JAIRO DE JESUS NASCIMENTO DA SILVA Da Mereba-ayba à ...
JAIRO DE JESUS NASCIMENTO DA SILVA Da Mereba-ayba à ...
JAIRO DE JESUS NASCIMENTO DA SILVA Da Mereba-ayba à ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Universidade do Federal do Pará<br />
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas<br />
Mestrado em História Social da Amazônia<br />
<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />
<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />
em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />
Belém-Pará<br />
2009
<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />
<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />
em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />
Belém-Pará<br />
2009<br />
Dissertação apresentada ao Programa de<br />
Pós-Graduação em História Social da Amazônia<br />
da Universidade Federal do Pará como requisito<br />
parcial para obtenção do título de Mestre em<br />
História. Orientadora: Prof.ª Dr. ª Maria Nazaré<br />
do Santos Sarges. (UFPA / UNICAMP).<br />
2
<strong>Da</strong>dos Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)<br />
(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)<br />
Silva, Jairo de Jesus Nascimento da<br />
<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular em<br />
Belém do Pará, 1884-1904 / Jairo de Jesus Nascimento da Silva; orientadora,<br />
Maria de Nazaré dos Santos Sarges. - 2009<br />
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de<br />
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História<br />
Social da Amazônia, Belém, 2009.<br />
1. Varíola - Belém (PA) - História - Séc. XIX. 2. Varíola - Vacinação -<br />
Belém (PA). 3. Saúde pública - Belém (PA). 4. Preconceitos - Belém (PA). I.<br />
Título.<br />
CDD - 22. ed. 981.15<br />
3
<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />
<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />
em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />
<strong>Da</strong>ta da aprovação: 09/07/2009<br />
Banca Examinadora:<br />
________________________________<br />
Profª Drª Maria de Nazaré Sarges<br />
Orientadora<br />
_______________________________<br />
Profº Dr. Aldrin Figueiredo<br />
Membro da Banca / UFPA/ UNICAMP<br />
______________________________<br />
Profº Drº Leonardo Pereira<br />
Membro da Banca /PUC - RJ<br />
_____________________________<br />
Profº Drª Franciane Lacerda<br />
Suplente / UFPA/ USP<br />
Dissertação apresentada ao Programa de<br />
Pós-Graduação em História Social da Amazônia<br />
da Universidade Federal do Pará como requisito<br />
parcial para obtenção do título de Mestre em<br />
História. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré do<br />
Santos Sarges. (UFPA / UNICAMP).<br />
4
A meus pais Joana e Joaquim,<br />
aos meus filhos Jairo Jr, Júlia e<br />
Yasmin, a minha esposa Hellen.<br />
5
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
Neste momento em que se completa mais uma etapa de um longo<br />
processo de formação, cabe agradecer <strong>à</strong>queles que direta e indiretamente<br />
contribuíram para sua conclusão.<br />
Em primeiro lugar é preciso ressaltar a importância da “base". Neste<br />
sentido devo muitos agradecimentos <strong>à</strong> Universidade Federal do Pará, responsável<br />
pela minha formação desde o pré-escolar.<br />
Também devo dizer que além da base é preciso ter um bom “patrocínio”,<br />
por isso também devo agradecer ao Governo do Estado do Pará que, através da<br />
Secretaria de Estado de Educação, me concedeu liberação e bolsa-mestrado.<br />
Recurso imprescindível para a realização desta pesquisa.<br />
Mas, não se pode esquecer que para conquistar um título é preciso ter<br />
um bom “técnico”. Assim, devo muitos agradecimentos <strong>à</strong> Profª Maria de Nazaré<br />
Sarges, pela orientação eficiente, cuidadosa e também pela paciência que<br />
demonstrou ter ao longo deste processo. Merecem agradecimentos também os<br />
profºs. Aldrin Moura de Figueiredo e Franciane Gama Lacerda, pelo incentivo e<br />
pelas sugestões valiosas que deram.<br />
Ainda que não seja um jogo, para conquistar esse título contei com muita<br />
força da “torcida”. Primeiro dos meus pais Joaquim e Joana, pelo constante<br />
incentivo; depois de meus filhos Jairo Jr. e Júlia que toleraram certas ausências.<br />
Também de minha “quase avó” Augusta, que mesmo sem entender muito teve certa<br />
participação. Foram incentivadores e colaboradores os colegas da turma 2007,<br />
especialmente Ivo Pereira e os colegas da linha de trabalho, cultura e etnicidade.<br />
Entre os “torcedores” merece destaque especial minha querida esposa<br />
Hellen, pois foi fundamental em todos os momentos, e colaboradora direta deste<br />
trabalho.<br />
Muito obrigado a todos.<br />
6
RESUMO<br />
Esta dissertação procura desvendar como o crescimento da cidade de<br />
Belém, ao longo do século XIX, provocou ou ampliou problemas já existentes, entre<br />
os quais o da saúde pública, destacando-se o desencadeamento de freqüentes<br />
epidemias de varíola. Em termos de temporalidade o destaque foi dado <strong>à</strong> segunda<br />
metade do século XIX, quando foi intenso o debate acerca da necessidade de<br />
modernizar a cidade, sendo que o projeto modernizador em questão foi fortemente<br />
marcado pelos preceitos excludentes da Ciência da Higiene. Assim, o foco da<br />
pesquisa foi o período entre 1884 e 1904, marcado pela eclosão de três epidemias<br />
de varíola, em Belém. O objetivo principal do trabalho foi demonstrar as razões da<br />
intolerância popular <strong>à</strong>s profilaxias e práticas terapêuticas encaminhadas pelo poder<br />
público, principalmente a política de isolamento baseada no discurso higienista e,<br />
também, a vacina. A experiência desenvolvida pela população de Belém com essas<br />
profilaxias oficias, ao longo do século XIX, foi bastante negativa, propiciando a<br />
conduta aversiva desta.<br />
Palavras-Chave: Modernidade, Higiene, Vacina<br />
7
Abstract<br />
The present work tried to find out how the development of Belem, during<br />
the 19 th century, caused or intensified the problems that already existed, amidst<br />
those ones the public health, especially the smallpox epidemic. In terms of times,<br />
was highlighted the end of the 19 th century, when was intense the debate about the<br />
need to make the city more modern. The project to achieve that target was<br />
characterized by the excludents principles of the Science of Higiene. This way, this<br />
research focused from the year of 1884 to 1904, which was marked by the three<br />
smallpox outbreaks in Belem. The main objective of this work was to show the<br />
reasons for the intolerance that people had to the ways to prevent the diseases and<br />
the therapeutics practices guided by the government, especially the politic of<br />
isolation based on the hygienist speech and, as well, the vaccine. The result of this<br />
experience during the 19 th century in Belem, was negative, resulting in a repulse of<br />
these practices.<br />
Key-words: Modernity, Higiene, Vaccine.<br />
8
LISTA <strong>DE</strong> FOTOGRAFIAS<br />
FOTG. 01 - Matadouro Municipal (Belém) ............................................... 48<br />
FOTG. 02 - Usina de Incineração de Lixo e Animais Mortos (Belém) ..... 49<br />
FOTG. 03 - Necrotério Municipal (Belém) .............................................. 50<br />
FOTG. 04 - Hospital dos Variolozos (Belém) .......................................... 51<br />
FOTG. 05 - Cemitério da Soledade (Belém) ........................................... 53<br />
FOTG. 06 - Capela do Cemitério Santa Izabel (Belém) .......................... 55<br />
LISTA <strong>DE</strong> TABELAS<br />
TABELA 01 - Comparação do Número de Óbitos por Varíola em 1884 ...... 64<br />
TABELA 02 - Relação de Óbitos por Varíola em Janeiro de 1884 ............... 65<br />
TABELA 03 - Relação de Óbitos por Varíola em 1888 ................................ 75<br />
TABELA 04 - Relação de Vítimas de Varíola em 1899 ................................ 82<br />
TABELA 05 - Relação de Vítimas de Varíola em 1900 ................................ 83<br />
TABELA 06: Relação das Vítimas de Varíola Em 1901................................ 84<br />
9
RESUMO<br />
ABSTRACT<br />
LISTA FOTOGRAFIAS<br />
LISTA TABELAS<br />
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO .........................................................................................<br />
CAPÍTULO I ........................................................................................... 31<br />
1. A VARÍOLA ANTES <strong>DE</strong> 1884 ............................................................<br />
CAPÍTULO II ........................................................................................... 57<br />
1. EPI<strong>DE</strong>MIAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM BELÉM ENTRE 1884 E 1904 ............ 58<br />
1.1. EPI<strong>DE</strong>MIA 1884 ................................................................................ 59<br />
1.2. EPI<strong>DE</strong>MIA <strong>DE</strong> 1888 -1889 ............................................................. 72<br />
1.3. EPIEMIA <strong>DE</strong> 1899 A 1901 ...............................................................<br />
CAPÍTULO III ........................................................................................ 83<br />
1. EM BUSCA <strong>DA</strong> CURA ........................................................................ 87<br />
1.1. DOS TIROS <strong>DE</strong> CANHÃO À POLÍTICA <strong>DE</strong> ISOLAMENTO ........... 91<br />
1.2. VACINA: PRESERVATIVO OU VENENO? .....................................<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS .................................................................... 130<br />
FONTES ................................................................................................. 133<br />
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 138<br />
11<br />
31<br />
76<br />
105<br />
10
____________________________________________________________________<br />
11<br />
INTRODUÇÃO<br />
Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados<br />
Unidos da América, que derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center,<br />
tornaram-se freqüentes <strong>à</strong>s referências a novas ameaças de ataques desse gênero e,<br />
também, criou-se toda uma histeria em torno de outra ameaça, a da guerra<br />
bacteriológica. Entre as possibilidades alardeadas pela imprensa estava a<br />
propagação do vírus da varíola que, depois da erradicação da doença na década de<br />
1980 só foi preservado para estudos em laboratórios na Europa e nos EUA,<br />
deixando a comunidade científica internacional em estado de alerta. Não seria a<br />
primeira vez que a varíola cumpriria esse terrível papel na história da humanidade,<br />
de forma consciente ou inconsciente. Basta lembrar o caso da Guerra Franco-<br />
Prussiana de 1870, quando a varíola manifestou-se entre os soldados franceses e<br />
difundiu-se para toda a Alemanha, resultando numa das mais cruéis epidemias<br />
conhecida de varíola, já em plena era da vacina anti-variólica. Somente a Prússia<br />
perdeu 136.830 pessoas, segundo dados do professor de higiene da Universidade<br />
de Perúsia, Carlos Ruata 1 .<br />
Para os indígenas brasileiros, esse tipo de estratégia de extermínio não é<br />
novidade. Ao longo da história do "contato" com os brancos, além dos relatos de<br />
doenças transmitidas por eles, contra as quais os índios não possuíam proteção<br />
imunológica e por isso, muitas vezes, acabavam morrendo, juntam-se histórias que<br />
apontam para a contaminação criminosa, embora não tenham sido cientificamente<br />
comprovadas. São muitos os casos registrados na literatura científica, em crônicas e<br />
em relatos orais de índios, dando conta da contaminação deliberada, criminosa, que<br />
dizimou um número incontável de povos indígenas no Brasil.<br />
Segundo Gomes (1988), com a descoberta da etiologia das doenças e<br />
principalmente sua forma de contaminação, os portugueses e também os brasileiros<br />
não tiveram nenhum escrúpulo em utilizar-se desses conhecimentos para exterminar<br />
1 Os artigos do professor Carlos Ruata foram publicados pela A Folha do Norte entre 15 e 17 de<br />
novembro de 1904 e serão detalhadamente analisados no capítulo 3.
os povos indígenas que cruzavam seus caminhos. “Essa mistura mais cruel de<br />
guerra e epidemia é que se chama de guerra bacteriológica”, afirma.<br />
Para Gomes (1988) a primeira utilização de arma bacteriológica conhecida<br />
no Brasil aconteceu em Caxias, no Maranhão, em 1815. Estava ocorrendo uma<br />
epidemia de varíola quando índios Canelas Finas estiveram por lá em visita. "As<br />
autoridades lhes distribuíram brindes e roupas previamente contaminadas por<br />
doentes”. Os índios contraíram a doença, e, percebendo o caráter do contágio,<br />
adentraram pela mata. Os sobreviventes contaminaram outros mais, e meses depois<br />
essa epidemia atingia os índios já em Goiás. O mesmo autor informa ainda que no<br />
fim do século XIX, os "bugreiros de Santa Catarina e Paraná, financiados por<br />
companhias de imigração, deixavam em pontos determinados de troca de presentes<br />
com índios (Xokleng e Kaingang), cobertores infectados com sarampo e varíola.<br />
Wallace (1979) 2 conta que certa vez, quando se dirigia ao povoado de<br />
Pedreira, no Rio Negro, encontrou um padre que ele já conhecia e que percorria a<br />
região em viagens pastorais e de negócios e passaram a conversar sobre a<br />
epidemia de varíola que afetava o Pará naquela época. Na mesma oportunidade ele<br />
relatou-me uma experiência pessoal sobre o assunto e demonstrava bastante<br />
orgulho da forma como se utilizou da doença malígna. Frei José disse que<br />
aconselhara o presidente da Bolívia a combater algumas tribos de índios hostis<br />
encontradas no caminho de Santa Cruz, aproveitando-se de uma epidemia de<br />
varíola que atacava a cidade, colocando as roupas dos doentes que morriam de<br />
varíola onde os índios pudessem pegá-las, em vez de queimá-las, disseminando a<br />
doença. Assim, em pouco tempo não se ouviu mais falar das hostilidades dos índios,<br />
pois cerca de cinco tribos foram exterminadas.<br />
Wallace (1979) relata que teve dificuldade em conter certo estremecimento<br />
diante da narrativa deste massacre a sangue frio, descrita de forma tão tranqüila e<br />
indiferente. Martius (1844) também faz referência a esta prática, revelando como o<br />
contágio da varíola por diferentes nações indígenas se deu através do contato com o<br />
“homem branco”. Portanto, para muitos desses índios, o contato era sinônimo de<br />
2 Narrativas de viagens pelos rios Amazonas e Negro do naturalista inglês Alfred Russel Wallace,<br />
publicadas pela primeira vez em 1853.<br />
12
contágio, dificultando ou inviabilizando qualquer possibilidade de aproximação, em<br />
função da adoção dessa prática genocida por parte daqueles que se consideravam<br />
civilizados. Eis apenas um dos aspectos que podem ser abordados em relação <strong>à</strong>s<br />
epidemias de varíola na Amazônia, mas que merecem pesquisas mais específicas,<br />
em trabalhos futuros.<br />
Este trabalho, porém, procura recuperar esse aspecto assumido pela<br />
varíola em terras amazônicas, sendo muitas vezes tratada como elemento ou<br />
“estratégia” de guerra. Todavia, apesar da referência a utilização da varíola como<br />
arma bacteriológica, não pretendemos analisar este aspecto da doença nesta<br />
dissertação. Mas, se a varíola assumiu a condição de arma bacteriológica, tendo<br />
contribuído para o extermínio de povos indígenas, ao mesmo tempo tornou-se alvo,<br />
que precisava ser combatido, erradicado, pois também afetava intensamente<br />
aqueles que estavam do outro lado da “trincheira”. E para combatê-la buscou-se a<br />
utilização, até mesmo, das armas utilizadas em guerras convencionais, pois, a<br />
profilaxia adotada em 1793, pelo governador Francisco de Souza Coutinho,<br />
conforme Vianna (1992) 3 , “assumiu as proporções de um exercício a fogo”. O<br />
3 A referência <strong>à</strong> Arthur Octávio Nobre Vianna (1873-1911) é quase obrigatória num trabalho sobre<br />
epidemias no Pará. Segundo Sarges (2002), Vianna nasceu em Belém, estudou no Lyceu Paraense<br />
e recebeu o título de “Farmacêutico laureado pela Escola do Pará”, sendo o irmão mais velho do<br />
médico Gaspar Vianna. Aos 38 anos, quando terminava o curso de medicina, no Rio de Janeiro,<br />
veio a falecer. Arthur Vianna fez parte de um grupo de intelectuais paraenses que transitou por<br />
diversas áreas do saber, exercendo, inclusive, o ofício de jornalista, como era muito comum nesta<br />
época, segundo Sarges (2002), entre os intelectuais, pois além de permitir a divulgação de suas<br />
idéias e talentos literários, constituía-se em meio de acesso para a arena política. De uma gama<br />
variada de estudos publicados por Arthur Vianna, destacamos duas obras: A Santa Casa de<br />
Misericórdia Paraense – Notícia Histórica, 1650-1902, publicado pela Typografia Alfredo e Silva, em<br />
1902, sob encomenda do intendente da cidade Antônio Lemos, e As Epidemias do Pará, publicado<br />
pela primeira vez em 1906, sob patrocínio do governador do Estado Augusto Montenegro. Esta obra<br />
faz uma descrição das diversas epidemias que assolaram o Pará, principalmente na segunda<br />
metade do século XIX. Há registros sobre epidemias de cólera, varíola, febre amarela e peste<br />
bubônica, durante este período, com seus impactos sobre a população local e a indicação da<br />
impotência demonstrada, diversas vezes, pelas autoridades médicas e ou políticas em combater<br />
tais doenças. Os dois trabalhos foram reeditados posteriormente, o primeiro em 1992 e o segundo<br />
em 1975, por isso, como utilizamos neste trabalho as publicações mais recentes de sua obra,<br />
optamos pela referência <strong>à</strong>s publicações mais recentes (1975 e 1992). Embora consideremos os<br />
trabalhos de Vianna referência imprescindível, não podemos deixar de empreender uma análise<br />
crítica destes. Assim, é preciso considerar uma série de aspectos que nortearam a produção<br />
“arthutiana”, como por exemplo, a sua condição de funcionário público que lhe propiciou o contato<br />
com os documentos oficiais, indispensáveis para quem pretendia uma escrita da história segundo<br />
os parâmetros do positivismo. Também importante considerar sua formação na área da saúde.<br />
Como farmacêutico de formação e transitando pelo circuito dos notáveis homens da ciência médica<br />
que se constituía na época, seria inevitável a Vianna emprestar certos conceitos ou modelos<br />
provenientes das chamadas ciências da natureza, especialmente as biológicas, para realizar suas<br />
incursões pelo terreno da história. Além disso, é necessário destacar sua opção pela república, uma<br />
13
eferido governador, reconhecendo “o fumo da pólvora como poderoso<br />
desinfectante, mandou descarregar tiros de canhão no canto das ruas”. Por essas<br />
razões buscamos dar ao tema a conotação de uma guerra, ou de uma guerra<br />
bacteriológica, onde a varíola foi usada como arma; ou de guerra contra a varíola<br />
praticada pelas autoridades e populares, que não cansaram de produzir “armas” para<br />
combater a “doença maligna”.<br />
Essa representação sobre a varíola, tratada como “doença maligna 4 ” ou<br />
mereba-<strong>ayba</strong>, que também aparece no título deste trabalho, foi encontrada no<br />
vocabulário de algumas nações indígenas, numa tentativa de atribuir uma conotação<br />
local para a referida moléstia, embora saibamos que outras tribos indígenas, de<br />
outros cantos do país pudessem utilizar tal designação. A derivação desse termo<br />
parece ter levado ao termo “pereba”, muito usado em Belém e que, segundo o<br />
opção política e pragmática, haja vista o “mecenato” incidente sobre sua obra, pois seus dois<br />
trabalhos mais significativos, citados acima, foram encomendados pelo intendente da cidade e pelo<br />
governador do Estado como também já foi dito, daí a tendência, verificada em sua obra, pela crítica<br />
aos períodos que antecederam ao regime republicano e todo destaque dado a este último, num<br />
evidente interesse em consolidar o novo regime, conquistando corações e mentes, assumindo a<br />
história um papel pedagógico e utilitário. Para um conhecimento mais aprofundado deste intelectual<br />
paraense, consultar: BEZERRA NETO, J. M. “Arthur nas Forjas da História. A Contribuição de<br />
Arthur Vianna para a historiografia paraense”. In: FONTES, E. J. de O. & BEZERRA NETO, J. M.<br />
(orgs). Diálogos entre história, literatura & memória. Belém: Paka-Tatu. 2007.<br />
4 Esta expressão é a tradução apresentada por Martius (1844) para o termo mereba-<strong>ayba</strong>, utilizado<br />
pelos considerar a dificuldade para confrontar suas conclusões para se obter resultados mais<br />
eficazes, não se pode negar a base, a fundamentação respeitável de seu trabalho. Neste, mereba<strong>ayba</strong><br />
aparece traduzida unicamente por bexigas, confirmando as afirmações de Martius. Assim,<br />
optamos pela designação indígena para dar título ao presente indígenas em referência <strong>à</strong> varíola.<br />
Com esta pesquisa foram encontradas apenas duas referências ao termo em dicionários de línguas<br />
indígenas. O primeiro foi publicado na revista do IHGB (1856), em manuscrito elaborado pelo Barão<br />
de Antonina, apresentado como vocabulário dos índios cayás. Neste, o termo mereba-<strong>ayba</strong> aparece<br />
traduzido ora por lepra, ora por bexigas (Revista do IHGB, tomo IX, Rio de Janeiro, Typographia<br />
Universal de Laemmert, 1856). Dois anos depois, Gonçalves Dias, publicou um “Dicionário da<br />
Língua Tupy, chamada língua geral dos índios do Brasil”, elaborado a pedido do IHGB, cujo objetivo<br />
era produzir uma memória dos índios descrevendo seus caracteres intelectuais e morais. Segundo<br />
Gonçalves Dias, seu dicionário tomou por base o vocabulário que o autor de “Poranduba<br />
Maranhense” acrescentou ao seu trabalho, valendo-se da Gramática do padre Figueira; do<br />
Dicionário Braziliano, publicado por um anônimo em Lisboa, em 1795; de um manuscrito da<br />
Biblioteca Pública do Rio de Janeiro cujo título não é citado; de um Dicionário, também manuscrito,<br />
da Biblioteca da Academia Real da Sciencias de Lisboa; e de quatro cadernos que acompanham as<br />
remessas do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, durante a sua comissão científica pelo<br />
Amazonas, nos anos de 1785, 1786 e 1787. Portanto, apesar de Gonçalves Dias trabalho, pois,<br />
além de assumir uma conotação regionalizada, a referida doença também se revela de forma<br />
devastadora em relação aos índios num primeiro momento, chegando a assumir, até mesmo, o<br />
caráter de guerra bacteriológica, como fica evidente em algumas passagens do texto (DIAS, A.<br />
Gonçalves. Dicionário da Língua Tupy: chamada língua geral dos índios do Brazil. Lipsia: F. A.<br />
Brockhaus. 1858).<br />
14
dicionário de Aurélio Buarque de Holanda é definido como “ferida de mau caráter, de<br />
crosta duríssima”. Desta forma, trabalhamos com um tema cuja escolha está ligada a<br />
perspectiva assumida por este trabalho que pretende desenvolver uma história<br />
social, que também poderia ser considerada uma história social da medicina, cuja<br />
abordagem prioriza o enfermo ou a enfermidade. Quanto a essa questão, é de<br />
fundamental importância lembrar que, em agosto de 2001, Roy Porter concedeu uma<br />
entrevista a Marcos Cueto, da Universidade Peruana Cayetano Heredia, em Lima.<br />
Perguntado sobre que influências recebeu ao adotar uma história da medicina vista<br />
de baixo, respondeu, se acordo com Cueto (2002: 207 ):<br />
Acredito que quando estava estudando história na Universidade de<br />
Cambridge recebi uma grande influência da historiografia inglesa,<br />
especialmente dos trabalhos de E. P. Thompson. Essa corrente olhava com<br />
detalhe como se haviam construído as classes sociais e a própria<br />
experiência das classes trabalhadoras e dos mais pobres neste<br />
desenvolvimento. Esta perspectiva me impressionou muito. Me pareceu uma<br />
maneira de estar sob o pé da história, uma forma de entender como se<br />
enfrentaram na realidade, os diversos agentes da história, não de acordo<br />
com os ditados deterministas do marxismo científico, porém entendidos de<br />
acordo com um marxismo humanista. Transplantei essa atitude <strong>à</strong> história da<br />
medicina e me perguntei: Como seria ver a medicina, não de cima para<br />
baixo, mas de baixo para cima? Conclui que tinha sentido a pergunta,<br />
porque não haveria medicina se não existissem pessoas enfermas. A<br />
pessoa enferma é o começo de toda medicina.<br />
Mas como seria possível realizar uma abordagem desse tipo? Que<br />
experiências ou propostas similares teriam sido já aplicadas? O caminho percorrido,<br />
para a obtenção das respostas, que pudessem nos situar na realidade local, exigiu<br />
comparações. Assim, foi necessário percorrer o trajeto da historiografia que tratou do<br />
tema em nível nacional, especialmente aquela que abordou o caso carioca, para<br />
definir o caráter da produção local e encaminhar uma análise que pudesse dar<br />
respostas inovadoras a questões antigas. Então, descreveremos a seguir as<br />
tendências historiográficas que trataram do assunto dessa dissertação para melhor<br />
situar nosso trabalho.<br />
É possível definir três abordagens que se ocupam do caso carioca, das<br />
quais derivam diversas vertentes que podem encontrar compatibilidade com o caso<br />
15
de Belém. Transitando por uma interpretação encaminhada por Michel Foucault,<br />
Roberto Machado elaborou uma dessas leituras, procurando esclarecer como teria<br />
ocorrido o que ele chamou de “medicalização da sociedade”. Neste modelo de<br />
análise, a horizontalidade dos poderes definiria o domínio e a subordinação de<br />
grupos excluídos através da construção de todo um aparato institucional repressivo,<br />
formado por escolas, quartéis e hospitais, em que o tema da saúde teve lócus<br />
privilegiado. Essa abordagem desencadeou diversos trabalhos que estudaram casos<br />
particulares de construção de uma nova ordem, de civilização e progresso nos<br />
trópicos.<br />
Machado (1978) avalia, por exemplo, como as condições higiênicas das<br />
cidades, no caso o Rio de Janeiro colonial, transformaram-se em tema para a<br />
administração pública brasileira. A delimitação desse processo se constitui a partir de<br />
uma periodização que se situa entre a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia<br />
do Rio de Janeiro, em 1829, e a ocorrência das primeiras epidemias de febre<br />
amarela, em 1850, e de cólera em 1855, na capital do Império, como marco inicial da<br />
adoção da problemática da doença e da saúde para fins de controle social. Com<br />
isso, a elevação nas taxas de mortalidade durante os períodos epidêmicos teriam<br />
despertado as autoridades para o problema da salubridade urbana, tornando a<br />
higiene um tema importante para a história do país.<br />
Outra abordagem importante sobre a questão da urbanização e da saúde<br />
foi elaborada por Jaime Benchimol que, em seu trabalho, descreve a ‘teia de<br />
relações’ que conferiu <strong>à</strong> renovação urbana do começo do século XX na capital<br />
federal um caráter de substituição. Neste sentido, um processo amplo de<br />
reformulação demarcou a transferência de áreas determinadas da cidade das mãos<br />
da população e classes consideradas subalternas para grupos sociais em ascensão.<br />
Para Benchimol (1992) iniciava-se uma política urbanística sistemática em que as<br />
obras de demolição e reconstrução foram suportadas por leis e determinações<br />
jurídicas que buscavam, ao mesmo tempo, cumprir as funções políticas de sede do<br />
Estado e cristalizar as exigências capitalistas da economia. Assim, partindo dos itens<br />
fixados pelo projeto presidencial de Rodrigues Alves, Benchimol (1992) aponta para<br />
um conjunto de ações complementares, que podem ser divididas em dois grandes<br />
grupos: interferências que visavam o aperfeiçoamento das relações comerciais<br />
16
asileiras no que se referia ao gerenciamento das exportações e importações e<br />
circulação de produtos. A conseqüência seria a remodelação da estrutura portuária e<br />
das ruas de acessos entre o centro comercial, financeiro e administrativo e as áreas<br />
de expansão, dentro da própria cidade. Além disso, há uma recomposição das<br />
relações de classes, com a tentativa de erradicar os possíveis fatores de<br />
contaminação, que provocavam doenças epidêmicas, principalmente a febre<br />
amarela, e a construção de um espaço urbano estratificado a fim de expulsar<br />
determinadas camadas da população das áreas centrais, reservada aos grupos<br />
dominantes. Nessa abordagem a questão da saúde surgiria então como parte do<br />
processo de intervenção capitalista na cidade, inserida nos projetos de reforma<br />
urbana com um propósito bastante evidente, que seria definir, com rigidez, uma<br />
maneira de atuação que pudesse auxiliar na construção de regras para adequar os<br />
diferentes setores da população ao espaço urbano, cenário de novos projetos.<br />
Adotando periodização semelhante aos dos autores citados anteriormente,<br />
Chalhoub (1996) analisa detalhadamente a questão das epidemias e as habitações<br />
urbanas em consonância com a construção da idéia de administração competente e<br />
técnica da cidade do Rio de Janeiro e de sua população. Para esta abordagem, o<br />
processo de urbanização da capital federal seria marcado por dois momentos<br />
distintos, sendo o primeiro caracterizado pela perspectiva de atribuir <strong>à</strong>s classes<br />
pobres a condição de classes perigosas, com preferência pelos negros nesta<br />
identificação e, o segundo momento seria o da imposição de critérios técnico-<br />
científicos como um modelo de racionalidade que, acima das desigualdades sociais,<br />
poderia ser capaz de justificar as políticas públicas encaminhadas. Para Chalhoub<br />
(1996) ocorreu neste momento o nascimento de uma ideologia da higiene, cujo<br />
objetivo principal seria legitimar as decisões e intervenções políticas e deslegitimar a<br />
política em favor da organização do trabalho, da manutenção da ordem pública e de<br />
uma solução para o problema das epidemias.<br />
Poderíamos identificar, ainda, mais uma via de interpretação do caso<br />
carioca que procura fundir vários elementos contidos nas análises anteriores,<br />
misturando noções de sociedade medicalizada com ideologia da higiene que<br />
também produziu reflexos na análise de outras realidades. É possível considerar que<br />
em Belém, como ficou evidente na análise acima, a reforma urbana também foi<br />
17
articulada <strong>à</strong> reforma sanitária, produzindo efeitos semelhantes aos da capital federal.<br />
Neste processo percebe-se também a utilização do conceito de classes perigosas<br />
em referência as classes pobres, a tentativa de impor critérios técnico-científicos<br />
como modelo de racionalidade e a elaboração de uma ideologia da higiene,<br />
identificada em diversos trabalhos que trataram do assunto, relativamente a Belém.<br />
Entre os trabalhos produzidos sobre epidemias de varíola em Belém, de<br />
fins do século XIX ao início do século XX, alinhados com aquela terceira via de<br />
interpretação do caso carioca, apresentada acima, destacam-se os de Iraci Gallo 5 e<br />
Alexandre Amaral. Em seu estudo sobre epidemias de varíola e febre amarela em<br />
Belém das últimas décadas do século XIX, Iraci Gallo Ritzmann, em sua dissertação<br />
de mestrado, descreveu algumas práticas de homens e mulheres pobres de Belém<br />
desse período, dando vozes a sujeitos até então silenciados pela própria<br />
historiografia encarregada dessa temática, mostrando suas atitudes diante dos<br />
discursos médicos e higienistas, elaborados em nome da ciência, da modernidade<br />
ou da civilização. Neste trabalho, Ritzmann (1997) procurou mergulhar no modo de<br />
vida da população de Belém, enfocando os locais onde trabalhavam, como moravam<br />
e como organizavam seu cotidiano.<br />
A autora também apresenta o debate sobre as formas de contágio, pela<br />
varíola e pela febre amarela, e ainda as medidas adotadas pelas autoridades<br />
públicas para se procurar manter a salubridade na cidade de Belém. Porém, se<br />
Ritzmann (1997) demonstra diversos aspectos da população de Belém, no final do<br />
século XIX, bem como o crescimento vertiginoso desta população apontando para as<br />
campanhas imigrantistas, procurando identificar os vários segmentos sociais<br />
envolvidos nas questões relativas <strong>à</strong> saúde e a higiene da cidade, ela não<br />
problematizou a complexidade da reação popular <strong>à</strong>s profilaxias encaminhadas pelo<br />
poder público, relativamente <strong>à</strong> varíola, no sentido de identificar suas razões, para<br />
5 Em sua monografia de especialização: “A varíola na Terra dos Homens de Flecha e Arco”, realizada<br />
em 1994, junto a Universidade Federal do Pará, Iraci Gallo analisou a epidemia de varíola ocorrida<br />
em Belém no ano de 1884. Nesta, a autora procurou fazer uma descrição do impacto da epidemia<br />
sobre a população de Belém. Este trabalho, inovador para a época, baseou-se em dados fornecidos<br />
por Arthur Vianna e artigos de jornais, especialmente o Diário de Notícias. O resultado, embora<br />
tratar-se de um trabalho de especialização, apresentou elementos importantes para análises<br />
futuras.<br />
18
tentar fugir do lugar comum em que se tornou tal questão, sendo tratada, quando<br />
muito, pura e simplesmente no campo da resistência popular.<br />
Amaral (2006) analisa doenças e epidemias como a febre amarela, a<br />
varíola e a peste bubônica, que estavam no centro do debate das práticas médico-<br />
sanitárias em Belém, no início do século XX. Para o autor, o higienismo de médicos<br />
tornou-se discurso recorrente de intervenção no espaço cotidiano dos moradores,<br />
em que campanhas de profilaxias foram consideradas responsáveis pela cura da<br />
cidade. As ações propostas pelos detentores do saber científico geraram tensões,<br />
segundo Amaral (2006) entre moradores e autoridades públicas em função da<br />
associação do saber médico com o poder público. Analisando artigos na imprensa,<br />
literatos, jornalistas, políticos, relatos médicos, mensagens de governo, relatórios,<br />
fotografias e charges, o autor mencionado, procurou compreender os significados<br />
atribuídos pelos contemporâneos em relação <strong>à</strong>s epidemias da varíola, tuberculose e<br />
febre amarela, por exemplo, por parte dos saberes médico-sanitários.<br />
Apesar de reconhecermos a relevância deste trabalho, com uma carga<br />
densa de fontes que lhes dão suporte, apenas uma seção do capítulo II 6 do trabalho<br />
de Alexandre Amaral tem relação direta com esta dissertação. Ainda assim, a<br />
referida seção, está baseada principalmente em dados relativos aos anos de 1904 a<br />
1911, mas utilizando-se de estatísticas sobre a varíola apenas para 1905, portanto<br />
em período diverso ao que se pesquisou para esta dissertação. Além disso, como<br />
tratou de outras doenças, Amaral (2006), não pode aprofundar a análise em relação<br />
<strong>à</strong> profilaxia da varíola como pretendia fazer, pois, embora tenha apresentado<br />
estatísticas da vacinação aplicada em Belém e sinalizado com a perspectiva de um<br />
enraizamento na cultura popular local de práticas de cura tradicionais que<br />
obstaculizavam as profilaxias oficiais, especialmente a vacina, não lhe foi possível<br />
desvendar totalmente as raízes dessa cultura popular, deixando também a<br />
impressão de que a rejeição <strong>à</strong>s profilaxias oficiais fossem produto da tão famosa<br />
“resistência popular”, cujas vozes, a seu ver, foram silenciadas pelo projeto vencedor<br />
ou pela historiografia que tratou do tema. Ora, analisando o trabalho de<br />
Sevcenko(1984), Chalhoub (1996) considera que a virtude de seu texto acaba<br />
6 Trata-se do item 2.2 desta obra – “vacine-se o povo: a campanha de profilaxia contra a varíola”, p.<br />
122-148.<br />
19
também sendo seu limite, pois, devido a ausência de uma pesquisa documental mais<br />
sistemática – que não parece ser o caso de Alexandre Amaral, é bom dizer -, na<br />
narrativa desse autor os populares sempre reagem – resistem – nunca agem. Com<br />
isso, acrescenta Chalhoub (1996: 99) “nunca se sabe exatamente que tipo de<br />
experiência histórica, de formas de entender o mundo e a sua situação de vida<br />
poderiam informar positivamente o movimento de luta contra a vacinação”.<br />
Outro trabalho que faz referência a epidemias de varíola em Belém é o de<br />
Costa (2006) que procura analisar alguns mecanismos empregados para conter o<br />
aumento dos casos das doenças em Belém, destacando as estratégias sanitárias<br />
propostas pelos facultativos ligados <strong>à</strong> ciência médica, levadas a cabo, muitas vezes<br />
sem resultado, pelo poder público, mas que interferiram e modificaram<br />
significativamente as práticas de assistência aos enfermos mais necessitados, que<br />
geralmente eram socorridos no Hospital da Santa Casa de Misericórdia. A autora<br />
analisa também a falta de conhecimento sobre a etiologia das moléstias que trouxe <strong>à</strong><br />
tona ainda um acirrado conflito ideológico entre os médicos, que divergiam quanto<br />
aos possíveis fatores que motivaram as epidemias e o tipo de terapêutica a ser<br />
aplicada aos doentes, ao mesmo tempo em que o perigo da contaminação aguçou<br />
também a “compaixão” e a “caridade” de todos que se viram direta ou indiretamente<br />
ameaçados por aqueles males. Apenas no capítulo I, quando trata dos problemas de<br />
saúde da Belém Imperial, é que a autora analisa epidemias de varíola em Belém.<br />
O objetivo maior dessa dissertação é demonstrar a longa experiência que<br />
a população de Belém desenvolveu com a varíola, as diversas epidemias<br />
enfrentadas na cidade e, ao mesmo tempo, a relação dessa população com as<br />
profilaxias encaminhadas pelo poder público que muitas vezes não inspiravam<br />
confiança e a relação destas com as formas de tratamento e ou práticas de cura,<br />
emanadas do seio das camadas populares da capital paraense. Assim, percebemos<br />
que havia uma grande intolerância, principalmente das camadas populares, <strong>à</strong>s<br />
políticas implementadas pelas autoridades públicas no campo da saúde, essa<br />
intolerância era evidente em relação a determinadas práticas como, por exemplo, a<br />
vacina que chegou a desenvolver uma cultura vacinofóbica, levando as autoridades<br />
a adotar como alternativa a prática do isolamento.<br />
20
Até a primeira metade do século XIX, acreditava-se que doenças eram<br />
causadas e disseminadas por aspectos do meio, difundira-se a teoria miasmática<br />
que afirmava serem as epidemias oriundas de lugares insalubres onde a circulação<br />
do ar ficava prejudicada. Muitas medidas tomadas pelos responsáveis da saúde<br />
pública no Brasil pautavam-se nesta teoria, implicando um combate <strong>à</strong> permanência<br />
de determinados edifícios dentro da cidade, como os hospitais e os cemitérios.<br />
Relegar a localização destes edifícios para uma área externa <strong>à</strong> cidade era entendido<br />
como uma medida profilática, pois desta forma as pessoas não estariam expostas <strong>à</strong>s<br />
periculosidades que estes lugares implicavam.<br />
O crescimento urbano de Belém nas últimas décadas do século XIX<br />
coincidirá com as pesquisas que proporcionaram descobertas sobre a causa<br />
microbiana de diversas doenças. Nessa perspectiva, leis e normas baseadas na<br />
necessidade de circulação, arejamento e conseqüente desodorização do ambiente,<br />
originárias da teoria dos “miasmas”, ganham atualidade e são combinadas com as<br />
mais modernas descobertas científicas do campo biológico. Inicialmente, o<br />
isolamento dos variolosos era feito numa enfermaria localizada na travessa José<br />
Bonifácio, em condições precárias, mas, nas últimas décadas do século XIX, ganha<br />
corpo a idéia de se construir um Hospital de Isolamento.<br />
O Hospital de Isolamento foi concebido para a assistência médica dos<br />
enfermos através do isolamento de indivíduos portadores de moléstias contagiosas,<br />
mas também para a proteção das pessoas sadias através da realização de<br />
quarentenas preventivas. As primeiras iniciativas para a sua construção ocorreram<br />
em função do aumento do numero de casos de varíola na cidade de Belém.<br />
Justificando a ação de um hospital de isolamento, partilhava-se <strong>à</strong> época a convicção<br />
de que a internação dos doentes e a quarentena dos contagiantes seriam os<br />
principais recursos contra a propagação de diversas enfermidades.<br />
É importante salientar que a prática do isolamento já representava a<br />
ineficácia da profilaxia oficial para combater a varíola, ou seja, a vacina. A rejeição<br />
desta por parte de diversos segmentos da sociedade local provocou a necessidade<br />
de se recorrer ao isolamento compulsório dos infectados. Tal prática, já realizada em<br />
21
elação aos leprosos e alienados 7 , era cercada de arbítrio, de violência praticada<br />
pelas autoridades policiais. É claro que os populares, que já rejeitavam a vacina,<br />
também demonstraram intensa oposição ao isolamento, buscando esconder os<br />
casos de varíola ou estabelecer tratamento alternativo, em enfermarias<br />
improvisadas.<br />
Essa percepção nos fez procurar as razões de tal intolerância e o caminho<br />
mais promissor para a obtenção do resultado esperado foi reconstituir a experiência<br />
dessa população com tais “políticas públicas”, pois buscamos desviar nossa análise<br />
da explicação simplista e reducionista da idéia de “resistência” ou “reação”. Assim,<br />
procuramos escapar da “armadilha”, da “camisa de força” que considera que o povo<br />
só resiste, só reage e tentamos demonstrar que, na longa experiência desenvolvida<br />
