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no tempo das tangerinas urda alice klueger

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APOSTILA Nº 4<br />

NO TEMPO<br />

DAS<br />

TANGERINAS<br />

URDA ALICE KLUEGER<br />

1ª séries


Biografia<br />

Urda Alice Klueger nasceu <strong>no</strong> mês do carnaval de<br />

1952 (16 de fevereiro), numa cidade que não curte muito o<br />

carnaval: Blumenau. Fora rápi<strong>das</strong> ausências, sua vida<br />

correu quase sempre <strong>no</strong>s peque<strong>no</strong>s vales que formam o<br />

grande Vale do Itajaí. Sua infância se passou <strong>no</strong> <strong>tempo</strong> em<br />

que ainda não havia televisão, quando to<strong>das</strong> as casas ainda<br />

possuíam quintais e árvores, e havia pessegueiros com<br />

cigarras cantando <strong>no</strong> verão e parreiras de uvas boas para se<br />

subir e brincar lá em cima. O curso primário ele o fez na<br />

Escola São José (Blumenau), dirigida pelas irmãs da<br />

Providência de GAP, freiras que <strong>no</strong> Brasil provinham de<br />

Minas Gerais, mas que tinham ascendência francesa e<br />

inculcavam <strong>no</strong>s alu<strong>no</strong>s as filosofias de Michel Quoist e<br />

Antoine de Saint-Exupèry. Depois veio a adolescência, os<br />

mistérios <strong>das</strong> mudanças <strong>das</strong> estações e o Colégio Pedro II<br />

(Blumenau) que lhe deu o ginásio e o curso científico e<br />

que era um vestíbulo da grande vida lá de fora. Eco<strong>no</strong>mia<br />

foi um curso apenas começado, na UNIPLAC (Lages-SC).<br />

Daí vieram os empregos, diversos deles, e o que<br />

mais ficou <strong>no</strong> coração foram os a<strong>no</strong>s passados na Agência<br />

da Receita Federal de Blumenau e que se acabaram, como<br />

quase tudo na vida, quando um concurso tor<strong>no</strong>u-a<br />

eco<strong>no</strong>miária e colocou-a a trabalhar na Caixa Econômica<br />

Federal – Agência de Blumenau.<br />

Escrever foi sempre uma constante desde a<br />

infância, quando ela se considerava algo a<strong>no</strong>rmal, já que<br />

desconhecia qualquer outra pessoa que fizesse a mesma<br />

coisa. Daí, um dia, ela conheceu Marcos Konder Reis, lá<br />

<strong>no</strong>s <strong>tempo</strong>s da adolescência, e ele era uma pessoa que<br />

2


escrevia sem se envergonhar disso. Foi uma grande<br />

revelação descobrir que havia uma pessoa viva e próxima<br />

que pensava e sentia de uma maneira tão parecida como a<br />

sua. Marcos Konder Reis passou a ser uma estrela muito<br />

brilhante <strong>no</strong> seu firmamento e na sua vida.<br />

Ler é a sua grande paixão. Ela travou conhecimento<br />

com Dostoievsky aos quatorze a<strong>no</strong>s, com Euclides da<br />

Cunha, Érico Veríssimo e Tomaz Mann pouco mais<br />

adiante, depois veio Kafka, mais tarde Proust e Simone de<br />

Beuvoir, mais toda a admiração pela intelectualidade dos<br />

<strong>no</strong>ssos grandes mestres não conseguiu tirar da sua mente a<br />

admiração pela simplicidade da vida do dia-a-dia, e foi<br />

essa admiração pelas coisas simples que fê-la escrever.<br />

Esta é Urda Alice Klueger ─ uma pessoa simples.<br />

Ela não sabe fazer coisas complica<strong>das</strong>.<br />

3


Introdução<br />

O romance de Urda Alice Klueger só está situado<br />

na literatura con<strong>tempo</strong>rânea por força da cro<strong>no</strong>logia, posto<br />

que é um romance de 1983.<br />

Literatura catarinense, o texto é todo romântico: as<br />

personagens são idealiza<strong>das</strong>, os cenários idílicos e, <strong>no</strong><br />

meio, alguma tragédia provocativa de lágrimas.<br />

Segundo o Professor Celesti<strong>no</strong> Sachet, em seu livro<br />

sobre a literatura catarinense, há os romances cuja<br />

temática é açoriana, outros que visam temas do sul do<br />

estado e, também, do oeste. Os livros de Urda têm como<br />

pa<strong>no</strong> de fundo Blumenau e sua colonização.<br />

O romance é narrado em 3ª pessoa mas sob a<br />

perspectiva de Guilherme Sonne, dando por isso, às vezes,<br />

a impressão de ter sido escrito em 1ª pessoa.<br />

4<br />

É bom saber...<br />

• Os Sonne do livro “No <strong>tempo</strong> <strong>das</strong> <strong>tangerinas</strong>” são<br />

