História da Ilha do Tesouro de Stevenson - Peças Soltas
História da Ilha do Tesouro de Stevenson - Peças Soltas
História da Ilha do Tesouro de Stevenson - Peças Soltas
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>História</strong> <strong>da</strong><br />
ILHA DO TESOURO<br />
<strong>de</strong> <strong>Stevenson</strong><br />
Conta<strong>da</strong> pelos ingleses Jim Hawkins e Long John Silver aos marinheiros <strong>da</strong> escuna<br />
portuguesa eptuno, ao largo <strong>da</strong> costa <strong>do</strong> Porto, em 17…<br />
PERSOAGES<br />
* * *<br />
Texto <strong>de</strong> Jorge Louraço Figueira<br />
2009<br />
* * *<br />
LONG JOHN SILVER, também chama<strong>do</strong> «Churrasco»<br />
JIM HAWKINS, oficial <strong>da</strong> Marinha Real Britânica<br />
E as vozes <strong>de</strong> CAPITÃO FLINT, o papagaio <strong>de</strong> SILVER, e BEN GUNN, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong><br />
na <strong>Ilha</strong> <strong>do</strong> <strong>Tesouro</strong><br />
CEÁRIO<br />
A acção <strong>de</strong>corre entre a coberta <strong>do</strong> eptuno, a Taberna <strong>do</strong> Perna <strong>de</strong> Pau e a <strong>Ilha</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>Tesouro</strong>.
ACTO ÚNICO<br />
oite cerra<strong>da</strong>, entre o pôr <strong>da</strong> lua e o nascer <strong>do</strong> sol.<br />
A escuna portuguesa eptuno, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a Goa. Em to<strong>da</strong> a coberta se notam os<br />
vestígios <strong>de</strong> um temporal que cessou faz umas horas. Uma rol<strong>da</strong>na chia ao sabor <strong>do</strong><br />
vento. Ouvem-se várias vozes repetir o alerta «Homens ao mar!». JIM HAWKIS e<br />
LOG JOH SILVER são iça<strong>do</strong>s a bor<strong>do</strong>.<br />
SILVER<br />
Não têm na<strong>da</strong> que se beba, marinheiros?<br />
JIM<br />
Estamos no mar há <strong>do</strong>is dias…<br />
SILVER<br />
Em to<strong>da</strong> a minha vi<strong>da</strong>, nunca passei tão mal!…<br />
Que aventura!...<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Só havia um resto <strong>de</strong> vinho no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> barril.<br />
JIM<br />
Nós estávamos na Taberna <strong>do</strong> Perna <strong>de</strong> Pau, no muro <strong>do</strong>s<br />
Bacalhoeiros, na ribeira <strong>do</strong> Porto… E fomos apanha<strong>do</strong>s pelas<br />
cheias.<br />
SILVER<br />
Tivemos <strong>de</strong> esvaziar um barril inteiro, para sair <strong>de</strong> lá. Um barril<br />
inteirinho, cheio <strong>de</strong> Vinho <strong>do</strong> Porto!<br />
1
Para fazer <strong>de</strong> janga<strong>da</strong>.<br />
JIM<br />
Um marinheiro passa uma caneca <strong>de</strong> água a JIM, que bebe.<br />
JIM<br />
Ah, marinheiros, muito obriga<strong>do</strong>! Eu sou o capitão Hawkins, <strong>do</strong><br />
Albatross, que estava ancora<strong>do</strong> no Cais <strong>da</strong>s Pedras.<br />
Eras, dizes bem!<br />
JIM passa a caneca a SILVER.<br />
SILVER<br />
JIM<br />
O navio foi arrasta<strong>do</strong> com a força <strong>da</strong>s águas, e <strong>de</strong>sfez-se contra o<br />
cais.<br />
SILVER<br />
Eu bem disse que era melhor zarpar, antes que as águas subissem…<br />
JIM<br />
Chega, Silver, as pessoas já perceberam.<br />
(Cuspin<strong>do</strong> a água.)<br />
SILVER<br />
Mas isto é água! Era só o que me faltava, beber água! Depois <strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>is dias em alto-mar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um barril <strong>de</strong> Vinho <strong>do</strong> Porto! Na<strong>da</strong><br />
disso! Eu quero é rum! Rum! Rum <strong>da</strong> Jamaica!<br />
2
(Interrompen<strong>do</strong>.)<br />
JIM<br />
Primeiro o <strong>de</strong>ver, Silver!<br />
Que navio é este?<br />
É o Neptuno.<br />
E não têm rum?<br />
SILVER<br />
JIM<br />
SILVER<br />
JIM<br />
É um navio português, Silver.<br />
SILVER<br />
E então? Só têm vinho <strong>do</strong> Porto?<br />
JIM<br />
Temos que esperar pelo capitão, Silver.<br />
SILVER<br />
Ora, não vamos acor<strong>da</strong>r o capitão, a estas horas! Deve haver algum<br />
rum, hã, marinheiros?<br />
JIM<br />
Não é um navio <strong>de</strong> piratas, Churrasco! (Emen<strong>da</strong>:) Silver…<br />
3
SILVER<br />
(Lembran<strong>do</strong>-se, <strong>de</strong> súbito:)<br />
Alguém viu um papagaio por aqui? (Procuran<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> o la<strong>do</strong>, e<br />
na amura<strong>da</strong>, para o mar.)<br />
JIM<br />
Tu não trouxeste o papagaio!<br />
SILVER<br />
Ele veio atrás <strong>de</strong> nós, <strong>de</strong> certeza!<br />
JIM<br />
Da ribeira até aqui, achas? Veio a na<strong>da</strong>r?<br />
SILVER<br />
Não conheces aquele papagaio.<br />
a<strong>da</strong> convenci<strong>do</strong>, SILVER saca um telescópio <strong>de</strong> latão <strong>do</strong> casaco e espreita.<br />
JIM<br />
Estava <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> gaiola, Churrasco! (Emen<strong>da</strong>:) Silver…<br />
SILVER<br />
Achas que eu ia fechá-lo!? A gaiola está sempre aberta!<br />
SILVER<br />
Flint! Flint! (Para os marinheiros:) Chamei Capitão Flint ao meu<br />
papagaio, como o famoso pirata —<br />
JIM<br />
Vocês viram algum papagaio por aqui? Não, pois não?<br />
4
SILVER<br />
(Desistin<strong>do</strong> por agora.)<br />
Ele não tar<strong>da</strong>.<br />
JIM<br />
Eu vi o vosso navio partir mal as águas começaram a subir.<br />
SILVER<br />
Devias ter feito o mesmo, em vez <strong>de</strong> ficares na minha taberna, a<br />
arengar! As maiores cheias que eu já vi <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vivo no Porto, e<br />
um navio <strong>da</strong>queles sem capitão!<br />
JIM<br />
Tens to<strong>da</strong> a razão! Mas tinham <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong> <strong>do</strong>is oficiais. E on<strong>de</strong>?<br />
Na tua taberna!<br />
SILVER<br />
A água já estava quase a entrar na taberna, marinheiros, e eu a<br />
preparar-me para sair, quan<strong>do</strong> me entra este cliente pela porta<br />
a<strong>de</strong>ntro! Já tinha consegui<strong>do</strong> man<strong>da</strong>r embora o Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe<br />
Seco…<br />
JIM<br />
Estava tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> pernas para o ar. Percebi logo que tinha havi<strong>do</strong><br />
panca<strong>da</strong>ria.<br />
SILVER<br />
Foi o Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe Seco. Eles é que tropeçam em tu<strong>do</strong>.<br />
Coita<strong>do</strong>s, an<strong>da</strong>m nove meses no mar, ao bacalhau, e só vêm a casa<br />
três meses por ano. Quan<strong>do</strong> estão em terra firme, enjoam. Têm <strong>de</strong><br />
beber até ficarem com o balanço <strong>do</strong> mar! E <strong>de</strong>pois, pronto,<br />
tropeçam.<br />
5
JIM<br />
Querias que te <strong>de</strong>ixasse ir embora sem me dizeres o que se tinha<br />
passa<strong>do</strong>?<br />
(Para os marinheiros:)<br />
Enquanto estávamos no Porto, houve uma gran<strong>de</strong> revolta popular<br />
por causa <strong>do</strong> controle <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> <strong>do</strong> Vinho <strong>do</strong> Porto, e acusaram os<br />
ingleses <strong>de</strong> ter começa<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>! Mas foram os taberneiros, com<br />
me<strong>do</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rem a licença! E o chefe <strong>do</strong>s taberneiros, quem era?<br />
SILVER<br />
Ora, eu só soube <strong>de</strong>sse motim uma semana <strong>de</strong>pois, pela Gazeta<br />
Tripeira!<br />
JIM<br />
Eu <strong>de</strong>sconfio é que foi o Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe Seco que apontou o <strong>de</strong><strong>do</strong><br />
aos meus homens.<br />
SILVER<br />
O vinho ia aumentar! Por isso é que as pessoas se revoltaram! Eu<br />
nem me importava na<strong>da</strong>, porque eu ven<strong>do</strong> mais é Rum <strong>do</strong> Porto!<br />
Vinho <strong>do</strong> Porto é para os ingleses finos…<br />
(Para os marinheiros:)<br />
O Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe Seco também só bebe vinho, mas eu misturo um<br />
bocadinho <strong>de</strong> rum, para eles a<strong>do</strong>rmecerem mais <strong>de</strong>pressa, irem<br />
<strong>do</strong>rmir para a cor<strong>da</strong>, e eu po<strong>de</strong>r ir para casa.<br />
JIM<br />
E eu tinha <strong>de</strong> salvar os meus homens, e por isso não ia sair <strong>da</strong>li sem<br />
a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
SILVER<br />
Já estavam a <strong>do</strong>rmir, tive <strong>de</strong> acordá-los, se não, morriam afoga<strong>do</strong>s.<br />
O Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe Seco, to<strong>da</strong>s as noites se embebe<strong>da</strong>m. Quan<strong>do</strong> se<br />
embebe<strong>da</strong>m muito, <strong>do</strong>rmem lá na taberna, na cor<strong>da</strong>, pendura<strong>do</strong>s,<br />
assim, numa cor<strong>da</strong> que temos na pare<strong>de</strong>. Dormem <strong>de</strong> pé, mas é<br />
mais barato. Um dia, marinheiros, se o vosso navio ancorar no Cais<br />
<strong>da</strong> Ribeira, e se estiverem cansa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir na re<strong>de</strong>, já sabem<br />
6
Pausa. Foram <strong>de</strong>smascara<strong>do</strong>s.<br />
on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m passar a noite. Pagam um escu<strong>do</strong> por noite. Ca<strong>da</strong> um.<br />
Não po<strong>de</strong> é ser em dia <strong>de</strong> cheias!<br />
JIM<br />
Um capitão <strong>da</strong> marinha real britânica jamais aban<strong>do</strong>nou a sua<br />
