Barreiras a Entrada - Instituto de Economia - UFRJ
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I - Introdução<br />
<strong>Barreiras</strong> à <strong>Entrada</strong> e Defesa da Concorrência: Notas<br />
Introdutórias<br />
Jorge Fagun<strong>de</strong>s *<br />
João Luiz Pondé **<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é discutir o conceito <strong>de</strong> barreiras à entrada, <strong>de</strong><br />
modo a evi<strong>de</strong>nciar a sua importância para a análise antitruste, sobretudo no<br />
âmbito dos julgamentos <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> concentração econômica. Em particular,<br />
como se verá adiante, verifica- se que a presença <strong>de</strong> um baixo nível <strong>de</strong> barreiras<br />
à entrada em um mercado relevante - ou seja, a existência <strong>de</strong> forte<br />
concorrência potencial - é suficiente para impedir o surgimento e/ou o<br />
exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado por parte <strong>de</strong> empresas.<br />
Com esse propósito, o artigo está dividido em quatro seções, além <strong>de</strong>sta<br />
introdução. A segunda seção apresenta e discute os principais aspectos<br />
teóricos do conceito <strong>de</strong> barreiras à entrada. A terceira seção analisa o papel das<br />
barreiras à entrada no âmbito da mo<strong>de</strong>rna teoria dos mercados constestáveis. A<br />
quarta seção incorpora as barreiras à entrada na dimensão da análise <strong>de</strong> atos<br />
<strong>de</strong> concentração. Finalmente, a última seção resume as principais conclusões<br />
<strong>de</strong>ste artigo.<br />
II - <strong>Barreiras</strong> à <strong>Entrada</strong>: Aspectos Teóricos<br />
A análise das barreiras à entrada <strong>de</strong> uma indústria, com o objetivo <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificar e avaliar os <strong>de</strong>terminantes do seu <strong>de</strong>sempenho, foi originalmente<br />
<strong>de</strong>senvolvida pelos trabalhos <strong>de</strong> Joe Bain e Paolo Sylos-Labini no anos<br />
cinquenta. As contribuições teóricas <strong>de</strong>stes autores propiciaram a base sobre a<br />
qual foi construído o paradigma Estrutura- Conduta- Desempenho (ECD).<br />
* Professor da Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s.<br />
** Professor do <strong>Instituto</strong> <strong>de</strong> <strong>Economia</strong> da <strong>UFRJ</strong>.
QUADRO I<br />
O PARADIGMA ESTRUTURA-CONDUTA-DESEMPENHO<br />
ESQUEMA ANALÍTICO<br />
ESTRUTURA<br />
número <strong>de</strong> produtores e compradores, diferenciação <strong>de</strong> produtos,<br />
barreiras à entrada, estruturas <strong>de</strong> custos, integração vertical,<br />
diversificação<br />
1<br />
CONDUTA<br />
políticas <strong>de</strong> preços, estratégias <strong>de</strong> produto e vendas, pesquisa e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento, investimentos em capacida<strong>de</strong> produtiva<br />
1<br />
DESEMPENHO<br />
Alocação eficiente dos recursos, atendimento das <strong>de</strong>mandas dos<br />
consumidores, progresso técnico, contribuição para a viabilização do<br />
pleno emprego dos recursos, contribuição para uma distribuição<br />
equitativa da renda, grau <strong>de</strong> restrição monopolística da produção e<br />
margens <strong>de</strong> lucro<br />
Fonte: Adaptado <strong>de</strong> Scherer e Ross (1990).<br />
Os mo<strong>de</strong>los ECD buscam, sinteticamente, <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> características da<br />
estrutura do mercado conclusões acerca do seu <strong>de</strong>sempenho em termos <strong>de</strong><br />
alguma variável escolhida, supondo para isso que as condutas das empresas<br />
são fortemente condicionadas pelos parâmetros estruturais vigentes. O quadro<br />
I apresenta o esquema analítico básico.<br />
Assim, torna- se possível i<strong>de</strong>ntificar os fatores estruturais que<br />
condicionam as condutas <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> preços das empresas e,<br />
conseqüentemente, po<strong>de</strong>m levar a situações <strong>de</strong> elevação abusiva <strong>de</strong> margens<br />
<strong>de</strong> lucro e prejuízos para os consumidores. Basicamente, consi<strong>de</strong>ra- se que, em<br />
um mercado no qual as empresas têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir o preço a ser cobrado<br />
pelos produtos vendidos, estes e as margens <strong>de</strong> lucro serão tanto maiores<br />
quanto mais:
(i) as condutas das firmas já existentes no mercado<br />
apresentem um grau elevado <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação, seja<br />
através <strong>de</strong> acordos tácitos, li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> preços ou<br />
cartelização;<br />
(ii) elevada for a exposição <strong>de</strong>stas empresas à<br />
concorrência potencial, ou seja, à ameaça <strong>de</strong> entrada<br />
<strong>de</strong> novos concorrentes, atraídos pelas margens <strong>de</strong><br />
lucro praticadas no mercado.<br />
O principal fator estrutural a afetar o grau <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação das condutas<br />
das empresas estabelecidas, segundo Bain (1958), é o nível <strong>de</strong> concentração da<br />
produção e das vendas, visto ser razoável supor que comportamentos colusivos<br />
serão mais facilmente implementados quando um reduzido número <strong>de</strong> firmas<br />
domina o mercado. Em mercados concentrados, por conseguinte, a<br />
intensida<strong>de</strong> da concorrência potencial, inversamente proporcional à<br />
magnitu<strong>de</strong> das barreiras à entrada existentes, é um elemento crucial na<br />
<strong>de</strong>terminação do <strong>de</strong>sempenho observado 1 .<br />
Neste sentido, Possas (1985) enfatiza o consenso dos teóricos do<br />
paradigma ECD em "tomar a concentração econômica como o elemento básico<br />
da estrutura [do mercado] e a intensida<strong>de</strong> das barreiras à entrada como um<br />
indicador- chave do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado das empresas oligopolistas e co-<br />
<strong>de</strong>terminante do nível <strong>de</strong> preços" (p. 95), assumindo que "é possível formular<br />
algum nível <strong>de</strong> generalização teórica sobre a relação entre preços (margens <strong>de</strong><br />
lucro) e barreiras à entrada" (p. 109).<br />
Bain (1958) <strong>de</strong>fine a "condição <strong>de</strong> entrada" <strong>de</strong> uma indústria como o<br />
"estado <strong>de</strong> concorrência potencial" <strong>de</strong> possíveis novos produtores/ven<strong>de</strong>dores,<br />
po<strong>de</strong>ndo ser avaliada pelas vantagens que as firmas estabelecidas possuem<br />
sobre os competidores potenciais, sendo que estas vantagens se refletem na<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elevar persistentemente os preços acima do nível competitivo<br />
sem atrair novas firmas para a indústria em questão 2 . Tais vantagens<br />
constituem exatamente o que se <strong>de</strong>nomina "barreiras à entrada". Por sua vez,<br />
1 Já que as firmas existentes atuam coletivamente e não competem diretamente<br />
através <strong>de</strong> reduções <strong>de</strong> preços.
