19.04.2013 Views

Antônio das Neves Gameiro - Eduardo Costa

Antônio das Neves Gameiro - Eduardo Costa

Antônio das Neves Gameiro - Eduardo Costa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

<strong>Antônio</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Neves</strong> <strong>Gameiro</strong><br />

..............................................<br />

Entrevistador: <strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong><br />

Data: 22.11.2010<br />

Local: IPHAN / SP<br />

Arquivos: antonio_gameiro_01.mp3<br />

antonio_gameiro_02.wav<br />

antonio_gameiro_03.wav<br />

Duração: 03h11m16s


ANTONIO DAS NEVES GAMEIRO: Eu<br />

vou te contar a história desde o começo. O<br />

Germano era da mesma cidade onde nasceu o<br />

Luis Saia, que era o assistente técnico do<br />

Mário de Andrade no começo dos anos 1940.<br />

O patrimônio é criado em 1937. Como eu te<br />

falei, uma <strong>das</strong> sedes era a quarta diretoria<br />

regional de São Paulo. O Saia era estudante de<br />

arquitetura na Politécnica da USP. Ele<br />

demorou uns 25 anos para se formar - só se<br />

formou quando nasceu o primeiro filho - e era<br />

assistente do Mario de Andrade. O Jaelson<br />

[Bitran Trindade] deve ter te dito que uma<br />

historiadora da Universidade Federal de Ouro<br />

Preto acabou de fazer uma dissertação de<br />

mestrado sobre o trabalho do Saia e o trabalho<br />

do Nestor Goulart Reis.<br />

EDUARDO COSTA: Não. Não comentou,<br />

não.<br />

Isso é importante. Fez essa dissertação neste<br />

ano. É um trabalho que já apresentou na<br />

Universidade Federal de Ouro Preto. O Jaelson<br />

sabe o nome dele. Dois arquitetos metidos a<br />

historiadores de arquitetura e urbanismo. O<br />

Saia foi designado pelo Mário de Andrade, em<br />

1938, quando o Mário de Andrade - se não me<br />

engano - ainda era o diretor do Departamento<br />

de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Ele<br />

conseguiu uma verba com a qual designou o<br />

Saia e mais um engenheiro de som. Equipou<br />

eles com máquinas fotográficas, filmadoras,<br />

grandes gravadores... E eles percorreram de<br />

caminhão todo o Nordeste, na famosa Missão<br />

Folclórica, cujo material está aí na Prefeitura<br />

até hoje. O Saia passou o ano todo de 1938<br />

fazendo isso, enquanto o patrimônio se<br />

consolidava aos poucos em São Paulo. Quando<br />

voltou da Missão Folclórica, ele passou a ser<br />

assistente, no patrimônio, do Mário de<br />

Andrade, que era o então primeiro diretor do<br />

patrimônio de São Paulo. Por alguma razão,<br />

que eu não lembro mais qual é – talvez o<br />

Jaelson saiba – o Mario de Andrade se<br />

deslocou para o Rio de Janeiro, chamado para<br />

montar lá um departamento de cultura do<br />

Estado do Rio de Janeiro. Foi para lá e deixou<br />

no seu lugar o Luis Saia, que ainda era<br />

estudante e as coisas não deram muito certo<br />

para o Mário de Andrade. Tudo isso está em<br />

cartas e publicações. Está tudo escrito. O Saia<br />

ficou aqui como o diretor do patrimônio e o<br />

Mário de Andrade voltou, incrivelmente como<br />

assistente do Saia. Morreu como assistente do<br />

Saia, no patrimônio aqui em São Paulo. Ele<br />

morreu em 1945, não é? Ficou muito pouco<br />

tempo no Rio de Janeiro. Talvez nem um ano.<br />

Voltando para cá, eles começaram a fazer os<br />

serviços de levantamento, pesquisas e<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

documentação do acervo que interessaria ao<br />

patrimônio nacional, no estado de São Paulo<br />

porque, na verdade, a diretoria...<br />

MAURO BONDI: Começou em 1937, viu<br />

<strong>Gameiro</strong>. Eu, quando fiz esse bando de dados<br />

[<strong>das</strong> fotografias do Germano] tem dia por dia.<br />

Desde 37, não parou. Não parou. As fotos do<br />

Germano é o seguinte: O primeiro [bem] que<br />

eles foram documentar, sabe qual é? Santana<br />

do Parnaíba. A Capela do Voturuna. É a foto<br />

número 1. Mas não é que eles começaram<br />

depois que o Mário voltou.<br />

Deixe eu continuar, se não eu perco a meada.<br />

É. Eu vou chegar lá. Então, o Mário de<br />

Andrade fotografava. O patrimônio tinha uma<br />

Roleiflex 6x6. O Saia também fotografava.<br />

Mas eram amadores. Fotografavam de<br />

qualquer forma e, depois, mandavam na<br />

Fototica, que era o Thomaz Farkas, um grande<br />

amigo dos dois.<br />

Era o Farkas que ampliava e revelava?<br />

O velho Farkas. Isso. A Fototica. Já existia a<br />

Fototica na Cristiano... no centro da cidade.<br />

Primeiro, tinha o José Bento, que era um<br />

metido a historiador, pesquisador, que ia<br />

retirando dos clássicos da bibliografia, a<br />

história de São Paulo... O que é gozado é o<br />

seguinte: Eles se ativeram, num primeiro<br />

momento, a São Paulo; Mas São Paulo tinha<br />

sob sua responsabilidade; Mato Grosso,<br />

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.<br />

Tudo isso. Minas Gerais ficava com Minas e<br />

Goiás. Bahia ficava com Alagoas, Sergipe.<br />

Pernambuco ficava com Pernambuco, Rio<br />

Grande do Norte até Amazonas. E aqui em São<br />

Paulo, eles começaram a fazer com um carro<br />

emprestado do prefeito de São Paulo. Como é<br />

que chamava o prefeito, na década de 30?<br />

Fabio Prado.<br />

O Fabio Prado emprestava um carro para eles e<br />

eles iam para campo, principalmente nos fins<br />

de semana. Primeiro, eles sabiam que tinham<br />

umas casas bandeiristas no Tatuapé. Sabiam<br />

que tinha alguma coisa no Jabaquara. Sabiam<br />

que tinha aqui no Jardim São Paulo.... Butantã!<br />

Era mais ou menos conhecido, mas ninguém<br />

sabia onde ficava. Eles iam fazer a busca a<br />

estas casas, principalmente as bandeiristas,<br />

através de matas, porque sabiam que ficavam<br />

ao lado de córregos. Eu mesmo fui em 1970<br />

procurar a casa Jabaquara. O Saia tinha estado<br />

lá em 30 e pouco, mas depois nunca mais<br />

voltou. E o Jabaquara não existia como bairro.<br />

Eu fui com o assistente do Saia, que era o<br />

Armando Rebolo, arquiteto. Ele falou: ‘Vamos<br />

2


procurar a casa do Jabaquara. Fica perto do<br />

córrego Pirajuçara’. E lá fomos atrás do<br />

córrego Pirajuçara, perguntando de rua em rua<br />

onde tinha uma casa velha. Era assim que eles<br />

iam. E eles começaram a aprofundar esses<br />

roteiros. Então; Santana do Parnaíba, Embu,<br />

Litoral Norte, São Sebastião, Ubatuba... Onde<br />

se sabia que havia alguma coisa Tirando estes<br />

trabalhos que eram feitos nos fins de semana,<br />

dentro da cidade de São Paulo, os outros eram<br />

um pouco mais elaborados. Assim, tanto o<br />

Mário quanto o Saia perceberam que não daria<br />

para fotografar. Mas eles sabiam fotografar!<br />

Enquanto no Rio tinha [Marcel] Gautherot,<br />

grandes fotógrafos, eles acharam que, já que as<br />

viagens eram muito complica<strong>das</strong> - Para chegar<br />

daqui até Ubatuba, demorava-se dois dias -,<br />

eles precisariam fazer uma documentação<br />

fotográfica um pouco mais definitiva. Porque,<br />

destas viagens, destes percursos de descoberta,<br />

de documentação, resultavam relatórios que<br />

eram enviados para o Rio de Janeiro. Olha,<br />

isso tem importância, isso é importantíssimo...<br />

Ninguém conhecia nada de patrimônio<br />

histórico. E, como eu te falei, eles começaram<br />

a pensar numa documentação fotográfica mais<br />

definitiva, para saber que rumo tomar. Um<br />

desses fotógrafos, que foi um grande fotógrafo<br />

de São Paulo, era o [Hans Günter] Flieg.<br />

O Hans Günter Flieg.<br />

Você o conheceu?<br />

Conheço.<br />

Ele é vivo ainda?<br />

Ele é.<br />

É vivo! Caramba!<br />

Eu não sabia que ele tinha feito muitas<br />

fotografias para o patrimônio.<br />

Fez algumas.<br />

Então, ele é um fotografo anterior ao<br />

Germano?<br />

Eu acho que sim.<br />

O Instituto Moreira Salles comprou, no ano<br />

passado, a documentação dele.<br />

A documentação dele? Porque, como eu estava<br />

te dizendo, o Germano era de São Carlos, onde<br />

nasceu o Saia. A família do Saia é de lá. E o<br />

Germano era um fotógrafo de estúdio. Ele<br />

tinha um estúdio. Eram raros os fotógrafos que<br />

saiam a campo.<br />

MAURO BONDI: Era o pai dele. Ele era<br />

filho de fotógrafo.<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

Ele tinha um estúdio aqui em São Paulo, não<br />

era isso?<br />

Acho ele nunca teve em São Paulo.<br />

MAURO: Isso eu não sei. O pai dele era<br />

fotógrafo.<br />

Naquele catálogo da exposição “Fotografia e<br />

Documentação”, no texto em que o Jaelson<br />

escreve, há alguma coisa em relação a um<br />

estúdio que o pai teria aqui e, depois, se<br />

transferiu para São Carlos.<br />

MAURO: Isso eu não sei.<br />

Ele veio de São Carlos para cá. Primeiro,<br />

contratado para esses percursos. É muito<br />

interessante – o Jaelson deve ter te dito isso.<br />

Ele vem com autorização do Dr. Rodrigo<br />

[Melo Franco de Andrade] e com verba que o<br />

Dr. Rodrigo conseguiu para ele vir<br />

esporadicamente. ‘Agora, vamos fotografar<br />

Santana do Parnaíba e Embu. Agora, vamos<br />

fotografar a Santo <strong>Antônio</strong>’. E ele vinha para<br />

isso. Mas ele era fotógrafo de estúdio em São<br />

Carlos. Quer dizer, ele não saía a campo.<br />

Quase não existia esse trabalho. A não ser os<br />

fotógrafos jornalistas. Esses saíam a campo,<br />

mas o resto não. Os clientes levavam a menina<br />

que fez a primeira comunhão. Levavam no<br />

estúdio dele. E ele fotografava com cenário.<br />

Era assim até 30 anos atrás. Então, ele era um<br />

sujeito que só fotografava em estúdio. Com<br />

paisagens pinta<strong>das</strong> em tela.<br />

Uma coluna grega...<br />

Uma coluna grega. Essas coisas assim. E, num<br />

primeiro momento, quando ele é chamando<br />

pelo Saia para vir fazer trabalhos específicos<br />

como freelancer, quando o Saia conseguia<br />

verba para este tipo de trabalho, o resultado<br />

não era muito satisfatório. Não sei se o Jaelson<br />

te falou. Antigamente, não se ia ao Rio de<br />

Janeiro a não ser de navio, para conversar com<br />

o Lucio <strong>Costa</strong> e com outras pessoas. E o<br />

telefone não funcionava. Era tudo por carta.<br />

Então, quando ele faz a primeira experiência -<br />

que acho que é na cidade de São Paulo, não sei<br />

se no Mosteiro de São Bento... – o resultado<br />

não é satisfatório nem para o Mário de<br />

Andrade, nem para o Saia. Porque eles já<br />

conheciam aquilo que o [Macel] Gautherot<br />

vinha fazendo no Rio de Janeiro. O Gautherot<br />

e tinham mais uns dois ou três fotógrafos.<br />

MAURO: Tinha o [Erich] Hess.<br />

E tinha um outro francês que era...<br />

3


A Ana Luiza Nobre cita o Kasys Vosylius, que<br />

também foi um fotógrafo importante para o<br />

IPHAN.<br />

Também. Mas tem um outro, alem do<br />

Gautherot, que é quase tão importante. Depois,<br />

talvez eu lembre.<br />

Tem o Pierre Verger, na Bahia. Mas um<br />

pouco mais tarde.<br />

Ah!... É! Da Bahia! Mas, com certeza, o Mário<br />

e o Saia conheciam os trabalhos que os<br />

fotógrafos no Rio vinham fazendo. E esses<br />

eram fotógrafos de campo. Eles estavam<br />

contratados pelas companhias construtoras<br />

para acompanhar as obras da Avenida<br />

Central... Eram de campo e de arquitetura. Não<br />

eram foto jornalistas. Campo de arquitetura ou<br />

de paisagem. E o resultado dos primeiros<br />

trabalhos do Germano não agradaram muito,<br />

nem ao Saia nem ao Mário. Está tudo escrito,<br />

nestas cartas que se troca<strong>das</strong> com o Rio, o<br />

porquê que não agradou e o que é que estava<br />

faltando. Esta é uma questão bastante<br />

interessante, porque o Mario de Andrade e o<br />

Saia, sem saber fotografar, começaram a<br />

orientar o Germano. Eles não tinham técnica,<br />

mas sabiam o que queriam! Os detalhes desta<br />

história, eu não sei. Talvez, o Armando<br />

Rebollo, que era office boy do Mario de<br />

Andrade (risos), saiba te dizer. Ele se<br />

aposentou aqui. Está hoje com 86 anos. Você<br />

conhece ele?<br />

antonio_gameiro_01.mp3 (00:18:50)<br />

Eu estou tentando marcar uma entrevista,<br />

mas eu não tenho o contato dele.<br />

Ele é ótimo! Ele era filho do pintor Rebollo.<br />

Acho que o pintor tinha se separado da mãe<br />

dele para casar com uma outra mulher, que é a<br />

mãe da Lisbeth Rebollo, uma historiadora de<br />

arte, pesquisadora. O Armando foi meio que<br />

adotado pelo Mário de Andrade. O pai dele já<br />

tinha uma fama naquela altura. Já ganhava<br />

dinheiro. Ele começou como pintor de parede,<br />

mas era um pintor especial. Fazia pinturas<br />

decorativas. Depois, ele montou uma grande<br />

firma de pinturas. Tinha grana e vivia com<br />

esses artistas todos no clubinho, que ficava na<br />

Praça da República. Voltava bêbado, de<br />

madrugada, e quem levava ele para casa era o<br />

outro irmão do Rebollo, que é pintor de parede<br />

até hoje (risos). E o Armando foi adotado pelo<br />

Mario de Andrade, protegido pelo Mario de<br />

Andrade. O Armando entrou no patrimônio<br />

como office boy. Não sei quando. Acho que<br />

em 1937! Então, ele conhece tudo isso. Está<br />

lúcido. Conhece tudo isso, exatamente em<br />

detalhes, pormenores. Chegou-se num ponto<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

em que o patrimônio convenceu e contratou o<br />

Germano a vir trabalhar como funcionário.<br />

Trabalhar como funcionário. Ele vem e tráz<br />

uma parte do equipamento dele. O patrimônio<br />

consegue outras coisas. Ele faz equipamentos.<br />

Monta um laboratório. Nessa altura, não era<br />

mais na [Rua] Marconi. Já era na [Rua]<br />

Baronesa de Itu. Monta um laboratório com<br />

bastante recurso, diga-se de passagem. Mas<br />

aqueles recursos à moda antiga. Ele fazia a<br />

química. Ele tinha as fórmulas. Ele fazia tudo.<br />

Mesmo já existindo coisas por aí para vender,<br />

quando ele morreu. Mas ele ainda fazia. Umas<br />

coisas mais simples, comprava. Aquelas fotos<br />

especiais, ele fazia. Então, ele vem para o<br />

patrimônio e, além de ser o fotógrafo do<br />

patrimônio, ele passa a ser o administrador, o<br />

chefe administrativo, vamos chamar assim.<br />

Não sei exatamente o porquê. O Armando,<br />

depois, assumiu isso quando ele morreu. O<br />

Germano morreu no IPHAN. Teve um ataque<br />

cardíaco, alguma coisa assim.... Então, ele<br />

acumula essas duas funções. Ele era incrível!<br />

Um alemão! Ele morre em 1967, num<br />

momento em que o Saia estava com grandes<br />

planos nacionais para o patrimônio. O Dr.<br />

Rodrigo estava afastado do patrimônio. Ele se<br />

aposentou voluntariamente, porque a<br />

especulação imobiliária, já no fim da década<br />

de 60, era muito forte, principalmente no Rio<br />

de Janeiro. Esses grandes especuladores<br />

botavam os militares fazendo pressão no<br />

patrimônio. A barra era pesadíssima! Então,<br />

ele comandava o patrimônio, sendo<br />

aposentado. Mas o Saia sabia que ele não<br />

voltaria mais. Já estava aposentado. A morte<br />

do Germano pegou o Saia de calça curta. Um<br />

dos planos era transformar o patrimônio em<br />

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional – IPHAN. Coisa que ele veio a<br />

