Aos textos, com prazer! - Secretaria da Educação
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Deus lhe pague!<br />
Marco Antonio Lacer<strong>da</strong> Abreu<br />
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Eu nunca pensei exatamente <strong>com</strong>o seria se fosse rico, ir para o colégio de carro <strong>com</strong> meus pais de<br />
manhã cedo e ain<strong>da</strong> sorrindo, simplesmente eles ficarem <strong>com</strong>pletamente contentes só pelo pequeno<br />
fato de eu estu<strong>da</strong>r, se preocuparem pelo mínimo motivo de não me esforçar nos estudos, mesmo<br />
tendo mil preocupações. Mas não tive tempo de sonhar.<br />
Era sol de meio-dia, estava sentado no chão em frente a minha casa, <strong>com</strong> a barriga lota<strong>da</strong> de arroz<br />
e farinha. Eu não estava sozinho, um grupo de idosos ouvia a rádio, enquanto eu pegava carona<br />
junto <strong>com</strong> eles.<br />
To<strong>da</strong> rádio nunca deixa escapar um assunto de política, e to<strong>da</strong> vez que toca nesse assunto sempre<br />
escuto dizer:<br />
— Sempre fazem ao contrário do que falam, e quando fazem é tão pouco... - reclamou minha avó<br />
enquanto ouvia a rádio.<br />
Mas até que eu concor<strong>da</strong>va, sempre pergunto dentro de mim por que eles só tomam alguma atitude<br />
antes de ganhar. Por que não deixar para fazer isso quando forem eleito? Mas consegui descobrir.<br />
♦ ♦ ♦<br />
Lembro-me muito bem do dia cinco de setembro. No bairro onde morava nunca se ouviu tanto<br />
barulho quanto aquele dia. Passavam carros de som frequentemente, as senhoras saíam de suas<br />
casas de pau a pique e ficavam na porta escutando o pequeno discurso do tal candi<strong>da</strong>to. Quando<br />
não era um discurso, era uma pequena paródia musical que tocava falando seus objetivos políticos<br />
pelo ritmo, enquanto isso as crianças <strong>da</strong>nçavam felizes. Confesso que fui uma delas.<br />
Passei o dia inteiro sem <strong>com</strong>er na<strong>da</strong>, mainha prometeu que hoje <strong>com</strong>eríamos o dobro, mas não tinha<br />
na<strong>da</strong> para <strong>com</strong>er. Minha barriga revirava de fome enquanto olhava as estrelas. Meus quinze irmãos<br />
já estavam dormindo e minha mãe estava senta<strong>da</strong> na porta <strong>da</strong> frente. Devia ser meia noite, quando<br />
escutei um barulho de carro. Os olhos de mainha se arregalaram, senti que a sua preocupação<br />
estava por fim quando ela se levantou correndo. Eu estranhei a sua atitude e segui segurando a mão<br />
dela. A pressa era tão grande que ela me pegou pelo colo e saiu correndo no meio <strong>da</strong> rua<br />
empoeira<strong>da</strong>, cheia de buracos.<br />
Depois de alguns minutos, estava num beco escuro lotado de gente esperneando. Muitos rostos<br />
presentes eu reconhecia, outros não fazia a mínima ideia de quem eram. Mas percebi que o tal<br />
barulho de carro que eu escutei era justamente aquele carro que retirava cestas básicas e entregava<br />
aos moradores. Eles entravam em desespero quando viam retirando os mantimentos e iam<br />
alongando a fila indiana. Minha mãe, em desespero, empurrava aqueles que estavam na nossa<br />
frente para chegar o mais perto possível do tal carro — e conseguimos — eles nos viram e nos<br />
puxaram bem mais perto.<br />
Marco Antonio, 16 anos, 2ª série do ensino médio <strong>da</strong> Escola Estadual Inácio Tosta Filho, DIREC 08 – Eunápolis.<br />
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