uma entrada consiste no estabelecimento <strong>de</strong> uma nova empresa que constrói<br />
ou introduz uma nova capacida<strong>de</strong> produtiva em uma indústria/mercado 3 .<br />
Exclui-se do conceito <strong>de</strong> entrada:<br />
(i) a compra <strong>de</strong> uma empresa (ou planta) já atuante por<br />
outra que não atuava no mercado;<br />
(ii) a expansão da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma empresa já<br />
existente;<br />
(iii) a entrada <strong>de</strong> uma empresa já estabelecida em outra<br />
indústria, que apenas altera a forma <strong>de</strong> utilizar sua<br />
capacida<strong>de</strong> adicionando um novo produto à sua<br />
linha <strong>de</strong> produtos.<br />
Resumidamente, o argumento exposto diz que<br />
E = (Pl - Pc)/Pc, on<strong>de</strong><br />
E=condição <strong>de</strong> entrada;<br />
Pl=preço limite (máximo que po<strong>de</strong> ser cobrado sem<br />
atrair novos concorrentes);<br />
Pc=preço que seria cobrado em um mercado<br />
competitivo (com lucros normais).<br />
Tem- se que Pl = Pc (1+E), ou seja, quanto mais difícil a entrada <strong>de</strong> novos<br />
concorrentes em um mercado, maior o preço que um conjunto <strong>de</strong> empresas<br />
2Devendo- se notar que, "as such, the 'condition of entry' is then a primarily structural<br />
condition. Its reference to market conduct is primarily to potential rather than to actual<br />
conduct, since basically it <strong>de</strong>scribes only the circumstances in which the potentiality of<br />
competition from new firms will or will not become actual" (Bain, 1958, p.3).<br />
3 O conceito <strong>de</strong> entrada também é importante para a <strong>de</strong>finição do "mercado<br />
relevante" em análises antitruste, pois permite distinguir entre efeitos <strong>de</strong> substituição<br />
na oferta e o surgimento <strong>de</strong> um novo concorrente. Segundo Scherer e Ross (1990, p.<br />
76), "at the risk of being somewhat arbitrary, we should probably draw the line to<br />
inclu<strong>de</strong> as substitutes only existing capacity that can be shifted in the short run, that is,<br />
without significant new investment in equipment and work training".
oligopolistas, adotando comportamentos colusivos, po<strong>de</strong> adotar sem ser<br />
ameaçado por concorrentes potenciais.<br />
As barreiras à entrada, dada a natureza dos seus <strong>de</strong>terminantes que<br />
serão listados a seguir, são estruturais, estáveis e se modificam lentamente no<br />
tempo, além <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rem ser facilmente alteradas pelas entrantes<br />
potenciais. Isto permite consi<strong>de</strong>rar a condição <strong>de</strong> entrada e seus <strong>de</strong>terminantes<br />
como, primariamente, condicionantes estruturais do comportamento das<br />
firmas e não como um resultado <strong>de</strong>ste comportamento.<br />
A literatura <strong>de</strong> organização industrial <strong>de</strong>senvolve uma análise dos fatores<br />
<strong>de</strong>terminantes da existência e magnitu<strong>de</strong> das barreiras à entrada que permite<br />
classificá- las em quatro tipos básicos.<br />
As barreiras à entrada assentadas na diferenciação <strong>de</strong> produto<br />
<strong>de</strong>correm da presença <strong>de</strong> elementos que fazem com que os consumidores<br />
consi<strong>de</strong>rem mais vantajoso adquirir um produto <strong>de</strong> empresas já existentes do<br />
que similares oferecidos por novos concorrentes. A intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais<br />
barreiras será tanto maior quanto maiores:<br />
(i) o controle do acesso à tecnologia necessária para<br />
projetar os produtos por parte das firmas existentes,<br />
através <strong>de</strong> mecanismos legais <strong>de</strong> controle da<br />
proprieda<strong>de</strong> industrial, segredos industriais ou<br />
presença <strong>de</strong> conhecimentos tácitos difíceis <strong>de</strong> serem<br />
imitados 4 ;<br />
(ii) o montante <strong>de</strong> gastos com propaganda e vendas<br />
requeridos para garantir a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> dos<br />
consumidores, impondo aos novos concorrentes<br />
<strong>de</strong>spesas elevadas para tornar seu produto<br />
conhecido e aceito no mercado;<br />
4 A forma como este controle é garantido varia <strong>de</strong> acordo com características dos<br />
setores. Em indústrias como a farmacêutica, por exemplo, as patentes dão um<br />
mecanismo fundamental <strong>de</strong> proteção, enquanto nas indústrias mecânicas o caráter<br />
tácito dos conhecimentos tem um peso maior.