conseguir em 1970... 71, 72. Uma coisa assim.<br />

Então, o Germano cuidava da parte<br />

administrativa. Ele morava no patrimônio e<br />

fazia toda a parte de fotografia. Tinha um jeep,<br />

que eu acho que era do patrimônio. Esses jeeps<br />

fechados de alumínio.<br />

MAURO: Ele existe ainda. Está na Pau<br />

D’Alho. Era um Land Rover.<br />

Esse jeep, o Germano usava para ir para<br />

campo e tinha um mini laboratório dentro. O<br />

patrimônio era miserável. Muito mais do que<br />

era hoje. O material era todo importado. Caro.<br />

Não tinha recursos. E o Germano não<br />

desperdiçava material. Ele ia para campo,<br />

passava três dias numa viagem para a Pau<br />

D’Alho e voltava com 20 chapas! Não é como<br />

hoje, que agente sai com a maquininha e vem<br />

4


com 5 mil em uma hora. Os fotógrafos da<br />

época do Germano esperavam. Primeiro: só se<br />

fotografava <strong>das</strong> dez às onze e <strong>das</strong> duas às três,<br />

que era para o sol bater numa determinada<br />

inclinação sobre a fachada da edificação, para<br />

dar relevo à arquitetura. Os claros e escuros...<br />

Fazia profundidade. Então, para saber se o<br />

negócio estava bom ou não, ele revelava e<br />

ampliava no local.<br />

No lugar, para saber se ele precisava repetir.<br />

É. Para saber se podia voltar tranquilo. Porque<br />

não dava para voltar dali uma semana. E, ao<br />

mesmo tempo em que ele fazia esta<br />

escrituração do patrimônio, provavelmente a<br />

parte contábil também – e fazia muito bem! –,<br />

ele fotografava cada vez melhor. Então, ele<br />

falece em 1967. Foi encontrado morto na<br />

manhã seguinte, quando o pessoal chegou.<br />

MAURO: E, daí para frente, eu acho que as<br />

fotografias do patrimônio nunca foram mais as<br />

mesmas.<br />

É claro que não! Até porque eu nunca fui<br />

fotógrafo. (risos).<br />

MAURO: Mas não é só isso! É porque ele<br />

tinha um sistema, que, como ele era alemão,<br />

ele organizou este trabalho. Isso que eu acho o<br />

mais incrível nele. Se você olhar os<br />

arquivinhos. Ele tem uns arquivinhos que você<br />

pode achar monumento por localidade, por<br />

tipo de monumento. Ele fez um banco de<br />

dados! Eu copiei todo o banco de dados. Eu<br />

tenho um excell com a marcação de to<strong>das</strong> as<br />

fotos. Você acha cada foto em qual gaveta<br />

está. Ele fez um sistema. Isso mostra também<br />

como ele era bem alemão. Como você ia<br />

deixar um banco de dados organizado? Depois<br />

que ele morreu, duas coisas aconteceram:<br />

Primeiro as câmeras se popularizaram. Todo<br />

mundo virou fotógrafo. A 35mm tem essa<br />

vantagem. Qualquer um fotografa. Mas o olhar<br />

do arquiteto, como o do Germano, se perde. Eu<br />

acho que o padrão da fotografia no IPHAN<br />

decaiu muito. Depois, teve aquela fase de slide<br />

que é uma fase problemática, ao meu ver. Os<br />

slides envelhecem muito.<br />

Aí ele falece em 1967. Em 1968, eu fiz o<br />

cursinho preparatório para a faculdade de<br />

arquitetura, aqui na Albuquerque Lins. O<br />

cursinho da Faculdade de Filosofia e Ciências<br />

e Letras da USP. Meu professor de linguagem<br />

artística era um japonês, que era estudante de<br />

arquitetura, na FAU. O Júlio Abe Wakahara.<br />

Você o conhece?<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

Que, depois, virou fotógrafo,<br />

esporadicamente?<br />

É. Nunca foi funcionário do patrimônio. Mas<br />

já vou te contar.<br />

Então, ele era o seu professor de linguagem<br />

arquitetônica?<br />

Isso. No cursinho. Depois, aquele cursinho foi<br />

muito problemático. A Iara Weissberg, a<br />

namorada do Lamarca, era a nossa professora<br />

de português. Morreu todo mundo. O japonês<br />

que morreu num fusquinha carregando<br />

trezentos quilos de dinamite durante uma<br />

madrugada, na [Avenida da] Consolação, era o<br />

secretário do cursinho. Nós éramos poucos<br />

estudantes de arquitetura. Tínhamos muita<br />

convivência com o Júlio, mas eram algumas<br />

horas por semana. Mas, quando os estudantes<br />

da USP entraram em briga, entre eles mesmos<br />

- por conta <strong>das</strong> infinitas dissidências político<br />

ideológicas –, o cursinho passou por uma<br />

grande crise. Diretores e professores eram<br />

todos alunos da USP. Tinha aluno com 50<br />

anos! (risos). Os professores tinham que ser<br />

alunos. Então houve uma grande briga. Um<br />

grupo dissidente montou o [Colégio] Equipe,<br />

com o diretor... Eu esqueço o nome dele. Hoje,<br />

ele é um altíssimo funcionário do MEC, do<br />

Ministério da Educação. Por conta dessa<br />

grande briga, o cursinho ficou fechado esse<br />

resto de ano de 1967 e o Júlio morava aqui<br />

nesse prédio da esquina da Angélica. O Júlio<br />

morava ali com vários estudantes. E nós<br />

passamos a ter aula com ele ali. As outras<br />

aulas nós não tivemos, porque não tinha mais<br />

professor. Mas o Júlio falou: ‘Olha, se vocês<br />

quiserem, a gente continua aqui e de graça. Eu<br />

tenho esse compromisso com vocês’. E, então,<br />

eu passei a ter uma relação mais íntima com o<br />

Júlio, porque tinha lá um determinado dia em<br />

que o Júlio dava aulas LA [Linguagem<br />

Arquitetônica] para agente. E agente almoçava<br />

lá, fazia vaquinha, comia, botamos<br />

cozinheira... E ficamos um pouco mais<br />

próximos. No ano de 1968, a FAU-USP tinha<br />

um ônibus, que era um ônibus para fazer<br />

excursões pelo Brasil com os estudantes. E, se<br />

não me engano, numa dessas excursões, neste<br />

ano de 1968, fomos para o Rio Grande do Sul.<br />

E o Saia deu material para o Júlio e pediu para<br />

ele fazer uma documentação, a mais detalhada<br />

possível, <strong>das</strong> ruínas de São Miguel <strong>das</strong><br />

Missões. Logo depois, o IPHAN passou a<br />

restaurar aquele conjunto. E o Júlio voltou com<br />

um monte de fotografias, quase que<br />

radiografando as ruínas. Mas o Saia pensava<br />

muito mais alto do que tinha pensado o Mário<br />

de Andrade. Ele descartou a idéia de<br />

simplesmente contratar um fotógrafo para<br />

5


documentar edificações. Ele descartou isso,<br />

porque tinha voos muito maiores. Ele inventou<br />

um treco chamado remanejamento fotográfico<br />

do Arquivo Central, no Rio de Janeiro, onde<br />

ficavam to<strong>das</strong> as fotografias do Rio e do Brasil<br />

inteiro, com ou sem negativo. Isto porque,<br />

quando as regionais contratavam um fotógrafo<br />

e ele não dava os negativos, eles pediam duas<br />

cópias. Uma para ficar no Rio e uma para ficar<br />

na regional. Esse Arquivo Central, entre o<br />

número de fotos com negativo e sem negativo<br />

com excelente qualidade – como as do<br />

Gautherot – ou com pouca qualidade, naquela<br />

altura, em 1968, se não me engano, tinha 125<br />

mil fotografias. É muita coisa! Em 30 anos, já<br />

tinha 125 mil fotografias. Com dois riscos:<br />

Um: não tinha climatização. Algumas<br />

fotografias mal elabora<strong>das</strong> quimicamente já<br />

começavam a amarelar, a desaparecer... E o<br />

risco de aquilo pegar fogo, porque tinha os<br />

negativos de nitrato de prata, que são auto<br />

inflamáveis. Pegavam foto em contato com o<br />

oxigênio. E aquilo poderia pegar fogo. E, de<br />

um dia para o outro, acabava-se tudo. Então, o<br />

Saia conseguiu apresentar um projeto junto a<br />

FAPESP – a Fundação de Amparo à Pesquisa<br />

do Estado de São Paulo. Ele era amigo do<br />

Mindlin... Esses caras todos. O Saia era amigo<br />

de todo mundo. Ele conseguiu aprovar um<br />

projeto para fazer esse remanejamento. O que<br />

é o remanejamento? Para ficar mais barato,<br />

pegava-se os negativos e as fotos, no Rio de<br />

Janeiro, para fotografar cada original com dois<br />

negativos. Identificava-se e escrevia-se num<br />

livro de tombo. Tudo isso por ordem alfabética<br />

dos estados. Amapá, Amazonas... E o projeto<br />

previa uma equipe de três pessoas para ser<br />

realizado. Era um projeto para uns dois anos.<br />

Uma pessoa para pegar o material do Rio de<br />

Janeiro e inscrever num livro de tombo nosso,<br />

com a nossa numeração, mais a numeração do<br />

Arquivo Central. Inscrevia isso num livro de<br />

tombo aqui. Um laboratorista, para processar.<br />

E o Júlio [Abe] para reproduzir. Então, quem<br />

foi a equipe? O Júlio, que era o chefe desse<br />

equipe. Eu, que ele me convidou. Vou te<br />

contar a história (risos).<br />

Você tinha que função?<br />

Ele me ensinou a fotografar. E a Helena Saia,<br />

filha do Saia, que simplesmente ia inscrever os<br />

documentos nos livros de tombo. Ela não tinha<br />

o menor interesse por fotografia. Eu já tinha<br />

interesse por fotografia. A questão é que virou<br />

moda, depois de Blow Up! Entende? Blow Up<br />

é de 65, 66... Fotografia estava na moda. E eu<br />

tinha acabado de entrar na faculdade [de<br />

arquitetura] no Mackenzie. Era essa a equipe.<br />

O Julho me convidou e eu falei: ‘Poxa, Julio,<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

