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JAIRO DE JESUS NASCIMENTO DA SILVA Da Mereba-ayba à ...

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Universidade do Federal do Pará<br />

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas<br />

Mestrado em História Social da Amazônia<br />

<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />

<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />

em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />

Belém-Pará<br />

2009


<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />

<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />

em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />

Belém-Pará<br />

2009<br />

Dissertação apresentada ao Programa de<br />

Pós-Graduação em História Social da Amazônia<br />

da Universidade Federal do Pará como requisito<br />

parcial para obtenção do título de Mestre em<br />

História. Orientadora: Prof.ª Dr. ª Maria Nazaré<br />

do Santos Sarges. (UFPA / UNICAMP).<br />

2


<strong>Da</strong>dos Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)<br />

(Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)<br />

Silva, Jairo de Jesus Nascimento da<br />

<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular em<br />

Belém do Pará, 1884-1904 / Jairo de Jesus Nascimento da Silva; orientadora,<br />

Maria de Nazaré dos Santos Sarges. - 2009<br />

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de<br />

Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História<br />

Social da Amazônia, Belém, 2009.<br />

1. Varíola - Belém (PA) - História - Séc. XIX. 2. Varíola - Vacinação -<br />

Belém (PA). 3. Saúde pública - Belém (PA). 4. Preconceitos - Belém (PA). I.<br />

Título.<br />

CDD - 22. ed. 981.15<br />

3


<strong>JAIRO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JESUS</strong> <strong>NASCIMENTO</strong> <strong>DA</strong> <strong>SILVA</strong><br />

<strong>Da</strong> <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> <strong>à</strong> Varíola: isolamento, vacina e intolerância popular<br />

em Belém do Pará, 1884 -1904.<br />

<strong>Da</strong>ta da aprovação: 09/07/2009<br />

Banca Examinadora:<br />

________________________________<br />

Profª Drª Maria de Nazaré Sarges<br />

Orientadora<br />

_______________________________<br />

Profº Dr. Aldrin Figueiredo<br />

Membro da Banca / UFPA/ UNICAMP<br />

______________________________<br />

Profº Drº Leonardo Pereira<br />

Membro da Banca /PUC - RJ<br />

_____________________________<br />

Profº Drª Franciane Lacerda<br />

Suplente / UFPA/ USP<br />

Dissertação apresentada ao Programa de<br />

Pós-Graduação em História Social da Amazônia<br />

da Universidade Federal do Pará como requisito<br />

parcial para obtenção do título de Mestre em<br />

História. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Nazaré do<br />

Santos Sarges. (UFPA / UNICAMP).<br />

4


A meus pais Joana e Joaquim,<br />

aos meus filhos Jairo Jr, Júlia e<br />

Yasmin, a minha esposa Hellen.<br />

5


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

Neste momento em que se completa mais uma etapa de um longo<br />

processo de formação, cabe agradecer <strong>à</strong>queles que direta e indiretamente<br />

contribuíram para sua conclusão.<br />

Em primeiro lugar é preciso ressaltar a importância da “base". Neste<br />

sentido devo muitos agradecimentos <strong>à</strong> Universidade Federal do Pará, responsável<br />

pela minha formação desde o pré-escolar.<br />

Também devo dizer que além da base é preciso ter um bom “patrocínio”,<br />

por isso também devo agradecer ao Governo do Estado do Pará que, através da<br />

Secretaria de Estado de Educação, me concedeu liberação e bolsa-mestrado.<br />

Recurso imprescindível para a realização desta pesquisa.<br />

Mas, não se pode esquecer que para conquistar um título é preciso ter<br />

um bom “técnico”. Assim, devo muitos agradecimentos <strong>à</strong> Profª Maria de Nazaré<br />

Sarges, pela orientação eficiente, cuidadosa e também pela paciência que<br />

demonstrou ter ao longo deste processo. Merecem agradecimentos também os<br />

profºs. Aldrin Moura de Figueiredo e Franciane Gama Lacerda, pelo incentivo e<br />

pelas sugestões valiosas que deram.<br />

Ainda que não seja um jogo, para conquistar esse título contei com muita<br />

força da “torcida”. Primeiro dos meus pais Joaquim e Joana, pelo constante<br />

incentivo; depois de meus filhos Jairo Jr. e Júlia que toleraram certas ausências.<br />

Também de minha “quase avó” Augusta, que mesmo sem entender muito teve certa<br />

participação. Foram incentivadores e colaboradores os colegas da turma 2007,<br />

especialmente Ivo Pereira e os colegas da linha de trabalho, cultura e etnicidade.<br />

Entre os “torcedores” merece destaque especial minha querida esposa<br />

Hellen, pois foi fundamental em todos os momentos, e colaboradora direta deste<br />

trabalho.<br />

Muito obrigado a todos.<br />

6


RESUMO<br />

Esta dissertação procura desvendar como o crescimento da cidade de<br />

Belém, ao longo do século XIX, provocou ou ampliou problemas já existentes, entre<br />

os quais o da saúde pública, destacando-se o desencadeamento de freqüentes<br />

epidemias de varíola. Em termos de temporalidade o destaque foi dado <strong>à</strong> segunda<br />

metade do século XIX, quando foi intenso o debate acerca da necessidade de<br />

modernizar a cidade, sendo que o projeto modernizador em questão foi fortemente<br />

marcado pelos preceitos excludentes da Ciência da Higiene. Assim, o foco da<br />

pesquisa foi o período entre 1884 e 1904, marcado pela eclosão de três epidemias<br />

de varíola, em Belém. O objetivo principal do trabalho foi demonstrar as razões da<br />

intolerância popular <strong>à</strong>s profilaxias e práticas terapêuticas encaminhadas pelo poder<br />

público, principalmente a política de isolamento baseada no discurso higienista e,<br />

também, a vacina. A experiência desenvolvida pela população de Belém com essas<br />

profilaxias oficias, ao longo do século XIX, foi bastante negativa, propiciando a<br />

conduta aversiva desta.<br />

Palavras-Chave: Modernidade, Higiene, Vacina<br />

7


Abstract<br />

The present work tried to find out how the development of Belem, during<br />

the 19 th century, caused or intensified the problems that already existed, amidst<br />

those ones the public health, especially the smallpox epidemic. In terms of times,<br />

was highlighted the end of the 19 th century, when was intense the debate about the<br />

need to make the city more modern. The project to achieve that target was<br />

characterized by the excludents principles of the Science of Higiene. This way, this<br />

research focused from the year of 1884 to 1904, which was marked by the three<br />

smallpox outbreaks in Belem. The main objective of this work was to show the<br />

reasons for the intolerance that people had to the ways to prevent the diseases and<br />

the therapeutics practices guided by the government, especially the politic of<br />

isolation based on the hygienist speech and, as well, the vaccine. The result of this<br />

experience during the 19 th century in Belem, was negative, resulting in a repulse of<br />

these practices.<br />

Key-words: Modernity, Higiene, Vaccine.<br />

8


LISTA <strong>DE</strong> FOTOGRAFIAS<br />

FOTG. 01 - Matadouro Municipal (Belém) ............................................... 48<br />

FOTG. 02 - Usina de Incineração de Lixo e Animais Mortos (Belém) ..... 49<br />

FOTG. 03 - Necrotério Municipal (Belém) .............................................. 50<br />

FOTG. 04 - Hospital dos Variolozos (Belém) .......................................... 51<br />

FOTG. 05 - Cemitério da Soledade (Belém) ........................................... 53<br />

FOTG. 06 - Capela do Cemitério Santa Izabel (Belém) .......................... 55<br />

LISTA <strong>DE</strong> TABELAS<br />

TABELA 01 - Comparação do Número de Óbitos por Varíola em 1884 ...... 64<br />

TABELA 02 - Relação de Óbitos por Varíola em Janeiro de 1884 ............... 65<br />

TABELA 03 - Relação de Óbitos por Varíola em 1888 ................................ 75<br />

TABELA 04 - Relação de Vítimas de Varíola em 1899 ................................ 82<br />

TABELA 05 - Relação de Vítimas de Varíola em 1900 ................................ 83<br />

TABELA 06: Relação das Vítimas de Varíola Em 1901................................ 84<br />

9


RESUMO<br />

ABSTRACT<br />

LISTA FOTOGRAFIAS<br />

LISTA TABELAS<br />

SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO .........................................................................................<br />

CAPÍTULO I ........................................................................................... 31<br />

1. A VARÍOLA ANTES <strong>DE</strong> 1884 ............................................................<br />

CAPÍTULO II ........................................................................................... 57<br />

1. EPI<strong>DE</strong>MIAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM BELÉM ENTRE 1884 E 1904 ............ 58<br />

1.1. EPI<strong>DE</strong>MIA 1884 ................................................................................ 59<br />

1.2. EPI<strong>DE</strong>MIA <strong>DE</strong> 1888 -1889 ............................................................. 72<br />

1.3. EPIEMIA <strong>DE</strong> 1899 A 1901 ...............................................................<br />

CAPÍTULO III ........................................................................................ 83<br />

1. EM BUSCA <strong>DA</strong> CURA ........................................................................ 87<br />

1.1. DOS TIROS <strong>DE</strong> CANHÃO À POLÍTICA <strong>DE</strong> ISOLAMENTO ........... 91<br />

1.2. VACINA: PRESERVATIVO OU VENENO? .....................................<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS .................................................................... 130<br />

FONTES ................................................................................................. 133<br />

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 138<br />

11<br />

31<br />

76<br />

105<br />

10


____________________________________________________________________<br />

11<br />

INTRODUÇÃO<br />

Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados<br />

Unidos da América, que derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center,<br />

tornaram-se freqüentes <strong>à</strong>s referências a novas ameaças de ataques desse gênero e,<br />

também, criou-se toda uma histeria em torno de outra ameaça, a da guerra<br />

bacteriológica. Entre as possibilidades alardeadas pela imprensa estava a<br />

propagação do vírus da varíola que, depois da erradicação da doença na década de<br />

1980 só foi preservado para estudos em laboratórios na Europa e nos EUA,<br />

deixando a comunidade científica internacional em estado de alerta. Não seria a<br />

primeira vez que a varíola cumpriria esse terrível papel na história da humanidade,<br />

de forma consciente ou inconsciente. Basta lembrar o caso da Guerra Franco-<br />

Prussiana de 1870, quando a varíola manifestou-se entre os soldados franceses e<br />

difundiu-se para toda a Alemanha, resultando numa das mais cruéis epidemias<br />

conhecida de varíola, já em plena era da vacina anti-variólica. Somente a Prússia<br />

perdeu 136.830 pessoas, segundo dados do professor de higiene da Universidade<br />

de Perúsia, Carlos Ruata 1 .<br />

Para os indígenas brasileiros, esse tipo de estratégia de extermínio não é<br />

novidade. Ao longo da história do "contato" com os brancos, além dos relatos de<br />

doenças transmitidas por eles, contra as quais os índios não possuíam proteção<br />

imunológica e por isso, muitas vezes, acabavam morrendo, juntam-se histórias que<br />

apontam para a contaminação criminosa, embora não tenham sido cientificamente<br />

comprovadas. São muitos os casos registrados na literatura científica, em crônicas e<br />

em relatos orais de índios, dando conta da contaminação deliberada, criminosa, que<br />

dizimou um número incontável de povos indígenas no Brasil.<br />

Segundo Gomes (1988), com a descoberta da etiologia das doenças e<br />

principalmente sua forma de contaminação, os portugueses e também os brasileiros<br />

não tiveram nenhum escrúpulo em utilizar-se desses conhecimentos para exterminar<br />

1 Os artigos do professor Carlos Ruata foram publicados pela A Folha do Norte entre 15 e 17 de<br />

novembro de 1904 e serão detalhadamente analisados no capítulo 3.


os povos indígenas que cruzavam seus caminhos. “Essa mistura mais cruel de<br />

guerra e epidemia é que se chama de guerra bacteriológica”, afirma.<br />

Para Gomes (1988) a primeira utilização de arma bacteriológica conhecida<br />

no Brasil aconteceu em Caxias, no Maranhão, em 1815. Estava ocorrendo uma<br />

epidemia de varíola quando índios Canelas Finas estiveram por lá em visita. "As<br />

autoridades lhes distribuíram brindes e roupas previamente contaminadas por<br />

doentes”. Os índios contraíram a doença, e, percebendo o caráter do contágio,<br />

adentraram pela mata. Os sobreviventes contaminaram outros mais, e meses depois<br />

essa epidemia atingia os índios já em Goiás. O mesmo autor informa ainda que no<br />

fim do século XIX, os "bugreiros de Santa Catarina e Paraná, financiados por<br />

companhias de imigração, deixavam em pontos determinados de troca de presentes<br />

com índios (Xokleng e Kaingang), cobertores infectados com sarampo e varíola.<br />

Wallace (1979) 2 conta que certa vez, quando se dirigia ao povoado de<br />

Pedreira, no Rio Negro, encontrou um padre que ele já conhecia e que percorria a<br />

região em viagens pastorais e de negócios e passaram a conversar sobre a<br />

epidemia de varíola que afetava o Pará naquela época. Na mesma oportunidade ele<br />

relatou-me uma experiência pessoal sobre o assunto e demonstrava bastante<br />

orgulho da forma como se utilizou da doença malígna. Frei José disse que<br />

aconselhara o presidente da Bolívia a combater algumas tribos de índios hostis<br />

encontradas no caminho de Santa Cruz, aproveitando-se de uma epidemia de<br />

varíola que atacava a cidade, colocando as roupas dos doentes que morriam de<br />

varíola onde os índios pudessem pegá-las, em vez de queimá-las, disseminando a<br />

doença. Assim, em pouco tempo não se ouviu mais falar das hostilidades dos índios,<br />

pois cerca de cinco tribos foram exterminadas.<br />

Wallace (1979) relata que teve dificuldade em conter certo estremecimento<br />

diante da narrativa deste massacre a sangue frio, descrita de forma tão tranqüila e<br />

indiferente. Martius (1844) também faz referência a esta prática, revelando como o<br />

contágio da varíola por diferentes nações indígenas se deu através do contato com o<br />

“homem branco”. Portanto, para muitos desses índios, o contato era sinônimo de<br />

2 Narrativas de viagens pelos rios Amazonas e Negro do naturalista inglês Alfred Russel Wallace,<br />

publicadas pela primeira vez em 1853.<br />

12


contágio, dificultando ou inviabilizando qualquer possibilidade de aproximação, em<br />

função da adoção dessa prática genocida por parte daqueles que se consideravam<br />

civilizados. Eis apenas um dos aspectos que podem ser abordados em relação <strong>à</strong>s<br />

epidemias de varíola na Amazônia, mas que merecem pesquisas mais específicas,<br />

em trabalhos futuros.<br />

Este trabalho, porém, procura recuperar esse aspecto assumido pela<br />

varíola em terras amazônicas, sendo muitas vezes tratada como elemento ou<br />

“estratégia” de guerra. Todavia, apesar da referência a utilização da varíola como<br />

arma bacteriológica, não pretendemos analisar este aspecto da doença nesta<br />

dissertação. Mas, se a varíola assumiu a condição de arma bacteriológica, tendo<br />

contribuído para o extermínio de povos indígenas, ao mesmo tempo tornou-se alvo,<br />

que precisava ser combatido, erradicado, pois também afetava intensamente<br />

aqueles que estavam do outro lado da “trincheira”. E para combatê-la buscou-se a<br />

utilização, até mesmo, das armas utilizadas em guerras convencionais, pois, a<br />

profilaxia adotada em 1793, pelo governador Francisco de Souza Coutinho,<br />

conforme Vianna (1992) 3 , “assumiu as proporções de um exercício a fogo”. O<br />

3 A referência <strong>à</strong> Arthur Octávio Nobre Vianna (1873-1911) é quase obrigatória num trabalho sobre<br />

epidemias no Pará. Segundo Sarges (2002), Vianna nasceu em Belém, estudou no Lyceu Paraense<br />

e recebeu o título de “Farmacêutico laureado pela Escola do Pará”, sendo o irmão mais velho do<br />

médico Gaspar Vianna. Aos 38 anos, quando terminava o curso de medicina, no Rio de Janeiro,<br />

veio a falecer. Arthur Vianna fez parte de um grupo de intelectuais paraenses que transitou por<br />

diversas áreas do saber, exercendo, inclusive, o ofício de jornalista, como era muito comum nesta<br />

época, segundo Sarges (2002), entre os intelectuais, pois além de permitir a divulgação de suas<br />

idéias e talentos literários, constituía-se em meio de acesso para a arena política. De uma gama<br />

variada de estudos publicados por Arthur Vianna, destacamos duas obras: A Santa Casa de<br />

Misericórdia Paraense – Notícia Histórica, 1650-1902, publicado pela Typografia Alfredo e Silva, em<br />

1902, sob encomenda do intendente da cidade Antônio Lemos, e As Epidemias do Pará, publicado<br />

pela primeira vez em 1906, sob patrocínio do governador do Estado Augusto Montenegro. Esta obra<br />

faz uma descrição das diversas epidemias que assolaram o Pará, principalmente na segunda<br />

metade do século XIX. Há registros sobre epidemias de cólera, varíola, febre amarela e peste<br />

bubônica, durante este período, com seus impactos sobre a população local e a indicação da<br />

impotência demonstrada, diversas vezes, pelas autoridades médicas e ou políticas em combater<br />

tais doenças. Os dois trabalhos foram reeditados posteriormente, o primeiro em 1992 e o segundo<br />

em 1975, por isso, como utilizamos neste trabalho as publicações mais recentes de sua obra,<br />

optamos pela referência <strong>à</strong>s publicações mais recentes (1975 e 1992). Embora consideremos os<br />

trabalhos de Vianna referência imprescindível, não podemos deixar de empreender uma análise<br />

crítica destes. Assim, é preciso considerar uma série de aspectos que nortearam a produção<br />

“arthutiana”, como por exemplo, a sua condição de funcionário público que lhe propiciou o contato<br />

com os documentos oficiais, indispensáveis para quem pretendia uma escrita da história segundo<br />

os parâmetros do positivismo. Também importante considerar sua formação na área da saúde.<br />

Como farmacêutico de formação e transitando pelo circuito dos notáveis homens da ciência médica<br />

que se constituía na época, seria inevitável a Vianna emprestar certos conceitos ou modelos<br />

provenientes das chamadas ciências da natureza, especialmente as biológicas, para realizar suas<br />

incursões pelo terreno da história. Além disso, é necessário destacar sua opção pela república, uma<br />

13


eferido governador, reconhecendo “o fumo da pólvora como poderoso<br />

desinfectante, mandou descarregar tiros de canhão no canto das ruas”. Por essas<br />

razões buscamos dar ao tema a conotação de uma guerra, ou de uma guerra<br />

bacteriológica, onde a varíola foi usada como arma; ou de guerra contra a varíola<br />

praticada pelas autoridades e populares, que não cansaram de produzir “armas” para<br />

combater a “doença maligna”.<br />

Essa representação sobre a varíola, tratada como “doença maligna 4 ” ou<br />

mereba-<strong>ayba</strong>, que também aparece no título deste trabalho, foi encontrada no<br />

vocabulário de algumas nações indígenas, numa tentativa de atribuir uma conotação<br />

local para a referida moléstia, embora saibamos que outras tribos indígenas, de<br />

outros cantos do país pudessem utilizar tal designação. A derivação desse termo<br />

parece ter levado ao termo “pereba”, muito usado em Belém e que, segundo o<br />

opção política e pragmática, haja vista o “mecenato” incidente sobre sua obra, pois seus dois<br />

trabalhos mais significativos, citados acima, foram encomendados pelo intendente da cidade e pelo<br />

governador do Estado como também já foi dito, daí a tendência, verificada em sua obra, pela crítica<br />

aos períodos que antecederam ao regime republicano e todo destaque dado a este último, num<br />

evidente interesse em consolidar o novo regime, conquistando corações e mentes, assumindo a<br />

história um papel pedagógico e utilitário. Para um conhecimento mais aprofundado deste intelectual<br />

paraense, consultar: BEZERRA NETO, J. M. “Arthur nas Forjas da História. A Contribuição de<br />

Arthur Vianna para a historiografia paraense”. In: FONTES, E. J. de O. & BEZERRA NETO, J. M.<br />

(orgs). Diálogos entre história, literatura & memória. Belém: Paka-Tatu. 2007.<br />

4 Esta expressão é a tradução apresentada por Martius (1844) para o termo mereba-<strong>ayba</strong>, utilizado<br />

pelos considerar a dificuldade para confrontar suas conclusões para se obter resultados mais<br />

eficazes, não se pode negar a base, a fundamentação respeitável de seu trabalho. Neste, mereba<strong>ayba</strong><br />

aparece traduzida unicamente por bexigas, confirmando as afirmações de Martius. Assim,<br />

optamos pela designação indígena para dar título ao presente indígenas em referência <strong>à</strong> varíola.<br />

Com esta pesquisa foram encontradas apenas duas referências ao termo em dicionários de línguas<br />

indígenas. O primeiro foi publicado na revista do IHGB (1856), em manuscrito elaborado pelo Barão<br />

de Antonina, apresentado como vocabulário dos índios cayás. Neste, o termo mereba-<strong>ayba</strong> aparece<br />

traduzido ora por lepra, ora por bexigas (Revista do IHGB, tomo IX, Rio de Janeiro, Typographia<br />

Universal de Laemmert, 1856). Dois anos depois, Gonçalves Dias, publicou um “Dicionário da<br />

Língua Tupy, chamada língua geral dos índios do Brasil”, elaborado a pedido do IHGB, cujo objetivo<br />

era produzir uma memória dos índios descrevendo seus caracteres intelectuais e morais. Segundo<br />

Gonçalves Dias, seu dicionário tomou por base o vocabulário que o autor de “Poranduba<br />

Maranhense” acrescentou ao seu trabalho, valendo-se da Gramática do padre Figueira; do<br />

Dicionário Braziliano, publicado por um anônimo em Lisboa, em 1795; de um manuscrito da<br />

Biblioteca Pública do Rio de Janeiro cujo título não é citado; de um Dicionário, também manuscrito,<br />

da Biblioteca da Academia Real da Sciencias de Lisboa; e de quatro cadernos que acompanham as<br />

remessas do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, durante a sua comissão científica pelo<br />

Amazonas, nos anos de 1785, 1786 e 1787. Portanto, apesar de Gonçalves Dias trabalho, pois,<br />

além de assumir uma conotação regionalizada, a referida doença também se revela de forma<br />

devastadora em relação aos índios num primeiro momento, chegando a assumir, até mesmo, o<br />

caráter de guerra bacteriológica, como fica evidente em algumas passagens do texto (DIAS, A.<br />

Gonçalves. Dicionário da Língua Tupy: chamada língua geral dos índios do Brazil. Lipsia: F. A.<br />

Brockhaus. 1858).<br />

14


dicionário de Aurélio Buarque de Holanda é definido como “ferida de mau caráter, de<br />

crosta duríssima”. Desta forma, trabalhamos com um tema cuja escolha está ligada a<br />

perspectiva assumida por este trabalho que pretende desenvolver uma história<br />

social, que também poderia ser considerada uma história social da medicina, cuja<br />

abordagem prioriza o enfermo ou a enfermidade. Quanto a essa questão, é de<br />

fundamental importância lembrar que, em agosto de 2001, Roy Porter concedeu uma<br />

entrevista a Marcos Cueto, da Universidade Peruana Cayetano Heredia, em Lima.<br />

Perguntado sobre que influências recebeu ao adotar uma história da medicina vista<br />

de baixo, respondeu, se acordo com Cueto (2002: 207 ):<br />

Acredito que quando estava estudando história na Universidade de<br />

Cambridge recebi uma grande influência da historiografia inglesa,<br />

especialmente dos trabalhos de E. P. Thompson. Essa corrente olhava com<br />

detalhe como se haviam construído as classes sociais e a própria<br />

experiência das classes trabalhadoras e dos mais pobres neste<br />

desenvolvimento. Esta perspectiva me impressionou muito. Me pareceu uma<br />

maneira de estar sob o pé da história, uma forma de entender como se<br />

enfrentaram na realidade, os diversos agentes da história, não de acordo<br />

com os ditados deterministas do marxismo científico, porém entendidos de<br />

acordo com um marxismo humanista. Transplantei essa atitude <strong>à</strong> história da<br />

medicina e me perguntei: Como seria ver a medicina, não de cima para<br />

baixo, mas de baixo para cima? Conclui que tinha sentido a pergunta,<br />

porque não haveria medicina se não existissem pessoas enfermas. A<br />

pessoa enferma é o começo de toda medicina.<br />

Mas como seria possível realizar uma abordagem desse tipo? Que<br />

experiências ou propostas similares teriam sido já aplicadas? O caminho percorrido,<br />

para a obtenção das respostas, que pudessem nos situar na realidade local, exigiu<br />

comparações. Assim, foi necessário percorrer o trajeto da historiografia que tratou do<br />

tema em nível nacional, especialmente aquela que abordou o caso carioca, para<br />

definir o caráter da produção local e encaminhar uma análise que pudesse dar<br />

respostas inovadoras a questões antigas. Então, descreveremos a seguir as<br />

tendências historiográficas que trataram do assunto dessa dissertação para melhor<br />

situar nosso trabalho.<br />

É possível definir três abordagens que se ocupam do caso carioca, das<br />

quais derivam diversas vertentes que podem encontrar compatibilidade com o caso<br />

15


de Belém. Transitando por uma interpretação encaminhada por Michel Foucault,<br />

Roberto Machado elaborou uma dessas leituras, procurando esclarecer como teria<br />

ocorrido o que ele chamou de “medicalização da sociedade”. Neste modelo de<br />

análise, a horizontalidade dos poderes definiria o domínio e a subordinação de<br />

grupos excluídos através da construção de todo um aparato institucional repressivo,<br />

formado por escolas, quartéis e hospitais, em que o tema da saúde teve lócus<br />

privilegiado. Essa abordagem desencadeou diversos trabalhos que estudaram casos<br />

particulares de construção de uma nova ordem, de civilização e progresso nos<br />

trópicos.<br />

Machado (1978) avalia, por exemplo, como as condições higiênicas das<br />

cidades, no caso o Rio de Janeiro colonial, transformaram-se em tema para a<br />

administração pública brasileira. A delimitação desse processo se constitui a partir de<br />

uma periodização que se situa entre a criação da Sociedade de Medicina e Cirurgia<br />

do Rio de Janeiro, em 1829, e a ocorrência das primeiras epidemias de febre<br />

amarela, em 1850, e de cólera em 1855, na capital do Império, como marco inicial da<br />

adoção da problemática da doença e da saúde para fins de controle social. Com<br />

isso, a elevação nas taxas de mortalidade durante os períodos epidêmicos teriam<br />

despertado as autoridades para o problema da salubridade urbana, tornando a<br />

higiene um tema importante para a história do país.<br />

Outra abordagem importante sobre a questão da urbanização e da saúde<br />

foi elaborada por Jaime Benchimol que, em seu trabalho, descreve a ‘teia de<br />

relações’ que conferiu <strong>à</strong> renovação urbana do começo do século XX na capital<br />

federal um caráter de substituição. Neste sentido, um processo amplo de<br />

reformulação demarcou a transferência de áreas determinadas da cidade das mãos<br />

da população e classes consideradas subalternas para grupos sociais em ascensão.<br />

Para Benchimol (1992) iniciava-se uma política urbanística sistemática em que as<br />

obras de demolição e reconstrução foram suportadas por leis e determinações<br />

jurídicas que buscavam, ao mesmo tempo, cumprir as funções políticas de sede do<br />

Estado e cristalizar as exigências capitalistas da economia. Assim, partindo dos itens<br />

fixados pelo projeto presidencial de Rodrigues Alves, Benchimol (1992) aponta para<br />

um conjunto de ações complementares, que podem ser divididas em dois grandes<br />

grupos: interferências que visavam o aperfeiçoamento das relações comerciais<br />

16


asileiras no que se referia ao gerenciamento das exportações e importações e<br />

circulação de produtos. A conseqüência seria a remodelação da estrutura portuária e<br />

das ruas de acessos entre o centro comercial, financeiro e administrativo e as áreas<br />

de expansão, dentro da própria cidade. Além disso, há uma recomposição das<br />

relações de classes, com a tentativa de erradicar os possíveis fatores de<br />

contaminação, que provocavam doenças epidêmicas, principalmente a febre<br />

amarela, e a construção de um espaço urbano estratificado a fim de expulsar<br />

determinadas camadas da população das áreas centrais, reservada aos grupos<br />

dominantes. Nessa abordagem a questão da saúde surgiria então como parte do<br />

processo de intervenção capitalista na cidade, inserida nos projetos de reforma<br />

urbana com um propósito bastante evidente, que seria definir, com rigidez, uma<br />

maneira de atuação que pudesse auxiliar na construção de regras para adequar os<br />

diferentes setores da população ao espaço urbano, cenário de novos projetos.<br />

Adotando periodização semelhante aos dos autores citados anteriormente,<br />

Chalhoub (1996) analisa detalhadamente a questão das epidemias e as habitações<br />

urbanas em consonância com a construção da idéia de administração competente e<br />

técnica da cidade do Rio de Janeiro e de sua população. Para esta abordagem, o<br />

processo de urbanização da capital federal seria marcado por dois momentos<br />

distintos, sendo o primeiro caracterizado pela perspectiva de atribuir <strong>à</strong>s classes<br />

pobres a condição de classes perigosas, com preferência pelos negros nesta<br />

identificação e, o segundo momento seria o da imposição de critérios técnico-<br />

científicos como um modelo de racionalidade que, acima das desigualdades sociais,<br />

poderia ser capaz de justificar as políticas públicas encaminhadas. Para Chalhoub<br />

(1996) ocorreu neste momento o nascimento de uma ideologia da higiene, cujo<br />

objetivo principal seria legitimar as decisões e intervenções políticas e deslegitimar a<br />

política em favor da organização do trabalho, da manutenção da ordem pública e de<br />

uma solução para o problema das epidemias.<br />

Poderíamos identificar, ainda, mais uma via de interpretação do caso<br />

carioca que procura fundir vários elementos contidos nas análises anteriores,<br />

misturando noções de sociedade medicalizada com ideologia da higiene que<br />

também produziu reflexos na análise de outras realidades. É possível considerar que<br />

em Belém, como ficou evidente na análise acima, a reforma urbana também foi<br />

17


articulada <strong>à</strong> reforma sanitária, produzindo efeitos semelhantes aos da capital federal.<br />

Neste processo percebe-se também a utilização do conceito de classes perigosas<br />

em referência as classes pobres, a tentativa de impor critérios técnico-científicos<br />

como modelo de racionalidade e a elaboração de uma ideologia da higiene,<br />

identificada em diversos trabalhos que trataram do assunto, relativamente a Belém.<br />

Entre os trabalhos produzidos sobre epidemias de varíola em Belém, de<br />

fins do século XIX ao início do século XX, alinhados com aquela terceira via de<br />

interpretação do caso carioca, apresentada acima, destacam-se os de Iraci Gallo 5 e<br />

Alexandre Amaral. Em seu estudo sobre epidemias de varíola e febre amarela em<br />

Belém das últimas décadas do século XIX, Iraci Gallo Ritzmann, em sua dissertação<br />

de mestrado, descreveu algumas práticas de homens e mulheres pobres de Belém<br />

desse período, dando vozes a sujeitos até então silenciados pela própria<br />

historiografia encarregada dessa temática, mostrando suas atitudes diante dos<br />

discursos médicos e higienistas, elaborados em nome da ciência, da modernidade<br />

ou da civilização. Neste trabalho, Ritzmann (1997) procurou mergulhar no modo de<br />

vida da população de Belém, enfocando os locais onde trabalhavam, como moravam<br />

e como organizavam seu cotidiano.<br />

A autora também apresenta o debate sobre as formas de contágio, pela<br />

varíola e pela febre amarela, e ainda as medidas adotadas pelas autoridades<br />

públicas para se procurar manter a salubridade na cidade de Belém. Porém, se<br />

Ritzmann (1997) demonstra diversos aspectos da população de Belém, no final do<br />

século XIX, bem como o crescimento vertiginoso desta população apontando para as<br />

campanhas imigrantistas, procurando identificar os vários segmentos sociais<br />

envolvidos nas questões relativas <strong>à</strong> saúde e a higiene da cidade, ela não<br />

problematizou a complexidade da reação popular <strong>à</strong>s profilaxias encaminhadas pelo<br />

poder público, relativamente <strong>à</strong> varíola, no sentido de identificar suas razões, para<br />

5 Em sua monografia de especialização: “A varíola na Terra dos Homens de Flecha e Arco”, realizada<br />

em 1994, junto a Universidade Federal do Pará, Iraci Gallo analisou a epidemia de varíola ocorrida<br />

em Belém no ano de 1884. Nesta, a autora procurou fazer uma descrição do impacto da epidemia<br />

sobre a população de Belém. Este trabalho, inovador para a época, baseou-se em dados fornecidos<br />

por Arthur Vianna e artigos de jornais, especialmente o Diário de Notícias. O resultado, embora<br />

tratar-se de um trabalho de especialização, apresentou elementos importantes para análises<br />

futuras.<br />

18


tentar fugir do lugar comum em que se tornou tal questão, sendo tratada, quando<br />

muito, pura e simplesmente no campo da resistência popular.<br />

Amaral (2006) analisa doenças e epidemias como a febre amarela, a<br />

varíola e a peste bubônica, que estavam no centro do debate das práticas médico-<br />

sanitárias em Belém, no início do século XX. Para o autor, o higienismo de médicos<br />

tornou-se discurso recorrente de intervenção no espaço cotidiano dos moradores,<br />

em que campanhas de profilaxias foram consideradas responsáveis pela cura da<br />

cidade. As ações propostas pelos detentores do saber científico geraram tensões,<br />

segundo Amaral (2006) entre moradores e autoridades públicas em função da<br />

associação do saber médico com o poder público. Analisando artigos na imprensa,<br />

literatos, jornalistas, políticos, relatos médicos, mensagens de governo, relatórios,<br />

fotografias e charges, o autor mencionado, procurou compreender os significados<br />

atribuídos pelos contemporâneos em relação <strong>à</strong>s epidemias da varíola, tuberculose e<br />

febre amarela, por exemplo, por parte dos saberes médico-sanitários.<br />

Apesar de reconhecermos a relevância deste trabalho, com uma carga<br />

densa de fontes que lhes dão suporte, apenas uma seção do capítulo II 6 do trabalho<br />

de Alexandre Amaral tem relação direta com esta dissertação. Ainda assim, a<br />

referida seção, está baseada principalmente em dados relativos aos anos de 1904 a<br />

1911, mas utilizando-se de estatísticas sobre a varíola apenas para 1905, portanto<br />

em período diverso ao que se pesquisou para esta dissertação. Além disso, como<br />

tratou de outras doenças, Amaral (2006), não pode aprofundar a análise em relação<br />

<strong>à</strong> profilaxia da varíola como pretendia fazer, pois, embora tenha apresentado<br />

estatísticas da vacinação aplicada em Belém e sinalizado com a perspectiva de um<br />

enraizamento na cultura popular local de práticas de cura tradicionais que<br />

obstaculizavam as profilaxias oficiais, especialmente a vacina, não lhe foi possível<br />

desvendar totalmente as raízes dessa cultura popular, deixando também a<br />

impressão de que a rejeição <strong>à</strong>s profilaxias oficiais fossem produto da tão famosa<br />

“resistência popular”, cujas vozes, a seu ver, foram silenciadas pelo projeto vencedor<br />

ou pela historiografia que tratou do tema. Ora, analisando o trabalho de<br />

Sevcenko(1984), Chalhoub (1996) considera que a virtude de seu texto acaba<br />

6 Trata-se do item 2.2 desta obra – “vacine-se o povo: a campanha de profilaxia contra a varíola”, p.<br />

122-148.<br />

19


também sendo seu limite, pois, devido a ausência de uma pesquisa documental mais<br />

sistemática – que não parece ser o caso de Alexandre Amaral, é bom dizer -, na<br />

narrativa desse autor os populares sempre reagem – resistem – nunca agem. Com<br />

isso, acrescenta Chalhoub (1996: 99) “nunca se sabe exatamente que tipo de<br />

experiência histórica, de formas de entender o mundo e a sua situação de vida<br />

poderiam informar positivamente o movimento de luta contra a vacinação”.<br />

Outro trabalho que faz referência a epidemias de varíola em Belém é o de<br />

Costa (2006) que procura analisar alguns mecanismos empregados para conter o<br />

aumento dos casos das doenças em Belém, destacando as estratégias sanitárias<br />

propostas pelos facultativos ligados <strong>à</strong> ciência médica, levadas a cabo, muitas vezes<br />

sem resultado, pelo poder público, mas que interferiram e modificaram<br />

significativamente as práticas de assistência aos enfermos mais necessitados, que<br />

geralmente eram socorridos no Hospital da Santa Casa de Misericórdia. A autora<br />

analisa também a falta de conhecimento sobre a etiologia das moléstias que trouxe <strong>à</strong><br />

tona ainda um acirrado conflito ideológico entre os médicos, que divergiam quanto<br />

aos possíveis fatores que motivaram as epidemias e o tipo de terapêutica a ser<br />

aplicada aos doentes, ao mesmo tempo em que o perigo da contaminação aguçou<br />

também a “compaixão” e a “caridade” de todos que se viram direta ou indiretamente<br />

ameaçados por aqueles males. Apenas no capítulo I, quando trata dos problemas de<br />

saúde da Belém Imperial, é que a autora analisa epidemias de varíola em Belém.<br />

O objetivo maior dessa dissertação é demonstrar a longa experiência que<br />

a população de Belém desenvolveu com a varíola, as diversas epidemias<br />

enfrentadas na cidade e, ao mesmo tempo, a relação dessa população com as<br />

profilaxias encaminhadas pelo poder público que muitas vezes não inspiravam<br />

confiança e a relação destas com as formas de tratamento e ou práticas de cura,<br />

emanadas do seio das camadas populares da capital paraense. Assim, percebemos<br />

que havia uma grande intolerância, principalmente das camadas populares, <strong>à</strong>s<br />

políticas implementadas pelas autoridades públicas no campo da saúde, essa<br />

intolerância era evidente em relação a determinadas práticas como, por exemplo, a<br />

vacina que chegou a desenvolver uma cultura vacinofóbica, levando as autoridades<br />

a adotar como alternativa a prática do isolamento.<br />

20


Até a primeira metade do século XIX, acreditava-se que doenças eram<br />

causadas e disseminadas por aspectos do meio, difundira-se a teoria miasmática<br />

que afirmava serem as epidemias oriundas de lugares insalubres onde a circulação<br />

do ar ficava prejudicada. Muitas medidas tomadas pelos responsáveis da saúde<br />

pública no Brasil pautavam-se nesta teoria, implicando um combate <strong>à</strong> permanência<br />

de determinados edifícios dentro da cidade, como os hospitais e os cemitérios.<br />

Relegar a localização destes edifícios para uma área externa <strong>à</strong> cidade era entendido<br />

como uma medida profilática, pois desta forma as pessoas não estariam expostas <strong>à</strong>s<br />

periculosidades que estes lugares implicavam.<br />

O crescimento urbano de Belém nas últimas décadas do século XIX<br />

coincidirá com as pesquisas que proporcionaram descobertas sobre a causa<br />

microbiana de diversas doenças. Nessa perspectiva, leis e normas baseadas na<br />

necessidade de circulação, arejamento e conseqüente desodorização do ambiente,<br />

originárias da teoria dos “miasmas”, ganham atualidade e são combinadas com as<br />

mais modernas descobertas científicas do campo biológico. Inicialmente, o<br />

isolamento dos variolosos era feito numa enfermaria localizada na travessa José<br />

Bonifácio, em condições precárias, mas, nas últimas décadas do século XIX, ganha<br />

corpo a idéia de se construir um Hospital de Isolamento.<br />

O Hospital de Isolamento foi concebido para a assistência médica dos<br />

enfermos através do isolamento de indivíduos portadores de moléstias contagiosas,<br />

mas também para a proteção das pessoas sadias através da realização de<br />

quarentenas preventivas. As primeiras iniciativas para a sua construção ocorreram<br />

em função do aumento do numero de casos de varíola na cidade de Belém.<br />

Justificando a ação de um hospital de isolamento, partilhava-se <strong>à</strong> época a convicção<br />

de que a internação dos doentes e a quarentena dos contagiantes seriam os<br />

principais recursos contra a propagação de diversas enfermidades.<br />

É importante salientar que a prática do isolamento já representava a<br />

ineficácia da profilaxia oficial para combater a varíola, ou seja, a vacina. A rejeição<br />

desta por parte de diversos segmentos da sociedade local provocou a necessidade<br />

de se recorrer ao isolamento compulsório dos infectados. Tal prática, já realizada em<br />

