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<strong>02</strong> www. <strong>Destak</strong> 6ª Feira · <strong>15</strong> de Fevereiro de <strong>2008</strong><br />
.pt<br />
<strong>Destak</strong><br />
FIM-DE-SEMANA<br />
Veneno<br />
Isabel Stilwell | directora<br />
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII<br />
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII<br />
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII<br />
« O pior de todos os<br />
terrores: o medo<br />
do medo. O medo que,<br />
em miúdos,<br />
é representado pelo<br />
receio de que uma bruxa<br />
se tenha escondido no<br />
nosso quarto, e que há<br />
medida que crescemos,<br />
e nos envergonhamos<br />
dos medos infantis,<br />
transformamos noutros,<br />
a que damos<br />
nomes mais pomposos<br />
e tentamos<br />
encobrir.<br />
«<br />
Como ultrapassar<br />
o medo do medo<br />
GETTY<br />
Fomos educados para procurar razões para tudo. Disseram-nos que<br />
a superstição, e a irracionalidade eram sintomas de um estado civilizacional<br />
inferior, e estimularam em cada um de nós o seu espírito<br />
científico: há sempre uma causa, o importante é descobri-la. E<br />
a causa tem que ser, diz esta educação científica, palpável e visível,<br />
comprovável por um exame médico ou uma análise, qualquer coisa<br />
que pode ser demonstrável e um médico, de bata branca, capaz<br />
de decifrar.<br />
Por isso quando estamos constipados, não nos deitamos na cama<br />
a chá com mel, à espera que passe, mas perguntamo-nos incessantemente<br />
se será viral ou bacteriana, se passará apenas com umas<br />
gotas para o nariz, ou com antibiótico, e por ai adiante, incapazes<br />
de darmos tempo ao tempo, e sobretudo de aceitarmos que aceitar<br />
a realidade não é sinal de fraqueza. Uf, não precisamos de estar<br />
sempre a lutar contra tudo, como se fossemos um D. Quixote<br />
ou um Sancho Panza.<br />
Masenquantoosnossos«sustos»têm um objecto claro, a coisa até<br />
não vai mal. Incomóda, chateia, mas não nos leva ao pior de todos<br />
osterrores:omedodomedo.Omedoque,emmiúdos,érepresentado<br />
pelo receio de que uma bruxa se tenha escondido no nosso<br />
quarto, e que há medida que crescemos, e nos envergonhamos dos<br />
medos infantis, transformamos noutros, a que damos nomes mais<br />
pomposos e tentamos encobrir. Esses são aqueles que nos atacam<br />
quando menos esperamos.<br />
A verdade é que somos muito mais inteligentes do que nós próprios<br />
nos imaginamos. E o nossos sistema interno procura sempre, mesmoquenãolhedemosessaordem,oequilíbrio.Paraconsegui-lo<br />
tem sistemas de alarme que dispara quando estamos em perigo,<br />
deformaaquepossamosreagirevoltarainstalaroclimadepaz<br />
interior. O alarme toca quando enfrentamos um obstáculo – um<br />
leão de boca aberta, no caso de vivermos na selva, ou um assaltante,<br />
de faca na mão, do século XXI - e o corpo prepara-se para enfrentar<br />
o inimigo e, se necessário, fugir. Mas o que só recentemente<br />
descobrimos é que o alarme pode disparar sem razão aparente,<br />
e continuar a tocar, ensurdecendo-nos.<br />
Quem já passou por um ataque de pânico, ou por uma crise intensa<br />
de ansiedade, sabe do que se está a falar. De repente, saído do nada,<br />
sente-se o coração bater a cem à hora, o peito aperta-se numa<br />
sensação de falta de ar, e a cabeça fica tonta e confusa, como se<br />
estivéssemos prestes a perder a consciência. Quando o primeiro<br />
ataque de pânico acontece, a vítima vai mesmo parar ao hospital,<br />
porque nada a convence que não está a sofrer um ataque de coração<br />