eu quero, mas eu não sei nada! Como é que eu<br />

vou fazer?’. Ele respondeu: ‘Ah! Vamos lá<br />

conversar com o velho Saia’. E fomos lá.<br />

Estávamos discutindo eu, Júlio e ele.<br />

Discutindo como ia fazer... Tinha que ir ao Rio<br />

de Janeiro pegar a documentação, que não<br />

podia ser enviada pelo correio. Então, tinham<br />

que ser pessoas de confiança. E depois levar de<br />

volta. Estávamos discutindo sobre salário, isso,<br />

aquilo, o montante da verba, prazos, os<br />

mecanismos de como fazer essa operação... E<br />

eu só escutando. Era a primeira vez que eu via<br />

o Saia. Eu não o conhecia. Era um cara<br />

impressionante. (risos). Ele disse: ‘Então está<br />

bom. Começamos na semana que vem!’ E eu<br />

falei: ‘Espera lá. Poxa, Julio, acho que você<br />

esqueceu do que eu te falei. Você não falou aí<br />

para o doutor que eu não entendo<br />

absolutamente nada de fotografia. Não sei se é<br />

processo químico, mecânico...’. Aí o Júlio deu<br />

uma risadinha e o Saia olhou para mim assim...<br />

‘O quê? Você não entende nada?’ Eu disse:<br />

‘Não. Eu não entendo nada. Eu avisei o Julio’.<br />

E o Saia respondeu: ‘Poxa, mas que ótimo!<br />

Então, você não tem nenhum vício!’ (risos).<br />

Olha que loucura, rapaz! (risos). Então, o Júlio<br />

foi me ensinando. E tinham algumas coisas,<br />

que, sem o Germano, passaram a ser de<br />

extrema necessidade de urgência. O Saia ia<br />

passando para ele também. E o Júlio me<br />

ensinando. Então, destas 125 mil, nós<br />

conseguimos fazer cerca de 80 mil. Nós não<br />

terminamos porque o trabalho cresceu muito.<br />

O campo da documentação fotográfica, aqui na<br />

quarta [regional], cresceu demais. E eu já vou<br />

te contar o porquê.<br />

antonio_gameiro_01.mp3 (00:40:00)<br />

Então, vocês faziam estes dois trabalhos. Que<br />

era um trabalho de reprodução do Arquivo<br />

Central e o trabalho, também, de<br />

documentar?<br />

Muito esporadicamente, quando o Saia pedia.<br />

Mas tinha essa função também?<br />

Sim. Tinha essa função. Mas isso a gente fazia<br />

de gorjeta, vamos dizer assim. Isso não era<br />

todo dia, nem toda a semana. Isso era coisa<br />

muito esporádica. Pelo seguinte: a<br />

documentação, a classificação da<br />

documentação fotográfica aqui no IPHAN era<br />

da seguinte forma: Eu não tenho certeza se<br />

quem organizou isso foi o Germano. Eu acho<br />

que não.<br />

MAURO: No Arquivo Central não. Mas aqui<br />

sim.<br />

6


Eu acho que não. Aqui, o nosso arquivo era<br />

dividido... Deixe eu ver se eu consigo lembrar<br />

to<strong>das</strong> as divisões. Era dividido, primeiro, pelas<br />

regiões do estado. Segundo, por monumentos<br />

tombados. Terceiro, por fotos de pesquisa.<br />

Quarto, por fotos de obra. Já vinha, desde<br />

1937, já tinha obras.<br />

E já tinha essa divisão?<br />

Já tinha. E quem fazia as fotos de obras? O<br />

Germano ia na frente, antes de começar ou na<br />

fase de levantamento documental. Ele<br />

documentava o estado em que estava o<br />

monumento. Quando terminava a restauração,<br />

ele tirava, mais ou menos do mesmo ângulo.<br />

Apresentado como ficou, após a restauração. E<br />

quem fazia as fotos de obras era ou o Saia ou o<br />

Armando, que eram os arquitetos que iam a<br />

obra, para orientar ou para fazer pagamentos<br />

ou para discutir problemas etc. Eles<br />

aproveitavam e faziam as fotos de obras com a<br />

Roleiflex, que era do Saia. E tinha a Dona... Eu<br />

esqueço, agora, o nome dela. Tinha uma<br />

pessoa e tinha um certo volume de<br />

documentação. Nós tínhamos uma pessoa que<br />

era desenhista e que veio do Rio: Dona Dulce<br />

Matos. Ela era desenhista por cargo, mas,<br />

como não tinha muito o que desenhar, ela fazia<br />

o arquivo, vamos dizer assim. Então, você<br />

tinha os cadernos de obras, que o Saia fazia,<br />

pelo menos no início. Aqueles do Embu, de<br />

São Miguel Paulista, aquelas coisas mais<br />

preciosas foi o Saia que fez. E a Dona Dulce<br />

fazia o arquivo, a catalogação, a numeração, e<br />

a inscrição no livro de tombo. Mais as fotos de<br />

obra. Então, tinha essa separação. As fotos<br />

definitivas do Germano, eram poucas e são<br />

chama<strong>das</strong> de Arquivo Oficial. Elas foram<br />

feitas, no começo, em chapas de vidro, 4x5.<br />

Depois em nitrato e, depois, películas mesmo.<br />

Então, podem existir algumas fotos de obra<br />

do Germano, mas a grade maioria é Saia e<br />

Rebollo.<br />

As oficiais é que são do Germano. Tudo o que<br />

é 4x5, sem nenhuma sobra de dúvida, é do<br />

Germano. O resto pode ser que,<br />

eventualmente, tenha alguma coisa. Porque o<br />

Germano também tinha uma Leica 35mm.<br />

Tinha. Mas, agora, de memória... Eu conhecia<br />

esse arquivo de cor e salteado. Mas mudou<br />

tanto de lugar. Mudou tanto a ordem... São 40<br />

e poucos anos! (risos). (Jaelson entra na sala).<br />

Jaelson, em que ano, exatamente, o Germano<br />

veio para o patrimônio, como contratado,<br />

funcionário?<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

JAELSON: 1945. Isso eu apurei na<br />

documentação.<br />

E antes de 1945, ele veio muitas vezes como<br />

freelancer?<br />

JAELSON: Muitas. A partir de 1937.<br />

E o [Hans Günter] Flieg?<br />

JAELSON: Flieg? Eu nunca soube que o<br />

Flieg trabalhou. Eu conheci o Flieg, quando<br />

ele veio visitar o Saia.<br />

É, mas fez algumas coisas sim.<br />

JAELSON: Fez? Olha, ele sabe essas coisas.<br />

Eu não sei mais de memória.<br />

Mas ele deve ter feito muito pouco, não?<br />

Ah! Sim muito pouco.<br />

Porque pelas cartas – as cartas de trabalho<br />

entre o Mário e o Rodrigo – ele comenta que<br />

um primeiro fotógrafo não tenha dado certo e<br />

que, então, o Saia consegue o Germano, que<br />

é colega dele. Mas eu nunca soube se era o<br />

Flieg.<br />

JAELSON: Será que era o Flieg? Em 37? O<br />

Flieg acho que chega em 39. Você jogou no<br />

Google? (risos).<br />

Eu já cheguei a fazer uma entrevista com o<br />

Flieg, por um outro motivo. Sobre um<br />

fotografo chamado Peter Scheier, que era<br />

também alemão. Mas mais ligado à<br />

modernidade.<br />

JAELSON: Porque eu fiz uma exposição na<br />

Pinacoteca sobre os alemães no Brasil. E a<br />

última seção era o Flieg... São esses alemães<br />

que vieram para São Paulo nos anos 30. O<br />

Flieg foi um deles, que fornecia material.<br />

Mas existe essa possibilidade do Flieg ter sido<br />

o primeiro fotógrafo a ter trabalhado com o<br />

Mario de Andrade aqui no IPHAN?<br />

Não sei te dizer. Mas fez muito pouco. Ainda<br />

mais que ele está me confirmando agora que o<br />

Germano começa a fazer os freelas já em<br />

1937.<br />

Mas vou conversar com o Flieg. É bastante<br />

interessante.<br />

JAELSON: O Flieg sabia. Devo ter visto o<br />

Flieg conversando com o Saia umas duas<br />

7


vezes. Depois, quando eu tive contato somente<br />

em 1994.<br />

Porque eu conheço algumas fotos que o Flieg<br />

fez para o IPHAN. Mas já são fotos em cor.<br />

São umas duas ou três fotos que não sei qual<br />

o processamento.<br />

JAELSON: A Anita deve ter identificado<br />

alguma coisa.<br />

Então, durante 1968 e 1969, o trabalho de<br />

fotografia ficou restrito ao Júlio Abe, que<br />

nunca foi funcionário. Aliás, depois que<br />

terminou o contrato da FAPESP, acho que ele<br />

nunca mais recebeu. Porque a gente recebia<br />

todo o mês. Acho que ele nunca mais teve<br />

remuneração. A não ser esporadicamente. A<br />

Helena saiu, não agüentou. Acho que ela<br />

estava fazendo cursinho. No lugar dela, veio o<br />

Tomé (?), depois veio o Arnaldo, depois veio a<br />

Cida... Cuja função era essa. Em 69, morre o<br />

Dr. Rodrigo. Eu estava no patrimônio, num<br />

sábado. Porque meu curso era de período<br />

integral, com algumas janelas e era aqui do<br />

lado. Então, eu trabalhava de madrugada, de<br />

sábado, de domingo. E de sábado eu sempre<br />

trabalhava. Em 69, o Dr. Rodrigo morre. Com<br />

isso, o Saia começou a botar em prática<br />

algumas ideias, que, provavelmente, já vinha<br />

conversando com ele, que era uma pessoa<br />

muito difícil. E botar em prática estas ideias,<br />

envolvia diretamente a fotografia. Por<br />

exemplo, você chegou em 1970?<br />

JAELSON: Comecinho de 70. Março.<br />

Você já estava aqui, quando fizemos a<br />

exposição: Baum Centrum: Madeira e<br />

civilização? É. Então, o Saia começa...<br />

JAELSON: Eu já falei para ele.<br />

Ah! Você já falou?<br />

JAELSON: Falei. Mas fala você. Eu quero<br />

ver a sua versão.<br />

Aquilo que te falei. Foi num crescente a ponto<br />

de nós sermos, entre ajudantes de fotografia,<br />

fotógrafo, curiosos e gente que não tinha nada<br />

o que fazer, umas 8 pessoas.<br />

JAELSON: Talvez até um pouco mais.<br />

Em alguns momentos, sim. Com os curiosos,<br />

talvez desse até mais. Então, em 1970, tiveram<br />

dois grandes trabalhos fotográficos, no<br />

patrimônio. Teve uma grande exposição nesse<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

tal Baum Centrum, que era uma entidade<br />

holandesa para o desenvolvimento da pré<br />

fabricação, na construção civil. Foi uma<br />

grande exposição no MASP. O Saia foi<br />

contratado para fazer uma grande exposição<br />

sobre o tema: Madeira e civilização. Uma<br />

exposição muito bonita. O Saia, que já sabia<br />

essas histórias de cor e salteado, passou a<br />

pesquisar muito e a montar a exposição. Então,<br />

vieram peças do Aleijadinho de Ouro Preto. Eu<br />

fui buscar um bumerangue de um australiano<br />

no Hotel Hilton. Estava lá o negócio, fotos e<br />

painéis fotográficos. Uma exposição muito<br />

caprichada. Tinha dinheiro para fazer isso. O<br />

Baum Centrum tinha dinheiro a rodo. Aí<br />

apareceu o Zetas. Roberto Malzoni Filho, que<br />

era filho de uma família muito rica de<br />

usineiros. Donos da Sears e tudo o que você<br />

possa imaginar. E ele trabalhava na boca do<br />

lixo, com pornochanchada, porque gostava<br />

daqueles malucos dos cineastas... Não sei<br />

muito bem como apareceu. Ia pingando gente.<br />

Essa exposição do Baum Centrum ele ajudou a<br />

fazer. Eu, o Júlio, ele... Enquanto outros<br />

vinham sem saber muita coisa. E a gente<br />

organizava o trabalho: ‘Olha, lave essas fotos,<br />

pendura.’. Um ensinava o outro. E o Zetas<br />

veio. O Zetas já era profissional. Ele era bom<br />

mesmo! E fizemos essa exposição. Antes<br />

disso, acho que em 1969, quando terminou o<br />

nosso contrato com a FAPESP, eu e o Júlio<br />

ganhamos muito dinheiro. Teve uma<br />

concorrência... O Hernani Silva Bruno, que era<br />

historiador aqui de São Paulo... Não, isso foi<br />

depois. Quem estava sendo montado era o<br />

Museu da Casa Brasileira. Antes do Museu da<br />

Casa Brasileira, era o Pedro [de Oliveira<br />

Ribeiro] e o Edeval, que era indicado pelo<br />

Saia, representante da cúria, no Museu de Arte<br />

Sacra. Estava em formação o museu que nunca<br />

foi museu. As peças já eram da cúria. O antigo<br />

arcebispo de São Paulo, do começo do século,<br />

foi pegando tudo o que era coisa velha e<br />

botando nuns depósitos da praça da Sé. Então,<br />

restauraram para abrigar o museu e fizeram<br />

uma licitação para fotografar 1300 peças de<br />

frente, de costas e de lado. E o Júlio falou:<br />

‘Vamos entrar nesse negócio?’. E eu falei:<br />

‘Poxa Júlio, mas 1300? É muita coisa!’ A<br />

gente não tinha fira, CNPJ, não tinha nada!<br />

Nem sede, nem estúdio... Não tinha nada!<br />

Participamos da concorrência e ganhamos com<br />

o preço quatro vezes mais baixo do que o<br />

preço mais baixo (risos). Mas era tanto<br />

dinheiro! E a gente trabalhava. Trabalhava<br />

aqui no patrimônio fazendo as coisas e, lá<br />

pelas 5 horas tarde, íamos para lá e parávamos<br />

de trabalhar às 6hs da manhã. E sábado e<br />

domingo, então, era 24hs. E, depois, fazia tudo<br />

8


aqui com o Saia. Aí nós compramos novos<br />

equipamentos, pois os que existiam eram<br />

velhos! Com esse dinheiro, nós compramos<br />

equipamentos novos e demos para o Saia.<br />

Olha, Saia, presente para você (risos).<br />

Ampliadores... Agora, nós vamos usar aqui<br />

para trabalhar. E mais: Vamos te dar mais um<br />

presente. Vamos te dar uma cópia do negativo<br />

de cada peça documentada. E está tudo aí. Eu<br />

descobri, um dia desses, que está tudo aí. Isso<br />

foi fim de 1969. Então, no começo de 1970,<br />

veio a exposição “Madeira e civilização”. E,<br />

depois, pensando em criar o IPHAN, o Saia<br />

faz, em Brasília, uma reunião com os<br />

representantes ou governadores de todos os<br />

estados do Brasil. Chamou-se “Encontro dos<br />

Gorvernadores”.<br />

JAELSON: Ou “Encontro de Brasília”<br />

antonio_gameiro_01.mp3 (00:56:12)<br />

Compromisso de Brasília! Era um encontro<br />

dos governadores, de onde saiu o<br />

Compromisso de Brasília. Eles se<br />

comprometiam a criar, nos seus estados, o<br />

patrimônio estadual. Para, assim, dividir a<br />

responsabilidade, as tarefas e o custo com o<br />

IPHAN, que cuidava de tudo nacionalmente.<br />

Em 70, só tinha São Paulo e Paraná. E para<br />

esse encontro de Governadores de Brasília, o<br />

Saia resolver fazer uma grande exposição<br />

fotográfica, com pelo menos um monumento<br />

de cada estado, que era para inchar o ego dos<br />

caras lá. Foi uma grande exposição também.<br />

JAELSON: Vocês fizeram as fotos?<br />

Fizemos. E fizemos uma outra coisa, depois da<br />

morte do Saia. O serviço foi crescendo. Eu não<br />

sei muito bem o porque, mas nós abandonamos<br />

este trabalho. Ficou um pouco abandonado<br />

esse remanejamento do arquivo do Rio. Ao<br />

invés de 125 mil fotos, foram feitas umas 80<br />

mil. Porque começou um outro serviço que<br />

demandava pesquisa, levantamentos e<br />

fotografias. Basicamente, fotografias. Que é o<br />

inventário de artes menores, no estado de São<br />

Paulo. Esse inventário de artes menores, assim<br />

como esse Compromisso de Brasília, o Saia<br />

tentava fazer com que se pudesse, criando o<br />

IPHAN, taxar o comércio de arte. Porque,<br />

enquanto Serviço do Patrimônio Histórico, o<br />

dinheiro que fosse recolhido não ia para o<br />

patrimônio. Ia para o fundo geral [da União].<br />

Então, não adiantava fazer este grande<br />

trabalho, arrumar dissabores com os<br />

colecionadores, com os marchands, para não<br />

ter recurso. Então, pensando nisso, ele resolve<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

contratar a Aracy Amaral, que era muito amiga<br />

nossa, muito envolvida com o IPHAN. Mas<br />

nunca foi da casa. Foi contratada também com<br />

uma verba, possivelmente, da FAPESP. O<br />

segundo projeto, que ele enviou para a<br />

FAPESP, foi aprovado. Então, o trabalho era o<br />

seguinte: A Aracy Amaral, como era uma<br />

estudiosa de obras de arte e conhecia todo<br />

mundo da alta sociedade em São Paulo – a tia<br />

dela era a Tarsila do Amaral –, tinha to<strong>das</strong> as<br />

portas abertas. Ela era a chefe desse inventário<br />

de artes menores, desse projeto e veio de<br />

Brasília um fotógrafo estudante de arquitetura<br />

da Universidade. Acho que veio atrás de um<br />

rabo de saia aqui em São Paulo... Era a Célia<br />

Gouveia, que acabou sendo bailarina.<br />

Belíssima! Acabou sendo mulher daquele<br />

francês diretor de arte... como é que chamava?<br />

Foi diretor no Municipal, também. E, ai, a<br />

Aracy localizava os grandes colecionadores<br />

particulares...<br />

JAELSON: Augusto Ramasco Pessoa.<br />

É! O fotógrafo que veio de Brasília, para<br />

trabalhar nesse projeto do inventário, era o<br />

Augusto Ramasco Pessoa, que está hoje em<br />

Campinas. Já era fotógrafo amador por lá.<br />

Ele era estudante de arquitetura?<br />

É! De arquitetura. O Julio ensinou muito. O<br />

que não sabia, foi aprendendo no trabalho do<br />

dia a dia. Esse foi um grande projeto também.<br />

A idéia era não só criar um banco de dados,<br />

que servisse a futuras taxações de comércio<br />

pelo IPHAN, mas também um arquivo que<br />

servisse às pesquisas. Então, houve um<br />

momento em que você tinha a documentação<br />

que o Saia pedia para fazer aqui e ali, que era<br />

eventual. As exposições, que se faziam aqui e<br />

ali. De certa maneira o remanejamento do<br />

Arquivo Central, com um ritmo mais lento,<br />

mas indo. O Inventário de Artes Menores a<br />

todo vapor. Ai a Aracy saiu. Acho que o prazo<br />

do projeto era um ano. Acho que o Saia<br />

conseguiu revalidar, talvez, por mais um [ano].<br />

A Aracy saiu e indicou um rapaz de Campinas,<br />

também, que acho que era da área de ciências<br />

humanas. Eu acho que ele veio através de<br />

indicação da Aracy. Se interessou muito pelo<br />

trabalho. Era um sujeito que gostava da vida<br />

acadêmica. No lugar da Aracy, ficou o José<br />

Roberto [Gomes] Hoffmann, que não sabia<br />

nada de fotografia, mas aprendeu. Eles dormia<br />

no patrimônio, para não ir e voltar todo dia<br />

para Campinas e a noite ia no laboratório.<br />

Aprendia com a gente. E, hoje, é fotógrafo<br />

badalado em Campinas. É! Fotógrafo badalado<br />

<strong>das</strong> madames de Campinas. Esses foram os<br />

9


grandes. Ah, não! Aí entrou um outro. O Saia<br />

conseguiu, através de um contato que vieram<br />

fazer aqui com ele em São Paulo, realizar uma<br />

documentação fotográfica sobre o barroco<br />

brasileiro, para o Instituto de Artes Finas da<br />

Universidade do Texas.<br />

JAELSON: Belas Artes!<br />

É! Belas Artes, no Texas.<br />

JAELSON: Austin.<br />

Austin. É! No Texas! E essa documentação era<br />

assim. O acordo que foi feito – acho que verbal<br />

– com o Saia era enviar para os Estados<br />

Unidos, para a Universidade de Austin, cinco<br />

ou seis mil fotografias do barroco brasileiro. O<br />

chamado barroco brasileiro. Minas,<br />

Pernambuco, Rio, Bahia... Eventualmente, São<br />

Paulo. O barroco entre aspas. Século XVIII e o<br />

que sobrou do XVII... Por aí. Dentro desse<br />

guarda-chuva, “arte barroca brasileira”.<br />

Enquanto todos os outros projetos<br />

continuavam. Este trabalho foi um pouco à<br />

parte. Quer dizer: não tinha projeto, não tinha<br />

verba específica, não tinha quem fizesse. Isso<br />

passou a ser feito primeiro por mim. Porque,<br />

nesse momento, todo o ano de 1972, foi meu<br />

último ano de faculdade. O Saia me aporrinhou<br />

a vida, dizendo que eu tinha que optar entre ser<br />

fotógrafo ou ser arquiteto. Que não existem as<br />

duas coisas numa mesma encarnação.<br />

JAELSON: Foi o ano de [São Luiz do]<br />

Paraitinga.<br />

Ah! Foi o ano de Paraitinga! Você mostrou<br />

para ele?<br />

JAELSON: A publicação foi péssima. O Saia<br />

foi para o Nordeste e me encarregou de<br />

publicar na gráfica. Era um moleque, que não<br />

entendia nada.<br />

Em 1972, durante oito meses, contratados pelo<br />

CONDEPHAT, através de um arranjo do Saia,<br />

que era conselheiro representante do IPHAN<br />

no CONDEPHAT, nós fomos contratados,<br />

uma equipe de umas cinco ou seis pessoas – eu<br />

era o fotógrafo, o desenhista, o puxador de<br />

trena, tudo (risos)! Mas, do pessoal que estava<br />

fazendo, quem tinha mais experiência era eu. E<br />

eu fiz. Nós formos contratados pelo<br />

CONDEPHAT para fazer o levantamento<br />

arquitetônico e fotográfico de 105, 110<br />

imóveis, na cidade de São Luiz do Paraitinga.<br />

Nesse ano de 1972, eu não fiquei mais no<br />

patrimônio. Porque o Saia falou que eu tinha<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