21


elação aos leprosos e alienados 7 , era cercada de arbítrio, de violência praticada<br />

pelas autoridades policiais. É claro que os populares, que já rejeitavam a vacina,<br />

também demonstraram intensa oposição ao isolamento, buscando esconder os<br />

casos de varíola ou estabelecer tratamento alternativo, em enfermarias<br />

improvisadas.<br />

Essa percepção nos fez procurar as razões de tal intolerância e o caminho<br />

mais promissor para a obtenção do resultado esperado foi reconstituir a experiência<br />

dessa população com tais “políticas públicas”, pois buscamos desviar nossa análise<br />

da explicação simplista e reducionista da idéia de “resistência” ou “reação”. Assim,<br />

procuramos escapar da “armadilha”, da “camisa de força” que considera que o povo<br />

só resiste, só reage e tentamos demonstrar que, na longa experiência desenvolvida<br />

com a varíola e seus métodos profiláticos e terapêuticos, determinadas camadas da<br />

sociedade local desenvolveram razões de sobra para amargar uma grande<br />

insatisfação, oposição ou intolerância <strong>à</strong>s políticas oficiais, especialmente <strong>à</strong> vacina.<br />

O corte cronológico escolhido envolve um período significativo para o<br />

entendimento do assunto, pois, além de envolver um período marcado por fortes<br />

epidemias: 1884, 1888, 1899-1901 e 1904; sendo revelador, pois marcado por um<br />

momento de tensão e de grandes preocupações com a varíola e as profilaxias e<br />

terapêuticas específicas, também é marcante haja vista que se estende até o<br />

período em que estava ocorrendo, no Rio de Janeiro, a chamada Revolta da Vacina,<br />

que teve repercussões em Belém, merecendo uma série de matérias na imprensa<br />

local, especialmente no jornal A Folha do Norte.<br />

Sendo assim, distribuímos o trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo<br />

trata das epidemias de varíola que aconteceram em Belém, antes de 1884. O<br />

objetivo principal é mostrar a presença incômoda desta moléstia na capital paraense<br />

desde os tempos coloniais, para revelar aspectos de uma longa experiência com a<br />

referida doença e, conseqüentemente, suas alternativas de cura. Também neste<br />

capítulo procuramos demonstrar como a sucessão de epidemias de varíola<br />

estendendo-se pelo século XIX, colocou em ação a ideologia da higiene e seus<br />

7 Para uma discussão mais aprofundada sobre o isolamento dos infectados por lepra em Belém, ver:<br />

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Assim como eram os gafanhotos, pajelança e confrontos culturais<br />

na Amazônia do início do século XX”. In: MAUÉS, Raimundo Heraldo & VILLACORTA, Gisela<br />

Macambira (org). Pajelanças e religiões africanas na Amazônia. Belém, Edufpa, 2006, p.52-102.<br />

22


efeitos sobre, principalmente <strong>à</strong>s camadas populares, as classes consideradas<br />

“perigosas”.<br />

No segundo capítulo fizemos uma descrição das epidemias que<br />

envolveram o período pesquisado, de 1884 a 1904, com o intuito de revelar seus<br />

impactos sobre a população de Belém e como certas práticas representavam<br />

heranças do período anterior e, também, a forma como a imprensa, as autoridades e<br />

as camadas populares trataram o assunto. Assim, procurou-se demonstrar o impacto<br />

dessas epidemias sobre a população, mas, também, as dificuldades encontradas<br />

pelo poder público para colocar em ação suas medidas profiláticas e práticas<br />

terapêuticas, haja vista a intolerância popular que não pode ser caracterizada como<br />

simples “reação” ou ignorância.<br />

O terceiro e último capítulo analisa exatamente essas práticas terapêuticas<br />

e profilaxias com a finalidade de explicar as razões da intolerância popular. Assim,<br />

percebemos uma relação negativa da população de Belém com tais práticas. Os<br />

desencontros e desacertos da política de isolamento dos infectados, bem como toda<br />

polêmica em torno da eficácia da vacina, aliados a um forte enraizamento na cultura<br />

local, especialmente entre os populares, de práticas alternativas de cura,<br />

constituíram-se num caldo de cultura privilegiado para a emergência do conflito.<br />

Para a realização desse trabalho priorizamos alguns tipos de fontes: os<br />

documentos emanados do poder público (relatórios, mensagens, falas, discursos,<br />

ofícios), os jornais (Diário de Notícias, A Província do Pará, A Folha do Norte, A<br />

República e o Pará-Médico), abaixo-assinados e livro de registro de pacientes da<br />

Santa Casa de Misericórdia do Pará.<br />

O interesse em compreender as experiências dos moradores da cidade<br />

com as epidemias apontou a necessidade de conferir a documentação resultante<br />

das atividades administrativas do Governo. Tais documentos dedicam itens<br />

específicos que informam sobre saúde pública e caridade, delineando assim, embora<br />

de maneira não muito sistemática, uma política de atuação direcionada para a<br />

gestão da salubridade urbana. Amparados nas exortações médicas, para as<br />

condições da água e do ar, o que se traduz em organizar minimamente o<br />

abastecimento da população e na organização, em momentos considerados críticos,<br />

23


da limpeza urbana. Ao mesmo tempo, os códigos de postura, ao normalizarem a<br />

convivência urbana, reforçam as determinações médicas, relativas <strong>à</strong> saúde pública.<br />

A idéia de que a ocorrência de endemias e epidemias vai senão<br />

determinando, pelo menos precipitando, a organização mais sistemática dos serviços<br />

de saúde pública e, evidenciando, modos diversos de lidar com a doença, resultando<br />

uma experiência urbana singular, possibilitou-me traçar percurso metodológico no<br />

qual a ênfase na observação das epidemias permite visualizar melhor, os recursos<br />

postos em prática para combatê-las. Assim, na pesquisa realizada, buscamos<br />

organizar as fontes de maneira a permitir uma reflexão que parta das formas como a<br />

doença, ao se instalar entre os moradores da Cidade, é apropriada pelos discursos<br />

dos médicos e das autoridades da administração provincial, de maneira a serem<br />

gerados mecanismos de combate e controle não só dos efeitos físicos da doença,<br />

mas de todo o social, no que diz respeito aos hábitos e condutas e lugares, até<br />

chegar, aos caminhos trilhados em busca da cura.<br />

Desde o início das pesquisas que originaram este trabalho, tornaram-se<br />

evidentes duas questões: em primeiro lugar percebeu-se que só seria possível<br />

chegar <strong>à</strong> experiência ou as formas de saber consideradas populares através dos<br />

representantes do saber ou daquilo que se considera discurso oficial. E, em segundo<br />

lugar, que uma reconstituição mais abrangente da experiência com a doença,<br />

especialmente a varíola, e as diferentes práticas terapêuticas adotadas para<br />

combater tal doença, para que se pudesse compreender a cultura vacinofóbica<br />

desenvolvida pela população de Belém entre 1884 e 1904 só ocorreria se, além dos<br />

registros oficiais, fossem buscados também registros indiretos, marcados pela<br />

preocupação com o controle social, com a punição ou repressão. Nesse sentido,<br />

este pesquisa utilizou-se de fontes diversas, entre as quais, relatórios e mensagens<br />

de governo, decretos, periódicos, livro de registro de pacientes da Santa Casa de<br />

Misericórdia, etc. Assim, fizemos uso do reduto da “Escola Metódica”, trabalhando<br />

com uma documentação considerada clássica, para encontrarmos no discurso oficial<br />

falas que pudessem nos dar pistas sobre o comportamento dos populares, mas<br />

também utilizamos documentos emanados dessas camadas como uma relação de<br />

abaixo-assinados encaminhados ao poder público pedindo providências na área da<br />

saúde, demonstrando insatisfação com certas medidas tomadas pelas autoridades e,<br />

24


muitas vezes, lançado mão da própria ideologia da higiene adotada pelas<br />

autoridades sanitárias para fundamentarem suas reivindicações. Também<br />

pesquisamos os ofícios da Chefatura de Polícia onde identificamos uma série de<br />

ações voltadas para os segmentos considerados inferiores pela sociedade da época.<br />

Os jornais, além de constituírem-se em meios de comunicação capazes de<br />

informar eventos, promover transformações, divulgar notícias, também são<br />

construtores de relações sociais, divulgadores de propostas políticas e discursos.<br />

Constroem possibilidades de transformações <strong>à</strong> medida que provocam os burburinhos<br />

nos locais mais movimentados. Os jornais são espaços de manifestações de valores<br />

de grupos sociais e ou projetos políticos ao mesmo tempo em que são tribunais<br />

capazes de prolatar sentenças de grande alcance a partir de julgamentos feitos por<br />

jornalistas, divulgadores eficientes de projetos políticos, sociais, culturais, etc. Assim,<br />

a linguagem do poder, permeada de ideologias, também está presente nos jornais,<br />

uma vez que conceitos, normas e padrões dominantes apresentam-se no sentido de<br />

reforçar e tornar consensual o conjunto das leis e posturas instituídas. O jornal, ou<br />

melhor, os discursos neles veiculados, atendem também a função de apresentar<br />

como dominantes os valores de grupos sociais dominantes. Sendo assim, o jornal é<br />

um importante espaço de criação da sociedade, de debate de idéias, de confronto<br />

entre propostas diversas, de ciência inclusive 8 .<br />

A documentação hemerográfica não pode ser tomada como homogênea. A<br />

pluralidade de interesses e de formas a partir das quais estes se manifestam<br />

constitui uma característica fundamental desse tipo de fonte. Deste modo,<br />

constituem tarefas indispensáveis: a identificação do grupo ao qual cada órgão está<br />

ligado visando descortinar os vários interesses, a circulação dos jornais e a<br />

importância que o tema em questão vai adquirindo nos contextos de epidemia. É,<br />

sobretudo importante a observação do debate travado na e pela imprensa. Isto<br />

possibilita a percepção de elaborações diversas sobre as doenças e as formas de<br />

cura, legitimadas ou condenadas pela população.<br />

8 Análise minuciosa dos jornais como fonte histórica é feita por: LUCA, Tânia Regina. “A história dos,<br />

nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo:<br />

Contexto, 2005.<br />

25


Deste modo é que as notícias, crônicas e artigos publicados em jornais,<br />

bem como relatórios médicos, referentes <strong>à</strong> doença e a gravidade de epidemias,<br />

constroem um perfil das doenças, ao mesmo tempo em que atuam quotidianamente,<br />

junto aos serviços de saúde publica. Ao caracterizar a patologia, recomendar<br />

procedimentos terapêuticos e a adoção de hábitos de higiene, relatar casos e<br />

organizar a estatística mensal da clínica médica, busca-se legitimação social para o<br />

discurso sobre as doenças e as práticas médicas. Além disto, indicam territórios ditos<br />

perigosos. A partir destas fontes, foi sendo possível, reconstruir a geografia da<br />

doença: lugares e pessoas mais intensamente atingidos.<br />

O fenômeno da doença na cidade, ao mesmo tempo em que estimula a<br />

produção discursiva e instiga ao surgimento e/ou aprimoramento de estratégias de<br />

gestão da saúde pública, revela uma rede de procedimentos terapêuticos diversos,<br />

como a alopatia e a homeopatia, entre os partidários de uma medicina científica e, as<br />

práticas de uma medicina popular.<br />

Entre os jornais 9 que circulavam em Belém no período em foco nesta<br />

pesquisa, destacava-se o Diário de Notícias que possuía finalidade comercial e<br />

passou por revezamentos quanto as suas posições políticas. Até 1888, como<br />

pertencia a João Campbell, membro do Partido Conservador, que administrava a<br />

província, não assumiu uma postura crítica em relação <strong>à</strong>s questões político-<br />

partidárias. De 1888 até <strong>à</strong> Proclamação da República, período em que os liberais<br />

estiveram no poder, passou a publicar os textos propagandistas republicanos, e a<br />

fazer críticas a administração da província, percebendo-se um combate mais severo<br />

<strong>à</strong>s políticas públicas implementadas pelos liberais, especialmente na área da saúde,<br />

foco dessa análise. Durante o ano de 1890, quando o jornal teve como proprietário<br />

Joaquim Lúcio de Albuquerque simpatizante do Partido Republicano Democrático,<br />

transformou-se em um dos principais órgãos de oposição ao Governo Provisório,<br />

pelo menos até março de 1891, quando passou a ser propriedade do médico, filiado<br />

ao Partido Republicano do Pará, Firmo Dias Cardoso Junior. Em dezembro de 1891,<br />

o jornal A República informava que o Diário de Notícias teria passado a propriedade<br />

dos integrantes do Partido Republicano do Pará, Heliodoro de Brito, Barroso Rebello<br />

9 Estas informações foram coletadas nos catálogos de periódicos da Fundação Cultural Tancredo<br />

Neves, em Belém.<br />

26


e B. Araújo. Em junho de 1893, o Diário de Notícias pertencia a Juliano Penna e<br />

Persondas de Carvalho, integrantes do Partido Operário do Pará, que foram<br />

obrigados a fechar o jornal mais uma vez. Conforme o exemplo infere-se que o<br />

Diário de Notícias oscilou entre oposição e governo, o que exige muita atenção na<br />

análise do jornal quanto <strong>à</strong> sua orientação política. O jornal Diário de Notícias não<br />

apresentava informações sobre partidos políticos, uma vez que era considerado um<br />

órgão comercial, não obstante a orientação política democrática que endossou, pelo<br />

menos na maior parte do período de 1889 a 1897. Sendo uma empresa de menor<br />

potencial que A Província do Pará, o Diário de Notícias era menos dinâmico. Em sua<br />

primeira página publicava uma variedade de anúncios: confecções, escolas, leilões,<br />

balanços comerciais, ofertas de empregos e rendas públicas. Na segunda aparecem<br />

colunas contendo títulos permanentes tais como: “Secção telegraphica”, com notícias<br />

nacionais e internacionais; “Ao povo” onde se priorizavam os assuntos políticos;<br />

“Violência”, que abordava vários tipos de conflitos; “Xin-xan-fó” que se destinava <strong>à</strong>s<br />

sátiras ao governo; “Espiga”, espaço de divulgação de anúncios de compra, venda,<br />

aluguel e ofertas de emprego. A terceira e a quarta páginas eram usadas em vários<br />

anúncios comerciais, editais, obituários. Nesta, divulgava-se diariamente o<br />

quantitativo de mortos por varíola e outras doenças epidêmicas que afetavam a<br />

província, principalmente a sua capital, Belém.<br />

Após a Proclamação da República, surgiu o jornal A Republica com<br />

edições consistentes, rico em informações e com uma estrutura editorial bastante<br />

dinâmica. Na primeira página eram colocadas informações sobre o Partido<br />

Republicano Paraense e alguns dados sobre o próprio jornal tais como a fundação,<br />

nome dos responsáveis, número de assinaturas na capital e no interior, além de<br />

apresentar textos de agradecimento ao público paraense. Na primeira página eram<br />

publicados os assunto relacionados a questões políticas, principalmente as críticas<br />

ao Partido Republicano Democrático, mais precisamente debatendo as lançadas<br />

pelo jornal O Democrata, oposicionista. Em seguida apresentavam-se as<br />

informações sobre os debates políticos nacionais e internacionais, notas oficiais<br />

sobre as principais pautas de discussão na capital federal. Além disso, aparece uma<br />

variedade de anúncios sobre diversos assuntos tais como: vendas, ofertas de<br />

emprego, espetáculos teatrais, convites, telegramas, assuntos religiosos,<br />

informações sobre hipismo. Na segunda página publicava-se uma variedade de<br />

27


propagandas ligadas <strong>à</strong> medicina: remédios, clínicas, médicos e outros anúncios que<br />

foram úteis a este trabalho. Mas na segunda página também se publicavam artigos<br />

enfatizando a ação dos chefes republicanos na capital federal, críticas <strong>à</strong>s notas<br />

lançadas pelos jornais de oposição ao governo, bem como notas informativas sobre<br />

projetos em processo de regulamentação, requerimentos, petições, etc. Na terceira e<br />

quarta páginas eram bastante encontrados textos variados. Todavia, na terceira<br />

página prevaleciam os anúncios: editais notas policiais, requerimentos, portarias,<br />

despachos de pagamentos, vendas de remédios, balanço comercial, cotação dos<br />

produtos (borracha, açúcar, café e etc.), câmbio dos bancos nacional e internacional,<br />

rendas públicas, leilões, avisos marítimos. Já na quarta página as propagandas<br />

comerciais, anúncios de aluguéis, compra e venda de produtos: remédios, utensílios<br />

domésticos, alfaiataria, fábrica de refrigerantes, eram o principal assunto. Os<br />

folhetins publicados em A República estavam de acordo com a essência do<br />

pensamento defendido pelos republicanos históricos do Pará. A literatura francesa<br />

que trilhava pela linha da ideologia do progresso da ciência, bem como da matriz jus<br />

naturalista, como caminho de explicação sobre Estado e sociedade, eram<br />

privilegiados pelos redatores. Desta forma, dentre tantos textos publicados em A<br />

República, os folhetins acompanhavam os valores compartilhados pelos<br />

republicanos paraenses.<br />

Outro jornal que circulava na época e que também foi utilizado nesta<br />

pesquisa foi A Província do Pará, um dos mais importantes jornais da época.<br />

Originou-se da tipografia de O Pelicano, jornal que pertencia ao Oriente Maçônico do<br />

Pará e foi vendido para Francisco de Souza Cerqueira. Naquela ocasião, o jovem<br />

Antônio Lemos, que havia estreado no jornalismo escrevendo em O Pelicano,<br />

continuou na empreitada do novo proprietário. No ano de 1876, A Província do Pará<br />

passou <strong>à</strong>s mãos do Dr. Joaquim José de Assis e Antônio Lemos assumiu a condição<br />

de seu jornalista e redator, trabalhando junto ao proprietário na administração do<br />

jornal. Segundo Sarges (2002), a maioria dos redatores de A Província do Pará era<br />

formada por republicanos, o que justifica o fato daquele jornal freqüentemente<br />

publicar textos favoráveis <strong>à</strong> República e ao Club Republicano do Pará. Em outubro<br />

de 1889, com a morte do Dr. Assis, sua esposa repassou sua cota para o mais fiel<br />

amigo do proprietário; desse modo, Lemos passou a ser o único dono do jornal. A<br />

primeira página de A Província do Pará continha uma organização mais<br />

28


diversificada, contando com obituário, telegramas, informações policiais, não<br />

havendo menção <strong>à</strong> orientação político-partidária, já que se tratava de um jornal que<br />

não pertencia a nenhum partido político. Mas havia colunas com títulos permanentes,<br />

dentre os quais a matéria publicada na segunda e intitulada “Assunptos do dia”, que<br />

tratava das principais questões políticas. A terceira coluna “Echos de toda a parte”,<br />

continha as notícias de várias capitais do mundo e do Brasil. Na quarta coluna<br />

merece destaque a matéria “Através de Belém” que abordava assuntos referentes ao<br />

Congresso do Estado, além de apreciável variedade de serviços e informações. A<br />

parte inferior do jornal, como a de todos os periódicos, destinava-se aos folhetins. Na<br />

segunda página aparecem colunas onde eram publicados os artigos que abordavam<br />

temáticas políticas nacionais e internacionais. Até o ano de 1891, quando o Diário<br />

Official começou a circular, na segunda página de A Província do Pará publicavam-<br />

se as informações oficiais sob os seguintes títulos “Do Estado”, com informações<br />

sobre o Senado paraense, câmara dos deputados; “No estrangeiro”, onde se<br />

publicavam as notícias internacionais; “Notas oficciaes” espaço destinado <strong>à</strong><br />

legislação. “Secção livre” aberta <strong>à</strong> publicação de textos que versavam sobre vários<br />

assuntos como protestos, propaganda de remédios, avisos públicos, cursos, editais,<br />

além de uma variedade de anúncios: remédios, utensílios domésticos, que<br />

passavam também para a quarta página, repleta de propagandas comerciais de<br />

lojas, escolas, cursos e serviços em geral. Este periódico, apesar de não ter sido<br />

consultado em todo o período desta pesquisa, forneceu informações importantes<br />

para algumas das conclusões aqui obtidas.<br />

Outro periódico importante na época envolvida por esta pesquisa,<br />

especialmente o segundo período, foi A Folha do Norte. Esta gazeta começou a<br />

circular em 1896 e só foi paralisada em 1974. Fundada por Cipriano Santos (1859-<br />

1923) e Enéias Martins (1872-1919), teve suas páginas marcadas pela história<br />

política dos seus principais fundadores (Lacerda, 2006). O primeiro era médico, com<br />

atuação intensa nessa área, principalmente após a proclamação da república, tendo<br />

dirigido instituições importantes como, por exemplo, a Inspetoria do Serviço<br />

Sanitário, portanto atuava num campo que é o foco deste trabalho. Além de médico,<br />

Cipriano Santos herdou uma tradição jornalística, pois seu pai foi redator e<br />

proprietário de jornais. Em 1896, quando fundou a Folha do Norte, junto com Enéias<br />

Martins, defendia Lauro Sodré e, em 1898, quando Lauro Sodré fundou o Partido<br />

29


Republicano Federal, também recebeu o apoio de Cipriano Santos e de seu<br />

jornal.Com a cisão política entre “lauristas” e “lemistas” (Partido Republicano Federal<br />

e Partido Republicano, respectivamente), mais ou menos em 1900, a mencionada<br />

gazeta mantém apoio a Lauro Sodré. O referido periódico possuía uma grande<br />

variedade temática, além de possuir circulação diária e envolver boa parte do<br />

período pesquisado, justificando-se assim sua escolha. Sua importância para este<br />

trabalho reside também no fato de ter se constituído em jornal de oposição, sendo<br />

bastante combativo em relação <strong>à</strong>s ações de “disciplina e de organização da cidade”<br />

encaminhadas na administração lemista, aí incluídas as políticas na área da saúde.<br />

Também vale ressaltar a rivalidade com A Província do Pará, entre 1899 e 1900,<br />

destacando-se as polêmicas em torno da vacina, pois não podemos esquecer que,<br />

em 1904, o então senador Lauro Sodré liderou uma liga contra a vacina obrigatória<br />

no Rio de Janeiro, com ressonância na terra da mereba-<strong>ayba</strong>, destacando-se os<br />

debates estabelecidos através da imprensa.<br />

Foi, portanto, com base nesses referenciais que desenvolvemos esta<br />

dissertação sobre epidemias de varíola em Belém e as diferentes formas de cura<br />

buscadas para a referida moléstia. Elementos importantes da História da Medicina<br />

Social, desenvolvidos nos capítulos seguintes.<br />

30


____________________________________________________________________<br />

1. A Varíola Antes de 1884:<br />

31<br />

CAPÍTULO I<br />

A Presença da <strong>Mereba</strong>-<strong>ayba</strong> em Belém e o Discurso das<br />

Autoridades Sobre a Cidade, a Salubridade e as Doenças.<br />

De acordo com Ferreira (2006), a varíola foi classificada como uma das<br />

enfermidades mais devastadoras da história da humanidade. Considerada<br />

erradicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980, a varíola surgiu<br />

provavelmente na Índia ou no Egito há mais de três mil anos. Esta doença se<br />

espalhou pelo mundo, causou diversas epidemias, aniquilou populações inteiras,<br />

inclusive diversas tribos de índios brasileiros. Marcas provavelmente causadas pela<br />

doença foram encontradas na face da múmia do faraó Ramsés II. Em determinadas<br />

culturas antigas, a letalidade da varíola era tão intensa entre as crianças que elas só<br />

recebiam nomes se sobrevivessem <strong>à</strong> doença.<br />

A presença da varíola na Amazônia remonta aos tempos coloniais,<br />

tendo assumido sempre um caráter devastador. Em Natureza, Doenças e Medicina e<br />

Remédios dos Índios Brasileiros, de Von Martius (1844) percebe-se o caráter<br />

devastador que a varíola teve em relação <strong>à</strong>s sociedades indígenas. Segundo o<br />

renomado botânico “a varíola era completamente desconhecida pelos índios, antes<br />

do povoamento português”, tendo se propagado rapidamente a partir daí de forma<br />

que “se alastra até aos mais remotos ermos, e cada tribo conhece e teme essa<br />

doença, como se fora o mais pernicioso veneno para seu sangue” freqüentemente os<br />

colonos penduravam nas matas diversas peças do vestuário infectadas para


propagar a varíola entre os índios. De acordo com Martius (1844) os índios eram<br />

pouco resistentes <strong>à</strong> varíola e reagiam de forma variada ao desenvolvimento da<br />

doença; alguns atormentados pela forte dor de cabeça e pela temperatura elevada,<br />

costumavam isolar-se numa rede, aumentando mais ainda a febre; outros<br />

procuravam água corrente para tentar amenizar o calor interno e, por isso, muitas<br />

vezes morriam de apoplexia. Havia aqueles que buscavam por meio de banhos frios<br />

ou beberagens quentes apressar a erupção do exantema, nestes casos, a violência<br />

da doença é tamanha “a ponto de parecer toda a superfície do corpo uma só úlcera<br />

gangrenosa” Além de descrever as reações dos índios <strong>à</strong> varíola, o referido botânico<br />

afirma que tal doença não fazia distinção nem de sexo nem de idade entre os índios,<br />

mas para os mais idosos, para as mulheres grávidas e parturientes tornava-se mais<br />

perigosa, sendo mais facilmente suportada pelos mais jovens. Geralmente as<br />

grávidas afetadas pela varíola abortavam enquanto as parturientes transmitiam a<br />

doença para o recém nascido. Por todas essas razões é natural que a varíola tenha<br />

provocado imenso pavor entre os índios.<br />

Uma demonstração do pavor que os índios sentiam diante da “doença<br />

maligna” pode ser percebida pela reação que tiveram nesta viagem em que era<br />

conduzido o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, do Pará até<br />

Macapá. Martius (1844: 99), afirma que:<br />

Remavam uns vinte índios, quando, inesperadamente, se atemorizaram pela<br />

notícia de que a bordo havia um varioloso; todos se atiraram em alto mar e,<br />

a nado, preferiram alcançar as praias, a tentar ficar em companhia dos<br />

brancos, que do melhor modo possível, foram obrigados a se esforçar e<br />

levar o barco a um porto perto da ilha de Marajó.<br />

Introduzidos pelos colonizadores portugueses, os surtos de varíola<br />

entraram no Império português, na América do Sul, pelas embarcações vindas do<br />

outro lado do Atlântico, principalmente da Europa e da África. Esta enfermidade foi a<br />

que mais danos causaram ao Pará entre fins do século XVIII e o século XIX.<br />

Segundo Alencastro (2000) foram detectadas epidemias de varíola em diversos<br />

portos do Nordeste brasileiro, se propagando para o norte e sudeste da colônia<br />

portuguesa, desde, pelo menos, os anos de 1560. Ao que tudo indica a primeira<br />

32


grande epidemia de varíola anotada no Brasil foi iniciada em Salvador em 1561 e<br />

atingiu seu clímax justamente em 1563, ocasião em que matou cerca de 30 mil<br />

índios até então ilesos. De fato, frente ao pavor causado pela doença que nunca<br />

tinham visto e diante da tragédia que se lhes abatera, registraram-se muitos casos<br />

de índios que abandonavam seus companheiros atacados e fugiam espavoridos,<br />

dando grandes voltas nas matas para despistar a “doença maligna”. De passagem<br />

por São Vicente, José de Anchieta escrevera ao seu superior na Europa, o padre<br />

Lainez, e, ao dar alguns detalhes sobre esta epidemia, deixou um relato dramático<br />

de como a enfermidade atacava o corpo. Bruno (1984: 238-240), diz:<br />

Cubre-se todo el cuerpo, de pies a cabeça, de una lepra mortal que parece<br />

cuero de caçon y ocupa luego la garganta por dentro, y la lengua, de<br />

manera que com mucha dificuldad se puede confesar, y en tres o quatro<br />

dias muere. Quebra-se les la carne, pedaço a pedaço com tanta<br />

podredumbre de materia que salle dellos un terrible hedor, de manera que<br />

acuendele las moscas, como a carne muerta y pudrida y sobre ellos y les<br />

ponen gusanos que sino les socorriessem vivos los comerian.<br />

Desde então, segundo Camargo (2007), as bexigas não mais deixaram de<br />

“visitar” o Brasil e após esta primeira epidemia de 1563-64, a doença não deu mais<br />

trégua, sendo raros os períodos em que nenhum caso foi anotado. No século XVIII,<br />

por exemplo, verificaram-se grandes surtos desse mal em 1702, 1723, 1724, 1727,<br />

1729, 1730, 1732, 1735, 1741, 1744, 1761, 1768, 1775, 1780, 1784, 1790 e 1798.<br />

No século XVII as epidemias de varíola atacavam com freqüência a<br />

população indígena aldeada na região amazônica, ocasionando a morte de grande<br />

parte desta população. Para Raminelli (1998) a constante baixa demográfica dos<br />

aldeamentos foi ocasionada principalmente pela morte de milhares de nativos que<br />

não tinham resistência contra doenças introduzidas, sendo as epidemias de sarampo<br />

e bexiga noticiadas como catastróficas para a economia da região, em função do<br />

elevado percentual de baixas que afetavam o quantitativo de mão-de-obra. Os<br />

relatos deixados pelos religiosos - principalmente as crônicas do padre jesuíta João<br />

Felipe Betendorf - e pelos oficiais portugueses revelam com clareza os efeitos<br />

causados pelas epidemias de varíola em missões e aldeias nas capitanias do<br />

Maranhão e Grão-Pará, com destaque para aquelas ocorridas nas décadas de 1660<br />

33


e 1690, tanto pela gravidade como pelo alto índice de mortalidade entre os nativos e<br />

escravos, assumindo, portanto, um caráter devastador, segundo Alden & Miller<br />

(1988) e Chambouleyron (2006).<br />

A freqüência dos surtos epidêmicos na Amazônia refletia, de certa forma, a<br />

política econômica encaminhada <strong>à</strong> época pela Coroa portuguesa, que objetivavam o<br />

incremento da agricultura comercial de exportação e <strong>à</strong> introdução de mão-de-obra<br />

escrava. De acordo com Sá (2008), os problemas advindos com as baixas na força<br />

de trabalho indígena aparecem como os principais fatores de origem da<br />

regularização do tráfico de escravos na Amazônia. Na segunda metade do século<br />

XVII as demandas por escravos africanos se intensificaram e iniciativas foram<br />

tomadas pela Coroa portuguesa com o objetivo de garantir o fornecimento regular de<br />

africanos para a região, propiciando a criação, em 1679, da Companhia do Estanco<br />

do Maranhão, que teria o controle do tráfico de escravos em troca do monopólio das<br />

exportações (Alencastro, 2000). Em todo o período de atuação (1682 a 1684) a<br />

Companhia - que possuía a exclusividade sobre o comércio de escravos, não<br />

alcançou o resultado esperado em sua missão que era abastecer o mercado da<br />

região com escravos africanos, atendendo, tão somente, <strong>à</strong> demanda da capitania do<br />

Maranhão.<br />

Segundo Bezerra Neto (2001), em 1692, outro contrato foi efetivado, desta<br />

vez com mercadores da Companhia de Cabo Verde e Cachéu visando a introdução<br />

de 145 africanos por ano na região, os quais seriam distribuídos entre o Pará e o<br />

Maranhão. Mesmo levando em consideração a existência desse contrato e de outros<br />

realizados com outros comerciantes, é evidente a irregularidade do tráfico de<br />

africanos para a região Amazônica, sendo baixo o número de escravos importados.<br />

Apesar de serem tomadas várias medidas entre o fim do século XVII e o início do<br />

século XVII no sentido de regularizar o abastecimento de escravos africanos na<br />

região, não foi possível alcançar o resultado almejado e o apelo pela mão-de-obra<br />

africana permaneceu como uma das principais reivindicações dos habitantes da<br />

região.<br />

A partir da segunda metade do século XVIII, com o advento da política<br />

pombalina, a Metrópole encaminhou uma nova política econômica que visava<br />

34


impulsionar o comércio de exportação e, com isso, inverter “as variáveis econômicas<br />

e sociais da região para melhor enquadrá-la no sistema atlântico e no controle<br />

metropolitano”, segundo Alencastro (200: 142). Assim, as leis régias decretadas no<br />

período pombalino, assinadas em 1755, criaram a Companhia de Comércio do Grão-<br />

Pará e Maranhão e, ao mesmo tempo, decretaram a abolição da escravidão<br />

indígena. A Companhia do Grão-Pará, além de fomentar o comércio com a<br />

Amazônia deveria, também, prover o fornecimento regular de escravos africanos<br />

para a região, pois uma das intenções do Marquês de Pombal era substituir a mão-<br />

de-obra indígena pela africana. A referida Companhia possuía uma frota de 18<br />

embarcações e realizava em torno de seis viagens por ano entre a África e os portos<br />

de São Luís e Belém. Durante o período de funcionamento da Companhia (1755-<br />

1778), foram trazidos ao Grão-Pará um total de 12.580 africanos provocando<br />

diversas epidemias de varíola, pois a regularidade do tráfico negreiro e as condições<br />

altamente insalubres dos tumbeiros, propiciaram a disseminação da varíola entre os<br />

africanos e o conseqüente desencadeamento de surtos epidêmicos na região,<br />

segundo Vianna (1992).<br />

De acordo com Alden e Miller (1987: 195), "a varíola sobrevivia enquanto<br />

suscetíveis existissem para sustentar a doença”, e cada manifestação nova da<br />

referida doença, pelo menos as grandes ocorrências epidêmicas, “surgiam devido a<br />

reintroduções de fontes externas, inicialmente européias, mas subseqüentemente<br />

africanas". Em 1743, a região do baixo Amazonas sofreu uma epidemia de varíola<br />

que dizimou grande parte da população indígena. Ainda de acordo com Alden e<br />

Miller (1988) esse foi um dos mais sérios surtos na região em um intervalo de duas<br />

décadas. Charles-Marie de La Condamine, que se encontrava no Pará, deixou<br />

registrado em seu diário de viagem o quanto a doença havia sido devastadora para<br />

os indígenas, afetando principalmente os recém-chegados <strong>à</strong>s missões religiosas e<br />

lamentou o fato de não estar sendo praticada a variolização. Para Figueiredo &<br />

Vergolino-Henry (1990), a preocupação com a disseminação da doença fez com que<br />

Portugal ordenasse que embarcações fossem vistoriadas e aquelas vindas de portos<br />

infeccionados ou com escravos doentes fossem submetidas a longas quarentenas 10 .<br />

10 Esta obra apresenta uma série de informações relativas ao tráfico interno e externo de africanos,<br />

indicando a procedência dos escravos importados e o mapeamento da distribuição desses escravos<br />

pela região amazônica. Há informações também sobre quilombos e sobre o modo pelo qual o<br />

35


Mas, a falta de vigilância adequada permitiu que navios entrassem e<br />

descarregassem no porto escravos doentes de varíola, desencadeando assim novos<br />

surtos epidêmicos. Nesse sentido, a construção de lazaretos próximos aos portos<br />

passou a ser uma prioridade, sendo a construção dos mesmos aprovada pela Coroa<br />

portuguesa em 1787 com a exigência de que todas as embarcações que chegassem<br />

ao porto e que trouxessem escravos ficassem indistintamente em quarentena, o que<br />

também não foi cumprido, pois são freqüentes as reclamações feitas pela imprensa<br />

até o final do século XIX acerca da inobservância da quarentena por parte dos<br />

traficantes. O Conselho Ultramarino também procurou enviar para a Amazônia, a<br />

partir de 1768, medicamentos para o tratamento dos enfermos, pois era totalmente<br />

insuficiente o “sistema médico” no Pará daquele período, onde se encontrava, de<br />

acordo com Vianna (1992), um médico, um cirurgião e uma botica.<br />

Mesmo com todas as tentativas empreendidas para evitar a entrada de<br />

navios negreiros com casos confirmados de varíola alcançasse os portos antes de<br />

passar pela quarentena, assim como das tentativas de inoculação (variolização) em<br />

crianças negras e índias, poucos foram os resultados concretos e a "peste branca"<br />

continuou a ser introduzida através do tráfico de escravos, de acordo com Sá (2008).<br />

A chegada de um navio negreiro contaminado pela varíola no porto do<br />

Pará fez eclodir uma grande epidemia, em 1819. Esta provocou efeitos devastadores<br />

na população, com cerca de cinqüenta óbitos por dia, que foram relatados pelos<br />

naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich von Martius em suas<br />

notas de viagem publicadas em 1831. Apesar de terem chegado <strong>à</strong> Belém alguns<br />

meses após o pico da epidemia, Spix e Martius puderam ainda presenciar o<br />

desenvolvimento da doença nos habitantes locais. Os naturalistas deixaram<br />

registrados os esforços empreendidos pelo governo para aplicar a vacinação<br />

jenneriana na população e os resultados ineficazes obtidos. Depois de tentar obter a<br />

vacina em Caiena, o governo enviou um navio <strong>à</strong> ilha de Barbados, no Caribe,<br />

enquanto esperava a chegada de mais material da Inglaterra. Spix e Martius<br />

registraram que, mesmo com a inoculação, muitos desenvolveram a doença,<br />

chamando a atenção para a qualidade da linfa, já que em alguns casos, dependendo<br />

regime de escravidão se desenvolveu na região. Quase todas as informações dessa obra envolvem<br />

o período pombalino, com referência a ação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão e a<br />

intensificação do comércio de escravos africanos para a Amazônia.<br />

36


do material inoculado, os resultados não eram positivos, desenvolvendo<br />

manifestações altamente virulentas, segundo Martius & Spix (1981).<br />

Sem uma política eficaz de saúde pública, a varíola continuou a assolar a<br />

Região Amazônica. Com a falta de inspeção sanitária os portos continuaram a não<br />

sofrer fiscalização adequada; a vacinação continuou a ser negligenciada e os<br />

doentes com varíola não eram isolados, favorecendo o caráter endêmico da doença.<br />

Na primeira metade do século XIX temos notícia da varíola apenas na administração<br />

do Conde de Vila Flor que tentou utilizar a vacinação e, nesse período, também<br />

merece destaque a tentativa de tornar a vacina obrigatória no governo de João<br />

Antonio de Miranda. Na segunda metade do século XIX, antes de 1884, foram<br />

registradas três epidemias de varíola, 1851-1852, 1866-1868 e 1872-1876, sendo<br />

esta a mais devastadora de todo o período, pois provocou segundo dados de A.<br />

Vianna, 1162 mortos.<br />

Até 1850 a origem da doença é geralmente associada ao tráfico negreiro,<br />

haja vista que as condições dos tumbeiros eram precárias e, portanto, era muito<br />

freqüente a disseminação de doenças entre seus ocupantes. O próprio Vianna<br />

(1975) afirma que a intensificação do tráfico negreiro para a Amazônia após a<br />

legislação pombalina, contribuiu para a eclosão das diversas epidemias que<br />

ocorreram na região. <strong>Da</strong> segunda metade do século XIX ao início do século XX, a<br />

origem da varíola passa a ser associada pelas autoridades <strong>à</strong>s diversas correntes<br />

imigratórias para a região, especialmente a nordestina.<br />

Nesta época a sociedade amazônica vivenciou um conjunto de<br />

transformações provenientes da economia da borracha. A descoberta dessa matéria-<br />

prima pela indústria mundial e o interesse do imperialismo britânico pelo chamado<br />

“ouro negro” da Amazônia, conferiram a essa região um papel importantíssimo no<br />

conjunto do sistema capitalista. O desenvolvimento dessa economia na região<br />

amazônica com a forte presença do capital inglês, distribuído entre seus diversos<br />

bancos situados entre Belém e Manaus; a adoção do clássico sistema de aviamento<br />

e a conseqüente presença dos barracões, casas exportadoras, seringueiros, etc. já<br />

mereceram diferentes estudos e, por conseguinte, uma produção historiográfica<br />

37


densa 11 . É importante salientar que não pretendemos realizar uma análise minuciosa<br />

da economia gomífera, mas seus desdobramentos, principalmente no que diz<br />

respeito <strong>à</strong>s transformações no espaço urbano, com destaque para a questão da<br />

saúde pública. Assim, é possível perceber uma série de medidas que demonstram a<br />

grande preocupação das autoridades locais com a salubridade, seja através do<br />

discurso, marcado pela ideologia higienista; seja através das obras encaminhadas<br />

nesse contexto. É evidente que, durante o século XIX, o crescimento da procura<br />

pelo látex, principalmente na segunda metade deste século, provocou o<br />

enriquecimento de setores da sociedade local envolvidos com o processo e,<br />

também, atraíram um grande número de imigrantes oriundos de outras regiões do<br />

país, especialmente do nordeste, e um grande número de imigrantes europeus.<br />

Estes eram os mais requisitados, os mais esperados, os detentores da civilização tão<br />

buscada por alguns elementos da sociedade local. O interesse pelo imigrante<br />

europeu era tão grande que os diferentes governos da região procuraram realizar<br />

campanhas de incentivo a vinda destes 12 .<br />

A respeito da migração nordestina, especialmente a cearense, para o<br />

estado do Pará entre fins do século XIX e início do XX, foram produzidos diversos<br />

trabalhos, mas a grande maioria destes tratou os nordestinos de forma<br />

homogeneizadora 13 , negligenciando, portanto, o caráter individual e único das<br />

experiências desses sujeitos. Assim, Lacerda (2006) considerou fundamental<br />

recuperar do esquecimento essas experiências individuais, com o intuito de<br />

compreender as razões que fomentavam o interesse dos cearenses em direção ao<br />

