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A Teoria Moral de Kant

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FONTE: http://www.criticanare<strong>de</strong>.com<br />

A <strong>Teoria</strong> <strong>Moral</strong> <strong>de</strong> <strong>Kant</strong><br />

Para enten<strong>de</strong>r a abordagem que Immanuel <strong>Kant</strong> <strong>de</strong>senvolveu na sua teoria<br />

moral, é útil começar por uma idéia do senso comum que ele rejeita. Trata-se da<br />

idéia <strong>de</strong> que a razão tem apenas um papel "instrumental" como guia da ação. A<br />

razão não te diz quais <strong>de</strong>vem ser os teus objetivos; em vez disso, diz-te o que<br />

<strong>de</strong>ves fazer dados os objetivos que já tens. Dizer que a razão é puramente<br />

instrumental é dizer que ela é simplesmente um instrumento que te ajuda a<br />

atingir objetivos que foram <strong>de</strong>terminados por outra coisa diferente da razão.<br />

Esta idéia comum po<strong>de</strong> ser elaborada vendo as ações como o resultado <strong>de</strong><br />

crenças e <strong>de</strong>sejos. Dada a informação disponível, a razão po<strong>de</strong> dizer-te em que<br />

acreditar. Mas a razão não po<strong>de</strong> dizer-te o que querer. Terá <strong>de</strong> ser outra a fonte<br />

dos <strong>de</strong>sejos:<br />

HUME SOBRE O PAPEL DA RAZÃO<br />

David Hume articulou esta idéia acerca da contribuição da razão para as nossas<br />

ações. No Tratado da Natureza Humana (1738) diz que a "razão é e <strong>de</strong>ve ser a<br />

escrava das paixões". Hume exprime a mesma idéia na seguinte passagem:<br />

1


Não é contrário à razão preferir a <strong>de</strong>struição do mundo a arranhar<br />

o meu <strong>de</strong>do […] Isto é tão pouco contrário à razão como preferir<br />

um bem reconhecidamente menor a um bem maior, e ter pelo<br />

primeiro uma afeição mais intensa do que pelo segundo.<br />

A idéia <strong>de</strong> Hume é que as ações nunca <strong>de</strong>rivam apenas da razão; elas têm <strong>de</strong><br />

ter uma fonte não racional.<br />

KANT REJEITA A IDÉIA DE QUE A RAZÃO É PURAMENTE INSTRUMENTAL<br />

A teoria moral <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> rejeita esta doutrina <strong>de</strong> Hume. Segundo <strong>Kant</strong>, apenas por<br />

vezes é verda<strong>de</strong> que as ações são produzidas pelas crenças e <strong>de</strong>sejos não<br />

racionais do agente. É o que acontece quando agimos por "inclinação". Todavia,<br />

quando agimos por <strong>de</strong>ver — quando as nossas ações são guiadas por<br />

consi<strong>de</strong>rações morais em vez <strong>de</strong> o serem pelas nossas inclinações — o que se<br />

passa é inteiramente diferente.<br />

Quando agimos temos em mente um fim e meios para o atingir. Hume pensava<br />

que a razão <strong>de</strong>termina apenas os meios, mas não o fim. <strong>Kant</strong> concordava que<br />

isto é correto quando agimos por inclinação. Mas quando a moralida<strong>de</strong> guia as<br />

nossas ações, a razão <strong>de</strong>termina não só os meios, mas também o fim.<br />

<strong>Kant</strong> pensava que a moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>riva a sua autorida<strong>de</strong> apenas da razão. Só a<br />

razão <strong>de</strong>termina se uma ação é boa ou má, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos <strong>de</strong>sejos<br />

que as pessoas possam ter. Segundo <strong>Kant</strong>, quando agimos moralmente as<br />

nossas ações são guiadas pela razão <strong>de</strong> uma maneira que a teoria <strong>de</strong> Hume<br />

exclui.<br />

KANT: AS REGRAS MORAIS SÃO IMPERATIVOS CATEGÓRICOS<br />

Como Hume afirma, é claro que a razão po<strong>de</strong> mostrar-nos que meios usar<br />

dados os fins que temos. Se quero ter saú<strong>de</strong>, a razão po<strong>de</strong> dizer-me que <strong>de</strong>vo<br />

parar <strong>de</strong> fumar. Neste caso, a razão fornece um imperativo que na sua forma é<br />

2


hipotético: Diz que <strong>de</strong>vo parar <strong>de</strong> fumar se quiser proteger a minha saú<strong>de</strong>. Hume<br />

pensava que a razão não po<strong>de</strong> fazer mais do que isto. Todavia, <strong>Kant</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u<br />

que as regras morais são categóricas na sua forma, e não hipotéticas. Um ato<br />

que é errado é errado — ponto final. As regras morais dizem "Não faças x". Não<br />

dizem "Não faças x se o teu fim é G". <strong>Kant</strong> tentou mostrar que as regras morais<br />

