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Marcelo Baquero; Bianca de Freitas Linhares Capital social

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CAPITAL SOCIAL E EMPODERAMENTO DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS POR<br />

EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NO SUL DO BRASIL<br />

BAQUERO, <strong>Marcelo</strong> 1 ; LINHARES, <strong>Bianca</strong> <strong>de</strong> <strong>Freitas</strong> 2<br />

1 UFRGS; 2 UFRGS<br />

Resumo<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é examinar o impacto do estabelecimento <strong>de</strong> empreendimentos<br />

hidrelétricos na fragmentação <strong>social</strong> e <strong>de</strong>sestruturação familiar nas comunida<strong>de</strong>s atingidas.<br />

O capital <strong>social</strong>, <strong>de</strong>finido em termos <strong>de</strong> confiança recíproca e interpessoal, ten<strong>de</strong> a se<br />

fortalecer em comunida<strong>de</strong>s locais atingidas por dispositivos que afetam suas vidas positiva<br />

ou negativamente. Neste trabalho, consi<strong>de</strong>ramos que as comunida<strong>de</strong>s afetadas por<br />

empreendimentos hidrelétricos experimentam uma perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva primária,<br />

sendo obrigados a fazer parte <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s constituídas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas<br />

iniciativas, possibilitando, ou não, a promoção do capital <strong>social</strong> e do empo<strong>de</strong>ramento.<br />

Defen<strong>de</strong>-se que é necessário que os responsáveis pelos empreendimentos realizem<br />

diagnósticos aprofundados, <strong>de</strong> natureza psicos<strong>social</strong> junto às populações atingidas, sob<br />

pena <strong>de</strong> causar danos irreparáveis à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s. Para alcançar<br />

os objetivos propostos e testar a hipótese central, utilizam-se dados da pesquisa Avaliação<br />

dos resultados e proposição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> remanejamento da<br />

população atingida por empreendimentos hidrelétricos, realizada em janeiro <strong>de</strong> 2012, com a<br />

população atingida por ocasião da instalação <strong>de</strong> cinco usinas hidrelétricas no norte do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul e no sul <strong>de</strong> Santa Catarina.<br />

Palavras-chave: Atingidos por Barragens; <strong>Capital</strong> Social; Confiança.<br />

Introdução<br />

Estudos sobre políticas públicas no Brasil têm proliferado significativamente<br />

nos últimos anos. Nas mais diversas áreas <strong>de</strong> aplicação, as políticas públicas 1 se<br />

constituem em ações que o Estado toma para solucionar alguma questão na<br />

socieda<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> proporcionar uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida à<br />

população. Nessa perspectiva, surgem políticas públicas, por exemplo, nas áreas <strong>de</strong><br />

educação, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> segurança, <strong>de</strong> assistência <strong>social</strong>, <strong>de</strong> habitação, entre<br />

outras.<br />

Uma das dimensões das políticas públicas que tem sido alvo <strong>de</strong> poucas<br />

pesquisas na área <strong>de</strong> Ciência Política diz respeito à política <strong>de</strong> acesso à energia e<br />

suas conseqüências. Contudo, estudos sobre essa temática são imprescindíveis,<br />

dado que o acesso da população a esse bem <strong>social</strong> tornou-se imperativo. Não por<br />

acaso o governo brasileiro tem investido e estimulado a instalação <strong>de</strong> hidrelétricas<br />

no país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XIX, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproveitar a hidrografia e o<br />

1 Para uma revisão <strong>de</strong> literatura sobre Políticas Públicas ver Souza (2006).


elevo propício à geração <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> energia (PASE e ROCHA, 2010; PASE,<br />

2012).<br />

Entretanto, apesar da energia elétrica se constituir num mecanismo <strong>de</strong><br />

inclusão <strong>social</strong>, o processo envolvido até chegar às residências enfrenta<br />

adversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m. Esse caminho passa, muitas vezes, sem que a maior<br />

parte dos cidadãos perceba, sobre famílias, comunida<strong>de</strong>s e suas proprieda<strong>de</strong>s, na<br />

forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> terras via dispositivos jurídicos, em nome <strong>de</strong> um bem<br />

maior, qual seja, o <strong>de</strong>senvolvimento econômico do país.<br />

Não se po<strong>de</strong> negar que mecanismos <strong>de</strong> proteção existem para as famílias e<br />

grupos sociais que são atingidos pelos empreendimentos hidrelétricos no Brasil.<br />

Conforme mostra Rocha (2012a e 2012b), atualmente o atingido por barragens<br />

possui direitos, como o <strong>de</strong> ser in<strong>de</strong>nizado pela <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> sua terra, ou<br />

escolher entre outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acordos referentes à saída <strong>de</strong> sua<br />

proprieda<strong>de</strong>.<br />

No entanto, como a história recente tem se encarregado <strong>de</strong> mostrar, os<br />

empreendimentos afetam não apenas os proprietários (os quais terão algum tipo <strong>de</strong><br />

acordo para “sanar” problemas advindos <strong>de</strong>ssa perda), mas impactam também as<br />

relações sociais, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e histórias <strong>de</strong> vida. A avaliação <strong>de</strong>ssas questões,<br />

entretanto, não tem merecido, proporcionalmente, estudos que aprofun<strong>de</strong>m as<br />

sequelas dos empreendimentos nessas dimensões. Com base nessa constatação,<br />

este trabalho examina o impacto do estabelecimento <strong>de</strong> empreendimentos<br />

hidrelétricos nas dimensões subjetivas acima citadas e, num segundo momento,<br />

analisa como o capital <strong>social</strong> po<strong>de</strong>ria auxiliar na construção <strong>de</strong> coesão <strong>social</strong> e<br />

comunitária.<br />

O capital <strong>social</strong>, <strong>de</strong>finido em termos <strong>de</strong> confiança recíproca e interpessoal, se<br />

modifica em comunida<strong>de</strong>s locais atingidas por dispositivos que afetam suas vidas<br />

positiva ou negativamente. Neste trabalho, consi<strong>de</strong>ramos que as comunida<strong>de</strong>s<br />

afetadas por empreendimentos hidrelétricos experimentam uma perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

coletiva primária, sendo obrigados a fazer parte <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s constituídas<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas iniciativas, possibilitando, ou não, a promoção do capital <strong>social</strong> e<br />

do empo<strong>de</strong>ramento.<br />

Buscamos, nesse trabalho, subsídios teórico-práticos que auxiliem os<br />

responsáveis pelos empreendimentos a realizar diagnósticos aprofundados, <strong>de</strong>


natureza psicos<strong>social</strong>, junto às populações atingidas, a fim <strong>de</strong> evitar danos<br />

irreparáveis à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s.<br />

Para alcançar os objetivos propostos, utilizam-se dados da pesquisa<br />

Avaliação dos resultados e proposição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />

remanejamento da população atingida por empreendimentos hidrelétricos, realizada<br />

em janeiro <strong>de</strong> 2012, com a população atingida por ocasião da instalação <strong>de</strong> cinco<br />

usinas hidrelétricas no norte do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e no sul <strong>de</strong> Santa Catarina.<br />