que escolher e eu falei: ‘Saia, eu quero ser<br />

arquiteto’. E o Saia falou: ‘Então, está bem.<br />

Vou falar com um amigo meu. E você vai<br />

passar a trabalhar com ele’. No dia seguinte,<br />

apareci no patrimônio e ele falou: ‘Está aqui.<br />

Você vai trabalhar com o João Walter<br />

Toscano, que já era um grande arquiteto. Ele<br />

está te esperando lá’. E eu passei o ano inteiro<br />

de 1972 trabalhando com o Toscano e só vinha<br />

no patrimônio no fim de tarde. Mas com esse<br />

negócio da Universidade de Austin, do barroco<br />

brasileiro. Eu era um dos poucos que tinha<br />

carro aqui. Eu tinha um fusquinha e gostava<br />

muito de viajar... Solteiro! Então, nas férias, o<br />

Saia me mandava para Minas, para Bahia, para<br />

estes lugares. Eu passava 10, 20, 30 dias<br />

fotografando. Fotografando em slide, porque a<br />

Universidade queria colorido. E fotografando,<br />

também em branco e preto. Fotografava com<br />

duas máquinas. Uma Hasselblad em branco e<br />

preto e uma Nikon colorida em slide.<br />

Mas, então, era uma médio formato e a outra<br />

slide 35mm?<br />

35mm. Eu fotografava dois de cada. Um para<br />

mandar para os Estados Unidos e outro para<br />

ficar aqui no patrimônio.<br />

Essas fotos aqui [da publicação de São Luiz<br />

do Paraitinga] você já fez com a Hasselblad?<br />

As quadra<strong>das</strong> são com a Hasselblad. Eu pedi<br />

emprestada aqui. Essas, basicamente, são to<strong>das</strong><br />

quadra<strong>das</strong>.<br />

Mas pediu emprestado aqui do patrimônio?<br />

É, porque, esse equipamento mais sofisticado<br />

veio com esse trabalho de Austin.<br />

Ah! Eles mandaram!<br />

É! Era assim. Eram 1000 fotos por mês.<br />

Alguma coisa assim. Ou por ano... E, em troca,<br />

eles mandavam ao preço de lá, em<br />

equipamento. Muitas coisas! É! Não tinha<br />

dinheiro.<br />

JAELSON: Duplicador de slide, copiadora a<br />

cores...<br />

Então, eles mandavam em equipamento. Era<br />

a forma de pagamento.<br />

É. Era a forma de pagamento. Aí, eu fiz Minas<br />

Gerais, Bahia, Alagoas, Sergipe, São Paulo...<br />

Nós fazíamos nas férias.<br />

Mas o Saia te pedia quais eram os<br />

monumentos que ele queria que você<br />

fotografasse?<br />

Ah! Eu ia com uma certa orientação, mas não<br />

com uma relação. É, porque eu viajava, até<br />

10


então... O Saia com esse negócio para montar<br />

o IPHAN, ele passou a viajar muito. (<strong>Gameiro</strong><br />

sai para conversar com Ana Beatriz Galvão).<br />

JAELSON: E o Saia fotógrafo?<br />

Ele passou a vida toda tentando ser fotógrafo.<br />

Era interessado. E, quando foi feita essa<br />

exposição do encontro dos governadores de<br />

Brasília... O Saia era tão chato. Eu fazendo<br />

tudo de graça entre sábado, domingo e o meu<br />

pai sendo operado no hospital. Nós temos as<br />

fotos, se é que já não roubaram tudo, as fotos<br />

que ele [Germano] ampliou. Então, tem uma<br />

famosa do Embu, que a foto é sépia, mas não é<br />

um sépia comum. As dele [Germano] eram<br />

desse tamainho, as que eu estava mandando<br />

para Brasília eram 50x60. Tem essas fotos do<br />

Engenho D’Água, em Ilha Bela, Engenho São<br />

Matias, que eram verdes. O Saia falou: ‘Eu<br />

quero igual! (risos). Ai, eu falei: ‘Eu nunca vi<br />

um negócio desse!’ Que era sépia eu sabia.<br />

Agora, a verde! E os caderninhos ficaram<br />

todos aí. Os apontamentos dele, as fórmulas<br />

químicas... [mostra uma foto numa publicação<br />

do IPHAN]. Não é do Germano. Essa é do<br />

Saia. Está na cara que é do Saia, porque cortou<br />

metade do prédio (risos).<br />

E a fachada principal está na sombra.<br />

É! Cortou metade do prédio.<br />

JAELSON: Não esculhamba.<br />

E, aí, a foto do Embu era sépia, mas uma<br />

fórmula muito especial de sépia e com um<br />

líquido esquentado a 23graus. E o Saia ficava a<br />

noite comigo. Enquanto eu trabalhava ele<br />

ficava lendo livro de filosofia. E eu falei:<br />

‘Consegui’! E ele falou: ‘Deixe eu ver!’ E<br />

dava pulos de alegria. Aí eu falei: ‘Mas o<br />

verde... Não acho. Já li isso tudo. Detalhe por<br />

detalhe. Não é coisa de liquído’. Aí me deu um<br />

estalo... Ele falou: ‘Procura que você acha.<br />

Tem duas formas de procurar uma coisa. Uma<br />

é procurar, a outra é procurar para achar’.<br />

(risos). Aí, eu falei: ‘Saia, descobri’.<br />

‘Descobriu? O que é que é?’ Falei: Saia, é o<br />

papel alemão importado. Está aqui. E dessa<br />

fábrica!’<br />

JAELSON: Na exposição tinham estas caixas.<br />

A Anita me mostrou umas fotos <strong>das</strong> caixas.<br />

Mas ela disse que as caixas ainda existem.<br />

Ele telefonou para o Farkas, que era muito<br />

amigo dele. E falou: ‘Farkas, eu preciso que<br />

você, rapidamente, traga para amanhã, depois<br />

de amanhã, importe um papel assim da<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

Alemanha’. Uns dois dias depois estava aí o<br />

negócio e deu certo. Ficou verde.<br />

Mauro: O Farkas está vivo ainda, você pode<br />

perguntar para ele.<br />

Ele é vivo ainda?<br />

É. O Thomas. Mora em Paraty.<br />

Você sabe que é gozado. Há uns três dias, eu<br />

fui num shopping para resolver uma questão.<br />

Eu olhei... Fotoptica. Mas mudou o logotipo?<br />

Que feio!<br />

Mauro: Sabe por quê? A Fotoptica foi<br />

vendida. Só que essa Fotoptica, agora... Até<br />

achei o logo inteligente. Ela não vende mais<br />

fotografia. Só vende óculos. Então, eles<br />

colocaram aqueles dois Os. Deixaram<br />

Fotoptica, o nome, só que fizeram dois O<br />

grandes para lembrar óculos.<br />

Porque eram <strong>das</strong> marcas mais antigas do<br />

Brasil. Só que era branco e preta a logomarca.<br />

E eles contrataram aquele arquiteto, que<br />

estudou em Hull, que é especialista... O cara<br />

mais cobra que existe, depois do Aloísio<br />

Magalhães... E esse cara não mudou. Ele foi<br />

contratado a peso de ouro. E ele falou: Nós não<br />

vamos mudar. Vamos, simplesmente, botar<br />

cor. E não mudou.<br />

<strong>Gameiro</strong>, uma questão que eu tenho. O<br />

Saia... Nestas viagens que você fazia durante<br />

as férias, você levava uma Hasselblad e uma<br />

35mm. É isso? E eu queria saber sobre essa<br />

interlocução com o Saia. Estou tentando<br />

entender qual o diálogo entre o Mário de<br />

Andrade e o fotógrafo. Entre ele e o<br />

Germano. E neste caso, como você assumia<br />

essa posição de fotógrafo, como era esse<br />

diálogo? Como eram essas instruções? Havia<br />

pautas, croquis? Havia uma discussão prévia<br />

com ele [Saia]?<br />

Eu acho que com o Germano sim. Havia uma<br />

espécie de... Imagem se fotografa assim.<br />

Arquitetura se fotografa assim. Altares se<br />

fotografa assim. Acho que houve um<br />

ensinamento, mesmo de quem não sabia de<br />

fotografia, por parte dele e do Mário de<br />

Andrade. Isso fica nas entrelinhas <strong>das</strong> cartas<br />

com o Rodrigo [Melo Franco de Andrade]<br />

Mauro: Na minha opinião, o Germano faz<br />

inventário. Veja bem. Ele não faz<br />

levantamento. Porque ele tira foto. No começo<br />

ele tira foto. Depois, ele põe umas medi<strong>das</strong>.<br />

Ele pega um santo e coloca medida.<br />

11


JAELSON: Essa foi uma boa lembrança do<br />

Mauro, que você ia ver na documentação. Ele<br />

põe, nas fotos, algumas medi<strong>das</strong>.<br />

Ele chegou a fotografar com alguma medida,<br />

régua, trena, papel quadriculado?<br />

Não. O Saia e provavelmente o Mário de<br />

Andrade detestavam fundo infinito. Eles<br />

diziam que isso é bobagem para propaganda,<br />

publicidade. Porque não dá escala. Você vê<br />

uma grande foto de um objeto desse tamanho,<br />

mas esse objeto pode ter dois metros de altura.<br />

Quando nós fizemos – eu e o Júlio – a<br />

documentação <strong>das</strong> 1300 fotos do Museu de<br />

Arte Sacra, a concorrência não foi só por<br />

preço, foi por técnica e qualidade também.<br />

Então, nós fotografamos, para apresentar junto<br />

com o preço, um cálice de prata, um santo de<br />

madeira – provavelmente em terracota – e um<br />

São Pedro que é dessa altura [grande]. Eu e o<br />

Julio queríamos apresentar para sensibilizar<br />

quem fosse analisar. Precisava ser um negócio<br />

preciso, mas a gente já sabia que o Saia<br />

detestava fundo infinito. Mas a gente queria<br />

apresentar, por exemplo, um cálice sem brilho.<br />

Então, usávamos filtros... UV, polarizadores.<br />

Mostramos as fotos para o Saia... To<strong>das</strong> com<br />

fundo infinito. Poxa, mas o Saia ficou bravo!<br />

Porque o São Pedro, você olhava e é uma<br />

imagem belíssima! Mas você não sabe se tem<br />

meio metro ou três metros. Compreende? Mas,<br />

nós dizíamos o seguinte: ‘Isso não é para<br />

pesquisa...’. Você compreende? Porque, junto,<br />

nós bolamos uma ficha que tinha a foto, o<br />

negativo e as dimensões. E o objetivo dessa<br />

documentação era, simplesmente, para<br />

registrar qual o acervo do museu, para efeitos<br />

internos. Se desaparece um cálice, roubado,<br />

qualquer coisa assim, está aqui a foto. Não há<br />

dois cálices iguais. É uma ficha, uma<br />

impressão digital. Era esse o objetivo,<br />

compreende? [O objetivo] Não era fazer nada<br />

artístico – a qualidade sim – mas era uma<br />

impressão digital, que agente queria. O<br />

objetivo do negócio era aquele. Não era<br />

publicar. Tanto é que a publicação é ruim. Até<br />

a qualidade do papel.<br />

JAELSON: Porque tudo aquilo estava, como<br />

ele disse, no antigo Museu Dom Duarte<br />

Leopoldo Silva, que não era um museu de<br />

verdade. Era um amontoado de coisas. Então,<br />

eles não tinham controle <strong>das</strong> coisas. E na hora<br />

de montar, precisava saber.<br />

Mas sobre o que você quer saber... Estou<br />

pensando. Mesmo quando eu deixei de<br />

trabalhar no patrimônio... E o último trabalho<br />

que eu fiz foi em 1972, depois eu fiz o curso<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

de 1974. Primeiro curso de restauração que o<br />

Saia organizou junto com a USP. O Saia<br />

assistia à aula de período integral, de segunda<br />

a sexta, mais as viagens de fins de semana,<br />

mais as viagens no meio do ano, mais as<br />

viagens no fim do ano. E ele ia. Então, eu<br />

convivi com o Saia, durante o ano de 74, de<br />

março até novembro, quando terminou o curso.<br />

Mas não mais como funcionário. Mas para<br />

aonde fosse viajar ele me levava. Não só<br />

porque ele gostava um pouco de mim, mas<br />

porque ele era um péssimo motorista (risos). E<br />

a família, os filhos e a mulher não queriam que<br />

ele viajasse sozinho. E como eu sabia que ele<br />

se dava muito bem comigo... Porque o Saia era<br />

um chato com os outros! Comigo nunca foi.<br />

Então, ele me levava junto para todo lugar. As<br />

vezes, a gente saía daqui sem destino. Levava<br />

uns mapas... Uma vez, saímos daqui para<br />

entregar um carro para um coitado na Bahia,<br />

um carro que nós tínhamos comprado aqui na<br />

fábrica, na Wolksvagem. Compramos uns<br />

cinco ou seis. E a gente ia levando esses carros<br />

para vários lugares. Chegamos na Bahia depois<br />

de 20 dias! Entregamos o carro para ele...<br />

(risos). Ele olhou... Era um advogado. Ele<br />

olhou... Atravessamos o Vale do Jequitinhonha<br />

durante 10 dias, com aquele fusca. Mas é claro<br />

que ele olhava um negócio e falava: ‘<strong>Gameiro</strong>,<br />

aqui. Aqui. Tira uma daqui também’.<br />

Ele indicava os ângulos?<br />

Não. Porque eram fotos em iluminação<br />

artificial. Então, tinha grande exposição de<br />

tempo, fotografava branco e preto, colorido...<br />

Eram demora<strong>das</strong>! E ele ficava olhando. De vez<br />

em quanto falava: ‘Tira uma daqui também’.<br />

Mas eu já sabia como é que ele queria e como<br />

se fotografava. A igreja se fotografa por fora<br />

desse jeito, por dentro desse, daquele... Não<br />

era assim. Mas essas fotos [volta à publicação]<br />

tinham que ter um efeito, vamos dizer assim,<br />

de publicação. É diferente <strong>das</strong> fotos do Museu<br />

de Arte Sacra. Essa é para publicar. De<br />

preferência devia ter uma boa luz ideal... Para<br />

mostrar a fachada frontal e mais a fachada<br />

lateral... Aquelas coisas convencionais, vamos<br />

dizer assim. Se o forro era um forro muito<br />

bonito, punha a máquina no chão e<br />

fotografava. O altar, claro. No meio da nave,<br />

pegava os altares laterais e o altar mor.<br />

antonio_gameiro_02.wav (00:19:30)<br />

E existia uma discussão: Aqui, essa<br />

construção foi feita de uma forma diferente,<br />

então é importante mostrar essa tesoura...<br />

Existia um diálogo neste sentido? Se chegava<br />

12


num monumento e se pensava na solução<br />

arquitetônica?<br />

O objetivo era registro. Eventualmente como<br />

documento interno ou como troca para Austin.<br />

Mas não era fazer uma documentação<br />

exaustiva. Era registrar a capela não sei <strong>das</strong><br />

quantas, na cidade não sei onde.<br />

Então, eram poucas fotos?<br />

Poucas fotos. Mesmo já tendo 35mm, coisa<br />

fácil. Mas eu fotografava sempre com tripé,<br />

por exemplo. Então, eu nem tirava 50, nem<br />

tirava 3 ou 4.<br />

Era mais um conjunto para criar uma<br />

narrativa daquela edificação? Tentar mostrar<br />

os aspectos principais?<br />

É. Principais. Para dizer: Essa igreja, essa casa<br />

é assim. Mas sem, de longe, esgotar. Fazer<br />

uma documentação mais sistemática.<br />

Mas por exemplo, indo com essa Hasselblad<br />

para realizar uma documentação, você<br />

tomava todo o cuidado, por exemplo, de<br />

corrigir perspectiva? Então, já tem um<br />

diálogo mais próximo com uma fotografia de<br />

arquitetura.<br />

Sim. Tomava cuidado com a composição. Se<br />

tivesse uma paisagem interessante, captar essa<br />

paisagem envoltória também. Mas [a intenção]<br />

não era esgotar. Até porque, voltava depois de<br />

20 dias de viagem.... Mesmo assim com<br />

algumas milhares de fotografia. E tudo no<br />

tripé. Não dava tempo, você compreende? No<br />

Vale do Jequitinhonha, nós passamos fome<br />

durante alguns dias. Não tinha o que comer.<br />

Quando achava algum lugar, tinha que se<br />

contentar com bolacha de água e sal e sardinha<br />

em lata. Isso quando o pessoal resolvia vender<br />

para a gente. Porque, depois de 20 dias... O<br />

Saia tinha um cabelo desse tamanho e eu<br />

também. E era 1970, 72... Lamarca não sei<br />

onde... Araguaia. Chegava num lugar desses...<br />

Nossa! Quando nós voltamos dessa viagem,<br />

depois de uns 25 dias, nós quase perdemos o<br />

avião porque a polícia nos pegou, colocou à<br />

força dentro de uma sala. Queriam que<br />

tirássemos to<strong>das</strong> as nossas roupas, to<strong>das</strong> as<br />