— os imperativos categóricos — <strong>de</strong>rivam da razão tão seguramente como os<br />

hipotéticos.<br />

As regras morais que tomam a forma <strong>de</strong> imperativos categóricos <strong>de</strong>screvem o<br />

que temos <strong>de</strong> fazer, queiramos ou não fazê-lo; têm uma autorida<strong>de</strong> bastante<br />

diferente das nossas inclinações. Logo, <strong>Kant</strong> pensava que quando agimos<br />

moralmente somos guiados pela razão e não pela inclinação. Neste caso, a<br />

razão tem mais do que um papel puramente instrumental.<br />

A LEI MORAL<br />

Outro ingrediente importante da filosofia moral <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> é a idéia <strong>de</strong> que as leis<br />

morais e as leis científicas têm algo profundamente em comum. A lei científica é<br />

uma generalização que diz o que tem <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong> num tipo específico <strong>de</strong><br />

situação. A lei da gravitação universal <strong>de</strong> Newton diz que a magnitu<strong>de</strong> da força<br />

gravitacional (Fg) entre dois objetos é proporcional ao produto das suas massas<br />

(m1 e m2) e inversamente proporcional ao quadrado da distância (r) entre eles:<br />

Fg = Gm1m2/r 2<br />

Ou seja, a lei diz que, se as massas são m1 e m2 e a distância é r, então a força<br />

gravitacional terá <strong>de</strong> tomar o valor Gm1m2/r 2 , sendo G a constante gravitacional.<br />

Há claramente uma diferença entre as leis científicas e as regras morais (como<br />

"Não causes sofrimento gratuito!"). A lei <strong>de</strong> Newton não diz o que os planetas<br />

<strong>de</strong>vem fazer; diz o que fazem, necessariamente. Se uma lei científica é<br />

verda<strong>de</strong>ira, então nada no universo lhe <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce. Todavia, as pessoas violam<br />

as leis morais. As leis morais dizem como as pessoas <strong>de</strong>vem comportar-se, não<br />

3


dizem o que as pessoas <strong>de</strong> fato farão. As leis morais são normativas, enquanto<br />

as leis científicas são <strong>de</strong>scritivas.<br />

Apesar <strong>de</strong>sta diferença, <strong>Kant</strong> pensava que há uma semelhança profunda entre<br />

elas. As leis científicas são universais — envolvem todos os fenômenos <strong>de</strong> um<br />

tipo específico. Não estão limitadas a lugares ou instantes. Além disso, uma<br />

proposição que enuncia uma lei não faz menção a qualquer pessoa, lugar ou<br />

coisa particular. "Todos os amigos <strong>de</strong> Napoleão falavam Francês" po<strong>de</strong> ser uma<br />

generalização verda<strong>de</strong>ira, mas não po<strong>de</strong> ser uma lei, uma vez que faz menção a<br />

um indivíduo específico — Napoleão. Distinguirei esta proprieda<strong>de</strong> das leis<br />

científicas dizendo que são "impessoais".<br />

<strong>Kant</strong> pensava que também as leis morais têm <strong>de</strong> ser universais e impessoais.<br />

Se é correto que eu faça uma <strong>de</strong>terminada coisa, então é correto para qualquer<br />

pessoa nas mesmas circunstâncias fazer a mesma coisa. Não é possível que<br />

Napoleão <strong>de</strong>va ter o direito <strong>de</strong> fazer alguma coisa simplesmente por ser quem é.<br />

Tal como as leis científicas, as leis morais não mencionam pessoas específicas.<br />

Um outro elemento da filosofia moral <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> <strong>de</strong>ve ser referido antes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>screvermos como pensava <strong>Kant</strong> que a razão e nada mais prescreve os<br />

nossos princípios morais. O utilitarismo afirma que as proprieda<strong>de</strong>s morais <strong>de</strong><br />

uma ação são <strong>de</strong>terminadas pelas suas conseqüências, isto é, na felicida<strong>de</strong> das<br />

pessoas ou na satisfação das suas preferências. <strong>Kant</strong> não concebia a<br />

moralida<strong>de</strong> como algo que se centra em maximizar a felicida<strong>de</strong>. Em particular,<br />

não via as conseqüências da ação como o verda<strong>de</strong>iro teste das suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s morais. O que para ele era central é a "máxima que a ação<br />

incorpora".<br />

KANT: O VALOR MORAL DE UMA AÇÃO DERIVA DA SUA MÁXIMA E NÃO<br />

DAS SUAS CONSEQÜÊNCIAS<br />

Cada ação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita como uma ação <strong>de</strong> um certo tipo. Se ajudas<br />

alguém, po<strong>de</strong>s conceber o que fazes como um ato <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>. Neste caso,<br />