11 Sobre este tema temos uma produção vastíssima, mas cabe destacar os trabalhos de Roberto<br />

Santos, A História Econômica da Amazônia; e de Bárbara Weinstein, A Borracha na Amazônia:<br />

Expansão e Decadência, de 1850 <strong>à</strong> 1920.<br />

12 Em “O Paraíso Chama-se Pará: O Álbum ‘Pará em 1900’ e a Propaganda para atrair imigrantes”,<br />

Edilza Fontes busca demonstrar as estratégias oficiais para atrair trabalhadores e investidores<br />

europeus para o estado do Pará a época do boom da borracha.<br />

13 Para um debate mais aprofundado sobre imigração ver: LACER<strong>DA</strong>, Franciane Gama. Migrantes<br />

cearenses no Pará: faces da sobrevivência (1889-1916). Tese (Doutorado) – Universidade de São<br />

Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, Programa de<br />

Pós-graduação em História Social, São Paulo, 2006. Consultar principalmente o primeiro capítulo da<br />

tese, onde a autora trava um debate com as principais abordagens historiográficas sobre o assunto.<br />

38


Pará, procurando desviar o foco da análise, da ótica do Estado, para a ótica dos<br />

próprios sujeitos 14 envolvidos no processo.<br />

É necessário perceber, porém, que a vinda desses imigrantes fez a<br />

população das duas principais cidades da região crescer em contraste com os seus<br />

padrões de infra-estrutura. Assim, surgiram diversos problemas sociais e de outra<br />

natureza e, muitos problemas já existentes tornaram-se incontroláveis, como, por<br />

exemplo, a questão da saúde pública, sendo muitas vezes os migrantes cearenses<br />

responsabilizados por epidemias de varíola em Belém, o que iremos analisar melhor<br />

no capítulo seguinte. A análise dos impactos causados pela economia da borracha e<br />

todo processo de modernização urbana na região foi já bastante pesquisado e desde<br />

os trabalhos de Maria de Nazaré Sarges e Ednéa Mascarenhas Dias 15 ,<br />

respectivamente sobre Belém e Manaus, têm se produzido um conjunto de análises<br />

sobre este processo que contribuem, cada um a seu modo, para o conhecimento do<br />

conjunto de transformações proporcionadas <strong>à</strong>s duas cidades e, conseqüentemente,<br />

a relação da sociedade com estas transformações.<br />

Em geral, as camadas populares constituíam-se no alvo principal das<br />

políticas públicas elaboradas na época, de acordo com um projeto que visava afastar<br />

“para além dos muros da cidade” todos os elementos considerados nocivos a boa<br />

14 No capítulo intitulado “Migrantes cearenses na cidade de Belém”, Lacerda (2006) descreve as<br />

experiências dos migrantes que permaneceram da capital do Pará e também daqueles seringueiros<br />

que freqüentemente visitavam Belém. Assim, a autora, baseada nas concepções de Raymond<br />

Williams relativas a relação campo e cidade na experiência inglesa, revela que as relações entre<br />

cidade e floresta eram bem mais estreitas do que se imagina, em função de certas análises<br />

consagradas pela historiografia relativa ao tema. Todavia, a recuperação dessas experiências<br />

individuais tem relevância para este trabalho por serem os nordestinos, especialmente os<br />

cearenses, apontados pela imprensa e pelas autoridades paraenses, como os grandes<br />

responsáveis pelas epidemias de varíola, em Belém, a partir da segunda metade do século XIX.<br />

15 No primeiro momento, com os trabalhos de Sarges (2000) e Dias (1999), procurou-se desvendar o<br />

projeto modernizador a partir da ótica das elites, onde se procurava mostrar os interesses que<br />

estavam em jogo no momento da elaboração da idéia de modernização na Amazônia, com seu<br />

caráter excludente em relação <strong>à</strong>s camadas consideradas populares. Esta, talvez, a grande virtude<br />

destes trabalhos, pois a partir dessas considerações desenvolveram-se diversos trabalhos<br />

interessados em compreender essa exclusão sob a ótica dos próprios sujeitos envolvidos no<br />

processo. Sendo assim, os dois trabalhos citados funcionaram como eficientes aparelhos auditivos<br />

que permitiram recuperar do silêncio as vozes, muitas vezes, inaudíveis do passado. Com isso,<br />

além das grandes obras de embelezamento das cidades mais importantes da região como a<br />

abertura de ruas largas, as construções de ferro, os teatros, usinas de incineração de lixo,<br />

palacetes, etc. buscou-se demonstrar o outro lado da modernização, com a marginalização dos<br />

setores populares evidente na demolição dos cortiços, na expulsão dessas camadas para as áreas<br />

periféricas, no controle da mendicância, da vadiagem, da prostituição, das vendas e do próprio lazer<br />

popular, tudo isso evidente nos Códigos de Posturas elaborados pelos governantes das duas<br />

cidades.<br />

39


convivência no espaço urbano: as classes perigosas, os doentes, a doença, o lixo, a<br />

morte e os próprios mortos. Em nome do bem viver, as autoridades constituídas<br />

procuravam destinar o espaço central da cidade <strong>à</strong>s elites e afastar, o máximo que<br />

pudessem do centro urbano, tudo o que fosse considerado nocivo aos interesses<br />

daquela parcela da sociedade. Em Belém o discurso das autoridades aponta neste<br />

sentido, pois é evidente a preocupação com a higiene ou com a saúde “pública” nos<br />

projetos de reforma urbana, códigos de posturas, relatórios de governo e outros atos<br />

ou decretos instituídos pelo poder público 16 .<br />

No final do século XIX a cidade de Belém passou a ser administrada por<br />

Antônio José de Lemos. Nessa administração temos o calçamento da maior parte<br />

das ruas da Cidade Velha e do Comércio, bem como de algumas ruas do Reduto,<br />

com paralelepípedos de granito, também foram abertas diversas valas para<br />

escoamento das águas pluviais e dos esgotos e também ajardinadas as maiores<br />

praças da cidade. É importante ressaltar que esta administração contava com<br />

vultosos recursos provenientes, principalmente, do apogeu da economia da<br />

borracha, dando-se o luxo de calçar com paralelepípedos de madeira todo o<br />

quadrilátero que circunda o Teatro da Paz, para que o girar de veículos, condutores<br />

de passageiros, circulando junto ao pomposo teatro, não perturbasse os assistentes<br />

16 Existe já uma consistente produção historiográfica relativa ao período da chamada Belle’epoque<br />

preocupados em perceber os efeitos da propalada modernização em segmentos considerados<br />

inferiores pela sociedade, nas classes consideradas perigosas. Investigando processos de sedução<br />

e defloramentos em Belém no final do século XIX Cancela (1997) revela traços muito importantes<br />

no comportamento dos envolvidos como, por exemplo, composição do mercado de trabalho,<br />

relações de gênero e as práticas de lazer dos homens e mulheres daquele período. Traços<br />

significativos que foram abrindo trilhas para investigações futuras sobre o comportamento dos<br />

populares na capital do Pará, a relação de diferentes sujeitos com o cotidiano que os envolvia, num<br />

contexto e abordagem bem próximos do que é investigado neste trabalho. Outro trabalho relevante<br />

nessa linha é o de Trindade (1999) que, vasculhando o bairro da Campina desvendou aspectos<br />

significativos no comportamento dos populares que habitavam aquela porção da cidade de Belém<br />

de fins do século XIX, especialmente da camada marginalizada da sociedade local. Porém, é<br />

preciso afirmar que o autor estava preocupado principalmente em “entender como se constrói uma<br />

carga de preconceitos que até hoje acompanha o cotidiano deste bairro, pelo menos em algumas<br />

ruas” (Trindade, 1999, pg 08). Assim, embora o referido autor tenha abordado a questão da saúde e<br />

da doença, relativamente <strong>à</strong>s camadas marginalizadas do bairro da Campina em Belém, não o fez<br />

na mesma perspectiva desta dissertação, pois procurou mostrar como certas doenças afetavam a<br />

população do bairro da Campina, algumas formas de contágio, a disseminação, mas apenas com o<br />

intuito de enfatizar a condição de marginalizados dos sujeitos que investigava, que contribuiu para a<br />

construção de uma carga de preconceitos sobre os mesmos. Temos assim uma gama de trabalhos<br />

relevantes sobre a Belém da Belle Époque influenciados pela terceira via de interpretação do caso<br />

carioca, que de alguma forma dialogaram com as questões que estão sendo propostas por esta<br />

dissertação. Existe ainda um conjunto de trabalhos nessa linha que aparecerão ao longo do texto, a<br />

medida que seja identificada sua relação com as questões aqui abordadas. Por enquanto<br />

continuaremos com a análise da reurbanização de Belém na segunda metade do século XIX.<br />

40


dos espetáculos daquela casa. Já no início do século XX foram inaugurados os<br />

mercados de São Brás e o de Ferro, novos hospitais são construídos como, por<br />

exemplo, a Santa Casa; remodela-se o Palácio do governo, funda-se a freguesia de<br />

Canudos, inaugura-se a Usina de Cremação, surgem os bondes elétricos e<br />

inauguram-se os primeiros 1500 metros de cais do novo porto. Essas novidades<br />

provocaram mudanças significativas no modo de vida da sociedade local, revelando-<br />

se dois os dois lados do processo, pois, garantia o bem viver para alguns a custa da<br />

exclusão de outros.<br />

A propaganda governamental deste período exibe imagens diversas da<br />

capital paraense geralmente associadas <strong>à</strong> salubridade, higiene e ordem, trinômio do<br />

progresso e da civilização. Essa propaganda era expressa em álbuns produzidos em<br />

diversos momentos entre o final do século XIX e início do século XX 17 , nos<br />

proporcionando uma série de informações sobre a cidade de Belém relacionadas a<br />

questão da saúde, como veremos a seguir. Segundo Fontes (2002: 258):<br />

A preocupação em construir uma imagem positiva da região foi uma questão<br />

central na virada do século passado que levou governos, intelectuais,<br />

jornalistas, seringalistas, comerciantes e agricultores a expressar suas<br />

opiniões sobre a região e suas necessidades.<br />

Mas a grande questão é qual o propósito dessa política? Segundo a<br />

autora, que analisou o álbum de 1900, tratava-se, principalmente, de propaganda<br />

para atrair imigrantes, pois a segunda metade do século XIX seria marcada pelo<br />

debate do fim da escravidão e, ao mesmo tempo, pela busca de alternativas para a<br />

mão-de-obra escrava. Neste sentido, a substituição do trabalho escravo pelo<br />

trabalho do imigrante europeu seria a solução haja vista que contemplava o desejo<br />

17 Entre as brochuras produzidas na época destaca-se o “Álbum Descriptivo Amazônico”, organizado<br />

por Arthur Caccavoni. da cidade de Belém, deste final do século XIX, é o Álbum do Pará, ricamente<br />

ilustrado e publicado em Turim. Pelos anúncios que contém, pode-se ter uma idéia das áreas de<br />

Belém, caracterizadas por uma zona portuária, onde abundavam os trapiches de madeira; uma<br />

zona comercial, subdividida pela disposição das casas de comércio, bancos companhias de seguro,<br />

etc., no bairro do Comércio (“boulevard” da República, R. João Alfredo, R. 15 de Novembro, etc.) e<br />

bairro do Reduto (R. 28 de Setembro, Av. da Municipalidade, etc.), onde já havia importantes<br />

indústrias; e uma grande zona residencial, ocupando o resto do espaço urbano.<br />

41


de erguer na Amazônia uma civilização a imagem e semelhança das sociedades da<br />

Europa Ocidental. Este trabalho é bastante significativo, realizando-se a partir de<br />

uma análise esmiuçada da brochura e de vários outros documentos sobre o tema<br />

onde fica claro que, para a autora “a publicação foi organizada com o objetivo de<br />

divulgar o Estado, tentando desconstruir a imagem de que no Pará era impossível<br />

prosperar uma sociedade civilizada”. No seu entender existe uma “tensão social” no<br />

texto da brochura, pois os intelectuais buscavam sempre demonstrar o grau de<br />

progresso e civilidade alcançado pelo Estado, contrapondo-se a uma imagem<br />

elaborada da região como terra de índio, insalubre e pestilenta.<br />

Segundo Pereira (2006), que analisou essa produção iconográfica, entre o<br />

século XIX e início do século seguinte, em torno de 50 fotógrafos trabalhavam em<br />

Belém.Tais profissionais dedicavam-se, no princípio, exclusivamente ao gênero de<br />

retratos através do método de produção única da imagem. Com o tempo, em função<br />

da introdução de novas técnicas e outros sistemas fotográficos que utilizavam o<br />

princípio positivo-negativo, esses profissionais ampliaram a sua produção para<br />

registros de paisagens, reproduzindo cenas cotidianas dos locais por onde<br />

passavam ou colaborando para expedições científicas. Vários fotógrafos retrataram<br />

imagens diversas dos espaços urbanos de Belém, sempre procurando ressaltar<br />

aspectos da cidade como ícones da modernidade. Essas imagens foram distribuídas<br />

por álbuns, relatórios municipais, jornais e revistas. Mas, a produção sob a<br />

assinatura Fidanza 18 ganha destaque, pela reconhecida qualidade técnica e nítida<br />

delicadeza de suas paisagens, especialmente na representação de obras públicas,<br />

18 Para Pereira (2006, 64), Felipe Augusto Fidanza “foi um dos princiapais fotógrafos cuja atuação foi<br />

bastante divulgada nos jornais locais” Português de origem, natural da cidade de Lisboa, veio para o<br />

Brasil e consagrou-se como a maior expressão da fotografia no Pará. Fidanza merece destaque<br />

como retratista, mas também como fotógrafo de paisagens urbanas. “Seu primeiro trabalho a<br />

destacar-se em âmbito nacional foram as fotografias que documentaram os preparativos da<br />

chegada de D. Pedro II em Belém no ano de 1867” (pg 66). Fidanza sempre buscou aprimorar a<br />

arte de fotografar e com esse intuito fez diversas viagens para Paris, Lisboa e Londres, buscou<br />

novidades, participou de expedições nacionais e internacionais e apresentou as mudanças em seu<br />

ateliê que era utilizado para fazer exposições de pinturas de artistas que passavam por Belém.<br />

Neste trabalho, Pereira procura analisar a relação entre fotografia e cidade a partir da narrativa<br />

visual dos álbuns e relatórios de Belém que foram elaborados no período de 1898 a 1908, buscando<br />

identificar as formas como os indivíduos se fizeram representar nos diversos cenários urbanos, com<br />

visibilidade para os tipos sociais que foram flagrados sutilmente pelos fotógrafos a serviço ou não<br />

da propaganda governamental, com o intuito de difundir uma imagem de modernidade da cidade de<br />

Belém.<br />

42


enfatizando o desenvolvimento da cidade, que foram reunidos nos Álbuns do Pará<br />

de 1899 e de Belém de 1902. Segundo Pereira (2006: 79):<br />

Esses álbuns representam luxuosas obras que exibem as marcas de uma<br />

cidade em transformação e foram editados a pedido do governador e do<br />

intendente, cujo objetivo era por em destaque os grandes acervos que<br />

correspondem ao período do seu mandato. Fotografia de edifícios, de ruas,<br />

de avenidas, de praças, de jardins públicos, de Igrejas e outras realizações<br />

arquitetônicas servia para mostrar o desenvolvimento, o progresso e<br />

melhorias efetuadas. Além dessas produções citadas anteriormente,<br />

Fidanza responsabilizou-se pela composição de álbuns em outros estados.<br />

Analisando o Álbum de 1902 19 percebemos como essa preocupação é<br />

evidente. Impresso pela gráfica Philippe Renouard, em Paris, apresenta comentários<br />

e setenta e seis pranchas de imagens sobre vários aspectos da cidade. Ao todo são<br />

93 fotografias de Belém e retratos dos representantes do governo. Conforme marca<br />

d’água impressa percebe-se claramente que são fotografias de Felipe Augusto<br />

Fidanza. O álbum foi encomendado pelo intendente municipal, Antônio Lemos,<br />

constituindo-se em obra comemorativa, editada a pedido do governo municipal, com<br />

o objetivo de enaltecer as realizações do intendente. São fotografias de prédios,<br />

jardins públicos, praças, Igrejas, monumentos, ruas, avenidas e mais algumas<br />

realizações arquitetônicas que permitem a realização de certa reconstituição da<br />

história imediata da cidade, enfatizando-se os elementos relacionados ao<br />

desenvolvimento, ao progresso e melhorias efetuadas, principalmente na<br />

administração lemista. O texto do álbum procura descrever os acontecimentos<br />

históricos e os diversos significados que envolvem as imagens em toda a obra. No<br />

início está representada a imagem do governador do estado naquele período,<br />

Augusto Montenegro, em seguida os retratos dos doze administradores da rede<br />

municipal, compondo uma única página. O intendente Antônio Lemos aparece no<br />

centro da página e, ao seu redor, os doze representantes estaduais, retratados em<br />

foto 5x4. Segundo Pereira (2006: 64), “há uma necessidade de as pessoas ligadas<br />

ao mandato de governo se fazerem conhecidas e estarem presentes nos<br />

19 Esta análise foi feita em monografia de especialização defendida em 2008, na UFPA, sob orientação<br />

de Maria de Nazaré Sarges, intitulada “Modernidade, Civilização e Imigração em Belém no início do<br />

século XX: o Álbum de Belém de 1902”.<br />

43


mecanismos de divulgação da cidade, com o intuito de ter uma imagem pública”<br />

Após a apresentação dos retratos vem a narrativa sobre a disposição dos espaços<br />

da cidade, construção e ordenação, e também de seus símbolos. Do início ao fim, a<br />

brochura procura até de forma exagerada, demonstrar a existência de civilização na<br />

Amazônia. Mas, qual civilização? Inspirado em padrões europeus, o modelo de<br />

civilização aqui defendido assentava-se sob um projeto político republicano (com<br />

seus poderes modernamente constituídos), e de acordo também com os parâmetros<br />

da moderna ciência da higiene, este último aspecto tem importância vital para o<br />

encaminhamento desta análise.<br />

Assim era necessário mostrar que esta civilização estava adequada aos<br />

mais avançados conhecimentos científicos da época, que a cidade de Belém era<br />

propícia ao bem viver, pois a salubridade deixava de ser encarada como um<br />

problema climático na região para passar a ser tratada de acordo com os modernos<br />

princípios da ciência da higiene. Percorrendo todo o álbum de 1902 percebe-se que<br />

a palavra higiene é mencionada dezenas de vezes, referindo-se, <strong>à</strong>s vezes, de forma<br />

desnecessária ou exagerada, pois voltada para descrição de ambientes que não<br />

apresentam grande risco <strong>à</strong> saúde da população. Em toda a brochura são analisados<br />

diversos trechos onde a preocupação com a higiene é manifestada, tanto sobre os<br />

prédios situados em locais distantes do centro da cidade, relativos ao tratamento do<br />

lixo, de doentes, abate de animais e enterramento dos mortos, pois se procurava<br />

levar para fora das áreas centrais os maiores perigos para a saúde da população, ao<br />

mesmo tempo que também buscava-se proporcionar aos edifícios da área central os<br />

requisitos fundamentais da ciência da higiene.<br />

O Mercado Municipal, localizado na área central aparece com uma divisão<br />

interior em pavilhões isolados, formando áreas abertas ao ar livre, que poderiam ficar<br />

intransitáveis nas épocas mais chuvosas, mas, em contrapartida, teriam grandes<br />

conseqüências higiênicas para o estabelecimento, pois o asseio do mesmo se<br />

realizaria com extrema facilidade nos tempos de calor, especialmente a lavagem dos<br />

talhos, “diariamente emporcalhados pela mercancia da carne verde”, diz Brandão<br />

(1902).<br />

44


A preocupação em permitir a circulação do ar é típica, neste período, da<br />

adesão a famosa teoria dos miasmas, defendida pela corrente dos infeccionistas que<br />

consideravam que objetos naturais (animais ou vegetais), em putrefação,<br />

desencadeavam doenças pelo ar, daí a necessidade de construir espaços com<br />

possibilidade de circulação do ar, como fica explícito na descrição do Mercado<br />

Municipal e também nas ruas largas, abertas em Belém naquele contexto.<br />

O álbum também apresenta as praças e ruas principais da cidade, sempre<br />

limpas, muito bem cuidadas, mais um aspecto que ressalta a preocupação com as<br />

condições higiênicas da cidade. As praças são apresentadas como espaços<br />

agradáveis, voltadas para o refrigério dos citadinos. As ruas largas obedeciam <strong>à</strong><br />

dinâmica da sociedade em construção na época e, ao mesmo tempo, procuravam<br />

atender <strong>à</strong>s exigências da ciência da higiene, facilitando a circulação do ar para evitar<br />

a contaminação da população.<br />

No álbum de 1902 percebe-se, portanto, uma descrição de Belém que<br />

procura enquadrá-la em padrões de modernidade, enfatizando seus símbolos<br />

principais, sendo importante considerar que a utilização do discurso higienista é<br />

constante, constituindo-se num dos elementos centrais da noção de modernidade<br />

cultuada naquele contexto. Esse discurso voltou-se principalmente para as classes<br />

populares, para as classes consideradas “perigosas”, gerando um acúmulo de<br />

experiências que informam as atitudes dessas camadas em relação <strong>à</strong>s<br />

determinações do poder público.<br />

Em função das inúmeras dificuldades em combater certas doenças, como<br />

a varíola, impõe-se o isolamento como forma de evitar o contágio, daí a necessidade<br />

da construção de um hospital em área afastada do núcleo urbano, como é o caso do<br />

hospital de variolosos, representado na imagem acima.<br />

A preocupação com a doença não é especificidade da modernização, é<br />

coisa muito antiga. A população da região amazônica experimentou, com amargura,<br />

epidemias terríveis que afetaram grande parte da população. No século XIX, a<br />

varíola – velha conhecida do povo da região -, a febre amarela e a cólera ceifaram<br />

vidas e propiciaram um saldo de pavor, de medo, que se constituiu num caldo de<br />

cultura para as concepções médicas da época. A epidemia de febre amarela de<br />

45


1850 chegou a afetar, segundo Vianna (1992), 12000 pessoas para uma população<br />

de 16000, em Belém. Assim, justifica-se toda a preocupação com a higiene no<br />

discurso das autoridades, como fica evidente na passagem a seguir de Sarges<br />

(2002: 147) referente <strong>à</strong> obra de Antônio Lemos:<br />

O cuidado com a saúde pública e o serviço sanitário de Belém se<br />

constituíram num dos pontos prioritários da administração lemista(...). A<br />

intendência de Belém tentou regular os hábitos de forma a obter resultados<br />

satisfatórios no que concerne a saúde pública, na medida em que criou<br />

mecanismos na legislação municipal com o objetivo de controlar casas<br />

comerciais como hotéis, casas de pensão, restaurantes, hospedarias, etc.,<br />

lugares considerados mais perigosos a propagação de doenças epidêmicas.<br />

É importante ressaltar que a ação do Estado, tanto na esfera municipal<br />

quanto estadual, procurou associar a idéia de modernidade e civilização a padrões<br />

de higiene notadamente “científicos”.<br />

Os relatórios de Antônio Lemos descrevem vários casos de doenças<br />

epidêmicas (febre amarela, tuberculose, varíola, etc.) que assolavam a população da<br />

cidade, mas, ao mesmo tempo todo o esforço no sentido de tomar medidas<br />

profiláticas com a finalidade de controlar a propagação das moléstias, o que leva<br />

inclusive, a criação do Departamento Sanitário Municipal, em 1901. Também foram<br />

criadas a Inspectoria Geral do Serviço Sanitário do Pará, o Instituto Bacteriológico, o<br />

Instituto Vacinogênico, a Estatística Demográfica Sanitária, o Laboratório de Análises<br />

Clínicas e Bromatológicas, o Laboratório Farmacêutico, o Hospital de Isolamento,<br />

etc.<br />

Todo esse arsenal médico-científico evidencia a intenção política de<br />

reordenar o espaço urbano para habitação das elites e trabalho das camadas mais<br />

pobres da população. <strong>Da</strong>í a ação sobre os cortiços, o tratamento do lixo, a<br />

desativação de cemitérios, etc. de acordo com a teoria dos Contagionistas ou<br />

Infeccionistas. Essas concepções dividiam e atormentavam a própria comunidade<br />

46


científica desde os tempos do Dr. Castro, ou do flagelo do cólera na Belém do Grão-<br />

Pará, como bem demonstrou Beltrão (2004) 20 .<br />

Para Vigarello (1999), essa nova conjuntura coincidiu com o predomínio do<br />

paradigma microbiano e bacteriológico que, graças aos trabalhos de Pasteur e Koch,<br />

propiciaram uma outra compreensão da causa das doenças, suas formas de<br />

transmissão e cura. A identificação dos agentes etiológicos das doenças infecciosas<br />

propiciou o desenvolvimento de vários métodos de imunização e combate aos<br />

vetores e seus reservatórios naturais. Surgiram métodos específicos de profilaxia,<br />

normalmente bastante eficazes, que levaram alguns a acalentar o sonho de que todo<br />

e qualquer mal poderia ser remediado pelo novo saber. O combate <strong>à</strong>s epidemias que<br />

assolavam a região, dificultando o pleno funcionamento da economia da borracha e<br />

afastando de seus portos os trabalhadores estrangeiros, levou os poderes<br />

constituídos a criarem, durante o século XIX, um aparato legal para regular os<br />

serviços sanitários, assim como um conjunto de instituições. Esses centros<br />

passaram a ditar os rumos da saúde pública.<br />

A comunidade médica parecia não chegar a um consenso acerca das<br />

medidas profiláticas necessárias, mas na verdade, é preciso compreender a<br />

historicidade desse debate e, como bem demonstrou Figueiredo apud Chalhoub<br />

(2003), não estavam muito descoladas as práticas da medicina oficial em relação<br />

aos métodos da medicina popular 21 . Porém, ao longo do século XIX, os estudos<br />

20 Eram dois os principais paradigmas médicos, vigentes no século XIX, sobre as causas e o modo de<br />

propagação de doenças epidêmicas. Entendia-se por contágio a propriedade que apresentavam<br />

certas doenças de se comunicar de um a outro indivíduo diretamente, pelo contato, ou<br />

indiretamente, através do contato com objetos contaminados pelos doentes ou da respiração do ar<br />

que os circundava. O contágio, uma vez produzido, não precisava, para se propagar, da intervenção<br />

das causas que o haviam originado; ele se reproduzia por si mesmo, não obstante as condições<br />

atmosféricas reinantes. Ou seja, os contagionistas acreditavam que o surgimento de uma<br />

determinada doença sempre se explicava pela existência de um veneno específico que, uma vez<br />

produzido, podia se reproduzir no indivíduo doente e assim se propagar na comunidade. Por<br />

infecção se entendia a ação exercida na economia por miasmas mórbidos. Em outras palavras, a<br />

infecção se devia <strong>à</strong> ação que substâncias animais e vegetais em putrefação exerciam no ar<br />

ambiente. A infecção atuava senão na esfera do foco do qual se emanavam os tais “miasmas<br />

mórbidos”. Era verdade que uma doença infecciosa podia se propagar de um indivíduo doente a<br />

outro são; todavia, tal processo não acontecia propriamente por contágio: o indivíduo doente agia<br />

sobre o são ao alterar o ar ambiente que os circundava.<br />

21 No artigo que compõe a obra acima A. Figueiredo analisa os embates entre pajelança (práticas<br />

curativas populares) e medicina “científica”, demonstrando, com base em consistente<br />

documentação, que os médicos científicos discriminavam o saber popular, mas geralmente<br />

lançavam mão de seus métodos.<br />

47


científicos avançaram, conferindo maior credibilidade aos doutores, por isso, aqui no<br />

Pará a política era marcada pela presença influente de médicos. Nesse campo, a<br />

cultura da higiene ganhou destaque, definindo boa parte das políticas públicas. Na<br />

administração do governador Paes de Carvalho percebe-se uma enorme<br />

preocupação com a saúde pública, nos seus relatórios aparecem muitas medidas<br />

voltadas para a higienização da cidade, de acordo com Rodrigues (2008).<br />

O Álbum de Belém de 1902, organizado no governo de Augusto<br />

Montenegro, como já foi dito revela uma preocupação destacada com a higiene. Em<br />

cada fotografia mostrada procurava-se evidenciar padrões de higiene adotados,<br />

notadamente científicos, adequados aos padrões europeus. Assim, as ruas largas,<br />

as praças, os hospitais e cemitérios afastados do centro urbano, a usina de<br />

incineração do lixo, o curro público, o necrotério, etc., seriam a demonstração da<br />

civilização na Amazônia. Quando o documento acima citado refere-se <strong>à</strong> desativação<br />

do cemitério Soledade afirma que foram razões de ordem higiênica que<br />

determinaram a interdição do referido cemitério e que “já em 1874 considerado<br />

insuficiente pela Santa Casa de Misericórdia, a quem incumbia então a gerência de<br />

semelhantes negócios, apesar de ser a iniciativa de construção respectiva toda por<br />

conta do governo”, de acordo com Brandão (1902).<br />

A quando da criação da Repartição Sanitária Municipal, em 1899,<br />

considera o governo que essa reforma envolveu, na sua complexidade, o aumento<br />

de pessoal técnico, a fiscalização dos mercados, matadouros, dos estábulos, hotéis,<br />

restaurantes, talhos, necrotérios, cemitérios, domicílios particulares e, enfim, em<br />

todos os pontos da cidade onde a saúde pública estivesse ameaçada em face, de<br />

acordo com o governo, do “desleixo higiênico”. Essas informações, contidas no<br />

álbum de 1902, revelam o caráter assumido pela administração municipal no que se<br />

refere a questão da saúde do município, percebendo-se a presença marcante do<br />

discurso higienista fundamentando a política de saúde municipal e seus efeitos,<br />

principalmente sobre as camadas populares, maiores responsáveis, de acordo com o<br />

discurso oficial, pelo estado de higiene da cidade.<br />

Na descrição do Curro Público não se busca argumento diferente, segundo<br />

Brandão (1902): “Esse estabelecimento é ainda o mesmo que garante a população<br />

48


de Belém a carne verde isenta dos perigos que oferece a matança sem a<br />

fiscalização científica e o talho sem os devidos escrúpulos prescritos pela higiene”.<br />

FOTOGRAFIA 01: Matadouro Municipal<br />

Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris:<br />

Fidanza/ Philippe Renoaud, 1902.<br />

Igual argumento é utilizado em relação ao Necrotério e a Usina de<br />

Cremação, para Brandão (1902: 93-94):<br />

A situação do necrotério <strong>à</strong> beira do rio e <strong>à</strong>s portas da cidade assegura-lhe as<br />

melhores condições higiênicas, que são escrupulosamente mantidas pela<br />

administração [...]. A usina está situada a curta distância da cidade em um<br />

trecho pouco edificado, permitindo a facilidade dos transportes de lixo e<br />

animais mortos, cuja incineração ali se faz do modo mais prático e pelos<br />

processos regulados pela moderna higiene.<br />

É importante destacar a localização destes prédios, sempre distante do<br />

núcleo urbano, livrando parte da população, os bem nascidos, de qualquer risco que<br />

a presença do lixo, animais mortos e o abate do gado pudessem representar, de<br />

acordo com os preceitos médicos em vigor na época.<br />

FOTOGRAFIA 02: Usina de Incineração de Lixo e Animais Mortos<br />

49


Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />

Renoaud, 1902.<br />

FOTOGRAFIA 03: Necrotério Municipal<br />

Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />

Renoaud, 1902.<br />

Essa belle époque da saúde também foi marcada pela construção de<br />

espaços voltados para o atendimento dos enfermos. Por meio da verba intitulada<br />

“socorros públicos” surgiram diversas instituições direcionadas ao tratamento dos<br />

acometidos de moléstias diversas, epidêmicas ou não. Algumas já existiam, mas<br />

passaram por reformas ou adaptações ou ampliação de seus espaços. Para o<br />

tratamento dos variolosos inicialmente havia uma enfermaria localizada na travessa<br />

José Bonifácio, muito criticada pelas instalações inadequadas e por não conseguir<br />

atender a demanda, serviu as epidemias de 1883 e 1890, mas foi substituída pelo<br />

Hospital São Sebastião, destinado a abrigar os variolosos. Com a epidemia de<br />

varíola em 1898, o governador Paes de Carvalho tratou de construir um hospital para<br />

estes doentes, tipo hospital-barraca-de-campanha, e que ficou pronto em três<br />

50


meses. Segundo Vianna (1992), o edifício é vasto, tendo comprimento de 120m e<br />

largura de 22m. Todo edificado em madeira; as grandes enfermarias e o 1º corpo<br />

são forrados. O hospital está instalado no mesmo terreno do Domingos Freire, do<br />

qual dista 130m, sendo separado deste por uma cerca de arame. Pela frente do<br />

terreno, na travessa Barão de Mamoré, e pelos lados de toda a área compreendida<br />

por aquela grande propriedade do Estado corre uma cercadura completando assim o<br />

isolamento dos edifícios.<br />

Com a erradicação da varíola o São Sebastião passou a ser o “Asilo das<br />

Madalenas”, para a internação de prostitutas portadoras de doenças venéreas, a<br />

partir de 1921, tendo também abrigado tuberculosos.<br />

O outro hospital que servia ao isolamento era o São Roque, na verdade<br />

uma casa, moradia particular, <strong>à</strong>s proximidades do Domingos Freire, alugada por<br />

150$000 pelo governo do estado, em 1904, e utilizada para o isolamento de<br />

pacientes com peste bubônica, estando o São Sebastião, lotado. Ampliado e dotado<br />

de todos os cômodos necessários serviu também para o isolamento de pacientes<br />

portadores de varíola, gripe, difteria, etc.<br />

FOTOGRAFIA 04: HOSPITAL DOS VARIOLOZOS<br />

51


Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe<br />

Renoaud, 1902.<br />

Havia também o Hospital da Caridade e o Asilo dos Alienados, sob a<br />

direção e administração da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Existia o Lazareto<br />

do Tatuoca, cedido ao Governo Federal, para os serviços de quarentena aplicado <strong>à</strong>s<br />

embarcações que atracavam no porto de Belém. Ainda se poderia contar com o<br />

Hospital Militar Federal, o Hospital da Marinha, o Hospital Militar do Estado e a<br />

Escola de Farmácia. Havia também instituições privadas, como o Hospital Dom Luiz<br />

I, de propriedade da Real sociedade Portuguesa Beneficente, que acolhia seus<br />

associados e também os indigentes que os procuravam; o Hospital de São<br />

Francisco, da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, quase exclusivo dos<br />

irmãos enfermos. Mas, em épocas mais delicadas, marcadas pela eclosão de<br />

epidemias, a população mais pobre poderia ainda contar com as associações de<br />

caridades que se empenhavam na tarefa de prestar socorro aos desvalidos e<br />

doentes sem assistência. As que mais se destacavam na época eram a Liga<br />

Humanitária, a Sociedade das <strong>Da</strong>mas da Caridade, a Imperial Sociedade<br />

Beneficente Artística Paraense, a União Salvaterrense, a Sociedade Beneficente<br />

Estrela do Oriente, etc 22 .<br />

22 Sobre as instituições existentes em Belém nesse período, consultar CAMPOS, Américo. “Higiene”.<br />

In: Quarto Centenário do Descobrimento do Brazil: O Pará em 1900. Pará-Brasil: Imprensa de<br />

Alfredo Augusto Silva, 1900, p.113-19.<br />

52


O medo da contaminação, do contágio ou dos “miasmas” também afetou o<br />

destino dos mortos. No Pará, desde pelo menos a época da conquista eram comuns<br />

os enterramentos nas igrejas, nos mosteiros, conventos e outros lugares<br />

considerados sagrados. Supõe-se que os primeiros colonos falecidos fossem<br />

enterrados na pequena igreja de Nossa Senhora da Graça, construída por Francisco<br />

Caldeira Castelo Branco, dentro do forte do Presépio. De 1626 em diante, os<br />

conventos e igrejas franquearam os seus recintos <strong>à</strong>s sepulturas, conforme Vianna<br />

(1992), a quantidade de pessoas sepultadas nestes locais parece impossível<br />

levantar, em função da falta de registros, que só foram mantidos com relação aos<br />

indivíduos considerados mais ilustres.<br />

A entrada em maior escala de africanos na Amazônia, a partir da segunda<br />

metade do século XVIII, em função da política pombalina, provocou epidemias de<br />

varíola e, em conseqüência, a necessidade de se estabelecer um local para serem<br />

enterrados os escravos e os pobres, vitimados pela peste. O fundo do Largo da<br />

Campina ficou reservado a esta prática.<br />

Em 1801, uma carta régia ordenou ao governador do Pará, D. Francisco<br />

de Souza Coutinho, que, em companhia do bispo, escolhesse um local fora da<br />

cidade, para um ou mais cemitérios públicos, onde fossem feitos os enterros sem<br />

exceção de pessoa alguma. Essa ordem levou a ampliação do cemitério do largo da<br />

campina, mas a população manteve a prática dos enterros junto <strong>à</strong>s igrejas. Em<br />

1841, a câmara municipal encaminhou um projeto para estabelecer um cemitério<br />

público e, com esta finalidade adquiriu por troca um terreno.<br />

Em 1848, a Assembléia provincial autorizou a Câmara a dar em<br />

aforamento <strong>à</strong> Misericórdia o referido terreno. Depois de idas e vindas, a epidemia de<br />

febre amarela abreviou a solução da questão. O presidente Jeronymo Coelho<br />

nomeou duas comissões médicas, uma composta de três facultativos, para propor<br />

53


as medidas sanitárias precisas, outra de quatro, para curar os indigentes; ordenou<br />

que as farmácias aviassem as receitas dos pobres por conta da Fazenda pública.<br />

Entre as medidas sanitárias adotadas, destaca-se a da proibição expressa<br />

de sepultura aos mortos de febre, nas igrejas da cidade. Para tais medidas<br />

tornarem-se realidade, na prática, era necessário estabelecer um cemitério regular;<br />

o presidente não pensou em utilizar o cemitério do largo da campina, porque se<br />

encontrava em completo abandono; então escolheu um lugar, então chamado das<br />

valas, todo de solo firme, mandou limpar sessenta braças quadradas, meteu-as em<br />

cerca regular e erigiu dentro delas uma pequena capela de madeira, sob a proteção<br />

de Nossa Senhora da Soledade.<br />

FOTOGRAFIA 05: Cemitério da Soledade<br />

Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/<br />

Philippe Renoaud, 1902.<br />

O crescimento urbano não permitiu longa atividade ao cemitério da<br />

Soledade, pois a referida necrópole estava já muito próxima da área central da<br />

54


cidade e, com isso, o perigo de contaminação atormentava os habitantes de Belém.<br />

Uma nova epidemia de varíola, que então grassava com violência na cidade,<br />

reclamou providências enérgicas das autoridades, buscando-se o encaminhamento<br />

de uma nova necrópole que recebeu os indigentes infeccionados, a partir de 1874.<br />

Tratava-se do cemitério Santa Izabel que inicialmente recebia os cadáveres dos<br />

pobres, dos escravos e das vítimas das epidemias. Neste momento, a segregação<br />

envolveu até os mortos, pois o cemitério da Soledade passou a ter a condição de<br />

cemitério dos abastados. Na verdade, essa desigualdade nos enterramentos<br />

remontava aos tempos da cólera, como afirma Beltrão (2004, não paginado):<br />

Na capital, onde as vítimas deveriam ser enterradas no cemitério de N. S. da<br />

Soledade, provavelmente, houve sepultamentos fora do campo santo, tanto<br />

pela falta de braços para cumprir com o "dever cristão", como pelos preços<br />

das esmolas para o enterramento. (...) A sepultura mais barata era<br />

demasiado cara para ser adquirida pelas gentes pobres, abatidas pelo<br />

flagelo. Para facilitar a compreensão durante a epidemia, os enfermeiros<br />

recrutados pela Comissão de Higiene Pública recebiam 10$000 réis<br />

mensais. Um enterramento na vala comum, portanto, equivaleria a 20% da<br />

remuneração. Pode-se argumentar que havia sempre a possibilidade de ser<br />

dispensado da esmola, mas essa prática não era usual. <strong>Da</strong>s 1.049 almas<br />

enterradas na Soledade, vitimadas pela cólera, apenas 30% foram<br />

dispensadas da esmola, ou seja, teve enterro gratuito. Os demais<br />

despenderam 4$000 réis por uma sepultura rasa e temporária, única<br />

disponível em tempo de moléstia epidêmica.<br />

Em 1880, uma comissão de médicos e engenheiros, avaliando as<br />

condições higiênicas do cemitério da Soledade, recomendou a suspensão dos<br />

enterros naquela necrópole. Segundo Vianna (1992: 301), “[..] a comissão alegou<br />

que a necrópole achava-se já dentro do povoado; que os espaços disponíveis no<br />

cemitério eram já insuficientes para os enterros; que a análise química do terreno<br />

revelava um misto de argila e areia, impróprio [...]”<br />

A portaria de 5 de agosto do ano citado declarou suspensos os enterros<br />

na Soledade e, portanto, transferidos para o cemitério Santa Izabel.<br />

O medo da morte, ou da morte precedida por um estado mórbido<br />

associado a uma marca estigmatizante, levou as autoridades, respondendo a apelos<br />

e contando com a conivência de muitos, a procurarem afastar da cidade os doentes<br />

