políticas públicas comparadas de telecomunicações (brasil-eua)
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Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília<br />
Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas – CEPPAC<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
(BRASIL-EUA)<br />
Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira<br />
Autor<br />
Brasília, setembro <strong>de</strong> 2005.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA<br />
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
(BRASIL-EUA)<br />
Brasília, setembro <strong>de</strong> 2005.<br />
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA<br />
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
(BRASIL-EUA)<br />
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira<br />
Orientador: Prof. Dr. Benício Viero Schmidt<br />
Tese apresentada ao Centro <strong>de</strong> Pesquisa e<br />
Pós-Graduação sobre as Américas, do<br />
Instituto <strong>de</strong> Ciências Sociais, da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, como requisito<br />
parcial para obtenção do título <strong>de</strong> Doutor.<br />
Brasília, setembro <strong>de</strong> 2005.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA<br />
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)<br />
BANCA EXAMINADORA:<br />
TESE DE DOUTORADO<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
(BRASIL-EUA)<br />
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira<br />
Titulares:<br />
Prof. Dr. Benício Viero Schmidt (UnB/CEPPAC) – Orientador<br />
Prof. Dr. Danilo Nolasco C. Marinho (UnB/CEPPAC)<br />
Prof. Dr. Henrique Carlos <strong>de</strong> O. <strong>de</strong> Castro (UnB/CEPPAC)<br />
Prof. Dr. Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s (UnB/FDD)<br />
Prof. Dr. Abílio Afonso Baêta Neves (UFRGS)<br />
Suplente:<br />
Profª. Drª. Ana Maria Fernan<strong>de</strong>s (UnB/CEPPAC)
À Flavia Maria.
AGRADECIMENTOS<br />
Aos meus pais e aos meus irmãos pelo apoio sempre presente.<br />
Ao meu orientador, o Prof. Benício Viero Schmidt, pela confiança, diálogo e amiza<strong>de</strong>.<br />
Aos Professores do CEPPAC, pela oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conviver em um ambiente<br />
verda<strong>de</strong>iramente interdisciplinar <strong>de</strong> escol.<br />
Ao Prof. José Geraldo <strong>de</strong> Sousa Junior, pelo incentivo em prestar o exame para ingresso<br />
no programa <strong>de</strong> doutoramento do CEPPAC.<br />
Ao Grupo Interdisciplinar <strong>de</strong> Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das<br />
Comunicações da UnB, na figura <strong>de</strong> seu coor<strong>de</strong>nador, o Prof. Murilo César Ramos, pelo<br />
espaço institucional que garantiu o contato com as temáticas mais atuais da regulação<br />
em <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Aos alunos <strong>brasil</strong>eiros, latino-americanos, africanos e asiáticos dos cursos <strong>de</strong><br />
especialização e <strong>de</strong> extensão da UnB em regulação <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, pela riqueza<br />
proporcionada em nosso convívio.<br />
À UnB, à ANATEL e à UIT, pelo incentivo ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cursos e projetos na<br />
área <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.
RESUMO<br />
O presente estudo comparado analisa as semelhanças, as diferenças e as ausências das<br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eira e norte-americana <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no período entre os<br />
dois momentos normativos <strong>de</strong>cisivos do século XX em cada país – do Communications<br />
Act <strong>de</strong> 1934 até o Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 nos EUA e do Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>de</strong> 1962 até a Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong> 1997 no Brasil.<br />
Dita análise afasta a noção que permeou o início da pesquisa <strong>de</strong> que os dois mo<strong>de</strong>los<br />
estatais <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> seriam distintos quanto à estrutura<br />
estatal <strong>de</strong> controle setorial, à divisão conceitual <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, à<br />
atribuição <strong>de</strong> competências aos órgãos estatais e à contextualização do surgimento dos<br />
órgãos reguladores nacionais. Pelo contrário, o estudo conclui pela comensurabilida<strong>de</strong><br />
entre as duas experiências nacionais a partir das modificações normativas <strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong><br />
meados da década <strong>de</strong> 1990. Além disso, o estudo conclui pela ausência comum da<br />
virtu<strong>de</strong> política em prol da presença da finalida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> provimento <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> como orientadora das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> governamentais do setor.<br />
Os passos tomados para o presente estudo partem da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> certos pressupostos<br />
conceituais: globalização informativa; virtu<strong>de</strong> política; mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica; e a<br />
diferença entre espaço público e corporação. A partir <strong>de</strong>stes pressupostos, implementase<br />
a <strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e norte-americano <strong>de</strong> regulação das<br />
<strong>telecomunicações</strong>, mediante abordagem do significado normativo <strong>de</strong> telecomunicação e<br />
dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, bem como mediante abordagem histórica das fases<br />
do setor e da estruturação estatal <strong>brasil</strong>eira para controle das <strong>telecomunicações</strong>. Por<br />
outro lado, o mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> regulação é <strong>de</strong>scrito a partir dos principais<br />
temas do setor i<strong>de</strong>ntificados como representativos do mo<strong>de</strong>lo em batimento com os seus<br />
equivalentes <strong>de</strong>scritos no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro. Finalmente, no estudo, são pontuados os<br />
principais temas suscitados na <strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los regulatórios <strong>de</strong> ambos os países e<br />
inseridos na perspectiva comparada <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção das semelhanças, das diferenças e das<br />
ausências comuns.<br />
Palavras-chave: política pública; telecomunicação; Brasil; EUA; virtu<strong>de</strong> política;<br />
regulação; estudo comparado.
ABSTRACT<br />
This comparative research examines the similarities, differences and omissions of the<br />
American and Brazilian public policies on telecommunications in the period between<br />
the two major 1900’s normative telecommunications turning-points in each nation –<br />
from the Communications Act of 1934 to the Telecommunications Act of 1996 in USA<br />
and from the Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações of 1962 to the Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações of 1997 in Brazil. It focuses on the conclusion that the two national<br />
mo<strong>de</strong>ls of telecommunications public policies are not so different regarding state<br />
structural control, conceptual division between telecommunications services,<br />
competence assignment to state agencies and emergence of national in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<br />
agencies. In fact, this research conclu<strong>de</strong>s by the commensurability between the two<br />
national telecommunications regulatory experiences, mainly after the Brazilian<br />
normative changes in the mid 1990’s. Moreover, this research conclu<strong>de</strong>s that civic<br />
virtue is an ommission outdone by the social purpose labeled on public policies<br />
concerning telecommunications services in both nations.<br />
The steps taken in this research follows the <strong>de</strong>finitions of some dogmatic notions:<br />
informative globalization, civic virtue, technological mo<strong>de</strong>rnity and the difference<br />
between public space and corporation. From these notions, a <strong>de</strong>scription on American<br />
and Brazilian telecommunications regulatory mo<strong>de</strong>ls is <strong>de</strong>veloped, focusing on the<br />
normative meaning of telecommunications and telecommunications services. Moreover,<br />
on one si<strong>de</strong>, a historical approach on the <strong>de</strong>velopment of telecommunications and on the<br />
state structure to control this field in Brazil is performed. On the other si<strong>de</strong>, the<br />
American regulatory mo<strong>de</strong>l is <strong>de</strong>scribed by comparison with the main topics <strong>de</strong>tected in<br />
the previous analysis of the Brazilian telecommunications system. Finally, this research<br />
i<strong>de</strong>ntifies and examines the similarities, differences and ommissions of the most noted<br />
topics that emerged from the comparison between the national regulatory systems.<br />
Key words: public policy; telecommunication; Brazil; USA; civic virtue; regulation;<br />
comparative research.
RESUMEN<br />
Esta investigación comparativa examina las semejanzas, las diferencias y las omisiones<br />
<strong>de</strong> las politicas <strong>públicas</strong> americana y <strong>brasil</strong>eña <strong>de</strong> telecomunicaciones en el período<br />
entre las dos principales transformaciones normativas <strong>de</strong> las telecomunicaciones en lo<br />
siglo XX en cada nación – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la ley <strong>de</strong> las comunicaciones <strong>de</strong> 1934 hasta la ley <strong>de</strong><br />
telecomunicaiones <strong>de</strong> 1996 en los E.E.U.U. y <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la ley <strong>de</strong> telecomunicaciones <strong>de</strong><br />
1962 hasta la ley general <strong>de</strong> telecomunicaciones <strong>de</strong> 1997 en el Brasil. Esta investigación<br />
fue hecha centrándose en la expectativa <strong>de</strong> que los dos mo<strong>de</strong>los nacionales <strong>de</strong> las<br />
politicas <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> telecomunicaciones no serían tan diferentes con respecto al control<br />
estructural <strong>de</strong>l estado, división conceptual entre los servicios <strong>de</strong> telecomunicaciones,<br />
atribución <strong>de</strong> competencia a los órganos <strong>de</strong> lo Estado y la aparición <strong>de</strong> agencias<br />
in<strong>de</strong>pendientes nacionales. En el contrario, esta investigación concluye por la<br />
conmensurabilidad entre las dos experiencias nacionales reguladoras <strong>de</strong> las<br />
telecomunicaciones especialmente <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> los cambios normativos <strong>brasil</strong>eños <strong>de</strong> los<br />
años 90. Por otra parte, esta investigación concluye que la virtud publica es un<br />
ommission vencida por el propósito social imputado a los servicios <strong>de</strong><br />
telecomunicaciones referidos en las politicas <strong>públicas</strong> en ambas las naciones.<br />
Los passos tomados en esta investigación fueron inaugurados con la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong><br />
algunas nociones dogmáticas: globalización informativa, virtud publica, mo<strong>de</strong>rnidad<br />
tecnológica y la diferencia entre el espacio público e la corporación. Des<strong>de</strong> estas<br />
nociones, fue hecho la <strong>de</strong>scripción <strong>de</strong> los mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eño e americano <strong>de</strong> regulación<br />
en telecomunicaciones, a partir <strong>de</strong> lo significado normativo <strong>de</strong> telecomunicaciones y <strong>de</strong><br />
servicios <strong>de</strong> telecomunicaciones. Por otra parte, fue hecho un acercamiento histórico al<br />
<strong>de</strong>sarollo <strong>de</strong> las telecomunicaciones en el Brasil y a la estructura <strong>de</strong>l estado <strong>brasil</strong>eño<br />
para controlar este campo. Por el otro lado, el mo<strong>de</strong>lo regulador americano fue <strong>de</strong>scrito<br />
mientras en correlación con los principales asuntos <strong>de</strong>tectados en análisis <strong>de</strong>l sistema<br />
<strong>brasil</strong>eño <strong>de</strong> regulación <strong>de</strong> las telecomunicaciones. Finalmente, esta investigación<br />
i<strong>de</strong>ntificó y examinó las semejanzas, diferencias y omisiones que surgieron <strong>de</strong> la<br />
comparación <strong>de</strong> los sistemas reguladores nacionales.<br />
Palavras llave: politica pública; telecomunicaciones; Brasil; E.E.U.U.; virtud política;<br />
regulación; estudo comparado.
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO 1<br />
1 SENTIDOS DA GLOBALIZAÇÃO: NOVIDADE CONCEITUAL,<br />
GLOBALIZAÇÕES INFORMATIVA, DA INFORMAÇÃO E CULTURAL E A<br />
SOCIEDADE MUNDIAL 4<br />
1.1 INTRODUÇÃO 4<br />
1.2 SENTIDOS E ORIGENS DA GLOBALIZAÇÃO 5<br />
1.2.1 Globalização sob parâmetros <strong>de</strong>terminantes políticos e econômicos 5<br />
1.2.2 Globalização sob parâmetros sócio-culturais 10<br />
1.3 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS IMPRECISOS 16<br />
1.4 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS EM COMUM 17<br />
2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E LIBERTÁRIA E A WELTANSCHAUUNG<br />
DE PREVALÊNCIA DA LIBERDADE POLÍTICA: ELEMENTOS PARA O<br />
ENCONTRO DA PERSONA TELECOMUNICACIONAL 21<br />
2.1 INTRODUÇÃO 21<br />
2.2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E DA LIBERTAÇÃO 23<br />
2.3 LIBERTAÇÃO E LIBERDADE: A HERANÇA DAS REVOLUÇÕES 25<br />
2.4 UNANIMIDADE DO POVO E VONTADE GERAL: A DESTRUIÇÃO DO<br />
ESPAÇO POLÍTICO (A PERVERSIDADE DA NECESSIDADE FRENTE À<br />
LIBERDADE) 27<br />
2.5 NASCIMENTO DE UM NOVO ESPAÇO POTENCIALMENTE PÚBLICO E O<br />
MEIO TELECOMUNICACIONAL 29<br />
2.6 IDENTIDADE E HOMOGENEIDADE SÃO CONCEITOS EXCLUDENTES? 32<br />
3 CORPORATIVISMO E ESPAÇO POLÍTICO 36<br />
3.1 INTRODUÇÃO 36<br />
3.2 CORPORAÇÃO E COOPTAÇÃO NO CORPORATIVISMO 36<br />
3.3 CORPORATIVISMO TOTALIZANTE E REPRESENTAÇÃO DEMOCRÁTICA<br />
39<br />
3.4 INSTÂNCIAS DE ESPAÇO PÚBLICO 40<br />
3.5 CONCLUSÃO 42<br />
4 MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES 46<br />
4.1 INTRODUÇÃO 46<br />
4.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO E REGULAÇÃO SETORIAL 46<br />
4.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL NO BRASIL 51<br />
4.4 TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO 68<br />
4.4.1 Primeiros passos das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil 68<br />
4.4.2 Etapas das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil pós década <strong>de</strong> 1940 69<br />
4.4.2.1 PERÍODO DE ESTAGNAÇÃO (1946-1962) 70<br />
4.4.2.2 PERÍODO DAS INVERSÕES ESTATAIS (1962-1967) 73
4.4.2.3 PERÍODO DE EXPANSÃO, MELHORAMENTO E INTEGRAÇÃO DO SISTEMA<br />
(1967-1975) 75<br />
4.4.2.4 PERÍODO DE TURBULÊNCIA (1975-1985) 77<br />
4.4.2.5 O FUNDO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (FNT) 78<br />
4.4.2.5.1 Ponto culminante da ingerência estatal no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 82<br />
4.4.2.6 PERÍODO DE CRISE: EMBATES DA DESESTATIZAÇÃO (1985-1995) 84<br />
4.4.2.6.1 Regulamentação do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 88<br />
4.4.2.6.2 Forças em jogo: ampliação dos serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 89<br />
4.4.2.7 PERÍODO DE REFORMAS NORMATIVO-OPERACIONAIS (1995-2002) 96<br />
4.4.2.7.1 Participação da ANATEL no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização do Sistema TELEBRÁS 98<br />
4.4.2.7.2 Desestatização do Sistema TELEBRÁS 99<br />
4.4.2.8 NOVOS HORIZONTES: CONTESTAÇÃO DO MODELO (2003-2004) 103<br />
4.5 REGULAMENTAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL 104<br />
4.5.1 TELECOMUNICAÇÕES E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES 106<br />
4.5.1.1 Elementos conceituais <strong>de</strong> telecomunicação 108<br />
4.5.1.1.1 TRANSMISSÃO 108<br />
4.5.1.1.2 ELETROMAGNETISMO E TRANSMISSÃO ELETROMAGNÉTICA 109<br />
4.5.2 CONCEITO DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO 111<br />
4.5.3 SERVIÇOS DE VALOR ADICIONADO (SVA): EXCLUSÕES LEGAIS EXPRESSAS DOS<br />
SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES 111<br />
4.5.4 OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS AOS DE TELECOMUNICAÇÕES 113<br />
4.5.5 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES 115<br />
4.5.5.1 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO REGIME JURÍDICO:<br />
PÚBLICO OU PRIVADO 117<br />
4.5.5.1.1 REGIME JURÍDICO PÚBLICO E PRIVADO: CONTINUIDADE,<br />
UNIVERSALIZAÇÃO E ESSENCIALIDADE 118<br />
4.5.5.2 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À ABRANGÊNCIA: DE<br />
INTERESSE COLETIVO E RESTRITO 122<br />
4.5.5.3 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À MODALIDADE 123<br />
4.5.5.4 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FORMA: TELEFONIA,<br />
TELEGRAFIA, COMUNICAÇÃO DE DADOS E TRANSMISSÃO DE IMAGENS 124<br />
4.5.5.5 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO ÂMBITO DE PRESTAÇÃO:<br />
INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL, LOCAL E DE ÁREAS DETERMINADAS<br />
125<br />
4.5.5.6 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FINALIDADE 126<br />
4.5.5.6.1 Serviço público-restrito 126<br />
4.5.5.6.2 Serviço limitado 127<br />
4.5.5.6.3 Serviço <strong>de</strong> radioamador 127<br />
4.5.5.6.4 Serviço <strong>de</strong> radiodifusão 128<br />
4.5.5.6.5 Serviço especial 129<br />
4.5.5.6.6 Serviços por linha <strong>de</strong>dicada (espécie <strong>de</strong> serviço limitado) 132<br />
4.6 ESTRUTURAÇÃO ESTATAL DE REGULAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES<br />
NO BRASIL 133<br />
4.6.1 Fundamentos da reestruturação da Administração Pública <strong>brasil</strong>eira na década <strong>de</strong> 1990:<br />
discussão ausente sobre o espaço público 134<br />
4.6.2 Estrutura da ANATEL 135<br />
4.6.3 Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e atritos 142<br />
5 MODELO NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM<br />
TELECOMUNICAÇÕES 151<br />
5.1 O MODELO EM LINHAS GERAIS 151<br />
5.2 O INÍCIO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NOS EUA 153<br />
5.3 INTERCONEXÃO E COMPETIÇÃO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA:<br />
O CONCEITO DE COMMON CARRIER 154
5.4 CONTROLE TARIFÁRIO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA 160<br />
5.5 SERVIÇO UNIVERSAL NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA 163<br />
5.6 AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES NOS EUA E A FEDERAL<br />
COMMUNICATIONS COMMISSION (FCC) 167<br />
Surgimento das agências reguladoras no mo<strong>de</strong>lo norte-americano 167<br />
5.6.1 As agências como espaços institucionais <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> interesses 169<br />
5.6.2 Deregulation 171<br />
5.6.3 Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission – FCC 176<br />
5.6.3.1 POSICIONAMENTO DA FCC NO QUADRO REGULATÓRIO NORTE-<br />
AMERICANO 176<br />
5.6.3.2 COMPETÊNCIA DA FCC 177<br />
5.6.3.3 COMPOSIÇÃO DA FCC 180<br />
6 SEMELHANÇAS, DIFERENÇAS E AUSÊNCIAS NOS MODELOS<br />
BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM<br />
TELECOMUNICAÇÕES 183<br />
6.1 SITUANDO O ESFORÇO COMPARATIVO 183<br />
6.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS 184<br />
6.2.1 Centralização <strong>de</strong> competência política e órgão regulador setorial 184<br />
6.2.2 O esforço <strong>de</strong> guerra norte-americano 185<br />
6.2.3 Influência <strong>de</strong> fatores internacionais 185<br />
6.2.4 Infra-estrutura <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como re<strong>de</strong> única e integrada <strong>de</strong> âmbito nacional 186<br />
6.2.5 Monopólio <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito 187<br />
6.2.6 Telecomunicações como ambiente competitivo 189<br />
6.2.7 Predomínio da normatização frente à operacionalização dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 190<br />
6.2.8 Caráter público da re<strong>de</strong> básica 191<br />
6.2.9 Common carriers e interesse coletivo 192<br />
6.2.10 Serviço universal 193<br />
6.2.11 Formulação <strong>de</strong> política pública e sua aplicação 194<br />
6.2.12 Relação entre agência reguladora e parlamento 195<br />
6.2.13 Espaços <strong>de</strong> interesse parlamentar nas <strong>telecomunicações</strong> 196<br />
6.2.14 Agências reguladoras 197<br />
6.3 AUSÊNCIA 197<br />
CONCLUSÃO 199<br />
BIBLIOGRAFIA 200<br />
LIVROS E ARTIGOS 200<br />
MATÉRIAS JORNALÍSTICAS 207<br />
PALESTRAS 209<br />
JULGADOS 210
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS<br />
ANATEL: Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
AT&T: American Telephone & Telegraph Co.<br />
BOCs: Bell Operating Companies<br />
C.F.R.: Co<strong>de</strong> of Fe<strong>de</strong>ral Regulations<br />
CBT: Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62)<br />
CCB: Common Carrier Bureau<br />
CMRS: Commercial Mobile Radio Services<br />
CPE: Customer Premises Equipment (equipamento <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do cliente)<br />
FCC: Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission<br />
FNPRM: Further Notice of Proposed Rulemaking<br />
ITU: International Telecommunications Union<br />
LECs: Local Exchange Carriers<br />
LGT: Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira (Lei 9.472/97)<br />
MCI: Microwave Communications Inc.<br />
NOI: Notice of Inquiry<br />
NPRM: Notice of Proposed Rulemaking<br />
PBXs: Private Branch Exchanges (evolução dos switches telefônicos)<br />
R&O: Report and Or<strong>de</strong>r da FCC<br />
SMC: Serviço Móvel Celular<br />
SMP: Serviço Móvel Pessoal<br />
STFC: Serviço Telefônico Fixo Comutado<br />
U.S.C.: United States Co<strong>de</strong> (ex.: 47 U.S.C. 201 – US Co<strong>de</strong>, título 47, seção 201)<br />
UIT: União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações
INTRODUÇÃO<br />
As modificações introduzidas na estrutura estatal <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> regulação<br />
das <strong>telecomunicações</strong> em meados da década <strong>de</strong> 1990 serviram para suscitar o interesse<br />
sobre o tratamento dado ao setor nos EUA. Isto porque as inovações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estrutural<br />
– agência reguladora <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> – e normativa – Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>de</strong> 1997 – em muito se aproximam da experiência norte-americana<br />
<strong>de</strong> regulação das <strong>telecomunicações</strong>. Dita semelhança transparecida nos mo<strong>de</strong>los<br />
<strong>brasil</strong>eiro e estaduni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> regulação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> justificou<br />
acusações 1 <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> institutos do mo<strong>de</strong>lo norte-americano incompatíveis com a<br />
tradição jurídica <strong>brasil</strong>eira, <strong>de</strong>ntre eles, o <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> como serviços privados, bem como a submissão <strong>de</strong> serviços públicos<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a regime concorrencial.<br />
A presente tese parte da insatisfação com a forma com que a discussão<br />
sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> está posta.<br />
Costuma-se argumentar que o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro pressupõe, a partir <strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 1990,<br />
a importação <strong>de</strong> institutos jurídicos alheios a sua tradição, mas não há o exigível<br />
aprofundamento para <strong>de</strong>tecção da comensurabilida<strong>de</strong> entre os termos assemelhados nos<br />
dois mo<strong>de</strong>los, como também dos termos aparentemente distantes entre si.<br />
A partir <strong>de</strong>sta insatisfação inicial, busca-se, <strong>de</strong> um lado averiguar a<br />
comensurabilida<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>los para proce<strong>de</strong>r-se à comparação <strong>de</strong> ambos por meio <strong>de</strong><br />
suas semelhanças e diferenças. Por outro lado, procura-se averiguar a presença da<br />
preocupação com a virtu<strong>de</strong> política na conformação institucional <strong>de</strong> regulação do setor<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em ambos os países como âncora conceitual para a hipótese <strong>de</strong> ser<br />
ela <strong>de</strong>tectada como uma ausência comum dos dois mo<strong>de</strong>los. Parte-se da hipótese inicial<br />
<strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong> entre os mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e estaduni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Daí a importância da eleição <strong>de</strong> um índice externo ao próprio setor –<br />
a virtu<strong>de</strong> política e sua ambientação nas novas estruturas <strong>de</strong> regulação estatal – como<br />
critério <strong>de</strong> comparação entre as duas bases empíricas. Enquanto para a análise das<br />
semelhanças e diferenças entre os mo<strong>de</strong>los, é suficiente a percepção da<br />
comensurabilida<strong>de</strong>, para a análise das ausências comuns, é imprescindível a referência a<br />
uma âncora conceitual externa ao próprio setor: eis o espaço reservado ao conceito <strong>de</strong><br />
virtu<strong>de</strong> política e à procura do espaço público na instituição estatal representativa das<br />
revoluções dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> ambos os países.<br />
O momento histórico próprio ao objetivo da pesquisa se confun<strong>de</strong> com o<br />
momento <strong>de</strong> maior evidência da aproximação entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong><br />
ambos os países. Este momento é o da projeção das agências reguladoras no Brasil e nos<br />
EUA. Isto ocorre <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> serem as agências reguladoras os arautos da<br />
influência do mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> setores <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesse<br />
1 A afirmação <strong>de</strong> que teria havido uma transposição das agências reguladoras norte-americanas para os<br />
países <strong>de</strong> civil law, inclusive, para o Brasil vem em manuais <strong>de</strong> direito administrativo e constitucional<br />
<strong>brasil</strong>eiros e mesmo em estudos específicos sobre o tema regulatório. Conferir: CARVALHO, Ricardo<br />
Lemos Maia L. <strong>de</strong>. As agências <strong>de</strong> regulação norte-americanas e sua transposição para os países da civil<br />
law. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.). Direito regulatório: temas polêmicos. Belo<br />
Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 413-426.<br />
1
público. Assim, o enfoque da tese está na introdução das agências reguladoras e em suas<br />
relações institucionais com os <strong>de</strong>mais atores políticos.<br />
Para tanto, a tese foi dividida em três partes. A primeira <strong>de</strong>las, abarcando<br />
os três capítulos iniciais, <strong>de</strong>dica-se à <strong>de</strong>finição dos pressupostos conceituais. A segunda,<br />
que envolve os dois capítulos seguintes, está voltada ao <strong>de</strong>talhamento dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do Brasil e dos EUA. A última parte,<br />
representada pelo capítulo final, busca resgatar os temas tratados nos capítulos<br />
anteriores mediante o esforço comparativo entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> dos<br />
dois países.<br />
Dentre os capítulos <strong>de</strong>stinados aos pressupostos conceituais da tese, o<br />
primeiro esclarece os sentidos do termo globalização tão caro às críticas pautadas na<br />
in<strong>de</strong>vida importação <strong>de</strong> instituições norte-americanas. Nele, procura-se <strong>de</strong>sviar do lugar<br />
comum o ganho conceitual da globalização informativa como novida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong><br />
viabilizar a convivência entre as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s libertária e tecnológica a serem tratadas<br />
no capítulo seguinte. Sob um enfoque mais amplo, o sentido do capítulo está em<br />
precisar conceitualmente <strong>de</strong> que globalização a tese tratará quando da análise da relação<br />
entre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> norte-americanas, mas, acima <strong>de</strong> tudo, quando da <strong>de</strong>finição<br />
do critério da virtu<strong>de</strong> política como âncora conceitual das ausências comuns na<br />
comparação dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eira e estaduni<strong>de</strong>nse: a <strong>de</strong>tecção do<br />
sentido informacional do termo globalização será uma das âncoras conceituais para<br />
promoção da comparação pretendida na tese. Ainda no que diz respeito à parte <strong>de</strong><br />
pressupostos conceituais, o segundo capítulo <strong>de</strong>monstra o ganho <strong>de</strong> técnica<br />
telecomunicacional como uma manifestação da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica, no século<br />
XX. O seu efeito mais amplo <strong>de</strong> globalização informativa é apresentado como<br />
argumento para orientação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> regulatórias em <strong>telecomunicações</strong> em que o<br />
valor da liberda<strong>de</strong> pública – mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> libertária como virtu<strong>de</strong> política – ombreie<br />
com a atualmente homogênea crença na libertação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> dos<br />
grilhões estatais. Ainda, no segundo capítulo promove-se à distinção entre as finalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> voltadas ao incremento <strong>de</strong> investimentos e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>s para<br />
satisfação das necessida<strong>de</strong>s da vida e aquelas voltadas à geração <strong>de</strong> um espaço<br />
telecomunicacional público para servir <strong>de</strong> meio à satisfação da ação política; para servir<br />
<strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> política. Finalmente, o último capítulo da parte <strong>de</strong><br />
pressupostos conceituais fixa o caráter agora não do meio telecomunicacional, mas das<br />
instituições estatais reguladoras com pretensão <strong>de</strong> servirem como espaços públicos <strong>de</strong><br />
mediação das questões setoriais telecomunicacionais mediante o esboço histórico dos<br />
conceitos <strong>de</strong> corporativismo e corporação e sua i<strong>de</strong>ntificação, na primeira meta<strong>de</strong> do<br />
século XX, com a <strong>de</strong>mocracia representativa. Os dois mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
serão comparados a partir do norte estabelecido pelos conceitos trazidos na primeira<br />
parte da tese.<br />
A <strong>de</strong>scrição do estado da arte sobre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> encontra-se no quarto capítulo da tese, na parte <strong>de</strong>stinada ao<br />
<strong>de</strong>talhamento dos mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e norte-americano <strong>de</strong> regulação das<br />
<strong>telecomunicações</strong>. Nesse capítulo, aborda-se o histórico da regulação do setor no Brasil,<br />
sua regulamentação e as estruturas estatais pertinentes, revelando-se índices tais como o<br />
enunciado <strong>de</strong> abertura rumo a socieda<strong>de</strong> da informação frente ao conceito <strong>de</strong><br />
globalização informativa, como também, o <strong>de</strong> orientação da regulação estatal <strong>brasil</strong>eira<br />
sobre <strong>telecomunicações</strong> em direção à consolidação <strong>de</strong> espaço público como abertura <strong>de</strong><br />
espaço à virtu<strong>de</strong> política ou não. No mesmo sentido, o capítulo quinto dispõe sobre o<br />
2
mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> com incursões na<br />
questão da virtu<strong>de</strong> política e a partir da configuração explanada no capítulo anterior<br />
sobre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiras. A pergunta motora do quinto capítulo, já em<br />
antecipação ao último capítulo, foi a <strong>de</strong> se o mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> regulação em<br />
<strong>telecomunicações</strong> po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrito com os parâmetros <strong>de</strong>finidos no mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>brasil</strong>eiro e, se pu<strong>de</strong>sse, se sofreria o mesmo distanciamento da virtu<strong>de</strong> política<br />
experimentada no Brasil. Neste ponto, o quinto capítulo inicia a análise <strong>de</strong><br />
comensurabilida<strong>de</strong> dos dois mo<strong>de</strong>los e antecipa conclusões.<br />
Ao capítulo sexto da tese restaram as comparações específicas em meio à<br />
pauta fixada pelos pressupostos conceituais para <strong>de</strong>tecção das diferenças, das<br />
semelhanças e das ausências comuns.<br />
3
1 SENTIDOS DA GLOBALIZAÇÃO: NOVIDADE<br />
CONCEITUAL, GLOBALIZAÇÕES INFORMATIVA, DA<br />
INFORMAÇÃO E CULTURAL E A SOCIEDADE MUNDIAL<br />
1.1 INTRODUÇÃO<br />
A utilização indiscriminada <strong>de</strong> certos conceitos dificulta a formação <strong>de</strong><br />
um horizonte <strong>de</strong> sentido partilhado entre o texto, o contexto e o leitor. Por isso, este<br />
capítulo se propõe a este reconhecimento <strong>de</strong> horizontes, buscando maior precisão<br />
conceitual <strong>de</strong> um lugar comum <strong>de</strong> abordagens comparativas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong><br />
<strong>públicas</strong> nacionais: o termo globalização.<br />
Para os fins <strong>de</strong>sta tese, os conceitos <strong>de</strong> globalização informativa e<br />
informacional auxiliarão na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma âncora conceitual comum para<br />
comparação entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> estaduni<strong>de</strong>nse e <strong>brasil</strong>eira em<br />
<strong>telecomunicações</strong>.<br />
Constitui objeto <strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong>ste capítulo o enfrentamento da<br />
seguinte questão: in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tema abordado na exposição, seja ele político,<br />
jurídico ou econômico, em que sentido exatamente o termo globalização vem<br />
empregado? Talvez fosse mais a<strong>de</strong>quado perguntar: há algum conceito ou conjunto <strong>de</strong><br />
conceitos <strong>de</strong> globalização verda<strong>de</strong>iramente compartilhado, que não se perca em imagens<br />
mais ou menos obscuras, capaz <strong>de</strong>, ao fim, orientar um olhar crítico do leitor na<br />
<strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> fenômenos incompatíveis entre si ou mesmo oposto a seu significado? Há<br />
um significado, ou conjunto <strong>de</strong> significados, <strong>de</strong> matriz semelhante capaz <strong>de</strong> ancorar a<br />
leitura em uma idéia compartilhada socialmente? Enfim, que origem terá a idéia <strong>de</strong><br />
globalização como prefigurada no pensamento do leitor e com que <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> histórica<br />
haverá <strong>de</strong> se valer dito conceito para reclamar um espaço reconhecido no discurso das<br />
ciências sociais?<br />
Este capítulo abordará este sentido, não na tentativa <strong>de</strong> uniformizar o<br />
conceito em questão, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar a novida<strong>de</strong> e a ancianida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados que o<br />
termo globalização ressuscita e aos quais dá nova roupagem, retirando-se daí sua<br />
importância não necessariamente em evi<strong>de</strong>nciar fenômenos novos, mas em revelar<br />
novas formas <strong>de</strong> velhos fenômenos e enriquecer, com isso, o arsenal discursivo que um<br />
novo termo proporciona no seu incessante processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem social, lembrando-se<br />
que o fato <strong>de</strong> ser plurívoco – que sirva <strong>de</strong> testemunha os 21 conceitos <strong>de</strong> paradigmas<br />
encontrados na Estrutura das Revoluções Científicas <strong>de</strong> Thomas Kuhn 2 – não o<br />
<strong>de</strong>sautoriza em sua pretensão <strong>de</strong> inovar enfoques, que por si só representam um<br />
momento criativo do viver científico.<br />
2 MASTERMAN, Margaret. A natureza do paradigma. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Org.). A<br />
crítica e o <strong>de</strong>senvolvimento do conhecimento. São Paulo: Editora Cultrix/Editora da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
São Paulo, 1979, p. 72-108.<br />
4
1.2 SENTIDOS E ORIGENS DA GLOBALIZAÇÃO<br />
“Globalização é, com toda a certeza, a palavra mais<br />
usada – e abusada – e a menos <strong>de</strong>finida dos últimos<br />
e dos próximos anos; é também a mais nebulosa e<br />
mal compreendida, e a <strong>de</strong> maior eficácia política”<br />
(BECK,1999:44).<br />
Sistematizar conceitos é uma tarefa árdua. Quando se trata <strong>de</strong> conceitos<br />
pertinentes a um termo da moda, é, além <strong>de</strong> tudo, perigosa. Mas os benefícios <strong>de</strong>sta<br />
empreitada evi<strong>de</strong>nciam-se no ganho <strong>de</strong> precisão terminológica exigível em estudos<br />
extensos.<br />
Categorizar os sentidos <strong>de</strong> globalização e suas origens é um bom ponto<br />
<strong>de</strong> partida. Neste esforço, po<strong>de</strong>m-se i<strong>de</strong>ntificar basicamente dois tipos conceituais<br />
claramente distintos por suas origens e formas <strong>de</strong> apresentação em autores<br />
representativos.<br />
Um dos tipos conceituais privilegia uma dimensão específica da<br />
globalização centrada em abordagens política e econômica; privilegia a abordagem da<br />
globalização como reflexo <strong>de</strong> um significado predominante e orientador dos <strong>de</strong>mais. Já<br />
o outro tipo conceitual centra-se em abordagens eminentemente sócio-culturais,<br />
revelando exposições sobre a globalização como categoria multicausal, apresentando-se<br />
como noção resultado <strong>de</strong> contribuições mais imprecisas, enfim, <strong>de</strong> síntese ainda<br />
in<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> complexa <strong>de</strong> transformação das relações <strong>políticas</strong>,<br />
econômicas, sociais.<br />
1.2.1 Globalização sob parâmetros <strong>de</strong>terminantes políticos e<br />
econômicos<br />
Encarado como termo que abriga abordagens unilaterais predominantes<br />
sob os pontos <strong>de</strong> vista político e econômico, a globalização, neste sentido, representa<br />
orientações polarizadas pelos conceitos <strong>de</strong> Estado nacional e <strong>de</strong> sistema-mundo, e,<br />
portanto, pautada em cogitações tão antigas quanto estes conceitos.<br />
Wallerstein i<strong>de</strong>ntifica o sistema-mundo (world-system) como unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
análise para compreensão das mudanças da socieda<strong>de</strong>. Ao <strong>de</strong>finir o sistema-mundo<br />
como sua ferramenta conceitual, Wallerstein procura fugir à crítica <strong>de</strong> que, ao se<br />
estudar a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a partir dos conceitos <strong>de</strong> Estado soberano ou <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
nacional, estar-se-iam estudando “evoluções <strong>de</strong>ntre <strong>de</strong> evoluções” 3 , ou seja, estar-se-iam<br />
estudando unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise que <strong>de</strong>limitariam artificialmente um sistema social. O<br />
único sistema social capaz <strong>de</strong> refletir a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> seria, segundo Wallerstein, o<br />
sistema-mundo. O sistema-mundo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Wallerstein apresenta-se como uma<br />
entida<strong>de</strong> econômica, e não política, que se <strong>de</strong>fine a partir da economia-mundo<br />
3 WALLERSTEIN, Immanuel. The mo<strong>de</strong>rn world-system I: capitalist agriculture and the origins of the<br />
european world-economy in the sixteenth century. San Diego: Aca<strong>de</strong>mic Press, 1974, p. 7. Do original:<br />
“evolutions within evolutions”.<br />
5
capitalista européia do final do século XV e início do século XVI. 4 O significado do<br />
sistema-mundo não se dá, portanto, pela remissão a um sistema que englobe todo o<br />
planeta, mas porque “ele é maior que qualquer unida<strong>de</strong> jurídica ou politicamente<br />
<strong>de</strong>finida” 5 .<br />
Dentre os significados abarcados por esta tipologia, há quatro mais<br />
evi<strong>de</strong>ntes. O primeiro <strong>de</strong>les emprega a globalização como a forma especial <strong>de</strong><br />
aceleração da mobilida<strong>de</strong> mundial atingida com o <strong>de</strong>clínio do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong><br />
Bem-Estar Social do século XX. Designaria tanto a causa 6 como a conseqüência 7 <strong>de</strong>ste<br />
estado <strong>de</strong> coisas característico do enfraquecimento do Estado do Bem-Estar Social.<br />
Neste sentido, a globalização refletiria o abandono do indivíduo à sua sorte em face do<br />
enfraquecimento do po<strong>de</strong>r e da vonta<strong>de</strong> normatizadora estatal. Aqui, a globalização se<br />
<strong>de</strong>staca do interesse específico <strong>de</strong> um grupo ou <strong>de</strong> um agregado econômico e se reveste<br />
<strong>de</strong> vivência própria plasmada no arcabouço estatal, cujo convívio com as forças geradas<br />
<strong>de</strong> suas fraquezas, não mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>.<br />
Assim, a globalização se institucionalizaria neste movimento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finhamento estatal mediante queda das regulamentações ecológicas, sindicais,<br />
assistenciais e fiscais, estas últimas principalmente em relação ao comércio<br />
internacional, e este movimento já passa a ser atribuído a uma orientação <strong>de</strong> política<br />
estatal <strong>de</strong> submissão a <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> correntes, cujo po<strong>de</strong>r não é mais passível <strong>de</strong><br />
oposição pelos Estados nacionais. Neste sentido, já se está adotando um outro enfoque<br />
<strong>de</strong> globalização. Trata-se da política da globalização. Em termos mais precisos, quer-se,<br />
com isso, dizer que o discurso da globalização é apropriado para <strong>de</strong>signar uma postura<br />
disseminada pelos Estados nacionais <strong>de</strong> submissão aos <strong>de</strong>signos <strong>de</strong> um mercado<br />
transnacional: é a reação estatal frente à ameaça, como também a ação estatal em<br />
direção ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> acompanhar o movimento <strong>de</strong> sua fragilização. Neste último sentido<br />
estariam incluídas as propaladas <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação <strong>de</strong> setores econômicos e <strong>de</strong><br />
subsistemas jurídicos – ecológico, trabalhista, assistencial, sindical, fiscal, sanitário,<br />
educacional, energético, telecomunicacional, <strong>de</strong> consumo. Este segundo sentido do tipo<br />
conceitual firmado em parâmetros <strong>de</strong>terminantes políticos e econômicos é também<br />
<strong>de</strong>signado <strong>de</strong> forma mais ácida e menos abalizada como a globalização da política, em<br />
que a economia subordinaria a política, bloqueando a tentativa <strong>de</strong>sta última <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> espaços jurídicos, sociais e ecológicos da economia. Uma visão mais<br />
profunda, entretanto, do fenômeno, que foge do binômio simplificador Estado-mercado,<br />
é expressa em Fredric Jameson ao analisar o fim da arte em Hegel e atualizá-la à<br />
comparação entre mo<strong>de</strong>rnismo e pós-mo<strong>de</strong>rnismo. Sob este enfoque, a bem da verda<strong>de</strong><br />
já <strong>de</strong>stacado <strong>de</strong> uma predominância da economia por seus pressupostos teóricos, mas<br />
ainda preso à idéia <strong>de</strong> mercantilização da realida<strong>de</strong> em escala mundial, por intermédio<br />
4 O sistema-mundo “sempre foi uma economia-mundo” (WALLERSTEIN, Immanuel. World-systems<br />
analysis. Durham: Duke University Press, 2004, p. 23). Do original: “has always been a world-economy”.<br />
5 WALLERSTEIN, Immanuel. The mo<strong>de</strong>rn world-system I: capitalist agriculture and the origins of the<br />
european world-economy in the sixteenth century. San Diego: Aca<strong>de</strong>mic Press, 1974, p. 15. Do original:<br />
“it is larger than any juridically-<strong>de</strong>fined political unit”.<br />
6 A causa é aqui encarada como a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação mundial por meio <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> submissão<br />
normativa entre investimentos nacionais e estrangeiros voltados a possibilitar um Estado regulador ou,<br />
segundo alguns, <strong>de</strong> forma mais imprecisa, o retorno a um Estado mínimo.<br />
7 Como conseqüência, vê-se a libertação, por parte do capital financeiro, das amarras do trabalho,<br />
enquanto valor politicamente protegido, e das amarras do Estado nacional.<br />
6
da <strong>de</strong>sdiferenciação da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, teriam sido apagadas as fronteiras entre<br />
cultura, política e economia. 8<br />
O outro lado da moeda <strong>de</strong> <strong>de</strong>finhamento do Estado reflete o terceiro<br />
sentido do presente tipo conceitual. Fala-se da autogestão da ativida<strong>de</strong> econômica com<br />
a <strong>de</strong>corrente possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imposição pelo mercado <strong>de</strong> rumos à ativida<strong>de</strong> política e <strong>de</strong><br />
estabelecimento <strong>de</strong> limites, inclusive punições, aos Estados que não se alinharem ao<br />
padrão <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas econômicas. Este conceito é sensível internamente em Estados<br />
fe<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação, por intermédio do que se convenciou chamar <strong>de</strong> guerra<br />
fiscal, mas a novida<strong>de</strong> do que se tenta qualificar como globalização está na posição e<br />
gran<strong>de</strong>za dos players do mercado, que, por intermédio <strong>de</strong> pactos globais, seriam<br />
capazes <strong>de</strong> gerar confrontos entre Estados nacionais ou mesmo entre locais <strong>de</strong> produção<br />
em busca <strong>de</strong> menores tributos e facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infra-estrutura. A esta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
negociação para além do po<strong>de</strong>r político tradicional intra-estatal, costuma-se <strong>de</strong>signar,<br />
nas leituras <strong>de</strong> globalização, <strong>de</strong> subpolítica. 9<br />
Um quarto sentido do presente tipo conceitual é resultado da junção entre<br />
a globalização como política da globalização, ou seja, como submissão da política<br />
estatal aos <strong>de</strong>sígnios do mercado mundial, e a globalização como subpolítica, ou seja,<br />
como autogestão da ativida<strong>de</strong> econômica por um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado supranacional. Há,<br />
inclusive, proposta para terminologia própria neste caso, que refletiria um estado<br />
i<strong>de</strong>ológico encobridor das vantagens do conceito <strong>de</strong> globalização. Tem-se por<br />
globalismo 10 a expressão mais perfeita para a globalização econômica entendida como<br />
institucionalização do mercado mundial. Refere-se à globalização como i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong><br />
fortalecimento do mercado em <strong>de</strong>trimento do controle estatal comumente referida como<br />
neoliberal; como <strong>de</strong> predomínio do aspecto econômico isolado <strong>de</strong> seu contexto, e que<br />
vozes dissonantes acusam <strong>de</strong> não ter nenhuma relação com o Consenso <strong>de</strong><br />
8 A novida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna é exaltada como “uma <strong>de</strong>sdiferenciação <strong>de</strong> campos, <strong>de</strong> modo que a economia<br />
acabou por coincidir com a cultura, fazendo com que tudo, inclusive a produção <strong>de</strong> mercadorias e a alta<br />
especulação financeira, se tornasse cultural, enquanto que a cultura tornou-se profundamente econômica,<br />
igualmente orientada para a produção <strong>de</strong> mercadorias. (...) Devemos, portanto, adicionar uma qualificação<br />
significativa a essa i<strong>de</strong>ntificação do pós-mo<strong>de</strong>rnismo com a concepção do belo <strong>de</strong> Kant e Hegel, que tem<br />
a ver com a educação, com a esfera pública e com a era da informática e da cibernética. Isso nos leva a<br />
enfatizar um <strong>de</strong>senvolvimento histórico marcante do nosso tempo, ou seja, a imensa expansão da cultura e<br />
da mercantilização em todos aqueles campos – a política e a economia, por exemplo – dos quais elas eram<br />
corretamente diferenciadas na vida cotidiana do período mo<strong>de</strong>rno. O gran<strong>de</strong> movimento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sdiferenciação da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> apagou tais fronteiras (e, (...) mescla a cultura e a economia ao<br />
mesmo tempo em que transforma a economia em várias formas <strong>de</strong> cultura). É por isso que parece<br />
apropriado enfatizar a imensa aculturação geral da vida cotidiana e social no nosso momento pósmo<strong>de</strong>rno,<br />
que justifica <strong>de</strong>scrições proféticas da nossa socieda<strong>de</strong> como a socieda<strong>de</strong> do espetáculo ou da<br />
imagem. (...) O retorno do belo no pós-mo<strong>de</strong>rno [é <strong>de</strong>scrito como] a colonização da realida<strong>de</strong> por formas<br />
visuais e espaciais, que é também a mercantilização <strong>de</strong>ssa mesma realida<strong>de</strong> intensamente colonizada<br />
numa escala mundial” (JAMESON, Fredric. ‘Fim da arte’ ou ‘fim da história’?. p.73; 87-88. In: I<strong>de</strong>m. A<br />
cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 73-93).<br />
9 BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Trad.<br />
André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 17-18.<br />
10 “Globalismo <strong>de</strong>signa a concepção <strong>de</strong> que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação<br />
política; trata-se portanto da i<strong>de</strong>ologia do império do mercado mundial, da i<strong>de</strong>ologia do neoliberalismo. O<br />
procedimento é monocausal, restrito ao aspecto econômico, e reduz a pluridimensionalida<strong>de</strong> da<br />
globalização a uma única dimensão – a econômica –, que, por sua vez, ainda é pensada <strong>de</strong> forma linear e<br />
<strong>de</strong>ixa todas as outras dimensões – relativas à ecologia, à cultura, à política e à socieda<strong>de</strong> civil – sob o<br />
domínio subordinador do mercado mundial” (Ibid., p. 27-28).<br />
7
Washington. 11 O globalismo assenta-se no fato <strong>de</strong> que a globalização econômica<br />
eliminaria a distinção fundamental e cara aos Estados nacionais entre economia e<br />
política. Aqui, o globalismo é subordinador das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> estatais na medida em<br />
que estas representam a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> fronteiras jurídicas, sociais e ecológicas, das<br />
quais a atuação econômica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> para ser socializada e tornar-se legítima. É neste<br />
sentido que a globalização adquire nos discursos dos seus opositores sua apresentação<br />
como imperialismo da economia sobre os Estados nacionais. Este sentido linear e<br />
extremo teve o condão <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar polarida<strong>de</strong>s. Certos grupos protecionistas são<br />
i<strong>de</strong>ntificáveis por polarização a dita expressão do movimento globalizador:<br />
“Protecionistas pretos lamentam a <strong>de</strong>cadência dos<br />
valores e a perda <strong>de</strong> significado do nacional (...).<br />
Protecionistas ver<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificam o Estado nacional<br />
como um biótipo político ameaçado <strong>de</strong> extinção, protegem o<br />
standard ambiental contra a opressão do mercado mundial<br />
(...).<br />
Protecionistas vermelhos tiram o pó das vestimentas<br />
da luta <strong>de</strong> classes para todas as ocasiões; a globalização é<br />
para eles uma variante da expressão ‘tínhamos razão’.<br />
Festejam um renascimento do marxismo” 12 e o fazem com<br />
base em argumento resgatado <strong>de</strong> Marx ligado ao atingimento<br />
dos limites espaciais <strong>de</strong> um capitalismo tardio. 13<br />
O quarto sentido do presente tipo conceitual po<strong>de</strong> ser resumido como a<br />
divisão mundial do trabalho entre classes ou entre socieda<strong>de</strong>s. Ele é o mais palpável em<br />
discursos inflamados nacionalistas, mas carece <strong>de</strong> qualquer originalida<strong>de</strong>. Sua <strong>de</strong>scrição<br />
remonta a Marx 14 sob o tema do capitalismo mo<strong>de</strong>rno e se <strong>de</strong>senvolve em Wallerstein 15<br />
11 Em <strong>de</strong>bate comemorativo dos 50 anos do Banco Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico e Social<br />
(BNDES), o então Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan,<br />
discordando dos presentes, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a distinção entre orientações neoliberais e os princípios imaginados<br />
por John Williamson, ex-professor da PUC-Rio, que teriam servido <strong>de</strong> base ao Consenso <strong>de</strong> Washington.<br />
(MALAN, Pedro. Malan faz a <strong>de</strong>fesa dos princípios do ‘Consenso’. In: Gazeta Mercantil, 16 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 2002, p. A-5).<br />
12 BECK, Ulrich. Op. cit., p. 28-29.<br />
13 Algumas palavras <strong>de</strong> um seguidor do materialismo histórico são ilustrativas: “O conceito do ‘fim da<br />
história’ [a que] Fukuyama dá voz é o resultado <strong>de</strong> limites espaciais novos e mais fundamentais, não o<br />
resultado do fim da Guerra Fria ou do fracasso do socialismo, mas da entrada do capitalismo num terceiro<br />
estágio novo e sua penetração em partes do mundo não colonizadas pela mercadoria, o que torna difícil<br />
imaginar qualquer tipo <strong>de</strong> alargamento do sistema. Um Marx diferente (o dos Grundrisse mais do que o<br />
do Capital) sempre insistiu que o socialismo não seria possível até que o mercado mundial tivesse<br />
atingido seus limites e que tudo, inclusive a força <strong>de</strong> trabalho, tivesse sido mercantilizado universalmente.<br />
Hoje nos encontramos muito mais próximos <strong>de</strong>ssa situação do que nos tempos <strong>de</strong> Marx ou <strong>de</strong> Lênin.”<br />
(JAMESON, Fredric. Op. cit., p. 91-92).<br />
14 A ultrapassagem das fronteiras nacionais pela burguesia foi analisada por Marx e Engels e o antídoto<br />
proposto na frase final do Manifesto Comunista (Working men of all countries, UNITE!) não é, em última<br />
análise, sua negação, mas precisamente sua chancela agora pela união do proletariado. Transcrevem-se<br />
trechos reveladores do discurso da época quanto à crise do localismo estamental feudal, quanto à<br />
atribuição <strong>de</strong> um certo <strong>de</strong>terminismo originário das necessida<strong>de</strong>s do novo mercado e até mesmo quanto<br />
ao processo <strong>de</strong> uniformização normativa ainda sob o manto dos Estados nacionais: “The discovery of<br />
America, the rounding for the Cape, opened up fresh ground for the rising bourgeoisie. The East Indian<br />
and Chinese markets, the colonization of America, tra<strong>de</strong> with the colonies, the increase in the means of<br />
exchange and in commodities generally, gave to commerce, to navigation, to industry, an impulse never<br />
before known, and thereby, to the revolutionary element in the tottering feudal society, a rapid<br />
<strong>de</strong>velopment. [aqui se visualiza a perplexida<strong>de</strong> com um mercado mundial e com a rapi<strong>de</strong>z das mudanças<br />
8
na abordagem do sistema capitalista mundial iniciado no colonialismo do século XVI.<br />
A referência a empecilhos ao comércio mundial causados por diferenças culturais e<br />
<strong>políticas</strong> entre os Estados nacionais, embora pontual, ainda é mais antiga. 16 São<br />
tão constantes nos discursos atuais da globalização] The feudal system of industry, un<strong>de</strong>r which industrial<br />
production was monopolized by closed guilds, now no longer sufficed for the growing wants of the new<br />
markets.(...) Mo<strong>de</strong>rn industry has established the world market, for which the discovery of America paved<br />
the way. This market has given an immense <strong>de</strong>velopment to commerce, to navigation, to communication<br />
by land. (...) The need of a constantly expanding market for its products chases the bourgeoisie over the<br />
whole surface of the globe. It must nestle everywhere, settle everywhere, establish connections<br />
everywhere. The bourgeoisie has through its exploitation of the world market given a cosmopolitan<br />
character to production and consumption in every country. To the great chagrin of reactionists, it has<br />
drawn from un<strong>de</strong>r the feet of industry the national ground on which it stood. All old-established national<br />
industries have been <strong>de</strong>stroyed or are daily being <strong>de</strong>stroyed. They are dislodged by new industries, whose<br />
introduction becomes a life and <strong>de</strong>ath question for all civilized nations, by industries that no longer work<br />
up indigenous raw material, but raw material drawn from the remotest zones; industries whose products<br />
are consumed, not only at home, but in every quarter of the globe. In place of the old wants, satisfied by<br />
the productions of the country, we find new wants, requiring for their satisfaction the products of distant<br />
lands and climes. In place of the old local and national seclusion and self-sufficiency, we have<br />
intercourse in every direction, universal inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce of nations. (...) The bourgeoisie, by the rapid<br />
improvement of all instruments of production, by the immensely facilitated means of communication,<br />
draws all, even the most barbarian, nations into civilization [o termo po<strong>de</strong>ria ser hoje facilmente<br />
substituído por ‘globalização’] (...) The bourgeoisie has subjected the country to the rule of the towns. It<br />
has created enormous cities, has greatly increased the urban population as compared with the rural. (...)<br />
[daqui se po<strong>de</strong>ria enfatizar a tentativa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma sociologia da globalização como fundada,<br />
<strong>de</strong>ntre outras coisas, na sociologia das gran<strong>de</strong>s metrópoles] Just as it has ma<strong>de</strong> the country <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt on<br />
the towns, so it has ma<strong>de</strong> barbarian and semi-barbarian countries <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt on the civilized ones (...)<br />
[The bourgeoisie] has agglomerated populations, centralized means of production, and has concentrated<br />
property in a few hands. The necessary consequence of this was political centralization. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt, or<br />
but loosely connected provinces, with separate interests, laws, governments and systems of taxation,<br />
became lumped together into one nation, with one government, one co<strong>de</strong> of laws, one national class<br />
interest, one frontier and one customs tariff [este discurso <strong>de</strong> uniformização é perfeitamente aplicável aos<br />
olhares <strong>de</strong> globalização econômica, substituindo-se as províncias por nações e ‘one nation’ por ‘one<br />
market’].” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto of the communist party. p. 69-72. In:<br />
FERNBACH, David (org.). Karl Marx: the revolutions of 1848. Political writings. Vol. 1, New York:<br />
Vintage Books, p. 62-98).<br />
15 Dentro da lógica do globalismo, “Wallerstein substitui, <strong>de</strong> forma radical, a idéia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
individuais fechadas e separadas umas das outras pela idéia oposta <strong>de</strong> um sistema mundial em que todos –<br />
todas as socieda<strong>de</strong>s, todos os governos, todas as empresas, todas as culturas, classes, famílias e indivíduos<br />
– precisam estar situados em uma divisão <strong>de</strong> trabalho. Segundo Wallerstein, este sistema mundial único<br />
que favorece o quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais em escala mundial é realizado pelo capitalismo. A lógica<br />
interna do capitalismo o leva necessariamente a ser global. [§] Surgida na Europa do século XVI, a<br />
dinâmica capitalista absorveu e transformou profundamente novos “continentes” tradicionais, espaços,<br />
nichos <strong>de</strong> vida social. ‘Todo o globo opera <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste quadro e segundo a máxima <strong>de</strong> uma divisão<br />
obrigatória e universal do trabalho, a qual chamamos economia capitalista mundial’ (...) Ao mesmo<br />
tempo, multiplicam-se e aprofundam-se os conflitos do sistema mundial, pois este sistema não produz<br />
apenas riquezas extremas, mas também pobrezas extremas (...) O surgimento <strong>de</strong> crises temporárias,<br />
segundo Wallerstein, conduz a reestruturações que tornam mais concentradas a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a divisão<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. E ao mesmo tempo crescem as contradições do sistema mundial. (...) A lógica interna do<br />
sistema capitalista produz, portanto, integração e <strong>de</strong>composição mundial.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 68-<br />
69). A esta conceituação <strong>de</strong> globalização Beck opõe, <strong>de</strong>ntre outros, o seguinte argumento: “se a<br />
globalização tem início com a <strong>de</strong>scoberta e a conquista do novo mundo por Cristóvão Colombo, então<br />
todo o resto é apenas um capítulo específico do final do século XX. Isto é: o quadro conceitual proposto<br />
por Wallerstein não permite uma <strong>de</strong>terminação histórica da transnacionalida<strong>de</strong>.” (Ibid., p.70).<br />
16 Referindo-se ao constrangimento imposto aos negociantes holan<strong>de</strong>ses <strong>de</strong> pisar o crucifixo quando em<br />
viagem ao Japão para provar que não se ameaçava a religião imperial japonesa, vi<strong>de</strong>: VOLTAIRE,<br />
9
justamente estes sentidos do presente tipo conceitual que <strong>de</strong>ixam um sabor amargo na<br />
boca ao parecerem simplesmente reavivar com nova roupagem os mesmos fenômenos<br />
há muito estudados. 17<br />
1.2.2 Globalização sob parâmetros sócio-culturais<br />
A globalização também po<strong>de</strong> representar o reconhecimento <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> informação, para cuja <strong>de</strong>fesa se alega que, a partir da<br />
evolução das <strong>telecomunicações</strong>, restaria eliminado o monopólio <strong>de</strong> comunicação<br />
interestatal, minando com isso a ortodoxia nacional-estatal por intermédio <strong>de</strong> uma<br />
distinção entre duas fases da política internacional: a era da política internacional<br />
caracterizada pelo monopólio do cenário internacional por parte dos Estados nacionais;<br />
e a era da pós-política internacional, em que os Estados nacionais estariam obrigados a<br />
dividir o cenário do po<strong>de</strong>r global – e não a sair <strong>de</strong> cena 18 – com organizações<br />
internacionais, companhias transnacionais e movimentos políticos e sociais<br />
transnacionais, argumentando-se, assim, com uma necessária autorização silenciosa do<br />
Estado nacional para a globalização em um novo medievalismo 19 centrado na figura <strong>de</strong><br />
Estados transnacionais e direcionado por uma subpolítica transnacional, que abrigaria<br />
diversos atores díspares, como organizações transnacionais (Banco Mundial, Igreja<br />
Católica, Associação Internacional <strong>de</strong> Sociologia, McDonald’s, Volkswagen, cartéis do<br />
tráfico <strong>de</strong> drogas, máfia, a nova Internacional das ONGs) e comunida<strong>de</strong>s transnacionais<br />
(fundadas na religião – como, por exemplo, no Islã –, no saber, em estilo <strong>de</strong> vida – pop<br />
–, no parentesco, nas orientações <strong>políticas</strong> – boicotes <strong>de</strong> consumo) em uma arena em<br />
que digladiam por uma agenda política permeada <strong>de</strong> questões transnacionais (alterações<br />
climáticas, drogas, AIDS, conflitos étnicos, crises financeiras, catástrofes) e <strong>de</strong> eventos<br />
transnacionais (Copa do Mundo, Guerra do Golfo, disputa eleitoral estaduni<strong>de</strong>nse),<br />
enfim, uma política mundial policêntrica, em que haveria um jogo sem cartas marcadas<br />
– uma tensão permanente –, opondo-se à teoria <strong>de</strong> que a última palavra estaria sempre<br />
com o mercado.<br />
A visão dos sentidos <strong>de</strong>ste tipo conceitual aproxima-se dos sentidos<br />
atribuídos antes ao primeiro tipo conceitual analisado neste estudo por partirem <strong>de</strong> um<br />
fator norteador dos <strong>de</strong>mais, embora tenham se afastado dos últimos por atribuírem a dito<br />
fator uma relação polarizada <strong>de</strong> tensão e <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> permanente: riqueza global –<br />
François Marie Arouet <strong>de</strong>. Cândido. 2 a ed., trad. Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes,<br />
1998, p. 21.<br />
17 Esta característica <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> em torno dos conceitos <strong>de</strong> globalização centrados na questão<br />
econômica, nessa “nova versão da velha or<strong>de</strong>m mundial” (CEVASCO, Maria Elisa. Prefácio. p. 15. In:<br />
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001, p.<br />
7-16), não passa <strong>de</strong>spercebida.<br />
18 Segundo Ulrich Beck, “o Estado nacional não envelheceu simplesmente; ele ainda resistirá, e não<br />
apenas para garantir geopolítica e a política interna, os direitos políticos essenciais etc., mas também para<br />
dar forma ao processo <strong>de</strong> globalização e regulá-lo transnacionalmente. Estados nacionais são, portanto,<br />
Estados fortes, cujos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> conformação política nascem a partir <strong>de</strong> respostas cooperativas à<br />
globalização (...) porém apenas e tão-somente na medida em que a política estatal souber compreen<strong>de</strong>r e<br />
utilizar a globalização como um rejuvenescimento.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 192; 200).<br />
19 Ibid., p.199.<br />
10
pobreza local; mobilida<strong>de</strong> do capital – imobilida<strong>de</strong> dos trabalhadores 20 ; capitalismo –<br />
diminuição <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho; evolução tecnológica – fosso tecnológico; segurança<br />
<strong>de</strong> investimentos – enfraquecimento do Estado nacional; consciência ecológica –<br />
<strong>de</strong>svantagens econômicas nacionais; indústria cultural mundial – exposição <strong>de</strong> culturas<br />
locais. Têm seus argumentos fundados na escola inglesa da cultural theory, contraargumentando<br />
a idéia corrente <strong>de</strong> uma McDonaldização do mundo, refutando, portanto,<br />
o significado <strong>de</strong> homogeneização mundial. Seria o entendimento <strong>de</strong> globalização como<br />
um processo antigo, mas com efeitos distintivos recentes oriundos da prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong><br />
causas que se sobressaem.<br />
Fala-se, neste sentido, em uma socieda<strong>de</strong> mundial multicausal na linha<br />
weberiana <strong>de</strong> pluralismo teórico que abrigue aspectos variados no mesmo olhar <strong>de</strong><br />
estudo. A globalização significaria um movimento contingente e dialético entre global e<br />
local numa contraposição receptiva entre estes aspectos 21 pertencente ao campo<br />
temático <strong>de</strong> uma sociologia da globalização 22 , <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo-se que a idéia <strong>de</strong> espaços<br />
isolados seria fictícia, pregando, com isso, a transcendência das fronteiras agora não sob<br />
o enfoque econômico, mas <strong>de</strong> convivência cultural nos seus diversos sentidos –<br />
econômico, político, social. Sob este enfoque, adquire sentido falar em socieda<strong>de</strong><br />
mundial representada pelo conjunto das relações sociais que não estão integradas à<br />
política do Estado nacional ou que não são <strong>de</strong>terminadas por ela, mas por outros fatores,<br />
notadamente, a mídia mundial como teias <strong>de</strong> comunicação interativas e<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Aos Estados nacionais não são reservados espaços <strong>de</strong> atuação<br />
regulamentar <strong>de</strong> controle econômico das empresas em si <strong>de</strong> informação, cuja discussão<br />
<strong>de</strong>scansa no primeiro tipo conceitual <strong>de</strong> globalização <strong>de</strong>scrito, mas em espaços <strong>de</strong><br />
interferência no conteúdo da informação em si. A noção <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial<br />
incorporada à noção <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação entre as esferas locais suscita um efeito<br />
social <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinos, que permite a manifestação <strong>de</strong> fenômenos que<br />
ultrapassam as fronteiras nacionais para se apresentarem como externos às <strong>políticas</strong><br />
nacionais:<br />
11<br />
“formas <strong>de</strong> produção transnacionais e concorrência no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, jornais televisivos globais, boicotes<br />
transnacionais <strong>de</strong> compradores, modos transnacionais <strong>de</strong><br />
vida, crises e guerras ao menos percebidas como ‘globais’,<br />
utilização pacífica e militar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r atômico, <strong>de</strong>struição<br />
ambiental etc”. 23<br />
A globalização, neste sentido, significa um processo em que os Estados<br />
nacionais sofrem interferências cruzadas <strong>de</strong> atores transnacionais em sua soberania,<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicações, enfim, em suas chances <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r como um processo<br />
irreversível iniciado no próprio surgimento dos Estados nacionais. Este sentido é<br />
apontado como o sentido viável à interferência política, por <strong>de</strong>slocar do centro da<br />
discussão política a lógica do globalismo – a centralida<strong>de</strong> da questão econômica. Trata-<br />
20<br />
Sobre a relação entre os proprietários ausentes ou elites extraterritoriais e o restante da população<br />
local, vi<strong>de</strong>: BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Trad. Marcus Penchel,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.<br />
21<br />
BECK, Ulrich. Op. cit., p.157.<br />
22<br />
Ibid., p. 65.<br />
23<br />
Ibid., p. 30.
se da “pluridimensionalida<strong>de</strong> da globalida<strong>de</strong>” 24 entendida a globalida<strong>de</strong> como um<br />
momento que se nega a ce<strong>de</strong>r para um estágio <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>; que se nega a ce<strong>de</strong>r para<br />
um Estado mundial como “condição ineludível do intercâmbio humano neste fim <strong>de</strong><br />
século [XX].” 25<br />
Para esta corrente, a globalização é um processo contraditório. Toda<br />
globalização seria, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-localização, sempre uma relocalização.<br />
26 Adota-se, inclusive, uma nova terminologia <strong>de</strong> fato pouco sonora: a<br />
“glocalização” 27 , significando uma nova consi<strong>de</strong>ração do elemento local 28 , pois não se<br />
concebe nesta teoria a idéia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s individuais isoladas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus<br />
respectivos espaços culturais. É da sua natureza um processo imanentemente dialético<br />
<strong>de</strong> globalização – uma globalida<strong>de</strong>. A estratégia das multinacionais <strong>de</strong> não-construção<br />
<strong>de</strong> fábricas em todas as partes do mundo, mas <strong>de</strong> tornarem-se parte <strong>de</strong> cada uma das<br />
culturas, está expressa no termo localização global e ressalta o caráter <strong>de</strong> aproximação<br />
cultural local <strong>de</strong>mandado no âmbito da globalização. 29 Enfim, a partir dos enfoques<br />
<strong>de</strong>ste segundo tipo conceitual, a globalização potencializaria a diversida<strong>de</strong>, mas<br />
necessariamente qualificada por conexões. A dinâmica <strong>de</strong> centralização – <strong>de</strong> capital, <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> riqueza, <strong>de</strong> tecnologia – geraria <strong>de</strong>scentralização; geraria o<br />
que Beck propõe chamarem-se diferenciações inclusivas 30 . Com base nisso, tudo passa<br />
a interessar. Mesmo o que se encontra fora do espaço territorial nacional <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />
entendido como o outro e passa a ter o sentido <strong>de</strong> nós mesmos, fenômeno visível na<br />
<strong>de</strong>tecção tardia dos chamados direitos difusos, cuja característica provém da<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua apropriação exclusiva pelo particular, ou mesmo <strong>de</strong> sua proteção<br />
por um só Estado; por um só espaço territorial. Há, a partir <strong>de</strong>sta visão, um necessário<br />
redirecionamento dos cidadãos para o eixo global-local, cuja novida<strong>de</strong> advém <strong>de</strong> três<br />
olhares: espacial, <strong>de</strong> ultrapassagem das fronteiras; temporal, <strong>de</strong> sua aceleração; e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> social das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, que se tornam mais reais a cada<br />
manifestação informativa e que coloca em posição paritária diversos acontecimentos do<br />
globo.<br />
Este tipo conceitual origina-se em uma plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong> justificativas, que<br />
partem da ampliação geográfica e da crescente interação do comércio internacional, da<br />
conexão global dos mercados financeiros e do crescimento do po<strong>de</strong>r das companhias<br />
transnacionais e permeiam temas como os da ininterrupta revolução dos meios<br />
tecnológicos <strong>de</strong> informação e comunicação, da exigência universal por direitos<br />
humanos, da pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atores da política mundial, da pobreza mundial, da<br />
<strong>de</strong>struição ambiental e <strong>de</strong> conflitos transculturais localizados. 31<br />
24<br />
Ibid., p. 30. A segunda parte do livro <strong>de</strong> Beck está direcionada ao estudo da pluridimensionalida<strong>de</strong>, das<br />
ambigüida<strong>de</strong>s e dos paradoxos da globalização.<br />
25<br />
Ibid., p. 38.<br />
26<br />
“Global quer dizer – numa tradução menos abstrata – ‘em vários lugares ao mesmo tempo’, ou seja,<br />
translocal [translocal entendido não como sem localização, mas como aquele que compreen<strong>de</strong> o local:<br />
Ibid., p. 125]” (Idid., p. 90).<br />
27<br />
Ibid., p. 66.<br />
28<br />
A “globalização [como visto pela cultural theory] não significa uma globalização unilateral, automática<br />
e unidimensional – uma das inesgotáveis fontes <strong>de</strong> mal-entendidos neste <strong>de</strong>bate. Dentro do âmbito da ‘gworld’<br />
trata-se muito mais <strong>de</strong> uma nova consi<strong>de</strong>ração do elemento local”(Ibid., p.90).<br />
29<br />
Obrigação <strong>de</strong> re-localizar as tradições <strong>de</strong>s-tradicionalizadas <strong>de</strong>ntro do contexto global, do diálogo, do<br />
intercâmbio e do conflito translocais (Ibid., p. 91-92).<br />
30<br />
Ibid., p. 99.<br />
31<br />
Ibid., p.30-31.<br />
12
A socieda<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> que se trata nos sentidos <strong>de</strong>ste tipo conceitual,<br />
socieda<strong>de</strong> esta sem Estado mundial e sem governo mundial, evi<strong>de</strong>ncia uma convivência<br />
global <strong>de</strong>sorganizada no seu culto à diversida<strong>de</strong> e à in<strong>de</strong>terminação na ausência <strong>de</strong> um<br />
po<strong>de</strong>r hegemônico ou regime internacional econômico ou político e, ao mesmo tempo,<br />
<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação do sujeito com um lugar <strong>de</strong>terminado da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> até<br />
hoje cultuado como nacional. Fala-se, então, <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> topoplural 32 nãoterritorial,<br />
não-integrada, não-exclusiva, algo bem distinto das concepções do primeiro<br />
tipo conceitual exposto voltadas à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um movimento uniformizador. Estas<br />
últimas têm seu ponto fraco em ignorar as contratendências, como a influência <strong>de</strong><br />
culturas não-oci<strong>de</strong>ntais no Oci<strong>de</strong>nte. Como resultado dos sentidos do segundo tipo<br />
conceitual <strong>de</strong> pluridimensionalida<strong>de</strong>, há uma tensão constante entre as manifestações da<br />
globalização (sociais, econômicas, ecológicas, <strong>políticas</strong>, culturais) que se contrapõem<br />
umas às outras. Este sentido serve à análise do próprio olhar sociológico, revelando uma<br />
relativa fragilida<strong>de</strong> da concepção <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas como socieda<strong>de</strong>s apartadas<br />
umas das outras por intermédio <strong>de</strong> sua clausura nos espaços dos Estados nacionais, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> nutrem sua homogeneida<strong>de</strong> interna assentadas que estão na padronização<br />
normativa e no encararem-se em sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional nos estritos limites <strong>de</strong> um<br />
container social estatal 33 , dando vazão ao questionamento <strong>de</strong> uma sociologia da<br />
globalização como aquela não atrelada à i<strong>de</strong>ntificação territorial nacional, cujas<br />
manifestações ainda incipientes estariam em “pesquisas sobre migração, passando pela<br />
análise internacional <strong>de</strong> classes, pela política internacional e pela teoria da <strong>de</strong>mocracia,<br />
chegando à cultural theory e à sociologia das gran<strong>de</strong>s metrópoles” 34 .<br />
Este sentimento <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial po<strong>de</strong> ser dissecado em várias<br />
dimensões que o geram: globalização informativa; globalização da informação;<br />
globalização ecológica; globalização econômica do segundo tipo conceitual;<br />
globalização da cooperação ou da produção no trabalho; globalização cultural;<br />
globalização política; globalização das biografias.<br />
O aspecto tecnológico da globalização como socieda<strong>de</strong> mundial é<br />
traduzido pelo termo globalização informativa como re<strong>de</strong> global <strong>de</strong> informação,<br />
representando a perda da soberania <strong>de</strong> informação por parte dos Estados nacionais. Os<br />
ganhos tecnológicos do século XX <strong>de</strong>rrubaram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> monopólio estatal <strong>de</strong><br />
fluxo informativo além fronteiras. O exemplo do discurso do ex-presi<strong>de</strong>nte soviético<br />
Boris Yeltsin em Moscou, do alto <strong>de</strong> um tanque, contra os comunistas sublevados, que<br />
não foi transmitido pelas estações <strong>de</strong> rádio soviéticas, ainda nas mãos dos antigos<br />
comunistas, mas pela CNN via satélite, é revelador. 35 Trata-se <strong>de</strong> conceito centrado no<br />
instrumental da socieda<strong>de</strong> mundial e não nela própria. É a globalização referida por suas<br />
vias <strong>de</strong> comunicação mundial in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do conteúdo <strong>de</strong>stas informações, seja<br />
televisivo ou por rádio fechado ou difusor, seja por sinais analógicos ou digitais, por<br />
terra, por espectro ou por recursos <strong>de</strong> órbita, por fax, telefone ou outro meio multimídia.<br />
Este sentido <strong>de</strong> globalização idolatra os meios <strong>de</strong> transmissão, que possibilitam a<br />
instantaneida<strong>de</strong> dos eventos e está intimamente ligado, embora não se confunda, com a<br />
globalização da informação. Enquanto o primeiro revela a globalização como meio <strong>de</strong><br />
32 “Vida comunitária transnacional significa proximida<strong>de</strong> social apesar da distância geográfica. Ou:<br />
distância social apesar da proximida<strong>de</strong> geográfica” (Ibid., p. 185). Esta novida<strong>de</strong>, entretanto, somente se<br />
vulgariza com os novos meios <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> bens, pessoas e informação.<br />
33 Sobre a chamada teoria do container social, vi<strong>de</strong>: Ibid., p. 52-58.<br />
34 Ibid., p. 56.<br />
35 Ibid., p. 41.<br />
13
interconexão global, este segundo conceito traduz o objetivo <strong>de</strong> livre circulação da<br />
informação como pressuposto da globalização cultural mais a frente esmiuçada.<br />
As <strong>telecomunicações</strong>, portanto, apresentam-se como fundamento <strong>de</strong>stes<br />
dois primeiros tipos conceituais – globalização informativa e da informação – e<br />
constituem “o sistema nervoso central da socieda<strong>de</strong> global” 36 .<br />
Como parte da chamada socieda<strong>de</strong> mundial, há a <strong>de</strong>scrição da<br />
consciência ecológica em seu sentido mais amplo principalmente a partir da<br />
comprovação da indivisibilida<strong>de</strong> entre saú<strong>de</strong> ambiental (coletiva) e individual,<br />
estampada nas cartilhas <strong>de</strong> encontros internacionais no termo sustained <strong>de</strong>velopment<br />
(<strong>de</strong>senvolvimento sustentável). Por intermédio do recurso à esta globalização ecológica,<br />
chega-se ao conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> risco 37 e à criação forçada <strong>de</strong> uma<br />
subpolítica internacional assentada nas evidências ecológicas <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stinos 38 , num incremento da mútua <strong>de</strong>pendência transnacional e, portanto, para além<br />
das fronteiras estatais.<br />
A globalização econômica do segundo tipo conceitual tem sentido<br />
distinto do globalismo exposto anteriormente. Aqui, ela não está <strong>de</strong>notando a i<strong>de</strong>ologia<br />
norteadora da subpolítica transnacional <strong>de</strong> predomínio <strong>de</strong> mercado, mas exatamente<br />
algo logicamente anterior a isto: a consciência social paulatinamente concretizada <strong>de</strong><br />
inter<strong>de</strong>pendência entre os agentes econômicos, a inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>stes frente às<br />
<strong>políticas</strong> <strong>de</strong> governo, como também a inter<strong>de</strong>pendência entre as <strong>políticas</strong> econômicas<br />
estatais, resultando na visualização <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mundial por intermédio da<br />
inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> sua dimensão econômica.<br />
Outro aspecto da socieda<strong>de</strong> mundial, agora menos ligado às idéias e mais<br />
ligado a estrutura, está na globalização da cooperação ou da produção no trabalho.<br />
Decorrente das facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfego <strong>de</strong> dados, paulatinamente o trabalho vai-se<br />
<strong>de</strong>svinculando do aspecto presencial e a transferência <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra torna-se muito<br />
menos onerosa para a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> serviços. 39 Plasma-se a consciência <strong>de</strong> que condições<br />
diferenciadas <strong>de</strong> custos sociais em outro país po<strong>de</strong>m interferir na <strong>de</strong>cisão empresarial <strong>de</strong><br />
fechamento/abertura <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s em <strong>de</strong>terminados espaços estatais e conseqüente<br />
aumento/diminuição do índice <strong>de</strong> empregos nacionais.<br />
Um quinto sentido à globalização encarada sob parâmetros sócioculturais<br />
está na globalização cultural, que vem associada à transformação das culturas<br />
e representada, <strong>de</strong> um lado, por uma hipótese <strong>de</strong> convergência da cultura global, <strong>de</strong><br />
símbolos culturais e <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> convivência, como uma McDonaldização <strong>de</strong> um<br />
36 AKWULE, Raymond. Global telecommunications: the technology, administration and policies.<br />
Boston: Focal Press, 1992, p. 2. Do original: “the central nervous system of global society”.<br />
37 Por socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco, enten<strong>de</strong>-se “uma fase no <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, em que os<br />
riscos sociais, políticos, econômicos e individuais ten<strong>de</strong>m cada vez mais a escapar das instituições para o<br />
controle e a proteção da socieda<strong>de</strong> industrial” (BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott.<br />
Mo<strong>de</strong>rnização reflexiva. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1995, p. 15).<br />
38 Sobre as questões que envolvem esta subpolítica internacional ecológica, vi<strong>de</strong>: BECK, Ulrich. O que é<br />
globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Trad. André Carone. São Paulo:<br />
Paz e Terra, 1999, p. 77-84.<br />
39 Este exemplo é interessante: “São vinte e uma horas e <strong>de</strong>z minutos; no aeroporto berlinense <strong>de</strong> Tegel,<br />
uma voz amável e impessoal anuncia aos passageiros já cansados pela espera que sua aeronave com<br />
<strong>de</strong>stino a Hamburgo finalmente pousou na pista. Quem fala é Angelika B., que está na Califórnia, sentada<br />
diante <strong>de</strong> seu teclado. O serviço <strong>de</strong> comunicação do aeroporto berlinense é transmitido online <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
Califórnia <strong>de</strong>pois das <strong>de</strong>zoito horas locais, por razões tão simples quanto evi<strong>de</strong>ntes: em primeiro lugar, lá<br />
não se paga adicional por serviço noturno, e em segundo, os custos salariais (indiretos) <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong><br />
são muito inferiores aos da Alemanha” (Ibid., p. 43).<br />
14
mundo <strong>de</strong> mercadorias, mediante unificação <strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> símbolos culturais e<br />
<strong>de</strong> formas transnacionais <strong>de</strong> convivência, enquanto, por outro lado, dita globalização<br />
vem <strong>de</strong>finida pela progressiva apresentação das culturas locais em âmbito mundial,<br />
revelando uma dupla via da globalização, que reconheceria a diversida<strong>de</strong> e a abertura<br />
recíproca e permitiria ver-se o mundo como uma imagem plural e verda<strong>de</strong>iramente 40<br />
cosmopolita do outro e <strong>de</strong> si mesmo. É neste sentido que se enfatiza uma socieda<strong>de</strong><br />
mundial sem Estado mundial 41 , ressalvadas críticas à sua possibilida<strong>de</strong>, críticas estas<br />
embasadas na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistemas uniformes para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos humanos<br />
justamente em virtu<strong>de</strong> da construção <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> societária <strong>de</strong>sterritorializada. 42 A<br />
presença <strong>de</strong> culturas transnacionais em lugares não partilhados por suas tradições 43 é<br />
clara evidência das novas questões trazidas por uma socieda<strong>de</strong> culturalmente mundial.<br />
No mesmo contexto <strong>de</strong> orientação do discurso por intermédio da idéia <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong> mundial, po<strong>de</strong>-se falar em globalização política como a afirmação <strong>de</strong> que as<br />
<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado Estado nacional têm: a) que buscar sua socieda<strong>de</strong> fora do<br />
território; 44 b) que contemporizar ou reagir à subpolítica <strong>de</strong>scrita no primeiro tipo<br />
40 Introduziu-se aqui o “verda<strong>de</strong>iramente” para esclarecer que este “cosmopolita” não está à procura <strong>de</strong><br />
nichos culturais para polarização mundial como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Huntington.<br />
41 Por socieda<strong>de</strong> mundial sem Estado mundial enten<strong>de</strong>-se “uma socieda<strong>de</strong> que não está politicamente<br />
organizada e na qual novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> intervenção surgem para os atores transnacionais,<br />
que não possuem legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Isto significa a abertura <strong>de</strong> um novo espaço transnacional da<br />
moralida<strong>de</strong> e da subpolítica, tal como ela se manifesta, por exemplo, nos boicotes <strong>de</strong> compradores, mas<br />
também em questões <strong>de</strong> comunicação e crítica transcultural.” (Ibid., p. 58).<br />
42 Enten<strong>de</strong>ndo-se a globalização como um processo <strong>de</strong> edificação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> societária<br />
<strong>de</strong>sterritorializada a partir da antiga compreensão <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos humanos, chega-se a outra<br />
causa da ruptura das fronteiras pela equivalência <strong>de</strong> preceitos encarnadores <strong>de</strong> direitos humanos. A partir<br />
<strong>de</strong>ste enfoque, a re<strong>de</strong> societária <strong>de</strong>sterritorializada (globalização) teria sido impulsionada pelo fator <strong>de</strong><br />
justiça e legalida<strong>de</strong> associado a fatores <strong>de</strong> segurança internacional e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica internacional,<br />
algo bem distinto do que se abordará como real novida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> transnacional. Seguindo-se o<br />
raciocínio, a existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> societária <strong>de</strong>sterritorializada <strong>de</strong>mandaria a substituição, e não a<br />
extinção, <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong> controle. No estudo das relações internacionais, seriam testemunhas <strong>de</strong>sta<br />
tendência o surgimento das organizações internacionais voltadas a manutenção <strong>de</strong> equilíbrio geopolítico<br />
entre nações (sistema westfaliano, representado mais recentemente pela Ligas das Nações e pela sua<br />
sucessora, a ONU) e, principalmente, das instituições que surgiram no âmbito <strong>de</strong>sta corrente nacional,<br />
mas capazes <strong>de</strong> transcendê-la: os tribunais internacionais, inicialmente militares, que embora apoiados<br />
por Estados, adquirem legitimida<strong>de</strong> por referenciarem-se a direitos tidos cada vez mais como<br />
supranacionais; e a instituições financeiras internacionais voltadas a estabilização econômica mundial<br />
expressas pelo conhecido Sistema Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial).<br />
Po<strong>de</strong>-se ver claramente que esta forma <strong>de</strong> se encarar a globalização não se confun<strong>de</strong> com o que vem<br />
sendo exposto como tipo conceitual B, por privilegiar a tendência <strong>de</strong> instituições globais uniformizadoras.<br />
Para uma exposição que compreen<strong>de</strong> a globalização neste último sentido, vi<strong>de</strong>: ARAGÃO, Eugenio José<br />
Guilherme <strong>de</strong>. Globalização: um processo histórico <strong>de</strong> remotas origens e novos impactos. p. 43; 47; 51.<br />
In: Ser Social, Brasília, Departamento <strong>de</strong> Serviço Social/UnB, n. 8, 1 o semestre <strong>de</strong> 2001, p. 43-58.<br />
43 O exemplo a seguir pertinente a uma cultura africana transnacional é esclarecedor: “Do ponto <strong>de</strong> vista<br />
daqueles que elaboram as danças e as máscaras do ‘carnaval africano’ em Nottingham, a África já não<br />
possui um lugar geográfico. Para eles, a África <strong>de</strong>signa uma visão, uma idéia que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>rivada a<br />
partir <strong>de</strong> uma estética negra. E isto não serve, em última análise, ao objetivo <strong>de</strong> fundar, sustentar e<br />
renovar uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional africana para os negros na Grã-Bretanha. Esta (anti-) África é, no<br />
sentido estrito da palavra, uma ‘comunida<strong>de</strong> imaginada’ (imagined community). Ela serve para romper e<br />
anular a sensação <strong>de</strong> estranhamento dos grupos afro-caribenhos na Inglaterra. Portanto, ‘existe’ uma<br />
África em Nottingham.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 60).<br />
44 Esta característica <strong>de</strong> manifestação política nacional para fora do Estado, que não implique<br />
convencimento em relações tradicionalmente internacionais – e.g. política externa norte-americana –, é<br />
visível na propaganda política mexicana em território norte-americano em face do peso político das<br />
associações <strong>de</strong> migrantes que formam re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio mediante oferecimento <strong>de</strong> serviços especializados,<br />
15
conceitual; c) que reconhecer que o macrorregionalismo convive com<br />
microrregionalismos necessários à manutenção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
interesses locais nas instituições centrais macrorregionais, pois o movimento <strong>de</strong><br />
superação <strong>de</strong> fronteiras nacionais ligar-se-ia a movimentos <strong>de</strong> regionalização e <strong>de</strong> subregionalização,<br />
como ocorre na União Européia.<br />
Finalmente, a globalização das biografias traz a visão da globalização<br />
nos seus efeitos individuais, na topopoligamia transnacional 45 , que faz com que as<br />
contradições expressas na convivência global-local sejam evi<strong>de</strong>nciadas não somente do<br />
lado <strong>de</strong> fora da vida das pessoas em aspectos econômicos, políticos, ou <strong>de</strong> consciência<br />
social, mas no centro da vida <strong>de</strong> cada um, que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser localizada simplesmente no<br />
âmbito geográfico territorial nacional e se apresenta como assentada em distintas<br />
localida<strong>de</strong>s transnacionais. Este sentido é intimamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos discursos <strong>de</strong><br />
novida<strong>de</strong> do mass media, <strong>de</strong> superação do tempo e do espaço a partir <strong>de</strong> uma<br />
programação <strong>de</strong> veiculação <strong>de</strong> espaços e tempos escolhidos e reproduzidos em escala,<br />
fazendo com que residir em um lugar não signifique mais conviver nele e conviver em<br />
um lugar não signifique ter nele domicílio. A globalização das biografias se utiliza <strong>de</strong><br />
uma vida como momento <strong>de</strong> síntese entre mundos antes separados pelo nacionalismo<br />
metodológico da primeira mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, em que “socieda<strong>de</strong> e Estado cobrem um<br />
mesmo espaço e são pensados, organizados e vivenciados como sendo um mesmo<br />
limite” 46 .<br />
1.3 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS IMPRECISOS<br />
A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> significados para os dois tipos conceituais do termo<br />
globalização resulta em certos exageros quando <strong>de</strong>le se projetam conexões causais. O<br />
ambiente propício a isto está localizado nos sentidos <strong>de</strong> globalização voltados à crítica<br />
<strong>de</strong> orientações <strong>políticas</strong> nacionais e internacionais. No afã <strong>de</strong> posicionar-se<br />
i<strong>de</strong>ologicamente contra este ou aquele programa <strong>de</strong> governo, tem-se a pretensão <strong>de</strong><br />
contaminar este discurso político com aparência científica e o que se consegue atingir,<br />
assim, por exemplo, é uma confusão entre históricos <strong>de</strong> questões econômicas com<br />
históricos <strong>de</strong> conformação <strong>de</strong> direitos humanos na proteção <strong>de</strong> esferas individuais. Uma<br />
<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> imprecisão que obscurece os sentidos <strong>de</strong> globalização está na<br />
afirmação do conceito <strong>de</strong> globalização como forma especial <strong>de</strong> aceleração da<br />
mobilida<strong>de</strong> mundial, <strong>de</strong> que a globalização seria a ruptura da “histórica aliança entre<br />
economia <strong>de</strong> mercado, Estado do Bem-Estar Social e <strong>de</strong>mocracia, que legitimou e<br />
integrou, até o presente momento, o mo<strong>de</strong>lo oci<strong>de</strong>ntal e o projeto do Estado nacional<br />
para a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” 47 . A predominância do sentido econômico atribuído à globalização<br />
acaba por transformá-la em panacéia aglutinadora <strong>de</strong> quaisquer argumentos mesmo que<br />
não interligados entre si. Em termos jurídicos, por exemplo, é o Estado do Bem-Estar<br />
Social que rompe com a lógica <strong>de</strong> direitos absolutos supranacionais, trocando-os por<br />
grupos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, assistência advocatícia etc, grupos responsáveis pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
espaços sociais transnacionais. (Ibid., p. 62-64). É sintomática a inexistência sequer <strong>de</strong> estudos que<br />
indiquem algo semelhante na relação turcos-alemães.<br />
45<br />
Ibid., p. 135-136.<br />
46<br />
Ibid., p. 121.<br />
47<br />
Ibid., p. 25-26.<br />
16
expressões normativas intra-nacionais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do Estado nacional, transformando a<br />
leitura dos enunciados normativos em expressões <strong>de</strong> atributos sempre relativos,<br />
objetivos e caracterizados pela exigência <strong>de</strong> prestações positivas estatais <strong>de</strong> índole<br />
concreta e <strong>de</strong> índole normativa para <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas extensões. Sob o ponto <strong>de</strong> vista<br />
das transformações normativas e <strong>de</strong> concepção dos direitos, há nítido <strong>de</strong>staque, a partir<br />
da adoção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los constitucionais analíticos petrificadores <strong>de</strong> núcleos essenciais <strong>de</strong><br />
direitos, entre a categorização dos direitos e a postura estatal <strong>de</strong> intervenção ou<br />
abstenção frente ao mercado, muito embora não se esteja querendo com isso afastar a<br />
íntima relação <strong>de</strong>stas opções com os mo<strong>de</strong>los normativos <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong><br />
competências estatais, estes sim, pertinentes à discussão <strong>de</strong> fundo sobre a transformação<br />
da política <strong>de</strong> bem-estar. Este <strong>de</strong>staque entre aspectos jurídicos e econômicos da<br />
globalização por si só faz aflorar o mal da tendência discursiva uniformizadora <strong>de</strong><br />
perspectivas trazida sob o viés do primeiro tipo conceitual ligado a aspectos puramente<br />
econômicos <strong>de</strong> predomínio mundial do mercado.<br />
Enfim, o termo globalização serve para facilitar afirmações ao remeter a<br />
uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores em um único enunciado e justamente por isso acaba gerando<br />
imprecisão do que se está atacando. As perguntas que o leitor é obrigado a fazer a cada<br />
frase referida à globalização é: que origem histórica pauta a idéia <strong>de</strong> globalização<br />
emanada do autor?; que sentido <strong>de</strong> globalização, <strong>de</strong>ntre inúmeros, está sendo utilizado?;<br />
que efeito <strong>de</strong> que conceito <strong>de</strong> que origem se trata? Isso, por si só, não invalida a<br />
utilização do termo, mas certamente <strong>de</strong>posita no autor o ônus <strong>de</strong> esclarecer<br />
antecipadamente com qual, ou, normalmente, com quais conceitos estará municiando<br />
seu discurso.<br />
1.4 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS EM COMUM<br />
A <strong>de</strong>speito dos excessos na utilização do termo globalização, este tem<br />
certos índices comuns capazes <strong>de</strong> situar o leitor em pressupostos discursivos. A ruptura<br />
das fronteiras dos Estados nacionais bem como a negativa <strong>de</strong> que se vive e interage<br />
<strong>de</strong>ntro dos espaços fechados e mutuamente <strong>de</strong>limitados <strong>de</strong>stes Estados é uma constante<br />
verificável nos diversos significados dos tipos conceituais sintetizados anteriormente. O<br />
pressuposto comum é o da <strong>de</strong>snacionalização do Estado com o questionamento da<br />
uniformização societária que o embasa. Em sentido amplo, globalização seria a<br />
experiência cotidiana da ação sem fronteiras no espectro <strong>de</strong> espaços vivenciais –<br />
economia, informação, ecologia, técnica, cultura, socieda<strong>de</strong> civil –, que transcen<strong>de</strong>m as<br />
distâncias em formas <strong>de</strong> vida transnacionais. Trata-se do <strong>de</strong>sencaixe falado por Gid<strong>de</strong>ns<br />
entre a ativida<strong>de</strong> social e os contextos localizados. 48<br />
48 As três fontes, que, segundo Gid<strong>de</strong>ns, são dominantes do processo <strong>de</strong> radicalização da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
estão expressas: na separação entre tempo e espaço; no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixe;<br />
na apropriação reflexiva do conhecimento. Enten<strong>de</strong>-se por <strong>de</strong>sencaixe dos sistemas sociais o<br />
“<strong>de</strong>slocamento das relações sociais <strong>de</strong> contextos locais <strong>de</strong> interação e sua reestruturação através <strong>de</strong><br />
extensões in<strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> tempo-espaço” (GIDDENS, Anthony. As conseqüências da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Trad. Raul Fiker, São Paulo: Editora Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista, 1991, p. 29). A globalização é,<br />
então, <strong>de</strong>finida como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localida<strong>de</strong>s<br />
distantes <strong>de</strong> tal maneira que acontecimentos locais são mo<strong>de</strong>lados por eventos ocorrendo a muitas milhas<br />
<strong>de</strong> distância e vice-versa.” (Ibid., p. 69).<br />
17
Aqui uma distinção importante para os fins <strong>de</strong>ste estudo. Quando se fala<br />
em neutralização da distância como causa da queda das fronteiras, esta não está<br />
localizada no colonialismo, mas no século XX, por intermédio do domínio tecnológico<br />
<strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> bens e <strong>de</strong> informação – globalização informativa –, gerando o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> uma história artificialmente temporizada 49 ; gerando a radicalização<br />
da reflexivida<strong>de</strong> 50 , que surte efeito na história das idéias, pois a consciência recente<br />
<strong>de</strong>sta transnacionalida<strong>de</strong> na mídia, no consumo, no turismo, no trabalho, no capital, na<br />
comunida<strong>de</strong>, nos riscos ecológicos, que, por óbvio são todos fenômenos antigos, abrem<br />
espaço para a percepção do outro transcultural na própria vida das pessoas, que se<br />
transformam em terrenos férteis à circulação <strong>de</strong> uma indústria cultural global.<br />
Portanto, há pontos relevantes <strong>de</strong>correntes da sistematização dos sentidos<br />
atribuídos ao termo globalização para a discussão das ciências sociais, que ultrapassam<br />
as reações multifacetadas a seus inúmeros significados e vão além dos aspectos <strong>de</strong>las<br />
<strong>de</strong>correntes pertinentes à configuração da política e da economia – primeiro tipo<br />
conceitual com suas inúmeras discussões sobre temas como politização do mercado,<br />
<strong>de</strong>snacionalização da economia, exacerbação do fosso <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> renda,<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exportação, por empresas transnacionais, <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong>ntre<br />
outros – e às reações variadas <strong>de</strong> repúdio e prenúncio <strong>de</strong> cataclismas, <strong>de</strong><br />
renacionalização ou mesmo <strong>de</strong> otimismo no conserto dos malefícios causados pelo<br />
mo<strong>de</strong>lo nacional <strong>de</strong> Estado, todas explicadas por um novo estado <strong>de</strong> polarização antes<br />
centrado em bases territoriais e i<strong>de</strong>ológicas relativamente bem <strong>de</strong>finidas – direita x<br />
esquerda 51 – e agora fixado nos movimentos pró e contra-globalização em todos os seus<br />
sentidos. Embora plurifacetário e muitas vezes redundante, o termo globalização vem<br />
plasmando sentidos capazes <strong>de</strong> aguçar o esforço <strong>de</strong> distinção entre fenômenos<br />
semelhantes.<br />
Se não é possível i<strong>de</strong>ntificar um único sentido para globalização, como<br />
poucos termos o <strong>de</strong>tém, po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que seria ao menos possível i<strong>de</strong>ntificar<br />
o crescimento científico em focalizar seus significados, embora misturados<br />
assistematicamente em um mesmo termo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que capazes <strong>de</strong> funcionar como pano <strong>de</strong><br />
fundo a uma comunicação, mas é precisamente esta postura que leva à utilização sem<br />
pudor da globalização para todo tipo <strong>de</strong> crítica, elegendo-a como culpada do estado <strong>de</strong><br />
coisas e <strong>de</strong> todas as coisas não <strong>de</strong>sejadas no presente; é a personificação do mal não<br />
49 “Os diferentes tempos nas diversas regiões do mundo são compactados num único tempo mundial<br />
normatizado e normativo, o que não se dá apenas porque a simultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventos não-simultâneos<br />
po<strong>de</strong> ser produzida pela mídia, tornando assim todo evento não-simultâneo e talvez local ou regional uma<br />
parte da História Mundial. Isto se dá também porque a simultaneida<strong>de</strong> sincrônica se transforma em nãosimultaneida<strong>de</strong><br />
diacrônica, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sta maneira produzir uma ca<strong>de</strong>ia artificial <strong>de</strong> causas e efeitos”<br />
(Ibid., p. 48).<br />
50 “A reflexivida<strong>de</strong> da vida social mo<strong>de</strong>rna consiste no fato <strong>de</strong> que as práticas sociais são constantemente<br />
examinadas e reformadas à luz <strong>de</strong> informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim<br />
constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 45).<br />
51 Norberto Bobbio <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a persistência da atualida<strong>de</strong> da distinção entre direita e esquerda. Ao contestar<br />
dita afirmação <strong>de</strong> ultrapassagem da dicotomia, permite que a día<strong>de</strong> direita-esquerda seja factível inclusive<br />
para fora dos territórios nacionais e, portanto, útil à classificação i<strong>de</strong>ológica dos movimentos <strong>de</strong><br />
globalização por permitir situá-los em meio a um espaço <strong>de</strong> maior ou menor aproximação aos i<strong>de</strong>ais da<br />
direita ou da esquerda à semelhança da circunstância comum entre Bobbio e alguns <strong>de</strong> seus críticos <strong>de</strong><br />
que cada cidadão se apresentaria como “um sujeito político ‘transversal’ com respeito ao esquema axial<br />
direita-esquerda” (BOBBIO, Norberto. Direito e esquerda: razões e significados <strong>de</strong> uma distinção<br />
política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, São Paulo: Editora da Universida<strong>de</strong> Estadual Paulista (UNESP),<br />
1995, p. 22).<br />
18
mais em nações, mas em idéias, apesar <strong>de</strong> sempre estarem por trás as nações que<br />
albergam os avatares da globalização. Essa postura <strong>de</strong> atingidos por uma maquinação<br />
internacional – ou mesmo supranacional –, faz com que tais discursos se <strong>de</strong>sonerem <strong>de</strong><br />
encontrar os problemas nacionais no interior da própria nação e dos seus valores<br />
historicamente construídos. O globalismo não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa à paralisia<br />
política e à procura pelos outros lados da questão dita global. A idéia por trás <strong>de</strong> se taxar<br />
a globalização como causa difusa <strong>de</strong> todos os problemas é que leva à <strong>de</strong>scrença da sua<br />
utilida<strong>de</strong> científica muito em virtu<strong>de</strong> dos malabarismos mentais que o emprego<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> vários sentidos díspares faz transparecer.<br />
Pelo contrário, o esforço que se <strong>de</strong>ve fazer para encarar seriamente o que<br />
há <strong>de</strong> novo no termo globalização po<strong>de</strong> ser encontrado na <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> raciocínios<br />
capazes <strong>de</strong> iluminar <strong>de</strong> uma nova forma os objetos da pesquisa social. É nesta direção<br />
que se po<strong>de</strong>, por exemplo, <strong>de</strong>tectar a importância do conceito <strong>de</strong> globalização cultural<br />
associado ao <strong>de</strong> globalização da informação e ao <strong>de</strong> simultaneida<strong>de</strong> informativa ou<br />
globalização informativa 52 para a compreensão do diálogo inter- e intra-cultural<br />
iniciado com a <strong>de</strong>scoberta do Novo Mundo. A socieda<strong>de</strong> mundial exposta po<strong>de</strong> servir<br />
<strong>de</strong> parâmetro na <strong>de</strong>finição do outro não como um inimigo, ou amigo, ou inferior, ou<br />
superior, mas como oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento por meio do auto-conhecimento, por<br />
meio da aproximação <strong>de</strong> olhares interculturais. Seria o termo que permitiria a<br />
persistência <strong>de</strong>sta temática antiga do diálogo intercultural; permitiria sua<br />
contextualização no olhar presente <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinos.<br />
19<br />
“Uma caricatura mostra os conquistadores espanhóis<br />
a<strong>de</strong>ntrando o Novo Mundo com suas armas reluzentes.<br />
‘Viemos até aqui’, diz o balão, ‘para conversarmos com<br />
vocês sobre Deus, verda<strong>de</strong> e civilização’. E um grupo <strong>de</strong><br />
nativos perplexos respon<strong>de</strong>: ‘Pois bem, o que o senhor <strong>de</strong>seja<br />
saber?’ (...) A aci<strong>de</strong>z <strong>de</strong>ste humor se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que o<br />
observador sabe mais do que aquilo que a situação revela,<br />
mas o cartunista brinca com esta consciência. O observador<br />
sabe qual o futuro real <strong>de</strong>sta imagem. Ele sabe das<br />
<strong>de</strong>struições e do <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue que vitimou o<br />
mundo graças ao <strong>de</strong>spotismo da consciência que fechou os<br />
olhos para o estrangeiro.” 53<br />
O conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial somente po<strong>de</strong> ser exposto quando os<br />
seus integrantes percebem a si mesmo, embora diferentes e em meio a relações<br />
específicas, partícipes <strong>de</strong> um mesmo mundo <strong>de</strong> forma reflexiva. A socieda<strong>de</strong> mundial<br />
seria, portanto, um horizonte mundial que se abre quando a comunicação comprova sua<br />
realida<strong>de</strong> – conceito <strong>de</strong> globalização informativa. “Por esta medida, a <strong>de</strong>scoberta da<br />
América, as Cruzadas ou a política cosmopolita do século XIX ainda não teriam sido<br />
acontecimentos sócio-mundiais” 54 e eis aqui um parâmetro para se encarar ditos<br />
fenômenos. Por isso, a introdução <strong>de</strong>ste novo olhar reflexivo pelo viés <strong>de</strong> um dos únicos<br />
sentidos realmente inovadores da globalização po<strong>de</strong> ajudar a revelar significados<br />
obscurecidos pela ausência <strong>de</strong> transparência mundial daquele diálogo intercultural do<br />
qual somos todos produtos e que efetivamente impossibilita a sobrevivência <strong>de</strong> um<br />
52 Sobre as conexões entre industrialismo, transformação das tecnologias <strong>de</strong> comunicação, reflexivida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>sencaixe <strong>de</strong> sistemas sociais e globalização cultural, vi<strong>de</strong>: GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 81.<br />
53 BECK, Ulrich. Op. cit., p. 142-143.<br />
54 Ibid., p. 159.
separatismo fundado na idéia utópica <strong>de</strong> enclave – o Eldorado <strong>de</strong> Cândido 55 – ou ilha<br />
paradisíaca – a ilha <strong>de</strong> Utopia <strong>de</strong> Hitlo<strong>de</strong>u 56 –, que flutuaria “muito alta, no meio do mar<br />
violento <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>s, misérias e opressões” 57 , capaz <strong>de</strong> levar o ser humano à virtu<strong>de</strong><br />
pelo seu isolamento, como se pudéssemos, em face <strong>de</strong>stas conquistas <strong>de</strong> ruptura da<br />
artificialida<strong>de</strong> das fronteiras não por uma economia mundial, mas por uma consciência<br />
compartilhada no tempo e no espaço <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mundial reflexiva, ver o outro<br />
sem enxergarmos a nós mesmos.<br />
Tais consi<strong>de</strong>rações não <strong>de</strong>monstram outra coisa senão o caráter central<br />
do aspecto telecomunicacional no contexto da globalização como socieda<strong>de</strong> mundial.<br />
Ciente do papel da globalização informativa e da globalização da informação no<br />
conjunto do segundo tipo conceitual exposto – o <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial –, a política<br />
pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> um país tem, potencialmente, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>, interferindo<br />
no <strong>de</strong>stino e na <strong>de</strong>stinação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e do meio<br />
telecomunicacional, fazer transparecer na consciência política do microrregionalismo da<br />
socieda<strong>de</strong> nacional a virtu<strong>de</strong> política como elemento diretivo do encontro <strong>de</strong> culturas e<br />
<strong>de</strong> sua permanência na socieda<strong>de</strong> mundial.<br />
Para os fins <strong>de</strong>sta tese, será a liberda<strong>de</strong> política o elemento compartilhado<br />
em uma socieda<strong>de</strong> pautada em diversida<strong>de</strong> cultural, mas unida politicamente em relação<br />
ao pressuposto da convivência mundial. Para comparação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong><br />
<strong>públicas</strong> nacionais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, é necessária a eleição <strong>de</strong> uma âncora<br />
conceitual. Para os fins <strong>de</strong>sta tese, ela estará na <strong>de</strong>tecção do exercício <strong>de</strong>sta liberda<strong>de</strong><br />
nas estruturas nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política. Esta virtu<strong>de</strong> política será tratada no capítulo<br />
seguinte.<br />
55 a<br />
VOLTAIRE, François Marie Arouet <strong>de</strong>. Cândido. 2 ed., trad. Maria Ermantina Galvão, São Paulo:<br />
Martins Fontes, 1998, p. 73-86.<br />
56 a<br />
MORUS, Thomas. A Utopia. 3 ed., trad. Ana Pereira <strong>de</strong> Melo Franco, Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Brasília, 1992. A <strong>de</strong>fesa que Morus faz <strong>de</strong> uma filosofia mais sociável e prática <strong>de</strong> reconhecimento do<br />
teatro do mundo, po<strong>de</strong> ser interpretada, no diálogo com Rafael Hitlo<strong>de</strong>u, como a proposta <strong>de</strong> um<br />
equilíbrio a ser alcançado na Europa a partir da visualização <strong>de</strong> um novo mundo capaz <strong>de</strong> sensibilizar,<br />
pela perfeição, o movimento <strong>de</strong> transformação européia, po<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong>screver Utopia como “um dos mais<br />
terríveis libelos revolucionários do século <strong>de</strong>zesseis” (FRANCO, Afonso Arinos <strong>de</strong> Melo. O índio<br />
<strong>brasil</strong>eiro e a Revolução Francesa: as origens <strong>brasil</strong>eiras da teoria da bonda<strong>de</strong> natural. 3 a ed., Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Topbooks, s/a, p. 135). A Utopia, aqui, é o i<strong>de</strong>al inalcançável, que permite revelar os <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong><br />
convivência social impregnados na prática européia. Embora esteja representado na cultura oci<strong>de</strong>ntal<br />
como i<strong>de</strong>al isolado em um espaço e garantido por seu hermetismo, o foco <strong>de</strong> Morus parece muito mais<br />
voltado ao melhoramento moral do povo auxiliado por instituições pensadas e assimiladas naquilo que<br />
elas revelam <strong>de</strong> factível numa dada realida<strong>de</strong> social bem presente.<br />
57<br />
Ibid., p. 139.<br />
20
2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E LIBERTÁRIA E A<br />
WELTANSCHAUUNG DE PREVALÊNCIA DA<br />
LIBERDADE POLÍTICA: ELEMENTOS PARA O<br />
ENCONTRO DA PERSONA TELECOMUNICACIONAL<br />
2.1 INTRODUÇÃO<br />
Abordada a relação entre os conceitos <strong>de</strong> globalização informativa,<br />
informacional e cultural e <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> mundial reflexiva, <strong>de</strong>ve-se dar mais um passo<br />
para precisão conceitual e para orientação teleológica <strong>de</strong>sta tese.<br />
A partir da relação teórica entre os conceitos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica<br />
e <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> libertária, propõe-se ressaltar a centralida<strong>de</strong> da globalização<br />
informativa para superação da tradicional antinomia entre as duas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s.<br />
Procura-se, neste capítulo, i<strong>de</strong>ntificar a relação teórica entre o momento<br />
tecnológico e o momento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> política, ambos <strong>de</strong> representação da<br />
Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a partir do pressuposto <strong>de</strong> que, com o Liberalismo 58 , a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
passou a ser encarada como a Weltanschauung do mundo mo<strong>de</strong>rno.<br />
A importância <strong>de</strong> uma sociologia histórica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> entendida<br />
como base <strong>de</strong> referenciação para construções teóricas voltadas à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />
propostas <strong>de</strong> conhecimento sobre o tema pesquisado é explicitada no chamado momento<br />
a-teórico <strong>de</strong> Mannheim, segundo o qual, ao se procurar implementar análises cognitivas<br />
<strong>de</strong> objetivações estéticas, religiosas ou éticas, enfim, <strong>de</strong> assuntos culturais e<br />
históricos 59 , <strong>de</strong> fenômenos culturais capazes <strong>de</strong> envi<strong>de</strong>nciar entida<strong>de</strong>s sociais (allembracing<br />
entities), anseia-se por conhecimento teórico sobre algo que já possuímos;<br />
sobre o dado; sobre algo a-teórico; sobre a substância primordial da experiência<br />
(primordial stuff of experience) – a Weltanschauung – como ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> toda<br />
postulação teórica. Ao se eleger o pensamento como um meio universal ou ferramenta,<br />
que provê a linguagem pela qual ela mesma po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nunciada 60 , toma-se uma atitu<strong>de</strong><br />
incompatível com uma postura contemplativa subjetiva <strong>de</strong> percepção da forma (formperception),<br />
inibindo-se, com a atitu<strong>de</strong> metódica racionalista, uma compreensão<br />
abrangente por cingir as entida<strong>de</strong>s sociais em domínios precisamente <strong>de</strong>lineados e<br />
separados. Estas fronteiras, entretanto, não são naturais, pois <strong>de</strong>correm tão-somente <strong>de</strong><br />
aproximações teóricas à cultura 61 , ou seja, daquilo <strong>de</strong>scrito por Apel como “abstrações<br />
constitutivas do objeto” 62 , que evi<strong>de</strong>nciam “uma ‘teoria’ parcelada no controle das<br />
58<br />
Aqui entendido como o “triunfo da estratégia <strong>de</strong> reforma racional e consciente visando o inevitável<br />
aperfeiçoamento da estrutura política” (WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Após o liberalismo: em<br />
busca da reconstrução do mundo. Trad. Ricardo Anibal Rosenbusch, Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p.<br />
248).<br />
59<br />
MANNHEIM, Karl. On the interpretation of Weltanschauung. p. 8. In: From Karl Mannheim. New<br />
York: Oxford University Press, 1971, p. 8-58.<br />
60<br />
Ibid., p. 15.<br />
61<br />
Ibid., p. 9.<br />
62<br />
APEL, Karl-Otto. Transformação da filosofia. Vol. I, trad. Paulo Astor Soethe, São Paulo: Edições<br />
Loyola, 2000, p. 14.<br />
21
ciências particulares, como que distribuída em diversos lotes” 63 . Os métodos eleitos<br />
pelas disciplinas culturais 64 , tal como ocorre com as ditas ciências naturais, pre<strong>de</strong>finem<br />
a medida dos respectivos objetos <strong>de</strong> análise e, portanto, somente a constante<br />
referenciação do pesquisador a sua visão <strong>de</strong> mundo (Weltanschauung) <strong>de</strong> uma época – o<br />
espírito <strong>de</strong> seu tempo (Zeitgeist) – lhe permite avaliar a pertinência <strong>de</strong> seu objeto.<br />
22<br />
“Mesmo uma disciplina especializada <strong>de</strong>ntro das<br />
ciências culturais não se po<strong>de</strong> permitir per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a<br />
totalida<strong>de</strong> pré-científica <strong>de</strong> seu objeto, já que ela não po<strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r até mesmo o seu estreito tópico sem recorrer<br />
àquela totalida<strong>de</strong>. Esta é a principal razão porque os estudos<br />
históricos da cultura não se satisfazem com um método<br />
especializado, analítico <strong>de</strong> pesquisa.” 65<br />
Ressalta-se, entretanto, que não se está, com isso, adotando a opinião <strong>de</strong><br />
Mannheim, da superiorida<strong>de</strong> do reino teórico sobre os reinos estético, religioso ou<br />
ético, pois a condição <strong>de</strong> preeminência do conhecimento teórico sobre as outras formas<br />
<strong>de</strong> percepção da substância primordial da experiência – seja esta estética, religiosa ou<br />
ética – afigura-se ela mesma como opção a-teórica. Ela, em si, é uma Weltanschauung<br />
– algo que “<strong>de</strong>scansa fora da província da teoria” 66 –, portanto, insuscetível <strong>de</strong><br />
comprovação no campo teórico que, por natureza, é (<strong>de</strong>)limitado. A própria<br />
argumentação <strong>de</strong> Mannheim, que preten<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a peculiarida<strong>de</strong> da natureza do<br />
pensamento teórico na exclusiva pretensão <strong>de</strong> sobreposição <strong>de</strong> sua lógica em lugar das<br />
<strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> apreensão da experiência 67 , carece <strong>de</strong> fundamentação teórica.<br />
A partir <strong>de</strong>stas constatações, a questão crucial para a metodologia das<br />
ciências culturais está em ver-se ciente das limitações que projeções – disciplinas –<br />
<strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> campos recortados da experiência impõem ao pesquisador e,<br />
principalmente, questionar-se sobre a pertinência, mediante enfrentamentos constantes,<br />
das propostas teóricas com o seu correspon<strong>de</strong>nte substrato a-teórico – o batimento dos<br />
momentos racional e irracional 68 , aqui entendido o momento racional como o modo <strong>de</strong><br />
conhecer oci<strong>de</strong>ntal, kantiano, analítico e metódico pré-<strong>de</strong>limitado por contextos<br />
irracionais do ser-aí (Dasein) hei<strong>de</strong>ggeriano –, propostas estas que sejam capazes <strong>de</strong><br />
traduzir sua Weltanschauung não para confirmá-la, mas para que se possa preservar a<br />
análise cognitiva em patamares dignos <strong>de</strong> ombrear com as <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> percepção<br />
da substância primordial da experiência, por intermédio do reconhecimento <strong>de</strong> que<br />
formulações teóricas, que isolam em campo metódico visões da cultura, são capazes <strong>de</strong><br />
darem frutos por tornarem possível a resposta a questões passíveis <strong>de</strong> generalização.<br />
Mais do que isso, a evidência <strong>de</strong> Dilthey <strong>de</strong> que todo conhecimento é empírico, mas<br />
“está originariamente conectado e validado por nossa consciência (<strong>de</strong>ntro da qual a<br />
63<br />
Id., ibid.<br />
64<br />
MANNHEIM, Karl. Op. cit., p. 10.<br />
65<br />
Ibid., p. 11. Tradução livre do original: “even a specialized discipline within the cultural sciences<br />
cannot afford to lose sight of the pre-scientific totality of its object, since it cannot comprehend even its<br />
narrow topic without recourse to that totality. That is the real reason why the historical studies of culture<br />
could not rest content with a specialized, analytic method of research”.<br />
66<br />
Ibid., p. 12.<br />
67<br />
Ibid., p. 14.<br />
68<br />
MANNHEIM, Karl. Rationalism v. Irrationalism. In: From Karl Mannheim. New York: Oxford<br />
University Press, 1971.