tripulação.<br />
SILVER<br />
Saíste-me cá um capitão! Naufragámos em terra!<br />
(Mu<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> assunto:)<br />
E o rum? Se eu fosse capitão, era rum para to<strong>da</strong> a gente!<br />
JIM<br />
Estás sempre a virar a casaca, ora com os ingleses, ora com os<br />
taberneiros, ora com os piratas!<br />
JIM<br />
Estou farto <strong>da</strong>s tuas mentiras!<br />
(Para os marinheiros:)<br />
SILVER<br />
Pois então, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira… O vosso capitão, não o chamem<br />
já, está bem? Vocês parecem <strong>de</strong> confiança… Se nos apanham,<br />
somos pendura<strong>do</strong>s, por isso...<br />
JIM<br />
Eu sou o capitão Hawkins, e este aqui é Long John Silver, mais<br />
conheci<strong>do</strong> por Churrasco… (inguém reage.) Na<strong>da</strong> mais na<strong>da</strong><br />
menos que o antigo contramestre <strong>do</strong> Capitão Flint. (inguém<br />
reage.) O Flint, o pirata mais sanguinário que já se fez ao mar!<br />
(inguém reage.) O famoso Flint, que enterrou o tesouro na ilha! E<br />
a alcunha aqui <strong>do</strong> Silver é Churrasco, porque antes <strong>de</strong> fazer a<br />
7
abor<strong>da</strong>gem aos navios, punha alcatrão na barba e pegava-lhe fogo,<br />
para assustar tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s!<br />
SILVER<br />
É ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, fui um fi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong> fortuna, eu, fui sim. E nesta tripulação<br />
<strong>de</strong>ve haver alguns homens que <strong>da</strong>vam uma boa companha <strong>de</strong><br />
piratas, se <strong>da</strong>vam, Jim... Mas apesar <strong>da</strong>s minhas aventuras <strong>de</strong><br />
juventu<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> ter vivi<strong>do</strong> livre, pelos mares fora, sem aceitar<br />
coman<strong>do</strong> nem <strong>de</strong> Reis nem <strong>de</strong> Rainhas, tornei-me um homem<br />
honesto, cumpri<strong>do</strong>r <strong>da</strong> lei, mo<strong>de</strong>sto proprietário <strong>de</strong> uma taberna na<br />
ribeira <strong>do</strong> Porto, on<strong>de</strong> se juntam os marinheiros para beber rum, e<br />
Vinho <strong>do</strong> Porto, e recor<strong>da</strong>r as antigas aventuras, e cantar as canções<br />
<strong>do</strong> mar…<br />
Quinze homens na Arca <strong>do</strong> Morto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
Po<strong>de</strong>m levar-me para a prisão… Só peço que digam a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Long John Silver per<strong>de</strong>u tu<strong>do</strong>, por causa <strong>de</strong> uma<br />
traição… mas nunca per<strong>de</strong>u a coragem. E po<strong>de</strong>m contar como isto<br />
aconteceu por causa <strong>do</strong> capitão Hawkins… e como tu<strong>do</strong> começou<br />
no dia em que ele que tomou <strong>da</strong>s mãos <strong>de</strong> um morto o mapa <strong>do</strong><br />
tesouro <strong>do</strong> capitão Flint.<br />
JIM<br />
Eu não sou pirata, atenção.<br />
Não, claro que não!<br />
SILVER<br />
JIM<br />
O mapa <strong>do</strong> tesouro veio-me parar às mãos porque –<br />
SILVER<br />
O roubaste ao Billy Bones, outro pirata!<br />
8
JIM<br />
Que an<strong>da</strong>va a fugir <strong>de</strong> ti e <strong>do</strong> teu ban<strong>do</strong>! Essa história aconteceu há<br />
muitos anos. Não tentes enganar as pessoas, Silver, porque está<br />
tu<strong>do</strong> no livro <strong>do</strong> <strong>Stevenson</strong>.<br />
SILVER<br />
Explica-te, Jim! Prova lá que não és pirata como esses to<strong>do</strong>s que<br />
conheces tão bem!<br />
JIM<br />
Eu conheci o Silver, e os piratas <strong>do</strong> capitão Flint, há muitos anos,<br />
quan<strong>do</strong> tinha a vossa i<strong>da</strong><strong>de</strong>, no tempo em que o meu pai tinha uma<br />
hospe<strong>da</strong>ria, na estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> costa para Bristol. O primeiro não foi o<br />
Silver.<br />
SILVER<br />
Foi Billy Bones, o imediato <strong>do</strong> capitão Flint.<br />
JIM<br />
An<strong>da</strong>vas atrás <strong>de</strong>le. Lembro-me como se fosse ontem, o capitão<br />
Bones vinha a arrastar os passos, com uma arca. Tinha a face<br />
queima<strong>da</strong> pelo sol e marca<strong>da</strong> por um golpe <strong>de</strong> sabre. O rabicho<br />
oleoso caía-lhe nos ombros <strong>do</strong> casaco azul; as mãos caleja<strong>da</strong>s e<br />
cobertas <strong>de</strong> cicatrizes, as unhas pretas e racha<strong>da</strong>s. Olhou para a<br />
ensea<strong>da</strong>, e a seguir, saiu-se com a mesma cantiga <strong>do</strong> mar que to<strong>do</strong>s<br />
os piratas conhecem.<br />
JIM & SILVER<br />
(Imitam BILLY BOES:)<br />
Quinze homens na Arca <strong>do</strong> Morto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
JIM<br />
Mal chegou, man<strong>do</strong>u vir um copo <strong>de</strong> rum. Bebeu <strong>de</strong>vagar – faz <strong>de</strong><br />
conta que és o Billy! – e continuou a olhar em volta, para os<br />
roche<strong>do</strong>s, e para a tabuleta <strong>da</strong> hospe<strong>da</strong>ria…<br />
9
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
Muita gente por cá, camara<strong>da</strong>?<br />
JIM<br />
O meu pai disse-lhe que não.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
Bem, então é o ancora<strong>do</strong>uro que me convém. Olha cá, ó moço,<br />
atraca aí, e traz a arca para cima. Vou cá ficar uns tempos. Sou um<br />
homem simples; basta-me rum e toucinho com ovos, e aquele alto<br />
além para ver os navios passar. Tratem-me por capitão. Ah, já<br />
percebi o que querem.<br />
JIM<br />
E atirou três ou quarto moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro para a soleira <strong>da</strong> porta.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
Avise-me quan<strong>do</strong> eu tiver gasto isso.<br />
JIM<br />
A primeira vez que falou comigo, chamou-me <strong>de</strong> parte para me<br />
prometer quatro dinheiros <strong>de</strong> prata no primeiro dia <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> mês se<br />
eu estivesse –<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
De olho aberto para um marinheiro com uma perna <strong>de</strong> pau!…<br />
10
JIM<br />
Estava a falar <strong>de</strong> quem?… Pois! Sempre que algum marinheiro<br />
ficava na hospe<strong>da</strong>ria, o capitão espiava pela cortina antes <strong>de</strong> entrar<br />
na sala; e sempre que lá estivesse qualquer <strong>de</strong>sses homens era certo<br />
e sabi<strong>do</strong> que ele se calava como um rato. Passa<strong>do</strong> uns tempos, eu a<br />
pôr a mesa para o capitão – o meu pai piorava <strong>de</strong> dia para dia –<br />
entrou um pessoa páli<strong>da</strong> e enseba<strong>da</strong>, sem <strong>do</strong>is <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> mão<br />
esquer<strong>da</strong>. Não parecia um marinheiro, mas havia qualquer coisa<br />
nele que fazia lembrar o mar. Pediu rum, e quan<strong>do</strong> eu ia buscar,<br />
sentou-se em cima <strong>de</strong> uma mesa e fez-me sinal.<br />
SILVER<br />
Este chamava-se Black Dog.<br />
JIM<br />
Foste tu que o man<strong>da</strong>ste. Faz <strong>de</strong> conta que és o Black Dog!<br />
SILVER<br />
Mas eu não era o Billy Bones?<br />
JIM<br />
Tu é que o conhecias bem.<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
SILVER<br />
Chega cá, filho; mais perto. Esta mesa aqui é para o meu camara<strong>da</strong><br />
Bill?<br />
JIM<br />
Não conheço nenhum camara<strong>da</strong> Bill. Esta mesa é para um hóspe<strong>de</strong><br />
a quem chamamos capitão.<br />
SILVER<br />
(Imita BLACK DOG:) Ah, o meu camara<strong>da</strong> Bill bem podia ser<br />
capitão, pois podia. Tem um corte na cara, o meu camara<strong>da</strong> Bill.<br />
11
Digamos que o teu capitão também tem um corte na cara — e<br />
digamos que é na face direita. Ora, o meu camara<strong>da</strong> Bill está nesta<br />
casa?<br />
JIM<br />
Ele foi <strong>da</strong>r uma caminha<strong>da</strong>.<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
SILVER<br />
Para que la<strong>do</strong>, filho, para que la<strong>do</strong> foi ele?<br />
Foi para os roche<strong>do</strong>s.<br />
JIM<br />
JIM sai para apontar a direcão, mas é para<strong>do</strong> por um berro.<br />
SILVER está baralha<strong>do</strong>.<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
SILVER<br />
Ao teu posto, grumete! (Justifican<strong>do</strong> o berro:) Tenho um filho<br />
igualzinho a ti, que é orgulho <strong>do</strong> meu coração. O mais importante<br />
para os rapazes é disciplina, filho — disciplina. Se tivesses an<strong>da</strong><strong>do</strong><br />
no mar com o Bill, não saías assim sem mais nem menos. O Bill<br />
não era assim, nem os que embarcavam com ele. (Vê BILLY<br />
BOES:) E lá vem ele, <strong>de</strong> certeza, o meu camara<strong>da</strong> Bill, com o<br />
óculo <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> braço, benza-o Deus, é mesmo ele. An<strong>da</strong> comigo<br />
para a sala, filho, vamos ficar atrás <strong>da</strong> porta e fazer-lhe uma<br />
surpresa, e torno a dizer, abençoa<strong>do</strong> seja.<br />
JIM<br />
Eu faço <strong>de</strong> Black Dog, agora. (Imita BLACK DOG:) Bill. Vamos,<br />
Bill, conheces-me; lembras-te <strong>de</strong> um velho camara<strong>da</strong>, Bill,<br />
certamente?...<br />
12
SILVER percebe.<br />
JIM<br />
É para as pessoas perceberem. Trocamos! Faz <strong>de</strong> Billy Bones! Eu<br />
faço <strong>de</strong> Black Dog. Lembras-te <strong>de</strong> um velho camara<strong>da</strong>, Bill,<br />
