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ESTRUTURAS LÚDICAS NA CRIAÇÃO DE ... - O Marrare - Uerj

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<strong>ESTRUTURAS</strong> <strong>LÚDICAS</strong> <strong>NA</strong> <strong>CRIAÇÃO</strong> <strong>DE</strong> TEXTOS TEATRAIS DO SÉCULO XX<br />

(Um estudo comparativo das peças A morta do autor brasileiro Oswald de Andrade e Animal vacío<br />

do autor galego Xesus Pisón, tendo em vista a ludicidade do texto teatral)<br />

Iremar Maciel de Brito<br />

Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ<br />

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO<br />

iremar@globo.com<br />

Estruturas lúdicas na criação de textos teatrais do século XX: Houve uma grande revolução na<br />

expressão do teatro, no início do século XX, com a descoberta do jogo, como um dos elementos<br />

determinantes de sua criação artística. O teatro começou a distanciar-se da imitação da realidade<br />

concreta, passando a buscar os caminhos do jogo, que não têm parâmetros na repetição das ações<br />

da vida. Neste trabalho procuramos analisar a estruturação desses jogos num texto brasileiro do<br />

início do século XX, “A morta”, de Oswald de Andrade, e num texto galego do final do mesmo século,<br />

“Animal vacío”, de Xesus Pisón. Pretendemos assim contextualizar e discutir alguns elementos<br />

básicos que formam a ludicidade desse tipo de teatro.<br />

Palavras-chave: Estrutura lúdica. Jogo teatral. Texto teatral.<br />

The ludic structure in the creation of the theater text in the 20 th century: In the begining of the<br />

20 th century, there was a great revolution in the performance of the theater. It was a new moment of<br />

the art, the moment of the play just like another meaning of the theater production. Now we don’t<br />

repeat the forms of current life. We do a play with her. This work examines the structure of play in “A<br />

morta”, from the brazilian written Oswald de Andrade and “Animal vacío”, from the galego Xesus<br />

Pisón. Than we want to know the bases of this kind of ludic theatre.<br />

Key-Words: Ludic structure. Play theatre. Theatre text<br />

Na época das chamadas vanguardas heróicas (Futurismo, Dadaísmo,<br />

Surrealismo, etc.), no início do século XX, o jogo passou a ser visto como um dos<br />

elementos preponderantes na criação de uma obra de arte. No teatro, expressão<br />

artística mais relacionada à vida humana, houve uma verdadeira revolução, tanto do<br />

ponto de vista da forma, quanto do pensamento. O teatro, portanto, distanciava-se<br />

de sua expressão mimética, buscando o caminho do jogo. O novo teatro se<br />

propunha-se a não mais copiar formas da vida, mas a estabelecer jogos artísticos,<br />

brincando com as formas e as ideias. Entretanto, como o jogo teatral estrutura-se a<br />

partir de uma sequência de ações, diferentes possibilidade de criação e<br />

dramatização de uma história surgiram. Entre elas podemos destacar dois grandes<br />

caminhos para a criação do roteiro do jogo teatral. Um deles imita a realidade formal<br />

da vida, enquanto o outro a transforma numa brincadeira.<br />

O primeiro caminho de criação do jogo teatral é aquele que imita a sequência<br />

lógico-temporal da vida, determinando que sempre haja uma coisa que deve vir


antes da outra, além de estabelecer também que uma coisa tem mais importância<br />

que a outra. Esse jogo é aparentemente mais lógico e fácil de ser aceito, porque tem<br />

a realidade como parâmetro. Esse jogo mimético tem suas raízes na Grécia antiga.<br />

Aristóteles, no capítulo IV da Arte poética, define a tragédia como sendo uma ação<br />

completa, realizada por personagens de um nível superior, dentro de um<br />

determinado espaço e num tempo, cuja duração não ser superior a vinte quatro<br />

horas. Assim, graças ao seu mimetismo, esse tipo de jogo apresenta-se como uma<br />

continuação da linguagem clássica do teatro. Este é o primeiro caminho do teatro ao<br />

longo do século XX.<br />

Enquanto isso, o segundo caminho é pautado no jogo. O jogo, definido por<br />

Huizinga, em “Homo ludens”, tem as seguintes características básicas: tem um<br />

espaço e um tempo definidos, alguma coisa em jogo que se pode ganhar ou perder,<br />

