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"Venha meu filho. Como estava chovendo vim no meu<br />
carro buscá-lo. Já passa das dez horas".<br />
O rapaz olhou encabulado <strong>para</strong> a mãe e <strong>para</strong> seus amigos. Meio<br />
desajeitado, nem sequer tentou resistir: olhou ao redor sem<br />
encarar os seus colegas e disse um "bem, acho que vou saindo..."<br />
e depois, quase à porta: "bem, boa noite"; encolheu-se dentro do<br />
grande carro negro reluzente que o esperava à saida, debaixo dos<br />
olhares cruzados de todos.<br />
Os comentários ficaram na penalizada troca de olhares dos que<br />
assistiram à cena, já tão repetida, um como "que fazer"? diante da respeitável dama que teima<br />
em tratar um rapaz de 22 anos como se fora uma criança. Mas alguém apreensivo com o destino<br />
do amigo tiranizado, pouco depois, chegou a me dezer: "Aquele que saiu é meu colega desde a<br />
escola primária. Nunca comprou uma camisa, nem escolheu uma roupa. A mãe o leva e o vai<br />
buscar a qualquer festa, a qualquer lugar ou a qualquer parte. Se ela está presente e alguém lhe<br />
oferece um sorvete ou uma bebida, ele não é capaz de dizer sim ou não sem antes buscar ansioso<br />
um olhar aprovador ou desaprovador da sua mãe. Tenho pensado muito no que será dele quando<br />
ela se ausentar. E, entretanto, uma grande responsabilidade o espera: ele terá que dirigir, um dia,<br />
uma grande empresa. É um ótimo rapaz, mas como se arranjará se nem sequer aprendeu a dirigir<br />
a si mesmo?"<br />
E continuou: "Acho que um invisível cordão umbilical ainda o liga intimamente à sua genitora.<br />
Mesmo na sua ausência parece ser comandado pela "central" materna a distância. Todos sentem<br />
isso e um amigo comum, mordaz e irreverente, chegou a sugerir, numa com<strong>para</strong>ção de péssimo<br />
gosto, que <strong>aqui</strong>lo parecia uma "Mamãe-Patrulha", explicando: "é que a mãe o escolta, o protege e<br />
o guia". Ninguém achou graça e todos nós, que o estimamos, sentimos maior ainda a amargura<br />
dessa vida cingida à saia materna".<br />
O desabafo me fez deter a atenção naquele grupo. Todos eram rapazes bem-nascidos e bem-<br />
criados. Nenhum deles pertencente ao clã dos "bons moços" arruaceiros ou dos grã-finos acaba<br />
festas coisa tão comum na classe média alta hoje em dia.<br />
Nenhum deles tinha bebido demais, nem o lugar era "impróprio": comemorava-se com<br />
refrigerantes e sucos o aniversário dum jovem químico de 23 anos, recém-graduado, na casa da<br />
sua própria família, tudo na mais perfeita ordem.<br />
Mas como em qualquer parte um relógio já tinha batido dez horas e estava chovendo, uma mãe<br />
muito extremosa cuidou que o seu filhinho de 22 anos (um metro e oitenta de altura e 90 quilos<br />
de peso) poderia perder-se ou molhar a sola dos sapatos ou, quem sabe, (na melhor das<br />
hipóteses) contrair... um resfriado? Não era possível expor assim o frágil donzelo à insídia daquela<br />
noite marcada por chuviscos enervantes, ruas empoçadas, céu sem estrelas.
************<br />
Meu jovem amigo, a sua apreciação sobre o futuro do seu colega é deveras preocupante. Receio,<br />
com você, que se ele tiver um dia de se pôr à frente de qualquer organização e lhe faltar a<br />
assistência materna... "poderá até morrer de sede se alguém não lhe disser que pode beber água"<br />
(não, não penso que chegue a tanto...)"<br />
"Que fazer?"<br />
Bem, creio que o pior já foi feito. Ele está tão "trabalhado" pelo exclusivismo materno que<br />
difícilmente se recuperará. Morta a sua mãe, ele, por um mecanismo psicológigo demasiado<br />
conhecido, procurará substituí-la ansiosamente, casando-se com uma mulher de temperamento<br />
igualmente autoritário que, governando-o nos menores gestos, lhe fará voltar à calma e única<br />
forma de vida que conhece: a vida dirigida pela mulher-mãe, que será, então, a esposa-mãe.<br />
Jamais será chefe de qualquer coisa, nem mesmo da sua própria família, pois casando será<br />
apenas uma espécie de "príncipe-consorte", e por favor não faça trocadilho, você aí.<br />
"Não poderia o senhor dizer alguma coisa coisa a esse respeito, à mãe do rapaz, sim?"<br />
Temo que ela não pudesse compreender mas, mesmo que entendesse, ela própria, a esta altura,<br />
teria grandes dificuldades <strong>para</strong> modificar-se. Quanto ao filho, o seu estilo de vida já o selou com<br />
endereço registrado. É um caso difícil.<br />
A sua mãe o criou "<strong>para</strong> si" e não <strong>para</strong> a sociedade. O belo rapaz foi reduzido à condição de<br />
simples autômato, manobrado pelo seu capricho hoje, amanhã por um sub-rogado materno, por<br />
uma "substituta" da mãe, pelo "poder" materno projetado noutra mulher que lhe suceder. Em<br />
tempo algum lhe foi permitido tomar qualquer iniciativa. Não lhe concederam, sequer, uma<br />
oportunidade de decidir por si mesmo.<br />
Nunca lhe ensinaram a guiar-se, nem a saber escolher, nem mesmo o consultaram quando<br />
decidiram a sua futura carreira.<br />
Creio, meu amigo, que o seu colega e a sua excelentíssima mãe sejam casos sem jeito. Ensinar à<br />
ela, aos quase cinqüenta anos, como educar os filhos, pouco lhe poderá aproveitar. Ensinar a ele,<br />
aos vinte e dois, o que lhe deveria ser ensinado desde os quatro anos de idade, será pesado<br />
encargo.<br />
Mas se esta nossa conversa fosse escutada por uma jovem mãe com tendências semelhantes,<br />
bem, neste caso, quem sabe se as nossas palavras não lhe fariam meditar sobre as funestas<br />
consequências desse "mãezismo" férreo e emasculante?<br />
Sim, quem sabe...?