certamente?...<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
Black Dog!<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
SILVER<br />
JIM<br />
Quem havia <strong>de</strong> ser? O mesmo Black Dog <strong>de</strong> sempre, para visitar o<br />
velho camara<strong>da</strong> Billy, na hospe<strong>da</strong>ria Almirante Benbow. Ah, Bill,<br />
Bill, vimos o mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>r muita volta, nós os <strong>do</strong>is, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que perdi<br />
estas duas garras.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
Ora bem, olha cá, apanhaste-me; aqui me tens; bem, então, fala; o<br />
que é?<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
JIM<br />
És mesmo tu, Bill, e está certo, Billy. Vou tomar um copo <strong>de</strong> rum,<br />
trazi<strong>do</strong> por este bom menino, <strong>de</strong> quem gosto tanto, e vamo-nos<br />
sentar, se fazes favor, e conversar como <strong>de</strong>ve ser, como<br />
companheiros <strong>de</strong> bor<strong>do</strong> que fomos.<br />
(Para os marinheiros:)<br />
O Black Dog pediu-lhe o mapa, e ameaçou entregá-lo à justiça.<br />
SILVER<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
13
Não, não, não e não, e acabou! Se chegar à forca, é forca para<br />
to<strong>do</strong>s, digo eu.<br />
(Imita BLACK DOG:)<br />
JIM<br />
Seu filho <strong>de</strong> uma pipa <strong>de</strong> vinho!<br />
JIM atira-se sobre SILVER, que se <strong>de</strong>svia no último instante. Conseguem ambos pegar<br />
em armas, <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos marinheiros, e simulam um duelo.<br />
JIM<br />
E <strong>de</strong> repente houve uma explosão <strong>de</strong> pragas e insultos, e a ca<strong>de</strong>ira e<br />
a mesa tombaram, e houve aço contra aço, e um grito <strong>de</strong> <strong>do</strong>r. E no<br />
minuto seguinte o Black Dog a fugir e o capitão com o sabre na<br />
mão e o Black Dog a jorrar sangue <strong>do</strong> ombro e mesmo a chegar à<br />
porta o Capitão apontou-lhe um golpe capaz <strong>de</strong> o abrir até à<br />
espinha, se não tem acerta<strong>do</strong> na placa <strong>da</strong> hospe<strong>da</strong>ria.<br />
Raispartam o rapaz!<br />
SILVER<br />
JIM<br />
Ain<strong>da</strong> hoje está lá a marca, na parte <strong>de</strong> baixo <strong>do</strong> caixilho. Mas o<br />
capitão Billy estava ofegante, encosta<strong>do</strong> à pare<strong>de</strong>.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
Jim, rum.<br />
Está feri<strong>do</strong>?<br />
SILVER<br />
JIM<br />
SILVER<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
14
SILVER simula um ataque cardíaco.<br />
Rum. Tenho que ir embora <strong>da</strong>qui. Rum! Rum!<br />
JIM<br />
E eu corri para ir buscar, mas parti um copo com a atrapalhação, e<br />
quan<strong>do</strong> estava a apanhar os cacos, só ouvi o Capitão a praguejar<br />
muito alto, e quan<strong>do</strong> corri para ele, estava estendi<strong>do</strong> no chão, ain<strong>da</strong><br />
a respirar, mas <strong>de</strong> olhos fecha<strong>do</strong>s, e com uma cor horrível. Não<br />
estava feri<strong>do</strong>. Tinha ti<strong>do</strong> um ataque, tal como o médico avisara, à<br />
conta <strong>do</strong> rum que bebia. E mesmo assim, <strong>do</strong>ente, sabem o que é<br />
que ele perguntou? Uns dias <strong>de</strong>pois.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
Jim, viste aquele marinheiro, hoje?<br />
O Black Dog?<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Ah, o Black Dog... Esse é <strong>do</strong>s maus, mas quem o man<strong>do</strong>u in<strong>da</strong> é<br />
pior… Se eu não pu<strong>de</strong>r sair <strong>da</strong>qui, e eles me trouxerem a mancha<br />
negra, toma atenção, o que eles querem é a minha velha arca…<br />
arranja um cavalo e vai… bem, sim… tem <strong>de</strong> ser… vai procurar<br />
esse médico que aqui vem ver o teu pai… e diz-lhe para reunir<br />
magistra<strong>do</strong>s e essa gente… para os vir embarcar a to<strong>do</strong>s aqui na<br />
hospe<strong>da</strong>ria, a to<strong>do</strong>s os que restam, to<strong>da</strong> a tripulação <strong>do</strong> velho Flint.<br />
Eu era o imediato, sabes, e sou o único que sabe o sítio. Disse-me o<br />
Flint quan<strong>do</strong> estava a morrer, como eu estou agora, enten<strong>de</strong>s? Mas<br />
não digas na<strong>da</strong> antes <strong>de</strong> me trazerem a mancha preta, ou antes <strong>de</strong><br />
veres o Black Dog outra vez, ou o marinheiro <strong>da</strong> perna <strong>de</strong> pau, esse<br />
mais <strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s.<br />
JIM<br />
Mas o que é a mancha negra, capitão?<br />
15
Enquanto caracteriza SILVER.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
SILVER<br />
É uma convocação, moço. Eu digo-te, caso eles a tragam. Mas<br />
abre-me esses olhos, Jim, e <strong>do</strong>u-te a minha palavra que divi<strong>do</strong> tu<strong>do</strong><br />
contigo.<br />
JIM<br />
Eu só não fui contar logo tu<strong>do</strong> porque… Bem, as coisas<br />
complicaram-se porque nessa noite morreu o meu pai.<br />
SILVER<br />
Ah, mas já só pensavas no mapa e em como havias <strong>de</strong> lhe <strong>de</strong>itar a<br />
mão…<br />
JIM<br />
No dia a seguir ao funeral, estava eu à porta, a pensar no meu pai, e<br />
cheio <strong>de</strong> me<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse pirata <strong>da</strong> perna <strong>de</strong> pau, pior que o Black Dog,<br />
quan<strong>do</strong> vi uma figura aproximar-se.<br />
JIM<br />
Faz <strong>de</strong> conta que és o Pew. Era um cego, tacteava o caminho com<br />
uma bengala e trazia nos olhos e no nariz uma ven<strong>da</strong> gran<strong>de</strong> e<br />
ver<strong>de</strong>; e tinha uma corcun<strong>da</strong> como se fosse velho ou fraco, <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um velho e imenso capote remen<strong>da</strong><strong>do</strong>, <strong>de</strong> marinheiro, com um<br />
capuz que o fazia parecer absolutamente <strong>de</strong>forma<strong>do</strong>.<br />
SILVER<br />
(Imita BLID PEW, numa cantilena:)<br />
Quem quer dizer ao pobre cego, que per<strong>de</strong>u a vista preciosa <strong>do</strong>s<br />
olhos na <strong>de</strong>fesa voluntária <strong>da</strong> sua terra-mãe, a Inglaterra, e que<br />
Deus abençoe o Rei Jorge, on<strong>de</strong> ou em parte <strong>de</strong>sta terra se<br />
encontra?<br />
16
PEW dá um torcegão a JIM.<br />
JIM<br />
Está na hospe<strong>da</strong>ria Almirante Benbow, na ensea<strong>da</strong> <strong>do</strong> Monte<br />
Negro, bom homem.<br />
(Imita BLID PEW:)<br />
SILVER<br />
Oiço uma voz, uma voz jovem. Po<strong>de</strong>s <strong>da</strong>r-me a mão, amiguinho, e<br />
levar-me para <strong>de</strong>ntro? (PEW puxa JIM para si.) Agora, rapaz, levame<br />
ao capitão.<br />
JIM<br />
Senhor, palavra, não me atrevo.<br />
(Imita BLID PEW:)<br />
SILVER<br />
Oh... que pena! Leva-me já, ou parto-te o braço.<br />
JIM<br />
Senhor, é por si que tenho me<strong>do</strong>. O capitão já não é o mesmo. Está<br />
senta<strong>do</strong> com o sabre em cima <strong>da</strong> mesa. Outro cavalheiro...<br />
(Imita BLID PEW:)<br />
SILVER<br />
Vamos, an<strong>da</strong>, para a frente. Leva-me direito a ele, e quan<strong>do</strong> eu<br />
estiver à vista, grita: Bill, está aqui um amigo. Se não, olha o que te<br />
faço.<br />
Outro torcegão. Como se tivessem entra<strong>do</strong> na taberna.<br />
JIM<br />
Bill, está aqui um amigo.<br />
17
(Imita BLID PEW:)<br />
SILVER<br />
Deixa-te estar senta<strong>do</strong>, Bill. Não posso ver, mas posso ouvir um<br />
<strong>de</strong><strong>do</strong> a mexer. Negócio é negócio. Deixa ver a mão esquer<strong>da</strong>.<br />
Rapaz, segura-lhe a mão esquer<strong>da</strong> e chega-a aqui à minha direita. E<br />
agora está feito.<br />
JIM<br />
E foi-se embora. Fiquei a ouvir o ruí<strong>do</strong> <strong>da</strong>s panca<strong>da</strong>s <strong>da</strong> bengala<br />
<strong>de</strong>saparecerem ao longe. O capitão abriu o punho e olhou para a<br />
palma <strong>da</strong> mão.<br />
(Imita BILLY BOES:)<br />
Dez horas! Faltam seis horas. Ain<strong>da</strong> os apanhamos! – E levantouse<br />
<strong>de</strong> repente, mas cambaleou, e caiu ao compri<strong>do</strong> no chão, <strong>de</strong> cara<br />
para baixo. Corri logo para ele, mas era inútil. A morte atingira o<br />
capitão com um ataque fulminante. No chão, junto à mão <strong>de</strong>le,<br />
estava uma pequena ro<strong>de</strong>la <strong>de</strong> papel, pinta<strong>da</strong> <strong>de</strong> preto num <strong>do</strong>s<br />
la<strong>do</strong>s. Era a mancha negra. Do outro la<strong>do</strong> tinha escrito: Esta noite<br />
até às <strong>de</strong>z. É difícil <strong>de</strong> explicar. Eu nunca tinha gosta<strong>do</strong> <strong>de</strong>le. Mas<br />
<strong>de</strong>satei a chorar. A morte <strong>do</strong> meu pai, o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> perna <strong>de</strong> pau, tu<strong>do</strong><br />
aquilo junto me assustou.<br />
SILVER<br />
Pois, mas logo a seguir rasgaste-lhe a camisa, e tiraste-lhe a chave<br />
que ele trazia pendura<strong>da</strong> ao pescoço, e correste para a arca, on<strong>de</strong><br />
estava o mapa.<br />
JIM<br />
Eu não sabia! Havia um saco <strong>de</strong> lona com moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />
origens e tamanhos – <strong>do</strong>brões, luíses <strong>de</strong> ouro, guinéus e peças <strong>de</strong><br />
oito, e sei lá que mais. E estávamos a contar as moe<strong>da</strong>s, porque a<br />
minha mãe queria ficar apenas com a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> que o Capitão nos<br />