(iii) a durabilida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> dos produtos, que<br />
tornam a reputação <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>cisiva da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
compra dos consumidores e fazem com que um<br />
novo concorrente tenha que incorrer em gastos<br />
elevados durante um período consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> tempo<br />
para convencer o consumidor das qualida<strong>de</strong>s do seu<br />
produto;<br />
(iv) a presença <strong>de</strong> práticas e canais <strong>de</strong> distribuição que<br />
limitam a utilização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas formas <strong>de</strong><br />
acesso ao consumidor para novos concorrentes,<br />
como por exemplo contratos <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> com<br />
reven<strong>de</strong>dores; e<br />
(v) a presença <strong>de</strong> "consumo conspícuo", que valoriza o<br />
prestígio <strong>de</strong> certos produtos e torna a marca um<br />
elemento crucial nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> compra dos<br />
consumidores.<br />
É importante notar, dada a presença <strong>de</strong> um ou vários <strong>de</strong>stes elementos<br />
em um dado mercado, que o nível das barreiras à entrada será menor para<br />
entrantes que já atuam em indústrias correlatas, ou seja, em movimentos <strong>de</strong><br />
diversificação nos quais as empresas que os realizam já possuem ativos capazes<br />
<strong>de</strong> facilitar sua atuação em novas áreas 5 . Além disso, <strong>de</strong>ve- se lembrar que existe<br />
casos em que a diferenciação <strong>de</strong> produto po<strong>de</strong> atuar no sentido <strong>de</strong> favorecer a<br />
entrada, abrindo oportunida<strong>de</strong> para a introdução <strong>de</strong> inovações por um<br />
entrante potencial, que atrai o consumidor oferecendo um produto com novas<br />
características.<br />
5 Uma empresa que atua no mercado <strong>de</strong> refrigerantes, por exemplo, provavelmente se<br />
encontra em uma posição relativamente favorável para entrar no mercado <strong>de</strong> cervejas,<br />
visto que já possui uma estrutura <strong>de</strong> distribuição montada. Fenômeno semelhante se<br />
verifica por similarida<strong>de</strong>s nas bases técnicas <strong>de</strong> diferentes indústrias, criando, por<br />
exemplo, oportunida<strong>de</strong>s para que empresas da indústria <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong><br />
telecomunicações entrem em segmentos da indústria <strong>de</strong> informática.
As barreiras à entrada <strong>de</strong>correntes da presença <strong>de</strong> vantagens absolutas<br />
<strong>de</strong> custo para as empresas já existentes se fazem presentes quando estas têm<br />
acesso exclusivo a <strong>de</strong>terminados ativos ou recursos, o que lhes permite<br />
fabricar, com a mesma escala <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um entrante potencial, a um<br />
custo mais baixo. Tais vantagens se originam dos seguintes fatores:<br />
(i) capacitação <strong>de</strong> recursos humanos qualificados,<br />
fazendo com que o entrante tenha dificulda<strong>de</strong>s em<br />
recrutar o pessoal a<strong>de</strong>quado e frequentemente se<br />
veja obrigado a pagar remunerações mais elevadas;<br />
(ii) tecnologias que estão disponíveis apenas para as<br />
firmas já estabelecidas, seja <strong>de</strong>vido a mecanismos<br />
legais <strong>de</strong> proteção da proprieda<strong>de</strong> intelectual, como<br />
as patentes, seja <strong>de</strong>vido a dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> imitação<br />
que são inerentes ao conhecimento tecnológico, por<br />
sua complexida<strong>de</strong> e presença <strong>de</strong> elementos tácitos;<br />
(iii) controle do suprimento <strong>de</strong> matérias- primas através<br />
da integração vertical, fazendo com que o entrante<br />
tenha que pagar mais caro por seus insumos ou<br />
recorrer a substitutos imperfeitos;<br />
(iv) compra <strong>de</strong> matérias primas mais baratas pelas<br />
empresas já estabelecidas, <strong>de</strong>vido a contratos<br />
exclusivos ou compra em gran<strong>de</strong>s volumes;<br />
(v) menor custo <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> capital para as<br />
empresas estabelecidas, oriundo <strong>de</strong> imperfeições no<br />
mercado <strong>de</strong> capitais e da maior facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
estas dispõem no uso <strong>de</strong> fundos próprios para<br />
financiar seus investimentos;<br />
(vi) menores custos <strong>de</strong>vido à integração vertical,<br />
elevando os requerimentos e capital para um
entrante eventual e criando barreiras "absolutas" à<br />
entrada.<br />
Também neste caso as barreiras à entrada po<strong>de</strong>m se apresentar<br />
reduzidas no caso <strong>de</strong> entrantes oriundos <strong>de</strong> indústrias correlatas, visto que<br />
estes possuem em maior grau recursos humanos qualificados, tecnologia,<br />
acesso a fontes internas e externas <strong>de</strong> financiamento ou unida<strong>de</strong>s integradas<br />
verticalmente na produção <strong>de</strong> alguns insumos.<br />
Por outro lado, em certos casos o entrante po<strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong> vantagens<br />
por ser uma firma completamente nova, já que isso lhe permite planejar e<br />
construir uma planta utilizando soluções técnicas <strong>de</strong> última geração, situação<br />
que se mostra importante no caso <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital que apresentam<br />
trajetórias tecnológicas com "safras" <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los bem <strong>de</strong>finidas 6. Estes fatores<br />
po<strong>de</strong>m reduzir significativamente, ou mesmo eliminar, outras vantagens <strong>de</strong><br />
custo que as firmas já estabelecidas eventualmente possuam.<br />
Um terceiro tipo <strong>de</strong> barreiras à entrada resulta da presença <strong>de</strong><br />
economias <strong>de</strong> escala, sejam estas reais - <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> custos, cuja<br />
obtenção exije o aumento das dimensões da planta ou da firma - ou<br />
pecuniárias - <strong>de</strong>rivadas do pagamento <strong>de</strong> preços menores na aquisição <strong>de</strong><br />
insumos, incluindo aqui menores custos com transporte, propaganda e outros<br />
gastos relacionados às vendas 7 . As economias <strong>de</strong> escala reais usualmente são<br />
classificadas em três categorias:<br />
(i) técnicas, resultantes do uso <strong>de</strong> equipamentos mais<br />
eficientes;<br />
(ii) gerenciais, resultantes da divisão <strong>de</strong> gastos gerenciais<br />
fixos em uma produção mais elevada;<br />
6 Supõe- se aqui que quem está na safra antiga enfrenta custos elevados para adaptar<br />
seus equipamentos às configurações da nova safra (o que às vezes é até mesmo<br />
impossível) ou para se <strong>de</strong>sfazer dos equipamentos antigos antes do final da sua<br />
<strong>de</strong>preciação.<br />
7 A diferença portanto está em que as economias reais <strong>de</strong> escala reduzem o montante<br />
utilizado <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> produção ou insumos por unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produto, enquanto as<br />
economias pecuniárias <strong>de</strong> escala resultam do menor preço pago pelos fatores ou<br />
insumos adquiridos.