O paper está organizado, além da Introdução, em mais quatro partes. Na<br />

primeira são abordados os conceitos <strong>de</strong> Cultura Política, <strong>Capital</strong> Social e<br />

Empo<strong>de</strong>ramento. Na segunda é apresentada a metodologia utilizada. Na terceira<br />

parte são apresentados os dados empíricos da pesquisa. Por fim, são trazidas<br />

algumas conclusões do paper.<br />

I. A relevância do estudo da Cultura Política, do <strong>Capital</strong> Social e do<br />

Empo<strong>de</strong>ramento<br />

Atualmente, se constata uma convergência <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista, em relação a<br />

i<strong>de</strong>ntificar um conjunto <strong>de</strong> fatores (mercado, privatizações, redução do tamanho do<br />

Estado, a globalização, a robótica e a informática), que estão alterando<br />

profundamente o estilo <strong>de</strong> vida das pessoas em países como o Brasil. Constata-se<br />

que os avanços formais da <strong>de</strong>mocracia não encontram um <strong>de</strong>senvolvimento paralelo<br />

na dimensão <strong>social</strong>, pois continua a prevalecer a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>social</strong>. Essa<br />

assimetria inci<strong>de</strong>, sobretudo, nos setores mais vulneráveis da socieda<strong>de</strong>. Nesse<br />

cenários os cientistas políticos têm sido chamados a respon<strong>de</strong>r questões<br />

fundamentais, estando entre as mais importantes:<br />

Que medidas tomar para sanar os déficits <strong>de</strong>mocráticos?<br />

Como assegurar que os segmentos <strong>social</strong>mente marginalizados sejam<br />

incluídos nos benefícios do <strong>de</strong>senvolvimento do país?<br />

Como organizar o apoio crescente da socieda<strong>de</strong> que dê po<strong>de</strong>r e<br />

sustentabilida<strong>de</strong> à <strong>de</strong>mocracia na sua forma atual? (OEA, PNUD, 2010).<br />

Nesse sentido, trata-se <strong>de</strong> discutir a <strong>de</strong>mocracia no Brasil com base numa<br />

situação pontual e que se refere ao tratamento dado as populações que são<br />

<strong>de</strong>slocadas por dispositivos tecnológicos em nome do <strong>de</strong>senvolvimento do país.<br />

Essa preocupação tem a ver, portanto, com o processo <strong>de</strong> construção da cidadania.


Essa preocupação se aprofunda em virtu<strong>de</strong> da constatação <strong>de</strong> que<br />

estaríamos testemunhando um processo <strong>de</strong> erosão <strong>de</strong> valores ético-morais,<br />

essenciais para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>social</strong>mente justa e <strong>de</strong>mocrática. O<br />

resultado <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>scompasso é visível na fragilização dos laços sociais e na<br />

individualização das relações sociais on<strong>de</strong> predominam os valores particularistas em<br />

<strong>de</strong>trimento do bem estar coletivo.<br />

Valores como a solidarieda<strong>de</strong>, a amiza<strong>de</strong>, a confiança recíproca (e também<br />

nas instituições políticas), bem como a valorização da participação estão em<br />

<strong>de</strong>clínio. É possível dizer que está em andamento a institucionalização <strong>de</strong> um vazio<br />

<strong>social</strong> on<strong>de</strong> a anomia, a indiferença, a intolerância e o <strong>de</strong>sencanto dos cidadãos com<br />

o atual estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>terioração <strong>social</strong>, política, ética e econômica produz dúvidas e<br />

incertezas sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se consolidar uma <strong>de</strong>mocracia equitativa e<br />

<strong>social</strong>mente orientada no futuro do país.<br />

Somado a esse quadro, as expectativas geradas na população brasileira pelo<br />

processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização têm sido frustradas. A consequência é a<br />

materialização <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> na qual prevalecem elevados déficits <strong>de</strong> coesão<br />

<strong>social</strong>, <strong>de</strong> cultura política participativa, <strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento emancipatório e <strong>de</strong> capital<br />

<strong>social</strong>.<br />

Parte-se, portanto, da premissa que a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>,<br />

fundamentalmente, para funcionar eficientemente (regular os conflitos sociais) e<br />

plenamente (satisfazer minimamente as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> caráter <strong>social</strong>) do grau <strong>de</strong><br />

apoio que os cidadãos dão ao regime político vigente, ou seja, do tipo <strong>de</strong> cultura<br />

política existente.<br />

Uma questão importante é saber como se distribui o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro da<br />

socieda<strong>de</strong>, quem o <strong>de</strong>tém, como ele é utilizado, <strong>de</strong> que forma a soberania doméstica<br />

constrange o pleno <strong>de</strong>senvolvimento da <strong>de</strong>mocracia e da cidadania? De que forma a<br />

<strong>de</strong>mocracia se torna sustentável, ou seja, um sistema on<strong>de</strong> as promessas eleitorais<br />

são cumpridas e há um efetivo respeito pelos direitos <strong>de</strong> todos os cidadãos? Com<br />

base nessa perspectiva, a <strong>de</strong>mocracia começa e não se esgota no voto<br />

<strong>de</strong>mocrático. É pertinente a este respeito sumariar os diversos fatores propostos<br />

pelo Relatório do OEA/PNUD 2010 para caracterizar uma <strong>de</strong>mocracia efetiva.<br />

1. A <strong>de</strong>mocracia é sustentável, ou seja, gera capacida<strong>de</strong>s para perdurar e<br />

ampliar-se, na medida em que sua legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício e <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> seja<br />

agregada à legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem.