com a varíola e seus métodos profiláticos e terapêuticos, determinadas camadas da<br />
sociedade local desenvolveram razões de sobra para amargar uma grande<br />
insatisfação, oposição ou intolerância <strong>à</strong>s políticas oficiais, especialmente <strong>à</strong> vacina.<br />
O corte cronológico escolhido envolve um período significativo para o<br />
entendimento do assunto, pois, além de envolver um período marcado por fortes<br />
epidemias: 1884, 1888, 1899-1901 e 1904; sendo revelador, pois marcado por um<br />
momento de tensão e de grandes preocupações com a varíola e as profilaxias e<br />
terapêuticas específicas, também é marcante haja vista que se estende até o<br />
período em que estava ocorrendo, no Rio de Janeiro, a chamada Revolta da Vacina,<br />
que teve repercussões em Belém, merecendo uma série de matérias na imprensa<br />
local, especialmente no jornal A Folha do Norte.<br />
Sendo assim, distribuímos o trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo<br />
trata das epidemias de varíola que aconteceram em Belém, antes de 1884. O<br />
objetivo principal é mostrar a presença incômoda desta moléstia na capital paraense<br />
desde os tempos coloniais, para revelar aspectos de uma longa experiência com a<br />
referida doença e, conseqüentemente, suas alternativas de cura. Também neste<br />
capítulo procuramos demonstrar como a sucessão de epidemias de varíola<br />
estendendo-se pelo século XIX, colocou em ação a ideologia da higiene e seus<br />
7 Para uma discussão mais aprofundada sobre o isolamento dos infectados por lepra em Belém, ver:<br />
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Assim como eram os gafanhotos, pajelança e confrontos culturais<br />
na Amazônia do início do século XX”. In: MAUÉS, Raimundo Heraldo & VILLACORTA, Gisela<br />
Macambira (org). Pajelanças e religiões africanas na Amazônia. Belém, Edufpa, 2006, p.52-102.<br />
22
efeitos sobre, principalmente <strong>à</strong>s camadas populares, as classes consideradas<br />
“perigosas”.<br />
No segundo capítulo fizemos uma descrição das epidemias que<br />
envolveram o período pesquisado, de 1884 a 1904, com o intuito de revelar seus<br />
impactos sobre a população de Belém e como certas práticas representavam<br />
heranças do período anterior e, também, a forma como a imprensa, as autoridades e<br />
as camadas populares trataram o assunto. Assim, procurou-se demonstrar o impacto<br />
dessas epidemias sobre a população, mas, também, as dificuldades encontradas<br />
pelo poder público para colocar em ação suas medidas profiláticas e práticas<br />
terapêuticas, haja vista a intolerância popular que não pode ser caracterizada como<br />
simples “reação” ou ignorância.<br />
O terceiro e último capítulo analisa exatamente essas práticas terapêuticas<br />
e profilaxias com a finalidade de explicar as razões da intolerância popular. Assim,<br />
percebemos uma relação negativa da população de Belém com tais práticas. Os<br />
desencontros e desacertos da política de isolamento dos infectados, bem como toda<br />
polêmica em torno da eficácia da vacina, aliados a um forte enraizamento na cultura<br />
local, especialmente entre os populares, de práticas alternativas de cura,<br />
constituíram-se num caldo de cultura privilegiado para a emergência do conflito.<br />
Para a realização desse trabalho priorizamos alguns tipos de fontes: os<br />
documentos emanados do poder público (relatórios, mensagens, falas, discursos,<br />
ofícios), os jornais (Diário de Notícias, A Província do Pará, A Folha do Norte, A<br />
República e o Pará-Médico), abaixo-assinados e livro de registro de pacientes da<br />
Santa Casa de Misericórdia do Pará.<br />
O interesse em compreender as experiências dos moradores da cidade<br />
com as epidemias apontou a necessidade de conferir a documentação resultante<br />
das atividades administrativas do Governo. Tais documentos dedicam itens<br />
específicos que informam sobre saúde pública e caridade, delineando assim, embora<br />
de maneira não muito sistemática, uma política de atuação direcionada para a<br />
gestão da salubridade urbana. Amparados nas exortações médicas, para as<br />
condições da água e do ar, o que se traduz em organizar minimamente o<br />
abastecimento da população e na organização, em momentos considerados críticos,<br />
23
da limpeza urbana. Ao mesmo tempo, os códigos de postura, ao normalizarem a<br />
convivência urbana, reforçam as determinações médicas, relativas <strong>à</strong> saúde pública.<br />
A idéia de que a ocorrência de endemias e epidemias vai senão<br />
determinando, pelo menos precipitando, a organização mais sistemática dos serviços<br />
de saúde pública e, evidenciando, modos diversos de lidar com a doença, resultando<br />
uma experiência urbana singular, possibilitou-me traçar percurso metodológico no<br />
qual a ênfase na observação das epidemias permite visualizar melhor, os recursos<br />
postos em prática para combatê-las. Assim, na pesquisa realizada, buscamos<br />
organizar as fontes de maneira a permitir uma reflexão que parta das formas como a<br />
doença, ao se instalar entre os moradores da Cidade, é apropriada pelos discursos<br />
dos médicos e das autoridades da administração provincial, de maneira a serem<br />
gerados mecanismos de combate e controle não só dos efeitos físicos da doença,<br />
mas de todo o social, no que diz respeito aos hábitos e condutas e lugares, até<br />
chegar, aos caminhos trilhados em busca da cura.<br />
Desde o início das pesquisas que originaram este trabalho, tornaram-se<br />
evidentes duas questões: em primeiro lugar percebeu-se que só seria possível<br />
chegar <strong>à</strong> experiência ou as formas de saber consideradas populares através dos<br />
representantes do saber ou daquilo que se considera discurso oficial. E, em segundo<br />
lugar, que uma reconstituição mais abrangente da experiência com a doença,<br />
especialmente a varíola, e as diferentes práticas terapêuticas adotadas para<br />
combater tal doença, para que se pudesse compreender a cultura vacinofóbica<br />
desenvolvida pela população de Belém entre 1884 e 1904 só ocorreria se, além dos<br />
registros oficiais, fossem buscados também registros indiretos, marcados pela<br />
preocupação com o controle social, com a punição ou repressão. Nesse sentido,<br />
este pesquisa utilizou-se de fontes diversas, entre as quais, relatórios e mensagens<br />
de governo, decretos, periódicos, livro de registro de pacientes da Santa Casa de<br />
Misericórdia, etc. Assim, fizemos uso do reduto da “Escola Metódica”, trabalhando<br />
com uma documentação considerada clássica, para encontrarmos no discurso oficial<br />
falas que pudessem nos dar pistas sobre o comportamento dos populares, mas<br />
também utilizamos documentos emanados dessas camadas como uma relação de<br />
abaixo-assinados encaminhados ao poder público pedindo providências na área da<br />
saúde, demonstrando insatisfação com certas medidas tomadas pelas autoridades e,<br />
24
muitas vezes, lançado mão da própria ideologia da higiene adotada pelas<br />
autoridades sanitárias para fundamentarem suas reivindicações. Também<br />
pesquisamos os ofícios da Chefatura de Polícia onde identificamos uma série de<br />
ações voltadas para os segmentos considerados inferiores pela sociedade da época.<br />
Os jornais, além de constituírem-se em meios de comunicação capazes de<br />
informar eventos, promover transformações, divulgar notícias, também são<br />
construtores de relações sociais, divulgadores de propostas políticas e discursos.<br />
Constroem possibilidades de transformações <strong>à</strong> medida que provocam os burburinhos<br />
nos locais mais movimentados. Os jornais são espaços de manifestações de valores<br />
de grupos sociais e ou projetos políticos ao mesmo tempo em que são tribunais<br />
capazes de prolatar sentenças de grande alcance a partir de julgamentos feitos por<br />
jornalistas, divulgadores eficientes de projetos políticos, sociais, culturais, etc. Assim,<br />
a linguagem do poder, permeada de ideologias, também está presente nos jornais,<br />
uma vez que conceitos, normas e padrões dominantes apresentam-se no sentido de<br />
reforçar e tornar consensual o conjunto das leis e posturas instituídas. O jornal, ou<br />
melhor, os discursos neles veiculados, atendem também a função de apresentar<br />
como dominantes os valores de grupos sociais dominantes. Sendo assim, o jornal é<br />
um importante espaço de criação da sociedade, de debate de idéias, de confronto<br />
entre propostas diversas, de ciência inclusive 8 .<br />
A documentação hemerográfica não pode ser tomada como homogênea. A<br />
pluralidade de interesses e de formas a partir das quais estes se manifestam<br />
constitui uma característica fundamental desse tipo de fonte. Deste modo,<br />
constituem tarefas indispensáveis: a identificação do grupo ao qual cada órgão está<br />
ligado visando descortinar os vários interesses, a circulação dos jornais e a<br />
importância que o tema em questão vai adquirindo nos contextos de epidemia. É,<br />
sobretudo importante a observação do debate travado na e pela imprensa. Isto<br />
possibilita a percepção de elaborações diversas sobre as doenças e as formas de<br />
cura, legitimadas ou condenadas pela população.<br />
8 Análise minuciosa dos jornais como fonte histórica é feita por: LUCA, Tânia Regina. “A história dos,<br />
nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo:<br />
Contexto, 2005.<br />
25
Deste modo é que as notícias, crônicas e artigos publicados em jornais,<br />
bem como relatórios médicos, referentes <strong>à</strong> doença e a gravidade de epidemias,<br />
constroem um perfil das doenças, ao mesmo tempo em que atuam quotidianamente,<br />
junto aos serviços de saúde publica. Ao caracterizar a patologia, recomendar<br />
procedimentos terapêuticos e a adoção de hábitos de higiene, relatar casos e<br />
organizar a estatística mensal da clínica médica, busca-se legitimação social para o<br />
discurso sobre as doenças e as práticas médicas. Além disto, indicam territórios ditos<br />
perigosos. A partir destas fontes, foi sendo possível, reconstruir a geografia da<br />
doença: lugares e pessoas mais intensamente atingidos.<br />
O fenômeno da doença na cidade, ao mesmo tempo em que estimula a<br />
produção discursiva e instiga ao surgimento e/ou aprimoramento de estratégias de<br />
gestão da saúde pública, revela uma rede de procedimentos terapêuticos diversos,<br />
como a alopatia e a homeopatia, entre os partidários de uma medicina científica e, as<br />
práticas de uma medicina popular.<br />
Entre os jornais 9 que circulavam em Belém no período em foco nesta<br />
pesquisa, destacava-se o Diário de Notícias que possuía finalidade comercial e<br />
passou por revezamentos quanto as suas posições políticas. Até 1888, como<br />
pertencia a João Campbell, membro do Partido Conservador, que administrava a<br />
província, não assumiu uma postura crítica em relação <strong>à</strong>s questões político-<br />
partidárias. De 1888 até <strong>à</strong> Proclamação da República, período em que os liberais<br />
estiveram no poder, passou a publicar os textos propagandistas republicanos, e a<br />
fazer críticas a administração da província, percebendo-se um combate mais severo<br />
<strong>à</strong>s políticas públicas implementadas pelos liberais, especialmente na área da saúde,<br />
foco dessa análise. Durante o ano de 1890, quando o jornal teve como proprietário<br />
Joaquim Lúcio de Albuquerque simpatizante do Partido Republicano Democrático,<br />
transformou-se em um dos principais órgãos de oposição ao Governo Provisório,<br />
pelo menos até março de 1891, quando passou a ser propriedade do médico, filiado<br />
ao Partido Republicano do Pará, Firmo Dias Cardoso Junior. Em dezembro de 1891,<br />
o jornal A República informava que o Diário de Notícias teria passado a propriedade<br />
dos integrantes do Partido Republicano do Pará, Heliodoro de Brito, Barroso Rebello<br />
9 Estas informações foram coletadas nos catálogos de periódicos da Fundação Cultural Tancredo<br />
Neves, em Belém.<br />
26
e B. Araújo. Em junho de 1893, o Diário de Notícias pertencia a Juliano Penna e<br />
Persondas de Carvalho, integrantes do Partido Operário do Pará, que foram<br />
obrigados a fechar o jornal mais uma vez. Conforme o exemplo infere-se que o<br />
Diário de Notícias oscilou entre oposição e governo, o que exige muita atenção na<br />
análise do jornal quanto <strong>à</strong> sua orientação política. O jornal Diário de Notícias não<br />
apresentava informações sobre partidos políticos, uma vez que era considerado um<br />
órgão comercial, não obstante a orientação política democrática que endossou, pelo<br />
menos na maior parte do período de 1889 a 1897. Sendo uma empresa de menor<br />
potencial que A Província do Pará, o Diário de Notícias era menos dinâmico. Em sua<br />
primeira página publicava uma variedade de anúncios: confecções, escolas, leilões,<br />
balanços comerciais, ofertas de empregos e rendas públicas. Na segunda aparecem<br />
colunas contendo títulos permanentes tais como: “Secção telegraphica”, com notícias<br />
nacionais e internacionais; “Ao povo” onde se priorizavam os assuntos políticos;<br />
“Violência”, que abordava vários tipos de conflitos; “Xin-xan-fó” que se destinava <strong>à</strong>s<br />
sátiras ao governo; “Espiga”, espaço de divulgação de anúncios de compra, venda,<br />
aluguel e ofertas de emprego. A terceira e a quarta páginas eram usadas em vários<br />
anúncios comerciais, editais, obituários. Nesta, divulgava-se diariamente o<br />
quantitativo de mortos por varíola e outras doenças epidêmicas que afetavam a<br />
província, principalmente a sua capital, Belém.<br />
Após a Proclamação da República, surgiu o jornal A Republica com<br />
edições consistentes, rico em informações e com uma estrutura editorial bastante<br />
dinâmica. Na primeira página eram colocadas informações sobre o Partido<br />
Republicano Paraense e alguns dados sobre o próprio jornal tais como a fundação,<br />
nome dos responsáveis, número de assinaturas na capital e no interior, além de<br />
apresentar textos de agradecimento ao público paraense. Na primeira página eram<br />
publicados os assunto relacionados a questões políticas, principalmente as críticas<br />
ao Partido Republicano Democrático, mais precisamente debatendo as lançadas<br />
pelo jornal O Democrata, oposicionista. Em seguida apresentavam-se as<br />
informações sobre os debates políticos nacionais e internacionais, notas oficiais<br />
sobre as principais pautas de discussão na capital federal. Além disso, aparece uma<br />
variedade de anúncios sobre diversos assuntos tais como: vendas, ofertas de<br />
emprego, espetáculos teatrais, convites, telegramas, assuntos religiosos,<br />
informações sobre hipismo. Na segunda página publicava-se uma variedade de<br />
27
propagandas ligadas <strong>à</strong> medicina: remédios, clínicas, médicos e outros anúncios que<br />
foram úteis a este trabalho. Mas na segunda página também se publicavam artigos<br />
enfatizando a ação dos chefes republicanos na capital federal, críticas <strong>à</strong>s notas<br />
lançadas pelos jornais de oposição ao governo, bem como notas informativas sobre<br />
projetos em processo de regulamentação, requerimentos, petições, etc. Na terceira e<br />
quarta páginas eram bastante encontrados textos variados. Todavia, na terceira<br />
página prevaleciam os anúncios: editais notas policiais, requerimentos, portarias,<br />
despachos de pagamentos, vendas de remédios, balanço comercial, cotação dos<br />
produtos (borracha, açúcar, café e etc.), câmbio dos bancos nacional e internacional,<br />
rendas públicas, leilões, avisos marítimos. Já na quarta página as propagandas<br />
comerciais, anúncios de aluguéis, compra e venda de produtos: remédios, utensílios<br />
domésticos, alfaiataria, fábrica de refrigerantes, eram o principal assunto. Os<br />
folhetins publicados em A República estavam de acordo com a essência do<br />
pensamento defendido pelos republicanos históricos do Pará. A literatura francesa<br />
que trilhava pela linha da ideologia do progresso da ciência, bem como da matriz jus<br />
naturalista, como caminho de explicação sobre Estado e sociedade, eram<br />
privilegiados pelos redatores. Desta forma, dentre tantos textos publicados em A<br />
República, os folhetins acompanhavam os valores compartilhados pelos<br />
republicanos paraenses.<br />
Outro jornal que circulava na época e que também foi utilizado nesta<br />
pesquisa foi A Província do Pará, um dos mais importantes jornais da época.<br />
Originou-se da tipografia de O Pelicano, jornal que pertencia ao Oriente Maçônico do<br />
Pará e foi vendido para Francisco de Souza Cerqueira. Naquela ocasião, o jovem<br />
Antônio Lemos, que havia estreado no jornalismo escrevendo em O Pelicano,<br />
continuou na empreitada do novo proprietário. No ano de 1876, A Província do Pará<br />
passou <strong>à</strong>s mãos do Dr. Joaquim José de Assis e Antônio Lemos assumiu a condição<br />
de seu jornalista e redator, trabalhando junto ao proprietário na administração do<br />
jornal. Segundo Sarges (2002), a maioria dos redatores de A Província do Pará era<br />
formada por republicanos, o que justifica o fato daquele jornal freqüentemente<br />
publicar textos favoráveis <strong>à</strong> República e ao Club Republicano do Pará. Em outubro<br />
de 1889, com a morte do Dr. Assis, sua esposa repassou sua cota para o mais fiel<br />
amigo do proprietário; desse modo, Lemos passou a ser o único dono do jornal. A<br />
primeira página de A Província do Pará continha uma organização mais<br />
28
diversificada, contando com obituário, telegramas, informações policiais, não<br />
havendo menção <strong>à</strong> orientação político-partidária, já que se tratava de um jornal que<br />
não pertencia a nenhum partido político. Mas havia colunas com títulos permanentes,<br />
dentre os quais a matéria publicada na segunda e intitulada “Assunptos do dia”, que<br />
tratava das principais questões políticas. A terceira coluna “Echos de toda a parte”,<br />
continha as notícias de várias capitais do mundo e do Brasil. Na quarta coluna<br />
merece destaque a matéria “Através de Belém” que abordava assuntos referentes ao<br />
Congresso do Estado, além de apreciável variedade de serviços e informações. A<br />
parte inferior do jornal, como a de todos os periódicos, destinava-se aos folhetins. Na<br />
segunda página aparecem colunas onde eram publicados os artigos que abordavam<br />
temáticas políticas nacionais e internacionais. Até o ano de 1891, quando o Diário<br />
Official começou a circular, na segunda página de A Província do Pará publicavam-<br />
se as informações oficiais sob os seguintes títulos “Do Estado”, com informações<br />
sobre o Senado paraense, câmara dos deputados; “No estrangeiro”, onde se<br />
publicavam as notícias internacionais; “Notas oficciaes” espaço destinado <strong>à</strong><br />
legislação. “Secção livre” aberta <strong>à</strong> publicação de textos que versavam sobre vários<br />
assuntos como protestos, propaganda de remédios, avisos públicos, cursos, editais,<br />
além de uma variedade de anúncios: remédios, utensílios domésticos, que<br />
passavam também para a quarta página, repleta de propagandas comerciais de<br />
lojas, escolas, cursos e serviços em geral. Este periódico, apesar de não ter sido<br />
consultado em todo o período desta pesquisa, forneceu informações importantes<br />
para algumas das conclusões aqui obtidas.<br />
Outro periódico importante na época envolvida por esta pesquisa,<br />
especialmente o segundo período, foi A Folha do Norte. Esta gazeta começou a<br />
circular em 1896 e só foi paralisada em 1974. Fundada por Cipriano Santos (1859-<br />
1923) e Enéias Martins (1872-1919), teve suas páginas marcadas pela história<br />
política dos seus principais fundadores (Lacerda, 2006). O primeiro era médico, com<br />
atuação intensa nessa área, principalmente após a proclamação da república, tendo<br />
dirigido instituições importantes como, por exemplo, a Inspetoria do Serviço<br />
Sanitário, portanto atuava num campo que é o foco deste trabalho. Além de médico,<br />
Cipriano Santos herdou uma tradição jornalística, pois seu pai foi redator e<br />
proprietário de jornais. Em 1896, quando fundou a Folha do Norte, junto com Enéias<br />
Martins, defendia Lauro Sodré e, em 1898, quando Lauro Sodré fundou o Partido<br />
29
Republicano Federal, também recebeu o apoio de Cipriano Santos e de seu<br />
jornal.Com a cisão política entre “lauristas” e “lemistas” (Partido Republicano Federal<br />
e Partido Republicano, respectivamente), mais ou menos em 1900, a mencionada<br />
gazeta mantém apoio a Lauro Sodré. O referido periódico possuía uma grande<br />
variedade temática, além de possuir circulação diária e envolver boa parte do<br />
período pesquisado, justificando-se assim sua escolha. Sua importância para este<br />
trabalho reside também no fato de ter se constituído em jornal de oposição, sendo<br />
bastante combativo em relação <strong>à</strong>s ações de “disciplina e de organização da cidade”<br />
encaminhadas na administração lemista, aí incluídas as políticas na área da saúde.<br />
Também vale ressaltar a rivalidade com A Província do Pará, entre 1899 e 1900,<br />
destacando-se as polêmicas em torno da vacina, pois não podemos esquecer que,<br />
em 1904, o então senador Lauro Sodré liderou uma liga contra a vacina obrigatória<br />
no Rio de Janeiro, com ressonância na terra da mereba-<strong>ayba</strong>, destacando-se os<br />
debates estabelecidos através da imprensa.<br />
Foi, portanto, com base nesses referenciais que desenvolvemos esta<br />
dissertação sobre epidemias de varíola em Belém e as diferentes formas de cura<br />
buscadas para a referida moléstia. Elementos importantes da História da Medicina<br />
Social, desenvolvidos nos capítulos seguintes.<br />
30
____________________________________________________________________<br />
1. A Varíola Antes de 1884:<br />
31<br />
CAPÍTULO I<br />
A Presença da <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> em Belém e o Discurso das<br />
Autoridades Sobre a Cidade, a Salubridade e as Doenças.<br />
De acordo com Ferreira (2006), a varíola foi classificada como uma das<br />
enfermidades mais devastadoras da história da humanidade. Considerada<br />
erradicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980, a varíola surgiu<br />
provavelmente na Índia ou no Egito há mais de três mil anos. Esta doença se<br />
espalhou pelo mundo, causou diversas epidemias, aniquilou populações inteiras,<br />
inclusive diversas tribos de índios brasileiros. Marcas provavelmente causadas pela<br />
doença foram encontradas na face da múmia do faraó Ramsés II. Em determinadas<br />
culturas antigas, a letalidade da varíola era tão intensa entre as crianças que elas só<br />
recebiam nomes se sobrevivessem <strong>à</strong> doença.<br />
A presença da varíola na Amazônia remonta aos tempos coloniais,<br />
tendo assumido sempre um caráter devastador. Em Natureza, Doenças e Medicina e<br />
Remédios dos Índios Brasileiros, de Von Martius (1844) percebe-se o caráter<br />
devastador que a varíola teve em relação <strong>à</strong>s sociedades indígenas. Segundo o<br />
renomado botânico “a varíola era completamente desconhecida pelos índios, antes<br />
do povoamento português”, tendo se propagado rapidamente a partir daí de forma<br />
que “se alastra até aos mais remotos ermos, e cada tribo conhece e teme essa<br />
doença, como se fora o mais pernicioso veneno para seu sangue” freqüentemente os<br />
colonos penduravam nas matas diversas peças do vestuário infectadas para
propagar a varíola entre os índios. De acordo com Martius (1844) os índios eram<br />
pouco resistentes <strong>à</strong> varíola e reagiam de forma variada ao desenvolvimento da<br />
doença; alguns atormentados pela forte dor de cabeça e pela temperatura elevada,<br />
costumavam isolar-se numa rede, aumentando mais ainda a febre; outros<br />
procuravam água corrente para tentar amenizar o calor interno e, por isso, muitas<br />
vezes morriam de apoplexia. Havia aqueles que buscavam por meio de banhos frios<br />
ou beberagens quentes apressar a erupção do exantema, nestes casos, a violência<br />
da doença é tamanha “a ponto de parecer toda a superfície do corpo uma só úlcera<br />
gangrenosa” Além de descrever as reações dos índios <strong>à</strong> varíola, o referido botânico<br />
afirma que tal doença não fazia distinção nem de sexo nem de idade entre os índios,<br />
mas para os mais idosos, para as mulheres grávidas e parturientes tornava-se mais<br />
perigosa, sendo mais facilmente suportada pelos mais jovens. Geralmente as<br />
grávidas afetadas pela varíola abortavam enquanto as parturientes transmitiam a<br />
doença para o recém nascido. Por todas essas razões é natural que a varíola tenha<br />
provocado imenso pavor entre os índios.<br />
Uma demonstração do pavor que os índios sentiam diante da “doença<br />
maligna” pode ser percebida pela reação que tiveram nesta viagem em que era<br />
conduzido o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, do Pará até<br />
Macapá. Martius (1844: 99), afirma que:<br />
Remavam uns vinte índios, quando, inesperadamente, se atemorizaram pela<br />
notícia de que a bordo havia um varioloso; todos se atiraram em alto mar e,<br />
a nado, preferiram alcançar as praias, a tentar ficar em companhia dos<br />
brancos, que do melhor modo possível, foram obrigados a se esforçar e<br />
levar o barco a um porto perto da ilha de Marajó.<br />
Introduzidos pelos colonizadores portugueses, os surtos de varíola<br />
entraram no Império português, na América do Sul, pelas embarcações vindas do<br />
outro lado do Atlântico, principalmente da Europa e da África. Esta enfermidade foi a<br />
que mais danos causaram ao Pará entre fins do século XVIII e o século XIX.<br />
Segundo Alencastro (2000) foram detectadas epidemias de varíola em diversos<br />
portos do Nordeste brasileiro, se propagando para o norte e sudeste da colônia<br />
portuguesa, desde, pelo menos, os anos de 1560. Ao que tudo indica a primeira<br />
32
grande epidemia de varíola anotada no Brasil foi iniciada em Salvador em 1561 e<br />
atingiu seu clímax justamente em 1563, ocasião em que matou cerca de 30 mil<br />
índios até então ilesos. De fato, frente ao pavor causado pela doença que nunca<br />
tinham visto e diante da tragédia que se lhes abatera, registraram-se muitos casos<br />
de índios que abandonavam seus companheiros atacados e fugiam espavoridos,<br />
dando grandes voltas nas matas para despistar a “doença maligna”. De passagem<br />
por São Vicente, José de Anchieta escrevera ao seu superior na Europa, o padre<br />
Lainez, e, ao dar alguns detalhes sobre esta epidemia, deixou um relato dramático<br />
de como a enfermidade atacava o corpo. Bruno (1984: 238-240), diz:<br />
Cubre-se todo el cuerpo, de pies a cabeça, de una lepra mortal que parece<br />
cuero de caçon y ocupa luego la garganta por dentro, y la lengua, de<br />
manera que com mucha dificuldad se puede confesar, y en tres o quatro<br />
dias muere. Quebra-se les la carne, pedaço a pedaço com tanta<br />
podredumbre de materia que salle dellos un terrible hedor, de manera que<br />
acuendele las moscas, como a carne muerta y pudrida y sobre ellos y les<br />
ponen gusanos que sino les socorriessem vivos los comerian.<br />
Desde então, segundo Camargo (2007), as bexigas não mais deixaram de<br />
“visitar” o Brasil e após esta primeira epidemia de 1563-64, a doença não deu mais<br />
trégua, sendo raros os períodos em que nenhum caso foi anotado. No século XVIII,<br />
por exemplo, verificaram-se grandes surtos desse mal em 1702, 1723, 1724, 1727,<br />
1729, 1730, 1732, 1735, 1741, 1744, 1761, 1768, 1775, 1780, 1784, 1790 e 1798.<br />
No século XVII as epidemias de varíola atacavam com freqüência a<br />
população indígena aldeada na região amazônica, ocasionando a morte de grande<br />
parte desta população. Para Raminelli (1998) a constante baixa demográfica dos<br />
aldeamentos foi ocasionada principalmente pela morte de milhares de nativos que<br />
não tinham resistência contra doenças introduzidas, sendo as epidemias de sarampo<br />
e bexiga noticiadas como catastróficas para a economia da região, em função do<br />
elevado percentual de baixas que afetavam o quantitativo de mão-de-obra. Os<br />
relatos deixados pelos religiosos - principalmente as crônicas do padre jesuíta João<br />
Felipe Betendorf - e pelos oficiais portugueses revelam com clareza os efeitos<br />
causados pelas epidemias de varíola em missões e aldeias nas capitanias do<br />
Maranhão e Grão-Pará, com destaque para aquelas ocorridas nas décadas de 1660<br />
33
e 1690, tanto pela gravidade como pelo alto índice de mortalidade entre os nativos e<br />
escravos, assumindo, portanto, um caráter devastador, segundo Alden & Miller<br />
(1988) e Chambouleyron (2006).<br />
A freqüência dos surtos epidêmicos na Amazônia refletia, de certa forma, a<br />
política econômica encaminhada <strong>à</strong> época pela Coroa portuguesa, que objetivavam o<br />
incremento da agricultura comercial de exportação e <strong>à</strong> introdução de mão-de-obra<br />
escrava. De acordo com Sá (2008), os problemas advindos com as baixas na força<br />
de trabalho indígena aparecem como os principais fatores de origem da<br />
regularização do tráfico de escravos na Amazônia. Na segunda metade do século<br />
XVII as demandas por escravos africanos se intensificaram e iniciativas foram<br />
tomadas pela Coroa portuguesa com o objetivo de garantir o fornecimento regular de<br />
africanos para a região, propiciando a criação, em 1679, da Companhia do Estanco<br />
do Maranhão, que teria o controle do tráfico de escravos em troca do monopólio das<br />
exportações (Alencastro, 2000). Em todo o período de atuação (1682 a 1684) a<br />
Companhia - que possuía a exclusividade sobre o comércio de escravos, não<br />
alcançou o resultado esperado em sua missão que era abastecer o mercado da<br />
região com escravos africanos, atendendo, tão somente, <strong>à</strong> demanda da capitania do<br />
Maranhão.<br />
Segundo Bezerra Neto (2001), em 1692, outro contrato foi efetivado, desta<br />
vez com mercadores da Companhia de Cabo Verde e Cachéu visando a introdução<br />
de 145 africanos por ano na região, os quais seriam distribuídos entre o Pará e o<br />
Maranhão. Mesmo levando em consideração a existência desse contrato e de outros<br />
realizados com outros comerciantes, é evidente a irregularidade do tráfico de<br />
africanos para a região Amazônica, sendo baixo o número de escravos importados.<br />
Apesar de serem tomadas várias medidas entre o fim do século XVII e o início do<br />
século XVII no sentido de regularizar o abastecimento de escravos africanos na<br />
região, não foi possível alcançar o resultado almejado e o apelo pela mão-de-obra<br />
africana permaneceu como uma das principais reivindicações dos habitantes da<br />
região.<br />
A partir da segunda metade do século XVIII, com o advento da política<br />
pombalina, a Metrópole encaminhou uma nova política econômica que visava<br />
34
impulsionar o comércio de exportação e, com isso, inverter “as variáveis econômicas<br />
e sociais da região para melhor enquadrá-la no sistema atlântico e no controle<br />
metropolitano”, segundo Alencastro (200: 142). Assim, as leis régias decretadas no<br />
período pombalino, assinadas em 1755, criaram a Companhia de Comércio do Grão-<br />
Pará e Maranhão e, ao mesmo tempo, decretaram a abolição da escravidão<br />
indígena. A Companhia do Grão-Pará, além de fomentar o comércio com a<br />
Amazônia deveria, também, prover o fornecimento regular de escravos africanos<br />
para a região, pois uma das intenções do Marquês de Pombal era substituir a mão-<br />
de-obra indígena pela africana. A referida Companhia possuía uma frota de 18<br />
embarcações e realizava em torno de seis viagens por ano entre a África e os portos<br />
de São Luís e Belém. Durante o período de funcionamento da Companhia (1755-<br />
1778), foram trazidos ao Grão-Pará um total de 12.580 africanos provocando<br />
diversas epidemias de varíola, pois a regularidade do tráfico negreiro e as condições<br />
altamente insalubres dos tumbeiros, propiciaram a disseminação da varíola entre os<br />
africanos e o conseqüente desencadeamento de surtos epidêmicos na região,<br />
segundo Vianna (1992).<br />
De acordo com Alden e Miller (1987: 195), "a varíola sobrevivia enquanto<br />
suscetíveis existissem para sustentar a doença”, e cada manifestação nova da<br />
referida doença, pelo menos as grandes ocorrências epidêmicas, “surgiam devido a<br />
reintroduções de fontes externas, inicialmente européias, mas subseqüentemente<br />
africanas". Em 1743, a região do baixo Amazonas sofreu uma epidemia de varíola<br />
que dizimou grande parte da população indígena. Ainda de acordo com Alden e<br />
Miller (1988) esse foi um dos mais sérios surtos na região em um intervalo de duas<br />
décadas. Charles-Marie de La Condamine, que se encontrava no Pará, deixou<br />
registrado em seu diário de viagem o quanto a doença havia sido devastadora para<br />
os indígenas, afetando principalmente os recém-chegados <strong>à</strong>s missões religiosas e<br />
lamentou o fato de não estar sendo praticada a variolização. Para Figueiredo &<br />
Vergolino-Henry (1990), a preocupação com a disseminação da doença fez com que<br />
Portugal ordenasse que embarcações fossem vistoriadas e aquelas vindas de portos<br />
infeccionados ou com escravos doentes fossem submetidas a longas quarentenas 10 .<br />
10 Esta obra apresenta uma série de informações relativas ao tráfico interno e externo de africanos,<br />
indicando a procedência dos escravos importados e o mapeamento da distribuição desses escravos<br />
pela região amazônica. Há informações também sobre quilombos e sobre o modo pelo qual o<br />
35
Mas, a falta de vigilância adequada permitiu que navios entrassem e<br />
descarregassem no porto escravos doentes de varíola, desencadeando assim novos<br />
surtos epidêmicos. Nesse sentido, a construção de lazaretos próximos aos portos<br />
passou a ser uma prioridade, sendo a construção dos mesmos aprovada pela Coroa<br />
portuguesa em 1787 com a exigência de que todas as embarcações que chegassem<br />
ao porto e que trouxessem escravos ficassem indistintamente em quarentena, o que<br />
também não foi cumprido, pois são freqüentes as reclamações feitas pela imprensa<br />
até o final do século XIX acerca da inobservância da quarentena por parte dos<br />
traficantes. O Conselho Ultramarino também procurou enviar para a Amazônia, a<br />
partir de 1768, medicamentos para o tratamento dos enfermos, pois era totalmente<br />
insuficiente o “sistema médico” no Pará daquele período, onde se encontrava, de<br />
acordo com Vianna (1992), um médico, um cirurgião e uma botica.<br />
Mesmo com todas as tentativas empreendidas para evitar a entrada de<br />
navios negreiros com casos confirmados de varíola alcançasse os portos antes de<br />
passar pela quarentena, assim como das tentativas de inoculação (variolização) em<br />
crianças negras e índias, poucos foram os resultados concretos e a "peste branca"<br />
continuou a ser introduzida através do tráfico de escravos, de acordo com Sá (2008).<br />
A chegada de um navio negreiro contaminado pela varíola no porto do<br />
Pará fez eclodir uma grande epidemia, em 1819. Esta provocou efeitos devastadores<br />
na população, com cerca de cinqüenta óbitos por dia, que foram relatados pelos<br />
naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich von Martius em suas<br />
notas de viagem publicadas em 1831. Apesar de terem chegado <strong>à</strong> Belém alguns<br />
meses após o pico da epidemia, Spix e Martius puderam ainda presenciar o<br />
desenvolvimento da doença nos habitantes locais. Os naturalistas deixaram<br />
registrados os esforços empreendidos pelo governo para aplicar a vacinação<br />
jenneriana na população e os resultados ineficazes obtidos. Depois de tentar obter a<br />
vacina em Caiena, o governo enviou um navio <strong>à</strong> ilha de Barbados, no Caribe,<br />
enquanto esperava a chegada de mais material da Inglaterra. Spix e Martius<br />
registraram que, mesmo com a inoculação, muitos desenvolveram a doença,<br />
chamando a atenção para a qualidade da linfa, já que em alguns casos, dependendo<br />
regime de escravidão se desenvolveu na região. Quase todas as informações dessa obra envolvem<br />
o período pombalino, com referência a ação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão e a<br />
intensificação do comércio de escravos africanos para a Amazônia.<br />
36
do material inoculado, os resultados não eram positivos, desenvolvendo<br />
manifestações altamente virulentas, segundo Martius & Spix (1981).<br />
Sem uma política eficaz de saúde pública, a varíola continuou a assolar a<br />
Região Amazônica. Com a falta de inspeção sanitária os portos continuaram a não<br />
sofrer fiscalização adequada; a vacinação continuou a ser negligenciada e os<br />
doentes com varíola não eram isolados, favorecendo o caráter endêmico da doença.<br />
Na primeira metade do século XIX temos notícia da varíola apenas na administração<br />
do Conde de Vila Flor que tentou utilizar a vacinação e, nesse período, também<br />
merece destaque a tentativa de tornar a vacina obrigatória no governo de João<br />
Antonio de Miranda. Na segunda metade do século XIX, antes de 1884, foram<br />
registradas três epidemias de varíola, 1851-1852, 1866-1868 e 1872-1876, sendo<br />
esta a mais devastadora de todo o período, pois provocou segundo dados de A.<br />
Vianna, 1162 mortos.<br />
Até 1850 a origem da doença é geralmente associada ao tráfico negreiro,<br />
haja vista que as condições dos tumbeiros eram precárias e, portanto, era muito<br />
freqüente a disseminação de doenças entre seus ocupantes. O próprio Vianna<br />
(1975) afirma que a intensificação do tráfico negreiro para a Amazônia após a<br />
legislação pombalina, contribuiu para a eclosão das diversas epidemias que<br />
ocorreram na região. <strong>Da</strong> segunda metade do século XIX ao início do século XX, a<br />
origem da varíola passa a ser associada pelas autoridades <strong>à</strong>s diversas correntes<br />
imigratórias para a região, especialmente a nordestina.<br />
Nesta época a sociedade amazônica vivenciou um conjunto de<br />
transformações provenientes da economia da borracha. A descoberta dessa matéria-<br />
prima pela indústria mundial e o interesse do imperialismo britânico pelo chamado<br />
“ouro negro” da Amazônia, conferiram a essa região um papel importantíssimo no<br />
conjunto do sistema capitalista. O desenvolvimento dessa economia na região<br />
amazônica com a forte presença do capital inglês, distribuído entre seus diversos<br />
bancos situados entre Belém e Manaus; a adoção do clássico sistema de aviamento<br />
e a conseqüente presença dos barracões, casas exportadoras, seringueiros, etc. já<br />
mereceram diferentes estudos e, por conseguinte, uma produção historiográfica<br />
37
densa 11 . É importante salientar que não pretendemos realizar uma análise minuciosa<br />
da economia gomífera, mas seus desdobramentos, principalmente no que diz<br />
respeito <strong>à</strong>s transformações no espaço urbano, com destaque para a questão da<br />
saúde pública. Assim, é possível perceber uma série de medidas que demonstram a<br />
grande preocupação das autoridades locais com a salubridade, seja através do<br />
discurso, marcado pela ideologia higienista; seja através das obras encaminhadas<br />
nesse contexto. É evidente que, durante o século XIX, o crescimento da procura<br />
pelo látex, principalmente na segunda metade deste século, provocou o<br />
enriquecimento de setores da sociedade local envolvidos com o processo e,<br />
também, atraíram um grande número de imigrantes oriundos de outras regiões do<br />
país, especialmente do nordeste, e um grande número de imigrantes europeus.<br />
Estes eram os mais requisitados, os mais esperados, os detentores da civilização tão<br />
buscada por alguns elementos da sociedade local. O interesse pelo imigrante<br />
europeu era tão grande que os diferentes governos da região procuraram realizar<br />
campanhas de incentivo a vinda destes 12 .<br />
A respeito da migração nordestina, especialmente a cearense, para o<br />
estado do Pará entre fins do século XIX e início do XX, foram produzidos diversos<br />
trabalhos, mas a grande maioria destes tratou os nordestinos de forma<br />
homogeneizadora 13 , negligenciando, portanto, o caráter individual e único das<br />
experiências desses sujeitos. Assim, Lacerda (2006) considerou fundamental<br />
recuperar do esquecimento essas experiências individuais, com o intuito de<br />
compreender as razões que fomentavam o interesse dos cearenses em direção ao<br />
11 Sobre este tema temos uma produção vastíssima, mas cabe destacar os trabalhos de Roberto<br />
Santos, A História Econômica da Amazônia; e de Bárbara Weinstein, A Borracha na Amazônia:<br />
Expansão e Decadência, de 1850 <strong>à</strong> 1920.<br />
12 Em “O Paraíso Chama-se Pará: O Álbum ‘Pará em 1900’ e a Propaganda para atrair imigrantes”,<br />
Edilza Fontes busca demonstrar as estratégias oficiais para atrair trabalhadores e investidores<br />
europeus para o estado do Pará a época do boom da borracha.<br />
13 Para um debate mais aprofundado sobre imigração ver: LACER<strong>DA</strong>, Franciane Gama. Migrantes<br />
cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese (Doutorado) – Universidade de São<br />
Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, Programa de<br />
Pós-graduação em História Social, São Paulo, 2006. Consultar principalmente o primeiro capítulo da<br />
tese, onde a autora trava um debate com as principais abordagens historiográficas sobre o assunto.<br />
38
Pará, procurando desviar o foco da análise, da ótica do Estado, para a ótica dos<br />
próprios sujeitos 14 envolvidos no processo.<br />
É necessário perceber, porém, que a vinda desses imigrantes fez a<br />
população das duas principais cidades da região crescer em contraste com os seus<br />
padrões de infra-estrutura. Assim, surgiram diversos problemas sociais e de outra<br />
natureza e, muitos problemas já existentes tornaram-se incontroláveis, como, por<br />
