibilida<strong>de</strong> (30%). Outra ferramenta<br />

útil é a ultrassonografia <strong>de</strong> rins e vias urinárias, principalmente<br />

para avaliação <strong>de</strong> obstrução das vias urinárias. Contudo, vale ressaltar,<br />

que o exame po<strong>de</strong> ser prejudicado pela interposição gasosa<br />

do cólon 7 . É importante salientar, que a presença <strong>de</strong> gás no trato<br />

genitourinário é altamente sugestiva <strong>de</strong> PE, porém não é patognomônica,<br />

uma vez que uma série <strong>de</strong> situações po<strong>de</strong> mimetizar<br />

essa condição, como embolização <strong>de</strong> um tumor renal, traumatismos<br />

abertos, fístulas urodigestivas, explorações endourológicas 6 ,<br />

<strong>de</strong>ntre outras.<br />

Atualmente, uma das classificações radiológicas mais utilizadas é a<br />

<strong>de</strong> Huang e Tseng 7 que correlaciona os achados tomográficos com<br />

o respectivo valor prognóstico (Tabela 2). Segundo essa classificação,<br />

a paciente apresentava PE classe II o que já lhe reservava um<br />

melhor prognóstico segundo o <strong>de</strong>scrito pelos mesmos autores.<br />

Tabela 2 – Classificação tomográfica da pielonefrite <strong>enfisematosa</strong>7 .<br />

Classes Achados<br />

I Presença <strong>de</strong> gás unicamente no sistema excretor<br />

II Presença <strong>de</strong> gás no parênquima renal, sem extensão para o<br />

espaço extrarrenal<br />

IIIa Extensão <strong>de</strong> gás ou abscesso para o espaço perirrenal<br />

IIIb Extensão <strong>de</strong> gás ou abscesso para o espaço pararrenal<br />

IV <strong>Pielonefrite</strong> <strong>enfisematosa</strong> bilateral ou pielonefrite <strong>enfisematosa</strong><br />

em rim único<br />

O tratamento da PE envolve o diagnóstico precoce e a adoção<br />

imperiosa <strong>de</strong> medidas a<strong>de</strong>quadas, sendo consi<strong>de</strong>rada uma emergência<br />

terapêutica. Os cuidados intensivos, como suporte ventilatório,<br />

controle e estabilização hemodinâmica, manuseio hidroeletrolítico,<br />

controle glicêmico intensivo e instituição precoce<br />

<strong>de</strong> antibioticoterapia <strong>de</strong> amplo espectro, são fundamentais no<br />

<strong>de</strong>sfecho clínico e prognóstico.<br />

Contudo, habitualmente, trata-se <strong>de</strong> uma doença com manuseio<br />

terapêutico eminentemente cirúrgico. Huang e Tseng 7 propuseram<br />

baseado na classificação tomográfica, o tratamento das classes I e<br />

II com a drenagem percutânea associada à antibioticoterapia, com<br />

ou sem <strong>de</strong>sobstrução do trato urinário, geralmente com bom prognóstico.<br />

Já nas classes III e IV, a proposta terapêutica se baseou na<br />

presença <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> risco <strong>de</strong> mau prognóstico (trombocitopenia,<br />

insuficiência renal aguda, alterações do estado <strong>de</strong> consciência e<br />

choque). Na presença <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> dois fatores <strong>de</strong> risco, os pacientes<br />

foram tratados com drenagem percutânea e antibioticoterapia<br />

(87% com sucesso terapêutico). Já nos que apresentavam dois ou<br />

mais fatores <strong>de</strong> risco, a opção dos autores foi a nefrectomia, <strong>de</strong>vido<br />

ao risco inerente <strong>de</strong> pior <strong>de</strong>sfecho clínico.<br />

Embora em sua casuística Huang e Tseng 7 tenham proposto a<br />

drenagem percutânea associada ao tratamento clínico como me-<br />

Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 jul-ago;10(4):354-7<br />

<strong>Pielonefrite</strong> <strong>enfisematosa</strong>. <strong>Relato</strong> <strong>de</strong> caso<br />

lhor manuseio terapêutico para classe II da PE, no caso relatado,<br />

optou-se por tratamento clínico inicialmente, uma vez que a paciente<br />

apresentava sinais clínicos <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> hemodinâmica,<br />

e que os cuidados intensivos a<strong>de</strong>quados ao seu caso, associados<br />