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ages segundo a máxima <strong>de</strong> que “<strong>de</strong>ves ajudar os outros”. Mas tens outras<br />

alternativas: quando forneces a ajuda talvez estejas a pensar que essa é uma<br />

maneira <strong>de</strong> fazer o beneficiário sentir-se em dívida para contigo. Neste caso, a<br />

máxima da tua ação po<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> que “<strong>de</strong>ves fazer que os outros se sintam em<br />

dívida para contigo”. Para saberes que valor moral tem a tua ação, vê que<br />

máxima te levou a fazer o que fizeste.<br />

Não é difícil perceber por que razão precisamos consi<strong>de</strong>rar os motivos do<br />

agente e não as conseqüências da ação. <strong>Kant</strong> <strong>de</strong>screve o caso <strong>de</strong> um<br />

comerciante que nunca engana os seus clientes. A razão é que ele receia que,<br />

se os enganasse, os seus clientes <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> comprar na sua loja. <strong>Kant</strong> diz<br />

que o comerciante faz o que está certo, embora não pela razão certa. Ele age <strong>de</strong><br />

acordo com a moralida<strong>de</strong>, mas não <strong>de</strong>vido à moralida<strong>de</strong>. Para <strong>de</strong>scobrir o valor<br />

moral <strong>de</strong> uma ação, temos <strong>de</strong> ver por que razão o agente a realiza, o que as<br />

conseqüências não revelam.<br />

Se o comerciante age aplicando a máxima: "Sê sempre honesto", a sua ação<br />

tem valor moral. Todavia, se a sua ação é o resultado da máxima "Não enganes<br />

as pessoas se é provável que isso te cause prejuízos financeiros", ela é<br />

meramente pru<strong>de</strong>ncial, e não moral. O valor moral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos motivos e os<br />

motivos são dados pela máxima que o agente aplica ao <strong>de</strong>cidir o que fazer.<br />

KANT REJEITA O CONSEQUENCIALISMO<br />

<strong>Kant</strong> está correto ao dizer que conhecer os motivos das pessoas é importante<br />

para a avaliação <strong>de</strong> algumas proprieda<strong>de</strong>s morais da ação. Se queremos avaliar<br />

o caráter moral <strong>de</strong> um agente, conhecer os seus motivos é importante; as<br />

conseqüências da ação são um guia imperfeito. Afinal, uma pessoa boa po<strong>de</strong><br />

causar prejuízos a outros sem intenção; e sem intenção, uma pessoa<br />

malevolente po<strong>de</strong> beneficiar outros. Todavia, é importante perceber que isto não<br />

implica que as conseqüências da ação são irrelevantes. <strong>Kant</strong> sustenta a<br />

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seguinte tese: O que torna uma ação certa ou errada não é se as conseqüências<br />

são prejudiciais ou benéficas. <strong>Kant</strong> rejeita o consequencialismo em ética.<br />

O CRITÉRIO DA UNIVERSALIDADE<br />

Irei <strong>de</strong>screver agora a idéia <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> segundo a qual a razão (e não o <strong>de</strong>sejo)<br />

<strong>de</strong>termina o que está certo e o que está errado fazer. Não esqueças que a lei<br />

moral (tal como a lei científica) terá <strong>de</strong> ser universal. Isto significa que a ação<br />

moral terá <strong>de</strong> incorporar uma máxima universalizável. Para <strong>de</strong>cidir se estará<br />

certo realizar uma ação particular, <strong>Kant</strong> diz que <strong>de</strong>ves perguntar se queres que a<br />

tua máxima se torne uma lei universal. A universalida<strong>de</strong> é a base <strong>de</strong> todos os<br />

imperativos categóricos — <strong>de</strong> todas as prescrições morais. Os atos morais<br />

po<strong>de</strong>m ser universalizados; os atos imorais não.<br />

É importante perceber o que este teste implica. É um erro pensar que <strong>Kant</strong> diz<br />

que <strong>de</strong>ves perguntar se seria bom ou mau que todos realizassem a ação que<br />

tens em mente. A idéia acerca das ações imorais não é que seria mau que todos<br />

as realizassem; a idéia é que é impossível que todos as realizem (ou que é<br />

impossível para ti querer que todos as realizem). Tal como os exemplos <strong>de</strong> <strong>Kant</strong><br />

ilustrarão há, por assim dizer, um teste lógico para saber se uma ação é moral.<br />

QUATRO EXEMPLOS<br />

No livro Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), <strong>Kant</strong> aplica esta<br />

idéia a quatro exemplos. O primeiro <strong>de</strong>screve um homem cansado da vida que<br />

tenciona suicidar-se. O homem consi<strong>de</strong>ra a máxima <strong>de</strong> pôr termo à vida se<br />

continuar a viver produziria mais dor que prazer. <strong>Kant</strong> diz que é duvidoso se este<br />

princípio <strong>de</strong> amor-próprio possa tornar-se uma lei universal da natureza.<br />