2. Da forma como funciona o sistema <strong>de</strong>mocrático latino-americano<br />

atualmente, acaba distanciando os cidadãos dos gestores públicos. A crise <strong>de</strong><br />

representação se converte na exteriorização das falências do exercício e do<br />

cumprimento dos fins da <strong>de</strong>mocracia. Uma socieda<strong>de</strong> que pouco acredita em quem<br />

os governa é uma socieda<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svincular da <strong>de</strong>mocracia.<br />

3. Sem procedimentos apropriados que regulem a relação Estado-<br />

socieda<strong>de</strong> (exercício) e sem alcançar a ampliação crescente da cidadania, o sistema<br />

<strong>de</strong>mocrático po<strong>de</strong>-se transformar num rito ou po<strong>de</strong>ria ser superado por outra forma<br />

<strong>de</strong> organização <strong>social</strong>. O risco presente para as <strong>de</strong>mocracias latino-americanas se<br />

encontra menos nas intenções <strong>de</strong> <strong>de</strong>stituir presi<strong>de</strong>ntes do que a perda da<br />

legitimida<strong>de</strong>.<br />

4. O exercício e os fins da <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong>vem estar no centro do <strong>de</strong>bate<br />

na América Latina. Se o cesarismo substitui o presi<strong>de</strong>ncialismo, as instituições<br />

republicanas ficam truncadas, <strong>de</strong>saparece a in<strong>de</strong>pendência do po<strong>de</strong>r e os controles.<br />

Se a <strong>de</strong>mocracia não se concebe sem um Estado, um Estado <strong>de</strong>mocrático não é<br />

viável sem um sistema republicano <strong>de</strong> pesos e contrapesos no exercício do po<strong>de</strong>r. A<br />

qualida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia exige igualmente o funcionamento cabal do Estado <strong>de</strong><br />

Direito.<br />

5. Existem <strong>de</strong>safios imediatos a enfrentar: a maior taxa <strong>de</strong> homicídios no<br />

mundo, isso significa que não se garante o direito a vida; a maior <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> no<br />

planeta, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso, território, e gênero e étnica significa<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Portanto, nem o po<strong>de</strong>r nem a lei são iguais para todos.<br />

Consi<strong>de</strong>rando esses pontos indicados como essenciais à prevalência da<br />

<strong>de</strong>mocracia em uma socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se afirmar que o Brasil apresenta<br />

constrangimentos à plena <strong>de</strong>mocracia. Um <strong>de</strong>sses limitadores se refere à<br />

capacida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia formal contemporânea em se manter e se ampliar em um<br />

cenário on<strong>de</strong> a relação entre a população e seus representantes políticos se mostra<br />

frágil. Tal situação é agravada pelos episódios <strong>de</strong> corrupção e o mau <strong>de</strong>sempenho<br />

dos políticos enquanto representantes. O resultado se manifesta na falta <strong>de</strong><br />

confiança nos gestores públicos e o <strong>de</strong>sencanto geral com a <strong>de</strong>mocracia.<br />

O mal estar <strong>de</strong>monstrado, pelos brasileiros, com o estágio atual da<br />

<strong>de</strong>mocracia po<strong>de</strong> gerar ações que <strong>de</strong>slegitimam o regime <strong>de</strong>mocrático no país, o<br />

que, por sua vez, po<strong>de</strong> favorecer o pensamento <strong>de</strong> que a relação Estado-socieda<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> ser regulada por outras formas <strong>de</strong> práxis política e que historicamente se


mostraram ineficazes, comprometendo o <strong>de</strong>senvolvimento da cidadania enquanto<br />

fim <strong>de</strong>mocrático. Mesmo na vigência do regime <strong>de</strong>mocrático representativo no Brasil,<br />

continua a se observar que nem todos têm seus direitos assegurados. Nessas<br />

circunstâncias, não surpreen<strong>de</strong> a continuação e fortalecimento <strong>de</strong> uma cultura<br />

política passiva, pouco participativa, on<strong>de</strong> as ações coletivas são substituídas por<br />

práticas que privilegiam o individualismo e os ganhos imediatos.<br />

Tentar introduzir medidas além das convencionais e formais para modificar<br />

essa situação tem se constituído o <strong>de</strong>safio dos cientistas no início do século XXI. Um<br />

dos temas que tem emergido para o <strong>de</strong>bate diz respeito a como <strong>de</strong>senhar uma boa<br />

socieda<strong>de</strong> com or<strong>de</strong>m <strong>social</strong>. Pontualmente, no caso brasileiro, a construção <strong>de</strong> uma<br />

boa socieda<strong>de</strong> é colocada como <strong>de</strong>safio aos gestores públicos, <strong>de</strong> tal forma que<br />

garanta o nível <strong>de</strong> bem estar dos cidadãos nos mesmos patamares que os países<br />

<strong>de</strong>senvolvidos. Trata-se, basicamente <strong>de</strong> produzir uma boa e equitativa socieda<strong>de</strong>.<br />

Nessa linha <strong>de</strong> análise, Etzioni (1989) se pergunta se uma boa socieda<strong>de</strong> é aquela<br />

que foge das concepções coletivas <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> e fomenta, em seu lugar, o<br />

individualismo e o pluralismo como as principais fontes da liberda<strong>de</strong>, ou se uma boa<br />

socieda<strong>de</strong> é aquela on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolvem re<strong>de</strong>s sociais estreitamente entrelaçadas<br />

que assegurem o respeito das virtu<strong>de</strong>s com base nas quais uma socieda<strong>de</strong> se<br />

constitui uma boa socieda<strong>de</strong>. É possível combinar essas duas abordagens?<br />

Teóricos políticos normativos há muito tempo vêm discutindo sobre o<br />

significado <strong>de</strong> boa cidadania. De Aristóteles (2002) a Tocqueville (1987) virtu<strong>de</strong>s<br />

cívicas como racionalida<strong>de</strong>, uma obrigação moral em buscar o bem comum,<br />

engajamento <strong>social</strong> e ativismo político têm sido interpretados como pré-requisitos<br />

para uma boa socieda<strong>de</strong> e um eficiente Estado (ALMOND, 1980; WALZER, 1989).<br />

Esses <strong>de</strong>bates filosóficos e acadêmicos, no entanto, não tem conseguido i<strong>de</strong>ntificar<br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> boa cidadania que seja incontestável e amplamente aceito.<br />

O esforço <strong>de</strong> universalizar a igualda<strong>de</strong> e inclusão política torna imperativo<br />

problematizar sobre como po<strong>de</strong>ria ser viabilizado, no contexto contemporâneo, o<br />

bem comum. A tentativa <strong>de</strong> resgatar esse conceito numa dimensão <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong><br />

é diferente da forma normativa como era tratado antigamente. A esse respeito<br />

Vásquez (2000), sugere que duas perspectivas teóricas po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas e<br />

que discutem como alcançar o bem comum. Uma <strong>de</strong>las se dá pelo exercício da<br />

virtu<strong>de</strong> cívica dos cidadãos e, a outra, por um <strong>de</strong>senho institucional (que será tratado<br />

adiante).