à antibioticoterapia <strong>de</strong> amplo espectro, po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>spendidos.<br />

Dessa forma, o que se observou foi uma evolução clínica<br />

favorável, com melhora completa do caso, apenas com o tratamento<br />

clínico, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção cirúrgica, o que<br />

acrescenta peculiarida<strong>de</strong> a esse caso, em consonância com alguns<br />

relatos na literatura 13 .<br />

CONCLUSÃO<br />

A PE é uma doença rara, contudo <strong>de</strong>ve sempre ser lembrada<br />

como diagnóstico diferencial nos casos <strong>de</strong> pielonefrite aguda<br />

complicada, principalmente na presença <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> risco,<br />

como diabetes mellitus e a uropatia obstrutiva. A precocida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seu diagnóstico e a instituição da terapêutica são fundamentais<br />

para o <strong>de</strong>sfecho clínico favorável. Embora, a intervenção<br />

cirúrgica geralmente se faça necessária para resolução completa<br />

do caso, os avanços científicos na terapia intensiva e a crescente<br />

capacitação profissional no manejo do doente crítico permitem<br />

a condução e tratamento clínico <strong>de</strong> alguns casos selecionados<br />

com sucesso terapêutico.<br />

REFERÊNCIAS<br />

1. Michaeli J, Mogle P, Perlberg S, et al. Emphysematous pyelonephritis.<br />

J Urol 1984;131(2):203-8.<br />

2. D’Ippolito G, Abreu Jr L, Borri ML, et al. <strong>Pielonefrite</strong> aguda: classificação,<br />

nomenclatura e diagnóstico por imagem. Rev Imagem<br />

2005;27(3):183-94.<br />

3. Schaeffer AJ. Infections of the urinary tract, In: Walsh PC, Retik AB,<br />

Vaughan ED, Wein AJ, (editors). Campbell’s urology. Phila<strong>de</strong>lphia:<br />

Elsevier Science; 2002. p. 556-8.<br />

4. Fujita S, Watanabe J, Reed Al, et al. Case of emphysematous pyelonephritis<br />

in a renal allograft. Clin Transplant 2005;19(4):559-62.<br />

5. Schultz EH Jr, Klorfein EH. Emphysematous pyelonephritis. J Urol<br />

1962;87:762-6.<br />

6. Carvalho M, Goulão J, Monteiro C, et al. <strong>Pielonefrite</strong> <strong>enfisematosa</strong>:<br />

revisão da literatura a propósito <strong>de</strong> um caso clínico. Acta Urol<br />

2006;23 (4):75-80.<br />

7. Huang JJ, Tseng CC. Emphysematous pyelonephritis: clinicoradiological<br />

classification, management, prognosis, and pathogenesis.<br />

Arch Inter Med 2000;160(6):797-805.<br />

8. Guvel S, Kilinc F, Kayaselcuk F, et al. Emphysematous pyelonephritis<br />

and renal amoebiasis in a patient with diabetes mellitus. Int J Urol<br />

2003;10(7):404-6.<br />

9. Bhansali A, Bhadada S, Shridhar C, et al. Concurrent emphysematous<br />

pyelonephritis and emphysematous cholecystitis in type 2 diabetes.<br />

Australas Radiol 2004;48(3):411-3.<br />

10. Ngai HY, So HS, Que MB, et al. Emphysematous pyelonephritis<br />

associated with Salmonella. Int J Urol 2004;11(1):A66.<br />

11. Johnson JR, Ireton RC, Lipsky BA. Emphysematous pyelonephritis<br />

caused by Candida Albicans. J Urol 1986;136(1):80-2.<br />

12. Wan YL, Lo SK, Bullard MJ, et al. Predictors of outcome in emphysematous<br />

pyelonephritis. J Urol 1998;159(2):369-73.<br />

13. Flores G, Nellen H, Magaña F, et al. Acute bilateral emphysematous<br />

pyelonephritis successfully managed by medical therapy alone: A case<br />

report and review of the literature. BMC Nephrol 2002;3(1):1-4.<br />

357

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!