descendentes de Humberto Sonne, o pioneiro, cuja<br />

história está retratada <strong>no</strong> livro VERDE VALE, da<br />

autora.<br />

• O livro é de 1982, cro<strong>no</strong>logicamente é um livro<br />

con<strong>tempo</strong>râneo, porém suas características são<br />

românticas, com idealização <strong>das</strong> personagens e<br />

paisagens idílicas.<br />

• Alex Westarb era filho de Re<strong>no</strong> Sonne que por sua vez<br />

era filho do pioneiro Humberto Sonne. Re<strong>no</strong> engravidou<br />

uma moça de cor negra que vivia com os Sonne. Isto<br />

está bem retratado em VERDE VALE.<br />

• O livro se abre com o prenúncio da 2ª grande guerra e<br />

termina com a existência da guerra do Vietnã.<br />

21


• Terezinha – Esposa de Guilherme.<br />

• Maike – Esposa de Humberto-Gustav.<br />

• Dirceu Westarb – Primo de Guilherme. Morreu na<br />

guerra.<br />

• Jan Rueckert – Namorado de Emma. Ela termina com<br />

ele, pois o mesmo não a defendeu quando fora presa<br />

falando alemão.<br />

• Priscila, Anneliese, Wilhelm, Ar<strong>no</strong>ldo Julius: irmãos<br />

Sonne.<br />

20<br />

O livro se inicia com Guilherme Sonne admirando o<br />

crepúsculo e a sua casa. Chegando em casa sua irmã Anneliese<br />

perguntou-lhe se havia <strong>tangerinas</strong> <strong>no</strong> campo. Combinaram de<br />

colhê-las <strong>no</strong> domingo.<br />

Nestas primeiras páginas vai-se conhecendo a casa dos<br />

Sonne, a mãe sempre atarefada, o avô e o pai a conversarem e<br />

tudo parece, romanticamente, funcionar bem.<br />

“Sentaram-se todos. O pai numa ponta, o avô na outra,<br />

Ar<strong>no</strong>ldo, o irmão de um a<strong>no</strong> na cadeira de bebê entre o pai e a mãe,<br />

os outros oito filhos e Dieter <strong>no</strong>s compridos bancos de madeira. O<br />

pai invocou a benção de Deus para a refeição e só então puderam se<br />

servir.<br />

Havia grande quantidade de aipim frito com toucinho, pão<br />

de aipim, manteiga, lingüiça, queijo branco amassado com nata e<br />

sal, nata, mel e geléia de frutas em potinhos de vidro azul<br />

lapidados, duas dúzias de ovos fritos na grande travessa de<br />

porcelana florida e um pouco de carne e molho que sobrara do<br />

almoço. Guilherme esperou que o pai se servisse da primeira<br />

garfada para também se servir da sua. Pôs-se a saborear a comida<br />

com gosto e apetite, sentindo-se capaz de comer durante horas<br />

segui<strong>das</strong>, tamanha era a sua fome. Os peque<strong>no</strong>s torresmos dentro do<br />

aipim derretiam-se na sua boca como se fosse de creme; os ovos<br />

estavam saborosos, deliciosos, e ainda havia todo um monte de<br />

coisas para comer. Parecia que nada poderia despertar sua atenção<br />

do prato, até que ficou com o garfo suspenso <strong>no</strong> ar, ao ouvir o avô<br />

dizer:<br />

─ Lá <strong>no</strong> hotel falaram que a guerra começa a qualquer<br />

momento.<br />

Excetuando os mais peque<strong>no</strong>s, todos passaram a comer<br />

mais devagar. Guilherme viu os grandes olhos azuis da mãe,<br />

arregalados e expectantes, e esperou até ouvir o pai perguntar:<br />

─ E o que o senhor acha, pai?<br />

─ Eu não acho nada. Só sei que uma guerra nunca presta.<br />

Eles continuaram comendo em silêncio por mais algum<br />

<strong>tempo</strong>, até que a mãe não se conteve mais.<br />

5


─ Já é <strong>tempo</strong> da Alemanha mostrar que ainda tem tuta<strong>no</strong>.<br />

Não dá para esquecer o que aconteceu em 1918.”<br />

Conforme veremos, não é só a paisagem que é idílica, a<br />

família também o é. Docilidade com hierarquia. O homens da<br />

família Sonne cuidavam da parte externa da casa. São eles: O<br />

avô, Julius Sonne; o pai, Julius Humberto Sonne; o irmão mais<br />

velho, Humberto-Gustav; os me<strong>no</strong>res Wilhelm, Julius e<br />

Ar<strong>no</strong>ldo. As mulheres (Margherita, Emma, Anneliese e<br />

Priscila) faziam o serviço doméstico. A figura mais forte é a da<br />

mãe, Lucy, que exigia tudo perfeito e na mais absoluta limpeza.<br />

Lucy era a favor da guerra, alemã que era, legítima,<br />

muito sofrera com a primeira e não queria por nada ver sua<br />

Alemanha por baixo.<br />

À <strong>no</strong>ite, a família Sonne reunia-se na sala para escutar<br />

<strong>no</strong>tícias da guerra pelo rádio. Tudo em língua alemã. Toda a<br />

