20.04.2013 Views

História breve dos pigmentos: 4 - Sociedade Portuguesa de Química

História breve dos pigmentos: 4 - Sociedade Portuguesa de Química

História breve dos pigmentos: 4 - Sociedade Portuguesa de Química

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

0<br />

É interessante notar ainda que o con-<br />

sumo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> brasil parece ter<br />

caído rapidamente a partir do início do<br />

séc. XVI, pouco <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>scoberta do<br />

Brasil, em consequência <strong>de</strong> aí se terem<br />

encontrado outras plantas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

vermelha como o pernambuco ou pau-<br />

do-Brasil (Caesalpinia echinata Lamark)<br />

e o brasileto (Haematoxylum brasiletto<br />

Karsten), a primeira das quais passou a<br />

substituir o brasil [20].<br />

Laca <strong>de</strong> garança<br />

Esta laca é produzida a partir da ga-<br />

rança-<strong>dos</strong>-tintureiros, conhecida tam-<br />

bém pelos nomes <strong>de</strong> granza e ruiva –<br />

uma planta herbácea da espécie Rubia<br />

tinctorum L. – cuja raiz, chamada nos<br />

países mediterrâneos alizari (do árabe<br />

al-´usara), contém um gran<strong>de</strong> número<br />

<strong>de</strong> substâncias colorantes as principais<br />

das quais são a alizarina e a pseudopur-<br />

purina (fig. 7). Na garança vendida actu-<br />

almente no comércio encontra-se ainda<br />

uma proporção relativamente gran<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

purpurina, mas parece que isso se <strong>de</strong>ve<br />

ao facto <strong>de</strong> ela se formar durante o pro-<br />

cesso <strong>de</strong> manufactura em resultado da<br />

<strong>de</strong>scarboxilação da pseudopurpurina.<br />

Informações pormenorizadas sobre a<br />

natureza das várias substâncias colo-<br />

rantes que acompanham a alizarina e a<br />

pseudopurpurina nas raízes da garança<br />

po<strong>de</strong>rão ser encontradas no artigo <strong>de</strong><br />

revisão da autoria <strong>de</strong> Schweppe e Win-<br />

ter [28].<br />

Importa notar que, embora a garança<br />

tenha vindo a ser utilizada na indús-<br />

tria <strong>de</strong> tinturaria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pelo menos a<br />

época <strong>de</strong> Amarna (séc. XIV a.C.) e o<br />

seu consumo tenha aumentado muitís-<br />

simo na Ida<strong>de</strong> Média, sobretudo a par-<br />

tir do séc. X, e existam referências em<br />

trata<strong>dos</strong> medievais a lacas <strong>de</strong> garança<br />

fazendo parte <strong>de</strong> misturas <strong>de</strong> pigmen-<br />

tos, não se conhecem indícios seguros<br />

<strong>de</strong> que esta planta tenha sido usada na<br />

época medieval para produzir uma laca<br />

própria. Julga-se que a laca <strong>de</strong> garança,<br />

sem aditivos, só teria começado a ser<br />

produzida em quantida<strong>de</strong>s significativas<br />

a partir do séc. XVII.<br />

Figura 7 Estruturas da alizarina, pseudopurpurina e purpurina.<br />

No entanto foi usada, como se disse,<br />

juntamente com outras substâncias co-<br />

lorantes para preparar <strong>pigmentos</strong> com-<br />

plexos – pandius – como, por exemplo, o<br />

pandius produzido a partir da receita n o<br />

188 do Mappae Clavicula [4], segundo a<br />

qual se misturavam uma onça <strong>de</strong> ciná-<br />

brio, uma onça <strong>de</strong> púrpura, uma onça<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cocto <strong>de</strong> garança e outro tanto <strong>de</strong><br />

forragem. Ou ainda o sinopis, mencio-<br />

nado na lista <strong>de</strong> sinónimos incluída nos<br />

manuscritos <strong>de</strong> Jehan le Begue [9a, p.<br />

35], que seria um pigmento constituído<br />

por diversos produtos entre os quais a<br />

garança.<br />

Sangue-<strong>de</strong>-dragão<br />

O sangue-<strong>de</strong>-dragão é uma substância<br />

resinosa <strong>de</strong> cor vermelho-vivo, que po<strong>de</strong><br />

extrair-se <strong>de</strong> diversas plantas como, por<br />

exemplo, a Dracaena cinnabari e a Dra-<br />

caena draco, da família das liliáceas, ou<br />

a Daemonorops propinquus e a Croton,<br />

da família das euforbiáceas. Na Antigui-<br />

da<strong>de</strong> Clássica tinha o nome <strong>de</strong> cinnaba-<br />

ris indicus, revelando a sua proveniên-<br />

cia da Índia. Todavia, ainda nessa época<br />

passou a chamar-se sanguis draconis<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter divulgado a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> que era uma mistura <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong><br />

dragão e sangue <strong>de</strong> elefante que haviam<br />

sido <strong>de</strong>rrama<strong>dos</strong> numa luta travada<br />

entre esses dois animais.<br />

Segundo Thompson [15], o sangue-<strong>de</strong>-<br />

dragão teria sido muito usado na Alta<br />

Ida<strong>de</strong> Média para colorir metais, seja<br />

para imitar ouro seja para alterar a sua<br />

cor, procedimento este que leva a crer<br />

que nessa época o ouro preferido ti-<br />

vesse sido o <strong>de</strong> tom avermelhado. Foi<br />

usado também na iluminura, sendo<br />

referido por Cennini no capítulo XLIII<br />

do seu Libro <strong>de</strong>ll’Arte [12]. No entanto,<br />

este autor dava-lhe pouco merecimento:<br />

“Lasciallo pur star, e non te ne curar<br />

troppo, ché non è di condizioni da farti<br />

molto onore”. 4 Assim, não é <strong>de</strong> estra-<br />

nhar que nos séculos XIV e XV tenha<br />

caído em <strong>de</strong>suso, embora não fosse<br />

completamente posto <strong>de</strong> parte.<br />

Ainda segundo Thompson, o sangue-<br />

<strong>de</strong>-dragão assemelhava-se no tocante<br />

à transparência um pouco às lacas, e a<br />

sua cor vermelho-castanho-alaranjado-<br />

vivo fazia <strong>de</strong>le um suplemento tentador<br />

aos tons purpúreos característicos das<br />

lacas vermelhas medievais geralmente<br />

usadas.<br />

Os primeiros estu<strong>dos</strong> sobre a natureza<br />

química das substâncias que dão cor<br />

vermelha ao sangue-<strong>de</strong>-dragão foram<br />

efectua<strong>dos</strong> por Brockman, Robertson e<br />

respectivos colaboradores nas décadas<br />

<strong>de</strong> 1930-50, os quais isolaram e i<strong>de</strong>n-<br />

tificaram duas das principais – dracoro-<br />

dina e dracorubina – concluindo que a<br />

segunda era um sal <strong>de</strong> flavílio que <strong>de</strong>via<br />

pertencer à família das antocianinas. Es-<br />

tu<strong>dos</strong> posteriores, realiza<strong>dos</strong> por Cardillo<br />

e cols. [29], permitiram i<strong>de</strong>ntificar mais<br />

duas – nordracorodina e nordracorubina<br />

– as quais se distinguem das anteriores<br />

por não terem na posição 6 o grupo me-<br />

tilo. Nas décadas <strong>de</strong> 1980-2000 mais<br />

substâncias foram i<strong>de</strong>ntificadas, mas<br />

nenhuma <strong>de</strong>las pô<strong>de</strong> ser responsabi-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!