empiria ocorre)” 69 , revela a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ver o mundo humano como “o maior<br />
fenômeno do mundo empírico” 70 e, portanto, passível <strong>de</strong> ser teorizável mediante<br />
conexões regulares. A consciência <strong>de</strong> que o “homem é o cidadão <strong>de</strong> muitos mundos ao<br />
mesmo tempo” 71 abre o importante espaço <strong>de</strong> formulação teórica esclarecedora das<br />
simplificações experienciais produtoras <strong>de</strong> nossos mundos. As objetivações da cultura,<br />
como elas se apresentam imediatamente aos olhos do pesquisador, “são veículos <strong>de</strong><br />
sentido e, portanto, pertencem a esfera racional (embora não à teórica!)” 72 , servindo<br />
como meios <strong>de</strong> revelação da Weltanschauung como unida<strong>de</strong> global que repousa acima e<br />
por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> todas as realizações <strong>de</strong> sentido (objetivações), não cabendo a uma<br />
proposta teórica séria <strong>de</strong>svendar dita unida<strong>de</strong> global, mas traduzi-la(s) o melhor possível<br />
no constante reconhecimento <strong>de</strong> sua infinitu<strong>de</strong> e da perda <strong>de</strong> sentido que uma tradução<br />
unifocal <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> global sempre gera.<br />
Por isso, este capítulo se propõe ainda a evi<strong>de</strong>nciar, a partir <strong>de</strong> uma<br />
possível aproximação do objeto pesquisado – os mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e estaduni<strong>de</strong>nse <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> –, que a relação entre as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s tecnológica e libertária<br />
autorizada pelo conceito <strong>de</strong> globalização informativa representa a preservação <strong>de</strong> um<br />
espaço público complexo <strong>de</strong> interação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s discursivas ligado aos conceitos<br />
<strong>de</strong> globalização informacional e cultural com seu correspon<strong>de</strong>nte reflexo no espaço<br />
geográfico dos Estados nacionais, apresentando a liberda<strong>de</strong> política como um conceito<br />
central <strong>de</strong> comparação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> telecomunicacionais.<br />
2.2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E DA LIBERTAÇÃO<br />
O conceito totalizante <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> 73 , aqui entendido como a<br />
aceitação da normalida<strong>de</strong> da mudança a partir do pressuposto do progresso inexorável<br />
do mundo, apresenta-se insuficiente aos fins <strong>de</strong> precisão dos seus momentos. Tal visão<br />
unidimensional acaba por impor o preconceito <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> do período que se<br />
esten<strong>de</strong>u <strong>de</strong> meados do século XV até, ao menos, o final do século XX. A própria<br />
postura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação do ano <strong>de</strong> 1989 74 (queda do Muro <strong>de</strong> Berlim) como indicador<br />
do fim da assim chamada geocultura (i<strong>de</strong>ologia global) mo<strong>de</strong>rna é enganadora, pois faz<br />
tábula rasa das diferentes mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s em disputa por apresentar-se como a visão <strong>de</strong><br />
mundo mo<strong>de</strong>rna.<br />
Partindo-se, pelo contrário, <strong>de</strong> concepções <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> –<br />
representações conceituais do mo<strong>de</strong>rno –, po<strong>de</strong>-se verificar que sob o fenômeno<br />
69<br />
DILTHEY, W. An introduction to the human studies. (Prefácio, fragmento [1883]), p. 161. In:<br />
RICKMAN, H. P. Dilthey: selected writings. Londres: Cambridge University Press, 1979, p. 159-167.<br />
70<br />
Ibid., p. 165.<br />
71<br />
MANNHEIM, Karl. On the interpretation of Weltanschauung. p. 14. In: From Karl Mannheim. New<br />
York: Oxford University Press, 1971, p. 8-58.<br />
72<br />
Ibid., p. 17.<br />
73<br />
Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> aqui entendida como a “impressão <strong>de</strong> que o novo é bom e <strong>de</strong>sejável, porque vivemos num<br />
mundo <strong>de</strong> progresso em todos os níveis da nossa existência” (WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op.<br />
cit., p. 236). No âmbito político, significa a aceitação do “valor do novo e [da] normalida<strong>de</strong> da mudança”<br />
(Ibid., p. 248).<br />
74<br />
Representativo, segundo Wallerstein, do fim <strong>de</strong> uma era político-cultural <strong>de</strong> “espetacular realização<br />
tecnológica” (Ibid., p. 9).<br />
23
aparentemente monolítico da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ncia-se a convivência tensa <strong>de</strong> ao<br />
menos duas i<strong>de</strong>ologias 75 : a tecnológica; e a libertária.<br />
De um lado, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica expressa a crença generalizada<br />
da inexorabilida<strong>de</strong> do avanço do conhecimento técnico; <strong>de</strong> outro lado, o triunfo da<br />
humanida<strong>de</strong> contra os privilégios vem apresentado como o espírito do tempo da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da libertação. Estas tendências viram-se, em teoria, conciliadas até a<br />
Revolução Francesa, quando as incompatibilida<strong>de</strong>s entre as duas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s<br />
tornaram-se evi<strong>de</strong>ntes no antagonismo liberal 76 entre um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avanço tecnológico<br />
metódico-causal circunscrito por um sistema capitalista internacional e a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> contenção das chamadas classes perigosas. A partir <strong>de</strong> então, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da<br />
libertação passa a ser vista como uma conseqüência do crescimento da riqueza e a<br />
escolha pela precedência <strong>de</strong> um dos lados – tecnológico x libertário – revela uma<br />
questão crucial da política atual.<br />
Esta questão foi i<strong>de</strong>ntificada claramente por Tocqueville, cujo<br />
pensamento ainda visível em sua época invertia os termos <strong>de</strong> hoje da precedência da<br />
questão social sobre a questão política. O capítulo do qual foi tirada a citação a seguir é<br />
ainda mais evi<strong>de</strong>nte e é intitulado ‘Como os franceses quiseram reformas antes <strong>de</strong><br />
querer liberda<strong>de</strong>’:<br />
“Vejo que quando os povos são mal dirigidos<br />
concebem com facilida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> governar-se a si<br />
próprios, mas esta espécie <strong>de</strong> amor da in<strong>de</strong>pendência gerado<br />
por certos males particulares e transitórios trazidos pelo<br />
<strong>de</strong>spotismo nunca é durável; [os franceses] pensavam amar a<br />
liberda<strong>de</strong> quando na realida<strong>de</strong> só odiavam o dono. O que os<br />
povos feitos para serem livres o<strong>de</strong>iam é o próprio mal da<br />
<strong>de</strong>pendência (...) É verda<strong>de</strong> que com o tempo a liberda<strong>de</strong><br />
sempre traz, a quem sabe retê-la, uma vida remediada, o bemestar<br />
muitas vezes, a riqueza. Existem porém tempos on<strong>de</strong> ela<br />
perturba momentaneamente o uso <strong>de</strong> tais bens e outros on<strong>de</strong><br />
só o <strong>de</strong>spotismo permite seu gozo transitório. Os homens que<br />
nela só apreciam estes bens nunca a conservaram por muito<br />
tempo.” 77<br />
É bem verda<strong>de</strong> que a suposição <strong>de</strong> que a Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> possa ser expressa<br />
em dois momentos reciprocamente exclu<strong>de</strong>ntes traduz já, em si, uma opção conceitual<br />
75<br />
As i<strong>de</strong>ologias são aqui inseridas como as respostas possíveis à Weltanschauung (visão <strong>de</strong> mundo)<br />
mo<strong>de</strong>rna pautada pela normalida<strong>de</strong> da mudança; seriam “programas políticos <strong>de</strong>stinados a lidar com a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” (Ibid., p. 86). O aprofundamento das respostas tecnológica e libertária, entretanto, não<br />
significa resumir-se a visão <strong>de</strong> mundo mo<strong>de</strong>rna a tais coor<strong>de</strong>nadas, tratando-se <strong>de</strong> mera opção <strong>de</strong> análise.<br />
Não se olvida a possibilida<strong>de</strong> do mesmo fenômeno ser visto como abrangente <strong>de</strong> agora três correntes que<br />
se formaram em seu interior e a partir <strong>de</strong> sua afirmação fundamental (a normalida<strong>de</strong> da mudança), como,<br />
por exemplo, o da convivência ou do conflito entre as três gran<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ologias do século XIX:<br />
conservadorismo, liberalismo e socialismo. Para uma análise mais aprofundada <strong>de</strong>ste tópico, conferir:<br />
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Três i<strong>de</strong>ologias ou apenas uma? A pseudobatalha da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. In: WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 81-100.<br />
76<br />
A postura liberal originária da Revolução Francesa <strong>de</strong> “convicção <strong>de</strong> que para a história seguir seu curso<br />
natural era preciso engajar-se num reformismo consciente, contínuo e inteligente” (Ibid., p. 85) valorizava<br />
a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da tecnologia como representação mais perfeita do pensamento metódico-científico-causal<br />
<strong>de</strong> mundo, mas temia a exacerbação da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da libertação acusada <strong>de</strong> impor um ritmo <strong>de</strong><br />
mudanças <strong>de</strong>masiado acelerado (Ibid., p. 136 <strong>de</strong> seguintes).<br />
77<br />
TOCQUEVILLE, Alexis <strong>de</strong>. O Antigo Regime e a Revolução. 4ªed., trad. Yvonne Jean, Brasília:<br />
Editora UnB, 1997, p. 160.<br />
24
<strong>de</strong>limitadora. Por isso, tal opção, a partir <strong>de</strong>ste ponto da análise, é colocada sob suspeita<br />
no banco dos réus.<br />
2.3 LIBERTAÇÃO E LIBERDADE: A HERANÇA DAS<br />
REVOLUÇÕES<br />
Há profundas diferenças entre os aspectos libertários atribuídos às<br />
revoluções liberais da segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII.<br />
A noção <strong>de</strong> revolução como o ato <strong>de</strong> fundação, no <strong>de</strong>curso da história, <strong>de</strong><br />
um novo princípio – <strong>de</strong> um hiato temporal – revela a preeminência do valor da novida<strong>de</strong><br />
própria à Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. No entanto, a esta idéia se agregou um ganho conceitual <strong>de</strong> que<br />
a revolução não se resume à libertação da tirania 78 porque ligada intrinsecamente a uma<br />
noção distinta: a <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. 79<br />
Liberda<strong>de</strong> e libertação são fenômenos <strong>de</strong>svinculados, enquanto não se<br />
afiguram adjetivações <strong>de</strong> revolução. A libertação, sob este enfoque, é o livramento do<br />
indivíduo da opressão, da tirania, do <strong>de</strong>spotismo <strong>de</strong> governos que exorbitaram dos seus<br />
po<strong>de</strong>res, que infringiram direitos do sujeito-enquanto-sujeito. A liberda<strong>de</strong>, por sua vez,<br />
é algo mais; é a condição <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong> todos a um modo político <strong>de</strong> vida, que envolve o<br />
rol <strong>de</strong> direitos do sujeito-enquanto-cidadão.<br />
Destas, é a libertação que tem o seu sentido alterado para ver-se<br />
vinculada à liberda<strong>de</strong> na medida em que os ditos direitos civis do sujeito-enquantosujeito,<br />
ou seja, os direitos <strong>de</strong> cunho negativo não se apresentam com o caráter <strong>de</strong><br />
novida<strong>de</strong> exigido para qualificação da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da revolução. Os direitos civis não<br />
78 A tirania é aqui entendida como o banimento dos cidadãos do espaço público. “A tirania, tal como as<br />
revoluções a vieram enten<strong>de</strong>r, era uma forma <strong>de</strong> governo em que o governante, mesmo que governasse <strong>de</strong><br />
acordo com as leis do reino, tinha monopolizado em seu proveito o direito <strong>de</strong> ação, banira os cidadãos do<br />
domínio público para a intimida<strong>de</strong> das suas próprias casas, exigindo-lhes que se ocupassem apenas dos<br />
seus assuntos privados. A tirania, por outras palavras, privou as pessoas da felicida<strong>de</strong> pública, embora não<br />
necessariamente do bem-estar privado, enquanto uma república concedia a todo o cidadão o direito a<br />
tornar-se ‘um participante no governo dos assuntos a resolver’, o direito <strong>de</strong> ser visto em ação (...). [A<br />
espera pelo momento <strong>de</strong> persuadir e ser persuadido] o aplauso, a expressão <strong>de</strong> aclamação, a ‘consi<strong>de</strong>ração<br />
do mundo’” (ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Trad. I. Morais, Lisboa: Relógio D’Água Editores,<br />
2001, p. 159-161. [Original: On revolution, 1963]).<br />
79 A revolução, enquanto acontecimento histórico cronológico, é tida como o momento <strong>de</strong> libertação do<br />
antigo capaz <strong>de</strong> abrir espaço para a fundação <strong>de</strong> um novo começo; “um novo princípio” (Ibid., p. 24).<br />
Neste sentido, enten<strong>de</strong>-se a revolução como o “hiato lendário entre o fim e o início, entre um já não e um<br />
ainda não” (Ibid., p. 254), levando à improprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> data à sua ocorrência, pois se assim<br />
fosse, estar-se-ia fazendo o impossível, atribuindo-se “uma data ao hiato no tempo em termo <strong>de</strong><br />
cronologia, ou seja, <strong>de</strong> tempo histórico” (I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m). Por outro lado, em termos <strong>de</strong> compreensão<br />
histórica, as revoluções do século XVIII agregaram ao conceito revolucionário o princípio que nela<br />
encontrou seu começo: “o aparecimento da liberda<strong>de</strong>: em 1793, quatro anos <strong>de</strong>pois da eclosão da<br />
Revolução Francesa, numa altura em que Robespierre pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o seu governo como ‘o <strong>de</strong>spotismo da<br />
liberda<strong>de</strong>’ sem recear ser acusado <strong>de</strong> proferir paradoxos, Condorcet resumiu aquilo que todos já sabiam.<br />
‘O adjectivo revolucionário só se po<strong>de</strong> aplicar à revolução cujo objectivo seja a liberda<strong>de</strong>’” (Ibid., p. 33).<br />
Portanto, utilizando-se <strong>de</strong> uma visão compreensiva, a idéia <strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> e a experiência <strong>de</strong> um novo<br />
princípio <strong>de</strong>vem coincidir tornou-se essencial para a <strong>de</strong>finição das revoluções mo<strong>de</strong>rnas, não bastando<br />
para a caracterização da revolução os adjetivos <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>, começo e violência (Ibid., p. 55).<br />
25
agradam por seus próprios encantos. 80 Por seu aspecto negativo – <strong>de</strong> limitação da<br />
ingerência estatal nas esferas jurídicas dos indivíduos –, <strong>de</strong>positam sua fecundida<strong>de</strong> no<br />
espaço que abrem para a ação política; para o fazer-se partícipe da cultura humana. O<br />
discursar, o <strong>de</strong>cidir, o negociar, o pensar e o persuadir somente se apresentam como<br />
verda<strong>de</strong>iras realizações do ser para com o contexto <strong>de</strong> sua sociabilida<strong>de</strong> quando esta<br />
sociabilida<strong>de</strong> é aberta à sua persona-cidadã. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações, enquanto<br />
adjetivações das revoluções mo<strong>de</strong>rnas, os termos libertação e liberda<strong>de</strong> vêem-se<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, embora seja a liberda<strong>de</strong> a que ostente o valor diretivo do conceito<br />
revolucionário.<br />
26<br />
“Para <strong>de</strong>screver o fenômeno da revolução, a violência é tão<br />
pouco a<strong>de</strong>quada como a mudança; só po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong><br />
revolução quando ocorre mudança no sentido <strong>de</strong> um novo<br />
começo, on<strong>de</strong> a violência é empregada para constituir uma<br />
forma <strong>de</strong> governo completamente diferente, para conseguir a<br />
formação <strong>de</strong> um novo corpo político on<strong>de</strong> a libertação da<br />
opressão visa, pelo menos, a constituição da liberda<strong>de</strong>” 81<br />
A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão da dissociação entre as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s<br />
tecnológica e libertária, após a Revolução Francesa, <strong>de</strong>corre exatamente da ambigüida<strong>de</strong><br />
do conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da libertação. Enquanto ela significar o triunfo da<br />
humanida<strong>de</strong> contra os privilégios do sujeito-como-sujeito, ou, em outras palavras, do<br />
sujeito encarado em sua versão integral como titular dos tradicionais direitos civis <strong>de</strong><br />
status negativus, ela não entrará em choque com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica, pelo<br />
contrário, estará em sintonia com ela por garantir os espaços <strong>de</strong> iniciativa individual.<br />
Somente sob o enfoque da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da libertação como o triunfo da humanida<strong>de</strong><br />
contra os privilégios do sujeito-enquanto-cidadão é que a Revolução Francesa marca a<br />
ruptura entre as duas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s. O pensamento da contra-revolução passou a<br />
satisfazer-se com a representação política como o momento mais próximo da confusão<br />
possível entre legisladores e legislados e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> persistência dos i<strong>de</strong>ais<br />
revolucionários <strong>de</strong> introdução <strong>de</strong> um novo modo político sucumbiram às <strong>de</strong>mandas reais<br />
relativas à questão social francesa: a “abdicação da liberda<strong>de</strong> perante a ditadura da<br />
necessida<strong>de</strong>” 82 , algo que <strong>de</strong>morou mais tempo a ser implantado no mo<strong>de</strong>lo norteamericano,<br />
mas que finalmente se concretizou como uma ditadura da necessida<strong>de</strong><br />
artificialmente criada. 83<br />
Os dois sentidos revelados da libertação permitem dizer que foi a<br />
urgência da libertação do jugo da necessida<strong>de</strong> que guiou a Revolução Francesa,<br />
enquanto foi a libertação da tirania e a fundação da liberda<strong>de</strong> que regeu, ao menos em<br />
um primeiro momento, a Revolução Americana. 84 A libertação da necessida<strong>de</strong> sem o<br />
seu vínculo mo<strong>de</strong>rno necessário à constitutio libertatis levou Roberspierre a chamar <strong>de</strong><br />
virtu<strong>de</strong> o esforço <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> dos representantes com a condição <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong><br />
privada do povo, tomando o rumo <strong>de</strong> afastamento da felicida<strong>de</strong> pública ou, em outras<br />
80 Ibid., p. 38.<br />
81 Ibid., p. 40.<br />
82 Ibid., p. 74.<br />
83 Mais a frente, quando do esmiuçamento da visibilida<strong>de</strong> política como fundamento da conquista <strong>de</strong><br />
espaço público, este tema será esclarecido. Conferir, para tanto, o texto correspon<strong>de</strong>nte à nota 106, p. 45.<br />
84 Ibid., p. 112.
palavras, da constituição do espaço político. 85 A sobrevalorização do bem-estar social<br />
encobriu o espetáculo principal: relegou-se ao futuro o alcance da felicida<strong>de</strong> pública da<br />
liberda<strong>de</strong> política para engendrarem-se esforços unicamente na solução das<br />
necessida<strong>de</strong>s materiais da vida.<br />
2.4 UNANIMIDADE DO POVO E VONTADE GERAL: A<br />
DESTRUIÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO (A PERVERSIDADE DA<br />
NECESSIDADE FRENTE À LIBERDADE)<br />
O predomínio do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> libertação do jugo da necessida<strong>de</strong> por sobre<br />
o alcance da liberda<strong>de</strong> política vem evi<strong>de</strong>nciado pela inserção nas constituições liberais<br />
da formulação do po<strong>de</strong>r constituinte em nome do povo 86 e não em nome da república. A<br />
personificação do po<strong>de</strong>r evi<strong>de</strong>nciou sua força na tradução da antiga raison d’état pela<br />
volonté generale <strong>de</strong> Rousseau, mais precisamente pela unanimida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> geral do<br />
povo como um expediente elaborado <strong>de</strong> substituição da vonta<strong>de</strong> do rei por a <strong>de</strong> uma<br />
multidão uniforme: “a vonta<strong>de</strong> geral não era mais nem menos do que aquilo que ligava<br />
muitos num só” 87 .<br />
A semelhança entre as posturas monárquica e populista salta à vista<br />
quando se perquire pelo fundamento <strong>de</strong>sta unanimida<strong>de</strong> – o mesmo fundamento do<br />
extremismo político do início do século XX: o inimigo nacional. Confiou-se no po<strong>de</strong>r<br />
unificador do inimigo nacional, porque comum à nação, mas em termos mais elaborados<br />
que os adotados por Schmitt no seu conhecido <strong>de</strong>cisionismo. O fundamento <strong>de</strong><br />
Rousseau residia na i<strong>de</strong>ntificação do inimigo não no exterior da nação, mas no interior<br />
<strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus componentes como a soma total dos interesses particulares, que<br />
<strong>de</strong>veriam ser superados em nome do todo. Assim, a opinião pública, que se insere no<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> política como a opinião publicamente acordada, passa a significar<br />
um consentimento geral <strong>de</strong> esmagamento do âmbito privado e, com ele,<br />
conseqüentemente, do próprio espaço público. A república do povo transforma-se em<br />
um contrasenso em <strong>de</strong>trimento do significativo silêncio e solidão da mera república. A<br />
república do povo é a forma <strong>de</strong> governo que <strong>de</strong>ixou prevalecer o jugo da necessida<strong>de</strong><br />
por sobre a necessida<strong>de</strong> da liberda<strong>de</strong> e gerou a perda do sentido político das ações<br />
<strong>de</strong>senvolvidas em torno da política. O jugo da necessida<strong>de</strong> traz consigo os termos<br />
correlatos da felicida<strong>de</strong> privada e do bem-estar e encontra uma perfeita aliança com o<br />
governo representativo, que mais do que um expediente técnico <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
populações, é o meio eficaz <strong>de</strong> limitação do exercício político. Interesse e bem-estar<br />
po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>legados e, portanto, representados. Ação política e opinião, não, pois estas<br />
85 “Virtu<strong>de</strong> significava ter em mente o bem-estar do povo, i<strong>de</strong>ntificar os seus próprios <strong>de</strong>sejos com os<br />
<strong>de</strong>sejos do povo – il faut une volonté UNE – e este esforço era dirigido antes <strong>de</strong> tudo à felicida<strong>de</strong> da maior<br />
parte [não à felicida<strong>de</strong> pública]” (Ibid., p. 90-91).<br />
86 “Pela primeira vez, a palavra [povo] abrangia mais do que aqueles que não participavam do governo,<br />
não os cidadãos mas a camada inferior do povo. A própria <strong>de</strong>finição nasceu da compaixão, e o termo<br />
tornou-se equivalente <strong>de</strong> infortúnio e infelicida<strong>de</strong> – le peuple, les malheureux m’applaudissent...” (Ibid.,<br />
p. 91).<br />
87 Ibid., p. 94.<br />
27
não se cristalizam antes do engajamento na discussão 88 ; antes da participação efetiva<br />
perante os argumentos, o que as projeta necessariamente para fora das limitadas<br />
instituições <strong>de</strong> governo, como também para fora <strong>de</strong> instituições da socieda<strong>de</strong> civil<br />
pretensamente reunidoras da virtu<strong>de</strong> política. 89 Neste ponto, a representação conflita<br />
com a ação e participação. 90 A invasão do domínio público pela socieda<strong>de</strong> corrói os<br />
valores originariamente políticos e os substitui por valores sociais, que certamente estão<br />
ligados a <strong>de</strong>cisões <strong>políticas</strong>, mas quando se sobrelevam ao jogo político, anulam as<br />
garantias <strong>de</strong> persistência do espaço <strong>de</strong> exercício da cidadania. 91<br />
28<br />
“Este governo é <strong>de</strong>mocrático na medida em que o bem-estar<br />
popular e a felicida<strong>de</strong> pública são os seus principais<br />
objetivos; mas ele po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> oligárquico no<br />
sentido em que a felicida<strong>de</strong> pública e a liberda<strong>de</strong> pública se<br />
tornaram, <strong>de</strong> novo, o privilégio <strong>de</strong> poucos.” 92<br />
Com isso, não se quer dizer que o Estado <strong>de</strong>vesse abrir mão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>liberações <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> cunho social. Significa tão-somente que este não é um tema<br />
que resuma a vida pública, ou seja, que a <strong>de</strong>liberação política <strong>de</strong> cunho social, quando<br />
preten<strong>de</strong> representar o conceito global da vida pública, idolatra uma “socieda<strong>de</strong> que tem<br />
pervertido todas as virtu<strong>de</strong>s [<strong>políticas</strong>] em valores sociais” 93 , recaindo no gran<strong>de</strong> erro da<br />
Revolução Francesa <strong>de</strong> procurar “a emancipação do povo não qua cidadãos do futuro,<br />
mas qua malheureux” 94 ; <strong>de</strong> “confundir felicida<strong>de</strong> pública e bem-estar privado” 95 ,<br />
dando-se razão à afirmação <strong>de</strong> Tocqueville da primeira meta<strong>de</strong> do século XIX <strong>de</strong> que<br />
“quem procura na liberda<strong>de</strong> outra coisa que ela própria, foi feito para a servidão” 96 . A<br />
política não é o espaço <strong>de</strong> libertação das necessida<strong>de</strong>s da vida. Ela é justamente uma das<br />
88<br />
“Neste sistema, as opiniões do povo são certamente in<strong>de</strong>termináveis, pela simples razão <strong>de</strong> que não<br />
existem. As opiniões são formadas num processo <strong>de</strong> discussão aberta e <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate público” (Ibid., p. 331).<br />
Burke partilha do mesmo diagnóstico, embora receite outro tratamento: o <strong>de</strong> que a garantia dos mandatos<br />
livres dos representantes seria o único meio <strong>de</strong> emanação <strong>de</strong> juízos ao invés <strong>de</strong> opiniões <strong>de</strong>rivadas da<br />
submissão servil e do populismo. A afirmação <strong>de</strong> Burke aos seus eleitores, em Bristol, sobre a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter o representante <strong>de</strong>mocrático afastado, em suas <strong>de</strong>cisões, da vonta<strong>de</strong> popular, é<br />
esclarecedora: “Vosso representante <strong>de</strong>ve a vós não somente sua indústria, senão seu juízo, e vos atraiço,<br />
em vez <strong>de</strong> vos servir, se se sacrifica a vossa opinião” (BURKE, Edmund. Discurso aos eleitores <strong>de</strong><br />
Bristol. p. 20. In: A Representação. Brasília: Fundação Projeto Rondo e Ministério da Educação, s/a, p.<br />
19-22).<br />
89<br />
“A opinião pública, <strong>de</strong>vido à sua uninimida<strong>de</strong>, provoca uma oposição unânime, e <strong>de</strong>ste modo mata as<br />
opiniões verda<strong>de</strong>iras em toda a parte (...). [A opinião pública unânime significa] a morte <strong>de</strong> todas as<br />
opiniões” (ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Trad. I. Morais, Lisboa: Relógio D’Água Editores,<br />
2001, p. 278-281).<br />
90<br />
Ibid., p. 336.<br />
91<br />
Liberda<strong>de</strong> pública, felicida<strong>de</strong> pública ou espírito público foram suplantados pela ausência da<br />
recordação do ato fundador da república norte-americana: “O que <strong>de</strong>les restou neste país [EUA], após o<br />
espírito revolucionário ter sido esquecido, foram liberda<strong>de</strong>s civis, o bem-estar individual do maior<br />
número e a opinião pública como a principal força que governa uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática igualitária.”<br />
(Ibid., p. 272). No momento da pressão para <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> bem-estar, o votante atua sob “impru<strong>de</strong>nte<br />
coação com que um chantagista força a sua vítima à obediência [mais do que sob] o po<strong>de</strong>r que provém da<br />
ação e da <strong>de</strong>liberação conjuntas” (Ibid., p. 331).<br />
92<br />
Ibid., p. 332.<br />
93<br />
Ibid., p. 340.<br />
94<br />
Ibid., p. 135.<br />
95<br />
Ibid., p. 157.<br />
96<br />
TOCQUEVILLE, Alexis <strong>de</strong>. O Antigo Regime e a Revolução. 4ªed., trad. Yvonne Jean, Brasília:<br />
Editora UnB, 1997, p .160.
necessida<strong>de</strong>s da vida 97 na sua representação política (<strong>de</strong> persona); é o chamamento para<br />
o <strong>de</strong>sempenhar <strong>de</strong> mais um papel. 98<br />
2.5 NASCIMENTO DE UM NOVO ESPAÇO POTENCIALMENTE<br />
PÚBLICO E O MEIO TELECOMUNICACIONAL<br />
O problema político fundamental não parece estar, portanto, na opção por<br />
uma ou outra vertente <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação para promoção <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> privados, ou<br />
mesmo, <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> seu bem-estar, mas no chamamento à formação <strong>de</strong><br />
opiniões; na abertura <strong>de</strong> espaço público, cuja existência é inviável no parlamento, para<br />
discussão aberta e para o <strong>de</strong>bate político capaz <strong>de</strong> gerar opiniões dos cidadãos; capaz <strong>de</strong><br />
fazê-los próximos à felicida<strong>de</strong> pública.<br />
É na constatação <strong>de</strong>sta necessida<strong>de</strong> política que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
tecnológica, ou mais precisamente um <strong>de</strong>terminado ganho <strong>de</strong> técnica po<strong>de</strong> vir ao<br />
encontro <strong>de</strong>ste horizonte perdido. A constatação <strong>de</strong> insuficiência das instituições físicas<br />
<strong>de</strong> congregação corporativa, mesmo que alcançado o grau mais elevado <strong>de</strong><br />
representação política, para exercício da felicida<strong>de</strong> pública evi<strong>de</strong>ncia que a opção por<br />
uma comunida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> interlocução política <strong>de</strong>ve ce<strong>de</strong>r à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
comunida<strong>de</strong> virtual <strong>de</strong> argumentação política mais próxima, em razão <strong>de</strong> sua menor<br />
limitação espacial, <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> argumentação política.<br />
97 Atente-se para o fato <strong>de</strong> que a concepção da liberda<strong>de</strong> política como uma necessida<strong>de</strong> da vida, não<br />
significa resumi-la a uma necessida<strong>de</strong>, pois, em termos hegelianos, o aspecto <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se<br />
reveste a liberda<strong>de</strong> política não elimina, ao contrário, possibilita a consciência da liberda<strong>de</strong> política como<br />
uma <strong>de</strong>cisão do querer em integrar verda<strong>de</strong>iramente uma comunida<strong>de</strong> política <strong>de</strong> iguais, ou seja, não é<br />
uma submissão à contingência, mas um reconhecimento da igualda<strong>de</strong>. Ser, ao mesmo tempo, uma<br />
submissão às contingências e uma emancipação é o conteúdo <strong>de</strong> fundo da noção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em sua<br />
natureza dialética hegeliana. Quando a consciência da liberda<strong>de</strong> política amadurece, vendo a realida<strong>de</strong> das<br />
coisas como reflexos <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iguais, surge a liberda<strong>de</strong> emancipada das contingências<br />
como razão que passa a <strong>de</strong>finir e julgar a necessida<strong>de</strong> dos bens do mundo. Enten<strong>de</strong>ndo que nenhum bem é<br />
absolutamente necessário em face da infinita extensão da unida<strong>de</strong>, “a razão (...) dá à vonta<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
eleger o que esta queira” (PECCI, Giocchino [Papa Leão XIII]. Literae encyclicae: libertas. Santa Sé: s/e,<br />
1888, § 3º. Obtido na página eletrônica oficial do Vaticano em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. On-line:<br />
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_20061888_libertas_it.html. Do original: “La<br />
ragione (…) conce<strong>de</strong> alla volontà il potere di scegliere ciò che preferisce”). A liberda<strong>de</strong>, então, passa a ser<br />
o reconhecimento da possibilida<strong>de</strong> da opção; da <strong>de</strong>svinculação entre os objetos materiais e a satisfação da<br />
necessida<strong>de</strong> da alma. Enfim, quando a liberda<strong>de</strong> se apresenta, em si, como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar a<br />
realida<strong>de</strong>, é porque já está liberta <strong>de</strong>la.<br />
98 O trecho a seguir é esclarecedor da necessária salvaguarda do domínio político da questão social: “Todo<br />
o domínio tem a sua original e mais legítima fonte no <strong>de</strong>sejo do homem se emancipar a si próprio das<br />
necessida<strong>de</strong>s da vida, e os homens alcançaram tal libertação por intermédio da violência, forçando os<br />
outros a suportarem o fardo da vida por eles. Isto foi o âmago da escravatura e foi apenas o aparecimento<br />
da tecnologia, e não o aparecimento das idéias <strong>políticas</strong> como tais, que refutou a velha e terrível verda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> que apenas a violência e o domínio sobre os outros po<strong>de</strong>ria tornar alguns homens livres. Nada,<br />
po<strong>de</strong>mos dizê-lo hoje, po<strong>de</strong>ria ser mais obsoleto do que tentar libertar a humanida<strong>de</strong> da pobreza [não da<br />
miséria] por processos políticos; nada seria mais vão e mais perigoso. (...) O resultado [da Revolução<br />
Francesa] foi que a necessida<strong>de</strong> invadiu o domínio político, o único domínio em que os homens po<strong>de</strong>m<br />
ser verda<strong>de</strong>iramente livres.” (ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 139).<br />
29
As <strong>telecomunicações</strong>, como agregado <strong>de</strong> conhecimento técnico das<br />
aquisições metódico-causais-científicas, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> meio para um<br />
espaço político, on<strong>de</strong> a persona exercite a discussão, a persuasão, a argumentação,<br />
enfim, e a conseqüente formação <strong>de</strong> opiniões. Sem se a<strong>de</strong>ntrar no perigoso caminho <strong>de</strong><br />
uma pretensa <strong>de</strong>scoberta da salvação política em um meio valorativamente inerte, o fato<br />
é que a mera cogitação da utilização <strong>de</strong> seu espaço potencialmente público pela<br />
liberda<strong>de</strong> política justifica a preocupação com o papel outorgado à regulação <strong>de</strong>ste<br />
espaço. Daí a centralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta discussão conceitual para a tese em sua pretensão <strong>de</strong><br />
comparação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los reguladores das <strong>telecomunicações</strong> entre Brasil e Estados<br />
Unidos da América. Fala-se, portanto, <strong>de</strong> uma regulação dirigida pelo valor da liberda<strong>de</strong><br />
pública ao invés <strong>de</strong> orientada à crença da pura libertação <strong>de</strong> grilhões estatais – a<br />
extremação dos direitos civis da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, <strong>de</strong> imprensa, <strong>de</strong> associação,<br />
<strong>de</strong> investimentos... –, enfim, uma regulação que transforme o veículo aberto da re<strong>de</strong><br />
telecomunicacional em um veículo virtuoso <strong>de</strong> integração política por meio <strong>de</strong> um<br />
chamamento interno à persona política <strong>de</strong> cada qual.<br />
Para não se incorrer em idolatria, insiste-se no seguinte ponto: o meio<br />
telecomunicacional não é substituto do espaço público, que <strong>de</strong>manda <strong>de</strong>liberação, mas<br />
um seu fomentador. Ele é a <strong>de</strong>mocratização possível da política sem que ela se<br />
transforme em ‘une volonté UNE’; é a seara aparentemente mais a<strong>de</strong>quada, que foi<br />
aberta pelos tempos mo<strong>de</strong>rnos tecnológicos, à formação das opiniões.<br />
30<br />
“As opiniões surgirão por toda a parte em que os homens<br />
comuniquem livremente uns com os outros e tenham direito<br />
<strong>de</strong> possuir as suas idéias <strong>políticas</strong>; mas estas idéias, na sua<br />
infindável varieda<strong>de</strong>, parece terem também necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
purificação e <strong>de</strong> representação.” 99<br />
No ‘direito <strong>de</strong> possuir as suas idéias <strong>políticas</strong>’ está um dos fins claros a<br />
serem preservados no meio telecomunicacional. Em outras palavras, a segunda assertiva<br />
<strong>de</strong> Hannah Arendt na transcrição acima não é contraditória com o contexto <strong>de</strong> sua obra.<br />
Ela indica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação <strong>de</strong> uma dimensão <strong>de</strong>stacada da pessoa integral<br />
para que esta persona possa ser representada em público. Para os fins <strong>de</strong>sta tese,<br />
interessa a persona telecomunicacional, que exercita sua virtu<strong>de</strong> política para formação<br />
<strong>de</strong> opiniões, que regarão o espaço público institucional pautado em uma outra<br />
representação concebida em termos tradicionais <strong>de</strong> representação indireta. O espaço<br />
telecomunicacional obviamente não vem substituir o espaço <strong>de</strong> elitização política, mas<br />
viabilizar a política para aproximá-la da via representativa por intermédio do<br />
alastramento da discussão pública. Para que seja político, entretanto, em meio ao<br />
domínio privado, resta um papel <strong>de</strong> primordial importância ao Estado, ou às suas<br />
associações, <strong>de</strong> regular o espaço público telecomunicacional, revigorando uma função<br />
governamental há muito esquecida nos assuntos internos: a <strong>de</strong> possibilitar aos cidadãos<br />
espaços públicos, ou seja, reconhecer as “se<strong>de</strong>s <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s e protegê-las” 100 . O meio<br />
telecomunicacional po<strong>de</strong> se afigurar como a alternativa ao sistema representativo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>legação administrativa ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pelo voto para a possibilida<strong>de</strong> do<br />
exercício político pari passu à <strong>de</strong>liberação política institucional, cumprindo a função <strong>de</strong><br />
renovação da face política dos seres hoje nacionais em um processo infinito <strong>de</strong><br />
99 Ibid., p. 280.<br />
100 Ibid., p. 314.
discussão e <strong>de</strong> argumentação. Aqui está a possibilida<strong>de</strong> do cidadão ser persona política,<br />
<strong>de</strong> agir por si próprio e <strong>de</strong> participar nos negócios públicos, enfim, da sua plena<br />
“comparticipação no po<strong>de</strong>r público” 101 , no dia-a-dia do fenômeno político, e não só nas<br />
eleições. A partir do enfoque analisado, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
pa<strong>de</strong>cer <strong>de</strong> sua sina <strong>de</strong> perdição do indivíduo perante o jugo das necessida<strong>de</strong>s; da crença<br />
no “rápido e constante crescimento econômico, isto é, <strong>de</strong> uma expansão constantemente<br />
crescente do domínio privado” 102 .<br />
A dicção constitucional <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1988 abre espaço ao espaço público<br />
não-institucional 103 , revelando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvação da persona-cidadã da letargia<br />
e do <strong>de</strong>sprezo pelos negócios públicos, pois proporcionou a liberda<strong>de</strong> pública não só ao<br />
corpo <strong>de</strong> representantes, mas ao povo em si. 104 Não se restringiu a dar direitos civis aos<br />
cidadãos, mas propôs-se a abrir a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem republicanos e agirem como<br />
cidadãos nos assuntos em que se apresentam como pólos <strong>de</strong> discussão política.<br />
Ainda envidando esforços no esclarecimento da posição diferenciada da<br />
persona telecomunicacional, a sua importância está na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> atributos que a<br />
diferenciem enquanto ator político. Em termos jurídicos, está-se a falar da diferença <strong>de</strong><br />
regimes na distinção <strong>de</strong> imputação normativa ao sujeito-enquanto-cidadão e ao sujeitoenquanto-sujeito<br />
<strong>de</strong> direitos negativos, o que, em termos filosóficos, seria a distinção<br />
entre a persona e o sujeito integral. A não-redução da política à natureza 105 evi<strong>de</strong>ncia a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> discurso próprio ao ambiente telecomunicacional e mais<br />
precisamente ao ambiente tido como ambiente público telecomunicacional, algo<br />
claramente divisado na divisão jurídica <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong>s da tradição continental-européia,<br />
na qual se insere o direito administrativo <strong>brasil</strong>eiro, mas também visível na tradição<br />
anglo-americana do rule of law mediante atribuição conjuntural <strong>de</strong> função pública a<br />
empresas e serviços relativos às <strong>telecomunicações</strong> como será visto nos capítulos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los regulatórios dos dois países pesquisados.<br />
Mais do que isso, dita não-redução da política à natureza significa a<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um sujeito telecomunicacional que figura o sujeito real por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le,<br />
embora não se confunda com ele. O sujeito real <strong>de</strong>ve ser pré-político e o espaço aberto<br />
à persona (máscara) do sujeito real no mundo político tem a dimensão comunicacional<br />
dos fins que o seu universo <strong>de</strong> sujeitos permite. E o fim para o qual um espaço público é<br />
formado está mais precisamente na revelação da persona antes relegada à obscurida<strong>de</strong>.<br />
A existência do domínio público <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da extinção da invisibilida<strong>de</strong> do sujeitoenquanto-sujeito<br />
para o mundo político mediante a sua representação política (persona)<br />
como sujeito-enquanto-cidadão. O espaço público apresenta-se como o lugar on<strong>de</strong> as<br />
pessoas po<strong>de</strong>m se tornar visíveis e ter significado e é a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica na sua<br />
dimensão informativa que permite antecipar-se este novo espaço <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong><br />
101 Ibid., p. 311.<br />
102 Id., ibid.<br />
103 O art.1º anuncia como fundamentos da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, <strong>de</strong>ntre outros, a cidadania e o<br />
pluralismo político, que iluminados pelo enfoque da liberda<strong>de</strong> política, po<strong>de</strong>m florescer sem o gosto<br />
amargo <strong>de</strong> um preâmbulo unicamente <strong>de</strong>bitário dos interesses do povo, do fim assecuratório <strong>de</strong> exercício<br />
dos direitos sociais e individuais, a liberda<strong>de</strong>, a segurança, o bem-estar, o <strong>de</strong>senvolvimento, a igualda<strong>de</strong><br />
e a justiça como valores supremos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> fraterna, pluralista e sem preconceitos.<br />
104 A dicção constitucional dos princípios fundamentais é clara: “Art. 1º. (...) Parágrafo único. Todo o<br />
po<strong>de</strong>r emana do povo, que o exerce por meio <strong>de</strong> representantes eleitos ou diretamente, nos termos <strong>de</strong>sta<br />
Constituição” – grifos nossos. Por <strong>de</strong>trás do jogo <strong>de</strong> palavras aparentemente <strong>de</strong>magógico, está a assertiva<br />
<strong>de</strong> que há espaço para a liberda<strong>de</strong> política.<br />
105 ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 132.<br />
31
política. Daí falar-se linhas atrás da ditadura da necessida<strong>de</strong> artificialmente criada no<br />
mo<strong>de</strong>lo norte-americano: esta artificialida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na compreensão <strong>de</strong> que a<br />
necessida<strong>de</strong> econômica está, na verda<strong>de</strong>, assentada na necessida<strong>de</strong> real <strong>de</strong> se encontrar<br />
um “substituto social da importância política” 106 , que simule a visibilida<strong>de</strong> pública por<br />
intermédio do acúmulo <strong>de</strong> bens materiais e do po<strong>de</strong>r econômico, transformando os<br />
cidadãos (citoyens) no homem privado do século XIX (bourgeois). 107 Neste contexto, a<br />
função do Estado seria o <strong>de</strong> regular a paixão <strong>de</strong> se distinguir e <strong>de</strong> ser visto no âmbito<br />
público.<br />
2.6 IDENTIDADE E HOMOGENEIDADE SÃO CONCEITOS<br />
EXCLUDENTES?<br />
A paixão pela distinção tão cara à liberda<strong>de</strong> pública <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />
pressuposto da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Sem um elo <strong>de</strong> ligação inicial, torna-se questionável o<br />
cultivo da ambição política. Os mecanismos da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, do sufrágio<br />
universal(1) e do Estado do Bem-Estar Social(2), cujos reflexos no ambiente<br />
internacional advieram nos programas <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação dos povos(1) e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico(2), respectivamente <strong>de</strong> Woodrow Wilson e <strong>de</strong> Lenin,<br />
Roosevelt, Truman e Kennedy, possibilitaram a convivência <strong>de</strong> duas nações, não nos<br />
termos <strong>de</strong> precedência da questão social em que Wallerstein recai 108 – nação rica e<br />
nação pobre –, mas nos termos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> pública – nacional visível e nacional<br />
invisível politicamente. Esta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica sem mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> libertária, esta<br />
última compreendida como liberda<strong>de</strong> pública, somente po<strong>de</strong>ria advir, segundo certas<br />
teorizações, do inimigo nacional interno 109 , do inimigo nacional externo, da<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> blocos internacionais livre e comunista 110 .<br />
A proposta <strong>de</strong> que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> somente po<strong>de</strong>ria advir da i<strong>de</strong>ntificação da<br />
diferença, entretanto, é um dogma 111 que o momento da globalização informativa vem<br />
contestar.<br />
106 Ibid., p. 153.<br />
107 “Na verda<strong>de</strong>, a abundância e o consumo interminável são os i<strong>de</strong>ais dos pobres; eles são a miragem no<br />
<strong>de</strong>serto da miséria (...). O secreto <strong>de</strong>sejo dos pobres não é ‘A cada um segundo as suas necessida<strong>de</strong>s’, mas<br />
‘A cada um segundo os seus <strong>de</strong>sejos’” (Ibid., p. 170-171).<br />
108 WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 140 e seguintes.<br />
109 Em gran<strong>de</strong> medida, a abordagem <strong>de</strong> Rousseau ren<strong>de</strong>u-se à sobrevalorização <strong>de</strong> apenas um lado do<br />
fenômeno: o lado subjetivo: “ao enten<strong>de</strong>r a vonta<strong>de</strong> apenas na forma <strong>de</strong>finida da vonta<strong>de</strong> individual (o<br />
que mais tar<strong>de</strong> Fichte também faz), e a vonta<strong>de</strong> geral não como o racional em si e para si da vonta<strong>de</strong> que<br />
resulta das vonta<strong>de</strong>s individuais quando conscientes, a associação dos indivíduos no Estado torna-se um<br />
contrato cuja base é, então, a vonta<strong>de</strong> arbitrária, a opinião e uma a<strong>de</strong>são expressa e facultativa dos<br />
indivíduos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> resultam as conseqüências puramente conceituais que <strong>de</strong>stroem aquele divino, em si e<br />
para si, das absolutas autorida<strong>de</strong>s e majesta<strong>de</strong>s do Estado.” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.<br />
Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto <strong>de</strong> Paula Lima. Adaptação e Notas <strong>de</strong> Márcio<br />
Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, p. 206).<br />
110 WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 143.<br />
111 A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sentida pelos hommes <strong>de</strong> lettres para com os malhereux era advinda <strong>de</strong> semelhança, não<br />
necessariamente da oposição a um inimigo comum. Era a semelhança do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sair da obscurida<strong>de</strong> e<br />
isso impulsionou a Revolução Francesa. Posteriormente, foi a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pela diferença geradora da<br />
32
A globalização informativa e seu contexto conceitual <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
mundial revelam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sem diferenciação, ou ainda, a<br />
impossibilida<strong>de</strong> da diferenciação em uma humanida<strong>de</strong> una. Abre-se aqui um parêntese<br />
em razão da sedução pelo tema. O reconhecimento da proposta <strong>de</strong> Pierre Lévy <strong>de</strong> uma<br />
revolução contemporânea das comunicações serve aos fins <strong>de</strong>ste estudo para a<br />
antecipação <strong>de</strong> certas conclusões. A partir da proposta <strong>de</strong> que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupo,<br />
com o advento da revolução das comunicações, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> “mais da qualida<strong>de</strong> e da<br />
intensida<strong>de</strong> da sua conexão consigo mesmo do que da sua resistência em comunicar-se<br />
com o seu meio” 112 , bem como a partir da compreensão das noções <strong>de</strong> centro e <strong>de</strong><br />
periferia em termos <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> mundial 113 , permite-se antecipar, em termos teóricos,<br />
como uma das funções da regulação estatal <strong>de</strong> meios telecomunicacionais, a<br />
viabilização <strong>de</strong> centros comunicacionais em preferência à abertura <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />
exploração periférica do sistema. A correspondência entre os temas da liberda<strong>de</strong><br />
pública e da revolução comunicacional autoriza i<strong>de</strong>ntificar-se como função reguladora<br />
estatal o direcionar-se a utilida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> telecomunicacional para os meios que<br />
privilegiem a participação ativa (a ação nos termos <strong>de</strong> Hannah Arendt); o figurar do<br />
sujeito como parte do todo. A opção pela priorização dos meios que encarnem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> da discussão entre os partícipes revela a precedência do<br />
valor político (público) sobre as dimensões <strong>de</strong> interesses privados dos players do<br />
mercado telecomunicacional. Po<strong>de</strong>-se, inclusive, arriscar a priorização dos meios <strong>de</strong><br />
interação aberta multipolar, inicialmente próprias do ciberespaço, por sobre os <strong>de</strong>mais<br />
meios <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> informação (esquema em estrela) e <strong>de</strong> interação meramente bipolar<br />
(esquema em re<strong>de</strong>), pois somente os primeiros têm o condão <strong>de</strong> gerar opiniões. 114<br />
Somente os primeiros são capazes <strong>de</strong> entrelaçar múltiplos fluxos <strong>de</strong> informação,<br />
tornando-se centros <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no sentido público, <strong>de</strong> co-participação num<br />
compaixão pela questão social o que ocasionou a <strong>de</strong>rrota da revolução. Conferir, à respeito: Ibid., p. 152-<br />
153.<br />
112 LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria <strong>de</strong> comunicação. In: MARTINS, Francisco<br />
Menezes; SILVA, Juremir Machado da. Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e<br />
cibercultura. Porto Alegre: Sulina/EDIPUCRS, 1999, p. 202.<br />
113 Qualquer ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação ativa da utilida<strong>de</strong> do meio telecomunicacional como espaço público<br />
<strong>de</strong>ve dirigir-se, naturalmente, para fazer <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> telecomunicacional nacional um centro da re<strong>de</strong><br />
telecomunicacional mundial; um “nó <strong>de</strong> fluxos, lugar geográfico ou virtual on<strong>de</strong> tudo está ‘próximo’,<br />
acessível (...) [ao contrário <strong>de</strong> uma periferia, <strong>de</strong>] uma extermida<strong>de</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>. Zona <strong>de</strong> interações <strong>de</strong> curto<br />
alcance e <strong>de</strong> baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>, sendo os contatos mais distantes difíceis e custosos. O centro é <strong>de</strong>nsamente<br />
interconectado consigo mesmo e com o mundo” (Ibid., p. 203).<br />
114 A distinção <strong>de</strong> Pierre Lévy ilumina as pon<strong>de</strong>rações do texto. Para ele, há os meios <strong>de</strong> comunicação que<br />
funcionam em “esquema em estrela, ou ‘um para todos’. Um centro emissor envia mensagens na direção<br />
<strong>de</strong> receptores passivos e sobretudo isolados uns dos outros. Certo, o dispositivo <strong>de</strong> mídia cria<br />
comunida<strong>de</strong>, pois um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas recebe as mesmas mensagens e partilha, em<br />
conseqüência, certo contexto. Mas não há reciprocida<strong>de</strong> nem interação (ao menos no interior do<br />
dispositivo), e o contexto é imposto pelos centros emissores” (Ibid., p. 206). Estes seriam, para o autor, o<br />
rádio e a televisão. Já o correio e o telefone <strong>de</strong>sempenhariam “um esquema em re<strong>de</strong>, ponto a ponto, ‘um<br />
para um’, no qual, ao contrário da irradiação <strong>de</strong> mídia, as mensagens po<strong>de</strong>m ser en<strong>de</strong>reçadas com<br />
precisão e, sobretudo, trocadas com reciprocida<strong>de</strong>. Mas, em oposição ao dispositivo estelar, o esquema<br />
em re<strong>de</strong> não cria comunida<strong>de</strong>, ou ‘público’, pois, a partilha <strong>de</strong> um contexto em gran<strong>de</strong> escala é, no caso,<br />
muito difícil” (Ibid., p. 207). Finalmente, caberia ao ciberespaço a condição mais proeminente <strong>de</strong><br />
conjugação entre a reciprocida<strong>de</strong> na comunicação e a partilha <strong>de</strong> um contexto. A divisão do autor é, sob o<br />
ponto <strong>de</strong> vista técnico, extremamente simplista e obediente ao <strong>de</strong>terminismo do tipo <strong>de</strong> comunicação, mas<br />
é útil para o objetivo <strong>de</strong> orientação geral <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
33
empreendimento <strong>de</strong> discussão e argumentação 115 <strong>de</strong>vidamente garantido a todos. 116<br />
Fecha parêntese.<br />
A já comentada crise <strong>de</strong> afastamento entre a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica e a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> libertária está centrada na concepção <strong>de</strong> que a persistência da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
tecnológica sem mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> libertária somente se manteria mediante os intrumentos<br />
<strong>de</strong> segregação advindos do Estado nacional. Entretanto, é justamente a ultrapassagem<br />
das fronteiras nacionais pela globalização informativa o que fornece o substituto à<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, tão importante para o mol<strong>de</strong> <strong>de</strong> oposição entre as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s<br />
quanto inútil ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mútuo fortalecimento entre elas. A homogeneida<strong>de</strong><br />
perseguida no Estado nacional, impossibilitada não só pela virtu<strong>de</strong> política 117 como por<br />
uma humanida<strong>de</strong> una, faz entrever que o fundamento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> possível está<br />
precisamente na paixão pela distinção em meio a um espaço público orientado<br />
valorativamente a este fim <strong>de</strong> fomento da liberda<strong>de</strong> política, permitindo-se o resgate da<br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> e dos ambientes institucionais <strong>de</strong>finidores <strong>de</strong> tais <strong>políticas</strong>.<br />
Estas <strong>políticas</strong>, para preservação do po<strong>de</strong>r político, <strong>de</strong>vem estar orientadas a esta união<br />
<strong>de</strong> interesses entre a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica e <strong>de</strong> libertação, cabendo-lhe, mais do que<br />
um controle técnico, o mais relevante papel <strong>de</strong> conscientização política <strong>de</strong> compreensão<br />
do processo político como um valor em si capaz <strong>de</strong> gerar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> necessária à<br />
sustentação da própria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica. Neste sentido, as mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m<br />
ser inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes: a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da libertação encontrando o caminho pavimentado<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica e vice-versa. No entanto, nesta inter<strong>de</strong>pendência,<br />
permanece a liberda<strong>de</strong> pública como um norte <strong>de</strong> orientação <strong>de</strong> todo o sistema. Daí, a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica ser meio e não fim em si mesma. Por isso, a questão tão<br />
suscitada no meio político <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> distinção entre a formação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
e <strong>de</strong> atuação técnico-administrativa das agências reguladoras ter sua fundamentação<br />
primeira nestas consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> visão <strong>de</strong> mundo mo<strong>de</strong>rno. A formação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong><br />
<strong>públicas</strong> preten<strong>de</strong> institucionalizar o exercício da virtu<strong>de</strong> política, enquanto a atuação<br />
técnico-administrativa preten<strong>de</strong> qualificar as <strong>de</strong>cisões das agências reguladoras como<br />
<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> implementação daquilo <strong>de</strong>finido politicamente. Nos dois capítulos<br />
<strong>de</strong>stinados à <strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> regulação das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil e nos<br />
EUA, far-se-á a crítica a esta divisão fixada na legislação, mas alheia à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
formação da vonta<strong>de</strong> política. O enunciado normativo <strong>de</strong> que às agências reguladoras<br />
cabe tão-somente a implementação <strong>de</strong> opções <strong>políticas</strong> tomadas no parlamento ou no<br />
ambiente ministerial não impe<strong>de</strong> o diuturno exercício <strong>de</strong> funções <strong>políticas</strong> por tais<br />
instituições.<br />
115 Sob o enfoque da geração <strong>de</strong> espaço público, po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r a seguinte afirmação que atribui<br />
po<strong>de</strong>r a um centro virtual: “um aparelho <strong>de</strong> televisão é um receptor passivo, uma extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>,<br />
uma periferia. Um computador é um instrumento <strong>de</strong> troca, <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> estocagem <strong>de</strong> informações.<br />
Ao canalizar e entrelaçar múltiplos fluxos, torna-se um centro virtual, instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” (Ibid., p.<br />
203).<br />
116 Assim, outro norte da regulação estatal em setor comunicacional estaria na garantia do acesso e<br />
participação abertas que eliminem a tratamento tutorial dos “cidadãos como menores; mais do que isso,<br />
como menores isolados” (Ibid., p. 210).<br />
117 “Po<strong>de</strong>remos então dizer que a experiência especificamente americana havia ensinado aos homens da<br />
Revolução que a ação, po<strong>de</strong>ndo embora ser iniciada em separado e <strong>de</strong>cidida por indivíduos isolados por<br />
motivos diversos, apenas po<strong>de</strong> ser levada a efeito através do esforço conjunto, em que a motivação <strong>de</strong><br />
indivíduos isolados – por exemplo, o fato <strong>de</strong> serem ou não um ‘grupo in<strong>de</strong>sejável’ – não conta, <strong>de</strong> tal<br />
modo que a homogeneida<strong>de</strong> do passado e da origem, o princípio <strong>de</strong>cisivo da nação-estado, não é<br />
requerida” (ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 214).<br />
34
A par <strong>de</strong>stas questões, foi a <strong>de</strong>scrença no alcance do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico pela afirmação política que possibilitou <strong>de</strong>slocar-se a atenção dos países<br />
periféricos do sistema mundial <strong>de</strong> Wallerstein para a questão da afirmação cultural, que<br />
encontra no meio telecomunicacional o espaço <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização política.<br />
Por tudo isso, e como <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira observação <strong>de</strong>ste capítulo, o fenômeno<br />
<strong>de</strong> regulação como concebido a partir da década <strong>de</strong> 1990 no Brasil – um sistema<br />
afastado propositalmente do Congresso e do Governo – não é menos <strong>de</strong>mocrático que a<br />
proposta inversa, pois po<strong>de</strong> ser o caminho para um espaço público ainda mais capaz <strong>de</strong><br />
retirar da escuridão a persona <strong>de</strong> cada sujeito <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> exercitar, em sua plenitu<strong>de</strong>, e<br />
quando assim o enten<strong>de</strong>r, sua virtu<strong>de</strong> política. Não há, assim, relação necessária entre a<br />
concentração <strong>de</strong> funções nos órgãos representativos tradicionais do Estado, <strong>de</strong> um lado,<br />
e a virtu<strong>de</strong> política, <strong>de</strong> outro. Esta existe enquanto reconhecimento do sujeito como<br />
cidadão; como membro <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong>. Ela não está adstrita a órgãos <strong>de</strong> representação<br />
indireta tradicional; pelo contrário, ela simplesmente espera encontrar o espaço público<br />
a ela reservado em qualquer instituição estatal.<br />
O problema que permanece para enfrentamento está na hipótese <strong>de</strong>stas<br />
constatações estarem substituindo a condição representativa congressual e<br />
governamental por mecanismos corporativos não-estatais. Com isso, sai a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
do banco dos réus e toma o seu lugar a condição <strong>de</strong> difusivida<strong>de</strong> corporativa-cooptativa<br />
que se esboça com a presença <strong>de</strong> novos espaços institucionais <strong>de</strong> discussão política<br />
como o são as agências reguladoras das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil e nos EUA.<br />
35
3 CORPORATIVISMO E ESPAÇO POLÍTICO<br />
3.1 INTRODUÇÃO<br />
Neste capítulo, procura-se situar, no contexto da virtu<strong>de</strong> política, as instituições<br />
estatais responsáveis pela mediação da discussão pública setorial em <strong>telecomunicações</strong><br />
– no Brasil, a Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, nos EUA, a Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission – por intermédio da noção <strong>de</strong> corporativismo e<br />
corporação, reconhecendo-se, assim, a distinção fundamental entre instituições<br />
mediadoras da existência política como seu fim último e instituições mediadoras da<br />
existência política como meio <strong>de</strong> alcance do bem-estar dos seus membros. As primeiras,<br />
<strong>de</strong>ntre as quais, neste estudo, inserem-se as agências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou reguladoras do<br />
Brasil e dos EUA, são norteadas por um projeto emancipatório dos interesses<br />
corporativos, enquanto, as últimas, entendidas aqui como corporações, representam um<br />
momento <strong>de</strong>sta emancipação política, mas ainda separadas do momento político<br />
nacional como interesses particulares <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong>s inseridas na socieda<strong>de</strong> civil. 118<br />
Mediante a constatação <strong>de</strong> que as corporações, com seu caráter <strong>de</strong> unificação <strong>de</strong><br />
seus associados a um fim comum, aproximam-se das instâncias <strong>políticas</strong> estatais por sua<br />
característica <strong>de</strong> nivelamento dos partícipes como membros da instituição, mas se afasta<br />
<strong>de</strong>las por seu fim último <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong> interesses particulares exclusivos <strong>de</strong> grupos<br />
funcionalmente bem <strong>de</strong>limitados, a noção <strong>de</strong> corporação e corporativismo serve como<br />
meio <strong>de</strong> elucidação do que há <strong>de</strong> essencial no conceito <strong>de</strong> espaço público a caracterizar<br />
instituições estatais que se candidatem a servir como espaço <strong>de</strong> discussão política<br />
focada em setores, como o <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A presente abordagem conceitual serve ao fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar quais aspectos da<br />
organização e da estrutura das agências reguladores <strong>de</strong>vem nortear a comparação<br />
proposta entre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
3.2 CORPORAÇÃO E COOPTAÇÃO NO CORPORATIVISMO<br />
A pretensão <strong>de</strong> situar o corporativismo, no contexto da tese, vem<br />
<strong>de</strong>limitada pela convicção <strong>de</strong> que não se trata <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia experimentada em<br />
<strong>de</strong>terminado momento histórico, ou mesmo, em um único território, mas, <strong>de</strong> um extrato<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias lapidadas nas distintas realida<strong>de</strong>s sociais nacionais exaltadas e, até certo<br />
ponto, restauradas no final do século XIX e na primeira meta<strong>de</strong> do século XX 119 ,<br />
pautadas em princípios comuns que remontam a uma noção <strong>de</strong> corporação.<br />
118 “Os interesses particulares das coletivida<strong>de</strong>s que fazem parte da socieda<strong>de</strong> civil e se encontram situadas<br />
fora do universal em si e para si do Estado são administrados nas corporações” (HEGEL, Georg Wilhelm<br />
Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto <strong>de</strong> Paula Lima. Adaptação e Notas <strong>de</strong><br />
Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, p. 243).<br />
119 Afirmando o período citado como o pertinente ao ciclo histórico do corporativismo, vi<strong>de</strong>: PAIM,<br />
Antônio. Pensamento e ação corporativa no Brasil. p. 121. In: SOUZA, Francisco Martins <strong>de</strong>. Raízes<br />
teóricas do corporativismo <strong>brasil</strong>eiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 119-174.<br />
36
Costuma-se representar o corporativismo a partir <strong>de</strong> sua orientação<br />
teleológica no i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> superação do conflito por intermédio da “eliminação da<br />
concorrência no plano econômico, [da] luta <strong>de</strong> classes no plano social e [das] diferenças<br />
i<strong>de</strong>ológicas no plano político” 120 , mas o corporativismo não se resume a esta orientação,<br />
transparecendo também elementos conceituais que foram, a partir <strong>de</strong> sua cogitação,<br />
agregados ao pensamento oci<strong>de</strong>ntal, <strong>de</strong>ntre eles, a noção <strong>de</strong> corporação e sua posição<br />
institucional nacional.<br />
Como ponto <strong>de</strong> partida para i<strong>de</strong>ntificação da idéia <strong>de</strong> corporação, tem-se<br />
o caráter societário <strong>de</strong> agrupamentos <strong>de</strong> homens unidos por um laço funcional comum<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar em suas mentes o compartilhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinos, “uma solidarieda<strong>de</strong><br />
orgânica entre os homens, produzindo uma crescente integração dos círculos<br />
sociais” 121 e, portanto, uma consciência <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> conjunto, e do conseqüente<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> alcance do reconhecimento pelos seus pares <strong>de</strong> seus méritos e <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>voção<br />
à causa comum da instituição que somente se apresenta como tal por intermédio da<br />
presença <strong>de</strong> seus membros. 122<br />
A corporação, por princípio, tem vocação clara, pois <strong>de</strong>corre da reunião<br />
<strong>de</strong> pessoas ou entida<strong>de</strong>s com similitu<strong>de</strong> funcional que se i<strong>de</strong>ntificam por necessida<strong>de</strong>s<br />
comuns; daí ser função da corporação protegê-los contra aci<strong>de</strong>ntes particulares por um<br />
lado, e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver neles as aptidões para <strong>de</strong>la fazerem parte. 123 Ela, no entanto,<br />
revela uma imanência próxima à <strong>de</strong> instituições que transparecem conjugação entre<br />
unida<strong>de</strong> e particularida<strong>de</strong> 124 : ela reconhece seus membros como tais,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> outra <strong>de</strong>monstração exterior que não o fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>terem a<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vínculo funcional comum; <strong>de</strong> orientar sua conduta para fins comuns <strong>de</strong>sta<br />
120 Id., ibid.<br />
121 REALE, Miguel. Corporativismo e unida<strong>de</strong> nacional. p. 240. In: ______. Obras <strong>políticas</strong>: 1ª fase –<br />
1931-1937. Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1983, p. 235-242 (Ca<strong>de</strong>rnos da UnB).<br />
122 Afirmando que as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> artesãos e <strong>de</strong> operários são úteis à conscientização dos seus membros<br />
sobre seu lugar social, vi<strong>de</strong>: PECCI, Giocchino [Papa Leão XIII]. Literae encyclicae: quod apostolici<br />
muneris. Santa Sé: s/e, 1878, § 15. Obtido na página eletrônica oficial do Vaticano em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2004. On-line: [http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_28121878_quod-apostolici-muneris_it.html].<br />
“Infine, siccome i seguaci <strong>de</strong>l Socialismo<br />
principalmente vengono cercati fra gli artigiani e gli operai, i quali, avendo per avventura preso in uggia<br />
il lavoro, si lasciano assai facilmente pigliare all’esca <strong>de</strong>lle promesse di ricchezze e di beni, così torna<br />
opportuno di favorire le società artigiane ed operaie che, poste sotto la tutela <strong>de</strong>lla Religione, avvezzino<br />
tutti i loro soci a consi<strong>de</strong>rarsi contenti <strong>de</strong>lla loro sorte, a sopportare la fatica e a condurre sempre una<br />
vita quieta e tranquilla.”. Tradução livre: “Por último, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os seguidores do socialismo são<br />
recrutados principalmente entre os artesãos e os operários, os quais, estando talvez presos ao enfado do<br />
trabalho, são facilmente atraídos por mor<strong>de</strong>r a isca da promessa <strong>de</strong> riquezas e <strong>de</strong> bens, assim torna-se<br />
oportuno favorecer as socieda<strong>de</strong>s artesanais e operárias que, postas sob a tutela da religião, acostumam<br />
todos os seus sócios a se consi<strong>de</strong>rarem contentes com a sua sorte, a suportarem a fadiga e a levarem uma<br />
vida sempre quieta e tranqüila”.<br />
123 “Esta função [<strong>de</strong> representar concretamente o universal imanente à corporação] atribui à corporação o<br />
direito <strong>de</strong> gerir os seus interesses sob a vigilância dos po<strong>de</strong>res públicos, admitir membros em virtu<strong>de</strong> da<br />
qualida<strong>de</strong> objetiva da opinião e probida<strong>de</strong> que têm e no número <strong>de</strong>terminado pela situação geral,<br />
encarregando-se <strong>de</strong> proteger os seus membros, por uma lado, contra os aci<strong>de</strong>ntes particulares e, por outro<br />
lado, na formação das aptidões para fazerem parte <strong>de</strong>la. Numa palavra, a corporação é para eles uma<br />
segunda família, missão que é in<strong>de</strong>finida para a socieda<strong>de</strong> civil em geral, mais afastada como esta está<br />
dos indivíduos e das exigências particulares” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da<br />
Filosofia do Direito. Trad. Norberto <strong>de</strong> Paula Lima. Adaptação e Notas <strong>de</strong> Márcio Pugliesi. São Paulo:<br />
Ícone, 1997, p. 202).<br />
124 O espírito corporativo significa “a associação do particular ao universal” (Ibid., p. 243).<br />
37
totalida<strong>de</strong>; <strong>de</strong> ocupar, enfim, um lugar social. 125 Por isso, em Hegel, a corporação, ao<br />
lado da família, “constitui a segunda raiz moral do Estado, que está implantada na<br />
socieda<strong>de</strong> civil” 126 .<br />
Também se apresenta como espaço regrado concentrador dos recursos<br />
necessários a prover as contingências <strong>de</strong> seus membros, assim como amenizador dos<br />
interesses individuais em fórmulas com pretensão <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>, que, em seu<br />
sentido <strong>de</strong> conjunto, tornam possível a convivência com grupos caracterizados por<br />
finalida<strong>de</strong>s opostas. 127 Enfim, afigura-se como instituição que reflete a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
grupos unidos por fins funcionais comuns e que, mediante tal diferenciação e formação<br />
<strong>de</strong> nichos, serve a fins <strong>de</strong> isolamento para viabilização da convivência com o Outro,<br />
mesmo que isso signifique a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses contrários aos dos seus próprios<br />
membros.<br />
Exatamente neste ponto a corporação revela seu caráter <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro: a<br />
cooptação. Não há cooptação on<strong>de</strong> apenas se acena com a proteção dos interesses<br />
inerentes ao associado, pois este já abraça tais interesses como seus. A cooptação ocorre<br />
quando o associado, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ver apenas parte <strong>de</strong> seus interesses diretamente<br />
refletidos na corporação, assimila os <strong>de</strong>mais interesses que ela <strong>de</strong>senvolveu enquanto<br />
instituição, tomando partido da causa corporativa como causa particular. A cooptação,<br />
então, se <strong>de</strong>senvolve mediante uma força institucional, que impõe um rol <strong>de</strong><br />
pressupostos às causas particulares <strong>de</strong> seus membros, o que explica a existência <strong>de</strong><br />
posicionamentos da corporação prejudiciais aos interesses imediatos <strong>de</strong> seus membros,<br />
mas partilhados como causa comum. Esta causa <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fluir da reunião das causas<br />
particulares e passa a <strong>de</strong>correr da vivência institucional da própria corporação; novos<br />
interesses são criados em nome do reconhecimento estatal da corporação. Assim, como<br />
um agregado necessário ao conceito <strong>de</strong> corporação, além das idéias <strong>de</strong> laço funcional<br />
comum <strong>de</strong> seus membros, <strong>de</strong> apoio às contingências, <strong>de</strong> conjugação entre unida<strong>de</strong> e<br />
particularida<strong>de</strong>, o caráter cooptativo apresenta-se como uma noção corretiva do norte<br />
corporativo rumo não só à potencialização dos interesses <strong>de</strong> seus membros, mas à<br />
construção do interesse da própria instituição.<br />
Este é um elemento <strong>de</strong> claro afastamento entre os conceitos <strong>de</strong><br />
corporação e <strong>de</strong> espaço público. Na corporação, a construção do interesse da própria<br />
instituição vai além <strong>de</strong> sua vocação <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> meio à reunião <strong>de</strong> seus membros. Ela<br />
incorpora a generalização dos interesses <strong>de</strong> seus membros e projeta esta universalida<strong>de</strong><br />
125 “Na corporação, não só encontra a família um terreno firme, pois a capacida<strong>de</strong> que lhe assegura a<br />
subsistência é uma riqueza estável (...), como ainda lhe são reconhecidas tal subsistência e tal riqueza, isto<br />
é: o membro <strong>de</strong> uma corporação não precisa procurar estabelecer, em outras <strong>de</strong>monstrações exteriores, o<br />
valor dos seus recursos e do seu sucesso. É reconhecido, ao mesmo tempo, que ele pertence ao todo, que é<br />
ele mesmo um membro da socieda<strong>de</strong> em geral e que o seu interesse e esforço se orientam para fins não<br />
egoístas <strong>de</strong>sta totalida<strong>de</strong>. A sua honra está, portanto, no seu lugar social.” (Ibid., p. 202).<br />
126 Ibid., p. 203.<br />
127 Reconhecendo a corporação como espécie <strong>de</strong> associação civil caracterizada pelo apoio a seus membros<br />
e pela viabilização da convivência <strong>de</strong> grupos com interesses opostos, vi<strong>de</strong>: PECCI, Giocchino [Papa Leão<br />
XIII]. Literae encyclicae: rerum novarum. Santa Sé: s/e, 1891, § 36. Obtido na página eletrônica oficial<br />
do Vaticano em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. On-line: [http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/<br />
encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_it.html]. “Finalmente, a dirimere la<br />
questione operaia possono contribuire molto i capitalisti e gli operai me<strong>de</strong>simi con istituzioni ordinate a<br />
porgere opportuni soccorsi ai bisognosi e ad avvicinare e udire le due classi tra loro.” Tradução livre:<br />
“Finalmente, para solução da questão operária, muito po<strong>de</strong>rão contribuir os capitalistas e os próprios<br />
operários com instituições <strong>de</strong>stinadas a oferecer oportuno socorro aos necessitados e a aproximar e unir as<br />
duas classes entre si.”.<br />
38
como uma particularida<strong>de</strong> no meio estatal. Já as instituições inclinadas à noção <strong>de</strong><br />
espaço público per<strong>de</strong>riam seu objeto se se ren<strong>de</strong>ssem à construção <strong>de</strong> interesses próprios<br />
que não o <strong>de</strong> manutenção do espaço público <strong>de</strong> negociação. Outra distinção entre os<br />
conceitos <strong>de</strong> corporação e <strong>de</strong> espaço público advém da presença, na corporação, <strong>de</strong> uma<br />
igual consi<strong>de</strong>ração dos seus membros enquanto atores funcionais, enquanto, nas<br />
instituições <strong>de</strong> representação e participação <strong>políticas</strong>, <strong>de</strong>nominam-se como membros<br />
todos com capacida<strong>de</strong> política reconhecida, estejam ou não <strong>de</strong>sempenhando função<br />
específica; sua única função é a <strong>de</strong> fazer parte. Por meio <strong>de</strong>stas distinções, po<strong>de</strong>-se<br />
evi<strong>de</strong>nciar com maior clareza o evento histórico totalizante da primeira meta<strong>de</strong> do<br />
século XX.<br />
3.3 CORPORATIVISMO TOTALIZANTE E REPRESENTAÇÃO<br />
DEMOCRÁTICA<br />
Compreen<strong>de</strong>r o ambiente político, como ambiente comum, significa lidar<br />
com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecerem espaços <strong>de</strong> tolerância da diversida<strong>de</strong> ou, por<br />
outro lado, <strong>de</strong> eliminação da diferença. Desta última opção, aproximou-se o i<strong>de</strong>al<br />
corporativo, na primeira meta<strong>de</strong> do século XX, pela proposição <strong>de</strong> substituição do<br />
sistema representativo <strong>de</strong> partidos políticos por um sistema representativo <strong>de</strong><br />
corporações 128 . A migração proposta a partir do corporativismo católico 129 pautado na<br />
doutrina dos corpos naturais e da <strong>de</strong>mocracia orgânica para o corporativismo fascista,<br />
em que “o cidadão dá lugar ao produtor” 130 , expressa-se em sua doutrina totalizante, ao<br />
preten<strong>de</strong>r resumir a totalida<strong>de</strong> da vida política e social a interesses criados por relações<br />
funcionais institucionalizadas nas corporações. Quando se passa a enten<strong>de</strong>r as<br />
corporações como a única base legítima do po<strong>de</strong>r político, já se está imerso no i<strong>de</strong>al<br />
totalizante daquilo a que Manoïlesco chamou corporativismo puro 131 e que faria do<br />
parlamento, para Mussolini, “uma coisa um pouco mais séria” 132 .<br />
128 “Quer haja uma ou duas câmaras corporativas, os membros do Parlamento não po<strong>de</strong>riam ser, como já o<br />
<strong>de</strong>monstramos, senão os representantes das corporações” (MANOÏLESCO, Mihaïl. O século do<br />
corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Antônio José Azevedo Amaral.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1938, p. 252).<br />
129 Sobre a doutrina dos corpos naturais: “os católicos procuram fixar certas distinções [do corporativismo<br />
fascista]: seu mo<strong>de</strong>lo passa a ser o da chamada <strong>de</strong>mocracia orgânica que preten<strong>de</strong> seja mantida a<br />
<strong>de</strong>mocracia mas não com base nos partidos políticos. O ponto <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>mocracia são os<br />
chamados ‘corpos naturais’. Entre estes, as corporações continuam <strong>de</strong>sfrutando um lugar <strong>de</strong> peso, mas<br />
compreen<strong>de</strong> e admite outras formas <strong>de</strong> organização profissional e repousa ainda nas famílias.” (PAIM,<br />
Antônio. Pensamento e ação corporativa no Brasil. p. 123. In: SOUZA, Francisco Martins <strong>de</strong>. Raízes<br />
teóricas do corporativismo <strong>brasil</strong>eiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 119-174).<br />
130 BARTHÉLEMY, Joseph. La crise <strong>de</strong> la démocratie représentative. Paris: Marcel Giard, 1928, p. 23.<br />
131 Segundo Mihaïl Manoïlesco: “o fascismo, na sua fase pós-revolucionária, tornou-se positivo e realizou<br />
uma obra construtiva <strong>de</strong> valor universal, que foi a organização corporatista. Esse corporativismo é<br />
essencialmente caracterizado por traços fascistas e adapta-se às condições <strong>políticas</strong> do fascismo e às<br />
exigências da vida italiana [§] Daí redunda a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar uma doutrina autônoma, se<br />
quizermos <strong>de</strong>stacar do fascismo italiano o que ele encerra <strong>de</strong> universal” (p.XV). Mas, para Manoïlesco, o<br />
universal do fascismo – o corporativismo – exprime algo totalitário: “o ponto fundamental da doutrina [é]<br />
a integração orgânica <strong>de</strong> todas as forças nacionais” (p.XVI). A idéia totalitária é resumida, enfim, no que<br />
o autor chama <strong>de</strong> corporativismo puro: “o corporativismo é puro por julgar que as corporações<br />
econômicas e não-econômicas constituem a base e a única legítima, sobre a qual se <strong>de</strong>vem estabelecer o<br />
39
Enfim, aquilo que o conceito <strong>de</strong> corporativismo carrega que ultrapassa a<br />
condição <strong>de</strong> composição do corpo social mediante unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interesses e passa a se<br />
infiltrar no aspecto representativo, fazendo com que se veja a socieda<strong>de</strong> como um<br />
simples agregado <strong>de</strong> corporações, é produto da inclinação i<strong>de</strong>ológica fascista da<br />
primeira meta<strong>de</strong> do século XX.<br />
O que parece essencial na distinção entre um mo<strong>de</strong>lo parlamentar<br />
corporativista <strong>de</strong> existência política e um mo<strong>de</strong>lo parlamentar partidário-representativo<br />
<strong>de</strong> existência política é o fato <strong>de</strong> que, no primeiro, “o indivíduo não tem um valor<br />
meramente quantitativo (...) que o iguala a todas as outras unida<strong>de</strong>s humanas. Possui<br />
uma significação qualitativa que lhe confere valor político proporcional à função que<br />
exerce na socieda<strong>de</strong>” 133 . Quando o sistema representativo, tal como o corporativismo<br />
puro, passa a exprimir a pretensão <strong>de</strong> esgotar em si a existência política, assume um<br />
viés totalitário, o que explica a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transposição do mo<strong>de</strong>lo representativo<br />
tradicional para o <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia orgânica do corporativismo totalizante, mediante a<br />
substituição dos partidos políticos por uma representação corporativa. Embora com<br />
menor grau totalitário, a representação partidária como i<strong>de</strong>ologia que exclui outras<br />
formas <strong>de</strong> manifestação da existência política no Estado não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter conteúdo<br />
totalizante.<br />
Eis um ponto central <strong>de</strong> preocupação para o presente estudo: a presença<br />
<strong>de</strong> instâncias outras <strong>de</strong> existência política além da parlamentar segue um viés antitotalitário.<br />
Ao se possibilitar o exercício da virtu<strong>de</strong> política mediante instâncias setoriais<br />
<strong>de</strong> congregação <strong>de</strong> interesses – e.g. as agências reguladoras –, preserva-se a liberda<strong>de</strong><br />
política <strong>de</strong> fazer parte <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada temática social, e permite-se a formação <strong>de</strong> uma<br />
comunida<strong>de</strong> política mediante reconhecimento dos pares por seu interesse comum <strong>de</strong><br />
discussão tematizada.<br />
3.4 INSTÂNCIAS DE ESPAÇO PÚBLICO<br />
po<strong>de</strong>r político e a suprema autorida<strong>de</strong> legislativa [§] De acordo com o conceito do verda<strong>de</strong>iro<br />
corporativismo, as corporações não promanam <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong> estranha a elas, mas são a única<br />
fonte don<strong>de</strong> proce<strong>de</strong> todo o po<strong>de</strong>r do Estado” (p.XVIII). A “verda<strong>de</strong>ira solução e a única possível é o<br />
corporativismo puro, isto é, o sistema político em que a fonte do po<strong>de</strong>r legislativo supremo é constituído<br />
pelas corporações” (p.116). Esta postura totalitária é mitigada, <strong>de</strong> forma hesitante, no <strong>de</strong>correr da obra:<br />
“Na base da idéia corporativista, pusemos o princípio funcional. Destinam-se as corporações a constituir<br />
o fundamento da organização social e bem assim a do Estado, para que elas exercitem um papel funcional<br />
exce<strong>de</strong>nte em importância ao <strong>de</strong> outra forma <strong>de</strong> integração social e política” (p.93). In: MANOÏLESCO,<br />
Mihaïl. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Antônio José<br />
Azevedo Amaral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio Editora, 1938 – grifos nossos. Partindo-se, portanto, da<br />
visão <strong>de</strong> que o corporativismo puro é a manifestação do que o fascismo encerra <strong>de</strong> universal, exime-se,<br />
este estudo da diferenciação entre fascismo e corporativismo nos campos <strong>de</strong> atenção <strong>de</strong> Stepan: o político<br />
e o i<strong>de</strong>ológico. Vi<strong>de</strong>: STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. Trad. Mariana Leão<br />
Teixeira Viriato <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, p. 73-77 (Coleção Estudos Latino-Americanos,<br />
vol.17).<br />
132 MUSSOLINI, Benito. La riforma elettorale. p. 199. In: HOEPLI, Ulrico (org.). Scritti e discorsi di<br />
Benito Mussolini: L’inizio <strong>de</strong>lla nuova política. Vol. III, 28 ottobre 1922 – 31 dicembre 1923, p. 187-<br />
203. O fascismo “vuole fare <strong>de</strong>l Parlamento una cosa un po’ più seria, se non solenne, vuole, se fosse<br />
possibile, colmare quell’hiatus che esiste innegabilmente fra Parlamento e Paese”.<br />
133 MANOÏLESCO, Mihaïl. Op. cit., p. XVI).<br />
40
Verificada a origem i<strong>de</strong>ológica da proposição <strong>de</strong> assimilação, na esfera<br />
representativa, das corporações, mas, mais do que isso, da proposição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />
entre os habilitados a figurarem no espaço público e as instituições corporativas, po<strong>de</strong>se<br />
dar um passo adiante na medida em que o pressuposto <strong>de</strong> rechaço à i<strong>de</strong>ologia fascista<br />
firma o norte <strong>de</strong> análise das instituições que se candidatam a funcionarem como espaços<br />
públicos alternativos ao parlamento, como é o caso das agências reguladoras.<br />
A noção <strong>de</strong> corporação, pautada que é, <strong>de</strong>ntre muitas, pela idéia <strong>de</strong><br />
proteção dos interesses dos seus membros, não se coaduna com a <strong>de</strong> espaço público,<br />
justamente porque este último está pre<strong>de</strong>stinado a ser um espaço <strong>de</strong> suspensão das<br />
particularida<strong>de</strong>s em nome da igual consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> todas as partes. O espaço público<br />
serve como meio <strong>de</strong> contato entre as corporações, ou seja, entre interesses precisamente<br />
focados, mas não serve somente a este fim. Ele também se apresenta como o local <strong>de</strong><br />
encontro <strong>de</strong> interesses ainda em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição. Esse espaço somente não po<strong>de</strong><br />
prescindir da inclinação dos indivíduos em integrá-lo; da abdicação da condição<br />
particular <strong>de</strong> cada qual em nome <strong>de</strong> uma condição <strong>de</strong> parte do todo.<br />
Por isso, a concepção hegeliana do Estado como instância ética, como<br />
meio <strong>de</strong> manifestação do que “<strong>de</strong>ve ser assegurado <strong>de</strong> modo universal” 134 , dá o tom do<br />
espaço político no universal que este <strong>de</strong>tém: não se confundir com o interesse particular,<br />
que não seja o interesse <strong>de</strong> se integrar no todo.<br />
Existem esferas <strong>de</strong> universal a que o indivíduo é livre para se vincular. O<br />
Estado é apenas uma <strong>de</strong>las. Ele não esgota o sentido da existência política. Seguindo-se<br />
a linha <strong>de</strong> raciocínio <strong>de</strong> Hegel 135 , a existência política adquiriria sua mais perfeita<br />
manifestação no Estado, mas não seria ele o único caminho <strong>de</strong> elevação do particular ao<br />
universal. O indivíduo seria livre para <strong>de</strong>cidir que esfera <strong>de</strong> universal <strong>de</strong>veria tomar seus<br />
esforços. Não seria, portanto, a participação no Estado, ou mesmo, a representação<br />
<strong>de</strong>mocrática as únicas vias <strong>de</strong> exercício da virtu<strong>de</strong> política. A virtu<strong>de</strong> seria projetada em<br />
direção a um conceito mais geral: o <strong>de</strong> espaço público, esteja ele <strong>de</strong>senhado como po<strong>de</strong>r<br />
estatal geral (representação <strong>de</strong>mocrática), como po<strong>de</strong>r estatal especial (órgãos estatais<br />
<strong>de</strong> funções específicas), como po<strong>de</strong>r institucional difuso (opinião pública), como po<strong>de</strong>r<br />
institucionalizado (participação <strong>de</strong>mocrática) ou mesmo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites ainda mais<br />
estreitos, como instituições aglutinadoras <strong>de</strong> universos menores <strong>de</strong>ntro do Estado, como<br />
é o caso das corporações.<br />
Enfim, há instâncias <strong>de</strong> espaço público além da esfera representativa. Ela<br />
é apenas um método <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> interesses em grau <strong>de</strong> generalização elevado e,<br />
portanto, inclinada à politização <strong>de</strong> questões fundamentais. Dizer que se presta a<br />
hospedar questões específicas significa or<strong>de</strong>nar-se o vício <strong>de</strong> limitação procedimental<br />
das <strong>de</strong>cisões parlamentares como fatalida<strong>de</strong>. O espaço público é um espaço construído<br />
diuturnamente e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem se habilite a criá-lo. A <strong>de</strong>limitação temática induz à<br />
seleção do público interessado e viabiliza a especialização da virtu<strong>de</strong> política enquanto<br />
esta encarnar uma opção; uma opção sobre com o que se preocupar já que ela é, em si,<br />
um compromisso <strong>de</strong> preocupar-se com o todo <strong>de</strong> que se faz parte.<br />
134 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit., p. 198.<br />
135 O trecho a seguir é esclarecedor: “Na sua esfera corporativa, municipal etc. atinge ele [o indivíduo] a<br />
sua real e viva vocação para o universal (§ 251). É livre, no entanto, pelas suas aptidões e sua capacida<strong>de</strong>,<br />
para introduzir-se em qualquer das or<strong>de</strong>ns (incluindo a classe universal). [§] Naquela opinião <strong>de</strong> que<br />
todos <strong>de</strong>vem participar nos assuntos do Estado, também se supõe que todos têm <strong>de</strong>les alguma sabedoria, o<br />
que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser insensato, embora seja dito muitas vezes. Na opinião pública (§316), todavia, po<strong>de</strong><br />
cada qual encontrar os meios <strong>de</strong> se exprimir e <strong>de</strong> fazer valer a opinião subjetiva que do universal possui.”<br />
(Ibid., p. 255).<br />
41
A proximida<strong>de</strong> entre as instituições estatais vocacionadas a setores <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s específicas – as agências reguladoras, por exemplo – e as corporações<br />
pertinentes a cada setor não retira das primeiras a condição <strong>de</strong> espaços públicos. Tais<br />
instituições não se confun<strong>de</strong>m com as corporações exatamente porque estão<br />
impregnadas <strong>de</strong> função pública <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> mediação dos interesses corporativos que<br />
nela se manifestam. Ren<strong>de</strong>m homenagem aos seus fins institucionais enquanto<br />
enxergam as corporações não como tais, mas como partes do processo <strong>de</strong> formação da<br />
<strong>de</strong>cisão política.<br />
Nesta linha <strong>de</strong> raciocínio, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Estado-Mínimo somente é aplicado<br />
às ativida<strong>de</strong>s que não <strong>de</strong>têm o caráter <strong>de</strong> elevação das particularida<strong>de</strong>s ao universal, pois<br />
às que <strong>de</strong>têm – e nestas estão as ativida<strong>de</strong>s reguladoras setoriais, <strong>de</strong> administração<br />
prestacional e or<strong>de</strong>nadora – aplica-se o raciocínio inverso: aquilo que interessa a todos<br />
somente po<strong>de</strong> representar-se sem manipulações <strong>de</strong> particularida<strong>de</strong>s preconcebidas como<br />
prevalecentes, se inserido em uma instituição que interesse a todos por representar a<br />
própria convivência social, e, em sentido imanente, a unida<strong>de</strong> entre o universal e o<br />
particular. Daí partir-se, nesta tese, do pressuposto <strong>de</strong> que a esfera própria <strong>de</strong><br />
manifestação da discussão política setorial seja uma instituição reconhecedora da<br />
parida<strong>de</strong> dos seus potenciais partícipes. Assim, uma instituição estatal que seja afastada<br />
por <strong>de</strong>terminação legal ou constitucional <strong>de</strong> interferência hierárquica do próprio<br />
Governo encaixa-se melhor nesta finalida<strong>de</strong> que o próprio Parlamento, ou mesmo um<br />
órgão ministerial do Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />
A virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma instituição reguladora setorial está exatamente em, não<br />
sendo parte a não ser do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> sua preservação como instância ética pautada em seu<br />
fundamento <strong>de</strong> existir – a Constituição do Estado como “fim e (...) realida<strong>de</strong> em ato da<br />
substância universal e da vida pública nela consagrada.” 136 – firma-se como momento<br />
<strong>de</strong> unida<strong>de</strong> exterior em que os interessados no setor – usuários, socieda<strong>de</strong> civil,<br />
investidores, empresas, o próprio Governo etc. – não figurem lá com pesos distintos,<br />
mas como partícipes, como membros, como iguais. Sua voz <strong>de</strong>ve ser ouvida em razão<br />
unicamente <strong>de</strong> fazerem parte dos interessados no setor.<br />
3.5 CONCLUSÃO<br />
As corporações seriam, portanto, espaços necessários <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong><br />
interesses individualizados e <strong>de</strong> manifestação do resultado institucional <strong>de</strong>ste convívio<br />
no tempo, cumprindo a função <strong>de</strong> se evitar a confusão <strong>de</strong>stes interesses corporativos<br />
com a Idéia <strong>de</strong> união dos mesmos interesses em um espaço comum, não porque <strong>de</strong>le<br />
sairá uma <strong>de</strong>cisão que homenageie os interesses <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos, mas<br />
exatamente porque nele se promove a submissão dos interesses <strong>de</strong> grupos a um valor<br />
maior <strong>de</strong> compartilhamento da discussão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinos, enfim, do convívio humano. O<br />
que Hegel <strong>de</strong>monstra é que o Estado somente se apresenta como unida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al se<br />
partilhá-la com a diversida<strong>de</strong> concreta 137 , pois esta unida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
136 Ibid., p. 155.<br />
137 O Estado em Hegel não é um Absoluto em si, mas exatamente a representação da união <strong>de</strong> Idéias<br />
imanentes ao que reúne. Sua virtu<strong>de</strong> está em ser um espaço <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong>stas Idéias imanentes e não, <strong>de</strong><br />
carregar, em si, uma Idéia que prescindiria das partes. O sistema <strong>de</strong> Hegel é <strong>de</strong> pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forças para<br />
presença do Estado: soberania <strong>de</strong> um lado; corporações <strong>de</strong> outro; elemento subjetivo do funcionalismo <strong>de</strong><br />
42
econhecimento pelo sujeito da razão que está por trás das coisas, cujo método imanente<br />
seria o dialético. 138<br />
Enfim, o Estado, como manifestação <strong>de</strong> interesses concretos <strong>de</strong> solução<br />
da questão social ombreia com o espaço público do seu ser-em-si. Ou seja, o Estado,<br />
significando o espaço <strong>de</strong> solução da questão social, ombreia com o Estado, significando<br />
abertura <strong>de</strong> espaço ao público, <strong>de</strong> espaço à virtu<strong>de</strong> política. Resumir-se o conceito <strong>de</strong><br />
espaço público ao <strong>de</strong> instâncias superiores <strong>de</strong>cisórias do Estado implica uma totalização<br />
do conceito em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> seu sentido imediato: o <strong>de</strong> espaço pautado pela<br />
perseguição incondicional <strong>de</strong> sua sobrevivência.<br />
Assim, precisadas as relações entre as noções <strong>de</strong> espaço público,<br />
corporação e instituições estatais setoriais, tem-se como pressuposto do estudo<br />
comparativo a ser <strong>de</strong>senvolvido que as agências reguladoras e o regramento jurídico<br />
estatal serão analisados como representações exteriores <strong>de</strong> um conceito i<strong>de</strong>al; <strong>de</strong> uma<br />
Idéia em termos hegelianos. A Idéia <strong>de</strong> reconhecimento pela individualida<strong>de</strong> do caráter<br />
essencialmente universal do ser-em-si, como conteúdo moral objetivo 139 ; como algo que<br />
i<strong>de</strong>ntifica os entes partícipes <strong>de</strong> uma instituição como unida<strong>de</strong>; como voltados a um<br />
mesmo objetivo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um espaço público acessível por todos.<br />
outro, cada qual com sua verda<strong>de</strong> imanente necessária ao conjunto (p. 246). O Estado, para Hegel, é a<br />
representação mais evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma instituição abrangente reunidora das sínteses oriundas da relação<br />
entre o ser-em-si e o ser-para-si. Dizer que ele idolatra o Estado é uma afirmação falaciosa. Ele idolatra a<br />
autorida<strong>de</strong> das leis morais (p.150), que estariam sedimentadas no Estado como conteúdo da moralida<strong>de</strong><br />
objetiva (da ética). Conferir, para tanto: Ibid., p. 150 e 246. Vi<strong>de</strong>, também, nota 135, p. 54 <strong>de</strong>sta tese.<br />
138 O método dialético, em Hegel, é o método imanente ao ser (ou, o que é o mesmo para Hegel, imanente<br />
ao pensamento). Significa <strong>de</strong>ixar o pensamento a si mesmo, abandoná-lo a seu movimento próprio<br />
(Selbstbewegung <strong>de</strong>s Begriffs) <strong>de</strong> ver a experiência e entendê-la por seu oposto dirigida para o<br />
reconhecimento ou conscientização da razão que dirige tudo. “O indivíduo, ou espírito subjetivo,<br />
expressa-se como alma, enquanto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Natureza; consciência (Bewusstsein), enquanto oposição<br />
à Natureza; e Espírito, enquanto síntese com a Natureza pelo conhecimento” (p.22). A dialética, para<br />
Hegel, é “o princípio motor do conceito – enquanto não é simplesmente análise, mas também produção<br />
das particularida<strong>de</strong>s do universal” (p.62). Não se trata <strong>de</strong> uma dialética negativa, como se po<strong>de</strong> encontrar<br />
até em Platão, que se contenta em atingir, como seu útlimo fim, o oposto <strong>de</strong> uma representação. Em<br />
Hegel, “a dialética superior do conceito consiste em produzir a <strong>de</strong>terminação, não como oposição e limite<br />
simplesmente, mas compreen<strong>de</strong>ndo e produzindo por si mesma o conteúdo e o resultado positivo, pois só<br />
assim a dialética é <strong>de</strong>senvolvimento e progresso imanente. Tal dialética não é, portanto, a ação extrínseca<br />
<strong>de</strong> um intelecto subjetivo, mas, sim, a alma própria do conteúdo, <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, organicamente, crescem os<br />
ramos e os frutos” (p.62). É algo que existe como razão da coisa. Conferir: HEGEL, Georg Wilhelm<br />
Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto <strong>de</strong> Paula Lima. Adaptação e Notas <strong>de</strong><br />
Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997.<br />
139 A pertença do que é subjetivo à uma realida<strong>de</strong> moral objetiva é fundamental para percepção pelo serpara-si<br />
da existência do ser-em-si. “A moralida<strong>de</strong> objetiva é a idéia da liberda<strong>de</strong> enquanto bem vivente,<br />
que tem na consciência <strong>de</strong> si o seu saber e o seu querer e que, por meio <strong>de</strong> sua ação, tem a sua realida<strong>de</strong>.<br />
Esta ação tem o seu fundamento em si e para si, e a sua finalida<strong>de</strong> motora na existência moral objetiva”<br />
(p.149). A moralida<strong>de</strong> objetiva ou ética é a “substância concreta” (p.149) da subjetivida<strong>de</strong>. As leis e<br />
instituições são mantidas pela estabilida<strong>de</strong> alcançada pelos ciclos <strong>de</strong> diferenciações representadas no<br />
conteúdo objetivo da moralida<strong>de</strong>, ou seja, na ética. Seria a manifestação da liberda<strong>de</strong>, como “vonta<strong>de</strong> que<br />
existe em si e para si”, como uma realida<strong>de</strong> objetiva (p.150). A “substancialida<strong>de</strong> moral” (p.154) presente<br />
nas instituições é o outro lado da “particularida<strong>de</strong>” (p.154); é a representação da relação entre o ser-em-si<br />
e o ser-para-si; entre o universal e o particular. “Nesta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da verda<strong>de</strong> universal e da particular,<br />
coinci<strong>de</strong>m o <strong>de</strong>ver e o direito e, no plano moral objetivo, tem o homem <strong>de</strong>veres na medida em que tem<br />
direitos, e direitos na medida em que tem <strong>de</strong>veres”(p.154-155). “A substância moral, como o que contém<br />
a própria consciência refletida, unida ao seu conceito, é o espírito real <strong>de</strong> uma família e <strong>de</strong> um povo”<br />
(p.155), in HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit.<br />
43
A noção <strong>de</strong> agência reguladora, como instituição que resulta da<br />
progressiva reconformação da existência política em torno a um setor específico, e,<br />
portanto, utilizando-se um termo <strong>de</strong> Hegel, como substancialida<strong>de</strong> imediata do espírito,<br />
po<strong>de</strong> apresentar-se em uma roupagem <strong>de</strong> viés corporativo totalizante, como espaço que<br />
encarne uma facção <strong>de</strong> interessados – daí o fenômeno conhecido por captura do órgão<br />
regulador, em que há a contaminação do espaço público pelos interesses particulares <strong>de</strong><br />
quaisquer dos partícipes como fins –, ou po<strong>de</strong> firmar-se na posição a ela <strong>de</strong>signada <strong>de</strong><br />
espaço <strong>de</strong> suspensão das particularida<strong>de</strong>s do Governo, do Congresso, da socieda<strong>de</strong> civil,<br />
dos usuários, das empresas, em nome <strong>de</strong> uma persona <strong>de</strong>stinada a ser parte <strong>de</strong> um<br />
projeto maior <strong>de</strong> coexistência <strong>de</strong> interesses particulares, que são i<strong>de</strong>almente, assim,<br />
afogados em um espaço catalisador para um fim comum <strong>de</strong> enriquecimento do conceito<br />
que aquela instituição traz em si, embora revele-se, na experiência cotidiana e, portanto,<br />
provisória, formal, <strong>de</strong>stinada à superação, como manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s dos serespara-si<br />
– das particularida<strong>de</strong>s. A presença das corporações nos espaços públicos <strong>de</strong><br />
formação da <strong>de</strong>cisão política setorial afigura-se necessária, mas não para o fim <strong>de</strong><br />
cooptação da instituição estatal. As corporações são, pelo contrário, a garantia <strong>de</strong><br />
vigilância. 140<br />
A presença <strong>de</strong> um espaço institucional é necessária exatamente porque se<br />
parte da crença na virtu<strong>de</strong> política como ser livre para ser parte – parte <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong>.<br />
A instituição é a representação <strong>de</strong>sta unida<strong>de</strong> política, em que os interesses privados das<br />
partes somente encontram o “meio do universal” 141 para se manifestarem. A presença <strong>de</strong><br />
um espaço institucional eleva a individualida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> cada parte a um saber<br />
universal nos limites daquele espaço, auxiliando na formação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong><br />
indução da subjetivida<strong>de</strong> à objetivida<strong>de</strong>. 142 Uma cultura que <strong>de</strong>monstre em si sua razão<br />
<strong>de</strong> ser: o “pensamento do indivíduo na forma do universal” 143 , mediante o <strong>de</strong>spir-se<br />
cada qual <strong>de</strong> sua particularida<strong>de</strong> para abraçar o fim comum <strong>de</strong> parte do corpo.<br />
A regulamentação estatal dos setores ditos regulados, <strong>de</strong>ntre eles o <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, não se afigura, assim, como uma resposta estatal provisória fadada a<br />
superação e exigida somente enquanto não for alcançado o bom funcionamento do<br />
mercado. Des<strong>de</strong> que a regulamentação estatal esteja revestida do caráter <strong>de</strong> viabilização<br />
da existência política dos interessados, ela está assentada em um valor perene, pois<br />
140 “A preservação do Estado e dos governados contra o abuso do po<strong>de</strong>r cometido pelas autorida<strong>de</strong>s e<br />
pelos funcionários imediatamente consiste, por um lado, na hierarquia e na responsabilida<strong>de</strong> e resi<strong>de</strong>, por<br />
outro lado, no reconhecimento das comunas e corporações, impeditivo <strong>de</strong> que o arbítrio individual se<br />
confunda com o exercício do po<strong>de</strong>r entregue aos funcionários assim completando, vindo <strong>de</strong> baixo, a<br />
vigilância que, vinda <strong>de</strong> cima, é insuficiente quanto aos atos particulares <strong>de</strong> administração” (Ibid., p. 245).<br />
141 Ibid., p. 171.<br />
142 O trecho a seguir extraído <strong>de</strong> Hegel foi utilizado como fundamento para esta afirmação do texto a partir<br />
da consi<strong>de</strong>ração da socieda<strong>de</strong> civil e do Estado como fases <strong>de</strong> um mesmo fenômeno: o da presença do<br />
particular na unida<strong>de</strong>, mediante a progressiva conscientização da Idéia do particular não como sujeito<br />
isolado, mas como parte <strong>de</strong> um todo. “Ao <strong>de</strong>senvolver-se até a totalida<strong>de</strong>, o princípio da particularida<strong>de</strong><br />
transforma-se em universalida<strong>de</strong>, pois só aí começa a sua verda<strong>de</strong> e a legitimação da sua realida<strong>de</strong><br />
positiva. Em virtu<strong>de</strong> da in<strong>de</strong>pendência dos dois princípios que resi<strong>de</strong> no nosso ponto <strong>de</strong> vista da divisão<br />
(...), esta unida<strong>de</strong> não é a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> moral, objetiva, e não existe, portanto, como liberda<strong>de</strong>, mas como<br />
necessida<strong>de</strong>: o particular é obrigado a elevar-se à forma do universal e nela procurar e encontrar a sua<br />
estabilida<strong>de</strong>” (Id., ibid.). Aqui po<strong>de</strong>-se visualisar claramente a diferença conceitual da liberda<strong>de</strong> em<br />
Hannah Arendt e em Hegel. Para ela, a liberda<strong>de</strong> política é uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser parte. Hegel<br />
reconhece esta necessida<strong>de</strong>, mas a coloca como meio para alcance da verda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong>, como<br />
consciência do ser-em-si e para-si perante a Idéia do universal e Absoluto.<br />
143 Ibid., p. 182.<br />
44
substitui uma circunstância objetiva <strong>de</strong> apresentação conjuntural do mercado por um<br />
processo <strong>de</strong> participação do sujeito no exercício <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua virtu<strong>de</strong><br />
política. Deixar que as coisas se acomo<strong>de</strong>m por si sós, sem o esforço diuturno dos<br />
interessados é <strong>de</strong>clarar a escravização do sujeito a um rumo fixado por algo alheio a ele<br />
e, portanto, também é uma opção i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> entrega do sujeito ao curso dos<br />
acontecimentos, pressupondo-os produto do acaso. Não importa que as <strong>de</strong>cisões geradas<br />
no exercício da virtu<strong>de</strong> política não sejam as melhores, pois ela nunca preten<strong>de</strong>u que<br />
assim fossem, nem mesmo no formato parlamentar da existência política. 144 Trata-se da<br />
emancipação do sujeito enquanto cidadão <strong>de</strong> “circunstâncias exteriores e combinações<br />
remotas” 145 , que o escravizam em uma condição nada nobre <strong>de</strong> ser cujo <strong>de</strong>stino não lhe<br />
é próprio.<br />
Ao se falar, nesta tese, <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, não se está a qualificá-la<br />
como meio <strong>de</strong> publicização da representação <strong>de</strong>mocrática. Esta é uma função menor das<br />
<strong>telecomunicações</strong>. Elas exercem um fim muito maior <strong>de</strong> se configurar como meio geral<br />
<strong>de</strong> mediação política, seja estatal ou não, e as agências reguladoras, como partes da<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> política pública para o setor, são, em si mesmas, instituições que se<br />
apresentam como meio <strong>de</strong> mediação política potencializada ou não pelas<br />
<strong>telecomunicações</strong> que controlam. As agências, em si mesmas, também são instituições<br />
<strong>de</strong> mediação política para conformação do setor segundo a presença da persona política<br />
<strong>de</strong> cada qual. Quando a agência reguladora <strong>de</strong> que se trata é a agência que <strong>de</strong>fine os<br />
mol<strong>de</strong>s e o <strong>de</strong>stino das <strong>telecomunicações</strong>, então a concatenação dos dois aspectos – <strong>de</strong><br />
consciência das <strong>telecomunicações</strong> como catalisadoras <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> política e <strong>de</strong> presença<br />
do espaço político na instituição <strong>de</strong> controle do setor – evi<strong>de</strong>ncia a centralida<strong>de</strong> da<br />
questão política para comparação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> praticadas no Brasil e nos EUA.<br />
144 “A instituição representativa não se <strong>de</strong>stina a fornecer, quanto aos assuntos do Estado, <strong>de</strong>liberações e<br />
<strong>de</strong>cisões que sejam as melhores, pois <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista ela é apenas complementar; porque o seu<br />
<strong>de</strong>stino próprio é o <strong>de</strong> conferir direito ao fator <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> formal dos membros da socieda<strong>de</strong> civil que<br />
não participam no governo, informando-os sobre os assuntos públicos e, sobre eles, convidando-os a<br />
<strong>de</strong>liberar – aplica-se tal exigência <strong>de</strong> informação universal mediante a publicida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>liberações das<br />
assembléias” (Ibid., p. 258, §314).<br />
145 “Mas o que, sobretudo, torna necessária uma fiscalização e direção universais é a <strong>de</strong>pendência em que<br />
se encontram amplos ramos industriais <strong>de</strong>vido a circunstâncias exteriores e combinações remotas que não<br />
oferecem uma visão <strong>de</strong> conjunto aos homens que a elas se acham vinculados e sujeitos” (Ibid., p. 196).<br />
45
4 MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DAS<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
4.1 INTRODUÇÃO<br />
A proposta <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong>scritiva <strong>de</strong>ste capítulo não po<strong>de</strong> fugir da necessária<br />
focalização <strong>de</strong> certos aspectos em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> infinitos outros. Em face disto, faz-se,<br />
<strong>de</strong> antemão, a ressalva <strong>de</strong> que o termo regulação 146 será utilizado como referência geral<br />
a qualquer tipo <strong>de</strong> atuação estatal voltada ao direcionamento <strong>de</strong> um setor <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s,<br />
evi<strong>de</strong>nciando, assim, o intuito <strong>de</strong> se esclarecer a conformação das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
<strong>brasil</strong>eira e estaduni<strong>de</strong>nse no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. No caso <strong>brasil</strong>eiro, o enfoque é<br />
concentrado na década <strong>de</strong> 1990 em virtu<strong>de</strong> das alterações produzidas neste período. Já o<br />
mo<strong>de</strong>lo estaduni<strong>de</strong>nse analisado no capítulo seguinte servirá como contraponto do<br />
mol<strong>de</strong> estrutural <strong>de</strong> regulação setorial adotado no Brasil e, portanto, ao invés do enfoque<br />
em período <strong>de</strong>terminado, servirá, ao contrário, como referência tópica a partir das<br />
consi<strong>de</strong>rações levantadas da leitura do mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro.<br />
4.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO E REGULAÇÃO SETORIAL<br />
Enten<strong>de</strong>r-se regulação como intenção <strong>de</strong> direcionamento estatal é um primeiro<br />
passo para sua precisão conceitual. O contexto <strong>de</strong> sua utilização refere-se à distinção<br />
entre o que se costuma chamar, por um lado, <strong>de</strong> government by law, em que disposições<br />
normativas com pretensão <strong>de</strong> durabilida<strong>de</strong> se apresentam como suficientes para<br />
pautarem relações sociais em momentos históricos afastados entre si, e, por outro lado,<br />
o que se convencionou chamar <strong>de</strong> government by policies, em que a pretensão <strong>de</strong><br />
regramento estatal <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r homenagem a um mo<strong>de</strong>lo tradicional<br />
<strong>de</strong> preceitos abstratos e gerais para refletir maior aproximação entre os momentos<br />
político e jurídico mediante conformação do regramento setorial por intermédio <strong>de</strong><br />
estruturas estatais <strong>de</strong> produção conjuntural <strong>de</strong> atos normativos – as agências reguladoras<br />
–, refletindo, nos textos regulamentares, a diuturna reconfiguração do meio político. 147<br />
146 “Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> competências<br />
normativas, seu conteúdo [da regulação] é mais amplo e variado (...) a regulação contempla uma gama<br />
mais ampla <strong>de</strong> atribuições, relacionadas ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas e à prestação <strong>de</strong><br />
serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição <strong>de</strong> conflitos e aplicação eventual <strong>de</strong><br />
sanções” (MOREIRA NETO, Diogo <strong>de</strong> Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa participativa<br />
flexível para a administração pública <strong>de</strong> relações setoriais complexas no Estado Democrático. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2003, p. 45). Ainda, <strong>de</strong>finindo regulação como forma <strong>de</strong> controle estatal, vi<strong>de</strong>:<br />
GARNER, Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ªed., St. Paul: West Publishing Co., 2004, p. 1311.<br />
147 “Não basta editar uma lei abstrata, genérica e distante, dizendo que nenhuma exploração da ativida<strong>de</strong><br />
industrial po<strong>de</strong> ultrapassar certo limite <strong>de</strong> poluição, causando dano à saú<strong>de</strong> do vizinho. É preciso que o<br />
Estado vá trabalhando com a realida<strong>de</strong> todo o tempo, para <strong>de</strong>finir, nas situações que se põem, o que é ou<br />
não uma emissão <strong>de</strong> poluentes aceitável; assim obter-se-á a paulatina diminuição da emissão <strong>de</strong><br />
poluentes. É preciso impor graus crescentes <strong>de</strong> restrições à emissão <strong>de</strong> poluentes, e para isso a lei é<br />
insuficiente. Ninguém imagina que o legislador vá cuidar <strong>de</strong> regular o nível <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> poluentes do<br />
46
Tal perspectiva <strong>de</strong> regulação como gerenciamento normativo da realida<strong>de</strong><br />
setorial, ou seja, como acompanhamento conjuntural <strong>de</strong> setores <strong>de</strong> interesse estatal<br />
mediante interferência no seu dia-a-dia, não se apresenta como a única opção <strong>de</strong> atuação<br />
do Estado voltada ao direcionamento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s. A regulação setorial propriamente<br />
dita ombreia com outras formas <strong>de</strong> interferência estatal <strong>de</strong> níveis regional e geral, cuja<br />
distinção é apresentada a seguir.<br />
Enten<strong>de</strong>-se como regulação regional o procedimento voltado ao controle <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s tendo em conta a divisão espacial fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político. Dita regulação<br />
regional po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada, no sistema <strong>brasil</strong>eiro, nos regimes especiais <strong>de</strong><br />
tributação. 148 Neles, a intervenção por indução reflete uma regulação que leva em conta<br />
a disposição espacial <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político. 149 Trata-se também <strong>de</strong> regulação regional o<br />
chamado fe<strong>de</strong>ralismo fiscal direcionado às regiões menos <strong>de</strong>senvolvidas com base na<br />
distribuição <strong>de</strong> percentuais do valor <strong>de</strong> certos impostos a fundos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong>stas regiões. 150<br />
Já, a regulação geral <strong>de</strong>stina-se a implementar o controle estatal sobre a<br />
totalida<strong>de</strong> da economia in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> regiões ou setores 151 . A<br />
regulação geral está <strong>de</strong>sconectada <strong>de</strong> setores da economia, <strong>de</strong>sligando-se <strong>de</strong> um rol <strong>de</strong><br />
prestações setoriais específicas, <strong>de</strong>vendo, portanto, ser encarada como regulação <strong>de</strong><br />
áreas <strong>de</strong> interesse estatal, como é o caso das opções <strong>políticas</strong> geradoras do regime<br />
jurídico do consumidor, da concorrência e do meio ambiente. Po<strong>de</strong>m ser visualizadas,<br />
no Brasil: em certos entes reguladores estaduais e municipais 152 ; nos mecanismos <strong>de</strong><br />
controle da concorrência direcionados a todos os setores da economia 153 ; nos<br />
mecanismos <strong>de</strong> proteção do consumidor; nas propostas sobre agência reguladora do<br />
meio ambiente 154 ; e nos <strong>de</strong>mais instrumentos fixadores <strong>de</strong> pautas em subsistemas<br />
jurídicos 155 .<br />
Finalmente, a regulação setorial diferencia-se das <strong>de</strong>mais por operar em<br />
<strong>de</strong>terminados segmentos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas convencionalmente como afins. Temas<br />
bairro do Maracanã no ano <strong>de</strong> 1998; e, em janeiro <strong>de</strong> 99, editar outra lei para estabelecer que já é hora <strong>de</strong><br />
diminuir ainda mais o nível <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> poluentes; e, no meio do ano, consi<strong>de</strong>rando que aquele nível<br />
eleito foi otimista <strong>de</strong>mais, editar nova lei para voltar atrás. Alguém imagina que o legislador possa fazer<br />
isso, <strong>de</strong>dicando-se, ele próprio, a um verda<strong>de</strong>iro gerenciamento normativo da realida<strong>de</strong>?” (SUNDFELD,<br />
Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos. p. 1293-1294. In: Anais da XVII<br />
Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realida<strong>de</strong> e utopia. Vol. II, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Or<strong>de</strong>m dos<br />
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).<br />
148<br />
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.151, I.<br />
149<br />
Da mesma forma, as chamadas sanções premiais são intervenção por indução, mas não se caracterizam<br />
como regulação regional e sim geral ou setorial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do caso. Incentivos fiscais à indústria, em<br />
geral, para investimento em meio ambiente não se configuram regulação regional, mas geral sobre o<br />
subsistema or<strong>de</strong>namental ambiental. Se tais incentivos fiscais fossem dirigidos à <strong>de</strong>terminado setor, eles<br />
se apresentariam também gravados do caráter <strong>de</strong> regulação setorial.<br />
150<br />
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.159, I, c.<br />
151<br />
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social <strong>de</strong> serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999,<br />
p. 214.<br />
152<br />
Como exemplo, vi<strong>de</strong>, mais adiante, nota 223.<br />
153<br />
No Brasil, o Conselho Administrativo <strong>de</strong> Defesa Econômica (CADE). No Reino Unido, a Monopolies<br />
and Merger Commission (MMC). Nos EUA, a Fe<strong>de</strong>ral Tra<strong>de</strong> Commission (FTC).<br />
154<br />
Proposta <strong>de</strong> Carlos Ari Sundfeld na XVII Conferência Nacional da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil.<br />
“Talvez já seja a hora <strong>de</strong> pensar, também, na criação <strong>de</strong> agências reguladoras do meio ambiente<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em relação ao Po<strong>de</strong>r Executivo, para substituir os atuais órgãos incumbidos do assunto”<br />
(SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 1291).<br />
155<br />
É o caso do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil.<br />
47
como educação, saú<strong>de</strong>, <strong>telecomunicações</strong>, energia, petróleo, transportes, recursos<br />
hídricos, <strong>de</strong>ntre outros, justificam a referência setorial. Os exemplos históricos <strong>de</strong> entes<br />
estatais voltados à regulação <strong>de</strong> setores, ou à regulação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong><br />
setores, todos <strong>de</strong> interesse público, <strong>de</strong>monstram que este tipo <strong>de</strong> regulação não é recente<br />
no Brasil: Comissariado <strong>de</strong> Alimentação Pública, criado em 1918, <strong>de</strong> funções<br />
emergenciais voltadas a racionalizar as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abastecimento advindas da<br />
primeira guerra mundial; Instituto <strong>de</strong> Defesa Permanente do Café, criado em 1923 e<br />
sucedido primeiramente pelo Conselho Nacional do Café, <strong>de</strong> 1931, e em seguida, pelo<br />
Departamento Nacional do Café, <strong>de</strong> 1933, até o aparecimento da autarquia <strong>de</strong><br />
regulação econômica 156 <strong>de</strong>nominada Instituto Brasileiro do Café – IBC, em 1952 157 ;<br />
Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, também uma autarquia <strong>de</strong> regulação econômica,<br />
criada em 1933 158 ; Instituto Nacional do Mate, <strong>de</strong> 1938; Instituto Nacional do Sal, <strong>de</strong><br />
1940; Instituto Nacional do Pinho, <strong>de</strong> 1941; Departamento Nacional <strong>de</strong> Energia<br />
Elétrica – DNAEE, <strong>de</strong> 1968 159 , cujas funções foram assimiladas pela ANEEL; Conselho<br />
Nacional do Petróleo – CNP 160 . A eles, são acrescidas as atuais agências reguladoras<br />
156 À época <strong>de</strong> criação <strong>de</strong>stas autarquias, costumava-se distinguir, por inspiração do direito italiano, entre<br />
autarquias econômicas, voltadas a regular a produção e o comércio, autarquias industriais, autarquias <strong>de</strong><br />
crédito, autarquias <strong>de</strong> previdência, autarquias corporativas, autarquias educacionais. FERREIRA FILHO,<br />
Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 254. In:<br />
Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio <strong>de</strong> 2001, p. 253-257.<br />
157 O Instituto Brasileiro do Café (IBC) apresentava-se como entida<strong>de</strong> autárquica criada pela Lei 1.779, <strong>de</strong><br />
22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1952. O art.1 o , I, e da Lei 8.029, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1990, autorizou o Po<strong>de</strong>r Executivo a<br />
extinguir o IBC, o que se concretizou com o Decreto 99.240, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1990. Atualmente, o<br />
Departamento do Café (DECAF) é responsável pelo planejamento, coor<strong>de</strong>nação e supervisão das <strong>políticas</strong><br />
<strong>públicas</strong> concernentes ao setor cafeeiro e integra a Secretaria <strong>de</strong> Produção e Comercialização na estrutura<br />
do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.<br />
158 O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado pelo Decreto 22.789, <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1933. O<br />
art.1 o , I, d da Lei 8.029, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1990 autorizou o Po<strong>de</strong>r Executivo a extinguir o IAA, o que se<br />
concretizou com o art.1 o , I, d do Decreto 99.240, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1990. O Decreto 99.288, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> junho<br />
<strong>de</strong> 1990, transferiu as atribuições do extinto IAA para a Secretaria <strong>de</strong> Desenvolvimento Regional da<br />
Presidência da República (SDR/PR), que foi transformada em Secretaria do Ministério da Integração<br />
Regional (MIR) pela Lei 8.490, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1992. Com a Medida Provisória 987, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong><br />
abril <strong>de</strong> 1995, o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT) assumiu os encargos do MIR.<br />
Em 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995, o art.2 o , III, b do Anexo I do Decreto 1.757 criou o Departamento <strong>de</strong><br />
Açúcar e do Álcool integrante da estrutura do então MICT. Finalmente, a Medida Provisória 1.911-8, <strong>de</strong><br />
29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1999 transferiu para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a competência sobre a<br />
matéria <strong>de</strong> política sucroalcooleira, on<strong>de</strong> funciona o Departamento do Açúcar e do Álcool integrante da<br />
Secretaria <strong>de</strong> Produção e Comercialização na estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.<br />
Atualmente, a política pública sucroalcooleira concentra-se no Programa <strong>de</strong> Equalização <strong>de</strong> Custos <strong>de</strong><br />
Produção nos Estados do Nor<strong>de</strong>ste em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> incentivo específico <strong>de</strong> plantadores <strong>de</strong><br />
cana. Tal programa foi instituído pela Resolução nº 5, <strong>de</strong> 10/12/1998, do Conselho Interministerial do<br />
Açúcar e do Álcool (CIMA), criado pelo Decreto sem número <strong>de</strong> 21/08/1997 revogado pelo Decreto atual<br />
<strong>de</strong> regência do CIMA: Decreto 3.546, <strong>de</strong> 17/07/2000.<br />
159 O DNAEE originou-se da Divisão <strong>de</strong> Águas (criada pelo Decreto 6.402, <strong>de</strong> 28/10/1940) do<br />
Departamento Nacional <strong>de</strong> Produção Mineral – DNPM – (criado na Reforma Juarez Távora, em agosto <strong>de</strong><br />
1934) então pertencente ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Com a criação do Ministério<br />
das Minas e Energia, em 1961, o DNPM foi vinculado a este ministério. Sua Divisão <strong>de</strong> Águas foi<br />
transformada no Departamento Nacional <strong>de</strong> Águas e Energia – DNAE (Lei 4.904, <strong>de</strong> 17/12/1965) e teve<br />
sua <strong>de</strong>nominação alterada para Departamento Nacional <strong>de</strong> Águas e Energia Elétrica – DNAEE pelo<br />
Decreto 63.951, <strong>de</strong> 31/12/1968.<br />
160 O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi criado pelo Decreto nº395/38 e teve suas atribuições<br />
<strong>de</strong>finidas pela Lei 2.004, <strong>de</strong> 03 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1953.<br />
48
fe<strong>de</strong>rais 161 : AEB 162 ; ANATEL 163 ; ANEEL 164 ; ANP 165 ; ANVISA 166 ; ANS 167 ; ANA 168 ;<br />
ANTT 169 ; ANTAQ 170 ; ANCINE 171 . O mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro tem semelhança com mo<strong>de</strong>los<br />
161 Deste rol <strong>de</strong> agências reguladoras está excluída a Agência Brasileira <strong>de</strong> Inteligência (ABIN), que<br />
assimilou a terminologia aplicada às autarquias autônomas <strong>de</strong> regulação setorial, mas não <strong>de</strong>tém suas<br />
características distintivas. A ABIN não tem personalida<strong>de</strong> jurídica própria. É um órgão integrante do<br />
Subsistema <strong>de</strong> Inteligência <strong>de</strong> Segurança Pública (art. 2 o do Decreto 3.448/2000), criado no âmbito do<br />
Sistema Brasileiro <strong>de</strong> Inteligência (SISBIN) da Presidência da República (arts. 1 o e 3 o da Lei 9.883/99),<br />
sob supervisão interna da Câmara <strong>de</strong> Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho <strong>de</strong> Governo<br />
(art. 5 o da Lei 9.883/99) e sob controle externo do Congresso Nacional (art. 6 o da Lei 9.883/99). Está sob<br />
a direção monocrática <strong>de</strong> um Diretor-Geral (art. 8 o da Lei 9.883/99), ao contrário do mo<strong>de</strong>lo das agências<br />
reguladoras pautado em colegiados. Assemelha-se, contudo, às agências reguladoras no procedimento <strong>de</strong><br />
nomeação <strong>de</strong> seu Diretor-Geral, mediante indicação e nomeação pelo Presi<strong>de</strong>nte da República após<br />
sabatina no Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 11, parágrafo único da Lei 9.883/99). O Conselho Especial do<br />
Subsistema <strong>de</strong> Inteligência <strong>de</strong> Segurança Pública, sob administração da ABIN, é vinculado ao Gabinete<br />
<strong>de</strong> Segurança Institucional da Presidência da República (art. 3 o do Decreto 3.448/2000) e tem o seu<br />
Regimento Interno aprovado pelo Chefe do Gabinete <strong>de</strong> Segurança Institucional da Presidência da<br />
República, que é a via <strong>de</strong> interação da Agência com os interessados no exercício <strong>de</strong> seu direito a<br />
auto<strong>de</strong>terminação das informações pessoais.<br />
162 Agência Espacial Brasileira (AEB) foi instituída pela Lei 8.854, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1994, com<br />
competência, <strong>de</strong>ntre outras, <strong>de</strong> estabelecer normas e expedir licenças e autorizações relativas às ativida<strong>de</strong>s<br />
espaciais (art.3º,XIII) bem como aplicar as normas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e produtivida<strong>de</strong> em tais ativida<strong>de</strong>s<br />
(art.3º,XIV).<br />
163 Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (ANATEL) foi instituída pela Lei 9.472, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />
1997, regulamentada pelo Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, com função <strong>de</strong> disciplinamento e<br />
fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e da implantação e<br />
funcionamento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, bem como da utilização dos recursos <strong>de</strong> órbita e espectro<br />
<strong>de</strong> radiofreqüências. Tem fundo próprio submetido a sua exclusiva administração (Fundo <strong>de</strong> Fiscalização<br />
das Telecomunicações – FISTEL), criado pela Lei 5.070, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1966.<br />
164 Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela Lei 9.427, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1996 com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização <strong>de</strong><br />
energia elétrica, em conformida<strong>de</strong> com diretrizes do Governo Fe<strong>de</strong>ral e com po<strong>de</strong>res regulamentados pelo<br />
Decreto 2.335, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997. Suce<strong>de</strong>u ao Departamento Nacional <strong>de</strong> Águas e Energia Elétrica<br />
(DNAEE). Tem atribuição <strong>de</strong> celebrar e gerir contratos <strong>de</strong> concessão e <strong>de</strong> permissão no setor e <strong>de</strong> dirimir,<br />
no âmbito administrativo, divergências entre concessionárias e consumidores.<br />
165 Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pela Lei 9.478, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, teve suas<br />
ativida<strong>de</strong>s regulamentadas pelo Decreto 2.455, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1998. Como autarquia reguladora da<br />
indústria do petróleo, tem funções <strong>de</strong> normatização, contratação e fiscalização das ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
integrantes da indústria do petróleo.<br />
166 Agência Nacional <strong>de</strong> Vigilância Sanitária (ANVISA) foi instituída pela Lei 9.782, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
1999 e teve suas ativida<strong>de</strong>s regulamentadas pelo Decreto 3.029, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999. Sua sigla foi<br />
mudada <strong>de</strong> ANVS para ANVISA pela Medida Provisória 2.134-25, <strong>de</strong> 28/12/2000, produto <strong>de</strong><br />
modificação das prorrogações da Medida Provisória originária <strong>de</strong> número 1.814, <strong>de</strong> 26/02/1999.<br />
Autarquia especial vinculada ao Ministério da Saú<strong>de</strong>, tem por objetivos, <strong>de</strong>ntre outros, promover a<br />
proteção da saú<strong>de</strong> da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização<br />
<strong>de</strong> produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos<br />
insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle <strong>de</strong> portos, aeroportos e <strong>de</strong> fronteiras.<br />
167 Agência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Suplementar (ANS) foi criada pela Lei 9.961, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000,<br />
também vinculada ao Ministério da Saú<strong>de</strong> e com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover a <strong>de</strong>fesa do interesse público<br />
na assistência suplementar à saú<strong>de</strong>, normatizando a atuação das operadoras setoriais, inclusive quanto às<br />
suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações em âmbito<br />
nacional.<br />
168 Agência Nacional das Águas (ANA) foi instituída pela Lei 9.984, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, vinculada ao<br />
Ministério do Meio Ambiente, integrante do Sistema Nacional <strong>de</strong> Gerenciamento <strong>de</strong> Recurso Hídricos.<br />
169 Agência Nacional <strong>de</strong> Transportes Terrestres (ANTT), instituída pela Lei 10.233, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001,<br />
autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com in<strong>de</strong>pendência administrativa,<br />
autonomia financeira e funcional e mandato fixo <strong>de</strong> seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para<br />
49
<strong>de</strong> regulação setorial implantados em outros países. No Reino Unido: OFWAT 172 ;<br />
OFCOM 173 ; OFGEM 174 . Nos Estados Unidos da América: ICC 175 ; FCC 176 ; FERC 177 . Na<br />
Alemanha: Bun<strong>de</strong>snetzagentur 178 ; <strong>de</strong>ntre vários outros. O mo<strong>de</strong>lo também encontra<br />
sintonia no ambiente internacional: UIT 179 ; OMS 180 ; FAO 181 ; UNESCO 182 ; UPU 183 ;<br />
regulação do transporte ferroviário <strong>de</strong> passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional <strong>de</strong> Viação<br />
(art.22,I), <strong>de</strong> exploração da infra-estrutura ferroviária e arrendamento dos ativos operacionais<br />
correspon<strong>de</strong>ntes (art.22,II), do transporte rodoviário interestadual e internacional <strong>de</strong> passageiros<br />
(art.22,III), do transporte rodoviário <strong>de</strong> cargas (art.22,IV), da exploração da infra-estrutura rodoviária<br />
fe<strong>de</strong>ral (art.22,V), do transporte multimodal (art.22,VI) e do transporte da cargas especiais e perigosas em<br />
rodovias e ferrovias (art.22,VII).<br />
170 Agência Nacional <strong>de</strong> Transportes Aquaviários (ANTAQ), instituída pela Lei 10.233, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com in<strong>de</strong>pendência<br />
administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo <strong>de</strong> seus dirigentes (art.21,§2º) e<br />
competência para regular a navegação fluvial, lacustre, <strong>de</strong> travessia, <strong>de</strong> apoio marítimo, <strong>de</strong> apoio<br />
portuário, <strong>de</strong> cabotagem, <strong>de</strong> longo curso (art.23,I), os portos organizados (art.23,II), os terminais<br />
portuários privativos (art.23,III), o transporte aquaviário <strong>de</strong> cargas especiais e perigosas (art.23,IV) e a<br />
exploração da infra-estrutura aquaviária fe<strong>de</strong>ral (art.23,V).<br />
171 Agência Nacional do Cinema (ANCINE), instituída pela Medida Provisória 2.228, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio<br />
Exterior com autonomia administrativa e financeira (art.5º,caput) e mandato fixo <strong>de</strong> seus dirigentes<br />
(art.8º,caput) e competência para regular as ativida<strong>de</strong>s cinematográficas e vi<strong>de</strong>ofonográficas (art.7º).<br />
172 Office of Water Services (OFWAT), cujo Diretor (Director General of Water Services) vem <strong>de</strong>finido<br />
como o regulador econômico da indústria <strong>de</strong> água e esgoto da Inglaterra e do País <strong>de</strong> Gales na Parte I,<br />
Artigo 1º, Parágrafo 1º, do Water Industry Act 1991 (WIA91), fixando preços pelos serviços <strong>de</strong><br />
fornecimento <strong>de</strong> água e <strong>de</strong> esgoto, fiscalizando a qualida<strong>de</strong> dos serviços, fiscalizando a saú<strong>de</strong> das<br />
empresas do setor, incentivando a eficiência e a competição.<br />
173 Precedida pela OFTEL (Office of Telecommunications), que fora criada pelo Telecommunications Act<br />
<strong>de</strong> 1984, a Office of Communications (OFCOM), com formato <strong>de</strong>finido pelo Communications Act <strong>de</strong><br />
2003, assimilou, <strong>de</strong>ntre outras, as competências da OFTEL e hoje se apresenta como reguladora da<br />
indústria <strong>de</strong> comunicações do Reino Unido, envolvendo serviços <strong>de</strong> televisão, rádio, telecomunicação e<br />
comunicação sem fio.<br />
174 The Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM) surgiu da reunião do OFFER (Office of Electricity<br />
Regulation) com o OFGAS (Office of Gas Suply), cujas bases normativas remontam ao Gas Act <strong>de</strong> 1986.<br />
Trata-se do regulador da indústria britânica <strong>de</strong> gás e eletricida<strong>de</strong>.<br />
175 Interstate Commerce Commission (ICC), festejada como a primeira agência reguladora fe<strong>de</strong>ral norteamericana,<br />
foi instituída pelo Interstate Commerce Act <strong>de</strong> 1887 <strong>de</strong>stinada a regular transportes em geral, à<br />
exceção do transporte aéreo, tendo sido extinta em 1995.<br />
176 Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC), instituída pelo Communications Act <strong>de</strong> 1934 e<br />
qualificada como agência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, respon<strong>de</strong> pela regulação da comunicação interestadual e<br />
internacional por rádio, televisão, par <strong>de</strong> cobre, satélite ou cabo.<br />
177 Fe<strong>de</strong>ral Energy Regulatory Commission (FERC), foi a sucessora da antiga Fe<strong>de</strong>ral Power Commission<br />
(FPC), que, embora existente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1920, adquiriu as características <strong>de</strong> uma agência governamental<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte a partir <strong>de</strong> 1930. Criada em 1977, a FERC é citada oficialmente como agência<br />
governamental in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que regula a transmissão interestadual <strong>de</strong> gás natural, petróleo e eletricida<strong>de</strong><br />
dos Estados Unidos da América.<br />
178 Regulierungsbehör<strong>de</strong> für Telekommunikation und Post (RegTP), trata-se da Autorida<strong>de</strong> Reguladora<br />
para Telecomunicações e Correios da Alemanha, entida<strong>de</strong> reguladora dos setores <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e<br />
correios instituída a partir <strong>de</strong> 1996 com a correspon<strong>de</strong>nte Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Regelungen<br />
<strong>de</strong>s Telekommunikationsgesetzes – TKG). Em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005, foi renomeada para<br />
Bun<strong>de</strong>snetzagentur.<br />
179 União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações (International Telecommunication Union – ITU).<br />
180 World Health Organization (WHO) – Organização Mundial da Saú<strong>de</strong> (OMS).<br />
181 Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).<br />
182 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO).<br />