região, aliás, se comunicava em alemão havendo grande<br />

resistência à língua portuguesa. Blumenau parecia, assim, uma<br />

extensão da Alemanha. Os peque<strong>no</strong>s entendiam o português<br />

pois estudavam na escola, o pai até se interessava por aprender<br />

porém a mãe, Lucy, era irredutível: “Sou alemã”.<br />

O livro segue <strong>no</strong>s mostrando a rotina dos Sonne aos<br />

domingos. Tudo flui na maior perfeição:<br />

“Era sempre uma correria a manhã de domingo. O<br />

trabalho <strong>no</strong>s ranchos era feito às pressas. O gado ficava <strong>no</strong> pasto ao<br />

redor da casa, ao invés de ser levado para outras pastagens, como<br />

em to<strong>das</strong> as manhãs. O leite era levado mais cedo à cidade e às<br />

casas da vizinhança, que de costume. Ao invés de tomarem café e<br />

mais tarde fazerem o Früstück, nas manhãs de domingo havia uma<br />

só refeição, assim que o serviço ficava pronto. Sentavam-se à mesa<br />

comprida e comiam rapidamente o pão com ovos e lingüiça frita, a<br />

nata e as geléias, os biscoitos de polvilho, bebiam o café com leite<br />

adoçado com açúcar escuro, e enquanto as meninas tiravam a mesa<br />

rapidamente, o pai ia arrear o Conde e a Condessa, a mãe colocava<br />

6<br />

Personagens<br />

• Julius Humberto Sonne – Pai. Homem justo, calmo e<br />

sere<strong>no</strong>.<br />

• Julius Sonne – Avô.<br />

• Lucy Sonne – Mãe. Mulher forte, autoritária, exerce um<br />

poder forte na família. Alemã.<br />

• Guilherme Sonne – Personagem principal, a narrativa<br />

se <strong>no</strong>s é contada sob sua ótica. Casa-se com Terezinha,<br />

de outra raça.<br />

• Humberto-Gustav – Filho mais velho. Veterinário.<br />

• Emma – Irmã de Guilherme, tem ti<strong>no</strong> para negócios.<br />

• Margherita – Irmã de Guilherme, casou-se com Klaus<br />

Wippel.<br />

• Klaus Wippel – Marido de Margherita. Morreu na<br />

guerra.<br />

• Hélia – Filhinha de Klaus e Margherita.<br />

• Cristina – Prima de Guilherme. Veio fugida da guerra.<br />

• Kurt Durrel – Pai de Cristina.<br />

• Hermann Hemke – Primo de Guilherme.<br />

• Dieter e Miguel – Empregados da família Sonne.<br />

19


Eis o final:<br />

“Dessa vez não houve batida na porta. Ela foi<br />

violentamente aberta e um adolescente todo cheio de tinta invadiu a<br />

sala. Era um rapaz muito bonito, tão alto quanto os outros homens<br />

presentes, com os cabelos longos de uma linda cor acobreada e um<br />

rosto que muito lembrava Terezinha, para os que haviam conhecido<br />

quando jovem.<br />

─ Bom dia, tio, bom dia, Hermann, bom dia, tio Kurt! ─<br />

saudou Julinho Sonne, os livros embaixo do braço, um jeito<br />

confiante de quem já descobriu todos os segredos do mundo. Trazia<br />

a camisa da escola, o rosto e os braços cheios de emblemas e frases<br />

feitas a guache e a caneta.<br />

─ Filho! ─ perguntou Guilherme. ─ Que fantasia é esta?<br />

─ Ah! Pai, nós fizemos uma manifestação contra a guerra<br />

do Vietnã na saída da escola. A tinta foi para impressionar mais.<br />

Mas vamos indo, pai? Estou com uma fome!<br />

Guilherme saiu com o filho, pensando na dura realidade.<br />

Acabara a guerra da sua juventude, mas agora havia outra. Ela<br />

sempre renascia em algum lugar do mundo. A guerra nunca<br />

acabava.<br />

Dirigiu a camioneta pela rua que agora era asfaltada e onde<br />

quase não havia mais pastos para se olhar. O dia cálido entrava<br />

pelas janelas abertas do veículo, fazendo crer numa primavera<br />

ilusória e, de repente, junto com a luz e a aragem leve, entrou <strong>no</strong><br />

carro uma fragrância que Guilherme conhecia muito bem. Ele<br />

aspirou profundamente e lembrou-se. Sim, era maio. A guerra<br />

nunca acabava, mas o <strong>tempo</strong> <strong>das</strong> <strong>tangerinas</strong> voltava sempre!<br />