exemplo, a questão da saúde pública, sendo muitas vezes os migrantes cearenses<br />
responsabilizados por epidemias de varíola em Belém, o que iremos analisar melhor<br />
no capítulo seguinte. A análise dos impactos causados pela economia da borracha e<br />
todo processo de modernização urbana na região foi já bastante pesquisado e desde<br />
os trabalhos de Maria de Nazaré Sarges e Ednéa Mascarenhas Dias 15 ,<br />
respectivamente sobre Belém e Manaus, têm se produzido um conjunto de análises<br />
sobre este processo que contribuem, cada um a seu modo, para o conhecimento do<br />
conjunto de transformações proporcionadas <strong>à</strong>s duas cidades e, conseqüentemente,<br />
a relação da sociedade com estas transformações.<br />
Em geral, as camadas populares constituíam-se no alvo principal das<br />
políticas públicas elaboradas na época, de acordo com um projeto que visava afastar<br />
“para além dos muros da cidade” todos os elementos considerados nocivos a boa<br />
14 No capítulo intitulado “Migrantes cearenses na cidade de Belém”, Lacerda (2006) descreve as<br />
experiências dos migrantes que permaneceram da capital do Pará e também daqueles seringueiros<br />
que freqüentemente visitavam Belém. Assim, a autora, baseada nas concepções de Raymond<br />
Williams relativas a relação campo e cidade na experiência inglesa, revela que as relações entre<br />
cidade e floresta eram bem mais estreitas do que se imagina, em função de certas análises<br />
consagradas pela historiografia relativa ao tema. Todavia, a recuperação dessas experiências<br />
individuais tem relevância para este trabalho por serem os nordestinos, especialmente os<br />
cearenses, apontados pela imprensa e pelas autoridades paraenses, como os grandes<br />
responsáveis pelas epidemias de varíola, em Belém, a partir da segunda metade do século XIX.<br />
15 No primeiro momento, com os trabalhos de Sarges (2000) e Dias (1999), procurou-se desvendar o<br />
projeto modernizador a partir da ótica das elites, onde se procurava mostrar os interesses que<br />
estavam em jogo no momento da elaboração da idéia de modernização na Amazônia, com seu<br />
caráter excludente em relação <strong>à</strong>s camadas consideradas populares. Esta, talvez, a grande virtude<br />
destes trabalhos, pois a partir dessas considerações desenvolveram-se diversos trabalhos<br />
interessados em compreender essa exclusão sob a ótica dos próprios sujeitos envolvidos no<br />
processo. Sendo assim, os dois trabalhos citados funcionaram como eficientes aparelhos auditivos<br />
que permitiram recuperar do silêncio as vozes, muitas vezes, inaudíveis do passado. Com isso,<br />
além das grandes obras de embelezamento das cidades mais importantes da região como a<br />
abertura de ruas largas, as construções de ferro, os teatros, usinas de incineração de lixo,<br />
palacetes, etc. buscou-se demonstrar o outro lado da modernização, com a marginalização dos<br />
setores populares evidente na demolição dos cortiços, na expulsão dessas camadas para as áreas<br />
periféricas, no controle da mendicância, da vadiagem, da prostituição, das vendas e do próprio lazer<br />
popular, tudo isso evidente nos Códigos de Posturas elaborados pelos governantes das duas<br />
cidades.<br />
39
convivência no espaço urbano: as classes perigosas, os doentes, a doença, o lixo, a<br />
morte e os próprios mortos. Em nome do bem viver, as autoridades constituídas<br />
procuravam destinar o espaço central da cidade <strong>à</strong>s elites e afastar, o máximo que<br />
pudessem do centro urbano, tudo o que fosse considerado nocivo aos interesses<br />
daquela parcela da sociedade. Em Belém o discurso das autoridades aponta neste<br />
sentido, pois é evidente a preocupação com a higiene ou com a saúde “pública” nos<br />
projetos de reforma urbana, códigos de posturas, relatórios de governo e outros atos<br />
ou decretos instituídos pelo poder público 16 .<br />
No final do século XIX a cidade de Belém passou a ser administrada por<br />
Antônio José de Lemos. Nessa administração temos o calçamento da maior parte<br />
das ruas da Cidade Velha e do Comércio, bem como de algumas ruas do Reduto,<br />
com paralelepípedos de granito, também foram abertas diversas valas para<br />
escoamento das águas pluviais e dos esgotos e também ajardinadas as maiores<br />
praças da cidade. É importante ressaltar que esta administração contava com<br />
vultosos recursos provenientes, principalmente, do apogeu da economia da<br />
borracha, dando-se o luxo de calçar com paralelepípedos de madeira todo o<br />
quadrilátero que circunda o Teatro da Paz, para que o girar de veículos, condutores<br />
de passageiros, circulando junto ao pomposo teatro, não perturbasse os assistentes<br />
16 Existe já uma consistente produção historiográfica relativa ao período da chamada Belle’epoque<br />
preocupados em perceber os efeitos da propalada modernização em segmentos considerados<br />
inferiores pela sociedade, nas classes consideradas perigosas. Investigando processos de sedução<br />
e defloramentos em Belém no final do século XIX Cancela (1997) revela traços muito importantes<br />
no comportamento dos envolvidos como, por exemplo, composição do mercado de trabalho,<br />
relações de gênero e as práticas de lazer dos homens e mulheres daquele período. Traços<br />
significativos que foram abrindo trilhas para investigações futuras sobre o comportamento dos<br />
populares na capital do Pará, a relação de diferentes sujeitos com o cotidiano que os envolvia, num<br />
contexto e abordagem bem próximos do que é investigado neste trabalho. Outro trabalho relevante<br />
nessa linha é o de Trindade (1999) que, vasculhando o bairro da Campina desvendou aspectos<br />
significativos no comportamento dos populares que habitavam aquela porção da cidade de Belém<br />
de fins do século XIX, especialmente da camada marginalizada da sociedade local. Porém, é<br />
preciso afirmar que o autor estava preocupado principalmente em “entender como se constrói uma<br />
carga de preconceitos que até hoje acompanha o cotidiano deste bairro, pelo menos em algumas<br />
ruas” (Trindade, 1999, pg 08). Assim, embora o referido autor tenha abordado a questão da saúde e<br />
da doença, relativamente <strong>à</strong>s camadas marginalizadas do bairro da Campina em Belém, não o fez<br />
na mesma perspectiva desta dissertação, pois procurou mostrar como certas doenças afetavam a<br />
população do bairro da Campina, algumas formas de contágio, a disseminação, mas apenas com o<br />
intuito de enfatizar a condição de marginalizados dos sujeitos que investigava, que contribuiu para a<br />
construção de uma carga de preconceitos sobre os mesmos. Temos assim uma gama de trabalhos<br />
relevantes sobre a Belém da Belle Époque influenciados pela terceira via de interpretação do caso<br />
carioca, que de alguma forma dialogaram com as questões que estão sendo propostas por esta<br />
dissertação. Existe ainda um conjunto de trabalhos nessa linha que aparecerão ao longo do texto, a<br />
medida que seja identificada sua relação com as questões aqui abordadas. Por enquanto<br />
continuaremos com a análise da reurbanização de Belém na segunda metade do século XIX.<br />
40
dos espetáculos daquela casa. Já no início do século XX foram inaugurados os<br />
mercados de São Brás e o de Ferro, novos hospitais são construídos como, por<br />
exemplo, a Santa Casa; remodela-se o Palácio do governo, funda-se a freguesia de<br />
Canudos, inaugura-se a Usina de Cremação, surgem os bondes elétricos e<br />
inauguram-se os primeiros 1500 metros de cais do novo porto. Essas novidades<br />
provocaram mudanças significativas no modo de vida da sociedade local, revelando-<br />
se dois os dois lados do processo, pois, garantia o bem viver para alguns a custa da<br />
exclusão de outros.<br />
A propaganda governamental deste período exibe imagens diversas da<br />
capital paraense geralmente associadas <strong>à</strong> salubridade, higiene e ordem, trinômio do<br />
progresso e da civilização. Essa propaganda era expressa em álbuns produzidos em<br />
diversos momentos entre o final do século XIX e início do século XX 17 , nos<br />
proporcionando uma série de informações sobre a cidade de Belém relacionadas a<br />
questão da saúde, como veremos a seguir. Segundo Fontes (2002: 258):<br />
A preocupação em construir uma imagem positiva da região foi uma questão<br />
central na virada do século passado que levou governos, intelectuais,<br />
jornalistas, seringalistas, comerciantes e agricultores a expressar suas<br />
opiniões sobre a região e suas necessidades.<br />
Mas a grande questão é qual o propósito dessa política? Segundo a<br />
autora, que analisou o álbum de 1900, tratava-se, principalmente, de propaganda<br />
para atrair imigrantes, pois a segunda metade do século XIX seria marcada pelo<br />
debate do fim da escravidão e, ao mesmo tempo, pela busca de alternativas para a<br />
mão-de-obra escrava. Neste sentido, a substituição do trabalho escravo pelo<br />
trabalho do imigrante europeu seria a solução haja vista que contemplava o desejo<br />
17 Entre as brochuras produzidas na época destaca-se o “Álbum Descriptivo Amazônico”, organizado<br />
por Arthur Caccavoni. da cidade de Belém, deste final do século XIX, é o Álbum do Pará, ricamente<br />
ilustrado e publicado em Turim. Pelos anúncios que contém, pode-se ter uma idéia das áreas de<br />
Belém, caracterizadas por uma zona portuária, onde abundavam os trapiches de madeira; uma<br />
zona comercial, subdividida pela disposição das casas de comércio, bancos companhias de seguro,<br />
etc., no bairro do Comércio (“boulevard” da República, R. João Alfredo, R. 15 de Novembro, etc.) e<br />
bairro do Reduto (R. 28 de Setembro, Av. da Municipalidade, etc.), onde já havia importantes<br />
indústrias; e uma grande zona residencial, ocupando o resto do espaço urbano.<br />
41
de erguer na Amazônia uma civilização a imagem e semelhança das sociedades da<br />
Europa Ocidental. Este trabalho é bastante significativo, realizando-se a partir de<br />
uma análise esmiuçada da brochura e de vários outros documentos sobre o tema<br />
onde fica claro que, para a autora “a publicação foi organizada com o objetivo de<br />
divulgar o Estado, tentando desconstruir a imagem de que no Pará era impossível<br />
prosperar uma sociedade civilizada”. No seu entender existe uma “tensão social” no<br />
texto da brochura, pois os intelectuais buscavam sempre demonstrar o grau de<br />
progresso e civilidade alcançado pelo Estado, contrapondo-se a uma imagem<br />
elaborada da região como terra de índio, insalubre e pestilenta.<br />
Segundo Pereira (2006), que analisou essa produção iconográfica, entre o<br />
século XIX e início do século seguinte, em torno de 50 fotógrafos trabalhavam em<br />
Belém.Tais profissionais dedicavam-se, no princípio, exclusivamente ao gênero de<br />
retratos através do método de produção única da imagem. Com o tempo, em função<br />
da introdução de novas técnicas e outros sistemas fotográficos que utilizavam o<br />
princípio positivo-negativo, esses profissionais ampliaram a sua produção para<br />
registros de paisagens, reproduzindo cenas cotidianas dos locais por onde<br />
passavam ou colaborando para expedições científicas. Vários fotógrafos retrataram<br />
imagens diversas dos espaços urbanos de Belém, sempre procurando ressaltar<br />
aspectos da cidade como ícones da modernidade. Essas imagens foram distribuídas<br />
por álbuns, relatórios municipais, jornais e revistas. Mas, a produção sob a<br />
assinatura Fidanza 18 ganha destaque, pela reconhecida qualidade técnica e nítida<br />
delicadeza de suas paisagens, especialmente na representação de obras públicas,<br />
18 Para Pereira (2006, 64), Felipe Augusto Fidanza “foi um dos princiapais fotógrafos cuja atuação foi<br />
bastante divulgada nos jornais locais” Português de origem, natural da cidade de Lisboa, veio para o<br />
Brasil e consagrou-se como a maior expressão da fotografia no Pará. Fidanza merece destaque<br />
como retratista, mas também como fotógrafo de paisagens urbanas. “Seu primeiro trabalho a<br />
destacar-se em âmbito nacional foram as fotografias que documentaram os preparativos da<br />
chegada de D. Pedro II em Belém no ano de 1867” (pg 66). Fidanza sempre buscou aprimorar a<br />
arte de fotografar e com esse intuito fez diversas viagens para Paris, Lisboa e Londres, buscou<br />
novidades, participou de expedições nacionais e internacionais e apresentou as mudanças em seu<br />
ateliê que era utilizado para fazer exposições de pinturas de artistas que passavam por Belém.<br />
Neste trabalho, Pereira procura analisar a relação entre fotografia e cidade a partir da narrativa<br />
visual dos álbuns e relatórios de Belém que foram elaborados no período de 1898 a 1908, buscando<br />
identificar as formas como os indivíduos se fizeram representar nos diversos cenários urbanos, com<br />
visibilidade para os tipos sociais que foram flagrados sutilmente pelos fotógrafos a serviço ou não<br />
da propaganda governamental, com o intuito de difundir uma imagem de modernidade da cidade de<br />
Belém.<br />
42
enfatizando o desenvolvimento da cidade, que foram reunidos nos Álbuns do Pará<br />
de 1899 e de Belém de 1902. Segundo Pereira (2006: 79):<br />
Esses álbuns representam luxuosas obras que exibem as marcas de uma<br />
cidade em transformação e foram editados a pedido do governador e do<br />
intendente, cujo objetivo era por em destaque os grandes acervos que<br />
correspondem ao período do seu mandato. Fotografia de edifícios, de ruas,<br />
de avenidas, de praças, de jardins públicos, de Igrejas e outras realizações<br />
arquitetônicas servia para mostrar o desenvolvimento, o progresso e<br />
melhorias efetuadas. Além dessas produções citadas anteriormente,<br />
Fidanza responsabilizou-se pela composição de álbuns em outros estados.<br />
Analisando o Álbum de 1902 19 percebemos como essa preocupação é<br />
evidente. Impresso pela gráfica Philippe Renouard, em Paris, apresenta comentários<br />
e setenta e seis pranchas de imagens sobre vários aspectos da cidade. Ao todo são<br />
93 fotografias de Belém e retratos dos representantes do governo. Conforme marca<br />
d’água impressa percebe-se claramente que são fotografias de Felipe Augusto<br />
Fidanza. O álbum foi encomendado pelo intendente municipal, Antônio Lemos,<br />
constituindo-se em obra comemorativa, editada a pedido do governo municipal, com<br />
o objetivo de enaltecer as realizações do intendente. São fotografias de prédios,<br />
jardins públicos, praças, Igrejas, monumentos, ruas, avenidas e mais algumas<br />
realizações arquitetônicas que permitem a realização de certa reconstituição da<br />
história imediata da cidade, enfatizando-se os elementos relacionados ao<br />
desenvolvimento, ao progresso e melhorias efetuadas, principalmente na<br />
administração lemista. O texto do álbum procura descrever os acontecimentos<br />
históricos e os diversos significados que envolvem as imagens em toda a obra. No<br />
início está representada a imagem do governador do estado naquele período,<br />
Augusto Montenegro, em seguida os retratos dos doze administradores da rede<br />
municipal, compondo uma única página. O intendente Antônio Lemos aparece no<br />
centro da página e, ao seu redor, os doze representantes estaduais, retratados em<br />
foto 5x4. Segundo Pereira (2006: 64), “há uma necessidade de as pessoas ligadas<br />
ao mandato de governo se fazerem conhecidas e estarem presentes nos<br />
19 Esta análise foi feita em monografia de especialização defendida em 2008, na UFPA, sob orientação<br />
de Maria de Nazaré Sarges, intitulada “Modernidade, Civilização e Imigração em Belém no início do<br />
século XX: o Álbum de Belém de 1902”.<br />
43
mecanismos de divulgação da cidade, com o intuito de ter uma imagem pública”<br />
Após a apresentação dos retratos vem a narrativa sobre a disposição dos espaços<br />
da cidade, construção e ordenação, e também de seus símbolos. Do início ao fim, a<br />
brochura procura até de forma exagerada, demonstrar a existência de civilização na<br />
Amazônia. Mas, qual civilização? Inspirado em padrões europeus, o modelo de<br />
civilização aqui defendido assentava-se sob um projeto político republicano (com<br />
seus poderes modernamente constituídos), e de acordo também com os parâmetros<br />
da moderna ciência da higiene, este último aspecto tem importância vital para o<br />
encaminhamento desta análise.<br />
Assim era necessário mostrar que esta civilização estava adequada aos<br />
mais avançados conhecimentos científicos da época, que a cidade de Belém era<br />
propícia ao bem viver, pois a salubridade deixava de ser encarada como um<br />
problema climático na região para passar a ser tratada de acordo com os modernos<br />
princípios da ciência da higiene. Percorrendo todo o álbum de 1902 percebe-se que<br />
a palavra higiene é mencionada dezenas de vezes, referindo-se, <strong>à</strong>s vezes, de forma<br />
desnecessária ou exagerada, pois voltada para descrição de ambientes que não<br />
apresentam grande risco <strong>à</strong> saúde da população. Em toda a brochura são analisados<br />
diversos trechos onde a preocupação com a higiene é manifestada, tanto sobre os<br />
prédios situados em locais distantes do centro da cidade, relativos ao tratamento do<br />
lixo, de doentes, abate de animais e enterramento dos mortos, pois se procurava<br />
levar para fora das áreas centrais os maiores perigos para a saúde da população, ao<br />
mesmo tempo que também buscava-se proporcionar aos edifícios da área central os<br />
requisitos fundamentais da ciência da higiene.<br />
O Mercado Municipal, localizado na área central aparece com uma divisão<br />
interior em pavilhões isolados, formando áreas abertas ao ar livre, que poderiam ficar<br />
intransitáveis nas épocas mais chuvosas, mas, em contrapartida, teriam grandes<br />
conseqüências higiênicas para o estabelecimento, pois o asseio do mesmo se<br />
realizaria com extrema facilidade nos tempos de calor, especialmente a lavagem dos<br />
talhos, “diariamente emporcalhados pela mercancia da carne verde”, diz Brandão<br />
(1902).<br />
44
A preocupação em permitir a circulação do ar é típica, neste período, da<br />
adesão a famosa teoria dos miasmas, defendida pela corrente dos infeccionistas que<br />
consideravam que objetos naturais (animais ou vegetais), em putrefação,<br />
desencadeavam doenças pelo ar, daí a necessidade de construir espaços com<br />
possibilidade de circulação do ar, como fica explícito na descrição do Mercado<br />
Municipal e também nas ruas largas, abertas em Belém naquele contexto.<br />
O álbum também apresenta as praças e ruas principais da cidade, sempre<br />
limpas, muito bem cuidadas, mais um aspecto que ressalta a preocupação com as<br />
condições higiênicas da cidade. As praças são apresentadas como espaços<br />
agradáveis, voltadas para o refrigério dos citadinos. As ruas largas obedeciam <strong>à</strong><br />
dinâmica da sociedade em construção na época e, ao mesmo tempo, procuravam<br />
atender <strong>à</strong>s exigências da ciência da higiene, facilitando a circulação do ar para evitar<br />
a contaminação da população.<br />
No álbum de 1902 percebe-se, portanto, uma descrição de Belém que<br />
procura enquadrá-la em padrões de modernidade, enfatizando seus símbolos<br />
principais, sendo importante considerar que a utilização do discurso higienista é<br />
constante, constituindo-se num dos elementos centrais da noção de modernidade<br />
cultuada naquele contexto. Esse discurso voltou-se principalmente para as classes<br />
populares, para as classes consideradas “perigosas”, gerando um acúmulo de<br />
experiências que informam as atitudes dessas camadas em relação <strong>à</strong>s<br />
determinações do poder público.<br />
Em função das inúmeras dificuldades em combater certas doenças, como<br />
a varíola, impõe-se o isolamento como forma de evitar o contágio, daí a necessidade<br />
da construção de um hospital em área afastada do núcleo urbano, como é o caso do<br />
hospital de variolosos, representado na imagem acima.<br />
A preocupação com a doença não é especificidade da modernização, é<br />
coisa muito antiga. A população da região amazônica experimentou, com amargura,<br />
epidemias terríveis que afetaram grande parte da população. No século XIX, a<br />
varíola – velha conhecida do povo da região -, a febre amarela e a cólera ceifaram<br />
vidas e propiciaram um saldo de pavor, de medo, que se constituiu num caldo de<br />
cultura para as concepções médicas da época. A epidemia de febre amarela de<br />
45
1850 chegou a afetar, segundo Vianna (1992), 12000 pessoas para uma população<br />
de 16000, em Belém. Assim, justifica-se toda a preocupação com a higiene no<br />
discurso das autoridades, como fica evidente na passagem a seguir de Sarges<br />
(2002: 147) referente <strong>à</strong> obra de Antônio Lemos:<br />
O cuidado com a saúde pública e o serviço sanitário de Belém se<br />
constituíram num dos pontos prioritários da administração lemista(...). A<br />
intendência de Belém tentou regular os hábitos de forma a obter resultados<br />
satisfatórios no que concerne a saúde pública, na medida em que criou<br />
mecanismos na legislação municipal com o objetivo de controlar casas<br />
comerciais como hotéis, casas de pensão, restaurantes, hospedarias, etc.,<br />
lugares considerados mais perigosos a propagação de doenças epidêmicas.<br />
É importante ressaltar que a ação do Estado, tanto na esfera municipal<br />
quanto estadual, procurou associar a idéia de modernidade e civilização a padrões<br />
de higiene notadamente “científicos”.<br />
Os relatórios de Antônio Lemos descrevem vários casos de doenças<br />
epidêmicas (febre amarela, tuberculose, varíola, etc.) que assolavam a população da<br />
cidade, mas, ao mesmo tempo todo o esforço no sentido de tomar medidas<br />
profiláticas com a finalidade de controlar a propagação das moléstias, o que leva<br />
inclusive, a criação do Departamento Sanitário Municipal, em 1901. Também foram<br />
criadas a Inspectoria Geral do Serviço Sanitário do Pará, o Instituto Bacteriológico, o<br />
Instituto Vacinogênico, a Estatística Demográfica Sanitária, o Laboratório de Análises<br />
Clínicas e Bromatológicas, o Laboratório Farmacêutico, o Hospital de Isolamento,<br />
etc.<br />
Todo esse arsenal médico-científico evidencia a intenção política de<br />
reordenar o espaço urbano para habitação das elites e trabalho das camadas mais<br />
pobres da população. <strong>Da</strong>í a ação sobre os cortiços, o tratamento do lixo, a<br />
desativação de cemitérios, etc. de acordo com a teoria dos Contagionistas ou<br />
Infeccionistas. Essas concepções dividiam e atormentavam a própria comunidade<br />
46
científica desde os tempos do Dr. Castro, ou do flagelo do cólera na Belém do Grão-<br />
Pará, como bem demonstrou Beltrão (2004) 20 .<br />
Para Vigarello (1999), essa nova conjuntura coincidiu com o predomínio do<br />
paradigma microbiano e bacteriológico que, graças aos trabalhos de Pasteur e Koch,<br />
propiciaram uma outra compreensão da causa das doenças, suas formas de<br />
transmissão e cura. A identificação dos agentes etiológicos das doenças infecciosas<br />
propiciou o desenvolvimento de vários métodos de imunização e combate aos<br />
vetores e seus reservatórios naturais. Surgiram métodos específicos de profilaxia,<br />
normalmente bastante eficazes, que levaram alguns a acalentar o sonho de que todo<br />
e qualquer mal poderia ser remediado pelo novo saber. O combate <strong>à</strong>s epidemias que<br />
assolavam a região, dificultando o pleno funcionamento da economia da borracha e<br />
afastando de seus portos os trabalhadores estrangeiros, levou os poderes<br />
constituídos a criarem, durante o século XIX, um aparato legal para regular os<br />
serviços sanitários, assim como um conjunto de instituições. Esses centros<br />
passaram a ditar os rumos da saúde pública.<br />
A comunidade médica parecia não chegar a um consenso acerca das<br />
medidas profiláticas necessárias, mas na verdade, é preciso compreender a<br />
historicidade desse debate e, como bem demonstrou Figueiredo apud Chalhoub<br />
(2003), não estavam muito descoladas as práticas da medicina oficial em relação<br />
aos métodos da medicina popular 21 . Porém, ao longo do século XIX, os estudos<br />
20 Eram dois os principais paradigmas médicos, vigentes no século XIX, sobre as causas e o modo de<br />
propagação de doenças epidêmicas. Entendia-se por contágio a propriedade que apresentavam<br />
certas doenças de se comunicar de um a outro indivíduo diretamente, pelo contato, ou<br />
indiretamente, através do contato com objetos contaminados pelos doentes ou da respiração do ar<br />
que os circundava. O contágio, uma vez produzido, não precisava, para se propagar, da intervenção<br />
das causas que o haviam originado; ele se reproduzia por si mesmo, não obstante as condições<br />
atmosféricas reinantes. Ou seja, os contagionistas acreditavam que o surgimento de uma<br />
determinada doença sempre se explicava pela existência de um veneno específico que, uma vez<br />
produzido, podia se reproduzir no indivíduo doente e assim se propagar na comunidade. Por<br />
infecção se entendia a ação exercida na economia por miasmas mórbidos. Em outras palavras, a<br />
infecção se devia <strong>à</strong> ação que substâncias animais e vegetais em putrefação exerciam no ar<br />
ambiente. A infecção atuava senão na esfera do foco do qual se emanavam os tais “miasmas<br />
mórbidos”. Era verdade que uma doença infecciosa podia se propagar de um indivíduo doente a<br />
outro são; todavia, tal processo não acontecia propriamente por contágio: o indivíduo doente agia<br />
sobre o são ao alterar o ar ambiente que os circundava.<br />
21 No artigo que compõe a obra acima A. Figueiredo analisa os embates entre pajelança (práticas<br />
curativas populares) e medicina “científica”, demonstrando, com base em consistente<br />
documentação, que os médicos científicos discriminavam o saber popular, mas geralmente<br />
lançavam mão de seus métodos.<br />
47
científicos avançaram, conferindo maior credibilidade aos doutores, por isso, aqui no<br />
Pará a política era marcada pela presença influente de médicos. Nesse campo, a<br />
cultura da higiene ganhou destaque, definindo boa parte das políticas públicas. Na<br />
administração do governador Paes de Carvalho percebe-se uma enorme<br />
preocupação com a saúde pública, nos seus relatórios aparecem muitas medidas<br />
voltadas para a higienização da cidade, de acordo com Rodrigues (2008).<br />
O Álbum de Belém de 1902, organizado no governo de Augusto<br />
Montenegro, como já foi dito revela uma preocupação destacada com a higiene. Em<br />
cada fotografia mostrada procurava-se evidenciar padrões de higiene adotados,<br />
notadamente científicos, adequados aos padrões europeus. Assim, as ruas largas,<br />
as praças, os hospitais e cemitérios afastados do centro urbano, a usina de<br />
incineração do lixo, o curro público, o necrotério, etc., seriam a demonstração da<br />
civilização na Amazônia. Quando o documento acima citado refere-se <strong>à</strong> desativação<br />
do cemitério Soledade afirma que foram razões de ordem higiênica que<br />
determinaram a interdição do referido cemitério e que “já em 1874 considerado<br />
insuficiente pela Santa Casa de Misericórdia, a quem incumbia então a gerência de<br />
semelhantes negócios, apesar de ser a iniciativa de construção respectiva toda por<br />
conta do governo”, de acordo com Brandão (1902).<br />
A quando da criação da Repartição Sanitária Municipal, em 1899,<br />
considera o governo que essa reforma envolveu, na sua complexidade, o aumento<br />
de pessoal técnico, a fiscalização dos mercados, matadouros, dos estábulos, hotéis,<br />
restaurantes, talhos, necrotérios, cemitérios, domicílios particulares e, enfim, em<br />
todos os pontos da cidade onde a saúde pública estivesse ameaçada em face, de<br />
acordo com o governo, do “desleixo higiênico”. Essas informações, contidas no<br />
álbum de 1902, revelam o caráter assumido pela administração municipal no que se<br />
refere a questão da saúde do município, percebendo-se a presença marcante do<br />
discurso higienista fundamentando a política de saúde municipal e seus efeitos,<br />
principalmente sobre as camadas populares, maiores responsáveis, de acordo com o<br />
discurso oficial, pelo estado de higiene da cidade.<br />
Na descrição do Curro Público não se busca argumento diferente, segundo<br />
Brandão (1902): “Esse estabelecimento é ainda o mesmo que garante a população<br />
48
de Belém a carne verde isenta dos perigos que oferece a matança sem a<br />
fiscalização científica e o talho sem os devidos escrúpulos prescritos pela higiene”.<br />
FOTOGRAFIA 01: Matadouro Municipal<br />
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris:<br />
Fidanza/ Philippe Renoaud, 1902.<br />
Igual argumento é utilizado em relação ao Necrotério e a Usina de<br />
Cremação, para Brandão (1902: 93-94):<br />
A situação do necrotério <strong>à</strong> beira do rio e <strong>à</strong>s portas da cidade assegura-lhe as<br />
melhores condições higiênicas, que são escrupulosamente mantidas pela<br />
administração [...]. A usina está situada a curta distância da cidade em um<br />
trecho pouco edificado, permitindo a facilidade dos transportes de lixo e<br />
animais mortos, cuja incineração ali se faz do modo mais prático e pelos<br />
processos regulados pela moderna higiene.<br />
É importante destacar a localização destes prédios, sempre distante do<br />
núcleo urbano, livrando parte da população, os bem nascidos, de qualquer risco que<br />
a presença do lixo, animais mortos e o abate do gado pudessem representar, de<br />
acordo com os preceitos médicos em vigor na época.<br />
FOTOGRAFIA 02: Usina de Incineração de Lixo e Animais Mortos<br />
49
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />
Renoaud, 1902.<br />
FOTOGRAFIA 03: Necrotério Municipal<br />
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />
Renoaud, 1902.<br />
Essa belle époque da saúde também foi marcada pela construção de<br />
espaços voltados para o atendimento dos enfermos. Por meio da verba intitulada<br />
“socorros públicos” surgiram diversas instituições direcionadas ao tratamento dos<br />
acometidos de moléstias diversas, epidêmicas ou não. Algumas já existiam, mas<br />
passaram por reformas ou adaptações ou ampliação de seus espaços. Para o<br />
tratamento dos variolosos inicialmente havia uma enfermaria localizada na travessa<br />
José Bonifácio, muito criticada pelas instalações inadequadas e por não conseguir<br />
atender a demanda, serviu as epidemias de 1883 e 1890, mas foi substituída pelo<br />
Hospital São Sebastião, destinado a abrigar os variolosos. Com a epidemia de<br />
varíola em 1898, o governador Paes de Carvalho tratou de construir um hospital para<br />
estes doentes, tipo hospital-barraca-de-campanha, e que ficou pronto em três<br />
50
meses. Segundo Vianna (1992), o edifício é vasto, tendo comprimento de 120m e<br />
largura de 22m. Todo edificado em madeira; as grandes enfermarias e o 1º corpo<br />
são forrados. O hospital está instalado no mesmo terreno do Domingos Freire, do<br />
qual dista 130m, sendo separado deste por uma cerca de arame. Pela frente do<br />
terreno, na travessa Barão de Mamoré, e pelos lados de toda a área compreendida<br />
por aquela grande propriedade do Estado corre uma cercadura completando assim o<br />
isolamento dos edifícios.<br />
Com a erradicação da varíola o São Sebastião passou a ser o “Asilo das<br />
Madalenas”, para a internação de prostitutas portadoras de doenças venéreas, a<br />
partir de 1921, tendo também abrigado tuberculosos.<br />
O outro hospital que servia ao isolamento era o São Roque, na verdade<br />
uma casa, moradia particular, <strong>à</strong>s proximidades do Domingos Freire, alugada por<br />
150$000 pelo governo do estado, em 1904, e utilizada para o isolamento de<br />
pacientes com peste bubônica, estando o São Sebastião, lotado. Ampliado e dotado<br />
de todos os cômodos necessários serviu também para o isolamento de pacientes<br />
portadores de varíola, gripe, difteria, etc.<br />
FOTOGRAFIA 04: HOSPITAL DOS VARIOLOZOS<br />
51
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />
Renoaud, 1902.<br />
Havia também o Hospital da Caridade e o Asilo dos Alienados, sob a<br />
direção e administração da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Existia o Lazareto<br />
do Tatuoca, cedido ao Governo Federal, para os serviços de quarentena aplicado <strong>à</strong>s<br />
embarcações que atracavam no porto de Belém. Ainda se poderia contar com o<br />
Hospital Militar Federal, o Hospital da Marinha, o Hospital Militar do Estado e a<br />
Escola de Farmácia. Havia também instituições privadas, como o Hospital Dom Luiz<br />
I, de propriedade da Real sociedade Portuguesa Beneficente, que acolhia seus<br />
associados e também os indigentes que os procuravam; o Hospital de São<br />
Francisco, da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, quase exclusivo dos<br />
irmãos enfermos. Mas, em épocas mais delicadas, marcadas pela eclosão de<br />
epidemias, a população mais pobre poderia ainda contar com as associações de<br />
caridades que se empenhavam na tarefa de prestar socorro aos desvalidos e<br />
doentes sem assistência. As que mais se destacavam na época eram a Liga<br />
Humanitária, a Sociedade das <strong>Da</strong>mas da Caridade, a Imperial Sociedade<br />
Beneficente Artística Paraense, a União Salvaterrense, a Sociedade Beneficente<br />
Estrela do Oriente, etc 22 .<br />
22 Sobre as instituições existentes em Belém nesse período, consultar CAMPOS, Américo. “Higiene”.<br />
In: Quarto Centenário do Descobrimento do Brazil: O Pará em 1900. Pará-Brasil: Imprensa de<br />
Alfredo Augusto Silva, 1900, p.113-19.<br />
52
O medo da contaminação, do contágio ou dos “miasmas” também afetou o<br />
destino dos mortos. No Pará, desde pelo menos a época da conquista eram comuns<br />
os enterramentos nas igrejas, nos mosteiros, conventos e outros lugares<br />
considerados sagrados. Supõe-se que os primeiros colonos falecidos fossem<br />
enterrados na pequena igreja de Nossa Senhora da Graça, construída por Francisco<br />
Caldeira Castelo Branco, dentro do forte do Presépio. De 1626 em diante, os<br />
conventos e igrejas franquearam os seus recintos <strong>à</strong>s sepulturas, conforme Vianna<br />
(1992), a quantidade de pessoas sepultadas nestes locais parece impossível<br />
levantar, em função da falta de registros, que só foram mantidos com relação aos<br />
indivíduos considerados mais ilustres.<br />
A entrada em maior escala de africanos na Amazônia, a partir da segunda<br />
metade do século XVIII, em função da política pombalina, provocou epidemias de<br />
varíola e, em conseqüência, a necessidade de se estabelecer um local para serem<br />
enterrados os escravos e os pobres, vitimados pela peste. O fundo do Largo da<br />
Campina ficou reservado a esta prática.<br />
Em 1801, uma carta régia ordenou ao governador do Pará, D. Francisco<br />
de Souza Coutinho, que, em companhia do bispo, escolhesse um local fora da<br />
cidade, para um ou mais cemitérios públicos, onde fossem feitos os enterros sem<br />
exceção de pessoa alguma. Essa ordem levou a ampliação do cemitério do largo da<br />
campina, mas a população manteve a prática dos enterros junto <strong>à</strong>s igrejas. Em<br />
1841, a câmara municipal encaminhou um projeto para estabelecer um cemitério<br />
público e, com esta finalidade adquiriu por troca um terreno.<br />
Em 1848, a Assembléia provincial autorizou a Câmara a dar em<br />
aforamento <strong>à</strong> Misericórdia o referido terreno. Depois de idas e vindas, a epidemia de<br />
febre amarela abreviou a solução da questão. O presidente Jeronymo Coelho<br />
nomeou duas comissões médicas, uma composta de três facultativos, para propor<br />
53
as medidas sanitárias precisas, outra de quatro, para curar os indigentes; ordenou<br />
que as farmácias aviassem as receitas dos pobres por conta da Fazenda pública.<br />
Entre as medidas sanitárias adotadas, destaca-se a da proibição expressa<br />
de sepultura aos mortos de febre, nas igrejas da cidade. Para tais medidas<br />
tornarem-se realidade, na prática, era necessário estabelecer um cemitério regular;<br />
o presidente não pensou em utilizar o cemitério do largo da campina, porque se<br />
encontrava em completo abandono; então escolheu um lugar, então chamado das<br />
valas, todo de solo firme, mandou limpar sessenta braças quadradas, meteu-as em<br />
cerca regular e erigiu dentro delas uma pequena capela de madeira, sob a proteção<br />
de Nossa Senhora da Soledade.<br />
FOTOGRAFIA 05: Cemitério da Soledade<br />
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/<br />
Philippe Renoaud, 1902.<br />
O crescimento urbano não permitiu longa atividade ao cemitério da<br />
Soledade, pois a referida necrópole estava já muito próxima da área central da<br />
54
cidade e, com isso, o perigo de contaminação atormentava os habitantes de Belém.<br />
Uma nova epidemia de varíola, que então grassava com violência na cidade,<br />
reclamou providências enérgicas das autoridades, buscando-se o encaminhamento<br />
de uma nova necrópole que recebeu os indigentes infeccionados, a partir de 1874.<br />
Tratava-se do cemitério Santa Izabel que inicialmente recebia os cadáveres dos<br />
pobres, dos escravos e das vítimas das epidemias. Neste momento, a segregação<br />
envolveu até os mortos, pois o cemitério da Soledade passou a ter a condição de<br />
cemitério dos abastados. Na verdade, essa desigualdade nos enterramentos<br />
remontava aos tempos da cólera, como afirma Beltrão (2004, não paginado):<br />
Na capital, onde as vítimas deveriam ser enterradas no cemitério de N. S. da<br />
Soledade, provavelmente, houve sepultamentos fora do campo santo, tanto<br />
pela falta de braços para cumprir com o "dever cristão", como pelos preços<br />
das esmolas para o enterramento. (...) A sepultura mais barata era<br />
demasiado cara para ser adquirida pelas gentes pobres, abatidas pelo<br />
flagelo. Para facilitar a compreensão durante a epidemia, os enfermeiros<br />
recrutados pela Comissão de Higiene Pública recebiam 10$000 réis<br />
mensais. Um enterramento na vala comum, portanto, equivaleria a 20% da<br />
remuneração. Pode-se argumentar que havia sempre a possibilidade de ser<br />
dispensado da esmola, mas essa prática não era usual. <strong>Da</strong>s 1.049 almas<br />
enterradas na Soledade, vitimadas pela cólera, apenas 30% foram<br />
dispensadas da esmola, ou seja, teve enterro gratuito. Os demais<br />
despenderam 4$000 réis por uma sepultura rasa e temporária, única<br />
disponível em tempo de moléstia epidêmica.<br />
Em 1880, uma comissão de médicos e engenheiros, avaliando as<br />
condições higiênicas do cemitério da Soledade, recomendou a suspensão dos<br />
enterros naquela necrópole. Segundo Vianna (1992: 301), “[..] a comissão alegou<br />
que a necrópole achava-se já dentro do povoado; que os espaços disponíveis no<br />
cemitério eram já insuficientes para os enterros; que a análise química do terreno<br />
revelava um misto de argila e areia, impróprio [...]”<br />
A portaria de 5 de agosto do ano citado declarou suspensos os enterros<br />
na Soledade e, portanto, transferidos para o cemitério Santa Izabel.<br />
O medo da morte, ou da morte precedida por um estado mórbido<br />
associado a uma marca estigmatizante, levou as autoridades, respondendo a apelos<br />
e contando com a conivência de muitos, a procurarem afastar da cidade os doentes<br />
55
já que não se consegue evitar a doença, a afastar os mortos em função da<br />
impossibilidade de conter a morte.<br />
FOTOGRAFIA 06: Capela do Cemitério Santa Izabel<br />
Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris:<br />
Fidanza/ Philippe Renoaud, 1902.<br />
Essa cultura da higiene estava assentada em concepções médicas que,<br />
mesmo gerando reações, orientavam a reorganização do espaço urbano. Entre os<br />
defensores de tais concepções estavam médicos influentes, que alcançaram grande<br />
projeção política. Está patente aqui a confiança no saber técnico, que graças ao seu<br />
poder de intervenção submete, transforma e molda o ambiente, numa atitude que<br />
guarda similaridade com o trabalho das divindades, o que poderia nos levar a uma<br />
longa viagem por diversas culturas.<br />
56
Todavia, se os preceitos da ciência da higiene serviam para as autoridades<br />
da região reivindicar padrões de civilização, nem sempre eram bem recepcionados<br />
pela sociedade local. As profilaxias oficiais eram reiteradas vezes recusadas,<br />
principalmente, pelas camadas populares. Entre as profilaxias mais rejeitadas<br />
encontrava-se a vacina. A história da aversão <strong>à</strong> vacina e outras profilaxias e ou<br />
práticas terapêuticas em Belém é bem antiga, começando ainda no século XVIII, pois<br />
segundo Vianna (1975) a vacina anti-variólica, por exemplo, foi introduzida em<br />
Belém poucos anos após sua invenção pelo médico inglês Edward Jenner. Desde<br />
então se desenvolveu uma cultura aversiva a profilaxias e práticas terapêuticas<br />
oficiais que se estendeu até o século XX. Embora o objetivo maior deste trabalho<br />
seja desvendar as razões dessa aversão, elaboramos primeiro, um histórico das<br />
epidemias de varíola, entre 1884 e 1904, para mostrarmos os efeitos sobre a<br />
população de Belém, mas também porque entendemos que o momento da epidemia<br />
é revelador, tendo as pesquisas se concentrado neste período para identificar as<br />
razões do comportamento aversivo da população de Belém <strong>à</strong>s medidas oficiais no<br />
campo da saúde.<br />
57
____________________________________________________________________<br />
58<br />
CAPÍTULO II<br />
Epidemias de Varíola em Belém da Belle Époque.<br />
A preocupação em mostrar uma cidade limpa, portanto adequada aos<br />
padrões da moderna ciência da higiene, estava relacionada, também, <strong>à</strong>s constantes<br />
epidemias de febre amarela, cólera, peste e varíola. Era preciso mostrar que a<br />
cidade estava preparada para combater tais doenças. Porém, a investigação<br />
demonstrou que a administração, tanto estadual quanto municipal, encontraram<br />
