Garçom, tire a conta da mesa. Hoje é dia do “PENDURA” - Mfb.com.br

Garçom, tire a conta da mesa. Hoje é dia do “PENDURA”<br />
Dinovan Dumas de Oliveira*<br />
A sensação não tem como ser outra: adrenalina pura! O pessoal se encontra na porta da<br />
Academia, combinam o local do “bote”, entram em seus carros e lá se vão em busca da<br />
próxima vítima.<br />
Achou que estou descrevendo a provável cena de um assalto, certo?<br />
Errado! É o dia do pendura.<br />
Dia 11 de agosto de 1827, Dom Pedro Primeiro, “Imperador Constitucional e Defensor<br />
Perpétuo do Brasil, por graça de Deus e unânime aclamação dos Povos” 1, fez saber a todos<br />
os seus súditos que a Assembléia Geral decretou e todos os demais quiseram a seguinte lei:<br />
Art. 1º - Criar-se-ão dois cursos de Ciências Jurídicas e<br />
Sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de Olinda, e<br />
neles no espaço de cinco anos e em nove Cadeiras, se<br />
ensinarão as matérias seguintes<br />
(...)<br />
Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos onze dias do mês de<br />
agosto de mil oitocentos e vinte e sete, Sexto da<br />
Independência. IMPERADOR PEDRO PRIMEIRO.<br />
O resultado deste ato pode gerar duas conclusões completamente antagônicas:<br />
(a) onde é que esse “tal” Imperador estava com a cabeça quando pensou em criar “os<br />
advogados”?;<br />
(b) salve, salve D. Pedro, o legítimo defensor do Brasil!<br />
Eu até presumo a conclusão que mais lhe agrade, nobre leitor. Prefiro, por conta disso, me<br />
prender à segunda, afinal, advogado que é advogado defende, jamais acusa.<br />
A partir do dia 11 de agosto de 1827 o Brasil ganhou significado. Explico. Antes desta data,<br />
saibam vocês, a visão do Brasil era de que “tinhamos o corpo na América e a cabeça na<br />
Europa” 2.<br />
E essa visão não poderia ser outra, entendo eu. Era nesse exato contexto que se<br />
apresentava, até então, todo o quadro da intelectualidade brasileira, formada<br />
principalmente em Coimbra, e caracterizada em três divisões (ciências teológicas, ciências<br />
jurídicas e ciências naturais filosóficas), tais como os irmãos Andrada e Silva (José<br />
Bonifácio, Martim Francisco e Antonio Carlos), José Silva Lisboa (Visconde de Cairú, autor do<br />
1 Trecho da Lei de 11‐08‐1827, que instituiu os cursos jurídicos no País.<br />
2 LEMOS, Renato. Benjamin Constant – Vida e História, Rio : Topbooks, 1999, p. 24.