55


já que não se consegue evitar a doença, a afastar os mortos em função da<br />

impossibilidade de conter a morte.<br />

FOTOGRAFIA 06: Capela do Cemitério Santa Izabel<br />

Fonte: BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris:<br />

Fidanza/ Philippe Renoaud, 1902.<br />

Essa cultura da higiene estava assentada em concepções médicas que,<br />

mesmo gerando reações, orientavam a reorganização do espaço urbano. Entre os<br />

defensores de tais concepções estavam médicos influentes, que alcançaram grande<br />

projeção política. Está patente aqui a confiança no saber técnico, que graças ao seu<br />

poder de intervenção submete, transforma e molda o ambiente, numa atitude que<br />

guarda similaridade com o trabalho das divindades, o que poderia nos levar a uma<br />

longa viagem por diversas culturas.<br />

56


Todavia, se os preceitos da ciência da higiene serviam para as autoridades<br />

da região reivindicar padrões de civilização, nem sempre eram bem recepcionados<br />

pela sociedade local. As profilaxias oficiais eram reiteradas vezes recusadas,<br />

principalmente, pelas camadas populares. Entre as profilaxias mais rejeitadas<br />

encontrava-se a vacina. A história da aversão <strong>à</strong> vacina e outras profilaxias e ou<br />

práticas terapêuticas em Belém é bem antiga, começando ainda no século XVIII, pois<br />

segundo Vianna (1975) a vacina anti-variólica, por exemplo, foi introduzida em<br />

Belém poucos anos após sua invenção pelo médico inglês Edward Jenner. Desde<br />

então se desenvolveu uma cultura aversiva a profilaxias e práticas terapêuticas<br />

oficiais que se estendeu até o século XX. Embora o objetivo maior deste trabalho<br />

seja desvendar as razões dessa aversão, elaboramos primeiro, um histórico das<br />

epidemias de varíola, entre 1884 e 1904, para mostrarmos os efeitos sobre a<br />

população de Belém, mas também porque entendemos que o momento da epidemia<br />

é revelador, tendo as pesquisas se concentrado neste período para identificar as<br />

razões do comportamento aversivo da população de Belém <strong>à</strong>s medidas oficiais no<br />

campo da saúde.<br />

57


____________________________________________________________________<br />

58<br />

CAPÍTULO II<br />

Epidemias de Varíola em Belém da Belle Époque.<br />

A preocupação em mostrar uma cidade limpa, portanto adequada aos<br />

padrões da moderna ciência da higiene, estava relacionada, também, <strong>à</strong>s constantes<br />

epidemias de febre amarela, cólera, peste e varíola. Era preciso mostrar que a<br />

cidade estava preparada para combater tais doenças. Porém, a investigação<br />

demonstrou que a administração, tanto estadual quanto municipal, encontraram<br />

inúmeras dificuldades para conter as epidemias. Algumas vezes não se entendiam<br />

acerca das medidas ou práticas terapêuticas adequadas, não raro realizavam o<br />

tradicional “jogo do empurra”, quando não transferiam toda a culpa <strong>à</strong> ignorância<br />

popular ou ao governo Central, especialmente durante o Império. Vejamos o caso da<br />

varíola.<br />

Esta dissertação, portanto, pretende mergulhar nessa longa experiência<br />

com a varíola e a vacina, desenvolvida pela população de Belém, com o intuito de<br />

compreender as raízes da intolerância <strong>à</strong>s profilaxias encaminhadas pelo poder<br />

público. Assim, não vamos reproduzir integralmente os momentos que demonstrem a<br />

insatisfação popular e sua postura diante das medidas encaminhadas pelas<br />

autoridades, apenas quando necessárias, porque entendemos que este aspecto da<br />

relação dos populares com a vacina e outras profilaxias emanadas do poder público<br />

já foram exaustivamente demonstradas em diferentes trabalhos sobre o tema,<br />

inclusive em períodos aproximados aos dessa pesquisa, como os citados


anteriormente. As fontes que analisamos revelam freqüente intolerância <strong>à</strong>s<br />

profilaxias oficiais por parte das camadas populares, o que também já foi<br />

demonstrado em outros trabalhos, portanto esse não será nosso foco principal, mas<br />

sim procurar através da repetição dessa postura recuperar aspectos da experiência<br />

popular com a varíola e a vacina que possam nos informar sobre tal comportamento<br />

aversivo. Assim, neste capítulo procuramos fazer a reconstituição da incidência da<br />

varíola em Belém e seus efeitos sobre a população desta cidade desde o período<br />

colonial até o início do século XX, para demonstrar sua presença freqüente no Pará<br />

e seu caráter “aterrador”, principalmente para as camadas mais baixas da sociedade<br />

local. O objetivo maior dessa reconstituição é confirmar que a varíola não é uma<br />

doença desconhecida da população de Belém, no final do século XIX ou no início do<br />

século XX, mas uma velha conhecida. Sendo assim, seria natural que as camadas<br />

populares já tivessem criado representações sobre a varíola e também já tivessem<br />

desenvolvido práticas curativas próprias, diferentes daquelas constituídas pelos<br />

médicos acadêmicos e com as quais algumas vezes divergiam, outras convergiam,<br />

mas este assunto é para o próximo capítulo.<br />

1. Epidemias de Varíola em Belém entre 1884 e 1904:<br />

Neste período desencadearam-se três epidemias, a de 1884, outra entre<br />

meados de 1887 e meados de 1889, e a terceira entre 1899 e 1901. Na estatística<br />

apresentada por Vianna (1975) as epidemias referidas envolvem um período bem<br />

maior porque sua análise procurou caracterizar a epidemia desde o aparecimento do<br />

primeiro caso da doença até a última incidência. A análise feita neste trabalho tomou<br />

por base apenas o período em que houve um número significativo de mortos. Assim,<br />

para um total de 834 mortos no período apresentado por Vianna referente <strong>à</strong> primeira<br />

epidemia, 587 mortes foram registradas apenas no ano de 1884, por exemplo.<br />

Procuramos concentrar a análise das fontes no período mais apavorante das<br />

epidemias, pois neste as manifestações da sociedade, da imprensa e das<br />

autoridades, foram mais intensas e reveladoras. Utilizamos algumas informações<br />

fornecidas por Vianna acerca das epidemias citadas e também diversas notícias<br />

veiculadas por alguns periódicos que circulavam na cidade de Belém na época<br />

59


como, por exemplo, o “Diário de Notícias”, “A Folha do Norte” e “A Província do<br />

Pará”, e “A República”.<br />

Também foram úteis os relatórios, mensagens e falas de governo do<br />

período, bem como de abaixo assinados encaminhados ao poder público no período<br />

relativos a questão da saúde e dos ofícios da Chefatura de Polícia. A partir da<br />

análise dessas fontes organizamos um conjunto de idéias a respeito das epidemias<br />

de varíola entre 1884 e 1904. É importante esclarecer que não estamos<br />

considerando uma quarta epidemia que se estende de 1904 a 1905, pois o corte<br />

temporal dessa análise é 1904 e neste ano a varíola se manifestou apenas no último<br />

trimestre, sendo mais agressiva no ano seguinte, mas coletamos informações deste<br />

período que estivessem relacionadas ao comportamento da sociedade local,<br />

relativamente a Revolta da Vacina, que acontecia no Rio de Janeiro exatamente<br />

naquele momento.<br />

1.1. Epidemia de 1884:<br />

O Diário de Notícias, em sua edição de 20 de janeiro de 1884, denunciava<br />

a presença da varíola em Belém e sugeria providências adequadas para o expurgo<br />

da moléstia, dando ênfase a “urgentíssima” necessidade de limpeza da cidade, de<br />

preferência a qualquer outro serviço que não atendesse ao interesse da saúde<br />

pública. Pois, no Diário de Notícias:<br />

[...] Se por um lado o pouco caso que fez-se, quando este flagello anunciou<br />

sua entrada, das conseqüências necessárias de sua estada, não se<br />

cuidando de prevenir e impedir que Ella propagasse, fazendo-se executar<br />

rigorosamente as medidas aconselhadas pela sciencia; por outro lado<br />

cooperara para o seu rápido desenvolvimento o nenhum asseio, o estado<br />

imundo da cidade, devido ao desmazelo e ao desprezo das disposições do<br />

código de posturas, por parte dos srs. Fiscaes, aos quaes a camara não<br />

podia compellir ao cumprimento de seus deveres, nem fazer o que elles<br />

descuravam [...].<br />

[...] É terrível a situação! Um povo mal e carissimamente alimentado, em<br />

lucta com um flagello hediondo, é horribilíssimo! [...].(DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS,<br />

20 jan.1884, p. 2)<br />

A notícia reproduzida acima revela a crença na ciência, no saber técnico<br />

responsável pela salubridade da urbe, manifestada pelo articulista, mas, ao mesmo<br />

60


tempo, demonstra a inobservância de tais preceitos por parte da população e das<br />

autoridades, culpando-se os Fiscais pelo estado de higiene em que se encontrava a<br />

cidade, que não estariam fazendo cumprir o Código de Posturas. Chama a atenção,<br />

também a matéria, para a condição da alimentação da população de Belém que,<br />

associando a condição de saúde do povo <strong>à</strong> qualidade da alimentação, considerada<br />

péssima e de alto custo, reflexo do crescimento desordenado provocado pela<br />

economia da borracha. Esta notícia é uma evidente demonstração de como o<br />

discurso ou a ideologia da higiene ganhou projeção, principalmente na segunda<br />

metade do século XIX, especialmente através da imprensa que não cansou de<br />

“alertar” a população sobre o poder maléfico dos temidos miasmas. Assim, no dia 5<br />

de fevereiro de 1884, o mesmo Diário de Notícias denunciava, “<strong>à</strong> bem da saúde<br />

pública”, a existência de um “foco de miasma” localizado na estrada de São<br />

Jerônimo, entre as travessas 25 de março e 9 de janeiro, “em casa de um tal<br />

Francisco, mais conhecido como Chico Curtidor”. O tal Chico, segundo o diário, “tem<br />

a peste dentro de casa” e os vizinhos viviam incomodados com o mau cheiro que dali<br />

exalava, autorizando o periódico a pedir providências do poder público.<br />

São recorrentes as notícias relativas <strong>à</strong> varíola neste ano de 1884. O<br />

próprio Corpo de Polícia da Província foi afetado pela epidemia, pois a secretaria da<br />

enfermaria daquele regimento enviou diversos ofícios ao Chefe de Polícia<br />

informando a existência de variolosos em tratamento naquele lugar. Assim, em 14 de<br />

janeiro estava em tratamento o soldado Martiniano de Oliveira Pantoja, no dia<br />

seguinte estavam o cabo Honorato Xavier e o soldado Manoel Barbosa da Silva, no<br />

dia 16 eram os soldados João Marinho dos Santos e Francisco da Chagas Saraiva.<br />

No dia 17 de janeiro de 1884, a secretaria da referida enfermaria chama atenção<br />

para a gravidade da situação e para a necessidade de vacinação e revacinação<br />

naquele Corpo.<br />

A situação tornara-se tão séria que o médico responsável pela enfermaria,<br />

Dr. Bruno de Moraes Bittencourt, teve que renunciar ao gozo de uma licença para<br />

tratar dos enfermos. No dia 21 de janeiro a secretaria da enfermaria informava mais<br />

um caso de varíola, desta vez era o corneteiro Antonio da Silva Rodrigues, em 12 de<br />

fevereiro estava em tratamento o soldado Rufino Antonio da Silva. Em 23 de<br />

fevereiro foi recolhido do Marco da Légua, afetado pela varíola, o soldado Agostinho<br />

de Lima. De todos os casos registrados pela enfermaria do Corpo de Polícia, chama<br />

61


atenção o do soldado Raymundo José da Trindade, que baixou <strong>à</strong>quela enfermaria no<br />

dia 27 de janeiro, sendo que dias antes havia sido vacinado. O médico registrou em<br />

sua entrada um “movimento febril” que, no entanto, “não caracterizava a invasão da<br />

moléstia eruptiva reinante” (varíola). Segundo o médico poderia ser o<br />

desenvolvimento da vacina, “que parecia querer vingar”, mas ainda assim o<br />

esculápio não descartava a possibilidade de ser a bexiga. No dia seguinte o paciente<br />

continuava no mesmo estado, sendo-lhe administrada a medicação considerada<br />

adequada para o caso, conforme o relatório do médico, mas não sendo<br />

providenciada a transferência por não ter desenvolvido a sintomática apropriada. De<br />

28 para 29, daquele mesmo mês, o quadro agravou-se, sendo que toda sua<br />

superfície cutânea revelava manchas e outros sinais que indicavam tratar-se de um<br />

caso raro de varíola (hemorrágica).<br />

Mesmo com o agravamento do caso, o mesmo continuava duvidando do<br />

diagnóstico e, sendo assim, o paciente foi a óbito no dia 30 de janeiro, <strong>à</strong>s 3 horas da<br />

tarde. Com o falecimento o médico recomendou a transferência da enfermaria para<br />

outro compartimento do quartel, até que aquele compartimento onde ficava a<br />

enfermaria fosse caiado e devidamente higienizado, propondo o esculápio a<br />

desinfecção de todo o quartel, recomendando para tal o uso de água e cloreto de<br />

sódio.<br />

O caso acima é revelador em vários aspectos, primeiro porque mostra a<br />

incidência da varíola em quem já havia se vacinado o que pode ter causado a dúvida<br />

no médico e a conseqüente dificuldade em emitir um diagnóstico preciso, voltaremos<br />

a esta discussão no capítulo seguinte; segundo porque evidencia a dificuldade em<br />

dar atendimento adequado aos variolosos, pois se fosse confirmada a varíola o<br />

soldado seria transferido para a enfermaria José Bonifácio, como ocorria com todos<br />

os casos da doença detectados pelo dito médico; com isso fica evidente o medo da<br />

contaminação da tropa, talvez para não afetar os seus superiores e, este seria um<br />

último aspecto a revelar, com exceção do cabo Honorato Xavier, a varíola atingiu<br />

somente os soldados do Corpo de Polícia da Província e, quando não eram os<br />

soldados eram seus familiares, pois encontramos também ofícios em que os<br />

62


mesmos pediam ao Chefe de Polícia licença para acompanhamento de parentes<br />

acometidos de varíola 23 .<br />

A ideologia da higiene que tomou conta do discurso oficial no período,<br />

como já analisado no capítulo anterior, também era utilizada pelos populares,<br />

quando conveniente, para a defesa de seus próprios interesses. Recorria-se,<br />

portanto, aos preceitos da ciência da higiene, para garantir melhorias para as áreas<br />

em que viviam, fossem essas melhorias de saneamento, calçamento das ruas,<br />

abastecimento de água ou outra qualquer, amparada no próprio discurso oficial.<br />

Assim é que os moradores da travessa João Augusto Corrêa - Largo do Palácio -<br />

reclamando, em abaixo-assinado 24 , do péssimo estado em que se encontrava a<br />

referida travessa, principalmente na área compreendida entre as ruas Formosa e<br />

Dos Mercadores. Segundo os moradores daquela travessa, o estado da via lhes é<br />

prejudicial <strong>à</strong> saúde “pelos miasmas pestíferos que constantemente se exalam das<br />

imundícies depositadas na mesma travessa”, especialmente na espécie de calha que<br />

ali existe e está sempre obstruída, resultando deste “grande incoveniente” o<br />

aparecimento de doenças que flagelavam os abaixo assinados. Aqueles moradores,<br />

então, pedem ao governo da província providências no sentido de mandar calçar a<br />

mencionada travessa, “afim de melhorar as condições higiênicas da mesma”. Outras<br />

vezes a utilização do discurso higienista serve <strong>à</strong>queles que pretendem garantir a<br />

continuidade de seus negócios, é o que acontece no caso dos comerciantes da Doca<br />

do Imperador, que reclamam das péssimas condições daquela, que estava<br />

cumulando lama e lixo, “exalando miasmas que alteram a saúde pública” e, portanto,<br />

pedem providências ao responsável pela limpeza do porto, que desse início a<br />

limpeza daquela doca, de preferência a qualquer outro lugar, pois nas marés<br />

medianas ou “quebra d’água, não podem entrar barcos de maior lotação,<br />

prejudicando o interesse do comércio e de particulares 25 .<br />

23 Essas informações foram extraídas dos ofícios enviados pela secretaria da enfermaria do Corpo de<br />

polícia da Província do Pará ao comandante do mesmo. Documentação encontrada no Arquivo<br />

Público do Estado do Pará com a designação: Corpo de Polícia da Província – ofícios diversos,<br />

jan/mar/1884, lote 47.<br />

24 Abaixo assinado enviado a Secretaria da Presidência da Província, em 18 de abril de 1884.<br />

Documentação disponível no Arquivo Público do Estado do Pará, seção abaixo-assinados, ano<br />

1884, cx 07.<br />

25 Abaixo assinado encaminhado a Secretaria da Presidência da Província, em 16 de julho de 1884.<br />

Documentação disponível no Arquivo Público do Estado do Pará, seção de abaixo-assinados, ano<br />

de 1884, cx 07.<br />

63


Voltando a questão das epidemias de varíola é preciso destacar que o<br />

Diário de Notícias geralmente publicava os óbitos ocorridos em cada dia, informando<br />

a quantidade e, <strong>à</strong>s vezes, o nome dos mortos, principalmente dos óbitos ocorridos<br />

fora da Enfermaria José Bonifácio.<br />

Por meio das páginas dos periódicos que circulavam em Belém, na época,<br />

é possível reconstituir aspectos das epidemias que assolavam a população de Belém<br />

na segunda metade do século XIX. Algumas vezes essa fonte, confrontada com<br />

outras, nos permitem conclusões importantes e, <strong>à</strong>s vezes, inovadoras acerca das<br />

epidemias de varíola em Belém. É o que acontece, por exemplo, quando<br />

comparamos os dados fornecidos pelos jornais com aqueles que foram<br />

disponibilizados por Vianna (1975). Apesar de considerarmos relevantes os dados<br />

apresentados por Vianna, ao confrontá-los com outras fontes, identificamos algumas<br />

discrepâncias. Assim, para o ano de 1884 Vianna (1975, p.61) apresenta os<br />

seguintes dados: 73 mortos em janeiro, 95 em fevereiro, 89 em março, 68 em abril,<br />

68 em maio, 49 em junho, 37 em julho, 31 em agosto, 24 em setembro, 26 em<br />

outubro, 18 em novembro e 14 em dezembro. Porém, na fala do presidente João<br />

Silveira de Sousa na abertura da 1ª sessão da 25ª legislatura da Assembléia<br />

Legislativa Provincial, realizada em 15 de outubro de 1884, apresentou-se o seguinte<br />

relatório de mortos pela varíola: 75 mortos em janeiro, 90 em fevereiro, 87 em março,<br />

69 em abril, 73 em maio, 50 em junho, 40 em julho, 32 em agosto e 25 em setembro.<br />

Neste percebe-se que, faltando um trimestre para terminar o ano de 1884, já<br />

aparecem 541 mortes por varíola. Também é importante considerar que, neste<br />

relatório, o presidente apresenta o estado sanitário da província no ano de 1884<br />

como “bastante lastimoso”, pois, além das moléstias comuns ao clima da região,<br />

reinaram algumas epidemias, com destaque para a varíola que, em sua estatística,<br />

totaliza 602 vítimas fatais.<br />

Todavia, o mais curioso é perceber que a estatística apresentada por<br />

Vianna não diverge apenas do relatório apresentado pelo presidente Silveira de<br />

Sousa, mas também de sua própria soma, pois apresenta um total de 587 mortos por<br />

varíola para o ano de 1884, mas, somando mês a mês os números apresentados por<br />

Vianna, chegamos ao total de 592 mortos. Outra estatística discrepante é aquela que<br />

64


aparece nos jornais, pois o Diário de Notícias (27 abr. 1884, p. 02) 26 , que publicava<br />

estatísticas da Santa Casa de Misericórdia, apresentava os seguintes dados para o<br />

ano de 1884: 79 em janeiro, 89 em fevereiro, 88 em março e 59 em abril. Os<br />

números apresentados para os quatro primeiros meses do ano de 1884 revelam<br />

discrepâncias em relação aos dados de Vianna e também em relação ao relatório<br />

apresentado <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial. Para uma demonstração mais clara<br />

desta discrepância, elaboramos o quadro abaixo com as referidas estatísticas.<br />

TABELA 01: COMPARAÇÃO DO NÚMERO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA<br />

EM 1884.<br />

ANO<br />

1884<br />

ÓBITOS<br />

ARTUR<br />

VIANNA<br />

RELATÓRIO<br />

PRESI<strong>DE</strong>NTE<br />

PROVÍNCIA<br />

DIÁRIO <strong>DE</strong><br />

NOTÍCIAS<br />

JANEIRO 73 75 79<br />

FEVEREIRO 95 90 89<br />

MARÇO 89 87 88<br />

ABRIL 68 69 59<br />

MAIO 68 73 _<br />

JUNHO 49 50 _<br />

JULHO 37 40 _<br />

AGOSTO 31 32 _<br />

26 Esta notícia foi veiculada no dia 27 de abril de 1884 e visava acalmar os ânimos em relação <strong>à</strong><br />

epidemia, pois apresentava a suposta redução do número de mortos, em abril, como sintoma do<br />

estado culminante da epidemia.<br />

65


SETEMBRO 24 25 _<br />

OUTUBRO 26 _ _<br />

NOVEMBRO 18 _ _<br />

<strong>DE</strong>ZEMBRO 14 _ _<br />

TOTAL 587* 541 315<br />

* Apesar do registro de 587 mortes, a soma real é de 592.<br />

No mesmo periódico, encontramos a seguinte estatística, reproduzida no<br />

quadro abaixo, relativa aos mortos por varíola, em janeiro de 1884.<br />

66


TABELA 02: RELAÇÃO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA EM JANEIRO <strong>DE</strong> 1884.<br />

JORNAL ENFERMARIA<br />

<strong>Da</strong>ta Nº Pág Entrada Cura Óbitos<br />

03/01/1884<br />

Nº 2<br />

04/01/1884<br />

Nº 3<br />

05/01/1884<br />

Nº 4<br />

06/01/1884<br />

Nº 5<br />

09/01/1884<br />

Nº 7<br />

10/01/1884<br />

Nº 8<br />

11/01/1884<br />

Nº 9<br />

15/01/1884<br />

Nº 12<br />

16/01/1884<br />

Nº 13<br />

17/01/1884<br />

N° 14<br />

19/01/1884<br />

Nº 16<br />

20/01/1884<br />

Nº 17<br />

24/01/1884<br />

Nº 20<br />

25/01/1884<br />

Nº 21<br />

26/01/1884<br />

Nº 22<br />

27/01/1884<br />

Nº23<br />

29/01/1884<br />

Nº24<br />

Fonte: Diário de Notícias, janeiro de 1884.<br />

ÓBITOS FORA<br />

<strong>DA</strong><br />

ENFERMARIA<br />

TOTAL <strong>DE</strong><br />

ÓBITOS<br />

2 1 _ 1 _ 1<br />

_ 1 _ 1 _ 1<br />

3 _ _ 1 2 3<br />

3 1 _ _ _ _<br />

2 _ _ 1 _ 1<br />

2 2 1 1 2 3<br />

2 _ 1 _ _ _<br />

3 8 _ 0 2 2<br />

3 7 _ 2 _ 2<br />

3 7 1 0 4 4<br />

2 9 4 0 _ _<br />

3 10 1 5 _ 5<br />

3 2 3 2 1 3<br />

2 4 _ 2 2 4<br />

2 2 _ 2 0 2<br />

2 5 _ 2 0 2<br />

2 0 _ 5 3 8<br />

67


A maioria das mortes citadas acima ocorreu na própria enfermaria José<br />

Bonifácio, criada para tratar exclusivamente de variolosos e que aparecia<br />

diariamente nas páginas do Diário de Notícias, numa seção específica designada<br />

como “Enfermaria de Variolosos”. Nesta fazia-se o registro de toda a movimentação<br />

da dita enfermaria, havendo referência <strong>à</strong> quantidade de mortos, ao número de<br />

pacientes em tratamento, aos curados e, também, a relação dos mortos fora da<br />

enfermaria, nesta, quando havia, era sempre comemorada a ausência de mortos,<br />

como aparece na edição do Diário de Notícias (26 jan. 1884, p.2): “Uma boa notícia<br />

ontem fora da enfermaria não faleceu ninguém”. Também a relação dos mortos fora<br />

da enfermaria oferece dados mais completos, relativos ao local de moradia, nome,<br />

sexo, faixa de idade e possível condição social.<br />

Assim, percebe-se que a epidemia atingiu de forma mais intensa as áreas<br />

centrais da cidade, aparecendo na relação a rua das Flores e travessa do Príncipe<br />

no bairro do Umarizal (Ó de Almeida e Quintino Bocaiúva, respectivamente), a rua da<br />

Indústria (Gaspar Viana), etc. Entre os adultos a varíola não fazia distinção de sexo e<br />

também atingia violentamente as crianças que apareciam na relação como “menor”<br />

ou “inocente”, durante o ano de 1884, frequentemente, o Diário de Notícias<br />

informava óbitos de crianças por varíola, predominantemente do sexo masculino.<br />

Quanto <strong>à</strong> origem social dos mortos é possível considerar que pertencessem as<br />

camadas menos favorecidas da sociedade, pois, em primeiro lugar, havia um grande<br />

número de mortos na enfermaria José Bonifácio, para onde eram levados<br />

principalmente os pobres e, além disso, os mortos fora da enfermaria eram<br />

designados na maioria das vezes apenas pelo primeiro nome e tratados como<br />

“indigentes variolosos” pelas autoridades e nas páginas dos jornais.<br />

Quando os jornais noticiavam mortes de pessoas consideradas ilustres, ou<br />

pertencentes <strong>à</strong>s classes mais abastadas, o registro era feito com nome e sobrenome<br />

e os nomes vinham sempre precedidos do EXMº Srº ou EXMª Srª, para destacar a<br />

condição social das pessoas citadas. Assim, em 02 de fevereiro de 1884, o referido<br />

jornal noticiava que, no dia anterior faleceram de varíola, “<strong>à</strong> travessa 19 de março, a<br />

menor Christina de tal, e <strong>à</strong> rua do bom jardim, a inocente Rosa”. O Diário de Notícias<br />

(29 abr. 1884, p. 2) trazia uma nota intitulada “Falecimento”, onde se lia: “Depois de<br />

um longo e doloroso padecimento, faleceu sábado vítima de varíola [...], o inocente<br />

68


Joaquim Egídio do Valle, filho da EXMª SRª D. Estephania Antônia de Carvalho do<br />

Valle”. Pesquisamos todas as edições do ano de 1884 do periódico citado acima e<br />

encontramos apenas na edição do dia 29 de abril uma nota fúnebre que destacasse<br />

o padecimento da vítima, com ênfase em sua origem familiar. Há outros poucos<br />

registros em que se identifica tal origem, mas sem o destaque da nota do dia 29 de<br />

abril.<br />

Assim, foram registrados os óbitos de crianças nas páginas do Diário de<br />

Notícias em 1884, excetuando-se as já citadas: Augusto de 3 anos, Manoel de 6<br />

meses, o menor João, os menores José e Ana Vicência, Maria – filha de Maria<br />

Furtado -, a filha de Hermenegildo Antonio Alves Branco, Manuel de 3 anos,<br />

Gualdino de 1 ano, João de 2 anos, Adriano de 8 anos, Raymundo de 6 anos,<br />

Manuel de 2 anos, Antonio de 7 anos, Joaquim de 8 meses, Raymundo de 7 anos,<br />

Manuel de 8 anos, Raymundo de 16 meses, Maria Bahia Castões de 3 anos, Luiza<br />

de 5 anos, Guilherme de 2 anos, o menor Bento, Raul de 2 anos, a menor Micaella,<br />

Raymundo de 6 meses, a menor Guilhermina, os menores Manuel Theodoro e<br />

Alegario Lopes Castelo, o menor Raymundo, o menor Leôncio Prado, o menor<br />

Maximiano Pedro de Sant’anna, os menores João e Dionisiana na enfermaria José<br />

Bonifácio e, por fim, o menor José Jeremias. A nota identificava geralmente o local<br />

de moradia das vítimas.<br />

Neste sentido, percebe-se que a grande maioria das vítimas da varíola<br />

eram os “fulanos de tal”, aqueles que não mereceram uma nota digna pelo seu<br />

falecimento nas páginas dos jornais, até porque eram tantos que ficava inviável tal<br />

tarefa e, por isso, a Rosa e a Christina de tal só eram citadas como membros das<br />

estatísticas sobre a epidemia de varíola em Belém, sendo desnecessário informar<br />

quem eram seus pais, como viviam, onde trabalhavam, se trabalhavam, onde<br />

moravam, etc. Elementos indispensáveis para se compreender o conjunto de<br />

experiências que marcavam a vida daquelas pessoas e que informam as posturas<br />

que adotavam diante da realidade que os cercavam. Conforme salienta George<br />

Vigarello, seria através dos refugos da sociedade, os físicos, identificados com as<br />

imundícies, esgotos e a debilidade das habitações; somados aos morais, que a<br />

noção de higiene pública agora se sustentava. Construída sobre a avaliação dos<br />

“flagelos sociais”, afirma Vigarello (1999: 166), que a higiene via na miséria um meio<br />

69


de propagação da infecção, na medida em que enfraquecia os corpos tornando-os<br />

assim suscetíveis <strong>à</strong> fúria das doenças.<br />

De acordo com Pierre & Revel (1995: 143), numa população em que a<br />

maioria “[...] subsiste nos limites da sobrevivência”, ao sinal de uma nova<br />

enfermidade, esta “[...] atinge inicialmente aos pobres. Mesmo quando as condições<br />

de sua difusão são em teoria iguais”. Portanto, diante dessa situação, a pobreza<br />

enferma, vista como perigosa <strong>à</strong> manutenção da saúde de todos e, por conseguinte<br />

um dos focos de proliferação das doenças recebeu, no decorrer das epidemias, uma<br />

atenção especial por parte do poder público e de alguns setores mais abastados da<br />

sociedade, cujo objetivo era promover o alívio do sofrimento que afetava os doentes<br />

mais necessitados e, ao mesmo tempo, assegurar o bem estar de toda a<br />

comunidade.<br />

Como a incidência maior da varíola envolvia pessoas das camadas<br />

inferiores da sociedade, sem recursos para realizar um tratamento adequado e que,<br />

também, muitas vezes não aceitavam ou não procuravam a assistência prestada<br />

pelo poder público, tornava-se necessário despertar nos cidadãos de posses a<br />

solidariedade ou a compaixão pelos variolosos que já sofriam com a pobreza,<br />

passaram a sofrer mais ainda com a doença. Em várias edições do ano de 1884 o<br />

jornal Diário de Notícias exalta a ação de um grupo de mascarados que percorria a<br />

cidade esmolando em nome dos variolosos. O grupo era formado inicialmente por<br />

três elementos, um dos quais tocava rebeca e os outros dois tocavam violão. Estes,<br />

segundo o Diário de Notícias (19 fev. 1884, p. 2), “saíram igualmente esmolando <strong>à</strong><br />

caridade pública em favor dos indigentes variolosos”. Em outra edição esclarece o<br />

articulista:<br />

Na tarde de domingo sahiram novamente a esmolar <strong>à</strong> caridade pública, em<br />

favor dos variolosos, os quatro moços mascarados, que formavam o grupo <strong>à</strong><br />

imitação dos lyricos-mendigos que ahi andam pelas nossas ruas [...]<br />

As companhias urbana e paraense franquearam seus carros aos ditos<br />

moços, que não tiveram entrada no theatro da Paz, não obstante a ordem<br />

do empresário para dar-lhes entrada, por ignoral-o o porteiro [...].<br />

Em nome dos indigentes, novamente estendemos a mão e lhes dizemos –<br />

muito obrigado! (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 26 fev.1884, p. 3)<br />

70


Os dados apresentados acima indicam apenas os efeitos da epidemia em<br />

Belém, pois os registros relativos ao número de mortos no interior onde a varíola<br />

também se manifestou, são muito deficientes. Sobre a presença da varíola no<br />

interior, no ano de 1884, o presidente da província assim se manifestou, através do<br />

Relatório de Governo (1885) 27 :<br />

Até o fim do mez passado havia no hospital de José Bonifácio oito<br />

variolosos em via de restabelecimento; em alguns lugares do interior da<br />

província , porém, ainda grassa esta epidemia, tendo se manifestado<br />

ultimamente na Cachoeira, Abaeté e Igarapé-miry, pelo que fiz seguir para<br />

Cachoeira o Dr. Argemiro Rodrigues Germano, para Abaeté e Igarapé-miry<br />

o Dr. Gouvêa Freire.<br />

Constando-se que em Benevides havia se manifestado a moléstia, para alli<br />

enviei o Dr. José Viríssimo de Mattos, que participou-me não haver se dado<br />

nenhum caso.<br />

Na comarca de Óbidos, onde se acha o Dr. Pedro de Moraes Bittencourt,<br />

continua grassar com alguma intensidade conforme acaba de participar-me<br />

o referido médico. (Relatório de Governo de José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin. 1885,<br />

p.10).<br />

O Diário de Notícias também faz referência <strong>à</strong> presença da varíola no<br />

interior. Na edição de 20 de fevereiro de 1884 chamou atenção para a presença da<br />

doença em Bujarú e Monfort para onde foram designados respectivamente os<br />

médicos Santa Rosa Filho e o Dr. Campos. Na edição do dia seguinte o mesmo<br />

jornal anuncia a presença da varíola em Mosqueiro, dando destaque a ação<br />

considerada eficaz do Dr. Argemiro Germano. O referido periódico aponta a<br />

presença aterradora 28 da varíola em Cachoeira, afirmando:<br />

São aterradoras as notícias que recebemos da Cachoeira, respeito <strong>à</strong> varíola<br />

que alli está grassando com intensidade, victimando a sua população.<br />

27 Relatório com que o exm. snr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 2.º vice-presidente da Província, passou a<br />

administração da mesma, em 04 de agosto de 1884, ao exm. snr. Conselheiro João Silveira de<br />

Souza, nomeado por carta imperial de 31 de maio de 1884. Pará, Typ. De Francisco Costa Junior,<br />

1885.<br />

28 Segundo Jane Beltrão (2005) este termo, muito usado na época, apresentava sentidos que podem<br />

ser considerados eufemismos alusivos <strong>à</strong> morte.<br />

71


Para melhor comprehender-se qual o estado d’aquela população,<br />

offerecemos <strong>à</strong> apreciação pública o seguinte tópico de uma carta que temos<br />

`a vista. Eil-o:<br />

- A bexiga tem feito uma espantosa carnificina n’esta Villa. <strong>Da</strong> família do<br />

José Quito já morreram: - a mãe, a mulher, dous filhos, a sogra e consta que<br />

elle mesmo já succumbio. E como esta família muitas outras. É geral o<br />

pânico. (DIARIO <strong>DE</strong> NOTICIAS, 23 set. 1884, p.2)<br />

Na mesma edição o jornal cita a presença da varíola também em<br />

Benevides, destacando a ação do Dr. José Veríssimo, confirmando o relatório<br />

apresentado pelo presidente Silveira de Sousa. Há também referências <strong>à</strong> presença<br />

da varíola em Óbidos, em Chaves, em Bragança e em Curuça, de onde o<br />

“Curuçaense” informa: “e continuamos sem auxílio médico e sem medicamentos<br />

graças á desumanidade do governo que nos olha como bastardos” (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />

NOTÍCIAS, 31 maio. 1884, p.02). Portanto, percebe-se que a incidência da varíola foi<br />

bem mais devastadora do que nos apresentam algumas estatísticas que, mesmo em<br />

relação <strong>à</strong> Belém apresentam lacunas e, em relação ao interior são mais deficitárias.<br />

Mas, a análise das fontes nos permite perceber quão “aterradoras” foram estas<br />

epidemias, principalmente em Belém.<br />

O último caso de varíola deste período fora registrado em abril de 1885,<br />

ficando a população de Belém despreocupada em relação a esta doença por cerca<br />

de dois anos até o seu reaparecimento em março de 1887. Porém, neste intervalo,<br />

há registros de outras doenças afetando a população da cidade de Belém, como é o<br />

caso, por exemplo, do beri-beri, doença que assumiu, principalmente em 1886,<br />

caráter alarmante, pois no relatório apresentado pelo presidente da província João<br />

Antônio Freitas Henriques, em 1886, dá-se destaque a esta moléstia que, segundo o<br />

presidente aterrorizava a população da capital da província. Esta doença, cuja<br />

etiologia era totalmente desconhecida das autoridades médicas da época,<br />

recebendo indicações de tratamento possíveis apenas aos membros das classes<br />

abastadas da província, pois os esculápios receitavam viagens como eficazes no<br />

tratamento do beri-beri. Sendo assim, para viabilizar o tratamento das classes menos<br />

abastadas recomendava a Junta de Higiene que se procurasse facilitar passagens<br />

para os populares, recomendando-se Salinas, Marapanim e Soure como locais<br />

adequados ao tratamento. É importante destacar que registraram-se 254 mortes por<br />

beri-beri em 1885 e só no primeiro trimestre de 1886 já havia registro de 83 mortes,<br />

72


daí a cobrança feita <strong>à</strong>s autoridades, principalmente através da imprensa, que<br />

resultou em um conjunto de medidas encaminhadas pelo governo da província.<br />

Assim, o inspetor interino da Hygiene Pública, Dr. Pedro Arbunense dos Navegantes,<br />

declara 29 : “[...] sendo o beri-beri uma moléstia cuja etiologia e pathogenia são<br />

apenas conjecturaes, ao menos por enquanto, qual o meio certo de impedir o seu<br />

desenvolvimento? Não pode ser outro senão a hygiene [...]”. (Relatório de Governo<br />

de João Antônio d’Araújo Freitas Henriques.1886, p. 60-61).<br />

O Dr. Navegantes, amparado em artigo de Fernand Roux publicado em<br />

Paris no Journal de Medicine et de Cirurgie Pratiques, conclui que as medidas<br />

devem atingir a higiene pública e privada. Na esfera pública a responsabilidade seria<br />

da Câmara Municipal, que deveria cuidar da limpeza das ruas e praças, esgotamento<br />

dos pântanos e das águas estagnadas por falta de limpeza das calhas das ruas,<br />

mais atenção <strong>à</strong> remoção do lixo e fazer a desinfecção das bocas de lobo. Essas<br />

medidas revelam a crença nos “miasmas mórbidos” defendida pelos infeccionistas e<br />

que cresce em adeptos nesta segunda metade do século XIX. Quanto <strong>à</strong> esfera<br />

privada propõe-se uma forte intervenção do poder público no cotidiano da<br />

população, especialmente da “gente” pobre, das classes consideradas perigosas.<br />

Por isso, o Dr. Navegantes estudou criteriosamente os cortiços da cidade,<br />

caracterizando-os como insalubres e focos de epidemia e, baseado em projeto<br />

apresentado no Rio de Janeiro, sugere a demolição dos mesmos e a construção de<br />

casas mais adequadas <strong>à</strong> população pobre, de acordo com padrões de higiene. Além<br />

disso, previa-se a designação de médicos comissionados distribuídos pelos quatro<br />

distritos da cidade, pelo menos um para cada distrito. Estes médicos deveriam<br />

realizar visitas periódicas aos domicílios dos distritos pelos quais eram responsáveis<br />

(duas ou três vezes por semana), acompanhados dos fiscais municipais e de<br />

autoridade policial, para verificarem o estado das latrinas, sua posição em relação ao<br />

poço, o estado de asseio dos quintais e esgoto das águas; também indicarão melhor<br />

regime alimentar e o mais que lhes parecer conveniente. Estas visitas ocorreriam<br />

principalmente nas casas consideradas de aglomeração como os cortiços, hotéis,<br />

quartéis, etc. Os comissionados também deveriam fiscalizar os açougues, as<br />

29 Relatório com que o exm. Sr. Conselheiro João Antônio d’Araújo Freitas Henriques passou a<br />

administração da Província do Pará ao exm. Sr. Joaquim da Costa Barradas, em 06 de outubro de<br />

1886. Belém: typ. <strong>Da</strong> República, 1891.<br />

73


tabernas e outros estabelecimentos destinados ao comércio de gêneros alimentícios.<br />