Imediatamente se vê uma contradição num sistema natural cuja lei fosse <strong>de</strong>struir<br />

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a vida, dada a convicção <strong>de</strong> que a especial função <strong>de</strong> tal sistema é promover o<br />

aperfeiçoamento da vida. Neste caso, tal sistema natural não po<strong>de</strong>ria existir.<br />

Logo, esta máxima não po<strong>de</strong> tornar-se lei universal da natureza e assim<br />

contradiz o princípio supremo <strong>de</strong> todo o <strong>de</strong>ver.<br />

<strong>Kant</strong> sugere que é impossível existir um mundo no qual todos os seres vivos<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m cometer suicídio quando as suas vidas prometem mais dor que prazer.<br />

Dado que não po<strong>de</strong> existir um mundo <strong>de</strong>sses, é errado o indivíduo do exemplo<br />

<strong>de</strong> <strong>Kant</strong> cometer suicídio. O ato é errado porque não po<strong>de</strong> ser universalizado.<br />

O segundo exemplo diz respeito a cumprir promessas. Precisas <strong>de</strong> dinheiro e<br />

pon<strong>de</strong>ras se o pe<strong>de</strong>s emprestado. A questão é se seria permissível prometeres<br />

pagar o empréstimo mesmo que não tenhas a intenção <strong>de</strong> o fazer. <strong>Kant</strong><br />

argumenta que a moralida<strong>de</strong> exige que cumpras a promessa (e por isso que não<br />

peças dinheiro emprestado com falsas intenções): Dado que a universalida<strong>de</strong> da<br />

lei segundo a qual uma pessoa em dificulda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> prometer o que lhe convier<br />

com a intenção <strong>de</strong> não cumprir a promessa tornaria impossíveis a própria<br />

promessa e o fim que ela persegue; nenhuma pessoa acreditaria no que lhe foi<br />

prometido e tais vãs intenções apenas a fariam rir.<br />

O que <strong>Kant</strong> está a dizer é que cumprir promessas não po<strong>de</strong>ria estabelecer-se<br />

como prática se todos os que fizeram promessas tinham a intenção <strong>de</strong> não as<br />

cumprir. O que quer dizer que tal prática po<strong>de</strong> existir apenas porque as pessoas<br />

habitualmente são dignas <strong>de</strong> confiança. Mais uma vez, a razão <strong>de</strong> sermos<br />

obrigados a cumprir as nossas promessas é que seria impossível um mundo no<br />

qual todos fizessem promessas com a intenção <strong>de</strong> as quebrar. A universalida<strong>de</strong><br />

é a prova <strong>de</strong> fogo.<br />

O terceiro exemplo tem o propósito <strong>de</strong> mostrar que cada um <strong>de</strong> nós tem a<br />

obrigação <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver os seus talentos. Por que <strong>de</strong>vemos nós "alargar e<br />

<strong>de</strong>senvolver os nossos dons naturais?” Em vez disso, por que não escolher uma<br />

vida <strong>de</strong> "ociosida<strong>de</strong>, complacência e prodigalida<strong>de</strong>?” Cada pessoa tem <strong>de</strong><br />

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escolher a primeira porque, afirma <strong>Kant</strong>, "como ser racional, a pessoa<br />

necessariamente <strong>de</strong>seja que todas as suas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vam ser<br />

<strong>de</strong>senvolvidas, uma vez que lhe foram dadas para todas as espécies <strong>de</strong><br />

propósitos possíveis".<br />

O quarto exemplo é o <strong>de</strong> um homem a quem a vida sorri, mas que vê outros<br />

terem vidas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> privação. Terá ele a obrigação <strong>de</strong> os ajudar? <strong>Kant</strong><br />

conce<strong>de</strong> que a humanida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria existir num estado em que alguns vivem<br />

bem enquanto outros sofrem. Mas afirma que nenhum agente racional po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sejar um mundo assim: Ora, se bem que seja possível existir uma lei universal<br />

da natureza <strong>de</strong> acordo com esta máxima, todavia, é impossível <strong>de</strong>sejar que tal<br />

princípio <strong>de</strong>va estabelecer-se em toda a parte como lei da natureza. Porque uma<br />

vonta<strong>de</strong> que assim <strong>de</strong>cidisse entraria em conflito consigo própria, uma vez que<br />

po<strong>de</strong>m surgir freqüentemente circunstâncias em que a pessoa precisaria do<br />

amor e simpatia dos outros e, <strong>de</strong>vido a tal lei da natureza que emana da sua<br />

vonta<strong>de</strong>, privar-se-ia <strong>de</strong> toda a esperança <strong>de</strong> ajuda que <strong>de</strong>seja.<br />

A idéia <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> não é que este padrão não possa ser universal, mas que<br />

nenhum agente racional po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sejar que fosse universal.<br />