18<br />

<strong>no</strong> for<strong>no</strong> do fogão, para assar lentamente o leitão ou os patos ou<br />

galinhas que comeriam ao almoço. Daí corriam todos a se arrumar<br />

para ir à igreja.<br />

O carro de molas era bonito, mais estava ficando peque<strong>no</strong><br />

para tantas pessoas da família de Julius Humberto Sonne. Era um<br />

carro de coberta cinzenta, com as outras partes e os assentos<br />

estofados de cor negra. Buquês de rosas colori<strong>das</strong> eram pintados na<br />

carroceria negra, e os raios <strong>das</strong> ro<strong>das</strong> tinham finas linhas<br />

vermelhas, o que Guilherme achava muito distinto. O carro tinha<br />

um assento na frente, e na parte de trás havia dois bancos de<br />

encosto, um virado de frente para o outro. Eram bancos bons para<br />

sentar até três pessoas, mas era necessário colocar quatro em cada<br />

um, para que coubessem todos. No da frente ia o pai, a mãe e o avô,<br />

e a mãe levava o bebê <strong>no</strong> colo. Ela sempre dizia que se sentia<br />

orgulhosa de ir num carro tão bonito, sentada entre o marido e o<br />

sogro. Guilherme sabia o que a mãe sentia: ela lembrava-se do<br />

<strong>tempo</strong> em que era uma mocinha desprotegida e faminta, na<br />

Alemanha do após-guerra, tendo apenas a irmã como companhia.<br />

Sabia como aquele <strong>tempo</strong> tinha sido difícil para a mãe e como ela<br />

lembrava-se dele sempre que se sentia satisfeita, protegida ou feliz.<br />

Ela nunca podia deixar de fazer uma comparação entre as duas<br />

épocas. A mãe nunca esquecia.”<br />

“O almoço de domingo era sempre um almoço especial.<br />

Naquele dia comiam na sala de jantar, espaçosa e clara, e tomavam<br />

todo cuidado para não derramar nenhuma migalha na linda toalha<br />

de linho bordado. Nos domingos, a mãe tirava da cristaleira as<br />

finas porcelanas brancas e doura<strong>das</strong>, decora<strong>das</strong> com florzinhas corde-rosa,<br />

e os guardanapos de linho branco tinham os mesmos<br />

bordados que a toalha da mesa.<br />

Um alta jarra de vidro estava cheia de limonada, havia<br />

cerveja trazida do porão para os adultos e um sem fim de coisas<br />

boas para comer. Naquele domingo a mãe assara dois gordos<br />

marrecos recheados com farofa e miúdos moídos. Havia um<br />

pastelão de galinha, arroz branco, purê de batatas com bastante<br />

manteiga derretida escorrendo de cima, couve-flor com trigo torrado<br />

7


na manteiga, couve-flor em vinagre, beterrabas com açúcar branco,<br />

aipim cozido, uma terrina de porcelana cheia de espesso molho<br />

pardo, repolho roxo refogado na manteiga e uma maionese de<br />

batatas.”<br />

Depois de tudo isso, Guilherme pede permissão ao pai<br />

para colher <strong>tangerinas</strong> <strong>no</strong> morro, juntamente com seus irmãos, o<br />

namorado de Margherita, duas vizinhas e Hermann Hemke<br />

(primo). A mãe sugeriu que não só colhessem as <strong>tangerinas</strong> mas<br />

aproveitassem o dia para fazer um piquenique.<br />

Durante o passeio, Hermann e Klaus, namorado de<br />

Margherita, discutiram sobre a possibilidade de o Brasil entrar<br />

na guerra e falaram que se alistariam <strong>no</strong> próximo mês. Klaus<br />

falou, também, que quando deixasse o exército iria se casar<br />

com Margherita.<br />

O <strong>tempo</strong> <strong>das</strong> <strong>tangerinas</strong> é o Outo<strong>no</strong> e este já havia ido<br />

embora. O inver<strong>no</strong> chegou e os rapazes realmente ingressaram<br />

<strong>no</strong> exército, bem como Humberto-Gustav. Com isso, quem<br />

começou a levar frutas e verduras à cidade foi Guilherme.<br />

Nas suas andanças pela cidade, ele estranhava a<br />

Marcenaria Westarb, a qual pertencia a uma família de mulatos.<br />

Ele havia escutado em criança que um dos filhos do pioneiro<br />

Sonne havia tido um filho bastardo de cor negra. Era o início<br />

dos Westarb.<br />

Conforme previsto, a Alemanha estava em guerra e com<br />

isso a matriarca ficava feliz, pois ninguém poderia com sua<br />

Alemanha.<br />

Nesse meio <strong>tempo</strong>, a família Sonne recebeu uma carta<br />

de Kurt Durrel. Uma <strong>das</strong> filhas do pioneiro Humberto Sonne<br />

fora uma pianista famosa na Europa. Ela casara-se com um<br />

francês, e Kurt Durrel era seu filho. Este escrevera dizendo que<br />

a situação na Europa não estava boa e pedia para que a família<br />

Sonne cui<strong>das</strong>se de sua única filha: Cristina.<br />

A família ficou em polvorosa e muito se esforçaram<br />

para bem receber a parente.<br />

8<br />

─ Dê o fora da cozinha, Guilherme! Deixe-me trabalhar em<br />

paz!<br />

Mais tarde, muitos a<strong>no</strong>s mais tarde, quando Lucy Sonne já<br />

era uma velhinha, foi que ela confessou para Guilherme que só<br />

acabara aceitando seu namoro por medo de que talvez ele acabasse<br />

indo para a guerra. Se acontecesse de ele morrer lá, ela queria ao<br />

me<strong>no</strong>s poder lembrar-se de que seu filho fora feliz da forma como<br />

escolhera. Não quisera ter o remorso de, talvez, impedir a felicidade<br />

de um filho que morava <strong>no</strong> seu coração, embora achasse que, se ele<br />

não fosse para a guerra, acabaria sendo infeliz com uma mulher de<br />

outra raça.”<br />

Se Lucy Sonne era osso duro, o pai de Terezinha<br />

também. Mas apesar <strong>das</strong> famílias ambos continuavam cada vez<br />

mais unidos.<br />

Dirceu Westarb, amigo de Guilherme e parente, estava<br />

feliz porque estava escrevendo um livro.<br />

Emma, irmã de Guilherme, fora presa por estar falando<br />

alemão. O avô e o tio defenderam-na e Jan ficou quieto e com<br />

medo, isso fez com que ela desgostasse do namorado e na 1ª<br />

oportunidade e crise de machismo dele, ela termi<strong>no</strong>u o namoro.<br />