Medidas iguais a estas foram se repetindo neste período e não foram recebidas<br />

passivamente pela sociedade como analisaremos no capítulo seguinte. Todavia, é<br />

necessário destacar que, apesar das providências tomadas, as epidemias<br />

continuaram assolando a população da cidade de Belém, demonstrando-se assim a<br />

ineficiência das autoridades, inclusive da área médica, no trato de delicada questão.<br />

1.2. Epidemia de 1888 – 1889:<br />

O começo desta epidemia foi registrado em 1887, com o aparecimento do<br />

primeiro caso em março, mas a grande concentração de casos fatais se deu em<br />

1888 quando faleceram segundo Vianna (1975), 747 pessoas por varíola. Mais uma<br />

vez percebemos discrepância em relação aos números apresentados por Vianna,<br />

pois de acordo com Relatório de Governo de Francisco José Cardoso Junior (1888:<br />

5) 30 apresenta-se para o primeiro trimestre daquele ano 80 casos de varíola, sendo<br />

17 em janeiro, 17 em fevereiro e 46 em março. Na estatística de Vianna são 75<br />

casos neste trimestre. Além disso, o relatório também apresenta o movimento da<br />

enfermaria José Bonifácio no ano de 1887, de maio a dezembro, quando Vianna<br />

relata 61 mortes no relatório aparecem 208 mortes por varíola só na enfermaria<br />

citada. Também no Diário de Notícias aparecem algumas informações divergentes<br />

das apresentadas por Vianna (1975).<br />

O referido jornal afirma, na edição de 04 de novembro de 1888, que no<br />

mês anterior foram registradas 122 mortes por varíola enquanto Vianna (1975)<br />

apresenta 113. Mais ainda, durante todo o ano de 1888 o diário noticiou 255 mortes<br />

por varíola, sendo que a maioria destas foram registradas fora da enfermaria José<br />

Bonifácio, onde havia maior número de mortes. Só no primeiro trimestre foram 13<br />

30 Relatório com que o exm. snr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente,<br />

passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao exm. snr. Dr. Miguel J. de<br />

Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24 de março de 1888. Pará, Typ. do Diário de<br />

Noticias, 1888.<br />

74


mortes fora da citada enfermaria, número que deve ser acrescentado aos 80 casos<br />

do relatório de Cardoso Júnior, pois se referia apenas aos mortos na enfermaria<br />

José Bonifácio. Apesar da discrepância é possível inferir que a varíola mais uma vez<br />

consumiu um grande número de vidas em Belém e também que, afetou mais<br />

nacionais que estrangeiros, diferentemente da febre amarela, mais pessoas de cor,<br />

pardos ou pretos, do que brancos, e que a grande maioria dos atingidos era<br />

caracterizada como indigente, pois de primeiro de maio a 29 de dezembro de 1887 a<br />

enfermaria José Bonifácio recebeu 682 variolosos, dos quais 612 foram<br />

classificados como indigentes e continuavam os periódicos a veicular os óbitos com<br />

a indicação de menores ou inocentes quando eram crianças, informando-se apenas<br />

o primeiro nome, como é o caso dos menores José, Victória, Eduardo e Maria que<br />

aparecem nas edições do Diário de Notícias de 8 a 21 de fevereiro de 1888.<br />

Alguns dos infectados, sem perspectiva de cura ou de tratamento,<br />

algumas vezes sem recursos para tal, eram abandonados nas ruas pelos familiares,<br />

ou eram forçados a isso pela ausência da família, como é o caso do italiano João<br />

Delfir, encontrado pelo sub-delegado da Trindade na rua do Imperador, com o corpo<br />

coberto por bexigas e, segundo as páginas do Diário de Notícias (24 jun. 1888, p.2)<br />

já bastante desenvolvidas. A autoridade citada o transportou para o hospital José<br />

Bonifácio. Havia ocasião em que o varioloso, mesmo sem recursos, procurava<br />

atendimento, como o “indigente Manuel Narciso de Brito” que, também segundo o<br />

mesmo periódico, em edição de 2 de setembro do mesmo ano, esperava desde a<br />

manhã até 2 horas da tarde, no corredor da Santa Casa, com a bexiga toda visível<br />

pelo corpo, esperando pelo carro para o conduzir ao Hospital José Bonifácio.<br />

Situações como essas levavam ao desespero que parece ter tomado<br />

conta de um trabalhador da Companhia Nova União, este, afetado pela varíola,<br />

delirando com febre intensa, lançou mão de uma navalha e cortou a garganta<br />

profundamente. As páginas do Diário de Notícias, A Província do Pará e Folha do<br />

Norte confirmam a hipótese de que a varíola atingia principalmente as pessoas das<br />

classes consideradas inferiores, haja vista que se tornou comum a veiculação de<br />

matérias nestes periódicos com a designação, “Indigentes Variolosos” e toda<br />

campanha encaminhada pelo mesmo no sentido de arrecadar fundos para auxiliar<br />

75


no tratamento dos doentes. O jornal A Província do Pará veiculou matéria com o<br />

título “Socorros aos variolosos indigentes”, onde se lia o seguinte:<br />

[...] A comissão da benemérita loja “Firmeza e Humanidade”, encarregada<br />

de socorrer aos variolosos indigentes do 3º distrito desta capital, previne<br />

que atende aos pedidos e reclamações, a qualquer hora do dia, em casa<br />

dos seguintes membros:<br />

Juvencio T. Sarmento e Silva, <strong>à</strong> rua do Arcipreste Manoel Theodoro, n. 41.<br />

Emilio Augusto pinto, <strong>à</strong> rua da Pedreira, n. 71.<br />

Francisco Teixeira de Carvalho, <strong>à</strong> travessa Oriental do Mercado, n. 10. (A<br />

PROVÍNCIA DO PARÁ, 02 jan.1899, p. 1)<br />

Outra informação presente nos jornais diz respeito <strong>à</strong> localização espacial<br />

da epidemia. Assim, percebe-se uma incidência maior na área central da cidade,<br />

mas com uma distribuição agressiva da varíola para as áreas consideradas<br />

periféricas na época. O Diário de Notícias, assim se manifesta sobre a propagação<br />

da moléstia:<br />

O grande mal assoberbou nôs de tal maneira, que todas as reclamações da<br />

imprensa e todas as providências em que se cogitem, parecem inúteis.<br />

Pobre população da cidade de Belém!<br />

Olhada com indiferença na saúde, tratada com desprezo na moléstia...<br />

A varíola váe assolando horrorosamente a população d’esta capital, e outra<br />

cousa não se devia esperar, desde que a imprensa, pelo menos este diário,<br />

pediu medidas preventivas logo que Ella começava, e essas medidas não<br />

foram promptamente empregadas.<br />

Hoje a epidemia abrange toda a cidade; não há um só beco onde não gema<br />

um infeliz varioloso. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 03 ago. 1888, p. 2)<br />

Entre os casos registrados nas páginas dos jornais pesquisados verifica-<br />

se grande presença da epidemia nos bairros do Umarizal, Reduto, Campina, e da<br />

estrada de Nazaré a São Brás. Na tabela abaixo percebe-se a quantidade de mortos<br />

fora da enfermaria José Bonifácio.<br />

76


TABELA 03: RELAÇÃO <strong>DE</strong> ÓBITOS POR VARÍOLA EM 1888<br />

ANO 1888 ÓBITOS ADULTOS MENORES ENFERMARIA<br />

JOSÉ<br />

BONIFÁCIO<br />

FORA <strong>DA</strong><br />

ENFERMARIA<br />

JANEIRO __ __ __ __ __<br />

FEVEREIRO 06 09 04 02 04<br />

MARÇO 09 07 02 0 09<br />

ABRIL 22 18 04 04 18<br />

MAIO 17 12 05 04 13<br />

JUNHO 32 22 10 02 30<br />

JULHO 31 27 04 05 26<br />

AGOSTO 72 __ __ __ __<br />

SETEMBRO 02 __ __ 01 01<br />

OUTUBRO 122 __ __ __ __<br />

NOVEMBRO 52 45 07 15 37<br />

<strong>DE</strong>ZEMBRO 38 30 08 10 28<br />

TOTAL 281 __ __ __ __<br />

Fonte: Diário de Notícias, 1888.<br />

Apesar da diminuição dos casos de varíola , em dezembro de 1888, no<br />

início do ano seguinte ela volta a se manifestar e o seu recrudescimento é atestado<br />

pelo próprio presidente da província em função de relatório apresentado pelo médico<br />

da enfermaria José Bonifácio que revela o aumento dos casos daquela moléstia na<br />

dita enfermaria. No intuito de conter o avanço da epidemia, o referido presidente<br />

designou ao inspetor da Junta de Higiene que fizesse proceder a vacinação e<br />

revacinação, especialmente nos imigrantes cearenses que estavam recolhidos no<br />

antigo Forte do Castelo. Fez idênticas recomendações ao inspetor de saúde do<br />

porto.<br />

77


O Relatório de Governo (1889: 11) 31 de José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin,<br />

considerou as condições de saúde da província como lisonjeiras e anunciou o final<br />

da epidemia de varíola. Segundo Roso <strong>Da</strong>nin a Junta de Higiene teria sido a maior<br />

responsável pelo fim da epidemia em função de ter empregado os meios<br />

necessários para propagar a vacina animal que estaria produzindo bons resultados.<br />

Em relatório apresentado para o governo Lauro Sodré, Cipriano Santos também faz<br />

referência <strong>à</strong> utilização eficaz da vacina animal, mas, a discussão das profilaxias<br />

adotadas em relação <strong>à</strong> varíola deixaremos para o terceiro capítulo.<br />

Para se ter uma idéia dos prejuízos para os cofres públicos que as<br />

sucessivas epidemias de varíola causavam, descrevemos a seguir os gastos com a<br />

Enfermaria José Bonifácio, de janeiro a junho de 1889. No total despendeu-se, com<br />

a verba designada como “Socorros Públicos”, a soma de vinte e sete contos,<br />

setecentos e sessenta mil, cento e setenta e oito réis (27:760$178). Sendo que<br />

deste montante seis contos, quinhentos e seis mil, duzentos e oitenta e seis réis<br />

(6:506$286) foram destinados ao transporte e enterramento de variolosos e<br />

desinfecções. A despesa média mensal neste período, portanto, ficou em dois<br />

contos, quatrocentos e setenta e quatro mil, setecentos e noventa e três réis<br />

(2:474$793). É importante considerar que neste primeiro semestre de 1889 o total<br />

de mortos por varíola em Belém é inferior a soma do mês de novembro de 1888.<br />

Assim, podemos considerar que a despesa com a epidemia era muito superior a<br />

apresentada no relatório de Roso <strong>Da</strong>nin, pois refere-se a um período de decréscimo<br />

do número de afetados. Porém, a partir dos dados apresentados é possível fazer<br />

projeções acerca dos gastos com variolosos na capital do Pará.<br />

1.3. Epiemia de 1899 a 1901:<br />

Em mensagem (1900: 63) 32 apresentada ao congresso Legislativo do<br />

Estado do Pará, em 1900, o governador Paes de Carvalho descreve as condições de<br />

saúde da população do estado no ano anterior. Nesta evidencia-se a eclosão de<br />

31 Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 1º vice-presidente do Pará, passou a<br />

administração da mesma ao exm. sr. Dr. Antonio José Ferreira Braga, presidente nomeado por<br />

decreto de 22 de julho de 1889. Belém: Typ. A. Fuctuoso da Costa, 1889.<br />

32 Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr. José Paes de Carvalho,<br />

governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1900. Belém: Typ. Do Diário Official, 1900. A<br />

mensagem continha a proposta do orçamento da Receita e despesa para o exercício de 1900 –<br />

1901.<br />

78


mais uma epidemia de varíola que estaria atingindo a capital do estado desde o<br />

início do ano de 1899. Segundo esta mensagem de governo de Paes de Carvalho, a<br />

varíola avançava epidemicamente em Belém desde março de 1899, sendo importada<br />

da Espanha ou dos estados do sul do país, lamentando o fato de não poder dominá-<br />

la de imediato apesar dos meios empregados para evitar sua propagação. Para o<br />

governador a propagação da doença ocorreu em função da ignorância do povo,<br />

“indiferente aos conselhos higiênicos”, que não quer compreender a necessidade<br />

das visitas domiciliares dos inspetores sanitários, ocultando doentes que muitas<br />

vezes morrem abandonados, dificulta o isolamento, foge sistematicamente da<br />

vacinação, etc.<br />

Esta descrição revela duas questões que serão retomadas no capítulo<br />

seguinte: a transferência da responsabilidade para o “povo” e as dificuldades<br />

encontradas pelas autoridades no sentido de fazerem cumprir as profilaxias. Por<br />

enquanto interessa a constatação do advento da epidemia em 1899, informação<br />

confirmada por Vianna (1975) e pelos jornais como, por exemplo, A Folha do Norte.<br />

Para Vianna entre 1899 e 1901 a varíola matou 597 pessoas, sendo 245 em 1899,<br />

246 em 1900 e 106 em 1901.<br />

O jornal A República também informa a presença da varíola em Belém,<br />

durante todo o ano de 1899, em diversas edições, fez referência ao assunto,<br />

descrevendo as ações do serviço sanitário, as desinfecções, as “campanhas” de<br />

vacinação, as áreas afetadas, etc. Assim, em 25 de abril de 1899, aquele periódico<br />

informa que o Dr. Ayres de Souza estava acometido de varíola, recebendo a visita do<br />

Dr. Pereira de Barros acompanhado de Miguel Severino do Monte, desinfectador do<br />

serviço sanitário. Dez dias antes, o mesmo jornal informava a existência de um navio<br />

em quarentena no porto com caso suspeito de varíola. Assim como A Folha do<br />

Norte, o jornal A República também destacava a ação do inspetor do serviço<br />

sanitário Dr. Cipriano Santos. Suas visitas ao Hospital de Isolamento e a casas<br />

particulares eram sempre lembradas por este periódico. Em 25 de junho de 1899,<br />

aquele jornal informava a visita feita pelo inspetor ao Hospital de Isolamento e a uma<br />

casa que abrigava doentes de varíola, na travessa Caldeira Castelo Branco.<br />

79


O inspetor do serviço sanitário tentou acalmar a população de Belém, em<br />

edição do mesmo jornal de 20 de julho de 1899, afirmando que não eram alarmantes<br />

os casos de varíola na cidade e que não se tratava de uma quadra epidêmica.<br />

Mensagens desse porte só contribuíam para aumentar o descrédito que os<br />

populares sentiam em relação <strong>à</strong>s autoridades, que muitas vezes não entendiam ou<br />

não se entendiam quando se tratava de epidemia, pois, “zombando da ciência” e das<br />

autoridades, a varíola continuava sua marcha avassaladora.<br />

O jornal A Folha do Norte indicou, nos dois primeiros meses de 1899, 34<br />

casos fatais de varíola, sendo 23 em janeiro e 11 em fevereiro. Desse total, 7<br />

morreram na enfermaria José Bonifácio. Também vale considerar que o referido<br />

jornal descreve os mortos no Hospital de Isolamento desde abril de 1899. Este<br />

hospital veio para substituir a enfermaria José Bonifácio, considerada já naquela<br />

época, anti-higiênica e, portanto, sem obediência aos padrões técnico-científicos. O<br />

novo hospital, encaminhado pelo governo de Paes de Carvalho, sob<br />

responsabilidade do engenheiro Luiz Maximino de Miranda Corrêa, estava dividido<br />

em três corpos, segundo Vianna (1975: 66 ):<br />

No primeiro corpo estão as salas de recepção, aposento das enfermarias,<br />

capela, farmácia e gabinete do médico: no segundo ficam as grandes<br />

enfermarias e suas dependências; no terceiro acham-se os quartos<br />

particulares para os doentes pensionistas, sala de refeições, quartos para<br />

criados, cozinha e despensa.<br />

O edifício conta 120 metros de comprimento e 22 de largura: é todo de<br />

madeira, pintado a cores claras. À esquerda do hospital existe um<br />

desinfectório, com dependência hermeticamente fechada para fumigações,<br />

e uma estufa locomóvel, perto da qual está a lavanderia. Este hospitalbarraca<br />

dista do hospital dos amarelentos 130 metros, é iluminado <strong>à</strong> luz<br />

elétrica e servido de água canalizada.<br />

A partir desta epidemia, já no início do século XX, percebe-se claramente a<br />

definição de determinadas profilaxias, como é o caso do isolamento dos doentes,<br />

das desinfecções e de outras práticas baseadas nos preceitos da moderna ciência<br />

da higiene. Por meio dos jornais também é possível acompanhar o movimento dos<br />

infectados no hospital de isolamento, permitindo a análise do quantitativo de<br />

infectados, origem social e nacional, local de moradia, etc. desta análise conclui-se<br />

80


que a varíola atingiu também neste período os mais pobres, de nacionalidade<br />

brasileira em maioria, um grande número de imigrantes nordestinos, especialmente<br />

cearenses; também se percebe a distribuição da epidemia pelas áreas centrais da<br />

cidade com relativa expansão para as áreas periféricas e a citação enfática dos<br />

casos registrados nos cortiços, como o citado na A Follha do Norte:<br />

Saúde publica<br />

De novo chamamos a atenção da junta de higiene para um cortiço <strong>à</strong> estrada<br />

de São Jeronymo em frente ao chafariz.<br />

Além de que aquilo é um verdadeiro foco de infecção , não quiseram alguns<br />

moradores<br />

Do cortiço consentir que o Sr. Dr. Uchoa lhes aplicasse a vacina , as dias<br />

quando compareceu para esse fim.No mesmo cortiço existem ainda<br />

variolosos sem recursos para seu tratamento. (A FOLHA DO NORTE, 15<br />

nov. 1899, p.01):<br />

A notícia acima revela que, na virada para o século XX, a tese dos<br />

infeccionistas ainda é predominante no seio da comunidade médica local e<br />

amplamente difundida pela imprensa. Além disso, a concepção de que os cortiços<br />

são focos de epidemias e as classes pobres consideradas “perigosas”. Assim,<br />

passa-se a idéia de que são culpadas por habitarem tais residências e pura<br />

ignorância a rejeição da vacina. Fica também evidente a dificuldade encontrada pelo<br />

poder público para promover a remoção dos doentes e, portanto, promover o tão<br />

desejado isolamento dos infectados.<br />

A partir desta “quadra epidêmica” as autoridades passaram a determinar a<br />

criação de “cordões sanitários”, que significavam na interdição do acesso a ruas,<br />

bairros ou municípios afetados pela varíola, pois, nota-se também neste período sua<br />

expansão para o interior como ficou registrado nas páginas da A Follha do Norte:<br />

Saúde publica<br />

De novo chamamos a atenção da junta de higiene para um cortiço <strong>à</strong> estrada<br />

de São Jeronymo em frente ao chafariz.<br />

Além de que aquilo é um verdadeiro foco de infecção , não quiseram alguns<br />

moradores<br />

Benfica foi o seguinte:<br />

Em Benevides:<br />

81


Até o dia 9 achavam-se acometidos do mal 13 pessoas , duas quase<br />

acham-se restabelecidas , 10 em tratamento e em observação 2.<br />

Em Benfica (ramal)<br />

Manifestam-se 11 casos e no rio Arary 3.Estão restabelecidos 9 doentes ,em<br />

tratamento 4,morreu 1 e permanecem em observação 8.<br />

Atualmente encontra-se em observação 10 variolosos sendo 6 menores.<br />

O cordão sanitário continua a ser mantido por praças e regimentos.<br />

Prosseguem os serviços de vacinação ,revacinação e desinfecção .<br />

O hospital de isolamento esta funcionando regularmente e a cargo de dois<br />

enfermos e sob a vigência do Dr.Pedro Juvenal Cordeiro.<br />

Esse hospital demora a cerca de 18 metros de Benevides <strong>à</strong> Benfica.<br />

Apareceram alguns casos de varíola no rio Aphú e na Colônia de Santa<br />

Isabel.<br />

O Sr. Eduardo de Oliveira foi designado pelo Dr. Juvenal Cordeiro para<br />

vacinar e revacinar em Castanhal.<br />

O Sr. Henri Olivier pois a disposição da comissão um bonde de sua<br />

propriedade por estarem <strong>à</strong> do ramal de Benfica.<br />

O mesmo médico mantém a resolução de uma vez extinta a epidemia<br />

reinante, extender o serviço de vacinação de colônias mais distantes da<br />

estrada de ferro , para o qual pede 100 tubça de limpha vacínica. (A FOLHA<br />

DO NORTE, 11 abr .1899,p. 01)<br />

Alguns dias depois este mesmo jornal divulga:<br />

[...] Varíola em Cametá<br />

È certo que este morbo acaba de aparecer naquela aprazível cidade,não<br />

com não com intensidade e nem com o caráter que possa justificar um certo<br />

alarme que aqui se fez com informações prestadas ao governo .<br />

À variola apareceu ali na família de João Gomes do Nascimento, tripulante<br />

do vapor São Miguel,tendo enfermado 7 pessoas inclusive o dito Gomes que<br />

já está convalescendo ,achando-se as demais condições de tratamento.<br />

Todas essas pessoas moravam na estrada da Aldeia de Parijós, onde a<br />

edificação não é densa, sendo por isso menos fácil a propagação do mal , o<br />

que efetivamente ainda não aconteceu e nem talvez acontecerá ;com as<br />

propostas e acertadas medidas que desde logo adaptou o ativo zeloso<br />

intendente daquela cidade e que por aí só despensam qualquer outra , aliás<br />

mais despendiosas.<br />

Os enfermos estão em tratamento no hospital municipal. (A FOLHA DO<br />

NORTE, 20 abr. 1899, p.01)<br />

Há também referência a presença da varíola no Amapá. Em edição de 20<br />

de setembro de 1899 o jornal A República noticiava a presença da varíola naquela<br />

vila, que se encontrava em estado tão lastimável a ponto de terem sido suspensos<br />

os negócios locais, sendo o tratamento das pessoas feito <strong>à</strong>s próprias custas. O jornal<br />

alertava para a possibilidade de despovoamento da vila.<br />

82


Outra referência freqüente nas páginas de A Folha do Norte diz respeito <strong>à</strong><br />

ação de Cipriano Santos, inspetor do serviço sanitário, que visitava diariamente os<br />

doentes nos hospitais específicos, visitava também as casas suspeitas de abrigarem<br />

doentes de varíola e aplicava multas aos infratores da política de isolamento dos<br />

infectados. É importante considerar que o referido jornal foi fundado pelo próprio<br />

Cipriano Santos e defendia as idéias do Partido Republicano Federal, que fora<br />

comandado por Lauro Sodré, mas que neste momento era chefiado pelo próprio<br />

governador do estado, Paes de Carvalho. Assim, interessava ao dito periódico não<br />

só exaltar a imagem de seu fundador, mas também do regime republicano que<br />

estaria atuando com mais eficácia no combate as epidemias.<br />

Para se ter uma idéia da extensão da epidemia neste período,<br />

reproduzimos abaixo a quantidade de infectados pela varíola, informados pelo A<br />

Folha do Norte, nos anos de 1899, 1900 e 1901. Nas respectivas tabelas percebe-se<br />

uma tendência a minimizar os efeitos da epidemia pelo registro do número de<br />

mortos, nem sempre revelado, e pelo destaque dado ao número de curados, assim<br />

como a ênfase dada a ação do Hospital de Isolamento, visto como medida acertada<br />

no combate <strong>à</strong>s epidemias, não só de varíola, e como obra do regime republicano.<br />

Portanto, é possível perceber que, a questão da saúde da população de Belém<br />

contribuiu também para reforçar o projeto político republicano em curso no país, pois,<br />

a substituição da antiga enfermaria José Bonifácio (nome associado ao regime<br />

monárquico) pelo moderno Hospital de Isolamento escondia metáforas políticas do<br />

período relativas <strong>à</strong> mudança ou a substituição do velho pelo novo, do arcaico pelo<br />

moderno, etc.<br />

83


TABELA 04: RELAÇÃO <strong>DE</strong> VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1899.<br />

JORNAL<br />

<strong>Da</strong>ta Nº pág<br />

LOCAL Nº DOENTES CURA ÓBITOS<br />

01/10/1899 – 1364 2 Hosp. de isolamento 4 - -<br />

03/10/1899 – 1366 2 Hosp. de isolamento 59 21 -<br />

04/10/1899 – 1367 2 Hosp. de isolamento 3<br />

05/10/1899 – 1368 2 Hosp. de isolamento 3<br />

08/10/1899 – 1371 2 Hosp. de isolamento 5<br />

11/10/1899 – 1374 2 Hosp. de isolamento 4<br />

12/10/1899 – 1375 2 Hosp. de isolamento 3<br />

15/10/1899 – 1378 2 Hosp. de isolamento 42<br />

16/10/1899 – 1379 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />

17/10/1899 – 1380 2 Hosp. de isolamento 6<br />

19/10/1899 – 1382 2 Hosp. de isolamento 11<br />

20/10/1899 – 1383 1 Hosp. de isolamento 6<br />

-<br />

-<br />

24/10/1899 – 1387 2 Hosp. de isolamento 7 - 4<br />

25/10/1899 – 1388 2 Hosp. de isolamento 6<br />

26/10/1899 – 1389 2 Hosp. de isolamento 7<br />

27/10/1899 – 1390 2 Hosp. de isolamento 4<br />

-<br />

-<br />

28/10/1899 – 1391 2 Hosp. de isolamento 4 3 1<br />

29/10/1899 – 1392 2 Hosp. de isolamento 2 - -<br />

02/11/1899 – 1396 2 Hosp. de isolamento 6<br />

07/11/1899 – 1401 2 Hosp. de isolamento 3<br />

09/11/1899 – 1403 2 Hosp. de isolamento 5<br />

19/11/1899 – 1413 2 Hosp. de isolamento 6<br />

21/11/1899 – 1415 2 Hosp. de isolamento 4<br />

02/12/1899 – 1426 2 Hosp. de isolamento 5<br />

03/12/1899 – 1427 2 Hosp. de isolamento 16<br />

07/12/1899 – 1431 2 Hosp. de isolamento 13<br />

7<br />

-<br />

08/12/1899 – 1432 2 Hosp. de isolamento 2 - -<br />

14/12/1899 – 1438 2 Hosp. de isolamento 1<br />

19/12/1899 – 1443 2 Hosp. de isolamento 3<br />

20/12/1899 – 1444 2 Hosp. de isolamento 4<br />

21/12/1899 – 1445 2 Hosp. de isolamento 1<br />

-<br />

-<br />

28/12/1899 – 1451 2 Hosp. de isolamento 4 - -<br />

-<br />

-<br />

2<br />

1<br />

-<br />

37<br />

-<br />

-<br />

1<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

5<br />

4<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

3<br />

1<br />

2<br />

-<br />

9<br />

1<br />

2<br />

2<br />

2<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

84


Fonte: A Folha do Norte, 1989.<br />

TABELA 05: RELAÇÃO <strong>DE</strong> VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1900.<br />

JORNAL<br />

<strong>Da</strong>ta Nº pág<br />

Fonte: A Folha do Norte, 1900.<br />

LOCAL<br />

Nº<br />

DOENTES<br />

CURA ÓBITOS<br />

17/04/1900 – 1561 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

11/05/1900 - 1585 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

15/05/1900 – 1589 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

16/05/1900 – 1590 1 Hosp. de isolamento 20 - 6<br />

18/05/1900 – 1592 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

20/05/1900 – 1594 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

22/05/1900 – 1596 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

14/06/1900 – 1619 2 Hosp. de isolamento 9 - 1<br />

16/06/1900 – 1621 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

10/08/1900 – 1677 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

31/08/1900 – 1698 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

01/09/1900 - - 3 Hosp. de isolamento 6 6 -<br />

04/09/1900 – 1702 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

16/09/1900 – 1714 3 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

19/09/1900 -1717 3 trav.9 de janeiro 2 - -<br />

20/09/1900 – 1718 3 Hosp. de isolamento 3 - 3<br />

21/09/1900 – 1719 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

22/09/1900 – 1720 3 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

23/09/1900 – 1721 3 Hosp. de isolamento 4 3 1<br />

25/09/1900 – 1723 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

29/09/1900 – 1727 3 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

02/10/1900 – 1730 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

04/10/1900 – 1732 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

06/10/1900 – 1734 2 Hosp. de isolamento 7 6 1<br />

07/10/1900 - 1735 3 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

12/10/1900 – 1740 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

19/10/1900 – 1747 2 Hosp. de isolamento 1 - -<br />

10/11/1900 – 1767 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />

07/12/1900 – 1793 2 Hosp. de isolamento 7 -- 2<br />

15/12/1900 – 1801 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

17/10/1900 – 1803 2 Hosp. de isolamento 1 - 1<br />

19/12/1900 – 1805 2 Hosp. da caridade 2 - 1<br />

27/12/1900 – 1812 2 Hosp. de isolamento 2 -<br />

28/12/1900 - 1813 2 Hosp. de isolamento 2 - 2<br />

85


TABELA 06: RELAÇÃO <strong>DA</strong>S VÍTIMAS <strong>DE</strong> VARÍOLA EM 1901<br />

JORNAL<br />

<strong>Da</strong>ta<br />

Nº<br />

pág<br />

LOCAL<br />

Nº<br />

DOENTES<br />

CURA ÓBITOS<br />

10/01/1901 - 1826 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

11/01/1901 - 1827 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

12/01/1901 - 1828 2 Hosp. de isolamento 4 1<br />

17/01/1901 - 1833 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

21/01/1901 - 1837 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

22/01/1901 - 1838 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

24/01/1901 - 1840 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />

25/01/1901 - 1841 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />

09/02/1901 - 1856 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

10/02/1901 - 1857 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

11/02/1901 - 1858 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

16/02/1901 - 1863 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

17/02/1901 - 1864 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

21/02/1901 - 1868 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />

10/03/1901 - 1885 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />

18/03/1901 - 1893 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

19/03/1901 - 1894 2 Hosp. de isolamento 1 1<br />

20/03/1901 - 1895 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />

28/03/1901 - 1903 2 Hosp. de isolamento 4 4<br />

01/04/1901 - 1907 2 Hosp. de isolamento 2 2<br />

02/04/1901 - 1908 1 Hosp. de isolamento 1 1<br />

04/04/1901 - 1910 3 Hosp. de isolamento 1 1<br />

10/04/1901 - 1916 2 Hosp. de isolamento 5 4 1<br />

13/04/1901 - 1919 2 Hosp.S.Sebastião 2 2<br />

15/04/1901 - 1921 2 Hosp. De isolamento 1 1<br />

Fonte: A Folha do Norte, 1901.<br />

A análise das notícias veiculadas pelos jornais citados, das informações<br />

presentes nas obras Vianna (1975 e 1992) e nos relatórios dos presidentes da<br />

província e governadores do estado do Pará, revelam diversos aspectos das<br />

epidemias de varíola em Belém, entre 1884 e 1904. Além das já analisadas cabe<br />

86


ainda destacar a origem externa da moléstia que, até 1850 era importada via tráfico<br />

negreiro, e depois desta data passou a ser atribuída pelas autoridades <strong>à</strong> imigração,<br />

principalmente nordestina, contribuindo para aumentar a discriminação em relação<br />

aos imigrantes oriundos dessa região, especialmente os cearenses. De fato a<br />

experiência com a varíola no Ceará é também antiga, tendo ocorrido sucessivas<br />

epidemias naquele estado, desde pelo menos a época em que ainda era província.<br />

Basta citar o terrível “dia dos mil mortos”, 28 de novembro de 1868, quando mil<br />

pessoas morreram somente na capital, vítimas da varíola, que não poupou nem<br />

mesmo a mulher do então presidente da província 33 . Os cadáveres eram empilhados<br />

sem qualquer medida de higiene e depois transportados em carroças por coveiros<br />

completamente embriagados de cachaça. O consumo exagerado de bebida alcoólica<br />

era uma forma de evitar o mal-estar provocado pelo insuportável odor dos corpos<br />

tomados pelas pústulas dos variolosos. Porém, vale ressaltar que, neste período, a<br />

varíola esteve presente em várias cidades brasileiras, não sendo exclusividade da<br />

capital cearense. Além disso, há momentos em que as autoridades e a imprensa<br />

referem-se ao ingresso da epidemia pelo sul do Brasil ou pela Europa. Portanto,<br />

atribuir a migração cearense a origem da varíola é, no mínimo, injusto.<br />

Outra questão importante a ser considerada diz respeito ao número de<br />

óbitos informados. Este não pode ser tomado como definitivo, pois além da<br />

discrepância entre as fontes consultadas não podemos deixar de considerar que,<br />

muitas vezes, para dar enterro considerado digno aos seus entes queridos, muitas<br />

pessoas recorriam <strong>à</strong> prática de modificar a causa da morte no atestado de óbito,<br />

exigindo do investigador maior cuidado na análise dessas fontes. Há também muitos<br />

casos de óbitos não registrados, que escaparam <strong>à</strong>s estatísticas. Quanto a<br />

discrepância, deve ser vista como produto do comprometimento que cada fonte<br />

possuía. Assim, é importante não deixar de considerar a influência da escola<br />

Metódica sobre a produção de Vianna, sua preocupação com a objetividade, com a<br />

verdade dos fatos, o que o levou a tomar as estatísticas da Santa Casa como<br />

definitivas. Além disso, é preciso considerar sua perspectiva política republicana que,<br />

33 O livro escrito em 1999, pelo jornalista Lira Neto conta a história do farmacêutico baiano Rodolfo<br />

Marcos Teófilo (1853-1932), e sua trajetória junto <strong>à</strong> população da cidade de Fortaleza, assolada por<br />

sucessivas epidemias de cólera e varíola, ao longo da segunda metade do século XIX. Neste<br />

trabalho encontramos algumas informações importantes sobre epidemias de varíola e terapêuticas<br />

apropriadas na capital cearense.<br />

87


numa visão retrospectiva, pensando a história como pragmática, procurava mostrar o<br />

presente empenhado na solução dos problemas do passado. Nessa linha que exalta<br />

a construção do Hospital de Isolamento e todas as medidas tomadas pelo regime<br />

republicano no campo da saúde. Quando não alcançavam êxito era por culpa da<br />

ignorância popular. Quanto aos números apresentados pelos jornais, vale lembrar da<br />

perspectiva que cada um possuía, em cada momento, já muito bem delimitada no<br />

início deste capítulo. Quanto aos números apresentados nos relatórios de governo,<br />

variavam para mais ou para menos, dependendo da circunstância em que eram<br />

apresentados. Se quem apresentava o relatório estava passando o governo,<br />

minimizava os óbitos, por exemplo, ocasionando as discrepâncias por nós<br />

identificadas. Mas, ainda assim, os números citados são bastante relevantes no<br />

sentido de se perceber o impacto das epidemias de varíola. Por último, a análise de<br />

cada epidemia nos permitiu perceber a forma como o poder público, em momentos e<br />

regimes distintos (monarquia e república), tratou a questão da saúde da população<br />

de Belém na segunda metade do século XIX. O que será analisado no próximo<br />

capítulo.<br />

88


____________________________________________________________________<br />

1. Em Busca da Cura:<br />

89<br />

CAPÍTULO III<br />

Vacina, Isolamento e Intolerância Popular <strong>à</strong>s<br />

Profilaxias Oficiais.<br />

Como ficou demonstrado nos capítulo anteriores, a presença da varíola,<br />

em Belém, remonta aos tempos coloniais. A história da varíola em Belém é também<br />

a história da busca incessante da cura para a referida moléstia, pois desde a sua<br />

presença devastadora entre os índios já se percebe tentativas de, pelo menos, aliviar<br />

o sofrimento provocado pela mereba-<strong>ayba</strong> (doença maligna), como era chamada a<br />

varíola pelos índios. Infelizmente não encontramos registros da prática da<br />

variolização, ou seja, da inoculação do pus variólico em indivíduos sadios como<br />

forma de prevenir, evitar ou atenuar os efeitos da moléstia que se queria combater<br />

(varíola). Segundo Alden & Miller (1987) em todo o período colonial há apenas duas<br />

referências relativas a missionários que teriam tentado o método na região<br />

amazônica, mas não há registros de que a prática tenha se efetivado. Condamine,<br />

que esteve no Pará durante uma forte epidemia de varíola que atingiu o Baixo<br />

Amazonas, em 1743, comentou com pesar não estar sendo utilizada a variolização<br />

nos índios cativos, técnica que havia sido introduzida com sucesso na região cerca<br />

de 16 anos antes, por um missionário carmelita. De fato, Frei José Madalena foi o<br />

primeiro a utilizar a técnica de variolização na Amazônia durante um surto de varíola<br />

que irrompera na região na década de 1720, salvando inúmeros índios. La<br />

Condamine (1992: 110-111), assim descreveu o feito do missionário carmelita:<br />

Há 15 ou 16 anos antes um missionário carmelita das cercanias do Pará,<br />

vendo todos os seus índios morrerem um após outro, e tendo sido informado<br />

pela leitura de um jornal do segredo da inoculação, que tanto estardalhaço<br />

fazia na Europa, (...) ousou mandar inocular a varíola em todos os índios


que ainda não haviam sido atacados, e não perdeu um sequer. (...) Outro<br />

missionário do rio Negro seguiu seu exemplo com o mesmo sucesso.<br />

A preocupação com a entrada e disseminação da varíola na região levou o<br />

príncipe regente D. João VI a emitir uma ordem em 1799 para que "se introduzisse e<br />

promovesse a inoculação em crianças negras e índias contra as bexigas". Essa<br />

ordem foi reiterada em 1802. Segundo Alden e Miller (1988: 66), esse era um<br />

programa para todas as colônias portuguesas e, provavelmente, não se referia <strong>à</strong><br />

inoculação do vírus da varíola bovina, mas sim <strong>à</strong> técnica de variolização. <strong>Da</strong>dos<br />

levantados por Araújo (1972, apud Alden e Miller, 1988.) revelam que a vacina<br />

jenneriana chegou ao Brasil pela primeira vez em 1804, ainda que, logo após a<br />

descoberta de Jenner em 1796, Portugal tenha recebido amostras de linfa e<br />

comunicado <strong>à</strong>s autoridades nas colônias a existência de um novo procedimento<br />

preventivo contra a varíola.<br />

Desde a publicação do trabalho do cirurgião britânico Edward Jenner - que<br />

demonstrou em fins do século XVIII que uma proteção mais segura e mais confiável<br />

poderia ser obtida pela inoculação do vírus da varíola bovina (vaccínia) - a<br />

variolização foi sendo substituída nos países europeus e suas colônias pela<br />

vacinação antivariólica a partir da varíola bovina. Segundo Saavedra (2004) em Goa,<br />

o governo português introduziu a vacina jenneriana em 1802, alguns anos antes de<br />

fazê-lo no Brasil.<br />

A técnica conhecida como variolização já era utilizada pelos povos<br />

orientais havia mais de mil anos, e consistia na inoculação de material retirado das<br />

pústulas de um enfermo na pele de um indivíduo são. A variolização 34 foi introduzida<br />

na Europa no século XVIII, graças aos esforços da esposa do embaixador inglês em<br />

Constantinopla, Lady Montagne, que divulgou amplamente essa técnica após ter<br />

feito inocular em 1717 seu filho de três anos de idade e, em 1721, já de volta <strong>à</strong><br />

34 A Folha do Norte, em 15 de novembro de 1904, reproduziu artigo do Giornale d’Itália onde se<br />

reconstitui a história da variolização como, sinteticamente se descreve acima. Porém, naquele artigo<br />

desenvolveu-se uma explicação para a adoção de tal prática. Ela seria produto da crença de que a<br />

varíola era uma doença necessária, ou seja, assim como outras doenças infecciosas que atingiam o<br />

indivíduo uma vez só e as quais estariam necessariamente sujeitos, a varíola representava uma<br />

espécie de tributo que todos deveriam pagar <strong>à</strong> natureza. Assim, se a varíola era um tributo a ser<br />

pago, que viesse sob a forma benigna.<br />

90


Inglaterra, sua filha de cinco anos. Para Dinc & Ulman (2007) a variolização, ou<br />

método bizantino em alusão a Bizâncio, antigo nome de Constantinopla, difundiu-se<br />

rapidamente na Inglaterra e teve defensores em países como Alemanha, França e<br />

