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Aos textos, com prazer! - Secretaria da Educação

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86<br />

Restaram apenas alguns rebeldes, talvez os mais rápidos, ou os menos ousados. Vi a longa distância<br />

os policiais pegarem Géricault; ele gritava aflito. O destino de um rebelde antimonarca nas mãos <strong>da</strong><br />

guar<strong>da</strong> nacional é um só: a execução. Géricault sabe disso, não pude conter minha tormenta, atirei-me sem<br />

pensar em direção ao campo de concentração de sol<strong>da</strong>dos. Fui baleado na região do estômago e, após<br />

esse momento, já não me lembro de na<strong>da</strong>.<br />

Acordei em lugar desconhecido. Era obscuro, sombrio, fétido, não sinto mais o cheiro de guerra, o<br />

aroma <strong>da</strong>s pólvoras do qual Paris já se habituara. As teias de aranha no ângulo do teto e as grades de<br />

formas hedion<strong>da</strong>s nos pequeninos vitrôs tornavam o lugar um cenário temeroso. Avistei uma fita de luz à<br />

minha esquer<strong>da</strong>. Era uma porta; estava distante. Me movi lentamente em sua direção; percebi que minhas<br />

mãos e meus pés estavam atados. Arrisquei-me a sentar no chão, pressionei meu abdômen e senti uma dor<br />

desmedi<strong>da</strong> no estômago. O tiro... tinha me esquecido...<br />

Notei movimentos no salão. Passos serenos e cautelosos ron<strong>da</strong>vam pela área pequena <strong>da</strong> sala, mais<br />

pessoas estão aqui. Seriam estranhos? Feridos? Tive medo de tentar averiguar, permaneci deitado e<br />

calado. Estou preso obviamente pela guar<strong>da</strong> nacional. Penso em hipóteses por um otimismo imbecil:<br />

esperança, na ocasião que me encontro, é imprescindível.<br />

A porta se abre. Uma explosão de luz invade o salão de tijolos velhos, dezenas de rebeldes feridos<br />

estão atirados no chão, a maioria deles desacor<strong>da</strong>dos. Cinco sol<strong>da</strong>dos bem divididos no espaço <strong>da</strong> sala,<br />

armados e à espreita. Não restam mais esperanças.<br />

O guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> porta sussurra:<br />

— Levantem-se, maricas! — batendo o cabo <strong>da</strong> espingar<strong>da</strong> em alguns manifestantes que o<br />

cercavam. Eles levantaram lentamente, <strong>com</strong> dificul<strong>da</strong>de, mancos, feridos, e alguns mutilados. Sete saíram.<br />

Logo após o sétimo homem sair, a porta foi fecha<strong>da</strong> rapi<strong>da</strong>mente <strong>com</strong>o se não pudéssemos ter acesso à luz.<br />

Ouvia-se um coral lá fora. Vozes de desespero desatinado ecoavam força<strong>da</strong>mente segui<strong>da</strong> de gritos de<br />

choro. Eram os heróis que incitavam: “Viva a república nova!”. Uma voz grave e firme soa exprimindo-os:<br />

“Fogo!”. Ouviam-se os tiros, sincronizados, aniquilando o pequeno coral. Preparam-se os rebeldes do salão,<br />

pois <strong>da</strong>qui sairá a próxima remessa de heróis.<br />

O que pode pensar um homem convicto de que vai morrer? No seu funeral? Os tiros lá fora mal me<br />

deixam pensar; os disparos doem em minha alma, os gritos dos grandes homens, os cânticos, a ordem de<br />

disparo, todos reunidos, mal-ensaiados, acontecendo. Sinto-me cronometrado. Tenho apenas algumas<br />

horas. Preciso selecionar meus pensamentos, afinal, após ele, partirei para onde não sei, e ninguém sabe.<br />

Partirei para o maior mistério <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