inúmeras dificuldades para conter as epidemias. Algumas vezes não se entendiam<br />
acerca das medidas ou práticas terapêuticas adequadas, não raro realizavam o<br />
tradicional “jogo do empurra”, quando não transferiam toda a culpa <strong>à</strong> ignorância<br />
popular ou ao governo Central, especialmente durante o Império. Vejamos o caso da<br />
varíola.<br />
Esta dissertação, portanto, pretende mergulhar nessa longa experiência<br />
com a varíola e a vacina, desenvolvida pela população de Belém, com o intuito de<br />
compreender as raízes da intolerância <strong>à</strong>s profilaxias encaminhadas pelo poder<br />
público. Assim, não vamos reproduzir integralmente os momentos que demonstrem a<br />
insatisfação popular e sua postura diante das medidas encaminhadas pelas<br />
autoridades, apenas quando necessárias, porque entendemos que este aspecto da<br />
relação dos populares com a vacina e outras profilaxias emanadas do poder público<br />
já foram exaustivamente demonstradas em diferentes trabalhos sobre o tema,<br />
inclusive em períodos aproximados aos dessa pesquisa, como os citados
anteriormente. As fontes que analisamos revelam freqüente intolerância <strong>à</strong>s<br />
profilaxias oficiais por parte das camadas populares, o que também já foi<br />
demonstrado em outros trabalhos, portanto esse não será nosso foco principal, mas<br />
sim procurar através da repetição dessa postura recuperar aspectos da experiência<br />
popular com a varíola e a vacina que possam nos informar sobre tal comportamento<br />
aversivo. Assim, neste capítulo procuramos fazer a reconstituição da incidência da<br />
varíola em Belém e seus efeitos sobre a população desta cidade desde o período<br />
colonial até o início do século XX, para demonstrar sua presença freqüente no Pará<br />
e seu caráter “aterrador”, principalmente para as camadas mais baixas da sociedade<br />
local. O objetivo maior dessa reconstituição é confirmar que a varíola não é uma<br />
doença desconhecida da população de Belém, no final do século XIX ou no início do<br />
século XX, mas uma velha conhecida. Sendo assim, seria natural que as camadas<br />
populares já tivessem criado representações sobre a varíola e também já tivessem<br />
desenvolvido práticas curativas próprias, diferentes daquelas constituídas pelos<br />
médicos acadêmicos e com as quais algumas vezes divergiam, outras convergiam,<br />
mas este assunto é para o próximo capítulo.<br />
1. Epidemias de Varíola em Belém entre 1884 e 1904:<br />
Neste período desencadearam-se três epidemias, a de 1884, outra entre<br />
meados de 1887 e meados de 1889, e a terceira entre 1899 e 1901. Na estatística<br />
apresentada por Vianna (1975) as epidemias referidas envolvem um período bem<br />
maior porque sua análise procurou caracterizar a epidemia desde o aparecimento do<br />
primeiro caso da doença até a última incidência. A análise feita neste trabalho tomou<br />
por base apenas o período em que houve um número significativo de mortos. Assim,<br />
para um total de 834 mortos no período apresentado por Vianna referente <strong>à</strong> primeira<br />
epidemia, 587 mortes foram registradas apenas no ano de 1884, por exemplo.<br />
Procuramos concentrar a análise das fontes no período mais apavorante das<br />
epidemias, pois neste as manifestações da sociedade, da imprensa e das<br />
autoridades, foram mais intensas e reveladoras. Utilizamos algumas informações<br />
fornecidas por Vianna acerca das epidemias citadas e também diversas notícias<br />
veiculadas por alguns periódicos que circulavam na cidade de Belém na época<br />
59
como, por exemplo, o “Diário de Notícias”, “A Folha do Norte” e “A Província do<br />
Pará”, e “A República”.<br />
Também foram úteis os relatórios, mensagens e falas de governo do<br />
período, bem como de abaixo assinados encaminhados ao poder público no período<br />
relativos a questão da saúde e dos ofícios da Chefatura de Polícia. A partir da<br />
análise dessas fontes organizamos um conjunto de idéias a respeito das epidemias<br />
de varíola entre 1884 e 1904. É importante esclarecer que não estamos<br />
considerando uma quarta epidemia que se estende de 1904 a 1905, pois o corte<br />
temporal dessa análise é 1904 e neste ano a varíola se manifestou apenas no último<br />
trimestre, sendo mais agressiva no ano seguinte, mas coletamos informações deste<br />
período que estivessem relacionadas ao comportamento da sociedade local,<br />
relativamente a Revolta da Vacina, que acontecia no Rio de Janeiro exatamente<br />
naquele momento.<br />
1.1. Epidemia de 1884:<br />
O Diário de Notícias, em sua edição de 20 de janeiro de 1884, denunciava<br />
a presença da varíola em Belém e sugeria providências adequadas para o expurgo<br />
da moléstia, dando ênfase a “urgentíssima” necessidade de limpeza da cidade, de<br />
preferência a qualquer outro serviço que não atendesse ao interesse da saúde<br />
pública. Pois, no Diário de Notícias:<br />
[...] Se por um lado o pouco caso que fez-se, quando este flagello anunciou<br />
sua entrada, das conseqüências necessárias de sua estada, não se<br />
cuidando de prevenir e impedir que Ella propagasse, fazendo-se executar<br />
rigorosamente as medidas aconselhadas pela sciencia; por outro lado<br />
cooperara para o seu rápido desenvolvimento o nenhum asseio, o estado<br />
imundo da cidade, devido ao desmazelo e ao desprezo das disposições do<br />
código de posturas, por parte dos srs. Fiscaes, aos quaes a camara não<br />
podia compellir ao cumprimento de seus deveres, nem fazer o que elles<br />
descuravam [...].<br />
[...] É terrível a situação! Um povo mal e carissimamente alimentado, em<br />
lucta com um flagello hediondo, é horribilíssimo! [...].(DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS,<br />
20 jan.1884, p. 2)<br />
A notícia reproduzida acima revela a crença na ciência, no saber técnico<br />
responsável pela salubridade da urbe, manifestada pelo articulista, mas, ao mesmo<br />
60
tempo, demonstra a inobservância de tais preceitos por parte da população e das<br />
autoridades, culpando-se os Fiscais pelo estado de higiene em que se encontrava a<br />
cidade, que não estariam fazendo cumprir o Código de Posturas. Chama a atenção,<br />
também a matéria, para a condição da alimentação da população de Belém que,<br />
associando a condição de saúde do povo <strong>à</strong> qualidade da alimentação, considerada<br />
péssima e de alto custo, reflexo do crescimento desordenado provocado pela<br />
economia da borracha. Esta notícia é uma evidente demonstração de como o<br />
discurso ou a ideologia da higiene ganhou projeção, principalmente na segunda<br />
metade do século XIX, especialmente através da imprensa que não cansou de<br />
“alertar” a população sobre o poder maléfico dos temidos miasmas. Assim, no dia 5<br />
de fevereiro de 1884, o mesmo Diário de Notícias denunciava, “<strong>à</strong> bem da saúde<br />
pública”, a existência de um “foco de miasma” localizado na estrada de São<br />
Jerônimo, entre as travessas 25 de março e 9 de janeiro, “em casa de um tal<br />
Francisco, mais conhecido como Chico Curtidor”. O tal Chico, segundo o diário, “tem<br />
a peste dentro de casa” e os vizinhos viviam incomodados com o mau cheiro que dali<br />
exalava, autorizando o periódico a pedir providências do poder público.<br />
São recorrentes as notícias relativas <strong>à</strong> varíola neste ano de 1884. O<br />
próprio Corpo de Polícia da Província foi afetado pela epidemia, pois a secretaria da<br />
enfermaria daquele regimento enviou diversos ofícios ao Chefe de Polícia<br />
informando a existência de variolosos em tratamento naquele lugar. Assim, em 14 de<br />
janeiro estava em tratamento o soldado Martiniano de Oliveira Pantoja, no dia<br />
seguinte estavam o cabo Honorato Xavier e o soldado Manoel Barbosa da Silva, no<br />
dia 16 eram os soldados João Marinho dos Santos e Francisco da Chagas Saraiva.<br />
No dia 17 de janeiro de 1884, a secretaria da referida enfermaria chama atenção<br />
para a gravidade da situação e para a necessidade de vacinação e revacinação<br />
naquele Corpo.<br />
A situação tornara-se tão séria que o médico responsável pela enfermaria,<br />
Dr. Bruno de Moraes Bittencourt, teve que renunciar ao gozo de uma licença para<br />
tratar dos enfermos. No dia 21 de janeiro a secretaria da enfermaria informava mais<br />
um caso de varíola, desta vez era o corneteiro Antonio da Silva Rodrigues, em 12 de<br />
fevereiro estava em tratamento o soldado Rufino Antonio da Silva. Em 23 de<br />
fevereiro foi recolhido do Marco da Légua, afetado pela varíola, o soldado Agostinho<br />
de Lima. De todos os casos registrados pela enfermaria do Corpo de Polícia, chama<br />
61
atenção o do soldado Raymundo José da Trindade, que baixou <strong>à</strong>quela enfermaria no<br />
dia 27 de janeiro, sendo que dias antes havia sido vacinado. O médico registrou em<br />
sua entrada um “movimento febril” que, no entanto, “não caracterizava a invasão da<br />
moléstia eruptiva reinante” (varíola). Segundo o médico poderia ser o<br />
desenvolvimento da vacina, “que parecia querer vingar”, mas ainda assim o<br />
esculápio não descartava a possibilidade de ser a bexiga. No dia seguinte o paciente<br />
continuava no mesmo estado, sendo-lhe administrada a medicação considerada<br />
adequada para o caso, conforme o relatório do médico, mas não sendo<br />
providenciada a transferência por não ter desenvolvido a sintomática apropriada. De<br />
28 para 29, daquele mesmo mês, o quadro agravou-se, sendo que toda sua<br />
superfície cutânea revelava manchas e outros sinais que indicavam tratar-se de um<br />
caso raro de varíola (hemorrágica).<br />
Mesmo com o agravamento do caso, o mesmo continuava duvidando do<br />
diagnóstico e, sendo assim, o paciente foi a óbito no dia 30 de janeiro, <strong>à</strong>s 3 horas da<br />
tarde. Com o falecimento o médico recomendou a transferência da enfermaria para<br />
outro compartimento do quartel, até que aquele compartimento onde ficava a<br />
enfermaria fosse caiado e devidamente higienizado, propondo o esculápio a<br />
desinfecção de todo o quartel, recomendando para tal o uso de água e cloreto de<br />
sódio.<br />
O caso acima é revelador em vários aspectos, primeiro porque mostra a<br />
incidência da varíola em quem já havia se vacinado o que pode ter causado a dúvida<br />
no médico e a conseqüente dificuldade em emitir um diagnóstico preciso, voltaremos<br />
a esta discussão no capítulo seguinte; segundo porque evidencia a dificuldade em<br />
dar atendimento adequado aos variolosos, pois se fosse confirmada a varíola o<br />
soldado seria transferido para a enfermaria José Bonifácio, como ocorria com todos<br />
os casos da doença detectados pelo dito médico; com isso fica evidente o medo da<br />
contaminação da tropa, talvez para não afetar os seus superiores e, este seria um<br />
último aspecto a revelar, com exceção do cabo Honorato Xavier, a varíola atingiu<br />
somente os soldados do Corpo de Polícia da Província e, quando não eram os<br />
soldados eram seus familiares, pois encontramos também ofícios em que os<br />
62
mesmos pediam ao Chefe de Polícia licença para acompanhamento de parentes<br />
acometidos de varíola 23 .<br />
A ideologia da higiene que tomou conta do discurso oficial no período,<br />
como já analisado no capítulo anterior, também era utilizada pelos populares,<br />
quando conveniente, para a defesa de seus próprios interesses. Recorria-se,<br />
portanto, aos preceitos da ciência da higiene, para garantir melhorias para as áreas<br />
em que viviam, fossem essas melhorias de saneamento, calçamento das ruas,<br />
abastecimento de água ou outra qualquer, amparada no próprio discurso oficial.<br />
Assim é que os moradores da travessa João Augusto Corrêa - Largo do Palácio -<br />
reclamando, em abaixo-assinado 24 , do péssimo estado em que se encontrava a<br />
referida travessa, principalmente na área compreendida entre as ruas Formosa e<br />
Dos Mercadores. Segundo os moradores daquela travessa, o estado da via lhes é<br />
prejudicial <strong>à</strong> saúde “pelos miasmas pestíferos que constantemente se exalam das<br />
imundícies depositadas na mesma travessa”, especialmente na espécie de calha que<br />
ali existe e está sempre obstruída, resultando deste “grande incoveniente” o<br />
aparecimento de doenças que flagelavam os abaixo assinados. Aqueles moradores,<br />
então, pedem ao governo da província providências no sentido de mandar calçar a<br />
mencionada travessa, “afim de melhorar as condições higiênicas da mesma”. Outras<br />
vezes a utilização do discurso higienista serve <strong>à</strong>queles que pretendem garantir a<br />
continuidade de seus negócios, é o que acontece no caso dos comerciantes da Doca<br />
do Imperador, que reclamam das péssimas condições daquela, que estava<br />
cumulando lama e lixo, “exalando miasmas que alteram a saúde pública” e, portanto,<br />
pedem providências ao responsável pela limpeza do porto, que desse início a<br />
limpeza daquela doca, de preferência a qualquer outro lugar, pois nas marés<br />
medianas ou “quebra d’água, não podem entrar barcos de maior lotação,<br />
prejudicando o interesse do comércio e de particulares 25 .<br />
23 Essas informações foram extraídas dos ofícios enviados pela secretaria da enfermaria do Corpo de<br />
polícia da Província do Pará ao comandante do mesmo. Documentação encontrada no Arquivo<br />
Público do Estado do Pará com a designação: Corpo de Polícia da Província – ofícios diversos,<br />
jan/mar/1884, lote 47.<br />
24 Abaixo assinado enviado a Secretaria da Presidência da Província, em 18 de abril de 1884.<br />
Documentação disponível no Arquivo Público do Estado do Pará, seção abaixo-assinados, ano<br />
1884, cx 07.<br />
25 Abaixo assinado encaminhado a Secretaria da Presidência da Província, em 16 de julho de 1884.<br />
Documentação disponível no Arquivo Público do Estado do Pará, seção de abaixo-assinados, ano<br />
de 1884, cx 07.<br />
63
Voltando a questão das epidemias de varíola é preciso destacar que o<br />
Diário de Notícias geralmente publicava os óbitos ocorridos em cada dia, informando<br />
a quantidade e, <strong>à</strong>s vezes, o nome dos mortos, principalmente dos óbitos ocorridos<br />
fora da Enfermaria José Bonifácio.<br />
Por meio das páginas dos periódicos que circulavam em Belém, na época,<br />
é possível reconstituir aspectos das epidemias que assolavam a população de Belém<br />
na segunda metade do século XIX. Algumas vezes essa fonte, confrontada com<br />
outras, nos permitem conclusões importantes e, <strong>à</strong>s vezes, inovadoras acerca das<br />
epidemias de varíola em Belém. É o que acontece, por exemplo, quando<br />
comparamos os dados fornecidos pelos jornais com aqueles que foram<br />
disponibilizados por Vianna (1975). Apesar de considerarmos relevantes os dados<br />
apresentados por Vianna, ao confrontá-los com outras fontes, identificamos algumas<br />
discrepâncias. Assim, para o ano de 1884 Vianna (1975, p.61) apresenta os<br />
seguintes dados: 73 mortos em janeiro, 95 em fevereiro, 89 em março, 68 em abril,<br />
68 em maio, 49 em junho, 37 em julho, 31 em agosto, 24 em setembro, 26 em<br />
outubro, 18 em novembro e 14 em dezembro. Porém, na fala do presidente João<br />
Silveira de Sousa na abertura da 1ª sessão da 25ª legislatura da Assembléia<br />
Legislativa Provincial, realizada em 15 de outubro de 1884, apresentou-se o seguinte<br />
relatório de mortos pela varíola: 75 mortos em janeiro, 90 em fevereiro, 87 em março,<br />
69 em abril, 73 em maio, 50 em junho, 40 em julho, 32 em agosto e 25 em setembro.<br />
Neste percebe-se que, faltando um trimestre para terminar o ano de 1884, já<br />
aparecem 541 mortes por varíola. Também é importante considerar que, neste<br />
relatório, o presidente apresenta o estado sanitário da província no ano de 1884<br />
como “bastante lastimoso”, pois, além das moléstias comuns ao clima da região,<br />
reinaram algumas epidemias, com destaque para a varíola que, em sua estatística,<br />
totaliza 602 vítimas fatais.<br />
Todavia, o mais curioso é perceber que a estatística apresentada por<br />
Vianna não diverge apenas do relatório apresentado pelo presidente Silveira de<br />
Sousa, mas também de sua própria soma, pois apresenta um total de 587 mortos por<br />
varíola para o ano de 1884, mas, somando mês a mês os números apresentados por<br />
Vianna, chegamos ao total de 592 mortos. Outra estatística discrepante é aquela que<br />
64
aparece nos jornais, pois o Diário de Notícias (27 abr. 1884, p. 02) 26 , que publicava<br />
estatísticas da Santa Casa de Misericórdia, apresentava os seguintes dados para o<br />
ano de 1884: 79 em janeiro, 89 em fevereiro, 88 em março e 59 em abril. Os<br />
números apresentados para os quatro primeiros meses do ano de 1884 revelam<br />
discrepâncias em relação aos dados de Vianna e também em relação ao relatório<br />
apresentado <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial. Para uma demonstração mais clara<br />
desta discrepância, elaboramos o quadro abaixo com as referidas estatísticas.<br />
TABELA 01: COMPARAÇÃO DO NÚMERO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA<br />
EM 1884.<br />
ANO<br />
1884<br />
ÓBITOS<br />
ARTUR<br />
VIANNA<br />
RELATÓRIO<br />
PRESI<strong>DE</strong>NTE<br />
PROVÍNCIA<br />
DIÁRIO <strong>DE</strong><br />
NOTÍCIAS<br />
JANEIRO 73 75 79<br />
FEVEREIRO 95 90 89<br />
MARÇO 89 87 88<br />
ABRIL 68 69 59<br />
MAIO 68 73 _<br />
JUNHO 49 50 _<br />
JULHO 37 40 _<br />
AGOSTO 31 32 _<br />
26 Esta notícia foi veiculada no dia 27 de abril de 1884 e visava acalmar os ânimos em relação <strong>à</strong><br />
epidemia, pois apresentava a suposta redução do número de mortos, em abril, como sintoma do<br />
estado culminante da epidemia.<br />
65
SETEMBRO 24 25 _<br />
OUTUBRO 26 _ _<br />
NOVEMBRO 18 _ _<br />
<strong>DE</strong>ZEMBRO 14 _ _<br />
TOTAL 587* 541 315<br />
* Apesar do registro de 587 mortes, a soma real é de 592.<br />
No mesmo periódico, encontramos a seguinte estatística, reproduzida no<br />
quadro abaixo, relativa aos mortos por varíola, em janeiro de 1884.<br />
66
TABELA 02: RELAÇÃO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA EM JANEIRO <strong>DE</strong> 1884.<br />
JORNAL ENFERMARIA<br />
<strong>Da</strong>ta Nº Pág Entrada Cura Óbitos<br />
03/01/1884<br />
Nº 2<br />
04/01/1884<br />
Nº 3<br />
05/01/1884<br />
Nº 4<br />
06/01/1884<br />
Nº 5<br />
09/01/1884<br />
Nº 7<br />
10/01/1884<br />
Nº 8<br />
11/01/1884<br />
Nº 9<br />
15/01/1884<br />
Nº 12<br />
16/01/1884<br />
Nº 13<br />
17/01/1884<br />
N° 14<br />
19/01/1884<br />
Nº 16<br />
20/01/1884<br />
Nº 17<br />
24/01/1884<br />
Nº 20<br />
25/01/1884<br />
Nº 21<br />
26/01/1884<br />
Nº 22<br />
27/01/1884<br />
Nº23<br />
29/01/1884<br />
Nº24<br />
Fonte: Diário de Notícias, janeiro de 1884.<br />
ÓBITOS FORA<br />
<strong>DA</strong><br />
ENFERMARIA<br />
TOTAL <strong>DE</strong><br />
ÓBITOS<br />
2 1 _ 1 _ 1<br />
_ 1 _ 1 _ 1<br />
3 _ _ 1 2 3<br />
3 1 _ _ _ _<br />
2 _ _ 1 _ 1<br />
2 2 1 1 2 3<br />
2 _ 1 _ _ _<br />
3 8 _ 0 2 2<br />
3 7 _ 2 _ 2<br />
3 7 1 0 4 4<br />
2 9 4 0 _ _<br />
3 10 1 5 _ 5<br />
3 2 3 2 1 3<br />
2 4 _ 2 2 4<br />
2 2 _ 2 0 2<br />
2 5 _ 2 0 2<br />
2 0 _ 5 3 8<br />
67
A maioria das mortes citadas acima ocorreu na própria enfermaria José<br />
Bonifácio, criada para tratar exclusivamente de variolosos e que aparecia<br />
diariamente nas páginas do Diário de Notícias, numa seção específica designada<br />
como “Enfermaria de Variolosos”. Nesta fazia-se o registro de toda a movimentação<br />
da dita enfermaria, havendo referência <strong>à</strong> quantidade de mortos, ao número de<br />
pacientes em tratamento, aos curados e, também, a relação dos mortos fora da<br />
enfermaria, nesta, quando havia, era sempre comemorada a ausência de mortos,<br />
como aparece na edição do Diário de Notícias (26 jan. 1884, p.2): “Uma boa notícia<br />
ontem fora da enfermaria não faleceu ninguém”. Também a relação dos mortos fora<br />
da enfermaria oferece dados mais completos, relativos ao local de moradia, nome,<br />
sexo, faixa de idade e possível condição social.<br />
Assim, percebe-se que a epidemia atingiu de forma mais intensa as áreas<br />
centrais da cidade, aparecendo na relação a rua das Flores e travessa do Príncipe<br />
no bairro do Umarizal (Ó de Almeida e Quintino Bocaiúva, respectivamente), a rua da<br />
Indústria (Gaspar Viana), etc. Entre os adultos a varíola não fazia distinção de sexo e<br />
também atingia violentamente as crianças que apareciam na relação como “menor”<br />
ou “inocente”, durante o ano de 1884, frequentemente, o Diário de Notícias<br />
informava óbitos de crianças por varíola, predominantemente do sexo masculino.<br />
Quanto <strong>à</strong> origem social dos mortos é possível considerar que pertencessem as<br />
camadas menos favorecidas da sociedade, pois, em primeiro lugar, havia um grande<br />
número de mortos na enfermaria José Bonifácio, para onde eram levados<br />
principalmente os pobres e, além disso, os mortos fora da enfermaria eram<br />
designados na maioria das vezes apenas pelo primeiro nome e tratados como<br />
“indigentes variolosos” pelas autoridades e nas páginas dos jornais.<br />
Quando os jornais noticiavam mortes de pessoas consideradas ilustres, ou<br />
pertencentes <strong>à</strong>s classes mais abastadas, o registro era feito com nome e sobrenome<br />
e os nomes vinham sempre precedidos do EXMº Srº ou EXMª Srª, para destacar a<br />
condição social das pessoas citadas. Assim, em 02 de fevereiro de 1884, o referido<br />
jornal noticiava que, no dia anterior faleceram de varíola, “<strong>à</strong> travessa 19 de março, a<br />
menor Christina de tal, e <strong>à</strong> rua do bom jardim, a inocente Rosa”. O Diário de Notícias<br />
(29 abr. 1884, p. 2) trazia uma nota intitulada “Falecimento”, onde se lia: “Depois de<br />
um longo e doloroso padecimento, faleceu sábado vítima de varíola [...], o inocente<br />
68
Joaquim Egídio do Valle, filho da EXMª SRª D. Estephania Antônia de Carvalho do<br />
Valle”. Pesquisamos todas as edições do ano de 1884 do periódico citado acima e<br />
encontramos apenas na edição do dia 29 de abril uma nota fúnebre que destacasse<br />
o padecimento da vítima, com ênfase em sua origem familiar. Há outros poucos<br />
registros em que se identifica tal origem, mas sem o destaque da nota do dia 29 de<br />
abril.<br />
Assim, foram registrados os óbitos de crianças nas páginas do Diário de<br />
Notícias em 1884, excetuando-se as já citadas: Augusto de 3 anos, Manoel de 6<br />
meses, o menor João, os menores José e Ana Vicência, Maria – filha de Maria<br />
Furtado -, a filha de Hermenegildo Antonio Alves Branco, Manuel de 3 anos,<br />
Gualdino de 1 ano, João de 2 anos, Adriano de 8 anos, Raymundo de 6 anos,<br />
Manuel de 2 anos, Antonio de 7 anos, Joaquim de 8 meses, Raymundo de 7 anos,<br />
Manuel de 8 anos, Raymundo de 16 meses, Maria Bahia Castões de 3 anos, Luiza<br />
de 5 anos, Guilherme de 2 anos, o menor Bento, Raul de 2 anos, a menor Micaella,<br />
Raymundo de 6 meses, a menor Guilhermina, os menores Manuel Theodoro e<br />
Alegario Lopes Castelo, o menor Raymundo, o menor Leôncio Prado, o menor<br />
Maximiano Pedro de Sant’anna, os menores João e Dionisiana na enfermaria José<br />
Bonifácio e, por fim, o menor José Jeremias. A nota identificava geralmente o local<br />
de moradia das vítimas.<br />
Neste sentido, percebe-se que a grande maioria das vítimas da varíola<br />
eram os “fulanos de tal”, aqueles que não mereceram uma nota digna pelo seu<br />
falecimento nas páginas dos jornais, até porque eram tantos que ficava inviável tal<br />
tarefa e, por isso, a Rosa e a Christina de tal só eram citadas como membros das<br />
estatísticas sobre a epidemia de varíola em Belém, sendo desnecessário informar<br />
quem eram seus pais, como viviam, onde trabalhavam, se trabalhavam, onde<br />
moravam, etc. Elementos indispensáveis para se compreender o conjunto de<br />
experiências que marcavam a vida daquelas pessoas e que informam as posturas<br />
que adotavam diante da realidade que os cercavam. Conforme salienta George<br />
Vigarello, seria através dos refugos da sociedade, os físicos, identificados com as<br />
imundícies, esgotos e a debilidade das habitações; somados aos morais, que a<br />
noção de higiene pública agora se sustentava. Construída sobre a avaliação dos<br />
“flagelos sociais”, afirma Vigarello (1999: 166), que a higiene via na miséria um meio<br />
69
de propagação da infecção, na medida em que enfraquecia os corpos tornando-os<br />
assim suscetíveis <strong>à</strong> fúria das doenças.<br />
De acordo com Pierre & Revel (1995: 143), numa população em que a<br />
maioria “[...] subsiste nos limites da sobrevivência”, ao sinal de uma nova<br />
enfermidade, esta “[...] atinge inicialmente aos pobres. Mesmo quando as condições<br />
de sua difusão são em teoria iguais”. Portanto, diante dessa situação, a pobreza<br />
enferma, vista como perigosa <strong>à</strong> manutenção da saúde de todos e, por conseguinte<br />
um dos focos de proliferação das doenças recebeu, no decorrer das epidemias, uma<br />
atenção especial por parte do poder público e de alguns setores mais abastados da<br />
sociedade, cujo objetivo era promover o alívio do sofrimento que afetava os doentes<br />
mais necessitados e, ao mesmo tempo, assegurar o bem estar de toda a<br />
comunidade.<br />
Como a incidência maior da varíola envolvia pessoas das camadas<br />
inferiores da sociedade, sem recursos para realizar um tratamento adequado e que,<br />
também, muitas vezes não aceitavam ou não procuravam a assistência prestada<br />
pelo poder público, tornava-se necessário despertar nos cidadãos de posses a<br />
solidariedade ou a compaixão pelos variolosos que já sofriam com a pobreza,<br />
passaram a sofrer mais ainda com a doença. Em várias edições do ano de 1884 o<br />
jornal Diário de Notícias exalta a ação de um grupo de mascarados que percorria a<br />
cidade esmolando em nome dos variolosos. O grupo era formado inicialmente por<br />
três elementos, um dos quais tocava rebeca e os outros dois tocavam violão. Estes,<br />
segundo o Diário de Notícias (19 fev. 1884, p. 2), “saíram igualmente esmolando <strong>à</strong><br />
caridade pública em favor dos indigentes variolosos”. Em outra edição esclarece o<br />
articulista:<br />
Na tarde de domingo sahiram novamente a esmolar <strong>à</strong> caridade pública, em<br />
favor dos variolosos, os quatro moços mascarados, que formavam o grupo <strong>à</strong><br />
imitação dos lyricos-mendigos que ahi andam pelas nossas ruas [...]<br />
As companhias urbana e paraense franquearam seus carros aos ditos<br />
moços, que não tiveram entrada no theatro da Paz, não obstante a ordem<br />
do empresário para dar-lhes entrada, por ignoral-o o porteiro [...].<br />
Em nome dos indigentes, novamente estendemos a mão e lhes dizemos –<br />
muito obrigado! (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 26 fev.1884, p. 3)<br />
70
Os dados apresentados acima indicam apenas os efeitos da epidemia em<br />
Belém, pois os registros relativos ao número de mortos no interior onde a varíola<br />
também se manifestou, são muito deficientes. Sobre a presença da varíola no<br />
interior, no ano de 1884, o presidente da província assim se manifestou, através do<br />
Relatório de Governo (1885) 27 :<br />
Até o fim do mez passado havia no hospital de José Bonifácio oito<br />
variolosos em via de restabelecimento; em alguns lugares do interior da<br />
província , porém, ainda grassa esta epidemia, tendo se manifestado<br />
ultimamente na Cachoeira, Abaeté e Igarapé-miry, pelo que fiz seguir para<br />
Cachoeira o Dr. Argemiro Rodrigues Germano, para Abaeté e Igarapé-miry<br />
o Dr. Gouvêa Freire.<br />
Constando-se que em Benevides havia se manifestado a moléstia, para alli<br />
enviei o Dr. José Viríssimo de Mattos, que participou-me não haver se dado<br />
nenhum caso.<br />
Na comarca de Óbidos, onde se acha o Dr. Pedro de Moraes Bittencourt,<br />
continua grassar com alguma intensidade conforme acaba de participar-me<br />
o referido médico. (Relatório de Governo de José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin. 1885,<br />
p.10).<br />
O Diário de Notícias também faz referência <strong>à</strong> presença da varíola no<br />
interior. Na edição de 20 de fevereiro de 1884 chamou atenção para a presença da<br />
doença em Bujarú e Monfort para onde foram designados respectivamente os<br />
médicos Santa Rosa Filho e o Dr. Campos. Na edição do dia seguinte o mesmo<br />
jornal anuncia a presença da varíola em Mosqueiro, dando destaque a ação<br />
considerada eficaz do Dr. Argemiro Germano. O referido periódico aponta a<br />
presença aterradora 28 da varíola em Cachoeira, afirmando:<br />
São aterradoras as notícias que recebemos da Cachoeira, respeito <strong>à</strong> varíola<br />
que alli está grassando com intensidade, victimando a sua população.<br />
27 Relatório com que o exm. snr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 2.º vice-presidente da Província, passou a<br />
administração da mesma, em 04 de agosto de 1884, ao exm. snr. Conselheiro João Silveira de<br />
Souza, nomeado por carta imperial de 31 de maio de 1884. Pará, Typ. De Francisco Costa Junior,<br />
1885.<br />
28 Segundo Jane Beltrão (2005) este termo, muito usado na época, apresentava sentidos que podem<br />
ser considerados eufemismos alusivos <strong>à</strong> morte.<br />
71
Para melhor comprehender-se qual o estado d’aquela população,<br />
offerecemos <strong>à</strong> apreciação pública o seguinte tópico de uma carta que temos<br />
`a vista. Eil-o:<br />
- A bexiga tem feito uma espantosa carnificina n’esta Villa. <strong>Da</strong> família do<br />
José Quito já morreram: - a mãe, a mulher, dous filhos, a sogra e consta que<br />
elle mesmo já succumbio. E como esta família muitas outras. É geral o<br />
pânico. (DIARIO <strong>DE</strong> NOTICIAS, 23 set. 1884, p.2)<br />
Na mesma edição o jornal cita a presença da varíola também em<br />
Benevides, destacando a ação do Dr. José Veríssimo, confirmando o relatório<br />
apresentado pelo presidente Silveira de Sousa. Há também referências <strong>à</strong> presença<br />
da varíola em Óbidos, em Chaves, em Bragança e em Curuça, de onde o<br />
“Curuçaense” informa: “e continuamos sem auxílio médico e sem medicamentos<br />
graças á desumanidade do governo que nos olha como bastardos” (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />
NOTÍCIAS, 31 maio. 1884, p.02). Portanto, percebe-se que a incidência da varíola foi<br />
bem mais devastadora do que nos apresentam algumas estatísticas que, mesmo em<br />
relação <strong>à</strong> Belém apresentam lacunas e, em relação ao interior são mais deficitárias.<br />
Mas, a análise das fontes nos permite perceber quão “aterradoras” foram estas<br />
epidemias, principalmente em Belém.<br />
O último caso de varíola deste período fora registrado em abril de 1885,<br />
ficando a população de Belém despreocupada em relação a esta doença por cerca<br />
de dois anos até o seu reaparecimento em março de 1887. Porém, neste intervalo,<br />
há registros de outras doenças afetando a população da cidade de Belém, como é o<br />
caso, por exemplo, do beri-beri, doença que assumiu, principalmente em 1886,<br />
caráter alarmante, pois no relatório apresentado pelo presidente da província João<br />
Antônio Freitas Henriques, em 1886, dá-se destaque a esta moléstia que, segundo o<br />
presidente aterrorizava a população da capital da província. Esta doença, cuja<br />
etiologia era totalmente desconhecida das autoridades médicas da época,<br />
recebendo indicações de tratamento possíveis apenas aos membros das classes<br />
abastadas da província, pois os esculápios receitavam viagens como eficazes no<br />
tratamento do beri-beri. Sendo assim, para viabilizar o tratamento das classes menos<br />
abastadas recomendava a Junta de Higiene que se procurasse facilitar passagens<br />
para os populares, recomendando-se Salinas, Marapanim e Soure como locais<br />
adequados ao tratamento. É importante destacar que registraram-se 254 mortes por<br />
beri-beri em 1885 e só no primeiro trimestre de 1886 já havia registro de 83 mortes,<br />
72
daí a cobrança feita <strong>à</strong>s autoridades, principalmente através da imprensa, que<br />
resultou em um conjunto de medidas encaminhadas pelo governo da província.<br />
Assim, o inspetor interino da Hygiene Pública, Dr. Pedro Arbunense dos Navegantes,<br />
declara 29 : “[...] sendo o beri-beri uma moléstia cuja etiologia e pathogenia são<br />
apenas conjecturaes, ao menos por enquanto, qual o meio certo de impedir o seu<br />
desenvolvimento? Não pode ser outro senão a hygiene [...]”. (Relatório de Governo<br />
de João Antônio d’Araújo Freitas Henriques.1886, p. 60-61).<br />
O Dr. Navegantes, amparado em artigo de Fernand Roux publicado em<br />
Paris no Journal de Medicine et de Cirurgie Pratiques, conclui que as medidas<br />
devem atingir a higiene pública e privada. Na esfera pública a responsabilidade seria<br />
da Câmara Municipal, que deveria cuidar da limpeza das ruas e praças, esgotamento<br />
dos pântanos e das águas estagnadas por falta de limpeza das calhas das ruas,<br />
mais atenção <strong>à</strong> remoção do lixo e fazer a desinfecção das bocas de lobo. Essas<br />
medidas revelam a crença nos “miasmas mórbidos” defendida pelos infeccionistas e<br />
que cresce em adeptos nesta segunda metade do século XIX. Quanto <strong>à</strong> esfera<br />
privada propõe-se uma forte intervenção do poder público no cotidiano da<br />
população, especialmente da “gente” pobre, das classes consideradas perigosas.<br />
Por isso, o Dr. Navegantes estudou criteriosamente os cortiços da cidade,<br />
caracterizando-os como insalubres e focos de epidemia e, baseado em projeto<br />
apresentado no Rio de Janeiro, sugere a demolição dos mesmos e a construção de<br />
casas mais adequadas <strong>à</strong> população pobre, de acordo com padrões de higiene. Além<br />
disso, previa-se a designação de médicos comissionados distribuídos pelos quatro<br />
distritos da cidade, pelo menos um para cada distrito. Estes médicos deveriam<br />
realizar visitas periódicas aos domicílios dos distritos pelos quais eram responsáveis<br />
(duas ou três vezes por semana), acompanhados dos fiscais municipais e de<br />
autoridade policial, para verificarem o estado das latrinas, sua posição em relação ao<br />
poço, o estado de asseio dos quintais e esgoto das águas; também indicarão melhor<br />
regime alimentar e o mais que lhes parecer conveniente. Estas visitas ocorreriam<br />
principalmente nas casas consideradas de aglomeração como os cortiços, hotéis,<br />
quartéis, etc. Os comissionados também deveriam fiscalizar os açougues, as<br />
29 Relatório com que o exm. Sr. Conselheiro João Antônio d’Araújo Freitas Henriques passou a<br />
administração da Província do Pará ao exm. Sr. Joaquim da Costa Barradas, em 06 de outubro de<br />
1886. Belém: typ. <strong>Da</strong> República, 1891.<br />
73
tabernas e outros estabelecimentos destinados ao comércio de gêneros alimentícios.<br />
Medidas iguais a estas foram se repetindo neste período e não foram recebidas<br />
passivamente pela sociedade como analisaremos no capítulo seguinte. Todavia, é<br />
necessário destacar que, apesar das providências tomadas, as epidemias<br />
continuaram assolando a população da cidade de Belém, demonstrando-se assim a<br />
ineficiência das autoridades, inclusive da área médica, no trato de delicada questão.<br />
1.2. Epidemia de 1888 – 1889:<br />
O começo desta epidemia foi registrado em 1887, com o aparecimento do<br />
primeiro caso em março, mas a grande concentração de casos fatais se deu em<br />
1888 quando faleceram segundo Vianna (1975), 747 pessoas por varíola. Mais uma<br />
vez percebemos discrepância em relação aos números apresentados por Vianna,<br />
pois de acordo com Relatório de Governo de Francisco José Cardoso Junior (1888:<br />
5) 30 apresenta-se para o primeiro trimestre daquele ano 80 casos de varíola, sendo<br />
17 em janeiro, 17 em fevereiro e 46 em março. Na estatística de Vianna são 75<br />
casos neste trimestre. Além disso, o relatório também apresenta o movimento da<br />
enfermaria José Bonifácio no ano de 1887, de maio a dezembro, quando Vianna<br />
relata 61 mortes no relatório aparecem 208 mortes por varíola só na enfermaria<br />
citada. Também no Diário de Notícias aparecem algumas informações divergentes<br />
das apresentadas por Vianna (1975).<br />
O referido jornal afirma, na edição de 04 de novembro de 1888, que no<br />
mês anterior foram registradas 122 mortes por varíola enquanto Vianna (1975)<br />
apresenta 113. Mais ainda, durante todo o ano de 1888 o diário noticiou 255 mortes<br />
por varíola, sendo que a maioria destas foram registradas fora da enfermaria José<br />
Bonifácio, onde havia maior número de mortes. Só no primeiro trimestre foram 13<br />
30 Relatório com que o exm. snr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente,<br />
passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao exm. snr. Dr. Miguel J. de<br />
Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24 de março de 1888. Pará, Typ. do Diário de<br />
Noticias, 1888.<br />
74
mortes fora da citada enfermaria, número que deve ser acrescentado aos 80 casos<br />
do relatório de Cardoso Júnior, pois se referia apenas aos mortos na enfermaria<br />
José Bonifácio. Apesar da discrepância é possível inferir que a varíola mais uma vez<br />
consumiu um grande número de vidas em Belém e também que, afetou mais<br />
nacionais que estrangeiros, diferentemente da febre amarela, mais pessoas de cor,<br />
pardos ou pretos, do que brancos, e que a grande maioria dos atingidos era<br />
caracterizada como indigente, pois de primeiro de maio a 29 de dezembro de 1887 a<br />
enfermaria José Bonifácio recebeu 682 variolosos, dos quais 612 foram<br />
classificados como indigentes e continuavam os periódicos a veicular os óbitos com<br />
a indicação de menores ou inocentes quando eram crianças, informando-se apenas<br />
o primeiro nome, como é o caso dos menores José, Victória, Eduardo e Maria que<br />
aparecem nas edições do Diário de Notícias de 8 a 21 de fevereiro de 1888.<br />
Alguns dos infectados, sem perspectiva de cura ou de tratamento,<br />
algumas vezes sem recursos para tal, eram abandonados nas ruas pelos familiares,<br />
ou eram forçados a isso pela ausência da família, como é o caso do italiano João<br />
Delfir, encontrado pelo sub-delegado da Trindade na rua do Imperador, com o corpo<br />
coberto por bexigas e, segundo as páginas do Diário de Notícias (24 jun. 1888, p.2)<br />
já bastante desenvolvidas. A autoridade citada o transportou para o hospital José<br />
Bonifácio. Havia ocasião em que o varioloso, mesmo sem recursos, procurava<br />
atendimento, como o “indigente Manuel Narciso de Brito” que, também segundo o<br />
mesmo periódico, em edição de 2 de setembro do mesmo ano, esperava desde a<br />
manhã até 2 horas da tarde, no corredor da Santa Casa, com a bexiga toda visível<br />
pelo corpo, esperando pelo carro para o conduzir ao Hospital José Bonifácio.<br />
Situações como essas levavam ao desespero que parece ter tomado<br />
conta de um trabalhador da Companhia Nova União, este, afetado pela varíola,<br />
delirando com febre intensa, lançou mão de uma navalha e cortou a garganta<br />
profundamente. As páginas do Diário de Notícias, A Província do Pará e Folha do<br />
Norte confirmam a hipótese de que a varíola atingia principalmente as pessoas das<br />
classes consideradas inferiores, haja vista que se tornou comum a veiculação de<br />
matérias nestes periódicos com a designação, “Indigentes Variolosos” e toda<br />
campanha encaminhada pelo mesmo no sentido de arrecadar fundos para auxiliar<br />
75
no tratamento dos doentes. O jornal A Província do Pará veiculou matéria com o<br />
título “Socorros aos variolosos indigentes”, onde se lia o seguinte:<br />
[...] A comissão da benemérita loja “Firmeza e Humanidade”, encarregada<br />
de socorrer aos variolosos indigentes do 3º distrito desta capital, previne<br />
que atende aos pedidos e reclamações, a qualquer hora do dia, em casa<br />
dos seguintes membros:<br />
Juvencio T. Sarmento e Silva, <strong>à</strong> rua do Arcipreste Manoel Theodoro, n. 41.<br />
Emilio Augusto pinto, <strong>à</strong> rua da Pedreira, n. 71.<br />
Francisco Teixeira de Carvalho, <strong>à</strong> travessa Oriental do Mercado, n. 10. (A<br />
PROVÍNCIA DO PARÁ, 02 jan.1899, p. 1)<br />
Outra informação presente nos jornais diz respeito <strong>à</strong> localização espacial<br />
da epidemia. Assim, percebe-se uma incidência maior na área central da cidade,<br />
mas com uma distribuição agressiva da varíola para as áreas consideradas<br />
periféricas na época. O Diário de Notícias, assim se manifesta sobre a propagação<br />
da moléstia:<br />
O grande mal assoberbou nôs de tal maneira, que todas as reclamações da<br />
imprensa e todas as providências em que se cogitem, parecem inúteis.<br />
Pobre população da cidade de Belém!<br />
Olhada com indiferença na saúde, tratada com desprezo na moléstia...<br />
A varíola váe assolando horrorosamente a população d’esta capital, e outra<br />
cousa não se devia esperar, desde que a imprensa, pelo menos este diário,<br />
pediu medidas preventivas logo que Ella começava, e essas medidas não<br />
foram promptamente empregadas.<br />
Hoje a epidemia abrange toda a cidade; não há um só beco onde não gema<br />
um infeliz varioloso. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 03 ago. 1888, p. 2)<br />
Entre os casos registrados nas páginas dos jornais pesquisados verifica-<br />
se grande presença da epidemia nos bairros do Umarizal, Reduto, Campina, e da<br />
estrada de Nazaré a São Brás. Na tabela abaixo percebe-se a quantidade de mortos<br />
fora da enfermaria José Bonifácio.<br />
76
TABELA 03: RELAÇÃO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA EM 1888<br />
ANO 1888 ÓBITOS ADULTOS MENORES ENFERMARIA<br />
JOSÉ<br />
BONIFÁCIO<br />
FORA <strong>DA</strong><br />
ENFERMARIA<br />
JANEIRO __ __ __ __ __<br />
FEVEREIRO 06 09 04 02 04<br />
MARÇO 09 07 02 0 09<br />
ABRIL 22 18 04 04 18<br />
MAIO 17 12 05 04 13<br />
JUNHO 32 22 10 02 30<br />
JULHO 31 27 04 05 26<br />
AGOSTO 72 __ __ __ __<br />
SETEMBRO 02 __ __ 01 01<br />
OUTUBRO 122 __ __ __ __<br />
NOVEMBRO 52 45 07 15 37<br />
