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“Sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães”: António ...

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Si<strong>na</strong>is <strong>de</strong> <strong>ruí<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> <strong>poesia</strong> <strong>de</strong> <strong>Joaquim</strong> <strong>Manuel</strong> Magalhães<br />

A n t ó n i o M a n u e l F e r r e i r a<br />

antes como uma ferida que sentimos próxima» (Freitas, 2002: 13). Ao valorizar a <strong>poesia</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Joaquim</strong> <strong>Manuel</strong> Magalhães, o ensaísta chama à colação, por contraste, outros<br />

poetas contemporâneos <strong>de</strong>preciativamente catalogados como portadores da «aura<br />

mediática» (ibid: 12) ou exemplares do «culturalismo auto-suficiente» (ibid.: 13). Um<br />

tom semelhante é adoptado por José Miguel Silva, quando distingue <strong>Joaquim</strong><br />

<strong>Manuel</strong> Magalhães dos «poetas solarengos» (Silva, 2003: 77) que transmitem «alegria,<br />

cultura, conforto e prazer a quem os lê» (ibid.: 77), enquanto que o autor <strong>de</strong> Os<br />

dias, pequenos charcos faz parte do grupo dos poetas que <strong>na</strong>sceram «para a paixão<br />

<strong>de</strong> ver claro» (ibid.: 76), e, por isso, «comunicam realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>salento, incerteza e malestar»<br />

(ibid.: 77).<br />

Estas observações têm que ver com a questão do «regresso ao real», um tema<br />

que se vem transformando numa espécie <strong>de</strong> premissa obrigatória para qualquer<br />

reflexão sobre a obra <strong>de</strong>ste poeta. A questão surge num artigo sobre a <strong>poesia</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>António</strong> Osório, e é apresentada nos termos seguintes:<br />

Voltar a contar <strong>de</strong> si, voltar ao coração, voltar à or<strong>de</strong>m das mágoas por uma linguagem<br />

limpa, um equilíbrio do que se diz ao que se sente, um respeito pela tradição da língua<br />

e dizer a catástrofe pela articulada afirmação das palavras comuns, o abismo pela<br />

sujeição às formas directas do murmúrio, o terror pela construída sintaxe dos compêndios.<br />

Voltar ao real, a esse <strong>de</strong>sencanto que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cantar, vê-lo <strong>na</strong> figura sem espelho,<br />

<strong>na</strong> perspectiva quase <strong>de</strong> ninguém, <strong>de</strong> um corpo pronto a dizer até às manchas a exacta<br />

superfície por que vai, on<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>. No fundo (Magalhães, 1981b: 168).<br />

Estas palavras são retomadas no poema «Princípio» que ocupa em Os dias,<br />

pequenos charcos (1981) um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacado relevo – entre os paratextos (<strong>de</strong>dicatória<br />

e epígrafe) e os «cinco sonetos» constitutivos do primeiro bloco textual do<br />

volume. O poema é uma versão burilada <strong>de</strong> um parágrafo do texto crítico; e esta<br />

migração textual, não sendo insólita, é, neste caso, bem sintomática da escrita do<br />

autor, da sua base unificadora, <strong>de</strong> um substrato magmático que po<strong>de</strong> irromper em<br />

diferentes lugares. Com efeito, no último livro <strong>de</strong> poemas, Alta Noite em Alta Fraga,a<br />

questão é retomada, em forma <strong>de</strong> verso, no poema «Arqueiro», surgindo agora com<br />

uma dimensão duplamente polémica:<br />

Voltar ao real, sim. Como o disse<br />

quando outros se refugiavam<br />

<strong>na</strong> linguagem da linguagem.<br />

Nessa altura<br />

mudaram quase todos <strong>de</strong> registo.<br />

11

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