<strong>de</strong>via pela estadia, quan<strong>do</strong> ouvi as bati<strong>da</strong>s <strong>da</strong> bengala <strong>do</strong> cego na<br />
estra<strong>da</strong>. Aproximavam-se ca<strong>da</strong> vez mais. Eu queria ir-me embora,<br />
mas a minha mãe estava tão assusta<strong>da</strong> que só queria levar o que era<br />
justo. Foi quan<strong>do</strong> ouvimos um assobio, e fugimos. A minha mãe<br />
pegou apenas nalgumas moe<strong>da</strong>s e eu num maço <strong>de</strong> papéis ata<strong>do</strong> em<br />
olea<strong>do</strong>, para não ficarmos a per<strong>de</strong>r.<br />
18
JIM sai.<br />
SILVER<br />
Ah, se os meus homens têm chega<strong>do</strong> mais ce<strong>do</strong>!...<br />
(Imita PEW:)<br />
SILVER<br />
Johnny, Black Dog, Dirk, não vão <strong>de</strong>ixar para trás o velho Pew,<br />
camara<strong>da</strong>s — o velho Pew, não!<br />
Um ruí<strong>do</strong> <strong>de</strong> cavalos a galope ca<strong>da</strong> vez mais ensur<strong>de</strong>ce<strong>do</strong>r. Escuro. JIM entra com uma<br />
lanterna. Luz.<br />
JIM<br />
O Pew não conseguiu fugir <strong>do</strong>s homens a cavalo que nos vieram<br />
socorrer. Dos três piratas que conheci nessa altura, <strong>do</strong>is já estavam<br />
mortos, tu<strong>do</strong> por causa <strong>de</strong> um mapa que eu nem sequer chegara a<br />
ver.<br />
SILVER<br />
Ora, o Bones já tinha prometi<strong>do</strong> dividir tu<strong>do</strong> e tu aceitaste! Foi aí<br />
que te tornaste pirata! O mapa estava no maço <strong>de</strong> olea<strong>do</strong>!<br />
JIM<br />
Nessa noite, abri os lacres com to<strong>do</strong> o cui<strong>da</strong><strong>do</strong> e revelou-se o mapa<br />
<strong>de</strong> uma ilha, com a latitu<strong>de</strong> e longitu<strong>de</strong>, as indicações <strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s,<br />
nomes <strong>de</strong> montes, baías e ensea<strong>da</strong>s, e to<strong>do</strong>s os pormenores<br />
necessários para levar um navio a bom porto naquelas praias. Havia<br />
diversos apontamentos, mas principalmente três cruzes traça<strong>da</strong>s a<br />
vermelho, duas na parte norte <strong>da</strong> ilha, uma no su<strong>do</strong>este e, ao la<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>sta, a tinta vermelha, em letra miú<strong>da</strong> e firme, muito diferente <strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> Billy Bones, as palavras: Grosso <strong>do</strong> tesouro aqui.<br />
SILVER<br />
E <strong>de</strong>cidiram ir to<strong>do</strong>s em busca <strong>do</strong> tesouro <strong>do</strong>s piratas! Espera, Jim,<br />
eu não estou a perceber… Primeiro, tu tiraste o mapa <strong>do</strong> tesouro ao<br />
Billy, e <strong>de</strong>pois tu e uns amigos <strong>de</strong>cidiram ir atrás <strong>de</strong> um tesouro que<br />
era <strong>de</strong> outras pessoas? Mas isso é coisa <strong>de</strong> piratas! Marinheiros, é<br />
19
melhor acor<strong>da</strong>r o capitão <strong>do</strong> Neptuno! Afinal tem aqui não um, mas<br />
<strong>do</strong>is piratas ingleses!<br />
Ouve-se um grito vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> cesta <strong>da</strong> gávea: «Atenção a bombor<strong>do</strong>!» SILVER saca o<br />
telescópio <strong>de</strong> latão <strong>do</strong> casaco e procura o papagaio.<br />
SILVER<br />
É o Flint! Ali! Está a boiar! (Para o papagaio:) Moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro!<br />
Moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro!<br />
Rápi<strong>do</strong>, marinheiros!<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Ah, gran<strong>de</strong> Flint! Não podia estar longe.<br />
Uma cor<strong>da</strong>!<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Obriga<strong>do</strong>, camara<strong>da</strong> Jim!<br />
JIM <strong>de</strong>sce para ir buscar FLIT. Regressa com uma gaiola.<br />
A gaiola está vazia.<br />
SILVER<br />
Cá está o Capitão Flint —<br />
Lamento, Silver.<br />
JIM<br />
SILVER<br />
20
Ah, ele voou, o espertalhão… Com licença.<br />
SILVER tira <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> gaiola uma garrafinha <strong>de</strong> rum, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> bebe sofregamente.<br />
Queres?<br />
Não!<br />
SILVER<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Ora bem, vou <strong>de</strong>ixar-me <strong>de</strong> coisas. (Para os marinheiros:) Sabem o<br />
que guar<strong>do</strong> aqui também? O mesmo mapa que Flint <strong>de</strong>senhou, que<br />
Billy Bones tinha, e que aqui o Hawkins roubou. E porque é que o<br />
estou a mostrar? Ora, porque já não vale na<strong>da</strong>! O tesouro foi<br />
<strong>de</strong>senterra<strong>do</strong> e não foi por mim, que não passo <strong>de</strong> um taberneiro!<br />
Quem ficou com ele foi este aqui!<br />
JIM<br />
Ah, Churrasco, lá estás tu a distorcer as coisas… (Para os<br />
marinheiros:) Eu explico. Passa<strong>do</strong> umas semanas <strong>de</strong> eu ter<br />
encontra<strong>do</strong> o mapa, estávamos a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> HISPANIOLA… Mas<br />
quem é que o morga<strong>do</strong> contratou para tripular o navio? O<br />
Churrasco, que se fez passar por cozinheiro, e que trouxe to<strong>da</strong> a<br />
companha <strong>do</strong> pirata Flint. Os que estavam vivos!<br />
SILVER<br />
Para ir buscar o nosso tesouro!<br />
JIM<br />
Ora bem, uma noite, na véspera <strong>da</strong> nossa chega<strong>da</strong> à ilha, vou<br />
buscar uma maçã ao barril, no convés, e, como estava quase vazio,<br />
tive <strong>de</strong> me enfiar lá <strong>de</strong>ntro. Escondi<strong>do</strong>, ouvi os planos <strong>do</strong> Silver:<br />
esperar que nós <strong>de</strong>senterrássemos o tesouro e <strong>de</strong>pois atirar-nos<br />
bor<strong>da</strong> fora… Mas conseguimos sair <strong>do</strong> navio antes que eles nos<br />
fizessem prisioneiros…<br />
21
Foi a vossa sorte!<br />
SILVER<br />
JIM<br />
Fomos para um fortim que os piratas tinham construí<strong>do</strong> na ilha.<br />
Mas ain<strong>da</strong> tínhamos o mapa, e foi quase por milagre que<br />
aguentámos o ataque <strong>do</strong>s piratas.<br />
SILVER<br />
Conta como eu te salvei, quan<strong>do</strong> os piratas te queriam esfolar vivo.<br />
JIM<br />
Não tinhas alternativa! Eu era o teu último trunfo! Propus<br />
testemunhar em teu favor!<br />
SILVER<br />
Raispartam o rapaz! Só fizeste isso para salvar a pele.<br />
Tal como tu.<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Eles queriam a tua pele, Jimmy! O Merry <strong>de</strong>safiou a minha chefia!<br />
Mas eu disse-lhes: (Empurra o barril.) Algum <strong>do</strong>s senhores se quer<br />
haver comigo!? Chamem as coisas pelos nomes; não são mu<strong>do</strong>s,<br />
parece-me. Aquele que quiser, leva. Vivi estes anos to<strong>do</strong>s, e é um<br />
filho duma pipa <strong>de</strong> rum que me vai <strong>de</strong>safiar, atravessar-se nas<br />
amarras, na ponta final? Sabem o costume; são to<strong>do</strong>s fi<strong>da</strong>lgos <strong>da</strong><br />
fortuna, estão por vossa conta. Ora, aqui me têm. Pegue no sabre,<br />
quem se atreva, e viro-o <strong>do</strong> avesso, <strong>de</strong> muleta e tu<strong>do</strong>, antes <strong>de</strong> se<br />
acabar o cachimbo.<br />
SILVER puxa <strong>do</strong> sabre, mas vacila e quase cai. JIM segura-o, e encoraja-o a continuar.<br />
22
JIM<br />
Não, tu rugiste. Ninguém se mexeu, ninguém respon<strong>de</strong>u.<br />
SILVER<br />
Estiveste a meia prancha <strong>da</strong> morte, e pior ain<strong>da</strong>, <strong>da</strong> tortura. Eles<br />
iam <strong>de</strong>por-me. Mas eu disse-te que estava contigo, houvesse o que<br />
houvesse. Não era o que eu queria; não, até teres fala<strong>do</strong>, não. Já<br />
estava <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong> por ter perdi<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma vez, e ain<strong>da</strong> a ver o<br />
enforcamento meti<strong>do</strong> no acor<strong>do</strong>. Mas vi que eras <strong>do</strong>s bons. E disse<br />
para mim: fica pelo Hawkins, que o Hawkins fica por ti. És a<br />
última carta <strong>de</strong>le, e c’ um raio, ele é a tua! Costas com costa, digo<br />
eu. Salva a tua testemunha, e ele salva-te o pescoço!<br />
JIM<br />
Estava tu<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong>. Eu saí <strong>do</strong> fortim, sem dizer na<strong>da</strong> a ninguém,<br />
para tentar levar o navio para um escon<strong>de</strong>rijo. Mas quan<strong>do</strong> voltei,<br />
quem lá estava era Silver. Fui feito prisioneiro.<br />
SILVER enrola um cabo à cintura <strong>de</strong> JIM que, obediente, vai atrás <strong>do</strong> cozinheiro.<br />
SILVER segura a ponta <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>, ora na mão livre, ora nos <strong>de</strong>ntes fortes.<br />
SILVER<br />
Sim, c’ os diabos! Foi-se o navio, foi-se o pescoço, as coisas<br />
estavam nesse pé. Quan<strong>do</strong> olhei para a baía, Jim Hawkins, e não vi<br />
escuna nenhuma — bem, eu sou rijo, mas <strong>de</strong>sanimei. Aquela malta<br />
e o conselho, era tu<strong>do</strong> tolos e cobar<strong>de</strong>s. Vou salvar-te a vi<strong>da</strong> — foi<br />
o que eu disse. Mas, olha cá, Jim — é ela por ela — salvas o Long<br />
John <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>.<br />
JIM<br />
Eu prometi fazer o que estivesse ao meu alcance. E podia ter<br />
fugi<strong>do</strong>, mas já tinha <strong>da</strong><strong>do</strong> a minha palavra!<br />
SILVER<br />
Se falasses como <strong>de</strong>ve ser, c’ um raio, teria uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>! Vê<br />