<strong>DE</strong>ZEMBRO 38 30 08 10 28<br />
TOTAL 281 __ __ __ __<br />
Fonte: Diário de Notícias, 1888.<br />
Apesar da diminuição dos casos de varíola , em dezembro de 1888, no<br />
início do ano seguinte ela volta a se manifestar e o seu recrudescimento é atestado<br />
pelo próprio presidente da província em função de relatório apresentado pelo médico<br />
da enfermaria José Bonifácio que revela o aumento dos casos daquela moléstia na<br />
dita enfermaria. No intuito de conter o avanço da epidemia, o referido presidente<br />
designou ao inspetor da Junta de Higiene que fizesse proceder a vacinação e<br />
revacinação, especialmente nos imigrantes cearenses que estavam recolhidos no<br />
antigo Forte do Castelo. Fez idênticas recomendações ao inspetor de saúde do<br />
porto.<br />
77
O Relatório de Governo (1889: 11) 31 de José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin,<br />
considerou as condições de saúde da província como lisonjeiras e anunciou o final<br />
da epidemia de varíola. Segundo Roso <strong>Da</strong>nin a Junta de Higiene teria sido a maior<br />
responsável pelo fim da epidemia em função de ter empregado os meios<br />
necessários para propagar a vacina animal que estaria produzindo bons resultados.<br />
Em relatório apresentado para o governo Lauro Sodré, Cipriano Santos também faz<br />
referência <strong>à</strong> utilização eficaz da vacina animal, mas, a discussão das profilaxias<br />
adotadas em relação <strong>à</strong> varíola deixaremos para o terceiro capítulo.<br />
Para se ter uma idéia dos prejuízos para os cofres públicos que as<br />
sucessivas epidemias de varíola causavam, descrevemos a seguir os gastos com a<br />
Enfermaria José Bonifácio, de janeiro a junho de 1889. No total despendeu-se, com<br />
a verba designada como “Socorros Públicos”, a soma de vinte e sete contos,<br />
setecentos e sessenta mil, cento e setenta e oito réis (27:760$178). Sendo que<br />
deste montante seis contos, quinhentos e seis mil, duzentos e oitenta e seis réis<br />
(6:506$286) foram destinados ao transporte e enterramento de variolosos e<br />
desinfecções. A despesa média mensal neste período, portanto, ficou em dois<br />
contos, quatrocentos e setenta e quatro mil, setecentos e noventa e três réis<br />
(2:474$793). É importante considerar que neste primeiro semestre de 1889 o total<br />
de mortos por varíola em Belém é inferior a soma do mês de novembro de 1888.<br />
Assim, podemos considerar que a despesa com a epidemia era muito superior a<br />
apresentada no relatório de Roso <strong>Da</strong>nin, pois refere-se a um período de decréscimo<br />
do número de afetados. Porém, a partir dos dados apresentados é possível fazer<br />
projeções acerca dos gastos com variolosos na capital do Pará.<br />
1.3. Epiemia de 1899 a 1901:<br />
Em mensagem (1900: 63) 32 apresentada ao congresso Legislativo do<br />
Estado do Pará, em 1900, o governador Paes de Carvalho descreve as condições de<br />
saúde da população do estado no ano anterior. Nesta evidencia-se a eclosão de<br />
31 Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 1º vice-presidente do Pará, passou a<br />
administração da mesma ao exm. sr. Dr. Antonio José Ferreira Braga, presidente nomeado por<br />
decreto de 22 de julho de 1889. Belém: Typ. A. Fuctuoso da Costa, 1889.<br />
32 Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho,<br />
governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1900. Belém: Typ. Do Diário Official, 1900. A<br />
mensagem continha a proposta do orçamento da Receita e despesa para o exercício de 1900 –<br />
1901.<br />
78
mais uma epidemia de varíola que estaria atingindo a capital do estado desde o<br />
início do ano de 1899. Segundo esta mensagem de governo de Paes de Carvalho, a<br />
varíola avançava epidemicamente em Belém desde março de 1899, sendo importada<br />
da Espanha ou dos estados do sul do país, lamentando o fato de não poder dominá-<br />
la de imediato apesar dos meios empregados para evitar sua propagação. Para o<br />
governador a propagação da doença ocorreu em função da ignorância do povo,<br />
“indiferente aos conselhos higiênicos”, que não quer compreender a necessidade<br />
das visitas domiciliares dos inspetores sanitários, ocultando doentes que muitas<br />
vezes morrem abandonados, dificulta o isolamento, foge sistematicamente da<br />
vacinação, etc.<br />
Esta descrição revela duas questões que serão retomadas no capítulo<br />
seguinte: a transferência da responsabilidade para o “povo” e as dificuldades<br />
encontradas pelas autoridades no sentido de fazerem cumprir as profilaxias. Por<br />
enquanto interessa a constatação do advento da epidemia em 1899, informação<br />
confirmada por Vianna (1975) e pelos jornais como, por exemplo, A Folha do Norte.<br />
Para Vianna entre 1899 e 1901 a varíola matou 597 pessoas, sendo 245 em 1899,<br />
246 em 1900 e 106 em 1901.<br />
O jornal A República também informa a presença da varíola em Belém,<br />
durante todo o ano de 1899, em diversas edições, fez referência ao assunto,<br />
descrevendo as ações do serviço sanitário, as desinfecções, as “campanhas” de<br />
vacinação, as áreas afetadas, etc. Assim, em 25 de abril de 1899, aquele periódico<br />
informa que o Dr. Ayres de Souza estava acometido de varíola, recebendo a visita do<br />
Dr. Pereira de Barros acompanhado de Miguel Severino do Monte, desinfectador do<br />
serviço sanitário. Dez dias antes, o mesmo jornal informava a existência de um navio<br />
em quarentena no porto com caso suspeito de varíola. Assim como A Folha do<br />
Norte, o jornal A República também destacava a ação do inspetor do serviço<br />
sanitário Dr. Cipriano Santos. Suas visitas ao Hospital de Isolamento e a casas<br />
particulares eram sempre lembradas por este periódico. Em 25 de junho de 1899,<br />
aquele jornal informava a visita feita pelo inspetor ao Hospital de Isolamento e a uma<br />
casa que abrigava doentes de varíola, na travessa Caldeira Castelo Branco.<br />
79
O inspetor do serviço sanitário tentou acalmar a população de Belém, em<br />
edição do mesmo jornal de 20 de julho de 1899, afirmando que não eram alarmantes<br />
os casos de varíola na cidade e que não se tratava de uma quadra epidêmica.<br />
Mensagens desse porte só contribuíam para aumentar o descrédito que os<br />
populares sentiam em relação <strong>à</strong>s autoridades, que muitas vezes não entendiam ou<br />
não se entendiam quando se tratava de epidemia, pois, “zombando da ciência” e das<br />
autoridades, a varíola continuava sua marcha avassaladora.<br />
O jornal A Folha do Norte indicou, nos dois primeiros meses de 1899, 34<br />
casos fatais de varíola, sendo 23 em janeiro e 11 em fevereiro. Desse total, 7<br />
morreram na enfermaria José Bonifácio. Também vale considerar que o referido<br />
jornal descreve os mortos no Hospital de Isolamento desde abril de 1899. Este<br />
hospital veio para substituir a enfermaria José Bonifácio, considerada já naquela<br />
época, anti-higiênica e, portanto, sem obediência aos padrões técnico-científicos. O<br />
novo hospital, encaminhado pelo governo de Paes de Carvalho, sob<br />
responsabilidade do engenheiro Luiz Maximino de Miranda Corrêa, estava dividido<br />
em três corpos, segundo Vianna (1975: 66 ):<br />
No primeiro corpo estão as salas de recepção, aposento das enfermarias,<br />
capela, farmácia e gabinete do médico: no segundo ficam as grandes<br />
enfermarias e suas dependências; no terceiro acham-se os quartos<br />
particulares para os doentes pensionistas, sala de refeições, quartos para<br />
criados, cozinha e despensa.<br />
O edifício conta 120 metros de comprimento e 22 de largura: é todo de<br />
madeira, pintado a cores claras. À esquerda do hospital existe um<br />
desinfectório, com dependência hermeticamente fechada para fumigações,<br />
e uma estufa locomóvel, perto da qual está a lavanderia. Este hospitalbarraca<br />
dista do hospital dos amarelentos 130 metros, é iluminado <strong>à</strong> luz<br />
elétrica e servido de água canalizada.<br />
A partir desta epidemia, já no início do século XX, percebe-se claramente a<br />
definição de determinadas profilaxias, como é o caso do isolamento dos doentes,<br />
das desinfecções e de outras práticas baseadas nos preceitos da moderna ciência<br />
da higiene. Por meio dos jornais também é possível acompanhar o movimento dos<br />
infectados no hospital de isolamento, permitindo a análise do quantitativo de<br />
infectados, origem social e nacional, local de moradia, etc. desta análise conclui-se<br />
80
que a varíola atingiu também neste período os mais pobres, de nacionalidade<br />
brasileira em maioria, um grande número de imigrantes nordestinos, especialmente<br />
cearenses; também se percebe a distribuição da epidemia pelas áreas centrais da<br />
cidade com relativa expansão para as áreas periféricas e a citação enfática dos<br />
casos registrados nos cortiços, como o citado na A Follha do Norte:<br />
Saúde publica<br />
De novo chamamos a atenção da junta de higiene para um cortiço <strong>à</strong> estrada<br />
de São Jeronymo em frente ao chafariz.<br />
Além de que aquilo é um verdadeiro foco de infecção , não quiseram alguns<br />
moradores<br />
Do cortiço consentir que o Sr. Dr. Uchoa lhes aplicasse a vacina , as dias<br />
quando compareceu para esse fim.No mesmo cortiço existem ainda<br />
variolosos sem recursos para seu tratamento. (A FOLHA DO NORTE, 15<br />
nov. 1899, p.01):<br />
A notícia acima revela que, na virada para o século XX, a tese dos<br />
infeccionistas ainda é predominante no seio da comunidade médica local e<br />
amplamente difundida pela imprensa. Além disso, a concepção de que os cortiços<br />
são focos de epidemias e as classes pobres consideradas “perigosas”. Assim,<br />
passa-se a idéia de que são culpadas por habitarem tais residências e pura<br />
ignorância a rejeição da vacina. Fica também evidente a dificuldade encontrada pelo<br />
poder público para promover a remoção dos doentes e, portanto, promover o tão<br />
desejado isolamento dos infectados.<br />
A partir desta “quadra epidêmica” as autoridades passaram a determinar a<br />
criação de “cordões sanitários”, que significavam na interdição do acesso a ruas,<br />
bairros ou municípios afetados pela varíola, pois, nota-se também neste período sua<br />
expansão para o interior como ficou registrado nas páginas da A Follha do Norte:<br />
Saúde publica<br />
De novo chamamos a atenção da junta de higiene para um cortiço <strong>à</strong> estrada<br />
de São Jeronymo em frente ao chafariz.<br />
Além de que aquilo é um verdadeiro foco de infecção , não quiseram alguns<br />
moradores<br />
Benfica foi o seguinte:<br />
Em Benevides:<br />
81
Até o dia 9 achavam-se acometidos do mal 13 pessoas , duas quase<br />
acham-se restabelecidas , 10 em tratamento e em observação 2.<br />
Em Benfica (ramal)<br />
Manifestam-se 11 casos e no rio Arary 3.Estão restabelecidos 9 doentes ,em<br />
tratamento 4,morreu 1 e permanecem em observação 8.<br />
Atualmente encontra-se em observação 10 variolosos sendo 6 menores.<br />
O cordão sanitário continua a ser mantido por praças e regimentos.<br />
Prosseguem os serviços de vacinação ,revacinação e desinfecção .<br />
O hospital de isolamento esta funcionando regularmente e a cargo de dois<br />
enfermos e sob a vigência do Dr.Pedro Juvenal Cordeiro.<br />
Esse hospital demora a cerca de 18 metros de Benevides <strong>à</strong> Benfica.<br />
Apareceram alguns casos de varíola no rio Aphú e na Colônia de Santa<br />
Isabel.<br />
O Sr. Eduardo de Oliveira foi designado pelo Dr. Juvenal Cordeiro para<br />
vacinar e revacinar em Castanhal.<br />
O Sr. Henri Olivier pois a disposição da comissão um bonde de sua<br />
propriedade por estarem <strong>à</strong> do ramal de Benfica.<br />
O mesmo médico mantém a resolução de uma vez extinta a epidemia<br />
reinante, extender o serviço de vacinação de colônias mais distantes da<br />
estrada de ferro , para o qual pede 100 tubça de limpha vacínica. (A FOLHA<br />
DO NORTE, 11 abr .1899,p. 01)<br />
Alguns dias depois este mesmo jornal divulga:<br />
[...] Varíola em Cametá<br />
È certo que este morbo acaba de aparecer naquela aprazível cidade,não<br />
com não com intensidade e nem com o caráter que possa justificar um certo<br />
alarme que aqui se fez com informações prestadas ao governo .<br />
À variola apareceu ali na família de João Gomes do Nascimento, tripulante<br />
do vapor São Miguel,tendo enfermado 7 pessoas inclusive o dito Gomes que<br />
já está convalescendo ,achando-se as demais condições de tratamento.<br />
Todas essas pessoas moravam na estrada da Aldeia de Parijós, onde a<br />
edificação não é densa, sendo por isso menos fácil a propagação do mal , o<br />
que efetivamente ainda não aconteceu e nem talvez acontecerá ;com as<br />
propostas e acertadas medidas que desde logo adaptou o ativo zeloso<br />
intendente daquela cidade e que por aí só despensam qualquer outra , aliás<br />
mais despendiosas.<br />
Os enfermos estão em tratamento no hospital municipal. (A FOLHA DO<br />
NORTE, 20 abr. 1899, p.01)<br />
Há também referência a presença da varíola no Amapá. Em edição de 20<br />
de setembro de 1899 o jornal A República noticiava a presença da varíola naquela<br />
vila, que se encontrava em estado tão lastimável a ponto de terem sido suspensos<br />
os negócios locais, sendo o tratamento das pessoas feito <strong>à</strong>s próprias custas. O jornal<br />
alertava para a possibilidade de despovoamento da vila.<br />
82
Outra referência freqüente nas páginas de A Folha do Norte diz respeito <strong>à</strong><br />
ação de Cipriano Santos, inspetor do serviço sanitário, que visitava diariamente os<br />
doentes nos hospitais específicos, visitava também as casas suspeitas de abrigarem<br />
doentes de varíola e aplicava multas aos infratores da política de isolamento dos<br />
infectados. É importante considerar que o referido jornal foi fundado pelo próprio<br />
Cipriano Santos e defendia as idéias do Partido Republicano Federal, que fora<br />
comandado por Lauro Sodré, mas que neste momento era chefiado pelo próprio<br />
governador do estado, Paes de Carvalho. Assim, interessava ao dito periódico não<br />
só exaltar a imagem de seu fundador, mas também do regime republicano que<br />
estaria atuando com mais eficácia no combate as epidemias.<br />
Para se ter uma idéia da extensão da epidemia neste período,<br />
reproduzimos abaixo a quantidade de infectados pela varíola, informados pelo A<br />
Folha do Norte, nos anos de 1899, 1900 e 1901. Nas respectivas tabelas percebe-se<br />
uma tendência a minimizar os efeitos da epidemia pelo registro do número de<br />
mortos, nem sempre revelado, e pelo destaque dado ao número de curados, assim<br />
como a ênfase dada a ação do Hospital de Isolamento, visto como medida acertada<br />
no combate <strong>à</strong>s epidemias, não só de varíola, e como obra do regime republicano.<br />
Portanto, é possível perceber que, a questão da saúde da população de Belém<br />
contribuiu também para reforçar o projeto político republicano em curso no país, pois,<br />
a substituição da antiga enfermaria José Bonifácio (nome associado ao regime<br />
monárquico) pelo moderno Hospital de Isolamento escondia metáforas políticas do<br />
período relativas <strong>à</strong> mudança ou a substituição do velho pelo novo, do arcaico pelo<br />
moderno, etc.<br />
83
TABELA 04: RELAÇÃO <strong>DE</strong> VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1899.<br />
JORNAL<br />
<strong>Da</strong>ta Nº pág<br />
LOCAL Nº DOENTES CURA ÓBITOS<br />
01/10/1899 – 1364 2 Hosp. de isolamento 4 - -<br />
03/10/1899 – 1366 2 Hosp. de isolamento 59 21 -<br />
04/10/1899 – 1367 2 Hosp. de isolamento 3<br />
05/10/1899 – 1368 2 Hosp. de isolamento 3<br />
08/10/1899 – 1371 2 Hosp. de isolamento 5<br />
11/10/1899 – 1374 2 Hosp. de isolamento 4<br />
12/10/1899 – 1375 2 Hosp. de isolamento 3<br />
15/10/1899 – 1378 2 Hosp. de isolamento 42<br />
16/10/1899 – 1379 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />
17/10/1899 – 1380 2 Hosp. de isolamento 6<br />
19/10/1899 – 1382 2 Hosp. de isolamento 11<br />
20/10/1899 – 1383 1 Hosp. de isolamento 6<br />
-<br />
-<br />
24/10/1899 – 1387 2 Hosp. de isolamento 7 - 4<br />
25/10/1899 – 1388 2 Hosp. de isolamento 6<br />
26/10/1899 – 1389 2 Hosp. de isolamento 7<br />
27/10/1899 – 1390 2 Hosp. de isolamento 4<br />
-<br />
-<br />
28/10/1899 – 1391 2 Hosp. de isolamento 4 3 1<br />
29/10/1899 – 1392 2 Hosp. de isolamento 2 - -<br />
02/11/1899 – 1396 2 Hosp. de isolamento 6<br />
07/11/1899 – 1401 2 Hosp. de isolamento 3<br />
09/11/1899 – 1403 2 Hosp. de isolamento 5<br />
19/11/1899 – 1413 2 Hosp. de isolamento 6<br />
21/11/1899 – 1415 2 Hosp. de isolamento 4<br />
02/12/1899 – 1426 2 Hosp. de isolamento 5<br />
03/12/1899 – 1427 2 Hosp. de isolamento 16<br />
07/12/1899 – 1431 2 Hosp. de isolamento 13<br />
7<br />
-<br />
08/12/1899 – 1432 2 Hosp. de isolamento 2 - -<br />
14/12/1899 – 1438 2 Hosp. de isolamento 1<br />
19/12/1899 – 1443 2 Hosp. de isolamento 3<br />
20/12/1899 – 1444 2 Hosp. de isolamento 4<br />
21/12/1899 – 1445 2 Hosp. de isolamento 1<br />
-<br />
-<br />
28/12/1899 – 1451 2 Hosp. de isolamento 4 - -<br />
-<br />
-<br />
2<br />
1<br />
-<br />
37<br />
-<br />
-<br />
1<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
5<br />
4<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
3<br />
1<br />
2<br />
-<br />
9<br />
1<br />
2<br />
2<br />
2<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
84
Fonte: A Folha do Norte, 1989.<br />
TABELA 05: RELAÇÃO <strong>DE</strong> VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1900.<br />
JORNAL<br />
<strong>Da</strong>ta Nº pág<br />
Fonte: A Folha do Norte, 1900.<br />
LOCAL<br />
Nº<br />
DOENTES<br />
CURA ÓBITOS<br />
17/04/1900 – 1561 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
11/05/1900 - 1585 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
15/05/1900 – 1589 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
16/05/1900 – 1590 1 Hosp. de isolamento 20 - 6<br />
18/05/1900 – 1592 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
20/05/1900 – 1594 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
22/05/1900 – 1596 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
14/06/1900 – 1619 2 Hosp. de isolamento 9 - 1<br />
16/06/1900 – 1621 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
10/08/1900 – 1677 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
31/08/1900 – 1698 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
01/09/1900 - - 3 Hosp. de isolamento 6 6 -<br />
04/09/1900 – 1702 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
16/09/1900 – 1714 3 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
19/09/1900 -1717 3 trav.9 de janeiro 2 - -<br />
20/09/1900 – 1718 3 Hosp. de isolamento 3 - 3<br />
21/09/1900 – 1719 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
22/09/1900 – 1720 3 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
23/09/1900 – 1721 3 Hosp. de isolamento 4 3 1<br />
25/09/1900 – 1723 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
29/09/1900 – 1727 3 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
02/10/1900 – 1730 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
04/10/1900 – 1732 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
06/10/1900 – 1734 2 Hosp. de isolamento 7 6 1<br />
07/10/1900 - 1735 3 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
12/10/1900 – 1740 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
19/10/1900 – 1747 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />
10/11/1900 – 1767 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />
07/12/1900 – 1793 2 Hosp. de isolamento 7 -- 2<br />
15/12/1900 – 1801 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
17/10/1900 – 1803 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />
19/12/1900 – 1805 2 Hosp. da caridade 2 - 1<br />
27/12/1900 – 1812 2 Hosp. de isolamento 2 -<br />
28/12/1900 - 1813 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />
85
TABELA 06: RELAÇÃO <strong>DA</strong>S VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1901<br />
JORNAL<br />
<strong>Da</strong>ta<br />
Nº<br />
pág<br />
LOCAL<br />
Nº<br />
DOENTES<br />
CURA ÓBITOS<br />
10/01/1901 - 1826 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
11/01/1901 - 1827 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
12/01/1901 - 1828 2 Hosp. de isolamento 4 1<br />
17/01/1901 - 1833 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
21/01/1901 - 1837 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
22/01/1901 - 1838 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
24/01/1901 - 1840 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />
25/01/1901 - 1841 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />
09/02/1901 - 1856 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
10/02/1901 - 1857 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
11/02/1901 - 1858 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
16/02/1901 - 1863 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
17/02/1901 - 1864 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
21/02/1901 - 1868 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />
10/03/1901 - 1885 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />
18/03/1901 - 1893 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
19/03/1901 - 1894 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />
20/03/1901 - 1895 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />
28/03/1901 - 1903 2 Hosp. de isolamento 4 4<br />
01/04/1901 - 1907 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />
02/04/1901 - 1908 1 Hosp. de isolamento 1 1<br />
04/04/1901 - 1910 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />
10/04/1901 - 1916 2 Hosp. de isolamento 5 4 1<br />
13/04/1901 - 1919 2 Hosp.S.Sebastião 2 2<br />
15/04/1901 - 1921 2 Hosp. De isolamento 1 1<br />
Fonte: A Folha do Norte, 1901.<br />
A análise das notícias veiculadas pelos jornais citados, das informações<br />
presentes nas obras Vianna (1975 e 1992) e nos relatórios dos presidentes da<br />
província e governadores do estado do Pará, revelam diversos aspectos das<br />
epidemias de varíola em Belém, entre 1884 e 1904. Além das já analisadas cabe<br />
86
ainda destacar a origem externa da moléstia que, até 1850 era importada via tráfico<br />
negreiro, e depois desta data passou a ser atribuída pelas autoridades <strong>à</strong> imigração,<br />
principalmente nordestina, contribuindo para aumentar a discriminação em relação<br />
aos imigrantes oriundos dessa região, especialmente os cearenses. De fato a<br />
experiência com a varíola no Ceará é também antiga, tendo ocorrido sucessivas<br />
epidemias naquele estado, desde pelo menos a época em que ainda era província.<br />
Basta citar o terrível “dia dos mil mortos”, 28 de novembro de 1868, quando mil<br />
pessoas morreram somente na capital, vítimas da varíola, que não poupou nem<br />
mesmo a mulher do então presidente da província 33 . Os cadáveres eram empilhados<br />
sem qualquer medida de higiene e depois transportados em carroças por coveiros<br />
completamente embriagados de cachaça. O consumo exagerado de bebida alcoólica<br />
era uma forma de evitar o mal-estar provocado pelo insuportável odor dos corpos<br />
tomados pelas pústulas dos variolosos. Porém, vale ressaltar que, neste período, a<br />
varíola esteve presente em várias cidades brasileiras, não sendo exclusividade da<br />
capital cearense. Além disso, há momentos em que as autoridades e a imprensa<br />
referem-se ao ingresso da epidemia pelo sul do Brasil ou pela Europa. Portanto,<br />
atribuir a migração cearense a origem da varíola é, no mínimo, injusto.<br />
Outra questão importante a ser considerada diz respeito ao número de<br />
óbitos informados. Este não pode ser tomado como definitivo, pois além da<br />
discrepância entre as fontes consultadas não podemos deixar de considerar que,<br />
muitas vezes, para dar enterro considerado digno aos seus entes queridos, muitas<br />
pessoas recorriam <strong>à</strong> prática de modificar a causa da morte no atestado de óbito,<br />
exigindo do investigador maior cuidado na análise dessas fontes. Há também muitos<br />
casos de óbitos não registrados, que escaparam <strong>à</strong>s estatísticas. Quanto a<br />
discrepância, deve ser vista como produto do comprometimento que cada fonte<br />
possuía. Assim, é importante não deixar de considerar a influência da escola<br />
Metódica sobre a produção de Vianna, sua preocupação com a objetividade, com a<br />
verdade dos fatos, o que o levou a tomar as estatísticas da Santa Casa como<br />
definitivas. Além disso, é preciso considerar sua perspectiva política republicana que,<br />
33 O livro escrito em 1999, pelo jornalista Lira Neto conta a história do farmacêutico baiano Rodolfo<br />
Marcos Teófilo (1853-1932), e sua trajetória junto <strong>à</strong> população da cidade de Fortaleza, assolada por<br />
sucessivas epidemias de cólera e varíola, ao longo da segunda metade do século XIX. Neste<br />
trabalho encontramos algumas informações importantes sobre epidemias de varíola e terapêuticas<br />
apropriadas na capital cearense.<br />
87
numa visão retrospectiva, pensando a história como pragmática, procurava mostrar o<br />
presente empenhado na solução dos problemas do passado. Nessa linha que exalta<br />
a construção do Hospital de Isolamento e todas as medidas tomadas pelo regime<br />
republicano no campo da saúde. Quando não alcançavam êxito era por culpa da<br />
ignorância popular. Quanto aos números apresentados pelos jornais, vale lembrar da<br />
perspectiva que cada um possuía, em cada momento, já muito bem delimitada no<br />
início deste capítulo. Quanto aos números apresentados nos relatórios de governo,<br />
variavam para mais ou para menos, dependendo da circunstância em que eram<br />
apresentados. Se quem apresentava o relatório estava passando o governo,<br />
minimizava os óbitos, por exemplo, ocasionando as discrepâncias por nós<br />
identificadas. Mas, ainda assim, os números citados são bastante relevantes no<br />
sentido de se perceber o impacto das epidemias de varíola. Por último, a análise de<br />
cada epidemia nos permitiu perceber a forma como o poder público, em momentos e<br />
regimes distintos (monarquia e república), tratou a questão da saúde da população<br />
de Belém na segunda metade do século XIX. O que será analisado no próximo<br />
capítulo.<br />
88
____________________________________________________________________<br />
1. Em Busca da Cura:<br />
89<br />
CAPÍTULO III<br />
Vacina, Isolamento e Intolerância Popular <strong>à</strong>s<br />
Profilaxias Oficiais.<br />
Como ficou demonstrado nos capítulo anteriores, a presença da varíola,<br />
em Belém, remonta aos tempos coloniais. A história da varíola em Belém é também<br />
a história da busca incessante da cura para a referida moléstia, pois desde a sua<br />
presença devastadora entre os índios já se percebe tentativas de, pelo menos, aliviar<br />
o sofrimento provocado pela mereba-<strong>ayba</strong> (doença maligna), como era chamada a<br />
varíola pelos índios. Infelizmente não encontramos registros da prática da<br />
variolização, ou seja, da inoculação do pus variólico em indivíduos sadios como<br />
forma de prevenir, evitar ou atenuar os efeitos da moléstia que se queria combater<br />
(varíola). Segundo Alden & Miller (1987) em todo o período colonial há apenas duas<br />
referências relativas a missionários que teriam tentado o método na região<br />
amazônica, mas não há registros de que a prática tenha se efetivado. Condamine,<br />
que esteve no Pará durante uma forte epidemia de varíola que atingiu o Baixo<br />
Amazonas, em 1743, comentou com pesar não estar sendo utilizada a variolização<br />
nos índios cativos, técnica que havia sido introduzida com sucesso na região cerca<br />
de 16 anos antes, por um missionário carmelita. De fato, Frei José Madalena foi o<br />
primeiro a utilizar a técnica de variolização na Amazônia durante um surto de varíola<br />
que irrompera na região na década de 1720, salvando inúmeros índios. La<br />
Condamine (1992: 110-111), assim descreveu o feito do missionário carmelita:<br />
Há 15 ou 16 anos antes um missionário carmelita das cercanias do Pará,<br />
vendo todos os seus índios morrerem um após outro, e tendo sido informado<br />
pela leitura de um jornal do segredo da inoculação, que tanto estardalhaço<br />
fazia na Europa, (...) ousou mandar inocular a varíola em todos os índios
que ainda não haviam sido atacados, e não perdeu um sequer. (...) Outro<br />
missionário do rio Negro seguiu seu exemplo com o mesmo sucesso.<br />
A preocupação com a entrada e disseminação da varíola na região levou o<br />
príncipe regente D. João VI a emitir uma ordem em 1799 para que "se introduzisse e<br />
promovesse a inoculação em crianças negras e índias contra as bexigas". Essa<br />
ordem foi reiterada em 1802. Segundo Alden e Miller (1988: 66), esse era um<br />
programa para todas as colônias portuguesas e, provavelmente, não se referia <strong>à</strong><br />
inoculação do vírus da varíola bovina, mas sim <strong>à</strong> técnica de variolização. <strong>Da</strong>dos<br />
levantados por Araújo (1972, apud Alden e Miller, 1988.) revelam que a vacina<br />
jenneriana chegou ao Brasil pela primeira vez em 1804, ainda que, logo após a<br />
descoberta de Jenner em 1796, Portugal tenha recebido amostras de linfa e<br />
comunicado <strong>à</strong>s autoridades nas colônias a existência de um novo procedimento<br />
preventivo contra a varíola.<br />
Desde a publicação do trabalho do cirurgião britânico Edward Jenner - que<br />
demonstrou em fins do século XVIII que uma proteção mais segura e mais confiável<br />
poderia ser obtida pela inoculação do vírus da varíola bovina (vaccínia) - a<br />
variolização foi sendo substituída nos países europeus e suas colônias pela<br />
vacinação antivariólica a partir da varíola bovina. Segundo Saavedra (2004) em Goa,<br />
o governo português introduziu a vacina jenneriana em 1802, alguns anos antes de<br />
fazê-lo no Brasil.<br />
A técnica conhecida como variolização já era utilizada pelos povos<br />
orientais havia mais de mil anos, e consistia na inoculação de material retirado das<br />
pústulas de um enfermo na pele de um indivíduo são. A variolização 34 foi introduzida<br />
na Europa no século XVIII, graças aos esforços da esposa do embaixador inglês em<br />
Constantinopla, Lady Montagne, que divulgou amplamente essa técnica após ter<br />
feito inocular em 1717 seu filho de três anos de idade e, em 1721, já de volta <strong>à</strong><br />
34 A Folha do Norte, em 15 de novembro de 1904, reproduziu artigo do Giornale d’Itália onde se<br />
reconstitui a história da variolização como, sinteticamente se descreve acima. Porém, naquele artigo<br />
desenvolveu-se uma explicação para a adoção de tal prática. Ela seria produto da crença de que a<br />
varíola era uma doença necessária, ou seja, assim como outras doenças infecciosas que atingiam o<br />
indivíduo uma vez só e as quais estariam necessariamente sujeitos, a varíola representava uma<br />
espécie de tributo que todos deveriam pagar <strong>à</strong> natureza. Assim, se a varíola era um tributo a ser<br />
pago, que viesse sob a forma benigna.<br />
90
Inglaterra, sua filha de cinco anos. Para Dinc & Ulman (2007) a variolização, ou<br />
método bizantino em alusão a Bizâncio, antigo nome de Constantinopla, difundiu-se<br />
rapidamente na Inglaterra e teve defensores em países como Alemanha, França e<br />
Estados Unidos. Segundo o relato de La Condamine, menos de dez anos depois, a<br />
coragem do missionário carmelita fez com que essa nova técnica fosse introduzida<br />
na Região Amazônica. Apesar, contudo, de a variolização fazer com que a doença<br />
se manifestasse de forma mais branda do que pela do contágio natural, os doentes<br />
passavam por todo o seu cortejo sintomático: por vezes, as pessoas inoculadas<br />
ficavam com cicatrizes no rosto e corpo, ou mesmo morriam ou desenvolviam formas<br />
graves da doença. A carência de fontes referentes a variolização não inviabilizaram,<br />
porém, as pretensões desta pesquisa, pois identificamos várias profilaxias e ou<br />
práticas terapêuticas destinadas <strong>à</strong> varíola em Belém, emanadas de diversos<br />
segmentos da sociedade local revelando concepções médicas diferentes ou<br />
divergentes e que tiveram influências poderosas sobre o comportamento da<br />
sociedade local. Assim, mesmo após a introdução da vacina na região e até o início<br />
do século XX, encontramos registros de outras profilaxias e terapêuticas, algumas<br />
vezes vistas como complementares <strong>à</strong> vacina, outras vezes como alternativas ao<br />
método jenneriano. Neste capítulo realizamos uma descrição das diversas profilaxias<br />
e práticas terapêuticas propostas em Belém para combater a varíola com o intuito de<br />
desvendar, fundamentalmente, a relação da sociedade com tais práticas e, em<br />
especial, com a vacina.<br />
A análise das fontes nos permitiu perceber a rejeição da sociedade,<br />
principalmente das camadas populares, <strong>à</strong>s iniciativas do poder público no campo da<br />
saúde. Nos relatórios de governo de todo o período fica evidente a dificuldade<br />
encontrada pelas autoridades no sentido de fazer cumprir profilaxias ou práticas<br />
terapêuticas destinadas ao combate da varíola. Os jornais confirmam as informações<br />
contidas nos relatórios sobre essa questão, ficando claro que havia em Belém, entre<br />
o final do século XIX e o início do século XX, uma grande desconfiança em relação<br />
<strong>à</strong>s políticas de saúde emanadas do poder público. È importante esclarecer que a<br />
postura aversiva da sociedade local não se relacionava apenas a vacina, mas a<br />
grande maioria das medidas no campo da saúde pública. Essa realidade nos<br />
colocou a seguinte questão: por que uma sociedade assolada por diversas<br />
epidemias recusava as providências consideradas adequadas para o combate<br />
91
efetivo dessas mesmas epidemias? Essa questão nos obrigou a recuar no tempo<br />
para tentarmos reconstituir a longa experiência da sociedade local com as políticas<br />
públicas na área da saúde, especialmente aquelas destinadas a combater a varíola,<br />
para que pudéssemos entender as razões do comportamento aversivo daquela<br />
sociedade. Assim, além dos desacertos e do caráter autoritário das medidas<br />
emanadas do poder público, também havia um conjunto de práticas curativas<br />
constituídas por setores populares e que se apresentavam como alternativas <strong>à</strong>s<br />
práticas oficiais. Amaral (2006) faz referência a um “preparado indígena” indicado<br />
nas páginas do A Folha do Norte que consistia em procedimento elaborado por Dona<br />
Francisca Borralho Rolha, moradora da rua Bernal do Couto. Dona Francisca foi a<br />
redação do jornal e relatou que, desde a última vez em que a epidemia afetou a<br />
cidade, conseguiu curar sete netos infectados pela terrível moléstia, e agora revelava<br />
o segredo, que consistia no uso de ervas da Amazônia, com as quais preparava um<br />
banho especial a ser tomado durante três dias, restabelecendo o enfermo. O<br />
jornalista conseguiu apurar algumas informações da prática de cura que foram<br />
publicadas em A Folha do Norte:<br />
(...) A pessoa atacada da doença não precisa ter dieta alguma, podendo<br />
andar por toda a parte, limitando-se o seu tratamento a esses banhos, que<br />
serão tomados tres ou quatro vezes por dia. Demais este processo tem<br />
ainda a vantagem de não deixar o menor vestigio no corpo da pessoa que a<br />
ele se submetter. Como prova do que afirmava, declarou-nos d. Francisca<br />
Borralho que apresenta a quem quizer ver os seus netos, que tinham sido<br />
acometidos de variola confluente, e que hoje estão de perfeita saude e sem<br />
a menor deformidade. <strong>Da</strong>s suas declarações, deduz-se que não se trata de<br />
uma pagelança e sim de uma maneira, aliás muito racional, de curar com<br />
os proprios elementos da natureza no reino vegetal. (A FOLHA DO<br />
NORTE, 23 Ago. 1908, p 1)<br />
Por esse relato, é possível estabelecer algumas diferenças em relação ao<br />
tratamento da medicina acadêmica, pois, além de ervas, o varioloso não precisaria<br />
ter uma alimentação que o restringisse de alimentos típicos da região, que são<br />
classificados como “remosos” pelos doutores da ciência e pelos próprios populares<br />
como causadores de mal <strong>à</strong> saúde. Muito menos se trataria isolado, não ficando<br />
restringido de ir e vir. Outra característica importante desse tratamento refere-se <strong>à</strong>s<br />
cicatrizes no corpo, pois garantia não deixar vestígios da doença marcados nos<br />
corpos dos variolosos. A única restrição dizia respeito a seguir <strong>à</strong> risca os banhos,<br />
92
pelo menos três a quatro vezes ao dia. Nesse sentido, a prova cabal do sucesso,<br />
segundo dona Francisca, consistia em expor os seus netos ao público que<br />
duvidasse, como forma de referendar tamanha descoberta, pois as crianças<br />
gozavam de saúde e não tinham marcas da doença. Por fim, o jornalista prossegue<br />
concluindo que essa prática de cura não podia ser considerada pajelança, apesar de<br />
toda a tradição presente entre os curandeiros com o manejo de ervas ou plantas<br />
medicinais. Casos como esse revelam uma tradição cultural enraizada junto <strong>à</strong>s<br />
camadas populares na Amazônia, que explicam grande parte da intolerância <strong>à</strong>s<br />
políticas públicas na área da saúde, em Belém, do final do século XIX ao início do<br />
século XX.<br />
1.1. Dos tiros de canhão <strong>à</strong> política de isolamento:<br />
As medidas profiláticas adotadas na cidade de Belém, desde o século<br />
XVIII, estavam bem distantes das modernas concepções da ciência da higiene, como<br />
nos revela Vianna (1992: 176-177):<br />
A profilaxia adotada em 1793 assumiu as proporções de um exercício a<br />
fogo, pois o governo, reconhecendo o fumo da pólvora como poderoso<br />
desinfectante, mandou descarregar numerosos tiros de artilharia nos cantos<br />
das ruas. O governador, na sua correspondência com a metrópole, depois<br />
de explicar o ruidoso processo profilático, acrescenta que os resultados<br />
falharam por completo. Em 1819 variou-se de sistema, mas ainda sem<br />
utilidade pública: então o Pará contava alguns empregados incumbidos de<br />
vistoriarem as embarcações provenientes de portos infeccionados ou<br />
suspeitos, impondo-lhes longas quarentenas que sem o auxílio das<br />
desinfecções rigorosas nada produziam; quando nesse ano a varíola invadiu<br />
a cidade, mandou o governo fazer em todos os cantos abundantes<br />
fumigações de gás oximuriático, de resultados nulos como os tiros de<br />
canhão, atentas as circunstâncias em que eram empregadas.<br />
O governador Francisco de Souza Coutinho também recomendava que se<br />
espalhasse pelo ar determinados perfumes como, por exemplo, os vapores do<br />
alcatrão ou de vinagre, de forma a evitar a propagação da varíola. Não se pode<br />
deixar de mencionar que já nesse momento está presente a concepção dos<br />
infeccionistas relativas aos efeitos dos miasmas mórbidos sobre o ar ambiente.<br />
93
Porém, não demorou muito para a população de Belém perceber a ineficácia de tais<br />
medidas, que desmoralizavam o poder público, gerando desconfiança nos<br />
populares. Além dessas recomendações o referido governador também ordenava o<br />
isolamento dos infectados e para tanto determinava as delações, pois toda pessoa<br />
que tivesse notícia de variolosos deveria dar parte ao Juiz de Fora, ao Presidente do<br />
Senado da Câmara ou ao vereador nomeado Provedor Mor da Saúde, estando os<br />
infratores sujeitos a multa de 50 cruzados e mais cinco anos de degredo. Durante<br />
todo o século XIX e, a cada nova epidemia de varíola, a imprensa cobrava e as<br />
autoridades tentavam colocar em prática o isolamento dos infectados. A partir,<br />
principalmente, da segunda metade deste século, com a intensificação do discurso<br />
higienista, a cobrança pelo isolamento dos infectados por doenças epidêmicas<br />
tornou-se intensa, pois era preciso isolar esses indivíduos para evitar a<br />
contaminação daqueles que habitavam a área central da cidade 35 . Nesta época<br />
buscava-se deslocar para fora da região central da cidade todos os elementos<br />
considerados nocivos ao “bem viver”, em geral das classes abastadas. Nessa<br />
perspectiva foram criados locais específicos para o tratamento dos doentes, sempre<br />
afastados da área central da cidade, também foi aumentando a fiscalização e a multa<br />
aplicada aos infratores. Ainda assim, percebe-se que a população de Belém não<br />
atendia aos apelos do poder público. Os mais abastados porque assumiam, por<br />
conta e risco, o tratamento e não estavam sujeitos <strong>à</strong> fiscalização e punição que<br />
poderia ser aplicada pelas autoridades.<br />
Assim, a ação fiscalizadora atuava fundamentalmente ou exclusivamente<br />
sobre os mais pobres que, mesmo sem os recursos necessários para custearem um<br />
tratamento particular, recusavam as políticas públicas, mesmo no início do século<br />
35 No mesmo artigo italiano, reproduzido pelo A Folha do Norte em 15 de novembro de 1904,<br />
encontrava-se a defesa da prática do isolamento dos infectados considerada mais eficaz do que a<br />
própria vacina. Segundo o autor, professor de higiene da Universidade de Perúsia, Carlos Ruata,<br />
das coisas que realmente se prendem <strong>à</strong> medicina existe uma, de grande importância, “sobre a qual<br />
todos os médicos estão de acordo” que é o fato de que a varíola nunca nasce espontaneamente,<br />
mas sempre se contrai de um varioloso. Propaga-se de uma única maneira, diz o professor, de<br />
homem doente de varíola para homem são, “seja diretamente pelo contato, seja indiretamente por<br />
meio dos vestidos, dos lençóis e cobertores de cama e de outros objetos infeccionados”. Assim,<br />
continua, “um varioloso, deixado livre, comunica a doença para 10 ou 20 pessoas, cada uma dessas<br />
fazem outro tanto”, o que seria suficiente para desencadear uma epidemia. Desta forma, o único<br />
meio eficaz de impedir a propagação da moléstia seria através do isolamento. É importante<br />
