Eduardo Hilário Sá - clicRBS

5 de maio de 2011 diáRio CaTaRinenSe 25 anoS
10
NasCi em 5 de maio de 1986 – juNto Com o DC
O primeiro vestibular foi em 2002. Não passou. Nesta
mesma época, o Diário Catarinense noticiava o resultado do
primeiro turno das eleições para presidente e também para
governador do Estado. Lula e Serra permaneciam na disputa,
enquanto Amin e Luiz Henrique se enfrentariam na urnas pelo
governo de Santa Catarina.
Eduardo tentou o vestibular novamente em 2004 e foi
aprovado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no
curso de Odontologia. Neste mesmo ano, no mês de maio, o jornalista
norte-americano Larry Rohter, na época correspondente
do The New York Times, teve seu visto de trabalho no Brasil cancelado
por falar que o presidente Lula consumia bebidas alcoólicas.
Uma carta com explicações de Rohter ecerrou o episódio.
Com a aprovação no vestibular, Eduardo vislumbrava novas
perspectivas, novas amizades e uma nova vida em um ano que
ficou marcado pelo Furacão Catarina. O DC fez uma ampla e
premiada cobertura jornalística e levou aos catarinenses todos
os detalhes do fenômeno natural que surpreendeu o país e virou
notícia mundial pelo poder de devastação e número de vítimas.
As aulas na faculdade começaram em agosto de 2005
e Eduardo mudou-se para Florianópolis. Um mês antes, outro jovem
brasileiro, o eletricista mineiro Jean Charles de Menezes, foi
assassinado pela polícia britânica em uma estação de metrô de
Londres. Jean foi confundido com um terrorista e executado com
um tiro à queima-roupa durante o trajeto para o trabalho. O caso
virou filme estrelado pelo ator Selton Melo, Jean Charles, e foi noticiado
pelo DC. Eduardo tinha outras preocupações. Descobria
como é viver na Capital do Estado. No primeiro semestre, dividiu
apartamento com um colega de curso. A partir do segundo semestre,
passou a morar com a irmã. Depois, com o irmão mais
novo também na cidade, os dois dividiram apartamento.
Mas o início da faculdade e a vida em Floripa não foram a
curtição que ele imaginava. O curso de Odontologia era caro, e
Eduardo não poderia contar com a ajuda da mãe para bancar
as despesas com o material de estudo. Ele, então, estipulou uma
meta e decidiu se manter na cidade e na faculdade sem a ajuda
dos pais. A saída era conseguir um trabalho que fosse sazonal e
cujo salário cobrisse as despesas com o material do curso – que
passavam dos R$ 2 mil. Eduardo descolou um emprego como
recepcionista de um parque aquático localizado no Norte da
ilha de Santa Catarina. Tinha um primo que trabalhava como
gerente, que acionou seus contatos e o contratou. Mas o salário
que recebia pelo trabalho no parque não era suficiente. Então,
veio um emprego em um bar na Praia de Jurerê.
O semestre terminou em 2 de dezembro de 2005.
No dia 3 de dezembro do mesmo ano, lá estava Eduardo em
seu primeiro dia como atendente do bar. Ele trabalhava das
10h às 18h no parque. Saía de lá e rumava direto para o bar,
onde ficava até as 3h. Mesmo com a rotina puxada, nunca
pensou em desistir.
– Claro que eu ficava chateado. Às vezes estava o maior sol, ligava
para meus amigos e primos, todo mundo estava na praia
e eu ali, trabalhando. Dava uma dor. Acho que é por isso que eu
lembro do Rincão com tanto carinho. Lá, eu tinha dois meses de
férias. Depois que entrei na faculdade, isso acabou – reflete.
Tanta motivação, diz ele, vem dos tempos de instabilidade fi-
Mesmo sem ter ido bem na
Copa do Mundo de 2006,
Ronaldinho Gaúcho continuava
em alta. O meia do Barcelona e
da Seleção Brasileira
é eleito o melhor jogador do
mundo pela segunda vez.
No evento, a entidade também
escolheu uma equipe ideal,
que contava com quatro
jogadores do Barcelona,
e, além de Ronaldinho, tinha
Kaká entre os titulares.
Em março de 2008, em São
Paulo, a menina Isabella
Nardoni, seis anos, morre
após ser lançada pela janela
do prédio onde seu pai,
Alexandre Nardoni, morava.
O júri popular considerou
Alexandre e Anna Carolina
Jatobá, madrasta da menina,
culpados pela morte. Ele foi
condenado a 31 anos, um
mês e dez dias de prisão e
Anna a 26 anos e oito meses.