nossas malas. E vínhamos com muita coisa.<br />

Chegávamos a voltar com 2, 3 mil fotografias,<br />

fazendo a coisa rápida.<br />

Depois, essa documentação toda você<br />

processava no laboratório do IPHAN<br />

mesmo?<br />

A branco e preta sim. Os slides nós<br />

mandávamos para o Farkas.<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

Para mim, é importante essa relação do<br />

fotógrafo com os diretores do IPHAN.<br />

Principalmente, no caso do Mário de<br />

Andrade, para tentar entender essa relação<br />

com o Germano. E, também, para tentar<br />

pensar se havia um diálogo entre você e o<br />

Saia.<br />

Eu acho que essa relação com o Germano,<br />

tanto do Mário, quanto do Saia... O que eu<br />

sabia, eu não lembro mais. Mas sabia por<br />

terceiros. Principalmente pelo Faria, que era o<br />

mestre de obras, que era uma figura! Então,<br />

sabia pelas conversas dele. Aquele outro<br />

neguinho que ficava de noite... O [Augusto]<br />

Carmelita. Eles sim pegaram esse negócio.<br />

Sobre o Germano, eu acho que essa coisa do<br />

fichamento disso, daquilo... É coisa do Mário e<br />

do José Bento. Como? Como tombar? As<br />

separações por áreas de estado...<br />

JAELSON: Essa organização não era do<br />

Germano.<br />

Partiu do Mário de Andrade?<br />

JAELSON: Partiu do Mário de Andrade! E do<br />

secretário dele, o José Bento.<br />

A função do José Bento era pesquisar aquilo<br />

que o Mário mandava e sistematizar aquilo que<br />

o Mário pedia para fazer. Eu acho que o<br />

Germano não tinha essa função. O próprio<br />

nome “Arquivo Oficial”, isso é coisa do Mário<br />

de Andrade.<br />

É que eu estou tentando entender, se este<br />

diálogo com os fotógrafos reflete um<br />

pensamento maior que é, justamente, tentar<br />

formatar uma visualidade do arquivo. Por<br />

exemplo:’ Não me venha com um documento<br />

que não me serve, porque eu quero um<br />

documento bom para o meu arquivo’.<br />

Do que eu percebi, comigo próprio e com os<br />

outros colegas fotógrafos, do que eu li nas<br />

correspondências com o Germano, Primeiro:<br />

não foi fácil e demorou tempo, aceitar o<br />

trabalho do Germano. O trabalho inicial.<br />

Demorou tempo. Eu acho que há certas<br />

passagens até de desânimo. Não sei se do<br />

próprio Mario de Andrade. Esse espírito<br />

alemão... As diretrizes de como fotografar...<br />

Ele era fotógrafo de estúdio, de casamento,<br />

mas nem na igreja ele ia. Naquela altura, eram<br />

os noivos que, depois do casamento, iam no<br />

estúdio. Então, é uma coisa ruim, tudo igual.<br />

Quando perceberam o resultado <strong>das</strong> primeiras<br />

fotos, tentaram dizer: ‘Não é bem isso. É isso,<br />

isso e isso’. O Saia, ele sempre se interessou<br />

pelos trabalhos dos fotógrafos. Pela qualidade,<br />

13


pelos ângulos,... por uma série de coisas. E<br />

sempre deu palpite. E dizia: ‘Isso poderia ficar<br />

melhor se ficasse assim’. Sempre deu palpite.<br />

E, aí, o grau da intervenção dele, da crítica, do<br />

interesse, de ver o resultado, variava ou de<br />

acordo com o que ele queria ou até com o<br />

relacionamento que ele tinha com um e com<br />

outro. Com o Zetas, por exemplo, que é um<br />

porra louca... Quando falava, porque não<br />

precisava. O Zetas era muito bom, mas era um<br />

porra louca. Às vezes o Saia dizia: ‘Faltou<br />

isso, faltou aquilo’. Qualquer coisa parecida. E<br />

ele [Zetas] dava uma grande risada da cara do<br />

Saia, debochava (risos)... Então, variava muito.<br />

Mas, quando ele queria...<br />

JAELSON: E o Saia gostava do Zetas.<br />

Pessoalmente. O Saia era muito amistoso.<br />

Muito afetuoso com todos nós.<br />

Era uma grande família. Ele era paizão de todo<br />

mundo. Era todo mundo criançada. Todos na<br />

faixa de 20, 30 anos. Então, era paizão. Todo<br />

mundo comia junto, almoçava junto e, no fim<br />

da tarde, levava e ia tomar cerveja junto. Era<br />

assim. Mas ele se interessava sim. Eu acho que<br />

com o Germano foi mais difícil. E, depois, o<br />

Germano pegou o jeitão, o Saia gostou, todo<br />

mundo gostou etc. Não tem a qualidade de um<br />

[Marcel] Gautherot... Não tem. Nem perto.<br />

Você vê que ele não mudou. Ele ficou 30 anos<br />

e não conseguiu captar...<br />

Que é um [olhar] mais artístico?<br />

JAELSON: Ele estava fora dessa discussão<br />

mais artística.<br />

Estava. A única coisa que ele se interessava...<br />

Nessas viagens, ele virou colecionador de<br />

orquídeas.<br />

JAELSON: Tinha um orquidário na casa.<br />

E ele participava de exposições e de concursos.<br />

E a única coisa que a gente viu, era fotografar<br />

orquídeas.<br />

JAELSON: Diz que gostava de paisagens<br />

também. Cachoeiras...<br />

É cachoeira. Mas de um mal gosto tremendo!<br />

(risos)<br />

JAELSON: A [cachoeira] dos marimbondos.<br />

Você vai ver. São cachoeiras que não existem<br />

mais.<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

De vez em quando, acho que para descontrair,<br />

ele pegava uma empregadinha doméstica...<br />

Porque ele morava aí. Viúvo. De vez em<br />

quando, ele fotografava uma negrinha pelada<br />

na mesa do Saia. Um monte de papel e a<br />

negrinha... (risos). Só! Mas só vi umas duas<br />

fotos. Porque, eu e o Júlio nós encontramos o<br />

laboratório como ele deixou, no dia em que ele<br />

morreu.<br />

JAELSON: Três anos depois, que vocês<br />

começaram a trabalhar? Menos que isso. Ele<br />

morreu em 1966. O Julio começou quando?<br />

1967, 1968?<br />

O Júlio começou naquela viagem que ele foi,<br />

como estudante, num ônibus da FAU para o<br />

Rio Grande do Sul e o Saia pediu umas fotos<br />

para ele. Umas fotos de 50x60, amplia<strong>das</strong>. Das<br />

Missões. Muito ruins, diga-se de passagem.<br />

Ele não era profissional. A tendência do Julio<br />

não era pela fotografia, era pela comunicação<br />

visual. Mas ele também aprendeu um pouco.<br />

As fotos que ele trouxe do Rio Grande do Sul,<br />

isso eu lembro, não agradaram nem um pouco<br />

o velho Saia. Então, ficavam no chão. Eram<br />

muito ruins.<br />

Então você acha que você e o Julio [Abe], por<br />

exemplo, aprenderam muito com as<br />

anotações do Germano, coisas assim? Ou o<br />

aprendizado foi com colegas? Como foi isso<br />

de aprender a fotografar? O Júlio já tinha<br />

uma experiência, mas você estava falando<br />

que ele não tinha uma qualidade tão boa...<br />

JAELSON: O Saia fazia uma comparação<br />

entre a documentação deixada pelo Germano e<br />

a que vocês deveriam fazer ou começar a<br />

fazer? Ele mostrava?<br />

Não. Só quando ele queria dar uma gozada na<br />

gente (risos). É. De brincadeira. Porque era o<br />

seguinte: Eu e o Júlio éramos estudantes de<br />

arquitetura na década de 1960, que foi a<br />

década <strong>das</strong> artes plásticas, da fotografia, do<br />

cinema, <strong>das</strong> exposições to<strong>das</strong> que aconteciam.<br />

Toda semana, Eu ia numa exposição, numa<br />

galeria. Das revistas... E a gente fotografava<br />

com uma certa sensibilidade de quem é amante<br />

<strong>das</strong> artes. Você ia na casa do Júlio para<br />

estudar, tinha David Brubeck, tinha isso, tinha<br />

aquilo. Tinha música sacra. E a gente era rato<br />

de biblioteca, dessas revistas que chegavam<br />

importa<strong>das</strong>. O Mackenzie e a FAUUSP<br />

importavam to<strong>das</strong>. Então, não havia um dia em<br />

que não se entrava na biblioteca, no intervalo,<br />

e pegava a última. Nem que fosse só para olhar<br />

rapidamente em alguns minutos. Era diferente.<br />

14


O Germano, coitado... E, depois, ele ficou<br />

fazendo a parte chata, que é a contabilidade. A<br />

parte chata de contabilidade que caia para ele<br />

como uma luva.<br />

JAELSON: Ele fazia o papel de três pessoas.<br />

Porque, depois, vai ter o Casamaior, a Dulce, o<br />

Armando.<br />

É. Fazia tudo sozinho. E fotografava.<br />

JAELSON: Tem um trabalho dele, guardado.<br />

Ele devia pegar uns bicos. Pegava com as<br />

madames, fotografava coisa antiga... Mas, fora<br />

isso, tem um trabalho dele, em várias caixas...<br />

Negativos... Uma documentação para o<br />

Hospital do Fogo Selvagem, aqui em São<br />

Paulo. Estava no lixo, também. Isso precisa ser<br />

mandado para outro lugar.<br />

Ele não era de fazer freela não.<br />

<strong>Gameiro</strong>, mas tinha um diálogo como: ‘Vocês<br />

estão com uma linguagem mais artística,<br />

tentando procurar algo mais vinculado com<br />

as artes visuais como um todo’. Mas existia<br />

uma pressão do Saia para que vocês<br />

chegassem numa imagem mais apropriada<br />

para o patrimônio?<br />

É. Acho que, quando ele criticava, era um<br />

pouco por aí. Isso quando interessava a ele<br />

fazer a crítica, porque estava esperando um<br />

outro resultado, alguma coisa assim, era mais<br />

por aí. Ele dizia que publicidade é publicidade,<br />

foto artística é foto artística, uma foto de<br />

documentação arquitetônica é outra coisa. Tem<br />

que ser. Eu estava vendo ali um negócio do<br />

Mauro [Bondi], quando eu falei para você vir<br />

na semana passada. Porque foi o Mauro que<br />

colocou as fotos dele na coleção Pirelli MASP.<br />

JAELSON: [O Saia] Usava a estética lógica<br />

do Aristóteles para criticar. Inclusive! (risos)<br />

antonio_gameiro_02.wav (00:35:22)<br />

As primeiras fotos do Germano de pinturas são<br />

um desastre. Mas, depois, você pega as fotos<br />

finais de pintura... Vamos ficar em pintura.<br />

Você pega os murais do Portinari, em<br />

Brodowsky são umas fotos lin<strong>das</strong>. Porque ele<br />

tinha um equipamento excelente, alemão.<br />

Não era, nesse primeiro momento, um<br />

problema técnico para o Germano?<br />

Acho que, nesse primeiro momento, é o<br />

seguinte: Uma coisa é fotografar no estúdio,<br />

onde você quer, evidentemente, tirar uma foto<br />

tecnicamente perfeita com aquele equipamento<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

de lentes, câmeras. E outra – até porque ele era<br />

alemão e estava na década de 30, 40 – fotos<br />

expressionistas! Aquele fundo claro e escuro.<br />

Aquela iluminação que não existe. Você<br />

compreende? Iluminação totalmente artificial<br />

para dar expressão. Expressionismo alemão,<br />

mesmo! Por isso, eu acho que foi difícil para<br />

ele perder essa coisa de claro e escuro. Essa<br />

coisa do expressionismo alemão. Eu não sei.<br />

Não dá para imaginar como alguém – e esse<br />

alguém, provavelmente, era o Luis Saia – tira<br />

uma foto dessa com o Mário de Andrade... A<br />

única foto que se tirou do Mário de Andrade,<br />

na frente daquele casarão... E o casarão está<br />

torto e cortado. É de quem não gosta de<br />

fotografia.<br />

Não compreende o que é aquele documento.<br />

Não tem uma visão mais clara do que é<br />

aquele documento fotográfico.<br />

É. Mas acho que não tem a paciência no trato<br />

com o equipamento fotográfico. Compreende?<br />

Escolher o filme certo, ter um cuidado no<br />

enquadramento, colocar sobre um tripé...<br />

Mesmo que seja um pau de vassoura. E<br />

colocar o sobradão iluminado e cortar é<br />

demais! Com o Mário de Andrade na frente!<br />

Então, não tinha essa vocação, como ele<br />

gostava de usar o termo. Ele tinha embocadura<br />

para isso. E ele mesmo se ridicularizava<br />

(risos). Ele mesmo se ridicularizava um pouco.<br />

A ponto de, quando ele voltava de uma obra e<br />

recebia uma foto dele bem enquadrada, sem<br />

tremer, ele dizia: ‘Olha aqui! Isso é que é<br />

fotógrafo!’ Mas na gozação.<br />

JAELSON: E as fotos demagógicas? Ele<br />

dizia: Essa foto é demagógica! (risos)<br />

É! Eu acho que essa questão da demagogia é<br />

perfeita. Germano é foto de estúdio. Com<br />

iluminação indireta e com um resultado<br />

expressionista. Na década de 30, 40. Aquilo é<br />

um claro e escuro que não existe na realidade.<br />

Mas o que ele queria dizer com “isso é<br />

demagogia”?<br />

JAELSON: Mas ele brincava com umas fotos<br />

do Julio, do Zetas. Dependendo...<br />

Quando ele dizia que era demagógico, é o<br />

seguinte: Ele estava interessado... Isso era para<br />

brincar! Para cutucar. Ele queria uma foto<br />

documental. Então, uma foto documental para<br />

ele tem como objetivo registrar o monumento<br />

como ele é, sem a mão do fotógrafo. Ou seja;<br />

para ele, também, restaurar um edifício, tem<br />

que ser restaurado dentro dos critérios que<br />

15


devem ser adotados, sem a mão do arquiteto.<br />

Então, ele cairia duro ao ver o projeto do Paulo<br />

Mendes da Rocha para a Pinacoteca [do<br />

Estado de São Paulo] e para a Estação da Luz.<br />

Por quê? Porque ele dizia que o arquiteto não<br />

podia se colocar perante uma restauração de<br />

forma mais importante do que o edifício que<br />

está sendo restaurado. Quer dizer, ele não deve<br />

ter esse ego. Isso é o que acontece na Europa<br />

inteira com Norman Foster, com todos esses<br />

caras. Isso ele não admitia.<br />

JAELSON: Você vê que a demagogia tem a<br />

ver com esse além do que é.<br />

É! Com essa pretensão do arquiteto de querer<br />

fazer melhor, aquilo que vai ser novo, do que é<br />

necessário.<br />

Mas é interessante isso. Porque é pedir para o<br />

fotógrafo fazer um documento em que ele<br />

desapareça. Que não tenha a mão do<br />

fotógrafo. É como criar uma informação<br />

“limpa”, sem ruído do fotógrafo... Que ele<br />

não apareça.<br />

É. Forçando a barra. Ele jamais diria isso. Não<br />

precisaria dizer isso para o Gautherot. Porque<br />

o Gautherot é um fotografo de paisagem e de<br />

arquitetura, que nunca foi de estúdio e nunca<br />

utilizou nem precisava, talvez nem soubesse,<br />

utilizar os recursos do estúdio.<br />

Mas é interessante pensar nesse diálogo do<br />

Saia...<br />

Ele era extremamente interessado. Nós<br />

chegamos a trabalhar na década, no começo de<br />

1970, em volta dele, sem nenhum vínculo<br />

empregatício. Quando podia, contratava um<br />

como servente de pedreiro, outro como<br />

porteiro, outro como zelador. Aqueles que<br />

precisavam mais. Nós chegamos a ser mais de<br />

10. Só agora, nos últimos 3, 4 anos que não<br />

tem nem mais lugar para sentar. Mas a<br />

qualidade se perdeu, o companheirismo, a<br />

qualidade, o saber, a discussão! Era tudo<br />

discutido! Você fazia um negócio e<br />

perguntava: O que você acha? A única pessoa<br />

que era extremamente arrogante, mas não no<br />

trabalho, era o José Roberto. Tanto é que não<br />

deu. Não deu para ele continuar trabalhando. O<br />

Saia falou: ‘Até logo’. Porque era uma pessoa<br />

complicada.<br />

E, <strong>Gameiro</strong>, pensando no documento<br />

fotográfico, pensando que vocês concordam<br />

com isso, que uma instituição que trata e<br />

cuida do patrimônio, esse caráter mais<br />

artístico, mais elaborado da imagem, isso não<br />

necessariamente é algo que sirva para o<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