Sua loja em sociedade com Cristina ia de vento em polpa.<br />

Chegou <strong>no</strong>vo natal e Terezinha ia passá-lo com os<br />

Sonne e de natal ela e Guilherme receberam material de<br />

construção para construir uma casa e poderem casar-se.<br />

Guilherme e Terezinha se casaram então e dias depois<br />

veio a convocação para a guerra. Guilherme escapou porque<br />

contraíra malária.<br />

Para tristeza de todos, Klaus marido de Margherita<br />

morreu em campo de guerra. Nunca mais ela sorriu. Dirceu<br />

Westarb também não teve sorte.<br />

Nesse ínterim nasce a filha de Guilherme cujo o <strong>no</strong>me<br />

era Lucy Marina e <strong>no</strong> meio dessa alegria sabe-se que a guerra<br />

havia acabado.<br />

A narrativa dá um pulo para 1969 mostrando todos bem<br />

instalados e felizes com seus filhos.<br />

17


Talvez pela primeira vez na vida Lucy Sonne tivesse ficado<br />

sem saber o que dizer.”<br />

No inver<strong>no</strong>, a casa dos Sonne foi invadida por soldados<br />

brasileiros. Os mesmos queimaram os enfeites com palavras<br />

alemãs, que eles julgavam propaganda nazista.<br />

Em 1942, Brasil declarou guerra ao Eixo e foram<br />

convocados os soldados, inclusive os reservistas. O pior foi ver<br />

os jovens terem que desistir de seus sonhos por causa de uma<br />

guerra. Klaus largou a lavoura com o pai; Humberto-Gustav, a<br />

universidade; Hermann Hemke, seu negócio com carros.<br />

No natal de 1942, Guilherme foi passar o natal com a<br />

família de Terezinha e o pai ficou matutando que seria, então,<br />

sério o namoro do filho. Alguma coisa ele fez que Lucy<br />

convidou Terezinha para um café. Guilherme exultou!!<br />

“Que argumentos o pai usou para convencer a mãe a<br />

receber Terezinha, Guilherme nunca soube, mas na manhã de<br />

sábado que antecedia a semana do natal, quando Guilherme entrou<br />

na cozinha ensolarada e alegre, (mesmo sem os pa<strong>no</strong>s de parede), a<br />

mãe, que estava fazendo pão, falou o que ele nunca esperava ouvir.<br />

─ Por que é que amanhã à tarde você não traz a sua<br />

namorada para tomar um café co<strong>no</strong>sco?<br />

Ele olhou para mãe e viu-a completamente entretida com a<br />

massa com a qual enchia as formas. Não parecia que tinha acabado<br />

de dizer uma coisa importante. Olhou-a até que seu cérebro<br />

assimilou o que ela havia dito, até que entendeu bem o que aquilo<br />

significava. Então foi lá, segurou-lhe as mãos cheias de massa,<br />

puxou-a para si e cobriu-lhe o rosto de beijos estalados.<br />

─ Deixe de ser bobo, rapaz! ─ brigou ela, defendendo-se<br />

dele. ─ Olhe, sua farda vai ficar cheia de massa de pão!<br />

─ Oh! Minha mãezinha querida! Obrigado, muito<br />

obrigado!<br />

A mãe tentava esconder um sorriso.<br />

16<br />

Guilherme quando a viu ficou encantado com a beleza<br />

da prima.<br />

Cristina trouxe consigo muito dinheiro, o qual o avô<br />

investiu em terras, para isso precisou naturalizar-se.<br />

“O pai deu a mão para a mãe descer e depois ajudou a<br />

prima. Guilherme sentiu-se estonteado, assim como se tivesse levado<br />

uma pancada <strong>no</strong> estômago, quando viu como ela era<br />

maravilhosamente linda.<br />

Seus cabelos leves, fi<strong>no</strong>s como seda, abundantes e anelados,<br />

pareciam feitos de sol e de luar. Estavam presos <strong>no</strong> alto por diversos<br />

broches brilhantemente vermelhos, para depois caírem pelas costas<br />

dela como cascatas de luz. Tinha lumi<strong>no</strong>sos olhos azuis com<br />

grandes cílios dourados e macios. Seu rosto era o mais perfeito que<br />

Guilherme jamais vira, parecia o rosto de um anjo. Ela usava um<br />

vestido branco muito simples, de saia ampla, ajustado na cintura<br />

por um cinto do mesmo material brilhante dos broches do cabelo.<br />

Seus sapatos de salto alto e a bolsa que trazia <strong>no</strong> braço eram de<br />

verniz vermelho. A prima usava luvas brancas, e carregava na mão<br />

uma pequena boina branca.<br />

Guilherme só despertou do seu deslumbramento, quando ela<br />

lhe estendeu a mão e disse com uma voz maravilhosa, mas que<br />

estava um pouco cansada:<br />

─ É um prazer conhecê-lo Guilherme.”<br />

A presença da guerra na casa só se fazia presente pela<br />

figura de Cristina, pois tudo em volta estava sere<strong>no</strong> e tranqüilo.<br />