se me enten<strong>de</strong>s, Jim, tenho uma cabeça sobre os ombros, pois<br />
tenho. Não faço perguntas, nem quero que mas façam. Sei ver<br />
quan<strong>do</strong> o jogo acabou; e sei ver um moço valente. Ah, tu que és<br />
novo, tu e eu podíamos ter feito coisas boas juntos.<br />
23
(Para os marinheiros:)<br />
JIM<br />
Estava muito inquieto quan<strong>do</strong> seguimos em busca <strong>do</strong> tesouro.<br />
SILVER<br />
E agora, Jim, temos <strong>de</strong> ir a essa caça ao tesouro, com or<strong>de</strong>ns<br />
sela<strong>da</strong>s e tu<strong>do</strong>, e não me agra<strong>da</strong>m, e tu e eu temos <strong>de</strong> an<strong>da</strong>r juntos,<br />
como <strong>de</strong> costas com costas, e salvar o pescoço contra fa<strong>do</strong> e<br />
fortuna.<br />
JIM<br />
Ain<strong>da</strong> tinhas um pé em ca<strong>da</strong> campo, e não havia dúvi<strong>da</strong>s que<br />
preferias ser livre e rico na companhia <strong>de</strong> piratas a escapar por um<br />
triz <strong>de</strong> ser enforca<strong>do</strong>, que era o melhor que podias esperar <strong>do</strong> nosso<br />
la<strong>do</strong>.<br />
(Para os marinheiros:)<br />
SILVER<br />
Faz <strong>de</strong> conta que vocês são a minha tripulação. É, malta, é uma<br />
sorte vocês terem o Churrasco a pensar por vós aqui com esta<br />
cabeça. Consegui o que queria, consegui. Claro que os outros têm o<br />
navio, on<strong>de</strong> o têm, ain<strong>da</strong> não sei, mas quan<strong>do</strong> apanharmos o<br />
tesouro, temos <strong>de</strong> <strong>da</strong>r por aí um salto para saber. E então, malta,<br />
acho que nós que temos os botes é que vamos ficar por cima.<br />
JIM<br />
Para to<strong>do</strong>s os efeitos, ia a ser conduzi<strong>do</strong> como um urso <strong>de</strong> feira.<br />
SILVER<br />
Quanto ao refém, vou levá-lo a reboque quan<strong>do</strong> formos à caça <strong>do</strong><br />
tesouro, porque temos <strong>de</strong> o guar<strong>da</strong>r como se fosse ouro, caso haja<br />
algum aci<strong>de</strong>nte, tomem nota, e <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> tivermos o navio e o<br />
bolo, e tu<strong>do</strong> no mar como bons companheiros, ora então<br />
conversamos com o senhor Hawkins e <strong>da</strong>mos-lhe a parte <strong>de</strong>le,<br />
claro, por ter si<strong>do</strong> tão boa pessoa.<br />
24
JIM<br />
O mapa dizia: Árvore alta, quebra<strong>da</strong> <strong>do</strong> Óculo, enfia<strong>da</strong> a um ponto<br />
a N. <strong>de</strong> N.N.E. <strong>Ilha</strong> <strong>do</strong> Esqueleto E.S.E. e uma quarta por E. Dez<br />
pés. A marca principal seria uma gran<strong>de</strong> árvore, mas havia <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong>las. Qual <strong>de</strong>las a certa só podia ser verifica<strong>do</strong> no local. Era <strong>do</strong><br />
outro la<strong>do</strong>. Entrámos nos botes para lá chegar.<br />
SILVER<br />
Remem <strong>de</strong>vagar, para não se cansarem antes <strong>de</strong> tempo.<br />
JIM<br />
Depois <strong>de</strong> uma passagem <strong>de</strong>mora<strong>da</strong>, <strong>de</strong>sembarcámos na foz <strong>de</strong> um<br />
segun<strong>do</strong> rio <strong>da</strong> ilha e, viran<strong>do</strong> à esquer<strong>da</strong>, começámos a subir até ao<br />
planalto. E quan<strong>do</strong> acabámos a caminha<strong>da</strong>, ao pé <strong>de</strong> um Pinheiro<br />
muito gran<strong>de</strong>, coberto por uma trepa<strong>de</strong>ira ver<strong>de</strong> que levantara<br />
alguns ossos, estava um esqueleto humano, com alguns farrapos <strong>de</strong><br />
roupa, estendi<strong>do</strong> no chão. To<strong>do</strong>s ficaram arrepia<strong>do</strong>s.<br />
SILVER<br />
Faz <strong>de</strong> conta que és o Merry!<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Era marinheiro. Pelo menos, isto é pano <strong>da</strong> marinha, e <strong>de</strong> boa<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
SILVER<br />
Certo, <strong>de</strong>ve ser, não se espera encontrar aqui um bispo, acho. Mas<br />
que maneira é essa <strong>de</strong> se <strong>de</strong>itarem os ossos? Não é natural.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Os pés aponta<strong>do</strong>s para um la<strong>do</strong>, as mãos acima <strong>da</strong> cabeça como as<br />
<strong>de</strong> um mergulha<strong>do</strong>r, vira<strong>da</strong>s a direito na direcção oposta.<br />
25
SILVER<br />
Tenho cá uma i<strong>de</strong>ia na minha cachola... (Experimenta com a<br />
bússola.) Ora vamos lá apontar pela linha <strong>de</strong>sses ossos. Era o que<br />
eu pensava. Está a apontar. Mas c’ um raio! Esta pia<strong>da</strong> é mesmo <strong>do</strong><br />
Flint. Veio cá com aqueles seis, matou-os a to<strong>do</strong>s, e trouxe este<br />
para aqui e acertou-o pela bússola, rebentem-me os costa<strong>do</strong>s. Estes<br />
ossos são compri<strong>do</strong>s, e os cabelos loiros. Certo, este seria o<br />
Allardyce. Lembras-te <strong>de</strong>le, Merry?<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Lembro, lembro. Devia-me dinheiro e trouxe a minha faca para<br />
terra. Porque é que não se vê a <strong>de</strong>le aqui? O Flint não era homem<br />
<strong>de</strong> roubar os bolsos <strong>do</strong>s outros, e acho que os pássaros a <strong>de</strong>ixavam<br />
ficar.<br />
SILVER<br />
C’ os diabos, é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>!<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Por aqui não há na<strong>da</strong>. Nem um tostão <strong>de</strong> cobre nem uma lata <strong>de</strong><br />
tabaco. Não me parece natural.<br />
SILVER<br />
Não, não é natural, nem boa coisa, dizes tu. Pessoal, se o Flint<br />
estivesse vivo, estávamos fritos. Eles eram seis, e nós também<br />
somos. E agora são só ossos.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Eu vi-o morto com estes olhos. O Billy levou-me. E lá estava ele,<br />
com as moe<strong>da</strong>s nos olhos. Mas se há algum espírito à solta, é o<br />
<strong>de</strong>le. Tinha bom coração, mas teve uma morte ruim, o Flint! Ora se<br />
zangava, ora berrava pelo rum, ora se punha a cantar. Quinze<br />
Homens era a única cantiga <strong>de</strong>le, malta, e para ser sincero nunca<br />
mais gostei <strong>de</strong> a ouvir. Estava um calor enorme, e a janela aberta, e<br />
eu a ouvir a cantiga perfeitamente… E a morte já o tinha apanha<strong>do</strong>.<br />
26
SILVER<br />
Vamos, então, parem com essa conversa. Ele morreu, e não po<strong>de</strong><br />
an<strong>da</strong>r, é o que eu sei, pelo menos <strong>de</strong> dia não an<strong>da</strong>, isso vos garanto.<br />
Quem não arrisca, não petisca. Vamos lá procurar esse <strong>do</strong>brões.<br />
SILVER<br />
Há três árvores gran<strong>de</strong>s mais ou menos enfia<strong>da</strong>s com a <strong>Ilha</strong> <strong>do</strong><br />
Esqueleto. Quebra<strong>da</strong> <strong>do</strong> Óculo penso que quer dizer ali aquela<br />
ponta mais baixa. Agora vai ser uma brinca<strong>de</strong>ira. Já me está a<br />
apetecer jantar primeiro.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Não me sinto em forma. Pensar no Flint – acho que foi isso – <strong>de</strong>u<br />
cabo <strong>de</strong> mim.<br />
SILVER<br />
Ah, bem, meu filho po<strong>de</strong>s <strong>da</strong>r graças aos céus por ele estar morto.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Era feio como o diabo, e até tinha aquele ar páli<strong>do</strong>. Foi assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que o rum tomou conta <strong>de</strong>le.<br />
(Fora <strong>de</strong> cena.)<br />
Os piratas ficam apavora<strong>do</strong>s.<br />
BEN<br />
Quinze homens na Arca <strong>do</strong> Morto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
(Imita MERRY:)<br />
É o capitão!<br />
JIM<br />
27
(Fora <strong>de</strong> cena.)<br />
BEN:<br />
Darby M’ Graw! Darby M’ Graw! Darby M’ Graw! Vai e trás o<br />
rum, Darby!<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Chega. Vamos embora. Foram as últimas palavras <strong>de</strong>le. As últimas<br />
antes <strong>de</strong> morrer.<br />
SILVER<br />
Nunca ninguém nesta ilha ouvir falar <strong>do</strong> Darby, ninguém a não ser<br />
nós que aqui estamos. Camara<strong>da</strong>s, vim cá para buscar o material, e<br />
não vou ser bati<strong>do</strong> nem por homem nem por diabo. O Flint vivo<br />
nunca me meteu me<strong>do</strong>, e pelo inferno, enfrento-o morto. Há<br />
setecentas mil libras a menos <strong>de</strong> quinhentos metros <strong>da</strong>qui. Quan<strong>do</strong><br />
é que um Fi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong> Fortuna virou as costas a tanta moe<strong>da</strong> por<br />
causa <strong>de</strong> um marinheiro bêba<strong>do</strong> e velho — ain<strong>da</strong> por cima morto?<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Deixa-te disso, John! Não te atravesses com um espírito.<br />
SILVER<br />
Espírito? Ora, talvez seja. Mas há uma coisa que me faz confusão.<br />
Houve um eco. Ora, nunca se viu um espírito com sombra. Então<br />
que an<strong>da</strong> ele a fazer com o eco atrás, gostava eu <strong>de</strong> saber. Não é<br />
na<strong>da</strong> natural, <strong>de</strong> certeza.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Isso é assim. Tens cabeça, John, não há dúvi<strong>da</strong>. A postos, malta!<br />
Estamos com vento <strong>de</strong> través, acho eu. E pensan<strong>do</strong> melhor, bem me<br />
pareceu a voz <strong>do</strong> Flint, mas no fim <strong>de</strong> contas não era bem assim<br />
como a <strong>de</strong>le, tal e qual. Era mais pareci<strong>da</strong> com a <strong>de</strong> outra pessoa<br />