além de um conjunto de regras. Todos esses elementos também são básicos na<br />

criação de qualquer tipo de teatro.<br />

O mundo do jogo, entretanto, tem seus próprios objetivos e entre eles não<br />

está a obrigação de parecer ou assemelhar-se à realidade da vida. Antes, cria a sua<br />

própria vida, estabelecendo novos tempos, novos espaços e novas estruturas para a<br />

obra de arte. Assim, o jogo pode estabelecer sequências de ações dramáticas fora<br />

da lógica tradicional. Nesse tipo de sequência o jogo é inteiramente dominado pelo<br />

ludismo em si mesmo, sem parâmetro na realidade.<br />

Esse teatro lúdico é o que percebemos no texto galego Animal vacío, do final<br />

do século XX, e no brasileiro, A morta, do início do mesmo século.<br />

Neste trabalho pretendemos, portanto, comparar os jogos teatrais que<br />

estruturam a narrativa de ambos os textos, buscando sinais de aproximação ou<br />

afastamento na construção de sua linguagem.<br />

A estrutura do texto teatral<br />

Animal vacío é um texto teatral absolutamente lúdico. O jogo está presente<br />

em todos os momentos de sua narrativa teatral. Seus personagens, pouco comuns e<br />

um tanto inusitados, são Noivo, Noiva, Larva 1, Larva 2, Oficiante. Eles fazem parte<br />

de uma fábula teatral que não conta uma história com princípio, meio e fim, mas


estabelece relações lúdicas com o leitor. Sobretudo relaciona seus personagens<br />

num grande jogo, apresentando importantes momentos de sua vida, como o<br />

casamento e o suicídio. O texto, em sua alegoria da vida da sociedade humana,<br />

abre com essas palavras pouco agradáveis: ANIMAL VACÍO é un epitafio ao ser<br />

humano, un escenario de sangue e frío para un público exquisito que non poderá<br />

ficar sentado porque a vida non ten eu. (PISÓN, 2005, p. 153).<br />

A morta, por sua vez, também se afasta daqueles textos que pretendem<br />

apenas ser uma ilustração de situações da vida. Pelo contrário, leva seus<br />

personagens a jogos totalmente inesperados, mas que nos fazem pensar sobre a<br />

sociedade humana. Também joga com ela, como podemos ver em suas palavras de<br />

apresentação:<br />

O mestre de cerimônias<br />

A cena se desenvolve também na platéia. O único ser em<br />

ação viva é A Enfermeira, sentada no centro do palco em um banco<br />

metálico, demonstrando a extrema fadiga de um fim de vigília noturna. Ao<br />

fundo, arde uma lareira solitária. Está-se num cenáculo de marfim, unido,<br />

sem janelas, recebendo a luz inquieta do fogo. E em torno da Enfermeira,<br />

acham-se colocadas sobre quatro tronos altos, sem tocar o solo, Quatro<br />

Marionetes, fantasmais e mudas, que gesticulam êxorbitantemente as suas<br />

aflições, indicadas pelas. Estas partem de microfones, colocados em dois<br />

camarotes opostos no meio da platéia. No camarote da direita, estão<br />

Beatriz, despida, e A Outra, num manto de negra castidade que a recobre<br />

da cabeça aos pés. No da esquerda, O Poeta e O Hierofante,<br />

caracterizados com extrema vulgaridade. Expressam-se todos estáticos,<br />

sem um gesto e em câmara lenta, esperando que, as Marionetes a eles<br />

correspondentes, executem a mímica de suas vozes. Sobre os quatro<br />

personagens da platéia, jorram refletores no teatro escuro. É um panorama<br />

de análise. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 13)<br />

Em ambos os textos a ação dramática não se inicia imediatamente, pois sofre<br />

a interferência de uma espécie de mestre de cerimônias.<br />

Em Animal vacío, o personagem Oficiante representa esse papel, sem, no<br />

entanto, preocupar-se com qualquer tipo de lógica em sua narrativa. É isso o que<br />

podemos observar no seguinte texto:<br />

OFICIANTE - Para fuxir do Penido Vello temos que matar.<br />

No Penido Vello non hai muros nin gardas, a non ser o mar que nos<br />

circunda.<br />

O que é o Penido Vello non o sabemos, aínda que nacemos aquí,<br />

igual que nos os pais e nosos avós.