(iii) <strong>de</strong>correntes da maior especialização do trabalho.<br />
A presença <strong>de</strong>stas economias <strong>de</strong> escala se dá quando, dadas as<br />
dimensões do mercado e a escala mínima que viabiliza economicamente a<br />
operação <strong>de</strong> um entrante potencial, este espera que, como resultado da sua<br />
entrada no mercado, a oferta do(s) produto(s) em questão se eleve ao ponto <strong>de</strong><br />
eliminar os lucros extraordinários que tornariam atrativa a operação no setor.<br />
Obviamente, a existência <strong>de</strong> barreiras <strong>de</strong>ste tipo exige a presença <strong>de</strong> custos<br />
irrecuperáveis vinculados à efetivação da entrada (sunk costs), sem os quais<br />
valeria a pena para o entrante entrar e sair rapidamente do mercado (hit and<br />
run ) para auferir temporariamente lucros extraordinários 8 .<br />
A análise dos efeitos das economias <strong>de</strong> escala sobre a concorrência<br />
potencial é complexa, visto que estes <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m das expectativas dos entrantes<br />
acerca das reações das firmas já estabelecidadas caso ocorra uma entrada, bem<br />
como das expectativas das firmas estabelecidas acerca do provável<br />
comportamento das entrantes.<br />
Em outras palavras, como a lucrativida<strong>de</strong> esperada do entrante <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> qual será a reação da empresa já estabelecida, a intensida<strong>de</strong> da concorrência<br />
potencial passa a ser percialmente <strong>de</strong>terminada pelo processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
expectativas, o que levou alguns autores a analisar as condições nas quais<br />
empresas já existentes adotam condutas que <strong>de</strong>sencorajem entrantes<br />
potenciais 9 .<br />
Nesta linha, é possível <strong>de</strong>monstrar que, em certo número <strong>de</strong> casos, po<strong>de</strong><br />
ser vantajoso para a firma estabelecida dominante procurar dimensionar seu<br />
estoque <strong>de</strong> capital e capacida<strong>de</strong> produtiva <strong>de</strong> maneira a influenciar as <strong>de</strong>cisões<br />
<strong>de</strong> entrantes eventuais, basicamente minorando a intensida<strong>de</strong> da concorrência<br />
potencial. A idéia básica é que, ao investir em instalações produtivas que<br />
ficarão sub- utilizadas, a firma estabelecida cria uma "ameaça convincente" <strong>de</strong><br />
que sua reação será bastante agressiva frente a uma entrada, visto que seus<br />
custos fixos se elevarão significativamente se a quantida<strong>de</strong> vendida diminuir.<br />
8 Nos termos <strong>de</strong> Baumol, Panzar e Willig (1982), as economias <strong>de</strong> escala só dificultam a<br />
entrada em mercados que não são perfeitamente contestáveis.<br />
9 Cf., por exemplo, Caves e Porter (1977) e Dixit (1980, 1982).
O entrante, por sua vez, concluindo pela baixa probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
"acomodação" após a entrada, esperará dificulda<strong>de</strong>s em ocupar sua<br />
capacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que será dissuadido da iniciativa <strong>de</strong> passar a operar<br />
naquele mercado. Este tipo <strong>de</strong> análise po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como uma<br />
alteração dinâmica do paradigma Estrutura- Conduta- Desempenho, na medida<br />
em que o amplia no sentido <strong>de</strong> analisar também efeitos da conduta das firmas<br />
sobre a estrutura do mercado.<br />
Por último, a exigência <strong>de</strong> investimentos iniciais elevados para<br />
viabilizar a instalação uma nova empresa no mercado também é fonte <strong>de</strong><br />
barreiras à entrada. Por envolver a criação <strong>de</strong> nova capacida<strong>de</strong>, qualquer<br />
investimento inicial envolve uma aplicação <strong>de</strong> recursos financeiros cujo<br />
montante <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> variáveis relacionadas às tecnologias<br />
em uso (principalmente da relação capital/produto). Um entrante potencial<br />
que não possua uma base <strong>de</strong> negócios significativa em outros setores po<strong>de</strong><br />
encontrar dificulda<strong>de</strong>s em obter o capital necessário, na medida em que:<br />
(i) os bancos ten<strong>de</strong>m a ser relutantes e/ou a cobrar<br />
juros mais elevados em possíveis empréstimos; e<br />
(ii) o mercado <strong>de</strong> capitais se mostra inacessível para<br />
uma firma sem reputação estabelecida.<br />
Deve- se lembrar que tais barreiras são minoradas nos casos <strong>de</strong> entradas<br />
resultantes da diversificação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s grupos ou conglomerados. Estes, tanto<br />
por seu porte e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização <strong>de</strong> massas <strong>de</strong> lucros auferidos em<br />
outras áreas, quanto por freqüentemente possuírem empresas do setor<br />
financeiro, po<strong>de</strong>m reunir o capital necessário com relativa facilida<strong>de</strong>.<br />
III - <strong>Barreiras</strong> à <strong>Entrada</strong> e Mercados Contestáveis.<br />
Nos anos 80 foi proposta a chamada teoria dos mercados contestáveis,<br />
procurando examinar as condições nas quais um mercado concentrado,<br />
oligopolístico ou até monopolístico, po<strong>de</strong> apresentar <strong>de</strong>sempenho competitivo<br />
nos preços (conduta) e nos custos (eficiência) apenas sob ameaça <strong>de</strong> entrada<br />
da concorrência potencial, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir a estrutura à condição
atomística da concorrência perfeita, e visando ainda extrair daí implicações<br />
normativas (Baumol, 1982).<br />
Na teoria dos mercados contestáveis, a estrutura industrial surge como<br />
resultado endógeno da interação entre as características técnicas da produção,<br />
o tamanho do mercado e a concorrência potencial. Teoricamente, qualquer<br />
estrutura <strong>de</strong> mercado - inclusive o monopólio - po<strong>de</strong> ser, em princípio,<br />
eficiente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sua constituição não resulte <strong>de</strong> arranjos extra- mercado e<br />
que seja impossível para qualquer firma participar do mercado auferindo lucro<br />
(Araújo Junior, 1984).<br />
Uma configuração <strong>de</strong> mercado - isto é, o número, distribuição do<br />
tamanho das firmas e suas pautas <strong>de</strong> produção - é eficiente quando for<br />
simultaneamente factível e sustentável. A noção <strong>de</strong> factibilida<strong>de</strong> está associada<br />