O verão chegou e tão forte que os Sonne fizeram uma<br />

piscina natural represando as águas do rio.<br />

Voltando aos Westarb, Guilherme ficou cismado por ter<br />

visto o cavalo do avô amarrado <strong>no</strong> portão da marcenaria.<br />

O avô, então,conta-lhe que a mãe dele, Lucy, conseguiu<br />

afastar a família dos Westarb, por não querer ver seus filhos<br />

misturados à gente de cor.<br />

9


“─ O problema todo é com sua mãe. Você sabe como ela se<br />

orgulha do puro sangue alemão, como ela me<strong>no</strong>spreza qualquer<br />

outra raça, qualquer outra gente. As coisas eram diferentes até<br />

entrar para família.<br />

O avô parou de <strong>no</strong>vo, ficou olhando para os morros<br />

distantes, relembrando.<br />

─ Lucy era uma jovem quieta e assustada quando seu pai a<br />

conheceu. Você sabe a história, ela tinha vindo da outra guerra.<br />

Mas conforme foi recuperando a força e a vontade de viver, foi<br />

mostrando o quanto tinha de fibra. Gostei de saber que minha <strong>no</strong>ra<br />

tinha personalidade, é bom para um homem ter uma mulher assim.<br />

Quanto mais o <strong>tempo</strong> passava, mais eu podia avaliar quanta força<br />

emanava dela. Como aconteceu mesmo, não sei. Só que, um pouco<br />

a cada dia, um pouco a cada a<strong>no</strong>, um pouco a cada filho ela foi<br />

conseguindo que a família toda passasse a ig<strong>no</strong>rar os Westarb. Não<br />

queria que os filhos dela, que eram de puro sangue alemão fossem<br />

aparentados com gente de cor. Acho melhor você nunca dizer a ela<br />

que sabe dessas coisas, Guilherme. Seria um golpe muito grande<br />

para sua mãe saber que os filhos dela provavelmente não se<br />

importam se os Westarb são pretos ou brancos. Você não se<br />

importa, não é mesmo, Guilherme?<br />

─ Não, Ôpa, não me importo.”<br />

Guilherme mais tarde visitou Alex Westarb, pois o<br />

mesmo estava morrendo e sentiu raiva da mãe que lhe roubara<br />

parte de sua história familiar.<br />

Seguindo a história, Humberto-Gustav, Hermann e<br />

Klaus deram baixa do exército. Klaus casou-se com<br />

Margherita, Humberto-Gustav pediu ao pai para abandonar a<br />

agricultura e estudar para ser veterinário.<br />

Guilherme Sonne, já na primavera de 1940, contava<br />

com dezessete a<strong>no</strong>s e havia se tornado o braço direito do pai.<br />

Em suas i<strong>das</strong> à cidade, apaixo<strong>no</strong>u-se por Teresinha,<br />

descendente de italia<strong>no</strong>s, provinda de Biguaçu.<br />

Guilherme começou a ficar ansioso.<br />

10<br />

dissera, o rosto de Lucy Sonne foi paulatinamente se apaziguando,<br />

até abrir-se num sorriso aprovativo.<br />

─ Você é corajosa, menina, não resta dúvida que é.<br />

Terezinha sentia vontade de chorar de arrependimento.<br />

Sabia que agora acabara com to<strong>das</strong> as suas chances de um dia darse<br />

bem com a mãe do namorado.<br />

─ Desculpe! ─ balbuciou ─ A senhora me desculpe! Não<br />

queria ofendê-la!<br />

─ Deixe de ser boba menina. Gostei de saber que você é<br />

capaz de defender o que pensa. Ande, não comece a chorar, ponha<br />

as flores naquele vaso ali.<br />

Encolhendo-se para parecer me<strong>no</strong>r, Terezinha obedeceu,<br />

querendo sumir, desaparecer.<br />

─ Desculpe-me. ─ tor<strong>no</strong>u-a repetir. ─ Já vou embora. Não<br />

queria perturbá-la.<br />

Mas quando botava a mão na maçaneta da porta, Lucy<br />

chamou-a de volta.<br />

─ Venha cá, sente-se aqui um pouco. Afinal, ainda nem<br />

agradeci as flores.<br />

Intimidada, ela voltou e obedeceu. De olhos baixos ela<br />

sentiu como estava sendo analisada. Afinal Lucy Sonne falou:<br />

─ Não me admira que Guilherme esteja gostando de você.<br />

Você é uma moça muito bonita, apesar de não ser alemã.<br />

De <strong>no</strong>vo Terezinha criou coragem. Olhou para a sogra e<br />

disse.<br />

─ É exatamente o que o meu pai diz: “que pena que seu<br />

namorado seja alemão!”<br />

─ Oh! Seu pai diz isso? ─ era evidente que aquilo jamais<br />

passara pela cabeça de Lucy. Alguém deplorando que alguém fosse<br />

alemão! Teve um instante de hesitação antes de pegar a deixa.<br />

─ E se o seu pai diz isso e você sabe que eu também não<br />

acho uma boa coisa essa história de casamento entre raças<br />

diferentes, por que é que continua interessada <strong>no</strong> meu filho?<br />