Tenho anseio pelo sangue dos monarquistas malditos, crápulas, miseráveis, narcisistas, autores de tamanha<br />

insolência. Um país, uma nação submissa a apenas um corpo, de carne, sangue, e equívocos. Prefiro a morte<br />

a ter que conviver <strong>com</strong> esse mal.<br />

Turbilhões de memórias e recor<strong>da</strong>ções narcotizam meu cérebro. Penso, me diviso, me multiplico, me<br />

analiso. Qual é minha essência? Quem sou eu? Resmungos? Mentiras? Sonhos? Lembro-me do tempo em que<br />

não me in<strong>com</strong>o<strong>da</strong>vam os absolutistas, que era feliz, que admirava o belo. Serei apenas mais um<br />

manifestante eliminado para o grande faturamento <strong>da</strong> Casa Real, <strong>com</strong>o o agricultor elimina gafanhotos<br />

para uma boa colheita. 31<br />

Minha história a miúdo<br />

Jailson Amâncio Nunes<br />

Sou um cabra muito macho<br />

Um poeta nordestino<br />

Que sofri quando menino<br />

Na minha vi<strong>da</strong> singela<br />

Filho de Maria Istela<br />

Serva fiel do divino<br />

Francisco Matias Nunes<br />

Que hoje já falecido<br />

Foi o meu papai querido<br />

Que o inimigo matou<br />

Mas o meu pai vacilou<br />

Porque não foi bom marido<br />

Por causa <strong>da</strong> vai<strong>da</strong>de<br />

Traindo a minha mãezinha<br />

Trouxe uma sorte mesquinha<br />

Com falsas amizades<br />

Perdeu a felici<strong>da</strong>de<br />

Perdeu a vi<strong>da</strong> que tinha<br />

Quando eu era pequeno<br />

As minhas irmãs queri<strong>da</strong>s<br />

Sem nenhuma despedi<strong>da</strong><br />

Se separaram de mim<br />

Pois aí vi tendo o fim<br />

De uma vez só duas vi<strong>da</strong>s<br />

31<br />

Foi na déca<strong>da</strong> de oitenta<br />

Que esse fato aconteceu<br />

Três aninhos tinha eu<br />

De um posto estávamos vindo<br />

E quem vinha dirigindo<br />

Triste notícia nos deu<br />

Em um posto de saúde<br />

Veio um carro me buscar<br />

Alguém para avisar<br />

A eu e a minha mãezinha<br />

Que desconfia<strong>da</strong> vinha<br />

Já <strong>com</strong>eçou a chorar<br />

Disse aquela doutora<br />

Que guiando o carro vinha<br />

Que no canal que ali tinha<br />

Morreram duas meninas<br />

To<strong>da</strong>s duas pequenininhas<br />

Eram minhas irmãzinhas<br />

A Salete, a Vanusa<br />

Que morreram afoga<strong>da</strong>s<br />

Estavam ali deita<strong>da</strong>s<br />

Sem poder me <strong>da</strong>r carinho<br />

E eu fiquei ali sozinho<br />

Muitas lágrimas derrama<strong>da</strong>s<br />

Vendo elas ali para<strong>da</strong>s<br />

Todos lhe observavam<br />

E muitos nos consolavam<br />

Perguntei: estão dormindo?<br />

Vendo aqueles braços lindos<br />

Que antes me carregavam<br />

Minha mãe disse: estão,<br />

Mas não vão mais acor<strong>da</strong>r<br />

Eu <strong>com</strong>ecei a chorar<br />

Porque elas nos deixaram<br />

Duas partiram, três ficaram<br />

E a tristeza no lar<br />

Jailson, 29 anos, 2ª série do Colégio Estadual Olavo Ferreira Neto, DIREC 15 – Juazeiro.<br />

Depois nasceu Jailton<br />

Pra me fazer <strong>com</strong>panhia<br />

E pro lar alegria<br />

Já <strong>com</strong>eçou a voltar<br />

Comecei a me acostumar<br />

E vencer a melancolia<br />

Depois nasceu Francinete<br />

No ano oitenta e seis<br />

No dia trinta do mês<br />

Não teve mais pranto algum<br />

Pois onde só era um<br />

Agora já eram três<br />

E <strong>da</strong>ndo à luz outra vez<br />

Minha mãe fez paradeiro<br />

O caçula e o derradeiro<br />

Foi Janeildo, e só<br />

Quem cortou o umbigo foi vó<br />

E eu tava lá no terreiro<br />

Quando já podia entrar<br />

Eu parti bem de repente<br />

E entrei todo contente<br />

Vendo a obra que Deus fez<br />

Um bebê de sete mês<br />

Era um pingo de gente<br />

Nem as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong> orelha<br />

Eram ain<strong>da</strong> termina<strong>da</strong>s<br />

Mas num é que o camara<strong>da</strong><br />

Hoje tá um homem feito<br />

Completo sem um defeito<br />

E todo cheio de arma<strong>da</strong><br />

87

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