à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que existam técnicas <strong>de</strong> produção com as quais seja possível<br />
aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda aos preços vigentes, sem que nenhuma firma tenha<br />
prejuízo. Formalmente, supondo que todas as firmas têm a mesma função <strong>de</strong><br />
custo:<br />
(1) Σ Yi = Q(p)<br />
ou seja, a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> cada produto <strong>de</strong>ve ser igual à quantida<strong>de</strong> ofertada ao<br />
preço <strong>de</strong> equilíbrio, sendo Yi o vetor <strong>de</strong> produção da firma i, p o vetor preço e Q<br />
(p) o vetor <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda pelos produtos da indústria;<br />
(2) pYi - C(Yi) ≥ 0 para todas as firmas i ,e:<br />
(3) Yi ≥ 0.<br />
As condições associadas à manutenção <strong>de</strong> uma estrutura <strong>de</strong> mercado -<br />
monopolística ou não - sem barreiras institucionais à entrada são dadas pelo<br />
conceito <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> : uma estrutura industrial, inclusive o monopólio<br />
natural, é sustentável se nenhuma entrada potencial no mercado - dada a<br />
tecnologia, a produção e o vetor <strong>de</strong> preços vigente - for lucrativa, a esses preços.<br />
Formalmente:
(4) PeYe - C(Ye) ≤ 0 para qualquer Pe ≤ P e Ye ≤ Q(Pe).<br />
No caso <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> mono- produto com rendimentos crescentes, é<br />
possível provar que o único equilíbrio sustentável é alcançado quando o preço<br />
correspon<strong>de</strong>nte à quantida<strong>de</strong> produzida por um monopolista é igual ao seu<br />
custo médio <strong>de</strong> produção. Para evitar a entrada <strong>de</strong> novas firmas, portanto, um<br />
monopolista <strong>de</strong>verá praticar um política <strong>de</strong> preços que elimine seu próprio<br />
lucro.<br />
Contudo, segundo esta teoria, uma estrutura <strong>de</strong> mercado somente será<br />
eficiente, do ponto <strong>de</strong> vista da maximização do bem- estar social, se a entrada<br />
for possível, sendo impedida apenas pela política <strong>de</strong> preços das empresas<br />
presentes no mercado. Em outras palavras, a eficiência da estrutura <strong>de</strong><br />
mercado <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do nível <strong>de</strong> obstáculos à entrada e à saída na indústria, ou<br />
seja, <strong>de</strong> seu grau contestabilida<strong>de</strong> .<br />
Um mercado é dito perfeitamente contestável se os concorrentes<br />
potenciais têm acesso à tecnologia disponível e po<strong>de</strong>m recuperar seus custos<br />
<strong>de</strong> entrada, caso posteriormente <strong>de</strong>cidam abandonar a indústria. Assim, o<br />
conceito <strong>de</strong> perfeita contestabilida<strong>de</strong> está relacionado com liberda<strong>de</strong> absoluta<br />
<strong>de</strong> entrada e saída das firmas em um <strong>de</strong>terminado mercado. Note- se que esta<br />
hipótese pressupõe, ainda que não exclusivamente:<br />
a) a ausência <strong>de</strong> custos irrecuperáveis (sunk costs), tais<br />
como os investimentos em ativos específicos;<br />
b) que a tecnologia seja um bem livre; e<br />
c) a inexistência <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> retaliação contra os novos<br />
entrantes por parte das empresas já presentes na<br />
indústria 10 .<br />
10 Trata- se, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong> pressupostos heróicos, em um mundo on<strong>de</strong> a<br />
tecnologia é fator chave na <strong>de</strong>terminação da competitivida<strong>de</strong> das firmas e o processo<br />
competitivo é guiado justamente pela busca <strong>de</strong> lucro extraordinários, através da<br />
construção estratégica <strong>de</strong> barreiras à entrada.
Vale observar que um mercado perfeitamente competitivo é<br />
necessariamente contestável, mas o contrário não ocorre. Em particular, um<br />
mercado perfeitamente contestável estará em equilíbrio se sua configuração for<br />
sustentável.<br />
Caso se verifique a presença <strong>de</strong> sunk costs 11 , as empresas não precisarão<br />
eliminar seus lucros econômicos, na medida em que sua situação estará<br />
protegida pela existência <strong>de</strong> barreiras à entrada <strong>de</strong> caráter não- institucional.<br />
As implicações <strong>de</strong> natureza política da teoria dos mercados contestáveis<br />
sao distintas da microeconomia ortodoxa: é perfeitamente possível a existência<br />
<strong>de</strong> estruturas concentradas sem que o interesse público seja prejudicado. A<br />
política industrial <strong>de</strong>ve evitar o controle das fontes <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> tecnologia<br />
( logo, <strong>de</strong>vem existir instituições públicas que promovam a difusão da<br />
tecnologia e inibam a apropriabilida<strong>de</strong> privada, sem contudo retirar o estímulo<br />
à inovação) e o excesso <strong>de</strong> regulamentação no setor quanto ao número <strong>de</strong><br />
firmas (licenças <strong>de</strong> fabricação, etc). Quanto menores as barreiras à entrada no<br />
setor, maior a sua eficiência, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do produto ser ou não<br />
homogêneo, das firmas serem ou não atomísticas e das <strong>de</strong>cisões serem ou não<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />
O problema <strong>de</strong>sse enfoque é que as condições requeridas para a perfeita<br />
contestabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mercado - da qual a concorrência perfeita seira apenas<br />
um caso particular - são tão restritivas quanto esta última: livre entrada (sem<br />
custos e com livre acesso à tecnologia e aos insumos) e saída (ausência <strong>de</strong> sunk<br />
costs, custos irrecuperáveis) e impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retaliação via preços em<br />
tempo hábil após a entrada.<br />
Como a presença tanto <strong>de</strong> economias <strong>de</strong> escala quanto <strong>de</strong> ativos<br />
específicos (como os tecnológicos, básicos na concorrência contemporânea)<br />
implicam sunk costs, e por conseguinte barreiras à entrada e à saída, bem como<br />
a hipótese <strong>de</strong> preços inflexíveis das firmas estabelecidas por mais tempo que o<br />
11 Sunk costs são aqueles investimentos que po<strong>de</strong>m produzir um fluxo <strong>de</strong> benefícios<br />
(receitas) ao longo <strong>de</strong> um amplo horizonte <strong>de</strong> tempo, mas que não po<strong>de</strong>m ser jamais<br />
inteiramente recuperados. Note- se que custos fixos são sunk costs no curto prazo.