AVALIAÇÃO DOS EXEMPLOS DE KANT<br />

Destes exemplos, o mais fraco é talvez o primeiro. Não é impossível existir um<br />

mundo em que todos os doentes terminais sujeitos a um gran<strong>de</strong> sofrimento<br />

cometem suicídio. E também não parece haver qualquer razão para que um<br />

agente racional não pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejar que todas as pessoas poupassem a si<br />

próprias a inevitabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma morte dolorosa.<br />

O segundo exemplo é um pouco mais plausível. A prática do cumprimento <strong>de</strong><br />

promessas parece confiar no fato <strong>de</strong> que as pessoas habitualmente acreditam<br />

nas promessas que lhes são feitas. Se as pessoas nunca tivessem a intenção<br />

<strong>de</strong> cumprir as suas promessas po<strong>de</strong>ria tal prática persistir? <strong>Kant</strong> diz que não.<br />

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Todavia, talvez seja possível imaginar circunstâncias engenhosas nas quais esta<br />

conclusão pu<strong>de</strong>sse ser contornada. Convido-te a fazer este exercício.<br />

Talvez alguma coisa possa também ser dita do argumento <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> acerca do<br />

nosso <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ajudar os outros. Cada um <strong>de</strong> nós precisa <strong>de</strong> alguma espécie <strong>de</strong><br />

ajuda em algum momento da vida. Por conseqüência, cada um <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>sejaria<br />

evitar uma situação em que ninguém nos daria a ajuda <strong>de</strong> que precisamos.<br />

Logo, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sejar que ninguém <strong>de</strong>va jamais fornecer ajuda. Isto<br />

significa que seria errado da nossa parte conduzir a vida recusando<br />

completamente prestar ajuda aos outros. Mais uma vez, a razão pela qual seria<br />

errado é que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sejar que o padrão seja universal.<br />

Que argumento apresenta <strong>Kant</strong> no quarto exemplo a respeito do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvermos os nossos talentos? Talvez o raciocínio seja semelhante àquele<br />

que é usado por <strong>Kant</strong> na discussão do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ajudar os outros. Eu quero que<br />

os outros <strong>de</strong>senvolvam os talentos que me serão benéficos; por exemplo, quero<br />

que os médicos aperfeiçoem as suas competências, uma vez que um dia<br />

precisarei <strong>de</strong>les. Mas isto significa que eu não posso <strong>de</strong>sejar que todos<br />

<strong>de</strong>scui<strong>de</strong>m o <strong>de</strong>senvolvimento dos seus talentos. Segue-se supostamente que<br />

eu tenho o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver os meus talentos.<br />

Já sublinhei antes que o critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> não pergunta se seria bom<br />

que todos realizassem a ação que o agente pensa realizar. A questão <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> é<br />

saber se seria possível que todos realizassem a ação, ou se seria possível<br />

<strong>de</strong>sejar que todos <strong>de</strong>vessem realizar a ação.<br />

Se tivermos isto em mente, é duvidoso se <strong>Kant</strong> po<strong>de</strong> chegar às conclusões<br />

pretendidas a respeito dos últimos dois exemplos sem uma explicação que<br />

tenha em conta as conseqüências. É claramente possível que o mundo seja um<br />

lugar em que ninguém aju<strong>de</strong> os outros e ninguém <strong>de</strong>senvolva os seus talentos.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> coisas lamentável, e não <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> coisas<br />

impossível. O que pensar da segunda opção — po<strong>de</strong>ria um agente racional<br />

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<strong>de</strong>sejar que as pessoas não aju<strong>de</strong>m os outros ou não <strong>de</strong>senvolvam os seus<br />

talentos?<br />

Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do que se quer dizer com "racional". Se racional significa<br />

instrumentalmente racional, então não parece haver qualquer impossibilida<strong>de</strong>.<br />

Como diz Hume, posso ser perfeitamente claro no meu raciocínio meio-fim (e<br />

por isso ser instrumentalmente racional) e ter os <strong>de</strong>sejos mais bizarros que<br />

po<strong>de</strong>s imaginar. Por outro lado, há um sentido <strong>de</strong> "racional" segundo o qual um<br />

agente racional não <strong>de</strong>sejaria que o mundo fosse um lugar em que as pessoas<br />

não aju<strong>de</strong>m os outros ou não <strong>de</strong>senvolvam os seus talentos. Um agente racional<br />

não o <strong>de</strong>sejaria <strong>de</strong>vido às conseqüências que tais comportamentos teriam. Num<br />

mundo assim haveria muito sofrimento, alienação e <strong>de</strong>sespero; a vida seria<br />

<strong>de</strong>solada.<br />

A conclusão que retiro é que não é claro como po<strong>de</strong>m ser feitas as análises <strong>de</strong><br />