Na primeira perspectiva, o cidadão virtuoso é feliz somente quando age em<br />

nome da comunida<strong>de</strong>. Maquiavel (1979), por exemplo, argumentava não haver<br />

conflito entre a esfera pública e a esfera privada, pois os cidadãos eram conscientes<br />

da importância <strong>de</strong> viver coletivamente. Atribui-se a Maquiavel a recuperação do<br />

conceito do virtú (que significa energia, sendo utilizado para <strong>de</strong>screver o ethos<br />

patriótico dos guerreiros romanos), a <strong>de</strong>voção à coletivida<strong>de</strong>, o patriotismo e a<br />

autorida<strong>de</strong> do governo justo (MAQUIAVEL, 1999). Não por acaso que se credita a<br />

Maquiavel uma das maiores transformações científicas no estudo da política, cujas<br />

características essenciais eram: a superação do misticismo, da autorida<strong>de</strong> divina e<br />

do po<strong>de</strong>r eclesiástico celestial. Na sua formulação teórica do Estado, a dimensão<br />

das virtu<strong>de</strong>s cívicas era recurso essencial para o bom funcionamento da nação.<br />

Na mesma direção, num outro momento da história, Tocqueville (1987)<br />

apontava o sucesso da <strong>de</strong>mocracia na América como fruto da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

convivência comunitária. O autor argumentava que uma associação unifica as<br />

energias <strong>de</strong> pensamentos divergentes e os direciona para um objetivo claramente<br />

indicado. Esse processo facilita a colaboração <strong>social</strong> ou, como contemporaneamente<br />

se afirma, facilitaria a solução <strong>de</strong> problemas da ação coletiva. Igualmente uma vida<br />

associativa reduziria os perigos do individualismo que, em outras condições,<br />

po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>generar para privilegiar unicamente os interesses individuais em<br />

<strong>de</strong>trimento dos interesses coletivos. O envolvimento dos cidadãos na comunida<strong>de</strong>,<br />

segundo esses autores, levaria ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situar os<br />

interesses coletivos acima dos interesses individuais. A prevalência dos interesses<br />

individuais seria danosa para o bom funcionamento da <strong>de</strong>mocracia e comprometeria<br />

os i<strong>de</strong>ais republicanos afetando, principalmente a coesão <strong>social</strong> dos cidadãos.<br />

A coesão <strong>social</strong> se refere ao nível e natureza da satisfação das necessida<strong>de</strong>s<br />

essenciais dos indivíduos juntamente com o senso <strong>de</strong> pertencer e solidarieda<strong>de</strong>,<br />

ambos gerados por um sistema estruturado para assegurar o bem estar <strong>de</strong> todos. A<br />

coesão <strong>social</strong> po<strong>de</strong> ser interpretada como um recurso para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e a criação <strong>de</strong> bem estar, incidindo, também no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong>mocrático. Uma socieda<strong>de</strong> coesa apresenta, por exemplo, melhores condições <strong>de</strong><br />

enfrentar os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável num contexto <strong>de</strong> globalização,<br />

na medida em que são mais flexíveis, compartilhando os custos <strong>de</strong> se ajustar às<br />

condições <strong>de</strong> mercado e sustentar a qualida<strong>de</strong> dos investimentos na infraestrutura,<br />

na educação e na força <strong>de</strong> trabalho. Socieda<strong>de</strong>s com elevados índices <strong>de</strong> coesão


<strong>social</strong> estão mais bem posicionadas para enfrentar esses <strong>de</strong>safios e são mais<br />

responsivas tanto no nível individual quanto em termos organizacionais.<br />

A reorientação da ciência política para o estudo da coesão <strong>social</strong>, do<br />

empo<strong>de</strong>ramento, capital <strong>social</strong> e da cultura política surge, portanto, em <strong>de</strong>corrência<br />

das promessas não materializadas pela <strong>de</strong>mocracia formal contemporânea que não<br />

tem proporcionado espaços suficientes para a participação do cidadão, nos mesmos<br />

mol<strong>de</strong>s que nas nações chamadas mo<strong>de</strong>rnas, além da participação no processo<br />

eleitoral. Esses déficits <strong>de</strong> participação popular tornam relevante e necessário<br />

examinar a questão da cidadania e o papel da socieda<strong>de</strong> civil numa dimensão <strong>de</strong><br />

mais participação e <strong>de</strong> fiscalização da coisa pública, sem que isso represente ou se<br />

constitua num constrangimento das estruturas formais <strong>de</strong> participação e<br />

representação política.<br />

Nessa direção, Glaeser et al. (2004) argumentam que o impacto da história <strong>de</strong><br />

uma socieda<strong>de</strong> no seu <strong>de</strong>senvolvimento atual é um reflexo do acúmulo <strong>de</strong> capital<br />

humano, o qual, por sua vez, influencia os resultados institucionais, e não o<br />

contrário. Nessa mesma linha <strong>de</strong> análise, Lipset (1969) consi<strong>de</strong>ra que a educação<br />

tem papel <strong>de</strong>cisivo na evolução das instituições. Especificamente, em relação à<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sistema político, Lipset (1969) consi<strong>de</strong>ra que os traços culturais e<br />

a educação <strong>de</strong>sempenham um papel <strong>de</strong>cisivo, pois para o autor, a <strong>de</strong>mocracia<br />

funciona bem quando os cidadãos a aceitam como instrumento legítimo <strong>de</strong><br />

resolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

A segunda perspectiva <strong>de</strong> Vásquez (2000) acerca <strong>de</strong> alcançar o bem comum<br />

está relacionada, como apontado anteriormente, ao <strong>de</strong>senho institucionalista. Essa<br />

ênfase, geralmente, é caracterizada como uma perspectiva institucional, a qual tem<br />

por limite apontar, para a maioria das pessoas, as organizações formais (como os<br />

po<strong>de</strong>res executivos, os parlamentos, a justiça e outras instituições que tem uma<br />

estrutura e um reconhecimento jurídico) como meios que proporcionariam o bem<br />

coletivo. Mas, essa perspectiva negligencia os aspectos culturais – principalmente a<br />

cultura cívica – que inspira o funcionamento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> através dos valores,<br />

das atitu<strong>de</strong>s, das instituições e das condutas compartilhadas <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s.<br />

Com base no princípio <strong>de</strong> que as instituições são gerenciadas e controladas<br />

por pessoas, é necessário repensar o princípio <strong>de</strong> que somente as instituições<br />

importam para o processo <strong>de</strong>mocrático. Para O´Donnell (1994 e 2000) as<br />

instituições formais são somente um lado da moeda. Enquanto que as instituições


formais estão nas constituições ou leis, as instituições informais estruturam a vida<br />