183 Universal Postal Union International (UPU).<br />
50
IAEA 184 , e está apoiado na divisão funcional ligada a conjuntos <strong>de</strong> temas unidos por um<br />
conhecimento técnico-científico específico.<br />
Das espécies <strong>de</strong> regulação anteriormente apresentadas, a que maior presença<br />
institucional obteve na década <strong>de</strong> 1990, em âmbito fe<strong>de</strong>ral, no Brasil, foi a setorial,<br />
revelando a preocupação <strong>de</strong> reestruturação estatal e investimento em instituições<br />
capazes <strong>de</strong> promover o preenchimento normativo <strong>de</strong> diretrizes regulatórias atualizáveis<br />
no ritmo <strong>de</strong> alteração da própria ativida<strong>de</strong> regulada. Visualizado o campo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
que <strong>de</strong>manda intromissão estatal, seja pela natureza da ativida<strong>de</strong>, seja pela finitu<strong>de</strong> 185 do<br />
meio <strong>de</strong> sua manifestação, ou mesmo pelo <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> otimização do potencial uso<br />
<strong>de</strong> um bem público, as instituições reguladoras passaram a <strong>de</strong>sempenhar papel nuclear<br />
na dinâmica organizacional daquelas ativida<strong>de</strong>s.<br />
Para os fins <strong>de</strong>sta tese, o termo instituições reguladoras pareceu mais apropriado<br />
para <strong>de</strong>signar os instrumentos <strong>de</strong> que se utiliza o Estado no regramento <strong>de</strong> serviços, pois<br />
a volátil nomenclatura existente inviabiliza qualquer tentativa <strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong><br />
conceitos a longo prazo. Por força da novida<strong>de</strong> terminológica das agências reguladoras,<br />
o resgate <strong>de</strong> estruturas administrativas do passado revelará aspectos mais precisos<br />
quanto ao formato <strong>de</strong> regulação setorial adotado para as <strong>telecomunicações</strong> no Brasil.<br />
4.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL NO BRASIL<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1930, surgiram, no Brasil, os assim chamados conselhos<br />
econômicos resultantes da ampliação e da especialização das ativida<strong>de</strong>s estatais. A<br />
origem 186 da preocupação <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> conselhos consultivos para fornecimento <strong>de</strong><br />
bagagem técnica às <strong>de</strong>cisões <strong>políticas</strong> foi evi<strong>de</strong>nciada na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira<br />
<strong>de</strong> 1934, que facultou a criação, por lei ordinária, <strong>de</strong> Conselhos Technicos e Conselhos<br />
Geraes para assistirem os Ministérios, chegando mesmo a vincular a <strong>de</strong>liberação do<br />
Ministro <strong>de</strong> Estado correspon<strong>de</strong>nte 187 . Embora a Constituição <strong>de</strong> 1934 previsse<br />
expressamente o Conselho Superior <strong>de</strong> Segurança Nacional (art. 159) e o Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Educação (art. 152), a repercussão prática da novida<strong>de</strong> foi tímida,<br />
resumindo-se à criação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação pela Lei 174, <strong>de</strong> 1936, e à<br />
184<br />
International Atomic Energy Agency (IAEA) – Organismo Internacional <strong>de</strong> Energia Atômica (OIEA).<br />
185<br />
No setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, o espectro <strong>de</strong> radiofreqüência e os recursos <strong>de</strong> órbita são exemplos <strong>de</strong><br />
bens finitos ou escassos.<br />
186<br />
Já na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX, os conselhos administrativos eram tidos como auxiliares dos<br />
agentes políticos “para que a <strong>de</strong>liberação e a ação que [<strong>de</strong>les] resulta seja ilustrada e acertada; para que<br />
esta melhor possa ser fiscalizada; para que a responsabilida<strong>de</strong> seja mais patente e justa” (URUGUAI,<br />
Paulino José Soares <strong>de</strong> Souza, Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong>. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da edição<br />
<strong>de</strong> 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 126).<br />
187<br />
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1934: “Art.103.Cada Ministerio será assistido por<br />
um ou mais Conselhos Technicos, coor<strong>de</strong>nados, segundo a natureza dos seus trabalhos, em Conselhos<br />
Geraes, como órgãos consultivos da Camara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral. §1 o A lei ordinaria<br />
regulará a composição, o funccionamento e a competencia dos Conselhos Technicos e dos Conselhos<br />
Geraes. §2 o Meta<strong>de</strong>, pelo menos, <strong>de</strong> cada Conselho será composta <strong>de</strong> pessoas especializadas, estranhas aos<br />
quadros do funccionalismo do respectivo Ministerio. §3 o Os membros dos Conselhos Technicos não<br />
perceberão vencimentos pelo <strong>de</strong>sempenho do cargo, po<strong>de</strong>ndo, porém, vencer uma diaria pelas sessões, a<br />
que comparecerem. §4 o É vedado a qualquer Ministro tomar <strong>de</strong>liberação, em materia da sua competencia<br />
exclusiva, contra o parecer unanime do respectivo Conselho.” (CAMPANHOLE, Hilton Lobo;<br />
CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 13 a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 712).<br />
51
previsão, na Constituição <strong>de</strong> 1937 (arts. 57 a 63) do Conselho da Economia Nacional,<br />
que não se repetiu nas constituições <strong>de</strong> 1946 (art. 148, caput) e 1967 (art. 57, VI),<br />
inclusive Emenda Constitucional n.1, <strong>de</strong> 1969 (art. 160, V).<br />
Da imprecisão semântica dos conselhos po<strong>de</strong>m-se extrair, todavia, certos<br />
elementos conceituais como o da colegialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções, cuja <strong>de</strong>finição weberiana se<br />
dá por sua oposição à autorida<strong>de</strong> monocrática 188 . O plural, o corpo, o coletivo, a<br />
reunião, enfim, a assembléia fazem parte do significado histórico dos conselhos. Tais<br />
características incrementam o caráter institucional <strong>de</strong> convencimento e discussão,<br />
chegando, no direito espanhol, a ser erigido à condição <strong>de</strong> princípio <strong>de</strong>finidor da<br />
natureza dos órgãos consultivos 189 . A colegialida<strong>de</strong> permite, assim, maior profundida<strong>de</strong><br />
das <strong>de</strong>cisões, que é obtida às custas <strong>de</strong> maior grau <strong>de</strong> imprecisão e morosida<strong>de</strong>. 190 Ela<br />
divi<strong>de</strong> a responsabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão, atomizando-a em manifestações parciais. 191<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer, portanto, que isenção, profundida<strong>de</strong> e morosida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificam a<br />
forma colegial <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Entretanto, não <strong>de</strong>põem, a priori, contra ou a favor do<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão colegial, mas indicam os limites e oportunida<strong>de</strong>s para sua<br />
manifestação. A presença dos conselhos po<strong>de</strong> ser vista como uma resposta estatal ao<br />
<strong>de</strong>sequilíbrio gerado pela especialização do ambiente privado sobre <strong>de</strong>terminados<br />
setores tidos por relevantes para o Estado. O conhecimento especial superior dos<br />
interessados atores <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado setor da economia, que, por serem partes, são<br />
naturalmente facciosos, somente po<strong>de</strong> ser contrastado mediante a presença <strong>de</strong> conselhos<br />
econômicos no ambiente estrutural do Estado para nortearem sua atuação regulatória. A<br />
existência dos conselhos segue uma constatação <strong>de</strong> Max Weber, <strong>de</strong> que o conhecimento<br />
técnico dos privados é superior ao da burocracia pública. Daí a importância <strong>de</strong> uma<br />
estrutura po<strong>de</strong>rosa, especializada e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para o exercício da ativida<strong>de</strong><br />
regulatória, que tenha acesso ao conhecimento técnico produzido em nível dos<br />
conselhos, ou mesmo, em nível acadêmico institucional. 192<br />
188 Max Weber utiliza o conceito <strong>de</strong> colegialida<strong>de</strong> como meio específico <strong>de</strong> mitigação da dominação. A<br />
colegialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções diferencia-se, no pensamento <strong>de</strong> Weber, da colegialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cassação. Nesta<br />
última, persiste a <strong>de</strong>cisão monocrática em meio a outras instâncias monocráticas <strong>de</strong> adiamento ou<br />
cassação da <strong>de</strong>cisão. Na colegialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções, a autorida<strong>de</strong> monocrática é substituída pela autorida<strong>de</strong><br />
institucional, em que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um é substituída pela cooperação <strong>de</strong> alguns. Conferir, a respeito:<br />
WEBER, Max. Economia e socieda<strong>de</strong>. Vol.I, Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1991, p. 178-<br />
188.<br />
189 Sobre o princípio da colegialida<strong>de</strong>, García-Trevijano Fos esclarece que “constitui (....) o último dos que<br />
integram as bases fundamentais <strong>de</strong> toda organização administrativa. Dividíamos os órgãos em ativos,<br />
<strong>de</strong>liberantes, consultivos e <strong>de</strong> controle. Teoricamente, todos eles po<strong>de</strong>m ser unipessoais ou colegiados<br />
com uma única exceção: a dos órgãos consultivos, que têm sempre natureza colegial (....). Os órgãos<br />
ativos costumam ser – na administração geral do Estado – unipessoais. Os <strong>de</strong> controle costumam ser, ao<br />
contrário, colegiados.” – tradução livre do original: FOS, Jose Antonio Garcia-Trevijano. Tratado <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>recho administrativo. Tomo II, Vol. I, 2ªed., Madri: Editorial Revista <strong>de</strong> Derecho Privado, 1971, p.<br />
480.<br />
190 Ao analisar os progressos do princípio burocrático monocrático, Weber aponta <strong>de</strong>feitos e virtu<strong>de</strong>s da<br />
forma colegial <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão: “O trabalho organizado em forma colegial (...) condiciona atritos e retardações,<br />
compromissos entre opiniões e interesses contraditórios, realizando-se, portanto, com menos precisão e<br />
menos <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s superiores e, por isso, <strong>de</strong> maneira menos uniforme e mais lenta”<br />
(WEBER, Max. Economia e socieda<strong>de</strong>. Vol. II, Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1999, p. 212).<br />
191 WEBER, Max. Economia e socieda<strong>de</strong>. Vol. I, Brasília: Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1991, p. 183.<br />
192 “Superior ao conhecimento especial da burocracia é apenas o conhecimento especial dos interessados<br />
da economia privada, na área ‘econômica’. Isto porque, para eles, o conhecimento exato dos fatos <strong>de</strong> sua<br />
área é diretamente uma questão <strong>de</strong> sua existência econômica: erros numa estatística oficial não trazem<br />
conseqüências diretamente econômicas para o funcionário responsável, mas erros nos cálculos <strong>de</strong> uma<br />
empresa capitalista causam-lhe perdas, ameaçando, talvez, sua existência. E também o ‘segredo’, como<br />
52
Opõe-se a tal constatação <strong>de</strong> imprescindibilida<strong>de</strong> dos conselhos, sua imprecisão<br />
terminológica e conseqüente aplicação casuísta.<br />
No que tange à imprecisão terminológica, tem-se a divisão entre conselhos <strong>de</strong><br />
especialização, conselhos consultivos e instâncias colegiais controladoras. De um lado,<br />
há as corporações <strong>de</strong> especialização, que são formadas <strong>de</strong>ntro da estrutura burocrática<br />
estatal por técnicos habilitados em razão <strong>de</strong> seus conhecimentos especiais. Ditas<br />
corporações ombreiam com as corporações consultivas, que, na classificação <strong>de</strong> Weber,<br />
são formadas por interessados privados no setor em pauta. Por outro lado, as instâncias<br />
colegiais controladoras estão presentes nas conformações burocráticas da economia<br />
privada, como o conselho fiscal <strong>de</strong> uma empresa. 193 Dita classificação, no entanto, não<br />
foi absorvida pela prática institucional <strong>brasil</strong>eira, o que não impe<strong>de</strong> a conclusão <strong>de</strong> que<br />
há ao menos duas formas essencialmente distintas <strong>de</strong> manifestação dos conselhos: os <strong>de</strong><br />
produção <strong>de</strong> massa crítica para outros atores do processo <strong>de</strong>cisório estatal; e os <strong>de</strong><br />
influência no processo <strong>de</strong>cisório por parte do diálogo estabelecido entre o Estado e o<br />
setor regulado, diálogo este inserido na instituição estatal dos conselhos, ou seja, na<br />
possibilida<strong>de</strong> da interferência dos interessados na escolha dos temas e na solução dos<br />
problemas referentes ao setor <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s visado. Seguindo esta classificação, os<br />
conselhos integrantes da estrutura estatal diferenciam-se das instâncias colegiais<br />
controladoras presentes na economia privada pelo critério da força das <strong>de</strong>cisões. Os<br />
conselhos presentes na economia privada fornecem a própria <strong>de</strong>liberação perseguida,<br />
enquanto os da esfera estatal refletem funções basicamente técnicas e opinativas.<br />
Emerge <strong>de</strong>stas constatações, que o conceito <strong>de</strong> conselho, embora tenha hoje<br />
perdido sua dimensão inicial, tem sua contribuição <strong>de</strong> conceito geral do qual <strong>de</strong>rivaram<br />
outros atualmente festejados, como o <strong>de</strong> comissão e o <strong>de</strong> agência. Antes, os conselhos<br />
exerciam função meramente consultiva, mas, com o tempo, alguns <strong>de</strong>les usurparam o<br />
po<strong>de</strong>r em face <strong>de</strong> sua especialização e <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> complexos perenes frente a<br />
autorida<strong>de</strong>s efêmeras. 194<br />
A abertura conceitual do termo conselho acabou gerando o surgimento <strong>de</strong> outros<br />
termos que <strong>de</strong>notam vinculação <strong>de</strong>cisória para se contraporem ao aspecto consultivo<br />
agregado aos conselhos hoje existentes. Isso não quer dizer que todos os conselhos do<br />
Estado <strong>brasil</strong>eiro estejam maculados com a função meramente consultiva 195 , mas esta é,<br />
sem dúvida, a característica mais difundida 196 .<br />
meio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, está mais seguramente guardado no livro comercial <strong>de</strong> um empresário do que na<br />
documentação das autorida<strong>de</strong>s. Já por isso, a influência oficial sobre a vida econômica, na era capitalista,<br />
tem limites muito estreitos, e as medidas do Estado nesta área <strong>de</strong>sembocam tão freqüentemente em<br />
caminhos imprevistos e <strong>de</strong>spropositados ou tornam-se ilusórias <strong>de</strong>vido ao conhecimento especial superior<br />
dos interessados” (WEBER, Max. Economia e socieda<strong>de</strong>. Vol. II, Brasília. Editora Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Brasília, 1999, p. 227).<br />
193 Ibid., p. 228-229.<br />
194 O trecho a seguir é esclarecedor da abertura conceitual sofrida pelo conceito <strong>de</strong> conselho: “Enquanto o<br />
conhecimento especial em assuntos administrativos era exclusivamente produto <strong>de</strong> longa prática empírica<br />
e as normas administrativas não eram regulamentos, mas componentes da tradição, o conselho dos<br />
anciãos, muitas vezes com participação dos sacerdotes, dos “velhos estadistas” e dos honoratiores, era<br />
tipicamente a forma a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> tais instâncias, que inicialmente apenas aconselhavam o senhor, porém,<br />
mais tar<strong>de</strong>, por serem complexos perenes diante dos soberanos alternantes, freqüentemente usurpavam o<br />
po<strong>de</strong>r efetivo. Assim, o senado romano e o conselho veneziano, bem como o areópago ateniense até sua<br />
<strong>de</strong>rrubada em favor do domínio dos ‘<strong>de</strong>magogos’.” (Ibid., p. 228).<br />
195 São exemplos conhecidos <strong>de</strong> “conselhos” com função <strong>de</strong>cisória, no Brasil, o Conselho Administrativo<br />
<strong>de</strong> Defesa Econômica (CADE) e os Conselhos <strong>de</strong> Contribuintes. O Conselho Nacional <strong>de</strong> Desestatização<br />
– CND, criado pela Lei 8.031/90 e integrado por cinco ministros <strong>de</strong> estado tem amplos po<strong>de</strong>res sobre todo<br />
53
O aspecto consultivo dos conselhos inseriu neles a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> composição<br />
plural para formação <strong>de</strong> consenso 197 . A participação <strong>de</strong> diversas tendências e interesses<br />
erigiu-os a colaboradores e principais enriquecedores da discussão implementada em<br />
outras instituições <strong>de</strong>cisórias. Isto é melhor visualizado na recente criação <strong>de</strong> conselhos<br />
no âmbito das agências administrativas, inclusive na Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. 198<br />
A procura por índices <strong>de</strong> diferenciação entre os conselhos e as agências esbarra<br />
na consciência <strong>de</strong> que os critérios daí extraídos são muito mais apanhados <strong>de</strong> aspectos<br />
formais reinci<strong>de</strong>ntes do que propriamente distinções <strong>de</strong> essência entre as duas<br />
instituições. Não se po<strong>de</strong> esquecer a paulatina evolução conceitual dos conselhos,<br />
<strong>de</strong>sembocando na imprecisão dos termos que hoje <strong>de</strong>signam as instituições estatais <strong>de</strong><br />
controle. Mas esta constatação não chega ao ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>smerecer divisões didáticas,<br />
que existem para possibilitar a melhor visualização do contexto conceitual <strong>de</strong> conselhos<br />
e agências.<br />
Deste modo, no tocante ao funcionamento, os conselhos estão voltados à solução<br />
<strong>de</strong> questões específicas em razão das quais houver sido suscitada sua reunião, enquanto<br />
as agências possuem um quadro permanente <strong>de</strong>stinado a funcionamento ostensivo. Por<br />
isso, em geral, os membros <strong>de</strong> conselhos não se afastam <strong>de</strong> outras funções na esfera<br />
pública ou privada, ao passo que se exige, dos membros <strong>de</strong> agências, especial <strong>de</strong>dicação<br />
à ativida<strong>de</strong> que lá <strong>de</strong>sempenham. 199 A personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> direito público interno é<br />
da essência das agências administrativas, enquanto os conselhos, em geral,<br />
consubstanciam-se em órgãos, portanto, centros <strong>de</strong> competências <strong>de</strong>spersonalizados do<br />
Estado. Enfim, a agência, enquanto terminologia, surgiu, no Brasil, na década <strong>de</strong> 1990,<br />
respon<strong>de</strong>ndo a uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> precisão terminológica das colegialida<strong>de</strong>s funcionais <strong>de</strong><br />
caráter regulatório, que eram relegadas a adotarem os conceitos <strong>de</strong> conselhos ou comitês<br />
e que, assim, não transpareciam, <strong>de</strong> imediato, suas referidas peculiarida<strong>de</strong>s, sofrendo,<br />
como sofriam, ingerência política acentuada. 200 O caso do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
o processo <strong>de</strong> privatização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escolha das ativida<strong>de</strong>s ou empresas a serem privatizadas até a forma<br />
<strong>de</strong> privatização e o <strong>de</strong>stino dos recursos. Eventualmente <strong>de</strong>liberam nas sessões, o presi<strong>de</strong>nte do Banco<br />
Central e outros ministros <strong>de</strong> Estado. O presi<strong>de</strong>nte do Conselho é o Ministro do Planejamento e<br />
Orçamento. Mesmo o Conselho Nacional <strong>de</strong> Política Energética (CNPE), com atribuição <strong>de</strong> propor<br />
medidas relativas aos recursos energéticos ao Presi<strong>de</strong>nte da República (art.2 o da Lei 9.478/97),<br />
transpareceu vinculação das suas emanações por força do Decreto 2.455/98, que, ao estabelecer as<br />
finalida<strong>de</strong>s da Agência Nacional do Petróleo, vinculou-a às diretrizes emanadas do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Política Energética (art.2 o do Decreto 2.455/98), que foge à característica meramente consultiva em razão<br />
<strong>de</strong> seu funcionamento periódico e função específica <strong>de</strong> propostas <strong>políticas</strong> energéticas. Não se quer dizer<br />
com isso que suas <strong>de</strong>cisões vinculam sem a necessária aprovação do Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
196<br />
A presença, na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1988, do Conselho da República e do Conselho <strong>de</strong><br />
Defesa Nacional como órgãos meramente opinativos é significativa.<br />
197<br />
Nem todos os exemplos são tão lúcidos assim. O Conselho Monetário Nacional (CMN) tem sua<br />
composição restrita a 3 membros do Executivo exclusivamente, quais sejam: Ministro <strong>de</strong> Estado da<br />
Fazenda; Ministro <strong>de</strong> Estado do Planejamento e Orçamento; Presi<strong>de</strong>nte do Banco Central. Funcionam<br />
junto ao Conselho Monetário Nacional comissões consultivas estritamente técnicas (Normas e<br />
Organização do Sistema Financeiro, Mercado <strong>de</strong> Valores Mobiliários e <strong>de</strong> Futuros, Crédito Rural, Crédito<br />
Industrial, <strong>de</strong>ntre outros).<br />
198<br />
A Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (ANATEL) comporta um Conselho Consultivo <strong>de</strong>finido<br />
como órgão <strong>de</strong> “participação institucionalizada da socieda<strong>de</strong> na Agência” (art.33 da Lei 9.472/97).<br />
199<br />
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social <strong>de</strong> serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999,<br />
p. 226.<br />
200<br />
Sobre os conselhos, “continuava a operar, <strong>de</strong> direito ou <strong>de</strong> fato, o controle político, pela via <strong>de</strong><br />
supervisão ministerial e a competência do Congresso, <strong>de</strong>finindo metas e a atribuição <strong>de</strong> recursos”<br />
54
Telecomunicações (CONTEL) é exemplo <strong>de</strong> conselho criado com características<br />
autônomas <strong>de</strong> comissão interministerial 201 , ou mesmo, <strong>de</strong> órgão similar à Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission (FCC) norte-americana 202 , que foi sendo<br />
progressivamente esvaziado e suplantado pela Administração direta do Estado.<br />
Com isso, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir agência administrativa como uma autarquia 203 especial<br />
i<strong>de</strong>ntificada como instituição estatal <strong>de</strong> regulação operacional ou normativa, que passou<br />
a integrar os aspectos estruturais e organizacionais do Estado para fins <strong>de</strong><br />
especialização, celerida<strong>de</strong> e maior autonomia <strong>de</strong>cisória. Tais características das agências<br />
administrativas vêm mensuradas para que sua atuação, embora protegida da influência<br />
variável da política <strong>de</strong> Governo, permaneça vinculada à política <strong>de</strong> Estado, pois os<br />
aspectos <strong>de</strong> segregação da agência frente ao Estado somente se justificam para o alcance<br />
da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua existência, qual seja, a <strong>de</strong>sobstrução do formalismo burocratizante<br />
<strong>de</strong> seus procedimentos 204 , <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que instrumental ao cumprimento dos fins públicos que<br />
qualificam uma autarquia.<br />
As agências administrativas divi<strong>de</strong>m-se em duas modalida<strong>de</strong>s no Brasil:<br />
agências executivas; e agências reguladoras. Destas, as agências reguladoras alcançaram<br />
status evi<strong>de</strong>nte na organização (aspecto dinâmico) e estruturação (aspecto estático) do<br />
Estado <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> finais do século XX.<br />
Previstas na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990 205 , as agências executivas<br />
significam um signo, sinal, insígnia, rótulo, enfim, um símbolo i<strong>de</strong>ntificador da<br />
(TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio <strong>de</strong> Janeiro 45(529): 33-44, abril<br />
1999, p. 36)<br />
201 Consi<strong>de</strong>rando o CONTEL como comissão interministerial, vi<strong>de</strong>: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL<br />
FEDERAL. Mandado <strong>de</strong> Segurança n. 19.227/DF, relator Min. Themístocles Cavalcanti, Tribunal Pleno,<br />
unânime, j. 09/04/1969.<br />
202 Murilo César Ramos analisa a semelhança entre o CONTEL <strong>brasil</strong>eiro e a FCC norte-americana e<br />
atesta o processo <strong>de</strong> centralização ministerial como o fator <strong>de</strong> extinção do órgão regulador das<br />
<strong>telecomunicações</strong> no Brasil ao falar do “órgão colegiado criado pelo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, emulado, ainda que frouxamente, na Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC)<br />
norte-americana. CONTEL que iria ser esvaziado progressivamente até sua extinção total nos anos 70,<br />
substituído <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito por um Ministério altamente centralizador e concentrador <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.”<br />
(RAMOS, Murilo César. Saú<strong>de</strong>, novas tecnologias e <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> comunicações. In: PITTA,<br />
Áurea Maria da Rocha (org). Saú<strong>de</strong> & Comunicação: visibilida<strong>de</strong>s e silêncios. São Paulo: Hucitec,<br />
1995. p. 69-70).<br />
203 Expressão originária do italiano autarchia. O termo “foi usado pela primeira vez pelo publicista<br />
italiano Santi Romano, em 1897, para i<strong>de</strong>ntificar a situação <strong>de</strong> entes territoriais e institucionais do Estado<br />
unitário italiano” (MEDAUAR, O<strong>de</strong>te. Direito administrativo mo<strong>de</strong>rno. 5 a ed., São Paulo: RT, 2001, p.<br />
77). O conceito basilar <strong>de</strong> autarquia está na personalida<strong>de</strong> jurídica dotada <strong>de</strong> auto-administração e<br />
autosuficiência, conforme enuncia a doutrina italiana em face <strong>de</strong> sua etimologia: “A palavra italiana<br />
‘autarquia’ traduz duas expressões gregas distintas e tem dois significados em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta origem<br />
distinta: em um primeiro significado, indica a condição <strong>de</strong> um sujeito que é capaz <strong>de</strong> bastar a si próprio,<br />
<strong>de</strong> prover suas próprias necessida<strong>de</strong>s (autosuficiência); no segundo, serve para indicar a posição <strong>de</strong> um<br />
ente a quem é reconhecida a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se governar, <strong>de</strong> administrar os próprios interesses (autoadministração)”<br />
(ZANOBINI, Guido. Corso di diritto amministrativo. Vol. I, 8ªed., Milão: Dott. A.<br />
Giuffrè Editore, 1958, p. 124). Tradução livre do original: “La parola italiana ‘autarchia’ traduce due<br />
diverse parole greche e ha due significati, secondo che <strong>de</strong>riva dall’una o dall’altra di esse: in um primo<br />
significato, indica la condizione di un soggetto che è capace di bastare a se stesso, di provve<strong>de</strong>re da sè ai<br />
propri bisogni (autosufficienza); nel secondo, vale a indicare la posizione di un ente cui è riconosciuta la<br />
capacità di governarsi da sè, di amministrare da sè i propri interessi (autoamministrazione)”.<br />
204 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 37.<br />
205 Lei 9.649, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, produto da Medida Provisória 1.549-28, regulada pelos Decretos<br />
2.487 e 2.488, ambos <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />
55
egulação operacional <strong>de</strong>scentralizada 206 . O nome ‘executiva’ expressa que suas<br />
atribuições não são normativas, mas operacionais. Sua criação busca administrar<br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> em matéria <strong>de</strong> serviços públicos, diferenciando-as das agências<br />
reguladoras, que se preocupam também com o preenchimento normativo secundário a<br />
partir das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> oriundas do processo legislativo primário. O foco das<br />
agências reguladoras, portanto, é a regulação normativa. A diferença entre agências<br />
executivas e reguladoras é, portanto, funcional.<br />
Agências executivas são autarquias e fundações <strong>públicas</strong> fe<strong>de</strong>rais 207 que se<br />
candidatam a receber a insígnia <strong>de</strong> agência executiva, mediante submissão a um<br />
chamado contrato <strong>de</strong> gestão, on<strong>de</strong> se estabelecem metas a serem alcançadas mediante<br />
apresentação <strong>de</strong> um plano estratégico <strong>de</strong> reestruturação e <strong>de</strong>senvolvimento e níveis <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> na prestação <strong>de</strong> serviços a usuários. A formação da agência executiva implica<br />
processo interno <strong>de</strong> autonomia 208 . O rótulo <strong>de</strong> agência executiva, no entanto, não<br />
transforma a natureza da pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público interno, que continua como<br />
autarquia ou fundação pública 209 . O que ocorre é que estas autarquias ou fundações<br />
<strong>públicas</strong> com status <strong>de</strong> agências executivas são <strong>de</strong>stinatárias <strong>de</strong> mais um rol <strong>de</strong> normas<br />
que estabelecem prerrogativas especiais <strong>de</strong>rivadas da lei e que não <strong>de</strong>rrogam o regime<br />
publicista – e nem po<strong>de</strong>riam –, mas amenizam as limitações intestinas à própria<br />
estrutura hierárquica da Administração Pública, refletindo-se, por exemplo, na maior<br />
autonomia para abrir concursos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja vagas e recursos disponíveis, po<strong>de</strong>ndo<br />
editar regras próprias <strong>de</strong> avaliação dos servidores para progressão funcional, além da<br />
impossibilida<strong>de</strong>, por parte do Executivo, <strong>de</strong> contingenciamento <strong>de</strong> recursos. Em troca<br />
<strong>de</strong>stes benefícios, surgem <strong>de</strong>veres específicos da autarquia para com o po<strong>de</strong>r central,<br />
<strong>de</strong>veres estes <strong>de</strong>rivados do contrato <strong>de</strong> gestão firmado. Por isso, a agência executiva, em<br />
si mesma, não é exceção ao regime publicista, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compreendida a extensão do<br />
que po<strong>de</strong> vir a ser tratado no contrato <strong>de</strong> gestão. As críticas 210 dirigidas às agências<br />
executivas, portanto, não revelam incoerência <strong>de</strong> concepção, mas evi<strong>de</strong>nciam o risco da<br />
utilização <strong>de</strong> seu conceito para ultrapassagem <strong>de</strong> fronteiras impostas pelo regime<br />
publicista.<br />
A novida<strong>de</strong> no sistema das agências executivas está na sua íntima conexão com<br />
as propostas recentes <strong>de</strong> compromisso da própria entida<strong>de</strong> da administração indireta<br />
com o po<strong>de</strong>r central e <strong>de</strong> aferição <strong>de</strong> resultados como requisito <strong>de</strong> sua sobrevivência 211 ,<br />
206 AGUILLAR, Fernando Herren. Op. cit., p. 242.<br />
207 Fala-se em autarquias e fundações <strong>públicas</strong> fe<strong>de</strong>rais, pois a lei criadora das agências executivas é<br />
fe<strong>de</strong>ral. Isso não impe<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> agências executivas semelhantes às fe<strong>de</strong>rais no âmbito estadual e<br />
municipal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que existam leis <strong>de</strong>stes entes para embasarem o ato da Administração.<br />
208 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 36.<br />
209 Em razão <strong>de</strong> sua natureza jurídica <strong>de</strong> direito público interno, a ela se aplica o rol <strong>de</strong> características<br />
publicistas, tais como: responsabilida<strong>de</strong> objetiva do po<strong>de</strong>r; controle dos atos estatais; fundamentação dos<br />
atos do po<strong>de</strong>r; discricionarieda<strong>de</strong>; publicida<strong>de</strong>; transparência; supremacia do interesse público; legalida<strong>de</strong><br />
estrita; processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> atos do po<strong>de</strong>r; <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar contas; licitação etc. A respeito da<br />
caracterização do regime <strong>de</strong> direito público, conferir a obra precisa, embora sintética e introdutória:<br />
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos <strong>de</strong> direito público. São Paulo: Malheiros, 1992.<br />
210 Quanto aos efeitos do <strong>de</strong>creto, qualificando autarquias ou fundações como agências executivas, Di<br />
Pietro <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que “dificilmente se po<strong>de</strong>rá ampliar a autonomia <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto ou<br />
<strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão [embora <strong>de</strong>ixando em aberto à lei prevista no art.37, §8 o da CF/88 a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ampliação <strong>de</strong> dita autonomia], porque esbarrarão os mesmos em normas legais e constitucionais” (DI<br />
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11 a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 388).<br />
211 Nas agências executivas, predomina “o sentido <strong>de</strong> prévio compromisso e a aferição <strong>de</strong> resultados como<br />
requisito <strong>de</strong> sobrevivência” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 39).<br />
56
algo caro à proposta, cuja tramitação se iniciou no Congresso Nacional em 2004, para<br />
aplicação do contrato <strong>de</strong> gestão também a todas as agências reguladoras <strong>brasil</strong>eiras. A<br />
criação <strong>de</strong> uma agência executiva, enfim, por se tratar tão-somente <strong>de</strong> signo aposto a<br />
uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito público preexistente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> Decreto do Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República, após o processo previsto na Lei 9.649/98, cuja primeira concretização<br />
ocorreu na qualificação do Instituto Nacional <strong>de</strong> Metrologia, Normatização e Qualida<strong>de</strong><br />
Industrial (INMETRO) como agência executiva por meio do Decreto sem número <strong>de</strong> 29<br />
<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998.<br />
Por outro lado, como instituições <strong>de</strong> regulação, em regra, setorial, as agências<br />
reguladoras ou agências reguladoras e fiscalizadoras <strong>brasil</strong>eiras 212 surgiram como<br />
mecanismos reguladores normativos, que operam com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> supervisão,<br />
fiscalização e normatização 213 <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, sendo dotadas <strong>de</strong> maior agilida<strong>de</strong> na<br />
implementação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> em razão <strong>de</strong> sua estrutura especializada. Foram um<br />
novo passo no processo <strong>de</strong>scentralizador 214 da Administração Pública, que se<br />
diferenciou dos anteriores pela visível postura <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>svinculação <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões<br />
frente a pressões <strong>políticas</strong>, como também à tentativa <strong>de</strong> redirecionamento da política<br />
regulatória para os interesses dos usuários dos serviços concedidos, permitidos ou<br />
simplesmente fiscalizados. Aliás, a inserção dos serviços em um regime especial, que<br />
partilha a competição com os <strong>de</strong>sígnios sociais, fez com que as agências reguladoras<br />
<strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong>sempenhassem três tipos <strong>de</strong> regulação: regulação dos serviços públicos,<br />
que são titularizados pelo Estado; regulação das ativida<strong>de</strong>s econômicas, que são<br />
titularizadas pelos particulares; e regulação social, mediante vinculação do setor ao<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> dos serviços, <strong>de</strong> cumprimento da função social da proprieda<strong>de</strong><br />
afetada ao serviço, ou mesmo, <strong>de</strong> potencialização do uso <strong>de</strong> bens públicos essenciais ao<br />
serviço regulado.<br />
A singularida<strong>de</strong> das agências reguladoras na estrutura administrativa do Estado<br />
<strong>brasil</strong>eiro não está isolada como política pública, mas inserida no flanco <strong>de</strong> um<br />
movimento <strong>de</strong> objetivos mais abrangentes, cuja compreensão é exigida para formação<br />
<strong>de</strong> visão multifacetada sobre este fenômeno estatal.<br />
Por <strong>de</strong>trás da criação das agências reguladoras, há política pública voltada à<br />
consecução <strong>de</strong> medidas que aumentem a atrativida<strong>de</strong> do mercado <strong>brasil</strong>eiro para o<br />
financiamento <strong>de</strong> infra-estrutura. Em outras palavras, a introdução do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
agências reguladoras na Administração Pública <strong>brasil</strong>eira teria resultado da<br />
212 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e<br />
fiscalizadoras. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio <strong>de</strong> 2001, p. 253-257.<br />
213 No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos (súmula, aresto, ato, portaria,<br />
consulta, resolução). Destes, somente a resolução tem propriamente caráter normativo qualificado como<br />
um po<strong>de</strong>r não-<strong>de</strong>legado e “temperado” (CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu po<strong>de</strong>r<br />
normativo. São Paulo: Dialética, 2001, 142) ou mesmo como uma espécie <strong>de</strong> alargamento do po<strong>de</strong>r<br />
normativo do Executivo por intermédio <strong>de</strong> lei-quadro (loi-cadre) correspon<strong>de</strong>nte (BRUNA, Sérgio<br />
Varella. Agências reguladoras: po<strong>de</strong>r normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo:<br />
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 73). Nos EUA, têm-se como exemplos da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos<br />
produzidos no âmbito das agencies norte-americanas dotadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r normativo: rules, adjudicatory<br />
or<strong>de</strong>rs, licenses, policy statements, manuals, circulars, memoranda, advisory opinions, waivers,<br />
recommendations, regulations (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo <strong>de</strong>lla pubblica<br />
amministrazione nell’esperienza <strong>de</strong>gli USA. p. 117. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo <strong>de</strong>. Potere<br />
regolamentare e strumenti di direzione <strong>de</strong>ll’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il<br />
Mulino, 1991, p. 111-140).<br />
214 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 34.<br />
57
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um déficit <strong>de</strong> regulamentação traduzido nos seguintes aspectos 215 , cuja<br />
concretização persegue: política tarifária <strong>de</strong>finida e estável; marcos regulatórios mais<br />
claros, que <strong>de</strong>talhem as relações entre os diversos atores <strong>de</strong> cada setor, seus direitos e<br />
obrigações; mecanismo ágil e eficiente para a solução <strong>de</strong> divergências e conflitos entre<br />
o po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte e a concessionária; garantias contra os riscos econômicos e políticos<br />
dos investimentos em setores econômicos. Ditos aspectos teriam contribuído para a<br />
criação <strong>de</strong> entes reguladores setoriais, dotados <strong>de</strong> atributos, que seriam os <strong>de</strong><br />
especialida<strong>de</strong>, imparcialida<strong>de</strong> e autonomia <strong>de</strong>cisória. As novas características <strong>de</strong> maior<br />
autonomia e promoção dos interesses dos usuários seriam assim esclarecidas na sua<br />
motivação <strong>de</strong> aproximação ao mercado e <strong>de</strong> incentivo à competição, argumentos estes<br />
que fugiriam à tradição jurídico-institucional <strong>brasil</strong>eira 216 .<br />
O mo<strong>de</strong>lo adotado na década <strong>de</strong> 1990, no Brasil, entretanto, não se ren<strong>de</strong> a dita<br />
simplificação. Nem mesmo a afirmação <strong>de</strong> semelhança entre dito mo<strong>de</strong>lo e o praticado<br />
nas commissions 217 norte-americanas 218 , inicialmente esboçadas nas chamadas railroad<br />
commissions 219 , é convicente, já que o pressuposto existente no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong><br />
titularização <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s prestacionais pelo próprio Estado não<br />
encontra, segundo uma abordagem jurídico-formal, similar no mo<strong>de</strong>lo norte-americano.<br />
Po<strong>de</strong>-se, entretanto, afirmar que as agências reguladoras servem como mo<strong>de</strong>lo<br />
regulador alternativo à regulação pelo próprio mercado ou à regulação por intermédio<br />
<strong>de</strong> contratos administrativos. As agências reguladoras vieram neste contexto <strong>de</strong><br />
215<br />
MORAES, Luiza Rangel <strong>de</strong>. A reestruturação dos setores <strong>de</strong> infra-estrutura e a <strong>de</strong>finição dos marcos<br />
regulatórios. In: PAULA, Tomás Bruginski <strong>de</strong>; REZENDE, Fernando (coor<strong>de</strong>nadores). Infra-estrutura:<br />
perspectivas <strong>de</strong> reorganização (Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Regulação). Brasília: Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Econômica<br />
Aplicada (IPEA), 1997, p. 12.<br />
216<br />
Fala-se, então, da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> assimilação do novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “instituições in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e com<br />
gran<strong>de</strong> autonomia <strong>de</strong> ação” (Ibid., p. 5).<br />
217<br />
Parker assimila o conceito <strong>de</strong> commission ao <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt agency. Também registra a qualificação<br />
<strong>de</strong> quarto po<strong>de</strong>r atribuída às in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt agencies norte-americanas pelos órgãos <strong>de</strong> cúpula dos po<strong>de</strong>res<br />
Legislativo e Executivo. Conferir: PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-<br />
Merrill Company, 1952, p. 94: nota 62.<br />
218<br />
Deve-se atentar para a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Caio Tácito sobre a improprieda<strong>de</strong> da aproximação exagerada<br />
entre os conceitos <strong>de</strong> agências reguladoras do Brasil e as commissions dos EUA, pois ela seria “antes<br />
terminológica do que real” (TÁCITO, Caio. Op.cit., p. 37). Há, entretanto, aproximações úteis à<br />
compreensão das agências reguladoras: a) o interesse no estudo do conceito <strong>de</strong> public utility commission<br />
regulation está na discussão e fixação do grau <strong>de</strong> interferência do Po<strong>de</strong>r Judiciário nas suas <strong>de</strong>cisões. A<br />
análise dos limites dos clássicos cases envolvendo as commissions norte-americanas po<strong>de</strong> ser conferida<br />
em: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado <strong>de</strong> direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 496-499. Desta discussão surge a extensão do po<strong>de</strong>r revisório<br />
judicial frente à discricionarieda<strong>de</strong> do ato administrativo regulatório estatal; b) a origem da cogitação das<br />
commissions aproxima-se muito do objetivo das agências reguladoras <strong>brasil</strong>eiras, pois aquelas foram<br />
introduzidas com intuito <strong>de</strong> otimizar o controle das ativida<strong>de</strong>s estatais <strong>de</strong>legadas, outorgando-se po<strong>de</strong>res<br />
<strong>de</strong> regular e <strong>de</strong> controlar <strong>de</strong> forma contínua as concessões <strong>públicas</strong> por órgãos com conhecimento técnico<br />
necessário ao direcionamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados setores <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica; c) as commissions<br />
também partilharam o momento histórico <strong>de</strong> retirada do Estado da interferência operacional na economia,<br />
remetendo à função legislativa a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> standards, cuja regulamentação ficaria a cargo <strong>de</strong> órgão<br />
técnico especializado.<br />
219<br />
Estas primeiras comissões estaduais norte-americanas ainda não <strong>de</strong>tinham caráter imperativo, mas<br />
simplesmente <strong>de</strong> estudos e consultas. Tais comissões podiam ser vistas nos estados <strong>de</strong> Rho<strong>de</strong> Island<br />
(1836), New Hampshire (1844), Connecticut (1853), Vermont (1855) e Maine (1858). Comissões <strong>de</strong><br />
caráter mandatório foram inauguradas em 1855, no estado <strong>de</strong> Minnesota e Massachussets. Somente em<br />
1871, o estado <strong>de</strong> Illinois instituiu a primeira comissão com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> serviços.<br />
Conferir, a respeito: MELO, José Luis <strong>de</strong> Anhaia. Problemas <strong>de</strong> urbanismo: o problema econômico<br />
dos serviços <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública. São Paulo: s/e, 1940, p. 101.<br />
58
satisfação da <strong>de</strong>manda por prestação <strong>de</strong> serviços públicos e fiscalização <strong>de</strong> serviços<br />
privados mediante regulação. Enfim, o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> agências reguladoras<br />
assimila, em uma mesma estrutura administrativa, duas formas <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> setores,<br />
quais sejam: controle <strong>de</strong> andamento das ativida<strong>de</strong>s setoriais pelas agências;<br />
transferência da prestação dos serviços públicos <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado setor para empresas<br />
privadas e sua conseqüente regulação por intermédio <strong>de</strong> contratos administrativos.<br />
O ano <strong>de</strong> 1995 foi <strong>de</strong>cisivo para introdução do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agências reguladoras<br />
no Brasil e a Lei Geral <strong>de</strong> Concessões e Permissões (Lei 8.987, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
1995) foi um marco fundamental, que, coerente com o Plano Diretor da Reforma do<br />
Aparelho do Estado proposto pelo Executivo em 1995, <strong>de</strong>terminou, no seu art.29, I, ser<br />
incumbência do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte regular e fiscalizar o serviço concedido e, no art.30,<br />
previu que a fiscalização do serviço seria feita por órgão técnico do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte<br />
ou por entida<strong>de</strong> com ele conveniada e, periodicamente, por comissão composta por<br />
representantes do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte, da concessionária e dos usuários. Um parêntese<br />
para retomada do tema das comissões, que em nada se aproximam das commissions<br />
norte-americanas, para que se evi<strong>de</strong>ncie que, no Brasil, elas têm caráter <strong>de</strong> ajuste<br />
periódico dos interesses em jogo, possibilitando um ambiente interativo <strong>de</strong> construção<br />
<strong>de</strong> soluções e <strong>de</strong> levantamento <strong>de</strong> problemas. Afiguram-se, portanto, em meio <strong>de</strong><br />
sensibilização da agência reguladora para questões relevantes na óptica dos partícipes<br />
do processo, como também em meio para alcance <strong>de</strong> consenso na diversida<strong>de</strong>.<br />
Não foi somente a Lei Geral <strong>de</strong> Concessões e Permissões que marcou o ano <strong>de</strong><br />
1995. As modificações constitucionais foram <strong>de</strong>cisivas e transpareceram, basicamente,<br />
não-discriminação entre capital nacional e internacional aliado à abertura para o<br />
controle privado <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s antes reservadas ao Estado, como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
concessão dos serviços locais <strong>de</strong> gás canalizado (Emenda Constitucional nº 5, <strong>de</strong><br />
15/08/95), a extinção do tratamento diferenciado dado às antes consi<strong>de</strong>radas empresas<br />
<strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong> capital nacional (Emenda Constitucional nº 6, <strong>de</strong> 15/08/95), a retirada da<br />
referência constitucional à predominância <strong>de</strong> armadores nacionais e navios <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ira<br />
e registros <strong>brasil</strong>eiros e à reserva da navegação <strong>de</strong> cabotagem e da navegação interior às<br />
embarcações nacionais (Emenda Constitucional nº 7, <strong>de</strong> 15/08/95), a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
concessão, permissão e autorização <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não mais taxados,<br />
a priori, <strong>de</strong> públicos, juntamente com a previsão <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um órgão regulador do<br />
setor (Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 15/08/95) e a retirada da proibição dirigida à<br />
União <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r qualquer tipo <strong>de</strong> participação na exploração <strong>de</strong> jazidas <strong>de</strong> petróleo ou<br />
gás natural simultaneamente à introdução da previsão <strong>de</strong> órgão regulador do monopólio<br />
<strong>de</strong> pesquisa e lavra <strong>de</strong> jazidas <strong>de</strong> petróleo e gás natural, <strong>de</strong> refinação do petróleo, sua<br />
importação, exportação e transporte (Emenda Constitucional nº 9, <strong>de</strong> 09/11/95).<br />
Todas estas modificações implementadas pela política pública setorial fizeram<br />
com que o sistema <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> regulação migrasse do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> estruturas integrantes<br />
dos respectivos Ministérios ou da Presidência da República, com <strong>de</strong>pendência<br />
orçamentária e <strong>de</strong>cisória, para um mo<strong>de</strong>lo pautado na titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />
regulação e fiscalização setorial por parte <strong>de</strong> autarquias especiais, com orçamentos<br />
próprios e relativa autonomia financeira do Po<strong>de</strong>r Executivo. 220<br />
220 Caio Tácito enumera as características comuns às agências reguladoras: “constituídas como autarquias<br />
especiais, <strong>de</strong>stacam-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta influência da conduta política<br />
do governo; gozam <strong>de</strong> autonomia financeira, administrativa e especialmente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res normativos<br />
complementares à legislação; dotados <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res amplos <strong>de</strong> fiscalização, operam como instância<br />
administrativa final em litígios sobre matéria <strong>de</strong> sua competência; e respon<strong>de</strong>m, fundamentalmente, pelo<br />
59
Destas consi<strong>de</strong>rações preliminares resulta a i<strong>de</strong>ntificação das agências<br />
reguladoras <strong>brasil</strong>eiras como formas <strong>de</strong> regulação setorial com personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito<br />
público interno, e função normativa secundária, que excepcionalmente exteriorizam<br />
caráter operacional, como no caso do mecanismo da intervenção, revelando a finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> fiscalização da prestação dos serviços públicos concedidos ou permitidos, dos bens<br />
escassos correspon<strong>de</strong>ntes e das ativida<strong>de</strong>s privadas afins.<br />
As agências reguladoras <strong>brasil</strong>eiras passaram por um processo <strong>de</strong><br />
especialização 221 . Elas transpareceram a especialização funcional exigida por seu objeto<br />
<strong>de</strong> análise e, assim, compõem a equação <strong>de</strong> edificação do correspon<strong>de</strong>nte subsistema<br />
jurídico 222 .<br />
Existem, no Brasil, agências fe<strong>de</strong>rais, estaduais ou municipais, <strong>de</strong> acordo com a<br />
competência político-administrativa do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte. Visualizando-as a partir da<br />
especialização funcional, as agências fe<strong>de</strong>rais apresentam-se, hoje, como setoriais,<br />
remetendo-se aos setores <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, energia elétrica, petróleo e gás natural,<br />
vigilância sanitária, saú<strong>de</strong> suplementar, recursos hídricos, transportes terrestres,<br />
transportes aquaviários, <strong>de</strong>ntre outros. No campo estadual e municipal, é maior a<br />
presença <strong>de</strong> agências <strong>de</strong> regulação geral, como a ADM 223 , embora convivendo com<br />
agências setoriais, como a AMSS 224 e a CSPE 225 , ou mesmo, multissetoriais 226 , tais<br />
como ASEP 227 , AGERGS 228 , ARCE 229 , ARCON 230 , ARSEP 231 e AGERBA 232 . O<br />
cumprimento <strong>de</strong> metas fixadas e pelo <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s dos prestadores <strong>de</strong> serviço, segundo as<br />
diretrizes do Governo e em <strong>de</strong>fesa do interesse da comunida<strong>de</strong>” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 42).<br />
221 Sobre o fenômeno <strong>de</strong> especialização das agências reguladoras, conferir: MORAES, Luiza Rangel <strong>de</strong>;<br />
WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília 36(141): p.<br />
143-171, janeiro/março 1999, p. 151.<br />
222 O subsistema jurídico apresenta-se como um “conjunto <strong>de</strong> regras, normas, princípios, finalida<strong>de</strong>s e<br />
pressupostos adstritos a um dado setor da vida humana” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova<br />
regulação estatal e as agências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. p. 84. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito<br />
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).<br />
223 Agência Municipal <strong>de</strong> Desenvolvimento, criada pela Lei Municipal nº 1.565, <strong>de</strong> 30/12/1996, <strong>de</strong><br />
Niterói, com o intuito <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico-social do Município.<br />
224 Agência Municipal <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Saneamento <strong>de</strong> Cuiabá (AMSS), criada pela Lei Complementar<br />
nº41, <strong>de</strong> 23/12/1997. Embora tivesse caráter operacional, por ter reassumido os serviços <strong>de</strong> água e esgoto<br />
<strong>de</strong> Cuiabá antes exercidos pela Companhia <strong>de</strong> Saneamento do Estado, o fim que motivou sua criação<br />
como agência, substituindo a anterior Secretaria <strong>de</strong> Saneamento, foi o <strong>de</strong> regular e controlar as <strong>de</strong>legações<br />
para prestação dos serviços públicos <strong>de</strong> saneamento no município <strong>de</strong> Cuiabá.<br />
225 Comissão <strong>de</strong> Serviços Públicos <strong>de</strong> Energia, criada pela Lei Complementar nº 833, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1997, do Estado <strong>de</strong> São Paulo, e inaugurada em 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998 para exercer funções <strong>de</strong> regulação dos<br />
serviços concedidos pelo po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte estadual com funções <strong>de</strong>legadas da Agência Nacional do<br />
Petróleo ou da Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica, mediante convênios.<br />
226 Para uma exposição sobre as vantagens do mo<strong>de</strong>lo multissetorial das agências estaduais, vi<strong>de</strong>:<br />
CONFORTO, Gloria. Descentralização e regulação <strong>de</strong> gestão dos serviços públicos. Revista <strong>de</strong><br />
Administração Pública. Rio <strong>de</strong> Janeiro, FGV, 32(1):27-40, jan/fev 1998.<br />
227 Agência Reguladora <strong>de</strong> Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (ASEP-RJ), criada<br />
pela Lei Estadual nº 2.686, <strong>de</strong> 12/02/1997, cabendo-lhe o exercício do Po<strong>de</strong>r Regulador sobre as<br />
concessões e permissões <strong>de</strong> serviços públicos nas quais o Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro figure, por disposição<br />
legal ou pactual, como Po<strong>de</strong>r Conce<strong>de</strong>nte ou Permitente.<br />
228 Agência Estadual <strong>de</strong> Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Agergs),<br />
criada pela Lei Estadual nº 10.931, <strong>de</strong> 09/01/1997, alterada pela Lei 11.292, <strong>de</strong> 23/12/1998, on<strong>de</strong> consta<br />
expressa comunicação à Assembléia Legislativa do teor <strong>de</strong> audiência pública sobre avaliação dos<br />
indicadores <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos serviços e <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> opinião (art.14, §1 o ).<br />
229 Agência Reguladora <strong>de</strong> Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), criada pela Lei nº<br />
12.786, <strong>de</strong> 30/12/1997, <strong>de</strong>stina-se à direção, regulação e fiscalização dos serviços públicos <strong>de</strong>legados no<br />
Estado (art. 3 o da Lei estadual nº12.786).<br />
60
mo<strong>de</strong>lo estadual ten<strong>de</strong> a formar núcleos <strong>de</strong> competência setorial específicas em razão <strong>de</strong><br />
sua potencial relação <strong>de</strong> fomento com a União, já que, no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro, a ativida<strong>de</strong><br />
reguladora vinculada à gestão dos serviços públicos po<strong>de</strong> ser transferida da União para<br />
os Estados-Membros da Fe<strong>de</strong>ração por intermédio <strong>de</strong> convênio 233 , em face no disposto<br />
no art. 241 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1988, com redação dada pela Emenda<br />
Constitucional nº19/98, que autoriza a gestão associada <strong>de</strong> serviços públicos, bem como<br />
a transferência total ou parcial <strong>de</strong> encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à<br />
continuida<strong>de</strong> dos serviços transferidos. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convênio, no entanto,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> lei, autorizando a gestão associada dos serviços pretendidos,<br />
como ocorre com o setor <strong>de</strong> energia elétrica, em que a lei regente 234 permite a execução<br />
das ativida<strong>de</strong>s complementares <strong>de</strong> regulação, controle e fiscalização dos serviços e<br />
instalações <strong>de</strong> energia elétrica pelos Estados e pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral, mediante convênio<br />
<strong>de</strong> cooperação. O convênio, por sua natureza, não transfere a titularida<strong>de</strong> do serviço do<br />
ente regulador – a União, no caso <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> –, que po<strong>de</strong> retomá-lo a qualquer<br />
momento exigíveis as <strong>de</strong>vidas compensações.<br />
A partir do momento em que foram introduzidas no mo<strong>de</strong>lo regulatório<br />
<strong>brasil</strong>eiro, as agências reguladoras fizeram aflorar o conceito <strong>de</strong> otimização funcional,<br />
que vem exigir dois requisitos para sua implementação 235 : autonomia da agência<br />
reguladora; e escolha <strong>de</strong> instrumentos que incentivem a eficiência produtiva e alocativa.<br />
Fala-se muito em in<strong>de</strong>pendência da agência reguladora, cuja origem tem como<br />
referência natural a distinção da doutrina norte-americana entre as regular ou oldline<br />
230 Agência Estadual <strong>de</strong> Regulação e Controle <strong>de</strong> Serviços Públicos (ARCON), criada pela Lei estadual nº<br />
6.099, <strong>de</strong> 30/12/1997, cuja função é <strong>de</strong> regular e controlar a prestação dos serviços públicos cuja<br />
exploração tenha sido <strong>de</strong>legada a terceiros (art. 1 o da Lei 6.099/97).<br />
231 Agência Reguladora <strong>de</strong> Serviços Públicos do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte (ARSEP), criada pela Lei estadual<br />
nº 7.758, <strong>de</strong> 09/12/1999, mediante transformação da Agência Reguladora <strong>de</strong> Serviços Públicos do Estado<br />
do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte (ASEP-RN), criada pela Lei nº 7.463, <strong>de</strong> 02/03/1999, com finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regular,<br />
controlar e fiscalizar os serviços públicos <strong>de</strong>legados (art. 2 o da Lei 7.758/99).<br />
232 Agência Estadual <strong>de</strong> Regulação <strong>de</strong> Serviços Públicos <strong>de</strong> Energia, Transporte e Comunicações da Bahia<br />
(AGERBA), criada pela Lei estadual nº 7.314, <strong>de</strong> 19/05/1998.<br />
233 Os convênios são acordos entre entes públicos ou entre estes e privados para consecução <strong>de</strong> objetivos<br />
comuns <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> competências institucionais comuns para o alcance <strong>de</strong> resultado comum em um<br />
ambiente <strong>de</strong> mútua colaboração entre os partícipes. Conferir: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di.<br />
Parcerias na Administração Pública. Concessão, permissão, franquia, terceirização e outras<br />
formas. 3 a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 177-179. Assim, os convênios diferenciam-se dos contratos<br />
pelos aspectos: a)estrutural, que se refere ao conteúdo da vonta<strong>de</strong> expressa pelas partes. Nos contratos, as<br />
partes visam a objetivo diverso, no acordo, ambas preten<strong>de</strong> alcançar o mesmo fim; b) funcional, pois<br />
ligado ao interesse que se preten<strong>de</strong> satisfazer. No contrato, as partes compõem seus interesses; no acordo,<br />
elas os unificam por serem comuns; c) teleológico, que diz respeito à satisfação específica do interesse<br />
público. O contrato é finalístico. A Administração Pública é uma das partes, que obtém a satisfação do<br />
interesse público mediante a prestação da outra parte. O acordo é instrumental, pois o atingimento do<br />
interesse público se dá pela via da cooperação entre entida<strong>de</strong>s <strong>públicas</strong>; d) patrimonial, referente à<br />
transferência econômica, que está presente nos contratos e é estranha ao acordo <strong>de</strong> natureza pública.<br />
Nestes últimos, os recursos continuam afetados ao interesse público que os motivou.<br />
234 Lei 9.427, <strong>de</strong> 26/12/1996, art. 20, caput. O mesmo ocorre com o setor do petróleo, em que a Lei 9.478,<br />
<strong>de</strong> 06/08/1997 prevê, no seu art. 8 o , VII e XV a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização das ativida<strong>de</strong>s integrantes e a<br />
aplicação <strong>de</strong> sanções por Estados ou pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral mediante convênio. De fato, a Comissão <strong>de</strong><br />
Serviços Públicos <strong>de</strong> Energia – CSPE, criada pela Lei Complementar 833/97, no Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />
tem competências no setor <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong>, por <strong>de</strong>legação da ANEEL, no setor <strong>de</strong> petróleo e gás, por<br />
<strong>de</strong>legação da ANP, e no setor <strong>de</strong> gás canalizado, como longa manus estadual, que é o po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong>ste serviço (art.25, §2 o da CF/88). A lei <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não abre tal possibilida<strong>de</strong>.<br />
235 MORAES, Luiza Rangel <strong>de</strong>; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista <strong>de</strong> Informação<br />
Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 145.<br />
61
agencies e as in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt agencies 236 , mas para maior precisão terminológica, o i<strong>de</strong>al<br />
seria a utilização do conceito <strong>de</strong> autonomia, mais condizente com a necessária<br />
interpenetração estrutural do Estado. 237 Tal autonomia não <strong>de</strong>ve ser entendida como<br />
arbítrio do colegiado <strong>de</strong>cisório – autonomia sem vínculo finalístico. Ela é exatamente<br />
<strong>de</strong>finida pelo seu fim <strong>de</strong> promoção do interesse público visualizado<br />
prepon<strong>de</strong>rantemente, quanto aos serviços, no interesse do usuário e da socieda<strong>de</strong> e,<br />
quanto à política industrial, <strong>de</strong> um lado, na eficiência da ativida<strong>de</strong> regulada e <strong>de</strong> outro,<br />
na vinculação da ativida<strong>de</strong> ao fim <strong>de</strong> incremento do espaço público. Estes fatores, sob<br />
um ponto <strong>de</strong> vista jurídico, prevalecem sobre outros objetivos <strong>de</strong> maximização do lucro<br />
e concentração <strong>de</strong> empresas em setores mais rentáveis do mercado, do ponto <strong>de</strong> vista<br />
das prestadoras, e maximização das receitas fiscais, do ponto <strong>de</strong> vista do Estado. 238<br />
A autonomia característica das agências reguladoras não se restringe à idéia<br />
abstrata <strong>de</strong> menor vinculação política. Ela <strong>de</strong>manda conformações estruturais e<br />
organizações concretas, que se manifestam na personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito público interno,<br />
na autonomia <strong>de</strong> objetivos, <strong>de</strong> instrumentos, orçamentária, financeira e na autonomia<br />
<strong>de</strong>cisória, que engloba o processo <strong>de</strong> indicação e inamovibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus membros e<br />
irrecorribilida<strong>de</strong> das suas <strong>de</strong>cisões.<br />
O primeiro passo para visualização <strong>de</strong> um grau <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência das agências<br />
está na sua natureza jurídica <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong> direito público interno, revelando, assim, seu<br />
<strong>de</strong>staque da Administração direta como autarquia fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal,<br />
conforme o ente político – União, Estados-Membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou Municípios – a<br />
que estiver ligada.<br />
Argumentos como o <strong>de</strong>scrédito do dirigismo estatal absoluto, a ineficiência e<br />
comprometimento político das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenhadas pelas empresas estatais e as<br />
pressões internacionais <strong>de</strong> abertura dos setores econômicos são carregados <strong>de</strong> préconcepções<br />
<strong>de</strong> mundo que valorizam um dos inúmeros aspectos exaltados no momento<br />
histórico da opção pela introdução das agências reguladoras na década <strong>de</strong> 1990 no<br />
Brasil. Eles teriam feito com que uma das características apontadas ou <strong>de</strong>sejadas para as<br />
agências reguladoras fosse a sua autonomia do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte.<br />
Na linha <strong>de</strong> raciocínio adotada nesta tese, po<strong>de</strong>-se alegar, sem o mesmo<br />
voluntarismo das três propostas citadas, que a autonomia da agência é uma resposta<br />
conceitual ao pressuposto <strong>de</strong> vigência <strong>de</strong> um espaço público, cuja presença somente<br />
po<strong>de</strong> ser sentida quando este não se confun<strong>de</strong> com os interesses <strong>de</strong> Governo. Esta<br />
constatação, entretanto, não propõe que tenha havido uma reação consciente do<br />
ambiente sócio-político <strong>brasil</strong>eiro à possível perda <strong>de</strong> espaço público, mas antes<br />
reconhece que os acontecimentos históricos po<strong>de</strong>m servir como base para correlações<br />
conceituais e incremento do saber. Ao controlar o órgão regulador, a Administração<br />
Direta do Estado faz prevalecer o interesse político sobre a eficiência e qualida<strong>de</strong> da<br />
prestação do serviço, sobre o próprio interesse público <strong>de</strong> modicida<strong>de</strong> das tarifas e sobre<br />
o interesse público no equilíbrio da relação. Apesar da flui<strong>de</strong>z das análises esboçadas,<br />
236 PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p. 95.<br />
237 “In<strong>de</strong>pendência é uma expressão certamente exagerada. No mundo jurídico, preferimos falar em<br />
autonomia. Mas garantir a in<strong>de</strong>pendência é fazer uma afirmação retórica com o objetivo <strong>de</strong> acumular o<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que a agência seja ente autônomo em relação à Administração Pública, que atue <strong>de</strong> maneira<br />
imparcial e não flutue sua orientação <strong>de</strong> acordo com as oscilações próprias do Po<strong>de</strong>r Executivo, por força<br />
até do sistema <strong>de</strong>mocrático.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e<br />
conflitos, p. 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realida<strong>de</strong> e<br />
utopia. Vol. II, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).<br />
238 MORAES, Luiza Rangel <strong>de</strong>; WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 146.<br />
62
sob quaisquer dos pontos <strong>de</strong> vista citados, a questão da autonomia <strong>de</strong> gestão da agência<br />
reguladora apresenta-se como a pedra <strong>de</strong> toque do mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado no Brasil.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do acerto ou equívoco das afirmações anteriores, o fato é<br />
que a estrutura <strong>de</strong>senhada para regulação setorial, principalmente em <strong>telecomunicações</strong>,<br />
no Brasil, permitiu a fixação <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> forças quadripartite: a) produtor da<br />
utilida<strong>de</strong> pública; b) usuário; c) Po<strong>de</strong>r Público <strong>de</strong>tentor da re<strong>de</strong> essencial à prestação do<br />
serviço ou titular do monopólio <strong>de</strong> exploração e, finalmente; d) o próprio ente<br />
regulador. O mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro posicionou a agência reguladora em local eqüidistante<br />
dos outros três atores do esquema <strong>de</strong> relativa autonomia. O ente regulador po<strong>de</strong><br />
sobrevalorizar um dos outros três componentes, mas o fará sob pena <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua<br />
condição <strong>de</strong> espaço público <strong>de</strong> discussão e contato entre os atores setoriais e, portanto,<br />
em <strong>de</strong>trimento da credibilida<strong>de</strong> perante os <strong>de</strong>mais atores preteridos. O próprio esquema<br />
<strong>de</strong> forças vem simplificado ao extremo, pois não contempla a distinção intestina <strong>de</strong><br />
interesses, por exemplo, aos próprios ditos usuários, já que há usuários efetivos e<br />
potenciais; há usuários assinantes e eventuais. Por exemplo, os usuários efetivos <strong>de</strong>têm<br />
o interesse natural <strong>de</strong> diminuição tarifária, que po<strong>de</strong>rá levar a diminuir o ritmo <strong>de</strong><br />
expansão do serviço para aqueles que ainda não o alcançaram, contrastando, assim, com<br />
o interesse dos usuários potenciais. 239<br />
A complexida<strong>de</strong> do esquema <strong>de</strong> forças e, em certos setores, como o <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, do expressivo peso do po<strong>de</strong>r econômico, aumenta a preocupação<br />
com o conhecido risco <strong>de</strong> captura da agência pelo setor regulado. O esforço em se<br />
evitar que as agências passassem a fazer as vezes <strong>de</strong> meras promotoras do sucesso<br />
econômico do setor regulado em <strong>de</strong>trimento dos valores públicos que as justificaram<br />
não necessariamente resultou na conformação dos mecanismos <strong>de</strong> controle social<br />
visualizados nas agências da década <strong>de</strong> 1990, mas serve como aceno <strong>de</strong> composição do<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regulação setorial para um viés <strong>de</strong> publicização das discussões. Aqui, a<br />
valorização do controle social 240 previsto nas estruturas centrais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão das<br />
agências reguladoras. 241<br />
No tocante à relação entre a agência reguladora e o Po<strong>de</strong>r Público, existem<br />
aspectos reveladores do seu grau <strong>de</strong> autonomia, que auxiliam na comparação do<br />
mo<strong>de</strong>lo. São eles: o processo <strong>de</strong> indicação dos membros da agência e <strong>de</strong> seu<br />
afastamento; autonomia orçamentária e financeira; garantia <strong>de</strong> inamovibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus<br />
membros; irrecorribilida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> sua competência na esfera administrativa;<br />
reserva <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res normativos suficientes à a<strong>de</strong>quação das metas setoriais à dinâmica <strong>de</strong><br />
cada ativida<strong>de</strong>.<br />
Iniciando por este último índice <strong>de</strong> autonomia, há a questão do chamado po<strong>de</strong>r<br />
normativo das agências reguladoras, que sofre sérios ataques sob a alegação <strong>de</strong> estarem<br />
usurpando função reservada ao Po<strong>de</strong>r Legislativo. Os termos enganam. Po<strong>de</strong>r<br />
239 Prezando pela modicida<strong>de</strong> das tarifas como a necessária pon<strong>de</strong>ração entre todos os interesses em jogo,<br />
inclusive o dos consumidores potenciais na ampliação da área <strong>de</strong> prestação do serviço e contra o que<br />
chama <strong>de</strong> populismo regulatório, vi<strong>de</strong>: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e<br />
as agências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. p. 86: nota 38. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo<br />
econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.<br />
240 A radicalização da transparência e da publicida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> regulatória é a forma existente <strong>de</strong><br />
fazer frente à tendência <strong>de</strong> captura da agência pelos regulados. Vi<strong>de</strong>: Ibid., p. 89.<br />
241 Enten<strong>de</strong>ndo a estrutura organizacional das agências como fortes indicadores da autonomia do órgão<br />
regulador, vi<strong>de</strong>: PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão<br />
regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 106. In: Revista <strong>de</strong> Administração Pública,<br />
vol.34, nº.5, set/out <strong>de</strong> 2000, p. 99-118.<br />
63
normativo da Administração Pública somente po<strong>de</strong> existir sob a égi<strong>de</strong> da submissão das<br />
ativida<strong>de</strong>s das agências reguladoras à lei. Po<strong>de</strong>r normativo das agências reguladoras, no<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro, somente po<strong>de</strong> significar margem <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong><br />
parâmetros, <strong>de</strong> regras, <strong>de</strong> disposições <strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong> expectativas individuais. É, ao<br />
mesmo tempo, opção legislativa e necessida<strong>de</strong> administrativa, pois qualquer ativida<strong>de</strong><br />
humana exige sub-<strong>de</strong>finições normativas que permitam à legislação efetivar-se.<br />
Acontece que, no campo da regulação setorial, a especificida<strong>de</strong> e velocida<strong>de</strong> das<br />
transformações e o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> metas por sanções premiais amplia o campo<br />
<strong>de</strong> negociação diária na relação regulador-regulado; exige mais espaço para<br />
minu<strong>de</strong>nciar o <strong>de</strong>senvolvimento e conexão das ativida<strong>de</strong>s reguladas. Não se po<strong>de</strong>,<br />
contudo, extrapolar para a criação normativa pura, pois a constitucionalida<strong>de</strong> da lei<br />
atributiva <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r normativo à agência reguladora correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da<br />
previsão simultânea <strong>de</strong> “standards suficientes” capazes <strong>de</strong> afastarem a acusação <strong>de</strong><br />
“<strong>de</strong>legação pura e simples <strong>de</strong> função legislativa” 242 . O po<strong>de</strong>r normativo, enfim,<br />
exaltado nas agências reguladoras é simplesmente o espaço <strong>de</strong> opções <strong>políticas</strong>, como<br />
não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser. Diz respeito a espaços <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão normativa no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
harmonização dos po<strong>de</strong>res presentes em todo preceito abstrato e genérico, que se vê<br />
maximizado em virtu<strong>de</strong> da especificida<strong>de</strong> técnica e da extrema mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
conformação setorial. Esta conformação chamada <strong>de</strong> gerenciamento normativo da<br />
realida<strong>de</strong> 243 é característica <strong>de</strong> um Estado com alto intervencionismo estatal, que<br />
envolve planejamento e replanejamento. É o Estado fazendo sua parte no jogo iniciado<br />
pela tecnoestrutura empresarial. 244 Ele também passa a pesar <strong>de</strong>cisões para gerar<br />
necessida<strong>de</strong>s nos prestadores <strong>de</strong> serviços, direcionando indiretamente as priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
investimentos privados e, portanto, fazendo política pública.<br />
Ao lado da reserva <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res normativos suficientes à otimização dos interesses<br />
envolvidos na regulação setorial, existem outros índices úteis a evitar que a agência seja<br />
sufocada pela exigüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaço para promoção <strong>de</strong> estratégias setoriais.<br />
Os títulos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> uma agência reguladora po<strong>de</strong>m qualificá-la como<br />
tal, <strong>de</strong> forma que uma agência reguladora é aquela <strong>de</strong>finida pela in<strong>de</strong>pendência<br />
<strong>de</strong>cisória, in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> objetivos, in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> instrumentos e in<strong>de</strong>pendência<br />
financeira. Destacando-se das nuanças cotidianas das <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> governo, o Estado<br />
242 “Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas [as agências reguladoras] <strong>de</strong>sfrutem <strong>de</strong> um<br />
tal po<strong>de</strong>r [po<strong>de</strong>r normativo], <strong>de</strong> modo algum estou sugerindo que elas produzam “regulamentos<br />
autônomos” ou coisa parecida, pois todas as suas competências <strong>de</strong>vem ter base legal – mesmo porque só a<br />
lei po<strong>de</strong> criá-las, conferindo-lhes (ou não) po<strong>de</strong>r normativo [§] A constitucionalida<strong>de</strong> da lei atributiva<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> o legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria <strong>de</strong>legação<br />
pura e simples <strong>de</strong> função legislativa” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p.<br />
27. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros,<br />
2000, p. 17-38).<br />
243 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p. 28-29. In: SUNDFELD, Carlos Ari<br />
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38.<br />
244 GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.<br />
Para Galbraith, a substituição do sistema <strong>de</strong> mercado pelo sistema <strong>de</strong> planejamento teria modificado a<br />
estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nas empresas e na socieda<strong>de</strong> em razão do aumento da escala <strong>de</strong> produção, do avanço<br />
da tecnologia e do conhecimento interdisciplinar, que exigem elevado tempo <strong>de</strong> maturação dos<br />
empreendimentos cada vez mais complexos. A <strong>de</strong>cisão teria migrado da proprieda<strong>de</strong> do capital para sua<br />
gestão. O controle, agora, estaria nas mãos do administrador qualificado pelo conjunto <strong>de</strong> informações<br />
necessárias à gestão do negócio mediante a criação <strong>de</strong> novas necessida<strong>de</strong>s moldadas pelo aparato<br />
propagandístico, <strong>de</strong>rrubando por terra a soberania do consumidor. Tal inteligência organizada da<br />
empresa constituiria sua tecnoestrutura, cujas <strong>de</strong>cisões técnicas e impessoais – tecnocracia – acabariam<br />
por suplantar a liberda<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> direcionar o <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
64
implementa <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> por intermédio das agências, mas estas não se po<strong>de</strong>m<br />
tornar instrumentos do jogo político em particular. 245<br />
A in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>cisória consiste em dar condições para que a agência<br />
reguladora resista às pressões <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> interesse, mediante procedimento<br />
compartilhado <strong>de</strong> nomeação dos dirigentes com participação necessária do Executivo e<br />
Legislativo 246 e fixação <strong>de</strong> mandatos 247 <strong>de</strong> longo prazo escalonados e não coinci<strong>de</strong>ntes<br />
com o período eleitoral. Associado a isto, está a presença <strong>de</strong> regras legais <strong>de</strong>finidoras<br />
das formas <strong>de</strong> perda dos cargos <strong>de</strong> direção da agência, visando afastá-la, ao máximo, <strong>de</strong><br />
interferências in<strong>de</strong>sejáveis por parte do Governo ou da indústria regulada 248 .<br />
Este quadro se apresentava reproduzido, na Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, na proteção do mandato <strong>de</strong> seus dirigentes, que somente podiam<br />
perdê-lo em razão <strong>de</strong> renúncia, con<strong>de</strong>nação judicial transitada em julgado ou processo<br />
administrativo disciplinar. 249<br />
A <strong>de</strong>cisão colegiada produz, em tese, os efeitos já mencionados da colegialida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> funções, atomizando a responsabilida<strong>de</strong> e impondo maior discussão e opção <strong>de</strong><br />
participação dos interessados na questão mediante mecanismos <strong>de</strong> consulta pública. As<br />
<strong>de</strong>cisões do colegiado não estão sujeitas à revisão na esfera administrativa, submetendose,<br />
entretanto, à cláusula pétrea <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> inafastabilida<strong>de</strong> da jurisdição.<br />
Para o fechamento do mo<strong>de</strong>lo, as regras <strong>de</strong> preenchimento dos cargos <strong>de</strong> direção<br />
das agências prevêem mecanismos <strong>de</strong> isenção dos seus ocupantes frente aos interesses<br />
privados tutelados, tais como regras proibitivas <strong>de</strong> vínculos dos diretores das agências<br />
com os setores regulados 250 e regras <strong>de</strong> incompatibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mandatos, que imponham<br />
exclusivida<strong>de</strong> na função dirigente da agência 251 . Um dos mecanismos <strong>de</strong> proteção da<br />
245<br />
A in<strong>de</strong>pendência proposta “<strong>de</strong>ve servir para que o órgão regulador seja um instrumento <strong>de</strong> política<br />
governamental, e não um instrumento <strong>de</strong> política <strong>de</strong> um governo” (MARQUES NETO, Floriano<br />
Azevedo. Op. cit., p. 87).<br />
246<br />
Adota-se o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> indicação e nomeação pelo Presi<strong>de</strong>nte da República após sabatina no Senado<br />
Fe<strong>de</strong>ral.<br />
247<br />
“O fator fundamental para garantir a autonomia da agência está na estabilida<strong>de</strong> dos dirigentes. Na<br />
maior parte das agências atuais, o mo<strong>de</strong>lo vem sendo <strong>de</strong> estabelecer mandatos” (SUNDFELD, Carlos Ari.<br />
Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1297. In: Anais da XVII Conferência Nacional<br />
dos Advogados. Justiça: realida<strong>de</strong> e utopia. Vol. II, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil,<br />
1999, p. 1291-1297).<br />
248<br />
MORAES, Luiza Rangel <strong>de</strong>; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista <strong>de</strong> Informação<br />
Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 146.<br />
249<br />
A previsão expressa da referida proteção estava contida no art. 26, caput, da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 9.472/97), mas foi revogado pela Lei 9.986, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000. Para o caso<br />
da ANEEL, a Lei 9.427/96 prevê a nomeação compartilhada dos diretores para mandatos não<br />
coinci<strong>de</strong>ntes, não os protejendo expressamente da <strong>de</strong>missão ad nutum. Sobre a fragilida<strong>de</strong>, no Brasil, da<br />
proteção do mandato com base em <strong>de</strong>cisões do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, vi<strong>de</strong>: SILVA, Fernando<br />
Quadros da. Agências reguladoras: a sua in<strong>de</strong>pendência e o princípio do Estado Democrático <strong>de</strong><br />
Direito. Curitiba: Juruá, 2003, p. 130-134.<br />
250<br />
A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações proíbe, no seu art.29, que o conselheiro tenha interesse significativo,<br />
direto ou indireto, em empresa relacionada com <strong>telecomunicações</strong>. Além disso, o conselheiro da<br />
ANATEL não po<strong>de</strong> representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência no prazo <strong>de</strong> um ano após<br />
ter ocupado o cargo (art.30).<br />
251<br />
Os diretores das agências não <strong>de</strong>vem ocupar outras funções <strong>públicas</strong> ou privadas. O caso da Asep<br />
(Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos) do Rio <strong>de</strong> Janeiro exemplifica o<br />
comprometimento que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> autonomia das agências procura evitar. Nela, o presi<strong>de</strong>nte da agência<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar outras funções no governo do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro justificadas por seus<br />
<strong>de</strong>fensores, ao menos no período inicial <strong>de</strong> sua instalação, pelas exigências <strong>de</strong> qualificação técnica e<br />
recursos do Executivo estadual. A Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do<br />
65
agência contra a confusão entre interesses privados e os <strong>de</strong>sígnios públicos reguladores<br />
está na proposta <strong>de</strong> quarentena, que visa impedir o recrutamento imediato <strong>de</strong> dirigentes<br />
das agências pelo setor regulado mediante custeio in<strong>de</strong>nizatório do período em que os<br />
ex-dirigentes das agências ficam tolhidos do pleno <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. 252<br />
Quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exoneração dos diretores das agências reguladoras, o<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eiro pronunciou-se liminarmente sobre a questão,<br />
posicionando-se pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferência unilateral legislativa na<br />
exoneração <strong>de</strong> dirigentes <strong>de</strong> agência reguladora 253 , exigindo-se, no entanto, justo motivo<br />
para afastamento <strong>de</strong> dirigente <strong>de</strong> agência pelo Chefe do Executivo em virtu<strong>de</strong> da fixação<br />
<strong>de</strong> mandato por lei e da forma complexa <strong>de</strong> nomeação com participação dos po<strong>de</strong>res<br />
Executivo e Legislativo.<br />
In<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> objetivos significa a <strong>de</strong>terminação das finalida<strong>de</strong>s da agência<br />
em lei, afastando-a da hierarquia administrativa quanto à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> pautas <strong>de</strong><br />
conduta. Eventualmente, esta autonomia po<strong>de</strong> vir a ser ampliada mediante um contrato<br />
<strong>de</strong> gestão. 254<br />
Ainda, a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> instrumentos implica o fornecimento <strong>de</strong> um rol <strong>de</strong><br />
meios para que a agência reguladora possa dosar a aplicação <strong>de</strong> sanções com os<br />
objetivos perseguidos. A presença <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> multas, fixação <strong>de</strong> tarifas, extinção da<br />
concessão, permissão ou autorização e intervenção na prestadora <strong>de</strong> serviço público<br />
expressa esta preocupação com a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrumentos eficazes para atuação<br />
direcionada às peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada caso.<br />
Finalmente, a in<strong>de</strong>pendência financeira manifesta-se na presença <strong>de</strong> recursos<br />
materiais e humanos compatíveis com as finalida<strong>de</strong>s a serem atingidas pela agência<br />
reguladora. Ela é alcançada, em geral, com a fixação <strong>de</strong> taxas <strong>de</strong> fiscalização, preços <strong>de</strong><br />
utilização <strong>de</strong> bens escassos e percentuais <strong>de</strong> tarifas para formação <strong>de</strong> fundos geridos<br />
pelas agências. Mesmo assim, é improvável que tal in<strong>de</strong>pendência sustente, por si só, o<br />
funcionamento da estrutura exigida por uma agência, já que, na dinâmica <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong><br />
orçamento indicativo, há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contingenciamento <strong>de</strong> recursos pelo<br />
Executivo, inclusive os das agências reguladoras.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro (Asep/RJ) passou por momentos complicados. “Com a mudança do governo [Marcello]<br />
Alencar, quatro conselheiros (dos cinco existentes) foram exonerados pelo governador Anthony<br />
Garotinho, que nomeou, em seguida, outros conselheiros. Em abril <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> corrupção<br />
abalaram a atuação do órgão regulador. A partir das <strong>de</strong>núncias em reportagem da revista Veja, o<br />
presi<strong>de</strong>nte da agência foi acusado <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> propinas. Ele se licenciou enquanto o<br />
Ministério Público apurava as <strong>de</strong>núncias. Outro conselheiro da agência, filiado ao Partido dos<br />
Trabalhadores, abriu mão do cargo após crise que levou os petistas a abandonarem o governo <strong>de</strong> coalizão<br />
com o PDT. Como conseqüência, a agência reguladora encontra-se quase paralisada (...) Os dados<br />
comprovam isto: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi criada, a agência não aplicou qualquer multa” (PECI, Alketa;<br />
CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão regulador: análise das agências<br />
reguladoras estaduais. p. 112. In: Revista <strong>de</strong> Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out <strong>de</strong> 2000, p.<br />
99-118).<br />
252 Defen<strong>de</strong>ndo a tese <strong>de</strong> pagamento aos ex-dirigentes das agências por período mínimo <strong>de</strong> 12 meses após<br />
o fim do mandato para in<strong>de</strong>nizá-los da restrição do direito individual <strong>de</strong> trabalhar, vi<strong>de</strong>: MARQUES<br />
NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 85-86: nota 37.<br />
253 ADIn1949-0/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, por maioria suspen<strong>de</strong>u<br />
liminarmente a eficácia do art.8 o , da Lei 10.931, <strong>de</strong> 09/01/1997: “Art.8 o . O Conselheiro só po<strong>de</strong>rá ser<br />
<strong>de</strong>stituído, no curso do seu mandato, por <strong>de</strong>cisão da Assembléia Legislativa”.<br />
254 A in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> objetivos da ANEEL é ampliada mediante um contrato <strong>de</strong> gestão negociado e<br />
celebrado entre a Diretoria e o Po<strong>de</strong>r Executivo, como instrumento <strong>de</strong> controle e avaliação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho. (art.7 o , da Lei 9.427/96). Tal previsão não existe para o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
<strong>brasil</strong>eiro.<br />
66
Há, ainda, dois conceitos que <strong>de</strong>vem ser levados em conta para análise da<br />
progressiva autonomia das agências reguladoras e seus limites. Diferencia-se<br />
doutrinariamente autonomia <strong>de</strong> auto-regulação. A auto-regulação se caracteriza pela<br />
gestão <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> pelos próprios regulados 255 . Uma coisa é dar autonomia a um<br />
ente <strong>de</strong> direito público interno, autarquia chamada agência reguladora, para que regule<br />
um âmbito <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua competência; outra coisa é a gestão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s pelos<br />
próprios regulados. No Brasil, o setor <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa e o setor postal<br />
resistem à regulação normativa centralizada acenando com os benefícios da autoregulação.<br />
A substituição da exo-regulação – regulação pelo Estado – pela autoregulação<br />
sofre críticas doutrinárias por levarem à “institucionalização <strong>de</strong> autênticas<br />
corporações <strong>de</strong> ofício” 256 , o que afastaria das instituições <strong>de</strong> auto-regulação o aspecto <strong>de</strong><br />
espaços públicos.<br />
O limite da autonomia <strong>de</strong> setores regulados apresenta-se no conceito <strong>de</strong> autoregulação,<br />
que não condiz com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia exercido pelas agências<br />
reguladoras 257 . Estas exercem regulação <strong>de</strong> caráter público 258 , mas inseridas em<br />
ambiente autônomo. O fato <strong>de</strong> um ente público ter autonomia não <strong>de</strong>svirtua sua<br />
característica <strong>de</strong> público, pelo contrário, a enfatiza mediante sua isenção <strong>de</strong> interesses<br />
políticos momentâneos em nome <strong>de</strong> interesses políticos permanentes plasmados no<br />
texto constitucional e reproduzidos na legislação infraconstitucional. A crítica à<br />
progressiva autonomia das agências reguladoras seria pertinente se a in<strong>de</strong>pendência<br />
fosse total. Procura-se, com isso, fugir da tentativa <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> regulatória, que não<br />
po<strong>de</strong> existir, sob pena <strong>de</strong> se estar optando pela i<strong>de</strong>ologia da <strong>de</strong>sregulamentação<br />
normativa do serviço público, vedada pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Esta discussão<br />
surge também na chamada gestão privada <strong>de</strong> recursos ou fundos públicos. A tendência<br />
<strong>de</strong> multiplicação <strong>de</strong>ste fenômeno 259 se dá através das chamadas organizações sociais e<br />
dos contratos <strong>de</strong> gestão. É exatamente o contrato <strong>de</strong> gestão que vem proposto como<br />
255 O Conselho <strong>de</strong> Auto-Regulamentação Publicitária é um exemplo vivo <strong>de</strong> auto-regulação. Apresenta-se<br />
como organização não-governamental – socieda<strong>de</strong> civil sem fins lucrativos –, fundada em 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />
1980, constituída por entida<strong>de</strong>s representativas das agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, dos veículos <strong>de</strong><br />
comunicação, <strong>de</strong> anunciantes e <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais entida<strong>de</strong>s que a<strong>de</strong>rirem ao Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Auto-Regulamentação Publicitária e se comprometerem a seguir as <strong>de</strong>cisões do Conselho <strong>de</strong> Ética e do<br />
Conselho Superior do Conar (art.9 o do Estatuto Social do Conar), tendo por objetivos sociais, <strong>de</strong>ntre<br />
outros, zelar pela comunicação comercial, promover a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão publicitária e a <strong>de</strong>fesa das<br />
prerrogativas constitucionais da propaganda comercial (art. 5º, I e VI do Estatuto Social do Conar). O<br />
<strong>de</strong>srespeito <strong>de</strong> suas recomendações dá ensejo a advertências, censuras <strong>públicas</strong>, suspensão ou eliminação<br />
do quadro social (art.15 do Estatuto Social do Conar).<br />
256 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3 a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.<br />
95. Mesmo que a auto-regulação tivesse bons resultados, nunca geraria mercado livre pois persistiria a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exo-regulação estatal para <strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong>finida por Habermas como<br />
compensação <strong>de</strong> disfunções no processo <strong>de</strong> acumulação. (i<strong>de</strong>m, p. 96).<br />
257 A escassa jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eiro sobre o tema aponta a exigência <strong>de</strong><br />
natureza jurídica <strong>de</strong> direito público para o exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia. A Representação nº 1.169/DF –<br />
relator Min. Soares Muñoz, j.08/08/1984 (RTJ 111/87) – apresenta os conselhos fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> fiscalização<br />
<strong>de</strong> profissionais liberais como autarquias corporativas. O Mandado <strong>de</strong> Segurança nº 22.643-9/SC –<br />
relator Min. Moreira Alves, DJ 04.12.1998, Ementário nº1934-01 – <strong>de</strong>termina a submissão dos Conselhos<br />
Regionais <strong>de</strong> Medicina, como autarquias, à prestação <strong>de</strong> contas ao TCU.<br />
258 Floriano Marques utiliza o termo regulação <strong>de</strong> caráter público para diferenciar da auto-regulação.<br />
Conferir: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 83.<br />
259 Não se trata <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> no sistema. A gestão privada <strong>de</strong> recursos públicos já é praticada no sistema<br />
jurídico <strong>brasil</strong>eiro em casos como os dos serviços sociais autônomos (SEBRAE, SENAI, SESI, SESC<br />
etc), dos contratos bancários e do instituto jurídico mais recente do contrato <strong>de</strong> gestão. Por isso, a questão<br />
é <strong>de</strong> mensuração e não <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> sua implementação.<br />
67
método <strong>de</strong> diminuição <strong>de</strong> autonomia das agências reguladoras pelo Governo Lula, sendo<br />
tratado como forma <strong>de</strong> controle social. 260<br />
Estas características da introdução das agências reguladoras no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro<br />
<strong>de</strong> regulação setorial agora <strong>de</strong>vem ser contempladas a partir do conhecimento específico<br />
do setor regulado objeto <strong>de</strong>sta tese.<br />
4.4 TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO<br />
4.4.1 Primeiros passos das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil<br />
O telégrafo foi o primeiro serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinado a exploração<br />
industrial no Brasil, que se apresentou como um dos pioneiros a entrar na era das<br />
<strong>telecomunicações</strong> já no século XIX. Em 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1852, foi instalada a primeira<br />
linha <strong>de</strong> telégrafo no Rio <strong>de</strong> Janeiro e, em 1855, um órgão estatal para o setor passou a<br />
operar sob a insígnia <strong>de</strong> Diretoria Geral dos Telégrafos Elétricos. A partir <strong>de</strong> 1858,<br />
tornava-se possível o uso público do telégrafo no Brasil.<br />
Por sua vez, o primeiro telefone instalado no País, por sua vez, presenteado ao<br />
Imperador Pedro II por aquele que, após inúmeras contendas judiciais, foi reconhecido<br />
pelos tribunais norte-americanos como seu inventor, Graham Bell, passou a operar em<br />
janeiro <strong>de</strong> 1877. As autorizações para prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telefonia foram<br />
inauguradas com o Decreto nº 7.539, <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1879, quando um norteamericano<br />
chamado Charles Paul Mackie pô<strong>de</strong> prestar tais serviços no Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />
Vitória por intermédio <strong>de</strong> empresa constituída em 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1880, em Nova<br />
York, intitulada Telephone Company of Brazil com representação no Brasil. As cida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> São Luís (MA), Fortaleza (CE), Recife (PE), Maceió (AL), Salvador (BA), Campos<br />
(RJ), Ouro Preto (MG), Santos (SP), Campinas (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS),<br />
Pelotas (RS) e Rio Gran<strong>de</strong> (RS) foram alcançadas poucos anos <strong>de</strong>pois.<br />
Outro ator entrou em cena em 1889, com a transferência dos serviços <strong>de</strong><br />
telefonia do Rio <strong>de</strong> Janeiro para a empresa alemã Brasilianische Elektricitäts<br />
Gesellschaft, que recebeu concessão <strong>de</strong> 30 anos para exploração do serviço. Também<br />
em 1889, foi outorgada concessão para a primeira linha interurbana no país entre as<br />
cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro. Em 1907, a empresa alemã foi incorporada pela<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro Telephone Company, com se<strong>de</strong> nos Estados Unidos.<br />
O início do século XX não correspon<strong>de</strong>u às expectativas geradas pelo<br />
pioneirismo <strong>brasil</strong>eiro na telefonia. A Rio <strong>de</strong> Janeiro Telephone Company foi, por sua<br />
vez, incorporada, no Canadá, em 1912, pela Brazilian Traction Light & Power, que<br />
criou, em 1916, sua subsidiária no Brasil intitulada Rio <strong>de</strong> Janeiro and São Paulo<br />
Telephone Company. Esta última foi a primeira gran<strong>de</strong> empresa <strong>de</strong> telefonia <strong>brasil</strong>eira,<br />
alastrando-se por vários municípios dos estados do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong><br />
Minas Gerais. Esta subsidiária <strong>brasil</strong>eira da cana<strong>de</strong>nse Brazilian Traction passou a se<br />
260 Conferir, a respeito: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Análise e avaliação<br />
do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional <strong>brasil</strong>eiro. Relatório do Grupo <strong>de</strong><br />
Trabalho Interministerial. Brasília, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003.<br />
68
chamar, em janeiro <strong>de</strong> 1923, Companhia Telephonica Brasileira – CTB como um<br />
“braço da operadora <strong>de</strong> energia elétrica Light” 261 .<br />
O início da década <strong>de</strong> 1950 convivia com o pequeno avanço alcançado no setor<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no Brasil. A <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> telefônica era <strong>de</strong> 1 telefone para cada 100<br />
habitantes 262 e a exploração do serviço estava distribuído por pouco mais <strong>de</strong> 100<br />
empresas, em sua maioria <strong>de</strong> âmbito local ou regional, algumas mantidas pelos<br />
governos municipais. A Companhia Telephonica Brasileira – CTB <strong>de</strong>tinha 78% dos<br />
aparelhos instalados no eixo Rio-São Paulo, enquanto a ITT e a Bond and Share<br />
<strong>de</strong>tinham 12% dos aparelhos instalados, operando no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e na Bahia. 263<br />
4.4.2 Etapas das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil pós década <strong>de</strong><br />
1940<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1940, as <strong>telecomunicações</strong>, no Brasil, po<strong>de</strong>m ser vistas em<br />
cinco etapas divisadas por Ethevaldo Siqueira 264 : estagnação (1946-1962); inversões<br />
estatais (1962-1967); expansão, melhoramento e integração do sistema (1967-1975);<br />
turbulência (1975-1985); embates da <strong>de</strong>sestatização (1985 até meados da década <strong>de</strong><br />
1990). A estas, po<strong>de</strong>-se acrescentar a etapa <strong>de</strong> reformas normativo-operacionais (1995-<br />
2001), em que a regulação do setor passa a comportar normatização centralizada em<br />
colegiado especializado – a ANATEL. A partir <strong>de</strong> 2001, a ANATEL <strong>de</strong>u os primeiros<br />
passos para traduzir em atos a horizontalização da normatização do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, mediante adoção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los internacionais impulsionados pela<br />
convergência tecnológica. Iniciou-se a fase <strong>de</strong> amadurecimento do setor, impulsionada<br />
por fatores <strong>de</strong> globalização econômica, <strong>de</strong> reestruturação e racionalização normativa, <strong>de</strong><br />
compatibilização do or<strong>de</strong>namento jurídico interno com os mo<strong>de</strong>los internacionais <strong>de</strong><br />
regulamentação setorial, mas também pela crescente tensão entre regulador e<br />
Administração Direta do Executivo, gerando alterações legais e infralegais no setor e<br />
contingenciamento orçamentário da Agência por parte do Executivo. 265<br />
261<br />
PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta<br />
Mercantil, 2001, p. 15.<br />
262<br />
A título ilustrativo, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> telefônica, no Brasil, na década <strong>de</strong> 1990, apresentou-se com os<br />
números a seguir: 1991 (7,1/100hab.); 1992 (7,8/100hab.); 1994 (8,6/100hab.); 1996 (10,4/100hab.); 1998<br />
(13,6/100hab.); 1999 (16,8/100hab.); 2000 (23,1/100hab.); 2001 (28,2/100hab.); 2003 (42,38/100hab.).<br />
(Fontes: BRASIL. ANATEL. Relatório Anual da ANATEL 2001. Brasília: Biblioteca Virtual da<br />
Anatel, 2001. [on line] Disponível na internet via WWW. URL:<br />
http://www.anatel.gov.br/BIBLIOTECA/PUBLICACAO/RELATORIOS/DEFAULT.ASP (Consultado<br />
em 12.06.2004) e ITU. World Telecommunication Indicators Database. Genebra: UIT, 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />
2004. [on line] Disponível na internet via WWW. URL: http://www.itu.int/ITU-<br />
D/ict/statistics/at_glance/basic03.pdf (Consultado em 12.06.2004).<br />
263<br />
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 16.<br />
264<br />
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress<br />
Editora, 1993, p. 14-17. O autor divi<strong>de</strong> a evolução das <strong>telecomunicações</strong> após 1940 nos seguintes<br />
períodos: estagnação (1946-1962); reorganização (1962-1967); <strong>de</strong>colagem (1967-1975); turbulência<br />
(1975-1985); crise (1985 em diante).<br />
265<br />
O Presi<strong>de</strong>nte da ANATEL confirmou o contingenciamento, até o dia 06/06/2005, <strong>de</strong> R$ 90 milhões dos<br />
recursos orçamentários que já <strong>de</strong>veriam ter sido liberados pelo Executivo. Vi<strong>de</strong>: AMARAL, Elifas<br />
Chaves Gurgel do. Palestra <strong>de</strong> abertura intitulada “A Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações e o Setor<br />
<strong>de</strong> Telecomunicações no Brasil: <strong>de</strong>safios atuais”. In: V Curso <strong>de</strong> Especialização em Regulação <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. Brasília: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. 06 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005. Em 25/08/2005, o<br />
69
4.4.2.1 PERÍODO DE ESTAGNAÇÃO (1946-1962)<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946 (art.5 o , XII) 266 previu a competência da União<br />
para exploração, direta ou mediante autorização ou concessão, dos serviços <strong>de</strong><br />
telégrafos, <strong>de</strong> radiocomunicação, <strong>de</strong> radiodifusão e <strong>de</strong> telefones interestaduais e<br />
internacionais. Tendo-se em vista a tradição <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> repartição fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong><br />
competências, bem como a previsão da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946 <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong><br />
gestão dos serviços <strong>de</strong> interesses locais aos Municípios por força do artigo garantidor da<br />
autonomia municipal (art.28, II, b) 267 , concluía-se pelas competências Estadual e<br />
Municipal, respectivamente, para prestação e controle 268 dos serviços <strong>de</strong> telefonia<br />
intraestaduais (intermunicipais) e intramunicipais. Com isso, os preceitos<br />
constitucionais permitiram intensa ingerência dos interesses políticos locais no<br />
planejamento empresarial dos investimentos no setor.<br />
70<br />
“O país passou a viver as conseqüências <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sastrosa<br />
<strong>de</strong>magogia tarifária, pois a aprovação das tarifas <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> duas entida<strong>de</strong>s<br />
eminentemente <strong>políticas</strong>: as prefeituras e as câmaras <strong>de</strong> vereadores (...) Tem<br />
início, assim, o que eu caracterizo como <strong>de</strong>sprivatização, uma vez que, na<br />
época, não havia praticamente nenhum interesse manifesto na estatização.” 269<br />
Escravo das flutuações <strong>políticas</strong>, os investimentos nas <strong>telecomunicações</strong><br />
minguaram, tornando-se obsoletos e sem perspectivas <strong>de</strong> ampliação. Um retrato das<br />
características <strong>de</strong>ste momento da história <strong>brasil</strong>eira está a seguir esquematizado.<br />
• inexistência <strong>de</strong> uma política nacional para as <strong>telecomunicações</strong>; 270<br />
orçamento da Agência, <strong>de</strong> R$ 377 milhões fazia frente a uma liberação <strong>de</strong> R$ 130 milhões até aquela<br />
data. O déficit foi externado pela <strong>de</strong>sativação do serviço <strong>de</strong> atendimento ao cidadão da ANATEL sob a<br />
alegação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> recursos.<br />
266 “Art.5.º Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os<br />
serviços <strong>de</strong> telégrafos, <strong>de</strong> radiocomunicação, <strong>de</strong> radiodifusão, <strong>de</strong> telefones interestaduais e internacionais,<br />
<strong>de</strong> navegação aérea e <strong>de</strong> vias férreas que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham<br />
os limites <strong>de</strong> um Estado;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13 a ed.,<br />
São Paulo: Atlas, 1999, p. 474).<br />
267 “Art.28. A autonomia dos Municípios será assegurada: II – pela administração própria, no que<br />
concerne ao seu peculiar interêsse e, especialmente: b) à organização dos serviços públicos locais.” (Ibid.,<br />
p. 480).<br />
268 Quanto à fiscalização, há que se fazer uma ressalva. Embora os Municípios e Estados-membros da<br />
Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>tivessem autonomia e âmbito <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>terminados (serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
estritamente locais ou regionais respectivamente), eles po<strong>de</strong>riam sofrer interferência normativa da União<br />
em razão <strong>de</strong> sua interligação com re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros Estados-membros ou da própria esfera fe<strong>de</strong>ral. Isso<br />
ficou patente na <strong>de</strong>terminação da competência do Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (CONTEL)<br />
pela Lei 5.070, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1966, que criou o Fundo <strong>de</strong> Fiscalização das Telecomunicações,<br />
estabelecendo em seu art.21 que lhe competia “a fiscalização dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<br />
implantação e ampliação, até seu efetivo funcionamento, resguardada a competência estadual ou<br />
municipal quando sejam estritamente regionais ou locais e não interligados a outros Estados ou<br />
Municípios.”<br />
269 SILVA, José Antônio <strong>de</strong> Alencastro e. O Estado é incompetente. p.86. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et<br />
alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90.<br />
270 O testemunho <strong>de</strong> 1952, a seguir, é esclarecedor: “No que diz respeito ao serviço <strong>de</strong> telefones, salvo<br />
interesse imediato <strong>de</strong> cada município, quanto ao serviço local executado por concessão, o serviço<br />
interestadual não sofre qualquer fiscalização ou ao menos orientação, gerando-se <strong>de</strong>ssa lacuna situações
• po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte dividido entre União, Estados e Municípios;<br />
• início da década <strong>de</strong> 1960: 1 milhão <strong>de</strong> telefones para uma população estimada<br />
<strong>de</strong> 70 milhões <strong>de</strong> habitantes; 271<br />
• além da CTB, havia 1,2 mil companhias telefônicas, a maioria <strong>de</strong>las <strong>de</strong> pequeno<br />
e médio portes, predominando as pequenas companhias telefônicas<br />
familiares prestando serviços municipais obsoletos; 272<br />
• 75% dos terminais concentravam-se na região centro-leste do país na área <strong>de</strong><br />
atuação da Companhia Telephonica Brasileira (CTB). “Na prática, os serviços<br />
telefônicos no Brasil funcionavam apenas nas regiões Su<strong>de</strong>ste e Sul. Algumas<br />
pequenas áreas da Bahia e <strong>de</strong> Pernambuco contavam com telefones. Nas<br />
regiões Norte e Centro-Oeste, com exceção <strong>de</strong> Cuiabá (MT) e Goiânia (GO), os<br />
serviços eram quase inexistentes” 273;<br />
• tarifas fixadas por critérios políticos e <strong>de</strong>magogicamente achatadas<br />
principalmente por prefeituras e câmaras <strong>de</strong> vereadores, gerando<br />
<strong>de</strong>scapitalização das concessionárias e seu <strong>de</strong>sinteresse pelo negócio;<br />
• os equipamentos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> eram oligopolizados: “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples<br />
aparelho telefônico, até as centrais telefônicas, tudo era comprado somente <strong>de</strong><br />
dois fornecedores. Segundo um acerto <strong>de</strong>nominado ‘Acordo das Bahamas’,<br />
assinado entre as multinacionais Ericsson e IT&T, o mercado <strong>brasil</strong>eiro foi<br />
dividido entre as filiais <strong>brasil</strong>eiras daquelas multinacionais, a EDB (Ericsson<br />
do Brasil) e a SESA (Standard Electric S/A)” 274.<br />
Antes da reorganização operada na primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1960, os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> estavam dispersos por mais <strong>de</strong> 900 pequenas empresas<br />
familiares <strong>brasil</strong>eiras, muitas <strong>de</strong>las pertencentes aos próprios municípios em que<br />
atuavam 275 , que exploravam os serviços telefônicos locais no interior do país, mediante<br />
concessões municipais, enquanto a Companhia Telephonica Brasileira (CTB) chegava a<br />
<strong>de</strong>ter cerca <strong>de</strong> 75% dos telefones existentes no Brasil com concentração nos centros<br />
mais ricos dos estados do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Guanabara, São Paulo, Minas Gerais e<br />
Espírito Santo. 276 Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Paraná e alguns estados do Nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong>tinham<br />
absolutamente esdrúxulas: ao mesmo tempo que companhias concessionárias <strong>de</strong> serviços telefônicos<br />
negam-se ‘ad aeternum’ a permitir tráfego mútuo com serviços telefônicos ou radiotelefônicos oficiais, tal<br />
sistema <strong>de</strong> permutação é estabelecido com companhias outras privadas, concessionárias dos mesmos<br />
serviços e concorrentes dos <strong>de</strong>partamentos oficiais; por outro lado, Estados há cujos serviços telefônicos<br />
não são ligados aos congêneres <strong>de</strong> outros, por interesse <strong>de</strong> terceiros, com prejuízos <strong>de</strong> toda a sorte para os<br />
usuários e quiçá mesmo, para os próprios Governos, que ficam, nessa matéria, inteiramente isolados dos<br />
<strong>de</strong>mais Estados. [§] Quanto às radiocomunicações, a <strong>de</strong>speito da legislação própria que honra a seus<br />
autores, mas da qual se faz ‘tábula rasa’, o que ocorreu permite, sem dúvidas, classificar-se o país como<br />
‘terra <strong>de</strong> ninguém’.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo <strong>de</strong>. Os serviços <strong>de</strong> comunicações no Brasil. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Departamento <strong>de</strong> Imprensa Nacional, 1955, p. 10-11). “As re<strong>de</strong>s telefônicas espalham-se pelo<br />
Brasil afora sem qualquer orientação superior (...) O tráfego mútuo entre as várias re<strong>de</strong>s privadas no país,<br />
constituindo assunto <strong>de</strong> alto interesse coletivo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, entre nós, da boa ou má vonta<strong>de</strong> das respectivas<br />
empresas, ou do maior ou menor interesse que para as mesmas advenha com a medida. É conhecido o<br />
caso <strong>de</strong> um Estado da Fe<strong>de</strong>ração que se encontra isolado dos <strong>de</strong>mais no que tange a comunicações<br />
telefônicas, isso por que não tem interessado à empresa monopolística vizinha, o tráfego mútuo; assim,<br />
para uma ligação telefônica com a capital do país, com qualquer Estado ou com o exterior, o assinante ali<br />
localizado precisa recorrer à cida<strong>de</strong> próxima do Estado vizinho, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> obterá facilmente, qualquer<br />
<strong>de</strong>ssas ligações.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo <strong>de</strong>. Op.cit., p. 50-51).<br />
271<br />
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 16.<br />
272<br />
Ibid., p. 16.<br />
273<br />
Ibid., p. 16.<br />
274 a<br />
VIANNA, Gaspar. Privatização das <strong>telecomunicações</strong>. 3 ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Notrya, 1993, p. 43.<br />
275<br />
A Lei 2.134, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1953, previa mecanismos <strong>de</strong> financiamento abertos pela União para<br />
instalação e ampliação <strong>de</strong> serviços públicos, <strong>de</strong>ntre eles os serviços <strong>de</strong> linhas telefônicas, urbanas,<br />
intermunicipais, ou interdistritais, que viabilizaram a criação <strong>de</strong> empresas municipais <strong>de</strong> telefonia local.<br />
276<br />
“Nos centros mais ricos, como São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Horizonte e Vitória, a exploração era<br />
feita mediante concessões outorgadas pelos governos estaduais à uma socieda<strong>de</strong> anônima <strong>de</strong>nominada<br />
Companhia Telefônica Brasileira – CTB. Ela chegou a concentrar oitenta por cento dos telefones<br />
71
contratos <strong>de</strong> concessão com a Companhia Telephonica Nacional, controlada pela<br />
International Telegraph and Telephone (IT&T) <strong>de</strong> capital norte-americano, embora, tal<br />
como a CTB, <strong>de</strong>tivesse ínfima participação <strong>de</strong> capital <strong>brasil</strong>eiro (0,000006%) 277 . O<br />
motivo <strong>de</strong>sta formatação nacional das poucas gran<strong>de</strong>s empresas <strong>de</strong> telefonia do país, à<br />
época, não <strong>de</strong>corria <strong>de</strong> imposição do or<strong>de</strong>namento jurídico, mas interessava pela<br />
obtenção <strong>de</strong> outras vantagens, tais como isenção <strong>de</strong> impostos.<br />
As <strong>telecomunicações</strong> nos gran<strong>de</strong>s centros urbanos eram ainda muito precárias no<br />
início da década <strong>de</strong> 1960. As ligações interurbanas também encontravam gran<strong>de</strong>s<br />
obstáculos. 278 Somente São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Horizonte e Brasília eram<br />
interligados por enlaces <strong>de</strong> microondas. 279 As <strong>de</strong>mais comunicações interestaduais e<br />
internacionais eram exploradas via rádio em alta freqüência (HF) e via cabos<br />
submarinos por concessões da União a multinacionais conceituadas: a inglesa Western<br />
Telegraph; as norte-americanas Radional e Radiobrás; e a italiana Italcable.<br />
O telégrafo, por sua vez, era explorado pela União, por intermédio do<br />
Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT, então do Ministério <strong>de</strong> Viação e Obras<br />
Públicas. Mais tar<strong>de</strong>, o Decreto-lei nº509, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1969, <strong>de</strong>terminou a<br />
extinção do Departamento <strong>de</strong> Correios e Telégrafos – DCT mediante a transferência <strong>de</strong><br />
suas atribuições para a então criada Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos – ECT<br />
do Ministério das Comunicações. Cabia ao DCT a construção, conservação e<br />
exploração dos circuitos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> telegrafia e outros serviços públicos<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. 280<br />
Dentre os fatores que <strong>de</strong>terminaram o insucesso do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do período <strong>de</strong> 1942-1962, po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>stacar: a) ausência<br />
<strong>de</strong> tradição na fiscalização da qualida<strong>de</strong> dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que contava<br />
com pessoal <strong>de</strong>saparelhado e <strong>de</strong>smotivado; b) ausência <strong>de</strong> estrutura administrativa apta<br />
ao controle do setor e sua dispersão pelas três esferas fe<strong>de</strong>rativas, inclusive as<br />
<strong>de</strong>ficiências dos contratos <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong>las resultantes; c) tarifação <strong>de</strong>terminada<br />
politicamente, sem levar em conta projeções <strong>de</strong> expansão dos serviços e aumento <strong>de</strong><br />
custos.<br />
existentes no país, bem como todas as interligações interurbanas da região na qual era <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong><br />
concessões locais. Constituída por sete acionistas, a CTB atendia assim à lei <strong>brasil</strong>eira. Seu capital social<br />
era <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> cruzeiros. Seis acionistas eram pessoas naturais, todos <strong>brasil</strong>eiros, possuidores cada<br />
um <strong>de</strong> uma única ação, com valor <strong>de</strong> um cruzeiro. O outro acionista, pessoa jurídica, era a empresa<br />
cana<strong>de</strong>nse Brazilian Traction, dona <strong>de</strong> 999.994 ações, com valor total <strong>de</strong> novecentos e noventa e nove<br />
mil, novecentos e noventa e quatro cruzeiros” (Ibid., p. 41).<br />
277 Ibid., p. 42.<br />
278 A citação a seguir é esclarecedora da precarieda<strong>de</strong> dos serviços <strong>de</strong> então: “Nos anos 60, uma ligação<br />
interurbana, que atualmente po<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong> um telefone público, envolvia uma longa espera: era preciso<br />
ligar para um telefonista, dar o número do telefone e o nome da localida<strong>de</strong> a ser contatada e os nomes <strong>de</strong><br />
quem ia falar e <strong>de</strong> quem ia ser chamado. Esse diálogo às vezes <strong>de</strong>morava algumas horas para se<br />
transformar numa ligação. Havia um quadro <strong>de</strong> total <strong>de</strong>ficiência, no qual eram interligadas poucas<br />
capitais e apenas as cida<strong>de</strong>s mais importantes do interior” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 17).<br />
279 Id. ibid.<br />
280 Quando da criação da Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos – ECT, estabeleceu-se a<br />
transferência gradual dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> então executados pelo Departamento dos<br />
Correios e Telégrafos – DCT para a EMBRATEL. Enquanto isso não se ultimasse, a ECT estava<br />
autorizada a celebrar convênios com a EMBRATEL para “construção, conservação ou exploração<br />
conjunta ou separadamente [dos] circuitos-troncos que integram o Sistema Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações” (art. 16 do Decreto-lei nº 509, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1969).<br />
72
4.4.2.2 PERÍODO DAS INVERSÕES ESTATAIS (1962-1967)<br />
A <strong>de</strong>ficiência da telefonia, à época, o mais sensível representante do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, gerou a reação implementada na década <strong>de</strong> 1960 mediante<br />
reorganização da legislação <strong>brasil</strong>eira do setor com o advento do Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 4.117/62), que viabilizou a criação da Embratel em 1965.<br />
Redirecionamento <strong>de</strong> aportes <strong>de</strong> capital <strong>de</strong> outros setores revelou a preocupação estatal<br />
com as <strong>telecomunicações</strong> 281 , bem como a intervenção <strong>de</strong>cretada pelo governo fe<strong>de</strong>ral na<br />
CTB em virtu<strong>de</strong> da precarieda<strong>de</strong> dos serviços telefônicos no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que iria<br />
resultar na compra das suas ações pela Embratel em 1966.<br />
Foi esta época que marcou o início do processo <strong>de</strong> estatização do setor e <strong>de</strong><br />
concentração na esfera fe<strong>de</strong>rativa da União. A Lei 4.117/62 previa a criação do<br />
Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – CONTEL 282 como órgão unificador das<br />
<strong>políticas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> mediante a criação do Plano Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, veiculado pelo Decreto 52.859, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1963.<br />
O processo <strong>de</strong> centralização fe<strong>de</strong>rativa dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
intraestaduais e intramunicipais foi formalizado com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967, <strong>de</strong><br />
24 <strong>de</strong> janeiro do mesmo ano, que, no seu art. 8 o , inciso XV, reproduzido pela Emenda<br />
Constitucional n.º 1, <strong>de</strong> 1969, não mais restringia a competência da União a telégrafos,<br />
radiocomunicação, radiodifusão em geral e à telefonia interestadual e internacional<br />
como fazia a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946. O dispositivo constitucional <strong>de</strong> 1967<br />
remeteu todos os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> à prestação direta pela União ou por<br />
intermédio <strong>de</strong> concessões e autorizações a entes privados. O Decreto-lei nº 162, <strong>de</strong> 13<br />
<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1967, instrumentalizou a centralização preconizada pela Constituição,<br />
<strong>de</strong>terminando a transição dos po<strong>de</strong>res conce<strong>de</strong>ntes estaduais e municipais para o po<strong>de</strong>r<br />
conce<strong>de</strong>nte fe<strong>de</strong>ral.<br />
Decreto-lei 162, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1967<br />
Art.1º Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
§1º A União substituirá automàticamente os podêres conce<strong>de</strong>ntes estaduais e municipais<br />
em todos os serviços telefônicos, até então sob a jurisdição estadual ou municipal.<br />
§2º Os direitos e obrigações das emprêsas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, coletivas ou individuais,<br />
que tenham obtido concessão, autorização ou permissão <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s estaduais e<br />
municipais para execução do serviço continuarão a ser regidos pelos atos e contratos,<br />
expedidos pelas autorida<strong>de</strong>s competentes ou com estas celebrados, ressalvada a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificá-los, observadas as formalida<strong>de</strong>s legais.<br />
Art.2 o Êste <strong>de</strong>creto-lei entrará em vigor em 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1967, revogadas as disposições<br />
em contrário.<br />
281 Como exemplo, tem-se a Lei 4.452, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1964, relativa ao Imposto Único sobre<br />
Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos, que previu, no seu art.8º, a possibilida<strong>de</strong> dos Estadosmembros<br />
e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> direcionarem até 50% <strong>de</strong> suas quotas <strong>de</strong> investimentos fixos advindas<br />
do Fundo Rodoviário Nacional em instalações <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aprovadas pelo Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações “para assegurar a sua coor<strong>de</strong>nação com os investimentos fe<strong>de</strong>rais no<br />
setor”.<br />
282 Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962: “Art.29. Compete ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações: c)<br />
elaborar o plano nacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e proce<strong>de</strong>r à sua revisão (...)”.<br />
73
Ao lado disso, o Decreto-lei 200/67, representativo da Reforma Administrativa<br />
<strong>de</strong> então, criou o Ministério das Comunicações, revelando a percepção governamental<br />
da importância das <strong>telecomunicações</strong> para os interesses nacionais.<br />
A par do movimento <strong>de</strong> centralização <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> na figura da pessoa <strong>de</strong> direito público interno da União, passos foram<br />
implementados no sentido da estatização. Dentre os fatores que a impulsionaram,<br />
estavam a meta <strong>de</strong> integração nacional dos ‘Objetivos Nacionais Permanentes’ dos<br />
militares <strong>brasil</strong>eiros e a ‘Doutrina <strong>de</strong> Segurança Nacional’ formulada pela Escola<br />
Superior <strong>de</strong> Guerra e pelo Estado Maior das Forças Armadas, que colidiam com o fato<br />
<strong>de</strong> que as concessões das <strong>telecomunicações</strong> estratégicas <strong>brasil</strong>eiras – internacionais,<br />
interestaduais e dos gran<strong>de</strong>s centros urbanos – estavam nas mãos do capital estrangeiro.<br />
O mo<strong>de</strong>lo então i<strong>de</strong>alizado convergia para a experiência européia <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
equacionado em uma re<strong>de</strong> contínua, única, <strong>de</strong> tecnologias compatíveis e interiorizadas<br />
para a integração nacional refletida na previsão <strong>de</strong> um Sistema Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (art.7 o da Lei 4.117/62) a ser administrado pelo Conselho Nacional<br />
<strong>de</strong> Telecomunicações – CONTEL, por intermédio <strong>de</strong> sua secretaria executiva, o<br />
Departamento Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – DENTEL.<br />
Dentre os fatos que marcaram a reorganização, <strong>de</strong> 1962 ao início da década <strong>de</strong><br />
1970, estão: 283<br />
• Promulgação do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações com a aprovação da<br />
Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962, pelo Congresso Nacional;<br />
• Em 1962, o então Governador do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Leonel Brizola, promoveu<br />
à estatização da CTN (Companhia Telefônica Nacional) do grupo IT&T,<br />
mediante criação da empresa estatal CRT – Companhia Riogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong><br />
Telecomunicações;<br />
• Em 1963, Carlos Lacerda, então Governador do Estado da Guanabara, criou<br />
uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista intitulada CETEL (Companhia Estadual <strong>de</strong><br />
Telefones), dividindo a área <strong>de</strong> concessão entre ela e a CTB, cabendo à<br />
primeira os bairros pobres e a área rural e, à segunda, o centro da cida<strong>de</strong>,<br />
zona sul e os melhores bairros do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />
• Criação da Embratel, em 1965;<br />
• Nacionalização da Companhia Telephonica Brasileira (CTB), em 1966, no Governo<br />
Castello Branco, avaliada em US$96 milhões e adquirida pela Embratel;<br />
• Criação <strong>de</strong> outras empresas estaduais, <strong>de</strong>ntre elas, as dos Estados do Paraná,<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e Goiás, como socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista, antes mesmo<br />
da portaria do Ministério das Comunicações que criou as chamadas empresaspólo;<br />
• Previsão, na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967, <strong>de</strong> competência da União para os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em geral, não mais restringindo sua área <strong>de</strong><br />
atuação à telefonia interestadual e internacional (art. 8 o, XV da CF/67) 284<br />
como fazia a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946 (art. 5 o, XII da CF/46);<br />
• Reforma Administrativa implementada pelo Presi<strong>de</strong>nte Castello Branco, que,<br />
com o Decreto-lei 200/67, criou o Ministério das Comunicações;<br />
• Criação da Telebrás, em 9.11.1972, como holding do Sistema Telebrás,<br />
persistindo uma única empresa privada no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>: a<br />
Companhia <strong>de</strong> Telefones do Brasil Central (CTBC), que chegou a cobrir, em 1993,<br />
80 municípios <strong>brasil</strong>eiros <strong>de</strong> Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do<br />
Sul, com quase 400 mil linhas telefônicas instaladas.<br />
283 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress<br />
Editora, 1993, p. 14; 17. Conferir, também: SILVA, José Antônio <strong>de</strong> Alencastro e. O Estado é<br />
incompetente. p. 87. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. op.cit., p. 85-90; e VIANNA, Gaspar.<br />
Privatização das <strong>telecomunicações</strong>. 3 a ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Notrya, 1993, p. 44-45.<br />
284 “Art. 8º. Compete à União: XV – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil.<br />
13 a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p.384).<br />
74
O mecanismo do autofinanciamento, já em prática no setor, foi regulamentado<br />
pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – CONTEL mediante a Resolução nº 5,<br />
<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1966, <strong>de</strong>finindo-se as regras para participação popular no capital das<br />
empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> voltada ao início ou ampliação <strong>de</strong> suas instalações.<br />
Dentre as regras, estava a proibição <strong>de</strong> retribuição da participação acionária do usuário<br />
por intermédio do mero direito <strong>de</strong> uso dos serviços, mesmo que este pu<strong>de</strong>sse ser<br />
alienado <strong>de</strong> forma onerosa (art. 3 o da Resolução nº5/66). 285 Isso abriu espaço a crescente<br />
aquisição <strong>de</strong> capital controlador <strong>de</strong>stas empresas pelos usuários, gerando, três décadas<br />
mais tar<strong>de</strong> o bloqueio <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> financiamento por não mais restarem margens <strong>de</strong><br />
negociação que garantissem o controle estatal das empresas do setor.<br />
4.4.2.3 PERÍODO DE EXPANSÃO, MELHORAMENTO E INTEGRAÇÃO<br />
DO SISTEMA (1967-1975)<br />
A reorganização das <strong>telecomunicações</strong> começa a se refletir na estruturação<br />
efetiva do setor a partir <strong>de</strong> 1967, quando se pô<strong>de</strong> notar relativa concentração <strong>de</strong><br />
investimentos e profissionalismo na orientação das <strong>telecomunicações</strong> por conhecedores<br />
da área, <strong>de</strong>ntre eles, os Ministros Hygino Corsetti, Eucli<strong>de</strong>s Quandt <strong>de</strong> Oliveira e<br />
Haroldo Corrêa <strong>de</strong> Mattos, assim como o presi<strong>de</strong>nte da Telebrás por quase uma década,<br />
o General José Antônio <strong>de</strong> Alencastro e Silva. 286<br />
A Embratel, em 1968, já havia interligado o Sul e o Su<strong>de</strong>ste do país por meio <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rna re<strong>de</strong> <strong>de</strong> microondas, esten<strong>de</strong>ndo-a, três anos mais tar<strong>de</strong>, a todas as capitais <strong>de</strong><br />
Estados e Territórios <strong>brasil</strong>eiros. 287 Em agosto <strong>de</strong> 1968, implantou um sistema <strong>de</strong><br />
tropodifusão para integrar a região amazônica, que foi consi<strong>de</strong>rado o maior no gênero<br />
em operação comercial do mundo e ainda assumiu, entre 1969 e 1973, a exploração dos<br />
serviços internacionais à medida que expiravam os prazos <strong>de</strong> concessão das empresas<br />
estrangeiras que os operavam 288 até que, com o encerramento das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
285 A exigência se explicava como garantia do consumidor dos serviços perante as concessionárias<br />
privadas <strong>de</strong> telefonia, bem como incentivo à manutenção do investimento das concessionárias privadas <strong>de</strong><br />
telefonia do País, pois, até 1973, quando a Embratel finalizou o processo <strong>de</strong> aglutinação das mais <strong>de</strong> 800<br />
concessionárias privadas <strong>de</strong> telefonia existente no Páis, o Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações servia<br />
unicamente aos sistemas <strong>de</strong> longa distância <strong>de</strong>tidos pela Embratel. “O mo<strong>de</strong>lo tal qual foi <strong>de</strong>senvolvido,<br />
pressupõe uma distribuição ‘racional’ dos fundos <strong>de</strong> investimento (...) entre as Concessionárias e/ou<br />
serviços. Infelizmente, tal não tem sido observado até o momento pois normalmente, o FNT <strong>de</strong>stina-se<br />
aos investimentos em sistemas <strong>de</strong> longas distâncias e o ‘auto-financiamento’ para sistemas urbanos<br />
apenas.” (HOLLANDA, Jayme Buarque <strong>de</strong>. Mo<strong>de</strong>lo simplificado do setor <strong>de</strong> telefonia. p. 62. In:<br />
BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
(EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Embratel, 1972, p. 53-65).<br />
286 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 14-15.<br />
287 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 105. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.<br />
288 Em agosto <strong>de</strong> 1971, ainda existiam mais <strong>de</strong> 800 concessionárias <strong>de</strong> serviços telefônicos no Brasil<br />
<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telefonia principalmente em nível municipal. Vi<strong>de</strong>: VIEIRA,<br />
Claudio Reis. Telefonia integrada: proposição <strong>de</strong> um “Plano <strong>de</strong> Integração do Serviço Telefônico<br />
Nacional”. p. 31. In: BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Embratel, 1972, p.<br />
32-52. “A política nacional <strong>de</strong> comunicações compreen<strong>de</strong> a aglutinação <strong>de</strong>ssas empresas, processo do<br />
qual resultaria, basicamente, uma concessionária a operar em cada Estado ou região geo-econômica, além<br />
da EMBRATEL, em caráter nacional. Tais unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter operacional seriam coor<strong>de</strong>nadas pela<br />
75
telegrafia da inglesa Western Telegraph, em 1973, a Embratel passou a ser a única<br />
operadora <strong>de</strong> serviços internacionais do Brasil. Ela ainda inaugurou, em 1969, o sistema<br />
<strong>de</strong> Discagem Direta a Distância – DDD entre São Paulo e Porto Alegre 289 e, em 10 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1975, o sistema <strong>de</strong> Discagem Direta Internacional – DDI. 290<br />
A melhoria significativa dos serviços interurbanos e internacionais <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> com a Embratel permitiu que o governo fe<strong>de</strong>ral voltasse sua atenção<br />
para os serviços locais, ainda muito negligenciados e <strong>de</strong>ficientes. A criação da<br />
Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS, em 1972, pela Lei nº 5.792 e<br />
implementada em 9 <strong>de</strong> novembro do mesmo ano, consolidou a política <strong>de</strong> exploração<br />
das <strong>telecomunicações</strong> voltada a uma visão nacional integrada. Em 1974 291 , a<br />
TELEBRÁS foi <strong>de</strong>signada concessionária geral para exploração dos serviços públicos<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em todo o território nacional. De 2 milhões <strong>de</strong> linhas fixas, em<br />
1973, o Brasil, em 20 anos passou a 12,4 milhões <strong>de</strong> linhas, aumentando a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
terminais por 100 habitantes <strong>de</strong> 1,9, em 1973, para 8,1.<br />
76<br />
“Em 1980, entrou em ativida<strong>de</strong> o cabo submarino Brasil-Estados<br />
Unidos (Brus). As inaugurações do serviço <strong>de</strong> DDI <strong>de</strong> Portugal para o Brasil,<br />
as Estações Terrenas <strong>de</strong> Altamira-Itaituba, Sinop e Alta Floresta na<br />
Amazônia ocorreram em 1981.<br />
A Re<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Televisão por Satélite (TV SAT) e o sistema <strong>de</strong><br />
cabos submarinos Atlantis foram inaugurados em outubro <strong>de</strong> 1982. Já em<br />
1983 houve interligação dos computadores da Bolsa <strong>de</strong> Valores do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro e da Re<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Telex e a inauguração do Serviço<br />
Internacional <strong>de</strong> Acesso a Informações Financeiras (Findata).<br />
Também foram lançados os satélites <strong>de</strong> comunicações BrasilSat-I em<br />
1985 e o BrasilSat-II em 1986, através dos quais se conseguiu a integração<br />
total do território <strong>brasil</strong>eiro, levando sinais <strong>de</strong> telefonia, telegrafia e televisão<br />
a todas as regiões do País. A existência dos satélites possibilitou o<br />
lançamento do Programa <strong>de</strong> Popularização e Interiorização das<br />
Telecomunicações, <strong>de</strong>stinado a levar ao maior número <strong>de</strong> localida<strong>de</strong>s<br />
<strong>brasil</strong>eiras as facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicações e proporcionar maior integração<br />
entre cidadãos e suas comunida<strong>de</strong>s.<br />
Além disso, nos anos que antece<strong>de</strong>ram à quebra do monopólio estatal,<br />
registrou-se a retomada do crescimento e da qualida<strong>de</strong> na prestação dos<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. O País iniciou as instalações do Sistema <strong>de</strong><br />
Telefonia Móvel Celular e <strong>de</strong> Re<strong>de</strong> Inteligente. No campo do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento industrial, em parceria com universida<strong>de</strong>s e indústrias, a<br />
Telebrás <strong>de</strong>senvolveu diversos produtos vinculados a tecnologias <strong>de</strong><br />
TELEBRÁS, empresa holding para planejamento em nível superior e centralização dos recursos <strong>de</strong><br />
financiamento e investimento.” (Id., ibid.).<br />
289 Até então existiam algumas sub-re<strong>de</strong>s regionais <strong>de</strong> telefonia interurbanas, embora “em termos<br />
nacionais, o serviço pu<strong>de</strong>sse ser quase consi<strong>de</strong>rado inexistente” (VIEIRA, Claudio Reis. Telefonia<br />
integrada: proposição <strong>de</strong> um “Plano <strong>de</strong> Integração do Serviço Telefônico Nacional”. p. 41. In: BRASIL.<br />
MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações (EMBRATEL).<br />
Telecomunicações: alguns temas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Embratel, 1972, p. 32-52.). “Existem cerca <strong>de</strong> 800<br />
empresas concessionárias <strong>de</strong> serviço telefônico, sendo que a gran<strong>de</strong> maioria se restringe a núcleos<br />
urbanos <strong>de</strong> pequena expressão. As gran<strong>de</strong> empresas concessionárias, <strong>de</strong>ntre as quais po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar o<br />
complexo da Companhia Telefônica Brasileira – CTB, abrangem os serviços urbanos em capitais dos<br />
Estados e outras cida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> operarem re<strong>de</strong>s interurbanas regionais consi<strong>de</strong>ráveis.” (ENNE, Antônio<br />
José F.; FERRO, José Luís Losada. Transmissão <strong>de</strong> dados no Brasil. p. 186. In: BRASIL. MINISTÉRIO<br />
DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações:<br />
alguns temas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Embratel, 1972, p. 181-191).<br />
