19.04.2013 Views

Português I - Colégio de Aplicação Dom Hélder Câmara

Português I - Colégio de Aplicação Dom Hélder Câmara

Português I - Colégio de Aplicação Dom Hélder Câmara

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

paciente: eu. Lívido, trêmulo, transparente, preenchendo a ficha, ainda ouvi a enfermeira<br />

perguntar a Ana se minha operação era <strong>de</strong>licada. Foi a última coisa que ouvi. Sem muito<br />

preparo para respirar aquele cheiro <strong>de</strong> hospital, <strong>de</strong>smontei no chão. Armou-se a maior<br />

confusão. Deitado num sofá da portaria, ouvia todos gritando a minha volta:<br />

- Levem-no para o CTI — gritou um.<br />

- Tragam uma maca. Uma maca!<br />

- Vamos operá-lo imediatamente.<br />

- Uma ambulância — comecei a berrar, esperneando - chamem uma ambulância!<br />

- Não precisa. O senhor já está num hospital.<br />

- Por isso mesmo. Chamem uma ambulância para me tirar daqui!<br />

A um canto, braços cruzados, Ana assistia a cena. Custei um pouco a me refazer.<br />

Subimos ao apartamento no terceiro andar on<strong>de</strong> Ana iniciaria os preparativos para a<br />

cirurgia. Entramos e estávamos ali inspecionando o quarto — eu muito branco — quando<br />

chegou uma enfermeira e nem se <strong>de</strong>u ao trabalho <strong>de</strong> perguntar quem iria ser operado. Virouse<br />

para mim e or<strong>de</strong>nou:<br />

- Tire a roupa.<br />

A or<strong>de</strong>m me apanhou <strong>de</strong> surpresa. Afinal, passei horas arrumando minha mala, não<br />

custava nada alguém me informar que o acompanhante <strong>de</strong>via ficar nu. Contrariado, olhei<br />

firme para a enfermeira, e como não gostei do seu jeito resolvi <strong>de</strong>safiá-la:<br />

- Tire você primeiro.<br />

- Mas... mas eu não vou ser operada.<br />

- Nem eu.<br />

- Mas, então, que é que o senhor está fazendo <strong>de</strong>itado na cama do paciente?<br />

A enfermeira obrigou-me a levantar. Como? Com dor <strong>de</strong> cabeça, falta <strong>de</strong> ar, tonto, só<br />

consegui sair carregado por ela e por Ana. As duas me botaram sentado numa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

fórmica. Às 17 horas, Ana iniciou os preparativos preliminares para a operação (marcada para<br />

às 2lh30min). Nesse momento entrou uma aten<strong>de</strong>nte trazendo uma ban<strong>de</strong>ja com alguns<br />

pratos e colocou-a na minha frente: o senhor não vai comer? Levantei a tampa: arroz,<br />

verduras, batata frita, urna coxinha <strong>de</strong> galinha.<br />

-Não, obrigado. Já almocei Isso é o jantar.<br />

- Ah, sim, <strong>de</strong>sculpe — disse conferindo o relógio. — Meu relógio parou... Estou certo que<br />

são cinco horas. Que horas são, para eu acertar o meu?<br />

- Cinco horas.<br />

- Cinco horas? Jantar às cinco? Não, obrigado — a aten<strong>de</strong>nte foi saindo; chamei na<br />

porta: - Por favor, você po<strong>de</strong> me dizer a que horas servem o almoço? E que só acordo <strong>de</strong>pois<br />

das oito. Talvez precise botar o <strong>de</strong>spertado.<br />

Ana <strong>de</strong>itou-se para repousar enquanto aguardava o momento <strong>de</strong> seguir para a sala <strong>de</strong><br />

cirurgia. Passando mal, muito mal, tentei fazer o mesmo. Olhei ao redor e não vi outra cama.<br />

Será que o acompanhante, além <strong>de</strong> jantar às cinco horas, tem que dormir em pé? Ana me<br />

apontou um sofá que virava cama.<br />

- Será que dá para você armar para mim, Ana? Estou passando tão mal. Não me<br />

aguento em pé.<br />

O sofá, quebrado, só abria <strong>de</strong> um lado. Acompanhante, pensei, é tratado como a mosca<br />

do cavalo do bandido. Tive que me ajeitar para caber no sofá, como uma Calói dobrável.<br />

Ficamos ali os dois <strong>de</strong>itados, em silêncio. De vez em quando, passando mal, pedia a Ana para<br />

pegar um copo <strong>de</strong> água, para fechar a cortina. Às 20h30min entraram no quarto o médico,<br />

seu auxiliar e o anestesista [...]<br />

- Primeiro aqui, senhores — gritei estirado na cama. — Aqui, por favor. Eu pedi<br />

primeiro. Estou sentindo uma fisgada aqui, com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vomitar, o corpo todo me dói...<br />

Estou ficando doente aqui nesse hospital.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!