Nós propios ignoramos quen somos, estrañas criaturas con corpo<br />

de home e cabeza de animal.<br />

Uns din que fomos homes; outros, que estamos en camifio de selo.<br />

O certo é que nacemos coa ansia de sermos homes, e para logralo temos<br />

que matar. (...)<br />

Uns din que se logramos matalos, a cabeza de animal con que<br />

nacemos tórnase cabeza de home e así podemos fuxir deste inferno. Pisón,<br />

1973, p. 153).<br />

Em A morta, o personagem Hierofante tem a função de intermediar<br />

todas as relações, como se fosse um espírito pairando sobre todas as coisas. No<br />

princípio da narrativa teatral dirige-se à plateia, preparando-a para o espetáculo,<br />

como podemos ver neste texto:<br />

Episódios soltos<br />

O HIEROFANTE (Surgindo na avant-scème, senta-se sobre a<br />

caixa do panto.) - Senhoras, senhores, eu sou um pedaço de personagem,<br />

perdido no teatro. Sou a moral. Antigamente a moralidade aparecia no fim<br />

das fábulas. Hoje ela precisa se destacar no princípio, a fim de que a polícia<br />

garanta o espetáculo. E se estiole o ríctus imperdoável das galerias.<br />

Permanecerei fiel aos meus propósitos até o fim da peça. E solidário com a<br />

vossa compreensão de classe. Coisas importantes nesta farsa ficam a<br />

cargo do çenário de que fazeis parte. Estamos nas ruínas misturadas de um<br />

mundo. Os personagens não são unidos quando isolados. Em ação são<br />

coletivos. Como nos terremotos de vosso próprio domicílio ou em mais<br />

vastas penitenciárias, assistireis o indivíduo em fatias e vê-Io-eis social ou<br />

telúrico. Vossa imaginação terá de quebrar tumultos para satisfazer as<br />

exigências da bilheteria. Nosso bando precatório é esfomeado e humano<br />

como uma trupe de Shakespeare. Precisa de vossa corte. Não vos retireis<br />

das cadeiras horrorizados com a vossa autópsia. Consolai-vos em ter<br />

dentro de vós um pequeno poeta e uma grande alma! Sede alinhados e<br />

cínicos quando atingirdes o fim de vosso próprio banquete desagradável.<br />

Como os loucos, nos comoveremos por vossas controvérsias. Vamos,<br />

começai! (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 7).<br />

Uma outra característica importante de ambas as narrativas teatrais é a<br />

falta de sequência temporal dos acontecimentos. Não há relação de causa e efeito<br />

entre eles. São episódios soltos que não guardam relação ente si, com podemos ver<br />

no seguinte exemplo:<br />

(O OFICIANTE retírase. Pausa.)<br />

NOIVO - O sol e as cabezas dos mortos desvíanse para nos facer sitio.<br />

NOIVA - Hai a1gunha entrada?<br />

NOIVO - Non.<br />

NOIVA - Por que camiñiamos?<br />

NOIVO - Olla para os nosos pés.<br />

NOIVA - Están baleiros.<br />

NOIVO - As nosas pegadas conxeladas.


NOIVA - Pasos minerais que sofremos e pechamos.<br />

NOIVO - Cada vez máis vivos.<br />

NOIVA - Máis distantes.<br />

NOIVO - Alén da cidade e das augas.<br />

NOIVA - Do deserto. (PISÓN, 1973. p. 155).<br />

Esta sequência não tem continuidade na cena seguinte, em que<br />

teremos os personagens passando para momentos completamente diferentes, como<br />

acontece em A morta, no texto que se segue:<br />

Diálogos fragmentados<br />

A OUTRA - Somos um colar truncado.<br />

O POETA - Quatro lirismos ...<br />

BEATRIZ - E um só lírio doente .<br />

O POETA - No país dissociado .<br />

A OUTRA - Da existência estanque ...<br />

BEATRIZ - Não te assustes, Outral<br />

A OUTRA - Sou a imagem impassível onde ondulam tuas<br />

cargas ...<br />

BEATRIZ - Minha imagem frustrada.<br />

A OUTRA - O silêncio é necessário à nossa amizade.<br />

O POETA - Toda mudez termina no útero de amanhã.<br />

A OUTRA - Estão batendo.<br />

O POETA - Aqui não há portas.<br />

BEATRIZ - Abre aquela porta.<br />

O POETA - No meio da mágica.<br />

BEATRIZ - Nunca se sabe quem é que está batendo.<br />

A OUTRA – É perigoso abrir toda porta.<br />

O POETA - A porta dá sempre na jaula.<br />

BEATRIZ - Só o papa pode abrir.<br />

O POETA - O que haverá atrás de uma porta?<br />

A OUTRA- Abre a porta! Chi Io sá!<br />

O POETA - Pode ser a girafa, o oficial de justiça, a metralhadora, a poesia!<br />