Eduardo com o jaleco:
“Estou dando o meu retorno
para a sociedade em forma
de muito trabalho”
nanceira da família. Eduardo simplesmente definiu que, com ele,
não seria assim. O convite para o trabalho no bar veio por intermédio
de uma ex-namorada. O namorado da mãe da garota era
o dono do estabelecimento, que andava movimentado no verão
e precisava de um reforço adicional. De preferência, alguém que
falasse inglês, já que muitos estrangeiros estavam por lá:
– O dono do bar me perguntou: "Você quer trabalhar? Está
precisando?" Eu não pensei duas vezes. Ou trabalhava ou não
teria como manter o curso. A lista de material já estava na minha
mão. Eu teria que ter esse dinheiro até o começo do próximo
semestre. Disse "topo" na hora.
Eduardo morava na casa do dono do bar, que era bem perto
dali. A hospedagem durava toda a temporada de verão. Foi assim
durante cinco anos. Três dias antes de começarem as aulas,
terminava o trabalho. Ele não conseguiu tirar férias. Quando sobrava
algum tempo, ia surfar:
– Minha mãe dizia: "Não vai aproveitar um pouco?" Mas eu
queria me garantir, não correr o risco de ter que voltar para casa
e trancar o curso. Preferi seguir neste ritmo mesmo. Deixei meu
couro lá em Jurerê, mas garanti meu diploma.
Eduardo seguia firme na sua convicção de trabalhar para
bancar o curso. O trabalho no parque aquático durou uma temporada.
Ele saiu após o verão de 2006 , ano em que o jogador
Ronaldinho Gaúcho foi eleito o melhor do mundo pela
segunda vez. O então camisa 10 do Barcelona ainda jogou mais
um semestre em alto nível, antes de mergulhar em má fase física
e técnica nos anos seguintes.
Barack Obama é eleito
o 44º presidente dos
Estados Unidos. Aos 47
anos, tornou-se o primeiro
negro a governar o país, ao
derrotar o rival republicano
John McCain. Longe de
ser o "azarão" da disputa,
Obama teve o endosso de
uma campanha milionária
– a mais rica da história das
eleições do país – e sabe
usar muito bem a internet.
FLáViO NEVES ARQUiVO PESSOAL
Dois anos depois e Eduardo dava provas de que aguentaria
a rotina pesada. Mas tanto trabalho rendeu uma grande decepção
à família. No dia 25 de dezembro de 2008, preferiu não
passar o Natal em Criciúma, como fazia todos os anos:
– Minha mãe ficou magoada. Sei que exagerei. Ela ficou tão
chateada que não falou nada.
O ano de 2008 foi marcado negativamente com o caso
isabella Nardoni. A menina de cinco anos foi jogada pela janela
do apartamento onde seu pai morava, em São Paulo. O DC
acompanhou os desdobramento do crime que chocou o país.
O ano também teve a eleição do primeiro presidente
negro nos Estados Unidos. Barack Obama, do partido
Democrata, assumiu a Casa Branca.
Em 2009 , um ano que ficou marcado pela morte do
cantor Michael Jackson, o Rei do Pop, Eduardo conheceu Taise.
O mês era abril e os dois se aproximaram na faculdade. Ela era
monitora em uma das disciplinas. Depois que Taise se formou,
começaram a namorar. Trabalha em Palhoça e mora em Florianópolis,
também tem 25 anos, mas é seis meses mais velha.
Ter a mesma profissão da namorada ajuda e atrapalha:
– Quando quero desabafar algo, algum caso, sei que ela vai
entender. Mas quando um não entra em sintonia com o outro,
quando as opiniões são muito divergentes, a briga é mais séria.
Hoje, procuramos não discutir sobre trabalho.
Tanta seriedade é transmitida também no momento em
que é perguntado sobre os planos de casamento, família, filhos.
Eduardo mantém os pés no chão:
Michael Jackson morreu
no dia 25 de junho de 2009.
O cantor, que se preparava
para um retorno aos palcos
com a turnê This is It, foi
vítima de uma injeção fatal
de anestésico – crime pelo
qual seu médico particular,
Conrad Murray, responde na
justiça. Michael sofreu uma
parada cardíaca depois da
injeção. O resultado do laudo
foi baseado na autópsia.