Estados Unidos. Segundo o relato de La Condamine, menos de dez anos depois, a<br />

coragem do missionário carmelita fez com que essa nova técnica fosse introduzida<br />

na Região Amazônica. Apesar, contudo, de a variolização fazer com que a doença<br />

se manifestasse de forma mais branda do que pela do contágio natural, os doentes<br />

passavam por todo o seu cortejo sintomático: por vezes, as pessoas inoculadas<br />

ficavam com cicatrizes no rosto e corpo, ou mesmo morriam ou desenvolviam formas<br />

graves da doença. A carência de fontes referentes a variolização não inviabilizaram,<br />

porém, as pretensões desta pesquisa, pois identificamos várias profilaxias e ou<br />

práticas terapêuticas destinadas <strong>à</strong> varíola em Belém, emanadas de diversos<br />

segmentos da sociedade local revelando concepções médicas diferentes ou<br />

divergentes e que tiveram influências poderosas sobre o comportamento da<br />

sociedade local. Assim, mesmo após a introdução da vacina na região e até o início<br />

do século XX, encontramos registros de outras profilaxias e terapêuticas, algumas<br />

vezes vistas como complementares <strong>à</strong> vacina, outras vezes como alternativas ao<br />

método jenneriano. Neste capítulo realizamos uma descrição das diversas profilaxias<br />

e práticas terapêuticas propostas em Belém para combater a varíola com o intuito de<br />

desvendar, fundamentalmente, a relação da sociedade com tais práticas e, em<br />

especial, com a vacina.<br />

A análise das fontes nos permitiu perceber a rejeição da sociedade,<br />

principalmente das camadas populares, <strong>à</strong>s iniciativas do poder público no campo da<br />

saúde. Nos relatórios de governo de todo o período fica evidente a dificuldade<br />

encontrada pelas autoridades no sentido de fazer cumprir profilaxias ou práticas<br />

terapêuticas destinadas ao combate da varíola. Os jornais confirmam as informações<br />

contidas nos relatórios sobre essa questão, ficando claro que havia em Belém, entre<br />

o final do século XIX e o início do século XX, uma grande desconfiança em relação<br />

<strong>à</strong>s políticas de saúde emanadas do poder público. È importante esclarecer que a<br />

postura aversiva da sociedade local não se relacionava apenas a vacina, mas a<br />

grande maioria das medidas no campo da saúde pública. Essa realidade nos<br />

colocou a seguinte questão: por que uma sociedade assolada por diversas<br />

epidemias recusava as providências consideradas adequadas para o combate<br />

91


efetivo dessas mesmas epidemias? Essa questão nos obrigou a recuar no tempo<br />

para tentarmos reconstituir a longa experiência da sociedade local com as políticas<br />

públicas na área da saúde, especialmente aquelas destinadas a combater a varíola,<br />

para que pudéssemos entender as razões do comportamento aversivo daquela<br />

sociedade. Assim, além dos desacertos e do caráter autoritário das medidas<br />

emanadas do poder público, também havia um conjunto de práticas curativas<br />

constituídas por setores populares e que se apresentavam como alternativas <strong>à</strong>s<br />

práticas oficiais. Amaral (2006) faz referência a um “preparado indígena” indicado<br />

nas páginas do A Folha do Norte que consistia em procedimento elaborado por Dona<br />

Francisca Borralho Rolha, moradora da rua Bernal do Couto. Dona Francisca foi a<br />

redação do jornal e relatou que, desde a última vez em que a epidemia afetou a<br />

cidade, conseguiu curar sete netos infectados pela terrível moléstia, e agora revelava<br />

o segredo, que consistia no uso de ervas da Amazônia, com as quais preparava um<br />

banho especial a ser tomado durante três dias, restabelecendo o enfermo. O<br />

jornalista conseguiu apurar algumas informações da prática de cura que foram<br />

publicadas em A Folha do Norte:<br />

(...) A pessoa atacada da doença não precisa ter dieta alguma, podendo<br />

andar por toda a parte, limitando-se o seu tratamento a esses banhos, que<br />

serão tomados tres ou quatro vezes por dia. Demais este processo tem<br />

ainda a vantagem de não deixar o menor vestigio no corpo da pessoa que a<br />

ele se submetter. Como prova do que afirmava, declarou-nos d. Francisca<br />

Borralho que apresenta a quem quizer ver os seus netos, que tinham sido<br />

acometidos de variola confluente, e que hoje estão de perfeita saude e sem<br />

a menor deformidade. <strong>Da</strong>s suas declarações, deduz-se que não se trata de<br />

uma pagelança e sim de uma maneira, aliás muito racional, de curar com<br />

os proprios elementos da natureza no reino vegetal. (A FOLHA DO<br />

NORTE, 23 Ago. 1908, p 1)<br />

Por esse relato, é possível estabelecer algumas diferenças em relação ao<br />

tratamento da medicina acadêmica, pois, além de ervas, o varioloso não precisaria<br />

ter uma alimentação que o restringisse de alimentos típicos da região, que são<br />

classificados como “remosos” pelos doutores da ciência e pelos próprios populares<br />

como causadores de mal <strong>à</strong> saúde. Muito menos se trataria isolado, não ficando<br />

restringido de ir e vir. Outra característica importante desse tratamento refere-se <strong>à</strong>s<br />

cicatrizes no corpo, pois garantia não deixar vestígios da doença marcados nos<br />

corpos dos variolosos. A única restrição dizia respeito a seguir <strong>à</strong> risca os banhos,<br />

92


pelo menos três a quatro vezes ao dia. Nesse sentido, a prova cabal do sucesso,<br />

segundo dona Francisca, consistia em expor os seus netos ao público que<br />

duvidasse, como forma de referendar tamanha descoberta, pois as crianças<br />

gozavam de saúde e não tinham marcas da doença. Por fim, o jornalista prossegue<br />

concluindo que essa prática de cura não podia ser considerada pajelança, apesar de<br />

toda a tradição presente entre os curandeiros com o manejo de ervas ou plantas<br />

medicinais. Casos como esse revelam uma tradição cultural enraizada junto <strong>à</strong>s<br />

camadas populares na Amazônia, que explicam grande parte da intolerância <strong>à</strong>s<br />

políticas públicas na área da saúde, em Belém, do final do século XIX ao início do<br />

século XX.<br />

1.1. Dos tiros de canhão <strong>à</strong> política de isolamento:<br />

As medidas profiláticas adotadas na cidade de Belém, desde o século<br />

XVIII, estavam bem distantes das modernas concepções da ciência da higiene, como<br />

nos revela Vianna (1992: 176-177):<br />

A profilaxia adotada em 1793 assumiu as proporções de um exercício a<br />

fogo, pois o governo, reconhecendo o fumo da pólvora como poderoso<br />

desinfectante, mandou descarregar numerosos tiros de artilharia nos cantos<br />

das ruas. O governador, na sua correspondência com a metrópole, depois<br />

de explicar o ruidoso processo profilático, acrescenta que os resultados<br />

falharam por completo. Em 1819 variou-se de sistema, mas ainda sem<br />

utilidade pública: então o Pará contava alguns empregados incumbidos de<br />

vistoriarem as embarcações provenientes de portos infeccionados ou<br />

suspeitos, impondo-lhes longas quarentenas que sem o auxílio das<br />

desinfecções rigorosas nada produziam; quando nesse ano a varíola invadiu<br />

a cidade, mandou o governo fazer em todos os cantos abundantes<br />

fumigações de gás oximuriático, de resultados nulos como os tiros de<br />

canhão, atentas as circunstâncias em que eram empregadas.<br />

O governador Francisco de Souza Coutinho também recomendava que se<br />

espalhasse pelo ar determinados perfumes como, por exemplo, os vapores do<br />

alcatrão ou de vinagre, de forma a evitar a propagação da varíola. Não se pode<br />

deixar de mencionar que já nesse momento está presente a concepção dos<br />

infeccionistas relativas aos efeitos dos miasmas mórbidos sobre o ar ambiente.<br />

93


Porém, não demorou muito para a população de Belém perceber a ineficácia de tais<br />

medidas, que desmoralizavam o poder público, gerando desconfiança nos<br />

populares. Além dessas recomendações o referido governador também ordenava o<br />

isolamento dos infectados e para tanto determinava as delações, pois toda pessoa<br />

que tivesse notícia de variolosos deveria dar parte ao Juiz de Fora, ao Presidente do<br />

Senado da Câmara ou ao vereador nomeado Provedor Mor da Saúde, estando os<br />

infratores sujeitos a multa de 50 cruzados e mais cinco anos de degredo. Durante<br />

todo o século XIX e, a cada nova epidemia de varíola, a imprensa cobrava e as<br />

autoridades tentavam colocar em prática o isolamento dos infectados. A partir,<br />

principalmente, da segunda metade deste século, com a intensificação do discurso<br />

higienista, a cobrança pelo isolamento dos infectados por doenças epidêmicas<br />

tornou-se intensa, pois era preciso isolar esses indivíduos para evitar a<br />

contaminação daqueles que habitavam a área central da cidade 35 . Nesta época<br />

buscava-se deslocar para fora da região central da cidade todos os elementos<br />

considerados nocivos ao “bem viver”, em geral das classes abastadas. Nessa<br />

perspectiva foram criados locais específicos para o tratamento dos doentes, sempre<br />

afastados da área central da cidade, também foi aumentando a fiscalização e a multa<br />

aplicada aos infratores. Ainda assim, percebe-se que a população de Belém não<br />

atendia aos apelos do poder público. Os mais abastados porque assumiam, por<br />

conta e risco, o tratamento e não estavam sujeitos <strong>à</strong> fiscalização e punição que<br />

poderia ser aplicada pelas autoridades.<br />

Assim, a ação fiscalizadora atuava fundamentalmente ou exclusivamente<br />

sobre os mais pobres que, mesmo sem os recursos necessários para custearem um<br />

tratamento particular, recusavam as políticas públicas, mesmo no início do século<br />

35 No mesmo artigo italiano, reproduzido pelo A Folha do Norte em 15 de novembro de 1904,<br />

encontrava-se a defesa da prática do isolamento dos infectados considerada mais eficaz do que a<br />

própria vacina. Segundo o autor, professor de higiene da Universidade de Perúsia, Carlos Ruata,<br />

das coisas que realmente se prendem <strong>à</strong> medicina existe uma, de grande importância, “sobre a qual<br />

todos os médicos estão de acordo” que é o fato de que a varíola nunca nasce espontaneamente,<br />

mas sempre se contrai de um varioloso. Propaga-se de uma única maneira, diz o professor, de<br />

homem doente de varíola para homem são, “seja diretamente pelo contato, seja indiretamente por<br />

meio dos vestidos, dos lençóis e cobertores de cama e de outros objetos infeccionados”. Assim,<br />

continua, “um varioloso, deixado livre, comunica a doença para 10 ou 20 pessoas, cada uma dessas<br />

fazem outro tanto”, o que seria suficiente para desencadear uma epidemia. Desta forma, o único<br />

meio eficaz de impedir a propagação da moléstia seria através do isolamento. É importante<br />

considerar que essa opinião foi elaborada por um estudioso que se posicionava contra a vacina,<br />

mas não podemos deixar de considerar que a prática do isolamento foi reivindicada por toda a<br />

comunidade médica, tanto pelos defensores quanto pelos contestadores da vacina, principalmente<br />

com o advento da ciência da higiene.<br />

94


XX. Nos jornais são freqüentes as referências aos indigentes variolosos que se<br />

encontravam nas ruas e deveriam ser removidos, o Diário de Notícias em 15 de<br />

fevereiro de 1884 informava a existência de uma mulher atacada de varíola, em uma<br />

casa na estrada de São José. A denúncia foi feita <strong>à</strong> polícia por Torquata Maria da<br />

Conceição, que solicitava a remoção da doente para a enfermaria José Bonifácio,<br />

mas a resposta, segundo o diário, foi que não era possível remover a enferma<br />

porque a enfermaria encontrava-se lotada. Essa deficiência do atendimento público<br />

propiciava a criação de enfermarias particulares, espalhadas pela cidade, que<br />

também eram combatidas em função do perigo que representavam para a<br />

proliferação da epidemia, especialmente pela sua localização. O Diário de Notícias<br />

(02 maio. 1884, p.2), informava que “uma mulata de nome Roberta, moradora <strong>à</strong><br />

Travessa d’água das flores, estabeleceu uma enfermaria para pessoas com varíola.”<br />

Em outra edição o referido periódico, com o título de “Enfermaria de variolosos”,<br />

publicou a seguinte notícia:<br />

O illustre sr. Dr. M. Moraes veio ao nosso escritório informar-nos o que de<br />

real ocorreu sobre a enfermaria de variolosos, <strong>à</strong> rua do Rosário.<br />

A remoção do menor foi determinada por autoridade superior e pela<br />

inconveniência de conservar-se no seio da cidade uma tal casa, prejudicial <strong>à</strong><br />

vizinhança.<br />

Disse-nos mais : - que a mulher encarregada dos enfermos declarara<br />

pertencer a enfermaria ao sr. Dr. Bacelar.<br />

O cavalheiro, que ministrou-nos a informação sobre que baseamos nosso<br />

artigo, merece-nos toda consideração e não menos nos merece o sr. Dr.<br />

Moraes, <strong>à</strong> quem agradecemos as explicações, que se dignou dizer-nos, e<br />

cujas ponderações aceitamos, por nos parecerem procedentes. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />

NOTÍCIAS, 09 ago. 1884, p.2).<br />

Durante a epidemia de 1888/1889 os jornais também fizeram diversas<br />

referências aos mortos fora da enfermaria José Bonifácio bem como a existência de<br />

variolosos em casas particulares, continuando a efetuar as denúncias esperando<br />

pelas providências das autoridades. Na edição do dia 03 de julho de 1888 chamou a<br />

atenção para a epidemia de varíola que ameaçava a população de Belém,<br />

considerando o articulista o assunto como já “velho e batido”. Neste artigo são<br />

esboçadas críticas a administração da província que, apesar dos apelos da<br />

95


imprensa, parecia assistir a proliferação do flagelo pela cidade. Assim, pedia-se<br />

providências no sentido da remoção dos infectados, pois, “a bexiga faz cabeça no<br />

seio da população e a cidade está completamente minada do mal.” Quanto a<br />

presença de variolosos em casas particulares dizia, “sabemos que há casas no<br />

centro da cidade e nos arrabaldes, onde existem dois, quatro, seis e até oito doentes<br />

de varíola.” Era comum o diário discriminar nome e endereço dos infectados,<br />

solicitando a ação da polícia para a remoção dos enfermos, como noticiou o Diário<br />

de Notícias<br />

[...] uma mulher chamada Adriana, moradora a travessa do Bom Jardim, tem<br />

em sua casa dois doentes de varíola, de nomes Ervina e Maria Rosa; e<br />

sendo isso um perigo <strong>à</strong> vizinhança, pede-se <strong>à</strong> autoridade policial que as<br />

mande remover para o Hospital José Bonifácio. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 27<br />

jun.1888, p. 2):<br />

Na mesma matéria, afirmava-se que “na travessa da Queimada, canto da<br />

rua do Piry, na taberna de Antonio Barros, também existe um doente, cuja remoção<br />

se faz necessária” (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 27 jun.1888, p. 2). Eram também<br />

freqüentes os casos de variolosos encontrados pelas ruas e removidos a força <strong>à</strong><br />

enfermaria José Bonifácio ou encaminhados diretamente ao cemitério Santa Izabel.<br />

O Diário de Notícias (24 jun. 1888, p.2) anunciou que no dia 22, <strong>à</strong>s 5 horas da tarde,<br />

na rua do Imperador, o subdelegado da Trindade encontrou o italiano João Delfir,<br />

“deitado no lagedo com o corpo coberto por bexigas desenvolvidas, a essa hora o<br />

transportou para o hospital de José Bonifácio”. Em 29 de agosto do mesmo ano, o<br />

mesmo jornal fazia referência a uma mulher, de nome Maria que há dias andava<br />

pelas “bandas da estrada de São Brás”, atacada de varíola, batendo de porta em<br />

porta na esperança de encontrar auxílio.<br />

O Diário de Notícias também faz diversas referências <strong>à</strong> existência de<br />

enfermarias ou hospitais clandestinos destinados ao tratamento dos infectados:<br />

Hospital de variolosos<br />

96


Na Trav. Santo Antonio,N°2 existe um hospital de variolosos ainda não<br />

conhecido da junta de higiene ; è um acanhado quarto sem fundos onde<br />

mora uma preta velha que se entrega ao tratamento de variolosos .<br />

Um horror!<br />

Aqui e ali vêem-se bexigosos deitados pelo chão a gemerem , e ao canto da<br />

casa um enorme barril onde faz a velha o despejo dos materiais fecais .<br />

É um verdadeiro antro! (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 set .1888, p.2).<br />

Assim, os doentes e indigentes com varíola procuravam tratamento em<br />

um barracão ou hospital, em condições precárias e insalubres pela descrição do<br />

artigo. Esse tipo de lugar era execrado pelos médicos, já que destoava dos preceitos<br />

da moderna ciência médica de combate aos micróbios invisíveis, e a microbiologia<br />

condenava ambientes fechados, escassos de luz e com pouca circulação de ar. Não<br />

resta dúvida que o barracão era dirigido por uma curandeira retratada como “preta<br />

velha” e, por isso, fora propósito da propaganda discriminadora do Serviço Sanitário,<br />

bem assim como assumira significado distinto de um hospital moderno. Eis o<br />

barracão que, para as autoridades, não deixava de ser uma “grande pocilga fechada”<br />

e sob os cuidados da preta velha, que tomava para si a responsabilidade de cuidar<br />

dos pobres, o que diferia completamente da profilaxia médica a respeito da<br />

prevenção e cura, uma vez que a moderna ciência concebia a vacinação antivariólica<br />

como único remédio eficaz de inoculação contra o terrível mal.<br />

Contudo, as práticas higiênicas da curandeira por mais que<br />

desagradassem as autoridades, provavelmente faziam bastante sucesso com a<br />

“classe” pobre, pois por ser o lugar praticamente isolado e não arejado, o germe ali<br />

padeceria até a morte enquanto o moribundo acreditava que sairia curado do<br />

confinamento. Mas o que inquietava a medicina acadêmica, não era uma<br />

preocupação recente das concepções higiênicas, pois no século XIX a necessidade<br />

de um ambiente arejado passara a ser uma necessidade comumente aceita nos<br />

hospitais, daí a preocupação com a casa que, por ser isolada, impedia a circulação<br />

do ar, asfixiando os próprios doentes. Nesse sentido, procuravam as autoridades, a<br />

partir das recentes concepções da medicina social, imprimir-lhe rupturas através da<br />

reelaboração dos hospitais e de médicos reconhecidamente aptos na direção<br />

hospitalar.<br />

97


Em 06 de novembro o mesmo periódico chamava a atenção da junta de<br />

higiene para uma casa <strong>à</strong> Travessa 25 de março entre as ruas Domingos Marreiros e<br />

Boa Ventura da Silva, onde se achavam 9 pessoas atacadas de varíola, pedindo<br />

providências em nome da vizinhança.<br />

Mesmo na última epidemia do século XIX, que avança pelo século XX,<br />

encontramos diversas menções a mortes fora dos hospitais de isolamento, a<br />

denúncia da existência de infectados em casas particulares, a existência de hospitais<br />

clandestinos e, especialmente neste período, a aplicação de multas, diversas vezes,<br />

aqueles que não cumpriam a exigência de informar a existência de doentes de<br />

varíola. O jornal A Folha do Norte (06 jun. 1899, p.1) informava que o vapor S.<br />

Salvador, proveniente do sul do país, trouxe um passageiro acometido de varíola e<br />

também que “da casa 13 da rua Santarém para onde foi ele residir, o Dr. Sílvio<br />

Mendes, delegado sanitário do 1º distrito, foi removê-lo para o hospital de<br />

isolamento...”, no dia 15 do mesmo mês noticiava-se a remoção para o hospital de<br />

isolamento de doentes que habitavam a rua Lauro Sodré, Serzedelo Corrêa,<br />

Domingos Marreiro e também do hospital militar. Neste período percebe-se também<br />

uma fiscalização maior sobre a área portuária, providenciando-se a remoção dos<br />

doentes encontrados nas embarcações, como noticiou A Folha do Norte:<br />

Varíola<br />

Foram removidos ante ontem para o hospital de isolamento de Bordo do<br />

Paquete Rio Muaco,o foguista Manuel Alexandre Dias de 35 anos de idade<br />

,natural do Ceará, filho de Francisco José Cavalcante, morador da vila da<br />

Tita.Do hospital da Santa Casa Irineu da Silva Castro de 20 anos de idade ,<br />

natural do Maranhão, marinheiro do mesmo vapor. (A FOLHA DO NORTE,<br />

20 jun.1899, p. 01)<br />

Durante todo o século XIX foram constantes as reclamações sobre o<br />

serviço de saúde do porto, considerado bastante deficiente e, por isso, responsável<br />

pelas epidemias que grassavam na cidade, em função de não executar a fiscalização<br />

adequada das embarcações e, se necessário, o isolamento das mesmas. Nesta<br />

epidemia, a Inspetoria do Serviço Sanitário, que substituiu Junta de Higiene, reeditou<br />

98


norma do extinto órgão acerca do isolamento dos variolosos e informando a<br />

existência de edital através do A Folha do Norte, com a seguinte redação:<br />

Varíola<br />

Conforme o edital da inspetoria de serviço sanitário que vai hoje inserto na<br />

secção respectiva as pessoas em cujo os domicílios se derem casos de<br />

varíola e outras moléstias contagiosas deverão imediatamente participar de<br />

fato <strong>à</strong>quela repartição, afim de serem adoptadas as necessária providencias.<br />

(A FOLHA DO NORTE, 25 jun. 1899,p. 01)<br />

Além de relembrar a necessidade de informar, <strong>à</strong>s autoridades, a presença<br />

de variolosos, o edital determinava os valores das multas que deveriam ser aplicadas<br />

aos infratores e, o próprio A Folha do Norte fazia questão de publicar, inclusive, o<br />

valor da multa, onde lia-se na gazeta que:<br />

O Dr. Inspetor do serviço sanitário multou ontem em 100 mil réis, a José<br />

Bahia , morador <strong>à</strong> estrada de São Jeronymo próximo a travessa 14 de<br />

março ; por ter ocultado em sua casa um caso manifesto de varíola ,<br />

infringindo assim o determinado no artigo 121 do regulamento. (Jornal A<br />

FOLHA DO NORTE, 08 jul.1899, p. 01.)<br />

No dia 4 de agosto do mesmo ano dizia que, no dia anterior, a inspetoria<br />

do serviço sanitário havia remetido a recebedoria de vendas o talão de multa (108)<br />

imposta a Alfredo Ruiz Mourailles, autuado por infração do artigo 121 do<br />

regulamento sanitário (ocultar da autoridade qualquer caso de varíola). Em 15 de<br />

agosto outra multa, desta vez na casa n°150 da rua da indústria, onde faleceu de<br />

varíola a menor Liralla Soeiro de 4 anos de idade, maranhense, filha de Joana<br />

Soeiro . O Inspetor do serviço sanitário impôs a esta a multa de 100$000, por ter<br />

ocultado este caso de varíola. Desde 1892, quando era Inspetor da Higiene Pública,<br />

o Dr. Cipriano Santos já conhecia o poder e o potencial das multas, pois, carecendo<br />

o seu órgão de mais verbas, seja para ampliar o quadro de funcionários, para<br />

melhorar os salários, instalar adequadamente o laboratório de análises, e construir<br />

um prédio próprio para aquela repartição, o referido Inspetor alerta que “daqui há<br />

poucos anos, não seria preciso mais do que a aplicação do produto das multas e das<br />

99


análise do laboratório de higiene”. Portanto, além do caráter autoritário, as visitas<br />

sanitárias também se constituíam em grande negócio para os cofres públicos.<br />

100<br />

A prática de ocultar os doentes de varíola, não permitindo a sua remoção<br />

para os locais destinados ao tratamento dos mesmos, revela o grau de intolerância<br />

de parte da população de Belém com a política de isolamento dos variolosos.<br />

Acontece que essa intolerância se estendeu do século XIX ao início do século<br />

seguinte, então, pensamos que deveria haver no comportamento dos populares<br />

muito mais que, simplesmente, “ignorância” ou “desleixo higiênico”. Para<br />

desvendarmos as razões deste comportamento, achamos necessário reconstituir<br />

parte da experiência que a população de Belém desenvolveu com o sistema de<br />

isolamento dos doentes de varíola, desde as suas origens até o início do século XX.<br />

Num primeiro momento recolhiam-se os infectados, principalmente os<br />

pobres, a uma enfermaria que funcionava dentro do hospital do Senhor Bom Jesus,<br />

o que demonstra a falta de preocupação com o isolamento dos bexigosos. Mas,<br />

tanto o crescimento do número de variolosos, como o medo da transmissibilidade ou<br />

da aproximação dos doentes, provocaram pressões no sentido de que fosse criada<br />

uma enfermaria ou hospital exclusivamente voltado para o tratamento dos variolosos.<br />

Porém, a primeira experiência com o isolamento dos infectados por varíola foi a mais<br />

cruel e aterrorizante possível. O fato lamentável deu-se em 1862 quando se decidiu<br />

pela transferência da enfermaria de variolosos para um compartimento dentro do<br />

hospício do Tucunduba. Essa medida, por mais absurda que pareça, foi levada a<br />

cabo em função da urgência em transferir os doentes do hospital do Senhor Bom<br />

Jesus de qualquer forma, e as autoridades justificavam-se com o argumento que não<br />

havia verba suficiente para tal obra. É obvio que este episódio ficou vivo na memória<br />

popular durante muito tempo em função do terror que representou tanto para os que<br />

já estavam no Tucunduba, quanto para os variolosos que para lá foram deslocados.<br />

Acreditava-se na época que o lázaro infectado pela varíola e dela salvo, ficava<br />

também curado de sua horrível enfermidade, o que ficou desmentido pela triste<br />

realidade. Não seria preciso dizer que a varíola se propagou no asilo, deixando um<br />

rastro de desgraça que durante muito tempo seria lembrada. O Diário de Notícias fez<br />

referência a questão, com a seguinte reportagem:


Questão de varíola no tucunduba<br />

101<br />

O revd. Sr. Cônego Carlos Seidl colecionou em um folheto todos os artigos<br />

da imprensa sobre essa questão , respeitada por este diário valioso,<br />

testemunho do mesmo cônego que depois tão galhardamente a defendeu e<br />

sustentou.<br />

As pessoas sensatas e imparciais que julguem por esses documentos.<br />

Agradecemos. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 28 ago.1888, p.02).<br />

Experiências desse tipo influenciaram negativamente a população de<br />

Belém no sentido da intolerância em relação ao isolamento. Além desse episódio,<br />

outros concorreram para a rejeição do isolamento, como, por exemplo, a condição<br />

das enfermarias ou hospitais para onde eram encaminhados os variolosos. Segundo<br />

Vianna (1992) o contágio de 1865 levou o governo a autorizar a Misericórdia a<br />

construir no Tocunduba, nas proximidades do asilo dos lázaros, uma casa que<br />

serviria de isolamento para os doentes de varíola. “Aí curaram-se setenta e dois<br />

doentes apenas, pois generalizando-se a epidemia com grande força em toda a<br />

cidade, julgou-se desnecessário isolar os atacados.”(Vianna, 1992: 306). O mesmo<br />

autor qualifica como péssimas as condições da referida casa que, em 1873, passou<br />

a abrigar o asilo dos alienados. Assim, a enfermaria de variolosos voltou a funcionar<br />

dentro do hospital da caridade. No ano seguinte, com o recrudescimento da<br />

epidemia e o conseqüente crescimento do número de variolosos, constituiu-se uma<br />

enfermaria em casa particular, cedida pela proprietária, na rua do Norte, tendo<br />

recebido cento e sessenta e dois enfermos, atenuando, desta forma, os efeitos da<br />

epidemia. Em 1878, uma nova epidemia de varíola, trouxe mais uma vez a baila a<br />

questão do Tocunduba, pois com o hospital de caridade sem possibilidade de<br />

atender tantos enfermos e muito menos constituir enfermaria em casa particular,<br />

ordenou-se ao provedor daquele estabelecimento que instalasse uma enfermaria no<br />

Tocunduba, em compartimento do prédio ocupado, então, pelo hospício dos<br />

alienados. Segundo Vianna (1992: 307):<br />

Bem cedo, lázaros e alienados eram investidos pelo mal epidêmico e podese<br />

avaliar o horror de semelhante sofrimento naqueles infelizes que subiam


102<br />

a encosta escarpada de um doloroso calvário. A epidemia alstrava-se,<br />

vitoriosa e ameaçadora, zombando dos meios profiláticos improfícuos por<br />

defeituosos, com que tentavam detê-la: não tardou que Tocunduba se<br />

atulhasse de enfermos, em toda a hediondez de suas péssimas<br />

condições[...].<br />

Em dezembro de 1878, com cerca de vinte doentes, começou a funcionar<br />

a enfermaria José Bonifácio, mas, em função dos gastos, mandou o governo fechar<br />

a dita enfermaria e restabelecer a do Tocunduba, em maio de 1879. Em março de<br />

1880 foi considerada extinta a enfermaria do Tocunduba. As epidemias que<br />

ocorreram nesta década fizeram o governo restabelecer a enfermaria José Bonifácio,<br />

que aparece diariamente nas páginas dos jornais, e que teve sua direção devolvida a<br />

Santa Casa, mas, a diária de 35$000 réis pelo tratamento de dez enfermos e mais<br />

3$000 réis de cada um que extrapolasse esse total, fez o governo imperial assumir o<br />

controle da enfermaria, em 1887. Nos jornais aparecem referências a enfermaria<br />

José Bonifácio até fevereiro de 1899, mas, através da lei nº 203, de 26 de julho de<br />

1894, o governo republicano autorizou a construção de um hospital de isolamento 36<br />

para acometidos de doenças infecto-contagiosas, destinando até cem contos de réis<br />

para a construção. É preciso lembrar que tal medida visava segregar rigorosamente<br />

o indivíduo infectado de acordo com os preceitos da moderna ciência da higiene e<br />

comemorado como grande obra, na área da saúde, encaminhada pelo governo<br />

republicano, pois, segundo Vianna (1975: 62):<br />

36 As reivindicações no sentido da construção de hospitais de isolamento são bem antigas em Belém.<br />

O Dr. Cipriano Santos, quando Inspetor da Higiene do Estado, apresentou ao governador Lauro<br />

Sodré, em 30 de junho de 1892, um relatório informando as condições sanitárias do estado do Pará.<br />

Neste, o Inspetor da Higiene, organizou consistente defesa da política de isolamento apontando<br />

para a necessidade de construção de dois hospitais com esta finalidade, um para os afetados de<br />

varíola e o outro para os afetados pela febre amarela. O Inspetor alerta para o fato de que a<br />

preocupação com os hospitais não deve ser levantada apenas por ocasião da manifestação da<br />

moléstia, pois implicaria em maiores e “improfícuos dispêndios”. Assim, como a presença da varíola<br />

já era sentida naquele contexto, pois vinha se manifestando, entre março e abril, na Dr. Assis, na<br />

rua dos Tamoio, 14 de Abril e 3 de Maio; era preciso acelerar o processo de construção dos<br />

hospitais. Tendo-se obtido o terreno para a construção do hospital de variolosos pelo governo<br />

federal e elaborada a planta e o orçamento da obra pelo Dr. Manoel Odorico Nina Ribeiro, não<br />

deveria ser por mais tempo adiada essa questão, reclama o Dr. Cipriano Santos. Em sua<br />

argumentação o Inspetor condena os que se opõem <strong>à</strong> política de isolamento, utilizando o discurso<br />

da defesa da liberdade individual e da inviolabilidade do domicílio, afirmando que mais legítimo é o<br />

direito de defesa de que lança mão o governo para “salvaguardar a saúde do povo”, afastando do<br />

centro “populoso um indivíduo que é o agente de uma moléstia epidêmica”. No seu entender o<br />

isolamento deveria ser administrado a todos os doentes de moléstias infecto-contagiosas, “salvo os<br />

que por seus meios de fortuna possam cercar-se de cuidados higiênicos de modo a não<br />

prejudicarem os outros”.


103<br />

“[...] é preciso dizer, já que ocorre esse ensejo, que o isolamento obrigatório,<br />

extensivo a todos, sem distinção de hierarquia social, rigoroso e<br />

intransigente como o define a ciência, só recentemente tem sido feito aqui,<br />

com esplêndidos resultados”.<br />

É claro que o isolamento não era extensivo a todos, como afirma Vianna,<br />

mas atingia exclusivamente os setores sociais mais pobres, aquela camada da<br />

sociedade que era a mais afetada pela varíola e não possuía meios próprios para um<br />

tratamento “adequado”.<br />

Todavia, apesar do enaltecimento feito por Vianna (1975) do hospital de<br />

isolamento, ainda identificamos, como já mencionado, diversas demonstrações de<br />

intolerância <strong>à</strong> política de isolamento dos variolosos, mesmo no período republicano.<br />

Esta deve ser relacionada <strong>à</strong> memória do Tucunduba, ao fato de que o isolamento<br />

não era válido para todos, como se percebe na fala acima, mas também as<br />

condições dos estabelecimentos que recebiam os enfermos, especialmente a<br />

enfermaria José Bonifácio e o hospital de isolamento. Havia diversos motivos para<br />

não aceitarem as remoções e o conseqüente isolamento, mas, mesmo quando o<br />

enfermo não oferecia qualquer resistência a tal prática, falhava o “sistema” por não<br />

conseguir abrigar tantos doentes ou não ter capacidade para realizar todas as<br />

remoções. O Diário de Notícias fez referência as dificuldades encontradas pelo<br />

serviço de remoção dos variolosos, como se pode ler a seguir:<br />

Pela Santa Casa<br />

Ontem hás 2hs da tarde achava-se sentado no corredor da Santa Casa o<br />

indigente Manuel Narciso de Brito acometido de varíola e já com ela toda<br />

visível esperando pelo carro para o conduzir ao hospital de José Bonifácio.<br />

Desde a manhã que o pobre homem lá esperava as ordenspara vir o carro<br />

entretanto elas não foram dadas ,hora disque o telefone não funcionava ou<br />

estava interrompido.<br />

Já é muita misericórdia. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 02 set.1888, p. 02).


104<br />

Em novembro daquele ano de 1888, o mesmo Diário de Notícias,<br />

comentava as condições da enfermaria José Bonifácio que ainda se constituía no<br />

principal hospital para tratamento de variolosos na cidade de Belém:<br />

È escandaloso<br />

As 9 hs da manhã de ontem foi mandado para o hospital de José Bonifácio o<br />

indigente varioloso Joaquim de tal, morador da rua Ajube n°20 .<br />

A varíola já estava adiantada e a febre que o consumia era horrivelmente<br />

forte.<br />

Entretanto ao chegar ao hospital Joaquim é pelo carroceiro apresentado ao<br />

administrador e este recusa-se a recebe-lo , conservando-o talvez uma hora<br />

na porta a receber o calor intenso do sol.<br />

O carroceiro pede explicação a respeito, e o tal Eusébio com ares de quem<br />

conhece a medicina grita:<br />

__ Quem manda aqui sou eu e não recebo doentes destes que se chamam<br />

morphéticos.<br />

E assim entreteve algumas horas suas observações inaproveitáveis, porém<br />

com uma voz de Hercules expandindo seu grande talento sobre as<br />

conseqüências que sobrevinham aos demais seus administradores.<br />

O carroceiro cansou de espera-lo e finalmente recolheu o doente no carro e<br />

voltou <strong>à</strong> casa d’onde tinha levado.<br />

Este é um caso bastante grave, o qual chama a atenção da Santa Casa.<br />

(DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 21 nov. 1888, p 2).<br />

O governo republicano, com o intuito de melhorar as condições de<br />

atendimento <strong>à</strong> população do estado, na área da saúde, desmembrou, através do<br />

Decreto nº 391 de 19 de agosto de 1891, a Repartição de Saúde do Estado da<br />

Inspetoria Geral de Higiene, de acordo com o Relatório de Governo de Cypriano<br />

Santos (1892) 37 . Com poderes para a execução de todos os serviços relativos <strong>à</strong><br />

saúde pública, a Inspetoria de Higiene, ficou assim composta: um inspetor, um<br />

ajudante, dois médicos vacinadores, um médico demografista e diretor do laboratório<br />

de análises, um químico, um secretário, um amanuense, um desinfetador, um<br />

porteiro e dois serventes. Para o interior do estado continuou a prevalecer a<br />

autoridade dos Delegados de Higiene. É importante perceber quão limitada era a<br />

referida repartição, com funções tão árduas a serem desenvolvidas. Porém, já havia<br />

sido pior, pois poucos meses antes de ser descentralizada, a Inspetoria de Higiene<br />

37 Decreto consta no Relatório de hygiene do Estado apresentado ao Governador do Estado Sr. Dr.<br />

Lauro Sodré , em 30 de Junho de 1892, por Cypriano Santos, inspector da hygiene do Estado<br />

Belém: Diário Oficial, 1892. O relatório explicitava as condições da política de saúde do estado do<br />

Pará.


deste estado esteve reduzida a apenas três empregados: um inspetor, um ajudante<br />

e um secretário 38 . Uma das atribuições do novo órgão era realizar as visitas<br />

sanitárias <strong>à</strong>s habitações coletivas e particulares. Nesse primeiro período da<br />

Inspetoria de Higiene foram visitados 407 prédios, sendo recomendados<br />

melhoramentos em boa parte deles. Doze cortiços em péssimas condições e quatro<br />

casas que estavam em ruínas foram desativados. Não é preciso grande esforço para<br />

concluir que tais habitações abrigavam as camadas mais humildes da sociedade e<br />

também que tais visitas eram marcadas pela conduta autoritária, por isso os<br />

funcionários da Inspetoria de Higiene eram sempre acompanhados pelas<br />

autoridades policiais.<br />

O próprio hospital de isolamento que, como já foi dito, era anunciado pelas<br />

autoridades republicanas e, pela própria imprensa, como grande iniciativa no sentido<br />

de evitar a propagação da varíola, também foi alvo de inúmeras queixas da<br />

população. A Folha do Norte que, em tom enaltecedor, publicava quase diariamente<br />

as visitas que o inspetor do serviço sanitário Cipriano Santos realizava ao referido<br />

hospital, deixou escapar algumas vezes as reclamações dos populares relativas ao<br />

atendimento prestado por aquele estabelecimento de saúde, como pode ser<br />

constatado pela matéria reproduzida abaixo, publicada pela A Folha do Norte:<br />

Serviço sanitário<br />

105<br />

Ontem pela manhã o Sr. Dr. Cipriano Santos ,inspetor do serviço sanitário<br />

visitou o hospital de isolamento <strong>à</strong> travessa Barão de Mamoré e a casa a<br />

travessa Caldeira Castello Branco, destinadas a observação de casos<br />

suspeitos de varíola.<br />

38 O Dr. Cipriano Santos comenta, neste relatório, as dificuldades enfrentadas pelo órgão antes da<br />

descentralização que, com exíguo pessoal, sem elementos para uma simples análise, não possuía<br />

condições adequadas para opor barreiras <strong>à</strong>s moléstias epidêmicas, de evitar a alteração e<br />

deterioração dos gêneros alimentícios e, ainda de acordo com o Inspetor da Higiene, lidar com a<br />

inconsciência da “maior parte da população” que concorre para aumentar as causas locais da<br />

insalubridade. Em seu relatório, Cipriano Santos não cansa de enaltecer o regime republicano,<br />

pelas medidas consideradas acertadas no campo da saúde pública, especialmente na aplicação<br />

das medidas aconselhadas pela higiene, que “espíritos refratários tratam com menosprezo”, mas<br />

constitui sempre assunto da mais alta importância, “porque tem por fim prolongar o período de<br />

tempo da vida humana, destruindo ou atenuando as causas da morte, que “retarda<br />

extraordinariamente seu progresso”. Assim, a ideologia do progresso empunhada por uma corrente<br />

republicana, a qual Cipriano Santos defendia, estava bem casada com a ideologia da higiene, pois<br />

se o progresso dos povos dependia da boa condição de saúde de seu povo, então era preciso pro<br />

pagar os preceitos da ciência da higiene; haja vista que “o resultado dos estudos de Pasteur [...] tem<br />

valido <strong>à</strong> França a economia de milhões de francos”.


106<br />

Foi minuciosa a demorada visita que aquelas casas faz o ilustre funcionário<br />

que tudo examinou com interesse informando-se detidamente do estado dos<br />

doentes e do adiantamento das obras ali em execução.<br />

O Sr. Dr. Cipriano Santos atendeu a varias reclamações que lhe foram<br />

feitas,adaptou algumas medidas que reptou de imediata necessidade.<br />

Nestas visitas foi a S. Sª. Acompanhada pelo Sr. Severino do<br />

Monte,desinfetador da repartição do serviço sanitário.<br />

Foi boa a impressão recebida pelo Sr. Dr. Cipriano Santos. (A FOLHA DO<br />

NORTE, 27 nov . 1899,p. 01).<br />

A política de isolamento dos variolosos alcançou seu apogeu na última<br />

epidemia pesquisada, que se estende pelos primeiros anos do século XX. Durante<br />

esta epidemia foram criados os “cordões sanitários”, que consistiam no isolamento<br />

de toda área afetada pela varíola. Assim, não só o doente, mas também a sua casa,<br />

a sua rua, o seu bairro eram isolados e se impedia a comunicação, o trânsito das<br />

pessoas por estas localidades. Esta prática envolvia basicamente os municípios do<br />

interior do estado, principalmente aqueles que estavam situados próximos a capital,<br />

buscando-se agora o isolamento do infectado em seu próprio local de moradia,<br />

procurando-se evitar que a epidemia chegasse a Belém. Então nos perguntamos<br />

que mudanças o “cordão sanitário” não impôs ao dia a dia das pessoas? É claro que<br />

afetou diretamente o cotidiano de toda a população da cidade, pois inviabilizava<br />

deslocamentos muitas vezes necessários para a própria sobrevivência das pessoas,<br />

em geral das pessoas comuns, gente simples, pobres que dependiam desse<br />

deslocamento por uma série de razões ligadas a sua sobrevivência, como, por<br />

exemplo, para realizarem suas atividades de trabalho. A Folha do Norte divulgou a<br />

presença da varíola em localidades próximas a capital e das providências tomadas<br />

pelo serviço sanitário, entre as quais, a manutenção do “cordão sanitário”, como se<br />

pode ler a seguir:<br />

Varíola<br />

O Dr. Pedro Juvenal Cordeiro ,em 23 do corrente oficiou ao inspetor interno<br />

do serviço sanitário comunicando que até aquela data a varíola se havia<br />

manifestado em 42 pessoas ,sendo:no rio Acary 3 pessoas; no ramal de<br />

Bonifácio 21 pessoas ;em Benevides 17 pessoas e em Paricatuba 1 pessoa.<br />

__ Desses, acham-se restabelecidas 26 pessoas;4 convalescem; 9 estão<br />

em tratamento e 3 faleceram.