BEATRIZ - Nunca abra. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 14).<br />

Tanto Animal vacío como A morta apresentam textos cujos diálogos não se<br />

completam. São fragmentos de fala soltos no ar, muitas vezes, como se cada<br />

personagem monologasse em presença do outro.<br />

NOIVO - Lembras a cidade?<br />

NOIVA - Non.<br />

NOIVO - O vento fainas sinais.<br />

NOIVA - Xa levou a casa.<br />

NOIVO - Si.<br />

NOIVA - E as rúas e a xente.<br />

NOIVO - Todo.<br />

NOIVA - As nosas pegadas.<br />

NOIVO - Todo.<br />

NOIVA - Por que?


NOIVO - Lembras algo?<br />

NIOIVA - Non .<br />

NOIVO - Repara na area .<br />

NOIVA - Sinto que camiñei sen acougo .<br />

NOIVO - En procura desta area. (PISÓN, 2005, p. 155).<br />

Esse mesmo tipo de jogo, que não nos dá uma visão completa dos<br />

acontecimentos, podem ser encontrados na narrativa teatral de A morta, no seguinte<br />

texto:<br />

A OUTRA - Eu me jogo seminua da minha posição social abaixo ..<br />

BEATRIZ - Entras pela janela equívoca de meu ser, poeta!<br />

O POETA - És o belo horrível!<br />

A OUTRA - Praticamente este edifício só tem forros fechados. Habitamos<br />

uma cidade sem luz direta - o teatro;<br />

O POETA - Se te atirasses do primeiro impulso não morrerias inteira.<br />

BEATRIZ - Permaneceria aleijada e bela diante de ti vendendo pedaços de<br />

meu espetáculo. (p. 14)<br />

A OUTRA - Ganharíamos dinheiro.<br />

BEATRIZ - Me arrastarias torta e bela pelas ruas como a tua musa<br />

quebrada!<br />

A OUTRA - Seria a irradiação do meu clima!<br />

O POETA - Qual dos crimes?<br />

BEATRlZ - Fui violada como uma virgem! (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 15).<br />

Jogos do texto teatral em “Animal vacio” e “A morta”<br />

Bergson, em O riso, quando se refere à criação da comicidade, fala em<br />

comicidade de palavra, de personagem e de situação. Adaptando seu pensamento à<br />

criação do jogo teatral, podemos falar em jogo de palavra, jogo de personagem e<br />

jogo de situação. Ainda pensando no grande filósofo, podemos definir o jogo de<br />

palavra, como aquele formado verbalmente, o de personagem, aquele que resulta<br />

do comportamento do indivíduo e jogo de situação, aquele em que os<br />

acontecimentos transformam-se num jogo.<br />

Jogos de palavras em Animal vacío<br />

(Entran as larvas, con ruído.)<br />

LARVA 1 - Música.<br />

LARVA 2 - Alguén baila.<br />

LARVA 1 - E Alguén aborrece.<br />

LARVA 2 - E Alguén anóxase.<br />

LARVA 1 - E Alguén pégaUe.<br />

LARVA 2 - E Alguén chora.<br />

LARVA 1 - E Alguén quere consolar a Alguén.<br />

LARVA 2 - E Alguén vaise.