ou a morrer mesmo, e liga para o 112 com urgência. E ai a<br />
prestação do médico que atende o doente vai fazer toda a diferença<br />
para o seu futuro.<br />
Depois de eliminadas as causas físicas, se o clínico se limita a descartar<br />
o doente com um diagnóstico de «ataque de pânico», juntando<br />
à frase um ar de ligeiro desprezo, está tudo estragado. O doente,queseconsideraumapessoacivilizadaeracional,recusaorótulo,<br />
que lhe parece uma forma de o desclassificar: então o homem<br />
está a dizer-me que sou um daqueles histéricos/histéricas, que «se<br />
deixa apoderar pelos nervos»? E pânico porquê e de quê, Santo<br />
Deus,seianaruaavermontrasdescansadodavida,ouliaumlivro<br />
em casa, no sossego dos anjos? Se ninguém lhe conseguir explicarqueporrazõesqueéprecisoapurar,masquenãotêmque<br />
ser necessariamente físicas, o seu sistema interno reagiu de forma<br />
desproporcionada, vai tornar-se um hipocondríaco assustado,<br />
aterrorizado com a possibilidade de um novo ataque, e ansioso por<br />
descobrir uma causa física para o sucedido, multiplicando-se em<br />
análises e exames que o descansem. Que nunca descansam porque,<br />
vão dizer-lhe os médicos, «não tem nada». E quando não se<br />
«tem nada», é porque, pensa o doente, me estão a dizer que isto é<br />
tudo «da minha cabeça», ou seja estão a chamar-me louco.<br />
Mas, então, como é que se explica «racionalmente» um ataque de<br />
pânico? Dizem os especialistas que são precisas duas ordens de<br />
explicações. A primeira é apresentar os sintomas em si: o cérebro<br />
foi enganado, precepcionou um perigo que não existia, e reagiu<br />
em conformidade. Enviou sangue para os músculos, para os preparar<br />
para a fuga, e ao tirar o oxigênio da cabeça para o mandar<br />
para onde era mais necessário, deixou a pessoa meia zonza, com<br />
aquela sensação horrível de desmaio iminente. Embora a vítima<br />
sesintaamorrer,precisadesaber,queocorponuncacometeria<br />
suicídio, e depressa retomará o seu normal funcionamento. Por<br />
isso, o doente pode ficar sossegado: o ataque é insuportável, mas<br />
auto-limitado. A segunda maratona de explicações, é aquela que<br />
se destina a levá-lo a entender que o nosso tipo de vida, cheio de<br />
stress, sentimentos reprimidos, raivas engolidas, produz dentro<br />
de nós monstros, como aqueles que se escondem debaixo da cama<br />
das crianças. Simplesmente, montamos a guarda, não permitindo<br />
que nos ataquem, guardando os monstros de que nem temos<br />
bem consciência, presos a sete chaves. Simplemente mesmo o melhor<br />
vigilante tem momentos de distração e há um dia em que deixa<br />
queomedosesolteenosataque.Éai,entreduaslinhasdeumlivro<br />
de histórias, o medo salta, implacável e<br />
o alarme toca, e toca, e toca. Enquanto a vítimanãoaceitarqueécorpoemente,enão<br />
apenas corpo, nada feito.<br />
Cortarocicloviciosodomedodomedoédifícil,<br />
mas fundamental. Consegue-se com ansiolíticos,<br />
e os portugueses são campeões no<br />
seu uso, e outros medicamentos, que só funcionarão,noentanto,casoseprocureaajuda<br />
de um psicoterapeuta, que ajude a descobrir<br />
onde está o «erro» na gestão das nossas<br />
vidas, o que recalcamos e nos faz tão mal, o<br />
que metemos para dentro, sem sermos capazes<br />
de enfrentar. Só esse trabalho interior,<br />
sério e empenhado, pode levar a voltar<br />
a viver plenamente, mesmo que o medo do<br />
medo, fique sempre como uma sombra<br />
ameaçadora. Mas quem já passou por isto<br />
terá sempre uma vantagem: sabe que é mais<br />
fortedoqueele,edeixadeterreceiodeoolhar<br />
nos olhos. E os medos olhados nos olhos,<br />
fogem.