considerar que essa opinião foi elaborada por um estudioso que se posicionava contra a vacina,<br />
mas não podemos deixar de considerar que a prática do isolamento foi reivindicada por toda a<br />
comunidade médica, tanto pelos defensores quanto pelos contestadores da vacina, principalmente<br />
com o advento da ciência da higiene.<br />
94
XX. Nos jornais são freqüentes as referências aos indigentes variolosos que se<br />
encontravam nas ruas e deveriam ser removidos, o Diário de Notícias em 15 de<br />
fevereiro de 1884 informava a existência de uma mulher atacada de varíola, em uma<br />
casa na estrada de São José. A denúncia foi feita <strong>à</strong> polícia por Torquata Maria da<br />
Conceição, que solicitava a remoção da doente para a enfermaria José Bonifácio,<br />
mas a resposta, segundo o diário, foi que não era possível remover a enferma<br />
porque a enfermaria encontrava-se lotada. Essa deficiência do atendimento público<br />
propiciava a criação de enfermarias particulares, espalhadas pela cidade, que<br />
também eram combatidas em função do perigo que representavam para a<br />
proliferação da epidemia, especialmente pela sua localização. O Diário de Notícias<br />
(02 maio. 1884, p.2), informava que “uma mulata de nome Roberta, moradora <strong>à</strong><br />
Travessa d’água das flores, estabeleceu uma enfermaria para pessoas com varíola.”<br />
Em outra edição o referido periódico, com o título de “Enfermaria de variolosos”,<br />
publicou a seguinte notícia:<br />
O illustre sr. Dr. M. Moraes veio ao nosso escritório informar-nos o que de<br />
real ocorreu sobre a enfermaria de variolosos, <strong>à</strong> rua do Rosário.<br />
A remoção do menor foi determinada por autoridade superior e pela<br />
inconveniência de conservar-se no seio da cidade uma tal casa, prejudicial <strong>à</strong><br />
vizinhança.<br />
Disse-nos mais : - que a mulher encarregada dos enfermos declarara<br />
pertencer a enfermaria ao sr. Dr. Bacelar.<br />
O cavalheiro, que ministrou-nos a informação sobre que baseamos nosso<br />
artigo, merece-nos toda consideração e não menos nos merece o sr. Dr.<br />
Moraes, <strong>à</strong> quem agradecemos as explicações, que se dignou dizer-nos, e<br />
cujas ponderações aceitamos, por nos parecerem procedentes. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />
NOTÍCIAS, 09 ago. 1884, p.2).<br />
Durante a epidemia de 1888/1889 os jornais também fizeram diversas<br />
referências aos mortos fora da enfermaria José Bonifácio bem como a existência de<br />
variolosos em casas particulares, continuando a efetuar as denúncias esperando<br />
pelas providências das autoridades. Na edição do dia 03 de julho de 1888 chamou a<br />
atenção para a epidemia de varíola que ameaçava a população de Belém,<br />
considerando o articulista o assunto como já “velho e batido”. Neste artigo são<br />
esboçadas críticas a administração da província que, apesar dos apelos da<br />
95
imprensa, parecia assistir a proliferação do flagelo pela cidade. Assim, pedia-se<br />
providências no sentido da remoção dos infectados, pois, “a bexiga faz cabeça no<br />
seio da população e a cidade está completamente minada do mal.” Quanto a<br />
presença de variolosos em casas particulares dizia, “sabemos que há casas no<br />
centro da cidade e nos arrabaldes, onde existem dois, quatro, seis e até oito doentes<br />
de varíola.” Era comum o diário discriminar nome e endereço dos infectados,<br />
solicitando a ação da polícia para a remoção dos enfermos, como noticiou o Diário<br />
de Notícias<br />
[...] uma mulher chamada Adriana, moradora a travessa do Bom Jardim, tem<br />
em sua casa dois doentes de varíola, de nomes Ervina e Maria Rosa; e<br />
sendo isso um perigo <strong>à</strong> vizinhança, pede-se <strong>à</strong> autoridade policial que as<br />
mande remover para o Hospital José Bonifácio. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 27<br />
jun.1888, p. 2):<br />
Na mesma matéria, afirmava-se que “na travessa da Queimada, canto da<br />
rua do Piry, na taberna de Antonio Barros, também existe um doente, cuja remoção<br />
se faz necessária” (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 27 jun.1888, p. 2). Eram também<br />
freqüentes os casos de variolosos encontrados pelas ruas e removidos a força <strong>à</strong><br />
enfermaria José Bonifácio ou encaminhados diretamente ao cemitério Santa Izabel.<br />
O Diário de Notícias (24 jun. 1888, p.2) anunciou que no dia 22, <strong>à</strong>s 5 horas da tarde,<br />
na rua do Imperador, o subdelegado da Trindade encontrou o italiano João Delfir,<br />
“deitado no lagedo com o corpo coberto por bexigas desenvolvidas, a essa hora o<br />
transportou para o hospital de José Bonifácio”. Em 29 de agosto do mesmo ano, o<br />
mesmo jornal fazia referência a uma mulher, de nome Maria que há dias andava<br />
pelas “bandas da estrada de São Brás”, atacada de varíola, batendo de porta em<br />
porta na esperança de encontrar auxílio.<br />
O Diário de Notícias também faz diversas referências <strong>à</strong> existência de<br />
enfermarias ou hospitais clandestinos destinados ao tratamento dos infectados:<br />
Hospital de variolosos<br />
96
Na Trav. Santo Antonio,N°2 existe um hospital de variolosos ainda não<br />
conhecido da junta de higiene ; è um acanhado quarto sem fundos onde<br />
mora uma preta velha que se entrega ao tratamento de variolosos .<br />
Um horror!<br />
Aqui e ali vêem-se bexigosos deitados pelo chão a gemerem , e ao canto da<br />
casa um enorme barril onde faz a velha o despejo dos materiais fecais .<br />
É um verdadeiro antro! (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 set .1888, p.2).<br />
Assim, os doentes e indigentes com varíola procuravam tratamento em<br />
um barracão ou hospital, em condições precárias e insalubres pela descrição do<br />
artigo. Esse tipo de lugar era execrado pelos médicos, já que destoava dos preceitos<br />
da moderna ciência médica de combate aos micróbios invisíveis, e a microbiologia<br />
condenava ambientes fechados, escassos de luz e com pouca circulação de ar. Não<br />
resta dúvida que o barracão era dirigido por uma curandeira retratada como “preta<br />
velha” e, por isso, fora propósito da propaganda discriminadora do Serviço Sanitário,<br />
bem assim como assumira significado distinto de um hospital moderno. Eis o<br />
barracão que, para as autoridades, não deixava de ser uma “grande pocilga fechada”<br />
e sob os cuidados da preta velha, que tomava para si a responsabilidade de cuidar<br />
dos pobres, o que diferia completamente da profilaxia médica a respeito da<br />
prevenção e cura, uma vez que a moderna ciência concebia a vacinação antivariólica<br />
como único remédio eficaz de inoculação contra o terrível mal.<br />
Contudo, as práticas higiênicas da curandeira por mais que<br />
desagradassem as autoridades, provavelmente faziam bastante sucesso com a<br />
“classe” pobre, pois por ser o lugar praticamente isolado e não arejado, o germe ali<br />
padeceria até a morte enquanto o moribundo acreditava que sairia curado do<br />
confinamento. Mas o que inquietava a medicina acadêmica, não era uma<br />
preocupação recente das concepções higiênicas, pois no século XIX a necessidade<br />
de um ambiente arejado passara a ser uma necessidade comumente aceita nos<br />
hospitais, daí a preocupação com a casa que, por ser isolada, impedia a circulação<br />
do ar, asfixiando os próprios doentes. Nesse sentido, procuravam as autoridades, a<br />
partir das recentes concepções da medicina social, imprimir-lhe rupturas através da<br />
reelaboração dos hospitais e de médicos reconhecidamente aptos na direção<br />
hospitalar.<br />
97
Em 06 de novembro o mesmo periódico chamava a atenção da junta de<br />
higiene para uma casa <strong>à</strong> Travessa 25 de março entre as ruas Domingos Marreiros e<br />
Boa Ventura da Silva, onde se achavam 9 pessoas atacadas de varíola, pedindo<br />
providências em nome da vizinhança.<br />
Mesmo na última epidemia do século XIX, que avança pelo século XX,<br />
encontramos diversas menções a mortes fora dos hospitais de isolamento, a<br />
denúncia da existência de infectados em casas particulares, a existência de hospitais<br />
clandestinos e, especialmente neste período, a aplicação de multas, diversas vezes,<br />
aqueles que não cumpriam a exigência de informar a existência de doentes de<br />
varíola. O jornal A Folha do Norte (06 jun. 1899, p.1) informava que o vapor S.<br />
Salvador, proveniente do sul do país, trouxe um passageiro acometido de varíola e<br />
também que “da casa 13 da rua Santarém para onde foi ele residir, o Dr. Sílvio<br />
Mendes, delegado sanitário do 1º distrito, foi removê-lo para o hospital de<br />
isolamento...”, no dia 15 do mesmo mês noticiava-se a remoção para o hospital de<br />
isolamento de doentes que habitavam a rua Lauro Sodré, Serzedelo Corrêa,<br />
Domingos Marreiro e também do hospital militar. Neste período percebe-se também<br />
uma fiscalização maior sobre a área portuária, providenciando-se a remoção dos<br />
doentes encontrados nas embarcações, como noticiou A Folha do Norte:<br />
Varíola<br />
Foram removidos ante ontem para o hospital de isolamento de Bordo do<br />
Paquete Rio Muaco,o foguista Manuel Alexandre Dias de 35 anos de idade<br />
,natural do Ceará, filho de Francisco José Cavalcante, morador da vila da<br />
Tita.Do hospital da Santa Casa Irineu da Silva Castro de 20 anos de idade ,<br />
natural do Maranhão, marinheiro do mesmo vapor. (A FOLHA DO NORTE,<br />
20 jun.1899, p. 01)<br />
Durante todo o século XIX foram constantes as reclamações sobre o<br />
serviço de saúde do porto, considerado bastante deficiente e, por isso, responsável<br />
pelas epidemias que grassavam na cidade, em função de não executar a fiscalização<br />
adequada das embarcações e, se necessário, o isolamento das mesmas. Nesta<br />
epidemia, a Inspetoria do Serviço Sanitário, que substituiu Junta de Higiene, reeditou<br />
98
norma do extinto órgão acerca do isolamento dos variolosos e informando a<br />
existência de edital através do A Folha do Norte, com a seguinte redação:<br />
Varíola<br />
Conforme o edital da inspetoria de serviço sanitário que vai hoje inserto na<br />
secção respectiva as pessoas em cujo os domicílios se derem casos de<br />
varíola e outras moléstias contagiosas deverão imediatamente participar de<br />
fato <strong>à</strong>quela repartição, afim de serem adoptadas as necessária providencias.<br />
(A FOLHA DO NORTE, 25 jun. 1899,p. 01)<br />
Além de relembrar a necessidade de informar, <strong>à</strong>s autoridades, a presença<br />
de variolosos, o edital determinava os valores das multas que deveriam ser aplicadas<br />
aos infratores e, o próprio A Folha do Norte fazia questão de publicar, inclusive, o<br />
valor da multa, onde lia-se na gazeta que:<br />
O Dr. Inspetor do serviço sanitário multou ontem em 100 mil réis, a José<br />
Bahia , morador <strong>à</strong> estrada de São Jeronymo próximo a travessa 14 de<br />
março ; por ter ocultado em sua casa um caso manifesto de varíola ,<br />
infringindo assim o determinado no artigo 121 do regulamento. (Jornal A<br />
FOLHA DO NORTE, 08 jul.1899, p. 01.)<br />
No dia 4 de agosto do mesmo ano dizia que, no dia anterior, a inspetoria<br />
do serviço sanitário havia remetido a recebedoria de vendas o talão de multa (108)<br />
imposta a Alfredo Ruiz Mourailles, autuado por infração do artigo 121 do<br />
regulamento sanitário (ocultar da autoridade qualquer caso de varíola). Em 15 de<br />
agosto outra multa, desta vez na casa n°150 da rua da indústria, onde faleceu de<br />
varíola a menor Liralla Soeiro de 4 anos de idade, maranhense, filha de Joana<br />
Soeiro . O Inspetor do serviço sanitário impôs a esta a multa de 100$000, por ter<br />
ocultado este caso de varíola. Desde 1892, quando era Inspetor da Higiene Pública,<br />
o Dr. Cipriano Santos já conhecia o poder e o potencial das multas, pois, carecendo<br />
o seu órgão de mais verbas, seja para ampliar o quadro de funcionários, para<br />
melhorar os salários, instalar adequadamente o laboratório de análises, e construir<br />
um prédio próprio para aquela repartição, o referido Inspetor alerta que “daqui há<br />
poucos anos, não seria preciso mais do que a aplicação do produto das multas e das<br />
99
análise do laboratório de higiene”. Portanto, além do caráter autoritário, as visitas<br />
sanitárias também se constituíam em grande negócio para os cofres públicos.<br />
100<br />
A prática de ocultar os doentes de varíola, não permitindo a sua remoção<br />
para os locais destinados ao tratamento dos mesmos, revela o grau de intolerância<br />
de parte da população de Belém com a política de isolamento dos variolosos.<br />
Acontece que essa intolerância se estendeu do século XIX ao início do século<br />
seguinte, então, pensamos que deveria haver no comportamento dos populares<br />
muito mais que, simplesmente, “ignorância” ou “desleixo higiênico”. Para<br />
desvendarmos as razões deste comportamento, achamos necessário reconstituir<br />
parte da experiência que a população de Belém desenvolveu com o sistema de<br />
isolamento dos doentes de varíola, desde as suas origens até o início do século XX.<br />
Num primeiro momento recolhiam-se os infectados, principalmente os<br />
pobres, a uma enfermaria que funcionava dentro do hospital do Senhor Bom Jesus,<br />
o que demonstra a falta de preocupação com o isolamento dos bexigosos. Mas,<br />
tanto o crescimento do número de variolosos, como o medo da transmissibilidade ou<br />
da aproximação dos doentes, provocaram pressões no sentido de que fosse criada<br />
uma enfermaria ou hospital exclusivamente voltado para o tratamento dos variolosos.<br />
Porém, a primeira experiência com o isolamento dos infectados por varíola foi a mais<br />
cruel e aterrorizante possível. O fato lamentável deu-se em 1862 quando se decidiu<br />
pela transferência da enfermaria de variolosos para um compartimento dentro do<br />
hospício do Tucunduba. Essa medida, por mais absurda que pareça, foi levada a<br />
cabo em função da urgência em transferir os doentes do hospital do Senhor Bom<br />
Jesus de qualquer forma, e as autoridades justificavam-se com o argumento que não<br />
havia verba suficiente para tal obra. É obvio que este episódio ficou vivo na memória<br />
popular durante muito tempo em função do terror que representou tanto para os que<br />
já estavam no Tucunduba, quanto para os variolosos que para lá foram deslocados.<br />
Acreditava-se na época que o lázaro infectado pela varíola e dela salvo, ficava<br />
também curado de sua horrível enfermidade, o que ficou desmentido pela triste<br />
realidade. Não seria preciso dizer que a varíola se propagou no asilo, deixando um<br />
rastro de desgraça que durante muito tempo seria lembrada. O Diário de Notícias fez<br />
referência a questão, com a seguinte reportagem:
Questão de varíola no tucunduba<br />
101<br />
O revd. Sr. Cônego Carlos Seidl colecionou em um folheto todos os artigos<br />
da imprensa sobre essa questão , respeitada por este diário valioso,<br />
testemunho do mesmo cônego que depois tão galhardamente a defendeu e<br />
sustentou.<br />
As pessoas sensatas e imparciais que julguem por esses documentos.<br />
Agradecemos. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 28 ago.1888, p.02).<br />
Experiências desse tipo influenciaram negativamente a população de<br />
Belém no sentido da intolerância em relação ao isolamento. Além desse episódio,<br />
outros concorreram para a rejeição do isolamento, como, por exemplo, a condição<br />
das enfermarias ou hospitais para onde eram encaminhados os variolosos. Segundo<br />
Vianna (1992) o contágio de 1865 levou o governo a autorizar a Misericórdia a<br />
construir no Tocunduba, nas proximidades do asilo dos lázaros, uma casa que<br />
serviria de isolamento para os doentes de varíola. “Aí curaram-se setenta e dois<br />
doentes apenas, pois generalizando-se a epidemia com grande força em toda a<br />
cidade, julgou-se desnecessário isolar os atacados.”(Vianna, 1992: 306). O mesmo<br />
autor qualifica como péssimas as condições da referida casa que, em 1873, passou<br />
a abrigar o asilo dos alienados. Assim, a enfermaria de variolosos voltou a funcionar<br />
dentro do hospital da caridade. No ano seguinte, com o recrudescimento da<br />
epidemia e o conseqüente crescimento do número de variolosos, constituiu-se uma<br />
enfermaria em casa particular, cedida pela proprietária, na rua do Norte, tendo<br />
recebido cento e sessenta e dois enfermos, atenuando, desta forma, os efeitos da<br />
epidemia. Em 1878, uma nova epidemia de varíola, trouxe mais uma vez a baila a<br />
questão do Tocunduba, pois com o hospital de caridade sem possibilidade de<br />
atender tantos enfermos e muito menos constituir enfermaria em casa particular,<br />
ordenou-se ao provedor daquele estabelecimento que instalasse uma enfermaria no<br />
Tocunduba, em compartimento do prédio ocupado, então, pelo hospício dos<br />
alienados. Segundo Vianna (1992: 307):<br />
Bem cedo, lázaros e alienados eram investidos pelo mal epidêmico e podese<br />
avaliar o horror de semelhante sofrimento naqueles infelizes que subiam
102<br />
a encosta escarpada de um doloroso calvário. A epidemia alstrava-se,<br />
vitoriosa e ameaçadora, zombando dos meios profiláticos improfícuos por<br />
defeituosos, com que tentavam detê-la: não tardou que Tocunduba se<br />
atulhasse de enfermos, em toda a hediondez de suas péssimas<br />
condições[...].<br />
Em dezembro de 1878, com cerca de vinte doentes, começou a funcionar<br />
a enfermaria José Bonifácio, mas, em função dos gastos, mandou o governo fechar<br />
a dita enfermaria e restabelecer a do Tocunduba, em maio de 1879. Em março de<br />
1880 foi considerada extinta a enfermaria do Tocunduba. As epidemias que<br />
ocorreram nesta década fizeram o governo restabelecer a enfermaria José Bonifácio,<br />
que aparece diariamente nas páginas dos jornais, e que teve sua direção devolvida a<br />
Santa Casa, mas, a diária de 35$000 réis pelo tratamento de dez enfermos e mais<br />
3$000 réis de cada um que extrapolasse esse total, fez o governo imperial assumir o<br />
controle da enfermaria, em 1887. Nos jornais aparecem referências a enfermaria<br />
José Bonifácio até fevereiro de 1899, mas, através da lei nº 203, de 26 de julho de<br />
1894, o governo republicano autorizou a construção de um hospital de isolamento 36<br />
para acometidos de doenças infecto-contagiosas, destinando até cem contos de réis<br />
para a construção. É preciso lembrar que tal medida visava segregar rigorosamente<br />
o indivíduo infectado de acordo com os preceitos da moderna ciência da higiene e<br />
comemorado como grande obra, na área da saúde, encaminhada pelo governo<br />
republicano, pois, segundo Vianna (1975: 62):<br />
36 As reivindicações no sentido da construção de hospitais de isolamento são bem antigas em Belém.<br />
O Dr. Cipriano Santos, quando Inspetor da Higiene do Estado, apresentou ao governador Lauro<br />
Sodré, em 30 de junho de 1892, um relatório informando as condições sanitárias do estado do Pará.<br />
Neste, o Inspetor da Higiene, organizou consistente defesa da política de isolamento apontando<br />
para a necessidade de construção de dois hospitais com esta finalidade, um para os afetados de<br />
varíola e o outro para os afetados pela febre amarela. O Inspetor alerta para o fato de que a<br />
preocupação com os hospitais não deve ser levantada apenas por ocasião da manifestação da<br />
moléstia, pois implicaria em maiores e “improfícuos dispêndios”. Assim, como a presença da varíola<br />
já era sentida naquele contexto, pois vinha se manifestando, entre março e abril, na Dr. Assis, na<br />
rua dos Tamoio, 14 de Abril e 3 de Maio; era preciso acelerar o processo de construção dos<br />
hospitais. Tendo-se obtido o terreno para a construção do hospital de variolosos pelo governo<br />
federal e elaborada a planta e o orçamento da obra pelo Dr. Manoel Odorico Nina Ribeiro, não<br />
deveria ser por mais tempo adiada essa questão, reclama o Dr. Cipriano Santos. Em sua<br />
argumentação o Inspetor condena os que se opõem <strong>à</strong> política de isolamento, utilizando o discurso<br />
da defesa da liberdade individual e da inviolabilidade do domicílio, afirmando que mais legítimo é o<br />
direito de defesa de que lança mão o governo para “salvaguardar a saúde do povo”, afastando do<br />
centro “populoso um indivíduo que é o agente de uma moléstia epidêmica”. No seu entender o<br />
isolamento deveria ser administrado a todos os doentes de moléstias infecto-contagiosas, “salvo os<br />
que por seus meios de fortuna possam cercar-se de cuidados higiênicos de modo a não<br />
prejudicarem os outros”.
103<br />
“[...] é preciso dizer, já que ocorre esse ensejo, que o isolamento obrigatório,<br />
extensivo a todos, sem distinção de hierarquia social, rigoroso e<br />
intransigente como o define a ciência, só recentemente tem sido feito aqui,<br />
com esplêndidos resultados”.<br />
É claro que o isolamento não era extensivo a todos, como afirma Vianna,<br />
mas atingia exclusivamente os setores sociais mais pobres, aquela camada da<br />
sociedade que era a mais afetada pela varíola e não possuía meios próprios para um<br />
tratamento “adequado”.<br />
Todavia, apesar do enaltecimento feito por Vianna (1975) do hospital de<br />
isolamento, ainda identificamos, como já mencionado, diversas demonstrações de<br />
intolerância <strong>à</strong> política de isolamento dos variolosos, mesmo no período republicano.<br />
Esta deve ser relacionada <strong>à</strong> memória do Tucunduba, ao fato de que o isolamento<br />
não era válido para todos, como se percebe na fala acima, mas também as<br />
condições dos estabelecimentos que recebiam os enfermos, especialmente a<br />
enfermaria José Bonifácio e o hospital de isolamento. Havia diversos motivos para<br />
não aceitarem as remoções e o conseqüente isolamento, mas, mesmo quando o<br />
enfermo não oferecia qualquer resistência a tal prática, falhava o “sistema” por não<br />
conseguir abrigar tantos doentes ou não ter capacidade para realizar todas as<br />
remoções. O Diário de Notícias fez referência as dificuldades encontradas pelo<br />
serviço de remoção dos variolosos, como se pode ler a seguir:<br />
Pela Santa Casa<br />
Ontem hás 2hs da tarde achava-se sentado no corredor da Santa Casa o<br />
indigente Manuel Narciso de Brito acometido de varíola e já com ela toda<br />
visível esperando pelo carro para o conduzir ao hospital de José Bonifácio.<br />
Desde a manhã que o pobre homem lá esperava as ordenspara vir o carro<br />
entretanto elas não foram dadas ,hora disque o telefone não funcionava ou<br />
estava interrompido.<br />
Já é muita misericórdia. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 02 set.1888, p. 02).
104<br />
Em novembro daquele ano de 1888, o mesmo Diário de Notícias,<br />
comentava as condições da enfermaria José Bonifácio que ainda se constituía no<br />
principal hospital para tratamento de variolosos na cidade de Belém:<br />
È escandaloso<br />
As 9 hs da manhã de ontem foi mandado para o hospital de José Bonifácio o<br />
indigente varioloso Joaquim de tal, morador da rua Ajube n°20 .<br />
A varíola já estava adiantada e a febre que o consumia era horrivelmente<br />
forte.<br />
Entretanto ao chegar ao hospital Joaquim é pelo carroceiro apresentado ao<br />
administrador e este recusa-se a recebe-lo , conservando-o talvez uma hora<br />
na porta a receber o calor intenso do sol.<br />
O carroceiro pede explicação a respeito, e o tal Eusébio com ares de quem<br />
conhece a medicina grita:<br />
__ Quem manda aqui sou eu e não recebo doentes destes que se chamam<br />
morphéticos.<br />
E assim entreteve algumas horas suas observações inaproveitáveis, porém<br />
com uma voz de Hercules expandindo seu grande talento sobre as<br />
conseqüências que sobrevinham aos demais seus administradores.<br />
O carroceiro cansou de espera-lo e finalmente recolheu o doente no carro e<br />
voltou <strong>à</strong> casa d’onde tinha levado.<br />
Este é um caso bastante grave, o qual chama a atenção da Santa Casa.<br />
(DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 21 nov. 1888, p 2).<br />
O governo republicano, com o intuito de melhorar as condições de<br />
atendimento <strong>à</strong> população do estado, na área da saúde, desmembrou, através do<br />
Decreto nº 391 de 19 de agosto de 1891, a Repartição de Saúde do Estado da<br />
Inspetoria Geral de Higiene, de acordo com o Relatório de Governo de Cypriano<br />
Santos (1892) 37 . Com poderes para a execução de todos os serviços relativos <strong>à</strong><br />
saúde pública, a Inspetoria de Higiene, ficou assim composta: um inspetor, um<br />
ajudante, dois médicos vacinadores, um médico demografista e diretor do laboratório<br />
de análises, um químico, um secretário, um amanuense, um desinfetador, um<br />
porteiro e dois serventes. Para o interior do estado continuou a prevalecer a<br />
autoridade dos Delegados de Higiene. É importante perceber quão limitada era a<br />
referida repartição, com funções tão árduas a serem desenvolvidas. Porém, já havia<br />
sido pior, pois poucos meses antes de ser descentralizada, a Inspetoria de Higiene<br />
37 Decreto consta no Relatório de hygiene do Estado apresentado ao Governador do Estado Sr. Dr.<br />
Lauro Sodré , em 30 de Junho de 1892, por Cypriano Santos, inspector da hygiene do Estado<br />
Belém: Diário Oficial, 1892. O relatório explicitava as condições da política de saúde do estado do<br />
Pará.
deste estado esteve reduzida a apenas três empregados: um inspetor, um ajudante<br />
e um secretário 38 . Uma das atribuições do novo órgão era realizar as visitas<br />
sanitárias <strong>à</strong>s habitações coletivas e particulares. Nesse primeiro período da<br />
Inspetoria de Higiene foram visitados 407 prédios, sendo recomendados<br />
melhoramentos em boa parte deles. Doze cortiços em péssimas condições e quatro<br />
casas que estavam em ruínas foram desativados. Não é preciso grande esforço para<br />
concluir que tais habitações abrigavam as camadas mais humildes da sociedade e<br />
também que tais visitas eram marcadas pela conduta autoritária, por isso os<br />
funcionários da Inspetoria de Higiene eram sempre acompanhados pelas<br />
autoridades policiais.<br />
O próprio hospital de isolamento que, como já foi dito, era anunciado pelas<br />
autoridades republicanas e, pela própria imprensa, como grande iniciativa no sentido<br />
de evitar a propagação da varíola, também foi alvo de inúmeras queixas da<br />
população. A Folha do Norte que, em tom enaltecedor, publicava quase diariamente<br />
as visitas que o inspetor do serviço sanitário Cipriano Santos realizava ao referido<br />
hospital, deixou escapar algumas vezes as reclamações dos populares relativas ao<br />
atendimento prestado por aquele estabelecimento de saúde, como pode ser<br />
constatado pela matéria reproduzida abaixo, publicada pela A Folha do Norte:<br />
Serviço sanitário<br />
105<br />
Ontem pela manhã o Sr. Dr. Cipriano Santos ,inspetor do serviço sanitário<br />
visitou o hospital de isolamento <strong>à</strong> travessa Barão de Mamoré e a casa a<br />
travessa Caldeira Castello Branco, destinadas a observação de casos<br />
suspeitos de varíola.<br />
38 O Dr. Cipriano Santos comenta, neste relatório, as dificuldades enfrentadas pelo órgão antes da<br />
descentralização que, com exíguo pessoal, sem elementos para uma simples análise, não possuía<br />
condições adequadas para opor barreiras <strong>à</strong>s moléstias epidêmicas, de evitar a alteração e<br />
deterioração dos gêneros alimentícios e, ainda de acordo com o Inspetor da Higiene, lidar com a<br />
inconsciência da “maior parte da população” que concorre para aumentar as causas locais da<br />
insalubridade. Em seu relatório, Cipriano Santos não cansa de enaltecer o regime republicano,<br />
pelas medidas consideradas acertadas no campo da saúde pública, especialmente na aplicação<br />
das medidas aconselhadas pela higiene, que “espíritos refratários tratam com menosprezo”, mas<br />
constitui sempre assunto da mais alta importância, “porque tem por fim prolongar o período de<br />
tempo da vida humana, destruindo ou atenuando as causas da morte, que “retarda<br />
extraordinariamente seu progresso”. Assim, a ideologia do progresso empunhada por uma corrente<br />
republicana, a qual Cipriano Santos defendia, estava bem casada com a ideologia da higiene, pois<br />
se o progresso dos povos dependia da boa condição de saúde de seu povo, então era preciso pro<br />
pagar os preceitos da ciência da higiene; haja vista que “o resultado dos estudos de Pasteur [...] tem<br />
valido <strong>à</strong> França a economia de milhões de francos”.
106<br />
Foi minuciosa a demorada visita que aquelas casas faz o ilustre funcionário<br />
que tudo examinou com interesse informando-se detidamente do estado dos<br />
doentes e do adiantamento das obras ali em execução.<br />
O Sr. Dr. Cipriano Santos atendeu a varias reclamações que lhe foram<br />
feitas,adaptou algumas medidas que reptou de imediata necessidade.<br />
Nestas visitas foi a S. Sª. Acompanhada pelo Sr. Severino do<br />
Monte,desinfetador da repartição do serviço sanitário.<br />
Foi boa a impressão recebida pelo Sr. Dr. Cipriano Santos. (A FOLHA DO<br />
NORTE, 27 nov . 1899,p. 01).<br />
A política de isolamento dos variolosos alcançou seu apogeu na última<br />
epidemia pesquisada, que se estende pelos primeiros anos do século XX. Durante<br />
esta epidemia foram criados os “cordões sanitários”, que consistiam no isolamento<br />
de toda área afetada pela varíola. Assim, não só o doente, mas também a sua casa,<br />
a sua rua, o seu bairro eram isolados e se impedia a comunicação, o trânsito das<br />
pessoas por estas localidades. Esta prática envolvia basicamente os municípios do<br />
interior do estado, principalmente aqueles que estavam situados próximos a capital,<br />
buscando-se agora o isolamento do infectado em seu próprio local de moradia,<br />
procurando-se evitar que a epidemia chegasse a Belém. Então nos perguntamos<br />
que mudanças o “cordão sanitário” não impôs ao dia a dia das pessoas? É claro que<br />
afetou diretamente o cotidiano de toda a população da cidade, pois inviabilizava<br />
deslocamentos muitas vezes necessários para a própria sobrevivência das pessoas,<br />
em geral das pessoas comuns, gente simples, pobres que dependiam desse<br />
deslocamento por uma série de razões ligadas a sua sobrevivência, como, por<br />
exemplo, para realizarem suas atividades de trabalho. A Folha do Norte divulgou a<br />
presença da varíola em localidades próximas a capital e das providências tomadas<br />
pelo serviço sanitário, entre as quais, a manutenção do “cordão sanitário”, como se<br />
pode ler a seguir:<br />
Varíola<br />
O Dr. Pedro Juvenal Cordeiro ,em 23 do corrente oficiou ao inspetor interno<br />
do serviço sanitário comunicando que até aquela data a varíola se havia<br />
manifestado em 42 pessoas ,sendo:no rio Acary 3 pessoas; no ramal de<br />
Bonifácio 21 pessoas ;em Benevides 17 pessoas e em Paricatuba 1 pessoa.<br />
__ Desses, acham-se restabelecidas 26 pessoas;4 convalescem; 9 estão<br />
em tratamento e 3 faleceram.
__Acham-se em observação 12 pessoas<br />
__Foram vacinadas 62 pessoas de ambos os sexos.<br />
107<br />
__Continuam a serem feitas as visitas domiciliares e as desinfecções<br />
respectivas e mantido o cordão sanitário.<br />
__Os enfermos que estão totalmente isolados acham-se em estado<br />
satisfatório.<br />
Os 3 casos de falecimento foram no ramal de José Bonifácio realizando a<br />
exumação<br />
No cemitério do 1? Cal , com todos os cuidados recomendados pela<br />
higiene.<br />
Será restabelecido no dia 30 do corrente tráfego do ramal de Benfica que<br />
haviam sido suspensas por motivo de varíola. (A FOLHA DO NORTE, 25<br />
abr.1889, p. 01).<br />
Assim, percebemos que a experiência desenvolvida pela população de<br />
Belém com as profilaxias oficiais voltadas para a varíola foi extremamente negativa,<br />
traumática, aterrorizante mesmo, como no caso do isolamento no Tucunduba. Essa<br />
política, além de estar revestida de um caráter autoritário, pois as remoções eram<br />
obrigatórias e “caso de polícia”, também estavam cercadas de constrangimento,<br />
desconforto, sofrimento, haja vista as desinfecções, a precariedade das instalações<br />
para onde os enfermos eram enviados e o grande número de mortes ocorridas nas<br />
enfermarias ou hospitais criados pelo poder público, criando a sensação de que<br />
quem para lá era destinado não voltaria. É importante ainda dizer que a relação de<br />
mortos era publicada diariamente pelos jornais, como citamos no capítulo anterior, e,<br />
portanto, bastante conhecidas da população. Também merece destaque o fato de<br />
que essa política atuava sobre os mais pobres, as classes consideradas perigosas,<br />
pois como já citamos, de acordo com Vianna (1975), com os jornais e relatórios de<br />
governo, eram os indivíduos das camadas inferiores da sociedade, em sua maioria<br />
classificados como “indigentes variolosos” que sofriam as conseqüências dos acertos<br />
e, principalmente, desacertos das políticas públicas de saúde em Belém, como<br />
veremos a seguir, no que se refere a vacina.<br />
1.2. Vacina: preservativo ou veneno?
O invento de Jenner correu o mundo, tendo chegado a Belém no início do<br />
século XIX, embora Vianna (1975) considere que as primeiras experiências com o<br />
método jenneriano tenham ocorrido ainda no século XVIII. Para Vianna (1975)<br />
quanto ao processo de inoculação, “em novembro do mesmo ano de 1797,<br />
achavam-se os peritos habilitados a fazê-la em quem dela se quisesse utilizar”. A<br />
afirmação de Vianna fundamenta-se em um Bando, decretado pelo governador<br />
Francisco de Souza Coutinho o qual denunciava a presença da varíola em Belém, já<br />
de longa data, e anunciava a “inoculação ou enxertia das bexigas, único meio até<br />
agora conhecido e há muito tempo adotado entre as nações mais civilizadas para as<br />
prescrever do sobredito flagelo” 39 . Ao que tudo indica parece que Vianna confundiu,<br />
como foi comum em todo o Brasil, a variolização 40 com a vacina, pois, na própria<br />
Inglaterra, como já foi dito, as primeiras experiências com a vacina foram realizadas<br />
em 1799, sendo que a publicação dos resultados das pesquisas de Jenner<br />
ocorreram apenas em 1798. No Rio de Janeiro, por exemplo, as primeiras<br />
experiências com o método jenneriano ocorreram em 1801 segundo Carvalho<br />
(1987), ou 1804 de acordo com Chalhoub (1996). Mas, há outros indícios que nos<br />
levam a pensar em variolização e não em vacina, como, por exemplo, o fato de que<br />
o governador Francisco de Souza Coutinho se refira a “enxertia das bexigas” como<br />
um método “há muito tempo adotado entre as nações mais civilizadas”. Só para<br />
recordar, as experiências de Jenner ocorreram em 1796 e as suas memórias só<br />
foram publicadas em 1798, portanto, o referido governador não poderia estar falando<br />
da vacina e sim da variolização, prática já bastante conhecida e utilizada, inclusive,<br />
na Europa.<br />
39 O Bando foi publicado em 16 de julho de 1798 e dava ao governador autorização para fazer todas<br />
as despesas necessárias com a inoculação.<br />
40 Parece que os chineses foram os primeiros a obter algum controle sobre a varíola. Sabiam, por<br />
meio da observação, que aqueles que sobreviviam <strong>à</strong> varíola jamais voltavam a contrair a doença.<br />
Ainda no primeiro século da era cristã, médicos chineses insistiam na idéia de dar aos pacientes<br />
casos controlados da doença, fazendo-os aspirar um pó das cascas das pústulas secas dos<br />
doentes de varíola. De forma semelhante, no continente africano, na Índia e na Ásia Menor, o<br />
material das úlceras da varíola era introduzido em arranhões ou cortes na pele. Cerca de oito ou<br />
nove dias depois, a maioria dos que tinham sido inoculados aparecia com casos brandos de varíola<br />
e se recuperavam. Porém, o procedimento estava longe de ser garantido, muitas pessoas<br />
inoculadas poderiam contrair casos graves da varíola e, além disso, as pessoas inoculadas<br />
tornavam-se contagiosas e não era raro que desencadeassem um novo surto. Para mais<br />
informações sobre o assunto ver: ADLER, Robert. Médicos Revolucionários: de Hipócrates ao<br />
genoma humano. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.<br />
108
O primeiro registro efetivo da utilização da vacina em Belém ocorreu em<br />
1819 41 , quando a cidade, mais uma vez, era ameaçada pela presença da varíola.<br />
Então, o Conde de Villa Flor, governador da capitania do Grão-Pará, em 16 de<br />
setembro do ano em curso, baixou um Bando, que foi lido em voz alta por todos os<br />
cantos da cidade, ao som dos tambores, decretando que, depois de todas as<br />
diligências que lhe foram possíveis para introduzir aqui a vacina, pode finalmente<br />
conseguir “que um tão grande bem felizmente propagasse nesta cidade, tendo-se já<br />
vacinado mais de duzentas pessoas”. O Conde anunciava que podia assegurar aos<br />
habitantes desta capitania que a vacina jamais deixaria de existir, uma vez que todos<br />
procurem vacinar-se, e a mandar seus filhos, escravos e mais pessoas de sua<br />
família que ainda não tenham sido infectados pela varíola. O governador<br />
considerava a introdução da vacina medida decisiva para a erradicação da varíola e<br />
por isso destinava local e dias da semana, exclusivamente dedicados a aplicação<br />
mesma, sob a direção do físico-mor Antônio Corrêa Lacerda e dos cirurgiões que ele<br />
julgar necessários. Comunicava, ainda, que esperava não ser necessário empregar<br />
algum tipo de coação para que a vacina fosse aplicada. Apesar dos cuidados do<br />
Conde de Villa Flor em tentar difundir a vacina no Grão-Pará, o que se pode verificar<br />
é seu uso limitado, havendo tentativas mais enérgicas de propagação apenas nos<br />
períodos marcados por epidemias de varíola 42 .<br />
Em 15 de agosto de 1839, o presidente da província Bernardo de Souza<br />
Franco, em seu discurso de abertura da Assembléia Legislativa Provincial, anunciava<br />
mais uma vez a presença da varíola na capital e lamentava o uso limitadíssimo que<br />
41 Segundo Spix e Martius, o governo português já havia introduzido a vacina jenneriana em Belém do<br />
Pará antes da epidemia de 1819, mas nunca havia levado esse procedimento de vacinação<br />
realmente a sério na região, mesmo sabendo de sua eficiência, tendo comentado: "Pelo governo<br />
nunca foi seriamente imposta a vacinação, e passaram-se vários anos sem que se recebesse a linfa<br />
de Portugal ou da Inglaterra" (Spix e Martius, 1981, p. 39)As dificuldades enfrentadas no Pará,<br />
contudo, não chegaram a alcançar a corte no Rio de Janeiro, que já havia criado, desde 1811, a<br />
Junta Vacínica da Corte. Instituída por d. João VI, a Junta tinha por objetivo a difusão plena da<br />
vacina antivariólica na capital e nas províncias da corte. Como enfatizado, porém, por Fernandes<br />
(1999), a atuação da Junta foi extremamente inexpressiva diante dos problemas decorrentes da<br />
doença, tanto na capital como nas demais províncias.<br />
42 Após esta epidemia de 1819, a varíola continuou a fazer vítimas. A deficiente política de saúde<br />
pública prevalecente nessa época, em que não eram seguidas as práticas de isolamento dos<br />
doentes atacados pela doença e nem a desinfecção dos domicílios, contribuiu para a propagação<br />
da doença. A única providência adotada pelo governo era a fumigação com gás oximuriático pela<br />
cidade e arredores, cujos resultados eram nulos. Para maiores esclarecimentos ver: Vianna (1992,<br />
p. 177).<br />
109
até então se fazia da vacina, ou porque não produzia o efeito necessário, pois a que<br />
chegava na província era antiga e ineficaz; ou porque ainda prevaleciam certos<br />
preconceitos contra a vacina, que, segundo o presidente da província, remontavam a<br />
outros tempos. Assim, recomendava o presidente Bernardo de Souza Franco, de<br />
acordo com Discurso de Governo (1839) 43 :<br />
110<br />
Se porém é necessário combater estes prejuízos contra a vacina, mais<br />
preciso ainda é proporcionar os meios de a generalizar, de a fazer aplicar<br />
em todos os lugares da Província, e para este fim convém muito instituir na<br />
capital um Diretório Vacínico, cujos membros incumbidos de vacinar na<br />
cidade em dias e lugares determinados, e até pelas casas conservem o pus,<br />
e estabeleçam com a aprovação do governo delegados nas principais vilas<br />
do interior para nelas o fazerem aplicar. Os membros do Diretório devem ter<br />
retribuição do seu trabalho, e ser igualmente pagos os delegados na razão<br />
da importância do distrito e do número de vacinados que fizerem,<br />
verificarem, e mostrarem de seus ausentes e atestação das Câmaras<br />
Municipais. (Discurso do presidente Bernardo de Souza Franco. 1839, p.13).<br />
Pela declaração acima é possível deduzir que a iniciativa do Conde de<br />
Villa Flor não teve efeito duradouro, sendo necessário, vinte anos depois, retomar a<br />
defesa da vacina e encaminhar a proposta de criação de um órgão capaz de<br />
produzir vacina, anseio de diversos governos, inclusive durante a república. Em<br />
1840, conforme Vianna (1975), o presidente da província João Antônio de Miranda,<br />
tornou a vacina obrigatória. De fato, o referido presidente baixou uma circular 44<br />
pedindo que se estabelecesse a vacina com toda regularidade possível, em ordem<br />
em que as intenções do governo se satisfaçam plenamente e, neste sentido, deveria<br />
o governo empenhar quantos recursos fossem necessários para uma obra que,<br />
segundo o presidente, tanto bem faria a humanidade. A referida circular foi publicada<br />
em 27 de junho de 1840, contendo as instruções seguintes:<br />
43 Discurso de abertura da Assembléia Legislativa Provincial, feito pelo Presidente da Província, em<br />
15 de agosto de 1839. Typ. Santos e Menor, 1839, p. 13.<br />
44 Esta circular faz parte do Discurso recitado pelo Dr. João Antonio de Miranda, Presidente da<br />
Província do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 15 de agosto de 1840.<br />
Pará: Typ. de Santos & menor, 1840., que pode ser consultado em:<br />
http://www.crl.edu/content/brazil/para.htm.