<strong>Kant</strong> dos últimos exemplos sem consi<strong>de</strong>rar as conseqüências que resultariam <strong>de</strong><br />

tais ações se tornarem universais.<br />

UM PROBLEMA DO CRITÉRIO DE UNIVERSALIDADE<br />

Há um problema geral nos quatro exemplos <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> — na verda<strong>de</strong>, há um<br />

problema no próprio critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>. Um objeto singular exemplifica<br />

vários tipos. Isto significa que uma dada ação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita como<br />

incorporando diferentes proprieda<strong>de</strong>s. <strong>Kant</strong> parece pressupor que cada ação<br />

incorpora apenas uma máxima, <strong>de</strong> maneira que po<strong>de</strong>mos testar a moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um ato universalizando a sua máxima. O problema é que há várias máximas que<br />

po<strong>de</strong>m conduzir a uma <strong>de</strong>terminada ação; algumas po<strong>de</strong>m ser universalizadas,<br />

enquanto outras não.<br />

Vejamos este problema no exemplo da promessa. Alguém tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir se<br />

pe<strong>de</strong> dinheiro emprestado prometendo que paga o empréstimo, embora não<br />

tenha a intenção <strong>de</strong> cumprir a promessa. O que significaria isto caso todos se<br />

comportassem assim? Uma maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver esta ação <strong>de</strong>corre da máxima<br />

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"Faz uma promessa mesmo que tenhas a intenção <strong>de</strong> a quebrar". <strong>Kant</strong> afirma<br />

que universalizar esta máxima é impossível porque a proposição seguinte é uma<br />

contradição: “Todos fazem promessas mesmo que ninguém tenha a intenção <strong>de</strong><br />

cumprir as promessas que faz”.<br />

Todavia, também po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>screver a ação do homem como <strong>de</strong>correndo <strong>de</strong><br />

uma máxima bastante diferente: "Não faças promessas a menos que tenhas a<br />

intenção <strong>de</strong> as cumprir, exceto se estiveres numa situação <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte e<br />

se a tua intenção <strong>de</strong> quebrar a promessa não for evi<strong>de</strong>nte para os outros".<br />

Universalizar esta máxima não conduz a contradição, uma vez que é<br />

perfeitamente possível que o mundo seja da seguinte maneira:<br />

Todos fazem promessas e em geral as pessoas esperam cumprir as promessas.<br />

A exceção surge quando há uma enorme vantagem pessoal em fazer a<br />

promessa sem a intenção <strong>de</strong> a cumprir e a intenção <strong>de</strong> quebrar a promessa não<br />

é evi<strong>de</strong>nte para os outros.<br />

Longe <strong>de</strong> ser impossível, esta generalização parece <strong>de</strong>screver <strong>de</strong> maneira<br />

bastante exata o mundo em que efetivamente vivemos.<br />

Repara na semelhança entre o problema que <strong>Kant</strong> enfrenta e um dos problemas<br />

do utilitarismo <strong>de</strong> regra.<br />

"O que aconteceria se todos realizassem a ação?" é uma questão que o<br />

utilitarismo <strong>de</strong> regra pensa ser importante na avaliação das proprieda<strong>de</strong>s morais<br />

<strong>de</strong> uma ação.<br />

A questão <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> é diferente; ele pergunta "Po<strong>de</strong>m todos realizar a ação?" ou<br />

"Posso <strong>de</strong>sejar que todos realizem a ação?" Embora as questões sejam<br />

diferentes, problemas semelhantes <strong>de</strong>rivam do fato <strong>de</strong> haver múltiplas maneiras<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver qualquer ação.<br />

11


O critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> parece plausível se consi<strong>de</strong>rarmos seriamente a<br />

analogia entre as leis morais e as leis científicas. Ambas têm <strong>de</strong> ser universais e<br />

impessoais. Mas outra comparação entre estas duas idéias diminui a<br />

plausibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar que o critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> tem condições para<br />

resultar.<br />

As leis científicas têm <strong>de</strong> ser universais, mas a explicação verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> um<br />

fenômeno específico não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>rivada a priori. Por si só, a razão não po<strong>de</strong><br />

dizer-me por que <strong>de</strong>screve a Terra uma órbita elíptica em torno do Sol, ainda<br />

que eu tenha o pressuposto <strong>de</strong> que a explicação <strong>de</strong>ste fato tenha <strong>de</strong> ser<br />

verda<strong>de</strong>ira para todos os sistemas planetários semelhantes. Por outro lado, <strong>Kant</strong><br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u que numa situação específica o que está certo fazer é ditado pela<br />

exigência racional <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente que um fato importante acerca da moralida<strong>de</strong> é que, se uma<br />

ação particular está certa para mim, então está certa para qualquer pessoa<br />

numa situação semelhante. Esta é a idéia <strong>de</strong> que as leis morais — os princípios<br />

gerais que ditam o que está certo fazer — são universais e impessoais. O<br />

problema é que esta exigência não é suficiente para mostrar que generalizações<br />

morais são verda<strong>de</strong>iras. Se assim é, a analogia entre leis científicas e leis<br />

morais tem implicações diferentes daquelas que <strong>Kant</strong> tentou <strong>de</strong>senvolver.<br />