LARVA 1 - E Alguén procura a Alguén e pídelle perdón. LARVA 2 - E tenen<br />

un fillo.<br />

LARVA 1 - E chámanlle Alguén.<br />

LARVA 2 - E queren ensinarlle a tocar algo e a bailar.<br />

LARVA 1 - E Alguén só aprende a caminar a a falar.<br />

LARVA 2 - E Alguén e Alguén divórcianse.<br />

LARVA 1 - E Alguén vaise polo mundo.<br />

LARVA 2 - E fala.<br />

LARVA" 1 - E cansa. (PISÓN, 2005, p. 159).<br />

Jogos de palavras em A morta:<br />

A OUTRA - Estão batendo outra vez, escutem ...<br />

O POETA - Vou abrir. Não vou.<br />

BEATRIZ - Tens medo que seja um personagem novo! O POETA - Ou de<br />

cair num país de fauna mirrada ...<br />

O HIEROFANTE - Não é preciso abrir, eu já estava aqui. BEATRIZ - É o<br />

meu professor de jiu-jitsu.<br />

A OUTRA - Deite-se porque a sua camisola é de vidro. BEATRIZ - Me ame!<br />

Por favor!<br />

O HJEROFANTE - Faze-te gostar por um velho com dinheiro ... O POETA -<br />

Este quarto está incrustado de febres.<br />

BEATRlZ - Eu sou uma grande flor no leito de um açude ... O<br />

HJEROFANTE - Bon giorno!<br />

BEATRIZ - Me ame por caridade!<br />

OHJEROFANTE - Onde estamos, em que capítulo?<br />

O POETA - Hospital? Ovulo? Teia de aranha?<br />

BEATRIZ - Navegamos num rio presol<br />

A OUTRA - Tenho medo de ser um cadáver em vez de dois<br />

seres vivos!<br />

O HlEROFANTE - Forneço a consciência dos incuráveis.<br />

O POETA - A volta ao trauma ... (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 15).<br />

Jogos de personagem em Animal vacío:<br />

NOIVO - Parou o vento.<br />

NOIVA - Igual que as sombras.<br />

NOIVO- Si.<br />

NOIVA - O chan tórnase negro.<br />

NOIVO - É o regreso do sol.<br />

NOIVA - Ti velo?<br />

NOIVO - O sol volta para cortar as nosas cabezas.<br />

NOIVA - Mina nai contoume ese recordo.<br />

NOIVO - Por fin.<br />

NOIVA - Vou parir o noso fillo (p. 158)<br />

Soa o móbil do Noivo.<br />

NOIVO - Si?<br />

NOIVA- Si.<br />

NOIVO - Diga.<br />

NOIVA - Vou parir o noso fillo.<br />

NOIVO - Diga.<br />

NOIVA - Vou parir o noso fillo. Vou parir o noso fillo.<br />

(O NOIVO sae. Ela vai atrás deI.) (PISÓN, 2005, p. 158).


Jogos de personagem em A morta:<br />

A ENFERMEIRA SONÂMBULA (Levanta-se devagar ao fundo.) -<br />

Madre, na calada de uma noite de enfermagem, esgano a doente que me<br />

confiaste. (Senta-se.)<br />

BEATRlZ (Soluçando.) - Ai! concede-me o último beijo! Ai! Não quero morrer<br />

sem o último beijo!<br />

A OUTRA - Não admito que faça isto de barulho! Morra como Napoleão.<br />

BEATRIZ - Querem transformar o mundo!<br />

A OUTRA - Através de absurdas catástrofes ...<br />

O POETA - As classes possuidoras expulsaram-me da ação. Minha<br />

subversão habitou as Torres de marfim que se transformaram em antenas<br />

...<br />

O HIEROFANTE - É a rec1assificação ...<br />

BEATRIZ - No Último beijo direi que preciso de ti.<br />

O POETA - O meu ânimo se torna o ânimo de um condenado à morte ... a<br />

febre cai com a primeira meia tinta fria da noite. Dou por encerrada a nossa<br />

vida amarga e tumul¬tuária. Mas sinto as reações térmicas da insônia. Q<br />

delírio de novo crepita nos meus membros nervosos!<br />

A OUTRA - Onde não há plano, não há sanção.<br />

O POETA - Há sempre dois planos e um espetáculo. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p.<br />