patrimônio. Mas os documentos fotográficos<br />

têm que ser claros e num sentido mais<br />

técnico.<br />

Limpos! Tecnicamente correto, qualquer que<br />

seja a opção do fotógrafo.<br />

Não que um documento constituído com um<br />

caráter mais artístico ele não seja<br />

tecnicamente correto. Como uma fotografia<br />

do Marcel Gautherot também é corretíssima.<br />

É! Mas é limpa.<br />

JAELSON: Mas não fazer parecer que é o<br />

raio divino que entra! Essa é a demagogia.<br />

Isso, mas no sentido da objetividade do<br />

documento. Se vocês concordam com isso.<br />

Um documento, para o patrimônio histórico,<br />

ele deve ser assim.<br />

Se é como documento, ele deve ser limpo. Eu<br />

acho que... O Saia mesmo dizia isso.<br />

Fotografar arquitetura não é fácil. Tanto é que<br />

ele não conseguia. Com to<strong>das</strong> essas<br />

preocupações, ele não conseguia. E ele tinha a<br />

Rolleiflex. Mas não é fácil fotografar<br />

arquitetura. Ele sabia o que se deveria ser uma<br />

foto de arquitetura, mas não conseguia fazer.<br />

Acho que não tinha paciência. Então, esses<br />

fotógrafos de arquitetura chegavam a esperar<br />

dois, três dias. Parar de estar nublado,<br />

chuviscar... Esperavam três horas uma nuvem<br />

passar por trás, porque eles queriam a foto<br />

daquele jeito. Para dar o relevo, para dar a<br />

volumetria, a profundidade... E assim por<br />

diante.<br />

E essa paciência o Saia não tinha?<br />

Eu acho que não tinha. Nem a paciência nem o<br />

interesse. Acho que ele não tinha a vocação e o<br />

gosto, o prazer. Se ele tivesse, ele conseguiria.<br />

Mas eu acho interessante essa compreensão<br />

deles, do Saia, talvez até do Mário de<br />

Andrade, de entender isso. A gente tem que<br />

cuidar de uma gama de questões, que eu<br />

prefiro contratar um fotógrafo que conheça<br />

bem a feitura disso e que me dê o documento<br />

de que eu preciso.<br />

Foi pelo resultado que os dois traziam do<br />

campo para dentro, que chegaram a essa<br />

conclusão. Nós somos imprestáveis para isso.<br />

Leia O Turista Aprendiz. Ali, em 1924!<br />

JAELSON: Mas veja do ponto de vista da<br />

fotografia e o instrumental intelectual do Saia.<br />

Uma vez, eles discutiram uma foto que eu<br />

queria por na capa dessa publicação, que era<br />

uma peça, um sóculo de uma porta. E eu quis<br />

deixar o sóculo num certo ponto, cortar a<br />

16


moldura do batente. E o Saia falou: ‘Você,<br />

para mostrar uma coisa, tem que levar em<br />

conta a extensão e a compreensão do tema’. E<br />

ele começou a discutir Aristóteles comigo.<br />

‘Porque, se não, você acaba puxando para<br />

outra coisa, desvia o sentido’. O tal ruído! Ele<br />

era muito claro.<br />

Você tocou num assunto interessante. Foto de<br />

detalhe, ele só aceitava como registro técnico<br />

de alguma coisa.<br />

E entravam mais nessas fotos de obras, não<br />

nessas fotos oficiais?<br />

Exatamente. Porque que você fotografa um<br />

detalhe fora do contexto geral, do contexto<br />

total? É para documentar o que é aquele<br />

detalhe, não onde ele se encaixa, mas como é<br />

que está a sua situação, como é o seu<br />

desenho... Compreende?<br />

Sim. E é interessante porque o Jaelson<br />

comentou que o Germano tem muito pouca<br />

documentação de detalhes.<br />

Muito pouco.<br />

JAELSON: Mais documentação de pesquisa e<br />

oficial. Porque não era ele que fazia as de<br />

obras.<br />

Isso é interessante porque dialoga<br />

diretamente com essa idéia do Saia, de<br />

entender que a imagem oficial não pode ser<br />

de detalhe.<br />

JAELSON: O Lincoln tirava fotos?<br />

Eu acho que sim. Quando as obras eram muito<br />

longe, eu acho que ele tirava fotos sim. Eu não<br />

tenho certeza, mas quase certeza que sim.<br />

JAELSON: O Germano ia na obra, às vezes,<br />

só para levar o pagamento (risos).<br />

E as fitas com gravações com o <strong>Antônio</strong><br />

Bento, o Faria?<br />

JAELSON: Você sabe que a Simone Coger<br />

me entrevistou? Não sei se marcou qualquer<br />

coisa com você? Mas é bem interessante o<br />

trabalho que ela estava fazendo. Ela foi ao Rio<br />

e eles deram a lista do que eles tinham<br />

disponível. E deram cópia para ela. E a nossa<br />

entrevista está com ela. Aquela de 1983 que<br />

concedemos. Aquela entrevista no Rio, deram<br />

cópia para a Simone.<br />

E aquela com o Lincoln Faria, do Armando<br />

Rebolo...?<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

JAELSON: Pois é. Na relação que deram,<br />

Souza Reis, <strong>Gameiro</strong>, Jaelson... Não tem. Nem<br />

o Faria, nem o Garcia. Isso você precisaria ir<br />

atrás.<br />

São essas entrevistas com os mestres de<br />

obras?<br />

Com os mestres. Com o Armando. Com o<br />

pessoal que conviveu com o Germano.<br />

antonio_gameiro_02.wav (00:52:00)<br />

<strong>Gameiro</strong>, você já comentou de uma forma<br />

mais espaçada pela entrevista, mas eu queria<br />

que você falasse melhor sobre o que é um<br />

bom procedimento de documentação da<br />

arquitetura? Quais são os equipamentos?<br />

Como que você encara o monumento? Quais<br />

são os elementos principais de uma<br />

documentação? São facha<strong>das</strong>, detalhes,<br />

interior? Equipamentos, por exemplo, de<br />

grande formato com correção de perspectiva?<br />

Em primeiro, eu acho assim: Qual é o objetivo<br />

dessa documentação? Se é para instruir um<br />

processo de tombamento, por exemplo, como<br />

eu fiz com o Júlio [Abe] em 69, na Fazenda<br />

Resgate, em Bananal... Porque, apesar de estar<br />

dentro de São Paulo, sempre ficou aos<br />

cuidados do Rio. O Saia achava aquela fazenda<br />

muito rebuscada... Não davam a menor bola<br />

para aqui lá. E a família vendeu para um<br />

grande milionário do Rio, que restaurou aquilo<br />

e procurou o Lucio <strong>Costa</strong>, que era o chefe da<br />

sessão de estudos e tombamentos no Rio. E o<br />

Lucio <strong>Costa</strong> tomou conhecimento não sei se<br />

em mais detalhes da fazenda e se interessou<br />

pelo tombamento. E o Saia, isso em 1969... Já<br />

estava em andamento o remanejamento do<br />

arquivo? Eu acho que não. O Saia pediu para<br />

mim e para o Júlio, se a gente não queria ir a<br />

Bananal fotografar a fazenda Resgate por<br />

dentro e por fora. O Rio de Janeiro tinha<br />

pedido uma documentação fotográfica e a<br />

gente devia ter uma ou duas fotos, que não<br />

mostravam nada. Então, nós fomos lá com esse<br />

objetivo: fotografar a fazenda, sem saber ainda<br />

– acho que nem o Saia sabia – que seria para...<br />

Ou isso só foi percebido depois...<br />

JAELSON: (Mostra um livro) Foto de 1969<br />

do Germano! (risos)<br />

É! Está tudo errado aí. Esses postais vão sair<br />

com o nome do... Essa de 1969 é do Júlio.<br />

Minha e do Júlio.<br />

JAELSON: Para você ter uma idéia do que ele<br />

está falando.<br />

17


<strong>Gameiro</strong>, eu tenho uma preocupação, porque<br />

nessa própria composição <strong>das</strong> sombras, se<br />

vocês esperavam para que determinado<br />

sombreamento percorresse a fachada, para<br />

que desse um volume na frente?<br />

Esperava. Esperava.<br />

E aqui fica claro, que a sombra sai da escada<br />

e ela fica mais evidente por conta de estar<br />

iluminada.<br />

Exatamente! Sabia o que queria. Tem umas<br />

bobagens que, talvez, o Saia não gostasse.<br />

(risos). Mas é uma forma de enriquecer um<br />

pouco. Essa outra foto como documentação é<br />

ruim. Essa é uma melhor. Isso foi fotografada<br />

com uma Nikon. As outras são feitas com<br />

essas máquinas já... Então, nós fomos e<br />

passamos em Bananal dois dias. Dormimos na<br />

cidade. Foi eu o Júlio e a namorada dele. E,<br />

depois, fomos para o Rio de Janeiro, ficar no<br />

hotel Argentina, em Botafogo, na praia. E<br />

passamos lá, fotografando essa fazenda...<br />

Chegamos lá, na hora do almoço. Entramos em<br />

contato com a família pessoalmente, com os<br />

descendentes da fazenda. Fomos para ver a<br />

situação toda, para fotografar durante o dia<br />

seguinte. Então, nós passamos um dia<br />

fotografando. A fazenda era muito grande.<br />

Mas, quando fomos para lá, nós pesquisamos a<br />

história da fazenda. Então, nós fomos para lá<br />

sabendo que tinha um tal de espanhol maluco.<br />

Um espanhol que pintou... Vilaronga. A gente<br />

pesquisou. Sabendo o que é que nós iríamos<br />

encontrar. E, aí, nós víamos que a fazenda de<br />

sobrado com porão, taipa de pilão... ou pedra,<br />

não me lembro mais. Com pinturas decorativas<br />

de paredes, forro... Pinturas ilusionistas! Um<br />

negócio muito interessante. E passamos um dia<br />

lá, fotografando com Nikon. Que eu me<br />

lembro, o equipamento era a Nikon. Não tinha<br />

o equipamento que veio depois dos Estados<br />

Unidos. Mas com tripé! Eram fotos que foram<br />

pedi<strong>das</strong> pelo Lucio <strong>Costa</strong>, para o Saia. ‘Tem<br />

jeito de você conseguir umas fotografias<br />

atuais... da fazenda tal’.<br />

JAELSON: Para instruir o processo. Foi<br />

tombado em 1979.<br />

Foi. Foi no Rio. Eu não me lembro mais se nós<br />

sabíamos se era ou não para tombar. Mas<br />

sendo ou não sendo para tombar, o Rio queria<br />

uma documentação fotográfica que lhe desse<br />

um quadro bastante bom da fazenda. Então,<br />

nós voltamos de lá com... já era 35mm, já era<br />

coisa mais barata. Voltamos, talvez, com umas<br />

70 fotos. Aí, aproveitamos para fotografar<br />

painel por painel e assim por diante. Porque é<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