─ Isto eu não sei explicar. A culpa é do meu coração. ─ ela<br />

pensou um pouquinho. ─ Por que é que a senhora não faz a mesma<br />

pergunta a Guilherme? Por que é que não pergunta a ele por que<br />

continua interessado em mim?<br />

15


surpreendendo-se com o fato de o pai de Terezinha pensar igual<br />

a sua mãe Lucy. O pai dela só consentia o casório se o mesmo<br />

fosse na igreja católica.<br />

Paralelamente a isso, em Janeiro de 1942, o Brasil<br />

rompeu relações com o eixo. A Alemanha não era mais<br />

ameaça, mas sim uma nação inimiga.<br />

Humberto-Gustav formou-se e Lucy ganhou um neném.<br />

Terezinha mostrou-se forte e visitou a sogra e o bebê Kátia.<br />

“Lucy Sonne ficou a analisá-la silenciosamente durante um<br />

longo instante.<br />

─ Por quis me trazer rosas? ─ perguntou, afinal.<br />

─ É que... é que ontem vi a sua filhinha... e uma mãe que<br />

tem uma criança assim bonita merece ganhar flores!<br />

Ela própria não conseguia entender como conseguira dizer<br />

tantas palavras ao mesmo <strong>tempo</strong>, nem como as dissera com tanto<br />

acerto. Os joelhos lhe tremiam tanto que ela julgou fosse cair. Lucy<br />

Sonne continuava a fitá-la friamente.<br />

─ Muito bonito da sua parte. ─ falou, sem nenhuma<br />

emoção na voz. ─ Só que não gosto que mintam para mim. Por que<br />

não é sincera e diz de uma vez que está aqui porque anda<br />

interessada <strong>no</strong> meu filho Guilherme?<br />

De repente, Terezinha sentiu que nem os joelhos, nem as<br />

mãos, nem nada mais lhe tremia. Aprumou-se e fitou a sogra <strong>no</strong>s<br />

olhos.<br />

─ O que a senhora disse é verdade. Estou interessada em<br />

Guilherme e pretendo me casar com ele. Mas o que eu disse antes<br />

também é verdade, se bem que sinta um pouco de pena do futuro<br />

dessa pobre menina que um dia vai também estar com a cabeça<br />

cheia de idéias sobre seu puro sangue alemão.<br />

Era evidente que Lucy Sonne não estivera esperando por<br />

aquilo. Ficou de boca aberta, os olhos arregalados <strong>no</strong> rosto crispado,<br />

e quem a visse, diria que estava pronta para explodir sobre<br />

Terezinha como uma granada. Só que quando Terezinha parou de<br />

falar e pensou em se esconder chão a dentro por ter dito o que<br />

14<br />

“ Hermann ficou sério de repente.<br />

─ Conte-me agora por que você anda igual a uma barata<br />

tonta. ─ disse a Guilherme.<br />

Guilherme abriu a boca para responder, mas não sabia<br />

como.<br />

─ Aposto que é alguma garota na sua cabeça. ─ concluiu<br />

Hermann ─ Vamos lá, quem é ela?<br />

De repente, Guilherme sentiu que podia abrir-se com o<br />

primo. Afinal, não era ele seu melhor amigo? Contou para<br />

Hermann tudo o que sabia e o que gostaria de saber.<br />

Hermann assobiou com admiração.<br />

─ Você vai se meter em encrencas, heim, cara! Pelo que me<br />

diz, ou ela é italiana, ou brasileira. Já pensou <strong>no</strong> que sua mãe vai<br />

dizer?<br />

Guilherme nunca tinha pensado nisso. A moça o atraíra e<br />

era só, nunca parara para pensar <strong>no</strong> que poderia resultar daquela<br />

atração, nem <strong>no</strong> que diria a mãe se caso chegasse a namorar com<br />

ela. Mas o primo tinha razão: a mãe não admitiria gente de outra<br />

raça na família. Sentiu então que pouco estava se importando com<br />

isso.<br />

─ O que é que minha mãe tem a ver? ─ perguntou<br />

desafiadoramente. ─ Tudo que eu queria era saber o <strong>no</strong>me dela.”<br />