15).<br />

Jogos de situação em Animal vacío:<br />

LARVA 1 - E Alguén anóxase porque é papá.<br />

LARVA 2 - E Alguén vaise confesar.<br />

LARVA 1 - E o médico dille algo de Alguén e de Alguén.<br />

LARVA 1 - E a Alguén non lle importa porque está bébedo. LARVA 2 - E<br />

Alguén bótao do bar porque está bébedo. LARVA 1 - E Alguén maldí a<br />

Alguén e a Alguén.<br />

LARVA 2 - E acorda nun sitio onde o coidan.<br />

LARVA 1 - E cóidano tanto que Alguén foxe.<br />

LARVA 2 - E encóntrano noutro sitio cunha pistola no peto. LARVA 1 - E<br />

cando sae do cárcere vai ver unha de tiros.<br />

LARVA 2 - E sofia que é o mao e cando está a piques de matar a Alguén e<br />

a Alguén Alguén mátao.<br />

LARVA 1 - E cando remata a película Alguén chama a Alguén e retiran o<br />

cadáver.<br />

Pausa . (PISÓN, 2005, p. 161).<br />

Jogos de situação em A morta:<br />

BEATRIZ - Sinto a voragem ... a voragem que vai esfriando a gente antes<br />

de cair.<br />

O POETA - Oh! inflexível? oh! absoluta! Desmoronas na ação!<br />

A OUTRA - Que vês, poeta?<br />

O POETA - Há uma fresta na tua imagem. Uma fresta. Está aberta a porta<br />

do teu quarto tenebroso! Mas não há ninguém dentro dele.<br />

BEATRIZ - Há o homem, o ciúme e a ameaça permanente da vida ...<br />

A OUTRA - Há, um grande sádico, um sacerdote no circo. , . No plenário do<br />

circo ... Quero denunciar! quero! Que sexualidade crescente! Aquele


aparelho um prolongamento do corpo dele. A sua cara de orgasmo!<br />

Fundemos um tribunal. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 16).<br />

Jogos de situação em Animal vacío:<br />

NOIVO - Ela acende un cigarro.<br />

NOIVA - EI vólvese.<br />

NOIVO - Ela expulsa o fume contra o espello.<br />

NOIVA - EI percorre o cuarto coa vista.<br />

NOIVO - Ela estúdase no espello.<br />

NOIVA - EI pilla un libra.<br />

NOIVO - Ela tira as pestanas postizas.<br />

NOIVA - EI acaricia o libra.<br />

NOIVO - Ela observa as olleiras.<br />

NOIVA - EI pousa o libra.<br />

NOIVO - Ela desmaquíllase.<br />

NOIVA - EI pilla unha figura de porcelana.<br />

NOIVO - Ela comproba a flaccidez da peI.<br />

NOIVA - EI acaricia a figura.<br />

NOIVO - Ela apaga o cigarro.<br />

NOIVA - EI pousa a figura.<br />

NOIVO - Ela desfai o peiteado.<br />

NOIVA - EI camifia.<br />

NOIVO - Ela cepilla o cabelo.<br />

NOIVA - EI pilla unha caixa de música.<br />

NOIVO - Ela suspira.<br />

NOIVA - EI abre a caixa. (pisón, 2005, p. 162).<br />

Jogos de situação em A morta:<br />

A OUTRA - Eu sou a perspectiva.<br />

BEATRIZ - Não ouço nada ... senão os meus gritos, um atropelo<br />

e o silêncio ...<br />

O POETA,..... Paz a teu corpo!<br />

A ENFERMEIRA - Quem a tratará?<br />

O HIEROFANTE - Quando a morte resvala por nós, a vida torna-se<br />

gralndiosa.<br />

BEATRIZ - Somos almas!<br />

O POETA - Ninguém, como eu, tem a compreensão absoluta da destruição.<br />

Cansada e vigilante ela espreita o homem.<br />

BEATRIZ - Existo para o bem e para o mal..<br />

O POETA - Respiraste o cheiro perigoso da liberdade. BEATRIZ - Venho de<br />

terras simples.<br />

A OUTRA - Essa incapacidade de se mortificar ...<br />

BEATRIZ - Por que nasci? Me digam? Me expliquem? Não queria nascer.<br />

Sou um pobre sexo amputado do seu tronco econômico ... Nunca pensei<br />

que a vida fosse resistência. Ou me mato ou me isolo na parede de um<br />

bordeI. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 17).<br />

Jogos de situação em Animal vacío:


NOIVA - EI pilla o vestido de Ela.<br />

NOIVO - Ela tira un frasco de pastillas.<br />

NOIVA - EI acaricia o vestido.<br />

NOIVO - Ela mete un somnífero na boca.<br />

NOIVA - EI pousa o vestido.<br />

NOIVO - Ela bebe.<br />

NOIVA - EI toca a pel de Ela.<br />

NOIVO - Ela inxire outro somnífero.<br />

NOIVA - EI morre.<br />

NOIVO - Ela inxire todos os somníferos. Pausa. (PISÓN, 2005, p. 163)<br />

Jogos de situação em A morta:<br />

O HIEROFANTE - As conjurações. As óperas. As hipnoses.<br />

A OUTRA - Amaldiçoada natureza!<br />

BEATRIZ - Amaldiçoada hora que me criou! Tu, poeta, não passas de um<br />

ser vivo. Devíamos ter juntos uma bela coragem.<br />

O HIEROFANTE - Qual?<br />

BEATRIZ - Nos amarmos num necrotério lavado.<br />

O POETA - Meu coração não sente ainda a força atrativa da morte ...<br />

A OUTRA - Foste tu poeta que preparaste para Beatriz os caminhos<br />

evasivos da liberdade.<br />

BEATRIZ - Eu queria saber se era para outro humano a Inspiração ...<br />

O POETA - Desmanchaste meu sonho infantil. (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p. 17).<br />