qualquer… era como a…<br />
28
SILVER<br />
C’ os diabos, Ben Gunn! Certo, era isso mesmo. Era a voz <strong>de</strong> Ben<br />
Gunn! Ora, quem se importa com o Ben Gunn? Morto ou vivo,<br />
ninguém quer saber <strong>de</strong>le! As árvores! Vamos.<br />
JIM<br />
Era mesmo o Ben Gunn, que eu já tinha encontra<strong>do</strong> antes. Foi o<br />
último <strong>do</strong>s piratas que conheci, e aquele que acabou por ser a nossa<br />
salvação.<br />
SILVER<br />
E pensar que foi ele que me tramou!...<br />
SILVER corre e puxa por JIM. Quan<strong>do</strong> chegam à orla <strong>do</strong> bosque SILVER estaca.<br />
(Para os marinheiros:)<br />
SILVER passa uma pistola a JIM.<br />
JIM<br />
À nossa frente estava uma gran<strong>de</strong> cova, já antiga, com os la<strong>do</strong>s<br />
esboroa<strong>do</strong>s e a erva a crescer no fun<strong>do</strong>. Lá <strong>de</strong>ntro havia o cabo <strong>de</strong><br />
uma picareta parti<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is, e as tábuas espalha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> várias<br />
caixas. Numa <strong>da</strong>s tábuas vi, grava<strong>do</strong> a fogo, o nome Walrus – o<br />
nome <strong>do</strong> navio <strong>de</strong> Flint. O escon<strong>de</strong>rijo fora <strong>de</strong>scoberto e saquea<strong>do</strong>.<br />
As setecentas mil libras tinham <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>.<br />
SILVER<br />
Jim, pega nisto, e prepara-te que vai haver sarilho. Estamos<br />
encurrala<strong>do</strong>s.<br />
29
JIM<br />
Tinhas vira<strong>do</strong> a casaca outra vez! Os piratas estavam furiosos.<br />
(Imita MERRY:)<br />
Dois guinéus! São as tuas setecentas mil libras, são? Tu é que sabes<br />
<strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s, não é? És tu que nunca te enganas, não é?<br />
SILVER<br />
Cavem, rapazes, vão encontrar aí umas bolotas, não me admirava.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Ele já sabia, malta! Vejam se não está escrito na cara <strong>de</strong>le.<br />
SILVER<br />
Ah, Merry, já queres ser capitão outra vez? És teimoso, moço.<br />
(Imita MERRY:)<br />
JIM<br />
Camara<strong>da</strong>s, estão ali os <strong>do</strong>is sozinhos, um é o velho aleija<strong>do</strong> que<br />
nos trouxe aqui e nos aldrabou até agora, o outro é aquele filhote a<br />
quem vou tirar o coração. Agora, camara<strong>da</strong>s —<br />
Ouvem-se tiros. SILVER e JIM baixam-se.<br />
JIM<br />
Nesse instante, três tiros <strong>de</strong> mosquete voaram por cima <strong>de</strong> nós, um<br />
<strong>do</strong>s piratas caiu morto, o Merry escon<strong>de</strong>u-se na cova, os outros<br />
preparam-se para fugir e num piscar <strong>de</strong> olhos o Silver tinha<br />
<strong>de</strong>speja<strong>do</strong> as pistolas no Merry.<br />
SILVER<br />
Faz <strong>de</strong> conta que estás morto!<br />
30
JIM faz <strong>de</strong> conta que está morto.<br />
SILVER<br />
George Merry, acho que te arrumei <strong>de</strong> vez. (Pausa.) Jim. Jim!<br />
Estás bem? Água! Tragam água!<br />
JIM<br />
Não é preciso, estava a gozar contigo!<br />
SILVER<br />
Filho <strong>de</strong> uma pipa <strong>de</strong> rum! An<strong>da</strong>, levanta-te, e conta a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
ver<strong>da</strong>dinha <strong>de</strong> como chegámos aqui!<br />
(Para os marinheiros:)<br />
A julgar por tu<strong>do</strong> o que o Jim disse, eu sou o pior <strong>do</strong>s piratas vivos.<br />
Mas não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, e a prova está nas várias vezes que lhe poupei a<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
(Para JIM:)<br />
Só estes dias, já foram três. Primeira, <strong>da</strong>s águas <strong>do</strong> Douro.<br />
Segun<strong>da</strong>, <strong>de</strong> mim, que podia ter acaba<strong>do</strong> contigo na taberna. E<br />
terceira, <strong>do</strong>s teus oficiais, que estavam a preparar um motim. Não<br />
foi?<br />
JIM<br />
A Taberna <strong>do</strong> Perna <strong>de</strong> Pau é mais ou menos assim…<br />
JIM compõe os a<strong>de</strong>reços <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a reconstituir as principais características <strong>da</strong><br />
Taberna <strong>do</strong> Perna <strong>de</strong> Pau. Cobre a gaiola com um pano preto. Afasta-se e simula uma<br />
entra<strong>da</strong>. Um ruí<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> <strong>da</strong> gaiola <strong>de</strong>sperta a atenção <strong>de</strong> JIM. A me<strong>do</strong>, JIM <strong>de</strong>stapa a<br />
gaiola. Ouve-se uma voz vin<strong>da</strong> <strong>de</strong> trás <strong>da</strong>s pipas que faz JIM ter um sobressalto e pegar<br />
instintivamente nas armas:<br />
FLINT<br />
Barras d’ ouro! Barras d’ ouro!<br />
31
JIM tenta tapar a gaiola mas atrapalha-se e só tem tempo para se escon<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />
arca. Por trás <strong>do</strong> balcão surge um homem, <strong>de</strong> muleta, presa por uma cor<strong>da</strong> à volta <strong>do</strong><br />
pescoço. É SILVER, prepara<strong>do</strong> para sair, com uma lanterna apaga<strong>da</strong> na mão, um sabre<br />
entre os <strong>de</strong>ntes, e o seu melhor chapéu, velho e coça<strong>do</strong>, mas ain<strong>da</strong> impressionante.<br />
(Para a gaiola vazia:)<br />
SILVER<br />
Era a única coisa que te saía <strong>da</strong> goela: Barras d’ ouro! Barras d’<br />
ouro! Mas já não trincas bolachas, não é certo, meu capitão?<br />
Pousa a lanterna no balcão e com o sabre corta uma vela para encaixar na lanterna.<br />
Vai para tirar a gaiola <strong>do</strong> canto quan<strong>do</strong> repara que o pano preto caiu. SILVER apanha<br />
o pano, que é afinal uma ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> pirata, agora à mostra; coloca-a na gaiola e olha<br />
em volta em busca <strong>de</strong> um intruso. Sai e fica à espreita atrás <strong>da</strong>s pipas. Canta para<br />
disfarçar, fingin<strong>do</strong> que se afasta.<br />
SILVER<br />
Moe<strong>da</strong>s d’ ouro e <strong>de</strong> prata,<br />
Duca<strong>do</strong>s, Coroas, Florins<br />
Guinéus, Cruza<strong>do</strong>s, Piastras,<br />
Dobrões, Patacas, Xelins<br />
Tanta moe<strong>da</strong> no mun<strong>do</strong>, tanto cofre no mar<br />
Tanto tesouro no fun<strong>do</strong>, tanto pirata a afun<strong>da</strong>r<br />
Portugueses d’ estanho e cobre,<br />
Escu<strong>do</strong>s, Meios Escu<strong>do</strong>s,<br />
Meias <strong>Peças</strong> e Dobras<br />
Espadins, Sol<strong>do</strong>s, Justos<br />
Tanta moe<strong>da</strong> no mun<strong>do</strong>, tanto cofre no mar<br />
Tanto tesouro no fun<strong>do</strong>, tanto pirata a afun<strong>da</strong>r<br />
São Vicentes, Cruzadinhos<br />
Quartinhos e Cruza<strong>do</strong>s Novos<br />
Ceitis, Vinténs, Chinfrões<br />
Pintos e Conceições<br />
Tanta moe<strong>da</strong> no mun<strong>do</strong>, tanto cofre no mar<br />
Tanto tesouro no fun<strong>do</strong>, tanto pirata a afun<strong>da</strong>r<br />
32
JIM abre a arca <strong>de</strong>vagar. Atrás <strong>da</strong>s pipas, SILVER tenta avançar, mas cai, fazen<strong>do</strong><br />
uma gran<strong>de</strong> barulheira. JIM sai <strong>da</strong> arca. SILVER volta a entrar. JIM salta para <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um barril.<br />
SILVER<br />
Macacos me mor<strong>da</strong>m!…<br />
SILVER aproxima-se e procura primeiro <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> arca, on<strong>de</strong> espeta o sabre <strong>de</strong><br />
repente, mas já não está lá ninguém.<br />
SILVER<br />
Agora on<strong>de</strong> estão os tesouros? Acabou o ouro <strong>do</strong> Brasil e a prata <strong>do</strong><br />
<strong>da</strong> Argentina, acabou a pirataria…<br />
SILVER procura atrás <strong>da</strong> mesa, on<strong>de</strong> dá um golpe <strong>de</strong> repente, mas também está vazia.<br />
Recomeça a cantar.<br />
SILVER<br />
Quinze homens na Arca <strong>do</strong> Morto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
Diabo e bebi<strong>da</strong> dão para o torto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
Aiou-hou-hou – e uma pipa <strong>de</strong> Porto…<br />
SILVER <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> experimentar o barril, enfian<strong>do</strong> o sabre lá <strong>de</strong>ntro. JIM grita <strong>de</strong> <strong>do</strong>r.<br />
SILVER<br />
Eh lá! Temos um clan<strong>de</strong>stino a bor<strong>do</strong>, Flint, meu velho? (Para<br />
JIM, que ain<strong>da</strong> está <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> barril:) Posso servi-lo, senhor? Um<br />
quartilho <strong>de</strong> rum? Não se assuste, sou só eu e o capitão Flint…<br />
(Para JIM:) Não vos apresentei... Po<strong>de</strong> levantar-se, senhor…<br />
De súbito, JIM faz o barril tombar e ro<strong>da</strong>r. SILVER apoia-se no balcão e tenta acertar<br />
no barril com a muleta. JIM sai <strong>do</strong> barril <strong>de</strong> pistola na mão e pronto a disparar, mas <strong>de</strong><br />
costas para SILVER.<br />
33
SILVER apanha a pistola.<br />
JIM tropeça ao tentar sair <strong>do</strong> barril.<br />
SILVER<br />
Larga a pistola! Tenho um mosquete aponta<strong>do</strong> à tua cabeça, e<br />
rebentem-me os costa<strong>do</strong>s se não te man<strong>do</strong> <strong>da</strong>qui já para o cofre <strong>de</strong><br />
Davy Jones. Pousa! Dá cá!<br />
JIM<br />
Seria mais um crime para pagares no dia em que fores enforca<strong>do</strong><br />
por pirataria, Silver.<br />
SILVER<br />
Mas quem tenho a honra?... Devagar… Vira-te! Devagar… Mas…<br />
Macacos me mor<strong>da</strong>m… Flint, este nosso capitão… não é outro<br />