necessário à instalação <strong>de</strong> nova capacida<strong>de</strong> produtiva é francamente irrealista 12,<br />
os mercados oligopolísticos do mundo real são tudo menos contestáveis, e<br />
preços acima do nível competitivo (assim como as margens <strong>de</strong> lucro<br />
correspon<strong>de</strong>ntes) são a situação normal e estrutural dos mesmos. As<br />
implicações normativas ficam igualmente prejudicadas pelo irrealismo <strong>de</strong><br />
eventuais medidas <strong>de</strong>stinadas a tornar contestável um oligopólio.<br />
IV - <strong>Barreiras</strong> à <strong>Entrada</strong> e Análise Antitruste.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista da política antitruste, é essencial avaliar a extensão e a<br />
rapi<strong>de</strong>z com que as medidas <strong>de</strong> intervenção no mercado conseguiriam prevenir<br />
os in<strong>de</strong>sejáveis efeitos anti- competitivos <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> concentração mais<br />
eficazmente do que o mercado seria capaz <strong>de</strong> fazer por si mesmo. Isto requer<br />
invariavelmente uma análise cuidadosa das condições <strong>de</strong> entrada no mercado,<br />
em princípio in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do grau <strong>de</strong> concentração vigente, uma vez<br />
que é a entrada “a resposta natural do mercado a lucros excessivos”, e sua<br />
eficácia reduziria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação antitruste em cada caso específico<br />
(Geroski, 1988, p. 182). A análise do nível das barreiras à entrada no mercado<br />
relevante é, portanto, crucial para a <strong>de</strong>terminação dos potenciais efeitos<br />
anticompetitivos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> concentração:<br />
“ Entry conditions are a central feature of antitruste<br />
analysis, because potencial entry represents a significant<br />
market force that un<strong>de</strong>rmines incumbents’ ten<strong>de</strong>ncy<br />
toward unilateral or joint (collusive) exercise of market<br />
power” (Bonner e Krueger, 1991, p. 5).<br />
Segundo a teoria microeconômica mo<strong>de</strong>rna, sobretudo na área <strong>de</strong><br />
organização industrial, nenhum ato <strong>de</strong> concentração realizado em mercados<br />
relevantes on<strong>de</strong> as barreiras à entrada são baixas <strong>de</strong>ve gerar maiores<br />
preocupações das autorida<strong>de</strong>s antitruste. A explicação para essa afirmativa é<br />
simples: a ausência <strong>de</strong> significativos impedimentos à entrada <strong>de</strong> novos<br />
concorrentes em um <strong>de</strong>terminado mercado relevante implica a virtual<br />
inexistência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado por parte <strong>de</strong> uma empresa que nele <strong>de</strong>tenha<br />
12 Ver a respeito Lyons (1988), pp. 53-55 e Shepherd (1984).
elevado market share, posto que em princípio qualquer conduta<br />
potencialmente prejudicial ao bem- estar do consumidor po<strong>de</strong>ria atrair a<br />
entrada <strong>de</strong> novos concorrentes em seu mercado <strong>de</strong> atuação.<br />
Em outras palavras, se a entrada em um certo mercado é fácil, mesmo a<br />
presença <strong>de</strong> um elevado market share não é suficiente para caracterizar po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> mercado 13 por parte <strong>de</strong> uma empresa: assim que esta elevasse seu preço<br />
para níveis <strong>de</strong> monopólio, novos competidores apareceriam, <strong>de</strong> modo que sua<br />
participação <strong>de</strong> mercado se reduziria, forçando- a a diminuir seu preço <strong>de</strong> volta<br />
ao nível competitivo (Hovenkamp, 1994, p. 246). Logo, em situações em que as<br />
barreiras são inexistentes ou suficientemente baixas, essas condições<br />
estruturais do mercado não permitirão o surgimento <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> monopólio,<br />
mesmo que tal mercado seja ocupado por uma única firma ou esteja<br />
cartelizado.<br />
A importância da análise das barreiras à entrada não somente é<br />
reconhecida pela teoria econômica aplicada à área antitruste, mas também na<br />
jurisprudência dos órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da concorrência nos países <strong>de</strong>senvolvidos.<br />
Sua relevância aparece explicitamente, por exemplo, no Horizontal Merger<br />
Gui<strong>de</strong>lines, documento publicado em conjunto pelo Departamento <strong>de</strong> Justiça<br />
(DOJ) e pela Fe<strong>de</strong>ral Tra<strong>de</strong> Commission (FTC) dos E.U.A..<br />
Nesse documento, cujo objetivo é o <strong>de</strong> dar transparência ao processo <strong>de</strong><br />
análise e <strong>de</strong>cisão no julgamento <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> concentração, as autorida<strong>de</strong>s norte-<br />
americanas responsáveis pela <strong>de</strong>fesa da concorrência afirmam que “uma fusão<br />
provavelmente não criará ou aumentará o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado ou facilitará seu<br />
exercício, caso a entrada no mercado seja suficientemente fácil para impedir,<br />
após a fusão, que os participantes do mercado possam, coletiva ou<br />
uniteralmente, manter, lucrativamente, preços acima dos níveis verificados<br />
antes da fusão”. 14 Nessas situações, a entrada potencial será suficiente para<br />
13 Enten<strong>de</strong>- se por po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma empresa aumentar seus<br />
preços sem experimentar perdas significativas <strong>de</strong> suas vendas, <strong>de</strong>vido,<br />
fundamentalmente, à ausência <strong>de</strong> produtos alternativos para os consumidores.<br />
14 “A merger is not likely to create or enhance market power or to facilitate its exercise,<br />
if entry into market is so easy that market participants, after the merger, either<br />
collectively or unilaterally could not profitably maintain a price increase above<br />
premerger levels”. Horizontal Mergers Gui<strong>de</strong>lines, 1992, p. 25.