Enquanto isso, o casamento de Klaus e Margherita<br />

aconteceu, sendo a festança do a<strong>no</strong>. Claro que com muita<br />

fartura e beleza e baile.<br />

Humberto-Gustav arrumou uma namorada de <strong>no</strong>me<br />

Maike, a mesma era, também, de descendência alemã.<br />

Já Guilherme continuava amando sua Terezinha.<br />

“ Não é preciso dizer-se que um moço de dezessete a<strong>no</strong>s que<br />

recebe um primeiro sorriso da garota por quem está apaixonado não<br />

consegue pegar <strong>no</strong> so<strong>no</strong> direito na mesma <strong>no</strong>ite. Guilherme não era<br />

11


nenhuma exceção à regra. Ficou deitado na sua branca e macia<br />

cama de penas durante horas, imóvel, com o coração batendo<br />

loucamente, tão sem so<strong>no</strong> como se dormir fosse uma coisa jamais<br />

conhecida. Tinha os olhos abertos <strong>no</strong> escuro, parecia em transe.<br />

Devia ser madrugada quando, afinal, adormeceu, mas a manhã<br />

encontrou-o tão lépido e disposto como nunca. Havia uma grande<br />

força interior enchendo-o de vida e de energia. Era uma velha força,<br />

a grande força do amor, presente agora nele como estivera presente<br />

em milhares de homens e mulheres antes dele, incontáveis gerações<br />

que sentiram-na em todos os <strong>tempo</strong>s e que foram-na perpetuando<br />

até chegar a ele.”<br />

Começaram a namorar sem nenhuma interferência da<br />

família dele e Guilherme seguia feliz, até que todos foram<br />

descobrindo.<br />

“─ Ela é linda! ─ falou pausadamente, numa voz que todos<br />

sentiram que vinha do fundo do coração, todos ficaram muito<br />

quietos, respeitando a magia da moça que estava na voz dele. A<br />

mãe refletiu um instante antes de tornar a falar.<br />

─ Desculpe, filho, estava só brincando. Sei que você tem<br />

bom gosto, afinal, é meu filho! Espero que qualquer dia você a traga<br />

aqui para que agente a conheça.<br />

─ Sim, mãe! ─ disse ele, voltando à sopa.<br />

─ Ela é bonita mesma, mãe! ─ Anneliese estava com a<br />

corda toda. ─ Aposto que senhora também a acha bonita.<br />

─ Bem, quando a vir, vou poder dizer. ─ ponderou a mãe.<br />

─ Mas a senhora já a conhece! É a moça para quem<br />

mandamos meia garrafa de leite to<strong>das</strong> as <strong>no</strong>ites!<br />

Durante muito, muito <strong>tempo</strong>, Anneliese ficaria<br />

terrivelmente cheia de remorsos por ter sido quem precipitou a crise<br />

com a irreflexão <strong>das</strong> suas palavras. Ela sentiu o drama <strong>no</strong> mesmo<br />

instante, quando viu o rosto da mãe anuviar-se e prender o olhar<br />

duramente sobre Guilherme.<br />

─ Guilherme! ─ chamou ela. ─ Olhe para mim!<br />

12<br />

Ele não podia fazer outra coisa se não olhar.<br />

─ É verdade que você anda saindo com a moça que sua<br />

irmã falou?<br />

Todos estavam sentindo a tempestade <strong>no</strong> ar. Corajosamente<br />

Guilherme respondeu.<br />

─ É verdade, mãe.<br />

Ela suspirou profundamente antes de tornar a falar. Sua<br />

voz veio então cheia de desgosto e desprezo.<br />

─ Ela é uma brasileira, Guilherme!<br />

Só Ar<strong>no</strong>ldo continuou a mexer com a colher <strong>no</strong> prato. A<br />

mãe deixara cair os talheres, sujando a toalha branca com molho e<br />

sopa, sem estar absolutamente se importando. Continuou com os<br />

olhos fixos em Guilherme, que lhe sustentava o olhar.<br />

─ Ouviu o que eu disse, Guilherme? Ela é uma brasileira,<br />

uma cabocla, não sabe nem falar o alemão. E é católica também, já<br />

a vi vindo da igreja, é católica, tenho certeza. Não é uma moça que<br />

sirva para você, filho.<br />

Ela esperou para ouvir Guilherme dizer “sim, mãe”, mas<br />

ele não disse. Ficou quieto, olhando para ela, e depois perguntou.<br />

─ Por que, mãe?”<br />

E Guilherme enfrentou a mãe dizendo que tinha o<br />

direito de decidir a própria vida e que ele, também, era<br />

brasileiro.<br />

A paz voltou com ambos fingindo que nada acontecia.<br />

Guilherme namorava Terezinha escondido e pronto. Margherita<br />

ia ter um bebê e isso desviou a atenção do namoro proibido.<br />

E, para espanto de todos, Lucy também estava grávida.<br />

Contava Guilherme com dezoito a<strong>no</strong>s e foi servir o exército.<br />

Emma, então, passou a ser sua substituta <strong>no</strong>s serviços de<br />

entrega na cidade. Com muito capricho, arrumou a carroça e os<br />

potes de geléias, além de começar a namorar Jan Rueckert.<br />

As festas de final de a<strong>no</strong> chegaram e todos os<br />

namorados estavam festejando com a família Sonne e<br />

Guilherme sofria com isso. Terezinha havia passado as festas<br />

com a família. Ao chegar, Guilherme a pediu em casamento,<br />

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