senão o mestre Hawkins… É ele, Flint, em carne e osso, não o<br />
reconheces? Assustou-se contigo! Está um homem… Fez-se<br />
capitão! Mas para mim será sempre um grumete… Grato pela<br />
pistola, senhor.<br />
FLINT<br />
Barras d’ ouro! Barras d’ ouro! Barras d’ ouro! Barras d’ ouro!<br />
SILVER<br />
Quietinho, sim? Então, cá temos o Capitão Jim Hawkins, até me<br />
abanam os costa<strong>do</strong>s! Arribaste, assim, foi? Bom, vá, levo isso<br />
amigavelmente. Entre velhos lobos-<strong>do</strong>-mar. Po<strong>de</strong>s sair <strong>da</strong>í, mas<br />
com cui<strong>da</strong><strong>do</strong>.<br />
SILVER<br />
Queres que te empreste a muleta?<br />
Não, obriga<strong>do</strong>.<br />
JIM<br />
34
SILVER<br />
De grumete a capitão… A ro<strong>da</strong> <strong>da</strong> Fortuna girou e cá estamos nós<br />
outra vez. Mas a fortuna sorriu para mim, <strong>de</strong>sta vez, Jim, e és tu<br />
que estás na mira <strong>da</strong> pistola. Levanta-te, homem! Dá-me lume ali<br />
<strong>da</strong> lanterna. (Referin<strong>do</strong>-se à arma.) Isto não é preciso entre<br />
cavalheiros, pois não, Jim? E então, Jim, cá estás tu, e que surpresa<br />
agradável para o pobre velho Silver. Vi logo que eras um rapaz<br />
esperto mal pus os olhos em ti <strong>da</strong> primeira vez, mas isto <strong>de</strong>ixa-me a<br />
per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, se <strong>de</strong>ixa. Que rotas tens feito? Encontraste mais<br />
tesouros? E piratas, alguém conheci<strong>do</strong>, para além <strong>do</strong> velho Silver?<br />
Ou já não há piratas, já estão to<strong>do</strong>s ao serviço <strong>da</strong> Marinha <strong>de</strong> Sua<br />
Majesta<strong>de</strong>?<br />
SILVER pousa as armas e senta-se num barril e começa a encher o cachimbo.<br />
JIM<br />
Nos mares <strong>do</strong> Sul. Fazia-te lá, em Provi<strong>de</strong>nce ou noutro cais <strong>da</strong>s<br />
Caraíbas. Uma coisa é certa, no Porto, não.<br />
SILVER<br />
Ah, mas olha que é perfeito, é <strong>da</strong>qui que os ingleses levam o ouro<br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
JIM<br />
Esta taberna está vira<strong>da</strong> <strong>do</strong> avesso, Silver. Houve festa, esta<br />
madruga<strong>da</strong>?<br />
SILVER<br />
Ah, Jim, vou contar-te uma coisa… Muitas vezes me perguntei<br />
on<strong>de</strong> an<strong>da</strong>rias e o que seria feito <strong>do</strong> meu companheiro <strong>de</strong><br />
aventuras…<br />
JIM<br />
Se te tenho encontra<strong>do</strong> antes, era pior para ti. Mais tar<strong>de</strong> ou mais<br />
ce<strong>do</strong> vais ter <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r pelos teus crimes, Silver.<br />
35
JIM põe-se entre SILVER e a saí<strong>da</strong>.<br />
SILVER<br />
Então o Capitão Hawkins ain<strong>da</strong> está <strong>de</strong> olho aberto para encontrar<br />
um marinheiro <strong>da</strong> perna <strong>de</strong> pau… Na<strong>da</strong> mu<strong>do</strong>u.<br />
JIM<br />
Nem sonhava que estarias aqui, Silver.<br />
SILVER<br />
Pois os teus oficiais já me conheciam, pelo menos <strong>de</strong> nome, e<br />
queriam levar-me, mas eu livrei-me <strong>de</strong>les. Também lhes contas<br />
histórias <strong>de</strong> piratas, han, Jim? Foram muito simpáticos, ao<br />
princípio, queriam levar-me para bor<strong>do</strong>, para me apresentarem à<br />
Rainha… Ora, eu e a Rainha, ultimamente, estamos <strong>de</strong> costas<br />
volta<strong>da</strong>s… Não me parece <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za ficar a balouçar pelo pescoço<br />
à frente <strong>de</strong>la.<br />
FLINT<br />
Barras d’ ouro! Barras d’ ouro!<br />
JIM<br />
O que aconteceu com os meus oficiais, Silver?<br />
SILVER<br />
Os teus oficiais? Ah sim, claro… Mas não será melhor falarmos<br />
fora <strong>da</strong>qui? Tenho pena mas não posso ficar… O <strong>de</strong>ver está<br />
primeiro… (Levanta-se para sair.) Os teus oficiais foram leva<strong>do</strong>s<br />
para o tribunal, mas se falares com o cônsul <strong>de</strong> certeza que ele dá<br />
um jeito. Fiz-te um favor.<br />
Raispartam o rapaz!<br />
FLINT<br />
36
SILVER pega na pistola.<br />
JIM<br />
Preciso <strong>da</strong> tua aju<strong>da</strong> para soltar os meus homens, Silver. De capitão<br />
para capitão. Vamos parlamentar.<br />
SILVER<br />
Não posso ficar aqui à espera. E não esperas que vá contigo livrálos<br />
<strong>da</strong> justiça, ou esperas? Não me posso chegar perto <strong>de</strong> juízes. Tu<br />
próprio disseste: se me apanhares, a<strong>de</strong>us Silver. Não há perdão para<br />
os piratas como eu.<br />
JIM<br />
Mas por que é não te queres chegar ao pé <strong>do</strong>s juízes portugueses,<br />
Silver? Aqui não passas <strong>de</strong> um taberneiro!<br />
SILVER<br />
Moço, sabes quantos barcos portugueses eu abalroei no meu<br />
tempo? O Capitão Flint podia ficar aqui a noite inteira a contar os<br />
tesouros que neles iam!<br />
JIM<br />
Devias ter aproveita<strong>do</strong> na altura certa.<br />
SILVER<br />
Jamais! Não aceitei o perdão <strong>do</strong> Rei Jorge porque não quis. Para<br />
voltar à marinha <strong>de</strong> guerra, ao giro-<strong>de</strong>-quilha, a passar fome, e a<br />
aceitar or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> grumetes que o próprio Davy Jones cuspiria <strong>de</strong><br />
volta se tivesse oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>? Estou a poupar-te a vi<strong>da</strong>, Jim.<br />
Po<strong>de</strong>mos ir ca<strong>da</strong> um para o seu la<strong>do</strong>, mais uma vez. Desvia-te <strong>da</strong><br />
porta, por favor. (Para o papagaio:) Vamos, Flint, temos o mar à<br />
nossa espera.<br />
FLINT<br />
Vai e trás o rum, Darby M’ Graw!<br />
37
SILVER<br />
Dou-te um dica: <strong>da</strong>qui a na<strong>da</strong> tens um motim a bor<strong>do</strong>.<br />
JIM <strong>de</strong>svia-se lentamente, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> SILVER passar.<br />
JIM<br />
Espera, não estou a perceber. Aju<strong>da</strong>ste-me em quê?<br />
SILVER<br />
Tens uma reputação terrível, Hawkins… digna <strong>de</strong> um oficial <strong>da</strong><br />
marinha… Se estivesse aqui ontem o Hawkins que eu conheci, o<br />
que era grumete, ficaria espanta<strong>do</strong> com o que os teus oficiais<br />
disseram <strong>do</strong> Capitão Hawkings.<br />
JIM<br />
Primeiro o <strong>de</strong>ver, Silver.<br />
SILVER<br />
Primeiro o <strong>de</strong>ver, primeiro.<br />
(Olhan<strong>do</strong> o mau tempo lá fora.)<br />
Isto não é bom, o rio está a subir muito <strong>de</strong>pressa.<br />
SILVER está quase a sair, mas volta atrás.<br />
SILVER<br />
Passas-me o Flint, por favor?<br />
JIM pega na gaiola e alcança-a a SILVER.<br />
SILVER<br />
Faz-te ao largo, Jim. Vais ter um motim a bor<strong>do</strong> não tar<strong>da</strong>, os<br />
homens estão assusta<strong>do</strong>s com as cheias… estou a avisar-te… O<br />
melhor é ires tratar disso e aban<strong>do</strong>nares os oficiais à sorte <strong>de</strong>les... a<br />
38
tripulação já ouviu muita história <strong>de</strong> navios afun<strong>da</strong><strong>do</strong>s por não<br />
terem solta<strong>do</strong> as amarras a tempo… Man<strong>da</strong> soltar as amarras, Jim.<br />
Tu és novo no Porto, mas alguns <strong>do</strong>s teus marinheiros não. Já<br />
viram muito navio <strong>de</strong>spe<strong>da</strong>çar-se contra o Cais <strong>da</strong>s Pedras e<br />
camara<strong>da</strong>s <strong>de</strong>les serem arrasta<strong>do</strong>s para o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio. Os teus<br />
homens… Se não sairmos <strong>da</strong>qui já, vamos ambos visitar o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
mar… As cheias <strong>do</strong> Douro po<strong>de</strong>m não meter me<strong>do</strong> a um capitão <strong>da</strong><br />
marinha real britânica, mas ain<strong>da</strong> há sete anos, estavam aqui mais<br />
<strong>de</strong> cem navios, nem um se salvou! Em dias <strong>de</strong>stes a praça <strong>da</strong><br />
Ribeira fica submersa. Ó vai lá ver como está agora, se não subiu<br />
um palmo e meio ou mais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que começámos esta conversa.<br />
Salva a tua vi<strong>da</strong>, homem, e ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>mos morrer como fi<strong>da</strong>lgos<br />
<strong>da</strong> fortuna.<br />
Uma golfa<strong>da</strong> <strong>de</strong> água inva<strong>de</strong> a taberna. SILVER <strong>de</strong>sloca-se com surpreen<strong>de</strong>nte rapi<strong>de</strong>z<br />
para a porta.<br />
O que é isto?!<br />
JIM<br />
SILVER<br />
O rio. Depressa, aju<strong>da</strong>-me. Pega naquele taipal. Rápi<strong>do</strong><br />
Os <strong>do</strong>is conseguem colocar o taipal e fechar a parte <strong>de</strong> baixo <strong>da</strong> porta; ficam a olhar o<br />
rio.<br />
SILVER<br />
Temos <strong>de</strong> ir, Jim, a muleta não faz <strong>de</strong> janga<strong>da</strong>…<br />
JIM<br />
Iremos os <strong>do</strong>is, mas directos à prisão, buscar os meus homens, nem<br />
que seja para julgá-los por motim.<br />
JIM repara na pistola em cima <strong>da</strong> mesa.<br />
SILVER<br />
Que vais fazer com isso, Jim?<br />
Os <strong>do</strong>is homens vigiam-se atentamente, ro<strong>da</strong>n<strong>do</strong> em volta <strong>da</strong> mesa.<br />
39
JIM<br />
Com motim ou sem motim, tenho <strong>de</strong> ir buscar os meus homens.<br />
Primeiro o <strong>de</strong>ver.<br />
SILVER tenta agarrar a pistola, <strong>de</strong> um salto, mas JIM consegue agarrá-la, primeiro.<br />
SILVER cai.<br />