impedir o surgimento <strong>de</strong> eventuais efeitos anticompetitivos resultantes da<br />
fusão.<br />
Os Gui<strong>de</strong>lines classificam as empresas entrantes potenciais em dois tipos<br />
básicos: uncommitted e committed entrants . As primeiras são aquelas cuja<br />
nova oferta tenha, em resposta a um “pequeno, mas significativo e não-<br />
transitório” aumento <strong>de</strong> preços, a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrer em um período <strong>de</strong><br />
1 (um) ano, sem que <strong>de</strong>vam incorrer, para ofertar os seus produtos, em custos<br />
<strong>de</strong> entrada e saída significativos (sunk costs) 15 .<br />
Além dos uncommitted entrants, os Gui<strong>de</strong>lines apontam para a<br />
importância, do ponto <strong>de</strong> vista da presença <strong>de</strong> concorrência potencial e <strong>de</strong><br />
limites ao exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado <strong>de</strong>rivado da existência <strong>de</strong> elevados<br />
índices <strong>de</strong> concentração econômica, dos chamados committed entrants ,<br />
empresas que apresentam condições <strong>de</strong> superar, sem gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s, as<br />
eventuais barreiras à entrada em um <strong>de</strong>terminado mercado relevante.<br />
Este tipo <strong>de</strong> entrada é <strong>de</strong>finida como aquela situação em que os novos<br />
entrantes <strong>de</strong>vem incorrer em sunk costs significativos. Neste caso, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrada no mercado relevante por committed entrants po<strong>de</strong>rá<br />
impedir os potenciais efeitos anticompetitivos oriundos <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong><br />
concentração <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que satisfaça as seguintes condições 16 :<br />
(i) o novo entrante possa gerar uma nova oferta<br />
significativa, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> seu impacto<br />
sobre a oferta geral no mercado relevante,<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> tempo razoável<br />
(“timeliness test”);<br />
15 Ibid., p. 11. Segundo o entendimento da FTC e do Departamento <strong>de</strong> Justiça dos<br />
E.U.A., custos <strong>de</strong> entrada e saída significativos (significant sunk costs) são aqueles que<br />
“would not be recouped within one year of the commencement of the supply<br />
response, assuming a ‘small but significant and non- transitory’ price increase in the<br />
relevant market.” É preciso diferenciar sunk cost do conceito <strong>de</strong> custos fixos: estes<br />
últimos po<strong>de</strong>m ser recuperáveis quando da eventual saída da empresa do mercado,<br />
sendo terrenos um bom exemplo.<br />
16 Cf. Horizontal Merger Gui<strong>de</strong>lines, pp. 25 a 30.
(ii) a nova empresa possa atuar, no longo prazo,<br />
obtendo lucros, segundo os preços vigentes no<br />
mercado antes da efetivação do ato <strong>de</strong><br />
concentração (“likelihood test”); e<br />
(iii) a nova estrutura <strong>de</strong> mercado, após a nova<br />
entrada, seja capaz <strong>de</strong> reduzir os preços <strong>de</strong><br />
mercado para seus níveis anteriores à realização<br />
do ato <strong>de</strong> concentração (“sufficiency test”).<br />
Caso esses testes sejam satisfeitos, o ato <strong>de</strong> concentração - fusão ou<br />
aquisição - não <strong>de</strong>verá ser motivo <strong>de</strong> preocupação por parte das autorida<strong>de</strong>s<br />
antitruste, dispensando análises mais aprofundadas 17 . Tal consi<strong>de</strong>ração funda-<br />
se sobre o fato <strong>de</strong> que a ameaça associada à presença <strong>de</strong> concorrentes<br />
potenciais e novas entradas no mercado relevante constituem um obstáculo<br />
real ao exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado por parte <strong>de</strong> empresas que <strong>de</strong>tenham<br />
market shares elevados no mercado relevante previamente <strong>de</strong>finido .<br />
Note- se que a <strong>de</strong>finição do período <strong>de</strong> tempo associado à entrada <strong>de</strong> um<br />
novo concorrente potencial é fundamental para a análise das autorida<strong>de</strong>s<br />
responsáveis pela <strong>de</strong>fesa da concorrência. A variável tempo é uma das chaves<br />
para a <strong>de</strong>finição do nível <strong>de</strong> barreiras à entrada: quanto maior o tempo<br />
necessário à efetivação da entrada - ceteris paribus - maior o nível das barreiras<br />
em um certo mercado relevante.<br />
Por outro lado, se o tempo <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> novos competidores em<br />
<strong>de</strong>corrência do aumento da rentabilida<strong>de</strong> em um certo mercado é virtualmente<br />
nulo, <strong>de</strong>vido à existência <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> produtiva já instalada, surge a questão<br />
central da <strong>de</strong>limitação entre os conceitos <strong>de</strong> mercado relevante e barreiras à<br />
entrada. Com efeito, na tradição antitruste norte- americana <strong>de</strong> conceituação<br />
<strong>de</strong> mercado relevante, os competidores cuja capacida<strong>de</strong> instalada po<strong>de</strong> ser<br />
rapidamente redirecionada para a fabricação <strong>de</strong> novas linhas <strong>de</strong> produtos são<br />
incluídos no mercado relevante, sendo suas ofertas potenciais coerentemente<br />
17 “In markets where entry is easy (i.e., where entry passes these tests of timeliness,<br />
likelihood and sufficiency), the merger raises no antitrust concern and ordinarily<br />
requires no further analysis”. Cf. Horizontal Merger Gui<strong>de</strong>lines, p. 26.