290 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 19-21.<br />
291 Decreto 74.379, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1974.
77<br />
vanguarda, tais como: centrais <strong>de</strong> comutação telefônica digital, que permitem<br />
gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços não disponíveis nas centrais convencionais;<br />
fibras ópticas, que permite altíssima capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />
informações; e sistema <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> dados e textos, que possibilita a<br />
interligação <strong>de</strong> terminais e computadores à re<strong>de</strong> telefônica.” 292<br />
4.4.2.4 PERÍODO DE TURBULÊNCIA (1975-1985)<br />
De meados da década <strong>de</strong> 1970 a meados da década <strong>de</strong> 1980, as<br />
<strong>telecomunicações</strong>, no Brasil, viveram seu período mais dinâmico e conturbado. Foi a<br />
fase das conquistas do Sistema Telebrás, com expansão da cobertura dos serviços,<br />
utilizando-se <strong>de</strong> uma infra-estrutura reconhecidamente avançada para a época, com o<br />
uso <strong>de</strong> satélites, <strong>de</strong> fibras ópticas e com o apoio científico <strong>de</strong> um centro <strong>de</strong> pesquisa e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico (CPqD) <strong>de</strong> reconhecida excelência sediado em<br />
Campinas/SP. O patrocínio oficial estatal dos Congressos Brasileiros <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>de</strong> 1974, 1976, 1978 e 1980 merece especial <strong>de</strong>staque. Evi<strong>de</strong>nciouse,<br />
por intermédio <strong>de</strong>les, a preocupação com a discussão pública e constante do mo<strong>de</strong>lo<br />
em época conturbada da política nacional. 293 No Governo Geisel, <strong>de</strong>u-se especial<br />
atenção à indústria nacional <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> mediante<br />
i<strong>de</strong>ntificação, controle e redução das importações do setor. 294 As características do<br />
período, que possibilitaram o <strong>de</strong>senvolvimento experimentado, po<strong>de</strong>m ser resumidas<br />
nos seguintes itens: 295<br />
292 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 21-22.<br />
293 A partir do terceiro Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, em 1974, até o sexto e último<br />
Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, em 1980, houve o patrocínio, convocação, organização e<br />
coor<strong>de</strong>nação dos seus trabalhos pela TELEBRÁS, por <strong>de</strong>terminação da Portaria n.º 227, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
1974, do Ministério das Comunicações (Ministro Eucli<strong>de</strong>s Quandt <strong>de</strong> Oliveira), que fixou a realização do<br />
III Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações para julho do mesmo ano. O método adotado neste<br />
primeiro congresso <strong>de</strong>notava a abertura <strong>de</strong> discussão pública que marcou a dinamização das<br />
<strong>telecomunicações</strong> no Brasil: “Iniciada a coleta <strong>de</strong> sugestões <strong>de</strong> temas para o III CBTEL, notou-se a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem abordados em uma única semana a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas propostos, a menos que<br />
recebessem um tratamento prévio. [§] Se um tal tratamento fosse confiado a um pequeno grupo, os<br />
resultados que se obteriam seriam diferentes dos colimados com a realização do Congresso, pois seriam<br />
<strong>de</strong>spidos da hetereogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise e soluções características dos conclaves. [§] Assim, <strong>de</strong>cidiu-se<br />
pela realização <strong>de</strong> uma semana <strong>de</strong> Reuniões Preparatórias para as Comissões Técnicas, aberta aos<br />
congressistas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sejassem participar, quando os temas apresentados seriam analisados e<br />
preparados para serem levados ao Plenário do Congresso (...) Cerca <strong>de</strong> 250 proposições foram triadas,<br />
analisadas, divididas, fundidas, ampliadas, rejeitadas, aprovadas e exaustivamente discutidas e estudadas<br />
em busca <strong>de</strong> soluções que se transformaram em 128 propostas <strong>de</strong> recomendações ao Plenário do III<br />
CBTEL (...) Participaram das Reuniões Preparatórias 325 congressistas inscritos, representando 75<br />
entida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 40 observadores ou auxiliares não inscritos.” (BRASIL. MINISTÉRIO DAS<br />
COMUNICAÇÕES. TELEBRÁS. Anais do III Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações. Brasília:<br />
Telebrás, 1974, p. 43).<br />
294 Dentre as medidas adotadas “merecem <strong>de</strong>staque a Portaria nº 102 do Ministério das Comunicações, que<br />
exigiu a i<strong>de</strong>ntificação e o uso das fontes nacionais <strong>de</strong> tecnologia; e a Portaria nº661, que levou as<br />
multinacionais a <strong>de</strong>senvolver produção <strong>de</strong> centrais digitais, seguindo especificações técnicas feitas pela<br />
Telebrás. Em 1978, pela Portaria nº662, foi dado ao Ministério das Comunicações o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nar a<br />
redução das importações <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p.<br />
21).<br />
295 OLIVEIRA, Eucli<strong>de</strong>s Quandt <strong>de</strong>. É preciso <strong>de</strong>spolitizar. p. 94. In: Telecomunicações: privatização<br />
ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 91-94. Ainda: GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a<br />
privatização. p. 105-106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. op.cit., p. 104-108; 10; 15-16.
• Existência <strong>de</strong> regramento normativo a<strong>de</strong>quado elaborado com o auxílio <strong>de</strong><br />
especialistas da área;<br />
• Fonte <strong>de</strong> recursos assegurada por fundo setorial e in<strong>de</strong>pendência do orçamento<br />
da União;<br />
• Gerência técnica com continuida<strong>de</strong> e autonomia <strong>de</strong>cisória dos operadores do<br />
Sistema Telebrás, permitindo uma execução planificada e dinâmica <strong>de</strong><br />
objetivos em estrutura administrativa isenta <strong>de</strong> clientelismo;<br />
• Entrosamento do setor com a política;<br />
• Criação <strong>de</strong> imagem positiva junto ao público, mediante motivação dos<br />
partícipes do Sistema Telebrás em razão do excelente <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
setor, possibilitando a criação <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> equipe;<br />
• Introdução, na re<strong>de</strong> telefônica <strong>brasil</strong>eira, do DDD, além <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnos cabos<br />
submarinos ligando o Brasil à Europa, Estados Unidos e África e a<br />
implantação do sistema <strong>de</strong> comunicações via satélite doméstico, o Brasilsat;<br />
• Crescimento contínuo do setor, embora já com surgimento <strong>de</strong> alguns problemas<br />
do monopólio, como cortes irrealistas <strong>de</strong> investimentos no setor mediante<br />
confisco da parcela significativa do Fundo Nacional das Telecomunicações<br />
pelo Governo, como também pela não-atualização das tarifas além do<br />
enxugamento dos superávits operacionais das operadoras mais rentáveis;<br />
• Surgimento dos primeiros sinais <strong>de</strong> represamento da <strong>de</strong>manda, <strong>de</strong><br />
congestionamento dos serviços, <strong>de</strong> ociosida<strong>de</strong> industrial e <strong>de</strong> retrocesso<br />
tecnológico.<br />
Finalmente, também contribuiu para o sucesso do Sistema Telebrás, o que Garbi<br />
chamou <strong>de</strong> “esquecimento governamental” 296 do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, fato<br />
<strong>de</strong>cisivo para o setor segundo Alencastro e Silva.<br />
78<br />
“O caminho percorrido foi gradual. Mais do que isso, cada nova etapa<br />
só se iniciava quando a anterior estava concluída. E os bons resultados<br />
alcançados nos primeiros anos da administração estatal só foram obtidos<br />
graças a uma legislação a<strong>de</strong>quada e à autonomia gerencial <strong>de</strong> que gozavam<br />
as operadoras, pois o governo ainda não tinha <strong>de</strong>scoberto que o Sistema<br />
Telebrás po<strong>de</strong>ria ser usado como excelente fonte <strong>de</strong> empregos para<br />
conquistar apoio político ou para compensar correligionários <strong>de</strong>rrotados em<br />
eleições.” 297<br />
4.4.2.5 O FUNDO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (FNT)<br />
Mas o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> começava a sentir os efeitos da ingerência<br />
política sobre suas fontes financiadoras. O escoamento <strong>de</strong> recursos do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> para os cofres públicos é espelhado no histórico do Fundo Nacional<br />
<strong>de</strong> Telecomunicações criado pelo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações em 1962. 298<br />
296 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.<br />
297 SILVA, José Antônio <strong>de</strong> Alencastro e. O Estado é incompetente. p. 87. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et<br />
alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90.<br />
298 Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962: “Art.51. É criado o Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
constituído dos recursos abaixo relacionados, os quais serão arrecadados pelo prazo <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) anos para<br />
serem aplicados na forma prescrita no Plano Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, elaborado pelo Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações e aprovado por <strong>de</strong>creto do Presi<strong>de</strong>nte da República: a) produto <strong>de</strong><br />
arrecadação <strong>de</strong> sobretarifas criadas pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações sôbre qualquer serviço<br />
<strong>de</strong> telecomunicação, inclusive tráfego mútuo, taxas terminais e taxas <strong>de</strong> radiodifusão e radioamadorismo,<br />
não po<strong>de</strong>ndo, porém, a sobretarifa, ir além <strong>de</strong> 30% (trinta por cento) da tarifa; b) juros dos <strong>de</strong>pósitos<br />
bancários <strong>de</strong> recursos do próprio fundo e produto <strong>de</strong> operações <strong>de</strong> crédito por êle garantidas; c) rendas<br />
eventuais, inclusive donativos.”
Este fundo era constituído por sobretarifas instituídas pelo Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – CONTEL, também criado pelo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (art.14), limitadas ao prazo <strong>de</strong> 10 anos a partir do início <strong>de</strong> sua<br />
cobrança e ao montante <strong>de</strong> 30% das tarifas <strong>de</strong> quaisquer serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
inclusive tráfego mútuo, taxas terminais e taxas <strong>de</strong> radiodifusão e radioamadorismo,<br />
fazendo parte do orçamento <strong>de</strong> empresa pública fe<strong>de</strong>ral (art. 42, §5 o , b), que <strong>de</strong>veria ser<br />
criada pela União para o fim <strong>de</strong> explorar industrialmente os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> (art. 42, caput). Esta empresa pública prevista no Código Brasileiro<br />
<strong>de</strong> Telecomunicações foi efetivada em 1965 com o nome <strong>de</strong> EMBRATEL constante do<br />
Regulamento Geral daquele Código aprovado pelo Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />
1963.<br />
Ainda em 1963, o Decreto 53.352, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro daquele ano,<br />
regulamentou o Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – FNT, <strong>de</strong>terminando que as<br />
sobretarias <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fossem <strong>de</strong>finidas, <strong>de</strong>ntro dos limites legais, por portaria<br />
do Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – CONTEL.<br />
A partir <strong>de</strong> 1966, os usuários dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> passaram a<br />
contribuir para o Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – FNT, projetando o término <strong>de</strong><br />
sua cobrança para 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1976.<br />
Em 1972, ao lado da autorização 299 para constituição, pela Lei 5.792/72, das<br />
Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista fe<strong>de</strong>ral<br />
voltada a gerir a participação acionária da União nas empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do<br />
país, o Executivo fe<strong>de</strong>ral também foi autorizado 300 a transferir ao patrimônio daquela<br />
pessoa jurídica as ações e créditos <strong>de</strong> todas as empresas fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> e o próprio Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – FNT, que ficaria<br />
“à disposição da TELEBRÁS” 301 para aplicação segundo as diretrizes emanadas do<br />
Ministério das Comunicações. A mesma lei facultou 302 ao Executivo fe<strong>de</strong>ral transformar<br />
a Empresa Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações – EMBRATEL em socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia<br />
mista, fato que se consolidou com o Decreto 70.913, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1972, seguido,<br />
no mesmo dia, do Decreto 70.914, que instituía a TELEBRÁS também como socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> economia mista.<br />
No Governo Geisel, em 1974 303 , foi criado o Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento – FND, instituído pela Lei 6.093/74, tendo como uma <strong>de</strong> suas fontes<br />
as sobretarifas dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinadas ao Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – FNT. 304 O Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>de</strong> então previa<br />
aplicação dos recursos que não fossem repassados aos fundos setoriais em infraestrutura,<br />
principalmente <strong>de</strong> minas e energia, transportes e comunicações,<br />
299 o o<br />
Art.2 , §3 da Lei 5.792, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1972. O Decreto 70.914, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1972 concretizou<br />
a criação da TELEBRÁS.<br />
300 o<br />
Art.5 , da Lei 5.792, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1972.<br />
301<br />
Art.10, da Lei 5.792, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1972.<br />
302<br />
Art.11, da Lei 5.792, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1972.<br />
303<br />
Neste ano, foi implantado o Segundo Plano Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento na esteira do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
planos e programas nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento introduzidos pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967<br />
(art.46, III), que consistiam no “conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões harmônicas <strong>de</strong>stinadas a alcançar, no período<br />
fixado, <strong>de</strong>terminado estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social” (art.2 o , da Lei Complementar nº3,<br />
<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1967).<br />
304<br />
Lei 6.093, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1974: “Art. 2º Integrarão o FND: (...) III – as parcelas do (...)produto da<br />
arrecadação das sobretarifas a que se refere a alínea a do art. 51 da Lei nº 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1962.”<br />
79
<strong>de</strong>monstrando que o setor não estava completamente <strong>de</strong>sassistido 305 , mas a criação <strong>de</strong>ste<br />
fundão – como ficou conhecido à época – evi<strong>de</strong>ncia plena submissão das estratégias <strong>de</strong><br />
investimentos do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> aos reveses políticos. A <strong>de</strong>svinculação<br />
operada entre as sobretarifas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e os <strong>de</strong>veres estatais <strong>de</strong><br />
melhoramento e expansão dos serviços <strong>de</strong> integração nacional das re<strong>de</strong>s gerou a<br />
inconstitucionalização das cobranças, que somente vieram a sofrer posicionamento<br />
<strong>de</strong>finitivo do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em 1990. A corrosão dos recursos vinculados<br />
às <strong>telecomunicações</strong> era progressiva no tempo, iniciando-se em 1975, com 10%, para,<br />
em 1979, estabilizar-se em 50% dos valores das sobretarifas. 306 Para viabilizar a<br />
continuida<strong>de</strong> das entradas no novo fundo recém-criado, foi promulgada a Lei 6.127, <strong>de</strong><br />
6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1974, que prorrogou, por prazo in<strong>de</strong>terminado, o limite <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos<br />
fixado no art. 51 da Lei 4.117/62 referente ao período máximo <strong>de</strong> cobrança das<br />
sobretarifas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A situação do setor <strong>de</strong>teriorou-se ainda mais com o Decreto-lei 1.754/79, <strong>de</strong><br />
aumento dos percentuais <strong>de</strong> transferência do Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações –<br />
FNT para o Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento – FND fixados em 50%, no ano <strong>de</strong><br />
1982, e 100%, no ano <strong>de</strong> 1983, bem como com o endurecimento das regras <strong>de</strong><br />
movimentação dos fundos nacionais. 307 A previsão <strong>de</strong> extinção do Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento – FND havia sido prenunciada pelo Decreto-lei 1.754/79 para o ano<br />
<strong>de</strong> 1983. A partir <strong>de</strong> então, a totalida<strong>de</strong> dos recursos do Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – FNT passaria a compor a lei orçamentária como “recursos<br />
ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, fundo ou<br />
<strong>de</strong>spesa” 308 . Ocorreu, todavia, que a extinção <strong>de</strong>ste Fundão, como era chamado o FND,<br />
foi adiantada pelo Decreto-lei 1.859/81 para o ano <strong>de</strong> 1982, o que antecipou a corrosão<br />
dos valores totais do Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações prevista apenas para<br />
1983. 309 Assim, em 1982, o Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações foi extinto mediante<br />
305 A preocupação com o setor estava esboçada na redução <strong>de</strong> tributos. O Decreto-lei 1.330, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio<br />
<strong>de</strong> 1974, três meses antes da criação do Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento, reduziu a alíquota do<br />
imposto <strong>de</strong> renda das empresas concessionárias <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. O Decreto-lei<br />
1.331, <strong>de</strong> mesma data, conce<strong>de</strong>u isenção do IPI dos produtos empregados no sistema <strong>de</strong> telefonia<br />
adquiridos pela Telebrás e por empresas autorizadas ou concessionárias <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
306 Lei 6.093, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1974: “Art.3 o Dos montantes <strong>de</strong> cada espécie dos recursos <strong>de</strong> que trata o<br />
item III, do artigo 2 o , serão automaticamente transferidos para os respectivos Fundos, como subcontas do<br />
FND, consoantes as vinculações legais existentes e sem prejuízo das normas que regem sua<br />
administração, os seguintes percentuais: I – em 1975 – 90% (noventa por cento); II – em 1976 – 80%<br />
(oitenta por cento); III – em 1977 – 70% (setenta por cento); IV – em 1978 – 80% (oitenta por cento); V –<br />
a partir <strong>de</strong> 1979 – 50% (cinqüenta por cento).”<br />
307 Decreto-lei 1.174, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1979: “Art.2º - Do produto da arrecadação a que se referem os<br />
itens III e V do artigo 2º da Lei nº 6.093, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1974, serão transferidos à conta do Fundo<br />
Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento, a partir <strong>de</strong> 1981, os seguintes percentuais: I - em 1981 - 50% (cinqüenta<br />
por cento); II - a partir <strong>de</strong> 1982 - 100% (cem por cento); Art.4º - Os orçamentos <strong>de</strong> todos os fundos <strong>de</strong><br />
qualquer natureza serão aprovados antes <strong>de</strong> iniciado o exercício financeiro à que se referirem. (...). Art.5º<br />
É vedado empenhar, transferir ou levar a crédito <strong>de</strong> qualquer fundo, recursos orçamentários que não lhe<br />
forem especificamente <strong>de</strong>stinados em lei orçamentária, ou em créditos adicionais.”<br />
308 Decreto-lei 1.174, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1979: “Art.7º A partir do exercício financeiro <strong>de</strong> 1983,<br />
inclusive, fica extinto o Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento (FND), e os recursos que o integram<br />
continuarão compondo a lei orçamentária como recursos ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer<br />
vinculação a órgão, fundo ou <strong>de</strong>spesa.”<br />
309 Decreto-lei 1.859, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1981: “Art.1 o A partir do exercício financeiro <strong>de</strong> 1982,<br />
inclusive, fica extinto o Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento – FND, criado pela Lei nº 6.093, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 1974, e o produto da arrecadação <strong>de</strong> que trata o Decreto-lei nº 1.754, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
80
seu esvaziamento, muito embora continuassem a ser cobradas as sobretarifas <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, que, a partir <strong>de</strong> então, passavam a integrar o Tesouro Nacional.<br />
Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1984, a sobretarifa que recaía até então sobre os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> foi substituída pelo Imposto sobre Serviços <strong>de</strong> Comunicações – ISSC<br />
com o advento do Decreto-lei 2.186/84, que revogou expressamente o art. 51 da Lei<br />
4.117/62 e a Lei 6.127/74. Estes dispositivos revogados, respectivamente, criavam o<br />
Fundo Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – FNT e prorrogavam por prazo in<strong>de</strong>terminado a<br />
cobrança das sobretarifas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. O novo tributo incidia sobre os serviços<br />
públicos e serviços público-restritos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, excluindo-se, portanto,<br />
<strong>de</strong>ntre outros, os serviços postais, <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens, serviços<br />
limitados, serviços <strong>de</strong> radioamador e serviços especiais. As dificulda<strong>de</strong>s ocasionadas<br />
pela ausência da fonte financiadora tradicional do Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – FNT passaram a ombrear com o acréscimo daquele imposto <strong>de</strong><br />
alíquota <strong>de</strong> 25% sobre o preço do serviço 310 inci<strong>de</strong>nte, no linguajar <strong>de</strong> direito tributário,<br />
por <strong>de</strong>ntro, o que projetou a alíquota real para mais <strong>de</strong> 30%. Justiça seja feita ao<br />
Governo, pois o <strong>de</strong>creto criador do ISSC também salvaguardou a obrigação do Estado<br />
<strong>de</strong> arcar com os encargos financeiros das dívidas da Telebrás contraídas até 1984. 311<br />
O Sistema Telebrás, em meados da década <strong>de</strong> 1980, já não <strong>de</strong>tinha mais<br />
nenhuma parcela dos recursos antes <strong>de</strong>stinados ao Fundo Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – FNT e ainda sofria a incidência <strong>de</strong> uma alíquota <strong>de</strong> 25% do ISSC.<br />
Como não havia mais fontes <strong>de</strong> recursos possíveis dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em<br />
si, o Decreto-lei 2.288, <strong>de</strong> 1986, previu outro meio <strong>de</strong> arrecadação <strong>de</strong> recursos do setor<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para o que chamou <strong>de</strong> dinamização do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
nacional. 312 O mecanismo imaginado foi o <strong>de</strong> conferência das ações <strong>de</strong> empresas<br />
controladas, direta ou indiretamente, pela União, mediante a permuta compulsória das<br />
ações exce<strong>de</strong>ntes ao mínimo necessário para manutenção <strong>de</strong> seu controle acionário por<br />
quotas <strong>de</strong> um novo fundo escritural intitulado Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento –<br />
FND, que seriam inegociáveis até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1989. 313 Em 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1979, em seu artigo 2º e item II, passará a compor as leis orçamentárias e constituirá recursos ordinários<br />
do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, programa, fundo ou <strong>de</strong>spesa.”<br />
310 Decreto nº 2.186, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1984: “Art. 1º O imposto sobre serviços <strong>de</strong> comunicações tem<br />
como fato gerador a prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinados ao uso do público (art. 6º,<br />
letras “a” e “b”, da Lei nº 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962); Art. 2º A alíquota do imposto é <strong>de</strong> vinte e<br />
cinco por cento; Art. 3º Contribuinte do imposto é o prestador do serviço; Art. 4º A base <strong>de</strong> cálculo do<br />
imposto é o preço do serviço. §1º O preço do serviço será representado pela quantia total paga pelo<br />
usuário ao prestador do serviço. §2º O montante do imposto integra a base <strong>de</strong> cálculo a que se refere este<br />
artigo.”<br />
311 Decreto nº 2.186, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1984: “Art. 9º O Po<strong>de</strong>r Executivo fará consignar, nas<br />
Propostas <strong>de</strong> Orçamento da União relativas aos exercícios <strong>de</strong> 1986 a 1989, dotação anual equivalente ao<br />
valor dos encargos financeiros dos empréstimos, internos e externos, contraídos até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1984 pela Telecomunicações Brasileiras S/A (TELEBRÁS) e suas controladas, para investimentos<br />
<strong>de</strong>stinados à expansão e melhoramento dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.”<br />
312 Decreto-lei 2.288, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1986: “Art. 1º É criado o Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
(FND), <strong>de</strong> natureza autárquica, com o objetivo <strong>de</strong> fornecer recursos para realização <strong>de</strong> investimentos<br />
necessários à dinamização do <strong>de</strong>senvolvimento nacional e apoio à iniciativa privada na organização e<br />
ampliação <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s econômicas”; “Art. 9º O Fundo Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento, vinculado ao<br />
Ministério da Fazenda, será administrado por uma Secretaria Executiva.”<br />
313 Decreto-lei 2.288/86: “Art.2º O patrimônio inicial do Fundo será constituído pela conferência <strong>de</strong> ações<br />
<strong>de</strong> empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s da<br />
Administração Fe<strong>de</strong>ral.”; “Art.3º A União subscreverá quotas do Fundo com o produto da arrecadação do<br />
Imposto sobre Operações <strong>de</strong> Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Títulos e Valores<br />
81
1990, este novo fundo já era o segundo maior acionista da TELEBRÁS com cerca <strong>de</strong><br />
30% das ações ordinárias e 30% das preferenciais. 314 Os <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> recursos<br />
continuaram por formas menos evi<strong>de</strong>ntes na primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990 315 e até<br />
mesmo no final da década via-se a vinculação <strong>de</strong> ações estatais remanescentes do setor<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a programas do governo fe<strong>de</strong>ral. 316<br />
4.4.2.5.1 Ponto culminante da ingerência estatal no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
A criação, em 1978, da Secretaria <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Empresas Estatais – SEST 317 ,<br />
juntamente com outros mecanismos centralizadores <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1980, tais<br />
como a Comissão <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação Financeira – CCF 318 e o Conselho Interministerial<br />
<strong>de</strong> Salários <strong>de</strong> Empresas Estatais – CISE 319 , eliminaram a autonomia que restava no<br />
setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
82<br />
“Em meados da década <strong>de</strong> 80, o Sistema Telebrás foi atingido por um<br />
duro golpe: com a criação da SEST, seus orçamentos passaram a fazer parte<br />
da vala comum do universo estatal e a antiga autonomia empresarial foi<br />
substituída pelo emperramento da camisa-<strong>de</strong>-força burocrática dos órgãos<br />
públicos. A submissão das <strong>telecomunicações</strong> à SEST, na época um<br />
mastodonte tecnocrático encarregado <strong>de</strong> encarnar a onisciência sobre as<br />
incontáveis áreas da intervenção estatal, trouxe a um setor que fora exemplo<br />
<strong>de</strong> boa administração um componente do que não mais se livrou: a<br />
ignorância. Inventou-se, por exemplo, o conceito dos limites <strong>de</strong><br />
investimentos, que fez com que, repetidas vezes, empresas não pu<strong>de</strong>ssem<br />
realizar obras mesmo dispondo <strong>de</strong> recursos e diante <strong>de</strong> enorme <strong>de</strong>manda da<br />
parte dos usuários dispostos a pagar por suas linhas.” 320<br />
Esta prática <strong>de</strong> planificação da gestão <strong>de</strong> empresas estatais continuou nos<br />
governos seguintes e o Comitê <strong>de</strong> Controle das Empresas Estatais – CCE, criado pelo<br />
Decreto sem número, <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1991, e reforçado com a instituição do<br />
Programa <strong>de</strong> Gestão das Empresas Estatais – PGE, pelo Decreto nº 137, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio<br />
<strong>de</strong> 1991, não fugiu à regra. Este comitê era responsável por compatibilizar <strong>de</strong>cisões<br />
setoriais relativas às empresas estatais com a política macroeconômica 321 e exercia este<br />
Mobiliários. Parágrafo único. A União po<strong>de</strong>rá subscrever quotas mediante dotações orçamentárias<br />
adicionais.”; “Art.4º O Fundo po<strong>de</strong>rá emitir quotas, sempre na forma escritural nominativa, bem como<br />
obrigações <strong>de</strong> longo prazo, com o objetivo <strong>de</strong> captar recursos junto a investidores.”<br />
314 VIANNA, Gaspar. Op. cit., p.88.<br />
315 Como exemplo, tem-se que “em junho e julho <strong>de</strong> 1992, a Telebrás adiantou US$120 milhões em<br />
imposto <strong>de</strong> renda aos cofres do Tesouro” (Ibid., p. 66). Acrescem-se a este, outros métodos, tais como a<br />
subscrição compulsória dos lucros do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em Letras do Tesouro Nacional: Ibid., p.<br />
89.<br />
316 Foi o caso do Decreto nº3.082, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, que autorizou o Executivo fe<strong>de</strong>ral a <strong>de</strong>positar<br />
as ações <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da União referentes à TELEBRASÍLIA, TELEMAT, TELEMIG, TELEPARÁ,<br />
TELERGIPE, TELERJ, TELERN, TELESC, TELMA e TELPE no Fundo <strong>de</strong> Amortização da Dívida<br />
Pública Mobiliária Fe<strong>de</strong>ral criado pela Lei 9.069, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1995 (art.30).<br />
317 Decreto nº 84.128, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1979.<br />
318 Decreto nº 94.446, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1987.<br />
319 Decreto nº 91.370, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1985.<br />
320 GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.<br />
321 Art.1 o , caput do Decreto sem número <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1991.
papel com amplos po<strong>de</strong>res para fixação <strong>de</strong> tarifas <strong>públicas</strong>, <strong>de</strong> salários e gastos com<br />
pessoal, <strong>de</strong> execução e revisão orçamentária, <strong>de</strong> níveis <strong>de</strong> financiamento e<br />
endividamento, <strong>de</strong> administração dos bens da União, bem como quaisquer outras<br />
questões pertinentes às operações das empresas estatais. 322 A previsão <strong>de</strong> liberação das<br />
empresas estatais que se comprometessem em cumprir programa <strong>de</strong> gestão por<br />
intermédio <strong>de</strong> contratos individuais <strong>de</strong> gestão 323 com metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho não as<br />
liberou, <strong>de</strong> fato, das amarras da planificação econômica, pois não foram implementados<br />
à época. Duas décadas após, em 1998, via-se o projeto <strong>de</strong> planificação refletido no<br />
Programa <strong>de</strong> Dispêndios Globais – PDGs traduzidos no Decreto nº 2.453, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 1998 e no Decreto nº 2.711, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998.<br />
Todos estes fatores associados à crescente intromissão política casuística,<br />
acabou por justificar todas as críticas que passaram a se acometer sobre as estatais,<br />
apontando seus problemas crônicos:<br />
• “Limitações e instabilida<strong>de</strong> orçamentária;<br />
• Permanente ingerência política na administração;<br />
• Ausência <strong>de</strong> planejamento;<br />
• Submissão a um infindável conjunto <strong>de</strong> leis e <strong>de</strong> regulamentos muitas vezes<br />
conflitantes.” 324;<br />
• “Corrupção na administração das maiores subsidiárias do setor” 325;<br />
• “Desvios <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> recursos legalmente <strong>de</strong>stinados à Telebrás, tais como<br />
sobretarifas e superávits operacionais, [gerando] <strong>de</strong>scapitalização acentuada<br />
do setor” 326 .<br />
O quadro do setor po<strong>de</strong> ser bem visualizado nas seguintes consi<strong>de</strong>rações:<br />
83<br />
“As conseqüências não se fizeram esperar: o crescimento do sistema<br />
sofreu profunda <strong>de</strong>saceleração, passando <strong>de</strong> quase 800 mil linhas por ano<br />
para cerca <strong>de</strong> 300 mil; o congestionamento dos serviços interurbanos atingiu<br />
níveis insuportáveis, na segunda meta<strong>de</strong> dos anos 80; as indústrias, que têm o<br />
Sistema Telebrás como comprador praticamente único, viveram anos <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> ociosida<strong>de</strong>; as filas para aquisição <strong>de</strong> linhas multiplicaram-se por todo<br />
o País. Obviamente, todo este <strong>de</strong>scaso para com as <strong>telecomunicações</strong> não<br />
ajudou a combater a inflação (...)” 327<br />
Com a crescente <strong>de</strong>formação da interferência política no Sistema Telebrás,<br />
revelou-se a pior face da gestão pública: a “apropriação da área pública pelos<br />
interesses privados” 328 , acometendo os serviços públicos dos interesses particularistas<br />
<strong>de</strong> então, que <strong>de</strong>slocavam as <strong>políticas</strong> estatais do foco do interesse geral em nome <strong>de</strong><br />
322 o o o<br />
Art.2 , incisos I a VI do Decreto sem número <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1991 e art.3 do Decreto nº137, <strong>de</strong><br />
27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1991.<br />
323 o<br />
Art.8 do Decreto nº137, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1991.<br />
324<br />
JOHNSSON, Renato. O mo<strong>de</strong>lo esgotado. p. 113. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 112-116.<br />
325<br />
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress<br />
Editora, 1993, p. 167.<br />
326<br />
MANCINI, Luciana. O Estado e as <strong>telecomunicações</strong>. p. 128. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 124-129.<br />
327<br />
GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107.<br />
328 MANCINI, Luciana. Op. cit., p. 126.
uma ética privatista <strong>de</strong> favores e recompensas <strong>políticas</strong>. 329 O período áureo da primeira<br />
década <strong>de</strong> existência da Telebrás não se repetiu:<br />
84<br />
“A partir <strong>de</strong> 1982, na segunda década do monopólio, o governo, além<br />
<strong>de</strong> reduzir a priorida<strong>de</strong> dos investimentos no setor, passou a corrigir as tarifas<br />
locais, sempre abaixo dos índices da inflação, <strong>de</strong>scapitalizando as empresas<br />
operadoras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e reduzindo sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
investimento.” 330<br />
4.4.2.6 PERÍODO DE CRISE: EMBATES DA DESESTATIZAÇÃO (1985-<br />
1995)<br />
O espaço <strong>de</strong> tempo entre 1985 e 1990 revelou um novo <strong>de</strong>grau na<br />
<strong>de</strong>sestruturação do setor público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>: os prejuízos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> incidir<br />
apenas sobre aspectos objetivos estruturais e passaram a afetar os quadros <strong>de</strong> pessoal.<br />
Os <strong>de</strong>poimentos a seguir falam por si:<br />
Iniciou-se “a <strong>de</strong>sprofissionalização <strong>de</strong> uma área altamente<br />
especializada e complexa. Quadros dirigentes e gerenciais, duramente<br />
formados ao longo <strong>de</strong> muitos anos, à custa <strong>de</strong> treinamento no País e nas<br />
melhores operadoras telefônicas do mundo, foram truncados e<br />
<strong>de</strong>smotivados.” 331<br />
“A partir da Nova República (1985) começaram a chegar ao setor os<br />
políticos fisiológicos (...). A regra geral do profissionalismo foi quebrada. A<br />
competência <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o único parâmetro essencial para a escolha dos<br />
dirigentes. O populismo e os compromissos partidários passaram a fazer<br />
presi<strong>de</strong>ntes e diretores da Telebrás e <strong>de</strong> subsidiárias. As empresas passaram a<br />
ser apenas um trampolim para promoção pessoal, visando a futuras eleições<br />
ou ao enriquecimento ilícito. (...) Com este aviltamento das funções diretivas,<br />
aquilo que <strong>de</strong>veria ser um sistema holding passa a ser um amontoado <strong>de</strong><br />
empresas, sem nenhuma coor<strong>de</strong>nação ou planejamento. Cada empresa faz o<br />
seu planejamento isoladamente. (...) Ataca a sua espinha dorsal, impedindo o<br />
sistema <strong>de</strong> realizar movimentos indispensáveis para uma administração<br />
eficiente e segura. Ela <strong>de</strong>sestimula o gerente competente, o empregado<br />
<strong>de</strong>dicado e o profissional correto, pois personaliza a vitória do<br />
apadrinhamento” 332 .<br />
Dentre as características <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1980 a meados da década <strong>de</strong><br />
1990, po<strong>de</strong>m ser ressaltadas: 333<br />
• Represamento máximo da <strong>de</strong>manda;<br />
• Problemas industriais e tecnológicos;<br />
• Desprofissionalização das empresas operadoras estatais mediante politização<br />
das diretorias da Telebrás e <strong>de</strong> suas subsidiárias; 334<br />
329 BELLUZZO, Luiz Gonzaga <strong>de</strong> Melo; GRAU, Eros Roberto. A corrupção no Brasil. p. 18. In: Revista<br />
Brasileira <strong>de</strong> Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, nº 80, janeiro <strong>de</strong> 1995, p. 7-20.<br />
330 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 10.<br />
331 GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107.<br />
332 VIANNA, Gaspar. Privatização das <strong>telecomunicações</strong>. 3 a ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Notrya, 1993, p. 93-94.<br />
333 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 16-17; 20.<br />
334 “ACM [Antônio Carlos Magalhães], sob o argumento <strong>de</strong> acabar com a centralização – ‘um óbice ao<br />
crescimento’ –, inaugurou uma fase em que o critério <strong>de</strong> competência foi substituído pelo político, nas<br />
indicações dos dirigentes das operadoras. Na esteira, os sistemas <strong>de</strong> planejamento e controle foram pouco
• Defasagem extrema dos serviços periféricos e dos novos serviços (telefonia celular,<br />
comunicação <strong>de</strong> dados, serviços telemáticos, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> valor adicionado, re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> banda larga) associada ao sucateamento dos serviços básicos: quando<br />
completadas as ligações telefônicas, estas apresentavam baixa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
transmissão, ruídos, linhas cruzadas, inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligações <strong>de</strong> longa<br />
distância <strong>de</strong>pois das 10 horas da manhã e entre 3 e 6 horas da tar<strong>de</strong>;<br />
• Crescimento acelerado do mercado informal (paralelo) <strong>de</strong> linhas telefônicas em<br />
razão da escassez <strong>de</strong> linhas, chegando, uma linha, ao preço recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> U$10<br />
mil no mercado negro das maiores cida<strong>de</strong>s;<br />
• Atraso generalizado na entrega <strong>de</strong> linhas telefônicas dos Planos <strong>de</strong> Expansão<br />
iniciados em 1986, revelando <strong>de</strong>srespeito para com os consumidores do<br />
serviço. Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1997, havia uma fila <strong>de</strong> espera <strong>de</strong> 13,4 milhões <strong>de</strong><br />
pessoas inscritas em todo o País em planos <strong>de</strong> expansão da re<strong>de</strong> fixa, <strong>de</strong>ste<br />
total, 7,2 milhões só do Estado <strong>de</strong> São Paulo; 335<br />
• Déficit e inadimplência generalizados, com atrasos no pagamento dos<br />
fornecedores;<br />
• Descapitalização setorial oriunda <strong>de</strong> baixas tarifas (tarifas telefônicas vigentes no<br />
2 o semestre <strong>de</strong> 1992 correspondiam a 19% do seu valor real em janeiro <strong>de</strong><br />
1975), do enxugamento <strong>de</strong> superávits, <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> limites irrealistas <strong>de</strong><br />
investimentos, da proibição <strong>de</strong> empréstimos, do <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong><br />
investimentos, <strong>de</strong> atrasos nas autorizações para o lançamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>bêntures<br />
e, finalmente, das protelações sucessivas nas autorizações para captação <strong>de</strong><br />
recursos na exterior, por exemplo, mediante ADRs.<br />
• Aviltamento tarifário 336 com “tarifas telefônicas vigentes no início do 2 o<br />
semestre <strong>de</strong> 1992 [que] equivaliam a apenas 19% <strong>de</strong> seu valor real em janeiro<br />
<strong>de</strong> 1975.” 337 Isso é explicado pelos subsídios cruzados pré-liberalização das<br />
<strong>telecomunicações</strong> oriundos da pressão <strong>de</strong> universalização, que gerava o<br />
favorecimento das tarifas locais “às expensas das interurbanas, internacionais<br />
e <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> dados” 338. A existência <strong>de</strong> ditos subsídios era aceita<br />
pelos <strong>de</strong>fensores do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> monopólio estatal ou privado para permitir o<br />
repasse <strong>de</strong> receitas das regiões ou faixas da população mais ricas para as mais<br />
pobres, viabilizando a universalização. Já, para os <strong>de</strong>fensores da<br />
concorrência, “o subsídio privado que vigora em todos os mo<strong>de</strong>los<br />
monopolistas é uma forma <strong>de</strong> viabilizar a prestação <strong>de</strong> todos os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> por um operador monopolístico, com a transferência<br />
interna (contábil) <strong>de</strong> receitas dos serviços mais rentáveis, para cobrir o déficit<br />
dos serviços menos rentáveis ou <strong>de</strong>ficitários” 339.<br />
Em 1987, o interesse represado dos investidores privados no setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> aflorou em um inci<strong>de</strong>nte que ficaria conhecido, mais tar<strong>de</strong> como Caso<br />
Vicom. A Victori Comunicações – Vicom era <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma associação entre a<br />
Globopar, do grupo Roberto Marinho, a Digilab, do grupo Bra<strong>de</strong>sco, a Victori<br />
Internacional Engenharia <strong>de</strong> Telecomunicações e o grupo italiano Stet, formado pela<br />
a pouco <strong>de</strong>smontados.” (DIAS, Lia Ribeiro; VALENTE, Márcio; MOHERDAUI, Wilson (org.).<br />
Alencastro: o general das <strong>telecomunicações</strong>. São Paulo: Plano Editorial, 2004, p. 10).<br />
335 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 22.<br />
336 O <strong>de</strong>poimento a seguir ilustra a realida<strong>de</strong> no ano <strong>de</strong> 1993: “uma chamada local custa irrisórios dois<br />
centavos <strong>de</strong> dólar e uma assinatura resi<strong>de</strong>ncial menos <strong>de</strong> um dólar por mês. Esses valores ten<strong>de</strong>m a cair<br />
ainda mais a partir do início <strong>de</strong> 1993, com os subsídios da chamada tarifa social (...). Em contrapartida,<br />
uma ligação internacional po<strong>de</strong> custar o triplo dos preços vigentes no exterior, e os serviços <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> dados, por sua vez, são excessivamente caros” (MANCINI, Luciana & SIQUEIRA,<br />
Ethevaldo. Rumo ao caos, p.12. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou<br />
caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 10-23). Conferir, ainda: VIANA, Gaspar. Op. cit., p. 89-92.<br />
337 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 22.<br />
338 REGO, Luiz Carlos Moraes. As lições da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53.<br />
339 SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 154. Apresentando-se como <strong>de</strong>fensor do subsídio cruzado,<br />
Gaspar Vianna esclarece que “os serviços sofisticados <strong>de</strong>vem subsidiar os básicos, assim como os<br />
prestados em regiões ricas ou <strong>de</strong> alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacional <strong>de</strong>vem financiar os prestados em regiões<br />
pobres ou <strong>de</strong> baixa concentração urbana” (VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 76).<br />
85
Telespazio e a Italcable. 340 Acusaram-se pressões <strong>políticas</strong> oriundas do Ministério das<br />
Comunicações <strong>de</strong> dispararem o inci<strong>de</strong>nte:<br />
86<br />
“Em agosto <strong>de</strong> 1987, Antonio Carlos Magalhães e Rômulo<br />
Vilar Furtado tentaram impor à Embratel um contrato que, a<br />
um só tempo, era lesivo aos interesses daquela empresa e<br />
ilegal, pois instituía uma empresa privada, a Victori<br />
Comunicações – Vicom, como “atravessadora” entre aquela<br />
tradicional empresa prestadora <strong>de</strong> serviços e os seus usuários.<br />
Como reação a isso, os empregados da empresa realizaram a<br />
primeira greve na história da Embratel e, talvez, a primeira<br />
greve cívica do Brasil, além <strong>de</strong> ingressarem em juízo com<br />
uma ação popular. Pressionada por tais fatos, a diretoria da<br />
Embratel ofereceu à Vicom um novo contrato, no qual ela<br />
renunciaria expressamente à função <strong>de</strong> prestadora final <strong>de</strong><br />
serviços, mas ela não aceitou ser, apenas, uma usuária <strong>de</strong><br />
serviços da Embratel. Esta foi a prova inequívoca <strong>de</strong> que a<br />
intenção era fazer um negócio sujo. E a prova <strong>de</strong> que o<br />
ministro e o seu secretário-geral participaram<br />
conscientemente <strong>de</strong> todo o processo veio alguns dias <strong>de</strong>pois,<br />
com a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> todos os diretores da Embratel que não<br />
cumpriram as or<strong>de</strong>ns ilegais [§] Este fato veio a ser o embrião<br />
da luta política que se travou no Congresso Nacional em<br />
<strong>de</strong>fesa do Sistema Telebrás, durante o processo <strong>de</strong> elaboração<br />
da Constituição <strong>de</strong> 1988. Se não fosse o ‘caso Vicom’, talvez<br />
não se <strong>de</strong>sse tão naturalmente a mobilização dos empregados<br />
do Sistema Telebrás para <strong>de</strong>fendê-lo. A ação foi tão eficiente<br />
que as propostas dos parlamentares ligados à Antonio Carlos<br />
Magalhães, Rômulo Vilar Furtado e, <strong>de</strong> um modo geral, às<br />
multinacionais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, não tiveram qualquer<br />
chance <strong>de</strong> êxito. Praticamente por unanimida<strong>de</strong>, foi mantida a<br />
integrida<strong>de</strong> do Sistema Telebrás”. 341<br />
No âmbito dos serviços básicos <strong>de</strong> telefonia – transmissão <strong>de</strong> voz –, foi editado o<br />
Decreto presi<strong>de</strong>ncial nº 96.618, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1988, aprovando o Regulamento dos<br />
Serviços Público-Restritos, terminologia que remontava ao Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>de</strong> 1962 342 . A introdução <strong>de</strong>ste Decreto cerca <strong>de</strong> um mês antes da<br />
promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 em regulamentação vinte e seis anos<br />
tardia evi<strong>de</strong>nciou a tentativa <strong>de</strong> abrir espaço, no or<strong>de</strong>namento jurídico, a uma nova<br />
categoria <strong>de</strong> serviços móveis que não estivesse submetida às limitações prenunciadas no<br />
texto constitucional <strong>de</strong> 1988. 343 O Decreto 96.618/88 inovou na terminologia tradicional<br />
340 Ibid., p. 253.<br />
341 Ibid., p. 253-254.<br />
342 “Art.6 o . Quanto aos fins a que se <strong>de</strong>stinam, as <strong>telecomunicações</strong> assim se classificam: a)serviço<br />
público, <strong>de</strong>stinado ao uso do público em geral; b)serviço público restrito, facultado aos passageiros dos<br />
navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por<br />
serviço público <strong>de</strong> telecomunicação” (Lei 4.117/62).<br />
343 O esforço foi tão direcionado pelo norte <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> uma brecha na legislação para tratamento<br />
diferenciado aos novos serviços celulares, que a epígrafe do Decreto 96.618, <strong>de</strong> 1988, pecou por se referir<br />
à alínea f do art.6. o do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, que falava <strong>de</strong> serviços especiais <strong>de</strong><br />
interesses gerais não constantes das classificações anteriores <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, enquanto o<br />
Regulamento veiculado pelo Decreto refere-se expressamente ao art.6. o , alínea b, correspon<strong>de</strong>nte ao<br />
tradicional serviço público restrito. A cogitação da alínea f do art.6. o para embasar o tratamento
do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para alterar o conceito tradicional <strong>de</strong> serviço público<br />
restrito, esten<strong>de</strong>ndo-o aos serviços “<strong>de</strong> uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não<br />
atendidas por serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fixo local” 344 . Ficava patente a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção, na clássica categoria dos serviços públicos restritos, das novas<br />
modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços móveis celulares sob o nome <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> radiocomunicação<br />
móvel restrito 345 , visando, com isso, fugir às limitações oriundas da proibição<br />
constitucional <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para empresas<br />
que não fossem <strong>de</strong> controle acionário estatal. 346<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 (art. 21, XII) compactuou com o sistema <strong>de</strong><br />
centralização operacional dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, introduzindo, pela primeira<br />
vez, a exigência <strong>de</strong> prestação dos serviços por empresas sob controle acionário estatal,<br />
bem como dividindo os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em telegrafia, telefonia,<br />
transmissão <strong>de</strong> dados e radiodifusão, esta última com tratamento constitucional bem<br />
diferenciado.<br />
Redação original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 (05/10/1988)<br />
Art.21. Compete à União:<br />
XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob<br />
controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, <strong>de</strong><br />
transmissão <strong>de</strong> dados e <strong>de</strong>mais serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
assegurada a prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> informações por entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
direito privado através da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> explorada<br />
pela União.<br />
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou<br />
permissão:<br />
a) os serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora, e <strong>de</strong> sons e imagens e<br />
<strong>de</strong>mais serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>;<br />
diferenciado dos serviços celulares <strong>de</strong>nota um esforço repentino <strong>de</strong> solução das dificulda<strong>de</strong>s acenadas<br />
pela iminente promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988.<br />
344 Art.1 o , caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 1988. Na redação original do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> serviço<br />
público restrito era limitada ao serviço “facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos<br />
em movimento ou ao uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por serviço público <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>.” (Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962).<br />
345 O Serviço <strong>de</strong> Radiocomunicação Móvel Restrito é trazido nos seguintes termos pelo Regulamento <strong>de</strong><br />
Serviço Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1988: “Art.3 o Para os efeitos<br />
<strong>de</strong>ste Regulamento, e normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes <strong>de</strong>finições: I –<br />
Serviço <strong>de</strong> radiocomunicação móvel restrito é aquele <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> móvel terrestre, marítimo ou<br />
aeronáutico, da modalida<strong>de</strong> público-restrito, com acesso aos sistemas públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; II –<br />
Área <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviço é a geograficamente <strong>de</strong>finida no ato <strong>de</strong> outorga <strong>de</strong> cada permissão, <strong>de</strong>ntro da<br />
qual o permissionário é obrigado a prestar o serviço, <strong>de</strong> acordo com as condições legais e regulamentares<br />
pertinentes;”. A Portaria nº117, <strong>de</strong> 07/12/1990, do então Ministério da Infra-Estrutura, evi<strong>de</strong>nciou a<br />
intenção governamental <strong>de</strong> enquadrar nos serviços público-restritos o serviço móvel celular, pois, ao<br />
publicar a minuta para elaboração <strong>de</strong> edital para outorga, mediante permissão, <strong>de</strong> convocação dos<br />
interessados na habilitação para exploração do Serviço <strong>de</strong> Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito<br />
Celular, o nomeou como Serviço <strong>de</strong> Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular /Serviço Móvel<br />
Celular.<br />
346 Esse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato fica evi<strong>de</strong>nte no seguinte dispositivo do Regulamento dos Serviços Público-Restritos<br />
aprovado pelo Decreto 96.618/88: “Art.4 o Po<strong>de</strong>m habilitar-se à prestação <strong>de</strong> Serviço <strong>de</strong><br />
Radiocomunicação Móvel Restrito: I – as pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito público interno; II – as prestadoras<br />
<strong>de</strong> serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; III – as socieda<strong>de</strong>s anônimas ou as socieda<strong>de</strong>s por cotas <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> limitada, que atendam às exigências dos artigos 5 o , 6 o , item II e 11, <strong>de</strong>ste Regulamento”.<br />
87
Art.223. Compete ao Po<strong>de</strong>r Executivo outorgar e renovar concessão,<br />
permissão e autorização para o serviço <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e<br />
imagens, observado o princípio da complementarida<strong>de</strong> dos sistemas privado,<br />
público e estatal.<br />
§1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a<br />
contar do recebimento da mensagem.<br />
§2º - A não renovação da concessão ou permissão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> aprovação<br />
<strong>de</strong>, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.<br />
§3º - O ato <strong>de</strong> outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após<br />
<strong>de</strong>liberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.<br />
§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes <strong>de</strong> vencido o prazo,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial.<br />
§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos para as emissoras<br />
<strong>de</strong> rádio e <strong>de</strong> quinze para as <strong>de</strong> televisão.<br />
A redação do art. 21, incisos XI e XII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 com<br />
referência aos serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e <strong>de</strong>mais serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> levou à constatação <strong>de</strong> que os serviços inscritos no inciso XI seriam<br />
numerados e restritos a empresas sob controle acionário estatal, enquanto os <strong>de</strong>mais<br />
serviços privados cairiam na vala comum do inciso XII. O art. 21, XI não se referiria a<br />
nenhum serviço <strong>de</strong> telecomunicação que não fosse consi<strong>de</strong>rado essencial e, portanto,<br />
público. Sob este enfoque, o art. 21, XI teria sua extensão resumida aos serviços <strong>de</strong><br />
telefonia, telegrafia, dados e <strong>de</strong>mais serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, restando<br />
inseridos, no art. 21, XII, os serviços <strong>de</strong> radiodifusão <strong>de</strong> sons, <strong>de</strong> sons e imagens, <strong>de</strong><br />
cabodifusão, <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>odifusão, <strong>de</strong> música funcional, <strong>de</strong> radiochamada, <strong>de</strong>ntre outros. 347<br />
4.4.2.6.1 Regulamentação do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais<br />
Transitórias da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988<br />
A distinção inicialmente implementada pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong><br />
1988 entre serviços públicos e privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, embora alterada pela<br />
Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 1995, permanece essencial para a compreensão da exata<br />
extensão do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988.<br />
347 No art. 21, XII da CF/88, estariam o “maior volume <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. São mais <strong>de</strong> 3<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> serviços, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam os <strong>de</strong> radiodifusão sonora (estações <strong>de</strong> freqüência modulada, onda<br />
média, onda curta e onda tropical), <strong>de</strong> televisão (UHF e VHF), <strong>de</strong> cabodifusão, <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>odifusão (TV por<br />
Assinatura), <strong>de</strong> música funcional e <strong>de</strong> radiochamada. (...) O outro grupo <strong>de</strong> serviços foi alinhado no inciso<br />
XI do artigo 21. São serviços consi<strong>de</strong>rados essenciais para a população e estratégicos para o País e, por<br />
isso, expressamente chamados <strong>de</strong> públicos. Estes serviços foram mantidos sob um regime <strong>de</strong> exploração<br />
integrada, que se fará sob o aspecto administrativo, através <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> empresas sob controle<br />
acionário estatal e, sob o aspecto operacional, através <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Dentre<br />
os serviço públicos integrados, a Constituição citou, nominalmente, os serviços telefônicos (no plural, ou<br />
seja, todos eles: fixos, móveis, <strong>de</strong>slocáveis, portáteis, tradicionais, celulares, analógicos, digitais etc), os<br />
serviços telegráficos (no plural, ou seja, todos eles, inclusive o fac-símile e o telex) e os serviços <strong>de</strong><br />
transmissão <strong>de</strong> dados (mais uma vez, no plural, <strong>de</strong> modo a abranger todas as subespécies existentes ou<br />
por existir” (VIANNA, Gaspar. Privatização das <strong>telecomunicações</strong>. 3 a ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Notrya, 1993,<br />
p. 148-149).<br />
88
ADCT DA CF/88<br />
Art.66. São mantidas as concessões <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
atualmente em vigor, nos termos da lei.<br />
Embora não conste do art. 21 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, após a Emenda<br />
Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 1995, o termo serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a<br />
referência expressa a ditos serviços do art. 66 do ADCT exige o conhecimento do texto<br />
histórico do art. 21, XI para que se possa chegar a certas conclusões. A mais evi<strong>de</strong>nte<br />
resulta da redação da Lei 8.367/91, que regulamenta o art. 66 do ADCT da CF/88. Ela<br />
se refere aos serviços públicos não abrangidos pelo inciso XI do art. 21 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. 348 A finalida<strong>de</strong> do dispositivo legal é evi<strong>de</strong>nte no sentido <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminar o prazo para renovação ou não das concessões <strong>de</strong> radiodifusão <strong>de</strong> sons e <strong>de</strong><br />
sons e imagens, com aparente incoerência gerada na leitura do novo texto constitucional<br />
pós-1995. A constituição <strong>de</strong>ixou expresso o esgotamento dos serviços públicos no art.<br />
21, XI, à exceção dos serviços prestados mediante concessão ou permissão contidos no<br />
art. 21, XII. Cabia à regulamentação legal do art. 66 do ADCT tratar do prazo <strong>de</strong><br />
vigência das concessões referentes aos serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que<br />
seriam a totalida<strong>de</strong> do art. 21, XI da Constituição, como ela mesma expressamente<br />
<strong>de</strong>ixara consignado além daqueles do art. 21, XII consi<strong>de</strong>rados públicos. Houve, no<br />
entanto, tratamento específico para os serviços <strong>de</strong> radiodifusão pela Lei 8.367/91,<br />
remetendo-se os <strong>de</strong>mais serviços públicos do art. 21, XI a disciplinas normativas<br />
próprias 349 . Por isso, a Lei 8.367/91 dirigiu-se somente aos serviços públicos não<br />
abrangidos pelo art.21, XI da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988.<br />
4.4.2.6.2 Forças em jogo: ampliação dos serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
Os eventos citados na área <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> traduzem a postura <strong>de</strong> reação do<br />
Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>brasil</strong>eiro à divisão constitucional entre serviços públicos prestados por<br />
entes controlados pelo Estado e outros serviços públicos e privados passíveis <strong>de</strong><br />
prestação por particulares. O Executivo procurava ampliar o leque <strong>de</strong> serviços passíveis<br />
<strong>de</strong> prestação por particulares. Neste contexto, houve a tentativa <strong>de</strong> afastamento dos<br />
serviços celulares, então nascentes, da regra constitucional <strong>de</strong>limitadora da prestação <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> telefonia por empresas sob controle acionário estatal (art. 21, XI pré<br />
Emenda Constitucional nº 8/95). O Decreto nº 97.057, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1988 –<br />
pouco mais <strong>de</strong> um mês após a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 –, alterou<br />
dispositivos do antigo Regulamento Geral do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
(Decreto 52.026/63), acrescentando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emissão, pelo Executivo, <strong>de</strong><br />
348 Lei 8.367, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1991: “Art. 1º As concessões <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> em vigor em 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988, não abrangidos pelo inciso XI do art. 21 da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, são mantidas nos termos do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais<br />
Transitórias, pelo prazo <strong>de</strong> oito anos, a contar da data da publicação <strong>de</strong>sta lei, que po<strong>de</strong>rá ser prorrogado.”<br />
349 Para as prestadoras <strong>de</strong> serviço telefônico fixo comutado, o art. 207 da Lei 9.472/97 (LGT) disciplinou a<br />
forma <strong>de</strong> assinatura <strong>de</strong> concessões, renovação ou extinção das já existentes. Para o serviço móvel celular,<br />
foi prevista a transformação das permissões do Serviço <strong>de</strong> Radiocomunicação Móvel Terrestre Público-<br />
Restrito em concessões <strong>de</strong> Serviço Móvel Celular pelo art. 4 o , da Lei 9.295/96 (Lei mínima). Para os<br />
Serviços <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Sinais <strong>de</strong> TV por meios físicos, regulados pela Portaria nº 250, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1989, do Ministério das Comunicações, o art. 42 da Lei 8.977/95 previu a transformação das<br />
autorizações em concessões.<br />
89
egulamento específico para os serviços público-restritos, que, como <strong>de</strong>scrito linhas<br />
atrás, já havia sido editado cerca <strong>de</strong> um mês antes da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988<br />
(Decreto 96.618, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1988). Eles eram uma categoria tradicional <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> específicos diferenciados em razão da finalida<strong>de</strong> e<br />
facultados “ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao<br />
uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por serviço público <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>” 350 .<br />
Regulamento Geral do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
(Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963)<br />
Art.1º.Os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (...) obe<strong>de</strong>cerão aos preceitos da<br />
Lei número 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962, ao presente Regulamento Geral,<br />
aos Regulamentos Específicos e aos Especiais.<br />
§1ºOs Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam<br />
das diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, compreen<strong>de</strong>ndo:<br />
a) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telefonia;<br />
b) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telegrafia;<br />
c) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Radiodifusão;<br />
d) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Radioamador;<br />
e) Regulamento dos Serviços Especiais e dos Serviços<br />
Limitados;<br />
f) Outros que se fizerem necessários.<br />
Alteração do art.1 o do Regulamento Geral do Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações pelo Decreto 97.057, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1988<br />
Art.1°.Os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (...) obe<strong>de</strong>cerão aos preceitos da<br />
Lei n° 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962, ao presente Regulamento Geral, e aos<br />
Regulamentos Específicos e Normas reguladoras complementares.<br />
§1°Os Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam<br />
das diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
compreen<strong>de</strong>ndo:<br />
a) Regulamento dos Serviços Públicos;<br />
b) Regulamento dos Serviços Públicos-Restritos;<br />
c) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Radiodifusão;<br />
d) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Radioamador;<br />
e) Regulamento dos Serviços Limitados;<br />
f) Regulamento dos Serviços Especiais;<br />
g) outros que se fizerem necessários.<br />
Mesmo fechada a hipótese <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> por empresas privadas a partir da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988,<br />
procurou-se um arremedo <strong>de</strong> concorrência intramonopólio nos serviços <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> dados por intermédio da Portaria nº 525/88 351 , do Ministério das<br />
Comunicações, que estendia às <strong>de</strong>mais empresas do Sistema Telebrás a exploração <strong>de</strong><br />
350 o<br />
Art. 6 , item 51 do Regulamento do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações aprovado pelo Decreto<br />
52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
351<br />
Portaria nº 525, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1988: “II – Às <strong>de</strong>mais empresas do Sistema TELEBRÁS,<br />
controladas ou associadas, compete: (...) c) Observado o disposto nos itens I e III [competências da<br />
Embratel e da Empresa Brasileira <strong>de</strong> Correios e Telégrafos] da presente Portaria, explorar os serviços: (...)<br />
2 – Intraestadual por linha <strong>de</strong>dicada telefônico, telegráfico, e <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> dados, especializados e<br />
não especializados, em suas áreas <strong>de</strong> operação;”.<br />
90
dito serviço antes restrito à Embratel. Acusou-se 352 , à época, lobby da Embratel, <strong>de</strong><br />
introduzir em dita portaria a exigência <strong>de</strong> que as operadoras regionais somente<br />
pu<strong>de</strong>ssem utilizar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas passíveis <strong>de</strong> uso viável somente por clientes<br />
intensivos, embora a vocação <strong>de</strong>ssas empresas estivesse voltada ao tráfego <strong>de</strong> varejo<br />
não-contínuo em face <strong>de</strong> sua alta capilarida<strong>de</strong>. Não fosse isso bastante, a evolução<br />
tecnológica já permitia a utilização <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dados comutadas e não-<strong>de</strong>dicadas para<br />
criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s virtuais permanentes mais confiáveis e mais baratas que as re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>dicadas, praticamente inviabilizando qualquer espécie <strong>de</strong> ameaça à Embratel por parte<br />
das operadoras locais. 353<br />
O início da década <strong>de</strong> 1990 foi caracterizado por iniciativas espasmódicas, que<br />
refletiam a falta <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> política das <strong>telecomunicações</strong> ou <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong>sta<br />
priorida<strong>de</strong> pelo próprio Executivo. A Lei 8.029, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1990, já esboçava o<br />
caminho da <strong>de</strong>sestatização, pois autorizou a TELEBRÁS a reduzir para oito o número<br />
<strong>de</strong> suas operadoras, exceto a Embratel, por meio <strong>de</strong> fusões e incorporações <strong>de</strong>ntro do<br />
Sistema TELEBRÁS, passando, cada uma <strong>de</strong>las a operar em macrorregiões <strong>de</strong>finidas<br />
pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. 354<br />
Ao lado disso, no ambiente internacional:<br />
91<br />
“Em 5 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1990 (...), em Genebra, na Suíça,<br />
realizava-se uma reunião sobre o Acordo Geral <strong>de</strong> Tarifas e<br />
Comércio (Gatt). Nela, os Estados Unidos apresentaram uma<br />
proposta <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> ‘um novo tipo <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, o<br />
business telecommunication service, ou serviço comercial,<br />
completamente diferenciado e separado legalmente da<br />
operação pública’. Dentro <strong>de</strong>ste novo conceito, estariam os<br />
serviços <strong>de</strong> valor agregado (enhanced services), que<br />
representam o que há <strong>de</strong> mais lucrativo e mais mo<strong>de</strong>rno no<br />
setor.” 355<br />
Os anos <strong>de</strong> 1991 e 1992 conviveram com a inexistência <strong>de</strong> uma política<br />
prospectiva coerente para o setor:<br />
“ (...) <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vários anos <strong>de</strong> investimentos insuficientes, cuja conseqüência<br />
foi o acúmulo <strong>de</strong> 600 mil pessoas que pagaram e, até 1992, não haviam<br />
recebido suas linhas, como resposta, o Sistema Telebrás realizou gran<strong>de</strong>s<br />
contratações em 1991, exigindo dos fornecedores prazos extremamente<br />
curtos. Em 1992, quando as obras estavam prestes a ser concluídas, o<br />
governo <strong>de</strong>cidia impor a redução dos investimentos a um valor insuficiente<br />
para cumprir o que havia sido contratado e estava sendo entregue. Repetiase,<br />
mais uma vez, a incompreensão que começara na década passada e que<br />
somente significou perdas e sacrifícios inúteis para todos” 356 , levando a um<br />
gran<strong>de</strong> prejuízo do “parque industrial <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> [que<br />
352 REGO, Luiz Carlos Moraes. As lições da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53.<br />
353 Id., ibid.<br />
354 Lei 8.029, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1990: “Art. 16. É o Po<strong>de</strong>r Executivo autorizado a promover: I - por<br />
intermédio da Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), a fusão ou a incorporação das empresas <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, exceto a Embratel, integrantes do respectivo Sistema, <strong>de</strong> modo a reduzir para oito<br />
empresas <strong>de</strong> âmbito regional, as atualmente existentes, observado o que dispõe o parágrafo único do art.<br />
14 <strong>de</strong>sta lei, quanto ao referencial para a <strong>de</strong>limitação das regiões;”<br />
355 VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 255-256 – grifos nossos.<br />
356 GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107..
92<br />
estava, em 1993], sendo tolhido e cerceado pelas amarras que se abateram<br />
sobre as empresas estatais do setor.” 357 .<br />
Todas estas constatações <strong>de</strong>ixam bem claro o momento <strong>de</strong> embate das correntes<br />
pró e contra <strong>de</strong>sestatização do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> parcialmente paralisado em<br />
razão do impeachment do ex-presi<strong>de</strong>nte Collor em finais <strong>de</strong> 1992. No segundo semestre<br />
<strong>de</strong> 1992, a FITTEL (Fe<strong>de</strong>ração Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações)<br />
divulgou cartilha contendo os argumentos do Movimento em Defesa da TELEBRÁS. 358<br />
De outro lado estavam as constatações <strong>de</strong> analistas do setor, em 1993, que refletiam a<br />
<strong>de</strong>terioração do Estado, acusando-o <strong>de</strong> ter perdido sua função mo<strong>de</strong>rnizadora 359 . A<br />
radicalização 360 do <strong>de</strong>bate foi rebatida à época e as análises comparativas do atraso<br />
<strong>brasil</strong>eiro em <strong>telecomunicações</strong> evi<strong>de</strong>nciavam a urgência <strong>de</strong> medidas que revertessem os<br />
índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> telefônica e <strong>de</strong> digitalização das re<strong>de</strong>s. 361 Embora as propostas<br />
estivessem, em regra, direcionadas à <strong>de</strong>terminação da melhor forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização e<br />
introdução <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los regulatórios normativos na estrutura da Administração Pública<br />
fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira, houve propostas voltadas a adaptar o mo<strong>de</strong>lo monopolista a antiga<br />
autonomia gerencial por intermédio do controle pelos resultados viabilizados com o<br />
instrumento administrativo do contrato <strong>de</strong> gestão. 362 Em 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1992, foi<br />
assinado pelo Ministro dos Transportes e Comunicações e pelo representante do Banco<br />
Mundial para a América Latina e Caribe o Memorando <strong>de</strong> entendimento relativo à<br />
reestruturação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que incluía subcapítulo específico<br />
<strong>de</strong>stinado a resumir o compromisso do governo <strong>brasil</strong>eiro na privatização do Sistema<br />
Telebrás. 363 A revisão constitucional <strong>de</strong> 1993, prevista para ser efetivada uma única vez<br />
pelo art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição<br />
357 JOHNSSON, Renato. O mo<strong>de</strong>lo esgotado, p. 115-116. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 112-116.<br />
358 O texto do documento, juntamente com respostas aos argumentos da Fittel, encontra-se em:<br />
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 131-155.<br />
359 MANCINI, Luciana. Op. cit., p. 126.<br />
360 Alencastro e Silva lamentava, em 1993, que “à semelhança do que aconteceu quando se discutiu no<br />
país a política do petróleo, li<strong>de</strong>rada pela corrente nacionalista, com seu slogan ‘O petróleo é nosso’, o<br />
<strong>de</strong>bate sobre o problema da privatização das <strong>telecomunicações</strong> vem sendo radicalizado” (ALENCASTRO<br />
E SILVA, José Antônio. Prefácio, p. 4. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações:<br />
privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 4-7).<br />
361 O Brasil ocupava, no início <strong>de</strong> 1992, o 42 o lugar em <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> telefônica, com 6,56 linhas por 100<br />
habitantes, abaixo da média mundial <strong>de</strong> então <strong>de</strong> 9,77 linhas por 100 habitantes e da média latinoameriacana<br />
<strong>de</strong> 7,31 linhas por grupo <strong>de</strong> 100 habitantes. Vi<strong>de</strong>: SIQUEIRA, Ethevaldo. Brasil, décimo na<br />
América Latina, p. 26. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São<br />
Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 24-29. O autor utilizou como fontes estatísticas a UIT – União<br />
Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações (Blue Book), o Anuário International Telecom Statistics 1992 da<br />
Siemens, um levantamento internacional elaborado pela Revista Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (RNT) e<br />
pela Telepress Lationamericana <strong>de</strong> 1993.<br />
362 Atacava-se o controle estatal comum à primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990 evi<strong>de</strong>nciado na “tutela<br />
primária da restrição <strong>de</strong> meios. É absurdo que empresas do porte <strong>de</strong> uma Telesp ou <strong>de</strong> uma Telepar<br />
tenham que ser submetidas a regrinhas até para a admissão <strong>de</strong> engenheiros, cabistas, técnicos ou<br />
telefonistas” (SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 174). Conferir também: BRASIL.<br />
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Novembro <strong>de</strong><br />
1995, item 7 – Estratégia <strong>de</strong> Transição, §2º, em que se propõe a “operacionalização da cultura gerencial<br />
centrada em resultados através da efetiva parceria com a socieda<strong>de</strong>”. Leia-se aqui socieda<strong>de</strong> como<br />
iniciativa privada.<br />
363 Texto integral do Memorandum of un<strong>de</strong>rstanding relating to the restructuring of the brazilian<br />
telecommunications sector em: VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 271-274.
