“Sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães”: António ...
“Sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães”: António ...
“Sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães”: António ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Si<strong>na</strong>is <strong>de</strong> <strong>ruí<strong>na</strong></strong> <strong>na</strong> <strong>poesia</strong> <strong>de</strong> <strong>Joaquim</strong> <strong>Manuel</strong> Magalhães<br />
A n t ó n i o M a n u e l F e r r e i r a<br />
para a <strong>na</strong>rrativização do lirismo, um fenómeno <strong>de</strong>tectável em outras literaturas,<br />
nomeadamente em Espanha, país on<strong>de</strong> o crítico José Luís García Martín propõe o<br />
conceito <strong>de</strong> «poesía figurativa» como característica comum a vários poetas espanhóis<br />
contemporâneos:<br />
A la ten<strong>de</strong>ncia estética que ellos representan yo he querido llamarla «poesía figurativa»,<br />
por a<strong>na</strong>logía con la dintinción entre pintura figurativa y pintura no figurativa: todos<br />
ellos se encuentran más cerca <strong>de</strong> Gaya que Tàpies. (Martín, 1992: 209)<br />
Transpondo o conceito para a <strong>poesia</strong> portuguesa, Rosa Maria Martelo contrapõe<br />
a «<strong>poesia</strong> figurativa» ao «lirismo abstracto domi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> tradição da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
pós-bau<strong>de</strong>lairia<strong>na</strong>» (Martelo, 2004: 245), e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, com toda a pertinência, que,<br />
sendo o lirismo figurativo uma característica domi<strong>na</strong>nte dos poetas portugueses<br />
surgidos <strong>na</strong> década <strong>de</strong> noventa, é <strong>na</strong> década <strong>de</strong> setenta que se <strong>de</strong>ve procurar o seu<br />
início, nomeadamente em algumas publicações <strong>de</strong> <strong>Joaquim</strong> <strong>Manuel</strong> Magalhães,<br />
tanto intervenções críticas como textos poéticos (ibid.: 246).<br />
Na verda<strong>de</strong>, o conceito formulado por Martín é, em gran<strong>de</strong> medida, aplicável à<br />
<strong>poesia</strong> do poeta português, não ape<strong>na</strong>s no que diz respeito ao «tratamento» do<br />
espaço, mas também em outros domínios on<strong>de</strong> o conceito se expan<strong>de</strong>, como, por<br />
exemplo, o tom confitente e sem receio das projecções autobiográficas, o cuidado<br />
concedido às formas e à métrica (no caso <strong>de</strong> Magalhães, a particular criativida<strong>de</strong> formal<br />
do soneto e o uso bem ca<strong>de</strong>nciado da redondilha); e, assumindo uma gran<strong>de</strong><br />
importância semântico-pragmática, a atenção conferida ao leitor, facto que coloca<br />
esta <strong>poesia</strong> num paradigma <strong>de</strong> comunicação literária, repulsor, portanto, das concepções<br />
autotélicas, que hipostasiavam o jogo linguístico, através da amplificação do dictum<br />
mallarmeano segundo o qual a <strong>poesia</strong> se faz com palavras e não com i<strong>de</strong>ias (cf.<br />
Martín, 1992: 214). Sintomaticamente, ao termi<strong>na</strong>r a sua introdução à antologia<br />
Poetas sem Qualida<strong>de</strong>s, <strong>Manuel</strong> <strong>de</strong> Freitas, que já havia referido a figura exemplar <strong>de</strong><br />
Magalhães no contexto da <strong>poesia</strong> portuguesa contemporânea, encerra a apresentação<br />
do conjunto <strong>de</strong> características que irma<strong>na</strong>m os poetas coligidos, enfatizando a<br />
intenção comunicativa: «Não serão, <strong>de</strong> facto, poetas muito retóricos (embora à retórica,<br />
<strong>de</strong> todo, se não possa fugir), mas manifestam força – ou admirável fraqueza –<br />
on<strong>de</strong> outros ape<strong>na</strong>s conseguem ter forma ou uma estrutura anémica. Comunicam,<br />
em suma; não preten<strong>de</strong>m agradar ou ser poeticamente correctos» (Freitas, 2002: 14).<br />
Retomando as consi<strong>de</strong>rações sobre o espaço <strong>de</strong>letério, vejamos como ele se<br />
relacio<strong>na</strong> com o tempo histórico, um tempo dramaticamente disfórico, portador da<br />
<strong>ruí<strong>na</strong></strong> e da liquidação da esperança.<br />
15