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E os "fidalgos camponeses" sentaram- -se à mesa - ORSON ...

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76"<br />

Dessa transguração, brotam gest<strong>os</strong> gener<strong>os</strong><strong>os</strong> e palavras, <strong>os</strong> r<strong>os</strong>t<strong>os</strong><br />

de pedra acordam para vida nem que <strong>se</strong>ja por uma noite apenas.<br />

Opera-<strong>se</strong> o milagre. Ao enfeitiçar essa pequena comunidade<br />

puritana dinamarquesa, Babette con<strong>se</strong>gue o inesperado: leva <strong>os</strong><br />

es<strong>se</strong>s campone<strong>se</strong>s a romperem inibições e preconceit<strong>os</strong> e a aceitarem<br />

o <strong>se</strong>nsorial desvinculando-o do pecado. Descobrem que o alimento<br />

pode nutrir corpo e alma, <strong>se</strong>m culpa.<br />

E assim, gastronomia e gener<strong>os</strong>idade, unem-<strong>se</strong> como element<strong>os</strong><br />

transformadores, revelam mais do que o prazer d<strong>os</strong> <strong>se</strong>ntid<strong>os</strong>, revelam<br />

uma nova faceta do divino. O prazer do sabor, antes temido como<br />

<strong>se</strong> f<strong>os</strong><strong>se</strong> da ordem do pecado – como <strong>se</strong> <strong>os</strong> puritan<strong>os</strong> campone<strong>se</strong>s<br />

soubes<strong>se</strong>m que após aquela experiência não poderiam <strong>se</strong>r mais <strong>os</strong><br />

mesm<strong>os</strong> – acaba tendo efeito pacicador, descontrai expressões<br />

endurecidas, faz cair máscaras, apaziguar conit<strong>os</strong> e resolver antig<strong>os</strong><br />

res<strong>se</strong>ntiment<strong>os</strong> diferenças. Milagre provisório, o céu poderia estar<br />

ali naquela <strong>mesa</strong> ao alcance de tod<strong>os</strong> e antes da morte. Quem sabe a<br />

redenção <strong>se</strong>ja questão do espírito e da carne?<br />

Em A festa de Babette, o espectador tem franquead<strong>os</strong> <strong>os</strong> bastidores<br />

do banquete, o processo criativo de uma artista gener<strong>os</strong>a, gura<br />

estrangeira <strong>à</strong> comunidade que procura salvar ao tentar mudar, nem<br />

que <strong>se</strong>ja por uma noite, a vida d<strong>os</strong> personagens puritan<strong>os</strong>. Mas<br />

Babette não aparece uma única vez diante d<strong>os</strong> convidad<strong>os</strong>, permanece<br />

isolada, transpira diante do fogo, <strong>se</strong>m <strong>se</strong> importar com o anonimato.<br />

Faz de Eric, um jovem camponês, <strong>se</strong>u ajudante na cozinha, uma<br />

espécie de emissário a quem instrui sobre o ritual de prat<strong>os</strong> e vinh<strong>os</strong><br />

e com quem <strong>se</strong> informa sobre a reação d<strong>os</strong> convidad<strong>os</strong>. Sem esperar<br />

nenhum tipo de reconhecimento – a pre<strong>se</strong>nça do General Lorenz<br />

Lowenhielm era imprevista e <strong>os</strong> convidad<strong>os</strong> não poderiam apreciar<br />

devidamente a doação que recebram – revela-<strong>se</strong> apenas através de<br />

sua arte, d<strong>os</strong> aromas, sabores e formas de <strong>se</strong>us quitutes. Para Babette,<br />

cozinhar naquela noite não parece signicar o de<strong>se</strong>jo de reviver um<br />

passado de notoriedade, nem o pesar pela perda de sua vida na<br />

França. Quer apenas exercer o poder intemporal do artista, talvez<br />

como sublimação do de<strong>se</strong>jo primitivo de <strong>se</strong>r mulher, mãe amor<strong>os</strong>a<br />

que nutre <strong>os</strong> lh<strong>os</strong>, amantes, <strong>se</strong>us amig<strong>os</strong>.<br />

Es<strong>se</strong> gesto de doação de Babette repercute certamente no imaginário<br />

d<strong>os</strong> leitores de “A repartição d<strong>os</strong> pães”, conto de Clarice Lispector<br />

publicado em 1964. No entrecruzamento de referências, não <strong>se</strong> trata<br />

de indagar <strong>se</strong> Lispector teria lido o conto de Karen Blixen ou <strong>se</strong> o<br />

cineasta dinamarquês conhecia o texto de Lispector. Mas de reativar,<br />

potencializar <strong>os</strong> signicad<strong>os</strong> do conto brasileiro a partir das imagens<br />

fílmicas na perspectiva da intertextualidade <strong>se</strong>gundo a qual, <strong>à</strong><br />

maneira do palimp<strong>se</strong>sto, existe uma relação de copre<strong>se</strong>nça efetiva<br />

mais ou men<strong>os</strong> explícita entre dois ou mais text<strong>os</strong> literári<strong>os</strong> cuja<br />

compreensão pressupõe um trabalho do leitor (GENETTE,1982, p.<br />

8). Em Voleurs de mots (1985, p. 81), Michel Schneider propõe a<br />

imagem do livro como eco e/ou presságio das obras que o precederam<br />

e o <strong>se</strong>guirão como em uma sucessão innita de espelh<strong>os</strong>.<br />

Pas<strong>se</strong>m<strong>os</strong> então <strong>à</strong> leitura cruzada entre texto fílmico e texto literário<br />

a m de iluminar o tema do gastronômico <strong>à</strong> luz da celebração da<br />

boa-<strong>mesa</strong> como elemento transformador do homem.<br />

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