asileira <strong>de</strong> 1988, foi palco <strong>de</strong> novos embates representados por três posições <strong>políticas</strong><br />
para o setor: a manutenção do mopólio estatal; a flexibilização do monopólio estatal; e a<br />
privatização do Sistema Telebrás. 364 As emendas apresentadas, então, foram sufocadas<br />
pelas mesmas razões que sufocaram o esforço <strong>de</strong> revisão constitucional como um todo:<br />
a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> período eleitoral e a abertura da chamada CPI do Orçamento. 365<br />
A par <strong>de</strong>stes acontecimentos, o setor <strong>de</strong> telefonia móvel estava em plena pauta<br />
do dia patrocinada por movimentos do Executivo para sua paulatina transferência à<br />
iniciativa privada. O espaço aberto pelo Decreto nº 96.618, <strong>de</strong> 31/08/1988, que<br />
regulamentava os Serviços Público-Restritos, evi<strong>de</strong>nciava o interesse governamental <strong>de</strong><br />
dar tratamento diferenciado ao Serviço Móvel Celular, remetendo-o à prestação<br />
privatizada. Em março <strong>de</strong> 1989, editais <strong>de</strong> licitação para escolha dos fornecedores <strong>de</strong><br />
terminais do serviço móvel celular da subfaixa “A” foram publicados para São Paulo,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e Brasília. A licitação <strong>de</strong> São Paulo foi anulada por iniciativa da<br />
TELEBRÁS, que alegou terem as propostas apresentado preços excessivos além da<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestação do serviço <strong>de</strong> telefonia móvel na freqüência <strong>de</strong> 800MHz,<br />
que, à época, estava alocada para o controle <strong>de</strong> tráfego aéreo. Nos casos <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro e Brasília, recursos administrativos das empresas <strong>de</strong>rrotadas nas licitações<br />
protelaram o início das operações celulares para 1990 e 1991. A Nec, vencedora da<br />
licitação no Rio <strong>de</strong> Janeiro, ven<strong>de</strong>u seu primeiro telefone celular portátil no Brasil em<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1990. A Portaria nº 117, <strong>de</strong> 07/12/1990, do então Ministério da Infra-<br />
Estrutura, publicou minuta da Norma Específica <strong>de</strong> Telecomunicações – NET,<br />
finalmente aprovada pela Portaria nº 31, <strong>de</strong> 25/02/1991, voltada a disciplinar a forma <strong>de</strong><br />
permissão da prestação do Serviço Móvel Celular pela iniciativa privada na segunda<br />
rodada <strong>de</strong> licitações dirigidas para as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo, região <strong>de</strong> Campinas, Belo<br />
Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza, indicando a atuação <strong>de</strong>stas permissionárias em<br />
364 À época da revisão constitucional <strong>de</strong> 1993, “três vertentes, no caso das <strong>telecomunicações</strong>, dividiam as<br />
posições: a) a manutenção, a todo custo, do monopólio estatal, <strong>de</strong>fendida pelos partidos <strong>de</strong> esquerda (PT,<br />
PDT e PC do B), pelos sindicatos dos trabalhadores do setor (Fe<strong>de</strong>ração Interestadual dos Trabalhadores<br />
em Telecomunicações – FITTEL, e suas ramificações estaduais), pelas centrais sindicais (sobretudo a<br />
Central Única dos Trabalhadores – CUT) e pelas entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil mais tradicionais (Or<strong>de</strong>m<br />
dos Advogados do Brasil – OAB, e a Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa – ABI); b) a flexibilização do<br />
monopólio, ou seja, a manutenção do Sistema Telebrás enquanto ente estatal e a abertura do mercado para<br />
a competição com empresas privadas, posição adotada por alguns partidos <strong>de</strong> centro (parte do PSDB, e<br />
setores do PMDB) e por parte do empresariado (personalizado pelo Instituto Brasileiro para o<br />
Desenvolvimento das Telecomunicações – IBDT, entida<strong>de</strong> responsável pelo lobby <strong>de</strong> empresas do setor,<br />
criada para atuar junto aos Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo, interessada mais imediatamente, na abertura<br />
do mercado privado <strong>de</strong> telefonia celular) e; c) a privatização completa do Sistema Telebrás, sustentada,<br />
principalmente pelos partidos <strong>de</strong> posições liberais (PFL e PPB, na época PPR, partes do PSDB e do<br />
PMDB) e pela fatia mais radical dos empresários nacionais” (MARTINS, Marcus Augustus. O Brasil e a<br />
globalização das comunicações na década <strong>de</strong> 90. Dissertação apresentada para obtenção do grau <strong>de</strong><br />
Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Viola. Instituto <strong>de</strong> Ciência Política e<br />
Relações Internacionais da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Defesa: 15 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, p. 43-44).<br />
365 “O artigo constitucional <strong>de</strong> nº 21, que dispunha sobre a exploração exclusiva do Estado nos serviços<br />
públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, tinha recebido, até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1993, cinco emendas, sendo três<br />
parlamentares e duas partidárias. Todas elas instituíam, como pontos comuns, a quebra do monopólio e a<br />
manutenção do Estado enquanto po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte. Essas emendas, entretanto, sequer chegaram a ser<br />
mais profundamente discutidas. Paralisado quase que totalmente pela abertura da chamada CPI do<br />
Orçamento, escândalo <strong>de</strong> corrupção que envolveu uma série <strong>de</strong> parlamentares em <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong><br />
verbas <strong>públicas</strong>, o Congresso Nacional foi politicamente impedido <strong>de</strong> avançar na revisão constitucional,<br />
conseguindo aprovar apenas seis emendas. Nenhuma <strong>de</strong>las, com exceção da modificação do mandato<br />
presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> cinco para quatro anos, sem reeleição, teve gran<strong>de</strong> relevância” (Ibid., p. 44).<br />
93
subfaixa <strong>de</strong> freqüência 366 não-coinci<strong>de</strong>nte 367 a da prestadora <strong>de</strong> Serviço Público <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. Este esforço privatizante, entretanto, foi obstruído por ações<br />
judiciais apoiadas na proibição constitucional <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> por empresas que não fossem <strong>de</strong> maioria acionária estatal. 368 Somente<br />
em janeiro <strong>de</strong> 1993, foi <strong>de</strong>finido o vencedor (Nec) da concorrência para o fornecimento<br />
<strong>de</strong> equipamentos do serviço móvel celular para a TELESP. Em razão <strong>de</strong> recursos<br />
administrativos, a operação ficaria diferida para alguns meses mais tar<strong>de</strong>. Isso não<br />
impediu a expansão do serviço móvel celular pelo interior <strong>de</strong> São Paulo e por outras<br />
regiões do país. Em 1994, o serviço móvel celular abrangia várias regiões. 369<br />
Já em meados <strong>de</strong> 1990, com o intuito <strong>de</strong>clarado <strong>de</strong> dinamizar a prestação <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que encontravam obstáculos <strong>de</strong> investimentos privados a<br />
partir do texto constitucional 370 , a equipe chefiada pelo então Ministro das<br />
Comunicações 371 , propôs a prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não mais<br />
centrada na figura do Estado-prestador, mas remetida ao potencial <strong>de</strong> investimentos<br />
privados, que <strong>de</strong>veriam ser canalizados por nortes <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e universalização das<br />
<strong>telecomunicações</strong>, cuja <strong>de</strong>manda reprimida via-se bem caracterizada nos antigos planos<br />
<strong>de</strong> expansão. Os fautores da privatização do Sistema Telebrás encontraram obstáculos<br />
<strong>de</strong> natureza jurídica, cujas limitações preten<strong>de</strong>ram extirpar mediante dispositivos<br />
normativos introduzidos na or<strong>de</strong>m jurídica <strong>brasil</strong>eira 372 , seguindo-se cartilha<br />
366 A <strong>de</strong>finição das Subfaixas “A” e “B” vinha estipulada na Norma 004/88 (Regulamento do Serviço <strong>de</strong><br />
Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular/Serviço Móvel Celular) aprovada pela Portaria nº6,<br />
<strong>de</strong> 16/01/1989, do Ministério das Comunicações.<br />
367 Norma Específica <strong>de</strong> Telecomunicações (NET), veiculada pela Portaria nº 31, <strong>de</strong> 25/02/1991: “Edital<br />
<strong>de</strong> Habilitação para a Exploração do Serviço Móvel Celular (...) 3.6 Dados do edital. 3.6.1 Dados<br />
obrigatórios. O Edital <strong>de</strong>ve conter, entre outros, os dados a seguir indicados: b) a faixa <strong>de</strong> freqüências<br />
para utilização na respectiva área, que será, entre as duas disponíveis na faixa <strong>de</strong> 800MHz, aquela não<br />
<strong>de</strong>stinada à empresa prestadora <strong>de</strong> Serviço Público <strong>de</strong> Telecomunicações;”<br />
368 “Na prática, até o início <strong>de</strong> 1993, só os serviços celulares <strong>de</strong> faixa A estavam sendo implantados. E<br />
todas as tentativas para exploração da faixa B (...) haviam sido impedidas judicialmente por iniciativa <strong>de</strong><br />
grupos <strong>de</strong> interesse político-sindicais, com base no inciso XI do artigo 21 da Constituição da 1988”<br />
(REGO, Luiz Carlos Moraes. As licções da liberalização, p.51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].<br />
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53). “Medidas<br />
judiciais anularam a <strong>de</strong>sregulamentação dos serviços <strong>de</strong> telefonia celular” (PADILHA, Marcos Lopes.<br />
Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta Mercantil, 2001, p. 23).<br />
369 Ibid., p. 9.<br />
370 “Consultados pelas gran<strong>de</strong>s corporações internacionais, os advogados que, no Brasil, a elas prestam<br />
assessoria jurídica especializada, têm sido unânimes [em 1993], em seus pareceres técnicos, em<br />
<strong>de</strong>saconselhar qualquer investimento substancial nas <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiras, até que,<br />
verda<strong>de</strong>iramente, haja uma mudança na Constituição Fe<strong>de</strong>ral e naquelas duas leis [Lei do Programa <strong>de</strong><br />
Privatização e <strong>de</strong> Política <strong>de</strong> Exploração das <strong>telecomunicações</strong> <strong>públicas</strong>]” (VIANNA, Gaspar. Op. cit., p.<br />
261).<br />
371 PRATA, José; BEIRÃO, Nirlando; TOMIOKA, Teiji. Sergio Motta: os bastidores da política e das<br />
<strong>telecomunicações</strong> no governo FHC. São Paulo: Geração editorial, 1999, p. 323-408.<br />
372 Dentre as inovações normativas mais relevantes, estão: a Lei 8.977, <strong>de</strong> 06/01/1995, que disciplinou o<br />
serviço <strong>de</strong> TV a Cabo e sua outorga; a Emenda Constitucional n.º 8, <strong>de</strong> 15/08/1995, que possibilitou a<br />
prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> mediante autorização ou permissão e retirou a exigência <strong>de</strong><br />
que somente fossem transferidos às empresas sob controle acionário estatal; o Regulamento <strong>de</strong> Outorga<br />
<strong>de</strong> Concessão ou Permissão para Exploração <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações em Base Comercial<br />
minutado pela Portaria 223, <strong>de</strong> 1 o /09/1995 e aprovado pelo Decreto 1.719, <strong>de</strong> 28/11/1995; a Lei 8.987/95,<br />
que <strong>de</strong>u novo tratamento aos institutos da concessão e permissão <strong>de</strong> serviços públicos conforme art.175<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988; a Lei 9.074/95, que estabeleceu normas para outorga e prorrogações das<br />
concessões e permissões, possibilitando também a transferência da prestação <strong>de</strong> serviços públicos<br />
mediante privatização (as duas últimas expressamente afastadas pela Lei 9.472/97, mas que servem para<br />
94
internacional – The Blue Book – para dinamização setorial 373 . Munida <strong>de</strong>sta nova<br />
perspectiva <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços públicos, a base aliada do Executivo no Congresso<br />
Nacional <strong>de</strong>u prosseguimento às transformações normativas referentes aos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> iniciadas com a retirada do óbice constitucional à flexibilização dos<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que vinham qualificados pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
1988 como serviços públicos, tendo adquirido nova feição com a Emenda<br />
Constitucional n.º 8, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1995.<br />
Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 8, <strong>de</strong> 15/08/95<br />
Art.21. Compete à União:<br />
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou<br />
permissão, os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, nos termos da lei, que<br />
disporá sobre a organização dos serviços, a criação <strong>de</strong> um órgão regulador<br />
e outros aspectos institucionais;<br />
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou<br />
permissão:<br />
a) os serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora, e <strong>de</strong> sons e imagens;<br />
A Proposta <strong>de</strong> Emenda Constitucional n.3/95, que <strong>de</strong>u origem à Emenda<br />
Constitucional n.8/95, <strong>de</strong> quebra do monopólio estatal das <strong>telecomunicações</strong> teve rápida<br />
tramitação. 374 Ela representou um marco normativo <strong>de</strong> adaptação da legislação às<br />
revelar a direção do esforço histórico do Executivo); a Lei 9.295/96, conhecida como Lei Mínima, que<br />
basicamente veio solucionar, a título provisório, a abertura da telefonia móvel celular ao capital privado; a<br />
Lei 9.472/97 (Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações), que revogou a quase totalida<strong>de</strong> do antigo Código<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62), excepcionando as disposições relativas à radiodifusão e<br />
as referentes à matéria penal. A tudo isto, soma-se um conjunto gigantesco <strong>de</strong> Portarias do Ministério das<br />
Comunicações e Resoluções posteriores da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (ANATEL), que<br />
disciplinam a prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em específico, existindo a proposta <strong>de</strong> que tal<br />
regulamentação seja substituída por disposições que tratem do meio <strong>de</strong> transmissão em <strong>de</strong>trimento do tipo<br />
<strong>de</strong> serviço prestado.<br />
373 O texto significativo a respeito é intitulado The Blue Book e é resultado <strong>de</strong> um esforço conjunto do<br />
Telecommunication Development Bureau (BDT) integrante da União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
(UIT) em colaboração com a Comissão Interamericana <strong>de</strong> Telecomunicações (CITEL) integrante da<br />
Organização dos Estados Americanos (OEA). O livro azul busca sintetizar recomendações oriundas <strong>de</strong><br />
encontros internacionais para potencializar o <strong>de</strong>senvolvimento do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. O trecho a<br />
seguir transcrito é significativo quando aplicado ao sistema introduzido no Brasil: “The<br />
telecommunication legislation should also set forth the basic policies and requirements that will apply to<br />
the services, facilities and operators within its scope. Typically, these provisions might inclu<strong>de</strong>: public or<br />
social obligations that the dominant operator in the public telecommunication network generally has to<br />
meet, such as the duty to offer service on a non-discriminatory basis, to provi<strong>de</strong> universal service, to<br />
make emergency and disaster relief services available, or to meet pre<strong>de</strong>fined quality or reliability<br />
requirements” (ITU & CITEL. Telecommunications for the Americas: the Blue Book. 2ªed., Genebra,<br />
2000, p. 9).<br />
374 “Analisada por uma Comissão Especial <strong>de</strong>ntro da Câmara dos Deputados e tendo como relator o<br />
<strong>de</strong>putado Ged<strong>de</strong>l Vieira <strong>de</strong> Lima (PMDB-BA), <strong>de</strong> tendência francamente governista, a emenda<br />
flexibilizadora trouxe novamente à tona as discussões travadas em 1993, por ocasião da frustrada revisão<br />
constitucional. A resistência dos partidos <strong>de</strong> oposição e sua base <strong>de</strong> sustentação sindical foi rearmada,<br />
assim como os lobbies empresariais a favor da quebra do monopólio, oriundos, sobretudo, do Instituto<br />
Brasileiro para o Desenvolvimento das Telecomunicações (IBDT) e da Associação Brasileira da Indústria<br />
Elétrica e Eletrônica (ABINEE), além da atuação direta da Associação Brasileira <strong>de</strong> Emissoras <strong>de</strong> Rádio e<br />
Televisão (ABERT), interessada na manutenção do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> radiodifusão vigente. As pressões do Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, especialmente do Ministério das Comunicações e do Palácio do Planalto, sobre a base<br />
parlamentar do governo, e a ação privatizante dos partidos liberais também <strong>de</strong>ram a tônica aos acirrados<br />
95
<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> globalização do sistema <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong> certa forma impostas por<br />
<strong>políticas</strong> <strong>de</strong> empréstimos internacionais 375 , e voltadas à mudança do papel do Estado na<br />
economia, mediante o conceito do Estado Regulador em <strong>de</strong>trimento do Estado<br />
Prestador. Evi<strong>de</strong>nciou-se a transformação da política estatal, abandonando a idéia <strong>de</strong><br />
regulação operacional centralizada em nome <strong>de</strong> uma regulação operacional<br />
<strong>de</strong>scentralizada. Esta mudança <strong>de</strong> perspectiva da função estatal foi acompanhada do<br />
fortalecimento da regulação normativa refletida na criação da Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – ANATEL.<br />
4.4.2.7 PERÍODO DE REFORMAS NORMATIVO-OPERACIONAIS<br />
(1995-2002)<br />
As modificações normativas <strong>de</strong>scritas acima, acompanhadas das <strong>de</strong>sestatizações,<br />
abriram espaço para investimentos privados no setor com a convergência do interesse<br />
internacional 376 para a <strong>de</strong>manda reprimida <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Após a abertura feita pela Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 15/08/1995, o Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo fe<strong>de</strong>ral tentou regulamentar diretamente por Decreto o que chamou <strong>de</strong><br />
exploração <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em base comercial. O Decreto 1.719, <strong>de</strong><br />
28/11/1995, aprovou o Regulamento <strong>de</strong> Outorga <strong>de</strong> Concessão ou Permissão para<br />
Exploração <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações em Base Comercial. Com base nele, o<br />
Ministro das Comunicações aprovou a Portaria nº 327 377 , <strong>de</strong> 19/12/1995, que submetia à<br />
consulta pública prévia as características técnicas básicas exigidas para a autorização<br />
<strong>de</strong> meios <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> via satélite geoestacionário.<br />
<strong>de</strong>bates. (...) ao contrário das expectativas, o substitutivo do relator, <strong>de</strong>putado Ged<strong>de</strong>l Vieira <strong>de</strong> Lima,<br />
sobre a PEC, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> pequenos ajustes para satisfazer o PFL e o PPB, acabou sendo facilmente<br />
aprovado na Comissão Especial, no dia 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995, com um placar <strong>de</strong> 22 votos a favor e oito<br />
contra. E, apenas duas semanas <strong>de</strong>pois, em 25 <strong>de</strong> maio, mantido o texto aceito pela Comissão Especial, a<br />
PEC n.3 foi também aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, sendo promulgado no dia 15 <strong>de</strong><br />
agosto seguinte pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, transformando-se na Emenda Constitucional n.8.” (MARTINS,<br />
Marcus Augustus. O Brasil e a globalização das comunicações na década <strong>de</strong> 90. Dissertação<br />
apresentada para obtenção do grau <strong>de</strong> Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo<br />
Viola. Instituto <strong>de</strong> Ciência Política e Relações Internacionais da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Defesa: 15 <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 1999, p. 57-58).<br />
375 Esclarecedora a posição exarada pelo Banco Mundial na Americas Telecom 2000, realizada entre 10 e<br />
15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, quando seu representante, Carlos Braga, foi questionado pelo<br />
Governo <strong>de</strong> Porto Rico sobre a ausência <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> crédito para empresas estatais prestadoras <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A resposta transmitiu <strong>de</strong>cisão do Banco Mundial em somente fomentar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> empresas privadas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em mercados livres, pois partiu do<br />
pressuposto <strong>de</strong> que a concentração do serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nas mãos do Estado não satisfaria as<br />
exigências <strong>de</strong> tecnologia e dinamização em um mundo globalizado.<br />
376 Tal convergência do interesse internacional ficou evi<strong>de</strong>nte na maciça presença das multinacionais na<br />
privatização do Sistema Telebrás e dos ágios pagos. Para a telefonia fixa, a Tele Centro-Sul obteve ágio<br />
<strong>de</strong> 6,15%, vendida por R$2,07bilhões para Telecom Itália e Opportunity enquanto a Telesp sofreu ágio <strong>de</strong><br />
64,29%, vendida por R$5,783bilhões para Telefônica, RBS Iberdrola, Portugal Telecom e BBV. No<br />
campo da telefonia celular, a Tele Leste Celular obteve ágio <strong>de</strong> 242,40% com preço <strong>de</strong> R$428milhões, a<br />
Tele Su<strong>de</strong>ste Celular, <strong>de</strong> 138,59%, vendida por R$1,36bilhão, a Tele Centro-Oeste Celular, um ágio <strong>de</strong><br />
91,36%, vendida por R$440milhões, a Telesp Celular, um ágio <strong>de</strong> 226,18%, vendida por R$3,588bilhões,<br />
a Tele Nor<strong>de</strong>ste Celular, <strong>de</strong> 193,33%, vendida por R$660milhões, a Telemig Celular, <strong>de</strong> 228,69%,<br />
vendida por R$756milhões e a Tele Celular Sul, um ágio <strong>de</strong> 204,34%, vendida por R$700milhões. (Fonte:<br />
Gazeta Mercantil <strong>de</strong> 30/07/1998: Encarte especial ‘O leilão da Telebrás’, p. 1).<br />
377 Portaria 327, <strong>de</strong> 19/12/1995, publicada no DOU <strong>de</strong> 21/12/1995, p. 21801/21802.<br />
96
Também fundada no Decreto 1.719/95, a Portaria nº 48, do Secretário <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong><br />
Comunicações do Ministério das Comunicações, submetia à consulta pública prévia a<br />
proposta <strong>de</strong> ato normativo sobre critérios e procedimentos contábeis para a prestação<br />
<strong>de</strong> Serviço Móvel Celular. O Decreto 1.719/95 pretendia regulamentar a transferência<br />
da prestação <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para particulares conforme<br />
autorizado pela EC8/95, mas foi acusado <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, já que a Lei Geral <strong>de</strong><br />
Concessões (Lei 8.987/95) e a Lei 9.074/95, não se aplicavam ao setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> 378 . Como o art. 21, XI da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 exigia a<br />
disciplina por lei do regime <strong>de</strong> autorização, concessão ou permissão inseridos pela<br />
EC8/95, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u liminarmente a vigência do Decreto<br />
1.719/95, em 27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996 (ADIn 1.435/DF) 379 , sob a alegação <strong>de</strong> que ele<br />
<strong>de</strong>srespeitara a reserva legal imposta pelo texto constitucional.<br />
O julgamento no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ocorreu quando já em vigor a<br />
chamada Lei Mínima (Lei 9.295, <strong>de</strong> 19/07/1996), que serviu como disciplina legislativa<br />
inicial dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> tidos por mais urgentes e <strong>de</strong> alta atrativida<strong>de</strong><br />
econômica: subfaixa “B” do serviço móvel celular; serviços via satélite; serviços <strong>de</strong><br />
trunking; serviços <strong>de</strong> paging; e, regulação da utilização <strong>de</strong> re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> para prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> valor adicionado. Quando da aprovação<br />
do Decreto 1.719/95, não havia sido editada a Lei Mínima, que supria, em parte, a<br />
exigência <strong>de</strong> disciplina legal do art. 21, XI da CF/88. Cogitou-se, no julgamento, na<br />
perda <strong>de</strong> objeto da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> movida contra o Decreto<br />
1.179/95, alegando-se a sua revogação pela Lei 9.295/96, mas prevaleceu afinal a<br />
<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> suspensão liminar <strong>de</strong> vigência do Decreto questionado. Poucos dias após à<br />
<strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o Decreto 1.719/95 foi revogado pelo próprio<br />
Executivo. 380<br />
Nos dois meses finais <strong>de</strong> 1996, já sob o manto da Lei 9.295/96, foi<br />
regulamentado o Serviço Móvel Celular pelo Decreto 2.056, <strong>de</strong> 04/11/1996, e alteradas<br />
as regras <strong>de</strong> privatização do serviço celular pela Medida Provisória nº 1.531. O território<br />
<strong>brasil</strong>eiro foi dividido, pelo Governo, em 10 áreas <strong>de</strong> concessão para as operadoras da<br />
Banda “B”, cuja licitação ocorreu em 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997, mas que somente foi fechado,<br />
em razão <strong>de</strong> discussões jurídicas e dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se encontrarem interessados para<br />
certas regiões, em 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1998, quando o consórcio formado pela Tele Centro<br />
378 A Medida Provisória nº 890, <strong>de</strong> 13/02/1995, <strong>de</strong>finia, em seu art. 1 o , quais ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
estariam sujeitas aos regimes <strong>de</strong> concessão e permissão previstos na Lei 8.987, também <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro<br />
<strong>de</strong> 1995, gerando, com isso, a inter<strong>de</strong>pendência entre os dois instrumentos normativos. O inciso III do art.<br />
1 o da MP nº 890/95 previa expressamente a aplicação dos dispositivos da Lei 8.987/95 às<br />
<strong>telecomunicações</strong>. Antes da promulgação da EC8/95, dita medida provisória foi analisada pelo Congresso<br />
Nacional, que consi<strong>de</strong>rou inconstitucional a inclusão das <strong>telecomunicações</strong> no rol comum <strong>de</strong> serviços<br />
públicos passíveis <strong>de</strong> concessão ou permissão da Lei 8.987/95. Como já estava em discussão a EC8/95,<br />
uma negociação entre Executivo e Legislativo resultou no compromisso <strong>de</strong> veto do inciso III do art. 1 o da<br />
Lei 9.074, <strong>de</strong> 07/07/1995, que resultou da conversão da última reedição da MP 890, numerada como MP<br />
1.017, <strong>de</strong> 08/06/1995. Desta forma, as duas leis – Lei 8.987/95 e Lei 9.074/95 – tornaram-se inaplicáveis<br />
aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
379 Ação Direta <strong>de</strong> Inconstitucionalida<strong>de</strong> nº 1.435-8/DF, relatada pelo Min. Francisco Resek e requerida<br />
pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Sessão plenária, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1996, por maioria,<br />
vencidos os Ministros Francisco Resek (relator), Maurício Corrêa e Néri da Silveira, <strong>de</strong>cidiu pela<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> suspensão liminar <strong>de</strong> vigência do Decreto 1.719/95. Ementário <strong>de</strong> Jurisprudência do STF nº<br />
1957-1, p. 40-60, DJ 06.08.1999.<br />
380 Decreto 2.087, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996. Publicado no DOU <strong>de</strong> 05/12/1996, p. 25.847.<br />
97
Oeste da Banda A <strong>de</strong> telefonia móvel celular e a Inepar arremataram a concessão da<br />
área 8 da Banda B <strong>de</strong> telefonia móvel celular. 381<br />
4.4.2.7.1 Participação da ANATEL no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização do Sistema<br />
TELEBRÁS<br />
Para o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização, a União já contava com o funcionamento do<br />
órgão regulador previsto pela EC8/95 para o setor. Isto possibilitou a prévia<br />
estruturação estratégica do Estado para o enfrentamento das novas condições <strong>de</strong><br />
regulação normativa centralizada, que foram impostas no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />
serviços públicos e privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações – ANATEL foi criada pela Lei Geral<br />
<strong>de</strong> Telecomunicações – LGT (Lei 9.472, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997) como autorida<strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (LGT: art. 9. o ), assumindo a forma jurídica <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> integrante da<br />
Administração Indireta da União, espécie <strong>de</strong> autarquia, sob supervisão do Ministério das<br />
Comunicações, e com características <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> subordinação hierárquica, mandato<br />
fixo <strong>de</strong> seus dirigentes e autonomia financeira (LGT: art. 8. o , §2. o ). Em outubro do<br />
mesmo ano, o Presi<strong>de</strong>nte da República aprovou, por meio do Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1997, o Regulamento da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, que<br />
viabilizou a instalação efetiva da ANATEL, cujo início <strong>de</strong> funcionamento aguardou até<br />
novembro do mesmo ano pelas nomeações e preenchimento <strong>de</strong> 4 dos 5 cargos do<br />
Conselho Diretor. 382 Somente em janeiro <strong>de</strong> 1999, o último cargo vago foi<br />
preenchido. 383<br />
Coube à ANATEL, por expressa disposição legal (LGT: art. 97), manifestar-se<br />
previamente à cisão, fusão, transformação, incorporação, redução do capital ou<br />
transferência <strong>de</strong> controle acionário das empresas concessionárias <strong>de</strong> serviços públicos<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A par disto, também foi estabelecido pela Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações 384 a competência da ANATEL para aprovar editais <strong>de</strong> licitação,<br />
homologar adjudicações e <strong>de</strong>cidir sobre a prorrogação, transferência, intervenção e<br />
extinção das outorgas voltadas à prestação <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no regime<br />
381 As áreas <strong>de</strong>finidas pelo Executivo fe<strong>de</strong>ral para a subfaixa “B” no país foram: Área 1: cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Dia<strong>de</strong>ma e outros 40 municípios da região<br />
metropolitana <strong>de</strong> São Paulo; Área 2: interior <strong>de</strong> São Paulo; Área 3: Rio <strong>de</strong> Janeiro e Espírito Santo; Área<br />
4: Minas Gerais; Área 5: Paraná e Santa Catarina; Área 6: Rio Gran<strong>de</strong> do Sul; Área 7: Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; Área 8: Amazonas, Amapá, Pará,<br />
Maranhão e Roraima; Área 9: Bahia e Sergipe; Área 10: Piauí, Ceará, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Paraíba,<br />
Pernambuco e Alagoas.<br />
382 O primeiro Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Diretor da ANATEL (Renato Navarro Guerreiro), com mandato<br />
inicial <strong>de</strong> 3 anos, foi nomeado pelo Decreto sem número <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1997, publicado no DOU<br />
<strong>de</strong> 5/11/1997, empossado no dia da publicação pelo Ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Seguindo<br />
a or<strong>de</strong>m do art.25 da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97) <strong>de</strong> não-coincidência <strong>de</strong> mandatos, os<br />
outros 3 conselheiros nomeados nesta data tiveram mandatos <strong>de</strong> durações distintas: Luiz Francisco<br />
Tenório Perrone (mandato <strong>de</strong> 4 anos); José Leite Pereira Filho (mandato <strong>de</strong> 5 anos); Antônio Carlos<br />
Valente da Silva (mandato <strong>de</strong> 7 anos), todos também nomeados por Decretos do mesmo dia 4/11/1997 e<br />
empossados no dia 05/11/1997.<br />
383 O Decreto sem número <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999 nomeou o último conselheiro (Luiz Tito Cerasoli),<br />
fixando para 04/11/2003 o término do mandato correspon<strong>de</strong>nte. O termo <strong>de</strong> posse foi assinado pelo<br />
Ministro das Comunicações, João Pimenta da Veiga Filho, em 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999.<br />
384 Art. 22, V da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações, reproduzido no art. 35, VI do Regulamento da ANATEL<br />
aprovado pelo Decreto 2.338, <strong>de</strong> 07/10/1997.<br />
98
público. Os dispositivos citados exigiram a presença da ANATEL, mediante sua<br />
necessária manifestação sobre a transferência do controle societário das empresas<br />
fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que se <strong>de</strong>u pelos Atos 672 a 683 da ANATEL, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 1998.<br />
4.4.2.7.2 Desestatização do Sistema TELEBRÁS<br />
Quando da <strong>de</strong>sestatização do Sistema Telebrás (1998), ainda existia uma<br />
empresa privada <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> sobrevivente e três outras operadoras não<br />
pertencentes à União, muito embora todas fossem tecnicamente integradas com a re<strong>de</strong><br />
nacional:<br />
1) COMPANHIA RIOGRANDENSE DE TELECOMUNICAÇÕES S.A. – CRT,<br />
do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, com controle acionário estadual e concessão<br />
para exploração <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
à exceção dos Municípios <strong>de</strong> Pelotas e Capão do Leão. Em 1996, o Estado do<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul ven<strong>de</strong>u 35% <strong>de</strong> suas ações ordinárias a um consórcio<br />
li<strong>de</strong>rado pela Telefónica <strong>de</strong> España, que, por sua vez, as ven<strong>de</strong>u para a<br />
operadora Brasil Telecom.<br />
2) CENTRAIS TELEFÔNICAS DE RIBEIRÃO PRETO – CETERP, do<br />
Município <strong>de</strong> Ribeirão Preto, adquirida pela Telefónica <strong>de</strong> Espanha em<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999.<br />
3) SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES DE LONDRINA – SERCOMTEL,<br />
operadora municipal <strong>de</strong> Londrina, Paraná, ainda em operação sob o nome<br />
SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações e SERCOMTEL Celular S.A. 385<br />
4) COMPANHIA TELEFÔNICA DO BRASIL CENTRAL – CTBC, única<br />
companhia privada do setor controlada pelo grupo Algar, que operava em<br />
municípios do Triângulo Mineiro, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Após<br />
a aprovação da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong> 1997, lhe foram outorgadas<br />
pela ANATEL concessões <strong>de</strong> serviços fixos locais e <strong>de</strong> longa distância nos<br />
Estados <strong>de</strong> São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.<br />
A presença <strong>de</strong>stas empresas não-integrantes do Sistema TELEBRÁS não o<br />
ofuscava. Em 1998, cerca <strong>de</strong> 91% da base telefônica do Brasil lhe pertencia. 386 No<br />
385<br />
A SERCOMTEL é um caso diferenciado do setor no Brasil. Foi instituída, em 1965, como autarquia<br />
municipal, tendo sido frustradas as pressões do Ministério das Comunicações, à época, para transformá-la<br />
em socieda<strong>de</strong> anônima, em 1984. Com as alterações iniciadas pela Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 1995,<br />
em 1º <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1996 a autarquia foi substituída pela SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações,<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista municipal cindida, em 1998 em duas empresas: a SERCOMTEL S.A. –<br />
Telecomunicações e a SERCOMTEL Celular S.A. Em 2001, foi realizado plebiscito para <strong>de</strong>cisão sobre a<br />
privatização da SERCOMTEL Celular, tendo vencido a posição pró manutenção da estatal. Conferir, a<br />
respeito: TAVARES, Mário Jorge <strong>de</strong> Oliveira. Sercomtel: marca <strong>de</strong> pioneirismo. Londrina: Midiograf,<br />
2003, p. 23; 41; 86, nota 408; 97.<br />
386<br />
PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta<br />
Mercantil, 2001, p. 26.<br />
99
100<br />
mesmo ano, o governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>tinha 50,4% <strong>de</strong> seu capital votante e 21,44% <strong>de</strong> seu<br />
capital total. 387<br />
O sistema do autofinanciamento, que fora implementado durante suas três<br />
décadas <strong>de</strong> existência, chegara ao seu limite, inviabilizando sua utilização para novas<br />
expansões necessárias para o Sistema. A partir <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997, com a Norma<br />
06/97 – Tarifa <strong>de</strong> Habilitação do Serviço Telefônico Público, aprovada pela Portaria<br />
261/97 do Ministro das Comunicações, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir o autofinanciamento e passou a<br />
vigorar o pagamento exclusivo <strong>de</strong> Tarifa ou Preço <strong>de</strong> Habilitação.<br />
Após o esforço político <strong>de</strong> alteração das disposições normativas impeditivas da<br />
transferência da prestação <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> pela iniciativa<br />
privada, o Executivo fe<strong>de</strong>ral ultimou esforços do antigo projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização do<br />
Sistema TELEBRÁS. A TELEBRÁS, cujas operadoras estaduais, até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1997, prestavam serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fixos e móveis celulares, sofreu uma<br />
reestruturação em janeiro <strong>de</strong> 1998, em que suas 26 empresas estaduais controladas<br />
separaram-se, cada uma, em duas empresas, uma para serviços fixos e a outra para<br />
serviços móveis celulares. 388 O conglomerado resultante foi aglutinado em 12 empresas,<br />
mediante aprovação da ANATEL 389 , conforme exigência do art. 97 da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações 390 . As operadoras <strong>de</strong> telefonia fixa foram agrupadas em 3 gran<strong>de</strong>s<br />
holdings, enquanto as operadoras <strong>de</strong> telefonia móvel celular foram agrupadas em 8<br />
holdings. Estas operariam na Banda “A” para competirem com as empresas privadas já<br />
instaladas ou em vias <strong>de</strong> instalação da Banda “B”. A partir <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998, com<br />
a efetivação da reestruturação da TELEBRÁS, esta <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter ativos operacionais<br />
geradores <strong>de</strong> receitas, contentando-se com os recursos advindos <strong>de</strong> aplicações<br />
financeiras <strong>de</strong>stinados a mantê-la até sua <strong>de</strong>finitiva liquidação, que aguarda a <strong>de</strong>finição<br />
das medidas <strong>de</strong> efetivação <strong>de</strong> 300 ex-funcionários cedidos à ANATEL.<br />
A cisão resultou em quatro empresas <strong>de</strong>stinadas à prestação do Serviço<br />
Telefônico Fixo Comutado (STFC): TELE NORTE LESTE 391 ; TELESP 392 ; TELE<br />
CENTRO SUL 393 ; e EMBRATEL 394 . As oito restantes foram <strong>de</strong>stinadas ao Serviço<br />
Móvel Celular da Subfaixa “A”: TELESP CELULAR 395 ; TELE SUDESTE<br />
CELULAR 396 ; TELE CENTRO OESTE CELULAR 397 ; TELE CELULAR SUL 398 ;<br />
387 Ibid., p. 28.<br />
388 Ibid., p. 22.<br />
389 O Ato nº 109, <strong>de</strong> 23/04/1998, da ANATEL, aprovou a cisão parcial da TELEBRÁS nos mol<strong>de</strong>s do<br />
Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Reestruturação e Desestatização das Empresas Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Telecomunicações, aprovado pelo<br />
Decreto 2.546, <strong>de</strong> 14/04/1998 e da proposta <strong>de</strong> cisão parcial aprovada pelo Conselho Administrativo da<br />
Companhia, em 15/04/1998. A cisão <strong>de</strong> fato ocorreu em 22 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1998.<br />
390 Lei 9.472, <strong>de</strong> 16/07/1997, Livro III (Da organização dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>), Título II (Dos<br />
serviços prestados em regime público), Capítulo II (Da concessão), Seção II (Do contrato): “Art. 97.<br />
Depen<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução<br />
do capital da empresa ou a transferência <strong>de</strong> seu controle societário. Parágrafo único. A aprovação será<br />
concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em risco a execução do contrato,<br />
observado o disposto no art. 7° <strong>de</strong>sta Lei.”<br />
391 Participação acionária estatal vendida no Leilão das Empresas Estatais Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Telecomunicações,<br />
<strong>de</strong> 29/07/1998, na Bolsa <strong>de</strong> Valores do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Relação dos vencedores encaminhada à ANATEL<br />
pela Câmara <strong>de</strong> Liquidação e Custódia (CLC) por meio da correspondência DG109/98, <strong>de</strong> 30/07/1998.<br />
Aprovação da transferência pelo Ato nº 674, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
392 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 672, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
393 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 673, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
394 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 675, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
395 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 676, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
396 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 677, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.
101<br />
TELEMIG CELULAR 399 ; TELE NORDESTE CELULAR 400 ; TELE LESTE<br />
CELULAR 401 ; e TELE NORTE CELULAR 402 .<br />
A justificativa apresentada pelo Governo foi a <strong>de</strong> maximizar a “atração <strong>de</strong><br />
capital estrangeiro para o financiamento externo da economia <strong>brasil</strong>eira” 403 . As razões<br />
oficiais para não se ter optado por uma única empresa nacional capaz <strong>de</strong> concorrer<br />
internacionalmente foram apresentadas como sendo a incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídios<br />
cruzados com ambientes competitivos, o porte avantajado das três operadoras regionais<br />
em comparação com o das congêneres latino-americanas, a focalização dos<br />
investimentos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada região, a facilida<strong>de</strong> no controle do órgão regulador sobre<br />
atores com menor potencial monopolista, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceno com o incentivo da<br />
remoção das restrições geográficas após o cumprimento das metas estabelecidas nos<br />
regulamentos, bem como a maior facilida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> privatização, permitindo-se,<br />
com isso, a participação <strong>de</strong> grupos nacionais. 404<br />
Das 12 empresas formadas, 8 <strong>de</strong>las <strong>de</strong>tinham diversas outras empresas<br />
controladas:<br />
1 - TELE CENTRO SUL PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELECOMUNICAÇÕES DE BRASÍLIA S.A. (TELEBRASÍLIA),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DE GOIÁS S.A. (TELEGOIÁS), TELECOMUNICAÇÕES DE<br />
MATO GROSSO S.A. (TELEMAT), TELECOMUNICAÇÕES DE RONDÔNIA S.A.<br />
(TELERON), TELECOMUNICAÇÕES DO ACRE S.A. (TELEACRE),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO MATO GROSSO DO SUL S.A. (TELEMS),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ S.A. (TELEPAR), TELECOMUNICAÇÕES DE<br />
SANTA CATARINA S.A. (TELESC), e COMPANHIA TELEFÔNICA<br />
MELHORAMENTO E RESISTÊNCIA S.A. (CTMR).<br />
2 - TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO RIO DE JANEIRO S.A. (TELERJ),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DE MINAS GERAIS S.A. (TELEMIG),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO S.A. (TELEST),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DA BAHIA S.A. (TELEBAHIA), TELECOMUNICAÇÕES DE<br />
SERGIPE S.A. (TELERGIPE), TELECOMUNICAÇÕES DE ALAGOAS S.A. (TELASA),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DE PERNAMBUCO S.A. (TELPE), TELECOMUNICAÇÕES<br />
DA PARAÍBA S.A. (TELPA), TELECOMUNICAÇÕES DO RIO GRANDE DO NORTE<br />
S.A. (TELERN), TELECOMUNICAÇÕES DO CEARÁ S.A. (TELECEARÁ),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO PIAUÍ S.A. (TELEPISA), TELECOMUNICAÇÕES DO<br />
MARANHÃO S.A. (TELMA), TELECOMUNICAÇÕES DO PARÁ S.A. (TELEPARÁ),<br />
TELECOMUNICAÇÕES DO AMAPÁ S.A. (TELEAMAPÁ), TELECOMUNICAÇÕES<br />
DO AMAZONAS S.A (TELAMAZON), e TELECOMUNICAÇÕES DE RORAIMA S.A.<br />
(TELAIMA).<br />
3 - TELE SUDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das Empresas TELERJ<br />
CELULAR S.A. e TELEST CELULAR S.A.<br />
4 - TELE CELULAR SUL PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas TELEPAR<br />
CELULAR S.A., TELESC CELULAR S.A. e CTMR CELULAR S.A.<br />
5 - TELE NORDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELEPISA CELULAR S.A., TELECEARÁ CELULAR S.A., TELPE CELULAR S.A.,<br />
TELPA CELULAR S.A., TELASA CELULAR S.A. e TELERN CELULAR S.A.<br />
397 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 682, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
398 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 679, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
399 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 678, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
400 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 680, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
401 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 681, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
402 Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 683, <strong>de</strong> 03/08/1998 da ANATEL.<br />
403 PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 29.<br />
404 Id., ibid.
102<br />
6 - TELE LESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELEBAHIA CELULAR S.A. e TELERGIPE CELULAR S.A.<br />
7 - TELE CENTRO OESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELEACRE CELULAR S.A., TELERON CELULAR S.A., TELEMAT CELULAR S.A.,<br />
TELEGOIÁS CELULAR S.A., TELEBRASÍLIA CELULAR S.A. e TELEMS CELULAR<br />
S.A.<br />
8 - TELE NORTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas<br />
TELAMAZON CELULAR S.A., TELAIMA CELULAR S.A., TELEPARÁ CELULAR<br />
S.A., TELEAMAPÁ CELULAR S.A. e TELMA CELULAR S.A.<br />
Os leilões <strong>de</strong> venda das 12 operadoras fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fixas e<br />
celulares, em julho <strong>de</strong> 1998, foram vencidos pelos seguintes grupos, na sua quase<br />
totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> capital internacional:<br />
1. TELESP PARTICIPAÇÕES S.A. - TELEBRASIL SUL PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
2. TELE CENTRO SUL PARTICIPAÇÕES S.A. - SOLPART PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
3. TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A. - CONSTRUTORA ANDRADE<br />
GUTIERREZ S.A., INEPAR S.A. INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES, MACAL<br />
INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., FIAGO PARTICIPAÇÕES S.A.,<br />
BRASIL VEÍCULOS COMPANHIA DE SEGUROS e COMPANHIA DE SEGUROS<br />
ALIANÇA DO BRASIL.<br />
4. EMBRATEL PARTICIPAÇÕES S.A. - STARTEL PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
5. TELESP CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - PORTELCOM PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
6. TELE SUDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - TELEFÓNICA<br />
INTERNACIONAL S.A., INBERDROLA INVESTIMENTOS S.U.L., NTT MOBILE<br />
COMMUNICATIONS NETWORK INC. e ITOCHU CORPORATION.<br />
7. TELEMIG CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - TELPART PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
8. TELE CELULAR SUL PARTICIPAÇÕES S.A. - UGB PARTICIPAÇÕES LTDA. e<br />
BITEL PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
9. TELE NORDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - UGB PARTICIPAÇÕES LTDA<br />
e BITEL PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
10. TELE LESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - IBERDROLA INVESTIMENTOS<br />
S.U.L. e TELEFÓNICA INTERNACIONAL S.A.<br />
11. TELE CENTRO OESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - BID S.A.<br />
12. TELE NORTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - TELPART PARTICIPAÇÕES S.A.<br />
As divisões implementadas no Sistema Telebrás para sua alienação refletem a<br />
orientação <strong>de</strong> política pública voltada à atração <strong>de</strong> investimentos, bem como à previsão<br />
<strong>de</strong> crescimento e interação concorrencial das incumbents <strong>de</strong> telefonia fixa e celular.<br />
No âmbito da telefonia fixa, houve a divisão do Sistema Telebrás em 3 gran<strong>de</strong>s<br />
empresas regionais (TELE NORTE LESTE, TELE CENTRO SUL e TELESPE) e 1<br />
empresa nacional (EMBRATEL). Àquelas caberiam os serviços locais e interurbanos<br />
intra-estaduais e interestadual <strong>de</strong>ntro das respectivas áreas <strong>de</strong> concessão 405 , enquanto à<br />
EMBRATEL caberia a exploração dos serviços intra-estaduais, interestaduais e<br />
internacionais em todo o território, gerando, assim, um potencial <strong>de</strong> competição com<br />
limites nos serviços intra-estaduais e interestaduais. Sob o argumento <strong>de</strong> garantia do<br />
volume inicial <strong>de</strong> investimentos oriundos das aquisições <strong>de</strong> privatização, foi previsto, no<br />
Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas – PGO, o limite <strong>de</strong> um novo entrante em cada região 406 ,<br />
inclusive na da EMBRATEL, licitados em 1999. Ao lado disso, para incremento do<br />
405 O Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas veiculado pelo Decreto 2.534, <strong>de</strong> 02/04/1998, previu, no art.4 o e anexos,<br />
quatro regiões subdivididas, as três primeiras subdivididas em setores.<br />
406 Art. 9 o do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas, aprovado pelo Decreto 2.534, <strong>de</strong> 02/04/1998.
103<br />
mecanismo competitivo, o mesmo PGO impôs a exigência <strong>de</strong> cumprimento das metas<br />
<strong>de</strong> expansão e atendimento contraídas pelas novas operadoras e pelas concessionárias<br />
para antecipação <strong>de</strong> sua liberalização quanto às limitações geográficas e <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
telefonia fixa. 407 O duopólio foi garantido pelo PGO até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001 nos<br />
serviços local (concessionária regional e nova operadora regional), <strong>de</strong> longa distância<br />
nacional inter-regional (EMBRATEL e INTELIG) e <strong>de</strong> longa distância internacional<br />
(EMBRATEL e INTELIG). Já, nos serviços <strong>de</strong> longa distância intra-estadual e<br />
interestadual intra-regional, o PGO garantiu até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001 o limite <strong>de</strong> 4<br />
competidores (concessionária regional, nova operadora regional, EMBRATEL e<br />
INTELIG).<br />
Reservaram-se espaços geográficos mapeados segundo o percentual do PIB <strong>de</strong><br />
cada região e sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> para repartição entre as empresas regionais. 408 Daí ter-se<br />
entregue à TELE NORTE LESTE uma região que se estendia dos Estados do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, passando por todos os Estados do Nor<strong>de</strong>ste<br />
<strong>brasil</strong>eiro, chegando aos seguintes Estados do Norte do país: Pará, Amapá, Amazonas e<br />
Roraima. Esta região respondia, em 1997, por 39% do PIB nacional. A TELE CENTRO<br />
SUL abarcou os Estados do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul 409 , Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso<br />
do Sul, Mato Grosso, Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre, juntos com<br />
25% do PIB nacional. A diferença do PIB seria compensada por sua posição estratégica<br />
fronteiriça com os países do MERCOSUL e sua alta taxa <strong>de</strong> crescimento do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Finalmente, à TELESP coube o Estado <strong>de</strong> São Paulo, que, sozinho,<br />
<strong>de</strong>tinha 36% do PIB <strong>brasil</strong>eiro.<br />
À operadora <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> longa distância nacional e internacional, <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> dados e <strong>de</strong> serviços domésticos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> via satélite do<br />
Sistema Telebrás – EMBRATEL –, cabia o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> uniformização <strong>de</strong> interconexão<br />
nacional, que, juntamente com sua posição estratégica continental, afastavam intuitos <strong>de</strong><br />
divisão.<br />
Já, no âmbito da telefonia móvel celular, houve a divisão do Sistema Telebrás<br />
em 8 holdings, que seguiram as áreas pre<strong>de</strong>finidas para a subfaixa “B” <strong>de</strong> telefonia<br />
móvel celular já instaladas ou em vias <strong>de</strong> instalação, cujos critérios <strong>de</strong> mapeamento<br />
foram escolhidos segundo a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usuários interessados em celulares <strong>de</strong> cada<br />
região (<strong>de</strong>manda reprimida) e no volume <strong>de</strong> investimentos esperados. 410<br />
4.4.2.8 NOVOS HORIZONTES: CONTESTAÇÃO DO MODELO (2003-<br />
2004)<br />
407 Para as autorizatárias <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telefonia fixa, a antecipação <strong>de</strong> liberalização <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
2002 para 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001. Para as concessionárias <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telefonia fixa, a antecipação <strong>de</strong><br />
liberalização <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003 para 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001. Respectivamente §§1 o e 2 o do<br />
art.10 do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas aprovado pelo Decreto 2.534, <strong>de</strong> 02/04/1998.<br />
408 Dados constantes da Proposta Básica <strong>de</strong> Implementação da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações do<br />
Ministério das Comunicações, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997, apud PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 30.<br />
409 Embora a antiga operadora do Sistema Telebrás (CTMR – Companhia Telefônica Melhoramento e<br />
Resistência S.A.) somente atuasse efetivamente em Pelotas e adjacências, já que a CRT do Estado do Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul operava nos <strong>de</strong>mais municípios, a área <strong>de</strong> concessão foi <strong>de</strong>finida como todo o Estado do<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
410 Ibid., p. 12.
104<br />
Todas as subdivisões do antes monolítico Sistema Telebrás, fossem meras<br />
conformações acionárias, fossem especializações funcionais (telefonia fixa, móvel,<br />
dados), permitiram o surgimento <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong>finitivamente novo caracterizado pela<br />
complexida<strong>de</strong> das relações entre o ambiente normativo e a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestação dos<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A inicial normatização criada na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990 vem<br />
sofrendo natural estranhamento frente às alterações <strong>de</strong> um setor marcado pelas<br />
inovações tecnológicas. Em face <strong>de</strong>stas modificações, a ANATEL produziu resoluções<br />
<strong>de</strong> forma industrial, criando serviços novos sucessores dos serviços <strong>de</strong> conformação<br />
normativa <strong>de</strong>fasada, como é o caso do Serviço Móvel Pessoal – sucedâneo do Serviço<br />
Móvel Celular – e do Serviço <strong>de</strong> Comunicação Multimídia – sucedâneo dos Serviços<br />
Limitados Especializados (SLE) e do Serviço <strong>de</strong> Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Transporte <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (SRTT), bem como da proposta <strong>de</strong> criação do Serviço <strong>de</strong><br />
Comunicação Digital (SCD). 411<br />
4.5 REGULAMENTAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES NO<br />
BRASIL<br />
Superada a divisão <strong>de</strong> competência fe<strong>de</strong>rativa das <strong>telecomunicações</strong> entre<br />
União, Estados-Membros e Municípios própria da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946 412 ,<br />
restou à União a competência privativa <strong>de</strong> operacionalização 413 e normatização 414 do<br />
setor.<br />
A partir da orientação firmada no art. 21, XI e no art. 21, XII, a da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, que foi mantida pela Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong><br />
15/08/1995, po<strong>de</strong>-se ter presente a divisão i<strong>de</strong>alizada entre os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> no direito <strong>brasil</strong>eiro.<br />
Nas constituições anteriores, tratava-se dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
como um todo. Na CF/1891 415 , havia apenas a referência à competência tributária da<br />
União e dos Estados para taxar os correios e telégrafos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>duzia a<br />
competência para disciplinar o serviço <strong>de</strong> telegrafia. As Constituições <strong>de</strong> 1934 416 e <strong>de</strong><br />
1937 417 <strong>de</strong>dicavam um único inciso aos serviços <strong>de</strong> telégrafos, radiocomunicação,<br />
411<br />
O contexto <strong>de</strong> introdução do Serviço <strong>de</strong> Comunicação Digital vem referido na página 161 <strong>de</strong>ste<br />
capítulo.<br />
412<br />
Vi<strong>de</strong> parágrafo correspon<strong>de</strong>nte à nota 266, p. 82 <strong>de</strong>ste capítulo.<br />
413 o<br />
Art. 8 , XV, a da CF/67 e EC1/69; art. 21, XI e XII, a da CF/88.<br />
414 o<br />
Art. 8 , XVII, i da CF/67 e EC1/69; art. 22, IV da CF/88.<br />
415 o o<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1891: “Art. 7 É da competencia exclusiva da União <strong>de</strong>cretar: 4 Taxas dos<br />
correios e telegraphos fe<strong>de</strong>raes; Art. 9 o É da competencia exclusiva dos Estados <strong>de</strong>cretar impostos: §1 o<br />
Tambem compete exclusivamente aos Estados <strong>de</strong>cretar: 2 o Contribuições concernentes aos seus<br />
telegraphos e correios.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13 a ed., São<br />
Paulo: Atlas, 1999, p. 752-753).<br />
416 o<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1934: “Art. 5 Compete privativamente à União: VIII, explorar ou dar em<br />
concessão os serviços <strong>de</strong> telegraphos, radio-communicação e navegação aerea, inclusive as installações<br />
<strong>de</strong> pouso, bem como as vias-ferreas que liguem, directamente portos maritimos a fronteiras nacionaes, ou<br />
transponham os limites <strong>de</strong> um Estado.” (Ibid., p. 683-684).<br />
417<br />
Constitução Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1937: “Art. 15. Compete privativamente à União: VII – explorar ou dar em<br />
concessão os serviços <strong>de</strong> telégrafos, rádio-comunicação e navegação aérea, inclusive as instalações <strong>de</strong>
105<br />
navegação aérea e vias férreas. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946 418 , por sua vez, divisou<br />
a radiodifusão e a telefonia dos tradicionais serviços <strong>de</strong> telégrafos e <strong>de</strong><br />
radiocomunicação. Com a Constituição <strong>de</strong> 1967 419 e a Emenda Constitucional nº 1, <strong>de</strong><br />
1969, passou-se a disciplinar a competência da União para os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> como um todo, sem outras especificações.<br />
Inovando, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 420 introduziu a distinção <strong>de</strong><br />
tratamento inicialmente entre ‘serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens’ <strong>de</strong><br />
um lado, e os ‘serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>’, <strong>de</strong> outro, enumerando,<br />
expressamente, os telefônicos, os telegráficos, e os <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> dados como<br />
serviços públicos. Mais tar<strong>de</strong>, a EC8/95 421 introduziu a distinção entre ‘serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>’ e ‘serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens’. Além <strong>de</strong>sta<br />
distinção entre os serviços nomeados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> pelo diploma maior e os<br />
apartados <strong>de</strong>ste rol comum e <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> radiodifusão, promoveu-se a nítido<br />
tratamento diferenciado das concessões, permissões e autorizações <strong>de</strong> radiodifusão<br />
submetidas ao art. 223 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988.<br />
O movimento <strong>de</strong> segregação entre os serviços <strong>de</strong> radiodifusão e os serviços<br />
comuns <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> foi seguido <strong>de</strong> disciplina infraconstitucional dada pela Lei<br />
Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97), que submeteu todos os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> às suas disposições exceto os serviços <strong>de</strong> radiodifusão, cujo<br />
tratamento normativo permaneceu submisso ao antigo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 4.117/62) à exceção da competência da ANATEL sobre a<br />
alocação, fiscalização e questões correlatas ao espectro eletromagnético.<br />
Estas distinções visíveis no ambiente constitucional ombrearam com<br />
inúmeras outras distinções entre serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> implementadas em foro<br />
infraconstitucional advindas da evolução tecnológica e das peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tratamento<br />
normativo exigidas por cada espécie <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que começaram<br />
sua especialização a partir do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, <strong>de</strong> 1962. Na<br />
segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1990, existiam diversas subdivisões <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> em âmbito infraconstitucional: telefônico fixo comutado; TV a cabo;<br />
distribuição <strong>de</strong> sinais multiponto multicanal; distribuição <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> televisão e <strong>de</strong><br />
áudio por assinatura via satélite; especial <strong>de</strong> televisão por assinatura; especial <strong>de</strong><br />
pouso, bem como as vias férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais ou<br />
transponham os limites <strong>de</strong> um Estado.” (Ibid., p. 599).<br />
418 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946: “Art. 5 o Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante<br />
autorização ou concessão, os serviços <strong>de</strong> telégrafos, <strong>de</strong> radiocomunicação, <strong>de</strong> radiodifusão, <strong>de</strong> telefones<br />
interestaduais e internacionais, <strong>de</strong> navegação aérea e <strong>de</strong> vias férreas, que liguem portos marítimos a<br />
fronteiras nacionais ou transponham os limites <strong>de</strong> um Estado.” (Ibid., p. 474).<br />
419 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967 e Emenda Constitucional nº 1, <strong>de</strong> 1969: “Art. 8 o Compete à União: XV –<br />
explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>;” (Ibid.,<br />
p. 384 e 256-257).<br />
420 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988: “Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante<br />
concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, <strong>de</strong> transmissão<br />
<strong>de</strong> dados e <strong>de</strong>mais serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, assegurada a prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
informações por entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direito privado através da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> explorada pela<br />
União; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços <strong>de</strong><br />
radiodifusão sonora, <strong>de</strong> sons e imagens e <strong>de</strong>mais serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.”.<br />
421 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 1995: “Art. 21.<br />
Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação<br />
<strong>de</strong> um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante<br />
autorização, concessão ou permissão: a) os serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora, e <strong>de</strong> sons e imagens.”
106<br />
radiochamada; avançado <strong>de</strong> mensagem; especial <strong>de</strong> radiorrecado; especial <strong>de</strong><br />
freqüência padrão; especial <strong>de</strong> boletim metereológico; especial <strong>de</strong> sinais horários;<br />
móvel por satélite; radiocomunicação aeronáutica; móvel celular; re<strong>de</strong> <strong>de</strong> transporte<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; móvel especializado; rádio taxi especializado; telestrada;<br />
especial para fins científicos e experimentais; especial <strong>de</strong> radioautocine; limitado<br />
privado; limitado <strong>de</strong> radioestrada; limitado <strong>de</strong> estações itinerantes; móvel aeronáutico;<br />
rádio do cidadão; radioamador; especial <strong>de</strong> radio<strong>de</strong>terminação; especial <strong>de</strong> supervisão<br />
e controle; especial <strong>de</strong> rádio acesso; limitado especializado; re<strong>de</strong> especializado;<br />
circuito especializado; móvel marítimo, <strong>de</strong>ntre outros. 422<br />
A multiplicação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> se refletiu na produção<br />
normativa infraconstitucional legal e infralegal (<strong>de</strong>cretos, portarias, resoluções),<br />
gerando vasta regulamentação tanto mais específica quanto mais específicos os serviços<br />
a que se referiam. Este movimento <strong>de</strong> submissão incondicional às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />
evolução tecnológica encontrou certa sistematização normativa na Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), cujas disposições divisaram os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> em tópicos com efeitos jurídicos distintos capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar blocos<br />
<strong>de</strong> serviços com características comuns, hierarquizando serviços e permitindo a<br />
racionalização regulamentar por intermédio <strong>de</strong> conceitos tais como os <strong>de</strong> regime público<br />
e regime privado, <strong>de</strong> interesse coletivo e <strong>de</strong> interesse restrito. Além <strong>de</strong>stas distinções<br />
entre os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a LGT dispôs sobre três outros conceitos, que<br />
refletem o ambiente <strong>de</strong> transmissão e transporte <strong>de</strong> informações: as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>; a radiofreqüência; e as órbitas.<br />
O estudo da normatização sobre os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fornece o<br />
instrumental necessário à compreensão das especificida<strong>de</strong>s das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
concernentes ao setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro.<br />
4.5.1 TELECOMUNICAÇÕES E SERVIÇOS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
Para a compreensão do significado dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no<br />
Brasil, será esboçada a disciplina normativa sobre o tema no tempo.<br />
O primeiro diploma legal codificador das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil<br />
(Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações – Lei 4.117/62) dispunha dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> em sentido amplo como transmissão, emissão ou recepção <strong>de</strong><br />
qualquer tipo <strong>de</strong> significado por processo eletromagnético, divisando entre a<br />
transmissão <strong>de</strong> escritos, por meio <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> sinais (telegrafia) e a transmissão da<br />
palavra falada ou <strong>de</strong> sons (telefonia).<br />
Lei 4.117/62, <strong>de</strong> 27/08/1962<br />
Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
Art.4º Para os efeitos <strong>de</strong>sta lei, constituem serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a<br />
transmissão, emissão ou recepção <strong>de</strong> símbolos, caracteres, sinais, escritos,<br />
imagens, sons ou informações <strong>de</strong> qualquer natureza, por fio, rádio,<br />
eletricida<strong>de</strong>, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.<br />
Telegrafia é o processo <strong>de</strong> telecomunicação <strong>de</strong>stinado à transmissão <strong>de</strong><br />
422 Ato nº 3.807, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, da ANATEL, que dispõe sobre a classificação dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> quanto aos interesses que aten<strong>de</strong>m.
escritos, pelo uso <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> sinais. Telefonia é o processo <strong>de</strong><br />
telecomunicação <strong>de</strong>stinado à transmissão da palavra falada ou <strong>de</strong> sons.<br />
107<br />
O texto do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações refletia a conceituação<br />
internacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>finida a partir da Conferência <strong>de</strong> Madrid <strong>de</strong> 1932,<br />
em que também se criou a União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações. 423 O atual<br />
regulamento internacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não <strong>de</strong>stoa do conceito inicial atribuído<br />
as <strong>telecomunicações</strong>. 424<br />
Na regulamentação da Lei 4.117/62, o Decreto 52.026/63 remetia<br />
indistintamente aos conceitos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
equiparando os termos e aplicando a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> dada<br />
pelo Código ao conceito <strong>de</strong> telecomunicação como toda transmissão, emissão ou<br />
recepção <strong>de</strong> significado por meio eletromagnético.<br />
Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20/05/1963<br />
Regulamento Geral do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
Art.4º. Os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, para os efeitos <strong>de</strong>ste<br />
Regulamento Geral, dos Regulamentos Específicos e dos Especiais,<br />
compreen<strong>de</strong>ndo a transmissão, emissão ou recepção <strong>de</strong> símbolos, caracteres,<br />
sinais, escritos, imagens, sons ou informações <strong>de</strong> qualquer natureza por fio,<br />
rádio, eletricida<strong>de</strong>, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético,<br />
assim se classificam: (...)<br />
Art. 6º Para os efeitos <strong>de</strong>ste Regulamento, os termos que figuram a seguir<br />
têm os significados <strong>de</strong>finidos após cada um <strong>de</strong>les:<br />
56 - TELECOMUNICAÇÃO - é toda transmissão, emissão ou recepção<br />
<strong>de</strong> símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações <strong>de</strong><br />
qualquer natureza, por fio, rádio, eletricida<strong>de</strong>, meios óticos ou qualquer outro<br />
processo eletromagnético.<br />
A imprecisão conceitual, que igualava serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e<br />
<strong>telecomunicações</strong>, foi afastada com a Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97).<br />
Esta firmou o entendimento <strong>de</strong> que a disciplina normativa <strong>de</strong>veria estar centrada nos<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como o “conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que possibilita a oferta<br />
<strong>de</strong> telecomunicação” 425 , evi<strong>de</strong>nciando a distinção entre os serviços e a telecomunicação<br />
em si. O serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é, portanto, algo mais amplo; é a ativida<strong>de</strong><br />
suficiente para o funcionamento das <strong>telecomunicações</strong>. Tem caráter funcional <strong>de</strong><br />
conjunto orientado a finalida<strong>de</strong>s. Assim, apresenta-se como o complexo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
orientadas à função <strong>de</strong> realização das <strong>telecomunicações</strong>; orientadas à transmissão,<br />
emissão e recepção <strong>de</strong> significados por via eletromagnética.<br />
Lei 9.472, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1997<br />
423 Telecomunicação vinha <strong>de</strong>finida como “toda comunicación telegráfica o telefónica <strong>de</strong> signos, señales,<br />
imágenes y sonidos <strong>de</strong> cualquier naturaleza por hilo, radioelectricidad u otro sistema o procedimiento <strong>de</strong><br />
señalización eléctrica o visual (semáforo)” (FERNÁNDEZ-SHAW, Félix. Organización internacional<br />
<strong>de</strong> las telecomunicaciones y <strong>de</strong> la radiodifusión. Madrid: Editorial Tecnos, 1978, p. 26).<br />
424 O atual Regulamento Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações foi aprovado na Conferência Administrativa<br />
Mundial <strong>de</strong> Telegrafia e Telefonia, em Melbourne, <strong>de</strong> 1988: “2.1. Télécommunication: Toute<br />
transmission, émission ou réception <strong>de</strong> signes, <strong>de</strong> signaux, d’écrits, d’images, <strong>de</strong> sons ou <strong>de</strong><br />
reseignements <strong>de</strong> toute nature, par fil, radioélectricité, optique ou autres systèmes électromagnétiques.”<br />
(ITU. Reglement <strong>de</strong>s telecommunications internationales: actes finals <strong>de</strong> la Conference Administrative<br />
Mondiale Telegraphique et Telephonique – Melbourne – 1988. Geneve: ITU, 1989).<br />
425 Art.60, caput da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97).
(Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações)<br />
Art.60. Serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é o conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que<br />
possibilita a oferta <strong>de</strong> telecomunicação.<br />
§1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,<br />
radioeletricida<strong>de</strong>, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético,<br />
<strong>de</strong> símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações <strong>de</strong><br />
qualquer natureza.<br />
108<br />
Entendido o serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como o conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
orientado à realização das <strong>telecomunicações</strong>, a perfeita compreensão <strong>de</strong>stas últimas<br />
surge como seu requisito conceitual. Enfim, em que consiste a telecomunicação?<br />
A <strong>de</strong>finição doutrinária clássica é <strong>de</strong> que telecomunicação é “comunicação à<br />
distância, realizada por processo eletromagnético” 426 . Embora aparentemente<br />
esclarecedora, ela acaba por simplificar <strong>de</strong>mais a questão. Não se sabe que distância é<br />
esta. Além disso, pior do que não se saber que distância é esta, não existe este elemento<br />
conceitual na legislação. A distância é criação doutrinária <strong>de</strong>corrente da etimologia da<br />
telecomunicação. Po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que esta distância seria mensurável como<br />
aquela necessária a configurar a comunicação, contrapondo-se, portanto, ao autoesclarecimento<br />
do interlocutor, mas os casos práticos <strong>de</strong> pessoas que se comunicam <strong>de</strong><br />
duas salas comerciais vizinhas, cujo espaço entre elas é <strong>de</strong> poucos metros, evi<strong>de</strong>ncia que<br />
o termo distância não participa da essência da telecomunicação mo<strong>de</strong>rna, embora seja<br />
ínsita à sua história. Nos tempos atuais, a introdução do conceito <strong>de</strong> distância encobre<br />
os termos elucidadores da telecomunicação: transmissão <strong>de</strong> significados e<br />
eletromagnetismo. A prática e evolução da telecomunicação esvaziou o significado da<br />
distância inerente à sua etimologia. Tanto a distância hoje é irrelevante, sob o ponto <strong>de</strong><br />
vista jurídico, que há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> telecomunicação nos limites <strong>de</strong> uma mesma<br />
edificação. 427<br />
O art. 6 o , do Decreto 52.026/63, já transcrito, qualificava a telecomunicação<br />
como transmissão <strong>de</strong> símbolos realizada por processo eletromagnético. Estes elementos<br />
conceituais das <strong>telecomunicações</strong> foram reproduzidos no art. 60, §1 o da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 9.472/97). Para que se i<strong>de</strong>ntifique a telecomunicação, há<br />
necessida<strong>de</strong>, portanto, da presença <strong>de</strong> dois elementos conceituais: transmissão e<br />
eletromagnetismo.<br />
4.5.1.1 Elementos conceituais <strong>de</strong> telecomunicação<br />
4.5.1.1.1 TRANSMISSÃO<br />
Dos dispositivos legais enunciados e do contexto normativo das<br />
<strong>telecomunicações</strong>, po<strong>de</strong>-se extrair a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> central <strong>de</strong>nominada<br />
transmissão. Diplomas legais e infralegais costumam sintetizar seu significado como<br />
426<br />
ESCOBAR, J. C. Mariense. O novo direito <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado, 1999, p. 21.<br />
427<br />
Confirmando esta posição, exemplifica-se dispositivo da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações: “Art.75.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> concessão, permissão ou autorização a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> restrita aos limites<br />
<strong>de</strong> uma mesma edificação ou proprieda<strong>de</strong> móvel ou imóvel, conforme dispuser a Agência.”.
109<br />
“emissão ou recepção <strong>de</strong> símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou<br />
informações <strong>de</strong> qualquer natureza” 428 . Ela traduz todo o fenômeno <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong><br />
convenções culturais com ou sem armazenagem intermediária, incluindo aí a emissão e<br />
a recepção. Este transporte é viabilizado pela noção da día<strong>de</strong> comunicativa, que, por sua<br />
vez, é esclarecida por distinções sociais <strong>de</strong> espaço e tempo. Utilizando-se o termo sinal<br />
em sentido amplo para abarcar toda convenção <strong>de</strong> símbolos, caracteres, sinais, escritos,<br />
imagens, sons e informações, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r por sinal transportado todo “fenômeno<br />
físico em que uma ou mais <strong>de</strong> suas características variam para representar<br />
informação” 429 .<br />
A partir da concepção <strong>de</strong> transmissão como transporte <strong>de</strong> convenções,<br />
entendidas como variação <strong>de</strong> características aptas a traduzirem informações, como<br />
também a partir da constatação <strong>de</strong> que toda transferência <strong>de</strong> sinais a<strong>de</strong>quados a<br />
representarem informações implicam comunicação, a transmissão <strong>de</strong> que se fala no<br />
ambiente <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é, naturalmente, uma transmissão comunicativa, que, no<br />
mínimo, comunica a falta <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong> da conexão. O silêncio também faz parte da<br />
transmissão, pois <strong>de</strong>tém sentido significativo e essencial à comunicação, po<strong>de</strong>ndo,<br />
assim, ser regulado. Da mesma forma, a transmissão <strong>de</strong> convenções para si próprio<br />
também está no campo das <strong>telecomunicações</strong>, por ver-se possibilitada pelos elementos<br />
<strong>de</strong> espaço e tempo.<br />
4.5.1.1.2 ELETROMAGNETISMO E TRANSMISSÃO ELETROMAGNÉTICA<br />
A transmissão, por si só, não é suficiente para caracterizar a<br />
telecomunicação. Para isso, a transmissão há <strong>de</strong> ser qualificada pelo processo<br />
eletromagnético. Assim, o eletromagnetismo é uma forma <strong>de</strong> transmissão apta a<br />
apresentá-la como telecomunicação. Ele se manifesta a partir <strong>de</strong> variação <strong>de</strong> um campo<br />
elétrico e <strong>de</strong> um campo magnético para produção <strong>de</strong> propagações intermitentes no<br />
espaço conhecidas como ondas eletromagnéticas. Ao contrário das ondas mecânicas,<br />
produzidas por perturbação em meios materiais, tais como ondas em líquidos, vibração<br />
<strong>de</strong> tambores <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> som ou mesmo a voz humana, as ondas eletromagnéticas<br />
apresentam-se como propagações, que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> meio material sensível, o que<br />
lhes possibilita serem transmitidas até mesmo no vácuo.<br />
A abrangência do conceito jurídico <strong>de</strong> telecomunicação advém do<br />
significado <strong>de</strong> eletromagnetismo, entretanto não significa simplesmente<br />
eletromagnetismo ligado à transmissão <strong>de</strong> convenções. Delimitar <strong>de</strong> forma precisa todo<br />
o universo <strong>de</strong> alcance da regulamentação <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e, portanto, <strong>de</strong>ste efeito<br />
das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor, exige a presença <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> fatores.<br />
A seguir, lança-se mão <strong>de</strong> casos práticos para auxiliar a precisão do conceito<br />
<strong>de</strong> telecomunicação.<br />
O som reproduzido pelo ar, água ou outro meio físico, embora possa ser<br />
originado por processo eletromagnético e gere transmissão <strong>de</strong> convenções, é conduzido<br />
por perturbação realizada pela freqüência <strong>de</strong> vibrações eletromagnéticas em meios<br />
428 Art. 4 o da Lei 4.117/62; art. 4 o e art. 6 o , item 56 do Decreto 52.026/63; art. 60, §1 o da Lei 9.472/97.<br />
429 PABLO, Marcos M. Fernando. Derecho general <strong>de</strong> las telecomunicaciones. Madri: COLEX, 1998, p.<br />
38. Tradução livre do original: “fenómeno físico en el que una o más <strong>de</strong> sus características varían para<br />
representar información”.
110<br />
físicos, produzindo, portanto, ondas mecânicas. Até o momento <strong>de</strong> transformação das<br />
ondas eletromagnéticas em ondas mecânicas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes outros fatores abaixo<br />
enunciados, está-se diante <strong>de</strong> telecomunicação. A partir do momento em que há<br />
conversão dos sinais eletromagnéticos em efeitos sonoros, não se trata mais <strong>de</strong><br />
telecomunicação, embora o conceito <strong>de</strong> comunicação à distância possa estar presente.<br />
Da mesma forma, os sinais visuais dos responsáveis pelo táxi aéreo em um<br />
aeroporto não significam transmissão <strong>de</strong> convenções por via eletromagnética, já que o<br />
processo em si <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> significado é meramente mecânico. Os mesmos gestos do<br />
responsável pelo táxi aéreo, quando realizados com ban<strong>de</strong>iras e cones luminosos,<br />
também não se traduzem em telecomunicação, porque a finalida<strong>de</strong> da luz, neste caso,<br />
embora ela em si seja freqüência eletromagnética, não é a <strong>de</strong> ser o meio significativo <strong>de</strong><br />
transmissão da informação. Não se interpretará, no caso, a luz nas suas diversas<br />
intensida<strong>de</strong>s, mas o fenômeno mecânico <strong>de</strong> movimentação das ban<strong>de</strong>iras e cones<br />
luminosos. Neste caso, à semelhança <strong>de</strong> placas <strong>de</strong> trânsito iluminadas, não se interpreta<br />
a luz, apesar <strong>de</strong>, às vezes, sua cor ser significativa. Interpreta-se o que a luz permite<br />
visualizar: o conteúdo da placa <strong>de</strong> trânsito ou dos movimentos do responsável pelo táxi<br />
aéreo. A luz serve apenas para visualização da placa não importando sua intensida<strong>de</strong>. A<br />
variação da luz não modifica o conteúdo da placa <strong>de</strong> trânsito, enquanto que, na<br />
telecomunicação, a modulação do sinal portador é essencial para a <strong>de</strong>finição do<br />
conteúdo da mensagem. Nas placas <strong>de</strong> trânsito <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> intermitente, a<br />
intermitência tem a função <strong>de</strong> chamar a atenção do motorista, mas ela, em si, não<br />
preten<strong>de</strong> reproduzir a complexida<strong>de</strong> do conteúdo da placa, que po<strong>de</strong> ser o mais<br />
diversificado possível. Assim, a modulação do sinal portador <strong>de</strong>ve ser significativa em<br />
dois sentidos: carregar significado próprio; e que este significado seja o mais próximo<br />
possível do conteúdo total da mensagem.<br />
Há, entretanto, outros casos que não se contentam com esta explicação.<br />
Letreiros luminosos, que transmitem propaganda <strong>de</strong> forma semelhante a uma<br />
programação televisiva, têm modulação do sinal portador significativa, pois a variação<br />
dos pontos <strong>de</strong> luz modifica o conteúdo da mensagem. Não é suficiente, portanto, a<br />
característica <strong>de</strong> modulação significativa do sinal portador. É necessária a i<strong>de</strong>ntificação<br />
<strong>de</strong> outro elemento diferenciador: a codificação e <strong>de</strong>codificação da transmissão. Apesar<br />
<strong>de</strong> estarmos sempre <strong>de</strong>codificando os sinais externos do mundo, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r a<br />
codificação e <strong>de</strong>codificação essenciais às <strong>telecomunicações</strong> como o tipo especial <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cifração apto à inteligibilida<strong>de</strong> das mensagens. Se assim for, o mecanismo <strong>de</strong> geração<br />
dos sinais e sua transmissão para a placa <strong>de</strong> efeitos luminosos é um fenômeno <strong>de</strong><br />
telecomunicação, mas não sua percepção pelos espectadores, que não utilizam<br />
mecanismos <strong>de</strong>codificadores para tanto.<br />
É bem verda<strong>de</strong> que a prática social e a complexida<strong>de</strong> dos fenômenos acaba<br />
por minar uma distinção absoluta <strong>de</strong> telecomunicação, que, como toda <strong>de</strong>finição<br />
jurídica, tem certo grau <strong>de</strong> imprecisão compatível com a mobilida<strong>de</strong> do objeto<br />
controlado. Outro exemplo <strong>de</strong> aplicação do conceito <strong>de</strong> eletromagnetismo na<br />
transmissão <strong>de</strong> convenções que não se caracteriza como telecomunicação, hoje, mas que<br />
po<strong>de</strong> vir a ser qualificado como telecomunicação mais tar<strong>de</strong>, é o código morse passado<br />
à distância por holofotes. Neste caso, há codificação e <strong>de</strong>codificação acompanhados <strong>de</strong><br />
modulação significativa do sinal portador, embora binária. 430 A única oposição aqui<br />
430 A intensida<strong>de</strong> do sinal importa, embora importe somente duas intensida<strong>de</strong>s: o sim, ou o não. A duração<br />
do sinal também interessa, embora limitada a duas durações: curto e longo. A existência, ou o vazio <strong>de</strong><br />
existência na transmissão são ambos significativos para a composição do código.
111<br />
possível para sua caracterização como telecomunicação é a ausência do conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />
como conjunto operacional contínuo <strong>de</strong> circuitos e equipamentos <strong>de</strong> transmissão. Por<br />
isso mesmo, po<strong>de</strong>-se imaginar telecomunicação por holofotes e receptores <strong>de</strong> código<br />
morse em re<strong>de</strong>, muito embora seja fato improvável. Nada improvável, entretanto, é a<br />
transmissão <strong>de</strong> informações operada por via <strong>de</strong> feixes luminosos segundo as<br />
características das <strong>telecomunicações</strong>. Felizmente, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão em alta<br />
velocida<strong>de</strong>, o avanço da tecnologia e a elevação dos custos <strong>de</strong> instalação dos cabos <strong>de</strong><br />
fibras ópticas tornaram viáveis as re<strong>de</strong>s que utilizam emissores e receptores entre<br />
arranha-céus mediante a tecnologia <strong>de</strong> FSO (free-space optics) 431 , evi<strong>de</strong>nciando que o<br />
sentido <strong>de</strong> telecomunicação exige a presença dos fatos para sua precisão conceitual.<br />
Logo, há elementos essenciais que caracterizam a transmissão<br />
eletromagnética, tornando-a apta para sua classificação como telecomunicação:<br />
modulação significativa do sinal portador; codificação e <strong>de</strong>codificação; conjunto<br />
operacional contínuo <strong>de</strong> circuitos <strong>de</strong> emissão e recepção.<br />
4.5.2 CONCEITO DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO<br />
A partir da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> telecomunicação, po<strong>de</strong>-se precisar o conceito <strong>de</strong><br />
serviço <strong>de</strong> telecomunicação como o conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s pertinente à transmissão <strong>de</strong><br />
informação por processo eletromagnético, que é aquele que se utiliza do campo<br />
eletromagnético para geração <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> comunicação, caracterizado pelos conceitos<br />
<strong>de</strong> modulação significativa do sinal portador, codificação e <strong>de</strong>codificação, e <strong>de</strong> um<br />
conjunto operacional contínuo <strong>de</strong> circuitos <strong>de</strong> emissão e recepção. Sempre que tais<br />
elementos conceituais estiverem presentes, haverá serviço <strong>de</strong> telecomunicação, exceto<br />
os serviços expressamente excluídos por lei.<br />
4.5.3 SERVIÇOS DE VALOR ADICIONADO (SVA):<br />
EXCLUSÕES LEGAIS EXPRESSAS DOS SERVIÇOS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
Os aspectos técnicos <strong>de</strong> classificação das <strong>telecomunicações</strong> não são contudo<br />
a palavra final, pois as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor são formadas por interesses outros. A<br />
primeira questão que surge refere-se à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivo infraconstitucional<br />
diminuir a extensão <strong>de</strong> competência inscrita na Constituição e dirigida à União (art. 21,<br />
XI). Ao remeter à competência da União a exploração dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, nos termos da lei, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 estabeleceu a pauta<br />
diretiva da evolução do or<strong>de</strong>namento <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A reserva legal aberta pelo<br />
texto constitucional, embora qualificada por indicativos pouco precisos, tais como a<br />
exigência <strong>de</strong> disciplina sobre a organização dos serviços, criação <strong>de</strong> órgão regulador e<br />
431 WILLEBRAND, Heinz A. & GHUMAN, Baksheesh S. Fiber optics without fiber: beaming light<br />
through the air offers the speed of optics without the expense of fiber. In: IEEE Spectrum. Vol. 38, n. 8,<br />
New York: The Institute of Electrical and Electronics Engineers, agosto <strong>de</strong> 2001, p. 40-45. O artigo<br />
compara o sistema FSO <strong>de</strong> comunicação em alta velocida<strong>de</strong> com as tradicionais tecnologias <strong>de</strong> fibras<br />
ópticas, que <strong>de</strong>mandam cinco vezes mais investimentos <strong>de</strong> instalação e acenam com maiores facilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> funcionamento por não exigirem aprovação municipal <strong>de</strong> uso do solo.
112<br />
outros aspectos institucionais, não permite a manipulação do conceito <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
telecomunicação por disposição legal. O limite <strong>de</strong> pertinência lógica dos serviços<br />
disciplinados por lei regulamentadora do art. 21, XI da CF/88 ombreia com a a<strong>de</strong>quação<br />
da qualificação dos serviços como <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> ou <strong>de</strong> valor adicionado. Por<br />
isso, uma das questões mais espinhosas da regulamentação <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no<br />
Brasil está centrada na <strong>de</strong>limitação da fronteira entre os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e<br />
os serviços que apenas lhes adicionam valor ou utilizam <strong>de</strong> suas re<strong>de</strong>s. Daí a<br />
importância do que foi falado páginas atrás sobre o conceito <strong>de</strong> serviço comercial e que<br />
<strong>de</strong>corre do mesmo pressuposto da política pública norte-americana <strong>de</strong> tratamento da<br />
internet: liberá-la da incidência <strong>de</strong> princípios públicos <strong>de</strong> gestão da ativida<strong>de</strong>.<br />
A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), no seu art. 61,<br />
caput, firmou posição a respeito e <strong>de</strong>finiu quais serviços distinguem-se dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> apesar <strong>de</strong> se aproximarem muito <strong>de</strong>les. A LGT consi<strong>de</strong>rou como<br />
Serviço <strong>de</strong> Valor Adicionado – SVA toda ativida<strong>de</strong> que acrescenta novas utilida<strong>de</strong>s a um<br />
serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> que lhe dá suporte e com o qual não se confun<strong>de</strong>. Estas<br />
utilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem estar relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação,<br />
movimentação ou recuperação <strong>de</strong> informações. Apartados dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, os serviços <strong>de</strong> valor adicionado submetem-se apenas aos controles<br />
necessários à garantia <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> das vias <strong>de</strong> telecomunicação e serviços<br />
correspon<strong>de</strong>ntes, pois seus provedores classificam-se como usuários (art. 61, §1 o da<br />
LGT) com os direitos e <strong>de</strong>veres inerentes a esta condição.<br />
Estes usuários <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> são especiais. Em geral, têm<br />
potencial elevado <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> operacional das re<strong>de</strong>s, gerando maiores<br />
cuidados e garantias tanto para disciplina <strong>de</strong> seu acesso quanto para disciplina <strong>de</strong> seus<br />
limites. 432 A própria LGT, no art. 61, §2 o , garante o acesso dos provedores <strong>de</strong> serviços<br />
<strong>de</strong> valor adicionado às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Apesar <strong>de</strong> não estar<br />
expresso, estas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> obrigatória somente po<strong>de</strong>rão ser as qualificadas<br />
como <strong>de</strong> interesse coletivo. Por isso, a regulamentação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> valor adicionado<br />
concentra-se no Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, no Serviço Móvel Celular –<br />
SMC 433 , no Serviço Móvel Pessoal – SMP e nos serviços conhecidos como <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, tais como TV a Cabo, MMDS, DTH e TVA. Provedores <strong>de</strong><br />
SVA e operadoras <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> contratam a utilização, em geral, <strong>de</strong><br />
códigos <strong>de</strong> acesso específicos e o fornecimento do registro das chamadas <strong>de</strong>stinadas aos<br />
provedores.<br />
Mesmo antes da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações – LGT, a Norma nº 004/95,<br />
aprovada pela Portaria nº 148/95 434 , do Ministério das Comunicações, dispunha sobre o<br />
Uso <strong>de</strong> Meios da Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Telecomunicações para Acesso à Internet,<br />
432 Um provedor <strong>de</strong> internet po<strong>de</strong> ter milhares <strong>de</strong> usuários conectados simultaneamente e<br />
ininterruptamente. Essa circunstância exige planejamento estratégico e prévio da operadora <strong>de</strong> telefonia<br />
que contratar sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão com o provedor. Da mesma forma, os serviços <strong>de</strong> 0800 e<br />
0900, principalmente quando ligados a promoções televisadas ou transmitidas por estações <strong>de</strong> rádio,<br />
geram oscilações rápidas e <strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> no número <strong>de</strong> ligações da região que ocupam, influindo<br />
<strong>de</strong>cisivamente no índice <strong>de</strong> completamento <strong>de</strong> chamadas da operadora contratada.<br />
433 O Serviço Móvel Celular foi, na prática, extinto, <strong>de</strong>vido à migração das últimas prestadoras <strong>de</strong> SMC<br />
para o Serviço Móvel Pessoal em fevereiro <strong>de</strong> 2004. Conferir: BRASIL. ANATEL. Acompanhamento dos<br />
Termos <strong>de</strong> Autorização <strong>de</strong> Serviço Móvel Pessoal. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:<br />
http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/comunicacao_movel/smc/acompanhamento_termo_smp_smc.pdf (Consultado<br />
em 21/09/2005).<br />
434 Portaria nº148, <strong>de</strong> 31/05/1995. Publicada no DOU <strong>de</strong> 01/06/1995, p. 7875-7876.
113<br />
principalmente focada no relacionamento entre as Entida<strong>de</strong>s Exploradoras <strong>de</strong> Serviços<br />
Públicos <strong>de</strong> Telecomunicações – EESPTs e os Provedores <strong>de</strong> Serviço <strong>de</strong> Conexão à<br />
Internet – PSCIs. No mês seguinte – junho <strong>de</strong> 1995 –, o Ministério das Comunicações e<br />
o Ministério da Ciência e Tecnologia emitiram nota conjunta, que qualificava o<br />
provimento <strong>de</strong> acesso ou <strong>de</strong> informações como serviço comercial preferencialmente<br />
implementado pela iniciativa privada, reservando-se aos órgãos públicos tão-somente o<br />
provimento em situações “on<strong>de</strong> seja necessária a presença do setor público para<br />
estimular ou induzir o surgimento <strong>de</strong> provedores [privados] e usuários” 435 . A opção<br />
política por tratar a internet como uma ativida<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> estímulo à ativida<strong>de</strong><br />
comercial em geral ficou ainda mais evi<strong>de</strong>nte quando da disponibilização para fins<br />
comerciais da Re<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Pesquisa (RNP) dotada <strong>de</strong> espinha dorsal (backbone)<br />
nacional antes exclusivamente <strong>de</strong>stinada a aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
internet da comunida<strong>de</strong> acadêmica. 436 A própria nomenclatura do serviço, enfim, o<br />
qualificava como <strong>de</strong> caráter privado: “serviços comerciais Internet” 437 . Sua or<strong>de</strong>nação<br />
vem <strong>de</strong>finida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGIbr) criado pela Portaria<br />
Interministerial nº 147, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995, e atualmente disciplinado pelo Decreto<br />
nº 4.829, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2003.<br />
Mantida a disciplina normativa específica para os serviços <strong>de</strong> conexão à<br />
internet, a Norma nº 004/97, aprovada pela Portaria nº 251/97, do Ministério das<br />
Comunicações, previu o Uso da Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Telecomunicações para Prestação <strong>de</strong><br />
Serviços <strong>de</strong> Valor Adicionado. Esta norma dirigia-se aos serviços <strong>de</strong> valor adicionado<br />
em geral providos por intermédio da re<strong>de</strong> pública – hoje restrita a parcela do serviço<br />
telefônico fixo comutado – excluídos certos serviços <strong>de</strong> valor adicionado submetidos a<br />
tratamento específico: uso da re<strong>de</strong> pública para acesso à internet (Norma 004/95);<br />
serviços <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, caracterizados como aqueles serviços prestados por órgãos<br />
da União, Estados-Membros e Municípios ou por entida<strong>de</strong>s sem fins lucrativos voltadas<br />
a serviços <strong>de</strong> emergência (<strong>de</strong>fesa civil, corpo <strong>de</strong> bombeiros, polícia, etc.) e apoio ao<br />
cidadão (receita fe<strong>de</strong>ral, assistência ao idoso, assistência à criança, abastecimento<br />
alimentar, etc.); e, serviços prestados através <strong>de</strong> recursos intrínsecos à re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, que complementam o serviço básico prestado pelas então chamadas<br />
Entida<strong>de</strong>s Exploradoras do Serviço Telefônico Público. A mesma Norma 004/97 (item<br />
6.1) disciplina os direitos básicos do assinante <strong>de</strong> serviço público <strong>de</strong> telecomunicação<br />
frente aos serviços <strong>de</strong> valor adicionado em geral: livre acesso aos serviços dos<br />
provedores; e o direito <strong>de</strong> bloqueio ou <strong>de</strong>sbloqueio <strong>de</strong>stes serviços sem ônus.<br />
4.5.4 OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS AOS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
A par dos Serviços <strong>de</strong> Valor Adicionado – SVA, a prática dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> revela a proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros serviços, que <strong>de</strong>mandam estudos<br />
particularizados para seu nivelamento com os <strong>de</strong> telecomunicação ou sua diferenciação.<br />
Foi o ocorrido com os serviços <strong>de</strong> provimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satélite e habilitação<br />
435 BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA.<br />
Nota Conjunta: internet no Brasil. Junho <strong>de</strong> 1995, item 1.4.<br />
436 Ibid., itens 3.1; 3.2; e 3.3.<br />
437 Ibid., itens 1.2; e 3.5.
114<br />
ou cadastro <strong>de</strong> usuário e <strong>de</strong> equipamento para acesso a serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Ambos apresentam-se como conjunto <strong>de</strong> operações necessárias à telecomunicação<br />
comercial, mesmo que indiretamente, mas foram excluídos do rol <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> pelo Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações, aprovado pela<br />
Resolução73/98, da ANATEL. Sem o provimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satélite, os serviços<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> que <strong>de</strong>la se utilizam restariam inutilizados. Sem habilitação ou<br />
cadastro <strong>de</strong> usuário e <strong>de</strong> equipamento para acesso a serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, estes<br />
serviços per<strong>de</strong>riam sua viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> massa. Da mesma forma, sem os<br />
serviços oferecidos por usuários comerciais, tais como a oferta <strong>de</strong> produtos e serviços,<br />
que em nada se aproximam das <strong>telecomunicações</strong>, pouco da capacida<strong>de</strong> instalada <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> teria sentido.<br />
Enfim, este caminho a procura do sentido do serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
como conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s voltado a prover telecomunicação parece não ter fim sem<br />
que se estabeleça uma fronteira pautada em certas características arbitrárias.<br />
O texto legal (art. 60, caput da LGT) fala em serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
como conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que possibilita a oferta <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Se levada às<br />
últimas conseqüências, a análise textual da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
envolveria todo serviço capaz <strong>de</strong> se confundir com a utilida<strong>de</strong> do serviço mínimo <strong>de</strong><br />
transmissão eletromagnética, levando a consi<strong>de</strong>rá-lo tão essencial quanto a própria<br />
transmissão. Volta-se, portanto, ao ponto <strong>de</strong> partida nada alentador <strong>de</strong> que tudo ligado<br />
direta ou indiretamente à telecomunicação seria serviço <strong>de</strong> telecomunicação.<br />
A solução <strong>de</strong>ste problema exige raciocínio institucional. O serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, como competência estatal expressa, é uma instituição <strong>de</strong> caráter<br />
objetivo, que, por isso mesmo, não tem, nem po<strong>de</strong> ter, caráter absoluto. Se enunciada no<br />
texto constitucional como reserva <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s da União em ambiente <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
individual e respeito à livre iniciativa, ou seja, em ambiente <strong>de</strong> equilíbrio entre o<br />
individual e o social, não se po<strong>de</strong> daí extrair uma interpretação extensiva do conceito <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Ditos serviços serão somente aqueles necessários à<br />
consecução dos fins sociais estampados na viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação eletromagnética<br />
e <strong>de</strong> acesso igualitário.<br />
Sob este enfoque, o conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que possibilita telecomunicação<br />
<strong>de</strong>ve ser entendido como conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s necessárias e suficientes à boa<br />
prestação da utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intercomunicação. Assim, o conceito <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> permanece ligado umbilicalmente aos conceitos <strong>de</strong> transmissão e<br />
eletromagnetismo. Somente o serviço bastante à realização <strong>de</strong> transmissão<br />
eletromagnética caracterizada pelos elementos citados linhas atrás (modulação<br />
significativa, codificação e re<strong>de</strong>) po<strong>de</strong> qualificar-se como serviço <strong>de</strong> telecomunicação.<br />
Todos os <strong>de</strong>mais acréscimos <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>s são serviços que lhes adicionam valor ou<br />
refletem passos capazes <strong>de</strong> vincular o usuário ao serviço central. Em face <strong>de</strong>stas<br />
consi<strong>de</strong>rações, vê-se a possibilida<strong>de</strong> aberta pelo or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong><br />
tratamento dos meios <strong>de</strong> transmissão como serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, remetendo-se<br />
o que hoje se conhece como serviço – telefonia fixa, telefonia móvel, transmissão <strong>de</strong><br />
imagens, <strong>de</strong>ntre outros – para fora da regulamentação da agência reguladora. Trata-se,<br />
portanto, em certa medida, <strong>de</strong> opção política.<br />
Fixado o conceito <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> telecomunicação a partir dos enunciados<br />
constitucional e legal, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>ixar claro que o papel da ANATEL na <strong>de</strong>terminação<br />
dos serviços não integrantes do conceito <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> segue<br />
parâmetros superiores <strong>de</strong>finidos em lei em sentido formal. O papel do Conselho Diretor
115<br />
da agência neste aspecto está na orientação <strong>de</strong> sua estrutura interna e na antecipação <strong>de</strong><br />
segurança jurídica para os atores do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> sobre as inúmeras<br />
implicações da classificação ou não <strong>de</strong> um serviço como serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Por isso, a presença, no Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações (Resolução<br />
73/98), <strong>de</strong> elenco resumido <strong>de</strong> serviços não caracterizados como serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>.<br />
Há, contudo, naquele regulamento, dispositivo gerador <strong>de</strong> dubieda<strong>de</strong>. Tratase<br />
do parágrafo único do art. 3. o , que possibilita o estabelecimento, pela ANATEL, <strong>de</strong><br />
outras situações que não constituam serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> além das já previstas<br />
no caput do mesmo artigo.<br />
Resolução 73/98 da ANATEL<br />
(Regulamento dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>)<br />
Art.3ºNão constituem serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>:<br />
(...)<br />
Parágrafo único – A Agência po<strong>de</strong>rá estabelecer outras situações que não constituam<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, além das previstas neste artigo.<br />
O parágrafo único citado gera imprecisão <strong>de</strong>snecessária. Ou a ANATEL<br />
expressa a exclusão <strong>de</strong> mais serviços além dos já enunciados no art. 3 o do Regulamento<br />
dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações por meio <strong>de</strong> resolução, que modifique o próprio<br />
Regulamento, o que torna inútil a presença do parágrafo único citado, ou ele lá estaria<br />
para indicar que a ANATEL po<strong>de</strong>ria fazê-lo por outro ato administrativo qualquer, que,<br />
por <strong>de</strong>finição, é incompatível com a normatização ínsita a uma <strong>de</strong>cisão como esta, que<br />
<strong>de</strong>limita a extensão do texto legal e mesmo constitucional. Vê-se, portanto, que o único<br />
sentido útil possível daquele parágrafo único somente po<strong>de</strong> ser o <strong>de</strong> efeito esclarecedor<br />
<strong>de</strong> que o rol <strong>de</strong> exceções aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não é taxativo, mas<br />
meramente exemplificativo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, entretanto, <strong>de</strong> pronunciamento expresso do<br />
Conselho Diretor da agência para vincular sua estrutura frente à argüição <strong>de</strong> novas<br />
categorias ali não contempladas.<br />
4.5.5 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS DE<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
Analisado o conceito <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como conjunto <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s suficientes à oferta <strong>de</strong> telecomunicação, bem como o <strong>de</strong> telecomunicação<br />
como transmissão eletromagnética pautada por diversos fatores (modulação<br />
significativa do sinal portador, codificação e <strong>de</strong>codificação, re<strong>de</strong>s operacionais), o<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> introduz divisões entre<br />
modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços capazes <strong>de</strong> suscitar efeitos distintos, tais como aplicação <strong>de</strong><br />
regimes jurídicos público ou privado, ou mesmo a ampliação ou diminuição do âmbito<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> dos prestadores.<br />
A partir da reestruturação e codificação das <strong>telecomunicações</strong>, no Brasil,<br />
obtidas por intermédio da Lei 4.117/62 (Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações –<br />
CBT) e do Decreto 52.026/63, que a regulamentou, procurou-se divisar os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> segundo três critérios: natureza; fins a que se <strong>de</strong>stinam; e âmbito <strong>de</strong><br />
aplicação.
116<br />
Quanto à natureza, o Decreto 52.026/63 438 previa as seguintes espécies <strong>de</strong><br />
serviços: telefonia; telegrafia; telex; difusão <strong>de</strong> sons e imagens; transmissão <strong>de</strong> dados;<br />
fac-simile; telecomando; e radio<strong>de</strong>terminação.<br />
Quanto aos fins visados, tanto o CBT 439 quanto o Decreto regulamentador 440<br />
distinguiam: serviço público, <strong>de</strong>stinado ao uso do público em geral; serviço público<br />
restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em<br />
movimento ou ao uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por serviço<br />
público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; serviço limitado, executado por estações não abertas à<br />
correspondência pública, como, por exemplo, serviços <strong>de</strong> segurança, regularida<strong>de</strong>,<br />
orientação e administração dos transportes em geral, serviços <strong>de</strong> múltiplos <strong>de</strong>stinos,<br />
serviço rural e serviço privado; serviço <strong>de</strong> radiodifusão, <strong>de</strong>stinado a ser recebido direta<br />
e livremente pelo público em geral, compreen<strong>de</strong>ndo radiodifusão sonora e televisão;<br />
serviço <strong>de</strong> radioamador, orientados ao estudo e prática da radiotécnica unicamente a<br />
título pessoal sem cunho pecuniário ou comercial; serviço especial, relativo a<br />
<strong>de</strong>terminados serviços <strong>de</strong> interesse geral, não abertos à correspondência pública e não<br />
incluídos nas classificações anteriores, como, por exemplo, o <strong>de</strong> sinais horários, o <strong>de</strong><br />
freqüência padrão, o <strong>de</strong> boletins metereológicos, o que se <strong>de</strong>stine a fins científicos ou<br />
experimentais, o <strong>de</strong> música funcional e o <strong>de</strong> radio<strong>de</strong>terminação.<br />
Finalmente, quanto ao âmbito, os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> eram<br />
divididos pelo CBT 441 e pelo seu Decreto regulamentador 442 em: serviço interior,<br />
estabelecido entre estações <strong>brasil</strong>eiras, fixas ou móveis, <strong>de</strong>ntro dos limites da jurisdição<br />
territorial da União; e serviço internacional, estabelecido entre estações <strong>brasil</strong>eiras,<br />
fixas ou móveis, e estações estrangeiras, ou estações <strong>brasil</strong>eiras móveis, que se achem<br />
fora dos limites da jurisdição territorial <strong>brasil</strong>eira.<br />
A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) inovou nas<br />
classificações. Diferentemente do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, <strong>de</strong> 1962, que<br />
distinguia os serviços segundo os fins visados e o âmbito, a LGT revelou especial<br />
atenção aos efeitos jurídicos das classificações e divisou os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> segundo o regime jurídico e a abrangência 443 . As classificações do<br />
antigo CBT e da atual LGT têm pouco em comum. O critério dos fins visados constante<br />
do CBT e o critério da abrangência costante da LGT estão ambos pautados na presença<br />
ou ausência <strong>de</strong> abertura à correspondência pública em razão da abrangência dos<br />
interesses suscitados pelo serviço. Por isso, a antiga divisão <strong>de</strong>talhada dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> quanto aos fins visados indicada no CBT (serviços limitados, serviços<br />
<strong>de</strong> radioamador, serviços especiais, <strong>de</strong>ntre outros) ter sido remetida, a partir <strong>de</strong> meados<br />
da década <strong>de</strong> 1990, a mera i<strong>de</strong>ntificação, pela ANATEL 444 , <strong>de</strong> quais <strong>de</strong>les se submetem,<br />
438 Art. 4 o , item 1, do Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
439 Art. 6 o da Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962.<br />
440 Art. 4 o , item 2, do Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
441 Art. 5 o , da Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962.<br />
442 Art. 4 o , item 3, do Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
443 Esta classificação quanto à abrangência é <strong>de</strong>finida como classificação quanto aos interesses a que<br />
aten<strong>de</strong>m os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, conforme dispõe o Regulamento dos Serviços <strong>de</strong><br />
Telecomunicações aprovado pela Resolução nº 73, <strong>de</strong> 25/11/1998, da ANATEL.<br />
444 O Ato nº 3.807, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, da ANATEL, dispõe sobre a classificação dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> quanto aos interesses que aten<strong>de</strong>m, elencando um rol (especial <strong>de</strong> radiochamada,<br />
especial <strong>de</strong> freqüência padrão, TV a cabo, <strong>de</strong>ntre outros) <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse coletivo, outro rol (rádio<br />
táxi privado, limitado <strong>de</strong> radioestrada, especial para fins científicos e experimentais) <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
interesse restrito, e, finalmente, outro rol (re<strong>de</strong> especializado, especial <strong>de</strong> radio<strong>de</strong>terminação, limitado<br />
especializado) passível <strong>de</strong> prestação tanto como interesse coletivo quanto como interesse restrito.
117<br />
quanto à abrangência, aos regimes <strong>de</strong> interesse coletivo e restrito. A antiga classificação<br />
quanto ao âmbito prevista no CBT foi <strong>de</strong>gradada a mera condição <strong>de</strong> mapeamento do<br />
território para distribuição das outorgas estatais dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. 445<br />
Finalmente, a classificação prevista no Decreto 52.026/63 quanto à natureza do serviço<br />
foi assimilada <strong>de</strong> modo simplificado pela LGT como formas <strong>de</strong> telecomunicação. 446<br />
4.5.5.1 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO REGIME<br />
JURÍDICO: PÚBLICO OU PRIVADO<br />
A Emenda Constitucional nº 8, <strong>de</strong> 1995, ao modificar o art. 21, XI, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, trouxe para dito inciso o conjunto <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> sem expressa menção ao regime a que se submetiam, chancelando a<br />
antiga prática <strong>de</strong> submissão <strong>de</strong> parcela <strong>de</strong>stes serviços ao regime privado. O fato <strong>de</strong> se<br />
enten<strong>de</strong>r que a referência aberta pela EC8/95 aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> implica<br />
convivência <strong>de</strong> serviços públicos e privados no mesmo rol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s não significa<br />
opção pela inação estatal frente a serviços consi<strong>de</strong>rados essenciais. A presença <strong>de</strong><br />
serviços públicos e privados no mesmo rol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s permite o tratamento jurídico<br />
compatível com a dinamicida<strong>de</strong> dos serviços e a mobilida<strong>de</strong> da evolução social.<br />
Ao se permitir a prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por concessão,<br />
permissão ou autorização, a CF/88 remeteu à legislação infraconstitucional, ou a<br />
pon<strong>de</strong>rações dogmáticas constitucionais, a <strong>de</strong>finição do regime <strong>de</strong> prestação do serviço<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Des<strong>de</strong> a entrada em vigor da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97),<br />
foram firmados os parâmatros para classificação dos serviços quanto ao regime jurídico:<br />
serviços públicos e serviços privados. Antes <strong>de</strong> se procurar distinguir estes serviços,<br />
<strong>de</strong>ve-se ter presente o critério elegido pela LGT para qualificação, pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República 447 , do rol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s submetido a regime público. Ao proibir a prestação <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminada modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> somente no regime privado 448 ,<br />
a LGT forneceu o critério material <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação do serviço público: a essencialida<strong>de</strong>.<br />
Aliás, é exatamente a essencialida<strong>de</strong> que permite cogitar da aplicação do princípio <strong>de</strong><br />
direito público da continuida<strong>de</strong> aos serviços públicos em geral. Portanto, se <strong>de</strong>terminada<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> figurar na realida<strong>de</strong> social como essencial,<br />
445 O Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62) dividia os serviços em internos e<br />
internacionais. A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97) assimila a distinção para firmar espaços<br />
territoriais aptos a abrigar distinções <strong>de</strong> tratamento normativo. O art. 65, §2 o da LGT prevê a utilização<br />
dos âmbitos regional, local ou <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>terminadas para a fixação da exclusivida<strong>de</strong> ou concomitância<br />
<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em regime público ou privado. O art. 69 da LGT indica que<br />
as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> serão <strong>de</strong>finidas pela ANATEL em função também <strong>de</strong> seu<br />
âmbito <strong>de</strong> prestação.<br />
446 “Forma <strong>de</strong> telecomunicação é o modo específico <strong>de</strong> transmitir informação, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> características<br />
particulares <strong>de</strong> transdução, <strong>de</strong> transmissão, <strong>de</strong> apresentação da informação ou <strong>de</strong> combinação <strong>de</strong>stas,<br />
consi<strong>de</strong>rando-se formas <strong>de</strong> telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação <strong>de</strong><br />
dados e a transmissão <strong>de</strong> imagens.” (LGT, art. 69, parágrafo único).<br />
447 Lei 9.472/97: “Art.18. Cabe ao Po<strong>de</strong>r Executivo, observadas as disposições <strong>de</strong>sta Lei, por meio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>creto: I – instituir ou eliminar a prestação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço no regime público,<br />
concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;”<br />
448 “Não serão <strong>de</strong>ixadas à exploração apenas em regime privado as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> interesse<br />
coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> universalização.” (LGT, art. 65, § 1 o ).
118<br />
per<strong>de</strong>-se a opção <strong>de</strong> política <strong>de</strong> governo do Presi<strong>de</strong>nte da República em submetê-la<br />
somente à prestação em regime privado.<br />
Adiantada a principal conseqüência da classificação dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> entre públicos e privados, <strong>de</strong>ve-se analisar paulatinamente o<br />
tratamento do tema no Brasil.<br />
4.5.5.1.1 REGIME JURÍDICO PÚBLICO E PRIVADO: CONTINUIDADE,<br />
UNIVERSALIZAÇÃO E ESSENCIALIDADE<br />
O regime especial <strong>de</strong> direito público foi sendo construído com a consciência<br />
<strong>de</strong> que certas ativida<strong>de</strong>s, por que disseminadas na socieda<strong>de</strong> por intermédio da figura<br />
estatal, mereciam tratamento diferenciado. Mereciam, portanto, um rol <strong>de</strong> normas<br />
próprias.<br />
Enquanto os serviços classificados como serviços privados, sofrem<br />
incidência <strong>de</strong> disposições gerais pertinentes à ativida<strong>de</strong> econômica, os serviços<br />
classificados como serviços públicos estão inseridos em regime cujo pressuposto <strong>de</strong><br />
atuação é o <strong>de</strong> ambiente juridicamente controlado. O regime privado pressupõe<br />
liberda<strong>de</strong>; o regime público, função. No regime público, nenhum passo po<strong>de</strong> ser dado<br />
sem previsão normativa expressa. O espaço <strong>de</strong> atuação é sempre pre<strong>de</strong>terminado por lei.<br />
Por isso, dizer-se que a ativida<strong>de</strong> inserida em regime público é essencialmente<br />
normatizada.<br />
No Brasil, os serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> estão, em regra,<br />
submetidos à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização estatal. Ao contrário do que normalmente<br />
ocorreria com ativida<strong>de</strong>s econômicas, todos os serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> autorização, exceto os que forem excluídos expressamente <strong>de</strong>sta exigência<br />
pela ANATEL (art. 131, §2 o da LGT). O disposto no art. 170 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
1988 po<strong>de</strong> gerar dúvidas quanto a constitucionalida<strong>de</strong> da exigência <strong>de</strong> autorização para<br />
prestação <strong>de</strong> serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Dita exigência somente po<strong>de</strong><br />
existir porque a utilização do serviço pressupõe, em regra, uso <strong>de</strong> bem público<br />
(espectro, solo ou subsolo). Além disso, o art. 21, XI da CF/88 prevê a prestação <strong>de</strong><br />
telecomunicação mediante autorização como regra geral, invertendo o tratamento<br />
comum das ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong> atuação livre somente obstruível se afetarem o<br />
interesse público. Assim, há dois tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas submetidas ao regime<br />
jurídico <strong>de</strong> direito privado. De um lado, as ativida<strong>de</strong>s econômicas em geral, como<br />
aquelas que não estão expressamente enunciadas como serviços próprios e privativos do<br />
Estado, portanto, remanescentes. De outro lado, as ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição<br />
expressa pelo texto constitucional, como é o caso <strong>de</strong> parcela dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> submetida, por expressa disposição constitucional, ao regime privado<br />
<strong>de</strong> prestação. A regra para os serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é da inexigência <strong>de</strong><br />
procedimento licitatório, a não ser quando o excesso <strong>de</strong> competidores pu<strong>de</strong>r prejudicar a<br />
prestação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> interesse coletivo (art. 136 da LGT). Esta<br />
exigência é esclarecedora, pois, ao se restringir à proteção da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
interesse coletivo, indica a opção legislativa <strong>de</strong> entrega das questões pertinentes às<br />
interferências entre prestadoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse restrito aos próprios<br />
interessados. Não caberá, aqui, interferência da ANATEL. Ela <strong>de</strong>ve conce<strong>de</strong>r a
119<br />
autorização, se cumpridas as condições objetivas 449 e subjetivas 450 , e <strong>de</strong>ixar aos<br />
interessados a solução das interferências entre elas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sua atuação não atinja<br />
serviços públicos ou privados <strong>de</strong> interesse coletivo.<br />
O serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> consi<strong>de</strong>rado público somente po<strong>de</strong> ser<br />
prestado pelo Estado diretamente ou mediante concessão ou permissão (art. 175, caput,<br />
da CF/88). Se prestados indiretamente, exige-se que a transferência da prestação seja<br />
precedida <strong>de</strong> procedimento administrativo licitatório (art. 175, caput da CF/88), exceto<br />
casos <strong>de</strong> disputa inviável (art. 91, §1 o da LGT) 451 ou <strong>de</strong>snecessária (art. 91, §2 o da<br />
LGT) 452 , <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que precedidas <strong>de</strong> procedimento administrativo pautado pelos princípios<br />
da publicida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong> e contraditório (art. 92 da LGT) e que o<br />
edital <strong>de</strong> licitação não tenha incorporado condições <strong>de</strong>sproporcionais a natureza e<br />
dimensão do serviço (art. 92, parágrafo único da LGT). Nem mesmo a forma <strong>de</strong><br />
remuneração pelo serviço é livre. No caso dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, por serem<br />
consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> fruição facultativa pelo usuário, são remunerados por tarifas<br />
controladas pela ANATEL (art. 103, caput, §4 o e art. 109 da LGT). A revisão das tarifas<br />
é submetida a rígida disciplina normativa e contratual (art. 108, caput e §§ 2 o , 3 o e 4 o da<br />
LGT). Há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> bens por <strong>de</strong>sapropriação (art. 100, caput da<br />
LGT) e <strong>de</strong> reversão para o patrimônio público dos bens da concessionária ou<br />
permissionária afetados ao serviço (art. 102, parágrafo único da LGT). O po<strong>de</strong>r<br />
conce<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>, ainda, intervir na prestadora do serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
(art. 110 da LGT) e limitar a transferência da outorga da prestação do serviço (art. 98 da<br />
LGT). O próprio vínculo contratual entre Estado e concessionária ou permissionária<br />
po<strong>de</strong> ser extinto unilateralmente pelo po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte (arts. 112 a 117 e 123 da LGT).<br />
Além disso, aplicam-se os princípios <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e universalização aos<br />
serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (art. 63, parágrafo único da LGT). Estes dois<br />
itens nada mais são do que dois dos princípios aplicáveis aos serviços públicos em<br />
geral: continuida<strong>de</strong> do serviço público e generalida<strong>de</strong> na organização do serviço.<br />
Continuida<strong>de</strong> e universalização serviram, na Lei 9.472/97 (LGT), como guias práticos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação da natureza pública <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Neste particular, há imprecisão da LGT e <strong>de</strong> sua regulamentação. A LGT<br />
<strong>de</strong>finiu a continuida<strong>de</strong> do serviço público como obrigação <strong>de</strong> possibilitar ao usuário a<br />
fruição do serviço <strong>de</strong> forma ininterrupta e em condição a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> uso (art. 79, §2 o da<br />
LGT). No mesmo sentido, e introduzindo o conceito <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> na prestação dos<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, o Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações previu<br />
como prestação a<strong>de</strong>quada a “prestação continuada do serviço” 453 . Uma coisa é prestar<br />
serviço <strong>de</strong> forma ininterrupta, sem paralizações injustificadas, e em condições<br />
449<br />
São condições objetivas previstas no art. 132 da LGT: disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> radiofreqüência e viabilida<strong>de</strong><br />
técnica do projeto.<br />
450<br />
São condições subjetivas previstas no art. 133 da LGT: constituição da empresa requerente segundo as<br />
leis <strong>brasil</strong>eiras, com se<strong>de</strong> e administração no país; não estar proibida <strong>de</strong> licitar ou contratar com o Po<strong>de</strong>r<br />
Público, não ter sido <strong>de</strong>clarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a<br />
<strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> caducida<strong>de</strong>; dispor <strong>de</strong> qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacida<strong>de</strong><br />
econômico-financeira, regularida<strong>de</strong> fiscal e regularida<strong>de</strong> perante a segurida<strong>de</strong> social; não estar prestando<br />
a mesma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço na mesma região, localida<strong>de</strong> ou área.<br />
451<br />
“Consi<strong>de</strong>ra-se inviável a disputa quando apenas um interessado pu<strong>de</strong>r realizar o serviço, nas condições<br />
estipuladas.” (art. 91, §1 o da LGT).<br />
452<br />
“Consi<strong>de</strong>ra-se <strong>de</strong>snecessária a disputa nos casos em que se admita a exploração do serviço por todos os<br />
interessados que atendam às condições requeridas.” (art. 91, §2 o da LGT).<br />
453 o<br />
Art. 46, §1 do Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações aprovado pela Resolução nº 73/98, da<br />
ANATEL.
120<br />
a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> uso. Todas estas características po<strong>de</strong>m e estão inscritas nos contratos <strong>de</strong><br />
prestação <strong>de</strong> serviços aos usuários ou consumidores, sejam <strong>de</strong> serviço público, sejam <strong>de</strong><br />
serviços privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Outra coisa é aplicar o princípio <strong>de</strong> direito<br />
público da continuida<strong>de</strong>. Este significa que o Estado garante a existência do serviço,<br />
mesmo que o concessionário ou permissionário não mais possa fazê-lo. Da continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>corre o <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> manter o serviço operante mesmo que abandonado pela<br />
concessionária ou permissionária. É o <strong>de</strong>ver-po<strong>de</strong>r estatal <strong>de</strong> intervir na empresa privada<br />
prestadora <strong>de</strong> serviço público que <strong>de</strong>scontinuar o serviço. Não significa, assim, simples<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ininterrupção, que mesmo ativida<strong>de</strong>s econômicas contratam com seus<br />
consumidores. O conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> do serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é<br />
necessário para que o Estado saiba quando <strong>de</strong>ve agir para garantia do serviço, mas o seu<br />
oposto não resume o sentido do princípio <strong>de</strong> direito público da continuida<strong>de</strong>, que é mais<br />
do que o mero cumprimento dos requisitos <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> do serviço: é <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
atuação estatal. Exatamente por causa da distinção entre a continuida<strong>de</strong> geral, como<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do serviço, e a continuida<strong>de</strong> específica do regime público, como<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> garantia estatal do serviço, é que foi aprovado pela ANATEL, pela Resolução<br />
nº 30, <strong>de</strong> 29/06/1998, um Plano Geral <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong> para o Serviço<br />
Telefônico Fixo Comutado prestado nos regimes público e privado. A <strong>de</strong>finição do<br />
princípio público da continuida<strong>de</strong>, nos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, está em que sua<br />
existência é assegurada pela União (art. 64 da LGT).<br />
Ao lado da continuida<strong>de</strong>, outro princípio <strong>de</strong> direito público característico do<br />
mo<strong>de</strong>lo regulatório <strong>brasil</strong>eiro da década <strong>de</strong> 1990 é a exigência <strong>de</strong> universalização. Ela é<br />
um reflexo estilizado do velho princípio da generalida<strong>de</strong> na organização do serviço<br />
público. A generalida<strong>de</strong> impõe disciplina normativa para um número in<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong><br />
pessoas, partindo do pressuposto da igualda<strong>de</strong> entre elas. Por isso, a disciplina<br />
normativa embasadora da prestação <strong>de</strong> serviços públicos orienta à sua difusão pelo<br />
maior número possível <strong>de</strong> pessoas e espaços geográficos do país. Isso é a<br />
universalização prevista na legislação setorial <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (art. 80, caput da<br />
LGT). Envolve diversos aspectos que variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a disponibilida<strong>de</strong> geral <strong>de</strong><br />
instalações <strong>de</strong> uso individual e coletivo <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, até o atendimento ao<br />
<strong>de</strong>ficiente físico, a instituições <strong>de</strong> caráter público ou social, a áreas rurais, a áreas <strong>de</strong><br />
urbanização precária ou insuficiente e a regiões remotas. As metas <strong>de</strong> universalização<br />
dos serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> vêm <strong>de</strong>finidas em Decreto do Presi<strong>de</strong>nte da<br />
República. Ao contrário da continuida<strong>de</strong>, que tem dois significados, um <strong>de</strong>les aplicável<br />
para ambos os regimes jurídicos <strong>de</strong> serviços, a universalização é exclusiva do serviço<br />
público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Por isso, há um Plano Geral <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Universalização<br />
do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado em Regime Público 454 , aprovado pelo<br />
Decreto 2.592, <strong>de</strong> 15/05/1998, que prevê índices crescentes <strong>de</strong> cobertura das regiões do<br />
país em razão do tempo e da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacional e que será substituído a partir <strong>de</strong> 1º<br />
<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006 por novas metas instituídas pelo Decreto 4.769, <strong>de</strong> 27/06/2003.<br />
Todas estas características, exceto equilíbrio econômico-financeiro do<br />
contrato e manutenção do objeto, porque inseridas em regime <strong>de</strong> direito público, são<br />
alteráveis unilateralmente pelo po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte. O regime publicista permite a<br />
modificação unilateral das normas <strong>de</strong> organização do serviço, gerando, no máximo, a<br />
recomposição econômico-financeira do contrato.<br />
454 O art. 18, III da Lei 9.472/97 (LGT) diz competir ao Po<strong>de</strong>r Executivo para, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto,<br />
aprovar o plano geral <strong>de</strong> metas para progressiva universalização <strong>de</strong> serviço prestado no regime público.
121<br />
Para aplicação <strong>de</strong> todas estas características publicistas, o serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>ve, antes, ser qualificado como público. A Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – LGT prevê a competência do Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>creto, “instituir ou eliminar a prestação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço no regime público,<br />
concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado” 455 . Além disso, prevê<br />
a competência do Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong> aprovar, também por <strong>de</strong>creto, o plano geral <strong>de</strong><br />
outorgas <strong>de</strong> serviços prestados em regime público (art. 18, II da LGT). De fato, o<br />
Decreto 2.534, <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, do Presi<strong>de</strong>nte da República, aprovou o chamado<br />
Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas – PGO, que, no seu art. 1 o , atribui somente ao Serviço<br />
Telefônico Fixo Comutado – STFC o regime jurídico público <strong>de</strong> prestação, em<br />
concomitância com o regime privado.<br />
A interpretação do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas – PGO, entretanto, <strong>de</strong>ve levar<br />
em conta o critério material <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição dos serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Deve levar em conta a essencialida<strong>de</strong>, que é atributo legal. Como o PGO <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> ato<br />
infralegal (<strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial), o que ele está a <strong>de</strong>finir é o mínimo espaço público<br />
permitido pela LGT, pois esta submetera ao regime público, no mínimo, parte do<br />
Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) 456 . Em outras palavras, o PGO <strong>de</strong>terminou<br />
que a prestação do STFC resultante das <strong>de</strong>sestatizações ocorridas, no Brasil, em 1998,<br />
ou mesmo <strong>de</strong> empresas não privatizadas que estivessem <strong>de</strong>vidamente habilitadas para<br />
prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> telefonia, fossem submetidas ao regime público (arts. 5 o e 6 o do<br />
PGO), por intermédio <strong>de</strong> concessões ou permissões, enquanto as <strong>de</strong>mais prestações <strong>de</strong><br />
STFC fossem implementadas em regime privado, por via <strong>de</strong> autorizações. Ao contrário<br />
do que a leitura <strong>de</strong>stes dispositivos po<strong>de</strong> transparecer, ato infralegal do chefe do<br />
executivo fe<strong>de</strong>ral não tem, evi<strong>de</strong>ntemente, o condão <strong>de</strong> transformar um serviço<br />
essencialmente público em privado. A competência do Po<strong>de</strong>r Executivo fe<strong>de</strong>ral no<br />
tocante à aplicação do regime jurídico aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> está na esfera<br />
puramente estrutural da Administração Pública fe<strong>de</strong>ral. O disposto no art. 18, I da LGT<br />
indica que cabe ao Chefe do Executivo fe<strong>de</strong>ral servir <strong>de</strong> termômetro quanto à natureza<br />
jurídica dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que sofrem transformações constantes e<br />
rápidas no que diz respeito à sua essencialida<strong>de</strong>. Em poucos anos, um serviço antes<br />
consi<strong>de</strong>rado essencial po<strong>de</strong> sofrer <strong>de</strong>fasagem tecnológica tal que elimine sua utilida<strong>de</strong><br />
ou seja simplesmente substituído por outro antes sequer cogitado em lei. A or<strong>de</strong>m legal<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da natureza do serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial,<br />
portanto, apresenta-se como abertura legal para acompanhamento administrativo das<br />
transformações naturais a um setor dinâmico da economia. É mera or<strong>de</strong>m do superior<br />
hierárquico da Administração Pública fe<strong>de</strong>ral para sua reestruturação frente às novas<br />
<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> ampliação ou restrição do rol <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Por isso, a disciplina, por <strong>de</strong>creto, do rol <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não<br />
é <strong>de</strong>cisiva. Ela impõe o compromisso do Chefe do Executivo fe<strong>de</strong>ral com a <strong>de</strong>tecção e<br />
acompanhamento da importância social dos serviços. Cabe ao Judiciário, se este fator<br />
não for levado em conta, atualizar este rol e julgar os feitos segundo a natureza que<br />
visualizar nos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em discussão. Exemplo esclarecedor está<br />
no Serviço Móvel Celular – SMC substituído integralmente pelo Serviço Móvel Pessoal<br />
455 Art. 18, I da Lei 9.472/97 (LGT).<br />
456 Lei 9.472/97: “Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuida<strong>de</strong> a própria União<br />
comprometa-se a assegurar. Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalida<strong>de</strong>s do serviço<br />
telefônico fixo comutado, <strong>de</strong> qualquer âmbito, <strong>de</strong>stinado ao uso do público em geral.
122<br />
– SMP em 2004. A partir do momento que se <strong>de</strong>tecte sua importância e parida<strong>de</strong> com o<br />
STFC, enfim, sua essencialida<strong>de</strong>, a prestação <strong>de</strong> parcela do SMP garantidora da re<strong>de</strong><br />
operacional básica po<strong>de</strong>rá ser submetida ao regime público. Caberá a <strong>de</strong>creto do<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República antecipar este movimento e <strong>de</strong>monstrar coerência na<br />
atualização estrutural da Administração Pública fe<strong>de</strong>ral ao novo regime a que se<br />
submeter o serviço móvel no país.<br />
O critério formal <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação da natureza do serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> é, portanto, insuficiente, porque infralegal. A submissão do serviço a<br />
regimes distintos pre<strong>de</strong>finidos em âmbito constitucional não po<strong>de</strong> ser colocado como<br />
opção <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial a não ser para o fim legítimo <strong>de</strong> orientação estrutural da<br />
Administração Pública fe<strong>de</strong>ral. Po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que os critérios utilizados para a<br />
<strong>de</strong>marcação do serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> seriam políticos, e não jurídicos,<br />
<strong>de</strong>vendo obe<strong>de</strong>cer tão-somente aos limites da razoabilida<strong>de</strong> (como qualquer <strong>de</strong>cisão<br />
política), e que a opção política da Lei 9.472/97 (LGT) foi <strong>de</strong> ampliar o rol <strong>de</strong> serviços<br />
privados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, remetendo a Decreto do Presi<strong>de</strong>nte da República a<br />
<strong>de</strong>terminação do regime <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> telecomunicação. Mesmo se assim o fosse,<br />
haveria um parâmetro <strong>de</strong> aferição <strong>de</strong>sta razoabilida<strong>de</strong>. Este parâmetro foi expressamente<br />
enunciado pela LGT e recai na essencialida<strong>de</strong> do serviço. O art. 65, §1 o , da LGT,<br />
esclarece que <strong>de</strong>verão comportar prestação também em regime público as modalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> interesse coletivo reputadas essenciais. Esta parece<br />
ser a forma mais a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> aplicação dos regimes jurídicos aos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> no Brasil compatível com a mobilida<strong>de</strong> do seu objeto.<br />
4.5.5.2 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À<br />
ABRANGÊNCIA: DE INTERESSE COLETIVO E RESTRITO<br />
A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) introduziu outra<br />
classificação, com o fim <strong>de</strong> compensar excessos da pura aplicação do regime <strong>de</strong> direito<br />
privado aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não-essenciais. Esta classificação será<br />
importante para o momento comparativo <strong>de</strong>sta tese.<br />
O regime privado pressupõe ausência <strong>de</strong> compromissos publicistas, exceto<br />
limitações expressas para proteção do interesse público. Além disso, alguns serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> submetidos ao regime privado acabam por complementar a utilida<strong>de</strong><br />
da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, mediante interconexão, ou mesmo construção <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s paralelas, permitindo maior varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acessos à telecomunicação no país. A<br />
categoria <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> interesse coletivo vem tentar aumentar o<br />
compromisso <strong>de</strong>stes serviços com a formação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> nacional contínua.<br />
Assim, a LGT divi<strong>de</strong> os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, quanto à abrangência<br />
<strong>de</strong> interesses, em serviços <strong>de</strong> interesse coletivo e serviços <strong>de</strong> interesse restrito (art. 62,<br />
da LGT). O serviços <strong>de</strong> interesse coletivo são concebidos como serviços, cujo prestador<br />
não po<strong>de</strong> negar acesso <strong>de</strong> terceiros a suas plataformas. Por configurarem necessida<strong>de</strong>s<br />
da coletivida<strong>de</strong>, não se po<strong>de</strong> restringir o público alvo do serviço. Qualquer um que peça<br />
acesso <strong>de</strong>ve ser atentido, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> cláusulas <strong>de</strong> concessão,<br />
permissão ou autorização.
123<br />
Todo serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é <strong>de</strong> interesse coletivo 457 , pois o<br />
<strong>de</strong>ver inato ao regime público <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> na organização do serviço impe<strong>de</strong> a<br />
pre<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> mercados mais atraentes. O serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em regime<br />
público, portanto, <strong>de</strong>ve dirigir-se a todos que <strong>de</strong>le necessitem. Não po<strong>de</strong>ndo negar<br />
acesso, classifica-se, sempre como serviço <strong>de</strong> interesse coletivo.<br />
Por outro lado, os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> submetidos a regime<br />
privado po<strong>de</strong>m ser classificados como <strong>de</strong> interesse coletivo ou interesse restrito<br />
conforme o termo <strong>de</strong> autorização fixado pela ANATEL. O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cobertura<br />
indiscriminada dos interessados pelo serviço não atinge os serviços <strong>de</strong> interesse restrito<br />
e os diferencia dos <strong>de</strong> interesse coletivo.<br />
Assim, todo serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> submetido a regime público, no<br />
Brasil, é <strong>de</strong> interesse coletivo. Os <strong>de</strong>mais serviços submetidos a regime privado po<strong>de</strong>m<br />
ser <strong>de</strong> interesse coletivo ou restrito. Se o prestador pu<strong>de</strong>r negar acesso aos interessados,<br />
configuram-se <strong>de</strong> interesse restrito, senão, serão <strong>de</strong> interesse coletivo os que sofrerem<br />
compromisso <strong>de</strong> atendimento indiscriminado. No caso dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> em regime privado, a abrangência do serviço é <strong>de</strong>terminada pela<br />
ANATEL, já no processo licitatório das autorizações correspon<strong>de</strong>ntes. A introdução do<br />
interesse coletivo nestes serviços, entretanto, exigem fundamentação especial do ato<br />
administrativo da ANATEL correspon<strong>de</strong>nte, por interferir nos direitos dos pretadores,<br />
restringindo-os.<br />
4.5.5.3 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À<br />
MODALIDADE<br />
Outra inovação <strong>de</strong> classificação da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações – LGT<br />
(Lei 9.472/97) foi a concernente à modalida<strong>de</strong> do serviço. Tanto o antigo Código<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicaçoes (Lei 4.117/62) quanto seu <strong>de</strong>creto regulamentador<br />
(Decreto 52.026/63) utilizavam, exparsamente, o termo modalida<strong>de</strong> para fins <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finição do transporte integrado <strong>de</strong> informações 458 , <strong>de</strong> distinção das outorgas e <strong>de</strong><br />
fiscalização dos serviços 459 , <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação da novida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um serviço 460 , ou mesmo,<br />
<strong>de</strong> sua aproximação e distinção das formas <strong>de</strong> telecomunicação 461 . Procurando dar<br />
457 É o que se po<strong>de</strong> extrair expressamente da Lei 9.472/97 (LGT): “Art.67. Não comportarão prestação no<br />
regime público os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> interesse restrito.”<br />
458 Antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 8º. Constituem troncos do<br />
Sistema Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações os circuitos portadores comuns, que interligam os centros<br />
principais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. §1º Circuitos portadores comuns são aquêles que realizam o transporte<br />
integrado <strong>de</strong> diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. §2º Centros principais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> são<br />
aquêles nos quais se realiza a concentração e distribuição das diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
<strong>de</strong>stinadas ao transporte integrado.”<br />
459 Antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 45. A cada modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
telecomunicação correspon<strong>de</strong>rá uma concessão, autorização ou permissão distinta que será consi<strong>de</strong>rada<br />
isoladamente para efeito da fiscalização e das contribuições previstas nesta lei.”<br />
460 Antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 105. Na ocorrência <strong>de</strong> novas<br />
modalida<strong>de</strong>s do serviço, po<strong>de</strong>rá o Govêrno até que a lei disponha a respeito, adotar taxas ... (vetado) ...<br />
provisórias, calculadas na base das que são cobradas em serviço análogo ou fixadas para a espécie em<br />
regulamento internacional.”<br />
461 Regulamento do antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62) aprovado pelo Decreto<br />
52.026/63: “Art. 1 o . Os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (...) obe<strong>de</strong>cerão aos preceitos da Lei número 4.117,<br />
<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962, ao presente Regulamento Geral, aos Regulamentos Específicos e aos Especiais.