__Acham-se em observação 12 pessoas<br />

__Foram vacinadas 62 pessoas de ambos os sexos.<br />

107<br />

__Continuam a serem feitas as visitas domiciliares e as desinfecções<br />

respectivas e mantido o cordão sanitário.<br />

__Os enfermos que estão totalmente isolados acham-se em estado<br />

satisfatório.<br />

Os 3 casos de falecimento foram no ramal de José Bonifácio realizando a<br />

exumação<br />

No cemitério do 1? Cal , com todos os cuidados recomendados pela<br />

higiene.<br />

Será restabelecido no dia 30 do corrente tráfego do ramal de Benfica que<br />

haviam sido suspensas por motivo de varíola. (A FOLHA DO NORTE, 25<br />

abr.1889, p. 01).<br />

Assim, percebemos que a experiência desenvolvida pela população de<br />

Belém com as profilaxias oficiais voltadas para a varíola foi extremamente negativa,<br />

traumática, aterrorizante mesmo, como no caso do isolamento no Tucunduba. Essa<br />

política, além de estar revestida de um caráter autoritário, pois as remoções eram<br />

obrigatórias e “caso de polícia”, também estavam cercadas de constrangimento,<br />

desconforto, sofrimento, haja vista as desinfecções, a precariedade das instalações<br />

para onde os enfermos eram enviados e o grande número de mortes ocorridas nas<br />

enfermarias ou hospitais criados pelo poder público, criando a sensação de que<br />

quem para lá era destinado não voltaria. É importante ainda dizer que a relação de<br />

mortos era publicada diariamente pelos jornais, como citamos no capítulo anterior, e,<br />

portanto, bastante conhecidas da população. Também merece destaque o fato de<br />

que essa política atuava sobre os mais pobres, as classes consideradas perigosas,<br />

pois como já citamos, de acordo com Vianna (1975), com os jornais e relatórios de<br />

governo, eram os indivíduos das camadas inferiores da sociedade, em sua maioria<br />

classificados como “indigentes variolosos” que sofriam as conseqüências dos acertos<br />

e, principalmente, desacertos das políticas públicas de saúde em Belém, como<br />

veremos a seguir, no que se refere a vacina.<br />

1.2. Vacina: preservativo ou veneno?


O invento de Jenner correu o mundo, tendo chegado a Belém no início do<br />

século XIX, embora Vianna (1975) considere que as primeiras experiências com o<br />

método jenneriano tenham ocorrido ainda no século XVIII. Para Vianna (1975)<br />

quanto ao processo de inoculação, “em novembro do mesmo ano de 1797,<br />

achavam-se os peritos habilitados a fazê-la em quem dela se quisesse utilizar”. A<br />

afirmação de Vianna fundamenta-se em um Bando, decretado pelo governador<br />

Francisco de Souza Coutinho o qual denunciava a presença da varíola em Belém, já<br />

de longa data, e anunciava a “inoculação ou enxertia das bexigas, único meio até<br />

agora conhecido e há muito tempo adotado entre as nações mais civilizadas para as<br />

prescrever do sobredito flagelo” 39 . Ao que tudo indica parece que Vianna confundiu,<br />

como foi comum em todo o Brasil, a variolização 40 com a vacina, pois, na própria<br />

Inglaterra, como já foi dito, as primeiras experiências com a vacina foram realizadas<br />

em 1799, sendo que a publicação dos resultados das pesquisas de Jenner<br />

ocorreram apenas em 1798. No Rio de Janeiro, por exemplo, as primeiras<br />

experiências com o método jenneriano ocorreram em 1801 segundo Carvalho<br />

(1987), ou 1804 de acordo com Chalhoub (1996). Mas, há outros indícios que nos<br />

levam a pensar em variolização e não em vacina, como, por exemplo, o fato de que<br />

o governador Francisco de Souza Coutinho se refira a “enxertia das bexigas” como<br />

um método “há muito tempo adotado entre as nações mais civilizadas”. Só para<br />

recordar, as experiências de Jenner ocorreram em 1796 e as suas memórias só<br />

foram publicadas em 1798, portanto, o referido governador não poderia estar falando<br />

da vacina e sim da variolização, prática já bastante conhecida e utilizada, inclusive,<br />

na Europa.<br />

39 O Bando foi publicado em 16 de julho de 1798 e dava ao governador autorização para fazer todas<br />

as despesas necessárias com a inoculação.<br />

40 Parece que os chineses foram os primeiros a obter algum controle sobre a varíola. Sabiam, por<br />

meio da observação, que aqueles que sobreviviam <strong>à</strong> varíola jamais voltavam a contrair a doença.<br />

Ainda no primeiro século da era cristã, médicos chineses insistiam na idéia de dar aos pacientes<br />

casos controlados da doença, fazendo-os aspirar um pó das cascas das pústulas secas dos<br />

doentes de varíola. De forma semelhante, no continente africano, na Índia e na Ásia Menor, o<br />

material das úlceras da varíola era introduzido em arranhões ou cortes na pele. Cerca de oito ou<br />

nove dias depois, a maioria dos que tinham sido inoculados aparecia com casos brandos de varíola<br />

e se recuperavam. Porém, o procedimento estava longe de ser garantido, muitas pessoas<br />

inoculadas poderiam contrair casos graves da varíola e, além disso, as pessoas inoculadas<br />

tornavam-se contagiosas e não era raro que desencadeassem um novo surto. Para mais<br />

informações sobre o assunto ver: ADLER, Robert. Médicos Revolucionários: de Hipócrates ao<br />

genoma humano. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.<br />

108


O primeiro registro efetivo da utilização da vacina em Belém ocorreu em<br />

1819 41 , quando a cidade, mais uma vez, era ameaçada pela presença da varíola.<br />

Então, o Conde de Villa Flor, governador da capitania do Grão-Pará, em 16 de<br />

setembro do ano em curso, baixou um Bando, que foi lido em voz alta por todos os<br />

cantos da cidade, ao som dos tambores, decretando que, depois de todas as<br />

diligências que lhe foram possíveis para introduzir aqui a vacina, pode finalmente<br />

conseguir “que um tão grande bem felizmente propagasse nesta cidade, tendo-se já<br />

vacinado mais de duzentas pessoas”. O Conde anunciava que podia assegurar aos<br />

habitantes desta capitania que a vacina jamais deixaria de existir, uma vez que todos<br />

procurem vacinar-se, e a mandar seus filhos, escravos e mais pessoas de sua<br />

família que ainda não tenham sido infectados pela varíola. O governador<br />

considerava a introdução da vacina medida decisiva para a erradicação da varíola e<br />

por isso destinava local e dias da semana, exclusivamente dedicados a aplicação<br />

mesma, sob a direção do físico-mor Antônio Corrêa Lacerda e dos cirurgiões que ele<br />

julgar necessários. Comunicava, ainda, que esperava não ser necessário empregar<br />

algum tipo de coação para que a vacina fosse aplicada. Apesar dos cuidados do<br />

Conde de Villa Flor em tentar difundir a vacina no Grão-Pará, o que se pode verificar<br />

é seu uso limitado, havendo tentativas mais enérgicas de propagação apenas nos<br />

períodos marcados por epidemias de varíola 42 .<br />

Em 15 de agosto de 1839, o presidente da província Bernardo de Souza<br />

Franco, em seu discurso de abertura da Assembléia Legislativa Provincial, anunciava<br />

mais uma vez a presença da varíola na capital e lamentava o uso limitadíssimo que<br />

41 Segundo Spix e Martius, o governo português já havia introduzido a vacina jenneriana em Belém do<br />

Pará antes da epidemia de 1819, mas nunca havia levado esse procedimento de vacinação<br />

realmente a sério na região, mesmo sabendo de sua eficiência, tendo comentado: "Pelo governo<br />

nunca foi seriamente imposta a vacinação, e passaram-se vários anos sem que se recebesse a linfa<br />

de Portugal ou da Inglaterra" (Spix e Martius, 1981, p. 39)As dificuldades enfrentadas no Pará,<br />

contudo, não chegaram a alcançar a corte no Rio de Janeiro, que já havia criado, desde 1811, a<br />

Junta Vacínica da Corte. Instituída por d. João VI, a Junta tinha por objetivo a difusão plena da<br />

vacina antivariólica na capital e nas províncias da corte. Como enfatizado, porém, por Fernandes<br />

(1999), a atuação da Junta foi extremamente inexpressiva diante dos problemas decorrentes da<br />

doença, tanto na capital como nas demais províncias.<br />

42 Após esta epidemia de 1819, a varíola continuou a fazer vítimas. A deficiente política de saúde<br />

pública prevalecente nessa época, em que não eram seguidas as práticas de isolamento dos<br />

doentes atacados pela doença e nem a desinfecção dos domicílios, contribuiu para a propagação<br />

da doença. A única providência adotada pelo governo era a fumigação com gás oximuriático pela<br />

cidade e arredores, cujos resultados eram nulos. Para maiores esclarecimentos ver: Vianna (1992,<br />

p. 177).<br />

109


até então se fazia da vacina, ou porque não produzia o efeito necessário, pois a que<br />

chegava na província era antiga e ineficaz; ou porque ainda prevaleciam certos<br />

preconceitos contra a vacina, que, segundo o presidente da província, remontavam a<br />

outros tempos. Assim, recomendava o presidente Bernardo de Souza Franco, de<br />

acordo com Discurso de Governo (1839) 43 :<br />

110<br />

Se porém é necessário combater estes prejuízos contra a vacina, mais<br />

preciso ainda é proporcionar os meios de a generalizar, de a fazer aplicar<br />

em todos os lugares da Província, e para este fim convém muito instituir na<br />

capital um Diretório Vacínico, cujos membros incumbidos de vacinar na<br />

cidade em dias e lugares determinados, e até pelas casas conservem o pus,<br />

e estabeleçam com a aprovação do governo delegados nas principais vilas<br />

do interior para nelas o fazerem aplicar. Os membros do Diretório devem ter<br />

retribuição do seu trabalho, e ser igualmente pagos os delegados na razão<br />

da importância do distrito e do número de vacinados que fizerem,<br />

verificarem, e mostrarem de seus ausentes e atestação das Câmaras<br />

Municipais. (Discurso do presidente Bernardo de Souza Franco. 1839, p.13).<br />

Pela declaração acima é possível deduzir que a iniciativa do Conde de<br />

Villa Flor não teve efeito duradouro, sendo necessário, vinte anos depois, retomar a<br />

defesa da vacina e encaminhar a proposta de criação de um órgão capaz de<br />

produzir vacina, anseio de diversos governos, inclusive durante a república. Em<br />

1840, conforme Vianna (1975), o presidente da província João Antônio de Miranda,<br />

tornou a vacina obrigatória. De fato, o referido presidente baixou uma circular 44<br />

pedindo que se estabelecesse a vacina com toda regularidade possível, em ordem<br />

em que as intenções do governo se satisfaçam plenamente e, neste sentido, deveria<br />

o governo empenhar quantos recursos fossem necessários para uma obra que,<br />

segundo o presidente, tanto bem faria a humanidade. A referida circular foi publicada<br />

em 27 de junho de 1840, contendo as instruções seguintes:<br />

43 Discurso de abertura da Assembléia Legislativa Provincial, feito pelo Presidente da Província, em<br />

15 de agosto de 1839. Typ. Santos e Menor, 1839, p. 13.<br />

44 Esta circular faz parte do Discurso recitado pelo Dr. João Antonio de Miranda, Presidente da<br />

Província do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 15 de agosto de 1840.<br />

Pará: Typ. de Santos & menor, 1840., que pode ser consultado em:<br />

http://www.crl.edu/content/brazil/para.htm.


111<br />

Art. 1° - A vacina terá lugar na casa da Câmara nos dias e horas, que a<br />

mesma designar.<br />

Art. 2° - Os vacinados apresentar-se-ão no oitavo dia, afim de se verificar o<br />

merecimento da vacina, e extrair-se o pus, para ter a devida aplicação,<br />

sendo competentemente recolhido e conservado.<br />

Art. 3° - As Câmaras ou os Facultativos vacinados poderão fornecer<br />

algumas lâminas aos Facultativos ou entendedores do município, para estes<br />

vacinarem os indivíduos, que por algum motivo atendível não puderam ir ao<br />

lugar designado. Isto mesmo poderão fazer os vacinadores, incluindo os<br />

indivíduos assim vacinados nas relações competentes.<br />

Art. 4° - Os vacinadores tomarão nota do nome, filiação, sexo, idade,<br />

morada e condição das pessoas que se apresentarem para ser vacinadas e<br />

igualmente daquelas que faltarem ao oitavo dia.<br />

Art. 5° - Os cirurgiões vacinadores remeterão mensalmente as Câmaras<br />

Municipais um mapa das pessoas vacinadas durante o mês e das que não<br />

compareceram com as declarações do artigo antecedente.<br />

Art. 6° - Iguais relações devem ser remetidas pelos encarregados parciais<br />

aos cirurgiões vacinadores, afim de que tenham o mesmo destino.<br />

Art. 7° - As Câmaras organizarão quanto antes uma vez que não tenham)<br />

uma Postura, na qual estabelecerão multas ou penas aos que tendo a seu<br />

cargo alguma criança ou pessoa não inoculada, a não mandarem a casa da<br />

Câmara para ser vacinada; aos que sendo inoculados, não compareçam no<br />

oitavo dia para verificação da vacina e extração do pus; aos encarregados<br />

que lhes não remeterem as relações competentes; aos que incumbidos da<br />

vacina na forma do art. 3° não remeterem aos cirurgiões vacinadores as<br />

relações do art. Sexto, etc., etc. Palácio do Governo do Pará, em 27 de<br />

junho de 1840. (Discurso do Presidente João Antonio de Miranda. 1840, p.<br />

125-126).<br />

Pelo texto da circular percebe-se desde 1840 a intenção das autoridades<br />

da província em instituir a obrigatoriedade da vacina, determinando hora e local onde<br />

a mesma seria aplicada. Também fica evidente já neste momento a necessidade da<br />

transmissão braço-a-braço da vacina, prática extremamente dolorosa que se<br />

constituía num dos motivos para a intolerância popular em relação <strong>à</strong> vacina. Outro<br />

aspecto importante a ressaltar é a distribuição de lâminas aos “entendedores do<br />

município” para a vacinação da população, implicando na atribuição da função de<br />

vacinar a pessoas não qualificadas, gerando sérios problemas. Ainda fica clara a<br />

tentativa de exercer controle sobre a população, identificando vacinados e não-<br />

vacinados.<br />

Apesar do caráter coercitivo desta circular, a obrigatoriedade da vacina<br />

não triunfou, pois, em já em 1842, quando a presidência da província era ocupada<br />

novamente por Bernardo de Souza Franco, este retomava seu discurso em favor da


criação de um Diretório Vacínico na província, alegando ser esta medida a única<br />

capaz de fazer propagar o método jenneriano no Pará. Segundo o Discurso de<br />

Manoel Vellozo (1844) 45 , Presidente da Província, percebe-se que este também<br />

reclamava providências necessárias para a efetiva utilização da vacina, informando<br />

que este poderoso preservativo contra o terrível flagelo da bexiga que tantas vítimas<br />

arrebata não só nesta província como em todo o Império, tem estado a cargo da<br />

Câmaras Municipais, mas que estas não tem fornecido dados sobre a vacinação,<br />

com exceção da Câmara da capital que informava ter destinado um médico para a<br />

inoculação e tendo este vacinado, de fevereiro a maio de 1844, 156 pessoas.<br />

112<br />

O vacinador se queixa da falta constante de pus de boa qualidade e de<br />

que o que aqui chegava rapidamente se deteriorava. Ainda reclama da omissão do<br />

povo, apesar das constantes Posturas a respeito. Sendo assim, defende a aplicação<br />

de multas aos infratores e o cumprimento efetivo das instruções de 27 de junho de<br />

1840. O presidente da província duvidava da existência de Posturas equivalentes a<br />

da capital, nas cidades do interior da província, mas, caso existissem, afirma, seriam<br />

corrompidas pelos vínculos de parentesco, amizade e outros interesses envolvendo<br />

as autoridades e os habitantes destas localidades. Funcionava, então, o<br />

“coronelismo”, como grande obstáculo para a propagação da varíola no interior da<br />

província.<br />

Em 1846, o presidente João Maria de Moraes reclamava da pequena<br />

quantidade de lâminas vindas de Londres e do Rio de Janeiro, insuficiente para<br />

atender a demanda de toda a província e ainda da má qualidade das mesmas e de<br />

que facilmente se deterioravam. Neste mesmo ano, através do Regulamento de 17<br />

de agosto foi fundado o Instituto Vacínico do Império, e o mesmo Regulamento criou,<br />

nas províncias e distritos, a figura dos Comissários Vacinadores Provinciais,<br />

Municipais e Paroquiais, como meio de vulgarizar o mais possível, em todos os<br />

pontos, a vacina anti-variólica. Segundo a Fala de Jerônimo Coelho (1849) 46 ,<br />

45 Discurso recitado pelo exm.o snr. desembargador Manoel Paranhos da Silva Vellozo, Presidente da<br />

Província do Pará, na abertura da primeira sessão da Quarta Legislatura da Assembléia Provincial,<br />

em 15 de agosto de 1844. Pará, Typ. de Santos & menores, 1844.<br />

46 Fala dirigida pelo exm. Sr. conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, presidente da provincia do Gram<br />

Pará <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial na abertura da segunda sessão ordinaria da sexta<br />

legislatura, em 1º de outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.


Presidente da Província, em Belém, a partir de maio de 1847, esta função ficou a<br />

cargo de José da Gama Malcher, que, até 1849, vacinou 794 pessoas.<br />

113<br />

De acordo com os relatórios de governo consultados que, a partir de<br />

então, passaram a registrar o quantitativo de vacinados na província, encontramos<br />

os seguintes dados: entre junho de 1851 e junho de 1852, foram vacinadas 1198<br />

pessoas; em 1866, 684 vacinados; em 1867, 4385 inoculações; 1868 – janeiro a<br />

junho – 784 vacinados; no ano de 1873, 1234 indivíduos recorreram a vacinação; em<br />

1876 houve um total de 840 vacinas aplicadas; em 1877 foram 702; de 1° de junho<br />

de 1879 a 31 de janeiro de 1880 registraram-se 301 vacinas; durante o ano de 1880<br />

houve um total de 270 e, entre 1° de janeiro a 31 de outubro de 1881 encontramos o<br />

registro de 236 pessoas vacinadas em Belém.<br />

Os dados apresentados acima referem-se <strong>à</strong> política de vacinação em um<br />

período que precede as epidemias que analisamos, mas são de grande importância<br />

no sentido de desvendarem determinados aspectos relativos <strong>à</strong> experiência popular<br />

com a vacina em Belém. Em primeiro lugar é preciso dizer que os relatórios<br />

demonstram que a prática e a própria procura pela vacina ocorria essencialmente em<br />

momentos de epidemia, pois, entre 1853 e 1865, quando não há registro de<br />

epidemias de varíola, também não aparecem registros do uso da vacina. A única<br />

exceção é o ano de 1878 que, embora marcado pela presença da varíola, não<br />

registrou o número de vacinados, mas falava de um grande número de inoculados.<br />

Outra questão diz respeito a quantidade de vacinados, o único destaque é para o<br />

ano de 1867 com um total de 4385 pessoas vacinadas apenas em Belém, mas, no<br />

geral, percebe-se que a quantidade de pessoas vacinadas era insignificante em<br />

proporção com o total de habitantes da capital da província. Além disso, eram<br />

freqüentes as reclamações relativas a dificuldade de recrutar Comissários<br />

Vacinadores para o interior, dificultando a propagação da vacina pela província e,<br />

também, da “má vontade” do povo em procurar o preservativo. Essa intolerância <strong>à</strong><br />

vacina permanece no período que pesquisamos, como pudemos verificar através da<br />

leitura dos relatórios de governo e dos textos dos jornais. Nestes, diversas vezes,<br />

encontramos referências a prática da vacina sendo realizada sob acompanhamento<br />

das autoridades policiais, como se verifica no Diário de Notícias:


Vacinação obrigatória<br />

114<br />

Foram vacinadas e revacinadas na semana passada pelo Sr. Dr. Euclídes<br />

Reguião, 34 pessoas sendo 23 do sexo masculino e 11 do sexo feminino<br />

O mesmo facultativo vacinou antes de ontem no marco da légua 13 pessoa ,<br />

e foi neste serviço acompanhado pelo Sr.delegado de policia Francisco José<br />

de Souza Talles. (DIÁRIO DO PARÁ, 17 jun.1884, p. 01).<br />

Também encontramos, diversas vezes, por parte da imprensa o<br />

questionamento da eficácia da vacina, como o Diário de Notícias publicou o que vem<br />

a seguir:<br />

[...] O Sr. Presidente da Junta de Higiene, dizem-nos, teve a infeliz<br />

lembrança de pedir ao governo geral que lhe fornecesse o verdadeiro<br />

cowpox, para fazer a vacinação, e a resposta que teve foi que fizesse o<br />

serviço com a vacina inglesa, que é o que se usa no Rio de Janeiro.<br />

Depois desta resposta, nada mais fez a Junta de Higiene; e ainda estamos<br />

por saber que interesse tem a junta em fazer o serviço com o verdadeiro<br />

cowpox, quando é sabido que em todas as cidades só usa-se a vacina<br />

inglesa, que se encontra a venda nas farmácias. (DIÁRIO de NOTÍCIAS, 27<br />

mar. 1888, p. 2).<br />

De fato, o presidente da província desconfiava da linfa proveniente da<br />

Corte que era considerada ineficaz. Por isso, em ofício 47 de 23 de janeiro, por<br />

considerar que não havia linfa vacínica de confiança no mercado, o referido<br />

presidente manda encomendar da Inglaterra ou dos Estados Unidos o “genuíno<br />

cowpox”, que deveria chegar <strong>à</strong> província quatro vezes por ano em quantidade de<br />

150 a 200 tubos.<br />

Em 3 de julho de 1888, outra reportagem do Diário de Notícias criticava a<br />

vacina utilizada, em Belém, sem deixar de reconhecer que a vacina poderia salvar<br />

uma grande parte da população da varíola, o articulista afirma, com lástima, que a<br />

vacina tem falhado, iludindo desastradamente a expectativa pública, pois “As vacinas<br />

47 Relatório com que o exm. snr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente,<br />

passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao exm. snr. Dr. Miguel J. de<br />

Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24 de março de 1888. Pará, Typ. do Diario de<br />

Noticias, 1888.


não prestam. Dos milhares de pessoas que tem sido vacinadas, em nenhuma tem<br />

pegado o pus vacínico”. No dia 3 de agosto do mesmo ano, o mesmo periódico<br />

afirmava:<br />

115<br />

[...] Para cúmulo da desgraça, o povo, aflito diante de tal emergência, corre<br />

a procurar preservar-se com a vacina e a vacina não presta!<br />

Isto, porém, é um fato muito natural: todas as medidas adotadas <strong>à</strong> última<br />

hora, com precipitação, no meio da confusão dos desastres, não produzem<br />

efeito.<br />

É assim quando o inimigo ataca de surpresa uma praça, os sitiados,<br />

querendo escapar-se, espetam-se nas baionetas dos assaltantes; assim é<br />

quando um navio vai prestes a naufragar, os marinheiros, procurando<br />

salvação, abismam-se no fundo das águas. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 03<br />

ago.1888, p. 2).<br />

No início do ano de 1889 ocorreu a introdução oficial da vacina animal na<br />

província. A iniciativa coube ao Dr. Henrique de Toledo Dodsworth, enviado pelo<br />

governo Imperial, de acordo com a fala do presidente da província Miguel José de<br />

Almeida Pernambuco (1889) 48 , que afirma ter começado a fazer vacinas diretas da<br />

vitela no dia 19 e prosseguido nos dias 20, 23, 35 e 28 do corrente. Os resultados da<br />

experiência foram publicados pela imprensa e consistiram no seguinte: no primeiro<br />

dia foram vacinadas 15 pessoas, 12 voltaram para a verificação da vacina, dos quais<br />

8 tiveram êxito e os quatro restantes foram insucessos.<br />

Em relatório apresentado ao governador do estado, Lauro Sodré, em 1892,<br />

pelo Inspetor da Higiene do Estado, Cipriano Santos, aparecem referências também<br />

<strong>à</strong> vacina animal. De acordo com o inspetor da higiene as primeiras experiências com<br />

vacina animal em Belém ocorreram no princípio de 1888, sob a direção do médico<br />

francês Rebourgeon, que teria inoculado alguns vitelos e praticado publicamente<br />

vacinações, empregando diretamente a linfa colhida na ocasião. Em meados do<br />

mesmo ano, registra o inspetor em seu relatório, a prática foi continuada pelo Dr.<br />

João José Godinho, que inoculou diversos vitelos cedidos pelo comerciante<br />

48 Fala com que Miguel José de Almeida Pernambuco, Presidente da Província, abriu a 2ª sessão da<br />

26ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Pará, em 02 de fevereiro de 1889. Belém: A.F.<br />

da Costa. 1889.


Fortunato Junior. Ainda segundo o Relatório de Governo (1892) 49 do inspetor<br />

Cipriano Santos “A Inspetoria de Higiene de então teve conhecimento desses<br />

primeiros ensaios, cujo resultado não foi totalmente satisfatório”, sendo que em<br />

alguns casos o resultado foi negativo, “provavelmente pela inatividade da linfa<br />

empregada ou falta de cuidados no tratamento dos vitelos”. Cipriano considerava a<br />

experiência do Dr. Dodsworth, como a introdução oficial da vacina animal no Pará e<br />

afirma que o presidente Miguel Pernambuco pediu a Assembléia Legislativa<br />

autorização para a criação de um Instituto de Vacinação Animal, o qual foi criado por<br />

proposta do então deputado Antônio Lemos. Acontece que o referido instituto nem<br />

chegou a funcionar. Mesmo durante sua administração no serviço sanitário, o<br />

Dr.Cipriano Santos reclama das dificuldades para a utilização da vacina animal como<br />

o preço elevado e a má qualidade dos vitelos 50 .<br />

116<br />

Em 24 de dezembro de 1891 foi aprovada a lei que tornou obrigatória a<br />

vacinação e revacinação no estado do Pará. Tratava-se da lei nº 4 51 , que estabelecia<br />

a obrigatoriedade da vacinação e revacinação no estado, determinando que a<br />

vacinação deveria ser feita desde os três meses de idade e a revacinação de dez em<br />

dez anos. A mesma lei determinava que o infrator, caso fosse maior de idade, ficaria<br />

sujeito a multa de vinte a cinqüenta mil réis ou <strong>à</strong> prisão de três a oito dias; e quando<br />

menor, seriam responsáveis por ele os pais, tutores, curadores ou protetores. Ainda<br />

49 Trata-se do relatório, já citado anteriormente, em que o Inspetor da Higiene Pública, Cipriano<br />

Santos, informa ao governador do estado Lauro Sodré, as condições de saúde do estado do Pará.<br />

50 As limitações técnicas (além das resistências culturais) da vacina jenneriana e o fracasso (até 1887)<br />

de produzir a vacina animal no Brasil, aliados <strong>à</strong> ineficácia das políticas de saúde governamentais,<br />

vão criar condições para o surgimento do Instituto Vacínico do Rio de Janeiro, instituição particular<br />

dirigida pelo barão de Pedro Affonso. Com a extinção do Instituto Vacínico do Império em 1886 e o<br />

fracasso das tentativas de produzir vacina animal na Escola Veterinária de Pelotas, em 1884, a<br />

vacinação antivariólica estava praticamente desativada no país. Para complicar o quadro da saúde<br />

pública as epidemias de varíola eram recorrentes e tornaram-se ainda mais freqüentes no final da<br />

década de 1880. Nesta conjuntura de vazio de políticas públicas e agravamento do quadro<br />

nosológico, o barão de Pedro Affonso conseguiu, em 1887, produzir com sucesso vacina a partir de<br />

vitelos, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Esta conquista marcou uma nova etapa<br />

tanto técnico-científica quanto político-administrativa na produção da vacina antivariólica no Brasil. A<br />

vacina animal, já empregada com sucesso na Europa e muito mais eficaz que a vacina jenneriana,<br />

passou, a partir da iniciativa do barão, a ser produzida no país, motivando experiências em diversos<br />

cantos do Brasil, como as mencionadas acima. Para saber mais sobre o assunto consultar:<br />

FERNAN<strong>DE</strong>S, Tânia Maria. Vacina Anti-variólica: ciência, técnica e poder dos homens. Rio de<br />

Janeiro. Ed. Fiocruz, 1999.<br />

51 Ver: Coleção das Leis do Estado do Pará dos anos de 1891 a 1900, precedida da Constituição<br />

Política do Estado. Belém: Imprensa Oficial, 1900, p.21.


assim, mesmo durante as epidemias as autoridades encontravam inúmeras<br />

dificuldades para colocar em prática tal profilaxia.<br />

117<br />

Pelo exposto percebe-se que havia dificuldades de toda ordem para a<br />

efetivação do serviço de vacinação anti-variólica na província e depois estado do<br />

Pará. Mas, o nosso grande interesse está em desvendar as razões do<br />

comportamento aversivo da população de Belém relativamente <strong>à</strong> vacina, profilaxia<br />

considerada decisiva para o combate da varíola. Embora algumas razões já estejam<br />

implícitas na descrição anterior, relativa a história da vacina em Belém, precisamos<br />

avançar mais, para devassar a rede da experiência popular com a vacina, do século<br />

XIX ao início do século XX, e encontrar os motivos dessa intolerância ao método<br />

jenneriano. Mesmo que este trabalho não tenha a pretensão de realizar uma<br />

abordagem na linha da história comparativa, é praticamente impossível analisar a<br />

relação dos populares ou das “classes menos favorecidas da fortuna”, como se dizia<br />

na época, sem estabelecer um paralelo com os acontecimentos da capital federal,<br />

em 1904. Trata-se da chamada Revolta da Vacina que abalou o Rio de Janeiro<br />

durante o mês de novembro daquele ano. Esta já foi analisada sob diferentes<br />

ângulos, sendo que, o que chamou atenção dos pesquisadores foi o fato de que a<br />

população da capital federal de então, em uma demonstração de rejeição total <strong>à</strong><br />

vacina, organizou uma revolta contra a lei que a tornara obrigatória. Segundo Pereira<br />

(2002: 9):<br />

O Rio de Janeiro amanheceu cercado no dia 15 de Novembro de 1904,<br />

navios da marinha brasileira se espalhavam ao longo do litoral, com a<br />

artilharia voltada para a cidade. Três torpedeiros tomavam a enseada de<br />

Botafogo para garantir a ordem nas imediações. No Flamengo estava o<br />

encouraçado Deodoro, que na véspera atingira a pedra da Urca com dois<br />

disparos de canhão para mostrar seu poder de fogo (...). no dia em que se<br />

comemorava o quarto aniversário da Proclamação da República, as forças<br />

militares se voltavam contra a capital do país, por ordem direta do<br />

presidente da república e seus ministros.<br />

A historiografia da conhecida Revolta da Vacina produziu abordagens<br />

variadas que oferecem um cardápio de explicações: a ignorância popular, a<br />

justificativa moral, a resistência ao aburguesamento, etc.


118<br />

O debate historiográfico acerca do tema “Revolta da Vacina” foi bastante<br />

profícuo, permitindo a abertura de um longo caminho que propiciou o<br />

aprofundamento da investigação a respeito. Nesse campo cabe destacar o trabalho<br />

de Chalhoub (1996) que procurou resgatar a experiência com a vacina ao longo do<br />

século XIX, por parte da população carioca, tendo identificado a elaboração de uma<br />

cultura vacinofóbica responsável pela revolta popular contra a vacina.<br />

Assim, a introdução simultânea no país, a partir do início do século XIX,<br />

dos métodos de vacinação (científico) e variolização (popular), que eram<br />

confundidos, levou grande parte da população a uma preferência pela variolização,<br />

pois além de mais antiga, tradicional, possuía um cunho religioso agradável a cultura<br />

popular.<br />

O autor faz referência ao caráter doloroso do método de transmissão braço<br />

a braço da vacina e como os vacinados mudavam de endereço ou davam endereço<br />

falso no local de vacinação, para não terem que voltar após o oitavo/ nono dia.<br />

Essa vacinofobia derivava também da divergência do método Jenneriano<br />

dentro da própria comunidade científica, mostrando, com eficácia, que o debate entre<br />

doença e cura tem a sua própria historicidade. Muitos médicos renomados<br />

duvidavam da eficácia da vacina, achando que ela poderia transmitir aos homens a<br />

doença das vacas ou caracteres físicos dos quadrúpedes.<br />

A cultura afro-brasileira parece ter contribuído para a vacinofobia, pois faz<br />

associação entre doença-cura-divindades o que levava a uma percepção da vacina<br />

como confronto <strong>à</strong> vontade dos deuses. Chalhoub (1996) ainda cita o uso negativo da<br />

palavra vacina feito pela “malandragem” carioca da época: “vacinar” era sinônimo de<br />

esfaquear”. <strong>Da</strong>í o malandro esperto não se deixava vacinar.<br />

Com argumentação aproximada, Pereira (2002), entendeu a revolta como<br />

provocada por grupos diversos com motivações e concepções variadas sobre<br />

doença e cura. Assim como Chalhoub (1996) explora elementos da cultura afro-<br />

brasileira, pois considera que não se tratava de uma simples rejeição <strong>à</strong>s medidas<br />

impostas pelos médicos sanitaristas. Na verdade o autor considera que boa parte da<br />

população envolvida na revolta lançou mão de seus princípios identitários enraizados


em uma longa tradição cultural, ainda que tenha sofrido constantes reelaborações<br />

com o passar dos anos. Os grupos que ainda estavam ligados a essas crenças<br />

encaminhavam a sua própria concepção da doença e também da cura, para as quais<br />

encontravam uma explicação sobre-humana. Para esses grupos, diferentemente dos<br />

médicos e sua vacina, o ritual religioso devotado <strong>à</strong>s suas divindades era a forma pela<br />

qual se poderia combater a verdadeira causa dos males que afligiam os homens.<br />

119<br />

Embora não tenha ocorrido uma revolta semelhante em Belém, isso não<br />

quer dizer que as autoridades locais fossem mais tolerantes com as classes<br />

populares, com as chamadas “classes perigosas” por essa região, “ou que seus<br />

habitantes eram mais ‘ordeiros’, ‘passivos’”. Através dos jornais da época, dos<br />

relatórios, mensagens e falas de governo, dos abaixo assinados enviados ao poder<br />

público e outros documentos consultados percebe-se, mesmo que indiretamente, os<br />

conflitos estabelecidos quando a questão era a saúde pública, de acordo com<br />

Rodrigues ( 2008).<br />

Também devemos mencionar que a revolta do Rio de Janeiro repercutiu<br />

em Belém, pois, não podemos esquecer, que um dos líderes da liga contra a vacina<br />

obrigatória foi o então senador Lauro Sodré, um dos republicanos históricos no Pará,<br />

com atuação política intensa no estado, que na época vivia a polarização política<br />

entre “lauristas” e “lemistas” (partidários do Intendente municipal Antônio Lemos).<br />

Segundo Amaral (2006) os dois grupos eram representados na imprensa local,<br />

respectivamente, pelos jornais A Folha do Norte e A Província do Pará. Infelizmente<br />

não estão disponíveis no setor de microfilmagem da Fundação Cultural Tancredo<br />

Neves, em Belém, as edições de A Província do Pará deste período.<br />

A Folha do Norte, a partir do dia 15 de novembro e até o final deste mês,<br />

publicou artigos, notícias, informativos, ou seja, matérias diversas sobre varíola,<br />

vacina e a revolta que ocorria no Rio de Janeiro, com destaque para a reprodução<br />

de dois artigos publicados no Giornale d’Itália, assinado por Carlos Ruata, professor<br />

de higiene da Universidade de Perúsia. Pelo tamanho, os artigos foram divididos em<br />

três edições, começando no dia 15 e indo até 17 de novembro daquele ano. O título<br />

por si só já chamava atenção, pois era definido como “Campanha contra a<br />

Vacinação”, já que A Folha do Norte pretendia entrar no debate, que afirmava tratar-


se de uma questão da atualidade, a controvérsia sobre a vacinação obrigatória. O<br />

professor Carlos Ruata desenvolveu, ao longo desses artigos, uma série de<br />

argumentos contrários <strong>à</strong> vacina. Faz uma espécie de histórico da vacinação, desde<br />

os tempos antigos até aquele momento, pretendendo esclarecer a humanidade<br />

sobre o que realmente representa a “ciência vacinatória”. Considerava o professor<br />

que a vacina possuía pouca relação com a medicina, pois nasceu da:<br />

120<br />

[...] fantasia de uma histérica, da sabedoria de uma ordenhadeira de vacas,<br />

e foi introduzida no mundo pela agudeza dum médico, isto é, dum indivíduo<br />

que exercia abusivamente a medicina no país de seu berço, Burkley, na<br />

Inglaterra. (A Folha do Norte, 15 nov.1904, p. 01).<br />

De acordo com as idéias de Carlos Ruata a vacina seria uma derivação da<br />

variolização, que ele enxergava como perigosa e considerava a grande responsável<br />

pela propagação da varíola pelo planeta, pois a criação artificial da varíola multiplicou<br />

consideravelmente os centros de difusão, haja vista que cada indivíduo variolizado<br />

poderia comunicar a varíola natural a 8, 10 ou 15 pessoas. Sendo a vacina uma<br />

derivação estaria, portanto, sujeita aos mesmos problemas. Além disso, continua<br />

Ruata, Jenner não teria sido convincente na explicação dos fundamentos do método<br />

de vacinação, pois diante da pergunta: “de que modo uma doença que se manifesta<br />

no bico da teta da vaca pode proteger o homem contra a varíola?” Respondeu que a<br />

vacina era a verdadeira varíola humana, mas mitigada passando <strong>à</strong> vaca, que sendo<br />

um animal inferior ao homem, ipso facto devia apresentar uma varíola inferior a do<br />

homem 52 , segundo Jenner (1966). O professor Carlos Ruata considera a tese de<br />

52 A busca de imunização contra a varíola configura-se como uma prática milenar, anterior <strong>à</strong><br />

constituição e divulgação do método experimental em biomedicina, que marcou o final do século XIX,<br />

e <strong>à</strong> elaboração das teorias e conceitos que envolvem a elucidação do processo imunitário, e <strong>à</strong><br />

fabricação de vacinas em escala industrial, que só ocorreram no século XX. Mesmo antes de se<br />

reconhecer a similaridade entre o cowpox (doença que acometia os bovinos) e a varíola e de ter sido<br />

criada a vacinação, já se tinha observado que a varíola podia ser evitada a partir do contato do<br />

homem sadio com o doente. Esta constatação impulsionou a disseminação de práticas, inicialmente<br />

orientais, que alcançaram a Europa no início do século XVIII, conhecidas como "variolização",<br />

"inoculação" ou ainda, "transplantação". Apesar de se estabelecerem como diferenciadas<br />

tecnicamente entre si, consistiam em implantar no homem sadio o vírus variólico contido na secreção<br />

retirada das pústulas de pessoas doentes, na tentativa de provocar a instalação da varíola na sua<br />

forma mais branda com manifestação local, tentando evitar a doença na expressão mais grave. Esta<br />

prática, disseminada em todo mundo e utilizada até o século XIX, tinha suas raízes na cultura<br />

popular, sendo absorvida como uma questão científica sustentada pelas dúvidas e certezas que,<br />

naquele momento, lhe davam corpo. É importante ressaltar que as inovações introduzidas pela<br />

microbiologia de Pasteur, no final do século XIX, não impuseram mudanças substanciais na prática


Jenner uma espécie de “razão teológica”. Ao mesmo tempo em que procurava<br />

desqualificar o invento de Jenner, o professor Ruata discorria sobre as razoes para<br />

condenar a vacina. Na edição do dia 16 de novembro de 1904 mostrava os avanços<br />

da bacteriologia no sentido de demonstrar o que contém o pus vacínico. Assim,<br />

aponta que na Alemanha, em 1898, foram examinadas 39 amostras de diferentes<br />

linfas vacínicas, tendo se encontrado em cada meia gota, de 1650 a 8337766<br />

micróbios. Fremlin, médico da repartição central de higiene inglesa, em suas<br />

pesquisas, achou em média 123000 micróbios no pus de 500 vitelos. O laboratório<br />

do Estado de Washington elaborou uma brochura sobre as “Impurezas<br />

Bacteriológicas do Pus Vacínico”, constatando que aquele pus contém o mesmo<br />

enorme número de bactérias encontradas na Europa. A partir desses dados, Ruata<br />

busca fundamento na antisepsia para confirmar a condenação da vacina afirmando<br />

que é coisa conhecida que, já naquele período, não havia médico que, antes de<br />

fazer sua pequena incisão não tome uma infinidade de medidas antisépticas, que<br />

ninguém se arrisca mais, se quiser proceder com consciência, a fazer uma simples<br />

injeção hipodérmica sem antes esterilizar a agulha, o líquido e desinfetar a pele e,<br />

neste sentido, pergunta: “como é pois que para a vacinação toda a ciência da<br />

antisepsia não tem valor, fazendo-se, sem a menor cautela, na nossa pele, injeção<br />

de tanta podridão? É claro que essa questão seria rapidamente respondida hoje<br />

pelos médicos acadêmicos, mas não podemos perder de vista a historicidade desse<br />

debate para considerarmos a influência que esse tipo de opinião, emitida por um<br />

médico renomado possa ter representado para a sociedade da época, inclusive a de<br />

Belém, onde os artigos foram publicados.<br />

da vacinação antivariólica. A então recém-criada microbiologia pastoriana concordava com a<br />

afirmativa de Jenner de que a vacina era uma doença, passando a imprimir <strong>à</strong> sua conceituação<br />

original um raciocínio causal, relacionando-a a um microrganismo específico, que podia ser<br />

estudado, analisado e controlado no laboratório. Nesse sentido, o laboratório passa a se associar<br />

aos espaços e <strong>à</strong>s práticas de legitimação da ciência biomédica constituídos até então,<br />

redimensionando-os e criando novos valores e conceitos científicos e sociais. O método<br />

experimental de Pasteur, ao levar os microrganismos para o laboratório, buscou implementar<br />

técnicas para visualizá-los e atenuar sua virulência, relacionando doença e agente causal específico.<br />

No caso da varíola, além de buscar a identificação e a atenuação da virulência, contribuiu também<br />

para a compreensão e o controle das infecções secundárias a ela associadas, o que possibilitou,<br />

inclusive, uma modificação significativa na sintomatologia da doença ao longo do século XX.<br />

Portanto, a polêmica levantada acima faz parte da própria historicidade do debate sobre doença e<br />

cura, no caso específico da varíola e sua profilaxia, a vacina. Uma análise esclarecedora do tema<br />

está em: FERNAN<strong>DE</strong>S, Tânia Maria. Imunização Anti-variólica no Século XIX: inoculação,<br />

variolização, vacina e revacinação. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003.<br />

121


122<br />

O professor Ruata acreditava que a vacina não preservava contra a<br />

moléstia. “O indivíduo quer vacinado quer não contrai igualmente a varíola, seja qual<br />

for o êxito da vacina não tem ela o poder de modificar o efeito dessa enfermidade”. A<br />

seguir faz uma listagem extensa de locais onde a varíola desenvolveu-se de forma<br />

epidêmica, mesmo com a população vacinada, chamando atenção para a guerra<br />

Franco–Prussiana de 1870, onde afirma que cerca de 500 mil prisioneiros foram<br />

internados e disseminados em toda a Alemanha. Disso resultou a mais cruel<br />

epidemia até então conhecida, como nunca houve em tempos anteriores <strong>à</strong><br />

vacinação. Só a Prússia perdeu 136830 pessoas, sendo que todas estavam<br />

vacinadas, afirma. Concluindo sua tese, o professor Carlos Ruata afirma:<br />

Poderei citar uma infinidade de epidemias demonstrando que a vacinação<br />

não preserva da varíola, nem por um dia, sequer; devendo tirar-se a<br />

conclusão das minhas pesquisas que os vacinados estão mais sujeitos <strong>à</strong><br />

varíola que os não vacinados. (A Folha do Norte, 17 nov 11. 1904, p.01)<br />

Assim, o professor Ruata afirma que como não se pode negar o fato de<br />

que tanto os vacinados como os não vacinados eram atacados pela varíola, partiu-se<br />

para a revacinação, que preservava por 10, 5 ou 3 anos. Tomar a vacina já se<br />

tornava difícil, buscar uma segunda dose, então, era bem mais complicado. Além<br />

disso, a necessidade de realizar a revacinação colocava ainda mais dúvidas acerca<br />

da eficácia do método jenneriano.<br />

Quanto a esta prática, da revacinação, a partir da primeira década do<br />

século XIX, esta gerou amplo debate, com divergências marcantes quanto a sua<br />

indicação, associado a questionamentos quanto <strong>à</strong> validade da vacinação. Segundo<br />

Fernandes (2003) começou a ser indicada como reforço para a dose inicial da<br />

vacina, diante de se ter constatado a desativação da imunidade adquirida na<br />

primeira inoculação. A revacinação configurou-se como um problema de difícil<br />

solução, naquele período, dado não só pelo desconhecimento do processo<br />

imunitário e do próprio agente viral, quanto ao fato da identificação de sua<br />

necessidade ser constatada somente através de experiências empíricas de cunho<br />

estatístico.