<strong>social</strong> e política num sentido amplo. Para Waldmann (2006) existiria uma segunda<br />

dimensão oculta formada por instituições informais, tornando imperativa sua análise<br />

nas discussões <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho institucional.<br />

Nesse sentido, toma corpo uma linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento teórico relativa ao<br />

papel das instituições informais. Essas instituições relacionam-se à prevalência <strong>de</strong><br />

valores culturais <strong>de</strong> comportamento <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong> confiança mútua<br />

(TABELLINI, 2008), bem como a valores <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> individualismo. Tais<br />

valores produzem um senso <strong>de</strong> autoconfiança nos atores econômicos promovendo o<br />

alcance <strong>de</strong> objetivos e <strong>de</strong> inovação na tradição weberiana.<br />

Embora, pelo menos na retórica, exista o reconhecimento da necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssas duas vertentes (informal e formal) se comunicarem, na realida<strong>de</strong> pouco se<br />

tem avançado na promoção <strong>de</strong> um diálogo produtivo e construtivo. Tal<br />

distanciamento se atribui ao fato <strong>de</strong> que as normas culturais <strong>de</strong>moram a se<br />

modificar, agindo, em <strong>de</strong>terminados momentos, como elementos que constrangem o<br />

efetivo <strong>de</strong>senvolvimento das instituições formais (principalmente políticas e<br />

jurídicas). No entanto, não po<strong>de</strong> se negar, e isto fica claro no trabalho <strong>de</strong> Putnam<br />

(1996), que instituições formais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, para seu sucesso, <strong>de</strong> valores e crenças<br />

(informais) da socieda<strong>de</strong>. Em outras palavras, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m das tradições cívicas que<br />

prevalecem em cada região.<br />

No Brasil, o que se observa, atualmente, é perda da fé na capacida<strong>de</strong> dos<br />

gran<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>los para moldar nossa vida, através <strong>de</strong> diversas formas <strong>de</strong><br />

engenharias sociais, afetando a confiança e, consequentemente, a legitimida<strong>de</strong> dos<br />

governos <strong>de</strong>mocráticos eleitos. Já se sabe que elevados índices <strong>de</strong> confiança e<br />

valores cívicos contribuem para elevar os números <strong>de</strong> crescimento, por meio da<br />

redução dos custos <strong>de</strong> transação, aumentando a confiança no governo e os índices<br />

<strong>de</strong> investimento, tornando a governança mais eficiente, proporcionando serviços<br />

públicos e aumentando a transparência governamental. Quando os cidadãos<br />

confiam na lei e nas instituições estabelecidas, eles ficam predispostos a articular<br />

suas <strong>de</strong>mandas via instituições formais e a permitir que as instituições e a lei<br />

me<strong>de</strong>iem os conflitos. Também confiam nas instituições políticas para adotar<br />

soluções políticas para os problemas sociais.


II. Metodologia<br />

Os dados do presente estudo são oriundos da pesquisa <strong>de</strong> campo realizada<br />

com pessoas que foram remanejadas <strong>de</strong>vido à implementação dos<br />

empreendimentos hidroelétricos <strong>de</strong> Barra Gran<strong>de</strong>, Campos Novos, Machadinho, Itá<br />

e Foz do Chapecó, entre o norte do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e o sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Os<br />

questionários foram aplicados em 24 municípios 2 , totalizando 632 entrevistas.<br />

Foi elaborado um instrumento <strong>de</strong> pesquisa quantitativo, com perguntas<br />

abertas e fechadas. Para a análise dos dados provenientes do questionário, neste<br />

trabalho são utilizadas freqüências, além da realização <strong>de</strong> análise fatorial <strong>de</strong><br />

componentes principais. Segundo Pestana e Gageiro (2000, p. 389),<br />

III. Dados empíricos<br />

análise factorial é um instrumento que possibilita organizar a maneira como<br />

os sujeitos interpretam as coisas, indicando as que estão relacionadas entre<br />

si e as que não estão. Esta análise permite ver até que ponto diferentes<br />

variáveis têm subjacente o mesmo conceito (factor).<br />

A partir das premissas citadas anteriormente, buscamos reunir um conjunto<br />

<strong>de</strong> variáveis que pu<strong>de</strong>ssem explicitar relações <strong>de</strong> familiares e/ou vizinhos com o<br />

capital <strong>social</strong> e virtu<strong>de</strong>s cívicas <strong>de</strong>sses grupos. Para tanto, primeiramente foram<br />

selecionadas perguntas referentes a capital <strong>social</strong> e submetidas à análise fatorial<br />

com o objetivo <strong>de</strong> agrupá-las numa única dimensão, <strong>de</strong> forma que o seu conjunto<br />

medisse um mesmo conceito. As dimensões a serem tratadas adiante foram<br />

captadas por meio da técnica <strong>de</strong> análise fatorial <strong>de</strong> componentes principais (a qual<br />

<strong>de</strong>u origem aos índices a serem apresentados).<br />

Dessa forma, um grupo <strong>de</strong> variáveis po<strong>de</strong>ria ser agrupado transformando-se<br />

em um índice, para avaliar um <strong>de</strong>terminado conceito. De acordo com Pestana e<br />

Gageiro (2000, p. 424) os índices “sumarizam a informação dada pelos itens que os<br />

integram”.<br />

Assim, nessa análise busca-se avaliar a existência <strong>de</strong> variáveis capazes <strong>de</strong><br />

serem agrupadas <strong>de</strong> forma a medirem o que chamaríamos <strong>de</strong> “força familiar”. Essa<br />

dimensão <strong>de</strong> análise reuniria como indicadores, por exemplo, a confiança no<br />

conjunto familiar, normas <strong>de</strong> convivência, participação em eventos familiares, o<br />

estado civil do entrevistado. O objetivo <strong>de</strong> trabalharmos com a “força familiar” era<br />

2 Abdon Batista, Águas <strong>de</strong> Chapecó, Alpestre, Anita Garibaldi, Aratiba, Barracão, Campo Alto do Sul, Campo Belo do Sul,<br />

Campos Novos, Celso Ramos, Cerro Negro, Chopinzinho, Itá, Machadinho, Mangueirinha, Maximiliano <strong>de</strong> Almeida, Paim Filho,<br />

Pinhal da Serra, Sananduva, São Carlos, São João da Urtiga, São João da Vitória, São José do Ouro e Três Barras.


avaliar o quanto a família implica em uma série <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e comportamentos que<br />

são refletidas na vida <strong>social</strong> e política dos atingidos por barragens, e o quanto esta<br />

teria se modificado ou adaptado <strong>de</strong>vido ao remanejamento resultado da instalação<br />