124<br />
maior segurança quanto à amplitu<strong>de</strong> do termo modalida<strong>de</strong>, o art. 41 do Decreto<br />
52.026/63 ilustrava, exemplificativamente, certas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>: serviço <strong>de</strong> telefonia público (interior ou internacional); serviço <strong>de</strong><br />
telegrafia público (interior ou internacional); serviço público restrito (interior ou<br />
internacional); serviços especiais; serviço limitado interior; serviço <strong>de</strong> radiodifusão; e<br />
serviço <strong>de</strong> radioamador. Enfim, o conceito <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> prestava-se à i<strong>de</strong>ntificação<br />
básica dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para sua discriminação quanto à outorga,<br />
fiscalização, tarifação e meios <strong>de</strong> integração.<br />
A LGT não distoou <strong>de</strong>ste sentido histórico <strong>de</strong> índice básico dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> e o reforçou 462 , trabalhando melhor sua colocação no contexto dos<br />
<strong>de</strong>mais conceitos classificatórios <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Ao invés <strong>de</strong> enunciar,<br />
exemplificativamente, modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a LGT 463 utilizou<br />
<strong>de</strong> melhor técnica legislativa ao remeter a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> cada modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
telecomunicação à ANATEL, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seguidos um ou mais dos critérios <strong>de</strong> forma,<br />
âmbito <strong>de</strong> prestação, finalida<strong>de</strong>, meio <strong>de</strong> transmissão ou tecnologia empregada. A<br />
ANATEL, portanto, tem reserva normativa qualificada para precisão das modalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, levando, em conta aqueles critérios e, caso eles não<br />
sejam suficientes, outros atributos a serem <strong>de</strong>finidos pela agência fundamentadamente.<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma classificação que envolve diversas outras apenas indicadas na LGT e<br />
<strong>de</strong>correntes do histórico <strong>de</strong> tratamento dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no país: forma<br />
<strong>de</strong> telecomunicação; finalida<strong>de</strong>; âmbito; meio <strong>de</strong> transmissão; ou tecnologia empregada.<br />
Quaisquer <strong>de</strong>stes atributos e outros pertinentes <strong>de</strong>finidos pela agência reguladora são<br />
suficientes per si para discriminação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> telecomunicação.<br />
É na esfera das modalida<strong>de</strong>s dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> que as<br />
frentes <strong>de</strong> atuação da ANATEL ten<strong>de</strong>m a evoluir, diminuindo a influência da forma, da<br />
finalida<strong>de</strong>, do âmbito <strong>de</strong> prestação e da tecnologia empregada para concentrar-se na<br />
divisão dos serviços segundo os meios <strong>de</strong> transmissão.<br />
4.5.5.4 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FORMA:<br />
TELEFONIA, TELEGRAFIA, COMUNICAÇÃO DE DADOS E<br />
TRANSMISSÃO DE IMAGENS<br />
§1 o . Os Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam das diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, compreen<strong>de</strong>ndo: a) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Telefonia; b) Regulamento dos<br />
Serviços <strong>de</strong> Telegrafia; c) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong> Radiodifusão; d) Regulamento dos Serviços <strong>de</strong><br />
Radioamador; e) Regulamento dos Serviços Especiais e dos Serviços Limitados; f) outros que se fizerem<br />
necessários.”; “Art. 6º Para os efeitos <strong>de</strong>ste Regulamento, os termos que figuram a seguir têm os<br />
significados <strong>de</strong>finidos após cada um <strong>de</strong>les: (...) 27 - RADIOGONIOMETRIA - é uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
radio<strong>de</strong>terminação que utiliza a recepção <strong>de</strong> ondas radioelétricas para <strong>de</strong>terminar a direção e a posição <strong>de</strong><br />
uma estação ou <strong>de</strong> um objeto. (...) 60 - TELEX - é a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço telegráfico, que permite<br />
comunicação bilateral, realizado através <strong>de</strong> máquinas teleimpressoras, no qual a ligação entre<br />
correspon<strong>de</strong>ntes passa por uma ou mais estações comutadoras.”<br />
462 Lei 9.472/97: art. 18, I; art. 64, caput e parágrafo único; art. 65, incisos e parágrafos; art. 68, caput; art.<br />
81, incisos e parágrafo único; art. 85, caput; art. 87, caput; art. 96, II; art. 103, caput e §2º; art. 127, IV;<br />
art. 128, caput; art. 131, §1º; art. 133, IV; art. 136, caput; e art. 164, caput.<br />
463 Lei 9.472/97: “Art. 69. As modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviço serão <strong>de</strong>finidas pela Agência em função <strong>de</strong> sua<br />
finalida<strong>de</strong>, âmbito <strong>de</strong> prestação, forma, meio <strong>de</strong> transmissão, tecnologia empregada ou <strong>de</strong> outros<br />
atributos.”
125<br />
A forma <strong>de</strong> telecomunicação é <strong>de</strong>finida pela LGT como o “modo específico<br />
<strong>de</strong> transmitir informação, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> características particulares <strong>de</strong> transdução, <strong>de</strong><br />
transmissão, <strong>de</strong> apresentação da informação ou <strong>de</strong> combinação <strong>de</strong>stas” 464 .<br />
Exemplificativamente, a LGT introduz como formas <strong>de</strong> telecomunicação a telefonia, a<br />
telegrafia, a comunicação <strong>de</strong> dados e a transmissão <strong>de</strong> imagens, em muito se<br />
aproximando da antiga classificação do CBT 465 quanto à natureza do serviço, que os<br />
divisava, também exemplificativamente entre telefonia, telegrafia, telex, difusão <strong>de</strong> sons<br />
e imagens, transmissão <strong>de</strong> dados, fac-simile, telecomando e radio<strong>de</strong>terminação.<br />
Cada forma <strong>de</strong> telecomunicação tem sua história e elementos conceituais<br />
próprios. Entendia-se por telefonia o processo <strong>de</strong> telecomunicação voltado à<br />
transmissão <strong>de</strong> “palavra falada ou <strong>de</strong> som” 466 . Esta antiga <strong>de</strong>finição foi aprimorada e<br />
passou a expressar todo processo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> “voz e <strong>de</strong> outros sinais” 467<br />
“audíveis” 468 . A telegrafia, em extinção, caracteriza-se pela “transmissão <strong>de</strong> escritos,<br />
pelo uso <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> sinais” 469 “adaptado a baixas velocida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transmissão” 470 .<br />
A comunicação <strong>de</strong> dados, por sua vez, é a “forma <strong>de</strong> telecomunicação caracterizada pela<br />
especialização na transferência <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> um ponto a outro” 471 , enten<strong>de</strong>ndo-se dado<br />
como toda “informação sistematizada, codificada eletronicamente, especialmente<br />
<strong>de</strong>stinada a processamento por computador e <strong>de</strong>mais máquinas <strong>de</strong> tratamento racional e<br />
automático da informação” 472 . Finalmente, outra forma <strong>de</strong> telecomunicação consiste na<br />
transmissão <strong>de</strong> imagens “transientes, animadas ou fixas, reproduzíveis em tela<br />
optoeletrônica à medida <strong>de</strong> sua recepção” 473 . Consiste, basicamente, na transformação<br />
<strong>de</strong> ondas em espectro luminoso e vice-versa.<br />
4.5.5.5 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO ÂMBITO<br />
DE PRESTAÇÃO: INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL, LOCAL E<br />
DE ÁREAS DETERMINADAS<br />
Quanto ao âmbito, os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> são divididos em vários<br />
<strong>de</strong>graus <strong>de</strong> classificação. Um <strong>de</strong>les segue a antiga classificação do Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, que falava em serviços interiores e internacionais, hoje, âmbito<br />
nacional e internacional (arts. 146, II e 150, caput da LGT) 474 . Outro patamar <strong>de</strong><br />
464 Art. 69, parágrafo único da Lei 9.472/97 (LGT).<br />
465 Art. 4 o , item 1, do Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
466 Art. 4 o , caput do antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62) e art. 6 o , item 57 do<br />
Decreto 52.026/63, seu regulamentador.<br />
467 Art. 3 o , XV e XX do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado aprovado pela Resolução nº<br />
85, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998, da ANATEL.<br />
468 ESCOBAR, J.C. Mariense. O novo direito <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Porto Alegre: Livraria do Advogado,<br />
1999, p. 30.<br />
469 Art. 4 o , caput do antigo CBT (Lei 4.117/62) e art. 6 o , item 58 <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>creto regulamentador (Decreto<br />
52.026/63).<br />
470 ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 30.<br />
471 Id., ibid.<br />
472 Id., ibid.<br />
473 Id., ibid.<br />
474 Lei 9.472/97: “Art. 146. As re<strong>de</strong>s serão organizadas como vias integradas <strong>de</strong> livre circulação, nos<br />
termos seguintes: (...) II – <strong>de</strong>verá ser assegurada a operação integrada das re<strong>de</strong>s, em âmbito nacional e<br />
internacional.”; “Art. 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das re<strong>de</strong>s obe<strong>de</strong>cerão à
126<br />
classificação assenta-se na configuração geodésica municipal, divisando serviços<br />
urbanos e interurbanos. Finalmente, outra escala <strong>de</strong> classificação dos serviços quanto<br />
ao âmbito indica subdivisões do âmbito interior: âmbitos nacional, regional, local e <strong>de</strong><br />
áreas <strong>de</strong>terminadas (art. 65, §2 o da LGT).<br />
4.5.5.6 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À<br />
FINALIDADE<br />
A antiga classificação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> segundo os fins<br />
visados contida no Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62) 475 e no seu<br />
<strong>de</strong>creto regulamentador 476 continua sendo útil à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
serviços, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com as <strong>de</strong>vidas atualizações, já que a Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 9.472/97) não esmiuçou dita classificação, remetendo-a,<br />
portanto, a esforço infralegal da ANATEL. Enten<strong>de</strong>-se que, segundo a finalida<strong>de</strong>, os<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> classificam-se em serviço público-restrito, serviço<br />
limitado, serviço <strong>de</strong> radioamador, serviço <strong>de</strong> radiodifusão, e serviço especial. Embora o<br />
antigo CBT falasse também em serviço público, a divisão ali implementada não foi<br />
assimilada pela nova sistemática da LGT, que introduz classificação específica quanto<br />
ao regime jurídico entre serviços públicos e privados, algo aliás muito mais a<strong>de</strong>quado às<br />
previsões da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1988.<br />
4.5.5.6.1 Serviço público-restrito<br />
O serviço público-restrito foi utilizado pelo Executivo fe<strong>de</strong>ral como<br />
mecanismo para flexibilização da prestação do Serviço Móvel Celular no final da<br />
década <strong>de</strong> 1980. Definido, em 1962, como serviço <strong>de</strong> telecomunicação “facultado ao<br />
uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do<br />
público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por serviço público <strong>de</strong> telecomunicação” 477 ,<br />
o serviço público-restrito sofreu modificação no seu enunciado, quase trinta anos mais<br />
tar<strong>de</strong>, para alcançar serviços “<strong>de</strong> uso do público em localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas por<br />
serviço público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fixo local” 478 . Com a revogação do Decreto<br />
96.618/88 pelo Decreto 2.198, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, foi retomada a redação original.<br />
Logo, serviço público-restrito apresenta-se como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> dirigida ao uso <strong>de</strong> passageiros <strong>de</strong> navios, aeronaves, veículos em<br />
movimento e ao público em geral nas localida<strong>de</strong>s ainda não atendidas pelo serviço<br />
público <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Dentre eles, estariam o Serviço Móvel Global por<br />
Satélites Não-Geoestacionários (SGMS) e o Serviço <strong>de</strong> Radiocomunicação Aeronáutica<br />
Público-Restrito (SRA).<br />
regulamentação editada pela Agência, assegurando a compatibilida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s das diferentes<br />
prestadoras, visando à sua harmonização em âmbito nacional e internacional”.<br />
475 o<br />
Art. 6 da Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962.<br />
476 o<br />
Art. 4 , item 2, do Decreto 52.026, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1963.<br />
477 o<br />
Art. 6 , b do antigo Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 4.117/62).<br />
478 o<br />
Art.1 , caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 1988.
4.5.5.6.2 Serviço limitado<br />
127<br />
Outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>finida a partir <strong>de</strong> sua<br />
finalida<strong>de</strong> é a do serviço limitado. Trata-se do serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinado ao<br />
uso do próprio executante como também do serviço prestado a terceiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que para<br />
fins próprios internos dos contratantes (art. 2 o , §2 o da Lei 9.295/96). São, portanto,<br />
serviços não abertos a correspondência pública, normalmente dirigidos a questões <strong>de</strong><br />
segurança, orientação, regularida<strong>de</strong> e gestão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s empresariais internas.<br />
Os serviços limitados divi<strong>de</strong>m-se em serviços limitados privados e serviços<br />
limitados especializados. A terminologia confun<strong>de</strong>. Todo serviço limitado <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> é privado no mo<strong>de</strong>lo atual da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações. A<br />
divisão significa que, enquanto o serviço limitado privado <strong>de</strong>stina-se ao uso do próprio<br />
executante, o serviço limitado especializado implica prestação a terceiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
sejam eles uma mesma pessoa ou grupo <strong>de</strong> pessoas físicas ou jurídicas unificadas pela<br />
realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> específica. Por isso, via <strong>de</strong> regra, os serviços limitados privados<br />
são classificados como <strong>de</strong> interesse restrito, e os limitados especializados, como <strong>de</strong><br />
interesse coletivo. Po<strong>de</strong>m ser numerados como serviços limitados privados o Serviço <strong>de</strong><br />
Radiotaxi Privado, o Serviço Limitado Móvel Privado, o Serviço Limitado <strong>de</strong><br />
Radiochamada Privado, o Serviço <strong>de</strong> Re<strong>de</strong> Privado, <strong>de</strong>ntre outros. Do lado dos serviços<br />
limitados especializados, constam o Serviço <strong>de</strong> Radiotaxi Especializado, o Serviço<br />
Limitado Móvel Especializado, o Serviço <strong>de</strong> Circuito Especializado, o Serviço <strong>de</strong> Re<strong>de</strong><br />
Especializado, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
4.5.5.6.3 Serviço <strong>de</strong> radioamador<br />
O serviço <strong>de</strong> radioamador transparece modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>sempenhada a título pessoal por amadores – pessoas físicas ou<br />
certas pessoas jurídicas (associações <strong>de</strong> radioamadores, universida<strong>de</strong>s e escolas) –<br />
<strong>de</strong>vidamente autorizados e com licença <strong>de</strong> estação, visando ao treinamento próprio, a<br />
intercomunicação e a investigações técnicas sem fins pecuniários ou comerciais <strong>de</strong><br />
exploração do serviço. 479 A regulamentação <strong>de</strong>ste serviço, por ser anterior às<br />
modificações operadas em meados da década <strong>de</strong> 1990 no panorama normativo <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, fala em outorga <strong>de</strong> permissão, por ato do Ministério das<br />
Comunicações, para sua execução. A Superintendência <strong>de</strong> Serviços Privados da<br />
ANATEL adaptou o serviço, entretanto, à sua estrutura <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> autorização, como<br />
bem <strong>de</strong>monstra seu formulário <strong>de</strong> requerimento <strong>de</strong> serviço radioamador, fato a<br />
479 Regulamento do Serviço <strong>de</strong> Radioamador, aprovado pelo Decreto 91.836, <strong>de</strong> 24/10/1985, com a<br />
redação do Decreto 1.316, <strong>de</strong> 25/11/1994: “Art. 2º. No presente regulamento, além dos termos e<br />
expressões <strong>de</strong>finidos pela legislação <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, adotam-se os seguintes: a) Serviço <strong>de</strong><br />
Radioamador - serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinado ao treinamento próprio, a intercomunicação, e a<br />
investigações técnicas, levados a efeito por amadores <strong>de</strong>vidamente autorizados, interessados na<br />
radiotécnica a título pessoal, e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial ligado à<br />
exploração do serviço.”
128<br />
<strong>de</strong>monstrar a necessária adaptação da disciplina normativa vigente. Os requisitos para<br />
exercício da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> radioamador <strong>de</strong>mandam passos seqüenciados <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong><br />
autorização da agência reguladora, seguida <strong>de</strong> licença <strong>de</strong> instalação e funcionamento do<br />
serviço <strong>de</strong> radioamador e do Certificado <strong>de</strong> Operador <strong>de</strong> Estação <strong>de</strong> Radioamador –<br />
COER, que habilita pessoa natural com a comprovação <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> operacional e<br />
técnica para manusear uma estação <strong>de</strong> radioamador. Antes do advento do Decreto<br />
91.836/85, o proponente à prestação <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> radioamador <strong>de</strong>veria<br />
obrigatoriamente estar filiado a uma Associação <strong>de</strong> Radioamadores reconhecida pelo<br />
Ministério das Comunicações 480 . Esta associação <strong>de</strong> âmbito nacional reconhecida pelo<br />
Ministério era a Liga <strong>de</strong> Amadores Brasileiros <strong>de</strong> Rádio e Emissão – LABRE. 481 Com a<br />
revogação expressa do Decreto 74.810/74 pelo Decreto 91.836/85 e na ausência <strong>de</strong><br />
qualquer exigência por parte <strong>de</strong>ste último <strong>de</strong> comprovação <strong>de</strong> filiação a associação<br />
oficialmente reconhecida <strong>de</strong> radioamadores para emissão <strong>de</strong> licença <strong>de</strong> funcionamento<br />
<strong>de</strong> estação <strong>de</strong> radioamador, estes estão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, liberados da exigência<br />
regulamentar <strong>de</strong> filiação a associação, restando, entretanto, a liberda<strong>de</strong><br />
constitucionalmente garantida <strong>de</strong> integrá-la.<br />
4.5.5.6.4 Serviço <strong>de</strong> radiodifusão<br />
Apresentado como espécie <strong>de</strong> radiocomunicação 482 caracterizada pela<br />
difusão no espectro <strong>de</strong> radiofreqüência <strong>de</strong> sons ou <strong>de</strong> sons e imagens para captação<br />
gratuita pelos usuários, o serviço <strong>de</strong> radiodifusão engloba os tradicionais serviços <strong>de</strong><br />
televisão aberta e rádio, que, por <strong>de</strong>terminação constitucional 483 , <strong>de</strong>têm,<br />
preferencialmente, finalida<strong>de</strong>s educativas, artísticas, culturais e informativas, estão<br />
voltados à promoção da cultura nacional e regional, bem como vêm regidos por<br />
princípios <strong>de</strong> proteção da pessoa, da família e <strong>de</strong> orientação à regionalização da<br />
produção cultural, artística e jornalística. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta inclinação nacional <strong>de</strong><br />
programação enunciada na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa <strong>de</strong><br />
radiodifusão também sofre limitações, <strong>de</strong>ntre elas a <strong>de</strong> ser privativa <strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eiros natos<br />
ou naturalizados há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. Esta limitação, no entanto, foi mitigada com a<br />
Emenda Constitucional n.36, <strong>de</strong> 28/05/2002, que esten<strong>de</strong>u a proprieda<strong>de</strong> das empresas<br />
<strong>de</strong> radiodifusão também para pessoas jurídicas constituídas sob as leis <strong>brasil</strong>eiras e que<br />
tenham se<strong>de</strong> no País. Além <strong>de</strong>sta limitação já amenizada, persiste a exigência <strong>de</strong> que ao<br />
menos 70% do capital total e do capital votante das empresas <strong>de</strong> radiodifusão pertençam<br />
a <strong>brasil</strong>eiros natos ou naturalizados há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos. 484 A estes cabe, segundo o<br />
texto constitucional <strong>brasil</strong>eiro, a gestão das ativida<strong>de</strong>s da empresa e a <strong>de</strong>finição do<br />
conteúdo <strong>de</strong> programação. Ainda se exige a comunicação das alterações <strong>de</strong> controle<br />
societário das empresas <strong>de</strong> radiodifusão diretamente ao Congresso Nacional.<br />
No Brasil, embora a disciplina do uso do espectro dos serviços <strong>de</strong><br />
radiodifusão tenha ficado sob a competência da agência nacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a<br />
480 Art.26, parágrafo único, do Decreto 74.810/74, revogado expressamente pelo Decreto 91.836/85.<br />
481 Portaria 498, <strong>de</strong> 06/06/1975 (DOU 30/06/1975), do Ministério das Comunicações.<br />
482 “Radiocomunicação é a telecomunicação que utiliza freqüências radioelétricas não confinadas a fios,<br />
cabos ou outros meios físicos” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 41).<br />
483 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.221, I, II, III e IV.<br />
484 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art. 222, §1º, com a redação da EC36/2002.
129<br />
outorga do serviço e o controle <strong>de</strong> conteúdo permaneceram sob as atribuições do<br />
Ministério das Comunicações. 485 Ao contrário da gran<strong>de</strong> maioria dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, a radiodifusão não <strong>de</strong>tém disciplina legal na Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, <strong>de</strong> 1997, senão em seus aspectos técnicos <strong>de</strong> uso do espectro. Ainda<br />
hoje a radiodifusão é tratada sob a égi<strong>de</strong> do antigo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações, <strong>de</strong> 1962. Lá, o serviço <strong>de</strong> radiodifusão vem <strong>de</strong>finido como aquele<br />
“<strong>de</strong>stinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral” 486 .<br />
O caráter central do serviço <strong>de</strong> radiodifusão vem <strong>de</strong>finido na legislação<br />
mediante estipulação <strong>de</strong> livre acesso: não se po<strong>de</strong> tecnicamente <strong>de</strong>limitar o públicoalvo.<br />
Tanto é assim, que ele é utilizado como critério para qualificação do serviço<br />
especial <strong>de</strong> televisão por assinatura conhecido pela sigla TVA. Trata-se <strong>de</strong> serviço<br />
<strong>de</strong>stinado à distribuição <strong>de</strong> sinais codificados em faixas <strong>de</strong> UHF com autorização <strong>de</strong><br />
“utilização parcial sem codificação” 487 . A transmissão sem codificação implica<br />
automaticamente a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação do público-alvo da programação,<br />
aproximando este serviço do tradicional serviço <strong>de</strong> radiodifusão. Neste sentido, o<br />
Ministério das Comunicações recomendou à Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
como critério <strong>de</strong>cisivo para qualificá-lo como serviço <strong>de</strong> radiodifusão a ultrapassagem<br />
do percentual <strong>de</strong> transmissão aberta – não-codificada – <strong>de</strong> 45% do tempo <strong>de</strong>stinado à<br />
irradiação diária das emissoras. 488<br />
4.5.5.6.5 Serviço especial<br />
Os serviços especiais foram instituídos pelo antigo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 4.117/62 – CBT) e regulamentados inicialmente <strong>de</strong> forma<br />
sucinta pelo Decreto 52.026/63 e posteriormente <strong>de</strong> forma sensivelmente mais<br />
esmiuçada com o Regulamento <strong>de</strong> Serviços Especiais, aprovado pelo Decreto<br />
presi<strong>de</strong>ncial nº 2.196, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, editado três meses antes da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Lei 9.472/97 – LGT). Isto evi<strong>de</strong>ncia que, muito embora o<br />
embasamento legal daqueles serviços tenha sido revogado pela LGT, a regulamentação<br />
pertinente utilizada pela ANATEL e pelas prestadoras <strong>de</strong> ditos serviços continua<br />
referida àquele antigo CBT.<br />
Para que se tenha uma regulamentação condizente com a opção da LGT <strong>de</strong><br />
disciplina infralegal das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> segundo sua<br />
485 A legislação <strong>brasil</strong>eira afasta da agência reguladora as ativida<strong>de</strong>s concernentes à outorga dos serviços<br />
<strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens. Atribui, entretanto, à agência, a competência para elaboração<br />
e manutenção dos respectivos planos <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> canais, bem como a fiscalização das estações<br />
quanto aos aspectos técnicos (art. 211 da Lei 9.472/97).<br />
486 Art. 6º, d, da Lei 4.117, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1962 (Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações).<br />
487 Regulamento do Serviço Especial <strong>de</strong> Televisão por Assinatura – TVA, art. 2º, caput, veiculado pelo<br />
Decreto presi<strong>de</strong>ncial n.95.744, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1988.<br />
488 Os percentuais autorizados <strong>de</strong> transmissão aberta vinham <strong>de</strong>finidos, todos os anos, por portarias<br />
ministeriais e atos da ANATEL, que alteravam <strong>de</strong> 10% a 35% o percentual <strong>de</strong> transmissão aberta para as<br />
emissoras do Serviço Especial <strong>de</strong> Televisão por Assinatura (TVA). Em 1993, consulta da ANATEL à<br />
Secretaria <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações obteve o<br />
posicionamento, mediante Ofício n. 1.119/2003/SSCE-MC, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, <strong>de</strong> que o limite <strong>de</strong><br />
45% <strong>de</strong> transmissão aberta seria o teto além do qual a TVA per<strong>de</strong>ria o caráter <strong>de</strong> TV por assinatura e<br />
passaria à categoria <strong>de</strong> radiodifusão. Consultar à respeito a Análise n.209/2003-GCTC, <strong>de</strong> 03/09/2003, da<br />
ANATEL.
130<br />
finalida<strong>de</strong>, basta a modificação ou revogação do Decreto 2.196/97 por Resolução do<br />
Conselho Diretor da ANATEL, que assumiu, por expressa disposição legal (art.22, IV<br />
da LGT c/c art.19, V e X da LGT) a função <strong>de</strong> normatização dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Enquanto isso, apesar da LGT expressamente ter convalidado a<br />
regulamentação editada sobre serviços, atos e procedimentos <strong>de</strong> outorga pertinentes à<br />
Lei 9.295/95 (art. 214, III da LGT), e apesar do Decreto 2.196/97 (Regulamento <strong>de</strong><br />
Serviços Especiais) estar expressamente referido àquela lei, a inexistência <strong>de</strong> referência<br />
aos serviços especiais na Lei 9.295/95 inviabiliza a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vigência do<br />
Regulamento <strong>de</strong> Serviços Especiais com base legal na Lei 9.295/95. Seu amparo legal<br />
encontra-se, diretamente, na LGT <strong>de</strong>ntro da previsão <strong>de</strong> paulatina substituição <strong>de</strong><br />
regulamentação pela agência reguladora (art.214, I e II da LGT). Portanto, a prestação<br />
<strong>de</strong> serviços especiais conforme à LGT encontra-se, <strong>de</strong> fato, fragmentada, a espera <strong>de</strong><br />
regulamentação geral condizente com a nova disciplina <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> da LGT. Enquanto isto não ocorre, o <strong>de</strong>satualizado Regulamento <strong>de</strong><br />
Serviços Especiais aplica-se em meio a gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação<br />
específica para cada serviço especial 489 . O Decreto 2.196/97, que aprovou o atual<br />
Regulamento <strong>de</strong> Serviços Especiais, está assentado em pressupostos <strong>de</strong> outorga e<br />
conceituação dos serviços especiais trazidos pelo antigo Código Brasileiro <strong>de</strong><br />
Telecomunicações – CBT (Lei 4.117/62) e por isso, exige sua substituição ou<br />
atualização por resolução própria da ANATEL para que referências ambíguas como a<br />
do art. 2 o do Regulamento <strong>de</strong> Serviços Especiais <strong>de</strong> 1997 <strong>de</strong> aplicação das Leis 8.666/93<br />
e 8.987/95, ambas afastadas expressamente do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> pela LGT (art.<br />
210), possam ser expurgadas da regulamentação.<br />
Em meio a este imbróglio normativo, as referências históricas do antigo<br />
regulamento do Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações e do Regulamento <strong>de</strong> Serviços<br />
Especiais aprovado pelo Decreto 2.196, <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, continuam presentes e<br />
respon<strong>de</strong>m às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> conceituação doutrinária dos serviços especiais.<br />
Serviço especial é uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
qualificada pela finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse do público em geral, ou<br />
seja, <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicações <strong>de</strong> interesse geral, mas<br />
caracterizado por não ser aberto à correspondência pública, compreen<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong>ntre<br />
outros serviços, as seguintes submodalida<strong>de</strong>s: o <strong>de</strong> sinais horários 490 ; o <strong>de</strong> freqüência<br />
padrão 491 ; o <strong>de</strong> boletins meteorológicos 492 ; o para fins científicos ou experimentais 493 ; o<br />
489 Assim, tem-se regulamentação exparsa referente aos serviços especiais: o serviço <strong>de</strong> paging<br />
bidirecional (Resolução ANATEL nº 92/1999); o Serviço Móvel Especializado, cujo regulamento é<br />
veiculado pela Resolução ANATEL nº 221/2000; o Serviço Especial <strong>de</strong> Radiochamada – SER, cujo plano<br />
<strong>de</strong> autorizações vem <strong>de</strong>finido na Resolução ANATEL nº 171/1999; a Norma nº 11/97 relativa ao Serviço<br />
Avançado <strong>de</strong> Mensagens republicada pela Portaria do Ministério das Comunicações 559, <strong>de</strong> 3/11/1997; a<br />
Norma nº 15/97 relativa ao Serviço Especial <strong>de</strong> Radiochamada aprovada pela Portaria ministerial 558, <strong>de</strong><br />
3/11/1997; a Norma nº 06/89 relativa ao Serviço Especial <strong>de</strong> Radio<strong>de</strong>terminação por Satélite – SERDS<br />
aprovada pela Portaria do Ministério das Comunicações 228, <strong>de</strong> 22/11/1989, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
490 Serviço Especial <strong>de</strong> Sinais Horários “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado à transmissão <strong>de</strong> sinais horários <strong>de</strong><br />
reconhecida e elevada precisão” (Art. 6 o , item 39, do antigo Decreto 52.026/63).<br />
491 Serviço Especial <strong>de</strong> Freqüência Padrão “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado à transmissão <strong>de</strong> freqüências<br />
específicas <strong>de</strong> reconhecida e elevada precisão, para fins científicos, técnicos e outros” (Art. 6 o , item 36,<br />
do antigo Decreto 52.026/63).<br />
492 Serviço Especial <strong>de</strong> Boletins Meteorológicos “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado à transmissão <strong>de</strong><br />
resultados <strong>de</strong> observações meteorológicas” (Art. 6 o , item 35, do antigo Decreto 52.026/63).
131<br />
<strong>de</strong> música funcional 494 ; o <strong>de</strong> radio<strong>de</strong>terminação 495 ; o <strong>de</strong> radiorrecado 496 ; o <strong>de</strong><br />
radiochamada 497 ; o avançado <strong>de</strong> mensagem (SAM) 498 ; os <strong>de</strong> TV por assinatura, <strong>de</strong>ntre<br />
eles o <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> televisão e <strong>de</strong> áudio por assinatura via satélite<br />
(DTH) 499 , o <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> sinais multiponto multicanal (MMDS) 500 , o <strong>de</strong> televisão<br />
por assinatura (TVA) 501 , o <strong>de</strong> TV a cabo 502 .<br />
493 Serviço Especial para Fins Científicos ou Experimentais “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado a efetuar<br />
experiências que possam contribuir para o progresso da ciência e da técnica em geral” (Art. 6 o , item 40,<br />
do antigo Decreto 52.026/63).<br />
494 Serviço Especial <strong>de</strong> Música Funcional “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado à transmissão <strong>de</strong> música<br />
ambiente ou funcional para assinantes” (Art. 6 o , item 37, do antigo Decreto 52.026/63).<br />
495 Serviço Especial <strong>de</strong> Radio<strong>de</strong>terminação “é o serviço especial <strong>de</strong>stinado à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> uma posição<br />
ou obtenção <strong>de</strong> informação relativa a uma posição, mediante as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> propagação <strong>de</strong> ondas<br />
radioelétricas” (Art. 6 o , item 38, do antigo Decreto 52.026/63).<br />
496 Serviço Especial <strong>de</strong> Radiorrecado “consiste na interligação, por radiocomunicação bilateral, semiduplex,<br />
<strong>de</strong> estações <strong>de</strong> base a estações móveis terrestre” (Item 3, da Norma nº 04/1982 aprovada pela<br />
Portaria nº 122, <strong>de</strong> 02/07/1982 do Ministério das Comunicações).<br />
497 Serviço Especial <strong>de</strong> Radiochamada – SER “é um serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinado a transmitir<br />
por qualquer forma <strong>de</strong> telecomunicação, informações unidirecionais originadas em uma estação <strong>de</strong> base e<br />
en<strong>de</strong>reçadas a receptores móveis, utilizando-se das faixas <strong>de</strong> freqüências <strong>de</strong> 929 MHz e 931 MHz” (art.<br />
1 o , do Plano <strong>de</strong> Autorizações do Serviço Especial <strong>de</strong> Radiochamada, aprovado pela Resolução 108, <strong>de</strong><br />
05/03/1999, substituída pela Resolução 171, <strong>de</strong> 08/10/1999 ambas da ANATEL). A norma básica<br />
<strong>de</strong>finidora das condições básicas <strong>de</strong> outorga <strong>de</strong> permissão <strong>de</strong>ste serviço é a Norma nº 15/97, do Ministério<br />
das Comunicações, aprovada pela Portaria nº 558, <strong>de</strong> 03/11/1997. A radiochamada sem fio é mais<br />
conhecida como paging.<br />
498 Serviço Avançado <strong>de</strong> Mensagem – SAM é o “serviço especial <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> utilizado para<br />
múltiplas aplicações móveis bidirecionais, po<strong>de</strong>ndo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma <strong>de</strong><br />
telecomunicação, utilizando-se das faixas <strong>de</strong> freqüências <strong>de</strong> 901-902 MHz, 930-931 MHz e 940-941<br />
MHz” (Item 4, a da Norma nº 11/97, aprovada pela Portaria nº 403, <strong>de</strong> 19/08/1997, do Ministério das<br />
Comunicações).<br />
499 Serviço <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Sinais <strong>de</strong> Televisão e <strong>de</strong> Áudio por Assinatura Via Satélite – DTH [sigla <strong>de</strong><br />
direct-to-home] “é uma das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços especiais regulamentados pelo Decreto 2.196, <strong>de</strong> 8<br />
<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, que tem como objetivo a distribuição <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> televisão ou <strong>de</strong> áudio, bem como <strong>de</strong><br />
ambos, através <strong>de</strong> satélites [geoestacionários <strong>de</strong> televisão direta cuja capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> segmento espacial<br />
<strong>de</strong>ve ser contratada segundo o Regulamento <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Transporte <strong>de</strong> Sinais <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
por Satélite – STS]” (Item 2.1 da Norma nº008/97 aprovada pela Portaria nº 321, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997,<br />
do Ministério das Comunicações).<br />
500 Serviço <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Sinais Multiponto Multicanal – MMDS [sigla <strong>de</strong> Multichannel Multipoint<br />
Distribution Service] “é uma das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Serviços Especiais, regulamentados pelo Decreto 2.196,<br />
<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, que se utiliza da faixa <strong>de</strong> microondas para transmitir sinais a serem recebidos em<br />
pontos <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> prestação do serviço” (Item 2.2 da Norma nº 002/97 aprovada pela<br />
Portaria nº 43/94 e com nova redação dada pela Portaria nº 254, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997). Consubstanciam<br />
evolução do antigo Serviço <strong>de</strong> Circuito Fechado <strong>de</strong> Televisão com utilização <strong>de</strong> Radioenlace – CFTV, em<br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua migração para a faixa <strong>de</strong> freqüência <strong>de</strong>stinada ao MMDS <strong>de</strong> 2500 a 2690 MHz<br />
possibilitada pela Portaria nº 44, <strong>de</strong> 10/02/1992 da Secretaria <strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Comunicações do Ministério<br />
da Infra-Estrutura.<br />
501 Serviço Especial <strong>de</strong> Televisão por Assinatura – TVA “é o serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong>stinado a<br />
distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais codificados, mediante utilização <strong>de</strong> canais do espectro<br />
radioelétrico, permitida, a critério do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte, a utilização parcial sem codificação” (Art. 2 o , do<br />
Regulamento do Serviço Especial <strong>de</strong> Televisão por Assinatura aprovado pelo Decreto 95.744, <strong>de</strong><br />
23/02/1988 publicado no DOU 24/02/1988, p. 2.993-2995).<br />
502 Serviço <strong>de</strong> TV a Cabo “é o serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> que consiste na distribuição <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o<br />
e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos” (art. 2 o , da Lei 8.977, <strong>de</strong> 06/01/1995),<br />
inclusive a interação necessária à escolha <strong>de</strong> programação e outras aplicações pertinentes ao serviço.<br />
Persiste a aplicação da Lei 8.977/95 ao serviço <strong>de</strong> TV a Cabo por expressa ressalva da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (art. 212, da Lei 9.472/97).
132<br />
As submodalida<strong>de</strong>s são reunidas em grupos <strong>de</strong>finidos a partir <strong>de</strong> critérios 503<br />
<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> tecnológica dos sistemas empregados, <strong>de</strong> população da área <strong>de</strong><br />
prestação do serviço, e <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> infra-estrutura e suporte técnico-administrativo<br />
relativos à exploração do serviço.<br />
4.5.5.6.6 Serviços por linha <strong>de</strong>dicada (espécie <strong>de</strong> serviço limitado)<br />
Com base na característica comum dos serviços especiais e limitados <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>limitação do público alvo, bem como da magnitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> investimentos <strong>de</strong>mandados na<br />
criação <strong>de</strong> infra-estrutura própria para tais serviços, estes se apresentam como potenciais<br />
clientes <strong>de</strong> exploração industrial 504 das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar a alocação <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> ociosa para fins<br />
específicos orientados a utilização por pacotes <strong>de</strong> serviços especiais ou limitados.<br />
Quando se utiliza uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, mediante contrato <strong>de</strong> exploração industrial, em que se vincula um<br />
circuito à exclusiva exploração <strong>de</strong> um serviço especial ou limitado <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
está-se diante do conceito <strong>de</strong> linha <strong>de</strong>dicada.<br />
Como o próprio nome indica, linha <strong>de</strong>dicada é o circuito da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> especificamente voltado e comprometido com a transmissão <strong>de</strong><br />
informações entre os que compõem o público-alvo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado serviço especial ou<br />
limitado. Em face <strong>de</strong>sta característica <strong>de</strong> viabilização <strong>de</strong> serviços especiais ou limitados<br />
por intermédio <strong>de</strong> linha <strong>de</strong>stinada exclusivamente ao respectivo serviço, é que o serviço<br />
<strong>de</strong> linha <strong>de</strong>dicada, em si, insere-se na categoria <strong>de</strong> serviços limitados: voltados a<br />
prestação <strong>de</strong> serviços a terceiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que para fins próprios internos dos contratantes<br />
(art. 2 o , §2 o da Lei 9.295/96) titulares dos serviços especiais ou limitados que se<br />
utilizam da linha <strong>de</strong>dicada. Serviço limitado <strong>de</strong> linha <strong>de</strong>dicada, portanto, é a modalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> telecomunicação que consiste na disponibilização e operacionalização <strong>de</strong><br />
circuitos <strong>de</strong>stinados exclusivamente aos fins dos contratantes (prestadores <strong>de</strong> serviços<br />
especiais ou <strong>de</strong> serviços limitados) mediante exploração industrial <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>públicas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Tais serviços, que utilizam as re<strong>de</strong>s <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
por intermédio do serviço limitado <strong>de</strong> linha <strong>de</strong>dicada foram divididos em blocos a partir<br />
<strong>de</strong> regulamentação <strong>de</strong> 1995: Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos –<br />
SLDA 505 ; Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD 506 ; Serviço por<br />
503 Ditos critérios estão enunciados no art. 11, incisos I, II e III do Regulamento <strong>de</strong> Serviços Especiais<br />
aprovado pelo Decreto 2.196, <strong>de</strong> 08/04/1997.<br />
504 A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exploração industrial corporifica a “forma particular <strong>de</strong> exploração em que uma<br />
entida<strong>de</strong> exploradora <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> fornece seus serviços a outra entida<strong>de</strong> exploradora <strong>de</strong> serviços<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> mediante remuneração preestabelecida” (Item 3.1 da Norma nº 09/95 – Serviços <strong>de</strong><br />
Linha Dedicada aprovada pela Portaria nº 285/95 do Ministério das Comunicações).<br />
505 SLDA (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos): regulado pela Norma nº 10/95, aprovada<br />
pela Portaria nº 286/95. Valores aprovados pela Norma nº 14/95, veiculada pela Portaria nº 291/95. É a<br />
nova <strong>de</strong>nominação para Serviço Especializado <strong>de</strong> Telefonia por Linha Privativa, Serviço <strong>de</strong> Comunicação<br />
<strong>de</strong> Dados Não Comutados para Uso Privativo, Serviço Não-Especializado, Serviço Não-Especializado <strong>de</strong><br />
Transmissão <strong>de</strong> Sinais para Uso Privativo das Entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Segurança Nacional. Consiste no<br />
recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora, ao assinante, <strong>de</strong> sinais analógicos entre en<strong>de</strong>reços<br />
preestabelecidos por este. “O SLDA é fornecido ao assinante através <strong>de</strong> circuitos locais ou circuitos intra<br />
e interáreas tarifárias, na configuração ponto-a-ponto (o enlace é entre dois pontos distintos) ou pontomultiponto<br />
(o enlace é entre um ponto e dois ou mais pontos distintos), dotados <strong>de</strong> características técnicas
133<br />
Linha Dedicada para Telegrafia – SLDT 507 ; Serviço por Linha Dedicada Internacional<br />
– SLDI 508 .<br />
4.6 ESTRUTURAÇÃO ESTATAL DE REGULAÇÃO DAS<br />
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL<br />
A exposição histórica das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiras<br />
e do correspon<strong>de</strong>nte arcabouço normativo leva à compreensão <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>scrição das<br />
<strong>telecomunicações</strong> é perfeitamente apreensível sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se lançar mão <strong>de</strong> um<br />
índice orientador pautado na finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> potencialização do espaço público. Bastou,<br />
para <strong>de</strong>tecção dos caminhos seguidos pela regulação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
<strong>brasil</strong>eiro, partir-se <strong>de</strong> olhares restritos a um raciocínio econômico <strong>de</strong> viabilização dos<br />
investimentos, <strong>de</strong> uniformização <strong>de</strong> tecnologia, ou mesmo <strong>de</strong> sistematização normativa,<br />
enfim, <strong>de</strong> sobrevivência do setor; <strong>de</strong> mera submissão às contingências impostas pela<br />
conformação concreta das <strong>telecomunicações</strong>. Não foi necessário lançar mão <strong>de</strong> esforço<br />
teleológico para apreensão dos aspectos mais evi<strong>de</strong>ntes do setor no Brasil. A leitura <strong>de</strong><br />
transformação histórica <strong>de</strong> tratamento do setor não revela um fim diretivo comum, mas<br />
opções que respon<strong>de</strong>m a problemas concretos e conjunturais do setor. Não se <strong>de</strong>tectou<br />
finalida<strong>de</strong> que contaminasse as ações reguladoras do setor com um norte comum <strong>de</strong><br />
abertura <strong>de</strong> espaço público na esfera <strong>de</strong>cisória setorial. Não houve, enfim, possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição do setor minimamente significativa pautada no pressuposto conceitual <strong>de</strong><br />
virtu<strong>de</strong> política à exceção da presença <strong>de</strong> discussão pública e constante restrita à década<br />
<strong>de</strong> 1970 durante os Congressos Brasileiros <strong>de</strong> Telecomunicações. 509<br />
Resta saber se a estrutura <strong>de</strong>senhada para a Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira – ANATEL e a sua presença institucional abrem espaço<br />
para ambientação da virtu<strong>de</strong> política.<br />
A estrutura da ANATEL, portanto, é o próximo passo <strong>de</strong> exposição do<br />
quadro setorial <strong>brasil</strong>eiro esmiuçado neste capítulo.<br />
a<strong>de</strong>quadas à transmissão <strong>de</strong> sinais analógicos, utilizando freqüências na faixa <strong>de</strong> voz, apropriados para<br />
aplicações <strong>de</strong> telefonia, fax, alarme, supervisão e telessupervisão” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p.<br />
186).<br />
506 SLDD (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais): nova <strong>de</strong>nominação para Serviço <strong>de</strong><br />
Comunicação <strong>de</strong> Dados Não Comutados para Uso Privativo. Regulado pela Norma 11/95, aprovada pela<br />
Portaria 287/95. Os valores dos serviços estão na Norma 15/95, aprovada pela Portaria 293/95. Consiste<br />
em recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora ao assinante, <strong>de</strong> sinais digitais entre en<strong>de</strong>reços por<br />
este preestabelecidos.<br />
507 SLDT (Serviço por Linha Dedicada para Telegrafia): nova <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Serviço <strong>de</strong> Telegrafia para<br />
Uso Privativo – Serviço Especializado. Regulado pela Norma 12/95, aprovada pela Portaria 288/95, com<br />
valores fixados na Norma 16/95, aprovada pela Portaria 294/95. Consiste no fornecimento pela Prestadora<br />
ao Assinante, através <strong>de</strong> circuito local ou circuito intra ou interáreas tarifárias, <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> sinais<br />
gráficos, com velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 50, 75, 100 ou 200 bps, na configuração ponto-a-ponto ou ponto-multiponto.<br />
508 SLDI (Serviço por Linha Dedicada Internacional): nova <strong>de</strong>nominação para Serviço <strong>de</strong> Aluguel <strong>de</strong><br />
Circuitos Internacionais para Uso Privado. É prestado mediante as seguintes formas: a)SLDIA (Serviço<br />
por Linha Dedicada Internacional para Sinais Analógicos); b)SLDID (Serviço por Linha Dedicada<br />
Internacional para Sinais Digitais). É realizado entre en<strong>de</strong>reços prefixados pelo assinante. É regulado pela<br />
Norma 13/95, aprovada pela Portaria 289/95, e seus valores estão na Norma 17/95, aprovada pela Portaria<br />
295/95.<br />
509 Vi<strong>de</strong>, à respeito, nota 293, página 90, <strong>de</strong>ste estudo.
134<br />
4.6.1 Fundamentos da reestruturação da Administração Pública<br />
<strong>brasil</strong>eira na década <strong>de</strong> 1990: discussão ausente sobre o<br />
espaço público<br />
Embora não se possa comumente <strong>de</strong>tectar <strong>políticas</strong> governamentais pela<br />
mera remissão a documentos formais, há um documento representativo <strong>de</strong> orientação<br />
governamental coinci<strong>de</strong>ntemente aprovado no ano das principais reformas<br />
constitucionais autorizadoras das alterações estruturais operadas na década <strong>de</strong> 1990 no<br />
Brasil. Trata-se do conhecido Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado<br />
elaborado pelo então Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e da Reforma do Estado,<br />
aprovado pela Câmara <strong>de</strong> Reforma do Estado, em 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1995, e ratificado<br />
pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, em novembro do mesmo ano. A data <strong>de</strong> aprovação,<br />
entretanto, encobre o início <strong>de</strong> sua implementação. 510<br />
Em dito plano, propõe-se a criação <strong>de</strong> agências autônomas com a finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> maior eficiência quanto às ativida<strong>de</strong>s exclusivas do Estado e <strong>de</strong> maior<br />
governança 511 para mo<strong>de</strong>rnização da gestão 512 . Como um dos objetivos do núcleo<br />
estratégico, consta a supervisão dos contratos <strong>de</strong> gestão com as agências autônomas 513 ,<br />
que <strong>de</strong>rivariam das autarquias e fundações que possuem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado 514 ,<br />
curiosamente, o único ato não implementado para todas as agências pelo Governo <strong>de</strong><br />
Fernando Henrique Cardoso e que, no novo Governo Lula, vem como o diferencial para<br />
solução da excessiva autonomia das agências frente aos respectivos ministérios<br />
supervisores. 515<br />
O fato é que o caráter mediador das agências reguladoras vem enunciado <strong>de</strong><br />
forma periférica. Elas não foram criadas como projetos <strong>de</strong> dinamização <strong>de</strong> espaço<br />
público. No máximo, fala-se do papel <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>sempenhado pelo ente<br />
regulador, mas <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação do aspecto principal, qual seja, a regulação, o controle<br />
510<br />
“O ‘Plano’, que já está sendo posto em prática em várias <strong>de</strong> suas dimensões, é resultado <strong>de</strong> ampla<br />
discussão no âmbito da Câmara da Reforma do Estado” (CARDOSO, Fernando Henrique. Apresentação.<br />
p. 2. In: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do<br />
Estado. Novembro <strong>de</strong> 1995).<br />
511<br />
“ou seja, maior capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governar, maior condição <strong>de</strong> implementar as leis e <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong>”<br />
(Ibid., item 6 – Objetivos, §5º).<br />
512<br />
Ibid., item 8.1.2 – Agências Autônomas, §1º.<br />
513<br />
Ibid., item 6.2 – Objetivos para o Núcleo Estratégico, §3º.<br />
514<br />
Ibid., item 6.3 – Objetivos para as Ativida<strong>de</strong>s Exclusivas, §1º).<br />
515<br />
Relatório <strong>de</strong> Grupo <strong>de</strong> Trabalho Interministerial sobre as agências reguladoras <strong>de</strong> 2003 i<strong>de</strong>ntificou<br />
como pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> natureza econômica, que os “contratos <strong>de</strong> gestão ou <strong>de</strong>sempenho po<strong>de</strong>m somar-se<br />
aos instrumentos <strong>de</strong> controle social, principalmente para acompanhar a implementação <strong>de</strong> ‘metas <strong>de</strong><br />
transparência’, contribuindo ainda para a melhoria da eficiência regulatória”. O documento revela a<br />
função do contrato <strong>de</strong> gestão: a “formalização da relação entre a administração direta e as agências”<br />
(BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Análise e avaliação do papel das<br />
agências reguladoras no atual arranjo institucional <strong>brasil</strong>eiro. Relatório do Grupo <strong>de</strong> Trabalho<br />
Interministerial. Brasília, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, p. 13). Além <strong>de</strong>stas conclusões do Grupo Interministerial,<br />
uma das questões colocadas quando <strong>de</strong> sua criação pelo Presi<strong>de</strong>nte da República foi “a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fortalecimento dos Ministérios com respeito às atribuições básicas <strong>de</strong> planejamento e formulação <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> na esteira da reorientação do papel do Estado nos últimos <strong>de</strong>z anos (do Estado-produtor<br />
para o Estado-regulador)” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Exposição <strong>de</strong><br />
motivos do Projeto <strong>de</strong> Lei nº. 3.337. Brasília, 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004).
135<br />
do setor pelo Estado. 516 Por isso, a dificulda<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tratar das virtu<strong>de</strong>s <strong>políticas</strong><br />
nas agências quando vistas sob o enfoque <strong>de</strong> sua criação: a síntese <strong>de</strong> sua existência no<br />
seu caráter regulador, entendida a regulação como aspecto <strong>de</strong> intervenção unilateral, <strong>de</strong><br />
controle, <strong>de</strong> exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Estado. O caráter prestacional do Estado-produtor, tal<br />
como aparece no documento governamental citado, renova-se no chamado Estado-<br />
Regulador. A diferença está apenas no produto prestado: <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um conjunto <strong>de</strong><br />
bens <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> imediata e passa a ser uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle para otimização do<br />
processo produtivo <strong>de</strong> tais necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bem-estar. Daí <strong>de</strong>corre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
falar em espaço público quando se parte do pressuposto <strong>de</strong> que a finalida<strong>de</strong> dos órgãos<br />
estatais ditos reguladores é <strong>de</strong> regular não no sentido <strong>de</strong> intermediar, mas no sentido <strong>de</strong><br />
direcionar, <strong>de</strong> controlar, <strong>de</strong> estabelecer regras <strong>de</strong> conduta dos tutelados. A referência <strong>de</strong><br />
dito documento à regulação pública da economia como intervencionismo é<br />
representativa do enfoque da regulação a partir <strong>de</strong> seu caráter controlador em <strong>de</strong>trimento<br />
do aspecto libertário <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> discussão apresentado no capítulo 2 <strong>de</strong>sta tese. 517 Não<br />
se vê no referido Estado-Regulador um diferencial senão na compreensão <strong>de</strong> que não se<br />
presta à produção, mas ao controle <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s. Seus atos, entretanto, permanecem<br />
como atos do Estado, ao invés <strong>de</strong> atos sociais no Estado. São atos que transparecem não<br />
o resultado <strong>de</strong> um diálogo, mas <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>.<br />
4.6.2 Estrutura da ANATEL<br />
O vício <strong>de</strong> origem das estruturas introduzidas na Administração Pública<br />
<strong>brasil</strong>eira em meados <strong>de</strong> 1990, pautadas que foram na idéia <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> um<br />
Estado-Prestador por um Estado-Regulador não menos prestador, mas i<strong>de</strong>nticamente<br />
tutelar, não impe<strong>de</strong>m a análise do organismo da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
em busca <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> libertação política.<br />
A <strong>de</strong>finição estrutural da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong>corre <strong>de</strong><br />
sua lei regente, a Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97), que estipula no seu<br />
Livro II, Título I, referente à criação do órgão regulador do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a<br />
instituição da ANATEL como entida<strong>de</strong> da Administração Pública Fe<strong>de</strong>ral indireta<br />
submetida a regime autárquico especial e supervisionada pelo Ministério das<br />
Comunicações, mas com in<strong>de</strong>pendência 518 ou autonomia reforçada 519 para<br />
516 A <strong>de</strong>finição a seguir é esclarecedora da condição periférica atribuída a agência enquanto espaço<br />
mediador em nome da homenagem às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controle <strong>de</strong>sempenhadas pela agência como reflexo<br />
das funções estatais: “O po<strong>de</strong>r regulador é o agrupamento <strong>de</strong> regras, orientações, medidas <strong>de</strong> controle e<br />
valoração que permitem o exercício do controle social <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serviços públicos, coor<strong>de</strong>nados<br />
por um ente regulador que <strong>de</strong>ve po<strong>de</strong>r trabalhar todas as medidas e indicações essenciais ao or<strong>de</strong>namento<br />
do mercado e à gestão eficiente do serviço concedido, mantendo, entretanto, um grau significativo <strong>de</strong><br />
flexibilida<strong>de</strong> que possibilite o ajustamento às diversas particularida<strong>de</strong>s que se configuram” – grifos nossos<br />
(GASPARINI, Melissa Ferreira. A livre concorrência na prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
São Paulo: UNESP, 2002, p. 92).<br />
517 O Estado Regulador não é visto como espaço conciliador, mas como árbitro das ativida<strong>de</strong>s privadas.<br />
Conferir, para tanto: ANDRADE, Rogério Emilio <strong>de</strong> (coord.). Regulação Pública da Economia no<br />
Brasil. Campinas: Edicamp, 2003.<br />
518 Lei 9.472/97: “Art. 8º (...) §2º A natureza <strong>de</strong> autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por<br />
in<strong>de</strong>pendência administrativa, ausência <strong>de</strong> subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus<br />
dirigentes e autonomia financeira.”<br />
519 O termo “autonomia reforçada” parece mais apropriado para a <strong>de</strong>scrição do espaço <strong>de</strong> opções<br />
<strong>de</strong>cisórias dos órgãos reguladoras <strong>brasil</strong>eiros. Conferir, para tanto: ARAGÃO, Alexandre. Agências
136<br />
implementação das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong>finidas pelo Po<strong>de</strong>r Executivo para o setor. A<br />
referência a dita in<strong>de</strong>pendência para tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões dirige-se, exclusivamente, às<br />
limitações estruturais hierárquicas da Administração Pública Fe<strong>de</strong>ral, não existindo<br />
menção legal às pressões sociais sobre as <strong>de</strong>cisões da agência. Não houve, portanto,<br />
preocupação, na reestruturação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro da década <strong>de</strong><br />
1990, quanto à abertura <strong>de</strong> espaço público, algo evi<strong>de</strong>nte na exposição <strong>de</strong> motivos<br />
encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo quando do Projeto <strong>de</strong> Lei para<br />
aprovação da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações. Nele, os únicos motivos que ditariam a<br />
reestruturação do setor seriam: “a) a globalização econômica; b) a evolução tecnológica;<br />
c) a rapi<strong>de</strong>z das mudanças no mercado e nas necessida<strong>de</strong>s dos consumidores.” 520 . O que<br />
mais se aproximou da valorização da persona política refere-se à proteção dos direitos<br />
do sujeito não enquanto cidadão, mas enquanto sujeito <strong>de</strong> direitos do consumidor e,<br />
portanto, como sujeito i<strong>de</strong>ntificado a partir <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s e não <strong>de</strong> sua virtu<strong>de</strong><br />
política, enfim, <strong>de</strong> sujeito que sorve bem-estar garantido pelo Estado a partir da<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens e serviços ofertados. Esta constatação também é transparecida quando<br />
da eleição dos objetivos da reforma do setor sintetizados na introdução da competição e<br />
na universalização do acesso. 521 Propõe-se universalizar o bem telecomunicacional e<br />
não a discussão sobre <strong>telecomunicações</strong>. 522<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>stas constatações <strong>de</strong> invisibilida<strong>de</strong> do espaço público na<br />
fundamentação governamental <strong>de</strong> criação da ANATEL, sua estrutura foi cogitada como<br />
apta a servir <strong>de</strong> espaço mediador da discussão política. Embora não direcionada ao fim<br />
primeiro, nem mesmo expresso, <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> exercício da virtu<strong>de</strong> política, a agência<br />
teve sua alegada característica <strong>de</strong> transparência <strong>de</strong>cisória entendida como “condição<br />
indispensável ao a<strong>de</strong>quado controle <strong>de</strong> sua atuação pela socieda<strong>de</strong>” 523 . Ao mesmo<br />
tempo, e com maior ênfase, dita pretensão <strong>de</strong> transparência <strong>de</strong>cisória vinha expressa no<br />
acordo comercial <strong>de</strong> Marraqueche, da Rodada Uruguai <strong>de</strong> Negociações Comerciais<br />
Multilaterais do GATT, <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1994, como condição para atrativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
investimentos. 524 Mesmo partindo-se da primeira das justificativas à dita transparência<br />
pautada numa suposta pactuação social, ao invés <strong>de</strong> se partir do enunciado <strong>de</strong><br />
Marraqueche, o aspecto <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> competências atribuída à agência se preor<strong>de</strong>na a<br />
reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. 2ªed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
Forense, 2003, p. 331 e seguintes.<br />
520 BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Exposição <strong>de</strong> motivos da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. E. M. nº 231/MC, Brasília, 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, seção I, item 4.<br />
521 Constam como <strong>de</strong>talhamento dos dois objetivos principais da reforma do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong><br />
meados da década <strong>de</strong> 1990 no Brasil: fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel <strong>de</strong><br />
empresário; aumentar e melhorar a oferta <strong>de</strong> serviços; em um ambiente competitivo, criar oportunida<strong>de</strong>s<br />
atraentes <strong>de</strong> investimento e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e industrial; criar condições para que o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do setor seja harmônico com as metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social do País, que seriam<br />
cumpridas pelo aumento <strong>de</strong> cobertura do serviço no território nacional; maximizar o valor <strong>de</strong> venda das<br />
empresas estatais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> sem prejudicar os objetivos anteriores. Conferir, para tanto: Ibid.,<br />
seção II, item 2.<br />
522 “A idéia <strong>de</strong> universalização do acesso contempla duas situações genéricas: serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> individuais, com níveis <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> aceitáveis, <strong>de</strong>vem ser fornecidos, a tarifas<br />
comercialmente razoáveis, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo razoável, a qualquer pessoa ou organização que os<br />
requisitar; outras formas <strong>de</strong> acesso a serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>vem ser fornecidas, em localizações<br />
geográficas convenientes, a tarifas acessíveis, àquelas pessoas que não tiverem condições econômicas <strong>de</strong><br />
pagar tarifas comercialmente razoáveis por serviços individuais.” (Ibid., seção II, item 3).<br />
523 Ibid., seção III.<br />
524 A Rodada Uruguai <strong>de</strong> Negociações Comerciais Multilaterais do GATT foi internalizada no<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro pelo Decreto nº 1.355, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994.
137<br />
uma eventual função <strong>de</strong> mediação da discussão política. A postura esperada do cidadão<br />
é a <strong>de</strong> vigilância sobre os resultados esperados da agência. 525 Não se reconhece ao<br />
cidadão o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> pautar o tema da discussão política, mas o <strong>de</strong> controlar se os temas<br />
previamente pautados foram conduzidos e <strong>de</strong>finidos segundo as atribuições normativas<br />
do Estado e os nortes <strong>de</strong> universalização do acesso e competição do setor.<br />
Neste aspecto, a exposição <strong>de</strong> motivos da lei regente das <strong>telecomunicações</strong><br />
no Brasil segue o foco do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado <strong>de</strong><br />
“localização das ações nas necessida<strong>de</strong>s do cidadão” 526 . O foco é <strong>de</strong> aperfeiçoamento da<br />
relação entre administração estatal e cidadão para fins <strong>de</strong> verificação da qualida<strong>de</strong> dos<br />
serviços e não para o fim <strong>de</strong> reposicionamento da Administração Pública frente ao<br />
indivíduo para exercício <strong>de</strong> sua virtu<strong>de</strong> política. Bastaria, por este enfoque, que o<br />
cidadão, que praticamente se confun<strong>de</strong> com o usuário dos serviços regulados, informe<br />
os problemas dos serviços e restaria completa sua função na relação. Não é chamado a<br />
dialogar sobre o significado político do serviço no contexto social nem mesmo sobre o<br />
momento político que se abre. A atuação estatal continua focada na prestação <strong>de</strong><br />
utilida<strong>de</strong>s e parte do pressuposto <strong>de</strong> que a satisfação do sujeito-usuário resume-se ao seu<br />
bem-estar. 527 A característica <strong>de</strong> libertação política como participação e voz nos rumos<br />
sociais aparece obscurecida pela força da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação 528 dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> às <strong>de</strong>mandas do usuário-consumidor.<br />
Há, entretanto, a presença <strong>de</strong> referência pontual na justificativa oficial <strong>de</strong><br />
reforma do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no Brasil, que revela direcionamento <strong>de</strong> atuação<br />
estatal garantidora do meio telecomunicacional para um fim maior <strong>de</strong><br />
intercomunicabilida<strong>de</strong> social. O meio telecomunicacional serve, segundo a exposição <strong>de</strong><br />
motivos encaminhada juntamente com o projeto <strong>de</strong> lei originador da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1997, ao fim <strong>de</strong> “integração da socieda<strong>de</strong>” 529 . Decerto,<br />
o documento não se refere à socieda<strong>de</strong> mundial mas à socieda<strong>de</strong> nacional. Não se<br />
apresenta como objetivo da regulação do setor, por exemplo, direcioná-lo para “o<br />
525 “Sem embargo do controle mediante processo, indissociável da atuação do Estado no exercício <strong>de</strong> suas<br />
funções normativas e or<strong>de</strong>nadoras, <strong>de</strong>ve ser encarecida a importância do controle por resultados” (Id.,<br />
ibid.).<br />
526 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.<br />
Novembro <strong>de</strong> 1995, item 8.1.2. O foco do plano diretor é o aperfeiçoamento das “relações entre os órgãos<br />
da Administração Pública e os cidadãos (...) aten<strong>de</strong>ndo à diretriz do Projeto <strong>de</strong> Reforma do Estado, <strong>de</strong><br />
localização das ações nas necessida<strong>de</strong>s do cidadão”.<br />
527 Os argumentos do Plano Diretor são claros no reforço da apresentação do Estado como eliminador dos<br />
obstáculos para alcance <strong>de</strong> bem-estar. Os argumentos principais se cingem a afirmações do tipo: “as filas<br />
são a praga do atendimento público ao cidadão” (Ibid., item 8.2.1.)<br />
528 As referências do or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro refletem a preocupação principal com a qualida<strong>de</strong><br />
dos serviços regulados. “Art. 175. Incumbe ao Po<strong>de</strong>r Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime<br />
<strong>de</strong> concessão ou permissão, sempre através <strong>de</strong> licitação, a prestação <strong>de</strong> serviços públicos. Parágrafo<br />
único. A lei disporá sobre: (...) IV – a obrigação <strong>de</strong> manter serviço a<strong>de</strong>quado” (Constituição Brasileira <strong>de</strong><br />
1988). “Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação <strong>de</strong> serviço a<strong>de</strong>quado ao pleno<br />
atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo<br />
contrato. §1º. Serviço a<strong>de</strong>quado é o que satisfaz as condições <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong>, eficiência,<br />
segurança, atualida<strong>de</strong>, generalida<strong>de</strong>, cortesia na sua prestação e modicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tarifas. §2º. A atualida<strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong> a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem<br />
como a melhoria e expansão do serviço.” (Lei Geral <strong>de</strong> Concessões – Lei 8.987/95).<br />
529 BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Exposição <strong>de</strong> motivos da Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. E. M. nº 231/MC, Brasília, 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, seção I, item 3.
138<br />
essencial <strong>de</strong> sua missão” 530 : a compreensão e a fraternida<strong>de</strong> entre os homens em sua<br />
dimensão universal. Não <strong>de</strong>monstra, portanto, inclinação direta à globalização<br />
informativa como meio <strong>de</strong> interconexão global além fronteiras, entretanto busca a<br />
orientação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> à interconexão da socieda<strong>de</strong> nacional. Sob este<br />
enfoque, o setor vê-se dirigido a um fim, que po<strong>de</strong> ser encarado como voltado à<br />
constituição <strong>de</strong> um espaço público <strong>de</strong> discussão gerado pelos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, mas não um espaço público existente na discussão sobre o setor.<br />
Retomando o tema central <strong>de</strong>ste item pertinente à estrutura do órgão<br />
regulador <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no Brasil, este <strong>de</strong>tém, como instância máxima, um<br />
Conselho Diretor formado por cinco integrantes indicados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República<br />
e sabatinados pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral 531 com projeção <strong>de</strong> mandatos iguais <strong>de</strong> cinco anos<br />
não coinci<strong>de</strong>ntes para todos os conselheiros 532 . Abaixo do Conselho Diretor, vêm<br />
expressamente enunciados: 533 Conselho Consultivo; Procuradoria; Corregedoria;<br />
Biblioteca; e Ouvidoria. Destes, interessam especificamente o Conselho Consultivo e a<br />
Ouvidoria.<br />
Ao Conselho Consultivo é reservada a condição <strong>de</strong> “órgão <strong>de</strong> participação<br />
institucionalizada da socieda<strong>de</strong> na Agência” 534 , pelo que é integrado por doze<br />
representantes indicados para mandatos não remunerados <strong>de</strong> um, dois ou três anos, <strong>de</strong><br />
forma paritária, pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral (2 conselheiros), pela Câmara dos Deputados (2<br />
conselheiros), pelo Po<strong>de</strong>r Executivo (2 conselheiros), por entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe das<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (2 conselheiros), por entida<strong>de</strong>s<br />
representativas dos usuários (2 conselheiros), por entida<strong>de</strong>s representativas da socieda<strong>de</strong><br />
(2 conselheiros) para nomeação por Decreto do Presi<strong>de</strong>nte da República. 535 Seu<br />
presi<strong>de</strong>nte é eleito em escrutínio secreto por seus pares e para mandato <strong>de</strong> um ano. 536<br />
O Conselho Consultivo da ANATEL tem competência genérica para<br />
requerer informações e fazer proposições sobre todas as questões <strong>de</strong> competência do<br />
Conselho Diretor da agência, estipulando-se prazo máximo <strong>de</strong> 60 dias para<br />
cumprimento dos seus requerimentos pelo Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Diretor. 537 Detém,<br />
530<br />
LEPRINCE-RINGUET, Louis. Aspects humains et sociaux <strong>de</strong>s telecommunications. p. 1.1.2.4. In:<br />
ITU. World Telecommunication Forum: technical symposium. Genebra: ITU, 6 a 8 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
1975, p. 1.1.2.1-1.1.2.4. Tradução livre do original: a técnica das <strong>telecomunicações</strong> “peut, étant bien<br />
utilisée, fournir un apport décisir à la compréhension, à la fraternité, entre les hommes. C’est là<br />
l’essentiel <strong>de</strong> sa mission”.<br />
531<br />
Compete privativamente ao Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovar previamente, por voto secreto, e após argüição<br />
pública, a escolha <strong>de</strong> “titulares <strong>de</strong> (...) cargos que a lei <strong>de</strong>terminar” (art.52, III, f, da Constituição <strong>brasil</strong>eira<br />
<strong>de</strong> 1988). A Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira (Lei 9.472/97) <strong>de</strong>termina a apreciação pelo Senado<br />
Fe<strong>de</strong>ral da indicação do Presi<strong>de</strong>nte da República para ocupação <strong>de</strong> cargo <strong>de</strong> Conselheiro da ANATEL<br />
(art.23, caput, da Lei 9.472/97).<br />
532<br />
Lei 9.472/97: “Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Diretor será <strong>de</strong> cinco anos, vedada a<br />
recondução”; “Art. 25. Os mandatos dos primeiros membros do Conselho Diretor serão <strong>de</strong> três, quatro,<br />
cinco, seis e sete anos, a serem estabelecidos no <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> nomeação”.<br />
533<br />
Lei 9.472/97: “Art. 8º. (…) §1º A Agência [Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações] terá como órgão máximo o<br />
Conselho Diretor, <strong>de</strong>vendo contar, também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma<br />
Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unida<strong>de</strong>s especializadas incumbidas <strong>de</strong><br />
diferentes funções.”<br />
534<br />
Art. 33, caput da Lei 9.472/97.<br />
535<br />
Art. 34, caput da Lei 9.472/97 e arts. 36 e 37, I a VI do Regulamento da ANATEL aprovado pelo<br />
Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
536<br />
Art. 39, caput do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
537<br />
Art. 44, caput do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.
139<br />
ainda, competência específica expressa para 538 : a) opinar sobre o plano geral <strong>de</strong><br />
outorgas, o plano geral <strong>de</strong> metas <strong>de</strong> universalização e <strong>de</strong>mais <strong>políticas</strong> governamentais<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, antes do encaminhamento das propostas pelo Conselho Diretor da<br />
ANATEL ao Ministério das Comunicações; b) aconselhar quanto à instituição ou<br />
eliminação da prestação <strong>de</strong> serviço em regime público; c) apreciar os relatórios anuais<br />
do Conselho Diretor. Caso, entretanto, o Conselho Consultivo não aprecie os dois<br />
primeiros itens em até quinze dias da data marcada para sua <strong>de</strong>liberação, consi<strong>de</strong>ram-se<br />
aprovados. 539<br />
O mo<strong>de</strong>lo formal apresentado sobre o Conselho Consultivo da ANATEL<br />
transparece alguns problemas práticos, que começam pela <strong>de</strong>formação da representação<br />
paritária. Os ocupantes das duas ca<strong>de</strong>iras reservadas a entida<strong>de</strong>s representativas da<br />
socieda<strong>de</strong> são, em geral, representantes das empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 540 , que já<br />
ocupam duas ca<strong>de</strong>iras reservadas às entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe das prestadoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Algo distinto ocorre com as ca<strong>de</strong>iras reservadas à representação<br />
específica dos usuários ocupadas, na prática, preferencialmente por pessoas ligadas a<br />
ONGs e entida<strong>de</strong>s oriundas <strong>de</strong> associações locais <strong>de</strong> usuários. 541 Quanto à representação<br />
<strong>de</strong> classe das prestadoras, há costumeira divisão das duas ca<strong>de</strong>iras entre operadoras<br />
móveis e fixas <strong>de</strong> telefonia. 542<br />
O Conselho Consultivo passou a funcionar a partir <strong>de</strong> sua primeira reunião<br />
ocorrida em 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998 mediante assinatura dos termos <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> seus<br />
membros e encaminhamento, pelo Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Diretor da ANATEL, da<br />
minuta do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas para apreciação do Conselho Consultivo. A análise<br />
da minuta do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas foi, <strong>de</strong> fato, implementada, gerando propostas <strong>de</strong><br />
alteração <strong>de</strong> seus dispositivos e da minuta do Plano Geral <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Universalização.<br />
As alterações propostas evi<strong>de</strong>nciaram, todavia, o frágil posicionamento do usuário e da<br />
socieda<strong>de</strong> nas discussões sobre ditos planos, restringindo-se a propostas <strong>de</strong> amenização<br />
e esclarecimento das obrigações das concessionários <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. 543 O prazo exíguo para discussão das propostas também foi e é um<br />
538<br />
Art. 35, I, II, III e IV da Lei 9.472/97.<br />
539<br />
Art. 42, parágrafo único do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro<br />
<strong>de</strong> 1997.<br />
540<br />
Tomando por base janeiro <strong>de</strong> 2004, uma das ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> conselheiro <strong>de</strong>stinadas a entida<strong>de</strong>s<br />
representativas da socieda<strong>de</strong> vinha ocupada pelo Presi<strong>de</strong>nte do Conselho da Administração da Ericsson<br />
Telecomunicações S/A e seu Diretor Presi<strong>de</strong>nte até 1996, Carlos <strong>de</strong> Paiva Lopes, enquanto a outra ca<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong>stinada a entida<strong>de</strong>s representativas da socieda<strong>de</strong> vinha ocupada pelo Presi<strong>de</strong>nte da Telemar Tele Norte<br />
Leste Participações S/A, José Ferna<strong>de</strong>s Pauletti, exercendo as funções <strong>de</strong> Vice-Presidência do Conselho<br />
Consultivo da ANATEL. (Fonte: ANATEL).<br />
541<br />
Também tendo como base janeiro <strong>de</strong> 2004, um dos conselheiros representantes dos usuários, Edilson<br />
Soares da Silva, era o Coor<strong>de</strong>nador-Geral do Conselho <strong>de</strong> Defesa da Cidadania Uberlan<strong>de</strong>nse e<br />
Coor<strong>de</strong>nador Assistente da ONGDECID/Brasil. O outro conselheiro, Cleófas Ismael <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros Uchôa,<br />
era Presi<strong>de</strong>nte da Associação Brasileira <strong>de</strong> Telecomunicações, membro do Conselho <strong>de</strong> Administração da<br />
Tess S/A e membro do Conselho Curador do Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Desenvolvimento em<br />
Telecomunicações do CPqD. (Fonte: ANATEL).<br />
542<br />
Em janeiro <strong>de</strong> 2004, as ca<strong>de</strong>iras reservadas a representação <strong>de</strong> classe das prestadoras vinham divididas<br />
entre o Diretor <strong>de</strong> Assuntos Institucionais do Grupo Telefônica <strong>de</strong> São Paulo, José Expedicto Prata, e o<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Associação Nacional dos Prestadores <strong>de</strong> Serviço Móvel Celular (ACEL), Luiz Alberto<br />
Garcia. (Fonte: ANATEL).<br />
543<br />
Conferir, a respeito: BRASIL. ANATEL. Ata da Reunião n.º 002, do Conselho Consultivo. Brasília:<br />
Conselho Consultivo da ANATEL. 02 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1998 [on line] Disponível na Internet via WWW.<br />
URL: http://www.anatel.gov.br/in<strong>de</strong>x.asp?link=/biblioteca/atas/ConselhoConsultivo/atacc_02.htm?Cod=1359 (Consultado em<br />
28/05/2004) e Ata da Reunião n.003 do Conselho Consultivo da ANATEL, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998 URL:
140<br />
dificultador da ampliação do <strong>de</strong>bate público no âmbito do Conselho Consultivo, cuja<br />
transparência <strong>de</strong> atuação não tem ofuscado os <strong>de</strong>mais procedimentos da agência em<br />
tramitação nos seus órgãos <strong>de</strong>cisórios. Aliás, a própria estrutura <strong>de</strong> superintendências da<br />
ANATEL revela o predomínio <strong>de</strong> questões técnicas em prejuízo <strong>de</strong> orientações gerais<br />
<strong>de</strong> participação social. Até julho <strong>de</strong> 2001, o segundo escalão da ANATEL resumia-se às<br />
superintendências <strong>de</strong> serviços públicos, <strong>de</strong> serviços privados, <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa, <strong>de</strong> radiofreqüência e fiscalização e <strong>de</strong> administração geral<br />
representantes dos nichos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Com o novo Regimento<br />
Interno da agência aprovado pela Resolução 270, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001, foi criada a<br />
Superintendência <strong>de</strong> Universalização, persistindo, entretanto, como um órgão vinculado<br />
à presidência executiva da Agência, a Assessoria <strong>de</strong> Relações com os Usuários. Se sob o<br />
ponto <strong>de</strong> vista estrutural nem mesmo o usuário tem a ele <strong>de</strong>dicado um espaço<br />
proeminente, sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> posicionamento dos interessados em geral, a Lei<br />
Geral <strong>de</strong> Telecomunicações, ao estipular <strong>de</strong>veres do po<strong>de</strong>r público (art.2º) e direitos e<br />
<strong>de</strong>veres do usuário (art.3º), passa ao largo <strong>de</strong> qualquer menção à participação social em<br />
flagrante visualização da Agência como espaço <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> bem-estar, <strong>de</strong> bons<br />
serviços <strong>de</strong>mandados pela população; não como espaço <strong>de</strong> discussão para consolidação<br />
<strong>de</strong> consciência política e <strong>de</strong> conseqüente pon<strong>de</strong>ração das opções <strong>políticas</strong> do setor.<br />
Por sua vez, a Ouvidoria da ANATEL vem apresentada pela Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (LGT) juntamente com a Corregedoria, no âmbito <strong>de</strong> regras <strong>de</strong><br />
controle. 544 Nos termos do art. 45 da LGT, cabe ao Ouvidor, que é nomeado pelo<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República para o mandato <strong>de</strong> dois anos, admitida uma recondução, emitir,<br />
semestralmente, apreciações críticas sobre a atuação da Agência, para encaminhamento<br />
ao seu Conselho Diretor, ao Ministério das Comunicações, a outros órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo e ao Congresso Nacional, bem como para publicação no Diário Oficial da<br />
União e para arquivamento na Biblioteca da ANATEL, <strong>de</strong> acesso geral. Para<br />
viabilização <strong>de</strong>sta função, garante-se ao Ouvidor, o “acesso a todos os assuntos” 545 e o<br />
“direito <strong>de</strong> assistir às sessões e reuniões do Conselho Diretor, inclusive as secretas, bem<br />
como <strong>de</strong> acesso a todos os autos e documentos” 546 <strong>de</strong> processos tramitados ou em<br />
tramitação na ANATEL. Esta conformação mais aberta da Ouvidoria lhe permite<br />
apresentar-se como espaço acessível a temas levantados pelos usuários dos serviços<br />
como também por “representantes da socieda<strong>de</strong> acerca dos serviços” 547 . Para ela<br />
parecem confluir os contingentes sequiosos por um espaço <strong>de</strong> projeção da voz <strong>de</strong> cada<br />
preten<strong>de</strong>nte a partícipe político, tanto que há reiteradas referências nos relatórios<br />
http://www.anatel.gov.br/in<strong>de</strong>x.asp?link=/biblioteca/atas/ConselhoConsultivo/atacc_03.htm?Cod=1359 (Consultado em<br />
28/05/2004). Na ata n.002, por exemplo, se propõe o alargamento dos direitos das prestadoras do Serviço<br />
Telefônico Fixo Comutado concedido para permitir a implantação, expansão e operação dos troncos,<br />
re<strong>de</strong>s e centrais <strong>de</strong> comutação não somente necessários mas indiretamente úteis à prestação do serviço.<br />
Tal proposta não foi assimilada na redação final do art. 2º do Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas.<br />
544<br />
O art. 45, contido no Título IV, da administração e controle, da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
<strong>brasil</strong>eira (Lei 9.472/97), é o único dispositivo da lei que fala especificamente das atribuições da<br />
Ouvidoria.<br />
545<br />
Art. 45, parágrafo único da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira (Lei 9.472/97).<br />
546<br />
Art. 51, caput do Regulamento da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, aprovado pelo Decreto<br />
n.2.338, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1997.<br />
547<br />
BRASIL. ANATEL. OUVIDORIA. Relatório semestral. Brasília: ANATEL, agosto a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
2003. p. 8. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/<br />
conheca_anatel/ouvidoria/relatorio_ouvidoria_ago03<strong>de</strong>z03.pdf (Consultado em 03/06/2004).
141<br />
semestrais do Ouvidor sobre o que <strong>de</strong>signa <strong>de</strong> “vazio constitutivo reinante na Agência<br />
em relação à institucionalização <strong>de</strong> um espaço público aberto à participação social” 548 .<br />
Disso <strong>de</strong>corre que, dos órgãos citados, é a Ouvidoria que se revela como<br />
instância que ecoa o clamor <strong>de</strong> participação social, mas não se apresenta ela mesma<br />
como o espaço pretendido. Ela é um dos veículos <strong>de</strong> sensibilização política do<br />
Congresso Nacional sobre questões gerais <strong>de</strong> funcionamento da ANATEL perante, por<br />
exemplo, a Comissão <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Infra-Estrutura do Senado Fe<strong>de</strong>ral 549 ou a<br />
Comissão <strong>de</strong> Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos<br />
Deputados e sua Subcomissão Permanente <strong>de</strong> Telecomunicações e Informática.<br />
A estrutura do Congresso Nacional <strong>brasil</strong>eiro pertinente às<br />
<strong>telecomunicações</strong> é diretamente controlada por duas comissões principais do Senado e<br />
da Câmara, quais sejam, respectivamente, a Comissão <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Infra-Estrutura,<br />
que não é dividida em subcomissões 550 , e a Comissão <strong>de</strong> Ciência e Tecnologia,<br />
Comunicação e Informática, subdividida em Subcomissão Permanente <strong>de</strong><br />
Telecomunicações e Informática e Subcomissão Permanente <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong><br />
Massa 551 . Não se esgota nelas, entretanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong> temática<br />
relativa às <strong>telecomunicações</strong>. No Senado, a Comissão <strong>de</strong> Assuntos Sociais 552 po<strong>de</strong><br />
requerer informações do setor sobre questões <strong>de</strong> meio ambiente; a Comissão <strong>de</strong><br />
Assuntos Econômicos 553 po<strong>de</strong> requerer informações do setor sobre tributação; a<br />
Comissão <strong>de</strong> Educação 554 trata diretamente <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong> cinema, comunicação e<br />
informática; a Comissão <strong>de</strong> Fiscalização e Controle 555 fiscaliza os programas do<br />
Governo no plano setorial; e a Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores e Defesa Nacional 556<br />
po<strong>de</strong> averiguar as relações do Brasil com a UIT. Por parte da Câmara dos Deputados,<br />
além da evi<strong>de</strong>nte competência da Comissão <strong>de</strong> Ciência e Tecnologia, Comunicação e<br />
Informática, a Comissão <strong>de</strong> Defesa do Consumidor <strong>de</strong>tém competência para tratar <strong>de</strong><br />
quaisquer assuntos que afetem a economia popular ou que signifiquem abuso do po<strong>de</strong>r<br />
econômico, bem como po<strong>de</strong> tratar do tema do bem-estar do consumidor em geral,<br />
inclusive dos usuários <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; a Comissão <strong>de</strong> Educação e<br />
Cultura 557 prevê sua atuação em assuntos que pertinam a direito <strong>de</strong> manifestação do<br />
pensamento e <strong>de</strong> comunicação; a Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores e <strong>de</strong> Defesa<br />
Nacional 558 <strong>de</strong>tém a mesma configuração <strong>de</strong> seu similar no Senado Fe<strong>de</strong>ral; a Comissão<br />
548 Id., ibid. “A Agência engasga-se para se converter em espaço eminentemente público, revelando<br />
insuficiente <strong>de</strong>dicação para exercitar os mecanismos <strong>de</strong> controle social. Falta-lhe o senso da alterida<strong>de</strong> em<br />
reconhecer no usuário dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> o “outro”, o que pressupõe o estabelecimento da<br />
confluência <strong>de</strong> um “conhecer” e <strong>de</strong> um “conviver”. Contribui, assim, para perseverar a sensação <strong>de</strong> que o<br />
ambiente regulatório, sob o prisma da cidadania e das entida<strong>de</strong>s civis, é uma equação sem<br />
homogeneida<strong>de</strong>, que solicita a presença mais forte da socieda<strong>de</strong>.” (p. 9).<br />
549 Requerimento SF RQS 00668/2000, <strong>de</strong> 15/12/2000, da Comissão <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Infra-Estrutura do<br />
Senado Fe<strong>de</strong>ral, dirigido ao Ministro das Comunicações, para esclarecimento <strong>de</strong> questões levantadas em<br />
relatório da Ouvidoria da ANATEL.<br />
550 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 104, I.<br />
551 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, II, c, d, g, h, i e j.<br />
552 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 100, III.<br />
553 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 99, IV.<br />
554 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 102, III.<br />
555 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 102-A, I.<br />
556 BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 103, VI.<br />
557 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, VII, c.<br />
558 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, XI, a e c.
142<br />
<strong>de</strong> Trabalho, <strong>de</strong> Administração e <strong>de</strong> Serviço Público 559 controla a prestação <strong>de</strong> serviços<br />
públicos em geral e seu regime jurídico, e, por pouco, as <strong>telecomunicações</strong> não entram<br />
também na competência da Comissão <strong>de</strong> Viação e Transportes. As comissões do<br />
Congresso Nacional, no entanto, não se apresentam como comissões atuantes no dia-adia<br />
da agência reguladora e não são foro privilegiado para a aprovação <strong>de</strong> indicações <strong>de</strong><br />
conselheiros pelo Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />
4.6.3 Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e<br />
atritos<br />
No Brasil, a partir da criação da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, as<br />
competências executivas <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> – <strong>políticas</strong> setoriais ou<br />
governamentais – e <strong>de</strong> organização e exploração dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
foram cindidas, cabendo, as primeiras, aos órgãos diretos do Executivo e do Legislativo<br />
– Presidência da República, Ministério das Comunicações e Congresso Nacional – e, as<br />
últimas, à agência reguladora. A legislação <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong>ixa transparecer, inclusive,<br />
distinção entre ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> política setorial e ativida<strong>de</strong> propriamente reguladora. 560<br />
A prática da relação institucional entre o formulador <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> e<br />
seu aplicador tem sido tensa. A partir daqui, passa-se a analisar o período <strong>de</strong> finais <strong>de</strong><br />
2003 a meados <strong>de</strong> 2004, quando afloraram as diferenças <strong>de</strong> dois governos 561 sobre a<br />
distribuição <strong>de</strong> competências entre agências e ministérios do Po<strong>de</strong>r Executivo. Este<br />
momento será encarado como representativo das tensões institucionais entre ANATEL e<br />
Ministério das Comunicações, pois nele se consolidou a discussão parlamentar <strong>de</strong><br />
projeto <strong>de</strong> lei presi<strong>de</strong>ncial que propôs a alteração do regime <strong>de</strong> todas as agências<br />
reguladoras do país no que diz respeito à distribuição <strong>de</strong> competências entre agência e<br />
ministério supervisor.<br />
Acusações <strong>de</strong> que o governo estaria transparecendo esforços <strong>de</strong> aumento do<br />
controle político sobre as agências em geral 562 em contradição a relatório<br />
559 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, XIII, s.<br />
560 Os dispositivos da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações (Lei 9.472/97) que esclarecem tais distinções são:<br />
art.1º, caput (“Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das <strong>políticas</strong><br />
estabelecidas pelos Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>”); Livro II (“Do Órgão Regulador e das Políticas Setoriais); art. 19, I e XXVIII (“À<br />
Agência compete (...) I – implementar (...) a política nacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; XXVIII – elaborar<br />
relatório anual <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, nele <strong>de</strong>stacando o cumprimento da política do setor); art. 22, III<br />
(“Compete ao Conselho Diretor: III – propor o estabelecimento e alteração das <strong>políticas</strong> governamentais<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>”); art. 26, §1º (“Sem prejuízo do que prevêem a lei penal e a lei da improbida<strong>de</strong><br />
administrativa, será causa da perda do mandato a inobservância, pelo conselheiro [do Conselho Diretor da<br />
ANATEL], dos <strong>de</strong>veres e proibições inerentes ao cargo, inclusive no que se refere ao cumprimento das<br />
<strong>políticas</strong> estabelecidas para o setor pelos Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo”); art. 35, I (“Cabe ao Conselho<br />
Consultivo: I – opinar, antes <strong>de</strong> seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano<br />
geral <strong>de</strong> outorgas, o plano geral <strong>de</strong> metas para universalização dos serviços prestados no regime público e<br />
<strong>de</strong>mais <strong>políticas</strong> governamentais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>”).<br />
561 Trata-se dos Governos dos presi<strong>de</strong>ntes Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a Presidência da<br />
República por dois mandatos seguidos (1º/01/1995 a 1º/01/1999 e 1º/01/1999 a 1º/01/2003) e que, no seu<br />
segundo mandato, instituiu a ANATEL, e Luís Inácio Lula da Silva, seu sucessor (1º/01/2003 a<br />
1º/01/2007), que se apresentou, no período <strong>de</strong> campanha eleitoral, como oposição ao governo anterior.<br />
562 EDITORIAL. O governo inva<strong>de</strong> as agências. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Quinta-feira, 4 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, p. 1-2. “O governo <strong>de</strong>u mais um passo para o controle político das agências
143<br />
interministerial sobre as agências reguladoras do país 563 vinham contrastadas por<br />
propaganda governamental voltada a <strong>de</strong>monstrar intenção oposta <strong>de</strong> fortalecimento da<br />
autonomia das agências reguladoras. 564 As tensões entre governo e agência, e mesmo as<br />
tensões internas do governo, 565 vieram à tona com a <strong>de</strong>stituição do então presi<strong>de</strong>nte da<br />
ANATEL do cargo <strong>de</strong> diretor-presi<strong>de</strong>nte em janeiro <strong>de</strong> 2004 566 , e conseqüente pedido<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> seu cargo <strong>de</strong> conselheiro, fato que foi qualificado como “golpe branco<br />
no sistema <strong>de</strong> agências reguladoras” 567 . Havia, então, dúvidas sobre a competência da<br />
reguladoras, com a indicação do engenheiro Pedro Jaime Ziller para ocupar uma vaga no conselho diretor<br />
da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (Anatel). O indicado (...) já é consi<strong>de</strong>rado em meios políticos<br />
e administrativos <strong>de</strong> Brasília um forte candidato à sucessão <strong>de</strong> Luiz Guilherme Schymura na presidência<br />
da Anatel. Essa e outras escolhas parecem confirmar o que o governo nega, isto é, que o Executivo<br />
preten<strong>de</strong> subordinar as agências, autarquias e empresas <strong>de</strong> governo ao comando político dos ministérios e<br />
do Palácio do Planalto, mesmo com prejuízo do caráter técnico das <strong>de</strong>cisões e da segurança das regras<br />
aplicadas a diversos mercados”.<br />
563 CALDAS, Suely. Agências – o passo atrás do PT. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong><br />
Economia. Domingo, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004; DANTAS, Fernando. Mudança na Anatel contradiz<br />
relatório. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sexta-feira, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
564 RACY, Sônia. Agências: regra impe<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong><br />
Economia. Terça-feira, 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004. Trata-se <strong>de</strong> matéria jornalística que afirma estar tramitando<br />
proposta da Casa Civil do Governo <strong>brasil</strong>eiro para proibição <strong>de</strong> exoneração do Presi<strong>de</strong>nte das agências<br />
reguladoras por ato do Presi<strong>de</strong>nte da República com o fim <strong>de</strong> “mostrar claramente que preten<strong>de</strong> que as<br />
agências reguladoras sejam realmente autônomas. As últimas ingerências dos ministros do governo Lula<br />
nas agências <strong>de</strong>ixaram a forte impressão nos mercados financeiros e nos potenciais investidores em<br />
setores regidos por essas agências, <strong>de</strong> que não há liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão autônoma. Uma legislação forte e<br />
coerente traria <strong>de</strong> volta a confiança atraindo novamente investimentos nos setores <strong>de</strong> energia,<br />
<strong>telecomunicações</strong>, gás e petróleo” (p. 2). A dubieda<strong>de</strong> da proposta foi traduzida na seguinte matéria:<br />
FROUFE, Célia; PALHANO, André. Agências mantêm po<strong>de</strong>r, diz a Casa Civil, mas o po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte<br />
volta aos ministérios, segundo o subchefe Luiz Alberto dos Santos. In: O ESTADO DE SÃO PAULO.<br />
Seção <strong>de</strong> Economia. Sábado, 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
565 CUNHA JÚNIOR, Melchía<strong>de</strong>s. Dubieda<strong>de</strong> do governo afasta investimentos, diz Mendonça. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quarta-feira, 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004.<br />
566 “A troca <strong>de</strong> comando na Anatel, após 12 meses <strong>de</strong> trombadas entre Schymura e o ministro das<br />
Comunicações, Miro Teixeira (PDT), representa uma vitória do grupo do pe<strong>de</strong>tista. ‘Foi uma substituição<br />
amistosa’, amenizou Miro. A crise, agravada nas últimas 48 horas, não se resumia a uma questão técnica:<br />
escancarava a divergência entre a equipe econômica, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> menor intervenção sobre as agências<br />
reguladoras, e os articuladores políticos <strong>de</strong> Lula, favoráveis a um controle maior na área. (...) A <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> trocar Schymura [Luiz Ghilherme Schymura, então presi<strong>de</strong>nte da ANATEL] foi tomada<br />
reservadamente na segunda-feira, mas o governo ainda avaliava as conseqüências do ato e contornava<br />
resistências por parte da equipe econômica. (...) O ministro [das Comunicações] tinha sérios atritos com<br />
ele <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a Anatel aumentou as tarifas telefônicas, no início do ano passado, ignorando seus apelos<br />
em sentido contrário. (...) Até agora, Schymura vencera a queda-<strong>de</strong>-braço <strong>de</strong>ntro do governo com o apoio<br />
dos secretários do Tesouro, Joaquim Levy, e <strong>de</strong> Política Econômica, Marcos Lisboa. (...) O núcleo<br />
político do governo, porém, sempre <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u maior controle sobre as agências reguladoras.” (RAMOS,<br />
José; ROSA, Vera. Planalto <strong>de</strong>stitui presi<strong>de</strong>nte da Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial.<br />
Quarta-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004).<br />
567 RAMOS, José. O alvo do golpe na Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quinta-feira,<br />
8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004. “O fato <strong>de</strong> o presi<strong>de</strong>nte Lula ter dado ao ministro das Comunicações, Miro Teixeira,<br />
o escalpo do presi<strong>de</strong>nte da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (Anatel), Luiz Guilherme Schymura,<br />
como prêmio <strong>de</strong> consolação por seu anunciado afastamento do Ministério, é o aspecto mais saliente – e<br />
menos relevante – <strong>de</strong> um episódio <strong>de</strong> suma gravida<strong>de</strong>. O pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão arrancado a fórceps do<br />
presi<strong>de</strong>nte da Anatel (...) representa, antes <strong>de</strong> mais nada, um momento <strong>de</strong>cisivo no projeto petista <strong>de</strong><br />
acabar com a autonomia das agências reguladoras, principalmente as das áreas <strong>de</strong> energia elétrica<br />
(Aneel), petróleo (ANP) e <strong>telecomunicações</strong>. A retomada do controle governamental sobre esses setores<br />
(...) começou a ser arquitetada antes ainda da posse <strong>de</strong> Lula. Entre a eleição e a investidura, o então lí<strong>de</strong>r<br />
do seu partido na Câmara, Walter Pinheiro, foi o primeiro a sinalizar esse <strong>de</strong>sastroso intento, ao dizer que
144<br />
<strong>de</strong>stituição por ato presi<strong>de</strong>ncial 568 e temor <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong> diretor-presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
uma das agências mais fortes do Brasil abrisse caminho à fragilização dos mandatos dos<br />
<strong>de</strong>mais conselheiros ou diretores <strong>de</strong> agências 569 , que po<strong>de</strong>riam sofrer pressões<br />
todos os conselheiros das três agências precisariam se <strong>de</strong>mitir, porque o País estava em vias <strong>de</strong> ter um<br />
novo presi<strong>de</strong>nte (...). A comissão interministerial formada para reformar o mo<strong>de</strong>lo concluiu, porém, que a<br />
in<strong>de</strong>pendência das agências <strong>de</strong>veria permanecer intocada. Deixando evi<strong>de</strong>nte que isso não seria obstáculo<br />
à idéia <strong>de</strong> colocar-lhes ré<strong>de</strong>as, o ministro da Casa Civil, José Dirceu (...) produziu dois anteprojetos<br />
<strong>de</strong>stinados, em suma, a enquadrar as agências. Elas passariam a operar no regime <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> gestão<br />
com o Executivo. (...) Para a diretoria da ANP, o presi<strong>de</strong>nte Lula indicou o <strong>de</strong>putado Haroldo Lima, do<br />
PC do B. E para a diretoria da Anatel, o secretário <strong>de</strong> Telecomunicações, o ex-sindicalista Pedro Jaime<br />
Ziller <strong>de</strong> Araújo, com o confessado objetivo <strong>de</strong> ‘fiscalizar’ a agência. (...) Some-se a isso o novo mo<strong>de</strong>lo<br />
energético (...) e está traçado o quadro <strong>de</strong> reestatização administrativa em que se empenha<br />
entusiasticamente a Casa Civil. (...) Além disso, Lula <strong>de</strong>u a Ziller um mandato <strong>de</strong> 1 ano, como preten<strong>de</strong><br />
que venham a ser os dos <strong>de</strong>mais presi<strong>de</strong>ntes – outra transparente manobra para <strong>de</strong>svertebrar as agências.”<br />
(i<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m).<br />
568 A tese <strong>de</strong>fendida e aplicada pelo governo <strong>brasil</strong>eiro foi a <strong>de</strong> que caberia ao Presi<strong>de</strong>nte da República a<br />
livre nomeação e exoneração dos presi<strong>de</strong>ntes, diretores-presi<strong>de</strong>ntes ou diretor-geral da agências. Somente<br />
o cargo <strong>de</strong> conselheiro ou diretor da agência seria intocável por ato unilateral e discricinário do Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República. “O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, enfatizou que o presi<strong>de</strong>nte da República<br />
tem o direito legal <strong>de</strong> substituir a qualquer momento o presi<strong>de</strong>nte da Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações (Anatel). Segundo o ministro, o que é garantido pela lei é o mandato <strong>de</strong> conselheiro,<br />
não o cargo <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte da agência. Por isso, segundo Miro, ‘a qualquer momento, o presi<strong>de</strong>nte (da<br />
Anatel) po<strong>de</strong> ser substituído’.” (MARQUEZ, Nélia; RAMOS, José. Nomear presi<strong>de</strong>nte da Anatel é<br />
direito <strong>de</strong> Lula, diz governo. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Quarta-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004). A<br />
Lei 9.986/2000 revogou o art.31 da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações, que previa mandato <strong>de</strong> 3 anos para o<br />
Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Diretor da ANATEL, mas este argumento, embora pontual e específico para o<br />
setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não pareceu obstaculizar sua extensão aos <strong>de</strong>mais setores: “A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stituir Luiz Guilherme Schymura da presidência da Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (Anatel)<br />
abriu caminho para que o presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula da Silva faça o mesmo com dirigentes <strong>de</strong> outros<br />
órgãos reguladores. ‘Não há mais dúvida jurídica: é possível <strong>de</strong>stituir presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> agências que têm<br />
mandato <strong>de</strong> conselheiro’, disse ontem um dos interlocutores <strong>de</strong> Lula.” (ROSA, Vera; RAMOS, José; M.<br />
G. Diretores <strong>de</strong> outras agências po<strong>de</strong>rão cair. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia.<br />
Sexta-feira, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004). O partido do governo anterior (PSDB) ameaçou questionar<br />
judicialmente a <strong>de</strong>stituição do cargo <strong>de</strong> diretor-presi<strong>de</strong>nte da ANATEL, mas voltou atrás em face da<br />
renúncia conseqüente, por parte do então diretor-presi<strong>de</strong>nte da ANATEL inclusive do cargo <strong>de</strong><br />
conselheiro. Manteve, entretanto, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> esclarecer se em outros casos, seria possível a interrupção<br />
<strong>de</strong> mandato <strong>de</strong> conselheiro ou diretor <strong>de</strong> agência por ato unilateral do Presi<strong>de</strong>nte da República: “ ‘Vamos<br />
perguntar à Justiça se em casos futuros, não havendo concordância <strong>de</strong> um outro doutor Schymura em<br />
<strong>de</strong>ixar o cargo a pedido do presi<strong>de</strong>nte da República, também po<strong>de</strong>rá haver a interrupção <strong>de</strong> seu mandato’,<br />
explicou o lí<strong>de</strong>r [do PSDB]. Virgílio disse que se a Justiça opinar pela inexistência da autonomia das<br />
agências, e consequentemente da in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> seus dirigentes, o PSDB vai trabalhar no Congresso<br />
para recuperar ‘o espírito das agências reguladoras’.” (COSTA, Rosa. PSDB recua e não vai mais à<br />
Justiça contra mudança na Anatel. O ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 8 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 2004).<br />
569 “A presi<strong>de</strong>nte da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (ABAR), Maria Augusta Feldman,<br />
disse hoje que os dirigentes das instituições estão preocupados com a <strong>de</strong>stituição do presi<strong>de</strong>nte da<br />
Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações (Anatel). Segundo ela, há o temor inclusive <strong>de</strong> que o governo<br />
não pare na mudança <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes, e possa lutar para mudar conselheiros antes do vencimento <strong>de</strong> seus<br />
mandatos, que são garantidos por lei. Ela disse que é difícil para um dirigente <strong>de</strong> agência não ce<strong>de</strong>r a um<br />
apelo <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> para que renuncie ao seu mandato. ‘Eu conclamo todos os dirigentes a, se houver<br />
pedidos <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m, se mantenham no exercício dos seus mandatos (...)’, pediu a presi<strong>de</strong>nte da ABAR.<br />
(...) Maria Augusta afirmou que a troca <strong>de</strong> Luiz Guilherme Schymura [antes do término <strong>de</strong> seu mandato]<br />
trouxe instabilida<strong>de</strong> não só às agências, mas também ao mercado. ‘Isso consolida a idéia original, que eu<br />
pensava esquecida, <strong>de</strong> atrelar as agências ao Ministério’, criticou.” (RAMOS, José. Saída <strong>de</strong> Schymura<br />
preocupa associação <strong>de</strong> agências. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quarta-feira, 7<br />
<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004).
145<br />
governamentais para sua <strong>de</strong>missão à semelhança do que já ocorrera com o Banco<br />
Central na década <strong>de</strong> 1960. 570<br />
Paralelamente, mas em processo iniciado já em 2003, a partir do discurso <strong>de</strong><br />
posse do presi<strong>de</strong>nte Lula, e muito embora se tenha acenado com a manutenção do<br />
mo<strong>de</strong>lo das agências pela comissão interministerial instituída em 2003 pelo próprio<br />
governo, foi gestado, na Casa Civil da Presidência da República, o Projeto <strong>de</strong> Lei n.º<br />
3.337/04, encaminhado ao Congresso Nacional em 13/04/2004, em regime <strong>de</strong> urgência<br />
constitucional. Nele, foi proposta, para todas as agências reguladoras <strong>brasil</strong>eiras,<br />
regulamentação segundo a qual elas <strong>de</strong>veriam submeter-se, <strong>de</strong>ntre outras inovações, a<br />
contratos <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho firmados com o Ministério supervisor. 571 O<br />
projeto, entretanto, não foi bem recebido e sua discussão, capitaneada pela Frente<br />
Parlamentar das Agências Reguladoras 572 no Congresso Nacional, ultrapassou em<br />
muito previsões iniciais para seu encerramento 573 . Tudo isto em meio a bloqueio geral<br />
da pauta <strong>de</strong> votações do Congresso por medidas provisórias editadas pela Presidência da<br />
República. 574 Somente uma voz, além da Casa Civil, veio claramente em <strong>de</strong>fesa do<br />
projeto <strong>de</strong> lei das agências reguladoras: a <strong>de</strong> Delfim Netto 575 e, mesmo assim, sobre<br />
570<br />
“Para o economista Affonso Celso Pastore, ex-presi<strong>de</strong>nte do Banco Central (BC), o presi<strong>de</strong>nte Luiz<br />
Inácio Lula da Silva agiu como o marechal Arthur da Costa e Silva (...). Pastore lembra que Roberto<br />
Campos e Octavio Gouvêa <strong>de</strong> Bulhões, ministros econômicos do presi<strong>de</strong>nte Humberto <strong>de</strong> Alencar<br />
Castello Branco, que antece<strong>de</strong>u Costa e Silva, criaram um BC teoricamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e colocaram<br />
Dênio Nogueira na presidência. Costa e Silva, porém, não aceitou a in<strong>de</strong>pendência do BC e forçou a<br />
<strong>de</strong>missão <strong>de</strong> Nogueira. ‘Reza a lenda que o Costa e Silva perguntou ao Dênio qual era a função do BC, e<br />
ele respon<strong>de</strong>u que era a <strong>de</strong> guardião da moeda; e aí o presi<strong>de</strong>nte retrucou que, ‘guardião da moeda sou<br />
eu’’, relembra Pastore.” (DANTAS, Fernando; RAMOS, José. Associação <strong>de</strong> agências critica pressões.<br />
In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quinta-feira, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004).<br />
571<br />
Projeto <strong>de</strong> Lei 3.337/04, da Câmara dos Deputados: “Art. 9º A Agência Reguladora <strong>de</strong>verá firmar<br />
contrato <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho com o Ministério a que estiver vinculada, nos termos do §8º do art.<br />
37 da Constituição, negociado e celebrado entre a Diretoria Colegiada ou Conselho Diretor e o titular do<br />
respectivo Ministério. (...) §4º São objetivos do contrato <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho: I – aperfeiçoar o<br />
acompanhamento da gestão, promovendo maior transparência e controle social; II – aperfeiçoar as<br />
relações <strong>de</strong> cooperação da Agência Reguladora com o Po<strong>de</strong>r Público, em particular no cumprimento das<br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong>finidas em lei.”<br />
572<br />
RAMOS, José; MARQUES, Gerusa. Parlamentares criticam contrato das reguladoras. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quinta-feira, 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
573<br />
A comissão especial para análise do Projeto <strong>de</strong> Lei n.º 3.337/04, cujo relator foi o <strong>de</strong>putado Leonardo<br />
Picciani, do PMDB-RJ, somente foi instalada um mês após o projeto ter chegado ao Parlamento. Para um<br />
projeto que o governo pretendia tramitar com urgência constitucional e que sofria riscos <strong>de</strong> não ser votado<br />
no segundo semestre <strong>de</strong> 2004 <strong>de</strong>vido à ocorrência das eleições municipais no Brasil, foram apresentadas<br />
137 emendas pertinentes aos temas centrais do projeto. O pedido <strong>de</strong> urgência constitucional que gravou o<br />
encaminhamento do Projeto <strong>de</strong> Lei n.º 3.337/04 ao Congresso Nacional teve que ser retirado pelo<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República menos <strong>de</strong> um mês após sua propositura. Conferir, além do acompanhamento<br />
processual da Câmara dos Deputados: MADUEÑO, Denise; MARQUES, Gerusa. Projeto sobre<br />
reguladoras <strong>de</strong>ve per<strong>de</strong>r urgência. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sábado, 8 <strong>de</strong><br />
maio <strong>de</strong> 2004; I<strong>de</strong>m. Oposição quer retirar urgência para projeto das reguladoras. In: O ESTADO DE<br />
SÃO PAULO. Agestado-notícias. Sexta-feira, 7 maio <strong>de</strong> 2004.<br />
574<br />
OTTA, Lu Aiko. Projetos po<strong>de</strong>m atolar no Congresso. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong><br />
Economia. Domingo, 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
575<br />
Sua afirmação veio no contexto <strong>de</strong> se estar livre do pior, já que se acreditava que o governo po<strong>de</strong>ria<br />
estar propondo a extinção do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agências. “O <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral Defim Netto (PP-SP) disse ontem<br />
que o governo parece ter reconhecido o papel das agências reguladoras no projeto enviado ontem ao<br />
Congresso, ao <strong>de</strong>terminar um mandato fixo para os dirigentes <strong>de</strong>sses órgãos. ‘Parece que o presi<strong>de</strong>nte<br />
(Luiz Inácio Lula da Silva) acabou se convencendo <strong>de</strong> que a agência é um instrumento <strong>de</strong> Estado, não um<br />
instrumento do Executivo <strong>de</strong> plantão’, disse Delfim (...) Segundo Delfim, a in<strong>de</strong>pendência das agências<br />
reguladoras ‘é a única forma <strong>de</strong> dar tranqüilida<strong>de</strong> ao investidor’.” (MURPHY, Priscilla. Delfim Netto faz
146<br />
item enxertado à pedido do ministro da Fazenda pertinente à estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro anos<br />
para os presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> agências voltado a retirar o caráter evi<strong>de</strong>nte do projeto <strong>de</strong><br />
diminuição dos po<strong>de</strong>res das agências mediante seu repasse aos órgãos diretos do Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo. 576 A reação geral foi <strong>de</strong> suspeita quanto à honestida<strong>de</strong> da propaganda<br />
governamental para fortalecimento das agências. 577 Estas estariam sendo transformadas<br />
em instrumentos <strong>de</strong> governo em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>alização como instrumentos <strong>de</strong><br />
Estado. 578 O i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> espaço público sequer foi cogitado, bastando para <strong>de</strong>scrição da<br />
polêmica da época o embate entre argumentos <strong>de</strong> atrativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investimentos e <strong>de</strong><br />
formulação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> setoriais. A proposta <strong>de</strong> introdução <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong><br />
gestão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho entre ministério supervisor e agência foi acusado <strong>de</strong> ser um<br />
artifício para subordinar as agências aos ministérios 579 , ao contrário do <strong>de</strong>fendido pelo<br />
elogios à proposta. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
2004). No mesmo sentido, pronunciamentos <strong>de</strong> diretores <strong>de</strong> agências reguladoras à época: “O diretorgeral<br />
da Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica (Aneel), José Mário Abdo, disse que a proposta do<br />
governo para os órgãos reguladores traz avanços em relação ao que o governo pensava inicialmente sobre<br />
a matéria.” (MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Diretores <strong>de</strong> agências vêem avanços no projeto. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004).<br />
576 O posicionamento dúbio do governo po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciado nos dois interesses representados pela Casa<br />
Civil e pela área econômica do governo fe<strong>de</strong>ral. Para um, que gestou primeiramente o projeto <strong>de</strong> lei, este<br />
<strong>de</strong>veria servir para conter o po<strong>de</strong>r das agências e submetê-las ao po<strong>de</strong>r político dos ministérios<br />
correspon<strong>de</strong>ntes. Para a equipe econômica, entretanto, o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>veria transparecer a idéia <strong>de</strong><br />
fortalecimento do mo<strong>de</strong>lo regulador pautado nas agências. “O governo enviou ontem ao Congresso o<br />
projeto <strong>de</strong> lei que fixa as novas regras <strong>de</strong> funcionamento das agências reguladoras e garantirá estabilida<strong>de</strong><br />
aos presi<strong>de</strong>ntes, mas aumentará a interferência do Executivo em suas ativida<strong>de</strong>s. Para <strong>de</strong>monstrar unida<strong>de</strong><br />
do governo em relação à matéria, o presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula da Silva assinou a proposta tendo ao lado<br />
não só o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, mas também o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.<br />
A opinião <strong>de</strong> Palocci foi fundamental para que o governo <strong>de</strong>cidisse dar estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro anos no<br />
cargo para os presi<strong>de</strong>ntes das agências reguladoras. Durante mais <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> discussão da proposta, o<br />
governo chegou a cogitar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>r indicar e <strong>de</strong>stituir o<br />
presi<strong>de</strong>nte das agências quando quisesse. A penúltima versão do projeto, cujos termos foram divulgados<br />
na semana passada, ainda preservava esse po<strong>de</strong>r. Mas a péssima repercussão entre os investidores levou o<br />
governo a alterar o projeto, aten<strong>de</strong>ndo à sugestão inicial da equipe econômica. Em reunião com o<br />
presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula da Silva, Palocci <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a tese <strong>de</strong> que seria conveniente <strong>de</strong>finir uma regra<br />
para reduzir as incertezas. (...) Segundo Dirceu, é necessário <strong>de</strong>finir com clareza o papel das agências, que<br />
<strong>de</strong>vem ter suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> regulação aperfeiçoadas, e <strong>de</strong>ixar com os ministérios a formulação das<br />
<strong>políticas</strong>.” (MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Projeto sobre agências leva toque <strong>de</strong> Palocci. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004).<br />
577 CRUZ, Renato; RAMOS, José; M., G.; PEREIRA, Renée. Investidores consi<strong>de</strong>ram medidas um<br />
retrocesso. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 6 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
578 BARAT, Josef. Agências reguladoras: avanços e recuos. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong><br />
Economia. Quarta-feira, 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004. “A idéia <strong>de</strong> controle do Executivo, pelos seus ministérios,<br />
priva as agências da necessária condição <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e credibilida<strong>de</strong> e as ameaça <strong>de</strong> erosão da sua<br />
capacitação técnica, na medida em que passam a ser parte das barganhas <strong>políticas</strong> (...) Estamos vivendo<br />
um momento difícil: a) as regras gerais das concessões vêm sendo abaladas por sobressaltos e mudanças,<br />
como no caso do setor elétrico; b) a autorida<strong>de</strong> do ente regulador é questionada, como nas<br />
<strong>telecomunicações</strong>; c) o ente regulador não disse a que veio, como nos transportes; e d) um governo<br />
estadual ameaça unilateralmente romper contratos como no caso do Paraná. Assim, o encaminhamento do<br />
Projeto <strong>de</strong> Lei n.º 3.337/04 po<strong>de</strong> gerar mais instabilida<strong>de</strong> e frustração”.<br />
579 “O projeto <strong>de</strong> lei que disciplinará o funcionamento <strong>de</strong>ssas agências, divulgado pelo Palácio do Planalto<br />
,da forma como foi feito, <strong>de</strong>monstra uma tênue mudança da intenção do governo <strong>de</strong>clarada no início <strong>de</strong><br />
2003, evoluindo <strong>de</strong> um bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado à autonomia das agências para a flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
postura mais propícia para a atração <strong>de</strong> investimentos. (...) No entanto, ainda prevalece no projeto a<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferência do governo nas <strong>de</strong>cisões das agências, por meio <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong><br />
contingenciamento <strong>de</strong> verbas para as que não cumprirem metas. Que metas? A missão fundamental <strong>de</strong><br />
uma agência é <strong>de</strong>cidir bem sobre as questões que lhe são postas. Os contratos <strong>de</strong> gestão po<strong>de</strong>rão ser
147<br />
governo <strong>de</strong> que tais contratos assegurariam os recursos orçamentários segundo metas<br />
contratuais alcançadas pela agência reguladora. 580 Por sua vez, a retomada do po<strong>de</strong>r<br />
conce<strong>de</strong>nte por parte dos ministérios esvaziaria o papel regulador outorgado às<br />
agências. 581 Enfim, os dois temas – contratos <strong>de</strong> gestão e titularida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r<br />
conce<strong>de</strong>nte – apresentaram-se como os tópicos centrais da discussão política sobre o<br />
projeto <strong>de</strong> lei apresentado pelo governo. 582 A discussão parlamentar, entretanto,<br />
acrescentou nova hipótese: a <strong>de</strong> que a fiscalização das agências reguladoras <strong>de</strong>veria ser<br />
remetida ao Congresso Nacional. 583<br />
A autonomia das agências reguladoras, entretanto, nunca foi plena e o fato<br />
<strong>de</strong> existir movimentação política expressa no sentido <strong>de</strong> controle sobre agências não<br />
significa que estas fossem antes realmente autônomas. Isto evi<strong>de</strong>ncia que o problema<br />
não está na formalização dos mecanismos <strong>de</strong> autonomia, mas na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
ambiente paralelo <strong>de</strong> controle social e <strong>de</strong> valores internos à instituição reguladora<br />
voltados a vaciná-la <strong>de</strong> interferências que sufoquem a discussão pública nas inafastáveis<br />
negociações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
No setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, as tensões entre ANATEL e Ministério das<br />
Comunicações ficaram patentes com o impasse sobre a <strong>de</strong>finição do índice <strong>de</strong> reajuste<br />
das tarifas das concessionárias <strong>de</strong> telefonia fixa no ano <strong>de</strong> 2003. Para o então Ministro<br />
das Comunicações, <strong>de</strong>veria ser aplicado o IPCA (Índice <strong>de</strong> Preços ao Consumidor<br />
Amplo), enquanto a ANATEL, com base nos contratos <strong>de</strong> concessão firmados,<br />
autorizou o reajuste com base no IGP-DI (Índice Geral <strong>de</strong> Preços-Disponibilida<strong>de</strong><br />
Interna). O embate gerou frutos em posicionamento do Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong> União<br />
usados como artifício para subordinar as agências aos ministérios quando, na verda<strong>de</strong>, a agência é uma<br />
autarquia especial vinculada a um ministério.” (NASCIMENTO, Juarez Quadros do. Agências<br />
reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Domingo, 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004).<br />
580 “Palocci afirmou que ‘não há receita pronta para o marco regulatório e que o projeto [<strong>de</strong> lei] atual [das<br />
agências reguladoras] consolida os avanços já obtidos nesse setor (...) Em sua opinião os contratos serão<br />
uma garantia para o bom funcionamento das agências, pois assegurará os meios para o cumprimento das<br />
metas fixadas nele.” (ALLEN, James; RAMOS, José. Proposta para agência reguladora é fundamental<br />
para crescimento. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quinta-feira, 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
2004). “O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse hoje não achar que o contrato <strong>de</strong> gestão, previsto<br />
no projeto <strong>de</strong> reestruturação das agências reguladoras, comprometa a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>sses órgãos.<br />
Segundo ele, os contratos <strong>de</strong> gestão funcionam como figura <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> administrativa para as<br />
agências e não têm papel regulatório. ‘Se fosse, a in<strong>de</strong>pendência estaria comprometida’, disse.”<br />
(FERNANDES, Adriana. Projeto não compromete in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> agência reguladora. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004).<br />
581 NASCIMENTO, Juarez Quadros do. Agências reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção<br />
<strong>de</strong> Economia. Domingo, 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004. A posição da ministra <strong>de</strong> Minas <strong>de</strong> Energia do governo Lula<br />
sempre foi clara neste sentido: “A ministra <strong>de</strong> Minas e Energia, Dilma Rousseff, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u hoje que o<br />
po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte seja sempre da União e não das agências reguladoras. A transferência do po<strong>de</strong>r<br />
conce<strong>de</strong>nte para as agências foi um ‘equívoco’, disse ela em um <strong>de</strong>bate com os <strong>de</strong>putados da Comissão<br />
Especial da Câmara que trata do projeto que reestrutura esses órgãos.” (RAMOS, José. Dilma <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte pela União. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quarta-feira, 16<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004).<br />
582 “Segundo o relator [do projeto <strong>de</strong> lei das agências reguladoras], ainda não há consenso sobre o<br />
dispositivo que transfere das agências reguladoras para os ministérios afins as atribuições <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r as<br />
outorgas dos serviços públicos e <strong>de</strong> celebrar os contratos <strong>de</strong> concessão. Pelo projeto original, essas<br />
atribuições po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>legadas às agências, se o ministro assim <strong>de</strong>cidir.” (MARQUES, Gerusa. Adiada<br />
votação da reestruturação das agências reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong><br />
Economia. Quarta-feira, 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004).<br />
583 MARQUES, Gerusa. Congresso quer assumir fiscalização das agências. In: O ESTADO DE SÃO<br />
PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Segunda-feira, 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004.