difícil ir lá. Hoje é mais fácil. Já que é para<br />

fotografar as pinturas, vão fotografar to<strong>das</strong> ou<br />

quase to<strong>das</strong>. Com a precisão que a quantidade<br />

permitia. Entende? Mas com tripé, bem<br />

enquadrada, com cuidado. No fundo, no fundo,<br />

a incumbência que o Germano recebeu da Pau<br />

D’Alho - que é uma série de umas 20 fotos da<br />

Pau D’Alho, muito interessantes – [foi] de uma<br />

dificuldade danada. A maioria <strong>das</strong> fotos dele<br />

são fotos de detalhe. Porque interessava ali<br />

pegar o conjunto. E o conjunto só é<br />

fotografável de um morro do lado de lá, 500m,<br />

700m. Entende? A topografia com aqueles<br />

equipamentos pesados. E ele ia sozinho. Então,<br />

para carregar tripé de madeira, máquinas<br />

daquelas 4x5. Máquinas enormes e de<br />

madeira! Uma dúzia de chapas e não sei mais<br />

o quê. Ele deve ter passado lá,<br />

provavelmente... Ele deve ter ficado uma<br />

semana fotografando 20 fotos. Pode ser que<br />

tinha trazido 30 e as outras 10 ele jogou fora,<br />

porque não gostou. Tem essas coisas também,<br />

não é? Não ampliou. Então, em se tratando do<br />

patrimônio, a questão principal da fotografia é<br />

documentar. O objetivo principal é<br />

documentar. É diferente de uma foto para a<br />

revista Quatro Ro<strong>das</strong>, no Pantanal. Aí tem que<br />

ser demagógica mesmo. (risos). É isso!<br />

Despertar o interesse para ir lá. Falar: olha,<br />

você viu o pantanal! É diferente. Isso o Saia<br />

sempre falou, sempre tentou e nunca<br />

conseguiu, por conta desse negócio que eu<br />

acho que é a inaptidão dele para a fotografia.<br />

Falta de paciência para fazer estas coisas. Mas<br />

dos fotógrafos que passaram por aqui – e eu,<br />

então, não sabia nada – o único que, também<br />

ficou pouco tempo, mas chegou já sabendo<br />

fotografar mesmo era o Zetas. O Zetas não só<br />

fotografava como filmava também.<br />

JAELSON: Se quiser entrevistar o Zettas, eu<br />

aceito carona para ir.<br />

Pode ser no iate dele! (risos). Ele tinha feito<br />

curso, acho que no exterior.<br />

antonio_gameiro_02.wav (01:02:30)<br />

Mas ele, então, era próximo do Saia? Isso<br />

que você falou dele ter uma intimidade... Ou<br />

isso se construiu depois?<br />

Ah! Porque ele era assim. Ele era desse jeito.<br />

Era um gozador.<br />

JAELSON: E o Saia assimilava a<br />

personalidade de cada um. Como ele era muito<br />

amistoso, ele dava margem para estar de igual<br />

para igual.<br />

18


Mas era o jeito do Zetas. Um gozador!<br />

JAELSON: Era jovem!<br />

A mesma idade. A gente sabia. Porque ele<br />

tentou fazer arquitetura e acho que não<br />

passou... Ele tinha muito dinheiro! Comprava<br />

cada equipamento próprio! Não tinha<br />

problema de sobrevivência. Fazia o que<br />

gostava. E aqui ele se deu bem por causa desse<br />

clima todo. Ele gostava bastante do Saia. Esse<br />

sim, chegou sabendo. De resto, nem o<br />

Germano nem o Augusto.<br />

Mas é interessante. Pelo menos a grande<br />

maioria dos fotógrafos, chegava para<br />

começar a documentar sem muito<br />

conhecimento da fotografia. E, pensando em<br />

paralelo, o que você contou sobre quando<br />

falou para o Saia que você não sabia<br />

fotografar e você falou: ‘Nossa! Que bom!<br />

Sem vício! Sem esse caráter mais pessoal,<br />

mais de autor. Fotografia de autor’. Se você<br />

não tem esse entendimento da fotografia<br />

como uma foto de autor, então você pode<br />

fazer uma foto mais técnica, mais própria ao<br />

IPHAN, do que no outro caso.<br />

É! Você vê um fotógrafo de arquitetura, que é<br />

arquiteto. O Mais famoso! O Cristiano<br />

Mascaro. As fotos dele não servem para o<br />

patrimônio. Agora tem um outro rapaz, o<br />

[Romolu] Fialdini, que já é uma outra<br />

geração... colorido. Esse é documental, né?<br />

Esse cara é bom!<br />

E o trabalho do Nelson Kon? Vocês<br />

conhecem?<br />

Conheço também.<br />

Ele é mais moderno...<br />

É. Mas eu acho o Fialdini melhor. Acho eu que<br />

o Kon é editado... Porque ele é mais de revista<br />

de arquitetura. E acho que os editores <strong>das</strong><br />

revistas é que pegam o trabalho dele... Ou diz:<br />

Nós queremos assim.<br />

‘Essa que funciona’. Ele faz assim mesmo<br />

porque é a que os editores compram?<br />

É! Ele não é documental. Ele é de detalhes,<br />

caixilharia, os reflexos atrapalhando. Ao invés<br />

de mostrar o prédio, mostra a nuvem. O<br />

Fialdini é diferente. Ele documenta mesmo. É<br />

muito bom!<br />

JAELSON: E quem mais que passou? Bom,<br />

os outros eram auxiliares. O Rudge. O<br />

Carlão....<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

É. O Carlão vinha de foto jornalismo. Ele<br />

vinha de jornal.<br />

JAELSON: O irmão já era do Estadão.<br />

É. Ele vinha de jornal. E acho que até hoje está<br />

em jornal, no Paraná. Ele não se adaptou muito<br />

bem aqui. Quem trouxe ele foi o Zetas. Ele<br />

mexia com fotografia, mas você vê como é<br />

gozado. Uma ótima pessoa. Um cara<br />

boníssimo! O Saia gostava dele. E todo mundo<br />

gostava dele. Ele não se adaptou. Não se<br />

adaptou. Ele era uma espécie de auxiliar do<br />

Zetas, porque o Zetas era muito impaciente.<br />

Cheio de tique nervoso. Não parava quieto!<br />

(risos). Ele era uma espécie de auxiliar do<br />

Zetas. (risos).<br />

E, <strong>Gameiro</strong>, para a gente fotografar... Não só<br />

esta questão do que a imagem deve ter, mas<br />

equipamentos técnicos. Você acha que é<br />

fundamental termos grande formato, tripé...<br />

O que é um equipamento bom para se<br />

documentar? E esse equipamento o Germano<br />

tinha?<br />

Para a época, ele tinha boas lentes. Ele tinha<br />

excelentes lentes. Zeiss, etc... Agora, máquina,<br />

ele fazia de madeira. Fazia. O ampliador, ele<br />

fazia. Então, não tinha dinheiro para chegar e<br />

falar: ‘Vou comprar um ampliador Zeiss da<br />

Alemanha’! Ele tinha o que ele deve ter trazido<br />

do estúdio, depois que entrou no patrimônio.<br />

Então, eram aquelas objetivas! De uma<br />

precisão muito boa, porque foto de estúdio tem<br />

que ser... Não pode ser meia boca. Tem até que<br />

retocar. Mas, hoje em dia, com essa... Porque,<br />

eu nunca mais fotografei. Eu não tenho<br />

máquina fotográfica. Tenho umas duas ou três,<br />

em casa, que eu não uso há 25 anos.<br />

Essas duas câmeras que você falou: Essa<br />

35mm, que você usou, e essa Hasselblad,<br />

nesse trabalho, elas são do patrimônio?<br />

Andaram roubando o que sobrou, no período<br />

[do governo Fernando] Collor. (risos).<br />

JAELSON: É o que dizem (risos)!<br />

É! É o que dizem! Você vê. Essa foto. O<br />

pessoal pega uma foto que está mal ampliada e<br />

põem no jornal, na revista às pressas. É como<br />

nesses cartões postais... E nestes casos são<br />

essas fotos, porque não é profissional com<br />

essas máquinas digitais de hoje em dia, que<br />

dão... Pelo menos são, como o Saia dizia,<br />

cheguei! Pode não dar a qualidade do<br />

Geramano, mas o que eu acho... Isso é: Um<br />

cara que vai com uma máquina desse tamanho<br />

e nem fotógrafo é e consegue tirar fotos como<br />

19


essas, hoje. Até eu acerto! É claro que uma<br />

foto muito boa em branco e preto, o pessoal do<br />

patrimônio preferiria. Neste caso, acho que por<br />

vício. Mas são fotos boas de quem não é<br />

fotógrafo. É impressionante. Essas são do<br />

Germano. A tecnologia, hoje, que eu não<br />

acompanho e não estou a par, eu vejo muito<br />

bons resultados. Porque o que é que depende:<br />

É a escolha do ângulo... E, quando você tira só<br />

para documentar mesmo, mostrar a arquitetura,<br />

você tem que ter a sensibilidade pessoal.<br />

Porque o interesse é pessoal... tem o Victor<br />

Hugo [Mori]. Consegue uns resultados muito<br />

bons. O Germano conseguia por causa do<br />

equipamento. Ai é mais <strong>das</strong> lentes. Eram de<br />

primeiríssima qualidade. O que eu lembro<br />

dele... Tinha uma máquina 4x5. Ele usava uma<br />

de madeira que ele fez. 4x5, que era meio<br />

caseira. Elas já eram de madeira. Mas toda<br />

reformada. Agora, as lentes eram sempre<br />

muito boas. Outros recursos de filtros, isso,<br />

aquilo, ele não tinha. Não tinha muita coisa<br />

não. Ele retocava os negativos. Quando a foto<br />

não ficou boa ou não revelava no campo e<br />

revelava aqui... Ficava sabendo que não ficou<br />

boa. Ele retocava! A maioria dos negativos<br />

dele 4x5 são retocados. Se ele não tivesse<br />

retocado, a foto não chegaria aos pés do que<br />

chegou depois de ser retocado. Mas ele não<br />

dominava a técnica de fotografia. O<br />

conhecimento dos produtos químicos, como<br />

chegar a determinados resultados... Mas ele<br />

aprendeu com o Saia e o Mário dizendo: ‘Nós<br />

queremos assim! A foto que nos interessa não<br />

é essa’.<br />

Ele comenta em uma <strong>das</strong> cartas, que ele não<br />

está entendendo.<br />

Você leu?<br />

Não sei se to<strong>das</strong>, mas boa parte.<br />

Ele está querendo entender o que eles querem?<br />

É. Ele fala não sei o que é esse ‘quê’, que<br />

vocês querem. É impressionante!<br />

Eu lembro disso. É! Porque também, diziam<br />

que não era assim, mas também, não sabiam<br />

como fazer. Porque não fotografavam direito.<br />

E era uma época em que já tinham alguns<br />

fotógrafos no Rio, mas o Gautherot só vai<br />

começar a fotografar mais intensamente na<br />

década de 1940. Que é quando ele vem para o<br />

Brasil. Se não me engano, o Gautherot chega<br />

em 1940 ou 1939.<br />

Acho que ele fotografou a Avenida Central.<br />

A Avenida Central?<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

Tinha um cartaz que mostra uma paisagem...<br />

Mostra o Rio inteiro numa foto só. Numa foto<br />

só ele mostra o Rio inteiro. Ela era da década<br />

de 1930. E o Saia e o Mário conheciam essas<br />

fotos no Rio.<br />

Porque alguma coisa era trocada com o<br />

Lúcio, possivelmente?<br />

O Rio era o local onde os diretores <strong>das</strong><br />

regionais iam para receber instruções de como<br />

é que tinha que ser feito. Imagina assim:<br />

Chegavam lá, no Rio de Janeiro, na sala do<br />

Lúcio <strong>Costa</strong>, do cabeção, do Alcides da Rocha<br />

Miranda, esse pessoal...<br />

JAELSON: Quem era o cabeção?<br />

O José Souza Reis. Chegavam lá... Cada<br />

arquiteto fodido! O Soeiro é arquiteto de<br />

vanguarda. A estação de hidroaviões, no Rio<br />

de Janeiro, que é uma <strong>das</strong> pioneiras, era dele.<br />

O Souza Reis fez um mausoléu aos<br />

inconfidentes no museu de Ouro Preto. O<br />

Alcides... Então, eles chegavam lá para ver as<br />

diretrizes do que estava sendo feito. Qual o<br />

resultado.<br />

antonio_gameiro_02.wav (01:14:25)<br />

Quase um encontro de formação?<br />

É. Seria um seminário... O que chamam hoje<br />

de seminário de capacitação... Essa coisa toda.<br />

Seria isso. Porque tem que ver, em primeiro<br />

lugar: Tem que ir lá mostrar para receber<br />

crítica. Para falar: Poxa, Mário! Lúcio <strong>Costa</strong><br />

entrava nesse negócio <strong>das</strong> fotos. Ele entrava de<br />

corpo e alma. Era ele que dizia: ‘Não está<br />

bom. Tem que fazer assim’.<br />

Eu até comentei com o Jaelson. Eu consegui<br />

pegar uma pauta, que o Lúcio [<strong>Costa</strong>],<br />

encaminhou para o [Marcel] Gautherot.<br />

Então, ele fala: Fotografe a nave da igreja tal<br />

assim... de tal forma. Ou então: fotografe o<br />

Cristo tal, dando contraste tal... Você vê que<br />

tem uma instrução muito forte. Uma mão<br />

muito forte!<br />

Ah! Com certeza! Você sabe por quê? Porque<br />

o Gautherot era fotógrafo de paisagem. É<br />

diferente de ser um fotógrafo documental para<br />

o IPHAN. Aí, o que é que interessa: Essa<br />

igreja tem que ter uma foto da fachada,<br />

pegando a lateral. A clássica, tradicional! Tem<br />

que ter uma da nave para a capela-mor,<br />

clássica! Outra da capela-mor para o coro,<br />

clássica! Com três fotos se mostra o interior da<br />

igreja.<br />

20


Mas era necessário dar essa instrução<br />

primeira?<br />

Ah! Era! Porque eles nunca fizeram! Tinha<br />

sim, claro!<br />

Mas é interessante pensar quem fez isso antes<br />

destes fotógrafos? Então, é uma imagem que<br />

o Lúcio <strong>Costa</strong>, uma imagem que essas<br />

pessoas tiveram?<br />

Pode crer! O Lúcio <strong>Costa</strong>, que não sabia<br />

fotografar, ele, ou quando estudante ou quando<br />

meio recém formado – já que não tinha<br />

máquina, nem sabia fotografar – ele fazia<br />

exatamente isso desenhando.<br />

Desenhava muito bem!<br />

Muito bem! Ele fazia desenhando. Ao invés de<br />

fazer uma fotografia, ele desenhava. E como é<br />

que foi? Uma da frente, uma debaixo do coro<br />

para a capela-mor, uma da capela-mor... Sem<br />

detalhes! É isso! No máximo uma da fachada<br />

dos fundos. Ou quando queria documentar um<br />

pouco melhor. Você vê: Fachada principal,<br />

fachada lateral direita, fachada lateral<br />

esquerda, fotos da nave, fotos do altar-mor,<br />

fotos da fachada dos fundos. Tinha esse script.<br />

E quem montou, é claro! Você já leu a<br />

“Documentação necessária”?<br />

Sim.<br />

Quem montou isso foi o Lúcio. Claro!<br />

Porque o Erich Hess tem uma declaração em<br />

que ele fala que o Lúcio <strong>Costa</strong> entregava<br />

croquis para ele de como ele tinha que<br />

fotografar.<br />

Claro! Porque eles também nunca tinham feito<br />

isso.<br />

JAELSON: E o Hess? Porque eu pedi para<br />

aquela menina, a Castlinho (?), para ela gravar<br />

a conferência do Hess. A exposição, quando a<br />

gente levou para o Rio. Era importante o<br />

depoimento dele.<br />

Ah! Outro no Rio era o Hess. Depois do<br />

Gautherot, eu acho que é ele.<br />

Eles trabalham um pouco juntos<br />

[simultaneamente].<br />

É!<br />

JAELSON: O Gautherot não quis ir na<br />

exposição. Falar.<br />

Você pode crer. Quem diz como e era o único<br />

que sabia fazer foi o Lúcio <strong>Costa</strong>. Até porque<br />

já tinha feito... Como documenta? Quando ele<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

escreve “documentação necessária”, ele<br />

pensou nisso. Até em detalhes. Foi ele sim.<br />

Mas é curioso pensar no trabalho<br />

“documentação necessária”. A princípio,<br />

agente pode em só o que se precisa levantar<br />

do nosso patrimônio. Mas ter uma elaboração<br />

ao ponto de se pensar na própria visualidade,<br />

a compreensão espacial é impressionante.<br />

Ele criou metodologia. Criou tipologia e,<br />

depois, metodologia.<br />

JAELSON: Mas não só visualidade. Porque<br />

ele tinha, como eu te disse, na Regional de<br />

Minas, ele tinha também um roteiro de como,<br />

que fontes você deveria abordar, o que você<br />

deveria estudar para entender historicamente o<br />

objeto artístico, uma igreja... que tipo de<br />

documentação de arquivos... até isso. Saiu<br />

dele. O berço esta aí.<br />

Isso tem que ser pensado, também, dentro de<br />

um quadro nacional de extremas dificuldades<br />

de transporte e locomoção, acessos. Tudo o<br />

que tinha sobrado, sobrou porque estava<br />

degradado, em locais de economia decadente,<br />

isolados, de acessos dificílimos. O Saia<br />

contava que neste ano que passou, em 1938, no<br />

Nordeste, ele foi obrigado a fotografar<br />

jagunços do bando remanescente do Lampião<br />

segurando cabeça decepada. O Saia teve que<br />

fotografar isso. Aliás as fotos do Saia de lá são<br />

muito ruins. Da viagem.<br />

JAELSON: Salvo o piano. Os carregadores de<br />

piano.<br />

Os carregadores de piano! E andavam por<br />

leitos secos de rio. Às vezes, encontravam uma<br />

pedra e tinham que parar três ou quatro dias<br />

para dinamitar a pedra para poder continuar.<br />

Então era muito difícil tudo. E, depois, eles<br />

dividiam as tarefas. O Lúcio tinha estudado as<br />

tipologias. O pai do Silvio Vasconcelos, que<br />

foi o primeiro chefe do patrimônio em Minas.<br />

O pai dele era o Salomão Vasconcelos, que<br />

estudou a arquitetura mineira de ponta cabeça.<br />

Depois, o Silvio continuou, porque ele ficou<br />

encarregado de estudar a arquitetura mineira.<br />

O Saia, a arquitetura de São Paulo. O Dr.<br />

Airton, em Pernambuco, a arquitetura de pedra<br />

no Nordeste. E o Lucio <strong>Costa</strong> ficou<br />

encarregado de estudar a arquitetura jesuítica<br />

no Brasil. Então, foi no Brasil inteiro. E como<br />

é que ele fez isso? Por fotos! Chegou na foto<br />

de Carapicuíba e se deu mal. Se deu mal.<br />

Por quê?<br />

21


Porque ele levantou uma tese, que existe até<br />

hoje, da tal influência indígena na arquitetura<br />

erudita dos jesuítas. E se deu mal. Porque ele<br />

faz isso baseado numa foto interna do tensor,<br />

que segura as paredes da nave e que, na<br />

verdade, era o mastro da festa de São João, que<br />

tiraram da praça e puseram lá. (risos).<br />

Entende?<br />

JAELSON: Mas a fotografia para restauração.<br />

Ele não faz aquela medição encima do<br />

alpendre? No [sítio] do Padre Inácio?<br />

Não lembro mais em detalhes. Mas aquilo é o<br />

mastro da festa, que puseram lá<br />

provisoriamente. E ele bola toda uma teoria,<br />

toda uma tese (risos). Pode até ter uma<br />

influência, mas não do jeito que ele quer fazer<br />

crer. Ele estudou toda a arquitetura brasileira<br />

na mesa. Essa mesa que está aqui. A mesa é<br />

dele. Passa quarenta anos, cinquenta anos<br />

sentado nessa mesa que está aqui. E ele não<br />

viajava. Uma vez, ele quase viajou comigo<br />

para o Nordeste. Quase. Mas ele tinha tanto<br />

pavor de automóvel, que não viajava. Quase.<br />

Estava pronto. Na última hora, ele desistiu.<br />

Isso por conta do acidente da mulher dele?<br />

Por conta do acidente da mulher. Você<br />

levantou um negócio interessante. Quem deu<br />

to<strong>das</strong> as dicas para todos, foi o Lúcio.<br />

E se o Lúcio não deu instruções para o<br />

Germano, talvez o Mário e o Saia tenham<br />

repassado?<br />

Passaram. Ah! Com certeza!<br />

JAELSON: Devem ter passado as coisas que<br />

eles discutiam lá. Ou por carta. Eles iam lá e<br />

levavam um monte de problemas para discutir.<br />

Esse documento não me serve. Esse<br />

documento tem que ser formatado de uma<br />

outra forma. É! Essa foto ficaria melhor assim.<br />

Agora, pensando de uma forma mais<br />

contemporânea, sobre o que é o IPHAN<br />

hoje... Pelo menos pelas conversas que tive<br />

com o Jaelson e com a Anita, parece que se<br />

perdeu de vista a importância do documento<br />

fotográfico como informação para o<br />

patrimônio e o que isso acaba criando para a<br />

própria instituição. Ou seja: se a gente perde<br />

essa herança ou esse entendimento do<br />

documento fotográfico, o que isso acarreta<br />

para a instituição, para o IPHAN?<br />

Eu acho que não perde. Aquilo que eu tentei te<br />

mostrar ali. A qualidade que esse equipamento<br />

moderno cada vez traz mais.... Mesmo para<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