KANT: AS PESSOAS SÃO FINS EM SI MESMO<br />

<strong>Kant</strong> pensava que uma importante conseqüência do teste <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> é<br />

que <strong>de</strong>vemos tratar as pessoas como fins em si mesmo e não como meios. <strong>Kant</strong><br />

queria dizer com isto que não <strong>de</strong>vemos tratar as pessoas como meios para fins<br />

que elas racionalmente não po<strong>de</strong>riam consentir. Pensava que este princípio<br />

proíbe a escravatura. E diria o mesmo acerca da punição <strong>de</strong> alguém por um<br />

crime que não cometeu, ainda que isso aplacasse uma perigosa multidão. A<br />

teoria kantiana parece fornecer bases mais sólidas do que o utilitarismo para a<br />

idéia <strong>de</strong> que as pessoas têm direitos que não po<strong>de</strong>m ser ultrapassados por<br />

12


consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>. Não é a maximização da felicida<strong>de</strong> que está em jogo<br />

na teoria <strong>de</strong> <strong>Kant</strong>. É <strong>de</strong> esperar que a razão por si só dite princípios <strong>de</strong><br />

equida<strong>de</strong>, imparcialida<strong>de</strong> e justiça.<br />

Embora <strong>Kant</strong> preceda os utilitaristas, a sua teoria parece ter sido concebida para<br />

corrigir os <strong>de</strong>feitos do utilitarismo. A idéia <strong>de</strong> que as pessoas têm direitos é uma<br />

correção plausível da idéia <strong>de</strong> que qualquer aspecto da vida <strong>de</strong> uma pessoa tem<br />

<strong>de</strong> passar o teste da maximização da felicida<strong>de</strong> global. Todavia, a teoria <strong>de</strong> <strong>Kant</strong><br />

enfrenta sérias dificulda<strong>de</strong>s lógicas. E o caráter absoluto das suas <strong>de</strong>clarações<br />

parece ser bastante questionável para as convicções morais fortemente<br />

<strong>de</strong>fendidas pelo senso comum. Será <strong>de</strong> todo plausível pensar que as promessas<br />

<strong>de</strong>vem ser sempre cumpridas — que nunca <strong>de</strong>vemos dizer uma mentira —<br />

sejam quais forem às conseqüências? Para além <strong>de</strong> sublinhar os <strong>de</strong>feitos nos<br />

argumentos que justificam estas or<strong>de</strong>ns, <strong>de</strong>vemos também sublinhar que estas<br />

exigências morais não <strong>de</strong>vem receber em princípio, uma justificação<br />

incondicional.<br />

Se o critério da universalida<strong>de</strong> falha, a tentativa <strong>de</strong> estabelecer um procedimento<br />

para <strong>de</strong>cidir que ações estão certas, e se os juízos morais <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> acerca do<br />

cumprimento <strong>de</strong> promessas, suicídio e outras ações são implausíveis, que<br />

méritos tem a sua teoria ética? Muitos filósofos vêem na <strong>de</strong>scrição do ponto <strong>de</strong><br />

vista moral uma das contribuições notáveis e duradouras <strong>de</strong> <strong>Kant</strong>. Os <strong>de</strong>sejos e<br />

as preferências po<strong>de</strong>m impelir-nos a agir e estas ações po<strong>de</strong>m produzir<br />

diferentes combinações <strong>de</strong> prazer e dor. Todavia, esta seqüência <strong>de</strong><br />

acontecimentos ocorre em criaturas — provavelmente vacas e cães — às quais<br />

nenhum golpe <strong>de</strong> imaginação atribui moralida<strong>de</strong>. O que distingue então a ação<br />

motivada pela moralida<strong>de</strong> da ação guiada pela inclinação seja benevolente ou<br />

malevolente?<br />

A esta pergunta <strong>Kant</strong> respon<strong>de</strong>u que a ação moral é guiada por princípios que<br />

têm um tipo especial <strong>de</strong> justificação racional. A linguagem comum talvez seja um<br />

pouco enganadora, uma vez que po<strong>de</strong>mos falar do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> agir moralmente e<br />

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do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ter prazer ou vantagens como se ambos tivessem a mesma base.<br />

Mas <strong>Kant</strong> não pensava na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> agir por <strong>de</strong>ver como uma inclinação<br />

entre outras. Ele via a moralida<strong>de</strong> e a inclinação como esferas inteiramente<br />

diferentes. Para i<strong>de</strong>ntificar a coisa moralmente certa a fazer, a pessoa terá <strong>de</strong><br />

pôr <strong>de</strong> lado as suas inclinações. Fixando a nossa atenção em leis universais e<br />

impessoais, po<strong>de</strong>mos ter a esperança <strong>de</strong> diminuir o grau em que o interesse<br />

próprio distorce o nosso juízo a respeito do que <strong>de</strong>vemos fazer.<br />