148<br />
pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instauração <strong>de</strong> processo revisional das tarifas para correção <strong>de</strong><br />
distorções causadas pelos reajustes tarifárias por índices que gerem variação acima do<br />
real aumento dos custos da empresa prestadora <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. 584 A discussão política, entretanto, ultrapassou a questão específica<br />
do montante <strong>de</strong> reajuste, pois a aplicação do IGP-DI geraria um aumento <strong>de</strong> tarifa<br />
superior a que existiria se fosse aplicado o IPCA, para firmar-se no questionamento da<br />
segurança da política regulatória para <strong>telecomunicações</strong> no Brasil. A politização do<br />
<strong>de</strong>bate judicial foi tão intensa que as operadoras, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso à liminar<br />
concedida por juízo fe<strong>de</strong>ral contra a aplicação do IGP-DI renunciavam à diferença <strong>de</strong><br />
índices aplicada até então caso a suspensão da liminar fosse concedida pelo Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em flagrante tentativa <strong>de</strong> enfraquecimento dos argumentos <strong>de</strong> cunho<br />
estritamente político. 585 Outro tema que direcionou os esforços da agência foi o<br />
referente à utilização dos recursos do Fundo <strong>de</strong> Universalização das Telecomunicações<br />
(FUST), que, a partir <strong>de</strong> orientação do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, originou o Serviço<br />
<strong>de</strong> Comunicação Digital (SCD) 586 , vulgarmente apelidado <strong>de</strong> termo que traduzia as<br />
inúmeras combinações que foram imaginadas para sua implantação norteadas por<br />
<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> inclusão digital 587 e <strong>de</strong> divisão digital. 588 No âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />
a discussão do primeiro semestre <strong>de</strong> 2004 girou em torno <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei que propunha<br />
a extinção da assinatura básica da telefonia fixa para o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>sonerar o assinante dos<br />
serviços. A posição da ANATEL, já pela voz <strong>de</strong> seu novo presi<strong>de</strong>nte indicado pelo novo<br />
584 BRASIL. TCU. Acórdão nº. 1.196/2005. Decisão Plenária. Relator Auditor Marcos Bemquerer Costa,<br />
j. 17/08/2005, Ata nº. 31/2005 do Plenário.<br />
585 BRASIL. STF. Suspensão <strong>de</strong> Liminar nº. 34/DF. Decisão Monocrática. Relator Min. Maurício Corrêa,<br />
DJ 26/02/2004, p. 00042.<br />
586 O histórico do serviço <strong>de</strong> comunicação digital é o histórico da tentativa <strong>de</strong> utilização dos recursos do<br />
Fundo <strong>de</strong> Universalização dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações do Brasil. Após tentativas frustradas <strong>de</strong><br />
licitação para escolha <strong>de</strong> operadora <strong>de</strong> telefonia fixa para implantação <strong>de</strong> acessos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> internet<br />
em escolas <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiras, a ANATEL, após orientações do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União (Acórdão<br />
n.º 1.107, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003), realizou a Consulta Pública n.º 480, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2003, que<br />
veiculou proposta <strong>de</strong> regulamentação do “Serviço <strong>de</strong> Comunicações Digitais Destinado ao Uso do<br />
Público em Geral” e <strong>de</strong>stinado ao uso do Fundo <strong>de</strong> Universalização. A Consulta Pública n.º 493, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 2004, disponibilizou, para análise dos interessados, o Plano Geral <strong>de</strong> Outorgas do Serviço <strong>de</strong><br />
Comunicações Digitais <strong>de</strong>stinado ao Uso do Público em Geral. No mesmo dia, por intermédio da<br />
Consulta Pública n.º 494, vinha a público a proposta <strong>de</strong> Plano Geral <strong>de</strong> Metas <strong>de</strong> Universalização do<br />
SCD. Foram efetivadas audiências <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004 a 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004 nas cida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Recife, Porto Alegre, Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. A partir daí, o andamento<br />
da aprovação do novo serviço caiu em compasso <strong>de</strong> espera e somente em 8 <strong>de</strong> outubro do mesmo ano foi<br />
encaminhada formalmente pela ANATEL ao Ministro das Comunicações a proposta <strong>de</strong> criação do<br />
Serviço <strong>de</strong> Comunicações Digitais – SCD. Era a expectativa <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> um fundo <strong>de</strong> universalização<br />
que já <strong>de</strong>tinha 3 bilhões <strong>de</strong> reais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início <strong>de</strong> arrecadação em 2001, sem nunca ter sido aplicado.<br />
Até 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2005, a proposta não havia sido encaminhada pelo Ministério à Presidência da<br />
República.<br />
587 BETING, Joelmir. Inclusão chipada. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia.<br />
Domingo, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2003.<br />
588 No relatório da União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong> 2003 que estabelece o ranking mundial da<br />
inclusão digital conhecido pela sigla DAI (Digital Access In<strong>de</strong>x), o Brasil ocupou a 65ª colocação atrás da<br />
Argentina, Uruguai e Chile. Este índice leva em conta 5 fatores: infra-estrutura <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>;<br />
preços relativos <strong>de</strong> produtos e serviços <strong>de</strong> re<strong>de</strong>; número <strong>de</strong> internautas; diversida<strong>de</strong> dos serviços<br />
disponíveis; e impactos econômicos e sociais da imersão progressiva em re<strong>de</strong>. Estudo do significado <strong>de</strong>sta<br />
colocação ainda revelou o imenso fosso que divi<strong>de</strong> o país em termos <strong>de</strong> acesso digital. Para tanto,<br />
conferir: BONILHA, Caio. DAI – Digital Access In<strong>de</strong>x: Brazil breakdown. Genebra: ITU, 2003.
149<br />
governo, foi contrária ao projeto por enten<strong>de</strong>r que isto inviabilizaria o equilíbrio<br />
econômico-financeiro dos contratos <strong>de</strong> concessão. 589<br />
Vê-se, assim, que o ambiente <strong>de</strong> regulação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e,<br />
em especial, do <strong>de</strong> telefonia, gera uma polarização natural entre propostas <strong>de</strong><br />
diminuição dos custos evi<strong>de</strong>ntes dos serviços <strong>de</strong> telefonia impostos sobre seus<br />
consumidores, <strong>de</strong> um lado, e <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> manutenção do equilíbrio das relações<br />
contratuais, <strong>de</strong> otimização <strong>de</strong> lucros e <strong>de</strong> expansão das empresas do setor. Trata-se,<br />
enfim, <strong>de</strong> um setor em constante dinâmica <strong>de</strong>stes interesses. O mesmo interesse que<br />
aparentemente motivou a queda do presi<strong>de</strong>nte da ANATEL, qual seja, o interesse<br />
político ministerial <strong>de</strong> benefício dos consumidores do serviço pela diminuição das<br />
tarifas <strong>de</strong> telefonia fixa, poucos meses <strong>de</strong>pois, não se apresenta suficiente para qualificar<br />
a orientação da agência como insubmissa aos <strong>de</strong>sígnios do Po<strong>de</strong>r Executivo. O exemplo<br />
é pontual, mas faz transparecer a suspeita <strong>de</strong> que os interesses do consumidor dos<br />
serviços <strong>de</strong> telefonia foram utilizados para alcançar um interesse maior: o interesse <strong>de</strong><br />
controle político governamental sobre a agência reguladora. Na mesma linha, Decreto<br />
presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 2003 dispôs sobre <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
lastreado no atendimento às necessida<strong>de</strong>s da vida do cidadão, inclusão social,<br />
universalização, otimização do setor, mo<strong>de</strong>rnização do setor, <strong>de</strong>senvolvimento<br />
industrial, geração <strong>de</strong> empregos e capacitação <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. 590 Somente critérios que<br />
fujam dos interesses das partes do processo regulatório po<strong>de</strong>m, portanto, dialogar com<br />
este interesse anterior ao ambiente regulador. O interesse <strong>de</strong> controle governamental<br />
briga com o pressuposto <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> política e é neste espaço que se po<strong>de</strong> estabelecer um<br />
diálogo conceitual entre tendências voltadas a dar ao ambiente regulador um caráter<br />
instrumental. De um lado, fala-se <strong>de</strong> caráter instrumental voltado à consecução das<br />
<strong>políticas</strong> <strong>de</strong> governo e, sob este ponto <strong>de</strong> vista, as orientações <strong>de</strong> governo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias<br />
distintas convergem 591 ; <strong>de</strong> outro lado, está o caráter instrumental voltado à vivência da<br />
virtu<strong>de</strong> política e, sob este aspecto, praticamente não se tem falado.<br />
De todo o exposto, o caminho para análise das tensões institucionais no<br />
setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não parece ser o <strong>de</strong> precisão dos interesses dos atores em<br />
jogo – Governo, usuários, empresas –, pois estes são conjunturais e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da<br />
589 MARQUES, Gerusa. Anatel é contra o fim da cobrança da assinatura na telefonia fixa. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Tecnologia. Quarta-feira, 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004; MARQUES,<br />
Gerusa. Polêmica sobre o fim da assinatura básica aumenta. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção<br />
<strong>de</strong> Economia. Quinta-feira, 6 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004.<br />
590 As <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro fixadas no Decreto presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> nº.<br />
4.733, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2003, não fogem do lugar comum <strong>de</strong> orientação do setor para provimento <strong>de</strong><br />
utilida<strong>de</strong>s e suprimento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s da vida dos cidadãos: “Art. 3º. As <strong>políticas</strong> para as<br />
<strong>telecomunicações</strong> têm como finalida<strong>de</strong> primordial aten<strong>de</strong>r ao cidadão, observando, <strong>de</strong>ntre outros, os<br />
seguintes objetivos gerais: I – a inclusão social; II – a universalização (...); III – contribuir efetivamente<br />
para a otimização e mo<strong>de</strong>rnização dos programas <strong>de</strong> Governo e da prestação dos serviços públicos; IV –<br />
integrar as ações do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a outros setores indispensáveis à promoção do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico e social do país; V – estimular o <strong>de</strong>senvolvimento industrial <strong>brasil</strong>eiro no<br />
setor; VI – fomentar a pesquisa e o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico do setor; VII – garantir a<strong>de</strong>quado<br />
atendimento na prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; VIII – estimular a geração <strong>de</strong> empregos e a<br />
capacitação <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra; e IX – estimular a competição ampla, livre e justa entre as empresas<br />
exploradoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, com vistas a promover a diversida<strong>de</strong> dos serviços com<br />
qualida<strong>de</strong> e a preços acessíveis à população.”<br />
591 Em entrevista <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso em 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004: “As agências regulatórias são a<br />
forma mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> o Estado controlar e garantir não só o contrato mas também o atendimento do<br />
consumidor” (SPIGLIATTI, Solange. País precisa <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> para crescer, diz FHC. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004).
150<br />
dinâmica <strong>de</strong> outros interesses que os influenciam. Pelo contrário, o caminho <strong>de</strong> análise<br />
das tensões somente po<strong>de</strong> advir <strong>de</strong> um elemento externo que serve como âncora<br />
conceitual e comparativa. Daí a importância <strong>de</strong> batimento da realida<strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira com a<br />
estaduni<strong>de</strong>nse segundo um critério conceitual externo ao jogo <strong>de</strong> interesses do ambiente<br />
regulado, qual seja, o conceito <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> política.<br />
O movimento <strong>de</strong> reestruturação das relações institucionais entre agências<br />
reguladoras e ministérios do Po<strong>de</strong>r Executivo po<strong>de</strong> até vir camuflado por justificativa <strong>de</strong><br />
politização das <strong>de</strong>cisões setoriais, mas, se não for acompanhado da discussão <strong>de</strong> fundo<br />
sobre a virtu<strong>de</strong> política, simplesmente persistirá a crença <strong>de</strong> origem da vonta<strong>de</strong> política<br />
em estruturas vacinadas da interferência ativa diuturna da socieda<strong>de</strong>. Estar-se-á apenas<br />
transferindo o espaço a-político <strong>de</strong> formulação das <strong>políticas</strong> setoriais. O titular<br />
originário do po<strong>de</strong>r político continuará alijado do processo. Basta a referência geral às<br />
questões fundamentais do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro do ano <strong>de</strong> 2004 – SCD-<br />
FUST, contrato <strong>de</strong> gestão, controle social, convergência tecnológica e regulamentar,<br />
divisão digital, exclusão digital, rádio e TV digital, comunicação social eletrônica,<br />
<strong>de</strong>ntre outras – para se verificar que não foram temas levantados em discussão pública;<br />
foram temas presos a questões <strong>de</strong> competência – Ministério das Comunicações versus<br />
ANATEL –, ou <strong>de</strong> posicionamento institucional – Tribunal <strong>de</strong> Contas da União 592<br />
versus ANATEL. A prática do setor não tem revelado abertura para institucionalização<br />
da virtu<strong>de</strong> política.<br />
592 A relação entre agências reguladoras e Tribunal <strong>de</strong> Contas da União tem sido objeto <strong>de</strong> estudos<br />
específicos a partir do conceito <strong>de</strong> policentrismo institucional. Conferir: ZYMLER, Benjamin;<br />
ALMEIDA, Guilherme Henrique <strong>de</strong> La Rocque. O controle externo das concessões <strong>de</strong> serviços<br />
públicos e das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 129; 133 e<br />
seguintes.
151<br />
5 MODELO NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM<br />
TELECOMUNICAÇÕES<br />
Neste capítulo procura-se evi<strong>de</strong>nciar, a partir da <strong>de</strong>scrição do mo<strong>de</strong>lo norteamericano<br />
<strong>de</strong> regulação das <strong>telecomunicações</strong> acompanhado do eixo conceitual <strong>de</strong><br />
enfoque da virtu<strong>de</strong> política, as principais temáticas discutidas no setor nos Estados<br />
Unidos da América, bem como o significado das transformações <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
para o fim <strong>de</strong> comparação com o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro.<br />
5.1 O MODELO EM LINHAS GERAIS<br />
Em meados da década <strong>de</strong> 1990, o mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, então tributário do Communications Act <strong>de</strong> 1934, sofreu profunda<br />
transformação quanto a sua finalida<strong>de</strong> inicial <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> monopólio natural do<br />
setor. 593 O Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 reestruturou a regulação <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> no país com vistas a viabilizar a progressiva abertura do setor em<br />
direção a um “novo paradigma <strong>de</strong> competição irrestrita” 594 ; a um “ambiente<br />
verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>sregulado” 595 .<br />
A nova formulação política <strong>de</strong> 1996 questionou os três pilares sobre os quais o<br />
mo<strong>de</strong>lo anterior <strong>de</strong> regulação se apoiava: exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> (protected franchise); exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestação por área geográfica<br />
(quarantine); controle integral <strong>de</strong> preços e condições <strong>de</strong> prestação dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> (cradle-to-grave regulation). 596<br />
Antes, o mo<strong>de</strong>lo partia do pressuposto <strong>de</strong> que a telefonia se caracterizava como<br />
um monopólio natural 597 , mas inovações tecnológicas, principalmente com o advento do<br />
PBX (Private Branch Exchanges) 598 , associadas à conseqüente transformação da<br />
estrutura <strong>de</strong> custos da indústria telefônica, vieram reforçar a proposta contida no<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 <strong>de</strong> migração <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo pautado em intensa<br />
regulação estatal e voltado a contrabalancear o monopólio do setor <strong>de</strong><br />
593 Quando da aprovação do Communications Act <strong>de</strong> 1934, “monopoly provision of telephone service had<br />
become so familiar it seemed inevitable. Several pon<strong>de</strong>rous studies officially confirmed that it was, a<br />
conclusion perfectly consonant with the New Deal political winds then blowing. Monopoly was, in any<br />
event, the clear premise of the 1934 Act.” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John.<br />
Fe<strong>de</strong>ral telecommunications law. 2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 21).<br />
594 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Fe<strong>de</strong>ral telecommunications law. New<br />
York: Aspen Law & Business, 1992, p. 3: “A new paradigm of unfettered competition – without entry<br />
barriers, quarantines, or tariff regulation – is beginning to emerge”.<br />
595 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Fe<strong>de</strong>ral telecommunications law.<br />
2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 2.<br />
596 Id., ibid.<br />
597 “Is the telephone industry (or any part of it) a natural monopoly? Until the 1960s, the answer was<br />
generally presumed to be yes, from end to end. Until 1997, the answer was still presumed to be yes, at<br />
least in part. The 1996 Act reversed the presumption. But the question still does not admit of any short or<br />
easy answer” (Ibid., p. 86).<br />
598 Ibid., p. 27-32.
152<br />
<strong>telecomunicações</strong> 599 (Communications Act <strong>de</strong> 1934) para um mo<strong>de</strong>lo pautado no novo<br />
parâmetro regulatório <strong>de</strong> livre competição. A competição tornou-se a palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
para todos os mercados <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. 600 Por isso, o <strong>de</strong>safio do novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
regulação das <strong>telecomunicações</strong> estaduni<strong>de</strong>nse implantado <strong>de</strong> forma ostensiva a partir<br />
<strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1990 foi o <strong>de</strong> viabilizar a competição por intermédio,<br />
principalmente, <strong>de</strong> controle da interconexão e compatibilizar o norte <strong>de</strong> competição, que<br />
envolve atrativida<strong>de</strong> econômica e opções <strong>de</strong> investimento com a garantia do serviço<br />
universal. 601<br />
“The Telecommunications Act reflects a bipartisan consensus<br />
that <strong>de</strong>regulating and introducing competition in America's<br />
largest monopolized markets offers numerous potential<br />
benefits for consumers, business users, communications<br />
companies, and the economy as a whole (…) Along with<br />
<strong>de</strong>monopolizing local telephone markets, one of the<br />
Telecommunications Act's great challenges is to reconcile<br />
our commitment to competition with our commitment to<br />
universal service. In fact, one of the FCC's and the states'<br />
toughest challenges is to figure out the relationship between<br />
universal service, access charge reform, and interconnection<br />
rules” 602<br />
599 A presunção do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1934 era <strong>de</strong> que, para contrabalancear end-to-end<br />
monopoly, seria necessária uma end-to-end regulation. Conferir em: Ibid., p. 89.<br />
600 “The message of the Telecommunications Act is that we are now committed to competition in all<br />
communications markets. (…) While the Telecommunications Act charts a path to competition in all<br />
communications markets, the FCC and the states together have to write the procompetitive rules (…).”<br />
(UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on<br />
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the<br />
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:<br />
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004)).<br />
601 “We have commenced rulemakings on interconnection requirements (…) we have held several forums<br />
on interconnection (including an economics forum on interconnection issues with top economists and the<br />
FCC's Chief Economist) (…) our NPRM [Notice of Proposed Rulemaking] on interconnection<br />
requirements alone has received over 4,000 hits. (…) Moreover, the IXCs [interexchange carriers] and the<br />
other new entrants are seeking in the interconnection negotiations all the necessities of competing in a<br />
business they have for the most part not entered (…)Moreover, in many states by the end of November<br />
the arbitrators will in effect have written the rules of interconnection by making crucial <strong>de</strong>cisions about<br />
material terms of the arrangements and by translating next month's Section 251 interconnection or<strong>de</strong>r into<br />
the explicit terms and conditions of the Big Three [AT&T, MCI and Sprint] arrangements (…) In fact,<br />
one of the FCC's and the states' toughest challenges is to figure out the relationship between universal<br />
service, access charge reform, and interconnection rules” (UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House<br />
of Representatives. Subcommittee on Telecommunications and Finance Committee on Commerce.<br />
Implementation of the Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of<br />
the Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW.<br />
URL: http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004) - grifos nossos).<br />
602 UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on<br />
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the<br />
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:<br />
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004).
5.2 O INÍCIO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NOS EUA<br />
153<br />
Devido à concentração das patentes essenciais ao serviço telefônico nas mãos <strong>de</strong><br />
seu inventor – Alexan<strong>de</strong>r Graham Bell –, os serviços comerciais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
no Estados Unidos da América, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1877 até 1894, estiveram sob regime <strong>de</strong><br />
monopólio legal. A partir <strong>de</strong> então, diversas companhias menores surgiram a ponto <strong>de</strong>,<br />
em 1907, possuírem meta<strong>de</strong> das estações telefônicas dos EUA, persistindo a outra<br />
meta<strong>de</strong> com a Bell Telephone Company. 603<br />
Mas a onipresença da companhia antes monopolista lhe havia permitido<br />
implementar conexões <strong>de</strong> longa distância <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> superior, que Theodore N.<br />
Vail 604 utilizou para transformar a nascente indústria <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> uma<br />
indústria competitiva em direção a um monopólio compartilhado. Enquanto adquiria o<br />
controle acionário <strong>de</strong> companhias telefônicas antes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, Vail ofereceu às<br />
<strong>de</strong>mais empresas <strong>de</strong> telefonia local a divisão dos lucros <strong>de</strong> empreendimentos conjuntos,<br />
formando, assim, um gran<strong>de</strong> mercado <strong>de</strong> monopólios compartilhados. A par <strong>de</strong>stas<br />
práticas <strong>de</strong> organização da espinha dorsal do sistema Bell, Vail também concentrou<br />
esforços no convencimento público <strong>de</strong> que as <strong>telecomunicações</strong> necessitariam do<br />
monopólio e que o papel do regulador seria o <strong>de</strong> garantir sua permanência 605 apoiado<br />
em conhecidas palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m: ‘economias <strong>de</strong> escala’ (economies of scale),<br />
‘monopólio natural’ (natural monopoly), ‘integrida<strong>de</strong> sistêmica’ (systemic integrity),<br />
‘planejamento unitário’ (unitary planning), o ‘princípio do common carrier’ (the<br />
common carrier principle), e ‘o sistema é a solução’ (the system is the solution). 606 Tais<br />
idéias, em conjunto, ficaram conhecidas como o paradigma <strong>de</strong> Vail. 607 Firmava-se, em<br />
1918, o novo slogan da Bell Telephone Company: One Policy, One System, Universal<br />
Service. 608<br />
603 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Fe<strong>de</strong>ral telecommunications law.<br />
2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 12.<br />
604 “Bell invented the telephone; Watson constructed it; San<strong>de</strong>rs financed it; Hubbard introduced it; and<br />
Vail put it on a business basis” (CASSON, Herbert N. The history of the telephone. Chicago: A. C.<br />
McClurg & Co., 1910, p. 12).<br />
605 “The private monopoly sought to meld its interests with the existence of public regulatory authority.<br />
The existence of common carrier regulation was used as justification for continued monopoly. The Vail<br />
Paradigm presented the two as merely two si<strong>de</strong>s of a single governing principle: private monopoly whose<br />
beneficence would be guaranteed by public regulation. Regulation could then be plausibly employed by<br />
the monopoly to assure that competition did not reappear. Vail perceived that the real bur<strong>de</strong>ns imposed<br />
on his company by the mo<strong>de</strong>st regulation that was actually taking place were a small price for gaining a<br />
rationalization for monopoly and a mechanism for excluding future competition” (BRYNES, William J.<br />
Telecommunications Regulation: something old and something new. p. 35-36. In: PAGLIN, Max D.;<br />
ROSENBLOOM, Joel; HOBSON, James R. The communications act: a legislative history of the major<br />
amendments 1934-1996. Silver Spring: Pike & Fischer, 1999, p. 31-104).<br />
606 “Vail, the true father of the Bell System, conceived and frequently provi<strong>de</strong> universal service, free of<br />
competition, and would assume a paternalistic attitu<strong>de</strong> toward public. While Vail’s thirst for power<br />
paralleled that of the leading robber barons of the late nineteenth century, the public service ethic he also<br />
espoused distinguished his paradigm, making it more attractive and durable. For a period of fifty years,<br />
the Vail Paradigm, although never law, dominated the telephone world. Gradually the public forgot that<br />
the telephone industry was once competitive and came to regard the status quo they observed as the<br />
natural or<strong>de</strong>r of things” (Ibid., p. 36).<br />
607 Ibid., p. 35.<br />
608 Theodore N. Vail reorganizou a Bell Telephone Company apoiado no <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> uma telefonia<br />
universal. “Line by line, he [Vail] mapped out a method, a policy, a system” (CASSON, Herbert N. Op.<br />
cit., p. 13).
154<br />
Já na primeira década do século XX, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> “um sistema universal <strong>de</strong><br />
telefonia para toda a nação” 609 vinha apresentado como o elemento central para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da telefonia no país. A orientação do mo<strong>de</strong>lo em direção à finalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> viabilização do serviço universal, que então seria melhor <strong>de</strong>finido como sistema<br />
universal, justificou, à época, o sufocamento das <strong>de</strong>mais empresas em ascensão pelo<br />
fato <strong>de</strong>stas somente po<strong>de</strong>rem interconectar clientes <strong>de</strong> suas próprias re<strong>de</strong>s entre si. A<br />
atitu<strong>de</strong> do sistema Bell foi tão ostensiva, que, em 1913, após investigações do U.S.<br />
Justice Department, firmou-se acordo entre o U.S. Attorney General – George<br />
Wickersham – e o vice-presi<strong>de</strong>nte da Bell Telephone Company, que <strong>de</strong>u seu nome ao<br />
acordo conhecido como Kingsbury Commitment, <strong>de</strong> 1913. Nele, a Bell Telephone<br />
Company se comprometia a paralisar as aquisições <strong>de</strong> companhias telefônicas<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e a conectá-las à re<strong>de</strong> Bell <strong>de</strong> longa distância. Tal atitu<strong>de</strong> permitiu a<br />
consolidação <strong>de</strong> empresas monopolistas <strong>de</strong> telefonia local, que passaram a conviver com<br />
o monopólio <strong>de</strong> telefonia <strong>de</strong> longa distância do sistema Bell. 610 Somente muito mais<br />
tar<strong>de</strong>, tornaram-se evi<strong>de</strong>ntes as regras <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interconexão e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sagregação 611 para o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nos EUA, especialmente a partir do<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996.<br />
5.3 INTERCONEXÃO E COMPETIÇÃO NAS<br />
TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA: O CONCEITO DE COMMON<br />
CARRIER<br />
Já em 1866, as companhias <strong>de</strong> telégrafo foram obrigadas a se interconectar e a<br />
aceitar o tráfego dos respectivos usuários entre si. O setor <strong>de</strong> telefonia, entretanto,<br />
sofreu tratamento diferenciado pelo legislador, pelo órgão regulador e pela<br />
magistratura. 612<br />
O tradicional ponto <strong>de</strong> vista herdado do mo<strong>de</strong>lo inglês da segunda meta<strong>de</strong> do<br />
século XVIII sobre as common carriers – carriers that carry other carriers –, também<br />
<strong>de</strong>nominadas public carriers, 613 explica a origem das obrigações que hoje recaem sobre<br />
tais empresas <strong>de</strong>tentoras da infra-estrutura essencial dos serviços <strong>de</strong>signados, no mo<strong>de</strong>lo<br />
norte-americano, <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse público (public interest).<br />
“Exigiam-se dos monopólios da Coroa a cobrança<br />
unicamente <strong>de</strong> tarifas ‘razoáveis e não-discriminatórias’, o<br />
fornecimento <strong>de</strong> serviço a<strong>de</strong>quado, e a aceitação <strong>de</strong> todos os usuários<br />
sob as mesmas condições, sem discriminação. Com o tempo, estes<br />
princípios vieram a se esten<strong>de</strong>r a toda firma ‘afetada por um interesse<br />
público’ que se mantivesse aberta para o público em geral e que<br />
preten<strong>de</strong>sse servir a todos. Em troca, as common carriers gozavam <strong>de</strong><br />
privilégios legais consi<strong>de</strong>ráveis, particularmente limites sobre suas<br />
obrigações – limites apropriados a um negócio que não po<strong>de</strong>ria<br />
609<br />
Ibid., p. 33.<br />
610<br />
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 16-18.<br />
611<br />
BRYNES, William J. Op. cit., p. 55 e seguintes.<br />
612<br />
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 12.<br />
613<br />
O termo alternativo é trazido em: GARNER, Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ªed., St. Paul:<br />
West Publishing Co., 2004, p. 226.
155<br />
legalmente discriminar entre aqueles que escolhera como público. A<br />
América herdou estes princípios fundamentais da Inglaterra.<br />
Companhias <strong>de</strong> telégrafo e <strong>de</strong> telefone são claramente common<br />
carriers”. 614<br />
Portanto, as empresas <strong>de</strong> telefonia consi<strong>de</strong>radas common carriers<br />
caracterizavam-se por serem <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> infra-estrutura essencial para serviços <strong>de</strong><br />
longa distância e/ou para serviços locais segundo oferta pública <strong>de</strong>stes serviços para<br />
todos que <strong>de</strong>la necessitassem em condições eqüânimes. O mesmo fim <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong><br />
sistêmica foi alcançado no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro por intermédio da criação do Sistema<br />
Telebrás.<br />
O sistema Bell firmou-se com seu caráter monopólico a partir <strong>de</strong> sua condição<br />
<strong>de</strong> common carrier da telefonia <strong>de</strong> longa distância sem que se impusesse a ele a<br />
obrigação <strong>de</strong> aceitar interconexões oriundas das empresas <strong>de</strong> telefonia local. Para tais<br />
empresas, a condição <strong>de</strong> meras usuárias do serviço <strong>de</strong> telefonia oferecido pelo sistema<br />
Bell não satisfazia as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> interconexão capazes <strong>de</strong> transportar<br />
gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informações por intermédio <strong>de</strong> mecanismos previamente<br />
contratados <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reçamento e <strong>de</strong> remuneração das re<strong>de</strong>s das operadoras <strong>de</strong> telefonia<br />
envolvidas.<br />
Até o Communications Act <strong>de</strong> 1934, o conceito <strong>de</strong> common carrier, em oposição<br />
ao termo private carrier, vinha sendo <strong>de</strong>finido no direito comum (common law) como<br />
aquele que opera “in public use for hire” 615 ; como “any carrier that holds itself out to<br />
the public for hire on general terms” 616 . A <strong>de</strong>finição expressa no Communications Act<br />
<strong>de</strong> 1934 não alterou dito sentido. Aliás, nada acrescentou por intermédio da <strong>de</strong>finição<br />
tautológica <strong>de</strong> common carrier como “any person engaged as a common carrier for<br />
hire, in interstate or foreign communication by wire or radio or in interstate or foreign<br />
radio transmission of energy” 617 . Definição mais precisa foi adotada para serviços fixos<br />
públicos <strong>de</strong> rádio. Ali, common carrier <strong>de</strong> comunicação foi <strong>de</strong>finida como “any person<br />
engaged in ren<strong>de</strong>ring communication service for hire to the public” 618 . Common<br />
carrier, assim, no setor sob análise, é toda prestadora <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> telecomunicação<br />
que oferta tais serviços ao público em geral <strong>de</strong> forma isonômica e, portanto, <strong>de</strong> forma<br />
614 Ibid., p. 14-15. Tradução livre do original: “Crown monopolies were required to charge only<br />
‘reasonable and nondiscriminatory’ rates, provi<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quate service, and accept all customers on the<br />
same terms, without discrimination. In time, these principles came to extend to any firm ‘affected with a<br />
public interest’ that held itself open to the general public and purported to serve all comers. In return,<br />
common carriers enjoyed important legal privileges, most particulary limits on their liabilities – limits<br />
appropriate to a business that could not legally discriminate among those it chose to serve. America<br />
inherited these core principles from England. Telegraph and telephone companies are quite clearly<br />
‘common carriers’.”<br />
615 “Within settled principles, one who un<strong>de</strong>rtakes for hire to transport from place to place the property of<br />
others who may choose to employ him is a common carrier. (…) They [Northwestern Towboat Owner’s]<br />
are common carriers, not because of legislative fiat, but by reason of the character of the business they<br />
carry on. The statute does not attempt to make all towboats common carriers. It application is limited to<br />
those operated in the public use for hire. (…)Its towboat was <strong>de</strong>voted to the public use, among other<br />
things, for the transportation of logs. By its own choice, it became a common carrier.” (State of<br />
Washington ex rel. Stimson Lumber, 275 U.S. 207, 211-212 (1927), Justice Butler, j.21/11/1927).<br />
616 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 279.<br />
617 Communications Act of 1934, Title I, Section 3 (10). In: 47 U.S.C. §153 (10).<br />
618 Co<strong>de</strong> of Fe<strong>de</strong>ral Regulations, Title 47, Volume 2, Section 21.2 (47 C.F.R §21.2). “Sec. 21.2<br />
Definitions. Communication common carrier. Any person engaged in ren<strong>de</strong>ring communication service<br />
for hire to the public”.
156<br />
não-comercial 619 , ou seja, submetida a restrições <strong>de</strong> cunho administrativo em prol da<br />
coletivida<strong>de</strong>.<br />
Para qualificação <strong>de</strong> uma empresa como common carrier, não basta, entretanto,<br />
a referência a seu estatuto 620 ou a comando legal 621 . O caráter público 622 <strong>de</strong> sua<br />
ativida<strong>de</strong> é revelado na condição <strong>de</strong> ambiente essencial 623 para confluência <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outras carriers 624 , mediante oferta pública <strong>de</strong> serviços garantida pelo<br />
direito do público em <strong>de</strong>mandar tais serviços. 625<br />
Des<strong>de</strong> que i<strong>de</strong>ntificada como common carrier, a operadora tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
prover serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em bases justas e razoáveis 626 . Os preços cobrados<br />
pelos serviços vêem-se incluídos nesta limitação e são passíveis <strong>de</strong> fixação pela Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission (FCC) 627 , que <strong>de</strong>tém amplos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> fiscalização,<br />
inclusive controle sobre os bens da operadora assim classificada. 628<br />
619<br />
CARTER, T. Barton [et alii]. Mass communication law. 4ªed., St. Paul (Minnesota): West Publishing<br />
Co., 1994, p. 327.<br />
620<br />
“Whether a transportation agency is a common carrier <strong>de</strong>pends not upon its corporate character or<br />
<strong>de</strong>clared purposes, but upon what it does.” (United States v. State of California, 297 U.S. 175, 180, §1<br />
(1936), Justice Stone, j. 03/02/1936).<br />
621<br />
“Moreover, it is beyond the power of the state by legislative fiat to convert property used exclusively in<br />
the business of a private carrier into a public utility, or to make the owner a public carrier, for that would<br />
be taking private property for public use without just compensation, which no state can do consistently<br />
with the due process of law clause of the Fourteenth Amendment.” (Michigan Public Utilities<br />
Commission v. Duke, 266 U.S. 570, 577-578, (1925), Justice Butler, j.12/01/1925).<br />
622<br />
Em <strong>de</strong>cisão da Suprema Corte norte-americana, firma-se o entendimento <strong>de</strong> que o caráter público do<br />
serviço in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do público efetivamente atingido, mas da fração potencial <strong>de</strong> público atingível: “We do<br />
not perceive that this limitation [<strong>de</strong> atendimento somente a hotéis do serviço <strong>de</strong> táxi] removes the public<br />
character of the service, or takes it out of the <strong>de</strong>finition in the act. No carrier serves all the public. His<br />
customers are limited by place, requirements, ability to pay, and other facts. But the public generally is<br />
free to go to hotels if it can afford to, as it is free to travel by rail, and through the hotel door to call on<br />
the plaintiff for a taxicab. We should hesitate to believe that either its contract or its public duty allowed<br />
it arbitrarily to refuse to carry a guest upon <strong>de</strong>mand. We certainly may assume that in its own interest it<br />
does not attempt to do so. The service affects so consi<strong>de</strong>rable a fraction of the public that it is public in<br />
the same sense in which any other may be called so.” (Terminal Taxicab Co. v. Kutz, 241 U.S. 252, 255<br />
(1916), Justice Holmes, j.22/05/1916).<br />
623<br />
Ser uma common carrier significa prover serviços essenciais. Conferir, para tanto: Southern Pac.<br />
Terminal Co. v. Interstate Commerce Commission, 219 U.S. 498, 520 (1911), Justice McKenna,<br />
j.20/02/1911.<br />
624<br />
United States v. Brooklyn Eastern Dist Terminal, 249 U.S. 296, 304-306 (1919), Justice Bran<strong>de</strong>is,<br />
j.24/03/1919.<br />
625<br />
“It is insisted that these roads are not carriers because the most of their traffic is in their own logs and<br />
lumber, and that only a small part of the traffic carried is the property of others. But this conclusion loses<br />
sight of the principle that the extent to which a railroad is in fact used does not <strong>de</strong>termine the fact<br />
whether it is or is not a common carrier. It is the right of the public to use the road's facilities and to<br />
<strong>de</strong>mand service of it, rather than the extent of its business, which is the real criterion <strong>de</strong>terminative of its<br />
character.” (United States v. Louisiana & Pacific Railway Company, 234 U.S. 1, 24 (1914), Justice Day,<br />
j.25/05/1914).<br />
626<br />
Communications Act <strong>de</strong> 1934 (47 U.S.C. 201): “(b) All charges, practices, classifications, and<br />
regulations for and in connection with such communication service, shall be just and reasonable, and any<br />
such charge, practice, classification, or regulation that is unjust or unreasonable is hereby <strong>de</strong>clared to be<br />
unlawful”.<br />
627<br />
Communications Act <strong>de</strong> 1934 (47 U.S.C. 205): “(a) Whenever, after full opportunity for hearing, upon<br />
a complaint or un<strong>de</strong>r an or<strong>de</strong>r for investigation and hearing ma<strong>de</strong> by the Commission on its own<br />
initiative, the Commission shall be of opinion that any charge, classification, regulation, or practice of<br />
any carrier or carriers is or will be in violation of any of the provisions of this Act, the Commission is<br />
authorized and empowered to <strong>de</strong>termine and prescribe what will be the just and reasonable charge or the
157<br />
O esforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação das obrigações das common carriers – tarifas justas e<br />
razoáveis, serviço a<strong>de</strong>quado e aceitação <strong>de</strong> todos os usuários sob as mesmas condições,<br />
sem discriminação – não serviu, todavia, inicialmente, para preservação das empresas<br />
locais <strong>de</strong> telefonia existentes na primeira década do século XX nos EUA. Nem o<br />
legislador, por intermédio do Mann-Elkins Act <strong>de</strong> 1910, nem a Interstate Commerce<br />
Commission, por intermédio <strong>de</strong> seus novos po<strong>de</strong>res sobre as companhias <strong>de</strong> telefonia,<br />
telegrafia, cabo e comunicação sem fio, nem o Judiciário, nos casos a ele trazidos,<br />
<strong>de</strong>ram plena eficácia àquelas obrigações dirigidas às common carriers quando tais<br />
obrigações eram exigidas pelas <strong>de</strong>mais empresas que <strong>de</strong>sejavam interconectar-se com a<br />
empresa <strong>de</strong>tentora da infra-estrutura principal. 629 O Communications Act <strong>de</strong> 1934<br />
firmava a obrigação da companhia monopolista <strong>de</strong> telefonia <strong>de</strong> prover serviço a todos os<br />
compradores a preços justos e razoáveis. No entanto, a entrada <strong>de</strong> novos competidores<br />
somente era permitida se reconhecida pela FCC a necessida<strong>de</strong> e conveniência pública<br />
da construção ou operação <strong>de</strong> novas linhas <strong>de</strong> conexão <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 630 , bem<br />
como o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> interconexão com a operadora <strong>de</strong> telefonia monopolista somente se<br />
concretizava se a FCC a enten<strong>de</strong>sse necessária ou <strong>de</strong>sejável ao interesse público. 631<br />
Até 1951, o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alizado por Vail se sustentou incólume. Neste ano, foi<br />
autorizada pela FCC a abertura, por empresa <strong>de</strong> radiotelégrafo internacional, <strong>de</strong> novos<br />
circuitos para Portugal e Países Baixos em concorrência com outra empresa que já<br />
prestava tal serviço no trecho requisitado. 632 A partir <strong>de</strong> então, a FCC começou a tomar<br />
atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abertura da re<strong>de</strong> das operadoras dominantes mediante autorização, em 1959,<br />
maximum or minimum, or maximum and minimum, charge or charges to be thereafter observed, and<br />
what classification, regulation, or practice is or will be just, fair, and reasonable, to be thereafter<br />
followed (…)”.<br />
628 Communications Act <strong>de</strong> 1934 (47 U.S.C. 213): “(e) The Commission shall keep itself informed of all<br />
new construction, extensions, improvements, retirements, or other changes in the condition, quantity, use,<br />
and classification of the property of common carriers, and of the cost of all additions and betterments<br />
thereto and of all changes in the investment therein, and may keep itself informed of current changes in<br />
costs and values of carrier properties.”<br />
629 Em meio à explicação do sentido <strong>de</strong> common carrier no início do século XX, Huber revela que: “the<br />
duty of a common carrier not to discriminate did not extend to other carriers asking for service”<br />
(HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 15).<br />
630 “No carrier shall un<strong>de</strong>rtake the construction of a new line or of an extension of any line, or shall<br />
acquire or operate any line, or extension thereof, or shall engage in transmission over or by means of<br />
such additional or exten<strong>de</strong>d line, unless and until there shall first have been obtained from the<br />
Commission a certificate that the present or future public convenience and necessity require or will<br />
require the construction, or operation, or construction and operation, of such additional or exten<strong>de</strong>d<br />
line.” (47 U.S.C. 214(a)).<br />
631 “It shall be the duty of every common carrier engaged in interstate or foreign communication by wire<br />
or radio to furnish such communication service upon reasonable request therefor; and, in accordance<br />
with the or<strong>de</strong>rs of the Commission, in cases where the Commission, after opportunity for hearing, finds<br />
such action necessary or <strong>de</strong>sirable in the public interest, to establish physical connections with other<br />
carriers, to establish through routes and charges applicable thereto and the divisions of such charges,<br />
and to establish and provi<strong>de</strong> facilities and regulations for operating such through routes” (47 U.S.C.<br />
201(a)).<br />
632 Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission v. RCA Communications Inc., 346 U.S. 86 (1953), Justice<br />
Frankfurter, j.08/06/1953: “Un<strong>de</strong>r the Fe<strong>de</strong>ral Communications Act of 1934, the Commission authorized<br />
a radiotelegraph company, which was then serving 39 overseas points, to open two new circuits, to<br />
Portugal and The Netherlands. The authorization was opposed by another company which provi<strong>de</strong>d<br />
similar service by means of 65 circuits, including circuits to each of those countries. The Commission<br />
conclu<strong>de</strong>d that duplicate facilities should be authorized because of the "national policy in favor of<br />
competition." From this policy, the Commission said, it follows that, where competition is "reasonably<br />
feasible," it is in the public interest.”
158<br />
para funcionamento <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> microondas <strong>de</strong> operadoras caracterizadas como noncommon<br />
carriers. Em 1968, a comissão <strong>de</strong>terminou ao sistema Bell que permitisse o<br />
uso <strong>de</strong> dispositivo que conectava sistemas móveis privados <strong>de</strong> rádio a sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
telefonia. Em 1969, a FCC, em votação apertada, autorizou a construção <strong>de</strong> microwave<br />
facilities entre Chicago e St. Louis por uma nova operadora <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A<br />
partir daí, a comissão <strong>de</strong>terminou às operadoras dominantes que permitissem a<br />
interconexão com suas re<strong>de</strong>s, sem favoritismo entre os competidores, para que as novas<br />
entrantes pu<strong>de</strong>ssem alcançar os usuários finais. O alvo da atuação da FCC estava em<br />
impedir que o monopólio do sistema Bell sobre a última milha – local loop, last mile –<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> bloqueasse a intercity competition. As duas décadas seguintes<br />
foram marcadas por intensa resistência do sistema Bell em implementar a interconexão<br />
<strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> com as novas operadoras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, sob alegações fundadas na<br />
proteção da integrida<strong>de</strong> técnica do sistema telefônico, ou mesmo mediante a dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> averiguação, pelas autorida<strong>de</strong>s reguladoras, do nível <strong>de</strong> subsídio cruzado <strong>de</strong>ntro do<br />
sistema Bell para fixação do custo <strong>de</strong> interconexão, como também mediante a utilização<br />
<strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> abarrotamento do órgão regulador por intermédio da submissão <strong>de</strong><br />
inúmeras revisões tarifárias, técnica que ficou conhecida como ‘pancaking’. Em 1978, o<br />
caminho <strong>de</strong> abertura do monopólio foi consolidado. Após julgamento do District of<br />
Columbia Circuit em caso conhecido como ‘Execunet litigation’ 633 , afirmou-se o direito<br />
da MCI <strong>de</strong> fornecer serviço <strong>de</strong> telefonia <strong>de</strong> longa distância e <strong>de</strong> obter interconexão com<br />
as operadoras <strong>de</strong> telefonia local necessárias ao funcionamento daquele. 634<br />
Para as <strong>telecomunicações</strong> norte-americanas, a década <strong>de</strong> 1980 foi marcada pela<br />
cisão do sistema Bell (The Bell System Divestiture). Práticas anti-concorrenciais da<br />
AT&T 635 foram a causa oficial da cisão. Após diversos questionamentos judiciais 636 <strong>de</strong><br />
práticas lesivas da concorrência imputadas ao sistema Bell, principalmente em casos<br />
envolvendo a telefonia <strong>de</strong> longa distância pautadas na negativa <strong>de</strong> provimento <strong>de</strong><br />
interconexão não-discriminatória, a AT&T firmou um consent <strong>de</strong>cree com o<br />
Departamento <strong>de</strong> Justiça – Justice Department (DOJ) – incorporado em um MFJ<br />
(Modification of Final Judgment) que <strong>de</strong>clarara a AT&T culpada <strong>de</strong> práticas<br />
anticoncorrenciais perante a MCI. Em 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1984, o citado acordo entrou em<br />
vigor. Segundo suas prescrições, as 22 empresas <strong>de</strong> telefonia local do sistema Bell – as<br />
633<br />
Sobre o significado do serviço intitulado execunet prestado pela MCI: “In 1963, MCI filed with the<br />
FCC to become a point-to-point communication carrier, using its own microwave radio facilities. In the<br />
years that followed, MCI began constructing its own point-to-point circuits and private lines. MCI then<br />
began offering a switched service called Execunet that effectively un<strong>de</strong>rcut AT&T’s prices for switched<br />
long-distance service (…) MCI’s <strong>de</strong>sire to compete for the large and lucrative switched-access market led<br />
them – and later others such as Sprint – to <strong>de</strong>ploy switches and fiber facilities between cities.”<br />
(POCIASCK, Stephen. A failure do communicate: reforming public policy in the<br />
telecommunications industry. Washington: Economic Policy Institute, 2004, p. 17).<br />
634<br />
Para pormenores do que chamou <strong>de</strong> cracks in the Vail Paradigm, conferir: BRYNES, William J. Op.<br />
cit., p. 37-41.<br />
635<br />
A Bell Telephone Company, <strong>de</strong>tentora das patentes <strong>de</strong> Graham Bell, teve seu nome alterado para<br />
American Bell Telephone Company em 1880 até sua incorporação pela American Telephone &<br />
Telegraph Company (AT&T), em 1900.<br />
636<br />
“In March 1974, MCI sued Bell for monopolizing long-distance communications. Six years later a<br />
Chicago jury awar<strong>de</strong>d MCI $600 million, trebled to $1.8 billion (…) A second private suit was filed in<br />
1980 by an in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt telephone company [Mid-Texas Communications Sys.] that had sought to<br />
provi<strong>de</strong> local telephone service in a new real estate <strong>de</strong>velopment. Bell had refused to interconnection with<br />
its long-distance facilities and refused to assign the company a block of telephone numbers. A fe<strong>de</strong>ral<br />
district court awar<strong>de</strong>d $55 million in treble damages (…)”. (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.;<br />
THORNE, John. Op. cit., p. 43).
159<br />
Bell Operating Companies (BOCs) – foram fundidas em 7 empresas regionais –<br />
Regional Bell Operating Companies (RBOCs) – <strong>de</strong>stinadas a prestar somente serviços<br />
locais <strong>de</strong> telecomunicação, mesmo que entre municípios distintos, circunscritos em<br />
áreas locais <strong>de</strong> transporte e <strong>de</strong> acesso – Local access and transport areas (LATAs) –<br />
criadas pelo próprio Divestiture Decree <strong>de</strong> 1982, e serviços <strong>de</strong> acesso local 637 ,<br />
transferindo-se à AT&T os serviços intra-estaduais <strong>de</strong> acesso entre LATAs – os<br />
intrastate interexchange services – e proibindo a produção <strong>de</strong> equipamentos terminais<br />
pelas operadoras regionais. Além disso, as RBOCs ficavam obrigadas a fornecer acesso<br />
igualitário (equal access) às suas re<strong>de</strong>s a preços fixados com base nos custos <strong>de</strong> acesso.<br />
Além dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> longa-distância, a AT&T manteve consigo<br />
os Bell Laboratories e o braço <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> terminais telefônicos do sistema Bell, a<br />
Western Electric – hoje AT&T Technologies. 638<br />
As obrigações <strong>de</strong> interconexão <strong>de</strong> infra-estruturas <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s das operadoras locais<br />
tiveram como impulso imediato a implementação da competição das <strong>telecomunicações</strong><br />
em nível local e como justificativa final, o objetivo <strong>de</strong> barateamento dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> mediante uso da capacida<strong>de</strong> ociosa das re<strong>de</strong>s das empresas<br />
incumbents. A busca <strong>de</strong> objetivos <strong>de</strong> eficiência e externos à discussão política em si é<br />
evi<strong>de</strong>nte. Tanto é assim, que a a<strong>de</strong>quação da política pública efetivamente<br />
implementada pela FCC vem questionada com o argumento <strong>de</strong> que a competição<br />
somente se <strong>de</strong>senvolveria com <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> que encorajassem a construção <strong>de</strong><br />
infra-estruturas <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s ao invés <strong>de</strong> se obrigar o aluguel da capacida<strong>de</strong> instalada pelas<br />
incumbents. Ao contrário do que po<strong>de</strong> parecer, a discussão sobre a pertinência ou não da<br />
política pública <strong>de</strong>finida para o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norte-americano pautada nas<br />
obrigações <strong>de</strong> interconexão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação <strong>de</strong> meios revela uma ausência<br />
fundamental. Acusa-se a FCC <strong>de</strong> ter incorrido em erro <strong>de</strong> estratégia ao buscar cumprir<br />
os objetivos <strong>de</strong> política pública firmados no Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996. A<br />
comissão teria implementado o Act acreditando que mais competidores significariam<br />
mais competição. 639 Ao projetar um entendimento sobre seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> promover a<br />
competição no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, a FCC não pô<strong>de</strong> implementar a dicção legal,<br />
mas teve que interpretá-la, agregando, assim, sentido ao enunciado normativo. A FCC,<br />
em outras palavras, construiu uma política pública sobre o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>;<br />
uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> política pública ainda mais relevante, porque eficaz, do que a <strong>de</strong>finida<br />
pelo Congresso norte-americano. O ponto principal <strong>de</strong>stas consi<strong>de</strong>rações está em que a<br />
637 Os serviços <strong>de</strong> acesso local (exchange-access services) são os serviços providos por empresas locais <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> (local exchange carriers-LECs) às empresas <strong>de</strong> longa-distância (interexchange<br />
carriers-IXCs). São os serviços <strong>de</strong> terminação e originação <strong>de</strong> chamadas <strong>de</strong> longa distância em uma<br />
operadora local. Conferir em: Ibid., p. 1359.<br />
638 SULLIVAN, Lawrence A.; HERTZ, Ellen. The AT&T Antitrust Consent Decree: should Congress<br />
change the rules? In: Berkeley Technology Law Journal. Volume 5, Fall 1990 [on line] Disponível na<br />
Internet via WWW. URL: http://www.law.berkeley.edu/journals/btlj/articles/vol5/Sullivan/html/rea<strong>de</strong>r.html (Consultado<br />
em 21/08/2004); BRYNES, William J. Op. cit., p. 31-104.<br />
639 “Regulators believed that more competitors would mean more competition, which would in turn benefit<br />
both consumers and the economy.” (POCIASCK, Stephen. A failure do communicate: reforming<br />
public policy in the telecommunications industry. Washington: Economic Policy Institute, 2004, p. 7).<br />
“Over the last several <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s, telecommunications public policies were <strong>de</strong>signed to encourage the<br />
building of competitive networks, and did so without the use of unbundling obligations or pricing resale<br />
services below cost. Had public policies ma<strong>de</strong> renting too easy, no one would have incurred the ad<strong>de</strong>s<br />
cost of building the competitive lon- distance and wireless networks that we have today. In fact, early<br />
examples of telecommunications competition suggest that competition <strong>de</strong>veloped from public policies that<br />
encouraged building over renting.” (Ibid., p. 17).
160<br />
FCC po<strong>de</strong>ria ter adotado uma postura <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> ociosa das re<strong>de</strong>s<br />
instaladas das incumbents sob a alegação <strong>de</strong> que, assim, estaria pleiteando a dicção legal<br />
do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 <strong>de</strong> proteção da competição. Enfim, o espaço <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finição da política pública não estava esgotado quando da emanação do Act pelo<br />
Congresso norte-americano e cobra, <strong>de</strong> forma ainda mais acentuada, o engajamento e<br />
participação política exigidos no momento da aprovação do Act <strong>de</strong> 1996. Mesmo que se<br />
pu<strong>de</strong>sse consi<strong>de</strong>rar o momento <strong>de</strong> discussão parlamentar como um momento <strong>de</strong><br />
presença da virtu<strong>de</strong> política pela mobilização social, isso não implica atribuição <strong>de</strong><br />
significado <strong>de</strong>cisivo à política pública real vigente no País, que se dá pela atuação<br />
diuturna da comissão reguladora.<br />
Decorre do estudo do mo<strong>de</strong>lo norte-americano <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> que os objetivos do Act <strong>de</strong> 1996 estão sendo analisados <strong>de</strong> forma<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos objetivos maiores <strong>de</strong> coesão política. Em outras palavras, a medida <strong>de</strong><br />
acerto das atitu<strong>de</strong>s da agência vem <strong>de</strong>finida única e exclusivamente em razão <strong>de</strong><br />
critérios momentâneos <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> conjunturais sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
referência a coerência geral <strong>de</strong>stas opções <strong>políticas</strong> com os princípios <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />
originaram e com a vivência política <strong>de</strong>rivada do momento político principal. O que a<br />
prática <strong>de</strong>monstra, as análises olvidam: a apresentação da política setorial <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> como uma política conjuntural econômica 640 e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> política.<br />
Não se discute aqui o acerto ou <strong>de</strong>sacerto das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong>finidas pela<br />
FCC, mas a ausência <strong>de</strong> discussão sobre a quem cabe <strong>de</strong>cidir sobre que caminhos tomar<br />
e a quem cabe suportar o erro da opção. De qualquer modo, o único caminho<br />
intrinsecamente ina<strong>de</strong>quado sob o enfoque do exercício da virtu<strong>de</strong> política é o <strong>de</strong><br />
afastamento dos interessados da discussão. Se a opção <strong>de</strong> política pública pelo<br />
incremento da interconexão ou da <strong>de</strong>sagregação <strong>de</strong> meios se revelar ina<strong>de</strong>quada, esse é<br />
o preço da liberda<strong>de</strong> política em seu pleno exercício, mesmo porque caberá a quem fez a<br />
opção suportar os resultados. Da forma como vem institucionalmente posto, os<br />
resultados são suportados por todos, mas a <strong>de</strong>finição advém <strong>de</strong> um complexo<br />
institucional objetivo – FCC e/ou Congresso norte-americano – sem cogitação <strong>de</strong> sua<br />
face <strong>de</strong> participação cidadã. Não se quer dizer, com isto, que ela não exista. O que se<br />
quer dizer é que ela não <strong>de</strong>tém peso sequer para entrar na discussão sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> um país.<br />
5.4 CONTROLE TARIFÁRIO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS<br />
EUA<br />
Em outra frente, o tema que pautou a discussão das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> norteamericanas<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> foi o do controle tarifário. Coube à Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission (FCC) pôr em prática plano <strong>de</strong> introdução da competição<br />
640 “The Telecommunications Act of 1996 (…) was <strong>de</strong>signed to help the telecommunication industry<br />
accomplish three major consumer-oriented goals: <strong>de</strong>crease telephone service prices, increase service<br />
quality, and accelerate the <strong>de</strong>ployment of advanced high-technology networks.” (Ibid., p. VII).
161<br />
no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> visível a partir da década <strong>de</strong> 1970 641 , por meio <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sregulamentação das non-dominant carriers. 642 Em 1979, o Competitive Carrier Fisrt<br />
Report dividiu o setor em dois blocos: o das dominant carriers e o das nondominant<br />
carriers.<br />
No primeiro bloco foram enquadradas a AT&T, as empresas <strong>de</strong> telefonia local,<br />
as empresas <strong>de</strong> satélites domésticos e as empresas provedoras <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satélite.<br />
As <strong>de</strong>mais empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> que não <strong>de</strong>tinham po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado, foram<br />
qualificadas como empresas não-dominantes e a ação da Fe<strong>de</strong>ral Communications<br />
Commission (FCC) concentrou-se em diminuir a interferência regulatória sobre tais<br />
empresas para viabilizar sua competição com as empresas dominantes.<br />
Em 1985, após diversos atos menores <strong>de</strong> diminuição do controle sobre as<br />
empresas não-dominantes, conhecidos, em conjunto, como política <strong>de</strong> tolerância, a<br />
agência norte-americana <strong>de</strong>cidiu eliminar o controle tarifário <strong>de</strong>stas empresas, que<br />
passaram a ter que contratar diretamente com seus consumidores o valor do serviço.<br />
Inicialmente, a própria MCI – empresa <strong>de</strong> telefonia qualificada como nãodominante<br />
– se opôs a abrir mão da fixação <strong>de</strong> uma tarifa genérica, ou seja, se opôs a<br />
que a agência reguladora cessasse a regulação <strong>de</strong> tarifas sobre a MCI, por consi<strong>de</strong>rar<br />
que a <strong>de</strong>sregulamentação traria aumento dos custos administrativos da empresa na<br />
negociação <strong>de</strong> preços com os compradores. 643 Por outro lado, a AT&T, em 1989,<br />
interpôs ação judicial questionando a possibilida<strong>de</strong> da MCI negociar preços do serviço<br />
<strong>de</strong> telefonia com certos compradores, mesmo tendo esta última se negado a abrir mão<br />
do mecanismo regulatório <strong>de</strong> tarifas fixadas pela FCC. Nas diversas instâncias, a FCC<br />
foi <strong>de</strong>rrotada, pois os tribunais estaduais enten<strong>de</strong>ram que os po<strong>de</strong>res atribuídos à<br />
agência diziam respeito à alteração tarifária, mas não à extinção do controle tarifário.<br />
Em 1994, a Suprema Corte dos EUA emitiu <strong>de</strong>cisão final <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
modificação concedido à FCC pelo Communications Act <strong>de</strong> 1934 não lhe permitia<br />
autorizar a supressão do controle tarifário das empresas não-dominantes. 644 Embora a<br />
Suprema Corte concordasse com o argumento <strong>de</strong> que o controle tarifário sobre as<br />
empresas não-dominantes <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> po<strong>de</strong>ria limitar a competição, sustentou<br />
que “somente o Congresso po<strong>de</strong>ria eliminar a tarifação <strong>de</strong> modo amplo” 645 . Mas a<br />
<strong>de</strong>cisão não foi bem recebida pela agência, que, convicta <strong>de</strong> que a fixação estatal das<br />
641<br />
“As competition takes root in the network, the weeds of regulation can and plainly should be extrated.<br />
The FCC recognized this as soon as it began planting competitive flowers in the 1970s” (HUBER, Peter<br />
W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 89).<br />
642<br />
Para Huber-Kellogg-Thorne, tal atitu<strong>de</strong> da FCC <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulamentação teria refletido uma convicção,<br />
por parte da agência, <strong>de</strong> diminuição da regulamentação sobre o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Há, entretanto,<br />
outra forma <strong>de</strong> se interpretar a atitu<strong>de</strong> da FCC <strong>de</strong> diminuir a regulamentação sobre as empresas<br />
consi<strong>de</strong>radas não-dominantes. Se a convicção da agência, neste momento, fosse a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulamentar o<br />
setor, a diminuição <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong>veria atingir todas as empresas na medida em que prevalecesse a<br />
convicção <strong>de</strong> que o mercado solucionaria sozinho os problemas do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norteamericano.<br />
Exatamente porque não interessava a <strong>de</strong>sregulamentação do setor é que se implementou a<br />
divisão entre dominant e non-dominant carriers. Assim, parece mais plausível consi<strong>de</strong>rar que as<br />
intenções da FCC estavam dirigidas a uma alteração <strong>de</strong> política governamental <strong>de</strong> controle por parte da<br />
agência para aumento da eficácia da regulamentação setorial; para que as limitações impostas pelo<br />
governo somente às empresas dominantes – a assimetria regulatória enfim – repercutisse no mercado com<br />
efeitos práticos em benefício dos consumidores e da melhoria do setor como um todo. O pressuposto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sregulamentação como princípio, portanto, não é aceito neste trabalho. Conferir posição contrária em:<br />
Ibid., p. 790.<br />
643<br />
Ibid., p. 792, nota 326.<br />
644<br />
Ibid., p. 791.<br />
645<br />
Ibid., p. 796.
162<br />
tarifas seria contraproducente, editou regulamentação que, <strong>de</strong> certo modo, contornava a<br />
<strong>de</strong>cisão do tribunal ao permitir a submissão da alteração tarifária <strong>de</strong>sejada por empresa<br />
não-dominante até um dia antes <strong>de</strong> sua entrada em vigor 646 e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma margem<br />
razoável <strong>de</strong> tarifas 647 . Esta última possibilida<strong>de</strong> foi contestada e o District of Columbia<br />
Circuit classificou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> margens <strong>de</strong> tarifas como violadora do<br />
mandamento da seção 203(a) do Communications Act <strong>de</strong> 1934 648 .<br />
Tais idas e vindas entre a FCC e os tribunais somente chegaram ao fim com a<br />
edição do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, que, ao acrescentar, <strong>de</strong>ntre outras, a seção<br />
10 ao Communications Act <strong>de</strong> 1934 pertinente à flexibilização regulatória, conce<strong>de</strong>u<br />
po<strong>de</strong>res à FCC para suspen<strong>de</strong>r a aplicação, sobre empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> ou<br />
serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong> regras contidas no próprio Act. 649 Tal modificação<br />
<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira ocorreu no ano seguinte à reclassificação da AT&T, por parte da FCC, para a<br />
condição <strong>de</strong> empresa não-dominante no mercado <strong>de</strong> serviços interestaduais <strong>de</strong> telefonia,<br />
mediante o compromisso <strong>de</strong> que a AT&T diminuísse os preços das chamadas para<br />
usuários <strong>de</strong> pequena capacida<strong>de</strong> e os mantivesse assim até 1998. 650<br />
646 A referência normativa pertinente foi a seguinte: “All tariff filings of domestic and international nondominant<br />
carriers must be ma<strong>de</strong> on at least one day’s notice.” (47 C.F.R. 61.23(c)).<br />
647 A referência normativa pertinente foi a seguinte: “For purposes of this section, tariff filings by<br />
nondominant carriers will be consi<strong>de</strong>red prima facie lawful, and will not be suspen<strong>de</strong>d by the<br />
Commission unless the petition requesting suspension shows: (A) That there is a high probability the<br />
tariff would be found unlawful after investigation; (B) That the harm alleged to competition would be<br />
more substantial than the injury to the public arising from the unavailability of the service pursuant to the<br />
rates and conditions proposed in the tariff filing; (C) That irreparable injury will result if the tariff filing<br />
is not suspen<strong>de</strong>d; and (D) That the suspension would not otherwise be contrary to the public interest.”<br />
(47 C.F.R. 1.773(a)(ii)).<br />
648 Communications Act of 1934, Title II, Part I, Section 203: “(a) Every common carrier, except<br />
connecting carriers, shall, within such reasonable time as the Commission shall <strong>de</strong>signate, file with the<br />
Commission and print and keep open for public inspection schedules showing all charges for itself and its<br />
connecting carriers for interstate and foreign wire or radio communication between the different points<br />
on its own system, and between points on its own system and points on the system of its connecting<br />
carriers or points on the system of any other carrier subject to this Act when a through route has been<br />
established, whether such charges are joint or separate, and showing the classifications, practices, and<br />
regulations affecting such charges. Such schedules shall contain such other information, and be printed<br />
in such form, and be posted and kept open for public inspection in such places, as the Commission may by<br />
regulation require, and each such schedule shall give notice of its effective date; and such common<br />
carrier shall furnish such schedules to each of its connecting carriers, and such connecting carriers shall<br />
keep such schedules open for inspection in such public places as the Commission may require.”<br />
649 A letra do dispositivo vem a seguir: “(a) REGULATORY FLEXIBILITY.--Notwithstanding section<br />
332(c)(1)(A) of this Act, the Commission shall forbear from applying any regulation or any provision of<br />
this Act to a telecommunications carrier or telecommunications service, or class of telecommunications<br />
carriers or telecommunications services, in any or some of its or their geographic markets, if the<br />
Commission <strong>de</strong>termines that-(1) enforcement of such regulation or provision is not necessary to ensure<br />
that the charges, practices, classifications, or regulations by, for, or in connection with that<br />
telecommunications carrier or telecommunications service are just and reasonable and are not unjustly or<br />
unreasonably discriminatory; (2) enforcement of such regulation or provision is not necessary for the<br />
protection of consumers; and (3) forbearance from applying such provision or regulation is consistent<br />
with the public interest.” (Communications Act of 1934, Section 10 – 47 U.S.C. 160).<br />
650 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 800-801.
5.5 SERVIÇO UNIVERSAL NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS<br />
EUA<br />
163<br />
A temática conhecida como serviço universal (universal service) configura-se<br />
em importante vertente <strong>de</strong> preocupação da política pública norte-americana no setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. Como referido linhas atrás 651 , o próprio significado do termo foi<br />
utilizado para justificar um monopólio natural do setor <strong>de</strong> telefonia, mediante a<br />
equiparação entre serviço universal e sistema universal <strong>de</strong> telefonia.<br />
A diferença entre os dois termos citados não era, todavia, visível em um<br />
ambiente em que universalizar o serviço <strong>de</strong> telecomunicação significava viabilizar um<br />
serviço recém i<strong>de</strong>alizado como transmissão eletromagnética <strong>de</strong> voz com a natural<br />
dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> padronização nacional e internacional <strong>de</strong> protocolos <strong>de</strong> comunicação<br />
entre as inúmeras prestadoras do serviço. Mas o conceito <strong>de</strong> serviço universal não se<br />
contentou com sua i<strong>de</strong>ntificação ao <strong>de</strong> re<strong>de</strong> universal.<br />
Foram duas as razões pelas quais o conceito <strong>de</strong> serviço universal não pô<strong>de</strong> ser<br />
resumido à crença em um sistema universal ou re<strong>de</strong> universal construída por intermédio<br />
<strong>de</strong> intensa propaganda do Bell System. 652 A primeira <strong>de</strong>las refere-se a uma segunda<br />
concepção <strong>de</strong> serviço universal: à compreensão <strong>de</strong> que o enfoque <strong>de</strong> proteção do serviço<br />
universal <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> política pública <strong>de</strong> acesso ao serviço do maior número possível <strong>de</strong><br />
pessoas, ou seja, do interesse <strong>de</strong> acesso universal <strong>de</strong> todos ao serviço, ao invés da<br />
característica temporalmente anterior <strong>de</strong> plena funcionalida<strong>de</strong> integrada das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
telefonia. Tal proposta teria sido explicitada a partir da participação, em 1975, <strong>de</strong><br />
Eugene V. Rostow, no caso patrocinado pelo Departamento <strong>de</strong> Justiça norte-americano<br />
(DOJ) contra a AT&T. 653 A segunda razão <strong>de</strong> afastamento entre os dois conceitos <strong>de</strong><br />
sistema universal e serviço universal é a <strong>de</strong> que há um terceiro sentido <strong>de</strong> serviço<br />
universal, que vai além do acesso <strong>de</strong> todos ao serviço telefônico <strong>de</strong> voz e que foi<br />
consolidado, nos Estados Unidos, a partir do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996: a<br />
disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para os cidadãos, gerando,<br />
assim, não somente no mo<strong>de</strong>lo norte-americano, mas também no da União Européia 654 e<br />
651 Vi<strong>de</strong>, a respeito, o parágrafo pertinente à nota <strong>de</strong> rodapé 609, página 167 <strong>de</strong>ste estudo.<br />
652 Folheto <strong>de</strong> 1911 do Bell System exemplifica o esforço <strong>de</strong> convencimento público <strong>de</strong> que a inexistência<br />
<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> telefônica universal, e mesmo <strong>de</strong> um monopólio <strong>de</strong> telefonia, evitaria que os EUA<br />
retornassem a uma condição medieval: “No community can afford to surround itself with a sound-proof<br />
Chinese Wall and risk telephone isolation” (MUELLER Jr., Milton L. Universal service: competition,<br />
interconnection, and monopoly in the making of the american telephone system. Cambridge: The MIT<br />
Press, 1997, p. 102).<br />
653 “In 1974 the Department of Justice filed a massive Sherman Act case against AT&T, proposing to<br />
break AT&T into several companies to ameliorate its monopoly power. In response to this threat, AT&T<br />
hired Eugene V. Rostow (who had chaired Presi<strong>de</strong>nt Lyndon Johnson’s 1968 Task Force on<br />
Communications Policy) to testify before Congress in 1975 on the threats to AT&T’s ‘universal and<br />
optimized’ telephone network. Apparently, this was the first time AT&T had revived the notion of<br />
universal service, albeit a new <strong>de</strong>finition. Universal no longer meant that all subscribers, whether they<br />
totaled 25, 30, or 60 percent of households, subscribed to the same network. Now universal service meant<br />
that the telephone was truly ubiquitous, that everyone – or nearly everyone – enjoyed access to plain old<br />
telephone service, regardless of the supplier.” (CRANDALL, Robert W. & WAVERMAN, Leonard.<br />
Who pays for universal service? When telephone subsidies become transparent. Washington:<br />
Brookings Institution Press, 2000, p. 7).<br />
654 De acordo com a Comunicação da Comissão Européia, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1996, sobre os serviços<br />
<strong>de</strong> interesse geral na Europa, “i criteri <strong>de</strong>l Servizio Universale – che è comunque uma nozione flessibile,<br />
da puntualizare settore per settor, ed evolutiva, che <strong>de</strong>ve tener conto <strong>de</strong>gli rati ai principi di parità,
164<br />
no do Brasil 655 , flexibilida<strong>de</strong> na extensão do conceito e a conseqüente periódica<br />
reconsi<strong>de</strong>ração do rol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s atendidas pelo serviço universal. 656 Portanto, com<br />
base neste último sentido, o foco <strong>de</strong> análise do serviço universal está voltado à<br />
preservação da utilida<strong>de</strong> prestada ao indivíduo; à expansão do bem-estar do serviço para<br />
toda a população.<br />
Como é natural, um termo básico como o <strong>de</strong> serviço universal, que foi utilizado<br />
durante quase um século no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por distintos interesses, adquiriu<br />
um significado equívoco. A origem da cogitação <strong>de</strong> serviço universal po<strong>de</strong> ser<br />
encontrada no preâmbulo do Communications Act <strong>de</strong> 1934, mediante referência à<br />
disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a todos, sem discriminação e a preços<br />
razoáveis. 657 Há, entretanto, reação a dita percepção histórica fundada na constatação <strong>de</strong><br />
que durante toda a discussão parlamentar do Act <strong>de</strong> 1934 não teria havido qualquer<br />
referência à aplicação do preâmbulo como justificativa daquilo que Milton Mueller<br />
chamou <strong>de</strong> primeira e segunda gerações <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nos<br />
EUA. 658 A primeira geração <strong>de</strong> política setorial vinha caracterizada pela afirmação <strong>de</strong><br />
continuità, universalità, a<strong>de</strong>guamento e ad uma rigorosa trasparenza nella gestione, nella tariffazione e<br />
nel finanziamento. Il controllo <strong>de</strong>ve essere esercitato da organie distinti. (§) Gli obblighi di Servizio<br />
Universale <strong>de</strong>finiti dal diritto comunitario rappresentano uma sorta di minimo comun <strong>de</strong>nominatore,<br />
rispetto al quale ciascuno Stato membro è libero di aggiungere ulteriori elementi coerenti con la propria<br />
specifica concezione <strong>de</strong>i servizi di interesse generale (o servizi pubblici), sempre a condizione che gli<br />
strumenti utilizzati siano conformi al diritto comunitario.” (CLARICH, Marcello. Dal servizio pubblico<br />
al servizio universale, p. 22-23. In: FROVA, Sandro (org.). Telecomunicazioni e servizio universale.<br />
Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1999, p. 21-29).<br />
655 No Brasil, a natureza flexível do conceito <strong>de</strong> universalização advém da periodicida<strong>de</strong> das metas<br />
governamentais prevista no art. 80, caput da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações. Ainda, as regras para<br />
utilização do Fundo <strong>de</strong> Universalização dos Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações (FUST) fixadas pela Lei<br />
9.998, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000, são claras no aspecto <strong>de</strong> acompanhamento da inovação tecnológica. Nela,<br />
fixam-se, como objetivos do fundo, por exemplo, “a implantação <strong>de</strong> acessos para utilização <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s digitais <strong>de</strong> informação ... a estabelecimento <strong>de</strong> ensino e bibliotecas” (art. 5º, VI), “a instalação <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alta velocida<strong>de</strong> ... entre estabelecimento <strong>de</strong> ensino e bibliotecas” (art. 5º, VIII) e “a implantação<br />
<strong>de</strong> acessos para utilização <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s digitais <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>stinadas ao acesso público,<br />
inclusive da internet, em condições favorecidas, a instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>” (art. 5º, V).<br />
656 Neste sentido a dicção legal do Telecomunications Act <strong>de</strong> 1996 é esclarecedora: “Universal service is<br />
an evolving level of telecommunications services that the Commission shall establish periodically un<strong>de</strong>r<br />
this section, taking into account advances in telecommunications and information technologies and<br />
services. The Joint Board in recommending, and the Commission in establishing, the <strong>de</strong>finition of the<br />
services that are supported by Fe<strong>de</strong>ral universal service support mechanisms shall consi<strong>de</strong>r the extent to<br />
which such telecommunications services – (A) are essential to education, public health, or public safety;<br />
(B) have, through the operation of market choices by customers, been subscribed to by a substantial<br />
majority of resi<strong>de</strong>ntial customers; (C) are being <strong>de</strong>ployed in public telecommunications networks by<br />
telecommunications carriers; and (D) are consistent with the public interest, convenience, and necessity.”<br />
(47 U.S.C. 254 (c) (1)).<br />
657 Communications Act <strong>de</strong> 1934: “to make available, so far as possible, to all the people of the United<br />
States, without discrimination on the basis of race, color, religion, national origin, or sex, a rapid,<br />
efficient, Nationwi<strong>de</strong>, and world-wi<strong>de</strong> wire and radio communication service with a<strong>de</strong>quate facilities at<br />
reasonable charges (…)” (47 U.S.C. 151).<br />
658 “The Act was passed after a House committee spent more than a year investigating the communications<br />
industry. In the thousands of pages of reports it generated, the subject of universal service, in either its<br />
first or second generation sense [significados <strong>de</strong> sistema universal ou <strong>de</strong> acesso universal garantido pelo<br />
Estado], did not appear at all. The records contain no mention of telephone penetration levels. There are<br />
no data purporting to show that an unacceptable number of people were unreached by the telephone<br />
network or unable to afford service. There is no mention of a need to subsidize access lines or of<br />
extending service to rural areas. There is not even a discussion of the problem of jurisdictional
165<br />
que serviço universal significaria que “todos os assinantes <strong>de</strong> telefonia <strong>de</strong>veriam estar<br />
conectados uns aos outros” 659 . Já, a segunda geração <strong>de</strong> política pública do setor<br />
refletiria o esforço estatal <strong>de</strong> disponibilização efetiva <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong> telefonia para todas<br />
as residências mediante a prática iniciada na década <strong>de</strong> 1970 <strong>de</strong> subsídios cruzados entre<br />
telefonia <strong>de</strong> longa distância e telefonia local. 660<br />
A terminologia <strong>de</strong> gerações <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> reflete a tendência em se<br />
encarar o fenômeno da universalização como a síntese <strong>de</strong> etapas necessárias, quais<br />
sejam: a) a unificação do sistema (1ª geração) – o sistema universal, a re<strong>de</strong> universal ou<br />
o sistema unificado; b) a universalização do acesso telefônico básico 661 (2ª geração) –<br />
financiamento do acesso a todos que <strong>de</strong>le necessitem e que, por razões financeiras, <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ficiência física ou <strong>de</strong> localização geográfica, não o pu<strong>de</strong>ssem ter; c) e, finalmente, a<br />
universalização dos serviços especiais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, o que significa enten<strong>de</strong>r a<br />
universalização como um fenômeno em evolução. 662 O mo<strong>de</strong>lo da União Européia não<br />
foge <strong>de</strong>sta consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> etapas <strong>de</strong> aplicação da idéia do serviço universal ao fixar<br />
como diretriz básica da universalização dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> o acesso <strong>de</strong><br />
um conjunto mínimo <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> serviços a todos os usuários in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua<br />
posição geográfica e por um preço razoável. 663 A repartição, em meio a um mercado <strong>de</strong><br />
concorrentes, dos custos <strong>de</strong> operação <strong>de</strong> serviços universais caracteriza a política da<br />
Comissão Européia, que pouco <strong>de</strong>stoa dos pressupostos norte-americanos <strong>de</strong> subsídio,<br />
por parte das empresas concorrentes, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s escolhidas em <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
como essenciais à socieda<strong>de</strong>. 664<br />
separations [ou seja, a divisão <strong>de</strong> competências entre União e Estados Membros, que viabilizou a prática<br />
do subsídio cruzado no setor <strong>de</strong> telefonia norte-americano].” (MUELLER Jr., Milton L. Op. cit., p. 4).<br />
659 Ibid., p. 2. Tradução livre do original: “Universal service at this time meant that all telephone<br />
subscribers should be connected to each other”.<br />
660 “Contemporary rea<strong>de</strong>rs will have no difficulty recognizing the <strong>de</strong>finition of universal service that<br />
prevails today: universal service is comprehensive household telephone penetration – a ‘telephone in<br />
every home’. Universal service policy has become synonymous with regulating rates to make telephone<br />
service more affordable to consumers. Cross-subsidies do that. Long-distance users are overcharged to<br />
subsidize local service. Urban customers pay more so rural customers can pay less.” (Ibid., p. 150).<br />
661 Para o Governo norte-americano, universalizar, neste sentido da segunda geração <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
do setor, significava a expansão do acesso ao sistema <strong>de</strong> telefonia como valor maior <strong>de</strong> regulação.<br />
Buscava-se “to push local telephone rates down”; “universal service was something for consumers, not<br />
provi<strong>de</strong>rs” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 22). “The rule of<br />
thumb among many state regulators, it has been said, is the Pizza Test: the monthly fee for basic<br />
resi<strong>de</strong>ntial phone service must not un<strong>de</strong>r any circumstances be permitted to exceed the price of a pizza –<br />
medium size, with two ingredients.” (Ibid., p. 23, nota 71).<br />
662 SHAW, James. Telecommunications <strong>de</strong>regulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 39.<br />
663 A Diretiva Européia 97/33/CE, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997, que trata da interconexão no setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, voltada a garantir o Serviço Universal e a interoperabilida<strong>de</strong> através da aplicação<br />
dos princípios <strong>de</strong> provimento <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> aberta, dispõe em seu sétimo consi<strong>de</strong>rando e artigo 2:<br />
“7)consi<strong>de</strong>rando que a evolução da noção <strong>de</strong> Serviço Universal <strong>de</strong>ve acompanhar pari passo o progresso<br />
tecnológico, a evolução do mercado e a alteração da <strong>de</strong>manda; que no exame futuro da presente diretiva é<br />
necessário pon<strong>de</strong>rar as novas condições <strong>de</strong> provimento do Serviço Universal; (....) Artigo 2, Item 1. Aos<br />
fins da presente diretiva, enten<strong>de</strong>-se por: (...) g) Serviço Universal, um conjunto mínimo <strong>de</strong>finido <strong>de</strong><br />
serviços <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada qualida<strong>de</strong> disponível a todos os usuários in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua posição<br />
geográfica e, tendo em conta as condições específicas nacionais, por um preço razoável”.<br />
664 “A differenza <strong>de</strong>lla nozione tradizionale di servizio pubblico, la nozione di Servizio Universale di<br />
<strong>de</strong>rivazione comunitaria sembra presuppore, comunque, um mercato concorrenziale con una pluralità di<br />
operatori e implica soltanto um sistema di rilevazione e di ripartizione <strong>de</strong>i costi connessi alle prestazioni<br />
non remunerative volte specificamente a garantire i livelli di servizio richiesti.” (CLARICH, Marcello.<br />
Op. cit., p. 21-29).
166<br />
Apesar da complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrada pela presença <strong>de</strong> gerações <strong>de</strong> serviços<br />
universais, a política <strong>de</strong> serviço universal vem sendo encarada, didaticamente, como<br />
atuação estatal no sentido <strong>de</strong> que o maior número possível <strong>de</strong> pessoas possam ter<br />
garantido o acesso à re<strong>de</strong> por intermédio <strong>de</strong> serviço telefônico resi<strong>de</strong>ncial básico. 665 A<br />
leitura da nova Seção 254 introduzida pelo Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 no<br />
Communications Act <strong>de</strong> 1934 evi<strong>de</strong>ncia, entretanto, que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> política pública<br />
adotado nos Estados Unidos da América vem <strong>de</strong>finido como justificativa maior <strong>de</strong><br />
atuação estatal voltada a vários efeitos: à preservação da re<strong>de</strong> universal; ao acesso <strong>de</strong><br />
todos aos serviços básicos <strong>de</strong> telefonia; mas também ao acesso diferenciado a serviços<br />
especiais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. O Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 previu como<br />
princípios do serviço universal a prestação <strong>de</strong> serviços básicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> a preços justos, razoáveis e suportáveis 666 , adotando, assim, a concepção <strong>de</strong><br />
segunda geração. Ao <strong>de</strong>finir, entretanto, o acesso a serviços avançados, retoma o<br />
sentido <strong>de</strong> serviço universal como o <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> universal que alcance todas as regiões<br />
da Nação. 667 Por sua vez, introduz-se, com aquele Act, a eleição <strong>de</strong> novos espaços <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>manda dos serviços subsidiados: escolas, serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e bibliotecas. 668<br />
Até este ponto, foi fixado o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tratamento do serviço universal pós<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, mas não se po<strong>de</strong> notar qualquer menção a quem fez<br />
as opções <strong>de</strong> quais serviços – básicos <strong>de</strong> telefonia, avançados <strong>de</strong> dados ou outros – ou<br />
<strong>de</strong> quais ativida<strong>de</strong>s – ensino, saú<strong>de</strong> ou outros serviços <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública – <strong>de</strong>veriam<br />
ser contemplados com o subsídio <strong>de</strong> serviço universal. O processo utilizado para<br />
<strong>de</strong>finição das priorida<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> investimento no serviço universal vem relegado a<br />
análises <strong>de</strong> cunho meramente <strong>de</strong>scritivo do posicionamento oficial do Fe<strong>de</strong>ral-State<br />
Joint Board on Universal Service criado no âmbito da Fe<strong>de</strong>ral Communications<br />
Commission no mês seguinte ao <strong>de</strong> aprovação do Telecommunications Act, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong><br />
fevereiro <strong>de</strong> 1996. Embora <strong>de</strong> composição paritária – diretores da FCC, diretores <strong>de</strong><br />
comissões <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública estaduais e representante dos consumidores –, o Joint<br />
Board on Universal Service compõe-se em instância da FCC que concentra as<br />
discussões sobre serviços universais na agência.<br />
Em que medida este Fe<strong>de</strong>ral-State Joint Board vem previsto como mecanismo<br />
<strong>de</strong> abertura para participação social na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sobre quais serviços e<br />
ativida<strong>de</strong>s serão beneficiados com o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> universalização? Esta é uma questão<br />
difícil <strong>de</strong> ser respondida, mas o levantamento dos principais relatórios e encontros <strong>de</strong>ste<br />
conselho evi<strong>de</strong>nciam um fato: a temática diretora das discussões concentra-se em<br />
aspectos <strong>de</strong> operacionalização do serviço universal ou <strong>de</strong> opção sobre os serviços, as<br />
665 “The universal service policy holds that basic resi<strong>de</strong>ntial telephone service should be affordable so that<br />
as many people as possible have access to the network.” (BRANDS, Henk & LEO, Evan T. The Law and<br />
regulation of telecommunications carriers. Boston: Artech House, 1999, p. 197).<br />
666 “The Joint Board and the Commission shall base policies for the preservation and advancement of<br />
universal service on the following principles: (1) QUALITY AND RATES – Quality services should be<br />
available at just, reasonable, and affordable rates.” (47 U.S.C. 254 (b)(1) – Telecommunications Act of<br />
1996).<br />
667 “(2)ACCESS TO ADVANCED SERVICES. – Access to advanced telecommunications and information<br />
services should be provi<strong>de</strong>d in all regions of the Nation.” (47 U.S.C. 254 (b)(2) – Telecommunications<br />
Act of 1996).<br />
668 “(6)ACCESS TO ADVANCED TELECOMMUNICATIONS SERVICES FOR SCHOOLS, HEALTH<br />
CARE, AND LIBRARIES. – Elementary and secondary schools and classrooms, health care provi<strong>de</strong>rs,<br />
and libraries should have access to advanced telecommunications services as <strong>de</strong>scribed in subsection<br />
(h).” (47 U.S.C. 254 (b)(6) – Telecommunications Act of 1996).
167<br />
ativida<strong>de</strong>s beneficiadas ou os custos para manutenção do fundo <strong>de</strong> serviço universal. 669<br />
Não é pauta <strong>de</strong> discussão o formato <strong>de</strong> participação dos interessados ou <strong>de</strong> incremento<br />
<strong>de</strong>sta participação nos encontros patrocinados pelo conselho para <strong>de</strong>finição da<br />
priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> universalização e <strong>de</strong> custeio e implementação. 670 Pelo contrário, a<br />
principal discussão atual sobre a questão do serviço universal envolve a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
compatibilização entre o norte <strong>de</strong> liberação da competição e o <strong>de</strong> subsídio/reembolso do<br />
serviço universal. 671<br />
5.6 AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES NOS EUA E<br />
A FEDERAL COMMUNICATIONS COMMISSION (FCC)<br />
Surgimento das agências reguladoras no mo<strong>de</strong>lo norteamericano<br />
A introdução das agências reguladoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes no cenário regulatório<br />
norte-americano acompanhou um movimento <strong>de</strong> nacionalização das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
setoriais. A compreensão do papel da Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC)<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da contextualização da herança comum às agências reguladoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
dos Estados Unidos da América: a construção <strong>de</strong> espaços institucionais capazes <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nar <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> sobre setores econômicos em nível nacional.<br />
As agências reguladoras norte-americanas estão inseridas nesta tentativa <strong>de</strong><br />
exercício <strong>de</strong> uma função política centralizada em um Estado fortemente fe<strong>de</strong>ralizado.<br />
Com as agências reguladoras norte-americanas, entra em cena “uma nova instituição<br />
político-administrativa nacional” 672 . Elas se apresentaram como o braço administrativo<br />
<strong>de</strong> política pública nacional sobre setores da economia ou áreas <strong>de</strong> interesse social, que<br />
669 BRANDS, Henk & LEO, Evan T. Op. cit., p. 210-216.<br />
670 Conferir, para tanto, as ativida<strong>de</strong>s do Fe<strong>de</strong>ral-State Joint Board on Universal Service em:<br />
http://www.fcc.gov/wcb/universal_service/JointBoard/welcome.html.<br />
671 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 582-585. O pressuposto <strong>de</strong><br />
serviço universal encontra a mesma discussão no mo<strong>de</strong>lo da União Européia: “Emerge, insomma, la<br />
distonia di fondo fra l’obiettivo <strong>de</strong>l Servizio Universale (attuale) e l’obiettivo <strong>de</strong>lla piena liberalizzazione<br />
in ambito concorrenziale. In altri termini, ci andiamo accorgendo sempre più di quanto sai stri<strong>de</strong>nte,<br />
nelle telecomunicazioni, il contrasto fra i principi <strong>de</strong>l sussidio/rimborso per un servizio strandard in un<br />
contesto non dinamico (uso un eufemismo) da un lato, <strong>de</strong>lla concorrenza e <strong>de</strong>llo sviluppo sia <strong>de</strong>i<br />
prodotti/servizi che <strong>de</strong>lle imprese dall’altro: sono due mondi diversi” (FROVA, Sandro. Nozione ed<br />
evoluzione <strong>de</strong>l servizio universale nelle telecomunicazioni, p. 15. In: FROVA, Sandro (org.).<br />
Telecomunicazioni e servizio universale. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1999, p. 9-20). Ainda, “La<br />
questione che sta al centro <strong>de</strong>l dibattito comunitario [da União Européia] in materia di Servizio<br />
Universale è, in realtà, come ren<strong>de</strong>re compatibile la garanzia <strong>de</strong>ll’universalità <strong>de</strong>lle erogazioni con un<br />
mercato liberalizzato, aperto alla concorrenza e caratterizzato dalla presenza di una pluralità di gestori<br />
privati” (CLARICH, Marcello. Op. cit., p. 23).<br />
672 HORWITZ, Robert Britt. The irony of regulatory reform: the <strong>de</strong>regulation of american<br />
telecommunications. New York/Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 47. Tradução livre do<br />
original: “a new national, administrative political institution”.
168<br />
antes vinham divididas entre <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> locais fixadas pelo Legislativo local e<br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> nacionais fixadas pelo Judiciário. 673<br />
Assim, a análise do surgimento das agências reguladoras nos EUA afigura-se<br />
como representativa da própria construção do Estado norte-americano. Tais agências,<br />
portanto, encarnam um novo ramo <strong>de</strong> regramento estatal pautado no direito<br />
administrativo e uma nova instituição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político. 674<br />
Tais modificações dizem respeito à estrutura do Estado alterada com a<br />
introdução das agências reguladoras norte-americanas, mediante a inserção <strong>de</strong> um novo<br />
pólo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong> cunho administrativo e <strong>de</strong> âmbito nacional.<br />
Por outro lado, sob o enfoque dos regulados, a presença das agências<br />
reguladoras respon<strong>de</strong>u a um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um arcabouço regulatório previsível para a<br />
ativida<strong>de</strong> econômica, que vivenciava o <strong>de</strong>scompasso trazido pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico entre o sistema econômico lastreado em relações nacionais e internacionais e<br />
o sistema político, ainda preso a aspectos eminentemente estaduais/locais. 675<br />
“Regulation took over from the fe<strong>de</strong>ral judiciary the<br />
role of <strong>de</strong>fining the grounds and terms of market exchange –<br />
hence the role of guiding the course of American economic<br />
<strong>de</strong>velopment. It is in this sense that the rise and general<br />
function of regulatory agencies represent a new stage in the<br />
role of the state (…) Regulatory agencies became the mo<strong>de</strong>rn<br />
form of state intervention to reconcile the expan<strong>de</strong>d and<br />
complex needs of capital (accumulation) with the <strong>de</strong>mocratic<br />
<strong>de</strong>mands for social controls of corporate activity and of<br />
fairness generally (legitimation) (…) Regulatory agencies<br />
constituted national administrative political institutions to<br />
<strong>de</strong>al with the massive social and economic instability caused<br />
by the corporate transformation of the economy.” 676<br />
Esta tensão entre uma economia <strong>de</strong> âmbito nacional ou internacional, <strong>de</strong> um<br />
lado, e <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> locais e variadas dos Estados Fe<strong>de</strong>rados, <strong>de</strong> outro, é apontada<br />
como a principal razão <strong>de</strong> inserção das agências reguladoras no mo<strong>de</strong>lo norteamericano,<br />
on<strong>de</strong> somente o Judiciário fe<strong>de</strong>ral era capaz <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
implementação e acompanhamento <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> que fossem aplicáveis em todo<br />
o território nacional. O Judiciário, entretanto, não foi concebido para a conformação<br />
contínua <strong>de</strong> relações sociais, mas para a solução <strong>de</strong> litígios específicos e interpretação<br />
final do or<strong>de</strong>namento jurídico. A Administração, por sua vez, foi talhada para o<br />
673<br />
“Nineteenth-century political power was divi<strong>de</strong>d effectively between a predominantly local, partybased<br />
legislative authority and a nationally oriented fe<strong>de</strong>ral judiciary” (Ibid., p. 47). Conferir também<br />
nota 678, p. 182 <strong>de</strong>sta tese.<br />
674<br />
“Regulatory agencies constituted a new institution of political power and a new body of law –<br />
administrative law” (Ibid., p. 46-47).<br />
675<br />
“The advent of regulatory agencies is concomitant with the rise of a national economy and the need for<br />
a new institution of political power to establish effective social controls on and for industry” (Ibid., p. 48-<br />
49).<br />
676<br />
Ibid., p. 47-50.
169<br />
tratamento <strong>de</strong> situações complexas e relações contínuas. 677 As agências reguladoras<br />
norte-americanas vieram preencher este vácuo institucional. 678<br />
À <strong>de</strong>speito da ocupação <strong>de</strong>ste espaço institucional regulatório pelas agências<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes norte-americanas, elas seguiram a mesma orientação geral inaugurada<br />
pelo Judiciário no século XIX <strong>de</strong> afirmação do po<strong>de</strong>r das cortes fe<strong>de</strong>rais sobre<br />
ativida<strong>de</strong>s econômicas interestaduais mediante a fixação do conceito <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
interesse público, e, portanto, orientadas por princípios gerais aplicáveis a todo o<br />
território nacional. 679 A presença <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, tais como os serviços <strong>de</strong> transporte por<br />
ferrovias, com características intrínsecas <strong>de</strong> um monopólio natural permitiram gravar<br />
tais ativida<strong>de</strong>s como serviços afetados a interesse público (affected with a public<br />
interest) e diferenciá-los dos típicos serviços privados. Restabelecia-se, assim, por<br />
intermédio do conceito <strong>de</strong> serviço orientado ao público (publicly oriented business), o<br />
princípio das common carriers do século XIII da common law inglesa. 680<br />
5.6.1 As agências como espaços institucionais <strong>de</strong> composição<br />
<strong>de</strong> interesses<br />
Ao preencherem o vácuo institucional gerado pela tensão entre setores da<br />
economia <strong>de</strong> extensão nacional ou internacional e a legislação local, as agências<br />
reguladoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ter-se-iam firmado como um novo espaço institucional on<strong>de</strong><br />
os interesses contrapostos dos setores po<strong>de</strong>riam ser resolvidos; on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>riam<br />
solucionar questões insuscetíveis <strong>de</strong> solução em outras esferas. 681<br />
A primeira das agências reguladoras norte-americanas – a Interstate Commerce<br />
Commission (ICC) – surgiu em 1887 com a característica <strong>de</strong> espaço institucional para<br />
formação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>políticas</strong> fora do Legislativo. 682 Mesmo a <strong>de</strong>finição legal das<br />
competências da agência não serviu para afastar o caráter criativo das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>la<br />
677 A diferença <strong>de</strong> fundo entre administração e ativida<strong>de</strong> jurisdicional é que a administração é “an ongoing<br />
process of rational oversight and manipulation (...) it is substantive and continuous (...) such oversight is<br />
mol<strong>de</strong>d to concrete problems and cases on an ongoing basis” (Ibid., p. 65).<br />
678 “The structure of political power in early America was dispersed and localistic. In<strong>de</strong>ed, the dominant<br />
constitutional mo<strong>de</strong>l is one of dividing, separating, and checking powers so as to contain government.<br />
The singularly important place of law and courts in American society <strong>de</strong>rives from this heritage. As<br />
Samuel P. Huntington has argued, the supremacy of law in the United States was mated to the rejection<br />
of authority or supremacy in a single institution [§] Only Constitutional Law un<strong>de</strong>rlay all political<br />
institutions. This put the fe<strong>de</strong>ral judiciary in a key structural position as the only institution capable of<br />
exercising a centralizing political function.” (Ibid., p. 50).<br />
679 Sobre a afirmação <strong>de</strong> que as cortes fe<strong>de</strong>rais fixaram sua competência sobre ativida<strong>de</strong>s econômicas<br />
intraestaduais no século XIX, vi<strong>de</strong>: Ibid., p. 56-57. O trecho a seguir esclarece a relação entre a extensão<br />
da competência das cortes fe<strong>de</strong>rais e a natureza nacional ou internacional da ativida<strong>de</strong> econômica<br />
envolvida: “The judiciary had moved to fe<strong>de</strong>ralize commerce, recognizing the irrationality of a national<br />
economy being controlled at the state and local levels” (Ibid., p. 63).<br />
680 Para ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> um quasi-monopoly power: “they must serve all, they must provi<strong>de</strong><br />
a<strong>de</strong>quate (and safe) facilities, they must change reasonable rates, they must not discriminate among<br />
customers.” (Ibid., p. 59).<br />
681 “No existing political institution could solve problems of this complexity” (Ibid., p. 63).<br />
682 “The proposal for an administrative commission was conceived as a way to remove all politically<br />
divisive and potentially dangerous policy <strong>de</strong>cisions from the legislative arena. The compromise<br />
legislationa which resulted in the Act to Regulate Interstate Commerce gave something to everybody –<br />
and in this respect prefigured one of the main problems in the operations of the ICC and most subsequent<br />
regulatory agencies, the problem of the vague and imprecise legislative mandate.” (Id., ibid.).
170<br />
originárias. Tais <strong>de</strong>cisões continham nítido caráter político, pois resultantes <strong>de</strong><br />
mandamentos legais vagos. Ao criar a ICC, o Congresso norte-americano não <strong>de</strong>finiu<br />
claramente os nortes <strong>de</strong> política pública a serem seguidos por esta agência; antes,<br />
transferiu para ela a própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> tais <strong>políticas</strong>. 683<br />
Seguindo a experiência original da Interstate Commerce Commission (ICC), as<br />
agências reguladoras norte-americanas foram inseridas na estrutura estatal como novas<br />
instituições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político.<br />
Elas não se afiguraram como estruturas <strong>de</strong> administração das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
em sua acepção clássica <strong>de</strong> mera execução do previamente or<strong>de</strong>nado, mas firmaram-se<br />
como fontes <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> governamentais estruturadas para servirem como<br />
ponto <strong>de</strong> encontro das vonta<strong>de</strong>s <strong>políticas</strong> 684 , em que todos os partícipes <strong>de</strong>veriam ser<br />
tratados como iguais sob o olhar objetivo da administração pública. 685 Partindo-se da<br />
compreensão <strong>de</strong> que o interesse público envolve necessariamente a pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />
muitos interesses, as agências, ao encarnarem uma instância política <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, não<br />
significariam a proteção dos interesses do setor, mas uma confluência <strong>de</strong> interesses<br />
diversos em nome <strong>de</strong> algo maior – o interesse público. O reconhecimento do espaço<br />
público nas agências vem gravado com a exigência <strong>de</strong> que suas <strong>de</strong>cisões venham<br />
fundamentadas com a necessária pon<strong>de</strong>ração dos efeitos não só sobre os atores do setor<br />
– indústria e consumidor –, mas sobre o conjunto dos interesses da Nação, <strong>de</strong> cunho<br />
econômico e social.<br />
“The public interest is a texture of multiple strands. It<br />
inclu<strong>de</strong>s more than contemporary investors and contemporary<br />
consumers. The needs to be served are not restricted to<br />
immediacy, and social as well as economic costs must be<br />
counted (…) the Commission should set forth with<br />
explicitness the criteria by which it is gui<strong>de</strong>d in <strong>de</strong>termining<br />
that rates are 'just and reasonable', and it should <strong>de</strong>termine the<br />
public interest that is in its keeping.” 686<br />
As agências, portanto, foram moldadas, em sua história institucional nos EUA,<br />
para refletirem um “sistema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> interesses” 687 . Ao encarnarem uma<br />
instância <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política, não significariam a proteção dos interesses do setor – da<br />
indústria –, mas uma confluência <strong>de</strong> interesses diversos em nome <strong>de</strong> algo maior: o<br />
interesse público. Daí, a interpretação das cortes <strong>de</strong> justiça norte-americanas ter-se<br />
orientado a rever as <strong>de</strong>cisões das agências com vistas a proteger os interesses dos<br />
usualmente sem representação. 688 Isto levou a que as agências se protegessem do<br />
questionamento <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões mediante ampla divulgação <strong>de</strong> seus procedimentos e<br />
espaço para manifestação. Dita preocupação vem evi<strong>de</strong>nciada na publicida<strong>de</strong> dos<br />
683<br />
“Congress didn’t transform social and economic conflicts into a coherent regulatory policy so much as<br />
shift those conflicts to a new institution” (Ibid., p. 64).<br />
684<br />
A comparação a seguir entre a função das agências reguladoras e dos partidos políticos revela o sentido<br />
concebido para as agências norte-americanas <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> exercício da virtu<strong>de</strong> política: “If policital<br />
parties were structurally receptive to geographic interests, regulatory agencies were structurally attuned<br />
to functional, or industry, interests.” (Ibid., p. 87).<br />
685<br />
“The public, possessing no in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt standing before such agencies, was consi<strong>de</strong>red protected by<br />
the supposedly nonpartisan and objective science of public administration.” (Id., ibid.).<br />
686<br />
Fe<strong>de</strong>ral Power Commission v. Hope Natural Gas Co., 320 U.S. 591, 627-628 (1944), Justice Douglas,<br />
j.03/01/1944, Justice Frankfurter, dissenting.<br />
687<br />
HORWITZ, Robert Britt. Op. cit., p. 87.<br />
688<br />
Id., ibid.
171<br />
procedimentos da FCC quanto à implementação do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996,<br />
mais especificamente no tocante às obrigações <strong>de</strong> interconexão. Em explanação ao<br />
Congresso norte-americano, o presi<strong>de</strong>nte da FCC <strong>de</strong>monstra o cuidado com o registro e<br />
publicida<strong>de</strong> na construção das <strong>de</strong>cisões da agência para implementação do<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996:<br />
“This allowed us to have 100 percent of the initial comments<br />
filed on diskette in the Interconnection proceeding available<br />
online within one day of the end of the comment period. This<br />
meant that parties outsi<strong>de</strong> the Beltway could immediately<br />
have access to these comments with the same speed as a<br />
Washington lobbyist – and without the expense of paying the<br />
FCC's copying contractor. On issues of particular interest to<br />
the Internet community, we have opened electronic<br />
mailboxes to receive informal comments, although our rules<br />
currently prevent us from accepting formal comments via email.<br />
To correct that <strong>de</strong>ficiency, last month we announced<br />
that we will soon begin a proceeding to eliminate outdated<br />
restrictions on electronic comment filing.”. 689<br />
A publicida<strong>de</strong> do procedimento envolvendo propostas <strong>de</strong> nova regulamentação<br />
sobre setores regulados por parte das agências, segue o disposto na legislação norteamericana.<br />
Para tanto, há um procedimento especial <strong>de</strong>nominado initial regulatory<br />
flexibility analysis (5 U.S.C. 603) segundo o qual, para proposição <strong>de</strong> nova<br />
regulamentação, a agência <strong>de</strong>ve publicar dita análise com: a) a <strong>de</strong>scrição das razões que<br />
justificam a ação por parte da agência; b) uma sucinta explanação dos objetivos e base<br />
legal para a regra proposta; c) uma estimativa do número <strong>de</strong> pequenas entida<strong>de</strong>s<br />
afetadas pela proposição; d) estudos sobre o impacto da nova regra no or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico.<br />
5.6.2 Deregulation<br />
O formalismo <strong>de</strong> procedimentos gerado nas agências pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrarem cada passo para tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões é um dos motivos comumente<br />
apontados para o movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação iniciado na década <strong>de</strong> 1970 como ele é<br />
689 UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on<br />
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the<br />
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:<br />
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004).
172<br />
compreendido no mo<strong>de</strong>lo norte-americano, tanto no campo dos discursos políticos 690 ,<br />
quanto no das <strong>de</strong>cisões judiciais 691 , ou ainda, no campo <strong>de</strong> atuação da FCC. 692<br />
O conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação, entretanto, não é unívoco. Enquanto, para uns, o<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 significou <strong>de</strong>sregulação, para outros, ele signifiou<br />
exatamente o contrário 693 e para outros ainda, significou a dissociação entre sua<br />
motivação e seus efeitos. 694 De fato, a motivação do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996<br />
<strong>de</strong>veu-se ao controle, pelos Republicanos, em 1994, das duas casas do Congresso norteamericano,<br />
e, em especial, à nomeação <strong>de</strong> Larry Pressler como presi<strong>de</strong>nte do Comitê <strong>de</strong><br />
Comércio do Senado e a sua intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>scomplicar a regulação das<br />
<strong>telecomunicações</strong>. 695 Todavia, o lugar comum <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>sregulação foi o princípio<br />
norteador da política norte-americana <strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 1990 696 não significou o<br />
enxugamento do po<strong>de</strong>r da agência. Isto porque a or<strong>de</strong>m normativa contida no Act <strong>de</strong><br />
livre competição po<strong>de</strong> ser interpretada como a garantia estatal <strong>de</strong> mais competidores, ao<br />
invés <strong>de</strong> ser interpretada, simplesmente, como uma or<strong>de</strong>m dirigida à agência para se<br />
abster <strong>de</strong> dar exclusivida<strong>de</strong> na exploração <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. E não<br />
param por aí as opções <strong>de</strong> interpretação. Mesmo compreendida como a garantia estatal<br />
<strong>de</strong> mais competidores, as opções regulatórias para sua implementação vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma<br />
maior interferência regulamentar da agência <strong>de</strong> microgerenciamento das obrigações <strong>de</strong><br />
interconexão das incumbents <strong>de</strong> telefonia fixa local, até a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> construção<br />
<strong>de</strong> nova infraestrutura, passando pela opção <strong>de</strong> se adotar a infraestrutura <strong>de</strong> outras<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, tais como a do serviço <strong>de</strong> TV a Cabo. 697 É<br />
690<br />
“Deregulation had emerged as a phrase in the telecommunications policy <strong>de</strong>bate as early as 1978 but<br />
obtained full form as a strategic concept after the 1980 election of Presi<strong>de</strong>nt Ronald Reagan.<br />
Deregulation was an overarching strategy and theme of the first-term Reagan presi<strong>de</strong>ncy. Deregulation<br />
in effect became the overarching new policy theme, <strong>de</strong>fining the major problem of government – too much<br />
regulation – and offering the solution – a major diminution of the fe<strong>de</strong>ral regulatory role. The longrunning<br />
<strong>de</strong>bate over telecommunications policy fit well within this strategic and conceptual framework.”<br />
(PERSONS, Georgia A. The making of energy and telecommunications policy. Westport: Greenwood<br />
Publishing Group, 1995, p. 127-128).<br />
691<br />
“In two recent <strong>de</strong>cisions in 1977 and 1978 concerning the MCI Execunet service, the Court of Appeals<br />
for the D.C. Circuit indicated that the Commission should not have a presumption in favor of monopoly<br />
structure.” (WEBBINK, Douglas W. The recent <strong>de</strong>regulatory movement at the FCC. In: LEWIN,<br />
Leonard (org.). Telecommunications in the United States: trends and policies. Norwood: Artech, 1981,<br />
p. 67).<br />
692<br />
“Since the 1960’s the FCC has been gradually <strong>de</strong>regulating more and more of the communications<br />
services it regulates.” (Ibid., p. 61).<br />
693<br />
SHAW, James. Telecommunications <strong>de</strong>regulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 27.<br />
694<br />
“The 1996 Act, unlike its New Deal counterpart, is <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>dly <strong>de</strong>regulatory in tone. But it is strikingly<br />
regulatory in effect” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 210 –<br />
Capítulo em co-autoria com Evan T. Leo).<br />
695<br />
“Ele [Larry Pressler] continuou [seu ataque ao excesso <strong>de</strong> regulação] esclarecendo que havia legislação<br />
em <strong>de</strong>masia nas leis anteriores, especialmente no que dizia respeito à FCC. Ele <strong>de</strong>ixou claro que era<br />
favorável a um papel menor e em perseverante diminuição do controle fe<strong>de</strong>ral das <strong>telecomunicações</strong>.”<br />
(OLUFS III, Dick W. The making of telecommunications policy. Boul<strong>de</strong>r: Lynne Rienner Publishers,<br />
1998, p. 81). Do original: “He went on to explain that too much regulation, especially focused on the<br />
FCC, was contained in the earlier bills. He ma<strong>de</strong> it clear that he favored a minor and steadily<br />
diminishing role for fe<strong>de</strong>ral control of telecommunications”.<br />
696<br />
Ibid., p. 101.<br />
697<br />
Postulando a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado para bom funcionamento do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a partir da<br />
experiência do setor <strong>de</strong> transportes aéreo e terrestre, Alfred Kahn <strong>de</strong>lineia os prejuízos do<br />
microgerenciamento regulatório. Vi<strong>de</strong>: KAHN, Alfred E. Resisting the temptation to micromanage:<br />
lessons from airlines and trucking. p. 17. In: BELL, Tom W.; SINGLETON, Solveig (org.). Regulators’<br />
revenge: the future of telecommunications <strong>de</strong>regulation. Washington: Cato Institute, 1998.