Jogos de situação em Animal vacío:<br />

(As Larvas mudaron os seus vestidos por outros de, respectivamente, home<br />

e muller.)<br />

LARVA 2 - Desde que saín do hospital teno medo.<br />

LARVA 1- Ti estiveches no hospital?<br />

LARVA 2 - Foi alí onde nos conecemos, non te lembras?<br />

LARVA 1 - Non.<br />

LARVA 2 - Na hora do paseo iamos facer o amor detrás do mirto.<br />

LARVA 1 - Non lembro nada.<br />

LARVA 2 - Pasaron dous anos. Un día ti fuxiches, convertido en bolboreta.<br />

LARVA 1 - Unha das enfermeiras dicía que de sofreres moito convertíaste<br />

nun animal.<br />

LARVA 2 - Unha bolboreta non é un animal. ((PISÓN, 2005, p. 164).<br />

Jogos de situação em A morta:<br />

HIEROFANTE - O país oficial de Freud ...<br />

O POETA - Não haverá progresso humano, enquanto houver a frente única<br />

sexual.<br />

BEATRIZ -i- Nunca a tua febre amorosa deixou o meu corpo, Poeta!<br />

O POETA - Porque me retempero no teu útero materno. BEATRIZ - Tenho<br />

medo.<br />

O POETA - No mundo sem classes o animal humano progredirá<br />

sem medo.<br />

A ENFERMEIRA - Sabes o que é medo?


O HIEROFANTE - É o sentimento inaugural.<br />

O POETA - É o sentimento de insegurança do feto na vida aquosa da<br />

geração.<br />

A OUTRA - Vi uma luz.<br />

O POETA – É a lua sobre o mar inexistente que nos rodeia. BEATRIZ -<br />

Estou obscura como uma idéia religiosa. (Andrade, 1973, p. 20).<br />

Jogos de situação em Animal vacío:<br />

LARVA 1 - Eu non podo evitalo.<br />

LARVA 2 - Ti ámasme.<br />

LARVA 1 - Antes da noite serás unha mazá.<br />

LARVA 2 - E despois?<br />

LARVA 1 - Iremos cada un polo seu camino.<br />

LARVA 2 - Eu non quero ser unha mazá.<br />

LARVA 1 - Ninguén quere ser nada.<br />

LARVA 2 - Eu quero ser unha bolboreta.<br />

LARVA 1 - Para iso cómpre sofrer máis.<br />

LARVA 2 - Faime sofrer ti.<br />

LARVA 1 - Eu son unha bolboreta, non un home.<br />

LARVA 2 - Non me tortures.<br />

LARVA 1 - Non me ames.<br />

LARVA 2 - Posme medo.<br />

LARVA 1 - Cando chegue a noite xa non haberá medo.<br />

LARVA 2 - Nin amor,<br />

LARVA 1 - Nada.<br />

LARVA 2 - É horríbeI.<br />

LARVA 1 - Por iso temos que separamos.<br />

LARVA 2 - Non me deixes.<br />

LARVA 1 - Sóprame nas ás para que o vento me leve lonxe.<br />

LARVA 2 - Leva ti a mina peI. (PISÓN, 2005, p. 165).<br />

Jogos de situação em A morta:<br />

O POETA - És a noite; Carrego nos meus ombros o teu desequilíbrio<br />

glandular.<br />

A OUTRA - A cegueira mora em tua histerial<br />

BEATRIZ - Horror! horror! Resolve a minha questão econômica antes que<br />

eu morra em plena mocidade!<br />

A OUITRA - Alguém entrou? Censurarei quem for...<br />

O HIEROFANTE - Pela porta que não existe.<br />

A ENFERMEIRA SONÂMBULA (Levantando-se.) ... É a hora métrica.<br />

BEATRIZ - Mereço todas as coisas lindas da vida ... As coisas lindas da<br />

morte.<br />

O HIEROFANTE - No plano da sociedade esquizofrênica.<br />

O POETA - Toda a minha produção há de ser protesto e embelezamento<br />

enquanto não puder despejar sobre as brutalidades coletivas a potência dos<br />

meus sonhos!<br />

A OUTRA - Emparedado! Criaste uma grande doença! (ANDRA<strong>DE</strong>, 1973, p.<br />