111<br />
Art. 1° - A vacina terá lugar na casa da Câmara nos dias e horas, que a<br />
mesma designar.<br />
Art. 2° - Os vacinados apresentar-se-ão no oitavo dia, afim de se verificar o<br />
merecimento da vacina, e extrair-se o pus, para ter a devida aplicação,<br />
sendo competentemente recolhido e conservado.<br />
Art. 3° - As Câmaras ou os Facultativos vacinados poderão fornecer<br />
algumas lâminas aos Facultativos ou entendedores do município, para estes<br />
vacinarem os indivíduos, que por algum motivo atendível não puderam ir ao<br />
lugar designado. Isto mesmo poderão fazer os vacinadores, incluindo os<br />
indivíduos assim vacinados nas relações competentes.<br />
Art. 4° - Os vacinadores tomarão nota do nome, filiação, sexo, idade,<br />
morada e condição das pessoas que se apresentarem para ser vacinadas e<br />
igualmente daquelas que faltarem ao oitavo dia.<br />
Art. 5° - Os cirurgiões vacinadores remeterão mensalmente as Câmaras<br />
Municipais um mapa das pessoas vacinadas durante o mês e das que não<br />
compareceram com as declarações do artigo antecedente.<br />
Art. 6° - Iguais relações devem ser remetidas pelos encarregados parciais<br />
aos cirurgiões vacinadores, afim de que tenham o mesmo destino.<br />
Art. 7° - As Câmaras organizarão quanto antes uma vez que não tenham)<br />
uma Postura, na qual estabelecerão multas ou penas aos que tendo a seu<br />
cargo alguma criança ou pessoa não inoculada, a não mandarem a casa da<br />
Câmara para ser vacinada; aos que sendo inoculados, não compareçam no<br />
oitavo dia para verificação da vacina e extração do pus; aos encarregados<br />
que lhes não remeterem as relações competentes; aos que incumbidos da<br />
vacina na forma do art. 3° não remeterem aos cirurgiões vacinadores as<br />
relações do art. Sexto, etc., etc. Palácio do Governo do Pará, em 27 de<br />
junho de 1840. (Discurso do Presidente João Antonio de Miranda. 1840, p.<br />
125-126).<br />
Pelo texto da circular percebe-se desde 1840 a intenção das autoridades<br />
da província em instituir a obrigatoriedade da vacina, determinando hora e local onde<br />
a mesma seria aplicada. Também fica evidente já neste momento a necessidade da<br />
transmissão braço-a-braço da vacina, prática extremamente dolorosa que se<br />
constituía num dos motivos para a intolerância popular em relação <strong>à</strong> vacina. Outro<br />
aspecto importante a ressaltar é a distribuição de lâminas aos “entendedores do<br />
município” para a vacinação da população, implicando na atribuição da função de<br />
vacinar a pessoas não qualificadas, gerando sérios problemas. Ainda fica clara a<br />
tentativa de exercer controle sobre a população, identificando vacinados e não-<br />
vacinados.<br />
Apesar do caráter coercitivo desta circular, a obrigatoriedade da vacina<br />
não triunfou, pois, em já em 1842, quando a presidência da província era ocupada<br />
novamente por Bernardo de Souza Franco, este retomava seu discurso em favor da
criação de um Diretório Vacínico na província, alegando ser esta medida a única<br />
capaz de fazer propagar o método jenneriano no Pará. Segundo o Discurso de<br />
Manoel Vellozo (1844) 45 , Presidente da Província, percebe-se que este também<br />
reclamava providências necessárias para a efetiva utilização da vacina, informando<br />
que este poderoso preservativo contra o terrível flagelo da bexiga que tantas vítimas<br />
arrebata não só nesta província como em todo o Império, tem estado a cargo da<br />
Câmaras Municipais, mas que estas não tem fornecido dados sobre a vacinação,<br />
com exceção da Câmara da capital que informava ter destinado um médico para a<br />
inoculação e tendo este vacinado, de fevereiro a maio de 1844, 156 pessoas.<br />
112<br />
O vacinador se queixa da falta constante de pus de boa qualidade e de<br />
que o que aqui chegava rapidamente se deteriorava. Ainda reclama da omissão do<br />
povo, apesar das constantes Posturas a respeito. Sendo assim, defende a aplicação<br />
de multas aos infratores e o cumprimento efetivo das instruções de 27 de junho de<br />
1840. O presidente da província duvidava da existência de Posturas equivalentes a<br />
da capital, nas cidades do interior da província, mas, caso existissem, afirma, seriam<br />
corrompidas pelos vínculos de parentesco, amizade e outros interesses envolvendo<br />
as autoridades e os habitantes destas localidades. Funcionava, então, o<br />
“coronelismo”, como grande obstáculo para a propagação da varíola no interior da<br />
província.<br />
Em 1846, o presidente João Maria de Moraes reclamava da pequena<br />
quantidade de lâminas vindas de Londres e do Rio de Janeiro, insuficiente para<br />
atender a demanda de toda a província e ainda da má qualidade das mesmas e de<br />
que facilmente se deterioravam. Neste mesmo ano, através do Regulamento de 17<br />
de agosto foi fundado o Instituto Vacínico do Império, e o mesmo Regulamento criou,<br />
nas províncias e distritos, a figura dos Comissários Vacinadores Provinciais,<br />
Municipais e Paroquiais, como meio de vulgarizar o mais possível, em todos os<br />
pontos, a vacina anti-variólica. Segundo a Fala de Jerônimo Coelho (1849) 46 ,<br />
45 Discurso recitado pelo exm.o snr. desembargador Manoel Paranhos da Silva Vellozo, Presidente da<br />
Província do Pará, na abertura da primeira sessão da Quarta Legislatura da Assembléia Provincial,<br />
em 15 de agosto de 1844. Pará, Typ. de Santos & menores, 1844.<br />
46 Fala dirigida pelo exm. Sr. conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, presidente da provincia do Gram<br />
Pará <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial na abertura da segunda sessão ordinaria da sexta<br />
legislatura, em 1º de outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.
Presidente da Província, em Belém, a partir de maio de 1847, esta função ficou a<br />
cargo de José da Gama Malcher, que, até 1849, vacinou 794 pessoas.<br />
113<br />
De acordo com os relatórios de governo consultados que, a partir de<br />
então, passaram a registrar o quantitativo de vacinados na província, encontramos<br />
os seguintes dados: entre junho de 1851 e junho de 1852, foram vacinadas 1198<br />
pessoas; em 1866, 684 vacinados; em 1867, 4385 inoculações; 1868 – janeiro a<br />
junho – 784 vacinados; no ano de 1873, 1234 indivíduos recorreram a vacinação; em<br />
1876 houve um total de 840 vacinas aplicadas; em 1877 foram 702; de 1° de junho<br />
de 1879 a 31 de janeiro de 1880 registraram-se 301 vacinas; durante o ano de 1880<br />
houve um total de 270 e, entre 1° de janeiro a 31 de outubro de 1881 encontramos o<br />
registro de 236 pessoas vacinadas em Belém.<br />
Os dados apresentados acima referem-se <strong>à</strong> política de vacinação em um<br />
período que precede as epidemias que analisamos, mas são de grande importância<br />
no sentido de desvendarem determinados aspectos relativos <strong>à</strong> experiência popular<br />
com a vacina em Belém. Em primeiro lugar é preciso dizer que os relatórios<br />
demonstram que a prática e a própria procura pela vacina ocorria essencialmente em<br />
momentos de epidemia, pois, entre 1853 e 1865, quando não há registro de<br />
epidemias de varíola, também não aparecem registros do uso da vacina. A única<br />
exceção é o ano de 1878 que, embora marcado pela presença da varíola, não<br />
registrou o número de vacinados, mas falava de um grande número de inoculados.<br />
Outra questão diz respeito a quantidade de vacinados, o único destaque é para o<br />
ano de 1867 com um total de 4385 pessoas vacinadas apenas em Belém, mas, no<br />
geral, percebe-se que a quantidade de pessoas vacinadas era insignificante em<br />
proporção com o total de habitantes da capital da província. Além disso, eram<br />
freqüentes as reclamações relativas a dificuldade de recrutar Comissários<br />
Vacinadores para o interior, dificultando a propagação da vacina pela província e,<br />
também, da “má vontade” do povo em procurar o preservativo. Essa intolerância <strong>à</strong><br />
vacina permanece no período que pesquisamos, como pudemos verificar através da<br />
leitura dos relatórios de governo e dos textos dos jornais. Nestes, diversas vezes,<br />
encontramos referências a prática da vacina sendo realizada sob acompanhamento<br />
das autoridades policiais, como se verifica no Diário de Notícias:
Vacinação obrigatória<br />
114<br />
Foram vacinadas e revacinadas na semana passada pelo Sr. Dr. Euclídes<br />
Reguião, 34 pessoas sendo 23 do sexo masculino e 11 do sexo feminino<br />
O mesmo facultativo vacinou antes de ontem no marco da légua 13 pessoa ,<br />
e foi neste serviço acompanhado pelo Sr.delegado de policia Francisco José<br />
de Souza Talles. (DIÁRIO DO PARÁ, 17 jun.1884, p. 01).<br />
Também encontramos, diversas vezes, por parte da imprensa o<br />
questionamento da eficácia da vacina, como o Diário de Notícias publicou o que vem<br />
a seguir:<br />
[...] O Sr. Presidente da Junta de Higiene, dizem-nos, teve a infeliz<br />
lembrança de pedir ao governo geral que lhe fornecesse o verdadeiro<br />
cowpox, para fazer a vacinação, e a resposta que teve foi que fizesse o<br />
serviço com a vacina inglesa, que é o que se usa no Rio de Janeiro.<br />
Depois desta resposta, nada mais fez a Junta de Higiene; e ainda estamos<br />
por saber que interesse tem a junta em fazer o serviço com o verdadeiro<br />
cowpox, quando é sabido que em todas as cidades só usa-se a vacina<br />
inglesa, que se encontra a venda nas farmácias. (DIÁRIO de NOTÍCIAS, 27<br />
mar. 1888, p. 2).<br />
De fato, o presidente da província desconfiava da linfa proveniente da<br />
Corte que era considerada ineficaz. Por isso, em ofício 47 de 23 de janeiro, por<br />
considerar que não havia linfa vacínica de confiança no mercado, o referido<br />
presidente manda encomendar da Inglaterra ou dos Estados Unidos o “genuíno<br />
cowpox”, que deveria chegar <strong>à</strong> província quatro vezes por ano em quantidade de<br />
150 a 200 tubos.<br />
Em 3 de julho de 1888, outra reportagem do Diário de Notícias criticava a<br />
vacina utilizada, em Belém, sem deixar de reconhecer que a vacina poderia salvar<br />
uma grande parte da população da varíola, o articulista afirma, com lástima, que a<br />
vacina tem falhado, iludindo desastradamente a expectativa pública, pois “As vacinas<br />
47 Relatório com que o exm. snr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente,<br />
passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao exm. snr. Dr. Miguel J. de<br />
Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24 de março de 1888. Pará, Typ. do Diario de<br />
Noticias, 1888.
não prestam. Dos milhares de pessoas que tem sido vacinadas, em nenhuma tem<br />
pegado o pus vacínico”. No dia 3 de agosto do mesmo ano, o mesmo periódico<br />
afirmava:<br />
115<br />
[...] Para cúmulo da desgraça, o povo, aflito diante de tal emergência, corre<br />
a procurar preservar-se com a vacina e a vacina não presta!<br />
Isto, porém, é um fato muito natural: todas as medidas adotadas <strong>à</strong> última<br />
hora, com precipitação, no meio da confusão dos desastres, não produzem<br />
efeito.<br />
É assim quando o inimigo ataca de surpresa uma praça, os sitiados,<br />
querendo escapar-se, espetam-se nas baionetas dos assaltantes; assim é<br />
quando um navio vai prestes a naufragar, os marinheiros, procurando<br />
salvação, abismam-se no fundo das águas. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 03<br />
ago.1888, p. 2).<br />
No início do ano de 1889 ocorreu a introdução oficial da vacina animal na<br />
província. A iniciativa coube ao Dr. Henrique de Toledo Dodsworth, enviado pelo<br />
governo Imperial, de acordo com a fala do presidente da província Miguel José de<br />
Almeida Pernambuco (1889) 48 , que afirma ter começado a fazer vacinas diretas da<br />
vitela no dia 19 e prosseguido nos dias 20, 23, 35 e 28 do corrente. Os resultados da<br />
experiência foram publicados pela imprensa e consistiram no seguinte: no primeiro<br />
dia foram vacinadas 15 pessoas, 12 voltaram para a verificação da vacina, dos quais<br />
8 tiveram êxito e os quatro restantes foram insucessos.<br />
Em relatório apresentado ao governador do estado, Lauro Sodré, em 1892,<br />
pelo Inspetor da Higiene do Estado, Cipriano Santos, aparecem referências também<br />
<strong>à</strong> vacina animal. De acordo com o inspetor da higiene as primeiras experiências com<br />
vacina animal em Belém ocorreram no princípio de 1888, sob a direção do médico<br />
francês Rebourgeon, que teria inoculado alguns vitelos e praticado publicamente<br />
vacinações, empregando diretamente a linfa colhida na ocasião. Em meados do<br />
mesmo ano, registra o inspetor em seu relatório, a prática foi continuada pelo Dr.<br />
João José Godinho, que inoculou diversos vitelos cedidos pelo comerciante<br />
48 Fala com que Miguel José de Almeida Pernambuco, Presidente da Província, abriu a 2ª sessão da<br />
26ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Pará, em 02 de fevereiro de 1889. Belém: A.F.<br />
da Costa. 1889.
Fortunato Junior. Ainda segundo o Relatório de Governo (1892) 49 do inspetor<br />
Cipriano Santos “A Inspetoria de Higiene de então teve conhecimento desses<br />
primeiros ensaios, cujo resultado não foi totalmente satisfatório”, sendo que em<br />
alguns casos o resultado foi negativo, “provavelmente pela inatividade da linfa<br />
empregada ou falta de cuidados no tratamento dos vitelos”. Cipriano considerava a<br />
experiência do Dr. Dodsworth, como a introdução oficial da vacina animal no Pará e<br />
afirma que o presidente Miguel Pernambuco pediu a Assembléia Legislativa<br />
autorização para a criação de um Instituto de Vacinação Animal, o qual foi criado por<br />
proposta do então deputado Antônio Lemos. Acontece que o referido instituto nem<br />
chegou a funcionar. Mesmo durante sua administração no serviço sanitário, o<br />
Dr.Cipriano Santos reclama das dificuldades para a utilização da vacina animal como<br />
o preço elevado e a má qualidade dos vitelos 50 .<br />
116<br />
Em 24 de dezembro de 1891 foi aprovada a lei que tornou obrigatória a<br />
vacinação e revacinação no estado do Pará. Tratava-se da lei nº 4 51 , que estabelecia<br />
a obrigatoriedade da vacinação e revacinação no estado, determinando que a<br />
vacinação deveria ser feita desde os três meses de idade e a revacinação de dez em<br />
dez anos. A mesma lei determinava que o infrator, caso fosse maior de idade, ficaria<br />
sujeito a multa de vinte a cinqüenta mil réis ou <strong>à</strong> prisão de três a oito dias; e quando<br />
menor, seriam responsáveis por ele os pais, tutores, curadores ou protetores. Ainda<br />
49 Trata-se do relatório, já citado anteriormente, em que o Inspetor da Higiene Pública, Cipriano<br />
Santos, informa ao governador do estado Lauro Sodré, as condições de saúde do estado do Pará.<br />
50 As limitações técnicas (além das resistências culturais) da vacina jenneriana e o fracasso (até 1887)<br />
de produzir a vacina animal no Brasil, aliados <strong>à</strong> ineficácia das políticas de saúde governamentais,<br />
vão criar condições para o surgimento do Instituto Vacínico do Rio de Janeiro, instituição particular<br />
dirigida pelo barão de Pedro Affonso. Com a extinção do Instituto Vacínico do Império em 1886 e o<br />
fracasso das tentativas de produzir vacina animal na Escola Veterinária de Pelotas, em 1884, a<br />
vacinação antivariólica estava praticamente desativada no país. Para complicar o quadro da saúde<br />
pública as epidemias de varíola eram recorrentes e tornaram-se ainda mais freqüentes no final da<br />
década de 1880. Nesta conjuntura de vazio de políticas públicas e agravamento do quadro<br />
nosológico, o barão de Pedro Affonso conseguiu, em 1887, produzir com sucesso vacina a partir de<br />
vitelos, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Esta conquista marcou uma nova etapa<br />
tanto técnico-científica quanto político-administrativa na produção da vacina antivariólica no Brasil. A<br />
vacina animal, já empregada com sucesso na Europa e muito mais eficaz que a vacina jenneriana,<br />
passou, a partir da iniciativa do barão, a ser produzida no país, motivando experiências em diversos<br />
cantos do Brasil, como as mencionadas acima. Para saber mais sobre o assunto consultar:<br />
FERNAN<strong>DE</strong>S, Tânia Maria. Vacina Anti-variólica: ciência, técnica e poder dos homens. Rio de<br />
Janeiro. Ed. Fiocruz, 1999.<br />
51 Ver: Coleção das Leis do Estado do Pará dos anos de 1891 a 1900, precedida da Constituição<br />
Política do Estado. Belém: Imprensa Oficial, 1900, p.21.
assim, mesmo durante as epidemias as autoridades encontravam inúmeras<br />
dificuldades para colocar em prática tal profilaxia.<br />
117<br />
Pelo exposto percebe-se que havia dificuldades de toda ordem para a<br />
efetivação do serviço de vacinação anti-variólica na província e depois estado do<br />
Pará. Mas, o nosso grande interesse está em desvendar as razões do<br />
comportamento aversivo da população de Belém relativamente <strong>à</strong> vacina, profilaxia<br />
considerada decisiva para o combate da varíola. Embora algumas razões já estejam<br />
implícitas na descrição anterior, relativa a história da vacina em Belém, precisamos<br />
avançar mais, para devassar a rede da experiência popular com a vacina, do século<br />
XIX ao início do século XX, e encontrar os motivos dessa intolerância ao método<br />
jenneriano. Mesmo que este trabalho não tenha a pretensão de realizar uma<br />
abordagem na linha da história comparativa, é praticamente impossível analisar a<br />
relação dos populares ou das “classes menos favorecidas da fortuna”, como se dizia<br />
na época, sem estabelecer um paralelo com os acontecimentos da capital federal,<br />
em 1904. Trata-se da chamada Revolta da Vacina que abalou o Rio de Janeiro<br />
durante o mês de novembro daquele ano. Esta já foi analisada sob diferentes<br />
ângulos, sendo que, o que chamou atenção dos pesquisadores foi o fato de que a<br />
população da capital federal de então, em uma demonstração de rejeição total <strong>à</strong><br />
vacina, organizou uma revolta contra a lei que a tornara obrigatória. Segundo Pereira<br />
(2002: 9):<br />
O Rio de Janeiro amanheceu cercado no dia 15 de Novembro de 1904,<br />
navios da marinha brasileira se espalhavam ao longo do litoral, com a<br />
artilharia voltada para a cidade. Três torpedeiros tomavam a enseada de<br />
Botafogo para garantir a ordem nas imediações. No Flamengo estava o<br />
encouraçado Deodoro, que na véspera atingira a pedra da Urca com dois<br />
disparos de canhão para mostrar seu poder de fogo (...). no dia em que se<br />
comemorava o quarto aniversário da Proclamação da República, as forças<br />
militares se voltavam contra a capital do país, por ordem direta do<br />
presidente da república e seus ministros.<br />
A historiografia da conhecida Revolta da Vacina produziu abordagens<br />
variadas que oferecem um cardápio de explicações: a ignorância popular, a<br />
justificativa moral, a resistência ao aburguesamento, etc.
118<br />
O debate historiográfico acerca do tema “Revolta da Vacina” foi bastante<br />
profícuo, permitindo a abertura de um longo caminho que propiciou o<br />
aprofundamento da investigação a respeito. Nesse campo cabe destacar o trabalho<br />
de Chalhoub (1996) que procurou resgatar a experiência com a vacina ao longo do<br />
século XIX, por parte da população carioca, tendo identificado a elaboração de uma<br />
cultura vacinofóbica responsável pela revolta popular contra a vacina.<br />
Assim, a introdução simultânea no país, a partir do início do século XIX,<br />
dos métodos de vacinação (científico) e variolização (popular), que eram<br />
confundidos, levou grande parte da população a uma preferência pela variolização,<br />
pois além de mais antiga, tradicional, possuía um cunho religioso agradável a cultura<br />
popular.<br />
O autor faz referência ao caráter doloroso do método de transmissão braço<br />
a braço da vacina e como os vacinados mudavam de endereço ou davam endereço<br />
falso no local de vacinação, para não terem que voltar após o oitavo/ nono dia.<br />
Essa vacinofobia derivava também da divergência do método Jenneriano<br />
dentro da própria comunidade científica, mostrando, com eficácia, que o debate entre<br />
doença e cura tem a sua própria historicidade. Muitos médicos renomados<br />
duvidavam da eficácia da vacina, achando que ela poderia transmitir aos homens a<br />
doença das vacas ou caracteres físicos dos quadrúpedes.<br />
A cultura afro-brasileira parece ter contribuído para a vacinofobia, pois faz<br />
associação entre doença-cura-divindades o que levava a uma percepção da vacina<br />
como confronto <strong>à</strong> vontade dos deuses. Chalhoub (1996) ainda cita o uso negativo da<br />
palavra vacina feito pela “malandragem” carioca da época: “vacinar” era sinônimo de<br />
esfaquear”. <strong>Da</strong>í o malandro esperto não se deixava vacinar.<br />
Com argumentação aproximada, Pereira (2002), entendeu a revolta como<br />
provocada por grupos diversos com motivações e concepções variadas sobre<br />
doença e cura. Assim como Chalhoub (1996) explora elementos da cultura afro-<br />
brasileira, pois considera que não se tratava de uma simples rejeição <strong>à</strong>s medidas<br />
impostas pelos médicos sanitaristas. Na verdade o autor considera que boa parte da<br />
população envolvida na revolta lançou mão de seus princípios identitários enraizados
em uma longa tradição cultural, ainda que tenha sofrido constantes reelaborações<br />
com o passar dos anos. Os grupos que ainda estavam ligados a essas crenças<br />
encaminhavam a sua própria concepção da doença e também da cura, para as quais<br />
encontravam uma explicação sobre-humana. Para esses grupos, diferentemente dos<br />
médicos e sua vacina, o ritual religioso devotado <strong>à</strong>s suas divindades era a forma pela<br />
qual se poderia combater a verdadeira causa dos males que afligiam os homens.<br />
119<br />
Embora não tenha ocorrido uma revolta semelhante em Belém, isso não<br />
quer dizer que as autoridades locais fossem mais tolerantes com as classes<br />
populares, com as chamadas “classes perigosas” por essa região, “ou que seus<br />
habitantes eram mais ‘ordeiros’, ‘passivos’”. Através dos jornais da época, dos<br />
relatórios, mensagens e falas de governo, dos abaixo assinados enviados ao poder<br />
público e outros documentos consultados percebe-se, mesmo que indiretamente, os<br />
conflitos estabelecidos quando a questão era a saúde pública, de acordo com<br />
Rodrigues ( 2008).<br />
Também devemos mencionar que a revolta do Rio de Janeiro repercutiu<br />
em Belém, pois, não podemos esquecer, que um dos líderes da liga contra a vacina<br />
obrigatória foi o então senador Lauro Sodré, um dos republicanos históricos no Pará,<br />
com atuação política intensa no estado, que na época vivia a polarização política<br />
entre “lauristas” e “lemistas” (partidários do Intendente municipal Antônio Lemos).<br />
Segundo Amaral (2006) os dois grupos eram representados na imprensa local,<br />
respectivamente, pelos jornais A Folha do Norte e A Província do Pará. Infelizmente<br />
não estão disponíveis no setor de microfilmagem da Fundação Cultural Tancredo<br />
Neves, em Belém, as edições de A Província do Pará deste período.<br />
A Folha do Norte, a partir do dia 15 de novembro e até o final deste mês,<br />
publicou artigos, notícias, informativos, ou seja, matérias diversas sobre varíola,<br />
vacina e a revolta que ocorria no Rio de Janeiro, com destaque para a reprodução<br />
de dois artigos publicados no Giornale d’Itália, assinado por Carlos Ruata, professor<br />
de higiene da Universidade de Perúsia. Pelo tamanho, os artigos foram divididos em<br />
três edições, começando no dia 15 e indo até 17 de novembro daquele ano. O título<br />
por si só já chamava atenção, pois era definido como “Campanha contra a<br />
Vacinação”, já que A Folha do Norte pretendia entrar no debate, que afirmava tratar-
se de uma questão da atualidade, a controvérsia sobre a vacinação obrigatória. O<br />
professor Carlos Ruata desenvolveu, ao longo desses artigos, uma série de<br />
argumentos contrários <strong>à</strong> vacina. Faz uma espécie de histórico da vacinação, desde<br />
os tempos antigos até aquele momento, pretendendo esclarecer a humanidade<br />
sobre o que realmente representa a “ciência vacinatória”. Considerava o professor<br />
que a vacina possuía pouca relação com a medicina, pois nasceu da:<br />
120<br />
[...] fantasia de uma histérica, da sabedoria de uma ordenhadeira de vacas,<br />
e foi introduzida no mundo pela agudeza dum médico, isto é, dum indivíduo<br />
que exercia abusivamente a medicina no país de seu berço, Burkley, na<br />
Inglaterra. (A Folha do Norte, 15 nov.1904, p. 01).<br />
De acordo com as idéias de Carlos Ruata a vacina seria uma derivação da<br />
variolização, que ele enxergava como perigosa e considerava a grande responsável<br />
pela propagação da varíola pelo planeta, pois a criação artificial da varíola multiplicou<br />
consideravelmente os centros de difusão, haja vista que cada indivíduo variolizado<br />
poderia comunicar a varíola natural a 8, 10 ou 15 pessoas. Sendo a vacina uma<br />
derivação estaria, portanto, sujeita aos mesmos problemas. Além disso, continua<br />
Ruata, Jenner não teria sido convincente na explicação dos fundamentos do método<br />
de vacinação, pois diante da pergunta: “de que modo uma doença que se manifesta<br />
no bico da teta da vaca pode proteger o homem contra a varíola?” Respondeu que a<br />
vacina era a verdadeira varíola humana, mas mitigada passando <strong>à</strong> vaca, que sendo<br />
um animal inferior ao homem, ipso facto devia apresentar uma varíola inferior a do<br />
homem 52 , segundo Jenner (1966). O professor Carlos Ruata considera a tese de<br />
52 A busca de imunização contra a varíola configura-se como uma prática milenar, anterior <strong>à</strong><br />
constituição e divulgação do método experimental em biomedicina, que marcou o final do século XIX,<br />
e <strong>à</strong> elaboração das teorias e conceitos que envolvem a elucidação do processo imunitário, e <strong>à</strong><br />
fabricação de vacinas em escala industrial, que só ocorreram no século XX. Mesmo antes de se<br />
reconhecer a similaridade entre o cowpox (doença que acometia os bovinos) e a varíola e de ter sido<br />
criada a vacinação, já se tinha observado que a varíola podia ser evitada a partir do contato do<br />
homem sadio com o doente. Esta constatação impulsionou a disseminação de práticas, inicialmente<br />
orientais, que alcançaram a Europa no início do século XVIII, conhecidas como "variolização",<br />
"inoculação" ou ainda, "transplantação". Apesar de se estabelecerem como diferenciadas<br />
tecnicamente entre si, consistiam em implantar no homem sadio o vírus variólico contido na secreção<br />
retirada das pústulas de pessoas doentes, na tentativa de provocar a instalação da varíola na sua<br />
forma mais branda com manifestação local, tentando evitar a doença na expressão mais grave. Esta<br />
prática, disseminada em todo mundo e utilizada até o século XIX, tinha suas raízes na cultura<br />
popular, sendo absorvida como uma questão científica sustentada pelas dúvidas e certezas que,<br />
naquele momento, lhe davam corpo. É importante ressaltar que as inovações introduzidas pela<br />
microbiologia de Pasteur, no final do século XIX, não impuseram mudanças substanciais na prática
Jenner uma espécie de “razão teológica”. Ao mesmo tempo em que procurava<br />
desqualificar o invento de Jenner, o professor Ruata discorria sobre as razoes para<br />
condenar a vacina. Na edição do dia 16 de novembro de 1904 mostrava os avanços<br />
da bacteriologia no sentido de demonstrar o que contém o pus vacínico. Assim,<br />
aponta que na Alemanha, em 1898, foram examinadas 39 amostras de diferentes<br />
linfas vacínicas, tendo se encontrado em cada meia gota, de 1650 a 8337766<br />
micróbios. Fremlin, médico da repartição central de higiene inglesa, em suas<br />
pesquisas, achou em média 123000 micróbios no pus de 500 vitelos. O laboratório<br />
do Estado de Washington elaborou uma brochura sobre as “Impurezas<br />
Bacteriológicas do Pus Vacínico”, constatando que aquele pus contém o mesmo<br />
enorme número de bactérias encontradas na Europa. A partir desses dados, Ruata<br />
busca fundamento na antisepsia para confirmar a condenação da vacina afirmando<br />
que é coisa conhecida que, já naquele período, não havia médico que, antes de<br />
fazer sua pequena incisão não tome uma infinidade de medidas antisépticas, que<br />
ninguém se arrisca mais, se quiser proceder com consciência, a fazer uma simples<br />
injeção hipodérmica sem antes esterilizar a agulha, o líquido e desinfetar a pele e,<br />
neste sentido, pergunta: “como é pois que para a vacinação toda a ciência da<br />
antisepsia não tem valor, fazendo-se, sem a menor cautela, na nossa pele, injeção<br />
de tanta podridão? É claro que essa questão seria rapidamente respondida hoje<br />
pelos médicos acadêmicos, mas não podemos perder de vista a historicidade desse<br />
debate para considerarmos a influência que esse tipo de opinião, emitida por um<br />
médico renomado possa ter representado para a sociedade da época, inclusive a de<br />
Belém, onde os artigos foram publicados.<br />
da vacinação antivariólica. A então recém-criada microbiologia pastoriana concordava com a<br />
afirmativa de Jenner de que a vacina era uma doença, passando a imprimir <strong>à</strong> sua conceituação<br />
original um raciocínio causal, relacionando-a a um microrganismo específico, que podia ser<br />
estudado, analisado e controlado no laboratório. Nesse sentido, o laboratório passa a se associar<br />
aos espaços e <strong>à</strong>s práticas de legitimação da ciência biomédica constituídos até então,<br />
redimensionando-os e criando novos valores e conceitos científicos e sociais. O método<br />
experimental de Pasteur, ao levar os microrganismos para o laboratório, buscou implementar<br />
técnicas para visualizá-los e atenuar sua virulência, relacionando doença e agente causal específico.<br />
No caso da varíola, além de buscar a identificação e a atenuação da virulência, contribuiu também<br />
para a compreensão e o controle das infecções secundárias a ela associadas, o que possibilitou,<br />
inclusive, uma modificação significativa na sintomatologia da doença ao longo do século XX.<br />
Portanto, a polêmica levantada acima faz parte da própria historicidade do debate sobre doença e<br />
cura, no caso específico da varíola e sua profilaxia, a vacina. Uma análise esclarecedora do tema<br />
está em: FERNAN<strong>DE</strong>S, Tânia Maria. Imunização Anti-variólica no Século XIX: inoculação,<br />
variolização, vacina e revacinação. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003.<br />
121
122<br />
O professor Ruata acreditava que a vacina não preservava contra a<br />
moléstia. “O indivíduo quer vacinado quer não contrai igualmente a varíola, seja qual<br />
for o êxito da vacina não tem ela o poder de modificar o efeito dessa enfermidade”. A<br />
seguir faz uma listagem extensa de locais onde a varíola desenvolveu-se de forma<br />
epidêmica, mesmo com a população vacinada, chamando atenção para a guerra<br />
Franco–Prussiana de 1870, onde afirma que cerca de 500 mil prisioneiros foram<br />
internados e disseminados em toda a Alemanha. Disso resultou a mais cruel<br />
epidemia até então conhecida, como nunca houve em tempos anteriores <strong>à</strong><br />
vacinação. Só a Prússia perdeu 136830 pessoas, sendo que todas estavam<br />
vacinadas, afirma. Concluindo sua tese, o professor Carlos Ruata afirma:<br />
Poderei citar uma infinidade de epidemias demonstrando que a vacinação<br />
não preserva da varíola, nem por um dia, sequer; devendo tirar-se a<br />
conclusão das minhas pesquisas que os vacinados estão mais sujeitos <strong>à</strong><br />
varíola que os não vacinados. (A Folha do Norte, 17 nov 11. 1904, p.01)<br />
Assim, o professor Ruata afirma que como não se pode negar o fato de<br />
que tanto os vacinados como os não vacinados eram atacados pela varíola, partiu-se<br />
para a revacinação, que preservava por 10, 5 ou 3 anos. Tomar a vacina já se<br />
tornava difícil, buscar uma segunda dose, então, era bem mais complicado. Além<br />
disso, a necessidade de realizar a revacinação colocava ainda mais dúvidas acerca<br />
da eficácia do método jenneriano.<br />
Quanto a esta prática, da revacinação, a partir da primeira década do<br />
século XIX, esta gerou amplo debate, com divergências marcantes quanto a sua<br />
indicação, associado a questionamentos quanto <strong>à</strong> validade da vacinação. Segundo<br />
Fernandes (2003) começou a ser indicada como reforço para a dose inicial da<br />
vacina, diante de se ter constatado a desativação da imunidade adquirida na<br />
primeira inoculação. A revacinação configurou-se como um problema de difícil<br />
solução, naquele período, dado não só pelo desconhecimento do processo<br />
imunitário e do próprio agente viral, quanto ao fato da identificação de sua<br />
necessidade ser constatada somente através de experiências empíricas de cunho<br />
estatístico.
É importante afirmar que essa não foi uma opinião constante do A Folha<br />
do Norte, refletindo apenas o momento polêmico da Revolta da Vacina e a postura<br />
nesta de um político que possuía vínculos com aquela gazeta e que, portanto,<br />
assumiu, por algum momento, a defesa de suas idéias a respeito do tema vacina<br />
obrigatória. Mas ainda assim não podemos deixar de considerar a influência desse<br />
pensamento sobre a população de Belém, contribuindo para a postura aversiva<br />
desta em relação ao método jenneriano. Não queremos, com isso, negar a<br />
autonomia que os sujeitos envolvidos em tal processo tem para realizar suas<br />
escolhas, mas não podemos deixar de considerar o caráter de formadores de opinião<br />
que os jornais possuem e a posição política que A Folha do Norte defendia. De<br />
acordo com Amaral (2006), em 1905, ainda repercutia a veiculação feita por esse<br />
jornal da “Campanha contra a vacinação”, pois, o intendente Antônio Lemos,<br />
principal opositor local de Lauro Sodré, para se defender dos ataques a sua política<br />
de saúde, veiculados pela A Folha do Norte, transfere a culpa pelo número de óbitos<br />
em Belém <strong>à</strong>quele periódico. Antonio Lemos, para justificar a soma de 435 pessoas<br />
mortas por varíola, em 1905, diante dos 2.653 óbitos registrados pelo Serviço<br />
Sanitário Municipal, atribuía e transferia o ônus ao “tamanho estrago á malévola<br />
campanha de certa imprensa contra a vacinação em tempo de epidemia”.<br />
123<br />
A reconstituição da experiência com a vacina em Belém nos permitiu<br />
perceber que aqui também havia uma relação negativa da sociedade, principalmente<br />
dos populares, com o método jenneriano. Esta foi responsável pela criação de uma<br />
cultura de aversão, de intolerância <strong>à</strong> vacina, que foi identificada nos jornais e nos<br />
próprios relatórios de governo. Porém, apesar de reconhecermos a existência de<br />
elementos comuns nessa experiência com a vacina, verificados tanto em Belém<br />
quanto na capital federal, não podemos deixar de registrar que há diversos aspectos<br />
específicos dessa experiência local com a vacina que contribuíram para a postura<br />
aversiva da população. Entre os elementos comuns temos a confusão feita pela<br />
sociedade entre vacinação e variolização, confusão reproduzida pelo próprio Vianna<br />
(1975) e que ocasionava dúvidas acerca da vacina.<br />
Também é preciso registrar que a sociedade local considerava bastante<br />
doloroso o método de transmissão braço a braço da vacina, pois, apesar de desde<br />
1840, se procurar tomar providências para garantir o retorno dos vacinados após o
oitavo dia, pelos relatórios de vacinação consultados percebeu-se que a quantidade<br />
dos que não retornavam era expressiva e não é preciso discorrer sobre o caráter<br />
extremamente doloroso dessa prática.<br />
Também é preciso dizer que a comunidade médica local estava dividida<br />
acerca da eficácia da vacina, não só da vacina animal, como foi demonstrado acima,<br />
essa divisão envolvia também disputas entre alopatas e homeopatas, sendo que<br />
estes últimos, em geral, posicionavam-se contra a vacina, ou contra a terapêutica<br />
aplicada pelos adeptos da alopatia. Assim, O Diário de Notícias, em edição de 4 de<br />
maio de 1884, criticava a defesa que o jornal O Liberal fazia do presidente da<br />
Província, Visconde de Maracaju, na polêmica com os homeopatas. Estes<br />
reivindicavam a montagem de uma enfermaria destinada ao tratamento dos<br />
variolosos segundo os princípios da homeopatia, o articulista de O Liberal<br />
argumentava que a verba socorros públicos era insuficiente e recomendava que os<br />
homeopatas montassem enfermaria <strong>à</strong>s próprias custas. O Diário de Notícias rebate<br />
afirmando que os homeopatas não dispõem de meios suficientes, mas que seriam<br />
capazes de grandes sacrifícios “pela vulgarização e propaganda dessa grande<br />
verdade científica – a homeopatia”. O artigo continua censurando os alopata,<br />
formados na “escola das pomadas”, não sendo capazes de conter o avanço da<br />
epidemia, sendo por isso a enfermaria José Bonifácio ineficaz no tratamento dos<br />
variolosos, pois de cada 100 infectados que recebia, morriam 50. A Folha do Norte,<br />
em edição de 11 de novembro de 1904 publica, a pedido, informativo do Dr. Matta<br />
Bacellar, conhecido médico homeopata, em que o mesmo alerta para a presença da<br />
“assustadora” varíola em Belém, recomendando aos adeptos da homeopatia o uso<br />
interno do “vacciniun”, pela manhã e pela noite como preservativo. Também indicava<br />
o mais rigoroso asseio pessoal e as irrigações das habitações e as desinfecções.<br />
Assim, percebe-se que mesmo concordando com a maioria dos higienistas de<br />
plantão, o Dr. Bacellar não fazia referência <strong>à</strong> vacina como preservativo. Não<br />
podemos também deixar de mencionar que mesmo entre os alopatas havia cisões<br />
quanto <strong>à</strong> vacina, embora não tenham sido explicitadas ao longo das pesquisas, mas<br />
que podem ser percebidas em determinados momentos como, em 1904, com a<br />
publicação dos artigos italianos contrários <strong>à</strong> vacina pela A Folha do Norte, jornal sob<br />
responsabilidade do médico e Inspetor da Higiene e depois do Serviço Sanitário<br />
124
Cipriano Santos, que parecia mais preocupado e empenhado em aplicar o<br />
isolamento que a vacina.<br />
Quanto aos aspectos peculiares <strong>à</strong> realidade local, em relação a esta<br />
experiência com a vacina, temos, em primeiro lugar que considerar o<br />
questionamento da linfa que aqui era utilizada. Não podemos esquecer que se trata<br />
de uma região complicada em termos de acesso neste período, o que dificultava o<br />
recebimento de material para vacina. Mesmo o material que aqui chegava, em<br />
função, <strong>à</strong>s vezes, do tempo de duração da viagem, estava completamente<br />
deteriorado ou não possuía as condições adequadas para a inoculação. Ainda assim<br />
muitas vezes era utilizado ocasionando, não raro, efeito contrário. Por isso, eram<br />
freqüentes as reclamações feitas pela imprensa e pelas autoridades acerca da<br />
quantidade e da qualidade da vacina que chegava a esta região. Os relatórios de<br />
governo estão repletos de polêmicas sobre a qualidade da vacina utilizada em Belém<br />
e a imprensa alardeava, algumas vezes, como o fez o Diário de Notícias em matérias<br />
reproduzidas acima, que a vacina não prestava. É claro que opiniões desse tipo<br />
influenciavam negativamente a população de Belém em relação <strong>à</strong> vacina e, portanto,<br />
contribuíam para a intolerância com relação a esta profilaxia, revelando como a<br />
medicina acadêmica era bastante impopular 53 .<br />
125<br />
Outra questão importante diz respeito a quem aplicava a vacina em Belém.<br />
A partir de 1846 foi criada a função de Comissário Vacinador, mas nos relatórios são<br />
comuns as reclamações relativas a dificuldade de contratá-los, principalmente para<br />
as cidades do interior. Além disso, durante boa parte do século XIX, essa função<br />
coube a um único “profissional”. Assim, desde 1840, quando se tentou decretar, pela<br />
primeira vez, a obrigatoriedade da vacina na província, buscou-se também atribuir tal<br />
função a outros profissionais, entre os quais, os professores. Segundo Vianna<br />
(1975:52):<br />
53 Apesar do esforço dos médicos em consolidar a medicina acadêmica , depararam com a pouca<br />
receptividade do público <strong>à</strong> autoridade cognitiva de seus paradigmas, seja pela descrença, seja pela<br />
indiferença <strong>à</strong>s práticas originárias desse saber. Para mais informações sobre esse aspecto da<br />
medicina acadêmica e os esforços empreendidos pelos seus representantes para alcançarem<br />
afirmação ver: FERREIRA, Luiz Otávio."Medicina impopular: ciência médica e medicina popular nas<br />
páginas dos periódicos científicos". In: CHALHOUB, S. et al. (org.). Artes e Ofícios de Curar no<br />
Brasil. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.
