O desenvolvimento e as mudanças de padrões intelectuais
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<strong>de</strong>les. Como se vê, por esses simples dados, muitos <strong>de</strong>les exerciam vári<strong>as</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s remunerad<strong>as</strong>, como meio <strong>de</strong> subsistência sucedâneo <strong>de</strong><br />
um melhor enquadramento vocação-profissão.<br />
Uma nota especial em relação a esse item merece a <strong>de</strong>vida ênf<strong>as</strong>e.<br />
É o c<strong>as</strong>o da boêmia intelectual. Talvez não haja maior transformação<br />
dos hábitos <strong>intelectuais</strong> do iCJ.Ue o <strong>de</strong>saparecimento da boêmia.<br />
Humberto <strong>de</strong> Campos soube ver a raiz sociológica <strong>de</strong>sse processo,<br />
ao comentar o outro romance <strong>de</strong> Coelho Néto <strong>de</strong>dicado a retratar o<br />
<strong>as</strong>sunto - Fogo Fátuo. Nesse seu comentário, Humberto <strong>de</strong> Campos,<br />
revelando qualida<strong>de</strong>s sociológic<strong>as</strong> <strong>de</strong> compreensão que, no Br<strong>as</strong>il, somente<br />
seriam estread<strong>as</strong>, nó âmbito profissional dos sociólogos, com a<br />
publicação <strong>de</strong> C<strong>as</strong>a Gran<strong>de</strong> e Senzala, <strong>de</strong> Gilberto Freyre, evoca, com<br />
mão àe mestre, o <strong>de</strong>senquadramento da conduta boêmia após o momento<br />
da repressão florianista, n<strong>as</strong> nov<strong>as</strong> condições <strong>de</strong> vida e na média<br />
dos projetos vitais dos jovens <strong>de</strong> então, projetos agora reformulados<br />
em termos <strong>de</strong> novos valores mais utilitários, suscitados pel<strong>as</strong><br />
nov<strong>as</strong> oportunida<strong>de</strong>s polític<strong>as</strong> e sociais que a pequena <strong>de</strong>mocratização<br />
da viàa br<strong>as</strong>ileira <strong>de</strong>corrente da República já fundamentava: "Quando<br />
os fugitivos e os exilados retornam ao Rio, não encontraram mais<br />
o ambiente propício, que \haviam <strong>de</strong>ixado. As nov<strong>as</strong> condições financeir<strong>as</strong><br />
e econômic<strong>as</strong> tornavam difícil a prática do par<strong>as</strong>itismo risonho,<br />
G:Ue o Império. com <strong>as</strong> fortun<strong>as</strong> consolidad<strong>as</strong>, criara, alimentara e legara<br />
à República. Uma socieda<strong>de</strong> nova, utilitária e burguesa, levantava-se<br />
sobre os <strong>de</strong>stroços da aristocracia imperial. A mocida<strong>de</strong> que<br />
surgia, mesmo no domínio d<strong>as</strong> letr<strong>as</strong>, vinha, agora, com outr<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong>,<br />
outra tendência, outr<strong>as</strong> <strong>as</strong>pirações. A política prometida ao povo,<br />
atraía os novos. Para ser <strong>de</strong>putado ou senador, ou ocupar altos postos<br />
da administração, não se tornava preciso, mais, como no regime <strong>de</strong>caído,<br />
a etiqueta <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> nome ou a fama <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> talento.<br />
E como para substituir a velhice ou a nobreza se fazia mister uma<br />
compostura hipócrita, a mocida<strong>de</strong> abandonou os jardins dos teatros,<br />
<strong>as</strong> corist<strong>as</strong>, <strong>as</strong> confeitari<strong>as</strong> e os versos, tornando-se publicamente grave,<br />
circunspecta, como quem toma a cada instante o peso d<strong>as</strong> própri<strong>as</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s. E a boêmia literária, que <strong>de</strong>u ao país tão belos espíritos,<br />
e <strong>de</strong>ra à cida<strong>de</strong> tanta alegria, agonizou e morreu" (3)<br />
Outro ponto ligado ao enquadramento profissional é o da formação<br />
escolar. Na pesquisa que empreen<strong>de</strong>mos com duzent<strong>as</strong> biografi<strong>as</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>intelectuais</strong> do período, está plenamente justificado o estereótipo<br />
<strong>de</strong> "país dos bacharéis". De fato, daqueles duzentos, cento e cinco haviam<br />
p<strong>as</strong>sado por uma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito, noventa e sete tendo concluído<br />
o curso, eUQ.uanto apen<strong>as</strong> vinte e nove p<strong>as</strong>saram pel<strong>as</strong> <strong>de</strong> medicina<br />
e <strong>de</strong>zessete pel<strong>as</strong> <strong>de</strong> engenharia, seis pel<strong>as</strong> aca<strong>de</strong>mi<strong>as</strong> militares,<br />
cinco pelos seminários e outro tanto pelos cursos <strong>de</strong> farmácia. Eis<br />
aqui um ponto em que o <strong><strong>de</strong>senvolvimento</strong>, como diferenciação da estrutura<br />
econômica e social, alterou profundamente a pauta d<strong>as</strong> ocupações<br />
e especializações <strong>intelectuais</strong>, com consi<strong>de</strong>ráveis repercussões<br />
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