JIM aju<strong>da</strong> SILVER a levantar-se.<br />
SILVER serve-se <strong>de</strong> uma bebi<strong>da</strong>.<br />
SILVER<br />
Hã, vais <strong>da</strong>r uma mão ao velho Silver, em nome <strong>do</strong>s velhos<br />
tempos?<br />
JIM<br />
Já prometi <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-te, Silver.<br />
SILVER<br />
Não, burro, uma mão, mesmo, para me levantar.<br />
SILVER<br />
Isto <strong>da</strong>qui a pouco é o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar.<br />
SILVER<br />
Queres um, camara<strong>da</strong>? Preciso <strong>de</strong> calafetagem, se vai haver<br />
sarilhos. Na<strong>da</strong>?<br />
Não.<br />
JIM<br />
40
Silêncio.<br />
SILVER<br />
O médico proibiu-me o rum e o fumo, é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas eu bebo à<br />
mesma. Rum?<br />
Não, obriga<strong>do</strong>.<br />
Já sei, grogue.<br />
Não quero na<strong>da</strong>.<br />
JIM<br />
SILVER<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Ah, claro, o <strong>de</strong>ver primeiro… Nem um Porto? (JIM não respon<strong>de</strong>.<br />
Após uma pausa.) Vamos parlamentar?<br />
JIM<br />
O que é que tu queres mais, Silver?<br />
SILVER<br />
Ora, camara<strong>da</strong>, por um lugar a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> Albatross, e um regresso à<br />
<strong>Ilha</strong> <strong>do</strong> <strong>Tesouro</strong>, direi tu<strong>do</strong> o que sei.<br />
Só preso ao mastro.<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Pois bem. Há outra coisa. Outra razão para o motim. Sabes que<br />
nunca obriguei ninguém a ajuntar-se a nós. Vinham <strong>de</strong> livre<br />
vonta<strong>de</strong>, e os que não queriam partiam sós…<br />
41
JIM<br />
Eu bem vi, na ilha, o que aconteceu a quem não se juntou a ti…<br />
SILVER<br />
Tinham direito a uma parte justa <strong>do</strong>s ganhos, suficiente para<br />
morrerem como fi<strong>da</strong>lgos, e a eleger os oficiais, ca<strong>da</strong> homem, ca<strong>da</strong><br />
voto, e a compensações por ferimentos! A bor<strong>do</strong> ninguém é mais<br />
que o outro, ninguém come uma ração maior ou bebe mais água<br />
<strong>do</strong>ce. É mais <strong>do</strong> que na marinha real <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânica!<br />
JIM<br />
Ora, Silver, pelo menos a marinha não pilha o alheio!<br />
SILVER<br />
Eu porque roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais<br />
em uma Arma<strong>da</strong>, sois Impera<strong>do</strong>r? Esta é <strong>do</strong> Padre António Vieira,<br />
um jesuíta português.<br />
JIM<br />
Tens aqui a ban<strong>de</strong>ira pirata, Silver, guar<strong>da</strong><strong>da</strong> com to<strong>do</strong> o cui<strong>da</strong><strong>do</strong>.<br />
Ou é para enfeitar? As pessoas não mu<strong>da</strong>m, Silver.<br />
SILVER<br />
Jim, quem ficou com o tesouro <strong>do</strong> Flint não fui eu nem ninguém <strong>da</strong><br />
tripulação, mas tu! Ora, quem tinha mais direito a ele que nós? E<br />
não foste tu que trataste <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> ao Israel Hands, que eu ficou a<br />
guar<strong>da</strong>r o HISPANIOLA?…<br />
JIM<br />
Ele atacou primeiro. Tu é que eras o trai<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, no<br />
HISPANIOLA.<br />
42
SILVER<br />
Esses eram os meus homens; era a eles que eu <strong>de</strong>via leal<strong>da</strong><strong>de</strong>… os<br />
homens <strong>do</strong> capitão Flint… Porque o Flint foi a votos... Já os<br />
capitães <strong>da</strong> marinha britânica, quem os escolhe a eles? Nós também<br />
temos regras, também somos honra<strong>do</strong>s… ca<strong>da</strong> um ficou com o seu<br />
respectivo lote, até <strong>de</strong>scobrirmos que Billy tinha o mapa e pensava<br />
em ficar com tu<strong>do</strong> para ele… Imediato, armeiro, contramestre…<br />
On<strong>de</strong> é que já se viu uma tripulação assim, leal? Já os teus<br />
homens…<br />
Desembucha.<br />
ova golfa<strong>da</strong> <strong>de</strong> água inva<strong>de</strong> a taberna.<br />
JIM<br />
JIM<br />
Silver, o rio vai apanhar-nos.<br />
Puxa aquele barril!<br />
SILVER<br />
Abrem um barril e entram nele, usan<strong>do</strong> espa<strong>da</strong> e muleta como varas.<br />
(Para os marinheiros:)<br />
JIM<br />
Dois dias à <strong>de</strong>riva, no meio <strong>de</strong> um temporal <strong>da</strong>na<strong>do</strong>… Espera… tu<br />
disseste que havia outra razão para o motim.<br />
SILVER<br />
Os teus homens, como tu dizes, tomaram conhecimento <strong>do</strong><br />
seguinte: <strong>do</strong> Porto ia sair uma escuna discreta, com <strong>de</strong>stino à Índia,<br />
para trazer o vice-rei <strong>de</strong> regresso a Portugal, carrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> jóias e<br />
riquezas.<br />
JIM<br />
Ora, Silver, estás a contar histórias…<br />
43
SILVER<br />
Foram à taberna para recrutar Long John Silver e o Ban<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peixe<br />
Seco.<br />
JIM<br />
Ah, sim? Que navio era? Não havia outra escuna além <strong>do</strong> Albatross<br />
e <strong>do</strong>…<br />
SILVER<br />
Isso mesmo, on<strong>de</strong> estamos, <strong>do</strong> Neptuno. Os teus oficiais estavam<br />
<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s a tomar este navio… Po<strong>de</strong>s apostar no que digo, tinhas<br />
uma amostra <strong>de</strong> piratas a bor<strong>do</strong>, e o que queriam <strong>de</strong> mim era que<br />
fosse coman<strong>da</strong>r o ataque.<br />
JIM<br />
Temos <strong>de</strong> avisar o capitão! Marinheiros!<br />
SILVER<br />
Chiu! O capitão está feito com eles! Foi a primeira garantia que me<br />
<strong>de</strong>ram.<br />
JIM<br />
Vamos às autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s! Não tens que ter me<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tribunais!<br />
SILVER<br />
Ah, eu conheço a justiça <strong>do</strong>s homens. Nem no ano 2000 vai mu<strong>da</strong>r.<br />
Está <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fortes. Prefiro a justiça <strong>do</strong> mar, <strong>de</strong> um para um.<br />
JIM<br />
Eu testemunho em teu favor!<br />
44
SILVER<br />
Contra oficiais <strong>da</strong> marinha? Mais <strong>de</strong>pressa me enforcavam por<br />
acusar gente tão fina! Não, não me parece que tenhas força<br />
suficiente para me livrar <strong>da</strong> forca. Eu não abro a boca…<br />
E não fazemos na<strong>da</strong>?!<br />
JIM<br />
SILVER<br />
Somos como <strong>do</strong>is náufragos, Jim! Qual é o nosso navio, qual é a<br />
nossa tripulação?<br />
(Desistin<strong>do</strong>:)<br />
Dá-me um gole.<br />
JIM<br />
SILVER passa a garrafinha a JIM, que bebe tu<strong>do</strong>.<br />
SILVER<br />
Podíamos ter feito tantas coisas juntos… Ah, nós nunca tivemos<br />
tempo <strong>de</strong> falar enquanto amigos, hã, Jim? A não ser agora. Ain<strong>da</strong><br />
há uma parte <strong>do</strong> tesouro na ilha, enterra<strong>do</strong>, hein, Jim? Os que<br />
<strong>de</strong>ixámos na ilha estão agora a sonhar connosco, a chamar por nós.<br />
Quinze homens na Arca <strong>do</strong> Morto<br />
Aiou-hou-hou – e uma botelha <strong>de</strong> rum<br />
JIM<br />
Já chega, Silver, a história acabou.<br />
SILVER<br />
Podíamos voltar… com esta companha <strong>do</strong> Neptuno… Parecem<br />
fixes. (Para os marinheiros:) Que dizem, companheiros?<br />
SILVER tenta beber, mas a garrafinha está vazia.<br />
45
FLIT pousa no cesto <strong>da</strong> gávea.<br />
SILVER<br />
Bebeste tu<strong>do</strong>, salafrário!<br />
FLINT<br />
Vai e trás o rum, Darby!<br />
SILVER<br />
É o Flint! Está lá em cima, no cesto <strong>da</strong> gávea! Jim!<br />
Raispartam o rapaz!<br />
Flint! Desce <strong>da</strong>í!<br />
FLIT <strong>de</strong>sce para o punho <strong>de</strong> JIM.<br />
FLINT<br />
SILVER<br />
FLINT<br />
Moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro! Moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro! Moe<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ouro!<br />
SILVER<br />
Agora sim! Flint! Cá está o Capitão Flint a predizer bom sucesso<br />
prá nossa viagem. Não ‘tavas, capitão?<br />
FLINT<br />
Fogo! Disparem a matar!<br />
SILVER<br />
Ora, este passarão tem, talvez, duzentos anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, moço —<br />
Vivem para sempre, a maior parte; e se alguém viu mais mal<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
46
que ele, só se era o diabo em pessoa. Embarcou com o England, o<br />
gran<strong>de</strong> Capitão England, o pirata. Esteve em Ma<strong>da</strong>gáscar, em<br />
Malabar, no Suriname, em Provi<strong>de</strong>nce, em Portobello. Estava lá na<br />
pescaria <strong>do</strong>s naufrágios <strong>da</strong> rota <strong>da</strong> prata. Foi lá que apren<strong>de</strong>u a<br />
dizer «barras <strong>de</strong> ouro», e não admira, eram trezentas e cinquenta<br />
mil <strong>de</strong>las, moço! Estava na abor<strong>da</strong>gem ao Vice-rei <strong>da</strong> Índia, ao<br />
largo <strong>de</strong> Goa, lá isso estava; e ao olhar para ele, parece uma<br />
criança. Mas tu cheiraste pólvora, não cheiraste, capitão?<br />
A postos para largar!<br />
FLINT<br />
SILVER<br />
Ah, é uma rica peça, lá isso é...<br />
SILVER <strong>de</strong>sfral<strong>da</strong> a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> pirata.<br />
JIM<br />
Iça a ban<strong>de</strong>ira, marinheiro! Temos mapa, temos ban<strong>de</strong>ira, temos<br />
papagaio! Contramestre Silver! E teremos rum!<br />
SILVER<br />
Sim, meu capitão! À cabine, marinheiros! Agora é corpo a corpo!<br />
Rum <strong>da</strong> Jamaica e Vinho <strong>do</strong> Porto para to<strong>do</strong>s!<br />
FIM<br />
47