quem não entende nada de fotografia e<br />

consegue um resultado tão bom, por causa<br />

desse equipamento, eu acho que isso... É claro<br />

que não precisaria tirar 500 fotos de um<br />

monumento. Bastariam 10 ou 15 ou 20. Mas<br />

também não importa. Isso não custa muito<br />

caro. É tudo uma bobagem. Não custa<br />

dinheiro. O que se perde é o registro da<br />

informação. Não a foto. Mas as fotos ficam<br />

nesse computador, naquele, naquele... O<br />

manuseio.<br />

A organização do arquivo?<br />

A organização do arquivo! Isso. A quantidade<br />

de informações fotográficas nos últimos 10<br />

anos deve ter multiplicado por 100. Acho que<br />

multiplicou por 1000! Com uma qualidade<br />

boa. Compreende? Nem tudo. Mas boas! É<br />

claro isso. De 1000, tem 20 boas. Mas tudo<br />

bem. Antigamente, com to<strong>das</strong> as dificuldades<br />

só se faríam 20 por causa <strong>das</strong> questões<br />

financeiras. Agora, o registro disso, a<br />

catalogação, o arquivo, isso é que se dispersa<br />

de tal maneira, que ninguém sabe de mais<br />

nada.<br />

E às vezes se tem a informação, mas não se<br />

tem acesso porque está desorganizado.<br />

Isso é muito complicado. Isso se perde. Eu<br />

sofri este ano.<br />

JAELSON: Mas isso é resultado de você não<br />

ter esse eixo. Como ele disse, você perdeu esse<br />

eixo.<br />

E acho que é uma política do IPHAN? Não<br />

sei. Porque eu também não conheço as<br />

especificidades.<br />

Hoje, tirando meia dúzia, é todo mundo novo<br />

no patrimônio. E eles não têm essa<br />

informação. Não têm o conhecimento da<br />

história como foi. Às vezes têm e dizem que<br />

foi tudo uma bobagem. ‘Mas olha como<br />

faziam mal!’ Não tem essa... O interesse é se<br />

tornar mestre, doutor... pós-doutor. Não tem<br />

nem interesse. Então, fica tudo disperso. Uma<br />

coisa maluca. O trabalho que isso vai dar no<br />

futuro!<br />

E, pensando ainda nesta questão de uma<br />

linha geral do IPHAN, de um entendimento<br />

de qual é a política interna do IPHAN, uma<br />

diretriz, nesse primeiro momento em que se<br />

fazia um documento e se criava um<br />

documento irmão, um duplo daquele registro<br />

e se encaminhava isso para o arquivo<br />

central... Ou seja: é uma forma do arquivo<br />

central ser um lugar onde se tem um<br />

entendimento global da situação...<br />

22


Isso nem existe mais. Isso não existe há muito<br />

tempo. O máximo que acontece é assim: Um<br />

técnico vai a algum lugar, vai fazer algum<br />

serviço e deixa tudo no seu computador. De<br />

repente alguém precisa... O que você tem aí?<br />

Manda por e-mail! Quando a pessoa que<br />

armazenou tem a preocupação de colocar a<br />

data, dia, isso, aquilo... Ainda assim chega<br />

com um mínimo de informações. Mas, na<br />

maioria <strong>das</strong> vezes, chega sem nada. Então,<br />

daqui quinze anos, não vai saber o que é isso.<br />

Não vai saber nada! (risos). Os interesses do<br />

patrimônio ficaram de um lado difusos demais.<br />

Passaram do patrimônio, como eles chamam,<br />

de pedra e cal, do patrimônio histórico, para o<br />

patrimônio cultura, para o patrimônio<br />

imaterial... Então, são outros interesses. O<br />

tombamento da paisagem, a paisagem<br />

cultural... São coisas difusas. Os inventários,<br />

que sempre foram alguma coisa muito<br />

importante no Brasil inteiro. E a fotografia era<br />

um dos instrumentos. Hoje nem esse nome<br />

mais tem... Inventários! Tem outro negócio<br />

mais sofisticado. Então, é não sei o que do<br />

Vale do Ribeira, não sei o que do... O<br />

Caminho do Ouro, não sei o que da... E vai do<br />

interesse do chefe de plantão lá em Brasília.<br />

Porque, agora, não tem uma política nem local.<br />

Se eu quiser estudar a influência <strong>das</strong> tripas do<br />

sapo, na paisagem não sei de onde, eu faço um<br />

PA aqui, um plano de ação, mando... Todo<br />

mundo pode fazer o que quiser. Eu posso fazer<br />

só um. O outro pode fazer 30. E, se aprovar em<br />

Brasília, é de acordo com alguns interesses<br />

locais para âmbito nacional. O treco é<br />

aprovado! Se você insistir por telefone ou for<br />

amigo... Mas isso já é outra história. Inchou.<br />

Você acha que sair dos eixos, digamos...<br />

perder essa diretriz maior do IPHAN, isso se<br />

perdeu quando? Que momento foi esse?<br />

Ah! Houve alguns momentos desastrosos no<br />

patrimônio. O primeiro complicado foi na<br />

década de 70, em que os mais velhos foram se<br />

aposentando e morrendo. Aí veio a questão do<br />

CNRC, do Aloísio Magalhães e a incorporação<br />

do patrimônio, do IPHAN. Foi um negócio<br />

complicado. O IPHAN estava com muita<br />

pouca gente, desestruturado e o pessoal da Pró-<br />

Memória com muito dinheiro, que vinha da<br />

Secretaria do Planejamento do Delfin Neto.<br />

Muita grana. Foi bom, mas durou muito pouco.<br />

O negócio foi muito rápido e, então, houv uma<br />

sucessão de presidentes um mais desastrado<br />

que o outro, até que veio o [Fernando] Collor.<br />

Ai, então, quase acabou o patrimônio. Depois,<br />

veio o Fernando Henrique, que ficou 8 anos e<br />

nunca deu... Acho que ele nem sabia do<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

IPHAN. Nem queria saber. E nós ficamos 8<br />

anos sem um centavo de aumento.<br />

JAELSON: 14 anos!<br />

14? Então, aconteceu isso. Do que eu lembro,<br />

talvez só o Gustavo Capanema pode ter sido<br />

melhor, porque bom foi esse Gilberto Gil e<br />

esse maluco do Juca [Ferreira]. Mas cresceu<br />

muito! Várias frentes, isso e aquilo. Um<br />

pessoal extremamente competente. Ágil! Sai<br />

buscando recurso e não sei o quê...<br />

Mas isso, tanto do Ministério da Cultura, de<br />

uma forma maior, como também na Diretoria<br />

do IPHAN?<br />

Também! Também no IPHAN. Agora, isso<br />

não sei no que vai dar. Os caras estão tentando<br />

algumas coisas. Há grandes passos que<br />

lançaram, fiscalização, multas de dano ao<br />

patrimônio. Isso se der errado é um desastre.<br />

Se tentar implantar, é difícil. Poder de polícia<br />

que o patrimônio efetivamente sempre teve e<br />

vai tentar implantar agora. A gente não sabe<br />

bem. O pessoal mais velho ficou totalmente à<br />

margem. Tirando 3 ou 4 que assumiram se<br />

aboletar em alguns postos. Eles vão tentando.<br />

Tentando assim... A nossa superintendente<br />

acabou de pegar um avião para o Rio porque o<br />

Ciro vai ministrar um curso de gestão cultural.<br />

Gestão cultural! É um atrás do outro! A outra<br />

foi não sei para onde, porque teve um<br />

seminário sobre os Guaranis.... Eu não sei<br />

onde vai dar! Não sei mesmo.<br />

JAELSON: É uma fragmentação! Você não<br />

têm eixos onde se possam amarrar estas coisas.<br />

antonio_gameiro_03.wav (00:00:00)<br />

Era mais fácil e havia essa unidade muito<br />

grande, que partia do poder central. Era lá que<br />

estavam estes caras experientes. Então, eles<br />

diziam: é assim que se faz. Os arquitetos<br />

experientes, historiadores experientes, os<br />

arquivistas, bibliotecários... Havia uma grande<br />

estrutura mesmo fora do IPHAN. A Biblioteca<br />

Nacional... Onde o patrimônio não precisava<br />

partir do zero, para certas coisas. Chamava um<br />

amigo no bar vermelhinho no fim da tarde...<br />

Como é que? Precisamos disso... Vamos<br />

implantar isso... Era fácil. Agora, não somos<br />

nem mais regionais. Somos superintendências<br />

estaduais. Porque cada estado tem uma<br />

superintendência do patrimônio. E tem alguns<br />

estados que não têm nada tombado, mas têm<br />

superintendência do patrimônio. (risos). As<br />

vezes, só o superintendente, sem automóvel,<br />

sem sede, sem coisa nenhuma. Pode ser bom.<br />

23


Sei lá. Mas é uma loucura! Porque, imagina<br />

um superintendente de Rondônia, Amapá,<br />

Acre sentado com um superintendente de<br />

Minas, Rio de Janeiro etc. Parece uma reunião<br />

de coisas loucas, malucas.<br />

Os problemas são diferentes?<br />

São muito diferentes! É uma coisa louca. Eu só<br />

fui em uma dessas reuniões, no lugar do<br />

[Haroldo] Galo. Porque eu não tenho acesso a<br />

estes círculos. Mas não dá. Não tem a menor<br />

unidade. Se o diretor de plantão tem interesse<br />

numa determinada trilha de não sei o quê, ele<br />

telefona para os técnicos – não passa nem pelo<br />

superintendente – e fala: ‘Vamos apresentar<br />

isso!’<br />

JAELSON: Você imagina que essa unidade<br />

permitia que eu, por exemplo, depois da morte<br />

do Saia, pudesse pensar um aspecto em relação<br />

a tal, a tais monumentos e eu podia ligar... E eu<br />

não tinha contrato, não tinha vínculo, eu ligava<br />

para o Renato Soeiro, que era Diretor Geral.<br />

Tempo em que sabíamos onde as coisas<br />

deviam andar.<br />

E também te atendia porque tinha esse<br />

diálogo?<br />

JAELSON: Claro! E isso acaba com a saída<br />

do Soeiro. Quando vem de cima para baixo do<br />

CNRC – Centro Nacional de Referencia<br />

Cultural – Golbery... uma <strong>das</strong> diretrizes do<br />

Golbery para fortalecer o estado era uma<br />

integração também em nível da cultura.<br />

Geopolítica.<br />

Acho que é exatamente sobre esta questão da<br />

política. De um entendimento que o IPHAN<br />

tem um papel de formatação ou estudos, que<br />

é fundamental para entender a cultura do<br />

país.<br />

JAELSON: Mas isso se sobrepôs a essa<br />

estrutura do IPHAN. Se justapôs porque ela<br />

não tinha canais a essa estrutura que foi posta e<br />

as estruturas já monta<strong>das</strong>. Que tinham estas<br />

experiências, estas linhas. Essa unidade de<br />

compreensão, onde integrava ação... Isso se<br />

perdeu. Não que não pudéssemos pensar<br />

aspectos que eles viam... Porque nós somos<br />

antropólogos... Não sei o quê. O Saia lia<br />

antropologia, filosofia... Aí chegava um<br />

jovem... Outra coisa, eu vi que o Mauro<br />

[Bondi] tem, por ordem cronológica, da<br />

primeira à última foto do Germano, do<br />

chamado “Arquivo Oficial”. Das fotos<br />

definitivas. Antes e depois.... Para tentar<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

entender esse princípio de aprendizado dele<br />

cronologicamente como é que vai acontecendo<br />

o negócio. Talvez, até as primeiras fotos dele<br />

não estejam nem arquiva<strong>das</strong>. Não tenham ido<br />

para o arquivo.<br />

Uma coisa que eu acho interessante. Eu<br />

cheguei a ver esse excell, uma tabela. Parece<br />

que a produção dele, dois terços está antes<br />

dele entrar no IPHAN e um terço quando ele<br />

entra.<br />

Assumiu esta questão administrativa.<br />

Fiquei com essa idéia. Porque ele<br />

documentaria menos? Será que teve um outro<br />

fotógrafo? A produção, o trabalho diminuiu.<br />

Não. As obras de restauração foram no<br />

começo. No começo, foi uma quantidade<br />

muito grande. Perto do que aconteceu depois,<br />

houve um declínio na década de 1950...<br />

Depois, de 1950, 1960... Em 1962, o Saia saiu<br />

durante alguns anos e foi trabalhar com o<br />

Mário Borges, que era governador de Goiás. E<br />

ficou uma outra pessoa por aqui.<br />

JAELSON: É com essa turma, no final de<br />

1960, 1970, que o Saia, de novo, vai revigorar,<br />

retomar obras, tombamento.<br />

As principais obras foram até a década de<br />

1950.<br />

JAELSON: Ele orientou algumas, como<br />

Caxingui, Butantã, Rosário...<br />

Mas a prefeitura é que fez.<br />

JAELSON: Mas o Germano tirou fotos. Mas<br />

eram espaça<strong>das</strong>. Foram acidentais.<br />

O patrimônio era procurado ou por particulares<br />

ou pela Prefeitura de São Paulo para ajudar<br />

tecnicamente a resolver alguns problemas. O<br />

patrimônio orientava.<br />

JAELSON: <strong>Gameiro</strong>, ele me fez uma<br />

pergunta. O Silva Telles foi diretor, nos anos<br />

1980, do Departamento de Tombamento e<br />

Conservação. Ah! Antes era o Lúcio.<br />

Ele substitui o Lúcio [<strong>Costa</strong>]?<br />

Substitui o Lúcio. Não sei se foi ele o<br />

primeiro. Mas foi depois que o Lúcio saiu.<br />

Mas ele não chegou a trabalhar no IPHAN<br />

enquanto o Lúcio estava trabalhando?<br />

Trabalhou. Trabalhou assim como a gente<br />

trabalhava, precariamente. Ele era o professor<br />

da Federal, da UFRJ, de História da<br />

24


Arquitetura Brasileira e esse pessoal sempre se<br />

aproximou do IPHAN. Então, ele está no<br />

patrimônio, mas ele só entra no patrimônio<br />

quando nós prestamos concurso. Ele entrou<br />

com a gente. Ele está no patrimônio desde a<br />

década de...<br />

JAELSON: 1965. Ele disse que começou a<br />

frequentar mais e prestar serviços.<br />

Mas não era funcionário. Não era do quadro.<br />

JAELSON: Ele só vai ser nesse concurso de<br />

1978. Tanto que aí é que as meninas vão... Aí<br />

que ele é efetivado.<br />

Então, ele deve ter tido um diálogo com o<br />

Lúcio e, de repente ele consegue mapear<br />

melhor esta questão.<br />

Ele era a pessoa mais indicada no Rio de<br />

Janeiro, depois da saída do Lúcio. Porque o<br />

Lúcio saiu se aposentando. Era a pessoa mais<br />

capacitada e indicada para substituir o Lúcio.<br />

Porque ele era um estudioso. Se bem que<br />

nunca publicou muita<br />

coisa, porque acho que ele é uma pessoa<br />

muito distinta. Muito recatado. E acho que ele<br />

nunca publicou... Eu acho que com medo de<br />

ser comparado com as publicações do Lúcio,<br />

do Saia, de todo mundo. Então, publicamente,<br />

ele nunca teve uma produção e, portanto, um<br />

reconhecimento público do que ele seria capaz<br />

de fazer. Muito distinto. Sempre.<br />

Obrigado, <strong>Gameiro</strong>!<br />

<strong>Eduardo</strong> <strong>Costa</strong> / eduardocosta01@gmail.com<br />

XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia<br />

Recuperando um Arquivo: Herman Hugo Graeser – IPHAN<br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!