QUESTÕES DE REVISÃO<br />

[1] Por que razão <strong>de</strong>fendia Hume que toda a ação tem uma causa "não<br />

racional"? Por que razão <strong>Kant</strong> rejeitava isto?<br />

[2] <strong>Kant</strong> acreditava que há importantes semelhanças entre leis científicas e leis<br />

morais. Que semelhanças são essas?<br />

[3] O que significa dizer que o utilitarismo é uma teoria consequencialista<br />

enquanto a teoria <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> não?<br />

[4] O que afirma o critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>? Dirá ele que não <strong>de</strong>ves realizar<br />

uma ação se o mundo fosse um lugar pior caso todos fizessem o mesmo?<br />

[5] Como tenta <strong>Kant</strong> mostrar que a obrigação <strong>de</strong> cumprir promessas <strong>de</strong>riva do<br />

critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>? Será ele bem sucedido?<br />

[6] Estás num barco que se inclina perigosamente para um dos lados porque<br />

todos os passageiros estão no lado direito. Imagina que consi<strong>de</strong>ras se seria boa<br />

idéia mudar para o lado esquerdo. Perguntas a ti próprio "O que aconteceria se<br />

todos fizessem isso?" Esta pergunta contém uma ambigüida<strong>de</strong>. Qual é ela?<br />

Como é esta ambigüida<strong>de</strong> relevante para avaliar o critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Kant</strong>?<br />

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PROBLEMAS<br />

[1] <strong>Kant</strong> pensa que o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> tratar os outros como fins em si mesmo e não<br />

como meios <strong>de</strong>riva do critério <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>. Tenta construir um argumento<br />

que mostre como isto po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>. Estará <strong>Kant</strong> correto ao pensar que<br />

estes dois princípios estão intimamente relacionados?<br />

[2] <strong>Kant</strong> pensava que a lei moral exerce constrangimento sobre como <strong>de</strong>ve ser a<br />

vida <strong>de</strong> uma pessoa, mas não <strong>de</strong>termina cada um dos seus <strong>de</strong>talhes. Para <strong>Kant</strong>,<br />

cada um é livre <strong>de</strong> perseguir os seus projetos privados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não violem<br />

qualquer imperativo categórico. Estes projetos particulares são moralmente<br />

permissíveis, e não moralmente obrigatórios. Em contraste, para o utilitarismo a<br />

moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina cada um dos aspectos da vida <strong>de</strong> uma pessoa. Cada ação<br />

terá <strong>de</strong> ser avaliada em função do Princípio da Maior Felicida<strong>de</strong>. Um projeto<br />

privado é permissível apenas se promover o maior bem para o maior número.<br />

Tais atos não são apenas permissíveis, são também obrigatórios. Elabora um<br />

exemplo concreto no qual estas características das duas teorias conduzem a<br />

juízos opostos sobre se um ato é moralmente permissível. Que teoria te<br />

surpreen<strong>de</strong> como mais plausível naquilo que diz acerca do teu exemplo?<br />

[3] A ética <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> teve uma po<strong>de</strong>rosa influência sobre a filosofia política <strong>de</strong><br />

John Rawls. Em sua obra: Uma <strong>Teoria</strong> da Justiça (Lisboa: Presença, 2001),<br />

Rawls argumenta que as regras corretas <strong>de</strong> justiça para uma socieda<strong>de</strong> são<br />

aquelas que todas as pessoas escolheriam se:<br />

(1) estivessem interessadas em si próprias e<br />

(2) ignorassem vários <strong>de</strong>talhes acerca <strong>de</strong> si próprias (como os seus talentos,<br />

sexo, raça e como conceber os projetos que <strong>de</strong>sejariam realizar).<br />

Os únicos fatos que as pessoas conhecem nesta situação hipotética são fatos<br />

gerais acerca da psicologia e da vida humana. A idéia <strong>de</strong> Rawls é parcialmente<br />

uma tentativa <strong>de</strong> captar a idéia <strong>de</strong> <strong>Kant</strong> <strong>de</strong> que as inclinações pessoais <strong>de</strong>vem<br />

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ser postas <strong>de</strong> lado se queres saber quais são as tuas obrigações. Que princípios<br />

<strong>de</strong> conduta pensas que as pessoas escolheriam nesta situação hipotética?<br />

Elliott Sober (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Wisconsin)<br />

Trad. Faustino Vaz do livro Core Questions in Philosophy, (Prentice Hall, 2000).<br />

FONTE: http://www.criticanare<strong>de</strong>.com<br />

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