Código Comercial Brasileiro de 1850), os Inconfidentes (Cláudio Manoel da Costa e José<br />
Alvares Maciel) e Hipólito José da Costa, que fundou o primeiro jornal brasileiro, o “Correio<br />
Brasiliense”, editado em Londres.<br />
Foi só após a instalação dos cursos jurídicos em São Paulo e em Olinda que pudemos<br />
assegurar a brasilidade e a formação da grande maioria dos nossos homens de estado e da<br />
literatura.<br />
Ora. Alguém tem dúvida que nós precisamos comemorar este marco? É claro que não! Eis<br />
aí o nascimento do que nós, advogados, chamamos de dia do calo..., ou melhor, dia do<br />
“pendura”.<br />
Mas por que “pendura”?<br />
Conta a jornalista Camila Mitye, da Equipe Brasil Escola 3, que no dia 11 de agosto, em<br />
respeito à profissão do advogado, que possuía – o possuÍA ficou demais – muita<br />
notoriedade na época do Primeiro Império (1822 a 1831), os proprietários de<br />
estabelecimentos alimentícios convidavam os advogados e acadêmicos de Direito para<br />
comemorar a data em seus bares e restaurantes. Tudo, é claro, ficava por conta da casa.<br />
Assim, os advogados e aspirantes a tal comiam e bebiam por cortesia e, ao final do<br />
banquete, discursavam para os presentes no estabelecimento, em retribuição ao convite e<br />
à “homenagem” (é claro que, na época, tais discursos eram uma honra para os proprietários<br />
dos bares).<br />
Com o passar dos anos e a proliferação dos cursos de Direito no Brasil, o Pendura foi<br />
ficando insustentável. Os convites dos proprietários para o 11 de agosto gratuito foram<br />
acabando e, desta forma, os estudantes começaram a se “auto­convidar”. Todo 11 de<br />
agosto, então, estudantes de Direito de todo o país invadem bares e restaurantes, comem,<br />
bebem, fazem festa e saem livremente sem pagar, sob a desculpa de comemorar o seu dia.<br />
Segundo o amigo e professor Luiz Flávio Borges D`Urso 4, advogado criminalista e<br />
Presidente da Secção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, “...o verdadeiro pendura<br />
deve ser iniciado discretamente, com a entrada no restaurante, sem alarde, em pequenos<br />
grupos, para não chamar a atenção. As roupas devem ser compatíveis com o local escolhido”.<br />
Tem mais. “Deve­se procurar uma mesa em local central, quanto mais visível melhor.<br />
Prossegue­se, com bastante calma, observando­se cuidadosamente o cardápio, inclusive os<br />
preços, que sabe não irá desembolsar. O pedido deve ser normal, discreto, sem exageros,<br />
admitindo­se inclusive camarões e lagostas. Quanto à bebida, os jovens devem ser comedidos,<br />
pois dela necessitam para ‘aquecer’ suas cordas vocais, preparando­as para o discurso de<br />
agradecimento ao gentil ‘convite’ da casa, todavia, a bebida em demasia, pode transformar o<br />
discurso e o pendura num desastre”.<br />
3 http://www.brasilescola.com/datacomemorativas/tire‐conta‐mesa‐porque‐hoje‐dia‐pendura.htm<br />
4 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1916

E nem ouse perguntar se isso – comer e sair sem pagar – configura um crime. É claro que<br />
não.<br />
O judiciário já analisou a questão e sobre ela decidiu:<br />
“Ementa TACRIM nº 115900 - Inocorre o crime do art. 176,<br />
"caput", do código penal, na hipótese em que um grupo de<br />
universitários, a título de comemorarem o dia da instalação dos<br />
cursos jurídicos no país, resolvem efetuar a "pendura", e ao ser<br />
apresentada a conta no restaurante afirmam que não<br />
realizariam o pagamento, constatando-se, posteriormente, que<br />
tinham quantia superior à exigida pelo estabelecimento, pois é<br />
pacífico que somente se caracteriza a fraude quando o agente<br />
não possui meios financeiros para pagar o consumo, tendo,<br />
conscientemente, tomado a refeição e iludido o comerciante,<br />
mediante "mise en scene", de que tem capacidade financeira<br />
para fazer frente à despesa” (HC nº 382840/2, 6ª CÂMARA,<br />
Relator: ALMEIDA SAMPAIO, Data: 4/4/2001, V.U.)<br />
Sendo assim, querido amigo(a), se você for dono de um restaurante e tiver a honra de<br />
receber em seu pomposo salão os alunos das academias jurídicas espalhadas pelo país,<br />
que dedicam parte do seu precioso tempo para desfrutar de um apetitoso momento nas<br />
mesas que compõem o seu refinado estabelecimento, não pense duas vezes. Grite:<br />
“GARÇOM TIRE A CONTA DA MESA, ESTAMPE UM SORRISO NO ROSTO. SERIA MUITA<br />
AVAREZA, COBRAR NO ONZE DE AGOSTO”.<br />
Coisas de advogado!<br />
Dinovan Dumas é advogado/sócio do escritório Maciel, Fernandes e Basso Advogados, onde<br />
coordena, entre outras, as áreas de Direito Penal Empresarial e Contratos. Atua, também, como<br />
membro colaborador da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Secção São Paulo.