Mesmo tendo uma infância
protegida e feliz, Eduardo
hoje tem dúvida sobre ter ou
não filhos, mas é convicto
da necessidade de ter
“garantias financeiras”
A nevasca que atingiu os
municípios catarinenses foi a
mais forte registrada desde o
ano 2000. Localidades como
o Morro da Igreja, em Urubici,
registraram um espetáculo
gelado que atraiu turistas
de todo o Brasil. Também
teve “show” em Urupema
e em São Joaquim. A neve
acumulada ficou entre 20 e
25 centímetros nos locais
onde foi mais intensa.
– Se for pra passar o que eu passei, não quero ter filhos. Não
quero ter um filho e me separar depois. isso pra mim é inadmissível.
Eu não tive garantias, tudo sempre foi uma incerteza.
Se achar que não poderei dar conforto para ele, acho que não
irei casar nem terei filhos. Ou talvez case e não tenha filhos.
A afirmação nada tem a ver com falta de amor durante a infância.
É puro instinto de proteção. Talvez consequência do processo
de separação dos pais, talvez por simples formação de caráter.
Aos 25 anos, a personalidade de Eduardo vai se moldando
a partir das experiências de hoje e de ontem. A vida em Criciúma,
a mudança para Florianópolis e, por último, a realização
do sonho de trabalhar na profissão que escolheu. Ano passado,
no dia 9 de julho de 2010, pouco antes da formatura, marcada
para o dia 13 daquele mês, recebeu um e-mail da prefeitura de
Garopaba. A mensagem eletrônica comunicava sua aprovação
em um contrato de urgência de três anos. O problema: o e-mail
chegou na sexta-feira e a apresentação estava marcada para a
segunda-feira seguinte. Como Eduardo ainda não estava formado,
tecnicamente não estava habilitado a assumir a vaga.
– Fiz a prova só para ver. Mas você só pode começar se estiver
formado. Do contrário, perde a vaga. Tive que me formar em gabinete,
mas tudo conspirou a favor. Corri pra caramba, fui atrás
dos professores para liberarem a nota... Acabei me formando
junto com o pessoal do curso de Farmácia – lembra.
ainda em 2010 , o frio chegou forte ao Estado. Na
capa do DC, o registro da impressionante nevasca que cobriu
municípios catarinenses de neve. Junto com o frio e a neve, veio
a gripe a . O DC acompanhou a evolução dos casos dia a dia.
O trabalho de Eduardo em um posto de atendimento odontológico
em Garopaba garantiu a realização de mais um desejo:
morar na praia. Garopaba é conhecida por abrigar algumas das
melhores praias do litoral catarinense. Silveira e Ferrugem, só
para citar dois lugares ideais para o surfe. Morar na praia e trabalhar
no que gosta. Só falta definir um dia perfeito na vida dele
e de Rafael Prudêncio, 25 anos, e Rafael Nascimento, 26, amigos
com quem divide a casa em Garopaba:
– Se as ondas estão boas, acordo às 5h20min. Começo a bater
na porta dos dois. Chegamos na praia às 6h e surfamos até as
7h30min. Voltamos pra casa, tomamos banho e vamos trabalhar.
Às 17h, encerramos. Se o mar estiver bom, vamos surfar.
A satisfação com o surfe é a mesma encontrada no trabalho.
Na função que exerce hoje, ele pode retornar à comunidade um
pouco do que recebeu ao cursar uma universidade pública:
– Se não fosse a UFSC, não teria me formado. Tenho consciência
de que fui "patrocinado". Estou dando o meu retorno em
forma de trabalho. Trabalhar não é um peso. Minha namorada
diz que estou em uma colônia de férias – diz o dentista que
atende até 20 pessoas por dia, entre consultas e urgências.
Será que vem daí o instinto de salvar vidas, como no afogamento
no Rincão? Eduardo abre um sorriso, pensa e responde:
– Nunca tinha pensando nisso. Acho que pode ser, sim.
Como personagem da sua própria história e, agora, compartilhando
seu passado com os leitores do DC, Eduardo projeta o
futuro para os próximos 25 anos. Quer continuar aprendendo e
se divertindo. Sem um projeto de definitivo, mas com radar instintivo
de proteção ligado e pronto para socorrer quem precisar.
5 de abril de 2010: começa
a vacinação contra a
gripe A para pessoas com
idades entre 20 e 29 anos.
O cronograma inclui doses
para idosos com doenças
crônicas e, em seguida,
brasileiros entre 30 e 39
anos. Com a medida, o
Ministério da Saúde pretende
vacinar 91 milhões de
pessoas. O H1N1 provocou
2.051 mortes em 2009.
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