<strong>de</strong> barragens.<br />

Contudo, a análise dos dados mostraram que em lugar <strong>de</strong>ssa dimensão que<br />

supomos existir, há duas outras que po<strong>de</strong>m nos auxiliar na compreensão do impacto<br />

do estabelecimento <strong>de</strong> empreendimentos hidrelétricos na construção <strong>de</strong> capital<br />

<strong>social</strong> e do empo<strong>de</strong>ramento das comunida<strong>de</strong>s estudadas. Ou seja: a “força familiar”<br />

não se apresentou como dimensão forte o suficiente para se atingir os objetivos<br />

<strong>de</strong>sse paper.<br />

As duas dimensões a que chegamos são o que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> “valoração<br />

<strong>de</strong> movimentos e/ou ativida<strong>de</strong>s comunitárias” e <strong>de</strong> “confiança comunitária”. Nesse<br />

sentido, questões relacionadas ao sentimento <strong>de</strong> pertencimento, à confiança e à<br />

participação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s da comunida<strong>de</strong> nos dizem mais sobre as consequências<br />

dos reassentamentos do que a suposta “força familiar”. A seguir, apresentamos duas<br />

dimensões resultantes da análise fatorial.<br />

A primeira dimensão que trataremos é a “confiança comunitária”. Esta é<br />

composta das seguintes variáveis, que constituem o questionário quantitativo da<br />

pesquisa Avaliação dos resultados e proposição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong><br />

programas <strong>de</strong> remanejamento da população atingida por empreendimentos<br />

hidrelétricos:<br />

De forma geral, o(a) Sr(a) diria que se po<strong>de</strong> confiar nas pessoas OU<br />

não se po<strong>de</strong> confiar nas pessoas?<br />

O(A) sr.(a) confia na Igreja?<br />

O(A) sr.(a) confia nas Associações <strong>de</strong> Moradores?<br />

A Tabela 1, apresentada abaixo, traz as informações acerca do índice <strong>de</strong><br />

confiança comunitária dos grupos atingidos por barragens, segundo a UHE <strong>de</strong><br />

origem. Nesse índice, compreen<strong>de</strong>-se que as questões acima citadas encontram-se<br />

em uma mesma dimensão <strong>de</strong> análise uma vez que falar sobre confiar nas pessoas é<br />

algo bastante generalizante, sendo compreensível que conste da mesma dimensão<br />

da confiança na Igreja e nas Associações Comunitárias. As pessoas “em geral”<br />

po<strong>de</strong>m ser vistas como aquelas que encontramos no cotidiano, no dia-a-dia <strong>social</strong> –<br />

assim, as que encontramos em locais como o templo religioso que se frequenta ou a<br />

associação <strong>de</strong> bairro.


Tabela 1 – Índice <strong>de</strong> confiança comunitária por UHE que o remanejou (%)<br />

Barra Gran<strong>de</strong> Campos Novos Machadinho Itá Foz do Chapecó<br />

Confia 70 69 64 71 64<br />

Não confia 30 31 36 29 36<br />

Total 100 100 100 100 100<br />

N 110 99 120 83 95<br />

Fonte: elaboração própria. p>0,05<br />

Pela Tabela 1, verificamos que a confiança comunitária apresenta-se <strong>de</strong><br />

maneira elevada e semelhante para toda a população estudada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da UHE que remanejou os respon<strong>de</strong>ntes da pesquisa. Ao mesmo tempo, percebe-se<br />

que o nível <strong>de</strong> confiança comunitária entre os remanejados por barragens é superior<br />

ao da população brasileira. Para uma comparação consi<strong>de</strong>rando dados do Índice <strong>de</strong><br />

Confiança Social 3 <strong>de</strong> 2009 a 2011 (IBOPE), os brasileiros confiam (em média nesse<br />

período), nas Igrejas cerca <strong>de</strong> 73 pontos em 100, nas pessoas em geral 59 pontos, e<br />

em organizações cerca <strong>de</strong> 60 pontos.<br />

Outra conclusão a que se chega a partir da Tabela 1 é que o índice <strong>de</strong><br />

confiança comunitária não está associado à Usina Hidrelétrica que <strong>de</strong>finiu o<br />

remanejamento dos entrevistados. Desta forma, outros elementos é que são<br />

<strong>de</strong>terminantes para compreen<strong>de</strong>r o nível <strong>de</strong> confiança comunitária apresentado.<br />

Nesse sentido, os objetivos <strong>de</strong> apresentar esses dados são <strong>de</strong> verificar o nível <strong>de</strong><br />

confiança comunitária e se haveria diferenças <strong>de</strong>le quando verificados por UHE.<br />

Uma vez constatado que as usinas em si não influenciam a confiança<br />

comunitária, passamos a tratar a outra dimensão que nos auxiliará na avaliação do<br />

impacto do estabelecimento <strong>de</strong> empreendimentos hidrelétricos na construção <strong>de</strong><br />

capital <strong>social</strong> e do empo<strong>de</strong>ramento das comunida<strong>de</strong>s estudadas.<br />

A segunda dimensão a ser abordada é a “valoração <strong>de</strong> movimentos e/ou<br />

ativida<strong>de</strong>s comunitárias”. Ela é formada das seguintes variáveis do questionário da<br />

já referida pesquisa:<br />

Se um projeto da comunida<strong>de</strong> não lhe beneficia diretamente, mas po<strong>de</strong><br />

beneficiar outras pessoas da sua comunida<strong>de</strong>, o(a) Sr(a) contribuiria?<br />

Depois do seu remanejamento, o(a) Sr(a) participou <strong>de</strong> mobilização <strong>de</strong><br />

apoio a outros atingidos?<br />

O(A) sr.(a) confia no MAB 4 ?<br />

3 O Índice <strong>de</strong> Confiança Social é um produto do IBOPE. Me<strong>de</strong> a confiança interpessoal dos cidadãos e sua confiança nas<br />

instituições. O índice varia em uma escala <strong>de</strong> zero a cem. A pesquisa foi aplicada em 2009, 2010 e em 2011.<br />

4 Movimento dos Atingidos por Barragens.


A explicação da construção <strong>de</strong>ssa dimensão, para além do amparo<br />

estatístico, teve por base que a instalação <strong>de</strong> hidrelétricas proporcionou o<br />

aparecimento do MAB. Este interveio <strong>de</strong> tal forma nas comunida<strong>de</strong>s que sofreram a<br />

ação das hidrelétricas que marcou a sua forma <strong>de</strong> agir e pensar. A população<br />

estudada, no momento em que percebeu no MAB um apoio em relação às suas<br />

<strong>de</strong>mandas, passou a confiar no movimento. Mesmo após terem se colocado em<br />

novos territórios e novas comunida<strong>de</strong>s, muitas pessoas continuaram a participar do<br />