20).<br />

Para finalizar, apenas dois textos conclusivos de cada uma das obras:


Animal vacío:<br />

A morta:<br />

OFICIANTE - Animal vacío foi asasinado polo amor, que el propio creara<br />

para non estar só. Tempo andado, estando o amor a brincar, cavou un<br />

furado na terra e meteuse nel. A terra ficou prenada e pariu a primeira<br />

criatura visíbel. Por iso tivo que procurarlle un nome, e foi Uranos, que<br />

significa O Recordo. Os anos pasaron e Uranos non daba esquecido o<br />

crime do pai, que o fixera visíbel entre os deuses. Conque unha noite foi ao<br />

seu cuarto e cortoulle a cabeza. Despois arrastrou o cadáver para fóra e<br />

deitouse coa nai. Ela deulle moitos fillos, mais Uranos retínaos no ventre da<br />

muller, sen lles deixar ver a luz, por medo a que o matasen, igual que fixera<br />

el co seu proxenitor. Un deses fillos, chamado Cronos, agardou unha noite a<br />

que o pai vinese copular coa nai e cor¬toulle os xenitais cunha fouce. Xa<br />

libre, Cronos casou con Rea, a irmá, que pariu numerosos fillos. Con todo, o<br />

pai comíaos ao naceren, pois Uranos, antes de morrer profeti¬záralle que el<br />

tamén sería morto por un fillo. E así aconte¬ceu. Cando pariu a Zeus, Rea<br />

envolveu unha pedra cun lenzo, deulla a comer a Cronos e despois<br />

agachou o neno nunha cova. Ao medrar, Zeus foi en procura do pai e<br />

sepul¬touno no inferno. De alí a un tempo presentouse na casa Prometeo,<br />

que fora desherdado por Zeus, matou o pai dos deuses e inventou os<br />

homes. O primeiro deles foi Edipo, que matou o pai e se deitou coa nai. O<br />

segundo foi Hamlet, que sonou a morte do pai e foi copular coa nai no<br />

inferno. O derradeiro foi o orfo Ahab, que afundiu na mina cabeza abrazado<br />

ao Animal. (PISÓN, 2005, p. 167).<br />

POETA - Que diz agora o teu coração? Para justificar-te! BEATRIZ - Vive do<br />

medo de te ter perdido!<br />

POETA - Quebraste o elo.<br />

BEATRIZ - Não poderei fazer nada sem ti, sem o teu calor, a tua adoração.<br />

POETA - Quebraste a porta fechada ...<br />

HIEROFANTE - Complexo de que faço a máscara.<br />

POETA - E eu a ruptura ...<br />

HIEROFANTE - Darei sempre a visão oficial.<br />

POETA - Enquanto eu bradar o canto noturno do emparedado. Um canto<br />

desconexo. Interior como o sangue. As contaminações cortadas com a vida!<br />

BEATRIZ (Chorando.) - Desfiguraste-me sob as tintas efusivas do amor.<br />

POETA - Fizeram-me abandonar a Ágora para viver sobre mim mesmo de<br />

mil recursos improdutivos. Eu quero voltar à Ágora.<br />

O HIEROFANTE - A realidade molesta os humanos. (Andrade, 1973, p.<br />

22).<br />

Esta pesquisa nos mostrou que o jogo presente no teatro do início do século<br />

XX no Brasil continua vivo nos dias atuais, transformando-se numa das grandes<br />

bases da criação teatral na atualidade. Assim pudemos ver que A morta e Animal<br />

vacío discutem a sociedade humana pelo caminho do jogo, revelando alguns<br />

caminhos da criação lúdica da arte teatral.


REFERÊNCIAS<br />

ANDRA<strong>DE</strong>, Oswald. A morta. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1973.<br />

ARISTÓTELES. Arte poética. Tradução Antônio Pinto de Carvalho.Rio de Janeiro, Edições<br />

de Ouro. Faltam dados: data, local, editora.<br />

BERGSON, Henry. O riso. 2 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1983. Faltam dados: data, local,<br />

editora.<br />

HUIZINGA. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1996.<br />

PISÓN, Xesus. “Animal vacio”. In Noite invadidada. A Coruña: Ed. Biblioteca Arquivo teatral<br />

Francisco Pillado Mayor, 2005.<br />

Iremar Maciel de Brito<br />

Doutor em Letras/Literatura Comparada. UFF/1999<br />

Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras/UERJ<br />

Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas/UNIRIO

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