computadas para o cálculo dos market shares das empresas (Bonner e Krueger,<br />
1991, p. 12 e Hovenkamp, 1994, p. 107). Ou seja, esses competidores são<br />
consi<strong>de</strong>rados efetivos e não potenciais ou externos ao mercado.<br />
Na Europa, a presença <strong>de</strong>sses mesmos competidores potenciais seria em<br />
geral indicativa da existência <strong>de</strong> baixo nível <strong>de</strong> barreiras à entrada num<br />
mercado relevante previamente <strong>de</strong>finido, sem levar em consi<strong>de</strong>ração a<br />
eventual flexibilida<strong>de</strong> dos processos produtivos <strong>de</strong> concorrentes que, embora<br />
não fabricando produtos bons substitutos pelo lado da <strong>de</strong>manda, possam<br />
rapidamente produzi- los. Neste caso, o mercado relevante é <strong>de</strong>limitado <strong>de</strong><br />
modo mais <strong>de</strong>sagregado, mas apresentando baixas barreiras à entrada.<br />
IV - Conclusões<br />
A tradição em organização industrial e na economia antitruste acabou<br />
por entronizar - inclusive na legislação - a noção <strong>de</strong> concentração industrial e<br />
suas medidas como variável-síntese das condições estruturais no mercado,<br />
com o intuito <strong>de</strong> inferir daí padrões <strong>de</strong> conduta anti- competitiva. No entanto,<br />
são questionáveis tanto a base teórica quanto empírica <strong>de</strong>sta focalização na<br />
concentração industrial.<br />
No plano teórico, é discutível o significado da própria noção <strong>de</strong><br />
concentração, quanto a seu conteúdo, e mais ainda quanto à sua medida 18.<br />
Concentração é, a rigor, somente um indicador sintético <strong>de</strong> diferentes<br />
dimensões estruturais do mercado procurando captar particularmente, em<br />
simultâneo, o pequeno número <strong>de</strong> concorrentes e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tamanho<br />
entre eles. No plano empírico os numerosos testes estatísticos <strong>de</strong> regressão<br />
entre concentração e outras variáveis - especialmente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, como a<br />
lucrativida<strong>de</strong> - resultam inconclusivos, permanecendo substanciais<br />
ambigüida<strong>de</strong>s inclusive quanto à direção da causalida<strong>de</strong> 19.<br />
A implicação para a política antitruste é que a antiga noção <strong>de</strong> que a<br />
estrutura <strong>de</strong> mercado é uma indicação segura para a conduta dos<br />
competidores e, por extensão, para balizar e justificar a intervenção estrutural,<br />
18 Por exemplo, Possas (1985), pp. 138 ss.<br />
19 Veja-se a resenha <strong>de</strong> Geroski (1988), pp. 176 ss.
não mais se sustenta. O que não impe<strong>de</strong>, entretanto, que algum índice <strong>de</strong><br />
concentração a<strong>de</strong>quadamente escolhido seja válido como um primeiro sinal,<br />
ainda que insuficiente como elemento previsor, apontando para a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> condutas anti- competitivas. Em poucas palavras, a<br />
concentração industrial é uma condição necessária para a acumulação<br />
assimétrica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado (no sentido amplo aqui adotado, e não só em<br />
preços), e por conseqüência para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu exercício <strong>de</strong> forma<br />
anti- competitiva; mas <strong>de</strong> modo algum é condição suficiente.<br />
A análise das forças da concorrência atuantes num dado mercado não<br />
po<strong>de</strong> prescindir, nesse sentido, <strong>de</strong> uma análise específica das barreiras à<br />
entrada e <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>terminantes, os quais são consi<strong>de</strong>rados como<br />
essencialmente estruturais, isto é, relacionados a condições tecnológicas, às<br />
formas <strong>de</strong> concorrência típicas do mercado em questão e ao acesso aos<br />
mercados supridores, <strong>de</strong> insumos ou <strong>de</strong> crédito, a custos mais vantajosos.<br />
Em que pesem as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> metodologia no que se<br />
refere ao conceito <strong>de</strong> entrada , importa salientar que os princípios e os<br />
resultados são basicamente os mesmos. Verificando- se a existência <strong>de</strong> baixas<br />
barreiras à entrada e/ou concorrentes capazes <strong>de</strong> redirecionar suas<br />
capacida<strong>de</strong>s produtivas já instaladas para a fabricação <strong>de</strong> produtos do mercado<br />
relevante, as autorida<strong>de</strong>s antitruste têm fortes indícios <strong>de</strong> que o ato <strong>de</strong><br />
concentração não <strong>de</strong>ve gerar gran<strong>de</strong>s efeitos em termos <strong>de</strong> criação e/ou<br />
aumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico: em ambos os casos, a elasticida<strong>de</strong> da oferta é<br />
elevada, implicando que as empresas envolvidas no ato <strong>de</strong> concentração não<br />
<strong>de</strong>têm po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mercado significativo (Hovenkamp, 1994, p. 107) 20.<br />
20 No entanto, uma importante, ainda que não necessária, diferença <strong>de</strong>ve ser<br />
apontada. Trata- se da - provável - distinta duração dos processos <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />
concentração em países on<strong>de</strong> existe uma notificação prévia e/ou um julgamento<br />
preliminar voltado para a eliminação sumária dos casos mais simples. Nessas<br />
situações, os market shares dos participantes no mercado relevante, quando nele se<br />
incluem os concorrentes potenciais, ten<strong>de</strong>m a diminuir imediatamente, não gerando<br />
elevadas participações que engendrem análises antitruste mais profundas. Já quando<br />
somente o critério <strong>de</strong> barreiras à entrada é empregado, ainda que o resultado final da<br />
análise seja o mesmo, num primeiro momento as participações ten<strong>de</strong>m a ser mais<br />
elevadas, po<strong>de</strong>ndo dar origem a processos mais <strong>de</strong>morados.
Evi<strong>de</strong>ntemente, a escolha dos métodos <strong>de</strong>ve seguir não somente a<br />
tradição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da concorrência <strong>de</strong> cada país, mas também certos requisitos<br />
técnicos. Por exemplo, naqueles casos em que os entrantes potenciais ainda<br />
não existem e/ou não po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificados, torna- se imprescindível a<br />
<strong>de</strong>finição do mercado relevante sem levá-los em consi<strong>de</strong>ração; atribuindo- se,<br />
no entanto, baixas barreiras à entrada no mercado. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal<br />
método funda- se na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se calcular o <strong>de</strong>nominador - ou seja, a<br />
produção total no mercado - da fração do market share <strong>de</strong> cada participante.<br />
Ao contrário, se a base tecnológica <strong>de</strong> um certo fabricante permite que<br />
sua produção possa ser redirecionada para outras linhas <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> um<br />
mercado, é importante que sua produção potencial <strong>de</strong>sses produtos seja levada<br />
em consi<strong>de</strong>ração para efeito das participações <strong>de</strong> mercado das empresas<br />
envolvidas na fusão ou aquisição. Vale notar que empiricamente é mais fácil<br />
<strong>de</strong>monstrar o caso <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> no processo produtivo do que aquele<br />
associado a baixas barreiras à entrada, em que as firmas entrantes<br />
eventualmente ainda nem existem ou requereriam substanciais mudanças em<br />
seus processos produtivos <strong>de</strong> modo a oferecerem novos produtos no mercado<br />
relevante.
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