173<br />
tão ambígua a referência normativa à implementação da competição em<br />
<strong>telecomunicações</strong>, que a Argentina previu, a partir <strong>de</strong> 2005, o <strong>de</strong>ver das novas empresas<br />
do setor <strong>de</strong> se beneficiarem do aluguel forçado da re<strong>de</strong> das operadoras <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong><br />
infra-estrutura <strong>de</strong> telefonia local somente enquanto não for possível a construção <strong>de</strong><br />
infra-estrutura própria. 698 Apenas como uma referência, o exemplo da Argentina<br />
comprova não ser um absurdo consi<strong>de</strong>rar saudável à competição e aos consumidores a<br />
obrigação <strong>de</strong> duplicação <strong>de</strong> infra-estrutura.<br />
Enfim, o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação tem sua força em servir a muitos senhores.<br />
Horwitz apresenta uma teoria interessante sobre a origem da <strong>de</strong>regulation nos EUA.<br />
Para ele, a <strong>de</strong>regulation norte-americana no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>veu-se à<br />
politização da agência, que passou a abrir espaço para manifestação da vonta<strong>de</strong> política<br />
dos interessados, e fez diminuir a celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação regulatória. Por conseqüência, a<br />
eficiência econômica da agência teria <strong>de</strong>caído, enten<strong>de</strong>ndo-se eficiência econômica<br />
como a vocação da atuação regulatória para servir aos interesses do mercado. Este teria<br />
sido, segundo Horwitz, o principal motivo <strong>de</strong> surgimento do movimento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sregulação nos EUA.<br />
“(...) the expansion of standing rights in the traditional<br />
agencies (not to mention the hostility of the new social<br />
regulatory agencies toward certain business practices) could<br />
only disrupt the balance of formalism and bargaining<br />
historically receptive to industry interests. As the regulatory<br />
process became more open, more <strong>de</strong>mocratic, and hence<br />
more politicized in the Great Society period, industry found<br />
regulation increasingly bur<strong>de</strong>nsome, time-consuming, and<br />
contentious. The increase of participation led generally to an<br />
increase of formalism, each party taking full advantage of<br />
procedural safeguards and judicial review (…) The increase<br />
in formalism resulted in time <strong>de</strong>lay and, most important, a<br />
reduction in industry’s ability to calculate the future<br />
consequences of its economic <strong>de</strong>cisions.<br />
As corporations began to organize themselves against<br />
regulation in the 1970s, they were increasingly successful in<br />
i<strong>de</strong>ologically tying the troubling phenomenon of falling<br />
national productivity rates to ‘over-regulation’. The liberal<br />
criticism of regulation, which had at its core principles of<br />
equity and political participation, began to be displaced by a<br />
pro-business, often right-wing criticism of regulation, which<br />
had economic efficiency as its basic principle. The move<br />
toward <strong>de</strong>regulation had begun.(…)<br />
Regulatory agencies, opened up to more <strong>de</strong>mocratic<br />
participation, became less able to bargain and more bound to<br />
procedural norms. Administrative rationality and economic<br />
rationality diverged, and by the mid-1970s business engaged<br />
in a wholesale revolt against regulation.” 699<br />
698 MORENO, Mario Guillermo. Palestra em painel intitulado “As <strong>telecomunicações</strong> na América do Sul<br />
(Mercosul e Comunida<strong>de</strong> Andina): cenário atual e perspectivas”. In: Conferência Internacional –<br />
Perspectivas das <strong>telecomunicações</strong> nas Américas e Europa. Brasília. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Grupo<br />
Interdisciplinar <strong>de</strong> Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações. 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2005.<br />
699 HORWITZ, Robert Britt. Op. cit., p. 87-88.
174<br />
Mesmo com o patrocínio direto <strong>de</strong> linhas acadêmicas <strong>de</strong> economistas 700 para<br />
firmar-se a <strong>de</strong>sregulação como a diminuição dos po<strong>de</strong>res das agências reguladoras, o<br />
conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação não vem traduzido em fatos.<br />
Embora originariamente tenha-se apresentado como um movimento <strong>de</strong> reação à<br />
regulação das agências reguladoras norte-americanas quando estas começaram a se<br />
apresentar como instâncias <strong>de</strong> garantia do espaço político para todos os interessados;<br />
embora a <strong>de</strong>sregulação tivesse surgido como reação à <strong>de</strong>mocratização das <strong>de</strong>cisões das<br />
agências, que as <strong>de</strong>stacaram <strong>de</strong> uma união indissolúvel com o interesse econômico;<br />
embora a <strong>de</strong>sregulação tivesse surgido porque as agências <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser interessantes<br />
para a indústria em virtu<strong>de</strong> da abertura da burocracia das agências para a socieda<strong>de</strong>;<br />
embora a <strong>de</strong>sregulação viesse calcada na idéia <strong>de</strong> diminuir os po<strong>de</strong>res da agência<br />
reguladora para afastar o setor regulado do formalismo burocratizante <strong>de</strong> seus<br />
procedimentos cada vez mais abertos a todos os interessados, o produto da <strong>de</strong>sregulação<br />
no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, batizado como Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996,<br />
aparentemente reforçou seu po<strong>de</strong>r regulador. 701 A complexida<strong>de</strong> do setor e das opções<br />
regulatórias vem minando uma polarização binomial entre interferir no setor por<br />
intermédio <strong>de</strong> regulação ou não interferir. O próprio significado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação como<br />
garantia <strong>de</strong> maior eficiência econômica mediante livre competição transita entre<br />
posturas opostas <strong>de</strong> incremento da regulação sobre as interconexões, <strong>de</strong> liberalização<br />
total, <strong>de</strong> liberalização, mas mediante garantia do serviço universal, <strong>de</strong> liberalização<br />
regulatória, mas manutenção <strong>de</strong> controle antitruste, <strong>de</strong> subsídios entre serviços, <strong>de</strong><br />
adoção <strong>de</strong> postura arbitral pela agência, ou seja, <strong>de</strong> uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong> opções que acabam<br />
por corroer o significado da <strong>de</strong>regulation e transformá-la em um clichê <strong>de</strong> pouca<br />
utilida<strong>de</strong>.<br />
As inovações trazidas pelo Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 702 traduzem três<br />
pontos principais: concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r regulatório na agência fe<strong>de</strong>ral em <strong>de</strong>trimento<br />
das agências estaduais; acompanhamento normativo da evolução das tecnologias <strong>de</strong><br />
transmissão eletromagnética <strong>de</strong> informações; autorização para liberação do controle <strong>de</strong><br />
preços dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Assim, a <strong>de</strong>regulation não se apresenta com<br />
toda a exuberância <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> liberalização, mas como um ajuste <strong>de</strong> percurso.<br />
Persistiu a regulação sobre o espectro eletromagnético. Aumentou o controle sobre<br />
conteúdo da informação. Basicamente, a <strong>de</strong>regulation somente afetou a limitação<br />
regulamentar que fixava fronteiras rígidas <strong>de</strong> separação entre tecnologias <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. A universalização foi revigorada. Também o unbundling, maior<br />
representante da interferência direta do Estado na proprieda<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, foi incrementado. 703 Ou seja, a <strong>de</strong>regulation proposta pelo<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 afinal se apresentou com o caráter <strong>de</strong><br />
700 Para um estudo aprofundado da influência que a atuação regulatória mais aberta e participativa teve na<br />
precisão do significado da <strong>de</strong>sregulação, inclusive mediante financiamento <strong>de</strong> linhas acadêmicas <strong>de</strong><br />
economistas pelas indústrias reguladas, vi<strong>de</strong>: Ibid., p. 199-212.<br />
701 “A Comissão Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Comunicações tem se expandido mais do que nunca e continua a multiplicar<br />
volumes <strong>de</strong> regulação” (BELL, Tom W.; SINGLETON, Solveig (org.). Regulators’ revenge: the future<br />
of telecommunications <strong>de</strong>regulation. Washington: Cato Institute, 1998, p. VII). Do original: “The<br />
Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission has grown larger than ever and continues to churn out volumes of<br />
regulation.”<br />
702 As principais inovações estão inscritas nas seguintes seções do título 47 do U.S. Co<strong>de</strong>: 103. 104, 201,<br />
202, 205, 251, 252, 253, 254, 256, 257, 259, 261, 271, 273, 274, 301, 302, 303, 401, 402, 403, 552, 601,<br />
602, 652, 702, 705, 706, 707, 708.<br />
703 SHAW, James. Telecommunications <strong>de</strong>regulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 42-45.
175<br />
acompanhamento regulamentar do avanço tecnológico e como a outorga <strong>de</strong> opção<br />
regulatório à agência para extinção da regulação <strong>de</strong> tarifas. O Act <strong>de</strong> 1996 representa<br />
uma política pública <strong>de</strong> incremento da ativida<strong>de</strong> regulatória da agência fe<strong>de</strong>ral com o<br />
fim <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> privilégios <strong>de</strong> monopólio para o <strong>de</strong> livre<br />
competição. 704<br />
O fato é que, embora se afirme a competição como norte regulatório do Act <strong>de</strong><br />
1996, ela não resume a política pública norte-americana <strong>de</strong> <strong>de</strong>regulation. Pelo contrário,<br />
a competição não é tida como argumento suficiente para opções regulatórias, mas como<br />
um argumento necessariamente pautado pelo interesse público. 705 Não há nada que<br />
comprove a natureza perene do predomínio da postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação, que vem<br />
inserida em um movimento pendular <strong>de</strong> “oscilação esquizofrênica entre as i<strong>de</strong>ologias<br />
dirigista e do laissez-faire” 706 .<br />
Neste contexto, a <strong>de</strong>sregulação passa a ser <strong>de</strong>finida até mesmo como um novo<br />
ambiente <strong>de</strong> convivência entre política pública e interesses privados, entre governo e<br />
mercado. Argumenta-se que governo e mercado não <strong>de</strong>vem atuar em separado, mas<br />
como ativida<strong>de</strong>s complementares. 707<br />
A questão que persiste é se esta aproximação entre governo e mercado não seria<br />
uma reaproximação entre os fins da agência reguladora e da indústria regulada, que<br />
haviam sido separados pela <strong>de</strong>mocratização da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões na agência.<br />
O fato é que preten<strong>de</strong>r mudar a relação entre governo e mercado por intermédio<br />
da <strong>de</strong>regulation não afasta necessariamente do cidadão sua condição apagada <strong>de</strong><br />
partícipe da <strong>de</strong>finição política da regulação <strong>de</strong> um setor da economia. Pelo contrário,<br />
po<strong>de</strong> ser exatamente o método <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong>sta condição por intermédio do<br />
compromisso governamental com a garantia da posição diferenciada dos atores<br />
empresariais do mercado no processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política, que po<strong>de</strong> vir a ser<br />
ten<strong>de</strong>ncialmente favorável aos interesses <strong>de</strong>stes últimos pela simples ausência <strong>de</strong><br />
intervenção. Daí não se po<strong>de</strong>r fundar no conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>regulation a presença da virtu<strong>de</strong><br />
política na relação regulatória. É necessário, portanto, analisar a estrutura da agência<br />
704 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 210.<br />
705 “Satisfactory accommodation of the peculiarities of individual industries to the <strong>de</strong>mands of the public<br />
interest necessarily requires in each case a blend of private forces and public intervention (…)” (FCC v.<br />
RCA Communications Inc., 346 U.S. 86, 93-94 (1953), Justice Frankfurter, j.08/06/1953). Conferir<br />
também o título 47 do U.S. Co<strong>de</strong>, seção 160 (3)(b).<br />
706 FIELD, Alexan<strong>de</strong>r J. The regulatory history of a new technology: electromagnetic telegraphy. p. 245.<br />
In: The Law Review of Michigan State University – Detroit College of Law. Second Annual Quello:<br />
Telecommunications Policy and Law Symposium. Volume 2, Summer (2001), p. 245-253.<br />
707 “(…) se pone en marcha un proceso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulación, <strong>de</strong> notable influencia em el resto <strong>de</strong>l mundo.<br />
Según parece, el término <strong>de</strong>sregulación aparece en el programa <strong>de</strong> Nixon, continuó en el <strong>de</strong> Carter y<br />
llega a su culminación con el <strong>de</strong> Reagan. [§] Este proceso no <strong>de</strong>be completarse como una vuelta al<br />
laissez-faire, sino que más bien se trata <strong>de</strong> buscar una tercera vía que equilibre gobierno y mercado, en<br />
la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> que uno y outro no <strong>de</strong>ben actuar por separado. Lo que supone realizar ‘un cambio importante<br />
en la relación tradicional entre política pública y empresa privada. Durante la mayor parte <strong>de</strong>l siglo XX,<br />
el Gobierno y los mercados, normalmente han sido consi<strong>de</strong>rados como sustitutos. Los ciudadanos y los<br />
políticos tenían que escoger entre el mandato <strong>de</strong>l gobierno y las fuerzas <strong>de</strong>l mercado. A medida que se<br />
acerca el siglo XXI, vemos que las fuerzas <strong>de</strong>l mercado y la política pública son con más frecuencia<br />
complementarios que sustitutivos’. [§] Como ya vimos, este nuevo sistema se diferencia <strong>de</strong>l anterior en<br />
cuanto trata <strong>de</strong> crear, siempre que sea posible, mercados competitivos, reduciendo la intervención<br />
pública en la medida que sea posible. Esto es, se tratan <strong>de</strong> lograr los mismos objetivos que antes se<br />
lograban mediante el recurso a la regulación tradicional em Estados Unidos, y entre nosotros mediante<br />
la empresa pública y el servicio público tradicional, a través <strong>de</strong>l Derecho antitrust.” (GARCÍA, Miguel<br />
Ángel Sendín. Regulación y servicios públicos. Granada: Editorial Comares, 2003, p. 53-55).
176<br />
reguladora norte-americana para averiguação <strong>de</strong> eventuais espaços <strong>de</strong> manifestação<br />
<strong>de</strong>sta virtu<strong>de</strong>.<br />
5.6.3 Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission – FCC<br />
5.6.3.1 POSICIONAMENTO DA FCC NO QUADRO REGULATÓRIO<br />
NORTE-AMERICANO<br />
A compreensão do significado da Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC)<br />
po<strong>de</strong> ser esclarecido a partir <strong>de</strong> seu enquadramento no arcabouço institucional norteamericano.<br />
No esquema <strong>de</strong> divisões funcionais por estruturas <strong>de</strong> Estado, a FCC exerce<br />
um conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>nominadas rule-making authority – também chamada<br />
bureaucratic rule making ou rule-making power 708 – directing power, investigatory<br />
power e licesing power, fazendo fronteira com ativida<strong>de</strong>s regulatórias <strong>de</strong> outras<br />
espécies, tais como, o controle antitruste, a <strong>de</strong>fesa do consumidor e a elaboração <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> regulatórias do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
Compõem o menu regulatório das <strong>telecomunicações</strong> para atuação nas áreas<br />
citadas: a Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC), para os fins <strong>de</strong> rulemaking<br />
authourity, directing power, investigatory power e licensing power; as State Regulatory<br />
Commissions ou Public Utilities Commissions (PUCs); a Fe<strong>de</strong>ral Tra<strong>de</strong> Commission<br />
(FTC), para os fins <strong>de</strong> promoção da competição e proteção do consumidor; o<br />
Department of Justice e sua Anti-Trust Division, para os fins <strong>de</strong> monitoramento<br />
antitruste; a National Telecommunications and Information Administration (NTIA), que<br />
integra o Department of Commerce e tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação executiva da<br />
política <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, implementando pesquisas e formulando <strong>políticas</strong> na área<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para a Casa Branca; no âmbito internacional, o Bureau of<br />
International Communications and Information Policy, integrante do Departament of<br />
State, coor<strong>de</strong>na as ações norte-americanas sobre política internacional <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>; outros órgãos executivos, tais como o Department of Defense e o<br />
Office of the United States Tra<strong>de</strong> Representative interessam-se por temas específicos do<br />
setor; o próprio Congresso norte-americano, por meio <strong>de</strong> subcomitês temáticos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> da Câmara e do Senado 709 ; e, finalmente, as Cortes <strong>de</strong> Apelação<br />
judiciais, que se transformaram elas mesmas num “importante ator da política <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>” 710 .<br />
Por rule-making power enten<strong>de</strong>-se o po<strong>de</strong>r outorgado à agência <strong>de</strong> estabelecer<br />
regras para preencher o propósito da lei. Já, por directing power enten<strong>de</strong>-se o po<strong>de</strong>r da<br />
708<br />
Conferir a terminologia utilizada <strong>de</strong> rulemaking authority e <strong>de</strong> bureaucratic rule making em: SHAW,<br />
James. Op. cit., p. 30-32 e 36.<br />
709<br />
No Senado, há, no Committee on Commerce, Science & Transportation, o Communications<br />
Subcommittee. Na House of Representatives, há no Committee on Energy and Commerce, o<br />
Subcommittee on Telecommunications and the Internet. Ambos <strong>de</strong>têm jurisdição sobre o setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> e a FCC em especial, po<strong>de</strong>ndo convocar audiências e exigir exposições dos comissários<br />
da FCC sobre temas específicos ou sobre atuação em geral e produzir projetos <strong>de</strong> leis para o setor.<br />
710<br />
BROCK, Gerald W. Telecommunications policy for the information age: from monopoly to<br />
competition. Cambridge/London: Harvard University Press, 1994, p. 58. Original: “The court becomes an<br />
important telecommunication policy player itself”.
177<br />
FCC <strong>de</strong> emanar or<strong>de</strong>ns limitadoras ou ampliativas da atuação privada no setor.<br />
Investigatory power significa, por sua vez, o po<strong>de</strong>r para audiências necessárias ao<br />
exercício das duas funções anteriores. Finalmente, por licensing power enten<strong>de</strong>-se o<br />
po<strong>de</strong>r dado à agência para outorgar, rejeitar, cancelar, renovar ou modificar licenças,<br />
principalmente no tocante ao uso do espectro <strong>de</strong> radiofreqüência. 711<br />
5.6.3.2 COMPETÊNCIA DA FCC<br />
O objetivo outorgado à agência pelo Communications Act <strong>de</strong> 1934, que a criou,<br />
fornece os limites <strong>de</strong> sua atuação. A autorida<strong>de</strong> da agência está <strong>de</strong>limitada pelo fim<br />
específico <strong>de</strong> execução e aplicação 712 da política <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norte-americana,<br />
e assim o faz com o beneplácito do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 para o exercício <strong>de</strong><br />
uma forte discricionarieda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>finir a forma como a política <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
será implementada. 713 A referência à execução e aplicação da política <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, entretanto, não é suficiente para, por si só, fornecer parâmetros<br />
seguros <strong>de</strong>ntro dos quais se faculta a atuação da agência e a preocupação da Suprema<br />
Corte norte-americana com o conceito <strong>de</strong> interesse público em setores regulados é a<br />
mais clara evidência <strong>de</strong>sta afirmação. 714<br />
Em linhas gerais, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes fe<strong>de</strong>rais norte-americanas<br />
segue o mesmo caminho <strong>de</strong>scrito para a FCC, mas o nascimento <strong>de</strong>sta agência também<br />
foi marcado por aspectos conjunturais e ren<strong>de</strong> homenagem especialmente à finalida<strong>de</strong><br />
711 SHAW, James. Op. cit., p. 36.<br />
712 O Communications Act <strong>de</strong> 1934 estipula as funções e a razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> criação da Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission (FCC): “For the purpose of regulating interstate and foreign commerce in<br />
communication by wire and radio so as to make available, so far as possible, to all the people of the<br />
United States, without discrimination on the basis of race, color, religion, national origin, or sex, a rapid,<br />
efficient, Nationwi<strong>de</strong>, and world-wi<strong>de</strong> wire and radio communication service with a<strong>de</strong>quate facilities at<br />
reasonable charges, for the purpose of the national <strong>de</strong>fense, for the purpose of promoting safety of life and<br />
property through the use of wire and radio communication, and for the purpose of securing a more<br />
effective execution of this policy by centralizing authority heretofore granted by law to several agencies<br />
and by granting additional authority with respect to interstate and foreign commerce in wire and radio<br />
communication, there is hereby created a commission to be known as the ‘Fe<strong>de</strong>ral Communications<br />
Commission’, which shall be constituted as hereinafter provi<strong>de</strong>d, and which shall execute and enforce the<br />
provisions of this Act.” (47 U.S.C. 151)<br />
713 “A salient feature of the Act [Telecommunications Act of 1996] is that the FCC maintains great<br />
discretionary authority in <strong>de</strong>signing and carrying out communications policy” (SHAW, James. Op. cit., p.<br />
46).<br />
714 “It is a mistaken assumption that this is a mere general reference to public welfare without any<br />
standard to gui<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminations. The purpose of the Act, the requirements it imposes, and the context of<br />
the provision in question show the contrary. Going forward from a policy mainly directed to the<br />
prevention of abuses, particularly those arising from excessive or discriminatory rates (…)” (New York<br />
Central S. Corp. v. United States, 287 U.S. 12, 24 (1932), Justice Hughes, j. 07/11/1932). Ainda: “In<br />
granting or withholding permits for the construction of stations, and in granting, <strong>de</strong>nying modifying or<br />
revoking licenses for the operation of stations, 'public convenience, interest, or necessity' was the<br />
touchstone for the exercise of the Commission's authority (…)Thus, it is highly significant that although<br />
investment in broadcasting stations may be large, a license may not be issued for more than three years;<br />
and in <strong>de</strong>ciding whether to renew the license, just as in <strong>de</strong>ciding whether to issue it in the first place, the<br />
Commission must judge by the standard of 'public convenience, interest, or necessity.'.” (Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Com’n v. Pottsville B. Co. 309 U.S. 134, 137-138 (1940), Justice Frankfurter, j.<br />
29/01/1940).
178<br />
<strong>de</strong> uniformização do tratamento regulatório em nível nacional <strong>de</strong> Roosevelt 715 ,<br />
particularmente impulsionado pelo esforço <strong>de</strong> garantia da segurança nacional durante a<br />
Segunda Gerral Mundial 716 e ambientado na orientação pró-regulatória do New Deal. 717<br />
Nesta conjuntura <strong>de</strong> surgimento da FCC <strong>de</strong> 1934, <strong>de</strong>finiu-se a extensão <strong>de</strong> sua<br />
competência, limitando-a à regulação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> no que se referia<br />
aos serviços interestaduais e internacionais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, relegando-se às<br />
public utilities commissions (PUCs) estaduais a regulação dos serviços intraestaduais <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. 718 O Act <strong>de</strong> 1996, entretanto, submeteu as agências estaduais norteamericanas,<br />
no tocante às matérias por ele tratadas, à FCC e nacionalizou,<br />
<strong>de</strong>finitivamente, a política <strong>de</strong> universalização, <strong>de</strong> competição e licenças <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, facultando à FCC atribuir parcela <strong>de</strong> suas funções às agências<br />
estaduais. As agências estaduais, segundo a interpretação predominante na Suprema<br />
Corte, transformaram-se em instituições <strong>de</strong> execução das metodologias <strong>de</strong> cálculo, das<br />
fórmulas e regras expedidas pela FCC. 719<br />
Dita centralização regulatória das <strong>telecomunicações</strong> nos EUA não foi alcançada<br />
<strong>de</strong> forma repentina. A consolidação do po<strong>de</strong>r da FCC frente às agências estaduais, que<br />
não vinha sendo discutida por questões conjunturais <strong>de</strong> coincidência entre política<br />
fe<strong>de</strong>ral e <strong>políticas</strong> estaduais para o setor até a década <strong>de</strong> 1950, foi obtida por intermédio<br />
<strong>de</strong> batalhas judiciais a partir <strong>de</strong> então. A postura da FCC <strong>de</strong> realinhamento das<br />
priorida<strong>de</strong>s regulatórias para a promoção da competição e <strong>de</strong>sregulação do setor<br />
iniciada em meados <strong>de</strong> 1950 e consolidada na década <strong>de</strong> 1970 gerou choques mais<br />
freqüentes entre a regulação fe<strong>de</strong>ral e as estaduais. De 1976 a 1986, em meio a batalhas<br />
judiciais, os tribunais validaram o po<strong>de</strong>r da FCC <strong>de</strong> precedência ou <strong>de</strong> suplantação da<br />
regulação estadual (fe<strong>de</strong>ral preemption power), até que <strong>de</strong>cisão da Suprema Corte <strong>de</strong><br />
1986 reverteu este posicionamento e <strong>de</strong>u plena extensão à expressão ‘dual state and<br />
fe<strong>de</strong>ral regulatory system’, quando houvesse possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação entre a infraestrutura<br />
ou contabilida<strong>de</strong> referente às ligações telefônicas intraestaduais e<br />
interestaduais. 720 Os anos seguintes foram marcados por tentativas frustradas da FCC <strong>de</strong><br />
715 BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 59.<br />
716 SHAW, James. Op. cit., p. 33.<br />
717 HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 209.<br />
718 Communications Act <strong>de</strong> 1934 atualizado em 1996: “The term ‘State commission’ means the<br />
commission, board, or official (by whatever name <strong>de</strong>signated) which un<strong>de</strong>r the laws of any State has<br />
regulatory jurisdiction with respect to intrastate operations of carriers” (47 U.S.C. 153(41)).<br />
719 “It seems to me that Congress consciously <strong>de</strong>signed a system that respected the States' historical role<br />
as the dominant authority with respect to intrastate communications. In giving the state commissions<br />
primary responsibility for conducting mediations and arbitrations and for approving interconnection<br />
agreements, I simply do not think that Congress inten<strong>de</strong>d to limit States' authority to mechanically apply<br />
whatever methodologies, formulas, and rules that the FCC mandated.” (AT&T Corp. et al. v. Iowa<br />
Utilities Board et al. N.º 97-826. Justice Scalia. j.25/01/1999 – Parte II, c do voto vencido – Justice<br />
Thomas).<br />
720 A supremacia das <strong>de</strong>cisões fe<strong>de</strong>rais da FCC sobre o po<strong>de</strong>r regulador das agências estaduais vem<br />
<strong>de</strong>finida por dois marcos: em 1976, a <strong>de</strong>cisão conhecida como NCUC I (North Carolina Utility<br />
Commission v. FCC) julgada pelo Fourth Circuit, que afirmava um padrão pró-supremacia da regulação<br />
fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>; e a <strong>de</strong>cisão conhecida como Louisiana PSC (Louisiana Public Service<br />
Commission v. FCC) proferida pela Suprema Corte, em 1986 e que negou a preempção automática da<br />
metodologia <strong>de</strong> <strong>de</strong>preciação para fixação <strong>de</strong> tarifas pela FCC sobre as metodologias <strong>de</strong> <strong>de</strong>preciação para<br />
fixação <strong>de</strong> tarifas adotadas pelas agências estaduais. Assim, a Suprema Corte afirmou, neste caso, a<br />
existência <strong>de</strong> um sistema dual – fe<strong>de</strong>ral e estadual – <strong>de</strong> regulação das <strong>telecomunicações</strong>. “The Act<br />
[Communications Act of 1934] establishes, among other things, a system of dual state and fe<strong>de</strong>ral<br />
regulation over telephone service, and it is the nature of that division of authority that these cases are
179<br />
retomar o comando da política regulatória nacional sobre a competência intraestadual.<br />
Somente em casos em que ficasse comprovado que o exercício da competência fe<strong>de</strong>ral<br />
sobre <strong>telecomunicações</strong> seria inviabilizado por <strong>de</strong>terminações estaduais sobre os<br />
serviços intraestaduais a FCC lograva o apoio das <strong>de</strong>cisões judiciais. Portanto, cabia à<br />
FCC o ônus <strong>de</strong> provar que nenhuma regulamentação estadual nos Estados Unidos da<br />
América podia coexistir com a regulamentação fe<strong>de</strong>ral sem prejudicar a implementação<br />
<strong>de</strong>sta última. 721 Sem dita prova, era negado à FCC o exercício <strong>de</strong> um amplo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
preempção sobre a regulação estadual. Com o Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, em<br />
especial a Seção 253(a)(d) 722 , a FCC pô<strong>de</strong> exercitar novamente um amplo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finição primária da regulação nacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não sem a resistência<br />
estadual, que afinal foi quebrada em <strong>de</strong>cisão da Suprema Corte <strong>de</strong> 1999. 723 O que se<br />
conquistou com este entendimento da Suprema Corte sobre as inovações do<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 foi o que antes do Communications Act <strong>de</strong> 1934 já se<br />
praticava no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norte-americano. De 1914 a 1934, vigorou nos<br />
EUA o entendimento da Suprema Corte <strong>de</strong> que a esfera fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>ria regular tarifas<br />
intraestaduais por intermédio da Interstate Commerce Commission (ICC), fixando-se,<br />
no caso conhecido por Shreveport Rate Case o princípio da ampla preeminência da<br />
regulação fe<strong>de</strong>ral. 724 Não obstante tais conquistas, permanecem dúvidas sobre a<br />
capacida<strong>de</strong> da FCC <strong>de</strong> viabilizar uma regulação centralizada. 725<br />
Nos EUA, cabe à FCC a regulação do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como um todo,<br />
mas esta diferença do mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro é muito mais uma diferença puramente<br />
estrutural do que uma diferença essencial <strong>de</strong> tratamento e divisão do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>. No dia-a-dia <strong>de</strong> funcionamento da FCC antes <strong>de</strong> sua subdivisão <strong>de</strong><br />
funções por áreas, divisão esta sugerida pelo Subcomitê <strong>de</strong> Comunicações do Senado,<br />
os conselheiros e seus supervisores congressistas (congressional overseers) “estavam<br />
geralmente muito mais interessados na parte <strong>de</strong> radiodifusão (...), incluindo aí outorgas<br />
about” (Louisiana Public Service Commission v. FCC, 476 U.S. 355, 360 (1986), Justice Brennan,<br />
j.27/05/1986).<br />
721<br />
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 246-256 (Preemption after<br />
Louisiana PSC).<br />
722<br />
Communications Act <strong>de</strong> 1934, com as alterações do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, Section 253, “(a)<br />
GENERAL.--No State or local statute or regulation, or other State or local legal requirement, may<br />
prohibit or have the effect of prohibiting the ability of any entity to provi<strong>de</strong> any interstate or intrastate<br />
telecommunications service. (…) (d) PREEMPTION.--If, after notice and an opportunity for public<br />
comment, the Commission <strong>de</strong>termines that a State or local government has permitted or imposed any<br />
statute, regulation, or legal requirement that violates subsection (a) or (b), the Commission shall preempt<br />
the enforcement of such statute, regulation, or legal requirement to the extent necessary to correct such<br />
violation or inconsistency.” (47 U.S.C. 253(a)(d)).<br />
723<br />
“The majority grants the FCC unboun<strong>de</strong>d authority to regulate a matter of state concern” (AT&T Corp.<br />
et al. v. Iowa Utilities Board et al. N.º 97-826. Justice Scalia. j.25/01/1999 – Parte II do voto vencedor).<br />
724<br />
A preeminência da regulação fe<strong>de</strong>ral não foi plena, restringindo-se a casos em que tarifas fixadas pelas<br />
comissões estaduais pu<strong>de</strong>ssem ser consi<strong>de</strong>radas discriminatórias em comparação com os preços<br />
praticados em trechos similares regulados pela esfera fe<strong>de</strong>ral. Conferir em: Houston, E. & W. T. R. Co. v.<br />
United States, 234 U.S. 342 (1914), Justice Hughes, j.08/06/1914 - The Shreveport Rate Case.<br />
725<br />
“Today – more than four years since the agency released its initial Or<strong>de</strong>r – significant aspects of its<br />
pricing, unbundling, collocation, and reciprocal compensation rules remain unsettled. Even where the<br />
agency [FCC] has ultimately prevailed, as it did on the jurisdictional issue in the Supreme Court, the<br />
question whether winning was worth the time and effort it took remains open.” (BEYNON, Rebecca. The<br />
FCC’s implementation of the 1996 Act: agency litigation strategies and <strong>de</strong>lay. p. 47. In: Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Law Journal. Los Angeles: Dezembro 2000, vol. 53, issue 1, p. 27-47).
180<br />
<strong>de</strong> lucrativas licenças <strong>de</strong> rádio, do que na parte <strong>de</strong> common carrier”. 726 Assim, embora<br />
unificada a competência regulatória sobre serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em geral,<br />
persistiu, na prática, nítida separação <strong>de</strong> interesses entre os dois gran<strong>de</strong>s ramos <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>: a radiodifusão e o restante dos serviços.<br />
5.6.3.3 COMPOSIÇÃO DA FCC<br />
Originariamente, a FCC foi constituída com sete comissários (commissioners)<br />
indicados pelo Presi<strong>de</strong>nte e sabatinados pelo Senado para mandatos <strong>de</strong> sete anos não<br />
coinci<strong>de</strong>ntes. O número <strong>de</strong> comissários passou para cinco em 1983, alterando-se os<br />
mandatos não-coinci<strong>de</strong>ntes para cinco anos cada. Previa-se, na composição original, a<br />
participação <strong>de</strong> até quatro comissários do mesmo partido político. Com a modificação<br />
<strong>de</strong> 1983, o máximo <strong>de</strong> comissários do mesmo partido político passou para três. 727 Sob<br />
tais condições <strong>de</strong> mandatos e indicação, um Presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos da América<br />
que for reeleito, terá indicado todos os comissários da FCC, inclusive para<br />
preenchimento das duas vagas reservadas a membros <strong>de</strong> outros partidos políticos. Como<br />
o Presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos da América tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar, <strong>de</strong>ntre os<br />
comissários existentes, o Diretor da FCC (chairman), tem-se, na prática, que o Diretor<br />
que espera ser substituído pela ascensão <strong>de</strong> um novo Presi<strong>de</strong>nte, normalmente abdica <strong>de</strong><br />
seu posto <strong>de</strong> diretor e <strong>de</strong> comissário, abrindo espaço para que o Presi<strong>de</strong>nte indique tanto<br />
o diretor da FCC, quanto, ao menos, um comissário, caso não coincida a posse<br />
presi<strong>de</strong>ncial com o término <strong>de</strong> um dos mandatos <strong>de</strong> comissários da FCC. 728<br />
A agência <strong>de</strong>tém ampla autonomia para fixação <strong>de</strong> suas subdivisões internas. 729<br />
Sua configuração atual, além das subdivisões administrativas gerais, é representada<br />
pelos comissários em número <strong>de</strong> cinco e por seis bureaus: o bureau <strong>de</strong> competição <strong>de</strong><br />
telefonia com fio; o bureau <strong>de</strong> aplicação da lei; o bureau <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> sem fio; o<br />
bureau <strong>de</strong> mídia; o bureau <strong>de</strong> assuntos governamentais e <strong>de</strong> consumo; e o bureau<br />
internacional. Destas secretarias, a que mais se aproximaria da relação direta com o<br />
cidadão é a <strong>de</strong> assuntos governamentais e <strong>de</strong> consumo, mas sua função oficial revela<br />
uma preocupação tutelar do cidadão enquanto consumidor, buscando respon<strong>de</strong>r às<br />
perguntas dos consumidores, encaminhar suas queixas e realizar campanhas educativas.<br />
Em documento da FCC <strong>de</strong>stinado aos consumidores, propõe-se como função da agência<br />
a <strong>de</strong> servir aos consumidores norte-americanos <strong>de</strong> forma eficiente, efetiva e responsável.<br />
Apresenta-se como um órgão eminentemente executivo e <strong>de</strong> implementação da melhor<br />
726 BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 54.<br />
727 Communications Act <strong>de</strong> 1934 atualizado: “The Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (in this Act<br />
referred to as the ''Commission'') shall be composed of five Commissioners appointed by the Presi<strong>de</strong>nt, by<br />
and with the advice and consent of the Senate, one of whom the Presi<strong>de</strong>nt shall <strong>de</strong>signate as chairman.”<br />
(47 U.S.C. 154(a)). “The maximum number of commissioners who may be members of the same political<br />
party shall be a number equal to the least number of commissioners which constitutes a majority of the<br />
full membership of the Commission.” (47 U.S.C. 154(b)(5)).<br />
728 BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 53-54.<br />
729 Communications Act <strong>de</strong> 1934 atualizado: “(b) From time to time as the Commission may find<br />
necessary, the Commission shall organize its staff into (1) integrated bureaus, to function on the basis of<br />
the Commission's principal workload operations, and (2) such other divisional organizations as the<br />
Commission may <strong>de</strong>em necessary. Each such integrated bureau shall inclu<strong>de</strong> such legal, engineering,<br />
accounting, administrative, clerical, and other personnel as the Commission may <strong>de</strong>termine to be<br />
necessary to perform its functions.” (47 U.S.C. 155(b)(1)(2)).
181<br />
política para um serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> ininterrupto e competitivo. Enfim, a<br />
agência se apresenta como um braço estatal <strong>de</strong> implementação da competição e da<br />
eficiência no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e sua relação com o cidadão se confun<strong>de</strong> com o<br />
cumprimento <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> melhoria do sistema <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A discussão dos<br />
diversos aspectos das opções regulatórias, da orientação tomada pela agência sobre<br />
temas fundamentais <strong>de</strong> interesse do cidadão, enfim, a efetiva presença institucional e<br />
política da agência no meio telecomunicacional é encoberta por um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> boa<br />
administração. Bem administrar, nos termos da agência, é servir bem, mas servir bem<br />
não significa abrir espaço à participação política. Servir bem significa <strong>de</strong>cidir bem e este<br />
é o po<strong>de</strong>r da agência. Decidir sobre como orientar o setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e<br />
garantir que, a partir do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>cidido pela agência, se potencializem ao máximo os<br />
direitos do consumidor, que, por óbvio, somente po<strong>de</strong> estar insatisfeito com o serviço ou<br />
com o mal atendimento da agência, mas não com sua condição tão-somente <strong>de</strong> fruidor<br />
<strong>de</strong> bem-estar. 730 Ser partícipe da discussão política não está em jogo na cultura<br />
institucional da agência. 731 O lugar do cidadão-partícipe é no Congresso, mas o<br />
Congresso não é o único lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> cunho regulatório, pois não<br />
exerce a plenitu<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> orientação conjuntural do setor. Ele po<strong>de</strong> até fornecer<br />
um norte: o norte da competição, por exemplo. No entanto, o significado que se dá ao<br />
norte e os caminhos <strong>de</strong>cididos para alcançá-lo – funções estas da agência – são tão<br />
importantes quanto a própria finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhada pelo legislador.<br />
Quanto ao procedimento <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões pela agência norte-america,<br />
segue-se um mo<strong>de</strong>lo semelhante ao adotado pela ANATEL no Brasil. 732 Após<br />
procedimento interno, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, a comissão emite um Notice<br />
of Inquiry (NOI) que contém um estudo <strong>de</strong>talhado das questões a serem colocadas em<br />
consulta pública. Após a análise das contribuições enviadas à comissão pelos<br />
interessados, ou mesmo como primeira etapa do processo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong><br />
regulamentação, a agência emite um Notice of Proposed Rulemaking (NPRM) com as<br />
propostas <strong>de</strong> modificação da regulamentação vigente da FCC, abrindo-se novamente<br />
prazo para novas contribuições. Após as análises das contribuições do NPRM, a<br />
comissão po<strong>de</strong> emitir um Further Notice of Proposed Rulemaking (FNPRM) para novos<br />
comentários, ou <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> emitir diretamente um Report and Or<strong>de</strong>r (R&O), que é a<br />
<strong>de</strong>cisão em si <strong>de</strong> alteração da regulamentação em vigor. Após esta etapa, ainda é<br />
possível o protocolo <strong>de</strong> Petitions of Reconsi<strong>de</strong>ration <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 30 dias da publicação do<br />
R&O no Fe<strong>de</strong>ral Register. Finalmente, a resposta circunstanciada da FCC, alterando o<br />
R&O ou mantendo-o, é publicada em um Memorandum Opinion and Or<strong>de</strong>r (MO&O).<br />
730 As referências normativas do Communications Act <strong>de</strong> 1934, emendado pelo Telecommunications Act<br />
<strong>de</strong> 1996 não fogem à regra <strong>de</strong> situar o cidadão como beneficiário das proteções governamentais quanto à<br />
qualida<strong>de</strong> dos serviços e do conteúdo. Vi<strong>de</strong>, a respeito: 47 U.S.C. 208 (Complaints to the Commission);<br />
47 U.S.C. 222 (Privacy of Customer Information); 47 U.S.C. 223 (Obscene or Harassing telephone calls<br />
in the district of columbia or in interstate or foreign communications); 47 U.S.C. 225 (Regulamentação<br />
para proteção do <strong>de</strong>ficiente auditivo); 47 U.S.C. 255 (Regulamentação para proteção do <strong>de</strong>ficiente); 47<br />
U.S.C. 230 (Bloqueio <strong>de</strong> material ofensivo); 47 U.S.C. 326 (Proteção na radiodifusão contra linguagem<br />
in<strong>de</strong>cente); 47 U.S.C. 390 (Garantia <strong>de</strong> acesso a serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> mediante facilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>públicas</strong>); 47 U.S.C. 394 (Financiamento público <strong>de</strong> programas infantis); 47 U.S.C. 396(a)(1) (Declaração<br />
<strong>de</strong> interesse público para TV e rádio <strong>de</strong> conteúdo educativo); 47 U.S.C. 396(a)(3) (Orientação <strong>de</strong><br />
conteúdo para a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação).<br />
731 UNITED STATES OF AMERICA. FCC. About the FCC: a consumer gui<strong>de</strong> to our organization,<br />
functions and procedures. Washington: Consumer & Governmental Affairs Bureau, 2005.<br />
732 47 C.F.R. 1.425 e 1.430.
182<br />
Nestes procedimentos, a participação do interessado é facultada, mas não <strong>de</strong>cisiva, tal<br />
como ocorre no procedimento <strong>de</strong> consulta pública no Brasil.<br />
De todo o exposto, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar claramente a presença do cidadão como<br />
partícipe na formação da política pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norte-americana. Pelo<br />
contrário, os espaços institucionais <strong>de</strong> abertura à participação dos interessados nas<br />
<strong>de</strong>cisões regulatórias respon<strong>de</strong>m muito mais à uma <strong>de</strong>manda judicial <strong>de</strong> transparência<br />
dos procedimentos da agência como condição do controle congressual e judicial frente à<br />
pertinência entre os ditames legais e o rule-making power da agência. A participação<br />
social que daí <strong>de</strong>corre po<strong>de</strong> mesmo ser suficiente para o argumento acima externado <strong>de</strong><br />
que a agência passara a <strong>de</strong>sempenhar um papel político <strong>de</strong> ressonância da voz do<br />
cidadão em <strong>de</strong>trimento da eficiência do setor. A discussão, todavia, evi<strong>de</strong>ncia uma<br />
tensão e não, necessariamente, a presença institucional do sujeito-enquanto-cidadão na<br />
esfera <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>políticas</strong>. Tal presença institucional somente é evi<strong>de</strong>nte para o sujeito<br />
enquanto consumidor. Enquanto consumidor, o sujeito se vê <strong>de</strong>limitado pelo rol <strong>de</strong><br />
temas com que po<strong>de</strong> contribuir na discussão pública, e a temática <strong>de</strong> consumo é<br />
exatamente a temática que aprisiona o sujeito a uma condição <strong>de</strong> beneficiário da atuação<br />
estatal e não <strong>de</strong> partícipe.
183<br />
6 SEMELHANÇAS, DIFERENÇAS E AUSÊNCIAS NOS<br />
MODELOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO DE<br />
REGULAÇÃO EM TELECOMUNICAÇÕES<br />
6.1 SITUANDO O ESFORÇO COMPARATIVO<br />
Ultrapassada a etapa necessária <strong>de</strong> radiografia do mo<strong>de</strong>lo regulador <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> do Brasil e dos EUA e já antecipadas diversas semelhanças,<br />
diferenças e ausências entre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong>sses países, o presente capítulo<br />
<strong>de</strong>stina-se a aprofundar as comparações pontuais indicadas nos dois capítulos anteriores.<br />
Para tanto, serão pinçados elementos reveladores das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> ambos<br />
os países no que diz respeito à distribuição <strong>de</strong> competências, à contextualização <strong>de</strong><br />
criação das agências reguladoras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, à estrutura do órgão regulador, à<br />
divisão conceitual dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, às relações institucionais entre a<br />
agência e os <strong>de</strong>mais órgãos <strong>de</strong> Estado, enfim, aspectos <strong>de</strong> atuação estatal e sua relação<br />
com a temática da virtu<strong>de</strong> política.<br />
Antes, porém, um esclarecimento temporal. De tudo que foi apresentado sobre<br />
as estruturas <strong>de</strong> controle estatal do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong>vem-se separar os<br />
viéses <strong>de</strong> análise comparativa em duas perspectivas <strong>de</strong> tempo: a primeira <strong>de</strong>las enfoca<br />
meados da década <strong>de</strong> 1990, que partilhou, em ambos os países, a imagem <strong>de</strong> uma<br />
transformação mais acentuada das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> reveladas em<br />
produções normativas específicas, quais sejam, a Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong><br />
1997 e o Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996; a segunda <strong>de</strong>las enfoca um momento mais<br />
abrangente, mas não menos revelador, qual seja, o espaço <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong><br />
institucionalização dos órgãos <strong>de</strong> controle estatal das <strong>telecomunicações</strong> em ambos os<br />
países por intermédio <strong>de</strong> marcos temáticos espalhados por todo o século XX.<br />
A opção metodológica da presente tese, no que diz respeito à <strong>de</strong>limitação do<br />
espaço <strong>de</strong> tempo, respeita a constatação <strong>de</strong> que o enfoque da pesquisa única e<br />
exclusivamente na década <strong>de</strong> 1990 serve ao fim <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> marco temporal capaz <strong>de</strong><br />
evi<strong>de</strong>nciar o momento <strong>de</strong> comparação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> contemporâneas. Dito<br />
enfoque não é capaz, entretanto, <strong>de</strong> contextualizar as opções <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
implementadas em ambos os países. Para que as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> dos países<br />
pesquisados possam ser efetivamente <strong>comparadas</strong> sem que este esforço seja maculado<br />
pela superficialida<strong>de</strong> que se contenta com a aparência dos conceitos, as referências <strong>de</strong>sta<br />
tese não pu<strong>de</strong>ram se furtar <strong>de</strong> um ir e vir no tempo lastreado pelos conceitos <strong>de</strong>finidores<br />
das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nos dois países. Se assim não se proce<strong>de</strong>sse,<br />
a conseqüência natural do esforço comparativo resultaria, por exemplo, na aceitação <strong>de</strong><br />
que, enquanto nos EUA, as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> da segunda meta<strong>de</strong><br />
da década <strong>de</strong> 1990 teriam buscado prioritariamente a competição mediante o livre uso<br />
da proprieda<strong>de</strong> privada e progressiva eliminação da regulação administrativa do setor,<br />
no Brasil, haveria um choque entre a afetação pública dos bens das concessionárias <strong>de</strong><br />
serviços públicos, a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcance da competição no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>,<br />
a criação da agência reguladora do setor e a or<strong>de</strong>m normativa <strong>de</strong> liberalização tarifária.<br />
Pelo contrário, o que se <strong>de</strong>tectou da abordagem dos dois capítulos anteriores foi uma
184<br />
profunda semelhança <strong>de</strong> perspectivas <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em<br />
ambos os países <strong>de</strong> cunho centralizador e em constante tensão entre o fim público da<br />
infra-estrutura essencial ao setor e o norte regulamentar <strong>de</strong> liberalização tarifária. Por<br />
isso, a análise histórica das origens das agências reguladoras no Brasil e nos EUA lança<br />
luz sobre os fenômenos genérica e imprecisamente apelidados <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregulação, que<br />
somente assim tomam forma e se entregam à comparação.<br />
6.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS<br />
Da mera leitura dos dois capítulos antece<strong>de</strong>ntes, que tratam dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do Brasil e dos EUA, po<strong>de</strong>-se extrair uma<br />
conclusão intuitiva: as semelhanças ultrapassam em muito as diferenças; elas dominam<br />
o cenário em meio a raras divergências. A proposta comparativa, entretanto, exige a<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>stas semelhanças e diferenças entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
<strong>brasil</strong>eiro e norte-americano.<br />
6.2.1 Centralização <strong>de</strong> competência política e órgão regulador<br />
setorial<br />
As semelhanças estão presentes nas razões <strong>de</strong> introdução das agências<br />
reguladoras ou seus equivalentes em ambos os mo<strong>de</strong>los. O Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>brasil</strong>eiro, como primeiro órgão unificador das <strong>políticas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> mediante a criação do Plano Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, muito se<br />
aproximou do significado encarnado pela Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC)<br />
<strong>de</strong> uniformização do tratamento regulatório <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em nível nacional. Os<br />
produtos normativos setoriais – o Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, no Brasil, e o<br />
Communications Act, nos EUA – contemporâneos à introdução dos primeiros órgãos<br />
reguladores dos dois países seguem o mesmo princípio.<br />
A política <strong>de</strong> nacionalização da regulação das <strong>telecomunicações</strong> foi o estímulo<br />
comum em ambos os mo<strong>de</strong>los (Brasil-EUA) para fixação <strong>de</strong> órgãos reguladores<br />
específicos do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Dentre os fatores que contextualizaram os<br />
esforços <strong>de</strong> centralização regulatória em ambos os países, estão: a estrutura dispersa e<br />
localista que predominava nos EUA pré-agencificação 733 ; a competência do Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>brasil</strong>eiro <strong>de</strong> elaboração do Plano Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações 734 e sua apresentação, embora não com esta nomenclatura, como o<br />
órgão regulador do setor 735 ; a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roosevelt <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma política<br />
nacional para uniformização do tratamento regulatório 736 . A década <strong>de</strong> 1990, em ambos<br />
os países, confirmou a tendência histórica centralizadora, mediante a concentração <strong>de</strong><br />
733 Vi<strong>de</strong>, à respeito, nota 678, p. 182 <strong>de</strong>sta tese.<br />
734 Vi<strong>de</strong>, à respeito, nota 282, p. 86 <strong>de</strong>sta tese.<br />
735 Sobre a resolução do Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações referente à participação popular no<br />
capital das empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, que evi<strong>de</strong>nciou o exercício <strong>de</strong> função típica <strong>de</strong> órgão<br />
regulador, vi<strong>de</strong> nota 285, p. 88 <strong>de</strong>sta tese.<br />
736 Vi<strong>de</strong> nota 715, p. 191 <strong>de</strong>sta tese.
185<br />
forças normativas nas mãos da FCC 737 e a radicalização do po<strong>de</strong>r normativo fe<strong>de</strong>ral<br />
sobre os <strong>de</strong>stinos das <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiras na figura da Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. Antes, o regramento dos serviços básicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> via<br />
infra-estrutura telefônica vinha <strong>de</strong>finido a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> administração<br />
empresarial do Sistema Telebrás.<br />
6.2.2 O esforço <strong>de</strong> guerra norte-americano<br />
É bem verda<strong>de</strong> que, nos EUA, o momento histórico <strong>de</strong> criação da Fe<strong>de</strong>ral<br />
Communications Commission (FCC) <strong>de</strong>teve o diferencial do esforço <strong>de</strong> guerra, algo não<br />
compartilhado pelo Brasil quando da criação do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. 738 O argumento <strong>de</strong> uniformização, entretanto, presente na política<br />
pública norte-americana, não se apoiou somente na idéia <strong>de</strong> esforço <strong>de</strong> guerra. Ele<br />
também buscava um fim autônomo, tanto que persistente mesmo após o término da<br />
Segunda Guerra Mundial. Esta finalida<strong>de</strong> foi, então, enunciada como o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />
universal 739 . Ao contrário do argumento do esforço <strong>de</strong> guerra, a proposta <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><br />
universal como re<strong>de</strong> única e interligada nacionalmente tornou-se um ícone do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> norte-americano. Sob este enfoque, o esforço <strong>de</strong> guerra po<strong>de</strong> ser<br />
encarado como um aci<strong>de</strong>nte conjuntural em face da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> política pública<br />
concentrada na União para preservação da infra-estrutura nacional <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A presença do esforço <strong>de</strong> guerra no momento <strong>de</strong> direcionamento nacional da política <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> norte-americana não é, portanto, uma diferença <strong>de</strong> fundo, que iniba o<br />
caráter comum dos mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e norte-americano <strong>de</strong> orientação à viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
interconexão das re<strong>de</strong>s em âmbito nacional. O esforço <strong>de</strong> guerra, nos EUA, parece estar<br />
muito mais inclinado à função <strong>de</strong> razão mediata para centralização regulatória do setor.<br />
A unificação <strong>de</strong> política pública em âmbito nacional respon<strong>de</strong> a uma <strong>de</strong>manda<br />
imediata <strong>de</strong> unificação da re<strong>de</strong> telefônica. A unificação <strong>de</strong> política setorial vem<br />
concebida como a superação <strong>de</strong> obstáculos <strong>de</strong> tráfego <strong>de</strong> informações na re<strong>de</strong> telefônica,<br />
eventualmente ocasionados por divergências regulatórias estaduais. Por isso, a razão<br />
imediata da unificação regulatória se <strong>de</strong>veu à universalização da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> telefonia e não<br />
ao esforço <strong>de</strong> guerra. O esforço <strong>de</strong> guerra encarnou o motivo governamental <strong>de</strong><br />
preocupação com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em sua função estratégica. Dada sua<br />
função estratégica, a política pública para as <strong>telecomunicações</strong> priorizou a centralização<br />
regulamentar para unificação da re<strong>de</strong>. No Brasil, o fenômeno <strong>de</strong> unificação da re<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>veu-se, diretamente, à <strong>de</strong>tecção governamental do atraso relativo em que se<br />
encontravam as <strong>telecomunicações</strong> e ao sucateamento do serviço <strong>de</strong> telefonia, gerando<br />
pressões sócio-<strong>políticas</strong> incontornáveis. 740<br />
6.2.3 Influência <strong>de</strong> fatores internacionais<br />
737 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, o tópico intitulado “Deregulation”.<br />
738 Sobre a afirmação <strong>de</strong> que a criação da FCC foi impulsionada pelo esforço <strong>de</strong> garantia da segurança<br />
nacional durante a Segunda Gerral Mundial, vi<strong>de</strong> nota 716, p. 191 <strong>de</strong>sta tese.<br />
739 A consi<strong>de</strong>ração da re<strong>de</strong> universal como re<strong>de</strong> única foi explanada nos textos correspon<strong>de</strong>ntes às notas<br />
608 e 609, página 166 e seguintes <strong>de</strong>sta tese.<br />
740 Vi<strong>de</strong> os tópicos <strong>de</strong>sta tese intitulados “Período <strong>de</strong> estagnação” e “Período das inversões estatais”.
186<br />
O diferencial do esforço <strong>de</strong> guerra norte-americano é uma causa oriunda <strong>de</strong><br />
relacionamento internacional e, neste ponto, permite outra aproximação com o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>brasil</strong>eiro quando se estabilizava a Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações estruturada<br />
para o fim <strong>de</strong> geração da competição no mercado <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A criação da<br />
ANATEL foi precedida <strong>de</strong> negociações internacionais que afirmavam textualmente a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão do mo<strong>de</strong>lo regulatório <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do Brasil, bem como<br />
o método a ser adotado. 741 A presença da consultoria internacional McKinsey &<br />
Company, Inc., por intermédio do Termo <strong>de</strong> Cooperação entre o Ministério das<br />
Comunicações <strong>brasil</strong>eiro e a União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações, UIT 9-<br />
BRA/95/05, é o reflexo do peso representado pela transparência dos atos <strong>de</strong> reforma<br />
setorial <strong>brasil</strong>eiros frente aos investidores internacionais.<br />
Sob tal enfoque, tanto o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro quanto o estaduni<strong>de</strong>nse<br />
contextualizaram a introdução dos respectivos órgãos reguladores <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
em meio a pressões internacionais oriundas, do lado norte-americano, <strong>de</strong> esforço <strong>de</strong><br />
guerra, e do lado <strong>brasil</strong>eiro, <strong>de</strong> esforço por investimentos. Guerra e investimentos,<br />
afinal, têm algo em comum...<br />
6.2.4 Infra-estrutura <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como re<strong>de</strong> única e<br />
integrada <strong>de</strong> âmbito nacional<br />
As <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eira e estaduni<strong>de</strong>nse também se assemelham quanto<br />
ao contexto <strong>de</strong> surgimento dos respectivos órgãos reguladores frente à sua primeira<br />
função: a <strong>de</strong> direcionamento do setor para o objetivo <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><br />
integrada <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
O processo <strong>de</strong> estatização do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro primou pela<br />
concentração <strong>de</strong> competência normativa e operacional do serviço nas mãos da União,<br />
por intermédio <strong>de</strong> um órgão unificador das <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> (CONTEL),<br />
<strong>de</strong> um Plano Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, <strong>de</strong> uma pasta ministerial exclusiva para o<br />
setor <strong>de</strong> comunicações (Ministério das Comunicações), dos Objetivos Nacionais<br />
Permanentes e da Doutrina <strong>de</strong> Segurança Nacional do Governo Militar, do Código<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações, da nova dicção constitucional <strong>de</strong> 1967, que atribuiu<br />
competência à União para os serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> em geral, e do próprio<br />
sistema unificado <strong>de</strong> empresas estatais sob a sigla do Sistema Telebrás. Tais fatores<br />
permearam o momento <strong>de</strong> estatização das <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiras e tornaram mais<br />
palatável a assimilação da experiência européia equacionada em uma re<strong>de</strong> contínua,<br />
única e <strong>de</strong> tecnologias compatíveis e interiorizadas. 742<br />
Note-se que a comparação corriqueira que se vê nos comentários históricos do<br />
setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro frente ao mo<strong>de</strong>lo europeu não significa a<br />
constatação implícita <strong>de</strong> que o mo<strong>de</strong>lo norte-americano não esteja orientado à noção <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong> única e integrada. Não é aí que se opera a distinção, mas na constatação <strong>de</strong> que o<br />
Brasil adotou uma linha <strong>de</strong> preservação da integrida<strong>de</strong> estrutural das <strong>telecomunicações</strong><br />
por intermédio <strong>de</strong> intervenção direta, ou seja, por intermédio <strong>de</strong> prestação direta do<br />
serviço <strong>de</strong> telecomunicação. Enquanto o Brasil buscou a re<strong>de</strong> única e integrada por<br />
intermédio da encampação <strong>de</strong> empresas privadas e sua gestão estatal, os EUA buscaram<br />
741 À respeito do papel <strong>de</strong>sempenhado pelo Blue Book da União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações na<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 373, p. 108.<br />
742 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, o tópico intitulado “Período das inversões estatais”.
187<br />
o mesmo objetivo – a chamada re<strong>de</strong> universal – por intermédio <strong>de</strong> intensa<br />
regulamentação, ou seja, por intermédio <strong>de</strong> injunções diretas na esfera jurídica das<br />
empresas privadas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e <strong>de</strong> orientação da conduta <strong>de</strong>stas empresas<br />
também por meio do uso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia administrativo <strong>de</strong> caráter ampliativo e<br />
restritivo <strong>de</strong> direitos. Nos EUA, a construção do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> re<strong>de</strong> única e nacional coube às<br />
empresas Bell, a partir dos conceitos <strong>de</strong> monopólio natural privado garantido pelo<br />
interesse público, <strong>de</strong> economias <strong>de</strong> escala, <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> sistêmica, <strong>de</strong> planejamento<br />
unitário e do princípio <strong>de</strong> common carrier, todos resumidos no que ficou conhecido<br />
como paradigma <strong>de</strong> Vail. 743<br />
A diferença entre os dois mo<strong>de</strong>los – o <strong>brasil</strong>eiro e o estaduni<strong>de</strong>nse – não foi,<br />
portanto, <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> almejada, mas <strong>de</strong> procedimento adotado.<br />
6.2.5 Monopólio <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito<br />
Dita construção do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> re<strong>de</strong> única e nacional incorporou uma crença<br />
difundida, nos EUA, pelo paradigma <strong>de</strong> Vail, e no Brasil, pela reação ao sucateamento<br />
do sistema <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Embora em nenhum dos dois países, à exceção do<br />
período <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> da patente <strong>de</strong> Graham Bell até 1894, nos EUA, e do que constou no<br />
art. 21, XI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1988 por menos <strong>de</strong> 7 anos, houve a<br />
garantia expressa <strong>de</strong> monopólio no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Na prática, nos EUA, do<br />
início da operação dos serviços comerciais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, em 1877, até 1959, o<br />
Sistema Bell manteve-se como o que <strong>de</strong>finiu o formato da telefonia norte-americana. 744<br />
Mesmo a difusão da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> a partir <strong>de</strong> 1894 não<br />
pô<strong>de</strong> contrastar o esforço <strong>de</strong> Vail a partir <strong>de</strong> 1907. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
norte-americano, portanto, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> pactuação <strong>de</strong> monopólios<br />
compartilhados entre as operados locais <strong>de</strong> telefonia e a <strong>de</strong> longa distância. Mesmo com<br />
as perdas do Sistema Bell da segunda meta<strong>de</strong> do século XX, somente a partir do<br />
Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 é que <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> ampliação da competição local<br />
pu<strong>de</strong>ram ser plenamente implementadas pela FCC.<br />
Sob este enfoque, não houve uma diferença digna <strong>de</strong> menção frente ao que<br />
ocorreu no Brasil a partir da estruturação do setor na década <strong>de</strong> 1960. A política<br />
<strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> nacionalização da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por intermédio da criação <strong>de</strong><br />
um sistema <strong>de</strong> empresas estatais concentradoras das <strong>de</strong>cisões sobre os rumos das<br />
<strong>telecomunicações</strong> no país, refletia o mesmo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> que as <strong>telecomunicações</strong>, por seu<br />
serviço fundamental, <strong>de</strong>mandavam a presença monopolística <strong>de</strong> um Sistema Único – o<br />
Sistema Telebrás –, muito embora convivessem ao lado do sistema estatal empresas<br />
<strong>públicas</strong> estaduais e municipais e mesmo privadas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. 745 Po<strong>de</strong>-se<br />
dizer, portanto, que em ambos os países, não havia garantia estatal direta <strong>de</strong> monopólio,<br />
mas uma crença na sua necessida<strong>de</strong>. Em ambos os países, a quebra do monopólio que<br />
nunca foi expressamente exigido pelo Estado foi um aprendizado sobre como o<br />
743 Vi<strong>de</strong>, para uma exposição mais <strong>de</strong>talhada da construção do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> re<strong>de</strong> única como sistema único <strong>de</strong><br />
telefonia, nesta tese, o tópico intitulado: “O início do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nos EUA”.<br />
744 Vi<strong>de</strong>, à respeito, o tópico <strong>de</strong>sta tese intitulado “Interconexão e competição nas <strong>telecomunicações</strong> dos<br />
EUA: o conceito <strong>de</strong> common carrier”, p. 167 e seguintes.<br />
745 Vi<strong>de</strong>, à respeito, o tópico <strong>de</strong>sta tese intitulado “Desestatização do Sistema Telebrás”, p. 112.
188<br />
convencimento dispensa a regulamentação. Nos EUA, o aprendizado veio por iniciativa<br />
<strong>de</strong> uma empresa privada interessada no setor 746 . No Brasil, pelo mesmo motivo. 747<br />
O fato <strong>de</strong>, no mo<strong>de</strong>lo norte-americano, não ter havido ingerência direta do<br />
Estado na administração do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, permitindo-se o monopólio<br />
privado do sistema Bell, não é suficiente para distinção <strong>de</strong> fundo entre este mo<strong>de</strong>lo<br />
regulatório e o adotado no Brasil. A diferença é meramente superficial no que toca ao<br />
titular dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e à natureza da empresa quase monopolista.<br />
Tal como no Brasil, nos EUA, a inviabilização da competição <strong>de</strong>veu-se a uma opção<br />
política. Em nenhum dos dois mo<strong>de</strong>los, havia proibição <strong>de</strong> presença <strong>de</strong> diversas<br />
empresas no setor, mas em ambos os mo<strong>de</strong>los foi a presença <strong>de</strong> uma empresa<br />
monolítica e abrangente, capaz <strong>de</strong> efetivar chamadas <strong>de</strong> longa distância, que<br />
inviabilizou a presença dos concorrentes. De um lado, no Brasil, havia uma política<br />
pública <strong>de</strong> reestruturação normativa impondo a padronização tecnológica e a estatização<br />
dos principais troncos <strong>de</strong> telefonia do país, gerando uniformização forçada do sistema<br />
sem extinguir por completo as empresas <strong>de</strong> telefonia não pertencentes à União. Esta foi<br />
a construção <strong>de</strong> um sistema monolítico e quase monopólico, que foi o Sistema<br />
TELEBRÁS. De outro lado, nos EUA, também houve uma política pública agora não<br />
tão ostensiva pautada na legislação 748 e em interpretações dos tribunais 749 que<br />
praticamente selou o núcleo das <strong>telecomunicações</strong> do século XX dos EUA ao regime <strong>de</strong><br />
monopólio <strong>de</strong> fato do Sistema Bell. Coinci<strong>de</strong>ntemente, no mesmo período, prevaleceu a<br />
teoria econômica <strong>de</strong> que a telefonia, inicialmente a telefonia em geral, e, mais tar<strong>de</strong>, a<br />
telefonia local, caracterizaria um monopólio natural. Se foi a teoria econômica rendida à<br />
relida<strong>de</strong> ou o contrário, cabe a outro estudo <strong>de</strong>tectá-lo.<br />
746 O trecho a seguir é esclarecedor sobre o caso conhecido como ‘Execunet litigation’ e <strong>de</strong>scrito no tópico<br />
<strong>de</strong>sta tese intitulado “Interconexão e competição nas <strong>telecomunicações</strong> dos EUA: o conceito <strong>de</strong> common<br />
carrier”, p. 167 e seguintes. “MCI’s fundamental claim was that it was entitled to provi<strong>de</strong> any type of<br />
service its facilities were capable of providing. To Bell’s claim that it alone was entitled to provi<strong>de</strong> basic<br />
telephone service, MCI respon<strong>de</strong>d that no public body had ever given Bell a monopoly over telephone<br />
service. Bell was unable to respond to MCI’s challenge by citing any authority for its claim of a <strong>de</strong> jure<br />
interstate monopoly. The result of the case was at first a very big surprise to people in the industry, who<br />
had been so thoroughly conditioned to accept the Bell paradigm that they had failed to examine its basic<br />
premises. In effect, someone had gotten the nerve to cry out that the Emperor’s new clothes did not exist.<br />
And just as in the old story, when this was finally pointed out, there followed a quick and universal<br />
recognition of the fact that should have been apparent all along.” (BRYNES, William J.<br />
Telecommunications Regulation: something old and something new. p. 40. In: PAGLIN, Max D.;<br />
ROSENBLOOM, Joel; HOBSON, James R. The communications act: a legislative history of the major<br />
amendments 1934-1996. Silver Spring: Pike & Fischer, 1999, p. 31-104)<br />
747 Sobre o Caso Vicom e a influência que ele teve na movimentação do Sistema Telebrás rumo à fixação<br />
do monopólio das <strong>telecomunicações</strong> na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, vi<strong>de</strong>, nesta tese, o texto referente à<br />
nota 341, p. 99.<br />
748 Sobre os limites a novos entrantes previstos no Communications Act <strong>de</strong> 1934, vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota<br />
630, p. 170. À respeito, há a referência ao Mann-Elkins Act: “the Act did not require a common carrier to<br />
carry other carriers” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Fe<strong>de</strong>ral<br />
telecommunications law. 2ed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 16).<br />
749 Sobre a interpretação restritiva dos tribunais norte-americanos no sentido <strong>de</strong> diminuição do po<strong>de</strong>r da<br />
FCC em abster-se do controle tarifário, o que permitiria ganhos <strong>de</strong> competição para as empresas menores<br />
e mais ágeis, vi<strong>de</strong>, nesta tese, o tópico intitulado “Controle tarifário nas <strong>telecomunicações</strong> dos EUA”, p.<br />
173 e seguintes.
6.2.6 Telecomunicações como ambiente competitivo<br />
189<br />
Aos poucos, e muito em virtu<strong>de</strong> do avanço tecnológico do setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, a crença <strong>de</strong> que os serviços básicos e essenciais <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
somente po<strong>de</strong>riam ser prestados em regime <strong>de</strong> monopólio foi sendo questionada.<br />
Avanços tecnológicos abriram opções <strong>de</strong> prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e,<br />
além <strong>de</strong> agregarem valor aos serviços prestados pela infra-estrutura tradicional <strong>de</strong><br />
telefonia, o que ocorreu pela vulgarização da internet, possibilitaram formas alternativas<br />
<strong>de</strong> fruição dos serviços <strong>de</strong> telecomunicação que contornavam a essencialida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong><br />
básica <strong>de</strong> telefonia local. O surgimento do interesse comercial nos serviços <strong>de</strong> telefonia<br />
celular e sua implementação em larga escala na década <strong>de</strong> 1990 gerou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reequacionamento dos pressupostos do setor, já que, por um custo muito menor e com<br />
uma agilida<strong>de</strong> muito maior, o mesmo usuário <strong>de</strong> telefones fixos podia ter praticamente a<br />
mesma utilida<strong>de</strong> do serviço fixo no terminal <strong>de</strong> telefonia celular. O caso ocorrido no<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro e apelidado <strong>de</strong> Caso Vicom é exemplar da força dos interesses que<br />
acompanharam o surgimento da nova tecnologia <strong>de</strong> telefonia móvel. Novas tecnologias<br />
para o fluxo <strong>de</strong> informações (digitalização, voz sobre IP, wireless local loop, fibras<br />
ópticas, chaveamento <strong>de</strong> espectro, espalhamento espectral, <strong>de</strong>ntre outras) otimizaram a<br />
infra-estrutura existente e abriram espaços <strong>de</strong> interesse econômico antes adormecidos<br />
pela crença no monopólio natural do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>.<br />
A década <strong>de</strong> 1990, em ambos os países, foi o reflexo <strong>de</strong>sta alteração da<br />
percepção política do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> como também do crescimento do<br />
número <strong>de</strong> empresas interessadas em <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> nos<br />
mesmos espaços antes reservados às empresas habilitadas como exclusivas prestadoras<br />
<strong>de</strong> telefonia local pelo Estado.<br />
Viu-se, a partir <strong>de</strong> então, a consolidação da política pública <strong>de</strong> promoção da<br />
competição como função estatal. 750 Derrubados os limites tecnológicos e econômicos à<br />
entrada <strong>de</strong> novos competidores na telefonia, o passo seguinte foi o <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar, nos<br />
documentos normativos, a alteração <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> sobre o setor. Tanto no Brasil,<br />
com a Lei Mínima, <strong>de</strong> 1996, quanto nos EUA, com o Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996,<br />
o elemento distintivo <strong>de</strong> política pública foi a orientação do sistema <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> rumo a um ambiente competitivo em que a participação do mercado<br />
passa a ser vista como um substituto ao esforço estatal <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> preço a<strong>de</strong>quado<br />
(Brasil) ou razoável (EUA). Um ponto chave do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 foi a<br />
autorização à FCC <strong>de</strong> se abster em fixar tarifas e <strong>de</strong> impor mecanismos <strong>de</strong><br />
compartilhamento das re<strong>de</strong>s das empresas incumbents para facilitação das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
novos competidores; da mesma forma, no Brasil, o ponto alto das alterações normativas<br />
se consolidou em alteração constitucional <strong>de</strong> 1995, que permitiu a prestação <strong>de</strong> serviços<br />
básicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por empresas privadas e conseqüente privatização do setor<br />
mediante fragmentação do antigo sistema Telebrás em diversas empresas privadas<br />
potencialmente concorrentes.<br />
750 Sobre a afirmação da competição como norte regulatório do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 e a<br />
compreensão <strong>de</strong> que governo e mercado <strong>de</strong>senvolvem ativida<strong>de</strong>s complementares, vi<strong>de</strong>, nesta tese, notas<br />
704 e 707, p. 188. Sobre a afirmação da competição como função estatal no Brasil, vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota<br />
404, p. 114 e tópico intitulado “Desestatização do Sistema Telebrás”, p. 112.
190<br />
6.2.7 Predomínio da normatização frente à operacionalização<br />
dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong><br />
A aplicação <strong>de</strong> procedimentos distintos, no Brasil e nos EUA, para se alcançar<br />
um sistema <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> único, nacional, integrado e internalizado, não se<br />
perpetuou. A diferença <strong>de</strong> procedimentos entre os dois mo<strong>de</strong>los caiu por terra quando da<br />
privatização do Sistema Telebrás, persistindo incólume, entretanto, o objetivo <strong>de</strong><br />
preservação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> única enunciada tanto no Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996,<br />
quanto na Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong> 1997. Na década <strong>de</strong> 1990, o Brasil alterou<br />
seu procedimento <strong>de</strong> manutenção da re<strong>de</strong> única <strong>de</strong> telefonia para abraçar o mo<strong>de</strong>lo já<br />
praticado nos EUA <strong>de</strong> entrega da prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> para<br />
empresas privadas fiscalizadas pelo Estado.<br />
Ao se revelar a semelhança <strong>de</strong> procedimentos adotados pelas <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
<strong>de</strong> ambos os países após as transformações da década <strong>de</strong> 1990, inscritas nas leis<br />
fundamentais <strong>de</strong> 1996 (EUA) e <strong>de</strong> 1997 (Brasil), fica evi<strong>de</strong>nte a convergência dos<br />
mo<strong>de</strong>los a uma política <strong>de</strong> ênfase no momento regulamentar da regulação estatal,<br />
mediante fortalecimento do po<strong>de</strong>r normativo das agências reguladoras. Os po<strong>de</strong>res<br />
normativos da FCC foram vitaminados em 1996. 751 Paralelamente, no Brasil, a Agência<br />
Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações serviu <strong>de</strong> pretexto para firmar-se o po<strong>de</strong>r normativo<br />
fe<strong>de</strong>ral sobre as <strong>telecomunicações</strong>, quando do <strong>de</strong>smantelamento do Sistema Telebrás e<br />
assimilação <strong>de</strong> sua estrutura e pessoal pela ANATEL, fazendo com que as normas<br />
internas <strong>de</strong> comportamento do Sistema pu<strong>de</strong>ssem ser traduzidas, no que coubesse, em<br />
normas produzidas por resoluções da agência reguladora.<br />
Sequer os principais temas <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> regulamentados nos dois países<br />
divergem em sua opções <strong>políticas</strong>. A semelhança se aplica à caracterização do serviço<br />
universal em todos os sentidos, até mesmo quanto à aplicação histórica <strong>de</strong> subsídio<br />
cruzado no financiamento das chamadas locais e interestaduais <strong>de</strong> telefonia fixa pela<br />
sobretarifação das chamadas <strong>de</strong> longa distância. 752 O mesmo po<strong>de</strong> ser dito dos <strong>de</strong>veres<br />
<strong>de</strong> interconexão e da divisão <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> entre telefonia e assemelhados, <strong>de</strong> um lado, e<br />
radiodifusão, <strong>de</strong> outro, 753 especialmente por intermédio dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> regulação da<br />
FCC sobre o espectro. 754 Logo, enquanto no Brasil, o Sistema Telebrás, como atuação<br />
direta operacional do Estado no setor, <strong>de</strong>u os limites e a sistematização das<br />
<strong>telecomunicações</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do Conselho Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações e do<br />
próprio Ministério das Comunicações, nos EUA foram <strong>de</strong>cisões regulatórias <strong>de</strong> cunho<br />
exclusivamente normativo que fizeram exatamente a mesma coisa: uma política <strong>de</strong><br />
manutenção do monopólio das <strong>telecomunicações</strong> no Sistema Bell mediante a nãoaplicação<br />
dos princípios <strong>de</strong> common carrier, <strong>de</strong>vido à interpretação dos tribunais norteamericanos.<br />
Deu-se ao conceito <strong>de</strong> common carrier um sentido restrito para aplicá-lo<br />
751<br />
Sobre a concentração <strong>de</strong> competências na FCC com o Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, vi<strong>de</strong>, nesta<br />
tese, o tópico intitulado “Deregulation”.<br />
752<br />
Sobre a presença do subsídio cruzado entre as chamadas <strong>de</strong> longa distância e as locais, no Brasil, vi<strong>de</strong>,<br />
nesta tese, notas 338 e 339, p. 98, e, nos EUA, o tópico intitulado “Interconexão e competição nas<br />
<strong>telecomunicações</strong> nos EUA: o conceito <strong>de</strong> common carrier”, nota 660, p. 178. Conferir, também:<br />
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 22.<br />
753<br />
“The government did not just maintained a Bell System monopoly within telephony. It also carefully<br />
maintained divisions between telephony and other media and among those other media themselves”<br />
(Ibid., p. 24).<br />
754<br />
Ibid., p. 26.
191<br />
somente às relações entre a empresa <strong>de</strong>tentora do serviço essencial e o correspon<strong>de</strong>nte<br />
consumidor. Não se aplicou o conceito nas relações entre as próprias empresas <strong>de</strong><br />
telefonia, o que possibilitou a consolidação da proteção estatal do monopólio <strong>de</strong> fato do<br />
Sistema Bell. 755<br />
6.2.8 Caráter público da re<strong>de</strong> básica<br />
O enfoque regulatório na interferência normativa sobre os serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> parte <strong>de</strong> um pressuposto: a consi<strong>de</strong>ração do caráter público da infraestrutura<br />
básica <strong>de</strong> telefonia. Esta é uma característica comum a ambos os países.<br />
Enquanto, no Brasil, distingue-se entre re<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e re<strong>de</strong><br />
pública <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> por intermédio <strong>de</strong> uma tradição jurídica continentaleuropéia<br />
<strong>de</strong> atribuição expressa da titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos bens <strong>de</strong> interesse público<br />
diretamente ao Estado, nos EUA, a atribuição <strong>de</strong> caráter público a um bem ren<strong>de</strong>-se a<br />
uma opção política infraconstitucional <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação dos direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />
privada.<br />
Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma diferença <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem jurídica, mas que, em sua<br />
aplicação, tem significados práticos semelhantes em ambos os mo<strong>de</strong>los, ou seja,<br />
implicam gravar o bem <strong>de</strong> caráter público para os fins <strong>de</strong> justificativa da limitação da<br />
proprieda<strong>de</strong> privada, <strong>de</strong> um lado (EUA), ou <strong>de</strong> justificativa <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> regime<br />
especial da administração estatal, <strong>de</strong> outro (Brasil).<br />
Há uma diferença <strong>de</strong> perspectiva jurídica no tratamento da re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong><br />
telefonia <strong>de</strong> ambos os países, já que, no Brasil, parte-se do pressuposto <strong>de</strong> que a<br />
natureza pública do bem condiciona o surgimento <strong>de</strong> direitos no âmbito privado à forma<br />
escolhida pelo Estado para prestação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. Por outro lado,<br />
nos EUA, reconhece-se o direito do particular <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços ligados à re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
telefonia, que é privada, mas que, <strong>de</strong>vido a seu caráter <strong>de</strong> essencialida<strong>de</strong> para a<br />
prestação <strong>de</strong> outros serviços privados, a re<strong>de</strong> não está sob a disposição plena do<br />
particular seu titular. A empresa privada proprietária <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> telefonia,<br />
nos EUA, não po<strong>de</strong>, por exemplo, negar o acesso a sua re<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> outra empresa<br />
concorrente, não somente porque a finalida<strong>de</strong> estatal <strong>de</strong> promoção da competição<br />
justifique o acesso, mas porque a natureza da re<strong>de</strong> instalada é <strong>de</strong> interesse público.<br />
Portanto, ao lado da diferença que uma abordagem aprofundada das tradições jurídicas<br />
vigentes nos dois países revela, há uma semelhança <strong>de</strong> efeitos práticos na <strong>de</strong>limitação da<br />
proprieda<strong>de</strong> privada. Também, no Brasil, a empresa privada proprietária <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><br />
básica <strong>de</strong> telefonia consi<strong>de</strong>rada pública não po<strong>de</strong> negar o acesso a sua re<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong><br />
outra empresa concorrente e a razão é semelhante à do direito norte-americano: a<br />
natureza da re<strong>de</strong> instalada é pública, porque titularizada pelo Estado, e é titularizada<br />
pelo Estado porque é <strong>de</strong> interesse público.<br />
Tanto no Brasil, quanto nos EUA, a re<strong>de</strong>, quando consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> interesse<br />
público, sofre interferências unilaterais do Estado sobre a esfera jurídica do particular<br />
755 “In<strong>de</strong>ed, at almost every stage, the government systematically approved and upheld the boycotts, the<br />
exclusive <strong>de</strong>aling, and the inevitable attrition and fratrici<strong>de</strong> that rapidly transformed telephony from and<br />
industry of flourishing competition to one of entrenched monopoly” (Ibid., p.23). “By all appearances,<br />
government authourities – in the courts, in the state agencies and legislatures, and in the fe<strong>de</strong>ral<br />
government – were quite content to let the telephone industry slip from the unruliness of competition to<br />
the quiet or<strong>de</strong>r of monopoly” (Ibid., p.24).
192<br />
proprietário. Tais interferências in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da aquiescência do proprietário da re<strong>de</strong>. No<br />
Brasil, a justificativa tradicional <strong>de</strong>stas interferências advém da caracterização da re<strong>de</strong><br />
como re<strong>de</strong> pública porque essencial à prestação <strong>de</strong> um serviço público e adquire esta<br />
apresentação por intermédio <strong>de</strong> referências expressas no or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
nacional. 756 Nos EUA, a justificativa para interferência do Estado na proprieda<strong>de</strong><br />
privada das re<strong>de</strong>s é o próprio interesse público validado pela construção jurispru<strong>de</strong>ncial<br />
do conceito <strong>de</strong> common carrier. 757<br />
A diferença entre os dois mo<strong>de</strong>los está na caracterização do serviço como um<br />
serviço titularizado pelo particular (EUA) e, portanto, livre enquanto não prejudicial a<br />
convivência social, ou como um serviço titularizado pelo Estado (Brasil) e, portanto, a<br />
priori, <strong>de</strong>limitado por normas estatais <strong>de</strong>finidoras da forma <strong>de</strong> sua prestação. No setor<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, entretando, a diferença <strong>de</strong> regimes jurídicos é esmaecida pela<br />
prática ostensiva nos EUA <strong>de</strong> restrições administrativas ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />
privada.<br />
6.2.9 Common carriers e interesse coletivo<br />
A <strong>de</strong>scrição das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eira e norte-americana como pautadas<br />
em tradições jurídicas distintas não afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua aproximação em pontos<br />
específicos. É o caso da novida<strong>de</strong> conceitual intitulada ‘interesse coletivo’ e criada no<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro a partir da previsão, na Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações<br />
<strong>de</strong> 1997 – LGT, da classificação dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> quanto à abrangência<br />
dos interesse em jogo. 758 O título IV da LGT é sugestivo quando, ao se referir às re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, especifica como <strong>de</strong>stinatárias das regras ali contidas as re<strong>de</strong>s<br />
“<strong>de</strong>stinadas a dar suporte à prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse coletivo”. 759 Nesta<br />
expressão está a representação da aproximação entre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> do Brasil e dos EUA, pois, por intermédio do novo conceito <strong>de</strong><br />
interesse coletivo, o or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>brasil</strong>eiro efetuou uma verda<strong>de</strong>ira tradução<br />
contextualizada do significado das common carriers norte-americanas.<br />
Em julgado da Suprema Corte norte-americana, há expressa menção a um<br />
pressuposto <strong>de</strong>limitador da distinção entre common carrier e private carrier. A posição<br />
do tribunal foi <strong>de</strong> negar o argumento <strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> uma via não se prestar a serviços<br />
<strong>de</strong> terceiros, mas a serviços próprios, indicaria sua condição <strong>de</strong> private carrier. 760 O que<br />
<strong>de</strong>termina a natureza <strong>de</strong> common carrier é a atribuição do direito geral <strong>de</strong> uso da infraestrutura.<br />
É exatamente esta a posição adotada pela Agência Nacional <strong>de</strong><br />
756 A redação original do art. 21, XI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 utilizava o termo “re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>”. A Lei Mínima (Lei 9.295/96) cita, em seu art.1º, a “utilização da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> para prestação <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Valor Adicionado”.<br />
757 Sobre o conceito <strong>de</strong> common carrier, vi<strong>de</strong>, neste tese, notas 615 a 625, p. 168 a 169.<br />
758 Sobre a classificação da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>de</strong> 1997 entre serviços <strong>de</strong> interesse restrito e<br />
<strong>de</strong> interesse coletivo, vi<strong>de</strong> tópico <strong>de</strong>sta tese intitulado: “Serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> quanto à<br />
abrangência: <strong>de</strong> interesse coletivo e restrito”, p. 136 e seguintes.<br />
759 Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações: “Art. 145. A implantação e funcionamento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong>stinadas a dar suporte à prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse coletivo, no regime<br />
público ou privado, observarão o disposto neste Título.”<br />
760 Sobre o caso da Suprema Corte norte-americana i<strong>de</strong>ntificado como United States v. Louisiana &<br />
Pacific Railway Company, 234 U.S. 1, 24 (1914), Justice Day, j.25/05/1914, vi<strong>de</strong> a citação<br />
correspon<strong>de</strong>nte, nesta tese, na nota 625, p. 169.
193<br />
Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira quanto à diferenciação entre interesse restrito e interesse<br />
coletivo quando um <strong>de</strong>terminado serviço <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> pu<strong>de</strong>r ser prestado em<br />
ambos os regimes – restrito e coletivo. 761 Dentre os requisitos atribuídos nos EUA às<br />
common carriers, o mais marcante é o <strong>de</strong>ver imposto às empresas privadas qualificadas<br />
<strong>de</strong> common carriers <strong>de</strong> praticar tarifas razoáveis e não-discriminatórias e, com isso,<br />
respeitar a isonomia <strong>de</strong> acesso aos seus serviços sem discriminação. Assim como o<br />
conceito <strong>de</strong> common carrier é um qualificativo para a empresa privada prestadora <strong>de</strong><br />
serviços essenciais, ele também qualifica o próprio serviço por ela prestado. 762 Trata-se,<br />
portanto, <strong>de</strong> um serviço gravado <strong>de</strong> interesse público e afastado, em alguns aspectos, da<br />
livre disposição típica das ativida<strong>de</strong>s privadas. O termo common carrier, nos EUA, à<br />
semelhança do que ocorre com as empresas que se habilitam a prestar serviços <strong>de</strong><br />
interesse coletivo, no Brasil, tem o sentido <strong>de</strong> empresa que não po<strong>de</strong> negar o acesso a<br />
quem solicitá-lo. Common carrier passa a significar um conjunto <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />
prestação <strong>de</strong> um serviço especial aos olhos da política pública norte-americana. Daí<br />
utilizar-se, na regulamentação <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> norte-americana, a expressão<br />
prestar serviços “on a common carrier basis”. 763<br />
Pelo que foi exposto, as inovações introduzidas na Lei Geral <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1997 pertinentes aos conceitos <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> interesse<br />
coletivo e <strong>de</strong> interesse restrito temperam a diferença que existia entre os serviços <strong>de</strong><br />
interesse público dos EUA e os serviços públicos <strong>brasil</strong>eiros no setor <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> e permitem dizer que, hoje, as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> ambos os países<br />
são comensuráveis quanto ao tratamento dos serviços e são comensuráveis a tal ponto<br />
<strong>de</strong> permitir a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> passos sobre tema específico como o é o do serviço<br />
universal.<br />
6.2.10 Serviço universal<br />
O termo serviço universal configura-se, a partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1990,<br />
em ambos os países, como um termo universal, pois dotado <strong>de</strong> um significado idêntico<br />
nos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> política pública <strong>brasil</strong>eiro e norte-americano. 764 Evi<strong>de</strong>ntemente, há<br />
diferenças entre as <strong>políticas</strong> <strong>de</strong> serviço universal dos dois países. Uma <strong>de</strong>las está na<br />
expectativa sobre os efeitos que os investimentos na universalização dos serviços – não<br />
das re<strong>de</strong>s – gerará. Também há uma diferença periférica quanto à forma <strong>de</strong> canalização<br />
dos recursos atribuídos à universalização dos serviços básicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>:<br />
761 Sobre a conceituação <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> interesse restrito no Brasil como serviços em que o titular po<strong>de</strong><br />
negar acesso <strong>de</strong> terceiros, vi<strong>de</strong> tópico <strong>de</strong>sta tese intitulado “Serviços <strong>de</strong> Telecomunicações quanto à<br />
abrangência: <strong>de</strong> interesse coletivo e restrito”, p. 136. Ainda, o Ato n.º 3.807, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999, da<br />
ANATEL, prevê, em seu anexo, item 4, o critério <strong>de</strong> divisão entre serviços <strong>de</strong> interesse restrito e coletivo,<br />
qual seja, a <strong>de</strong>limitação do público alvo dos serviços, afastando-se, portanto, o direito geral <strong>de</strong> uso do<br />
serviço por quem <strong>de</strong>le necessitar.<br />
762 O Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 qualifica como obrigação das “rural telephone companies” a <strong>de</strong><br />
prover “common carrier service to any local exchange carrier ...” (Telecommunications Act of 1996,<br />
Section 3 (a) (47) – grifos nossos).<br />
763 Telecommunications Act of 1996, Section 301, que emendou o Title VI do item 47 do U.S. Co<strong>de</strong>,<br />
Section 521, acrescentando à Part V, a Section 651 (a) (2).<br />
764 A assertiva é comprovada com a leitura dos tópicos intitulados “Serviços prestados em regime público”<br />
e “Serviço universal nas <strong>telecomunicações</strong> dos EUA”, respectivamente relativos aos mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro e<br />
norte-americano e constantes das páginas Erro! Indicador não <strong>de</strong>finido. e 176 <strong>de</strong>sta tese.
194<br />
enquanto os recursos <strong>de</strong>stinados à universalização, no Brasil, têm o espaço <strong>de</strong> aplicação<br />
reservado aos serviços públicos, nos EUA, por inexistir esta diferença, são aplicados a<br />
serviços <strong>de</strong> interesse público. Esta diferença cosmética, entretanto, ombreia com a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos os mo<strong>de</strong>los na eleição dos objetivos do serviço universal por<br />
intermédio da eleição <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> investimento. 765 A própria caracterização da<br />
universalização como afeta a serviços básicos <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> foi alterada tanto<br />
pela dicção norte-americana do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996, 766 como também pela<br />
proposta <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um novo serviço <strong>de</strong> comunicações digitais no Brasil. 767<br />
6.2.11 Formulação <strong>de</strong> política pública e sua aplicação<br />
Outra semelhança entre os mo<strong>de</strong>los pesquisados está no papel <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong><br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> e <strong>de</strong> execução <strong>de</strong>stas <strong>políticas</strong>. No Brasil, cabe à Agência Nacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações a organização e exploração dos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> com<br />
base em <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> formuladas pela Presidência da República, pelo Ministério<br />
das Comunicações e pelo Congresso Nacional. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> política setorial é<br />
excluída da agência, que passa a ter função <strong>de</strong>finida como reguladora. 768<br />
No mesmo sentido, a Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission norte-americana<br />
exerce o rule-making power como um po<strong>de</strong>r outorgado à agência para o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> regras voltadas ao preenchimento do propósito da lei. A ativida<strong>de</strong> da<br />
agência norte-americana é expressamente vinculada ao objetivo específico <strong>de</strong> execução<br />
e aplicação da política <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. 769<br />
A dicção legal, entretanto, encobre o caráter <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição política das agências<br />
oriundo da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> questões setoriais e sua natural remissão ao<br />
futuro. Neste futuro, estão as agências, que firmam sua contribuição na orientação do<br />
setor, interferindo nos <strong>de</strong>stinos empresarias, tecnológicos, ambientais, consumeristas,<br />
fiscais e <strong>de</strong> acesso da população aos serviços <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>. A orientação à<br />
competição presente nos mo<strong>de</strong>los <strong>brasil</strong>eiro 770 e norte-americano 771 <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong><br />
é um exemplo claro <strong>de</strong> abertura conceitual para a construção das opções <strong>políticas</strong> pelas<br />
próprias agências reguladoras na medida em que cabe a elas <strong>de</strong>finir o formato <strong>de</strong><br />
restrições ou incentivos governamentais em direção ao aumento do número <strong>de</strong><br />
competidores, ou mesmo, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da inclinação da agência, da preservação <strong>de</strong> um<br />
número mínimo <strong>de</strong> empresas no mesmo mercado relevante. As agências, portanto,<br />
fazem muito mais que escolher os meios para execução <strong>de</strong> uma política pública; elas<br />
re<strong>de</strong>finem o significado <strong>de</strong> tais <strong>políticas</strong>. Neste ponto, o mo<strong>de</strong>lo norte-americano, mais<br />
765<br />
Basicamente, escolas, bibliotecas e serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 668, p. 179 (EUA) e nota<br />
655, p. 177 (Brasil).<br />
766<br />
A dicção do Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 reflete o caráter mutável e pautado por <strong>políticas</strong><br />
conjunturais <strong>de</strong> Governo orientadas ao suprimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas por serviços consi<strong>de</strong>rados essenciais em<br />
cada momento histórico. O Telecommunications Act <strong>de</strong> 1996 adotou a expressão “evolving level of<br />
telecommunications services” (47 U.S.C. 254 (c) (1)) para caracterizar os serviços universais. Vi<strong>de</strong>, à<br />
respeito, nesta tese, a nota 656, p. 177.<br />
767<br />
A via-crúcis do serviço <strong>de</strong> comunicações digitais vem <strong>de</strong>scrita na nota 586, p. 161 <strong>de</strong>sta tese.<br />
768<br />
Vi<strong>de</strong>, a respeito, o tópico <strong>de</strong>sta tese intitulado “Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e<br />
atritos”, p. 156.<br />
769<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 712, p. 190.<br />
770<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 521, p. 149.<br />
771<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 594, p. 164.
195<br />
calejado no trato com sua agência reguladora <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, vê com naturalida<strong>de</strong><br />
a agência como fonte <strong>de</strong> política. 772 Ele é honesto em <strong>de</strong>monstrar que é no âmbito da<br />
agência que se forma muito da vonta<strong>de</strong> política do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> e assim o<br />
faz por intermédio da referência à FCC como um sistema <strong>de</strong> representação <strong>de</strong><br />
interesses 773 para servir como ponto <strong>de</strong> encontro das vonta<strong>de</strong>s <strong>políticas</strong> 774 gravado com<br />
o caráter <strong>de</strong> nacionalização das discussões <strong>políticas</strong> envolvendo legislações estaduais<br />
sobre um setor <strong>de</strong> extensão nacional e internacional. 775<br />
O diferencial do mo<strong>de</strong>lo norte-americano está na ênfase dada na caracterização<br />
da agência enquanto espaço <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política. A apresentação política da<br />
FCC vem representada na parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong> comissários segundo sua vinculação<br />
partidária. 776 No Brasil, não há esta preocupação formal com a parida<strong>de</strong> partidária muito<br />
provavelmente por causa da falsa impressão <strong>de</strong> que a agência não faz política.<br />
A partir <strong>de</strong>sta ênfase na apresentação política da FCC, os tribunais norteamericanos<br />
orientam a revisão das <strong>de</strong>cisões da agência com base na proteção dos<br />
interesses dos usualmente sem representação. 777 À primeira vista, isto po<strong>de</strong>ria indicar o<br />
caráter tutelar dos tribunais norte-americanos sobre a cidadania silente, mas ao<br />
remeterem as questões julgadas novamente à revisão pela FCC, dita atitu<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ncia a<br />
preocupação com a formação da vonta<strong>de</strong> política por intermédio da efetiva participação<br />
dos interessados. Tanto é assim, que a resposta da FCC vem no esforço <strong>de</strong> ampla<br />
divulgação <strong>de</strong> seus procedimentos e na abertura <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> manifestação. 778 Este,<br />
portanto, é um diferencial <strong>de</strong> peso para o enfoque <strong>de</strong>ste estudo, mas não é suficiente<br />
para a <strong>de</strong>tecção da virtu<strong>de</strong> política, pois ela não se manifesta na abertura estrutural do<br />
Estado, mas, sim, na força motriz culturalmente presente na atitu<strong>de</strong> dos interessados e<br />
na conformação da política a dita atitu<strong>de</strong>. Uma coisa é dizer que se faz política na<br />
agência reguladora e outra é dizer que ela é meio <strong>de</strong> expressão da cidadania. Embora<br />
não se possa dizer que o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro tem claramente a concepção <strong>de</strong> agência<br />
como um espaço político, também aqui há procedimentos <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />
manifestação dos interessados herdados <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> consulta pública por parte do<br />
Ministério das Comunicações nos momentos que antece<strong>de</strong>ram à privatização do Sistema<br />
Telebrás 779 , ou mesmo, da prática <strong>de</strong>sta estatal refletida nos Congressos Brasileiros <strong>de</strong><br />
Telecomunicações <strong>de</strong> 1974, 1976, 1978 e 1980. 780<br />
6.2.12 Relação entre agência reguladora e parlamento<br />
A importância evi<strong>de</strong>nciada no tópico anterior da ANATEL e da FCC para o<br />
conjunto das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> é fortalecida pela presença,<br />
em ambos os mo<strong>de</strong>los, <strong>de</strong> comissões específicas parlamentares tematizadas, mas,<br />
enquanto, nos EUA, as comissões da Câmara e do Senado contemplam um<br />
772<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, notas 630 e 631, p. 170.<br />
773<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 687, p. 183.<br />
774<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 684, p. 183.<br />
775<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, tópico intitulado “As agências como espaços institucionais <strong>de</strong> composição <strong>de</strong><br />
interesses”, p. 182.<br />
776<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, tópico intitulado “Composição da FCC”, p. 193.<br />
777<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 688, p. 183.<br />
778<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 689, p. 184.<br />
779<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 377, p. 110.<br />
780<br />
Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 293, p .90.
196<br />
acompanhamento pari passu da atuação da FCC 781 , inclusive com sugestão <strong>de</strong><br />
estruturação interna da agência 782 , no Brasil, comissões do Senado Fe<strong>de</strong>ral e da Câmara<br />
dos Deputados têm especialização temática em <strong>telecomunicações</strong> ou infra-estrutura <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, limitando-se, em regra, a atuarem na discussão <strong>de</strong> processos<br />
legislativos ligados a estes temas 783 a ponto <strong>de</strong> se cogitar que o controle das agências<br />
reguladoras pelo Congresso <strong>brasil</strong>eiro seria uma novida<strong>de</strong>. 784<br />
6.2.13 Espaços <strong>de</strong> interesse parlamentar nas<br />
<strong>telecomunicações</strong><br />
Por outro lado, se a interferência parlamentar nas agências <strong>de</strong> ambos os países é<br />
distinta, tal divergência ilumina mais uma semelhança: a da separação <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />
interesse parlamentar entre radiodifusão, <strong>de</strong> um lado, e as <strong>de</strong>mais <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong><br />
outro. Em ambos os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong>, há forte divisão <strong>de</strong> interesses entre<br />
radiodifusão em geral, <strong>de</strong> um lado, e <strong>de</strong>mais meios <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>, <strong>de</strong> outro. A<br />
concentração <strong>de</strong> competências sobre radiodifusão e <strong>de</strong>mais serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> na FCC a torna um ambiente muito mais atraente para o Congresso<br />
norte-americano do que o é a ANATEL, com sua competência exclusivamente sobre os<br />
<strong>de</strong>mais serviços, para o Congresso <strong>brasil</strong>eiro. Evidência marcante da interferência do<br />
subcomitê <strong>de</strong> comunicações do Senado norte-americano sobre a FCC está na proposta<br />
do Senador McFarland, do Arizona, <strong>de</strong> divisão da FCC em áreas temáticas, quais sejam,<br />
a Common Carrier Bureau e a Mass Media Bureau. 785 Assim, em meio às diferenças <strong>de</strong><br />
atribuições entre as agências reguladoras <strong>de</strong> ambos os países e <strong>de</strong> interação entre elas e<br />
os respectivos parlamentos, tanto no Brasil, quanto nos EUA, a presença do Congresso<br />
no setor é sentida particularmente por seus interesses próprios <strong>de</strong> orientação dos<br />
veículos formadores <strong>de</strong> opinião e por aparente <strong>de</strong>scaso pelos <strong>de</strong>mais temas <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, quando estes não carregam consigo o po<strong>de</strong>r político próprio das<br />
radiodifusoras. Neste ponto, vê-se o caráter corporativo e não representativo do<br />
Congresso no setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> 786 , transformando-se em um dos elementos<br />
facciosos da <strong>de</strong>finição política e não em seu centro. 787<br />
781 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 689, p. 184 e nota 709, p. 189.<br />
782 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 726, p. 193.<br />
783 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, o último parágrafo do capítulo intitulado “Estrutura da ANATEL”.<br />
784 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 583, p. 161.<br />
785 BROCK, Gerald W. Telecommunications policy for the information age: from monopoly to<br />
competition. Cambridge/London: Harvard University Press, 1994, p. 55.<br />
786 “Although it has the legal power to control telecommunications policy, Congress has not exercised that<br />
power and has therefore acted as one power center among many in influencing the evolution of<br />
telecommunication policy” (Ibid., p. 57).<br />
787 No Brasil, a atribuição <strong>de</strong> competência ao Ministério das Comunicações para processar os pedidos <strong>de</strong><br />
concessão e permissão <strong>de</strong> radiodifusoras, bem como o po<strong>de</strong>r do Congresso <strong>de</strong> concedê-las ou extingui-las<br />
afasta da ANATEL os olhares parlamentares (conferir, nesta tese, o tópico intitulado “Regulamentação<br />
das Telecomunicações no Brasil”, p. 117). Já, nos EUA, o trecho a seguir é esclarecedor da presença <strong>de</strong><br />
interesses específicos e do grau <strong>de</strong> intromissão do Congresso na regulação do setor: “There are many<br />
different avenues for the expression of congressional interest short of a formal statute change: budget<br />
effects, confirmation of commissioners, negative publicity, conditions on operating authority. Congress<br />
also frequently uses the power to take minor actions through attachments to budget or authorization bills.<br />
These actions do not go through the formal hearing process of major legislation and generally pass with<br />
little or no <strong>de</strong>bate (…) a requirement may be inserted for fast action on a particular activity. These
6.2.14 Agências reguladoras<br />
197<br />
A síntese das semelhanças e diferenças entre as <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> dos dois países<br />
(Brasil-EUA) está nas suas agências reguladoras. Elas representam a estrutura<br />
institucional que serve <strong>de</strong> ambiente especializado para <strong>de</strong>puração da política setorial a<br />
partir da idéia <strong>de</strong> uma nova instituição para acompanhamento conjuntural 788 – ongoing<br />
policy – das transformações tecnológicas e econômicas, por intermédio <strong>de</strong> projeções<br />
político-jurídicas.<br />
As duas agências reguladoras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do Brasil e dos EUA<br />
basicamente se igualam em aspectos estruturais, funcionais, procedimentais 789 e <strong>de</strong><br />
posição institucional, em especial, nas subdivisões orgânicas dos respectivos<br />
parlamentos 790 , no processo <strong>de</strong> indicação dos membros, sua sabatina, e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
mandatos 791 , na função <strong>de</strong> aplicação da política pública elaborada por outras instâncias<br />
<strong>políticas</strong> dos respectivos países 792 , no po<strong>de</strong>r normativo 793 , bem como na atuação as<br />
agências pró-consumidor 794 .<br />
6.3 AUSÊNCIA<br />
Mais eloqüente, no entanto, para o esforço comparativo, é a noção <strong>de</strong> atuação<br />
conjuntural por <strong>de</strong>trás da criação das agências. Esta noção dialoga com a idéia <strong>de</strong> que as<br />
circunstâncias do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> não po<strong>de</strong>m ser regidas por regras<br />
petrificadas no tempo e alheias ao momento político presente. Neste ponto, os dois<br />
mo<strong>de</strong>los, ao pa<strong>de</strong>cerem do mesmo mal, ou seja, da remissão das <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> a um<br />
momento pretérito, abstrato e acabado, gravaram as agências reguladoras com a insígnia<br />
da reação a este estado <strong>de</strong> coisas.<br />
As agências reguladoras representaram, nos dois países, o momento <strong>de</strong><br />
questionamento <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> lidas no passado em preceitos normativos ou<br />
em prece<strong>de</strong>ntes judiciais. Em ambos os mo<strong>de</strong>los, no fundo, há a discussão sobre o<br />
momento em que se reconhece a <strong>de</strong>finição da regra, daquilo que <strong>de</strong>ve ser no ambiente<br />
social. Como limites da atuação das agências estão apenas parâmetros gerais <strong>de</strong>finidos<br />
pelo parlamento e precisados, caso a caso, pelos tribunais, mas com tal nível <strong>de</strong> abertura<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt micromanagement functions allow individual senators or representatives (or their senior staff<br />
members) to function as in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt telecommunication policy makers.” (Ibid., p. 57).<br />
788 A natureza conjuntural da atuação da agência po<strong>de</strong> ser vista, para o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro, nesta tese, na<br />
nota 147, p. 59. Para o mo<strong>de</strong>lo norte-americano, vi<strong>de</strong>, nesta tese, nota 677, p. 182.<br />
789 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, texto correspon<strong>de</strong>nte à nota 732, p. 194.<br />
790 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, notas 689 e 709, sobre o mo<strong>de</strong>lo norte-americano, e o último parágrafo do tópico<br />
intitulado “Estrutura da ANATEL”, sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro.<br />
791 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, tópicos intitulados “Estrutura da ANATEL” e “Composição da FCC”.<br />
792 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, sobre o mo<strong>de</strong>lo norte-americano, a nota 712, e sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro, o tópico<br />
intitulado “Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e atritos”.<br />
793 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, o rule-making power da FCC em tópico intitulado “Posicionamento da FCC no quadro<br />
regulatório norte-americano” e a função normativa das agências reguladoras <strong>brasil</strong>eiras na nota 213.<br />
794 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, a finalida<strong>de</strong> da FCC e da ANATEL <strong>de</strong> proteção do consumidor, no mo<strong>de</strong>lo <strong>brasil</strong>eiro,<br />
nas notas 520 e 528, e no mo<strong>de</strong>lo norte-americano, no tópico intitulado “Composição da FCC”.
198<br />
conceitual que praticamente não <strong>de</strong>limitam senão as opções <strong>políticas</strong> que se lhes opõem<br />
textualmente.<br />
Esta característica <strong>de</strong> contexto <strong>de</strong> atuação das agências reguladoras como<br />
<strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> faz com que se retome a âncora conceitual da virtu<strong>de</strong><br />
política. A virtu<strong>de</strong> teve para si aberto um espaço institucional capaz <strong>de</strong> transparecê-la,<br />
mas o tratamento textual dado às agências reguladoras como instituições <strong>de</strong> aplicação<br />
<strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> pre<strong>de</strong>finidas reserva à virtu<strong>de</strong> política um espaço acanhado. Ela é<br />
chamada não para ser exercida, mas para ser tutelada por preceitos perfeitos e acabados<br />
e é justificada pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reconhecer no cidadão <strong>de</strong> hoje a presença das<br />
conquistas do passado. Vê-se no ser político <strong>de</strong> hoje um potencial transgressor daquelas<br />
conquistas porque objeto, e não sujeito, da regra. Enfim, a venda que cegou a<br />
característica política da atuação das agências gerou a tendência <strong>de</strong> se apagar a virtu<strong>de</strong><br />
política em nome <strong>de</strong> instituições que preten<strong>de</strong>m ser mais culturais que a própria<br />
vivência política do ser.<br />
Quando a presença das agências reguladoras revelou o esforço político <strong>de</strong><br />
apresentar uma estrutura do Estado isenta <strong>de</strong> pressões imediatistas, ela abriu o espaço<br />
político da participação direta cidadã. Este espaço político, entretanto, foi colonizado<br />
por i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> bem-estar que contaminaram a atuação das agências para fazer <strong>de</strong>las<br />
braços governamentais <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços e <strong>de</strong> satisfação dos consumidores. Este<br />
empobrecimento conceitual é a ausência comum que passa <strong>de</strong>spercebida em toda a<br />
exuberância e vivacida<strong>de</strong> da regulação dos setores <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>brasil</strong>eiro e<br />
norte-americano.
CONCLUSÃO<br />
199<br />
Durante a exposição dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> do<br />
Brasil e dos EUA, pu<strong>de</strong>ram-se antecipar suas semelhanças, diferenças e ausências a<br />
partir do enfoque comum <strong>de</strong> procura por espaços públicos <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong><br />
política. A expectativa inicial <strong>de</strong> que os dois mo<strong>de</strong>los se apresentariam claramente<br />
distintos no que se refere à estrutura estatal, à divisão conceitual <strong>de</strong> serviços, à<br />
atribuição <strong>de</strong> competências e à contextualização <strong>de</strong> surgimento das agências reguladoras<br />
<strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> restou frustrada. Pelo contrário, as semelhanças <strong>de</strong> estruturas, <strong>de</strong><br />
normatização, <strong>de</strong> competências e <strong>de</strong> contextualização <strong>de</strong> surgimento das agências<br />
reguladoras <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong> <strong>de</strong> ambos os países foram surpreen<strong>de</strong>ntemente<br />
reveladoras das perspectivas comuns vivenciadas. Do exposto, firmaram-se duas<br />
conclusões fundamentais: os dois mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> são comensuráveis,<br />
principalmente a partir da Lei Geral <strong>de</strong> Telecomunicações <strong>brasil</strong>eira <strong>de</strong> 1997; a<br />
explicação dos dois mo<strong>de</strong>los dispensa a referência à virtu<strong>de</strong> política, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não se<br />
aprofun<strong>de</strong> a comparação por intermédio <strong>de</strong>sta ausência.<br />
O próprio caminhar da exposição <strong>de</strong>sta tese transpareceu o aspecto central da<br />
comparação. Embora fixado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, o conceito <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> política, que se<br />
manteve, durante a <strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>brasil</strong>eiro e<br />
estaduni<strong>de</strong>nse, fomentando o aprofundamento dos aspectos <strong>de</strong> regulação nos dois<br />
países, as ligações possíveis da <strong>de</strong>scrição dos mo<strong>de</strong>los com a abertura <strong>de</strong> participação<br />
cidadã foi um processo doloroso e maculado pelo esclarecimento dos acontecimentos<br />
por intermédio da presença hegemônica da promoção do bem-estar em <strong>de</strong>trimento do<br />
fomento da participação política. Enfim, os dois mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong> pu<strong>de</strong>ram ser analisados em meio a um silêncio sepulcral sobre a<br />
questão do espaço público. Em meio à prevalência do caráter prestacional das agências<br />
reguladoras <strong>de</strong> ambos os países rumo ao bem-estar do consumidor dos serviços <strong>de</strong><br />
<strong>telecomunicações</strong>, o caráter mediador <strong>de</strong>stas estruturas institucionais representativas das<br />
<strong>políticas</strong> <strong>públicas</strong> do setor viu-se tratado <strong>de</strong> forma periférica. 795 Mesmo o esforço norteamericano<br />
<strong>de</strong> apresentação da FCC como um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução <strong>de</strong> interesses políticos<br />
variados e do registro das participações não significou, por si só, sua inclinação à<br />
abertura das opções <strong>políticas</strong> do setor <strong>de</strong> <strong>telecomunicações</strong>: a atuação da agência norteamericana,<br />
tal como a <strong>brasil</strong>eira, ren<strong>de</strong>-se ao fim maior <strong>de</strong> bem-estar social. Mas a<br />
ausência <strong>de</strong>tectada na valorização da virtu<strong>de</strong> política na <strong>de</strong>scrição da regulação das<br />
<strong>telecomunicações</strong> em ambos os países também não significa que não existam iniciativas<br />
<strong>de</strong> abertura participativa visíveis nas agências reguladoras. Os mecanismos exigidos por<br />
lei no Brasil e por julgados nos EUA <strong>de</strong> discussão pública das questões relevantes do<br />
setor são um passo <strong>de</strong> reorientação da função das agências para a sua vocação inicial <strong>de</strong><br />
espaços públicos e, portanto, mediadores do diálogo para preservação da virtu<strong>de</strong> política<br />
dos interessados em verem suas vozes traduzidas em ação.<br />
795 Vi<strong>de</strong>, nesta tese, tópicos intitulados “Estrutura estatal <strong>de</strong> regulação das <strong>telecomunicações</strong> no Brasil”, p.<br />
146 e seguintes e “Composição da FCC”, p. 193 e seguintes.
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PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Domingo, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
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medidas um retrocesso. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia.<br />
Terça-feira, 6 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
7. CUNHA JÚNIOR, Melchía<strong>de</strong>s. Dubieda<strong>de</strong> do governo afasta investimentos, diz<br />
Mendonça. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quarta-feira, 4<br />
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8. DANTAS, Fernando; RAMOS, José. Associação <strong>de</strong> agências critica pressões. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quinta-feira, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
9. DANTAS, Fernando. Mudança na Anatel contradiz relatório. In: O ESTADO DE<br />
SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sexta-feira, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
10. EDITORIAL. O governo inva<strong>de</strong> as agências. In: O ESTADO DE SÃO PAULO.<br />
Quinta-feira, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, p. 1-2.<br />
11. FROUFE, Célia; PALHANO, André. Agências mantêm po<strong>de</strong>r, diz a Casa Civil, mas<br />
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Santos. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sábado, 17 <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
12. MADUEÑO, Denise; MARQUES, Gerusa. Oposição quer retirar urgência para<br />
projeto das reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias.<br />
Sexta-feira, 7 maio <strong>de</strong> 2004.<br />
13. MADUEÑO, Denise; MARQUES, Gerusa. Projeto sobre reguladoras <strong>de</strong>ve per<strong>de</strong>r<br />
urgência. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sábado, 8 <strong>de</strong><br />
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14. MARQUES, Gerusa. Adiada votação da reestruturação das agências reguladoras.<br />
In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quarta-feira, 23 <strong>de</strong> junho<br />
<strong>de</strong> 2004.<br />
15. MARQUES, Gerusa. Anatel é contra o fim da cobrança da assinatura na telefonia<br />
fixa. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Tecnologia. Quarta-feira, 5 <strong>de</strong><br />
maio <strong>de</strong> 2004.<br />
16. MARQUES, Gerusa. Congresso quer assumir fiscalização das agências. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Segunda-feira, 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
2004.<br />
17. MARQUES, Gerusa. Polêmica sobre o fim da assinatura básica aumenta. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quinta-feira, 6 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004.
208<br />
18. MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Diretores <strong>de</strong> agências vêem avanços no<br />
projeto. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong><br />
abril <strong>de</strong> 2004.<br />
19. MARQUEZ, Nélia; RAMOS, José. Nomear presi<strong>de</strong>nte da Anatel é direito <strong>de</strong> Lula,<br />
diz governo. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Quarta-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
20. MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Projeto sobre agências leva toque <strong>de</strong> Palocci.<br />
In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
2004.<br />
21. MURPHY, Priscilla. Delfim Netto faz elogios à proposta. In: O ESTADO DE SÃO<br />
PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
22. NASCIMENTO, Juarez Quadros do. Agências reguladoras. In: O ESTADO DE<br />
SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Domingo, 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
23. OTTA, Lu Aiko. Projetos po<strong>de</strong>m atolar no Congresso. In: O ESTADO DE SÃO<br />
PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Domingo, 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
24. RACY, Sônia. Agências: regra impe<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão. In: O ESTADO DE SÃO<br />
PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Terça-feira, 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
25. RAMOS, José. Dilma <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte pela União. In: O ESTADO DE<br />
SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quarta-feira, 16 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2004.<br />
26. RAMOS, José. O alvo do golpe na Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO.<br />
Editorial. Quinta-feira, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
27. RAMOS, José; MARQUES, Gerusa. Parlamentares criticam contrato das<br />
reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Quinta-feira,<br />
29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004.<br />
28. RAMOS, José. Saída <strong>de</strong> Schymura preocupa associação <strong>de</strong> agências. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quarta-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
29. RAMOS, José; ROSA, Vera. Planalto <strong>de</strong>stitui presi<strong>de</strong>nte da Anatel. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quarta-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004.<br />
30. ROSA, Vera; RAMOS, José; M. G. Diretores <strong>de</strong> outras agências po<strong>de</strong>rão cair. In:<br />
O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção <strong>de</strong> Economia. Sexta-feira, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
2004.<br />
31. SPIGLIATTI, Solange. País precisa <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> para crescer, diz FHC. In: O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2004.
PALESTRAS<br />
209<br />
1. AMARAL, Elifas Chaves Gurgel do. Palestra <strong>de</strong> abertura intitulada “A<br />
Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações e o Setor <strong>de</strong> Telecomunicações no<br />
Brasil: <strong>de</strong>safios atuais”. In: V Curso <strong>de</strong> Especialização em Regulação <strong>de</strong><br />
Telecomunicações. Brasília: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. 06 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005.<br />
2. BRAGA, Carlos. Palestra em painel intitulado “Posição do Banco Mundial<br />
para o financiamento <strong>de</strong> investimentos em <strong>telecomunicações</strong>”. In: Americas<br />
Telecom 2000. Rio <strong>de</strong> Janeiro: União Internacional <strong>de</strong><br />
Telecomunicações/CITEL. 15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000.<br />
3. LEPRINCE-RINGUET, Louis. Aspects humains et sociaux <strong>de</strong>s<br />
telecommunications. In: World Telecommunication Forum: technical<br />
symposium. Genebra: União Internacional <strong>de</strong> Telecomunicações. 6 a 8 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1975, p. 1.1.2.1-1.1.2.4.<br />
4. MORENO, Mario Guillermo. Palestra em painel intitulado “As<br />
<strong>telecomunicações</strong> na América do Sul (Mercosul e Comunida<strong>de</strong> Andina): cenário<br />
atual e perspectivas”. In: Conferência Internacional – Perspectivas das<br />
<strong>telecomunicações</strong> nas Américas e Europa. Brasília. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília.<br />
Grupo Interdisciplinar <strong>de</strong> Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das<br />
Comunicações. 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005.
JULGADOS<br />
210<br />
1. AT&T Corp. et al. v. Iowa Utilities Board et al. N.º 97-826 (1999). Justice<br />
Scalia. j.25/01/1999.<br />
2. Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission v. Pottsville B. Co., 309 U.S. 134 (1940),<br />
Justice Frankfurter, j. 29/01/1940.<br />
3. Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission v. RCA Communications Inc., 346 U.S.<br />
86 (1953), Justice Frankfurter, j.08/06/1953.<br />
4. Fe<strong>de</strong>ral Power Commission v. Hope Natural Gas Co., 320 U.S. 591 (1944),<br />
Justice Douglas, j.03/01/1944.<br />
5. Houston, E. & W. T. R. Co. v. United States, 234 U.S. 342 (1914), Justice<br />
Hughes, j.08/06/1914 - The Shreveport Rate Case.<br />
6. Louisiana Public Service Commission v. FCC, 476 U.S. 355 (1986), Justice<br />
Brennan, j.27/05/1986 – Louisiana PSC Case.<br />
7. Michigan Public Utilities Commission v. Duke, 266 U.S. 570 (1925), Justice<br />
Butler, j.12/01/1925.<br />
8. New York Central S. Corp. v. United States, 287 U.S. 12 (1932), Justice<br />
Hughes, j. 07/11/1932.<br />
9. Southern Pac. Terminal Co. v. Interstate Commerce Commission, 219 U.S. 498<br />
(1911), Justice McKenna, j.20/02/1911.<br />
10. State of Washington ex rel. Stimson Lumber, 275 U.S. 207 (1927), Justice<br />
Butler, j.21/11/1927.<br />
11. Terminal Taxicab Co. v. Kutz, 241 U.S. 252, 255 (1916), Justice Holmes,<br />
j.22/05/1916.<br />
12. United States v. Brooklyn Eastern Dist Terminal, 249 U.S. 296 (1919), Justice<br />
Bran<strong>de</strong>is, j.24/03/1919.<br />
13. United States v. Louisiana & Pacific Railway Company, 234 U.S. 1 (1914),<br />
Justice Day, j.25/05/1914.<br />
14. United States v. State of California, 297 U.S. 175 (1936), Justice Stone, j.<br />
03/02/1936.