MAB. A participação efetiva neste grupo mostra que, mesmo já tendo alcançado<br />

seus objetivos, ainda assim a população estudada consi<strong>de</strong>ra importante continuar<br />

participando <strong>de</strong>le. Nesse sentido, é <strong>de</strong> se esperar (como explicita a análise fatorial)<br />

que a questão que versa sobre participar <strong>de</strong> projetos que não beneficiam as pessoas<br />

diretamente, esteja presente nesta dimensão.<br />

A dimensão da valoração <strong>de</strong> movimentos e/ou ativida<strong>de</strong>s comunitárias é<br />

apresentada na Tabela 2, abaixo:<br />

Tabela 2 – Índice <strong>de</strong> valoração <strong>de</strong> movimentos e/ou ativida<strong>de</strong>s comunitárias<br />

por UHE que o remanejou (%)<br />

Barra Gran<strong>de</strong> Campos Novos Machadinho Itá Foz do Chapecó<br />

Valoração 71 47 67 62 58<br />

Não valoração 29 53 33 38 42<br />

Total 100 100 100 100 100<br />

N 119 118 159 99 102<br />

Fonte: elaboração própria. p


Valoração<br />

Não Valoração<br />

barragens e suas consequências às populações circunvizinhas ao empreendimento,<br />

instiga, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua formação, a participação da população em ações para a<br />

população a ser remanejada ou já remanejada. É um círculo virtuoso a favor das<br />

pessoas que se encontram em uma situação semelhante. Com isso, é esse o índice<br />

que utilizaremos para verificar a confiança interpessoal, e suas mudanças, junto aos<br />

atingidos remanejados por barragens.<br />

Quadro 1 – Confiança interpessoal, avaliação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> vida e da vida comunitária segundo o índice <strong>de</strong><br />

valoração <strong>de</strong> movimentos/ativida<strong>de</strong>s comunitárias (%)<br />

Antes Depois<br />

movimentos/ativida<br />

<strong>de</strong>s comunitárias<br />

movimentos/ativida<br />

<strong>de</strong>s comunitárias<br />

Boa Regular Ruim N Boa Regular Ruim N<br />

Família 5 94,2 5,8 0,0 364 90,4 8,8 0,8 364<br />

Vizinhos 6 96,7 2,5 0,8 366 86,1 13,1 0,8 367<br />

Viajar 7 95,6 1,4 3,0 364 83,5 8,8 7,7 364<br />

Morar perto da<br />

família 8<br />

Qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Vida 9<br />

Vida<br />

Comunitária 10<br />

81,7 - 18,3 361 59,3 - 40,7 364<br />

81,1 12,3 6,0 365 86,8 7,6 5,6 356<br />

45,6 40,4 13,9 366 70,2 23,6 6,3 352<br />

Família 93,0 5,3 1,8 227 90,0 8,3 1,7 229<br />

Vizinhos 96,5 2,6 0,9 229 86,5 11,3 2,2 230<br />

Viajar 91,6 3,1 5,3 226 82,5 10,5 7,0 228<br />

Morar perto da<br />

família<br />

73,2 - 26,8 228 52,8 - 47,2 229<br />

Qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Vida<br />

77,0 17,0 6,1 230 82,3 10,5 7,3 220<br />

Vida<br />

Comunitária<br />

38,1 41,6 20,4 226 68,7 22,1 9,2 217<br />

Fonte: elaboração própria.<br />

O Quadro 1 nos mostra que o nível <strong>de</strong> confiança interpessoal dos<br />

entrevistados sofreu uma queda consi<strong>de</strong>rando o evento da instalação do<br />

empreendimento hidrelétrico. A confiança consi<strong>de</strong>rada boa em familiares e vizinhos<br />

era mais forte antes do remanejamento tanto entre aqueles que apresentam<br />

valoração das ativida<strong>de</strong>s comunitárias quanto entre aqueles que não confiam nos<br />

movimentos coletivos. A confiança nos vizinhos foi a mais afetada – cerca <strong>de</strong> 10% a<br />

menos nos dois grupos estudados.<br />

5<br />

Questão original: Como era a relação com a família? Boa/Regular/Ruim<br />

6<br />

Questão original: Como era a relação com vizinhos? Boa/Regular/Ruim<br />

7<br />

Questão original: Se precisasse viajar por um ou dois dias, o(a) sr(a) po<strong>de</strong>ria contar com vizinhos para cuidar da sua<br />

casa/filhos? Sim/Talvez/Não<br />

8<br />

Questão original: Você morava perto <strong>de</strong> seus familiares? Sim/Não<br />

9<br />

Questão original: Comparando sua situação antes e <strong>de</strong>pois do remanejamento, como consi<strong>de</strong>ra sua situação e <strong>de</strong> sua família<br />

hoje, quanto a: Qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vida? Melhor/Igual/Pior<br />

10<br />

Questão original: Comparando sua situação antes e <strong>de</strong>pois do remanejamento, como consi<strong>de</strong>ra sua situação e <strong>de</strong> sua<br />

família hoje, quanto a: Vida Comunitária? Melhor/Igual/Pior


Uma origem para a diferenciação entre valoração ou não <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e<br />

movimentos comunitários po<strong>de</strong> ser as relações familiares. Po<strong>de</strong>-se notar no Quadro<br />

1 que a porcentagem <strong>de</strong> pessoas com familiares residindo perto antes do<br />

remanejamento é superior no grupo que apresenta valoração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

comunitárias. E <strong>de</strong>pois do remanejamento, a porcentagem <strong>de</strong>ssas pessoas que<br />

conseguiram manter-se unidas é superior àquelas que não apresentam a valoração<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s comunitárias. Provavelmente esse grupo <strong>de</strong> pessoas buscou, <strong>de</strong> forma<br />

mais cooperativa, o remanejamento <strong>de</strong> maneira que afetasse o menos possível a<br />

unida<strong>de</strong> familiar.<br />

Como entre aqueles que apresentam menor valoração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

comunitárias apresenta-se um número menor <strong>de</strong> pessoas que possuíam familiares<br />

residindo perto <strong>de</strong> suas casas, compreen<strong>de</strong>-se a problemática da (<strong>de</strong>s)confiança<br />

interpessoal nesta parte da população estudada. Assim, esse grupo já apresentava,<br />

também antes do remanejamento, maior sentimento <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> cooperação em<br />

relação aos vizinhos em ocasiões excepcionais (como exemplificado, em caso <strong>de</strong> se<br />

precisar viajar). Como já apresentavam um número menor <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s familiares, esses<br />

entrevistados apresentaram ainda menos relações familiares após o<br />

remanejamento.<br />

Os dados mostram que mais <strong>de</strong> 20% dos entrevistados <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> morar<br />

perto <strong>de</strong> familiares, enquanto caiu cerca <strong>de</strong> 12% (entre os que apresentam<br />

valoração comunitária) e 9% (entre os que não a apresentam) a certeza <strong>de</strong> contar<br />

com familiares e vizinhos para cuidar <strong>de</strong> sua casa e filhos em caso <strong>de</strong> precisar se<br />

ausentar. Esse perfil dos entrevistados coloca em xeque a colaboração das novas<br />

comunida<strong>de</strong>s. Segundo Moisés (2005, p. 85) “o fato das pessoas confiarem umas<br />

nas outras estimularia a cooperação e favoreceria o surgimento <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s cívicas,<br />

reforçando a capacida<strong>de</strong> dos grupos envolvidos <strong>de</strong> obter benefícios comuns<br />