126<br />
A Lei n° 108, de 6 de dezembro de 1842, e a de n° 115, de 18 de outubro de<br />
1843, elevaram a quantia anterior de 1:000$000 réis, ficando o governo<br />
autorizado a distribuí-la pelos professores que se dessem <strong>à</strong> vacinação,<br />
mandassem vir e conservassem vacina, tendo atenção a qualidade desta e<br />
ao número de vacinados.<br />
Encontramos nos jornais registros da aplicação da vacina por professores,<br />
como nesta edição em Diário de Notícias:<br />
Vacina no Pinheiro<br />
Comunicam-nos:<br />
Foram vacinados, na povoação de São João de Pinheiro, pelo sr. Professor<br />
João Gualberto de Vilhena, durante o mês de fevereiro p. findo, 86 pessoas,<br />
sendo:<br />
Do sexo masculino, menores 29, maiores 27; do sexo feminino, menores 10,<br />
maiores 20, todos com tão feliz êxito, que não houve uma só das pessoas<br />
por ele vacinadas nas quais falhasse a vacina.<br />
Tem muito boa linfa de braço e continua a vacinar enquanto tiver linfa e lhe<br />
aparecer quem se queira vacinar.<br />
Faz tudo isso pelo desejo de fazer o bem e não porque seja autorizado. (O<br />
DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 04 mar. 1884, p.02).<br />
Em geral, essa prática era enaltecida e considerada eficaz, talvez uma<br />
forma de diminuir a desconfiança das pessoas em relação <strong>à</strong> vacina. Também nos<br />
relatórios encontramos registros do uso de professores na prática da vacinação; no<br />
relatório de Cardoso Junior, presidente da província em 1888, são relacionadas 43<br />
localidades onde, em escolas públicas, os professores receberia tubos com a linfa<br />
vacínica e as necessárias instruções para a aplicação da mesma. Ora, sabemos e já<br />
relatamos as dificuldades encontradas pelos próprios profissionais da área médica<br />
para a aplicação da vacina, havia diferentes tipos de linfa, havia a vacina importada,<br />
a vacina braço a braço, a vacina animal. Era preciso conhecer a qualidade da linfa<br />
vacínica, fazer revacinações, verificar se a vacina havia “pegado” após o oitavo dia,<br />
entre outras competências que, muitas vezes, escapavam aos próprios profissionais<br />
da área da saúde, imaginem aos nobres membros do magistério, pois, como afirma<br />
Vianna (1975: 52) “tudo isto devia ser improfícuo, porque muito dificilmente se
encontraria homens consagrados ao magistério público, que se dedicassem a um<br />
mister muito diverso da sua profissão”. Assim, dessa prática decorreram diversos<br />
problemas que também contribuíram para aumentar a intolerância <strong>à</strong> vacina por parte<br />
da população belenense.<br />
127<br />
Por último é importante dizer que a vacina não se constituía no único<br />
preservativo contra a varíola. Havia diversas opções. Em primeiro lugar é preciso<br />
considerar a existência de enfermarias ou hospitais clandestinos que estavam<br />
voltadas para o tratamento da varíola, nos quais não se sabe exatamente que<br />
terapêutica era administrada. Além disso, era muito comum divulgar, através dos<br />
jornais, nesta época, medicamentos voltados para a cura das mais variadas<br />
doenças, inclusive da varíola. O jornal Treze de Maio (09 mar. 1860, p. 6), por<br />
exemplo, estampava na década de 1860, anúncios de vários medicamentos como o<br />
Elixir de Quina, que servia para combater a malária, o Racahout dos Árabes,<br />
segundo o anúncio aprovado pela faculdade de medicina de Paris e recomendado<br />
para pessoas nervosas, magras, idosas e, também para crianças. Geralmente esses<br />
medicamentos eram apresentados como de fácil administração e digestão, além de<br />
possuírem sabor agradável. Esses tipos de anúncio são encontrados também nos<br />
outros jornais consultados e, em grande escala.<br />
Para combater a varíola, especificamente, encontramos diversos anúncios,<br />
principalmente no Diário de Notícias, como nesta publicação intitulada “Laboratório<br />
Homeopático”:<br />
Chegou novas remessas de meias elásticas para inchações, erisipelas,<br />
varizes, etc., etc.<br />
Variolinum, tintura para bexigas, cura e preventivo.<br />
Vaccinium, tintura para bexigas, cura e preventivo.<br />
Vende-se no Laboratório Homeopático, rua da Indústria, 7 a. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />
NOTÍCIA, 19 ago. 1884, p. 4).<br />
Em 5 de agosto de 1888, o mesmo jornal anunciava o preservativo de<br />
varíola de “Soares dos Santos”, que tornaria as varíolas benignas caso elas tivessem
aparecido. Em outra edição do mesmo Diário de Notícias, encontramos outro<br />
anúncio,com o título “Contra as Bexigas”, onde lia-se:<br />
128<br />
Em caso de varíola declarada as propriedades anti-sépticas, sudoríficas e<br />
tônicas do elixir anti-epidêmico Beirão, facilitam a saída das vesículas,<br />
acelerando a cura – É o melhor preservativo e curativo de todas as<br />
moléstias epidêmicas.<br />
Uma colher das de chá deste agradável elixir, misturado com ½ litro de chá<br />
de açafrão, é excelente para gargarejo e lavatório dos olhos, e com o qual<br />
se evita o desenvolvimento das vesículas nos olhos (por conseqüência a<br />
cegueira), na boca e garganta, que tanto afligem os doentes, impedindo a<br />
deglutição e dificultando a inspiração.<br />
O uso do anti-séptico Beirão é indispensável a todas as pessoas que visitam<br />
e tratam doentes de varíola e de outras moléstias contagiosas; assim<br />
estarão ao abrigo do contágio, nos focos de infecção. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />
NOTÍCIAS, 10 ago. 1888, p. 01).<br />
Ainda o diário publicava declarações de pessoas comuns ou de autoridades<br />
na área médica, atestando a eficácia de certos medicamentos, que eram<br />
apresentados <strong>à</strong> sociedade paraense. O referido periódico, publicou diversas cartas<br />
oriundas do Ceará e datadas de 1883, dando aval <strong>à</strong>s “pílulas depurativas do Dr.<br />
Mattos”, mais uma concorrente para a vacina. A matéria trazia diversas declarações<br />
e possuía como título “Tratamento da varíola”:<br />
Em dezembro de 1878, quando a varíola nesta capital fazia de 600 a 900<br />
vítimas diariamente, fui acometido deste terrível mal. O meu médico<br />
assistente, o finado dr. José Lourenço Filho, logo no começo da moléstia<br />
mandou fazer uso das pílulas depurativas do cirurgião Mattos e assim<br />
conseguiu que a moléstia, apesar da força com que apareceu, se tornasse<br />
uma benigna varicele, que poucos incômodos me deu.<br />
Sei, por me ter dito nessa ocasião o referido dr. José Lourenço – que nos<br />
Lazaretos sob sua direção fez ele ótimas curas com estas pílulas.<br />
Ceará, 10 de dezembro de 1883. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 ago. 1884,<br />
p.04).<br />
Na mesma matéria, lê-se outra carta assinada pelo Dr. Firmino José Dória,<br />
com a seguinte declaração:
129<br />
O abaixo assinado, doutor em medicina, Dignitário da Ordem da Rosa,<br />
Cavalheiro de Cristo, condecorado com a medalha da Campanha do<br />
Paraguai, Cirurgião-mor de Brigada, graduado do corpo de saúde e<br />
delegado do Cirurgião-mor desta Província.<br />
Atesto que tenho, tanto em minha clínica civil, como militar, empregado com<br />
incontestável vantagem as pílulas depurativas do falecido cirurgião<br />
Francisco José de Mattos, hoje fabricadas por seu filho sr. Leonel A. de<br />
Alencar, em todos os casos em que tenho tido precisão de uma ação<br />
purgativa pronta e benéfica: atesto mais, por experiência própria, que as<br />
referidas pílulas não produzem essas cólicas incômodas que quase sempre<br />
produzem os medicamentos de sua classe.<br />
Por ser verdade passei o presente, que vai por mim assinado.<br />
Fortaleza, 4 de dezembro de 1883. ( DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 ago. 1884,<br />
p. 04).<br />
Como estas, encontramos diversas declarações dando conta de<br />
medicamentos utilizados para combater a varíola, em geral, atestando sua eficácia.<br />
Assim, tanto os homeopatas como os próprios alopatas apresentavam suas<br />
alternativas para a cura da varíola. A medicação que esses profissionais<br />
prescreviam, geralmente eram anunciadas como de fácil administração, algumas<br />
vezes até de saborosa digestão e, também, de fácil aquisição. Além disso, não<br />
apresentavam riscos e, ainda por cima, poderiam ajudar a combater outros males.<br />
Com tudo isso a disposição é claro que para muitas pessoas era muito mais simples<br />
e agradável recorrer a tais medicamentos que enfrentar os riscos, o caráter doloroso<br />
e todas as outras complicações da vacina.<br />
Segundo Roque (2004), em 1914, em Goa, antiga colônia portuguesa na<br />
Índia, o médico António Joaquim Vás anunciou a descoberta de um fabuloso<br />
tratamento contra a varíola, que vinha sendo utilizado desde a última década do<br />
século XIX: a aplicação clínica das pevides, ou sementes, de bananeira brava,<br />
medicamento de origem vegetal extraído das práticas médicas indianas. Embora<br />
habitando um lugar problemático no programa de tradução científica, as pevides<br />
circularam ativamente no interior da própria ciência, persistindo contra a varíola nas<br />
práticas médicas. O Dr. Joaquim Vás relatou a comunidade médica o modo como<br />
descobrira e aplicava, com sucesso clínico, os segredos curativos das pevides de<br />
bananeira brava, contra os malefícios da varíola. Tal prática, ao que parece, era
levada a sério pelos médicos de Goa e serve, no mínimo, para abrir um debate<br />
acerca do combate <strong>à</strong> varíola, pois, até hoje, a medicina acadêmica não aceita um<br />
tratamento eficaz para tal moléstia, concebendo a imunização ativa, ou seja, a<br />
vacina, uma profilaxia como único meio possível de combater a referida doença.<br />
Sendo assim, a erradicação da varíola na década de 1980, representou o triunfo da<br />
vacina no combate <strong>à</strong> varíola e, ao mesmo tempo, um silêncio absoluto sobre outras<br />
práticas de cura, emanadas da medicina científica ou popular.<br />
Quanto <strong>à</strong>s práticas curativas populares, diversos trabalhos já relataram seu<br />
enraizamento na população do estado do Pará, produzindo uma relação tensa e<br />
cheia de conflitos, mas também de alianças e trocas simbólicas, envolvendo as<br />
diferentes medicinas daquela época. Segundo Rodrigues (2008) os adeptos dessa<br />
medicina considerada popular foram alvos de perseguições por parte das<br />
autoridades médico-higienistas desde os últimos anos do Império, consolidando-se<br />
na República que, em seu primeiro Código Penal (1890) procurou introduzir artigos<br />
que visavam regular a prática ilegal da medicina. Perseguidas ou não, essas práticas<br />
de cura alternativas <strong>à</strong> medicina acadêmica não deixaram de existir e de ter muitos<br />
adeptos 54 . Figueiredo (2003) mostra a persistência da pajelança em Belém do Pará,<br />
onde os médicos, já na passagem para o século XX, utilizavam diversos recursos<br />
para se inserir no cotidiano da cidade, tendo em vista a respeitabilidade adquirida<br />
por seus oponentes. Através dos meios de comunicação, empenharam-se na<br />
elaboração da imagem da autoridade médica, do herói responsável pela cura e do<br />
beneplácito do cidadão e, principalmente, no poder regenerador da ciência que<br />
praticavam.<br />
130<br />
Para Figueiredo (2003), os pajés não deixaram de se apropriar do<br />
discurso discriminatório, num sentido inverso ao pronunciado. Os jornais,<br />
54 Em “Esculápios Tropicais”, Silvio Rodrigues discorreu sobre diversas práticas de cura alternativas<br />
verificadas em Belém, entre 1889 e 1919, destacando o quanto eram populares e as dificuldades<br />
encontradas pelas autoridades para combatê-las. Rodrigues analisou diversos casos com destaque<br />
para a morte por envenenamento de Geraldo Afonso Cardoso, major reformado do regimento<br />
estadual, morador da vila de Mosqueiro, em função de receitas passadas pelo pajé Elias. O fato<br />
ocorrido entre setembro e outubro de 1898 foi divulgado pelo jornal A Província do Pará, em várias<br />
edições. Outro caso que chama atenção em seu trabalho é o do professor Faustino Ribeiro Junior,<br />
um célebre curandeiro que havia realizado curas espetaculares no Rio de Janeiro, São Paulo,<br />
Minas Gerais e Bahia. O destaque dado pela imprensa a presença do referido curandeiro e a<br />
concorrência dos populares, desejosos de um atendimento milagroso revelam o alcance das<br />
práticas consideradas alternativas em terras paraenses, naquele contexto.
considerados pelo autor como mediadores entre ambas as culturas, engajados em<br />
atribuir uma distinção <strong>à</strong> ciência, noticiavam as perseguições policiais,<br />
paradoxalmente, <strong>à</strong> ciência dos pajés. Com isso, <strong>à</strong> pajelança era atribuída também a<br />
conotação de ciência. Os pajés não tardaram a se apropriar desta distinção:<br />
propagavam suas atividades também como científicas.<br />
Ainda de acordo com Figueiredo (2003), a representatividade da “ciência<br />
dos pajés”, no caso amazônico sua durabilidade e persistência, em lugar de servir<br />
como recurso para endossar a cientificidade da medicina oficial revelou-a em suas<br />
contradições. Os pajés – ao resistirem <strong>à</strong>s perseguições policiais, <strong>à</strong>s acusações de<br />
charlatanismo, aglomerando uma vasta clientela de origens sociais diversas,<br />
referindo-se <strong>à</strong>s suas curas como científicas – impuseram uma tarefa "extremamente<br />
árdua e desgastante para os médicos" na tentativa de legitimar seus ofícios. A<br />
medicina oficial, no caso de Belém do Pará, para conseguir sua hegemonia científica<br />
foi obrigada a enfrentar concorrentes já experimentados há séculos 55 .<br />
Sendo assim, é possível reconhecer a existência em Belém, senão de uma<br />
cultura vacinofóbica, pelo menos de uma cultura de aversão ou intolerância ao<br />
método jenneriano, por razões obviamente fortes. Mas, é preciso esclarecer ainda<br />
que, a intolerância não estava relacionada apenas <strong>à</strong> vacina, mas a toda política<br />
oficial de saúde encaminhada em Belém ao longo do século XIX e até o início do<br />
século XX. Foram muitos os desacertos ou desencontros dessa política e,<br />
especialmente o seu caráter autoritário e aterrorizante em relação <strong>à</strong>s camadas<br />
menos favorecidas da sociedade local que acabaram provocando o desenvolvimento<br />
de uma cultura de aversão <strong>à</strong>s tais políticas públicas no campo da saúde.<br />
55 Sobre práticas curativas populares relativas <strong>à</strong> varíola, ver também: AMARAL, Alexandre Souza. Op.<br />
Cit. p. 139-141.<br />
131
____________________________________________________________________<br />
132<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Segundo Henderson (1997), no século XXI, as vozes dos médicos<br />
acadêmicos atribui a extinção da varíola (pelo menos em suas epidêmicas<br />
manifestações naturais), <strong>à</strong> planejada ação profilática da quase miraculosa vacina.<br />
Para Porter (1999) a profilaxia realizada através da vacinação antivariólica continua<br />
no centro de uma das mais mitificadas narrativas de sucesso e poder da história da<br />
medicina: a erradicação do temido e mortífero ortopoxvirus, causador da varíola,<br />
graças ao programa mundial de vacinação promovido pela Organização Mundial de<br />
Saúde. Ainda hoje o credo médico não reconhece a existência de qualquer cura ou<br />
prática terapêutica capaz de eliminar o vírus, aconselhando-se apenas algumas<br />
estratégias terapêuticas que atuam sobre os sintomas da doença, combatendo a<br />
desidratação do organismo e as infecções secundárias decorrentes das erupções<br />
cutâneas e das pústulas 56 . Assim, a vacina permanece sendo a única solução, mas,<br />
a história do combate a varíola nem sempre foi desse jeito.<br />
56 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001), pode não existir cura para a varíola,<br />
porém a vacina pode ser usada com muita eficácia se for administrada até quatro dias após exposição
Como ficou demonstrado ao longo desse trabalho, assim como é antiga a<br />
presença da varíola em Belém ou na Amazônia, também é antiga a busca e a<br />
polêmica acerca da cura para a referida moléstia. Na capital paraense a vacina<br />
(método científico) chegou quase simultaneamente <strong>à</strong> variolização (método popular)<br />
para combater a doença maligna e não pode ser considerado estranho que os dois<br />
métodos fossem confundidos, pois havia semelhanças entre eles, principalmente em<br />
função do método de transmissão braço a braço da vacina. Assim, quando se<br />
apresentou um método considerado científico para combater a varíola em Belém,<br />
este já foi confundido com uma antiga prática de inoculação desenvolvida em todo o<br />
mundo, sendo considerada popular. Portanto, desde o início, a busca da cura para a<br />
varíola, colocou em disputa diferentes práticas de cura, oriundas de diferentes<br />
setores da sociedade.<br />
Desta forma, percebemos que a tentativa de introduzir e tornar obrigatória a<br />
vacina, em Belém, ocorreu quase simultaneamente <strong>à</strong>s tentativas de institucionalizar<br />
a medicina acadêmica. Assim, a perspectiva de imposição da vacina - daí as várias<br />
tentativas de torná-la obrigatória -, representaria a sobreposição ou a hegemonia da<br />
medicina acadêmica em relação as outras artes de curar verificadas na região.<br />
Algumas dessas práticas foram enquadradas, na última década do século XIX, como<br />
exercício ilegal da medicina e foram severamente combatidas pelas autoridades.<br />
Mas, ainda assim, parte da população fez pouco caso da vacina e continuou<br />
buscando práticas alternativas de cura.<br />
Neste sentido, havia a homeopatia que buscava já espaço e possuía<br />
indicações de profilaxia e terapêutica para a varíola. Mas, havia principalmente as<br />
práticas de cura geradas no seio das camadas populares, que muitas vezes recorria<br />
e ainda recorre com frequência <strong>à</strong> flora amazônica para encontrar soluções para<br />
muitos de seus males. Sendo assim, era comum o desenvolvimento de uma série de<br />
“preparados” destinados ao tratamento de diversas doenças. Estes, muitas vezes,<br />
eram anunciados em periódicos importantes da região, dividindo espaço com os<br />
xaropes, os vinhos, as pílulas e as cápsulas desenvolvidas pelos médicos<br />
acadêmicos.<br />
de uma pessoa ao vírus, para impedir o desenvolvimento da infecção. Esta foi a estratégia utilizada<br />
para erradicar a doença durante o século XX.<br />
133
O enraizamento dessas práticas na cultura popular da região é tão forte que<br />
se constituiu num dos principais fatores explicativos da intolerância popular <strong>à</strong> vacina<br />
entre outras profilaxias e terapêuticas encaminhadas pelo poder público. Assim, a<br />
prática repressiva foi o único caminho encontrado pelas autoridades para garantir o<br />
cumprimento de suas políticas públicas. Mas, mesmo o isolamento foi rejeitado pelas<br />
camadas populares, principais alvos dessa prática, que procuravam o tratamento na<br />
própria residência, escondendo os doentes das autoridades sanitárias, ou em locais<br />
comandados por aqueles que eram designados como “pajés” ou “curandeiros”.<br />
Portanto, o enraizamento dessas práticas era mesmo bastante forte junto <strong>à</strong>s<br />
camadas populares e em outros setores da sociedade, chegando mesmo a penetrar<br />
até nos métodos dos seus mais severos opositores, os médicos acadêmicos. Para<br />
Figueiredo (2003), não estão bem descoladas as práticas dos médicos acadêmicos<br />
em relação aos detentores de um saber considerado popular. Segundo Meira<br />
(1986), nesse período, era muito comum para os médicos, principalmente <strong>à</strong>queles<br />
que pretendiam maior reputação, ter nas prateleiras das farmácias um produto que<br />
levasse seu próprio nome, sendo que alguns alcançaram grande repercussão, até<br />
internacional. O Dr. Gesteira assinava o “Ventre-Livre” e o “Regular Gesteira”, havia<br />
as “Pílulas Verdes” do Dr. Pinheiro Sozinho, o “Colírio Amarelo” do Dr. Geminiano de<br />
Lyra Castro, a “Pomada” do Dr. Lauro Magalhães e o “Elixir indígena” desenvolvido<br />
pelo Dr. Ferro e Silva para o tratamento do impaludismo. Este último medicamento,<br />
pelo próprio nome, demonstra como eram delicadas as relações entre as práticas da<br />
medicina acadêmica e as práticas consideradas populares.<br />
Portanto, refletir sobre a experiência com a saúde e a doença, representou a<br />
necessidade de realizar um percurso no qual discuti produções discursivas diversas<br />
e procurei cruzar as informações nelas contidas objetivando construir uma<br />
interpretação do fenômeno das epidemias de varíola ocorridas em Belém, entre a<br />
segunda metade do século XIX e o início do século XX, para compreender a<br />
historicidade de determinadas profilaxias e ou práticas terapêuticas desenvolvidas na<br />
capital paraense, com o intuito de escrever mais uma página da história da medicina<br />
social na Amazônia.<br />
134
Viajantes e Literaturas:<br />
FONTES<br />
BATES, Henry. O Naturalista no Rio Amazonas. v. 2. São Paulo: Cia Editora<br />
Nacional, 1944.<br />
CARVALHO, Marques. Hortência. Ed. Especial. Belém: Cejup – Secult, 1997.<br />
CASAL, Pe. Manuel Aires de. Corografia Brasílica, 2 vols. Rio de Janeiro: Imprensa<br />
Nacional, 1947.<br />
COR<strong>DE</strong>IRO, Luiz. O Estado do Pará, seu Comércio e Indústria 1719 <strong>à</strong> 1920.<br />
Belém: Tavares Cardoso e cia, 1920.<br />
KID<strong>DE</strong>R, <strong>Da</strong>niel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil. v. 2.<br />
São Paulo: livraria martins, 1943.<br />
MARC, Alfred. Le Bresil – Excursion a travers sés 20 Provinces, v. I. Paris:<br />
D’Angello –Ferrão, 1890.<br />
MARTIUS, C. F. & SPIX, J.B. Viagem pelo Brasil. 2.ed.. São Paulo: Melhoramentos,<br />
1861.<br />
MOURA, Ignácio et al. Anuário de Belém, em comemoração ao seu tricentenário,<br />
1616-1916. Belém: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1915.<br />
135
RECLUS, Elisée. Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1900.<br />
SPIX, Johann Baptist von & MARTIUS, Karl Philipp von. Viagem pelo Brasil 1817-<br />
1820. Belo Horizonte: Itatiais; São Paulo: Edusp, 1981.<br />
WALLACE, Alfred Russel. Viagem pelo Amazonas e Rio Negro. São Paulo:<br />
Companhia Editora Nacional, 1939.<br />
Documentos Manuscritos:<br />
Arquivo Público do Estado do Pará<br />
Fundo: Corpo de Polícia da Província. Série: ofícios diversos (jan -mar), 1884. lote<br />
47.<br />
Fundo: Presidência da Província. Série: abaixo-assinados, 1884, caixa 07.<br />
Fundo: Presidência da Província. Série: abaixo-assinados, 1888, caixa 08.<br />
Mensagens, Relatórios e Falas:<br />
BELÉM. Intendência Municipal. O Município de Belém. Relatório apresentado ao<br />
Conselho Municipal de Belém capital do Pará, 1897-1902 pelo Exmo. Sr. Intendente<br />
Antômio José de Lemos. Belém: Archivo da Intendência Municipal, 1902.<br />
136
PARÁ. Discurso recitado pelo Dr. Bernardo de Souza Franco, Presidente da<br />
Província do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 15 de<br />
agosto de 1839. Pará, Typ. de Santos & menor, 1839.<br />
PARÁ. Discurso recitado pelo Dr. João Antonio de Miranda, Presidente da Província<br />
do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em , em 15 de Agosto de<br />
1840. Pará: Typ. de Santos & menor, 1840.<br />
PARÁ. Discurso recitado pelo exm. sr. desembargador Manoel Paranhos da Silva<br />
Vellozo, Presidente da Província do Pará, na abertura da primeira sessão da Quarta<br />
Legislatura da Assembléia Provincial, em 15 de agosto de 1844. Pará, Typ. de<br />
Santos & menores, 1844.<br />
PARÁ. Fala com que Miguel José de Almeida Pernambuco, Presidente da Província,<br />
abriu a 2ª sessão da 26ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Pará, em<br />
02 de fevereiro de 1889. Belém: A.F. da Costa. 1889.<br />
PARÁ. Fala dirigida pelo exm. Sr. conselheiro Jeronimo Francisco Coelho,<br />
presidente da provincia do Gram Pará <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial na<br />
abertura da segunda sessão ordinaria da sexta legislatura, em 1º de outubro de<br />
1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.<br />
PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />
Augusto Montenegro, governador do Estado, em 7 de setembro de 1902. Belém:<br />
Imprensa Official, 1902.<br />
PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />
José Paes de Carvalho, governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1900. Belém:<br />
Typ. Do Diário Official, 1900.<br />
PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />
José Paes de Carvalho, governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1901. Belém:<br />
Typ. Do Diário Official, 1901.<br />
PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o<br />
vice-presidente, passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao<br />
137
exm. snr. Dr. Miguel J. de Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24<br />
de março de 1888. Pará, Typ. do Diário de Noticias, 1888.<br />
PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Conselheiro João Antônio d’Araújo Freitas<br />
Henriques passou a administração da Província do Pará ao exm. Sr. Joaquim da<br />
Costa Barradas, em 06 de outubro de 1886. Belém: typ. <strong>Da</strong> República, 1891.<br />
PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 2.º vice-presidente<br />
da Província, passou a administração da mesma, em 04 de agosto de 1884, ao exm.<br />
snr. Conselheiro João Silveira de Souza, nomeado por carta imperial de 31 de maio<br />
de 1884. Pará, Typ. De Francisco Costa Junior, 1885.<br />
PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 1º vice-presidente<br />
do Pará, passou a administração da mesma ao exm. sr. Dr. Antonio José Ferreira<br />
Braga, presidente nomeado por decreto de 22 de julho de 1889. Belém: Typ. A.<br />
Fuctuoso da Costa, 1889.<br />
PARÁ. Relatório de hygiene do Estado apresentado ao Governador do Estado Sr.<br />
Dr. Lauro Sodré , em 30 de Junho de 1892, por Cypriano Santos, Inspector da<br />
Hygiene do Estado Belém: Diário Oficial, 1892.<br />
Leis e Regulamentos:<br />
BELÉM, Intendência Municipal. Leis e Posturas Municipais (1892-1897).<br />
BELÉM, Intendência Municipal de. Código de Postura (1900). Código de Polícia<br />
Municipal (1900).<br />
Coleção das Leis do Estado do Pará dos anos de 1891 a 1900, precedida da<br />
Constituição Política do Estado. Belém: Imprensa Oficial, 1900, p.21.<br />
138
Periódicos Citados:<br />
Biblioteca Pública Arthur Vianna (hemeroteca)<br />
Jornais:<br />
A Província do Pará (1899).<br />
A Folha do Norte (1899; 1900; 1901; 1904).<br />
Diário de Notícias (1884; 1888; 1897).<br />
Treze de Maio (1860;1861).<br />
Outros:<br />
Biblioteca Pública Arthur Vianna<br />
BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe Renoaud,<br />
1902.<br />
CACCAVONI, Arthur. Álbum Descriptivo Amazônico. Gênova: F. Amanino, 1899.<br />
CAMPOS, Américo. “Higiene”. In: Quarto Centenário do Descobrimento do Brazil:<br />
O Pará em 1900. Pará-Brasil: Imprensa de Alfredo Augusto Silva, 1900, p.113-19.<br />
PARÁ, Governador (1901-190: Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará.<br />
Paris: Chaponet, 1908.<br />
PROVINCIA DO PARÁ. <strong>Da</strong>dos Estatísticos e Informações para os Imigrantes.<br />
Belém: Diário de Notícias, 1886.<br />
139
BIBLIOGRAFIA<br />
ADLER, Robert. Médicos Revolucionários: de Hipócrates ao genoma humano.<br />
Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.<br />
AL<strong>DE</strong>N, <strong>Da</strong>uril e MILLER, Joseph. Out of Africa: The Slave Trade and the<br />
Transmission of Smallpox to Brazil, 1560-1831. Journal of Interdisciplinary<br />
History, v. 18, n. 2, p. 195-224, 1987.<br />
AL<strong>DE</strong>N, <strong>Da</strong>uril & MILLER, Joseph. Unwanted cargoes: the origins and dissemination<br />
of smallpox via the slave trade from África to Brazil, c. 1560-1830. In: KIPLE,<br />
Kenneth, ed. The African exchange: toward a biological history of black people.<br />
Durham e Londres: Duke University Press, 1987.<br />
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos Viventes: formação do Brasil no<br />
Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.<br />
AMARAL, Alexandre de Souza. Vamos <strong>à</strong> vacina? Doenças, saúde e práticas<br />
médico-sanitárias em Belém (1904-1911). Dissertação (Mestrado em História<br />
Social da Amazônia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade<br />
Federal do Pará, Belém, 2006.<br />
BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Ensaio Corográfico sobre a Província do<br />
Pará. Belém: Santos e Santos, 1839.<br />
140
BELTRÃO, Jane Felipe. Alopatia, Arte Oficial de Curar: disputas em tempo de cólera<br />
no Grão-Pará. In: ALVES, José Jerônimo (org). Múltiplas Faces da História das<br />
Ciências na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2005.<br />
BELTRÃO, Jane Felipe. Cólera: o flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu<br />
Paraense Emilio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004<br />
___________________. Cholera and people "of color" or access to public health<br />
care in 19th-century Brazil. Physis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, 2004 . Disponível<br />
em: . Acesso em: 09 Mar 2008.<br />
___________________Cólera – O Flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém: Museu<br />
Paraense Emílio Goeldi; Universidade Federal do Pará, 2004.<br />
BENCHIMOL. Jaime. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro:<br />
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes,<br />
1992.<br />
BEZERRA NETO, José Maia. “Arthur nas Forjas da História”. A Contribuição de<br />
Arthur Vianna para a historiografia paraense. In: FONTES, Edilza Joana de Oliveira<br />
& BEZERRA NETO, José Maia (orgs). Diálogos entre história, literatura &<br />
memória. Belém: Paka-Tatu. 2007.<br />
________________________. Escravidão negra no Grão-Pará (sécs. XVII-XIX).<br />
Belém: Paka-Tatu, 2001.<br />
BEZERRA NETO, José Maia & GUZMÁN, Décio Terra Matura: Historiografia e<br />
História Social na Amazônia. Belém: Paka -Tatu, 2002.<br />
BIARD, François Auguste. Deux annés au Brésil. Paris: Hachette, 1862.<br />
BORGES, Ricardo. O Pará Republicano, 1824 – 1929, Ensaio Histórico. Conselho<br />
Estadual de Cultura. Belém, 1983.<br />
BRAGA, Theodoro. Noções de Corografia do Estado do Pará. Belém: empresa<br />
gráfica Amazônia, 1919.<br />
BRESCIANI, Maria Stella. A Cidade das Multidões, a Cidade Aterrorizada. In:<br />
PECHAMAN, R (org). Olhares Sobre a Cidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.<br />
_____________________. Lógica e dissonância. Sociedade de trabalho: lei, ciência,<br />
disciplina e resistência operária. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.6,<br />
n.11, set. 1985/fev. 1986, p. 7-44.<br />
141
_______________. Melhoramentos entre intervenções e projetos estéticos: São<br />
Paulo (1850-1950). In: BRESCIANI, M.S.(Org.) Palavras da Cidade. Porto Alegre:<br />
UFRGS, 2001, p. 343-63.<br />
______________. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades no século<br />
XIX). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, n.8/9, set. 1984/abril 1985,<br />
p.35-68.<br />
BRUNO, Ernani da Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo. São<br />
Paulo: Hucitec, 1984<br />
BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 1989.<br />
CALACA, Carlos Eduardo. Capítulos da história social da medicina no Brasil.<br />
Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 2005, vol.12, n.2, p. 557-566. ISSN 0104-<br />
5970. doi: 10.1590/S0104-59702005000200022. Disponível em:<<br />
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702005000200022&script=sci_arttext>.<br />
Acesso em: 21 mar, 2009.<br />
CAMARGO, Luis. As “bexigas” e a introdução da vacina antivariólica em São<br />
Paulo. Revista eletrônica do arquivo do estado, São Paulo, 2007. Disponível em:<br />
. Acesso em: 29 jan, 2009.<br />
CANCELA, Cristina Donza. Adoráveis e Dissimuladas. Campinas, 1997.<br />
Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,<br />
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997.<br />
CARDOSO, Ciro Flamarion. Economia e Sociedade em Áreas Coloniais<br />
Periféricas: Guiana Francesa e Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984.<br />
CARVALHO, Maria Alice R. de & LIMA, Nísia Verônica. O Argumento Histórico nas<br />
Análises de Saúde Coletiva. In: FLEURY, Sonia (org.) Saúde Coletiva?<br />
Questionando a Onipotência do Social. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.<br />
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República<br />
que Não Foi. 3.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987<br />
CHALHOUB, Sidney. et al. (org.). Artes e Ofícios de Curar no Brasil. São Paulo:<br />
Editora da Unicamp, 2003.<br />
________________. Cidade Febril: Cortiços e Epidemias na Corte Imperial. São<br />
Paulo: Companhia das Letras, 1996.<br />
142
________________. Trabalho, Lar e Botequim. 2.ed. São Paulo: editora da<br />
Unicamp, 2001.<br />
CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravos do Atlântico Equatorial: tráfico negreiro para<br />
o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII). Revista<br />
Brasileira de História, v. 26, n. 52, 2006.<br />
COHEN, Gerald. Karl Marx’s theory of history: A defence. Princeton: Princeton<br />
University Press, 1978.<br />
Costa, Magda. Caridade e Saúde Pública em tempo de epidemias . Belém 1850-<br />
1890. Dissertação (Mestrado) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas.<br />
Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-graduação em História Social da<br />
Amazônia, Belém, 2006.<br />
CRUZ, Ernesto. História do Pará. v. 1. Belém: UFPA, 1963.<br />
CUETO, Marcos. Medicine in the past: the history and the historian's profession.<br />
Interview with Roy Porter. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n.<br />
1, Apr. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-<br />
59702002000100010&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em 24 abr 2009.<br />
<strong>DA</strong>NTES, Maria Amélia Mascarenhas. A Implantação das Ciências no Brasil – Um<br />
Debate Historiográfico. In: ALVES, José Jerônimo de Alencar Alves (org). Múltiplas<br />
Faces da História das Ciências na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2005.<br />
DIAS, Antonio. Gonçalves. Dicionário da Língua Tupy: chamada língua geral dos<br />
índios do Brazil. Lipsia: F. A. Brockhaus. 1858.<br />
DIAS, Edinéa Mascarenhas. Manaus (1890- 1910): a Ilusão do Fausto. Manaus:<br />
Valer, 1999.<br />
DIAS, Maria Odila Leite.da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no Século<br />
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1984.<br />
EDLER, Flavio Coelho. A Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da<br />
medicina tropical no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 2002, vol.9,<br />
n.2, pp. 357-385. ISSN 0104-5970. doi: 10.1590/S0104-59702002000200007.<br />
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-<br />
59702002000200007>. Acesso em 22 mar 2009.<br />
143
FERNAN<strong>DE</strong>S, Tânia Maria. Vacina Anti-variólica: ciência, técnica e poder dos<br />
homens. Rio de Janeiro. Ed. Fiocruz, 1999.<br />
_______________________. Imunização Anti-variólica no Século XIX:<br />
inoculação, variolização, vacina e revacinação. Rio de Janeiro. Ed. Fiocruz, 2003.<br />
FERREIRA, Luiz Otávio. Medicina impopular: ciência médica e medicina popular nas<br />
páginas dos periódicos científicos". In: CHALHOUB, Sidney et al. (org.). Artes e<br />
Ofícios de Curar no Brasil. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.<br />
FERREIRA, Pablo. Varíola, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:<br />
. Acesso<br />
em: 23/04/2006.<br />
FIGUEIREDO, Aldrin. Anfiteatro da Cura: pajelança e medicina na Amazônia no<br />
limiar do século XX. In: BELTRÃO, Vera; CHALHOUB, Sidney; SAMPAIO, Gabriela;<br />
SOBRINHO, Carlos (org). Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de hitória<br />
social. 1.ed. Campinas: Unicamp, 2003, p. 273-304.<br />
_________________. Assim como eram os gafanhotos, pajelança e confrontos<br />
culturais na Amazônia do início do século XX. In: MAUÉS, Raimundo Heraldo &<br />
VILLACORTA, Gisela Macambira (org). Pajelanças e religiões africanas na<br />
Amazônia. Belém, Edufpa, 2006, p.52-102.<br />
_________________. Pajés, Médicos e Alquimistas: uma discussão em torno de<br />
ciência e de magia no Pará oitocentista. Cadernos do Centro de Filosofia e<br />
Ciências Humanas. Belém, 1993, v.12, n.1-2. p. 41-54.<br />
_________________. Quem eram os Pajés Científicos? Trocas simbólicas e<br />
confrontos culturais na Amazônia, 1880-1930. In: FONTES, Edilza (org). Contando a<br />
história do Pará: diálogos entre a história e a antropologia. Belém: E. Motion,<br />
2002, v. 3, p. 55-86.<br />
FONTES, Edilza & BEZERRA NETO, José. Diálogos entre história, literatura &<br />
memória. Belém: Paka-Tatu, 2007.<br />
FONTES. Edilza. O Paraíso Chama-se Pará: o álbum “Pará em 1900”.e a<br />
propaganda para atrair imigrantes. In: BEZERRA NETO, José & GUZMÁN, Décio.<br />
Terra Matura. Belém: Paka-Tatu, 2002.<br />
FOUCAULT, Michael. O Nascimento da Clínica. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense<br />
Universitária, 1994.<br />
GINZBURG, Carlo. A Micro – História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand<br />
Brasil, 1989.<br />
144
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988.<br />
GUALTIERI, Regina. A Amazônia sob Olhares Evolucionistas: a ciência do museu<br />
paraense (1894-1914). In: ALVES, José Jerônimo (org). Múltiplas Faces da<br />
História das Ciências na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2005.<br />
HALL, Stuart. En defensa Historia popular y teoría social de la teoría. In:<br />
SAMUEL, Raphael (org.). Barcelona : Crítica, 1984.<br />
HEN<strong>DE</strong>RSON, Donald A. The miracle of vaccination. 1997, Notes and Records of the<br />
Royal Society of London, vol. 51, nº 2.<br />
JAY, Martin. Force fields. Salmagunchi, n. 81, inverno 1989.<br />
JENNER, Edward. Vaccination against Smallpox. Amherst: Prometheus Books,<br />
1966.<br />
JOHNSON, Richard. Contra el absolutismo. In: SAMUEL, Raphael (org.). Historia<br />
popular y teoría social. Barcelona : Crítica, 1984.<br />
JOHNSON, Richard. Thompson, Genovese and socialist humanist history.<br />
History Workshop Journal, n. 6, outono 1978.<br />
KIRK, Neville. History, language ideas and post-modernism. In: Social History, v. 19,<br />
n. 2: 1994.<br />
LACER<strong>DA</strong>, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: faces da<br />
sobrevivência (1889-1916). São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em História) –,<br />
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,<br />
2006.<br />
LE GOFF, Jacques. Por Amor <strong>à</strong>s Cidades: Conversações com Jean Lebrun. São<br />
Paulo: Editora UNESP, 1998.<br />
LIMA, Araújo. A exportação Amazônica. Rio de Janeiro: IBGE, 1944.<br />
LUCA, Tânia Regina. A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY,<br />
Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.<br />
MACHADO, Roberto. et.al. <strong>Da</strong>nação da norma: medicina social e constituição da<br />
Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.<br />
MEIRA, Clóvis. Medicina de Outrora no Pará. Belém: Grafisa, 1986.<br />
145
____________. Médicos de Outrora no Pará. Belém: Grafisa, 1986.<br />
MOREIRA, Eidorfe. O Primeiro Romance Belenense. “A Província do Pará”, 27 de<br />
maio de 1984, 2° caderno.<br />
MOURA, Ignácio Baptista de. De Belém a São João do Araguaia. Belém: Secult,<br />
1989.<br />
NAIRN, Tom. A classe trabalhadora de Inglaterra. In: BLACKBURN, Robin (ed.).<br />
Ideologia na Ciência Social. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.<br />
NETO, Lira. O poder e a peste Fortaleza. Fundação Demócrito Rocha, 1999.<br />
PEIXOTO, A. O problema sanitário da Amazônia. RBR, v.7, n.28, p.411, abr.1918.<br />
PECHMAN. Robert. M.. O Urbano Fora do Lugar?Transferências e traduções das<br />
idéias urbanísticas nos anos 20. In: RIBEIRO. Luiz Cesar de Q. & PECHMAN.<br />
Robert. Cidade, Povo e Nação. Gênese do Urbanismo Moderno. São Paulo:<br />
Civilização Brasileira, 1996. p.331-62.<br />
PEREIRA, Leonardo. As Barricadas da Saúde – Vacina e Protesto popular no<br />
Rio de Janeiro da Primeira República. 1.ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu<br />
Abramo, 2002.<br />
PEREIRA, Rosa Claudia Cerqueira. Paisagens Urbanas: fotografias e<br />
modernidades na cidade de Belém (1846-1908). Belém, 2006. Dissertação<br />
(Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade<br />
Federal do Pará, Belém, 2006.<br />
PETER, Jean-Pierre & REVEL, Jacques. O Corpo: o homem doente e sua<br />
história. História: novos objetos. 4ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.<br />
PORTER, Roy. The greatest benefit to Mankind: a medical history of Humanity.<br />
Nova York,1999 Londres W. W. Norton & Company.<br />
RAMINELLI, Ronald. Depopulação na Amazônia Colonial. In: XI ENCONTRO<br />
NACIONAL <strong>DE</strong> ESTUDOS POPULACIONAIS, 1998, Belo Horizonte. Anais. Belo<br />
Horizonte: ABEP, 1998.<br />
REIS, Arthur Cezar Ferreira. Retratos de Belém III, Séc XIX. nº XII. Belém: 1940.<br />
RITZMANN, Iraci Gallo. Belém: Cidade Miasmática. São Paulo, 1997. Dissertação<br />
(Mestrado em História) – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica,<br />
São Paulo, 1997.<br />
146
RODRIGUES, Silvio Ferreira. Esculápios Tropicais: A Institucionalização <strong>Da</strong><br />
Medicina No Pará, 1889-1919. Belém, 2008. Dissertação (Mestrado em História) –<br />
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém,<br />
2008.<br />
ROQUE, Ricardo. Sementes contra a varíola: Joaquim Vás e a tradução<br />
científica das pevides de bananeira brava em Goa, Índia (1894-1930). História,<br />
Ciências, Saúde, Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1): 183-222, 2004. Disponível<br />
em: . Acesso em : 09 Mar 2008.<br />
SÁ, Magali Romero. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. v.11 n.4 supl.0 São<br />
Paulo dez. 2008<br />
SAMPAIO, Gabriela. Nas Trincheiras da Cura: As Diferentes Medicinas no Rio<br />
de Janeiro Imperial. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001.<br />
SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas Produzindo a Belle-Époque (1870 -<br />
1912). 2.ed. Belém: Paka -Tatu, 2000.<br />
_____________________. Fincando uma Tradição Colonial na República: Arthur<br />
Vianna e Antônio Lemos. In: BEZERRA NETO, J. M. & Guzmán, D. de A (orgs.).<br />
Terra Matura: historiografia e história social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu,<br />
2002.<br />
______________________. Memórias do Velho Intendente Antonio Lemos<br />
(1869-1973). Belém: Paka-tatu, 2002.<br />
<strong>SILVA</strong>, Márcia. O Processo de Urbanização Paulista: a medicina e o crescimento da<br />
cidade moderna. Revista Brasileira de História. v.27, n.53. p. 244-266. São Paulo.<br />
2007.<br />
TRIN<strong>DA</strong><strong>DE</strong>, José Ronaldo. Errantes da Campina: Belém, 1880-1900. Campinas,<br />
1999. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,<br />
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.<br />
TRONCA, I. As Máscaras do Medo - Lepra e Aids. São Paulo: editora da Unicamp,<br />
2000.<br />
VASCONCELOS, J. Quem Tem Medo de Teoria. São Paulo: Fapesp, 2005.<br />
VERGOLINO-HENRY, Anaiza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A presença<br />
africana na Amazônia Colonial: uma notícia histórica. Belém: Arquivo Público do<br />
Pará, 1990<br />
VIANNA, Arthur. As Epidemias no Pará. 2. ed. Belém: UFPA, 1975.<br />
147
_____________. A Santa Casa de Misericórdia Paraense – Notícia Histórica<br />
(1650 - 1902). 2.ed. Belém: SECULT, 1992.<br />
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A Pesquisa em História. 2.ed. São Paulo:<br />
Ática, 1991.<br />
VIGARELLO, George. História das práticas de saúde – A saúde e a doença<br />
desde a Idade Média. Lisboa: Editorial Notícias, 1999.<br />
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar. Medicina, Religião, Magia e<br />
positivismo na República Rio-Grandense, 1889-1928. Bauru: EDUSC, 1999.<br />
WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência (1850 -<br />
1920). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.<br />
148