É importante afirmar que essa não foi uma opinião constante do A Folha<br />

do Norte, refletindo apenas o momento polêmico da Revolta da Vacina e a postura<br />

nesta de um político que possuía vínculos com aquela gazeta e que, portanto,<br />

assumiu, por algum momento, a defesa de suas idéias a respeito do tema vacina<br />

obrigatória. Mas ainda assim não podemos deixar de considerar a influência desse<br />

pensamento sobre a população de Belém, contribuindo para a postura aversiva<br />

desta em relação ao método jenneriano. Não queremos, com isso, negar a<br />

autonomia que os sujeitos envolvidos em tal processo tem para realizar suas<br />

escolhas, mas não podemos deixar de considerar o caráter de formadores de opinião<br />

que os jornais possuem e a posição política que A Folha do Norte defendia. De<br />

acordo com Amaral (2006), em 1905, ainda repercutia a veiculação feita por esse<br />

jornal da “Campanha contra a vacinação”, pois, o intendente Antônio Lemos,<br />

principal opositor local de Lauro Sodré, para se defender dos ataques a sua política<br />

de saúde, veiculados pela A Folha do Norte, transfere a culpa pelo número de óbitos<br />

em Belém <strong>à</strong>quele periódico. Antonio Lemos, para justificar a soma de 435 pessoas<br />

mortas por varíola, em 1905, diante dos 2.653 óbitos registrados pelo Serviço<br />

Sanitário Municipal, atribuía e transferia o ônus ao “tamanho estrago á malévola<br />

campanha de certa imprensa contra a vacinação em tempo de epidemia”.<br />

123<br />

A reconstituição da experiência com a vacina em Belém nos permitiu<br />

perceber que aqui também havia uma relação negativa da sociedade, principalmente<br />

dos populares, com o método jenneriano. Esta foi responsável pela criação de uma<br />

cultura de aversão, de intolerância <strong>à</strong> vacina, que foi identificada nos jornais e nos<br />

próprios relatórios de governo. Porém, apesar de reconhecermos a existência de<br />

elementos comuns nessa experiência com a vacina, verificados tanto em Belém<br />

quanto na capital federal, não podemos deixar de registrar que há diversos aspectos<br />

específicos dessa experiência local com a vacina que contribuíram para a postura<br />

aversiva da população. Entre os elementos comuns temos a confusão feita pela<br />

sociedade entre vacinação e variolização, confusão reproduzida pelo próprio Vianna<br />

(1975) e que ocasionava dúvidas acerca da vacina.<br />

Também é preciso registrar que a sociedade local considerava bastante<br />

doloroso o método de transmissão braço a braço da vacina, pois, apesar de desde<br />

1840, se procurar tomar providências para garantir o retorno dos vacinados após o


oitavo dia, pelos relatórios de vacinação consultados percebeu-se que a quantidade<br />

dos que não retornavam era expressiva e não é preciso discorrer sobre o caráter<br />

extremamente doloroso dessa prática.<br />

Também é preciso dizer que a comunidade médica local estava dividida<br />

acerca da eficácia da vacina, não só da vacina animal, como foi demonstrado acima,<br />

essa divisão envolvia também disputas entre alopatas e homeopatas, sendo que<br />

estes últimos, em geral, posicionavam-se contra a vacina, ou contra a terapêutica<br />

aplicada pelos adeptos da alopatia. Assim, O Diário de Notícias, em edição de 4 de<br />

maio de 1884, criticava a defesa que o jornal O Liberal fazia do presidente da<br />

Província, Visconde de Maracaju, na polêmica com os homeopatas. Estes<br />

reivindicavam a montagem de uma enfermaria destinada ao tratamento dos<br />

variolosos segundo os princípios da homeopatia, o articulista de O Liberal<br />

argumentava que a verba socorros públicos era insuficiente e recomendava que os<br />

homeopatas montassem enfermaria <strong>à</strong>s próprias custas. O Diário de Notícias rebate<br />

afirmando que os homeopatas não dispõem de meios suficientes, mas que seriam<br />

capazes de grandes sacrifícios “pela vulgarização e propaganda dessa grande<br />

verdade científica – a homeopatia”. O artigo continua censurando os alopata,<br />

formados na “escola das pomadas”, não sendo capazes de conter o avanço da<br />

epidemia, sendo por isso a enfermaria José Bonifácio ineficaz no tratamento dos<br />

variolosos, pois de cada 100 infectados que recebia, morriam 50. A Folha do Norte,<br />

em edição de 11 de novembro de 1904 publica, a pedido, informativo do Dr. Matta<br />

Bacellar, conhecido médico homeopata, em que o mesmo alerta para a presença da<br />

“assustadora” varíola em Belém, recomendando aos adeptos da homeopatia o uso<br />

interno do “vacciniun”, pela manhã e pela noite como preservativo. Também indicava<br />

o mais rigoroso asseio pessoal e as irrigações das habitações e as desinfecções.<br />

Assim, percebe-se que mesmo concordando com a maioria dos higienistas de<br />

plantão, o Dr. Bacellar não fazia referência <strong>à</strong> vacina como preservativo. Não<br />

podemos também deixar de mencionar que mesmo entre os alopatas havia cisões<br />

quanto <strong>à</strong> vacina, embora não tenham sido explicitadas ao longo das pesquisas, mas<br />

que podem ser percebidas em determinados momentos como, em 1904, com a<br />

publicação dos artigos italianos contrários <strong>à</strong> vacina pela A Folha do Norte, jornal sob<br />

responsabilidade do médico e Inspetor da Higiene e depois do Serviço Sanitário<br />

124


Cipriano Santos, que parecia mais preocupado e empenhado em aplicar o<br />

isolamento que a vacina.<br />

Quanto aos aspectos peculiares <strong>à</strong> realidade local, em relação a esta<br />

experiência com a vacina, temos, em primeiro lugar que considerar o<br />

questionamento da linfa que aqui era utilizada. Não podemos esquecer que se trata<br />

de uma região complicada em termos de acesso neste período, o que dificultava o<br />

recebimento de material para vacina. Mesmo o material que aqui chegava, em<br />

função, <strong>à</strong>s vezes, do tempo de duração da viagem, estava completamente<br />

deteriorado ou não possuía as condições adequadas para a inoculação. Ainda assim<br />

muitas vezes era utilizado ocasionando, não raro, efeito contrário. Por isso, eram<br />

freqüentes as reclamações feitas pela imprensa e pelas autoridades acerca da<br />

quantidade e da qualidade da vacina que chegava a esta região. Os relatórios de<br />

governo estão repletos de polêmicas sobre a qualidade da vacina utilizada em Belém<br />

e a imprensa alardeava, algumas vezes, como o fez o Diário de Notícias em matérias<br />

reproduzidas acima, que a vacina não prestava. É claro que opiniões desse tipo<br />

influenciavam negativamente a população de Belém em relação <strong>à</strong> vacina e, portanto,<br />

contribuíam para a intolerância com relação a esta profilaxia, revelando como a<br />

medicina acadêmica era bastante impopular 53 .<br />

125<br />

Outra questão importante diz respeito a quem aplicava a vacina em Belém.<br />

A partir de 1846 foi criada a função de Comissário Vacinador, mas nos relatórios são<br />

comuns as reclamações relativas a dificuldade de contratá-los, principalmente para<br />

as cidades do interior. Além disso, durante boa parte do século XIX, essa função<br />

coube a um único “profissional”. Assim, desde 1840, quando se tentou decretar, pela<br />

primeira vez, a obrigatoriedade da vacina na província, buscou-se também atribuir tal<br />

função a outros profissionais, entre os quais, os professores. Segundo Vianna<br />

(1975:52):<br />

53 Apesar do esforço dos médicos em consolidar a medicina acadêmica , depararam com a pouca<br />

receptividade do público <strong>à</strong> autoridade cognitiva de seus paradigmas, seja pela descrença, seja pela<br />

indiferença <strong>à</strong>s práticas originárias desse saber. Para mais informações sobre esse aspecto da<br />

medicina acadêmica e os esforços empreendidos pelos seus representantes para alcançarem<br />

afirmação ver: FERREIRA, Luiz Otávio."Medicina impopular: ciência médica e medicina popular nas<br />

páginas dos periódicos científicos". In: CHALHOUB, S. et al. (org.). Artes e Ofícios de Curar no<br />

Brasil. São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.


126<br />

A Lei n° 108, de 6 de dezembro de 1842, e a de n° 115, de 18 de outubro de<br />

1843, elevaram a quantia anterior de 1:000$000 réis, ficando o governo<br />

autorizado a distribuí-la pelos professores que se dessem <strong>à</strong> vacinação,<br />

mandassem vir e conservassem vacina, tendo atenção a qualidade desta e<br />

ao número de vacinados.<br />

Encontramos nos jornais registros da aplicação da vacina por professores,<br />

como nesta edição em Diário de Notícias:<br />

Vacina no Pinheiro<br />

Comunicam-nos:<br />

Foram vacinados, na povoação de São João de Pinheiro, pelo sr. Professor<br />

João Gualberto de Vilhena, durante o mês de fevereiro p. findo, 86 pessoas,<br />

sendo:<br />

Do sexo masculino, menores 29, maiores 27; do sexo feminino, menores 10,<br />

maiores 20, todos com tão feliz êxito, que não houve uma só das pessoas<br />

por ele vacinadas nas quais falhasse a vacina.<br />

Tem muito boa linfa de braço e continua a vacinar enquanto tiver linfa e lhe<br />

aparecer quem se queira vacinar.<br />

Faz tudo isso pelo desejo de fazer o bem e não porque seja autorizado. (O<br />

DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 04 mar. 1884, p.02).<br />

Em geral, essa prática era enaltecida e considerada eficaz, talvez uma<br />

forma de diminuir a desconfiança das pessoas em relação <strong>à</strong> vacina. Também nos<br />

relatórios encontramos registros do uso de professores na prática da vacinação; no<br />

relatório de Cardoso Junior, presidente da província em 1888, são relacionadas 43<br />

localidades onde, em escolas públicas, os professores receberia tubos com a linfa<br />

vacínica e as necessárias instruções para a aplicação da mesma. Ora, sabemos e já<br />

relatamos as dificuldades encontradas pelos próprios profissionais da área médica<br />

para a aplicação da vacina, havia diferentes tipos de linfa, havia a vacina importada,<br />

a vacina braço a braço, a vacina animal. Era preciso conhecer a qualidade da linfa<br />

vacínica, fazer revacinações, verificar se a vacina havia “pegado” após o oitavo dia,<br />

entre outras competências que, muitas vezes, escapavam aos próprios profissionais<br />

da área da saúde, imaginem aos nobres membros do magistério, pois, como afirma<br />

Vianna (1975: 52) “tudo isto devia ser improfícuo, porque muito dificilmente se


encontraria homens consagrados ao magistério público, que se dedicassem a um<br />

mister muito diverso da sua profissão”. Assim, dessa prática decorreram diversos<br />

problemas que também contribuíram para aumentar a intolerância <strong>à</strong> vacina por parte<br />

da população belenense.<br />

127<br />

Por último é importante dizer que a vacina não se constituía no único<br />

preservativo contra a varíola. Havia diversas opções. Em primeiro lugar é preciso<br />

considerar a existência de enfermarias ou hospitais clandestinos que estavam<br />

voltadas para o tratamento da varíola, nos quais não se sabe exatamente que<br />

terapêutica era administrada. Além disso, era muito comum divulgar, através dos<br />

jornais, nesta época, medicamentos voltados para a cura das mais variadas<br />

doenças, inclusive da varíola. O jornal Treze de Maio (09 mar. 1860, p. 6), por<br />

exemplo, estampava na década de 1860, anúncios de vários medicamentos como o<br />

Elixir de Quina, que servia para combater a malária, o Racahout dos Árabes,<br />

segundo o anúncio aprovado pela faculdade de medicina de Paris e recomendado<br />

para pessoas nervosas, magras, idosas e, também para crianças. Geralmente esses<br />

medicamentos eram apresentados como de fácil administração e digestão, além de<br />

possuírem sabor agradável. Esses tipos de anúncio são encontrados também nos<br />

outros jornais consultados e, em grande escala.<br />

Para combater a varíola, especificamente, encontramos diversos anúncios,<br />

principalmente no Diário de Notícias, como nesta publicação intitulada “Laboratório<br />

Homeopático”:<br />

Chegou novas remessas de meias elásticas para inchações, erisipelas,<br />

varizes, etc., etc.<br />

Variolinum, tintura para bexigas, cura e preventivo.<br />

Vaccinium, tintura para bexigas, cura e preventivo.<br />

Vende-se no Laboratório Homeopático, rua da Indústria, 7 a. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />

NOTÍCIA, 19 ago. 1884, p. 4).<br />

Em 5 de agosto de 1888, o mesmo jornal anunciava o preservativo de<br />

varíola de “Soares dos Santos”, que tornaria as varíolas benignas caso elas tivessem


aparecido. Em outra edição do mesmo Diário de Notícias, encontramos outro<br />

anúncio,com o título “Contra as Bexigas”, onde lia-se:<br />

128<br />

Em caso de varíola declarada as propriedades anti-sépticas, sudoríficas e<br />

tônicas do elixir anti-epidêmico Beirão, facilitam a saída das vesículas,<br />

acelerando a cura – É o melhor preservativo e curativo de todas as<br />

moléstias epidêmicas.<br />

Uma colher das de chá deste agradável elixir, misturado com ½ litro de chá<br />

de açafrão, é excelente para gargarejo e lavatório dos olhos, e com o qual<br />

se evita o desenvolvimento das vesículas nos olhos (por conseqüência a<br />

cegueira), na boca e garganta, que tanto afligem os doentes, impedindo a<br />

deglutição e dificultando a inspiração.<br />

O uso do anti-séptico Beirão é indispensável a todas as pessoas que visitam<br />

e tratam doentes de varíola e de outras moléstias contagiosas; assim<br />

estarão ao abrigo do contágio, nos focos de infecção. (DIÁRIO <strong>DE</strong><br />

NOTÍCIAS, 10 ago. 1888, p. 01).<br />

Ainda o diário publicava declarações de pessoas comuns ou de autoridades<br />

na área médica, atestando a eficácia de certos medicamentos, que eram<br />

apresentados <strong>à</strong> sociedade paraense. O referido periódico, publicou diversas cartas<br />

oriundas do Ceará e datadas de 1883, dando aval <strong>à</strong>s “pílulas depurativas do Dr.<br />

Mattos”, mais uma concorrente para a vacina. A matéria trazia diversas declarações<br />

e possuía como título “Tratamento da varíola”:<br />

Em dezembro de 1878, quando a varíola nesta capital fazia de 600 a 900<br />

vítimas diariamente, fui acometido deste terrível mal. O meu médico<br />

assistente, o finado dr. José Lourenço Filho, logo no começo da moléstia<br />

mandou fazer uso das pílulas depurativas do cirurgião Mattos e assim<br />

conseguiu que a moléstia, apesar da força com que apareceu, se tornasse<br />

uma benigna varicele, que poucos incômodos me deu.<br />

Sei, por me ter dito nessa ocasião o referido dr. José Lourenço – que nos<br />

Lazaretos sob sua direção fez ele ótimas curas com estas pílulas.<br />

Ceará, 10 de dezembro de 1883. (DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 ago. 1884,<br />

p.04).<br />

Na mesma matéria, lê-se outra carta assinada pelo Dr. Firmino José Dória,<br />

com a seguinte declaração:


129<br />

O abaixo assinado, doutor em medicina, Dignitário da Ordem da Rosa,<br />

Cavalheiro de Cristo, condecorado com a medalha da Campanha do<br />

Paraguai, Cirurgião-mor de Brigada, graduado do corpo de saúde e<br />

delegado do Cirurgião-mor desta Província.<br />

Atesto que tenho, tanto em minha clínica civil, como militar, empregado com<br />

incontestável vantagem as pílulas depurativas do falecido cirurgião<br />

Francisco José de Mattos, hoje fabricadas por seu filho sr. Leonel A. de<br />

Alencar, em todos os casos em que tenho tido precisão de uma ação<br />

purgativa pronta e benéfica: atesto mais, por experiência própria, que as<br />

referidas pílulas não produzem essas cólicas incômodas que quase sempre<br />

produzem os medicamentos de sua classe.<br />

Por ser verdade passei o presente, que vai por mim assinado.<br />

Fortaleza, 4 de dezembro de 1883. ( DIÁRIO <strong>DE</strong> NOTÍCIAS, 19 ago. 1884,<br />

p. 04).<br />

Como estas, encontramos diversas declarações dando conta de<br />

medicamentos utilizados para combater a varíola, em geral, atestando sua eficácia.<br />

Assim, tanto os homeopatas como os próprios alopatas apresentavam suas<br />

alternativas para a cura da varíola. A medicação que esses profissionais<br />

prescreviam, geralmente eram anunciadas como de fácil administração, algumas<br />

vezes até de saborosa digestão e, também, de fácil aquisição. Além disso, não<br />

apresentavam riscos e, ainda por cima, poderiam ajudar a combater outros males.<br />

Com tudo isso a disposição é claro que para muitas pessoas era muito mais simples<br />

e agradável recorrer a tais medicamentos que enfrentar os riscos, o caráter doloroso<br />

e todas as outras complicações da vacina.<br />

Segundo Roque (2004), em 1914, em Goa, antiga colônia portuguesa na<br />

Índia, o médico António Joaquim Vás anunciou a descoberta de um fabuloso<br />

tratamento contra a varíola, que vinha sendo utilizado desde a última década do<br />

século XIX: a aplicação clínica das pevides, ou sementes, de bananeira brava,<br />

medicamento de origem vegetal extraído das práticas médicas indianas. Embora<br />

habitando um lugar problemático no programa de tradução científica, as pevides<br />

circularam ativamente no interior da própria ciência, persistindo contra a varíola nas<br />

práticas médicas. O Dr. Joaquim Vás relatou a comunidade médica o modo como<br />

descobrira e aplicava, com sucesso clínico, os segredos curativos das pevides de<br />

bananeira brava, contra os malefícios da varíola. Tal prática, ao que parece, era


levada a sério pelos médicos de Goa e serve, no mínimo, para abrir um debate<br />

acerca do combate <strong>à</strong> varíola, pois, até hoje, a medicina acadêmica não aceita um<br />

tratamento eficaz para tal moléstia, concebendo a imunização ativa, ou seja, a<br />

vacina, uma profilaxia como único meio possível de combater a referida doença.<br />

Sendo assim, a erradicação da varíola na década de 1980, representou o triunfo da<br />

vacina no combate <strong>à</strong> varíola e, ao mesmo tempo, um silêncio absoluto sobre outras<br />

práticas de cura, emanadas da medicina científica ou popular.<br />

Quanto <strong>à</strong>s práticas curativas populares, diversos trabalhos já relataram seu<br />

enraizamento na população do estado do Pará, produzindo uma relação tensa e<br />

cheia de conflitos, mas também de alianças e trocas simbólicas, envolvendo as<br />

diferentes medicinas daquela época. Segundo Rodrigues (2008) os adeptos dessa<br />

medicina considerada popular foram alvos de perseguições por parte das<br />

autoridades médico-higienistas desde os últimos anos do Império, consolidando-se<br />

na República que, em seu primeiro Código Penal (1890) procurou introduzir artigos<br />

que visavam regular a prática ilegal da medicina. Perseguidas ou não, essas práticas<br />

de cura alternativas <strong>à</strong> medicina acadêmica não deixaram de existir e de ter muitos<br />

adeptos 54 . Figueiredo (2003) mostra a persistência da pajelança em Belém do Pará,<br />

onde os médicos, já na passagem para o século XX, utilizavam diversos recursos<br />

para se inserir no cotidiano da cidade, tendo em vista a respeitabilidade adquirida<br />

por seus oponentes. Através dos meios de comunicação, empenharam-se na<br />

elaboração da imagem da autoridade médica, do herói responsável pela cura e do<br />

beneplácito do cidadão e, principalmente, no poder regenerador da ciência que<br />

praticavam.<br />

130<br />

Para Figueiredo (2003), os pajés não deixaram de se apropriar do<br />

discurso discriminatório, num sentido inverso ao pronunciado. Os jornais,<br />

54 Em “Esculápios Tropicais”, Silvio Rodrigues discorreu sobre diversas práticas de cura alternativas<br />

verificadas em Belém, entre 1889 e 1919, destacando o quanto eram populares e as dificuldades<br />

encontradas pelas autoridades para combatê-las. Rodrigues analisou diversos casos com destaque<br />

para a morte por envenenamento de Geraldo Afonso Cardoso, major reformado do regimento<br />

estadual, morador da vila de Mosqueiro, em função de receitas passadas pelo pajé Elias. O fato<br />

ocorrido entre setembro e outubro de 1898 foi divulgado pelo jornal A Província do Pará, em várias<br />

edições. Outro caso que chama atenção em seu trabalho é o do professor Faustino Ribeiro Junior,<br />

um célebre curandeiro que havia realizado curas espetaculares no Rio de Janeiro, São Paulo,<br />

Minas Gerais e Bahia. O destaque dado pela imprensa a presença do referido curandeiro e a<br />

concorrência dos populares, desejosos de um atendimento milagroso revelam o alcance das<br />

práticas consideradas alternativas em terras paraenses, naquele contexto.


considerados pelo autor como mediadores entre ambas as culturas, engajados em<br />

atribuir uma distinção <strong>à</strong> ciência, noticiavam as perseguições policiais,<br />

paradoxalmente, <strong>à</strong> ciência dos pajés. Com isso, <strong>à</strong> pajelança era atribuída também a<br />

conotação de ciência. Os pajés não tardaram a se apropriar desta distinção:<br />

propagavam suas atividades também como científicas.<br />

Ainda de acordo com Figueiredo (2003), a representatividade da “ciência<br />

dos pajés”, no caso amazônico sua durabilidade e persistência, em lugar de servir<br />

como recurso para endossar a cientificidade da medicina oficial revelou-a em suas<br />

contradições. Os pajés – ao resistirem <strong>à</strong>s perseguições policiais, <strong>à</strong>s acusações de<br />

charlatanismo, aglomerando uma vasta clientela de origens sociais diversas,<br />

referindo-se <strong>à</strong>s suas curas como científicas – impuseram uma tarefa "extremamente<br />

árdua e desgastante para os médicos" na tentativa de legitimar seus ofícios. A<br />

medicina oficial, no caso de Belém do Pará, para conseguir sua hegemonia científica<br />

foi obrigada a enfrentar concorrentes já experimentados há séculos 55 .<br />

Sendo assim, é possível reconhecer a existência em Belém, senão de uma<br />

cultura vacinofóbica, pelo menos de uma cultura de aversão ou intolerância ao<br />

método jenneriano, por razões obviamente fortes. Mas, é preciso esclarecer ainda<br />

que, a intolerância não estava relacionada apenas <strong>à</strong> vacina, mas a toda política<br />

oficial de saúde encaminhada em Belém ao longo do século XIX e até o início do<br />

século XX. Foram muitos os desacertos ou desencontros dessa política e,<br />

especialmente o seu caráter autoritário e aterrorizante em relação <strong>à</strong>s camadas<br />

menos favorecidas da sociedade local que acabaram provocando o desenvolvimento<br />

de uma cultura de aversão <strong>à</strong>s tais políticas públicas no campo da saúde.<br />

55 Sobre práticas curativas populares relativas <strong>à</strong> varíola, ver também: AMARAL, Alexandre Souza. Op.<br />

Cit. p. 139-141.<br />

131


____________________________________________________________________<br />

132<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Segundo Henderson (1997), no século XXI, as vozes dos médicos<br />

acadêmicos atribui a extinção da varíola (pelo menos em suas epidêmicas<br />

manifestações naturais), <strong>à</strong> planejada ação profilática da quase miraculosa vacina.<br />

Para Porter (1999) a profilaxia realizada através da vacinação antivariólica continua<br />

no centro de uma das mais mitificadas narrativas de sucesso e poder da história da<br />

medicina: a erradicação do temido e mortífero ortopoxvirus, causador da varíola,<br />

graças ao programa mundial de vacinação promovido pela Organização Mundial de<br />

Saúde. Ainda hoje o credo médico não reconhece a existência de qualquer cura ou<br />

prática terapêutica capaz de eliminar o vírus, aconselhando-se apenas algumas<br />

estratégias terapêuticas que atuam sobre os sintomas da doença, combatendo a<br />

desidratação do organismo e as infecções secundárias decorrentes das erupções<br />

cutâneas e das pústulas 56 . Assim, a vacina permanece sendo a única solução, mas,<br />

a história do combate a varíola nem sempre foi desse jeito.<br />

56 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001), pode não existir cura para a varíola,<br />

porém a vacina pode ser usada com muita eficácia se for administrada até quatro dias após exposição


Como ficou demonstrado ao longo desse trabalho, assim como é antiga a<br />

presença da varíola em Belém ou na Amazônia, também é antiga a busca e a<br />

polêmica acerca da cura para a referida moléstia. Na capital paraense a vacina<br />

(método científico) chegou quase simultaneamente <strong>à</strong> variolização (método popular)<br />

para combater a doença maligna e não pode ser considerado estranho que os dois<br />

métodos fossem confundidos, pois havia semelhanças entre eles, principalmente em<br />

função do método de transmissão braço a braço da vacina. Assim, quando se<br />

apresentou um método considerado científico para combater a varíola em Belém,<br />

este já foi confundido com uma antiga prática de inoculação desenvolvida em todo o<br />

mundo, sendo considerada popular. Portanto, desde o início, a busca da cura para a<br />

varíola, colocou em disputa diferentes práticas de cura, oriundas de diferentes<br />

setores da sociedade.<br />

Desta forma, percebemos que a tentativa de introduzir e tornar obrigatória a<br />

vacina, em Belém, ocorreu quase simultaneamente <strong>à</strong>s tentativas de institucionalizar<br />

a medicina acadêmica. Assim, a perspectiva de imposição da vacina - daí as várias<br />

tentativas de torná-la obrigatória -, representaria a sobreposição ou a hegemonia da<br />

medicina acadêmica em relação as outras artes de curar verificadas na região.<br />

Algumas dessas práticas foram enquadradas, na última década do século XIX, como<br />

exercício ilegal da medicina e foram severamente combatidas pelas autoridades.<br />

Mas, ainda assim, parte da população fez pouco caso da vacina e continuou<br />

buscando práticas alternativas de cura.<br />

Neste sentido, havia a homeopatia que buscava já espaço e possuía<br />

indicações de profilaxia e terapêutica para a varíola. Mas, havia principalmente as<br />

práticas de cura geradas no seio das camadas populares, que muitas vezes recorria<br />

e ainda recorre com frequência <strong>à</strong> flora amazônica para encontrar soluções para<br />

muitos de seus males. Sendo assim, era comum o desenvolvimento de uma série de<br />

“preparados” destinados ao tratamento de diversas doenças. Estes, muitas vezes,<br />

eram anunciados em periódicos importantes da região, dividindo espaço com os<br />

xaropes, os vinhos, as pílulas e as cápsulas desenvolvidas pelos médicos<br />

acadêmicos.<br />

de uma pessoa ao vírus, para impedir o desenvolvimento da infecção. Esta foi a estratégia utilizada<br />

para erradicar a doença durante o século XX.<br />

133


O enraizamento dessas práticas na cultura popular da região é tão forte que<br />

se constituiu num dos principais fatores explicativos da intolerância popular <strong>à</strong> vacina<br />

entre outras profilaxias e terapêuticas encaminhadas pelo poder público. Assim, a<br />

prática repressiva foi o único caminho encontrado pelas autoridades para garantir o<br />

cumprimento de suas políticas públicas. Mas, mesmo o isolamento foi rejeitado pelas<br />

camadas populares, principais alvos dessa prática, que procuravam o tratamento na<br />

própria residência, escondendo os doentes das autoridades sanitárias, ou em locais<br />

comandados por aqueles que eram designados como “pajés” ou “curandeiros”.<br />

Portanto, o enraizamento dessas práticas era mesmo bastante forte junto <strong>à</strong>s<br />

camadas populares e em outros setores da sociedade, chegando mesmo a penetrar<br />

até nos métodos dos seus mais severos opositores, os médicos acadêmicos. Para<br />

Figueiredo (2003), não estão bem descoladas as práticas dos médicos acadêmicos<br />

em relação aos detentores de um saber considerado popular. Segundo Meira<br />

(1986), nesse período, era muito comum para os médicos, principalmente <strong>à</strong>queles<br />

que pretendiam maior reputação, ter nas prateleiras das farmácias um produto que<br />

levasse seu próprio nome, sendo que alguns alcançaram grande repercussão, até<br />

internacional. O Dr. Gesteira assinava o “Ventre-Livre” e o “Regular Gesteira”, havia<br />

as “Pílulas Verdes” do Dr. Pinheiro Sozinho, o “Colírio Amarelo” do Dr. Geminiano de<br />

Lyra Castro, a “Pomada” do Dr. Lauro Magalhães e o “Elixir indígena” desenvolvido<br />

pelo Dr. Ferro e Silva para o tratamento do impaludismo. Este último medicamento,<br />

pelo próprio nome, demonstra como eram delicadas as relações entre as práticas da<br />

medicina acadêmica e as práticas consideradas populares.<br />

Portanto, refletir sobre a experiência com a saúde e a doença, representou a<br />

necessidade de realizar um percurso no qual discuti produções discursivas diversas<br />

e procurei cruzar as informações nelas contidas objetivando construir uma<br />

interpretação do fenômeno das epidemias de varíola ocorridas em Belém, entre a<br />

segunda metade do século XIX e o início do século XX, para compreender a<br />

historicidade de determinadas profilaxias e ou práticas terapêuticas desenvolvidas na<br />

capital paraense, com o intuito de escrever mais uma página da história da medicina<br />

social na Amazônia.<br />

134


Viajantes e Literaturas:<br />

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Nacional, 1944.<br />

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Nacional, 1947.<br />

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Belém: Tavares Cardoso e cia, 1920.<br />

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D’Angello –Ferrão, 1890.<br />

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47.<br />

Fundo: Presidência da Província. Série: abaixo-assinados, 1884, caixa 07.<br />

Fundo: Presidência da Província. Série: abaixo-assinados, 1888, caixa 08.<br />

Mensagens, Relatórios e Falas:<br />

BELÉM. Intendência Municipal. O Município de Belém. Relatório apresentado ao<br />

Conselho Municipal de Belém capital do Pará, 1897-1902 pelo Exmo. Sr. Intendente<br />

Antômio José de Lemos. Belém: Archivo da Intendência Municipal, 1902.<br />

136


PARÁ. Discurso recitado pelo Dr. Bernardo de Souza Franco, Presidente da<br />

Província do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 15 de<br />

agosto de 1839. Pará, Typ. de Santos & menor, 1839.<br />

PARÁ. Discurso recitado pelo Dr. João Antonio de Miranda, Presidente da Província<br />

do Pará, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em , em 15 de Agosto de<br />

1840. Pará: Typ. de Santos & menor, 1840.<br />

PARÁ. Discurso recitado pelo exm. sr. desembargador Manoel Paranhos da Silva<br />

Vellozo, Presidente da Província do Pará, na abertura da primeira sessão da Quarta<br />

Legislatura da Assembléia Provincial, em 15 de agosto de 1844. Pará, Typ. de<br />

Santos & menores, 1844.<br />

PARÁ. Fala com que Miguel José de Almeida Pernambuco, Presidente da Província,<br />

abriu a 2ª sessão da 26ª legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Pará, em<br />

02 de fevereiro de 1889. Belém: A.F. da Costa. 1889.<br />

PARÁ. Fala dirigida pelo exm. Sr. conselheiro Jeronimo Francisco Coelho,<br />

presidente da provincia do Gram Pará <strong>à</strong> Assembléia Legislativa Provincial na<br />

abertura da segunda sessão ordinaria da sexta legislatura, em 1º de outubro de<br />

1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.<br />

PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />

Augusto Montenegro, governador do Estado, em 7 de setembro de 1902. Belém:<br />

Imprensa Official, 1902.<br />

PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />

José Paes de Carvalho, governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1900. Belém:<br />

Typ. Do Diário Official, 1900.<br />

PARÁ. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Pará pelo Dr.<br />

José Paes de Carvalho, governador do Estado, em 1º de fevereiro de 1901. Belém:<br />

Typ. Do Diário Official, 1901.<br />

PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o<br />

vice-presidente, passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao<br />

137


exm. snr. Dr. Miguel J. de Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24<br />

de março de 1888. Pará, Typ. do Diário de Noticias, 1888.<br />

PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Conselheiro João Antônio d’Araújo Freitas<br />

Henriques passou a administração da Província do Pará ao exm. Sr. Joaquim da<br />

Costa Barradas, em 06 de outubro de 1886. Belém: typ. <strong>Da</strong> República, 1891.<br />

PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 2.º vice-presidente<br />

da Província, passou a administração da mesma, em 04 de agosto de 1884, ao exm.<br />

snr. Conselheiro João Silveira de Souza, nomeado por carta imperial de 31 de maio<br />

de 1884. Pará, Typ. De Francisco Costa Junior, 1885.<br />

PARÁ. Relatório com que o exm. Sr. Dr. José Araújo Roso <strong>Da</strong>nin, 1º vice-presidente<br />

do Pará, passou a administração da mesma ao exm. sr. Dr. Antonio José Ferreira<br />

Braga, presidente nomeado por decreto de 22 de julho de 1889. Belém: Typ. A.<br />

Fuctuoso da Costa, 1889.<br />

PARÁ. Relatório de hygiene do Estado apresentado ao Governador do Estado Sr.<br />

Dr. Lauro Sodré , em 30 de Junho de 1892, por Cypriano Santos, Inspector da<br />

Hygiene do Estado Belém: Diário Oficial, 1892.<br />

Leis e Regulamentos:<br />

BELÉM, Intendência Municipal. Leis e Posturas Municipais (1892-1897).<br />

BELÉM, Intendência Municipal de. Código de Postura (1900). Código de Polícia<br />

Municipal (1900).<br />

Coleção das Leis do Estado do Pará dos anos de 1891 a 1900, precedida da<br />

Constituição Política do Estado. Belém: Imprensa Oficial, 1900, p.21.<br />

138


Periódicos Citados:<br />

Biblioteca Pública Arthur Vianna (hemeroteca)<br />

Jornais:<br />

A Província do Pará (1899).<br />

A Folha do Norte (1899; 1900; 1901; 1904).<br />

Diário de Notícias (1884; 1888; 1897).<br />

Treze de Maio (1860;1861).<br />

Outros:<br />

Biblioteca Pública Arthur Vianna<br />

BRANDÃO, Caetano. Álbum de Belém 1902. Paris: Fidanza/ Philippe Renoaud,<br />

1902.<br />

CACCAVONI, Arthur. Álbum Descriptivo Amazônico. Gênova: F. Amanino, 1899.<br />

CAMPOS, Américo. “Higiene”. In: Quarto Centenário do Descobrimento do Brazil:<br />

O Pará em 1900. Pará-Brasil: Imprensa de Alfredo Augusto Silva, 1900, p.113-19.<br />

PARÁ, Governador (1901-190: Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará.<br />

Paris: Chaponet, 1908.<br />

PROVINCIA DO PARÁ. <strong>Da</strong>dos Estatísticos e Informações para os Imigrantes.<br />

Belém: Diário de Notícias, 1886.<br />

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