<strong>de</strong>sejados”. Havendo menos confiança, a tendência é <strong>de</strong> haver menos cooperação.<br />

A re<strong>de</strong> comunitária existente anteriormente sofreu certa transformação. Nesse<br />

sentido, compreen<strong>de</strong>m-se os dados quanto ao crescimento da má avaliação da<br />

confiança na família, vizinhos e sua (não) colaboração em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>,<br />

sendo esse crescimento maior entre os entrevistados que não apresentam valoração<br />

das ativida<strong>de</strong>s comunitárias.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa análise, a opinião sobre a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida classificada como<br />

melhor é maior em torno <strong>de</strong> 5% após o remanejamento, nos dois grupos avaliados.


Esse aumento é compreendido pelo fato <strong>de</strong> que a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida envolve uma<br />

série <strong>de</strong> quesitos que passam não só pelas relações familiares e sociais, mas<br />

também por itens materiais e <strong>de</strong> acesso a serviços. Os dados da pesquisa mostram<br />

que após o remanejamento muitas pessoas passaram a ter mais acesso a bens e<br />

serviços, apesar <strong>de</strong> muitas terem sentido emocionalmente o afastamento da terra<br />

on<strong>de</strong> viveu e das relações pessoais que foram <strong>de</strong>sfeitas.<br />

Nesse sentido, há que se <strong>de</strong>stacar a avaliação dos entrevistados sobre a vida<br />

comunitária e suas diferenças temporais em cada grupo. Antes do remanejamento, a<br />

classificação da vida comunitária entre os que valorizam os movimentos/ativida<strong>de</strong>s<br />

comunitárias se <strong>de</strong>stacava como melhor para 45,6%. Já entre os entrevistados que<br />

não valorizam as ações coletivas, a vida comunitária se <strong>de</strong>stacava como regular<br />

(41,6%). Entre os que apresentam valoração das ativida<strong>de</strong>s e movimentos<br />

comunitários, 25% a mais apresentaram a opinião <strong>de</strong> que a vida comunitária<br />

melhorou. E, surpreen<strong>de</strong>ntemente, chegou a quase 31% o acréscimo <strong>de</strong><br />

classificação da vida comunitária como melhor entre os que não valorizam as<br />

ativida<strong>de</strong>s coletivas. Apesar disso, são os entrevistados que não valorizam as<br />

ativida<strong>de</strong>s coletivas os que mais indicam como pior a vida em comunida<strong>de</strong>.<br />

Conclusões<br />

Este paper buscou apresentar o impacto do estabelecimento <strong>de</strong><br />

empreendimentos hidrelétricos na construção <strong>de</strong> capital <strong>social</strong> em comunida<strong>de</strong>s<br />

atingidas por essas iniciativas.<br />

Primeiramente apresentamos a relevância do estudo da cultura política, do<br />

capital <strong>social</strong> e do empo<strong>de</strong>ramento. A partir da concepção <strong>de</strong> que comunida<strong>de</strong>s<br />

afetadas por empreendimentos hidrelétricos enfrentam transformações em relação à<br />

sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva, com mudanças nas relações familiares e sociais, o trabalho<br />

mostrou que as novas comunida<strong>de</strong>s também alteram as bases <strong>de</strong> sua confiança<br />

interpessoal e comunitária. Essas são consi<strong>de</strong>radas a base da promoção do capital<br />

<strong>social</strong> e do empo<strong>de</strong>ramento <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong>s.<br />

Com os dados apresentados, emergiu a importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a<br />

valoração <strong>de</strong> iniciativas comunitárias na compreensão da confiança interpessoal e<br />

da avaliação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> vida e da vida comunitária da população sujeita a<br />

remanejamento resultado. Apesar do índice <strong>de</strong> confiança comunitária ter se


mostrado bastante alto em todas as UHE que remanejaram os entrevistados, este<br />

não apresentou associação estatística com as UHEs.<br />

Desta forma, optamos por analisar os dados <strong>de</strong> confiança e <strong>de</strong> avaliação da<br />

vida por meio <strong>de</strong> outro índice, que apresentou associação com as UHEs que<br />

originaram os remanejamentos. Este índice é o <strong>de</strong> valoração <strong>de</strong> movimentos e<br />

ativida<strong>de</strong>s comunitárias. Por meio <strong>de</strong>sse índice percebemos que os entrevistados<br />

que apresentam maior valoração das ativida<strong>de</strong>s e movimentos coletivos são os que<br />

mais apresentam confiança interpessoal e melhor avaliação da vida antes e <strong>de</strong>pois<br />

do remanejamento. Apesar disso, também ficou patente a diminuição <strong>de</strong>ssa<br />

confiança interpessoal <strong>de</strong>pois do remanejamento. Os dados analisados à luz da<br />

teoria, também revelam a importância das relações familiares, em função da variável<br />

que se refere a morar perto <strong>de</strong> familiares: as relações familiares e sociais ten<strong>de</strong>m a<br />

se reforçar, o que favorece a cooperação coletiva e o capital <strong>social</strong>.<br />

Apesar <strong>de</strong> se verificar uma melhor avaliação da vida (qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e vida<br />

comunitária) após o remanejamento, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que os responsáveis pelos<br />

empreendimentos realizem diagnósticos psicossociais junto às populações<br />

atingidas. Isso porque, apesar <strong>de</strong>ssa população classificar sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />

como melhor, as transformações das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação (familiar e <strong>social</strong>), que possuem<br />

base emocional e psicológica, acabam causando danos a esses grupos. Essas<br />

modificações são irreparáveis e inci<strong>de</strong>m na qualida<strong>de</strong> das relações das pessoas que<br />

foram obrigadas a refazerem suas vidas em outras comunida<strong>de</strong>s.<br />

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